APOSTILA IED PARTE 1 2015-1

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©PROFESSOR EDSON PIRES DA FONSECA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO APOSTILA PARTE I ©Prof. Edson Pires da Fonseca 1 PARIPIRANGA/2015-1 1 Professor do Colegiado de Direito da Faculdade AGES ([email protected]).

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©PROFESSOR EDSON PIRES DA FONSECA

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

APOSTILA PARTE I

©Prof. Edson Pires da Fonseca1

PARIPIRANGA/2015-1

1 Professor do Colegiado de Direito da Faculdade AGES ([email protected]).

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO (2015-1) – APOSTILA I

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INTRODUÇÃO

Caríssimas e Caríssimos, esta Apostila tem por objetivo auxiliá-los na compreensão e estudo de parte

do conteúdo da disciplina Introdução ao Estudo do Direito. Espero que lhes seja útil!

Cabe à Introdução ao Estudo do Direito, IED, propiciar ao ingressante nas letras jurídicas o primeiro

contato com o Direito, proporcionando visão panorâmica do conhecimento jurídico. É nela também que alguns

conceitos e teorias fundamentais para a compreensão do direito, tais como: direito positivo, subjetivo, norma

jurídica, ordenamento jurídico, fontes do direito, positivismo jurídico, jusnaturalismo, pós-positivismo, dentre

outros, são trabalhados.

Este material deve ser utilizado apenas como roteiro de estudos, linhas introdutórias, não substituindo

as referências bibliográficas indicadas no Projeto de Curso, bem como nas notas de rodapé da própria Apostila.

Apesar da aparente simplicidade dos temas aqui tratados eles envolvem, muitas vezes, alguns dos

mais complexos problemas da filosofia e da teoria do direito, tal como a tentativa de definir o direito. Ressalta-

se, novamente, que as pretensões deste material são meramente didáticas, ocupando-se mais em trazer noções

e ideias gerais sobre alguns institutos jurídicos abordados pela doutrina do que em criar as suas próprias

categorias. O objetivo principal é auxiliá-los nestes primeiros passos rumo à compreensão do fenômeno

jurídico na atualidade.

Por oportuno, destaco que os ramos do direito positivo não foram detalhados no texto, devendo seu

estudo ser complementado em outras fontes, principalmente nas indicadas no Projeto de Curso.

Vale aqui um alerta! O direito exige daqueles que pretendem estudá-lo disciplina, dedicação e muita

paciência. Muitas vezes é preciso ler, reler, consultar dicionários e outros textos para bem compreender

determinado assunto. Não esmoreçam diante das dificuldades. Perseverem. Na construção do conhecimento

não há atalhos, mas, ao final, constatarão que o esforço não foi em vão!

Por fim, espero que gostem do Curso de Direito. Trata-se, sem dúvida alguma, de um Curso que abre

inúmeras portas para o mercado de trabalho, mas, mais do que isto, um Curso fundamental para a consolidação

da justiça, da democracia e do Estado Constitucional de Direito.

Nunca é demais lembrar que estou à disposição para auxiliá-los naquilo em que eu puder ser útil.

Empenho, força, garra, perseverança e, acreditem, os bons resultados estarão sempre com vocês!

Bons Estudos!

Edson (30/01/2014)

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1 CONCEITUAÇÃO DO DIREITO

1.1 O que é Direito (Quid jus)?

Há milênios a indagação acerca do que é o direito desafia filósofos e juristas. Pretende-se aqui, nos

estreitos limites de um texto didático voltado aos ingressantes nas letras jurídicas, iniciá-los neste instigante e

persistente debate, traçando os seus lineamentos mais gerais. Inicialmente, trabalharemos a dificuldade de se

definir, conceituar ou apresentar uma noção mais precisa sobre o que é o direito para, na sequência,

desenvolver as noções trabalhadas por alguns filósofos e juristas acerca do direito.

De acordo com Miguel Reale, indagações acerca da definição do direito cabem à filosofia do direito.

Embora os livros sobre os diferentes ramos do conhecimento jurídico tragam sempre uma definição de direito,

esta tarefa é de ordem eminentemente filosófica2.

À teoria do direito cumpre analisar os elementos comuns “a todas as formas de conhecimento positivo

do direito”. Segundo Reale, derivada do grego theoresis, teoria “significa a conversão de um assunto em

problema, sujeito a indagação e pesquisa, a fim de superar a particularidade dos casos isolados, para englobá-

los numa forma de compreensão, que correlacione entre si as partes e o todo”. Nesse sentido, continua Reale,

a teoria do direito “representa a parte geral comum a todas as formas de conhecimento positivo do Direito” 3.

Sgarbi, tratando da determinação de significado da palavra direito, distingue ambiguidade e vagueza.

Uma palavra é ambígua quando pode ser entendida de diversas maneiras na linguagem ordinária (a linguagem

comum). Há vagueza, por outro lado, quando falta precisão no significado das palavras, ou seja, “há

dificuldade de delimitação entre o que está incluído e o que está excluído no mesmo”. É o caso, exemplifica

o autor, de palavras como calvo, jovem, adulto, culpa grave etc. São vagas, pois sempre haverá questionamento

acerca de seus alcances. Embora calvo seja quem não tem cabelo “sempre se pode perguntar se aquele que

tem pouco cabelo pode ser chamado de calvo ou não”4.

