A literatura de cordel no Brasil - IS MUNI

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MASARYKOVA UNIVERZITA V BRNĚ Filozofická fakulta Ústav románských jazyků a literatur Diplomová práce A literatura de cordel no Brasil Vedoucí práce: PhDr. Zuzana Burianová, PhD. Vypracovala: Lucie Šafránková Brno 2007

Transcript of A literatura de cordel no Brasil - IS MUNI

MASARYKOVA UNIVERZITA V BRNĚ

Filozofická fakulta

Ústav románských jazyků a literatur

Diplomová práce

A literatura de cordel no Brasil

Vedoucí práce: PhDr. Zuzana Burianová, PhD.

Vypracovala: Lucie Šafránková

Brno 2007

2

Prohlašuji, že jsem diplomovou práci zpracovala samostatně a veškeré

prameny, ze kterých jsem čerpala, jsem uvadla v seznamu literatury.

Děkuji vedoucí práce PhDr. Zuzaně Burianové, PhD., za cenné rady,

připomínky a trpělivost.

3

Índice

1. Introdução...............................................................................................4

2. O que é a literatura de cordel?…………………………………………..8

2.1 Origem e evolução....................................................................10

2.1.1 Raízes europeias..............................................................10

2.1.2 A oposição entre a literatura popular e a erudita......13

2.2 A literatura de cordel no Brasil..................................................16

2.2.1 Os inícios do cordel no Nordeste brasileiro..................16

2.2.2 Ascensões e crises do cordel.........................................19

2.3 Aspetos formais da literatura de cordel..................................23

2.3.1 Versos................................................................................23

2.3.2 Classificação....................................................................30

2.3.3 Autoria ..............................................................................33

3. O papel do autor da literatura de cordel.........................................36

3.1 Os universitários contra os analfabetos………………………..39

3.2 E isso dá dinheiro?......................................................................48

3.3 O autor de cordel como intérprete de mensagens……...…49

4. Conclusão……………………………………………………………………65

Bibliografia.............................................................................................68

Anexos

4

1. Introdução

O povo sempre contou histórias. As sociedades antigas faziam isso

oralmente através de seus membros experientes e respeitáveis ou

tinham seus feitos fantasiados e registrados pelos poetas. Com a

invenção da impressão gráfica essas histórias e poemas podiam atingir

um maior número de pessoas. Surgiu assim, no velho continente, a

literatura de cordel.

A literatura de cordel é um gênero da literatura popular chamado

pela forma como originalmente eram vendidos os livretos – pendurados

num barbante ou corda nas feiras, mercados ou praças. E de mesmo

modo como aconteceu nas colônias de língua espanhola na América,

essa tradição atravessou mares e chegou na bagagem dos colonos

portugueses até o Brasil. O cordel instalou-se na Bahia e daí, durante a

migração dos nordestinos em busca de novas oportunidades de

trabalho e de uma vida melhor, espalhou-se para os demais estados do

Brasil. Mesmo sendo observada como uma manifestação popular típica

do Nordeste brasileiro, a literatura de cordel ao longo dos anos

enraizou-se no Brasil inteiro e agora vê-se nela a legítima tradição

poética nacional, que faz parte do próprio património cultural.

Desde os fins de séc. XIX no Brasil apareceram vendedores destes

livretos que se tornaram verdadeiros profissionais que leram,

declamaram, improvisaram ou cantaram seus versos, viajando por

fazendas, vilas e cidades pequenas, trazendo as notícias do litoral para

o povo que vivia praticamente isolado no sertão e que não podia obter

as informações do mundo senão por esta forma. E desde início os

autores de cordel gozavam de uma posição extraordinária no

ambiente rural brasileiro. O matuto nordestino se acostumou a ouvir as

histórias da literatura de cordel em suas idas às feiras, nas quais podia,

além de fazer compras e vender seus produtos, divertir-se e tomar

conhecimento das mais diversas notícias.

5

A grande vantagem dos poetas populares era que surgiram do

mesmo ambiente como seu público, e por isso entendiam bem quais

seus sonhos, desejos e problemas e conseguiam contar as histórias de

modo que o povo entendia. Usavam a mesma linguagem e sabiam o

que é que o povo queria ouvir. Os primeiros livretos populares

aproveitavam a temática do romanceiro tradicional de origem

europeia, histórias, lendas e narrativas delas derivadas. Mas só um

pouco mais tarde os pioneiros no cordel de autoria, João Martins

Athayde, Francisco das Chagas Batista ou Leandro Gomes de Barros,

começaram a escrever o romance originalmente brasileiro que refletia

a realidade nordestina. Tornou-se o papel fundamental do poeta

popular versar as histórias, fatos, reivindicações, críticas, queixas e

aspirações do homem nordestino, quer dizer, de tudo o que povo

pensava.

Não há limite na escolha do tema de um folheto. Os temas

incluem fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas, temas religiosos

ou histórias de amor, como também existem inúmeros folhetos que

retratam as façanhas do cangaceiro Lampião ou do suicídio do

presidente Getúlio Vargas. Divulgavam-se através da poesia de cordel

os acontecimentos recentes, curiosidades ou as mais diversas notícias

que chamavam a atenção da população.

Mas, provavelmente, pelo fato de ser uma literatura “produzida

pelo povo e para o povo“1, de ser distribuída nas feiras e ruas, de tratar

dos temas populares e de usar uma linguagem bastante simples e com

traços de fala coloquial, a literatura de cordel ficou, durante um longo

tempo, pouco apreciada. Até a década de 70 a literatura de cordel

passou fora da atenção dos estudiosos brasileiros e, apesar de hoje já

existir uma considerável bibliografia sobre este assunto, ela ainda

continua em boa parte desconhecida pelo grande público.

1 Lessa, Orígenes: “Literatura popular em versos“, Anhembi, São Paulo 21(61):dez 1955, p. 61.

6

Atualmente o Brasil é o único país do mundo onde a literatura de

cordel ainda está viva.2 Em quase todos os estados brasileiros há poetas

populares que continuam a divulgar os valores de seu povo. E isso sem

nos esquecermos do novo cordel, feito pelos migrantes nordestinos e

radicados nas grandes cidades. No entanto, a maioria dos

pesquisadores se preocupa apenas com os aspetos históricos da

literatura de cordel ou se refere a determinado campo de modalidade

e reagem, na maioria, negativamente no respeito das mudanças

ocorridas ao longo dos anos.

Nos últimos 30 anos foram publicados muitos artigos apregoando

o desaparecimento ou mesmo fim do cordel como uma decorrência

da difusão de tecnologias modernas, da industrialização e do

progresso. Há outros que dizem que a literatura de cordel está se

descaraterizando ou perdendo sua autenticidade por sair de seu

ambiente natural, por ser aproveitada pelas outras classes que suas

tradicionais ou por virar apenas modismo ou souvenir para os turistas.

Segundo mais outros, a literatura de cordel deve-se observar – a

despeito de estar implícito no dinamismo sócio-cultural o possível

desaparecimento de alguns traços folclóricos – como um elemento

dinâmico e „vivinho da silva“3.

Todos os aspetos acima mencionados, e mais os que levantamos

a seguir, serão mais retomados em capítulos específicos. De acordo

com o ditado popular que diz “quem não se renova, morre”,

tentaremos justificar que a literatura de cordel, sendo considerada um

elemento vivo, transforma-se, adapta-se aos novos tempos e adquire

novas formas. A ambição deste trabalho não é descobrir se ou até

quando e na qual forma a literatura de cordel pode sobreviver. Nosso

objetivo será oferecer a imagem completa deste gênero literário no

Brasil, orientando-se para suas condições de produção, circulação,

2 Pellegrini, Américo Filho: “A literatura de cordel continua viva no Brasil”, [online], c2005, [cit.2007-03-15], <http://www.bahai.org.br/cordel/viva.html>. 3 Idem.

7

significado e importância sócio-cultural, mencionando também o

aspeto específico de papel do autor da literatura de cordel.

Para podermos entender melhor a posição do cordel nas épocas

diferentes, achamos importante primeiro elaborar um texto introdutivo

em que apresentaremos o fenômeno da literatura de cordel como tal,

descrevendo suas origens populares e sua evolução no Brasil,

oferecendo a maior atenção à situação histórico-social no interior

nordestino e, consequenemente, aos fatos ocorridos nos últimos trinta

anos que contribuiram às mudanças no caráter do cordel

contemporâneo. Apresentaremos também, em linhas gerais, os aspetos

formais da literatura de cordel, como as modificações na ordenação

dos versos, possibilidades de classificação de folhetos ou os problemas

com autoria. Na terceira parte do trabalho descreveremos a

importância do papel do poeta popular para seu público e tentaremos

comparar a posição do autor nas décadas de 40 – 60 de século

passado com a situação de hoje. Com auxílio dos exemplos dos poetas

consagrados mesmo como dos mais recentes, mas todos oriundos do

Nordeste brasileiro, como Cuíca de Santo Amaro, Minelvino Francisco

Silva ou Franklin Maxado, caraterizaremos os vários aspetos do papel do

autor de cordel, explicando como estes se demonstram na atualidade.

O trabalho vai ser encerrado pela conclusão onde recapitularemos os

fatos mais importantes.

8

2. O que é a literatura de cordel?

Com a literatura de cordel entendemos, enfim, todas as

manifestações de origem popular que existem, em prosa4 ou verso, na

forma impressa. É importante ressaltar que no caso do Brasil não se trata

de uma manifestção esporádica ou esparsa. Mesmo que a grande

parte da poesia popular se tenha perdido, existe no Brasil, segundo as

mais modestas estimativas, aproximadamente 15 – 20 mil títulos de

folhetos editados.5 Muitos deles, como os da autoria de alguns clássicos

de cordel brasileiro, por exemplo Leandro Gomes de Barros ou João

Martins de Atahyde, eram e continuam sendo reeditados, com os

direitos vendidos e revendidos tantas vezes que as tiragens totais

acabam sendo incontáveis, calculadno-se em milhares e milhares de

exemplares.

Quanto à denominação “folheto“, convém dizer que isso é o

nome usado no espaço onde os livretos são criados, vendidos e lidos,

isto é, pelos autores e pelo povo, e que os próprios autores costumam

auto-denominar-se de “trovadores“ ou simplesmente “poetas“. Longe

do padrão terminológico popular são os termos “literatura de cordel“,

de mesmo modo que “cordelista“, ou “cordelismo“ que, por serem de

origem erudita, aparecem somente nos meios académicos.6

Os folhetos são livretos de papel de baixo preço, tipo jornal, com

as capas coloridas, muitas vezes ilustradas com xilogravuras que

representam uma cena ou personagem principal da história narrada. O

tamanho do folheto costuma ser 11,5 x 16 cm, que é exatamente o

tamanho de uma folha A4 dobrada em quatro.7 É por isso que o

número das páginas de cordel sempre é o múltiplo de oito. Em geral, os

4 De verdade o aparecimento da prosa popular nesta forma é muito raro no Brasil. Às vezes a literatura de cordel engloba ainda as folhas soltas dos poemas ou canções, orações aos santos ou cartelões – folha grande de papelão com os versos e desenhos relativos a eles que ajudam o autor a declamar a história. 5 Luyten, Joseph M. : O que é a literatura popular, São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 39. 6 Ver p. ex. Lessa, Orígenes: op. cit., p. 61. 7 Para ver os exemplos de folhetos pode-se consultar os anexos.

9

menores folhetos, que tratam geralmente de fatos circunstanciais, têm

de oito até dezasseis páginas, os romances, cujos temas devem girar ao

torno do amor, possuem dezasseis ou vinte-e-quatro páginas, e histórias

são aquelas com mais de 32 ou até 48 ou 64 páginas8.

É importante sempre ter em mente que o fascinante mundo de

cordel não é só literatura, mas que é um universo muito mais complexo.

Alguns folcloristas vêem a literatura de cordel como uma espécie de

arte total. É porque os poetas escrevem, cantam, declamam,

improvisam, representam, propagam e vendem. Assim descreve o

cordel o pesquisador e o poeta Franklin Maxado. Para ele o cordel „é

poesia, é gráfica, é canto, é artes plásticas, é teatro, é jornalismo, e é

comércio.“9

Ainda cabe destacar que a literatura de cordel não é coisa

exclusivamente brasileira, existiu em diversos países, como na França, na

Espanha ou em Portugal de onde desapareceu no início de século XX.

É, porém, no Brasil onde ela continua viva e onde persiste não apenas

admirada por seu público original, mas onde também, afinal, conseguiu

conquistar público novo e chamar atenção dos estudiosos, inteletuais,

colecionadores eruditos e até turistas.

8 Na hora de negociar a publicação, é comum o folheteiro nomear pequeno o folheto, médio o romance e grande a história. 9 Maxado, Franklin: O que é a literatura de cordel?, Rio de Janeiro, Codecri, 1980, p.124.

10

2.1 Origem e evolução

2.1.1 Raízes europeias

Quanto à época de surgimento da literatura popular em verso, ou

seja, da literatura de cordel, não existe uma teoria exata. Bastante

difundida é a opinião que a origem da literatura de cordel será

necessário procurá-la dentro da literatura oral10 e talvez até na história

mais antiga da humanidade. Conforme a opinião de Franklin Maxado,

„A literatura popular sempre existiu, pois sempre existiu povo. Desde que

o homem se tornou um animal racional, com voz, ele conta seus casos,

principalmente de lutas contra inimgos, contra animais, contra a

natureza ou de conquistas amorosas. Com a evolução, as técnicas de

narração foram se sofisticando até o aparecimento dos versos e

rimas.11”

É óbvio que nas comunidades onde não há escrita, o povo só

pode difundir as informações oralmente. Para as camadas populares a

literatura oral significa o meio de comunicação, a troca de

informações, de experiências e fantasias. Quando as sociedades

humanas iletradas ou analfabetas (que não quer dizer incultas)

precisam manter alguma informação, a única possibilidade é

simplesmente guardá-la na memória. E a grande expressividade da

poesia, suas frases rítmicas e os iniciais semelhantes ajudam muito a

memorização. E é provavelmente por isso que a poesia sempre

ocupava o lugar de destaque entre as manifestações populares.

