ANÁLISE JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA ACERCA DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO NO CÓDIGO PENAL...
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Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
DPM - Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia. DPM0211 - Direito Penal I
Professora Doutora Helena Regina Lobo da Costa
Arthur Rodrigues de Moraes Nº USP: 8082125
Alberto Shin Kuromoto N° USP: 2367751
Danilo Herrero Macedo N° USP: 8590309
Fábio Medeiros Monteiro Nº USP: 6829061
Renato Xavier Bovo N° USP: 5121522
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA ACERCA
DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO NO CÓDIGO
PENAL BRASILEIRO
São Paulo, 2014
SUMÁRIO
1. TRANSCRIÇÃO DA LEGISLAÇÃO RELATIVA .................................. 2
1.1. Constituição da República Federativa do Brasil ............................ 2
1.2. Código Penal (Decreto-Lei N.2.848, de 7 de Dezembro de 1940) 2
2. ANÁLISE DOUTRINÁRIA ................................................................... 3
2.1. Considerações Gerais – bem jurídico protegido e sujeitos do delito
............................................................................................................ 3
2.2. Tipicidade objetiva e subjetiva ...................................................... 4
2.2.1. Acórdão n° 646.106/TJDFT .................................................. 7
2.3. Formas qualificadas ...................................................................... 9
2.4. Causas de aumento de pena ...................................................... 10
2.5. Exclusão de ilicitude, pena e ação penal .................................... 10
3. O princípio da insignificância quando ocorrida a violação domiciliar . 12
3.1. Análise da antinomia jurisprudencial ........................................... 14
4. Elementos probatórios criminais extraídos de invasão injustificada de
domicílio ............................................................................................... 15
5. BIBLIOGRAFIA ................................................................................. 20
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1. TRANSCRIÇÃO DA LEGISLAÇÃO RELATIVA
1.1. Constituição da República Federativa do Brasil
Art. 5º, inciso XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
1.2. Código Penal (Decreto-Lei N.2.848, de 7 de Dezembro de 1940)
Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a
vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas
dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
§ 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego
de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas: Pena - detenção, de seis
meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.
§ 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público,
fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei,
ou com abuso do poder.
§ 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas
dependências:
I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou
outra diligência; II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está
sendo ali praticado ou na iminência de o ser.
§ 4º - A expressão "casa" compreende:
I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III
- compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.
§ 5º - Não se compreendem na expressão "casa":
I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta,
salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do
mesmo gênero.
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2. ANÁLISE DOUTRINÁRIA
2.1. Considerações Gerais – bem jurídico protegido e sujeitos do delito
A tutela jurídica ao domicílio e manutenção íntima de sua posse permeia
diferentes momentos históricos do Direito. O Direito Romano tratou violação de
domicílio prevendo que o ingresso violento em casa alheia era considerado delito de
ofensa à pessoa (seja o proprietário, inquilino ou hóspede). O Direito Germânico
elevou o domicílio a um prolongamento da personalidade do próprio homem. Ao
longo da Idade Média, tal instituto sofreu acentuado retrocesso, até que, já à luz da
Revolução Francesa, o código penal francês de 1810 tipifica tal delito, influenciando
o Código Criminal do Império brasileiro de 1830. Posteriormente, o Código Penal
brasileiro de 1890 foi influenciado pelo Código italiano
O Código Penal vigente (de 1940) posicionou a violação do domicílio como
uma ofensa à liberdade individual, dedicando-lhe Seção própria no Código (Dos
Crimes contra a inviolabilidade do Domicílio). Já à luz da Constituição Federal, a
inviolabilidade do domicílio está prevista no Capítulo I (Dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos) do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), em seu
art. 5º, inciso XI, sendo um direito fundamental.
No particular aspecto da inviolabilidade do domicílio tutela-se a liberdade
individual, à qual se vincula o direito que a todos assiste de não ter a tranquilidade
de seu lar ou local de trabalho perturbada pela presença desautorizada de outrem.
Assegura-se ao indivíduo a possibilidade de atuar conforme sua vontade dentro do
âmbito espacial onde desenvolve suas atividades privadas. A intromissão indevida
no espaço físico alheio lesa inequivocamente a tranquilidade doméstica e a paz
íntima de seus moradores, merecedoras da proteção jurídica.
Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sem restrições (delito comum).
Mesmo o proprietário do imóvel pode ser agente do delito quando a posse estiver
legitimamente com terceiro. Sujeito passivo é o morador - que pode permitir ou
impedir a entrada ou permanência de outrem em seu domicílio - seja o proprietário,
locatário, possuidor legítimo etc.
