As Igrejas do Salvador, São Tiago e São Pedro de Torres Novas. Arquitetura e Equipamentos...

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AS IGREJAS DO SALVADOR, SÃO TIAGO E SÃO PEDRO DE TORRES NOVAS

ARQUITETURA E EQUIPAMENTOS ARTÍSTICOS

Vítor Serrão

Instituto de História da ArteFaculdade de Letras da Universidade de Lisboa

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Ficha Técnica

Título: As Igrejas do Salvador, São Tiago e São Pedro de Torres Novas

Autor: Vítor Serrão

Capa: Pe. António Vicente Calado Gaspar

Imagem de capa: Entrega do Rosário a São Domingos de Gusmão (pormenor), de Bento Coelho da Silveira, na igreja do Salvador.

Depósito Legal: 342911/12

Impressão e Acabamento: Gráfica Almondina – Torres Novas

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Santa Marta, Oficina de Diogo de Contreiras, c. 1550-1560, Igreja de São Pedro

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Prefácio

AS IGREJAS UMA MEMÓRIA VIVA

Em breves palavras desejo manifestar o meu louvor e agrado pela oportuna publicação sobre o património religioso de três Igrejas de Torres Novas (Salvador, São Tiago e São Pedro). O Professor Doutor Vítor Serrão, autor da obra, além da autoridade e reconhecida competência na história da arte, é também um ribatejano que se dedica de alma e coração a investigar a memória cultural da sua região. Temos assim garantida a qualidade e interesse da presente publicação.

Apresenta-se como um estudo integral. De facto, o autor, tendo presentes e apoiando-se em estudos de outros pesquisadores, procurou novas fontes de informação e integra, numa visão de conjunto, a investigação pessoal e os trabalhos anteriores que abriram o caminho ao conhecimento do património de Torres Novas. Associando áreas como a arquitectura, a iconografia, a história religiosa ou social, alcança uma perspectiva rica e esclarecedora do património artístico das três Igrejas paroquiais de Torres Novas. A leitura torna-se interessante e enriquecedora.

A oportunidade da obra decorre da necessidade actual de cultivar a memória e reconhecer as nossas raízes. Assistimos, realmente, a uma perda da memória. Sem recordação não encontramos raízes nem referências. As pessoas correm hoje o risco de viver apenas para o presente e de sobrevalorizar o efémero e o provisório, permanecendo à superfície da realidade e caindo num vazio e num deserto de valores e ideais. Ora a memória religiosa evoca representações e símbolos de um mundo transcendente, marcado pela harmonia e pela estética e gerador de paz. Não é apenas uma lembrança de realidades de outros tempos. A memória cristã traz à mente e ao coração (recordar é trazer ao coração) pessoas e factos que admiramos e veneramos (santos, acontecimentos bíblicos ou da história da igreja) e com os quais nos sentimos em casa. São, portanto, como estrelas que nos orientam no caminho incerto da vida.

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Esta ligação afectiva explica, a meu ver, a grande sensibilidade dos crentes ao património religioso das suas Igrejas. Nelas está gravada a memória de uma comunidade de fé com cuja matriz nos sentimos identificados. Fazem parte da nossa história colectiva, ilustram os ideais dos nossos antepassados. Por outro lado, os edifícios religiosos são lugares onde se celebram as grandes etapas da vida humana, como o baptismo a solenizar o nascimento, a eucaristia e o crisma a assinalar o crescimento, o matrimónio ou o funeral que congregam as famílias em momentos intensos de alegria ou de dor. Os lugares de culto testemunham acontecimentos marcantes que permanecem na memória das famílias, comunidades domésticas. Deste modo, o património artístico das Igrejas não é uma realidade exterior. É, antes, como uma pátria espiritual onde encontramos recordações familiares.

Concluímos, portanto, que a arte sacra registada nos templos e objectos religiosos não é apenas uma lembrança do passado. É sim uma memória viva. Fala ainda hoje, eleva os contemporâneos à comunicação com o mistério do Deus vivo. As Igrejas, enquanto edifícios de culto, são a morada de Deus que encontram em Cristo o pleno significado pois Ele é verdadeiro templo espiritual que torna Deus presente no meio de nós. As obras de arte sacra prolongam, de algum modo, o mistério da Encarnação de Jesus Cristo ao tornar visível nas realidades humanas, a beleza do mistério de Deus. Por isso, fazemos votos para que as visitas às Igrejas sejam momentos de meditação, elevação espiritual e evangelização. Esta obra é uma ajuda preciosa nesse sentido.

Santarém 15 de Abril de 2012

+Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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A nossa gratidão

A campanha de restauro e conservação dos edifícios da Igreja na Cidade de Torres Novas é lançada no final de 2006 pelo Pe. Carlos Alberto Ramos Dias e começa a concretizar-se em meados de julho de 2007 com o início dos trabalhos de restauro no Bloco 2 do Edifício São Pedro.

Mas em 2008, o Presidente da Câmara, Dr. António Manuel Oliveira Rodrigues, desafia a Igreja a ser parte da parceria para a Regeneração Urbana do Centro Histórico da Cidade, no âmbito do Programa Ope-racional da Região Centro, comparticipado pelo Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN).

A 18 de outubro de 2008 é, formalmente, apresentado o projeto da Igreja designado Na Rota da Arte e na Promoção Social, e assinado com a Câmara o devido protocolo para intervenções nas igrejas do Salvador, de São Pedro e de São Tiago e no Bloco 1 do Edifício São Pedro.

Posteriormente, são apresentadas três candidaturas no âmbito do referido projeto: a primeira, Igreja de Santiago e Casa Vassalo (esta Casa hoje denominada Edifício São Pedro), em 14 de setembro de 2009, no valor de 230 mil euros, é aprovada em 18 de janeiro de 2010; a segunda, Na Rota da Talha Dourada, em 7 de julho de 2010, no valor de 20 mil euros, é aprovada em 23 de novembro de 2010; e a terceira, Igreja do Salvador e Igreja de São Pedro, em 15 de setembro de 2010, no valor de 460 197,94 euros, é aprovada em 20 de dezembro de 2010.

As candidaturas e respetivas obras são conduzidas pelo Conselho Interparoquial para os Assuntos Económicos e Patrimoniais, constituído por Lino Lourenço Gonçalves, Sérgio Alexandre Lopes Neves, Joaquim Rodrigues Bicho, José Carlos Fernandes Carreira, Manuel Domingues Moita, Pedro Mendes Rodrigues, Fernando Araújo Cerqueira, Victor Manuel da Silva Saldanha, Gonçalo José Santos Azevedo, Francisco Pontes Varanda Gonçalves, José Miguel Fontes dos Santos Mendes e João Henrique Bracons Carneiro, sob a presidência do Pároco, Pe. Carlos Alberto Ramos Dias, entre outubro de 2006 e 25 de setembro de 2010, e Pe. Aníbal Manuel Vieira, desde 26 de setembro de 2010.

O acompanhamento das obras é feito por uma equipa presidida pelo Pároco e constituída pelos membros do já referido Conselho: Pedro Mendes Rodrigues, arquiteto Francisco Pontes Varanda Gonçalves,

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autor dos projetos de arquitetura, Fernando Araújo Cerqueira e enge-nheiro João Henrique Bracons Carneiro; e ainda pela engenheira Berta Azevedo, que se ocupa dos projetos de instalação elétrica e iluminação, telecomunicações e segurança contra incêndio e intrusão.

Através de Berta Azevedo, ocupa-se dos projetos das instalações térmicas, acústicas, águas, gás e esgotos a engenheira Alda Neto.

Face à complexidade das candidaturas aos programas QREN, aquando do primeiro pedido para as obras do Bloco 1 do Edifício São Pedro, é chamada a engenheira Noémia Faria para apoiar o Conse-lho na instrução e documentação dos respetivos processos. Antes, a ligação com a Câmara Municipal de Torres Novas era desenvolvida por José Carlos Carreira, membro do Conselho.

Fique expressa a nossa gratidão:

ao Senhor Bispo de Santarém, D. Manuel Pelino Domingues, pela escolha e nomeação de quem pôs mãos à obra, pelo interesse e cari-nho com que acompanhou a sequência dos trabalhos e pelo prefácio que quis ter a gentileza de escrever;

ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, Dr. An-tónio Manuel Oliveira Rodrigues que tomou a feliz iniciativa de convidar e envolver a Igreja numa recuperação mais ampla do seu património;

à Diocese de Santarém e à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Ri-batejo Norte, CRL, pela aprovação e apoio à contracção do empréstimo que permitiu a regular continuidade das obras;

à Câmara Municipal de Torres Novas e seus Serviços técnicos e administrativos que nos deram toda a ajuda na concessão de licenças e isenção de taxas e nas diligências necessárias ao rápido andamento dos processos;

aos responsáveis do Mais Centro, gestores do Quadro de Referên-cia Estratégico Nacional (QREN) da Região Centro, pelo seu amável e atencioso acolhimento;

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às Juntas de Freguesia da Cidade que, generosamente, quiseram contribuir com algo de si mesmas para as obras realizadas nos edifí-cios da Igreja;

aos técnicos que estudaram e propuseram as melhores soluções e acompanharam a sequência e boa execução dos trabalhos;

às empresas de construção e outros serviços, pela moderação dos seus orçamentos em vista do destino das obras, e pelo zelo, dedicação, sentido de responsabilidade e muita diligência, com que executaram delicadas intervenções em edifícios seculares;

à Comissão de Angariação de Fundos e a todos os que a ela se as-sociaram, pela solicitude e imaginação postas nas iniciativas de recolha de meios para a prossecução das obras e à equipa de contabilidade, sempre solícita a coligir os documentos necessários à instrução dos processos;

à equipa de acompanhamento das obras e às técnicas chamadas a colaborar com ela, pelo desvelo e valia do seu trabalho, só compensado pelo prazer de servir a Igreja;

aos fiéis da Comunidade Cristã que, generosamente, apoiaram o projeto de restauro do edificado religioso, como sinal de fé que, quando inabalável, é capaz de mover montanhas;

e finalmente a toda a Comunidade Torrejana que soube acolher e abraçar como sua uma iniciativa que, se valoriza os templos e edifícios da Igreja, assegura a continuidade de um património precioso que também é de Torres Novas.

Uma palavra ainda de apreço e simpatia ao Autor deste livro, Professor Doutor Vítor Serrão, pelo entusiasmo e saber com que con-duziu a investigação histórica do património das três igrejas paroquiais da Cidade.

O Conselho Interparoquial para os Assuntos Económicos e Patrimoniais

ao Senhor Joaquim Rodrigues Bicho,historiador de Torres Novas,

a meu Pai, Prof. Joaquim Veríssimo Serrrão,

ao Diogo e à Leonor,à Inês e à Rita,

e à Maria Adelina

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Índice

INTRODUçãOPANORAMA DA HISTóRIA E DAS ARTES TORREJANAS

I. A Igreja do Salvador ......................................................... ??1. Notícia histórica .................................................................. ??2. Obras recentes (2009/2010)............................................... ??3. Arquitetura .......................................................................... ??4. Interior ................................................................................ ??5. Capela-mor ......................................................................... ??6. Altares colaterais ................................................................ ??7. Altares laterais da nave ...................................................... ??

II. A Igreja de São Tiago ...................................................... ??1. Notícia histórica .................................................................. ??2. Arquitetura .......................................................................... ??3. Capela-mor ......................................................................... ??4. Capelas complementares ................................................... ??5. Sacristia e outros espaços ................................................. ??6. Obras recentes (2009/2012)............................................... ??

III. A Igreja de São Pedro .................................................... ??1. Notícia histórica .................................................................. ??2. Arquitetura .......................................................................... ??3. Capela-mor ......................................................................... ??4. Corpo do templo ................................................................. ??5. Sacristia e outros espaços ................................................. ??6. Obras recentes (2010)........................................................ ??

IV. Edifício São Pedro ......................................................... ??1. Obras recentes (2007/2010)............................................... ??

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V. Os artistas envolvidos nas obrasdas três igrejas paroquiais .............................................. ??• Arquitetos, pedreiros e construtores .......................... ??• Imaginários e escultores. ........................................... ??• Pintores e douradores ................................................ ??• Entalhadores e carpinteiros de marcenaria ............... ??• Ourives de prata ........................................................ ??• Pintores de azulejo .................................................... ??• Outros artistas e artífices ........................................... ??

Conclusão ................................................................................. ??

Elenco Documental ................................................................... ??

Fontes e Bibliografia ................................................................. ??

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INTRODUÇÃOPANORAMA DA HISTÓRIA E DAS ARTES TORREJANAS

A metodologia seguida

A cidade de Torres Novas oferece aos seus visitantes a presença de um património histórico, artístico, arquitetónico, urbanístico, arqueoló-gico, etnográfico e paisagístico de grande interesse. Impõe-se dá-lo a conhecer melhor ao público em geral, e aos estudiosos em particular, no que toca às suas componentes de arquitetura e de arte religiosas, concretamente o que pertence às igrejas paroquiais de Salvador, de São Tiago e de São Pedro, dando maior atenção às existências patri-moniais e compelindo à sua visita.

Na realidade, o património artístico existente em Torres Novas não se resume à existência do velho castelo medieval, nem às coleções de escultura e lapidária do Museu Municipal, ou à pintura do paisa-gista Carlos Reis (1863-1940), considerado a maior celebridade da arte torrejana e um dos nomes de referência do naturalismo nacional. Também as igrejas, antigos conventos, ermidas e capelas, e as peças de arte sacra oriundas dos desafetados espaços de culto da antiga vila e museologicamente conservados, atestam um acervo que se impõe pela quantidade, qualidade e diversidade dos seus espécimes.

A arte sacra de que aqui falamos inclui, além da arquitetura dos templos propriamente dita, numerosíssimas peças de vários ‘géneros’ artísticos, desde a imaginária em madeira, terracota e pedra, à pintura a óleo, a têmpera e a fresco, ao azulejo, à paramentaria, ao mobiliário, às pratas e alfaias litúrgicas, ao estuque, e a outras componentes. Impunha--se o seu estudo em termos históricos, formais, estilísticos, iconográficos e artísticos, razão pela qual se empreendeu uma análise destes acervos seguindo, como se impunha, a metodologia da História da Arte, quer pela via da investigação dos arquivos (em muitos casos com fundos inexplorados), quer pela via da análise laboratorial de peças nos casos em que se verificaram processos de conservação e restauro, quer pelo

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estudo estilístico e comparativo das obras de arte de per si. No âmbito de uma disciplina científica como a História crítica da Arte, que visa, à luz dos seus próprios conceitos e modos de fazer, dar a conhecer melhor as obras de arte, estimular o ato da suas leitura na sua componente de integralidade, saber avaliá-las como produtos específicos de conjunturas, épocas e situações do tempo histórico (e além do tempo histórico), foi tarefa minha, também, saber situá-las em contexto, entendê-las como objetos vivos dotados de fascínio duradoiro e como testemunhos esté-ticos dotados de carga trans-memorial, a fim de poder justamente unir, tanto quanto foi possível, as componentes do gestor das artes com a do historiador-crítico e com a do connoisseur de obras artísticas, sem esquecer que muitas destas peças são, também, objetos de culto e, por isso, mantêm incólume as suas dimensões de intermediários de fé, não deixando por isso de ser também e sempre obras de arte.

O património artístico das três igrejas torrejanas foi visto, assim, como uma espécie de laboratório em aberto, reunindo valências estéticas consideradas suficientemente atrativas e esclarecedoras, possibilitando que fossem analisadas em moldes integrais, em devida concatenação com outras áreas do saber, como a Conservação e Res-tauro, a Iconografia e a Iconologia e, naturalmente, a História Religiosa, política, económica e social. Em suma, fala-se de (e com) obras de arte no quadro de uma espécie de peritagem de âmbito pluri-disciplinar em que nelas possam ser identificadas as potencialidades estilísticas e as legitimações de estatuto artístico e determinado o grau de importância relativa que lhes cabe tributar.

Este livro visa cumprir, assim, um estudo sistemático da arquitetu-ra, do urbanismo e dos acervos artísticos das três igrejas torrejanas recém-intervencionadas segundo o programa específico, chamado Na Rota da Arte e na Promoção Social, no âmbito de uma parceria com a Câmara Municipal de Torres Novas para a Regeneração Urbana do Centro Histórico, integrada no mais vasto Programa Operacional da Região Centro do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional). Foi objetivo fundamental impor e divulgar uma revisão atualizada de conhecimentos sobre essa matéria, unindo o alargamento da pesquisa arquivística ao da análise comparativa, valorizando conjuntos e obras de arte que jazem no limbo do esquecimento (ou são apenas admira-

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das enquanto peças ligadas ao culto) sob o ponto de vista da História da Arte, sensibilizando as pessoas para a sua fruição, e contribuindo assim – numa palavra – para fixar uma adequada dinamização do turismo patrimonial nesta cidade ribatejana.

O objeto de estudo e o seu contexto

Impõe-se, portanto, dar a conhecer melhor tais componentes nos acervos que enobrecem o património histórico-artístico da cidade de Torres Novas e que impõe maior conhecimento e divulgação públicas.

Esta cidade, pertencente ao Distrito de Santarém, instalada na região Centro e sub-região do Médio Tejo, situa-se junto ao Parque da Serra d’Aire e Candeeiros e tem origens que remontam a tempos anteriores à Reconquista. Banhada pelo rio Almonda, Torres Novas é sede de um dos mais arcanos municípios nacionais, com cerca de 270 km² de área e uma população que ronda hoje os 40 000 habitantes distribuídos pelas dezassete freguesias do seu Concelho. O Município é limitado a noroeste pelo concelho de Ourém, de que está separado pelo maciço da serra como fronteira natural, a leste pelos concelhos de Tomar, Vila Nova da Barquinha e Entroncamento, a sueste pelo da Golegã, a sul pelo de Santarém e a oeste pelo de Alcanena. Em termos gerais, a Torres Novas medieval possuía um termo que chegou a ter cerca de 450 km2, quase o dobro dos 278 km2 por onde se estende o atual concelho!

Terra de pergaminhos históricos, Torres Novas remonta à dominação romana, sendo de destacar a presença, nas proximidades da cidade, das ruínas musealizadas de uma vila romana, a Villa Cardilium, resi-dência senhorial muito conhecida devido aos valiosos mosaicos que preserva. O Concelho remonta ao princípio da Nacionalidade, já que a vila, conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques em 1148, recebe carta de foral em 1190 por iniciativa de D. Sancho I, sendo esse foral confirmado por outros monarcas. Além destes diplomas, o Concelho regia-se pelos documentos denominados Foros de Torres Novas, reguladores do seu direito consuetudinário e considerados da maior importância para o estudo do Municipalismo português. Nascem as quatro paróquias e são várias as confrarias e irmandades que se

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documentam na vila desde os séculos XIII e XIV, estudadas por Iria Gonçalves, testemunho de um desenvolvimento comunitário de uma vila considerada por excelência «terra do pão, do vinho e do azeite».

Aos poucos, Torres Novas vai-se impor como «pólo significativo nas relações interconcelhias», com sua feira franca, a agricultura próspera, as manufaturas em crescimento e um dinamismo económico que, como destacou Joaquim Romero Magalhães, tornava esta vila um verdadeiro centro de progresso, com predominância da produção do vinho, do azeite e da cevada. Era, por isso, uma das vilas mais povoadas do Reino, com dados de numeramento precisos para os anos de 1527 e de 1534, em que o concelho já contava 6500 habitantes e a vila cerca de 1500 a 2000, existindo também indicações rigorosas de recensea- mento para o século XVIII, estudadas por João Carlos Lopes, que mostram que Torres Novas continuava a crescer em prosperidade e número de habitantes ao longo dos séculos, atingindo cerca de 4.000 moradores, só na vila, ao tempo do reinado de D. João V.

Tanto o castelo como a vila foram destruídos e reconstruídos em fases agudas da História portuguesa, como as invasões castelhanas que ocuparam e incendiaram a vila, razão pela qual escasseiam ves-tígios sobreviventes anteriores ao século XV. Tal se passou com os exércitos de Henrique II em 1373, no tempo de D. Fernando I, e de novo com as tropas de D. João I de Castela durante a crise de 1383- -1385, e não há que esquecer a marca traumática das passagens das tropas de Junot e Massena em 1807 e 1811, com destaque para a pas-sagem sangrenta e iconoclástica do general Loison em 1808, e para o inominável decreto desse ano pelo qual se mandou fundir o ouro e prata das confrarias de Torres Novas para a contribuição extraordinária cobrada pelos invasores franceses… Em termos de cripto-história da arte, é de assinalar que muitas foram as perdas sofridas, então, pelo património torrejano, uma sanha destruidora que prosseguiu no século XIX com a demolição do mosteiro de freiras do Espírito Santo e das capelas de Nossa Senhora da Luz e de Nossa Senhora da Nazaré e, no último século, com o arrasamento inapelável da capela de Nossa Senhora dos Anjos e da velha igreja de Santa Maria…

Apesar desses eventos trágicos, atesta-se a presença regular de uma nobreza e de uma burguesia cultas. Algumas famílias fidalgas,

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instaladas na vila ao sabor das passagens da Corte, interessadas pelas antiqualhas e pela cultura italianizante, como sucedeu com os Mogos, Carrilhos e Sigeus no século XVI, estimularam um assinalável desenvolvimento mecenático. Torres Novas deve a sua importância, em boa dose, ao facto de se integrar na rota de itinerância regular da Corte portuguesa, obrigando à existência de estruturas paçãs condignas para acolher os reis e a nobreza de fora que integrava os séquitos. Foi nesta vila que se realizaram as polémicas Cortes de 1380 (no contex-to da crise que levaria ao poder a nova dinastia de Avis), as de 1438 (reunidas em atmosfera de exceção a seguir à morte do rei D. Duarte) e as de 1535 (com a assinatura do contrato de casamento da Infanta Dona Isabel com Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano).

A vila pertenceu até ao século XVI ao património da Casa Real, até passar, no tempo de D. Manuel I, para a posse dos Lencastres, funda-dores da poderosa Casa de Aveiro. O título de 1º Marquês de Torres Novas será dado em 1520 a D. João de Lencastre, filho do célebre D. Jorge, Grão-Mestre da Ordem de Santiago de Espada e filho bastar-do de D. João II. O título de 2º Marquês coube a D. Jorge de Lencastre que, antes de falecer com D. Sebastião em Alcácer Quibir, reivindicava direitos de presença nas cortes (de 1562 e 1568) e entrou na posse do ducado de Aveiro. O 3º Marquês de Torres Novas, D. Álvaro de Lencastre, já acumulava esse título com o de 3º Duque de Aveiro. O juro e herdade do título foi assegurado por Filipe I de Portugal aos descendentes da casa, recebendo os marqueses o título de Excelên-cia, até que o vínculo se interrompeu em 1756, devido à decapitação das famílias envolvidas, como a dos Távoras, no atentado contra D. José I, sendo estes títulos abolidos e os bens expropriados. O palácio do Paço dos Duques de Aveiro, em Torres Novas, foi por via dessas circunstâncias históricas mandado demolir. Os proventos e terras do ducado-marquesado de Torres Novas voltaram para a posse da Coroa.

Até aí, o ambiente de eleição, em que as artes se podiam desenvol-ver, estimulou a radicação de nobres vergônteas à sombra do mecenato dos Lencastres, como foi o caso dos Prestes, de que era membro o dramaturgo António Prestes, inquiridor do juízo cível de Santarém e, também, autor de autos de gosto vicentino; de Jerónimo Ribeiro Soares, autor do Auto do Físico (1587); e dos Melos Carrilhos Sigeus,

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família a que pertenceram o humanista Diogo Sigeu, sua filha Luísa Sigeia, famosa poetisa e música renascentista, e António Mogo de Melo Carrilho, a quem se deve a encomenda de um notabilíssimo painel do famoso Campelo para o altar do seu oratório particular. De Torres Novas eram, também, Frei João Álvares, autor da Cronica do Sancto, e virtuoso Ifante dom Fernando filho del Rey dõ Johã primeyro deste nome, editada em 1527; o comediante Simão Machado (1557?-1634); Manuel de Figueiredo (1568-1630), discípulo do matemático Pedro Nunes e cosmógrafo-mor a partir de 1608; o astrónomo António Pi-menta (1620-1700); o poeta Jerónimo Ribeiro Soares; o genealogista Francisco Arez e Vasconcelos; e outras personalidades que constam do livro de Artur Gonçalves Torrejanos Ilustres (1933). Durante a época de prestígio dos nobres Lencastres como senhores da vila, nos séculos XVI e XVII, o priorado das três igrejas da vila (e bem assim da destruída Santa Maria) pertenceu de direito aos padres desse ramo da nobreza.

Quanto às igrejas que aqui se estudam, sequenciando as interven-ções no quadro do QREN, e também as suas freguesias e espaços sufragâneos, elas constituíam uma Vigararia dependente do Arce-bispado de Lisboa (de quem dependiam as visitações e as devassas regularmente feitas a estas freguesias da ‘província do Ribatejo’), e tinham os seus priores (ou reitores) que eram da apresentação dos donatários, os senhores Lencastres. Tanto Santa Maria, como o Salva-dor, São Tiago e São Pedro possuíam as suas Colegiadas, com seus beneficiados (raçoeiros), tesoureiro, e vultoso rendimento anual. Enfim, as confrarias laicas asseguravam o culto, a decoração e o controlo dos rendimentos de capelas adstritas a estes templos. Entre as mais anti-gas, documentadas pela Prof. Iria Gonçalves, conhece-se a Confraria de Fungalvaz, criada em 1176, e as de Alcorochel, Alqueidão, Lapas, Ribeira Grande, Marruas e Jesus (que evoluiria para do Senhor Jesus dos Lavradores), criadas em 1212, sendo a de Bugalhos de 1219, e outras no termo da vila. Seguindo os dados dos historiadores Iria Gon-çalves e João Carlos Lopes, as confrarias de São Bento, do Salvador e de São Pedro, na vila, atualizaram os seus estatutos, respetivamente, nos anos de 1473, 1465 e 1499.

Em épocas prestigiantes como foram (apesar de todas as vicissitu-des históricas) os séculos XV e XVI, Torres Novas disputava com Santa-

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rém e com Tomar os privilégios de vila com forte presença aristocrática e com profundos contatos com a corte de Lisboa, vivendo assim num ambiente que não podia deixar de estimular o desenvolvimento das artes e que ajuda a explicar a riqueza do património artístico aí gerado, tanto por encomenda externa como por fixação de artistas.

A fortuna histórica

Um estudo como este não poderia ser realizado sem uma fase de conhecimentos assente pelo esforço de pesquisadores que abri-ram o caminho. No caso de Torres Novas, é certo que o seu acervo monumental, artístico e museológico foi alvo já de alguns trabalhos incontornáveis de investigação local, que não poderiam passar sem a devida chamada de destaque.

Em primeiro lugar, encontram-se sempre, como peças incontor-náveis de consulta, os estudos monográficos do historiógrafo Artur Gonçalves (n. Soure, 1868 - f. Torres Novas, 1938), atento estudioso do património de Torres Novas, que não só reuniu bases sólidas de informação como recenseou dados e obras que já não sobreviveram até aos nossos dias. Mas não há que esquecer, também, testemunhos mais recentes de profícua investigação, na mesma linha de recolha de informações precisas, como é o caso dos trabalhos de Joaquim Rodrigues Bicho, os de João Carlos Lopes, e os de Paulo Renato Er-mitão Gregório e de Margarida Teodora, entre outros autores que vêm enriquecendo a historiografia torrejana, fornecendo contributos para uma base segura de dados que, vistos no seu conjunto, reforçam uma consciência de pertença, ajudam à visita de novos públicos e convidam ao reconhecimento das valências.

Escreveu Paulo Renato Ermitão Gregório na sua valiosa monografia da igreja da Misericórdia, saída em 2003, que está «ainda por fazer a história do programa construtivo religioso da então vila de Torres Novas nos séculos XVI e XVII», o que constitui observação certeira, já que as páginas que Gustavo de Matos Sequeira, no tomo do Inventário Artístico de Portugal da Academia Nacional de Belas Artes dedicado ao Distrito de Santarém, de 1949, assentaram num recenseamento superficial

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de existências. É necessário, por isso, recuar sempre aos contributos pontuais de autores como Vergílio Correia, Adriano de Gusmão e o Engº Santos Simões, e aos dados sempre seguros que constam das monografias de Artur Gonçalves, cruzando-as com as do Património Artístico do Concelho de Torres Novas (1985), de Joaquim Rodrigues Bicho, sem esquecer trabalhos de Teresa Desterro sobre os pintores maneiristas do foco escalabitano, ou as fichas de inventariação das igrejas da vila pela extinta Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (D.G.E.M.N.), em 1980, da autoria da historiadora de arte Isabel Mayer Godinho Mendonça, para nos depararmos com dados sólidos para consolidar as bases de um necessário estudo exaustivo.

Por minha parte, entendo que para se aprofundar o estudo integral e a caracterização das três igrejas - monumentos maiores desta cidade – era imperioso assentar o inquérito, antes de tudo, nos abundantes dados de recenseamento arquivístico. Muitos eram já conhecidos, produto de pesquisas próprias iniciadas em Torres Novas em 1977, quando publiquei, a convite de Joaquim Rodrigues Bicho, um estudo sobre as telas da igreja da Misericórdia e o artista responsável, Miguel Figueira, um pintor seiscentista até então desconhecido. Essa investi-gação prosseguiu nos anos 80 e 90 do século passado com pesquisas sobre o excelente pintor Campelo e outros mestres maneiristas ativos para a vila do Almonda nos séculos XVI e XVII, de que nasceram al-guns trabalhos publicados e o grande catálogo da exposição A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões (1995).

Na última fase de pesquisas, a que procedi mais recentemente, al-guma documentação valiosa foi recenseada para os séculos da Idade Moderna. Consciente de que os dados manuscritos devem ser sempre a primeira e mais segura das nossas fontes de informação, localizei novos dados nos cartórios notariais de Torres Novas (que se guardam no Arquivo Distrital de Santarém), estendendo a investigação aos li-vros tabeliónicos do século XVIII (já tinha cumprido, antes, pesquisa exaustiva dos cerca de duzentos livros notariais até 1700), todos eles virgens de aproveitamento e ricos de informação artística. Do mesmo modo, encontrei no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, instala-do no Mosteiro de São Vicente de Fora, fontes preciosas inéditas para as artes torrejanas, localizadas em livros de devassas de freguesias,

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livros de contabilidade e assentos das confrarias e irmandades, e livros de visitações de igrejas do chamado «Distrito do Ribatejo» (em termos de estruturação das regiões eclesiásticas controladas pelos Arcebis-pados, Bispados, Vigararias e Arcediagos). Enfim, quer o Arquivo da Universidade de Coimbra, quer o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, quer o valioso núcleo histórico-arquivístico reunido no Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas pelas Dr.as Margarida Teodora e Margarida Moleiro, forneceram dados inéditos que permitiram localizar outras fontes de informação relevantes.

O sentimento de pertença face ao património torrejano

O processo recente de intervenção de restauro e beneficiação das três igrejas paroquiais de Torres Novas – Salvador, São Tiago e São Pedro – foi acompanhado por novas pesquisas histórico-documentais, laboratoriais e de História da Arte que vieram sedimentar conhecimentos sobre o património desses templos, reforçando o seu interesse histórico no contexto do turismo cultural.

A presença nesta cidade de um tão relevante património artístico, de-vido a uma condição ambiencial que, em largas fases da sua História, foi favorável a esse desenvolvimento, reforça um sentimento de pertença que abre caminho à dinamização de novas rotas turístico-patrimoniais e nos consciencializa mais e melhor para o valor de tais existências. De facto, apesar das perdas causadas pelas malfeitorias do tempo e dos homens e que foram muitas (a ruína e inexorável destruição recente da igreja de Santa Maria conta-se entre elas), sobreviveram até aos nossos dias conjuntos e peças de inegável qualidade artística.

Aconteceu também que (como em outras cidades portuguesas) os saberes da História e o interesse pelo património local deram lugar a um esquecimento generalizado, que se impõe combater. Por outro lado, novos critérios de pretenso enriquecimento regional substituíram-se aos valores de avaliação estética das existências, e o resultado daí decorrente não podia deixar de ser outro: menorizaram-se as obras, perdeu-se consciência desses valores e, mesmo no campo do turismo cultural, esqueceram-se as prioridades de afirmação local inequívoca que

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o património histórico-artístico lhe confere. Esta é uma realidade crua de um tempo que é o nosso, exacerbado de crise sócio-económica mas também de valores, com acrescidas dificuldades devido à exploração e ao egoísmo desenfreados, mas talvez por isso mesmo este tempo seja também o do reforço desse sentimento de pertença que referimos, o qual nos permite superar limitações estratégicas e combater a desmemória que se agravou no seio das novas gerações, reforçando também as possibilidades de dinamizar um turismo cultural qualificado.

No caso dos espaços da antiga vila de Torres Novas e dos territórios que constituem o atual Concelho, as existências artísticas são de tal ma-neira significativas que impõem estudo científico e reconhecimento local, acompanhados por um planeamento alargado que convide à sua visita e coloque a região no mapa das rotas turístico-patrimoniais de obrigatória passagem. Tal é não só um imperativo local, mas alguma coisa que se impõe ao reforço da cidadania como caminho estrategicamente inadiável. E não é demais lembrar a necessidade de nova geração de historiadores de arte e patrimonialistas a prosseguir esta frente de estudos…

Estamos, é sempre bom lembrá-lo, numa região muito afortunada pela sua implantação geográfico-ambiental, com trechos idílicos no campo histórico-urbanístico e com um acervo relevante de monumen-tos religiosos, militares e civis, pontuada por um grande monumento natural: a Serra d’Aire e Candeeiros, com as suas belezas imensas de paisagem inóspita, os vestígios paleontológicos e arqueológicos, a sublimidade das vistas desafogadas, que qualificam duplamente a região torrejana sob o ponto de vista patrimonial – tanto artístico como ambiental —, convidando as pessoas que a desconhecem a uma visita mais atenta e mais demorada.

As valências histórico-artísticas

São muitas as valências artísticas que aqui se destacam e que são, na sua maioria, mal conhecidas dos estudiosos, ou também, como é o caso das imagens, pinturas e têxteis que se podem admirar no Museu, sem uma exata contextualização histórica que se impõe cumprir. São peças artísticas oriundas de espaços religiosos do Concelho, para mui-

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tas delas existe fixação da sua ‘fortuna crítica’, sabemos de onde eram oriundas, quem as encomendou e, em alguns casos, quem as conce-beu, e tudo constitui matéria para se enriquecer o discurso expositivo.

Confessa o autor deste livro, responsável por pesquisas antigas (de que nasceram vários estudos sobre a pintura em Torres Novas), ao ini-ciar as investigações que conduziram aos resultados agora revelados, que não esperava que pudessem ser muito alargados os conhecimentos fixados nos trabalhos precedentes de Joaquim Rodrigues Bicho e de Paulo Renato Ermitão Gregório, as fontes mais seguras de que dispo-mos para o conhecimento das artes produzidas e consumidas nesta cidade. Na verdade, o acervo aqui estudado e revelado constitui, de certa forma, uma surpresa e vem colocar a região em apreço no rotei-ro dos interesses turístico-patrimoniais do nosso país – e esperamos, sinceramente, que este esforço resulte em medidas positivas nesse sentido, com criação de pólos museológicos locais e sensibilizando tu-telas, agentes culturais, rotas turísticas e esferas alargadas de públicos.

Este livro historia, assim, muitos acervos torrejanos mal conhecidos dos públicos, desde peças importantes entre a Idade Moderna e o limiar da Idade Contemporânea (sem esquecer as perdas originadas por ca-tástrofes naturais ou pilhagens como as que sucederam aquando das invasões francesas), que reclamam, sem dúvida, um estudo de conjunto em termos de História de Arte. O que existe é importante e extravasa a mera dimensão regional. Trata-se de um singular conjunto de arte dos séculos XIV, XV, XVI, XVII e XVIII, dos períodos do Gótico final, do chama-do Manuelino, do Renascimento, do Maneirismo, do Barroco, do Rococó e do Neoclássico, do Romantismo e dos revivalismos de Oitocentos ou já do século XX que se estudaram nos três templos intervencionados e nas suas antigas confrarias e irmandades, e nas desafetadas ermidas sufragâneas, envolvendo a presença de arquitetos e pedreiros de grande competência, muitas vezes chamados de fora, como sucedeu com os mestres de pedraria João de Évora, que veio de Tomar, no século XVI, reconstruir a igreja do Salvador, do experiente pedreiro lisboeta Luís da Silva que reconstruiu em 1722 a igreja de São Pedro, ou um dos mes-tres do estaleiro de Mafra, de origem italiana António Baptista Garvo, que veio no século XVIII realizar traças e dirigir obras no aro torrejano.

Entre as boas obras de imaginária e lavor pétreo, aparecem nestas

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três igrejas peças góticas vinculáveis às oficinas de Coimbra, como era o caso do São Tiago Maior em pedra calcária, quatrocentista, da igreja desse titular (cujo paradeiro atual é desconhecido), destacando-se também a pia de água benta manuelina de São Tiago, profusamente lavrada, o Cristo de características góticas da Capela do Senhor Jesus dos Lavradores em São Tiago, e o Cristo crucificado que o escultor fla-mengo Estácio Matias lavrou em 1573 para a igreja do Salvador, além de uma série de peças barrocas em madeira estofada e policromada, dos séculos XVII e XVIII.

No que diz respeito à pintura quinhentista, em que a cidade é rica, destacamos a Descida da Cruz do Museu, saída da oficina de um mes-tre de primeira ordem, o lisboeta Diogo de Contreiras (act. 1521--1563), e a presença local de um mestre de certos recursos, Gaspar Soares, responsável aliás por um tronco familiar de pintores que prossegue no século XVII com Pedro Vieira, Estácio Soares e o brutescador Manuel Soares. De Santarém veio em 1640 o modesto Miguel Figueira, mas já ao mercado artístico de Lisboa se recorreu, por volta de 1685, quando foi encomendada à oficina do famoso Bento Coelho da Silveira a pintura de telas para o Salvador e para a Misericórdia. Deste admirado pintor régio de D. Pedro II, tive a grata surpresa de identificar mais uma desco-nhecida tela, a Entrega do Rosário a São Domingos de Gusmão, pintada cerca de 1700, que se encontra integrada no ático de um dos altares colaterais da igreja do Salvador. Já não são de Bento Coelho, e sim do seu discípulo António Machado Sapeiro, as quatro telas «coelhescas» que se encontram na igreja de São Pedro e andaram desde 1991 atri-buídas a esse pintor régio. Na mesma igreja, admira-se uma outra peça lisboeta, o quadro de Pedro Alexandrino de Carvalho que preeenche a tribuna do altar-mor, e que veio da Ermida de Nossa Senhora dos An-jos. Enfim, era desconhecida a passagem por Torres Novas, em 1743, do pintor italiano Orazio de Ferri (autor da pintura da cúpula da capela do Senhor Jesus dos Lavradores), como era também desconhecida a existência do pintor Baltazar Cardoso, da Chamusca, que deixou em São Tiago testemunho das suas apetências para o fresco e o brutesco, ou o pintor Bernardo Delgado Valente, que realizou obras de dourado e estofado nestas paróquias.

O final de Seiscentos e o início do século XVIII abunda nas igre-

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jas de Torres Novas de bons exemplares de retabulística dourada do chamado Estilo Nacional, envolvendo mestres entalhadores barrocos instalados na vila, ocasionalmente como foi o caso do lisboeta Manuel da Silva, ou em definitivo, como foi o caso do seu discípulo Manuel da Silva Monteiro e de Manuel Ferreira Pinto. O mestre Manuel da Silva, oriundo da capital, foi responsável pelo lavor do sacrário da Misericórdia e pelos belíssimos retábulos barrocos de Estilo Nacional das igrejas de São Tiago e do Salvador (este último, feito em conformidade ao do mosteiro de São Francisco de Lisboa). Os outros dois foram os autores dos retábulos colaterais do Salvador; eram entalhadores regionais com competência suficiente para serem chamados, a alto preço, a cumprir empreitadas de fora (como foi exemplo a Colegiada de Ourém).

Enfim, é de destacar a grande riqueza da azulejaria de padronagem polícroma seiscentista que existe em Torres Novas, e de que o corpo do Salvador, a capela-mor de São Pedro e uma desafetada dependência em São Tiago são exemplos primorosos de adaptação cenográfica. No final do século XVII a secular irmandade do Senhor Jesus dos Lavradores da igreja de São Tiago (que foi recém-beneficiada, no de-curso do processo de recuperação do QREN) recorreu aos serviços do grande pintor de azulejo Gabriel del Barco (um mestre espanhol radicado em Lisboa e com papel determinante na viragem do Azulejo no sentido da figuração azul e branca em grande escala) para realizar o revestimento de azulejos que enobrece as paredes desse espaço e que, com a obra de talha dourada do altar e com a cúpula pintada de perspetiva ilusionística, a torna uma das jóias do Barroco desta cidade.

Agradecimentos

O autor manifesta o seu agradecimento a várias entidades e pessoas sem cujo apoio este livro não teria sido levado a bom termo.

Em especial, agradeço ao Senhor Joaquim Rodrigues Bicho, de-votado estudioso do património torrejano, a quem devo o convite para colaborar neste projeto e escrever esta obra, por todos os dados for-necidos e informações relevantes;

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ao Dr. Paulo Renato Ermitão Gregório, historiador de arte a quem devo não só muitas informações e o fruto de debates conjuntos, como também uma parte substancial das fotografias que ilustram este livro;

ao Conselho Interparoquial para os Assuntos Económicos e Patri-moniais, presidido pelo reverendo Padre Carlos Alberto Ramos Dias, que em boa hora iniciou o processo de restauro destas igrejas, e de-pois pelo reverendo Padre Aníbal Manuel Vieira, sendo de referir neste processo, também, o vigário paroquial reverendo Padre Ricardo Filipe Gonçalves Gaspar Pinto, que acompanha o munus do Padre Aníbal;

às Senhoras Dr.as Cláudia Castro e Teresa Lopes, técnicas do Mu-seu Municipal de Torres Novas, por facilidades no estudo de peças das suas coleções e cedência de fotografias;

à Senhora Dr.ª Margarida Teodora Trindade, à Dr.ª Margarida Mo-leiro, ao Dr. João Carlos Lopes e ao Dr. Luís Dias, diretor do Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas (instalado na Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes), pelas facilidades de consulta;

ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, Senhor Dr. António Manuel Oliveira Rodrigues e à Vereadora da Cultura, Senhora Dr.ª Manuela Pinheiro, pelo empenho com que seguiram esta pesquisa;

ao Senhor Dr. Vítor Biscaia, Provedor da Santa Casa da Misericór-dia, e aos funcionários da secretaria, pelas facilidades de nova consulta ao seu riquíssimo arquivo histórico;

ao Senhor Rui Araújo e aos técnicos da Oficina de Restauro e Conservação Capitellum, responsáveis pelas obras recentes de talha dourada e de pintura levadas a efeito;

ao bom amigo Dr. José Meco, grande especialista da Azulejaria por-tuguesa, às Doutoras Maria João Pereira Coutinho e Sílvia Ferreira, à Doutora Teresa Desterro (do Instituto Politécnico de Tomar), à Doutora Susana Varela Flor e à Mestre Rosário Salema de Carvalho (Rede Te-

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mática em Estudos de Azulejaria e Cerâmica João Miguel dos Santos Simões - RTEACJMSS da Faculdade de Letras de Lisboa), à Mestre Rita Rodrigues, à Mestre Susana Cavaleiro Ferreira Nobre Gonçalves, à Doutora Isabel Mayer Godinho Mendonça, e à Doutora Maria Adelina Amorim, pelas informações prestadas e discussões frutuosas;

aos senhores Drs. Ricardo Aniceto e Teresa Ponces, do Arquivo do Patriarcado de Lisboa, instalado em São Vicente de Fora, pelo apoio a estas investigações;

à senhora Dr.ª Leonor Lopes, diretora do Arquivo Distrital de San-tarém, pelas facilidades de consulta de manuscritos;

ao senhor Padre Joaquim Ganhão e à Dr.ª Eva Raquel Neves, da Diocese de Santarém;

aos etnógrafos Senhores Bertino Coelho Martins (natural de Lapas) e João Gomes Moreira, velho amigo de Santarém;

enfim, à memória de meu Avô, Senhor Joaquim Vicente Serrão

(1904-1990), com quem fiz as primeiras visitas aos monumentos de Torres Novas;

ao Padre António Vicente Calado Gaspar, ao senhor Prof. Artur Augusto Lagarto, ao senhor Deolindo Carreira e aos demais técnicos da Gráfica Almondina, pela atenção e apoio à execução deste livro;

e a meu Pai, Prof. Joaquim Veríssimo Serrão (n. 1925), um agrade-cimento especial a quem sempre estimulou as minhas investigações ribatejanas no campo da História e da Arte e com quem discuti vários aspetos da História de Torres Novas.

A todos o meu reconhecimento.

Vitor Serrão

Lisboa, Fevereiro de 2012

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Créditos Fotográficos: As fotografias de três tábuas da matriz de Évora de Alcobaça e

de uma tela de Bento Coelho na igreja de São Nicolau em Santarém pertencem ao arquivo do autor.

Salvo as imagens de algumas peças de escultura e pintura do Museu Municipal de Torres Novas que se reproduzem e foram gentil-mente cedidas pela direção dessa instituição; as imagens de pinturas da matriz Camarate, da autoria da Dr.ª Rita Rodrigues; as imagens de antigas fachadas das igrejas do Salvador e de São Tiago, cedidas por Maria Helena Borralho; as imagens do Edifício S. Pedro, do Engenheiro João Bracons; e as imagens do restauro da capela do Senhor Jesus na igreja de São Tiago, cedidas pelo Senhor Rui Araújo, da Oficina de Restauro e Conservação Capitellum; todas as restantes são créditos do Dr. Paulo Renato Ermitão Gregório.

A todos o agradecimento do autor.

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I. Igreja do Salvador

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Notícia histórica

A igreja do Salvador, dedicada ao Salvador do Mundo, edificada junto à muralha da antiga vila em situação altaneira, no cimo da Rua do Salvador, terá sido a primeira paróquia da vila de Torres Novas (embora alguns autores atribuam a Santa Maria esse papel). A sua privilegia-da implantação, dentro da cerca do castelo, é dominante sobre o rio Almonda, que torneja o cómoro da banda do norte, sobre os campos da Levada e da Ponte Pedrinha, a nordeste, e a zona do antigo Açude Real. Encostada à linha protetora da fortaleza, pode dizer-se que a igre-ja ocupa um sítio desafogado de vistas e privilegiado de implantação.

Trata-se de um edifício de dimensões avantajadas: a igreja ocupa uma área de 311 m2, o adro envolvente 216 m2, e o quintal que se situa na adjacência da banda meridional 312 m2 e o logradouro norte 195 m2, separado do Largo do Salvador por um muro.

Apesar de ainda se discutir bastante a sua origem (chegando a aventar-se uma fundação anterior à própria Reconquista), sabe-se que sucedeu à igreja de Assentiz como templo primaz no concelho torreja-no, e os dados históricos apontam para uma cronologia de fundação que se pode assentar no início do século XIII, e não antes. É certo que em 1190 D. Sancho I povoou a vila de Torres Novas e lhe deu os foros de Tomar, dinamizando a sua estrutura urbana 1, mas não consta que já nessa data existisse o templo. Conhece-se o nome de um dos seus primeiros priores, Padre Garcia Domingues, que no reinado de D. Afonso III testemunhou numa doação feita ao mosteiro de Alcobaça 2, mas não abundam as informações sobre o templo durante a Idade Média, razão pela qual é difícil descortinar mais elementos sobre a sua estrutura 3. As notícias sobre o templo assinalam, entre outros párocos ilustres, o padre Vasco Tenreiro, que exerceu o seu munus no tempo de D. Afonso V, por volta de 1457, e que era bacharel em Teologia e

1 Padre António Carvalho da COSTA, Corografia Portuguesa, 2ª ed., Braga, 1869, vol. III, p. 199.2 Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, Torres Novas, 1936, p. 302.3 O Padre Manuel Veríssimo Margalho, que redigiu a descrição da igreja para o inquérito nacional das Memórias Paroquiais (A.N.T.T.), em 1758, defende que neste lugar existia outro templo, erguido em plena ocupação muçulmana, e que, mais tarde, a capela de São Jorge chegou a funcionar provisoriamente como sede paroquial.

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pregador régio, cabendo-lhe também o encargo de mestre dos filhos desse monarca 4.

Sabemos, entretanto, que a fábrica da igreja gótica era de três naves, pois as visitações realizadas no último terço do século XVI (a primeira das quais, pelo Padre Heitor Dias Guterres, pregador do Cardeal Infante D. Henrique, data de 19 de junho de 1566), e os do-cumentos que referenciam a grande campanha de reconstrução que sofreu em 1570, o dizem cabalmente: o visitador Dr. Marcos Teixeira, exige em agosto de 1568 o cumprimento das disposições de uma an-terior visitação, dizendo que, como se impunha «ficar capaz de gente como quallquer das outras igrejas (da vila), e porque isto não pode ser ficando de tres naves, como he, por não ter lugar de se poder acres-centar», era preciso fazer-se «de huma nave somente, com suas linhas de ferro pª ficar segura» 5. Foram as disposições arcebispais a impor, assim, a modernização da velha igreja, ao recomendarem a ampliação do templo e uma nova espacialidade intestina, com uma só nave, de forma a servir melhor uma freguesia em crescimento. Foi a confraria do Santíssimo Sacramento quem se encarregou da empresa, e quem iniciou o processo de demolição e reconstrução, a cargo de um mestre de Tomar, o pedreiro João de Évora.

Seja como for, encontram-se ainda alguns ténues vestígios do antigo templo medieval, datáveis maioritariamente do século XIV, na igreja do Salvador, desde as estruturas incólumes de uma capela que existia no espaço que serve hoje de sacristia e que era da devoção de São Jorge; a uma portada gótica integrada no muro da cerca, da banda do nascente; a várias pedras tumulares com cruzes templárias e outras decorações, reutilizadas no acervo dos frontais dos dois altares cola-terais; e, enfim, a um portal de discreto lavor, também de estilo gótico, que se desentaipou na parede direita da capela-mor 6.

4 Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, Torres Novas, 1936, p. 305.5 Arquivo da Biblioteca Municipal de Torres Novas, Livro das Visitações da Confraria do Santís-simo Sacramento da Igreja do Salvador, 1566-1591, fls. 20 vº-21 (lição do autor); apud Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, A Igreja da Misericórdia de Torres Novas (1572-1700), Torres Novas, 2003, p. 30. DOCUMENTO Nº 1.6 Joaquim Rodrigues BICHO, Património Artístico do Concelho de Torres Novas, Torres Novas, 2ª ed. revista, 2001, p. 121.

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É especialmente importante a referida capela gótica da invocação

de São Jorge, pois oferece ainda as remanescências de uma típica espacialidade trecentista, na sua cuidada fábrica de depurado estilo ogival, com robustas paredes em alvenaria, um botaréu na face exterior, e uma bem lançada abóbada artesonada assente em quatro mísulas e bocete no fecho.

Poupada pela reconstrução de 1570, esta antiga capela (que serve atualmente de sacristia) constitui o único vestígio significativo do antigo templo medieval, sabendo-se que possuía uma imagem de pedra de São Jorge, e sendo de presumir, também, que quatro tábuas que for-mavam parte de um antigo retábulo quinhentista, expostas na igreja de São Pedro, tivessem feito parte da decoração dessa capela, integrando o seu altar. São de quatro pinturas a óleo sobre madeira de carvalho (680 x 370 mm) que representam São Jorge a combater o Dragão, Santa Marta, Santa Apolónia e São Filipe (e não São Paulo como se tem dito…), onde as delicadezas de modelação, o recorte lumínico das atmosferas e a frescura do colorido, valorizam a pose dos santos, recortados em fundos de paisagem com arvoredos de folhagem miúda, matizes de verdes e castanhos, trechos de casario longínquo ou de

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montanhas e lagos a perder de vista. São obras eruditas e de origem lisboeta, mostrando grandes afinidades de estilo com a obra do pintor Diogo de Contreiras, que as terá executado, em regime oficinal, nos anos centrais do século XVI

7.

A demolição das três naves e subsequente ampliação do templo seguiu as determinações dos responsáveis da confraria do Santíssimo Sacramento desta igreja e foi encomendada ao mestre pedreiro João de Évora, morador em Tomar, por instrumento notarial de 25 de agosto de 1570 em que se clausuraram as obras 8. Assim, impunha-se que a nova igreja crescesse «huma vara de medir além do alpendre ao comprimento, e a parede avia de ser de três palmos e meio de vanta-gem», que se erguesse uma torre sineira, idêntica à da igreja de São Pedro desta vila («sendo que a serventia da dita torre háde ir mais lar-ga que a de Sam Pedro»), que o pórtico a lavrar para a nova fachada fosse «de pedraria cham com o seu frontespiçio por cima», com um

7 Sobre estas tábuas, cf. Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Santarém, 1949, p. 131; Joaquim BICHO, op. cit., pp. 140-141, Joaquim Oliveira CAETANO, «A pintura em Torres Novas nos séculos XVI e XVII. De Diogo de Contreiras a Bento Coelho da Silveira», Nova Augusta, nº 6 (especial), 1992, pp. 46-47; e José Alberto Seabra CARVA-LHO, «Que hacen los conservadores? A propósito do incomodativo problema da existência de mestres desconhecidos nas tabelas dos Museus», Revista de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 8, 2011, pp. 139-151. Estas tábuas encontram-se na igreja de São Pedro, oriundas do Museu Municipal, mas sendo inicialmente pertença da igreja do Salvador. A estes quadros voltaremos adiante, ao tratarmos do pintor Diogo de Contreiras e da actividade da sua oficina em Torres Novas. 8 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 1 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 88 a 92. Transcrito pela primeira vez em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, op. cit., 2003, pp. 118-120. DOCUMENTO Nº 2.

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espelho moldurado na cimalha «para dar claridade ao coro», e que se reutilizasse da igreja velha, e que se rasgassem quatro frestas de pedraria no corpo, tudo ao preço de 69.000 rs. O contrato é precioso, sob todos os pontos de vista, não só pela referência absolutamente invulgar ao termo «pedraria chã» que devia determinar o espírito novo da reconstrução, como por conter uma série de pormenores de gran-de riqueza técnica e de modus faciendi em empreitadas afins, como seja a disposição para que houvesse o maior cuidado no desmanchar das velhas estruturas, já que muitas das pedras se destinavam a ser reutilizadas na igreja nova e se impunha que não houvesse dano na sua desmontagem.

Tudo foi feito em conformidade com uma traça e «apontamentos» que o mestre pedreiro João de Évora entregou para prévia avaliação dos seus clientes, depois de ganhar o lance a concurso lançado por pregoeiro 9. A obra de carpintaria da igreja corria em uníssono, sen-do encarregado dela Pedro Ferreira, mestre carpinteiro morador em Santarém, encarregado da desmontagem e refazimento do forro da nova igreja, o qual devia ser similar ao da igreja de Santa Maria desta vila, por preço de 124.000 rs 10. Os dados históricos de que dispo-mos asseguram um conhecimento seguro sobre a reconstrução do templo e sobre a estrutura que, em termos globais, se preservou até aos nossos dias.

