ALCOBAgA - Repositório da Universidade Nova de Lisboa
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MARIA ADELAIDE MIRANDA
A ILUMINURA ROMANICA EM SANTA CRUZ DE COIMBRA
E
SANTA MARIA DE ALCOBAgA
Subsídios para o estudo da iluminura em Portugal
Primeiro Volume. Tomo 2
'C.
y
DISSERTA^AO DE DOUTORAMENTO EM HISTORIA DA ARTE MEDIEVAL
UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
1996
•--1 , <-,
-_ v,' ; -,* __.
IV. ICONOGRAFIA E ORNAMENTO
4.1. Sacralizacão do Tempo
4.2. Sacralizacão do Espaco
4.3. Imagens do Sagrado
4.4. Iraagens do Humano
4.5. Bestiário
4.6. No Reino do Ornamento
A abordagem autonoma dos programas iconográf icos e da
ornamentacão, permitir-nos-á individualizar melhor os
scriptoria de Santa Cruz e Alcobaca.
Com influências muito diversas os dois scri ptoria optaram
por manuscritos despojados de cenas de carácter narrativo.
A iconografia também é bastante reduzida nos seus
programas . A explicacão mais geral deste facto encontrámo-la
no modo singular do monge medieval viver o tempo e o espaco,
no gual o guotidiano era desvalorizado.
Na Península Ibérica esta atitude assumirá aspectos
particulares como veremos .
0 guotidiano que inspirava as imagens da sociedade
enquanto tal, está relativamente ausente e é redimensionado em
representacoes do sagrado que , correspondem ãs preocupacôes dos
monges e dos que zelavam pelo uso das tradicôes iconográf icas .
São os monges que garantem esta visão do mundo, que passa
por uma outra vivência do tempo e do espaco.
Os gestos e as palavras, eles prôprios, sâo condicionados
por rituais cuja origem se perde no cristianLsmo primitivo.
As relacôes de dependéncia entre os honien.. obede-.:em ■ -.
cerimoniais que se procuram sacralizar.
287
a
A percepcão visual está limitada por um imaginário que
ordena todo o universo e encontra a sua matriz na Bíblia.
Este processo utôpico, segundo Albert d'Haenens560,
consiste numa recusa total do presente e do passado imediato,
em nome dum futuro que se quer seja diferente. Â partida,
utopia monástica inscreve-se no quotidiano por uma inspiragão
partilhada e vivida espontaneamente pelo fundador e os seus
companheiros.
As representacôes do quotidiano são assim, integradas numa
visão do mundo na qual são fundamentalmente expressôes do
divino. A imagem é símbolo, escondendo um significado muito
profundo, ambivalente e so excepcionalmente é tomada em si.
São os monges e os cánegos ,os responsáveis privilegiados
pelo processo de sacralizacão do tempo e do espaco, e
simultaneamente os principais criadores de imagens neste
período.
4.1. Sacralizacão do Tempo
A vida da comunidade monástica assenta numa ruptura com
o tempo profano que pretende ser abolido pela vivência do tempo
sagrado. Os monges procuram atingir um tempo de perfeicão que
reactualize o tempo primordial do prôprio cristianismo. No séc.
XI, quer Cônegos Regrantes guer Cistercienses efectuam um
percurso para esse tempo. Os primeiros, através da procura de
uma vida inspirada na simplicidade apostôlica, ao encontro da
prôpria vivência de Cristo na terra, os segundos procurando um
retorno aos preceitos da Regra de S. Bento .
0 quotidiano dos clérigos, e em especial o dos monges ,
apesar de ritmado pelas tarefas que asseguram toda a
sobrevivéncia material, é vivido em fungão do tempo litúrgico.
■•""
Albert d'Haenens Quot.ioâiennete et Contexte ,
Louva i n-] a Neuve . . . p .
288
0 tempo clerical estrutura e cristianiza o trabalho e as
festividades agrárias, coincidindo a época das colheitas e
sementeiras com os grandes momentos do calendário litúrgico
anual. A sacralizacão da utilizacão do tempo incide ainda sobre
variados aspectos da vida quotidiana, que vão desde o exercício
da guerra ås actividades sexuais, passando pela utilizacão das
oracôes como unidade de contagem do tempo , explicando-se por
vezes que tal actividadedemore a executar tantos credos
,avé-
marias ou padre- nossos561.
A vida de oracão implicava pois a experiência ininterrupta
do tempo sagrado e côsmico, curvando-se aos ritmos circulares,
afastando-se de tudo aquilo que podia perturbá-la. A comunidade
monãstica vivia já a eternidade.^2.
Esta vivência, virada para uma busca de comunicacão coro
o invisível, leva o monge a construir uma relacâo imaginária
com o objecto, projectando os seus fantasmas na criacão de
imagens metafôricas e simbôlicas. A descoberta das paisagens,
do sentido do espaco, do prôprio homem e do seu corpo estão
estreitamente ligada a topoi de referência em que os livros
sagrados e especif icamente a Bíblia- estarão sempre presentes.
A observacão empírica ou racional da realidade está muito
ausente das suas preocupacoes ,vivendo num mundo povoado de
significados, reenvios, sobressentidos ,manifestacôes de Deus
nas coisas563
rj61Luis Krus, Tempo na Idade Media in Dicionario
Ilustrado da Historia de Portugal coord. José Costa Pereira,
Lisboa, Alfa,1986. pp. 279-280.
'>"?Cf. Georges Duby Le Moyen Age:Adolescence
d(- la
chretienté Occidentale 9 S 0- 1 I 4 0 ,Genêve : Alcbert
Skira, 1984. p. 116; J. Filguera Valverde, Tempo y gr-zo eterno
en la narrativa medieval, Ediciones Xerais de Galiria, Vigo,
19 8 2.
'"'■■
Aaron Gourevitch, Les catngcries de la culiui~e
medievale, Gallimard, Paris, 1 983 , pp. 31-154 .
2 89
Desde os primeiros tempos do cristianismo que o monge além
de participar no tempo da Historia, da sua vida pessoal e
colectiva, procura viver o tempo da Salvacão.
As primeiras regras monásticas preocupam-secom a resposta
a estas inquietagôes . Entre elas a que maior divulgacão teve
a Ocidente foi a de S. Bento'"""1 .
Nas comunidades beneditinas, o monge vive intensamente o
calendário litúrgico, seguindo o Temporal e o Santoral que os
costumeiros prescrevem de forma pormenorizada , como já
referimos em capítulo anterior.
0 tempo beneditino estava organizado em vários eixos: a
oracão, o repouso ,o jejum e a hora da refeigão, o trabalho e
a leitura565. 0 dia a dia dos monges desenrolava-se segundo um
ciclo litúrgico que comegava nas Matinas e terminava nas
completas566.
564Criada no séc. VI, so foi imposta no territôrio
_
que
e hoje Portugal em finais do séc . XI, já que o monaquismo
ibérico vivia ainda segundo as Regras de S. Fructuoso ou Sto
Isidoro.
51,5J. Biarne, Le Temps du Moine d'Apres les Premiêres
Regles Monastiques d'Occident (IV-VI siêcles), Le Temps
Chrétien de la Fin de l'Antiquité au Moyen Age III-XIII siecles
...p.105. A organizagão quotidiana da vida do monge aparece
pela primeira vez escrita por S. Jerônonirno na sua carta a
Eustáguio.
566Nas Matinas, ou seja â meia noite, os monges
deslocavam-se do dormitôrio , juntavam-se no claustro e seguiam
em procissão para a Igreja onde rezavam no coro parte do
ofício que lhes era destinado - hinos, salmos e leituras, apos
o que voltavam para a cama. Por volta das cinco horas- Prima-
rezavam mais uma vez na igreja oragôes e salmos. As nove
reuniam-se os monges para a missa e para o capítulo onde era
imprescindível a leitura da Regra.
Depois da missa, seguia-se a hora da refeigão, tambem ela
maroada pelo ofício divino - hino de acgão de gragas antes da
releigão, e durante ela a leitura da Bíblia ou de vidas de
Santos, e no final novamente hinos.
As duas da tarde celebravam a Nona na igreja, a que se
sequia um período de trabalho.Ãs quatro voltavam a igreja para
rezarem as Vésperas , depois deslocavam-se para trabalho, e
por volta das seis jantavam. Ãs sete cantavam as Completas.
290
Os monges da Reconquista diziam todos os dias, pelo menos
100 salmos,12 ligôes, 24 hinos, 6 credos, 9 cânticos e 11
responsos, sem contar com outras pegas mais curtas56'.
Pelo seu exemplo e pela sua intervengão pastoral , esta
forma de viver e marcar o tempo difunde-se pela comunidade
laica.Lembremos o papel dos campanários que eram construídos
junto å igreja paroquial e que foram durante séculos um dos
grandes instrumentos da cristianizagão do tempo do homem
medieval .
Também as reíeigôes-
que segundo a Regra constavam de
sopa, pão e prato de legumes sendo a carne apenas permitida
aos doentes e servida em ocasioes especiais- sucediam-se aos
ofícios religiosos. 0 soar do sino concentrava os monges no
claustro e daí passavam ao refeitorio. Depois de uma oragão,
sentavam-se num silêncio, cortado apenas pela leitura da
Bíblia. Esta era efectuada no púlpito por um monge para isso
designado. Depois da comida voltavam a rezar o hino e
retiravam-se.
Ao entrar no mosteiro, os monges recusam o seu tempo de
vida profana568. 0 direito ao ôcio e condenado veementemente ,
sendo prescrito ao monge um quotidiano que pretende ser uma
ruptura com o mundo leigo; o costumeiro de S. Rufo56
567in José Mattoso,Le Monachisme Ibérique et Cluny.Les
Monastêres du dicese du Porto de l'An Mille a 1200 ... p. 281 .
568
In J. Biarne Le Temps du Moine d'apres les Premiéres
Reqles Monastiques d'Occident (IV-VI) in Le Temps Chrétien de
la Fin de l'Antiquité au MOyen Age-III-XIII siecles , Collogues
Internationaux du C.N.R.S., Paris : C .N . R . S .,1984 . p. 103. A
entrada na vida monástica pressupunha mesmo uma ruptura fisica
com o tempo profano."__ com este tempo que o monge rompe ,
com os costumes
dos seus contemporâneos assim como com a sua
família, a sua pãtria, ele parte, coloca uma
distância geográfica entre a sua antiga e a sua nova
existência .
"
"'■"
J.S. Dereine, Saint-Ruî et sos (\>utumes aux Xle eí Xlle
Siécle, in Kevue Benedi tine , t.LlX, Beluique: Abbayo ae
Madredsous, 1949, p. 167.
291
utilizado pelos Cônegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra
estabelecia a prática do jejum, o silêncio, a abstinência do
vinho e a austeridade do vestuário: "Quattuor igitur
inductionum ratione propensius inspecta videlicet cotidiani
ieiunii, continui silentii , abstinentiae a vino, vestimenti
lanei, illorum objectional aggredimur obuiare, si possimus,
subnixi utruiusque Testamenti eloquio" .
0 Livro de Usos da Ordem de Cister (B.N.L. Ms Alc. 208),
usado pelos monges de Alcobaga pronuncia-se também sobre o
silêncio570. O silêncio permitiria uma mais fácil comunicagão
com Deus, mas os monges logo criam um conjunto de gestos que
lhe permitem entenderem-se em momentos e lugares de
silêncio571. 0 codigo gestual sistematizado pelos
cluniacenses foi adoptado por quase todas as ordens monásticas,
e em especial pelos cistercienses que o privilegiaram. Pelo
locutio per signa, o monge produz os textos gestuais tendo o
corpo como suporte . 0 corpo torna-se uma espécie de codex,onde
os gestos criam uma linguagem numa alternativa â comunicagão
com o mundo exterior, mais uma vez, num processo que se
pretende de ruptura572.
Os gestos que exprimem os vários momentos litúrgicos
foram-se codificando desde os primeiros rituais cristãos, ao
mesmo tempo que se fixam as leis canônicassv\ A atitude de pé
é prôpria de sacerdote que ministra no altar; a de joelhos
570Mário Martins, Da vida e da morte dos monges de
Alcobaga, II ( 1950) ,pp. 5-7 .
h~'1In Mário Martins Disciplina dos monges ,Broteria ,
7 2,
(1961 ) .p.
S72O mesmo Livro de Usos da Ordem de Cister fornece-nos
o côdigo deste tipo de linguagem que o monge de
veria dominar.Por exemplo : "por signal de brasas, sopra o dedo
demostrador e faze asi como quem sfrega as maáos quando ha
írio"fl. ou "por dormir poem a palma na queixada e emclina a
cabega sobre ella".fl.
r,T1Jean Claude Schmitt, La raison rfta; (jostes dans
í 'Occident Médiéval , Paris, Ga Ll irrtard, 289-320 .
29 2
sinal penitencial e humildade; o sinal da cruz uma consagragão
do crente a Cristo e muitos outros gestos gue a tradigâo
litúrgica manteve até aos dias de hoje.
0 tempo das tarefas ligadas â subsistência está tarnbém
regulamentado no livro de Usos da Ordem de Cister, em fungão
do tempo litúrgico'"''
.
Há pois a preocupagão de assegurar um equilíbrio entre
tarefas que pertencem ao sagrado e ao profano.
A prática da Palavra Sagrada e da Escritura Santa
estrutura assim, o mundo monástico.
Da mesma forma que o seu quotidiano foi marcado pela
ruptura com o tempo profano, também ao nível da cultura
seleccionaram cuidadosamente o saber com os príncipios de uma
vivência que considera a vida como uma passagem para o Além.
A palavra e o texto sagrados constituem a realidade
primeira, ã qual estão subordinados as outras formas de
realidade menos pura e mais degradada575.
Apesar de tudo ,os monges estimulados mais pelo culto
divino que pelo saber profano têm, necessariamente , que saber
latim e saber cantar; estava reservada ao abade a organizagão
destas actividades, assim como de todas as outras que decorrem
dentro do mosteiro 576.
574
Citado em Mário Martins Da Vida e da Morte dos Monges
de Alcobaca Brotéria, 2-3 ,( 1961 ). Na época da ceifa, por
exemplo, prescreve-se :
"E devedes assaber que em todallas festas de XI
ligoôes em que lavramos, e nas vigílias dos sanctos,
deve o convento ouvyr missa ante que vaão lavrar.
Naquestes tenpos sooe o convento lavrar ataa Vla. E
se Mester for sayrem ante da prima, e fora do
mosteiro jantar e dormir, se for necessario o
cozinheiro e o que leer aa mesa tomem o mixto ".
',7''
Albert d'Haenens, Quotidiennete et Contexte, ,Louvain-
la-Neuve. p. 590.
José Mattoso Cultura Mona-.rf.ica em Portugal ,in
Religiao e Cultura na Tdade Merfia Portugucsa,
Lisboa,I.N.C.M.1982.p. 358.Jean Claude Schitt, La Raison des
gestes dans l'Occident Mêdiéval .. .pp. 57-92 .
29 3
Para além da actividade litúrgica que marcava as
diferentes horas do dia, consoante as ordens religiosas, a
lectio divina ocupava também uma parte importante do dia do
monge e exigia-lhe leituras complementares . As escolas e o
ensino letrado continuam a estar a cargo exclusivamente do
clero5'7".
A leitura colectiva ocupava uma parte também considerável
do tempo do monge. Tem lugar no coro e no refeitôrio e no
claustro; na galeria adjacente å igreja. 0 abade toma o lugar
a meio, sob um nicho onde se encontra uma imagem de Nossa
Senhora, e daí ,ao fim do dia, antes do Ofício das Completas,
preside â leitura comum, habitualmente tomada do livro das
Collationes de João Cassiano, suf icientemente documentado em
Alcobaga. No entanto, a leitura individual tem lugar no espago
reservado a cada monge (gue não pode ser espago diferente
daquele que lhe foi destinado ao monge), ou também no claustro
ou na sala comum"578.
Múltiplas razôes nos levam, assim, a afirmar que o
imaginário do monge iluminador tinha que ser fortemente
influenciado por esta vivência do tempo ritualizado, que
suscita a atribuigão de uma dimensão sacralizada a cada gesto
guotidiano, afastando tudo o que é profano.
577José Mattoso, Monarquia Feudal ,
in Histôria de
Portugal, dir. José Mattoso, Vol.II, Lisboa, Círculo dos
Leitores p.262. Antes de 1130 reduzem-se aos mosteiros
e âs sedes diocesanas.Os mosteiros ,tendo já desempenhado um
certo protagonismo cultural durante a renovagao monastica das
observâncias hispânicas, como aconteceu com Guimaraes, Lorvao ,
Vacariga, Lega, Santo Tirso, Pago de Sousa, Pendorada e
outros, receberam novo impulso com a introdugao dos usos
cluniacenses e a importagão de livros e conceitos vmdos de
além Pirinéus. As sedes diocesanas orgamzaram os seus cabiuos
canonicais e as suas escolas catedrais, nomeadamente em Braga ,
Coimbra e Porto e aí recolheram também livros e ensinaram
jovens élérigos durante a época em que a adopgáo e a recepcao
da reforma gregoriana sustentavam uma renovacao paralela.
*7BA A do Nascimento, A experiencia do livro no
primitivo 'meio alcobacense ,in Actns do IX centenario do
Nascimento de S. Bemardo , Braga , U.C.P., 1991 -p. 124-1 25.
294
0 livro fornece ao monge a matéria para reflexão que este
transformará em imagens, através da expressão artística.
4.2. Sacralizagão do Espago
Pretendiam também os monges uma ruptura com o espago, numa
fuga ao tempo profano. A porta do templo representa a entrada
num espago sacralizado, dentro do qual o monge pode viver o seu
tempo litúrgico.
Esta concepgão do espago traduz-se na escassez de natureza
envolvente nas representagôes plásticas, na ausência de
perspectiva clássica. As imagens surgem-nos como teofanias,
anulando o espago entre o espectador e a obra.
0 templo é espago sagrado, o local onde se anulam o espago
e o tempo profanos. "A pedra fundamental do templo possuia um
valor cosmico; será idêntica a pedra de Béthel ,donde Jacob
pode contemplar os céus abertos" (Gén. XXXV, 9). Esta pedra é
assim o centro do mundo, o ponto onde comunicam o terrestre e
o celeste"579.
É, pois, entendido como morada do prôprio Deus, mas também
como lugar de actualizagão dos tempos primordiais da prôpria
origem do cristianismo; o templo, é o instrumento fundamental
da sacralizagão do espago580.
A fundagão de um templo exigia um verdadeiro ritual, que
passava pela sua orientagão.
" Ela é orientada, voltada para a aurora, para os
orimeiros clarôes que vêm dissipar as trevas e todas
as inquietagôes nocturnas, para esta luz que todos
'■"■"*
in M.M. Davy Initiation a la Symbolique Romane ,Pa
Champs Flammarion, 1 977. p. 179.
*•""
Mircea Eliade, Tratado de historia das Religi
Llsboa, Cosmos, 1977, pp. 435-458.
29 5
os dias, na comogâo da alvorada, o ciclo da liturgia
saúda, tecendo louvores ao eterno""81
É a Leste que se encontra o Paraíso, o lugar julgado
ideal, que muitas vezes assinalava a ocorrência de milagres ou
qualquer acontecimento maravilhoso 5B2. A procura do paraíso
terrestre faz os monges da Idade Média sonharem com ilhas
perdidas e desabitadas.
0 espago arquitectônico é para o homem medieval um espago
ordenado, proporcionado. É siqnif icativo o facto de Trezenzônio
ao descrever a sua ilha, comegar pela basílica que considera
de extraordinária grandeza e de extraordinár ia
arquitectura5fl\
Detém-se em pormenores que sendo provavelmente
imaginários, procuram imprimir grande rigor, revelando a
importância da harmonia e proporgão do templo cristão'^A
indicagão de números exactos , quer quanto âs dimensôes, quer
581
Georges Duby Le Moyen Age. Adolescense de la Chretientc
Occidentale, 980-1140, Genéve ,Flammari on ,
1 967 p. 136
582No imaginário românico, as terras desconhecidas eram
narradas com pormenores que nos deixam surpreendidos com essa
fabulosa osmose entre realidade e ficgão. Lembremos a obra
de autor anônimo, traduzida e anotada por Aires Augusto do
Nascimento, Trezenzônio e a Ilha do Solsticio: a funcionalidade
da ausência no reencontro do presente in Em Torno da Idade
Media dir, Helder Godinho, Lisboa, U.N.L., 1989. pp. 185-196.
*ArjA.A. do Nascimento, Trezenzônio e a Ilha do
Solsticio. . .p.192.
r>p4
Trezenzonio descreve-nos minuciosamente as dimensoes
desta basílica: são de cinquenta e um côvados de altura
sessenta e um de comprimento; cã volta, o perímetro era de
trezentos estádios; tinha 8 ábsides, quatro porticos...O autor
dá-nos, assim ,uma ideia exacta da grandiosidade do templo
compreendendo oito ábsides o que seria notável e nos envia para
um modelo de uma grande igreja de peregrinagao com as suas
capelas radiantes. Pressente-setambém a nostalgia das antigas
basílieas paleocristãs porticadas.
A descricão desta basílica passara certamonte pela visao
idealizada da prôpria igreja de Santiago de Compostela, um dos
principais centros de peregrinagão que acolhia numerosos
portuqueses .
296
.*S-;- y; 00-- ;.•
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v
'
.. 00'0. "*"'' ^ -, .
_
. oy
o
um
no que diz respeito ao número de elementos do mosteiro, mostra
a importância que o número tinha devido â sua simbologia, mas
por outro lado revela que este espago é ordenado segundo uma
harmonia divina. Tudo é harmonia, em contraste com o espag
profano caôtico. Esta concepgâo que o espago sagrado é
espago ordenado é igualmente defendido por Vincent de Beauvais
que recorda que a arquitectura integra a ordem, a disposigão,
a eurritmia, a simetria e a beleza "585.
Trezenzonio para além de dar uma ideia de grandeza da
basílica, faz-nos também supor que a construgâo de um templo
obedecia a uma iniciagão ã aritmética sagrada. Esta fazia parte
dos estudos monásticos, e estaria já presente na narragão
bíblica do templo de Salomão586.
0 princípio da ordem e da proporgão que está na base da
construgão do templo é simultaneamente acompanhado por um outro
aspecto fundamental da estética medieval- a importância dada
â luz e ao que resplandece. 58\ Na verdade a luz dominou a
concepgão de espago medieval.
Mas o templo é ainda espaco de milagre, de maravilha,
espago originário onde existem poderes que se exercem sobre
o mundo; eles são depositários das relíquias que asseguram a
presenga do sagrado, que permitem não apenas a sua
manifestagão. "Geragoes têm, sobre os três continentes ,
construído centenas de basílicas e capelas, elas entesouraram
585
(Speculum majus II, 11,12,14). Citado em Umberto Eco
Arte e Beleza na Estetica Medieval ,Llsboa : Presenga ,
1989 , p.52.
586Este aspecto esotérico da mística das proporgôes que
tem a sua origem entre as seitas pitagôricas, foi contudo ,
afastado pela escolástica .Cf. Umberto Eco Arte e Beieza na
Estética Medieval .. .p. 532 .
587
"0 gosto das proporcôes chega já como tema doutrinal e
sô gradualmente se transfere para o terreno da constatagâo
prática e do preceito produtivo; o qosto pela cor e pela luz
é, pelo contrário, um dado de reacgáo espontânea , tipicamente
médieval, que sô depois sc articula como interesse e se
sistematiza nas especulagôes metafísicas" Cf . Lĩmberto Eco Arte
e Beleza na Estética Medieval ... p. 57 .
0 9 7
o ouro, a prata, o cristal, as pedras preciosas, as sedas e as
pérolas, em dezenas de milhares de caixas, de estaurotecas,de
filacteras, de suários, de ampulas, de quadros ,de estátuas e
de cofres (...). A ordem inerente â beleza, contudo, tem sempre
presidido ã construgão de santuários encarregados de proteger
e de exibir, de transportar e de activar os restos carnais nos
quais um dia, se integrou a transcendência"'388
Também, durante toda a Idade Média e em relagão â igreja
e ao mosteiro apreciagôes ligadas ao simbôlico.
Honorius Augustodinensis no De gemma anima lib. I, liga
os templos ã materializagão da Jerusalém Celeste. A sua
contemplagão e a sua vivência levam a gue o cristão, que se
pretende purificar capte a harmonia divina. Segundo este autor,
cuja actividade se situa entre 1095 e 1135, a igreja constrôi-
yse sobre alicerges de pedra tal como a igreja espiritual se
apoia numa rocha que é Cristo. Eleva-se sobre 4 paredes que são
os Evangelistas l>89.
Estes fundamentos simbôlicos são reafirmados ao longo de
toda a Idade Média, e citados em parte sempre que
necessário590. 0 espago, concebido como simbolico, contribui
para a vivência do tempo sagrado e vai ser o palco da criagão
588In Marie- Madeleine Gauthier Les Routes de la Foi.
Reliques et Rel iquaires de Jérusalem a
Compostelle, Paris :Bibliothêguedes Arts ,
1983 .p. 12 .
589O autor continua a atribuir significados simbôlicos a
todas as partes do templo: as pedras unem-se com argamassa tal
como os fiéis pelos lacos de amor. As colunas são os bispos
sobre os quais se apoia a estrutura da Igreja, merce da
rectidão da sua vida, o pavimento simboliza o povo gragas a
cujo trabalho a Igreja se mantém. As criptas, construidas
debaixo do solo, são os que cultivam a vida interior, o
claustro é o Paraíso e a porta o prôprio Cristo.
Sicardo, bispo de Cremona retoma ,em finais do séc.
XIĨ, a obra de Honorius Augustodinensis ,ondo aprofunda a
proéura da simbologia mística e teolôgica do templo e suas
dependências monásticas.
298
de imagens medievais. É ainda nele que o livro se dispôe
conforme o momento dramático que a liturqia reclama591.
A situagão particular da Reconquista na Península Ibérica
criou um clima propício ã adopgâo destas categorias do espago
e do tempo, com reflexos evidentes na produgão de imagens .
Os monarcas hispânicos dos tempos da Reconquista apoiam
a edificagão de templos, dando todas as condigôes materiais â
sua construgão, pois eles são um dos garantes da nova ordem,
assegurando a coesão da comunidade e possibilitando-lhe o
diálogo com o divino.
Cada espago recém conquistado vai sendo marcado por um
determinado tipo de templo que corresponde ãs novas
necessidades, mas que também deve muito âs tradigôes
locais59?. Se bem que a historiograf ia alcobacense
'■"'
Paul Zumthor, La mesure du monde .Représentetion de
l'espace au Moyen Age , Paris, Seuil, 1993 , pp-184-217 .
w-
.Segundo Pierre David podemos encontrar vários tipos
de igrejas adaptadas â sua insergâo na comunidade ,as
ecclesiae urbanas e paroquiais, as basílicas e os mosteiros.
São estes últimos que até meados do século XIII maior
influência exerceram no processo de sacralizagao dos
territôrios reconquistados.As ecclesiae também denominadas por catedrais marcam a
existência de locais sagrados nas principais cidades sob
jurisdigão do bispo. _
Os monarcas da Reconquista no processo de ocupagao das
cidades apressaram-se a favorecer a fundagão de catedrais
aproveitando para isso locais já antes consagrados
Mas a fundagão de templos dedicados nas paroquias a santos
locais exerceu iqualmente um papel fundamental, no processo
de reorganizagão do reino. Comportavam, além do oratorio, um
cemitério e um baptistério, e estavam por vezes ligadas a
veneragão de relíquias reais ou virtuais que localmente
estimulavam as crengas e as relagôes de dependencia
Sempre erigidas sobre as relíquias de santos, as basilicas
em vilas e aldeias ,sáo-lhes dedicadas e proliferam desde as
origens do cristianismo, correspondendo a crengas especialmente
vivas nesta época : o culto dos santos e mártires locais . Lra
a sua existência que legitimava í ace as populagoes_a
sacralizacão do ospaco em que ci rounscrevia a jurisdigao da
iqreja que Ihes coníoria a identidado cristã.
Finalmente e desempenhando um papel importante no contexto
peninsular de sacralizagão do espago- os mosteiros, que
integram situacôes e modalidades bem dif erentes . Pierre David,
299
seiscentista tenha efabulado a partir do imaginário medieval,
as lendas sobre os motivos da fundagão da mais grandiosa abadia
cisterciense em Portugal, elas dão-nos testemunho sobre a
importância que a ordem assumiu no processo de cristianizagão
do territorio.
0 primeiro rei de Portugal, embora favorega especialmente
os conegos de Santa Cruz de Coimbra, inicia uma politica de
protecgão aos cistercienses ,deixando-se envolver pela aura de
santidade que rodeava o seu principal impulsionador ,S.
Bernardo. Será o prôprio rei , que segundo Frei Antônio Brandâo,
sentindo as dificuldades de uma empresa, como seria a tomada
de Santarém aos Ârabes, se teria encomendado ao sanro593.
Études Historiques sur la Galice et le Portugal du Vle au Xlle
siecle, Coimbra:Faculdade de Letras,1947, pp.7-10
593Frei Antônio Brandão Monarchia Lusitana, Parte III,
Livro X, Lisdboa, Imprensa Nacional ,1973 ,p. 162 . "prometendo de
fundar hum celebre mosteiro de sua Ordem, se por seus
merecimentos alcansasse vitoria.Ha tradigão em aquella noite
apareceu o Sato e elRey, & o certificou do bom sucesso, & isto
dão a entender as figuras de vulto que estão em o remate do
Coro de Alcobaga, & em hua das vidagas do Capítulo. Tambem
consta por tradigão & memoria escritas, que em o mesmo ponto
que elRey fez o voto de fundar o mosteiro, foi revelado ao
Santo em Franga, onde vivia, o qual com suas oragoes & de seus
sbditos franqueou a elRey D. Afonso o despacho daquella
vitoria". Esta situagão de sacralizagão do espago neste caso
através da construgão de uma abadia é mesmo superada pela
vontade do prôprio monarca de "enfeudar" todo o reino a ordem
de Cister", tal como o será feito â Santa Se. Antonio Brandao
faz passar como sendo palavras de D. Afonso Henriques ordeno
q eu, meu Reyno ,minha gente ,
meus sucessores fiquemos debaxo
da tutela & protecgão, desesão & amparo da beaventurada Virge
Maria de Claraval ,& mando a todos e cada hu de meus sucessores
q leqitimamente entrarem na sucessão deste Reyno,d dem todos
os anos â Igreja de S. Maria de Claraval" ,(...) "em modo ue
feudo ,& vassalage cincoenta maravedis de ouro bo, & digno ae
se receber"
300
S6 os monges que levassem uma vida de acordo com a sua
condigão lhes era dado o direito de ocuparem a terra, o que
marca claramente a sua fungão purif icadora594 .
Parece muito frequente, o caso de pequenas igrejas, sob
patronato de um nobre abrigarem uma comunidade de clérigos aos
quais procuram impôr uma vida santa , condigão de purificagão
e santificagão do local.
A vivência dos monges peninsulares parece ter acentuado
estes pressupostos, o que os terá levado a optarem pelo
ornamento e reduzidos programas iconográf icos com imagens tão
sintéticas que é difícil descodificar o seu significado.
A tendência anicônica que caracteriza o territôrio
penínsular e o regionalismo prôprio do nosso Românico é apenas
cortado por versôes que surgem mais eruditas e figurativas,
através da penetragão do monaquismo e da arte veículada pelos
beneditinos de Cluny. No entanto quando nos séc. XI e XII a
arquitectura, a escultura e a pintura se consolidam com a
formagão dos novos reinos europeus o ornamento mantém todo o
seu viqor.
A explicagão para isso reside nas tendências profundas
peninsulares695, de uma época de formagão em que há hesitagôes
594Bem elucidativo desta situagão é o episôdio descrito
por este autor, onde menciona a fundagão de uma igreja por uma
comunidade local:" os homens que habitavam na vila de Parada
(Terra de Santa Maria) se reuniram para fazer a ígreja na
propriedade de dois senhores, marido e mulher, que nomeiam, e
oferecem os seus dons para puderem ser considerados
"herdeiros».Dotaram a igreja e estabeleceram nela uma
comunidade religiosa.Declaram , pois, que a
^re^a, s^*"possuída" pelos clérigos que preservarem no respeito pelo seu
proprio estado, quer descendam dos possuidores da terra quer
dos filii ecclesiae, ou seja, dos mencionados "herdeiros .Jose
Mattoso, Monarquia Feudal ,in Historia de Portugal ,
dir. Jose
Mattoso, Vol.II,p. 47
In André Grabar Las Vias de la Creaciôn en la
lconoarafia Cristiana, Madrid :Alianza Editorial, 1985, p. 147.
as tendências emergentes na península, contrastam como que
acontece no Império Bizantino depois do 2- concilio de Niceia.
Aqui durante um período relativamente longo a representagao
figurativa é veículo das conviccôes religiosas :
301
sobre o papel que a imagem ocupa e que leva que os reinos
"bárbaros" dêem pleno desenvolvimento âs artes ornamentais.
Na Península, particularmente durante o período que se
estende do séc. V ao séc. XI, houve um ambiente propício ao
desenvolvimento do ornamento.
Num territôrio em que a romanizagão teve dificuldades em
penetrar, em que os visigodos vieram dar continuidade ã arte
da Proto Histôria, que se caracterizou exactamente pelo lugar
dado ao ornamento de carácter geométrico e abstracto, a arte
paleocristã prosseguiu esta tendência, acentuando os temas
simbôlicos onde predominam as imagens-signo.
De facto, a passagem dos Vândalos, a instalagão dos
Visigodos arianos criaram um terreno favorável ã insistência
sobre a natureza humana de Cristo, e â recusa de imagens. 0
adopcionismo de Elipando, arcebispo de Toledo opoe a Cristo,
criado pelo Pai desde a origem, coeterno e consubstancial a
Deus, a natureza humana do Cristo nascido de uma mulher sob a
Lei e adoptado pelor Pai. A forma logica não se manifesta na
matéria, o que arruina a possibilidade da imagem religiosas<>" .
As deliberagoes conciliares tendem também a reforgar a
arte ornamental, em detrimento da de carácter imagético.
Nos inícios do séc. IV, o Concílio de Elvira, em que
estiveram presentes os bispos de Faro e de Évora, determinava
no XXXVI capítulo:
"um dos tragos mais característicos da
iconografia bizantina da Idade Média seja o do seu
esforgo por pegar-se firmemente ao programa, soberbo
e limitado, que consistia em reafirmar
incansavelmente a permanente presenga de Cristo e
dos Santos ou inclusivamente dos acontecimentos da
obra da Salvagão, excluindo da medida do possível os
temas que foram transposigôes iconográí icas de obras
poéticas ou doutrinárias" .
Jean Wirth, L'lmage Medievale. .. p. 119 . Esto autor
justifica pelas particularidade da heresias que se instalaram
na Península em consequência das controversas teoloqicas, a
escassez de imaqens neste periodo.
30 2
"Que não se fagam pinturas para as igrejas. Decidiu-
se que não deve haver pinturas na igreja a fim de
que aquele que se honra e adora não se veja nelas
pintado .
"
Se bem que hoje esta posigão seja controversa e alguns
autores vejam nela apenas uma preocupagão dos Cristâos face âs
perseguigôes de Dioclesiano597, o facto é que mais tarde tera
repercussôes na estética peninsular; posigão reforgada pelas
concepgôes de povos que vieram mais tarde a dominar a
península. É todavia errôneo atribuir a este concílio a fraca
produgão iconográf ica deste período na Península. Trata-se mais
do resultado de um conjunto de circunstâncias historicas para
as quais contribuiu o confronto com os povos "bárbaros" ,o
clima de instabilidade então reinante, e ainda a fraca
penetragâo da cultura clássica nas zonas do Noroeste .
Além disso se são discutíveis as interpretagôes dadas å
determinagáo conciliar não o é a influência de Sto Agostinho.
Na época estas determinagôes parecem ser o resultado de uma
tradigão intelectual mais rígida no interior da igreja ou mais
elitista ligada aos meios imperatoriais do Oriente698.
Do ponto de vista das concepgôes peninsulares ,as heresias
que proliferam na Península vêm ao encontro das perspectivas
iconoclastas. 0 priscilianismo e o arianismo repudiam as
representagôes do sagrado ã luz da atitude maniqueísta.
A presenga judaica, o domínio árabe e o mogarabismo vêm
reforgar também esta mesma posigão, acentuando a ausência de
Cf.Manuel J. Maciel em Arte Romana Tardia e
Paleocristâ em Portugal ,Lisboa : Dissertagão de Doutoramento ,
F C S H 1993... p. 72. Para este autor a data da sua
realizacâo é ainda hoje objecto de discussão, embora se possa
balizar'ontre 295, dado que nessa data Ôssio de Corduba, que
nele participou, jã era bispo, e 314, data do Concílio de
Arles, em que participam bispos hispânicos e se pressupoem ja
os cánones de Elvira.De excluir será a sua efectivagao entre
os anos 303 e 3 05, face ã perseguigão de Dioclesiano.
••':'
Charles Murray Le Probleme de L' Iconophobie et lec
Premiers Siecles Chretiens in Nicee II, 787- 1 987 ... p. 46 . Nicee
II, 787-1987
303
representagão humana na arte deste territorio. Os Árabes
finalmente darão o perfil e ajudam a definir esta arte, que
mais uma vez assimila aquilo que melhor corresponde a sua
prôpria identidade599.
Se bem que não haja qualquer interdito sobre figuragão no
Corão, na perpectiva mugulmana, Deus não pode ser representado
de forma antropomorf ica .
Mas ao mesmo tempo gue excluiu o ícone da divindade, o
islão multiplicou o nome divino, celebrando caligraf icamente
o Verbo600.
É do século IV ao X que se divulga a caligrafia
monumental no Egipto e no Irão, acentuando-se este tipo de
ornamentagão no séc. XII. Os calígrafos assinavam as suas
obras, assim como os artistas dos programas ornamentais.
Teologicamente o Deus dos mugulmanos não pode ser
apreendido através dos sentidos, e não é perceptivel senão
através de analogias. Deus é luz, mas essa luz não pode ser
apreendida; Deus revela-se pelos seus atributos"01 .
Não há qualquer lugar para uma iconografia sagrada,
gualquer que seja obediência dos crentes. "o unico acesso
possível ao conhecimento supremo é a meditagão da Revelagão.
599
Focillon diz-nos acerca da escultura na Península o que
de certa forma podemos alargar a todas as artes plásticas. "A
qrande arte ibérica, que não é o balbuciamento de uma raga
primitiva, mas a expressão reflectida duma cultura poderosa e
refinada, a arte asturiana, que dá,com o estilo tubular, uma
interpretagão pessoal da forma, a arte islamica quer pelos
seus capitéis encobertos por um corte da pedra e sobretudo
pelos seus marfins em que os animais de caga se perseguem
através de florestas de caules enrolados, irradiou pela Espanha
cristâ e sobre a Franga do Sudoeste." Henri Focillon, Art
d'Occident, Vol.I, Paris: ,Armind Colm, 1938, p.2/0.
f-°°In Assadullah Souren Melikian-Chirvani L'Islam, le
Verbe et l'Image, in Nicée II. .. p. 89-90 . 0 autor explica que
esta atitude leva a "uma espécie de iconografia abstracta do
Loqos-Monumento que parece única na histôria da procura humana
da Realidade-
Haqq , para retomar a palavra ,icc mistit-o_.
mugulmanos quando designam Deus" .
In Shah-Name Le Livre des Rois ,J. Molh, Paris 1976.
...i i
304
Assim tragaram palavras até â vertigem para melhor aí
penetrar"602.