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Quando há mais de um morador, faz-se necessário analisar a titularidade do
direito de inclusão/exclusão mediante dois regimes, quais sejam, o de subordinação
e o de igualdade. No primeiro, há uma relação hierárquica entre os diversos
moradores. Cabe ao superior ou a alguém por ele designado, de modo expresso ou
tácito - permitir ou não o ingresso ou permanência de estranho. Sob o regime de
igualdade, pertence a todos os moradores o direito de inclusão/exclusão. Em caso
de divergência de opiniões entre os moradores, aplica-se a negativa.
2.2. Tipicidade objetiva e subjetiva
A conduta típica consiste em entrar ou permanecer (tipo misto alternativo),
“clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de
direito, em casa alheia ou em suas dependências”. ‘Entrar’ significa ingressar,
introduzir-se nos limites da casa alheia ou de suas dependências (trata-se, portanto
de delito instantâneo). É preciso a entrada efetiva, que somente ocorre quando todo
o corpo do sujeito ativo penetra na casa ou em suas dependências, não bastando
sua inserção parcial (neste caso haveria apenas tentativa). ‘Permanecer’ significa
recusar-se a sair, relutar em aceder à vontade do titular que deseja que o agente se
retire (trata-se, portanto de delito permanente). Pressupõe a permanência a entrada
lícita do sujeito ativo, que, todavia, se recusa a deixar a casa ou suas dependências,
apesar do subsequente dissenso da vítima. A permanência deve se prolongar por
certo tempo, não sendo suficiente a hesitação momentânea em atender ao apelo do
morador. Inexiste concurso de delitos, mas crime único, se a permanência sucedeu
à entrada igualmente arbitrária, pois há fungibilidade entre as condutas (delito de
ação múltipla ou de conteúdo variado).
A entrada e a permanência podem ser: clandestinas, astuciosas ou francas.
Clandestina é a entrada ou permanência sorrateira, realizada às escondidas do
morador, driblando sua vigilância. O agente entra sem ser visto ou permanece sem
que a vítima saiba. A entrada ou permanência serão astuciosas quando o agente
utilizar de meios fraudulentos para induzir ou manter o morador em erro e, assim,
obter o seu consentimento, ou para escapar à sua vigilância. Há, portanto, o
emprego de fraude, ardil ou artifício para o ingresso ou continuação na casa. É o
que ocorre quando o agente, por exemplo, finge ser o entregador de pizza que traz o
pedido. Por fim, tem-se que a entrada ou permanência serão francas quando o
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agente contraria abertamente, sem subterfúgios, a vontade do sujeito passivo, seja
por seu dissenso expresso ou tácito.
Tanto na entrada ou permanência clandestinas quanto nas astuciosas, é
presumido o dissenso do morador; na forma franca, pode ser tácito ou expresso. O
dissenso tácito é demonstrado por fatos concretos (por exemplo: porta fechada,
campainha, alarmes) dos quais se deduz a vontade do dono de que não se entre
sem sua permissão; enquanto o expresso é evidenciado por palavras, escritos,
gestos ou meios simbólicos. A vontade tácita não se confunde com a presumida.
Naquela há uma manifestação de vontade, evidenciada por fatos positivos e
concretos; na vontade presumida, porém, há em verdade uma ficção, que demonstra
a vontade neste ou naquele sentido.
O domicílio tutelado pela lei penal não corresponde ao domicílio civil, definido
como o lugar onde a pessoa natural estabelece a sua residência com ânimo
definitivo, o centro de suas ocupações habituais ou o ponto central de seus negócios
(arts. 70 a 73, CC). Na esfera penal, a expressão “domicílio” engloba qualquer
compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva ou compartimento
não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (art. 150, § 4.°,
CP). A lei penal não protege apenas o domicílio tal como a lei civil o define, mas
todo lugar de habitação ou atividade privada. O termo ‘casa’ compreende qualquer
espaço delimitado habitado por alguém. Desnecessário que se trate de construção
fixa ao solo: pode perfeitamente consistir em estrutura móvel. A entrada ou
permanência em casa vazia ou desabitada não configura o delito em apreço.
Entretanto, uma vez ocupada a casa, não obsta a caracterização do delito a
ausência do morador. O termo ‘dependências’, por sua vez, abarca os locais que se
incorporam funcionalmente à casa, embora não a integrem materialmente (jardins,
quintais, garagens etc.). Esses lugares devem guardar um vínculo com a casa de
moradia.
O sentido penal para o termo ‘domicílio’ está na mesma esteira do sentido
constitucional. De acordo com a doutrina de Alexandre de Moraes, o termo domicílio
tem amplitude maior do que no direito privado ou no senso comum, não sendo
somente a residência, ou ainda, a habitação com intenção definitiva de
estabelecimento. Domicílio seria todo local, delimitado e separado, que alguém
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ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive profissionalmente, pois nessa
relação entre pessoa e espaço, preserva-se, mediatamente, a vida privada do
sujeito.