Trata-se de documentos preciosos, já que parte substancial da obra realizada por João de Évora subsistiu, com pontuais transformações, até hoje. A espacialidade do templo, tal como existe e pode ser admi-rada, reflete uma precoce adequação da arquitetura religiosa ao prag-

9 Ao contrário do que refere no seu excelente livro Paulo Renato Ermitão GREGóRIO (op. cit., p. 31), a traça apresentada e aprovada no assento contratual era mesmo da autoria de João de Évora e não de um mesário de nome António Fernandes (na realidade porteiro e não pedreiro). Nada tem a ver com ele um homónimo mestre de pedraria activo no Norte de Por-tugal pelos mesmos anos (Francisco Marques de SOUSA VITERBO, Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Pedreiros e Constructores Portuguezes ou a serviço de Portugal, Lisboa, 3 séries, 1899-1911, cit. no vol. II, 1904). Tal se depreende da atenta lição paleográfica do contrato tabeliónico em causa.10 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 1 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 26 vº a 28 vº. Transcrito pela primeira vez em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, op. cit., 2003, pp. 118-120.

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matismo do estilo chão 11, e atesta o arrojo da solução avançada por este mestre certamente formado nos estaleiros de Tomar. A campanha correu célere, em maio de 1572 já se ultimava a carpintaria do forro e se pensava em erguer o coro, assente em duas colunas clássicas 12, e a sua estrutura arquitetónica deixava de respirar marcas de medie-validade (salvo a já referida capela gótica, reutilizada como sacristia). Em março de 1573, estas obras intestinas estavam de todo acabadas e o templo pronto a servir a comunidade 13.

Conhece-se documentação importante sobre a obra do retábulo da capela-mor, de que se encarregou em 1577 uma parceria de imaginários e carpinteiros de marcenaria de Lisboa, que incluíam Pedro de Frias, cavaleiro da Casa Real, e o flamengo Estácio Matias. Um litígio entre estes dois escultores, de que se sabem alguns dos meandros 14, levou a que só o flamengo prosseguisse a obra e fizesse as imagens do altar. Uma dessas esculturas será o bem lançado Cristo crucificado que se conserva na igreja, exposto na parede esquerda da capela-mor, peça de linhas ascéticas e de um veemente pathos dramático. Também o sacrário esculpido por Estácio Matias era peça esplendorosa, a crer

11 Segundo George KUBLER, Portuguese Plain Architecture between spices and diamonds, 1521 to 1706, Harmondsworth, 1967, o termo estilo chão qualifica a mais ousada contribuição da arquitetura portuguesa da Idade Moderna, espalhada pelos seus territórios de influência no mundo. Trata-se de uma linguagem que corresponde ao «modo vernáculo» nacional, marcada profundamente pela prática da engenharia militar e pelo despojamento das estruturas, apos-tando na singeleza e austeridade das construções, à margem das tradicionais morfologias do Renascimento, do Maneirismo e do Barroco. O estilo chão impôs-se na paisagem portugue-sa, metropolitana e imperial, até datas avançadas do século XVIII, retardando a entrada dos modelos barrocos nos discursos da arquitetura nacional. 12 Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, fls. 38. Leitura da Doutora Teresa DESTER-RO, O Mestre de Romeira e o Maneirismo escalabitano, 1540-1620, ed. Minerva, Coimbra, 2000, p. 211. 13 Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, fls. 41 e 42 vº. Leitura da Doutora Teresa DESTERRO, op. cit., pp. 212-213. 14 Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 69 de Notas de António Martins, Tabelião de Coimbra, 1578, fls. 123 vº a 125 vº, publicado por Vítor SERRÃO, O Maneirismo e o Es-tatuto Social dos Pintores Portugueses, Lisboa, IN-CM, 1983, pp. 105-106; id., A Pintura Proto-Barroca em Portugal, 1612-1657, tese doutoral, Univ. de Coimbra, 1992, vol. II, p. 602; id., 1998, p. 144 e n. 13; e, com leitura integral, Carla GONçALVES, Os Escultores e a Escultura de Coimbra. Uma Viagem além do Renascimento, tese doutoral, Coimbra, 2005, pp. 377-381. Cf. DOCUMENTO Nº 6.

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nos elogios que lhe faz um visitador do Arcebispado de Lisboa que, indo à igreja da Golegã em 1603, fez críticas acerbas ao lá existente e exigiu aos responsáveis desse templo que novo sacrário se fizesse tal como era o da igreja do Salvador de Torres Novas15. Para este retábulo quinhentista, mais se apura que foram encomendadas, em fevereiro de 1583, sete pinturas a óleo sobre madeira, de cuja realização se encarregou o pintor torrejano Gaspar Soares, por preço de 105.000 rs, cabendo-lhe dourar também a parte de entalhe16. Também foi chamado José Mendes, dourador de Lisboa, a fim de pintar e dourar o Sacrário que dominava a parte central deste retábulo. O conjunto foi apeado no fim do século XVII, mas sobreviveu uma das tábuas, a Ressurreição de Cristo, que estava no remate do conjunto, e que se expõe hoje na igreja de São Tiago, depois de ter estado muitos anos na sacristia da igreja.

O seu autor, Gaspar Soares, já em novembro de 1580 pintara e dourara o retábulo colateral, dedicado a Nossa Senhora do Rosário, com cinco tábuas, por preço de 35.000 rs 17. São de destacar os termos deste último contrato, pois o pintor se obrigava a entregar as tábuas com idêntica qualidade às da Ermida de Nossa Senhora do Vale e da igreja da Misericórdia, sugerindo-se que Gaspar Soares teria trabalhado nesses retábulos.

As obras do século XVII mantiveram o templo na feição a que as obras de 1570 a tinham moldado. O revestimento de azulejos de padro-nagem, colocado por volta de 1640-1650, constitui a principal novidade

15 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Livro das Visitações do Arcediago do Ribatejo, 1567-1623, Lº nº 667, fls. 111 vº-112. Este preciso e muito desconhecido Iivro de visitações é integralmente dedicado à igreja da Golegã e encerra dados histórico-artísticos do maior interesse, que recomendam estudo e publicação integral. DOCUMENTO Nº 8. 16 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 9 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 39 vº a 41 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, referido em idem, A Pintura Proto-Barroca…, 1992, II, p. 601, transcrito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 222--224; também publicado, com variações de leitura paleográfica, em Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, 2003, pp. 125-126.17 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 7 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 132 vº a 134 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, op. cit., 1992, vol. II p. 601, transcrito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 218-220, e também publicado, com variações de leitura paleográfica, em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, 2003, pp. 122-124. DOCUMENTO Nº 7.

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das campanhas seiscentistas realizadas no Salvador e contou, mais uma vez, com artistas de Lisboa para a empreitada de azulejamento integral das paredes e arco triunfal, concebidos como vistosos tapetes polícromos18. Também se realizaram nessa centúria as obras da nova capela-mor, que se preservam na atualidade. Para o retábulo-mor, depois de apeado o primitivo de 1577-1583, foi encomendado em 1685 o aparatoso conjunto de talha barroca de Estilo Nacional, que procurou seguir o modelo do retábulo da igreja do mosteiro de São Francisco de Lisboa, e para cuja feitura se chamou precisamente o mestre entalhador que fora responsável dessa obra, de nome Manuel da Silva 19. Trata-se de um exemplar de excelente qualidade dentro dos cânones da talha barroca do chamado Estilo Nacional, assim de-signado pelas características vernáculas que assumiu essa tipologia retabulística, simulando a morfologia dos portais românicos, pejados de túrgida decoração relevada e dourada de simbologia eucarística. Era uma época em que um pároco do Salvador, o padre João Rebelo Leitão, chegou a ser o Provedor da Misericórdia. Talvez devido a esse encargo, e ao sucesso do retábulo do Salvador, este mestre lisboeta voltou a ser chamado para vir a Torres Novas, em 1695, a fim de lavrar o belo Sacrário da igreja da Misericórdia, peça de grande qualidade e que tem muitas similitudes formais com o do Salvador 20. O douramento do retábulo e do sacrário coube ao pintor-dourador escalabitano António Rodrigues, que aqui se deslocou para esse fim, em 1688, cobrando 650.000 rs pelo trabalho de dourar, estofar e encarnar a talha e os seus motivos escultóricos 21. Para a boca da tribuna encomendou-se em Lisboa uma grande tela da Ascensão de Cristo, da autoria do famoso Bento Coelho da Silveira, pintor régio de D. Pedro II, mas essa peça, muito louvada por fontes antigas, foi destruída pelo uso constante (o painel destinava-se a tapar e destapar a tribuna ao sabor do calendá-

18 João Miguel dos SANTOS SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVII, II – Elenco, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, p. 172.19 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 118 de Notas de Domingos de Matos, Tabelião de Torres Novas, fls. 132 vº a 134. DOCUMENTO Nº 18.20 Sobre os dois sacrários em apreço, cf. Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., pp. 94-95.21 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 122 de Notas de Domingos de Moura de Matos, Tabelião de Torres Novas, fls. 190 vº a 192. DOCUMENTO Nº 19.

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rio litúrgico, descendo por corrediças e, como melhor se verá adiante, pereceu com o desmazelo e as intempéries) 22.

Estas são as obras essenciais que se documentam na igreja do Sal-vador ao longo dos séculos XVI e XVII. Mais sabemos que também o altar colateral da banda da Epístola, de invocação de Nossa Senhora do Rosário, foi dado a fazer, em novembro de 1700, ao mestre entalhador Manuel da Silva Monteiro, personalidade distinta do Manuel da Silva que fizera, vinte e cinco anos antes, o retábulo-mor 23. Trata-se de peça cuidada no entalhe, de lavor competente, que orçou 110.000 rs e tem o interesse maior de integrar no ático uma peça mais antiga, verdadeira jóia de pintura penumbrista do século anterior, a tela da Entrega do Rosário a São Domingos, obra de Bento Coelho! Também o retábulo do altar de Santa Luzia, que a este corresponde no lado do Evangelho, está docu-mentado: lavrou-o em Abril de 1722, em sintonia com o modelo do de Nossa Senhora do Rosário, um mestre local de nome Manuel Ferreira24, um atraso que parece revelar dificuldades desta confraria em ultimar a decoração do seu altar, e que mostra, também, anacronismos de lavor e maiores fragilidades no tratamento do entalhe, numa altura em que a morfologia do Estilo Nacional já se esgotara. Também o dourado deste retábulo se protelou, pois só em 1738 foi executado, não se sabendo, porém, quem foi o artista envolvido nesse trabalho, que incluiu a fatura de uma modesta tela, no ático, com o Martírio de Santa Luzia.

A história das obras da igreja do Salvador prossegue ao longo dos tempos com algumas campanhas de melhoramento que a situação a seguir ao terramoto de 1755 exigiu – ainda que essa catástrofe, todavia, não tivesse danificado o templo em moldes significativos, ao contrário do que sucedeu em São Pedro. Sabemos de várias obras patrocinadas pelas confrarias sedeadas no templo durante o século XIX, após a razia provocada pelas invasões francesas (ao nível das pratas, por exemplo).

Foi nos anos de 1960-1970 que se realizaram obras mais profundas na igreja, com alterações promovidas na fachada, com a mudança da

22 Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, 1936, p. 305.23 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião de Torres Novas, fls. 141 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 22.24 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 129 vº a 130. Inédito. DOCUMENTO Nº 26.

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fenestra pelo óculo de iluminação, de tipo revivalista, com pavimentação da igreja por tacos, a substituição do velho teto de madeira de caixotões do corpo com apainelado de pinho, a aplicação de azulejos oriundos da destruída capela de Nossa Senhora de Monserrate da Meia Via nas paredes acima dos altares colaterais, e com o rasgamento na parede da Epístola dos confessionários que hoje existem (o que obrigou à mu-dança do cadeirado que aí se encontrava para o coro alto) 25. Também nessa campanha de obras, que se prolongou por dez anos, se refez a pintura de brutescos, quase desaparecida, que cobria a maioria dos cinquenta e seis caixotões da capela-mor e revestia o arco-mestre, trabalho esse da responsabilidade do pintor torrejano José d’Abreu Lopes 26, autor também das pinturas revivalistas do altar, do ambão e da credência, de pedra bujardada, com histórias da Escritura inspiradas em representações de autores clássicos.

Obras recentes (2009/2010)

Data de 2009/2010, a última campanha significativa de restauro e alterações intestinas desta igreja, segundo o projeto do Programa de Regeneração Urbana do Centro Histórico da Cidade, no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN). Esta cam-panha levou a uma série de melhoramentos, desde a instalação de um sistema geral de segurança, à substituição da cobertura e repa-ração da estrutura de suporte do teto que estava muito danificada, à consolidação do retábulo-mor de talha dourada com montagem de suporte metálico, bem como a intervenções de estabilização na es-trutura da torre sineira, com instalação de um relógio e consolidação da sua cúpula, à substituição total das redes de água e eletricidade, incluindo instalação de novos pontos e aparelhos de iluminação, à construção de instalações sanitárias, e a intervenções mais peque-

25 Sobre as campanhas sofridas pela igreja após o terramoto, cf. o inventário on line da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (a extinta DGEMN), com fichas da Prof. Doutora Isabel Mendonça, realizado em 2000.26 José Bénard GUEDES (póstumo) e Joaquim Rodrigues BICHO, Igreja Paroquial do Santís-simo Salvador. Inventário Artístico, Torres Novas, 2011, pp. 7 e 35-40. Trata-se de edição do inventário datilogrado que Bénard Guedes realizou em 1966 para o Patriarcado de Lisboa.

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nas, como a reprodução de um antigo armário, colocado no lugar da capela de Ana Simoa, com serventia para a sacristia, utilizando as ferragens anteriores.

Arquitetura

A fachada da igreja, de estilo chão, orientada no sentido este-oeste, mostra fidelidade ao programa de obras da campanha de 1570 da au-toria do mestre João de Évora, na volumetria e simplicidade do risco, que oferecem uma imagem de eficácia e uma nova ordem de valores arquitetónicos introduzidos no gosto dominante na parte alta da vila, no interior da cinta de muralhas.

Fachada da igreja do Salvador (meados século XX)

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Do desenho quinhentista do prospeto, de pano único enquadrado por cunhal e pilastra, rematado por empena curva com uma cruz de remate e pináculo sobre o cunhal, exclui-se apenas, entre outras in-tromissões hodiernas, a modificação operada na colocação do nicho e óculo-janelão do coro, e no recorte superior da empena de duas águas, que remetem para sucessivas intervenções, uma delas tardo--setecentista, outra já dos anos 60 do século passado. No lado direito da frontaria, a cerca mostra ainda ao visitante desprevenido a presença de um portal gótico do século XIV, raro resíduo da igreja anterior às obras de 1570, com seu arco semi-apontado de cantaria, peça simples mas que constitui um testemunho valioso da antiga igreja. Também no pavimento junto à escadaria de acesso à igreja se observam vestígios muito diluídos de uma antiga pedra sepulcral trecentista com caracteres góticos (entre fragmentos de outras de datas ulteriores).

Acede-se ao templo por um escadório de lanços. O efeito geral de leitura do prospeto é eficaz: o pároco de 1758 que descreveu a igreja para as Memórias Paroquiais ordenadas a nível nacional a seguir ao terramoto refere-se a esse prospeto dizendo que a igreja «esta edificada em hum alto que a faz ser alegre, della se sobe por alguns degraus ate se dar em hum formoso taboleiro calçado de meudo seixo, e delle se sobe para a igreja por hum degrao». O pórtico, de moldura ascética, de ombreiras lisas e verba debruada, cumpre aquilo que no contrato se pretendia fosse um «portal de pedraria cham», com as suas linhas simples mas não singelas, de um estudado despojamento já dentro dos cânones contra-reformistas. Este pórtico é sobrepujado por uma janela rasgada, acima da qual se colocou um nicho lavra-do, de tradição renascentista, com arco de volta perfeita e estrutura gomeada na meia-laranja, abrigando a imagem pétrea do padroeiro, Jesus Cristo Salvador, em calcáreo de boa fatura e de imaginário desconhecido. Na molduragem, a legenda SALVATOR MVNDI. A fachada foi remodelada com a substituição do janelão do coro pelo óculo que é hoje visível 27. Apesar das intromissões, a presença do óculo clássico que se rasga acima, documentado também no contrato

27 Informa Joaquim Rodrigues BICHO, op. cit., p. 121, que estas obras dos anos de 1960 alteraram o fácies da frontaria, substituindo o janelão do coro pelo óculo que hoje ostenta.

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de 1570 com o mestre pedreiro tomarense João de Évora, reforça a impressão de uma obra gizada dentro de um novo gosto estético que se propunha desmedievalizar a igreja e, tal como sucedia nas grandes campanhas tardo-renascentistas do Convento de Cristo em Tomar, dirigidas (a seguir a João de Castilho) pelo mestre Pedro Fernandes de Torres, adaptar o gosto depurado e pragmático que se denomina Estilo Chão e que, como se verifica, ganhava foros de aceitação geral na arquitetura sacra e civil torrejana.

Também a torre, que segundo o contrato referido devia ser como a de São Pedro, e se ergue à direita, do lado do sul (o acrotério do cunhal da banda esquerda, em correspondência, mostra apenas um pináculo simples na decoração do remate), atesta o objetivo dos irmãos da confraria do Santíssimo Sacramento, no fim do século XVI, em se furtarem a quaisquer resquícios de aparelho medieval, empreenden-do obra nova, pragmática e eficaz. A torre, atarracada e deselegante muito por força das modificações operadas no entablamento do corpo principal da igreja (com o qual melhor se deveria harmonizar antes de a empena ser recortada), mostra um coruchéu baixo, alterado a seguir ao terramoto de 1755, com altas fenestras de verga redonda, rasgadas, para abrigar os sinos, e um remate de pináculos simples nos acrotérios. Em 1936, Artur Gonçalves registou a existência de um sino com a seguinte inscrição latina: EGO SVM VOX CLAMANTIS IN DESERTO 28. Joaquim Rodrigues Bicho, por sua parte, assinala um sino assinado por um mestre local, Joaquim Sorilha, e datado de 1806 (com a inscrição SANTISIMO SALUADOR SANTISSIMO CORAçAO DE IEZUS JOAQUIM SORILHA ME FES) 29 e outro sino mais antigo, de 1760, com a inscrição IESVS MARIA IOSEPH ECE CRVCEM DOMINE FVGITE PARTES ADVERSAE.

Fica a impressão viva, admirando-se o prospeto geral do templo, que a campanha de reconstrução de 1570 no Salvador seguiu o mesmo espírito das obras que então se faziam em São Tiago, onde também era

28 Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, Torres Novas, 1936, p. 302.29 Joaquim Sorilha, ou Sorrilha, era um mestre sineiro de Torres Novas, com oficina montada no lugar de Valverde e grande atividade na transição do século XVIII para o XIX (Artur GON-çALVES, op. cit., p. 302).

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intenção das autoridades religiosas retirar o fácies medievalizante, e das que se iniciavam na igreja da Misericórdia, bem como outras obras que decorriam na vila de Torres Novas no último terço do século XVI e ainda não estão, infelizmente, documentadas. Todas estas emprei-tadas da segunda metade do século quinhentista seguiram programa de intenções pré-estabelecido e que seria decisivo para a imagem de modernização da vila. Nesse sentido se expressou também Paulo Re-nato Ermitão Gregório ao historiar as primícias da construção da igreja da Misericórdia e as suas relações modulares com as outras igrejas da vila, no contexto de um urbanismo que se estabelecia com as suas linhas de crescimento e de influência 30.

Nas almofadas da bandeira da portada, a data de 1669 corres-ponde a uma das campanhas de decoração do templo, muito pro-vavelmente a série de modificações que barroquizaram o espaço, preparando a capela-mor e demais altares para os novos equipamen-tos de entalhe dourado, de estilo nacional e de estilo joanino, que a breve trecho iriam substituir os velhos e já desusados retábulos maneiristas. Apenas sobreviveram, do velho templo medieval (além da capela de São Jorge): a capela batismal, da banda do Evangelho, ainda com marcas da estrutura de pedraria artesonada que a cobria e a sua pia de batismo, de formato octogonal, sem decoração; uma pia de água benta simples à entrada (no sub-coro da igreja)31; alguns esparsos azulejos de aresta, de fabrico hispano-mourisco (que se misturam com azulejaria seiscentista na base do frontão do altar colateral dedicado a Santa Luzia) 32; restos de estelas sepulcrais com cruz templária e uma fruste representação de lavoura (canga e charrua relevadas), que se aplicou no altar colateral da Epístola; e uma pedra lavrada, de fatura quatrocentista, peça emoldurada de valia excepcional, que se adaptou ao frontão do altar de Santa Luzia e representa uma cruz relevada envolvida pelo que parecem ser os

30 Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, A igreja da Misericórdia, cit., 2003, pp. 40 e segs.31 Na parede da banda do Evangelho, junto ao púlpito, anota-se outra pia de água benta, esta de brecha da Arrábida, gomeada, da fase barroca a que corresponde a obra dos retábulos axiais.32 Lígia GONçALVES, «A respeito da difusão dos azulejos hispano-árabes: os exemplares da igreja do Salvador e da ermida do Vale em Torres Novas», Nova Augusta – Revista de Cultura, nº 23, 2011, pp. 139-147.

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tetramorfos dos Evangelistas, segundo a coerente interpretação de Joaquim Rodrigues Bicho.

Uma outra campanha de melhoramento documenta-se também, no exterior do templo, pela presença da data de 1714 que se admira, gravada, na verga da porta aberta num corpo de sobreverga arquitra-vada que foi acrescentado no flanco lateral da banda do norte. Esta data refere-se à construção do corpo utilizado por duas irmandades da igreja, como se verá no momento próprio do nosso percurso descritivo.

Na fachada exterior do flanco sul, enfim, destaca-se a existência de um contraforte escalonado, trecentista, pertencente à antiga capela gótica de São Jorge, utilizada depois como sacristia.

Uma última referência, no exterior, para dois tondi renascentistas com cabeças relevadas all’antico, que decoravam a empena posterior da igreja, mas desapareceram. É o padre Margalho, que descreveu o templo a fim de integrar as respetivas informações nas Memórias Paroquiais de 1758, que referencia esses medalhões quinhentistas, ao elogiar a boa qualidade dos acabamentos e reutilizações no in-terior da capela principal: assim, refere a existência, no exterior da mesma, daquilo que parecia ser um par de tondi de tipo clássico, possivelmente anteriores à campanha de 1570 por mestre João de Évora: «As paredes desta mesma Capella mor se observão feitas de pedras lavradas com umbreiras e bazes que pella forma se verifica terem servido em edifício antigo. Nascente das costas da mesma Ca-pella mor em cada huma das partes junto ao telhado se ve um busto ou cabeça de pedra coroada como por modo de coroa ou diadema a maneira dos bustos que se punhao aos Imperadores Romanos…» 33. A descrição remete para que se trate de tondi do Renascimento, a exemplo dos que João de Castilho, Pedro de la Gorreta, e seus co-laboradores, realizaram no claustro e em diversas outras partes do Convento de Cristo em Tomar, ou o escultor João de Ruão nos vãos do portal da igreja da Atalaia, ou o mestre Diego de çarça na igreja do Santíssimo Milagre de Santarém, para referir só exemplares em

33 A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 37, pp. 749-751, DOCUMENTO N.º 34. As duas imagens referidas, roubadas do altar-mor em fins do século passado, eram de madeira e estão fotografadas e fichadas no inventário de Bénard Guedes de 1966, pelo que poderão vir a ser, um dia, recuperadas e devolvidas à sua igreja. Acalentemos essa esperança.

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igrejas quinhentistas do Ribatejo. Este par de pedras decorativas, fossem medalhões com cabeças da Antiguidade ou mísulas de su-porte, chegaram até ao século passado, pois Artur Gonçalves ainda os refere num livro de 1936: «examinando-as atentamente, verifica--se não serem coroados romanos, mas simples mísulas com rostos humanos, para suporte da cimalha da empena das águas» 34. Ignora--se o que se passou para que essas pedras relevadas tivessem sido retiradas da decoração exterior do Salvador depois de 1936, mas a verdade é que já não existem na cimalha dessa parede posterior da capela-mor (um espaço, aliás, de difícil acesso por se integrar em quintal particular que lança para o vale).

Interior

A igreja é de planta longitudinal composta por uma ampla nave extensa, a que se acopla uma capela-mor de planta rectangular, jus-taposta àquela, com os seus anexos adossados de uma e outra banda (a atual sacristia à mão direita, e os espaços destinados às salas de despacho das irmandades de Santa Luzia e Nossa Senhora do Rosário à esquerda).

Os volumes do templo são escalonados através de cobertura dife-renciada em telhados de uma e dupla águas no corpo e no presbitério. É de assinalar a boa qualidade da obra de pedraria quinhentista, o desenho das cornijas, e a reutilização de pedraria mais antiga (conser-vada aquando da desmontagem feita em 1570, conforme ainda hoje se pode atestar em múltiplos detalhes).

O coro alto assenta em colunas toscanas simples. O arco triunfal da capela-mor, de boa pedraria, assenta em pilastras com capitéis de colunas jónicas, cobertas pelas pinturas de brutesco que eram, na origem, as da intervenção de 1688, mas foram integralmente refeitas na campanha de 1960.

A nave, coberta por teto em madeira de três planos longitudinais, mostra no fecho do arco triunfal a data de 1628, que corresponde ao

34 Artur GONçALVES, op. cit., pp. 308. 49-751.

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término de uma das campanhas intestinas de decoração. Já se consi-derou que essa data pode corresponder à da colocação dos azulejos (era esse o parecer de Vergílio Correia, por exemplo), mas tanto João Miguel dos Santos Simões como José Meco, grandes especialistas no estudo desta arte, se inclinaram para uma cronologia ligeiramente mais avançada, que se situa dentro do quinto decénio do século XVII. É digno da maior referência, pela sua qualidade técnica, plástica e de articulação com o espaço interior, este revestimento integral das paredes da nave, forradas de azulejos de tapete polícromo azul e amarelo. São de execução posterior à citada data de 1628, como se disse, e também anteriores à data de 1669 que se lê na bandeira al-mofadada da porta principal do templo (e datará uma campanha dos forros) 35, tendo o Engº João Miguel dos Santos Simões sugerido para a sua colocação parietal uma data de cerca de 1640 a 1650 36, hoje unanimemente aceite.

Trata-se de uma notável decoração integral, recorrendo a jogos geométricos de atapetamento parietal a partir do recurso ao desenho de vários padrões, mas abrindo-se também a dois painéis figurativos de 7 x 6 azulejos cada um, inscritos nas paredes que envolvem o arco triunfal, onde se representa, em dupla cena de vistoso aparato devocional e cenográfico, a Adoração do Santíssimo Sacramento. Ambos os painéis têm legendas, que são as seguintes: LOVVADO / SEIA.OSAN / TISSIMO S / ACRAMEN / TO, o da banda do Evan-gelho, e LOUVADO SE / IA O SANTISI / MO SACRAMENTO, o da banda da Epístola. Envolvem-nos nos vãos do arco azulejos que são diversos dos padrões que encontramos na nave — estes são de grutesco romano com candelabras e motivos all’antico, decerto inspirados em gravuras maneiristas flamengas —, que foram aqui adaptados aquando do arrasamento da capela da Meia Via, como se disse.

35 Vergílio CORREIA, Azulejos, Coimbra, 1956, pp. 42-44, considerava ser 1669 a data da decoração azulejar, cronologia temporã, que Santos Simões corrigiu devidamente.36 João Miguel dos SANTOS SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVII, II – Elenco, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, p. 172.

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Esta decoração azulejar, que anima verdadeiramente o espaço arquitetónico intestino e lhe confere uma dimensão cenográfica do-tada de grande força estética, atestando as múltiplas possibilidades do uso da padronagem azul e amarela 37, mereceu a João Miguel dos Santos Simões palavras de encómio. No revestimento do arco, notou afinidades com as composições de tapetes de jarras que se observam no coro da igreja do mosteiro de Jesus em Setúbal (com uso do tipo de padrão P-700).

Também observou Santos Simões que este notável revestimento segue, com toda a certeza, uma disposição específica das visitações arcebispais, já que várias igrejas da vila e do seu termo receberam, entre os anos de 1620 e de 1660, azulejos de padronagem polícroma deste tipo, ou seja, tudo numa época relativamente curta e, como ano-tou, «com uma grande unidade de modelos, parecendo encomendados ao mesmo tempo» 38. Assim se passa, de facto, vendo-se o recheio

37 Cf. a este respeito os estudos fundamentais de José MECO, Azulejaria Portuguesa, Livraria Bertrand, Lisboa, 1986, e O Azulejo em Portugal, Publicações Alfa, Lisboa, 1989.38 Idem, Azulejaria em Portugal no Século XVII, tomo II, p. 170.

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desta igreja e o das igrejas de Chancelaria, Lapas, Marruas, Parceiros da Igreja, Ribeira Branca, Zibreira, e ainda o da igreja da Misericórdia, na cidade, aliás o mais tardio (cerca de 1674-1675) e o único que está documentado 39.

39 Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., pp. 130-131.40 Idem, Azulejaria em Portugal no Século XVII, II, p. 172.

Revestimento de azulejos padrão seiscentistas

O forro de azulejo de tapete é especialmente digno de nota, pois fo-ram utilizados vários modelos de padronagem, revelando conhecimento por parte do ladrilhador que definiu as composições cerâmicas e as adequou ao espaço. Assim, encontram-se padrões desde os números P-102, 235, 605 e 110 do ‘corpus’ tipológico de Santos Simões, até ao P-434, todos separados nas composições pelo recurso aos modelos B-14 e 23 e C-12 b e F-6 e 23 40.

O efeito desta sinfonia de azulejos com composições geométricas em tons azuis e amarelos sobre o fundo branco de esmalte, desen-volvendo desenhos geométricos de variado efeito, num afã de fugir à monotonia das soluções, recorre às maçarocas e a outra folhagem e é de singular poder cenográfico.

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Na parede da banda do norte abre-se a Capela Batismal, espaço com vestígios da coberura artesonada gótica, com serventia através de um arco de pedra de volta perfeita, que preserva a sua pia batismal de pedra, de secção octogonal e simples de decoração. O púlpito, do mesmo lado do Evangelho, está adossado, com base de pedra ainda com restos da pintura de brutesco original, e não tem dossel, mostrando a caixa com boa talha dourada do fim do século XVII, coe- va do retábulo-mor e acaso do mesmo mestre Manuel da Silva, com decoração de acantos envolvendo ao centro uma águia bifronte. O revestimento de azulejos polícromos que envolve o púlpito oferece um aspeto cenográfico singular.

Na parede do sul rasgaram-se, em obras dos anos 70 do século pas-sado, dois vãos retangulares onde se encaixaram os confessionários, numa solução por certo justificada por razões de serviço litúrgico mas que prejudicou a unidade espacial da igreja. Desta banda assinala-se, também, a porta quinhentista de acesso ao coro alto, que data ainda da campanha de João de Évora e tem serventia para a torre sineira.

A pia de água benta, à entrada do templo, é de pedra lavrada, quinhentista.

No andar do coro do templo, são de registar, ocupando as pa-

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redes laterais, os corpos de um antigo cadeiral setecentista com catorze lugares em espaldar contínuo, marmoreado em pintura de fingimentos verdes e amarelos, rematado por fachos e ornamentos dourados. Este cadeiral pertencia à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e datará da segunda metade do século XVIII e foi aqui colocado, depois de dividido, no decurso das obras dos anos 70 do século XX, nas quais também foi retirado um altar lateral da banda da Epístola, considerado de escasso merecimento artístico e já sem utilidade para efeito de culto.

Capela-mor

A capela-mor foi sempre administrada, ao longo da Idade Moder-na, pela poderosa Confraria do Santíssimo Sacramento, que reunia algumas das mais notáveis personalidades da vila, e que possuía bens avultados, fruto de doações e empréstimos a juros, bem como propriedades imóveis e prédios de rendimento.

Esta Confraria, que teve desaguizados com outras instituições da vila, como a Misericórdia, conseguiu obter do Papa Paulo V uma bula de união com a arquiconfraria de Santa Maria sopra Minerva em Roma, e por essa razão, também, acumulou prestígio e benesses, possuindo à data do terramoto de 1755 mais de cento e cinquenta irmãos e um património vultoso.

Destaca-se a vultosa obra do grande retábulo, que preenche o espaço do altar-mor com uma importante máquina retabular de talha dourada, de Estilo Nacional, rasgada por tribuna com trono eucarístico. Sabemos, como se disse, quando foi feito e quem o executou: trata-se de obra lavrada em 1685, da autoria do mestre entalhador Manuel da Silva, natural e morador em Lisboa, que se obrigou, aliás, a seguir o mesmo modelo do retábulo da capela-mor do mosteiro de São Francisco da Cidade, na capital. O importantíssimo contrato inédito desta obra dá-nos pormenores de excelência sobre o modo como a empresa foi cumprida e qual o grau de responsabilidade exigido pela confraria41.

41 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 118 de Notas de Domingos de Matos, Tabelião de Torres Novas, fls. 132 vº a 134. DOCUMENTO Nº 18.

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Além da obra de entalhe barroco, Manuel da Silva lavrou também um notável sacrário, que merece contemplação pelo lavor minucioso que o reveste, com fino relevo da Ressurreição lavrado e policromado a decorar a sua porta. São de assinalar o desenho e requinte de lavor das colunas salomónicas, o recorte elegante da arquivolta larga, a decoração luxuriante de acantos, meninos, pâmpanos e aves, e outros pormenores que atestam as qualidades do entalhador. Duas imagens em madeira abrigaram-se mais tarde nos espaços dos intercolúnios, sobre mísulas: representavam as figuras de São Francisco de Paula, à esquerda, e São Bento, à direita 42.

Também se destaca neste presbitério o teto em abóbada de berço estribada em cimalha, decorado com caixotões pintados a ouro sobre fundo vermelho, com enrolamentos de brutescos, enquadrando turíbu-los no eixo central; a pintura de brutescos prolonga-se pelas faces do arco triunfal e lintéis das portas de acesso aos anexos. Sabemos que foi pintado em 1688 pelo santareno António Rodrigues, quando veio dourar o retábulo-mor e o sacrário, mas a ruína sofrida por efeitos de humidade levou a que fosse sucessivamente refeito. Cerca de 1970, a fábrica da igreja entregou o restauro destas pinturas da abóbada da capela-mor ao artista José d’Abreu Lopes, que aí imitou o que restava da campanha de brutescos pintados em 1688 por António Rodrigues, refazendo os brutescos doirados recortando-os sobre fundo pompeiano, de bom efeito. Esse artista realizou também as pinturas decorativas dos alçados laterais da capela-mor, no ambão de pedra bujardada e decorada, e na mesa de altar de pedra, com passos eucarísticos (Recolha do Maná, Abraão e Melquisedeque, Bodas de Caná, Última Ceia, etc) inspirados em autores clássicos 43.

O retábulo-mor barroco da igreja do Salvador tem traços de rea-firmação e consolidação da soberania nacional, como foi apanágio da grande retabulística lavrada e dourada do fim do século XVII, no seu afã de criar uma linha artística vernacular e inovadora, que se afirma melhor nos anos da Restauração anti-castelhana e no tempo

42 Segundo Joaquim R. BICHO, op. cit., p. 123, estas imagens foram roubadas num assalto à igreja em fins do século passado.43 Deve-se a Joaquim R. BICHO, op. cit., pp. 124-125, uma pormenorizada descrição destas pinturas de Abreu Lopes, elogiadas como «um vasto hino de louvor ao Santíssimo Sacramento».

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de estabilidade de D. Pedro II. Sobre o ambiente em que se fortaleceu o Estilo Nacional, marca indelével da Talha portuguesa, disse a histo-riadora de arte Sílvia Ferreira que, «a par desta conjuntura política e social, que será determinante na modelação da feição da nossa arte de final de Seiscentos e inícios de Setecentos, nunca é demais relem-brar a da esfera de influência das diretrizes tridentinas na produção de obra sacra, nomeadamente na obra de talha e imaginária. A arte da Talha, a par das suas congéneres pintura, azulejaria, arquitetura e demais expressões artísticas encontrou nesta conjuntura favorável o seu húmus de crescimento, que lhe permitirá desenvolver uma configu-ração estética irrepetível na história desta arte no nosso país. É assim que, durante este período de tempo, iremos assistir à multiplicação de encomendas de obra de talha retabular, e não só, destinadas a rechear de forma exaustiva os interiores dos nossos espaços sacros. Ordens religiosas, irmandades, clero secular, e mesmo particulares foram encomendadores assíduos e, consequentemente, dinamizadores desta arte. Esta forte demanda de obra obrigou à crescente formação e à especialização de mestres entalhadores, que amiúde os guindou ao estatuto de mestres escultores. Finalmente, abertas as portas às influências estrangeiras, nomeadamente francesas e italianas, não só pela presença entre nós da rainha francesa do primeiro casamento de D. Pedro II, mas igualmente pelos nossos contactos diplomáticos e eclesiásticos promovidos fora do Reino, os nossos mestres entalha-dores e escultores de madeira vêem-se perante um mundo de novas e renovadas informações estéticas que sabiamente aproveitarão» 44.

Na boca da tribuna ainda em 1758 existia uma grande tela represen-tando a Ascensão de Cristo, da autoria do pintor lisboeta Bento Coelho da Silveira. Esta pintura, encomendada pelo beneficiado João Dias do Avelar segundo nos informa o pároco que redigiu a memória para o inquérito nacional do Padre Luís Cardoso, chamado Manuel Veríssimo Margalho, as valências desta igreja, era obra de grande merecimento. Infelizmente, disso nos informa Artur Gonçalves em 1935, «depois de baldadamente procurar o paradeiro desta pintura, que parece revelava

44 Sílvia FERREIRA, A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os Artistas e as Obras, tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Especialidade em Arte, Património e Restauro), 2009, II, p. 172.

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Mesa de altar com pinturas clássico-revivalistas de José d’Abreu Lopes, c. 1970

Retábulo-mor,da autoria de Manuel da Silva, 1685

apreciável valor artístico, conseguimos saber que durante muito tempo esteve a tela abandonada no quintal da igreja, exposta ao tempo, até que desapareceu» 45.

45 Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, 1936, p. 305.

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Do anterior retábulo da capela-mor executado em 1577-1583, apenas nos chegaram até hoje uma vigorosa escultura do imaginário flamengo Estácio Matias, conservada na parede esquerda da capela--mor e merecedora de maior destaque contemplativo, pois é peça de qualidade acima da mediania, e uma tábua pintada pelo maneirista torrejano Gaspar Soares, de 1583, que se encontra atualmente, como se disse, na igreja de São Tiago.

Não chegou aos nossos dias uma formosa teia de madeira exótica torneada que dividia o espaço do presbitério do da capela-mor.

Na parede norte da capela-mor rasga-se a porta de acesso ao átrio, com serventia direta para a Sala do Despacho da Irmandade do San-tíssimo Sacramento e, à esquerda, a Sala do Despacho da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, ambas com os seus tetos de masseira com pinturas do século XVIII.

A chamada Casa do Despacho da Irmandade do Santíssimo Sacra-mento, que era na realidade a «Sacristia nova» dessa Confraria, formada por irmãos laicos e que detinha a responsabilidade da decoração e ges-tão litúrgica da capela-mor, mostra ainda o seu singular teto de masseira

Gaspar Soares, Ressurreição de Cristo (oval), 1583. Igreja de São Tiago(oriunda do antigo retábulo-mor

do Salvador)

Gaspar Soares,Ressurreição, c. 1585-90.

Igreja de Évorade Alcobaça

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com nove caixotões pintados de brutesco, preenchidos com símbolos eucarísticos integrando cartelas de profusa decoração barroca e de in-tenso cromatismo. No caixotão do centro, representa-se a Adoração da Eucaristia por Anjos, painel que atesta, ao alto da moldura envolvente, o ano de fatura – 1730 – e, na parte inferior, a assinatura do seu autor, M.EL FERRª LXª. Sem ser uma obra de primeira plana enquanto pintura, já que o desenho de figura revela as limitações do artista, a solução decorativa das cartouches com gorda ornamerntação floral e simbólica (envolvendo símbolos eucarísticos como sejam a Custódia, o Pelicano, a Fénix, as Uvas e o Feixe de Trigo) é assaz eficiente em termos iconográficos e de visualização plástica, e o sentido barroco da cenografia impõe-se, como solução barroca de utilização do género brutescado compacto.

Foi felizmente localizado o contrato de fatura, que nos diz que o pintor em causa – nome desconhecido da História da Arte, sobre o qual nenhum outro rasto se conhece até à data – fez o trabalho por preço de 24.000 rs, devendo pintar nessa «sancristia nova da ditta confraria» a obra do «tecto pintado a óleo de alvahyde e no painel do meio huma traja com huma Custodia de oiro e em roda huma gloria de Sarafins e dois Anjos vestidos (…) e nos quatro paneis pintará quatro tarjas de folagem com seu oiro com as plumas do Sacramen-to, e as molduras atartarugadas e os vivos dos painéis da parte de dentro dourados e faxas asuis metidas de claro e amarelo, os quatro florõis vestidos de folhagem com cabecinhas de oiro, tudo na forma dos apontamentos» 46.

O contrato é muito interessante pelos termos utilizados, que ajudam a ver melhor a obra remanescente de Manuel Ferreira Lisboa, como é o caso, por exemplo, da referência aos motivos atartarugados que são expressamente nomeados na obrigação contratual, os quais revestem efetivamente as molduras dos caixotões e conferem ao conjunto um caráter entre o exótico e o insólito.

Na mesma sala da Irmandade, subsiste bancada de madeira pintada de negro, com corpo central tripartido e decoração floral no espaldar, boa peça de mobiliário litúrgico.

46 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 297 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 25 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 31.

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Também merece referência especial o espaço da antiga Sala do Despacho da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, defronte da sala que acabamos de referir. Esta irmandade, ligada a eclesiásticos dominicanos e terceiros da ordem dos pregadores, tinha, no meado do século XVIII, juiz, escrivão, oito mordomos e um grande número de irmãos inscritos. Apesar de mal condicionada, preserva um teto de masseira com apainelado pintado de brutesco, com cinco caixotões, de melhor qualidade que o da sala precedente.

Refere-se, também, na sala contígua, um lavabo de pedra, de sin-gela decoração, com torneira antiga de castelo já danificado.

Por volta de 1720-1730, esta irmandade, de quem dependia o altar do mesmo título, mandou pintar os cinco painéis do teto que represen-tam, o do centro a Entrega do Rosário a São Domingos de Gusmão, pintura de boa execução, e os quatro restantes composições de bru-tesco compacto, com seus enrolamentos acânticos, pâmpanos, flores e outros motivos, de excelente desenho, entre molduras marmoreadas. Lamenta-se o anonimato que perdura sobre a responsabilidade artística desta obra realizada por volta do terceiro decénio do século XVIII, pois não se localizou em arquivos, até agora, o contrato com o carpinteiro

Teto de caixotões de brutesco, da autoria do pintor Manuel Ferreira Lisboa, 1730

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e com o pintor. A qualidade pictórica é evidente, pelo naturalismo das composições brutescas, que mostram um artista de recursos, superior ao citado Manuel Ferreira Lisboa. Sabemos que trabalhava na vila, por esses anos, o pintor Pedro Coelho Taborda, ativo em obras vultosas na Misericórdia e em São Pedro, e que em 1708 era irmão da Confraria do Santíssimo desta igreja 47, mas não é possível, por enquanto, pro-por uma autoria credível, até porque a documentação torrejana refere também outros nomes de artistas de pincel aqui ativos nestas datas, como Baltazar Cardoso, da Chamusca, e Teodósio da Cruz Miranda, da Golegã. A possibilidade de se tratar de obra do referido Pedro Coe- lho Taborda parece ser a mais conjetural, dadas as afinidades que a pintura deste teto mostra com a tela da Visitação da Virgem a Santa Isabel (1701) da tribuna da igreja da Misericórdia, bem como com as Bandeiras dos Passos da Paixão (1711), que sabemos terem sido executadas por esse pintor torrejano 48. Seja como for, trata-se de um espaço artístico digno de admiração e carecido de restauro.

Teto de brutescos da Irmandade de Nª Sª do Rosário,por Pedro Coelho Taborda (atr.), c. de 1720-30

47 Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Confraria do Santissimo Sacramento (da igreja do Salvador de Torres Novas), 1685-1711, fl. 169. Inédito.48 Sabe-se que em 1710-11 Pedro Coelho Taborda pintou as telas com os Passos da Paixão, e que por conta da obra recebeu em dois pagamentos, por ordem do Provedor João de Mesquita de Sousa Avilez, as quantias de 7.200 rs e de 34.000 rs (Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Mizª, 1710-1711 (nº 62), fls. 154 vº e 155. Inédito). As telas em causa, recém-beneficiadas, encontram-se depositadas no Museu Municipal.

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Na parede sul da capela-mor, abre-se serventia para a atual sacristia, instalada na antiga capela de São Jorge, espaço coberto com a sua abóbada de cruzaria de ogivas, do século XV, apoiada em mísulas e porta de vão trilobado entaipada. As nervuras, de fino recorte, mostram um bocete no fecho decorado com roseta e outros motivos naturalistas, e mísulas parietais com motivos fitomórficos, florais e geométricos, bem conservados. Para esta capela se fez em meado do século XVI um retábulo com painéis de pintura, que é de supor integrasse as quatro excelentes tabuínhas a óleo que representam São Jorge a combater o Dragão, Santa Marta, Santa Apolónia e São Filipe, expostas na parede direita da igreja de São Pedro, e que se devem à oficina do pintor Diogo de Contreiras 49.

São Jorge a combater o Dragão (pormenor), da Oficinade Diogo de Contreiras, c. 1550-1560, Igreja de São Pedro

49 Informação contida no inventário datilografado de José Bénard Guedes, de 1966, para o Patriarcado.

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Foi posta a descoberto nesta sacristia, nas obras dos anos 60 do século XX, uma porta tardo-gótica, com verga golpeada, que outrora dava acesso à capela-mor. Também se assinala um lavabo de pedra, acaso ainda quinhentista, mas com remate de volutas ulterior. O arcaz de madeira, com dois gavetões de duas almofadas cada, e quatro portas, ainda do século XVII ou início do XVIII, conserva alguma para-mentaria sacra, de que se destaca um véu de píxide de seda bordada a fio de ouro, setecentista, restaurado em 1964 na oficina de têxteis do Instituto José de Figueiredo 50. Pela sua raridade, também se destaca uma umbela do século XVIII, de damasco de seda vermelha, cujo galão é de franja dourado, e vara de pau-santo com varetas em barba de baleia. Registam-se, enfim, uma píxide de prata (que era do sacrário) e uma custódia de simples lavor, setecentistas.

Contígua à sacristia, fica outra antiga capela do fim do século XVI, fundada por Ana Simoa, mulher de Diogo Travassos, cavaleiro da or-dem de Cristo e fidalgo da Casa Real, que outrora abria para a nave na parede ocupada muito depois, em 1700, pelo altar de Nossa Senhora do Rosário. Resta a sua lápide:

CAPELLA DE ANNA SIMOA COM MISSA / COTIDIANA POR SVA ALMA : FALECEV EM (30) MAIO DE 1604.

Altares colaterais

O altar de Nossa Senhora do Rosário, na parede colateral da banda da Epístola, apresenta um bom retábulo barroco de Estilo Nacional, executado em 1700 e cuja autoria está bem documentada pelo aparecimento do contrato de 6 de novembro desse ano: sabemos que foi entalhado por Manuel da Silva Monteiro, mestre de entalhe morador em Torres Novas, por 116.000 rs 51. O retábulo seria «de

50 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 297 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 25 e vº. Inédito.51 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião de Torres Novas, fls. 141 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 22.

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obra de talha a qual havia de ser perfeita pelo molde e risco que está feito em que eles ditos juiz, escrivão e mordomos e mestre entalhador se contrataram».

Em termos morfológicos, divide-se em duas secções ou corpos sobrepostos, o principal com nicho envolto por par de colunas salo-mónicas, integrando ao meio a escultura da titular, e o superior com estípides ladeando uma moldura central, de secção hexagonal, onde se integra uma pintura sobre tela com a Entrega do Rosário a São Domingos pela Virgem e o Menino, obra tenebrista de muito boa modelação de panejamentos e poses de figuras, devida aos pincéis de Bento Coelho da Silveira, que desenvolveu nesta pequena peça, executada sem colaboração oficinal, o seu típico repertório pessoali-zado de formas e modelos. Quanto à escultura, considerada em 1758 «perfeitissima imagem de Nossa Senhora com o titulo do Rosario», é uma das boas peças de madeira estofada e pintada, de início do século XVIII, lastimando-se que (como já assinalava Bénard Guedes) o revestimento pictural tenha sido alterado.

No remate do retábulo, numa cartela turgidamente emoldurada de volutas e acantos, está a data de 1704 pintada; corresponde ao término da obra de douramento do entalhe, para a qual não se co-nhece o nome do artista envolvido. Trata-se, de um modo geral, de um bom testemunho de talha barroca, inspirado na obra de entalhe da capela-mor, o que deixa presumir conhecimento (senão discipu-lado) de Manuel da Silva Monteiro face ao mestre lisboeta Manuel da Silva. Mas este altar é especialmente valorizado pela presença da imagem setecentista da titular, Nossa Senhora do Rosário, e da magnífica tela de Bento Coelho.

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Altar de Nª Sª do Rosário da Igreja do Salvador, com talha de Manuel da SilvaMonteiro (1700) e tela de Bento Coelho com a Entrega do Rosário a São Domingos

Imagem de Nossa Senhora do Rosário, artista anónimo, início do século XVIII

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Na parede correspondente do lado do Evangelho, o altar da Con-fraria de Santa Luzia apresenta um retábulo que se diria gémeo do anteriormente referido, ou seja, em tudo correspondente ao da Senhora do Rosário. Na realidade, as afinidades são só aparentes e reduzem--se à morfologia seguida. O contrato, de 1722, envolve o entalhador torrejano Manuel Ferreira e orçou o preço de 90.000 rs, tendo o artista sido obrigado a cumprir essa espécie de duplicação morfológica, a gosto da irmandade contraente 52. É visível, neste retábulo tardio de Estilo Nacional, maior dureza e debilidade de entalhe, na modelação das colunas torsas e no revestimento de decoração miúda, que é sin-tomático do esgotamento de um modelo…

No nicho central, a imagem de Santa Luzia, em madeira mal pintada, tem sido sempre apresentada nas fontes como peça antiga e de muito merecimento, mas aparenta ser, afinal, trabalho seiscentista de bitola secundária, duro de modelação, que as novas camadas de policromia prejudicaram. Este retábulo colateral esquerdo manteve-se «a cru» muitos anos: o seu douramento só em 1738 se realizou, a crer na data na cartela inscrita na cimalha, o que revela dificuldades financeiras da confraria. Ignora-se quem realizou o trabalho e quem pintou a tela que orna a edícula da cimalha, em correspondência com a de Bento Coelho no altar gémeo da direita; este painel, que representa o Martírio de Santa Luzia pelo fogo, é obra de artista muito secundário, simplificado de composição, seguindo com dureza de modelação e pobreza de cor as convenções do hagiológio.

52 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 129 vº a 130. Inédito. DOCUMENTO Nº 26.

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Conjunto do retábulo de Santa Luzia, de Manuel Ferreira (1722),e tela de autor desconhecido, representando o Martírio de Santa Luzia, de 1738

Mais interessante é o facto de o frontal deste altar (onde, além dos azulejos de padronagem, se encontram, como se disse, alguns azulejos hispano-mouriscos, quinhentistas) 53 integrar na decoração, ao centro, uma pedra relevada medieval, já atrás referida, com a representação de uma cruz relevada, ao centro, envolvida pelos símbolos dos Tetra-morfos dos Evangelistas.

53 Lígia GONçALVES, «A respeito da difusão dos azulejos hispano-árabes: os exemplares da igreja do Salvador e da Ermida do Vale em Torres Novas», Nova Augusta – Revista de Cultura, nº 23, 2011, pp. 139-147.

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Altares laterais da nave

No flanco esquerdo da igreja, admira-se, perto do colateral de Santa Luzia, o nicho-retábulo de Nossa Senhora da Piedade, uma pequena jóia da talha joanina, com rica molduração entalhada e dourada, envol-vendo colunas salomónicas e, no cimo, uma sanefa acrescentada em data ulterior, tudo a envolver na edícula do nicho um excepcional grupo escultórico em madeira estofada e policromada de Nossa Senhora da Piedade, obra anónima de um veemente pathos barroco.

Pedra lavrada, medieval, com cruz envolta por símbolosdos Tetramorfos (?), existente no altar de Santa Luzia,

onde se encontram as relíquias dos Mártires da Concórdia

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Este nicho foi mandado fazer pelo prior António de Macedo e Silva, um responsável da Ordem de São Tiago de Espada e freire do Convento de Palmela, para acolher uma imagem milagrosa de São Francisco de Paula, com o seu relicário circundado de resplendor aberto no peito, peça que muito mais tarde passou para o retábulo-mor, sendo então (corria o ano de 1910) colocada aqui a escultura setecentista da Piedade, procedente do desafetado oratório dos Mogos Mello Carrilho. Trata-se, esta última, de uma das melhores peças do acervo de imaginária se-tecentista que existem em Torres Novas, de cuja autoria, infelizmente, se desconhecem dados mais precisos, podendo presumir-se que se trate de peça de fatura lisboeta 54.

Escultura de Nossa Senhora da Piedade, no altar da mesma titular

54 Joaquim Rodrigues BICHO, op. cit., p. 122. A imagem da Senhora da Piedade veio para o Salvador em 1910, data em que as freiras teresianas deixaram a casa Mogo Melo, onde estavam instaIadas.

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Sobre as referidas imagens de São Francisco de Paula e de São Bento (já infelizmente sonegadas, como se disse), informa-nos o Padre Margalho, em 1758, que «no mesmo altar esta huma imagem do príncipe dos Patriarcas, São Bento que mandou fazer Jorge de Mesquita e no peito em huma nomina duas relíquias huma, de Santa Ana e outra de Santa Maria Magdalena, que forão da Sereníssima Infanta (D. Maria), Duquesa a Senhora Dona Catherina como consta da autentica que esta no Cartorio, e no mesmo altar outra imagem de São Benedicto» 55.

A presença de relíquias nos altares da igreja do Salvador não se limitava a estes casos. No altar de Santa Luzia (em cujo frontal se expõe, como se disse, uma pedra relevada medieval, reaproveitada numa alusão a esse tesouro litúrgico) existia, dentro de um pequeno armário adjacente sob uma das edículas, um cofre de ferrolho com duas chaves que abrigava as relíquias dos chamados Mártires da Concórdia, que foram dadas à paróquia do Salvador em 1659 pelo cónego Manuel de Saldanha e a que se atribuía uma grande devoção, por terem sido achadas no lugar de Beselga, nos arredores de Torres Novas 56.

Um dos papéis que foi encontrado a acompanhar essas relíquias continha, segundo dizia em meados do século XVII o Agiológio Lusitano do Padre Jorge Cardoso 57, os seguintes dizeres: um, «dos corpos que se acharam com algemas», e o outro «do corpo que se achou junto dos corpos com algemas». Reza a tradição, citada por exemplo no Agiológio Lusitano de Cardoso, na História Ecclesiastica de D. Rodrigo da Cunha e na Benedictina Lusitana de Frei Leão de S. Tomás, e em outros au-tores do século XVIII, que se tratava das relíquias de São Secundino e São Rómulo, companheiros de São Donato, martirizados na cidade de Concórdia no ano de 145, reinando o Imperador Antonino, embora outras fontes remetam para o tempo de Galiano e a data de 264 d.C. 55 A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 37, pp. 749-751. Cf. DOCUMENTO N.º 34. As duas imagens referidas, roubadas do altar-mor em fins do século passado, estão fotogra-fadas e fichadas no inventário de Bénard Guedes de 1966, pelo que poderão vir a ser, um dia, recuperadas e devolvidas à sua igreja. Acalentemos essa esperança.56 Cf. Artur GONçALVES, op. cit., 1936, pp. 118 e 312, Memórias de Torres Novas, cit., p. 118, e Anais Torrejanos, p. 51.57 Padre Jorge CARDOSO, Agiologio lusitano dos sanctos, e varoens illustres em virtude do Reino de Portugal, e suas conquistas: consagrado aos gloriosos S. Vicente, e S. Antonio, in-signes patronos desta inclyta cidade Lisboa e a seu illustre Cabido Sede Vacante / composto pelo licenciado George Cardoso, natural da mesma cidade. Em Lisboa, Officina Craesbeekiana, 1652, II, p. 453, e vol. III, p. 263.