A definição de direito, desse modo, encontra dificuldades em razão de sua ambiguidade e vagueza5. A

mesma palavra, direito, pode ser entendida de diversas maneiras. Simone Goyard-Fabre salienta que na nossa

época é ainda mais difícil definir com rigor o termo direito, isto porque “a reivindicação incessante dos

‘direitos’ vinculados à pessoa é levada em consideração pelo direito objetivo; a juridicização dos direitos

subjetivos ou o reconhecimento dos ‘direitos do homem’ acarreta a diferenciação deles em categorias, cuja

2 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 15. 3 REALE, 2005, op. cit., p. 18. 4 SGARBI, Adrian. Teoria do Direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 1 e 2. 5 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 141.

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aparente ordem classificatória ameaça mascarar inúmeras obscuridades filosóficas”6.

O conceito de direito, acentua Goyard-Fabre, tanto em sua extensão como em sua compreensão,

mostra-se “rebelde ao aclaramento”. Todavia, assevera, esse pluralismo semântico que envolve a palavra

direito não é acidental; está ligado, na verdade, à própria ambiguidade essencial do conceito de direito: “na

verdade, a multiplicidade de relações que o direito mantém com outros campos da existência humana mostra

a dimensão da dificuldade existente para circunscrever seu campo próprio, o que obsta a um empreendimento

de definição rigorosa”7.

Alysson Mascaro, ao explicar o que é direito, propõe que ele seja entendido a partir da soma de duas

perspectivas: “É preciso compreender as coisas que são quantitativamente jurídicas e aquilo que

qualitativamente as torna como tais”. O direito, salienta, abarca muitos temas como homicídio, roubo,

divórcio, filiação, proteção ao trabalhador, tributação etc. O grande identificador do direito, portanto, não são

os temas com os quais lida (perspectiva quantitativa), mas o modo específico com que lida com esses temas

(perspectiva qualitativa). Para Mascaro é “a qualidade de direito o grande identificador do fenômeno jurídico

moderno”8.

Exemplificando o seu ponto de vista, Mascaro acentua que “Quando se diz que o manejo do solo pode

ser um tema jurídico, isso não quer dizer que a agricultura tenha que ser necessariamente regulada

juridicamente. O direito, se também chega às questões agrícolas, o faz por vias distintas daquelas que são as

tradicionais de um agrônomo”9.

Em síntese, Mascaro afirma que como muitas coisas podem ser jurídicas (propriedade, trabalho,

comércio, educação, legislação aérea, direito previdenciário etc.) “não é pelo assunto de que trata o direito

que se o identifica”. Como muitos assuntos podem ser considerados jurídicos, o que é mais decisivo do ponto

de vista científico para compreender o direito não é entender quais temas são jurídicos (identificação

quantitativa), “mas, sim, quais mecanismos e estruturas dão especificidade ao direito perante qualquer

assunto”10.

Para Mascaro, o que dá especificidade ao direito moderno é o capitalismo, por meio das chamadas

trocas mercantis. “Com o capitalismo, o direito passa a ocupar um lugar específico no todo da vida social.

Essa instância jurídica é o local no qual um ente aparentemente distante de todos os indivíduos, o Estado, se

6 GOYARD-FABRE, Simone. Os Fundamentos da Ordem Jurídica. [trad. Cláudia Berliner]. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.

XVIII. 7 GOYARD-FABRE, 2002, op. cit., p. XVIII. 8 MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 2 e 3. 9 MASCARO, 2011, op. cit., p. 3. 10 MASCARO, 2011, op. cit., p. 3.

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institucionaliza e passa a regular uma pluralidade de comportamentos, atos e relações sociais”. No

escravagismo e no feudalismo, exemplifica, não há um lugar específico para o direito, “não há uma qualidade

de relações que seja só jurídica em meio ao todo da vida social”11.

Uma vez feitas essas considerações, passa-se, em seguida, à abordagem de algumas acepções da

palavra direito, em diferentes contextos de utilização.

1.1.1 A palavra direito e algumas de suas acepções

Na maioria dos idiomas a palavra direito é utilizada para designar diferentes coisas. Mencionou-se

anteriormente que este é um dos motivos que dificulta toda e qualquer definição do direito. De um lado,

podemos nos referir ao direito como um curso superior que forma bacharéis; de outro, podemos tratar do

ordenamento jurídico de um país (direito brasileiro, direito inglês, chinês etc.), do direito subjetivo de alguém

(Joana tem direito à herança que seu pai lhe deixou). Pode, ainda, ser utilizado como sinônimo de justiça (não

é justo pessoas passarem fome em um país tão rico), como um fato social etc.

Venosa, exemplificando algumas acepções da palavra direito, afirma que ao dizermos que é proibido

importar determinada mercadoria estamos tratando do direito como norma. Por sua vez, quando afirmo que

tenho o direito de cobrar judicialmente uma dívida que não foi paga, estou me referindo ao direito como uma

faculdade (direito subjetivo). Quando sustento que todo trabalho deve ser remunerado, refiro-me ao direito

como sinônimo de justiça. Ao afirmar que o direito possui método dialético, estou me referindo ao direito

como ciência. Assim, salienta, “do vulgar ao erudito, transitamos pelo vocábulo direito com absoluta

frequência, pois o Direito nunca se desgarra da vida social, em qualquer de suas acepções”12.