Reconhece-se também como inviolável o local onde alguém se dedica à sua
ocupação habitual (escritório de advocacia, estúdio fotográfico, atelier de arte etc.),
que sirva ao desempenho de uma atividade individual privada, mesmo que ausentes
seus ocupantes no momento da entrada arbitrária. Tal abordagem está em
consonância com a jurisprudência do STF que considera ‘domicílio’ até mesmo o
local onde se exerce a profissão ou atividade, desde que constitua um ambiente
fechado ou de acesso restrito ao público.
Não se compreendem na expressão ‘casa’ a hospedaria, estalagem ou
qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta (salvo o aposento ocupado), bem
como a taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero, precisamente por serem
abertos ao público, e, consequentemente, não apresentarem a natureza de espaço
reservado à vida privada do indivíduo. Entretanto, os recintos fechados, destinados à
moradia de alguém, ainda que localizados nos lugares acima apontados, conservam
seu caráter de invioláveis.
O tipo subjetivo do delito de violação de domicílio é integrado pelo dolo (direto
ou eventual) - consciência e vontade de entrar ou permanecer em casa alheia sem o
consentimento de quem de direito. O conhecimento do dolo compreende o dissenso
do sujeito passivo. O erro acerca do consentimento exclui o dolo. O não
consentimento da vítima pertence ao tipo. Como o bem jurídico protegido é
disponível, o consentimento de seu titular exclui a tipicidade. É requisito típico
(desvalor da ação) que a ação ou omissão se realize contra ou sem a vontade do
sujeito passivo.
Trata-se de delito de mera conduta: a simples entrada ou permanência
consuma o delito. Além disso, é delito subsidiário, ou seja, se a violação de domicílio
figurar como elementar de outro delito, tal como ocorre, por exemplo, no delito de
furto (art. 155, CP), não haverá concurso material. Nessa hipótese, verifica-se uma
relação de subsidiariedade tácita, de modo que o tipo penal subsidiário (art. 150,
CP), de menor gravidade, entra na composição de outro, como elemento objetivo do
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tipo ou circunstância agravante (qualificadora/causa de aumento de pena).
Configurado o tipo principal, afasta-se a aplicação concomitante do dispositivo
subsidiário. A invasão de domicílio subsistirá, porém, como delito autônomo sempre
que for um fim em si mesma, quando houver dúvida quanto ao verdadeiro propósito
do agente, ou, quando este desistir do crime-fim ou a invasão de domicílio constituir
mero ato preparatório, ante a frustração do início da execução do crime-fim.1
2.2.1. Acórdão n° 646.106/TJDFT
O Acórdão n° 646.106 da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios na Apelação Criminal 2010 10 1 004633-5 APR, de relatoria da
Desembargadora SANDRA DE SANTIS, nos mostra em sua ementa a necessidade
de existência da tipicidade objetiva e subjetiva para configurar o tipo penal, como
segue:
E M E N T A
PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – VIOLAÇÃO DE
DOMICÍLIO – CONCEITO DE CASA – DOSIMETRIA –
AGRAVANTE DO ART. 61, II, “F”, DO CÓDIGO PENAL.
I. Para caracterização do delito do art. 150 do Código
Penal, basta a intenção genérica de entrar em habitação alheia,
sabendo que procede ilegitimamente.
II. O conceito de casa estende-se aos jardins, pátios,
quintais, garagens e afins, desde que se trate de recintos
fechados.
III. A insignificância não se verifica apenas pelo resultado,
mas principalmente pela relevância e ofensividade da conduta.
O fato foi praticado no contexto de relações domésticas e
1 Com lastro na teoria da prevalência, de Carrara, vários autores concluem que o segundo crime
absorve a violação de domicílio, salvo se menos severamente punido. Em sentido oposto, sustentando a existência de concurso material, argumenta-se que se ocorre novo delito, a violação de domicílio já está perfeita e acabada e, portanto, tem-se concurso real de delitos, como ocorrer, por exemplo, quando o agente entra em casa alheia e pratica adultério, sedução, injúria ou constrangimento ilegal.
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familiares, o que demanda resposta rápida e efetiva do Estado
para coibir e prevenir o agravamento da relação.
IV. Recurso improvido.
O acórdão se baseia na denúncia de que o acusado e apelante pulou o muro
que delimita a propriedade da vítima, bateu à sua janela e ao não obter resposta,
abriu sua janela. Nesse sentido, a Relatora observa e conclui a existência da
tipicidade subjetiva demonstrada pelo dolo do acusado, caracterizado em seu voto,
na seguinte forma: "Para caracterização do delito do art. 150 do Código Penal, basta
a intenção genérica de entrar em habitação alheia, sabendo que procede
ilegitimamente.".