Deste modo justifica-se o desenvolvimento das artes
ornamentais de carácter abstracto utilizadas por este povo nas
vastas zonas que dominaram. Na Península, o seu legado
estendeu-se a periodos em que já tinham perdido o poder
político, tendo especial relevo entre os mogárabes e emergindo
na Baixa Idade Média com o Mudejarismo.
Este fundo ornamental árabe, e sobretudo o de carácter
vegetal, o ataurique ,se bem que esteja quase ausente no nosso
territôrio devido â destruigão sistemática da arquitectura
deste período, acentuou a predisposigão para o domínio do
ornamento .
Mas, o legado árabe trouxe consigo a contribuigão de
outras regiôes: o Califado de Côrdova ,â medida que se afasta
de Damasco, busca as formas decorativas dos impérios romano e
bizantino. Depois do impulso do Islão oriental, cria por via
omíada um sincretismo de arte oriental; e através de influxos
sassânidas, bizantinos e visigodos um sincretismo de arte
ocidental .
A porta de Santo Estêvão da mesguita Maior de Cordova
integra todas estas tradigôes, numa arte hispano mugulmana6°\
Os estuques, madeiras e o barro cozido perderam-se, mas o gosto
pelo ornamento permaneceu na arte peninsular.
Havia, pois toda uma longa predisposigão para os
iluminadores peninsulares privilegiarem este tipo de arte em
detrimento da figuragão e da plasticidade . Estava aberto o
caminho ao ornamento.
No último quartel do século XII a intervengão das
'■n:'In Assadullah Souren Melikian-Chirvani L'Islam, le
Verho ct l'Tmage, in Nicée II... p. 117
Bas.il io P. Maldonado El Arte Hispanomusulman en su
Decoraciôn Floral ,Madrid: Aqencia Espanola de Cooperacíon
International ,1990, p. 18-19.
3 0 5
concepgôes estéticas cistercienses veiculadas pelo pensamento
bernardino determinaram igualmente a simplicidade e ausência
de programas iconográf icos.
Neste contexto, a representagão do quotidiano, do homem
e da mulher raramente aparece na iluminura e esculturas
românicas; os poucos exemplos existentes, pelas razôes já
expressas, são em qeral representagôes sagradas.
No caso da iluminura podemos mesmo afirmar, que os
manuscritos onde ocorram representagôes quotidianas, sâo
aquelas em que há poucas hipôteses de terem sido produzidos em
scriptoria portuqueses, embora seja difícil determinar a sua
origem.
4.4. Imagens do Sagrado
Apesar de ser o ornamento dominante, comegamos por uma
análise iconográfica das imagens existentes nos dois fundos.
Todos os pressupostos de caracter teôrico foram já expostos.
Utilizamos aqui uma interpretagão iconográf ica ,em sentido
restrito, que lhe dá Panofsky604. Não temos qualquer propásito
de enveredar por um percurso iconolôgico, já que nos pareceu
mais correcto em termos metodolôgicos , para a época que
estudamos, contextualizar a criagão de imagens, recorrendo a
todos os instrumentos interpretativos ao nosso alcance. A quase
ausência de programas iconográficos nas nossas artes plásticas,
acompanhada pela mesma raridade de fontes literárias originais,
nâo nos permite de forma sistemática apreender os significados
»A análise iconográf ica , que trata das ímagens,
histôrias e alegorias, em vez de motivos, implica, e claro,
muito mais do que a simples familiaridadecom objectos e
acgoe^que fomos adquirindo através da experiência .Pressupoe uma
familiaridade com temas ou conceitos especiiicos, tal como
íoram transmitidos através das 1 ontes literanas o adquiridos
através da leitura ou da tradigao oral". Erwm Panoisky,
E^tudos de Iconolonia ,Lisboa , Estampa , 1982, pp.;4-25.
3 06
intrínsecos, a partir de cada imagem, mas tão sô procurar
contextos mais gerais que nos possibilitem compreendê-las .
A principal fonte iconográfica das imagens nos dois
fundos é quase exclusivamente bíblica, mas também a encontramos
nos textos de espiritualidade ,como o Livro das Aves, ou em
obras de caracter didáctico, como vocabulários e enciclopédias .
Antigo Testamento
Moisés
No Alc. 353605, surge um V inicial na abertura ao
Comentário do Levítico,- livro que regulamenta o culto entre
os Hebreus. Deus no tabernáculo, dá ordens a Moisés erguendo
o indicador. Moisés de joelhos, ouve-o com reverência, enquanto
um anjo com turíbulo langa incenso sobre as personagens. Deus
de nimbo crucifero, surge ,a meio corpo, do interior duma
superfície que sugere um cadeiral, cuja parte inferior é ornada
de arcadas (Fig .400-401) .
A cena poderia ser a da arca da alianga. Contudo, neste
caso seria mais lôgico que a personagem fosse Aarão. A cena
reportar-se-ia então ao Êxodo ,mas semelhante hipotese é agui
desmentida pelo prôprio texto. Neste são claras as
recomendagôes bíblicas de Deus a Moisés: "0 Senhor chamou
Moisés e falou-lhe do tabernãculo ,nestes termos : Fala aos
filhos de Israel e diz-lhes..." (Lev.1,1)
,j0,>Este manuscrito contém um conjunto de comentários
sobre o Levítico, Números ,Deuteronomi o ,
Josué e Juízes
extraídos de S. Jerônimo, S. Gregôrio Magno, Santo Agostinho,
Santo Isidoro de Sevilha, Beda , Orígenes, Rábano Mauro e
Gilborto de Londres .
307
A iconografia de Moisés é a habitual na Idade Média:
vestes longas e com vestes barbas606 .
A representagâo é sintética, como sempre acontece em
manuscritos de fundos portugueses. Deus junto a Moisés surge
no interior do tabernáculo. 0 iluminador não confere ã cena
qualquer carácter narrativo, nem evoca outros aspectos do
texto.
0 conjunto é enquadrado por ornamentagão vegetal e as
figuras, delicadas são muito expressivas. A pintura é de
qualidade tal como o desenho. As cores são opacas, excepto nos
rostos, sendo os contornos a preto e realces a branco.
0 Sta Cruz 1 é o manuscrito que nos fornece o maior número
destas personagens , repetimo-lo, tão escassas na iluminura em
Portugal .
Jeremias
Jeremias surge no Sta Cruz 1, fl. 160 ã entrada do
Prôloqo do seu livro (Fig.402). 0 facto de se apresentar
descalgo, com filactera, aureolado, com cabelos brancos, barbas
e túnica comprida, coloca-o entre os profetas, embora não haja
nenhum atributo específico.
Daniel
Daniel é outro dos profetas que surge no mesmo Sta Cruz
1, fl.260 numa cena historiada. Na cova com os leôes, o
profeta, nimbado, de longas barbas e mãos abertas sobre o
peito, olha para o alto, onde uma ave segura com o bico, um
objecto em forma de círculo (Fig .403 ) .
Cena pouco comum , já que a mais habitual se restringe ã
representagão de Daniel e os leôes, ou narrativas que contam
as a sua histôria ou profecias de forma mais desenvolvida .
■■
cf. Gaston Duchet-Sucheaux e Michel Pastoureau La
Bihlo et les Saints ... p. 2 3 3-2 35 .
3 08
Esta cena não corresponde á primeira condenagão de
Daniel607, mas â segunda, quando Daniel foi atirado aos leôes
por ter morto o dragão. É nesse momento que Habacuc lhe suplica
que aceite a refeigão que Deus lhe envia "Então o anjo agarra-o
pelo alto da cabega e leva-o pelos cabelos, num sopro até â
Babilonia, por cima da cova .
- Daniel aceita a refeigão que
Deus te envia- bradou Habacuc" (Daniel, 14, 34-36). 0 olhar de
Daniel e dos leôes para o alto, sugerem este episodio, no qual
Habacuc é simbolizado por uma ave segurando o alimento no bico.
Teologos e pensadores cristãos viram em Daniel uraa
prefiguragão de Cristo; a cena da Cova dos Leôes foi
interpretada como uma imagem da descida de Cristo aos inf ernos,
depois da Crucifixão e da sua Ressurreigão608.
A representagão de Daniel na Cova dos Leôes aparece também
na escultura portuguesa da mesma época, na Charola do Convento
de Toraar, num dos seus capitéis. Na escultura é tarabém uma das
raras cenas historiadas, sobre a qual não há dúvidas na
interpretagâo. Tal como na iluminura, também aqui Daniel está
sentado e ladeado pelos animais. As esculturas da igreja dos
Templários tem o raesmo estilo da escola de Coimbra, da qual são
consideradas um dos seus mais perfeitos exemplos609.
Na iluminura, este tema foi bastante divulgado, sendo
particularmente popular na iluminura espanhola. A Bíblia de
Roda dispensa a este profeta um lugar muito especial, ocupando
a ilustragão deste livro cinco fôlios.610
607Na primeira condenagão Daniel é atirado aos leoes por
ter desobedecido ao édito real de não adorar outro rei senão
o prôprio rei Dario (Daniel, 6, 117-23).
008
Gaston Duchet- Suchaux e Michel Pastoreau La Bible et
Les Saints. . .p. 104-105.
*°9
Manuel, L. ,Real- La Sculpture Figurative dans l'Art
Roman du Portugal in Gerhard Graf, Portugal Roman , Zodiaque,
1986 p.58. Este autor refere igualmente as semelhangas entre
o bestiário românico dos capitéis da catedral com as iniciais
de Sta Cruz l,p.56.
"10
Walter Canh La Bible Romane ... p. 76 .
309
0 livro de Daniel apresenta particularidades literárias
que o distinguem de todos os outros livros proféticos. Para
além da parte profética contém uma parte narrativa, gue não o
é em si mas era fungão da profecia. Não se conta a vida completa
do sujeito mas concentra-se a atengão em poucos acontecimentos
que o mostrara como conhecedor do futuro . Na segunda parte da
narragáo, Daniel conhece, por exemplo, as coisas sobrenaturais
ou futuras empregando os seus sentidos, vendo e sentindo611.
Daniel é além disso considerado um profeta apocalíptico .
Este género literário ao qual pertencem numerosas obras
judaicas não inspiradas foi composto através dos séculos II a.
C. e II d..C.61?. 0 seu papel é o de preparar a renovagão do
mundo, no qual as profecias antigas e tradigôes populares
haviam difundido a espera . Grande parte fazia alusão a
fenômenos côsmicos, eclipses misteriosos, queda de astros ,
cataclismos, com uma certa tendência para atribuir aos corpos
celestes como que uma institiva percepgâo dos decretos divinos
e uma participagão nos eventos humanos"13.
Terá sido provavelmente esta vertente que estimulou os
artistas peninsulares a darem-lhe um lugar de destaque na
iconograf ia.
Jonas
No Sta Cruz 2, fl. 181v aparece Jonas no Prôlogo ao seu
livro. 0 iluminador não respeitou a iconografia medieval de
611P.G. Marietti Daniele ,Roma ,
Torino: Marietti, 1962, pp .
19-20.
61?Estes livros deviam circular entre iniciados e
apresentam um carácter de compilagão. Daniel coloca-se num
período de desenvolvimento tumultuoso da cultura e consciencia
hebraica. Ao contrário do Apocalipse, a salvagao que eie
anuncia deve resolver-se na terra er.tre os homens . P.o.
RinaLdi, Daniele , ...p.21.
fclîP.G. Rinaldi DanieJe . . .
, p. 17-18.
310
Jonas e recuou ao tipo de representagão paleocristã61*. No
interior de um S surge um jovem nu. A iconografia esperada
seria a de um homem idoso barbudo e calvo. 0 seu atributo é
ambíguo, já que não se trata de uma baleia, raas de ura corpo de
dragâo com uma cabega que sugere a de um animal marinho
(Fig.63) .
A imagem mais corrente deste tema ,no mundo românico, é
a do profeta atirado do barco e apanhado pela baleia; em
sequência, noutra cena , surge coîĩi uma parte do corpo engolida
pela baleia, prôximo de um barco.616
Novo Testamento
Cristo
No ciclo da vida de Cristo as únicas cenas que possuimos
sô se iniciam a partir da entrada de Cristo em Jerusalém.
No Sta Cruz 11, fl. 18 v distingue-se ,em pé de página,
um desenho da entrada em Jerusalém (Fig.404).
A iconografia é a mais vulgar da época, pouco habitual é
o espago que ocupa fora da inicial. 0 desenho mostra uma certa
ingenuidade, e o iluminador que tem um trago seguro a executar
o animal, mostra grandes dificuldades a desenhar Cristo
sentado. As dificuldades de concepgâo terão levado o iluminador
a abandonar o desenho ao lado, devido a desajuste na proporgão.
Esta representagão interpreta a passagem bíblica relativa
a Mateus 21,7: "Trouxeram a jumenta e o jumentinho, puseram-
lhes em cima as suas capas e Jesus sentou-se sobre elas". Nesta
imagem muito simplificada do texto bíblico, é patente o gosto
614Gaston Duchet-Suchaux e Michel Pastoureau La Bible et
les Saints . . .p. 188
,,ir'E esta imagera que surge na Bíblia dita de 3. Bernardo,
Troyes,B.M. ms . 458, t. I, fl. 232. 0 profeta na sua viagem
para Nínive é apanhado pela tempestade, os marinheiros langam
no ã água onde e apanhado pela baleia (Jonas,l,2).
311
pela abstragão, funcionando esta ,mais como um signo de algo
que se evoca ,do que se descreve.
Na iluminura, este tema da Entrada em Jerusalém foi
bastante divulgado no séc. XII. Podemo-lo admirar no belíssimo
exemplar do evangeliário de Santa Ehrentrude, por volta de 1140
para o mosteiro de Nonnberg, um dos manuscritos mais sumptuosos
da primeira metade do século XII da iluminura românica nos
países germânicos616(Fig.405J . Na iluminura de página deste
livro litúrgico surge a figura de Cristo e do jumento. As suas
posigoes assumem semelhangas surpreendentes cora o Santa Cruz
11; o que mostra que este artista executou a cena a partir de
modelos de grande qualidade!
Na arte portuguesa, esta imagem aparece ligada ao
Apocalipse do Lorvão (A.N.T.T. ,Casa Forte, 160, fl-120)
(Fig.406 ) , inspira-se no passo: "com palmas nas raãos da grande
multidão. . .clamavam em grande voz,dizendo: Ao nosso Deus e ao
Cordeiro, pertence a salvagão. . .
"
( Apoc. VII, 9-17).
0 modelo não é o mesmo, e é distinta a posigão de Cristo
e do jumento. Cristo, como é habitual no manuscrito do Lorvão
surge como um adolescente. Esta imagem, mais de acordo com o
texto bíblico, contém o jumentinho que está ausente no Sta
Cruz 11 .
Em S. Baudúlio de Berlanga617, no muro setentrional ,
pode-se observar o mesmo teraa, raas cora ura sentido narrativo,
Cristo desloca-se com o jumento e a jumentinha de que nos fala
o texto. Os apostolos acompanham-no . A composigão conduz o
olhar para a arquitectura da cidade, do interior da qual as
pessoas observam.
61"Cf. Frangois Avril Les Arts de la Couleur in Le Monde
Romane:Le Temps des Croisades ... 190 .
617Monumento mocárabe prôximo de Casillas de Berlanga,
orovíncia de Sôria. As pinturas est.áo atribuí.das ao sec. XII.
O seu estudo e reprodugão pode consultar-se em Teogenes Ortego
y Frias La Ermita Mozarabe de San Baudelio en Casillas de
Berlanga, Almazan ,1987 .
312
0 iluminador de Santa Cruz conhecia, talvez, modelos
destas cenas, como o mostra a coincidência de posigôes dos
personagens, mas optou apenas pela representagão de Cristo.
Crucif ixão
Este passo da vida de Cristo está apenas representado em
Santa Cruz de Coimbra, ao nível dos livros litúrgicos. Para a
época gue estudamos nâo conhecemos qualquer outra imagera cora
a mesma temática.
Saltério Sta Cruz 27: A cena já descrita no capítulo dos
livros litúrgicos, é uma das raras representagôes de página
existente nos nossos raanuscritos . 0 Missal Sta Cruz 40
(Fig.205) repete de forma bastante simplificada esta primeira
imagem; o Breviário Sta Cruz 62 (Fig.207) apresenta uma outro
modelo iconográfico do mesmo tema.
No Saltério Sta Cruz 27 fl. XV, podemos observar uma das
representagôes mais bem conseguidas da nossa iluminura(Fig. 255-
256). Bora desenho, sera ser excelente, elegante e expressivo,
dá-nos uma outra atitude face ã morte, não a de dor ,mas a de
uma infinita serenidade que anuncia já a espiritualidade
humanista. Toda a composigão converge para o rosto de Cristo:
em cima as figuras do Sol e da lua, sob os seus bragos, Maria
e João. Estas figuras são muito esbeltas e as roupagens caiem
com naturalidade. A Virgem â direita coloca a mão sobre o
rosto, segundo a tradigão oriental , gesto que na Antiguidade
simbolizava a dor . S. João ã esquerda é o único dos apôstolos
presentes, a sua posigão é muito semelhante â da Virgem. 0
drama que a cena encerra é-nos dado mais pela gestualidade do
que pela expressâo dos rostos 618. A forma da cruz é acentuada
pelo geometrismo da figura de Cristo que a envolve. Apesar de
",8Francois Garnier, Le lanqage de l'Image au Moyen Age ,
Paris, Le Leopard d'Or, 1982 refero-se a este gesto "Nos secs
XII XTTÍ XIV, a Virqem e S. João ao pé da Cruz, numa
posígão estavel e diqna, exprimem por este unico gesto o
intenso desgosto que invade a sua alma"p. 184 .
313
estarem a seu lado, a Virgem e S. João, Cristo é envolvido por
uma imensa solidão gue sô é quebrada pela representagão dos
ciclos côsmicos e astrais. A posigão do rosto- exactamente na
intercessão dos bragos da cruz- é o local onde não há nem
tempo, nem mudanga ,é o lugar de passagem ou de comunicagão
simbôlica entre este e o Outro Mundo61*. Uma barra azul
vertical, acompanha a figura de Cristo, duas horizontais a do
sol e da lua620. A cor azul gue acompanha Cristo e a lua pode
simbolizar a noite, a morte e as trevas que envolveram a Terra
no raoraento da morte621 ,corao tarabém ser o símbolo do prôprio
Filho, manifestagão das águas originais e das águas vivas da
graga622. 0 vermelho que envolve o sol pode ainda sirabolizar
o prôprio Verbo, o fogo devorador que é Deus Amor, o sangue
purificador que Cristo verte para a salvagão de todos...62:
619Jean Chevalier, Dictionnaire des Symboles ,11 V, Paris
:Seqhers 1973. p. 150.
620A presenga do Sol é justificada pela passagem bíblica
que refere que a Terra seria envolvida por trevas no momento
da morte de Cristo (Mateus, 27, 45; Marc.,15, 33; Luc.23,44).
Este acontecimento teria luqar do meio dia âs três da tarde o
que justificaria a presenga do Sol . A presenga da lua é mais
dificilmente explicável talvez esteja ligada â necessidade de
equilibrar simetricamente a composigão. A representagão
antropomôrfica destes dois astros tem a ver com as suas origens
pagãs, onde tinham um significado funerário.A sua representagão
fazia-se muitas vezes através dos bustos de Hélios e
Artemisia.In Louis Réau Iconographie de L'Art Chrétien ,Tomo
II, Paris:P.U.F. ,1957, p. 486.
021Horácio Peixeiro 62 .Psalterium in Nos Confins da Idade
Média. . .p. 160-161
622Roland Maisonneuve Le Symbolisme Sacre des Couleurs
chez deux Mystiques Medievales -.Hildegarde de Bingen;Julienne
deNorrwich in Les Couleurs au Moyen Âge Senefiance n-24 Aix
en Provence, Publications du C. U . E. R. M. A. ,1988 , p.256.Este
autor cita também um texto de Hildegarda de Bingen em que esta
refere que a forma humana, cor da safira, sem nenhum trago de
imperfeigâo, de desejo ou iniquidade, designa o Filho criado
peio Pai, antes do tempo ,mas em sequida encarnado no tempo,
segundo a humanidade" .Sc i vias Dommi (II, 2/).
'•'■
Roland Maisonneuve Le Symbolisme Sacrv des Couleurs
. . . p. 261
■
: o
A figuragão de Cristo na Cruz generaliza-se apôs o Ano
Mil 624, época que assiste â transformagão da cruz em
crucufixo, na figuragão, pintada ou em relevo (ouro, marfim,
madeira ou metal) de Cristo crucificado. Do único signum da
cruz, passa-se â imagem do crucificado; imago crucifixi . Esta
imagem pode receber relíquias e é objecto de práticas
devocionais e litúrgicas intensas.
Esta evolugão não se reduz a uma transforraagão de formas
plásticas, traduz uma mudanga considerável na sensibilidade
religiosa: a promogão da ideia de humanidade de Cristo, que
conduz â sua contemplagão morto na cruz ,e não somente å
majestade de Deus julgando os homens no fim dos tempos626.
Apesar da reacgão de alguns heréticos esta imagem vem a
impôr-se no Ocidente Medieval para justificar a sua
representagão .
Gerardo de Cambrai defende que a cruz deve ser
interpretada como uma prefiguragão de Cristo crucificado. Esta
imagem permite igualmente a edificagão dos iletrados, gue vendo
pintada a Paixão, adorarão a Cristo. Este autor relaciona esta
identif icagão com a divulgagão da atitude de Sto André que se
colocou sobre o madeiro da cruz para se identificar
completamente com Cristo.
"A contemplagão da imagem visível do Salvador crucificado
fará mais que instruir o povo; animará o espírito interior do
homem e inscrever-se-á na membrana do coragão, de tal maneira
624
Nos primeiros tempos do cristianismo até ao séc. V/VI , ,
a crucificagão era simbolizada pelo cordeiro místico. A partir
desta data, Cristo passa a ser representado na cruz entre os
ladrôes ou sô, nu e imberbe. Esta modificagão deve-se a razôes
de caracter teolôgico e estão ligadas ã necessidade de corabater
o monofisismo reafirmando a Encarnagâo. S6 no séc. XI, Cristo
passa a figurar morto reflectindo as transformagôes de
sensibilidade e estéticas gue se fazem sentir no Ocidente no
séc. XII. Louis Réau, Iconographie de l'Art Chretien, Tomo
II . . .p.475-
'--Jean-Claude Schmitr L'Occid^nt, Nicee II et les Imaget;
du Vlle au XlIIe Siécle in Nicee II: 787-1987 ... 282-283
315
que cada um reconhega em si mesmo a sua dívida em relagão ao
Redentor"626.
Este tema apela a ura aspecto bem interessante no contexto
da estética medieval: ã arte como emogáo, e não apenas como
instrumento didáctico.
Na arte espanhola, o primeiro exemplo conhecido da
crucifixão é o do Beato de Gerona, datado do séc. X
avangado627, popularizando-se o teraa a partir do séc.XI
(Fig.408) .
Esta representagão, contudo, nada tera a ver cora as
crucifixôes dos saltérios conimbricenses . Aquela inclui também
a crucifixão dos dois ladrôes, as personif icagôes do Sol e da
Lua, e o portador de esponja, ausentes neste fundo.
Mas â medida que se avanga no Românico, até ao séc. XII,
simplif icam-se as Crucifixôes, reduzindo-se o acompanhamento
ã Virgem, João, Sol e Lua .
Em livros litúrgicos uma das primeiras representagôes de
Cristo na Cruz a acompanhar o Cânon surge no Sacramentário de
Metz (Fragmento) Paris, ( B.N.Lat. 1141 ,fl. 6v.), manuscrito da
escola da corte de Carlos o Calvo, produzido cerca de 870"28.
Neste folio de Sacramentário é Cristo que se inscreve no T do
Te Igitur, encimado das personif icagão do Sol e da Lua . Cristo,
como é comum nesta época , aparece vivo, glorioso com nimbo
cruciforme, e vestido apenas com o perizonium, tendo sobre os
626
PL 142,1306 C : Non enim truncus ligneus adoratur ,sed
per illam visibilem imaginem mens interior hominis excitatur,
in qua Christi passio et mors pro nobis suscepta tanquam in
membrana cordis inscribitur, ut in se unusquisque recognascat
quanta suo Redemptori debeat )..."
'-"'
J. Yarza Luaces ,La Crucifixion en la Miniatura
Espahola.Siglos XI e XTI in Archivo Espahol de Arte , XLVII,
1974. p.13.
"-'"
Destinado a ser un. Sacrament ar i o completo, o manuscrito
ficou incompleto e contem apenas um Ordo resumido, o Prefácio
e as Oragôes e o Canon. in P^intur^ Carolingienne Paris:Chéne,
1977, p.27
3 16
pés uma serpente. Rodeado de luxuriante vegetagão de acantos
dourados e uma barra púrpura recebe as letras gue terminara o
Te Igitur (Fig.193) .
Proximo da iconografia do nosso saltério está a crucif ixão
de um documento da Câmara de Computos de Pamplona629
(Fig .410 ) . Tal como a iraagera de Sta Cruz, tarabérn este contéra
Cristo morto na Cruz ,a Virgem e João chorando, o Sol e a Lua
com cabega humana e distintivos de chamas. Esta imagem,
contudo, é mais tardia: oscila entre 1221 ou 1231.
Apesar de todas as diferengas estéticas que marcam as duas
Lmagens, em termos iconográf icos não estão muito afastadas.
0 Missal Votivo Sta Cruz 40, possui no fôlio que antecede
o Te Igitur, fl.30, uma representagão simplificada contendo
apenas o crucificado. 0 desenho está rauito prôxirao do Saltério
27, sô o iluminador revela menor qualidade como se pode
verificar no desenho do corpo .
Outra modificagão estã na posigâo das pernas, que aqui não
aparecem cruzados, estando ausentes tarabém o supedáneo e a
imagem da serpente.
As cores são diferentes, mantendo-se a tendéncia deste
mosteiro para serem apenas delineados os contornos e pequenas
superfícies. 0 nimbo parece ter sido repintado ,sendo ainda
visível o trago inicial do cabelo.
0 Missal Sta Cruz 62 fl.l77v poderá ter coino modelo o
Sta Cruz 27, ou copiar um modelo mais antigo, como nos sugerem
os rostos personificados do Sol e da Lua, gue são indicio de
uma tradigão que remonta â época paleocristã, seguida na época
carolíngia, tendo-se generalizado no mundo românico. 0 desenho
é mais ingénuo que os dois exemplos anteriores; a utilizagão
do verraelho e sépia confere-lhe ura aspecto arcaizante.
Iconograf icamente temos a assinalar a presenga do livro que
acorapanha as figuras de Maria e João.
Descrito e reproduzido em J. Yarza Luaces ,
crucificaxiôn en la Miniatura Espahola. . .fig 15 e p.37
3 17
A ausência desta temática na escultura ou qualquer outra
arte plástica da mesma época em Portuqal, não nos permite
avaliar da suas repercussoes nem da sua qenealogia. Os exeraplos
peninsulares são igualmente inconclusivos para determinar com
precisão os raodelos.
Ressurreigão
Imagens de Cristo ressuscitado aparecem no Homiliário, Sta
Cruz 4 e no Evangeliário Sta Cruz 70.
A Ressurreigáo surge no fl. 123 do Homiliário num ciclo,
cuja iconografia é bastante vulgar na época. Esta cena de
carácter narrativo-simbôlico , que antecede imediatamente as
homílias do dia de Páscoa ,encontra-se mutilada; o fôlio foi
cortado ao meio, deixando três cenas interrompidas(Fig. 304-
307 ) .
Apesar de ser uma homília sobre o Evangelho de S. Marcos,
o texto que encerra a descricão dos episôdios desenhados
remete-nos para o Evangelho segundo S. João , 20, 1.
Da primeira, temos apenas a representagão do anjo que pela
gestualidade, diz a Madalena: "Mulher por que choras", ao que
esta responde "porque levaram o meu Senhor e não sei onde O
puserara". A cena cortada seria a que corresponde â interpelagão
de Cristo. No canto esquerdo ,ainda é visível, meio cortada,
a figura de Cristo que dá passagera ã narragão seguinte.
Contudo, o anjo anunciador faz parte das descrigôes de
Mateus e Marcos e não consta em João. Neste manuscrito, a pedra
tumular e o anjo que indica o sepulcro vazio, aparecem
enquadrados por arquitectura , que deverá simbolizar a capela
tumular de Cristo em Jerusalém.
318
A segunda cena ,narra a aparigão de Cristo a Maria
Madalena. Nela, Cristo parece dizer-lhe: "Não me detenhas,
porgue ainda não subi para Meu Pai ,Meu Deus e vosso Deus""°.
Depois da descida ao Limbo, seguir-se-ia esta aparigão, logo
seguida de uma nova interrupgão, onde possivelmente o
iluminador teria representado a aparigão aos Apôstolos.
Finalmente, sobre arcada de volta inteira, surge
representada a incredulidade de Tomé. Cristo com o brago
levantado mostra as chagas a Tomé que , ajoelhado, coloca o dedo
sobre o seu corpo de acordo com as palavras: "Chega aqui o teu
dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mâo e mete-a no meu
peito; e não sejas incrédulo, raas crente .
"
( S. João, 20).
Este conjunto historiado é praticamente único no contexto
do românico português. A representagão humana é cuidada, o
desenho razoável, e os personagens são muito expressivos pela
sua gestualidade (as mãos do Anjo, da Virgem e de Cristo
deixando-nos adivinhar a frase que vâo pronunciar) .
São figuras cheias de dignidade e de humanidade que dâo
vida ao acto da Ressurreigão . 0 artista, como nas histôrias de
banda desenhada, faz-nos seguir a sucessão de episodios que
sô são interrompidos pelas divisôes horizontais. As cenas
desenrolam-se, quer em interiores emoldurados por arcos
lobulados, quer em cenas ao ar livre, como nos mostra a
árvore, carregada de cachos que separa Maria Madalena de
Cristo.
Os arcos lobulados que encerram a priraeira banda, assira
como as torres que os encimam, figuragôes da Jerusalém Celeste,
estão presentes era raanuscritos ibéricos do séc. XII. 0 ms . 1
do Arquivo da Coroa de Aragão, Liber Feudorum Maior , enquadra
a cena da dedicagão do livro por um arco do estrutura
"10Esta cena pode também ilustrar a versáo do Evanqelho do
Marcos, 16, 9 "em nuo Cristo afasta Maria Madalena "Não me
toques, mas procura os meus discipuios e diz-lhes que subo pa : a
meu Pai. ."Eí.tu é uma das i nterpretacôes mai.. .mtigas
justifica plenamente os gestos do. Madalena e Crir.to nest u
i luminura .
319
semelhante ao manuscrito conimbricense. Também a cena da
aparigão das Três Marias surqe na Bíblia de Ávila631,
enquadrada por uraa arquitectura seraelhante. Estes arcos
lobulados embora ausentes do Românico europeu, são frequentes
na arquitectura árabe e arménia, provavelraente circulariam era
fundos arquitectônicos de pegas da arte môvel e podiam mesmo
ser observados por alguns dos iluminadores, monges que através
da pereqrinagâo tinham acesso a culturas longinguas gue a ida
a Jerusalém pressupunha.
0 último episôdio narrado - A dúvida de Tomé— -, tem,
ao nível da coraposigão, semelhangas claras com a escultura do
mesmo tema do Claustro de Sto Domingo de Silos, não sendo
conhecida nenhuma fonte iconográf icafFig . 411) . Meyer
Schapiro633, atribui em relagão ao baixo relevo do pilar norte
ocidental, persistências mogárabes na impessoalidade e
disposigão dos Apostolos, que se ordenam era fila nura único
plano. Ora,
o artista do manuscrito de Coimbra, baseia-se
exactamente nesta cena ; introduziu-lhe uma dinâraica já
românica. Contudo, o elemento de inovagão iconográfica referido
pelo mesrao autor - homens gue tocam cornos e mulheres que
tangem instrumentos musicais, com características profanas-,
não está presente no Sta Cruz 4. Nas três cenas, o artista tem
uma preocupagão de acrescentar linhas oblíquas, para dar
vivacidade ãs cenas e imprimir-lhe moviraento e expressividade .
"31
Este manuscrito de origem italiana foi terminado em
Espanha. Tem na Biblioteca Nacional de Madrid a cota ,Ms Vitreo
15-1, foi executado nos sécs XI e XII, com 435 fls.mede 579x388
e 58 linhas, recebeu en Espanha além de outras cenas as da vida
de Cr isto.Cf. Martin de la Torre e Pedro Longâs Catalogo de
i:orfices Latinos:Biblicos , T.I, Madrid, Biblioteca Nacional,
1935, pp. 31-39.
"'-'
A representacão deste episôdio remonta ao séc. V e tem
duas versôes: uma que aparece como ostentagão e outra como
palpacão da chaga . É somente no fim da Idade Média que esta
ũltima se general iza . In Louis Réau Iconographie de 1'
Art
Chrot ii>n. T. I I, p. 568-60'.
Moyor Sciapiro, Esturfios sobre el románico , Madrid,
A L i a r= v a 1 'orma,
19 8 4 . pp . 3 7-119.
320
Veja-se a posigão da pedra tumular, no primeiro quadro, a
posigão da Maria Madalena, e especialmente o cair da manga
e a posigão entre Cristo e S. Tomás.
Pouco comum também é a forma da cruz (cruz da Aquitânia)
que segura Cristo.
0 raesmo tipo físico, horaem moreno e barbudo, aparece
também na Bíblia de Ávila(Fig . 412 ) e em outros bíblicos
hispânicos, assim como em biblias românicas da zona do
Mosa"3".
No Evangeliário Sta Cruz 76, surge no fl.l05v uma
personagem de cabelos longos aureolada, vestindo túnica e
manto (Fig .413 ) . Segura numa mão um livro, enguanto na outra,
mostra um plausível sinal das chagas. Imagem estranha, de
desenho ingénuo, sera vestígios de pintura corao acontece com
muitos outros do mesmo manuscrito. Parece tratar-se de Cristo
da Ressurreigão.
A festa que interpreta é o Dia de Páscoa (In Die sanctam
Pasche) . Este título, ao contrário da imagem, é polícromo.
0 rubricador utilizou o vermelho, o amarelo e overde . 0
rosto comprido e os olhos de grande abertura , sugerem-nos uma
copia de manuscrito mais antigo.
A escrita reporta-se a finais do séc. XII, inícios do
XIII.
Cristo Juiz
0 Homiliário, Sta Cruz 4, inclui uraa outra teoria de
imagens que ocupa o último fôlio, que nos surpreende pela
originalidade no contexto da arte românica portuguesa.
A ligagão ao texto não está tâo prôxima como na cena
anterior, ja quo a última festa do calen.lario litũrqico deste
manuscrito diz respeito â dedicacão da Iqreja. Contudo, se
"3*
A sequnda Biblia de Loon apresenta um tipo I isico do
Cristo muito semelhanto /,C(>n, C-.rfegiata oV Sant<< isirforo,
cod . 1 ,tal conio a Bíblia do SainL -Marie du Parc, Londros ,Br it.
Libr., Add. 1-1788 e o bíblico Sta Cruz 1.
321
tivermos em conta que o momento imediatamente anterior é o do
25* e último Domingo depois de Pentecostes, onde termina o
ciclo litúrgico (o ano eclesiástico e com ele a histôria do
mundo), iniciando-se a passagem â Jerusalém Celeste, estas
representagôes ganham significado, ligando-se ao tema da
Ressurreigão que acorapanhava a festa da Páscoa .
As imagens são um tanto enigmáticas devido ã identif icagão
dos personagens que ocupam as duas ordens das arcadas.
Nas duas primeiras bandas doze figuras vestidas de longas
túnicas e mantos gue lhes cobrera a cabega estão dispostas sobre
arcadas, seguram objectos que se assemelham a caixas relicários
ou recipientes para guardar perfumes ou ôleos.
Na última banda Cristo em majestade mostra o livro rodeado
de seis personagens aladas sumptuosamente vestidas gue sugerem
o vestuário bizantino imperial.
Os arcos ultrapassados gue enquadram as doze personagens
e os capitéis cônicos lembram-nos a época mogárabe. 0
carácter sumptuoso dos anjos e o tipo da coroa com pendentes
remetem para a corte bizantina e monarcas visigodos63S. 0
iluminador construiu uma imagem em três bandas horizontais,
embora saliente mais o carácter simbôlico que o narrativo.
No lado verso do mesmo folio são representados seis aves
em fila horizontal, e um serafim que ocupa sensivelmente o meio
do fálio (Fig. 309-312) .
Dificuldades de interpretagão levam-nos a apresentar as
várias posibilidades de leitura iconográf ica .
A primeira proposta por C.A. Ferreira de Almeida,
considera que: "Merece revelar-se a iluminura extensa
(f 1.3 29), onde se representa, em três faixas, a maiestas Domini
e a Jerusalém celeste. Temos aí a reprodugão de uma visão
","-Carácter majestático e iguais pendentes mostram os
anios do fresco do absidíolo direito (último tergo do séc. XI),
da i-areja de Sant'Angelo in Formis . Neste templo, perto do
Capua, as influências bizantinas sáo claras. In Andre Grabar
o Karl Nordenfalk, La Peinture Romane , Paris/Geneve , 1958, p.
'J 5 .
322
mental, extremamente plana, mostrando nos dois registos
superiores as doze portas da cidade Apocalíptica, de arcadas
ultrapassadas, com a figuragão das tribos de Israel, uma delas
em cada entrada. Na parte de baixo vemos Cristo de pé, rodeado
de seis anjos, nobremente vestidos, que o honram e servem"b3,0
Esta leitura adapta-se âs iraagens representadas e não poe era
causa o número das personagens.
A segunda hipôtese, para as doze personagens, é a de que
se se tratam das virgens Loucas e Virgens Sábias.
0 passo bíblico, no qual esta cena se insere comega com :
"0 Reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando
as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo." Segundo S.
Mateus (25, 1-12), dez jovens esperam o esposo. Logo que ele
chega, cinco tém as lanternas guarnecidas de oleo e alumiadas;
as outras cinco não se muniram a tempo de ôleo e as suas
lanternas permaneceram apagadasrsão as virgens insensatas ou
"loucas". 0 relato acaba com as palavras "Vigiai, pois, porque
não não sabeis nem o dia nera a hora." (S. Mateus, 25, 13).
Pressupôe-se o dia e a hora do juízo final, e a esta cena
seguir-se ia: "Quando o Filho do Homem vier na sua glôria,
acompanhado por todos os Seus anjos, sentar-se-â então no seu
trono de glôria" (Mateus , 25,31). No fôlio verso temos as
visôes de Ezeguiel.
Os anjos convergera para Cristo numa atitude de adoragão,
de quem se dispôe a erguê-lo para o Além. Esta representagão
dos anjos evoca-nos as palabras de André Grabar "Os bizantinos
da Idade Média não representavam já os anjos volantes que levam
para o céu o retrato de ura vencedor ,raas imaginara-nos de pé ,
com os pés em terra, flangueando o retrato do soberano divino,
ao qual servem por meio da contemplagão permanente""*7.
"'"
In C. A. Ferreira de Almeida, O Românico in Historia da
Arte em Portuqal ,T. III, Lisboa, Alfa, 1986, pp. 171-172
"'
André GrabarLas vias de la creacion en la iconografia
cristiana. . .p. 149 .
323
Ficariam por explicar as doze personagens em vez das dez,
erabora a primeira figura coroada pudesse ser identificada com
a Virgem, que também surqe associada a esta temática638. A
outra personagem podia ter sido colocada para assegurar a
simetria .
Os objectos gue as personagens segurara poderiam ser as
candeias, embora não seja evidente as que estão acesas ou
apagadas .
A gestualidade das mãos que se traduz em aceitagão, tanto
podiam ser prôprios das Virgens Sábias, como dos Apôstolos.
Ambos aparecem representados em idêntica posigão639, assim
como as mãos são colocadas da mesma forma.