Cada uma dessas diferentes acepções tem um uso próprio dentro do conhecimento jurídico, que será

desnudado ao longo do Curso.

1.1.2 Conceituação, definição, noções ou ideias gerais sobre o direito

De acordo com Sgarbi, definir significa atribuir sentido, “porque definir é conceituar com o objetivo

de elucidar outros conceitos”. Definir, em outras palavras, assevera o autor, é explicar um “sentido

desconhecido ou duvidoso através de um sentido mais conhecido e menos duvidoso”13.

11 MASCARO, 2011, op. cit., p. 4. 12 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. 13 SGARBI, 2007, op. cit., p. 9 e 10.

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Machado faz questão de diferenciar definição e conceito. Enquanto a primeira é uma delimitação de

uma coisa que serve para distingui-la das demais, o conceito “é formado da percepção que de um objeto se

pode ter, a partir de quaisquer meios de comunicação interpessoal. Percepção que não implica limites exatos

do objeto, nem diferenciação rigorosa entre ele e outros objetos”. Machado salienta que no estudo introdutório

ao direito, de fato, não se trabalha nem com definição e nem com conceituação, mas, tão-somente, com noções

ou ideias14.

Embora a tentativa de definição do direito seja tarefa árdua, quiçá impossível, é importante que em

uma disciplina como IED partamos de algumas das definições ou noções básicas trazidas pelos estudiosos do

assunto. Por certo, não são verdades absolutas, mas apenas pontos de partida provisórios, que servem para

instigar e fomentar a reflexão nesta quadra inicial do curso jurídico.

Segundo Gusmão, a origem da palavra direito é latina; deriva do latim directum, que significa regra,

direção, sem desvio. “No Ocidente, em alemão recht, em italiano diritto, em francês droit, em espanhol

derecho, tem o mesmo sentido. Os romanos denominavam-no de jus, diverso de justitia, que corresponde ao

nosso sentido de justiça, ou seja, qualidade do direito” 15.

Dito isto, o citado autor enfrenta as diversas dificuldades presentes na conceituação de direito. Embora

reconheça que isso seja passível de crítica, vislumbra na coercitividade o traço fundamental do direito.

Citando Bobbio, Gusmão afirma que, excluída a coercitividade, não há mais critério para distinguir as normas

jurídicas das normas morais ou das costumeiras. Em face disso, assevera que o direito pode ser definido como

“a norma que, se inobservada, poderá ser aplicada coercitivamente pelo poder competente, estatal ou

internacional. Por ser norma coercitivamente aplicada quando inobservada, o direito ordena de modo eficaz

a sociedade nacional e a internacional. Neste sentido, ele é o ordenamento jurídico do Estado e da comunidade

internacional” 16.

Em síntese, para Gusmão, o direito, como norma de conduta, é bilateral (pressupõe o outro); já como

norma de estruturação, afigura-se como norma de organização (estrutura e organiza o funcionamento do

Estado). Em ambas as hipóteses, contudo, é norma executável coercitivamente. Em razão disso, permite a

quem se julgar prejudicado, com base na norma, recorrer à autoridade competente (polícia, administração

pública, Judiciário) para fazer valer os seus direitos17.

Gusmão, ao conceituar o direito moderno, aponta como traço característico a sua criação ou

reconhecimento pelo poder público (direito estatal) ou por convenções ou costumes internacionais (direito

14 MACHADO, Hugo de Brito. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 20 a 22. 15 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 39ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 49. 16GUSMÃO, 2007, op. cit., p. 51 e 52. 17 GUSMÃO, 2007, op. cit., p. 49 a 52.

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internacional). Na primeira hipótese, direito estatal, a aplicação do direito é feita por órgãos estatais, tais

como tribunais, administração pública etc.; na segunda hipótese, direito internacional, a aplicação fica a

cargo de organizações internacionais, como ONU (Organização das Nações Unidas), OEA (Organização dos

Estados Americanos), TPI (Tribunal Penal Internacional) etc.18

Em uma perspectiva mais próxima do positivismo jurídico, que, como se estudará adiante, costuma

reduzir o direito à sua feição legislativa, as definições costumam resumir o direito a um conjunto de normas

jurídicas heterônomas (heterônoma significa que vem de fora do indivíduo, impostas por uma força exterior a

ele, no caso, o Estado) e bilaterais (o direito pressupõe o outro; só há direito em sociedade: “ubi societas, ibi

jus”, ou seja, onde há a sociedade aí está o direito) que regem a conduta humana.

Miguel Reale, um dos mais destacados jusfilósofos brasileiros, definiu o direito como “a ordenação

bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum”19. Para Hugo de Brito Machado, por sua

vez, “O Direito é um sistema de limites ao qual nos submetemos para que nos seja possível a vida em

sociedade. Sistema, porque é um conjunto completo e harmonioso de prescrições”. O direito é o mais eficaz

mecanismo de solução pacífica dos conflitos, reduzindo-os a níveis toleráveis20.