A Desembargadora também demonstra, a existência da tipicidade objetiva na
ação do acusado, ao apontar, através de citação doutrinária, de que a mera invasão
das limitações da propriedade já assinala invasão ao domicílio. Essa demonstração
se observa no seguinte trecho de seu voto: “O conceito de casa, ao contrário do que
sustenta a defesa, estende-se ao quintal”. O muro delimita os limites da residência,
ao saltá-lo o acusado invadiu a propriedade da vítima. Conforme ressaltou o
sentenciante “entende-se por dependências ‘os jardins, pátios, quintais, garagens
etc., desde que se trate de recintos fechados (muros, grades, cercas)’(H. Fragoso,
lições de Direito Penal – Parte Especial, 1995, vol. 1, p.163).”.
Ao observarmos o voto da Desembargadora SANDRA DE SANTIS, notamos
que para ela, o crime de invasão de domicílio se aproxima mais da violação ao bem
jurídico-propriedade, composto pela invasão ao terreno em que se encontra a casa,
do que propriamente à liberdade individual. Em nosso entendimento, a invasão de
propriedade configurada quando o acusado pulou o muro não remete à invasão ao
domicílio. Essa simples invasão, em nosso entendimento, possui as mesmas
características da ideia da invasão em busca de uma simples bola que cai no
quintal. Não há, em ambos os casos, o dolo de afetar o bem jurídico liberdade
individual no sentido da tranquilidade do lar, como exposto acima no item 2.1., mas
afetou-se, no entanto, a propriedade. Em nossa visão, a invasão ao domicílio
ocorreu no momento em que o acusado abre a janela do quarto da vítima, afetando
agora sim, sua liberdade individual, pois esse ato atinge sua intimidade de uma
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forma mais intensa e também causa uma quebra do seu sentimento de segurança,
demonstrando dessa forma, uma real afetação ao bem jurídico tutelado.
2.3. Formas qualificadas
O §1.° do artigo 150 versa sobre o crime é cometido durante a noite, ou em
lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais
pessoas. Por noite entende-se o período compreendido entre o completo pôr do sol
e o seu nascer2. É o fenômeno da absoluta obscuridade ou ausência de luz solar. A
prática do delito durante a noite debilita a defesa da vítima e facilita a impunidade do
agente, por isso implica maior gravidade do injusto. Vale lembrar que é preciso que
a circunstância da noite diminua a capacidade de resistência ou de defesa do sujeito
passivo ou dificulte a identificação ou detenção do delinquente
É prevista ainda como qualificadora a prática do delito em lugar ermo, dado
que a produção do resultado delituoso revela-se mais provável, pois a vítima está ao
desamparo e o agente é favorecido pela clandestinidade para a aproximação e a
prática do delito, além de protegido para a fuga e impunidade. Ermo é o local
habitualmente isolado, deserto e pouco frequentado. Afasta-se a qualificadora se o
local está acidentalmente ermo (pois nessa hipótese a relativa privação de socorro
não se opera de modo constante) ou se o lugar normalmente não frequentado
encontra-se habitado por ocasião do abandono.
Por fim, qualifica-se o delito se há o emprego de violência ou de arma, ou se
praticado por duas ou mais pessoas, pois a prática do delito revela-se mais facilitada
e a vítima tem diminuída sua capacidade de resistência. A violência é a força física
empregada para suplantar a resistência oposta pelo sujeito passivo. Pode ser
imediata (quando efetuada diretamente sobre o sujeito passivo) ou mediata (quando
exercida sobre terceiro ou sobre coisa, por exemplo, arrombamento). É necessário
que haja o efetivo emprego da arma (própria ou imprópria). Isso significa que o
2 Há, no tocante a este tema, certa divergência doutrinária. Para José Afonso da Silva, dia é o período
das 06h00 às 18h00. Para Celso de Mello, deve ser levado em conta o critério físico-astronômico, como o intervalo de tempo situado entre a aurora e o crepúsculo. Guilherme de Souza Nucci afirma que noite é o período que vai do anoitecer ao alvorecer, pouco importando o horário. Alexandre de Moraes acredita que a aplicação conjunta de ambos os critérios alcança a finalidade de maior proteção ao domicílio durante a noite, resguardando-se a possibilidade de invasão domiciliar com autorização judicial, mesmo após as 18h00, desde que, ainda, não seja noite (no horário de verão, por exemplo).
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agente deve dela fazer uso, para atacar a vítima ou lhe incutir temor, empunhando-a
ameaçadoramente ou portando-a de modo ostensivo. Para o crime praticado por
duas ou mais pessoas não é necessário que todas estejam presentes no momento
da execução.