Em todas as culturas havia os narradores, geralmente os mais

velhos e hábeis, que costumavam transmitir suas experiências, mas

10 O termo literatura oral começou a ser usado por Paul Sebillot em 1881 para designar o folclore dos contos, cantos, fábulas, lendas, mitos, anedotas, anexins, adivinhações, parlendas, rondas e jogos infantis, enigmas, charadas, provérbios, orações, canções, frases feitas, autos, receitas, danças cantadas, desafios, acalantos, aboios, superstições, conselhos, casos, aforismas, adágios, ditados, estórias, gestas, xácaras, baladas – tudo que o povo cria e conserva para a sua conversação e lazer. Em: Maxado, Franklin: op.cit., p. 23. 11 Maxado, Franklin: op. cit., p. 11.

11

também as histórias tradicionais ou narrativas das velhas épocas e

lendas, passadas de boca a boca, de geração a geração. Nas

sociedades indígenas eram os pajés, as culturas africanas tinham seus

“akpalós“, babalaôs ou as respeitadas mulheres negras que contavam

as histôrias de bichos, dos encantamentos ou as histórias de seus

ancestrais.

Os folcloristas observam a literatura de cordel ser um fenômeno

importado da Europa. Partem do fato que em toda a Europa existiram

as manifestações literárias semelhantes. Sabe-se que a literatura de

cordel12 apareceu em Portugal ainda antes do século XVII, originária

dos romances tradicionas que um pouco mais tarde se espalhavam

para o Brasil através dos colonizadores. A semelhança consiste não só

em temas épicos, como as histórias de Carlos Magno e outros heróis,

mas também no modo como essas histórias eram divulgadas.

O nome da literatura de cordel também vem de Portugal e

Espanha13 onde os livretos antigamente eram expostos nas feiras e em

frente das casas de venda, pendurados em pequena corda ou

barbante, como roupa no varal, para a freguesia poder escolher

melhor. O povo português usava assim chamadas “folhas volantes“ ou

“folhas soltas“ para registrar os fatos históricos, narrativas tradicionais e

também para transcrever a poesia erudita. Por exemplo, aparece nelas

a obra de Gil Vicente.

Antes que se difundisse a imprensa, as folhas soltas de forma

manuscrita vendiam-se nas feiras, nas praças públicas ou simplesmente

nas ruas. Esse costume foi ainda facilitado pela posterior invenção de

imprensa. E a tradição peninsular de vender folhetos, de mesmo modo

como os temas de seus romances, transferiu-se naturalmente, com o

12 Com esse nome já assinala Teófilo Braga em Portugal no século XVII, mas provavelmente existiam ainda mais cedo. Ver p. ex.: Batista, Sebastião Nunes: Antologia da literatura de cordel, Fundação José Augusto, 1977, p. I. 12 Na Espanha a literatura de cordel era chamada de “pliegos sueltos“ o que corresponde à denominação portuguesa “folhas volantes“. Idem.

12

colono português, para o Brasil. Esta tradição do romanceiro peninsular

fixou-se no Nordeste brasileiro como literatura de cordel.

Entre alguns temas clássicos da literatura de cordel transferidos da

Europa podemos mencionar, por exemplo, o romance “Donzela

Teodora“ de origem árabe que, segundo Franklin Maxado, tem sido

publicada desde o ano 1498 e que no Brasil até hoje se pode encontrar

numa versão de Leandro Gomes de Barros. Outros folhetos mais

difundidos, que originalmente chegaram da Europa, eram “Imperatriz

Porcina“ ou o ciclo do Imperador Carlos Magno, diversas histórias

cavaleirescas da Távola Redonda e os mais variados contos de fadas,

como, por exemplo, a famosa Branca de Neve.14 Mais outros temas

vieram da Índia, Pérsia ou Àsia e os trovadores espalhavam-nos pela

Europa inteira. Esses romances eram lidos, relidos e decorados pelo

povo até que muitas vezes aconteceu que eles novamente voltaram

para a tradição oral. À respeito disso ainda cabe constatar que muitos

folhetos mudaram de título, autor, ou se perderam completamente

durante esta sua peregrinação. Nisso podem-se ver co-responsáveis os

fatos que o público, muitas vezes “apoderando-se“ do folheto,

rapidamente esqueceu o nome do próprio autor, ou que o poeta

popular, perante a necessidade de sobreviver, vendia seus direitos

autorais ao editor que, consequentemente, retirava completamente ou

substituía o nome do poeta por seu. Também o esforço de transformar a

informação mais ao gosto popular acabava, muitas vezes, na formação

de verdadeiros mitos, misturando fatos com ficção, fazendo

anacronismos, conferindo às personagens poderes sobrenaturais, etc.,

como ocorreu, por exemplo, nos ciclos de cordel de Lampeão, Padre

Cícero ou ainda de Getúlio Vargas. Isso contribuiu à impossibilidade de

identificar o folheto original.

14 Mais informações sobre os temas tradicionais do cordel europeu, p. ex., em: Maxado, Franklin: op. cit., p. 25.

13

2.1.2 A oposição entre a literatura popular e a erudita

Como já constatamos, a literatura de cordel brasileira tem origem

na Península Ibérica. Isto é, nos romances ou nas novelas de amor, de

guerras ou de cavalarias, os quais desde a Idade Média eram

divulgados pela Europa através dos menestréis, trovadores e jograis. Até

o século XVIII, estes trovadores frequentavam os lugares públicos,

recebiam os convites da corte para cantarem lá suas histórias

improvisadas ou decoradas e o cordel era ouvido e lido não somente

pelo povo, mas era também apreciado pelos reis, dos quais, inclusive,

alguns poderiam considerar-se trovadores excelentes. Sò mais tarde

começou a se fazer distinção entre a literatura erudita e a literatura

popular, como era a do cordel.

Joseph M. Luyten destaca que a literatura popular sempre existe

numa certa oposição à literatura, digamos, oficial. Mas logo acrescenta

que as manifestações culturais populares só podem aparecer nas

sociedades onde há elite e povo que compartilham elementos como a

língua, religião, composição étnica, porque as duas literaturas sempre

se desenvolvem uma ao lado da outra, influencionando-se

mutuamente.15 Só que é a literatura popular que sempre reflete mais o

próprio espírito da sociedade. Na literatura popular, transmitindo ela os

acontecimentos recentes ou histórias tradicionais, sempre podemos

observar traços de adaptações que o narrador fez a respeito daquilo

que foi ouvido, enriquecendo a história com os comentários, conforme

o caráter da personagem como ela é julgada e segundo os valores das

sociedades locais. É necessário ter em mente que cada povo recria as

histórias relativamente a sua época, que sempre atualiza a oralidade e

que só assim algumas narrativas poderiam superar os séculos.

Da velha questão da oposição existente entre literatura popular e

literatura culta surgiu provavelmente o fato que apesar de existir no

15 Luyten, Joseph M.: op. cit., p. 21.

14

Brasil desde o final do século XIX e de conseguir vender mais de dezenas

de milhares de exemplares, a literatura de cordel passou muitas

décadas desvalorizada e ignorada pelos estudiosos, pesquisadores e

cientistas, sendo até designada por alguns de “uma manifestação de

pouco ou nenhum valor literário.“16

Jorge Amado, apesar de ser um grande admirador da literatura

de cordel, nas palavras dedicados a Cuíca de Santo Amaro, poeta

salvadorense, consta que “...dificilmente algum crítico literário

importante tratará da personalidade de Cuíca, tampouco da sua

poesia.”17 Mas continua explicando que esse fato jamais poderia

incomodar o poeta: “Coisa, aliás, que não afetaria a vaidade do

poeta. Cuíca não liga o mais mínimo à crítica literária.”18 Como se a

literatura erudita e a do cordel vivessem cada uma em seu mundo,

separada uma da outra. Como se os escritores eruditos não se

interessassem nos cordelistas e ao contrário. É óbvio que não é bem

assim. Existem numerosos estudos que tendem a confirmar que “tem

havido e continua a haver uma constante interação entre a literatura

popular e a culta”19 E na literatura brasileira isso acontece mais

frequentemente que podia parecer.

Por um lado os autores da literatura popular têm-se inspirado na

literatura culta e muitas obras em prosa já foram “versejadas” para

depois serem impressas na forma de folheto, como é caso de

“Iracema” ou “A escrava Isaura”. E, por outro lado, os prosadores e

poetas eruditos confessam muitas vezes ter se deixado influenciar pelos

folhetos populares. Cristina Campello em sua dissertação considera

marcante a influência do cordel para a literatura erudita, apesar de a

literatura popular não estar ligada à nenhuma corrente literária.20

Também Mark J. Curran assinala que por exemplo José Lins do Rego ou

16 Lessa, Orígenes: op. cit., p. 63. 17 Amado, Jorge: Bahia de Todos os Santos – guia de ruas e mistérios, São Paulo, 1945, p. 191. 18 Idem. 19 Ribeiro, Lêda Tâmego: Mito e poesia popular, Rio de Janeiro, 1987, p. 69 20 Campello, Cristina: O autor, leitores e ouvintes da literatura de cordel, São Paulo, USPIECA, 1972.

15

João Guimarães Rosa utilizavam os temas da literatura de cordel em

seus contos e romances. Mas sem dúvida é na obra de Jorge Amado e

de Ariano Suassuna que a inspiração do cordel se mostra mais evidente.

Estes escritores, conforme Curran, “têm utilizado não somente a figura

do poeta ou trechos da poesia popular, mas adaptando a estrutura e a

ideologia do folheto como inspiração de sua obra.”21

A partir dos anos 70, numerosas obras teóricas, artigos e livros têm

sido dedicados à chamada literatura de cordel brasileiro. O professor

Américo Pellegrini Filho considera que foi a publicação do artigo de

Orígenes Lessa, na revista Anhembi em dezembro de 1955, que

despertou o interesse dos estudiosos brasileiros sobre a literatura de

cordel22. No artigo Orígenes Lessa chamou a atenção dos meios

inteletuais para a importância da literatura popular incitando-lhes ao

abandono dos preconceitos literários: “Temos pela frente uma série de

criações artísticas de ordem popular que, pelo imprevisto da

imaginação, pela delicadeza da sensibilidade, pelo poder de

observação, pela fôrça de expressão, pela intuição poética, pelo arrôjo

das imagens, pelo sentido de crítica, de protesto e de luta social que

muitas vêzes apresentam, estão a exigir a atenção dos estudiosos.”23

Saindo dessa caraterística pode-se concluir que a literatura

popular está apta a fornecer um material abundante para

conhecermos melhor o ambiente cultural, social, e económico

brasileiro. Segundo observa Mark J. Curran, “a literatura de cordel é

absolutamente necessária para entender o espírito e aspiração de boa

parte da literatura ‘grande’ no Brasil. Em particular da literatura

nordestina.”24 Cabe destacar que, ao mesmo tempo, para podermos

entender o mundo fascinante de cordel, será necessário tomar

conhecimento de sua história, do ambiente onde ele foi criado e onde

21 Curran, Mark J.: A literatura de cordel , Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 1973, p. 57. 22 Pellegrini avisa também que foi provavelmente nesta época quando surgiu a denominação “literatura

de cordel“ (de mesmo modo que “cordelista“, o “cordelismo“). Em: Pellegrini, Américo Filho: op., cit. 23 Lessa, Orígenes: op. cit., p. 62. 24 Curran, Mark J.: op.cit., p. 26.

16

se desenvolveu da forma tão excepcional, tornando se o traço

significativo da cultura brasileira, especialmente nordestina.

2.2 A literatura de cordel no Brasil

2.2.1 Os inícios do cordel no Nordeste brasileiro

Os pesquisadores datam a impressão dos primeiros folhetos no

Nordeste à segunda metade do século XIX. Segundo Cámara Cascudo,

foi por volta do ano de 1873 quando em Recife foi publicado o primeiro

livreto, o romance “Zezinho e Mariquinha ou a Vingança do Sultão“

com a perspícua influência árabe. Entretanto, Ariano Suassuna avisa

que o “Romance d´A Pedra do Reino“ que circulava pelo sertão era

datado de 1836. E o esritor Orígenes Lessa alega possuir um folheto

intitulado “Testamento que faz um Macaco, Especificando suas

Gentilezas, Gaiatices, Sagacidade, etc.“ com a datação de imprensa

em 1865. Enfim, não sabemos qual foi exatamente o primeiro folheto

brasileiro, mas é óbvio que a divulgação da imprensa ajudou bastante

a popularização da literatura de cordel. De repente chegou a

possibilidade de publicação rápida e de baixo preço de tudo aquilo

que o povo guardava na memória e que até aquele momento se

divulgava de forma quase puramente oral.

Pode-se constatar que o surgimento do fenômeno da litertura de

cordel tem muito a ver com a industrialização da região. Só a difusão

da imprensa permitiu que as histórias pudessem atingir um público

maior. Enquanto o povo da Europa25 tinha o acesso à imprensa já

desde o século XVIII e podia mais ou menos facilmente publicar suas

produções literárias, no caso brasileiro essa possibilidade chegou

aproximadamente um século mais tarde e o ápice desta manifestação

25 As manifestações populares em versos não eram o caso somente ibérico. Semelhante tipo de poesia aparece por exemplo também na França (onde era denominado “literature d colportage”) ou na Sicília. Para informações mais detalhadas consultar p. ex.: Diégues Júnior, Manuel: “Literatura de cordel“, Em:

Batista, Sebastião Nunes: op. cit., , p. I – III.

17

ocorreu só em pleno século XX. Mas enquanto na Europa a literatura de

cordel praticamente desapareceu logo depois da divulgação do jornal,

no Brasil essa tradição continuava em pleno esplendor e gozava de

grande popularidade.