Em S. Margal de Limoges, teatralizava-se desde inícios
do século XII, a parábola das Virgens Loucas e Virgens Sábias.
Este drama teria estimulado os artistas ã sua representagão em
esraaltes. Neste século, a iraagera era já famosa no Sudoeste da
Franga, exactamente a zona de que este manuscrito sofre
influência na ornamentagão. Como no drama nesta região, as
figuras seguram candeias, e não as tochas de influência
oriental.É nas provincias vizinhas do Limousin e do Poitou, que
está temática mais se generalizou acabando por penetrar na
Franga do Norte640.
A terceira hipotese interpretativa, parte dos objectos
e identif ica-os como recipientes para conter ôleos e
638
Gaston Duchet-Suchaux ,Michel Pastoreau La Bible et
les Saints ... pp. 309-311 .
*3C*
Esta atitude pode observar-se no Apostolado da Igreja
de S. João Baptista .Museu Diocesano de Jaca . reproduzida em
Joan Sureda La pintura románica en Espaha ,Madrid ,
Alian/a
Editorial, 1989. p. 185.
b4°
Emile Måle, L'Art Religieuse du Xlle Siecle en
France. . ., pp. 148/14 9.
324
perfumes, já que são muito semelhantes aos que ostentam as
Três Marias do fresco da ermida de S. Baudúlio de Berlanga.641
Estaríamos perante uma remota representagâo das Santas
Mulheres e da Virgem.
Num capitel de Mozat642 a visita das Santas Mulheres ao
tûmulo é associada ã Ascensão e â Ressurreigão"43, o que está
de acordo com a cena representada . 0 facto de serera, segundo
os evangelistas, três mulheres (Maria, Maria Madalena e Maria
mãe de Santiago)644 ,não obsta a que possa ter sido
representado, por necessidade de composigão, um outro número
neste caso simbolico.
Nos numerosos exemplos, apresentados por Émile Mále, na
escultura figuram invariavelmente três.645.
Numa sequência lôgica com a cena anterior, surge Cristo
com os Apôstolos. Estaremos perante um tema da ascensão, no
gual Cristo é levado pelos anjos para o céu, corao está descrito
no Acto dos Apôstolos?
Nesta hipôtese, as imagens sobre arcadas seriam as dos
Apôstolos, apesar de não ser a habitual cena do Pentecostes com
a presenga do Espírito Santo. Assim, a figura que surge coroada
seria a da Virgem gue acompanha os onze apôstolos, já que Judas
estaria ausente apôs o episôdio da traigão.
641Esta imagem actualmente no Museu de Boston aparece
reproduzida em Joan Sureda La pintura románica en Espaha,
Madrid, Alianza Editorial, 1989, p.85
"*'"
0 capitel desta igreja do Languedoc vera reproduzido e
estudado em Henri Focillon, Art d'Occident Vol. II,
Paris:Armind Colin,1938. p.289, figs 230,232.
""'
Gaston Duchet- Sucheaux, Michel Pastoureaux La Bible et
les Saints . . .pp. 145-146.
Segundo os Evangelhos do Mateus e Maros ( Mt . 28, 1-
10, Mc. 16, 1-8)
"""'Emile Mâle L'Art Religieuse du Xllemo siecle on Franc^
. . .pp. 125-139.
3 25
A guarta hipôtese é formulada por Aires Augusto do
Nascimento, com base numa imagem de um evangeliário irlandês,
conservado em S. Gall646 (Fig.414). Tratar-se-ia de uma
representagão da vinda de Cristo no fim dos tempos para julgar
o mundo. Nestes codices, as cenas estão invertidas.No
manuscrito de Saint Gall, numa primeira banda, Cristo em
majestade, em meio corpo, está ladeado de dois anjos; em baixo
os doze apôstolos gue seguram o livro e olham na sua direcgão.
0 único problema desta interpretagão continua a ser o
objecto que os apôstolos seguram. No manuscrito de S. Gall, a
sua forma indica claramente um livro; no homiliário de Santa
Cruz é com dificuldade gue o identif icamos como um saco onde
este estaria contido.
Apesar das diferengas estilísticas e em particular das
imagens dos dois manuscritos ,64 a iconografia está muito
prôxima .
No lado verso do homiliário Sta Cruz4, fl. 329v uma
imagem simbôlica: Um serafim ocupa sensivelmente metade do
fôlio9, seis aves aureoladas encimam-no, corao que reforgando
o etéreo e a simbologia das asas.
Estamos face a interpretagåo da primeira visão de
Ezequiel- "No meio dela distinguia-se a imagem de quatro seres
que se asseraelhavara a seres huraanos . Cada um tinha quatro faces
e cada um tinha quatro asas.As suas pernas, perfeitamente
direitas, tinham cascos como os dos bois e cintilavam como o
cobre polido. Por debaixo das suas asas saiam mãos humanas.
Cada dos quatro lados tinha as duas faces e suas asas. As asas
tocavam uma na outra ( . . . ) .
°1,"StiBiSG, Cod. Sang. 51, Fl . 267 reproduzido em L'AM>aye
rfe Saint-Gall .Rayonnement spirituel et culturel dir. Werner
Vogler, Lausanne, Editions Payot , 1992. p. 131.
0 iluminador de Evangeliario utiliza o processo de
simpli ( i cagáo do imagom tipicamente irlandôs. F'ĸjuras ostáticas
o linoares. Rostos de grandes o I hos o membros reduzidos .
Sistemas de linhas criam ritmos expressivos.
3 26
"Quanto ao aspecto das faces, os quatro tinham ã frente,
uma face de homem, todos os quatro uma face de leão, ã direita,
todos quatro uma face de touro, â esquerda e todos quatro uma
face de águia. Tais eram as suas faces.As asas estavam
estendidas para o alto; cada um tinha duas das suas asas
juntas uma â outra e duas a cobrir-lhe o corpo (...) Ora,
enquanto eu contemplava estes seres, vi na terra, ao lado de
cada um dos quatro, uma roda (Ezequiel, 1, 5-15).
As aves aureoladas significam provavelmente os estados
superiores do ser"48. 0 serafim, segundo Dionísio, o
Aeropagita, ocupa tal como os querubins, o cume da hierarquia
celeste. Há assim, uma relagão de sentido entre a Ressurreigão,
o Juízo Final, e um estado espiritual superior.
Nesta imagem, o monge, num único olhar, podia estabelecer
relagôes múltiplas, elevar o espírito do mundo material ao
mundo imaterial649.
Ao contrário da cena da ressurreigão ,na qual o carácter
narrativo é acentudo pela gestualidade e movimentos adequados
âs personagens, nesta, tudo se passa ã maneira bizantina: 0
hieratismo e simetria quase absolutos transmitem-nosuma ideia
de transcendência e de sagrado. Os rostos são inexpressivos
e os gestos reduzidos ao mínimo. Paradigmática desta intengão
é a figura de Cristo em majestade.
So as arcadas e as asas dos anjos imprimem ritmo â
cena.Não é apenas a atitude gue nos lembra Bizâncio, mas o
prôprio vestuário utilizado pelas personagens gue sugere as
648
"Na raedida em gue os Deuses são sustentados por seres
voadores ( como nos anjos da Bíblia), as aves são de certa
forma os símbolos vivos da liberdade divina, libertada das
contingências terrestres" in Dict ionnaire rfes Symboles . . .T .
III, p. 308-309
M"
Dionísio Aeropagita, como já ref erênciamos dcfende
esta funcão da imagem, também um seu oontinuador Suqer vai
terizar sobre esta questão em Lihor de rebus in administratione
sua gest.is, XXXIV, ed . por E.Parofsky, Abbot Suger ,On the
Abbey Church of St . Denis and its Treasures ,Princeton, 1946,
p. 72.
3 2 7
vestes da corte iraperial: as túnicas de homens e mulheres,
assim como os motivos trabalhados. Na cabega, o stemma, que
possui uma forma "evasée", os pingentes e correntes, segundo
uma moda oriental.
A gargantilha, nas personagens do homilário está reduzida
ao mínimo, como as que eram usadas pelos súbditos de
Justiniano6"0.
Estas cenas do homiliário, corao as do Apocalipse do Lorvão
reflectem a tendência ao linearismo da iluminura românica em
Portugal6*'1. Esta tendência, faz-se sentir claramente no
scriptorium de Santa Cruz de Coimbra. Em todas as obras de
melhor qualidade, nunca os artistas recorreram a valores
plásticos onde a volumetria imperasse. Pelo contrário, foram
extremamente sensíveis âs virtualidades da linha, no cuidado
posto no desenho que subordina a pintura.
A policromia limita-se, em geral, aos fundos. As imagens
e os ornamentos são apenas delineados ou pintados com leves
aguadas .
A ausência de pintura mural, neste período em Portugal,
nâo nos permite estabelecer comparagôes com outras
representagôes locais.
Talvez nunca venhamos a saber qual foi o ambiente cultural
que suscitou estas imagens, nem que repercussôes tiveram nas
artes plásticas românicas . Considerando mesrao que as
crucifixôes se harmonizavam quer com os livros litúrgicos, quer
com a propria dedicagão da igreja e mosteiro, o certo é gue
estas imagens são ambíguas na sua signif icagão.
"6°. Cf. Frangois Boucher Histoire du Costume en Occident
de l'Antiquite a nos Jours ,Paris: Flammarion, 1965 . pp. 149-152
.
"51
"Como o Apocalipse do Lorvão, este côdice é ura
monumento da miniatura de estilo linoar e um ponto chave para
o conhecimento do linearismo para a mancha a pincel na arte
de decorar o livro em Santa Cruz e em Portugal" in C.A.
Ferreira de Alraeida, O Românico in Histôria rfa Arte em
Portugal . . . p. 172 .
3 28
Não encontramos modelos similares noutros manuscritos, ou
era outras expressôes artísticas, o que dificulta qualquer
tentativa de estudo iconolôgico.
3 2 9
Cristo em Majestade
0 Alc. 238 e o Sta Cruz 34, ambos exeraplares do De Avibus
de Hugo de Folieto, contêm uma representagão de Cristo em
majestade6B2
(Fig.123 e 132).
No Sta Cruz 34 fl. 34v, Cristo em majestade faz o gesto
de bengão com a mão direita, enquanto com a esquerda segura o
ceptro cruciforme. Apesar de ter a posigão de sentado, está
ausente o cadeiral.
No Alc. 238 fl. a posigão de Cristo é semelhante. Estas
duas imagens inscrevem-se num esquema que segundo o texto que
as rodeia representará o cedro. Das imagens que nos foi dado
observar653, as dos nossos mosteiros seguem o mesmo tipo de
representagâo do cedro de Bruges proveniente de Les Dunes
(Seminario Maior,Ms 89/54 fl.45)654.
Contudo, em Alcobaga, apenas seis aves se dispôem em seu
redor criando uma situagão de assimetria, enquanto em Sta Cruz
são sete as aves representadas .
0 Cristo em majestade do mosteiro do Lorvão, (A.N.T.T.
Casa Forte 90 fl.21) apesar de apresentar semelhangas
signif icativas com estes dois manuscritos, mostra uma imagem
de Cristo muito prôxima da do Apocalipse do Lorváo. Cristo
surge imberbe, abengoando com a mão direita, mas segurando o
livro com a esguerda (Fig. 147 ) . De resto quanto â imagem do
cedro e das aves segue o manuscrito de Sta Cruz .
652Esta imagera baseia-se nuraa passsagera biblica
(Salmos, 103, 16,17) "As árvores do Senhor estão cheias de
seiva ,
Assim como os cedros do Líbano que Ele plantou. Ali as aves
fazem os seus ninhos".
6"
Reproduzidas era Willene B. Clark, The Illustrated
Medieval Aviary and tho Lay-Brotherhood , Gesta, 21
( 1982) .pp.73 .
"-"•Willene B.Clark The Illustrated Medieval Aviary anrf
tho. T.ay-Brotherhood in Gosta 21 (1982) p.69. Nest.e a copa
da árvore aproxima-se da í'orma iio uma mandorla, estando o
prôprio Cristo dentro de outra.
330
Em relagão â técnica do desenho e da pintura as
diferengas são evidentes. o Sta Cruz 34 é produto de ura
iluminador de melhor qualidade que alia o domínio do desenho
ao da pintura. Em Alcobaga a imagem é ingénua e está muito
prôxima do manuscrito claravalense , já referido em capítulo
anterior .
No manuscrito alcobacense, Cristo surge imberbe tal como
acontece no Lorvâo e é desenhado de forma muito esquemática.
No manuscrito de Santa Cruz de Coimbra, pelo contrário a
imagem de Cristo é de grande dignidade, aproximando-se pela
qualidade do artista do Sta Cruz 1.
Contudo, há uma aproximagão curiosa quanto â pintura que
nos faz repensar a questão dos raodelos.Já colocaraos em destaque
as semelhangas entre Santa Cruz e Alcobaga quanto â iconografia
de Cristo. Idênticas conclusoes se podem retirar do confronto
das cores e os espagos pintados.
Em ambos os manuscritos as cores utilizadas såo o verde,
para a estrutura da árvore, o vermelho para o fundo e o verde
para o manto de Cristo.
Apesar de todas as semelhangas entre o manuscrito de Santa
Cruz e o do Lorvão, a figura de Cristo distingue claramente a
iluminura nos dois mosteiros.
No Lorvão temos um Cristo adolescente, cujo tipo é
claramente o do Apocalipse, feito pela mesma mão ou por alguém
da mesma escola. Além disso sô os fundos são pintados, o que
constitui mais um elemento de aproximagão ao Apocalipse, caso
desta imagem não estar inacabada.
0 facto de não possuirmos outras representagôes de Cristo
em majestade em manuscritos desta época em Portugal ,se
exceptuarmos o Apocalipse do Lorváo, não nos permite ampliar
outros estudos comparativos . Não tivemos também acesso a um
amplo número de imagens de De Avibus.
331
Esta iconografia é, contudo ,comum aos Cristos em
Majestade nas representagôes da pintura catalã românica e
tem antecedentes nas representagoes bizantinas e carolíngeas.
Virgem
No imaginário dos monges ,a Virgem é objecto de uma
profunda devogão nomeadamente entre os cistercienses que lhe
dedicara as suas raais importantes igrejas era Portugal ( Sta Maria
de Salzedas, Sta Maria do Bouro ou Sta Maria de Alcobaga).
No entanto, este culto não se reflecte com suficiente
vigor nas representagôes da época . A iconografia da Virgem so
nos aparece no séc. XIV, num Missal Cisterciense( Alc. 26), que
desenvolve toda uma teoria de imagens. Neste codice a Virgem
protagoniza várias cenas, entre elas aquela a que está mais
prôxima de uma dimensão quotidiana -a Virgem do Leite .
A cena não resulta de uma amamentagão comum, mas de uma
metáfora, interpretagão e não explicitagâo do texto
bíblico656. No Sta Cruz 11, f 1.112 interpretamos esta
personagem como a Virgem devido ã posigão das mãos e
carácter de ícone que ela encerra. Uma imagem semelhante
conserva ainda hoje o Museu da Sé de Urgel, proveniente da
ábside da igreja pirenaica de Valencia d'Aneu a qual é,
contudo, datada do século XIII (Fig. 415) .
Mas outras santas são representadas em idêntica posigão,
como é o caso de Santa Basilisa, datada do séc. XII. Este
6SSCf . por exemplo Cristo de San Clemente de Tahull,
Museu de Arte da Catalunha. Cristo justiceiro de tradigão
bizantina, , ,mostrndo tracos anatômicos semelhantes, a
única diferenga signif icati va é a existência cio ! ivro que
substitui a cruz.
656 u0 ieite da Virgem representa aqui a sabedoria com
a qual S. Bernardo e outros foram qrati t icados ,mas tamne.u
o pao eucarístico, corpo alvo de Cristo, alin.eno.ado por leito
imaculado de Maria. 0 Santo reza e a virqem eorrosponde com
um gesto maternal" (Horácio Peixei ro , 1991 , p . 214
332
exemplar encontra-se em Cerdana na igreja paroguial de
Estavar657. Mais uma vez estaraos perante um desenho a vermelho
como acontece noutros exemplos deste mosteiro, em que o
linearismo constituiu uma marca do scriptorium.
Santos Inocentes
No Alc. 412, fl.97, surge uma inicial historiada com tema
bíblico sobre o Novo Testamento. Trata-se de uma interpretagão
do Apocalipse ( 6, 9-11), incluida nura E que abre a Festa dos
Santos Inocentes, já referidafFig. 283-284 ) . 0 iluminador
sintetizou esta passagem de forma simbôlica numa pequena
inicial, reduzindo as imagens aos santos inocentes. Uma
personagem precipita-se sobre o altar, tendo ao seu lado
simbolicamente o animal sacrificial.
0 artista revela dificuldades de coraposigão na colocagão
da personagem quando esta se langa sobre o altar. Todas as
demais estão em harmonia no interior da letra.
Evangelistas
Tetramorfo
Ura dos grandes temas do imaginário bíblico medieval é a
cena conjunta dos evangelistas, segundo visão de Ezequiel e do
Apocalipse 4, 6-8: "Diante do trono havia ainda como que um mar
de vidro, semelhante ao cristal; e no meio e em redor do trono,
quatro viventes cheios de olhos por diante e por detrás . 0
primeiro era semelhante a um leáo; o segundo a um touro; o
terceiro ti nha um rosto como que de homem, e o quarto era
semelhante a uma águia em pleno voo. Cada um dos quatro
viventes tinha seis asas, cobertas de olhos por dentroe por
fora. . .
"
"'"'
in Walter W. S.Coo k e José Gudiol Ricart, P.intura
_■• imageria Romanica in Ars Hi^^aniae p.55
0 texto do Apocalipse foi dos que mais inspirou e
estimulou a criatividade dos artistas roraânicos. Cristo em
majestade, com os simbolos dos quatro evangelistas , animou
os tímpanos de portais e ábsides de abadias e de catedrais.
Ornamentou os textos dos manuscritos, as pegas de ourivesaria,
marfim e esmalte.
A expansão deste tema deveu-se também â interpretagão dos
comentadores medievais, como S. Jerônimo -
o homem simbolizava
a incarnagão; o touro,
a paixão; o leâo, a ressurreigão; a
águia, a ascensâo658.
Se fascinou o homem românico, o texto não deixou de ter
interpretagôes muito diversas. Os Comentários ao Apocalipse
forara um dos veículos fundamentais da sua divulgagão. Foi na
Península que se fixou uma iconografia que anuncia o
milenarismo presente em numerosas obras do Romãnico.
No Beatus da Academia Real de Histôria, (Cod. 33, fl.92.)
o tema apocaliptico da Visão do Cordeiro é ilustrada com uma
imagem circular; o Cordeiro ocupa o lugar central, dispondo-se
era seu redor ,os sírabolos dos evangelistas
-
o anjo, o touro,
a águia e o leâo (Fig. 4 16 ) .
No Apocalipse do Lorvão aparece uma iconografia
semelhante, embora seguindo um modelo bem diferente, num
processo de ordenagão já românico. A imagera circular raantém-se .
0 cordeiro no centro e os quatro evanqelistas em circulos: os
anjos suportam o con juntofFig. 417) .
Noutro manuscrito do séc. X, Valladolid, Biblioteca da
Universidad, (Ms. 433, fl. 145), o tetramorfo com carácter
antropomôrf ico, ilustra a visão do Cordeiro sobre o Monte Sião
: "Os quatro seres viventes que , partilham com os anciãos a
zona celeste, parecem cavalgar sobre discos com paletas em
forma de hélice, que contrastam com a versáo dos mesmos
símbolos que se podo observar no beato da Academia do
Histôr ia"(Fig. 4 18 ) .
GseJean Chevalier o Alain Ghoorbrant Dictionnaire des
Symboles ...289,290.
334
Uma das representagôes que mais se aproxiraa da descrigão
"dos seres viventes" é a do Comentário do Beato de Liébana ao
Livro do Apocalipse; pertencente ao Cabido da Catedral de Burgo
de Osma, escrito por Petrus Clericus ,e iluminado por Martinus ,
datado de 1086.
Nesta iluminura, Cristo em majestade na mandorla, ocupa
um lugar central, tendo a seus pés o cordeiro. Em cada um dos
cantos, para além de várias personagens com instrumentos
musicais, é representado o tetramorfo. Cada um dos
evangelistas, tal corao consta no texto, possui seis asas
cobertas de olhos, o corpo é humano e a cabega do animal
correspondente659 .
Também a primeira Bíblia de Léon de 960 utiliza o raesrao
tetramorfo, com características antropomôrf icasfFig . 419) .
No territário que havia de ser Portugal ,a sepultura de
S. Martinho de Dume tem uma tampa com um evangelista que
apresenta corpo humano e cabega de ave(Fig. 420) .
Esta tradigâo hispánica do séc. X-XI é interrompida
durante os inicios do séc. XII, quando o teraa é eleito para os
tímpanos das grandes abadias dos caminhos de peregrinagáo. Ai
predomina a sirabologia gue utiliza o animal ou o anjo que
segura o livro, colocado-o em redor de Cristo triunfante.
Moissac é disso o exemplo: Cristo em majestade é rodeado
por um tetramorfo deste tipo.
Os evangelistas que abrem os Evangelhos do Alc. 399, e que
ocupam as suas Tábuas de Concordância de Alcobaga assim como
as do Sta Cruz 1, pertencem a duas tradigôes diferentes, embora
o deste último utilize uma solugão mista(Fig .54-59 ) .
Mais prc-ximo das tradigôes peninsulares ,a Biblia de Santa
Cruz apresenta ao longo de 7 fôlios, os evangelistas a
encimarera os arcos ultrapassados , enquadrando cada divisão do
canon de concordâncias .
"'"Estc raanuscrito está descrito e reproduzido om Las
Edades del Hombre: Libros y Documentos en la Iglesia do
Castilla y Leon , Burqos, 1990. pp. 62-64.
33 5
As arquitecturas e os frisos ornamentais destas tábuas
são de grande gualidade artistica, constituindo, mesmo,dos
mais belos exemplos da nossa iluminura românica. Os
Evangelistas ocupam sempre o interior das arcadas, cora arcos
bem ultrapassados idênticos aos dos beatus mais antigos,
embora raais robustos e revelando ura outro conceito de
plasticidade.
Nos fls. 363v, 364, e 364v, são as figuras antropomorf icas
que dominam, de rostos expressivos e dialogantes, segurando o
livro ou as tabuinhas que excepcionalmente substituem o livro
no (fl.364v). De facto, mais uma vez, o mestre deste
manuscrito nos transmite sinais de grande respeito pela
tradigão, ao colocar as tabuinhas de cera nas mãos de Mateus,
Marcos e João, empunhando o primeiro o estilete de metal que
executava as incisôes660. Apesar das tabuinhas apresentarera no
nosso manuscrito a forma das tábuas da lei, é a existência do
estilete que chama a atengão para este suporte alternativo da
escrita medieval . Em todos os outros fôlios o que aparece
representado é o codex ou em situagôes excepcionais o rolo.
Imagens igualmente dialogantes e antropomôrf icas apresenta
a Bíblia românica de Leôn de 1162 ( Fig.420A). Contudo ,o
desenho é ingénuo se o compararmos com o nosso manuscrito.
Neste codice as tábuas ocupam onze os fôlios ( fl .682-692) ,as
arquitecturas são simples arcos de volta inteira e colunas
ornadas com motivos geométricos.
0 iluminador desenhou também aqui o anjo, o touro, a águia
e o leão alados segurando o livro ou o rolo, ( como é o caso
do anjo no fl. 362v) . Nestes fôlios, temos assim numa
sequência, três tipos de suporte da escrita que o iluminador,
porventura bem conhecia.
,J,J°
Albert d'Haenens, La Tablette de Clre Interface
Graphique et Support de Revélation in Estudos rfe Arte e
Historia: Homenagem a Artur Nobre de Gusmão ,
Lisboa : Vega ,1 996 . pp . 1 14- 1 27 . Nesta obras o autor dá-nos
informagôes sobre este prooesso c.i oro de escrita o reproduz
um conjunto de manuscritos com a sua representucuo.
3 36
No fl. 362, o primeiro anjo parece apontar com o
indicador e o olhar as visoes apocalípticas que se desenrolam
na faixa superior, em que alguns homens procuram fugir ao
comportamento feroz dos dragôes e serpentes, que se enroscam
em torno dos seus corpos. Curiosa é a iconografia do f1.362,
escolhida para simbolizar S. João e S. Lucas. 0 autor
representa um anjo que ostenta nos bragos o animal que
simboliza o respectivo evangelista.
Composigâo, desenho e pintura são especialmente cuidados
possuindo este artista para lá de ura rico imaginário, um grande
sentido de harmonia.
No Alc. 399 os evangelistas para além de terem lugar no
canon, abrem o respectivo evangelho em imagens bem mais
convencionaisfFig. 76-83) .
No fl. 101, S. Mateus, inserido em mandorla é simbolizado
pelo anjo, segurando o livro. Pela posigão que ocupa e pelo seu
estatismo lembra uma estátua coluna.
Muito curiosa é a forma que o iluminador construiu para
o L inicial do Liber Generationes que inclui a árvore de Jessé.
Um dragão na horizontal e a figura do evangelista, na vertical,
criam um espago, no qual os caules enrolados e as palmetas se
orqanizam em forma de árvore; as personagens que habitualmente
ocupam medalhôes sâo substituidas pela vegetagão661.
No fl. 122v é Marcos gue ocupa o cimo de uma coluna, sob
a forma de um leão alado, segurando o livro.
S. Lucas aparece como touro alado igualmente com o livro,
numa bela inicial, rodeado de caules enrolados, palmetas e
dragão alado. Estaraos perante ura caso era gue a prápria inicial
se desestrutura para dar lugar ã ornamentagão.
661
Veja-se a inicial de Mateus ,na Biblia dos
Capuchinhos (Paris, B.N. Ms lat. 16746, fl.7v). Também nesta
inicial a figura deitada ,constitui a haste honzontal
_
do
I.,embora neste caso seia o prôprio Jessé. Da árvore saiem
medalhôes envoltos em caules enrolados e constituídos por
personagens da linhagem de David. O evangelista neste caso
encontra-se sentado segurando filactera. A iluminura esta
reproduzida em Walter Cahn,La Bible Romane. .. p. 215
337
Finalmente, S. João surge como águia no cimo de coluna,
mostrando o livro e sem qualquer outra particularidade.
Ao longo de guatro tábuas de concordância evangélica
surgem os quatro evangelistas. Na primeira que descreveremos
noutro local, os símbolos são idênticos aos do comego dos
Evangelhos, dispondo-se, como é habitual, entre os arcos que
dividem as correspondências entre estes. Na segunda , fl. 95v,
ocupam também sob forma humana, dentro de uma barca, o cimo de
cada arcada. Tratar-se -â provavelmente de uma alusâo ã sua
acgão evangelizadora, já que a barca na iconografia cristã,
está ligada â prôpria Igreja. Assim, se as arcadas simbolizam
a construgão do proprio templo, a barca sirabolizará o local
simbôlico em que os crentes devem embarcar para vencer as
tempestades/paixôes deste mundo.662
Também, com figura huraana, era meio corpo, ocupam as
arcadas do fl.96v, S. Mateus,S. Marcos e S. João.
Os Evangelistas estão ainda presentes no Evangeliário Sta
Cruz 72, e Epistolario B.P.M.P. 861 -No primeiro, é
representado no fl.7, S. João . A figura é aureolada, segura o
livro entre as mãos tapadas com manto(Fig .233 ) . 0 fundo da
letra na gual se inscreve Initium sancti evangelium secundun
iohanem é azul. A imagem é muito elegante e cuidada com manto
verde e túnica ocre araarela, o cabelo é verde e o livro que
segura, vermelho. No Epistolário é S. Lucas que é representado
também com auréola, túnica e manto, mantendo as mesmas cores
e estiloCFig.242; . 0 nome está inscrito na prôpria túnica. Não
existe livro e o evangelista parece convidar-nos â leitura da
epístola .
Mais uma vez estamos perante representagoes que aliam
importagão de modelos a uma tradigão local hispãnica, presente
no Sta Cruz 1 que opta por iraagens antroporaôrf i cas dos
evanqelistas .
662Jean Chevalier e Alain Gheerbrant , Dictionnaire des
Symboles . . . p. 179.
3 38
0 conjunto de raanuscristos bíblicos e evangeliários
existentes nos dois fundos pressupunha a existência de um
número mais signif icativo de imagens de evangelistas, mas mais
uma vez os iluminadores escolheram iniciais ornadas para estes
côdices.
Santos
No fundo alcobacense, S. Bento é representado a entregar
a Regra a um monge. A cena ocorre no Alc. 231, fl.90,
acompanhando o Incipit prologus regule sancti benedicti...
Dois enormes dragôes alados de pescogos entrelagados inscrevem-
se num estranho quadro, delimitando o espago no qual dois arcos
de volta inteira e uma construgão copulada serve de fundo a
este episodiofFig.421,) .
A letra representada é o A que inicia a palavra ausculta
que dificilmente se descobre, devido ã exuberância do desenho.
0 Santo aponta cora o dedo o ouvido, a reforgar esta
expressão que inicia a regra . 0 monge veste escapulário, hábito
e a côgula e recebe de pé a regra num gesto de aceitagão. S.
Bento sentado, está aureoloado e tem apenas o hábito. Ambos se
inscrevem em arcadas. Os dragôes que rodeiam a cena poderão
estar relacionados com o demônio que faz parte de um dos
episôdios mais famosos da sua lenda663. Todo o conjunto é
pintado em tons de azul, vermelho e laranja.
Sto Agostinho também aparece um tanto inesperadamente
numa inicial a acompanhar ,no Alc. 440, fl.2v, o Incipit liber
epistolarum aurelii augustini episcipi. O santo surge de forma
quase despercebida na terrainagão vegetalizante de uraa inicial
D, barbudo com auréola ou mitra, e com filactera e estilete,
no acto da escrita. A filactera tem escrito o seu nome e o
""!.0 demonio corta a corda pela qual era transportado
o cesto que continha a comida do santo ,nessa altura isolado
numa gruta perto do lago de Subíaco.In Gaston Duchet-Sucheaux
e Michel Pastoreau, La Bible et les Saints... p.60.
339
elemento no qual se apoia sugere uns grandes lábios, logo a
importância da palavra na leitura da epístola664 (Fig .422 ) .
Poucas são as representagôes de Santos existentes nestas
bibliotecas, em que a hagiografia teve um papel tâo importante,
tanto na sua utilizagão litúrgica como nas narrativas de vidas
com carácter edificante. As poucas existentes, recusam o
caracter narrativo e limitam-se a assinalar através da sua
presenga o texto da autoria do Santo, ou a ele dedicado66S.
Estão assim completaraente ausentes as "ilustragôes" das Vitae
tão divulgadas na iluminra românica.
Opgão dos nossos iluminadores e imposigáo de raodelos
claravalenses, já que mesmo os manuscritos cistercienses de
outras abadias forneceram numerosos exemplos de ciclos
iconográf icos relativos ã vida de Santos666.
4.4. Imagens do Humano
Optáraos por criar um conjunto de imagens que designámos
por "imagens do humano" ,não porque se contraponham âs imagens
664
Este santo coraega por ser representado sem nirabo nem
atributos. A partir do séc. VIII é-lhe atribuido o hábito
episcopal, corn raitra cruz e outros atributos, aparecendo
igualmente como monge agostinho.Neste caso é difícil ver que
vestuário lhe destinaram. Cf . Gaston Duchet-Suchaux e Michel
Pastoureau La Bible et les Saints ... pp. 50 e 51
^
S. Bernardo é representado no fundo cie Arouca ,no
Antifonario D, fl. 68v . No interior de um P que inicia uma
antífona em sua honra ,o iluminador desenhou-o de forma
ingénua mas expressiva, a indicar com o dedo num gesto bem
afirmativo o texto . Veste hábito escuro ,está tonsurado
mas não aparece a aureola.
"""
0 legendário de Cister Di jon, B.M. ras 641, apresenta
imagens de santos a acompanhar us suas vidas ou puixôes.Cf.Jean Auverger L'Unanimitc C i sterci enne Primitive :Mytho ou
Realite? . . . pp. 4 63 .
34 0
sagradas, mas por que foi nelas que os artistas foram Rai-s
sensíveis a aspectos de quotidiano.
Nas raras imaqens do humano, a figura feminina é menos
representada, surgindo guase sempre com um sentido sagrado.
No Sta Cruz 1, aparece con juntamente com o homem no acto
biblico da criagão.
É, contudo uma excepgão e podemos afirmar que a cultura
portuquesa dos séculos XII e XIII667, é marcada por uma
sociedade camponesa e guerreira que ignora a mulher e a arte
não lhe dedica nenhum lugar ou quase6bS.
Homem e Mulher
Esta afirmagão introduz-nos exactaraente na análise das
primeiras representagôes do corpo do homem e da mulher. Corpos
enquanto tais, ligados a ura dos temas raais ricos do românico:
as etapas da criagão descritas pela Bíblia.
0 episôdio da criagão, é descrito era apenas trés
medalhôes. A narragão comega em Santa Cruz ,com Adâo e Eva já
criados quando Deus lhes dá conta do risco que correm se
comerem frutos da árvore da "ciência" (Fig. 423 ) . A descrigão
continua no segundo medalhão com o episôdio da serpente
tentadora em que as duas personagens se dispôem em torno desta
árvore fFig. 424 ) .
Curioso é o 3 s momento da Criagão, onde o artista efectua
uma interpretagão literal da Bíblia: a expulsão de Adão e Eva
'•"
Georges Duby, Le Aíoyen Age. Adolescense de la
Chretienté Occidental .980-1140 ... p. 81 ,refere esta mesma
situagão para o séc. Xi francês.
",,H
Georges Duby Le Moyen Age. Adolescense de la
Chretienté Occidentale. 980-1140. . . p. 81 . "Hierática ,
longinqua, a mãe de Deus mostra-se por vezes no seio da
narragâo evangélica, simples comparsa . Entretanto o seu rosto
mantém-se em segundo plano como,nas assembleias de homens
de querra, o da esposa e do senhor . . . Lasciva . Nao e ela o
gerrae da corrupgão gue denunciam os moralistas da igreja, Eva
tentadora, responsavel pela queda cJo homem e de todos os
pecados do raundo?
341
do Paraíso, em que um querubim os afasta com uma grande espada
tendo â saída, a raão de Deus que os espera cora uraa túnica para
se vestirem. Há aqui uma verdadeira simbiose entre cenas
sagradas e profanas , ocupando Deus uma posigão central em toda
a cenafFig. 425 ) .
Apesar de não podermos estabelecer qualquer genealogia com
a arte portuguesa, esta é uma teoria de imagens habitual na
iluminura românica.
É a partir da segunda metade do séc . XI que se generaliza
tal tipo de inicial com medalhôes, nos quais se insere a
narrativa da criagão. Exemplo disso é a Bíblia de Lobbes,
escrita e iluminada em 1084 (Mosa) fFig . 426 ) ,na qual o artista
cria sete medalhôes669 para narrar o texto da criagâo670.
Neste côdice surge um elemento de inovagão- os sete medalhôes.
Em Santa Cruz temos apenas três. É uma estrutura semelhante,
apesar de uma iconografia raais complexa que apresenta a Bíblia
de Marchiennes (Douai, Bibl . Mun. ms 1, fl-7), datada da
terceira quartel do séc . XII. No interior de ura I de forma
idêntica estão presentes quatro cenas- Cristo com Adão e
Eva ,a árvore da Ciéncia, ura raedalhão cora ura serafira munido de
espada a simbolizar o castigo, Abel e Caim e Caim matando Abel.
Um aspecto desta narrativa que nos pode dar pistas sobre
a sua filiagão, encontra-se no terceiro medalhão. Joaquin Yarza
Luaces671 e Walter Cahn em relagâo â Bíblia de Burgos afirmam
*"9
Tournai ,Bibl . du Serainaire, ms 1, fl.6.
"'"
Contudo o I do In Principio surge a partir do
séc.IX,"Walter Cahn em La Bible Romane... p.42, afirma-nos
gue" Por exemplo a inicial da génese da Bíblia de Vivien,
datada de meados do séc.IX, incorpora um medalhâo único com
o busto do Criador e, noutos casos, estes medalhoes podem ser
três, repartidos por cada uma das extermidades da letra e
no séu meio." Ora é exctaraente esta a situagão que teraos em
Santa Cruz o que mais uma vez vem acentuar a cápia deste
manuscrito por um modelo mais antigo.
""■
Joaquin Yarza Luaces ,Lus M i niaturas de la Biblia de
Burgos, Archivo Espahol de Arto (19f--9), p.l97.Este autor
considera a Bíblia proveniente do srript.nrium de S. Pedro
de Cardeha, apresentando pontos do eontacto com as alemãs e
'4 2
o carácter excepcional da imagem de Deus a vestir o
homem (Fig. 427 j . Este último autor refere ainda esta cena
como resultado de uma tradigâo local. Encontramos esta
iconografia igualmente no relicário da Colegiada de Sto Isidoro
de Léon, doada por Fernando I â sua esposa673(Fig . 428) .
A tradigão ibérica emerge em todos este exemplos.
Esta inicial ocupa trinta e um espagos no texto e a
largura de uma das três colunas, contudo nota-se da parte de
quem escolheu o modelo iconográf ico, um gosto particular por
uma representagão sintética ao reduzir a narragão apenas a três
cenas. A Bíblia de S. Bernardo tem quatrof fig. 429 ) ,a de
Mannerius dezassete, chegando a atingir noutros côdices setenta
e oito674. Mais prôximo da iconografia do nosso manuscrito
está o I da Bíblia de Lyon em que a narragão está dididida nas
mesmas cenas : criagão do homem e da mulher, árvore da ciência
e expulsão do paraíso675ff ig . 430 ) .
0 tipo físico das personagens é muito prôximo, embora num
desenho diferente. As imagens em torno da árvore e a posigão
da serpente tambéra são idênticas .Contudo, na expulsáo do
paraiso está ausente a mão de Deus e as personagens já se
encontram vestidas.
Podíamos multiplicar os exemplos da interpretagão
imagética deste livro bíblico, sem dúvida um dos mais
mais claramente com as inglesas.
672Walter Cahn La Bible Romane .. .p .17 5 .
673Cf. Maria de Jesus Astorga Redondo El Arca de S.
Isidoro. Historia de un Relicario, Leon, 1990 .pp. 96-97. Esta
autora afirma a presengas de elementos hispânicos na sua
ornamentacão, assim como influências estrangeiras ,renana e
francesa,'na disposigão das personagens e na inclusao de
letras em linhas peroladas.
'■"*
Frangois Garnier, L' Image Biblique Médiévalo, U_
Moyen Aqe et la Bible. . .pp. 403-407.
'■"'Reproduzida por Catherino Brisac T.es Grandes Bibler
Romanes dans la France du Sud in Los Dossiers
d'Archéologie ,n5 14 . . . p. 101 .
34 3
explorados pelos imaginários676, mas não ficaria mais
esclarecido o problema da filiagão desta inicial.
É original o processo que o iluminador de Santa Cruz
criou para juntar os medalhôes que parecem emergir da
vegetagão que os envolve. Esta forma está proxima do I da
bíblia de S. Bernardo, (Troyes, Bibl. Mun. ms 458 I, fl.6) mas
possui um desenho muito mais livre e um profundo sentido do
ornamental. 0 dragão que se contorce, espreitando entre os
caules simbolizará o pecado que espreita, tal como a serpente
tentadora .
As cores têm aqui uma fungão importante. Apenas o anjo,
Deus e os fundos são pintados, tudo o resto é puro linearismo.
As cores empregues são o vermelho ,azul e verde sem qualquer
simbologia aparente. É o trago do desenho que mais chama a
atengão pela sua capacidade de transmitir moviraento e
expressividade . 0 desenho é contornado a castanho, recebendo
os corpos nús, tragos mais claros que realgam a sua anatomia.