2.4. Causas de aumento de pena
O § 2.° do artigo 150 acrescenta que a pena aumenta-se se o fato é cometido
por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das
formalidades estabelecidas em lei (mandado de despejo, penhora etc.), ou com
abuso do poder, fatores que indicam maior desvalor da ação. Os casos legais são
aqueles que excluem a ilicitude da conduta (art.150, § 3.°, CP). O abuso de poder
ocorre quando o agente excede no poder de fiscalização ou assistência que lhe
incumbe. Em se tratando de autoridade, é possível a caracterização do crime
previsto no artigo 3.°, b , da Lei 4.898/1965 (Abuso de Autoridade).3
2.5. Exclusão de ilicitude, pena e ação penal
É lícita a invasão de domicílio quando praticada nas condições estipuladas
pelo artigo 150, § 3.°, I e II, CP. Assim, não constitui crime a entrada ou
permanência em casa alheia ou em suas dependências: a) durante o dia, com
observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência
(compreendendo tanto as de natureza judicial ou policial como as de cunho
administrativo ou fiscal); b) a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime
está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. O artigo 150, § 3.°, II, é norma
penal não incriminadora excepcional ou singular em relação à norma não
incriminadora geral (art. 23, CP), de modo que não é de ser aplicada a analogia,
ainda que para beneficiar o réu.
A própria Constituição, em seu artigo 5.°, XI, determina que “a casa é asilo
inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito [art. 302, CPP4] ou desastre, ou para
3 Lei 4.898/1965, art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: (...)
b) à inviolabilidade do domicílio; 4 Art. 302, CPP. Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II –
acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer
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prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial [busca e apreensão
domiciliar, etc]”. Assim, violação de domicílio legal, sem consentimento do morador,
é permitida, porém somente nas hipóteses constitucionais: a) durante o dia: flagrante
delito ou desastre ou para prestar socorro, ou, ainda, por determinação judicial.
Somente durante o dia, a proteção constitucional deixará de existir por determinação
judicial; b) durante a noite: flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro. O
STF já decidiu que mesmo sendo a casa o asilo inviolável do indivíduo, não pode ser
transformado em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior se
praticam.5
Comina-se à violação de domicílio, alternativamente, pena de detenção, de
um a três meses, ou multa. Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar
ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas, as
penas abstratamente previstas são de detenção, de seis meses a dois anos, além
da pena correspondente à violência. Se o fato é cometido por funcionário público
fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei,
ou com abuso do poder, aumenta-se a pena base em um terço.
O processo e o julgamento do delito insculpido no artigo 150, caput, e § l.°,
CP, incumbem aos juizados Especiais Criminais (art. 61, Lei 9.099/19956). Admite-se
ainda em ambas as hipóteses a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei
9.099/19957), ressalvada a hipótese de vítima mulher, no âmbito do art. 41 da Lei
11.340/2006 que prescreve que “aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº
9.099/95”.
pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. 5 RTJ, 74/88 e 84/302.
6 Lei 9.099/1995, art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os
efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. 7 Lei 9.099/1995, art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). (...) Este artigo ainda contém outras providências acerca da suspensão condicional do processo.
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A ação penal é pública incondicionada.
3. O princípio da insignificância quando ocorrida a violação
domiciliar
O Princípio da Insignificância remonta ao Direito Romano. Já à época, dizia-
se que “o pretor não cuida de minudências” – minimis non curat praetor. “Bagatelas”
não são do escopo do Direito Penal, segundo tal princípio. Faz-se necessária a
análise do caso concreto para a aplicabilidade de tal princípio, não se podendo falar
em generalização, no plano abstrato.
O direito brasileiro não positiva expressamente o princípio em tela. Crimes de
menor potencial ofensivo, definidos ao art. 61 da Lei 9.099/95 e submetidos aos
Juizados Especiais, não guardam relação simbiótica com o Princípio da
Insignificância. Porquanto fora jurisprudencialmente que se assentou entendimento
dos critérios que, embora não conduzam o réu à extinção da punibilidade do ato,
resultam na atipicidade e absolvição (STF, 2ª Turma, HC 98.152-6/MG, rel. min.
Celso de Mello, j. 19/05/2009). Capez (2009) elencou as circunstâncias que orientam
o poder jurisdicional a enquadrar um caso concreto no princípio descrito, quais
sejam, (i) a mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) a nenhuma
periculosidade social da ação; (iii) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento; e (iv) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (STF, 1ª
Turma, HC 94439/RS, rel. min. Menezes Direito, j. 03/03/2009).
Sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, o Supremo Tribunal Federal,
no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 119.303 / MG, julgou pedido da Defensoria
Pública no tocante ao enquadramento do furto de um aparelho eletrônico de
R$90,00 ao Princípio da Insignificância como arguição para absolvição do réu, como
aduz a seguinte ementa:
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EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL.
