A Molécula da Moralidade - As Surpreendentes Descobertas Sobre a Substância nodrm

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Do original: The Moral Molecule Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por Penguin Group Copyright © 2012, Paul J. Zak

© 2012, Elsevier Editora Ltda.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Copidesque: Shirley Lima da Silva Braz Revisão: Edna Cavalcanti e Roberta Borges Editoração Eletrônica: Estúdio Castellani

Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111 – 16o andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Rua Quintana, 753 – 8o andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP – Brasil Serviço de Atendimento ao Cliente 0800-0265340 [email protected]

ISBN 978-85-352-1446-8 Edição original: ISBN: 978-0-525-95281-7

Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.

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CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Z25m Zak, Paul J. A molécula da moralidade [recurso eletrônico] : as supreendentes descobertas sobre a substância que desperta o melhor em nós / Paul Zak ; tradutor Soeli Araujo. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2012. recurso digital

Tradução de: The moral molecule : the source of love and prosperity Formato: PDF Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-352-1446-8 (recurso eletrônico)

1. Psicologia social. 2. Comportamento humano. 3. Livros eletrônicos. I. Título.

12-2529. CDD: 302.14 CDU: 316.472.4

Para minhas filhas Alexandra e Elke, que, com seu amor, me tornaram uma pessoa melhor e mais feliz.

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Agradecimentos

Incontáveis pessoas muito generosas tornaram possíveis a elaboração deste livro e a pesquisa que o fundamenta. Entre elas, em primeiro lugar está minha esposa, Lori, que passou muitos dias sem minha presença enquanto eu viajava pelo mundo realizando pesquisas. Ela sempre me incentivou a continuar minha missão, mesmo que significasse momentos difíceis para ela. Minhas filhas, Alex e Elke, ficaram bastante impacien-tes para que eu chegasse logo em casa, mas persistiram e estavam sempre me esperando na porta para me abraçar quando eu chegava. Meus pais, Donald e Dorothy Zak, me deram o dom da curiosidade que tornou pos-sível minha jornada e me deram o amor para sobreviver às dificuldades que enfrentei.

O incomparável William Patrick foi meu parceiro na escrita, críti-co, motivador e agora amigo. Este livro não seria um décimo do que é sem ele. Absolutamente imprescindíveis para este desafio foram mi-nha brilhante agente, Linda Loewenthal, e minha incrível advogada, Jeff Silberman, que nos colocaram, a mim e Bill, em contato e forneceram

sábios conselhos o tempo inteiro para que o processo fosse adiante. Meu editor na Dutton, Stephen Morrow, me deu a liberdade e o incentivo para escrever uma história científica improvável sobre um novo aspecto da natureza humana e foi um entusiasta deste livro desde a primeira reu-nião. A confiança de Stephen e do presidente da Dutton, Brian Tart, em mim e neste projeto nunca foi abalada. Eles foram fabulosos em todos os momentos, da elaboração à publicação do livro.

Muitas pessoas e instituições generosas financiaram minha pesquisa, como Dr. Jack Templeton, Dr. Barnaby Marsh, Dr. Kimon Sargeant, Dr. Paul Wason e Chris Stawski, da John Templeton Foundation; Dra. Margaret Gruter e Monika Gruter Cheney, do Gruter Institute for Law and Behavioral Research; Gordon Getty, do Ann and Gordon Getty Foundation; Victoria Seaver Dean, do Seaver Institute; Dr. Lis Nielsen do National Institute on Aging; Gerry Ohrstrom, Skip Stein, e os cinco diretores da Claremont Graduate University, que possibilitaram meu trabalho diretamente, Dr. Steadman Upham, William Everhart, Dr. Robert Klitgaard, Dr. Joseph Hough Jr. e Dra. Deborah Freund.

Meus intrépidos colaboradores foram os que mais se arriscaram traba-lhando comigo e fizeram a maior parte da pesquisa: Dr. Robert Kurzban, Dr. William Matzner, Dr. Stephen Knack, Dr. Jorge Barraza, Dra. Karla Morgan, Dr. Jang-Woo Park, Dra. Moana Vercoe, Dra. Vera Morhenn, Laura Beavin, Dr. Ahlam Fakhar, Beth Terris, Veronika Alexander, Dra. Sheila Ahmadi, Dr. Ronald Swerdloff, Dr. Walter Johnson, Dr. Cameron Johnson, Dr. Markus Heinrichs, Dr. Michael Kosfeld, Dr. Ernst Fehr, Dr. Urs Fischbacher, Dr. Bill Casebeer, Dr. Jeff Schloss, Dr. Michael McCullough e Dra. Elizabeth Hoge.

Conselheiros valiosos me orientaram e com frequência participaram de minhas pesquisas incomuns, como Dr. Yannis Venieris, o falecido Dr. Jack Hirshleifer, Dr. C. Sue Carter, Dr. Cort Pedersen, Dr. David Levi-ne, Estela Hopenhayn, Dr. Herb Gintis, Edward Tama, Linda Geddes, Nic Fleming, Dra. Helen Fisher, Dr. Michael McGuire, Dr. Lionel Ti-Helen Fisher, Dr. Michael McGuire, Dr. Lionel Ti-ger, Mary Jaras, Andrew Mayne, Tenente-Coronel William Fitch, Pro-fessor Adam Penenberg, Dr. Michael Shermer, Dr. Matt Ridley, Kenshi

Fukuhara, Itay Heled, Karl Jason, Stephanie Castagnier e Professor Oli-ver Goodenough. Eles nunca disseram “impossível” e, por meio de sua nobre sabedoria, aprimoraram tudo o que pensei em fazer.

Finalmente, há muitos amigos queridos e colegas que sofreram por quatro anos, lendo e ouvindo incessantemente as histórias deste livro e que generosamente me presentearam com seu tempo, energia e experti-se. Eles aprimoraram as ideias e tornaram meus pensamentos substan-cialmente mais afiados. Uma pequena lista inclui Dr. Cameron John-son, Dr. Vance Johnson, Joana Johnson, Dr. Walter Johnson, Dr. Sana Quijada, Dr. Earl Quijada, Paul Wheeler, Justice Thomas Hollenhorst, Tim Brayton, Luzma Brayton, Dr. Thomas Borcherding, Dr. Thomas Willett, Dr. Arthur Denzau, Dr. Joshua Tasoff, Dr. Cyril Morong, Dr. Jeff Schloss, Dr. Paul Ingmundson, Dr. Michael Uhlmann, Dr. Jean Schroedel, Dr. Jacek Kugler, Dr. Gerald Winslow, Dr. Brian Bull, Dra. Carla Gober, Bruno Giussani e Chris Anderson.

Todos os listados aqui e muitos outros compartilharam comigo seu amor. Sou incomensuravelmente grato.

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I n t r o d u ç ã o

Casamento vampiresco

E ra um belo dia para um casamento, o sol inglês espiando por detrás das nuvens inglesas enquanto os convidados se reuniam, com seus melhores trajes. A cerimônia, em Huntsham Court, mansão vito-

riana em Devon, deveria começar em 10 minutos. Eu deveria ter chegado uma hora atrás.

Estacionei o Vauxhall alugado no pátio de cascalhos, deixei o motor ligado, saltei do carro vestindo um jaleco, para o reconhecimento ime-diato do território inimigo e, em seguida, convoquei um dos convidados para me ajudar a carregar a centrífuga de 70 quilos e os 30 quilos de gelo-seco que trouxera no carro. Numa segunda viagem, levei as seringas, 156 tubos de ensaio previamente etiquetados, torniquetes, lenços umedecidos com álcool e band-aids vindos da Califórnia.

O plano elaborado com Linda Geddes, a noiva, era colher duas amostras de sangue – uma antes e uma depois dos votos – de alguns amigos e parentes presentes. Durante a festa que se seguiu à cerimônia, apenas o pai de Linda se opôs. A mãe do noivo estava doente, portanto não a levamos em conta.

Coletar sangue em casamentos não é uma tradição nessa região da Inglaterra ou em qualquer outra que eu conheça. Nesse caso, a noiva era redatora da New Scientist e vinha acompanhando minha pesquisa. Linda também era conhecida por suas histórias bizarras. Um dia, subitamente, ela me convidou para atravessar o Atlântico para vê-la casar. Não porque fôssemos grandes amigos, mas porque ela queria que eu fizesse uma ex-periência que comprovasse uma teoria. Apenas por diversão, ela queria ver se a exaltação emocional de seu casamento alteraria o nível de oxitoci-na dos convidados, o mensageiro químico que eu vinha estudando havia alguns anos. (Atenção: não confundir com o analgésico OxyContin, do qual, em geral, as pessoas abusam.)

A oxitocina é basicamente conhecida como um hormônio reprodutivo feminino e, em geral, é associada mais ao que costumava acontecer nove meses após o casamento do que aos votos matrimoniais e champanhe. Esse hormônio controla as contrações durante o trabalho de parto, si-tuação em que as mulheres deparam com a oxitocina sintética, a ver-são disponível comercialmente que os médicos injetam nas grávidas para induzir o parto. A oxitocina também é responsável pela serenidade e a concentração de que as mães desfrutam ao amamentar. E então voltamos para o fato de que a oxitocina também se presta bem a casamentos – as-sim esperamos –, já que ajuda a criar o calor interno que tanto os homens quanto as mulheres sentem durante o sexo, uma massagem ou mesmo um abraço.

Linda não me procurou por causa de qualquer novidade que eu pudes-se ter sobre a oxitocina como hormônio do nascimento ou do aconchego, mas por conta da função completamente nova que eu descobrira para a substância. Minha pesquisa demonstrara que esse mensageiro químico é, na verdade, a base do comportamento moral, tanto em relação ao cérebro quanto ao sangue. Não só nas relações íntimas, mas em acordos de negó-cios, na política e na sociedade em geral. Uma teoria, reconheço, com a qual é preciso se acostumar.

Estou realmente afirmando que uma única molécula – a propósito, uma substância química que cientistas como eu podem manipular em

laboratório – explica por que algumas pessoas são tão extrovertidas e ou-tras, tão frias e distantes? Por que há pessoas capazes de enganar e roubar e outras às quais você pode confiar a própria vida? Por que alguns mari-dos são mais fiéis que outros e por que – por sinal – as mulheres tendem a ser mais generosas que os homens?

Em uma palavra, sim.No início de 2001, conduzimos, alguns colegas e eu, uma série de

experiências que mostravam que as pessoas reagem de forma mais gene-rosa e carinhosa, mesmo em relação a estranhos, quando têm o nível de oxitocina elevado.

Como referência para a medição do comportamento, consideramos a disposição das pessoas que se submeteram ao experimento a repartir dinheiro em tempo real. Para medir a elevação do nível da oxitocina, colhemos e analisamos o sangue dos participantes.

Como sabemos, o dinheiro pode ser convenientemente mensurado em unidades – moedas de 5 e 10 centavos, notas de $10 e $20 –, o que significa que pudemos quantificar o grau de generosidade pela quantia que alguém se dispunha a dividir. Pudemos, então, correlacionar os valo-res com o aumento do hormônio verificado no sangue. Mais tarde, para nos certificarmos de que não se tratava apenas de mera associação, mas de uma reação verdadeira de causa e efeito, infundimos oxitocina sintética nas vias nasais dos participantes da experiência – a melhor forma de le vá-la diretamente ao cérebro. Quanto à causa e ao efeito, descobrimos que poderíamos abrir e fechar a resposta comportamental, como se fosse uma mangueira de jardim.

Mas nosso trabalho demonstrou, antes de mais nada, que você não precisa infundir uma substância química no nariz de alguém nem fazer sexo ou mesmo abraçar alguém para elevar o nível de oxitocina que gerará uma postura mais generosa. Por sorte, tudo o que precisamos fazer para deflagrar essa molécula da moralidade é demonstrar confiança. Quando demonstramos confiar em alguém, a oxitocina dessa pessoa aumenta, re-duzindo a possibilidade de ela se retrair ou de trair sua confiança. Em ou-tras palavras, a sensação de ser confiável torna as pessoas mais confiáveis

de fato, o que, com o tempo, faz outras pessoas confiarem mais, o que, por sua vez...

Se você identificou aqui uma estrutura de círculo vicioso, que se re-troalimenta e que, em última instância, gera uma sociedade virtuosa, está começando a entender do que se trata. Esse é o aspecto mais estimulante da pesquisa.

Obviamente, há muitas outras questões a se considerar, pois nenhuma substância química no corpo age sozinha; outros fatores na experiência de vida da pessoa também contam. Mas como veremos nos próximos capítulos, a oxitocina reúne o tipo de comportamento generoso e cari-nhoso que toda cultura, em qualquer lugar do mundo, endossa. É a forma correta de se viver, o estilo de vida colaborativo, propício e pró-social que todas as culturas do mundo chamam de “moralidade”.

Não significa que a oxitocina sempre nos torne generosos e confiáveis. No mundo bruto e caótico em que vivemos, ser aberto, solícito e generoso o tempo inteiro seria como andar com uma placa pendurada no pescoço chamando-o de idiota. Não se trata disso. A molécula da moralidade funcio-na como um giroscópio e nos ajuda a manter em equilíbrio a postura de lidar com a confiança, a cautela e a desconfiança. Portanto, a oxitocina nos ajuda a transitar pelos relevantes benefícios sociais da comunicabilidade e pela sensa-ta cautela de que precisamos para evitar que sejamos passados para trás.

O que intrigava Linda, a noiva, era a capacidade de a oxitocina reco-nhecer e responder à natureza precisa da interação e do vínculo humanos; tanto que ela que me convidou para o casamento. Ela queria testemunhar todas as promessas de ser fiel, amável e dedicado se concretizando não apenas no comportamento dos convidados, mas em seu sangue.

Huntsham Court fica a cerca de quatro horas de distância, a oeste de Londres, escondida entre vilarejos com nomes pitorescos, como Lower Washfield, Stoodleigh e Clayhanger. Havia uma igreja anglo-saxônia no entorno – a ponto de desabar, diga-se de passagem –, mas a cerimônia oficial aconteceria na mansão, um pavilhão de caça antigo, impregnado com cheiro de madeira queimada e painéis de carvalho que enquadravam cabeças de animais mortos havia muito tempo.

Depois de minhas idas e vindas corridas, como o clichê do cientista maluco, acomodei-me num espaço fora do salão central, reservado para meu laboratório portátil – a centrífuga emprestada pela University of Exeter e o gelo-seco de Londres. Para que Helen, uma enfermeira amiga da noiva, que concordara em coletar os sangues, encontrasse o cômodo onde eu estava, alguém pendurou na porta uma placa improvisada onde se lia “laboratório”.

Estava satisfeito em ter uma assistente local e formalmente qualifi-cada, mas quando Helen apareceu, usava salto alto e um vestido de seda bege em vez de uma vestimenta cirúrgica adequada ou um jaleco, como eu havia imaginado. “Não há possibilidade de erros aqui”, pensei.

Verificamos o protocolo para o experimento e me certifiquei de que todo o equipamento estava pronto e funcionando. Então, com minha elegante colega a reboque, parti em busca da primeira vítima.

Para minha sorte, Linda estava atrasada. Encontrei-a na suíte da noi-va, no andar de cima da mansão, sendo arrumada e mimada pela mãe e pelas madrinhas, três jovens com vestidos vermelho-brilhante, adequa-dos para um casamento “vampiresco”.

Na verdade, Linda e eu nunca tínhamos nos visto pessoalmente, mas nessa ocasião especial ela me cumprimentou com abraços e beijos mesmo assim.

“Você está pronta?”, perguntei.Ela esboçou um sorriso nervoso enquanto a amiga enfermeira dava

início aos trabalhos, amarrando o torniquete e passando o algodão com álcool no braço da noiva.

“Não gosto muito de agulhas”, respondeu.“Você me diz isso agora?”, perguntei, tateando o bolso do jaleco em

busca dos sais aromáticos que tinha levado por precaução, para o caso de um desmaio inesperado.

Apesar de tudo, nem a noiva nem os convidados, tampouco aque-les que de fato desmaiaram (para ser honesto, adoro ver sangue) ou a dedicação de Linda em busca de boas histórias, nada disso estragou seu grande dia.

Pelo que percebi, os amigos e a família acabaram se divertindo com toda essa história de coleta de sangue.

Depois dos votos e da assinatura da certidão de casamento dentro da mansão, foram todos para fora da casa para o Handfasting,* uma tradição celta segundo a qual os votos são feitos entre o casal debaixo de uma ár-vore adornada com grinaldas (como se faz na Inglaterra) e fitas coloridas, supervisionada, nesse caso, por um jornalista hindu que, eu supus, estava representando todas as religiões.

Em seguida, a festa continuou na mansão e voltamos a coletar sangue – 24 amostras em menos de 10 minutos. Tarefa cumprida. Linda e Nic, o noivo boa-praça, poderiam seguir em frente com a champanhe, o jantar e a dança no gramado ao som da banda. Já estigmatizado como o cien-tista nerd, voltei para a mansão para colocar os tubos com as amostras na centrífuga, separando o soro do plasma das hemácias e congelando as substâncias do sangue de que precisava para analisar alterações no nível de oxitocina. Então, com os tubos de ensaio mergulhados no gelo-seco, saí de fininho e iniciei a longa jornada de volta a Londres e, de lá, para a jornada ainda mais longa até meu laboratório na Claremont Graduate University, ao sul da Califórnia. Levou duas semanas (e cerca de $500) para as amostras chegarem por FedEx, e mais $2 mil para a análise do sangue. Enfim, os resultados mostraram exatamente o que esperávamos: um simples registro da habilidade de a oxitocina ler e refletir as nuan-ces de uma situação social e, por conseguinte, tornar-se o monitor e o regulador-chave do comportamento moral.

Todo mundo sabe que cerimônias de casamento são carregadas de emoção. Por isso as pessoas choram. Por isso os garanhões do filme Pe-netras bons de bico iam a tantos – para pegar as garotas já meio bêbadas e prontas para ceder à primeira investida. Mas as amostras de sangue cole-tado em Huntsham Court nos mostraram algo muito mais interessante.

* Nota da Tradutora: Handfasting é um rito pagão de origem celta-eslava. Até o século XVII, “handfast” significava contratos de casamento reconhecidos legalmente. No Handfasting, não há restrições ao fato de pessoas do mesmo sexo se casarem. Esse ritual pode ser seguido em outras cerimônias religiosas, não necessariamente de origem pagã.

As alterações nos níveis individuais de oxitocina no casamento de Linda poderiam ser mapeadas como o sistema solar, com a noiva como se fosse o Sol. A diferença entre a primeira e a segunda coleta, de apenas uma hora, mostrava que o nível do hormônio na própria noiva aumentara 28%. E para cada pessoa que participou da experiência, o aumento de oxitocina foi diretamente proporcional ao estado e à ligação emocional da pessoa com o evento. A mãe da noiva: 24% de aumento. O pai do noivo: 19%. O próprio noivo: 13% e assim sucessivamente, com irmãos, amigos e convidados mais afastados emocionalmente da cerimônia.

Você poderia questionar por que o nível do hormônio do pai do noi-vo era maior que o do próprio noivo. Falaremos sobre essas questões em mais detalhes ao longo do livro, mas a testosterona é um dos vários hormônios que podem interferir na liberação de oxitocina. Se parar para pensar, verá que não é nada surpreendente o fato de eu ter encontrado variação de 100% de testosterona na amostra do noivo.

Nossa pequena experiência no casamento demonstrou, no fim das contas, o tipo de sensibilidade graduada e condicionada que permite a oxitocina nos conduzir pela confiança e cautela, generosidade e autopro-teção, não somente em resposta à natureza oficial dos relacionamentos – a mãe, o genro, o colega da escola temido por todos, um completo estranho –, mas em resposta às circunstâncias sociais do momento. Devo me sentir seguro e acolhido por essas pessoas ou preciso estar alerta? É uma situação na qual a oxitocina pode estabelecer os parâmetros ou tra-ta-se de uma troca em que a sobrevivência será garantida pela elevação de um hormônio relacionado ao estresse, que me deixará alerta? Ou talvez seja uma situação em que o melhor desfecho acontecerá quando a oxito-cina dominar parte das pessoas e uma boa dose de testosterona dominar a outra parte?

É a sensibilidade da oxitocina na interação com outros mensageiros químicos que ajuda a explicar por que o comportamento humano é tão infinitamente complexo – e por que é tão difícil manter por mais tempo a felicidade que sentimos em uma festa de casamento. (Existe uma piada antiga sobre um finlandês que não conseguia entender por que a esposa

estava tão infeliz. “Eu disse que a amava quando a pedi em casamento”, ele disse. “Não vejo por que tenho de ficar repetindo isso.”)

Mas aqui está a maior compensação resultante de uma experiência muito maior, realizada em meu laboratório por um corpo maior de pes-quisadores: depois de séculos de especulação em relação à natureza hu-mana, ao comportamento humano e a como decidimos o que é certo, temos novidades que podemos usar – a prova empírica contundente que esclarece o mecanismo do centro do sistema de orientação moral. Como qualquer engenheiro poderia afirmar, a compreensão do mecanismo bá-sico é o primeiro passo rumo ao aprimoramento do resultado de um sis-tema. Quando o resultado é o comportamento moral, não se trata de uma questão trivial.

Há poucos anos, novos insights sobre os motivos que levam as pessoas a se comportarem de um ou de outro jeito inundaram campos de estudo como economia comportamental, neurociência social, neuroteologia, es-tudos evolutivos sobre altruísmo e cooperação, inclusive pesquisas sobre a felicidade. Esses dados sugerem que, como espécie, somos muito menos egocentrados – e, em geral, muito mais gentis e colaborativos – do que se supunha.

Mas, até agora, esse avançado insight científico sobre a natureza hu-mana – considerando tanto o lado positivo quanto o negativo – ainda levanta a questão: Dado que os seres humanos podem ser tanto racionais quanto emocionais, impiedosamente corrompíveis e extremamente ge-nerosos, vergonhosamente egocentrados e completamente altruístas, o que determina quais desses aspectos da natureza humana se sobressairão em determinadas situações? Quando confiamos e quando desconfiamos? Quando somos solícitos e quando nos retraímos? A resposta está na libe-ração da oxitocina.

O nível de oxitocina se eleva quando recebemos uma demonstração de confiança e/ou quando algo nos deflagra compaixão e afinidade, a que chamamos hoje de empatia. (Falaremos mais sobre isso no Capítulo 4.) Quando a oxitocina se eleva, ficamos mais gentis, generosos, colaborativos e carinhosos. Mas quando os cientistas chamam esses comportamentos

de pró-sociais, na verdade é uma forma mais técnica de dizer que seguem a Regra de Ouro: “Aja com os outros como gostaria que agissem com você.” Este livro nos mostrará por que e quando o efeito da oxitocina acontece e como podemos fazê-lo ocorrer com mais frequência.

O fato de a molécula da moralidade poder abrir a caixa-preta na na-tureza humana não significa que não reste nada para os filósofos e teó-logos debaterem. Apenas algumas discussões sobre o livre-arbítrio ou as virtudes passam a não fazer mais muito sentido se não levarem em conta as contribuições científicas. E a ciência evoluiu bastante desde que os primeiros profetas tentaram revelar o que Deus queria que fizéssemos e desde que os filósofos tentaram fundamentar o poder da razão.

Depois de todos os debates teológicos e discursos filosóficos e, agora, com todas as evidências mais recentes, temos a certeza de que os seres humanos são criaturas intensamente sociais. O cérebro humano reage de forma mais intensa a uma expressão facial que a qualquer outra coi-sa, pois a sobrevivência nos primeiros anos de vida depende exclusiva-mente da boa vontade de terceiros – mais conhecidos como os pais – e de sua disposição a investir nos filhos. Mesmo quando crescemos e nos tornamos capazes de cuidar de nós mesmos, continuamos dependentes de uma rede de colaboração social para continuarmos vivos e saudáveis. Somos, na verdade, o que os zoólogos chamam de espécie obrigatoria-mente sociável, o que significa que nos desenvolvemos em grupo e que não conseguimos nos manter física ou emocionalmente saudáveis por longos períodos sozinhos. Tudo isso explica por que nos interessamos tão profundamente por expressões faciais, emoções e comportamentos alheios – quem faz o que para quem, quem é confiável e quem é o falso bonzinho que se esconde por trás de um sorriso fingido. A oxitocina nos prepara para reagir de forma apropriada, mesmo quando não fazemos ideia do que está acontecendo.

Neste livro, investigaremos a influência da oxitocina nas pessoas, nas relações pessoais e na sociedade. Ao longo da obra, veremos como as várias experiências de vida e diferentes formas de pensar podem alte-rar o efeito da substância. Analisaremos também a influência da religião

– fator bastante relevante nas discussões sobre moralidade – assim como a da economia de mercado. Então, seguiremos o caminho inverso e dis-cutiremos como a substância pode influenciar essas sólidas instituições.

Um ponto recorrente será o fato de que, a menos que a liberação de oxitocina seja deficiente, a Regra de Ouro já é conhecida pelo corpo. Quando tudo acontece conforme previsto, sentimos a recompensa ime-diata, que varia desde uma vida mais saudável e feliz a – acredite ou não – uma economia mais próspera. A maioria das pessoas não precisa levar uma pancada na cabeça, ouvir longos sermões ou ser ameaçada com o fogo do inferno ou com alguma maldição para querer tratar bem o próxi-mo. Para tornar natural essa vontade, precisamos apenas criar as circuns-tâncias em que a oxitocina possa exercer sua influência, o que significa, grosso modo, manter distante ou bloquear a influência dos demais hormô-nios. Não é tão fácil quanto parece, claro, mas acho que você concordará que conhecer o funcionamento do sistema é um ótimo começo.

Começamos com a história da oxitocina no casamento, um começo mais que apropriado, já que, como você deve lembrar, trata-se de um hormônio ligado à reprodução. Uma ligação biológica entre sexo e mo-ralidade? Que ideia!

Centenas de milhões de anos atrás, no início do desenvolvimento se-xual, dependendo da generosidade do desconhecido, era uma boa manei-ra de se tornar uma refeição: “Peixe grande come peixe pequeno” era a ordem do dia, todos os dias. Como era possível, então, duas criaturas se juntarem para reproduzir? Elas precisavam de um mensageiro químico que as fizesse perceber que era seguro confiar ao incitar rapidamente um comportamento gentil em resposta à manifestação de confiança. Parece familiar?

O papel da confiança está interligado com todos os assuntos que dis-cutiremos neste livro, permeando, inclusive, o início da história de como acabei me envolvendo com este trabalho. Como explicarei detalhada-mente adiante, comecei, de fato, minha carreira acadêmica elaborando modelos econômicos que fazem os países prosperarem. O trabalho inicial demonstrava que os fatores mais importantes para se determinar se uma

sociedade será ou não bem-sucedida não são os recursos naturais, a edu-cação, a qualidade do seguro saúde ou a ética profissional da população. O fator mais relevante para determinar o futuro de uma economia é o fato de ela ser ou não digna de confiança – uma questão moral. Esse foi o insight que me levou à Molécula da Moralidade.

Bem antes disso, já era fascinado pelo poder da confiança, sobretudo porque descobrira os perigos de confiar demais. Aconteceu quando eu era jovem, ainda bastante inocente, e me tornei vítima de um clássico golpe – como costumamos dizer, caí no conto do vigário. Esse foi o pon-to de partida para minha carreira de pesquisador. Este livro é o resumo do que aconteceu até aqui.

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Sumário

Agradecimentos vii

Introdução Casamento vampiresco xi

CAPÍtuLo 1 O jogo da confiança 3

Das pequenas trapaças à riqueza das nações

CAPÍtuLo 2 Lagostas apaixonadas 29

A evolução da confiança

CAPÍtuLo 3 Sentindo a oxitocina 53

O circuito que nos traz a HOME

CAPÍtuLo 4 Bad boys 77

As complexidades dos gêneros

CAPÍtuLo 5 Os desconectados 103

Vítimas de abuso, genes ruins e más ideias

CAPÍtuLo 6 Onde o sexo toca a religião 131

Saindo do self

CAPÍtuLo 7 Mercados morais 157

O líquido da confiança e o malefício da ganância

CAPÍtuLo 8 Vida longa e feliz 185

Mímica que gera uma democracia de baixo para cima

Notas 213

Índice 221

entra falso rosto

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3

C A P Í t u L o 1

o jogo da confiança

Das pequenas trapaças à riqueza das nações

A cena do crime foi na estação ARCO, uma comunidade tosca na periferia de Santa Barbara, onde trabalhava meio expediente como frentista, depois da escola.

Um dia, estava encostado na porta da entrada do escritório, sentindo a brisa bater e esperando pelo próximo cliente, quando um homem bem-vestido, mas que parecia preocupado, surgiu caminhando pela lateral do posto.

“Talvez você possa me ajudar”, ele disse. “Tenho uma entrevista de trabalho lá em Goleta e não sei o que fazer.”

“Qual o problema?”, perguntei.“Bem, olha...” Ele estendeu a mão, segurando uma dessas caixas bo-

nitas de uma joalheria chique da cidade. Em seguida, abriu a caixa, que continha um colar de pérolas que reluzia ao sol da Califórnia.

“Fui ao banheiro do posto e encontrei isto no chão. Estranho, não? Alguém veio procurá-lo?”

“Ainda não.”

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

4

“Cara, isto é uma joia. Alguém deve estar transtornado por ter perdido este colar. O que devemos fazer? Não posso ficar com ele.”

Ficamos parados por um momento, observando as pérolas, que, aos olhos de um menino de 18 anos como eu, pareciam realmente caras.

Então, como uma deixa da próxima fala de um personagem, o tele-fone tocou. Fui até a mesa e atendi. Um homem do outro lado da linha disse: “Acabei de vir do seu posto. Estava com um colar que comprei para minha esposa e acho que o deixei cair enquanto...”

“Ei!”, exclamei. “Não acredito... o cara está bem na minha frente. Ele o achou no banheiro masculino.”

“Inacreditável!”, o homem respondeu. “Olha, diga a ele para ficar onde está e guardá-lo para mim. Estarei aí em meia hora.”

“Claro!”“Vou lhe dar um telefone”, disse ele, enquanto dizia os números. “Es-

cute... diga a ele que estou levando $200 pelo inconveniente. Ele salvou minha vida ou, para dizer o mínimo, meu casamento.”

Recoloquei o fone no gancho e expliquei com empolgação a meu novo amigo que o dono do colar chegaria em meia hora e traria uma recom-pensa de $200, mas ele não me pareceu muito empolgado.

“Cara... não posso esperar. Tenho de estar em Goleta em meia hora e preciso muito conseguir este emprego.” Ele me olhou e perguntou de novo: “O que devemos fazer?”

Pensei por alguns minutos, enquanto ele me observava.“Ficarei aqui até o fim do expediente”, afirmei. “Acho que posso es-

perá-lo chegar.”“Pode?”, ele sorriu com alegria e deu um longo suspiro. “Cara, perfei-

to! Então podemos rachar o dinheiro.”“Sério?”, indaguei, surpreso, já pensando como usaria minha parte da

recompensa.“Claro!”Então, ele mordeu o lábio, parecendo novamente preocupado.“Só tem um problema... eu não vou voltar para estes lados.”

o j o g o d A co n f i A n ç A

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“Tudo bem. A gente divide antecipadamente. Toma... dou a sua parte agora mesmo.”

Foi o que fiz. Na verdade, peguei $100 emprestado do dinheiro do posto e passei para o cara que havia acabado de conhecer, não fazia nem cinco minutos.

Tenho certeza de que, a essa altura, você já tenha se dado conta de que o colar de pérolas era falso; apenas estava numa caixa que parecia cara e, claro, o cara do telefone era comparsa do que apareceu no posto com a caixa na mão.

E então pergunto a você: Como alguém pode ter sido tão estúpido a ponto de cair nesse golpe e dado dinheiro com base numa história barata e numa coincidência absurda?

Eu teria ficado cego pela ganância?Sem dúvida, apareceram dois cifrões em meus olhos quando vi a joia

e ouvi a palavra “recompensa”. Mas eu era um garoto razoavelmente es-perto, com talento para números e para solucionar enigmas. Portanto, se alguém tivesse de desconfiar do golpe...

Tampouco era o caso de eu ter aprendido a diferenciar o certo do errado. Acha que seus pais foram rígidos? Os meus me tiraram da escola católica por não ser rígida o suficiente. Embora pareça piada, antes de eu nascer, minha mãe era freira. Ela passara quatro anos no Sisters of Loretto at the Foot of the Cross,* e cresci assistindo a missas em latim, aspirando a fumaça do defumador como coroinha. Ela inspecionava a su-jeira do meu quarto com luvas brancas e deixava bem claro que tínhamos nascido pecadores e éramos movidos por sentimentos que deveriam ser rechaçados e monitorados incansavelmente para não nos comportarmos mal. Minha mãe usava a abordagem clássica para administrar a natu-reza humana: a de cima para baixo, repleta de “deveis” e “não deveis”, que dominaram a história ocidental. Ela baseou a criação dos filhos no

* Nota da Tradutora: Irmandade na cidade de Santa Fé, Novo México, Estados Unidos, hoje conhecida como Comunidade de Loretto.

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pressuposto de que o comportamento altruísta e moral era impossível sem a onipresente ameaça de punição, e, quanto mais terrível, melhor. Imagine a imagem do inferno de Hieronymus Bosch.*

Mas quando me lembro do incidente da ARCO, não é a ganância que me vem à mente, nem qualquer pecado mortal com os quais os filósofos e teólogos (e minha mãe) se preocupavam tanto. Acredito que minha motivação veio do genuíno desejo de ajudar. O pobre sujeito tinha uma entrevista importante, parecia perturbado, em apuros, quase desespera-do. A primeira coisa que fez foi pedir que o ajudasse, e ele de fato parecia precisar de ajuda. Mais que isso: ele parecia confiar demais em mim, com base em tudo o que disse. Ele estava contando com um garoto, ainda na escola, para ajudá-lo a devolver o colar a quem de direito. Por várias ve-zes, perguntou-me: “O que devemos fazer?” Em seguida, incumbiu-me de resolver a situação. Depois de uma demonstração de confiança como aquela, ajudá-lo me pareceu o mais correto a ser feito.

Na faculdade, me especializei em Biologia Matemática e Economia, mas a dúvida sobre como temos a certeza do que é certo continuou comi-go. Lia muito sobre filosofia moral e até teologia e, após a graduação, ma-temática, biologia, economia e preocupações morais se reuniram em meu primeiro trabalho sobre a relação entre confiabilidade e prosperidade.

Vamos agora pular para novembro de 2001.São 2 horas e atravesso a cidade carregando os equipamentos para

o laboratório que consegui emprestado na UCLA (University of Cali-fornia, Los Angeles) ao convencer um professor de lá com doutorado, chamado Rob Kurzban, a colaborar comigo. Convoquei dois alunos de graduação para servirem tanto de Sherpas** como de passageiros oficiais para que eu pudesse usar a faixa seletiva da autoestrada. Sou professor

* Nota da Tradutora: Jeroen van Aeken, cujo pseudônimo era Hieronymus Bosch, foi um pintor e gravador neerlandês dos séculos XV e XVI. Muitos de seus trabalhos retratam cenas de pecado e tentação, e ele recorria com frequência à utilização de figuras simbólicas complexas, originais, imaginativas e caricaturais, muitas consideradas obscuras na época.** Nota da Tradutora: Membros do povo tibetano que vivem no Himalaia, Nepal e Tibete, famo-sos por suas habilidades em montanhismo.

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titular de Economia na Claremont Graduate University e estou no iní-cio de um projeto de pesquisa um tanto atípico, ampliando as fronteiras da área em que atuo, o que significa que estou tendo de fazer ciência da mesma forma que os produtores independentes fazem cinema – pe-dindo espaços para locação, implorando por financiamento e transpor-tando equipamentos por toda a cidade no meu carro. Hoje fizemos cerca de quatro viagens entre Claremont e Westwood, com duração de uma hora e meia cada trecho.

Embora ainda não tivesse consciência, estava prestes a inventar um novo campo de estudo chamado neuroeconomia, ao realizar a primeira versão vampiresca do Jogo da Confiança.

o Jogo da Confiança: como funciona

Esta é uma ferramenta de pesquisa clássica em economia experimental, para a qual reservaremos um bom tempo. Digamos que você esteja na fa-culdade e precise de uma renda extra, portanto concorda em participar do chamado estudo de decisões financeiras. Você é levado a uma ampla sala, como a que peguei emprestado da UCLA, com 15 ou 16 desconhecidos, e se senta numa pequena baia com um computador. Você lê as instruções on-line, que confirmam que você tem $10 na conta apenas por ter com-parecido, mas receberá mais em breve, pois o computador perguntará, de forma randômica, a um participante anônimo – vamos chamá-lo de Fred – se ele gostaria de transferir seus $10 ou parte do valor a outro partici-pante anônimo, que é você.

Mas por que ele faria isso? Porque, de acordo com as regras on-line que Fred e você leram há pouco, qualquer quantia que ele doe triplicará de valor quando cair em sua conta. Porém, multiplicar seu dinheiro não seria uma atitude meramente altruísta de Fred. As regras dizem tam-bém que, se ele transferir dinheiro a você, você deverá doar parte de seu montante triplicado de volta a ele. A pergunta é: Você o fará? Você seria confiável a ponto de retribuir?

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A beleza deste teste está no fato de que não há pressão social para que você seja generoso e se comporte da melhor forma, pois os computadores omitem a informação sobre quem fez o quê. Até os encarregados pelo teste identificam os participantes apenas por códigos. Portanto, seja o Mestre do Universo ou Madre Teresa de Calcutá, o modelo moral que você escolhe seguir ao dar algo (ou nada) de volta fica totalmente a seu critério. Mesmo no final do jogo, ninguém saberá o total que você rece-beu, a menos que o diga.

Digamos que Fred, apenas para se mostrar, tenha separado $2 dos $10 que recebeu e transferido para você. Os $2 triplicaram, e foram depositados $6 em sua conta, o que significa que agora tem $16 ($10 + $6), e Fred, $8 ($10-$2). Portanto, você está indo muito bem. Você não sabe quem fez a doação, mas sabe que recebeu um adicional de $6 e que o responsável por isso é um doador anônimo em uma das outras baias. Também sabe que a decisão do doador foi baseada na expectativa de que você seria decente o suficiente para, pelo menos, dividir parte de seu montante. Afinal, abrir mão de $2 não vai tirar pedaço. Parece digno – como pagar os 10% ao garçom que nos serve num restaurante. É o que as pessoas decentes fazem, correto?

Digamos que você decida dar $3 de volta a Fred, o que o deixará com $13 e aumentará o montante de Fred para $11 – um aumento real de $3 para você e $1 para ele. Não é muito, mas, ainda assim, é melhor do que o início do jogo. Por outro lado, você estará em seu direito se optar sair com os $10 originais mais o bônus de $6 resultantes da doação de Fred, apenas com um “Valeu, otário!”.

À medida que os valores transferidos aumentam, o potencial de ganho se torna mais interessante. Se Fred estiver realmente confiante e optar por arriscar tudo, dando a você todos os $10 originais, o valor será triplicado em inesperados $30, e você passará a ter $40. Se você for escrupuloso e justo, dividirá o novo montante com seu parceiro anônimo e ambos aca-barão com $20 – o dobro do que teria ganhado se ele não tivesse confiado e você não tivesse feito jus a essa confiança.

Eis a pergunta que vale $64 mil: Se você não tiver qualquer obrigação de ser digno de confiança e se ninguém ficasse sabendo, por que faria jus

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à confiança de um estranho, num gesto recíproco que resultaria em me-nos dinheiro no seu bolso? Se ninguém jamais saberá, qual o problema de ser um idiota ganancioso e passar a perna no cara? Bem, de acordo com a teoria econômica que dominou a maior parte do século XX, é exatamente isso que você deveria fazer.

Os economistas caíram de amores pelo conceito de “egoísmo racio-nal”, que pressupõe que cada indivíduo toma decisões com base em van-tagens pessoais e em cálculo racional para saber onde exatamente está a vantagem.

Os teóricos da economia haviam sido inspirados pelas ideias da físi-ca teórica, em especial na área da termodinâmica, com seus sistemas de estímulos e resultados em direção ao equilíbrio. A beleza do egoísmo ra-cional como princípio organizador residia no fato de permitir aos econo-mistas simplificar bastante os modelos matemáticos. Se os seres humanos tomam decisões (a) de forma racional e (b) com base em seus próprios interesses, os criadores dos modelos não precisam levar em consideração emoções, idiossincrasias de personalidade ou repentinas faltas de lucidez. Cada pessoa – ou, pelo menos, a pessoa teórica que habita nos modelos – sempre avalia as opções e faz escolhas lógicas usando como critério o melhor para ela.

Um cara chamado John Nash, inspirador do filme Uma mente brilhan-te, de Ron Howard, ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1994 por aprimorar o conceito de egoísmo racional, que resultou numa fórmula mais sofisticada e extremamente influente chamada O Equilíbrio de Nash. De acordo com o Teorema de Nash, sua atitude no Jogo da Confiança deve ser tão somente guardar qualquer quantia que lhe seja dada, mesmo que você saiba que outra pessoa tenha, em parte, lhe dado dinheiro na esperança de uma atitude recíproca. Da mesma forma, o Equilíbrio de Nash afirma que a outra pessoa deveria ser sensata, esperar o comportamento egoísta e não confiar sequer um centavo a você. Afinal, vocês são completos estranhos. Claro, a consequência involuntária desse comportamento “racional” – ou seja, ser o número um – é a perda de oportunidade, para ambos, de ganhar multiplicando o valor e, em seguida, dividindo-o.

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Por mais de um século, a ideia de que o comportamento humano é fundamentalmente racional e egoísta foi transmitida como mensagem de Deus a milhões de alunos, muitos dos quais se tornaram líderes de poderosas empresas e instituições governamentais. Existem as pessoas que, com frequência, estabelecem padrões de comportamento em Wall Street, no governo e nos conselhos de multinacionais. Porém, com todo o respeito a John Nash e seu Prêmio Nobel, o Jogo da Confiança mostra que o egoísmo racional é impiedoso quando se trata de pessoas.

Nos Estados Unidos, a quantia inicial chegava a $1 mil e, nos paí-ses em desenvolvimento, o equivalente a três meses de salário. Seja com grandes ou pequenas somas, em dólares ou dinares, os participantes qua-se sempre se comportavam com mais confiança e confiabilidade do que as teorias previam. Em minhas próprias experiências com o jogo, 90% das pessoas na posição A (os que confiavam, como Fred) davam certa quantia para o jogador B (os que recebiam, como você), e cerca de 95% dos jogadores B retornavam parte do dinheiro, com base em... o quê? Gratidão? Um discernimento inato do que é certo e errado?

Ou esse comportamento poderia estar relacionado com um hormônio reprodutor com propriedades curiosas que incluem confiança e confiabi-lidade recíproca?

uma ideia bizarra?

Um colega me disse que era “a ideia mais estúpida do mundo”, mas, para mim, fazia todo o sentido. Ao menos, sentido suficiente para me fazer verificá-la com mais cuidado antes de descartá-la como uma ideia bizarra.

Nossos ratinhos de laboratório humanos – os alunos da UCLA que concordaram em participar da experiência por uns trocados – começa-ram a chegar e se acomodar por volta das 9:30. Às 10 horas, fui para a frente da sala vestido com um elegante jaleco e fiz algumas considerações iniciais. Agradeci a eles por concordarem em participar e os lembrei – já

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tínhamos explicado tudo no e-mail de seleção – de que já tinham ganha-do $10 apenas pela participação.

Então, resumi o que daríamos – a mesma história sobre o jogador A e o B, que descrevi poucas páginas atrás –, mas com um novo elemento. Logo após a decisão, amarraríamos torniquetes nos braços dos partici-pantes para colher seu sangue.

Não houve reação perceptível. Eles sequer pareciam notar minha pre-sença; sequer pareciam acordados.

Pedi que se conectassem nos computadores das baias com seu código de usuário particular e lessem as instruções. O protocolo descrevia em detalhes como suas decisões poderiam transformar os $10 de que já dis-punham em mais ou menos dinheiro.

Então, comecei a perceber sobrancelhas se arqueando e expressões um pouco mais animadas. Eles pareciam ter acordado. Era como se estives-sem pensando: “De que se trata? Uma combinação de Quem quer ser um milionário com ‘General Hospital’?”

Eu tinha de manter todos ocupados enquanto focava as decisões indi-viduais de cada participante seguidas pela coleta de sangue. Assim, pedi a um grupo que preenchesse uma pesquisa de personalidade.

Comecei a chamá-los pelos códigos de usuário, selecionados de for-ma randômica. “Número 6, por favor, tome sua decisão e, em seguida, levante a mão.”

Nesse ponto, a pergunta – cuja resposta achávamos que sabíamos – era se algum jogador A optaria ou não por transferir parte ou todo o dinheiro para um jogador B anônimo, escolhido de forma aleatória. O jogador A confiaria o suficiente para doar dinheiro, contando que o B agiria de forma recíproca e daria um valor em retorno?

Quando uma aluna viu alguém levantar a mão, imediatamente levou o jogador A, que tomara a decisão, a uma sala menor anexa, preparada para colhermos o sangue. Parecia improvável que o tipo de decisão que o jogador A tinha de tomar, um cálculo um tanto frio, afetaria o nível de oxitocina, mas colhemos o sangue mesmo assim, para termos certeza – já que se tratava de uma experiência inédita. Tínhamos certeza, porém, de

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que qualquer alteração hormonal em qualquer participante seria provisó-ria. Pesquisas em animais haviam demonstrado que a oxitocina se eleva em resposta à estimulação apropriada e, então, se normaliza em aproxi-madamente três minutos, o que significava que a coleta de sangue deveria ser feita logo em seguida à decisão.

Para fazer as honras na sala de coleta, tínhamos um médico residente da Van Nuys* chamado Bill Matzner. Em início de carreira, Bill decidira fazer pós-graduação comigo, com especialização em Economia da Saú-de. Convenci-o a estudar a economia dos vampiros, e agora ele se via na situação de ser meu técnico em sangue.

Como médico, Bill era inestimável para minha pesquisa improvi-sada – lembre-se de que, nesse momento, eu ainda era o tipo de cara que usava o bloco de notas do computador, não o que trabalhava em laboratório – e recebia doações de tudo, desde band-aids e algodão até as centrífugas, os dispositivos mecânicos que giravam o sangue para separar o soro do plasma das hemácias. Mas com prática estabelecida e muitos assistentes, Bill estava um pouco enferrujado em coleta de sangue, então me ofereci como cobaia para que ele pudesse praticar em mim. Não era minha intenção torturar as pessoas sem necessidade, então ensaiamos o passo a passo do protocolo, incessantemente, para nos certificar de que poderíamos agir com rapidez, sem desperdiçar o tempo (ou o sangue) de ninguém.

Outro problema foi que a centrífuga gentilmente cedida por Bill não era a de 7.000 refrigerada. Não só a oxitocina desaparece rapidamente da corrente sanguínea, como se decompõe logo em temperatura ambiente. Portanto, é preciso colher o sangue e refrigerá-lo com muita rapidez. Por sorte, vinha planejando essa aventura por um bom tempo e, enquanto va-gava pelo campus no final do semestre, deparei com alguns alunos fazendo as malas para passar o verão em casa. Sem grande dificuldade, consegui convencê-los a doar seus minirrefrigeradores em prol da ciência.

* Nota da Tradutora: Bairro de San Fernando Valley, região de Los Angeles, Califórnia.

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Com nossa tecnologia precária, desenvolvemos um protocolo que abran-gia desaceleração das amostras, transferência das substâncias separadas do sangue para microtubos, congelamento rápido a –100 graus centígra-dos com uso de gelo-seco e armazenamento do material no freezer ultra-frio de Bill por 20 minutos na UCLA até que tivéssemos uma quantidade suficiente de amostras para analisar.

Quando todos os participantes A já haviam se decidido, e seu sangue, colhido, autorizamos a liberação dos resultados aos participantes B. Al-guns podem ter se retraído, mas, com base no histórico do Jogo da Con-fiança, sabíamos que a maioria teria uma agradável surpresa ao encontrar alguns dólares a mais na conta.

Agora era o momento de verificar quantos estariam dispostos a dividir a diferença e doar de volta parte do novo montante.

“Número 9, por favor, tome sua decisão. Em seguida, levante a mão.”Novamente, se o fato de perceber a demonstração de confiança de um

jogador A fez a oxitocina de um jogador B aumentar, tínhamos pouquís-simos minutos para captar esse aumento.

O participante 9 sentou-se e dobrou a manga da camisa. Bill amarrou o torniquete e injetou a agulha. O participante gemeu de dor. Bill inseriu a agulha de novo e, mais uma vez, ouvimos o gemido. Olhei para a sala principal, onde os demais jogadores, como pude ver do anexo, se volta-vam em direção ao som que vinha da sala onde estávamos. Bill precisava de mais prática, além das sessões que tivéramos.

Outro voluntário desmaiou, o que resultou num dilema. Não sabía-mos quantas amostras válidas conseguiríamos e, além disso, tínhamos de agir muito rápido com cada participante, antes de o leve rastro de oxito-cina voltar ao nível normal.

Debruçamo-nos sobre o pobre rapaz: Bill com a seringa e uma aluna tentando segurar o participante inconsciente enquanto ele desmoronava da cadeira.

“O que você quer fazer?”, Bill me perguntou.Eu estava desesperado para ter algum dado. “Vamos colher o sangue

dele e depois o reanimamos.”

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Mas nem com suco de laranja e biscoito conseguimos reanimá-lo. In-formei aos participantes que estávamos com um pequeno problema e su-geri que navegassem na internet enquanto tentávamos resolvê-lo. Levou cerca de 15 minutos, mas finalmente consegui colocar nosso companhei-ro desfalecido de pé.

De volta à sala principal para retomar a experiência, percebi que um dos participantes estava num site de cunho sexual – não exatamente por-nográfico, mas um site de música com vídeos “quentes”. Preocupado com os efeitos que essas influências externas pudessem causar nele, anotei seu código de usuário quando ele foi colher sangue. Verifiquei o resultado depois e, como previa, seu nível de oxitocina – lembrem-se: o hormônio reprodutor – estava nas alturas. Por conta dos estímulos externos que sofreu, tivemos de desconsiderar o resultado de seu exame de sangue.

No ano e meio seguinte, repetimos a versão vampiresca do Jogo da Confiança 14 vezes. De novo, era uma experiência bizarra, e eu só podia levá-la adiante quando conseguia angariar milhares de dólares por meio de doações, levar todo o equipamento para a UCLA, fazer o maior número de sessões possível, armazenar as amostras no freezer da sala de Bill, em Van Nuys, no caminho para casa. Em algum momento, teríamos amostras sufi-cientes para realizar uma análise de dados estatisticamente significativa.

Eis o que descobri.Primeiro, verificamos os níveis de confiança e confiabilidade espe-

rados, o comportamento moralmente generoso que desafia o egoísmo racional e o Equilíbrio de Nash. Também observamos compensações fi-nanceiras por honestidade – o que, dada minha pesquisa sobre os fatores que tornam as sociedades prósperas, não me surpreendeu. Os jogadores A que decidiram confiar nos parceiros anônimos terminaram, em média, com $14, ou seja, 40% a mais do valor inicial. Os jogadores B, que rece-beram dinheiro de parceiros que confiaram na reciprocidade, saíram do laboratório, em média, com $17, ou seja, com 70% de lucro. Portanto, o comportamento social positivo estava resultando na prosperidade de nossa pequena população de graduandos, mesmo que o lucro não tenha sido distribuído igualmente.

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Mas o que se passava no sangue e no cérebro? Neste primeiro Jogo da Confiança vampiresco, estávamos de fato trabalhando na base do im-proviso, portanto tínhamos de nos precaver para não interpretarmos e chegarmos a conclusões sem fundamento. (Além disso, eu era econo-mista! O que eu sabia sobre valores sanguíneos?) Por isso, continuamos a realizar o estudo repetidamente, até que tivéssemos uma amostra grande o suficiente que pudesse embasar nossas conclusões. E encontramos uma correlação direta e impressionante entre o nível de oxitocina de uma pes-soa e sua disposição a responder à demonstração de confiança, dando de volta parte do dinheiro acumulado.

Por outro lado, diversos fatores podem contribuir para quase todas as respostas biológicas ou comportamentais. Portanto, para apontar o que estava ou não causando o comportamento virtuoso, medimos as taxas de outros nove hormônios, como a testosterona masculina e o estradiol e progesterona femininos, que interagem com a oxitocina para verificar se estavam exercendo alguma influência. Em seguida, correlacionamos todos os dados fisiológicos com perguntas de pesquisa de personalidade, como “Você bisbilhota os pertences de seus colegas de quarto quando eles não estão?”, “Com que frequência você bebe?” e “Com que frequên-cia vai à igreja?”.

Depois de intermináveis horas de análise, não descobrimos qualquer relação entre esses outros fatores e a generosidade recíproca que obser-váramos. O único fator que poderia explicar esse comportamento era o aumento do nível de oxitocina. Mas como saberíamos que era confiança que impulsionava a resposta da oxitocina? Como poderíamos nos certifi-car de que não era o recebimento do dinheiro?

Para verificar essas questões, realizamos uma experiência controlada em que todas as circunstâncias eram as mesmas, à exceção de um ele-mento: a confiança de uma pessoa em outra. Em vez de o participante A decidir por conta própria se transferiria ou não parte do dinheiro para o participante B, organizamos uma forma de tornar a escolha aleatória. Com o orçamento limitado, uma forma independente de fazer ciência, fui até o Walmart comprar um contêiner de plástico transparente, revesti

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o lado de fora com fita isolante escura e enchi-o com bolas de pingue- -pongue numeradas de um a dez. Nessa versão aleatória do jogo, sem ter a confiança como base, eu chamaria o código de usuário, e o participante correspondente tiraria uma bola da caixa na frente de todos. O número da bola seria o valor abatido de sua conta e triplicado ao ser transferi-do para a conta de um participante B selecionado de forma aleatória. A transferência do dinheiro ainda acontecia, mas sem a interferência dos participantes.

Quando os participantes recebiam o dinheiro transferido por conta da decisão de alguém confiar neles, seu nível de oxitocina aumentava 50% a mais do que o nível daqueles que recebiam o dinheiro com base no sor-teio das bolas de pingue-pongue e na eventual sorte de ser escolhido. Os que sabiam que seu lucro advinha do fato de outra pessoa confiar neles devolveram quase o dobro – 41% do total – do que os que receberam a transferência por sorteio – apenas 25% dos participantes devolveram parte do montante.

Para fechar com chave de ouro, quando a transferência original se baseou em confiança, havia também uma correspondência regular direta entre o valor da transferência e a resposta do receptor. Quanto mais di-nheiro transferido, mais elevado o nível de oxitocina, maior o montante devolvido no final. Quando o dinheiro vinha do fator sorte, não havia qualquer correlação entre o nível de oxitocina e a generosidade (ou não) demonstrada pelo participante B.