A composigåo no interior dos medalhôes revela um artista com
um apurado sentido de harmonia. No terceiro medalhâo, a posigão
de Adão e Eva introduz uma dinâmica em torno da árvore,
quebrando a rigidez gue a simetria da cena por vezes impôe. A
árvore, uma espécie de videira é bastante mais ornamental que
as de copa mais utilizadas nesta cena .
Na arte portuguesa a temática da criagâo, surge também no
último fálio do Livro das Aves de Hugo de Folieto , (A.N.T.T.
Casa Forte n9 90 )(Fig.431) ,do Mosteiro do Lorvão. Uma
ilustragão de página inteira representa a criagão de Eva a
partir da costela de Adão, enquanto este dorme. Ainda no
Paraíso, ambos tapam o sexo, com a mão,anunciando o futuro
pecado. A cena que ocupa todo o f 61 io é enquadrada por uma
arquitectura habitual nas representagôes da Jerusalém Celeste.
O arco é de volta inteira, os capitéis com motivos vegetais e
as torres do coberturas cônicas parecem a ladear o conjunto.
""
Ct . Francois Garnier L' Imagerie Biblique Medievale ,
in Le moyen Age et la Bible . ..p.404
3 -1 4
0 tipo físico humano é mais uma vez, o de seres de cabelos
escuros e corpos de estatura raédia. As personagens apenas
desenhadas e a figura de Deus surge com nimbo crucif orme.Como
no manuscrito de Santa Cruz, a figura divina irapoe-se pela
posigão, dimensôes e pintura ,em torno do qual o artista faz
girar Adão e Eva .
Em ambas o vestuário divino e verde, amarelado, e o nimbo
laranja. A ausência de fundo cria uma certo ambiente etéreo,
fazendo esquecer o carácter narrativo do tema .
0 artista de Santa Cruz tem maior preocupagão pelo
porraenor, e a observagão do corpo: no Lorvão irapera o puro
linearismo677.
A Condenagão
No Sta Cruz 1 f1.362, num friso das tábuas de concordância
encontramos o homem e a mulher numa cena que simboliza ocastigo
Divino (Fig .54-54A) . Estão a ser engolidos por um dragâo que
num plano recuado emerqe das profundezas. A ondulagão das
personagens, assim corao do dragão e da vegetagão que os
entrelaga poderá ser uma alusão ao elemento água, assim como
os dragoes evocam o Leviatão: o monstro que se deve evitar
despertar, e que é capaz de enqolir momentaneamente o prôprio
sol678.
Nesta imagem é toda a espécie humana que está em causa
face ao pecado.
677
C. A. Ferreira de Almeida considera que esta cena
é da mesma autoria do artista que executou o Apocalise do
Lorvão e as modificagoes introduzidas se devera a côpia de
modelo diferente. Cf. O Românico ,Histôria da Arte ,
III... p.
170. 0 desenho dos olhos das personagens, assim como o
linaerismo por este autor também referido, colocam-nos de
facto face ao mesmo iluminador ou discipulo muito proximo.
"7eJean Chevalier, Alain Gheerbrant Dict ionnaire des
Symboles.IlI . . .pp. 119-120.
3 4 5
É signif icativo que o homem esteja desnudo679, e seja
devorado pelas pernas, enquanto a mulher o é pelos cabelos nura
sinal de humilhagão680. 0 facto de estar de cabega destapada
e os cabelos caírem pelos ombros ,assim como parte do corpo
desnudo pelas garras do dragão são sinais de desonestidade . 0
que mostra que há um sentido de condenagâo do pecado. A sua
expressão é de desespero681 , procurando sequrar as mandíbulas
do dragão num gesto de resistência.
0 olhar do anjo, num plano inferior, fixa-se nestas
personagens, indica-as mesmo cora o dedo, numa atitude clara de
reprovagão.
De assinalar a representagão do nu masculino que traduz
uma certa procura de "realismo"; a figura está bem desenhada
e o artista procura raarcar os detalhes anatôraicos do corpo
humano .
A expressividade e a violência do conflito são reforgados
pelas tons escuros dos dragôes que se contorcem ferozmente para
abocanhar as vitiraas. 0 ilurainador soube transmitir não sô uma
simbologia mística, mas também apelar ãs forgas primitivas do
instinto e do inconsciente.
Não mais o homem e a mulher aparecem associados nos
manuscritos dos dois mosteiros.
Os grupos sociais surgem representados de forma
individualizada, em geral incluidos em sequências de carácter
sagrado .
'j79
0 homera apresentava-se nu nas representagôes do
Leviatão
"'",
Cf. Joaquin Yarza Luaces Formas Artisticas de lo
Imaginario, Barcelona, Anthropos, 1987 . pp. 232-236 . Este autor
refere que Eva ,numa heranga do Judaísmo vai ser o sujeito
utilizado para descarreqar todas as culpas da humanidade.
'■"--
Cf. Émile Mále, L'Art Religieuse du Xlle Siecle en
France. . .pp. 375-376.0autor rofere numerosos casos em que a
serpente esta ligada å punicâo da luxúria, tema que se
divulga a partir do séc . ÍV com a Visáo de S. Paulo.
346
Camponês
0 caraponês, a base da sociedade e da economia medieval
está, no entanto, quase ausente nas representagôes de Santa
Cruz e Alcobaga. De facto este grupo social parece ter deixado
indiferente o iluminador . No entanto, no Românico, surge com
grande freguência ligado aos trabalhos e aos dias, corao é o
caso da pintura do Panteão de Léon68*7 (Fig .434) , ou ainda
associado âs actividade de Abel nos raanuscritos iluminados
bíblicos, como é o caso da Bíblia de Burgos683 (Fig. 427) .
Nos capitéis é comum a sua representagão como por exemplo
em Sta Maria de Vezelay.
Na iconografia da época ,estas actividades, executadas no
contexto da vida monástica são prôprias dos monges. Os
cistercienses, por exemplo, de Cister, fazem-se representar em
tarefas agricolas nos seus manuscritos.
No Apocalipse do Lorvão e no Sta Cruz 1, são imagens de
camponeses, com os seus instrumentos de trabalho que o
iluminador representa.684
682reproduzido em Antonio Vihayo Gonzalez Pintura
Românica: Panteon Real de San Isidoro-Leon , Leon, Isidoriana
Editorial, 1979, pp. 50-54.
'"'•3
Reproduzida em J. Yarza Luaces Las Miniaturas de
la Biblia de Burgos . . .Lam. III, Figs. 19 e 20.
684
Apesar de fazer parte do fundo do Lorvão ,não
podemos deixar de referir este caso como paradigmático da
perfeita união entre o sagrado e o profano. Trata-se da
representagão da vindima no fl. do Apocalipse do Lorvão e que
corresponde â narragão bíblica:
"vi uma nuvem branca sobre a qual reinava como um
filho de horaem, a cabega com uma coroa de ouro, a
mão com uma foice afiada. Um outro anjo sai do
teraplo e grita com voz forte ao que reina sobre a
nuvem. Mandai a vossa foioe e ceifai, pois o
momento é chegado e a seara terrestre está
madura..." "... Ide com a vossa foice afiada e
vindimai os cachos da vinha terrestre, pois as
uvas estâo maduras . 0 anjo langou a foice ã terra
vindimou as uvas da vinha e langou-as no grande
lagar da ira de Dous."
. 0 7
No Sta Cruz 1, dois lenhadores ou desbravadores surgem
no início dos livros bíblicos. No fl. Ov, contéra o excelente
Incipit em que a letra N insere no seu interior, um
desbravador, que segurando a podoa corta as hastes da vegetagão
que o envolve (Fig.6). No início do Beatus Vir, fl.226v um
homem liga as duas hastes do B, empunhando o machado (Fig. 435) .
Estas duas cenas constituem uma alusão âs arroteias do homem
românico, numa época que as tarefas do povoamento constituem
uma das prioridades da Reconquista. 0 perigo que o ameaga está
simbolizado na harpia, animal de rosto humano e corpo de ave
simbolizando o génio mau que atormenta as alnias°9b.
Pastor
0 pastor, constitui outra das belas representagôes da
figura humana em Santa Cruz de Coimbra.No Evangeliário , Sta
Cruz 72, fl.6 (Fig.232, 436), surgem dois pastores junto ã
festa de Santa Anastásia, a anunciar o nascimento de Cristo.
0 priraeiro de corpo inteiro, segura o cajado, do segundo sô se
vé o tronco. Esta cena do Novo Testamento, o iluminador
depurou-a de qualquer signo de carácter religioso já que os
pastores estão representados isolados. Vestem fato curto e
(Apoc. XIV, 20).
Embora o texto do Apocalipse seja eminentemente simbôlico,
o iluminador, é particularmente sensível âs actividade
agrícolas, tendo o cuidado de as representar: num registo
separado, camponeses ,vestidos de camisa e brial, com as
podoas cortam os cachos para cestos de vime que ainda hoje
nos são familiares.
No lagar a cena continua com o homem que pisa as uvas,e
com o que pôe em funcionamento a prensa . Esta é a mesma
prensa descrita por Plínio como sendo utilizada na bacia
mediterránica .
Para além da vindima, a ceifa é também representada ,
havendo o cuidado de representar o camponés com chapéu de
qrandes abas, munido de enorme foice.
""'•
Esto animal fantástico ropresenta ainda os vicios
segundo Jean Chevalier Dictionnaire des Symboles T. III. * *P*
12 .
318
calgôes (bragas), tapam a cabega com um capuz independente que
lhes cai pelos ombros (camalha). As mãos parecem indicar uma
atitude de medo 686, que o texto evangélico exprime da
seguinte forma:"Na mesma região, encontravam-se uns pastores ,
que pernoitavam nos carapos , guardando os seus rebanhos, durante
a noite. 0 anjo do Senhor apareceu-lhes ,e a glôria do Senhor
refulgiu em volta deles, e tiveram muito medo" (S. Lucas, 2,
8 e 9) .
Contrariamente ao que é habitual, esta imagem dos
pastores, caracteriza-se pela preocupagão em atingir valores
plásticos. A voluraetria é conseguida através de "nuances" da
mesma cor, de realces a branco que contrastam com o leve
contorno a sépia. 0 artista mostra todo o seu talento não sô
no desenho e pintura das mâos ,mas sobretudo na delicadeza com
que trata os rostos . Todo o conjunto está inscrito na
superfície rectangular do I, que apresenta o fundo pintado de
verde escuro contornado a branco e vermelho.
0 Epistolario Sta Cruz 91, fl.71 contém um outro pastor,
associado ã festa do Pentecostes , que surge apenas desenhado,
segurando aos ombros um carneiro, numa alusão simbôlica ao Bom
PastorfFig.252,1 . Apesar de se encontrar sem qualquer atributo
divino, é evidente a referência a Cristo e aos Apôstolos na
entrada da Lectio actuum apostolorum.
Pescador
0 pescador abre de forma inexplicável o livro bíblico
Samuel II (Sta Cruz 1, f 1 . HOv) (Fig . 41 ) . Não conhecemos outro
exemplo, desta imagem a acompanhar o profeta, nem consta na
leitura do texto, pelo menos numa abordagem literal.
Habitualmente os livros de Samuel sâo acompanhados pela
imagem do profeta no acto da consagragão do templo de Silo,
"""
A mão aberta para o interior significa,
Frangois Garnier Le Lingage de l'image au Moyen Âgt
, negacão rocusa ou abandono; contudo, nest.e caso,
texto parece sor mais uma atitude de temor.
seqanc.o
. .p. 175
face ao
34 9
pela captura aos filisteus e reenvio da Arca da Alianga, ou
pela morte de Agag ou Saúl e da necromante de Endor .
Aparecem ainda como atributos de Samuel,
o cordeiro
oferecido em sacrifício e o corno contendo os ôleos da
ungão68'. A atitude de pescar e claramente um símbolo de
apostolado e de pregagão em que o peixe a prender é o homem
a converter. 0 pescador seria neste caso o prôprio Samuel .
Lembremos as exortagôes de Samuel ao povo de Israel para que
este se afastasse dos falsos deuses e adorasse o Senhor (Samuel
I, 7,3).
É uraa imagem com um bom e minucioso desenho, quer do
pescador que apresenta um manto sobre corpo desnudo, quer dos
peixes que são pescados com uma cana que ainda hoje nos é
familiar .
No Sta Cruz 11, fl.24v, surge outro pescador de forma
estranha, assinalando no intercolúneo o terceiro caderno. Mais
parece uraa raarioneta, ligada por fios cujos tragos saiera das
letras que formam a palavra tercius (Fig .437 ) .
Numa posicao de equilibrio duvidoso, esta personagem
inclina-se sobre os peixes que parecem espreitar a rede .
A imagem é linear, de trago razoável, mas para a qual não
descobrimos qualquer modelo iconográf ico.
Artíf ices
No Alc. 399, fl.94v, numa simbiose entre o simbôlico e o
quotidiano, em actividade construtiva, surqem pedreiros e
serventes (Fig 76). 0 artista do manuscrito biblico de grandes
dimensôes, desenha entre a estrutura arquitectônica que
<-"-*"*•In Gaston Duchet-Suchaux o Michel Pastoreau, /
Biblo et lor Sai nts ... p. 284 .
350
enquadra as tábuas de concordância evangélica, um tetramorfo
muito convencional ao lado desta dinâmica actividade688.
0 iluminador, dá com pormenor e rigor todos as momentos
de construgão de uma abadia -
a produgão da argamassa, o
trabalho dos canteiros e dos serventes ,o transporte de
materiais, o sistema de guindastes e o mestre de obras que
superintende os trabalhos que se desenrolam entre as colunas
e arcadas. 0 mestre de obras ,sentado com a vara apresenta
vestuário diverso: a camisa, e ura raanto por ciraa desta, â
maneira do anjo que simboliza S. Mateus .
Bailadeira
Tal como o iluminador, tarabéra o nosso escultor roraânico
foi pouco seduzido pela representagão do trabalho. Escolheu
para associar ao clero e â nobreza, aqueles que a sociedade
medieval olhava como marginais, mas necessários -
os jograis
e bailadeiras. Estes povoam os capitéis e as aduelas dos arcos
de portais.
Apesar da desconfianga com que eram olhados,são eles que
quebram a monotonia do quotidiano e ocupam alegremente os
tempos de lazer
688A partir do séc. V
, generaliza-se este tipo de
arquitecturas que suportam e dividem o texto evangélico.
Fazem parte integrante das bíblias carolíngeas e raais tarde
das românicas. A construgão é associada simbolicamente ã
imagem da Jerusalém Celeste. 0 texto bíblico é expressivo:
"Os muros de pedra e argamassa são as comunidades
religiosas, fortes nas obras,
unidas por um
vínculo de caridade, apoiando os fracos com as
suas oragôes, com as quais como se de pedras
preciosas' se tratasse, estão construidos os teus
muros ,Jerusalém
"
(Tobias, 13,17).
Sicardo de Cremona ,autor de finais do séc. XII-XIIT, em
Mitrale tambéra afirmava:
"A argamassa consta de cal, água e areia com ambas
se mistura areia, aquelas, como forcas
espirituais, trazera ajuda ao que é torrono e sem
elas não podíamos viver neste mundo" .
351
0 jogral, a tanger a viola aparece no capitel do arco
triunfal da Igreja de S. Salvador de Rio Mau, no capitel do
coro de S.Pedro de Ferreira e também nas aduelas do arco do
portal de Vilar de Frades .
No Sta Cruz 11, f 1.117, aparece uma bailadeira, na única
posicão acrobática da nossa iluminura românica. Realizada por
artista notável, esta bailadeira enquadra-se de forma magistral
no fôlio(Fig .438 ) .
0 corpo apresenta-se em grande torgão. Um brago parece
apoiar o corpo em desiquilíbrio, enquanto o outro acompanha
o movimento de corpo. 0 rosto olha o texto e o cabelo surge
envolto numa rede. 0 vestido cintado comprido e com uma
abertura rendada, que se estende a todo o comprimento. Era Vilar
de Frades também a bailadeira é representada junto da sereia,
possivelmente para nos advertir dos perigos do canto e da
danga , condenados nos sinodos. De mãos na anca e saias rodadas
parece iniciar raovimentos acorapanhando a raúsica tocada pelo
jogral .
0 Negro
No Sta Cruz 11, fl. 88v, surge ainda uma curiosa cena de
um negro. Numa posigão de caga, segura uma escudo redondo e
erapunha uma langa, tendo â sua frente um leãofFig. 439 ) . Esta
Lmagem, sem relagâo aparente com o texto, surpreende-nos pelo
seu realismo. A sua importância é ôbvia, dado que atesta de
forma inequívoca na arte a presenga de negros até aí apenas
referenciada em documentos coevos.
E também notável o insolito da imagem, do mesmo
manuscrito, fl.91v, onde surge outro negro com uma longa langa
o cio escudo triangular, com uma isôlito perna de pau(Fig . 439 ) .
A I orma que o artista encontrou para transmitir a ideia de
neqritude, foi a de pintar o corpo de azul escuro. Os cabelos
sao encaracolados e o corpo desnudo, tendo apenas uma saia
po 1 o joelho.
352
Tanto Verlingen689 como, raais recenteraente , Jacques Heers"
e José Mattoso691
salientam a iraportância da presenga de
escravos mugulmanos, incluindo negros ,no Portugal da
Reconquista .
No período dos Reinos de Taifas, para além de serem
assinaladas numerosas presengas de escravos , assinalam-se
tarabém guerreiros negros nos exércitos dos senhores de origera
berbere,como o rei de Badajoz. Conhecemos mesmo o exercício
de fungôes governativas por um negro em Lisboab92.
Insiste-se, é certo, na literatura e na arte referentes
a temáticas carolíngeas na pejorativa associagâo entre o negro
e os mugulmanos peninsulares .
No séc. XIII, em documentos como as Actas das Inquirigôes
Gerais, as alcunhas de negro ou tigão, identificam colonos de
origem mourisca693.
Tudo parece confirmar que estes desenhos de pé de página,
são da mesma época do manuscrito. As tintas utilizadas na
numeragão dos cadernos têm os mesmos tons das imagens
pintadas;na cena da Entrada de Cristo em Jerusalém o desenho
é claramente roraânico corao demonstramos em estudo comparativo.
Não descobrimos modelos para estas representagôes . A
originalidade do artista está patente na capacidade que
demonstra em ultrapassar o texto, e criar uma espécie de
repositário de imagens aproveitando as margens do manuscrito.
689Charles Verlingen L'Esclavage dans l'Europe
Mediévale, Bruges: Rij Ksuniversiteit te Gent, 1955
600Escravos e Servidão doméstica na Idade Média no Mundo
Mediterrânico , Lisboa: D. Quixote, 1983, pp. 24-29, 75-76 e 93-
94.
691A Identificagão de u Pais ... 251-252 .
692
Henri Pêres Esplendor de Al-Andaluz , Madrid:
Hipérion, 1983. p.268.
""Antonio Losa Os Mouros de Entre Douro e Minho no sec .
XIII in Bracara Augusta ,1964. pp. 39-40,224-238 e José
Mattoso, Luis Kruz, Amélia Andrade O Castelo e a Feira,
Lisboa:Estampa, 1989,pp. 74-75.
353
No entanto, face a esta situagão tão excepcional fica-nos
sempre a dúvida se as imagens são de facto desta época ou
produzidas por outro artista mais tardio, que tenha feito uma
imitagão utilizando as tintas, formas e imagens da época.
0 Nobre
0 nobre aparece raras vezes no nosso Românico, em cenas
de caga ou na guerra, seja nos capitéis, na escultura tumular
ou na iluminura.
0 cavaleiro é a imagera de nobre por excelência. A guerra
e a defesa das outras ordens é o papel que lhe cabe, mas a sua
imagem rareia entre nôs.
0 nobre surge com atributos guerreiros plenos de acgão
no Alc. 399, fl.95 (Fig.77).
Era torno da arguitectura da catedral, e a enquadrar os
cânones evangélicos, lutam guerreiros em cota de malha, elmo
e espada, contracenando com archeiros nura episôdio rico em
informagôes sobre as artes da guerra. Num capitel sobressai o
guerreiro com cota de malha, no alto empunhando o estandarte.
Um arauto ocupa o arco central entre duas ameias que simulam
um castelo. A representagão de cenas de guerra na iluminura,
e nomeadamente em torno do castelo tinha antecedentes entre os
cistercienses . Na Bíblia denominada de Étienne Harding
Dijon,B.M. 14 (n92), fl.l3v um épisôdio idêntico surge a
encimar a figura de David era raajestade. Guerreiros rauitos
semelhantes digladiam-se entre aas ameias de um castelo
(Fig .439B) . Tal como na Bíblia alcobacense utilizam o mesmo
tipo de escudo,de arcos e estandarte.
0 cavaleiro medieval foi ainda representado ,a executar
os designios divinos, no tão conhecido Apocalipse do Lorvâo.
Neste caso associado, entre outros,ao texto de abertura dos
7 selos, ( Apoc. VI, 1-8; Beatus II, 2). Os cavaleiros envergam
túnicas curtas, grandes espadas e os arreios dos cavalos são
desenhados com minúcia.
354
A Nobre
A mulher nobre está quase ausente da nossa arte românica.
A qrande excepgão é o jazente de D. Urraca, no caso de
aceitarmos que o sarcofago pertence de facto â rainha e não ã
Infanta D. Beatriz. 0 linearismo das figuras e a simplif icagão
que apresentam, lembram as formas da iluminura, dadas as
semelhangas que se encontram entre as personagens do Alc. 426
f1.251 (Fig.174) e os Apôstolos que ladeiara a figura do
Pantocrator, num dos topos deste túmulo.
Imagem muito sintética, com ausência de atributos, para
além da coroa. As infantas surgem na cena da lamentagão de
forma idêntica, como escreve Manuel Real''94.
No Sta Cruz 1, f1.338, no livro Macabeus II, surge uma
mulher, com atributos particularmente femininos: rocas para
preparagão do linhofFig. 47) . Pelo vestuário tratar-se-â de uma
nobre , aqui associada â que com resiqnagão aceitou a morte dos
seus sete filhos695. A actividade da tecelagem aparece noutros
manuscritos bíblicos, como atributo de Eva,
ou da Virgem,
símbolo da mulher honesta e trabalhadora.
Entre as raras representagôes similares, destacamos a
figura de Eva a fiar com os raesraos atributos, na Bíblia de
Burgos696. No entanto esta Eva está sentada, segurando um
filho numa das mãos e a roca na outra. A cena possui assim
elementos de quotidiano mais explicitos, sendo notôrio o
hieratismo com que segura os objectos, erguendo a roca como um
ceptro.
"°4
"A estátua jazente retrata a Rainha coroada e com véu
soqueixado, com cabega repousando sobre almofada. Veste
túnica comprida coberta por manto e cruza as maos sobre o
peito." (Manuel Real ,1986 p. )
Referimos esta imagem no capítulo dos manuscritos
bíblicos onde indicámos o texto que ilustra.
"""'
Página do Génesis, Biblia de Burgos (Burgos, Bib.1 .
Provincial, ms 846, fl.!2v)
355
Diferente da anterior, a Virgem da nave central de San
Pedro de Sorpe (Museu de Barcelona) surge numa singular
Anunciagão: a virgem aparece a fiar perante o anjo, enquanto
uma serva assoma por detrás de um cortinado697 (Fig .440 ) .
Do ponto de vista da execugão, a iluminura de Santa Cruz
é incontestavelmente de melhor qualidade que a da Biblia de
Burgos (Fig .427 ) . 0 desenho é de grande delicadeza, o artista
conjuga de forma excelente a composigão com a expressão,
quebrando a simetria com o ondulado dos pane jaraentos e a leve
inclinagão do rosto da mulher. Apesar da linearidade técnica,
as imagens ganham valores plásticos e tornam-se prôximas.
Neste caso, os dois dragôes que sâo utilizados para a
composigão do M, a abocanhar o corpo da figura feminina,
rendidos aos seus encantos ou ås suas virtudes.
0 artista mostra uraa enorme capacidade de comunicar.
Num primeiro olhar apercebermo-nos que se trata de uma
alegoria moral em torno da luta ente vícios e virtudes. Cora
gestos muito firmes a mulher segura os fusos e o ar tímido dos
dragôes deixa-nos adivinhar quem sai vencedor .
Rei
0 topo da pirâmide social é representada pelo rei, que na
Península, tem poderes reforgados devido ao processo da
Reconquista que lidera raas imagens reais, â semelhanga das
demais, também não são abundantes.
Na iluminura, a figura real surge associada a personagens
bíblicas e imperatoriais. Comum é a sua ligagão ao Rei David.É
no contexto da abertura do Livro dos Salmos que elas se
generalizam.
""'
Esta imaqem está reproduzida em Walter W.S.Cooker e
José Gudiol Ricart Puntura e Imageria Románicas in Ars
Hispaniae , Madrid, Editorial Plus-Ultra ,1980
, p.46.Estesautores consideram a imagem como uma das composigôes mais
atractivas da pintura românica pirenaica, p.45.
356
Mais uma vez recorremos ao Sta Cruz 1, para referirmos o
fl. 306, onde figura ma jestaticamente Salomão, erapunhando era
vez do ceptro, o lírio, flôr que lhe é associada (Fig . 441 ) . A
personagem de longos cabelos e coroada, senta-se era cadeiral,
e tem atrás de si os cortinados que solenizam as fiquras reais
em Bizâncio, generalizados na Europa Cristã através da
representagão imperatorial carolingea. Na Biblia românica de
Trento, Ms Tridentino ( cod. 2546 fl.13), Salomão aparece com
a mesma iconografia. Também numa representagâo (Fig.442),
semelhante Salomão figura ã maneira italo-bizantina em Charters
num manuscrito de meados do século XII ( Charters B.N.Lat.116) .
No Alc. 422, fl. 140 (Fig .369 ) outra representagão real:
Constanti.no o Maxêncio figuram nao como dois imperadores
romanos ,mas como dois monarcas medievais, coroados e
empunhando enormes espadas. Se o texto nos refere de facto os
dois imperadores ,a espada é um atributo dos monarcas
medievais, muito comum, aliás nos monarcas portugueses.
A representagão real mais proxima, pelos seus atributos,
é sem dúvida a escultura que se conserva no museu do Carmo,
e que José Mattoso (1933, II Vol p. 65) tâo bem caracteriza:
"Trata-se da mais antiga figuragão iconográfica do
nosso primeiro rei,outrora conservada na Igreja de
Santa Maria da Alcágova, em Santarém (...). A
coroa,
o manto real e o ceptro em forma de cruz
acentuam bem a sua dignidade soberana. Mas o trago
mais saliente provém da grande espada gue o rei
levanta ao alto, como para marcar bem o valor
guerreiro (strenuitas) , pelo qual mereceu o título
de rei."698
Nas Etimologias ,de Sto Isidoro de Sevilha, Alc.446 fl.96v,
podemos ainda considerar como uma representagão real,a imaqem
que sustenta a linhagera de Cristof Fig . 182 ) . Representagão
'jC,sJosé Mattoso .4 Monarquia Feudal( 1096- 7 480 ) ,
Historia
de Portugal ... p. 64 .
357
majestática e frontal do rei David coroado e com manto, não
possui ,no entanto, qualquer outro atributo.
É curioso que esta mesma forma de enquadrar o diagraraa
esteja já presente em manuscritos mogárabes, embora sem a
imagem coroada.
Em Pontigny, o fragraento do Decreto de Graciano, Auxerre,
B.M. Ms 269, datável entre 1170 e 1190 699, possui igualmente
uma árvore de consaguinidade enquadrada por figura
real(Fig.l86 ) .
Cada Ordem esconde em si diferengas que evidenciam os
vários estratos sociais. A diferenga que vai do monge ao abade
ou bispo é certamente semelhante â que separa o vilão do
senhor. Contudo,a justificagão ideologica que esta sociedade
faz de si é raotivo para os juntarraos.
Monge
0 que caracteriza, neste mundo dividido era ordens, a
representagão do monge é a sua atitude de humildade.
Representado com certa frequência na ilurainura, raras vezes
está associado a cenas de carácter narrativo e aparece
sobretudo nas margens dos textos ou no interior da letra
encoberto pelos ornamentos de carácter vegetal; nestes casos,
o monge sucumbe a tentagão de perpetuar a sua imagem nos
manuscritos que executa.
O Alc.231, f 1 . 90, raanuscrito do priraeiro quarto do séc.
XIII, tem entre outros, o texto da Regra de S. Bento. O
iluminador escolheu uma cena, no interior de um monumental A
ricamente ornado e, entre os corpos entrelagados de dois
dragôes, uma arquitectura monástica, prefiguragão da Jesusaléra
Celeste; entre duas arcadas românicas, S. Bento dá ao monge o
manuscrito (Fig .421 ) . 0 monge, de pé , aceita o livro que lhe
é dado pelo santo que se apresenta sentado em cadeira sobre
'
Walter Cahn .4 Twelf th-Century Decretum Fragment from
Pontigny . . . p. 51 .
358
estrado. Esta cena reflecte provavelmente a relagão quotidiana
do raonqe face ao abade, e expressa bem a iraportância
fundamental da leitura diária deste texto. 0 desenho é ingénuo
e reflecte um artista que não tem grande perícia a executar
personagens , apesar da ornamentagão que o rodeia ser de uma
pujanga extraordinária . Esta cena é vulgar na ilustragão da
Regra.
Escriba
Finalmente, o copista, a personagem que protagoniza o acto
da escrita, está intimamente ligada ao imaginário veiculado nos
côdices.
0 copista faz-se representar, através de outras
personagens apenas, em três manuscritos de Santa Cruz .
No manuscrito Biblico Sta Cruz 1, fl. 334, aparece como
S. Jerônimo escrevendo o Prôlogo ao livro de Tobias que comega
por Chromatio et Heliodoro . . . ( Fig .46 ) . Neste texto Jerc-nimo
está representado no acto da escrita não como um simples
copista, mas com a dignidade de alta personagem bizantina ou
carolíngea envergando manto. Sentado sobre cochim, numa posigão
que seria muito incômoda para a escrita, segura o calamus e
escreve sobre rolo. 0 suporte do tinteiro está perto e
reposteiros dignificam a figura. A imagem é rodeada pela letra
C constituida por corpo de dragão,que por sua vez se inscreve
em quadro sobre fundo pintado e perspectivado . É uma iraagera que
denota não uma preocupagão de relatar o escriba na sua fungão,
mas sim de mostrar os atributos de quem escreve,daí os tragos
de arcaismo, como a utilizagão do rolo. A personagem não está
aureolada e mostra tonsura.
0 Sta Cruz 69, f . 51v representa um outro escriba, sentado
em cadeiral, tendo ã sua frente o coJice aberto, sogurando na
mão direita o calamus , na esquerda a f acafFig . 108 ) . Pelo texto
em que se insere-Comentario as Epistolas de S. Paulo de Haymo-
359
trata-se da prôpria representagão do Santo que recebe
inspiragão divina através da ave que lhe sopra ao ouvido.
Erabora não tenha auréola, o facto de se apresentar descalgo é
já um sinal da sua santidade. Como é descrito na iconografia
da época, é desenhado calvo, com barbas,e escrevendo as suas
epístolas'00. Também este escriba se inscreve ern C, cora que se
inicia a palavra Commendo . . . formada por corpo de draqão
bicéfalo .
0 Sta Cruz 20, fl.l73v, representa um escriba mais hurailde
- veste apenas uma túnica, concentrado sobre a escrita e
sentado em cadeiral, apoia-se numa espécie de escrivaninha
(Fig .340-341) . Os tinteiros são em forma de corno. Dos três
manuscritos, este é o que suscita maiores garantias de ter
sido iluminado no mosteiro. É possível que os objectos
representados tenham sido os suportes da escrita em Santa Cruz
de Coimbra. Curiosa é também a mancha amarela clara que
acompanha a mesa, através da qual o iluminador nos quiz sugerir
a passagem de luz para iluminagão do trabalho do copista. O
texto refere a celebragão da transladagão de S. Bento e Santa
Escolástica, o que nos leva a pensar que é o prôprio santo ou
um monge beneditino que ocupa o interior desta letra C,
escrevendo a Regra .
Nestes três exemplos, é dificil estabelecer se algum deles
poderia ter servido de modelo. As atitudes sâo diferentes,
embora tenham alguns aspectos comuns : inscrevem-se na letra C,
e representam personagens sagradas sem auréola. Apesar de
desenho e estilos serem distintos, o desenho é mais liberto e
a composigão é mais dinâmica nos dois primeiros exemplos; a
técnica da pintura segue os mesraos princípios: fundos pintados
e recorte das imagens a sépia, processo muito corrente no
scriptorium.
Estas iraagens dos copistas corao personagens sagradas,
sobretudo evangeli stas ,no interior de iniciais ornadas e em
'
Cf. Gaston DuDuchet-Suchaux e Michel Pastoureau T,a
Bible et les Saints ... p. 254 .
360
iluminuras de página, é corrente durante toda a Alta Idade
Média.
Uma das primeiras representagôes surge no Codex de
Amiantinus701 em inicios do século VIII; Esdras a trabalhar na
nova versâo da bíblia. Ainda com tragos clássicos visiveis o
Santo no acto da escrita, sentado num banco com almofada, tendo
aos pés outro banco para apoio; ao lado uma mesa com as
tintas, codices, penas e estiletes gue se espalhavam pelo
chão. Ao fundo aparece o armarium onde se encontram guardados
os livros. A partir desta época f requentemente o copista e o
iluminador fazem-se representar nos manuscritos que executam.
4.5. Bestiário
Este termo terá aparecido soraente nos inícios do séc. XII,
para designar as obras em prosa ou em verso que utilizam
descrigô-es simbôlicas de certos animais reais ou imaginários.
As descrigôes consistem no enunciado de um pequeno número
de "naturezas" animais, sendo cada uraa delas explicada de forraa
resumida, mas incidindo sobre aspectos mais míticos que reais.
Passava-se depois a uma interpretagão moralizante de
acordo com os grandes temas do cristianismo702.
0 silêncio e recolhimento de monges e cônegos regrantes
se eram propicios a uma atitude de serena contemplagão,
estimularam igualmente uraa sedugão por formas do inconsciente,
como as que se manifestam nestas imagens plenas de maravilhoso
e fantástico.
Os animais têra lugar privilegiado na arte medieval . Com
frequência transcendem a simples fungão ornamental, para
assurairem um conteúdo saqrado ou moralizante.
01
Florenga, Biblioteca Laurenciana, Amiatinus I, F1.5A
Cf . Bestiaires du Moyen Age , apres. por Gabriel
Bianciotto, Paris. Stock. 1980
361
Um animal pode simbolizar várias virtudes, cada uma
destas, pode tarabéra ser encarnada por vários aniraais.
As representagôes de animais fantásticos, alternam no
mesmo côdice, com outros de rigor naturalista, em especial as
aves.
A época romana tardia criou uma das obras que mais foi
usada pelos autores monásticos na representagão do mundo animal
-o Physiologus'70* . Obra escrita entre o séc. II e o IV d. C,
em Alexandria, compila tudo o que se sabia na época sobre
animais, plantas e pedras sem a preocupagâo de ser verdadeiro
ou fantasiado. Atribui aos animais um carácter alegôrico, o que
se enquadra perfeitamente na mundividência medieval .Rapidamente
se extrai do Fisiôlogo, um bestiário, consagrado somente aos
animais. Foi um dos manuscritos mais difundidos até ao séc.
XII.
Esta atitude, estava conforme â filosofia patristica. S.
Basílio explicando aos auditores a obra dos seus dias, mostrou-
lhes como Deus deixou nos animais a marca das verdades da fé.
Nas pedras, nas plantas e nos animais está escrita a histôria
do raundo presente e futura.
Mais tarde, no séc. VII, Santo Isidoro de Sevilha nas
Etimologias'04 , irá dedicar um capítulo aos animais e retoma
igualmente as descrigôes contidas nos bestiários?oíi. Apesar
desta última procurar um carácter mais realista, continua a
OJSegundo Gabriel Bianciotto em Bestiaires du Moyen
Age...p.8, este termo designa o nome de um autor anônimo o
"Naturalista".
"'Este texto faz parte das bibliotecas cistercienses
medievais. Alcobaga possui um exemplar, Alc.446,
provavelmente de origem peninsular.
(,,,San Isidoro de Sevilha Etimologias , Madrid. BAC, 1983,II Vol.No Livro XII, Santo Isidoro faz uma distingão entre
os animais "domésticos" e as "bestas" animais selvagens . Abre
tambem eapitulos especiais para animais pequenos nos quais
inclui, por exemplo, a formiga e o rato, para as serpentesonde inclui o dragao o a hidra, para os vermes, os peixes e
os voadores.
362
prolongar uma tradigão escrita, de cariz erudito, mas sem
recorrer ã observagão directa.
0 seu aspecto simbôlico ou" moralizagão" reduz-se a alguns
grandes temas constantemente repetidos ilustrando as virtudes
cristãs fundamentais, e como explicagão dos mistérios maiores
da Encarnagão e da Redengão. Descreve um mundo maniqueísta,
dilacerado entre as forgas antagônicas do Bem e do Mal, entre
Jesus e o Demonio706.
Se excluirmos os bestiários, porventura de circulagão mais
restrita, todos estes manuscritos circularam nas bibliotecas
monásticas, juntando-se ao bestiário oriental difundido através
dos tecidos gue envolviam as reliquias, e das descrigôes
fabulosas dos peregrinos.
Criava-se, assim, progressivamente um terreno propicio
ã divulgagão deste universo zoomôrfico que invade as iniciais
dos manuscritos românicos.
Os raonges iluminadores de Alcobaga e Santa Cruz, oscilarara
entre a austeridade, manifesta em manuscritos que utilizam
exclusivamente ura ornamentagão vegetal, e, um iraaginário,
seduzido por um bestiário fantástico. Apesar da imagem assumir
neles considerável autonomia, restringe-se serapre â inicial,
adaptando-se ã sua forma, ou por vezes, ultrapassando os seus
limites e espalhando-se pelas margens .
Exceptuando o caso do Livro das Aves707 e o carácter
moralizante dos bestiários, as cenas com animais não têm como
fungão interpretar os textos,mas sim constituir um discurso
paralelo contribuindo para a sua ornamentagão .
"''-■"
Gabriel Bianciotto, Bestiaires au Moyen Âges , Paris,Stock, 1980.
"referimo-nos ao De Avibus de Hugo de Foĩieto,existente nos fundos dos dois mosteiros.
363
Dragão
As representagôes zoomorficas, as mais interessantes, são
todavia incompreensíveis sem a ligacão orgânica que mantêm com
uma vegetagão exuberante e também fantástica. Entre elas,
sobressai desde logo, o dragão pela sua frequência e variedade
de formas .
Definido por Santo Isidoro como a maior de todas as
serpentes e todos os animais que habitam a terra, e que devido
âs suas características voadoras causa os ciclones. A sua forga
radica na cauda. Habita na Etiápia e na India, vivendo no calor
dos incêndios que ele provoca nas montanhas. Deste raodo, o
doutor ibérico dá ao dragão um estatuto entre os outros
animais, isto é, naturaliza-o; descreve-lhe as dimensôes e
hábitos peculiares.7C'
Esta descrigão das Etimologias despoja o
dragão de aspectos míticos. Situagão diferente é a gue está
presente nos bestiários da priraeira metade do séc. XIII. Em
Pierre de Beauvais,7' este termo tem já uma enorme carga
simbôlica, associado a explicagôes moralizantes.710
Tarabéra a visão milenarista do mundo, está presente na
memária peninsular dos Beatos.
Como muitos dos símbolos medievais, também o dragão tem
um carácter polissémico aparece tanto como expressão de forgas
maléficas como benéficas.