Embora hoje em dia exista em todo o Brasil, foi no Nordeste que a

literatura de cordel se desenvolveu de uma forma excepcional. Devido

às condições socias e culturais específicas do Nordeste, este tipo de

manifestação cultural podia-se desenvolver e pouco a pouco tomar

caraterísticas próprias, de maneira que afinal se tornou um traço

significativo desta região. Contribuíram para isso a relativa isolação das

populações que habitavam a zona rural, especialmente o sertão, e o

próprio ambiente social que propiciavam o surgimento da

comunicação literária e a divulgação da poesia através de folhetos

escritos já com a intenção de serem ouvidos ou lidos em grupo. Outros

elementos importantes enumera-os em seu artigo Manuel Diégues

Júnior: „…a organização da sociedade patriarcal, o surgimento de

manifestações messiánicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros

ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios

econômicos e sociais, as lutas de família deram oportunidade, entre

outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de

cantadores como instrumentos de pensamento coletivo, das

manifestações da memória popular.“26

O isolamento do povo, pobre e submisso aos patrões, que

habituava o sertão no interior nordestino, inicialmente podia ser

quebrado só pelas visitas dos missionários, boiadeiros, mascates ou,

naturalmente, pela passagem de um cantador. Tirando os senhores dos

engenhos, funcionários ou comerciantes que por meio das viagens

frequentes tinham um possível acesso a algumas outras formas de

comunicação e de expressão cultural (apesar de os livros que não

falavam da temática religiosa ainda serem escassos e custosos), a

26

Diégues Júnior, Manuel: op. cit., p. IV.

18

população dos mais pobres e dos camponeses tinha apenas seus

cantadores, representantes da literatura popular, os quais, que nem os

trovadores medievais, circulavam de feira em feira, de fazenda em

fazenda e cantavam ou declamavam os versos decorados. Como a

grande parte dos camponeses eram analfabetos, a população quase

desconhecia a literatura em sua forma escrita e raros eram também

manuscritos de lendas ou romances. Essas manifestações eram

aproveitadas como meio de comunicação entre pessoas e com o resto

do mundo, expressando seus pontos de vista sobre a realidade.

Com o estabelecimento das primeiras oficinas artesanais,

indústrias e em seguida pequenas tipografias especializadas nas

cidades maiores, ainda mais se facilitou a introdução da literatura de

cordel na região. Posteriormente as mudanças sócio-económicas,

como o aparecimento dos novos centros urbanos, a abertura de novas

estradas, a diversificação da estrutura social no interior, o

desenvolvimento do comércio, a maior movimentação dos

camponêses e, consequentemente, a maior circulação monetária

favoreceram a criação de um mercado consumidor e são responsáveis

pela rápida difusão de cordel.

A literatura de cordel se popularizou rapidamente em todos os

cantos da região nordestina. De Pernambuco à Bahia criavam-se novas

oficinas, redes de distribuição, novos poetas surgiam nas cidades assim

como no interior. Para o homem pobre o cordel era uma substituição

dos outros, menos acessíveis, meios de comunicação e expressão. “O

cordel é jornal, é divertimento, literatura, meio de difusão de

conhecimentos, de perpetuação da história e da cultura. É meio de

expressão de sentimentos, meio de reletir e pensar a realidade. É,

sobretudo, um veículo que permite participar da vida do país, debater

a realidade, expressar necessidades e aspirações do povo.“27 Era

através da literatura de cordel que o homem do interior tomava

27 S/a, Antologia da literatura de cordel, Fortaleza, CERES, 1978, p. 16.

19

conhecimento dos fatos que não poderia saber senão por esta forma.

O jornal havia apenas nas capitais e quando chegava até o interior,

sempre foi com atraso. Foi o folheto declamado pelo trovador em voz

alta nas feiras, nos mercados, nas praças e depois relido nas pequenas

reuniões familiares que ajudava a espalhar a notícia para que esta

chegasse ao conhecimento de todos.

O hábito de ler os folhetos era profundamente enraizado na vida

popular nordestina. O povo adquiria estes folhetos nas feiras e depois

agrupava-se ao redor daqueles que sabiam ler, ouvindo e mesmo

decorando as histórias narradas. O costume era ler folhetos em voz alta

nos serões, depois de jantar, quando a família do patrão se reunia junto

com os trabalhadores ao torno do membro que sabia ler para ouvir as

histórias tradicionais. Como muitos pesquisadores afirmam, algumas

casas dos patrões e fazendeiros possuíam uma pequena biblioteca

composta de folhetos trazidos da cidade, e era facilmente reconhecível

que estes eram lidos e relidos várias vezes ou cedidos dos amigos e

vizinhos. Os folcloristas ainda comentam que muitos camponeses

inclusivemente aprenderam a ler quando se esforçavam a deletrear um

folheto.

2.2.2 Acsensões e crises do cordel

Desde a década de vinte a literatura de cordel não circulava

somente pela zona rural do interior, mas atingiu também a população

pobre nas capitais. As secas e a necessidade de procurar melhores

oportunidades de trabalho fizeram com que os nordestinos humildes,

levando consigo sua cultura, migrassem para outras regiões onde

geralmente, por não conseguir arranjar um trabalho permanente,

sobreviviam nos subúrbios, nos cortiços e nas favelas crescentes. E com

os migrantes nordestinos a arte de cordel começava a se espalhar

pelos outros estados do Brasil, principalmente pelo Centro e Sul do país.

20

Assim que hoje, da Amazónia até ao Rio Grande no Sul, encontramos

poetas oriundos do Nordeste.

Na época de vinte também teve início o primeiro dos meios de

comunicação de massa que podia ameaçar a posicão forte do cordel

– o jornal. Como foi por esta mesma razão que desapareceu a literatura

de cordel em Portugal ou Espanha, alguns folcloristas referem-se à

possível decadência do cordel causada pela maior distribuição dos

jornais para o interior nesta década. Mas no isolado sertão nordestino

não ocorreu nada semelhante. Ao contrário. A literatura de cordel

assinala a grande ascensão. Os poetas (como eles próprios se

denominam) continuavam a correr de feira em feira declamando e

vendendo milhares dos exemplares dos seus folhetos impressos. Traziam

neles as notícias do litoral, da cidade, ou de onde aconteceu algo

importante. Isso porque o jornal, devido às dificuldades com transporte,

chegava no interior quase sempre com atraso considerável. Então as

notícias espalhadas através do cordel simplesmente o adiantavam.

Nem mesmo a introdução da energia elétrica e mais tardiamente

a difusão do rádio conseguiram diminuir a popularidade da literatura de

cordel. Ainda que, claro, de certa forma influenciaram os costumes

familiares e assim também a utilização e função de cordel. Diégues

Júnior diz a respeito desses fatos que eles transformavam a reunião

solarenga da família no sentido da leitura coletiva e que com a luz na

sala e nos quartos os membros da família se dispersavam pela casa

fazendo cada um o que lhe agradava.28 Cabe destacar que neste

caso autor provavelmente relata as camadas médias e altas daquela

época e que a eletricidade e o rádio se introduziram na vida dos

camponeses do interior nordestino para influenciar seus costumes e usos

só muito mais tarde. E que a verdadeira crise da literatura de cordel

veio uns poucos anos depois, com a chegada de televisão.

28 Diégues Júnior, Manuel : op. cit., p. XI.

21

A literatura de cordel atingiu a maior popularidade nos anos

quarenta e cinquenta do século XX. Alguns pesquisadores designam

esta época de “verdadeira época de ouro” da literatura de cordel. A

política populista de Getúlio Vargas e os grandes investimentos em

idústria animavam o povo para participar na vida política do país e

esses fatores com certeza influenciaram direta ou indiretamente

também a literatura de cordel. O cordel, apesar do aparecimento de

novos meios de comunicação, ficou longe de perder sua função e

crescia como necessidade popular. Imensos cordelistas publicaram

cada vez mais títulos dos quais conseguiram vender dezenas milhares

de exemplares. Conforme alguns pesquisadores algumas edições de

Rodolfo Coelho Cavalcanti, um dos mais famosos poetas populares da

Bahia, ou dos seus contemporâneos Manoel Camilo, João José Silva, ou

Cuíca de Santo Amaro, andavam por mais de cem mil folhetos

vendidos. Os folhetos mais vendidos, com as maiores tiragens, estavam

ligados às grandes personalidades políticas daquela época – entre os

títulos mais populares de toda a história da literatura de cordel pertence

o que fala sobre a morte de Getúlio Vargas. E há indicações que um

poeta recifense conseguiu vender 40 000 exemplares de um folheto de

Getúlio em apenas três semanas.

Muitos estudiosos e poetas chegaram a decretar o

desaparecimento do cordel por volta dos anos 60 e alguns não hesitam

em falar de uma “crise da literatura de cordel.“ Vários fatores

influenciaram essa queda considerável das tiragens – fechamento em

grande escala das tipografias especializadas, assim como

desaparecimento de muitos poetas ativos do processo de criação de

cordel. Uns dos motivos porque os poetas deixavam de escrever

folhetos eram as dificuldades econômicas causadas pela inflação

crescente constantemente, o que provocou também a elevação dos

preços do papel e da impressão. Outro motivo era com certeza o

22

aumento da penetração da televisão no interior, e a atração que ela

exerceu sobre sua população.

A televisão introduziu nas casas dos nordestinos novas modas,

heróis, costumes, muitos deles importados do estrangeiro, atingindo

principalmente as gerações mais novas. Através desse meio de

comunicação moderno o povo facilmente recebia notícias ocorridas

em todo o mundo, e a novela de televisão parecia ter substituído o

romance de cordel no gosto popular. Considera-se que a televisão

orientada para os padrões ocidentais contribuiu bastante para a

mudança rápida de costumes e de modos de pensar populares e que

fomentou assim a degradação da cultura local.

Mas mesmo assim, convém assinalar que os folhetos sobre

acontecimentos de grande repercussão entre o povo sempre tiveram

tiragens de grande número. Isso é confirmado pelas palavras do poeta

juazeirense, Abraão Batista: “quando cordel fala sobre um assunto que

tem fundamento, tem saída em todas as épocas.”29

A seguinte década de 70 é designada pelos pesquisadores como

a época de um novo surto na literatura de cordel caraterizado pelo

aumento das tiragens, surgimento dos estudos sobre este tema, e pelo

crescente interesse das camadas mais eruditas por tudo que toca às

manifestações populares, incluindo, naturalmente, a literatura de

cordel, e pela utilização da linguagem popular na rádio, televisão e

propaganda. Os elementos da literatura de cordel introduzem-se na

cultura “erudita” e, readaptados ao gosto deste novo público,

aparecem nos palcos, nas novelas, e nos salões de exposição. Através

deste interesse os folcloristas vêem a necessidade de libertar-se da

influência e das imitações dos traços da cultura europeia e de

estabelecer uma cultura nacional independente a partir de elementos

da cultura popular. O Brasil finalmente começa a ver na literatura de

cordel a legítima tradição poética do país.

29 S/a, Antologia da literatura de cordel, cit., p. 21.

23

Só que para os poetas populares fica cada vez mais difícil

sustentar-se somente da venda dos folhetos. Além do desinteresse de

seu público pelos temas tradicionais têm que enfrentar imensas outras

dificuldades como, por exemplo, o preço alto do papel e dos serviços

gráficos, a concorrência de editoras industrializadas e modernas, a

substituição das feiras pelos supermercados, etc. Por isso tentam usar

novas formas, procuram baratear a edição aproveitando o xérox ou

técnica de “off set”, e atualizar seus temas. Por ser o folheto agora

procurado e entendido pelas outras classes, que têm outros problemas

e necessidades, o cordel passo a passo se sofistica, mudando até sua

linguagem. Isso leva a grande parte dos pesquisadores a colocar nas

dúvidas a autenticidade do cordel daquele tempo e,

consequentemente, o atual. Mas felizmente existe ainda outro grupo

dos folcloristas que têm a opinião oposta. Estes destacam que de

mesmo modo como o folcore é um elemento dinâmico, que se renova,

transforma e modifica, o folheto também, caso quer sobreviver, tem

que aproveitar os meios de comunicação mais diversos e mais rápidos e

tem que se metamorfosear para conviver com os novos tempos.

2.3 Aspetos formais da literatura de cordel

2.3.1 Os versos

Apesar de existirem também folhetos em prosa, no Brasil, como

em outros países onde aparece este tipo de literatura, a forma

predominante são folhetos em versos rimados. Os folhetos são escritos

em forma de verso, com estrofes30, métrica e rimas consoantes, não

somente pelas razões estéticas, mas principalmente para se tornarem

mais agradáveis para ler, ouvir ou cantar. As rimas também facilitam a

decoração dos versos. Achamos importante lembrar que isso

30 Vale assinalar que os próprios poetas chamam em sua fala peculiar as estrofes de ´versos´ e os versos designam de ´pés´. Ver p. ex.: S/a, Antologia da literatura de cordel, cit.

24

provavelmente vem do fato que, ao contrário da literatura culta que se

dirige a um autor solitário, a literatura de cordel é escrita para ser lida e

ouvida coletivamente, ou seja, em grupo.

Conforme já foi dito, o autor sempre se identificava

conscientemente com seu público e sua principal intenção era procurar

os temas e linguagem convenientes para agradar os ouvintes. Nas

feiras, praças e nos lugares de grande concentração de gente o autor

propagava sua obra, cada um usando diferentes meios para atrair a

freguesia. Começava a ler ou declamar em voz alta ou com a ajuda de

um autofalante as primeiras estrofes de seu folheto, inserindo seus

comentários e interpretações pessoais tentando animar a freguesia e

despertar seu interesse. Quando se aproximava ao clímax da história, o

poeta parava de ler aproveitando o momento emocionante e

explorando a curiosidade: “agora vamos parar aqui, pois quem quiser

saber o fim, compre aqui o folheto que custa apenas...”31 Muitas vezes

essas frases de solicitação de compra fazem parte das últimas estrofes

do próprio folheto como nesta da autoria de Cuíca de Santo Amaro:

Baiano e Brasileiro

Tabém eu sou de coração.