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O visitador do Arcebispado, Padre João Morais Bocarro, prior de São Vicente do Paul, foi mandado investigar a veracidade dos acha-dos, tendo mandado recolher, com resistências do povo, as relíquias. Fizeram-se escavações no local, que permitiram descobrir uma se-pultura com uma cruz gravada, e a própria Rainha Regente D. Luísa de Gusmão, interveio na questão, para travar a dispersão de relíquias pelas igrejas da região e tentar que elas viessem para a Sé Metropo-litana de Lisboa. Nesta ocasião, também o Dr. João Lopes Raposo de Castanheda, corregedor do Concelho de Torres Novas, foi incumbido de investigar a origem dessas relíquias, tendo escrito a esse propósito uma Relação do Descobrimento dos Santos Mártires da Cidade de Concórdia, que dedicou ao Duque de Aveiro 58.

Não remanescem na igreja os cofres-relicário e as imagens-relicário de que as fontes nos deixaram vaga memória, pois as perdas causadas pelas invasões francesas foram muito gravosas. Muitas peças desapa-receram, sobretudo as do tesouro de ourivesaria do templo 59. Essas perdas foram significativas, quer por furto, quer por terem sido muitos os objetos litúrgicos que foram mandados fundir por causa do imposto de guerra a que os invasores napoleónicos obrigaram as populações. Uma dessas peças, uma custódia de prata dourada, estava datada de 1595 e tinha gravado o nome do seu doador, Padre Teodósio de Oliveira.

São muitas as sepulturas existentes na igreja, mas na sua maioria estão ocultas pelos pavimentos de madeira, e outras estão quase diluídas pelo tempo e mal se lêem. As anotações de Artur Gonçalves e de outros autores atestam que se tratava, na sua maioria, de sepul-tamento dos notáveis da vila dos séculos XVI e XVII, como é o caso dos cavaleiros fidalgos António de Figueiroa e Mesquita, Manuel de Vasconcelos e Domingos Rodrigues Picamilho, bem como do Padre Salvador da Silveira e do capelão régio Padre Cristóvão Vaz (1544), entre muitas outras 60. Mais antiga era a pedra epigrafada que se en-controu, entaipada, na parede da capela de São Francisco de Paula, datada da era de 1366 e relativa a um cavaleiro de nome Martim Gomes.

58 Jorge CARDOSO, op. cit., vol. III, p. 263. 59 Artur GONçALVES, Torrejanos Ilustres, p. 147 e seguintes (sobre as invasões francesas em Torres Novas). 60 Idem, Mosaico Torrejano, cit., pp. 308-310.

II. Igreja de São Tiago

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Notícia histórica

A igreja de São Tiago, ou de Santiago, ou de Sant’Iago, pois com estas várias designações é referida, data do século XIII e diz a tradição que ocupa o lugar onde o rei conquistador fez erguer uma pequena ermida dedicada ao Apóstolo.

Trata-se de sede de desafogada freguesia urbana, dominando um cómoro, a meia encosta, junto à Rua Miguel de Arnide, para a qual deita o seu flanco lateral do lado norte. A abertura e sucedâneo alargamento dessa rede viária levou a que fossem mutiladas as capelas laterais da banda do Evangelho, cuja profundidade foi substancialmente reduzida.

Segundo o pároco que escreveu em 1758 para as Memórias Pa-roquiais do Reino (infelizmente, sem o sentido de rigorismo histórico do padre que escreveu a notícia do Salvador), a ordem de capelas existentes nas duas bandas do corpo era então a seguinte: «tem sete altares, o maior em que se venera Santiago Maior, Sam João Evange-lista e Cristo Ressuscitado, Nossa Senhora, e Sam Jozé, em imagens de vulto; da parte do Evangelho se venera em hum altar Sam Brás em imagem de vulto e huma relíquia do mesmo santo, que obra muitos milagres, no segundo altar se venera Sam Miguel Arcanjo, e no terceiro a Rainha Santa Isabel, ambas imagens de vulto. Da parte da Epistola se venerão no primeiro altar três imagens de vulto de Sancta Cathe-rina Doutora, Santa Marta e Santo Amaro, no segundo Altar se adora huma imagem prodegioza de Cristo Cruceficado, e no terceiro Nossa Senhora da Consolação, todas Imagens de Vulto» 61. Constata-se que muito deste acervo litúrgico desapareceu.

A fachada principal (com portas de madeira, almofadadas, datadas de 1689, e uma data de 1844 no alto da empena, correspondente a uma das campanhas reconstrutivas) tem torre sineira à esquerda, algo atarracada de proporções, e lança para um pequeno adro de onde desembocam as Escadinhas de Santiago, enquanto que a fachada posterior domina o conjunto do Largo do Paço e Rua Atriz Virgínia.

O historial da igreja deixa saber que se trata de um templo funda-do por D. Sancho I em 1203, e que foi implantado mais ou menos no

61A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 37, pp. 835 e segs. DOCUMENTO N.º 34.

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lugar altaneiro onde D. Afonso Henriques mandara erguer, à data da tomada da vila aos mouros em 1148, uma ermida dedicada ao Apóstolo São Tiago 62. Embora alguma infundada tradição aponte para que a construção da igreja tenha decorrido logo após a tomada aos mouros, a verdade é que tal facto só veio a ocorrer no início do século XIII, e se deveu às necessidades cultuais de uma povoação que se expandia com celeridade.

Em frente a esta igreja de São Tiago, reuniram as Cortes portu-guesas de 1438 para se decidir o destino da Nação e os assuntos da regência do Reino durante a menoridade de D. Afonso V. Foi no adro do templo, de facto, e no paço adjacente, que em novembro se rea-lizaram essas Cortes, impostas pelas circunstâncias da morte do rei D. Duarte e pelos termos do seu testamento, em que se votou confiança nacional na regência de D. Leonor, durante a menoridade do futuro rei, D. Afonso V 63. Os procuradores dos três Estados chegaram a acordo a fim de assegurar a transição de poderes, como se pretendia.

Uma das rosáceas molduradas de estilo gótico (século XV)

62 Artur GONçALVES, Torres Novas. Subsídios para a sua História, 1ª ed., 1935, p. 59; idem, Mosaico Torrejano, 1ª ed., 1936, p. 342.63 Joaquim VERÍSSIMO SERRãO, História de Portugal, vol. II, 1415-1495, ed. Verbo, Lisboa, 1978, pp. 54-58.

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À data, era a igreja de três naves e relativamente espaçosa, mas o crescimento populacional da freguesia e as mudanças de gosto impu-seram a sua articulação a um novo modelo chão, em data próxima à das obras do Salvador. Salvo uma notabilíssima imagem em calcário, gótica, de São Tiago Maior, que era certamente a do antigo altar, e de duas pias de água benta quinhentistas (uma delas manuelina e de excelente lavor), apenas a portada contígua à antiga capela de Santa Isabel, fundada no século XVII pelo chantre da Sé de Miranda, Domingos Gil Argulho, mostra vestígios góticos na portada quatrocentista de arco ogival simples e em outros sinais de uma estrutura que as exigências dos tempos inapelavelmente alteraram.

Já não se localizou na igreja a imagem gótica do padroeiro, que existia ao tempo dos estudos de Artur Gonçalves e vem reproduzida por esse historiador local 64. Poderia ser oferta da nobreza da vila e se encontra numa dependência, mostra restos da antiga policromia e tem características de estilo que a ligam à tradição naturalista das oficinas de Coimbra e à sequência da arte do famoso Diogo Pires-o-Velho, grande imaginário da cidade mondeguina. Também chegaram aos nossos dias, reutilizadas, duas rosáceas molduradas góticas, de fina cinzeladura, com sua decoração de vieiras, que se encontram, adaptadas a teias de uma varanda de serventia, no pátio exterior que dá acesso à igreja pela banda da Epístola.

64 Imagem reproduzida em Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, 1ª ed., 1936, pp. 342 e 353.

Imagem gótica de São Tiago Maior (final do século XV

ou início do XVI)

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Após as obras da reconstrução (que, apesar de indocumentada quanto a pedreiros envolvidos, é percebível pela lição do espaço e pelo que deixa inferir o contrato de 1570 da igreja do Salvador), a igreja de São Tiago deixou de ser de três naves, foi certamente ampliada no corpo e no presbitério, e passou a ter uma espacialidade chã. Pode ser que essa alteração coincidisse com o priorado de D. Jaime de Lencastre, um neto de D. João II que além de prior das freguesias da vila era também bispo de Ceuta e primaz de África, nesse cargo designado em 1545.

Em fins do século XVI, sabemos que um mestre entalhador lisboeta de nome Martim Rodrigues fazia um retábulo com o seu sacrário para o altar das Almas, à mão esquerda da nave da igreja, mas o facto de ter falecido no decurso da obra, que deixou por isso incompleta, levou a que se gerasse um litígio entre a viúva e a irmandade das Almas, o qual se sanou por acordo de 1598 com interesses das partes devidamente assegurados pela negociação assente em contrato de quitação 65.

É possível que o templo tivesse sido também integralmente azule-jado no século de Seiscentos, a exemplo do que sucedeu no Salvador, com um programa de padronagem azul e amarela, de que resta o conjunto da capela-mor. Infelizmente, esses azulejos (a terem existido na nave…) desapareceram, e o restauro sofrido pelo templo em 1984 impôs a colocação de um lambrim de azulejos modernos, que não vieram valorizar a espacialidade e coerência do conjunto.

Só no final do século XVII se documentam novas e importantes alterações no interior do templo, referenciadas pela data de 1689 aposta na portada de madeira do pórtico principal, que regista um dos momentos dessa redecoração intestina. É dessa época a campanha de decoração da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, onde se admiram duas pedras epigrafadas com data de 1692, ano em que se concluíram as obras de renovação da capela, as quais foram custeadas pelo Beneficiado João Rodrigues para aí se fazer sepultar, e com o chamamento do grande pintor de azulejos Gabriel del Barco y Minus-ca, por essa altura, para fazer a obra de azulejaria azul e branca que reveste essa capela.

65 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Tombo dos Bens que oje pesue esta confraria das almas do fogo do purgatório da Igreja de S. Tiago desta villa de torres novas, oye o prº de Abril de 1620, Lº nº 1782 (nº provisório de unidade de instalação), fls. 21-25. Inédito. DO-CUMENTO Nº 10.

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A data de 1693, em inscrição latina colocada em lápide moldurada na fachada posterior (a que lança para a Rua Atriz Virgínia), atesta o término da ampliação da capela-mor por esforço do pároco e dos beneficiados da igreja.

A inscrição referida reza o seguinte:

IN SANCTISSIMAE TRINITATIS / LAVDEM / ET IN SVAE DEVO-TIONIS / MONVMENTVM / PRIOR ET BENEFICIATI HVIVS / EC-CLESIAE. / HOC DOMINO PATRONO Q. SVO / MAIORI IACOBO / HABITACVLVM NOVITER / EREXERVNT / XVIII APRILIS MDCXCIII.

Os termos das visitações que felizmente remanescem para esta igreja, cruzadas com alguma preciosa informação notarial dos fundos arquivísticos, ajudam a compreender melhor as obras realizadas na igreja no tempo de D. Pedro II.

Conforme aos termos da visitação realizada em 9 de fevereiro de 1677 pelo próprio Arcebispo D. Frei Luís de Sousa, capelão de El-Rei

Pormenor da azulejaria barroca de Gabriel del Barco, c. 1692, na capela do Senhor Jesus dos Lavradores

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e membro do seu Conselho 66, a igreja estava muito carecida de or-namentos de obras. A visita seguinte, realizada pelo Padre Manuel de Jesus de Macedo, prior de Aldeia Galega da Merceana, em 2 de julho de 1684, assinala também essas carências e manda adquirir novas peças de prata que faltavam ao culto divino 67. As obras começaram entretanto, e sabemos hoje que, em 1693, o mestre entalhador Manuel da Silva executou a grande obra do retábulo-mor 68. Já a visitação do padre João de Matos Henriques, prior de Vila Verde e Comissário do Santo Ofício, com data de 6 de Dezembro de 1694, elogia a boa gestão do pároco, Padre António Ribeiro de Figueiredo, na direção dessas grandes obras, ordenando também que as relíquias de São Cosme e São Damião, que estavam com pouco resguardo na ermida desses titulares, passassem para esta matriz, mas avisando contra certos costumes que eram razão de devassa, como a falta de limpeza no adro, o facto de «certos esposados assistireem em casa de suas esposas antes de se receberem, de que nascem muitos escândalos e ofensas a Deus»69.

A visitação realizada em 24 de Dezembro de 1704 por D. Fernando de Abreu Faria, desembargador da Relação do Arcediagado de San-tarém, é muito interessante, pois se refere ao zelo com que o Prior António Ribeiro de Figueiredo havia feito as obras da capela-mor: «particularmente o affecto com que empreendeo a rehedificação da sua igrª e conseguiu vêlla erigida e usada a decencia que se deu a esta casa de Deus» 70.

Entretanto, em 1708, sabemos que a igreja foi alvo de uma grande campanha de pintura decorativa, a cargo de Baltazar Car-doso, mestre pintor e dourador da vila da Chamusca, que revestiu de brutesco as coberturas da igreja, dourou o entalhe do retábulo e

66 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Lº dos Capitulos da Vesita da igreja de São Tiago da villa de Torres Novas, 1677-1756, nº 65, fl. 2 vº. Inédito.67 Idem, ib., fl. 5.68 Não remanesce já o contrato da obra retabular, de que todavia existe súmuIa respeitante às notas do tabelião envolvido citando o livro de notas que se perdeu, datada de 18 de abril de 1693.69 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Lº dos Capitulos da Vesita da igreja de São Tiago da villa de Torres Novas, 1677-1756, fl. 8. 70 Idem, ib., fl. 9.

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da tribuna e pintou, ainda, um grande fresco existente na sacristia da igreja e que é alusivo a um invulgar milagre de São Tiago Maior durante a Reconquista 71.

Entretanto, os termos da visitação feita a 15 de julho de 1715 pelo Dr. Pedro de Brito da Costa, em tempo de sede vacante, não registaram «nada que advertir» 72, estando a igreja em funções de poder servir com toda a magnificência uma freguesia muito populosa. Também o Dr. António do Espírito Santo Freire, que visitou o templo a 30 de setembro de 1726, considerou a «igrª bem assistida assim no pertencente ao templo como no espiritual», e apenas «recomenda muito que se con-tinue na obra da tribuna para effeito de se doirar, e que o Reverendo Parocho requeira a Sua Ilustrissima que pellas quotas e rendimentos que se acham vencidas do Priorado se mande acabar a obra visto o Rev.do Padre Prior defunto lhe ter dado principio»73.

Em 21 de maio de 1747, consta uma visita do Dr. Luís Gomes de Loureiro, pároco da igreja da Atalaia, a mando do Cardeal Patriarca, que diz «ser esta vila huma das mais populosas fora da Corte», recomen-dando que, por isso, os eclesiásticos atuem «com toda a decência… trazerem cazaca, cabeção, e volta», sob pena de castigo e multa74. Também se criticaram então algumas festas «impróprias» realizadas no adro da igreja, sob pena de excomunhão. Numa outra visitação, realizada pelo Dr. Manuel Romão, mestre de Teologia da Universida-de de Coimbra, em 18 de fevereiro de 1752, achou-se «a igreja com perfeição e ricamente ornada», sendo «supérfluo advertirlhe cousa alguma pera o aseio e feição das sua igreja» 75.

Enfim, conhecem-se os termos da visitação de 13 de setembro de 1756, em seguida ao terramoto, feita à igreja de São Tiago pelo padre Dr. Henrique Henriques da Maia, protonotário arcebispal, que elogiou o zelo da administração e da gestão do pároco, Padre António Vicente

71 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 253 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas, fls. 71 vº a 72 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 24.72 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Lº dos Capitulos da Vesita da igreja de São Tiago da villa de Torres Novas, 1677-1756, fl. 11.73 Idem, ib., fl. 14 vº.74 Idem, ib., fl. 18.75 Idem, ib., fl. 20.

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Nunes (a quem critica apenas não ter passado os capítulos das duas visitações precedentes), notando a propósito, e ao contrário do que muitas vezes se afirma, que o templo resistiu bem e sofreu poucos danos com o megassismo do ano anterior 76.

Em 1758, segundo o relato já referido do pároco da igreja para as Memórias Paroquiais, o templo possuía sete altares, sendo o cola-teral da banda do Evangelho dedicado a São Brás, e o colateral da Epístola dedicado a Santa Catarina, todos eles com imagens e, em alguns casos, com relíquias. As obras que se seguiram ao terramoto, que impuseram uma série de modificações, conduziram, por exemplo, ao apeamento desses altares colaterais, que foram substituídos por portais.

Sobreviveu integralmente o notabilíssimo conjunto da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, que em 1758 tinha banquetas em prata dignas de encómio por parte do autor da notícia enviada para Lisboa. Assim a descreve mais o pároco que redigiu a memória de 1758: «Na dita Igreja de Santiago se venera a Sagrada Imagem de vulto de Chris-to Cruceficado, com o titulo do Senhor Jesus, imagem mui antiga e venerada, e muito milagrosa à qual recorrem a villa, e povos vezinhos, e ainda distantes em todas suas necessidades publicas e particulares recebendo sempre despachos nas suas petiçoens principalmente nas necessidades publicas, e a vezitão frequentemente os devotos todos os dias principalmente nas sestas feiras de todo o anno» 77.

Em 1793, foram feitas novas obras de decoração na histórica capela do Senhor Jesus dos Lavradores, sendo lavrado um novo e vistoso portal de pedra dentro da tradição clássica, que seria mais tarde repe-tido, com similitudes de tipologia e estilo, no portal da capela fronteira de São Miguel (obra que tem a assinatura M. THOMAZ e a data de 1878, relativo a uma reforma sofrida). Apesar das datas tardias que cronografam as portadas monumentais dessas duas capelas fronteiras – a do Senhor Jesus dos Lavradores e a de São Miguel –, a verdade é que seguem ainda esquemas morfológicos maneiristas, podendo

76 Idem, ib., fl. 22.77 A.N.T.T., Memórias Paroquiais, cit., vol. 37, p. 825.

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tratar-se de portais mais antigos que foram refeitos no final do século XVIII, o primeiro, e já no XIX, o segundo, por alguma imposição dos administradores.

Enfim, em 1798, foi encomendado em Lisboa um órgão ao famoso mestre organeiro António Peres Fontanes, recentemente beneficiado e, de novo, apto a servir em concertos musicais. Está assinado «Fon-tanes o fez em Lisboa Anno de 1798».

Alguns anos antes de 1935, como já foi referido e testemunhou devidamente Artur Gonçalves, contemporâneo do acontecimento, o alargamento da Calçada de Santiago, que passava a norte da igreja, e que foi transformada na actual Rua Miguel de Arnide, obrigou ao corte parcial das capelas da Rainha Santa Isabel e de São Miguel Arcanjo e à destruição do corpo da escada de acesso ao púlpito, transferido para a parede sul. Também se amputaram os dois altares colaterais, retirando-se o seu equipamento litúrgico (que se perdeu) e depaupe-rando o equilíbrio da espacialidade intestina: o da banda do Evangelho era dedicado a São Brás e tinha, segundo as fontes, bom retábulo de talha dourada, mas em seu lugar foi simulada uma porta, fingida, em correspondência com a da parede direita; o altar da Epístola era de-dicado a Santa Catarina de Alexandria e em seu lugar rasgou-se uma porta para acesso à sacristia 78.

O templo teve teia de moldura gótica, a delimitar coxia mais elevada de um e outro lado da nave, ao longo das suas paredes marmoreadas. Mas em 1963 ficou concluída a intervenção que removeu essa teia, uniformizou e refez o pavimento, retirou as guardas de ferro fundido da mesa da Comunhão e das capelas laterais, despiu de todos os elementos decorativos de vidro o lustre suspenso a meio da nave e pintou de branco as paredes, que em 1984 receberam um lambrim de azulejos de 1,20 m.

78 Segundo Artur GONçALVES, em Moisaico Torrejano, pp. 334-335, ambos estes altares tinham peças de valor: uma imagem de São Brás, e uma mão de prata, com anel, integrando uma relíquia desse santo arménio, bem como uma mitra e báculo de prata, que escaparam às invasões francesas e se preservam na sacristia; e uma tela de Santa Catarina de Alexandria, do século XVIII.

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Arquitetura

A planta da igreja, tal como pode ser hoje admirada, é longitudinal, composta por uma nave larga e uma capela-mor funda, ambas justa-postas. O presbitério, obra da campanha de ampliação ordenada pelo Padre António Pimenta no fim do século XVII, é de planta retangular e tem adossados anexos a norte e a sul (este, com serventia que conduz à sacristia). A data de 1693, numa inscrição latina aposta à parede exterior da capela-mor, atesta o fim da reconstrução da mesma. Os volumes estão escalonados nos dois corpos acoplados do edifício – capela-mor e nave – com cobertura diferenciada através de telhados de duas e de uma águas.

A fachada principal, virada a oeste, é de pano único e mostra as profundas alterações sofridas no século XIX, que lhe banaliza-ram o prospeto exterior. De facto, a igreja não se impõe, apesar da privilegiada implantação em cómoro dominando o centro histórico da cidade, por uma especial beleza. É de linhas simples, tem uma empena triangular (com data de 1844 na cimalha), janelão de coro sobrepujando a porta, e é enquadrada a norte por robusto cunhal apilastrado encimado por pináculo e à direita pela torre sineira, de alto coruchéu angular, refeito em campanhas de Oitocentos e já no século passado. O portal da igreja, de molduração retangular e linhas simples, encimado pelo janelão balconado do coro e por um óculo quadrilobado, tem nas portas almofadadas de madeira a data de 1689 que deve corresponder também à obra de cantaria remanescente, posto que modificada.

Ainda a respeito da torre, adossada à fachada do lado meridional, também o seu coruchéu de forma piramidal, rasgado por fenestras de verga redonda e decorado com pináculos nos ângulos, dá uma impressão pauperista e mostra o efeito das sucessivas remodelações, que contribuíram para lhe depauperar o efeito geral. Esta única torre possui, tal como a do Salvador, um sino assinado por Joaquim Sorrilha e datado de 1804.

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A fachada posterior, onde se encontra a referida inscrição datada de 1693 correspondente à ampliação do presbitério, assenta num alto embasamento e tem uma empena angular, enquadrada por cunhais de lavor rusticado, tudo encimado por pináculos nos acrotérios.

No flanco do sul, observam-se vários anexos que abrem para um pátio interno. É imperioso observar, nesse pátio, o referido balcão pétreo que conservou duas rosáceas góticas, de excelente lavor ogival, cons-tituindo certamente um raro aproveitamento da velha igreja medieval 79. Estas duas rosáceas molduradas do século XV incluem na sua decora-ção de base um renque de vieiras jacobeias. Tudo é de excelente lavor

Fachada da igreja de São Tiago (meados século XX)

79 Muito se estranhou, durante a pesquisa para a realização deste livro, a ausência de biblio-grafia com referências a estas pedras lavradas góticas, desfuncionalizadas e reutilizadas em datas hodiernas, e que só por si justificam um estudo de pormenor.

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de pedra, a atestar a presença de um estatuário de mérito. São dignos da maior atenção, não apenas pela raridade da fatura como pela sua qualidade. Parece que foram utilizados, em certo tempo, como teias ou grades de capela e foram, muito mais tarde, reutilizados numa espécie de coxia ao longo das paredes da nave. Foram retirados, segundo as informações disponíveis, com as obras concluídas em 1963.

Ao longo do flanco norte, enfim, destacam-se os volumes salientes dos anexos, ainda que truncados, como se disse, com o alargamento viário que lhe decepou as extensões dos corpos adjacentes. Na pare-de da nave da banda da Epístola rasga-se um portal com acesso por simples escada.

Capela-mor

Sabemos que a obra de renovação da igreja de São Tiago, des-medievalizada da sua estrutura gótica de três estreitas naves, proveu um maior redimensionamento e espacialidade do interior, e a fábrica da capela-mor seiscentista não fugiu a esse sentido: ampliou-se a capela-mor, que passou a abrir para o corpo com um amplíssimo arco triunfal de forma semicircular, assente em pilastras toscanas, com de-coração de três vieiras relevadas no fecho, alusivas ao Apóstolo São Tiago Peregrino.

Sobre este arco triunfal foi colocado o painel quinhentista de Gaspar Soares que representa a Ressurreição de Cristo e pertencia ao antigo retábulo-mor da igreja do Salvador, de 1583. Está melhor resguardado que numa parede da sacristia do Salvador, onde esteve durante muitos anos e mal era visível.

Embora a capela-mor seja mais estreita e baixa que a nave, o seu prospeto é de certa imponência. As paredes são envolvidas por um silhar baixo de azulejos, imitando um padrão polícromo seiscentista. Ignora-se como era o retábulo existente no século XVI, mas o que se construiu na era pedrina sobreleva de interesse, tal é a sua imponência artística. A obra deste magnífico retábulo barroco de Estilo Nacional, lavrado no fim do século XVII tal como o belíssimo Sacrário que tem dominância no centro da tribuna (com pelicano no remate), é devida

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ao imaginário-entalhador lisboeta Manuel da Silva. Mostra qualidades idênticas às do retábulo do Salvador, com um sentido de monumenta-lidade que o impõe no contexto geral do espaço, dignificando-o com a força da sua viçosa ornamentação naturalista, com motivos vegetalis-tas, enrolamentos acânticos, aves e pâmpanos. É peça de nível muito pronunciado, que a fina decoração pictórica, na camada de douramento e policromia, vem reforçar. No fecho das arquivoltas, avulta a espada da Ordem de Santiago, segura por dois anjos.

Retábulo barroco da igreja de São Tiago(durante o restauro recente)

O retábulo teve a intromissão, na parte central, de uma larga tribuna com trono eucarístico, tal como impuseram as normas litúrgicas, no pleno reinado de D. João V. Essa tribuna foi rasgada em 1724 por mãos do entalhador Manuel Ferreira, que a executou segundo o modelo da que existia no desaparecido retábulo da igreja de São Pedro80. A obra

80 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 284 de Notas de Hilário Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 6 vº a 7 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 30.

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foi bem integrada e é de boa execução, ainda que se notem discre-pâncias entre essa adjacência, feita de um Estilo Nacional tardio, e a frescura de entalhe, de miúda filigrana de relevo nos acantos e nos ornatos florais, que caracteriza a estrutura retabular. De data posterior, a mesa de altar é de talha, em forma de urna, com decoração rococó.

A capela-mor é coberta por abóbada de berço redondo, que era pintada de brutesco. Só subsiste um renque de ornatos a ouro no friso de entablamento e vestígios diluídos no arco-mestre. Sabemos que estas pinturas foram encomendadas em 1708 a um pintor oriundo da Chamusca chamado Baltazar Cardoso, nome até à data absolutamente desconhecido, que por contrato de 10 de janeiro estabeleceu com o prior Dr. António Ribeiro de Figueiredo e com os beneficiados da igreja pintar os tetos da capela-mor e nave, subcoro e sacristia, entre outras tarefas de pincel, tudo por preço de 180.000 rs 81.

O artista, designado como «Baltezar Cardoso, pintor e morador na vila da Chamusqua», obrigou-se então a «pintar a capella mor e arco da dita igreja de brutesco, e que no meio da dita capella lhe pintase huma tarja com huma gloria de anjos e sua cimalha de embotidos, e outrossim lhe haver de pintar o corpo da igreja também de brutesco com seus anjos e festõis de flores e fructos e no meio huma targea grande e dentro nella o Apostollo Santiago a cavallo como se custuma pintar em simalha pintada que vão terminando em roda, e assim mais se obriga a pintar o coro da dita igreja, grade e cadeira, e debaixo de brutesco e outrossim a escada do púlpito, portas e ginellas…, e a sacristia». De toda esta magna obra de pincel apenas nos chegaram parcos vestígios no arco e cornija da capela-mor, e na sacristia, onde é de Baltazar Cardoso o fresco com um milagre de São Tiago de que adiante melhor se falará.

É muito possível que, sob a robusta camada de reboco de cal que cobre a abóbada da capela-mor, exista ainda parte da pintura brutesca de Baltazar Cardoso. O mesmo já não sucede no teto da nave, que foi integralmente refeito, segundo os dados de informação disponíveis, a seguir ao terramoto.

81 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 253 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas, fls. 71 vº a 72 vº. Inédito. DOCUMENTO N.º 24.

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Capelas complementares

O interior da igreja de São Tiago é, desde a segunda metade do século XVI, de nave única, coberta por um teto em madeira de cinco planos longitudinais, que foi modernizado, tendo desaparecido as pin-turas de brutesco que recebeu em 1708.

É antecedida, à entrada, por um coro alto sustentado em colunas toscanas simples. No coro alto, conserva-se órgão rococó de tubos ver-ticais, da autoria do famoso mestre organista Peres Fontanes, assinado e datado de 1798, com lavores finos (pautas musicais e solfejos) no espaldar do teclado. Um guarda-vento em madeira resguarda a porta de entrada. Nas paredes, encontram-se duas telas de secundária pin-tura, uma delas o Repouso na Fuga para o Egipto, tenebrista e do fim do século XVII, de artista regional, e o Milagre de Nossa Senhora da Penha de França, já setecentista e com interesse iconográfico evidente, posto que de modestos dotes artísticos.

Do lado direito da porta, admira-se uma pia de água-benta de cerca de 1500, de fatura manuelina e de excelente lavor, mais um testemunho da antiga igreja, ao tempo em que possuía três naves góticas.

Milagre de São Tiago aparecendo em sonhos ao Bispo Estêvão,fresco de Baltazar Cardoso, 1708, na sacristia

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Pia de água benta manuelina

Do lado do Evangelho, a seguir à porta lateral, encontramos a an-tiga capela dedicada a Santa Isabel de Portugal, com acesso por arco redondo, com retábulo rococó em madeira pintada e dourada.

A capela dedicada a São Miguel Arcanjo, antecedida por elaborado portal com pilastras coríntias caneladas e frontão triangular interrom-pido, tem o seu retábulo de Estilo Nacional tardio, de cerca de 1730, pintado e dourado, com mesa de altar rococó, em forma de urna.

Do lado da Epístola a capela batismal, no piso baixo da torre sineira, tem acesso por arco quebrado e documenta uma das preexistências medievais que remanesce. Antes da capela do Senhor Jesus, encon-tramos a antiga capela de Nossa Senhora da Conceição (cujo altar preserva o seu retábulo de talha setecentista, de tipo comum, que é gémeo do retábulo do altar fronteiro), e dela se acede à antiquíssima capela de Santa Isabel, fundada pelo chantre da Sé de Miranda, Do-mingos Gil Argulho, de que resta um restrito espaço correspondente à antiga parede fundeira, que foi parcialmente entaipado pela escada de acesso ao púlpito, e onde se pode ler a inscrição de fundação:

Dºs GIL ARGVLHO / CHANTRE QVE FOI DA SE DE MIRANDA. MA / NDOV FAZER ESTA / CAPELLA Pª SEVEN / TRº E DE SVA IRMã LUZIA GIL / ARGVLHA. SOMTe COM / MISA COTEDIANA 82. 82 Sabemos que o chantre da Sé de Miranda era filho de um advogado de Lisboa, Dr. António

Ribeiro Argulho, e que viveu na primeira metade do século XVII. Infelizmente, não se localizou o seu testamento, que seria importante para caracterizar estas obras.

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A abóbada de berço desta antiga capela é formada por dez cai-xotões de pedra com pintura de brutesco de oiro nas molduras, en-quanto que as edículas estão preenchidas – numa solução artística muito inusual – por azulejos de padronagem azuis e amarelos, de belíssimo efeito decorativo. Também a cornija tem vestígios de uma decoração de pintura brutesca do meado do século XVII, associada à obra de azulejaria; por outro lado, a molduragem dos caixotões inclui um renque de padronagem azulejar da mesma época, criando um efeito congregador, de sugestiva impressão estética. Trata-se de uma solução plástica muito interessante de uso do azulejo de padronagem como elemento catalizador de dinamização da arquitetura, em que é o azulejo a ocupar o lugar tradicional da pintura para estruturar um painelado edicular de cobertura.

Infelizmente, nada se conhece, em termos documentais, sobre os artistas envolvidos nas obras desta capela, podendo presumir-se, po-rém, que se trate de uma campanha de obras patrocinada pelo próprio padre Domingos Gil Argulho, em data próxima ao meado do século XVII, e envolvendo mão-de-obra torrejana no que toca à pintura e também ao ladrilhamento dos azulejos de padrão oriundos da capital.

A capela foi desmantelada e o seu espaço, truncado tal como hoje subsiste, com acesso pelo exterior, serve de apoio aos serviços da paróquia.

Pormenor do teto com brutesco e caixotões de azulejos de tapetena antiga Capela do Chantre da Sé de Miranda, c. 1640

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Na mesma banda, destaca-se o púlpito de caixa em talha dourada, sem dossel, assente em base de pedra moldurada de bom desenho, é obra do primeiro terço do século XVIII decorada com fina obra de relevo de madeira dourada, em que avulta, ao centro, a cruz dos espatários envolta por entalhe de gordos motivos acânticos.

Púlpito de talha barroca

Também do lado da Epístola, junto ao arco-mestre, destaca-se a mais importante capela da igreja, onde se venera uma imagem con-siderada miraculosa do Senhor Jesus, dito dos Lavradores, que ati-vou, durante o século XVII e até hoje, uma confraria responsável por concorridas procissões dos habitantes da vila e trabalhadores rurais do seu termo, sobretudo em períodos de seca prolongada e de cares-tia de produção agrícola. Trata-se da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, que constitui, na sua feição conservada nos nossos dias, um exemplo notável de arte barroca total dos séculos XVII-XVIII, onde se une uma estrutura arquitetónica centralizada (provavelmente ainda do século XVI, de traça renascentista) com o revestimento de talha de Estilo Nacional, a imagem gótica do padroeiro, o notabilíssimo reves-timento de azulejos historiados, de 1692, e a cúpula, decorada com uma composição de pintura ilusionística.

Existe no seu interior uma sepultura e uma lápide relativas ao mecenas que se responsabilizou pelas obras da capela no tempo de D. Pedro II, o Beneficiado João Rodrigues Rogeiro (geralmente co-nhecido como Beneficiado João Rodrigues), que fixa com bastante

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segurança a data em que a decoração barroca foi levada a cabo, unindo talha, azulejo, imaginária e pintura num espaço restrito mas de fortíssimo sentido devocional:

Sª DO BN.dº / JOãO ROIZ / 1692.

EM GRATIFICAçãO / DO BNdº IOãO ROIZ. OR / NAR ESTA CAPª DO BOM IHS, / OS ADMINIST- / RADORES Q. SãO OS IRMãOS / DA Stª CAZA DA / MIZª DESTA Vª E DEFINITORIO / LHE DERãO A / SEPVLTURA EM ELLA PARA ELLE Só, / E ELLE ACEI- / TOV, SVPPOSTO TINHA / OUTRA CAPª E CARNº / E NESTA QVER SER SEPVLTADO.

É, no seu género, um caso único no Concelho e foi alvo, muito re-centemente, de uma intervenção integral de conservação e restauro dos seus valores, durante o programa recente de beneficiações integrais do equipamento artístico, no âmbito do QREN, tarefa essa assumida pela firma Capitellum e que reabilitou as suas valências de arte sacra, e possi-bilitou a descoberta, aquando da remoção da talha que reveste a cúpula, de uma interessantíssima pintura ilusionística barroca, mais antiga que o revestimento de entalhe, cuja existência era totalmente desconhecida.

Pormenor da capela do Se-nhor Jesus dos Lavradores

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O culto do Senhor Jesus dos Lavradores de Torres Novas remonta a eras imemoriais, sendo tradição que a imagem de Cristo crucificado foi achada numa escarpa na confluência do castelo83, inaugurando um culto que desde cedo se estruturou em torno de uma irmandade do mesmo nome. A confraria foi fundada por «alguns boõns homens morantes na villa de Torres Novas… e é chamada Confraria dos Lavradores» 84. O seu Compromisso foi aprovado «nas calendas do mês de Fevereiro da Era de mil dozentos e cincoenta», que corresponde ao ano 1212 da era cristã. Esta estrutura corporativista, dominada por lavradores e tra-balhadores agrícolas da região, teve tombo de propriedades em 1502, que vem atestar a sua riqueza em termos de bens imóveis reunidos. A irmandade manteve a sua independência orgânica, organizando as suas concorridas festas e preservando um culto próprio, de fervorosa devoção popular, até que em 1578 foi anexada pela Santa Casa da Misericórdia, com o título de Confraria do Senhor Jesus.

Apesar dessa alteração de tutela, que preservou a autonomia do culto, a confraria mantém o altar em São Tiago, numa capela funda da banda direita, privilegiada e isenta da jurisdição paroquial, e con-tribuiu, com o beneplácito das mesas da Misericórdia, para o seu me-lhoramento. Este vínculo criou, durante os séculos XVIII e XIX, muitos conflitos entre os párocos de São Tiago e os provedores e irmãos da Misericórdia, com demandas e processos judiciais, de que se conhecem muitos pormenores 85.

Era essa anterior capela de origem quinhentista e tinha uma outra de-voção. Sabemos que aí repousam o nobre Antão Mogo de Mello Carrilho e sua mulher, a humanista Ângela Sigeia de Velasco, que foi dama da corte da Infanta D. Maria, ainda que a lápide sepulcral desses persona-gens já não sobreviva (ou não seja visível). Será de presumir, pelo que se conhece do gosto desses cultíssimos mecenas quinhentistas, que a

83 Cf. João Carlos LOPES, Imagens do Homem, imagens de Deus, cat., Museu Municipal, 1996, p. 12. Outras tradições locais, contrariando aquela, defendem que a imagem foi achada nos campos do Espargal. O que é certo é que a sua descoberta deu lugar a um culto intenso em toda a região de Torres Novas, ligado à prosperidade agrícola e à proteção dos campos. 84 João Carlos LOPES, Imagens do Homem, imagens de Deus, cit. 85 Artur GONçALVES, Torres Novas, 3ª parte, cap. XIII («O Senhor Jesus dos Lavradores ou de Sant’Iago»), pp. 325-330.

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capela tivesse decoração a preceito, dentro dos modelos italianizantes tão cultuados pelos Mogos Carrilho (que, por exemplo, tiveram no seu património uma obra do grande pintor maneirista António Campelo a de-corar o altar do seu oratório de Torres Novas e que está hoje no Museu). Seja como for, já nada do século XVI subsiste nesta capela.

Interior de planta centralizadada capela do Senhor Jesus dos Lavradores

A posse da capela do Senhor Jesus foi, como se disse, motivo de acesas disputas entre os padres de São Tiago e as provedorias da Santa Casa da Misericórdia, entidade que no tempo de D. Sebastião passou a gerir a capela e a custear as suas obras, ainda que as procis-

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sões cíclicas em honra do Senhor Jesus dos Lavradores continuassem a ser da responsabilidade da confraria 86. No Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, os livros de contabilidade dos séculos XVII-XVIII pululam de referências a encargos anuais com a administração desta capela, lembrando-se, por exemplo, que já em 1679 os padres de São Tiago tinham reconhecido direitos administrativos à Santa Casa da Misericórdia na gestão dessa capela, ligada a miraculosos eventos por causa do culto da sua imagem 87. Os privilégios da Misericórdia serviram de óbice a que os padres de São Tiago patrocinassem uma irmandade da Vera Cruz que queria ter sede na capela. Em 1677, a Misericórdia custeava, por exemplo, as grades da capela e em 1679 decorriam obras na cúpula. Infelizmente, na documentação nada se diz sobre a obra de pedraria, que proveu a centralização do espaço com bem lançada cúpula clássica, nem a obra do retábulo barroco ou o revestimento de azulejos.

Conhecem-se, entretanto, pagamentos de outras «obras miú-das» nas contas da Misericórdia de Torres Novas, como a que, em 1722, fez a mesa da Santa Casa ao pagar 2.940 rs «do feitio de duas cabelleiras que se mandaram fazer, huma para o Senhor Jesus de S. Thiago, e outra para o Senhor dos Passos»88. Também se regista, em 1737, a obra das gavetas do altar do Senhor Jesus em São Tiago pelo serralheiro António Francisco e pelo carpinteiro Manuel Antunes, registada nas contas da Misericórdia89. Em 1741, o provedor da Santa Casa despendeu «com a Capela do Senhor Jesus de S. Thiago» a quantia de 24.000 rs «que deu pª ajuda do ouro para se dourar», em parte de pagamento90. Tratava-se de verba destinada a dourar a obra de marcenaria retabular (aliás, também prateada, além de dourada) 91,

86 João Carlos LOPES, op. cit., cap. «A Confraria dos Lavradores de Torres Novas», pp. 20-22. 87 Treslado citado em Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despesa da Misª de 1705-1706 (nº 57), fl. 181. O contrato em causa data de 11 de Junho de 1679. Inédito.88 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despesa da Misª de 1722-1723 (nº 73), fl. 152. Inédito. 89 Idem, Livro de Receita e Despesa da Misª de 1736-1737 (nº 83), fl. 182 vº e segs. Inédito. 90 Idem, Livro de Rec. e Despesa da Mizª, 1741-42 (nº 88), fl. 223 vº. Inédito. 91 Informam-me os técnicos de conservação e restauro da firma Capitellum que a talha desta capela foi sobretudo prateada, usando o subterfúgio da mistura da prata com goma arábica para criar o mesmo efeito do douramento que, na realidade, não foi usado.

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envolvendo a imagem do Senhor Jesus, pois o altar sofrera entretanto novas modificações, assim como o revestimento de talha da cúpula. Em 1752, o pintor Bernardo Delgado Valente recebe da mesa da Mi-sericórdia duas pagas de 9.600 rs cada, para pintar de ouro o altar e capela do Senhor Jesus, em São Tiago, depreendendo-se que se trata ainda desse trabalho de dourado da estrutura barroca do altar e teto 92.

Esta capela abre para a nave com monumental pórtico de pedraria clássica, algo desproporcionado, com frontão triangular unido por pi-lastras ao entablamento, e é vedada por um portão em ferro fundido. O retábulo é obra de boa talha dourada de Estilo Nacional, com o seu vão central envolto por par de colunas e arquivolta, onde se admira a famosa imagem em madeira pintada do Senhor Jesus dos Lavradores. Esta escultura tem caraterísticas de fatura quatrocentista, ainda que desfavorecida pela cabeleira hodierna que lhe cobre a cabeça e deixa invisível a modelação dos cabelos. O tratamento do torso acentua a pose ascética da imagem. Era (e é) com essa cabeleira que a imagem sai, com frequência, nas procissões. Talvez essa e outras excrescên-cias, bem como os repintes, tenham levado alguns autores a julgar, erradamente, que a imagem era já setecentista 93.… O vão do retábulo inclui um raiado de entalhe dourado que envolve o torso desnudo da imagem de Jesus Cristo e lhe acentua o carácter devocional.

Imagem gótica do Senhor Jesus dos Lavradores e interior da capela

92 Idem, Livro de Rec. e Despesa da Mizª de 1752-1753 (nº 98), fl. 146. Inédito. 93 Caso de Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 135.

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No solo desta capela, jaz o Beneficiado João Rodrigues Rogeiro (de seu nome completo) numa lápide sepulcral datada de 1692, data que, para o Engº Santos Simões 94, bem deve ser a dos azulejos que forram as paredes. A capela tem uma valiosa decoração de azulejos que forram integralmente as paredes e o intradorso da serventia. Trata-se de grandes painéis de pintura azul sobre esmalte branco, que Santos Simões aproximou do estilo de Gabriel del Barco «ou de pintor coevo e da mesma escola» 95, sendo a data de 1692, que é visível na lápide colocada do lado esquerdo, a cronologia de fatura.

A composição é muito original e mereceu profunda análise e elo-giosa referência a José Meco 96, que identificou taxativamente a obra como das mãos deste grande mestre pintor de azulejos do final do século XVII, autor de alguns dos melhores revestimentos da azulejaria portuguesa da época de D. Pedro II, desde os da capela-mor da Igreja de São Bartolomeu da Charneca do Lumiar (1696), aos da igreja de Nossa Senhora dos Prazeres em Beja (1698), aos da nave da Igreja de São Tiago de Évora (1699-1700), ao monumental conjunto da igreja do convento dos Lóios de Arraiolos (1700), aos da Sala da Irmandade do Santíssimo Sacramento na igreja de São Mamede em Évora, to-dos estes assinados, e ainda os azulejos da antiga capela de Nossa Senhora da Conceição no Convento da Serra d’Ossa e, entre outras obras que serão já de Barco com apoio oficinal e em colaboração com epígonos, os da capela-mor da igreja do Sardoal, perto de Abrantes (c. 1701-1703). Crê José Meco, enfim, que a monumental Vista de Lisboa em azulejos do Museu Nacional do Azulejo, de cerca de 1700, é uma das últimas obras produzidas por Gabriel del Barco 97.

A obra azulejar de Gabriel del Barco impõe-se na segunda metade do século XVII e acompanha, sempre com originalidade, três momen-tos distintos da história da arte nacional: entre 1665 e 1675 intervém no movimento da produção cerâmica dominada pelo uso intenso da

94 João Miguel dos SANTOS SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVIII, Lisboa, Fun-dação Calouste Gulbenkian, 1979, pp. 357-358.95 Idem, ibidem, pp. 358-359.96 José MECO, O Azulejo, Publicações Alfa, Lisboa, 1989, p. 67.97 Sobre este painel, está a decorrer um grande projeto de investigação interdisciplinar, com financiamento da F.C.T., coordenado pelo Prof. Doutor Pedro Flor.

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policromia; entre 1675 e 1685, quando os painéis figurativos passam a usar o azul e branco, com forte contorno a manganês, Barco realiza obra marcante e original, na vanguarda do processo; enfim, de 1685 a 1700, ele assume o azul e branco numa evolução que reforça o domínio do claro-escuro com soluções eruditas ao nível do desenho, da integração na arquitetura e da cenografia geral, mais ou menos teatralizante. No último decénio do século XVII, o panorama azulejar português foi marcado por dois cumes em uníssono: a atividade ma-dura de Gabriel del Barco e o início da carreira cerâmica do grande António de Oliveira Bernardes, o mais célebre pintor de azulejos do século seguinte. Se o desenho de figura de Barco é solto e por vezes algo fruste na modelação anatómica e nas proporções, é uma cons-tante neste ceramista a busca de focos de dinamização e de eficácia das cenas representadas, que o caracterizam de maneira facilmente reconhecível. Barco seguiu, de modo incessante, os mesmos modelos e fundos, numa pintura cheia de força comunicativa no uso pictórico do azul cobalto de forma sempre «espontânea e livre», como considerou a propósito José Meco, conseguindo criar «notáveis realizações de tipo impressionista através das gradações expressivas do azul e das marcas dramáticas das manchas mais intensas» 98.

A decoração cerâmica desta capela de Torres Novas é seguramente obra dos pincéis de Barco, no essencial das composições figurativas e envolvimentos das cercaduras ornamentais, e mostra as referidas potencialidades do artista na visão cenográfica, na pintura e na aplica-ção integral de um espaço com recurso ao azulejo. Em cada uma das paredes, admira-se uma figura de atlante, ao centro, suportando uma cartela barroca ladeada por dois anjos tenentes. As cenas religiosas representam a Flagelação de Cristo, à esquerda, e a Coroação de Espinhos, do lado direito, ambas envoltas por molduras fingidas de arquiteturas sinuosas e figuras de anjos. O artista segue modelos de gravuras ítalo-francesas, como era usual ao tempo, mas com grandes liberdades na explanação dos modelos, como foi corrente ao longo da sua carreira.

Sobre a porta de serventia da capela, representa-se, também em

98 José MECO, O Azulejo, Publicações Alfa, Lisboa, 1989, p. 45.

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azulejo, o Pano da Verónica e dois Anjos com emblemas da Paixão de Cristo e nos intradorsos admiram-se atlantes, festões e fruteiros, típicos da linguagem estilística de Gabriel del Barco. Na parede fundeira atrás da estrutura acrescentada de talha que envolve o altar-mor, um reves-timento de azulejos em manchas de roxo a manganés atesta, ainda, a intervenção deste pintor no que constitui um adequado ‘fingimento’ de marmoreado, colocado a seguir ao revestimento de azulejos historiados.

Pormenor das cartelas azulejadas de Gabriel del Barco

Na parte inferior das paredes laterais, com 10 azulejos de alto, encontram-se inscrições latinas alusivas à Paixão de Cristo, emoldura-das por cartelas barrocas, com textos latinos em referência à empresa.

À esquerda, pode ler-se:

FRAGELATVS / PROTER INI / QVITATES / NOSTRASTRAXISTI / DOMINE / OMNIA / ADTE.

Na parede fronteira, a cartela diz o seguinte:

ECCE HOMO / ACEEDITE AD HV / & ILLVMINAMINICVM EXALTATVS / FVERO ATERRA / OMNIA TRAM / ADME IPOSVVMILIAVISTE ME / TIPVM FACTVS / OBEDIENS VSQ / AD MORTE MOR /TEM AVTEM CRV /CIS.

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A cúpula desta capela está revestida, tal como as trompas, com obra de talha dourada, com ornatos dentro da tipologia do «estilo josé-fico» tardio. Na superfície cupular recortam-se três janelas, uma delas cega, em cujos vãos se encontravam, entre o revestimento entalhado, quatro esguias pinturas sobre madeira, de data avançada do século XVIII e de grande dureza de pincel, representando os quatro Evan-gelistas (estas tábuas setecentistas, repintadas e de fraca execução, encontram-se desde finais do século passado em depósito no Museu Municipal). Os dourados são, na realidade, obra de prateamento com goma laca, criando o efeito ilusório do douramento, técnica que atesta, também, uma data mais avançada 99. Quanto à obra de entalhe, ela só aparentemente coincide com a do retábulo do altar, em baixo, que data do início do século XVIII, mais parecendo ser esta um trabalho tardio da fase joséfica e que, por razões ainda obscuras, cumpriu em

Gabriel del Barco, O Senhor da Cana Verde e O Senhor preso à coluna,pinturas de azulejo, c. 1692

99 Agradeço a Rui Araújo e aos técnicos de Capitellum esta útil informação, detetada durante o processo de restauro da talha da capela.

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data posterior a 1755 um esforço de harmonização com a talha barroca do altar na parte inferior da capela – tendo-se para isso coberto uma notável pintura a têmpera, de perspectiva ilusionística, que havia sido pintada alguns decénios antes...

Foi sob todos os pontos de vista surpreendente que no recente processo de restauro da capela do Senhor Jesus dos Lavradores tenha sido posta a descoberto essa pintura ilusionística, que envolve toda a superfície da cúpula e onde se vêem arquiteturas fingidas, varandins, balaústres, meninos assentes nos ângulos dos nichos que abrigam figuras com símbolos da Paixão de Cristo, figuras estas trajando à oriental, com turbantes, um deles segurando a lança, outro a escada, outro o que parecem ser os cravos, ou outros atributos, e um quarto já de leitura impercetível. Legendas latinas muito gastas parecem identificar duas destas figuras como José de Arimateia e Nicodemus. Trata-se de obra de muito boa qualidade pictórica, e que, apesar de algumas perdas irreparáveis, se encontra ainda – o que surpreende mais – com grandes extensões em estado apreciável de conservação!

Estamos perante um exemplar derivado das novidades de ‘quadra-tura’ introduzidas na arte portuguesa, por volta de 1700, com a chegada do florentino Vincenzo Baccarelli e o seu teto da portaria do Mosteiro de São Vicente de Fora, que abriu uma solução alternativa à tradição do brutesco nacional com artistas como António Pimenta Rolim, António Simões Ribeiro e Vitorino Manuel da Serra 100. Face a esta pintura de perspetiva arquitetónica datável dos anos 30 do século XVIII, onde o desenho é seguro, a ciência de ‘quadraturismo’ bem assumida, e o sen-timento cromático fresco e luminoso, fica a impressão que o programa artístico desta capela – custeado pela Santa Casa da Misericórdia e pelo benfeitor, o Beneficiado João Rodrigues Rogeiro – foi pensado ao pormenor, em uníssono no que toca às obras de azulejaria, de talha e

100 Sobre o uso da quadratura ilusionística na pintura portuguesa cf., entre outros, Magno Moraes MELLO, A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V, ed. Estampa, Lisboa, 1998; Vítor SERRãO, O Barroco, ed. Presença, Lisboa, 2004; Giuseppina RAGGI, Arquitecturas do Engano: a longa conjuntura da ilusão. A influência emiliana na pintura de quadratura luso-brasileira do século XVIII, tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005; e Victor dos REIS, O ‘Rapto do Observador’: invenção, repre-sentação e percepção do espaço celestial na pintura de tectos em Portugal no século XVIII, tese Doutoral, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2007.

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de pintura cupular. Mas não se percebe o que levou a administração da capela a mandar cobrir a decoração pictural da cúpula, poucos anos volvidos sobre a sua fatura…

É de lamentar a ausência de documentação esclarecedora sobre os artistas envolvidos (salvo Gabriel del Barco, cuja presença está estilisticamente documentada com toda a segurança), mas leva a pen-sar na passagem do pintor italiano Orazio de Ferri pela vila de Torres Novas, que – coincidência ou não – dera entrada na Irmandade de São Lucas, em 1731, por mão de um discípulo de Baccarelli, João Nunes de Abreu… Apesar de ter vingado o critério de recolocar o revestimento de talha da cúpula, dadas as perdas sofridas na pintura (voltando a tapá-la depois de tratada), é certo que o património de Torres Novas fica mais enriquecido com este achado, e bem andaram os responsáveis em deixar testemunho da descoberta através de diaporama esclarecedor. Continua a ser misteriosa a razão que levou a que, em dado momento, a pintura de perspetiva fosse coberta.

Pintura ilusionística da cúpula, segundo quartel do século XVIII, por Orazio de Ferri

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Sacristia e outros espaços

A sacristia da igreja, com acesso por porta rasgada na parede do lado da Epístola, mostra abóbada de berço redondo, um elegante arcaz, e um armário de madeira de carvalho, do século XVIII.

Sobre o arcaz uma pintura mural enquadrada por moldura em ma-deira representa a intervenção de Santiago na conquista de Coimbra aos mouros. A pintura, que se deve ao pintor Baltazar Cardoso e data de 1708, tem um interesse especialmente iconográfico, vendo-se São Tiago a cavalo a combater os mouros, apoiando as tropas cristãs de Fernando I de Leão no séquito a Coimbra, e vendo-se o Bispo Estêvão, deitado, absorto na visão do Apóstolo que lhe apareceu em sonhos, corria então o ano de 1058. Os grupos de soldados, as movimentações de tropas, as cenas de refrega, os escorços de figura, são pintados com certa qualidade.

O mural tem as dimensões de 1270 mm de altura e 2120 mm de comprimento. Foi descoberto ocasionalmente, no decurso de obras na sacristia realizadas em 1927 por iniciativa do Padre José António da Silva, estando coberto de grosso reboco, mas incólume quanto aos seus valores plásticos, tendo sido então retocado pelo pintor local Júlio Gonçalves Prestes a fim de integrar as perdas 101. Tendo perdido valores originais, provavelmente já estava muito arruinado quando foi ocasionalmente localizado sob as camadas de cal que o cobriam. Além do seu interesse a nível iconográfico, pois alude a um episódio pouco representado do hagiológio jacobeu, este mural tem o interesse de documentar os talentos, por certo medianos, do pintor Baltazar Cardo-so, que em 1708 o executou, no contexto de uma decoração integral da sacristia que, ao que se pode supor, deve conter mais vestígios cobertos pela cal da cobertura e das paredes.