Tínhamos acabado de descobrir o primeiro estímulo não reprodutor para liberação da oxitocina nos seres humanos, o que me deixou muito feliz por vários motivos, alguns dos quais envolvem frustrações na profis-são que eu vinha exercendo.

o vínculo perdido

Por conta de sua inveja da Física, a Economia tradicional abraçara a Ma-temática, em detrimento do real interesse na natureza humana, apesar do

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fato de a Economia ter nascido como ramificação da Filosofia Moral. E a pergunta-chave da Filosofia Moral – se os seres humanos são essencial-mente bons ou maus – tem de ser a discussão mais longa de todas, desde o início dos debates filosóficos.

Pouco depois de Moisés receber os Dez Mandamentos no Monte Si-nai, os Salmos descreviam a humanidade como “seres um pouco abaixo dos anjos”. Em defesa de um ponto de vista contrário, o dramaturgo romano Platão declarou que “o homem é o lobo do homem”. Filósofos, pregadores e políticos vêm avançando desde então, oferecendo teorias para definir a essência de nossa moralidade, desde a ideia medieval do pecado original até o pensamento do século XVII, de que nosso estado natural era “a guerra de todos contra todos”, passando pelo pensamento romântico de que nas-cemos como uma tábula rasa sobre a qual todo tipo de bondade pode ser inscrita, se vivermos no ambiente apropriado durante a infância.

Não se trata apenas de uma disputa acadêmica, mas de uma discussão com consequências, pois cada vertente teórica compete para influenciar nossas leis, normas culturais e políticas sociais.

Há 250 anos, um desconhecido professor da desconhecida University of Glasgow publicou um livro chamado Teoria dos sentimentos morais, no qual argumentava que o comportamento generoso e benevolente tinha origem em nossos vínculos afetivos com as pessoas. O autor afirmou que o sofrimento alheio gerava um vínculo o qual ele chamava de “simpatia mútua”.

Em retrospecto, parece óbvio. Sabemos que o sofrimento alheio pode resultar numa força imediata tamanha que faz soldados se atirarem con-tra granadas para protegerem os parceiros das explosões. Às vezes, obriga pessoas comuns a pularem nos trilhos do metrô para salvar da morte completos estranhos.

Entretanto, Teoria dos sentimentos morais gerou tanta polêmica que alunos de toda a Europa de repente se concentraram em Glasgow para estudar com o autor. Da noite para o dia, o incógnito professor se tornou uma celebridade intelectual do século XVIII que, mesmo com os olhos salientes e as crises convulsivas, dificilmente de adequava a esse papel.

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Ele morava com a mãe e era tão ausente que se perdia com frequência nas florestas, falando sozinho, vestido apenas com as roupas de baixo. Ainda assim, o conceito de simpatia mútua foi tão devastador, e o livro, um sucesso tão estrondoso, que ele passou a viajar para dar palestras e se aproximou de Voltaire e Benjamin Franklin, com quem conviveu até o resto de seus dias.

Por que tanta polvorosa? Bem, por séculos, grande parte do pensamen-to moral era como o de minha mãe, associado ao pecado original e à que-da de Adão. Mas aqui estava uma teoria que explicava o comportamento moral que não se resumia a frear nossa perversão “natural”. Essa teoria não supunha, como o filósofo do século XVII Thomas Hobbes, que nosso estado natural era o de “guerra de todos contra todos” nem confiava numa autoridade maior, ou num místico sexto sentido, ou num cálculo racional e restrição em nos ajudar a superar nossa tendência à lei do mais forte. Em vez disso, a Teoria dos Sentimentos Morais sugeria que esse com-portamento consciente e benevolente era intrínseco à nossa constituição psicológica, e que vinha à tona de forma bastante natural de nossas relações sociais. O discernimento do que é certo e errado é, em outras palavras, uma habilidade inata do ser humano, uma reação instintiva.

A maioria dos filósofos seculares manteve algo muito semelhante à visão sombria da Igreja sobre nossas inclinações naturais, assim como uma abor-dagem descendente para nos manter na linha. A única diferença era que, em vez de um deus da Cólera, que nos ameaçava para obter nossa submissão, a força descendente que os filósofos viam lutar para impor o controle era a ra-zão humana. Platão descreveu a mente como um cocheiro tentando adestrar os impulsos animais e selvagens do homem, os quais ele caracterizava como cavalos vigorosos. Dois mil anos depois, a Razão Pura dispunha de um de-fensor ainda mais zeloso, o filósofo alemão Immanuel Kant.

Na visão de Kant, o único aspecto que nos tornava humanos e livres era agir de acordo com as regras que nós mesmos nos impúnhamos, pro-jetadas pela razão. O fundamento dessas regras, o qual ele chamou de Imperativo Categórico, diz que para se chegar à virtude, devemos agir como agiríamos se nossa ação fosse se tornar lei universal. No entanto,

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a pureza da Razão Pura de Kant pode ter falhado em afirmar que, para que qualquer ação seja de fato moral, deve visar totalmente à lei da mora-lidade. Se agirmos com base na moralidade apenas porque nos sentimos bem sendo virtuosos, não conta. E não há exceções, independentemente do resultado. Se o ato de mentir viola a lei universal, não devemos mentir jamais, mesmo que um psicopata assassino esteja atrás de seu amigo e dizer a verdade sobre seu paradeiro possa resultar em sua morte.

Se essa linha de raciocínio puro parece fria e pouco prática, é apenas um dos muitos problemas com abordagens descendentes em geral. As abordagens que, como as de minha mãe, confiam em ensinamentos reli-giosos vão de encontro ao fato óbvio de que existe algo em torno de qua-tro mil religiões diferentes no mundo, e que cada uma agrega suas regras particulares às orientações básicas para o comportamento pró-social. Ao longo da História, nada gerou mais derramamento de sangue e violência implacável que os conflitos entre as diferentes formas de se chegar a Deus, a razão principal pela qual os filósofos seculares tentaram se sobressair em relação a toda essa divergência e encontrar respostas universais através da razão. Mas nesse esforço, os filósofos mantinham o mesmo desprezo – que em geral caracteriza a religião – por nossa biologia. O esforço de abandonar a mera “carne” depende da noção de que a mente – e a vonta-de própria, a alma e o indominável espírito humano – de alguma forma está à parte do corpo, o que, de acordo com essa visão, a ciência moderna estaria – desculpe, Senhor Kant, comprovadamente errada.

Somos criaturas biológicas, portanto tudo que somos advém de pro-cesso biológico. A biologia, por meio de seleção natural, recompensa e incentiva comportamentos adaptáveis, o que significa que contribuem para a saúde e a sobrevivência de tal modo que produzem o maior núme-ro de descendentes adiante. Por incrível que pareça, ao seguir essa diretriz da sobrevivência do mais forte, a natureza chega às mesmas conclusões mo-rais oferecidas pela religião, ou seja, de que é sempre melhor se compor-tar de maneira colaborativa e – na falta de uma palavra melhor – moral. A natureza chega exatamente ao mesmo ponto seguindo um caminho diferente e talvez mais universal.

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A noção da simpatia mútua foi muito mais centrada no homem que qualquer outra, o tipo de filosofia moral que poderia deixar o embrionário Movimento Romântico, pronto para dar ao mundo o Bom Selvagem e os Direitos do Homem, para trás de forma irrecuperável. Se grande parte da História da humanidade foi impulsionada pela crueldade de pensadores obcecados como Hobbes, talvez tenha sido por influências específicas do sistema. Modificar a natureza e a extensão dessas influências pode resul-tar na modificação da reação moral.

No século XVIII, ainda faltava muito para que a ciência pudesse con-tribuir para a discussão sobre o comportamento, portanto nosso professor nerd de Glasgow foi compreensivelmente um pouco vago em relação ao funcionamento do sistema de simpatia mútua. Ainda assim, vemos algo muito parecido – que chamamos de empatia – impulsionando a conduta moral a milhares de pequenas gentilezas todos os dias. A cada dia, em todo o mundo, incita bilhões de pessoas a compartilharem o que têm com quem se preocupam.

E, mesmo assim, depois da primeira onda de entusiasmo, a simpatia mútua perdeu a batalha das grandes ideias na filosofia moral. Em parte, foi ofuscada pela teoria da Pura Razão de Kant, que veio à tona mais ou menos na mesma época. Mas havia outro golpe intelectual por chegar, cujo impacto seria ainda maior.

O romantismo pode ter captado as artes e, até certo ponto, a situação política do final do século XVIII, mas, no mundo do trabalho, o es-pírito real da época era um pensamento novo chamado Capitalismo. O espírito empreendedor estava em alta, e a tradição, em declínio. Homens ricos e poderosos começaram a abrir negócios e a construir fábricas, ao mesmo tempo que dispensavam pensamentos medievais, como preço jus-to e noblesse oblige.* Uma vez que suas imensas máquinas estavam prontas

* Nota da Tradutora: Noblesse oblige significa, ao pé da lera, “nobreza obriga”. Essa expressão é utiliza-da quando se pretende dizer que o fato de pertencer a uma família de prestígio ou de ter certa posição social ou um nome tradicional obriga a pessoa a proceder de forma adequada, à altura do status social ou intelectual. Outro uso da expressão é quando se trata de elevação de sentimentos ou de conduta, ou seja, é possível falar-se de nobreza de sangue, mas também de nobreza de caráter.

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para entrar em funcionamento, eles fechavam os pastos abertos, para que os arrendatários não tivessem escolha a não ser trabalhar nas fábricas.

O homem que o capitalismo transformou em teimoso, sem orienta-ção sentimental moral para essa nova era de espírito empreendedor, foi Adam Smith, autor de A riqueza das nações. A ironia está no fato de Adam Smith ser o mesmo professor com a cabeça nas nuvens cujo primeiro livro colocara o sentimento humano como o centro do debate sobre mo-ralidade. Na verdade, foi o tempo livre que ele obteve em consequência do sucesso do primeiro livro que lhe possibilitou escrever A riqueza das nações, cujo impacto foi tão estarrecedor que, comparativamente, faz pa-recer a Teoria dos sentimentos morais um fracasso.

Muitos fatores podem explicar esse efeito eletrizante, mas uma frase, citada repetidamente nos últimos dois séculos, transmite a essência do avassalamento:

Não esperamos que nosso jantar venha da benevolência do açouguei-ro, do cervejeiro ou do padeiro, mas da consideração por seus próprios interesses.

Numa época em que o Ocidente se movia além dos pensamentos de pecado e dos limites que esses pensamentos impunham, eis um divisor de águas. No mundo medieval, a busca pelo ganho pessoal era consi-derada orgulho, inveja e ganância. Mas agora, de acordo com o já céle-bre Adam Smith, ganho pessoal obtinha uma nova categoria linguística, chamada de “interesse” pessoal; não era mais um vício, mas uma virtude! A evolução pessoal não era mais vista como resultado de paixões incon-troláveis. Agora, na Era da Razão, evolução pessoal era algo razoável. E o melhor de tudo: a busca racional e sensata pelo ganho pessoal fazia a máquina girar e colocava mais comida no prato de todos.

Desde aquelas palavras fatídicas de Smith, o que se perdeu do entu-siasmo geral pelo interesse pessoal do açougueiro e do padeiro foi como aquelas frases se adaptam ao contexto do maior empreendimento inte-lectual de Smith, que tinha muito mais a ver com a virtude na iniciativa

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individual que com qualquer endosso de comportamento egoísta, em causa própria. Mesmo assim, Smith foi aceito e venerado como o fun-dador da nova ciência chamada Economia. Ao mesmo tempo, seu status como filósofo da moralidade entrava em declínio.

Para os economistas, a frase de Smith sobre “seu próprio interesse” não só representava uma mudança de valores, mas também a possibili-dade de uma nova e abrangente forma de explicar o comportamento. E assim nascia o homo economicus, um ser altamente racional e egoísta, que habita nos livros de economia e nos modelos econômicos, e – pelo menos em teoria – cuja motivação pode advir de qualquer fator, à exceção da simpatia mútua.

Como economista que passou a estudar o comportamento moral, sempre tive uma queda por Smith, o moralista mal compreendido, pai da Economia. Como ele, sempre preferi estudar o homo sapiens real ao homo economicus teórico. Sempre fui atraído pelas bases reais das questões eco-nômicas – como taxas de natalidade, aspectos demográficos geracionais e a quantidade de recursos que os pais investiam em cada filho. O amor pa-terno não é geral? Então por que nem todos os pais expressam seu amor tentando dar aos filhos a melhor preparação para a vida? Em geral é pelo fato de não terem tempo nem os recursos necessários, pois costumam ter mais filhos do que conseguiriam sustentar. No fim das contas, aspectos como fertilidade e investimento parental* – questões biológicas – afetam profundamente a economia.

Foi esse tipo de trabalho sobre fertilidade e demografia que me le-vou a investigar outros fatores interpessoais que afetam a prosperidade; a confiança, o mais forte deles. Passei mais de um ano desenvolvendo meu modelo que demonstrava que o nível de confiança numa sociedade é o fator mais forte que determinará se ela irá prosperar ou permanecer na pobreza. Ser capaz de cumprir contratos, confiar no fato de que os

* Nota da Tradutora: Característica comportamental observada pelos psicólogos evolucionistas em algumas espécies e que significa o cuidado que os pais têm com os filhotes após o nasci-mento. O investimento parental é um comportamento associado ao fator biológico da neotenia, característica das espécies cujo filhote nasce incapaz de sobreviver por si só.

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outros cumprirão o prometido e não vão trapacear ou roubar é um fator mais importante para o desenvolvimento econômico de um país do que educação e acesso a recursos – ou que qualquer outra coisa.

A chegada da oxitocina

Em 2000, assisti a uma conferência sobre economia e legislação no Gruter Institute for Law and Behavioral Research. A conferência foi no verão, fora de temporada na estação de esqui em Sierra Nevadas, e no longo traslado do aeroporto de Reno até a estação, sentei-me ao lado do único passageiro – além de mim – que não trajava vestimenta especial para uma viagem de mountain bike. Começamos a conversar – ele também estava indo assistir à conferência – e assim conheci a antropóloga Helen Fisher, autora dos livros Anatomia do amor e Por que amamos?. Começamos a comparar anota-ções sobre nossas pesquisas, e mencionei meus estudos sobre investimento parental. Passados alguns instantes, ela me perguntou: “Você já pensou em estudar a oxitocina como a explicação para tudo isso?”

Oxitocina? Nunca ouvira falar. Mas quando ela a descreveu como uma ligação química, mordi a isca.

Mais tarde, de volta ao hotel, pesquisei na PubMed* e rapidamente descobri que a oxitocina é uma molécula, ou peptídeo, que funciona como neurotransmissor, enviando sinais ao cérebro, e como hormônio, levando mensagens pela corrente sanguínea. Em 1906, quando Sir Henry Dale identificou-a pela primeira vez na glândula pituitária, denominou-a com uma combinação de palavras gregas que significavam “rápido” e “par-to”. Obstetras e ginecologistas vieram a conhecê-la porque ela controla o início do trabalho de parto e o fluxo de leite para a amamentação. Mas além da esfera da reprodução, pesquisadores da área da medicina aparen-temente nunca pararam para estudá-la.

* Nota da Tradutora: PubMed é um banco de dados que possibilita a pesquisa bibliográfica em mais de 17 milhões de referências de artigos médicos publicados em cerca de 3.800 revistas científicas.

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Porém, fiquei intrigado sobretudo quando encontrei um vasto corpus de pesquisa sobre a oxitocina feita por biólogos que estudavam pequenos animais hirsutos. Injetada diretamente no cérebro de algumas espécies (a propósito, experiência proibida com seres humanos), a oxitocina fun-cionava como uma mítica poção do amor, criando um vínculo emocional monogâmico poderoso e imediato. No mundo altamente social de rata-zanas e marmotas americanas, demonstrou regularizar todas as formas de vínculo, incluindo a ligação com um companheiro, a tolerância com com-panheiros de gaiola ou colônia e até mesmo a tolerância com as próprias crias. Ao inibir a oxitocina, pesquisadores induziram as fêmeas a evitar os filhotes. Quando outros cientistas induziram a liberação da oxitocina, as fêmeas alimentaram filhotes de outras fêmeas, como os cachorros que ocasionalmente adotam gatinhos órfãos.

Em geral, o que mais me intrigava era a qualidade do hormônio. Na natureza, a oxitocina aumenta quando sinais do ambiente indicam que é seguro relaxar e se aninhar. Quando os sinais desaparecem ou são subs-tituídos por outros – como os de perigo –, é hora de voltar ao jogo de mostrar as garras e competir por alimento.

Ao ler sobre todas essas pesquisas nos periódicos de Biologia, não pude evitar pensar que o sinal da oxitocina – uma sensação calma mas provisória, altamente dependente de uma avaliação da segurança do mo-mento – se assemelhava à confiança. Foi quando as possibilidades real-mente interessantes começaram a surgir. Ligação... confiança... investi-mento parental... Pareciam conceitos completamente diferentes, até você perceber o mecanismo subjacente.

E se a ligação entre as ratazanas e a confiança entre os humanos tivessem origem na mesma substância química? E se a oxitocina fosse, na verdade, a assinatura química para aquela força ilusória de ligação que Smith chamara de simpatia mútua? Então, relembrando minha pesquisa sobre prosperidade e o aumento do poder de confiança, tive de rir. E se essa “Molécula da Moralidade” – se a oxitocina fosse isso – fosse também um elemento essencial para o que Smith chamava de a riqueza das nações?

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Foi um momento “eureca” para mim, em que a possibilidade de tan-tas ideias ao mesmo tempo me deixou um pouco tonto. Se eu pudesse demonstrar uma ligação direta entre a oxitocina e a preocupação com as outras pessoas, isso significaria que a noção da simpatia mútua não era somente uma abstração ou uma metáfora pré-científica, como a dos qua-tro humores. Eu poderia muito bem imaginar que, com a ajuda de alguns milhões de anos de refinamento evolutivo, o mesmo sistema básico que permitia criaturas primitivas baixar a guarda e se misturar e, em seguida, retomar a guarda no momento certo poderia ajudar os seres humanos modernos a manter o discernimento entre competição e colaboração, be-nevolência e hostilidade, talvez até entre o que chamamos de bem e de mal. E já que a confiança era o fator número 1 que ajudava as sociedades a se moverem rumo a maior prosperidade...

Bem, era uma grande teoria, mas uma teoria, por si só, não vale nada, a menos que possa ser comprovada. Foi então que comecei a me reequipar para acrescentar o estudo sobre sangue e cérebro a meu portfólio de técnicas de pesquisa. Aprendi, quando criança, nas ho-ras que passava no laboratório de engenharia de meu pai, o valor de experimentar e investigar além dos limites comuns. Voltei, então, ao Massachusetts General Hospital para me aprimorar na área de neuro-ciência. Comecei a circular pelo departamento de Neurologia na escola de Medicina próxima, frequentar palestras e apresentar trabalhos para juntas médicas. Eu já era professor titular – mas de Economia, não de Neurociência. Portanto, essa nova área de interesse significava um re-começo para mim.

Foi nessa época que mencionei meu novo projeto de pesquisa a um amigo obstetra e ginecologista. “É a ideia mais estúpida do mundo”, ele me disse. “É apenas um hormônio feminino.”

“E daí? E, a propósito... os homens também a produzem.”“Mas é insignificante. Parto. Lactação. Só isso.”Eu tinha de confiar em minha intuição. Se eu estivesse errado, sabia

que, no mínimo, estaria errado na análise, o que significaria que teríamos uma resposta: sim ou não.

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Por fim, acabei com um freezer cheio de sangue na minha sala no departamento de economia, o que levou um dos decanos a se referir ao meu trabalho como “economia de vampiro”, mas não me importava com a chacota. Estava determinado a descobrir se o conceito de simpatia mú-tua tinha algum teor verídico, e a única maneira era fazê-lo secretamente, que foi o que fiz, começando com os Jogos da Confiança na UCLA.

O que antes parecia uma ideia estúpida – o comportamento pró-social generoso acionado por um hormônio reprodutor em resposta à confiança – agora parecia bom demais para ser verdade, quase uma versão cientí-fica de uma parábola que se aprende na escola dominical. Porém, se a oxitocina permitia que as ratazanas convivessem em harmonia em suas colônias, por que não os humanos? Para espécies sociais, se o compor-tamento moral é mais adaptável que o cruel, só faria sentido se houvesse um fundamento biológico. E onde seria mais provável de se originar do que na reprodução, fase em que todos os vínculos e ligações têm início?

Refleti sobre esse imperativo biológico enquanto observava os volun-tários deixarem a sala naquela primeira manhã na UCLA. Eles tinham de passar no caixa para pegar o montante acumulado e – como se tratava de uma população de graduandos jovens e solteiros – havia certa empol-gação no ar quando comparavam o valor arrecadado entre si.

Ouvi parte da conversa, e as perguntas mais frequentes eram: “Quem era você?”, “O que faria?” e “Como você descobriria?”.

Não me surpreendeu o fato de não ter ouvido sequer um aluno dizer: “Fui um completo canalha. Acumulei o máximo que pude e não dividi nada.”

Tampouco ouvi qualquer garota dizer: “Sim. Tendo a ser fria e retraí da, e não confio em ninguém. Por isso, guardei o valor inicial. Que se dane!”

Com base em seus próprios reportes, pensaríamos que todos na sala estavam se candidatando ao Teach For America* para ajudar na prepara-

* Nota da Tradutora: Teach For America é uma instituição sem fins lucrativos que seleciona recém-formados e profissionais para lecionar por dois anos em comunidades carentes em todos os Estados Unidos.

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ção de refeições em cozinhas públicas e ler para cegos. Todos os alunos cuja conversa pude ouvir alegaram ter sido um exemplo de probidade moral, seja magnanimamente confiante ou generosamente confiável.

Esse fato gerou duas observações adicionais. A primeira é que o com-portamento pró-social é um chamariz sexual. Na verdade, dar presentes – demonstração de generosidade – é a regra número 1 para o ato de cortejar em todas as sociedades humanas e em algumas animais. Quem gostaria de ter um parceiro egoísta e autocentrado?

A segunda é que as pessoas mentem muito para impressionar o parcei-ro potencial. Por outro lado, os seres humanos são extraordinariamente bons em identificar mentirosos. Para pleitear o status de ser uma pessoa confiável – em oposição a um vigarista de um único e rápido encontro –, ela deve realmente fazer por merecer.

Portanto, faz sentido afirmar que a natureza combina como o velho ditado russo: “Confie, mas investigue.” A oxitocina é uma molécula peri-gosa que torna possível caminhar nessa linha tão tênue: confie e se apro-xime de alguém quando os estímulos certos estiverem presentes, mas es-teja preparado para recuar e entrar em estado de alerta quando o estímulo diminuir. Como a oxitocina passou a ser o regulador cuidadosamente modulado do comportamento de confiança e como a confiança abriu ca-minho para comportamentos sociais mais complexos, como a empatia, é uma história com muito mais detalhes – que nos leva de volta ao tempo e às profundezas do mar.

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Lagostas apaixonadas

A evolução da confiança

P ense numa simples lagosta.Nunca se pensou no estranho crustáceo homarus americanus

como particularmente moral ou romântico (a menos que, obvia-mente, seja servido na manteiga e com um bom vinho branco). Com uma carcaça blindada e garras enormes, esses animais são altamente agressi-vos, extremamente protetores de seu território e, pelo menos em cativei-ro, conhecidos por comerem seus semelhantes.

Mas se estiverem de bom humor e num ambiente menos iluminado, as lagostas até podem ser dóceis, num ritual de galanteio, como uma cena com foco suave dos antigos filmes franceses. Tudo começa quando a fêmea libera um aroma sedutor na gruta do macho, em seguida entra na gruta e sai da concha. Como em muitos roteiros cinematográficos, encontrar o parceiro ideal exige que elas se desvencilhem daquela casca dura e protetora. Mas para uma lagosta, sair da concha significa ficar altamente vulnerável, até que uma nova casca se forme, o que sugere um enorme gesto de confiança. A fêmea deve confiar sua vida inteiramente

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ao macho que escolheu; alguém que, em outras circunstâncias, ela trataria como rival, se não como uma ameaça. O sinal químico que a faz baixar a guarda tempo suficiente para o acasalamento e para o crescimento da nova casca é um remoto precursor da oxitocina. Uma substância pareci-da, que aparecerá mais tarde em nosso conto sobre a moralidade, induz o macho a protegê-la, cuidar dela e tratá-la com gentileza.

Podemos chamar o que verificamos no ritual de acasalamento da la-gosta de “confiança” e comportamento moral em resposta a essa confian-ça? Isso seria um avanço de 100 milhões de anos em relação aos humanos. Não obstante, o que podemos dizer é que o mecanismo fisiológico mais básico de todos os nossos impulsos morais remonta a um tempo muito anterior de os animais sequer se aventurarem em terra. Tudo começou com o sexo.

O fato de os precursores da confiança e da reciprocidade serem tão primitivos, de o DNA hereditário de nosso comportamento moral estar tão incorporado em células do corpo e de tudo ter origem na reprodução sugere muito claramente que o que chamamos hoje de moralidade não é uma questão secundária para a civilização, nem algo irrelevante que vai contra a natureza, mas algo profundamente relacionado com a sobrevi-vência básica.

Se a biologia da reprodução parece algo simples e um improvável pon-to de partida para questões relevantes que se tornariam posteriormente objeto de preocupação de profetas, padres e filósofos, pergunte-se o que o aborreceria mais: o fato de seu cônjuge alterar um pouco a relação de despesas da semana anterior ou de ele ter um momento de sexo extra-conjugal durante uma escala inesperada em outra cidade? O desejo de direcionar a energia sexual para o resultado mais construtivo socialmente é a essência de todo sistema moral de toda cultura do planeta.

Este capítulo oferece um panorama de como esse sistema de orienta-ção moral, com base na substância da reprodução, teve origem e evoluiu. Primeiro, estabeleceu vínculos entre os parceiros; em seguida, entre os “casais” e suas crias, e, então, entre os membros do núcleo familiar e seus companheiros e parentes imediatos. A maneira como passamos a

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conhecer o funcionamento de toda essa estrutura é uma notável história de investigação.

Mas a resposta a esse enigma nos leva à mais importante questão a ser resolvida por nós, como espécie. Sob a influência da oxitocina, é fácil comportar-se com generosidade, cuidado e preocupação em relação às pessoas com quem temos profundos vínculos pessoais. O maior desafio é: como estender esse comportamento virtuoso àqueles com quem não temos quase nada em comum e a quem nunca vimos pessoalmente?

Para começar a responder a essa pergunta, precisamos começar com a história evolutiva que remonta cerca de 700 milhões de anos atrás. O primeiro personagem que encontramos nesse conto são as criaturas ma-rinhas, tão primitivas que seu sistema nervoso operava mais como um código de computador do que o que se consideraria um cérebro. Para computadores, a escolha é sempre binária, o que significa que existem apenas duas alternativas. Para esses animais, a escolha binária não era entre um e zero, mas entre sim e não, pare ou ande, aproxime-se ou retraia-se. Um impulso faminto levaria ao avanço. Um estímulo doloroso ou desagradável resultaria numa retração imediata. Uma ameaça esti-mularia o hormônio do estresse, o que resultaria na retração ou numa demonstração de hostilidade – a famosa reação “luta ou fuga”. Angústia mental sobre ambiguidade moral não fazia parte do pacote: Devo trair meu marido, que está me traindo? Burlar o pagamento de impostos da empresa para a qual trabalho? Matar uma pessoa para salvar cinco? Sub-meter-me a Hitler para evitar uma guerra?

Os grupos de substâncias que orquestraram essas reações de luta ou fuga operavam como propulsores de foguetes guiando uma nave espacial. Trabalhando contra, elas ligavam e desligavam, empurrando nossos an-tepassados mais antigos em direções opostas em momentos diferentes. Se o animal estivesse programado corretamente, andaria em zigue quando deveria andar em zague e vice-versa, e só poderia viver o suficiente para reproduzir. É dessa forma que a natureza sempre mede o êxito – sobre-viver por tempo suficiente para transmitir os genes à próxima geração e à seguinte.

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No segundo capítulo dessa história, porém, surgiu a necessidade de um comportamento mais flexível e sutil que a abordagem do tipo “tudo ou nada”. Animais mais complexos como as lagostas devem juntar-se para copular, mas a reação de lutar ou fugir induzida pela ansiedade que sempre fez os animais serem cautelosos em relação aos seus iguais era muito valiosa para ser desprezada. Afinal, a cautela também ajuda na sobrevivência dos animais. Portanto, o recomendável era uma suspensão temporária, acionada pela circunstância correta, um tipo de trégua que duraria apenas o tempo suficiente para a cópula e reprodução, e desapa-receria em seguida, com o término do encontro.

Sempre que uma inovação ocorre na natureza, é acidental, ínfimos incrementos num tempo absurdamente longo. Em sistemas vivos, o me-canismo mais primário de alteração conta com erros genéticos, como mutações. Quando uma dessas inovações acidentais supera as existentes, o novo gene permanece e se espalha. É “naturalmente selecionado” pelo próprio sucesso, o que significa que mantém um tipo de criatura espe-cífica viva por mais tempo, em maior quantidade, produzindo crias em maior número. No entanto, como se trata de um processo de tentativa e erro, novos sistemas são gerados sobre os antigos, com novas instruções e apri-moramentos em vez de substituições.

De volta aos mares antigos aos quais estamos nos referindo, num tem-po em que a vida animal se resumia à vida marinha, o primeiro hormônio do estresse “luta ou fuga” era uma substância chamada vasotocina, cons-tituída de nove aminoácidos. Um belo dia, acidentalmente, alguns peixes há muito esquecidos vieram ao mundo com dois desses nove aminoá-cidos alterados. A nova proteína que se formou pela alteração dos dois aminoácidos – que hoje chamamos de isotocina – produziu um efeito exatamente oposto ao estresse do tipo “luta ou fuga”. Essa nova molécula reduziu temporariamente a ansiedade, o que permitiu ao animal rela-xar, ter menos medo de um encontro e facilitou o sexo, o que compro-vadamente era uma boa consequência. Por isso, essa proteína mutante permaneceu e proliferou, tornando-se, com o tempo, um traço padrão da química corporal dos peixes. Com a isotocina, o antigo hábito de se

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aproximar ou se retrair se estendeu e passou a abranger aproximação mú-tua. A proteína ainda acrescentou mais uma alternativa fundamental para a reação do tipo “luta ou fuga”, a “diversão”.

Por meio de milhões de outras mutações ao longo de centenas de mi-lhões de anos, a isotocina e a vasotocina continuaram a evoluir à medida que a natureza abriu caminho, por puro acaso, para formas mais elevadas de vida, finalmente chegando a mim e a você. Com o tempo, uma varian-te da isotocina se metamorfoseou em oxitocina. A vasotocina se transfor-mou em vasopressina e arginina, e hoje, juntas, ainda atuam como dois propulsores que guiam nosso comportamento reprodutor – e moral.

Temos um longo caminho pela frente antes de chegarmos ao ponto de termos duas pessoas vestidas com robes brancos discutindo sobre a virtu-de sob o brilhante sol de Atenas, mas, mesmo assim, a dimensão moral da família de moléculas da oxitocina começou a surgir há muito tempo. O ponto de partida se deu no momento em que o aspecto reprodutor se estendeu com a chegada de outro elemento que vem enlouquecendo machos e fêmeas desde então: a escolha.

Peixes machos preferem fêmeas grandes por darem mais crias, uma tendência que vem se perpetuando apenas pelo fato de mais peixes machos nascerem com a preferência genética, herdada pelos pais, por fêmeas grandes. As fêmeas da maioria das espécies preferem machos fortes, fe-rozes e dominantes. Esse fato também se perpetua, pois os genes mascu-linos desses machos permitem que as crias das fêmeas obtenham maior sucesso reprodutor.

Quando o elemento “escolha”, chamado de seleção sexual, foi in-corporado à competição básica por sobrevivência, chamada de seleção natural, o ritmo da evolução se acelerou bruscamente. As fêmeas fazem a maior parte das escolhas nesse jogo e, como todo homem sabe muito bem, a escolha das fêmeas coloca o macho para trabalhar no sentido de provarem que valem a pena. Ações que encantam as fêmeas podem ser uma simples demonstração de aptidão – testemunhar alces dando golpes com a cabeça ou sapos competindo para ver qual consegue coa-xar mais alto e por mais tempo. Mas em espécies nas quais os machos

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ajudam na criação dos filhotes, a competição passa a considerar aspec-tos mais práticos. Nessas espécies, o macho tem de demonstrar não só habilidade de servir como fonte de proteção e provisão, mas também de comprometimento. É nesse momento que a questão da virtude entra em cena.

Hoje, espera-se que os machos da espécie homo sapiens deem à par-ceira potencial um apoio incondicional, apenas para demonstrar que têm boas e sérias intenções, evidenciadas pela habilidade (e disposição) de queimar três meses de salário com um presente ou um gesto. Verificamos o mesmo padrão entre os pássaros e em abelhas africanas, que se alimen-tam dos excrementos de elefantes. Nesse caso, os machos mostram que são confiáveis e estão comprometidos ao dar de presente à sua amada um bolo de estrume de elefante, sobre o qual ela porá os ovos, em vez de ir a uma joalheria.

Em relação ao galanteio humano, a generosidade tem sido uma es-pécie de isca desde os tempos em que significava dividir larvas e carne de mastodonte. Hoje, as mulheres ainda gostam quando o homem é ge-neroso com a mãe delas e se dispõe a jogar videogame com o cunhado caçula, pois esse comportamento sugere que ele será um marido gentil e generoso.

Mas a generosidade também abrange uma tradição ainda mais evo-lutiva: o fato de as mulheres se encantarem com uma característica mas-culina que, na verdade, é uma desvantagem duvidosa: a exibição exacer-bada da boa forma. A plumagem extravagante de alguns pássaros parece afirmar: “Se consigo sobreviver no mundo selvagem com esses chumaços estúpidos de penas vermelhas saindo da minha cabeça, devo ser um cara e tanto!”

A generosidade pode ser considerada uma desvantagem, pelo fato de que limita o poder de crueldade de uma pessoa ao tentar obter o que de-seja. No entanto, no momento do cortejo, ela diz: “Não preciso ser um canalha ganancioso que quer tudo para si. Sou tão capaz e adequado que posso ser generoso. Serei bondoso com você.”

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É evidente que existe uma grande diferença entre perder algumas ho-ras fazendo uma bola de estrume de elefante e ter de passar os 40 anos seguintes trabalhando numa fábrica de pasta de dentes, treinando a Little League,* levando o lixo para fora e sendo gentil com a família da esposa. O grande salto para o progresso ocorreu quando a natureza surgiu com uma nova forma de vida, uma nova categoria – a das criaturas hirsutas, conhecidas como mamíferos sociais.

o sexo e a ratazana solteira

Antes de começarmos o estudo do Jogo da Confiança com humanos, a pesquisa mais sofisticada sobre oxitocina e sobre o que pode ser vagamen-te chamado de comportamento moral foi feita com ratazanas – roedores gorduchos com olhos pequenos e grandes orelhas, que os fazem parecer um personagem da Disney. Nos anos 1980, uma jovem cientista chama-da Sue Carter queria investigar como a química cerebral se diferenciava em duas formas de criaturas sociais intimamente relacionadas mas que se comportavam de modo bastante diferente. Quando ela mencionou o que vinha investigando a Lowell Getz, um biólogo de campo, seu colega do departamento da University of Illinois, em Urbana-Champaign, ele acenou para fora da janela e disse, basicamente, “aproveite-os”. As pra-darias logo atrás do campus estavam lotadas com os animais de que ela precisava.

A ratazana da pradaria e seu primo, o rato do campo, são um estudo de contrastes, embora vivam em ambientes parecidos, comam alimen-tos parecidos – em geral, grama –, enfrentem predadores semelhantes e compartilhem progenitores genéticos similares. Entre os machos, as diferenças comportamentais são antagônicas, como o dia e a noite.

* Nota da Tradutora: Instituição sem fins lucrativos em Williamsport, Pensilvânia, Estados Uni-dos, que organiza ligas jovens locais de beisebol e softball nos Estados Unidos e no mundo.

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Os ratos machos da pradaria (Microtus ochrogaster) são animais do tipo boa-praça. Eles convivem pacificamente em grupo, permanecem com suas parceiras por toda a vida e reservam bastante tempo para os filhotes.

Os ratos do campo (M. pennsylvanicus), por outro lado, são jogadores e solitários. Não convivem bem com vizinhos, seduzem todas as fêmeas que podem e passam para a seguinte com a maior rapidez sem qualquer consideração.

Um psiquiatra chamado Cort Pedersen já havia demonstrado que a liberação da oxitocina era a explicação para o comportamento materno em animais de laboratório. As fêmeas virgens da espécie dos ratos bran-cos que os cientistas em geral usam como cobaias atacam ou ignoram os filhotes que encontram pela frente pelo fato de não haver o instinto maternal sem a substância química correta no corpo. Proveja estrogênio a essas desconfiadas fêmeas e elas adotarão qualquer filhote que esteja por perto – instinto materno à flor da pele. Essas mamães ratazanas brancas tentam amamentar, lamber e cuidar dos filhotes, até mesmo protegê-los contra suas próprias mães biológicas.

Quando esses mesmos animais têm crias, e as substâncias químicas corretas são liberadas como deve acontecer em circunstâncias normais, passam horas intermináveis cuidando, alimentando e protegendo a cria. Sob a influência da oxitocina, eles sentem menos dor e ficam menos su-jeitos à dispersão, desempenhando seu papel materno mesmo quando os pesquisadores tentam enlouquecê-los com barulhos e luzes. Mas ao dar a uma ratazana de laboratório que acabou de ter cria uma droga que iniba a ação da oxitocina, ela negligenciará completamente os filhotes e, em consequência, eles morrerão. Por mais triste que seja, esse é o mesmo efeito que verificamos em mães que fumam crack ou que foram tão abu-sadas que seus hormônios do estresse bloqueiam o efeito da oxitocina.

O trabalho de Sue Carter foi especialmente provocativo porque am-pliou a ligação entre a oxitocina e o comportamento reprodutor ao incluir nessa relação também o comportamento social em geral. Ela demonstrou ser o número de receptores de oxitocina que revestem as áreas do cérebro relacionadas à compensação que explica o estilo de vida das ratazanas

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da pradaria, monogâmicas e agregadoras, e o de seu primo, os ratos do campo, antissociais e não confiáveis.

As áreas de recompensa são ativadas quando um indivíduo entra em contato com o prazer de qualquer natureza, seja comida, sexo, cocaína ou (no caso dos seres humanos) ouvir, num programa de rádio, um ponto de vista com o qual concordam. Para os ratos machos da pradaria, morar com uma fêmea familiar aciona a liberação da oxitocina, que se instala nessas regiões e reforça o comportamento ao liberar outras substâncias químicas que induzem a sensação de bem-estar e os compelem a se com-prometer e se estabilizar na relação. Esse mesmo esquema acionado pelas substâncias químicas indutoras de bem-estar ocorre quando os ratos da pradaria deparam com os filhotes, pois o cérebro recompensa e reforça o pacote completo de vida familiar e paternidade.

Assim como o pai que se esparrama no sofá com a esposa e os filhos, o rato da pradaria se sente bem em passar tempo com a família. E assim como os indivíduos que fazem o tipo boa-praça e se relacionam bem com todo mundo, tanto na loja de informática quanto nos encontros do VFW,* o rato da pradaria sente o aconchego do companheirismo em vez da sensação de ameaça sempre que sai da toca, o que gera uma atmosfera agradável na comunidade. Em relação aos seres humanos, o resultado é uma abundância de virtude cívica.

Os ratos do campo, por outro lado, carecem de receptores de oxitoci-na, necessários para absorver os sinais de prazer acionados por quaisquer estímulos sociais, o que os faz parecerem garanhões insaciáveis, com uma extensa lista de ex-namoradas, mas sem amigos verdadeiros; ou aquele vizinho excêntrico que mora sozinho e ameaça atirar em qualquer pessoa que pise em seu gramado.

Mas a oxitocina também ativa os sistemas cerebrais inibidores da dor e do medo. O sexo entre os mamíferos pode facilmente se tornar uma luta de foice. Portanto, a habilidade da oxitocina de reduzir a sensibilidade à

* Nota da Tradutora: VFW é o acrônimo de Veterans of Foreign Rights, organização americana dos veteranos de guerra em terras estrangeiras.

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dor – especialmente a sensibilidade das fêmeas – contribui para la dolce vita. Por isso, os genes da oxitocina saem vencedores na seleção natural, a grande competição que avalia quantos filhotes gerados viverão o sufi-ciente para também reproduzir.

O sexo também envolve riscos, e a oxitocina oferece vantagens adicio-nais ao reduzir a sensibilidade ao estresse, incluindo o medo do desco-nhecido. Animais que receberam, no laboratório, oxitocina injetável fica-ram muito menos desconfiados e mais curiosos que os que não receberam a substância. Pegue vários ratos de pradaria ou qualquer fêmea da espécie dos mamíferos, injete uma boa dose de oxitocina, e eles estarão prontos para começar a explorar o território, investigando e se misturando uns aos outros. O nível de agressividade é reduzido, e eles se tornarão mais próximos e colaborativos, a ponto de dividirem a comida.

Em espécies socialmente monogâmicas, a oxitocina liberada durante o sexo cria um elo para a vida toda. Porém, no lado masculino da equação, a monogamia inclui mais do que estar próximo à eleita. Manter o vínculo entre o casal significa estar preparado para se defender de outros machos que consideram sua fêmea irresistível. Portanto, quando os mamíferos machos monogâmicos fazem sexo, o cérebro libera, além da oxitocina, a molécula do carinho, a “prima” vasopressina, a substância que descende do hormônio do estresse dos peixes. A porção “guarda e defesa” do “a luta ou a fuga” se tornou parte da brincadeira, com o comportamento protetor focado não só no parceiro, mas também nos filhotes.

Portanto, seja na badalação noturna, no fato de esbarrar em algum semelhante dentro da toca ou no ato de balançar o Júnior no colo do papai, é a oxitocina e seus parceiros químicos que tornam todos mais pró-sociais.

Em seres humanos, as regiões cerebrais associadas às emoções e aos comportamentos sociais – a saber, a amígdala, o hipotálamo, o córtex subgenual e o bulbo olfativo – são revestidas de receptores de oxitoci-na. Mas o efeito do hormônio é registrado em todo o corpo, sobretudo quando se conecta a receptores no coração e no nervo vago, que emite o impulso nervoso ao coração e ao intestino, reduzindo a ansiedade e a

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pressão arterial e resultando no calor que sentimos nas bochechas, que, em geral, associamos ao sexo.

Mas há uma disseminação ainda maior de substâncias químicas. Quando um estímulo social positivo induz a liberação da oxitocina, a molécula da moralidade, por sua vez, aciona a liberação de dois outros neurotransmissores de bem-estar: dopamina e serotonina. A serotonina reduz a ansiedade e melhora o humor. A dopamina está associada a com-portamentos que levam à busca pelo atingimento de metas, direciona-mento e reforço de aprendizagem. Ela motiva e torna agradável a busca por atividades que resultam em recompensa.

Essa cascata de reiteração se torna ainda mais envolvente e interessan-te, mas vamos aqui nos ater à biologia básica, a história sobre como nosso entendimento dessa biologia alcançou o nível seguinte.

Manipulando a moralidade

A história natural é como um canal de televisão sobre a natureza – algo a que você assiste. Você observa de perto, faz anotações interessantes e, ao longo do tempo, começa a perceber como as coisas funcionam. Mas depois de certo tempo, ainda é necessário ir ao laboratório para o que chamamos de experiência controlada, em que isolamos e manipulamos várias partes do quebra-cabeça para testar nossas pressuposições e encon-trar a prova definitiva.

No ano 2000, um inteligente e talentoso neurocientista da Emory University, em Atlanta, chamado Larry Young, realizou uma série de manipulações que mostraram o funcionamento da oxitocina com preci-são espantosa. Ele criou um ratinho geneticamente modificado, que não era um carinha de bigodes e luvas de boxe, mas um animal de laboratório cujo gene da molécula da moralidade fora extraído. Sem a oxitocina em sua programação genética, o rato desenvolveu amnésia social. A perda apenas desse gene e do hormônio produzido por ele eliminou a possi-bilidade de reconhecer outros ratos, parceiros de longa data. Ratos que

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tinham suas parceiras de cativeiro e que, inclusive, conviviam com outros ratos se tornaram excêntricos e solitários.

Eliminar o comportamento ao remover um único gene foi uma de-monstração um tanto convincente de causa e efeito. Mas para, de fato, comprovar a teoria, Young e seus colegas deram um passo a mais e in-verteram o processo. Eles injetaram oxitocina no cérebro dos ratos ge-neticamente modificados, recolocando o único ingrediente que haviam removido previamente. Como num passe de mágica, a amnésia social desapareceu. Os ratos voltaram a reconhecer seus velhos parceiros e a conviverem harmoniosamente com eles.

Em seguida, Young pegou um rato do campo fêmea – os solitários e preguiçosos, para começar – e, usando um vírus inofensivo como vetor em seu cérebro, inseriu o gene que codifica o receptor da vasopressina. Em seguida, ele enfileirou duas lindas ratazanas e as colocou em frente aos machos modificados. Não surpreendeu o fato de que esses ratos do cam-po malandros imediatamente viraram grandes pegadores, cheios de amor para dar. Mas depois do sexo, esses animais, que deveriam comportar-se como playboys grosseiros, agora queriam se aconchegar e se aninhar com a mesma fêmea repetidas vezes. Mesmo na presença de outras fêmeas perfeitamente atraentes, esses machos modificados ignoraram o canto da sereia e se mantiveram fiéis. A introdução dos receptores da vasopressina mudou o comportamento desses animais, de nômades e sem raízes para companheiros fiéis.

Conheço algumas mulheres que se empolgam quando menciono manipulações genéticas que possam transformar cafajestes em parceiros monogâmicos. Mas cada espécie tem suas diferenças em termos de re-ceptores de oxitocina e vasopressina. (Modificar os genes de um homem jamais seria aprovado pela análise de ética da universidade.)

Mesmo assim, queria tentar algo similar em meus voluntários huma-nos. Queria verificar se poderíamos ir além da associação entre a oxitoci-na e a generosidade, que já tínhamos demonstrado no Jogo da Confian-ça, e usar manipulações para pôr fim a qualquer dúvida sobre o que de fato causava o quê. Tudo de que eu precisada era uma forma de injetar

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a oxitocina diretamente no cérebro humano. Em seguida, os participan-tes do experimento participariam do Jogo da Confiança e, se tudo desse certo, eu poderia “ligar” a oxitocina como se fosse um interruptor de luz. Caso eu também me certificasse de que todas as demais variáveis que poderiam afetar o comportamento se manteriam inalteradas, seria uma comparação absolutamente clara entre o cérebro sob efeito da oxitocina e sem o aspecto pró-social.

Há alguns anos, médicos criaram inaladores nos quais poderíamos administrar doses preestabelecidas de oxitocina sintética para mães que precisavam de uma ajudinha com a amamentação. Mas esse tipo de in-fusão não era como um esguicho de descongestionante para desobstruir as vias aéreas. São necessários quatro jatos em cada narina para absorver uma colher de chá do ingrediente ativo e fazê-lo entrar na corrente sanguínea. Além do mais, não é nada agradável a experiência de ficar fungando e com o nariz escorrendo. Ao me preparar para adaptar a técnica para o nosso estudo, o maior problema com que deparei foi a burocracia.

Nos anos 1980, o Food and Drug Administration* aprovara um ina-lador de oxitocina para o uso em mulheres que tinham dado à luz re-centemente, mas o produto acabou caindo no mercado, portanto essa versão aprovada pelo FDA deixou de ser produzida, o que me pareceu um retrocesso para meu esquema. Porém, um psicólogo suíço chamado Markus Heinrichs me enviou uma cópia de sua dissertação. Ele tinha administrado em voluntários humanos para verificar seu efeito sobre o estresse. Portanto, era evidente que os equipamentos ainda estavam dis-poníveis na Europa.

* Nota da Tradutora: O FDA (Food and Drug Administration) é o órgão governamental ame-ricano que controla os alimentos (tanto para seres humanos quanto para animais), suplementos alimentares, medicamentos, cosméticos, equipamentos médicos, materiais biológicos e produ-tos derivados do sangue humano. Qualquer novo alimento, medicamento, suplemento alimen-tar, cosméticos e demais substâncias sob sua supervisão é minuciosamente testado e estudado antes de ser aprovado para comercialização.

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Liguei para Markus, e ele me recomendou uma farmácia na Suíça onde, com a prescrição adequada, eu poderia encomendar um inalador de oxitocina, que seria enviado para mim na Califórnia mergulhado num recipiente com gelo. De repente, eu estava de volta às atividades até que comecei a preencher o formulário. Para o FDA aprovar os inaladores importados, cujo nome comercial era Syntocinon, para uso nos Estados Unidos, eu tinha de mostrar que a fórmula era idêntica à da oxitocina originalmente aprovada por eles.

Portanto, eu teria de encontrar os produtores europeus do Syntocinon. Esse produto específico já havia passado por diversas empresas, mas, ao investigar, descobri que o inalador Syntocinon estava sendo produzido naquele momento pela Novartis. Levei mais alguns meses, mas, por fim, encontrei o contato da empresa que pudesse me explicar exatamente o que, além da oxitocina, continha no líquido posto no inalador. Infeliz-mente, o ingrediente ativo era o mesmo, oxitocina, mas havia diferença nas soluções e fragrâncias.

Parecia bastante trivial, mas o detalhe era que o FDA era uma preo-cupação. Ele estabelece as regras, e os pesquisadores têm de segui-las à risca ao trabalhar com voluntários humanos. Portanto, compilei todas as informações e mandei para o FDA. E fiz isso de novo. E de novo.

Continuei mandando minha solicitação por quase dois anos. Final-mente, encontrei um funcionário do governo que se prontificou a me ajudar, possibilitando-me fazer uma comparação minuciosa de todos os ingredientes que compunham o Syntocinon e o inalador americano pre-viamente aprovado.

Mas eu não queria que a pesquisa ficasse completamente estagnada enquanto todo o processo estava em curso. De acordo com o manual de ética, ainda havia uma pessoa que poderia servir de cobaia – eu mesmo.

A oxitocina se decompõe rapidamente no estômago, sem qualquer efeito biológico. Por isso, uma questão que eu precisava entender era o volume que eu precisava colocar nas cavidades nasais para que fosse absorvida pelo cérebro em vez de descer pela garganta. Também queria

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verificar se a infusão irritaria as vias nasais, os olhos ou qualquer outro ór-gão. Então, tentei todo tipo de prática para levar a oxitocina ao cérebro: inaladores de vários tipos, conta-gotas para pingar no nariz ou mesmo aspirá-la por meio de uma colher.

A autoexperimentação é uma questão delicada, portanto, cada vez que eu tentava um novo método, sentava no escritório de minha esposa no centro médico. Ela é neurologista e, ocasionalmente, me observava enquanto fazia seu trabalho. Um dos efeitos colaterais mais comuns da oxitocina nas mulheres é o vazamento de leite do seio, mas eu não estava muito preocupado com isso. Como hormônio reprodutor, no entanto, a oxitocina tem receptores em todas as partes do corpo, inclusive no cora-ção. O pior cenário possível seria meu coração desacelerar tanto a ponto de eu perder a consciência. Por isso era bom estar a poucos metros da emergência.

Com certeza, eu inalaria o máximo que conseguisse do hormônio, então ficaria quieto, sentado no escritório de minha esposa mandando e-mails e esperando para ver o que aconteceria. A cada meia hora, ela aparecia, acariciava meu ombro para ver se eu estava consciente e per-guntava: “Como você está?” Todas as vezes, uma parte específica do meu corpo “batia continência”. “Para registro: advirta os participantes mas-culinos dos próximos estudos sobre os efeitos colaterais inofensivos mas potencialmente constrangedores.”

Depois de uma espera de dois anos, meu contato no FDA informou que as versões americanas e europeias da fórmula da oxitocina não eram compatíveis.

“Então qual o próximo passo?”, perguntei.“Experiência controlada em laboratório”, ele respondeu. “Da etapa

um à quatro. Não há outra forma de provar que é seguro.”Era uma hipótese absurda, e eu estava ficando desesperado. Expe-

riências controladas em laboratório são o que as empresas farmacêuti-cas fazem quando vão lançar uma medicação nova que gerará bilhões ao mercado. Essas experiências levam anos e são absurdamente caras.

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Por sorte, como pudemos constatar, um artigo estava prestes a ser pu-blicado na New Scientist (escrito por Linda Gueddes, a do casamento vam-piresco). Ele descrevia minhas experiências iniciais do Jogo da Confiança com a oxitocina. A editora me perguntou se poderia mandar o rascunho do artigo para um economista experimental na Suíça chamado Ernst Fehr, que recentemente havia publicado um estudo sobre altruísmo. Eu disse ao editor que Fehr era um concorrente potencial e que eu preferia não com-partilhar o artigo ainda, mas o rascunho foi enviado do mesmo jeito. Fehr é um pesquisador muito inteligente e dinâmico, e suspeitei que ele veria com muita facilidade que, depois que você mede a oxitocina no sangue, o passo lógico seguinte seria manipulá-la no cérebro.

Sentindo a pressão, liguei para Markus Heinrichs, na Suíça.“Não consigo aprovação aqui”, disse a ele. “Vamos trabalhar nisso jun-

tos. Eu preencho o protocolo e você faz a infusão no seu laboratório, em Zurique.”

“Que engraçado você me pedir isso agora”, ele respondeu, “há dois dias, um economista chamado Fehr me pediu a mesma coisa”.

Nós três nos falamos por telefone e chegamos a um acordo para tra-balhar em conjunto na University of Zurich, bem longe dos olhos do FDA.

Em Zurique, fizemos a infusão em 100 voluntários com o Syntoci-non, o spray nasal altamente concentrado que poderia levar a substância diretamente ao cérebro. Para criar um grupo controlado para compa-ração, fizemos a infusão de uma solução de efeito placebo no mesmo número de pessoas. Nenhuma das substâncias causou qualquer sen-sação identificável, portanto ninguém sabia quem havia recebido qual substância.

Então começávamos o Jogo da Confiança com nossos voluntários es-timulados (ou não). Por sorte, não houve ataques cardíacos ou incidentes envolvendo ereções não desejadas. O lado positivo foi que os partici-pantes infundidos com oxitocina deram 17% a mais de dinheiro do que os que inalaram o placebo. Um aspecto ainda mais drástico foi que os

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jogadores A, sob efeito da oxitocina, ficaram tão confiantes de repente que transferiram todo o dinheiro para os jogadores B, mais que o dobro do que os que se tornaram confiantes sob o efeito do placebo.