Paulo Nader, de outro lado, situa o direito, dentre as criações humanas, “como ordem social dotada de

coerção e, ao mesmo tempo, fórmula de garantia da liberdade”. Embora o direito não seja o único instrumento

de harmonização social, já que divide esta tarefa com a religião, a moral e as regras de trato social, “é o que

possui maior pretensão de efetividade, pois não se limita a descrever os modelos de conduta social,

simplesmente sugerindo ou aconselhando”21. O direito possui a coação, que, em última instância, obriga o

destinatário da norma a cumpri-la mesmo contra a sua vontade. Adiante, ao tratarmos da norma jurídica,

retornaremos a este tema.

Ferraz Jr. sustenta que a ciência dogmática do direito (enfoque estrutural do direito) encara o seu

objeto, que é o direito posto e dado previamente (direito positivo), “como um conjunto compacto de normas,

instituições e decisões que lhe compete sistematizar, interpretar e direcionar, tendo em vista uma tarefa prática

de solução de possíveis conflitos que ocorram socialmente”. O jurista contemporâneo, arremata Ferraz Jr.,

“preocupa-se, assim, com o direito que ele postula ser um todo coerente, relativamente preciso em suas

determinações, orientado para uma ordem finalista que protege a todos indistintamente”22.

18 GUSMÃO, 2007, op. cit., p. 52. 19 REALE, 2005, op. cit., p. 59. 20 MACHADO, op. cit., 2004, p. 23. Machado prefere utilizar a expressão prescrição no lugar de normas. Segundo ele, prescrição

é o gênero do qual as normas são espécies. 21 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1 e 31. 22 FERRAZ JR. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 82.

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Por fim, há também quem defina o direito como uma tecnologia decisória utilizada para decidir

conflitos sociais tendo por parâmetro o ordenamento jurídico de determinado país.

Em resumo, há definições, conceitos, ideias e noções sobre o direito para todos os gostos. Cada um

deles apresenta virtudes e limites cuja abordagem extrapola os objetivos deste texto. Importante, nesta quadra

inicial do Curso, compreendermos as nuanças, os contornos que a palavra direito pode assumir em diferentes

contextos de linguagem, sabendo identificar e analisar os seus principais elementos.

2 DIREITO POSITIVO: direito objetivo, direito subjetivo e dever subjetivo

Entende-se por direito positivo o conjunto de normas jurídicas, escritas e não-escritas (costumes),

vigentes em determinado Estado, em dado momento histórico. Engloba, também, as normas aplicáveis na

órbita internacional, oriundas de tratados e costumes internacionais23. Gusmão, na mesma linha, trata o direito

positivo como um “sistema de normas vigentes, obrigatórias, aplicáveis coercitivamente por órgãos

institucionalizados, tendo a forma de lei, de costume ou de tratado” 24.

O direito positivo pode ser decomposto em dois (ou três) elementos, que serão abordados adiante: (i)

direito objetivo; (ii) direito subjetivo e (ii-a) dever subjetivo25.

Importante não confundir, como ocorre com frequência, direito positivo e direito objetivo. Como visto,

o direito positivo é mais abrangente do que o direito objetivo, englobando-o. O direito positivo abarca tanto o

direito objetivo quanto o direito subjetivo e o dever subjetivo (ou jurídico).

2.1 Direito Objetivo e Direito Subjetivo: considerações gerais

De acordo com Ferraz Jr. a dicotomia entre direito objetivo e subjetivo parece ser exigida pelo caráter

ambíguo da palavra direito. Se, de um lado, o direito é um fenômeno objetivo, um dado cultural, que não

pertence a ninguém, composto de normas e instituições, de outro, é também fenômeno subjetivo, pois faz dos

sujeitos “titulares de poderes, obrigações, faculdades, estabelecendo entre eles relações”. Neste sentido, atesta

que ao se falar no direito das sucessões está se falando em algo objetivo, enquanto ao se referir ao direito à

sucessão de um herdeiro menciona-se algo que lhe pertence (subjetivo, portanto)26.

Nader destaca que nas línguas neolatinas o vocábulo direito, em regra, tem esse duplo significado

23 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 141 e 142. 24 GUSMÃO, 2007, op. cit., p. 54. 25 NUNES, 2009, op. cit., p. 142. 26 FERRAZ JR. op. cit., 2003, p.145.

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(objetivo e subjetivo), necessitando do sentido completo da frase para distinguir uma acepção da outra. Na

língua inglesa, por exemplo, há duas palavras distintas para enunciar os dois termos: a palavra law refere-se

ao direito objetivo, enquanto right enuncia o direito subjetivo27.

Para Secco, direito objetivo e subjetivo devem ser tratados conjuntamente, pois são a mesma coisa

vista por ângulos distintos. “O direito sob o ponto de vista objetivo é a norma ou o conjunto de normas de

conduta, enquanto que sob o ponto de vista subjetivo é o conjunto de relações jurídicas, aí implícitos o dever

jurídico e a faculdade de agir”28.

As raízes da distinção entre direito objetivo e subjetivo remontam à conceituação de liberdade dos

modernos, que sob influência da noção de livre arbítrio cristã traçou a ideia de liberdade como não-

impedimento e como autonomia, isto é, como a capacidade de autogovernar-se, alicerce da teoria do contrato

social29. Sustenta Ferraz Jr. que “É com base nessa liberdade, que funciona como limite à atividade legiferante

do Estado, que irá configurar-se a noção de direito subjetivo em oposição ao direito objetivo”30.