7°8San Isidoro, Etimologias . .. 22 .Livro XII, 4, p.81.
(,9Este bestiário é escrito antes de 1217 e é ura dos mais
prôximos da fonte comum, o Phisiologus latino de que é uma
tradugão bastante exacta. Pierre de Beauvais teria executado
uma obra de vulqarizagão de que existem duas redacgôes: uma
curta de 38 capítulos e uma versão longa gue junta â primeiravárias compilagôes. Gabriel Bianciotto em Les Bestiaires . . .
pp. 19-20.
"'Neste autor náo aparece qualquer caracteristica do
animai,mas apenas a sua simbologia demoníaca. O dragão é o
grande opositor da pomba , simbolo dos fiéis. Gabriel
Bianciotto, Les Bestiaires . . .p.58
364
No Apocalipse, é a visão caôtica e satânica que o anima:
"Em seguida vi um anjo descer do céu, tendo na mâo a chave do
abismo, bem como uma enorme corrente.Dominou o dragão, a antiga
serpente -é o Diabo, Satanás -e acorrentou-o por mil anos .
"
Mas já no Salmo CXLVIII, nos aparece com um sentido
diferente: "Louvai o Senhor, dragôes da terra...". No discurso
da ortodoxia cristã, o dragão e a simbologia que ele encerra
situam-se nas franjas dos limites do Cristianismo: como os
outros monstros, o Dragão habita cada vez mais o Oriente, mas
no Ocidente, no espago onde doraina a fé, ele surge cada vez
mais como um sinal, uma referência a um mundo caôtico que
progressivamente adquire uma ordem.
É a partir dos princípios do séc. IX, que a imagem do
dragão comega a generalizar-se na Arte Ocidental. Se
exceptuarmos alguns casos ambíguos existentes na Iluminura
Irlando- Saxônica, sô a partir do séc . X, no Sul da Inglaterra,
é que encontramos o dragâo a constituir o corpo da letra.
No séc. XI, ligado aos scriptoria da Normandia e da
Catalunha surgem-nos vários exemplos. No séc. XII, o dragão
como constituinte da prôpria letra, difunde-se por toda a
iluminura .
Em Alcobaga e Santa Cruz, os dragôes surgera adaptando-se
å prôpria letra e não estão longe de um sentido manifesto
ornamental. Constituindo a letra, são incluídos num todo, dir-
se-ia uma integragão por naturalizagão do fantástico, na ordem
do real.
É, nos livros litúrgicos, e nomeadaraente nos bíblicos, que
este motivo é utilizado maior número de vezes, em especial no
último livro bíblico -
o Apocalipse. Este é o espago
privilegiado para o aparecimento do dragão.
No Alc. 431, fl. 66, surgem dragôes entrelagados ,
exprimindo essa integragão de forgas adversasfFig. 443 ) . No Alc.
399, fl.71v, o dragão acompanha igualmente o Incipit
Apocalipsis Sancti Iohanis Apostoli , expelindo elementos
vegetais, como é comura nas iniciais roraânicasfFig . 75) . Neste
manuscrito, o dragão surge ainda ligado ãs figuras dos
365
evangelistas. No F do fl.138, encima a imagem simbôlica de S.
Lucas, onde a presenga siraultânea do galo está certamente
associado â sua genealogia.
Voltando ao primeiro manuscrito bíblico Alc. 429 fl.2, a
acompanhar o Incipit Liber Job surge um duplo leáo alado que
dá corpo a letra(Fig . 445 ) .
0 Sta Cruz 1 fl.l, surpreende-nos com raaqníficas
representagôes do dragão, como ser ameagador e apocaliptico,
era toda a sua pujanga e agressividade; este dragão é tarabém de
um extremo sentido ornamental (Fig. 48 ) . Detenhamo-nos em
imagens, como o D que inicia o Desiderii Mei Desideratas, dois
enormes dragôes de possantes garras e olhar maléfico abocanham
um homem que calmamente lhes agarra os maxilares. Para além do
sentido global de uma luta entre o Bem e o Mal, estão
igualmente os temores do mundo rural face â floresta
dominadora, onde o homem, muitas vezes se sentiria impotente
face aos animais. Um dragâo de formas semelhantes, é incluido
nos frisos que encimam as tábuas de concordância evangélica,
em luta violenta com horaens e outros animais ( fls 362 e
362v) (Fig. 54 e 55). A cor escolhida para lhe acentuar o
carácter maléfico é o esverdeado711. Tal facto não impede o
iluminador de construir iniciais em que o dragão tem um aspecto
terno e submisso.
No início do primeiro Livro dos Reis, fl.98 (Fig.52),
encontramos um outro dragão expelindo um outro dragåo pela
boca ao mesmo tempo que aprisiona um cordeiro. Constitui uma
composigáo genial.
No Alc. 367 surge-nos como figura labiríntica e
metamôrfica, enquanto no Alc. 246, 18v, como dragáo anular que
mordendo a prôpria cauda completa um circulo formando assim a
letra .
"Michel Pastoureau refere que determinadas criaturas
satânicas na Idade Média passam por incoloros. Um dos
processos de as ropresentar está na utilizagâo do esverdeado
já que o vordc ora a menos colorida das cores para o olhar
dos medievais. Couleurs, Images, Symbo 1 es ... p. 96
3 6C*.
A presenga destes animais é particularmente siqnif icativa
nos Missais Alcs 249, 252, 253, 257. A inicial que raaior
impacto tem nos fôlios é o T, que inicia o Te igitur (Figs .209-
212). A sua fungão parece ser a de guardião, permanecendo
sempre nas margens, impedindo que qualquer coisa de maléfico
penetre no supremo sacrifício que em breve se vai consuraar-
a Consaqragão.
Erabora aparega corao araeagador não deixa tarabém de assumir
um aspecto gracioso e inofensivo, como no Alc. 426 onde pousa
com delicadeza, num trago feito para o receber.
Neste manuscrito surge ainda a serpente alada que com um
estranho bico apresenta um aspecto inofensivo. Apesar de tudo
abocanhar, caules, seres humanos e animais, a sua expressão é
terna. Estamos perante a outra face do dragâo, o dragáo
domesticado.
Seres labirinticos vindos dum universo longínguo, ou
fantasmas que povoam o nosso inconsciente colectivo?. Se a
questâo fica em aberto, permanece o fascínio desses seres que
habitam as iniciais dos côdices, em toda a sua
intemporalidade .
712
Centauro
0 Sta Cruz 1, fl.l tem um excelente exemplar de centauro,
incluido na classif icagão de Santo Isidoro entre os monstros
ou portentos (Fig .50 ) . Assim designados, porgue anunciam
12
A iconograf ia do dragão foi já por nôs tratada na tese
do mestrado em relagão ao fundo alcobacense. Maria Adeleide
Miranda, A Inicial Ornada dos Manuscritos Alcobacenses,
Lisboa, F.C.S.H., 1984, pp. 128-133. Retomamos o tema
enriquecendo-o com outros dados^
(portendere) ,mostram (monstrare) e predizem (praedicare) algo
futuro.713
Representagão híbrida entre quadrúpede e horaera é
considerado como um ser maligno, simbolizando a concupiscência
carnal, que torna os homens semelhantes aos animais.
É imagem da dupla natureza do homem -
uma bestial, outra
divina.714
Não nos parece que este centauro tenha qualquer conotagão
maléfica. Ele substitui,na cena
,o arqueiro que combate, esse
sim, o animal selvagem, ou se quisermos, numa linguagem
alegôrica, o que exprime a vontade divina, impedindo que os
inimigos imponham a sua forga715. Estamos de acordo com Émile
Mâle, quando afirma que a imaqem do centauro que se expandiu
através das miniaturas dos Bestiários perdeu a sua simbologia
primitiva.
0 centauro surge tarabém esculpido nos capitéis da região
de Coimbra. Podemos observá-lo num capitel da Sé de Coimbra716
e igualmente num capitel da Colegiada de S. Cristovão de
713San Isidoro Etimologias . . .p. 47 . Na mesma obra pp.53e 55 diz-se â cerca do Centauro. "0 aspecto que oferece o
Centauro está indicado no seu prôprio nome: é uma mistura de
Homem e Cavalo. Segundo alguns, tratava-se dos soldados de
cavalaria dos tessálios, que eram tão velozes na guerra que
davam a impressão de que o jinete e montada formavam um sô
corpo. . .
".
714
Jean Chevalier, Dictionnaire des Symboles ,
1-V.p. 2 99.
71'"Jean Chevalier, Alain Gheerbrant Dictionnaire des
Symbol es ,1° . V . . . . p . 1 1 7
1"
Manuel Luís Real, La Sculpture Figurative dans L'Art
Roman du Portugal ,in Portugal Roman. .. fig. 13 . Este capitel
localiza-se na torre lanterna do transepto, parte alta do
brago Sul visto da tribuna Norto. Aqui os animais apresentam-se afrontados e a forma é contudo bom diferente da do
manuscrito crúzio.
3 68
Coimbra.'"
Este capitel,718 para além dos dois centauros
lutadores, contém ainda pequenas cabegas de animal que são
familiares ao Sta Cruz 1.
A cronologia atribuida situa-o entre o terceiro e último
quartel do séc. XII, o que está prôximo da datagão do
manuscrito.MO
Seria pois um animal, divulgado na iconografia da região,
embora desconhegamos quais as razôes da sua escolha pelos
artistas locais, dado que não são comuns as suas iraagens, entre
nôs, nesta época.
Leáo
0 Sta Cruz 1 contéra tarabéra o leão de pelagera tratada â
maneira oriental, segundo um modelo que remonta ao séc. XI.
Símbolo da ressurreigão ,animal funerário, é o guardião
de sepulturas e tem lugar assente nos nossos manuscritos.
São numerosas as iniciais onde identif icamos uma cabega
de leão, servindo de ligagão entre várias partes da letra ou
do seu suporte ,ou afrontados no interior das letras Sta Cruz
1, fl.261 (Fig.446).
Outros Animais
Não encontramos a presenga signif icativa de qualquer outro
ser de carácter zoomôrfico no conjunto dos seus manuscritos.
Contudo não deixa de aparecer o cão no Alc. 242, fl. 61., o
coelho ou do peixe Alc. 450, fl. 3v.
17
Este capitel foi reproduzido por Manuel Real era A
Colegiada de S. Cristovão de Coimbra e os seus Capiteis ,Estudos de Arte e Histôria. Horaenagera a Artur Nobre de
Gusmão. . .pp. 207-224.
718Recebeu o n-.6 era Manuel Real,
. A Colegiada de S.
Cristováo de Coimbra e os seus Capi téis .. .p. 214 .
"^Manuel Luis Real, A Colegiada de S. Cristovão e seus
Capiteis . . . pp. 209-210.
369
Também os manuscritos de Santa Cruz de Coimbra possuem um
conjunto de animais que se concentram num numero restrito de
codices os Sta Cruz 1, 4 ,20 e 21. 0 primeiro constitui um
repositorio de seres hibridos, apocalípticos domésticos e
selvagens. distribuem-se nos frisos ornamentais que fazem
parte das tábuas de concordáncia evangélica e no interior das
iniciais .
No Sta Cruz 1, f1.363, surge junto ao dragão, um cervo
(Fig . 447 ) . Santo Isidoro7'0 descreve-o deste modo - "0 nome de
cervos (cervi) deriva de Kerata, quer dizer, de chifres pois
em grego chifres diz-se Kérata. São iniraigos das serpentes,
e quando se sentem afectados por uma doenga tiram-nas dos seus
esconderijos com o resoplido do seu nariz e melhoram devorando-
as como alimento, já que o seu veneno faz desaparecer a
doenga." Para o Fisiôlogo grego, o cervo nera sequer está
enfermo mas odeia por natureza o dragão."'"'1
Para além do veado também o cão, o coelho e o boi
(Fig .448-449A) povoam os frisos das tábuas de concordância já
antes referidas.
Ainda no Sta Cruz 1, fl.208v, bodes formando a letra V
aparecem em formas hibridas, repetindo-se o modelo no Sta Cruz
2, fl.193 (Fig. 450-451) .
Lobos afrontados forraara a inicial C do Sta Cruz 1,
fl.216v (Fig.451-A) .
No Sta Cruz 20 fl.l23v e fl.l56v iniciais coma letra I
são preenchidas com animais que se entrelagam, mordendo as
caudas, sugerindo a forma de uma colunafFig. 346 e 347). Estas
imagens lembram as colunas esculpidas com animais que se
encontrara nos qrandes raosteiros do Sul da Franga, nomeadaraente
a de Souillac, datada do 2 . quarto do séc.XII (Fig .452 ) . Ainda
no manuscrito Sta Cruz 21, fl.83 o iluminador introduziu uma
7*"
Etimologias. . ., XII, l,p,18
"Ignacio Malaxecheverría Fauna Fantastica de la
Peninsula Ibérica, San Sebastian. Kriselu, 1991 ... p. 149 .
370
cena de caga cheia de realismo -
um cão prepara-se para apanhar
uma lebrefFig. 355) .
0 peixe, associado ao dragão constitui também a estrutura
de algumas iniciais, como no Sta Cruz 1, fl. 311v (Fig . 453 ) ou
no Sta Cruz 20, fl.78 (Fig.350).
A representagão dos animais nestes côdices é feita, em
geral, nura desenho realista de excelente qualidade. Se
excepturamos o Sta Cruz 1, é flagrante o constrate com as
representagôes humanas onde o esquematismo ou mesmo a
inqenuidade está bem patente. Dir-se-ía que os nossos
iluminadores,
como os escultores,
foram mais atentos (e
livres?) a captar as formas do bestiário que souberam conjugar
com o mundo vegetal, do que em reproduzir as figuras humanas.
Aves
Este bestiário não foi, todavia, o ûnico na mundividência
dos monges . A partir de finais do séc. XII ou ínicios do XIII,
o "De Avibus", de Hugo de Folieto, assinala uma outra relagão
com o universo zoomôrfico.
Nestes manuscritos,
o texto inicia-se com dois prologos
em que o autor apresenta a obra . Dirigindo-se a Rainier, um
converso, numa linguagem moralizante e alegárica e que procura
excluir qualquer pensamento abstracto. Seguem-se ainda numa
primeira parte, dois diagraraas-
a Palmeira e a Árvore da vida .
Uma segunda parte consiste nas imagens de uma enorme variedade
de aves com a correspondente moralizagão.
A imagem não constitui aqui , apenas um discurso paralelo
ao prôprio texto, mas ilustra-o.
Já nos referimos em capítulos anteriores aos três
manuscritos e ãs relagôes existentes entre eles.
Para além do aspecto moralizante que o texto contém,é um
verdadeiro inventário de aves .
371
No Sta Cruz 34 do fl.89 ao 109v desfilam 23 aves722: a
pomba (columba xristi est ecclesia) ,o pelicano (pellicano) ,
a garga nocturna ou goraz ( nicticorace) ,o corvo (corvo) ,
o
galo (gallo) ,o avestruz (strucione ) ,
o abutre ( vulture) ,o
grou ( grue), o milhafre (milvus ) ,a andorinha (yrundine) ,
a
cegonha (ciconia) ,o melro (merula ) ,
o mocho(jbujbone) ,o gaio
(gragulo) ,o ganso {ansere ) ,
a garga (ardea), o borrelho
(caladrio) ,a perdiz (perdice) ,
codorniz (coturnice ) ,a popa
(huppupa) ,o cisne (cigno) ,
o pavão (pavonej, a águia (aquila ) .
A representagâo das aves em Santa Cruz é mais naturalista
que em Alcobaga, cujo desenho, por ser mais ingénuo não nos
perraite uraa observagão detalhada das características de cada
ave. 0 iluminador de Santa Cruz como o do Lorvâo, revela um
sentido decorativo muito evidente no tratamento das penas das
asas de algumas aves723.
Apesar do bom desenho que apresenta, nestes manuscritos,
o tipo de aves é estereotipado não mostrando grande liberdade
de trago. 0 artista consegue, todavia, quebrar a monotonia,
jogando com os limites das cercaduras e a forma das aves. Ora
estas se circunscrevem aos contornos,ora os ultrapassam.
A paleta é pouco variada, não recebendo cada ave mais de
duas cores . Em Alcobaga sâo monocroraáticas ou bicolores e
poucas vezes deve ter sido utilizado o pincel. É através de
tragos feitos com o calamus que se enchem as superf ícies724.
0 diagrama da pomba gue suraariza as ligôes dos capítulos,
nâo está presente em Santa Cruz .
'"Transcrevemos o nome das aves em latim, conforrae está
no texto.
7~3
Alguns desenhos de aves são particularmente bem
conseguidos, como é o caso do galo (fl.98) ou da águia
(fl.l09v) .
:"t
Cf . Maria Isabel Rebelo Gongalves, "Sub:~ idios para
o estudo iconográf ico animal rfor. codices me.di evai s
alcobacenses in Actas .Congresso Internaciona l para a
Investigacão e Defesa do Patrimonio. Alcobaga: 1978.
37
0 De Avibus, obra de um cônego regrante seria
provavelmente um dos manuscritos bem aceites por S. Bernardo,
já que nele não há "seres monstruosos" e cada animal, mais não
é que ura pretexto para dar aos monges e aos iletrados exemplos
de virtude. A espiritualidade bernardina, assim como o seu
espírito reformador, ter-se-iam reflectido directaraente em Hugo
de Folieto725. Interroga-se Ivan Gobry se os dois abades se
teriam mesmo conhecido. Refere a propôsito que o "De Claustro
Anime" faz alusão a S. Bernardo. Nesta obra escrita entre 1135-
53 ecoam as palavras de S. Bernardo - "Os bispos mandam
construir palácios cuja grandeza ultrapassa a das igrejas.
Colocam as suas delícias nas salas cobertas de pinturas.
Simultaneamente o pobre caminha sem roupa e bate â porta com
o ventre vazio." (1,1). É também signif icativo o facto de
conegos de Saint Denis (Reims) elegeram por abade Hugo a
conselho de Guerric dUgny, amigo intímo de S .Bernardo726.
Willene B. Clark surpreende-se que seja entre os austeros
cistercienses que os livros das aves e os bestiários tenham
sido mais divulgados. 0 seu uso como fonte de metáforas e
alegorias para sermôes e escritos morais justificaria em parte
esta situagão.727
Para além da representagão no De Avibus, muitas outras
aves, mais dificeis de identificar, povoam estes côdices.
Afrontadas, ou debicando folhagens, ou ainda, simplesmente
constituindo a estruturas de letras.
7?5
726
Hugues de Fouilloy in Dictionnaire de Spiritualite ,
Paris, Beauchesne, 1969 .
727
Willene B. Clarck The Tllustrated Medieval Aviary and
the Lay-Brotherhood The llustrated Medieval Aviary and the
Lay-Brotherhood in Gesta 21 (1982).
373
4.6. No Reino do Ornamento
0 ornamento doraina face â imagera nos nossos manuscritos.
 imagem está reservado um pequeno espago, mas é o ornamento
que quebra a austeridade dos fôlios e invade as iniciais.
E necessário definir o que aqui se entende por ornamento,
sobretudo face a um outro termo constante neste trabalho, a
imagem.
Para os autores medievais o termo ornamento é empregue com
um sentido bem diferente do que lhe conferimos. Ele designa a
saída do caos no momento da criagão, e a organizagåo da matéria
em elementos determinados 779.
Na Alta Idade Média, Santo Isidoro dá a etimologia deste
termo, uma acepgão que o aproxima de uma estrutura ordenada .
No XIII capítulo Acerca do mundo e das suas partes , diz-nos:
"Os gregos , pela sua parte, impuseram ao mundo um nome fazendo-
o derivar da sua beleza, devida å diversidade dos seus
elementos e formusura das estrelas. E denominaram-no Kosmos,
que significa "ornato". E é porque não há nada aos olhos
humanos mais formoso que o mundo"730.
0 ornato adquire assim uma acepgão englobante, a partir
dos atributos do cosmos (beleza, harmonia, proporgão dos
elementos). Utiliza tambéra, por oposigão ao conceito grego de
caos,correlatos do termo em relagão aos adornos do corpo:
"Denominam-se adornos (ornamenta) porgue com eles se embelezara
os rostos ( ora ) e o aspecto externo das pessoas.Os primeiros
7""*M.M. Davy Initiation a la symbolique Romane,Paris:
Flammarion, 1977. p. 211.
Graeci vero nomen mundo de ornamento ad
commodaverunt , propter diversitatem elementorum et
pulchritudinem siderum. Appellatur enim apud eos Kosmos, quod
signif icat ornamentum. Nihil enim mundo pulchrius oculis
carnis aspicimus .In Santo Tsidoro de Sevilha , Etimologias ,
Madrid:B.A.C.,198 3 .XIII, 1, p . 1 2 1 .
374
adornos foram as coroas, sinal da vitôria ou manifestagão de
honra real."731
Esta nogâo abrangente predomina em toda a Idade Média,
havendo ainda dela ressonâncias na historiograf ia de arte e
estéticas contemporâneas .
Para Marie Madeleine Davy, o termo designa também
qualquer elemento que embeleza uma estrutura, nomeadamente os
temas iconográf icos . É neste sentido que Focillon o entende,
quando chama Le Décor Roman,
ao último capítulo de Art
d'Occident221. Capítulo que abarca a escultura, a iluminura,
a ourivesaria e a pintura mural e que pressupôe que todas são
artes ornamentais da arquitectura ou de qualquer outro suporte.
Contudo, o autor, em Vie des Formes precisa mais este termo,
dando-lhe uma perspectiva dinâraica de ornamento que raarcou de
forma profunda a historiograf ia de arte medieval. 0 ornamento
tem vida autonoma para além do suporte que delimita a
superfície e do estilo que orienta a forma733.
Gombrich é, no contexto actual,
o que de forraa mais
profunda teorizou sobre o ornamento, a partir da perspectiva
711
Ornamenta dicta eo quod eorum cultu ora vultusquedecorentur .Prima ornamenta corona insigne victoriae, sive
regii honoris signum; in Santo Isidoro, Etimologias ,XIX,30, p. 480-481.
732In Henri Focillon, Art d'Occident: Le Moyen Âge Roman
I, Paris, Armind Colin, 1938. pp. 224-337.
'33
Henri Focillon,A Vida das Formas, Lisboa, Edigôes 70,
1988, p.34. "Há, contudo, um tipo de arte capaz de se
incorporar sem alteragão, submetendo-se a qualquer técnica:
trata-se da arte ornamental, que é talvez o primeiro alfabeto
do pensamento huraano, na sua tentativa para entender o
espago. Esse tipo de arte não deixa de ser dotado de uma vida
particular e é, por vezes, raesrao modificado na sua esssência,conforme se trate de pedra, madeira, bronze ou tinta.No
cômputo geral, permanece como um vasto campo especulativo e
de observagão, de onde é possivel extrair alguns aspectoselementares e qerais da vida das f orraas
,no seu tipo de
espago
especí f ico .
"
375
da psicologia da arte. Em 0 Sentido da Ordem,73* dedica-lhe
toda uraa priraeira parte e, dentro dela, um capítulo que
intitula signif icativamente 0 ornamento como Arte. É
interessante assinalar o modo como enaltece o séc. XIX, pela
recuperagão que fez do ornamento, ao atribuir-lhe o estatuto
de arte 3S.
734
E.H. Gombrich, El Sentido de Orden.Estudio sobre la
Psicologia de las Artes Decorativas ,Barcelona : Gustavo Gili,
1980. Primeira Edigão de 1979, editada em Oxford pelaPhaidon.
73S
. No séc. XIX esta nogão é aplicada em dois sentidos:
o ornamento vegetal como objecto da histôria da arte (a
perspectiva de Riegl), e o ornaraento, e raais precisaraentea iluminura, como uma matriz de padrôes susceptíveis de serem
utilizados por outras expressôes artísticas. A recuperagãodas chamadas artes decorativas, consideradas como menores ,
caminha paralelamente ã recuperagão da arte medieval. Alois
Riegl foi um dos homens que no séc. XIX maior projecgão deu
ao seu estudo. Conservador do Museu de Artes Decorativas de
Viena foi particularmente sensível ã importância da
compreensão deste tipo de arte, escrevendo uma histôria da
ornamentagão. Procurando uma genealogia para o ornamento
vegetal , Riegl, estuda através dos tempos e das culturas as
alteragôes que sofre este ornamento, alicergando a teoria de
que tinha uma vida autônoraa .
A obra Problemas de estilo: Fundamentos para uma
Histôria da Ornamentacão ,foi escrita em 1893. Inclui o
estudo da decoragão floral das culturas egipcia e árabe. Com
esta evolugão, Riegl guer mostrar como elementos mínirnos , raas
essenciais da decoragão, podem colocar problemas fundamentais
da concepgão e produgão artísticas.
Ainda no séc. XIX, alguns autores valorizaram a histôria
da ornamentagão e interessarara-se especialmente pela côpia
e publicagão de manuscritos iluminados. Entre eles, Henry
Noel Humphreys, que publicou, em 1844, The Illuminated Books
of the Middle Ages . As suas preferências dirigiram-se para
as épocas em que o ornamento domina, os sécs . VIII a X. Época
por excelência irlandesa e anglo-irlandesa. Considera o
estilo do séc. XII como o que se expande por toda a Europa
Ocidental e assinala o apogeu da iluminura no séc. XIII.
Comega o livro referindo que o objecto do seu estudo
pretende contribuir para o progresso da arte da iluminura,
não como um assunto arqueolôgico ,mas artistioo, sem
referências â histôria do livro. Henry Noel Humphreys, Owen
Jones, The Illuminated Manu:;rr i pts ,London
,Bracken Books,
1955, p. 9.
376
A utilizagão do termo prnamento na iluminura tem,
necessariamente, que ser restringida.
Na iluminura entendemos por ornamentagão toda a decoragão
que não contém um carácter narrativo ou ilustrativo,mas onde
há uma vontade expressa de representar73".
Reconhecemos todavia que, tendo era conta tudo o que
dissemos acerca do carácter simbôlico da imagem, é difícil
afirmar com seguranga que no ornamento não existe uma
representagão simbôlica737.
Corre-se pois o risco de ter uma atitude redutora, acerca
do ornamento. É também o caso da arte céltica, essencialraente
ornamental ,e que contém aspectos de essencialidade para o povo
que a criou738.
Uma outra distingão entre decoragão e ornaraentagão, deve
ainda ser feita. A decoragão, termo que raramente empregamos,
está apenas ligada ãs virtuosidades da linha e ao embelezamento
das superfícies. 0 termo ornar representa mais do que isso,
assurae que a arte não figurativa tarabéra pode veicular
sentido739.
736Denis Muzerelle, no seu Vocabulaire Codicologique ,
Paris: CEMI, 1985, pp. 147-148 apresenta esta mesma mesma
distingão entre ornaraento e iconografia.
7,7Gombrich utiliza a feliz expressão "potencial
simbôlico" para chamar a atengão que mesmo qualquer forma
desprovida aparentemente de carácter simbôlico o pode já ter
tido, voltando depois a adquiri-lo.Dá como exemplo, o disco
alado do Eqipto, o olho, a estrela de David, a árvore da
vida- motivos que persistem e se repetem formalmente mas cujo
significado mais profundo se pode encontrar nas culturas
primitivas que os criaram. El Sentido de Orden. . .p. 307-311.
738
In Régine et Madeleine Pernoud, Sources de l'Art
Roman, Paris, Berg International , 1980, p. 48. Estas autoras
referem que a arte ornamental entre os Celtas ao contrário
do que acontece entre os Greqos ,é essencial e domina mesmo
quando este povo cria representagôes figurativas.
"s"
Régine e Madeleine Pernoud, Sources de l'Art
Roman . . .p. 49 .
377
Contudo, preferimos não jogar com esta divisão e evitar
o último termo, já que nos parece, neste período, bastante
desprovido de sentido, dado ser difícil saber onde termina o
símbolo e comega a mera preocupagão estética.
Inicial Ornada
Na iluminura românica o ornamento centra-se, sobretudo,
nas iniciais. As suas vias de criagáo são muito dif erenciadas ,
como já explicitámos em A Inicial Iluminada nos Manuscritos
Románicos Alcobacenses .
A inicial ornada é uma letra que recebeu um formato, uma
coloragão e uma decoragão particulares, destinada a distingui-
la das outras letras, para que preencha aos olhos do leitor uma
fungão de sinal 74°. É o ornamento que caracteriza as
iniciais e as distingue numa hierarquizagão que se reporta ãs
diversas divisoes do texto. Finalmente, é o ornamento que,
através de estudos comparativos ,nos permite estabelecer
filiagôes entre elas.
Correndo o risco de nos repetirmos, não podemos deixar de
fazer um percurso através das iniciais ornadas e da definigão
das suas formas e motivos. A inicial é uma criagão formal que
tem a sua razão de ser especifica na iluminura741 . Acabou por
se impôr como uma "criagão autônoma" marcada pela diversidade
que assumiu a estrutura da letra, a combinagão dos ornamentos
e finalmente a fungão no fôlio. Foi no séc. V, periodo que se
convencionou para datar as primeiras iniciais, que ela se
destacou da escrita.
0 vocabulário ornamental utilizado era Itália e na Gália,
é zoomôrfico recorrendo fundamentalmente a aves e peixes, cuja
""'C.F. Héléne Toubert, La lettre Orne in Mise en Page
et Mist.~ en Texte du Livre Manuscri t ... p . 379 .
~41
Otto Pacht, La Miniatura Medieval . . . p. 46
378
simbologia é bem conhecida no mundo paleocristão. Surge como
criagão anticlássica , já que ao ornamentar a letra corre-se
o risco de pôr em causa a sua lisibilidade742. Embora por
vezes os elementos se conjuguem de forma aditiva, outros
metamorfoseiam-se de forma orgânica.
É o monaquismo anglo- saxonico e irlandês que melhor
interpreta esta nova concepgão de relagão entre o texto e a
imagem. 0 espago clássico compartimentado é substituido por um
outro a duas dimensôes. As prôprias letras comegam a
entrelagar-se constituindo raonogramas em espagos
ilusionistas'4'. Os motivos são abstractos . 0 entrelago
domina, combinando-se com círculos, espirais, painéis de
desenhos georaétricos e elementos zoomôrficos muito estilizados.
Mas o que mais distingue o ornamento irlandês é a impressão
geral de raoviraento ininterrupto gue alguns autores relacionara
com a música744.
No Continente, os Merovíngios utilizaram os mesmos
motivos, mas o ritmo e o movimento dos motivos espiralados,
acabam por dar lugar a iniciais estáticas. As intercepgôes
entre fundos e os elementos decorativos sublinham, a via
puramente abstracta da ornamentagão.
Um manuscrito paradigmático desta cultura e dos livros
litúrgicos é o Sacramentário de Gellone. Aqui surgem os
primeiros exemplos de personagens que se substituem ãs letras.
743In Otto Pacht La Miniatura Medieval . . .p. 51 .
7,3
In J.J. Alexander La Lettre Ornee. . . p. 11
44
Carl Nordenfolk, Les Manuscrits irlandais et anglo-
saxons, Paris:Chêne, 1977. pp. 16-17. 0 autor relaciona o tipo
de ornamento cora os instrumentos de orquestra.Da mesraa
maneira que há numa orquestra três grandes categorias de
instrumentos-as cordas, os instrumentos de sopro e os de
precursâo também há três tipos de ornamentos -os
entrelagados ,os curvilíneos e os rectílineos.
379
0 modelo generalizou-se a partir do séc. VIII'4'', embora a
miniatura merovingia permanega estranha ã representagão
humana746.
Nesta iluminura não se excutam as grandes iniciais que
ocupam todo o fôlio, como é comum entre os irlandeses. As
iniciais são integradas no texto ou formam titulos
decorados'47
A evolugão da inicial ornada faz-se no sentido da expansão
do ornamento de tipo anglo-irlandês e pela utilizagão de
elementos de carácter antropomorf ico e zoomôrfico. É
interrompida durante o império carolíngio, quando os
manuscritos iluminados atingiram um riqueza e expansão
incomparáveis. Os arquétipos clãssicos então seguidos inspiram-
se nas capitais caligráf icas . A letra passa a ter contornos bem
def inidos.
Na corte imperatorial os modelos retomaram sobretudo a
época romana tardia, isto apesar, da circulagâo de manuscritos
no Irapério e das influências do mundo raonástico.
A intengáo de centralizar, uniformizar e ostentar poder
levaram o imperador e os seus descendentes a fazerem ricas
encomendas de côdices; os seus fundos de púrpura ,a folha de
ouro e o regresso â figuragão e ao ornamento de acanto, são os
elementos marcantes deste período.
Era finais do séc . IX, os artistas de Saint-Gall- mosteiro
fundado por monges irlandeses a partir do séc. VIII - é um dos
centros culturais da produgão e inovagão da letra ornada.
"4r>Embora a figura huraana jã existisse no contexto da
letra, ela irá assumir-se e autonomizar-se . Veja-se a figura
da Virgem que substitui o I do fl.l deste manuscrito,
reproduzido por Carl Nordenfalk, La Lettre Ornée. . . f ig . 4
74"
Carl Nordenfalk, L'Enluminure au Moyen Age ,Genêve:
Skira,1988, p.44.Segundo este autor o sacramentário de
Gellona, situa-se jã no período final da época raerovínqea.
4
Tn Carl Nordenf alk ,L' Enluminure. au Moyen Age ,
Genêvo:
Skira,1988.p.44
380
A nova maneira de conceber as iniciais consiste em
combinar o caule enrolado de folhagem e a letra, adquirindo o
conjunto uma expressão abstracta. A primeira etapa é a de
tornar menos volumétrico, o caule enrolado de tal maneira que
perde a maior parte da sua qualidade orgânica e clássica.
As letras anglo-saxônicas do séc. X conhecem um
desenvolvimento bem diferente. Num saltério realizado em
Winchester, é evidente que as iniciais ornadas construídas
opôem entrelagos derivados das letras secundárias de
manuscritos do Sul da Inglaterra.
Aparece entretanto o caule enrolado de folhagem a três
dimensoes, orgânico e enrolado combinado com a palrneta.
Opôe-se assim a solugão da forma rígida da letra ao
dinamismo da ornaraentagão.
A partir deste momento, decisivo para a evolugão da letra
ornada românica, introduzem-se progressivamente figuras humanas
e aniraais era formas e ritmos múltiplos. 0 motivo principal da
ornamentagão continua a ser o caule enrolado com folhagens em
movimentos espiralados. Estes motivos ganham volumetria, as
formas são polposas, as folhas recurvam-se e ganham nervuras.
É na ilurainura do Norte da Franga e da Normandia que se
faz em primeiro lugar, esta nova síntese.
à medida que avangamos no Românico, as folhas centrais
tornam-se cada vez maiores e polposas, ganhando tentáculos que
enlagam os caules748. Vamos encontrar este tipo de
ornamentagão em Alcobaga nomeadamente nos manuscritos
litúrgicos.
A inicial zoomorfica assume novas formas, reaparecendo
agora em vez dos pássaros e peixes dos manuscritos
merovingeos, os quadrúpedes e o dragão. Estas iniciaids terão
surgido pela primeira vez no Sul da Franga749.
Carl Nordenfalk, L'Enlumi nure. . .p. 176 .
Carl NordenfalK, L'Enluminure . . .p. 176
381
Em Santa Cruz de Coimbra e Santa Maria de Alcobaga
cruzam-se diversas influências, sendo por vezes difícil
estabelecer com rigor o que é prôprio de uma produgão local,
ou o que é oriundo do exterior. Esta dificuldade deve-se ao
facto não possuirmos manuscritos datados do séc. XI, periodo
que assistiu â génese de formas anteriores â grande fase de
internacionalizagão que foi o Românico.
É nas iniciais ornadas que o ornamento se instala.
Primeiro subjugando-se âs suas formas, mais tarde
desestrurando-as e irradiando pelas margens.
Em relagâo â iconografia tratamos os dois scriptoría em
conjunto. No caso do ornamento as diferengas de genealogia,
assim como a variedade existente em Alcobaga, levou-nos a optar
por tratar separadamente as iniciais dos dois mosteiros.
Em capitulo anterior estudámos já as referências
codicologicas dos manuscritos tipo. Iremos agora isolar os
motivos ornamentais e as suas técnicas a fim de configurar as
carateristicas de cada scriptorium.
Iniciais em Santa Cruz de Coimbra
Atendendo ao reduzido número de manuscritos (cerca de 30)
para os séculos XII-XIII, â variedade de ornamentagão que
contêm, aliada â austeridade de alguns, as dificuldades foram
acrescidas era relagão a Alcobaga quando procuráraos estabelecer
tipologias de iniciais. Nas iniciais principais deste mosteiro
predominam as executadas ã base de entrelagados , que forraara a
estrutura das letras. A ornamentagão vegetal é constituída por
palmetas e caules enrolados. As estruturadas com base em
elementos zoomôrficos estão também presentes em número
considerável de manuscritos.
382
Iniciais Caligráficas
As iniciais caligráficas apresentam neste mosteiro
ornamentagão vegetal muito simples. São em geral monocromáticas
(verde, vermelho e cor de areia) , podendo eventualmente
conjugar duas cores.
Não conhecemos modelo onde possamos filiá-las. Foi
possivelmente um dos iluminadores do Sta Cruz 4 que divulgou
a sua utilizagâo no scritporium.
Sta Cruz 51
383
Sta Cruz 30
Sta Cruz 4
Sta Cruz 17
Iniciais Ornadas
Iniciais de tipo f ranco-saxonico em que o entrelagado faz
parte do corpo da letra.
Não são muitos os manuscritos em que o entrelagado é
elemento ornamental . A grande variedade surge no Sta Cruz 4
embora um número reduzido da mesraa época possua pequenas
iniciais deste tipo750.
0 fundo Peninsular mogárabe751 construiu este tipo de
ornamento, embora esteja também presente no mundo anglo-
irlandês do séc. VIII e IX752, no merovingio75 e
22. Sta Cruz 30, 43, 58. 0 Sta Cruz, 76, f 1 . 1 possui uma
inicial formada exclusivamente por entrelagados. Em relagão
a este manuscrito já referimos o possível modelo mogárabe de
iluminura que lhe está na origem.
7510 denorainado Côdice Emiliense, produzido era San
Millán cerca de 976, utiliza também iniciais formadas por
entrelagados, quer em barras no interior, quer nas
extermidades . Hipôlito Escobar.Fi libro enla Espaha Mozarabe
in Los Manuscritos Espaholes. . .pp. 82-84 .
752
0 lugar dorainante que ocupa o entrelagado no raundo
anglo-irlandês é bem conhecido nos Livros de Kells, Durrow
ou Lindisfarne, para que seja necessário referi-lo em
particular .
763. No séc. VIII são para além das iniciais anglo-
irlandesas, os manuscritos do Norte da Franga que apresentam
predominantemente entrelagados , quer em barras no interior
do corpo das letras, quer nas terminagôes . Exemplo desta
situagão é o Sacramentário de Gellone e o de Santo Agostinho
Quaestiones in Heptateuchon . Tal como no nosso manuscrito,
também aqui os entrelagados se conjugara cora eleraentos
zoomôrficos e a utilizagão de cores reduz-se aos amarelos,
verdes, laranja e vermelho. Iniciais reproduzidas em J.J.
AlexanderLa Lettre Ornee... pp. 44-47.
384
carolíngio754 e fundos de Moissac e Limoges com os quais os
manuscritos portugueses tem enormes afinidades.
Sta Cruz 58
Sta Cruz 4
Sta Cruz
Cruz 30
754A segunda Biblia de Carlos o Calvo, produzida entre
840-877, é um excelente exemplo da escola carolingia franco-
saxonica de Saint-Amand, que sintetiza as tendencias
classicizantes com a influência anglo-irlandesa . Aliando o
entrelagado a pequenas cabegas de animais, que vao ser
suprimidas no mundo mocárabe e românico. As miciais da
Biblia de Carlos o Calvo são reproduzidas em Pemture
Carolingienne, Paris: Chêne, 1977 .pp. 126-127 . Um outro
manuscrito da mesma proveniência surge em Cnstopher de
H.immei The Illuminatod Manusrri pi .; . . . p. 46 , e um evanqel lario
do mesmo período e as iniciais mostram a raesraa conf íquragao.