Esse fato comprovou claramente a demonstração de causa e efeito que eu vinha buscando. Fazer o cérebro liberar oxitocina por meio de um estímulo natural – o trabalho que fizera na UCLA – foi revolucionário. Dessa vez era apenas uma confirmação. Mas devido a peculiaridades no processo de avaliação acadêmica, a pesquisa de Zurique foi publicada primeiro e causou frisson. Quando me dei conta, estava em Nova York falando em rede nacional sobre a oxitocina – grande parte do meu tra-balho até então – para todos os Estados Unidos. O maior benefício de toda essa divulgação foi o fato de eu não precisar mais trabalhar de forma independente ou implorar por apoio à “ideia mais estúpida do mundo”. A Fundação John Templeton, em especial, foi bastante generosa, doando $1,5 milhão para a continuação da pesquisa.

A fundação me permitiu ir atrás de uma indagação: se o efeito da oxi-tocina era limitado a situações de ganha-ganha, como no Jogo da Con-fiança, ou se elevaria a generosidade também em situações de soma-zero – aquelas nas quais o ganho de alguém é necessariamente a perda de outra pessoa. Nesse ínterim, encontrei uma forma de driblar meus pro-blemas com o FDA ao elaborar meu próprio inalador de oxitocina com a aprovação da instituição. Portanto, eu ainda não havia abandonado defi-nitivamente a abordagem independente à ciência.

Usando dispositivos caseiros, realizei outra experiência na UCLA, em que dei $10 a cada participante, fiz com que inalassem oxitocina e, então, pedi que dessem parte do dinheiro a outro participante anônimo. Era tudo o que tinham de fazer – dar um presente. Não era o caso do jogador A que precisava doar ter de pensar como o jogador B reagiria. Era mera questão de altruísmo. A reação do jogador B não exerceria qualquer in-fluência no final.

O resultado? Bem, se você se lembra do casamento vampiresco, mos-tramos como a oxitocina é sensível à natureza precisa dos relacionamentos

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humanos. A molécula da moralidade reage aos vínculos humanos e, nesse simples teste, não havia qualquer elo que estimulasse reação ou qualquer fator para considerar ao decidir o que fazer. Portanto, a infusão da oxito-cina não fez coisa alguma.

Então, fizemos o mesmo procedimento de infusão enquanto os par-ticipantes jogavam o que chamamos de Jogo do Ultimato, em que há um Proponente e um Reagente, e seus montantes finais são somados. O Proponente ganha $10 para começar, mas a pegadinha está no fato de que, para permanecer com parte do valor, ele deve oferecer uma parte ao Reagente. A armadilha ainda maior é que o Reagente precisa concordar em dividir a soma final. Caso contrário, ninguém ganha nada.

No Jogo do Ultimato, a maioria das pessoas se recusa a aceitar a dis-tribuição de 9 para 1 por uma questão de princípios. Você pode pensar que $1 – ou mesmo $2 – é melhor que nada, mas, aparentemente, não significa muito quando uma das partes se prende à ganância. Ao serem confrontadas pela injustiça flagrante, as pessoas parecem sentir mais pra-zer (lembra as áreas da recompensa no cérebro?) em se manter fiéis aos princípios do que em acumular dinheiro. Nos Estados Unidos e na maio-ria dos demais países desenvolvidos, ofertas de uma divisão de menos de 30% são quase sempre rejeitadas.

Quando conduzimos esse estudo em que ganhar dinheiro dependia de traquejo social (produzindo uma situação ganha-ganha, aceita por ambas as partes), uma infusão de oxitocina elevou o nível de generosidade em 80%!

Portanto, o segredo para uma sociedade melhor é fazer as pessoas inala-rem oxitocina de tantos em tantos minutos? À parte o número de obstá-culos práticos, o caminho da infusão não é realmente necessário, sobre-tudo depois que descobri que a natureza oferece diversas técnicas para a liberação de oxitocina no dia a dia. Os cães esfregam o focinho e os gatos se roçam em você para elevar a própria oxitocina. Golfinhos nariz-de-

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garrafa se acariciam. Esses comportamentos de bem-estar se prestam ao propósito de estreitar os laços. Com os seres humanos, os costumes não são tão diferentes.

A importância do toque mútuo

Iniciei a pesquisa sobre a oxitocina pelo vetor da confiança. O passo se-guinte era verificar o que eu poderia aprender sobre oxitocina e toque.

Há alguns anos, quando levei minha filha ao primeiro dia na esco-la, fiquei encantado em ver que, enquanto as crianças entravam na sala numa fila indiana, a professora abraçava cada uma. Quando chegou ao fim da fila, ela encontrou um pai de 1,93 metro (c’est moi) que perguntou: “Os adultos também ganham abraço?”

Nunca tive problemas com contato físico, mas depois de uma década estudando oxitocina, agora advirto a todos que chegam a meu labora-tório que, antes de nosso encontro terminar, vou lhes dar um abraço. É impressionante como essa declaração de intenção quebra o gelo e faz as pessoas se abrirem mais.

Infelizmente, o abraço ganhou uma fama injusta. Talvez pela supe-rexposição dos anos 1960, mas, de alguma forma, a cultura pop o reduziu a um clichê, uma versão tátil da música “Kumbaya”.* Por outro lado, o movimento dos abraços grátis se tornou febre no YouTube nos últimos anos. Esse esforço de guerra de indução de oxitocina começou quando um australiano, sob o pseudônimo de Juan Mann, voltou de Londres para seu país de origem e se sentiu desolado por não ter ninguém espe-rando por ele. Convicto de que calor humano era tudo o que mais preci-sávamos, ele fez uma placa de cartolina em que se lia “abraços grátis” e foi

* Nota da Tradutora: Música gospel afro-americana da década de 1930 que ganhou populari-dade nos anos 1960 e se tornou o hino dos escoteiros e de outras organizações voltadas para a natureza.

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para a esquina mais movimentada de Sydney. Levou algum tempo para quebrar o gelo, mas, por fim, a fila começou a se formar. O movimento se tornou viral, com esforços similares em vários países, milhares de acessos a vídeos de abraços grátis e a presença de Juan Mann no programa da apresentadora Oprah Winfrey.

Pode ser que ainda mais pessoas tenham sido influenciadas por uma mulher chamada Amma, a “santa do abraço”, que, diz-se, já abraçou mais de 29 milhões de devotos. Levado por impulso, tentei visitá-la uma vez num centro de convenções em Los Angeles, onde ela oferecia a própria abordagem diferenciada para liberação de oxitocina. Cheguei tarde, dei-xei o carro com o manobrista e entrei, mas a fila do abraço exigia uma senha que eu não tinha. Ainda assim, foi uma experiência poderosa ver as pessoas acachapadas por um simples e carinhoso abraço. Observei por cerca de meia hora, mas eu tinha um compromisso. Quando fui buscar o carro, o manobrista deu de ombros de disse: “É de graça.” Dei-lhe $20 de gorjeta.

Sob a perspectiva de minha incipiente pesquisa, um dos aspectos in-teressantes sobre o abraço é o papel que a confiança desempenha. Certa-mente, abraços podem ser tranquilizadores e inspirar generosidade, mas também podem ser uma invasão indesejada e a violação do espaço de alguém. (Já viu o vídeo de George W. Bush tentando afagar o pescoço da Primeira-Ministra Angela Merkel?) A diferença é o contexto social e a confiança social.

Abraços são uma forma de cumprimento, que, por sua vez, estabele-cem, demonstram ou reconstroem vínculos sociais. Os cachorros cheiram os traseiros uns dos outros. Os homens apertam as mãos, um costume que, segundo dizem, teve origem no fato de mostrarem o braço direito inteiro para provar que não estavam armados. Mas também pegamos no ombro e no cotovelo, e praticamos todas as variações de beijo: em uma bochecha, um beijo em cada uma, três beijos – na esquerda, na direita e na esquerda de novo. (Claro que há refinamentos restritos aos casais românticos.)

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Cada gesto no ato de cumprimentar se destina a transmitir infor-mações, muitas das quais relacionadas à confiança, e a maioria delas não processamos conscientemente. Mas, em geral, o inconscien-te se sai bem. Nada mais incômodo que um abraço fora de hora (ou mais falso que um beijo estalado entre “(ini)amigos”. E nada mais reconfortante que um abraço caloroso, que expressa a confiança advinda da liberação da oxitocina.

No laboratório, às vezes acaricio a barriga de um ratinho quando que-ro induzir a liberação da oxitocina e acalmar o bicho. Você pode fazer o mesmo com o ser humano ao passar os dedos entre as costelas para estimular o nervo vago, rico em receptores de oxitocina; isso emite im-pulsos nervosos que levam as pessoas a relaxar e se sentir seguras (meus filhos adoram). Mas trazer voluntários humanos ao laboratório para que eu acaricie suas barrigas soa problemático.

A ideia seguinte foi trazer pessoas ao laboratório apenas para abra-çá-las, mas também poderia parecer estranho. Alguém poderia passar dos limites, e eu seria processado ou enxotado da universidade por as-sédio sexual. Precisávamos de uma forma de toque que estimulasse a molécula da moralidade, mas que mantivesse imparciais todos os as-pectos clinicamente envolvidos. Precisávamos de uma massagista te-rapeuta profissional, formalmente habilitada. Então, fui a uma escola de massagens terapêuticas em Los Angeles e convoquei três instrutores para nos ajudar. Assim, gastei $8 mil em massagem sem usufruir delas sequer uma vez.

Na verdade, foi um dos trabalhos mais árduos que já fiz. Trazíamos de 8 a 12 voluntários de uma vez, colhíamos o sangue, dávamos a eles 15 minutos de massagem, fazíamos com que jogassem o Jogo da Confiança e colhíamos o sangue de novo. Para maior controle, a rotina se mantinha a mesma, à exceção de que às vezes nós deixávamos que descansassem por 15 minutos em vez da massagem. Esses vinham em dias diferentes dos do grupo da massagem, para não se sentirem prejudicados por não ter o benefício. Mas a tentativa de registrar todos os comportamentos em

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tantas situações de prazer e repouso me fez sentir como num episódio antigo de “Three’s Company”.*

Felizmente, os dados obtidos estavam em consonância com o que ha-víamos testemunhado quando a liberação da oxitocina era induzida pela confiança. Em geral, os que receberam a massagem tiveram 9% de au-mento no nível da oxitocina. Mas a bonança de fato ocorreu com os joga-dores B que haviam recebido a massagem e ainda receberam dinheiro de um jogador A que demonstrara confiança. Para esse grupo (massagem + confiança), a disposição de agir com reciprocidade e de dar de volta parte do montante aumentou em 243%!

Contato físico caloroso (quando bem-vindo e de forma apropria-da) combinado com um vínculo social provou ser a chave para o sucesso no que se referia à indução de um comportamento generoso e pró-social, o que parecia uma novidade que poderíamos usar.

Mas como dissemos no início deste capítulo, o aspecto mais impor-tante para minha pesquisa foi o movimento exógeno do “sistema solar” social com o qual deparamos no casamento vampiresco.

Vimos como a oxitocina facilita o contato entre colegas e o vínculo com filhotes e com o parceiro. Com mamíferos sociais, o elo se expande e inclui um grupo muito maior de parentesco e até mesmo de vizinhos sem qualquer relação familiar. Mas para mamíferos sociais que convivem no mesmo ambiente, a confiança é alta, de contato físico e recorrente, e a busca pela sobrevivência é compartilhada. Portanto, todas as respostas que eu encontrara até então ainda convergiam para a seguinte pergunta: Como podemos gerar e manter esse tipo de sentimento familiar entre o ainda maior número de indivíduos que compõem as sociedades humanas, a maioria deles nunca tendo se visto pessoalmente?

Eu refletia a esse respeito há alguns anos, voando de volta para casa após quase uma semana longe de minha esposa e meus filhos. Estava exausto. Então, desliguei o laptop, tirei os sapatos e assisti a um filme.

* Nota da Tradutora: Seriado americano exibido entre 1977 e 1984 no canal ABC.

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Quando me dei conta, chorava como um idiota. O filme a que eu assistia era A menina de ouro, de Clint Eastwood, sobre uma lutadora de box que se machuca na cabeça e não quer mais viver. Por alguma razão, aquilo mexeu comigo, fui às lágrimas, tanto que a aeromoça me perguntou: “O senhor está bem?”

“Sim”, respondi, “obrigado”.Ela sorriu, eu sorri. Então eu disse: “Acho que acabei de encontrar o

próximo mecanismo de estímulo da oxitocina que quero investigar.”

Página deixada intencionalmente em branco

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C A P Í t u L o 3

Sentindo a oxitocina

O circuito que nos traz a HOME*

N o meu primeiro ano na faculdade de Claremont, minha esposa fazia estágio em Las Vegas. Assim, uma ou duas vezes por mês eu ia até lá ficar com ela. O apartamento em que ela estava tinha

piscina e, enquanto ela trabalhava no hospital, eu levava o laptop e des-frutava um pouco do sol enquanto trabalhava.

Numa manhã – uma terça-feira, acho –, tão logo me sentei a uma mesa do lado mais fundo da piscina, uma senhora surgiu com os dois filhos pequenos e barulhentos. Droga... acabou minha paz, pensei. Por que diabos ela tem de trazer os filhos para nadar às 10 da manhã?

Certamente, o de 5 anos era um terror. Ficava pulando gritando his-tericamente, e ela gritava de volta, na tentativa de fazê-lo parar e esperar quieto a seu lado enquanto ela punha as boias de braço no de 2 anos. Mas com 5 anos, obviamente ele foi até o lado mais fundo da piscina e pulou, encharcando minhas pernas com água e cloro.

* Nota da Tradutora: Human Oxytocin Mediated Empathy – Empatia humana mediada pela oxitocina.

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Em seguida, claro que, aos 5 anos, ele afundou como uma pedra. Eu podia vê-lo se debatendo contra os 2,5 metros de profundidade da pis-cina, mas não estava exatamente nadando; estava mesmo se afogando. Olhei para a mãe e percebi o olhar do dilema no rosto. Era como A es-colha de Sofia. Ela não podia deixar o filho caçula, de 2 anos, sozinho na água para salvar o de 5. Então o que deveria fazer?

Por sorte, ela não precisou fazer nada. Mergulhei e tirei a criança do fundo da piscina. Quando o entreguei a ela, a criança tossindo e cho-rando, ela ainda estava tão aborrecida que não conseguiu falar comigo. Nenhuma palavra de agradecimento – ela sequer me olhou. Apenas bri-gava com o mais velho enquanto agarrava os dois meninos pelo braço e os levava de volta para casa.

Quase todo animal social tem alguma forma de pedir socorro. O mais interessante com relação aos seres humanos é que não precisamos gritar por ajuda. Em geral, outros seres humanos conseguem perceber nossas necessidades por dedução, pela nossa expressão – e às vezes apenas pelo nosso olhar.

Acredito que esse tipo de envolvimento que nos permitiu essa forma de comunicação quase telepática se baseie na oxitocina, mas eu queria entender mais a respeito de como essas mensagens eram transmitidas e que tipo de mecanismos incluíam. Basicamente, eu queria entender exatamente como era sentir essa elevação dos níveis de oxitocina – a que induz o impulso do comportamento moral.

Um de meus alunos de graduação, Jorge Barraza, sugeriu uma forma de investigar essas questões usando o vídeo de cinco minutos para anga-riar fundos, produzido pelo St. Jude Children’s Research Hospital, em Memphis, Tennessee. O primeiro passo era editar o vídeo em dois clipes diferentes de 100 segundos cada.

Na versão A, vemos um pai com um garotinho em um agradável pas-seio ao zoológico. Eles andam de mãos dadas enquanto a criança ca-minha com passos incertos de uma criança que acabou de descobrir a habilidade de andar, olham as girafas, riem e conversam. Você percebe

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que o garotinho não tem cabelo, mas, fora esse detalhe, tudo parece estar na mais perfeita paz.

É a versão B do vídeo que nos golpeia com o lado pesado da história. Eu assisti a esse vídeo 100 vezes e ainda fico abaladíssimo quando o exibo em palestras. O vídeo começa com a história de Ben, descrita em blocos de texto. A trilha sonora é uma música típica de quarto de criança. Em seguida, a câmera mostra um porta-retratos com a foto de um garotinho lindo, sem cabelos. Então, ouvimos a voz suave do pai: “Meu filho tem um tumor no cérebro.”

Durante aqueles 100 segundos, você sente a dor daquele pai quadro a quadro do vídeo, filmado nos corredores do hospital e nas salas de trata-mentos, mostrando conversas sobre quimioterapia e índice de cura, en-quanto o pequeno Ben recebe o tratamento para ajudá-lo a restabelecer o equilíbrio depois de quatro cirurgias no cérebro. A parte mais devasta-dora é quando o pai olha diretamente para a câmera e diz como é saber que o próprio filho está morrendo de câncer. Ao som da música suave, ele descreve sua relação com o filho, enxuga as lágrimas e diz: “Você não imagina o que é saber que tem tão pouco tempo.”

Para investigar os sentimentos que esse filme altamente emocional pode deflagrar, trouxemos 145 voluntários, colhemos o sangue para esta-belecer os parâmetros de base e os dividimos em dois grupos. Um assistiu à versão A, com o conteúdo emocional neutro. O outro assistiu à versão B, cujo intuito era fazê-los chorar. Logo em seguida, colhemos o sangue de todos novamente.

Os que assistiram à versão neutra tiveram o nível de oxitocina reduzido 20%. Uma observação para os aspirantes a roteiristas: assistir a um pai e seu filho num passeio ao zoológico por um minuto e meio, sem qualquer drama humano, pode tornar-se entediante e, evidentemente, a plateia se dispersou. Mas os que assistiram ao clipe com todos os detalhes médicos de partir o coração tiveram um aumento inacreditável no nível de oxitocina de 47% dos valores de base. Desejei ter colhido meu próprio sangue antes e depois do episódio da piscina, quando achei que a criança de 5 anos pudesse se afogar.

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Obviamente, tínhamos encontrado um estímulo bastante dramático para a liberação de oxitocina. Mas qual era exatamente o fator que a de-sencadeara? Não havia fios ou cabos conectados... não havia Wi-Fi... não havia o toque na pele para conectar a fisiologia de uma pessoa à das ou-tras. Portanto, o que havia acontecido para elevar o nível de oxitocina?

Para descobrir mais sobre esse misterioso efeito a distância, distribuímos a todos os expectadores uma lista com sete palavras que pudessem descre-ver sua experiência e pedimos que as colocassem em ordem decrescente. Entre os que tinham assistido à versão altamente emocional, com os de-talhes da doença, duas palavras lideraram o ranking: angústia e empatia. Ao compararmos a alteração nos valores sanguíneos de cada um com a descrição escolhida para o que o vídeo havia provocado, a seleção da pa-lavra angústia estava diretamente relacionada com o aumento do hormô-nio do estresse cortisol. A escolha da palavra empatia estava diretamente relacionada com o aumento da oxitocina.

Interessante, mas ainda resta a pergunta: “O que nos move da empatia à ação?”

Quando vi o rosto daquela mãe na piscina em Las Vegas, sabia o que tinha de fazer e o fiz sem pensar. Mas eu não estava sob qualquer risco – nem me custava nada. A situação era muito diferente, porém, da que ocorreu em janeiro de 2007, com um operário chamado Wesley Autrey, de Manhattan, e suas duas filhas. Enquanto esperavam o metrô, um jo-vem teve uma convulsão e caiu nos trilhos. Com a proximidade do trem, Autrey deixou as duas filhas com um estranho, agachou na beira da pla-taforma e estendeu o braço para puxar o jovem de volta, enquanto a com-posição freava bruscamente, parando a 2,5 centímetros de suas cabeças.

Angústia e empatia não se opõem – na verdade, em geral, caminham juntas. Angústia moderada aumenta a liberação de oxitocina, que nos in-duz ao comprometimento. Quando os repórteres perguntaram a Autrey por que fizera aquilo, ele respondeu que se inclinou até os trilhos porque não queria que as filhas vissem um homem ser esmagado pelo metrô.

Autrey se tornou o “Herói do Metrô” em toda a imprensa americana, título mais que merecido, mas, na realidade, as pessoas arriscam a vida

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para salvar outras com muita frequência e espontaneamente. Sabemos, através da evolução, que, para que o impulso de ajudar os outros seja tão intenso em nós – a ponto de arriscarmos nossa própria vida –, o auxílio mútuo deve ser altamente adaptável.

Depois que nossos voluntários assistiram ao vídeo sobre a história de Ben, não pedimos que tivessem qualquer atitude heroica. Mas depois da amostra de sangue e da busca pela palavra exata que descrevesse sua ex-periência emocional, pedimos que jogassem o Jogo do Ultimato, aquele em que o Proponente tem de fazer o Reagente concordar com a divisão do montante final. Os que haviam tido os picos mais altos de oxitocina, os mesmos que relataram o sentimento mais forte de empatia, fizeram as ofertas mais generosas. Foram os mais generosos também quando ti-veram a oportunidade de doar parte do dinheiro arrecadado para a St. Jude’s.

Da mesma forma que me emocionei com o personagem do filme de Clint Eastwood e sua atitude generosa para com uma estranha da qual ele se aproximara, nosso cérebro não faz distinção entre pessoas em ne-cessidade numa imagem fora de foco e pessoas que estejam precisando de ajuda bem na nossa frente. Por isso nos emocionamos com grandes filmes, músicas e arte em geral. Através da liberação da oxitocina, esses produtos da imaginação humana nos conectam com todos os demais se-res humanos. É o que mais queremos como criaturas sociais.

Quando optamos por fazer a coisa certa

Empatia é uma palavra mais frequentemente associada a cartões co-memorativos do que à ciência, mas não se trata apenas de uma emo-ção prazerosa guardada num compartimento em formato de coração no dia dos namorados. Embora algumas áreas como o intestino sejam mais revestidas de receptores de oxitocina e estresse, não há compartimen-to isolado destinado às emoções, da mesma forma como não há uma estrutura de desenho animado em nossa cabeça chamada “mente”, em

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que uma lâmpada se acende quando temos uma grande ideia. Essas duas dimensões de nossa experiência – as emoções e a razão –, embora estejam frequentemente em conflito e às vezes trabalhem em prol de objetivos contrários, são, na verdade, duas metades de um todo: o corpo. Temos pensamentos e emoções, e ambos são produto dos sistemas físicos de cé-lulas e tecidos animais em evolução há cerca de 3 bilhões de anos.

William James, o pai da psicologia experimental, definiu as emoções como as mudanças pelas quais o corpo passa quando os sentidos captam certos sinais do meio ambiente. A estimulação do mamilo, por exemplo, libera oxitocina no tecido mamário, o que faz não só o leite materno jorrar, como também altera o estado emocional da mãe. Por causa da oxitocina, ela se concentra em seu entorno imediato, seu nível de ansie-dade diminui e o cérebro libera dopamina e serotonina, que lhe dão a sensação de prazer. Essas alterações emocionais são vitais para torná-la mais tolerante a essa criatura incômoda (ou talvez uma ninhada inteira) que demanda sua atenção e seus recursos metabólicos limitados.

Essas alterações no estado do organismo acontecem quase instanta-neamente, sem qualquer controle voluntário ou consciência. Quando os seres humanos tomam consciência dessas sensações físicas a ponto de poder identificá-las e rotulá-las como angústia ou empatia (ou medo, fe-licidade e contentamento), trata-se do que James chamou de “sentimen-to”. Um sentimento é o estado consciente de uma emoção. A emoção é a experiência física em nossas células e tecidos.

No entanto, mais uma vez, como uma alteração emocional – uma experiência que nos toca – de fato nos deixa emocionados, sobretudo quando não há contato pessoal, de pele com pele? Como o ato de as-sistir a um filme (ou ver um bebê prestes a cair ou abandonado na rua chorando ou a visão de seus avós de mãos dadas) pode causar o tipo de alteração química que modifica tanto sua visão de mundo como seu com-portamento? Como o fato de ouvir uma única palavra eleva o nível de testosterona a ponto de os homens perderem a sanidade e partirem para a briga em bares e boates? Como o fato de ver um sorriso do outro lado de uma sala gera formigamento no corpo inteiro, o qual chamamos de

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amor? Por outro lado, como o fato de ser digno de confiança em nossas primeiras experiências com a oxitocina modificava o estado emocional dos participantes a ponto de eles quererem agir de forma recíproca para com estranhos que haviam confiado neles?

Prontamente, aceitamos a natureza física da emoção que chamamos de medo, que não exige contato físico, pela forma como nos domina de imediato. Quando você ouve passos atrás de si numa garagem escura, tarde da noite, o som entra pelo sistema auditivo e fica registrado na parte do cérebro que reage à ameaça – a amígdala –, que aciona a reação de “fuga ou luta” pela liberação dos hormônios do estresse. Em segui-da, o coração começa a acelerar e as palmas das mãos a suar – duas das alterações fisiológicas que correspondem à emoção do medo. Quando tomamos consciência de que tudo isso está acontecendo, surge, então, o sentimento de medo.

A ardileza em relação à empatia está no fato de que o efeito é muito mais sutil e exige que vários outros fatores coincidam.

Já mencionei a liberação da oxitocina no tecido mamário, que deflagra o fluxo de leite e uma sensação calorosa de amor. Mesmo essa reação materna primitiva pode ocorrer a distância, sem o toque, fios ou cabos. A oxitocina pode fazer o leite materno jorrar e a percepção de mundo da mãe se transformar em algo caloroso e terno sempre que ela vir um bebê, sentir seu cheiro ou ouvir seu choro. Mas a reação emocional se baseia no tipo de memória celular armazenada pela oxitocina. (“Esse é o cheiro do meu bebê.”) Animais gerados sem a habilidade de produzir oxitocina têm amnésia social permanente.

A empatia entre os seres humanos exige o mesmo tipo de associação celular. As imagens e os sons da confiança, angústia ou compaixão po-dem deflagrar memórias que nos levam de volta a experiências remotas com outras pessoas. Essas memórias acionam a liberação da oxitocina, que, por fim, gera as sensações que identificamos como empatia no nível das células, das substâncias químicas e das estruturas cerebrais.

Mas e então? Nós nos sentimos bem e racionalmente decidimos nos comportar de maneira mais altruísta?

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Há cerca de 200 anos, os filósofos alemães começaram a falar sobre “sentir” a arte e a arquitetura. Por fim, esse conceito ganhou terreno nas discussões sobre pintura e construções e na seara da Psicologia. O termo usado era Einfuhlung, que resultou na palavra inglesa empathy – um novo vocábulo com origem na palavra grega pathos combinada com o prefixo grego que significa “em”. Theodor Lipps, filósofo e psicólogo do século XIX, explicava o significado da palavra empatia à sua forma: “Quando vejo um artista de circo na corda bamba, sinto como se estivesse dentro dele.” Mas a explicação de Lipps apenas reiterava o que nosso amigo Adam Smith já expressara em Teoria dos sentimentos morais, em 1759: “Quando vemos um golpe pronto para ser desferido na perna ou no braço de alguém, encolhemos nossos braços e pernas naturalmente, e quando o golpe vem, nós o sentimos.” Smith argumentara que imaginar “nosso irmão sofrendo” era o suficiente para nos fazer “entrar em seu corpo e, de certo modo, nos tornarmos um só”.

Tudo isso parece ser o que ocorre quando vemos alguém triste ou preocu-pado e temos a sensação física de tristeza e preocupação, ou quando ou-vimos alguém gargalhar e gargalhamos junto ou, pelo menos, esboçamos um sorriso.

Freud considerou esse conceito de empatia imensamente relevante, e Heinz Kohut e Carl Rogers o tornaram o elemento central da psicotera-pia do século XX. Então, Jean Piaget, da linha da psicologia do desen-volvimento, modificou um pouco o conceito, enfatizando o grau em que o conhecimento da mente alheia, até mesmo ao ponto de estabelecer a empatia, exige uma perspectiva intelectual. Afinal, seria difícil dizer que se está empático ao testemunhar uma tragédia e se desesperar e tremer incontrolavelmente de terror. A empatia é algo mais calmo e comedido, mais relacionado com o outro do que conosco. Em resumo, é a diferença entre o aumento da oxitocina e o da adrenalina.

A discussão sobre a essência da empatia persistiu por um longo tem-po, até que a neurociência chegou trazendo o escaneamento cerebral e os exames de sangue que nos possibilitaram procurar as respostas no ponto exato da ação.

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Jean Decety, neurocientista da University of Chicago, ajudou a deci-frar um aspecto sobre a empatia por meio de vários estudos relacionados com nossa percepção da dor. Ele mostrava pares de fotografias aos vo-luntários ao mesmo tempo que escaneava seu cérebro por meio de res-sonância magnética. Uma das fotos apresentava algo comum – a mão de alguém com uma tesoura de poda cortando galhos; a outra foto mostrava a mesma mão e a tesoura de poda, mas a mão sendo pressionada pelas lâminas. Uma foto mostrava um pé descalço ao lado de uma porta aberta; a outra mostrava a porta aberta pronta para ser encravada no peito do pé. Quando as fotos comuns eram substituídas pelas repulsivas, áreas especí-ficas do cérebro dos voluntários acendiam; as mesmas áreas responsáveis por coordenar as reações emocionais à nossa própria dor. Quanto à res-posta cerebral, qualquer indício de dor observado nas fotos era como se você a estivesse sentindo.

Giacomo Rizzolatti, da Università di Parma, aprofundou a investiga-ção ao conectar eletrodos ao cérebro de macacos. Sempre que um macaco tentava alcançar algo – em geral, um amendoim –, os neurônios do córtex pré-motor disparavam. Mas quando um dos pesquisadores alcançava um amendoim enquanto o macaco observava, os mesmos neurônios do ani-mal disparavam. Era como se ele próprio tivesse pegado o alimento. Se o pesquisador pusesse o amendoim na boca, eram acionados os mesmos neurônios do macaco que disparavam sempre que o próprio animal pu-nha um na boca. Esses neurônios-espelho disparavam mesmo quando o ponto crítico da ação – a mão da pessoa de fato apanhando o amendoim – não era testemunhado. Apenas o barulho da casca do amendoim sendo quebrado era suficiente para acionar a reação. Com um mínimo de infor-mação, o cérebro do macaco podia inferir o que aconteceria em seguida.

Rizzolatti queria verificar se era possível demonstrar o mesmo tipo de efeito nas pessoas, mas em geral não é permitido aos cientistas fazer experiências tão livremente com o cérebro dos seres humanos. Portan-to, ele encontrou outra boa saída. Em trabalho conjunto com Luciano Fadiga, ele analisou o movimento dos músculos da mão – um sinal de que a mão está prestes a se mover – enquanto os voluntários observavam

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o pesquisador pegar vários objetos. A contração da mão era a mesma quando os participantes observavam a ação de um terceiro e quando eles mesmos agarravam os objetos. Não fazia diferença se conseguiam ou não ver de fato a mão do pesquisador se mexendo até a conclusão da ação. O cérebro criava uma sequência que preenchia os espaços em branco.

Para determinados tipos de informação, portanto, o cérebro desfaz a barreira entre nós mesmos e os demais à nossa volta, a ponto de querer-mos tratá-los da mesma forma que tratamos a nós mesmos, conceito que nos soa extremamente familiar. Na verdade, isso me faz lembrar aquelas tradições morais antigas, que fizeram parte da minha criação. A empatia, com efeito, cria uma versão fisiológica da Regra de Ouro, o que significa que, a situação que nos faz “agir como gostaríamos que agissem conosco”, em parte, deve-se ao fato de estarmos literalmente vivenciando o prazer ou a dor de alguém como se fosse conosco.

No fim das contas, Adam Smith estava certo quando afirmou que o “sentimento de solidariedade” era a base para a ação moral. Duzentos e cinquenta anos depois de Teoria dos sentimentos morais, podemos explicar em detalhes o processo que Smith só conseguiu imaginar. Podemos in-vestigar a empatia desde a elevação inicial da oxitocina até a liberação da dopamina e da serotonina, que tornam a experiência agradável a ponto de querermos repeti-la, e ao comprometimento social que surge como resultado. A neurociência explica não só a Regra de Ouro, como também a concepção de ren de Confúcio (humanismo) e as concepções budistas de metta (amor, gentileza) e karuna (compaixão).

Mas ainda há uma enorme diferença entre o disparo dos neurônios – que pode ser apenas estímulo e resposta – e vivenciar o que chamamos de empatia (e, por consequência, agir de forma mais virtuosa). A mamãe ratazana reagirá ao estresse aninhando os filhotes embaixo de si – estí-mulo e resposta. E quase todo rato de laboratório pararia de empurrar uma grade para alcançar a comida ao perceber que outro rato levou um choque. Mas isso não significa que os ratos sejam empáticos, e sim que são espertos o suficiente para suspeitar que o que é maléfico para seu se-melhante pode ser para ele também. Mesmo entre espécies inteligentes

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como os macacos, apesar de as mães protegerem as crias, não oferecem nada que se assemelhe a um gesto empático de carinho ou de conforto, mesmo que um dos filhotes tenha sido mordido. Com certeza, elas não se incluem nos conceitos ren, metta ou karuna.

Jean Decety identificou quatro elementos que considerou essenciais para a empatia, mas não são qualificadores arbitrários. Cada qual repre-senta um dos quatro processos distintos que ocorrem em quatro diferen-tes áreas do cérebro em resposta à visão das fotografias que ele mostrou no experimento.

O primeiro elemento é o afeto compartilhado, que resume muito bem o tipo de espelhamento e coexperiência descritos.

O segundo é a consciência do outro, à exceção da representação da própria consciência, capacidade cognitiva chamada de Teoria da Mente, que começa a se manifestar nos seres humanos por volta dos 2 anos. Ao mesmo tempo que passamos a nos reconhecer no espelho, aprendemos que nossa mãe não é apenas nossa extensão e começamos a entender que outras pessoas têm pensamentos e emoções independentes das nossas.

O terceiro é a flexibilidade mental de, independentemente das cir-cunstâncias, nos colocarmos no lugar do outro.

O quarto elemento é a autorregulação emocional necessária para pro-duzir uma reação adequada, que se apoia na habilidade especial locali-zada no córtex pré-frontal, chamada de função executiva. É o que nos possibilita não gritar histericamente cada vez que alguém nos irrita ou chorar sempre que vemos uma criança triste. A função executiva é o que os cirurgiões de traumatologia e socorristas precisam ter em larga escala para ser compassivos diante de situações terríveis e, ao mesmo tempo, se manter distantes o suficiente para fazer o que é preciso.

o circuito HoME

Como o trabalho de Decety apoiava-se na percepção da dor, ele omitia o elemento mais vital que desencadeia todo o efeito: a oxitocina – os

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neurônios produtores e receptores dessa substância que, combinada com os dois neuroquímicos do bem-estar que libera, serotonina e dopamina, ativa o circuito HOME (Human Oxytocin Mediated Empathy – Em-patia humana mediada pela oxitocina). A dopamina reforça o sorriso de agradecimento que recebemos ao tratarmos alguém bem, e a serotonina melhora o humor. É o circuito HOME que nos faz voltar a nos compor-tarmos com moralidade – pelo menos na maior parte do tempo. Como veremos adiante, o estresse, a testosterona, os traumas e as anomalias genéticas, inclusive a condição mental, podem inibir esses efeitos. No entanto, enquanto evitarmos que essas influências assumam o controle, o sistema se retroalimenta.

Dopamina(repetição pela recompensa

do cérebro)

O CIRCUITO HOME

Oxitocina(busca por conexão)

EmpatiaHumana

Mediada pelaOxitocina

Serotonina(redução da ansiedade)

Devido à variedade de influências às quais estamos sujeitos, os se-res humanos podem ser bons ou maus; mas em circunstâncias seguras e estáveis a oxitocina nos torna essencialmente bons. A oxitocina gera empatia, que leva ao comportamento moral, que inspira confiança, que, por sua vez, libera mais oxitocina e que, por consequência, cria mais em-patia. Esse é o ciclo de feedback comportamental que chamamos de ciclo virtuoso.

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A observação da angústia alheia nos desperta a atenção e vivenciamos parte do que as outras pessoas estão sentindo, o que pode causar liberação de oxitocina, a menos que nossa própria angústia esteja além do supor-tável. A natureza supõe que, se estivermos passando por um momento delicado, não conseguiremos dispor, com facilidade, de tempo e recursos para ajudar outra pessoa. Níveis altos de estresse bloqueiam a liberação de oxitocina – em boa parte dos casos, a oxitocina é duplamente contrain-dicada a alguém que esteja lutando vigorosamente pela própria sobrevi-vência. A oxitocina não só gera preocupação empática (compaixão) – que pode interferir na luta pela sobrevivência –, como entorpece a amígdala, a estrutura cerebral que armazena e regula a ansiedade.

O CICLO VIRTUOSO DA OXITOCINA

Confiança

Oxitocina

Empatia

Moralidade

A opção por ser altruísta ou heroico, sobrepujando nossa ansiedade autoprotetora, é outra questão, e o fato de decidirmos nos sacrificar para ajudar o próximo depende do grau de proximidade. Entraríamos em um prédio em chamas sem pensar duas vezes para salvar um filho; soldados se

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sacrificam para salvar seus parceiros, que acabaram se tornando sua família. Embora a situação de correr risco para ajudar um estranho possa ocorrer, somos menos predispostos a isso, e o fato de ser uma situação amedronta-dora não é o único obstáculo. A possibilidade de uma atitude altruísta pode ser reduzida, dependendo apenas do nível de imersão em que nos encontra-mos em face dos nossos próprios problemas em determinado momento.

Se as filhas do herói do metrô fossem pequenas a ponto de ele ter de se preocupar com o fato de elas engatinharem até os trilhos, ele poderia não ter socorrido o jovem. Se ele estivesse discutindo com uma das filhas também poderia ser um empecilho para sua reação espontânea. Se, em vez de trabalhar com construção, fosse um banqueiro de investimentos de alto nível e estivesse, por alguma razão, andando pela plataforma do metrô, a sensação de distanciamento social do jovem em perigo poderia tornar-se um obstáculo.

Por conta de sua capacidade de se desligar de todas as preocupações pessoais, de sentir profunda conexão empática e se arriscar em nome de outra pessoa, é que chamamos alguém como Wesley Autrey, o herói do metrô, de herói.

Mas a natureza também desenvolveu um pouco de julgamento moral nessas reações fisiológicas impulsionadas pela oxitocina. Estamos sempre prontos para ajudar crianças e bichinhos fofos, em parte porque sabemos que eles não podem ser responsabilizados por qualquer situação difícil em que se encontrem. Em geral, não somos tão compreensivos e com-placentes com moradores de rua adultos ou viciados em drogas. Para al-gumas pessoas, adolescentes que engravidam também merecem o mesmo tratamento rigoroso. “Você fez por onde”, elas afirmam, “agora, aguente as consequências”.

Essa tendência a julgar em vez de ajudar é, em parte, resultado de um ponto no córtex pré-frontal chamado córtex subgenual, cheio de re-ceptores de oxitocina e que parece nivelar o grau de empatia ao regular a liberação de dopamina no circuito HOME. A ausência de dopamina significa ausência de recompensa em se solidarizar com o outro, o que dificulta uma reação empática.

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Novamente, a oxitocina mantém o equilíbrio entre o “eu” e o “outro”, entre confiança e desconfiança, entre aproximação e distanciamento. Quando o cérebro libera oxitocina, o equilíbrio se altera em direção à em-patia, e nós contribuímos no auxílio ao próximo. Quando o nível de oxi-tocina volta ao normal, saímos do estado de empatia, o sistema HOME é reiniciado e estamos prontos para seguir para a interação seguinte que possa aparecer. Quando a testosterona e outros fatores que favorecem a punição assumem o controle, estamos prontos para atirar pedras em vez de uma corda de salvamento.

Mas a pergunta permanece: Por que a seleção natural nos conduz em direção ao comportamento compassivo, que, pelo menos em curto prazo, parece desvantajoso? Afinal, os bonzinhos não ficam sempre por último?

Bem, mesmo antes de os animais evoluírem em relação ao vínculo ca-loroso e aconchegante, havia sérias vantagens competitivas em conhecer o máximo possível o estado interno das outras criaturas. Quando outro animal está prestes a dar o bote, um alerta de que ele não está num estado de espírito caridoso pode ajudá-lo a se manter vivo. Da mesma forma, saber que o outro está satisfeito pode poupar boa parte de sua energia e tecido de cicatrização.

A fonte mais primitiva para esse tipo de informação era o mesmo sistema de sinalização que vimos com as lagostas apaixonadas: detecção química. Ainda temos um vestígio daquele sistema de mensagens alojado adequadamente na parte mais evolutiva e antiga do cérebro: o olfato.

No entanto, muito antes de nós, já era necessário que a sinalização e a detecção fossem mais sutis e tivessem maior poder de diferenciação do que apenas a confiança no olfato, pois “outras criaturas” passaram a signifi-car mais que uma ameaça, uma refeição ou uma companheira. Os filhotes de mamíferos, por exemplo, dependem do cuidado das mães, portanto, quanto mais a mamãe souber do que se passa com seus bebezinhos, mais eficientemente conseguirá manter os filhotes vivos. O Junior está com medo e precisa se acalmar? A princesinha zangada precisa ser alimentada? Foi esse papel primordialmente materno – o de “mamãe amor”, se você

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quiser definir assim – que criou as percepções sensoriais mais granulares que, finalmente, relacionaram oxitocina com empatia. (Também ajuda a explicar por que as fêmeas têm acesso a ambas com mais facilidade do que os machos. Em todas as experiências com seres humanos que conduzi, as mulheres liberaram mais oxitocina que os homens.)

Como os filhotes de mamíferos dependem da amamentação para se nutrir, é necessária uma forte ligação entre mãe e filho; caso contrário, o filhote não sobrevive. As mães também precisam ser tolerantes e atentas por longos períodos, e o Junior não pode se sentir solitário a ponto de querer passear e se perder por aí. Portanto, é nesse momento que o vín-culo se torna uma necessidade, não apenas um acessório do bem-estar. À medida que os vínculos biológicos se sofisticaram, passaram a incluir, além do imprinting,* todos os demais tipos de visão e audição e associa-ções complexas, e então, após milhões de anos, atingiram o nível que chamamos hoje de ligação emocional.

Para os mamíferos altamente inteligentes e sociáveis como os macacos, a sobrevivência exigiu muito mais que mamar na teta da mamãe macaca e permanecer por perto. Para se tornar um primata decente, é necessário reunir aprendizado social, processo que precisa começar o quanto antes, tão logo consigam focar o olhar.

Os recém-nascidos – e isso vale tanto para os seres humanos quanto para os chimpanzés – começam a focar os rostos e imitar as expressões faciais poucas horas após o nascimento. Se você abrir a boca, eles vão imitá-lo. Coloque a língua para fora, e eles também o farão. Eles come-çam a experimentar esses gestos sociais e trabalham para dominá-los e organizá-los em sua estrutura neural. Se essa estrutura for corretamen-te composta, consolida os laços mais fundamentais que nos ajudam nos primeiros anos de vida e também nos configuram para lidar bem com as questões e os prazeres emocionais da vida adulta.

* Nota da Tradutora: Segundo a Psicologia, processo rápido de aprendizado que ocorre muito cedo na vida de animais ou humanos e estabelece um padrão de comportamento.

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Para o cérebro humano – exceto nos portadores de autismo –, o rosto é a imagem mais relevante do universo, a que mais nos chama a atenção. Essa fascinação tem início no momento em que nascemos e continua ao longo de toda a vida. Mesmo transeuntes em supermercados se cur-vam para brincar e elogiar bebês com rostos bonitos. Isso não ocorre por acaso: a seleção natural esculpiu grandes olhos redondos e bochechas rechonchudas para garantir o máximo apelo e maximizar as chances de sobrevivência. A graciosidade dos desenhos animados de bebês é chama-da de neotenia, e os engenheiros de robótica trabalham o conceito em seus projetos quando desejam facilitar a identificação do público com suas criações.

Com seis semanas de vida, alguns bebês conseguem se lembrar de um gesto que um adulto tenha feito no dia anterior e imitá-lo, o que ajuda a criança a identificar as pessoas mais relevantes, como a mãe, o pai, a avó. Portanto, a brincadeira de esconder o rosto com as mãos e depois descobri-lo para fazer o bebê sorrir é apenas um passatempo inútil. Tudo se resume a se ajustar à vida social, a qual, para os hominídeos, é a única forma de vida que existe.

Depois de dois ou três meses, tanto os filhotes de chimpanzé quanto os bebês abrem mão dessa fascinação por rostos. As conexões neurais básicas de que precisavam já foram feitas e, então, chega a hora do apren-dizado social, que os levará a uma variedade maior de vínculos. Os bebês decidem com muita rapidez em quem vão confiar (na mãe, no pai, na avó e na babá preferida, por exemplo) e em relação a quem vão se manter cautelosos (praticamente qualquer um que não conte com a aprovação implícita desses responsáveis imediatos). Com o tempo, a inteligência social precisa ser expandida.

redes sociais desde o início

Durante os milhões de anos de nosso desenvolvimento como mamíferos sociais, nossa sobrevivência individual dependia de como nos adaptávamos

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ao grupo, e a sobrevivência do grupo dependia de como cada membro co-laborava. Na vida adulta, nossos ancestrais “caçadores-coletores” seriam bem-sucedidos ou malsucedidos com base em sua capacidade de julga-mento sobre quem estava mentindo e quem falava a verdade. Em quem confiar para cuidar dos filhos? Como conseguir uma parceria melhor na hora de depor o líder e formar uma nova coalizão? E por quem você se disporia a se sacrificar num momento de necessidade?

Os bebês imediatamente se atêm à angústia dos outros e reagem cho-rando, com seus próprios gritos de aflição. Por volta dos 18 meses, uma criança quase sempre oferecerá ajuda a outro bebê ou a um adulto, se for possível. Em relação aos chimpanzés, mesmo na fase adulta, a probabi-lidade de um animal ajudar outro é de 50%. Para eles, a prestimosidade depende de afinidade, familiaridade, interações recentes e de se o animal em questão é capaz de focar a atenção tempo suficiente para ser útil na-quele momento específico.

Os bebês não só estão predispostos a ajudar os outros, como também mostram certa preferência por aqueles que brincam de forma correta, e certa aversão pelos que não o fazem, mesmo quando se trata de objetos inanimados. Esse fato já foi demonstrado algumas vezes em estudos nos quais as crianças viam um filme sobre formas geométricas, feito pelos psicólogos Fritz Heider e Mary-Ann Simmel, em 1944. Nessa anima-ção, há uma caixa com uma porta, uma bola, um triângulo pequeno e um grande que parece ameaçar o pequeno e a bola. Percebemos, pelo seu olhar, que os bebês se sentem atraídos pelas formas geométricas “agra-dáveis” e tentam evitar as “desagradáveis”. Um computador, ao examinar esse filme, assim como os portadores de autismo, não veriam nada além de formas se movimentando num cenário de desenho animado. O cé-rebro humano, porém, socialmente adepto e com propensão a construir significados, vê um drama sendo revelado, com as figuras do bem e do mal, dos vilões e das vítimas.

Ao longo de nossa história evolutiva, as crianças sobreviviam em maior número quando cuidadas por dois adultos que incentivavam o que cha-mamos de vínculo do casal. Como todo colegial sabe, esse tipo de ligação

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entre homens e mulheres é facilitado e sustentado pelo toque caloroso, incluindo o sexo, assim como pela empatia. Tanto o toque (sexo) quanto a empatia compreendem a oxitocina e estão profundamente impregnados em nossa concepção de moralidade.

De forma semelhante, a colaboração entre um grupo maior foi refor-çada pela empatia e a confiança induzidas pela oxitocina que completam o ciclo virtuoso. Esses impulsos biológicos – que nos dizem para man-termos a calma e colaborar – foram corroborados por comportamentos sociais como generosidade e outras formas ritualísticas de troca, transmi-tidas como parte da cultura.

Entre os macacos, o principal ritual do processo “fique calmo e cola-bore” é o tratamento, que inclui correr os dedos por sua pele, mas sem o intuito de tirar carrapatos. Passar os dedos pela pele libera oxitocina, que acalma, reduz a frequência cardíaca e regula a pressão arterial. Os macacos passam cerca de 10% do tempo massageando uns aos outros – pois o fato de se manterem calmos e colaborativos é essencial para a sobrevivência.

O bom tratamento também é a forma mais fácil de conceder um favor e, mesmo entre os macacos, o cérebro social é bem equipado para regis-trar a pontuação de quem está recebendo e quem está fazendo o favor. Estudos mostram que animais tratados pela manhã são mais inclinados a dividir comida do que se forem tratados à tarde.

O hábito mais extremo desse ritual foi desenvolvido entre os primos dos macacos (e nossos), os bonobos, que governam os seus como uma co-munidade hippie, usando o sexo para amenizar qualquer sensação ruim. A saudação típica das fêmeas dessa espécie é fazer sexo oral. Os machos, por sua vez, se penduram nos galhos de árvore e esfregam seus pênis, como duas espadas cruzadas. E os filhotes fazem o mesmo, como se não houvesse amanhã, desempenhando literalmente a própria versão da ex-pressão “macaco de imitação”. Tudo isso mantém a macacada cheia de oxitocina, o que significa que a comunidade dos bonobos é tão pacífica e colaborativa quanto possível. O único problema é o fato de não terem evoluído muito nos últimos sete milhões de anos.

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Tampouco evoluíram os chimpanzés, mais agressivos e competitivos que os primos bonobos. A incumbência da evolução foi deixada para seus primos – nós –, que descobrimos o ponto ideal da combinação entre competição saudável e alto grau de colaboração, o impulso e a transição da testosterona e oxitocina. Ao acionar a liberação de dopamina e seroto-nina, a oxitocina criou o caminho motivacional que chamei de HOME. Não se exija demais, não se aborreça muito, dê na mesma proporção que receber. É nesse ponto que está a virtude do ciclo virtuoso.

Entre familiares e amigos mais próximos, costumamos abraçar ao nos cumprimentar ou nos despedir, e aprendemos a dar um forte abra-ço consolador quando alguém de quem gostamos está chateado. Mas o comportamento social “fique calmo e colabore” dos humanos que mais se assemelha ao tratamento dos macacos é a conversa. Antropólogos que estudam as sociedades primitivas se surpreendem com o tempo que esses seres gastam contando histórias sobre quem está dormindo com quem. Claro, existem os mitos e as lendas que precisam ser transmitidos através das gerações para manter uma cultura viva, mas detalhes picantes sobre um vizinho parecem ser o assunto preferido. No entanto, isso não se resume a uma conversa fiada, como parece. As conversas – sobretudo as ricas em teor social – constroem confiança, o que tem o efeito de uma massagem verbal, de um tratamento especial na aura e ainda libera oxi-tocina. Além disso, elas também fornecem informações fundamentais que influenciam a vida do grupo. Quais alianças estão se formando? Que macho é digno de confiança e qual deles é o cafajeste que irá machucar os corações (e abandonará os filhotes)? Hoje, o mesmo princípio se aplica a questões como quem é o melhor mecânico e quem vai tentar lhe vender um novo motor de arranque do qual você não precisa.

O hábito da fofoca está tão fortemente arraigado nos seres humanos que agora, na era digital, construímos indústrias monumentais que vi-vem da troca de informações triviais e curiosidades sobre personalidades em reality shows inúteis, ou sobre a última internação das estrelas de Hollywood em clínicas de reabilitação ou o último divórcio. E qual o melhor lugar para compartilhar essas informações, que, com frequência,

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levam a pessoa a compartilhar os próprios segredos? Onde a confiança e o contato físico (e tratamento) criam um ambiente rico em oxitocina: no salão de cabeleireiros, na barbearia, no vestiário e na aula de ioga.

Para os homens, a troca verbal não é tanto sobre as personalidades de Hollywood, mas sobre as do esporte; as premissas, porém, são as mes-mas. Todas as estatísticas e descrições detalhadas que viram a vida dessas pessoas do avesso não têm qualquer finalidade, a não ser o importante propósito de relaxar enquanto os vínculos humanos se estreitam.

Os seres humanos também constroem vínculos ricos em oxitocina por meio dos esportes e outros jogos amigáveis, assim como os cachorros brincam de se arranhar e morder. E as mesmas regras do processo “fique calmo e colabore” são aplicadas, mesmo quando não há a figura do juiz para reiterá-las. Se uma estrela do basquete da faculdade, com cerca de 2 metros de altura, vai com muita sede ao pote, transformando um jogo amigável em jogadas pessoais brilhantes, os outros jogadores irão para o vestiário. As regras tácitas do jogo amigável envolvem alto nível de confiança. Você joga limpo, reconhece suas faltas com honestidade e não fica enterrando a bola em um garoto de 16 anos que não joga tão bem e que tem 30 centímetros a menos que você. Confiança e contato físico, combinados com o estresse moderado de uma competição amigável, aju-dam a criar forte amizade entre os homens que jogam juntos por anos e conversam fiado toda semana no vestiário e, ainda assim, sequer sabem o sobrenome uns dos outros. (A oxitocina também explica aquele tapinha no bumbum que resultaria em um tapa na cara no escritório, mas é per-feitamente aceitável durante o jogo.)

Também estreitamos os vínculos ao nos espelhar e imitar as pessoas ao longo da vida. Quando crianças, começamos obcecados pelo rosto, mas o foco de nosso cérebro em outra pessoa nunca desaparece. Se você e eu permanecermos de pé nos olhando e eu cruzar os braços, há uma grande possibilidade de você cruzar também. Se você esfregar o nariz, é provável que eu esfregue o meu. Costumamos adotar os padrões de discurso dos outros, e quaisquer gestos, desde uma gargalhada ao bocejo, podem ser contagiantes. As pessoas imitam os trejeitos de estranhos, mesmo sendo

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altamente improvável qualquer aproximação ou relacionamento futuro. Esse tipo de reação não é apenas involuntário, como também é tão rápido que passamos a imitar as pessoas antes mesmos de nos darmos conta.

Os terapeutas sabem que os pacientes com frequência fazem uma ava-liação mais positiva da interação quando os profissionais imitam as pos-turas deles. As salas de aula em que se observou maior índice de imitação física foram as que obtiveram, na avaliação dos próprios alunos, o maior índice de compreensão. Pessoas imitadas – mesmo que não tenham per-cebido de forma consciente – afirmaram, mais tarde, ter uma impressão mais favorável de alguém que as imitou. Portanto, quando há o desejo de aproximação – você com o chefe, ou com o herói local ou com uma pes-soa pela qual esteja interessado –, o nível de comportamento mimético aumenta.

Às vezes, nossa tendência de imitar as pessoas gera empatia com quem não deveria. Em um experimento, os participantes instruídos a resistir conscientemente à imitação dos parceiros se saíram muito melhor na de-tecção de mentirosos. (O que sugere que, se alguém me tivesse alertado para não imitar o homem do posto de gasolina da ARCO, em Santa Barbara, eu não teria perdido $100.)