Nesta sacristia, admirava-se uma perdida escultura de pedra calcá-rea de São Tiago Maior, já referida. Esta peça tardo-gótica, de muito boa qualidade pela expressão da figura, que traja de peregrino com os

101 Joaquim Rodrigues BICHO, op. cit., p. 134, remete para uma notícia no jornal O Almonda, de 7 de Janeiro de 1956, onde se narra a descoberta dessa pintura, sob grossa camada de cal, no dia 22 de Abril de 1927.

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atributos jacobeus, e pela modelação naturalista dos panejamentos, parece recordar, tanto quanto as imagens deixam perceber, as obras de Diogo Pires-o-Velho 102. Este escultor coimbrão (pai e mestre de Diogo Pires, o Moço, que se destacará na fase manuelina) esteve ativo entre 1473 e 1513, e deixou obra notabilíssima em Leça da Palmeira, onde a Virgem com o Menino (1481) está bem documentada, o Cristo da igreja Matriz de Vouzela, o túmulo do 1.º Marquês de Valença e Conde de Ourém na Colegiada de Ourém (c. 1485) e o de Fernão Teles de Meneses (c. 1471) na igreja do Mosteiro de São Marcos. Existem várias imagens de São Tiago, como a da igreja de São Pedro de Palmela, que se atribuem a Diogo Pires-o-Velho 103.

Também se expõe na sacristia outra escultura de São Tiago, esta de madeira e de menor mérito, bem como um grupo escultórico em madeira estofada e pintada com São José e o Menino em trabalhos de carpinteiro, que alia o inusual da representação à excelente qualidade do modelado; esta última é peça erudita, do meado do século XVIII, acaso de imaginário lisboeta 104. Ainda nesta sacristia, expõem-se duas boas telas setecentistas (São Brás e Santa Catarina de Alexandria), diversos paramentos litúrgicos guardados nos paramenteiros dos ar-cazes, dois belos potes de porcelana chinesa, um deles com fragmen-tação da boca 105, um Cristo de marfim de bom lavor, e um lampadário de prata, estilo D. João V, procedente da capela-mor.

102 Sobre este grande escultor de calcário e de madeira, cf. Reynaldo dos SANTOS, A Escul-tura em Portugal, vol. I, Lisboa, 1948; Pedro DIAS, Uma escultura de Diogo Pires-o-Velho em Vouzela, Universidade de Coimbra, 1979, Lurdes CRAVEIRO, «Diogo Pires-o-Velho», cat. da exp. Feitorias - L’art au Portugal au temps des Grandes Découvertes (fin XIVe siècle jusqu’à 1548), Catálogo realizado no âmbito da Europália - 91, Bruxelles, 1991, pp. 158-161 e 167, e Carla Varela FERNANDES, Imaginária Coimbrã dos anos do Gótico, tese de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, 1997, e Mário Jorge BARROCA, «Escultura Gótica», in História da Arte em Portugal. O Gótico, direção de Carlos Alberto Ferreira de Almeida e Mário Jorge Barroca, Lisboa: Editorial Presença, 2002, pág. 177-179.103 Fernando António Baptista PEREIRA (coord.), A Ordem de Santiago – Arte e História, Câ-mara Municipal de Palmela, 1990, e Vitor SERRãO e José MECO, Palmela Histórico-Artística. Um inventário do Património concelhio, C.M. Palmela e Ed.Colibri, 2007.104 Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Santarém, cit., 1949, p. 135, dá destaque a esta peça, cuja imagem reproduz, dizendo que estava no altar-mor.105 Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário Artístico de Portugal, cit., p. 135.

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Obras recentes (2009/2012)

De meados de setembro de 2009 a março de 2010, decorre o restauro do órgão de tubos, que é entregue à paróquia a 5 de março e inaugurado com um concerto a 4 de abril. Mas os melhoramentos já previstos de substituição do teto e aplicação de estrutura metálica de suporte de painel de isolamento térmico e telhado, e instalação de passadeira central de pedra desde o guarda-vento ao altar, tiveram que esperar a reabertura da igreja de S. Pedro, que só veio a verificar-se em 31 de outubro de 2010.

Desde então, é concebido e instalado novo espaço celebrativo da autoria do arquiteto Francisco Varanda Gonçalves, substituído o pavi-mento e o reboco de paredes interiores, restituída a capela batismal à sua traça original, restaurados os retábulos das capelas laterais e o retábulo-mor de talha dourada, instalados novos focos de luz, após substituição de toda a rede elétrica, montada instalação de som, re-movido o lambrim de azulejos de 1984 e aplicado rodapé de pedra,

São José e o Menino em trabalhos de carpinteiro,grupo escultórico estofado e policromado, anónimo,

de meado do século XVIII

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limpos os elementos pétreos dos arcos, instalado sistema de segurança contra incêndio e intrusão, construída nova porta principal conforme a anterior, decapadas as portas interiores, guarda-vento e balaustrada do coro alto, pintado o templo interior e exteriormente.

Tal como nas igrejas do Salvador e de S. Pedro, as obras são com-participadas pelo QREN.

III. Igreja de São Pedro

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Notícia histórica

A igreja de São Pedro foi construída, segundo Artur Gonçalves, entre os anos de 1375 e de 1383, reinando D. Fernando, dentro do perímetro histórico da vila 106.

A esta piedosa iniciativa liga a História torrejana o nome de D. Frei João Rodrigues Pimentel, um dos combatentes da batalha do Salado, que jaz em formosa arqueta tumular, com sua mulher Estevainha Gonçalves Pereira, na antiga capela da Santíssima Trindade desta igreja107. Estes senhores fundaram a capela e doaram os terrenos anexos para se fundar a igreja; a capela uniu-se à nova capela-mor, ficando com serventia com ela através de uma porta gótica que esteve séculos entaipada e que obras ulteriores puseram à vista.

A arca sepulcral, bem desenhada, ostenta inscrição gótica datada de 1375 – na realidade, trata-se do ano da morte do monge-cavaleiro hospitalário, podendo o início da obra da igreja ser um pouco anterior, sabendo-se que em 1374 já avançavam outras grandes obras de reconstrução e de ampliação das muralhas e se proviam melhorias sensíveis no perímetro da vila por ordem do rei D. Fernando.

Existe uma lápide colocada em 1904 por iniciativa do Conde de Nova Goa, que traduz os dizeres da inscrição tumular para os menos habituados à letra medieval 108. A inscrição gótica reza o seguinte:

106 Artur GONçALVES, Torrejanos Ilustres, 1ª ed., 1933, pp. 60-65; idem, Mosaico Torrejano, 1ª ed., 1936, p. 350; idem, Anais Torrejanos, 1939, p. 22.107 Francisco de Arez e VASCONCELOS, Memorias da Vila de Torres Novas, manuscrito sete-centista da Academia das Ciências de Lisboa (Gab. 5, gav. 18, maço 5), atesta esta fundação da capela da Santíssima Trindade pelo senhor do morgado dos Pimentéis.108 No início do século XX, o Conde de Nova Goa, na qualidade de herdeiro dos instituidores da capela e morgado dos Pimentéis, ordenou que se colocasse sobre a porta que comunica para a igreja uma lápide de mármore alusiva ao Frei João Rodrigues Pimentel.

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1375O MAGNIFICO E MUI NOBREJOÂO ROIZ PIMENTELQUE DEPOIS DE VIUVOFOI MESTRE DE AVIZE A NOBRE SENHORAESTEVAINHA GONçALVES PEREIRASUA MULHERPRIMEIROS INSTITUIDORESDESTA CAPELAJAZEM AQUI SEPULTADOS

Arca sepulcral de João Rodrigues Pimentel e esposa, fundadores da igreja

Nesta igreja e em espaço adjacente se reuniram, a 30 de agosto de 1380, as Cortes por motivos do casamento de D. Beatriz, filha de D. Fernando, com o Infante D. Henrique, filho de D. João I de Castela. Estava-se, apesar da ambiência de aparente harmonia, em vésperas de trágicos acontecimentos que culminariam na crise de 1383-1385 e

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em que Torres Novas assumiu papel preponderante 109. Este acordo de aceitação do casamento foi concomitante com as cortes realizadas em Sória pela nobreza e clero castelhanos 110.

Outra capela coetânea da fundação da igreja era a do padre Martim Vaz, que se instituiu na igreja à data da morte de D. Fernando (1375), o que mais uma vez atesta, com segurança, a época exata da fundação. Apesar do seu laconismo, o pároco que redigiu, em 1758, a notícia da igreja para as Memórias Paroquiais, atesta este facto 111.

Sabemos que a igreja foi a mais afetada, de todas as da vila, pelos efeitos do megassismo de 1755. O bairro onde se ergue São Pedro tem uma falha sísmica e diz-nos Artur Gonçalves que as duas torres ruíram, tendo o templo ficado de tal forma danificado (tal como muitas casas da freguesia) que esteve encerrado ao culto durante quase um século 112. Manteve contudo, ao contrário das outras igrejas paroquiais torrejanas, a sua estrutura gótica de três naves, com quatro tramos, que chegaram até hoje, que lhe confere um perfil medievalizante.

Também se documentam grandes obras na igreja patrocinadas por volta de 1700 pelo padre D. António Pimenta, a que aludia uma lápide aposta à antiga capela-mor. Das obras patrocinadas e dinamizadas por esse benemérito pároco, que se fez enterrar na capela-mor em vistosa sepultura (obra do mestre Domingos Alves), conhecem-se dados pre-cisos sobre a fatura do retábulo barroco e da sua tribuna (cujo trono e sacrário serviram de modelo ao de São Tiago, da autoria do entalhador Manuel Ferreira). Também se documenta a grande decoração de dou-ramento da talha e da pintura decorativa de brutescos da capela-mor e corpo, da autoria de Pedro Coelho Taborda, que foi encarregado de a fazer, em 1703, por excepcional preço de 950.000 rs 113 . A capela-mor

109 Joaquim VERÍSSIMO SERRãO, História de Portugal, vol. I, 1080-1415, ed. Verbo, Lis-boa,1977, pp. 285 e segs. 110 Maria Emília Cordeiro FERREIRA, «Cortes de Torres Novas, 1380», Dicionário da História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, vol. IV, 1971, p. 177 e segs.111 A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 37, p. 850. É de referir sempre, e lamentar, que os párocos de São Pedro e de São Tiago tenham escrito tão pouco a respeito das suas paróquias, ao contrário do que fez o Padre Margalho, prior do Salvador.112 Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, cit., pp. 350-351.113 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 247 de Notas de Custódio Pimenta de Avelar, António Ramos Preto e João Lopes Ferreira, Tabeliães de Torres Novas, fls. 25 a 26 (documento muito arruinado). Inédito. DOCUMENTO Nº 23.

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foi toda ela alterada (apenas mantendo o revestimento de azulejaria de padronagem), quando o culto foi reposto, com seu retábulo neoclássico e os marmoreados fingidos de revestimento, tendo os vestígios da cam-panha barroca patrocinada pelo padre António Pimenta desaparecido quase por completo, salvo alguns vestígios de pintura mural a ouro que persistem nos filetes da arcatura gótica das naves.

Poucos anos depois, em 1722, o mestre pedreiro Luís da Silva vem de Lisboa cumprir um vasto programa de obras de modernização na fachada e nas torres, de que restam a fachada que lança para o largo de São Pedro, com o seu pórtico datado de 1723 (que deveria ser, como especifica o contrato, conforme o da Ermida de Nossa Senhora da Luz da vila), e outros importantes vestígios estruturais que então se ergueram 114.

A ruína causada pelo terramoto de 1755 foi, como se sabe, extensa, interrompendo o serviço de culto e abrindo um longo período em que o templo fechou para obras sempre adiadas…

Também as invasões francesas depauperaram a igreja, que foi espoliada do seu tesouro de pratas e alfaias. Ainda em 1834 a Rainha D. Maria II se referia, numa carta, ao estado de «grande indecência» em que se encontrava o templo. As obras do século XIX recuperaram o culto, mas a verdade é que São Pedro perdera muito da sua riqueza quanto a equipamentos artísticos.

Em 1873, a igreja estava a ameaçar ruína e sofreu reparações de vulto entre 26 de outubro desse ano e 11 de janeiro de 1874, mas a fragilidade das estruturas manteve-se, e o abalo sísmico de 1909, que muito afetou o bairro de São Pedro, fendeu de alto a baixo a torre da igreja e aluíu várias pedras da capela-mor, obrigando a novas obras.

Em 1965, quando pároco o Padre Joaquim José Búzio, a igreja foi sujeita a notável remodelação. Graças à aquisição de pequeno logra-douro, o pórtico poente, de cantaria lavrada nas ombreiras e na verga, foi desobstruído e criado um acolhedor átrio calcetado, protegido por grade e portão de ferro fundido, feitos do gradeamento que dividia as naves da igreja entre si e a meio as laterais. Foram também retirados o

114 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 192 vº a 194. Inédito. DOCUMENTO Nº 27.

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guarda-vento, o portão que defendia o batistério, o púlpito e a escadaria de acesso adossados à penúltima coluna esquerda, o altar maior e os altares colaterais de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora da Soledade. Foi ainda aplanado e recoberto o pavimento de tacos de bissilon, pintado o teto, construídos dois confessionários encastrados nas paredes, instalado o altar da celebração e o ambão de madeira, substituídos os quadros de Via-Sacra por cruzes de madeira, fixadas duas mísulas de pedra na parede que envolve o arco, instalados ban-cos de bissilon, e – enfim – foi vedado o trono por cortinado franzido de veludo azul a servir de fundo ao Cristo Crucificado sobre lenho que se encontrava no altar de Nossa Senhora da Soledade e pertencera à capela do Colégio de Jesus, Maria e José.

Com a vinda do Padre Frutuoso Duarte Matias, em 1975, a igreja sofre duas novas intervenções. A primeira, logo de início, dota-a de lambrim de madeira e do painel da Coroação de Nossa Senhora, trazi-do do internato do Colégio Diocesano de Andrade Corvo, mas oriundo da capela dos Anjos e propriedade da Fábrica da Igreja Paroquial de Santiago, e das quatro referidas telas barrocas de um seguidor de Bento Coelho da Silveira, bem como das quatro tábuas quinhentistas procedentes da igreja do Salvador. Estas oito peças encontravam-se em depósito no Museu Municipal Carlos Reis. A segunda intervenção visou, sobretudo, obras de conservação e pintura parietal.

Panorama geral do interior de São Pedro

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Arquitetura

A fachada principal, virada a sul, é resultado da campanha de obras de 1722-1723, e é composta pelos panos articulados que correspondem às naves e à capela-mor, com seus cunhais apilastrados, de desenho regular, e uma sanca moldurada, com o portal inscrito, este de verga retilínea e entablamento decorado com pontas de diamante, com frontão triangular de volutas, intercalado por cruz, interrompido por cartela onde se lê a data de 1723 relativa ao término dos trabalhos, e tudo encimada por pedra relevada com a tiara e as chaves, símbolos de São Pedro.

Portal da igreja de São Pedro, de 1723,por mestre Luís da Silva

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Também na frontaria, à direita, uma porta mais pequena de entrada no templo é encimada por uma lápide que reza assim:

LOUVADA SEJA A / VIRGEM MARIA / MAI DE DS E SENHORA NOSSA / CONCEBIDA SE(m) / PECCADO ORI = / GINAL. As janelas retangulares que se abrem no corpo chão desta fachada

sul são de desenho simples, revelando pragmatismo de risco, e no ângulo poente adossa-se a torre sineira de forma prismática, também muito simples, rasgada por fenestras de verga redonda para as sineiras (tem dois sinos, de 1782 e de 1935), estas muito modificadas após o terramoto. Como se sabe, havia torre da banda do norte, que ruiu em 1755 e não foi reconstruída.

Esta fachada lateral da banda do sul – que é, na verdade, a fachada principal – mostra a qualidade do trabalho do mestre lisboeta Luís da Silva115, enquanto que a fachada poente, com sua empena triangular, está oculta pela torre sineira e pelo telhado do átrio, tendo sido muito beneficiada, entretanto, pelas obras de arquitetura de 2010, a que adiante voltaremos. A fachada de nascente, por seu turno, é enquadrada nos ângulos por pináculos que repousam nos acrotérios.

Quanto à campanha barroca quinto-joanina de 1722, inspirada no pragmatismo dos valores mafrenses, ocupou o mestre pedreiro de Lisboa. «na forma dos apontamentos», com a fatura do «portal na porta principal de pedra de Alcanede, com seus alizares da maior altura que se puder meter, e a largura conforme a arte pede, com ombreiras e verga de muxeta sanquiltiadas, e o frizo refendido, simalha costumada, frontespiçio como o pórtico da Ermida de Nossa Senhora da Luz, desta villa, com sua pedra que torneje com as armas de Sam Pedro e cruz, e as ombreiras na aresta principal, com hum redondo e de filhete, e a largura das ombreiras será conforme a altura, e assim mais oito frestas lizas com seus alizares e grades de ferro, tudo isto de pedra de Alcane-de». Além da obra de pedraria que assim tão pormenorizadamente se descreve na obrigação contratuaI, o artista reergueu a torre sineira do

115 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 192 vº a 194. Inédito. DOCUMENTO Nº 27.

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poente, mantendo incólume o aparelho medieval intestino, com «a pa-rede da empena redeficada, donde não estiver segura», e embelezando «a simalha da parte da rua de pedraria da terra», comprometendo-se também a subempreitar e visionar a obra de carpintaria dos forros da igreja, com pinho de Leiria, ripas de castanho da Flandres, seguindo a esse propósito o forro da igreja de São Tiago.

Capela-mor

Espaço mais baixo e estreito que o corpo, com cobertura de abóbada de berço, já nada preserva da estrutura arquitetónica, da retabulística e das pinturas brutescadas da campanha barroca que, cerca de 1700, foram custeadas pelo padre D. António Pimenta, que aí desejou ser sepultado.

A obra de pedraria, cantaria e alvenaria da capela-mor foi dada a fazer, por contrato de 14 de Agosto de 1700, ao mestre Domingos Alves, morador em Pombal 116. Esse artista fez a estrutura da tribuna, com sua abóbada de alvenaria onde assentava o camarim, uma casa para a irmandade, o teto apainelado da capela-mor, os degraus, e «uma sepultura no meio com suas sanefas de pedraria à roda, com seu ornato de betumes pretos, e litreiro em sima da dita sepultura com as armas do dito reverendo prior, e logo junto às sanefas da ditga sepultura se seguirão outras sanefas a igualar as que ficam ao redor da capela», e outras obras de que não resta mais que a memória, pois tudo foi alterado nas obras subsequentes ao terramoto.

Todavia, as paredes laterais ainda mantêm hoje, reaproveitado embora, o revestimento de azulejaria de padronagem polícroma, seiscentista, que João Miguel dos Santos Simões elogiou, nele obser-vando que conjuga três tipos diferentes de padrões. São azulejos de padronagem do tipo P-434 e P-605, separados pelos tipos B-6, nas paredes, e B-11, no intradorso do arco triunfal, e que criam um efeito decorativo muito apreciável 117. Notou Santos Simões ser muito curiosa

116 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião de Torres Novas, fls. 91 vº a 92 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 21.117 João Miguel dos SANTOS SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVII, II – cit., p. 173.

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a coloração pálida deste conjunto azulejar, considerando esse facto «mais uma prova da decadência do azulejo polícromo, visto que este deve ser já muito dos fins do século XVII, cerca de 1690» 118.

Acima das portas da sacristia encontram-se pequenos azulejos de pintura azul sobre esmalte branco, já do início do século XVIII e da campanha custeada pelo prior D. António Pimenta, representando a Tiara e as Chaves, símbolos do padroeiro desta igreja. Na parede fronteira, a pedra de armas dos Pimentéis, assinalando a serventia que outrora dava acesso à capela da Santíssima Trindade. Existiu, como se disse, uma lápide alusiva à campanha de obras barroca da era pedrina, devida à campanha do pedreiro Domingos Alves, a qual ainda foi vista por Artur Gonçalves e que dizia o seguinte:

ESTA CAPELA MANDOU FAZER O / DOVTOR D. ANTONIO PIMENTA, / PRIOR DA IGREJA, A’ SUA CVSTA / NO ANNO DE 1701. O retábulo neoclássico, de feição tradicional dentro dos modelos

desse estilo (mas ainda com elementos rococó), com seus marmorea- dos e fingidos, ostenta na tribuna uma tela da Coroação da Virgem, peça tardo-barroca do fim do século XVIII de certa qualidade, pesem as inevitáveis convenções de pose e agrupamentos angelicais, e as perdas causadas por uma intervenção de restauro pouco cuidada.

Esta tela, que pertencia à desafetada ermida de Nossa Senhora dos Anjos, é de formato avultado (250 mm x 1680 mm), mas a verdade é que se adapta com dificuldade à escala do presbitério e às linhas envolventes do retábulo em que foi integrado. É obra saída da ofici-na do pintor Pedro Alexandrino de Carvalho (1730-1810), operoso fa presto que foi o responsável maior da decoração pictórica nas igrejas, sobretudo as da reconstrução pombalina de Lisboa, nos anos a seguir ao terramoto de 1755.

Observa-se nesta capela-mor (além da hodierna pintura de São Pedro no medalhão central do teto, obra recente e de valia exclusiva-mente iconográfica) um carneiro onde jazem alguns priores, e é ainda

118 Idem, ibidem, p. 173.

117

de assinalar uma imagem estofada de Nossa Senhora da Conceição, de mérito artístico, e um Cristo na Cruz que veio da capela dos Mogos Carrilhos.

Corpo do templo

A planta da igreja, de três naves góticas, é longitudinal, composta pelo retângulo formado pelos quatro tramos com colunas de pedra de secção octogonal de onde saem os arcos ogivais, tudo justaposto ao retângulo curto da capela-mor de gosto revivalista.

Assinalam-se anexos a norte e a sul, sendo este o que acede à antiga capela dos Pimentéis e aquele o que dá acesso ao corredor que faz serventia com a sacristia.

Os volumes estão escalonados (apesar das várias alterações sofri-das nos alçados) com coberturas modernas, diferenciadas em telhado, que mostram a imagem algo estranha de um espaço onde a medievali-dade do século XIV e o ecletismo contemporâneo coabitam, sem fase intermédia aparentemente documentada por testemunhos estruturais.

As obras recentes adiante referidas retiraram o coro alto, em ma-deira, pesado e inestético, valorizando a espacialidade da igreja. Este

Altar-mor da igreja de São Pedro

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coro sobrepujava-se ao portal setecentista, com frontão em forma de chaveta, que ficou assim mais visível. Num dos pilares, integra-se uma pia de água-benta, muito singela. A capela batismal, com sua pia de pedra facetada, tem o seu arco redondo, de ressonâncias quinhentis-tas, e uma grande pintura mural de fatura recente (de autoria do pintor Vladimiro Onica, do atelier Capitellum), que representa o Batismo de Jesus.

Nas paredes que ladeiam o arco triunfal, de forma semicircular, assente em pilastras dóricas, rasgam-se nichos de vão em forma de arco quebrado.

Antes do terramoto de 1755 existiam na igreja sete altares, que foram depois desmantelados: além do altar-mor (substituído), havia quatro altares escalonados do lado do Evangelho (com a titulação, respectivamente, de Nossa Senhora da Conceição, de São José 119, das Almas do Purgatório 120 e do Senhor Jesus 121), dois do lado da Epístola (de Nossa Senhora da Soledade e de São Bento 122). Tudo desapareceu com a desditosa sorte deste templo em fases largas do seu historial, fruto de catástrofes, de iconoclastias, de abandono, de geral desprezo e desinteresse…

As 3 janelas da nave voltadas a sul receberam, no início de 2009, a oferta de vitrais, pintados por D. Maria Amélia, da Vitral d’Arte, sita em Vilar dos Prazeres, com temas alusivos à vida de S. Pedro (com a Pesca Milagrosa, a Entrega das Chaves, e o Martírio na Cruz invertida), intensamente coloridos e com singela inspiração em modelos de Rafael de Urbino, de Caravaggio e de outros autores clássicos.

A campanha de beneficiação da igreja em 2010 permitiu pôr a des-coberto, no lugar outrora ocupado pelos altares colaterais, vestígios

119 Esta capela foi fundada pelo Beneficiado João Rodrigues Rogeiro em 1693.120 Para este altar se fazia em 1597, como vimos, retábulo de madeira, da autoria de Martim Rodrigues, entalhador de Lisboa.121 Esta capela foi fundada pelo Beneficiado José Cardoso, vigário da vara em Torres Novas, em 1671.122 Nesta capela jazia o Beneficiado Francisco Pimenta do Avelar (fal. 1528), que foi um dos seus beneficiadores. Em 1722, a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade de Nossa Se-nhora do Vale obrigou-se a fazer retábulo, visto a capela o não ter decente (Arquivo Distrital de Santarém, Lº 283 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo-Branco, Tabelião de Torres Novas, fls. 156 vº a 157 vº. Inédito).

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imponentes da antiga igreja: à esquerda, parte de um arco de tijolo, de estilo mudéjar; e, da banda oposta, um arco gótico, do século XV, semi-entaipado mas visível, de modo a testemunharem, ambos, a an-cianidade desta igreja. É ainda desentaipada a escadaria de acesso à torre poente com seu portal trecentista e insígnias dos Templários na abóbada.

O interior do templo está decorado, aliás, com outras boas pinturas antigas de diversa procedência, que tornam a igreja de São Pedro uma espécie de museu de arte sacra.

Na nave direita, encontram-se, em lugar alto e de menos fácil obser-vação, as quatro já muito referidas tabuínhas tardo-renascentistas da «escola» lisboeta de Diogo de Contreiras (representando São Jorge a combater o dragão, Santa Marta, Santa Apolónia e São Filipe, todas com as dimensões aproximadas de 680 x 370 mm), pintadas cerca de 1550- -1560 e oriundas da antiga capela de São Jorge, no Salvador.

Melhor colocação têm as quatro telas barrocas que se apuseram na nave da esquerda, vindas da ermida de Nossa Senhora dos Anjos, e que representam os Esponsais da Virgem, a Anunciação, a Adora-ção dos Pastores e a Adoração dos Magos. Durante algum tempo, estas telas (que medem 980 mm de alto e 1250 mm de largura) foram consideradas do final do século XVI e estiveram atribuídas ao pintor tenebrista Bento Coelho da Silveira (cuja atividade para o Salvador e para a Misericórdia é bem conhecida); atualmente, defende-se que estas telas sejam já do início do século XVIII (cerca de 1710) e de um seguidor de Coelho chamado António Machado Sapeiro. Este Machado Sapeiro é hoje melhor conhecido depois do restauro das duas telas que pintou em 1710 para as paredes laterais da capela--mor da igreja matriz de Camarate, e das que decoram o corpo da igreja dos Anjos em Lisboa, que mostram o estilo de um artista muito preso aos modelos figurativos de Bento Coelho, mas com um reper-tório diversificado, e mais duro de desenho, o que permite distinguir a sua personalidade.

As telas de Torres Novas serão, a meu ver, obra deste artista, um sequaz de Bento Coelho que deu entrada na Irmandade de São Lucas em 1704, que em 1708 pintou um elogiado retrato de D. João V e que

120

faleceu por volta de 1740 123. Os quadros mostram qualidades de pincel e repertórios formais próximos do estilo de Sapeiro. A sua valorização estética é marcada menos no tipo das figuras, que são algo duras, e mais nos pormenores acessórios, como sejam os floreiros, breviário, peças de ourivesaria e lavoura, etc., que revelam maiores apetências do artista pelo tratamento de detalhes naturalistas complementares. São esses pormenores que mais valorizam estas telas barrocas, como é o caso do vaso de flores, de excelente e solta execução, e do exótico tapete oriental, que ornam a tela da Anunciação.

123 Sobre Machado Sapeiro, cf. Cyrillo Volkmar MACHADO, Collecção de Memorias…, Lisboa, 1823 (2ª ed., Coimbra, 1922); Nicolau BORGES, O Hospital Termal das Caldas da Rainha – Arte e Património, dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1998; e Vítor SERRãO, in Cat. da exposição Bento Coelho e a cultura do seu tempo, IPPAR, 1998, refª p. 62 e nota 5.

Anunciação, tela de António Machado Sapeiro, início do século XVIII

121

Sacristia e outros espaços

No corredor de acesso para a sacristia, à esquerda da capela-mor, um bom lavabo de pedra seiscentista, sobrepujado por um nicho mol-durado, merece admiração. São de destacar na sacristia, além do bom arcaz, algumas alfaias litúrgicas de diversa origem, como uma imagem de Santo António de Lisboa, estofada, do século XVIII, com o Menino Jesus de pé sobre o livro 124, uma peça de terracota policromada que representará São Francisco de Paula (com dúvidas, porém, na sua identidade) e dois castiçais de talha dourada.

124 Segundo observa Joaquim BICHO, op. cit., p. 141, este Menino Jesus não pertencia ori-ginariamente à imagem de Santo António.

Lavabo no corredor de acesso à sacristia.

Obras recentes (2010) Em 2010, as grandes obras realizadas na igreja de S. Pedro com

o apoio do QREN, entre março e outubro, levaram à consolidação, restauro e embelezamento do templo.

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Sobre o estado em que se encontrava e os trabalhos realizados, diz o arquiteto Francisco Varanda Gonçalves, autor do projeto de restauro, do novo espaço celebrativo e da interessante peça de escultura de Cristo em aço no átrio remodelado:

“Quando em Março de 2010, se arrancaram as primeiras peças do forro, verificou-se que a estrutura de suporte da cobertura estava em risco devido ao mau estado e ao desvio das paredes mestras que a suportava.

Feito o diagnóstico das situações de risco, elaborou-se um projeto de estabilidade para a cobertura, e desmontaram-se telhas e asnas, e demoliram-se alvenarias e cornijas, afim de evitar a derrocada de elementos pesados na nave.

Com o arranque da obra de substituição de todo o telhado, foram ficando a descoberto outras feridas. E foram ficando a descoberto elementos arquitetónicos e pictóricos peculiares que há muito não viam a luz do dia. Durante longos anos, as múltiplas capas de cal e tinta não nos permitiam atestar toda a sua beleza. Em suma, acabou por se revelar urgente e inadiável a profunda reabilitação do templo.

Toda esta operação, que teve conselho e acompanhamento técnico do engenheiro Luís Silva, demorou cerca de oito meses.

Em traços largos, resumem-se os trabalhos realizados: vigas e lintéis de travamento em betão armado, estrutura metálica do telhado, painel de isolamento térmico e telhas; aplicação de forro em madeira de casquinha; consolidação das paredes e cobertura da capela-mor, e substituição das cantarias e cruz da cabeceira; remoção do coro alto, mal apoiado em duas pilastras da nave, e eliminação do confessionário encastrado na parede exterior; substituição integral dos rebocos interio-res por argamassas de cal em pasta, com prévia remoção do lambrim de madeira; decapagem do esmalte cinzento de todos os elementos de pedra (pórtico da entrada, colunas da nave, arco triunfal e cornija da capela-mor); construção de todo o conjunto sobreelevado do altar em pedra, incluindo os elementos das liturgias – mesa da Eucaristia e ambão; recuperação e pintura do retábulo e da abóbada da capela-mor, enriquecida com uma pintura da imagem de S. Pedro; recuperação e pintura do batistério com a cena do batismo de Jesus nas águas do Jordão; instalação de novas infra-estruturas: rede eléctrica e iluminação,

123

equipamentos de som, e de segurança; adro de entrada, com novo pavimento e parede em pedra, crucifixo em aço corten e, ao fundo, uma nova instalação sanitária.

Esta intervenção veio revelar algumas surpresas de interesse arquitetónico e arqueológico: entre outras, a descoberta de um arco ogival pelo qual se acede a uma escadaria em túnel que ligava a uma primitiva torre.

Foi ainda descoberta, e depois recuperada, a decoração pictórica dos arcos da nave, formando frisos de requintada elegância”.

Antes de 1965, era de 541 m2 a superfície total coberta e de 157 m2 o logradouro. Mas as obras daquele ano acrescentaram-lhe o átrio de entrada poente e as de 2010 quase eliminaram o logradouro.

Cristo na cruz em aço, estilizado,por Francisco Pontes Varanda

Gonçalves, 2010

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IV. Edifício São Pedro

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Obras recentes (2007/2010)

À margem dos trabalhos de restauro e beneficiação dos três tem-plos paroquiais, também este Edifício sofreu obras vultosas e profunda remodelação do seu Bloco 2.

As obras iniciam-se em julho de 2007 e ficam concluídas em agosto de 2010. É autor do projeto arquitetónico o arquiteto Franciso Varanda Gonçalves e do projeto de estabilidade o engenheiro João Manuel Vieira Durão.

Sobre a intervenção levada a cabo no existente, relata o arquiteto Varanda Gonçalves que se “reporta principalmente ao seu interior, uma vez que as novas tipologias de ocupação assim o exigem. Portanto, e no essencial, praticamente toda a volumetria e materiais dos alçados são, na medida do possível, recuperados ou substituídos por elementos de idêntico desenho, tal como se pretendia, de modo a não introduzir interferências com a imagem e a escala no seu contexto urbano. Ex-cepção feita para o levantamento ligeiramente recolhido das fachadas em cerca de um metro sobre o beirado existente, preservando-o, e passando a cobertura a dispor agora de três águas, de modo a suavizar o pano da empena poente. Contudo a altura da cumeira mantém-se na mesma cota.

Foram ainda integradas na cobertura doze novas trapeiras e quatro janelas zenitais, as quais, através da iluminação e ventilação naturais que proporcionam, possibilitam a utilização do último piso com doze salas para a catequese.

No interior, o projeto reduz o pé direito do rés-do-chão e do primeiro andar, e no topo poente do edifício, a nível do primeiro andar, localiza-se a residência paroquial que, como as salas de catequese do segundo andar, é servida por elevador.

O Bloco 1 do edifício, beneficia do apoio do QREN em obras de conservação que passam por substituição da cobertura e da estrutura que a sustenta, reparação de pavimentos, portas e janelas, substituição da instalação elétrica, e pinturas gerais.

Esta intervenção veio resolver graves problemas provocados por infiltrações provenientes das águas pluviais e a progressiva degradação generalizada que já se manifestava nos últimos anos.

127

Antes da intervenção

No essencial, toda a volumetria e material de cobertura preexistente foram respeitados, isto é, o número de águas e os ângulos das pen-dentes do telhado, os elementos emergentes (trapeiras e chaminé) e os revestimentos, preservam a mesma leitura da construção original.

De facto, a estrutura de suporte da cobertura, que era constituída por madres e varas de madeira, encontrava-se parcialmente destruí- da e em muito mau estado. A solução encontrada exigia que a nova estrutura fosse leve, resistente e de rápida execução.

Optou-se então por uma estrutura ligeira de perfis de aço galvani-zado perfurado que, assente num simples lintel de betão armado sobre as paredes resistentes, recebe e acomoda as telhas cerâmicas”.

129

V. OS ARTISTAS ENVOLVIDOS NAS OBRAS DAS TRÊS IGREJAS PAROQUIAIS

Este capítulo reúne e sistematiza os dados biográfico-artísticos

conhecidos sobre os protagonistas – locais e de fora – que estão do-cumentados com obras realizadas nas três igrejas paroquiais que se analisaram: arquitetos e pedreiros, imaginários e escultores, pintores e douradores, entalhadores e carpinteiros de marcenaria, ourives, pintores de azulejo, artistas das artes têxteis e do mobiliário.

O ‘corpus’ não abrange a totalidade dos artistas citados pela do-cumentação como atuantes em Torres Novas ao longo dos séculos, mas tão-só os que sabemos ou presumimos terem trabalhado para as igrejas do Salvador, de São Pedro e de São Tiago.

Não se biografam, assim, por exemplo, nem o imaginário quatro-centista Diogo Pires-o-Velho, autor possível (ou, pelo menos, inspirador modular) de um muito bom São Tiago tardo-gótico que existia na igreja desse titular (e anda desaparecido), nem o escultor Pedro de Frias, que em 1577 recebeu o encargo de fazer imagens para o retábulo da igreja do Salvador 125 mas que acabou por ceder a responsabilidade

125 Segundo uma denúncia à Inquisição em 1549, Pedro de Frias tinha oficina em Alfama e vários discípulos a trabalhar com ele, um deles o borgonhês Pedro Delsey, que depôs contra um seu compatriota por «não crer nas imagens sagradas» (Francisco Marques de SOUSA VITERBO, Diccionario Histórico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Constructores Portuguezes ou a serviço de Portugal, 1ª série, Lisboa, 1899, p. 570.).

130

desse trabalho a outro colega imaginário, o mestre flamengo Estácio Matias 126.

Também não se incluem nas páginas de biografias que se seguem, nem o pintor Álvaro Mendes, que vivia no final do século XV com oficina instalada na vila 127, nem a ilustre mecenas das artes e pintora ama-dora D. Maria Guadalupe de Lencastre e Cardenas, senhora da Casa de Aveiro, que viveu em Torres Novas, foi «juíza» (isto é, presidente) da Irmandade de São Lucas de Lisboa, em 1659, como tal votada em homenagem dos pintores aos seus dotes e sensibilidade, e foi, ainda, protetora de Félix da Costa Meesen, que em 1696 lhe dedicou o tratado Antiguidade da Arte da Pintura (manuscrito da Biblioteca da Universidade de Yale) 128.

Quanto ao grande pintor maneirista António Campelo, cuja atividade para o oratório dos nobres Mogos Mello Carrilho está bem apurada 129, não consta que passasse por Torres Novas, onde todavia existe um famoso quadro seu. O mesmo se passa com o pintor Cristóvão Vaz, artista ao serviço da Infanta D. Maria, que em data recente se apurou ser autor da tábua da Fuga para o Egito existente no coro da igreja do convento do Carmo, que veio do extinto Convento de Santo Antó-

126 Sabemos que Pedro de Frias, escultor e cavaleiro da Casa Real, realizou trabalhos para a igreja de Beringel, em 1546, e para a Misericórdia de Alcobaça, em 1570. Cf. Vitor SERRãO, «A arte da pintura entre o Gótico Final e o Barroco na região dos antigos Coutos de Alcobaça», Catálogo da Exposição Arte Sacra nos antigos Coutos de Alcobaça, coordenação de Maria Augusta Trindade, ed. IPPAR, Alcobaça, 1995, pp. 82-113, refª pp. 87-88.127 Segundo a documentação de F. M. de Sousa Viterbo, Notícia de alguns pintores portu-guezes..., II, 1906, p. 115, Álvaro Mendes trabalhava em 1490 nas obras régias dos Paços de Évora para as festas de receção de D. Isabel de Castela no casamento com o Príncipe D. Afonso, filho de D. João II. Denunciado por ter «arrenegado de Nosso Senhor», foi conde-nado a prestar um ano de trabalhos forçados no couto de Mértola, vendo a pena comutada para ir pintar, sem paga alguma, no Mosteiro de Santa Maria do Espinheiro.128 Cf. George KUBLER, op. cit.129 O famoso António Campelo estadeou em Roma no meado do século XVI, em círculos miguelangelescos, o que lhe permitiu sucesso, de volta ao Reino, como campeão da Bella Maniera italiana. Apesar da fama grangeada, só se conhecem, seguramente seus, uma dezena de desenhos (Museu Nacional de Arte Antiga) e um número restrito de pinturas, uma das quais é a belíssima Adoração dos Pastores do Museu de Torres Novas (cf. o cat. da exp. A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões, C.N.C.D.P., 1995, pp. 212-221).

131

nio, fundado na Quinta do Egito 130, e com o pintor régio de Filipe III, Domingos Vieira Serrão, cujas relações com Pedro Vieira são conhe-cidas e cuja actividade para Torres Novas (uma tábua atribuível, na igreja do Carmo) estão registadas.

Também não se biografou aqui, por ser muito conhecida, a vida e obra do pintor Pedro Alexandrino de Carvalho (1729-1810) 131, a cuja ofi-cina se deverá a responsabilidade de uma tela na igreja de São Pedro.

Dos artistas contemporâneos de que se falou, como é o caso do pintor José d’Abreu Lopes (1904-1991) 132, e do arquiteto Francisco Pontes Varandas Gonçalves, fizeram-se as devidas referências ao tratar das suas obras nos templos.

Não deixamos, porém, de remeter os estudiosos para a atualizada bibliografia a propósito desses artistas.

130 Esta interessante tábua, testemunho de influência do Maneirismo italianizado, não era desse convento carmelita mas sim do desafetado convento de Santo António, fundado na Quinta do Egito, no termo da vila, em 1562, por iniciativa dos Lencastres. De Cristóvão Vaz conhecem--se tábuas nas Misericórdias de Sintra, Cascais e Colares, na ermida de Nossa Senhora da Guia em Cascais e no altar de São Crispim e São Crispiniano da Sé de Portalegre (cf. cat. da exp. A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões, C.N.C.D.P., 1995, pp. 242-243 e 471).131 A mais recente contribuição para o estudo deste pintor é de Anne-Louise G. FONSECA, Pedro Alexandrino de Carvalho (1729-1810) et la peinture d’histoire à Lisbonne. Cycles religieux et cycles profanes, tese de Doutoramento, Université de Montreal, 2009.132 Na obra Toponímia da Cidade de Torres Novas, Joaquim Rodrigues Bicho diz o seguinte a respeito deste pintor torrejano contemporâneo (que foi pai do também pintor, e Prof. da FBAUL, Luís Filipe de Abreu): «José de Abreu Lopes nasceu em Torres Novas a 11 de Março de 1904. Feita a instrução primária em Torres Novas, ingressou no Seminário de Santarém, mas teve de interromper os seus estudos por falta de saúde. Trabalhou no escritório do Dr. Augusto Moita de Deus, foi escriturário por conta do visconde de S. Gião e mudou-se de-pois para a Tipografia S. Miguel. Chamado a prestar serviço militar em cavalaria, aqui passou o melhor da sua vida, sempre estimado e sempre avesso a promoções pessoais. Esteve três anos em Cavalaria 4 de Alcobaça, na Escola Prática de Cavalaria em Torres Novas de 1929/52, no Depósito de Material de Subsistência no Entroncamento até 1959 e na Escola Prática de Cavalaria em Santarém desde 1959 até 1969, ainda que aposentado em 1964. Artista por natureza, pintou inúmeros pergaminhos, ricos de iluminuras, para homenagear pessoas ou celebrar acontecimentos, paisagens da Nazaré, e de Torres Novas e seu Rio, cartazes dos Centenários e do Congresso Eucarístico de Torres Novas, tríptico de Mousinho de Albuquerque, Os Cavalos, A Bilha, Na Ausência do Monge. Repôs a pintura do teto da capela-mor da igreja do Salvador, pintou o retábulo-mor da igreja do Carmo e os três quadros – Sant’Iago, S. Jorge e Discípulos de Emaús – que ornam a igreja de Santiago. Era um sonhador e semeador de beleza que sabia descobrir e recriar as coisas pequenas. Visionário de uma pátria imorredoira, não parava de a exaltar e aos seus heróis. Faleceu em Torres Novas, a 6 de Maio de 1991».

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Cristóvão Vaz, Fuga para o Egito (pormenor), c. 1575-80. Igreja do Carmo de Torres Novas

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Arquitetos, pedreiros e construtores 1. JOÃO DE ÉVORA

Mestre pedreiro, act. 1570-1573

Deste mal conhecido mestre de pedraria, pouco se sabe para além de que morava em Tomar em 1570, estando certamente ligado aos grandes estaleiros de obras do Convento de Cristo na fase sequencial à direção arquitetónica de João de Castilho e do escultor Pedro de la Gorreta. Deve ser relacionado familiarmente com outro mestre pedreiro do mesmo apelido, Fernão de Évora, que foi o quarto mestre de obras do mosteiro da Batalha (activo de 1444 a 1477, data do provável fale-cimento) e que podia, aliás, ser natural da capital alentejana, a crer no seu nome 133. Podia ser um ascedente de João de Évora. Nas obras do convento de Cristo de Tomar também não se assinala o pedreiro de quem aqui se trata 134.

Assinatura do mestre pedreiro João de Évora

133 Francisco Marques de SOUSA VITERBO, Diccionario Histórico e Documental dos Archi-tectos, Engenheiros e Constructores Portuguezes ou a serviço de Portugal, 1ª série, Lisboa, 1899, pp. 310-312 e 561.134 Segundo Ernesto JANA, que investigou profundamente as campanhas artísticas do Con-vento de Cristo para os anos filipinos, nada consta nos estaleiros tomarenses a respeito de João de Évora.

João de Évora esteve ativo na direção das grandes obras de des-medievalização e de modernização da igreja do Salvador de Torres Novas, que dirigiu de 1570 a 1573, depois de ver o seu lanço aprovado pelas autoridades e de assumir, assim, a demolição e subsequente

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reconstrução da igreja 135. Desta empresa artística se falou já na notícia histórica sobre a igreja do Salvador.

As referências, nesse contrato, a outras obras realizadas havia pouco em outras igrejas torrejanas que também haviam sido desme-dievalizadas, deixando de ter três naves e ganhando uma espaciali-dade chã, leva a presumir que o mesmo mestre, pessoa conhecida dos contratantes, tivesse estado já encarregado de tais empreitadas…

2. LUÍS DA SILVAMestre de pedraria, de Lisboa, act. 1685-1723

Deste mestre pedreiro morador em Lisboa a Santa Catarina do Mon-te Sinai, se sabe que dirigiu as obras de reconstrução e modernização da igreja de São Pedro de Torres Novas em 1722-1723, de que resta ainda o portal lateral poente, de boa traça, bem como outros vestígios significativos, que foram a seu tempo analisados 136. É muito de lastimar que a traça referenciada no contrato torrejano não inclua o nome do arquiteto responsável pela obra que Silva de seguida cumpriu, depois de ganho o seu lance.

Em 1685, um pedreiro de nome Luís da Silva, que deve ser o mesmo que aqui se trata, morava no Beco da Póvoa, freguesia de Santa Justa, e em 8 de setembro desse ano integrava, como irmão, a Congregação de Nossa Senhora da Doutrina da igreja de São Roque de Lisboa 137, o que atesta certa importância estatutária, pois se tratava de uma das grandes confrarias laicas da capital, que albergava muitos dos melhores artistas da pedra, do entalhe e da pintura.

Reaparece em 1711, como morador ao Bairro Alto (o que coincide com a referência do contrato de Torres Novas à sua morada na capital) e a 7 de janeiro desse ano contratou-se com o desembargador e advo-

135 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 1 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 26 vº a 28 vº, com transcrição integral em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, op. cit., 2003, pp. 118-120. DOCUMENTO Nº 2.136 Artur GONçALVES, Torrejanos Ilustres, Torres Novas, 1936, p. 302.137 A.N.T.T., A.G.H.C.L., Secção de S. José, L.º 1303, fl. 23 v.º Informação inédita da Doutora Maria João Pereira Coutinho, que muito agradeço.

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gado da Casa da Suplicação, Dr. António de Vasconcelos e Silva, fazer a obra de construção de uma morada de casas dentro do perímetro do Castelo de São Jorge, e que ficavam defronte da Ermida do Espírito Santo, seguindo um ‘risco’ preciso 138. Nada mais se conhece, porém, da sua atividade em Lisboa.

O mestre Luís da Silva pode ter sido um artista de empreitada liga-do a estruturas dirigidas pelo arquiteto António Baptista Garvo, o que explicaria a sua atividade para São Tiago de Torres Novas.

3. DOMINGOS ALVESMestre pedreiro, act. 1700

Coube a este mestre, morador em Pombal, realizar a obra de pedraria, cantaria e alvenaria da capela-mor da igreja de São Pedro, que o pároco D. António Pimenta mandara fazer, e prosseguiram após a sua morte. Este mestre contratou-se a 14 de agosto de 1700, por preço de 100.000 rs 139, fazer as paredes e teto da capela-mor, uma avantajada casa da tribuna em pedraria, com cobertura de abóbada de alvenaria, as bases de assento do camarim, a casa para despacho da irmandade, os degraus de serventia, e o túmulo do pároco, assim descrito: «uma sepultura no meio com suas sanefas de pedraria à roda, com seu ornato de betumes pretos, e litreiro em sima da dita sepultura com as armas do dito reverendo prior, e logo junto às sanefas da dita sepultura se seguirão outras sanefas a igualar as que ficam ao redor

Assinatura do pedreiro Luís da Silva

138 A.N.T.T., Cartório Notarial de Lisboa, Nº 12 B (atual n.º 1), Cx. 35, L.º 497, fls. 65-66 vº. Informação inédita da Doutora Maria João Pereira Coutinho, que muito agradeço.139 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra,Tabelião de Torres Novas, fls. 91 vº a 92 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 27.

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da capela». Tudo desapareceu com o arrasamento de grande parte do templo com o megassismo de 1755.

De Domingos Alves, competente chefe de empreitadas de pedraria, ligam-se obras vultosas dentro do ‘estilo chão’, como foi a fábrica da igreja do Cardal, na sua vila de Pombal, realizada segundo risco do famoso arquiteto régio João Antunes. A obra da casa da tribuna de São Pedro de Torres Novas devia ser imponente, bem como a nova estrutura de ampliação do presbitério, que vinha ampliar a primitiva estrutura gótica e impôr uma ordem espacial dentro do gosto ‘chão’ vigente à época de D. Pedro II. Imaginar-se-á essa fábrica, enriquecida pelo retábulo e tribuna entalhadas, pelas pinturas de brutesco de Pe-dro Coelho Taborda, pela azulejaria polícroma e pelo túmulo do padre mecenas, para imaginar a imponência e modernidade desta campanha de obras dos alvores do século XVIII…

4. MANUEL DA COSTAPedreiro, act. 1709

Em 22 de setembro de 1709, este competente mestre de pedraria, morador no lugar de Árgea, termo de Torres Novas, comprometia-se com o Provedor da Misericórdia, João de Mesquita da Silva Avilez, a fazer as cinco capelas dos Passos da Paixão para serem instaladas em determinadas ruas da vila, pelo preço global de 125.000 rs, a 25.000 rs cada Passo 140.

A presença de um desses Passos, espécie de altar-capela (que foi muito adulterado e mal reutilizado) junto à porta lateral da igreja de São Pedro, leva a incluir o nome deste artista torrejano na presente listagem de artistas. Existem outras referências à sua actividade em obras de pedraria para clientelas públicas, religiosas e privadas.

Para as tais capelas – ainda existentes em vários espaços da ci-dade, além da que subsiste no largo da igreja de São Pedro – foram pintadas cinco telas pelo pintor Pedro Coelho Taborda (um artista que

140 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 256 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas, fls. 65 a 67. Inédito. DOCUMENTO Nº 21.

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trabalhou também, como se viu, na decoração da capela-mor de São Pedro, pela mesma época).

5. ANTÓNIO BATISTA GARVOArquiteto e pedreiro, de origem italiana, act. 1724-1733

Este competente artista joanino, que aparece ativo em Torres Novas e seu termo no terceiro decénio de Setecentos, era filho do milanês Carlo Battista Garvo, um dos mestres do estaleiro do Convento de Mafra, sob as ordens do arquiteto João Frederico Ludovice, e que foi autor, em 1713, do magnífico retábulo de mármore com pedras de jaspe do Colégio jesuítico (depois Seminário) de Santarém 141.

Seu pai, Carlos Batista na forma portuguesa, oriundo de uma família de Bissone, em Milão, era filho do escultor Giovanni Battista Garvo, que foi chamado de Génova para Portugal em 1672, trabalhando na igreja de Nossa Senhora do Loreto em Lisboa em vultosas obras de entarsia marmórea e dirigindo. À Prof. Teresa Leonor Vale devemos o estudo das obras desse escultor, tanto para o Loreto como para o colégio jesuítico de Santo Antão; era sua, e especialmente notável, a obra de lavor marmóreo do retábulo da capela-mor da igreja do Loreto, com pedra de origem genovesa 142.

A formação familiar explica a importância regional de António Batista Garvo como arquiteto-pedreiro dentro da tradição do Barroco romano--mafrense, e a sua atividade documentada, como tracista, na região de Torres Novas, em 1724. E não só regional, pois substituiu o pai na estaleiro mafrense: em novembro de 1731, um precioso documento inédito atesta que António Batista Garvo e Manuel Antunes Feio, mes-tres pedreiros, tinham a «empreitada da Real Obra de Mafra», mais se dizendo no contrato de associação que deveria ser «obra de primor de Arte» e sob «risco do Arquiteto Ludovice» 143. Em 26 de agosto de

141 Cf. Ayres de CARVALHO, D. João V e a arte do seu tempo, Lisboa, 1962, vol. II, pp. 236-238.142 Teresa Leonor M. VALE, «As Estátuas de Santo Antão do Tojal. Contributo para um panorama da importação de escultura barroca genovesa para Portugal», Artis – Revista do Instituto de História da Arte, n.º 5, 2006, pp. 250-251.143 A.N.T.T., Cartório Notarial nº 11, cx. 116, Lº 505 de Notas de António da Silva Freire, fls. n.n. Inédito.

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1733, o mesmo «António Baptista Garvo, mestre das reais obras de Mafra», trata de uma procuração sobre bens matrimoniais 144.

É de lamentar muito que a obra de pedraria da igreja matriz de Alcanena por si dirigida 145, projetada e desenhada, com execução do pedreiro Simão Gomes, e tão bem descrita pelas cláusulas do contrato de obra aqui revelado, se tenha irremediavelmente perdido 146. É de presumir que a intervenção laboral de António Batista Garvo possa ter incidido no projeto de obras nas igrejas torrejanas, muito designa-damente em São Pedro, que foi alvo de grandes campanhas a partir de 1722.

Imaginários e escultores

6. ESTÁCIO MATIASEscultor, imaginário e carpinteiro de marcenaria, act. 1573-1582

De origem flamenga, Estácio Matias era um dos mais considerados mestres da arte da escultura ativos em Lisboa no último terço do século XVI. Morador na Calçada do Combro, freguesia de Santa Catarina do Monte Sinai, mudou-se depois para a Rua do Norte, junto a São Roque, no Bairro Alto, onde tinha oficina. Aí realizou obras de imaginária para clientes de Lisboa, desde o Mosteiro de São Bento (um conjunto de imagens que foram muito elogiadas nas crónicas dessa casa), como

144 A.N.T.T., Cartório Notarial nº 11, cx. 119, Lº 517 de Notas de António da Silva Freire, fls. 36 e vº. Inédito. No Lº 597, fls. 78 vº e 79, aparece um ajuste de 27 de julho de 1750, ainda sobre a obra régia de Mafra, mas aí já não se refere António Baptista Garvo e sim seu filho, também Carlos, e Manuel António Feio, pedreiros.145 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 159 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo--Branco, Tabelião de Torres Novas, fls. 42 a 44. Inédito.146 A igreja foi incendiada em 1915 pelo fanatismo iconoclástico e, depois de demolida, foi completamente modernizada, perdendo as características barrocas (cf. Gustavo de Matos SEQUEIRA, op. cit., p. 14). Sabemos que em 1736 se fizeram as portas e outras obras de carpintaria deste templo, por António Ferreira, mestre carpinteiro de Torres Novas (Arquivo Distrital de Santarém, Lº 176 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar, Tabelião de Torres Novas, fls. 202-203).

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para o mosteiro de São Francisco da Cidade (um retábulo), para os nobres Noronhas (também um retábulo na capela privativa), para a igreja do mosteiro de Santa Ana (um retábulo de madeira de bordo, que orçou 55.000 rs) 147, e para a igreja de São Julião, por vezes asso-ciado a grandes artistas do tempo, como o pintor régio Fernão Gomes e o pintor Gaspar Dias, o escultor Gonçalo Rodrigues e o entalhador Jacques de Campos 148.