385
Iniciais com elementos vegetais de folhas largas e
recortadas con jugando-se por vezes com elementos zoomárficos.
Têm a sua fonte de irradiagáo nos manuscritos de Moissac do
séc. XI. Este tipo de inicial é muito raro aparecendo apenas
no Sta Cruz 4.
Sta Cruz 4
Sta Cruz 4
387
iniciais ornada de palmetas e caules enrolados e outras
folhagens por vezes, a tender, para o filigranado. A
ornamentagão interior possui elementos vegetais muito
simplificados, apresentando apenas contornos a cor e leves
aguadas laranja nos fundos. No corpo das letras aparecem
filaraentos não pintadas ou barras cora motivos georaétricos.
Raramente se inscrevem em fundos pintados. As cores utilizadas
são exclusivamente o vermelho, o azul e as aguadas laranja755.
Sta Cruz 5
Sta Cruz 8
7"Encontramos este tipo de ornamentagáo
nos Sta Cruz, 5, 8, 33, 40.
e de inicial
388
Iniciais ornadas de caules enrolados e palmetas. A
ornamentagão inscreve-se em letras de desenho simples. São
polícromas de contornos e ornamentagão a verde , vermelho, azul
e araarelos priraários. Estas iniciais que surgera nos Sta Cruz
11 e 13 aparecem igualmente em Santa Maria de Alcobaga.
Sta Cruz 13
Sta Cruz 11
Sta Cruz 11
Sta Cruz 13
389
Iniciais ornadas de palmetas e caules enrolados não
pintados. Estão neste caso as iniciais ornadas dos raanuscritos
bíblicos conimbricenses Sta Cruz 20 e 21, e tambem no saltério
Sta Cruz 27. Nestes manuscritos, raramente os elementos
ornamentais, quer sejam zoomôrficos ou vegetais, recebem cor.
Sâo apenas desenhados, recebendo apenas tragos que lhe acentuam
as formas756.
Sta Cruz 1 Sta Cruz 3
Sta Cruz 1, 2, 3.
3 9n
Iniciais ornadas de caules enrolados e palmetas cuja
ornamentagão é apenas pintada a sépia, mas que revestem formas
compôsitas e "barrocas" . A semelhanga com as iniciais do Alc.
418-422 é muito clara.
Sta Cruz 21
391
Iniciais ornadas com caules enrolados e palmetas pintados
compactamente em toda a sua superfície. Constituem um
conjunto que abarca entre outros os Saltérios Sta Cruz 25, 26
e 18.
Estão presentes noutras iniciais e apresentara formas
bastante heterogéneas do ponto de vista formal.
Sta Cruz 25 Sta Cruz 26
392
As iniciais zoomôrficas são das melhores construidas do
nosso românico.
Dentro das iniciais zoomôrf icas podemos considerar aquelas
em que os animais fazem parte do conjunto do ornamento e
aquelas em os animais constituem o corpo da letra. Estas
últimas têm origem remota e como vimos são utilizadas desde os
primeiros séculos do raonaquismo.
São especialmente ricos em iniciais deste tipo os Sta
Cruz 1 e 4
(
Sta Cruz 1Sta Cruz 1
393
Iniciais Santa Maria de Alcobaga
Em Alcobaga se a iconografia é pobre a variedade das
iniciais ornadas é enorme, e permite estabelecer tipologias bem
diferenciadas757. Tal como em Santa Cruz destinguireraos entre
iniciais caligráficas e ornadas ,e dentro das ornadas os
conjuntos mais signif icativos
Iniciais Caligráficas
Estas iniciais são as rnais austeras no contexto da
produgão ornamental do scriptorium. Dominam um conjunto
numeroso de manuscritos7"8 com as seguintes caracteristicas:
Letras de configuragão simples, cujo interior recebe
por vezes um pequeno filamento não pintado.
No interior a decoragão distribui-se em dois polos
perfeitamente simétricos. Á volta de um círculo saiem duas
folhas trilobadas, cuja forma é acentuada pela sua silhueta.
A maior parte destas iniciais são monocromáticas ou
bicolores, em geral a azul e a vermelho.
Predominam largamente os elementos vegetais muito
simplif icados a tender para formas abstractas ,embora nalguns
manuscritos seja de salientar a existência de pequenos
elementos zooraôrficos como no Alc. 350, f1.154, ou, ainda,
algumas iniciais de formas mais exuberantes, como no Alc. 454,
fl.l, era que caules enrolados estilizados se corabinara com
trilôbulos ondulantes em movimentos espiralados.
7C>"
Dada a riqueza deste tema e o facto de já o termos
tratado em A Inicial Iluminada nos Manuscritos Românicos
Alcobacenses . . .,leva-nos a utilizar outros manuscritos para
além dos que estáo descritos no capitulo A Iluminura no
Côdice: Relagão texto-imagem.
7S8Alcs. 150, 152, 169, 170, 243, 332, 334, 335, 343,
344, 345, 346, 350, 351, 363, 364, 367, 369, 405, 423, 454.
São essencialmente textos de partristica e hagiograf ias .
396
Do ponto de vista da genealogia das formas, este tipo de
iniciais filia-se nos manuscritos claravalenses . Dos
manuscritos da Biblioteca Municipal de Troyes, seleccionámos
11 com claras analogias com este grupo759.
Sta Cruz 3 32Alc. 152
Troyes, B. M.,Mss. 4, 35, 40, 76, 107, 134, 177,
180, 292, 423 e 566. Troyes ,B. M. mss.. Maria Adelaide
Miranda A Iluminura em Alcobaca e Claraval. AproximagôesEstetirnr
,in Estudos de Arte e Historia . Homenaqe.m a Artur
Nobre de Gusmâo , Lisboa, Vega, 1995, pp. 141-144.
396
Inicial Ornada
Morfologicamente o ornamento, em Alcobaga, apresenta como
forma dominante o caule enrolado e a palmeta, quer sob formas
rígidas e simples, quer em formas compôsitas e tentaculares
cheias de criatividade, desdobrando-se em movimentos
espiralados .
Os motivos zoomôrficos ocupara ura nurnero considerável de
manuscritos e muitas vezes constituem o corpo da letra. .
Elementos geométricos conjugam-se no interior das letras
em barras decorativas.
Inicial ornada com entrelagados . Esta ornamentagão está
praticamente ausente do fundo alcobacenses . Podemos encontrá-la
sistematicamente apenas no Alc. 246, manuscrito gue não
apresenta quaisquer semelhangas com os restantes do fundo.
Esta ornamentagão é bera diferente do entrelagado Pré-
Românico peninsular, e também do que aparece em Santa Cruz de
Coimbra .
Alc. 246
398
Iniciais ornadas com palmetas e caules enrolados. Folhas
carnudas e polposas, de cores compactas . Grande sentido da
plasticidade760. Terminagoes contidas, ordenando-se cora
regularidade e afastando-se pouco da forma da letra.
Estes motivos aparecera não raramente associados ao dragão
alado.
Motivos ornamentais que se inserem em iniciais inscritas
em fundos pintados e os corpos das letras são muitas vezes
estruturados de forma articulada em torno de anéis.
Muito característico deste tipo de ornamentagão são as
cores compactas ,muitas vezes em matizes usando o processo
arcaico de barras do mesmo tom, do mais escuro até ao não
pintado. As cores são muito vivas ou escuras, predorainando o
azul escuro, o cinzento,o grenã, o verde bandeira, o laranja
vivo, o vermelho e o castanho. Recortam-se um tanto
agressivamente e a falta de harmonia por vezes atraigoa a
qualidade do desenho.
A técnica é a "clássica" no mundo românico, todo o desenho
é contornado a preto, e o iluminador aplica-lhe realges a
branco luminoso.
Este tipo de ornamento é muito característico do
scriptorium sobretudo em manuscritos de grandes dimensôes e
especialmente cuidados corao é o caso do Alc. 427-431.
É um tipo de ornamento com uma técnica muito prôpria do
mosteiro.
'■'""
Alcs. 151, 177, 231, 239, 333, 336, 341, 342, 347,
358, 427, 431.
399
Iniciais ornadas de caules enrolados e palmetas de formas
variadas. A ornamentagão inscreve-se era iniciais forraadas por
barras com elementos folheados ou geométricos, por vezes com
anéis de motivos ovôides e vegetais; as terminagôes são
bastante sôbrias.
0 aspecto raais específico é a tendência geral para a
monocromia, utilizando também a técnica do matiz - vários tons
da raesma cor ou cores aproxiraadas-
caso do azul e verde, do
vermelho e laranja.
Podemos encontrar semelhangas acentuadas, e por vezes
mesmos casos de identidade entre os manuscritos de Claraval ,
anteriormente citados, cora os Troyes, B.M. Mss 35, 134, 107 e
4. Esta situagão é particularmente visível no Montpellier, Bib.
Int.Fac. Med. Ms 1, escrito em Claraval cerca de 1170/75 . Faz
parte de uma colecgão de Vita Sanctorum que Claraval divulgou
entre as filiais da ordem no periodo de maior expansão. É em
relagão ao Ms 432-434 que podemos encontrar uma perfeita
identidade . Também neste manuscrito a estrutura da letra é
ornada de bandas decorativas com motivos geométricos, folheados
ou perolados, no interior a palmeta e os caules enrolados"761.
Mais uma vez estamos face â utilizagão do ornamento vindo
através de Claraval da zona da Borgonha.
761Este semelhanga já foi posta era destague no capítulo
dedicado â relagão texto imagem e retoma os dados
referenciados em A Iluminura em Alcobaca e Claraval
Aproximagôes Estéticas in Estudos de Arte e Historia.
homenagem a Artur Nobre de Gusmâo . . . p . 14 3 .
401
Iniciais ornadas de caules enrolados e palmeta e
ornamentagão apenas desenhada a sépia. Os motivos vegetais são
de grande qualidade, riqueza de movimento e variedade do tipo
de palmetas compôsitas e folhagens. 0 corpo da letra é
estruturado. Inscrevem-se em iniciais sobre fundos pintados de
cores vivas, quadros que na generalidade se escalonam de acordo
com as formas que a letra toma. Este tipo de inicial aparece
particularmente nos Alcs. 418, 419 e 421 sendo uma excepgâo na
produgão do mosteiro.Tipo de ornamentagão vegetal que é uma das
mais ricos do scriptorium.
403
Iniciais ornadas de palmetas e caules enrolados. A
vegetagão no interior das iniciais assurae formas
particularmente "barrocas" e agitadas. A folhagem contorce-se
era movimentos sucessivos. As iniciais que recebem estes motivos
estão colocadas em fundos pintados, utilizando a técnica mais
clássica das cores compactas ,com contorno a preto e vivos a
branco. AS cores fortes e escuras ,levam-nos a aproximá-las do
Grupo A. Contudo, possuem ura pontilhado que as individualiza .
Sô o Alc. 410 possui este tipo de ornamento, mas pelo
facto de ser ura manuscrito datado de 1219, cora copista
conhecido (presbitero de Leiria) e de apresentar um grande
número de iniciais, achamos iraportante referi-lo aqui .
Iniciais ornadas com decoragão marginal. Os folios dos
manuscritos que recebem estas iniciais são exuberantes em cor.
São iniciais polícromas, a decoragão apresenta contornos a
vermelho, manchas a cores vivas no interior, verdes, amarelas
e azuis.
Destaca-se o Alc. 149, que possui alguns pontos de
contacto com a decoragão que caracteriza a que é prôpria dos
manuscritos litúrgicos762.
'■'"•'Muito semelhante ao Alc. 149, podemos mesmo pensar
que poderá ter sido excutado pelo mesmo iluminador, temos o
Alc. 403, em que muitas iniciais têm a mesma forma e cor.
Também o Alc. 173, 339 e 340 apresentam ornamentagao
marginal semelhante
405
Iniciais ornadas com palmetas, caules enrolados sugerindo
uma ornamentagão que apresenta pontos de contacto com o Channel
Style. Estas iniciais inscrevem-se em fundos pintados, são
estruturadas, e têm no interior caules espiralados e palmetas
compôsitas763. A ornamentagão recai essencialmente sobre dois
tipos de Letras-
o B do Beatus Vir dos saltérios e o T do
Te Igitur. Nestas iniciais, além da palmeta e dos caules
enrolados que se organizam em espirais e entrelagadas em teias,
pequenas cabegas de dragão.
"'
Este tipo de ornamentagão é prôpria dos manuscritos
litúrgicos Alcs. 11, 166, 167, 138, 188, 249, 251, 252, 253,
255, 256, 257, 258, 259, 260, 361, 411, 412-414.
407
Iniciais ornadas com elementos vegetais trilobados. Um
tipo de ornamentagão muito pouco cornura neste mosteiro e que
emprega como cores dominantes o verde e o vermelho muito
escuros. 0 ornamentagão esta que se apresenta croraáticaraente
mais rica no Alc. 396-399, do que no manuscrito Alc. 408-409,
onde é igualmente dominante. Não encontramos qualquer modelo
que lhe pudesse ter servido de inspiragão, embora ela prôpria
não seja habitual nos manuscritos portugueses desta época .
408
V. ILUMINURA ROMÂNICA EM PORTUGAL: UMA HIPÔTESE DE PERÍODIZAgÃO
5.1. Priraeiro período: de 1139 a raeados do século XII
5.2. Segundo Período: de meados a finais do Século XII
5.3. Terceiro Período:o primeiro quartel do século XIII
Apôs uma análise ã especif icidade da iluminura dos armaria
de Santa Cruz e Alcobaga ireraos procurar estabelecer a partir
destes scriptoria , etapas da evolugão da iluminura românica em
Portugal .
0 critério seguido para a criagão de períodos, baseia-se,
como dissemos, em dados cronolôgicos dos manuscritos datados,
mas também na cronologia da construgão dos mosteiros e sua
evolucâo histôrica.
Comegamos pela iluminura conimbricense devido â
anterioridade de fundagão do mosteiro e â consequente
constituigão do fundo de manuscritos.
Iremos nos dois mosteiros distinguir três periodos, com
base nos critérios acima mencionados:
l9 Período.
Este período compreende os anos que decorrem entre o
primeiro manuscrito datado 1139, até â morte de S. Teotônio em
1162. Inclui apenas côdices produzidos em Santa Cruz, já que
o scriptorium de Alcobaga, ainda nâo existia.
2" Período.
Época de qrande riqueza da iluminura conimbricense,
no
final do qual se comegam já a produzir manuscritos em Alcobaga.
3" Período.
Abarca o primeiro quartei do séc.XIII, podendo estender-se até
1237, data dc> último manuscrito que serviu de marco
cronôlogico.
409
Nesta período, Alcobaga executa a maior parte dos seus
manuscritos, enquanto em Santa Cruz a iluminura românica perde
qualidade e repete modelos anteriores.
5.1. Primeiro Período: De 1139 a raeados do século XII
Para Santa Cruz de Coimbra foi uma fase criativa, propria
das épocas de fundagão, caracterizada por ura cruzamento de
influências locais e do sudoeste francês.
A importância da construgão românica do mosteiro já foi
posta em relevo por A. Nogueira Gongalves764, que mostrou o
seu papel pioneiro na introdugão do Românico na região de
Coimbra.
Tambéra para C. A. Ferreira de Almeida o mosteiro "símbolo
arquitectônico de Coimbra, fruto da influência provinda de S.
Rufo de Avinhâo e obra do dinamismo e vanguardismo do arcediago
Telo e de outros eclesiásticos ligados ã Sé de Coimbra, (...)
é bem, desde o coraego, a melhor expressão das aberturas
europeizantes experimentadas em Portugal .
";"5
A protecgão régia, as doacgôes de particulares e a acgão
de homens cultos como Teotônio, prior nesta primeira fase, e
Telo que inclusivamente tomou a seu cargo as obras do mosteiro,
terão proporcionado a criagão do scriptorium e da sua produgão
artística .
Até 1139 o conhecimento da iluminura no territôrio que se
tornará Portugal é muito nebuloso, conhecendo-se apenas
fragraentos descontextualizados .
7t'4. Antônio Nogueira Gongalves, Novas hipoteses acerca
da Arquitectura Românica de Coimbra, Coimbra, Gráfica de
Coimbra, 1938.
'■'"''
Carlos Alberto Ferreira de Al.meida, O Românico in
Historia da Arte em Portugal Vol.3, Lisboa, Alfa, 1986,
p.113.
410
Já referimos a importância cultural da comunidade mogárabe
coimbrã, na época de fundagão de Sta Cruz de Coimbra, e como
os prôprios conegos tomaram a defesa desse grupo face ao rei
e ao clero da Sé .
Contudo, pouco sabemos da actividade dos scriptoria
anteriores. Dos manuscritos iluminados apenas possuímos alguns
fragraentos. Avelino Jesus da Costa era Fragmentos Preciosos de
Côdices Medievais'""
dá-nos notícia de manuscritos existentes
em arquivos portugueses, classif icados no séc. X, como o texto
do Concílio Ecuménico de Calcedônia de 541, no Arquivo
Distrital de Viseu, ou o texto do Concílio XIII de Toledo,
realizado no ano 683 e depositado no Arquivo Distrital de
Braganga. No Arquivo Distrital de Braga há sete fragmentos em
escrita visigotica do séc.X-XI, pertencentes a seis côdices
diferentes com textos do Levítico, Zacarias, Salmos e S.
Marcos. Como fragmentos litúrgicos, existem "duas preciosas
raridades do séc. X" "'.
0 primeiro, uma folha de antifonário mogárabe , usado na
Sé de Coimbra até â adopgâo do rito romano, o segundo, duas
folhas de pergaminho de um codice também do séc.X,
pertencentes â Casa Episcopal de Lamego, cuja notagão musical
e os respectivos textos correspondem aos do Antifonário de
la Catedral de Leon.
Temos igualmente conhecimento de uma lista de livros
oferecidos por Mumadona ao mosteiro de Guimarães por ocasiâo
da dedicagão da igreja (954), conjunto certamente importante
de obras de cultura letrada, mas das quais desconhecemos tudo
sobre a arte que as ornamentava768.
Estudos de Cronologia.Diplomática . Paleografia e
Histôrico-1 inguisticos , Porto, Sociedade Portuguesa de
Estudos Medievais, 1992 p.p. 55-109.
Avelino J. da Costa Estudos de Cronologia ,
Diplomática Paleografia e Historico-1 inguisticos . . . p. 87.
""Conrinha esta biblioteca uma Bíblia e outros livror,
liturgicos ( anti fonarios , saltérios, um liber comicus,
um
"manual", um passionario e um oracional), para aléra de obras
411
De todo este patrimonio anterior ao séc . XII, que seria
sem dúvida extenso, pouco chegou até nôs,como aliás aconteceu
nas restantes manifestagôes artísticas.769 Mesmo os célebres
Beatus que marcaram a Península no periodo do repovoamento ,em
Portugal não deixaram vestígios anteriores ao séc. XII."
A influência da arte do Sul sobre a iluminura do Norte
espanhol é complexa. Sabe-se que Afonso III, favoreceu a
imigragão de monges do Sul,o que terá provocado uma circulagão
de modelos árabes para Norte ,mas não se sabe exactamente quais
as vias deste percurso. 0 certo é que, de uraa arte tão
brilhante como esta, nada restou no nosso territôrio . Se
mosteiros como o do Lorvão, ou Santo Tirso, tiveram uma intensa
actividade neste periodo, nada sabemos da sua iluminura, apesar
de carácter monástico, exegético, histôrico e
teolôgico.Estas, sobretudo a Bíblia e os livros litúrgicos,dão-nos alguraas pistas para o estudo da ilurainura pré-
românica em Portugal . Se bem que existam alguns fragmentos
no Arquivo de Guimarães, estes não são suficientes para
podermos tirar qualquer conclusão.
76*Da escultura deste período, por exemplo, ficaram
também apenas vestígios muito pobres,nos quais dificilmente
logramos encontrar uma identidade.Apenas vislumbramos
persistências de elementos de grande ingenuidade e o retorno
a um vocabulário e técnicas proto-histôricas e visigôticas.Os elementos de origem árabe são escassos e pouco
expressivos .
770
Estes raanuscritos, pela teraática, pela forga
expressiva das representagôes, marcaram profundamente a
Histôria da Arte Ocidental. A expressão Beatus passou a
atribuir-se a um conjunto de cerca de 25 manuscritos escritos
e iluminados entre os séculos VIII e X, e cujo modelo teria
sido executado por Beatus , monge de Liébana. Tratava-se de
um comentário ao Apocalipse, texto que foi particularmentelido e comentado nos mosteiros peninsulares ,
nas proximidadedo Ano Mil. As ilustragôes, revelando ura iraaginário pleno de
fantástico, traduzem o ambiente de isolamento das pequenas
comunidades monásticas e a grande capacidade criativa que as
envolvia -correspondem ã divisão do texto era histôrias
(secgôes) e ocupam o lugar entre o texto bíblico e o
comentár io. Funcionam como um método de leitura espiritual,
imaginando-se a partir do que se vé e mostram qrande
expressividade e uma maqnífica aplicagão da cor .
412
de um dos textos mais antigos do Comentário ao Apocalipse ser
atribuído a Apringio de Beja.
Neste fundo não existe nenhum manuscrito datado, anterior
a 1139, o que seria tambéra pouco natural dado que as
dependências monásticas não estavam ainda acabadas.
Consideramos como obras representativas deste período, os
Sta Cruz 4, 30, 51 e 58, obras com elementos arcaicos e que
revelam uma forte persisténcia das liqagôes ao mundo mogárabe,
a que se associaram também as influências cluniacenses. Entre
estes raanuscritos existera rnuitas semelhangas codicolôgicas e
artisticas.
Por se tratar de um dos mais ricos e importantes côdices
desta época"771, destaca-se o Homiliário,Sta Cruz 4.
0 seu copista utiliza ainda uma letra visigôtica de
transigão772, prôpria de influências peninsulares ,e como já
referimos, é muito possivel que tenha sido executado por
cônegos de Santa Cruz . Não é de excluir, no entanto, a hipotese
da côpia ter sido realizada noutro mosteiro.
Era relagâo ao local da sua produgão são várias as
possibilidades ,dado que não encontramos o protôtipo textual
771
A sua importância já foi posta em relevo por Antônio
Cruz em,Santa Cruz de Coimbra na Cultura Portuguesa da
Idade Média. . . p. 123 ,onde afirma
"Importa dizer aqui, a partir da data que exibe e
de outras das suas particularidades ,o que ele
representa como documento fundamental para o
estudo do labor do scriptorium de Santa Cruz."
Este autor situa a produgâo da côpia no scriptoriumconventual .
772
Maria José Azevedo Santos,Da Visigotica a Carolina:A
E s c r i t a e m Portugalde 8 8 2 a 117 2.
Lisboa:F.C.G./J.N.I .C.T. ,1994
, pp . 236-237, refere que desde
a década de 1130-1139 até 1150-1159 encontram-se apenas 26
cartas em visigotica de transigão, entre as 138 existentes;
o seu número é pois pouco expressivo, o mesmo se poderiadizer sobre os codices com este tipo de letra. Santa Cruz de
Coimbra está entre os mosteiros que mais rapidamenteintroduziram a oserita carolina de forma sistematica nos seus
documontos. O uso da visigôtica neste mosteiro manteve-se
durante 23 anos, enquanto em Pendorada foi de 98.
4 13
que lhe terá servido de modelo. 0 copista, como Antônio
Cruz"3
refere, pode ter pertencido â Sé de Coimbra. A
ausência de manuscritos iluminados da catedral, mais uma vez,
impede-nos de fazer qualquer ligagão com base sôlida.
0 Homiliario Sta Cruz 4 revela influências estilistícas
da zona de Moissac-Limoges . As dependências litúrgicas cora S.
Rufo de Avinhão, já foram referenciadas, assim como as suas
afinidades artísticas com os dois grandes mosteiros dos
caminhos de peregrinagão.
Algumas das suas iniciais ornadas e sobretudo os elementos
zoomôrf icos são claramente moissagenses. Se compararmos este
côdice com a Biblia conservada na Biblioteca Nacional de Paris,
Ms. Lat. 7 as semelhangas são espantosasfFig. 454-457) . A Biblia
que pode ser atribuida a Moissac não é referida por Dufour
quando estudou o scriptorium. Yolanta Zalouska que situa este
manuscrito em finais do terceiro quarto do séc. XI, quando as
Biblias Carolíngias comegaram a ressentir-se dos efeitos de uma
utilizagão duas vezes centenária. 0 mundo cristâo experimentava
a necessidade de refazer as suas reservas de codices
biblicos.775
A semelhanga o Homiliário e o B.N.P. Lat.7 faz-se sentir
sobretudo ao nível das iniciais caligráficas e ornadas ,nos
entrelagados, eleraentos folheados e zoomôrficos.
As relagôes são mais ténues com os manuscritos de Limoges
nomeadaraente a segunda Biblia de Limoges (B.N.P. Lat. 8) ;
773Antônio Cruz,5anta Cruz de Coimbra na Cultura
Portuguesa da Idade Media ... p. 122-125 .
"'4in Jean Dufour La Bibliothêque et le Scriptorium de
Moissac, Paris Geneve,Droz , 1972.
775No artigo La Bible Limousine de la Bibliotheque
Mazarine a Paris,102 5 Congrês National des Sociétés
Savantes,Limoges, 1977. p. 69 A autora acrescenta ainda que é
a zona da Aquitânia e de Limoqes que se produziram a maior
parte destes manuscritos. Refere-nos ainda que é Frangois
Avril que atribui o manuscrito biblico B.N.P. Lat.7 a
Moissac .
414
iniciada no último tergo do séc. XI, sob o abaciado de
Ademar776, foi já completada em meados do séc. XII. D.
Gaborit Chopin refere que Ademar, primeiro abade cluniacense
simbolizou uma resistência â politica borgonhesa, mantendo um
programa aquitânio na tradigão das iniciais franco insulares.
0 iluminador simplificou os nôs de entrelagos e as trangas
que enchem os rectângulos, mas conservou as cabegas de animais
nas extermidades das iniciais.
No Homiliario de Santa Cruz, há uma situagão idêntica em
relagão aos entrelagados mas algumas iniciais zoomorficas
mantêm-se, delineando-se as letras em quadros de fundos
polícroraos, roxo, verde e verraelho, tal como acontece no
Limousin.
Para além desta Bíblia, outras com origem no mesmo local
apresentam solugôes semelhantes como a Mazarina (Ms Lat. 1 e
2) e a bíblia de Saint-Yrieux.
Mas este tipo de iniciais não se esgota no SO da Franga,
há um fundo comum que se estende ã Catalunha e Navarra.
A Biblia de S. Juan de la Peha (B.N.M Ms.2), em Huesca,
que o catálogo atribui também ao séc XI773, possui iniciais
zoomorf icas e outras â base de entrelagados com fundos pintados
e escalonados, estará mais prôxima da segunda bíblia de Limoges
776D. Gaborit Chopin, La Décoration des Manuscrits a Saint
-Martial de Limoges et en Limousin du IXe au XII Siêcle,
GenéveParis ,1969. p.179
Mais relagôes se podiam estabelecer com outros
manuscritos, nomeadamente quanto ã construgão dos
entrelagados. Por exeraplo, o Sacramentário de Figeac , Fl.l9v,
segundo J.J. Alexander terá sido executado para S. Salvador
de Figeac (diocese de Cahors ) e um pouco mais tarde levado
para Moissac. J.J. AlexanderLa Lettre Ornée, Paris ,
Chêne ,1979
178Também Seledad de Silva y Verástegui era Iconografia
del Siglo X en el Reino de Pamplona-Nájera , Pamplona, P. de
la Instituiciôn Principe de Viana,1984, p.495 classifica
também este manuscrito no séc . XI.
4 1 5
779
( (Figs. 457-458) . Saliente-se que o priraeiro raanuscrito78
foi executado para a igreja de Vilabertrán de Gerona, que tinha
adoptado os costuraes dos cônegos de Sto Agostinho.
As numerosas iniciais do Homiliario de Santa Cruz,
traduzem uraa interpretagão de raodelos dos grandes raanuscritos
bíblicos e litúrgicos de finais do séc. XI, cuja principal
zona de influência segue o percurso dos caminhos de
paregrinagão- Moissac, Limoges, Catalunha, Huesca e Navarra.
Aqui se elabora uma genealogia de formas que remonta ãs
iniciais f ranco-saxônicas e mogárabes dos séculos IX e X.
Os elementos zoomorficos que povoam e constituera a
estrutura de muitas destas iniciais, poderão ter como centro
de irradiagão em Moissac, tanto na iluminura como na escultura.
Os artistas deste mosteiro, encontraram no Oriente prôximo e
longinquo, estes leôes de pelagem cuidada e membros vigorosos
que a partir da Pérsia Sassânida, da Mesopotâmia e mesmo da
China, emigraram para Ocidente, em tecidos e relicários .
;í
Emile Mâle782
pôe raesmo em relevo a importância da
miniatura na criagão da iconografia do Midi francês (Moissac
e La Daurade-Toulouse) . Segundo ele, seriara cenas de um
Comentário ao Apocalipse existente outrora no Mosteiro que
estariam na origem do tímpano de Moissac.
0 Sta Cruz 30 possui o texto da Histôria Eclesiastica ,de
Eusébio de Cesareia e Contra Hebreos de Sto Isidoro de
Sevilha. Apresenta nos primeiros 40 fôlios letra visigôtica de
77<,inYolanta Zalouska e Frangois Avril Manuscrits de la
Peninsule Iberique, Paris ,Bibliothêque National, 1982
'?*°
Leroquais, Sacramentaires p. 3 30-3 3 3
7ĸ,Emile Mále, L'Art Religieux en France au Xlle
Siecle. . . p. 346.refere que os tecidos que cobriarn as caixas
das relíquias forara iraportantes veículos de iconografia,
assim como os sumptuosos panejamentos que cobriam as iqrejas.
p.341 Faz referência igualmemte â influência do Oriente sobre
o escultor de Moissac.
,ĸ-'F.mile Mâle L'Art Religieux du XII eme siecle, Paris,
Armind Colin,1947 p.p,l-43.
416
transigão- até ao capítulo 17, do Livro V da obra de
Eusébio783. No fl.l consta uma subscrigão datada de 1191. Esta
corresponderã a um outro copista e outra data , já que o mesmo
Diaz y Diaz, situa a visigôtica de transigão até meados do
séc.XII.
Sendo um manuscrito de ornamentagáo extremamente pobre,
apresenta no fl.l uma inicial que podemos relacionar com o Sta
Cruz 4 Fig. 459). A abertura deste texto com titulo rubricado
a vermelho e preto, como é costume em numerosos manuscritos
mogárabes, faz-se através de um P inscrito em fundo polícromo-
ocre e roxo. 0 roxo é excepcional neste fundo de Santa Cruz
e sô aparece era côdices desta época, corao é o caso
paradiqmático do Sta Cruz 4. As restantes iniciais ocupam um
a dois espagos e são pintadas a verraelho e preto . ( Fig . 460 )
0 Sta Cruz 51784
é outro dos manuscritos, escrito era
visigôtica de transigão, cujo texto inclui o Tratado sobre o
Salmo 118 de Sto Agostinho e o Resumo da Regra de Ticônio.
Teria sido escrito por várias mãos , ocupando a escrita em
visigôtica de transigão os fls. 96 ao 136. As iniciais
secundárias apresentam também afinidades com as iniciais
caligráficas do Sta Cruz 4 (Fig.93).
0 Sta Cruz 58 que inclui textos de patristica, segundo
alguns autores, foi um dos manuscritos trazidos de S. Rufo de
Avinhão, já que os textos que o compoêm coincidem com os
mencionados por mestre Álvaro da Mota B!i.
7*3Manuel Diaz y Diaz, Codices Visigoticos en la
Monarquia Leonesa, Léon ,C.S.I.C.
R4
M. Diaz y Diaz, Côdices Visigoticos en la Monarquia
leonesa, Leon ,C. S . I .C.
,1981 p.p. 436-438.
78<JFl.1-69 Incipiunt Sancti Augustini libri numero
XII. De opere sex dierum. F1.69-80v Aurelii Augustini
questiones in Evangelio Matei numero XVII; f 1.81-122
Ambrosius Exameron; fl . 122-1 33v De penitentia; fl. 133v-136
Liber Past.oral i s ; 136-272 Episttrfam adhortatoriam Accae
Episcopi ad Bedam Presbiterum quae incipit Saepe quidem tuae
Sanctitat i
417
Madahíl, em Os Côdices de Santa Cruz de Coimbra,
transcreve esta referência: o "meestre alvaro da mota da ordem
dos pregadores que na era de ihesu christo de mil e IIII.c LV3
anos tornou do latim em lingoagem o texto latino
"...E tornando ho arcebispo Johanne com todos seus
parceiros, e todos seus feitos mui bem
encaminhados, quedou o dicto pedro sacerdote em sam
Ruffo, e esteve hy huura anno.e esraaginava e cuidava
de cada dia que era necessario bem viver, e em regra
de rezar, e era boos custuraes, em na doutrina
eclesiastica.E ele seendo perfecto na ordenanga
eclesyastica trouxinos o capitoleiro emteiro e o
custume do antifanario E emviaromnos santo agostinho
sobre Joham evangelista, e sobre o genesy , que se
chama adliteronm, questom sobre sam mateu e sam
lucas ,e o examerom de santo ambrosio ,
o pastoral de
santo anbrosyo, beda sobre sam lucas, polas quaaes
coussas somos muito obrigados ao comvento de sam
Ruffo, ca nos ajudou senpre muito bem gragas a deus
pera sermpre amen .
"'""
A questão central é a de saber se seria este o codice que
foi trazido de S. Rufo de Avinhão, ou se pelo contrário seria
uma côpia mais tardia787.
786A.G.da Rocha Madahil, Os Côdices de Santa Cruz de
Coimbra, in Boletim da Biblioteca da Universidade de
Coimbra ,
Vol. X, Coimbra, imprensa da Universidade, 1933 .p.p. 378-419 .
787A.A.do Nascimento data este manuscrito de 1138 e
atribui a sua côpia a Pedro Salomão, que o teria escrito na
sua estadia em S. Rufo.A.A Nascimento Concentracão, Dispersâo
e Dependências na Circulagão de Manuscritos em Portugal, nos
séculos XII e XIII . ,Actas do Colôquio sobre Circulation de
Codices y Escritos entre Europa y la Peninsula en los Siglos
VIII-XIII ,Universidad de Santiago de Compostela, 1988, p.82.
Também Agostinho Frias coloca a sua origem no mesmo mosteiro,
mas atribui-lho uma datacão de meados do século. In Santo
Antonio em Santa Cruz . Codices do Mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra no Tempo de Santo Antônio. Rot. de exposigão .Porto ,
4 1 0
A letra é minúscula, situagão pouco habitual em Santa
Cruz ,mas as iniciais são comuns a este grupo de manuscritos.
A inicial ornada que abre o texto de Santo Agostinho, está
inscrita em fundo pintado a roxo, vermelho e verde. A
ornamentagão organiza-se em entrelagos como se de uma rede se
tratasse, terminando num círculo central pintado a ouro. 0
título é manchetado e levemente ornado (Fig . 461-461A) . Esta
inicial serviu mais tarde de matriz a outros manuscritos como
foi o caso da Segunda Bíblia de Santa Cruz Ms 2, fl.207v .
Iniciais caligráficas de dois tipos sáo pintadas a
vermelho, situagão corrente nos outros raanuscritos,
nomeadamente no Santa Cruz n"4.
Encontramos tambéra no f 1.140 (Fig .462) ,duas iniciais corao
as que descrevemos para o Homiliário,estruturadas ã base de
entrelagos, conjuqadas com corpos de animais, pintadas a
amarelo e vermelho.
No arquivo do Institut des Textes ( C.N.R.S.), nas
análises comparativas que ai fizemos, encontramos alqumas
referências a manuscritos de Santa Cruz que teriam vindo de S.
Rufo de Avinhão ou feitos sobre modelo de S. Rufo. Estâo no
priraeiro caso os Sta Cruz 31, colecgão de homilias de Sto
Ambrôsio, S. Jeronimo e Sto Agostinho e o B.P.M.P. 74, em
relagão ao qual não conseguimos descobrir ligagão com o fundo
de Santa Cruz . Contudo, o Sta Cruz 31 não contém qualquer tipo
de iluminura e o B.P.M.P. 74, não tem correspondência neste
fundo. Em relagão ao Sta Cruz 77, um ritual que teria sido
feito sob modelo de S. Rufo, possui apenas pequenas iniciais
bicolores semelhantes a outras secundárias do fundo, mas não
têm ligagão aparente com os raanuscritos de Avinhão que
observámos no Arquivo Capitular de Tortosa .
B.P.M.P.,
1995.
4 19
De facto os manuscritos que pudemos observar, atribuidos
ao fundo primitivo de S. Rufo, não apresentam qualquer
semelhanga com este qrupo788
.
Contudo, nada nos impede de considerar, que Pedro Salomão
tivesse escolhido em S. Rufo a iluminura de um manuscrito que
seguisse uma tradigão diferente. Neste caso tratar-se-ia do
volume trazido de S. Rufo.
De assinalar que Pedro Salomão789 não utilizou em 1138-
39, a visigotica de transigão, tal como os copistas dos côdices
que classif icámos nesta época .
Situamos também neste período, o Sta Cruz 17, as
Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha, escrito já em gôtica,
cuja côpia segue claramente um manuscrito dito mogárabe'9
(Figs .167-171) ( fig . 463-464 ) . Os títulos manchetados a vermelho
e preto e as pequenas iniciais assim nos fazem pensar. Também
o diagrama da árvore do género humano, fl. 92v, que inclui na
parte central os rostos de homem e mulher, apresenta
788
De todos os manuscritos observados em Tortosa ,
Bibli. Capitular, 11 sacramentário; 51 £altério;123
Comentário ao Evangelho de S. João de Rábano Mauro; 23 3
Miscelânea Patristica, nenhum apresenta relagôes directas com
os manuscritos de Santa Cruz . Apenas o Sacramentário
ll,poderá ter servido de modelo ao Sacramentário Sta Cruz
55.Contudo este manuscrito é já de inícios do séc. XIII.
Cf.A.A. Nascimento, Concentragâo ,Dispersâo e
Dependência na Circulagao de Manuscritos em Portugal nos Secs
XII e XIII, Colôquio sobre Circulation de Codices y Escritos
entre Europa y la Peninsula en los Siglos VIII-XIII . .. p. 82
"'"Hipolito Escobar em Los Manuscritos , Madrid, F.G. S.
Ruipérez, 1993. p.93 designa por raogárabe o livro "
que
permanece como forma ũnica em Espanha até finais do séc. XI
e que inclusivamente se prolonga no XII, caracteriza-se por
estar escrito em letra visigôtica, em geral cuidada, como e
sempre a caligrafia livresca realizada sem pressas e com a
pretensão de clareza.
420
semelhangas com os manuscritos do séc. X hispânicos791. Os
rostos representados são do mesmo tipo dos que aparecem no
Libro de los Testamentos encomendado pelo bispo D. Pelágio e
produzido nos primeiros anos do séc XII792 ( Fig .465 ) .
A copia das Etimologías , provavelmente escrita em S. Pedro
de Cardeha, no séc. X ""3, que tiveraos oportunidade de
observar na Academia Real de Histôria em Madrid, apesar de
apresentar diferengas ao nível da mise en page e da escrita,
utiliza uma paleta cromática comum-
preto, vermelho, laranja
e amarelo.