PACIENTE DENUNCIADO PELO CRIME DE FURTO.
INVASÃO DE DOMICÍLIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE E
OFENSIVIDADE DA CONDUTA DO AGENTE.
REINCIDÊNCIA. REITERAÇÃO CRIMINOSA. RECURSO
IMPROVIDO.
I – A aplicação do princípio da insignificância, de modo a
tornar a ação atípica, exige a satisfação, de forma
concomitante, de certos requisitos, quais sejam, conduta
minimamente ofensiva, ausência de periculosidade social da
ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e
lesão jurídica inexpressiva.
II – Na hipótese dos autos, a conduta do recorrente não
pode ser considerada minimamente ofensiva, porque o furto de
um aparelho de DVD de valor estimado de R$ 90,00 (noventa
reais) foi praticado mediante invasão do domicílio da vítima.
III – Ademais, infere-se dos autos que o paciente dá
mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi,
uma vez que além de ser
reincidente específico, há em seu desfavor registros de
diversos inquéritos policiais por crimes contra o patrimônio.
IV – Na espécie, a aplicação do referido instituto poderia
significar um verdadeiro estímulo à prática desses pequenos
furtos, já bastante comuns nos dias atuais, o que contribuiria
para aumentar, ainda mais, o clima de insegurança hoje vivido
pela coletividade.
V – Recurso improvido.
Acontece que, no caso, o furto foi precedido por invasão de domicílio da
vítima. Não fora tal precedente, associado à reincidência criminal do réu, o
posicionamento da Defensoria Pública potencialmente seria corroborado pelo
Tribunal no sentido de caracterizar o Direito Penal como resposta desproporcional à
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ação lesiva. O Ministro Relator, cujo voto fora acompanhado por maioria, afastou a
aplicabilidade do princípio haja vista a agressão à inviolabilidade do domicílio não
poder, de certo, ser esquadrada como dispensável ao Direito Penal. Lewandowski
explorou a proteção Constitucional da casa do indivíduo para elevar a intenção
legislativa de proteção de tal bem jurídico, individual e intimista, não lhe cabendo sua
lesão ser taxada como inexpressiva.
Em tal julgado, é mister destacar a posição antagônica apresentada pelo
Ministro Celso de Mello, que entendeu ser irrelevante a significância da invasão
domiciliar, uma vez que teria sido praticada única e exclusivamente como atividade-
meio para atingimento da subtração patrimonial, o que faria da violação de domicílio
um aspecto absorvido pelo delito-fim, por meio do critério da subsidiariedade ou da
consunção (“major absorbet minorem”). Desta forma, tratar-se-ía da resolução de um
conflito aparente de normas, implicando na desconsideração da violação domiciliar
como penalmente relevante.
3.1. Análise da antinomia jurisprudencial
Tal antinomia entre os Ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski
acerca do mesmo tema é igualmente observada no Recurso Ordinário em Habeas
Corpus 113.381 / RS. Neste último, entretanto, o enquadramento da violação
domiciliar como mera etapa do real delito em tela - o furto – foi entendido como
crucial à passividade da aplicação do Princípio da Insignificância. Há de se observar
que os dois casos foram avaliados pelo Plenário do Supremo quase
contemporaneamente e recentemente (ambos datados de 2013), levando-nos a
concluir que a ocorrência da invasão domiciliar procedida de furto, sendo este último
de irrelevante valor, não fora ainda pacificado em tal Corte quanto ao seu
abarcamento pelo Princípio da Bagatela.
Ao entendimento dos ora autores, data vênia, a aplicação do critério de
subsidiariedade (ou consunção) explorado pelo Ministro Celso de Mello não poderia
ter padecido de observar a gravidade das normas conflitantes, no caso concreto, e
nunca de forma abstrata. O delito de furto, a princípio, revela-se como mais grave do
que o bem jurídico protegido ao art. 150 do Código Penal. Outrossim, seria esse o
entendimento caso feita explicitamente a comparação entre a violação do domicílio
15
ante o furto de um bem de R$90,00? Neste sentido, o voto vencedor do Min. Ricardo
Lewandowski parece elevar de forma mais adequada a relevância social da violação
domiciliar enquanto delito que, em sendo atividade-meio ou fim do infrator, por si só
afasta os critérios jurisprudenciais que permeiam a aplicação do Princípio da
Insignificância, porquanto não há de se falar em invasão domiciliar sendo um delito
“menos amplo” ou “menos grave” (premissas da consunção e da subsidiariedade)
relativamente a um furto que, de tal ínfimo valor, é questionado como mera bagatela,
na acepção jurídica do termo.