Era considerado «gran oficial de imaginaria»: as suas esculturas de São Bento, Santa Escolástica, São Bernardo e Senhora de Monserrate, da igreja do mosteiro dos beneditinos de Lisboa, foram admiradas na época como «as mais perfeitas e fermozas que há neste Reyno de vulto». Essas imagens, todavia, desapareceram ou estão inlocalizadas.

A sua atividade para Torres Novas permite esclarecer melhor a sua biografia e produção artística. Em 1573, estabeleceu uma parceria com o imaginário Pedro de Frias, cavaleiro da casa real e escultor de Sua Majestade, mas essa associação laboral dissolveu-se poucos anos depois, com a mudança de Frias para a cidade de Coimbra, onde se tornara privilegiado do Colégio Universitário de São Tomás.

Foi no âmbito dessa parceria que ambos tinham recebido como incumbência, em 1577, realizar a obra de imaginária do retábulo da igreja do Salvador de Torres Novas, mas o incumprimento do primeiro levou a que só Estácio Matias realizasse a empresa torrejana, como se constata por um pleito judicial que correu nos tribunais e que se decidiu por acordo entre os dois escultores 149.

Sabe-se com toda a certeza que, à data, já então Estácio Matias havia concluído e feito entrega de cinco das imagens que se compro-metera a lavrar para o retábulo do Salvador de Torres Novas. Quando se assinou o acordo de Coimbra, Pedro de Frias, muito cioso dos seus

147 A.N.T.T., Notas de Belchior de Montalvo, 1582, fls. 99 vº a 101 vº. Inédito. 148 Cf., sobre o artista, Vítor SERRãO, «O escultor maneirista Gonçalo Coelho e a sua atividade no Norte de Portugal», revista Museu, IV série, nº 7, 1998, pp. 137-173, refª p. 144 e nota 13.149 Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 69 de Notas de António Martins, tabelião de Coimbra, 1578, fls. 123 vº a 125 vº, documento de quitação de 21 de julho de 1578, publicado por Vítor SERRãO, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, 1983, pp. 105-106; id., A Pintura Proto-Barroca…, 1992, vol. II, p. 602; idem, «O escultor Gonçalo Rodrigues…», revista Museu, 1998, p. 144 e n. 13; e, com leitura integral, por Carla GONçALVES, op. cit., 2005, pp. 377-381. DOCUMENTO Nº 6.

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direitos, apesar de reconhecer que nada fizera de trabalho artístico na associação com Matias, ainda reclamou uma quantia de 115.000 rs por perdas e danos, que lhe foi paga pelo anterior ‘parceiro’ ao ser desfeita a associação de trabalho que tinham entre si.

A imagem de Cristo na cruz de Estácio Matias chegou aos nossos dias e está exposta na parede esquerda da capela-mor do Salvador.

Assinatura do escultor Estácio Matias em 1582

Constitui, tal como a tábua da Ressurreição, de Gaspar Soares, o úni-co vestígio que remanesce do antigo retábulo quinhentista. Apesar de repintada e de ter ocultas, assim, valências impercebíveis, mostra um lavor vigoroso no lançamento de corpo e uma dinâmica de pose (nem sempre entendidos nas apreciações feitas, que apontaram à imagem deficiências anatómicas…), que se atestam também no fino modelado da cabeça e do torso, e no alongamento e elegância com que a figura é, de um modo geral, modelada, confirmando as boas qualidades do imaginário flamengo.

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Estácio Matias, Cristo Crucificado do antigo retábulo, c.1577

Pintores e Douradores

7. DIOGO DE CONTREIRASPintor, c. 1500-1563

Diogo de Contreiras (act. 1521-1565), um grande pintor português do segundo terço do século XVI, esteticamente muito evoluído quanto ao conhecimento dos novos cânones da Bella Maniera italianizante, foi senhor de um repertório pessoal, com sentido de deformação das poses, agitação formal dos figurinos e novos efeitos teatrais de nar-ração pictórica, que tornam a sua arte inesperadamente caprichosa, irreverente e moderna, quando comparada com o que se fazia na ge-ração pictórica anterior, a de Gregório Lopes, Cristóvão de Figueiredo ou Garcia Fernandes. 150.

A sua atividade para Torres Novas – nos anos terminais da sua exis-tência — inclui a fatura de obras com recurso a acabamento oficinal,

150 Cfr. Vitor SERRãO, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, IN-CM, Lisboa, 1983, pp. 36-37.

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mas muito qualificadas, como a Descida da Cruz para o antigo retábulo da Misericórdia (que se inspira num modelo rafaelesco segundo Man-tegna) e as quatro tabuinhas presumivelmente integradas na capela de São Jorge da igreja do Salvador.

Diogo de Contreiras apresenta sempre um requintado e atualizado gosto artístico. Sabemos que, embora com oficina na capital, teve casas em Santarém, vila onde trabalhou, pois pintou retábulos para a Colegiada de Ourém (1537-1541), para o mosteiro de Almoster (1545) e para o Convento de freiras de Santa Clara em Santarém (1553-1554). A encomenda para Ourém foi custeada pela Casa de Bragança, para cujo Duque D. Teodósio I o pintor trabalhou. Não longe de Torres Novas

Oficina de Diogo de Contreiras, Descida da Cruz, c. 1550-1560, Museu Municipal de Torres Novas, e gravura de Giovan António da Brescia segundo um original de

Andrea Mantegna, em que o artista se inspirou

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e de Santarém, Ourém era uma das mais importantes vilas integradas no Padroado brigantino, pelo que o conjunto retabular da capela-mor da Colegiada não podia deixar de ser muito importante. A obra protelou--se, houve dificuldades na oficina do pintor devido a uma inundação que desgrudou parte dos painéis que estavam já feitos, tudo isso gerou pleitos por incumprimento de prazos estipulados e teve atrasos que suscitaram protestos, requerimentos do artista, novas cláusulas e outras deliberações de membros da Colegiada 151.

Se a rafaelesca Descida da Cruz, hoje no Museu, desde há muito se considera ser uma obra típica do círculo de Diogo de Contreiras (já em 1957 o crítico de arte americano Martín Soria a atribuiu ao Mestre de São Quintino, a designação pela qual Contreiras era en-tão referido, antes da sua cabal identificação documental 152), já as quatro tábuas expostas na igreja de São Pedro têm merecido algu-mas polémicas considerações sobre a sua filiação. Em data muito recente, foi defendido por José Alberto Seabra Carvalho 153, sem outra base de segurança que não fossem pretensas aproximações formais (a partir de meros indícios e aparências não essenciais de caracterização autoral, como sendo menos «próximas» da obra de Diogo de Contreiras) ao grupo de obras de um anónimo discípulo de Garcia Fernandes que pintou os Martírios de São Vicente do Museu de óbidos, as tábuas oriundas da igreja de São Cristóvão de Lisboa, as que eram do Convento do Carmo de Moura, e outras peças incontestavelmente no mesmo estilo.

Ora, segundo penso, as tábuas de Torres Novas nada têm a ver, estilisticamente, com este núcleo, para além de naturais «afinidades de época». Penso a este propósito que o ‘modus faciendi’ desse anó-

151 A propósito da vida e obra de Contreiras, cf. Joaquim Oliveira CAETANO, «O pintor Diogo de Contreiras e a sua atividade no Convento de São Bento de Cástris», A Cidade de Évora, nºs 71-76, 1988-93, e O que Janus Via. Rumos e Cenários da Pintura Portuguesa (1535-1570), tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1996.152 Martín S. SORIA, «The S. Quintino Master», Boletim dos Museus Nacionais de Arte Antiga, nº 10, 1957, pp. 22-27.153 CARVALHO, José Alberto Seabra, «Que hacen los conservadores ? A propósito do incomo-dativo problema da existência de mestres desconhecidos nas tabelas dos Museus», Revista de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 8, 2011, pp. 139-151.

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Oficina de Diogo de Contreiras, Descida da Cruz, pormernor, c. 1550-60, Museu Municipal de Torres Novas

nimo seguidor de Garcia Fernandes (talvez identificável com o pintor Manuel André, como já se propôs) se articula muito bem entre si e une, efetivamente, uma série de quadros anónimos como fazendo parte de um acervo que deve ser tributado a um só artista anónimo (aliás, já

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antes tinham sido reunidas e lhe haviam sido tributadas 154); acontece, porém, que esse anónimo seguidor de Garcia Fernandes nada tem a ver, senão epidermicamente, com o estilo que domina a fatura das quatro tábuas de Torres Novas – aliás bem superiores de execução –, pois elas fogem a esse repertório estilístico e ligam-se, sim, aos indicadores formais da oficina de Diogo de Contreiras. De facto, têm tudo a ver com o «mundo» de Contreiras e seus epígonos (como o santareno Ambrósio Dias) que com os «ferreirinescos» seguidores de Garcia Fernandes (como o lisboeta Manuel André).

Aliás, o discurso artístico destas quatro tábuas liga-se iniludivelmen-te com o da rafaelesca Descida da Cruz, hoje no Museu, onde a autoria de Diogo de Contreiras (ainda que em final de carreira, e em regime de participação oficinal) não parece ser contestável. As quatro pinturas hoje na igreja de São Pedro de Torres Novas mostram o repertório artístico contreiresco ao seu qualificado nível, tanto no desenho seguro, como na finura dos tecidos, armas e acessórios, no modo peculiar de tratar os dedos, finos e esguios, na poesia dos fundos à maneira das oficinas de Antuérpia, e no sentido de esclarecimento comunicativo dos seus discursos estéticos (e espirituais). São muito similares às tábuas de figura única que existem nas igrejas de Unhos e de Atouguia da Baleia, tanto na pose dos santos isolados e de pé, com seus atributos, como no tipo de paisagem com verdes a perderem-se e detalhes hagiológi-cos complementares, e correspondem a um arco cronológico tardio na produção do artista, que faleceu em 1563 155.

Não estamos, naturalmente, no mesmo patamar de exigência de uma encomenda como são as tábuas de São Quintino (Sobral de Monte Agraço) ou a notabilíssima Pregação de São João Baptista do mosteiro de São Bento de Cástris (hoje no M.N.A.A.), casos ímpares na obra de Diogo de Contreiras – mas é justamente em encomendas consideradas

154 Vítor SERRãO, «O programa artístico da igreja de São Cristóvão de Lisboa. O retábulo quinhentista e a campanha de obras protobarrocas (1666-1685)», Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, série IV, nº 92, 1990/1998, 4ª série, nº 92, 1º tomo, 1990-98, pp. 51-82. Estudam-se aí as tábuas do antigo retábulo da igreja de São Cristóvão em Lisboa, efetivamente de um seguidor de Garcia Fernandes, c. 1550-1560, e uma série de peças que se revelam muito próximas desse estilo e devem ser do mesmo artista.155 João Miguel Antunes SIMÕES e Vítor SERRãO, «O testamento inédito do pintor Diogo de Contreiras», Artis – revista de História da Arte, nº 9-10, 2011, pp. 207-212.

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de nível ‘corrente’ (como é o caso destas quatro tábuas torrejanas) que se percebe o sucesso do pintor, tanto junto de clientelas nobres (como os duques de Bragança, o Cardeal-Infante D. Henrique e o Comendador de Ega D. Afonso de Lencastre, embaixador de D. João III), como junto às ordens religiosas (os cistercienses de Évora e de Almoster, as clarissas de Santarém, etc) e na esfera da encomenda religiosa paroquial (como em São Quintino, em São Martinho de Sintra e no Salvador de Torres Novas), público esse sempre exigente quanto aos resultados pretendidos.

Assinatura do pintor Diogo de Contreirasem 1553

Oficina de Diogo de Contreiras, São Jorge e Santa Marta, c. 1550-1560,igreja de São Pedro de Torres Novas (procedentes da igreja do Salvador)

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8. GASPAR SOARESPintor de óleo e dourado, act. 1580- fal. 1613

Figura de prestígio local, nascido por volta de 1550 e falecido em 1613, o pintor Gaspar Soares formou-se na oficina escalabitana de Ambrósio Dias (o Mestre de Romeira), ele mesmo um discípulo de mestre Diogo de Contreiras, famoso maneirista lisboeta que se sabe ter estadeado em Santarém, quando aí realizou obras importantes. Observam-se nas obras de Soares, efetivamente, reminiscências repertoriais dos modelos maneiristas flamengos utilizados na obra de Ambrósio Dias (e, mais longinquamente, na de Contreiras), ainda que com processos formais e compositivos muito mais simplificados, fruto de uma base formativa empírica e sem contactos exteriores. Apesar dessas limitações, a sua arte, que hoje abarca mais de trinta pinturas, é estimável como representante do último Maneirismo no Ribatejo e como continuador de um gosto por modelos neerlandeses já entretanto adoçados aos ditames didascálicos da Contra-Reforma.

A sua existência foi descoberta em 1983 no decurso das nossas investigações conducentes à tese doutoral 156, devendo-se a Teresa Desterro, na sua dissertação 157, valiosos acervos sobre a sua presu-mida formação em Santarém, que no terceiro quartel do século XVI era um centro artístico de importância. Homem de estatuto liberalizado, Gaspar Soares possuía bens, teve criados, recebia discípulos de fora e cobrava bem pelas encomendas de pintura de cavalete que afluíam ao seu atelier. Relacionava-se com a nobreza local 158 e temos indicadores de que era apreciado em círculos cortesãos.

Pode ser definido como um típico maneirista regional, marcado por ressonâncias da Bella Maniera e de uma cultura «ao italiano» que atingira o seu clímax nos anos da formação, mas cujas contingências provinciais, e as naturais limitações de talento, coartaram uma carreira

156 Vítor SERRãO, A Pintura Proto-Barroca em Portugal, 1612-1657. O triunfo do Naturalismo e do Tenebrismo, tese de Coimbra, 1992, não publicado, vol. II, pp. 601-612.157 Teresa DESTERRO, O Mestre de Romeira e o Maneirismo escalabitano, 1540-1620, Coimbra, ed. Minerva, 2000.158 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 7 de Notas de André Freire, tabelião de Torres Novas, fls. 31-32, Lº 8, fls. 101-102, e Lº 13, fls. 182 vº a 184.

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mais sedutora. Na sua vila e região, todavia, ele representava com competência e profissionalismo aquele estilo pictórico que as cliente-las religiosas reclamavam. Alheio embora às inovações trazidas pelos romanistas, como o excelente Campelo, cuja atividade para os Mogos Mello Carrilho o deixaria indiferente à novidade estética italianizante, as suas obras para o Salvador, para São Tiago, e para as Lapas mostram o peso de uma tradição que vinha dos modelos flamenguizantes do Renascimento e do primeiro Maneirismo, a que sempre se mostrou fiel.

Das obras conhecidas de Gaspar Soares, destaca-se a sua ati-vidade para a igreja do Salvador de Torres Novas, tendo sido ele o pintor mais apreciado e preferido pela fábrica do templo para decorar os novos altares a seguir à reconstrução de 1570 que transformara o velho templo gótico de três naves num espaço ‘chão’ mais amplo e atrativo. Em novembro de 1580 recebeu a incumbência de pintar os cinco painéis do retábulo de Nossa Senhora do Rosário, colateral dessa igreja, recebendo pelo seu labor 35.000 rs 159. O altar foi des-mantelado e substituído na época barroca (aquele que chegou aos nossos dias data de 1700 e é da autoria do entalhador Manuel da Silva Monteiro), e não é de crer que a Apresentação do Menino no Templo, exposta no Museu Municipal, possa ser identificada com este conjunto, já que nele existiu uma Circuncisão e não uma Apresentação no Templo; o estilo é, aliás, diverso, com ressonâncias contreirescas.

É interessante seguir os termos deste contrato, por se estipular que as pinturas deviam ser de idêntica qualidade (senão superiores…) às da Ermida de Nossa Senhora do Vale e da antiga igreja da Misericórdia, o que sugere que Soares trabalhara, havia pouco, em retábulos para esses templos... Mas a bitola de exigência deste pintor torrejano foi oscilante, a crer na modéstia de outros trabalhos do seu mester, fran-camente mais débeis, como as tábuas oficinais para antigos retábulos nas igrejas matrizes de Lapas (Torres Novas), de Pedreira (Tomar) e de Évora de Alcobaça.

159 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 7 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 132 vº a 134 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, op. cit., 1992, vol. II p. 601, transcrito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 218-220, e também publicado, com variações de leitura paleográfica, em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, 2003, pp. 122-124. DOCUMENTO Nº 7.

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Autor desconhecido, Apresentação do Menino no Templo; 1580,Museu de Torres Novas

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Três anos volvidos, em 1583, Soares pinta para a mesma igreja do Salvador de Torres Novas as sete tábuas do retábulo-mor, por 105.000 rs, dourando também a parte de entalhe 160. Deste retábulo, chegou aos nossos dias a tábua da Ressurreição, que originariamente rematava o conjunto.

Conhecem-se outros traços documentais da sua atividade. Em 1598, recebeu na sua oficina para ensino da arte da Pintura o moço Tomé da Roma, oriundo da Golegã 161. Já era falecido em janeiro de 1614, pois vem citado numa procuração que o pintor Pedro Vieira, seu genro, fez à viúva de Soares, Bárbara Gonçalves 162, que viria a fale-cer, aliás, no dia 8 desse mesmo mês 163. A sua morte tem de situar-se forçosamente nos últimos meses de 1613.

Gaspar Soares, Anunciação e Visitaçãoc. 1585-90, da igreja de Évora de Alcobaça

(repintadas e aguardando restauro)

160 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 9 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 39 vº a 41 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, referido em idem, A Pintura Proto-Barroca…, 1992, II, p. 601, transcrito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 222--224; também publicado, com variações de leitura paleográfica, em Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, 2003, pp. 125-126. DOCUMENTO Nº 8.161 Arquivo Distrital de Santarém, Arquivo Distrital de Santarém, Livro 14 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 120 e vº. Publicado em Vítor SERRÃO, A Pintura Proto--Barroca…., 1992, vol. I, pp. 631-632. DOCUMENTO Nº 12.162 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 31 de Notas de Filipe Sanches, fls. 31 vº a 32. DOCU-MENTO Nº 11.163 Biblioteca Municipal de Torres Novas, Livro de Óbitos da igreja do Salvador, 1588-1616, fl. 121 vº. Publicado por Teresa DESTERRO, op. cit., p. 241.

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O estilo de Gaspar Soares é certamente fruste de desenho e muito convencional na escolha dos seus figurinos e poses, denunciando uma cultura maneirista de segunda fila, mas mostra sempre fidelidade a bons modelos da geração de pintores que o precedeu, como os de Diogo de Contreiras e do santareno Ambrósio Dias, trabalhando bem as arquiteturas, os adereços, os ornatos flamengos, os grottesche, as cartelas e os mascarões, e deformando deliberadamente as perspetivas de modo a criar efeitos irrealistas, aspetos que valorizam a sua pintura e lhe conferem um sabor caprichoso, bem dentro dos cânones manei-ristas em que se educou. Pelo que se vê na Ressurreição (exposta em São Tiago), tem um estilo muito pessoal e característico, o que permite reunir um total de três dezenas de pinturas como saídas da sua mão, todas do final do século XVI ou das primícias da centúria seguinte. A atribuição da Apresentação do Museu parece mais problemática, por não existir certeza absoluta que fosse a do retábulo do Rosário na igreja do Salvador.

De modo seguro, sabemos hoje que são da sua autoria (e da sua estrita oficina) as cinco tabuínhas do retábulo de São Tomás de Aquino na igreja matriz de Tancos (Vila Nova da Barquinha), as duas tábuas com Degolação de São Tiago e São Tiago aos mouros na igreja matriz da Pedreira (Tomar), muito repintadas, as seis tábuas de um antigo retábulo na igreja matriz de Lapas (Torres Novas) que representam a História da Santa Cruz (quatro delas) e o Hagiológio de São Sebastião (duas delas), e as doze tábuas, infelizmente muito retocadas e care-cidas de restauro, da igreja matriz de Évora de Alcobaça, nos Coutos alcobacenses 164.

164 Vitor SERRÃO, «A arte da pintura entre o Gótico final e o Barroco na região dos antigos Coutos de Alcobaça», cit., 1995, pp. 94-96 e 262-267.

Assinatura do pintor Gaspar Soares em 1583

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9. JOSÉ MENDESPintor-dourador, act. 1582-1638

Este artista das modalidades de dourado, têmpera e estofado e «dourador de retavolos» era morador em Lisboa, e trabalhou em Torres Novas, em 1583, na decoração do Sacrário do retábulo-mor da igreja do Salvador 165, na altura em que o pintor de óleo Gaspar Soares exe-cutava os painéis do mesmo altar.

Morava junto à Sé de Lisboa, sendo amiúde referido nos registos paroquiais dessa freguesia desde 1597, como testemunha de casa-mentos e batismos 166 e com obra de dourador de retábulos. Em 1638, certamente já muito idoso (a menos que se trate de um caso de homo-nímia), ainda se regista na mesa da Irmandade de São Lucas desse ano, com o cargo de juiz 167.

10. PEDRO VIEIRAPintor e dourador, act. 1603-1638

Casado com uma filha do pintor Gaspar Soares, Inês Soares, e pai do pintor Estácio Soares, este artista torrejano era conhecido pelo epíteto de «Apeles torrejano», segundo uma curiosa fonte setecentis-ta que nos informa, também, ter tido o infortúnio de cegar, coartando assim uma carreira promissora. É o pároco da igreja de Santa Maria de Torres Novas, em 1758, que nos informa, a respeito de uma pintura sua existente numa capela da banda do Evangelho, que «é obra do grande Apelles Portuguez Francisco (sic) Vieira natural desta Villa, a quem a inveja tirou a vista na obra do Escorial» 168.

A abundante documentação notarial a respeito de Pedro Vieira

165 Arquivo Distrital de Santarém, Livro 9 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 39 vº a 41 vº.166 Edgar Prestage e Pedro d’Azevedo, Registos Paroquiais da Freguesia da Sé, Lisboa, pp. 124, 169, 174, 195, 297, 303, 315, 343 e 365.167 F. A. Garcez Teixeira, A Irmandade de S. Lucas corporação de artistas. Estudo do seu arquivo, Lisboa, 1931, p. 121.168 A.N.T.T., Dicionário Geographico…, do Padre Luiz Cardoso, vol. XXXVII, p. 685. Documento n.º 34.

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mostra, aliás, um gradual declínio da escrita, atestado pelas últimas assinaturas, que confirmam a cegueira avançada, sendo aliás referi-do em 1626, numa venda de olival, como «não podendo assinar por não ver dos olhos e ser seguo» 169 e numa procuração de 1638 como «pintor, homem caresido de vista» 170… Um pagamento da Misericórdia ao seu filho Estácio Soares de 26 de junho de 1641 (ainda devido a atrasos pelo trabalho do dourado dos retábulos colaterais e brutesco da pedraria da igreja da Misericórdia, cuja paga se arrastou) refere uma esmola de seis alqueires de trigo dados ao dourador, descontados de 3.000 rs que seu pai devia à Santa Casa da sua vila por trabalhos não realizados, prova inequívoca de que a falta de vista o impediu, nos últimos anos, de dar seguimento a muitas das encomendas que recebera 171.

Mais sabemos que, antes de cegar, Pedro Vieira foi privilegiado como artista praticante da Pintura, ocupando por esse facto cargos nobilitantes como o de Meirinho do Eclesiástico em Torres Novas e chegando a trabalhar, segundo é tradição, em obras na corte de Madrid, junto ao pintor régio Domingos Vieira Serrão (Tomar, c. 1570-Elvas, 1632) 172. Em defesa da liberalidade da sua arte, consta que terá recu-sado servir um «ofício baixo» no município, apelando por isso para as instâncias do Tribunal da Relação em defesa da Pintura que praticava e vencendo a causa: é Félix da Costa Meesen, no seu tratado manus-crito de 1696, que nos destaca esse sucesso judicial de «Pedro Vieira, pintor da villa de Torres Novas», obtido em nome do «previllegio da arte

169 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 51 de Notas de Domingos Freire Leal, fls. 19 vº a 22 vº.170 Os livros notariais de Torres Novas entre 1603 e 1638 atestam a existência torrejana do pintor, em assentos de obra, compra e venda, testemunha de contratos, procurações, etc. (Arquivo Distrital de Santarém, Lº 17 de Aleixo Fernandes Monteiro. Tabelião de Torres No-vas, fls. 1 a 4; 8 a 10, 10 vº a 11 vº, 55 vº a 58 e 133 a 138 vº, Lº 20, fls. 44 vº a 47 vº, Lº 31 de Notas de Filipe Sanches, fls. 31 vº a 32, Lº 32 de Notas de Aleixo Fernandes Monteiro, fls. 112 vº a 113, 196 e vº, e 219 a 220 vº, Lº 36 de Notas de Domingos Ferreira Leal, fls. 88 vº a 89 vº, e Lº 38 de Notas de Aleixo Fernandes Monteiro, fls. 194 a 198, Lº 47 de Notas de Domingos Freire Leal, fls. 43 a 44 e 148 a 150 vº, Lº 49 de Notas de Domingos Freire Leal, fls. 5 vº a 7, Lº 51 de Notas de Domingos Freire Leal, fls.19 vº a 22 vº, e Lº 62 de Notas de Francisco de Almeida, fls. 268 a 269.171 Cf. Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., p. 129.172 Sobre Domingos Vieira Serrão, cf. o catálogo da exposição A Pintura Maneirista em Por-tugal – arte no tempo de Camões, CNCDP, 1995, p. 485.

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da Pintura» 173. Não podia, por isso, deixar de ser um artista de certo merecimento. Infelizmente, não subsiste obra identificada de modo incontestável, supondo-se apenas que algumas pinturas torrejanas, pelo grau de influência que devem à obra de Domingos Vieira Serrão, possam ser devidas aos pincéis de Vieira.

Assinatura do pintor Pedro Vieira em 1621

As relações com o tomarense Domingos Vieira Serrão podem ser atestadas, também, por uma procuração passada em Coimbra, em julho de 1620, pelo pintor régio de Filipe IV – que na altura pintava, com Simão Rodrigues, para os mosteiros de Santa Cruz e do Carmo da cidade mondeguina – em que nomeia Pedro Vieira, pintor da vila de Torres Novas, entre os seus procuradores, para em seu nome cobrar rendimentos da sua arte, o que atesta não só as boas relações de con-fiança como vínculos de trabalho (e já sugeriram que pudesse haver relações de família entre Pedro Vieira e Domingos Vieira Serrão) 174.

É por esta ordem de razões que uma tábua como o São Cosme e São Damião que era da antiga Ermida de Nossa Senhora dos Anjos e se encontra no Museu, muito próxima do estilo contra-maneirista ‘reformado’ de Vieira Serrão, poderá ser de Pedro Vieira e, nesse caso, justificaria a boa fama local. O mesmo se poderia pensar de uma Ressurreição de Cristo, de formato oval, que existe numa capela da igreja do convento do Carmo, mas o romanismo ‘reformado’ desta

173 Cf. George KUBLER, The Antiquity of the Art of Painting by Félix da Costa, Harmondsworth, 1967, pp. 230-231 e fls. 88 vº-89 do mss. De Yale.174 Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 15 de Notas de Agostinho Maldonado, Tabelião de Coimbra, fls. 61 vº a 62. Publicado em Vítor SERRÃO, A Pintura Proto-Barroca…,1992, I, pp. 797-798.

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última, muito próxima ao estilo das pinturas murais do arco grande da Charola do Convento de Cristo em Tomar, de Domingos Vieira Serrão, c. 1597, parecem reclamar para este a autoria da tábua torrejana.

Também no caso das pinturas da Ermida de Nossa Senhora do Vale se desconhece o autor das cinco tábuas do retábulo do altar de Nossa Senhora da Piedade (hoje no Museu), cujo culto italianismo permitiria a presunção de uma autoria de Pedro Vieira (como já se chegou a aven-tar), mas essa hipótese de trabalho não pode ser ainda confirmada, até porque a cronologia daquelas tábuas ‘campelescas’, ainda bem quinhentistas, aponta para cronologia temporã, que não coincide com os anos de atividade conhecida de Vieira no primeiro terço do século XVII. Já quanto às quatro tábuas do altar de São Mateus, da Ermida do Vale (hoje no Museu), mais limitadas de nível, e bem mais tardias, é perfeitamente admissível a autoria de Vieira, mas tal carece, também, de prova definitiva.

Infelizmente, pouco se sabe da produção documentada deste infeliz artista talvez com exagero epitetado de «Apeles Torrejano», numa tradição laudatória que assentava muito nos méritos de um perdido painel que existiu na igreja de Santa Maria. Apura-se que Vieira, em 1612, recebeu da Santa Casa da Misericórdia torrejana quatro alqueires de trigo por «pintar huma imagem de Nosso Senhor Jesus Christo nos passos dos domingos da Coresma» 175, a qual bem poderia ser uma escultura de vulto, ou quiçá um quadro do Caminho do Calvário que remanesce em dependência da Misericórdia, pois é lacónica a referência do escrivão... Mas o que se apura da sua ativi-dade de estofador-policromador, arte que exerceu com eficiência, a par da pintura a óleo, poderá ajudar a localizar elementos remanes-centes da sua produção.

175 Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa da Misª, 1612-13, fl. 117 vº.

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Pedro Vieira (atr.), estofo e decoração a pincel da imagem de São José, 1621,no Museu de Torres Novas. Conjunto e pormenor

Pedro Vieira (?), Cristo a caminho do Calvário, conjunto e pormenor, c. 1610, Misericórdia de Torres Novas

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11. ESTÁCIO SOARESPintor dourador, act. 1640-1670

Pintor da modalidade de têmpera, dourado e estofado, Estácio Soares era filho do pintor torrejano Pedro Vieira e, por essa via, neto pelo lado materno do pintor Gaspar Soares.

Embora trabalhasse na sua vila natal, esteve sobretudo ativo em Santarém, onde foi artista assalariado da Câmara Municipal, para quem, entre 1640 e 1653, realizou numerosos trabalhos, como a pintura das varas processionais para a vereação escalabitana. Em 1640, dourou os retábulos colaterais da igreja da Misericórdia de Torres Novas, envolvendo as duas grandes telas então pintadas pelo santareno Miguel Figueira. Em Setembro desse ano, recebe por dourar esses retábulos laterais 3.600 rs 176. É mais do que provável que trabalhasse nas paróquias da vila em obras do seu mester de dourador-policromador e estofador.

Ainda estava vivo em 1670, pois a 11 de maio desse ano vendeu umas casas, com sua mulher Isabel das Montanhas, casas essas sitas em Torres Novas, a uma senhora de nome Maria Serrão 177. De novo se sugerem relações familiares entre Pedro Vieira, pai de Estácio, e os Serrões de Tomar.

12. MIGUEL FIGUEIRAPintor de óleo e dourador, act. 1640-1690

Este pintor da vila de Santarém aparece-nos em Torres Novas em 1640, sendo chamado pela Misericórdia local, a 2 de julho desse ano, de pintar as duas telas dos altares colaterais dessa igreja, por preço de 24.000 rs. Trata-se de duas grandes telas tenebristas que representam a Ressurreição de Lázaro e a Cura do Paralítico 178.

176 Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despesa da Misª de 1640- -1641, fl. 230.177 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 101 de Notas de Martim Pimenta de Avelar, fls. 174 vº-177.178 Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despesa, 1639-1640, fls. 183 e vº.

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Inspiradas em gravuras maneiristas flamengas de António e Jeróni-mo Wierix, estas grandes pinturas mostram um artista de segunda plana, algo duro de desenho e convencional de composição, dentro do gosto que imperava.

Encontramo-lo de seguida a trabalhar em Santarém. Em 1641, recebeu do Hospital de Jesus Cristo 1.500 rs de «consertar os dous paneis dos altares colatrais» da igreja, que haviam sido pintados sete anos antes pelo lisboeta Gregório Antunes 179. Em 1659, auferia dos proventos do cargo de pintor da Câmara Municipal de Santarém 180, pintando nesse ano e nos seguintes, regularmente, até 1690, as varas destinadas aos vereadores e outras tarefas decorativas para as procis-sões e festas municipais, bem como as varas para os vários mesteres e os almotacés. Em 1661 trabalha para o Hospital de Jesus Cristo de Santarém dourando grades e frisos do templo 181; de novo em 1674 pinta varas de um pálio para essa instituição 182. Entretanto, em 1662 deslocara-se aos Coutos de Alcobaça para pintar, por 56.000 rs, uma série de quadros, incluindo uma grande tela da Última Ceia ainda exis-tente, com destino à Ermida de Nossa Senhora da Graça da Póvoa de Cós 183. De novo no mercado escalabitano, em 1674 pinta quatro varas de pálio para o Hospital de Jesus Cristo, e em 1675 pinta por 5.750 rs um painel para a Sala do Despacho da Misericórdia, que desapareceu 184. Aquando da visita à vila ribatejana da Rainha D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, em 1675, a Câmara de Santarém pagou a Miguel Figueira

179 Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa do Hospital de Jesus Cristo, 1641-42 (nº 462), fl. 137.180 Publicado em Vítor SERRãO, A Pintura Proto-Barroca…, 1992, I, pp. 767-768.181 Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa do Hospital de Jesus Cristo, 1661-62 (nº 480), fl. 119 vº.182 Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa do Hospital de Jesus Cristo, 1673-74 (nº 491), fl. 121 vº.183 Arquivo da Misericórdia de Alcobaça, Lº de Receita e Despesa da Capela de Nossa Senhora da Graça da Póvoa de Cós, 1662, nº 623, fls. 40 vº, 43, 53 vº e 54.184 Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa da Misericórdia, 1674-75 (nº 1053), fl. 113 vº; idem, Lº de Rec. e Desp. da Misª, 1675-76 (nº 1054), fls. 205 vº e 206.

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Assinatura do pintor Miguel Figueira em 1640

10.000 rs por decorar as barcas encarregadas do transporte fluvial da comitiva régia.

Não consta que Miguel Figueira tenha voltado a trabalhar para Torres Novas depois da sua empreitada de 1640 para a Misericórdia torrejana. Além das telas dessa igreja, e da grande tela de Póvoa de Cós, restam pinturas no seu estilo duro e penumbrista na igreja ma-triz de Abitureiras, na igreja da Misericórdia de Pernes e na igreja da Piedade de Santarém, onde as duas telas com o Milagre da imagem da Senhora da Piedade (milagre supostamente ocorrido durante a batalha do Ameixial em 1663, favorecendo a vitória portuguesa) são da sua autoria.

13. PEDRO DE SOUSAPintor de óleo e brutesco, act. 1663-1664

Aparece envolvido em 1663 num instrumento de dote, estando à data radicado em Torres Novas 185, mas ignorando-se em que traba-lhos se ocupava, e qual a modalidade que exercia. Também aparece referenciado nos documentos de contas da Misericórdia 186.

Conhece-se o seu assento de óbito nos registos da tumba da Mi-sericórdia de Santarém em 24 de julho de 1664 187. Se se tratar do

185 Cf. DOCUMENTO Nº 16.186 Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit.187 Arquivo da Misericórdia de Santarém, Lº dos Registos de Óbitos da Misericórdia, nº 984, fl. 3. O assento de óbito indica que o artista era de Torres Novas.

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mesmo artista, como tudo leva a crer, não é possível defender-se mais a hipótese de ter colaborado com Manuel Soares no teto de brutesco da Misericórdia.

14. MANUEL SOARES Act. 1637-1687

Este pintor tem o seu nome ligado à obra do grande e interessante teto de brutescos que cobre a nave da igreja da Misericórdia de Torres Novas, onde em cinquenta e cinco caixotões de madeira, apainelados por um bom artista brutescador que aí compôs a óleo uma sinfonia de ouro com ‘ferroneries’, enrolamentos acânticos, aves, anjos, festões de flores e frutos e cartelas com símbolos marianos, dentro de um gosto que estava no auge do seu impacto cenográfico em lugares de culto e salões privados e em que, como sempre, as Santas Casas não fu-giram à regra e ao gosto dominante, acolhendo essa solução plástica para cobrir as suas igrejas ou salas de despacho 188. Os exemplos são numerosos.

De Manuel Soares se sabe mais que era filho do pintor Lourenço de Abreu (sobre o qual nada se sabe) e que casou em 1660 com uma moça torrejana, filha de um barbeiro da vila189. Fez outros trabalhos na Misericórdia e, seguramente, também nas outras igrejas da vila. Quando em 1675 a Misericórdia torrejana custeou a obra dos azulejos de padronagem polícroma para forro do corpo, as despesas referem,

188 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa de 1674-1675, fls. 154-157 vº; cf. Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, A Igreja da Misericórdia – um estudo monográfico (1572-1700), Município de Torres Novas, 2003, pp. 89-92.189 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 89 de Notas de Martim Pimenta de Avelar, Tabelião de Torres Novas, fls. 117-118. Leitura de Vítor SERRÃO, A Pintura Proto-Barroca…, 1992, vol. I, pp. 801-803.

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junto às contas dos «mestres azulejadores», um pagamento «a Manuel Soares, pimtor, de seis mil rs do feitio das linhas» 190, que deve ser inter-pretado como o serviço prestado com o «debuxo» fornecido aos artífices que colocaram o azulejo nas paredes, através de um risco («linhas»?) apresentado em mesa e devidamente aprovado pelos responsáveis da Santa Casa, o que justifica o pagamento avultado para o que se poderia pensar fosse um mero debuxo. Trata-se de uma referência singular, que obriga a ver a outra luz, mais uma vez, o ambiente laboral dos ar-tistas do século XVII, mostrando os laços de cumplicidade laboral entre pintores de óleo e de azulejo, pois se trata de um projeto de aplicação de padronagem, aliás complexo, pois envolveu na parede direita, com molduras fingidas desenhadas com recurso a cercaduras de azulejo, as duas grandes telas de Miguel Figueira, pintadas em 1640 para os altares colaterais e, em 1674, substituídas nessa função e colocadas entre o azulejo parietal, numa sábia conjugação de valências artísticas. Terá sido essa a responsabilidade do «desenho das linhas» de Manuel Soares: organizar o espaço da igreja tomando partido das múltiplas possibilidades que o azulejo de padronagem oferecia.

Sabemos que vários pintores de cavalete e brutesco tiveram essa função, como Marcos da Cruz (fal. 1683) ao desenhar padrões para azulejo na igreja do Loreto em Lisboa 191, ou Gabriel del Barco ao de-senhar um programa de azulejos que ele mesmo iria pintar no mosteiro dos Jerónimos (desaparecidos) e, mais tarde, André Gonçalves, ao conceber «modelos» para obra de azulejo, Vitorino Manuel da Serra, ao fornecer ‘debuxos’ de brutesco e de «ornato francês» para uso de pintores de azulejos, e ainda Manuel Vaz, um pintor de Serpa que era cunhado de António de Oliveira Bernardes, na amostragem de «azulejos de países» que fez em 1706 para a igreja de Baleizão 192. O caso registado leva a que o torrejano Manuel Soares deva também

190 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa de 1674-1675, fls. 154-157 vº; cf. Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, A Igreja da Misericórdia – um estudo monográfico (1572-1700), Município de Torres Novas, 2003, pp. 130-131.191 Sobre este caso de Manuel Vaz, cf. Vitor SERRãO, O Barroco, cit,., 2004.192 F. A. Garcez TEIXEIRA, A Irmandade de São Lucas, corporação de artistas…, cit., pp. 72 e 121; e Vítor SERRãO, O Barroco, Ed. Presença, 2004, p. 74.

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ser incluído nesse rol de pintores de óleo que desenhavam modelos para azulejo de ornato, face ao dado de arquivo agora recenseado.

Manuel Soares também trabalhou em Lisboa, em obras desconhe-cidas, estando registado como membro da Irmandade de São Lucas, sedeada no Mosteiro da Anunciada, na qual serviu como mordomo em 1637 e fazendo parte da mesa de 1686-1687, mas com nota de nesta última data já ser falecido 193.

15. BENTO COELHO DA SILVEIRAAct. 1656-1708

Num panorama artístico nacional que era de depauperamento, no último terço do século XVII, devido à conjuntura de guerras da Res-tauração e suas sequências sócio-económicas, domina esse tempo de nebulosas a atividade fecundíssima de um celebrado fa presto, Bento Coelho da Silveira. A sua obra está hoje conhecida depois de Luís de Moura Sobral ter coordenado uma magna exposição, em 1998, dedi-cada à figura deste prolífico artista 194.

Sabemos que trabalhou para Torres Novas, tanto para o Salva-dor como para São Pedro e para a Misericórdia. A tela da tribuna do Salvador desapareceu devido aos maus tratos, mas sobreviveu uma excelente pintura da Entrega do Rosário a São Domingos de Gusmão, de cerca de 1685, integrada no altar colateral direito dessa igreja, que era até ao momento desconhecida. Também se lhe atribuíram durante

Assinatura do pintor Manuel Soares em 1660

193 F. A. Garcez TEIXEIRA, A Irmandade de São Lucas, corporação de artistas…, cit.,pp. 72 e 121.194 Luís de Moura SOBRAL (coord.), catálogo da exposição Bento Coelho e a cultura do seu tempo (1620-1708), IPPAR, Lisboa, 1998.

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muito tempo quatro telas que eram da Ermida de Nossa Senhora dos Anjos e se encontram na igreja de São Pedro, mas estas devem-se ao labor, não de Bento Coelho, mas de um seu seguidor chamado António Machado Sapeiro. Dos pincéis de Bento são, sim, as duas telas da Ban-deira da Misericórdia, idênticas à de Pernes, e à de Castelo Branco 195.

Discípulo de Marcos da Cruz, o pintor Bento Coelho recebeu influên- cia de pintores da primeira geração proto-barroca (José do Avelar Re-belo e André Reinoso) e a partir de 1678, quando foi nomeado pintor régio, terá crescente sucesso. Membro da Irmandade de São Lucas, foi alvo de parangonas dos literati do tempo, que não lhe regatearam elogios, e ele próprio escreveu poesia na Academia dos Singulares – caso raro, embora não único, tendo em conta que já Avelar merecera idêntico louvor dos poetas do tempo 196. Dirigiu uma oficina de quem se conhecem os nomes dos adjuntos, que produziu em série para o espaço metropolitano e a Índia, ininterruptamente de 1656 até 1708 – mais de meio século de obras assinadas e datadas, num total de três centenas de telas!197 Continuam a ser identificadas obras do ar-tista (na Ilha da Madeira e nos Açores) 198, e os fundos dos arquivos revelam encomendas de painéis que, por efeitos de calamidades, não chegaram até hoje, como o ciclo de telas para a igreja do Socorro, em Lisboa, pintadas em 1690 por preço de 80.000 rs 199, mas destruídas com o terramoto.

Restam obras suas (e da direta oficina que o artista controlava em

195 Idem, catálogo da exposição Bento Coelho e a cultura do seu tempo (1620-1708), nºs 35 a 42 e pp. 290-304.196 Idem, Do Sentido das Imagens, Ed. Estampa, Lisboa, 1996.197 Cf. Vitor SERRãO, A Cripto-História da Arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes, Livros Horizonte, Lisboa, 2001, e O Barroco, in História da Arte em Portugal da ed. Presença, coord. de Carlos Alberto Ferreira de Almeida e de José-Augusto França Lisboa, 2003.198 No caso da Ilha da Madeira, a Dr.ª Rita Rodrigues revelou uma série de peças desconhecidas de Bento Coelho, oriundas do mercado lisboeta. O artista pintou também várias telas para os Colégios jesuíticos de Angra do Heroísmo (em 1686), de Ponta Delgada e do Funchal, que foram recentemente beneficiadas e, por essa via, bem identificadas.199 «Despendeo mais sesenta e dous mil rs que deu a Bento Coelho por conta dos 80 V em que se consertou com a meza pª os painéis e lhe fica devendo 18 V»; «pello que pagou ao pintor Bento Coelho do resto dos Painéis que fes pera a igreja dezoito mill rs» (Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Livro de Receita e Despesa o drº da Irmandade do Santíssimo Sacram.to sita na fregª de N. Sª do Socorro (desde 1670), fls. 62 vº e 64, inédito). Agradece-se à Dr.ª Teresa Ponces as facilidades de pesquisa nesses fundos.

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jeitos de quase monopólio de empreitadas) em numerosas igrejas e conventos de Lisboa: o Bom Sucesso de Pedrouços (c. 1668-70), as Comendadeiras da Encarnação, São Pedro de Alcântara, as Flamengas do Calvário (sala da Irmandade de Nossa Senhora da Quietação, a que pertencia desde 1686 o próprio D. Pedro II), os Cardais, a Madre de Deus, os Agostinhos do Grilo, São Cristóvão (c. 1699-1700), São Miguel de Alfama, São Tiago de Alfama, o Colégio de Santo Antão, Santa Cruz do Castelo, a irmandade do Senhor Jesus dos Passos da Graça, a Charneca do Lumiar, Loures, Ameixoeira, e Alhandra. Tam-bém há obras suas em igrejas, museus ou coleções de Alcácer do Sal, Alfândega da Fé, Angra do Heroísmo, Arouca, Braga, Castelo Bran-co, Cernache do Bonjardim, Coimbra, Elvas, Estremoz, Évora, Faro, Funchal, Mogadouro, Penafirme, Pernes, Ponta Delgada, Salvaterra de Magos, Santarém, Sesimbra, Torres Novas, Turcifal, Vila Viçosa, etc. Destaco, além destes, os ciclos de telas nos antigos mosteiros cistercienses de Santa Maria de Alcobaça, de Santa Maria de Cós e de Santa Maria de Salzedas (Lamego), entre outras casas religiosas para onde trabalhou. Também fez obras para o Brasil, como se diz no prefácio de Leitão de Faria ao elogio de literati (1706), embora sem discriminação; mas sabe-se que em 1701 o esclavagista Cristóvão de Burgos lhe encomendou vinte e quatro telas para o teto de caixotões da capela de Nossa Senhora do Rosário no engenho de Paripe (Salvador da Bahia), que se perderam. Existem, ao todo, cerca de três centenas de pinturas de Bento Coelho e do seu atelier.

Da primeira fase, alguns cobres com passos do Cântico dos Cân-ticos no Sacrário do convento do Bom Sucesso mostram um artista sequaz de gravados nórdicos e da lição de Avelar e Cruz e que não se liberta das convenções maneiristas. As obras da fase madura são mais importantes e atestam crescente soltura de pincéis em detrimento do desenho, que se torna displicente. As melhores obras de Bento Coelho são algumas das posteriores à nomeação para pintor régio, como as da sacristia de Salzedas, de São Cristóvão de Lisboa (1699) 200 e do altar

200 Vitor SERRãO, «O Programa Artístico da Igreja de São Cristóvão de Lisboa. O Retábulo Quinhentista e a Campanha de Obras Proto-Barrocas (1666-1685)», Boletim Cultural da As-sembleia Distrital de Lisboa, 4ª série, nº 92, 1º tomo, 1990-98, pp. 51-88.

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Santa Rosa de Lima, de Bento Coelho,na igreja de São Nicolau de Santarém

de São Francisco Xavier no Colégio de São Tiago em Elvas (1703), que mostram um pintor tenebrista com qualidades de desenho mais solto e panejamentos largos, sob influência longínqua de modelos de André Reinoso. Em 1706, pintava a série dos Grilos, com intervenção oficinal; em Maio de 1708, a semanas da morte, ainda pintava para a Venerável Ordem Terceira Franciscana de Lisboa um São Francisco de Assis dando a regra, que dada a doença do artista seria assente por um pintor seu discípulo, Manuel da Paz e Silva 201. Destes adjuntos mal se percebem as intervenções: a marca do mestre era de tal modo forte que os epígonos lhe seguiram as receitas quase se diluindo no seu estilo.

O seu modus faciendi é dos mais pessoalizados de toda a arte por-

201 Idem, «De José do Avelar Rebelo a Bento Coelho e aos focos regionais. Tendências da pintura portuguesa da segunda metade do século XVII», Catálogo da Exposição Bento Coelho (1620-1708) e a cultura do seu tempo, ed. I.P.P.A.R., Lisboa, 1998, pp. 38-63.

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tuguesa: Bento criou um modus faciendi com receitas inconfundíveis, que explicam o sucesso fácil e generalizado. Na sacristia do mosteiro de Salzedas, deixou um ciclo da vida de S. Bernardo e S. Bento, eiva-do de referências nacionalistas, das melhores do seu pincel. Em São Pedro de Alcântara pintou um Arrebatamento de S. Pedro de Alcântara segundo estampa de Jean-Jacques Thurneissein, e nos espaldares da sacristia deixou um ciclo de devoção à Vera Cruz inspirado na Regia Via Crucis de Haeften (Antuérpia, 1635), encomenda do desembargador João Van Vessen. Sabe-se que também pintou cenas mitológicas (o Rapto de Europa e Vénus e Mercúrio, coleções privadas) e retratos, floreros e bodegones de que não nos restam, porém, testemunhos.

No vazio pictórico da sua época – o tratadista Félix da Costa Meesen chega a falar em 1696, na Antiguidade da Arte da Pintura, de um tempo de «mingoante da pintura», crise política e instabilidade de-vido às guerras da Restauração –, a personalidade do artista impõe-se. Afirma Moura Sobral que «a sua pintura, sempre de carácter monumen-tal como o exigia a época, foi muitas vezes apressada e irregular, com frequentes defeitos de desenho, de anatomia e de proporções. Estas características decorrem em boa verdade não só da sua situação de fa presto mas talvez ainda mais de uma opção estética pessoal própria do Barroco: a procura da expressão, a manifestação da individualidade pela liberdade e rapidez do gesto criador, a afirmação da cor liberta do império do desenho, nisso se comparando o pintor lisboeta a Valdès Leal, seu exato contemporâneo sevilhano, ao mexicano Cristóbal de Villalpando e, até, ao napolitano Luca Giordano» 202. Bento Coelho assume um gosto tradicionalista marcado pelo tenebrismo castelhano e por modelos de inspiração flamengos (como sucedera com Marcos da Cruz), atento às influências francesas e italianas do Barroco Interna-cional, timidamente adoptadas por míngua de referências consistentes.

Com a vinda a Lisboa de Roger de Piles em 1685, nota-se nas suas obras uma viragem no sentido dos modelos do Barroco Internacional; o romanismo de Giordano, ativo na corte de Madrid, imiscui-se também no estilo do artista, acentua o cariz cenográfico e abre outro calor cro-mático, ao contrário do excessivo penumbrismo da primeira fase (quase

202 Luís de Moura SOBRAL, Do Sentido das Imagens, Ed. Estampa, Lisboa, 1996.

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sempre inspirado em gravuras de tradição maneirista). A facilidade de compôr alia-se a maior sensibilidade em obras de fase tardia, com perícias de desenho e «toques resolutos e virgens» (que mereceram elogio a Cyrillo): citem-se duas telas do Palácio do Calhariz (Sesimbra) com passos do Antigo Testamento e preciosismos a la candela de sinal napolitano; o Nascimento da Virgem da Pousada de Santa Isabel (Es-tremoz) vinda da igreja de S. Filipe Nery, encomenda do Arcebispo Frei Luís da Silva Teles; O Menino Jesus com os instrumentos do martírio da sacristia da Sé de Castelo Branco, a mando desse prelado; as telas da igreja de São Cristóvão em Lisboa (c. 1699-1700), que se preserva íntegro; e as telas Última Ceia e Matança dos Inocentes na igreja de Santo Antão de Évora, custeadas pelo mesmo Silva Teles, que prote-geu o artista, a quem se refere em cartas ao seu «dente de Coelho». Essa sensibilidade de «grande maneira» assumidamente barroca que grangeará louvores a Guarienti, Cyrillo, Taborda e outros – excluindo do número destes o coevo Félix da Costa, estranhamente silencioso, talvez porque o seu gorado projeto de fundação de uma Academia de Pintura colidisse, por rivalidades pessoais, com o sucesso profissional de Bento Coelho...

Este fa presto de obra incontável e irregular, que se pode equi-parar em produção a Diogo Teixeira no fim do século XVI, a Rei-noso na geração precedente, e a Pedro Alexandrino na segunda metade do século XVIII, foi artista de fidelidades a receitas sempre repetidas, mas com recursos suficientes.«Denota uma constante procura da expressão e, na liberdade do gesto, na preponderância da cor em detrimento do desenho, manifesta a sua individualida-de criadora em termos perfeitamente contemporâneos» 203. A sua obra levou ao esgotamento da longa tradição tenebrista que vinha desde André Reinoso, Baltazar Gomes Figueira e a primeira gera-ção proto-barroca, influenciada pelo naturalismo de Sevilha, pelo sentido da mancha e da cor fria, e pela escolha de modelos ‘ao natural’, simplificando-se gradualmente e chegando mesmo, com Bento Coelho, a uma certa dissolução do desenho, aceite pelo conformismo da clientela, agradada com o bom gosto dos modelos

203 Luís de Moura SOBRAL, Do Sentido das Imagens, Ed. Estampa, Lisboa, 1996.

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constantemente repetidos, desde as Virgens graciosas aos velhos de panejamentos soltos e cabeças expressivas e aos fundos mancha-dos em matizes contrastadas. A arte de Coelho repetiu-se sempre, de modo crescentemente industrial, glosando receitas e versões dos mesmos assuntos, mas eram as circunstâncias do mercado a exigi-lo. Os seguidores tomaram epigonalmente o seu gosto (mas ignorando as virtudes do pincel solto) e adequaram as receitas às novas inquietudes do Barroco de fim de século, derivando por novas estradas, com o caso mais conseguido de André Gonçalves na era quinto-joanina que se iria seguir.

Bento Coelho, Entrega do Rosário a São Domingos de Gusmão, c. 1700Altar de Nª Sª do Rosário da Igreja do Salvador

A grande facilidade de compôr de Bento Coelho era inata e jus-tifica a fama grangeada por parte das academias literárias e dos poetas – algo sem paralelo na Europa coeva –, o que atesta a sua

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importância artística numa situação que era de isolamento inter-nacional, devido ao rescaldo das guerras da Restauração, e em que a modéstia imperava no panorama pictórico existente. A sua atividade via-se recompensada através dos inflamados poemas que a Academia dos Singulares, presidida por José de Faria Manuel, lhe dedicou na referida homenagem de 1670, com odes latinas do presidente (a Carmina Amicorum), sonetos de André Leitão de Faria, António Serrão de Castro e outros poetas – uma homena-gem que integrou poesia de outros admiradores de Bento Coelho acrescentados ao manuscrito, caso dos epigramas de Frei José da Assunção; o manuscrito foi traduzido do latim por Ana Paula Quintela e divulgado, com comentário crítico, por Moura Sobral 204. A homenagem dos poetas dos Singulares a Bento Coelho, visionado como deus artifex e doctus pictor, ilustra o alcance da doutrina da ut pictura poesis no Portugal de Seiscentos, atestada pela presença de literatos inscritos ao lado dos pintores na Irmandade de S. Lucas: caso de Serrão de Castro (autor de Os Ratos da Inquisição), Brás de Pina Cavide, D. Maria de Guadalupe de Lencastre (que será juíz em 1659), André Leitão de Faria, Frei Francisco da Trindade (mordomo em 1690), e D. Tomás de Noronha e Nápoles.

Assinatura de Bento Coelho em 1682 205

204 Idem, Pintura e Poesia na Época Barroca. A homenagem da Academia dos Singulares a Bento Coelho da Silveira, Lisboa, Estampa, 1994.205 A.N.T.T., Cartório Notarial de Lisboa nº 7-A, Lº 111 de Notas de Domingos da Silva, fls. 80 a 84.vº.

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16. ANTÓNIO MACHADO SAPEIROPintor, act. 1704-1740

Este pintor lisboeta, considerado discípulo de Bento Coelho, deu entrada na Irmandade de São Lucas em 1704 e faleceu por volta de 1740, tendo-se destacado como pintor sacro e como retratista. Sabe-mos, pelos livros de contabilidade da igreja matriz de Camarate, que é o autor das duas grandes telas da capela-mor desse templo, com temas vetero-testamentários, pintadas em 1710 (e, antes de serem limpas, geralmente consideradas de Bento Coelho).