Numa corrida de cavalos, inclinamo-nos na curva junto com o ca-valeiro para o qual estamos torcendo. Ao assistirmos a uma partida de softball, esticamos o pescoço junto com o campista central no momento em que ele se estica para pegar a bola. Mas os bons atletas estão ainda mais sintonizados uns com os outros do que os fãs com eles, antevendo os movimentos dos colegas de equipe. A harmonia contribui para a sincro-nia e vice-versa, o que pode fazer toda a diferença em derrubar o trabalho de toda a equipe ou fazer uma jogada dupla, aterrissar um jumbo com problemas no motor, fazer uma cirurgia no tórax ou servir 126 refeições perfeitas na cozinha de um restaurante movimentado.

É nesse ponto que o cognitivo pode unir forças com o emocional para criar o Santo Graal de todo coach ou CEO: fazer a equipe ter o mesmo pensamento ao mesmo tempo, focando os mesmos objetivos. É o que os psicólogos chamam de cocognição, ou seja, a capacidade de reconhecer

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de imediato o significado do gesto ou movimento de alguém, o objetivo e como estão relacionados com outras ações e eventos, com o passado, o presente ou o futuro. Pense no passo “cego” do basquete ou na forma como jazzistas tocam juntos intuitivamente quando improvisam. Não há ninguém ditando regras, mas todos sabem o que fazer.

Os primeiros seres humanos, mesmo depois de terem desenvolvido o discurso, ainda precisavam desse tipo de sincronia tácita para matar os animais maiores e encurralar e capturar os menores. As mulheres “caçadoras-coletoras” se beneficiavam no sentido de compartilhar uma consciência quase coletiva para as tarefas afins. Todas as crianças estão cuidadas? Até onde podemos nos espalhar sem abrir uma brecha para um eventual ataque predador? Essa habilidade permitia a nossos antepassa-dos fazer inferências rápidas e às vezes vitais, com base em indícios físicos e sensações muitas vezes imperceptíveis no nível da consciência. Tudo isso começa com os laços criados pela oxitocina.

O ciclo virtuoso, com a oxitocina à frente e no centro, ainda é o que mantém a sociedade unida. Mas deixamos claro, o tempo inteiro, que a substância não é soberana. Outros fatores podem competir para nos influenciar, e um deles é justamente tão arraigado em nossas origens se-xuais quanto a oxitocina.

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Bad boys

As complexidades dos gêneros

Eu estava a 12 mil pés acima do deserto, num avião com a hélice depau-perada, atormentado por um aluno de graduação com um paraquedas sobre o jaleco. Ele me pedia insistentemente para somar pares de núme-ros, nos quais eu não conseguia me concentrar pelo fato de que as pessoas andavam até o fundo do avião e desapareciam. Sentia-me especialmente perturbado por estar sentado no colo de um instrutor enorme a quem es-tava amarrado com mais força do que achava recomendável e, em um ou dois minutos, ele e eu caminharíamos juntos, andando como patos, para a traseira do caminhão e nos lançaríamos para o nada.

Tenho pânico de altura, mas, na expectativa de minha primeira ex-periência de skydive – tudo pela ciência –, vinha tomando suplemento de testosterona havia uma semana. Na noite anterior ao salto, coletei meu sangue para estabelecer um parâmetro para os níveis de testosterona, oxitocina e cortisol. Imediatamente após a aterrissagem, coletei o sangue de novo para medir os efeitos de um salto em queda livre de 7 mil pés, a 193 quilômetros por hora. Fosse o hormônio masculino artificialmente

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elevado ou apenas medo e empolgação, na hora em que o instrutor e eu demos um salto mortal para fora do avião, gritei “Jerônimo!”, como aque-les personagens de filmes antigos de bangue-bangue.

A testosterona incita as pessoas a fazerem coisas esquisitas. Verdade seja dita: os homens tendem a agir de forma estranha, não as mulhe-res. É a testosterona que estimula o ato de correr risco e a violência entre os homens, assim como o comportamento mais característico desse gênero: a busca incessante por sexo, desconsiderando quaisquer consequências.

Na verdade, houve tantos homens notáveis traídos por suas libidos nos últimos anos que é difícil acompanhar. O prêmio pelo total de relaciona-mentos simultâneos vai para a lenda do golfe Tiger Woods. Para o pior nome associado a um escândalo sexual, o vencedor é Anthony Weiner. Para a audácia descarada, o destaque é o ex-governador da Carolina do Sul, Mark Sanford, que disse estar “caminhando pela Trilha Apalache” quando, na verdade, estava abaixo da linha do equador com a amante ar-gentina. (Por outro lado, Arnold Schwarzenegger ter um filho com a go-vernanta, o qual manteve em segredo por 10 anos – e, ao mesmo tempo, manter a amante trabalhando em sua casa – foi, comprovadamente, uma atitude ainda mais baixa.) Quanto ao impacto político, existe a obsessão do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi por adolescentes, o que gerou uma revolta em Roma, e, é claro, as aventuras de Bill Clinton com a estagiária que quase acabou com seu mandato.

Mas não apenas os machos alfa são flagrados com os zíperes abertos. Recentemente, o mundo se ateve no empenho dos 33 mineiros chilenos presos por dois meses em uma mina, 700 metros abaixo da terra. En-quanto a tentativa de resgate progredia, o drama se tornou uma novela, repleta de entes queridos reunidos no local, o que gerou enorme constra-gimento para esposas que descobriram as namoradas fazendo vigílias (e reclamando dos benefícios) de seus maridos/namorados presos.

Como neurocientista, sei que as várias partes do cérebro dos homens são menos integradas que as das mulheres, o que facilita a separação do emocional e do sexual em categorias – e atividades – distintas.

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Mas também sei que o verdadeiro condutor de um bad boy é a anta-gonista da oxitocina, conhecida como testosterona. Esse hormônio está presente tanto nas mulheres quanto nos homens – mas eles o têm 10 vezes mais. A testosterona é excelente para a performance atlética por au-mentar a massa muscular e a densidade óssea, motivo pelo qual os heróis do esporte são conhecidos por trapacear injetando testosterona sintética na forma de esteroides anabolizantes. Também é bastante útil quando você precisa entrar num prédio em chamas para resgatar pessoas ou ao desembarcar na praia da Normandia, sob fogo cruzado, ou em qualquer outra situação que envolva riscos, coragem física, força e velocidade.

O ponto é que a testosterona também causa alguns problemas, não apenas na área dos relacionamentos íntimos. A maioria dos crimes é co-metida por jovens, em sua maioria homens na faixa entre 20 e 25 anos. (Assassinatos cometidos por mulheres são tão raros que nem chegam a ser relevantes nas estatísticas criminais.) Jovens do sexo masculino têm o dobro do nível de testosterona em relação aos mais velhos, logo o termo envenenamento de testosterona para essa faixa etária não é brincadeira.

Dado tudo que já disse sobre o papel da oxitocina na sustentação da colaboração social e sobre o papel da cooperação social na sobrevivência humana, você pode se perguntar como a molécula do comportamento impulsivo e, em geral, antissocial, a testosterona, conseguiu chegar ao século XXI.

Bem, a testosterona foi muito sacrificada. Na pré-história, assim como no Velho Oeste, homens que tinham excesso desse hormônio eram se-parados do grupo genético muito cedo. Eles corriam riscos absurdos, a ponto de morrer, ou eram tão desagradáveis e contestadores que fracas-savam no jogo da sedução, ou ainda a tribo (ou os habitantes da cidade) “removia-os” da rede de amigos, golpeando-os na cabeça (ou atirando neles).

Mas embora o comportamento pró-social fosse o diferencial que permitia ao homo sapiens competir com mais vigor – e ser vigorosamen-te mais competitivo – com animais como nossos primos chimpanzés, ainda precisávamos de testosterona em nosso ambiente de adaptação

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evolutiva. Havia predadores que precisavam se defender, fontes poten-ciais de proteína que, às vezes, resistiam a objetos grandes, como pedras e toras, que, de tempos em tempos, precisavam ser movidos. Por con-seguinte, a força física, a tolerância e a agressão fornecidas pela testos-terona foram essenciais para permancermos vivos tempo suficiente para reproduzir.

Além disso, na competição da seleção natural, cada grupo de humanos primitivos ou pré-humanos estava em risco não apenas por conta de ani-mais maiores e ferozes, mas por causa de vizinhos maiores e ferozes que competiam com eles por recursos, incluindo a comida de que precisavam para alimentar as crianças. Para continuar no jogo, cada tribo ou tropa precisava de companheiros maiores e ferozes no próprio time, mesmo desprovidos de sensibilidade (e fidelidade sexual).

Mas a causa principal de a testosterona – e os homens – existir, em primeiro lugar, foi para melhorar a qualidade do conjunto genético ao competir pela oportunidade de acasalar. Com o tempo, essa mesma luta motivada pela testosterona, para ter seus próprios genes reproduzidos na geração seguinte, criou o impulso para o status social, que alimentou a iniciativa de melhorar a forma de fazer as coisas. Nenhuma das duas resultou necessariamente no cara mais legal do mundo. Assim, mesmo hoje, a testosterona ainda tem a incumbência de aumentar a motivação e a iniciativa – não apenas a do sexo – em todos os seres humanos, mu-lheres e homens.

Ao longo de milhões de anos de evolução, então, surgiu uma dupla abordagem para manter as espécies vivas. Ambos os sexos eram capazes de violência, competição e agressão, assim como união e compaixão, mas os homens (com muita testosterona) estavam hormonalmente predis-postos a serem líderes em violência, competição e agressão, enquanto as mulheres (ao liberarem altos níveis de oxitocina em resposta a estímu-los) eram hormonalmente predispostas a liderar em termos de união e compaixão.

As mulheres são conhecidas por aparecer em registros policiais, trair os maridos e cometer fraudes, desvios e abuso infantil, mas a verdade é

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que elas são, em média, mais empáticas, focadas, confiáveis, generosas e caridosas que os homens. No nosso Jogo de Confiança, enquanto o valor médio doado de volta por um jogador B masculino foi de 25%, a média retornada por mulheres foi de 42%. No lado negativo do âmbito comportamental, 30% dos homens retornam menos que 10% do valor, mas apenas 13% das mulheres agiram dessa forma fria e distante. Com relação aos comportamentos mais baixos, 24% dos homens não retornam absolutamente qualquer valor – o que se mostrou verdadeiro em apenas 7% das mulheres.

Mas ao olharmos de forma mais ampla, um fato curioso se destaca: a libertinagem masculina que produziu nossa perigosa galeria de patifes conquistadores de alto nível parece associar-se, de forma totalmente in-congruente, a um desejo masculino: o de punir os criminosos. Apesar de minhas falhas morais de gênero bem documentadas, somos nós que nos autoelegemos os fiscais – os juízes que sentenciam enforcamentos, os pregadores que condenam os pecadores, os sargentos exigentes do trei-namento militar, os CEOs que não aceitam desculpas.

Não há melhor exemplo dessa contradição que Eliot Spitzer, apresen-tador aposentado da CNN. Promotor do estado de Nova York, casado e pai de três filhas, ele ficou conhecido como um combatente rígido contra o suborno, a corrupção e todos os tipos de trambiques. Como governador de Nova York, tornou-se mais conhecido como “Cliente 9”, o patrocina-dor de uma rede de prostituição de alto luxo, atividade altamente ilegal em Washington, D.C.

De volta aos anos 1990, os cinco primeiros líderes do Congresso americano que comandaram o movimento de impeachment de Bill Clinton parecem ter a mesma dose de testosterona. Por meses, esses homens condenaram o presidente pelo episódio do charuto com Moni-ca Lewinsky no Salão Oval. Mas antes de a poeira baixar, esses políti-cos republicanos de valores familiares haviam sido expostos por terem secretos encontros extraconjugais, e pelo menos um deles teve um filho ilegítimo.

Então a testosterona torna os homens hipócritas e desprezíveis?

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Esfregue-o apenas no ombro!

Para investigar o papel da testosterona como a gêmea má da Molécula da Moralidade, precisarei introduzi-la na equação comportamental de maneira precisa e ordenada, assim como fizemos em nossas comparações com os participantes com e sem a infusão de oxitocina. Por sorte, nesse caso, havia um medicamento disponível para aumentar o nível de testos-terona prontamente, aprovado pela FDA.

AndroGel é o preparo medicinal da testosterona sintética que tomei antes de saltar de paraquedas. É um gel absorvido pela pele, e é conve-nientemente disponibilizado em porções individuais em lâminas metáli-cas, práticas e simples, como o gel antibacteriano para mãos. Na verdade, ele parece e tem o mesmo cheiro de um gel para as mãos – o que funcio-nou muito bem como placebo para a situação “sem testosterona extra” em nossos estudos.

Sempre que vou submeter alguém a uma experiência no laboratório, sirvo de cobaia primeiro para poder entender o que a outra pessoa terá de aguentar. Assim, peguei a prescrição do AndroGel e, por duas semanas, esfreguei esse negócio nos ombros, no mesmo horário, todos os dias. O auge do efeito vem 16 horas depois. Então, na manhã seguinte, e a cada manhã, por duas semanas, acordei me sentindo como se tivesse novamente 19 anos. Fiz uma série longuíssima de exercícios na academia. Não preci-sava de muito descanso e passeava com a autoconfiança arrogante (e libido) de um jogador de futebol americano da faculdade – que eu fora um dia.

Por sorte, ser um alfa enlouquecido pela testosterona não afetou mi-nha habilidade em me relacionar de perto com meus filhos ou com qual-quer outra pessoa nesse aspecto. E fico contente de relatar que saí dessa experiência sem entrar em qualquer briga nem mesmo gritar com alguém por uma vaga.

Nossos participantes da experiência do AndroGel se apresentaram ao “trabalho” à tarde. Não fiquei surpreso ao perceber que, com o anúncio de recrutamento, que pedia jovens do sexo masculino para um experimento

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com testosterona, conseguimos lotar de halterofilistas uma sala de ginás-tica. Excluímos as mulheres do estudo por conta do risco de a infusão de testosterona criar problemas no sistema reprodutor.

Coletamos quatro tubos de sangue dos participantes para medir seus níveis de base de testosterona e, em seguida, os monitoramos enquanto aplicavam o gel. “Esfregue-o apenas nos ombros, senhores... não lá em-baixo.” Eles voltaram cedo na manhã seguinte para colhermos o sangue novamente e para participar do jogo do dinheiro, como de hábito. Então, voltaram seis semanas depois para repetir o processo. Em cada visita, cada um aplicaria o AndroGel, que estimularia sua testosterona a dobrar o nível normal. Em outra visita, sem que soubessem, eles aplicariam o gel para as mãos, o que nos permitiria comparar diretamente o mesmo rapaz a um garoto comum ou a um G.I. Joe.*

Ao estudarmos o resultado, verificamos que nossos machos alfa in-fundidos com testosterona foram 27% menos bondosos no Jogo do Ul-timato do que quando usaram o placebo. Mas a razão subjacente para esse efeito não foi casual; é uma distinção química com um propósito. Verificou-se que a testosterona bloqueia a ligação da oxitocina com seu receptor, que freia o ciclo virtuoso apresentado no capítulo anterior. Quanto mais alto o nível de testosterona, mais a oxitocina é bloqueada e menos empatia a pessoa sente. Quanto menos empatia a pessoa sente, menos generosa fica.

Logo, o déficit de empatia que vemos nos homens não é apenas uma desculpa para ser mais agressivo. A testosterona interfere, sobretudo, na absorção da oxitocina, cujo efeito é a redução da capacidade de ser ca-rinhoso e afetivo. Em princípio, parece ser apenas um aspecto negativo. Porém, ao tornar jovens do sexo masculino – caçadores e guerreiros – não só mais rápidos e fortes, mas também menos camaradas, a testostero-na também os torna menos medrosos na hora do abate para alimentar

* Nota da Tradutora: G.I. Joe é um boneco franqueado pela empresa de brinquedos Hasbro. Em 1984, a empresa brasileira de brinquedos Estrela S/A iniciou a produção dos G.I. Joe com o nome de Comandos em Ação.

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e proteger a família. Ser legal é sempre mais desejável, mas quando o trabalho é matar lindos animaizinhos para se ter a comida necessária ou afastar invasores que tentam pegar sua comida (ou seus filhos), ser “legal” demais não é tão legal.

Lidando com vagabundos e trapaceiros

Nem todas as ameaças em nosso ambiente de adaptação evolutiva vieram dos grandes animais ferozes ou dos grandes vizinhos ferozes de fora do complexo tribal. Como os humanos confiavam muito numa estratégia de cooperação e coesão de grupo, a sobrevivência propriamente dita era posta em risco pelos membros do grupo que não seguia as regras – e não apenas pelos excessivamente agressivos. Num mundo em que alimen-tar-se envolvia trabalho árduo e risco moderado, a ameaça também vinha de qualquer um da tribo que não fizesse uma distribuição justa. Cien-tistas sociais chamam esse comportamento preguiçoso de parasitismo ou ociosodade social, um problema sério. Quando o GPS da moralidade in-terna de um indivíduo falha, é o momento em que a fiscalização alheia precisa entrar em ação. Nossos estudos mostram que a testosterona é que dá esse estímulo.

Ao ter as ações da oxitocina bloqueadas pela testosterona, a natureza garantiu que aproximadamente metade da população tivesse a empatia moderadamente prejudicada, o que significava ser cruel e até insensível em se tratando de punição – sem choro ou desculpas. Os homens tor-naram-se os executores legítimos da sociedade para todos os problemas, grandes e pequenos. Até hoje, quando alguém ouve música alta na praia, alguns gostariam de ir até lá explicar ao indivíduo sobre o barulho tran-quilizante das ondas (ou, pelo menos, as virtudes dos fones de ouvido). Mas pouquíssimos de fato irão até lá para ter essa conversa, e a maioria dos que vão é composta de homens.

Até chimpanzés têm um senso inato das regras do jogo. (Se você duvi-da, para uma mesma tarefa, dê a um chimpanzé uma uva como prêmio e,

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ao outro, um pepino e veja o que acontece. De preferência, mantenha-se atrás de uma proteção de vidro.) No bando, um chimpanzé mesquinho terá uma reputação bem ruim, de modo que a próxima vez que houver al-guma refeição em potencial passando, o chimpanzé estigmatizado como mesquinho precisará implorar e pedir por muito mais tempo para ter alguma esperança de obter sua parte.

No primeiro experimento do Jogo da Verdade, na UCLA, bem antes de começarmos a injetar testosterona, notamos que jogadores na posição B devolviam consistentes 41% do que ganhavam na transferência dos jogadores A. Mas houve uma relevante exceção. Sempre que o jogador B recebia uma transferência de qualquer valor inferior a 30%, ele não dava quase nada de volta. A falta de confiança implícita por essa mísera transferência realmente marcou esses homens, pois, ao coletarmos seu sangue, encontramos um au-mento na di-hidrotestosterona, ou DHT, a versão da testosterona com alta octanagem que estimula remotas regiões do cérebro associadas à agressão. O efeito da DHT no cérebro é aproximadamente cinco vezes maior que o da testosterona. Não só libera a agressividade, como também aumenta a do-pamina, que torna a agressividade prazerosa. E há uma correlação gradativa precisa – quanto menores as ofertas dos jogadores A, mais altos os níveis de DHT nos jogadores B – desde que o jogador B fosse homem. Esse efeito não surgiu em nenhum momento em mulheres.

Mulheres que receberam poucas transferências como jogadoras B afir-maram estar “sentidas” ou “desapontadas” e, em alguns momentos, até “bravas”, mas a raiva jamais alcançou o ponto de quererem vingança. Em vez disso, as jogadoras B devolveram uma quantia consistentemente pro-porcional, a despeito de quão pequena fosse a transferência inicial que recebessem.

Esse fato me fez pensar em todas as vezes em que vi uma mulher acelerando para alcançar um motorista que a cortou no trânsito, gritando insultos e talvez fazendo gestos obscenos. Nunca. E ainda vejo homens fazendo esse tipo de coisa o tempo inteiro.

Homens com alto nível de base de testosterona estão prontos para o disparo, e o desejo de punir é automático e emocional, direto em vez de

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sutil e flagrantemente reativo. Isso significa que, quando a testosterona está no comando, mesmo os sinais ambíguos podem acarretar problemas. Em culturas tradicionais – na Sicília, digamos, ou na Carolina do Sul pré-Guerra Civil Americana –, alguém que se melindre por pouco pode ser respeitado por ser um “homem de honra”. Mas a desvantagem dessa abordagem de vida é, sem dúvida, conseguir acompanhar uma agenda cheia de duelos e vendetas que podem acabar com sua vida. Esse com-portamento também causa a morte de vários garotos adolescentes, pelo simples fato de acharem que alguém lhes olhou torto.

A evolução elegeu naturalmente esse comportamento – até certo pon-to –, já que o simples fato de apresentar a ameaça de punição aumenta substancialmente o comportamento pró-social, mesmo que a punição nunca seja – ou raramente – repartida. Em estudos psicológicos, a amea-ça de punição funciona mesmo quando é puramente simbólica.

Mas a natureza deu margem de sobrevivência a grupos cujos membros de fato gostavam de punir os malvados, mesmo havendo um relevante custo pessoal, e escaneamentos do cérebro apontaram que a punição ativa áreas de recompensa do cérebro masculino ricas em dopamina, muito mais que nos femininos.

Em nossos estudos com o gel de testosterona, a probabilidade de os machos alfa recém-criados punirem os outros era duas vezes maior quando apresentavam os níveis de testosterona aumentados do que quando operavam em níveis normais do hormônio. Para verificar quão longe eles iriam com essa gana de se vingar, adicionamos um fator extra ao jogo: O jogador B não só poderia reter o valor que o jogador A, que aparentemente o humilhara, havia retornado, como também poderia efetivamente puni-lo, declarando secretamente o que pensava merecer dele. Se a oferta do jogador A não satisfizesse esse padrão estabelecido em segredo, ambos perderiam todo o montante em questão. Essa es-tratégia permitia ao jogador B, à sua própria custa, punir um jogador A pão-duro não dando a ele qualquer benefício, a não ser o deleite de vê-lo sem dinheiro. Um total de 10% dos machos alfa criados farma-cologicamente preferiu perder todo o dinheiro disponível a aceitar uma

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oferta baixa, enquanto apenas 3% dos que não tiveram seu montante aumentado escolheram essa opção.

Na verdade, os participantes que tiveram seu nível de testosterona elevado, quando comparados a si mesmos sob o efeito do placebo, con-sistentemente exigiam um valor maior para considerar a oferta “razoá-vel”. E tanto a mesquinhez quanto a punição acompanharam o aumen-to de testosterona do homem. Em outro estudo, cientistas infligiram choques elétricos suaves. Quando homens (não mulheres) observavam um parceiro não colaborativo levando choques, vivenciavam não só a ativação das áreas de recompensa do cérebro, mas também a balsâmica desativação da matriz da dor. Portanto, mesmo que a vingança não seja literalmente doce, oferece um caloroso conforto – pelo menos para os homens.

Em suma, a testosterona e a dopamina se unem para formar o an-ti-HOME, um sistema completo de reforço para “não ser legal”. Eu o chamo de circuito cerebral TOP (Testosterone Ordained Punishment – Punição Determinada pela Testosterona) de testosterona e dopamina, que, por acaso, é exercida com frequência por homens que se veem no topo da pirâmide social.

O benefício de haver pelo menos alguns membros do grupo ma-chucados por amor é o fato de reforçar a moralidade ao aumentar o preço – assim como a possibilidade de ter de pagar por ele – de um comportamento antissocial. A TOP é ainda outro contra-argumento à ideia de que a religião e outras invocações morais são as únicas formas de se atingir harmonia social. Desde que estabeleçamos as condições básicas corretas, o sistema naturalmente cria os próprios estímulos para o seguimento das regras, assim como os desincentivos para quebrá-las.

Pesquisadores da University of Erfurt, na Alemanha, e da London School of Economics realizaram um estudo que demonstrou intensa-mente esses efeitos naturais. Eles usaram o que chamamos de Jogo dos Bens Públicos, que engloba a configuração de dois clubes de investimen-tos – A (os perdulários) e o B (os articuladores). O experimento contou com 84 participantes em 30 repetições de um processo de dois a três

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passos, dependendo do clube. Para ambos, havia a fase em que cada par-ticipante havia decidido a que clube gostaria de pertencer, seguida pelo estágio de dar ou não uma contribuição. A diferença era que, entre os articuladores, havia uma terceira fase, a de aprovação ou punição, que não existia no clube dos perdulários.

Para levar o jogo adiante, cada um dos 84 participantes recebia €20 e teria de se juntar ao grupo dos perdulários ou dos articuladores e, em seguida, escolher quanto investiria. O montante que o participante não investisse no fundo coletivo iria para sua conta particular.

Eis então o clímax que tornava a história interessante: o único valor que sofreria aumento seria o montante investido na conta coletiva. No fim do jogo, cada conta seria dividida igualmente entre todos os mem-bros daquele clube, independente do valor dos investimentos individuais. Diante dessa armadilha, os mais sovinas receberiam o mesmo valor que aqueles que haviam depositado todo seu dinheiro para aumentar os lu-cros de todos.

No fim da fase da contribuição de cada rodada, todos os jogadores tomavam ciência de quanto cada um dera e ainda recebiam o valor atua-lizado de seus ganhos e dos ganhos dos demais participantes, de ambos os grupos.

Entre os perdulários, que não tinham a terceira fase de aprovação, havia, essencialmente, um grande banner de boas-vindas aos “parasitas” pendendo da porta, e várias pessoas aceitaram o convite para tentar sair com algum valor sem investir nenhum.

Já entre os articuladores, não havia lugar para se esconder. Cada jo-gador tinha o poder de recompensar os generosos, condenar os parasitas ou ambas as opções. A punição tomou a forma de um símbolo de multa que poderia ser designado por qualquer um e custaria €3 ao participante designado que não dera qualquer contribuição. Mas o prazer da punição não era gratuito. Quem designava a multa de €3 teria de pagar €1 tam-bém. Se você quisesse recompensar um colaborador generoso, o sistema funcionava da mesma forma. Um bônus de €1 concedido a um colabora-dor generoso lhe custaria €1 também.

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No início da experiência, apenas um terço dos jogadores se junta-ram ao grupo dos articuladores. (Ei, tive minha própria experiência com freiras que batiam em nossas mãos com réguas. Quem precisa disso?) E, na primeira rodada, os parasitas entre os perdulários foram vistos como bandidos; não haviam contribuído com nada, mas ain-da assim foram beneficiados pela divisão do montante acumulado na conta coletiva.

Depois da quinta rodada, porém, ficou claro que os mais exigentes – e colaborativos – do grupo dos articuladores estavam ganhando mais. Essa conscientização teve seu efeito multiplicador, e mais pessoas passaram a tentar agir da mesma forma. Na 10a rodada, 75 dos 84 jogadores já ha-viam se filiado ao grupo dos articuladores e adotado a ideia de punição. Com mais membros se juntando ao grupo e contribuindo espontanea-mente, os benefícios de se ter uma organização que impunha regras com clareza e justiça se tornaram ainda maiores. Pense na Suíça em compa-ração ao México.

Na 30a rodada, os articuladores nadavam em dinheiro, e todos contri-buíam tanto que a necessidade de sanções de fato desapareceu – apenas a ameaça de punição já era suficiente. Enquanto isso, os ativos dos perdu-lários foram reduzidos a zero.

Boa parte do crédito para os altos ganhos dos articuladores pertencia àqueles que bancaram o custo de punir os parasitas. Nas primeiras ro-dadas, não havia qualquer benefício óbvio de se admoestarem (além da retribuição prazerosa do circuito TOP), mas então teve início o ciclo vir-tuoso e tudo ficou claro: uma instituição que promove o comportamento pró-social, não só pela recompensa aos generosos, mas pela punição dos mesquinhos, recebe maior retorno.

Se você tem alguma dúvida, compare o valor imobiliário do Texas, pelo menos em relação a 2011, com o do Arizona, Nevada ou Fló-rida. Os texanos conseguiram escapar da recente e vergonhosa bolha imobiliária ao estabelecer e impor regras que evitaram que as pessoas transformassem o mercado em um cassino. Hoje, estão se saindo muito bem com valores solidamente crescentes. Os outros lugares ensolarados

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que mencionei adotaram o conceito de cassino e arriscaram seu dinhei-ro como se não houvesse amanhã. Até que o amanhã chegou, e todos faliram.

A vantagem da TOP é o fato de ser um incentivo para que a sociedade siga as regras. A desvantagem, mais uma vez, é que os jovens chegam a se matar quando se sentem desrespeitados. Além disso, há também a ques-tão das discussões por uma vaga, brigas em bares e ocorrências frequentes de violência doméstica. Os homens com maiores taxas de testosterona se divorciam com mais frequência, passam menos tempo com os filhos, entram em competições de todos os tipos, têm mais parceiros sexuais (assim como dificuldade de aprendizado) e perdem o emprego com mais facilidade.

Portanto, mais uma vez, o equilíbrio é o melhor dos mundos. Por isso, a natureza uniu a testosterona (agressão e punição) à oxitocina (empatia e colaboração) num mesmo grupo, em que as proporções de cada substân-cia possam oscilar para se adequar às circunstâncias imediatas.

A abordagem feminina ao risco

O lado feminino da divisão dos gêneros deu à humanidade maior proxi-midade com a mãe para preparar os receptores de oxitocina para a em-patia, o vínculo entre o casal e o investimento parental. Do lado mas-culino, havia oxitocina e empatia suficientes para fazer parte de todo o processo descrito antes, mas não a ponto de interferir na agressividade, na exposição a situações de risco e no cumprimento de regras induzidos pela testosterona. Além disso, havia a descarga intermitente da testos-terona (DHT), que alimentava o prazer genuíno de punir malandros e indolentes, mesmo quando o ato de puni-los resultava em custo pessoal relevante.

Mas embora as mulheres tenham maior propensão ao comportamento pró-social, o qual chamamos agora de moral, as evidências não sustentam os esteriótipos de gêneros. Em alguns de nossos estudos, a pessoa com o

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nível mais alto de testosterona era uma mulher, e os homossexuais mas-culinos podem apresentar níveis de testosterona altíssimos.

Naturalmente mais servidos de testosterona, aos homens sempre coube a incumbência de correr os riscos, incentivando as espécies a testar seus limites, não apenas nas proezas que vemos em programas como Jackass. Um neurocientista chamado Brian Knuston colocou jovens para assis-tirem à pornografia para ativar seus circuitos TOP e, então, pediu que escolhessem um investimento. Os que ficaram sexualmente estimulados tinham 19% mais probabilidade de aplicar em investimentos de alto risco do que os jovens que não se entusiasmaram com as meninas.

De volta aos tempos das caravanas rumo ao Ocidente, os homens do Partido de Donner optaram por um atalho desconhecido. Infelizmente, o caminho “mais curto” os deixou presos numa nevasca em Sierra Neva-da. Esse episódio ficou conhecido como Passagem de Donner. Metade do grupo morreu, e os sobreviventes precisaram recorrer ao canibalismo para sobreviver. O relato dos sobrevientes indica que as mulheres do gru-po haviam sido contrárias à escolha do tal atalho.

Negócios arriscados podem resultar em morte. Por outro lado, pouca tolerância ao risco teria significado que todos os pioneiros – não apenas os do Partido Donner das caravanas – teriam ficado em casa trabalhando como assalariados em Brattleboro (ou em Endinburgo, para falar a ver-dade), em vez de se tornarem donos de fazenda no Ocidente.

Portanto, mais uma vez a natureza dos dá o yin e yang, o antagonismo entre a oxitocina e a testosterona que ajuda no equilíbrio mais sustentá-vel, uma alternativa entre a “Kumbaya” e um pé no traseiro.

Em nossos estudos do Jogo da Confiança, o único momento em que as mulheres foram mais sovinas que os homens foi quando estavam na posição A e tinham de se arriscar, transferindo o dinheiro para aumentar o retorno. O montante médio que transferiram na base da confinaça foi $4,50 dos $10 que receberam. Já os homens se dispunham a arriscar, em média, $6,00. A maior aversão ao risco por parte das mulheres corrobora

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as constatações que revelam que elas fazem seguro de vida com mais frequência, dirigem com mais cuidado e investem a aposentadoria em fundos mais conservadores que os homens.

Há razões evolutivas sólidas para as mulheres serem mais cautelosas em relação ao risco que os homens. Mas uma das duas posturas é a me-lhor: a liderada pela oxitocina ou pela testosterona?

Nunca se sabe, até ficarmos presos em Sierra Nevada.Os muito avessos ao risco em geral ficam inertes, e os excessivamente

adeptos ao risco morrem no meio do caminho, razão pela qual a pers-pectiva de uma relação recíproca de equilíbrio entre os gêneros parece oferecer melhores resultados com o tempo. Talvez os Donner devessem ter ouvido mais os temores de suas esposas. Ou talvez devessem ter tido um sistema como o seguido por alguns índios americanos, que tinham (a) chefes masculinos para cada clã, mas (b) que podiam ser depostos por meio de votos de todas as mães do clã.

A confiança propriamente dita é uma área em que a oxitocina pode ser regulada pela testosterona para causar um efeito positivo. Confiar de-mais – lembra o conto do vigário na estação ARCO? – é outra expressão para ingenuidade, que pode ser tão fatal quanto cutucar uma onça com vara curta.

Na University of Utrecht, na Holanda, pesquisadores deram a mulhe-res pequenas doses de testosterona e, em seguida, pediram que julgassem o grau de confiabilidade dos rostos retratados em fotografias. Sob a influência da testosterona, as mulheres demonstravam bem menos confiança que sob o efeito do placebo. As mais afetadas foram as que costumavam de-monstrar mais confiança, o que significa dizer que eram as mais ingênuas socialmente antes da infusão de testosterona.

Ocorre que a produção da testosterona nas mulheres atinge o ponto máximo bem antes da ovulação, o que faz aumentar a libido exatamen-te no momento em que a concepção é mais provável de acontecer, mas também reduz a empatia o suficiente para elevar a cautela. A gravidez e a criação de um filho exigem tanto investimento dos recursos metabólicos, de tempo e energia que é vantajoso para a mulher se tornar cética – e

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seletiva – em relação a confiar num parceiro em potencial. Portanto, a natureza equilibra o esforço de conceber e reproduzir – alegria no pe-ríodo mais fértil do mês – com o esforço equivalente de evitar escolhas precipitadas.

Campeões

Os seres humanos são programados tanto para demonstrar confiança quanto para ser céticos, provedores e punidores, competitivos e colabo-rativos, pois cada uma dessas forças antagônicas pode contribuir para a sobrevivência. Mas o maior fator yin e yang pode ser o equilíbrio entre competição e colaboração. É a testosterona que assume a responsabilida-de da parte competitiva, no caso de ambos os gêneros.

O nível de testosterona em jogadoras de futebol universitárias era maior antes de enfrentarem um forte advsersário específico e, quan-do ganhavam, o nível de testosterona se mantinha alto por horas. De forma semelhante, quando assistimos a um jogo em que nosso time tenha perdido – mesmo pela televisão –, o nível de testostero-na cai, independentemente do gênero. Se você tem grande identificação com um time (e aqui temos uma influência óbvia da oxitocina), sente-se um perdedor cada vez que o time perde. Portanto, mais uma vez temos a testosterona interagindo com a oxitocina – na questão da empatia. Mas não estamos falando apenas de Super Bowl ou de Copa do Mun-do. Até mesmo ganhar um concurso de soletração pode elevar o nível de testosterona, assim como o fato de perder o concurso diminui o nível da substância.

Todo mundo sabe que um pouco de competição pode levar ao apri-moramento de desempenho. O estresse moderado de uma competição comedida pode até ser saudável – melhora a concentração, a memória e a cognição, além de ajudar a estabelecer objetivos claros. Moderadamente, o estresse também estimula a liberação da oxitocina, que nos motiva a recorrermos aos recursos sociais.

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Mas mulheres e homens têm pontos de inflexão para os quais os hor-mônios dão o tom. O efeito da oxitocina é mais intenso nas mulheres. Sob estresse moderado, elas prontamente se unem, comportamento que a psicóloga da UCLA Shelley Taylor chama de “cuide e faça amigos”. Nos homens, o alto índice de testosterona mantém o foco em vencer e deixar claro aos perdedores que eles foram derrotados.

Vencer grandes desafios com muita frequência pode ter efeito cor-rosivo pela produção excessiva de testosterona. Obter o primeiro lugar, consistentemente e ao longo do tempo, pode reforçar alguns dos mais agressivos e estereotipados comportamentos masculinos associados ao hormônio.

Como já vimos, os bonzinhos nem sempre ficam por último – a ama-bilidade, ao contrário, costuma levar ao crescimento em uma organização. Mas, então, acontece algo curioso. O fato de estarem por cima costuma transformar as pessoas em idiotas. Pesquisas em organizações descobri-ram que os comportamentos mais rudes e inadequados, como uso de pa-lavrões, flertes inapropriados e provocações hostis, vinham das posições do alto escalão. O alcance de alto status social não só torna as pessoas solitárias, como também afeta sua moralidade de forma perigosa.

Isso tudo nos reconduz aos machos alfa e aos escândalos sexuais. Em 2011, quando Dominique Strauss-Kahn, importante político francês e diretor-geral do FMI, foi acusado de estuprar uma camareira de um so-fisticado hotel em Nova York, o fato deu origem a muita autorreflexão na França, onde o orgulho e o privilégio masculinos por não serem pu-ritanos como os anglo-saxônios só são sobrepujados por uma reverência cultural – e deferência midiática – pelas elites. Se você for inteligente, elegante e influente, as regras válidas para a burguesia não se aplicam a você. Enquanto as acusações contra Strauss-Kahn sobre o incidente em Nova York eram retiradas, relatos de outras relações indesejadas com mulheres começaram a surgir. A tolerância francesa em relação a casos extraconjugais, combinada com riqueza e poder e com a relutância por parte da mídia do país – ou de qualquer outra pessoa – para a prática de punição, resultou num cenário vergonhoso. O fato também lançou uma

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luz sobre o volume de fraudes e de corrupção varrido para baixo do tapete por uma atmosfera de indulgência mútua em que os poderosos pegam carona.

Sob a influência da testosterona, líderes ficam propensos a se tornar mais impulsivos à medida que vão progredindo. Em alguns casos, os há-bitos gerados por altos níveis de testosterona podem ajudar um executivo a ser mais incisivo e obstinado, ou a fazer escolhas inovadoras e vantajo-sas, mesmo não sendo populares. Isto, é claro, a menos que – ou até que – o frisson do risco e/ou a obstinação em busca de um objetivo inadequado leve o executivo (e a empresa) à bancarrota, ou sua equipe à sarjeta.

Os estudos em que usamos o AndroGel não só mostraram que os ho-mens que sofreram infusão de testosterona ficaram mais egoístas, como também que, assim como Dominique Strauss-Kahn, se sentiam com di-reitos adquiridos. Antes de o experimento começar, fiz cada participante me dizer o valor mínimo que aceitaria no Jogo do Ultimato. Os mes-mos participantes, depois da infusão de testosterona, rejeitaram 10% de propostas que satisfaziam os valores que eles mesmos haviam designado como “aceitáveis”. Os participantes sob efeito do placebo só mantiveram esse tipo de inconsistência em 3% das vezes.

Pessoas no poder estabelecem menos contato visual, pelo menos quan-do se trata de uma pessoa abaixo delas na hierarquia – que, na maioria das vezes, é uma mulher. Em testes como o nosso, a administração da testosterona tem mostrado inibir a capacidade das pessoas de captar o subtexto social que o contato visual transmite. Essa pode ser, em parte, a razão pela qual alguns chefes com níveis elevados de testosterona são mais propensos a confiar em estereótipos e generalizações em algumas avaliações e a racionalizar as próprias falhas. Afinal, são pessoas impor-tantes, com atribuições importantes e, como prontamente lhe dirão, têm uma pesada sobrecarga de responsabilidades.

Em jogos de RPG, em que os participantes desempenham um papel relevante, os alunos que fingiam ser os chefes demonstravam muito me-nos sensibilidade à qualidade dos argumentos. Era como se a argumenta-ção não fizesse diferença – eles já haviam formado suas opiniões.

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Deborah Gruenfeld, psicóloga da Stanford Graduate School of Busi-ness, estudou mil sentenças proferidas pelo Supremo Tribunal dos Esta-dos Unidos ao longo de 40 anos e descobriu que, à medida que os juízes ganhavam poder no tribunal ou passavam a fazer parte de uma coalizão majoritária, seus pareceres consideravam menos perspectivas e conse-quências. (O mais assutador é que as decisões tomadas dessa forma, por serem majoritárias, se tornam as leis daquele local.)

O resultado do progresso das mulheres no mundo dos negócios e na política foi a igualdade de oportunidades. Foi uma mulher, a falecida magnata do ramo imobiliário Leona Helmsley, que disse a famosa frase (pouco antes de ser indiciada): “Pagar imposto é coisa de pobre.” Seu estilo de vida não suportaria admitir qualquer infração, por menor que fosse, ou aceitar uma reprimenda. Portanto, contra o aconselhamento de seus advogados, ela mentiu para os agentes federais e acabou passando cinco meses na cadeia. Mais tarde, ela se compararia a Nelson Mandela, outra “pessoa de bem” forçada a ir para o xadrez. (Desculpe, Martha, uma pequena deturpação moral nesse ponto. Passar 27 anos na cadeira em prol da liberdade de seu povo é um pouco diferente de trapacear numa operação com ações e mentir a respeito.)

Tradicionalmente, os homens se orgulham de ser fortes e calados e, como Nelson Mandela, estoicos diante de dificuldades e da dor. Tam-bém se orgulham de “não ser emocionais” em posições de liderança. No mundo dos homens tradicionais – pense em Don Draper em Mad Men – o distanciamento indiferente e frio é admirado, e sinais de emoção são estigmatizados como fraqueza.

Mas as mulheres vêm argumentando há tempos que o distanciamento indiferente às vezes é apenas um sinônimo de “emocionalmente ausen-te”, o que significa que, ao subestimar a empatia e a intuição, os homens perdem as sutilezas não só do contato visual, mas também das palavras, do gestual e inclusive do contexto social.

No clássico filme 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubric, o computador HAL decide matar todos os seres humanos na nave espacial que está conduzindo, pois imaginou que seus “sentimentos” poderiam

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comprometer a missão. No Vietnã, o raciocínio abstrato (o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert McNamara, ficara famoso por trazer a gestão quantitativa para a indústria automobilística) levou ao uso de uma métrica absurda para contabilizar as vítimas com a finalidade de justificar táticas sem sentido. O raciocínio abstrado ainda deu origem a declarações surreais, como: “Tínhamos de destruir o vilarejo para salvar o vilarejo.”

Equipes da testosterona

Com a diminuição da oxitocina e da empatia, é muito fácil para alguém virar “O Alguém”, em seguida “O Inimigo”, depois “O Demônio”. Sem conhecer a fisiologia exata, governos e exércitos se deram conta, há mi-lênios, de que envolver a testosterona, diminuir a empatia e aumentar o desejo de punir, tudo isso produz ameaça externa à existência de um grupo. Rotular os adversários como monstros ajuda a dar à nossa hosti-lidade aquele charme extra e a acabar com qualquer vestígio do efeito da oxitocina.

Os antigos gregos e persas se chamavam pejorativamente de bárbaros. Nos tempos modernos, os publicitários inventaram termos como “Yellow Peril” (Perigo Amarelo), “Axis of Devil” (Eixo do Mal), “Evil Empire” (Império do Mal), “Hun” (huno), “Kraut” (alemão, termo usado pejorati-vamente), “Jap” (japonês), “Red” e “Commie” (comunistas radicais) para eliminar qualquer noção de que o adversário tivesse qualidades humanas e, às vezes, motivos válidos para agir como havia agido, em vez de afirmar que eram subumanos ou que estavam possuídos pelo demônio.

Vernon Smith, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, mostrou que somente o uso da palavra “adversário” em vez de “parceiro” já era su-ficiente para reduzir o nível de confiança pela metade. Quando a palavra “parceiro” era usada para descrever outra pessoa, o nível de confiança era de 68%. Na mesma situação, quando a palavra “adversário” era usada, o nível de confiança caía para 33%.

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Às vezes, a confiança na abstração de raciocínio para a exclusão da empatia contribui para uma deferência completamente irracional à auto-ridade. No início dos anos 1960, o psicólogo Stanley Milgram realizou um famoso experimento em que pedia às pessoas para administrarem leves choques elétricos em outras fora de seu campo de visão, mas perto o suficiente para que fossem ouvidas. Um cientista vestido com jaleco – a “figura de autoridade” – pedia a quem estava administrando o choque para aumentar um pouco a carga elétrica. Os participantes eram de uma obediência inacreditável, mesmo quando começaram a ouvir os gritos de dor. (Nem a dor, nem os gritos, tampouco o choque elétrico eram ver-dadeiros, mas os participantes que administravam o choque não sabiam disso.) Dois terços dos participantes aniquilaram os vizinhos com o que pensavam ser uma carga extra quando foram advertidos de que pode-ria ser fatal. Afinal, uma figura de autoridade os estava mandando fazer aquilo, portanto, moralmente – pelo menos, sob seus pontos de vista –, estavam isentos de quaisquer responsabilidades.

Em outro clássico estudo chamado o Experimento da Prisão de Stan-ford, o psicólogo Philip Zimbardo escolheu voluntários aleatoriamente para desempenhar os papéis de guardas ou de prisioneiro de uma peni-tenciária simulada que funcionava 24 horas por dia. Após seis dias, o clima na penitenciária se tornara real e feio demais, e a experiência teve de ser cancelada. Os guardas ficaram sádicos e torturaram os prisionei-ros, alguns dos quais se tornaram passivos e aceitaram o abuso. Outros obedeceram prontamente quando foram solicitados a infligir punição a outros prisioneiros. Até o próprio Zimbardo passou dos limites no papel de superintendente da prisão, deixando de lado seu papel de psicólogo e permitindo que o abuso fugisse ao controle.

As diferenças entre os grupos interno e externo podem sobrepujar a empatia e trazer resultados ruins, em parte porque, quando seguimos a maioria, o sistema da dopamina entra em ação, o que torna a identida-de do grupo e a conformidade agradáveis. (No extremo oposto, está a dor que sentimos sempre que somos excluídos de um grupo ou quando uma relação termina. No fim das contas, o cérebro processa a dor social

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exatamente da mesma forma que a física.) O prazer e a dor, o estímulo e o desestímulo reforçam a identidade do grupo ou o relacionamento, mesmo quando o grupo se torna uma máfia.

A testosterona sinaliza a diferença entre os grupos interno e externo mesmo numa competição inofensiva como um jogo de dominó. Em estudo realizado no Caribe, os níveis de testosterona aumentavam mui-to mais quando os homens eram adversários de um vilarejo vizinho do que quando competiam pelo próprio vilarejo. Psicólogos mostraram que qualquer atribuição aleatória dada a dois lados – “Vocês deste lado são os pássaros vermelhos, vocês do outro lado são os pássaros azuis” – é o suficiente para incentivar a competição entre os grupos interno e externo.

Ao juntar todas essas forças – testosterona elevada, deferência à au-toridade, pressão do grupo, abstrações desumanizadoras –, temos a in-sanidade dos nazistas nos anos 1930 e 1940, ou os belgas no Congo no fim do século XIX, que puniam os trabalhadores pela baixa produção nos seringais cortando as mãos e os pés de seus filhos. Mais recentemente, te-mos visto chacinas, estupros e mutilações durante genocídios nos Bálcãs, Ruanda e Sudão, e até na guerra entre cartéis rivais de droga na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Se você não for um de nós, merece morrer – e, quanto mais cruel for a morte, melhor.

Temos grande empatia pelos que nos são próximos, mas, quando nos sentimos ameaçados, nosso cérebro faz um simples cálculo do tipo “eu contra o outro”. Essa pessoa faz parte do meu grupo ou de outro grupo? Ao reduzir a oxitocina, o estresse do medo diminui o ciclo da empatia, limitando também nossa concentração a um cálculo amoral do que pre-cisamos para sobreviver.

No livro Jarhead, sobre as memórias de Anthony Swofford sobre a Guerra do Golfo em 2003, o autor descreve o medo que sentiu da huma-nidade do inimigo, porque vê-lo como ser humano dificulta puxar o ga-tilho. Matar até mesmo o inimigo desumanizado pode ser em si desuma-nizador – e pode contribuir para o que conhecemos como transtorno de estresse pós-traumático. Num esforço para se reumanizarem, os soldados

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se abraçavam, trocavam carinhos e diziam “Eu te amo, cara”. Cada um desses gestos libera oxitocina e reanima a molécula da moralidade, redu-zindo o estresse e trazendo de volta para a família dos seres humanos os homens que foram forçados a agir de forma desumana.

O poeta e líder espiritual Robert Bly passou anos no circuito de pa-lestras defendendo a ideia de que não se pode aprimorar o comporta-mento masculino envergonhando os homens ou tentando transformá-los em mulheres. É necessário honrar as virtudes da testosterona – o que os gregos antigos chamavam de andreia – e se certificar de que o ser huma-no com toda a sua agressividade também tem uma cabeça e um coração totalmente integrados.

Especialmente nesse contexto, a igualdade entre os gêneros é sensa-cional, pois pode tornar a vida menos estressante para todos: as mulheres não ficam restritas aos papéis tradicionais, enquanto os homens não sen-tem a necessidade de reprimir seus sentimentos ou de andar por aí com um chip no ombro. Idealmente, os dois gêneros podem compartilhar os fardos e as alegrias da vida, não apenas um ou outro, e, ao mesmo tempo, valorizar diferenças essenciais.

Mas, sem dúvida, a testosterona é um problema quando se trata de comportamento pró-social. Nos homens, ela naturalmente decai por vol-ta dos 30 anos, o que torna os homens mais velhos menos agressivos e mais empáticos, revertendo o padrão criminal da idade quando entram na fase da andropausa, o equivalente masculino à menopausa. Por volta dos 30 anos, o córtex pré-frontal nos homens está finalmente conectado por completo, o que permite que o cérebro executivo tenha melhor de-sempenho em inibir a impulsividade, que leva à maior ponderação.

Os efeitos da testosterona também diminuem quando um homem se compromete com uma mulher. Se, dessa relação, nascerem filhos, a tes-tosterona dimuinui ainda mais. No meu próprio caso, brinco dizendo que sou um “homem feminino”, já que tenho duas filhas e passo bastante tempo escovando seus cabelos e escolhendo vestidos para elas. Mas quan-do eu era adolescente e trabalhava com carros e jogava futebol, nunca me imaginei fazendo esse tipo de coisa, mas hoje eu amo. Hoje me exponho

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a menos riscos (episódios eventuais de skydiving, entretanto), entro em menos confrontos com outros homens e dirijo com mais cuidado. Tam-bém acho que me tornei muito mais tolerante e generoso.

Outro benefício de haver homens com mais empatia e participando mais na educação dos filhos é o fato de aumentar a atenção amorosa de que as crianças precisam para desenvolver os receptores de oxitocina ne-cessários para que se tornem seres humanos totalmente empáticos.

Infelizmente, o contrário também é verdadeiro. Pais disfuncionais tendem a ser deficientes em empatia, o que, em geral, resulta em crianças estressadas e traumatizadas, as quais, por sua vez, crescem com insufi-ciência de receptores de oxitocina, que perpetua um círculo vicioso de pessoas com deficiência em empatia.

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os desconectados

Vítimas de abuso, genes ruins e más ideias

A lguns anos atrás, no Loma Linda University Center, minha espo-sa dirigia uma clínica de epilepsia ambulatorial com um grande número de vítimas de trauma. Muitas eram mulheres que haviam

sido tão maltratadas que os danos emocionais manifestavam-se como sintomas físicos, um processo chamado somatização. Convenciam-se de estar paralíticas, ou tinham convulsões ou, ainda, ataques cardíacos.

Em animais, maus-tratos ou negligência extrema podem interromper a conexão fisiológica que a liberação da oxitocina possibilita. Eu vim à clínica para verificar se poderíamos usar o Jogo da Confiança para encon-trar evidências similares em seres humanos.

A primeira paciente que analisamos era uma jovem de 22 anos cha-mada Alicia e que, desde os 12, vinha sendo repetidamente violentada pelo padrasto. Ainda que não houvesse nada de errado com suas pernas, ela chegara numa cadeira de rodas. Quando os médicos a incentivaram a ficar de pé, ela o fez e conseguiu mover-se arrastando os pés, mas em sua mente estava completamente paralisada.

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Alicia estava num estado lamentável. Enquanto colhíamos seu san-gue, notei que a cabeça pendia e que não fazia contato visual. No en-tanto, colaborou totalmente e se comportou bem no Jogo. Mas como jogadora B, recebera uma transferência de dinheiro, e a manifestação de confiança não fizera os níveis de oxitocina chegarem ao máximo. Como havíamos previsto, seu trauma de infância desconectara os re-ceptores de oxitocina.

Levamos um ano até fazermos os 15 pacientes com somatização pas-sarem pelo protocolo do Jogo de Confiança. Todos tinham vida instável e não apareciam quando prometiam, mudavam ou trocavam de telefone, o que dificultava o contato.

Mais tarde, fizemos nesses pacientes um estudo das imagens cere-brais, mostrando fotografias de pessoas em situação aflitiva, o que, de modo geral, desperta empatia. Nas vítimas de trauma, a amígdala estava desconectada. Ela tem alta densidade de receptores de oxitocina e modu-la as emoções. Assim como Alicia no Jogo da Confiança, esses pacientes eram emocionalmente vazios e não mostraram reação às fotos.

Quando tentamos falar com Alicia novamente para pedir que viesse fazer uma ressonância magnética cerebral, o parente que atendeu ao te-lefone nos disse que ela morrera e desligou antes que pudéssemos lhe dar os pêsames ou mesmo descobrir o que havia acontecido.

os 5%

Tínhamos encontrado evidências de insuficiência de oxitocina em nosso primeiro Jogo da Confiança na UCLA. O último jogador naquela série inicial de teste era um pouco gordo, tanto que meu amigo médico Bill Matzner teve de espetá-lo quatro vezes para achar uma veia. Depois de termos colhido o sangue, me desculpei pela dor que lhe infligíramos.

“Sem problemas”, disse ele. “Adoro essa experiência. Posso voltar amanhã?”

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Isso me deixou curioso – a maioria das pessoas que espeto três ou quatro vezes para uma única coleta de sangue não fica muito contente. Assim, fiz uma pequena investigação.

Este era um jogador B. O jogador A que tinha feito par com ele trans-ferira-lhe cada centavo do montante inicial, o que, multiplicado por três, rendeu-lhe mais $30, que adicionados ao valor inicial perfizeram um to-tal de $40. Embora o jogador A tivesse apostado tudo para aumentar o tamanho do bolo para ambos, esse cara reteve cada centavo.

Na economia comportamental, o termo técnico para esse tipo de pes-soa é não recíproco incondicional. Lá no laboratório, nós os chamamos de sacanas.

