As veias negras do Brasil

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As veias negras do Brasil:conexões brasileiras com a África

Lourdes Conde FeitosaPedro Paulo Funari

Terezinha Santarosa Zanlochi(Organizadores)

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V426As veias negras do Brasil: conexões brasileiras com a África / organizado por Lourdes Conde Feitosa, Pedro Paulo Funari, Terezinha Santarosa Zanlochi. -- Bauru, SP : Edusc, 2012.340 p. : il. ; 23 cm – (Coleção Syllabus)

Possui referências.ISBN 978-85-7460-397-1

1. África. 2. Brasil. 3. Conexão. 4. Diversidade 5. ReZexão. I. Título. II. Feitosa, Lourdes Conde. III. Funari, Pedro Paulo. IV. Zanlochi, Terezinha Santarosa.

CDD960

SUMÁRIO

7 Apresentação

9 Introdução

17 Capítulo 1 A representação dos negros nos livros didáticos de História da

Educação de Jovens e Adultos – EJA (PNLD 2011) Glaydson José da Silva e Karoline Carula

Capítulo 2 45 Em torno de Áfricas no Brasil: bibliograWas, políticas públicas e

formas de ensino de História Flávio dos Santos Gomes e Wilson Roberto de Mattos

Capítulo 3 79 Aspectos históricos e antropológicos da institucionalização do

sistema de cotas para afrodescendentes Silvio Motta Maximino

Capítulo 4 101 Contribuições femininas: sentidos e práticas sociais Márcia Estefânia da Costa Berbare Moreira

Capítulo 5 117 Ensino de história e conceitos: aprendizagem signiWcativa e cultura

afro-brasileira Nair Leite Ribeiro Nassarala

Capítulo 6 137 O que este hindu está fazendo ali? História e antropologia da

reprodução da família hindu no sudeste africano Marta Jardim

Capítulo 7 167 InAuência africana na Língua Portuguesa do Brasil Léa Sílvia Braga de Castro Sá

Capítulo 8 191 Morte e amor no epistolário de Machado: sensibilidade e Kdelidade Glória Maria Palma

Capítulo 9 209 Descolonização na África portuguesa: a luta de libertação na

Guiné-Bissau Roger Marcelo Martins Gomes e Bernardina dos Santos Sami

Capítulo 10 233 Palmares como campo de batalha: o apagamento das “mulheres” na

historiograKa sobre o Quilombo Palmarista Aline Vieira de Carvalho

Capítulo 11 263 Racismo cientíKco e os projetos políticos de nação brasileira Carlos Augusto de Miranda e Martins

Capítulo 12 285 Modernidade e escravidão: raça e vida nua Juliana de Souza e Camila Pierobon Moreira Robottom Capítulo 13 309 O Egito Antigo: uma civilização africana Raquel dos Santos Funari

Capítulo 14 319 Septímio Severo: um africano no comando de Roma Cláudio Umpierre Carlan

333 Sobre os autores

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INTRODUÇÃO

Mesmo que, até agora, nesse início do século XXI, ainda estejamos procurando os melhores meios para dar concretude ao valor da

igualdade, é ele que nos anima quando pensamos sobre a sociedade brasileira que queremos.

Ana Tereza Venancio

O ano de 2011 foi de2nido pela Organização das Nações Unidas

como o Ano Internacional do afrodescendente. Momento de especial

re;exão e visibilidade a respeito da África e do afrodescendente, resulta

de um conjunto de re;exões que vêm acontecendo desde as últimas

décadas do século 20, estimulado pelo processo de descolonização do

continente africano e por um forte questionamento a uma história alheia

às manifestações dos grupos considerados, até então, periféricos, como a

história dos negros, das mulheres, dos trabalhadores, das crianças, dentre

diversas outras.

Avanços foram dados com a reelaboração do signi2cado de

cultura, já não mais limitada às expressões das elites masculinas e brancas

do ocidente, mas como resultado do papel ativo de todos os seres humanos

nas inúmeras experiências de organização cultural, política e econômica

(FUNARI, 1989, p. 13; BARROS et al., 2011, p. 20).