Também era de mérito reconhecido um retrato de D. João V que pintou em 1708, e que talvez seja o que hoje se encontra na Galeria dos Reis do Hospital das Caldas da Rainha. Esse retrato justificou na época um laudatório poema.

Tem sido discutida a participação de Sapeiro na pintura de tetos de perspetiva ilusionística e foram-lhe atribuídos, segundo propôs Magno Mello, o da sacristia da igreja do Loreto e o da nave da igreja do antigo Seminário de Santarém, embora essas propostas autorais ainda se discutam 206.

Como refere Cyrillo Volkmar Machado na sua Collecção de Me-morias, que saíram dos prelos em 1823, «o Sapeiro teve a fortuna de retratar El-Rei D. João o 5.º, e de ser o seu retrato o mais applaudi-do de todos quantos até alli se havião feito, pelo que recebeo huma gratificação proporcionada ao grande espírito daquelle Monarcha»207. Outro autor do fim do século XVIII, Francisco Xavier Lobo dedica, nos «Diálogos sobre a pintura» que integram a sua Silva Laudatória, um poema a esta efígie régia: «O Machado imitou a Natureza / No retrato com optima destreza, / Teve a felicidade / De exprimir mais que outro

206 Sobre a figura e obra de Machado Sapeiro, cf. o cat. da exposição Bento Coelho e a cultura do seu tempo, IPPAR, 1998, refª p. 62 e nota 5.207 Cyrillo Volkmar MACHADO, Collecção de Memorias…, Lisboa, 12823 (2ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, 1922), p. 69.

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a Magestade / Do quinto João perfeito Soberano / Que deixou seu pincel mais nobre e ufano» 208.

Os quatro quadros marianos da igreja de São Pedro de Torres Novas são obra da autoria de António Machado Sapeiro, e não são em absoluto de Bento Coelho, devendo ser corrigida, por isso, a atribuição tradicional. Eles retomam modelos ‘coelhescos’, é certo, mas a modelação de tais receitas é totalmente diversa, revelando outro gosto, outra atmosfera de cor, outra personalidade, outra época mais avançada e, em suma, um outro estilo. De certa forma, também, existe um retrocesso de «invenção», como se o pintor seguisse mais as convenções de protótipos sem chama e menos o ardor de uma touche mais solta, como sucede tantas vezes em Bento Coelho (e basta ver a tela do altar da Senhora do Rosário, no Salvador, para o constatar).

Seja como for, estas telas da igreja de São Pedro estimam-se pela graça dos adereços e pelo pitoresco dos acessórios, e têm muitas afinidades de modelos, desenho, sentimento cromático, pormenores acessórios, etc, com as telas identificadas da matriz de Camarate, sendo especialmente bem pintadas nas composições de Torres Novas uma série de objetos executados de visu como as flores, o tapete e as peças de joalharia 209. A cronologia destas quatro telas andará, também, próxima da data em que o Sapeiro pintou as de Camarate. Ao mesmo pintor Sapeiro se devem algumas das telas da sacristia do Colégio Jesuítico do Funchal, uma delas (a Adoração dos Magos) absolutamente idêntica em composição e estilo à de Torres Novas.

208 Esta referência de Xavier Lobo, na Sylva Laudatória, Ievou Nicolau BORGES (O Hospital Termal das Caldas da Rainha - Arte e Património, dissertação de Mestrado, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1998), a pensar que o retrato em causa é o da Gale-ria dos Reis de Portugal no Hospital das Caldas da Rainha (Inv. n.º 31). Nuno SALDANHA (coord.), exp. Joanni V Magnifico, IPPAR, 1995, pensa que se trata de um retrato do monarca em coleção particular, patente nessa exposição como da autoria de Sapeiro.209 Sobre as flores deste quadro da Anunciação em São Pedro de Torres Novas e o seu sig-nificado simbólico, cf. Sónia Talhe AZAMBUJA, A Linguagem Simbólica da Natureza. A Flora e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, ed. Vega, Lisboa, 2009.

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António Machado Sapeiro, Moisés e o povo judeu (passo do Êxodo), 1710, pormenores. Capela-mor da igreja matriz de Camarate

António Machado Sapeiro, Adoração dos Magos na igreja de São Pedro, c. 1710

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17. ANTÓNIO RODRIGUESPintor e dourador, act. 1700

António Rodrigues morava em Santarém no final do século XVII. Não deve ser confundido com um pintor homónimo, natural de Alte (Al-bufeira), que depois de vários processos inquisitoriais de que foi vítima pelo Santo Ofício de Évora 210, veio a radicar-se na vila de Santarém, onde trabalhou entre 1668 e 1671 no seu ofício de dourador e faleceu em Évora em 1675.

Este segundo António Rodrigues era também pintor-dourador, morou em Santarém e aí obteve certo prestígio local nessas modalidades. Sabe-se que dourou diversas obras na igreja da Misericórdia esca-labitana 211, e em 1688 deslocou-se a Torres Novas a fim de dourar e estofar, por bom preço, o retábulo-mor e sacrário da igreja do Salvador,

210 Francisco Marques de SOUSA VITERBO, Notícia de alguns pintores portuguezes e de outros que, sendo estrangeiros, exerceram o seu ofício em Portugal, 2ª série, Lisboa, 1907, pp. 66-69, e Túlio ESPANCA, «Notas sobre pintores em Évora nos séculos XVI e XVII», A Cidade de Évora, nºs 13-14, 1947.211 Arquivo da Misericórdia de Santarém, Lºs de Receita e Despesa da Misª de 1679-80, fls. 116-117, 1695-96, fl. 214, e 1696-97, fl. 237vº.

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por contrato estabelecido em 15 de agosto desse ano, por preço de 650.000 rs 212. Trata-se de obra subsistente, lavrada três anos antes pelo entalhador Manuel da Silva Monteiro. Em 1699, Rodrigues era mesário de 2ª condição da Santa Casa da Misericórdia de Santarém 213. Ainda surge em 23 de julho de 1704, num contrato notarial de venda de casas.

18. PEDRO COELHO TABORDAPintor e dourador, act. 1700-1720

Pedro Coelho Taborda (que assinava com o apelido Taborda, pro-vavelmente para se distinguir de um outro Pedro Coelho, pedreiro de profissão, que fizera o púlpito e outras obras do seu mester na Miseri-córdia de Torres Novas 214) aparece-nos ativo na vila durante o primeiro quartel do século XVIII.

Em 1701 é referido a dourar, por 410.000 rs, a tribuna da igreja da Misericórdia, que o mestre lisboeta Manuel da Silva acabara de entalhar com grande esmero 215. Terá pintado de seguida, em 1715, o painel da boca, com a Visitação da Virgem a Santa Isabel 216, embora

Assinatura de António Rodrigues,dourador escalabitano

212 A.D.S., Lº nº 122 de Notas de Domingos de Moura de Matos, fls. 190 vº a 192. DOCU-MENTO Nº 19.213 Arquivo Distrital de Santarém, 3º Ofº, Lº nº 16 de Notas de Miguel Andrade Ferreira, fls. 32 vº a 34 vº. Inédito.214 Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., pp. 83-84. 215 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1700--1701, fl. 168 e segs. 216 Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1715-1716 (nº 66), fl. 156 e vº.

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a paga não refira exatamente o nome do pintor de óleo envolvido. A tela, tenebrista, segue a tradição algo dura e convencional com que esta composição era geralmente pintada no fim do século XVII.

Também pintou as cinco telas para as capelas dos Passos da Pai-xão, que lhe foram encomendadas em 1710 217, e que existem. Estas telas mostram que o pintor era de bitola média, seguindo inspiração em gravuras correntes para as várias composições da Paixão de Cristo, em alguns casos as tradicionais estampas maneiristas da obra Evangelicae Historiae Imagines do Padre Jerónimo Nadal (Antuérpia, 1593), tão reproduzidas nos meios católicos europeus e extra-europeus durante os séculos XVII e XVIII.

Em maio de 1715, aparece envolvido no legado testamentário de Luís Rodrigues da Costa, um notável da vila 218. Sabemos que este pintor torrejano era irmão da confraria do Santíssimo Sacramento da igreja do Salvador 219, e que era estimado como pintor da modalida-de de brutesco, tendo realizado (como vimos atrás) uma imponente decoração na igreja de São Pedro, corria o ano de 1703, mas que se perdeu de todo, restando apenas alguns vestígios no intradorso dos arcos góticos (maioritariamente refeitos nos restauros recentes).

Já se sugeriu que pudesse ser seu, também, o teto brutescado da sala do despacho da Confraria de Nossa Senhora do Rosário na igreja do Salvador, sobre cuja qualidade artística se teceram atrás os devidos encómios.

Assinatura do pintor Pedro Coelho Taborda em 1703

217 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1710--1711 (nº 62), fl. 154 vº. 218 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 149 de Notas de Custódio Pimenta do Avelar, Tabelião de Torres Novas, fls. 183 e vº.219 Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Confraria do Santissimo Sacramento (da igreja do Salvador de Torres Novas), 1685-1711.

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19. BALTAZAR CARDOSOPintor, brutescador, fresquista e dourador, act. 1708

Nome até à data desconhecido, este pintor morava na Chamusca e veio a Torres Novas, em 1708, realizar grandes obras de pintura de dourado, brutesco e fresco na igreja de São Tiago, revestindo de deco-rações o teto e paredes da capela-mor, o corpo do templo, o subcoro e o espaço da sacristia 220.

Destas obras (vimo-lo no devido momento ao tratar da igreja de São Tiago) apenas remanescem parcos vestígios brutescados na cimalha da capela-mor e, na parede da sacristia acima do arcaz, um grande mural que representa um Milagre de São Tiago (o sonho do Bispo Estêvão) e define, desse modo, as potencialidades medianas deste artista ativo no início do reinado de D. João V, que tinha certa viveza de colorido e que valorizou essa composição fresquista com

Caixotão de brutescos da Irmandadede Nª Sª do Rosário da igreja do Salvador

220 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 253 de notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas, fls. 71 vº a 72 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 24.

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uma dinâmica cenografia nos trechos de batalha entre mouros e cristãos, assim respondendo aos objetivos catequéticos pretendidos na encomenda.

20. TEODÓSIO DA CRUZ MIRANDAPintor de óleo e dourador, act. 1727

Pintor de óleo e dourado, até agora de existência desconhecida, morava na vila da Golegã e surge em Torres Novas em 20 de abril de 1727 com o encargo de pintar, a mando da Confraria de Santa Quitéria do Convento de Freiras do Espírito Santo, uma tela representando o martírio dessa santa, por preço de 60.000 rs 221.

O valor ajustado com o artista parece mostrar que seria um artista de média qualidade. Nada subsiste do seu labor.

Assinatura do pintor Baltazar Cardoso

221 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 290 de Notas de Hilário Roiz Martins, fls. 41-42. Inédito.

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21. ANTÓNIO JOÃOPintor e dourador, act. 1711-1731

Morava em Torres Novas e era dourador de retábulos e imagens. Encarregou-se de dourar o retábulo e arco da Capela de Nossa Senhora de Monserrate na Meia Via, termo da vila, templo que desapareceu e, com ele, as referidas obras de talha e pintura 222. Também fez trabalhos deco-rativos em 1723 e em 1731, muito singelos a crer nos pagamentos, para a Santa Casa da Misericórdia (pratear tocheiros, pintar escadas, etc) 223.

222 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 260 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas, fls. 16 vº a 17. Inédito. DOCUMENTO Nº 25.223 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1723--1724, nº 74, fl. 153 vº, e Lº de Rec. e Despesa de 1730-31 (nº 79), fl. 75 vº.224 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 297 de Notas de Hilário Roiz Martins, fls. 25 e vº. DOCU-MENTO Nº 31.

22. MANUEL FERREIRA LISBOAPintor e dourador, act. 1730

Este pintor-brutescador surge em Torres Novas em 1730 a fim de pintar uma obra que ainda felizmente existe, o teto da sacristia nova da Irmandade do Santíssimo Sacramento, na igreja do Salvador, obra já atrás descrita, tal como o contrato respetivo 224. A obra está assinada e foi executada por preço de 24.000 rs.

O pintor não deixou mais rasto da sua passagem.

Assinatura do pintor-dourador António João

Assinatura do pintor Manuel Ferreira Lisboae teto de caixotões da sala da Irmandade do Santíssimo

Sacramento na igreja do Salvador (1730)

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23. ORAZIO DE FERRIPintor e dourador, act. 1728-1749

Este pintor de nação italiana, aparece referido nas contas da Santa Casa da Misericórdia de Torres Novas, em tempo da provedoria de Ma-nuel de Figueiredo de Oliveira, no ano económico de 1742-43. Nessa ocasião, recebeu 2.400 rs em parte de pago «do concerto do Painel da Tribuna» 225, ou seja, o grande quadro da Visitação da Virgem a Santa Isabel, pintado em 1715-1716 (por Pedro Coelho Taborda ?), peça ainda existente e de composição tenebrista, que a humidade do local tinha já danificado e que, provavelmente também, não tinha agradado aos mesários. A grande tela mostra um refazimento de figuras que re-mete para a intervenção de Ferri, ainda que o resultado seja de nível secundário, parecendo que o italiano se limitou a consolidar o suporte e a retocar zonas perdidas.

Deste pintor-restaurador localizou-se outro traço relativo à sua exis-tência: a entrada na Irmandade de São Lucas de Lisboa em 1731. Aí

Teto de caixotões da sala da Irmandade do Santíssimo Sacramentona igreja do Salvador

225 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1742--1743, nº 89, fl. 213. Inédito.

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se regista a sua presença dentro da estrutura dos pintores da capital e se diz que «o Senhor Orasio de Ferri deu de esmola 480 rs», sendo escrivão da mesa o pintor João Nunes de Abreu (um pintor do género de arquiteturas de perspetiva, note-se), e onde o italiano assina com a erudita fórmula latina «Ego Horatius de Ferri nomine dictor» 226. Parece que acabava de chegar a terras portuguesas.

Não havendo comprovação suficiente, pode sugerir-se que a avantajada pintura que cobre a cúpula da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, na igreja de São Tiago, se deva à responsabilidade de Orazio de Ferri. A obra é de artista forasteiro, revela uma erudição para a qual os pintores da vila não estavam preparados, e mostra uma ciência perspética, segundo modelos de Bolonha e de Roma, que só se compaginam com a atividade de um artista com estas características. Avulta o facto de a entrada na Irmandade de São Lucas ter sido apadri-nhada por João Nunes de Abreu, então a exercer o cargo de escrivão da mesa e que era um dos pintores de perspetiva da Lisboa joanina. Manda a prudência, porém, que por falta de prova cabal a atribuição sugerida seja apenas uma proposta de trabalho...

O facto de essa erudita composição pictural a têmpera, com elegan-tes figuras anichadas em edículas fingidas, entre balaústres, varandins e arquiteturas, com anjinhos em dinâmicos escorços sobrepujando os trechos de pedraria simulada, ter sido descoberta e de novo recoberta pelo revestimento de entalhe que lhe fora aposto 227, leva a publicar aqui alguns pormenores desse teto setecentista de primeira qualidade, na esperança que eles abram caminho a novas indagações sobre o artista envolvido e comparações com outras obras do mesmo período.

Embora o seu percurso seja ainda mal conhecido, Orazio Ferri terá

226 Cf. F. A. Garcez TEIXEIRA, A Irmandade de São Lucas, corporação de artistas…, cit., p. 95. 227 É sempre discutível uma solução como a adoptada pela firma Capitellum, dada a qualidade da pintura posta a descoberto, e a sua perfeita inserção num contexto de que fazem parte a talha Estilo Nacional do altar e os azulejos de Del Barco, num testemunho barroco de obra de arte total que é raro no património de Torres Novas e devia, por isso, ser preservado. As perdas irremediáveis de parte da pintura impuseram, porém, essa solução. Persiste o mistério de a pintura ter sido mandada tapar pouco tempo depois da sua fatura: a ruína causada pelo terremoto de 1755? Ou imposições causadas por mudança de gosto estético? O que é uma realidade é que a talha que cobre a cúpula pintada e as trompas é da mais modesta qualidade e de fase tardia. Foram ouvidos a este propósito a Prof. Isabel Mendonça, o Dr. José Meco e outros especialistas e bons conhecedores das valências da capela.

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sido um daqueles pintores italianos que demandaram o Portugal quinto--joanino à cata do sucesso e de um mercado de trabalho mais favorá-vel, ou seja, condições que não podiam ter nas terras de origem dada a inflação de artistas aí laborantes, e que acabaram por privilegiar os centros fora de Lisboa onde poderiam reinar como pequenas estrelas, como foi o caso de Giovan Battista Pachini na cidade do Porto ou de Carlo António Leoni nos anos em que esteve em Braga 228.

Nota final:Recentes pesquisas da senhora Prof. Isabel Mendonça nos róis

de confessados do fundo arquivístico da Irmandade Italiana de Nossa Senhora do Loreto, em Lisboa, a quem muito agradecemos a comu-nicação dos resultados, acrescentam dados preciosos à biografia de Horácio Ferri (ou De Ferri). Ficamos a saber, assim, que o pintor era natural de Livorno – cidade portuária da Toscana, onde se destacava então o pintor dos tetos de perspetiva Alessandro Gherardini (1655- -1723), que foi um dos mestres de Vincenzo Baccarelli, como se sabe, e terá sido, acaso influente também na formação artística de Horácio Ferri. Veio para Portugal nos anos 20 do século XVIII, em busca de sucesso que um mercado em ascenso lhe poderia proporcionar, apa-recendo registado a partir de 1728, com sua mulher portuguesa, Maria Antónia Ferri, como moradores à Cotovia, na freguesia da Encarnação. Em 1729, o casal morava na Cordoaria, freguesia de São Paulo, junto ao hospício dos padres carmelitas alemães; não existindo registo, em 1730, no rol dos confessados, ambos são de novo registados, em 1731, na mesma morada.

Desse ano de 1731, conserva-se o registo da sua entrada na Ir-mandade de São Lucas de Lisboa. Em 1733 e em 1735, o casal vai-se confessar ao Loreto, para recenseamento no rol de confessados, mas em 1737 o pintor ausenta-se por razões de trabalho para Torres Novas e por isso não compareceu à desobriga pascal, sendo de destacar o facto de que as anotações do pároco do Loreto, sempre tão parcas

228 Sobre a figura e obra de Pachini, cf. Flávio GONÇALVES, João Baptista Pachini e os pai-néis da Casa do Cabido da Sé do Porto, sep. de Arquivos do Centro Cultural Português da Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 1974.

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Assinatura do pintor italiano Orazio de Ferri em 1742

para além do recenseamento dos nomes, registam estas valiosas observações, a 14 de Maio desse ano, a respeito do artista livornês:

«Horacio Ferri pintor cazado natural de Ligorne [sic] morador em Torres nova [sic] por causa do seu officio e obras que na dita villa esta fazendo, supposto ser a sua casa em Lisboa no beco do açúcar, freguesia de S. Paulo, aonde assiste sua molher e por estas cauzas satisfaz ao preceito na dita villa de que mandou certidão do Parocho reconhecida, que vi esta mesma levou-a o Parocho de S. Paulo.

(a.) Sebastião Pinheiro Paroco capelão mor do Loreto»

Em 1738 e 1739 o casal já não aparece registado nos róis de Nossa Senhora do Loreto, mas sabemos que o pintor continuou em Torres Novas até 1743, pelo menos, trabalhando para a Casa de Aveiro e para a Santa Casa da Misericórdia. Volta a aparecer em Lisboa, enfim, em 1749, regressado de Torres Novas.

Pormenor da cúpula pintada da capela do Senhor Jesusdos Lavradores, por Orazio de Ferri, c. 1730-40

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ORAZIO DE FERRI, Calvário. Cerca de 1730. Diocese de Santarém.óleo sobre madeira, dim. 1518 x 1080 mm. Ass. O. Ferri. Invº de Arte Sacra da Diocese

n.º DS/IP. 0036pint(Ref.ª à peça em Eva Raquel NEVES e Padre Joaquim Augusto Nunes GANHãO

(coord.), Igreja de Nossa Senhora da Piedade (de) Santarém. História e Património, Paróquia do Divino Salvador, Sé de Santarém, 2008, p. 118 e n.º 34.

A presunção de que Orazio de Ferri será o autor das pinturas do teto da capela do Senhor Jesus dos Lavradores na igreja de São Tiago foi plenamente confirmada – estando este livro em provas finais – com a localização de uma grande tábua assinada pelo pintor de Livorno, proveniente da demolida igreja do Salvador de Santarém e conservada no acervo museológico da Diocese. O estilo de figuras, as caraterísticas de desenho e demais estilemas são, com toda a evidência, similares ao que se mostra na pintura da cúpula torrejana, atestando de modo inequívoco a autoria do italiano!

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Pormenor da cúpula pintada da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, c. 1730-40

Orazio de Ferri, Visitação da Virgem a Santa Isabel, tela da tribuna

da Misericórdia de Torres Novas,de 1742-1743. Restauro e refazimento

Orazio de Ferri, pormenor da pintura do teto da capela do Senhor Jesus dos

Lavradores

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24. MANUEL DELGADO VALENTEPintor e dourador, c. 1737-1750

Era artífice das modalidades de têmpera, dourado e estofado, com atividade em Torres Novas na primeira metade do século XVIII. Em 25 de outubro de 1737, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e a Irmandade de São Miguel Arcanjo da igreja de Olaia, no termo de Torres Novas, encomendaram-lhe o dourado dos altares colaterais, respetivamente por 48.000 rs e 46.000 rs 229. Em 1749-1750, realizou diversas tarefas na Santa Casa da Misericórdia, pintando uma Bandeira para serviço dos defuntos (por escassos 1.440 rs) e prateando várias peças litúrgicas 230.

Sabemos que trabalhava então em certa obra de decoração de sa-lões (provavelmente com decorações de brutescos) por incumbência da administração da casa da Duquesa de Aveiro, no seu paço torre-jano (que foi destruído, como se sabe, na violenta repressão contra os conjurados envolvidos no atentado contra D. José I e que levou ao célebre ‘processo dos Távoras’).

Este artista-decorador torrejano foi pai do pintor-dourador Bernardo Delgado Valente.

229 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 312 de Notas de Miguel da Silva, fls. 258 vº a 260. Inédito.230 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1748-49, nº 94, fls. 167 vº, 168, 174 e 175 vº. DOCUMENTO Nº 32.

Assinatura do pintor Manuel Delgado

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25. BERNARDO DELGADO VALENTEPintor e dourador, act. 1749-1753

Era filho do anterior e trabalhou em obras de decoração tanto na Misericórdia como na Capela do Senhor Jesus, na igreja de São Tiago, pintando e prateando peças de culto bem como, nesta última capela, a obra de talha que a reveste 231. Penso, como já se disse atrás, que a pintura da cúpula foi realizada nos anos 30 de Setecentos por artis-ta de recursos (sugeriu-se o nome de Orazio de Ferri), e que razões ainda não apuradas levaram os administradores da capela a forrarem de talha a cúpula e os vãos do retábulo Estilo Nacional, cobrindo a decoração de perspetiva.

O recente restauro beneficiou a pintura de arquitetura, mas foi de-cidido pelos agentes envolvidos, não sem discussão, voltar a colocar a obra de talha da cobertura e das trompas, cobrindo assim aquela interessantíssima decoração pictórica…

Assinaturas do pintor Bernardo Delgado Valente

231 Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lºs de Rec. e Despesa da Misª de 1748--49 (nº 94), fls. 175 vº, e de 1752-53 (nº 98), fl. 146.

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Entalhadores e carpinteiros de marcenaria

26. PEDRO FERREIRAMestre de carpintaria, act. 1570

Era natural da vila de Santarém e trabalhou no madeiramento dos forros da igreja do Salvador de Torres Novas, aquando das grandes obras de remodelação que sofreu, transformada em templo de uma nave e ampliada no seu espaço de culto. Conhece-se o contrato que firmou em 18 de julho de 1570, cobrando 124.000 rs por essa obra, que devia ser idêntica em forma e qualidade ao forro da igreja de Santa Maria, que se depreende ter sido também por ele realizado 232.

Assinatura do carpinteiro Pedro Ferreira (1570)

27. MARTIM RODRIGUESCarpinteiro de marcenaria de retábulos, fal. 1598

Apenas se sabe que era de Lisboa e que realizou a obra do retábulo da confraria das Almas da igreja de São Tiago, bem como o respetivo sacrário 233. Tendo falecido com a obra incompleta, a viúva e a irmanda-de firmaram um acordo, em 1598, para avaliar a obra feita e solucionar as perdas e ganhos a contento das partes.

232 Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., pp. 117-118.233 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Tombo dos Bens que oje pesue esta confraria das almas do fogo do purgatório da Igreja de S. Tiago desta villa de torres novas, oye o prº de Abril de 1620, Lº nº 1782 (nº provisório de unidade de instalação), fls. 21-25. Inédito. DO-CUMENTO Nº 10.

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28. MANUEL DA SILVA Entalhador, act. 1682-1700

Este muito competente mestre de entalhe era natural de Lisboa e tinha oficina na rua da Cordoaria Velha.

Celebrou-se por ter realizado, por contrato de 6 de outubro de 1682, um grandioso retábulo de talha lavrada para a capela-mor do Conven-to de São Francisco da Cidade. Nessa data, o entalhador Manuel da Silva foi contratado pelos religiosos franciscanos dessa casa para lhes executar o retábulo-mor, segundo um «risco» fornecido pelo mestre entalhador 234. Infelizmente, esta obra desapareceu, após a extinção das ordens religiosas, mas existem testemunhos de que agradou muito e que chegou a servir de modelo para outros conjuntos retabulares.

Manuel da Silva ainda se encontrava a morar na capital em julho de 1683, embora na Rua das Gáveas, pois nessa data assina como testemunha no instrumento de contrato para a obra de talha do retábulo--mor do Convento das Freiras de São João Evangelista, em Setúbal, encomendada ao seu colega, o mestre José Antunes, entalhador de grande merecimento 235. Em 7 de novembro de 1684, Manuel da Silva, referido como «escultor e entalhador», então morador a São Tomé, dá entrada na irmandade do Senhor Jesus dos Passos da Graça 236.

Em 1685, é chamado à vila de Torres Novas para realizar obras de vulto. Questões prováveis de busca de mercado alternativo, onde pudesse agir como especialista destas artes, situação que em Lisboa cada vez se tornava menos possível, levaria Manuel da Silva a radicar--se temporariamente na vila torrejana 237. É muito provável que tal se

234 ANTT, Cartório Notarial de Lisboa, n.º 9A (atual n.º 3), Cx. 85, L.º 327, fls. 14 v.º-16. Referido por Sílvia FERREIRA, A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os Artistas e as Obras, tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Especialidade em Arte, Património e Restauro), 2009.235 Arquivo Distrital de Setúbal, L.º 55 de Notas de Julião de Arouche Vidal, Tabelião de Se-túbal, fls 37-39 v.º, publ. por Vítor SERRÃO, «Uma Obra Prima (...)», cit., p. 642 e nota 19.236 Cf. Ernesto SALES, O Senhor Jesus dos Passos da Graça, Lisboa, 1922, p. 217. Informa-ção recolhida no arquivo do Senhor Jesus dos Passos da Graça, Livro 2.º (1653-1687) de admissão de irmãos, fl. 258.237 Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, «A obra do mestre entalhador Manuel da Silva, na vila do Almonda (1685-1695)», revista Nova Augusta, nº 14 (2002), pp. 47-66.

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tenha devido ao sucesso que o seu primeiro trabalho para a igreja do Salvador grangeou, abrindo-lhe de imediato outras aliciantes possibi-lidades de labor. Em 1694, o mestre entalhador realiza o retábulo e entalha o Sacrário da capela-mor da igreja da Misericórdia, obras ainda existentes e bem estudadas por Paulo Renato Ermitão Gregório 238, tendo entretanto cumprido, em 1693, a fatura do retábulo-mor da igreja de São Tiago. Este último, que é obra muito avantajada, sofreu adições em 1722 com a inclusão de uma nova tribuna.

De todos estes trabalhos de Manuel da Silva já se deu conta, atrás, na descrição das igrejas do Salvador e de São Tiago, e se destacaram justamente as qualidades de modelação do artista, muito hábil no labor do cinzel de entalhe e também na modelação de figura (sendo de notar a ingenuidade dos anjinhos e as proporções caprichosa-mente deformadas dos elementos caracterizadores), como se pode comprovar face às portas com relevos historiados que valorizam os sacrários dos retábulos do Salvador, de São Tiago e da Misericórdia. Trata-se quiçá do melhor testemunho da talha barroca do Estilo Na-cional em todo o Ribatejo.

Assinatura do entalhador e imaginário Manuel da Silva

238 L.º de Receita e Despesa da Misericórdia de 1694-95, n.º 22, fl. 166, publ. por Vítor SER-RãO, A Cripto-História da Arte, cit., p. 42 e 228, nota 7.

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Manuel da Silva — Sacrários das igrejas do Salvador (1685), de São Tiago (1693) e da Misericórdia de Torres Novas (c. 1700)

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29. MANUEL DA SILVA MONTEIROEntalhador, act. 1700-1730

Este bom entalhador, cuja biografia assinala um indicativo de as-censo estatutário, acrescentou ao nome o apelido Monteiro, livrando-se quiçá de equívocos de homonímia com o mestre lisboeta Manuel da Silva, tão destacado nas obras da vila na geração precedente. Podia ser aparentado, ou mesmo seguidor, do referido artista da capital, mas não existe comprovação nesse sentido para além de certas derivações de estilo.

Manuel da Silva Monteiro é referenciado em contratos de obras de entalhe a partir de 1700, ano em que recebe a incumbência de lavrar o retábulo de Nossa Senhora do Rosário, colateral direito da igreja do Salvador 239. É obra de muita qualidade, de Estilo Nacional, onde há pormenores que remetem para o conhecimento da arte de Manuel da Silva no retábulo-mor da mesma igreja, em termos de relevo fino e de boas proporções e disposição dos elementos ornamentais, que têm continuidade nas obras deste Manuel da Silva Monteiro, sugerindo uma lição profícua. Naturalmente, a obra do altar do Rosário não tem a finura do conjunto principal da igreja, mas existe ainda um tónus re-frescante no lavor das volutas acânticas e das folhagens (com maior grau de ingenuidade nas figurinhas, é certo) que atesta competência profissional.

Em 16 de junho de 1703, Silva Monteiro foi contratado pelo juiz e beneficiados da Irmandade do Santíssimo Sacramento, sita na Cole-giada de Ourém, para efeito de lhes fazer a tribuna de talha em ma-deira de bordo, com um sacrário e, ainda, um painel em meio relevo com a Descida do Espírito Santo sobre a Virgem e os Apóstolos, tudo por preço de 185.000 rs 240. Infelizmente, esta obra já não chegou aos nossos dias.

239 Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião de Torres Novas, fls. 141 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 22.240 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 247 de Notas de João Lopes Ferreira, Tabelião de Torres Novas, fls. 21 vº a 22. Inédito.

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Existem referências a intervenção sua em outras igrejas de Torres Novas e seu termo.

30. MANUEL FERREIRAEntalhador, act. 1715-1738

Este mestre entalhador trabalhou numa obra executada muitos anos antes por Manuel da Silva – o retábulo-mor da igreja de São Tiago, que data de 1693 , mas que em 1722 viu ser-lhe acrescentada a larga tribuna, por mãos de Manuel Ferreira. Esta tribuna de São Tiago mos-tra a bitola média dos recursos enquanto lavrante de madeira deste artista torrejano.

O mesmo mestre Manuel Ferreira já em 1715 aparece ativo em obras na Misericórdia torrejana, lavrando o caixilho para o «painel da boca da tribuna» 241. Em 1724, recebeu o encargo de fazer a obra do retábulo colateral esquerdo da igreja do Salvador, de invocação de Santa Luzia, que constitui um caso curioso de perenidade de modelos, embora só morfologicamente se inspire no de Nossa Senhora do Ro-sário (como o contrato estipulava), pois na realidade é obra dentro de um Estilo Nacional em franca decadência de receitas e sem a frescura de entalhe das obras e dos dois mestres anteriormente referidos 242.

Em 1722, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da igreja matriz de Nossa Senhora das Necessidades em Santa Catarina, aldeia dos Coutos de Alcobaça, mandou buscar o entalhador Manuel Ferreira a

Assinatura do entalhador Manuel da Silva Monteiro

241 Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1715-1716 (nº 66), fl. 156. A pintura do quadro coube a Pedro Coelho Taborda.242 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 129 vº a 130. Inédito. DOCUMENTO Nº 26.

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Torres Novas para este vir «fazer a tribuna da Senhora» por preço de 115.600 rs 243, obra que foi de seguida dourada por Baltazar dos Reis Franco, pintor que também brutescou, em 1726, o arco triunfal dessa igreja, por 50.400 rs, que recebeu além dos 350.000 rs do dourado do retábulo 244.

Não se sabe se este artista torrejano pode ser identificado com um entalhador chamado Manuel Ferreira Pinto que, por contrato de Abril de 1738, realizou a obra de entalhe da tribuna da igreja de Nossa Se-nhora da Piedade em Brogueira, no termo de Torres Novas, por preço de 330.000 rs 245. O manuscrito contratual está muito deteriorado e a assinatura desapareceu, razão pela qual não sabemos se se trata do mesmo personagem. A obra intestina dessa igreja rural também desapareceu.

31. MANUEL DA SILVA IIEntalhador, act. 1745

Deste oficial de entalhador se sabe que em 1744 colaborava na oficina do mestre entalhador Frutuoso Pereira de Almeida, cuja ativi-dade para a igreja do Carmo está documentada 246. Não sabemos se colaborou nas obras de entalhe complementar dos altares laterais de São Tiago.

Assinatura do entalhador Manuel Ferreira

243 Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Livro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da Matriz de Santa Catarina (nº 1604), anos 1722-1850. Inédito.244 Idem, Livro da Fábrica da Igreja Paroquial de Santa Catarina, 1712 e segs., (nº provisório de unidade de instalação, 1605), fl. 81. Inédito.245 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 313 de Notas de Miguel da Silva, Tabelião de Torres Novas, s/nº de fls. Documento inédito, muito danificado.246 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 188 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo Branco, Tabelião de Torres Novas, fls. 47 vº a 48. Inédito.

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32. FRUTUOSO PEREIRA DE ALMEIDAEntalhador, act. 1745

Este mestre entalhador morava em Torres Novas no segundo quartel do século XVIII, casado com Catarina Josefa, tendo feito procuração, em outubro de 1744, a um irmão seu, João Pereira de Almeida, morador na cidade de Braga, sobre certos bens imóveis 247, o que sugere que também ele era de origem minhota. Sabemos que em 11 de julho de 1743 foi contratado pelo prior do Convento de Nossa Senhora do Carmo para fazer o retábulo, com tribuna, camarim e sacrário na capela-mor dessa igreja, por preço de 140.000 rs 248. Teve a seu serviço um oficial de entalhador chamado Manuel da Silva. É possível, pela cronologia de actividade, que o altar barroco-joanino de um dos altares laterais de São Tiago seja deste mestre.

Ourives de prata

33. MANUEL COUCEIROOurives, act. 1704-1705

O património de ourivesaria torrejana era rico, a crer nas fontes, que falam de tesouros em Santa Maria, no Salvador, em São Tiago e em São Pedro, mas foi infortunadamente delapidado no período das invasões napoleónicas. Existem referências a vários ourives de prata em Torres Novas no século XVIII, sobretudo nos livros de visitações, nos contratos notariais e nos assentos de receita e despesa da Misericórdia, como é o caso de Manuel da Silva (outro homónimo do entalhador dos retábulos do Salvador e São Tiago !) e de seu irmão José da Silva 249, mas sem ligar esses e outros nomes a nenhuma obra artística concreta.

247 Arquivo Distrital de Santarém, Lº 188 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo Branco, Tabelião de Torres Novas, fls. 47 vº a 48. Inédito.248 Arquivo Distrital de Santarém, Arquivo Distrital de Santarém, Lº 187 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo Branco, Tabelião de Torres Novas, fls. 126 a 127 vº. Inédito.249 Citados, por exemplo, em referência a uma dívida a juro, em 1733 (Arquivo Distrital de Santarém, Lº 308 de Notas de António de Gouveia, Tabelião de Torres Novas, fls. 59 vº- 60).

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É exceção o «ourives das Lapas Manoel Couceiro», que em 1705 trabalhava para a Irmandade do Santíssimo Sacramento do Salvador, na fatura de uma lanterna e de uma galheta de prata 250, obras todavia desaparecidas ou destruídas quando as pratas das igrejas da vila foram fundidas por imposição dos invasores franceses.

Pintores de azulejo

34. GABRIEL DEL BARCOPintor de azulejos, n. Siguënza, 1640- fal. Lisboa, antes de 1707

Trata-se do mais significativo pintor de azulejos do fim do século XVII, também pintor de tetos de brutesco 251.

A sua vida está hoje bem documentada. Deve-se ao historiador de arte José Meco a primeira e mais profunda análise da obra de Gabriel del Barco, para cujo ‘corpus’ contribuiu de modo decisivo, juntando trabalhos assinados e atribuídos, obras de oficina e de seguidores, numa visão evolutiva da actividade 252. Sabemos hoje que o pintor veio de Madrid no séquito de embaixador Charles de Bateville, o pri-meiro embaixador de Castela nomeado para Lisboa um ano após as «pazes de 1668», conforme averigou Rosário Salema de Carvalho,

250 Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Confraria do Santissimo Sacramento (da igreja do Salvador de Torres Novas), 1685-1711, fl. 130 vº.251 Cf., entre outros, João Miguel dos Santos SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVII, F.C.G., Lisboa, 1971; idem, «Gabriel del Barco», Dicionário da Pintura Universal, Lisboa, Es-tudos Cor, 1974, p. 51; Robert SMITH, «Três estudos bracarenses», Belas-Artes – Revista e Boletim da Academia Nacional de Belas Artes, 2ª série, n.º 24-26, 1970, pp. 49-58; José MECO, «Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa: período inicial, até cerca de 1691», in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, nº 85, 1979, pp. 69-124; idem, «O pintor de azulejos Gabriel del Barco», História e Sociedade, n.º 6, Dezembro de 1979, pp. 58-67 e n.º 7, Maio de 1981, pp. 41-50; e Maria do Rosário Salema de CARVALHO, «Gabriel del Barco: la influencia de un pintor español en la azulejería portuguesa (1669-1701)», Archivo Español de Arte, n.º 84 (335), 2011, pp. 227-244.252 Cf. José MECO, «Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa: período inicial, até cerca de 1691», in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, nº 85, 1979, pp. 69-124, e idem, O Azulejo, Publicações Alfa, Lisboa, 1989.

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estabelecendo-se na freguesia do Loreto e afirmando-se desde logo como pintor de azulejo e de tetos de brutesco 253. O facto de integrar a comitiva do embaixador atesta a sua importância social. Mas só em 1683 Gabriel del Barco entra na Irmandade de São Lucas, sediada no mosteiro da Anunciada 254, o que pode ser razão de alguma estranheza.

Depois de se radicar em Lisboa em 1669, oriundo de Siguënza, de onde era natural, este artista castelhano morou na freguesia de Santos-o-Velho, mudando de casa em 1696 para a freguesia de Santa Catarina para Santos, mantendo oficinas abertas. Em 1701, o pintor enviuvou da sua terceira mulher, ignorando-se por quanto tempo con-tinuou em atividade. Embora já se tenha aventado a possibilidade de ter regressado a Siguënza, depois de 1701 255, a verdade é que em 1703 ainda estaria a pintar, como supôs José Meco, pois a sua ‘mão’ se encontra (entre a de colaboradores e quiçá a de Teotónio dos San-tos) no revestimento azulejar da igreja matriz do Sardoal (Abrantes)256. Em 1707, é esclarecedora a referência de Frei Agostinho de Santa Maria, no seu Santuário Mariano, ao artista espanhol, dando-o como falecido, a respeito da Irmandade de Nossa Senhora da Atocha a que ele pertencia e que, com o seu desaparecimento, deixara de dinamizar como até então sucedera 257.

A obra de pintor de azulejos é imensa, tem vários conjuntos assina-dos e envolve lugares como a Capela de São João Baptista e a Quinta de Nossa Senhora da Conceição de Barcarena, a capela-mor da Igreja de São Bartolomeu da Charneca do Lumiar (1696 ?), a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres em Beja (1698), a Igreja de São Tiago de Évora (1699-1700), a igreja do convento dos Lóios de Arraiolos (1700), a igreja de São Mamede em Évora, e também a capela de Nossa Senhora da Conceição no Convento da Serra d’Ossa, e (de oficina) a capela-mor da igreja do Sardoal, perto de Abrantes (1701), sem esquecer a Vista de Lisboa do Museu Nacional do Azulejo.

253 Maria do Rosário Salema de CARVALHO, «Gabriel del Barco: la influencia de un pintor español en la azulejería portuguesa (1669-1701)», Archivo Español de Arte, n.º 84 (335), 2011, pp. 227-244.254 F. A. Garcez TEIXEIRA, op. cit., p. 125.255 Vergílio CORREIA, «Azulejadores e pintores de azulejos…», p.169.256 José MECO, «Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa», cit., p. 75.257 Frei Agostinho de SANTA MARIA, Santuário Mariano, I, 1707, pp. 345-347.

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A obra de pintor de azulejo de Del Barco foi destacada pelo Engº Santos Simões, que observou em Barco o «desenho livre, quase sinté-tico, mas pouco correto na perspectiva, com muito contorno e zonas do corpo desenhadas de forma grosseira» 258

; mas foi José Meco quem pri-meiro e melhor revalorizou o artista, em vários estudos a partir de 1979, neles defendendo o seu papel vanguardista na evolução do Azulejo e destacando as suas fortes características pessoalizadas, numa obra que ora é espontânea e densa, ora de crescente expressão plástica e com um poder sedutor que decorre do uso das manchas diretas, e que, mesmo quando a obra é de desenho sumário e tem erros de perspe-tiva, não deixa de a valorizar em termos de concepção e aplicação do azulejo 259. Este elenco de tópicos estilísticos de Barco aplica-se bem à obra da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, pintada em 1692, isto é, no momento áureo da produção cerâmica do artista.

258 João Miguel dos Santos SIMÕES, Azulejaria em Portugal no século XVIII, p. 22.259 Cf. José MECO, «Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa …», p. 82; idem, «O pintor de azulejos Gabriel …», pp. 58-67 e 1980, pp. 41-50; idem, «Azulejo», Arte Portuguesa da Pré-História ao século XX, vol. 13, Lisboa, Fubu Editores, 2009, pp. 111-142.

Pormenor da decoração do pintor de azulejosGabriel del Barco, c. 1692, em São Tiago

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Outros artistas e artífices

36. JOAQUIM ANTÓNIO PERES FONTANESMestre organeiro, c. 1750-1820

Existe na igreja de São Tiago de Torres Novas um órgão assinado por Peres Fontanes e datado de 1798. Este célebre fabricante de ór-gãos, que cedo se estabeleceu em Lisboa e teve ampla atividade nos fins do século XVIII e princípio do século XIX, tornou-se um verdadeiro especialista, como atesta a encomenda régia para Mafra. Ele foi o autor de três dos seis belos órgãos da Basílica (a par dos de António Xavier Machado e Cerveira, que construiu os outros três), sendo só por essa obra digno de fama neste campo das artes musicais.

Diz o especialista José Nelson Leonardo Cordeniz 260 que «na matriz do órgão ibérico, Peres Fontanes e Machado e Cerveira foram o berço e a expressão clímax do que se entende por escola portuguesa de organaria. Através do emprego e da afirmação constante ao longo de toda a obra de algumas particularidades técnicas, que não se faziam sentir na organaria ibérica, legitimaram, na prática, a existência duma escola local, hoje considerada de escola portuguesa. Os aspetos que mais se destacam na definição da escola portuguesa de organaria são sobretudo a existência dos pedais anuladores e a organização muito própria das composições dos registos agudos denominados por símbala, recímbala, cheio e composta, apesar destes dois organeiros terem organizações particulares para estes registos».

As necessidades técnicas e sonoras do repertório musical sacro dessa época levaram a um grande desenvolvimento da organística e a uma especialização tímbrica e dinâmica dos anuladores, no contexto de acompanhamento coral ou solístico, que multiplicou a procura. O restaurador de órgãos Dinarte Machado distingue as especificidades dos anuladores de cada organeiro: «enquanto os anuladores de Fon-

260 José Nelson Leonardo CORDENIZ, Os Órgãos de Tubos de António Xavier Machado e Cerveira nos Açores, Mestrado em Ciências Musicais – Musicologia Histórica, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010.

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tanes fecham os registos médios e agudos, tornando os instrumentos mais válidos para a música moderna do que para a música antiga do seu tempo, os de Machado e Cerveira apenas fecham os registos agu-dos, tornando os instrumentos igualmente aptos para responderem às necessidades das obras antigas e modernas».

O órgão do cruzeiro direito da Basílica está assinado «Joaquim Anto-nio Peres Fontanes O fes em 13 de junho d’ 1807» e possui dezasseis registos, dois pedais para notas fá e dó dadas em separado e outros dois para flautado e cheio, com extensão do teclado de quatro oitavas e três notas (dó a mi) 261. Considerando a carência de órgãos que se fazia sentir nas igrejas de Lisboa numa altura de crise como esta, em que o Reino vivia as invasões francesas e a reconstrução ainda não estava concluída, torna a figura de Peres Fontanes um intérprete es-sencial, por ser o único organeiro instalado na capital. Assim, chovem encomendas no seu atelier: É seu, por exemplo, o grande órgão do Mosteiro dos Jerónimos, composto por «4.010 tubos, 74 registos e 12 pedais de combinações; os foles são em número de sete», sendo «uma fábrica magestosa, ocupando lateralmente todo o comprimento do coro» 262.

Também são de Peres Fontanes os órgãos da Sé de Lisboa, da igreja da Madalena e da do Loreto, similares na sua fábrica aos da Basílica de Mafra, embora sem a mesma magnificência. Nesse âmbito se insere o de Torres Novas, datado de 1798. O artista teve um filho, chamado António Joaquim Fontanes, que foi também organeiro, e a quem se deve, entre outros, o órgão da matriz de Oeiras, assinado «Antonio Joaquim Fontanes, o fez em Lisboa no anno de 1829.»

261 Ernesto VIEIRA, Dicionário Biographico de Músicos Portuguezes, Lisboa, 1900; sobre este organista, cf. também a tese de José Nelson Leonardo CORDENIZ, op. cit., 2010.262 Ernesto VIEIRA, op. cit., Lisboa, 1900, p. 53.

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órgão de Peres Fontanes na igreja de São Tiago, 1798

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CONCLUSÃO

Através de percursos de descoberta e de sensibilização, a arte sacra é mais, muito mais, do que um intermediário de fé para as comunidades cristãs, servindo o culto e convidando à interiorização dos sentimentos.

De obras de arte se falou, e muito, ao longo deste livro sobre arte sacra das três igrejas paroquiais de Torres Novas: de obras que foram e são testemunhos da prática religiosa, mas que se assumem, também, como exercícios de criação artística, em alguns casos de altíssima qualidade, adstritos a um determinado período histórico, a um deter-minado estilo, a um determinado gosto.

As igrejas da cidade de Torres Novas oferecem-nos, neste plano, um património por demais sedutor, que convida as pessoas à sua morosa contemplação, e é preciso reforçar esse conhecimento, por estar hoje bastante esquecido. O estudo empreendido nestas páginas ajuda a saber melhor quem eram os proponentes mecenáticos destas obras, quem eram os artistas envolvidos, como é que a antiga vila acompanhou as mudanças estilísticas ao longo da Idade Média e da Idade Moderna, e como pôde reunir um acervo artístico sacro que, apesar das perdas, demolições e rapinas, é ainda tão poderoso e interessante.

Seguindo o caminho da visita às igrejas do Salvador, de São Tiago e de São Pedro, e admirando o que remanesce da sua arquitetura, ar-cana e moderna, das suas coleções de pintura e imaginária, bem como a sua azulejaria do século XVII, a sua talha barroca, os seus têxteis, a sua lapidária medieval e, sobretudo, a sua riqueza unívoca como conjunto – afirmada em discursos estéticos e espirituais coerentes –, todas estas presenças alargam os pretextos para um enriquecimento íntimo que valoriza o turismo cultural e se constitui como mais-valia de Torres Novas.

Vemos estas obras de arte sacra que enriquecem o património torrejano – e nacional – como peças vivas que anseiam, mais do que o seu uso religioso, por um olhar prescrutador, interrogativo. Elas estão vivas, têm uma inesgotabilidade infinita, solicitam olhares trans--contemporâneos que ajudem a reenfocar o seu poder de intervenção.

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A pesquisa histórica e documental (que nos pode fornecer os dados e conexões das peças, como ao longo deste livro se tentou fazer para muitos casos) já não é suficiente, quando é precisa também a análise iconográfica e estilística (que define o contexto primeiro de produção) e o subsequente olhar da iconologia, com alargados comparatismos pluri-disciplinares (que nos revelam outros sentidos profundos da obra de arte sacra como, antes de mais, uma obra de arte).

Há uma sabedoria arcana, ponto de encontro com o desejo, desen-lace de memórias identitárias, que se cruzam nesse ato de descobertas em que a arte sacra é um campo maior de fascínios estéticos – certa-mente porque foi criada com funções de (e para) prática religiosa, para o mundo interior ou, como diria Ernst Gombrich, para os olhos da alma... É preciso por isso, como enfatizava outro grande historiador de arte, Giulio Carlo Argan, saber olhar e saber ver, crer no que se vê, mesmo que não implicitamente numa dimensão metafísica ou crença religiosa. História e crítica da arte são duas faces da mesma moeda, tratando-se de obras que, no fim de contas, são sempre contemporâneas, isto é, aptas para a fruição integral do e no nosso tempo.

Na verdade, todos nós somos fruidores comprometidos de obras de arte, e dedicamos-lhes um olhar que anseia pela integralidade. Todas as obras possuem essa extraordinária capacidade de assumir dimensão trans-contemporânea, pelas infinitas possibilidades de ascenderem ao sublime e suscitarem olhares críticos ao longo dos tempos (ontem, hoje, amanhã), mesmo que a cadência de modas, gostos, e critérios de aferição estética imponha bitolas valorativas que são, tantas vezes, radicalmente distintas...

Vendo-se as pedras relevadas medievais do Salvador, a imaginária dos séculos XVI, XVII e XVIII nestas igrejas, a azulejaria de Gabriel del Barco em São Tiago, a coleção de pinturas renascentistas, ma-neiristas e barrocas de São Pedro, a esplendorosa talha barroca de mestre Manuel da Silva em São Tiago e no Salvador, as decorações de brutesco de várias coberturas de capelas e irmandades, entre tantas outras valências artísticas de Torres Novas, concluímos que elas são exemplos taxativos destas linhas de reflexão que valorizam a cidade ribatejana e, de uma vez por todas, a colocam no mapa dos percursos turístico-culturais portugueses.

ELENCO DOCUMENTAL

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Reúnem-se neste elenco alguns documentos, maioritariamente inéditos, relativos a obras e a artistas envolvidos nas campanhas de construção e decoração das igrejas do Salvador, de São Pedro e de São Tiago de Torres Novas entre o século XVI e o século XVIII e, ainda, a outras obras realizadas por esses artistas na vila e região torrejana.

Não se trata de um ‘corpus’ organizado com carácter de exaustivi-dade (já que no texto se utilizam, por breve citação ou com transcrição parcial, outros documentos de interesse para historiar a atividade artís-tica realizada nas três referidas igrejas torrejanas), mas a sua inserção permite solidificar conhecimentos a respeito das autorias de certas campanhas de obras analisadas ao longo do texto. Julgamos, por isso, que merecem ser transcritos, parcial ou integralmente, destacando-se os trechos de óbvio interesse como informação artística nos referidos templos.

O autor organizou este material arquivístico por ordem cronológica, acrescentando a cada documento um título factício e uma informação sumária sobre o fundo arquivístico em que se encontra, a sua cota, fólios e referências à sua situação de ineditismo, ou de citação em pu-blicações anteriores, e responsabilizou-se (salvo nos casos indicados em contrário) por todas as lições paleográficas. Para estas, seguiu um critério de transcrição simples, desdobrando abreviaturas, corrigindo lapsos dos escrivães (ou, em outros casos, mantendo-os mas com indicação de (sic) e de (…) para registo de falhas no papel e de zonas ilegíveis), introduzindo maiúsculas para os antropónimos e topónimos, modernizando algumas palavras e pontuando os textos manuscritos, de modo a que todos eles pudessem ser facilmente entendidos pelos estudiosos.

Cremos que a inclusão deste ‘corpus’ no presente livro assegura maior solidez ao nosso estudo interpretativo das três igrejas torrejanas, na medida em que traz consistência documental aos nossos atuais conhecimentos sobre campanhas, encomendantes, artistas e artífices envolvidos nas obras desses templos de Torres Novas.

Nota Prévia

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DOCUMENTO Nº 1. 1568, 3 de agosto, Torres Novas. Termos da visitação à igreja do Salvador de Torres Novas em que ordena que sejam abolidas as três naves da igreja e que se faça um bom Sacrário para o altar-mor.

(…) e porque esta igreja hé muito pequena e fora milhor assi se alar-gar a perder o foro, me pareceu que era melhor acrescentarse primeiro o que for necessário para ficar tão capaz como qualquer das outras igrejas, e por que isto não pode ser ficando de três naves como hé, por não ter lugar para se poder acrescentar tanto, mando que se faça de uma nave somente, com umas linhas de fora para ficar segura e os oficiais da confraria do Santíssimo Sacramento devem dar toda a ajuda possível para esta obra porque por causa da confraria se manda fazer principalmente, e nisto empregarão melhor o que gastarem que não na capela que determinam fazer, porque com hum bom sacrário e de boa obra, feito no altar mor, fica o Santíssimo Sacramento mais venerado que não noutra parte, e feita esta obra, que se fará o mais em breve que for possível, porque se manda depositar o dinheiro principalmente para isto, se proverá no mais que for pedido pelos fregueses e visitações…

Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, fls. 20 vº e 21. Leitura da Doutora Teresa DESTERRO, 2000, p. 207.

DOCUMENTO Nº 2. 1570, 25 de agosto, Torres Novas – Contrato dos beneficiados da igreja do Salvador de Torres Novas com João de Évora, mestre pedreiro, morador em Tomar, para realizar a obra de pedraria da nova igreja.

Contrato entre os beneficiados do Salvador com João de Évora de Thomarsobre a egreja.