As pequenas iniciais caligráf icas que iniciam os livros
têm afinidades com o conjunto de manuscritos atrás referidos,
o que nos leva a datá-los do mesmo período ""'*.
É pois muito natural que o raanuscrito copiasse um anterior
escrito em visigôtico, porventura da Sé ou de um mosteiro das
proximidades .
A iluminura destes côdices integra-se no inicio da
segunda fase de influência cultural francesa que José Mattoso
791
Cf.Soledad de Silva y Vérastegui Iconograf ia del
Siglo X en el Peino de Pamplona -Nájera, Pamplona, Instituto
de Estudios Riojanos, 1984 pp. 451-468 . Esta autora refere os
três côdices riojanos que representam imagens da árvore
genealôgica do género humano as Etimologias da Academia Real
de Histôria, e os côdices Albeldense e Emilianense do
Escorial.Diz-nos anada que a partir de meados do séc. X esta
representagão se divulga com as mesmas características na
região e em Castela.
in El libro alto-medieval en los reinos
cristianos,Los Manuscritos ,
dir. Hipolito Escolar, Madrid,F. German Sanchez Ruipérez, 1993, p.p. 86-90 apresenta a
reprudugão do Libro de los Testamentos , onde se pode
observar o rosto comprido e anguloso que é comum a estes dois
manuscritos .
793Hoje conservada na real Academia da Historia de Madrid
com o n 76.
794
Hipôlito Escobar chama ainda a atengâo para o facto
de Sto Isidoro ser o autor ma i s 1 ido durunte a Alta Idade
Média espanhola.Dele conservam-se 27 obras (codices e
fraqmentos) entre elas 10 exemplares das Et i mo 1 ogi as .
421
coloca entre 1130-1180. Caracterizada por uma "adaptagão
portuguesa do ideal religioso dos Conegos Regrantes ,tal como
foi vivido em S.Rufo de Avinhão. Ao contrário do movimento
anterior, este não tera protagonistas estrangeiros : são
portugueses que tentam imitar aqui o que admiraram em Franga,
mas que associam o seu ideal de vida a Jerusalém, o que
acentua a sua orientagão mediterrânea" 795.
0 período ainda está prôximo da influência cluniacense,
nomeadamente a vinda de Moissac e Limoges e sentida no grande
Homiliario de Santa Cruz .
Podemos pois, concluir que nestes manuscritos iluminados
existem alguns pontos em comum que nos permitem inseri-los no
fundo priraitivo de Santa Cruz de Coimbra no tempo era que o
prior era S. Teotônio. Ele marca pela sua prôpria cultura, um
compromisso entre o passado da cultura mogarábe que aqui
persiste até meados do séc. XII, e as influências europeizantes
vindas de S. Rufo e do Sudoeste f rancês .
Para outras ilagôes mais esclarecedoras , seria contudo
necessário ter informagôes raais precisas, que não dispomos de
momento, sobre a circulagão de manuscritos entre Moissac, Braga
e as suas possíveís ligagôes a Santa Cruz .
A presenga de Geraldo( 1096-1108 ) , monge de Moissac, e de
Mauricio Burdino antigo monge de S. Margal de Limoges, na Sé
de Braga, nos finais do séc . XI e inícios do XII, teve
repercussôes muito claras, do ponto de vista litúrgico""'
nesta região. É natural que tenha existido circulagão de
manuscritos entre estas duas casas e influências litúrgicas ou
outras. Evoquemos o papel de João Peculiar na formagão de Santa
Cruz e a sua posterior ascensão ao arcebispado de Braga.
"°'i
in Mattoso, José Monges e Clérigos Portadores da
Cult.ura Francesa em Portugal (séculos XI e XII), Paris,
Fondation Calouste Gulbenkian ,1983.
""•
Joaquim O. Braganga L' Influence de la liturgie
Languedocienne au Portugal ( Missel , Pontifical , Rituel ) ,
Cahiers de Fanjeaux 17 (1982) pp. 173-184.
422
5.2. Segundo Período: De meados a finais do século XII
Nesta fase domina ainda Santa Cruz,mas assiste-se também
ao nascimento da iluminura alcobacense e â execugão de alguns
côdices onde a influência de Claraval é muito nítida.
0 facto das obras mais signif icativas em Santa Cruz terem
terminado e de o mosteiro atravessar até finais do século ura
período de prosperidade, provocou o aparecimento de grandes
criagôes artísticas que revelam a maturidade atingida pelo
scriptorium nesta fase '9V.
0 início deste novo período era Coirabra, pode ser marcado
simbolicamente pela morte de S. Teotônio (1162) e pela execugão
do Sta Cruz 43 gue assinala uma outra orientagão do
scriptorium .
Coimbra teria então, ambiente para receber excelentes
artistas. Estavam terminadas as grandes construgôes da Sé e do
proprio raosteiro, onde se localizavam os principais centros
culturais e de ensino798.
7
Era relagão âs restantes raanifestagôes artísticas este
período, embora não coincida cronologicamente, identif ica-se,era termos de características
,cora o que Manuel Luís Real ( A
Arte Românica de Coimbra (Novos dados -Novas Hipôteses) ,
dissertagão de Licenciatura,Porto, Faculdade de Letras,1974
p. 42), define para o Românico Bl "Arte revolucionária que
nasceu do concurso de arquitectos estrangeiros e de
artifices mogárabes. Sobressai pelo alto nivel técnico, pelo
equilíbrio e por influências exoticas na arquitectura e na
decoragão" . Elabora-se entâo uma síntese com características
locais de um movimento que terá partido de Santa Cruz de
Coimbra .
0 acto consagratôrio devia ter-se real izado já
depois de 1150. A consagragão do altar-mor será o culminar
e marcará o fim dos trabalhos náo r.ô da iqrcja mas também do
mosteiro. In A. Nogueira Gongalves, Novas Hipoteses acerca
da Arquitectura Românica de Coimbra ...p.78.
4 0 0
0 priorado de Pedro Alfarde revela o protagonismo de
homens igualmente empenhados na cultura. Este prior foi o autor
do Livro Santo799.
0 raosteiro apresenta tarabém uma boa situagão economica
reforgada por doacgôes régias e particulares, adquirindo a
maior dignidade como panteão real de Afonso Henriques.As
Collationes e os Institutis Cenobiorum de João Cassiano( Sta
Cruz 43) foram copiadas por Pelágio Garcia, diácono e conego
de Santa Cruz de Coimbra em 1165.
0 volume apresenta iniciais ornadas de certo impacto nos
fôlios, o desenho e a pintura são rígidos e transmitem a
impressão de artistas que copiam modelos sem autonomia.
Se bem que a primeira inicial ainda apresente vestígios
da época anterior, os entrelagados da base do P (fl.l) ,os
caules enrolados e os elementos vegetais não ganharam
movimento, a disposigão das cores mostra ainda grandes
dificuldades técnicas. Estes eleraentos vegetais estão ligados
ã influência do SO francês nomeadamente de Limoges80
(Figs. 118-120 ) . No mesmo fôlio o D, tera no interior caules e
folhas finas, que lembram a iluminura feita no Limousin nos
inícios do séc. XII.
0 manuscrito contéra ainda outras iniciais que são
sintomáticas das hesitagôes artisticas do scriptorium.
0 coraego do prefácio dos Institutis cenobiorum f1.141
possui uma a vermelho e preto, assim como um título manchetado
que evoca as iniciais hispânicas. Mas as que comegam os livros
799im Manuel. M. R. FerreiraO Mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra no Sec . XII,
Coimbr a ,1 9 6 2 , dissertagão de
licenciatura.
n"°
Cf . a Vida de S. Margal de Limoges, Paris ,B.N. Lat.
5576 fl.l em que a letra P estruturada â base de entrelagos
recebe vegetagão semelhante. Também o Lat. 5296 A igualmente
uma Vida de S. Margal é referido por Gaborit-Chopin em La
Decoration des Manuscrits a Saint Martial de Limoges et en
T.imousin. . . como tendo um mau pintor apesar do desenho ser
de melhor qualidade. Algumas destos iniciais estao prôximasdestes dois manuscritos
424
dos Institutis anunciara já as letras articuladas era torno de
um espago nâo pintado que serão comuns nos manuscritos de Santa
Cruz .
0 obra que marca a segunda metade séc. XII é o Sta Cruz
1, o Testamentum Veteris .
Com alguma hesitagão podemos datar Sta Cruz 1 da segunda
metade do século. Autores como Walter Cahn dataram-no do
segundo quarto do séc. XII801, pouco depois da fundagão.
Contudo, este autor, reproduz um dos folios junto de uma outra
bíblia cuja ornamentagáo apresenta tragos semelhantes e que é
datada da segunda metade do séc. XII. A Bíblia de Burgos, com
a qual tem certas aproximagôes iconográf icas está também
classificada da mesma época.
Será pois de uma data mais tardia, se tivermos em conta
alguns aspectos arcaicos, como sejam a divisâo em três colunas
e os arcos ultrapassados das Tábuas de Concordância .
A ornamentagão e o imaginário deste manuscrito impar na
nossa iluminura, situam-se no cruzarnento entre a iluminura
setentrional francesa e a tradigão das biblias peninsulares ,
com destaque para os seus ciclos iconográf icosfFigs . 40-59) .
O Sta Cruz 1 tem ainda pontos de contacto com a
iconografia e a ornamentagão das artes plásticas coimbrãs.
Podemos referir a imagem do Agnus Dei rodeado de vegetagão,
exposta no Museu Machado de Castro802. 0 cordeiro possui
pelagem e perfil que sugere , por exeraplo, o que varaos encontrar
no fl. 98 na abertura ao livro de Samuel onde se faz alusão ao
sacríficio que comemora o seu nascimento (Fig .465A) . Se a
imagem escultôrica datar de inicios do séc. XIII, este
manuscrito bíblico poder-lhe-ia ter servido de modelo. A
propôsito deste côdice já assinalámos outras semelhangas com
RO'Walter Cahn ,La Bible Romane ,
Par i s ,Vilo,1982 p. 293.
"°''
Cí . C. A. Ferroira de Almeida O F.omãnico ... p. 163 . 0
autor refere justamente que a veqetacuo envoLvente sugere a
iluminura feita em Alcobaga e Santa Cruz.
4 20
a escultura da época, tal corao os draqôes da Sé de Coimbra80
ou os galos afrontados dos capitéis na charola da Igreja dos
Templários em Tomar (Fig ,465B)6°\
Quanto aos livros litúrgicos, incluimos também um saltério
que revela a qualidade artistica das obras existentes neste
mosteiro- o Sta Cruz 27 datado de 1179. Fernando foi o copista
que o executou. 0 iluminador embora tenha feito escola, não
deixou uraa mão facilraente reconhecível noutros raanuscritos.
As iniciais ornadas que comegam cada momento do ano
litúrgico ou o Calvário mostram um artista com grande dominio
do desenho, das técnica de pintura, conhecedor da iconografia
da época e seguro na sua aplicagão.
0 Sta Cruz 27 dá inicio a uma nova fase de produgão de
manuscritos litúrgios, nomeadamente de saltérios (Figs .256-
262). No seu santoral indicam-se nâo so os santos da liturgia
francesa do SO, particularmente os que seguiam S. Rufo de
Avinhão, mas também santos locais e, caso excepcional, o pai
de Paio Guterres8135, conego do raosteiro, que o ofereceu e o
mandou executar. A data de II das Kalendas de Agosto é marcada
pela sua morte, aqui assinalada pela era de M.C.C.X.V.
0 iluminador seria exterior ao mosteiro, talvez paqo pela
encomenda já que a iluminura não corresponde â produgão
corrente neste scriptorium. Se este saltério fosse executado
era Santa Cruz, seria iraprovável a sua oferta e a inclusão de
um leigo no calendário.
803Manuel Real, A Arte Românica de Coimbra . . .p. 3 36 .
°"-'
Compare-se com idêntica representagão do galo no Sta
Cruz 1, fl.209v (Fig.53)
B°5Numa inquirigáo de testemunha publicada por Ruy de
Azevedo (Do. Fals. paq. 73 e seqs) fala-se da capela de S.
João na qual teria estado Paio Gueterres Pelagius Goterriz
adiuratus dixit quod . XXXIII. annos uixit frater in Sancta
Cruce et invenit. ibi capellam Sancti Iohannis sicuti modo est
ot cetera que modo hahet domus Sancte Crucis. Citado em A.
Nogueira Goncalves ,Novas Hipoteses acerca da Arqui tectura
Románica de Coimbra . . .p.86 .
0 2 c
0 tipo de iniciais, nomeadamente a que inicia o Saltério,
o B do Beatus Vir, insere-se na linha de continuidade da
iluminura f ranco-saxônica,
com letra estruturada å base de
entrelagos, caules enrolados cora movimento soltos e
espiralados. É um dos bons exemplares desta arte que teve
larga aceitagão entre os iluminadores románicos portugueses.
Em Santa Cruz e Alcobaga, os caules enrolados e as palmetas sâo
o motivo preferido dos iluminadores . Estas palmetas compôsitas
são contudo pouco utilizadas no scriptorium. As restantes
iniciais que comegam os salmos seguem o mesmo tipo de letra
inscrita em fundo pintado escalonada e servem de modelo aos
saltérios Sta Cruz 25 e 26.
0 que distingue verdadeiramente este saltério é a
crucif ixagâo, obra digna de um grande mestre da arte românica
e impar na arte portuguesa. Não conheceraos nenhura modelo que
se Ihe aproxime. A figura de Cristo mostra uma delicadeza e
expressionismo que sô se encontra era Calvários posteriores. As
figuras esguias e delicadas lembram vagamente as do Apocalipse
do Lorvão, produzido neste mosteiro, 20 anos depois. Contudo,
neste último manuscrito há uma maior simplif icagão de formas,
o cair dos panejamentos é mais rígido e os rostos menos
cuidados. O processo de pintura segue o mesmo esquema- fundos
polícromos e silhuetas que se recortara a sépia. As pernas
cruzadas de Cristo, a cabega inclinada sobre o ombro e os
longos cabelos que enquadram o rosto ajudam a suavizar a
atitude. Os bragos estendidos ao longo da cruz abrigam S.
Pedro e a Virgem. Este Calvãrio serviu provavelmente de modelo
a outros livros litúrgicos, como o Sta Cruz 40(Fig .205 ) .
Outros manuscritos conibricenses de grande qualidade, mas
cuja oriqem no scriptorium levanta algumas reservas ,marcam o
último quartel do séc. XII. Trata-se do conjunto formado pelo
Evangeliario, Sta Cruz 72 (Figs . 231-240 ) e o Epistolário,
B.P.M.P. Geral n"861 (Figs . 241-246 ) ,um dos mais belos
manuscritos iluminados quer do ponto de vista da ornamentagão,
quer na representagão da figura humana . A dolicadeza posta no
desenho e na pintura dos rostos ,assim como no leve cair dos
427
panejamentos coloca-nos perante outro grande mestre da
iluminura românica. 0 desenho da ornamentagão afasta-se todavia
do estilo característico da nossa iluminura, trata-se talvez
de uma obra adquirida, tal corao Sta Cruz 27.
Em finais deste período cria-se em Santa Cruz, um tipo de
inicial ornada que fará escola no scriptorium, presente em
manuscritos como o Sta Cruz 40. São as letras articuladas em
torno de espagos não pintados, que utilizara corao cores o
vermelho, azul e mais raramente aguadas laranja nos fundos da
ornamentagão. Encontramo-las nos livros litúrgicos e nos livros
de leitura espiritual, datados desta época .
Outro exemplo deste processo de ilurainura é o Leccionário
Sta Cruz 5, feito provavelmente pelo mesmo copista e iluminador
do Sta Cruz 40. 0 T (fig.235) que acorapanha o Jn exaltatione
sancte crucis é igual ao T do Te igitur deste côdice.
Encontraraos tarabéra estas iniciais, no Sta Cruz 8 que
contém entre outros ,o texto do Vocabulario de Papias.
Constituem o ex-libris do mosteiro numa fase de maturidade.
0 De Avibus de Hugo de Folieto, Sta Cruz 34, embora não
esteja datado, insere-se neste período, até porque tera relagôes
estreitas com o texto homônimo do mosteiro do Lorvão, datado
de 1183. Antônio Cruz já charaou a atengão para este facto, em
1986, em artigo intitulado O "Livro das Aves" Um codice
ignorado idêntico ao do Lorvão —.
Apesar de Willene Clark considerar esta obra do ínicio do
séc. XIII, baseada sobretudo nos motivos estilísticos de um
românico tardio, no entanto, o facto do Cristo em Majestade
do fl.94v (Fig .123 ) nâo estar longe da qualidade artística do
iluminador do Sta Cruz 1, leva-nos a colocá-lo no mesmo
período. Aliás a autora, levanta também a hipotese do
manuscrito de Lorvão poder ter sido copiado pelo de Santa Cruz ,
reforgando assim esta cronologia.
ĸ°"
Es^oe artigo foi publicado na Revista de Ciências
Hístoricas ,Universidade Portucalense ,
Vol . I, 1986. pp. 161-
218
428
Estamos assim, perante ura período era que os cônegos terão
produzido e encomendado manuscritos de grande qualidade
artística que marcarão profundamente a iluminura posterior
807
Embora fundada em 1153, a construgão da abadia de Alcobaga
sô se terá iniciado a partir de 1178. A existência de um
scriptorium a funcionar com regularidade é provável que sô
ocorra nos finais do século. Esta hipôtese não exclui a copia
anterior de raanuscritos era condigôes raais precárias.
Este fundo coloca-nos grandes dificuldades em estabelecer
uma cronologia, já que o mesmo se constitui tardiamente com
base em côpias de côdices claravalenses do séc . XII.
Se bem que a maior parte dos manuscritos seja copiada no
primeiro quartel do séc. XIII, há um conjunto signif icativo que
pode ser atribuído a finais do séc. XII.
Um deles é o Alc. 152 (Figs.466 ) ,obra de S. Bernardo em
que o Incipiunt tractatus sci Bernardi abbatis mostra que a
palavra sci foi colocada depois, sendo visível a emenda . É pois
certamente um dos codices mais antigos. A rasura no texto
revela que terá sido escrito antes de 1174, ano da canonizagão
de S. Bernardo.
Muitos outros têm uma cronologia aproximada já que se
inserem na tipologia que classif icamos como caligráf ica808.
Trata-se de um grupo de manuscritos -
cuja temática é
fundaraentalmente a patrística809 . Do ponto de vista artístico
são de grande simplicidade e estão mais prôximos das restrigôes
807Na época em que foi prior D. João Teotônio, morto
em 1181, a situagão do mosteiro era prôspera como revela D.
Nicolao de Sta Maria (Chr. 2S Parte, p. 206, 1 c.)" Crecia
o Mosteiro de S. Cruz em tempo do Prior D. João Theotonio,
não sô ern virtudes, e santos exemplos, mas tarabéra era rendas
e edificios novos . . . "citado em A. Nogueira Gongalves Novas
Hipôteses acerca da Arquitectura Românica em Coimbra .. .p. 88
8"»
Maria Adelaide Miranda,A Inicial Iluminada Románica
nos Manuscritos Alcobacenses ... pp. 66-69 .
"""
Eståo neste caso os Alc. 152, 170, 332, 346, 350,
363, 364, 369 e 423.
429
do Interdito bernardino. Destinavam-se ã leitura individual e
claustral ,tem pequenas dimensôes e iniciais caligráficas
situadas quase exclusivamente no início do volume e nas
divisôes principais do texto.
Estas iniciais não fazem recurso a formas sofisticadas de
pintura, são apenas raonocromáticas , seguindo uraa decoragáo em
silhueta. 0 modelo é claramente claravalense ,neste mosteiro
há contudo um maior domínio da técnica, uma abstracgão e
geometrizagâo na ornamentagão e as letras são rigorosamente
monocromáticas. Estão neste caso os manuscritos da Bibl . Mun.
de Troyes n9os 4, 35, 40,76, 107,134, 177,180, 292,423 e 566.
Estas obras são tal como os alcobacenses textos de S. Jerônimo,
S. Gregôrio, Cassiano, S. Bernardo S. João Crisôstomo e S.
Agostinho810.
Os Alcs. 231, 333, 336 e 358 e os dois volumes do
manuscrito biblico Alc. 427 (Figs. 85-88) e 431 (Figs. 91-92)
podem também inserir-se neste período. As suas iniciais ornadas
sâo uma interpretagão tardia da inicial românica, cujos motivos
terão sido uma importagão da Borgonha através de Claraval. Com
estes manuscritos terá surgido o primeiro estilo alcobacense.
0 tipo de inicial, estruturada, quebrada ou formada pelo
corpo contorcido de dragão, recebe no seu interior palmetas,
caules enrolados e nas extermidades elementos vegetais. As
formas são simples e por vezes repetitivas.
No entanto, na ornamentagão dos volumes bíblicos Alc. 427-
431, os mesmos motivos multiplicam-se em formas mais dinâmicas
e complexas. O dragão alado ora se entrelaga, ora se contorce
para construir as iniciais, e as palmetas e caules enrolados
ganham formas espiraladas a anunciar o estilo 1200. Movimento
artístico com o raesmo norae , gue se fará sentir era alguns destes
manuscritos, mas de forma mais evidente no periodo seguinte.
-"'Maria Adelaide Miranda A Iluminura em Alcobaga e
Claraval.Aproximagôes Estéticas in Estudos de Arte e
Histôria, Lisboa:Vega, 1955 pp. 141-146.
430
A técnica da pintura nestes volumes é bastante semelhante
aos anteriores, assim como as cores empregues. As iniciais
delineiam-se sobre quadros pintados, muitas vezes em matizes
usando um processo arcaico, de barras do mesmo tom, do mais
escuro até ao não pintado. As cores utilizadas são ou muito
vivas ou escuras, predominando o azul escuro, o cinzento, o
grená, o laranja vivo, o vermelho, o castanho e o verde
bandeira. Os verdes bandeira degradam-se frequentemente,
aparecendo no seu local, manchas descoloradas devido â sua
composigão verde gris e malaquite811.
Estas cores espalhara-se ura tanto agressivamente e a falta
de harmonia por vezes atraigoa a qualidade do desenho. Todo o
conjunto é qeralmente contornado a preto e recebe realges
brancos luminosos.
Não se conservou o núcleo primitivo de manuscritos
litúrgicos de Alcobaga. Todavia, o Alc. 11, saltério que se
conta entre os mais antigos, pode ser também incluido neste
período.
Um dos poucos codices que cuja subscrigâo nos permite
datar de finais do século XII é o Alc. 365 (fig. 20)que inclui
a colecgão de decretos dos concílios e papas, por Burcardo,
bispo de Worms. Terá sido copiado antes de 1191, já que o
copista o coloca no tempo de Martinus , provavelmente Martinus
I abade deste mosteiro que morreu em 1191812.
48 Horácio Peixeiro A Iluminura em Alcobaga nos seculos
XIV e XV in IX Centenário do Nascimento de S. Bernardo Actas
dos Encontros de Alcobaga e Simpôsio de Lisboa. Braqa :
U.C.P., 1991, p. 184.Este autor dá-nos a composicão do
verdegris â base de cobre e vinagre. 0 facto de o pigmento
ser deficientemente aglutinado, deve-se a um grau elevado de
acidez que provoca o despreendimento de tinta, o seu
enegrecimento e f requentemente ,a corrosão do suporte. Este
é o resultado da utilizagão de ura pigraento barato. 0 verde
obtido å base de malaquite é destinado a trabalhos mais
nobros .
11 **
Maria Adelaide Miranda A Inicial Iluminada Românica
nos Manuscritos Alcobacenses . . .p . 81.
4 3 .1
O desenho das suas iniciais e o ornamento está prôximo dos
restantes manuscritos, mas o facto destas não terem sido
pintadas torna menos rigorosa a comparagão.
Também de finais do século são provavelmente os
leccionários para ofício divino Alcs. 412-14 (Figs .283-288 ) ,
432-434 (Figs. 289-295) e 441-444 ( Figs . 301-303 ) ,se tivermos
em conta a datagâo dos livros similares f ranceses813. As suas
imponentes iniciais para além da sua diversidade, revelam a
influência borgonhesa em que predominam as iniciais
estruturadas aneladas com terminagôes vegetais.
Apresentam-se três tipos de técnicas: a monocrática que
utiliza o matiz entre duas cores ,muitas vezes o azul e verde;
os fundos pintados e ornamentagâo a sépia; as policromas
utilizando a técnica clássica. Estamos em pleno Románico em que
as iniciais se inscrevem em espagos delimitados e o desenho e
a pintura denotam uraa grande seguranga. Nestes côdices está bera
patente a influência das casas cistercienses francesas.
0 Alc. 424-426 (figs .161-164 ) é outro manuscrito que se
poderá classificar no último quartel do século século. As
letras ornadas apresentam-se no mesmo grupo das anteriores,
embora com ura trataraento que acusa ser produto de uma evolugão
local814.
Foi neste período que terá sido adquirida a Biblia Alc.
396-399 (Figs. 66-83 ) ,como já referimos.
Periodo áureo da iluminura românica em Portugal foram nele
também executados os manuscritos mais representativos do Lorvão
-
o Comentario ao Apocalipse e o Livro das Aves- , cujos
813
No capítulo dos livros litúrgicos referimnos, para
assinalar as aproximagôes codicolôgicas, o Troyes, B.M.36
proveniente de Claraval e tambéra um leccionário de
ofício.Este manuscrito está datado entre 1180-1190, já que
a presenga do Ofício de S. Bernardo no santoral, e as
filigranas nas iniciais secundárias impedem uma cronologia
anterior a 1175. In P. Stirnemann Saint Bernard et le Monde
Cistercien. . . p. 2 44 .
8,4
Cf. A.A. do Nascimento e A.D.Diogo, Encadernacão
Portuguesa Medieval . Alcobaqa . . . pp 60-61 e 85.
43 2
iluminadores espelham igualmente um compromisso entre as
tradigôes ibéricas e a representagão de influência francesa.
0 Comentário ao Apocalipse datado de 1189, reflecte a
côpia de um exemplar bastante mais antigo. 0 facto de utilizar
uma coloragão muito ténue, um estilo linear, e um grande
sentido de abstracgão exibe uma iconografia que se baseia em
modelos prôximos do manuscrito de Beatus original. 0 desenho
sem ser excepcional, possui figuras esbeltas, embora nem sempre
expressivas. As roupagens caiem um tanto rigidamente. No
contexto do nosso Românico, as composigôes mostram que o
iluminador estava sobretudo preocupado em transmitir uma carga
simbolica ás imagens, mais do que a narrar a Storia. Na
representagâo dos animais, o iluminador foi particularmente
exímio, corao se pode observar nas iraagens do cavalo, cordeiro
ou outros quadrúpedes.
Razôes histôricas ligadas ao avango Almôada na Península
explicam, este novo surto de comentários historiados ao
Apocalipse no séc. XII815. Esta nova situagão prenunciava
tempos terríveis para os cristãos, fazendo renascer o espírito
apocalíptico.
Ora, o raosteiro do Lorvão situava-se nuraa zona de
fronteira (o Mondego) , depositário de uma rica cultura
mogárabe. Conjugando todas estas influências, terá reproduzido
esta obra a partir de um modelo mogárabe ,mas tendo em conta
já ãs exigências do novo estilo.
Santa Cruz foi buscar os seus modelos iniciais ã Franga
do Sul (Languedoc e Aquitânia) , Alcobaga ligou-se a raodelos
setentrionais, numa altura em que se fazia sentir aí, através
de Claraval e dos raosteiros da Borgonha ,a síntese entre as
influéncias anglo-saxônias e normandas.
3,,>Em 1190 ocorre a primeira expedigão de Yagub al-
mansur quo leva ã conquista de Torres Novas e ao cerco de
Toraar, era 1192 início da qrande forae que dura até 1210. In
Portugal a Formagão de um País. Catál oqo.Comissariado para
a Exposigão Universal de Sevilha . 1992 . pp. 165-168.
433
Esta época áurea da ilurainura roraânica que se raanifesta
na riqueza iconoqráfica de Santa Cruz e na excelência do
ornamento em Alcobaga foi favorecida também pela conjuntura
político-econômica em resultado dos avangos da Reconquista. A
partir de 1147 as conquistas de Lisboa e Santarém, deram
igualmente um novo ímpeto ãs construgôes românicas, primeiro
nos grandes centros e logo a seguir nos mosteiros mais
importantes816. No fim do séc. XII (1190-1191), o califa
almôada Almangor tinha invadido Portugal. Nesta época os
monges de Alcobaga foram massacrados, situando-se a data em
1184 ou 1190-1191. 81\
Este massacre é miniraizado pela historiograf ia actual devido
sobretudo å falta de provas documentais.
As invasoes terão levado ao abrandamento , quer das obras
de construgâo, quer de outras actividades artisticas. No
entanto, no último quartel do séc . XII estaria já constituído
o núcleo fundamental de obras que seriam necessárias ao normal
funcionaraento destas coraunidades raonásticas.
É indiscutível que para fins do séc. XII, a vitalidade do
"roraânico beneditino" surge enf raquecida ,corao é evidente nas
obras das catedrais mais importantes, devido ás dificuldades
econômicas e sociais.
5.3. Terceiro Período: O Primeiro Quartel do Século XI 11
Durante a primeira metade do séc. XIII, entrou-se numa
fase era que se terminaram construgôes langadas no decurso do
século anterior, como São Cláudio de Nogueira e S. Romão de
8.6^^
817in Maur Cocheril Notes sur 1'Architecture et le décor
dans les Abbayes cisterciennes du Portugal Paris:
F.C.Gulb. /C.C. Portugués, 1972 . pp. 50-51 .
434
Arôes, que testemunham já a falta de inspiragão que sofriam os
artistas .818. Apesar de tudo um novo espírito comega a impôr-
se liqado å procura de novas formas que vâo despertar no
gôtico.
Nos primeiros anos do séc. XIII, mais precisamente até
1210/1220, a situagâo caracterizou-se por uma contracgão
econôraica e profunda crise política. A partir de então, as
condigôes são de prosperidade ,sobretudo em Alcobaga.
Santa Cruz de Coimbra entra num novo ciclo marcado pela
perca da hegemonia que possuia junto da rei. Afonso II que
inicia o reinado em 1211 e morre em 1223, faz-se tumular em
Alcobaga, ao contrário dos seus antecessores que preferiram o
mosteiro dos conegos regrantes .
0 facto revela uma clara alteragão das preferências
régias, pelos cistercienses em detrimento dos cônegos, o que
se traduzirá em privilégios e doacgôes819. Fundada em meados
do século, esta abadia sô durante o primeiro guartel do
séc.XIII, constituirá, em grande parte ,o seu armarium debaixo
da dependência de Claraval.
Alcobaga torna-se então em Portugal, o centro fundamental
na circulagão de manuscritos, veiculando as novas propostas
estéticas que marcarâo tarabéra a sua produgão em Santa Cruz .
Apresenta alguns pontos de contacto com um novo estilo que
aparece a partir dos anos 70-80, e que desabrocha depois de
1200. Este estilo - denominado 1200 -, manifesta-se sobretudo
ao nível da letra ornada .
No último quartel do século estrutura-se na Franga do
Norte, Normandia e Sul da Inglaterra um nova forma de tratar
a ilurainura roraânica que nalguns casos prenuncia já o gôtico.
818
Gerhard Graft l'Art Roman au Portugal ,in Portugal
Roman, dir. Gerhard N. Graft,Yonne: Zodiaque ,1986 . pp.31.
K1"Afonso II náo sô se fez tumular em Alcobaga como
pretendeu reformá-la segundo a ordem cisterciense . Cí". Saúl
Antônio Gomes Relacôes entre Santa Cruz de Coimbra e Santa
Mâiia de Alcobaca ,IX Centenario do Nascimento de S. Bernardo ,
Braga,U.C.P/ C.M.A. ,1991. p. 264.
435
A conquista da Inglaterra, em 1066 nâo provocou rupturas
na evolugão da arte insular anglo- saxonica que conhecera o seu
apogeu â volta do ano mil82°. Mas as consequências fizeram-se
sentir na evolugão da letra ornada,
o único aspecto da
ornamentagão em que os artistas normandos tinham
verdadeiramente inovado. Esta exibe folhaqens tentaculares e
fusiforraes ou fitoraôrficas formando uma denso entrelagado
(fitas cruzadas) do qual saiem pequenos animais brancos, meios
leôes e meios cães. Nem o desenho como um todo,nem elementos
individuais são particularmente novos. 0 que é novo é o
estreitamento dos motivos ornamentais e a sua transformagão
num fundo aparentemente imperceptível de pequenas escamas e
muitas vezes sinais gráficos de teor ironico821.
As opiniôes dividem-se quanto â precedência francesa ou
inglesa na formagão do Channel Style, dando maior ou menor peso
å arte insular ou â arte continental na segunda metade do séc.
XII822.
Conhecemos a expansão deste estilo na Alemanha, nos outros
locais, não foram encontradas irradiagôes signif icativas.
Era Portugal, Alcobaga raanifesta nalguns raanuscritos,
nomeadamente nos litúrgicos certas semelhangas com os ingleses
desta época. Podemos tambéra atribuir a este estilo, os
820
Frangois Avril Les Arts de la Couleur ,in Xavier
Barral i Altet, Frangois Avril e Danielle Gaborit-Chopin Les
Royaumes d'Occcident ,Paris :Gallimard , 1983, p. 205.
a:"
Walter Cahn St . Albans and the Channel Style in
England in The Year 1200 A Symposium ,New York ,1975. p 196-
197.
822C.R. Dodwell, The Canterbury Scool of Illumination ,
Cambridge, University Press, 1954. Para este autor um dos
conjuntos mais representativos deste estilo são os livros da
Biblioteca de Thomas Beckett dos quais uma parte teria sido
produzida em Pontiqny. de 1164 a 1170.
436
Antifonarios A e B de Arouca que pensamos ter provado a sua
produgáo no scriptorium de Alcobaga823.
Na nossa tese de mestrado, já tinhamos comparado
manuscritos Alcobacenses com o saltério (Royal Ms 2 A XXIII,
fl.15) da abadia de Westminster. A forma de entrelagar dos
caules enrolados e as palmetas tentaculares são semelhantes ao
conjunto de manuscritos litúrgicos, em gue se destacam as
grandes iniciais dos Missais824 : o A do Advento e o T do Te
Igitur. Também o leccionário 411 (Fig.467) e as As Confissôes
de Santo Agostinho, Alc. 237 tem ornamentagão similar, assim
como o dicionário Alc.410 (Fig .468 ) ,datado de 1219. A
subscrigão, deste côdice825, refere que ele terá sido feito
por Gil, presbitero de Leiria, mas não nos esclarece se o mesrao
teria também executado a iluminura.
0 Alc 410 permite-nos fazer uma datagão aproximada destes
manuscritos, no primeiro quartel do séc. XIII, colocando as
influências do Channel Style ,entre nôs, numa época mais
tardia*2". De facto a ornaraentagão deste dicionário não está
longe do grupo dos manuscritos litúrgicos, embora a técnica da
pintura seja diferente. Utiliza tintas mais compactas, tons
muito carregados e apresenta um certo barroquismo que se
expressa por folhagens bem mais recurvadas . Contudo, estão
ausentes, entre nôs, os pequenos animais característicos deste
estilo e os caules enrolados são mais espessos. 0 único
823
Maria Adelaide Miranda Do Esplendor do Ornamento å
Simplicidade da Imagem.A Iluminura Românica dos Manuscritos
do Mosteiro de S. Pedro de Arouca ,O Mosteiro de Arouca
,
Arouca, Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda ,1955 .
824
Trata-se dos Alcs.249, 251,252,253, 256,257,258, 259
e 361 que já analisámos em capitulo anterior
*-"'
Obsecro vos qui hunc legeritis ut Egidii peccatorismemineritis Finito libro sit laus gloria Christo sub^ era
MCCLVIII mense marcii Egidius presbiter de Leiria scripsit
hunc librum f 1 .
ft;'"Devido provavelmente as dificuldades econômicas e
politicas em torno de 1200 que dificultavam a côpia de obras
mais dispendiosas .
437
elemento zoomôrfico que marca a sua presenga é o draqão, embora
reduzido quase exclusivamente a um pequeno focinho que termina
o corpo da letra. Também um conjunto de manuscritos ingleses
e franceses, integrados neste estilo por Walter Cahn,
apresentam apenas elementos vegetais, estando igualmente
ausentes os característicos animais82'. A estrutura destas
iniciais de Alcobaga possuem certas particularidades inscritas
em fundos pintados, são aneladas com elementos vegetalizantes
e as palraetas forraadas por folhas tentaculares que as
aproximam do Channel Style.
Podemos pois colocar a hipotese de haver neste fundo um
número restrito de manuscritos com ligagôes a Inglaterra desde
os primeiros tempos da monarquia. É conhecida a presenga de
ingleses notáveis que participaram nas cruzadas -
o primeiro
bispo de Lisboa, Gilberto era inglês, como o é igualmente
Osberno, destinatário da narrativa da conquista desta cidade.
É pois natural que tenham chegado a Portugal raanuscritos
de outros mosteiros que utilizassem a nova gramática ornamental
nas suas iluminuras.
Todos estes elementos poderão ser tarabéra produto de uma
evolugão dos vocabulários de Cister e local,como as folhas de
forraa mais fusiforrae.
As ligagôes artísticas a Claraval e Cister permanecem
ainda vivas, destacando-se neste período a côpia do Legendãrio
Alc. 418-422 (Figs. 357-370 ) . Podemos atribui-la a inícios do
século e relacionar certos aspectos da sua ornamentagáo com os
missais alcobacenses, onde é mais contida no interior das
iniciais. 0 Alc. 422, verdadeiro ex-libris da abadia
portuguesa ,a subscrigão
82S
dá-nos a garantia da sua
proveniência .
827
Muitos destes manuscritos são glosados, Epístolas de
S. Paulo e saltérios. As iniciais encontram-se reproduzidasem St . Albans and the Channel Style in England ... fig. 32-
36.
828
Trata-se do Alc. 422, fl 251,
onde figura a
sbscrigâo : "Liber S. Marie de Alcubacia
4 38
Obras de autores mais tardios são copiadas82 neste
período, revelando ligagoes aos meios universitários franceses.
São exemplo, as obras de Pedro Lombardo, como o Alc. 362 Quatro
Livros de Sentengas e os Alcs 354 e 355 Comentário sobre os
Salmos. Muito cuidadas do ponto de vista da execugão da escrita
e da ornamentagão, estão ainda muito prôximas de uma estética
românica, embora os seus textos anunciem já as transformagôes
culturais inerentes a este século.
Os iluminadores deste mosteiro demonstram ter abertura
suficiente para captar as novas propostas estéticas, numa
altura em que a iluminura caminhava já para o gático,
ultrapassando o espago das iniciais invadia as margens. No
entanto, mantiveram-se fiéis â concepgâo românica da
ornamentagão. São exemplos destas novas situagôes, os Alcs.
339-340 Historia Escolástica de Pedro Comestor (Figs .462 ,468-
470), Alc.173 Coleccão Canônica (Fig.471) e o Alc. 149
Mariale— (Figs . 472-47 3 ) de autores como Hugo Farsito,
Bernardo de Morlas ( ou de Cluny), Adáo de S. Victor. Este
último manuscrito com uma ornamentagão luxuriante e rica em cor
poderá classif icar-se já no séc. XIII831, tal como os
restantes. Possui iniciais familiares ao mosteiro, sobretudo
ãs dos livros litúrgicos.
A ornamentagão autonomiza-se , adquire grande liberdade,
e afasta-se dos cistercienses franceses, tornando-se mais
perraeável âs influências artísticas locais. Ura dos sarcofagos
de Infante da "Sala dos Túmulos" de Alcobaga reproduz um tipo
*-*"'
Aigumas destas obras são provavelmene adquiridas,caso do Alc. 235 0ua_.ro Livros das Sentengas .A ornamentagão
é estranha ao fundo de Alcobaga assim como as imagens inicial
historiada do fl. 2.