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As veias negras do Brasil

Esse olhar para o diverso tem tornado imperiosa a escrita de uma

“nova história”, que permita vislumbrar outras práticas e experiências

estabelecidas no interior das relações sociais, apresentada não apenas pelo

olhar de grupos privilegiados ou pelo viés das estruturas econômicas e

políticas, mas também por meio das sensibilidades, articulações e con9itos

vivenciados entre os muitos agentes sociais.

Nos dias atuais, já é possível encontrar uma ampla bibliogra=a

que historiciza e problematiza a situação da África, dos africanos e dos

afrodescendentes presentes em diversas regiões do planeta, publicada a

partir de perspectivas e olhares variados, mas ainda muitos são os desa=os

para superar as diferenças estabelecidas pela cor da pele, pelo gênero e pelo

preconceito, no Brasil e no estrangeiro. Os estudos da diáspora africana têm

se dedicado à riqueza cultural que a presença de oriundos do continente

berço da humanidade tem contribuído a produzir, nos diversos lugares do

mundo, em particular nas Américas.

Nesse sentido, a proposta desse livro é a de evidenciar as veias

negras do Brasil tanto no que se refere aos aspectos do universo africano

e de seu rico e diverso legado cultural presente na composição cultural

brasileira, muitas vezes não perceptível, mas vivenciado e internalizado

em nossas tradições, língua e história, como em apresentar re9exões sobre

temas relacionados à situação do afrodescendente no Brasil, bene=ciárias

de discussões e de novos posicionamentos e ações.

O presente volume congrega estudiosos brasileiros atuantes em

diferentes áreas, da História à Antropologia, passando pela Filoso=a,

Arqueologia, Filologia e pelos Estudos Literários, de modo a incentivar

re9exões transdisciplinares. Não se buscou qualquer homogeneidade

metodológica, mas retratar a variedade de temas e abordagens desenvolvidas

e analisadas pelos estudiosos.

As diferentes perspectivas apresentadas na obra colocam-se com

um espaço profícuo de percepção e análise da complexa e profunda relação

entre Brasil e África, estabelecida nos últimos cinco séculos. E mais,

evidenciam como homens e mulheres, a partir de seus valores, conceitos,

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Lourdes Conde Feitosa, Pedro Paulo Funari, Terezinha Santarosa Zanlochi (orgs.)

visões e lugares sociais, formulam múltiplos vínculos, comportamentos,

atitudes e embates em suas relações sociais, o que possibilita vislumbrar

complexas e heterogêneas experiências humanas, do passado e atuais.

A disposição dos capítulos procurou seguir linhas temáticas que os

aproxima. Assim, os três primeiros textos tratam de diretrizes educacionais,

políticas públicas e de cotas.

Glaydson José da Silva e Karoline Carula, em A representação dos

negros nos livros didáticos de História da Educação de Jovens e Adultos – EJA

(PNLD 2011), analisam as representações textuais e iconográ=cas dos negros

em coleções de livros didáticos de História para o Ensino Fundamental II

da Educação de Jovens e Adultos – EJA, estabelecendo um diálogo entre as

diretrizes educacionais e a historiogra=a brasileira a respeito do tema.

Em torno de Áfricas no Brasil: bibliograGas, políticas públicas e formas

de ensino de história, os autores Flávio Gomes e Wilson Mattos traçam

um paralelo entre os parâmetros curriculares, a formação de professores

e a atualização do ensino de história da África no Brasil. Questões como

“Quais as agendas e os debates sobre a história da África e dos africanos no

Brasil?”, “Quais os projetos que envolvem as reOexões a respeito?” suscitam

relações entre os parâmetros curriculares, legislação e políticas públicas no

campo do ensino, analisadas no texto.