O leitor agora escute

A minha terminação:

Empreste-me por obséquio

Quatro níqueis de tostão.

Outro exemplo podemos tirá-lo do folheto “O encontro de Joaquim

Pistoleiro com Manoel” de Minelvino Francisco Silva que até tenta

ameaçar, na brincadeira, o leitor de uma sova :

31 Maxado, Franklin: op. cit., p. 45.

25

Agora vou terminar

O meu livrinho fagueiro

Cada um compre um folheto

Pra ajudar um brasileiro

Quem não comprar cai no soco

De Joaquim Pistoleiro

Da mesma forma aparecem nos folhetos as frases exclamativas

como estas: "e não é só isto senhores!” ou “vejam o que aconteceu!” ou

mais ainda “isto é a verdade/que conto aqui neste verso!” que também

comprovam o fato de o cordel já estar escrito com o intuito de ser lido

em grupo e declamado em voz alta.

O poeta de cordel está intimamente ligado com seu público

também pelo fato de seu ganha-pão depender da satisfação do

auditório. E não se esquece de seus ouvintes nem na hora da criação

do folheto sempre se dirigindo a eles, “os leitores”, por ser um poema

impresso. Isso fica evidente nas apóstrofes que permeiam os versos:

“você caro leitor”, “como sabe os meus leitores”, “sim senhores” ou

“digo-vos, meus amigos” são algumas das mais comuns.

São inúmeras as formas de ordenação dos versos de cordel.32 Por

exemplo, Franklin Maxado cita pelo menos 35 modalidades existentes.

Existe na literatura de cordel, por exemplo, “quadrão“, “sextilha“,

“septilha“, “oitava“, ou “martelo agalopado“, que é a estrofe de dez

versos decassílabos, considerada provavelmente a modalidade mais

antiga usada também nos romances medievais. Mas o número certo

dos tipos de ordenar os versos é provavelmente impossível de verificar. É

que alguns poetas depois de dominar as ordenações existentes,

acabam de inventar formas novas.

32 Para obter mais informações sobre as modalidades existentes consultar p. ex.: Academia Brasileira de Literatura de Cordel, [online], c2007, [cit. 2007-03-15], <http://www.ablc.com.br/index.htm>.

26

A modalidade considerada mais dífícil é o galope a beira-mar. É

composta por estrofes de dez versos com onze sílabas, sendo

obrigatoriamente tônicas as segunda, quinta, oitava e décima primeira

sílabas. O tema é sempre o mar e a estrofe tem que acabar com o

refrão “cantando galope na beira do mar“ como nesta estrofe do

folheto da autoria de João Quinto Sobrinho:

Provo que eu sou navegador romântico

Deixando o sertão para ir ao mirífico

Mar que tanto adoro e que é o Pacífico

Entrando depois pelas águas do Atlântico

E nesse passeio de rumo oceânico

Eu quero nos mares viver e sonhar

Bonitas sereias desejo pescar

Trazê-las na mão pra Raimundo Rolim

Pra mim e pra ele, pra ele e pra mim

Cantando galope na beira do mar.

Mas sem dúvidas as composições mais utilizadas são sextilha, septilha e

décima.

A sextilha é, em geral, a modalidade mais usada pelos autores

populares. Joseph M. Luyten estima que há uns oitenta por cento dos

folhetos escritos nesta forma.33 Usa-se sobretudo nos combates poéticos

– desafios, nas cumpridas narrativas romanceadas, e nos chamados

folhetos da época, nas sátiras políticas e sociais. A sextilha é a estrofe de

seis versos de sete sílabas cada, com o segundo, quatro e sexto verso

rimados, então a disposção de rimas será ABCBDB. Como exemplo

transcrevemos aqui uma estrofe do folheto “O pau cumeu em Alagoas”

de Cuíca de Santo Amaro:

33 Luyten, Joseph M.: op. cit., p. 49.

27

Quem lê a Bíblia Sagrada

Chegará a conclusão

Verá que o mundo

Com a sua evolução

Está transformado

Em grande confusão

Outra modalidade muito popular entre os poetas é a se(p)tilha. A

septilha tem sete versos septassílabos, acrescentando, à diferença de

sextilha, um verso rimado com o quinto. Então a disposição dos versos é

a seguinte: ABCBDDB. Da ausência completa desta modalidade na

vasta produção de Leandro Gomes de Barros os folcloristas concluem

que se trata de uma modalidade bastante recente que se popularizou

entre os poetas sobretudo por sua beleza rítmica. Como exemplo pode

servir esta estrofe escrita na septilha por Minelvino Francisco Silva no

folheto “Preguiçoso que se virou cachorro a fim de não trabalhar”. Eis o

exemplo:

Tem gente que diz que alguém

Leva a vida facilmente

Sem precisar trabalhar

Tudo chega de repente

E tem uma vida boa

Pois acha tudo é à toa

Em uma vida excelente

As décimas, constituídas de dez versos de sete sílabas rimados de

maneira ABBAACCDDC, eram mais usadas entre os repentistas e nas

pelejas, consideradas excelentes para glosar motes dados. Assim

versejaram na décima dois poetas baianos em “Grande peleja de Bule-

Bule com Antônio Queiroz“:

28

“Não faltou no sertão até agora

Gente honesta, forró, cavalo e gado.“

B.B. – Quer falar do sertão vá morar nele,

Não permito ue fale sem morar

Você pode no globo procurar

Não encontra lugar melhor que ele

Acho até que Jesus é filho dele

E São Jorge ali andou montado

Lá se cria e se vive do roçado

Por problema pequeno ninguém chora

Não faltou no sertão até agora

Gente honesta, forró, cavalo e gado.

A.Q. – A mulher sertaneja acorda cedo

No trabalho faz a maior manobra

Arma laço pra onça, mata cobra

Ferra boi e vacina sem ter medo

Quando não tem filé arranja bredo

pega língua de vac e faz guisado

com seis anos um filho vai montado

com três léguas buscar uma senhora

Não faltou no sertão até agora

Gente honesta, forró, cavalo e gado.

É importante mencionar que cada tipo de ordenação dos versos

possivelmente pode ser cantado. E que a musicalidade fica presente

mesmo que o poema seja apenas declamado. Segundo Joseph Maria

Luyten, isso é o aspeto primordial para uma estrutura poética poder ser

chamada de popular.34

34 Luyten, Joseph Maria: op. cit., p. 48.

29

Pode-se observar na literatura de cordel uma certa “indolência

na forma e despreocupação de estilo quando a metrificação dos

versos é feita apenas de ouvido”.35 Para vários poetas a contagem das

sílabas não é a coisa mais importante. Da seguinte maneira reagiu

Antonio Carlos de Oliveira Barreto em “Peleja internética entre dois

cabras da peste!” à repreensão do seu colega mais experiente quanto

ao seu desrespeito à métrica:

Relaxe, meu caro mestre,

Acabou a inquisição!

Para que pedir perdão?

Saiba que detesto as normas,

Gosto de explorar as formas,

(...)

O pesquisador do cordel Joseph Luyten mostrou sua indignação

em relação àqueles que criticam os poetas populares pela má

qualidade de sua poesia com as seguintes palavras: “Poxa vida, se o

homem é comunicador popular não vai se preocupar com moldes

estruturais poéticos. Ele quer é comunicar, essa é a grande

preocupação dele. Ele preferia o conteúdo à expressão – e nisto estava

muito certo.”36

Mas prevalece a opinião que os poetas estão, geralmente,

seguindo as regras rígidas e tradicionais e sabem bem a arte da

métrica. Os autores da Antologia de literatura de cordel afirmam que o

trabalho do poeta popular não pode ser visto como algo inferior, pois

ele de mesmo modo como o poeta erudito “tem que estar consciente

de técnicas essenciais, tem que saber iniciar o poema, manter a

atenção do leitor, situar bem o clímax. Por cima tem que ter em mente

35 Fala-se de “pé quebrado“ quando falta uma sílaba no verso. 36 Luyten, Joseph, em: S/a, “Cotidiano sem versos“, Correio da Bahia, Salvador, 8.12.2002.

30

a quantidade de páginas e o número total de estrofes que deverá

escrever.”37

Para concluirmos este capítulo vamos ainda citar a opinião de

Franklin Maxado sobre a importância das formalidades no cordel: “O

autor de cordel não é feito pelo estudo. O poeta nasce e o estudo

apenas o aperfeiçoa. Mesmo com os erros de linguagem, o cordel

sensibiliza pelas imagens poéticas criadas. É a voz do povo, das raízes. E

quem faz a língua é o povo!38

2.3.2 Classificação

Os folhetos de cordel abrangem assuntos variados e já foram

feitas imensas tentativas no sentido de classificá-los. Muitos cientistas

tentaram enquadrar a literatura de cordel em determinadas divisões em

busca de uma original classifição pormenorizada e erudita. O problema

é que praticamente cada um propunha divisão própria. Somente os

autores da Antologia de cordel mostram nove tipos de classificação

diferentes. Destacam também que as classificações eruditas diferem

bastante da divisão simples e espontânea do público e que a pretexto

dos folcloristas de se “estudar as raízes de povo, mutila-se inúmeras

vezes a realidade, sofisticando-a em nome de ciência.”39 É óbvio que o

próprio autor também não escreve um folheto com a preocupação

com o possível enquadramento de sua obra numa ou noutra divisão.

Segundo a classificação popular o vasto mundo de cordel é dividido

por Liedo Maranhão de Souza. Ele menciona, por exemplo, os folhetos

de conselhos, de eras, de acontecidos, de exemplos, de fenômenos,

etc.40 Concordando neste caso com Franklin Maxado que “muitas das

37 S/a, Antologia de literatura de cordel, cit., p. 40. 38 Maxado, Franklin: op. cit., p. 124. 39 S/a, Antologia da literatura de cordel, cit., p. 41. 40 Para consultar a classificação inteira ver: Souza, Liedo Maranhão de: Classificação popular da

literatura de cordel, Petrópolis, Vozes, 1976.

31

divisões apresentadas poderiam ser apenas subdivisões de ciclos

principais,”41 consideramos essa classificação demasiado detalhada.

O universo do folheto é riquíssimo. Reflete-se nele toda a

realidade da vida do povo com as dificuldades, obstáculos ou fugas do

cotidiano através da imaginação e misticismo. E inúmeras vezes todos

esses elementos resultam num folheto único que, então, dificilmente

pode ser classificado numa categoria só. Vamos citar as palavras do

poeta Abraão Batista que se referem ao problema de encaixar o

cordel: “Eu procuro escrever em todas as áreas. Tanto esse que

chamam folheto de época, como voltando ao passado e imaginando

no futuro. Isso é da própria pessoa humana, é da própria liberdade da

poesia. O sujeito num pode colocar nada numa moldura.”42

Luyten tem uma opinião ainda mais radical. A tentativa de fazer a

classificação da literatura de cordel considera-a uma coisa absurda.

Como se fosse possível dividir toda a literatura brasileira e internacional

em heróica, obscena, de banditismo, religiosidade, etc. Segundo ele

devíamos ter em mente que a literatura de cordel, da mesma forma

como qualquer outra literatura, tem autores, e por isso são os autores (e

não temas) que deveriam ser estudados. A existência de institutos que

dividem suas colecões de folhetos por temas ele a vê como “um

verdadeiro atentado à pessoa do poeta popular.”43

É claro que há poetas que tendem escrever mais dentro de um

ciclo, devido a suas preferências ou fontes de inspiração, mas mais

importante parece ser o fato de os autores tratarem dos assuntos que

interessam ao povo. Por esse motivo concordamos com Luyten que

apoia sua opinião dizendo que “quanto mais conheçermos os autores,

tanto melhor conheceremos o povo e os assuntos de que tratam.”44

Mas para podermos mostrar o que mudou no mundo do cordel,

achamos que será necessário tomar conhecimento pelo menos básico

41 Maxado, Franklin: op. cit., p. 53. 42 S/a, Antologia da literatura de cordel, cit., p. 9. 43 Luyten, Joseph Maria: op. cit., p. 42. 44 Idem.

32

dos temas mais comuns. Para nosso objetivo achamos a mais

adequada a seguinte classificação de Diégues Júnior. Diégues distingue

somente dois tipos fundamentais da temática: os temas tradicionais

oriundos de romanceiros, originalmente conservados apenas na

memória do povo e hoje transmitidos pelos folhetos, entre os quais se

situam as narrativas de Carlos Magno, de Pavão Misterioso, de Donzela

Teodora, etc.; e os temas circunstanciais que registam os

acontecimentos de dado momento – as enchentes, crimes, assassinatos

e roubos, e hoje com a facilitação da comunicação também os fatos

de repercussão internacional. Diégues Júnior sugere, então, a seguinte

classificação:

A. Temas tradicionais

a. Romances e novelas

b. Contos maravilhosos

c. Estórias de animais

d. Anti-heróis: peripécias e diaburas

e. Tradição religiosa

B. Fatos circunstanciais ou Acontecidos

a. de natureza física (enchentes, cheias, secas, terramotos)

b. de repercussão social (festas, desportos, novelas,

astronautas)

c. cidade e vida urbana

d. crítica e sátira

e. elemento humano: figuras atuais ou atualizadas (Getúlio,

ciclo do fanatismo e misticismo, cangaço), tipos étnicos

e tipos regionais, etc.

C. Cantorias e pelejas

33

Temos assim num lado os temas tradicionais, que são constantes

ou permanentes na literatura de cordel e, noutro, os fatos

circunstanciais, quando o cordel transforma-se em jornal ou crônica

fixando os acontecimentos. As pelejas e cantorias e os desafios

poéticos, por ter a capacidade de explorar qualquer um dos temas

desenvolvidos na literatura de cordel, ficam na categoria especial.