830A. A. do Nacimento Um Mariale Alconbacense ,
Didaskalia X (1979) pp. 345-355 dá-nos uma descrigâo
pormenorizada do seu conteúdo.
f,il
A. A.do Nasei mont.o Um Mariale Alcobacense . . .p. 344-345 ,
considera-o entre o séc. XTT-XĨII sobretudo tendo em conta
o tipo de letra, o qôtico redondo.
439
de palmeta e caule enrolado, que sugere a de uma execugão em
pergaminho, por exemplo, a do Alc.149, consagrando assira, os
motivos ornamentais da iluminura alcobacense832.
Obras monumentais foram também adquiridas ou copiadas o
que é revelador da dinâmica da comunidade monástica, como é o
caso do Alc. 446, Etimologias de Santo Isidoro de
Sevilha(Figs . 172-173 ) . Embora pobre em termos de iniciais
ornadas, como aliás acontece com o Sta Cruz 17, os diagramas
e esquemas que a ilustram mostram que houve a preocupagão de
dignificar este texto.
As ligagôes ao scriptorium de Santa Cruz revelam a outra
faceta que Alcobaga então adquiriu-
polo irradiador dos novos
modelos-, o que provavelmente seria extensivel a outros
scriptoria portugueses cujos fundos foram destruídos.
Destes contactos ,o Legendario Alc. 418-422 é
paradigmático, pelos reflexos que tem nos Sta Cruz 20 e 21,
como já demonstramos . Nestes côdices trabalharam vários mãos
de iluminadores que correspondem a estilos pessoais de artistas
que souberara conjugar a fantasia e o realisrao, cora um excelente
domínio do desenho e das técnicas da pintura.
Em Santa Cruz, neste período, para aléra da influência de
Alcobaga, e através dela dos cistercienses franceses, é nítida
tarabém a assirailagão local da cor e de modelos iconográf icos .
A representagão zoomôrfica diversif icada surge sob forma
fantástica, ou num realismo pouco usual, como é o caso da
cenas de cagada ,incluída na inicial I (Sta Cruz 21, fl.83).
Incluimos neste período os Sta Cruz 2 e 3. Esta
multiplicagão de Bíblias deveria obviamente de corresponder
ãs necessidades geradas pelo prôprio aumento da comunidade
monástica. A dependência iconográfica em relagão ao Sta Cruz
1 é clara: as iniciais são côpia de manuscritos anteriores,
noraeadaraente do primeiro período.
8,2M.Adelaide Miranda, Escultura Monumental Alcobacense .
O pensamento de S. Bernardo na sua Genese,Actas do IX
Centenario do Nascimento de S. Bernardo, Braga,
U.C.P./C.M.A. ,1991, p.173.
440
0 Sta Cruz 13 (Sermôes de Santo Agostinho) e Sta Cruz 18
(Antiguidades Judaicas de Flávio Josefo) ,datados
respectivamente de 1223 e 1237833 inserem-se, como é obvio,
neste período. 0 primeiro côdice denota influências do atelier
de Alcobaga no desenho das iniciais, a policromia utilizada é
no entanto a marca dos cônegos.
Integram-se também um conjunto de côdices com um tipo de
inicial comum a Santa Cruz e Alcobaga -Sta Cruz 6, 11 e 18. Tem
uma mesma concepgão de inicial de contornos coloridos, aguadas
nos fundos e palmetas e caules enrolados, familiar ã inicial
do cabido da Sé de Coimbra83'1 datada de inicios do século.
Este facto, revela que haveria um fundo comura â inicial ornada
românica .
0 Sta Cruz 18, mostra uma evolugão bera interessante dentro
do Scriptorium, dado que a iluminura seque o modelo de um
manuscrito anterior, o Evangeliário Sta Cruz 72 (fl.l). 0 I
(fl.3v) do Sta Cruz 18 é uma interpretagão tardia sem o
elegância do trago e do desenho do priraeiro. Os caules e as
palmetas tornam-se rígidos, as cores deixam de se espalhar em
tons suaves,e o desenho é uraa siraples côpia. Este raanuscrito
representa uraa viragem da iluminura românica portuguesa a
partir desta época, surge uraa evidente opgão pelas iniciais
f iligranadas .
Como caracteristica deste período, em Santa Cruz, podemos
referir a perca de criatividade, a repetigão de modelos
anteriores. As iniciais ornadas tendem a simplif icar-se, os
programas iconogrãf icos quase desaparecem ou reproduzem
modelos anteriores.
833
Este último manuscrito têm uma datagão que ultrapassao 1 quartel ,
mas pensamos ser irrelevante para já que
entretanto nãop há qualquer raarco signif icativo .
,!4
0 documento que contém a inicial foi araavelmente
cedido por Antônio Guerra.Está conservado no A.N.T.T,.
pertence ao Ms 8 tem o n"25. Foi escrito por Dominicus
Subdiaconus cerca de 1200.
■.41
Santa Cruz deixa de ter o domínio na produgão da iluminura
face ao poder cisterciense e ao dinamisrao da vida artística
desta abadia em inícios dos duzentos. Os contactos com
Alcobaga sâo muito frequentes ,como demonstramos com base num
número considerável de manuscritos destes scriptoria.
442
VI . CONCLUSAO
Da análise feita âs bibliotecas dos dois mosteiros, ficou
provada a existência dos dois scriptoria a funcionarem do ponto
de vista da escrita e da iluminura.
Contudo, alguns aspectos ficam por esclarecer, tais como:
onde funcionavam estes scriptoria , quais os processos de
trabalho, e, por último, guais as relagôes que existiriam entre
os iluminadores, os copistas e os responsáveis pelo
scriptorium. Se apresentamos contribuigoes para as duas
últimas questôes, no entanto ,sô um trabalho interdisciplinar
que parta da análise dos côdices, e eventualmente da
documentagão avulsa poderá trazer novos esclarecimentos .
Ura estudo sistemático de todos os fragraentos de antigos
mosteiros ou igrejas anteriores ao séc. XII, permitirá, talvez,
construir uma ideia mais precisa sobre a génese da iluminura
românica em Portugal. Por ser um trabalho muito moroso,dado
que os fragmentos estão espalhados por várias bibliotecas e
arquivos, e nem sempre sabemos exactamente a sua oriqem, nâo
encetamos essa investigagão .
Se ficam demonstrados aspectos de identidade entre
côdices, o que nos permitiu formular algumas conclusôes sobre
a sua circulagão, no entanto muitas situagôes ficarara por
identificar sobretudo as relacionadas com os percursos dos
iluminadores na Península Ibérica.
Os poucos manuscritos datados e de origem conhecida, não
nos permitiram estabelecer uma rede de genealogias no contexto
peninsular. A carência de estudos sobre a iluminura nos vários
reinos ibéricos dificultou de forma inultrapassável este
ob jectivo.
As principais relagôes estabelecidas inserem-se, pois,
no quadro das filiagôes Além-Pirinéus destas duas casas
monásticas .
4 4 3
Definiram-se sobretudo as relagôes a partir dos
manuscritos, mas há que esperar que um estudo mais detalhado
destes fundos, possa permitir conclusôes precisas sobre os
processos de côpia entre abadias no interior de uma mesma
ordem. A publicagão do Catáloqo de Claraval, que se espera
esteja para breve, possibilitará ,em relagão a Cister, resolver
em parte esta questão.
Mais difícil será relacionar Santa Cruz e S. Rufo, já que
o fundo deste mosteiro se encontra muito disperso e sâo
conhecidos poucos manuscritos do séc. XII e XIII que se Ihe
possam atribuir com sequranga . Um conjunto bastante restrito
encontra-se na biblioteca capitular da catedral de Tortosa, no
entanto o catálogo atribui pouca importância ã iluminura.
Contudo, deixámos clara a circulagáo de modelos do
Sudoeste francês, nomeadamente de Moissac-Limoges para Santa
Cruz nos manuscritos de datagão mais recuada.
Do ponto de vista da relagâo texto imagem, os manuscritos
de Santa Cruz e Alcobaga raostrara tarabém as ligagôes
internacionais que já referimos.
Alcobaga filiada em Claraval , pertence a uma ordem
fortemente centralizadora que deixou bem expressas nos seus
textos as marcas desta dependência, como na quase ausência de
imagens no seu scriptorium. 0 estudo da relagão texto imagem
mostra-nos ainda gue a cada tipo de livro litúrgico corresponde
um tipo específico de empaginagão e organizagão do volume.
É nos livros litúrgicos e bíblicos que surgem as iraagens
de página e as iniciais historiadas mais ricas destes dois
fundos . É neles que se pode melhor observar a hierarquizagão
das iniciais e a sua fungão de clarificagão dos diversos
momentos do texto .
Os livros ligados ã lectio apresentara-se como os mais
austeros. É no fundo alcobacense que a iluminura se reduz ao
essencial, na abertura do texto e nas suas divisôes mais
signif icativas .
Os livros qlosados que constituem um modelo importante e
especialmente rico em Alcobaga, apresentam-se como dos mais
444
originais na empaginagão, em que a iluminura seque a hierarquia
que se estabelece entre o texto e a qlosa.
Esta relagão texto imaqera revelou que não existem normas
para a utilizagão de modelos iconográf icos ou ornamentais para
os mesmos tipos de livros. As imagens são utilizadas
indistintamente,e não são seleccionadas em fungåo do texto
a que pertencera, embora algumas se mantenhara, como a
Crucificagão era saltérios e missais.
0 esclarecimento destas ligagôes está tambéra dependente
de uma análise textual dos fundos gue permita esclarecer a
origem das copias. Neste aspecto, por exemplo, o conhecimento
rigoroso dos calendários litúrgicos, permitirá trazer novas
achegas para a origem, datagáo e circulagão dos côdices.
Se bem que haja numerosos estudos sobre bíblias românicas,
tarabéra do ponto de vista textual não tiveraos acesso a listas
exaustivas de prôlogos e sucessão de livros o que dificulta a
sua análise comparativa.
Devido â ausência de estudos rigorosos sobre a genealogia
destes tipos de livros, vimo-nos limitados apenas a uma análise
iconográfica baseada na comparagão de imagens, sem determinar
com rigor as origens dos manuscritos.
Podemos concluir também que os iluminadores românicos
destes mosteiros optaram de forma inequívoca por um vocabulário
ornamental rico e variado,e sô raramente executaram cenas
f igurativas.
Como na escultura, os artistas do livro trataram de forma
exímia o bestiário, quer quando revestia formas fantásticas,
quer quando era representado como aniraais doraésticos ou em
cenas de caga. Trataram com mestria e criatividade os motivos
ornamentais que utilizaram nas iniciais ornadas, mas muitas
vezes executaram de forma ingénua as imagens historiadas.
As relagôes iconográf icas com a escultura foram por nôs
abordadas pontualmente . Ensaiámos alqumas aproximagôes que se
revelaram estimulantes . Em Alcobaga, os motivos ornamentais da
tumulãria revelaram semcl hangas com a ornamentagão dos
manuscritos. Em Santa Cruz o bestiário e as imagens dos codices
445
mostram modelos com pontos de contacto com os capitéis da Sé
ou da charola dos Templários em Tomar. Um estudo sistemático
desta temática revela-se pois promissor.
Elaboráraos uma evolugão histôrica da ilurainura nos dois
mosteiros, com base nos manuscritos datados, e noutros que
mostraram com eles afinidades, o que nos permitiu revelar os
momentos decisivos da iluminura românica em Portugal. A
existência de outros fundos, não estudados neste trabalho,
especialmente o de Lorvão,
deixa lacunas que devem ser
preenchidas em trabalhos posteriores.
0 fundo de Sta Cruz, apesar de possuir menor número de
côdices, mostrou-se mais rico do que o de Alcobaga para o
estudo da evolugão da ilurainura românica em Portugal . Os
manuscritos datados e com ex-libris do mosteiro, para além de
serem em maior número, cobrem um período mais amplo , onde são
mais visiveis as mudangas artísticas. Foi principalmente com
base neste núcleo que pudemos esbogar a evolugão da iluminura.
A abertura a influências externas de Santa Cruz, não é
comparável em Alcobaga, onde as encomendas fora do mosteiro
eram fortemente liraitadas.
0 estudo da ilurainura destes fundos,
tem permitido
rectificar algumas datagôes que constam nos respectivos
catálogos ou integrar num mesmo volume, partes dispersas de uma
mesma obra .
Ura vasto trabalho fica todavia era aberto. Se antes do
século XI, nada sabemos da iluminura que neste espago se
criava, pela ausência de manuscritos, para o período seguinte,
o Gôtico, não existem ainda estudos sistemáticos gue nos
perraitara estabelecer a evolugão das tendências que
identif icáraos .
A análise das relagôes texto imagem gue percorrem o
trabalho, mostrou que a iluminura românica é indissociável do
côdice, mas que este foi também, veículo de cultura e arte.
Suporte da memôria e forma do homem expressar a sua relacão com
o mundo e aquilo que ele tinha do mais ossencial, o sagrado.
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fl.lv: 282
fl.19: 282
fl.115: 282
- Arouca B: 281,283
- Arouca C: 281
f 1.19:285
- Arouca D:281
fl.68v:340
Auxerre, Biblioteca Municipal
- Ms. 269:190, 358
Barcelona,Arquivo da Coroa de Aragão
-Ms 1:319
Burgos, Biblioteca Provincial
- Ms.846
fl .12v:355
Nota: a) A numeragão que so soguc aos dois pontos correspondeao número da página em que o manuscrito é citado.
481
Cambridge,Museu Fitzwilliam
- Ms.83 1972:130
Chartres, Biblioteca Municipal
- Lat.116: 357
Dijon, Biblioteca Municipal
- Ms 12:85
- Ms 13(nQ .1):85
fl.l50v:85
fl.l3v:356,
- Ms 14 (n9 2)
F1.13V:354.
- Ms.114: 120,204,217,220,270
- Ms.135-.116
- Ms. 141:279
- Ms 159:280
- Ms 168:85,171
- Ms 169:85,171
-
Aîsl70;85,171
- Ms 173: 171
- Ms 243: 272,279
- Ms 641: 270,277,340
- Ms 642:272 ,277
- Ms 643: 270, 277
Douai, Biblioteca Municipal
- Ms 1
f 1 . 7 : 3 4 2
482
Heiligenkreuz
- Ms 226: 183
Leôn, Colegiada de Sant° . Isidoro
- Ms.108: 336
- Biblia Mogarabe
fl.91V:78,163
fl. 165:194
Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Torabo
- Particulares, Mago 1, Doc . 38:88
- Particulares , Mago 2 (n. 39): 131
- Particulares Mago 8 (n1 . 25):441
- Gradual 102:284, 286
- Casa Forte 90: 344
fl.21: 330
- Casa Forte 160
fl. 120:312
Lisboa, Biblioteca Nacional
-Ilum. 102:286
- ĩlum. 115:283
-Ilum.N'' .218: 217
- Alc. 10:262 ,263
- Alc.ll: 131,258,259,407,431
- Alc. 26:332
483
- Alc. 30:262
- Alc. 65:262
- Alc. 138:69,258,407
fl. 1:258
fl .130v:69,
f 1. 179:78,
- Alc. 141:258, 259
- Alc. 146:121 ,
- Alc. 149:127,251, 405, 439, 440
- Alc. 150:92, 169, 395
f 1. 151:95,
- Alc. 151:95, 399
- Alc. 152:395,429
-
Alc.l56;101,
- Alc. 157:78 ,268
- Alc. 158:192, 193,195 fl. 142:192
- Alc. 159:69, 91,
f 1. 164:69
- Alc.162: 104,
- Alc. 165:262,263
fl. 1:264
- Alc. 166:131, 265, 407
fl.7V:265
fl.l2v:266
fl.l24v:266
- Alc. 167:250,251 ,407
fl. 119:250
- Alc. 169:100, 395
- Alc.170: 395,429
- Alc.173: 108,127,405,439
f 1 .32:127
- Alc. 177:399
-Alc. 185: 105
- Alc. 187: 10 5
- Alc . 188: 1 32, 2.62, 263,407
f 1. 59v: 132
484
- Alc. 194:96
- Alc. 208:292
- Alc. 231:105, 341,399,430
fl. 90:339, 358
- Aic.238.-99, 182, 184, 330
fl.202v:182
fl.207v: 182,183
fl. 210:182
f 1.227:182
- Alc. 242:98, 178
fl.lv:178,371
fl .61:179,369
- Alc. 243:395
- Alc. 244: 98
- Alc. 246:97, 398
f 1.18v:366
- Alc. 247:96, 121
- Alc. 248:93
- Alc. 249: 226, 227, 230, 250, 367, 407, 4 37
- Alc.251: 70,226,227,230, 355,407,4 37
Fl .247:70,69,228
- Alc. 2 52: 226, 227, 25 0,367, 407, 4 37
- Alc. 253:228, 250, 267, 407, 437
fl.276v:70
fl .102V.282
fl. 276:70
- Alc. 255:226, 227,250, 407
- Alc. 256:221 , 230, 407, 437
fl. 176:70
- Alc. 257: 2 26, 2 28, 250, 3 67, 4 07, 4 3 7
- Alc. 258 ;226,227, 23 0,2 50, 407, 4 3 2
Fl .205:70
- Alc. 259: 226, 229, 231 ,
11.181: 131,432
- Alc. 260: 208, 2 19, 2 20 ,2.65, 267, 407
f 1.1:267
4 85
fl.7v:267
fl.21v:219
fl.52v:219
fl.67v:219
fl. 75:219
- Alc. 263:100, 121
- Alc. 331:121
- Alc. 332:395, 429
- Alc. 333:91 , 173, 265, 399, 430
fl .6V:174,
f 1.159:70
fl. 159:70
- Alc. 334:91, 106, 265, 395
-
Alc.335;93, 265, 395
- Alc. 336:94, 265, 399 ,400 ,430
- Alc. 337 :94, 121 ,
- Alc. 338:94. ,121 ,
- Alc. 339:101 ,127 ,405,439
f 1. 117: 127,
- Alc. 340:107, 121, 405
- Alc. 341:268, 399
Fl .146v:70
- Alc.,342:399
- Alc.,343:93, 395,
- Alc.,344:93,395
- Alc.,345:93,395
- Alc.,346:93 ,429
- Alc. , 347:399
- Alc.,348:93 ,121
- Alc,.34 9:95,171 ,
- Alc, . 350:94 ,171
,
- Alc..351:95,171,
- Alc, . 353: 307
- Alc . 354:102,194
fl . 3v:194
- Alc .355: 102 ,121 ,194
- Alc. 357:97 ,221 , 230,
- Alc. 358:399, 430
- Alc. 360:91, 119 ,128
fl .55v:128,
fl .113v:128,
Fl .242:70,91,
- Alc. 361:226, 227, 250, 437
- Alc. 363:99,180,395,429
- Alc. 364:99 ,180 ,424
- Alc. 365:95, 108,129,431
fl.l6v:128,
- Alc. 366:153,
- Alc . 367:106, 366, 395
- Alc. 368:153
- Alc. 369:95, 121, 429
- Alc. 372:95,
- AJc.37 3;
Fl. 195:70, 78,
- Alc. 375:96, 107, 121,
- Alc. 380:106, 180,
- Alc. 3 96: 95, 12 5, 138, 140 ,153, 16 5, 408, 43 2
fl. 9:125, 155
f 1.2: 158,
fl.47v:158,
fl.71v:158,
fl.94v:158,
f 1 .188v:159,
f 1 .9:124 ,
- Alc. 3 97: 125, 138, 140, 153, 156, 16 5, 408
fl.l83v: 156,
- Alc. 398:125, 138,153, 157,165,408
f 1.225: 154
- Alc. 3 99: 125, 13 8, 140, 157, 16 5, 3 3 5, 4 08, 4 27
f 1 .71v:365
f 1 .94:155
fl.94v:15 6,158,350
487
f 1.95:155,158,354
fl.95v:338
f 1.96:155
fl.96v:338
f 1.97:155,158
fl. 98:154
fl. 99:154
fl. 101:157, 337
fl.l22v:158,337
fl .138:158
f 1.138v:
- Alc. 400:95, 121 ,
- Alc. 401:102, 195
- Alc. 402:92 ,110
- Alc. 405:395
- Alc. 406:98, 121,
- Alc .408:98 ,116
fl. 1:176 ,177
fl.56v:178
fl.58v:177
fl. 126:177
- Alc. 409:98, 176
fl.58v:177
fl. 126:176
- Alc. 410:106, 404, 437
- Alc. 412:18, 266, 267, 407, 432
fl.l0v:267
fl. 97:126, 267, 333
fl .220:70,78
- Alc. 413:18, 266, 269, 407
f 1. 14:267
Fl. 216:70
- Aĩr.414: 78,266,267,407
Fl.24 5:70,
- Alc. 41 5:107, 270
- Alc.416:97,
488
- Alc. 418: 106, 109, 121, 268, 275, 276, 391, 403, 4 38,440
- Alc. 4 19: 106, 109, 121, 268, 275, 403, 4 40
fl.lv. :124,
- Alc. 420: 106, 109, 121, 268, 275, 278, 44 0
fl. 140:106,109,
fl. 251:132,
- Alc. 4 21: 106, 109, 12 1,268, 275, 27 8, 403
fl. 83:440
- Alc. 422: 106, 109, 121, 270, 268, 275, 4 38
fl. 140:271, 357
fl. 251:438
- Alc. 423:96, 395, 429
- Alc. 424:184, 427
- Alc. 425:121, 184
- Alc. 426: 106, 109 ,121, 184, 186, 3 67, 3 98, 4 27
fl. 251:132, 357
f 1.258v:185,
- Alc. 4 27: 106, 109 140, 151, ,161,164,399,400,430
- Alc. 428: 106, 109, 139, 140 ,151, 162, 3 99
- Alc. 429:18, 138, 140, 162, 268, 430
fl. 2:366
Fl. 198:70
- Alc. 4 30: 138, 14 0,15 1,162, 399, 4 30
- Alc. 431: 138, 140, 151, 162, 399, 430
fl. 66:365
fl. 138:367
- Alc. 432: 162, 266, 268, 269, 401, 402, 43 2
- Alc. 433:162, 266, 268, 401, 402
- Alc. 434:162, 266, 268,401, 402
- Alc. 435:96 ,91
- Alc.440
fl.2v:241,339
- Alc.441 :266,269,432
- Alc. 442:266, 432
f 1 .1 :270
- Alc.443: 266 , 269,432
489
- Alc. 444:266, 269, 432
- Alc. 445:266, 269
- Alc. 446:189, 440
fl. 1:189
f 1. 3:189
fl .96v:357
f 1.204v:189
- Alc.450
fl.3v:369
- Alc.454: 395,397
Londres,Abadia Westminster
-
Royal Ms.2A XXIII
fl. 15:437
Londres, Biblioteca Britânica
- Ms 2 A XXIII:432
fl. 15:432
- Add.Ms. 14788: 323
fl. 6:155
- Add.Ms. 22859:191,
Madrid, Biblioteca Nacional
- Ms 2:3 9,140,415
- Ms 8831:145
- Ms Vitreo 15-1:272, 320
f 1 . 32*1v:272
Madrid, Real Academia de Historia
-Ms.76
fl .73v:189,421
- Côd.3 3
fl. 92:334
Montpellier, Biblioteca da Faculdade de Medicina
-
Hl:269,277, 401
Paris, Biblioteca Mazarina
- Ms.36
f 1.6:155
- Lat. 1:415
- Lat. 2:415
Paris, Biblioteca Nacional
- Lat.7:414
- Lat. 8: 414
- Lat.1141
fl.6v: 316
- Lat. 1877: 61
- Lat. 4792:149
- Lat. 5296 A:424
- Lat.5576
fl. 1:424
- Lat. 7193:210
- Lat. 12048: 213,214,
- Lat. 15177:157,161
- Lat. 7622 A:186
491
- Lat. 16746
fl.7v:337
- Nouv. Acq. 1203: 243 ,
Porto, Biblioteca Pública Municipal
- Sta Cruz 1: 114,125-126,138-139,140-150,152, 165,249, 308,
331, 335, 338, 341, 347, 369-371, 390, 393, 426
Anterrosto: 124
f 1.0v:348
f 1.1:146,153,366,367
fl. 2:126,
f 1.98:147,425
fl.H0v:126,
fl. 110v:143,349
fl. 146:130,
fl. 160:126, 143, 308
f 1.205V: 131,147,152
fl.208V:370
fl. 209:147
fl.209v:426
fl.216v:370
fl. 219:147
fl.226v:146,248
fl .260:144,308
f 1.260v: 126,
fl. 261:369
f 1 .295:147
f 1 .301 :145
f 1 . 306: 126, 14 4,
f 1 .311v:371
f 1 .332:36 8
f 1 .332v:368
f 1.333: 144,359
A 9 2
fl. 334:126, 144, 359
fl. 338:144, 157
f 1.352: 145
fl. 362:337, 366
f 1.362v:336,345,
f 1.363:370
fl.363v:336
fl. 364:336
f 1.364v:336
- Sta Cruz 2: 138,149, 150,394,440
fl.l75v:131,152
fl.l81v:131,152,310
fl.187: 152
fl .193.370
fl.207v:152,419
- Sta Cruz 3:138,150,390,440
fl.3v:152,
- Sta Cruz 4: 69,93, 95,96,146,169,271-172,318, 321, 370, 383-
3 85,3 87,393,413-414,417,
fl. 4:272
fl.l2 3V:272,318
fl.l24V:273
fl. 191:273
fl. 281:168
f 1.321v:272
fl .328:272
f 1.329:272
fl.329V:272,326,
- Sta Cruz 5:271,273,388,428
f 1 .239:274
f 1.117v:274
- Sta Cruz 6:94,96,97,441
- Sta Cruz 8:106,109,185,187,388,423
f 1.200:132,
- St.a Cruz 11:91, 127,173,174,312,389,44 1
f 1 .6v:282
493
fl.l8v:128,311
fl .24v:350
fl. 45:132
f 1 .88v:352
f 1.91v:352
fl .112:332
fl. 117:352
- Sta Cruz 12: 94,
- Sta Cruz 13:68,170,174,441
fl. 1:170,
fl. 158:133,
- Sta Cruz 14:91
- Sta Cruz 17:187,383,420
fl. 1:188,
f 1. 3:124
fl.30v:188
fl.31v:188
f 1.32:189,
f 1 .91v:187
fl.92v:188,420
fl. 93:188
fl. 129:188
- Sta Cruz 18:68 ,107 ,190 ,197 ,392 ,A
fl.3V:190
- Sta Cruz 20: 109 ,227 ,275 ,370 ,390 ,
f 1.46v:275
fl.49v:128,
f 1 .78:371
fl.l01v:133,
fl.l23v:370
f 1 .139:126,276
f 1 . 156v: 370
f 1 . 173V. 369
- Sta Cruz 21: 109,275, 370,390,4 35
f 1 .83: 370, 4 36
f 1.108:131
4 94
- Sta Cruz 25:255,257,392,427
- Sta Cruz 26:255,257,392,427
- Sta Cruz 27: 68,102,255,257,313,320,390,426
fl. 1:255
fl.XV:224,255,259,313,
fl. 1:256
f 1. 101:131
fl.218v:68
- Sta Cruz 30: 68,96,1077,124,197,383, 384,385,413
fl.l36v:168
- Sta Cruz 31:419
- Sta Cruz 32: 101
- Sta Cruz 33: 97
- Sta Cruz 34:99,108,181,330,331,428
fl.34v:330
f 1.89:182,372
fl.91v:182
fl. 93:181
fl.94v:181,423
fl. 98:372
fl.l09v:372
fl.H0v:181
fl.H7v:108
- Sta Cruz 35:178
fl. 1:178,
fl.58v:178,
- Sta Cruz 40: 101,107,224,313,319,388,427,428
f 1. 30:224, 317
f 1.31:224
- Sta Cruz 43:67,99,179,180,384,386,423
fl .29:128
f 1.141:179
fl.235V:67
- Sta Cruz 47: 94,
- Sta Cruz 48:99
- Sta Cruz 51:93,169,383,413,417
495
fl. 1:168,
fl.lv:168,
- Sta Cruz 54:93,94, 104,105,
- Sta Cruz 55:208,215,218,224,415
f 1 . 1 5 : 2 1 6
fl. 16:217
fl.44v:216
fl.75v:216
f 1.118:216
- Sta Cruz 58: 93,96,98,169,384,385,413
fl.l:93
fl .51v:126
f 1. 53:126
fl. 69:93, 126
fl.71v:127
fl. 72:93
f 1.81:93,169,
fl. 122:93, 169
fl.l33V:169,
- Sta Cruz 59:103 ,
- Sta Cruz 62:224,225,261,313
fl. 1:261
fl. 72:262
fl. 177:225
fl.l77v:317
fl. 178:225
- Sta Cruz 66:248,251
fl. 1:248
f 1 . 180:24 9
- Sta Cruz 69:98,170,177
fl.51v:127,177,3 59
fl. 53:127, 175
fl.69: 127
f 1 .71V: 128
- Sta Crux 70:318
f 1 .70V: 131
4 96
fl. 123:320
Sta Cruz 72:245,251,252,427,441
fl. 1:441
fl.2v:246
fl.3v:441
fl. 6:126, 246, 348
fl. 7:126, 246, 338
fl.39v:247
f 1.79v:246
fl. 82:246, 247
fl.82v:248
Sta Cruz 73:95,
Sta Cruz 74:104,
fl.70v:130,
Sta Cruz 76:244,323
f 1 .1:244,384
f 1.26v:245
fl. 66:245
fl. 75:128
fl.88v:245
fl.l05v:245,321
fl. 173:245
fl. 175:245
fl. 177:245
fl. 210:245
Sta Cruz 77:103,419
Sta Cruz 81: 67,105,
Sta Cruz 83: 10 3,
Sta Cruz 89: 103,
Sta Cruz 91:150,249
f 1.62:249
fl .71:126,249,351
B.P.M.P.N:.74: 419
B.P.M.P.N'- .861: 245,248,338, 427
11.1:248
497
fl.28v:126,248
Reales Sítios, Mosteiro de Las Huelgas
- Antifonário
Roma,Biblioteca Vaticana
-
Reg.Lat.316: 210
Tarragona, Biblioteca Provincial
- Ms. 59:232
fl. 103:233
- Ms. 70:232
f 1 . 8 2 : 2 3 3
Tortosa, Biblioteca Capitular
- Ms 11: 216,415
fl.16: 218,
fl.l6v:218
fl. 17:218,
- Ms 51:415
- Ms 123:415
- Ms 233:415
Tournai, Biblioteca do Seminário
- Ms. 1
f 1 .6: 342
- Ms. 89/54
f 1.45:330
4 98
Troyes, Biblioteca Municipal
- Ms 4: 396,401,430
- Ms 27: 279
- Ms 35:396,401,430
- Ms 36: 269, 432
- Ms 40: 396, 340
Tomo IV e V:171
- Ms. 43:111
- Ms 76: 171,396,430
- Ms 107:396,425
- Ms 134: 396,401,430
- Ms 177:183,184,396,430
f 1. 135:182,
- Ms 180:396,425
- Ms 292: 171
- Ms 292:392,420,
- Ms 423:396,430
- Ms..458 Tomo 1:1
fl. 6: 344
fl. 232: 311
- Ms,.511:194,
- Ms .512:193
- Ms 566:396,430
- Ms .1023bis:193
- MS .2391:159,161
fl.l88v:159
Trento, Museu
- CÔd.2546
fl. 13:357
Madrid, Real Academia de Histôria
-Ms.76
fl .73v:189,421
- Côd.3 3
fl. 92:334
Montpellier, Biblioteca da Faculdade de Medicina
-
Hl:269,277, 401
Paris, Biblioteca Mazarina
- Ms.36
fl .6:155
- Lat. 1:415
- Lat. 2:415
Paris, Biblioteca Nacional
- Lat. 7:414
- Lat. 8: 414
- Lat.1141
fl.6v: 316
- Lat. 1877: 61
- Lat. 4792:149
- Lat. 5296 A:424
- Lat.5576
f 1 . 1 : 4 2 4
- Lat. 7193: 210
- Lat. 1204 8: 213,214,
Lat. 16177:157,161
- Lat . 7f>2 2 A: 186
491
- Lat. 16746
fl.7v:337
- Nouv. Acq. 1203:243,
Porto, Biblioteca Pública Municipal
- Sta Cruz 1: 114,125-126,138-139,140-150,152, 165,249, 308,
331, 335, 338, 341, 347, 369-371, 390, 393, 426
Anterrosto: 124
fl.0v:348
fl. 1:146, 153, 366, 367
fl. 2:126,
fl.98: 147,425
f 1 .110v:126,
fl. 110v:143,349
fl. 146:130,
fl. 160:126, 143, 308
fl.205v:131,147,152
f 1 .208V:370
fl. 209:147
fl.209v:426
fl.216v:370
fl. 219:147
f 1.226v:146,248
fl. 260:144, 308
fl .260v:126,
fl .261:369
fl. 295:147
f 1 .301 : 145
fl. 306:126, 144,
f 1 .311v:371
f 1.3 32:368
f 1 . 3 3 2v: 363
f 1 . 3 3 3 : 1 4 4,3 5 9
400
fl. 334:126, 144, 359
fl. 338:144, 157
fl. 352:145
fl. 362:337, 366
fl.362v:336,345,
fl. 363:370
fl.363v:336
fl. 364:336
f 1. 364v:336
- Sta Cruz 2: 138,149, 150,394,440
f 1.175v:131,152
fl.l81v:131,152,310
fl.187: 152
fl. 193. 370
fl.207v:152,419
- Sta Cruz 3:138,150,390,440
fl.3v:152,
- Sta Cruz 4: 69,93, 95,96,146,169,271-172,318, 321, 370, 383-
3 85,387,393,413-414,417,
fl. 4:272
fl.l23V:272,318
fl.l24V:273
fl. 191:273
fl. 281:168
fl.321v:272
fl. 328:272
f 1.329:272
fl.329V:272,326,
- Sta Cruz 5:271,273,388,428
f 1. 239:274
fl.H7v:274
- Sta Cruz 6:94,96,97,441
- Sta Cruz 8:106,109,185,187,388,423
f 1. 200:132,
- Sta Cruz 11:91, 127,173,174,312,339,441
fl.6v:282
493
fl.l8v:128,311
fl.24v:350
fl. 45:132
fl .88v:352
fl.91v:352
fl. 112:332
fl. 117:352
- Sta Cruz 12: 94,
- Sta Cruz 13:68,170,174,441
fl. 1:170,
f 1.158:133,
- Sta Cruz 14:91
- Sta Cruz 17:187,383,420
fl. 1:188,
f 1.3:124
fl.30v:188
fl.31v:188
fl. 32:189,
fl.91v:187
f 1 .92v:188,420
f 1.93:188
fl. 129:188
- Sta Cruz 18:68,107,190,197,392,441
fl.3V:190
- Sta Cruz 20:109,227,275,370,390,394,435
f 1.46v:275
fl.49v:128,
f 1.78:371
fl.l01v:133,
fl.l23v:370
fl .139:126,276
f 1 . 156v:370
fl.173V.369
- Sta Cruz 21:109,275,370,390,4 35
f 1 .33:370,436
f 1.108:131
494
- Sta Cruz 25:255,257,392,427
- Sta Cruz 26:255,257,392,427
- Sta Cruz 27: 68,102,255,257,313,320,390,426
f 1.1:255
f l.XV:224,255,259,313,
f 1. 1:256
f 1.101:131
fl .218v:68
- Sta Cruz 30: 68,96,1077,124,197,383, 384,385,413
fl.l36v:168
- Sta Cruz 31:419
- Sta Cruz 32: 101
- Sta Cruz 33: 97
- Sta Cruz 34:99,108,181,330,331,428
fl.34v:330
f 1.89:182,372
fl.91v:182
fl. 93:181
fl.94v:181,423
fl. 98:372
fl.l09v:372
fl.H0v:181
fl.H7v:108
- Sta Cruz 35:118
fl. 1:178,
fl.58v:178,
- Sta Cruz 40: 101,107,224,313,319,388,427,428
fl. 30:224, 317
f 1.31:224
- Sta Cruz 43:67,99,179,180,384,386,423
fl .29:128
f 1.141:179
f 1 .235V:67
- Sta Cruz 47: 94,
- Sta Cruz 48:99
- Sta Cruz 51:93,169,383,413,417
495
fl. 1:168,
fl.lv:168,
- Sta Cruz 54:93,94, 104,105,
- Sta Cruz 55:208,215,218,224,415
fl. 15:216
f 1. 16:217
fl.44v:216
fl.75v:216
fl. 118:216
- Sta Cruz 58: 93,96,98,169,384,385,413
fl.l:93
fl .51v:126
fl. 53:126
f 1 .69:93,126
f 1 .71v:127
fl. 72:93
f 1. 81:93, 169,
f 1.122:93,169
f 1.133V:169,
- Sta Cruz 59:103,
- Sta Cruz 62:224,225,261,313
fl. 1:261
f 1. 72:262
fl .177:225
f 1. 177v: 317
f 1.178:225
- Sta Cruz 66:248,251
f 1 .1:248
f 1.180:249
- Sta Cruz 69:98,170,177
f 1 .51v: 127, 177, 359
f 1.53:127,175
11 .69:127
f 1 .71V: 128
- Sta Cruz 70:318
f 1 .70V:131
4 9 6
fl. 123:320
Sta Cruz 72:245,251,252,427,441
fl. 1:441
fl.2v:246
fl.3v:441
f 1 .6:126,246,348
fl. 7:126, 246, 338
fl.39v:247
fl.79v:246
fl. 82:246, 247
fl.82v:248
Sta Cruz 73:95,
Sta Cruz 74:104,
fl.70v:130,
Sta Cruz 76:244,323
fl. 1:244, 384
f 1.26v:245
fl. 66:245
fl. 75:128
fl.88v:245
fl.l05v:245,321
fl. 173:245
fl. 175:245
fl. 177:245
fl. 210:245
Sta Cruz 77:103,419
Sta Cruz 81: 67,105,
Sta Cruz 83: 103,
Sta Cruz 89: 103,
Sta Cruz 91:150,249
f 1.62:249
fl.71 :126,249,351
B.P.M.P.N .74: 419
B.P.M.P.N'.861: 245,248,338, 427
f 1.1:248
497
f 1.28v:126,248
Reales Sítios, Mosteiro de Las Huelgas
- Antifonário
Roma,Biblioteca Vaticana
-
Reg.Lat.316: 210
Tarragona, Biblioteca Provincial
- Ms. 59:232
fl. 103:233
- Ms. 70:232
fl. 82:233
Tortosa, Biblioteca Capitular
- Ms 11: 216,415
fl.16: 213,
fl.l6v:218
fl. 17:218,
- Ms 51:415
- Ms 123:415
- Ms 233:415
Tournai ,Biblioteca do Serainário
- Ms.l
f 1 . 6 : 3 4 2
- Ms. 89/54
fl. 45:330
4 98
Troyes, Biblioteca Municipal
- Ms 4: 396,401,430
- Ms 27: 279
- Ms 35:396,401,430
- Ms 36: 269, 432
- Ms 40: 396,340
Tomo IV e V:171
- Ms. 43:111
- Ms 76: 171,396,430
- Ms 107:396,425
- Ms 134: 396,401,430
- Ms 177:183,184,396,430
fl. 135:182,
- Ms 292: 171
- Ms 292:392,420,
- Ms 423:396,430
- Ms..458 Tomo 1:1
fl. 6: 344
fl. 232: 311
- Ms .511:194,
- Ms .512:193
- Ms 566: 396,430
- Ms . 1023bis:193
- Ms .2391:159,161
fl .188v:159
Trento, Museu
- Côd.2 546
f 1.13:357