Silvio Motta Maximino, por sua vez, discute os Aspectos

históricos e antropológicos da institucionalização do sistema de cotas para

afrodescendentes e destaca como o sistema de cotas apresenta-se como uma

alternativa para atenuar as desigualdades de grupos ainda marginalizados

na sociedade brasileira, uma vez que a desigualdade socioeconômica no

Brasil é identi=cada como uma das principais geradoras de exclusão social e

a discriminação racial como um fator agravante dessa mesma desigualdade.

Os dois capítulos seguintes estão centrados na análise de como a

educação coloca-se como importante via de reOexão sobre as desigualdades

étnicas e de construção do respeito à diversidade.

Em Mulheres afrodescendentes: no processo de desconstrução do

preconceito étnico, Márcia Estefânia da Costa Berbare Moreira discute a

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As veias negras do Brasil

questão do preconceito étnico, historicamente construído e enraizado na

sociedade brasileira em relação às comunidades afrodescendentes. Focaliza

a participação de mulheres negras em movimentos sociais brasileiros,

em diferentes períodos da História do Brasil, revisitando obras literárias,

sociais e políticas e as ações realizadas por elas que, com frequência, foram

e são omitidas na literatura nacional.

Já Nair Leite Ribeiro Nassarala, em Ensino de História e conceitos:

aprendizagem signi-cativa e cultura afro-brasileira, enfatiza uma prática de

ensino que busca, em sala de aula, integrar os diferentes grupos étnicos

brasileiros, tendo como principal objetivo re?etir sobre possibilidades de

superação das discriminações étnicas existentes em nossa sociedade, em

particular no trato da temática afro-brasileira.

As conexões culturais e as novas produções suscitadas dessa

interação são discutidas nos três capítulos que se seguem.

Em O que este hindu está fazendo ali? História e Antropologia da

reprodução da família hindu no sudeste africano, Marta Jardim problematiza

a aparente aceitação de que o estudo da história da África no Brasil seja

restrito às conexões do Atlântico, que uniram o leste africano ao oeste

americano. Por meio da história da migração de famílias hindus para o

sudeste africano, a autora evidencia a sua conexão com a própria história

do Brasil e as contribuições culturais aqui advindas, via África, também de

populações da costa índica.

No texto In;uência africana na Língua Portuguesa do Brasil,

Léa Sílvia Braga de Castro Sá analisa como a composição do português

brasileiro é herdeiro de três grandes famílias linguísticas, a Indo-Europeia,

a Tupi e a Níger-Congo, e destaca as in?uências linguísticas dos negros

na formação da língua portuguesa no Brasil, ainda raramente estudadas.

Enfatiza como os diversos falares no Brasil resultam da interação e das

resistências suscitadas no intercâmbio e no domínio de alguns grupos

sobre outros no interior da sociedade brasileira.

Glória Palma escreve Morte e Amor no Epistolado de Machado:

sensibilidade e -delidade e nos insere nos sentidos sobre o amor e a morte,

presentes nas cartas do consagrado escritor mulato Machado de Assis. Nas

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Lourdes Conde Feitosa, Pedro Paulo Funari, Terezinha Santarosa Zanlochi (orgs.)

missivas, enfatiza a autora, encontra-se o Machado não menos re.exivo e

lúcido, mas bem mais humano e comprometido com seu tempo, sua obra,

seus amigos, seus afetos. Discreto, gentil e fraterno diante dos sentimentos,

do amor e das dores pessoais e alheias, a re.exão sobre Machado é um

convite à meditação sobre essas questões nesse início de século 21.

Os quatro capítulos seguintes tratam das disputas políticas e dos

con.itos presentes tanto no processo de descolonização africano quanto na

construção da memória sobre o passado brasileiro.

Roger Marcelo Martins Gomes e Bernardina dos Santos Sami, em

Descolonização na África Portuguesa: a luta de libertação na Guiné-Bissau,

discutem o processo de independência da Guiné-Bissau no contexto de

descolonização africana e os desaCos ainda a serem enfrentados pelo novo

país. Realçam a especiCcidade da luta guineense e a importância da literatura

local como possibilidade real de valorização cultural e de construção de um

país possível a toda a população.