4. Elementos probatórios criminais extraídos de invasão
injustificada de domicílio
Ensina-nos Ada Pellegrini Grinover, em Liberdades públicas e processo
penal:
"A inadmissibilidade processual da prova ilícita torna-se
absoluta, sempre que a ilicitude consista na violação de uma
norma constitucional, em prejuízo das partes ou de terceiros. (...)
(...) toda vez que uma prova for colhida em desrespeito aos
princípios constitucionais, expressos ou implícitos, no que
concerne à tutela do direito à intimidade e de seus
desdobramentos, a referida prova não poderá ser admitida no
processo, por subsumir-se no conceito de inconstitucionalidade."
Em acórdão, o Tribunal do Distrito Federal e dos Territórios absolveu um
acusado de crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto
no artigo 16 da Lei no 10.826/03, ao entender sem eficácia probatória a prova obtida
ilicitamente, cuja apuração se deu diante de comportamento ilícito de policiais que
violaram o domicílio do acusado.
Esse entendimento foi confirmado pelo STF no Recurso Extraordinário
597.752. Neste recurso, o recorrente afirma a insubsistência da decisão proferida
pelo Tribunal, uma vez que a hipótese estaria relacionada com o tipo “flagrante delito
de crime permanente”, o que justificaria o ato de adentrar o domicílio do acusado em
face de garantia constitucional prevista no artigo 5o, XI.
16
O artigo 150 trata das condutas que consideradas ofensivas pelo legislador,
uma vez que tratam do respeito à perturbação do lar alheio.
A lei penal fala em entrar e permanecer. Esses são os verbos do tipo. Entrar
pode ser entendido como invadir ou ultrapassar limites. Permanecer configura-se
quando o agente recusa-se a sair da residência da vítima. De acordo com o caput,
para que se verifique o crime, é preciso que o agente tenha adentrado
astuciosamente, clandestinamente ou contra a vontade expressa ou tácita do dono.
Não há ilicitude quando a ação se der em caso de flagrante delito, e nem se for para
cumprir mandado judicial durante o dia.
Também podemos dizer que a objetividade jurídica da norma penal do art.
150 é a incolumidade doméstica. É o local de repouso da pessoa. Se houver
delimitação, com proteção ao público, podemos considerar como domicílio.
Nos dizeres de Cezar Bitencourt8: O bem jurídico protegido, nesse tipo penal,
continua sendo a liberdade individual, ou seja, o status libertatis na sua expressão
mais elementar, que é a inviolabilidade domiciliar, a invulnerabilidade do lar, que é o
lugar mais recôndito que todo o ser humano deve possuir, para encontrar paz,
tranquilidade e segurança junto aos seus familiares. A intimidade e a privacidade,
que são aspectos da liberdade individual, assumem dimensão superior no recesso
do lar e aí, mais que em qualquer outro lugar, necessitam de irrestrita tutela legal,
justificando-se, inclusive, a proteção constitucional (art. 5°, X).
No acórdão em questão, o relator Min. Luiz Fux menciona o parecer do
Ministério Público Federal (folhas 234/235), que observa que, para legitimar-se o
flagrante no crime permanente, e também para que seja dispensado mandado
judicial para ingresso em domicílio alheio, é necessário que a autoridade policial
tenha fundadas suspeitas sobre o cometimento do crime, e não mera desconfiança.
Não é admissível que, sem razão séria para o flagrante, e sem qualquer indício de
crime, a polícia efetue busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial. A
descoberta e apreensão domiciliar das armas ocultadas foi meramente acidental,
8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 2 Parte Especial Dos Crimes contra a
Pessoa. 7ª edição. Editora Saraiva. p. 395.
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sendo possível validar flagrante ocorrido a partir de busca e apreensão feita ao
arrepio da lei e da Constituição.
No voto do condutor do julgamento, extrai-se pelos depoimentos colhidos, que
os policiais confessam o ingresso na casa do acusado, sem ordem judicial, sob a
alegação de que suspeitaram do apelante, por este ter ficado nervoso quando o
abordaram. O fato de terem desconfiado da conduta do réu não configura caso de
flagrante delito, e muito menos havia justa causa para que adentrassem em sua
residência sem expressa autorização.
Ainda que o apelante tenha confessado, quando interrogado na Delegacia,
que detinha em sua posse as referidas armas, não lhe restava outra alternativa
diante da prova material do delito, o que não aconteceria se não tivesse ocorrido o
procedimento ilícito dos policiais. Portanto, a confissão também restou imprestável,
respeitando a norma constitucional que veda a utilização da prova ilícita.