2.3.3 Autoria

De mesmo modo como os narradores populares transmitiam as

histórias e lendas versadas de origem européia ou árabe de geração

em geração sem precisar de saber a autoria exata, também os poetas

populares inicialmente não davam muita importância a que os folhetos

ficassem identificados com seus nomes. O nome apareceu somente na

capa e no caso de venda dos direitos autorais, muitas vezes era

trocado pelo nome do editor, acontecendo isso com ou sem

consciência do autor. Isso ocorreu especialmente com os folhetos

tradicionais, os mais próximos da literatura oral, dos quais o autor

simplesmente tirava o essencial do enredo e acrescentava uns

elementos de inventia individual. Por esse motivo fica quase impossível

descobrir qual o autor original de vários folhetos. Desapareceram desta

forma provavelmente dezenas de folhetos de um dos mais famosos

poetas populares, Leandro Gomes de Barros. Por outro lado é fato

sabido que muitos dos folhetos assinados com o nome do editor e outro

clássico autor de cordel, João Martins d´Athayde, eram de autoria

alheia. Na tipografia de Athayde costumavam simplesmente omitir o

nome do autor original, adulterar o acróstico final em muitas histórias e

colocar somente seu nome.

Com o crescente interesse pela literatura de cordel também os

autores começavam a se preocupar mais com a impressão de seu

nome na capa de folheto e tentavam lutar por seus direitos. Os mais

felizes podiam editar seus folhetos em sua própria tipografia, mas outros

34

tinham que aproveitar o serviço de uma editora especializada. Na

tentativa de defender seus direitos, muitos autores faziam questão de

registrar seu folheto na Biblioteca Nacional ou ameaçar os plagiadores

com o tribunal. Mas mais efetivo se mostrou colocar no fim do folheto

versos iniciados com letras de acróstico que os identificava. Com tal

acróstico acabaram a peleja dois poetas sertanejos, Franklin Maxado e

António Carlos de Oliveira Barreto:

Finalizo sem agá

Mais linhas vou escrever

A peleja com Barreto

Xará que me dá prazer

Atende a este feirense

Do parceiro barbarense

O povo é quem irá ler.

Bater papo com você

Amigo Franklin Maxado

Recordo de coisas boas

Referente ao passado

Então me despeço agora

Torcendo pra qualquer hora

Outro debate. Obrigado!

Outro poeta baiano, Antônio Vieira, além de se identificar através

do acróstico nas últimas estrofes de seu folheto, costumava aproveitar

também a contracapa – o lugar tradicionalmente reservado para

colocar retratos, propagandas dos títulos já publicados ou dos que vão

vir em breve, dados biográficos ou editoriais. Nas contracapas de seus

folhetos podemos frequentemente encontrar este seu “currículo”:

35

Antônio Vieira

Nasceu em Santo Amaro

Tem sobrenome do pai

O nome, a mãe deu, é claro

No ano de 49

Introduziu-se no orbe

Onde faz o seu trabalho

Viajou pelo Brasil

Investigou um bocado

Escreveu em seus cordéis

Imagens que lhe marcaram

Resgate de pesonagens

Anônimos e consagradas

36

3. O papel do autor da literatura de cordel

Desde o fim do século XIX, os poetas populares brasileiros,

sobretudo nordestinos, utilizavam a escrita para se comunicar com

leitores e ouvintes e pode-se constatar que, por muito tempo, o folheto

mantinha sua liderança como meio de informação nas zonas menos

desenvolvidas do interior nordestino, habitado pelos trabalhadores e

camponeses, ou seja, como alguns costumam dizer, por “gente simples

e humilhde”. Além de ser um meio de comunicação, o folheto oferecia

ao homem da zona rural um modo de evasão ou fuga do sofrimento e

dos problemas cotidianos. As histórias de princesas, cangaceiros,

triumfos de amor, milagres, ou as mais incríveis narrativas ajudavam o

povo a esquecer as amarguras da vida.

O autor de cordel sempre gozava de posição especial no mundo

dos matutos nordestinos. Pode-se dizer que no Noredeste brasileiro o

poeta popular desempenhava o papel de verdadeiro líder informal da

opinião pública. Os poetas naturalmente refletiam, na temática de suas

poesias e na maneira como se relacionavam com seus leitores, o

ambiente em que viviam. Pertenciam à mesma classe social, tinham os

mesmos costumes, as mesmas tradições, a mesma linguagem, tinham

que enfrentar as mesmas dificuldades e era por isso que o público

sentia-se tão atraído por sua obra.

Assim explica o fato Expedito Sebastião da Silva, poeta e chefe

da Gráfica da Tipografia de Juazeiro: “A poesia é o seguinte: quanto

mais sentimento a pessoa tem, quanto mais vê e sente, mais escreve

melhor. O camarada que não sofreu nada, que não passou por nada,

que nunca passou certas necesstudes na vida, ele não sabe se

expressar dentro do sofrimento. Digamos assim, se eu sou um sujeito que

gosta de tomar pinga, aí eu deixo a pinga, eu sei dar um conselho a

outro sobre o que ocasiona a pinga, o que pode produzir. Já o que

nunca bebeu num pode dar um conselho eficaz sobre o assunto. É tal

37

qual a poesia, o sentimento do indivíduo. Ele passou pelo sofrimento,

sentiu, aí ele sabe se expressar dentro daquele tema.”45

Conforme já foi dito, o universo dos habitantes das regiões

nordestinas ficou durante um longo período relativamente fechado. O

isolamento social dificultava a comunicação do Nordeste com o resto

do país e favoreceu assim o fato de os moradores manterem durante

muito tempo as velhas tradições e costumes, herdados dos

antepassados longínquos quase sem alterações. E mesmo depois, com

as aberturas das estradas e a consequente migração dos nordestinos

para outras regiões do país, este isolamento de certa forma

permaneceu. Cristina Campello vê como uma das manifestações deste

isolamento a pouca aceitação dos meios de comunicação em massa.

Desses nem o jornal ou a rádio conseguiram penetrar na zona rural e

ameaçar a forte posição do cordel.

O rádio, apesar de não exigir grandes despesas e possibilitar o

acesso às informações também aos analfabetos, pode-se achar restrito

como meio de informação das populações rurais, porque sendo

originalmente da zona urbana, e poucos eram os municípios que

possuíam o próprio rádio local, a linguagem usada era muitas vezes não

entendida pelos habitantes do interior. A imprensa tornou-se, por

semelhantes razões, um meio de comunicação lido apenas pela elite.

Escassas eram as cidades que possuíam jornais próprios, outras, ficando

distantes das capitais ou com um acesso mais complicado, não tinham

condições de receber regularmente o periódico. E se mesmo

recebessem, a linguagem escrita, do mesmo modo como no caso de

rádio, passou muitas vezes despercebida pela população rural que

precisava de um intérprete de mensagens. A respeito disso escreveu

Jorge Amado, referindo-se à situação na capital baiana: “Se o livro e o

jornal não são muito lidos no mundo do Mercado Modelo a culpa não é

45 S/a, Antologia da literatura de cordel, cit., p. 9.

38

do povo dali. O livro é caro e geralmente escrito em linguagem difícil. O

jornal é mais barato, mas ainda assim, só uns poucos podem gastar

todo dia para ler os telegramas que já ouviram no alto-falante da

praça. Demais a população do Mercado Modelo e adjacências não se

interessa pela maioria dos assuntos tratados nos jornais. Interessam os

crimes, os cangaceiros, as aventuras dos capitães da areia, o preço alto

da vida.”46

Esses fatos justificam a utilização do folheto como um dos meios

de comunicação mais usados na região nordestina. Os autores do

cordel falavam a linguagem do povo, que através deles sentia-se

capaz de entender o que estava ocorrendo em seu redor e os folhetos

espalhados por toda a região eram facilmente acessíveis para todos.

Tudo isso explica porque os autores do cordel alegravam-se do papel

tão extraordinário no processo de comunicação no ambiente rural.

Mas como já mencionámos nos capítulos anteriores, a “época

áurea” da literatura de cordel acabou por volta do ano 1960. Depois

da chamada crise do cordel na década de 60, causada

principalmente por razões econômicas e sociais e pela adoção da

televisão pelas camadas pobres – público tradicional do cordel – o

cordel já não era mais o mesmo. Ainda que, desde a década de 70, se

comece a falar de um novo surto da literatura de cordel, o número dos

poetas que viviam somente de sua arte nem a quantia dos títulos

editados e vendidos se podia comparar com as tiragens atingidas pelo

cordel da fase áurea.

As mudanças que acompanhavam esse novo surto a respeito do

papel do poeta e de seu público podem ser caraterizadas de vários

pontos de vista. Por exemplo, o professor Átila de Almeida observa o

permanente declínio do cordel, entre outras razões, como uma

consequência da falta de ajuda e do incentivo das autoridades aos

poetas populares. Que a situação neste respeito ao longo dos anos não

46 Amado, Jorge: op. cit., p. 191.

39

melhorou muito comprova-o também o “Manifesto em defesa da

Literatura de cordel”, editado pelos poetas e pesquisadores

participantes do “1o Encontro Sesc Cordel”47 em Outubro de 2005, no

qual eles “resolveram se manifestar contra omissões e lacunas

institucionais que tanto prejudicam esses autores e suas obras”. No

Manifesto, endereçado às autoridades municipais, estaduais e federais,

os poetas sobretudo requerem o apoio das instituições na produção e

distribuição e propaganda da literatura de cordel.48 Porém mais

importantes parecem ser as mudanças no caráter de autor e de seu

público.

3.1 Os universitários contra analfabetos?

Deve-se sublinhar que o poeta como um líder de opinião podia

desempenhar esta posição somente por exibir algumas caraterísticas

específicas pelas quais era admirado pela população rural. Dentre

outras, o fator do maior destaque era com certeza sua alfabetização.

Pelo simples fato de saber ler e escrever, que nem na metade do século

XX era comum entre a população rural, pela capacidade de ler os

jornais e revistas e pela habilidade de transformar as informações

recebidas em linguagem popular, gozavam os autores do cordel de

certa autoridade sobre o resto do povo. Educação dos poetas não foi

da escola (como admite Orígenes Lessa, muitos deles não acabaram

sequer a escola primária49), mas sim de suas viagens constantes, das

discussões nas feiras e dos encontros com os colegas e com o povo.

Mesmo confessando a falta de educação formal, os poetas

ficavam conscientes de sua importância para a população rural e

47 SESC – Serviço social de comércio – é uma entidade privada, criada em 1946, mantida e administrada pelos empresários do Comércio com intuito de: “Promover a qualidade de vida dos trabalhadores do

comércio de bens, serviços e de turismo e da sociedade, com ações de saúde, educação, cultura, esporte e

lazer.“ Ver p. ex.: <http://www.sesc-rs.com.br/home/sobre/index.htm.> 48 S/a, “Manifesto em defesa da Literatura de Cordel“ [online], [cit. 2007-03-15], < http://paginas.terra.com.br/arte/cordel/ap13_manifesto.htm> 49 Lessa, Orígenes: op. cit., p. 60.

40

orgulhavam-se de sua sabedoria e “genialidade.” “Inteligência nós

temos. O que nos falta é letra...,”50 são as palavras do poeta Manuel

Monterio que comprovam esse fato. Outro poeta nordestino, Abraão

Batista, explica o que ele acha mais importante na criação de um

folheto: “A gente, eu por exemplo, escrevo como se estivesse fazendo

uma carta. Procuro ser eu, ser povo, ser o que sou. Procuro voltar às

minhas origens. Não me interessa aquela fórmula gramatical, aquelas

figuras de gramática.. não interessam.”51

Os poetas populares sentiam-se privilegiados, “escolhidos por

Deus” e muitos viam sua profissão como cumprimento de uma missão.

Orgulhosos de seu dom e prestígio, e nisso não se distinguem dos poetas

“eruditos”, costumavam usar as alcunhas que enfatizassem este seu

privilégio. Por exemplo, a expressão ‘O Tal’, usada por Cuíca de Santo

Amaro, significa a designação de uma pessoa que tem ou julga ter

valor excepcional em qualquer coisa. E isso adequava-se bem a sua

personagem excêntrica da qual vamos falar mais adiante. Eis um

exemplo de seu folheto “O Veado que matou o Caçador”:

Porém eu prometi

A Deus, e a Sociedade

E a todos aqueles

Que têm autoridade

A contar!.... a escrever

Somente a pura verdade

Os poetas contemporâneos não abandonavam esse sentimento

de orgulho de sua vocação. Por exemplo, o autor contemporâneo

baiano Minelvino Francisco Silva, residente de Itabuna, costuma auto-

denominar-se de “Trovador – apóstolo.” Estes interessantes versos são de

sua autoria:

50 S/a, Antologia da literatura de cordel, cit., p. 12. 51 Ibidem, p. 9.

41

Eu e Jesus em Belém

Nascemos quase num dia,

ELE em Belém da Judéia,

eu em Belém da Bahia,

ELE pregava o Evangelho,

e eu prego a poesia.

Os poetas tradicionais, concientes de sua posição extraordinária,

gostavam de mostrar sua superioridade em relação a seu público e

também aos outros poetas. Para demonstrar sua sabedoria buscavam

frequentemente palavras difíceis, alheias, muitas vezes sem saber o

significado exato, só para o folheto ficar mais “bonito.” Orígenes Lessa

cita em seu artigo o seguinte pedido feito pelo poeta Manoel Pereira

Sobrinho ao folclorista Raimundo Àsfora:

“Dotó, o senhor não podia me arranjar aí uma lista de palavras

esdrúxulas prá butá nos romances? Eu gosto muito de esdrúxula… fica

bonito, não sabe?”52

Lessa comenta que são mesmo as deficiências dos poetas nordestinos,

sua “incultura” e os mais diversos erros na ortografia e gramática que

tornam a literatura de cordel tão fascinante, dando aos versos um

caráter de pitoresco. Mas é bom lembrar a presença de uma mais

variada escala de usos de linguagem, desde o discurso sóbrio, por

exemplo de Leandro Gomes de Barros, passando por uma linguagem

campestre, conscientemente trabalhada pelo autor com o intuito de

fazer o público rir, à linguagem culta dos estudiosos contemporâneos.