Embora não haja maiores dificuldades teóricas na conceituação do direito objetivo, o mesmo não se

pode dizer do direito subjetivo. Há inúmeras correntes teóricas tentando conceituá-lo (por exemplo: teoria da

garantia e teoria do interesse), mas todas com visíveis limitações, que não cabe agora detalhar.

Parece-nos adequada a afirmação de Ferraz Jr. de que a distinção entre direito objetivo e subjetivo

tem, acima de tudo, um caráter tópico, ou seja, de um lugar comum retórico. Para ele, “A expressão direito

subjetivo cobre diversas situações, difíceis de serem trazidas a um denominador comum”. Em outras palavras,

embora o termo direito subjetivo não encontre uma conceituação que dê conta da amplitude de situações em

que pode ser exigido, não se pode ignorar as suas vantagens práticas (tópica)31.

2.1.1 Direito Objetivo

Entende-se por direito objetivo, segundo Rizzatto Nunes, “o conjunto, em si, de normas jurídicas

escritas e não-escritas, independentemente do momento do seu exercício e aplicação concreta. [...] O direito

objetivo corresponde à norma jurídica em si, enquanto comando que pretende um comportamento. [...] É

27 NADER, 2007, op. cit., p. 306. 28 SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 27. 29 FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 146 e 147. 30 FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 147. 31 FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 149. Sobre o método tópico-problemático, desenvolvido por Theodor Viehweg, conferir:

VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. [Trad. Tércio Sampaio Ferraz Júnior]. Brasília: Departamento de Imprensa

Nacional, 1979.

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aquele objetivado independentemente do momento de uso e exercício” 32.

Para Venosa, “O direito objetivo é constituído por um conjunto de regras destinadas a reger um grupo

social, cujo respeito é garantido pelo Estado (norma agendi)”33.

Machado, por seu turno, apresenta o direito objetivo como norma ou conjunto de normas. É o direito

desprendido de qualquer pessoa, ou seja, o direito visto em sua objetividade, como norma de agir. Trata-se,

portanto, da norma ou do conjunto de normas que servirá de parâmetro para se aferir a compatibilidade ou não

de uma conduta no plano jurídico34. Como se verá no item seguinte, é com base no direito objetivo que alguém

poderá dizer se possui ou não direito a alguma coisa, isto é, se possui ou não um direito subjetivo.

Em outras palavras, direito objetivo é o conjunto de normas jurídicas que condicionam o agir humano

na vida em sociedade. Em regra, o direito objetivo é produzido pelo Estado (leis, decretos, resoluções,

portarias, medidas provisórias etc.), embora não o seja com exclusividade. Isto porque é assente no direito

contemporâneo a existência de normas que nos vinculam e, portanto, integram o direito objetivo, como os

costumes, e não emanam de órgãos estatais; são expressões da própria sociedade, que pode construir ou

destruir direitos em seu caminhar histórico.

Regressaremos a esse tema ao estudarmos as fontes do direito, em especial na abordagem acerca do

pluralismo jurídico35.

2.1.2 Direito Subjetivo

Como mencionado, existe acesa polêmica jusfilosófica acerca da conceituação de direito subjetivo.

Todavia, não adentraremos a ela, por extrapolar os objetivos desta breve Apostila, que consiste tão-somente

em traçar os principais contornos dos tópicos estudados. Para aprofundamento neste tema remeto-os às

referências indicadas nesta nota de rodapé36.

Dito isso, entende-se por direito subjetivo, nas palavras de Rizzatto Nunes, “a prerrogativa colocada

pelo direito objetivo, à disposição do sujeito do direito”. Para exemplificar a questão Rizzatto traz a temática

da Lei do Inquilinato. O direito objetivo previsto nesta Lei, que trata do despejo do inquilino no caso de falta

32 NUNES, Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 116. 33 VENOSA, 2006, op. cit., p. 13. 34 MACHADO, op. cit., 2004, p. 25. 35 Sobre o pluralismo jurídico conferir: WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. 3ª ed. São Paulo: Alfa-ômega, 2001;

WOLKMER, Antonio Carlos; VERAS NETO, Francisco Q.; LIXA, Ivone M. (orgs). Pluralismo Jurídico: os novos caminhos da

contemporaneidade. São Paulo: Saraiva, 2010. 36 Conferir: FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 145 a 154; NADER, 2007, op. cit., p. 305 a 316.

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de pagamento, faz nascer ao locador o direito subjetivo de pleitear do Poder Judiciário o referido despejo37.

Sgarbi exemplifica o direito subjetivo a partir da seguinte frase: “Os cidadãos têm o direito de reunir-

se pacificamente e sem armas”. De acordo com ele, a palavra direito, do modo como foi utilizada na frase,

“implica a ideia de posições ou situações jurídicas subjetivas, de atributos conferidos pela ordem jurídica aos

indivíduos”. Nesta acepção, o plural de direito corresponde a “direitos”, enquanto na utilização de direito

como direito objetivo o plural de “direito” alude a “ordenamentos jurídicos”38.