Os agentes da polícia militar sabiam que não dispunham de autorização
judicial para adentrar na casa do sujeito, sendo assim, a ação policial configura
invasão de domicílio. Não é admissível que, sem razão séria para o flagrante, e sem
qualquer indício de crime, a polícia efetue busca e apreensão domiciliar sem
mandado judicial. Além do mais, casos como esses, em que policiais entram sem
ordem judicial entram em casa alheia porque suspeitam de que lá atividades ilícitas
são praticadas ou dizendo que receberam “denúncias anônimas”, estão se tornando
rotina.
Podemos perceber que as populações mais atingidas por ações policiais
como essas, em que domicílios são violados, são as populações dos setores menos
favorecidos da nossa sociedade, ou seja, os setores marginalizados. Uma vez que a
maior parte das violações de domicilio cometidas por agentes do Estado são
direcionadas para esse setor, se faz necessário que o Estado se esforce para fazer
valer os direitos fundamentais garantidos pela constituição para todos os cidadãos.
De modo que as pessoas de menor poder aquisitivo não vejam seus direito
ignorados pelo poder público, mesmo porque todos são iguais perante a lei.
18
O estado não deve se omitir da responsabilidade quando seus agentes são os
responsáveis pela violação dos direitos fundamentais da garantidos pela
constituição, já que é dever desses selar para que os direitos constitucionais sejam
garantidos para todos. Assim, como nos diz Cezar Roberto Bitencourt;
Todos têm o dever constitucional de respeitar a inviolabilidade da “casa
alheia” ou de suas dependências, mormente os funcionários do Estado, que, antes
de tudo, devem protegê-la; assim, quando estes – funcionários públicos – infringem
o art. 150, violam também um dever funcional, justiçando-se a especial agravação
da pena.9
Assim, o relator do processo em questão, Ministro Luiz Fux, agiu em defesa
dos direitos garantidos pela nossa constituição federal ao negar o seguimento ao
recurso extraordinário.
É importante saber distinguir, porém, os casos em que realmente existe a
situação de flagrante delito. Sabendo que muitas vezes policiais se utilizam do
argumento da “denúncia anônima” para adentrar em residência sem ordem judicial e
sem a presença do flagrante delito, muitas defesas tentam usar dessa justificativa
para inocentar seus clientes alegando dúvida quanto a existência da situação de
flagrante.
No HC 86.082/RS, a questão consistiu novamente na possível existência de
prova ilícita, o que contaminaria o processo que resultou na condenação do réu.
Neste caso, porém, diferentemente do RE 597.752 (mencionado anteriormente), o
STF denegou o recurso de habeas corpus ao entender não ter havido violação de
domicílio e, portanto, não haveria o que se falar em prova ilícita.
Consta da denúncia contra o recorrente que os denunciados transportaram
479 kg de maconha em um avião de Dourados até Uruguaiana. Porém, quando o
aparelho pousava na propriedade rural arrendada por um dos denunciados, veio a
exceder os limites da pista de pouso e colidir com uma porteira, acidente que
provocou avarias na aeronave, as quais impediram-na de voar novamente. O fato foi
comunicado, por meio de telefonema anônimo, a policiais civis de Uruguaiana, os
9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Vol. 2 Parte Especial Dos Crimes contra a
Pessoa. 7ª edição. p. 407.
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quais dirigiram-se para o local onde apreenderam o avião escondido nas
proximidades da pista sob uma lona plástica preta. Os denunciados desembarcaram
o entorpecente e transportaram-no em uma camioneta, vindo a depositá-lo em um
mato existente nas imediações, onde foi apreendido pela Polícia. Vale notar, que o
local onde se encontrava o avião e a droga depositada havia sido informado pela
ligação telefônica anônima. Quando chegavam no local, os policiais civis
perseguiram a camioneta conduzida e tripulada pelos denunciados, os quais
tentaram livrar-se de partes danificadas da fuselagem da aeronave.
Em seu voto, a relatora Min. Ellen Gracie observa que sequer haveria de se
cogitar de prova no que tange à “denúncia anônima”, uma vez que, segundo os
autos, os dados repassados ao policial civil ensejaram a realização de diligência
policial, sendo que no trajeto ao local indicado, sobrevieram elementos indiciários
acerca da prática de ilícito penal. Diz ainda que: “Há elementos que apontam, no
caso concreto, para a situação de flagrância no que tange à prática de crime de
tráfico de entorpecente que tem a natureza de crime permanente, a autorizar que os
agentes policiais possam adentrar o domicílio das pessoas suspeitas sem
necessidade de ordem judicial para o fim de reprimir e fazer cessar a prática
delituosa.”
Finalmente, devemos perceber também que, nesse caso, não se trata de
opressão a setores menos favorecidos da sociedade, mas de combate a criminosos
com organização e recursos consideráveis.
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5. BIBLIOGRAFIA
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Permanente. Disponível em <http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/2013-02-
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus
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