Contando as histórias mais imaginosas, sejam elas herdadas do

passado ou da criação própria, os poetas populares transformavam

tudo em termos do Nordeste brasileiro, conforme seu ambiente e

52 Lessa, Orígenes: op. cit., p. 72.

42

linguagem naturais. É caraterístico para a literatura de cordel tradicional

o quase total desuso de pontuação e a constante aparência de

neologismos, a criação de palavras utilizando sufixos, prefixos ou

justaposição. A linguagem do cordel pode-se observar tão universal

quanto sua variedade de temas que merecia um estudo mais

cuidadoso e específico que não é o objetivo central deste trabalho.

Para comparar seu talento com os outros e mostrar sua

inteligência, os poetas costumavam organizar combates poéticos,

disputando nos mais variados motes, temas e ritmos. O desafio já era

uma das modalidades muito comuns na literatura oral e os mestres

verdadeiros das pelejas eram os repentistas sempre prontos para

enfrentar o desafio e improvisar versos sobre um tema qualquer. A

grande popularidade deste gênero é indicada também pela

quantidade dos folhetos com os desafios imaginários entre os poetas

reais ou mesmo fictícios.

Que esta tradição sobreviveu até nossos dias comprovam-no

vários folhetos. Como um bom exemplo pode servir, seja ela fictícia ou

não, “A grande peleja de Bule-Bule com Antônio Queiroz” que descreve

o encontro do atualmente mais famoso autor do cordel baiano, Bule-

Bule, com o “cantador da Ladeira”, no lugar tradicional de combates

poéticos – o salvadorense Mercado Modelo. De verdade os poetas

passam por vários temas, mas a peleja, como muitas outras, parece ter

como o mote principal o troçar do outro. Eis o exemplo como os poetas

estão se provocando:

B.B. – Seu candidato perdeu

O seu partido acabou

Seu gado está espalhado

O seu cavalo cansou

Você começou fervendo

Mas todo mundo está vendo

43

Que o seu botijão secou.

A.Q.- Você correu e cansou

Bem na linha da chegada

Seu cavalo sai na frente

Mas perde na bandeirada

Vou acabar seu estudo

Quem chegou sabendo tudo

Volta sem saber nada.

Hoje em dia fica cada vez mais comum que os combates “vivos”

das feiras e praças sejam substituídos pelas pelejas virtuais, organizadas

através da internete. Temas também se modernizaram. Os poetas de

agora falam de tecnologia, literatura, situação política ou até

metalinguagem. Assim é advogada a nova forma de desafio por

Franklin Maxado no “Bate-papo virtual sobre coisas e figuras de Feira de

Santana e de Santa Bárbara por dois poetas sertanejos”:

O computador é hoje

uma ferramenta tal

que ajuda tanto o homem

nessa era espacial

que até poetas fazem

bate-pao virtual.

Isto foi até normal

e dentro de uma ética

pois entraram no “e-mail”

usando a Internética,

modernizando o Cordel

para a vida cibernética.

44

Além da modernização dos temas e aproveitamento dos meios de

comunicação modernos, são as pelejas um dos poucos estilos de cordel

que em sua forma ficaram praticamente sem mudanças. Geralmente

os desafiantes de todas as épocas procuravam dificultar o trabalho do

outro, mudando da forma ou tema, ficavam agressivos em suas ofensas

e vaidosos em seu auto-elogio. Um bom exemplo disso é a recente

“Peleja internética entre dois cabras da peste!” que decorreu entre dois

baianos – António Carlos de Oliveira Barreto e Jotacê Freitas. Os autores

nela passam entre septilha, décima e sextilha falando de temas

variados como a literatura, tecnologia ou estilo de versejar. Por um lado

eles se provocam constatemente, chamando-se de cão, besta ou

desgraça e, por outro, trocam versos afirmando a amabilidade e o

respeito mútuo:

JF – Você me intitulou mestre

e adorou meu linguajar.

Içou o lenço de paz

após me desafiar,

depois voltou violento.

Você precisa de unguento

contra o seu mal versejar.

ACOB - Eu preciso-lhe ensinar

corrigir contradição.

Há pouco você me disse

ser um aprendiz, irmão!

Agora me menospreza

e o meu versejar despreza

me impondo essa humilhação.53

53 O folheto inteiro está incluído em anexos.

45

O que mudou é que atualmente a maioria dos autores do cordel

provêm das categorias sociais médias e mais altas e que muitos deles

até possuem o diploma universitário. E por mais que possa parecer

estranho, isso representa um grande problema para muitos

pesquisadores. Recusam aceitar este novo tipo de cordel chamando

ele de “para-folclórico” e condenam os autores por darem, com seu

estilo e linguagem erudita, uma visão falsa da poesia popular.

De acordo com o professor Átila de Almeida, a literatura de

cordel começou a morrer na década de 60, graças à “aceleração do

rítmo de desenvolvimento industrial que modificou a mentalidade do

homem rural, o grande consumidor dessa literatura.”54 Parece

importante acrescentar que foi naquele mesmo tempo quando se

notou o crescente interesse pelo cordel nos meios eruditos. Surge assim

um novo público formado por pesquisadores, colecionadores,

inteletuais e/ou turistas.

Os poetas naturalmente procuram agradar este seu público novo

tentando atualizar os temas, inventando novos e deixando outros ao

lado. Mas a corrente constante de desestímulos como, por exemplo, o

surgimento das editoras industrializadas, que procuravam publicar os

folhetos clássicos ou pelo menos dos autores já consagrados para não

correr o risco de perder a investição, ainda dificultavam a vida do

poeta no nível individual. Naquele tempo muitos dos escritores de

folhetos falavam da desilusão com a profissão do poeta e procuravam

outros trabalhos. E ao mesmo tempo aparecem ao lado dos poetas

semi-alfabetizados os autores com a educação universitária que

aderem às formas da poesia popular. Mas cabe assinalar que estes

novos autores já não vêem a criação do folheto como sua profissão.

A existência dos novos autores e deste novo público em si pode-

se ver como um fenômeno positivo. Mas será bom mencionar, por outro

54 Almeida, Átila: “Átila entoa requiem“, em: Maxado, Franklin: O cordel televivo, Rio de Janeiro, Codecri, 1984, p. 30.

46

lado, que as mudanças e adaptações do cordel a seu gosto

favoreceram um certo afastamento entre os poetas populares e sua

fonte tradicional. A quebra do isolamento e o maior contato com os

centros urbanos conduziam os poetas ao abandono de seus conceitos

tradicionais e ao rompimento de sua visão regionalista. A linguagem se

urbanizava e as palavras como computador, tecnologia ou poluição

entraram no cordel. Nos últimos tempos a literatura do cordel incorpora

novos meios de divulgação como filme, disco, livro erudito ou internet

sendo isso considerado por muitos como uma descaracterização do

cordel.

Disto surge um conflito entre os pesquisadores que não foi

razoavelmente resolvido até hoje. O problema vem do fato que o novo

público, formado das camadas não populares, tem os interesses

diferentes e procura o cordel não como um elemento vivo da cultura

brasileira, que reflete o pensamento do povo, mas como um elemento

folclórico, isto é, uma coisa exótica e arcáica que já não evolui mais e

deve ser conservada na forma como está.

Enfim, por um lado ficam os que condenam este novo tipo de

cordel acusando-o de “artificialidade” por retratar os temas que não

são seus caraterísticos. Um daqueles que criticam os novos modos é

Orígenes Lessa: “... a literatura de cordel está deixando de ser poesia

popular para ser pasto da curiosidade inteletual de uma elite.”55 Outros

vêem a literatura de cordel por outro ângulo e defendem o novo cordel

como uma evolução natural que deve aproveitar todas as novas

técnicas de comunicação. Segundo eles, ela faz parte da cultura

nacional: “A prática do cordel deve, pois, ser entendida como uma

instância reprodutiva da cultura e dos interesses dominantes e não

como algo pitoresco como querem os analistas.”56 Isso porque o folclore

é sempre dinámico, naõ desaparece ou entra em decadência.

Tranforma-se, modifica e adapta aos novos tempos.

55 Lessa, Orígenes: “Lessa acusa paternalismo“ em: Maxado, Franklin: O cordel televivo, cit., p. 47. 56 Neto, Antonio Fausto: em: Maxado, Franklin: O cordel televiv, cit., p.45.

47

Contra os poetas do meio dos estudiosos eram também os

poetas restantes das camadas populares. Um deles, João António de

Barros, no folheto “Doutor, que faz em cordel?“, deixou bem clara sua

opinião de que os poetas formados não se deveriam meter na arte de

cordel porque não têm nada para dizer ao povo:

Apareceu jornalistas

E até advogados

Estragando os recados

Dos poetas repentistas

Que antes eram artistas

Tratados por menestrel

Hoje um tal bacharel

Quer lhe atrasar o pão

Doutor é a poluição

Nos livretos de cordel

A resposta de um dos atacados, do poeta e pesquisador baiano

Franklin Maxado, não demorava de vir. No folheto “O Doutor Faz em

Cordel o que Cordel Fez em Dr.” ele defende o direito de qualquer um

para escrever um folheto:

O cordel se faz doutor

Não é peça pra museu

Teve, tem e terá valor

Entretanto o que se deu

É que os tempos mudaram

Pois a vida não morreu

O folheto acaba com o apelo que os cordelistas não deveriam brigar

entre si, mas sim reunir-se, pois afinal todos querem a mesma coisa, isto

é, que o cordel continue vivo:

48

Se há público para todos

No Cordel, rego união

Entretanto não me calo

Com qualquer provocação

Colega! Vem defender

Comigo o nosso pão.

3.2 E isso dá dinheiro?

Outra caraterística que apoiou a posição do autor de cordel

como um líder não oficial da população rural é sua constante

mobilidade. São as viagens onde ele ganha sua “sabedoria” e

experiência da vida que o povo tanto admira e que lhe possibilita um

melhor acesso às informações. Mais importante ainda para ser

admirado pelo povo parece ser o fato de o poeta conseguir uma

liberdade econômica, ganhando o suficiente para sobrevier somente

pela venda de seus folhetos. Isso é ressaltado também por Orígenes

Lessa. Ele chama atenção para o impressionante fato de ser escasso o

caso dos escritores e poetas eruditos que tenham conseguido viver

exclusivamente de sua produção literária, ao contrário dos poetas

populares. Pequenas editoras existiam quase em cada cidade do

Nordeste e muitas delas empregavam famílias inteiras. Conforme

Rodolfo Coelho Cavalcante, nos anos 60 viviam em Salvador pelo

menos cinquenta famílias da venda de folhetos.57 Apesar de viverem

pobre e terem que enfrentar várias dificuldades, os poetas não

costumam abandonar sua profissão uma vez escolhida, da qual se

orgulham e que lhes traz a popularidade e o respeito.

57 Lessa, Orígenes: op. cit., p. 72.

49

Hoje em dia, os autores de cordel na maioria não vivem somente

de seus folhetos. Para muitos o costume de escrever folhetos tornou-se

apenas um tipo de passatempo ou distração. Só os mais românticos e

idealistas continuam “cumprindo sua missão”. Nos últimos vinte ou trinta

anos, notou-se uma reestruturação dos métodos da impressão e da

divulgação. Já não se usam oficinas de tipografia, mas impressoras a

laser ou de tinta. Os poetas não viajam de cidade á cidade, nem ficam

declamando seus versos na praças e feiras. Em vez disso buscam novos

locais, como bares, teatros e restaurantes para comercializar sua

produção. Há exceções, claro, como Franklin Maxado, que possuem

uma pequena editora e conseguem se sustentar das publicações

artesanais, com a xilogravura mais trabalhada e de menor tiragem, que

são vendidas em livrarias, galerias e nas feiras de arte. Destinam-se mais

aos turistas e brasileiros que se interessam pelo folclore e por suas raízes.

Muitas folhetarias e editoras nordestinas foram fechadas e atualmente,

apesar da constante queixa dos poetas da falta do apoio, a grande

parte da produção atual deve-se ao auxílio das universidades federais e

outras fundações. Na Bahia, por exemplo, funciona o Centro dos

Estudos Baianos da UFBA, ou Fundação Cultural do Estado da Bahia

com sua Divisão de Cordel que apoiam os poetas, publicam as

antologias e colecionam os folhetos. Surgem também várias iniciativas

de dirigir concursos da melhor história da literatura de cordel sobre um

tema sugerido. Os premiados recebem parte da publicação de seu

folheto e a outra é distribuída gratuitamente às escolas, aos visitantes da

Fundação e a outros interessados.

3.3 O autor de cordel como intérprete de mensagens

Os autores da literatura de cordel também podem-se caraterizar

segundo o papel que representam no processo de comunicação. O

poeta popular desde sempre era sobretudo informante das notícias,

50

“entretenedor”58 e comunicador, ou seja, intérprete de mensagens. É

óbvio que essas categorias encruzam-se mutuamente, mas achamos

que através delas podemos facilmente ilustrar as mudanças no papel

de autor ocorridas nos últimos trinta anos.

Como já mencionamos nos capítulos anteriores, o autor do cordel

tradicionalmente funcionava como um intérprete de mensagens

provenientes de fora de seu círculo, transformando-as em linguagem

comum que fosse entendida por todos. Manuel Cavalcante Proença,

na Antologia da Literatura Popular em Versos a respeito disso diz: “...o

poeta popular é tanto mais importante para os seus ouvintes e leitores

quanto menos original se mostra, isto é, quanto menos rebelde fórmulas

tradicionais, e quanto maior soma de material e técnicas tradicionais,

reúne.”59

Poetas populares sempre funcionavam como os intermediários

entre os canais formais, com seus livros eruditos, jornais ou teatros etc., e

o povo. Nesse sentido eles seguiam uma norma de teoria de

comunicação – utilizando “um sistema de referência válido para todos

os destinários de mensagens”60, ou seja, sinais conhecidos por todos.