Ao longo do tempo, descobrimos que 5% de nossos voluntários uni-versitários eram assim. Eles optaram por não retornar nada, independen-temente do montante que o outro jogador lhes confiara. Nesses casos, o trauma não era um fator – todos eram universitários altamente dotados que nunca haviam sofrido graves traumas. Quando analisamos seu san-gue, verificamos que 5% deles tinham, na verdade, excesso de oxitocina. A princípio, pareceu-nos contraditório, mas depois consideramos o fato de que o sistema não reage ao nível total de oxitocina, mas ao aumento imediato. O desligamento de seus receptores estava com defeito, inun-dando o sistema de oxitocina, o que criara um déficit funcional. Sem aumento, sem contraste, sem ativação de oxitocina. Sem essa ativação, não havia empatia nem reciprocidade. Assim, embora o problema para esses não recíprocos incondicionais tenha origem no excesso de oxitoci-na, chamamos essa condição de Distúrbio de Déficit de Oxitocina, pois eles não liberam oxitocina quando deveriam.

Com o tempo, descobrimos que, na verdade, existem três macroca-tegorias de influência que diminuem ou destroem a reação à oxitocina: temporária, adquirida e orgânica.

Qualquer pessoa pode ter um dia ruim, e as preocupações momentâ-neas do trabalho ou problemas no trajeto de casa para o trabalho podem diminuir essa reação. Vítimas de trauma como Alicia podem apresentar

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deficiência adquirida de oxitocina num extremo, enquanto pessoas do lado oposto do espectro social podem perder sua capacidade de empa-tia, por conta do alto status ou rigidez mental. Deficiências orgânicas incluem algumas doenças genéticas, sendo o autismo a mais comum, e a psicopatologia, a mais grave.

um pouco de estresse pode ir longe

Um dia ruim pode acontecer de todas as formas e intensidades, e o maior responsável pela criação da deficiência de oxitocina é o estresse, que, de vez em quando, pode nos transformar em não recíprocos temporários. E não é preciso que estejamos sob fogo cruzado, desesperados para achar um emprego ou preocupados com uma criança no hospital para que o es-tresse amorteça a liberação de oxitocina, tornando nosso comportamento menos generoso.

Existem dois tipos básicos de estresse: crônico e agudo, e ambos in-terferem no sistema HOME. O do tipo “fogo cruzado” resulta na li-beração do hormônio epinefrina, também chamado de adrenalina, que nos prepara para a “luta ou a fuga”. Embora já tenha se tornado comum nos dias de hoje, a epinefrina acelera a frequência cardíaca e a respiração e aumenta a pressão arterial. Níveis elevados dessa substância causam vômito e esvaziamento dos intestinos e da bexiga. Essa reação vinha a calhar quando nossos ancestrais precisavam diminuir sua carga enquanto fugiam dos predadores, mas não é muito útil quando a causa do distúrbio é a turbulência num avião ou uma divergência crítica com o chefe.

A maioria das pessoas no mundo moderno passa muito mais tempo lidando com o estresse, que não é grande ou dramático, mas faz parte da vida. Essa variedade, o estresse crônico, faz o organismo liberar uma substância química chamada cortisol. Como nosso corpo evoluiu para se ajustar ao ambiente de adaptação evolutiva – as planícies da África Oriental há alguns milhões de anos –, esse hormônio também nos ajudou

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a escapar de ameaças, mas de maneira mais duradoura. A epinefrina é um golpe imediato à ação, mas depois entra o cortisol para manter a frequên-cia cardíaca e a pressão arterial elevadas e a respiração acelerada, como se seu vilarejo fosse subitamente inundado e você precisasse de horas de esforço para manter seus filhos em segurança. Esse hormônio também li-bera glicose dos depósitos de gordura, de modo que os músculos tenham energia para queimar. A desvantagem dessa adaptação, que já foi muito útil, é o fato de que, uma vez desencadeados pelas baixas e persistentes ansiedades de hoje, a frequência cardíaca e a pressão arterial elevadas e os aumentos de glicose permanecem e tornam-se tóxicos de todas as formas, causando doenças cardíacas e diabetes, assim como alterações no comportamento moral.

Tanto os elevados níveis de epinefrina quanto o cortisol inibem a li-beração da oxitocina, o que abala o ciclo virtuoso, gerando diminuição da empatia e acabando com a sua preocupação para com os outros. Aqui, a lógica evolutiva é a mesma do raciocínio por trás das instruções de segu-rança aérea, que o aconselham a colocar a própria máscara de oxigênio antes de tentar ajudar seu filho. Quando você está lutando pela sobre-vivência pelos próximos 60 segundos, o alto nível de altruísmo ou até mesmo um sentido refinado de escrúpulo moral talvez não seja o melhor caminho.

E não é preciso tanto estresse para que nos tornemos menos virtuo-sos. Um estudo com seminaristas descobriu que, mesmo dentre aqueles altamente altruístas e espiritualmente comprometidos, um alto percen-tual de jovens não parou para socorrer um sem-teto que agonizava por estarem atrasados para a aula.

O efeito mais pernicioso de cortisol em demasia devido ao estresse é poder levar a uma longa fadiga de empatia. Acredito que isso aconte-ce com muitas pessoas quando as dificuldades da vida moderna se jun-tam à superexposição à mídia. Há tantas lutas e dificuldades no mundo, tantas pessoas e causas clamando por atenção que, às vezes, queremos apenas nos encolher em nosso casulo. A constante cascata de estímulos

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estressantes pode nos causar um “apagão”, como os médicos socorristas e os de emergência apagam por conta do excesso da enorme responsabili-dade que têm nas mãos.

Algumas pessoas são mais resilientes; para outras, um pouco de estresse leva algum tempo para causar exaustão de empatia. Para al-guns, o estresse do isolamento parece uma ameaça, o que era verdade no caso de nossos antepassados. Assim, até a solidão pode amortecer o circuito HOME e nos tornar menos agradáveis e carinhosos, justa-mente quando precisaríamos. Mas a emoção mais tóxica de todas é a hostilidade.

Nos anos 1950, em San Francisco, um cardiologista chamado Meyer Friedman resolveu redecorar a sala de espera do consultório quando o estofador notou que as cadeiras estavam desgastadas apenas nas pontas. Mencionou o fato ao Dr. Friedman e, num repente, o médico experiente e capaz pensou na hipótese de seus pacientes estarem tão ansiosos que literalmente sentavam nas pontas dos assentos. Sua ansiedade estaria con-tribuindo para seus problemas cardíacos? O médico começou a estudar esse tipo de comportamento e surgiu com o conceito de “Personalidade tipo A”, que tinha grande influência no contexto de fatores de risco para a saúde. Esse conceito também gerou muita polêmica e foi mal interpretado.

Pessoas do tipo A são difíceis, oportunistas impacientes, mas o fato é que milhões de Tipos A vivem felizes para sempre – e com saúde – tra-balhando horas a fio, correndo para reuniões e gritando nos celulares. O ponto crítico no que se refere a estresse, saúde e liberação de oxitocina é a parte da felicidade.

Se você gosta de ser um agente de Hollywood, um banqueiro de inves-timentos, um político ou um grande representante de vendas, e, se estiver no topo, cheio de oportunidades, seu Tipo A está ocupadíssimo – mas não necessariamente estressado de modo corrosivo. O que desencadeia os efeitos mortais do cortisol é a raiva reprimida, a que surge em razão de se sentir frustrado e ser socialmente subordinado. As pessoas com maior risco de um ataque cardíaco ou um acidente vascular cerebral, bem como

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do Distúrbio de Déficit de Oxitocina, não são necessariamente as que competem pelo ápice do sucesso, mas aquelas que ficaram presas no meio do caminho.

Na Inglaterra, epidemiologistas fizeram um longo estudo do servi-ço público britânico, chamado de Estudo Whitehall, cujos achados de-monstraram que o pior, em termos de saúde e bem-estar, é um trabalho de grande responsabilidade e com baixo grau de controle. Nas posições medianas, o interruptor de fornecimento de grande estresse, o cortisol, fica emperrado na posição “ligado”. É a mesma situação incômoda em que médicos se sentem cerceados pelos regulamentos dos seguros, ou professores entre pais que acham que o Joãozinho não faz nada de errado e que os diretores escolares não reforçam regras e disciplina, e um ban-do de pessoas vendendo bilhetes e tendo de cobrir uma extensa área de vendas, quando o que queriam desesperadamente é estar no centro das atenções e brilhar.

O que torna este tipo de estresse social especialmente problemático para a sociedade é o fato de ter se tornado endêmico. A estabilidade no emprego é cada vez menor, e a ansiedade para encontrar um lugar que lhe garanta um salário pode causar estresse crônico. Assim, enquanto os ven-cedores têm a oxitocina bloqueada por uma inundação de testosterona induzida pela vitória, os que não estão indo bem podem ter sua empatia diminuída como consequência da raiva e frustração por não vislumbra-rem uma saída.

A mitologia americana diz que os operários são mais viris, mas, numa sociedade em que dinheiro e status são equiparados a valor humano, estar numa posição de subordinação pode ser humilhante. Essa talvez seja uma das razões pelas quais vemos pessoas que ganham pouco manifestando sua hostilidade, tentando parecer ameaçadoras, seja em coletes pretos de couro sobre motos Harley-Davidson, seja com a cabeça raspada e exi-bindo suas tatuagens. O mesmo acontece com jovens da cidade, com moletons com capuz, óculos escuros e calças caindo, que deixam metade da bunda à mostra, num estilo prisão.

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Quando a humilhação do baixo status social alia-se à verdadeira in-segurança econômica, a sensação de estar encurralado pode ferver num afluxo de deficiência de oxitocina DHT. Talvez essa seja a razão de nosso discurso político estar tão polarizado hoje em dia. A raiva e a falta de empatia criam um ciclo negativo em que é muito fácil atacar e culpar “o outro”, sejam eles imigrantes ilegais, “aqueles fundamentalistas idiotas” ou “as elites”. Enquanto isso, as “elites” parecem completamente surdas quando se trata de antever a forma como suas ações – resgate de Wall Street; executivos indo a Washington em jatos particulares pleiteando ajuda federal – serão vistas pelos cidadãos comuns.

Marcados para a vida

O problema mais enraizado para milhões de pessoas como Alicia, em nossa história de abertura, é que sua deficiência de empatia não é uma condição transitória, mas está profundamente gravada, resultado de sérias cicatrizes emocionais. O principal responsável é o abuso – que engloba a negligência e o abandono – na primeira infância. Quando gatinhos são privados de luz, as áreas visuais do cérebro se atrofiam. Do mesmo modo, se os receptores de oxitocina não forem estimulados por amor e atenção desde muito cedo, não se desenvolvem.

Em 1958, o psicólogo Harry Harlow realizou uma experiência in-fame em que tirou macacos rhesus recém-nascidos de suas mães. Pre-senteou-os, então, com dois substitutos: um, feito de arame; o outro, de um pano macio. Os dois substitutos podiam conter uma garrafa de leite, mas, independentemente de qual “mãe” os alimentava, os maca-quinhos passavam a maior parte do tempo agarrados ao manequim de pano, correndo logo em direção a ele quando se viam assustados ou aflitos.

Descobriu-se, porém, que, assim como a maternidade não se reduzia a alimentar os filhotes, carinho não era apenas fazer um bebê se sentir bem

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naquele momento. Mais tarde, os macacos com mães de arame mostra-ram atraso significativo no desenvolvimento mental e emocional. Com os macacos criados em isolamento, a situação foi ainda pior. Mesmo após terem podido voltar ao seu grupo de macacos, eles se sentavam sozinhos, balançando-se para a frente e para trás. Eram extremamente agressivos com os companheiros e, na idade adulta, não conseguiam ter relações normais, nem mesmo desenvolver as mais básicas habilidades sociais. Quando uma fêmea socialmente desprovida, isto é, privada de oxitocina, ovulava e era abordada por um macho normal, agachava-se no chão em vez de mostrar suas partes traseiras. Se um macho antes isolado se apro-ximasse de uma fêmea receptiva, ele poderia abraçar a cabeça em vez do traseiro e começar a empurrar.

Fêmeas criadas em ambientes desprovidos de oxitocina se tornavam incompetentes ou mães abusivas. Até os macacos criados em jaulas das quais podiam ver, cheirar e ouvir – mas não tocar – outros macacos de-senvolveram retraimento social e passavam a se balançar, a se tratar com carinho e se abraçar.

O experimento de Harlow foi brutal, mas pode ter ajudado a evitar o que equivaleria a um desastre humanitário se sua lição tivesse sido mais amplamente absorvida. Em vez disso, nas décadas seguintes, milhares de crianças órfãs foram destinadas a um gulag* emocional, sobretudo na Romênia, onde o sistema do ditador Nicolae Ceauşescu estabelecia um responsável para cada 20 crianças, o que significava que quase não havia tempo para a higiene básica. Abraços e outros tratamentos carinhosos estavam fora de cogitação.

Quando os orfanatos foram abertos ao mundo em 1989, funcionários da saúde estrangeiros encontraram crianças de 3 anos que não choravam nem falavam. Estavam muito atrasadas no crescimento físico, habilida-des motoras e desenvolvimento mental. Tal como faziam os macacos

* Nota da Tradutora: Sistema penal institucional da antiga União Soviética, composto por uma rede de campos de concentração.

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desprovidos de oxitocina, agarravam-se a si próprias e se balançavam para a frente e para trás.

Mais tarde, cientistas americanos estudaram alguns desses órfãos que haviam sido adotados. Faziam-nos brincar com os pais adotivos e, em seguida, colhiam sua urina. Mesmo após três anos num lar amoroso, as crianças que haviam sido emocionalmente desprovidas de cuidados emo-cionais quando pequenas não mostravam qualquer aumento de oxitocina depois de 30 minutos de brincadeira com os pais.

Como vimos na clínica com Alicia e outros, o comprometimento ad-vindo da privação pode ser permanente. Em Loma Linda, usamos o Jogo da Confiança para comparar vítimas de abuso sexual crônico na infância a mulheres que haviam tido infâncias saudáveis. A média de confiabili-dade não foi muito diferente entre as mulheres abusadas e as que tiveram mais sorte – as abusadas retornaram 49%, enquanto as do grupo de con-trole, 53%. Mas ao investigarmos além dessas estatísticas rudimentares, as vítimas de abuso demonstraram uma gama muito mais ampla de com-portamentos e, a seguir, está a explicação.

Vinte por cento das abusadas eram extremamente confiáveis (retorna-ram mais de dois terços do dinheiro adquirido) em comparação a apenas 2% do grupo de controle. Do outro lado do espectro, 33% das mulheres abusadas eram não confiáveis (retornaram menos de um terço do di-nheiro que controlavam) em comparação a apenas 12% das mulheres do grupo controle.

O que essas disparidades nos dizem é que o sistema HOME nessas mulheres era fundamentalmente desregulado, o que as deixara emocio-nalmente desconectadas. Nosso estudo de sua função cerebral mostrou o mesmo.

O fato de lhes ter sido confiado dinheiro estava associado a 1% de aumento de oxitocina nas mulheres vítimas de abuso, enquanto as do grupo controle tinham um aumento médio de 7,5%. De modo bastante curioso, quanto maior a liberação de oxitocina entre as abusadas, menos confiáveis elas eram.

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As mulheres vítimas de abuso tinham menos da metade das amizades em relação às do grupo de controle e eram muito mais propensas a evitar relações românticas (60% contra 20%). As abusadas também apresenta-vam níveis-base de cortisol 35% menores em comparação às do grupo de controle, o que revela outra fonte de sua falta de emoção.

A deusa da ambição

Em 2011, uma equipe de filmagem veio a nosso laboratório a fim de fazer um documentário sobre os Sete Pecados Capitais, e trouxeram uma jovem incomum chamada Stephanie Castagnier. Se você assistiu ao programa de Donald Trump, O Aprendiz, deve lembrar-se dela como a canadense, perita do ramo imobiliário, que se apresentava como a deusa da ambição. Muito atraente e feminina, mas com um impulso agressivo para fazer seu primeiro milhão de dólares com grande facilidade antes dos 30 anos.

Projetei um conjunto de experimentos para analisar seu sistema HOME. Apesar de toda a agressividade nos negócios, verifiquei que sua testosterona era anormalmente baixa. Entretanto, ela tem uma anomalia genética: seu organismo consegue extrair quantidades incríveis de DHT – o material de alta octanagem que instiga o comportamento punitivo – da limitada testosterona com que tem de trabalhar. O DHT, claro, bloqueia o oxitocina. Então, como ela própria admite, Stephanie é como muitos homens, incrivelmente determinada, mas não lida muito bem com o que se refere à empatia. Mas sua história não para por aí.

Quando ela era criança, seu pai era traficante. Assim, sua família tinha dinheiro em abundância, mas ela vivia numa espécie de zona de guerra, com metralhadoras embaixo da cama, dinheiro escondido em fronhas e eventos estranhos – às vezes, violentos – a todo momento. Quan-do Stephanie estava no ensino médio, o abuso de drogas por parte do pai o havia reduzido a traficante de rua e, por fim, a viciado sem-teto. Nesse período, ele roubava o tênis da filha, a jaqueta, os livros, tudo que

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pudesse lhe render alguns dólares para comprar drogas. Ela dormia com um taco de beisebol ao lado da cama com receio de que ele a vendesse a um de seus amigos drogados, ou que alguém arrombasse a porta e a estuprasse. Tanto seu pai quanto sua mãe morreram de AIDS antes que ela concluísse a escola.

Fizemos Stephanie assistir a um vídeo sobre Ben, o menino com cân-cer, e ela nos disse que se sentira muito sensibilizada e se esforçara para conter as lágrimas. No entanto, seus exames de sangue não mostraram qualquer liberação de oxitocina, o que significava que sua empatia não era verdadeira. Sendo altamente resistente e uma sobrevivente experiente, ela sabia como e quando dizer as coisas certas.

Quando telefonei para Stephanie a fim de compartilhar os resultados dos testes, eu a adverti de que ela talvez não desejasse saber o que eu havia encontrado; poderia revelar muito do seu íntimo. Mas ela afirmou que queria saber. Uma das implicações do ODD (Oppositional Defiant Di-sorder – Transtorno Oposicional Desafiante) é a incapacidade de manter relacionamentos românticos. Stephanie riu e disse que passava pelos ho-mens como se fossem pares de tênis.

Autismo e ansiedade

Para milhões de pessoas, a ODD não é consequência das experiências iniciais da vida, mas dos programas genéticos que receberam. O distúrbio mais prevalente no qual a insuficiência de oxitocina se manifesta é o au-tismo. Um estudo descobriu que crianças com autismo apresentam pata-mares mais baixos de oxitocina no sangue, bem como níveis mais baixos dessa substância no fluido espinhal, o que sugere que os neurônios pro-dutores de oxitocina no hipotálamo não funcionam corretamente. Ou-tros estudos encontraram variantes no receptor de oxitocina que podem impedir a adequada ligação com o hormônio. Até agora, não há evidên-cia conclusiva do que seja uma “causa” para o autismo, mas pesquisas com

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ratos de pradaria demonstram que, ao terem seus receptores de oxitocina bloqueados, os animais são impedidos de formar ligações sociais afetivas normais. Assim, a conclusão é muito forte.

O alto nível de testosterona fetal também causa a interrupção do sis-tema HOME dos autistas. Alguns especialistas vão mais longe ao cha-marem o autismo de “síndrome do cérebro masculino extremo”, e, nos Estados Unidos, das seis pessoas entre as mil que nascem por ano com essa condição, a proporção é de quatro meninos para cada menina.

O que sabemos com certeza é que o autismo afeta a habilidade de comunicação, a capacidade de ler as emoções dos outros (empatia) e a capacidade (e/ou o desejo) de se conectar socialmente. Padrões de com-portamento repetitivo e estereotipado também estão associados à condi-ção, incluindo o balançar que vimos nos macacos desprovidos de contato próximo no início da vida. Esses comportamentos é que levam ao diag-nóstico de autismo, em geral aos 3 anos.

Mesmo assim, a gama de insuficiência é tão ampla que o termo mais utilizado é transtorno do espectro do autismo, sendo a síndrome de As-perger a forma mais branda. O Asperger permite às pessoas um bom convívio em grupos sociais, em geral enquanto funciona num nível muito elevado em áreas que requerem expertise técnica. Alguns especialistas argumentam que a lista de notáveis com Asperger inclui Isaac Newton, Thomas Jefferson e Albert Einstein. Sugere-se que Bill Gates também estaria incluído nessa lista, já que é conhecido por se balançar para trás e para a frente durante reuniões tensas. Especula-se ainda que a indústria de computadores jamais teria chegado aonde chegou não fosse a contri-buição de milhares de pessoas com Asperger, altamente capacitadas, que preferem escrever códigos a se socializar. (Há ainda especulações – e só especulações – de que casamentos na indústria, com os dois noivos com Asperger, têm causado uma epidemia de autismo no Vale do Silício e em outros centros de alta tecnologia.)

Não surpreende o fato de que autistas não se comportem como outras pessoas ao jogar os jogos favoritos dos cientistas sociais. Num estudo

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envolvendo o Jogo do Ultimato, 28% dos autistas nada ofereceram. No grupo de controle, só 3% agiram assim.

O fato de que a oferta de nenhum valor é sempre recusada – uma perda de tempo, em outras palavras – sugere a gravidade do distúrbio. É muito difícil conviver bem em nossa sociedade sem um alto grau de esperteza. Por isso mesmo, os autistas tendem a aceitar ofertas baixas, porque sua Teoria da Mente não percebe as sutilezas do toma lá dá cá, a essência da colaboração produtiva.

Lisa Daxer, aluna de engenharia biomecânica na Wright State Uni-versity, tem um blog chamado “Relatos de um alienígena residente”, no qual se refere a não autistas como “neurotípicos”. Também expressa sua perplexidade com a forma pela qual eles (ou seja, todos nós) são obceca-dos por interação social. Ela escreve sobre como observa seus amigos as-sistirem a Friends (um espetáculo “neurotípico”, segundo ela) e os descre-ve imitando as expressões no rosto de Jennifer Aniston ou de Courtney Cox. “Você, na verdade, tem de interferir para impedir os neurotípicos de se socializar”, afirmou espantada ao NPR (National Public Radio, organização que atua como sindicato para a maioria das estações públicas de rádio nos Estados Unidos).

Lisa Daxer tem poucos ou nenhum desses impulsos sociais, mas, por ser muito inteligente e uma talentosa solucionadora de problemas, percebeu a necessidade de trabalhar o desenvolvimento de suas habilidades sociais. Afi-nal, não importa quão brilhante seja como engenheiro, você não consegue, sozinho, fazer uma nave espacial chegar à Lua. Como quase tudo, ciência e tecnologia são feitas por equipes, o que exige empatia, a Teoria da Mente e a capacidade de usar a cocognição no tratamento dos objetivos comuns.

Como outro autista realizado, o cientista de animais Temple Gra-din, Lisa obtém, por meio de intenso esforço cognitivo, o que o restante de nós faz intuitivamente. Não olhe fixamente. Faça rodízio. Não fique muito perto. (Em entrevista com o neurologista Oliver Sacks, o primeiro a chamar a atenção para Temple Gradin, ela descreveu como o fato de estar entre não autistas a fez se sentir “uma antropóloga em Marte”.)

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Daxer resolveu memorizar uma lista de temas “proibidos”, que, segundo ela, inclui sexo e “qualquer coisa que aconteça no banheiro”. Ela con-sidera estranhos alguns desses tabus neurotípicos, mas compara, então, sua aversão a certos tecidos. “Evito roupas de poliéster”, disse ela. “Eles evitam falar sobre a morte.”

Jantei várias vezes com Temple Gradin, e a primeira vez que a vi ela me pareceu tão frágil que, instintivamente, coloquei a mão sobre seu bra-ço. Lembrei, então, que a maioria dos autistas não gosta de ser tocada. Mais tarde, descobri que, aos 18 anos, ela criou uma máquina de com-pressão na qual poderia sentir algo próximo a um abraço de alívio de estresse, sem ter de interagir com as pessoas.

Ao jantar, Temple conseguiu manter a conversa e estabelecer contato visual, mas sua expressão facial era como pedra, sem qualquer indício de emoção. Após o jantar, ela não quis sobremesa e foi a primeira a sair.

A oxitocina poderia ser usada para ajudar pessoas como Lisa Daxer e Temple Gradin a se relacionar com os outros com mais facilidade?

Há uma pesquisa chamada de teste de Quociente do Espectro Autis-ta, que usa 50 perguntas para medir comportamentos sociais, a habilida-de de ler as emoções dos outros e a necessidade de rotina. Num estudo feito na Mount Sinai School of Medicine, em Nova York, 27 homens foram classificados nessa escala e, em seguida, foram infundidos com oxitocina. Foram convidados, então, a assistir a um vídeo em que pessoas interagiam e discutiam eventos emocionais. Também lhes foi solicitado que classificassem as emoções mostradas. Aqueles que haviam recebido oxitocina tiveram a precisão emocional aumentada (comparados a si pró-prios sob o efeito de placebo). Mas isso só aconteceu entre aqueles com as maiores pontuações de autismo. Em outras palavras, a oxitocina não transformou pessoas que já eram socialmente hábeis em ainda mais ha-bilidosas ou socialmente espertas; apenas ajudou os que mais precisavam de auxílio.

Esse estudo sugere que mesmo aqueles com os déficits mais graves têm alguns receptores de oxitocina intactos que podem ser envolvidos

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em interações sociais. Inundar o cérebro com oxitocina por meio de um inalador tem se mostrado útil aos autistas para diminuir comportamentos autocalmantes, tais como o balançar, aumentar moderadamente o con-tato visual e perceber pistas emocionais na fala. Porém, o componente mais importante do sistema HOME é a liberação de serotonina, de-sencadeada pela liberação da oxitocina. A serotonina é, naturalmente, o neurotransmissor que reduz o estresse e nos dá uma sensação geral de bem-estar. Assim, o benefício causado pela infusão de oxitocina para os autistas pode ser apenas a diminuição dos níveis normalmente elevados de ansiedade.

Por várias razões, não creio que a infusão de oxitocina será, em algum momento, uma terapia realista para o autismo. Para começar, a experiên-cia da infusão é uma droga. Em segundo lugar, os efeitos duram pouco (embora uma formulação de ação mais prolongada de oxitocina chamada carbetocina esteja atualmente em ensaios clínicos). Quando o problema é a escassez ou o mau funcionamento dos receptores de oxitocina, apenas o aumento da concentração do hormônio não será de muita valia.

Um caminho mais promissor é o de aumentar o número de receptores de oxitocina. Quase todos os pacientes neurológicos e psiquiátricos que testei liberaram oxitocina, ainda que só um pouco. Ter mais receptores quer dizer ter mais áreas às quais a molécula possa se conectar, o que significa fazer melhor uso da oxitocina já disponível. Essa abordagem foi comprovada em roedores e agora está sendo usada em ensaios clínicos com seres humanos. Se for comprovada sua eficácia em seres humanos e conseguida a aprovação do FDA, talvez possa auxiliar no tratamento de distúrbios que vão do autismo à ansiedade social e ao estresse pós-traumático.

A indiscutível vantagem de se contar com o aumento do número ou da sensibilidade dos receptores da oxitocina é o fato de manter a integridade da função da Molécula da Moralidade na regulação do comportamento so-cial. Em outras palavras, ela pode ser ligada e desligada. O aumento do nú-mero de receptores para melhorar a participação social permite que o efeito

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da oxitocina se manifeste normalmente, quando a liberação da oxitocina é instigada por estímulos sociais apropriados, tais como sinais de confiança ou afeição. Inundar o cérebro com oxitocina por meio de um inalador é como pisar no acelerador de um carro – não é muito sutil ou sensível às circunstâncias externas. Com uma simples infusão de oxitocina, os pacien-tes podem tornar-se tão confiáveis que seriam alvos fáceis para o conto do vigário, bem como para as mais prejudiciais formas de vitimização.

Desequilíbrios da oxitocina também podem ter sua função quando o problema não é a incapacidade de se conectar com outras pessoas, mas apenas sentir grande ansiedade em fazê-lo. Recentemente, ajudei numa experiência no General Hospital of Massachusetts, em que os pacientes com SAD (Social Anxiety Disorder – transtornos de ansiedade social) jogavam o Jogo da Confiança. Quando estavam na posição B, devolviam 6% menos que as do grupo de controle, os quais não tinham sintomas de SAD. Essa descoberta corroborava o fato de que os pacientes com SAD também tinham um nível de referência maior de oxitocina, o que significa que, mais uma ez, seu sistema já estava cheio de oxitocina, o que impe-dira um pico em respota ao estímulo. Para os pacientes de SAD, quanto maiores os níveis de referência de oxitocina, maior o nível relatado de insatisfação com as relações sociais.

Houve rumores sobre um medicamento que teria como alvo o sistema HOME, num esforço para aliviar esse tipo de ansiedade, mas ainda pre-firo abraços a fármacos.

Há alguns anos, uma mulher do Reino Unido leu sobre nossa pesquisa e procurou-me para perguntar sobre a filha. A jovem estava tendo ata-ques de pânico toda vez que se via em grupo, o que incluía os escritórios da grande empresa na qual era executiva. Descrevi como acariciar um cachorro, receber uma massagem e estar perto de pessoas que projeta-vam alto grau de confiança seriam capazes de ajudá-la. Se isso não desse certo, recomendei que consultasse um psiquiatra, que poderia prescrever um antidepressivo, como Prozac ou Paxil, que, pelo menos em roedores, aumenta a liberação de oxitocina.

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A mãe da jovem me disse que o único momento em que a filha se sentia confortável perto de outra pessoa era quando se massageava, o que, claro, é outra maneira de se automedicar, já que mesmo uma massagem pode fazer o cérebro liberar oxitocina; e treiná-lo a aumentar a liberação da oxitocina, pode facilitar a interação social. A massagem também é um ataque direto ao estresse da ansiedade social porque, novamente, a sero-tonina desencadeada pela liberação da oxitocina é relaxante. Por fim, a jovem deixou o emprego na empresa e tornou-se massagista terapêutica.

Para crianças, certa ansiedade social em relação a desconhecidos as protege, mas, com o tempo e a orientação de adultos, a criança precisa aprender a sintonizar o sistema. Tio George, a vizinha Sue ou a profes-sora Ann devem ser tratados como família, explicam os pais, mas aquele estranho no shopping que quer que você vá com ele para o estacionamen-to, não, de maneira alguma.

As lições dos pais, junto com a experiência de vida da própria criança, colocam a parte cognitiva do cérebro em ação para ajudá-la a regular a confiança e a desconfiança. Ao iniciar suas vidas com vínculos amorosos a responsáveis adultos, o sistema da oxitocina se desenvolve rapidamente, facilitando o tipo de afeto recíproco e carinho que nos é bastante útil na idade adulta. Seja legal comigo, e eu serei com você.

Confiança em demasia

O oposto da ansiedade social é não ter quaisquer limites sociais, um pro-blema menos comum, mas que nos oferece mais uma possibilidade no funcionamento da oxitocina. No laboratório do neurocientista Antonio Damasio, deparei com um participante do estudo que tinha a doença Ur-bach-Wiethe. Essa desordem genética causa danos à amígdala – centro da cautela –, mas deixa o restante do cérebro intacto. A senhora Smith, vamos chamá-la assim, era totalmente aberta a outras pessoas – hiper-gregária, na verdade –, mas não se mostrava capaz de medir o caráter

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moral de quem quer que fosse. Detectava felicidade e outras emoções nos rostos, mas não conseguia fazer o mesmo com sentimentos como ameaça ou perigo. Tampouco conseguia perceber os sinais mais sutis que nos permitem determinar quais são os indivíduos não confiáveis dos quais seria melhor manter distância.

À primeira vista, a senhora Smith nos parece desgrenhada, mas, a não ser pela falta de contato visual, bastante normal. Depois, no entanto, ela chega perto demais – literal e figurativamente –, deixando de manter o habitual espaço social entre ela e os outros, o que a maior parte das pes-soas faz de modo intuitivo. E, então, as informações pessoais começam a fluir, com detalhes que a maioria de nós teria vergonha de relatar a um médico ou um terapeuta. Ela não parece notar a retração das pessoas quando descreve sua vida sexual ou detalhes de um exame médico recen-te. Na verdade, ela não varia de comportamento ao interagir com pessoas diferentes: amigos ou estranhos, velhos ou jovens, gentis ou maliciosos, ela trata a todos como amigos de longa data.

Ela tem a capacidade cognitiva de viver sozinha e cuidar de seus as-suntos, mas sua deficiência a torna uma pessoa superconfiante, o que, muitas vezes, leva à vitimização. Essa falta de ceticismo e de julgamento de caráter ajuda a explicar por que ela tem três filhos de pais diferentes.

Não pudemos medir os níveis de oxitocina da senhora Smith, mas a fizemos jogar quatro vezes o Jogo da Confiança. Da primeira vez, estava muito confiante como jogadora A, mas não correspondeu como joga-dora B. Na segunda vez em que foi jogadora A, inverteu seu compor-tamento e não transferiu quase nada ao jogador B com quem fazia par. Pareceu, então, que ela estava no mesmo barco que as vítimas de trauma como Alicia – seu regulador de confiança/reciprocidade não funcionava direito.

A doença de Urbach-Wiethe é excepcionalmente rara. A desordem genética mais comum que faz as pessoas se tornarem superconfiantes é a síndrome de Williams, que afeta aproximadamente 1 em cada 10 mil bebês nascidos nos Estados Unidos. (Ainda bem rara.)

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Os pacientes com síndrome de Williams não têm medo social; por-tanto, ainda quando criancinhas, correm para estranhos e estabelecem intenso contato visual. Como a senhora Smith, invadirão seu espaço fí-sico e emocional, mas de forma muito amorosa. Durante sua vida, são hipersuscetíveis às menores oportunidades para interação social, batendo papo com pessoas totalmente estranhas.

Quando a maior parte das pessoas é exposta a imagens de faces ex-pressando medo, suas amígdalas são ativadas, mas os pacientes com síndrome de Williams não reagem. A amígdala é uma região do cérebro com alta concentração de receptores de oxitocina. Assim, é possível que a oxitocina tenha um papel relevante nessa síndrome, o que, até o momento, não sabemos.

Um palpite para a origem desse distúrbio é que falta, nas pessoas com sín-drome de Williams, um conjunto de genes no cromossomo 7. Alguns desses genes estão no hipotálamo e na pituitária, regiões do cérebro que produzem e liberam oxitocina. Esses genes também alteram o movimento dos olhos, o que pode explicar o motivo de os pacientes com síndrome de Williams esta-belecerem intenso contato visual e focarem em outras pessoas comuns.

Alguma forma de terapia com oxitocina poderia auxiliar em qualquer uma dessas condições?

Em experiências com animais, a infusão de oxitocina demonstrou alí-vio nos sintomas de abstinência de heroína, cocaína e álcool, mas não sabemos se isso funcionará em seres humanos. Em caso positivo, o fato de que a liberação da oxitocina também desencadeia a liberação da sero-tonina talvez forneça uma segunda cura: o alívio da ansiedade.

Outra promissora intervenção química é o uso do lítio, estabilizador do humor, que também parece aumentar a oxitocina. Em 2009, pesqui-sadores japoneses relataram que os índices de suicídio foram mais baixos em áreas nas quais o lítio natural estava presente na água potável. (De 1929 até 1950, o lítio foi ingrediente ativo num refrigerante de sabor lima-limão chamado Bib-Labellithiated Lemon-Lime Soda. Em 1936, a bebida mudou de nome para 7UP.)

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Recentemente, MDMA, a droga conhecida como ecstasy, demons-trou causar a liberação de oxitocina, o que provavelmente explique o efei-to “amo todo mundo” da droga. Estudo recente com pacientes de um asilo evidenciou que o ecstasy pode diminuir a ansiedade e facilitar o caminho para melhores interações sociais. Infelizmente, até uma dose muito pequena de MDMA parece causar danos cerebrais permanentes, levando a depressão, ansiedade e déficits cognitivos. A disfunção produ-zida quando a oxitocina fica ligada ou desligada por muito tempo mostra como, em pessoas saudáveis, a substância mantém o equilíbrio entre os níveis adequados de confiança e desconfiança em relação a estranhos.

demasiadamente racional

Dependendo do grau de comprometimento, as pessoas com deficiência de oxitocina têm diferentes níveis de controle cognitivo, o que pode ser usado como contrapeso. Como autistas de alto intelecto, ou como nossa amiga Stephanie, o sobrevivente muito inteligente, abusado na infância, pode treinar-se a dizer as coisas certas a fim de parecer empático. En-tão, também podemos treinar a nós mesmos a nos tornarmos zumbis morais.

Há alguns anos, um psiquiatra chamado Dr. Ansar Haroun me tele-fonou sem qualquer motivo aparente e pediu que fosse com ele às rondas na clínica psiquiátrica que dirige dentro do Supremo Tribunal de San Diego. A questão específica que levou o Dr. Haroun a me telefonar era a influência da cognição versus da impulsividade quando se trata de com-portamento antissocial.

“Se as pessoas são racionais”, perguntou-me o Dr. Haroun, “por que não respondem aos sinais que o sistema judiciário lhes dá através da punição?”

A visão de Haroun era que a psiquiatria é mais arte que ciência, porque os diagnósticos são feitos mais com base nas observações do clínico – que

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nunca são muito objetivas – do que em dados concretos. Perguntou-me se a economia lhe daria dados concretos sobre as disfunções de decisão dos prisioneiros. Era uma excelente pergunta; então, elaborei algumas experiências para os presos.

Um dos detentos que conheci havia esfaqueado 21 vezes sua compa-nheira de quarto. “Ela me incomodava”, avaliou, justificativa razoável para esmagar uma mosca, mas não para matar outro ser humano.

Outra foi Jenn, uma sem-teto, mãe de dois filhos, 47 anos, que agora usava um macacão laranja com as mãos e pernas acorrentadas. Ela era traficante de metanfetamina de baixa qualidade, e sua entrevista serviu para determinar se ela ficaria presa por difíceis 18 meses ou se ficaria num centro de tratamento contra drogas. A mãe de Jenn fora usuária de drogas, e a apresentara à metanfetamina quando Jenn tinha 13 anos, para ter companhia no uso. A vida de Jenn foi por água abaixo desde então: estupros repetidos por parte de seu padrasto, fuga de casa, casamento com outro drogado que a espancava até a inconsciência. Finalmente, Jenn perdeu os filhos e foi reduzida à vida na rua. “Quando minha mãe me telefona na prisão e diz ‘eu te amo’”, ela contou, “não posso dizer o mesmo”.

No Jogo do Ultimato com $10, quando perguntei a Jenn quanto ela ofereceria a um estranho, ela respondeu de imediato: $5. Anotei cuida-dosamente a resposta e perguntei como poderia ser tão justa. “Quando se é uma traficante de drogas, se trapacear, você morre.” Quando perguntei qual seria a menor quantia que aceitaria como jogadora B, ela respondeu: “Um centavo.” Por quê? “Fácil. Sou uma sem-teto.”

Descobrimos que quase todos, à exceção dos detentos mais impul-sivos, mantinham um sentido básico de justiça e reciprocidade – pelo menos quando se tratava de decisões na clínica que envolviam dinheiro. Esses estudos não só evidenciaram a influência de perspectivas racio-nais, diferentes em comportamento, mas também mostraram que po-demos desligar cognitivamente o dial de nossa reação empática quando necessário.

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Para continuar a investigar essa ideia, eu e o filósofo e cientista cogni-tivo William Casebeer pedimos a alunos participantes que respondessem a 30 diferentes dilemas morais, alguns dos quais requeriam envolvimen-to pessoal, enquanto outros permitiam aos participantes permanecer a distância.

Trabalhamos com 81 pessoas – entre elas, 41 haviam recebido oxitoci-na; quarenta receberam placebo. Fizemos a cada uma as mesmas pergun-tas hipotéticas desenvolvidas pelo filósofo Josh Green, de Harvard, para esse tipo de experimento. Eis um exemplo de um dos dilemas morais impessoais:

Um bonde está a toda velocidade na pista, fora de controle. Se pudes-se, você viraria o interruptor para desviar o carro e salvar as cinco pes-soas a bordo ainda que isso significasse que o carro atingiria e mataria uma única pessoa que estivesse por perto?

Para transformar a mesma situação mais pessoal, as condições são um pouco diferentes:

Um bonde está a toda velocidade nos trilhos, fora de controle. Um homem imenso, pesado, está de pé numa ponte sobre os trilhos. Se pudesse, você o jogaria nos trilhos, matando-o, mas parando o bonde, para salvar as cinco pessoas a bordo?

Na maioria das experiências, as pessoas respondem de modo diferente às duas situações porque se exige que o participante se envolva em ma-tar alguém deliberadamente para “o bem maior” de salvar cinco vidas. O que estávamos procurando era o papel da oxitocina em tais decisões. O que descobrimos foi que a infusão de oxitocina não surtiu efeito, uma vez que ambos os dilemas eram hipotéticos. Embora a primeira situação fosse um pouco mais personalizada, não era “real” o suficiente para o sistema HOME entrar em ação.

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O que era bom. Há momentos em que queremos que indivíduos se engajem no pensamento crítico e abordem questões de modo cogni-tivo, sem que emoções fortes interfiram. O problema ocorre quando nos tornamos tão bons em nos distanciar que nossa empatia vai a zero. F. Scott Fitzgerald podia estar se referindo a isso quando escreveu sobre a “vasta falta de cuidado dos ricos”. Com a mesma facilidade, poderia também referir-se à vasta indiferença (empatia diminuída) de qualquer grupo de alto status, fossem CEOs ou intelectuais bem conceituados.

Pedimos a juízes que façam julgamentos racionais, desinteressados, não indevidamente influenciados por apelos emocionais. Também que-remos que pessoas em posições de alto estresse como médicos e socorris-tas sejam capazes de modular entre a empatia e o desapaixonado estado de espírito que lhes permite realizar seu trabalho. Eles não podem fazer uma traqueostomia de emergência ou planejar um resgate se estiverem gritando horrorizados à vista de todo aquele sofrimento.

Certa vez, após ter falado a um grupo de advogados, um juiz federal chegou a mim e confessou que não conseguia estabelecer empatia, o que o levou a ter um relacionamento de ruim a péssimo com sua esposa e filhos. Por ironia, seu trabalho envolvia ouvir os apelos nos casos de pena de morte – o que pode ter sido o trabalho perfeito para ele. Em seu nível de procedimentos legais, a questão não é “esta pessoa pode se reabilitar” ou “esta pessoa merece viver” ou qualquer consideração humana, mas apenas uma avaliação cognitiva de se “essa pessoa teve um julgamento justo nos termos da Constituição”.

Queremos um sistema judiciário imparcial, mas quando a falta de compaixão significa confiança exclusiva no intelecto, um Mr. Spock ou algo com a moral obtusa parecida com a do computador HAL pode do-minar. É por isso que ainda julgamos a maior parte dos casos perante juízes e jurados, e não na frente de computadores, e é por isso também que ter um júri composto de pessoas do mesmo nível que você é tão im-portante. Racional, sim, mas também humano.

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Como já observado, ideias abstratas – sejam elas noções racistas de eugenia ou algo tão sem graça quanto “egoísmo racional” – podem pre-judicar a empatia e, com isso, o julgamento moral. O economista Robert Frank, da Cornell, mostrou que os graduandos que estavam se especia-lizando em Economia, em que a ideia de “interesse próprio” é essencial à disciplina, tornam-se menos confiantes e generosos em experiências quando passam de calouros a formandos. Nenhuma outra especialização parece ter esse – por falta de uma palavra melhor – efeito antissocial sobre o comportamento dos alunos.

O que nos leva de volta à noção original de interesse próprio de Smith e como essa ideia, distorcida e depois entremeada como parte da estrutura dos estudos econômicos – portanto, parte de nossa cultura empresarial –, ajudou a criar a postura do tipo “o vencedor leva tudo”, que não contribui para a prosperidade no longo prazo ou para o bem-estar social.

o que fazem os psicopatas

No extremo final da ODD, está o comprometimento da empatia, conhe-cido como psicopatologia. Há muito mais aspectos errados nos psicopatas do que pensar muito ou transformar pessoas em abstrações. No entanto, são, muitas vezes, notáveis por sua inteligência aguda e altamente eficaz – porém inteiramente artificial – e por seu charme social.

Hans Reiser era muito esperto, embora não necessariamente char-moso. Como grande figura na comunidade voltada para a programação Linux, que desenvolve softwares gratuitos e abertos, Reiser não era o tipo que você esperaria assassinar brutalmente a esposa. Assim, novamente, crescemos acostumados a ver os vizinhos ficarem chocados quando o ho-mem da família ao lado acaba por ser um monstro moral. Na verdade, a única questão surpreendente sobre o caso Reiser foi a audácia de seu recurso de apelação. Citando minha pesquisa, alegou que seu advogado

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sofria de “excesso de oxitocina” e, portanto, não tinha empatia suficiente para lhe proporcionar uma defesa adequada.

Os psicopatas são o oposto dos pacientes com síndrome de Williams, que têm grande interesse nos outros, mas pouca competência para lidar com eles. Os psicopatas podem ter uma competência social incrível no nível cognitivo – o problema é que não se importam com ninguém, além de si mesmos. Sua falta de empatia lhes permite tratar os outros como objetos, e sua habilidade cognitiva lhes permite escapar impunes.

A psicóloga Anna Salter conta a história de um carcereiro de devoção religiosa – a quem chamaremos de Joe – que sentiu pena de um estupra-dor condenado que outros haviam descartado como psicopata.

Quando o prisioneiro jurou haver encontrado Jesus e mudou seu com-portamento, Joe falou em seu nome perante o conselho de liberdade con-dicional, prometendo, inclusive, levar o homem para sua casa, se fosse solto. Após alguns meses, quando o recém-liberado condenado estuprou e assassinou a filha de Joe, o carcereiro ficou arrasado, mas também ex-pressou um desespero especial.

“Como pôde fazer isso conosco?”, perguntou ao homem. “Confiamos em você.”

O assassino riu. “Você não entende, não? Sou um psicopata. Isso é o que fazemos.”

A disposição de Joe de confiar o tornou – e, infelizmente, sua filha – extraordinariamente suscetível a ser vitimizado. Ideias distorcidas de religião, como ideias distorcidas de Economia ou de eugenia, podem pre-judicar a capacidade da Molécula da Moralidade de fazer seu trabalho, que não é nos tornar “bons”, mas nos manter em sintonia com o ambien-te imediato da forma mais adaptável, o que em geral – mas nem sempre – significa nos comportarmos de forma pró-social.

Pessoas profundamente religiosas por vezes se esforçam tanto para ver o bem nos outros e para estar em sintonia com as necessidades alheias que não conseguem ver os sinais de alerta que sugerem que a pessoa com quem estão lidando possa estar tramando algo.

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A religião é uma força poderosa e complexa no comportamento hu-mano, com histórico irregular, para dizer o mínimo. Então, no cômputo geral, a religião é boa ou ruim quando se trata de bom comportamen-to? Melhora a função da Molécula da Moralidade ou é apenas mais um obstáculo?

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C A P Í t u L o 6

onde o sexo toca a religião

Saindo do self

U m Honda Civic 1982 parece um lugar bastante improvável para uma súbita manifestação do divino. Quando Moisés ouviu falar da sarça ardente, foi para o topo do Monte Sinai. Saulo de Tarso

viu a luz na estrada de Damasco e tornou-se São Paulo. Místicos tendem a se esconder em cavernas ou em priorados cobertos de hera para comun-gar com Deus. Minha esmagadora experiência religiosa – que minha mãe freira chamaria de epifania – ocorreu quando, numa manhã, entrava no carro para ir à biblioteca no estado de San Diego.

Na época, ainda era um graduando, vivendo na parte imperfeita da ci-dade, num prédio de apartamentos em estilo espanhol que havia sido o alo-jamento de oficiais durante a Segunda Guerra Mundial. O proprietário era conhecido como Dr. Dean, que fazia números de hipnose em casas noturnas pela cidade; a maioria dos outros inquilinos, que estavam na casa de seus 80 anos, parecia ter estado lá desde a rendição japonesa. Quando eu voltava para casa, passava por prostitutas nas esquinas a apenas dois quarteirões. Lem bro-me de uma garota ali, de pé, que estaria no sexto mês de gravidez.

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Verdade seja dita: acho que o ambiente do pior lado da cidade pode ter contribuído para a experiência, do mesmo modo como você talvez aprecie uma rosa selvagem, ainda mais se a tiver observado crescer numa rachadura no asfalto. Também acho que andava me preparando havia um bom tempo para algum tipo de descoberta.

Eu não fora para a faculdade logo após o ensino médio. Como aluno, estava entediado e, embora meu pai trabalhasse na University of Califor-nia Santa Barbara e conseguisse desconto caso os filhos a frequentassem, nunca tínhamos, de fato, discutido a continuação de nossa educação. Avaliado por minha irmã, meus pais nos viam como almas a serem salvas, não como futuros adultos a serem acarinhados. Isso, sem dúvida, intensi-ficava meu desejo de me distanciar de sua abordagem à religião.

Logo que me formei, saí de casa e consegui um emprego de vendedor de sapatos. Após um ano, já estava gerenciando duas lojas, ganhando o equivalente hoje a cerca de US$80 mil por ano. Mas encontrar significa-do ou propósito não fazia parte do pacote de benefícios. Embora minha rejeição à religião organizada, todos aqueles anos de sinos e cheiros como coroinha tinham fincado as raízes de uma busca espiritual. Eu só precisa-va encontrar as respostas a meu modo.

Afinal, voltei a estudar e, com muita matemática e cursos de biolo-gia, mergulhei na filosofia e na história da religião. Recentemente, estava estudando o pensamento confucionista e a ideia do wu wei – o conceito taoísta de que há um ritmo natural para a energia da vida e que a tarefa é não dominar ou interromper esse ritmo, mas apenas adotá-lo. Uma vez sincronizado com o fluxo, ele o carrega, e as chances de uma vida feliz e harmoniosa aumentam de maneira exponencial.

Essas noções ainda eram muito abstratas para mim quando entrei em meu Honda na manhã em questão. Era o final do outono, e uma fria névoa do Pacífico ainda pairava sobre as ruas. Na noite anterior, havia deixado o rádio ligado – sintonizado na National Public Radio, como se verificou – e, quando acionei o motor, não era a edição matutina ou algum programa de entrevista, mas uma súbita explosão de música: o Canon de Pachebel, em ré. Eu conhecia a peça, mas a versão que ouvi

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parecia estar num tempo mais acelerado. Anos mais tarde, rastreei aquela gravação em especial e verifiquei que havia sido executada por Sir Neville Mariner e pela Academy of St. Martin in the Fields.

Trinta anos se passaram desde aquela manhã fria, e aquele trecho bar-roco tornou-se um clichê nas cerimônias de casamento e formaturas do ensino médio. Porém, para mim, ouvi-lo naquele momento foi total-mente transformador. Os três violinos se entrelaçando com a intermi-nável repetição do verso musical do contrabaixo. Variação após variação dos mesmos acordes e melodia amontoando-se umas sobre as outras, intensificando-se até que os ritmos e temas entretecidos pareceram me agarrar e me puxar para fora da literalidade de meu carro vagabundo, es-tacionado no meio-fio do bairro vagabundo. À medida que ouvia a mú-sica, meu corpo inteiro pulsava com uma sensação esmagadora de amor, pertencimento e paz. Com as lágrimas escorrendo pelo rosto, percebi um sentido revelador de conexão com todo o universo. Toda coisa viva, cada molécula inanimada girando em cada galáxia parecia entretecida num único e cálido abraço. Eu estava flutuando num mar de amor infinito, com ondas de bondade e conexão passando sobre mim.

Depois, o momento passou.Ok – eu não estava usando drogas. Então, o que era? Outro aluno

estressado, privado de sono, à beira de um ataque de nervos? Ou talvez algum tipo de convulsão? Um miniderrame? Ou, segundo minha mãe dizia, Deus estava falando comigo?

Sou um cientista, e pessoas como eu devem ser intensamente secula-res. Nos últimos anos, “pessoas como eu” – quero dizer, o neurocientista Sam Harris, o filósofo Daniel Dennett e o biólogo evolucionista Richard Dawkins – têm, de fato, escrito livros de enorme sucesso que jogam a religião no lixo, em linguagem chula.

Claro, a religião se torna alvo muito fácil quando você foca o rastro de discórdia e de derramamento de sangue que se arrastou pelas páginas da história. Entretanto, acho que a hostilidade refletida nesses livros, bem como a popularidade refletida em seu status de best-seller, é mais uma reação à forma como as crenças religiosas pessoais têm invadido a vida

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pública. Secularistas opõem-se às exigências veladas de que nossos líde-res políticos têm de dizer todas as coisas piedosas certas e fazer todos os gestos piedosos certos, tais como comparecer a orações no café da ma-nhã. E é especialmente irritante para não crentes quando os crentes agem como se todos precisassem estar entre os fiéis a fim de ser moralmente castigados.

Mas enquanto cientistas como Darwin empilham desprezo, outros compilam dados demonstrando que a religião pode ser, de fato, muito boa para nós. Estudos sólidos evidenciam que, ao se colocarem na balança, as pessoas religiosas são mais felizes do que as não religiosas, e que seu com-parecimento semanal a um serviço religioso, ainda que através de efeitos sociais que melhoram a resposta imunológica e a resistência ao estresse, as torna comprovadamente mais saudáveis. Além disso, não há dúvidas de que a religião tem contribuído muito para o aperfeiçoamento humano por meio de hospitais de caridade, linhas telefônica de atendimento, escolas, distribuição de alimentos e, sobretudo, orientação moral.

Quanto a alguma espécie de revolução secular jamais ocorrer em nos-sa cultura, as evidências sugerem fortemente que o impulso religioso há muito está entre nós, além de demasiadamente arraigado para pensarmos que irá acabar logo. O antropólogo Lionel Tiger estima que 80% da raça humana filia-se a uma comunidade de algum tipo de fé. Porém, há mais de 4 mil variedades, cada qual com seu próprio modo de encontrar Deus, de adorar Deus ou de tentar se beneficiar a partir da interação com Ele, o que nos traz de volta a essa longa lista de casos em que a religião foi a fonte da discórdia e da violência. O fato é que a religião pode fazer surgir nas pessoas o melhor e o pior. Alguns dizem que ela é essencial para a moralidade; outros, que divide mais do que une. Então, pondo na balan-ça, a religião contribui ou não para os fatores positivos que vemos emanar da Molécula da Moralidade? Faço uso das experiências para explorar o mundo, e elas começam com uma hipótese. Tudo que sei sobre biologia me diz que a natureza é conservadora, que usa os mesmos sistemas para diversas finalidades. Portanto, uma boa suposição é que a Molécula da Moralidade que nos conecta aos outros também facilita o que muitos

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percebem como a conexão com Deus. Como já observamos inúmeras vezes, somos, afinal, uma espécie obrigatoriamente gregária.

Para começar, outra premissa é que toda religião, de uma maneira ou de outra, procura alcançar algo parecido com o que senti em meu Honda, a caminho da biblioteca, naquela manhã, em San Diego. Os gregos cha-mavam essa elevada experiência de ekstasis, ou “sair de si” ou “sair de seu self”. É quando vamos além dos limites do eu que somos capazes de nos conectar com algo maior – a essência da busca religiosa.