Venosa, por sua vez, identifica o direito subjetivo “com as prerrogativas ou faculdades ínsitas aos seres

humanos, às pessoas, para fazer valer seus ‘direitos’, no nível judicial ou no extrajudicial. O direito subjetivo

é aquele que adere à pessoa, à personalidade. O direito subjetivo é um poder do indivíduo que vive em

sociedade (Duguit)”39.

De acordo com o citado autor, afirmar que tenho direito de ocupar o lugar do teatro que me foi atribuído

pelo ingresso, bem como o de ingressar com uma ação judicial para cobrar uma dívida que não me foi paga

são exemplos de direitos subjetivos. Há, aqui, uma faculdade de agir (facultas agendi), pois embora eu possa

exigir a dívida, não sou obrigado a fazê-lo40.

Por último, destaca-se que o direito subjetivo, essa faculdade de agir, está intrinsecamente conectado

ao direito objetivo. É apenas porque há um negócio jurídico subjacente, destaca Venosa, seja um empréstimo

ou outro tipo de contrato, que posso acionar judicialmente o devedor para que seja constrangido pelo Poder

Judiciário a me pagar a dívida41.

2.1.2.1 Dever Subjetivo

De acordo com Rizzatto, ombreando um direito subjetivo existe sempre um dever subjetivo. No

exemplo acima, ao lado do direito subjetivo do locador de propor ou ameaçar propor a ação de despejo existe

o dever do inquilino de pagar o aluguel, sob pena de suportar os efeitos da sanção, qual seja: ser despejado.

Não há direito subjetivo sem o outro. Se eu tenho um direito significa que alguém tem o dever de satisfazer

este direito. Salienta-se que direitos como o direito à vida, à honra e à imagem são oponíveis erga omnes, isto

é, contra todos42.

37 NUNES, 2003, op. cit., p. 116-117. 38 SGARBI, Adrian. Teoria do Direito: primeiras lições. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 3. 39 VENOSA, 2006, op. cit., p. 12. 40 VENOSA, 2006, op. cit., p. 12. 41 VENOSA, 2006, op. cit., p. 12. 42 NUNES, 2003, op. cit., p. 119-120.

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Com exceção dos direitos inerentes à própria pessoa (vida, honra, imagem etc.), que devem sempre ser

exercidos plenamente, os demais direitos subjetivos estão sempre limitados por um dever subjetivo, isto é,

podem ser exercidos somente até certo ponto que ao ser transposto configurará a violação do direito subjetivo

de outrem. Caso não se respeite este limite entra em cena a figura do abuso de direito, que é o abuso no

exercício de um direito subjetivo, ou seja, a transposição da referida barreira43.

Em suma, para que alguém tenha um direito subjetivo é necessário que outrem tenha um dever

subjetivo para com ele. Ademais, todos os direitos subjetivos estão limitados por deveres objetivos, isto é, o

meu direito está estritamente limitado ao dever do outro para comigo; transpor esta barreira é adentrar na seara

do abuso de direito.

3 RAMOS DO DIREITO POSITIVO

Uma das grandes dicotomias do direito é a sua divisão em público e privado (como visto, outro

exemplo é a diferenciação entre direito objetivo e subjetivo). Estas dicotomias permitem sistematizá-lo.

Kelsen, de acordo com Ferraz Jr., chama a isso de sistematização estática. “O sistema estático concebe o

conjunto normativo como um dado, abstração feita de seu câmbio permanente. Não se indaga, por isso, da

emissão de normas, sua revogação e da emissão de novas normas: o quadro é estático”44.

Essa dicotomia entre direito público e privado, salienta o citado autor, remonta ao direito romano. Em

célebre passagem do Digesto, Ulpiano assevera que o direito público diz respeito à polis, enquanto o privado

refere-se à utilidade dos particulares. Com Hanna Arendt, Ferraz Jr. afirma que a distinção entre a esfera

pública e a privada tinha especial relevo na Antiguidade45.

A esfera privada dizia respeito ao reino da necessidade, no qual as atividades humanas visam a atender

“às exigências da condição animal do homem”. Na esfera privada não havia liberdade, pois se estava preso às

necessidades da natureza. Apenas poucos privilegiados tinham condição de se libertar dessa condição: os

cidadãos. Era na vida política, na esfera da ação, que o ser humano se emancipava. O público era o “lugar da

ação, do encontro dos homens livres que se governam”. Enquanto isso o espaço privado está voltado à casa,

ou seja, às atividades que asseguram a sobrevivência46.

Com o tempo essa distinção passou por modificações. Na Era Moderna, a dicotomia público e privado

foi sustentada a partir da oposição entre o social e o individual. Com a Revolução Industrial, esse processo foi

43 NUNES, 2003, op. cit., p. 118-120. 44 FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 132 e 133. 45 FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 133. 46 FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 134.

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novamente modificado. O Estado passou a ser basicamente um gestor da economia e a sociedade apenas um

grande centro produtor. Com isso, a distinção entre a esfera pública e a privada, e, consequentemente, entre

direito público e privado, perde a nitidez de que gozava na Antiguidade47.

Para Venosa, a linha divisória entre direito público e privado não pode ser nitidamente traçada, em

especial em razão da complexidade das relações jurídicas. Não raras vezes as pessoas jurídicas de direito

público agem como particulares, ocasião em que se sujeitam às regras de direito privado. De outro lado, há no

direito privado muitas normas de ordem pública, inderrogáveis pela vontade dos interessados, tolhendo-lhes

a autonomia e a iniciativa48.