Também Cristina Campello menciona este aspeto, referindo-se a

Schramm: “Os sinais têm apenas o significado que a experiência de um

indivíduo lhe permite interpretar. (...) Uma pessoa só pode estabelecer

comunicação nos próprios termos de seu próprio sistema de

referência.”61

Isso quer dizer que o poeta tem que entender bem os sonhos,

ambições, desejos ou medos de seu público para os poder decifrar e

interpretar e também comentar e dar opinão. Cabe lembrar ainda que

mesmo mostrando sua opinião pessoal que deve ser respeitada, os

58 Com a palavra “entretenedor“ designa Franklin Maxado o poeta popular que cumpre uma das funções de autor do cordel, isto é, entrete (no sentido de diverte) seu público, em: O cordel televivo, cit.. 59 Proença, Manuel Cavalcante: A ideologia do cordel, Rio de Janeiro, Imago/INL, 1976, p. 62. 60 Campello, Cristina: O autor, leitores e ouvintes da literatura de cordel, São Paulo, USPIECA, 1972, p. 23. 61 Schram, David: El mecanismo de la Comunicacion, em: Campello, Cristina: op. cit., p. 23.

51

poetas ao mesmo tempo expressam bem a opinião geral. E esse papel

social do artista – representar o homem de seu tempo – continua o mais

importante também no século XXI.

Para desempenhar melhor seu papel todos os poetas tinham que

manter se informados, estudar ou ler jornal, acompanhar o rádio, e mais

tarde ainda a televisão e o cinema. A fonte de inspiração também

frequentemente aparecia nas primeiros estrofes do folheto:

Agora em Alagoas

Houve grande tiroteio

Os jornais da Bahia

Disseram sem receio

(...)

diz se, por exemplo, no folheto “O Pau cumeu em Alagoas” de Cuíca

de Santo Amaro. Os poetas atuais além disso estudam nas universidades

e pesquisam e, em vez de imprimir, publicam seus poemas na internet.

Assim vê a vantagem de utilizar internete Jotacê Freitas em “Peleja

internética entre dois cabras da peste!”:

Essa tecnologia

Tem utilidade boa

você lê, escreve e fala.

Namora e transa à toa.

Negocia na internete,

Engana e mente pra peste,

E inferniza a pessoa

De certo modo o poeta popular também podia ver-se como um

tipo de disseminador da cultura. Antigamente tinham as pessoas das

camadas mais pobres a possibilidade de conhecer através de folhetos

as obras mais famosas da literatura erudita brasileira e internacional. Na

52

forma de folheto circulam por exemplo “Iracema”, “Amor de Perdição”,

“O guaraní”, ou até “Romeu e Julietta” transpostos em linguagem de

sertão.

Pode-se constatar que para os poetas modernos isso funciona

quase ao contrário. Quer dizer que alguns poetas apresentam através

de seus folhetos os traços da cultura regional ao público urbano. Isso é,

por exemplo, o caso do poeta baiano contemporâneo Antônio Vieira

que o escrever dos folhetos vê como uma boa possibilidade para

registrar os costumes populares antes que estes desapareçam:

A história de um povo

Tende a desaparecer

Sua cultura, costumes

Certamente irão morrer

Se ninguém se interessar

Para em livro registrar

Se um poeta não escrever

Em seus folhetos Vieira costuma retratar as tradicionais

manifestações folclóricas baianas como samba da roda, burrinho,

capoeira ou maculêlê do mestre Popó. No pequeno folheto “Acará-jé

o mesmo que comer fogo”, por exemplo, conseguiu incluir a descrição

da história da cultura Ioruba, do mundo dos Orixás, da importância de

dendê para eles e, obviamnete desta famosa comida baiana:

Akará significa

Bolinho de feijão, frito

No azeite de dendê

Assim é que está escrito

Jé é verbo comer

Acarajé quer dizer

Comer fogo, é o mito

53

Acarajé veio pra rua

Garantindo obrigação

Dinheiro pra Iaô

Que fazia devoção

Agora, ele é vendido

Como prato preferido

De toda a população62

Outro aspeto muito caraterístico para o poeta popular é que ele

costumava noticiar, comentar, interpretar ou criticar tudo o que estava

ocorrendo a seu redor e no mundo, principalmente aquilo que mais

interessava a comunidade. Cumpria assim a função do próprio

jornalista, aparecendo sempre nos lugares onde tinha acontecido algo

importante ou, segundo ele, digno de registro, sendo

consequentemente comunicador imediato da notícia. Como comenta

Jorge Amado, os fatos que mais interessam o povo são “...o último crime

sensacional, o encaracimento da carne-seca e da farinha, o cômico

incidente na porta de um bar entre dois bêbados, a última façanha dos

cangaceiros, a luta contra a guerra e é por intermédio deles que o

mundo do Mercado Modelo toma conhecimento do que vai pelo

universo e pelo resto da cidade Salvador.“63

Estes folhetos, às vezes também conhecidos como “de época”,

que costumam ser classificados entre os de temas circustanciais, têm

como seu objetivo primário informar o povo o mais rápido possível. Mas

geralmente os folhetos da época tinham a vida efêmera e é também

este gênero que hoje está mais em decadência. A principal razão

responsável por este fato são os meios de comunicação em massa,

além dos altos custos da impressão e das dificuldades de uma imediata

62 O folheto na íntegra está incluso nos anexos. 63 Amado, Jorge:op. cit., p.190.

54

distribuição do folheto. Mas é necessário destacar que antigamente

eram estes folhetos que traziam aos poetas o maior sucesso.

Atualmente a concorrência da televisão e dos jornais e revistas,

com as fotos coloridas, fazem com que a literatura de cordel fique

desacreditada e perca leitores. Também as editoras industrializadas que

conseguem publicar folhetos de cordel em grandes tiragens para

depois serem vendidos nas bancas dos jornais e nos supermercados

contribuem para o desaparecimento da produção individual. Os

poetas queixam-se de que o público tradicional desacostumou de ler

folhetos e que fica cada vez mais difícil criar interesse e atrair os leitores.

Também o folheto somente exposto na estante no supermercado ou na

livraria não chama tanto atenção dos consumidores orientados para a

televisão. Segundo o poeta Olegário Fernandes Silva, os crimes, roubos

ou desastres de automóveis não interessam mais o público “porque já

virou costume e o povo não acha mais novidade.”64 Mas apesar de

vários poetas afirmarem as dificuldades para se criar novas histórias

originais, pode-se observar nos folhetos atuais uma grande variedade

nos temas. Além da situação política e social, aparecem temas como a

poluição, o anticoncepcional, o computador, a favela, o futebol, etc.

Para ilustrar a importância do poeta-repórter durante as décadas

de 40 – 60, isto é, quando o cordel gozava de maior popularidade, não

pode existir melhor exemplo que José Gomes, neste trabalho já várias

vezes mencionado.65 Este famoso poeta baiano, mais conhecido como

Cuíca de Santo Amaro, Ele o Tal, como assinava todas suas obras,

dedicava-se quase exclusivamente ao folheto deste tipo. Apesar de ser

um autor bastante fecundo (contam-se a sua autoria centenas de

obras), ele não cultivava nenhum dos gêneros tradicionais da literatura

64 Maxado, Franklin: O cordel televivo, cit. , p. 40. 65 Cuíca de Santo Amaro nasceu em Salvador em 1907. Informações sobre a data de sua primeira publicação são contraditórias, mas acredita-se que tenha sido no começo da década de 40. É o autor de centenas de folhetos, impressos quase semanalmente durante quase 25 anos – até sua morte em 1964.

55

popular. Edilene Matos, a autora da biografia de Cuíca, consta que em

sua vasta produção não se encontram romances, contos maravilhosos,

nem cantorias ou pelejas. Sua ampla produção abrangia, sobretudo, os

chamados casos da época, reportagens do dia-a-dia, as curiosidades e

sensações, crítica política e, para ter um lucro certo, também os “livros

de encomenda”.

Como sua linguagem satírica não poupava ninguém, ele era um

grande espantalho dos poderosos e corruptos de sua época. Mas o

ódio das autoridades foi compensado pela admiração imensa do povo,

cujos direitos ele sempre defendia. Como diz Mark Curran no artigo

“Cotidiano em versos”: “Apesar de não ter estudado e não estar entre

os melhores versificadores da literatura de cordel, Cuíca era a síntese do

trovador-repórter popular. (...) Sua obra total é como um jornal popular,

um documento ou uma crônica de sua época (...) uma crônica da

cidade de Salvador da Bahia e, até certo ponto, da nação inteira.”66

Seus admiradores dos meios eruditos defendem Cuíca, frequentemente

criticado por escrever versos “de pé quebrado” e da ortografia

peculiar, argumentando que isso era causado pela pressa para explorar

logo um fato inusitado.

Sua figura, sempre vestida de fraque e chapéu de coco, poderia

ser encontrada nas ruas de Salvador, ao lado de Mercado Modelo ou

na praça Cairu, onde Cuíca infatigavelmente apregoava seus folhetos,

anunciava os crimes e casos de corrupção. Frequentamente acontecia

que a pessoa envolvida o procurava e comprava toda a edição.

Muitas vezes também ficou preso por ofender algum delegado ou uma

autoridade estadual ou era ameaçado de uma grande surra. Não

havia um assunto que o Cuíca, que se auto-denominava de “Trovador

Repórter da Bahia” ou também “reporteresso” não retratasse.

Sua grande força residia, porém, nos comentários sobre fatos do

dia, do cotidiano baiano que explorava sem limites. O que era um

66 S/a, “Cotidiano em versos“, Correio da Bahia, Salvador, 8.12.2002.

56

inferno para suas vítimas, era um gozo para seu público que muitas

vezes se reunia a seu torno para ouvi-lo melhor. Cuíca considerava-se

um justiceiro lutando pelos interesses dos mais pobres. Cabe aqui, mais

uma vez, citar o perfil do Cuíca feito por Jorge Amado: “Tudo quanto

acontece na Bahia e no mundo é tema para a poesia de Cuíca:

assasinatos e roubos, vida cara, raptos românticos e tempestades que

naufragaram saveiros.”67 Seus versos são satíricos, maliciosos e realistas.

Não é à toa que ainda hoje ele é considerado por alguns estudiosos

uma espécie de Gregório de Mattos sem gramática. Aliado a isso, a

palavra-chave em seus versos era “a verdade”. Cuíca não cansava de

destacar que está transmitindo a seus leitores “a verdade núa e crúa”.

A estrofe do folheto “Virgildásio. E a limpeza da cidade” é só um dos

inúmeros exemplos deste fato que poderíamos observar em sua vasta

obra:

A você caro leitor

Que reside na cidade

Digo-vos com toda calma

Com toda sinceridade

Que tudo isto que digo

É a expressão da verdade

Convém acrescentar que folhetos deste tipo não se limitavam aos

casos policiais, mas que os poetas-repórteres não ficavam indiferentes

às revoluções, campanhas eleitorais, mortes dos governantes ou

pessoas conhecidas popularmente, casos de corrupção ou guerras no

estrangeiro. Na época de 40 do século passado, quando o Brasil entrou

na Guerra ao lado dos Aliados, Cuíca e outros poetas populares não

podiam ficar indiferentes a esse grande acontecimento. O próprio

Cuíca escreveu vários folhetos contra-nazistas, criticando a política de

67 Amado, Jorge: cit., p. 191.

57

Mussolini, ou rindo da aversão de Hitler às mulheres, como em “O

casamento de Hitler com a filha de Satanás, no inferno”. Sobre a

presença dos Americanos em Salvador compõe, entre outros “A negra

que casou com o americano”.

De mesmo modo os poetas contemporâneos não podiam deixar

de lado as guerras contra o terrorismo. Como exemplo podemos indicar

“Libertação dos reféns americanos do cativeiro do Irã“ da autoria de

Minelvino Francisco Silva ou, mais recente, “George W. Bush e a maior

mentira da história“ de Walter Medeiros. Neste folheto o autor critica a

política do presidente americano e a Guerra no Iraque:

O Iraque invadiu,

Provocando tanto mal,

Numa agressão brutal,

De uma forma tão vil.

Mataram a soberania,

Praticando a tirania,

O mundo todo assistiu.

Senhor Bush, e agora?

Mataram os inocentes,

Que acharam pela frente,

E nem querem ir embora;

Quantos mais irão matar,

Na sede de atacar,

Tanto dentro como fora.

Por causa da inexistência de outros meios de propaganda na

zona rural, o poeta popular, além do jornalista, exerceu também a

função de publicitário. Com sua capacidade de influenciar as pessoas

e sendo considerado um líder não oficial de opinião pública, ele era

utilizado pelos políticos ou empresas para propagarem campanhas,

58

produtos ou serviços. Cuíca, por exemplo, fazia propaganda das lojas

soteropolitanas, improvisando as modinhas com o nome da casa pela

qual trabalhava para atrair a freguesia.

Na época das eleições o poeta era fruequentemente contratado

pelos políticos que costumavam pedir dele ou um folheto de elogio, ou,

ao contrário, difamatório para divulgar as intrigas sobre seu rival. É

necessário lembrar da eficiência do poeta popular em construir a fama

de qualquer um, seja ele um político, valente, jagunço ou milagreiro, ou,

por outro lado, de arrasar completamente a reputação de homem,

praticamente de um dia para outro. Um verdadeiro mestre nesse tipo

de propaganda era mais uma vez o Cuíca de Santo Amaro.