Eu me perguntava por que esse desejo de alcançar estados transcen-dentais era quase universal. Também me perguntei de que maneira a oxitocina estava envolvida. Para descobrir, eu teria de induzir algo seme-lhante àquela experiência religiosa em meu laboratório.

Meu primeiro pensamento foi levar uma gravação de James Earl Jones narrando a Bíblia, mas isso não funcionou. Muito Darth Vader. Con-siderei, então, outros clipes de pessoas religiosas falando sobre sua fé, incluindo Dalai Lama e o padre Thomas Keating, um monge trapista e místico cristão tipo Thomas Merton. Entretanto, o problema princi-pal era que a maioria dos alunos universitários, incluindo aqueles criados numa tradição religiosa, não é muito religiosa, portanto eu estaria lu-tando uma batalha perdida ao tentar acessar o imaginário convencional. Pensei, então, em arte edificante, incluindo arte religiosa, e cenas expan-sivas da natureza, com e sem música. No outro extremo, considerei usar um capacete de privação sensorial que pudesse despertar alucinações.

Às vezes, devotos religiosos tentam sair de si mesmos por meio de meditação e oração. Quando os cientistas mapeiam o cérebro de medita-dores intensos, sejam freiras franciscanas ou monges budistas, verificam que, entre esses devotos, o lobo parietal – uma parte do cérebro que ajuda a manter o sentido do self – tem sua atividade substancialmente reduzida, o que parece ser uma boa maneira de atingir o ekstasis, que permite ao self sentir que está se fundindo ao universo.

A primeira vez em que resolvi investigar a religião foi num estudo em que ensinávamos aos alunos a meditação de plena consciência pa-drão, ou uma meditação conhecida como metta. Essa é uma palavra Pali

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que significa “amor compassivo”. Após quatro semanas de treino, ambos os grupos mostraram aumento na confiança, generosidade e compaixão, mas o grupo metta foi o que apresentou maiores aumentos. No Jogo da Confiança, o grupo metta teve um aumento de 33% de confiança, en-quanto os que faziam meditação de plena consciência tiveram um au-mento de apenas 7%. Também fizemos imagens dos cérebros de ambos os grupos enquanto meditavam e enquanto tomavam decisões que en-volviam partilhar dinheiro com outras pessoas. Descobrimos que áreas de função executiva de seus cérebros se acalmavam, deslocando o foco do self. O circuito HOME também se iluminava durante tarefas sociais, evidenciando claramente que a oxitocina estava motivando suas decisões para maior compaixão.

Também pensei em explorar outras tradições que abordavam o ekstasis por meio de um ataque direto aos neurotransmissores. No Oráculo de Delphi, as sacerdotisas de Apollo saíam de si mesmas por intermédio de estados de transe, a fim de adivinhar o futuro. Estudos recentes sugerem que elas provavelmente eram ajudadas pela aspiração das emanações de gás etileno, que embaralhavam seu cérebro e vazavam da rocha abaixo de seu templo. No sudoeste americano, os fiéis saíam de si mesmos para um espaço e um tempo do ritual tomando peiote. Nos Andes, a tradi-ção religiosa inclui um chá alucinógeno chamado ayahuasca. Os jovens hippies jamais tiveram qualquer apreço por uma religião, mas estavam fazendo o mesmo esforço para sair de si mesmos e encontrar paz, amor e iluminação com o LSD e a psilocibina. Hoje, a droga escolhida vai direto ao assunto com um nome que é a tradução para o inglês de ekstasis. (De novo, como mencionado no capítulo anterior, essa droga, ecstasy, tam-bém produz significativos danos cerebrais.)

Místicos cristãos, pensando mais em termos de asceticismo que em biologia, jejuavam a fim de induzir o ekstasis de “visões”. Naturalmente, o termo clínico para essas experiências é “alucinações”. Na Idade Média, as alucinações visuais associadas a devoções místicas pareciam ser mais

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prevalentes do que agora, mas comer mofo de pão também era, especial-mente a cepa ergot, que infesta o trigo, o centeio e a cevada. A ergota-mina, um composto dentro do ergot do mofo do pão, é um componente usado para sintetizar o LSD.

Também faz parte das tradições religiosas acreditar que grandes vi-sionários como Moisés, Maomé, São Paulo e Joana D’Arc foram “visi-tados” por anjos, deuses ou Deus. Acontece que descrições dessas visitas se parecem muito com a descrição de convulsões causadas por epilepsia do lobo temporal. Vi muitos epiléticos lobo-temporais, e eles são hiper--religiosos, sempre querendo me converter. Outras doenças – esquizo-frenia, em particular – podem levar a compulsões religiosas, incluindo a reivindicação de ser Deus. Se você já viu o filme O Povo contra Larry Flint, sabe que Flynt, o rei da pornografia, atravessou uma fase durante a qual queria transformar sua revista principal, Hustler, na primeira revista de mulheres nuas. Os editores pensaram que ele estava maluco, e agora ele concorda com isso. “Tornei-me profundamente religioso”, disse a um amigo meu. “Procurei ajuda profissional e fui curado.”

O outro caminho mais comum para o ekstasis é por meio da música ou da dança, que, com frequência, ficam muito animadas e é de onde vem a palavra extático. Há milhares de anos, a religião organizada nasceu quan-do nossos ancestrais descobriram que havia um efeito multiplicador para essa abordagem específica. Lembre-se da dança tribal em torno do fogo, em algum vilarejo na floresta tropical, os dervixes rodopiantes do misticismo Sufi, ou os cânticos e cantos, falados em línguas, o balançar e as palmas das religiões carismáticas como o Pentecostalismo. Quando a música e a dança fazem parte de um ritual comunal, têm ainda mais poder, porque permitem aos indivíduos se sentirem conectados com Deus enquanto também se conectam uns aos outros. Então parece que dobram a quanti-dade de oxitocina e serotonina que flui delas.

A dança pode expressar alegria ou tristeza, mas, quando bem reali-zada, sempre leva ao contato com a vida num nível mais profundo. Em Zorba, o Grego, um inglês tenso visita um ilha do Mar Egeu, experimen-ta vários traumas emocionais e, então, sua última grande esperança de

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sucesso econômico desaba sobre sua cabeça. Quando esse momento de catástrofe acontece, ele não chora, não geme, nem amaldiçoa Deus. Ele vira para seu guia terreno e elemental da vida no vilarejo numa ilha grega e diz: “Zorba, ensina-me a dançar.”

Dançar é apenas algo muito humano a se fazer. Caso você não tenha notado, as crianças dançam espontaneamente. Minha mãe me conta que, quando era noviça num convento, as freiras dançavam quadrilha umas com as outras. Ela descreve como o fato de se movimentar e rir com as mulheres que não conhecia muito havia rompido as barreiras e a fizera sentir-se muito mais próxima delas.

A dança parecia ser um bom tema para experimentação, pois também me permitiria a opção de estudar o ritual sem a religião. Após um breve levantamento de estilos, estabeleci uma antiga variação de quadrilha da Nova Inglaterra chamada contradança. Suas virtudes experimentais in-cluíam o fato de que todos fazem exatamente a mesma coisa, e que cada um se associa, intermitentemente, a todos os outros. Também encontrei um grupo de contradança, não muito longe de onde moro, disposto a dar o sangue em prol da ciência.

dançando com os cientistas

Meus alunos de pós-graduação e eu aparecemos no Woman’s Club of South Pasadena às 18 horas de sábado. A dança só começaria dali a duas horas, e precisávamos arrumar as mesas de coleta de sangue, biombos de papel de arroz para nos dar privacidade, centrífuga, tubos e pipetas, tudo pre-viamente etiquetado e organizado em detalhes. Aprontamos tudo com tempo suficiente para sair para um sushi e, quando voltamos, as portas estavam abertas, e a banda – que eu tinha pagado em troca da bondosa participação de todos – estava se aprontando.

As pessoas que tinham ido a Pasadena para se movimentarem em torno uns dos outros na pista de dança variavam de veteranos de 60 ou 70 anos a calouros graciosos que haviam participado só uma vez. Uma

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senhora com cerca de 60 anos me disse que tinha vindo porque sentia terríveis dores nas costas, todos os dias, mas quando se juntava à dança, a dor desaparecia. Perguntei-lhe se eram as pessoas ou o exercício que serviam como analgésico. Ela pensou um pouco e respondeu: “Ambos.”

Dois terços dos 50 participantes naquela noite concordaram em ser nossas cobaias. Coletamos seu sangue antes de a dança começar e depois repetimos a coleta após a terceira ou a quarta dança. Teríamos de esperar pelos resultados do laboratório para oferecer quaisquer conclusões sobre a mudança hormonal, mas quanto a efeitos sociais, essas pessoas eram obviamente muito felizes, fluindo conexão, embora sem qualquer ajuda específica de Deus ou da religiosidade. Ao final, desci, durante uma pau-sa da banda, para agradecer aos voluntários, e o grupo todo se levantou e aplaudiu. Eu havia feito experimentos que receberam muita atenção da mídia, mas esse foi o único que me rendeu uma ovação de pé.

Quando os resultados voltaram do laboratório, descobrimos que, em média, a oxitocina havia aumentado 11% em todas as faixas de idades e gêneros. Ficamos satisfeitos, mas não surpresos, e então os resulta-dos ficaram ainda mais interessantes. Antes e depois da dança, também mostramos aos voluntários diagramas de colocação social e pedimos que pusessem um x onde achavam que se encaixavam. Quanto mais alta a liberação de oxitocina, mais perto do centro do grupo as pessoas punham o x. O aumento médio da proximidade a outros após a dança era de 10%. Mas o resultado que achei mais impressionante foi que, depois de uma ou duas horas de contradança, até essas pessoas, de modo geral muito seculares, tiveram um aumento médio de 3% até o ponto em que se des-creveram estar “perto de algo maior que elas mesmas”.

Com os resultados em mãos, eu queria reverter a esfera de ação e estudar religião sem ritual. Assim, voltei-me para a Society of Friends, também conhecida como Quakers. Seus serviços religiosos não envolvem canto, dança ou qualquer imagem indutora de empatia, como crucifixos e vitrais com os quais eu estava acostumado. Seus serviços sequer têm pre-gação. Em vez disso, eles se reúnem para se concentrar comunitariamen-te na contemplação de cada indivíduo e – presumivelmente na conexão

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a – Deus. Antes de começar o experimento, participei de um serviço e achei muito relaxante sentar em grupo por uma hora e meditar.

Terá a oxitocina desempenhado algum papel nisso? Para descobrir, consegui a permissão da Religious Society of Friends (Associação de Amigos Religiosos) em Claremont para instalar meus tubos e agulhas, torniquetes e gelo numa sala de conferências onde se espera achar café para um encontro dos colegas após o serviço religioso. Dezessete almas corajosas nos deram dois tubos de sangue antes de sua hora de meditação comunal e voltaram para nos dar mais dois tubos depois.

Sem ritual, não houve mudança total na média de oxitocina. Porém, isso se deu porque aproximadamente metade do grupo teve um vigoroso au-mento, e a outra metade, uma vigorosa diminuição. Parece que, enquanto sentar-se em silêncio contemplativo pode criar um sentimento aumentado de proximidade em alguns, em outros cria a desatenção conhecida como tédio. Mas ao menos houve uma queda total de 7,3% no hormônio ACTH, do estresse. Depois de meditar, os participantes relataram sentir-se 7% mais próximos dos membros de sua sociedade e 4% mais próximos de “algo maior que eles próprios”. Até a religião sem ritual faz alguma coisa.

Construindo significado

Assim, a meditação pode nos acalmar e nos desviar de preocupações de interesse próprio, e o ritual – até mesmo a dança – acelera a oxitocina que nos fará sentir mais conectados a outros e a algo maior. Mas como che-garmos daí até Deus? E precisamos de Deus para nos tornar morais?

Como vimos em outros contextos, o cérebro humano é um instru-mento para a construção de significado. No filme de Heide e Simmel dos anos 1940 que já mencionei, pessoas presenteadas com três formas geométricas em movimento podem aparecer com um drama sobre o bem e o mal, vítimas e algozes. Portanto, não é difícil ver como cálidos senti-mentos de conexão, até cores, formas e sons criados por experiências com pessoas ou por anomalias no cérebro podem ser arrastados para narrativas

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de um Criador e um Primeiro Princípio responsáveis por tudo isso. A maioria das teorias do sonho converge para a ideia de que o que está acontecendo é o processamento de pedacinhos aleatórios de informação durante o sono e que, muitas vezes, a bizarra narrativa que lembramos – o sonho – é a tentativa de o cérebro tecer todos esses pedacinhos aleató-rios numa narrativa coerente. Ao expandir essa perspectiva para toda a espécie humana, a escola Junguiana de psicologia considera a religião um sonho coletivo partilhado por um grande número de pessoas.

Mesmo antes de nossos ancestrais juntarem quaisquer linhas explica-tivas, devem ter se tornado dolorosamente conscientes de que a natureza era muito mais poderosa que eles, o que levava a sentimentos de medo e pavor. A consciência e a construção de significado que vieram junto le-varam a um esforço não só para trazer um sentido a essas mesmas forças naturais inspiradoras de temor e pavor, mas também para mantê-las tran-quilas. Quando qualquer força natural faz as coisas acontecerem – como quando um raio atinge uma árvore e provoca um incêndio –, nosso cére-bro hipersocial, construtor de significado, pode atribuir intenções huma-nas a esse poder, um hábito mental chamado antropomorfismo. O neu-rocientista social John Cacioppo avaliou graus de solidão de indivíduos e, em seguida, mostrou-lhes fotos de objetos distantes no espaço, como a Nebulosa Cabeça de Cavalo, girando e movendo-se pela escuridão do in-finito. Quanto mais solitárias as pessoas, mais tendem a antropomorfizar esses grandes grupos de estrelas e gases, não só lhes dando características pessoais, como também lhes atribuindo intenções humanas.

De forma similar, os antigos humanos, observando a natureza, devem ter reconhecido a influência positiva do Sol e da chuva da primavera, bem como a influência destrutiva das tempestades, secas e relâmpagos. Como produtos da seleção natural, a consciência e as narrativas que tramavam ocupavam-se muito com o mesmo esforço que ocupava a maior parte de suas energias: continuar a vida.

Portanto, não surpreende o fato de que, com algumas ferramentas de pedra, os artefatos humanos mais antigos já encontrados fossem totens religiosos, na forma de estatuetas femininas de terracota, símbolos da

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fecundidade e dos mistérios da reprodução. Em algumas culturas, o falo também era venerado, e esses dois símbolos sexuais eram usados nas de-voções com a intenção de apaziguar algum poder superior, garantindo, assim, que os ciclos de vida continuassem, que as chuvas viessem, que o delta inundasse e que as colheitas e o jogo fossem abundantes.

Dezenas de milhares de anos mais tarde, até após o advento dos exér-citos e cidades-estado, matemática e filosofia, poesia e escultura, os an-tigos gregos ainda adoravam a força da vida que chamavam de Eros, também conhecido como sexo. Do mesmo modo como a oxitocina e a testosterona operam como antagonistas, os mitos gregos consideravam que Eros, o deus do amor, era o filho de Afrodite, que representava o amor, e Ares, o deus da guerra.

Mas Eros também era uma via principal para o ekstasis e para a liberação da oxitocina, que aumenta abruptamente no momento do clímax sexual. Outra abordagem direta ao ekstasis foi a adoração a Dionísio, deus da epi-fania e de tudo que fosse selvagem e irracional. Foram os ritos extáticos de Dionísio que deram origem à Tragédia Grega, oferecendo uma maneira especial de sair de si mesmo que se chamou de catarse, na qual os membros da audiência sentiam profunda empatia pelos personagens no palco, reco-nhecendo e absorvendo o pathos de nossa comum humanidade.

A reverência pelo poder reprodutivo e êxtase sexual, que começou com as estatuetas femininas de terracota e símbolos fálicos e levavam aos ritos de fertilidade e dança extática, finalmente foram levados para o mundo cristão. Não importa o quanto a igreja tentasse suprimir o sexo, o erotismo jamais esteve tão longe do espiritual quanto mais uma maneira de sair de si mesmo. O poder do ekstasis pode ser visto na estátua de Bernini, na Igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma. O tema é a mística espanhola Santa Teresa de Ávila, e a representação de seu rosto capta o que ela chamou de “a devoção da união” com Deus, união que, a julgar por sua expressão, parece totalmente orgástica. “É apenas o amor que dá valor a todas as coisas”, disse ela. “Deus é amor” é, naturalmente, um mantra cristão, desde as encíclicas papais até os quadros de avisos nas escolas protestantes de domingo.

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O cristianismo, na verdade, dá muita importância a quatro diferentes tipos de amor, como representado por quatro palavras gregas diferentes: eros para amor erótico, storge para amor entre pai e filha, philia para amor entre irmãos e agape para amor a Deus. Mas as distinções ainda não são muito nítidas. Por exemplo, um hino batista chamado “No jardim” faz a fé soar muito parecida com um caso de amor com Jesus. Na canção, o orador chega a um jardim sozinho, “enquanto o orvalho ainda está sobre as rosas”. O refrão diz:

E Ele caminha comigo, e Ele fala comigo,E Ele me diz que sou Seu mesmo;E a alegria que partilhamos enquanto lá ficamos,Ninguém jamais conheceu.

O segundo verso começa:

Ele fala, e o som de Sua voz,É tão doce que os pássaros silenciam seu canto;

Atualize a linguagem um pouco, e esse arrebatamento não fica distan-tes das letras de canções como “He’s so Fine” ou “My Girl”.

Um hino de nome “Old Rugged Cross”, com suas imagens de amor e sofrimento incríveis, é, com certeza, tão indutor de oxitocina – e indutor de empatia – quanto nosso vídeo sobre Ben, o menino com câncer. Mas o clássico hino “Chamado do altar”, das igrejas batistas, “Just As I Am”, termina todos os versos repetindo uma linha com implicações difíceis de ignorar:

Assim como sou, sem um apelo,exceto que teu sangue tenha sido derramado por mim,e que Tu me rogas que vá a ti.Oh, Cordeiro de Deus, vou a ti, vou a ti.

Isso não é apenas empatia; é ekstasis.

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O elemento mais óbvio de Eros e dos antigos cultos de fertilidade a ser transposto para o cristianismo é, claro, a veneração da Madonna. Sendo o cristianismo o que é, havia a exigência de que a poderosa força feminina fosse casta, mas isso era compatível com outro conceito antigo funda-mental a várias religiões: o nascimento virginal. No Egito antigo, Isis supostamente nasceu de uma virgem, tal qual o deus babilônico Marduk e o deus/homem hindu Krishna. Na mitologia persa, a mãe de Zoroastro supostamente foi impregnada por um raio de luz. Havia origens seme-lhantes propostas para o deus grego Perseu e até mesmo para os impera-dores romanos depois que conseguissem ser deificados.

O nascimento virginal foi um modo de estabelecer a união entre Deus e a humanidade, não sendo um objetivo surpreendente para altas espé-cies sociais. Essa conexão ainda era mais atraente por ocorrer aqui em nosso nível, dentro do reino dos hormônios e neurotransmissores, dentro do reino da biologia. Em outras palavras, o cosmos trabalha do mesmo modo que uma família de humanos – com amor e cuidado.

Ainda hoje, estudos apontam uma ligação explícita entre o impulso religioso e o anseio literal de reprodução. Jovens solteiros foram expostos a um grande número de pessoas atraentes de seu próprio sexo. Então, presto, a porcentagem desses solteiros que professavam sentimentos reli-giosos aumentou. A razão? É adaptável. Num ambiente em que a com-petição sexual é mais intensa, uma atitude livre e relaxada em relação ao sexo não é a melhor maneira de se conseguir um companheiro confiável. Assim, os indivíduos optam pelo comportamento do tipo conservador, monogâmico, associado aos mais religiosos ensinamentos. Então, não se trata apenas do fato de que as pessoas aprendem uma moral sexual con-servadora por meio da religião, mas de que atitudes conservadoras sobre sexo e vida familiar fazem as pessoas adotarem um estilo de vida religioso como forma de atrair e reter um companheiro de alta qualidade.

Tradições anteriores usavam o próprio sexo como uma maneira de alcançar o ekstasis, e a prostituta do templo que podia levar os fiéis a um estado de graça mediante a união é uma característica comum à maior parte das religiões antigas do mundo. Porém, mesmo hoje, quando o

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contato físico não vai além de um aperto de mão depois da comunhão, conectar-se com outras pessoas ao mesmo tempo que se conecta com o divino parece ser o centro do objetivo para o ritual religioso.

o Ekstasis ganha dimensão pública

Como vimos com os dançarinos de contradança, quando a saída de si mesmos conduz a uma grande conexão com os outros, a liberação de oxitocina leva ao alívio do estresse e acalma os nervos por intermédio do sistema HOME. Assim, o ritual religioso fornece um resultado físico po-sitivo, até mesmo antes de implementar conceitos tranquilizadores como vida após a morte, recompensas eternas por bom comportamento e a reu-nião com os entes queridos. A liberação de oxitocina estimula a liberação da serotonina para reduzir a ansiedade e acalmar, enquanto a dopamina a torna “grudenta”, ou seja, é algo que desejará continuar fazendo.

A oxitocina induz a empatia, que cria compaixão, o que ajuda os gru-pos a se juntarem com um propósito comum. Também reforça a confian-ça. No Livro dos Hebreus, Paulo escreveu sobre “a confiança em coisas que não vemos”. A palavra grega que São Paulo usou para descrever a relação de Abraão com Deus, pistis, é, com frequência, traduzida como “fé”. Mas, na mitologia grega, Pistis era um dos espíritos que escaparam da caixa de Pandora e voaram para o céu. Era o espírito da confiança.

Quando da liberação da oxitocina, a empatia e a conexão com Deus vieram por meio de rituais públicos, forneceu uma conexão com outras pessoas, que estavam, naquele momento, partilhando o mesmo senti-mento de conexão com Deus, o que foi um golpe duplo de ekstasis – como uma manifestação de vitalidade cósmica. Isso era o tipo de coisa que po-dia inspirar um grupo a ficar junto, superar e suportar, a razão pela qual a maior parte das práticas religiosas é comunal.

Darwin argumentou que crenças religiosas surgiram e resistiram por-que tornavam as sociedades mais desejosas de colaborar e se sacrificar pelo bem comum, o que lhes permitiu sobrepujar grupos de indivíduos

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centrados em si próprios que não tinham a adesão social de uma fé com-partilhada e um sentido de propósito além do self.

Mas esse duplo golpe é onde também encontramos a desvantagem do fervor religioso estimulado. A mesma conexão com o grupo interno que gera uma grande empatia, que, por sua vez, cria a disposição de se sacrifi-car em prol do bem comum, também pode ajudar a estimular a hostilida-de em relação a qualquer grupo externo. Quando se está tão estimulado pelo sentimento extático a ponto de ter Deus a seu lado, os membros de outros grupos não se tornam apenas “os outros”; eles podem tornar-se “pecadores” ou “pagãos” ou ainda “filhos do diabo”, que precisam ser eliminados. A imagem do ekstasis comprovou ser surpreendentemente eficiente na encenação da Ku Klux Klan, com suas cruzes em chamas e capuzes brancos, bem como nos enormes comícios que Joseph Goebbels orquestrava para Hitler durante a era nazista.

Eu queria compreender por que algumas religiões produziam tendên-cias dentro de grupos, mas primeiro eu precisava dos fundamentos de um grupo secular cuja ligação fosse forte para comparação. Após várias reu-niões e depois de participar de um exaustivo exercício de emboscada nas montanhas que me deixou machucado e sangrando, consegui convencer o tenente-coronel chefe de batalhão de oficiais da reserva de Claremont a permitir que seus cadetes jogassem o Jogo da Confiança, tanto com outros cadetes quanto com voluntários não militares do corpo discente de Claremont. Para reforçar seu sentimento de grupo, os cadetes tomavam decisões logo depois de haverem se engajado numa marcha de 15 minu-tos do lado de fora de meu laboratório, um “comportamento ritualizado” típico para eles.

Também fiz um grupo de alunos que se autointitulava cristão evangé-lico jogar o Jogo da Confiança entre si, e depois fiz o mesmo com alunos não evangélicos. Os jovens realizavam o culto e cantavam no laboratório durante 15 minutos para seu ritual. Para servir de grupo de controle, recrutamos um bando de alunos não filiados e os dividimos em “Verme-lhos” e “Azuis” para formar grupos externos e internos completamente arbitrários. Participantes do grupo de controle jogaram o jogo do telefone

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por 15 minutos com sua própria cor para salientar seu grupo. Também coletei o sangue de todos, antes e depois dos rituais.

Eis o que encontramos. Entre os participantes do grupo de controle, os jogadores B – aqueles que talvez devolvessem o dinheiro após a experiên-cia de serem confiáveis – devolveram 23%, estivessem lidando com um membro do grupo interno ou com alguém de fora dele. Em outras pala-vras, as distinções tribais artificiais e arbitrárias que havíamos criado para eles – Vermelho e Azul – não faziam diferença.

Entre os jogadores B que eram cadetes, havia significativa influência do grupo interno sobre quanto eles devolveriam – 51% se fossem “um de nós”, contra 40% se não fossem. O mesmo valia para os evangélicos. Sua tendência era praticamente a mesma – 38% devolvidos àqueles de dentro do grupo cristão, e 28% aos de fora.

Foi entre os jogadores A – aqueles que haviam tomado a decisão ini-cial com base na dúvida sobre se podiam ou não confiar num jogador B – que os evangélicos se destacaram por terem uma influência forte do grupo interno que animaram até os membros do batalhão de oficiais da reserva. Os jogadores A evangélicos transferiram 84% do máximo que acumularam para o grupo interno de jogadores B contra 61% dos jogado-res B do grupo externo – uma diferença de 23 pontos percentuais. Entre os cadetes do batalhão de oficiais da reserva, a diferença entre “interno e externo” foi de 81% do máximo acumulado contra 74% – apenas 7 pon-tos percentuais de diferença. Entre o grupo de controle, a transferência era sempre a mesma, não importando se o B em questão fosse Vermelho ou Azul. Em média, transferiram 58% do montante máximo disponível – indicativo de níveis muito mais baixos de confiança sem algum tipo significativo de filiação de grupo.

Parte da diferença de comportamento dos evangélicos era devido a seus níveis mais elevados de estresse: 28% maiores que os do grupo de controle. Eles estavam mais ansiosos em interagir socialmente (e os cade-tes do batalhão de oficiais da reserva eram 17% menos estressados que os do grupo de controle). Beneficiar a si próprio é algo que se espera. Mas o problema com a influência do grupo interno, especialmente se estivesse

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empolgado com o ritual, é o fato de limitar as oportunidades de conexão pelas quais ansiamos como criaturas sociais. As mensagens das maiores religiões do mundo repercutem em nós hoje porque pregam a promessa de uma conexão universal e amor. A necessidade de pertencimento faz parte de nossa natureza humana, e figuras religiosas como Jesus e Buda parecem haver descoberto como amar a qualquer um e a todos e receber o retorno desse amor. Porém, parece que a influência do grupo interno facilita amar uma pessoa específica mais que a outras. A limitação de amar nosso próprio grupo impõe, na verdade, uma punição econômica. Em razão de confiar muito menos em estranhos, os evangélicos levaram, em sua experiência do Jogo da Confiança, 9% a menos que os cadetes do batalhão de oficiais da reserva.

Ao longo da história, seja numa maneira socialmente útil ou diabólica que conduz ao genocídio, os grupos tentaram invocar um poder maior para fazer as pessoas cumprirem as regras. Já discutimos a importân-cia social da vontade de punir. Entretanto, nem todos estão dispostos a punir sempre, pois o jogo pesado pode acarretar custos a quem pune. É complicado, estressante, e há sempre a preocupação sobre pressionar ou convidar a uma retribuição. Também é verdade que (ao menos antes do surgimento do Google Maps) a vida real não permite que olhos atentos estejam disponíveis em todos os lugares, a cada momento, monitorando o que cada um de nós está fazendo.

Ter um Deus onisciente e todo-poderoso, no entanto, permitiu que as sociedades terceirizassem a punição. Ser capaz de dizer “É Deus quem o está punindo... não eu” tira um pouco da pressão de todas as pessoas que, a despeito da ânsia pela punição, desejam, acima de tudo, cuidar de suas próprias vidas e chegar ao fim do dia. Inserir Deus nessa questão também confere à punição um status superior. Esse Deus onisciente não é só um pouco assustador; o fator medo ajuda a fortalecer e internalizar a mensagem de “faça direito”, pois, em última instância, não há onde se esconder. Deus é onipresente e onisciente, portanto haverá consequên-cias para o pecado, até mesmo se agora você estiver se escondendo de um assassinato.

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Estudos revelam que qualquer tipo de sugestionamento com o intuito de ser observado pode levar a um comportamento melhor. A exibição dos Dez Mandamentos, um par de olhos sobre o terminal do computador, contar a crianças que uma princesa mágica chamada Alice está assistindo a seu jogo ou contar a alunos sobre a presença de um ex-aluno formado, agora falecido, cujo espírito assombra o laboratório – qualquer desses artifícios leva as pessoas a se comportarem de modo mais pró-social e menos egoísta.

Combinar a ideia de vigilância sobrenatural com a forma de siste-ma de retorno – carma, o pagamento pelos pecados – permite a outros membros do grupo um pouco do prazer da punição. Imagine o tormento daquele transgressor quando entender o que espera por ele!

o eu mágico

Quando cientistas sociais pedem a pessoas que descrevam Deus, verifi-ca-se que há pouca consistência nos atributos que apresentam. Nem to-das as descrições incluem um homem branco mais velho de barba, com manto e sandálias, ou uma mãezona carinhosa flutuando nas nuvens, ou um computador gigante no céu. Na verdade, o único fato que emerge de uma análise do conceito de Deus dos indivíduos é que, para cada um de nós, Deus parece ser uma projeção do self – eu e minhas atitudes, meus desejos e vontades –, embora um “eu” com poderes excepcionais.

Faz sentido, então, que nosso conceito de orientação moral universal seja o de mapear o mesmo mecanismo fisiológico que modula os dois lados de nosso próprio comportamento moral individual. Em cada um de nós, há oxitocina suficiente para empurrar nosso comportamento em direção ao amor e à conexão, mas também há testosterona suficiente para ativar o medo e a punição. Portanto, é o Grande Cara (ou a Mãezona) nos vigiando. Deus, o derradeiro Juiz Moral e Impositor, alinha-se à in-fluência da testosterona. Deus, a derradeira Fonte de Ligação e Amor e Preocupação, alinha-se à oxitocina.

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É de se admirar, então, que a crença em Deus possa inspirar tanto atos de imensa compaixão quanto de cruel e sectária violência?

O primeiro grupo esforçado de hominídeos, fisicamente sobrepujados por chimpanzés e que não eram páreo para leões ou matilhas de cães selvagens, precisavam se unir, conviver bem e ajudar uns aos outros a se manter vivos. De modo similar, os deuses animistas de caçadores-coleto-res primitivos e ritos antigos de fertilidade eram impulsionados mais pela oxitocina. À medida que as tribos se tornavam maiores e mais diversas geneticamente – isto é, nem todos eram da família –, a sobrevivência exigia graus maiores de cumprimento da lei, portanto Deus tinha mais testosterona. Tribos nômades tinham mais probabilidade de conhecer outros grupos, o que criou mais uma dinâmica do tipo “nós contra eles” e, consequentemente, aumentou a necessidade de Deus tomar um partido e de punir – não mais uma Mãe Terra, mas o “Deus das Alturas”, que podia ser invocado para castigar outros “caras”. Com certeza, o Deus do Antigo Testamento nada mais é que uma forte figura de pai, não muito agradável, que está sempre dizendo “Sou um Deus ciumento”, “Sou um Deus zangado”. E, como a Bíblia repete sempre, esse Deus irado, o der-radeiro bad boy, estava pronto para invocar enchentes e destruir cidades inteiras num piscar de olhos.

Sociedades pequenas podiam, de início, confiar na natureza humana do toma lá dá cá. Nossa espécie liderou com generosidade e confiança, mas retribuindo – ou, pelo menos, retendo aceitação e generosidade – sempre que houvesse violação de confiança. Então, Deus foi inventado para reforçar essas tendências pró-sociais e para endossar castigos de ten-dência antissocial. Finalmente, as regras tidas como advindas de Deus foram codificadas e tiveram o poder da lei secular. Com o tempo, essas leis se tornaram fixas, como nos Dez Mandamentos e no Código de Ha-murabi, que estabeleceram suas exigências de modo muito claro, espe-cialmente para os 5% de qualquer população que não tivesse receptores de oxitocina, necessários para se conectar e se comportar com moralidade sem imposição externa. Porém, até para os outros 95%, é útil ter uma linha luminosa estabelecida pela sociedade para o bem contra o mal, em

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especial levando-se em conta que os sentimentos morais são, natural-mente, falíveis e sujeitos a imprecisões fisiológicas.

Apesar de o “olho por olho” ter caracterizado a maior parte dessas antigas formas de jurisprudência, outras forças se concentraram em tra-balhar nas soluções de “soma não zero” para a sobrevivência, que criaram um papel para a compaixão. Os deuses guerreiros impulsionados pela testosterona, como Jeová, Zeus e Júpiter, continuaram ditando as regras em toda a época clássica, mas os panteões pagãos sempre abriam espaço para uma variedade de vozes, incluindo a extática e a erótica. Enquanto isso, as filosofias mais seculares da Grécia e de Roma infundiam o pen-samento moral com um forte elemento de raciocínio.

O mundo judeu também teve seus místicos, bem como seus filósofos para impregnar a rispidez do Deus da Ira, que incluíam o Rabino Hillel, que surgiu com a Regra de Ouro várias décadas antes de aparecer no Novo Testamento como um dos ensinamentos de Jesus.

É evidente, no entanto, que a abordagem da religião articulada no Novo Testamento, uma perfeita combinação de várias tendências atin-gindo proporções máximas quando o mundo clássico chegou ao ápice do poder e entrou em colapso, foi uma ideia nova e poderosa, no momento certo.

A tradição de testosterona de Zeus, Júpiter e Jeová era mantida por meio de contínua reverência às antigas escrituras hebraicas, que os cris-tãos começaram a chamar de Velho Testamento. A tradição filosófica grega era mantida pela adoção de universo construído sobre o conceito de Platão de um mundo alternativo e perfeito da Forma, um reino espiritual que nós, humanos comuns, só vemos “obscuramente por um espelho”.

O poder romano rompera as velhas maneiras enquanto a Pax Ro-mana trouxera uma variedade de culturas que mantinham contato, com a mobilidade enfraquecendo os laços das religiões fundadas num lugar em particular. O cristianismo preencheu o vazio ensinando que o reino de Deus não estava dentro deste ou daquele templo, nesta ou naquela colina daquela primavera sagrada, mas dentro do coração de cada um dos crentes. A esse respeito, o cristianismo começou, na verdade, como uma

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força moral “de baixo para cima”, com dezenas de abordagens diferentes. Mas aqueles que desejavam uma ortodoxia, “de cima para baixo”, final-mente venceram, e o “doce pastor” encontrou seu legado cooptado pela derradeira organização de comando e controle, o Império Romano, que se metamorfoseou na “Oh! Tão hierárquica”, Igreja Romana Católica.

Ainda assim, a ideia de baixo para cima persistiu na inovação do cristia-nismo mais significativa, a volta à compaixão, após milhares de religiões guerreiras. Assim como o culto a Dionísio teve um grande apelo para mulheres, escravos e outros que tinham os privilégios da cidadania nega-dos numa sociedade guerreira, o culto a Jesus oferecia o amor de Deus a todos, não importava quão humilde nem o quanto fosse desprezado pelos ricos e poderosos. Era o Cristo amoroso e clemente, o cordeiro de Deus enriquecido pela oxitocina, que fez do culto a Jesus uma importante força espiritual, capaz de durar por mais de dois mil anos.

Na Ásia, muitas religiões históricas haviam se concentrado na com-paixão, seguindo preceitos que ofereciam a libertação do sofrimento e acabando com intermináveis ciclos de reprodução e reencarnação. Um deus da Ira parecia desnecessário, porque as regras já estavam muito mais enraizadas nessas sociedades asiáticas menos individualistas, mais foca-das em grupos. O cumprimento dessas regras era imposto pela presença de ancestrais e pela certeza de se envergonhar em razão de mau compor-tamento, sobretudo se isso viesse a desonrar seu grupo.

Assim, mais uma vez, tanto na religião quanto em tudo mais, a ver-dade subjacente da Molécula da Moralidade é que não somos tão natu-ralmente compassivos ou agressivos, generosos ou cruéis. Pelo contrário: somos naturalmente adaptáveis. Os hormônios opostos que nos regulam nos permitem seguir para qualquer lado, dependendo das circunstâncias. Acontece que ser generoso, amável e confiável é, na maior parte das ve-zes, o melhor caminho. Adotamos, então, os modelos morais que pode-riam nos orientar a como segui-los: Jesus, Buda, o Dalai-Lama.

Assim como as imagens religiosas, os rituais comunais de comer e o pousar das mãos sempre fizeram parte da comunhão religiosa, pois au-mentam a oxitocina. Em nossos estudos dos Jogos de Confiança, os que

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mostraram o maior pico de oxitocina e eram os mais confiáveis também eram os que se descreviam como comprometidos com a religião. Descul-pem-me, Richard Dawkins et al., mas essas pessoas religiosas também tiveram a maior pontuação em medições de satisfação com a vida e o bem-estar emocional. O fator crítico ao fazer tudo isso funcionar para o bem é o mantra enfatizado por gurus, que vão desde Jesus até John Len-non: Tudo do que você precisa é amor.

Amor transcendente (e Lama)

O que me leva a uma epifania muito mais recente em minha vida, mo-mento em que um disparo de oxitocina me permitiu, de verdade, sair da concha.

Após dois anos de preparação, recebi, finalmente, a permissão da Pa-pua, Nova Guiné, de coletar sangue de guerreiros tribais antes e após terem desempenhado uma dança ritualística. A experiência testaria se a liberação de oxitocina era universal. O vilarejo Malke era em Western Highlands, um local verde acidentado, de vulcões e chuva quase constan-te. A 30 horas de viagem da Califórnia, preciso reconhecer que, quando cheguei, estava um pouco esgotado. Em parte, abatido pelo cheiro dos corpos sujos. Havia cerca de mil pessoas vivendo como nossos ances-trais evolutivos. Haviam construído cabanas de palha e sobreviviam com inhame e repolho. Verdade seja dita, haviam abandonado o canibalismo, no máximo, há duas gerações. Os homens estavam tão entranhados de terra que, quando começamos a experiência, tive de usar quatro ou cinco chumaços de algodão com álcool antes de chegar à pele e coletar o san-gue. Usavam como “instalações sanitárias” uma vala, sem sabão e água para limpeza – na melhor das hipóteses, uma folha para limpar as mãos. Andavam descalços na lama e usavam roupas de segunda mão.

Recuperando-me do choque cultural e do substancial fuso horário, também estava desconcertado pelo fato de que nosso nitrogênio líqui-do para o resfriamento do sangue não havia chegado. Assim, sentei-me

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numa colina para pensar no que fazer. Um ocidental muito alto e pá-lido, eu era obviamente uma curiosidade, pois, aos poucos, alguns dos aldeões começaram a se reunir ao meu redor. Em mais alguns minutos, eu havia atraído uma multidão, desde criancinhas até avós desdentadas. Sentaram-se à minha volta e ficaram me observando, gradualmente che-gando mais perto. A tradição local de “ter” convidados para jantar cruzou minha mente, mas “quem está na chuva é para se molhar”, como sempre digo. Como as crianças eram tímidas, comecei a fazer caretas idiotas. Elas começaram a rir e, então, todos sorriram. Todos começaram a se aproximar ainda mais para me tocar e apertar minha mão. Oferece ram--me seus cocares feitos de peles de animais, penas e grama. Flertei com senhoras velhas – uma das quais ficava rindo e me cutucando nas costelas – então aspirei o cheiro da selva e, por um momento, abandonei todos os meus pensamentos ocidentais, preconceitos e preocupações. Era uma expe riência de mudança total de vida.

Eram as pessoas mais amigáveis e alegres com quem eu já lidara. Como conseguem realizar suas tarefas em aproximadamente uma hora de trabalho por dia, eles se sentam juntos e se socializam na maior par-te do tempo. (Quando analisei seu sangue, seus hormônios de estresse eram como de alguém que estava quase inconsciente. No entanto, eram extremamente diligentes e atenciosos. Pedimos-lhes que construíssem uma cabana para proteger nosso gerador e equipamento elétrico da chuva constante – um encerado sobre estacas de galhos de árvore – e se de-ram ao trabalho de decorar cada estaca com samambaias e flores roxas. Também eram incrivelmente generosos de outras maneiras. Observei-os abater um porco e assá-lo lentamente, retirando as camadas externas à medida que cozinhava e depois, com grande pompa, o chefe distribuía o luxo da carne, uma parte igual para cada família. Todos esperavam que a carne fosse distribuída antes de comê-la. Mais tarde, na hora de partir, essas pessoas que nada tinham, realizaram uma cerimônia para dar a cada membro de minha equipe um presente belamente embrulhado com uma nota do chefe sobre por que era importante que cada um de nós tivesse esse presente.

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Os resultados confirmaram que, como os ocidentais, os agricultores isolados da Papua, Nova Guiné, liberam oxitocina durante seus rituais. Contudo, só por estar lá, senti que tinha aprendido algo muito poderoso. Estava do outro lado do mundo, cercado por pessoas que não podiam ser mais diferentes de mim. Embora fosse um completo estranho para eles, haviam me incluído em seu vilarejo de imediato. Tínhamos chegado a algo verdadeiramente primitivo, como o sangue do nascimento ou da batalha. Era o amor e a empatia da oxitocina, preenchendo a lacuna de milhares de milhas e eras de diferenças sociais. Estava coberto de lama, mas eu me sentia extasiado, como ficara há muito ao ouvir o Cânone de Pachebel. Experimentei a mesma sensação de amor, pertencimento e paz, e de conexão com o universo. Essa era toda a religião de que eu precisaria na vida. Senti-me realmente vivo, imerso no mar de humanidade.

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Mercados morais

O líquido da confiança e o malefício da ganância

P ouco depois de o primeiro trabalho sobre infusão de oxitocina ter me levado à rede nacional de televisão, identifiquei um novo pro-duto sendo comercializado na internet, chamado de “líquido da

confiança”. Apenas $40 por uma quantidade suficiente para dois meses. Que negócio da China! O site citou minha pesquisa e a cobertura da mídia, e havia vários depoimentos, o que achei um tanto estranho, sobre-tudo quando pensava em todo o incômodo da inação e no desconforto do olho lacrimejando para que uma dose eficaz de oxitocina chegue ao cérebro, sem falar no fato de que o efeito dura apenas algumas horas. E ainda havia aquelas regulamentações ridículas da FDA sobre inaladores de oxitocina, as quais eu conhecia muito bem.

Sem dar muita importância, voltei ao laboratório. Porém, alguns me-ses depois, um produtor do extinto programa matutino da Fox News, The Morning Show with Mike and Juliet, me ligou pedindo que eu fos-se ao programa com o ombudsman da empresa “Líquido da Confiança”. Depois disso, olhei com atenção os anúncios, que diziam: “Cada ampola

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com 29 mililitros (fornecimento para dois meses) do Líquido da Con-fiança contém os seguintes ingredientes: água purificada, álcool SD e oxitocina.”

A oxitocina, como sabemos, é um medicamento que exige prescri-ção médica. Portanto, ou eles estavam mentindo sobre os ingredientes, ou violando uma lei federal ao vender um medicamento controlado sem receita. Então, percebi o golpe, realmente baixo, mas genial. As orienta-ções diziam borrife-o em suas roupas! Eles não estavam administrando um medicamento sem prescrição médica – estavam vendendo um purificador de ar caríssimo, diga-se de passagem! Caramba! Se eu soubesse como era fácil criar uma atmosfera de confiança, teria evitado inúmeros problemas para mim e para meus colegas cientistas em todo o mundo.

Fui ao programa de televisão e, sob o olhar da tal “ombudswoman” (“ombudsmodel”, no fim das contas – uma garota loura, contratada duas semanas antes) e afirmei categoricamente que aquele líquido era falso e que aquilo tudo era uma farsa.

O Líquido da Confiança desapareceu imediatamente do mercado. Mas um mês depois estava de volta. Da última vez que busquei no Goo-gle, havia 76 páginas de propagandas e comentários, não só para o Lí-quido da Confiança, mas também para uma gama de concorrentes que haviam se aproveitado de um fragmento mal interpretado da ciência e o tinham transformado em poções mágicas de contos de fadas para extor-quir os ingênuos.

Esse fato levanta uma questão: quão sem-vergonha você tem de ser para vender um produto falso que alega criar, por incrível que pareça, confiança?

Não há nada de novo, é claro, no fato de ser sem-vergonha ou ines-crupuloso e cínico no que se refere a ganhar dinheiro. Muitas pessoas no mundo dos negócios pensam que falsificação e exploração fazem parte do jogo. E que essa é uma das razões pelas quais os negócios e o comércio sempre tiveram uma imagem um tanto negativa. “Por trás de toda for-tuna, existe um grande crime”, essa é uma forma de ver a questão. “Não hesite em tirar vantagem de um trouxa” é outra.

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Contrariando essas atitudes, mostrarei neste capítulo que, no cômputo geral, e apesar de seus detratores, o mercado de fato torna as pessoas mais morais, não menos. Os negócios apoiam o círculo virtuoso da oxitocina, que se estende para além dos limites da família e dos amigos. Então, uma reviravolta que virá como uma revelação aos que torcem para que “não os deixemos em paz”, o comportamento moral de fato aumenta a eficiência e a lucratividade de transações comerciais, o que adiciona outro elemento ao círculo virtuoso. Um montante econômico maior – também conheci-do como prosperidade –, sensatamente bem distribuído, reduz o estresse e aumenta a confiança, o que facilita mais a liberação de oxitocina, o que, por sua vez... pronto, você já entendeu.

Confiança

Oxitocina

Empatia

Moralidade

O CÍRCULO DE PROSPERIDADE DA OXITOCINA

Prosperidade

Esses dois tópicos podem convergir para fazer do comércio uma força moral positiva no mundo, com a implicação do ponto de ação em que os mercados mais sustentáveis – nos quais devemos trabalhar para obter e expandir – são os da moralidade.

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De acordo com nosso processo desenvolvido até agora, investigaremos essa proposição de baixo para cima, olhando para a biologia que subjaz o comportamento de mercado.

No Capítulo 4, falamos sobre seleção consanguínea e sobre o fato de ser uma força motriz por trás do altruísmo na maioria das espécies so-ciais. Animais sociais cuidam uns dos outros e se protegem, mesmo que isso signifique ter de se sacrificar para o bem do grupo. Assim, é mais provável que o grupo sobreviva e que as orientações genéticas para que nos comportemos assim persistam, porque a sobrevivência do grupo permite que os genes altruístas, inclusive os do sacrifício, sejam trans-mitidos aos filhos e até mesmo aos sobrinhos e sobrinhas. Mas também vimos como um cérebro com mais abrangência permitiu que nossas próprias espécies descobrissem os benefícios de formas mais complexas de colaboração social, uma das quais é a transação comercial. Evidên-cias recentes sugerem que as primeiras transações comerciais incluíram o comércio de pessoas.

Em 2011, uma equipe de antropólogos liderada por Kim R. Hill, do Arizona, e Robert S. Walker, da University of Missouri, analisou dados de 32 tribos de caçadores-coletores contemporâneos e relatou que menos de 10% dos membros de cada bando eram parentes próximos. No fim das contas, essa diversidade resultou de filhos e filhas que deixaram sua família para se juntar à tribo de seus eleitos. Supondo que essa tradição vá longe – e as evidências mostram que sim –, podemos ver como os pa-rentes consanguíneos de cada indivíduo se espalhavam pelas populações vizinhas. Enquanto isso, o vínculo entre o casal teria tornado a identida-de dos pais mais explícita, o que teria facilitado que as pessoas identifi-cassem seus parentes espalhados. Tudo isso teria dado aos membros dos bandos vizinhos um incentivo genético para serem colaborativos em vez de matar uns aos outros.

Mas esse mesmo aspecto da procriação entre as tribos também signi-ficou que a seleção consanguínea se tornaria uma força menos potente para promover o bom comportamento em cada bando, pois nem todos seriam parentes de sangue – também haveria os agregados, o que seria

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muito mais vantajoso para a reciprocidade – a troca de favores –, assim como para a necessidade de preservação da reputação em relação à reci-procidade, como o incentivo de tratar bem as pessoas.

Como o comércio possibilita a generosidade

Mas o intercâmbio de pessoas entre os grupos e a familiaridade e con-fiança inspiradas também resultaram em grandes oportunidades para a troca de outras coisas. Talvez a tribo de lá tivesse uma técnica mais apri-morada para fazer as pontas das flechas, enquanto a tribo de cá tinha uma técnica melhor para moldar cuias de água. Uma forma de se beneficiar da exposição à diversidade é imitar o que os outros estão fazendo. Mas colaboração pacífica também significava um tipo de escambo entre cuias de água e pontas de flecha, ou seja, cada grupo tinha a opção de se con-centrar e se especializar em algo. Nem todas as tribos precisavam ter o mesmo acesso a todos os recursos do meio ambiente. Portanto, a tribo A não precisava tirar nada da tribo B para se beneficiar. Ou, como Frédéric Bastiat, economista do século XIX, afirmava: “Quando as mercadorias cruzam as fronteiras, os exércitos não o fazem.”

Com o surgimento do comércio, a prosperidade deixou de ser um jogo de soma-zero. Na verdade, o significado mais comum de comércio é: eu enriqueço à medida que você enriquece. Como parceiros comerciais de sucesso, teremos muitas ideias em conjunto – aprendizado social –, e você recompensará meus esforços e sustentará minha riqueza ao me pagar pelo que eu produzir.

Nas últimas duas décadas, os cientistas puderam investigar a transição da formas mais primitivas e autossuficientes de se ganhar a vida para for-mas mais voltadas ao mercado, usando os mesmos jogos econômicos que usamos em nossos estudos para quantificar os comportamentos morais.

Ferramentas como o Jogo do Ultimato produzem resultados bastante consistentes em qualquer lugar do mundo – desde que os participantes sejam universitários. Nesse jogo, a oferta mais comum no mundo todo

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é 50% do montante, e propostas de divisão de menos de 30% são quase sempre recusadas.

Mas quando cientistas adaptaram o jogo para usá-lo com uma tribo chamada Machiguenga, as regras dos 50% e dos 30% desapareceram. Entre esses horticultores de derrubada e queimada que vivem no sudeste da Amazônia peruana, a média de ofertas era de 26% do montante e menos de 5% das ofertas eram rejeitadas. Parece que esse povo isolado e autossuficiente tinha um sentido bem diferente do significado de divisão, e nenhum sentido do que significava negociar para uma solução ganha-ganha.

Essa anormalidade estimulou o MacArthur Foundation’s Research Network on the Nature and Origin of Preferences (Rede de Pesquisa MacArthur Foundation sobre a Natureza e a Origem de Preferências) a lançar uma iniciativa extremamente complicada e liderada por Joseph Henrich, agora na University of British Columbia, Herb Gintis, da Uni-versity of Massachusetts – em Amherst –, e Rob Boyd, da UCLA. Esses cientistas selecionaram 15 culturas para estudar – pastorais de pequena escala, agrárias ou nômades –, desde caçadores-coletores nas florestas da América do Sul, horticultores forrageiros em Papua, Nova Guiné, como o grupo que visitei, pastores nos altos desertos da Mongólia a caçadores de baleia na Indonésia oriental. Alguns, como os Machiguenga, não co-nheciam o conceito de comércio – eles matavam ou colhiam tudo o que comiam e produziam tudo o que usavam. No outro extremo, algumas das tribos em outros lugares, mesmo as que ainda viviam no mato, conse-guiam trabalho de meio expediente em troca de salários. No meio, outros grupos caçavam e colhiam a maior parte do que comiam, mas também vendiam produtos agrícolas e, por fim, traziam alimentos ou mercadorias industrializadas.

No fim das contas, o grupo Banto do Zimbábue, por exemplo – que cultivam e vendem safras de commodities como milho, que produzem cerâmica e cestas costuradas à mão para vender e que fazem bicos como ferreiros e escultores – fizeram ofertas muito maiores no Jogo do Ultimato

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que os Hadza da Tanzânia, que subsistem praticamente da caça e de pi-lhagem, como seus ancestrais faziam há 10 mil anos. Essa diferença foi verificada em cada um dos 15 grupos estudados.

Depois de um processo extremamente rigoroso de coleta e análise de dados, os cientistas descobriram uma correlação direta entre o comporta-mento generoso pró-social e o grau a que determinada cultura tinha sido exposta ao mercado. Essa exposição é chamada de integração de merca-do, mensurada como a porcentagem de calorias domésticas compradas em relação às calorias obtidas diretamente da natureza. Cada aumento de 20% na integração de mercado foi associado a 2 ou 3 pontos percentuais no aumento de ofertas no Jogo do Ultimato.

Mas os pesquisadores não se convenceram facilmente. Eles também analisaram cem outros fatores demográficos, sociais e econômicos que podem ter influenciado esse comportamento. Eles descobriram que ape-nas dois fatores fizeram diferença – integração de mercado e o fato de pertencer a uma religião –, fosse o cristianismo ou o islamismo.

Na essência, a troca de mercado é um pouco como se reunir para adorar um poder maior, pelo menos no sentido de que impulsiona um ciclo de feedback positivo. Um mercado livre e funcional, afinal, tem a ver com reciprocidade, o que significa atender às necessidades dos outros para que possam retribuir na mesma moeda. A troca repetida, em vez de um mercado caloteiro do tipo “pegue o dinheiro e suma”, requer que você faça jus à demonstração da confiança de terceiros em você, o que significa cumprir suas promessas, a um preço que permita que ambas as partes se beneficiem.

A ganância é positiva?

Todas essas boas notícias sobre os efeitos morais do mercado levantam uma questão: se o comércio é uma forma tão benigna de colaboração so-cial, como avançamos do estado da natureza, no qual a troca de mercado

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cultivou a virtude, para a confiança instável do colapso da Eron e AIG, da bolha imobiliária do subprime, do maior esquema Ponzi de que se teve notícia, de Bernie Madoff, e do maior feito jamais visto de informações privilegiadas de Raj Rajaratnam?