Apesar de suas inegáveis limitações, a classificação do direito em público e privado apresenta interesse

didático. Embora o direito seja uno, didaticamente, afirmam alguns juristas, é aceitável dividi-lo. Usualmente,

como visto, ele é cindido em direito público e privado. No entanto, cada vez mais os doutrinadores questionam

esta divisão, por considerá-la insuficiente para englobar as diversas vertentes do direito contemporâneo. De

um lado, o fenômeno da constitucionalização do direito privado, vislumbrado no Brasil nas duas últimas

décadas, tornou ainda mais tênue a fronteira entre direito público e privado49; de outro, há ramos do direito

positivo atual que não se encaixam adequadamente em nenhuma das duas classificações.

Segundo Rizzatto Nunes, a maioria da doutrina divide o direito em público e privado tendo em conta

“os sujeitos envolvidos e a qualidade destes quando estão na relação jurídica; e o conteúdo normativo e o

interesse jurídico a ele relacionado”. Existem, porém, alguns ramos do direito que não se encaixam

adequadamente nem no direito público e nem no privado. Para contornar esta limitação há quem trabalhe com

uma classificação ternária.

Muito embora nos filiemos àqueles que consideram desgastada, para dizer o mínimo, a dicotomia entre

direito público e privado, do ponto de vista meramente didático, que norteia este trabalho, ela será ainda

retratada, mas de forma mais atualizada, incluindo, ao lado dos tradicionais direito público e privado, um

terceiro gênero, chamado, na falta de melhor nomenclatura, de direito difuso e coletivo.

3.1 Direito Público

Entende-se por direito público, de acordo com Rizzatto Nunes, “aquele que reúne as normas jurídicas

que têm por matéria o Estado, suas funções e organização, a ordem e segurança internas, com a tutela do

47 FERRAZ JR., 2003, op. cit., p. 136 e 137. 48 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Introdução ao Estudo do Direito. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 22. 49 Cf. RIBEIRO, Paulo Hermano Soares; FONSECA, Edson Pires. Casamento e Divórcio na Perspectiva Civil Constitucional.

Leme, SP: JH Mizuno, 2012, p. 149 a 173.

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interesse público, tendo em vista a paz social, o que se faz com a elaboração e a distribuição dos serviços

públicos, através dos recursos indispensáveis à sua execução”. Na esfera internacional, para o citado autor, o

direito público cuida das relações entre os Estados soberanos50.

Dentre as características de que desfruta o direito público interno, destacam-se:

(i) noção de subordinação (relação verticalizada);

(ii) atuação do Estado como ente soberano;

(iii) supremacia do interesse público.

O direito público externo regula as relações jurídicas entre os Estados Soberanos, “visando uma

harmonia com a comunidade internacional, quer para a manutenção da paz, quer parar agregar relações

comerciais”51. No direito público externo, importante salientar, as relações são de coordenação, pois não há

hierarquia entre Estados soberanos.

RAMO DO DIREITO CARACTERÍSTICAS EXEMPLOS

DIREITO PÚBLICO

INTERNO

Relação de Subordinação (vertical)

Estado atua como ente Soberano

Supremacia do Interesse Público

Direito Constitucional, Penal,

Administrativo, Tributário, Financeiro,

Processual (Civil, Penal, Administrativo

etc.).

DIREITO PÚBLICO

EXTERNO

Relação de Coordenação (horizontal) Direito Internacional Público

3.2 Direito Privado

O direito privado engloba as normas que se referem aos particulares nas relações entre eles

estabelecidas. Trata de interesses privados, considerados individualmente52.

No modelo tripartite de divisão do direito positivo adotado neste texto, que divide o direito em público,

privado e difuso/coletivo, os exemplos de direito privado são o direito civil (e suas diversas subdivisões) e o

direito empresarial/comercial. Para autores que adotam a tradicional divisão binária, que divide o direito em

direito público e privado, outros exemplos são acrescentados ao direito privado, como o direito do trabalho.

50 NUNES, 2003, op. cit., p. 121. 51 MELLO, Cleyson de Moraes. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2009, p. 77. 52 NUNES, 2003, op. cit., p. 121.

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No direito privado as relações estabelecidas são de coordenação, pois são pactuadas entre iguais.

Também a autonomia da vontade é elemento caracterizador importante da seara privatista.

Destaca-se, na atualidade, a admissão, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, da chamada eficácia

horizontal dos direitos fundamentais, que nada mais é do que a possibilidade de incidência dos direitos

fundamentais não apenas nas relações verticais, isto é, nas relações que os particulares travam com o Estado,

visto como ente soberano, mas também nas relações entre particulares (horizontais)53.

Com isso, altera-se radicalmente a feição do direito privado e de seus institutos, mitigando-se, embora

isso deva ser feito com muita cautela, algumas de suas premissas basilares, como a autonomia da vontade e

a noção de pacta sunt servanda. Embora, em regra, os pactos devam ser cumpridos e a manifestação de

vontade válida deva ser respeitada, essas noções devem se subordinar à principiologia constitucional,

principalmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana. Em face disso, fala-se atualmente em direito

civil constitucional ou constitucionalizado.