Em Palmares como campo de batalha: o apagamento das “mulheres”

na historiogra@a sobre o Quilombo Palmarista, Aline V. de Carvalho

dedica-se a entender como historiadores, sociólogos, antropólogos,

literatos, médicos e advogados, inseridos em contextos históricos bastante

especíCcos, leram Palmares como exemplo tangível e alternativo para a

vida em sociedade e como as mulheres aparecem nestas narrativas. Destaca

como as atuais re.exões de gênero são importantes para (re)signiCcar as

memórias construídas sobre as relações sociais nesse espaço.

Carlos Augusto de Miranda e Martins discute A ideologia do

branqueamento e a funcionalidade política do racismo, no qual examina

de que maneira se introduziu o ideário racialista europeu no pensamento

brasileiro. Analisa o modo como essa ideologia importada alicerçou os

projetos políticos de nação elaborados pelas elites nacionais oitocentistas,

que tinham o propósito de cercear (ou apagar, em certos casos) a

participação do negro na sociedade brasileira.

No capítulo Modernidade e Escravidão. Raça e Vida Nua, as autoras

Juliana de Souza e Camila Pierobon lançam uma provocação para pensar

a escravidão negra colonial na gênese do mundo moderno. Abordam o

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As veias negras do Brasil

problema da exclusão da escravidão em algumas das importantes narrativas

contemporâneas euroamericanas, que direcionam suas re.exões sobre os

problemas da modernidade, indicação essa que demanda um desa1o que

requer um cuidado especial, pois implica em decisões teóricas que devem

ser balizadas por uma atitude crítica sobre essas análises.

Os dois capítulos 1nais apresentam leituras modernas sobre

o mundo antigo e destacam como a Antiguidade é frequentemente

ressigni1cada a partir dos interesses do presente.

Em O Egito Antigo: uma civilização africana, Raquel dos Santos

Funari trata do caráter africano da civilização egípcia e a importância

das tradições africanas no Brasil. Apresenta, de forma introdutória, a

trajetória histórica do Egito e analisa alguns aspectos culturais do Egito

africano relevantes para o contexto brasileiro. Enfatiza como os brasileiros

reconhecem na África parte importante de suas origens étnicas, mas

também culturais, para além da dimensão genética.

Cláudio Umpierre Carlan, em Septimo Severo: um africano no

comando de Roma, analisa a visão da África para as potências europeias

do século 19 e como essa percepção eurocêntrica ajudou a criar uma série

de falsos paradigmas, mascarando a verdadeira importância do continente

africano para a cultura ocidental. Como modelo, apresenta alguns aspectos

da trajetória do Imperador Septímio Severo, natural da província romana

de Léptis Magna, perto de Trípoli. Um africano à frente do Império

Romano, algo que nem sempre aparece nas percepções correntes sobre o

poder: assim como Barack Obama, um afro-descendente, comanda, hoje,

a maior potência mundial, um africano comandou o maior império do

mundo antigo, o romano.

Por 1m, gostaríamos de enfatizar que esse livro integra a Coleção

Syllabus, destinado a um público geral e interessado em re.etir a respeito

das inúmeras conexões entre Brasil e África. Para esse processo, oferece

ao leitor algumas questões ao 1nal de cada capítulo com o propósito de

auxiliar na análise do tema lido.

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BARROS, W. R. et al. (orgs.). Antropologia: Uma re/exão sobre o homem.

São Paulo: EDUSC, 2011.

CERTEAU, M. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 2003. 

FUNARI, P. P. A. Cultura popular na Antiguidade clássica. São Paulo:

Contexto, 1989.

VENANCIO, A. T. A. O diálogo entre Nina Rodrigues e Juliano Moreira:

do racismo ao anti-racismo. In: FRY, P. et al. (orgs.). Divisões perigosas.

Políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de janeiro: Civilização

Brasileira, 2007.

REFERÊNCIAS