Dois mil e quatrocentos anos antes dessas calamidades, Aristóteles já havia concluído que o comércio era destrutivo à virtude porque nos fazia focar o dinheiro, e não a sabedoria ou as outras pessoas. Aparentemen-te, o grande filósofo estava disposto a ignorar o fato de que o mercado também era o centro social das cidades, o lugar onde as pessoas trocavam não só mercadorias como também ideias. Mesmo em Atenas, durante a Idade de Ouro, o lugar de reunião para discursos políticos e debates filosóficos era a ágora, o mercado, o mesmo lugar que se ia para comprar galinha para o jantar da família.

Mas Aristóteles não estava sozinho em suas suspeitas. No mundo confuciano chinês, sheng, os comerciantes, estavam apenas um passo aci-ma dos parasitas sociais por não criarem nada tangível. A Igreja Medieval proibia emprestar dinheiro a juros (o islamismo ainda proíbe) e, rigoro-samente, impingia a noção do preço justo, em oposição à noção atual de que o mercado suportará qualquer coisa.

No século XIX, os marxistas se tornaram os críticos mais ferrenhos do mercado, a ponto de declararem que toda propriedade era roubada e que os empreendedores provados eram inimigos do povo. Mas os marxistas sempre ficaram presos numa visão de mundo de soma-zero, como se fos-se apenas uma questão de distribuição (a cada um, de cada um) em vez de expandir o montante para o bem de todos. (O que, como veremos, coloca o ônus sobre os capitalistas para se certificar de que essa força benigna – o mercado – realmente faz o que afirmamos, ou seja, beneficia a todos em vez de apenas a alguns negociadores.)

Nos ano 1960, os hippies pararam de comprar e vender (pelo menos até descobrirem as lojas que vendiam fumo) e tentaram viver de amor, dividindo tudo. Esse espírito se mantém no Burning Man Festival, que acontece todos os anos no Deserto de Nevada, um festival de arte e amor em que nada pode ser comprado ou vendido (mas onde qualquer coisa

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pode ser dada para alguém). Quando fui ao festival, os únicos mercados formais eram os de café e gelo (mas você podia comprar todo tipo de coisa de forma clandestina).

“Os mercados são do mal” também é uma linha de discussão no movi-mento antiglobalização “No Logo”, que descreve os protestos nas grandes cúpulas econômicas em todo o mundo. Em 2009, até o papa participou do ato, convocando uma pré-reunião de cúpula encíclica para o estabele-cimento de uma “autoridade política mundial” para regular a economia e se certificar de que sirva para o bem de todos, não apenas ao dos privile-giados. (Aparentemente, termos como globalização e terceirização foram difíceis para os escribas do Vaticano, que tinham de traduzi-los para o latim.)

Com mais de 2.400 anos de firme oposição à ideia de compra e venda, tem de haver alguma base para as denúncias de que os negócios podem corromper a virtude. A meu ver, a origem do problema está no fato de que os indivíduos se esquecem do significado de um mercado sustentá-vel. Alguns empresários de fato adotam a ideia de que o comércio é mau porque acreditam que ser frio e impiedoso lhes confere macheza, e que ser macho – frio e impiedoso – os torna mais eficientes.

Nos dois filmes de Oliver Stone chamados Wall Street, Michael Dou-glas interpreta Gordon Gekko, o mais impiedoso dos impiedosos a gerir um fundo de hedge ou conseguir uma aquisição hostil. Anos depois de ter representado o papel, Douglas disse aos repórteres que estava exausto dos gerentes de fundo bêbados que o seguiam pelos restaurantes gritan-do o bordão do personagem – “A ganância é positiva!” – e, em seguida, acrescentando algo como: “Você está certo, irmão. Você é o cara.”

De alguma forma, esses caras não entenderam o fato de que Gekko era o vilão da história, que “a ganância é positiva” deveria ter um cunho irônico (até mesmo orwelliano, como “guerra é paz”) e que o filme fora escrito como um conto preventivo sobre os perigos da acumulação ilícita de dinheiro.

Certamente, os estereótipos negativos do mercado são reiterados por líderes corporativos que buscam lucro a qualquer preço, sem medo de

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estragar as comidas para bebê, de poluir os lençóis freáticos, jogar com a contabilidade ou despedir milhares de funcionários para somar um dólar ao valor das ações da empresa. Tenho certeza de que os fabricantes do líquido da confiança ofereceram vários argumentos em relação ao que estavam fazendo como sendo o bom e velho capitalismo ao estilo ameri-cano, mesmo produzido em Bangalore ou na Bielorrússia.

Mas, na verdade, você não precisa ser um mau-caráter mentiroso para argumentar que os ensinamentos morais e os requisitos para permanecer no topo de uma economia de mercado são duas categorias bem diferen-tes. Pergunte a qualquer aluno de MBA ou especialista em economia – é o interesse próprio que rege os assuntos humanos, certo? Especialmente as transações comerciais. Steven Levitt e Stephen Dubner afirmaram na introdução do livro Freakonomics: “A moralidade representa a maneira como gostaríamos que o mundo funcionasse; a economia representa como ele de fato funciona. Não há o que se discutir sobre isso.”

Bem, na verdade, você pode. Eu discuto com essa proposição quase todos os dias.

A moralidade não é algo que se deseja – é biologia, especificamente, como sabemos agora, a biologia da oxitocina. Isso significa que os com-portamentos que se alinham com o pró-social, comumente chamado de comportamento moral, não são adaptados das aulas da escola domini-cal, mas são estratégias de sobrevivência comprovadas através do tempo, moldadas pela figura realista mais rígida de todas, a seleção natural.

os pinguins e a prosperidade

Isso tudo nos traz de volta ao pai da racional e realista ciência da Econo-mia, Adam Smith. Ao ler sua obra inteira, não apenas alguns parágrafos selecionados, você percebe que ele defende a causa de que a busca do in-teresse pessoal pode, de fato, beneficiar a todos, mas apenas ao considerar a simpatia mútua que influencia as forças contrárias presentes em nós na maior parte do tempo, a saber, a ganância e a agressividade.

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Se você assistiu ao documentário A marcha dos pinguins, sabe que os pais dessa espécie azarada passam o inverno inteiro tolerando tempe-raturas negativas, nos ventos uivantes da Antártida, com um ovo acon-chegado entre os pés e a gordura da barriga. (A essa altura do ciclo de reprodução, as mães já partiram para as águas do Oceano Antár-tico – mais quentes, mas não como as de St. Bart – para se recuperar da gravidez, alimentando-se de lulas.) A maneira como os machos se aconchegam em busca de calor é essencial para sua sobrevivência e a dos filhotes, ainda dentro dos ovos. Vital também é a forma como eles fazem um rodízio desse processo, em que todos, em algum momento, ficam nas extremidades mais frias para depois poderem ir para o meio do grupo, onde conseguem se aquecer. Os pinguins também se movem de forma que todos fiquem em algum momento nos níveis intermediários, entre a extremidade gélida e o centro aquecido do grupo. Cada um quer ficar no meio e chocar sua ninhada – essa é a parte do interesse pessoal. Mas para se aquecer, ele precisa do grupo, pois sem o calor gerado pela união dos corpos, ele e a futura prole congelariam. Para manter o grupo vivo e, em consequência, cada um deles, todos têm de jogar limpo – e colaborar. Nesse caso, todos têm sua vez no meio do grupo, onde po-dem se aquecer, e todos passam algum tempo na extremidade externa gélida, congelando.

Com os pinguins, o comportamento pró-social e o interesse pessoal elementar de cada indivíduo (sobrevivência e reprodução) são indistin-guíveis. Seu comportamento pró-social, que mescla o interesse individual com o bem maior, cria um círculo virtuoso, e então o reforça num ciclo infinito. Esse é o modelo de economia comportamental ao qual Smith se referia.

Quanto aos seres humanos, o estudo de nossa biologia mostra que dançamos, nos inspiramos pelo mistério de uma força superior e troca-mos mercadorias. É apenas isso que os seres humanos fazem. Toda cul-tura, ao longo da História, criou mercados e, quando eram contra, como os adeptos do festival Burning Man, eles emergiam secretamente como mercados negros.

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Nos tempos antigos, as cidades eram construídas em torno dos tem-plos, e os viajantes do século XVIII da Europa ou da América do Norte sabiam que estavam se aproximando de uma cidade quando viam as tor-res da igreja no horizonte. Mas pouco depois, o marco indicador urbano passou a ser as fábricas com chaminés onduladas e de tijolos vermelhos. Na Era Dourada, antes da Primeira Guerra Mundial, o historiador Hen-ry Adams observou que o mercado substituíra a religião como o princípio organizador central de todas as sociedades modernas. A energia religiosa que já motivara a construção de grandes catedrais, afirmou ele, se trans-formara em motivação para inventar e adquirir.

Hoje, a marca de cada cidade é um conglomerado de arranha-céus de escritórios corporativos nos quais as commodities não são necessaria-mente criadas, inventadas, projetadas ou produzidas, mas financiadas, compradas e vendidas. Quanto ao fato de servirem como símbolo para a cultura, quando os terroristas do 11 de Setembro quiseram atacar o cora-ção da sociedade americana, não miraram a Catedral de St. Patrick ou o Mormon Tabernacle – atacaram o World Trade Center.

No entanto, deixando de lado a perda direta da vida, nossa economia e sociedade sofreram tantos ou mais danos como resultado de um aci-dente muito diferente em 2008, quando aqueles que reverenciavam tanto os mercados entraram numa onda de excesso motivada pela ganância e se arrasaram. Ao agirem como se sua ganância pessoal fosse positiva, os mercados foram perfeitamente eficientes e, ao manterem os consu-midores cientes, o que os eximiu de qualquer responsabilidade moral, corroboraram da maneira mais forte possível o pensamento daqueles que consideram todos os mercados corruptos.

Esses impostores empedernidos e não regulamentados poderiam nos ter poupado muito sofrimento se tivessem introjetado um dos mais im-portantes trechos de Teoria dos sentimentos morais: “Por mais egoísta que um homem possa ser, há, evidentemente, alguns princípios em sua natu-reza que o fazem se interessar pela sorte dos outros e tornam a felicidade alheia necessária para ele, mesmo que não ganhe nada com isso, a não ser o prazer de testemunhá-la.”

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Há muito que se criticar sobre a forma como os mercados contem-porâneos são geridos, mas uma verdade fundamental se destaca: desde que foi transformado e turbinado pela Revolução Industrial e os valo-res individualistas da Reforma Protestante, o mercado se provou uma forma inigualável para a construção da prosperidade. Alguns diriam que o capitalismo industrial levou apenas ao materialismo crasso, mas a evidência mostra que, no cômputo geral, a prosperidade, como a re-ligião, contribui significativamente para a saúde e a felicidade dos seres humanos.

Por exemplo, nos Estados Unidos, de 1600 a 2002, a média de ren-dimento ajustada aos preços aumentou 6.900%, a média de expectativa de vida mais que dobrou, de 35 para 78 anos, e a mortalidade infantil caiu de um terço dos nascimentos para menos de cinco mortes a cada mil nascimentos hoje. Enquanto isso, a taxa de homicídio caiu 92%. No mesmo período, na França e na Holanda, o índice de homicídios caiu 88%.

Recentemente, analisei dados do World Values Survey* (Pesquisa Mundial de Valores) sobre a porcentagem de pessoas que afirmam ser importante ensinar às crianças a serem tolerantes, sobre o quão confiá-veis acreditavam que os outros eram e sobre a renda média dos países. Eu queria investigar a relação entre tolerância e confiança (indicador da moralidade) e a renda de um país. Como mostra o gráfico a seguir, tolerância e confiança aumentam quase em sintonia com o aumento de renda. Existem exceções (veja, por exemplo, o Paquistão), mas quanto mais as pessoas se afastam de rendas no nível da subsistência, sua maior sensação de segurança proporciona o luxo de ser confiante e tolerante. Pesquisas também mostraram que países tolerantes são mais inovadores e produzem as inovações tecnológicas de que precisamos para sustentar a prosperidade.

* Nota da Tradutora: Projeto acadêmico permanente conduzido por cientistas sociais para avaliar a situação dos valores socioculturais, morais, religiosos e políticos de diferentes culturas em todo o mundo.

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Reino UnidoItália

UruguaiCoreia do Sul

UcrâniaFederação Russa

EtiópiaTaiwan

ÍndiaBulgáriaRomêniaAndorra

EspanhaPolôniaFrança

África do SulEgito

EslovêniaGeórgia

MoldáviaArgentina

MaliGuatemala

MéxicoSérvia

Burkina FassoColômbiaMarrocos

ChileZâmbia

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Enquanto podemos ver o ciclo virtuoso fluindo de forma impressio-nante no progresso da pobreza para a prosperidade, a pergunta para so-ciedades desenvolvidas é: Como preservar a moralidade que se autoa-limenta e que é um ponto de partida para os mercados bem-sucedidos e que produz tantos benefícios? Em outras palavras, como sustentar a prosperidade que é responsável pela felicidade maior e, ao mesmo tempo, nos proteger de uma sociedade que se transforma em uma república das bananas em que o ganhador leva tudo, e que tem $200 mil em cães de ataque, seu novo símbolo de status?

No caso da religião, descobrimos que a balança pendia para o lado positivo, para o grau em que a oxitocina triunfava sobre a testosterona como força motriz. Com relação à questão sobre se o mercado é positivo ou negativo para a moralidade, a resposta se encontra no grau em que – sem grandes surpresas – o comportamento comercial está alinhado com a liberação de oxitocina.

os elementos do sucesso econômico

Em meus estudos, descobri quatro elementos essenciais para manter os mercados morais e para sugarmos o máximo de benefício econômico que podem fornecer.

1. CONeXÃO

Minha ex-aluna de graduação, Sherri Simms, trabalha na World Vision International, uma organização não governamental de auxílio às pessoas carentes em mais de 100 países, e ela pôde ver, em primeira mão, como a violência e os maus-tratos podem impedir o acúmulo de capital social e moral, destinando alguns países à pobreza eterna. Ela queria pegar o trabalho teórico que eu fizera comparando os efeitos da confiança na

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prosperidade e testá-lo no campo, em vez de usar os jogos econômicos no laboratório.

Sherri sabia que o comércio não se limita a mercadorias e serviços, mas inclui a troca de ideias e interação social em geral. Portanto, para sua dissertação, elaboramos um experimento para verificarmos o que acon-teceria se colocássemos quiosques com acesso grátis a internet em seis diferentes vilarejos, em três continentes.

Cinco desses vilarejos eram rurais. O sexto, localizado pouco mais de uma hora de carro de Bangcoc, Tailândia, era uma mistura de rural e semi-industrial. Com a chegada da internet, as pessoas ficariam gru-dadas à tela e mais isoladas dos vizinhos, ou a conectividade contribuiria para o ciclo virtuoso, como vimos nas sociedades indígenas expostas aos mercados?

Sherri conseguiu testar os moradores um mês antes e um mês depois de terem o acesso à internet, que usaram, em princípio, para obter infor-mações meteorológicas e sobre colheita. Descobrimos que, em cada um dos seis cenários, a troca social rudimentar proporcionada pelo uso da internet aumentou a confiança, assim como outras 15 medidas do capital social. No fim da experiência, em cada um dos seis vilarejos havia mais confiança nos demais, mais orgulho cívico, mais voluntários para ajudar na vizinhança e mais satisfação geral em relação à vida.

Há convincentes evidências de que qualquer conexão não abusiva contribui para o ciclo de feedback positivo porque conexão constrói con-fiança. Dado que o sistema HOME está constantemente se ajustando para os ambientes nos quais nos encontramos, a conexão em uma esfera nos condiciona a colaborar em outras esferas, o que, por fim, nos leva ao crescimento da prosperidade, que, então, acrescenta mais confiança, que aumenta a disposição de se comportar de forma generosa e colaborativa.

Em estudo sem qualquer cunho científico conduzido para a revista Fast Company, fiz uma experiência com uma população de um só, o es-critor da área de negócios Adam Penenberg, para testar os efeitos das mídias sociais como a maioria dos ocidentais as usam. Enquanto Adam

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estava em Claremont escrevendo um artigo sobre minha pesquisa, co-letamos seu sangue antes e depois de ele passar 15 minutos tuitando. Seu nível de oxitocina aumentou 13%, e o ACTH, o hormônio do es-tresse chamado adrenocorticotrófico, aumentou 15%. Parece que mesmo as formas mais casuais de interação mediada pela tecnologia – o que o psicólogo Wendi Ardner chama de “lanches sociais” – podem ter efeitos positivos significativos.

Numa reprodução deste experimento para o Korean Broadcasting Service, testei os sangues das pessoas antes e depois de 15 minutos do uso privado e não dirigido das mídias sociais, e descobri que a oxitocina aumentava em todas as pessoas testadas, e que o nível de alteração da oxitocina estava relacionado com o nível de conexão. Um jovem parti-cipante teve o nível de oxitocina elevado em inacreditáveis 150%. No relatório que fiz ao KBS, conjecturei que ele poderia estar falando com a namorada ou com a mãe. Eles verificaram – ele estava postando uma mensagem na página da namorada no Facebook, e seu cérebro processou a experiência da conexão como se ela estivesse na sala com ele.

2. CONfIANÇA

Quando eu trabalhava com o psiquiatra-chefe do Supremo Tribunal de San Diego, Dr. Ansar Haroun, uma das detentas que testei, sentada com seu macacão laranja e com as mãos algemadas, era traficante de metanfe-tamina. No Jogo do Ultimato, ela foi escrupulosamente justa, dividindo o montante em exatos 50%. Quando comentei sobre isso, ela respondeu: “No meu ramo de negócios, se você trapacear, morre.”

O ciclo virtuoso nem sempre é reforçado de modo tão cruel, mas, com frequência, a regra é: “Se trapacear, está fora do jogo.”

Durante os séculos XI e XII, os comerciantes Maghribi, do norte da África, eram muito mais bem-sucedidos que os genoveses porque criavam vínculos de confiança que se expandiam muito além de seus

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grupos consanguíneos, o que possibilitava o envolvimento dos agentes locais em todo o Mediterrâneo, e o elemento-chave era tolerância zero para trapaças – uma única infração e você estaria fora para sempre. Portanto, a busca pelo ganho de curto prazo por meio de trapaças era um tanto insensato, pois significava arriscar os benefícios vitalícios da rede dos Maghribi.

O que os Maghribi sabiam por experiência própria era que a confiança servia como lubrificante econômico, diminuindo os custos das transações ao eliminar a necessidade de sistemas elaborados de fiscalização e apli-cação rigorosa de regras inconvenientes. Confiança também oferece uma vantagem tão convincente no comércio que se torna um incentivador ao comportamento moral em qualquer outro lugar.

Judeus ortodoxos dos mercados de diamante de Nova York e Amsterdã operam de acordo com o mesmo princípio – eles sequer verificam o con-teúdo da bolsa quando entregam somas altíssimas. O mesmo acontece en-tre os 900 atacadistas dos melhores sushis que operam no mercado aberto Tsukiji, em Tóquio. Sua reputação está em jogo todos os dias, em cada lote de peixe que vendem, em termos de qualidade e preço. Se eles quiserem manter-se no negócio, não podem trapacear ou poupar esforços.

Quando as pessoas reclamam de ter de preencher formulários em três vias e obter 12 assinaturas sempre que precisam lidar com o governo, a raiz do problema está na falta de confiança. No século XIX, havia tanto suborno e corrupção – parecia que ninguém era confiável quando não havia um “dono” tomando conta da loja – que os níveis impeditivos de supervisão, mais conhecidos como burocracia, foram instituídos como reforma. Por sorte, após mais de um século de burocracia torpe, as pes-soas passaram a se dar conta de que esses controles de cima para baixo não funcionam e, acredite ou não, os governos locais, estaduais e até os federais fizeram grandes avanços para a modernização, com abordagens de baixo para cima, com base no mercado.

Os efeitos incapacitantes da falta de confiança tornam-se especialmen-te preocupantes quando consideramos que os Estados Unidos tiveram

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uma queda na confiança desde os anos 1960, quando 58% dos america-nos afirmaram que confiavam nos outros. Hoje, esse número é de 34%.

A empresa de consultoria americana Edelman publicou um barôme-tro de confiança que atingiu o nível mais baixo jamais relatado em 2009. Sessenta por cento dos funcionários entrevistados afirmaram que pre-cisavam ouvir informações de um gerente de três a cinco vezes antes de acreditar nelas.

Enquanto isso, entre a população em geral, uma pesquisa de imprensa realizada em 2010 mostra que 50% dos americanos têm “pouca ou ne-nhuma” confiança nas corporações e no Congresso. As únicas instituições que inspiram “alto grau de confiança” foram as militares e as empresas de pequeno porte. Nossa visão do governo e de negócios é a mesma, no sen-tido de que a confiança parece ser inversamente proporcional à distância de nossas casas – ou seja, confiamos mais no governo local que no esta-dual, e no estadual mais que no federal. Em outras palavras, gostamos de ver os rostos e de conhecer as pessoas com quem fazemos negócios, e damos preferência aos que têm o mesmo sotaque, as mesmas raízes e que torcem pelo mesmo time que nós.

3. fOCO NO SerVIÇO e NA QUALIDADe, NÃO NO DINHeIrO

Na escola de negócios da University of Minnesota, a psicóloga Kath-leen Vohs colocou dois grupos diferentes de voluntários para trabalhar nos computadores. Depois de alguns minutos, mensagens subliminares apareceram nos monitores. Sempre muito rapidamente, um grupo foi exposto a imagens chispantes de peixes debaixo d’água. O outro grupo foi exposto a imagens chispantes de dinheiro. A psicologia chama isso de priming, mas na linguagem cotidiana chamamos de poder da sugestão. Embora os participantes não tivessem consciência das imagens, essa sem-pre sutil influência foi suficiente para alterar o comportamento do grupo sugestionado a pensar em dinheiro. Em tarefas realizadas imediatamente

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após as imagens, eles se mostraram menos solidários, menos inclinados a ajudar e mais propensos a trabalhar e jogar sozinhos. Quando solicita-dos a organizar as cadeiras para uma entrevista, o grupo sugestionado a pensar em dinheiro também escolheu manter maior distância física entre eles e os outros.

O ciclo virtuoso induzido pelo comércio pode ser diminuído sempre que o lucro substitui as pessoas como interesse central Num filme sobre a máfia, ao ouvirmos a frase “Não é pessoal, é negócio”, sabemos que alguém está prestes a ser espancado.

Por isso, Frances Frei, especialista no setor de serviços da Harvard Business School, lembra aos alunos que a essência por trás dos negócios é “ser útil”. Que conceito! Faz o comércio parecer como um chamado religioso, concorda? Bem, ao considerar o benefício que pode trazer, certamente não é uma aspiração ruim. Servir aos outros, como vimos, causa a liberação da oxitocina e dá início ao ciclo virtuoso do comporta-mento moral. Os mercados nos dão a chance de servir aos outros todos os dias.

Ao mesmo tempo, o comércio global pode ser facilmente corrompido, já que podem se tornar abstratos e impessoais com facilidade. Essa é uma das razões pelas quais o crescimento desigual dos serviços financeiros se tornou um problema para nossa economia. Megacorporações como o Walmart tentam minimizar essa impressão colocando recepcionistas nas portas das lojas.

Dadas as condições erradas, mesmo as transações cara a cara podem tornar-se impessoais e, por consequência, desumanas, com pessoas vistas como commodities, o que, obviamente, abre o mercado para competição baseada no toque humano.

Antes de ser vendido para o Toronto-Dominion, o Commerce Bank era o que mais crescia nos Estados Unidos. Não rendia as melhores taxas de poupança, e a variedade de serviços mal se estendia ao forne-cimento de conta-corrente. Mas, de alguma forma, essa era a questão. Ele achou seu nicho por ser um banco de varejo, não um banco com

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diversas finalidades, uma sofisticada potência financeira, e ganhou fa-cilmente dos concorrentes por conta do conveniente horário de atendi-mento e por ter os atendentes mais simpáticos. Continuar oferecendo serviços simples significava que o banco não precisava dos magos finan-ceiros com MBAs caríssimos para explicar todas as complexidades dos serviços – não havia complexidades. Na realidade, o principal critério para se conseguir um emprego no banco era “o sorriso dessa pessoa transmite tranquilidade?”

Nos últimos dois anos, conheci um grupo de empresários lidera-dos por John Mackey, CEO da Whole Foods, que está tentando se proteger dos aspectos negativos do comércio, praticando o que chama de “capitalismo consciente”. Eles estão longe de ser esquerdistas so-nhadores. Nos últimos 10 anos, as corporações capitalistas conscientes demonstraram retornos de 1.026%, em comparação com os retornos de 331% de empresas de gurus dos negócios, como a Good to Great, de Jim Collins.

Elas começam supondo que a primeira pergunta a ser respondida é “Qual é seu propósito?”. O aspecto animador é que, apenas ao fazer a pergunta, eles desafiam o pressuposto de que a única razão para você es-tar no negócio é fazer dinheiro – ou, na linguagem atual dos CEOs, “para maximizar o valor dos acionistas”.

Depois que o Furacão Katrina devastou New Orleans, levou três se-manas para que a Whole Foods encontrasse todos os seus funcionários. Quando encontraram, Mackey e o conselho decidiram pagar um ano inteiro de salário aos funcionários da cidade, independentemente do fato de as lojas serem ou não reabertas.

Esse tipo de preocupação pelos funcionários vai inteiramente de en-contro à abordagem “mestre do universo”, que enxerga a tarefa do CEO começando e terminando com o retorno trimestral. O problema da abor-dagem de “maximizar” é que ela ignora o fato de que toda corporação não tem apenas acionistas, mas stakeholders, que incluem clientes, fun-cionários, a comunidade e a sociedade na qual opera. A ideia de que

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gerir um negócio se resume à maximização do valor do acionista leva ao pensamento de curto prazo, que engana o futuro e, muitas vezes, gera er-ros colossais. É animador pensar que líderes empresariais como Warren Buffett agora argumentam contra a ideia de fornecer relatórios trimes-trais sobre os ganhos. É muito melhor, afirmam eles, expandir o olhar do líder além do teleimpressor de cotações da bolsa para os próximos cinco, dez ou mesmo vinte anos. Como seu negócio sobreviverá em um mundo no qual os combustíveis fósseis não serão mais abundantes? Como você se adaptará à crescente prosperidade na África? Você não faz esse tipo de ajustes de longo prazo sem distribuir seus recursos de forma diferente, modificando seus esforços atuais de exploração do momento atual para a exploração do futuro.

O movimento do capitalismo consciente tem muito em comum com o modelo de líder servidor defendido por meu falecido colega Peter Drucker e pelo guru empresarial Ken Blanchard. A ideia aqui é que o gestor deve enxergar as pessoas que lidera não como meios para se chegar a um fim, mas também como um fim em si mesmo. Ao interagir com os funcionários de igual para igual, os líderes mobilizam o sistema HOME, em que o vínculo entre os seres humanos, em vez de medo e coerção, são a força motriz por trás da colaboração efetiva e da produ-tividade máxima.

A ética empresarial é outra seara na qual a oxitocina é certamente o melhor guia possível, tendo o ciclo virtuoso como sua própria recompen-sa. Quando a eBay era apenas uma start-up e procurava novas maneiras de se expandir, a empresa pegou um gigantesco empréstimo do Bank of America. Em seis meses, a CEO Meg Whitman se deu conta de que essa nova parceria não era viável. Assim, fechou as portas e imediatamente devolveu o dinheiro, embora essa atitude significasse que a eBay não da-ria lucro por um ano. Em princípio, o Bank of America ficou chocado, mas já cancelara a dívida. Nos anos subsequentes, o Bank of America deu tanto trabalho à eBay que a empresa obteve muito mais lucros do que o montante que voluntariamente devolveu.

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Mas Meg Whitman conta outra história ainda mais em sintonia com nosso tema. À medida que a eBay crescia, tornava-se cada vez mais pro-blemático traduzir os padrões éticos e de bom gosto ao se expandir para outros países. A empresa teve de estabelecer um limite do que era ou não aceitável vender pelo site. O critério escolhido foi: “Você ficaria confor-tável em dizer à sua mãe o que está fazendo?” O critério foi muito eficaz em todas as culturas.

4. tODOS Se BeNefICIAM

A suposição mais fundamental de uma economia de consumo é que ha-verá sempre uma abundância de consumidores – pessoas com dinheiro no bolso e confiança suficiente no futuro para gastar em todos os tipos de mercadorias. Assim como os pinguins, os consumidores estão predispos-tos a participar de interações sociais, incluindo a troca de mercadorias. O termo livre comércio é equivocado se quiser dizer livre de regras, porque todo comércio depende delas. Mas comércio justo é essencial para tran-sações espontâneas. Se os mercados produzem uma sensação de que você não está recebendo um tratamento justo, eles desaparecerão. O comércio é humano. Nós somos o comércio.

O dinheiro definitivamente não compra a felicidade, mas o ganhador do Prêmio Nobel Daniel Kahneman relata que a satisfação em relação à vida continua a aumentar com renda de até, e provavelmente mais que, $160 mil por ano. Mas você não tem de ganhar um salário de seis dígitos para se sentir melhor. Se todo o resto for igual, a vida é um pouco mais fácil com $50 mil por ano do que com $15 mil.

E apesar do fato de que a sociedade americana contém enormes dis-crepâncias em termos de salários e padrão de vida, o poder do nosso motor econômico gerou prosperidade o suficiente para mitigar muitas formas de desigualdades que podem prejudicar o ciclo virtuoso. Liber-dade econômica (a habilidade de buscar os objetivos econômicos sem

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regulamentações excessivas do governo) é em si fortemente associada à felicidade. O sociólogo Jan Ott relatou que, apesar das dificuldades e frustrações econômicas em muitos ciclos, a felicidade nos Estados Unidos vem aumentando. Não só isso, mas a desigualdade em relação à feli-cidade vem diminuindo – o que significa que a lacuna em relação à felicidade entre os mais ricos e os mais pobres está cada vez menor, o que tem relação com ganhos não econômicos conquistados por vários grupos. O comentarista social Will Wilkinson escreveu: “Se quisermos menos materialistas, devemos tornar as coisas materiais mais disponí-veis para as pessoas, a tal ponto que elas vão parar de se preocupar tanto com o material e passar a se preocupar com aspectos como a felicidade e o sentido da vida.”

Por isso, a economia de mercado é muito parecida com o grupo de pinguins antes descrito. Só funciona se houver calor suficiente fornecido pelo grupo e se esse calor for distribuído igualmente para que ninguém congele sozinho.

A prosperidade pode ser impedida tanto por excesso de controle de cima para baixo como pela ausência de empatia que leva à condição “o vencedor leva tudo”, que, por sua vez, desgasta a confiança e comporta-mentos pró-sociais decorrentes dela. Quando as pessoas se preocupam com a sobrevivência, não só inibem a liberação de oxitocina como pre-judicam sua confiança de consumidor, que sempre foi o primeiro passo para as crises econômicas.

Para prosperar no longo prazo, qualquer mercado – negócio ou so-ciedade – exige regras de troca justas, claras e exequíveis, que sustentem o ciclo virtuoso da confiança, a liberação da oxitocina e a reciprocidade. Isso não só torna os mercados morais eficientes – melhores na produção de prosperidade sustentável, do tipo que não se queima por assentos de privadas de ouro para poucos –, como também leva à crescente expansão do bolo econômico.

Mas mesmo as correções mais apropriadas e minimamente invasivas no alto escalão não serão suficientes para manter o tipo de confiança

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social que pode continuar a impulsionar a prosperidade sustentável. Pre-cisamos também de uma abordagem de baixo para cima que, por meio da liberação de oxitocina, entre no ciclo virtuoso e remova os obstáculos à confiança que corrompem e obstruem o ciclo.

Assim como vimos as populações indígenas mudarem de uma eco-nomia de subsistência para uma economia baseada no comércio mútuo, a cultura também influencia. Agora é hora de olhar para a forma como cada um de nós pode trabalhar de baixo para cima a fim de moldar nossa própria cultura, de modo que reflita melhor a sabedoria da Molécula da Moralidade.

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C A P Í t u L o 8

Vida longa e feliz

Mímica que gera uma democracia de baixo para cima

B ogotá, uma cidade linda que hoje em dia atrai multidões de turis-tas. Porém, na década de 1980 e no início de 1990, seria preciso estar louco para ir até lá. A capital da Colômbia ficou tomada pelo

mesmo tipo de guerra contra as drogas que agora vemos ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México, com batalhas campais nas ruas entre cartéis de drogas e entre os cartéis e a polícia. Há muitas razões para a polícia ter finalmente ganhado, e a violência ter diminuído, mas grande parte do crédito por trazer a vida de volta a Bogotá se deve a Antanas Mockus, o professor de filosofia que se tornou prefeito. Quando quis restaurar a civilidade, adotou uma abordagem de baixo para cima para a repressão.

Como parte de seu esforço para conter o mau comportamento, Mo-ckus fez algo que, a princípio, parece ridículo: pôs mímicos nas esquinas das ruas. Mas acontece que as pessoas temem mais o ridículo público do que uma intimação da polícia, então a loucura tinha método. Quando esses artistas zombavam de motoristas imprudentes e de pedestres desatentos,

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Mockus fez, na verdade, os transgressores mudarem de comportamento. Para quebrar o medo e a desconfiança e começar a reconstruir o danifica-do tecido social de Bogotá, Mockus também transformou imensas áreas da cidade num bloco, restringindo o tráfego de automóveis nas noites de sexta-feira e aos domingos. Lançou uma “Noite para as Mulheres”, exortando os homens a ficar em casa e tomar conta das crianças enquanto 700 mil esposas e mães saíam para comemorar, com policiais femininas a postos para manter a ordem. Respondendo a questões mais mundanas, ele tomou uma chuveirada na televisão para mostrar como economizar água, e o uso diminuiu 40%. Por intermédio de gestos semelhantes, con-tando com humor e criatividade em vez de “tu o farás” ou “não o farás”, fomentou empatia e construiu capital social – e moral. Conseguiu ain-da que os cidadãos pagassem 10% adicionais em impostos voluntários. Também os dias de desarmamento voluntário ajudaram a baixar a taxa de homicídios a um quarto do nível anterior.

As tolas travessuras de Mockus como prefeito personificavam a sabe-doria de Confúcio, segundo a qual “O grande homem é aquele que não perde seu coração de criança”. A maior lição é que a conexão empática humana pode ter sucesso onde as regras de cima para baixo e o medo da punição falham.

No capítulo anterior, vimos maneiras pelas quais um toque humano dentro do mercado pode elevar a oxitocina e abastecer o ciclo virtuoso. Vamos procurar aqui maneiras de alcançar o mesmo objetivo de modo mais amplo, pela sociedade como um todo. De novo, a chave é o en-volvimento humano que faz a oxitocina subir, que aumenta a empatia e intensifica ainda mais o envolvimento humano.

Pensei em Mockus e em Bogotá na última vez em que estive em Nova York e vi o progresso transformar aquelas “ruas horrorosas” em lugares nos quais seres humanos podem querer passar algum tempo, e talvez até contribuir para a boa atmosfera do ambiente. Longos trechos da Broadway foram transformados em calçadões com mesas de café e cadeiras, dando as boas-vindas às pessoas e convidando-as a se sentar, desfrutar a atmosfera festiva e conviver. Toda a cidade foi arrumada, e

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a taxa de criminalidade está bem baixa. Bryant Park e Madison Squa-re Park, que antes só serviam para vender e se atirar às drogas, agora têm jantar ao ar livre, luzes nas árvores e estão abarrotadas de pessoas circulando noite adentro. O Meatpacking District, que já foi sombrio, está lotado de turistas e tem um parque inovador que foi inaugurado para festejar as críticas enlouquecidas sobre os trilhos abandonados, que agora corriam ao longo do lado oeste.

Também pensei no “coração de criança” de Mockus quando vi a foto de capa de três policiais durões com coletes à prova de balas, sentados no chão de uma creche no Rio de Janeiro, embalando bebês de colo. Essa cena incongruente ocorreu numa das favelas mais pobres e tensas do Brasil, conhecida como Cidade de Deus, um bairro tão violento que, uma vez, a polícia se retirou, deixando as pessoas à mercê de uma gangue de adolescentes, atirando uns nos outros com rojões de fogos. O abandono só aumentou a desconfiança e o ressentimento dos mora-dores em relação à polícia, mas também era incrível a brutalidade das autoridades sempre que intervinham. Então, chegou o policiamento comunitário com policiais que não só visitavam creches, engatinhando com os bebês, mas também jogavam futebol com as crianças mais velhas e lhes ensinavam a tocar violão e piano. No começo, essas “unidades de polícia pacificadora” tinham de ser recrutadas diretamente pela acade-mia, para garantir que os policiais não tivessem sido ainda corrompidos pelo dinheiro do tráfico. Mas logo que a ordem básica foi restaurada, os traficantes perderam o controle. Caminhões de terraplenagem con-seguiram entrar e dragaram o rio estreito e cheio de esgoto. A coleta de lixo foi instituída três vezes por semana. A evasão escolar caiu muito, e a presença na escola aumentou 90%.

O policiamento comunitário remonta à década de 1970, em esforços de cidades como Dallas e San Diego, para promover a cooperação e a confiança entre cidadãos e polícia. Isso significava mais patrulhas a pé e de bicicleta, mais policiais minoritários em bairros de minoria. Quando o conceito chegou a Nova York, também incluiu tolerância zero a infrações contra a qualidade de vida. A polícia se tornou mais proativa em fazer

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cumprir as leis contra música alta, catracas, lixo e embriaguez em público – a ideia era a de que a eliminação das infrações menores ajudaria a criar um senso de comunidade na qual grandes crimes seriam menos prováveis de ocorrer. Assim, as autoridades estavam se dirigindo a ambos os lados da equação hormonal – colaboração e sanções – que vimos discutindo o tempo todo.

Mais perto de casa, fui convocado para ajudar a maior força policial do mundo, o County Sheriff’s Department, de Los Angeles, com uma inovação que chamavam de policiamento com base em confiança. O Xerife Lee Baca e o Tenente Mike Parker queriam montar um sistema de liderança compartilhada em que era dado poder a agentes de linha para tomar decisões que não fossem comuns, estrutura paramilitar de comando e controle. Isso aumentava o grau de responsabilidade dos agentes por suas ações, mas o sindicato apoiava isso, pois as infrações não mais resultariam em licenças sem vencimentos; a punição seria a participação (paga) em aulas específicas numa faculdade para melhorar o desempenho no trabalho. A moralidade aumentou, as infrações di-minuíram e o xerife convocou membros da comunidade para um pro-grama de escuta e transparência, que agora está sendo copiado pelas polícias do mundo.

Sabemos que contar com contato pessoal positivo em vez de intimi-dação (policias emocionalmente distantes, com óculos de sol espelhados patrulhando em viaturas) funciona no nível da comunidade. Mas perma-nece a questão: Como podemos adaptar o conceito subjacente do deslo-camento em direção a um pouco mais de oxitocina e um pouco menos de testosterona para melhorar o funcionamento de sociedades inteiras?

Durante as eleições primárias de 2008, quisemos testar as perspectivas de intensificação do toque humano; assim minha equipe infundiu 130 voluntários com placebo ou oxitocina e depois testou suas atitudes em relação à confiança. Dado os resultados de nossas experiências anterio-res, não foi surpreendente que as pessoas com oxitocina expressassem mais fé em outras. Mas a subida da oxitocina não aumentou apenas a

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confiança no pessoal do laboratório; aumentou também nas pessoas em geral. Essa mudança de perspectiva hormonalmente induzida levou, por sua vez, à maior confiança nas instituições cívicas, incluindo o próprio governo. Não que a oxitocina criasse mais fé em qualquer política especí-fica ou ideias políticas. Mas os que receberam oxitocina mostraram mais confiança em outras pessoas que confiavam no governo. E essa é a base para a democracia.

Resolvemos, então, dar um passo adiante. Queríamos ver o efeito que poderia ter, se tivesse algum, a oxitocina nas preferências políticas das pessoas. Para tanto, pedimos aos participantes que se descrevessem po-liticamente, fosse como independente ou como membro de um dos dois principais partidos. Administramos-lhes oxitocina e apresentamos-lhes uma lista de perguntas e proposições como “classifique seus sentimen-tos em relação a Hillary Clinton” ou “classifique seus sentimentos sobre Rudy Giuliani”. Não houve surpresas: os democratas com oxitocina re-lataram 30% mais simpatia em relação a Hillary Clinton e 29% em re-lação ao Congresso. Mas os democratas com oxitocina também tinham sentimentos mais positivos sobre candidatos republicanos. Democratas sob efeito da oxitocina mostravam 28% mais simpatia por Rudy Giuliani e 30% mais em relação a John McCain que os democratas sob placebo. Os independentes com oxitocina mostraram mais simpatia tanto pelo partido Democrata quanto pelo Republicano, mas por nenhum candi-dato em particular. Para os republicanos, entretanto – aqueles que se identificavam com o partido para quem a desconfiança é uma posição ideológica crucial –, a Molécula da Moralidade não tinha qualquer efeito. A oxitocina não aumentava a confiança nos candidatos republicanos, nos democratas, no Congresso ou nos grupos minoritários.

Então, o que isso nos diz? Bem, isso sugere que a oxitocina serve para despertar a empatia e a conexão no nível individual, que pode se espalhar até a escala social, mas que enfrenta os mesmos obstáculos tanto como força social quanto como força interpessoal. Um dos fatores que podem provocar um curto-circuito na oxitocina é uma abstração profundamente

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enraizada, seja essa ideia fixa um “egoísmo racional”, “essas pessoas não prestam” ou “o governo é o inimigo”.

Observadores sociais, desde Jane Jacobs (Morte e vida de grandes cida-des. Martins Fontes), no início do anos 1960, a Robert Putnam (Bowling Alone), em nossa própria era, têm defendido a construção de capital hu-mano por meio da criação de comunidades interligadas que operem em uma escala humana. Jacobs elogiou as virtudes da Greenwich Village de Nova York, onde em vez de ter complexos de escritórios aqui, subdivisões lá e shopping centers a algumas saídas da estrada, as pessoas poderiam trabalhar, brincar, adorar fazer compras – talvez até ir à escola funda-mental – tudo dentro de alguns quarteirões. Essa confusa concentração de atividades permite que as pessoas se conheçam – e a si mesmas – não somente como trabalhadores, vizinhos e pais, mas tudo isso junto, como seres humanos verdadeiros, com todos os aspectos da vida se unindo num todo integrado.

Nas eleições de 2010, no Reino Unido, David Cameron fez campa-nha sobre a ideia de tentar criar mais daquele sentimento de “vilarejo” por toda a Grã-Bretanha – com transparência, responsabilidade e con-trole de vilarejo – como um meio de revitalizar o país. Eleito primeiro-ministro, ele estimulou não apenas a descentralização, o controle local e as escolas cooperativadas – tudo iniciativas familiares –, mas também a ideia de que indivíduos precisam sair e conviver com outros e fazer as coisas acontecerem, não apenas em termos de autossuficiência financeira e empreendedorismo, mas em todos os aspectos da cidadania, incluindo a caridade. Ele remonta aos antigos gregos, que tinham uma palavra para aqueles que não tomavam parte ativa na vida pública – idiotes. Adivinhe que palavra deriva dela?

Até agora, o esforço não foi bem recebido pelos britânicos, e a fal-ta de confiança nascida do sistema de classe, imigração rápida e estres-se econômico – junto com a falta de um toque humano tipo Mockus para superar essas barreiras – pode ter algo a ver com isso. Ainda assim, a teoria por trás do esforço baseia-se em ciência sólida. Como temos

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visto repetidamente, demonstrar confiança (e pedir às pessoas que te-nham mais responsabilidade pessoal é um sinal de confiança) constrói confiança, bem como empatia, generosidade e todas as outras formas de comportamento pró-social que chamamos de moralidade. Uma pesquisa igualmente importante demonstra que, na economia de informação pós-industrial e globalizada, a prosperidade se baseia na habilidade de nave-gar vastamente por diversos ambientes sociais. Para desenvolver essas ha-bilidades, as pessoas precisam expor-se às redes sociais nas quais, mesmo ainda pequenas, são convocadas a ficar cientes do que cria seu bem-estar, assumir a responsabilidade e contribuir diretamente para ele.

O programa de Cameron terá sucesso a tempo? É cedo demais para dizer. Poderia algo semelhante funcionar nos Estados Unidos? Bem, os Estados Unidos são, certamente, um país muito maior, com enormes diferenças ideológicas e regionais, o que aumenta o grau de dificuldade. Mas eis o que sabemos: a prosperidade de uma nação está relacionada com a exposição e engajamento com os outros. Os primeiros trabalhos que fiz sobre economia, que me conduziram à oxitocina, identificaram obstáculos à criação de sociedades muito confiáveis. Portanto, confiança e prosperidade diminuem, a qualquer momento, as grandes discrepâncias de renda que criam barreiras entre as pessoas. O mesmo ocorre com as diferenças étnicas, religiosas ou linguísticas, quando se permite que per-maneçam como impedimento. A pobreza também é uma limitação de confiança, e o estresse do consumo de subsistência inibe as ações da oxi-tocina. Num estudo recente com 68 mil pessoas em 33 países, sociedades que se sentiam ameaçadas também se tornaram menos tolerantes. Assim, mesmo em nível social, quando precisamos juntar forças, o estresse inibe a liberação da oxitocina e atrapalha.

Esses efeitos sociais se encaixam nos obstáculos à oxitocina em indivíduos, os quais já discutimos: genes, trauma, dependência excessiva de raciocí-nio que chega à exclusão das emoções positivas e talvez o maior de todos os culpados – a testosterona e seu repertório comportamental de raiva, hostilidade e punição.

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A neurociência nos dá os ingredientes necessários para a criação de uma sociedade mais rica em oxitocina, confiante e próspera, mas as po-líticas que adotamos para chegar lá precisam ser desenvolvidas dentro do processo político. Portanto, minha intenção aqui é oferecer alguns pen-samentos sobre para onde devemos nos dirigir, não ditar como devemos remar.

Minha pesquisa revelou quatro auxiliares importantes para essa navegação.

1. COMUNICAÇÃO INteNSIfICADA

A fim de desenvolver e, em seguida, exibir a confiança e a empatia que manterão o ciclo virtuoso girando em direção à confiança e à prosperida-de, precisamos interagir muito, não apenas com pessoas que se pareçam conosco e pensem como nós. Minha pesquisa mostrou que um caminho para atingir isso é a liberdade de associação e uma mídia livre.

Em relação a isso, aqueles que desejarem promover o engajamento cí-vico no Reino Unido têm a vantagem de as pessoas que dirigem o gover-no, as grandes corporações e as grandes ONGs, bem como a maioria das pessoas que comentam essas atividades na mídia, não poderem deixar de se encontrar no “vilarejo” expandido (embora um vilarejo muito grande) que é Londres. Isso quer dizer que é mais provável que os adversários se conheçam do que se vejam frente a frente com maior frequência, talvez até se encontrando com suas famílias numa tarde de domingo.

Este tipo de interação informal, cara a cara, que tende a humanizar as pessoas é mais difícil de se obter numa nação com três milhões de pessoas espalhadas por um vasto continente e com muitos centros culturais, polí-ticos e econômicos diferentes. Desde a fundação da nação, os americanos tentaram costurar esse imenso país com a última tecnologia à mão: canais e embarcações fluviais, serviço postal feito com cavalos, telégrafo, ferro-via transcontinental, telefone, viagens aéreas, rádio, televisão, o Sistema

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Interestadual Rodoviário. Agora, a costura é virtual e cada vez mais glo-bal. Quando eu estava na região montanhosa de Papua, Nova Guiné, sem energia elétrica, sem abastecimento ou saneamento, ainda tinha um sólido serviço de telefonia móvel prestado pela Digicel, uma companhia jamaicana. O chefe da tribo também tinha um celular.

Quando surgiu a computação em rede, a radiodifusão como forma de aderência cultural foi suplantada pela multidifusão, o que significava que a comunicação não era mais dominada por uma fonte que transmitia para todos, mas que as mensagens podiam ser conseguidas por qualquer um e para todos.

Seguiu-se uma explosão de mídia social e, como vimos, até o “lanche social” no Twitter ou a verificação da página do Facebook de um ente querido podem criar o tipo de aumento de oxitocina que faz a confiança crescer.

A nova mídia é uma força potente incrível que tem o potencial de pro-mover a compreensão de toda a nossa sociedade e em todas as sociedades. Contudo, precisa ser muito bem manejada, e, como com todas as coisas, o critério para o sucesso é até onde o que acontece amplia de fato, ao invés de restringir, o ciclo virtuoso. Será impulsionado pela oxitocina ou pela testosterona? Será que a comunicação promove a conexão humana ou o anonimato e a abstração a ponto de quebrar a empatia?

Fornecer os meios para que um bilhão de vozes sejam ouvidas – ao menos em teoria – como parte de uma conversa eletrônica global 24 ho-ras por dia, 7 dias por semana, parece uma ótima ideia, mas não leva à Terra Prometida do ambiente de alta oxitocina e alta confiança.

Há um aspecto problemático nisso, cuja primeira parte pode ser cha-mada de Problema da Torre de Babel, em que notícias e diversão são fraturadas em centenas, milhares de segmentos afundando o mundo em informações não filtradas e inconfiáveis. Depois, há o Silo de Autoabsor-ção de Problemas, que permite aos indivíduos adaptar tudo o que ouvem e veem, de modo que sua experiência on-line, a exemplo do que ocorre com o rádio e a televisão, exclua qualquer coisa que de fato expanda sua

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perspectiva ou desafie seus preconceitos e preferências. Se você seguir o comentário de Keith Olbermann ou de Bill O´Reilly só porque gosta do que ouve, estará reforçando o que acredita, mas não conseguirá entender a história toda. Você pode interagir com centenas de pessoas do mundo todo, a cada dia, com um grupo de bate-papo jihadista,* cristão ou sobre o assassinato de Kennedy, sem jamais encontrar um pensamento que o conecte com qualquer um fora desses grupos.

Durante a Grande Depressão, tínhamos apenas os jornais cinema-tográficos e o rádio, mas talvez tenha havido um sentido mais forte na partilha da realidade em comum nos Estados Unidos, quando todos – famílias de lavradores no Alabama, imigrantes recentes no Bronx, mag-natas do cinema em Malibu – se sentavam para ouvir o presidente em sua “conversa no pé da lareira”. De modo semelhante, lembro de ter sido atingido pela aderência social que vi no Brasil, onde passei vários meses viajando durante a pós-graduação. Das menores cidades da Amazônia à capital financeira, São Paulo, todos viam o mesmo jogo de futebol, as notícias e a novela – e conversavam sobre isso no dia seguinte, o que pro-porcionava uma experiência partilhada num país maior que os Estados Unidos continental.

Hoje, a mídia personalizada permite que indivíduos criem, em grande escala, sua própria realidade, a qual não necessariamente envolve uma realidade maior que inclua seus concidadãos. Não envolve sequer a mes-ma família, com seus membros plugados em mídias diferentes e em cô-modos diferentes. E, claro, a cada dia, vemos o símbolo de nossa época: três adolescentes saindo juntos, cada qual trocando torpedos com alguém que não está presente.

Em 2010, a Fundação Kaiser Family relatou que os americanos entre 8 e 18 anos gastam, em média, sete horas e meia por dia fazendo uso de algum tipo de aparelho eletrônico. No mesmo ano, o Pew Research Center descobriu que metade dos adolescentes americanos enviava 50 ou

* Nota da Tradutora: Adeptos do Jihad, luta armada contra os infiéis e inimigos do Islã.

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mais mensagens por dia, e que um terço mandava mais de 100. Mais da metade relatou que enviava torpedos aos amigos uma vez por dia, mas só um terço disse que conversava com os amigos pessoalmente todos os dias.

A adolescência sempre foi um período de intensa atividade social, mas, em termos de desenvolvimento, também é um período em que a formação do cérebro humano ainda está em progresso. Já discutimos como o sistema HOME está “sintonizado” por interações iniciais e como as amizades ajudam as crianças a construir a confiança em pessoas que não sejam da família, lançando as bases para relacionamentos adultos saudáveis.

Facebook, Google +, blogar, tuitar e MSN tornam possível a crianças menos dadas conviver e desenvolver certas habilidades sociais, o que é maravilhoso. Muitos experts argumentam que os smartphones e os lap-tops permitem aos pais passar mais tempo em casa, o que pode resultar em mais qualidade no tempo que pai e filhos passam juntos.

Por outro lado, a comunicação eletrônica é o que os psicólogos cha-mam de interação de filamento único, que significa que ela não tem o matiz do toma lá dá cá, que advém de estímulos sociais, como expressões faciais e linguagem corporal. Alguns neurocientistas temem que jovens “nativos digitais” já tenham mais dificuldade para ler essas dicas sociais. (Até na era da televisão, lembro-me de professores dizendo que, a partir daquele momento, precisavam se dirigir a cada criança individualmente, “Jenny, pegue o livro de ortografia. Johnny, pegue o livro de ortografia”, se quisessem obter a atenção das crianças. Dirigindo-se à classe como um todo, veriam olhares vazios, como se o professor na frente da classe fosse apenas um ruído de fundo, como se fosse um espetáculo a que os pais estivessem assistindo enquanto as crianças estivessem na sala de aula.)

Ainda não foi provado, mas também há a preocupação de que a falta ime-diata de feedback, assim como o anonimato, pode, em alguns casos, diminuir a empatia, o que pode explicar o tipo de cyberbullying, que já se tornou um problema sério na cultura adolescente on-line. Em minha própria casa, a

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regra de não eletrônicos aplica-se até mesmo se estivermos passeando de carro. Fazer minha família conversar mais entre si funciona para nós.

Simplificando, enquanto a tecnologia cria novas oportunidades para a conexão, às vezes proporciona novas oportunidades para a negligência.

Em seu livro Alone Together, Sherry Turkle, diretora do Massachu-setts Institute of Technology Initiative on Technology and Self, explora o efeito sobre as crianças da devoção dos pais por aparelhos eletrônicos portáteis. Ela entrevistou centenas de crianças, muito coerentes ao des-crever seus sentimentos de mágoa quando os pais davam mais atenção aos aparelhos eletrônicos que a elas. Citaram, ainda, os três mesmos mo-mentos em que os aparelhos eram especialmente intrusivos e dolorosos: às refeições, quando os apanhavam na escola ou numa atividade extracur-ricular e durante eventos esportivos. Turtle chega a descrever o apelo dos pais: “Ah, só mais um, rapidinho, querido”, como se fosse um alcoólatra pedindo mais um drinque.

Será que a constante exposição a esse tipo de distração dos pais afe-tará o desenvolvimento dos receptores de oxitocina nas crianças de hoje? O tempo dirá. Mas, de novo, precisamos lembrar que a qualidade do tempo de qualidade pode ser medida melhor pela quantidade de oxito-cina liberada. Uma criança – ou um adulto – sabe quando você está com ela e quando está fisicamente presente, mas distraído. Resultado: os no-vos meios de comunicação podem nos reunir em novas e enriquecedoras conversas ou podem nos atirar em nossos próprios mundos particulares, murmurando para nós mesmos, como os loucos das esquinas, vociferan-do como verdadeiros crentes no rádio. Precisamos ter certeza de que es-tamos perseguindo, de fato, a conexão autêntica.