Saibam quantos este publico instrumento de contrato virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quinhentos

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e setenta anos, aos vinte e cinco dias do mês de Agosto do dito ano, na vila de Torres Novas, no alpendre da igreja do Salvador da dita vila, estando ahi presentes de huma parte Gonçalo Lopes e Pedro Alvares e Simão Leitão, todos clérigos e beneficiados e residentes na dita igreja, e da outra João de Évora, mestre pedreiro, morador na vila de Thomar, logo pelos ditos beneficiados, em seus nomes e dos mais ausentes, e do prior da dita igreja, foi dito perante mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas, que pela visitação deste ano presente lhes era mandado fazerem certa obra de pedraria na dita igreja, pelo que eles ditos beneficiados mandaram meter em pregão a dita obra nesta dita villa e em outras partes, e por ora se achar quem quisesse aceitar fazer a dita obra (se contratou) o dito João de Évora, conforme os apontamentos que o dito pedreiro traçou, os quais são os seguintes, a saber: que a dita igreja se havia de acrecentar uma vara de medida além do alpemdre ao comprido, e a parede que havia de ser de três palmos e meio de vantagem, e se havia de tirar ambas as naves, e toda a parede do portal de alto abaixo, e despejar toda a igreja de telhado e madeira e pedra, a qual madeira hé do carpinteiro, e alpendre, de maneira que tudo se desmanche com todo o resguardo que for possível, para se não quebrarem as lajes. E assim mais se havia de começar uma torre para os sinos juntamente com a dita obra liada (?) do tamanho da de Sam Pedro da dita vila e do feitio dela, de que ficam os degraus da dita torre, que háde ir até altura do coro e não mais, com os degraus de pedrarias, somente a serventia da dita torre háde ser mais larga que a de Sam Pedro conforme anotação (?) dos ditos beneficiados. E as paredes das ilhargas hãode se acrescentar em altura de huma vara de medir e todas outras de redor hãode se erguer na altura que for necesário para se emadeirar a dita igreja com-petentemente de huma só nave, como está a igreja de Santa Maria e a de Sam Tiaguo, desta vila. E a parede que se háde fazer onde está o portal principal se fará hum portal de pedraria cham (sic), com seu frontispiçio por cima, e será o portal da largura do portal velho, para poderem servir as portas que nele estão, o qual portal será quadrado e terá de altura competente a largura do portal velho, e será de peças todas inteiriças com seu sobrearco de pedraria, e com seu sobrearco de tijolo por riba. E na mesma parede, no lugar competente para dar

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claridade ao coro, se porá hum espelho que estava na parede velha do coro, o qual será limpo à escova ou como milhor puder ser e se háde por na serventia que háde ir da igreja para a torre e coro. O por-tal velho que hora está no coro, limpo a escova, e o portal que agora está no púlpito de pedra, se limpe à escova e se porá na parede da serventia do coro, e nas paredes das ilhargas da dita igreja se porão quatro frestas de pedraria da igreja ou as que forem necessárias na dita igreja, e os ditos beneficiados terão de dar toda a pedra que for necessarea de alvenaria assim para a dita torre como para a dita igreja (…) (linhas ilegíveis). Salvo alguns dos arcos que servirem para os arcos dos sinos que ficará. E o portal principal da dita igreja háde ser todo de pedraria nova inteiriça à custa dos pedreiros, asi a feitura como o carreto, e o mais que o dito portal tiver, e as peças dele serão de largura que soma toda a parede, e os pedreiros e oficiais serão obrigados à sua custa acabar a dita igreja, convém a saber, telhar e embraceirar conforme a de Santa Maria, e depois de gastarem toda a telha da igreja e alpendre porão à sua custa toda a que falecer, a qual será da melhor da terra, e guarnecerão e pin-celarão toda a igreja, as paredes novas e as velhas, tirando a torre, que não háde ficar acabada, tudo de dentro e de fora com boa cal e bem temperada, asi a de guarnecer como a das paredes, de maneira que a igreja e os beneficiados não serão obrigados a dar mais que a pedra da alvenaria, como dito he, e degraus para as ditas torre e coro. E os pedreiros farão a dita obra sem os ditos beneficiados não intervirem em lhes buscar e darem para os andaimes coisa alguma somente de madeira (…). E o acrecentamento que na dita igreja além do alpendre se háde fazer de uma vara de medir háde ser feita a pa-rede de fora da vara de medir como dito he. E a torre háde ser feita à entrada da dita igreja à mão direita e a parede que está sobre o cruzeiro que saia fora do telhado farão os pedreiros conforme a parede das ilharguas e que tudo fique igual. E por a dita obra andar muitos dias em pregão, se arrematou ao dito João de Évora, pedreiro, com todas as solenidades necessárias por António Fernandes, porteiro, por preço e quantia de setenta e nove mil rs, pelo que o dito João de Évora, pedreiro, logo disse que se obrigava a fazer a dita obra pelos ditos setenta e nove mil rs conforme às condições atrás declaradas,

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com que aceitou a dita obra, e assim e da maneira nelas contidas, e melhor se puder ser e da maneira que dito he, para o que se obrigou a si e todos os seus bens moveis e demais presentes e futuros, a qual obra será vista e examinada por outros oficiais que seja boa e de receber conforme ao atrás dito, etc. E a tudo sendo presente o padre Theodosio de Oliveira, prioste da dita igreja, que disse que porquanto lhe era mandado com os ditos beneficiados a fazer as ditas pagas ao dito pedreiro ou a seu fiador (Manuel Martins, clérigo nesta vila), os ditos beneficiados e prioste aceitaram a dita fiança como atrás ficou dito (...). Em fé e testemunho de verdade e por firmeza dela a aceitei e estipulei, sendo por testemunhas prezentes António Freire Figueira e Manuel Maio e Paulo da Mota, beneficiado na dita igreja nesta vila, todos moradores, e eu, André Freire, tabelião, que o escrevi.

(aa) João de Évora – Gonçalo Lopes – Pedro allvrz – Simão leitão – Antº freire Figrª – Manoel Maio – Paulo da Mota – mell Martins – André Freire.

Arquivo Distrital de Santarém, Livro 1 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 26 vº a 28 vº. Transcrito pela primeira vez em Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, 2003, pp. 118-120. Leitura do autor.

DOCUMENTO Nº 3. 1572, 7 de maio, Torres Novas. Termos da visitação à igreja do Salvador de Torres Novas em que ordena a fatura de um coro.

(…) O prioste tomará este ano dos frutos e rendas em que juntos com o mais que está socrestado do ano atrás entenderá logo mandar forrar a igreja, visto primeiro o madeiramento por oficiais, e sendo necessário intrometer-lhe alguma madeira se é pouca, e assim fará vir duas colunas boas e altas para se fundar logo o coro e acabar de guarnecer a igreja até onde chegar o socresto…

Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, fls. 38. Leitura da Doutora Teresa DESTERRO, 2000, p. 211.

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DOCUMENTO Nº 4. 1573, 6 de março, Torres Novas. Termos da visitação à igreja do Salvador de Torres Novas em que refere a prossecução das obras.

(…) Os oficiais da Confraria do Santíssimo Sacramento mandem trazer o retábulo que tem dado a fazer em Lisboa e façam baixar os dois degraus do altar mor como está ordenado, o que cumprirão até dia de Sam João que vem…

Mandamos ao prioste desta igreja que ao repartir do celeiro socreste em sua mão cinquenta mil rs à custa do prior e beneficiados para cum-primento da obra da igreja e coro dela e mais coisas seguintes, e para com a brevidade se possa acabar a dita obra e coro ao depositário da renda do priorado de Santa Maria empreste os ditos cinquenta mil rs que lhe serão pagos na dita repartição do celeiro desta igreja pelo prioste dela, o qual prioste com conselho e parecer do prior e beneficiados dos ditos cinquenta mil rs e com outros mais depósitos que a igreja tiver do dia que lhe fossem entregues a três meses faça acabar o dito coro. E mande picar toda a igreja na parte velha que se não derrubou e guarnecê-la e fazer ir por diante a obra da torre, para o que também aplicamos o sobejo dos aniversários e esmola das missas que se dis-serem do beneficio que está sem serventia da parte que pertença ao ecónomo e o anexo…

Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, fls. 41 e 42 vº. Leitura da Doutora Teresa DESTERRO, 2000, pp. 212-213.

DOCUMENTO Nº 5. 1577, 15 de outubro, Torres Novas. O visitador da Igreja do Salvador de Torres Novas, Licenciado João da Gama, ordena que se pinte e doure o retábulo-mor.

… Nesta igreja faltam muitas coisas necessárias ao culto divino e ministério dele que se não fazem justamente porque faltam muitos ornamentos que como emprestados se recebem. A visitação irá pro-vendo por agora nas coisas necessárias, e o prioste mandará pintar

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o retábulo e dourá-lo perfeitamente como é necessário a tal casa, e o sacrário se pintará e dourará d’ouro…

Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, fl. 57. Leitura da Doutora Teresa DESTERRO, 2000, pp. 216.

DOCUMENTO Nº 6. 1578, 21 de julho, Coimbra. Anulação de parce-ria entre os imaginários Estácio Matias e Pedro de Frias, referindo--se a propósito a obra do retábulo-mor da igreja do Salvador de Torres Novas, para o qual Estácio Matias fizera as imagens.

Certidam de Pº de Frias e outro a Estacio Mathias hum ao outro.

Saibam quantos este estromento de contrato e quitação virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos e setenta e oito anos, aos vinte e hum dias do mês de Julho, em esta cidade de Coimbra, e pousadas de mim, tabelião, pareceram, a saber, Pedro de Frias, cavalleiro da Casa de Sua Al-teza e ymaginario, morador ao presente em esta cidade, e de outra Estacio Mathias, flamengo de nação, outrossim ymaginario, morador em Lisboa na Rua do Norte, fora da Porta de Santa Catherina, e logo por ho dito Pedro de Frias foi dito em minha presença e das teste-munhas ao diante nomeadas que era verdade que ele se contratara por via de parçaria (sic) com o dito Estacio Mathias, como constaria de hum estromento que antre eles fora celebrado na dita cidade de Lisboa na Rua da Correaria, nas casas de morada de António Car-valho, corrieiro, aos vinte e nove dias do mês de Dezembro do ano de setenta e três, que dizia ser feito da letra e assinado do pubrico sinal de Luís do Souto, tabaliam publico de El Rei Nosso Senhor, em a dita cidade de Lisboa, em que andam nomeados per testemunhas o dito Antonio Carvalho e Domingos da Cunha, criado de mim, tabe-lião, e vivendo o dito Pedro de Frias ao tempo do dito contrato na dita cidade de Lisboa, se mudara para esta de Coimbra onde há anos que residia, e nela impetrara privilégio de familiar do Collegio de Santo

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Thomas, çituado na dita cidade e encorporado na Universidade della, per vertude do qual gozava, como hoje em dia goza, dos privilégios e liberdades que têm os escolares, como consta dos Estatutos de que em minha fée, e fazendo o dito Estacio Mathias alguma obra ou obras, que ele, Pedro de Frias, o quis obrigar ao fazer meeiro (sic) pagando-lhe sua parte e a pena do dito contrato, de o não chamar e de não partir com ele, tirar precatório diante do conservador da dita Universidade pera ho citar, e de feito citou, per ho sobredito e pêra a dita citação fora acusado, e havida contra ele sentença de condena-ção à pena de duzentos cruzados de pena do dito contrato e custas, por bem da qual fora com ela pera a dar execução à dita cidade de Lisboa, onde o dito Estacio Mathias estava, e por ela fora requerido e penhorado e fora escrivão dos autos Jeronimo Affonso, diante do Corregedor do Cível da Casa da Suplicação…, e que fora juiz que a mandara cumprir, o doutor Manuel Francisco do Torneo, e correndo os pregões sobre os bens em que fora feita pen hora, o dito Estacio Mathias pedira ho treslado dos ditos autos e se viera a esta cidade, e o juiz conservador de que a sentença emanou veio com embargos de medeidados (sic) a ela por seu procurador, de que a parte hou-ve (sentença), e tanto se alegou de huma e outra banda que o dito conservador saiu com despacho que não recebia os embarguos de que ao presente foi escrivão Francisco Mendes, por Amaro Figueira, e tendo o dito Estacio Mathias agravado do dito despacho pera os superiores, e tresladando-se nos autos do dito agravo pera o seguir, se vieram eles partes a concertar, estando o caso nos ditos termos da maneira seguinte, a saber, disse ele Pedro de Frias que per escusar o dinheiro e demandas cujos bens eram devidos em inquietação de sua pessoa, lhe aprazia, e de feito aprouve, por este publico estro-mento, de quebrar, haver por quebrado e acabado o dito contrato da dita parçaria, de hoje pêra sempre, como se antre eles nunqua fora feito, e em direito que o dito contrato dava na forma em que estava feito, ele o renuncia e demitia de si em favor do dito Estacio Mathias, pera que livremente e sem obrigação alguma da dita parceria poder tomar e fazer todas e quaisquer obras que lhe aprouver e bem pare-cer, de qualquer parte que for, e posto que tomadas as tenha depois

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do dito contrato a esta parte e as fizesse, ou as tem por fazer, com quaisquer ganhos que forem, per maiores que sejam, per que tudo renuncia pêra liberdade e proveito do dito Estacio Mathias, e há por bem de lhe dar quitação de todo ho direito que lhe a dita sentença e outra qualquer dêem e possam dar, e de todos os autos dela, e por este distrato, liberdade e quitação geral disse ele, Estacio Mathias, que dava e de feito deu ao dito Pedro de Frias dous assinados que tinha de Affonso de Abreu, morador na villa de Torres Novas, per que constava dever-lhe per hum (rol?) oito mil rs de empréstimo e per ou-tro seis de resto de cinquo imagens que elle fez pêra ho retabollo da igreja do Salvador da dita villa, como deles consta, e pêra os poder cobrar e arrecadar do dito Affonso de Abreu o fez procurador de causa própria com libera e geral administração, e lhos deu em pagamento pera as custas e despesas que fez na dita demanda, e por todos os interesses que contra ele tivesse julgados pela dita sentença e por outra qualquer, e para lhe prefazer quinze per os ditos asinados não compreenderem mais de quatorze, ao fazer deste lhe deu mais ele, Estacio Mathias, mil rs em dinheiro de boa moeda de prata que ele contou e recebeu, e de tudo ho deu per quite e livre para sempre e a seus bens e de seus herdeiros, etc. Foram testemunhas presentes Christovão Fernandes, cavaleiro da casa d’el Rei Nosso Senhor, morador na sua quinta do Couto de Penedos, termo desta cidade, e Manuel Martins Maldonado, estudante, filho familiar de mim, tabelião, e Affonso Roiz, sapateiro, na dita cidade moradores, e eu, António Martins, tabelião, o escrevi.

(aa) Pº de Frias – Estacio Mathias – Christovam Frz – Antº Roiz – Brás + Jorge

Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 69 de Notas de António Martins, Tabelião de Coimbra, 1578, fls. 123 vº a 125 vº, publicado por Vítor SERRÃO, 1983, pp. 105-106; id., 1992, vol. II, p. 602; id., 1998, p. 144 e n. 13; e, com leitura integral, Carla GONçALVES, 2005, pp. 377-381.

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DOCUMENTO Nº 7. 1580, 15 de novembro, Torres Novas – Contra-to dos mordomos da Confraria de Nossa Senhora do Rosário da igreja do Salvador de Torres Novas com Gaspar Soares, pintor, para pintar os painéis e dourar o retábulo dessa capela.

Contrato entre os mordomos de Nª Snrª do Rosário do Sallvador e Gaspar Soares, pintor, sobre o retavolo.

Saibam quantos este publico instrumento de obrigação, contrato e fiança e do mais que ao diante se fará menção virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quinhentos e oitenta anos, aos quinze dias do mês de Novembro do dito ano, junto da vila de Torres Novas, nas horta e aposentamento do senhor Fernão Varela, vigário, estando aí presentes em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas, de uma parte Gas-par Soares, pintor, e João Lopes, carpinteiro, e da outra Francisco Fernandes, juiz da Confraria de Nossa Senhora do Rosario sita na igreja do Salvador desta dita villa, e Francisco Dias, sargento, e João Fernandes, mordomos da dita confraria, em seus nomes e da dita confraria logo por eles foi dito que eles estavam concertados com o dito Gaspar Soares, pintor, para haver de pintar e dourar o retabolo do altar de Nossa Senhora do Rosário que está comprado, que é pela maneira que ao diante irá declarado, e que pintará elle como está concertado, eles, mordomos e juiz, se obrigaram a dar ao dito pintor trinta e cinco mil rs, a saber, vinte que logo lhe entregará o dito Francisco Dias, que este recebeu em dinheiro de contado perante mim, tabelião, sem lhe faltar coisa alguma por lhe entregar, e os quinze mil rs que faltam para cumprimento dos ditos trinta e cinco mil rs lhe pagarão e darão em duas pagas, a saber, a metade por todo o mês de Maio e a outra metade acabado de assentar o dito retábolo e será acabado no altar, e ele, Gaspar Soares, se obrigou a dar de todo acabado o dito retábulo pintado e dourado por todo o mês de Agosto do ano que vem de oitenta e hum, e a feitura do dito retábulo será na maneira seguinte: primeiramente, no painel do meio de cima pintará, digo, de Nossa Senhora, pintará a verga de Jessé com suas feguras e pinturas necessareas e toques perten-

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centes ao dito passo, e no painel desse que está em todo acima se pintará a figura de Nossa Senhora com os Patriarchas necessareos correspondendo e arrematando a historia da verga de Jessé, e com o rosário à roda e no frontispiçio de cima pintará o Espirito Santo numa nuvem com seu resplandor congruentemente, e no painel de cima da banda da capela a par da verga de Jessé pintará a Saudação do Anjo com Nossa Senhora e da outra banda no outro painel pintará o Nascimento de Cristo, e em baixo no outro painel da banda da capela pintará a estoria dos Reis Magos, e da outra banda da parede no painel de baixo pintará a Circuncisão de Nosso Senhor, as quais pin-turas serão todas como as figuras e tintas e toques dos retábulos de Nossa Senhora do Vale, que tem os proprios passos e serão também tocados e pintados e com as mesmas figuras que o mesmo retábulo de Nossa Senhora do Vale e melhor se puder ser, e de vantagem e à vontade e contentamento dos oficiais da dita confraria, e todo o mais retábulo não terá outra obra senão dourado, salvo os rostos de algumas figurinhas que forem necessareas fazerem-se para baixo ao pé do dito retábulo ao modo do retábulo de Nossa Senhora do Vale e da Misericordia desta dita vila em que entram quatro profe-tas entre os painéis. Tudo o mais do dito retábulo será dourado em todo o vão da parede ao redor do dito retábulo quanto diz, o remate pintará de azul com algumas rosas de ouro, como parecer ao dito pintor, e o rosário do retábulo que tem as rosas de pau serão pra-teadas e os centurões dourados com cor que pareçam rosas. E os ditos mordomos darão ao pintor hum carpinteiro oficial a suas custas para o ajudar para armar e desarmar o dito retábulo, ao que tudo o dito pintor se obrigou muito inteira e perfeitamente fazer como aqui vai declarado e como for mais decente e convenientemente que for possível, com declaração de que sendo caso que o pintar e dourar do dito retábulo valha muito mais que o dito preço dos trinta e cinco mil rs, ele Gaspar Soares disse que o que mais valesse ele desde então para agora e de agora para então que dele fazia esmola à dita confraria e renunciava a lesão da quarta e sexta parte e que não quer usar de mais avaliação nem compensação que mais valha o dito retábulo de pintar e dourar, etc. Testemunhas que a tudo foram presentes, os ditos senhor Fernão Varela e Francisco, seu criado, e

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Diogo Luís de Bivar, todos moradores na dita vila, e eu, André Freire, tabelião, que o escrevi.

(aa) Gaspar Soares – João Fernandes – João Lopes Francisco – Fernão Varela – Francº Dias – Diogo Luis de Bivar.

Arquivo Distrital de Santarém, Livro 7 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 132 vº a 134 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, 1992, II, pp. 602-605, referido por Joaquim Oliveira CAETANO, 1993, p. 49, e trans-crito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, 2000, pp. 218-220; também publicado, com variações de leitura paleográfica, em Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, 2003, pp. 122-124, e 2009, pp. 165--166. Leitura do autor.

DOCUMENTO Nº 8. 1583, 9 de fevereiro, Torres Novas – Contrato para a obra de pintura e dourado do retábulo-mor da igreja do Sal-vador de Torres Novas com Gaspar Soares, pintor, e José Mendes, dourador, de Lisboa.

Contrato entre os beneficiados do Santíssimo Sacramento do Salvador e Gaspar Soares, pintor, e José Mendes, dourador, sobre o retábulo.

Saibam quantos este público instrumento de contrato e obrigação e o mais que ao diante se fará menção virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos e oitemta e três annos aos nove dias do mês de Fevereiro do dito ano na vila de Torres Novas na igreja paroquial do Salvador da dita vila, onde estava consti-tuída a confraria do Santissimo Sacramento, estando aí de uma parte presentes em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas, os mordomos da dita confraria neste instrumento assinados, e da outra parte Gaspar Soares, pintor, morador na dita vila, por eles, oficiais, foi dito que na dita igreja no altar principal dela tinha a dita confraria um retábulo com seu sacrário com muita obra e feitio e que tinha a dita confraria muito custo e era necessário, por estar em preto, pintar-se e dourar-se, para o que chamaram o juiz da dita confraria os mordomos e confrades dela que se na dita igreja o pintavam, e quase todos chamados aceitaram que se dourasse e pintasse o dito retábulo,

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e por razões e causas justas concluíram que se devia de dar ao dito Gaspar Soares para ele o fazer e para o dourar do retábulo a hum José Mendes, dourador, de que se fizera auto no livro da dita confraria pelo escrivão dela e por todos assinado, e por isso disseram eles, oficiais que assinam, concertados com o dito pintor para o que dito é pela pintura e obra do retábulo, concluíram com ele de lhe haverem de dar cento e cinco mil rs, pelos quais disse o dito pintor que se obrigava a pintar o dito retábulo e o dito José Mendes dourar o sacrário onde cumprir, e como ao diante será declarado, primeiramente, ele pintor se obrigou a fazer e pintar no painel grande de cima da banda do Evangelho a Ceia de Cristo, e no outro painel da outra banda a Oração no Horto, da banda da Epístola e no outro painel abaixo deste Cristo à coluna e no outro de baixo da banda do Evangelho o Ecce Homo, e nos três remates de todo acima, no do meio a Ressurreição de Cristo e no re-mate da banda do Evangelho o Aparecimento à Senhora, e no outro remate da banda da Epístola o Aparecimento à Madalena, e todo o sacrário há-de ser dourado de dentro e de fora, de dentro onde está o Santíssimo Sacramento e assim o tesouro todo do dito Sacrário, e pela mesma maneira háde ser dourada toda a mercenária do dito retabolo e os rostos e mãos e pés dos serafins, anjos, apóstolos e mais figuras onde for de encarnar, e as roupas de Christo e das mais figuras hãode ser muito bem estofadas se achadas por cima do sacrário, e asi mais as asas dos serafins e anjos e os campos de toda a obra do dito retábulo hãode ser muito bem encrespados e rachados onde melhor convém, para aperfeiçoar e enriquecer a obra conforme merece o bom feitio do dito retábulo e marcenaria dele, e os pedestais que assentam no chão serão ambos com todas as colunas dourados e encrespados e rachados por cima do pau, e nos cantos e frisos com toda a marcenaria, e a dita pintura háde ser a óleo e as tintas as mais finas que se puderem usar e devem ter-se as do retábulo de Nossa Senhora do Rosário da dita igreja, e o ouro será muito velho e brunido, de modo que fique toda a dita obra muito perfeita e acabada de tal maneira como lhe requer o dito retábulo e como fica declarado e vantagem do que fica dito, por sua maneira que a dita obra será vista e examinada por pessoas que o entendam e disserem que está a dita obra perfeita, vistosa e acabada como é necessário, e a tendo eles oficiais pintada, com isto assim lhe

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acabariam de fazer o pagamento do que com ele se concertaram e ao diante se dirá para o que a conta dos ditos cento e cinco mil rs, eles oficiais lhe darão logo em começo de pago coremta mil rs ao fazer desta escritura, que o dito Gaspar Soares recebeu à conta da dita obra, e os sessenta e cinco mil rs que ficam para o cumprimento de toda a quantia, lhe pagariam em duas pagas, a saber, trinta mil no meio da obra e os trinta e cinco mil no fim do dito retábulo acabado e assentado de todo no altar, à sua conta dele, pintor, e a dita pintura e dourado se fará nesta dita vila à vista deles, oficiais, e pelo dito Gaspar Soares foi dito que ele se obrigava a o pintar e fazer dourar pelo dito José Mendes o dito retábulo pelo modo que dito é, e o dar acabado e assentado no dito altar por todo o mês de Julho que embora virá, pago por todo o mês de Junho deste ano presente, porquanto eles, oficiais, querem dilatar a festa do dia do Sacramento até o dito tempo por respeito da pintura do dito retábulo ser a primeira festa que desta maneira farão, e não no dando dourado e pintado até o dito tempo, como dito é, sem ter caso por pena, ele Gaspar Soares quer perder do dito dinheiro do dito feitio vinte mil rs que lhe não pagam da conta em condição que se faça até o dito tempo, e eles oficiais em tal caso poderão mandar tomar o dito retábulo no estado em que está e à custa dele, pintor, o mandarão acabar na brevidade que for possível, e sendo que ele, pin-tor, não dê a dita obra pronta, eles oficiais entendem assim acabada e aprefeiçoada como fica dito que ele se acabaria de aperfeiçoar à sua custa dele pintor, e sendo caso que a dita obra custe mais que o dito preço de cento e cinco mil rs, que ele, pintor, faz de esmola à dita confraria tudo aquilo que mais valer, e se contenta com os ditos cento e cinco mil rs somente, e que renuncia nessa parte a lesão de sexta e quarta parte, e é contente de não ser ouvido contra este instrumento com nenhum género de embargos, suspeições nem remédio, de feito nem de direito, nem contra outra coisa alguma, e lhe será denegada toda a audição e aução enquanto não pagar à dita confraria tudo o que tiver recebido do dito preço dos cento e cinco mil rs, e o depositar na mão do tesoureiro dela sem se dar fiança e que não usando provimento de Sua Magestade para que sem embargo desta cláusula depositar, ele seria ouvido, porquanto desde agora para então, e de então para agora, renuncia a tal provimento e provisões que perpetrar de Sua

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Magestade, e não cumprindo ele, pintor, tudo por ele, eles oficiais o poderão mandar citar e demandar perante o juiz da vila de Tomar ou Santarém e perante quem eles quiserem, desaforando-se de juízes de seu foro e domicílio, renunciando todas as férias, leis e o que diz que a geral renunciação delas não valha liberdades, privilégios e suspeições que em seu favor forem, e todo o remédio de feito e de direito que por si ele alegar possa, de nada usará nem lhe valerá, somente tudo cumprirá. E dise ele, pintor, que era contente de tomar em pagamento dez mil rs que por um escrito o prioste, beneficiados desta igreja dão de esmola para a pintura do dito retábulo, ao que os ditos oficiais se obrigaram a cumprir sob obrigação dos bens da dita confraria, e ele, pintor, obrigou os seus e também tudo cumprir como fica dito. Em fé e testemunho de verdade e por firmeza de tudo assim o outorgaram e mandaram ser feito este instrumento de que se deram todos os treslados que se pedissem, testemunhas que foram presentes Diogo Vaz, beneficiado na dita igreja, e Manuel Tomás, tesoureiro, e em verdade de que fiz auto das testemunhas assinaram, e eu, André Freire, tabelião, que o escrevi.

(aa) Pero Álvares – Gaspar Soares – Francº Gomes – João Tomas – Simão de Prado – Diogo Vaz – Fernão Glz da Mó – Pero Magalhães – Diogo Fernandes.

Arquivo Distrital de Santarém, Livro 9 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 39 vº a 41 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, 1992, II, pp. 603-605, referido por Joaquim Oliveira CAETANO, 1993, p. 49, e trans-crito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, 2000, pp. 222-224; também publicado, com variações de leitura paleográfica, em Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, 2003, pp. 125-126, e 2009, pp. 163-164. Leitura do autor.

DOCUMENTO Nº 9. 1586, 19 de julho, Lisboa – Licença dada à confraria das Almas do Fogo do Purgatório na igreja de São Tiago de Torres Novas para poderem ter altar.

Dizem o Juiz, ofeciais e irmãos da Confraria das almas do fogo do Purgatorio situada na Parochial Igreja de Sanctiago de Torres Novas

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que Sua Santidade lhes concedeu huma Bulla de Indulgências approva-da por V. S. Ilustrissima em a qual outorga muitas graças e perdões aos que visitarem o altar da dita Confraeria e porque até agora não tiveram posse para fazer Capella e querem hora fazer obra nella, Pedem a V. S. Ilustrissima lhes mande dar licença para levantar Altar da dita Confraria das Almas do Purgatorio dentro na dita lgreja de Sanctiago. E. R.M.

Com informação do prior de Santiago de Torres Novas, em Lisboa a 23 de Novembro de 1585.

(aa) O daião – Fernão da Sylva

Passe alvará de el Rei para se levantar ho altar que os suplicantes dizem. Vistas as diligências e enformações que oferecem. 30 de De-zembro de 1586.

(aa) O Daião – Fernão da Silva – Cristóvão Jorge

O Daião em Cabido da See metropolitana de lixboa, a sede vacante, fazemos (saber) aos que este nosso alvará virem que, havendo respeito ao que na petição atrás dizem o juiz e ofeciais e irmãos da Confraria das Almas do fogo do purgatorio situada na igreja de São Tiaguo da villa de Torres Novas, havemos por bem dar licença pera que possam alevantar o altar que dizem na capela da dita Confraria e dizer misa nele, vistas as diligencias e enformação que oferecerão. Dado em Lis-boa sob sello da mesa capitular e sinaes dos senhores governadores abaixo asinados a trinta de Dezembro. Vicente Gonçalves o fez. De MDLXXXVI Hieronimo Borges Coutinho o fez esc(rever).

(a) O Daião – Fernão da Sylva

Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Tombo dos Bens que oje pesue esta confraria das almas do fogo do purgatorio da Igreja de S. Tiago desta villa de torres novas, oye o prº de Abril de 1620, Lº nº 1782 (nº provisório de unidade de instalação), fls. 19-20. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 10. 1586, 19 de julho, Lisboa – Procuração feita a respeito da obra do retábulo do altar das Almas na igreja de São Tiago de Torres Novas, deixado incompleto por morte de Martim Rodrigues, mestre marceneiro.

Procuração da mulher de Martim Rodriguez, marseneiro, que fez o retabolo.

Saibam quantos este estromento de procuração e obrigação virem que no anno do nascimento de Nosso senhor Jesus Christo de mil quinhentos e oitenta e seis annos, aos dezanove dias do mês de Julho na cidade de Lisboa, no paço dos tabeliães, pareseo presente Manoel Pinheiro, escudeiro, fidalgo da casa del Rei nosso senhor, morador nesta cidade a Valverde, e lloguo por elle foi dito perante mim, tabelião, e testemunhas ao diante nomeadas, que hera verdade que elle era casado com Maria da Silva, a qual primeiro o foi com Martim Rodrigues, marceneiro, morador que foi nesta cidade ao Valverde, o qual sendo vivo se consertou com hos irmãos da confraria das Almas do foguo do purguatorio sita na igreja de Sam Tiaguo da villa de Torres novas, para lhe fazer hum retabollo da dita confraria, e que fizeram huma escritura publica na dita villa de torres novas por Constantino Mendes Campello, tabelião, de notas que na verdade se acha assente, da quall obra hos ditos irmãos lhe deram loguo vinte mill rs que este de pronto recebeu, e depois de feito o dito contrato dahi a poucos dias faleceu, e por não fazer ho dito retabolo fiquou o dito defunto devendo os ditos vinte mill rs, e por ele dito Manoel Pinheiro ser herdeiro a benefício de inventário e saber que na dita villa fiquaram os bens ao diante declarados que eram comprados com o dinheiro da mesma confraria, e ora por este estromento em milhor modo e forma que o direito quer e outorga, fazia e ordenava e de efeito fez e ordenou por seus procuradores havidos e bastantes aos irmãos e oficiais da dita confraria que ora são e ao diante forem amostradores deste estromento, aos quais e a cada um por si deu e entregou todo seu livre e comprido poder, mandado especial e geral para que por ele, constituinte, e em seu nome e com seu benefício de inventário, possam arrecadar e receber das pesso-as ao diante declaradas as cousas seguintes, a saber: Item, toda a

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madeira que o dito Martim Rodriguez llá tinha dentro na dita igreja de Sam tiaguo que levou o dito retabollo que são cionquoenta ripas e bordos e da mão do padre prior da dita igreja quatro mill e tantos reis que fiquaram devendo ao dito Martim Rodriguez do resto do Sacrario que o dito Martim Rodriguez fez na dita igreja, e se for mais contia, mais arrecadarão. E outrosi arrecadarão mais de Pedro Dias três mill e tantos reis que lhe fiquaram na mão per fallecimento do dito Martim Rodriguez, e assi mais receberão toda a ferramenta que se achar que está na dita igreja que fosse do dito defunto Martim Rodriguez, entre eles hos mais aparelhos de bancos e outras cousas que elle tinha para fazer a dita obra, ho que tudo hos ditos irmãos poderam cobrar e aver a sua mão, e do que arrecadarem e receberem daram conhecimentos e quitações e assinaram honde comprir e arrecadado todo, e o sobredito ho tomarão eles, oficiais, pera a dita comfraria porquanto todo lhe dá em paguamento dos ditos vinte e hum mill e tantos reis que o defunto resebeo pellos quais elles tinham sitada a dita sua molher e houverão semtença contra ella na dita vylla de que foi escrivão Felipe da Fonsequa, e sendo caso que as cousas atrás declaradas se ache que mais valem que os ditos vinte e hum mil e tantos reis, ele por este estromento faz da tal demasia esmo-la à dita confraria por modo que dela não quer mais cousa alguma nem a dita confraria sob pena dando as ditas cousas háde ter mais dereito contra ele nem sua molher nem seus bens como ao diante será declarado, e pera milhor os ditos oficiais todo haverem a seu poder hos faz e constitue procuradores em causa sua propria e lhes cedeu e trespassou pera isso todas suas auções reais, pessoais e autivas e passivas, e direitas, e tudo em remédio de demandar que lhe nam pesem e poderão pesar e apelar em seu próprio lugar e suas auções e tudo por eles feito, arrecadado e recebido se obriguou a haver por bom, e estando a isto presente Diogo Luis, morador na dita villa, e oficial que disse ser na dita confraria, disse que em nome dela aceitava esta procuração e a pena dando-se o sobredito de agora por este estromento dava e de feito deu pleníssima e geral quitação ao dito Manoel Pinheiro e a sua molher e bens e herdeiros dos ditos vinte mill reis, e sendo caso que se estas cousas atrás se não ache amostradores ditos vinte e hum mil e tabtos reis, tal não valha, Item

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outrosi se obrigua que, posto que não valham os ditos vinte e hum mill e tantos reis, a confraria se haverá por satisfeita e não pedirá mais cousa alguma aos sobreditos, e pera mais segurança se obrigua elle dito Diogo Luís por todo o mês de aguosto que ora vem neste presenta ano mandar quitação dos ditos ofeciais a eles ditos Manoel Pinheiro e sua molher, etc. (…) e em testemunho de verdade asi o outorguou e mandou fazer este estromento e os que comprirem e que pediram e aceitaram, e eu o aceito por quem tocar como pessoa pu-blica estepulante e aceitante, (sendo) testemunhas presentes, Inácio de Faria e Simão de Oliveira, moradores nesta cidade, que disseram que conhesiam ao dito Manoel Pinheiro ser o próprio aqui conteúdo, e eu, Guomçalo Abreu Carvalho, tabelião público de notas por ell rei nosso senhor nesta cidade de Lisboa, o escrevi.

(verso: quitação que Manoel Pinheiro deu a esta santa confraria sobre o carpinteiro que começou o retabolo).

Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Tombo dos Bens que oje pesue esta confraria das almas do fogo do purgatório da Igre-ja de S. Tiago desta villa de torres novas, oye o prº de Abril de 1620, Lº nº 1782 (nº provisório de unidade de instalação), fls. 21-25. Inédito.

DOCUMENTO Nº 11. 1598, 4 de outubro, Torres Novas. Contrato de servidão de criada com Gaspar Soares, pintor.

Em nome de Deus Amen, saibam quantos este público estromento de donzella em serviço e de dote de casamento virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quinhentos e noventa e oito anos, aos quatro dias do mês de Outubro do dito ano, na vila de Torres Novas, nas casas de morada de mim, tabelião, estando aí presentes em minha presença e das testemunhas ao diante nomea- das e assinadas, de huma parte Gaspar Soares, pintor, e morador na dita vila, e da outra António Coelho, o Morão, tecelão, morador no lugar das Lapas, termo da dita vila, logo por eles foi dito que ele António Coelho tinha dado huma sua filha por nome Maria pêra o

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servir, de idade de dez até onze anos, e que por ele Gaspar Soares e sua mulher terem amor e afeição a esta moça, ele seu pai queria dar per casamento, e disse que era contente que a dita sua filha os servisse de tudo o costumado, como servem as moças de soldada, por espaço de dez anos primeiros seguintes, e que servindo-o ela como deve, ele Gaspar Soares disse que se obrigava, como de feito obrigou, ao cabo dos ditos dez anos de dar a dita moça pêra seu casamento e pêra outra cousa vã doze mil rs em bens móveis, quais ele quiser que bem valham a dita quantia, e em caso que ela moça faleça neste meo tempo, ou tenha outro legitimo empedimento ou ilícito, que então lhe pagará ele, seu senhor, a soldo e lhe dará pro-vata o tempo que os tiver servido, e em caso que ela, Maria, se veja fora da casa dos ditos seus senhores sem eles nisso terem culpa, senão per culpa dela, então eles não serão obrigados a lhe satis-fazer, e desta maneira e doutra não, e disseram eles partes que se haviam por concordes e concertados e avereiguados (sic) no serviço e dote da dita moça, e nisto ficaram contentes e se obriguaram cada hum por eles partes que lhe cabe assim trudo cumprirem, terem e manterem, com declaração de que se a dita moça se for da casa dos ditos seus senhores, que ele, António Coelho, se obriga a tornála a levar a sua casa e ela tornará ao serviço outro tanto tempo que faltar e se absentar de sua casa, ao que tudo eles partes se obrigaram sob obrigação de suas pessoas e todos seus bens, e em fé deste instrumento por verdade e per firmeza de tudo assim o outorgaram e mandaram ser feito este estromento de obrigação e dote, de que se tirarão os treslados que se pedissem, testemunhas que foram presentes Francisco Gomes Canteiro, alfaiate, e Diogo Pinheiro, sa-pateiro, moradores nesta dita vila, que aqui assinaram com as ditas partes por saberem escrever, e eu André Freire, tabelião, o escrevi.

(aa) Frcº Gomes – Gaspar Soares – António Coelho – Diogo Pinto

Arquivo Distrital de Santarém, Livro 14 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 119 vº e 120. Publicado em Vítor SERRÃO, 1992, vol. I, pp. 795-796.

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DOCUMENTO Nº 12. 1598, 5 de outubro, Torres Novas. Contrato de servidão de discípulo entre um moço da Golegã e o pintor Gaspar Soares para este lhe ensinar a arte da Pintura durante seis anos.

Saibam quantos este público estromento de obrigação de ensino virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quinhentos e noventa e oito anos, aos cinco dias do mês de Outubro do dito ano, na vila de Torres Novas, nas casas de morada de mim, ta-belião, estando aí presente em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e assinadas, de huma parte Gaspar Soares, pintor, e morador na dita vila, e da outra Lopo da Rama, morador na villa da Golegã, logo por elles foi dito que elle Lopo da Rama tinha hum filho de nome Thomé, o qual tinha dado ao dito Gaspar Soares para lhe haver de ensenar a arte e offiçio de pintor como ho ele sabe, e também de dourador, para o que estavam concertados que o dito moço havia de estar com elle, mestre, por espaço de seis anos que começarão já a de-correr no dia de Páscoa próxima, e acabarão por outro tal dia de Santo André, e acabados os ditos seis anos perfeitos, dentro do qual tempo ele, mestre, se obrigou a dar ensinado o dito aprendiz, em o tempo que fica dito, e em caso que neste meio tempo o dito moço adoeça ou se vá de casa do mestre, ou tenha algum legitimo e lícito impedimento por onde deixe de aprender, que então elle seu pai se obriga a tornálo a dar e pôr e trazer a casa do dito mestre, e de novo a lhe tornar a dar outro tanto tempo quanto faltar, e ele, aprendiz, servirá o dito mestre de tudo o necessário em suma casa como costumam fazer os aprendizes dos ditos ofícios, e em caso que ele mestre dê mau tratamento ao dito moço que não seja tolerável, então ele poderá sair de sua casa se qui-ser, mas constará disto primeiro e do mau tratamento que lhe fizer que será testável, e ele, mestre, em todo este tempo lhe dará somente de calçar o que for necessário, porque o demais lhe dará o dito seu pai à sua custa, e não dando o dito mestre ensinado o dito moço dentro no dito tempo per si terminado por ele aprendiz, que então ele, mestre, se obriga até ele, aprendiz, ser acabado de o ensinar, de lhe pagar aquilo que hé costume dar a hum obreiro dos ditos ofiçios, e assim mais será ele, mestre, obrigado a dar de comer e cama ao dito moço enquanto aprender com ele, ele mestre lhe não quer levar nada do dito ensino

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como hé costume dar-se aos que aprendem os ditos offiçios e arte, e ele mestre o poderá ensinar e prender e castigar como for de rezam, e ele aprenderá com amor, lealdade e fidelidade de parte a parte, e todas as vezes que acontecer que o dito moço não cumpra este estromento ou faltar no serviço dos ditos ofiçios, ele mestre ho poderá reprimir e fazer prender se fizer o que não deve ou for revel, e assim desta maneira se houveram eles partes obrigados, concertados e concordes no ensino dos ditos ofiçios e obrigação deles, e se obrigaram cada hum pela parte que lhe cabe assim o cumprir sob obrigação das suas pessoas e bens, e ele, Thomé da Rama, por estar presente ho aceitou, e em fé este estromento de verdade e per firmeza de tudo assim o outorgaram e mandaram ser feito este estromento de obrigação de ensino, de que se dessem os treslados que se pedissem. Testemunhas que foram presentes, Diogo Álvares, filho de Gaspar Álvares, carreteiro que foi de Santa Maria desta villa, e André Freire, tabelião, o escrevi.

(aa) Lopo da Rama — Gaspar Soares – Simão Lourenço – Thomé da Rama – Luís Alvares – Diogo Pinto

Arquivo Distrital de Santarém, Livro 14 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas, fls. 120 e vº. Publicado em Vítor SERRÃO, 1992, vol. I, pp. 631-632.

DOCUMENTO Nº 13. 1603-1604. Referências ao Sacrário do re-tábulo da igreja matriz da Golegã, que devia ser feito segundo o modelo do da igreja do Salvador de Torres Novas.

O doutor Damião Viegas dezembargador e ouvidor geral das apella-ções e agravos da cidade e arcebispado de Lisboa no juízo atesto que pello Ill.mo senhor Dom Miguel de Castro metropolitano arcebispo da dita Cidade vizito as igrªs da villas de Santarem e seu arcediago o prezente anno ettc, faço saber que visitando a igrª de nossa Senhora da Conceissão da villa da Golegãa aos 26 dias do mês de Maio com o Reverendo vigário e mais padres e freguezes por servisso de Nosso Senhor, provi nas couzas seguintes.

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(…) Entrando nesta Igrª e pondo os olhos no sacrairo achei que nenhuma correspondençia lhe fazia nem a grandeza e prefeição do retabolo que parese ter muita se não fora esta desformidade do Sacra-rio, porquanto he muito piqueno, velho e desconcertado, e logo pareçe que foi posto pera entretanto que se fazia o próprio que respondeçe à obra do dito retabolo, pello que mando aos mordomos do Santissi-mo Sacramento (a quem per rezão e costume pertense a fabrica do dito sacrairo e he particular esta obra delles) como achei em todas as igrejas deste arcediaguado, fasão o ditto sacrairo da trasa e feitio do da igrª do Salvador de Torres Novas, e o farão em preto este ano athe a primª vizitação que vem sob pena de dous mil rs para obras pias e misericórdia, e o farão a saber ao Comendador ainda que não seja obrigado como diz dar a sua esmolla para isso, ou se tome do que está depozitado na mão do prioste.

(Visitação do Licenciado Jordão Afonso, de 3 de junho de 1604):

(…) No primeiro capitulo da visitação passada foi mandado aos mor-domos do Sanctissimo Sacramento com pena de dous mil rs fisesem hum sacrário novo que correspondesse ao Retabolo, o que não achei cumprido pello que mando com a mesma pena em dobro façam este anno o Sacrario ou se desobriguem de tal obrigação.

Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Livro das Visitações do Arce- díago do Ribatejo (à igreja matriz da Golegã), 1567-1623, Lº nº 667, fls. 111 vº-112. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 14. 1615, 8 de janeiro, Torres Novas. Óbito de Bárbara Antunes, viúva do pintor Gaspar Soares, enterrada na igreja do Salvador.

Aos oito dias do mês de Janeiro do ano de seiscentos e quinze faleceu Bárbara Antunes, viúva, mulher que foi de Gaspar Soares, pintor, jaz enterrada dentro nesta igreja do Salvador, na cova de seu pai António Dias, por ter ali a sua sepultura, sem embargo de ela ser freguesa de Santa Maria, sua filha Inês Soares é obrigada cumprir por sua alma.

Biblioteca Municipal de Torres Novas, Livro de Óbitos da igreja do Salvador, 1588-1616, fl. 121 vº. Publicado por Teresa DESTERRO, 2000, p. 241.

DOCUMENTO Nº 15. 1620, 9 de julho, Coimbra. Procuração de Do-mingos Vieira Serrão, pintor régio, estante em Coimbra, a Pedro Vieira, pintor de Torres Novas, e outras pessoas.

Saibam os que este publico estromento de poder e procuração virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seis-centos e vinte anos, aos nove dias do mês de Julho, nesta cidade de Coimbra, nas casas de morada de mim, tabelião, apareceu Domingos Vieira Serrão, morador que disse ser na cidade de Thomar e escudeiro fidalguo da Casa de Sua Magestade, e seu pintor, e por ele foi dito em prezença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas e na nota assinadas, que por este público estromento no milhor modo de direito que podia e mais valor seja, ordenava e constituía por seus certos e de todo bastantes procuradores com poder de subestabelece-rem todos os que mais forem necessários e os revogarem se cumprir e sempre desta usarem, ficando ela em sua força e vigor, ao Licenciado Miguel Pinto, e a Diogo Rodrigues, solicitador, e Antonio Pereira, pin-tor, e a Domingos Jorge, chapinheiro de Valença, todos moradores na cidade de Lisboa, e a Pedro Vieira, pintor, morador em Torres Novas, todos juntamente e cada hum de per si, in sollidum os mostradores Da presente, aos quais dava poder, e de feito deu, e assim eles como seus subestabelecidos e cada hum de per si em nome por ele, constituinte,

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requeiram e defendam todo seu direito de justiça em todas suas causas, negócios, demandas movidas e por mover que lhe toquem por qualquer via, etc, sendo testemunhas presentes Francisco Caldeira, sapateiro e morador na dita cidade, que disse conhecer bem o constituinte ser o próprio aqui nomeado, e o Padre Antonio Pacheco, capelão da casa da Misericordia da dita cidade, e eu, Manuel Dias da Cruz, que o escrevi.

(aa) Antonio Pacheco – Domingos vrª serrão – frcº Cardoso

Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 15 de Notas de Agostinho Maldo-nado, Tabelião de Coimbra, fls. 61 vº a 62. Publicado em Vítor SERRÃO, 1992, I, pp. 707-798.

DOCUMENTO Nº 16. 1660, 30 de março, Torres Novas. Dote de ca-samento feito a Isabel de Sousa pelo seu casamento com Manuel Soares, pintor, filho de Lourenço de Abreu, pintor.

Dote de cazamento que fizeram Mª de Sousa e Catarina de Morais a Izabel de Sousa.

Em nome de Deus ámen, saibam quantos este público instrumento de dote de casamento como em direito mais valer virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil seiscentos e sessenta anos, aos trinta e hum dias do mês de Março, nesta vila de Torres Novas, e casas de morada de Maria de Sousa, viúva de António André, barbeiro, estando ahi presentes em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas e assinadas, a dita Maria de Souza e bem assim Caterina de Morais, outrosi viúva de seu derradeiro marido Domingos Lopes, moradoras nesta dita vila, e pessoas conhe-cidas de mim, tabelião, e logo ahi por elas foi dito que Izabel de Sousa, moça donzela, filha do dito António André e dela, Maria de Souza, com o favor de Deus, estava comprometida para cazar com Manoel Soares, pintor, filho de Lourenço de Abreu, outrossim pintor, e de sua mulher Maria Soares, moradores nesta dita vila, e que havendo feito o dito cazamento na forma do sagrado Concílio Tridentino, recebidos à porta da igreja, lhe faziam dote de cazamento dos bens seguintes, a

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saber, ela Maria de Souza disse por este público estromento dotava, e de feito logo dotou, a dita sua filha pera cazar com o dito Manoel Soares uma terra de pão que está onde chamam o Campo da Venda, e chega ao Montal, termo desta dita vila, que parte do nascente com vala do Campo da Golegã e do poente com o carril e volta da serventia e outras verdadeiras confrontações com quem mais de direito deva e haja de partir, e assim mais lhe dava hum cinco alqueires de azeito de foro a retro aberto em cada dous anos, etc, e pela dita Caterina de Morais foi dito que outrossim dava à dita Izabel de Sousa pera casar com o dito Manuel Soares humas casas de posse e benfeitorias de casas que tem nesta dita vila na Rua da Porta de Santarém, foreiras ao Conde de Atalaia, de que se lhe pagava em cada hum ano mil e duzentos rs em dinheiro e duas galinhas, etc. Estava presente o dito Manoel Soares, pessoa também conhecida de mim, tabelião, que tam-bém aqui assinou de como aceitava este dote em seu nome e da dita sua futura mulher Isabel de Sousa com o dito encargo de foro como dito hé, e tinha muito em mercê as ditas dotadoras, e como se obrigava a aceitar e receber por sua legitima mulher a dita Isabel de Sousa, tudo adiante das sobreditas e ditas testemunhas (…). Testemunhas que foram presentes, Manuel de Sousa, aprendiz de barbeiro, filho do dito António André e Maria de Sousa, que assinou per si e pelas ditas sua mãe Maria de Sousa e pela dita sua tia Caterina de Morais, que lho rogaram e dizerem que não sabiam assinar, e o licenciado João Lopes Raposo, e Manoel Jorge, espingardeiro, e Tomé Fernandes, moradores nesta dita vila, e o padre António André de Moraes, clérigo de missa, cura no lugar da Ribeira Branca, termo desta dita vila, que assinaram nesta nota…, e eu Martim Pimenta do Avelar, tabelião, o escrevi.

(aa) por mim e por ass sobreditas que mo rogaram Manoel de Sou-sa – o Lic.dº Antº André de Moraes – João Lopes Raposo – Tome + frz – Manoel Jorge – Manoel Soares – Antº frcº

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 89 de Notas de Martim Pimenta de Avelar, Tabelião de Torres Novas, fls. 117-118. Leitura de Vítor SERRÃO, 1992, vol. I, pp. 801-803.

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DOCUMENTO Nº 17. 1663, 7 de agosto, Torres Novas. Instrumen-to de perdão por acusação de bigamia, em que assina Pedro de Sousa, pintor, morador em Lisboa.

Perdão que dá Domingos Lopes a sua mulher.

Saibam quantos este público estromento de perdão virem que no ano de mil e seiscentos e sessenta e três anos, em os sete dias do mês de Agosto nesta vila de Torres Novas, em o hospital e casa da enfer-maria da Santa Misericórdia desta dita vila, estando ahi presente, em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas e assinadas, Domingos Lopes, trabalhador e morador nesta dita vila, pessoa conhecida de mim, tabelião, e logo ahi por ele foi dito que ele acusara sua mulher Caterina Fernandes, a crespa, de lhe haver feito adultério com Manuel Pegado de Carvalho, ambos presos na cadeia desta dita vila, e porque depois fora informado e certo de que tudo fora falso, e a dita sua mulher lho não fizera, nem cometera o tal adultério, logo perdoava ao dito Manuel Pegado de Carvalho, e por descargo de sua consciência disse por este publico estromento que perdoava e dava perdão à dita sua mulher Caterina Fernandes o dito adultério e toda qualquer culpa que se possa achar nessa razão e se queria acusar, e lhe perdoava e dava o dito perdão deste dia pera todo o sempre, que prometia cumprir e guardar, ter e manter como nele se contem, etc, testemunhas que foram presentes, Pedro de Sousa, pintor, morador que disse ser em Lisboa, e assistente nesta vila, e António Fernandes, alfaiate, e Francisco Roiz, porteiro do almoxarifado, e Clemente Lopes, andador da dita Santa Casa, e Manoel Roiz, criado de Fernão de Re-boredo Figueira, moradores nesta vila, que assinaram nesta nota com ele Domingos Lopes, e Martim Pimenta de Avelar, tabelião, que o escrevi.

(aa) frcº roiz – de dºs + Lopes perdoante – Antº frz – de m.el + roiz – de clemente + Lopes tª – Pedro de Sousa.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 92 de Notas de Martim Pimenta de Avelar, Tabelião de Torres Novas, fls. 195 vº a 196. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 18. 1685, 30 de janeiro, Torres Novas. Contrato da irmandade do Santíssimo Sacramento da igreja do Salvador de Torres Novas com Manuel da Silva, entalhador, para fazer o retábulo-mor e o sacrário dessa igreja, por 400.000 rs.

Contrato dos mordomos do santíssimo para a tribuna com Manuel da Silva.

Saibam quantos este público estromento de contrato e do que ao diante se fará menção virem que no ano do nascimento de Nosso Se-nhor Jesus Christo de mil seiscentos (e oitenta e cinco) anos aos trinta dias do mês de (Janeiro nesta villa de Torres) Novas logo perante mim, tabelião (fragm.)… na casa da confraria do Santíssimo Sacramento) da igreja do Salvador desta vila, onde eu, tabelião público fui, sendo ahi presentes perante mim e das testemunhas ao reverendo Manuel Soares Pereira, escrivão da dita confraria, e bem assim o padre Simão Álvares, o capitão Francisco Vieira da Costa, e Matias de Vasconcelos de Sousa, e Custódio Pereira de Avelar, Antonio Freire, oleiro, e Antonio Rodrigues Amado, e Manuel de Sousa (?) e Sebastião Rodrigues, e os mais mordomos abaixo assinados, de huma parte, e da outra Manuel da Silva, oficial de entalhador, e morador a São Francisco da Cidade de Lixboa, todos pessoas que eu, tabelião, reconheçeu, logo ali pelo dito Manuel da Silva foi dito que ele estava avindo e contratado com o escrivão e mordomos da Confraria do Santissimo Sacramento que servem este presente ano de lhe fazer o Retabolo e trono na capela mor da dita igreja e os sobrados e escadas e mais obra de madeira que for necessária em ordem a esta obra de que se trata, e será conforme o rascunho em que assinou o dito Manuel da Silva e os mordomos e escrivão, e que correrá também por sua conta e despesa toda a prega-ria, forragem e fechaduras e chaves e tudo o mais que necessário for para o sobredito, e que a obra será por conta da dita confraria, o qual rascunho do dito retabolo e trono terá as emendas abaixo declaradas, que são as seguintes, a saber = que as portas das ilhargas não passem da vaza do banco para cima, senão da vaza para baixo, na melhor forma que for possível, e que se fará hum pedestal sendo a porta das serventias em dereito (?) ou de quartela, como milhor se acomodar

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para melhor ficar assentada a obra pelas ilhargas, e que em lugar do banco se fará um sanco na altura que pedirem os pedestais das co-lunas do sacrário, em o qual se assentarem as colunas grandes, para ficarem mais aparatosas, e para ficar a obra do meio mais rematada (?), e no Sacrário em lugar de quartão fará mais huma coluna e outra, junto ao pilar da boca da tribuna, e que as represas entre as colunas serão nativas e da mesma talha, e que as collunas pequenas serão (rasgado…), como se fez na tribuna de São Francisco de Lisboa, e que ao redor do Arco da tribuna até baixo se fará uma rendinha de guarnição, e que o trono acomodará (?) de alguma maneira que me-lhor ficar, devendo ser a Obra tomando alguma forma da tribuna acima declarada de São Francisco, cujo risco apresentará e mostrará quando for assentada, para se aceitar se está conforme as declarações aqui declaradas, a qual obra se obriga ele, dito Manuel da Silva, a findá-la e assentá-la por todo o mês de Setembro deste presente ano, e que finda ella e não sendo a contento dos mordomos dela, que se no tal tempo ele outorgante faltar com alguma das coisas conteúdas nesta escritura queria pagar para a confraria de lhe dar trinta mil rs e que os mesmos faria paga não dando a obra finda por todo o mês de Setembro como acima fica dito, e (receberá) por tudo a quantia de quatro centos mil reis em dinheiro de contado, os quais se lhe pagarão e entregarão nos pagamentos seguintes, que dentro em vinte dias se lhe darão na cidade de Lisboa um mil (sic) por Mão do Doutor Manoel de Azevedo Pais, procurador da Confraria, e que ele, outorgante, dará as fianças necessárias a esta escritura, etc, testemunhas presentes Manuel Jorge da Cruz e Antonio Gomes, e que a tribuna do retabulo será de madeira de bordo, e eu Domingos de Mora de Matos, tabelião, o escrevi.