Os folhetos de Cuíca de Santo Amaro eram bastante procurados

para lhe render o suficiente para se sustentar. Para ainda mais

movimentar o comércio, Cuíca costumava deixar na contracapa de

um novo folheto um anúncio de próximo escândalo: “A sair: O

engenheiro tarado da Petrobrás” ou “O filho que seviciou na sua própria

mãe. Aguardem! Em breve”. Era para que o atingido pudesse procurar

o trovador e oferecer algo em troca para que a novo folheto não

saísse. Paulo Marconi, citado no artigo “Silêncio pago”, explica que o

Cuíca tinha quatro tipo de renda: “Recebia dos que pagavam para

serem elogiados, dos que queriam desmoralizar alguém, daqueles que

pagavam para ser poupados, ou seja, para não sofrer na língua do

poeta, e dos leitores que compravam suas revistas para saber da vida

alheia e dos últimos acontecimentos.”68

No período das eleições aconselhava aos cidadãos qual

candidato escolher, falava bem ou mal de determinados, de acordo

com as encomendas que recebia. Algumas personalidades políticas,

entretanto, gozavam de sua simpatia extraordinária. Bastante

conhecida é sua adoração de Getúlio Vargas, a cuja homenagem

68 S/a, “Silêncio pago”, Correio da Bahia, Salvador, 8.12.2002.

59

escreveu vários títulos. Em grande número dos folhetos louva também o

prefeito soteropolitano daquela época Hélio Machado.

No folheto “Embromadores do povo” tenta incitar o povo para

não se deixar enganar pelos políticos, que antes das eleições seriam

capazes de prometer mundos e fundos mas, como avisa Cuíca,

acabam tudo esquecendo no momento de “galgar as suas posicões”.

Mas para não deixar o povo com a cabeça para baixo, chega uma

reanimação logo em seguinte:

Não são todos! ... digo eu

Ao povo da Capital

Ainda existe nesta terra

Alguém bastante leal

Digo.. Homens honestos

De sentimento e moral

Segue a recomendação de votar no político que Cuíca apoiava.

Mais adiante o poeta aponta ao costume do qual discordava - da

compra/venda dos votos:

Porque muito eleitor

É forçado ao vender

Vende o vote ao candidato

Porque precisa cumer

Mais sabe que mais tarde

Bastante vem a sofrer

E o folheto acaba com a expetativa otimista: “se o eleitor tiver

vergonha e sentimento, dará o seu voto a quem tiver merecimento”.69

69 O folheto na íntegra está incluso nos anexos.

60

É bom lembrar que a literatura de cordel sempre explorou os

temas relacionados à política e crítica, portanto estas continuam sendo

os temas comuns também na literatura de cordel contemporânea.

Embora as tiragens nem de longe se possam comparar às da época de

Getúlio Vargas, por exemplo, convém dizer que os folhetos atuais,

falando da chegada de Lula à presidência ou mesmo relatando os

últimos escândalos no parlamento, exprimem bem, além da opinião

individual do autor, também a opinião geral de seu público.

Sebastião Firmino, em “Versos do governo Lula e seus 13 males”,

enumera “os males que atormentam o Brasil”, relatando os principais

problemas do país como desigualdade social, falta de sistema de

saúde, desemprego, ou alta criminalidade:

Sétimo mal, injustiça

É teste de paciência

Pois aumenta a violência

E não melhora a polícia

Virou um país sem lei

Pois nem no tempo do Rei

Havia tanta carniça.

E mostra a decepção sua e do povo com o governo de Lula

Inácio da Silva que, contrariamente às expetativas iniciais, ignora todas

essas queixas:

Número onze, a tristeza

Que chegou inesperada

Com o governo de fachada

Fazendo do povo presa

A nação tá infeliz

Isso todo mundo diz

61

Cadê a nossa beleza?

Conforme já foi mencionado, fazer propaganda através dos

folhetos era popular também entre os comerciantes, especialmente

aqueles que precisavam lançar um produto pelo interior nordestino. Há

folhetos propagando remédios milagrosos, bebidas com o sabor

inesquecível ou detergentes mágicos.

Nos últimos vinte ou trinta anos, ou seja, desde a descoberta do

valor do cordel pelos estudiosos, governantes, vereadores e várias

instituições nacionais aproveitam o folheto para auxiliar a educação do

povo. Assim há folhetos ensinando como prevenir doenças, acidentes,

como proceder na pecuária ou como plantar. Essa ideia aproveitou-a,

por exemplo, o Instituto Nordestino para Fomento do Algodão e

Oleagino (INFAOL), para informar o nordestino sobre as vantagens de se

plantar algodão, isso em folhetos: “O homem que Enricou Porque

Plantava Algodão: um Pequeno Agricultor que se Tornou Fazendeiro”,

do José Carlos Leite e “Algodão - a Solução do Nordeste e a Riqueza

do Plantador” da autoria de João José da Silva.

Mas cabe mencionar que este tipo de poesia não era bem visto

pelos outros poetas populares. O poeta ficava desprezado e

marginalizado e até poderia ser rejeitada sua entrada em associações

e agremiações que reuniam os poetas como ocorreu no caso de Cuíca

de Santo Amaro, cuja entrada na Associação dos Trovadores foi

vetada.

O que têm os autores da literatura de cordel de todas as épocas

em comum é que não podem esquecer que além de informar devem

também divertir seu público. Uns buscam a inspiração em lendas,

contos de fadas ou fábulas ou transformam os folhetos tradicionais com

o intuito de fazer o público rir. Colocamos aqui alguns títulos que

ajudam a compreender o espírito de jocosidade ou ironia nestes

folhetos: “A história de Satanás embrigado no forró” de Jussandir

62

Raimundo de Souza, “O casamento do macaco com a onça” de

Rodolfo Coelho Cavalcanti, “A história do macaco que quis se virar

gente” do Minelvino Francisco Silva ou “A chegada do Lampeão no

céu” do mesmo autor que relata o espanto de um cangaceiro quando

descobriu na porta ao Céu que seu nome não estava escrito no Livro

da salvação. Ou ainda “Encontro de Lampião com Kung Fu em Juazeiro

do Norte” descrevendo a luta do cangaceiro Lampião com o Kung Fu

do karatê, da autoria de Sebastião Nunes:

Nessa luta eles passaram

Sem dormir sem descansar

Sete noites e sete dias

É o que posso lhe contar

Suavam como chaleiras

Mas não queriam se entregar.

Outros autores exploram os mais variados temas circunstanciais,

mas indo frequentemente além do objetivistmo de jornal. Nestes casos

os poetas comentam o evento, filosofam, exageram, julgam e

condenam. Os poetas não hesitam em contar os casos mais incríveis de

amor entre homens e animais, adultérios, anedotas, ou em satirizar os

costumes de sua época. Mas alguns deles nem nestes casos

abandonam seu tom moralista. No folheto “Garôtas que andam sem

camisa e sem cuéca”, Cuíca de Santo Amaro comenta a nova

“perigosa” moda feminina:

A gente olha para aquilo

E fica com agua na bôca

Nos dá logo vontade

De pegar naquela lôca

Tem muita ocasião

Que a gente fica louca

63

Porque elas... as mulheres

Teem o seu ideal

Gostam de mestrar

O seu material (...)

O folheto continua com a descrição da nova moda de vestido

“apertado” que “sempre o homem satisfaz” e acaba por ridicularizar as

mulheres magras que, tentando seguir a moda, imitam as mulheres mais

dotadas “prá poder fazer a figura”.

Vão as feiras comprar goma

Muita goma de engomar

Com uma finalidade

Para apulso engordar

(...)

pois quando algum malandro

as apalpa no escuro

em vez de encontrar carne

só encontra pano puro

No folheto “O resultado da mulher falsa ao marido”, Minelvino

Francisco Silva por sua vez descreve a mulher falsa como culpada de

todos os malfeitos do mundo:

É uma fera monstruosa

É um tigra enfurecido

É uma bruta serente

É um leão destemido

É um Satanás de carne

A mulher falsa au marido

64

Muitas vezes os prórios títulos já mostram bem o espírito abertamente

humorístico. A lista seria interminável: “A mulher de sete metros que

apareceu em Itabuna – Estado da Bahia”, “O preguiçoso que se virou

cachorro a fim de não trabalhar” de Minelvino Francisco Silva, “A mãe

que xingou o filho no ventre e ela nasceu com chifre e com rabo, em

São Paulo” ou “A moça que mordeu travesseiro pensando que era

Roberto Carlos.” de Rodolfo Coelho Cavalcanti, “A mulher que comeu

a orelha do marido na lavagem do Bonfim” de Hildemar de Araújo

Costa, etc.

A imaginação dos poetas populares parece ser inesgotável.

Conforme João de Cristo Rei, “cada um tem o seu pensamento, cada

poeta tem uma frase para escrever que ele tira da imaginação. (...) O

poeta toda vida tem o que fazer. Ou de um sonho, ou de um

pensamento ele faz.”

Só falta mencionar que de acordo com muitos estudiosos, a

função de “entretenedor” deveria ser vista apenas como secundária,

como algo que chama atenção dos fregueses e facilita a venda do

folheto. No cordel o que interessa é o conteúdo, por isso tem que se

distinguir os autores, como ressalta Franklin Maxado, que continuam a

usar a literatura de cordel como portadora de reivindicações políticas e

sociais que, mesmo em forma divertida, mostram a verdadeira situação

do homem do povo, cumprindo assim o papel tradicional do

comunicador de mensagens. Outros, que apenas transcrevem os

folhetos clássicos de princesas e cavaleiros, falam dos temas banais ou

folclóricos (no sentido de exótico e pitoresco) perdendo assim sua

consciência dos representantes dos oprimidos, aqueles que fogem dos

temas políticos e polêmicos são chamados por Franklin Maxado de

“bufões da côrte”, bajuladores e acomodados.

65

4. Conclusão

Do que dissemos até aqui é fácil concluir a importância da

literatura de cordel no ambiente brasileiro. Antigamente, numa

sociedade rural e semi-analfabeta, onde o livro era escasso, foi o

folheto, lido em voz alta pelos já alfabetizados nas feiras, nos mercados

ou nos serões familiares, que servia como quase a única fonte de

conhecimento para o povo. Desde a instalação da imprenssa no Brasil,

nos fins de século XIX, difundiam-se, através da literatura de cordel, as

narrativas tradicionais, os romances herdados da longínqua tradição

europeia, fábulas ou lendas transmitidas de prosa para poesia. Era

também através de folhetos que o povo tomava conhecimento dos

acontecimentos importantes, crimes, desastres ou milagres. A televisão

e o rádio ainda não existiam e o jornal, levado das grandes cidades,

quando chegava, era sempre com atraso. Aí o folheto geralmente já o

antecipava com a difusão da notícia.

A literatura de cordel constituiu, portanto, um importante meio de

comunicação entre a sociedade rural e o resto do país. Neste processo

desempenhava um papel extraordinário o poeta popular. Sendo um

representante da população rural que compartilhava os mesmos

valores de seu público, o poeta popular se tornou um intermediário

entre as classes sendo um verdadeiro porta-voz de seu povo.

Registravam fatos, reinterpretava e divulgava os acontecimentos

cotidianos e transmitia as notícias que o homem do povo não poderia

receber de outra maneira. Ao mesmo tempo divertia e reivindicava,

críticava e relatava as aspirações do povo. Era admirado por sua

sabedoria, coragem e independendência.

Mas a evolução natural e a introdução de novas tecnologias

determinaram mudanças consideráveis no caráter da literatura de

cordel. Nos últimos trinta anos, depois que os antigos camponeses

viraram habitantes das periferias de grandes cidades, e que entre os

poetas apareceram autores com a educação formal, o cordel mudou

66

sua função, temas e linguagem. Com o “descobrimento” da literatura

de cordel pelos meios eruditos, na década de 70, apareceram ao lado

dos autores das camadas populares novos autores com a formação

universitária. Com eles entraram no cordel novos temas, linguagem e

meios de divulgação. Sendo procurado por outras classes que têm

outros problemas e necessidades de lazer, o cordel se urbanizava,

sofisticava e atualizava.

Muitos já apregoavam seu fim, lamentando sua descaraterização.

Mas como já mencionamos, a literatura de cordel tem que ser

observada como um representante das manifestações da cultura

popular. E como esta ele se naturalmente atualiza e transforma, de

acordo com os tempos, espaços e necessidades populares, ante novas

situações e materiais. “A literatura de cordel transfigura e dissimula ao

nível simbólico o núcleo problemático das relações das forças sociais. E

é nessa perspetiva que reside o fato de que esse tipo de literatura

sobreviva e se reproduza apesar das pressões do progresso ou das

profecias quanto ao seu iminente desaparecimento, como querem

alguns,”70 constata o professor Antonio Fausto Neto.

E apesar de o poeta popular hoje, ao contrário dos autores

antigos, já não viver exclusivamente da venda de seus folhetos, ele

continua a se orgulhar dela e de seu ofício. Continua consciente do

valor daquilo que escreve, sendo isto o folheto para o público do sertão

ou do centro urbano. Ele possui um público fiel, que gosta de comprar

folheto, seja para deleitar-se com a leitura, seja como objeto de

pesquisa e investigação científica.

Não pretendemos prever qual será o futuro ou a forma futura da

literatura de cordel. Com as observações feitas ao longo deste trabalho

apenas esboçamos os problemas fundamentais a respeito da poesia

popular de folhetos e de seus autores e abrimos assim o caminho para

as possíveis pesquisas posteriores deste universo fascinante de cordel.

70 Maxado, Franklin: O cordel televivo, Rio de Janeiro, Codecri, 1984, p. 45.

67

Agora só pode-se constatar que os mais modernos meios de

comunicação de massa como televisão e internete ainda não

conseguiram destruir e substituir a função do autor da literatura de

cordel. O cordel procura manter-se atento à atualidade e, sendo uma

manifestação viva, ele continua jorrando, se inovando e reinventando.

Os poetas atuais procuram novos caminhos adequando o cordel às

tecnologias modernas, buscando até novas formas de apresentação

para o folheto. O folheto aparece não apenas na forma de livreto

impresso mas muitos, por exemplo, publicam seus poemas em seus

blogs na internete. Assim está se cumprindo a profecia do folclorista e

pesquisador Câmara Cascudo: “Amanhã, as formas mais primitivas de

manifestações populares passarão também para o litoral e se

transformarão em teatro moderno, cinema, romances, poemas. Por isso,

nunca desaparecem. Elas se transformam.”71

71 Maxado, Fanklin: O cordel televivo, cit., p. 19.

68

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