2. eXPOSIÇÃO POSItIVA À DIVerSIDADe

A exposição positiva àqueles fora de nossa família, tribo geográfica ou cultura é outro elemento necessário para conseguirmos uma sociedade mais dirigida pela oxitocina, pró-social e próspera. Isso se torna ainda

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mais urgente porque há sólidas razões evolucionárias pela quais nossa espécie desenvolveu a tendência de sermos cautelosos com aparências fí-sicas ou comportamentos de padrões diferentes dos nossos. Afinal, há milhões de anos o mundo social de um indivíduo era limitado quase só ao seu vilarejo e tribo, sendo os estranhos, com razão, considerados uma ameaça até provassem o contrário.

A psicóloga de Harvard Mahzarin Banaji mostrou como essas pre-ferências estão profundamente fixadas. Em seus estudos, bebês brancos preferem rostos brancos a rostos negros desde o momento mais tenro possível de medir. Também mostrou, entretanto, que os bebês brancos expostos a rostos negros desde cedo perdem o preconceito. Na verdade, bebês brancos expostos a rostos negros demonstrarão, se acostumados a ouvir inglês, sentir-se mais confortáveis com um falante de inglês negro do que com um falante branco, digamos, norueguês. Em outras palavras, há uma base de autoproteção para ter cautela com a diferença, mas a sus-peita é maleável e desaparece com a exposição.

Hoje, novas ondas de imigração acrescentam novos desafios a esses preconceitos antigos, fazendo populações estabelecidas no mundo inteiro se sentirem oprimidas pelos recém-chegados e pela velocidade da mu-dança cultural.

Na Europa, ser aceito como parte da nação está muito mais relacio-nado com a cultura e a etnia do que nos Estados Unidos. Na França ou na Alemanha, não há a tradição do cadinho, nem Estátua da Liberda-de ou Ellis Island no porto de Marselha ou Hamburgo para acolher as massas. No entanto, as massas estão chegando, em imensas quantidades, de ex-colônias e outras regiões em dificuldades políticas e econômicas. Os franceses lutam para lidar com sua grande população árabe, enquan-to os alemães lutam para assimilar os turcos que vieram como “traba-lhadores convidados” e ficaram. Enquanto isso, poderosos movimentos anti-imigração ganharam força em todos os lugares, até mesmo na liberal Escandinávia.

Minha pesquisa evidencia que, no curto prazo, a imigração reduz a confiança, mas esse aspecto negativo é mitigado à medida que os recém-

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chegados são assimilados. O problema é que, quando os imigrantes rece-bem tamanha hostilidade, ficam à parte, como aconteceu na Alemanha, onde a terceira geração de “alemães” turcos são mais “turcamente” duros que seus pais. As posições endurecem, e a hostilidade alimenta a hosti-lidade, já que cada lado se sente ameaçado pelo outro. De novo, meus estudos mostram que a diversidade aumenta a variedade de ideias e ma-neiras de fazer coisas que estimulam a inovação. Além disso, a aceitação cria aceitação. Há sete anos, os Estados Unidos aprisionavam os japo-neses étnicos em campos de concentração, mesmo os cidadãos, mesmo aqueles cujos filhos estavam servindo no Exército dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial! Agora, sobretudo na Costa Oeste, ser descendente de japoneses é tão exótico quanto ser irlandês ou polonês em Chicago, e japoneses americanos provaram ser valiosos cidadãos e contribuintes para a economia.

Novamente, é o tamanho e a taxa de mudança demográfica que de-terminam, em grande parte, como as pessoas reagem às diferenças. Para atravessar essa linha divisória, precisamos da conexão “coração de crian-ça” de baixo para cima, sem ideias negativas a respeito de diferenças ra-ciais ou étnicas. E há esperança, mesmo no que parecem ser os casos mais duros, pois as atitudes são, com frequência, mais complexas do que pareciam inicialmente.

O Arizona obteve muita atenção por sua “dura” política controversa para imigrantes ilegais. Porém, quando se trata de refugiados interna-cionais, apenas três estados receberam mais imigrantes, per capita, nos últimos seis anos que o Arizona. Per capita, o Arizona recebeu quase duas vezes mais pessoas da Somália, Mianmar, Iraque, Bósnia e Sudão que a Califórnia e duas vezes mais que Nova York, New Jersey e Connecticut. É o escopo de cada tendência demográfica que conta o conto: o Arizona recebeu, em 2009, 47 mil pessoas. Supõe-se que sua população de imi-grantes ilegais esteja se aproximando de 400 mil.

Dada a dimensão dos números, não é surpreendente que os anglos no Arizona temam que o trecho do deserto onde moram esteja sendo

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reanexado pelo México, e que eles acabem se tornando os estranhos. Mas a outra questão é seguir a regra, pois os arizonianos têm uma visão di-minuída de qualquer um que vejam “saindo da linha”. Então, de novo, o impulso da oxitocina por empatia – ajudar os refugiados – é anulado pelo impulso da testosterona para punir os que burlam as regras e os regulamentos.

Para chegar ao curso correto, os arizonianos precisam seguir a lideran-ça de Antanas Mockus em direção a menos medo e mais fiestas.

Mesmo quando falamos de pessoas cujas famílias são cidadãos america-nos há gerações, talvez séculos, parece que estamos num intenso período de divisão regional, cultural e política em que um pouco de impulso de oxitocina poderia ajudar. É um problema quando americanos viajados das costas, pessoas que conhecem seu caminho na Toscana e na Pro-vença, talvez até na Tailândia, jamais puseram o pé no território que fica entre a Sierra Nevada e o Rio Hudson. Ou quando viajantes de negócios sofisticados se referem a “cidades sobre as quais se voa”, expressando um sentimento de desdém, mais que recíproco entre aqueles que se sentem menosprezados pelos que voam lá em cima. Não é novidade que o res-sentimento das “elites” tenha se tornado um assunto explosivo em certos círculos políticos. O “povinho” das cidades pequenas e do interior devol-veu o insulto com base em seus próprios sensos de injúria, lançando uma batalha retórica e desagregadora sobre quem é ou não verdadeiramente americano.

Da mesma forma, os tipos de crianças que participam de acampa-mento de velejo ou viajam para fora durante os verões, e depois vão para universidades de elite, expõe-se pouco ou nada a qualquer um que tenha passado seus verões ensacando mantimentos no A&P, servindo depois no Exército para pagar a faculdade. Muitas famílias de cidades pequenas que fornecem um grande número de militares têm pouco ou nenhuma exposição à cultura cosmopolita e aos valores das cidades grandes.

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Por essas razões, ocorre-me que um aluno do programa de intercâm-bio doméstico pode ser bom, permitindo que as criancinhas da escola preparatória, de cidades pequenas e rurais, se conheçam e experimen-tem as vidas uns dos outros. A necessidade para isso se torna ainda mais aparente quando você pensa como seria difícil ter sucesso. O filho ou a filha de um advogado de Paris com certeza teria menos problemas em se ajustar ao Upper East Side de Manhattan que uma criança de uma família de agricultores de fora de Manhattan, no Kansas. A barreira linguística não é nada, mas a barreira cultural doméstica é imensa. Um modelo para esse tipo de intercâmbio é o Seeds of Peace, acampamento de verão no Maine, que congrega adolescentes israelenses e palestinos. Em apenas algumas semanas, eles conseguem tecer laços entre esses jovens, que contribuem para uma mudança positiva e podem durar uma vida.

William Greider resumiu o jogo do estado demográfico há poucos anos, com o título de seu livro O mundo na corda bamba. Mas há uma frase ainda mais antiga que carrega o espírito da oxitocina, o espírito de que precisamos: “Estamos todos no mesmo barco.”

3. IMPArCIALIDADe PrOCeSSUAL

Desde 1789, a aderência principal que tem mantido a sociedade america-na unida tem sido a Constituição, algumas regras simples que podem ser adaptadas à evolução das circunstâncias, mas que, de modo mais impor-tante, garantem a imparcialidade processual, a integridade institucional e a transparência. É só pelo comum acordo de manter esses valores que conseguimos criar e manter o tipo de confiança que possibilitou uma nação tão heterogênea a prosperar. A Constituição incentiva a confiança provendo igualdade perante a lei, um judiciário imparcial, liberdade de imprensa e de reunião e uma luz para a regulação econômica moderada que permite que o bolo econômico global se expanda. Segundo a tradição,

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tudo isso se reúne para prover condições sine qua non para o sucesso de uma sociedade baseada em mercado – uma tradição de mobilidade ascen-dente baseada no mérito.

Mas fazer discursos nos felicitando pelo Sonho Americano não man-terá a fluidez da oxitocina, nem o ciclo virtuoso girando em benefício de todos. Nos últimos 40 anos, os Estados Unidos se tornaram duas socie-dades distintas, com base na renda. Essa é a fórmula para uma república de bananas, com um portão guardado pelas comunidades e as forças de segurança privada, mais do que uma fórmula para uma sociedade em que a confiança intensifica a prosperidade.

A diferença de renda nos Estados Unidos é exemplificada pelo dife-rencial entre a remuneração média de um CEO e a remuneração média de um trabalhador. Há 40 anos, era de 11 para 1. Agora é de 400 para 1. De acordo com o Bureau of Labor Statistics (Departamento de Es-tatísticas do Trabalho), em 2010 os salários médios dos CEOs saltaram 27%, enquanto a remuneração global aumentou apenas 2,1%. Os Es-tados Unidos agora são um lugar em que o 1% mais rico da população controla 38% dos ativos privados do país.

Sempre houve equilíbrio entre a necessidade de prover oportunidades e crescimento e a proporção de desigualdade que podemos tolerar. Minha pesquisa entre países revela que prover um apoio de renda de curto prazo (rede de segurança) aos mais pobres na sociedade aumenta a confiança e beneficia a todos. Isso também reduz o crime. Mas apoio em demasia po-deria nos levar de volta à geração acorrentada após a geração dependente da previdência social. A abordagem empática é “eu acredito”, não só para ajudar aqueles afetados aguda e adversamente pela economia, mas tam-bém para lhes dar um meio de sair da miséria, o que não significa apenas um emprego que lhes pague um salário-mínimo para pôr batatas fritas num saco. O trabalho pode requerer treinamento em higiene adequada, bem como em noções de como ser pontuais ou aparecer na segunda-feira, embora tenham sido pagos na sexta. Para alguns, pode significar aconse-lhamento psicológico ou medicamentos apropriados.

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Isso não sai barato, e há, provavelmente, tantas ideias diferentes para se atingir o equilíbrio correto quanto sábios economistas e políticos, mas uma abordagem para manter a confiança viva, ao manter a oportunidade viva, destaca-se como inatacável: o foco na quarta coordenada de nosso mapa – a realização educacional.

4. eDUCAÇÃO

Minha pesquisa mostra que melhorar a qualidade da educação é uma for-ma gratuita de aumentar a prosperidade. É gratuita porque reforça tanto as outras coisas de que necessitamos para manter o ciclo virtuoso em mo-vimento que, em última análise, o aumento dos benefícios econômicos supera muito o custo do investimento. A educação traz mais pessoas para a zona de conforto da renda maior, o que intensifica a confiança, o que, por sua vez, diminui ainda mais a desigualdade, aumentando o número daqueles que terão uma boa educação.

A promessa de fazer as escolas públicas funcionarem melhor é uma das políticas americanas mais resistentes e perenes. Mas os dados mostram que o fator determinante mais significativo para as crianças atingirem seu potencial educacional é de baixo para cima – ou seja, se elas têm ou não estabilidade e amor em casa. Também é verdade que pais realmente motivados a investir nos filhos exigem melhores escolas.

Recentemente, as reformas educacionais levaram o ciclo virtuoso a sé-rio ao tentar inculcar emoções positivas, como a empatia. Os educadores estão inclusive experimentando softwares que ajudam a reduzir o estresse e facilitam a conexão interpessoal. Mas quando se trata de intensificar a empatia, há uma tradição que remonta há alguns milhares de anos e que tem tido bastante sucesso em humanizar as pessoas. Chama-se exposição de alta qualidade às humanidades – literatura, idiomas, filosofia, história, música e arte – tudo (agora escarnecido como “inútil”) que já foi a moeda comum de qualquer pessoa educada. Ao mesmo tempo que o estudo

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das humanidades é sempre atacado por não ser prático, precisamos nos lembrar de que o sistema de oxitocina é afinado e aprimorado a cada vez que entramos na cabeça de outra pessoa, lendo um bom romance ou ouvindo uma sonata, ou quando desenvolvemos a compreensão de outra cultura ou outra época histórica. Assim, enquanto precisamos prover as pessoas de habilidades técnicas que as ajudem a encontrar um emprego, não podemos nos dar ao luxo de negligenciar as habilidades ainda mais básicas – ler, escrever, pensar, sentir –, que lhes permitirão realizar-se completamente como seres humanos que se preocupam com o mundo no qual vivem e com as pessoas com as quais o compartilham.

Em 2011, surgiu um relatório que argumentava que manter a oportu-nidade e, por conseguinte, a confiança vivas neste país não é apenas uma ideia virtuosa para pessoas bem-intencionadas – tornou-se uma necessi-dade estratégica. Essa análise não partiu de algum coração mole, ou de um grupo de pensadores acadêmicos; veio de um coronel dos Fuzileiros Navais e de um capitão da Marinha, ambos funcionários da assessoria do Almirante Mike Mullen, presidente dos Joint Chiefs of Staff.* Os Estados Unidos, disseram, não podem mais manter o mundo motivado, sobretudo por meio da força militar, e a única maneira de manter nossa posição dominante no mundo, continuaram, é por intermédio da força do nosso sistema educacional e nossas políticas sociais. De acordo com esses estrategistas militares, nossa primeira prioridade deve ser o “capital intelectual e uma infraestrutura sustentável de educação, saúde e serviços sociais para prover o crescimento contínuo da juventude americana”. En-quanto isso, o Departamento de Defesa começou a pôr seu dinheiro onde está a análise, no financiamento de pesquisa em neurociência do capital moral e social, e estou orgulhoso que meu laboratório tenha sido um dos escolhidos para ter apoio.

* Nota da Tradutora: Corpo consultivo militar mais importante de apoio ao presidente dos Estados Unidos.

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o lugar mais feliz na terra

Um país em especial está muito à frente de nós, implementando o tipo de visão estratégica recomendada aos Joint Chiefs of Staff, e não é a China ou a Índia – os concorrentes com os quais normalmente nos preo-cupamos. É a Costa Rica. De modo geral, não pensamos nessa nação da América Central como um país que tenha algo a nos ensinar, mas quando se considera o que conseguiram, os resultados são bem impres-sionantes. Há 60 anos, eles tomaram a decisão de abolir seu exército e concentrar recursos em educação. Desde então, desfrutam de uma sociedade mais estável que a de qualquer dos vizinhos, viram sua eco-nomia florescer e a expectativa de vida avançar à altura da dos Estados Unidos.

Também é verdade que, com base nas pesquisas Gallup e num banco de dados compilado por sociólogos suecos, a Costa Rica – não a Dis-neylândia – é o “lugar mais feliz da Terra”. Comparada a outras 148 nações pesquisadas quanto à sensação de bem-estar, a Costa Rica foi a número 1. Numa escala de 10 pontos, os costa-riquenhos se classificam em média em 8,5. A Dinamarca veio em segundo, com 8,3. Os Estados Unidos foram classificados em 20o, com 7,4. A Tanzânia ficou em últi-mo, com 2,6.

Há alguns anos, quando vi as primeiras medidas de confiança pelos países, investiguei 85 variáveis que achei que podiam estar associadas à liberação da oxitocina, à testosterona e ao estresse de nível social. A cor-relação mais forte que encontrei entre todas as variáveis foi a associação entre felicidade e confiança. Essa estreita correlação se manteve indepen-dentemente do nível de renda de um país. Ricos ou pobres, viver numa sociedade de confiança torna as pessoas mais felizes.

Interessante, mas como uma grande nação, os Estados Unidos de-veriam se preocupar com felicidade? Curiosamente, os pais fundadores – dificilmente, os tolos da Nova Era – listaram a “busca pela felicidade” na Declaração de Independência, junto com “vida” e “liberdade”, como

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um dos direitos mais inalienáveis do homem. E há mais em relação à felicidade do que podemos ver.

Oradores de formatura fazem, às vezes, distinção entre felicidade e sa-tisfação, sugerindo que o primeiro é apenas um estado de espírito otimis-ta, ou a realização temporária de um desejo, enquanto a outra se refere a prazeres de longo prazo, mais profundas e significativas. Você está “feliz” quando acha um lugar para estacionar. Você sente “satisfação” quando trabalhou muito, economizou e possibilitou a seus filhos uma vida adulta bem-sucedida.

Como de hábito, os gregos tinham uma palavra que provavelmente descreve melhor o que procuramos. A palavra é eudaimonia, que significa “florescer”, e deixa claro que as coisas boas que procuramos – que, com frequência, atende pelo nome de felicidade – não são apenas transitórias ou a satisfação superficial de um desejo, mas um estado geral de bem-estar, uma condição que afeta toda a nossa fisiologia, incluindo melhorias no sistema imunológico, que podem levar a uma vida mais longa, mais saudável e à total prosperidade. A eudaimonia é “boa vida”, como definido não por Donald Trump, mas pelos filósofos que estabeleceram os pilares da cultura ocidental.

No Gordon Gekko de 1980, havia um adesivo popular que dizia que “quem morre com mais brinquedos ganha”. Duvido que alguém acredite nisso, mas, infelizmente, muitas pessoas ainda vivem como se acreditas-sem, apesar do fato de, como nos dizem os dados da pesquisa, as atividades diárias mais associadas à felicidade serem bastante simples. Eudaimonia não advém de possuir uma cortina de banho de $6 mil ou de beber uma garrafa de vinho de $400. O que as pessoas classificam como de maior valor é ter um bom relacionamento amoroso e muitas amizades, um tra-balho de que gostem, desfrutar a comunidade em que vivem e ter um nível de renda bom o suficiente para reduzir o estresse de estar apenas sobrevivendo.

Martin Seligman, pesquisador pioneiro da felicidade humana, diz que a eudaimonia consiste em cinco tópicos: emoções positivas, engajamento,

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relacionamentos, significado e realizações, o que remonta às formulações ainda mais simples de Freud para o que as pessoas precisam: amor e trabalho.

Outro pesquisador de vanguarda sobre o tema “felicidade”, Arthur C. Brooks, enfatiza o que chama de “sucesso conquistado”, o que, de novo, sugere uma proposição de longo prazo, mas que ainda não tem relação com ganhar dinheiro e esfregá-lo na cara de outras pessoas. O sucesso sobre o qual ele está falando pode ser a construção de uma companhia ou a qualificação como cirurgião de tórax. Mas também poderia ser plantar lindos tomates no quintal ou aprender a tocar banjo.

Aristóteles, outro sujeito nem um pouco alienado, baseou todo o seu sistema de ética na eudaimonia, dizendo que a razão para se lutar por virtude é que ser virtuoso nos torna felizes.

Em 2010, resolvi testar a ideia de Aristóteles, fazendo outra variação do Jogo da Confiança. Nesse estudo, com 60 mulheres em idade univer-sitária, as participantes eram todas jogadoras B e, sem seu conhecimento, cada qual recebeu a mesma quantia – $24 – transferida de um jogador A que estava no jogo. Configuramos assim porque, dessa vez, não quería-mos determinar a dimensão da reação em relação à proporção do estímu-lo, mas fornecer um estímulo consistente. Assim, poderíamos descobrir como as mulheres que liberam muita oxitocina diferem das que liberam pouco ou nada.

Antes de começar, fizemos todos os jogadores passarem por uma sé-rie de pesquisas e testes que indicariam como se sentiam sobre sua vida. Conseguimos relacionar os resultados do Jogo da Confiança – seu au-mento de oxitocina e a consequente generosidade em relação ao estranho que confiava nelas – com suas respostas, seus indicadores de bem-estar ou eudaimonia. Descobrimos que as que tiveram o maior aumento de oxitocina não foram só as que devolveram mais dinheiro, mas também as que haviam relatado maior satisfação com a vida, maior resistência a eventos adversos e pontos mais baixos para sintomas depressivos. As que devolveram mais dinheiro – as mais generosas, talvez até as mais

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virtuosas – deixaram o laboratório com o mínimo de moedas no bol-so, mas eram, de longe, as mais felizes. E o mais importante para es-sas adeptas da oxitocina era a conexão. Elas tinham relacionamentos de mais qualidade (o que resultava em mais sexo, com um número menor de parceiros), tinham mais amigos, mais relacionamentos familiares e eram generosas com estranhos.

Portanto, a oxitocina não só é ligada aos mecanismos cerebrais que nos tornam pró-sociais e morais, mas também aos mecanismos que nos fazem felizes, pela ativação dos elementos no circuito HOME, ou seja, a dopamina e a serotonina. Relacionamentos satisfatórios nos fazem felizes e, como psicólogos e epidemiologistas têm demonstrado ao longo dos anos, a felicidade nos torna mais saudáveis. A oxitocina reduz o estresse cardiovascular e melhora o sistema imunológico, um truque para uma pe-quena e antiga molécula que nos faz viver mais felizes e por mais tempo.

Loma Linda, Califórnia, onde moro, é a única região chamada de zona sul nos Estados Unidos – um lugar no qual as pessoas normalmen-te vivem por mais de 100 anos. Quando fizemos um estudo com esses “longevos”, fazendo-os assistir ao vídeo “A história de Ben” e coletando, depois, seu sangue, seus níveis de oxitocina foram aos céus. Essas pessoas mais velhas – e mais saudáveis – dos Estados Unidos também são algu-mas das pessoas mais amáveis que você poderia conhecer. Assim como no caso das mulheres em idade universitária, nesse grupo, aqueles que liberaram mais oxitocina depois do vídeo também foram os que relataram maior satisfação com a vida, eram muito gratos pelo que tinham, mos-travam mais preocupação empática pelos outros e apresentavam menos sintomas depressivos. Descobrimos que a maior parte deles havia passado a vida trabalhando com atividades que ajudavam outras pessoas, como ensino e prática de enfermagem. Curiosamente, mesmo nessa comuni-dade bastante religiosa de Adventistas do Sétimo Dia, quem mais liberou oxitocina foram os menos religiosos. Era como se sua conexão com os outros fosse tão intensa que satisfazia o desejo que muitas vezes os faz tentar conectar-se com Deus.

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Conclusão: sua boa saúde e alegria de viver por tanto tempo e feliz devem ser toda a confirmação de que você realmente necessita para se deixar guiar pela Molécula da Moralidade.

Enquanto escrevia este livro, perguntei a meu amigo e colega Earl Quijada se poderia acompanhá-lo em suas rondas no asilo. Eu queria ver se uma vida plena resultava numa morte melhor. O que vi nesses encontros foram histórias assustadoras. Earl atende em casa e coordena uma equipe de enfermeiros, assistentes sociais e capelães para fornecer um tratamento de fim de vida que tenta cuidar da pessoa em geral. In-felizmente, algumas pessoas se mantiveram pouco desenvolvidas nas si-tuações que lhes permitiam conectar-se e vivenciar alegria. Seus últimos dias não são bonitos.

“Hank” era um desses. Ele tinha 72 anos e estava no estágio final da doença de Parkinson. Com doutorado e mestrado, havia trabalhado por 40 anos como médico, primeiro como interno. Mas suas habilidades com pessoas eram tão escassas que sentar numa bancada de laboratório com um microscópio lhe convinha muito mais do que trabalhar com pacien-tes. Assim, tornou-se patologista. Quando o visitei, pouco antes de mor-rer, ele estendeu as mãos cerradas, como se estivesse iniciando sua volta à posição fetal; pesava cerca de 43 quilos. Nunca havido confiado nos outros, principalmente em outros médicos, de maneira que foi seu pró-prio médico até ficar acamado. A essa altura, foram trazidas auxiliares de enfermagem para ajudar, mas seus ataques físicos e emocionais as enxo-tavam. Quando o vi, estava pagando a uma vizinha e ao filho dela de 20 anos para mantê-lo limpo e trazer-lhe o que precisava para sobreviver.

O interior de sua casa explicava como chegara a um fim tão triste. Nunca casara nem tivera filhos. Não havia fotos de ninguém, em lugar algum. Nem um único sinal de uma única conexão humana. Morreu no dia seguinte ao qual o visitei.

Outro paciente que visitei, “José”, estava no estágio final de insuficiência cardíaca e me disse, com uma piscadela, que continuava surpreendendo a Earl por viver tanto. Estava acamado e enfraquecido, mas a mente se

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mantinha aguçada e com um grande senso de humor. Sua esposa havia plantado um jardim de rosas do lado de fora da janela para lhe dar alegria, embora ele não pudesse mais fazer jardinagem. Ele o mostrou com orgu-lho. Seu quarto estava cheio de fotografias dos filhos e netos. Enquanto estávamos lá, sua filha passou por lá para vê-lo, e José nos contou que seu filho o visitava todas as noites. José não era religioso, mas me disse com franqueza que estava tranquilo em relação à morte e que tinha vivido e amado bastante. Seu único arrependimento? Estava fraco demais nos últimos meses para ir ao parque ver os netos brincarem.

À procura do eu

Nos séculos XIX e XX, a economia tentou alcançar o rigor científico cortando o reconhecimento do elemento humano de motivações, expec-tativas e incertezas psicológicas. Felizmente, a economia comportamen-tal e agora a neuroeconomia nos colocaram de volta no que considero o caminho certo, que tanto combina rigor quanto perspectiva moral.

Alfred Marshall, importante arquiteto da economia realista e quanti-tativa, encorajou seus colegas a “aumentar o número daqueles [no] mun-do com cabeças frias, mas corações cálidos, dispostos a dar pelo menos algumas de suas melhores competências para lutar contra as necessidades sociais”.

Tenho muita sorte por haver encontrado um meio de estudar o ser humano em toda a sua glória.

Há um ditado que diz “toda pesquisa é uma pesquisa do eu” e pode ser que a deficiência de empatia no ambiente em que passei tantos anos estu-dando economia tenha feito eu me envolver com a oxitocina, a conexão e a moralidade. Estou, agora, definitivamente, compensando o tempo perdido.

Abraço a todos. Há alguns anos, comecei avisando a qualquer um que visitasse meu laboratório que, antes de saírem, eu lhes daria um abraço.

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Embora isso assuste algumas pessoas – especialmente aos economistas –, vi que esse anúncio ligeiramente excêntrico altera a profundidade da con-versa, tornando-a mais íntima, mais envolvente e mais valiosa para am-bos. As pessoas começam a se abrir. Suspeito que, ao prever um abraço, também estou sinalizando o quanto confio na pessoa, portanto estou in-duzindo a liberação da oxitocina em seu cérebro.

Minha propensão para abraçar a todos levou a revista Fast Company a me sagrar o “Dr. Amor”, depois que abracei seu escritor, Adam Penen-berg. Assim, deixe o Dr. Amor lhe dar uma receita: oito abraços por dia. Demonstramos que, se você der oito abraços por dia, ficará mais feliz, e o mundo será um lugar melhor porque você estará provocando a liberação de oxitocina do cérebro dos outros. Por sua vez, eles farão melhores cone-xões com os outros, tratando-os com mais generosidade, causando-lhes a liberação da oxitocina... sim, o ciclo virtuoso começa com um abraço. Outra coisa que faço quando alguém vem me ver é perguntar: o que posso fazer para que sua visita seja valiosa e gratificante? Isso faz parte de estar plenamente presente e disponível, outra lição que aprendi com a Molécula da Moralidade.

Tento seguir essa sabedoria em minha própria vida diária e acho que isso ajudou a me tornar melhor professor, líder de equipe, marido e pai. Com certeza, tornou-me uma pessoa muito mais feliz. Boa parte das mudanças que fiz são pequenas – como comprar um cachorro para meus filhos e passar muito mais tempo brincando com eles.

Não posso jurar que essa mudança tenha regulado meus receptores de oxitocina, mas sei que, como ex-jóquei, com 1,93 metro, ciclista de mentira e nerd de matemática recuperado, não há nada de que goste mais do que me jogar no sofá com minha mulher e duas filhas e pegar todas aquelas histórias chorosas sobre menininhas e coelhos falantes – algo que jamais teria imaginado quando jogava futebol ou mexia em carros duran-te minha adolescência.

A devoção religiosa do “tu o farás”, que minha mãe tentou incul-car em mim, há muito se dissipou, mas, ironicamente, algo no âmago

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permaneceu. A oxitocina – um hormônio reprodutivo – nos torna mo-rais, portanto, em última análise, poderia dizer que somos morais em razão de nossas origens como criaturas sexuais. O que nos remete àquela ideia muito cristã de que Deus é amor, ou talvez o amor seja Deus. Mas como vimos, eros – sexo – é apenas um tipo de amor, e a oxitocina abran-ge todas as bases. A oxitocina nos faz sentir amor ao próximo, conhecido como philia, o amor familiar conhecido como storge, e ágape – o amor ao divino que procuramos por intermédio da autotranscendência, que pode ser liberada durante a dança, a meditação e a magia.

A fé de minha mãe também dizia que “o reino de Deus está dentro de você”, que, em sua origem, é um tipo de ideia muito de baixo para cima. Deus é amor. Deus está dentro de você. A oxitocina é amor. A oxitocina está dentro de você. Na verdade, então, os antigos sábios esta-vam “por dentro”. A conexão humana empática, regulada pela oxitocina, é a chave para a confiança, o amor e a prosperidade. É a bondade que procuramos.

Página deixada intencionalmente em branco

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notas

Referências bibliográficas estão organizadas a seguir por capítulo

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Índice

A marcha dos pinguins (2005), 167A riqueza das nações (Smith), 21a visão do autor sobre religião, 210abraços, 47-49abstração, 97-98, 190abuso, 110-113, 114, 124Academy of St. Martin in the

Fields, 133acesso à internet, 172-173acidente vascular cerebral, 108ACTH (hormônio do estresse),

140Adams, Henry, 168Adventistas do Sétimo Dia, 208agape, 143, 210agressão, 81, 85, 90Alemanha, 197-198

Alone Together (Turkle), 195altruísmo

e empatia, 60e estresse, 107-108e o circuito HOME, 66e o Jogo da Confiança, 7-10, 45e seleção consanguínea, 160e simpatia mútua, 17-18estudos evolutivos sobre, xviii

alucinações, 136amamentação, 40-42, 60, 68ameaças, 6. Ver também O Jogo do

Ultimatoamígdala, 38, 59, 66, 104, 120,

122Amma (a santa do abraço), 48amnésia social, 59

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

222

AndroGel, 82-83, 95andropausa, 100angústia, 54-56animismo, 150ansiedade, 66, 114-120, 122-123antidepressivos, 119Aristóteles, 164, 206Arizona, 198-199arte, 57, 135, 142asilo, 208autismo, 69, 106, 114-120Autrey, Wesley (O Herói do

Metrô), 56-57, 66ayahuasca, 136

Baca, Lee, 188Barraza, Jorge, 54Bastiat, Frédéric, 161bebês. Ver crianças e bebêsBerlusconi, Silvio, 78Bernini, Gian Lorenzo, 142Blanchard, Ken, 179-181Bly, Robert, 100Bogotá, Colômbia, 185-186bonobos, 72Bosch, Hieronymus, 6Bowling Alone (Putnam), 190Boyd, Rob, 162Brooks, Arthur C., 206Buda, 152Buffett, Warren, 179bulbo olfativo, 38Burning Man Festival, 164, 167Bush, George W., 48

Cacioppo, John, 141-142Cameron, David, 190-90capital intelectual, 203capital social, 172, 173, 186, 204capitalismo, 21, 166, 168-169capitalismo consciente, 179carbetocina, 118Carter, Sue, 35, 36Casebeer, William, 124-125Castagnier, Stephanie, 113catarse, 142Ceauşescu, Nicolae, 112chimpanzés, 69, 70, 72, 80, 85ciclo de prosperidade da oxitocina,

159ciclos virtuosos

e acesso à internet, 172-173e divisões de classes, 201e economia, 159, 167, 182e educação, 202e o circuito HOME, 65e o jogo dos bens públicos, 88-89e serviço, 178e testosterona, 84e vínculos sociais, 70, 71, 75

cidadania, 190-191circuito HOME (empatia humana

mediada pela oxitocina). Ver também empatiadescrito, 63-69, 65e ansiedade social, 119e autismo, 114, 117e conexões sociais, 71, 173e dilemas morais, 65, 126e ekstasis, 145

Í n d i c e

223

e estresse, 63, 64, 106-108e felicidade, 207e meditação, 136e solidão, 108e trauma, 113

Clinton, Bill, 78, 81Clinton, Hillary, 189cocaína, 37cocognição, 74, 116Código de Hamurabi, 151Collins, Jim, 179Colômbia, 185-186comerciantes Maghribi, 174-175comércio, 160. Ver também

mercados moraisCommerce Bank, 178compaixão, 62-63, 151-152compaixão – generosidade (metta),

62comportamento altruísta, 17-18.

Ver também altruísmo; heroísmocomportamento colaborativo em

animais, 166-168benefícios de sobrevivência de,

xviiie evolução, xviii-xviiie nutrição de filhotes, 34e pegar carona na punição, 84-90e políticas da comunidade, 188e redes sociais, 69-75e simpatia mútua, 20e testosterona, 90, 93

comportamento divertido, 32, 38comportamento social. Ver também

comportamento colaborativo

do vilarejo Malke, Papua, Nova Guiné, 153-155

e animais sociais, 25, 35-38, 50, 160

e aprendizado, 68-69e colaboração, xviiie conexões sociais, 172-174e confiança, 27, 71, 173, 204e conversa, 72e desenvolvimento emocional,

111e diferenças entre grupos interno

e externo, 97-101, 146-148e envolvimento, 62e estereótipos de gênero, 90e evolução humana, 80e fisiologia do cérebro, 38e nutrição de filhotes, 68-69e o circuito HOME, 66-67,

68-69e pegando carona, 84e reprodução, 36e status, 94, 109e subtextos sociais, 95, 195e traquejo social, 46e vínculo, 49, 50

comportamentos de acasalamento, 29-35, 50. Ver também sexo e reprodução sexual

comportamentos de tratamento, 71comunicação, 192-196comunicação não verbal, 54conceito de sentir, 59condição mental, 64confiança

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

224

barômetro de, 175-177, 176e comércio, 174-177e comportamento social, 27, 71,

173, 204e conversa, 72e escaneamentos, 3-7e esportes e jogos, 73e evolução, 25e gênero, 92e integração de mercado, 163e o circuito HOME, 65, 67e pistis, 145e política da comunidade,

187-188e preferências políticas, 189e prosperidade/pobreza, 191e qualidade de fim de vida,

208-209e religião, 150-151, 152e reprodução sexual, 30e tolerância, 169-172e toque, 47e trauma, 112excesso de, 120-123impacto econômico de, xx, 23mensageiros químicos, xxo papel da oxitocina em, xiv, xix,

15-16, 25Confucionismo, 62, 132, 164Congresso, 177consciência coletiva, 75Constituição, 200-201contato visual, 95contra dancing, 138, 145corrupção, 94, 179

córtex pré-frontal, 63, 100córtex subgenual, 38, 67cortisol, 56, 77-78, 107, 108Costa Rica, 204crianças. Ver crianças e bebêscrianças e bebês

crianças órfãs, 112cuidado infantil, 68e abordagem feminina ao risco,

90e angústia, 53-54e ansiedade social, 120e imitação, 73-74e nutrição de filhotes, 34, 36-36,

68-69, 101e o circuito HOME, 68e redes sociais, 70nascimento, xii, 23taxas de mortalidade infantil,

168-169trauma e abuso, 110-113, 114,

124crianças órfãs, 112crime, 79, 123-124Cristianismo, 142-143, 152, 163Cristianismo evangélico, 146-148cultas indígenas americanas, 92cultura grega

e andreia, 100e combate, 97e ekstasis, 135, 137-138, 142e eudaimonia, 205e mercados, 164e participação cívica, 191e pistis, 145

Í n d i c e

225

e religião, 151-152mito do nascimento virginal, 144

cultura Machiguenga, 162cultura persa, 97, 144cultura romana, 151-152cultura Shona, 162-163culturas tradicionais, 86

Dalai Lama, 135, 152Dale, Sir Henry, 23Damasio, Antonio, 120dança, 137-138, 138-140Darwin, 145-146

e a Regra de Ouro, xviiie competição sexual, 144e comportamentos sociais, 19e construção de significado,

142-143e identificação do grupo interno,

146-148e mercados, 163, 167e moralidade, 5-6, 134, 141,

149-150, 172e psicopatologia, 128-129e simpatia mútua, 18sem ritual, 139-140ubiquidade de, 134

Darwin, Charles, 145-146Dawkins, Richard, 133, 153Daxer, Lisa, 116, 117Decety, Jean, 60-61, 63Declaração da Independência, 205democracia, 189Dennett, Daniel, 133

Departamento de Defesa Americano, 203-204

Dez Mandamentos, 149, 151di-hidrotestosterona (DHT), 85,

90, 110, 114diferenças entre os grupos interno e

externo, 97-101, 146-148Dionísio, 142, 152discurso político, 110, 189-190distúrbio de ansiedade social, 119Distúrbio de Déficit de Oxitocina,

105-106, 109, 114, 114, 127-129diversidade (cultural), 161, 196-199diversidade cultural, 196-200DNA, 30. Ver também genéticadoença cardíaca, 107, 108doença de Urbach-Wiethe, 1202001: uma odisseia no espaço (1968),

96-97dopamina

e di-hidrotestosterona, 85e empatia, 62e felicidade, 207e liberação de oxitocina, 38e nutrição de crianças, 58e o circuito HOME, 67e punição, 86e redes sociais, 71e ritual religioso, 145grupos interno e externo

diferenças, 98-99dor, 38, 60-61Douglas, Michael, 165Drucker, Peter, 180Dubner, Stephen, 166

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

226

eBay, 181economia. Ver também mercados

morais e teoria do capitalismo, 21-23e ciclos virtuosos, 159, 167, 182e conexões sociais, 172-174e elemento humano em

pesquisas, 209e insegurança, 110e matemática, 17e moralidade, 166e o ciclo de prosperidade da

oxitocina, 159e o interesse pessoal racional, 9e o Jogo da Confiança, 10-16elementos do sucesso econômico,

172-182Homo economicus, 22influência da confiança, xx, 23

economia comportamental, xviii, 209

ecstasy (MDMA), 122-123, 136educação, 202-204Einstein, Albert, 115ekstasis, 135, 135-137, 142-144,

145-149empatia. Ver também circuito

HOMEa natureza física de, 59descrito, 59-60e abstração, 97-98e angústia, 54-56e autismo, 114, 117e di-hidrotestosterona, 114e diversidade cultural, 199

e dopamina, 62e estresse, 63, 64, 106-108e imitação, 74e moralidade, 58e neurônios-espelho, 61-63e o circuito HOME, 64-69e psicopatologia, 128e redes sociais, 71e reformas educacionais, 202-203e testosterona, 82-84, 90, 93e trauma, 110o papel da oxitocina em, xix, 65

engajamento cívico, 38, 192-193epilepsia lobo temporal, 137epilepsia, 103, 137epinefrina, 106-107Equilíbrio de Nash, 9, 14ergotamina, 136Eros, 142, 143, 143, 210Escandinávia, 197-198escaneamento, 3-7, 157-158, 164esportes, 72-74, 93, 194esquema Ponzi, 164esquizofrenia, 137esteroides anabolizantes, 79esteroides, 79estradiol, 15estresse

crônico, 106, 107e empatia, 63, 64, 106-108e hormônios, 36, 140e o circuito HOME, 64, 106e sexo, 38e tipos de personalidade, 109efeitos da oxitocina, 42

Í n d i c e

227

em nível social, 204impacto na liberação da

oxitocina, 106, 192receptores de estresse, 58

estrogênio, 36étnico, 197eudaimonia, 205-207eugenia, 127evolução

e colaboração social, xviii-xixe comportamentos de punição,

86e diversidade cultural, 196-197e interesse pessoal versus

altruísmo, xviiie o impulso de ajudar, 56-57e o papel da oxitocina, 25e redes sociais, 71e reprodução sexual, xx, 27,

29-35, 38, 80-81e seleção natural, 31-32, 38

Experimento de Prisão de Stanford, 98

experimentos com animais, 39, 61, 63, 111, 122

Fadiga, Luciano, 61-62Fast Company, 173, 210favelas, 187feedback, xiv, 65, 173, 195. Ver

também ciclos virtuososFehr, Ernst, 44fertilidade, 22, 92, 142-143Fisher, Helen, 23

física teórica, 9fisiologia do cérebro

e andropausa, 100e autismo, 114e comunicação eletrônica,

194-195e emoções, 57, 65e empatia, 63e função executiva, 63, 135-136e meditação, 135-136e o circuito HOME, 65e síndrome de Williams, 122e trauma de infância, 104

Fitch, Bill, 146Fitzgerald, F. Scott, 126Food and Drug Administration

(FDA), 42, 44, 45, 82, 157França, 169, 197-198Frank, Robert, 127Franklin, Benjamin, 18Freakonomics (Levitt e Dubner), 166Frei, Frances, 178Freud, Sigmund, 60, 206Friedman, Meyer, 108função executiva do cérebro, 63,

135-136Fundação John Templeton, 45Furacão Katrina, 179

galanteio, 31, 34ganância, 5, 113, 163-166, 168Gardner, Wendi, 173Gates, Bill, 115Geddes, Linda, xi-xii, xiv-xviii, 44

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

228

gênero, 26, 49, 86, 90-92, 96, 100generosidade

e comércio, 161-163e cultura de Papua Nova Guiné,

154e eudaimonia, 206-207e galanteio humano, 34e religião, 150-151, 153e sociedades de pequena escala,

150e testosterona, 83medição, xiii-xiv

genética, 64, 80-81, 120, 122genocídio, 99Getz, Lowell, 35Gintis, Herb, 162Giuliani, Rudy, 189globalização, 165Goebbels, Joseph, 146Grande Depressão, 193-194Grandin, Temple, 116-117Greene, Josh, 125Greenwich Village, 190Greider, William, 200Gruenfeld, Deborah, 95-96Gruter Institute for Law and

Behavioral Research, 23Guerra do Golfo, 99-100

Harlow, Harry, 111Haroun, Ansar, 123, 174Harris, Sam, 133Harvard Business School, 178Heider, Fritz, 70

Heinrichs, Markus, 41, 44Helmsley, Leona, 96Henrich, Joseph, 162heroísmo, 56-57, 66Hill, Kim R., 160Hinduísmo, 143-144hipotálamo, 38, 114, 122Hobbes, Thomas, 18, 20Holanda, 169hominídeos, 69-69, 150Homo economicus, 22Homo sapiens, 34, 80humanidades, 203humanismo (ren), 21, 62

identidade de grupo, 97-101Igreja Católica, 5imitação, 69, 73-74imparcialidade processual, 200-202impulsividade, 123-124inaladores, 40-45Initiative on Technology and Self,

195-196inteligência, 63interesse próprio, 21, 166Isis, 143Islam, 163, 164isotocina, 32

Jacobs, Jane, 190James, William, 58Jarhead (Swofford), 99-100Jefferson, Thomas, 115

Í n d i c e

229

Jeová, 151Jesus, 153Jogo da Confiança

descrito, 7-10e distúrbio de ansiedade social,

119e eudaimonia, 206-207e excesso de confiança, 121e gênero, 81, 91-92e identificação com o grupo

interno, 146-148e infusão de oxitocina, 45e retribuição, 85e simpatia mútua, 26e trauma na infância, 104e trauma, 112

Jogo do Ultimatodescrito, 46e autismo, 115e crime, 124e empatia induzida, 57e sociedades primitivas, 161-163e testosterona, 83, 95

Jogo dos Bens Públicos, 87-89Judaísmo ortodoxo, 175Judaísmo, 151Júpiter (deus), 151“Just As I Am” (hymn), 143justiça, 46, 124, 181, 200-202

Kahneman, Daniel, 181Kaiser Family Foundation, 194Kant, Immanuel, 18, 19, 20karuna (compaixão), 62-63

Keating, Father Thomas, 135Knutson, Brian, 90-91Korean Broadcasting Service,

173-174Ku Klux Klan, 146Kubrick, Stanley, 96-97Kurzban, Rob, 6

L.A. County Sheriff’s Department, 188

lagostas, 29-30, 32Levitt, Steven, 166Lewinsky, Monica, 78, 81Lipps, Theodor, 60lítio, 122livre-comércio, 181Livro Hebreu, 151lobo parietal, 135Loma Linda University Medical

Center, 103, 112Loma Linda, California, 207London School of Economics, 87LSD, 136

macacos, 68, 71. Veja também primatas

MacArthur Foundation, 162machos alfa, 94-95Mackey, John, 179Madoff, Bernie, 164Mandela, Nelson, 96Mann, Juan (pseudônimo), 47Marriner, Sir Neville, 133

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

230

Marshall, Alfred, 209Marxismo, 164Massachusetts General Hospital,

25, 119Massachusetts Institute of

Technology, 195-196massagem terapêutica, 50matemática, 17materialismo, 168-169, 205Matzner, Bill, 12, 104-105McCain, John, 189McNamara, Robert, 97meditação, 135, 140medo

e a síndrome de Williams, 121-122

e altruísmo, 66e construção de significado, 141e empatia, 99e evolução da reprodução sexual,

32, 38e o sistema HOME, 180e pressão social, 185-186e religião, 149-150e testosterona, 77-78e xenofobia, 198-199fisiologia de, 59

mentira, 19, 26, 70mercado Tsukiji, 175mercado. Ver mercados moraismercados negros, 167Merkel, Angela, 48Merton, Thomas, 135metta (generosidade e compaixão),

62, 135

mídias sociais, 69-75, 173-174, 191, 193, 194-195

Milgram, Stanley, 98A menina de ouro (2004), 51, 57mimes, 185-186misticismo Sufi, 137misticismo, 131, 136, 137Mockus, Antanas, 185-186, 187,

199monogamia, 38, 40moralidade, 65, 166. Ver também

moralambiguidade moral, 31capital moral, 172, 186, 204dilemas morais, 125-126e comércio justo, 181-182e competição sexual, 144e conexões sociais, 172-174e confiança, 174-177e foco em serviços, 177-181e ganância, 164-166e generosidade, 161-163e o circuito HOME, 65, 126e prosperidade mútua, 166-172e punição, 87e reação à angústia alheia, 54e religião, 5-6, 135, 141,

149-150, 172e simpatia mútua, 20filosofia moral, 6, 17, 20manipulação, 39-47mercados e educação, 204mercados morais, 157-182o papel da oxitocina em, 158-161orientação, 30

Í n d i c e

231

Morte e vida de grandes cidades (Jacobs), 190

Mount Sinai School of Medicine, 117

Movimento Romântico, 17, 20, 21Mullen, Admiral Mike, 203música, 57, 133, 137mutações, 32

não recíprocos incondicionais, 105nascimento virginal, 143-144Nash, John, 9Nazismo, 99, 146neotenia, 69nervo vago, 49neurociência, 192neuroeconomia, 7, 209neurônios-espelho, 61-63neuroteologia, xviiineurotransmissores, 38, 117. Ver

também substâncias específicasNew Scientist, xi-xii, 44Newton, Isaac, 115níveis de renda, 168-169, 181, 201Nova York, 186-187Novartis, 42nutrição de filhotes, 34, 36, 58,

68-69, 101

O mundo na corda bamba (Greider), 200

O Povo contra Larry Flynt (1996), 137

oração, 135Oráculo de Delphi, 136Ott, Jan, 182ovulação, 92oxitocina sintética, xiiOxyContin, xii

padrões éticos, 18, 42, 180Papua, de Nova Guiné, 153-155,

193Parker, Lieutenant Mike, 188Partido de Donner, 91, 92pássaros, 35pathos, 60, 142pecado original, 17, 18Pedersen, Cort, 36pegando carona, 84, 87-89, 94peiote, 136Penenberg, Adam, 173, 210Pentecostalismo, 137perpetuação, 32-34Pew Research Center, 194philia, 143Piaget, Jean, 60pistis, 145pituitária, 122Platão, 18, 151Plauto, 17pobreza, 192política da comunidade, 187-188populações imigrantes, 197-199primatas, 68-69priming, 177Problema da Torre de Babel, 193

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

232

procriação, 160-161progesterona, 15prosperidade, 25, 159, 182, 191,

202psicologia junguiana, 141psicopatologia, 106, 127-129psilocibina, 136punição determinada pela

testosterona (TOP), 87, 88-89, 91

punição, 6, 81, 86-90, 114, 148-149. Ver também O Jogo do Ultimato

Putnam, Robert, 190

qualidade de fim de vida, 208-209

Quijada, Earl, 208

Rabino Hillel, 151raiva, 108. veja também agressãoRajaratnam, Raj, 164rato, 39ratos, 23-25, 35-38, 39-40ratos de pradaria (Microtus

ochrogaster), 36-38, 115ratos do campo (M. pennsylvanicus),

36, 39-40razão e racionalidade, xviii-xix,

9-10, 14, 19, 21, 123-127reação “a fuga ou a luta”, 31, 59,

106reação cuide e faça amigos, 93-94

receptores de oxitocina e comportamento antissocial, 151e a abordagem feminina ao risco,

90e autismo, 115, 117-118e comportamento social, 37-38e comunicação eletrônica, 196e emoções, 58, 65e fisiologia cerebral, 38, 122e mudanças no estilo de vida, 211e nutrição dos filhos, 101e o circuito HOME, 63-69e o nervo vago, 49e reprodução, 36, 40e trauma, 104, 105, 111

reciprocidade, 124, 161, 163reconhecimento facial, 69redes de segurança social, 201-202Reforma Protestante, 168Regra de Ouro, xix, 62, 151Reino Unido, 192-193Reiser, Hans, 127-128relações amorosas, 59, 114, 207“Relatos de um alienígena

residente” (Daxer), 116Religious Society of Friends,

139-140ren (humanidade), 62Research Network on the Nature

and Origin of Preferences, 162responsabilização, 66-67retribuição, 86-90, 148-149,

150-151. Ver também Jogo do Ultimato

revolução industrial, 168

Í n d i c e

233

Rio de Janeiro, Brasil, 187risco, 77-78, 90-92, 94-95ritual, 140, 152Rizzolatti, Giacomo, 61-62Rogers, Carl, 60Romênia, 112Ruanda, 99

Sacks, Oliver, 116Salter, Anna, 128sanções, 87-89, 188, 199. Ver

também punição; retribuição; O Jogo do Ultimato

Sanford, Mark, 78Schwarzenegger, Arnold, 78secularismo, 18-19, 133, 139Seeds of Peace, 200Segunda Guerra Mundial, 198seleção consanguínea, 160-161seleção natural

e construção de significado, 142e evolução da reprodução sexual,

31-32, 38e moralidade, 166e neotenia, 69e processos biológicos, 20e testosterona, 79-80perpetuação, 32-34

Seligman, Martin, 206sensibilidade acidental, xviisentimento de solidariedade 62. Ver

também empatia;serotonina

e ansiedade social, 119

e estados emocionais, 58, 62e felicidade, 207e o sistema HOME, 117e redes sociais, 71e ritual religioso, 145função de, 38

serviço, 177-181sexo e reprodução sexual

e competição, 144e comportamento pró-social,

26-27e escândalos sexuais, 78, 81,

94-95e escolha, 32e procriação, 160-161e redes sociais, 71e religião, 144, 210e seleção sexual, 32-34,

80-81e testosterona, 78-79, 80, 92evolução de, xx, 26-27, 29-35,

38, 80-81o papel da oxitocina em, 36, 40

Silo de Autoabsorção de Problemas, 193

Simmel, Mary-Ann, 70, 140Simms, Sherri, 172simpatia, xix. Ver também empatia;simpatia mútua, 17-18, 20, 25, 60,

62, 166sinais ambientais, 24Síndrome de Asperger, 115síndrome de Williams, 121-122,

128sistema judicial, 126-127

A m o l é c u l A d A m o r A l i d A d e

234

Sisters of Loretto at the Foot of the Cross, 5

Smith, Adam, 21, 25, 60, 62, 166, 168

Smith, Vernon, 97sobrevivência, xix, 20, 30, 70, 80,

84sociedades caçadoras-coletoras, 75,

160sociedades indígenas, 172-173, 182sociedades primitivas, 71-72, 74-75,

161-162Society of Friends, 139-140solidão, 108, 141somatização, 103sonhos, 141Spitzer, Eliot, 81St. Jude Children’s Research

Hospital, 54-56Stanford Graduate School of

Business, 95-96Stewart, Martha, 96storge, 143Strauss-Kahn, Dominique, 94, 95Sudão, 99Supremo Tribunal Americano,

96Supremo Tribunal de San Diego,

123Swofford, Anthony, 99-100Syntocinon, 42-45

Taoísmo, 132taxas de homicídio, 169

taxas de suicídio, 122Taylor, Shelley, 93-94teologia, xix, 6. Ver também religiãoTeoria da Mente, 63, 116Teoria dos sentimentos morais

(Smith), 17-18, 60, 62, 168Teresa de Ávila, Santa, 142testosterona

e andreia, 100e anomalias genéticas, 114e autismo, 115e competição, 93-97e diferenças de grupos interno e

externo, 97-101e emoção, 59e empatia, 82-84, 90, 93, 114e interferência da oxitocina, xviie medo, 77-78e o circuito HOME, 64, 67e o Jogo da Confiança, 15e punição, 86-90e redes sociais, 71e religião, 150, 151-152, 172e seleção natural, 79-80e sexo, 78-79, 80, 92efeitos sociais, 192, 204

Anatomia do amor (Fisher), 23“The Old Rugged Cross” (hymn),

143Tiger, Lionel, 134tipos de personalidade, 108-109tolerância, 169-172toque, sentido de, 47-51, 59, 189Transtorno de estresse

pós-traumático, 100, 118

Í n d i c e

235

trauma, 64, 103, 106tribos nômades, 150Trump, Donald, 113, 205Turkle, Sherry, 195-196Twitter, 193

Uma mente brilhante (2001), 9University of California, Los

Angeles (UCLA), 6, 10, 26, 85

vasopressina, 38, 40vasopressina arginina, 32vasotocina, 32, 32Velho Testamento, 150, 151-152vício em drogas, 36, 122vigilância, 149Vilarejo Malke, Papua, Nova

Guiné, 153-155vilarejos, 190-191, 193vínculo entre o casal, 70, 90-92,

160violência, 78, 81

violência doméstica, 89Vohs, Kathleen, 177Voltaire, 18

Walker, Robert S., 160Weiner, Anthony, 78Whitehall Study, 109Whitman, Meg, 181Whole Foods, 179Por que amamos (Fisher), 23Wilkinson, Will, 182Woods, Tiger, 78World Value Survey, 169World Vision International, 172

Young, Larry, 39

Zeus, 151Zimbardo, Philip, 98Zorba, o grego (1964), 137-138