A constitucionalização do direito civil tem duas facetas: de um lado, refere-se à inclusão dos mais

relevantes princípios e temas de direito civil expressamente na Constituição; de outro, trata do efeito irradiador

da normatividade constitucional para todo o ordenamento jurídico.

Importante ressaltar, com base no exposto, que o direito privado contemporâneo ganhou contornos

bastante diversos dos que apresentava em períodos anteriores, principalmente antes do advento da

Constituição Federal de 1988. Incorporar essas inovações é de fundamental relevo na formação do profissional

do direito.

RAMO DO DIREITO CARACTERÍSTICAS EXEMPLOS

DIREITO PRIVADO

Relação de Coordenação

Autonomia da Vontade

Pacta sunt servanda

Direito Civil e Direito Empresarial.

(Para os autores que não reconhecem ainda a

autonomia dos direitos difusos e coletivos o

direito do trabalho e do consumidor também são

classificados como privados)

53 Cf. RIBEIRO e FONSECA, 2012, op. cit., p. 168 a 173; SILVA, Virgílio Afonso. A Constitucionalização do Direito: os direitos

fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005.

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3.3 Direito Difusos

Ciente das limitações oriundas da dicotomia entre direito público e privado, parte da doutrina propôs

a criação de um terceiro gênero, de uma terceira divisão. Uns denominam este terceiro gênero de direito misto,

enquanto outros falam em direito difuso. Não há ainda consenso doutrinário sobre a denominação mais

adequada.

Rizzatto Nunes incluiu uma terceira categoria ao lado da tradicional divisão do direito em público e

privado: os direitos difusos. Para ele, os direitos difusos são os 'transindividuais, de natureza indivisível, de

que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato' (artigo 8º, I, do CDC – Código

de Defesa do Consumidor). Os titulares dos direitos difusos, que são aqueles cujos direitos não podem ser

partidos (pois são indivisíveis), são unidos pelos fatos. De acordo com Rizzatto Nunes, todos estão sujeitos à

publicidade enganosa, do mesmo modo que o direito de respirar ar puro também é de todos etc. Como exemplo

de direito difuso podem ser citados o direito ambiental, do consumidor, entre outros. O direito a um meio

ambiente sadio e equilibrado pertence a todos ao mesmo tempo, não sendo possível distinguir um único

titular54.

No mesmo sentido, Vítor Kümpel afirma que o direito difuso é aquele que

trata de direitos transindividuais, cujos titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por

circunstâncias de fato. Os titulares não são nem o Estado nem o particular em sua concepção

mais própria. Os titulares não podem ser especificados por fazerem parte de uma categoria

indeterminada de pessoas que estão em um mesmo contexto jurídico, mas que se ligam por

circunstâncias de fato 55.

Embora Rizzatto Nunes inclua o direito econômico e previdenciário no direito difuso, parece-nos mais

adequado que permaneçam no direito público. O direito do trabalho também foi inserido por ele no direito

difuso. Não nos parece também uma classificação muito precisa, mas ao menos ajuda a superar as correntes

que o enquadram ora no direito público, ora no privado.

O direito internacional privado é classificado por Rizzatto Nunes como sendo ramo do que ele

chamou de direito difuso externo56. Embora não seja uma classificação imune a críticas, parece-nos mais

adequada do que colocá-lo, como fazem alguns, dentre as normas de direito privado. Reale sustenta que o

direito internacional privado não é nem internacional e nem privado. Trata-se, isto sim, de uma metalinguagem

54 NUNES, 2009, op. cit., p. 149 e 150. 55 KÜMPEL, Vítor Frederico. Introdução ao Estudo do Direito: Lei de Introdução ao Código Civil e Hermenêutica Jurídica.

2ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 39. 56 NUNES, 2009, op. cit., p. 150.

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jurídica, destinada a conciliar o conflito de normas no espaço, ou seja, de decidir em determinados conflitos

envolvendo nacionais de países diferentes quais as normas jurídicas aplicáveis ao caso, se as brasileiras ou as

estrangeiras57.

Como toda classificação, esse terceiro gênero, direito difuso, não goza de delineamento logicamente

rigoroso. Mas nem por isso deixa de ser um suporte didático interessante para melhor compreender a

estruturação e os contornos do direito da nossa época.

RAMO DO

DIREITO

CARACTERÍSTICAS EXEMPLOS

DIREITO

DIFUSO

INTERNO

Direitos difusos: são direitos transindividuais

cujos titulares não podem ser especificados por

fazerem parte de uma categoria indeterminada de

pessoas que estão em um mesmo contexto

jurídico, mas que se ligam por circunstâncias de

fato.

Direito Ambiental. Direito do consumidor.

Direito do Trabalho (há quem classifique o

direito do trabalho como ramo do direito público

e outros do direito privado). Rizzatto inclui

também o direito econômico e o previdenciário.

Parece-nos que andaria melhor mantendo-os no

direito público.

DIREITO

DIFUSO

EXTERNO

Rizzatto Nunes classifica o direito internacional

privado como ramo do direito difuso externo. O

direito internacional privado rege o conflito de leis

no espaço.

Direito Internacional Privado (alguns o

classificam como ramo do direito privado,

outros do direito público. Reale o considera uma

metalinguagem).

57 REALE, 2005, op. cit., p. 352 a 354.

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