(aa) Francisco Vieira da Costa – Manuel da Silva – Manuel Soares – Sebastião Rodrigues – Manuel de Sousa – Matheus de Vasconcelos de Sousa – Simão Alvares – Custodio Pimenta do Avelar – Miguel Monteiro de Miranda – Alvaro de Serpa – Jorge da Cruz – Amtº Gomes.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 118 de Notas de Domingos de Matos, Ta-belião de Torres Novas, fls. 132 vº a 134. Leitura inédita.

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DOCUMENTO Nº 19. 1688, 15 de agosto, Torres Novas. Obrigação da Irmandade do Santíssimo Sacramento da igreja do Salvador de Torres Novas com António Rodrigues, pintor e dourador, morador na vila de Santarém, para pintar e dourar a tribuna da capela-mor dessa igreja.

Obrigação que fez Antº Roiz pª dourar a tribuna do Santíssimo Sacramento da Igreja do Salvador por 650.000 rs.

Saibam quantos este público estromento de contrato e obrigação virem que no anno do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de mil e seiscentos e oitenta e oito annos aos quinze dias do mês de Agosto nesta villa de Torres Novas na sancristia do Santissimo Sacramento sita na paroquial igreja do Salvador desta dita villa, aonde eu, tabelião, fui, sendo ali presentes perante mim e as testemunhas ao diante nomeadas e asignadas, o Capitão Pedro Barreto, escrivão da confraria do San-tíssimo Sacramento sita na dita Igreja do Salvador, e bem assim João de Mesquita Amaral, Aurélio (?) Correia e Francisco Pereira da Silva e João de Morais Sarmento, almoxarife dos direitos reais e Antonio da Silva e Manoel Gonçalves e os mais mordomos deste presente ano abaixo asignados, e bem asi António Rodrigues, dourador e morador na villa de Santarém, pessoas que eu, tabelião, reconheci, logo ali pelo dito escrivão e mordomos da Confraria e o dito António Rodrigues foi dito que eles estavam contratados com o dito António Rodrigues pera lhe dourar de ouro toda a tribuna que está na cappela mor da dita igreja do Salvador, que hé da Confraria do Santíssimo Sacramento, de que eles escrivão e mordomos lhe mandaram fazer em conta das esmolas dos mordomos da dita Confraria, tudo por preço e quantia de seis cenmtos e sincoenta mill rs, sem que a dita Confraria seja mais obrigada a pagar em dinheiro mais cousa alguma, declarando que nesta conta e preço entra toda a tribuna de fora e sacrário e trono de dentro e camarim, e tudo o mais pertencente à dita tribuna de fora ou de dentro, que tudo fará pelo dito preço de seis centos e sincoenta mil rs, e faça feita e acabada e doirada conforme a arte o manda de ouro mais subido (…) de tal sorte examinado por pessoas que o entendem não tenha defeito algum que lhe notar, e a tudo será obrigado ele dito

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António Rodrigues a emendá-la e repairá-la à sua própria custa, e que a dita Confraria fique obrigada a dar-lhe mais depois de feita e dourada toda a dita obra…, etc, e eu, Domingos de Moura de Matos, tabelião, que o escrevi.

(aa) João de Mesq.ta da Sylva – Antº Roiz – Pedro + Barreto – francº Pereyra da Sylva – Manoel Roiz – Manoel Godinho de Faria – Antº + da Silva – Mel Soares Perª – Manuel da Costa Pinto – Amtº gomes – João de Moraes Sarmento – Francisco Lopes.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 122 de Notas de Domingos de Moura de Matos, Tabelião de Torres Novas, fls. 190 vº a 192. Inédito.

DOCUMENTO Nº 20. 1685-1701, despesas várias com as obras da capela-mor da igreja do Salvador de Torres Novas.

(fl. 8, Julho de 1685):Ao mestre da Tribuna Manuel da Silva, cem mil rs que foi o segundo pagamento que se lhe devia na forma do Contrato que com a Confraria fez ....................................................................................... 100 V 000Ao dito mestre outros cem mil rs que foi o derradeiro pagamento ............................................................................................ 100 V 000(…)De dous officiais de pedreiros quando se mudaram as frestas pª se assentar o Retabolo novo e a obra da tribuna a 230 rs por dia cada hum 19 dias que trabalharam ............................................ 8 V 740

De cordas pª os andaimes, basoura e outras miudesas .... V 480De grude pª algum azolejo ................................................. V 150Ao Azulejador sete dias que trabalhou a 250 rs ................. 1 V 750Ao seu trabalhador os mesmos dias a 120 rs .................... V 840Aos aprendizes do mestre da tribuna quando começaram a assentá-la ............................................................................................ V 600(fl. 8 vº)Mais que deu com o mestre da Tribuna à conta do último pagamento 50 V 000

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Despendeo mais que deu ao mestre da Tribuna Manuel da Sylva alem do que a Confraria contratou com ele, vinte mil rs e huma moeda de ouro aos seus aprendizes de 4400 rs que ao todo soma tudo 24 V 400(fl. 67, 1691-1692):Despendeo com a vara de prata que se mandou fazer .... 15 V 860(fl. 73, 1696-97):Despendeo com o Pintor das Arcas tres mil rs .................. 3 V 000Despendeo com o conserto da arca de carpinteiros, taboado e serra-lheiro seis mil cento e sessenta rs...................................... 6 V 160Despendeo com o concerto da vara de prata (para a sacristia), dezas-seis mil trezentos e sessenta rs ......................................... 16 V 360Despendeo com um espelho que se pôs na mesma sacristia quatro mil e seis sentos rs................................................................... 4 V 600(fl. 84 vº, 1698-1699):Ao ourives das Lapas Manoel Couceiro por concerto de huma lanterna e huma galheta de prata desta confraria dous mil e duzentos rs 2 V 200(fl. 130 vº, 1704-1705):Despendeo com dous pedreiros que fizeram a obra da Via Sacra por-detrás do Altar mór sinco mil setecentos e trinta rs ............ 5 V 730Despendeo com quatro peças de Bretanha para as tres Alvas e amitos nove mil cento e vinte rs ..................................................... 9 V 120(fl. 146, 1705-1706):Despendeo com duas varas de prata que se compraram quarenta e hum mil duzentos e quarenta e seis rs .............................. 41 V 246(f. 169, 1707-1708):Recibo do Irmão (da Confrartia do SS. Sacramento) Pedro Coelho Taborda, pintor quinze mil rs .............................................. 15 V 000(fl. 178, 1709-1710):Despendeo com hum Veo que veio de Lixboa para a Confraria a que se aplicou a esmola do Reverendo Prior de S. Pedro que he de tella branca guarnesida com passamane de ouro que custou vinte e tres mil e duzentos e quarenta rs. 23 V 240Despendeo com o feitio da alanpada de prata e com a que se acres-

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centou sincoenta e dous mil e quinhentos e sessenta s .... 52 V 560(fl. 187, apenso de 22 de Agosto de 1701):Termo de Promessa de huma Alampada de prata que dá para esta Confraria do Santissimo Sacramento o irmão o Capitão Francisco Car-dozo da Rocha (…) a qual já estava feita e acabada e a mandara pôr na igrª de São Tiago desta villa, sua freguezia, onde estava pera em a dita igreja alumiar o Santissimo Sacramento, porem que a dava a dita alampara para esta Confraria, com condição de estar actualmente na dita igreja de são Tiago, mas que sendo necessaria virá em qualquer hora ou ocazião pera os dias festivos desta Confraria…

Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Confraria do Santíssimo Sacramento (da igreja do Salvador de Torres Novas), 1685-1711.

DOCUMENTO Nº 21. 1700, 14 de agosto, Torres Novas. Contrato com Domingos Alves, mestre pedreiro, morador em Pombal, para fazer as casa da tribuna e demais obras da capela-mor da igreja de São Pedro.

Contrato que entre si fizeram o prior de São Pedro com Domingos Alves, em lhe dar de empreitada a obra da dita igreja.

Saibam quanto este publico instrumento de contrato de obra dada de empreitada de que ao diante se fará menção virem que no ano do nascimento de Nosso Senhore Jesus Christo de mil e setecentos anos, aos catorze dias do mês de Agosto do dito ano, nesta vila de Torres Novas, nas casas do Reverendo prior da igreja matriz de São Pedro desta dita vila, Dom Antonio Pinheiro, aonde eu tabelião ao diante no-meado fui, diante das testemunhas ao diante nomeadas e assinadas, de uma parte o dito reverendo Prior Dom Antonio Pinheiro, e da outra Domingos Alves, mestre pedreiro e morador que disse ser na vila de Pombal, pessoas conhecidas de mim, tabelião, e das mesmas teste-munhas, e por ele dito reverendo prior foi dito que ele tinha man(da)do fazer por sua conta somente na dita sua igreja a obra da capela-mor

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pêra haver nela de se fazer tribuna, e porque na dita obra de alvenaria, pedraria e cantaria lhe faltavam ainda algumas coisas para haver de ficar perfeita e acabada para nela se principiar a obra da tribuna, disse que por este publico instrumento estava havido e contratado com o dito Domingos Alves, mestre pedreiro, para haver de lhe acabar de aperfeiçoar a dita obra de alvenaria, pedraria e cantaria com adições e cláusulas seguintes, a saber, que ele dito Domingos Alves se obriga a fazer uma abobada de alvenaria para se assentar o camarim da dita tribuna em cima dela, ficando-lhe baixo da dita abobada uma casa com serventia para a dita capela mór, a qual casa será guarnecida de colher, e assim mais a dita abobada ladrilhada por cima de tijolo a encher, e outrossim fará o altar-mor apainelado por cima com seus pilares de pedraria repetindo os painéis da frente da dita capela, e o chão que fica dos degraus da capela-mor para cima e do altar para baixo será ladrilhado de tijolo com suas faxas de pedraria divi(din)do-se em painéis e dos pespiterios (?) para baixo levará uma sepultura no meio com suas sanefas de pedraria à roda, com seu ornato de betumes pretos, e litreiro em sima da dita sepultura com as armas do dito reverendo prior, e logo junto às sanefas da dita sepultura se seguirão outras sanefas a igualar as que ficam ao redor da capela, todos na igualdade, dividindo oito paineis ao redor da sepultura, os quais será cheios de tijolo de begunia rosado com seus fechos de pedraria no meio dos mesmos paineis, e outrosi os corredores que eram, um da capela-mor para a sacristia, e outro que vai da sacristia para a tribuna, serão ladrilhados de tijolo rosado na forma que se costuma, com os seus degraus que forem necessárias no corredor que vai da sacristia para a tribuna, feitos também de tijolo, e assim mais o portal de pedras que estão no dito corredor da tribuna se tirará para se por na casa que fica por baixo da tribuna, e em seu lugar se assentará outro para se pôr no mesmo lugar, e juntamente será obrigado o dito mestre de ajustar o lagedo que está no corpo da igreja junto à boca do carneiro da dita capela-mor com o degrau do arco cruzeiro, e assim mais será obrigado a fazer os dois altares colaterais de Nossa Senhora e de São Bento, de pedra e cal com suas lagens (sic) lavradas por cima e em cada um deles dois de-graus da mesma pedra lavrada que correspondam com os dos outros altares, e deixará dois vasos nas paredes dos ditos altares a modo de

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arcos conforme for necessário, etc. Testemunhas que foram presentes Manuel Nunes, barbeiro, e José de Abreu Leitão, ambos desta vila, que aqui assinaram nesta nota com eles partes e eu, Pedro de Sousa Seabra, tabelião, que o escrevi.

(aa) António Pimenta – Manuel Nunes Torres – Domingos Alves – Joseph de Abreu Leitão

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião de Torres Novas, fls. 91 vº a 92 vº. Inédito.

DOCUMENTO Nº 22. 1700, 6 de novembro, Torres Novas. Obrigação da Confraria de Nossa Senhora do Rosário da igreja do Salvador de Torres Novas com Manuel da Silva Monteiro, mestre entalhador, morador nessa vila, para fazer a obra da tribuna do retábulo da capela-mor dessa igreja, segundo modelo e risco por si fornecido.

Contrato de obrigação que fes a Confraria de Nossa Senhora do Rosário com Manuel da Silva para lhe fazer a tribuna.

Saibam quantos este publico estromento de contrato virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos annos aos seis dias do mês de Novembro do dito ano nesta vila de Torres Novas e casas de morada de, digo, na igreja do Sallvador dela, aonde eu tabelião ao diante nomeado fui, sendo ahi prezente em minha prezença e das testemunhas ao diante nomeadas e asig-nadas, de huma parte Matheus de Vasconcelos e Souza, juiz da Confraria de Nossa Senhora do Rosario e o escrivão dela Antonio de Abreu Leitão, e mais mordomos no fim deste asignados, e da outra parte Manoel da Silva Monteiro, oficial de entalhador, todos moradores nesta dita Villa, e pessoas conhecidas de mim, tabelião, e das mesmas testemunhas, e logo ali perante elas por eles ditos juiz, escrivão e mais mordomos foi dito cada hum per si e todos juntamente que eles estavam havidos e contratados com o dito Manoel da Silva Monteiro em elle haver de fazer no altar collateral da dita Senhora

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sito na dita igreja huma tribuna de obra de talha, a qual havia de ser perfeita pelo molde e risco que está feito em que eles ditos juiz, escrivão e mordomos e o dito Manoel da Silva Monteiro estavam asignados, pela qual disseram lhe davam sento e des mil rs pagos em a maneira e forma seguinte, a saber, ao fazer desta escreptura trinta mil rs que o dito Manoel da Silva Monteiro recebeu perante mim, tabelião, e as mesmas testemunhas, em dinheiro de contado, das moedas de ouro e prata correntes neste Reino, e outros trinta mil rs se obrigavam a dar-lhe e satisfazer no fim do mês de Maio do anno que vem, e vinte e sinco mil rs no fim do mês de Aguosto seguinte, e os outros vinte e cinco mil rs que ficam faltando pera a dita quantia dos cento e des mil rs tanto que a dita obra esteja feita e acabada, o qual disse o dito Manoel da Silva Monteiro se obrigava a fazer e obrar pelo dito risco e molde e dá-la feita e acabada por todo o mês de Setembro do ano que vem, pelo dito preço de cento e des mil rs, pagos e satisfeitos os pagamentos atrás declarados fazendo obra e pondo nella a (…) toda pera a dita obra de talha de madeira, etc. testemunhas presentes Joseph Antunes, alfaiate desta villa, e Antonio Lopes, moleiro, do Moínho do Pego, que asignaram nesta nota com as partes em os sete dias do dito mês e ano atras em a dita igreja em cabido da confraria, e eu, Pedro de Sousa Seabra, tabelião de notas, que o escrevi.

(aa) Matheus Vasconcelos e Souza – Antº de Abreu Leitão – M.el da silva morª – Antonio Fernandes – Pedro Lopes – Joseph Antunes – João de Azevedo – de Antº + Lopes.

Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 244 de notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião de Torres Novas, fls. 141 e vº. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 23. 1703, 12 de julho, Torres Novas. Contrato e obrigação do prior e beneficiados da igreja de São Pedro da vila de Torres Novas com Pedro Coelho Taborda, pintor e dourador, estante nesta vila, para pintar e dourar a tribuna dessa igreja, por 950.000 rs.

Contrato da tribuna de São Pedro que fizeram os testamenteiros do Reverendo Prior que foi da dita igreja com Pedro Coelho Taborda. Saibam quantos este público instrumento de contrato virem que

no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e sette centos e oito annos, aos vinte dias do mês de Julho do dito ano, nesta villa de Tores novas, casas de morada do padre Manoel da Costa Coelho, onde eu tabelião fui, estando ahi prezente em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas, de uma parte Gaspar Vieira da Costa (…) e da outra Pedro Coelho Taborda, dourador, pessoas conhecidas de mim, tabelião, serem os ditos, e pelo dito reverendo Padre Manoel da Costa Coelho foi dito que ele era testamenteiro do reverendo Prior que foi da igreja de São Pedro desta dita vila, dom António…, o qual se tinha contratado com o dito Pedro Coelho Taborda como mestre pintor e dourador, pêra lhe dourar a capela, digo, tribuna da capela mor da igreja de Sam Pedro e o dito prior mandou dourar em preço de nove centos e trinta mill rs, que se tinham ajustado, à conta dos quais o dito testamenteiro Gaspar Vieira da Costa entregou logo ao dito Pedro Coelho Taborda duzentos mil rs em dinheiro de oiro e prata correntes neste Reino, os quais elle recebeu perante mim, tabelião, e das ditas testemunhas, e disse dava quitação aos ditos testamenteiros e se obrigava a dourar a dita tribuna conforme a arte o manda de ouro mais subido, … e que as feguras que na trebuna estam e que for necessário encarnadas e estofadas … com a maior perfeisam que a arte pede, sendo tudo a contento do prior e beneficiados da dita igreja, como seus testamenteiros, e disse mais o dito Pedro Coelho Taborda que pega logo com a dita obra e, digo, athe de todo não acabar a dita tribuna, e que o mais dinheiro lhe irão dando os ditos testamenteiros pelo tempo adiante … Testemunhas que foram presentes, Manoel Lopes, e Manoel Jorge

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Raposo, e eu, Custódio Pimenta de Avelar, tabelião de notas nesta vila, que o escrevi.

(aa) Pedro Coelho Taborda – o Padre Manoel da Costa Coelho – Manoel Coelho da Costa – Manoel Jorge – Manoel Lopes

Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 247 de notas de Custódio Pi-menta de Avelar, António Ramos Preto e João Lopes Ferreira, Tabe- liães de Torres Novas, fls. 25 a 26 (documento muito arruinado). Inédito.

DOCUMENTO Nº 24. 1708, 10 de janeiro, Torres Novas. Obrigação do prior e beneficiados da igreja de São Tiago da vila de Torres Novas com Baltazar Cardoso, pintor, morador na vila da Chamusca, para que pintasse de brutesco os tetos da capela-mor e da nave da dita igreja, e outras obras de pincel no coro e na sacristia.

Contratto e obrigação que fes o prior e beneficiados da igrª de S. Tiago com Baltazar Cardozo pimtor.

Saibam quantos este publico estromento de comtrato e obrigação ou como em direito mais valer virem que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos e oito annos aos des dias do mes de Janeiro do dito ano, na igreja de Santiago destas dita villa, aonde eu, tabelião, digo, fui, estando ahi presente em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas, de huma parte o Doutor Antonio Ribeiro de Figueiredo, prior da dita igreja, e o beneficiado Agostinho Nogueira, e o beneficiado Manuel de Barros, beneficiados presentes e residentes na dita igeja, e da outra parte Bal-tezar Cardoso, pintor e morador na vila da Chamusqua, todos pessoas conhecidas de mim, tabelião, e logo pello dito Baltazar Cardoso foi dito a mim, tabelião, perante as ditas testemunhas, que ele estava ajustado e contratado com o dito reverendo padre e beneficiados pera haver de pintar a capella mor e arco da dita igreja, de pe, digo, de brutesco, e no meio da dita capella lhe pintase huma tarja com huma gloria de angios (sic) e sua cimalha de embotidos, e outrossim lhe haver de pintar o corpo da igreja também de brutesco com seus angos e festõis de flores

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e fructos e no meio huma targea (sic) grande e dentro nella o Apostollo Santiago a cavallo como se custuma pintar em simalha pintada que vão terminando (?) em roda, e assim mais se obriga a pintar o coro da dita igreja, grade e cadeira, e debaixo de brutesco e outrossim a escada do púlpito, portas e ginellas (sic), a qual obra toda estava contratado com o dito reverendo prior e beneficiados em lha haver de fazer em presso e quantia de sento e oitenta mil rs, dos quais se lhe darão logo oitenta mil rs para comprar os aviamentos pera a dita obra, e pelo tempo adiante se lhe irá dando o dinheiro necessário para e se obriga a dar acabada a obra de pintura da Capela e arco athe a somana Santa que embora virá deste presente anno de mil e setecentos e oito, e a do Corpo da igreja até dia de Santiago deste prezente anno, e se ficar por acabar alguma coisa de pintura do coro e portas da dita igreja, aqui se obriga a acabar de a acabar de pintar com toda a brevidade, e a tudo se obriga a pintar a olio com a perfeisão dada, e asi mais os dous presbitérios, e o portal da sancristia, e a porta (?) defronte della, dentro no tempo que hade dar a obra da pintura da dita capela, e em tempo algum não irá contra este contrato, e sendo cazo que a ele falte, poderão o reverendo prior e beneficiados meter oficial ou ofeciais à custa dele dito Baltazar Cardozo, a todo o preço escolhido para o efeito pelos pintores e ofeciais mais peritos que pareser, e o mesmo seja no caso, o que Deos não permita, que ele faleça ou adoessa, e se obrigua per si e seus erdeiros a este contrato, e não virá a elle com género algum de embargos e feito nem de direito, nem com alguma outra aução sem primeiro depozitar nas mãos do dito prior e beneficiados os ditos oitenta mil rs e o mais dinheiro que tiver recebido (…). Testemunhas que foram presentes, o padre Manoel da Costa Pinto, e o padre Andre Lopes, e o padre Manoel Ribeiro, todos desta villa, que todos aqui asignaram nesta nota com o dito prior e beneficiados e o fiador e com o dito Baltazar Cardoso, e eu, Alberto da Silva, tabelião, que o escrevi.

(aa) o Prior Amtº Ribeiro de Figueiredo – Balthezar Cardozo – M.el de Barros Coelho – o Padre Andre Lopes de olivrª – o Pe Manoel da Costa Pinto – o Pe Manoel Ribeyro.

Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 253 de notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas, fls. 71 vº a 72 vº. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 25. 1711, 4 de junho. Contrato da Confraria de Nossa Senhora de Monserrate da Meia Via com António João, pintor e morador, morador em Torres Novas, para pintar a tribuna dessa igreja.

Contratto que entre si fizeram o juiz e mordomos da Confraria de N. Srª do Monserrate com Antº João.

Saibam quantos este público estromento de contrato, obrigação e fiança e aceitação ou como em direito mais valer e firme for virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e setecentos e onze anos, aos quatro dias do mês de Julho do dito ano, nesta vila de Torres Novas, e casas de morada de mim, tabelião, sendo ahi presentes em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e asignados, de uma parte Antonio Rodrigues, juiz da Confraria de Nossa Senhora de Monserrate sita no lugar de Meia Via, e da outra António João, pintor e doirador, morador nesta dita vila, pessoas conhecidas de mim, tabelião, e logo ahi pelo dito juiz, escrivão e mordomos foi dito que em seu nome e dos mais membros da dita confraria estavam havidos e contratados com o dito Antonio João, doirador, em lhe haver de doirar a tribuna da capella da dita igreja, por cuja obra se obrigavam a lhe dar e satisfazer sento e sessenta e cinco mil pagos na maneira seguinte, a saber, no principio da obra vinte e sete mil rs cuja quantia o dito Amtº João confessou estar já entregue deles, e no fim de Agosto deste presente ano lhe darão trinta e três mil rs, e por dia de São Martinho deste presente ano vinte mil ser no fim da dita obra estando perfeitamente acabada se obrigam por si e pelos mais lusequentes (sic) em nome da dita confraria a lhe satisfazer o resto que faltava para a dita quantia de cento e sesenta e cinco mil rs, etc. Testemunhas que foram presentes, Joseph Alvares da Silva e Ma-nuel Gonçalves, barbeiro, ambos desta vila, que aqui asignaram nesta nota, e eu, Alberto da Silva, tabelião, que o escrevi.

(aa) de Antº + João – Antonio Soares – Mel francº Arquivo Distrital de Santarém, Lº 260 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas, fls. 16 vº a 17. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 26. 1722, 17 de abril, Torres Novas. Contrato do juiz da Confraria de Santa Luzia da igreja do Salvador de Torres Novas com Manuel Ferreira, entalhador, sobre o retábulo desse altar.

Contrato que fez o juiz e escrivão da confraria de Santa Luzia com Manuel Ferrª entalhador.

Em nome de Deus, Amen. Saibam quantos este público instrumento de contrato e obrigação de obra e do mais de que ao diante nomeado e asignado ao diante se fará menção virem, que no ano do nascimen-to de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e settecentos e vinte e dois anos, em os dezassete dias do mês de Abril do dito ano, nesta villa de Torres Novas, e casas de morada de mim, tabelião, aonde ahi sendo prezente em minha prezença e das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas, de huma parte o reverendo Beneficiado Luis Antonio de Lima, como juiz da Comfraria de Santa Luzia, e bem assim o Reverendo Padre João Lopes de Oliveira, escrivão, e da outra parte Manuel Fer-reira, mestre entalhador, morador nesta dita villa, pessoas conhecidas de mim, tabelião, e das testemunhas, e pelo dito juiz e escrivão foi dito que eles estavam havidos e contratados com o dito Manoel Ferrª em lhe fazer hum retabollo de madeira de castanho seco para o altar de Santa Luzia que está na igreja do Salvador, feito em correspondência e na mesma forma em que está o de Nossa Senhora do Rozario da dita igreja, e o fará antes das festas (?) de Santa Luzia, que he a principio de Dezembro que vem deste prezente ano, por preço de noventa mil rs, e logo ao fazer desta escretura recebeu o dito Manoel Ferreira da mão do dito escrivão perante mim, tabelião, e das ditas testemunhas, dezanove mil e duzentos rs, e a mais quantia lhe darão o dito juiz e escrivão e lhe irão dando todas as vezes que o forem cobrando das pessoas que o tem prometido, em forma que acabando de asentar o dito Retabolo esteja satisfeito da dita quantia e se obriga a ter satisfação, sem falta alguma, e logo pelo dito Manuel Ferrª foi dito que ele se obriga a pôr o dito Retabolo no tempo declarado, feito de madeira de castanho seco e feito na mesma forma que o de Nossa Senhora do Rozario, e com mais hum sacrário na forma que está o do altar de Sam Bras da igreja de Santiago, e mais duas peanhas entre as colunas, de que

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tudo se obriga a fazer da mesma forma, etc. Testemunhas presentes o Padre Antonio Martins, irmão de mim, tabelião, e Francisco da Rocha, da dita vila, filho de João da Rocha, que aqui asignaram com os ditos outorgantes, e eu, Hylario Roiz Martins, tabelião, o escrevi e asignei.

(aa) Hylario Roiz Martins – O Bem.dº Luis Antº Lima – o padre João Lopes de Oliveira – Manoel ferreira – Francisco + da Rocha – Padre Antonio Martins.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martin, Tabelião de Torres Novas, fls. 129 vº a 130. Inédito.

DOCUMENTO Nº 27. 1722, 15 de maio, Torres Novas. Contrato com Luís da Silva, mestre pedreiro, de Lisboa, para fazer as obras de pedraria da igreja de São Pedro de Torres Novas.

Escritura de obrigação da obra da igreja de São Pedro da dita vila que faz Luis da Silva morador na Cidade de Lisboa.

Em nome de Deus Amen. Saibam quantos este publico instrumen-to de obrigação de que adiante se fará menção virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e setecentos e vinte e dois anos, em os quinze dias do mês de Maio do dito ano, nesta vila de Torres Novas, e cazas de morada do Reverendo Padre Manoel de Figueiredo e Oliveira, vigário da vara nesta dita vila, aonde eu, tabelião, fui estando ahi prezenteem minha prezença e das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas de huma parte o dito reverendo vigário, e da outra parte Luís da Silva, morador na Cidade de Lisboa Ocidental, a Santa Catherina do Monte Sinai, mestre pedreiro, e logo pelo dito Reverendo vigário foi ditto que por provizão de Sua Illustrissima do Reverendo Cabido da Se de Lisboa Oriental era administrador da obra da igreja de Sam Pedro desta vila e a mandara pôr em praça publica para arrematar a mais baixa, e porque era menor lanço a mandou arrematar ao dito Luís da Silva, mestre pedreiro, na forma dos apon-tamentos, assim obra de pedreiro como de carpinteiro, que são na

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forma seguinte, a saber: Primeiramente, um portal na porta principal de pedra de Alcanede, com seus alizares da maior altura que se puder meter, e a largura conforme a arte pede, com ombreiras e verga de muxeta sanquiltiadas (sic), e o frizo refendido, simalha costumada, frontespiçio como o pórtico da Ermida de Nossa Senhora da Luz, desta villa, com sua pedra que torneje com as armas de Sam Pedro e cruz, e as ombreiras na aresta principal, com hum redondo e de filhete (sic), e a largura das ombreiras será conforme a altura, e as-sim mais oito frestas lizas com seus alizares e grades de ferro, tudo isto de pedra de Alcanede. Item, mais a torre do sino levantada e a parede da empena redeficada, donde não estiver segura. Item, mais a simalha da parte da rua será de pedraria da terra e cada quintal de tijolo, com mais obrigação de fazer toda a obra forlecita (sic) de paredes de faltam por acabar reboucos de guarnições por dentro e por fora, e tilhados de todo o corpo da igreja. Item, mais subarrematou toda a obra pertencente ao oficio de carpinteiro, na forma seguiinte: acabará de emadeirar a dita igreja forrada de guarda pó de pinho de Leiria e furtados emadeiramentos de ripa, tudo de castanho. Item, mais fará o forro da dita igreja de cambotes com volta redonda liza e juntas de grates (?), tudo com sua cimalha real resoltiada, andan-do toda em madeira de pinho de Flandres, e costuras (?) de Leiria. Item, mais o coro da dita igreja será ligado de carvalho e forrado de pinho de Flandres e do mesmo pinho forrado por baixo, apainelado, e as grades do coro por três (…) e caleiras na forma em que está a de Santiago, que será por caleiras de pinho de Flandres. Item mais a porta principal e a travessa serão feitas de pão de angelim refen-didas, digo, de angelim (…) muito bem feitas, etc, testemunhas que foram presentes João Ferreira e Filipe Ignacio, ambos criados do dito Reverendo Vigário, que aqui asignaram com os ditos outorgantes, e eu, Hylario Roiz Martins, tabelião de notas, que o escrevi e asignei.

(aa) Hylario Roiz Miz – Luis da Silva – M.el de Fig.dº e Olivrª.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 192 vº a 194. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 28. 1724, 24 ou 27 de maio, Torres Novas. Contrato para a reconstrução da igreja matriz de Alcanena com Simão Coelho, mestre pedreiro, segundo traças de António Baptista Garvo.

Escreptura de contrato que fazem os eleitos e juiz da igreja abaxo nomeados da freguezia do lugar de Alcanena em nome de todos os fregueses da dita freguesia a Simão Coelho, mestre pedreiro, e mora-dor na vila de Santarem, e os mais companheiros abaxo asignados.

Saibam quantos este publico estromento de escreptura de contrato e do mais que ao diante se fará menção firme e por força virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e sete-centos e vinte e quatro anos aos vinte e sete dias do mês de Maio do dito ano, neste lugar de Alcanena, termo da dita villa de Torres Novas, e casas de morada do reverendo padre João Jorge Frade, aonde eu, tabelião, fui estando ahi presentes em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas, de huma parte os eleiteiros (sic) e juiz da igreja, a saber, os eleitos João Fernandes e bem assim João Jorge, carpinteiro, morador no dito lugar, e bem assim Pedro João do lugar da Raposeira, João Luis da Godaria, e Antonio Jorge, prior do lugar das Moitas de Cima, todos eleitos desta freguesia, e bem assim Antonio Amaro, juiz da dita igreja, e da outra parte Simão Coelho e seus companheiros Manuel Gomes, Manoel dos Santos e Manoel Ferreira, todos oficiais de pedreiro e moradores em a villa de Santarem, e logo pelos ditos eleitos e juiz foi dito que por este publi-co instrumento estavam havidos e contratados com os ditos Simão Coelho e seus companheiros Manoel Gomes e Manoel dos Santos e Manoel Ferreira em lhe haver de dar as obras que os ditos freguezes querem fazer na igreja da dita freguesia, que vem a ser a que consta do acrescentamento da dita igreja na forma de hum Risco que veio feito por Antonio Bauptista, filho do mestre da obra de Mafra, e assim mais serão os ditos impreiteiros obrigados a acrescentar a igreja do nível donde ora está assentado o frichal (?) em roda os palmos que pedir a cimalha real, com toda a empena que for necessário no arco cruzeiro, e assim mais serão eles ditos impreiteiros obrigados a fazer huma capella em correspondência da que está hoje na dita igreja, a qual hé

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a das almas, e assim mais huma bacia do púlpito com seu cachorro de quartão, e seu portal, e toda esta obra háde ter de portaria, digo, háde ser de pedraria, com todas as proporçõis necesárias, e assim mais huma sancristia que terá vinte e sinco palmos em quadro cujo altura da parede será de cinco palmos e meio, e o pée direito da dita sancrestia assentará a imposta dois palmos porticada e seu lavatório e hum portal pera o corredor da serventia da torre, e o corredor será de todo o comprimento que for necessário, e todos os tilhados e rebocos que forem necesários à dita igreja na obra nova que se fizer na dita igreja, serão eles ditos impreiteiros obrigados a fazer assim tambem as janellas de pedraria lavrada e escada de oito palmos de alto e quatro de vam, com seus alizares, e por de dentro com o rasgamento que se costuma usar a qualquer porta, e assim mais duas colunas com seus pedestais e seram da ordem dóriqua, e o pé direito dela será o que pedir o coro e encostado às paredes para correspondência aos capi-téis das colunas, e será na mesma forma, e assim mais serão eles, impreiteiros, obrigados a mudar o arco da pia baptismal e a mesma pia com o almario (sic) dos santos olios a qual ficará debaixo da torre e os rebocos que forem necessários fazer na forma acima dita seram de pardo e branco (sic), como juntamente farão eles ditos impreiteiros as serventias para tais taboleiros que para a dita torre for necessário do que tocar a seu oficio, cujas obras assim ditas tomaram e se obri-garam, a fazer por preço e quantia de trezentos e noventa e sinco mil rs pelo que for de suas mãos somente, e o mais necessário tanto de materiais como de serventes será tudo por conta da dita igreja, etc. Testemunhas presentes o Padre João Jorge Frade, e o padre Bernardo Monteiro, ambos do dito lugar, que asignaram nesta nota com os ditos juiz e eleitos, e eu, Francisco Pimenta do Avelar, tabelião, que o escrevi.

(aa) Simão Coelho – Mel dos Santos – Mel gomes – Mel + ferrª – o Padre Bernardo Montrº - o Padre João Jorge Frade – do eleito + Antº Jorge – João luís.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 159 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo-Branco, Tabelião de Torres Novas, fls. 42 a 44. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 29. 1724, 30 de junho. Referência às obras do retábulo e imagens do altar de São Bento na igreja de São Pedro de Torres Novas.

Contrato que fizeram os irmãos e provedor da Santa Casa da Mi-sericordia com o juiz e oficiais da Confraria de Nossa Senhora da Piedade do Valle desta villa.

Em nome de Deus amen, saibam quantos este publico instrumento de contrato de como erm direito mais valer e firme for virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e setecentos e vinte e quatro anos, aos trinta dias do mês de Junho do dito ano, nesta vila de Torres Novas, e casa do despacho da Santa Casa da Misericordia desta vila, aonde eu, tabelião, fui, e sendo ahi presen-tes em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas, de huma parte o Provedor e irmãos da dita Santa Casa da Misericordia, todos abaixo assinados, e da outra parte estavam presentes o juiz e escravos da confraria de Nossa Senhora da Pie-dade sita na Irmida de Nossa Senhora do Vale desta dita vila, todos pessoas conhecidas de mim, tabelião, e das ditas testemunhas, e logo pelo Provedor e mais irmãos da dita Santa Casa foi dito que eles eram administradores da Confraria de São Bento sita na igreja de São Pedro desta mesma vila, donde tem hum altar sem ornato nem Retabolo algum, e o juiz e escravos da dita confraria de Nossa Senhora da Piedade o querem ornar e nele fazer huma tribuna nova pêra nella colocarem a imagem de Nossa Senhora do Socorro, que é da administração da dita confraria de Nossa Senhora da Piedade, para o que fizeram petição para ao provedor e irmãos da dita Santa Casa da Misericordia para lhe concederem licença para no dito altar fazerem a dita obra, e colocação neste altar, por se achar destituído de todo o ornato, em que a dita casa da Misericordia fica com a con-veniência de não fazer despesas no dito altar, a que era obrigada, concedem licença ao dito juiz e escravos da Piedade para que possam fazer a dita obra e administrassem o ornato do dito altar, etc. sendo testemunhas presentes João Lopes, armador da dita Santa Casa da Misericordia, e Domingos de Lemos Ferreira, requerente da dita Santa

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Casa, que aqui assinaram nesta nota…, e eu, Francisco da Rocha, Tabelião, o escrevi.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 283 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo-Branco, Tabelião de Torres Novas, fls. 156 vº a 157 vº. Inédito.

DOCUMENTO Nº 30. 1724, 12 de agosto, Torres Novas. Contrato com Manuel Ferreira, mestre entalhador, para fazer a tribuna do retábulo da capela-mor da igreja de São Tiago de Torres Novas, imitando a de São Pedro dessa vila.

Contrato que fizeram o Reverendo Prior e beneficiados da igreja de Santhiago com Manoel Ferrª entalhador desta villa.

Em nome de Deos Amen, saibam quantos este publico estromento de contrato de obra virem que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos e vinte e quatro anos, aos doze dias do mês de Agosto, nesta vila de Torres Novas, em a sacrestia da igreja de Santiago desta villa, onde eu, tabelião, fui, estando ahi presente em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas, de huma parte o reverendo prior da dita igreja, padre Faustino Lopes do Lavre, e bem (assim) os beneficiados da dita igreja, todos abaixo assinados, e da outra parte estava presente Manoel Ferreira, mestre entalhador e morador nesta dita villa, todos pessoas conhecidas de mim, tabelião, e das ditas testemunhas, e pelo dito reverendo prior e mais beneficiados da dita igreja foi dito que eles estavam avindos e contratados com o dito Manoel Ferreira pêra este lhes aver de fazer huma trebuna pera a capella maior da igreja de santhiago, a saber, pela maneira seguinte, a qual trebuna se tinham ajustado que seja da imitação e da sorte que está a da igreja de São Pedro desta villa, ou milhor se puder ser, a qual será de pao de castanho muito bom, e a trebuna muito acabada com tudo o que lhe for necessário, a qual tre-buna será obrigado o dito Manoel Ferreira a têla posta, feita e acabada por dia das quarenta horas (sic), principio da Quaresma do ano que embora háde vir de mil setecentos e vinte e seis (sic), e que faltando

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ao dito tempo perderá o dito mestre da dita obra dés moedas de ouro, a saber, tudo por preço a dita obra da dita Trebuna de trezentos mil rs em que está ajustado para o que serão ele, dito Prior e beneficiados obrigados a darem e entregarem a metade da dita quantia que são cento e cinquenta mil rs por dia de Natal que vem deste presente ano de mil setecentos e vinte e quatro, com tal condição que será do dito mestre, e os outros cento e cinquenta mil rs serão pagos em dois pagamentos, hum no meio da dita obra e outro no fim dela, tudo sem falta alguma, etc, sendo testemunhas presentes Manuel Bautista e o reverendo Padre Manuel da Costa Pinto…, e eu, Francisco da Rocha, tabelião, que o escrevi.

(aa) Bndº Antº Ribrº de Figueiredo – o Prior Faustino Lopes de Lavre – Manoel ferreiras – o Padre Christovão Ferreira Leytão – o Padre Manoel da Costa Pinto – Manoel Baptª – francº da Rocha.

Arquivo Distrital de Santarém, Lº 284 de Notas de Hilário Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 6 vº a 7 vº. Inédito.

DOCUMENTO Nº 31. 1730, 3 de fevereiro, Torres Novas. Contrato da Confraria do Santíssimo Sacramento da igreja do Salvador com Manuel Ferreira Lisboa, pintor, para executar a pintura do teto da Sacristia nova dessa igreja.

Contratto que fez Julião Pedro de Figueiredo, escrivão da Confraria do Santíssimo, com Manuel Ferrª Lisboa. Em nome de deus Ámen, saibam quantos este instrumento de

contrato amigável de obra virem que no ano do nascimento de Nosso senhor Jesus Christo de mil e sette centos e trinta anos, em os três dias do mês de Fevereiro do ditto anno, nesta villa de Torres Novas, em cazas de morada de mim, tabelião, aonde fui e apareceram em minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e asignadas, de huma parte Julião Pedro de Figueiredo, escrivão da Confraria o Santíssimo Sacramento sita na igreja do Salvador desta villa, e da

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outra parte Manoel Ferreyra Lisboa, ora assistente nesta ditta vila, pessoas conhecidas de mim, tabelião, e das ditas testemunhas, e pelo dito Julião Pedro de Figueiredo foi dito que ele, com os mais eleitos da dita confraria, estava ajustado e contratado com o dito Manoel Ferreira Lisboa para que o dito Manoel Ferreira Lisboa pintasse a sancristia nova da ditta confraria, a saber, o tecto pintado a óleo de alvahyde e no painel do meio huma traja (sic) com huma Custodia de oiro e em roda huma gloria de Sarafins e dois Anjos vestidos de roupas (…) e sinco meninos, e nos quatro paineis (pintará) quatro tarjas de folagem (sic) com seu oiro com as plumas do Sacramento, e as molduras atar-tarugadas (sic) e os vivos dos paineis da parte de dentro dourados e faxas asuis metidas de claro e amarelo, os quatro florõis vestidos de folhagem com cabecinhas de oiro, tudo na forma dos apontamentos, tudo feito por todo o mês de Abril que vem deste prezente anno, o que tudo se obriga elle dito outrogante a fazer na forma asima declarada aqui, e se obriga a dar cumprimento, e faltando o poderão obrigar, tudo pelo preço de vinte e quatro mil rs, e ao fazer desta notta recebeo o dito outorgante doze mil rs e os restantes doze mil rs se lhe darão no fim da dita obra… Testemunhas presentes Carlos Mendes de Castro, surgião, e Francisco Lopes Pereira, e eu, Hilário Rodrigues Martins, tabelião, que o escrevi e asignei.

(aa) Hylario Roiz Martins – Julião Pedro de Figueiredo – Manoel Frrª Lxª – Joseph Maurício Ferrª – Francisco Lopes perª – Carlos Mendes de Castro. Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 297 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de Torres Novas, fls. 25 e vº. Inédito.

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DOCUMENTO Nº 32. 1749, Torres Novas. Despesas feitas com Bernardo Delgado Valente, pintor de Torres Novas, por obras na sala do despacho e igreja da Misericórdia.

Obras que esta Santa Caza faz.

Em 3 de Junho de 1749 despendeo o irmão thezoureiro com Ber-nardo Delgado, pintor desta villa, sinco mil e duzentos e oitenta rs de pratear as e pintar e engeçar os dois altares colaterais desta Santa Caza e de como os recebeu assinou.

(a) Bernardo delgado valente

Despendeo mais com bernardo Delgado pintor que pintou a Casa do Despacho por seu Pai Manoel delgado, pintor, se ausentar e não fazer a obra que lhe estava encarregada, depois de receber dous mil cento e sessenta rs e com ela devendo a esta Casa, e se deu ao dito bernardo Delgado, que os recebeu.

(a) Bernardo delgado

Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa da Misª, 1748-1749 (nº 94), fl. 175 vº. Inédito.

DOCUMENTO Nº 33. 1752, Torres Novas. Despesas feitas com Bernardo Delgado Valente, pintor de Torres Novas, por obras na Capela do Senhor Jesus dos Lavradores em São Tiago.

Dispendeo o irmão thesoureiro do dinheiro João de Barros da Silva nove mil e seiscentos rs com Bernardo Delgado, pintor desta vila, à conta da Capela do Senhor Jesus do Bom Despacho desta Santa Casa (capela estante na igreja de São Tiago) e três milheiros de Ouro a razão cada hum de três mil e duzentos rs, e de como recebeo a dita quantia asignou.

(a) Bernardo Delgado

255

Dispendeo o irmãm thesoureiro do dinheiro João de Barros da Sil-va nove mil e seiscentos rs com Bernardo Delgado, Pintor desta vila, pela conta e mais outros três milheiros de Ouro, e de como recebeu asignou aqui e o dito thesoureiro de que ficava por seu fiador e geral pagador a tudo.

a) Bernardo delgado valente

Dispendeo mais o irmão thesoureiro do dinheiro ao pintor Bernardo Delgado de engeçar a Tribuna do Senhor Jesus do Bom Despacho seis mil rs e de como os recebeo asignou.

(a) Bernardo Delgado

Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa da Misª, 1752-1753 (nº 94), fl. 147 vº e 196. Inédito.

DOCUMENTO Nº 34. 1758. Descrição das igrejas matrizes de Torres Novas segundo as ‘Memórias Paroquiais’ do Reino.

Igreja do Salvador – notas do padre Manuel Veríssimo Margalho: (vol. 37, pp.749-752)

(…) Seu orago he São Salvador e se festeja no dia da admiravel Ascenção de Nosso Redemptor. Esta edificada em hum alto que a faz ser alegre, della se sobe por alguns degraus ate se dar em hum for-moso taboleiro calçado de meudo seixo, e delle se sobe para a igreja por hum degrao. He a Igreja so de huma nave com bastante grandeza (antigamente teve tres naves que então devião de ser muito estreitas), he azulejada com suas portas a principal ao poente e a segunda ao Norte com sua Capella-Mor he abobadada com seus balsores, huma larga e bem feita cimalha com hum magnifico cerco de pedraria lavrada cuja obra pello livro dos obitos da mesma que servio no anno de mil seiscentos trinta e outo consta ser mandada fazer esta Capella Mor pello Prior Diogo Vaz Velles que da Igreja da Villa de (…) foy promo-

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vido nesta. As paredes desta mesma Capella mor se observão feitas de pedras lavradas com umbreiras e bazes que pella forma se verifica terem servido em edifício antigo Nascente das costas da mesma Ca-pella mor em cada huma das partes junto ao telhado se ve um busto ou cabeça de pedra coroada como por modo de coroa ou diadema a maneira dos bustos que se punhao aos Imperadores Romanos. Tem a capella mor sua tribuna de talha dourada e no arco da mesma tribuna hum painel e nelle pintado com o primorozo pincel do grande Bento Coelho o admirável Mistério da Ascenção que mandou a sua custa fazer o Beneficiado João Dias do Avellar. Da parte da Epistolla lhe fica a sancrestia que foy como já se disse a ermida de São Jorge cuja alem de sua casa própria teve altar nesta igreja. Da parte do Evangelho (…) a Sanchrestia e a Casa do Despacho da Confraria do Santissimo Sa-cramento e da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e a cerventia para o púlpito. Na capella Mor festejão todos os domingos do anno, digo, todos os terceiros Domingos do anno ao Santíssimo Sacramento, e fazem com muita grandeza e dispendio e (…) das quarenta horas e festejão ao mesmo Senhor na Dominica Octana infra Corpus Christi com sua Procissão geral Esta Irmandade he muito antiga nesta igreja (…). Tem esta capella mor no arco suas grades de pao preto torneadas que servem de cummungatorio. De fora das grades da banda da epistolla tem hum altar e nelle huma trebuna dourada; e em hum nicho dentro de huma cristalina vidraça huma prefeitissima Imagem de Nossa Se-nhora com o titulo do Rosario que tem sua confraria que se compõem de Juiz Escrivão outo Mordomos e com grande numero de confrades, e com poucas rendas que ainda e muito os annuaes dos confrades esta Sagrada Imagem festejam os irmãos em o Primeiro Domingo de Mayo e o Juiz da Confraria em o Primeiro Domingo de Outubro. Da mesma esta huma capella muito pobre que algum tempo estava funda que instituio com missa cotidiana Anna Simoa mulher de Diogo (…) Cavaleiro da Ordem de Cristo e fidalgo da Casa de Sua Magestade e no pedestal do arco tinha o letreiro seguinte Capella de Anna Simoa com Missa Cotidiana por sua alma faleceo em Mayo de 1604. De fora das grades da parte do Evangelho tem hum altar com sua tribuna de talha dourada e neste huma antiga imagem de Santa Luzia que no seu dia se festeja por devotos. Da mesma parte em huma primoroza tribuna

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de talha dourada esta huma imagem de São Francisco de Paula que mandou fazer o Reverendo Prior António de Macedo e Silva, Freyre Conventual do Real Convento de Santiago de Palmella, Apostolico de sua Santidade, e com esmollas dos fieis se fez esta primuroza tribu-na. O santo Resplandece com muitos milagres E no mesmo altar esta huma imagem do príncipe dos Patriarcas São Bento que mandou fazer Jorge de Mesquita e no peito em huma nomina duas relíquias huma de Santa Ana e outra de Santa Maria Magdalena que forão da Sere-níssima Infanta que deu a Senhora Dona Catherina como consta da autentica que esta no Cartorio e no mesmo altar outra imagem de São Benedicto. Também nesta Igreja ha a Imagem do Salvador que exta junto ao sacrário. E huma do Santíssimo Patriarca o Sagrado Espozo da Santíssima Virgem Maria o Senhor São Joze. Tem esta Igreja seu coro, pia bautismal, torre com sinos. He só de huma nave forrada e apaynellada sem ser pintada (…).

Igreja de São Tiago(vol. 37, pp. 823-825):

(…) He orago da dita Igreja o Apostolo Santiago Maior, tem sete altares o maior em que se venera Santiago Maior, Sam João Evange-lista e Cristo Ressuscitado Nossa Senhora, e Sam Jozé, em imagens de vulto, da parte do Evangelho se venera em hum altar Sam Brás em imagem de vulto e huma relíquia do mesmo santo, que obra muitos milagres, no segundo altar se venera Sam Miguel Arcanjo, e no terceiro a Rainha Santa Isabel, ambas imagens de vulto. Da parte da Epistola se venerão no primeiro altar três imagens de vulto de Sancta Catherina Doutora, Santa Marta e Santo Amaro, no segundo Altar se adora huma imagem prodegioza de Cristo Cruceficado, e no terceiro Nossa Senhora da Consolação, todas Imagens de Vulto. Na dita Igreja de Santiago se venera a Sagrada Imagem de vulto de Christo Cruceficado, com o titulo do Senhor Jesus imagem mui antiga e venerada, e muito milagrosa à qual recorrem a villa, e povos vezinhos, e ainda distantes em todas suas necessidades publicas e particulares recebendo sempre despa-chos nas suas petiçoens principalmente nas necessidades publicas, e a vezitão frequentemente os devotos todos os dias principalmente nas

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sestas feiras de todo o anno. A Imagem e relíquia de Sam Brás que há na mesma Igreja faz e obra repetidos milagres, e um grande concurso na Vespora e dia em que se celebra a sua festa.

Igreja de São Pedro (vol. 37, pp. 850 e segs):

(…) Tem esta igreja sete altares a saber da parte do Evangelho, quatro: de Nossa Senhora da Conceição, o altar do Senhor Sam Joze, o altar das Almas, o altar do Senhor Jesus e da parte da Epístola dois o altar de Sam Bento e o altar de Nossa senhora da Saudade, e a capela mor que a sua custa a mandou fazer o Doutor Dom Antonio Pimenta, Prior que foy da dita Igreja. Tem tambem esta igreja quatro capellas todas com capelães efectivos e dois com obrigação de coro: a primeira e mais antiga a do Padre Martins Vaz (…) que foi na dita Igreja que foy instituída no tempo do Senhor Rey Dom Fernando a segunda a que instituhio Dom João Rodrigues Pimentel, mestre que foy de Avis. A do Senhor Jesus que instituhio o vigário Joze Cardozo e a do Senhor Sam Joze instituhio o Benefeciado João Rodrigues Rogeiro. E há nesta igreja sóo a confraria das Almas governada por Juiz Escrivão e Thezoureiro, toma conta desta confraria o Provedor da comarca de Santarem e tem dois capelães de mica cotediana. He a dita Igreja de três naves.

A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 37.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

261

FONTES DOCUMENTAIS

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263 Os livros com o nº de ordem 3 e 6 são de notas dos Tabeliães André Freire e Baltazar Correia; o nº 17 é de notas de André Freire e Filipe da Fonseca, e o nº 17-A de André Freire e António Freire de Sousa.

262

– Notas de Aleixo Fernandes Monteiro, livros 18 (1603) a 31 (1610).– Notas de Filipe Sanches, livros 32 (1611) a 35 (1617).– Notas de Domingos Freire Leal, livro 36 (1618) a 51 (1626)

264.

– Notas de Francisco de Almeida, livros 52 (1627) a 69 (1646) 265.– Notas de Martim Pimenta de Avelar, livros 70 (1648) a 110 (1678).– Notas de Domingos de Moura de Matos, livros 111 (1678) a 122 (1689).– Notas de Custódio Pimenta do Avelar, livros 123 (1690), 129 (1694),

132 (1695), 133 A (1697), e do nº 134 a 150 (1718).– Notas de Bernardo Veloso do Bivar, livro 124 (1690).– Notas de Manuel de Figueiredo de Oliveira, livro 125 (1690) a 128 (1692).– Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo Branco, livros 151

(1719) a 190 (1746) 266.– Notas de Francisco Pimenta do Avelar Castelo Branco, livros 159

(1725) a 184 (1742).– Notas de Pedro e Sousa Seabra, nº de ordem 244 (1700) a 245 (1702).– Notas de António Ramos Preto, nº ordem 246 (1703).– Notas de João Lopes Ferreira, nº ordem 247 (1703) a 248 (1704).– Notas de Manuel da Costa Oliveira Lobo, nº ordem 249 (1705).– Notas de Manuel Mendes Ferreira, nº ordem 250 (1706) a 253 (1708).– Notas de Alberto da Silva, nº ordem 254 (1708) a 262 (1714).– Notas de Pedro Nunes Ferreira, nº ordem 263 (1714) a 263 A (1715).– Notas de Hilário Rodrigues Martins, nº ordem 263 B (1716) a 283

(1724), 284 (1725) a 297 (1730), 300 (1731) a 305 (1732) 267.– Notas de Luís Teixeira de Figueiredo, nº ordem 298 (1730) a 299 (1731).– Notas de Martim Pimenta do Avelar, nº ordem 308 (1733) e 309 (1734).– Notas de Miguel da Silva, nº ordem 310 (1736) a 331 (1747).

264 O livro de ordem nº 38 é de notas dos Tabeliães Aleixo Fernandes Monteiro e Domingos Freire Leal.265 Os livros 57 (com James de Gouveia, 1631), 60 (com Manuel Fraião, 1635) e 64 (com Manuel Lopes, 1639) incluem cadernos de outros notários integrados na série do Tabelião Francisco de Almeida. 266 A série deste notário tem intromissões de cadernos dos Tabeliães Francisco Pimenta do Avelar e António José da Fonseca. 267 Os livros 283 (1724) e 284 (1725) são entremeados com notas de Francisco da Rocha.

263

Arquivo da Universidade de Coimbra (A.U.C.):– Lº 69 de Notas de António Martins, Tabelião de Coimbra, 1578.– Lº 15 de Notas de Agostinho Maldonado, Tabelião de Coimbra, 1620.

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