A incompatibilidade do enunciado da Súmula 381 do STJ com a proteção ao consumidor
A influência dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos no ordenamento...
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7
INTRODUÇÃO
Buscando conhecer os meios em que o direito internacional atua sobre o direito
interno na proteção dos direitos humanos, este trabalho se propõe a estudar a influência dos
tratados internacionais de proteção aos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro e
seus reflexos frente à jurisdição do Estado soberano.
A relevância deste estudo encontra respaldo na atual conjuntura das relações
internacionais, em que se observa o antigo critério de soberania nacional cedendo espaço para
a proteção internacional dos direitos humanos. Nestes termos coube investigar a efetivação da
proteção dos direitos humanos internacionais no âmbito nacional, vez que o Brasil está
inserido num sistema internacional que se desperta ao reconhecimento da primazia da pessoa
humana frente ao organismo estatal.
Através de pesquisa exploratória bibliográfica e do método dedutivo objetiva-se
compreender de que modo o direito internacional público contribui para a garantia dos
direitos humanos no Estado brasileiro, uma vez que se acredita que o os tratados e convenções
internacionais concorrem para a garantia dos direitos humanos, previstos tanto na esfera
constitucional do Estado quanto na esfera internacional.
Para melhor compreensão do tema, cuidar-se-á no primeiro capítulo de conceituar
os direitos humanos e pormenorizar sua evolução histórica no contexto nacional e
internacional.
No segundo capítulo incumbir-se-á de esclarecer as relações entre o direito
internacional público e o direito interno do Estado, extraindo conceitos e desenredando o
papel desempenhado pelos tratados e acordos internacionais junto ao ordenamento jurídico do
Estado brasileiro, sendo necessário averiguar a hierarquia do tratado internacional frente ao
ordenamento jurídico.
Por fim, no terceiro capítulo, analisar-se-á a influência dos tratados internacionais
de proteção aos direitos humanos frente à jurisdição brasileira. Para tanto, far-se-á necessário
ainda apreciar o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos e os reflexos dos
acordos internacionais de proteção aos direitos humanos junto ao Estado brasileiro.
Este estudo apresentará sua conclusão por método dedutivo, com base em
pesquisa exploratória bibliográfica, apontando como influem os tratados internacionais de
direitos humanos no ordenamento interno brasileiro e de que modo contribuem para
materialização de direitos e garantias fundamentais.
8
CAPITULO I
OS DIREITOS HUMANOS
1.1 Conceito e histórico.
Os seres humanos, na opinião de Comparato (2006, p.1), “são únicos entes no
mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza” e todos, embora cultural e
biologicamente diferentes, merecem igual tratamento e respeito. Ninguém pode alegar-se
superior aos demais, em razão de gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação. E
acrescenta:
Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e
independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no
estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou
despojar sua posteridade: nomeadamente, a fruiçao da vida e da liberdade,
com os meios de adquirir a propriedade de bens, bem como procurar e obter
a felicidade e a segurança. (Declaração de Direitos da Virgínia)
(COMPARATO, 2006, p. 49)
Comungando da mesma opinião, Aragão (2001) aduz que os direitos do homem
não prescrevem e nem se alienam. Uma vez que são direito naturais e fundamentais da pessoa,
devem ser necessariamente respeitados, reconhecidos por todos e garantidos pelo Estado;
tanto na esfera individual, quanto na esfera social; devendo estes direitos prevalecerem,
podendo ser relativizados somente diante de um bem maior, o bem comum.
Para Canotilho (2002), direitos fundamentais se distinguem dos direitos do
homem, este de cunho “jusnaturalista-universalista”, com validade atemporal e com alcance
universal; ao passo que aquele são os próprios direitos do homem positivados numa ordem
jurídica concreta e limitados “espacio-temporalmente.” (CANOTILHO, 2002, p.391)
É Moraes (2002, p.21)) quem sustenta:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem
por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção
contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas
de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como
direitos humanos fundamentais.
Corroborando, Oliveira (2000) classifica direitos humanos fundamentais como
9
essenciais, próprios do âmago da pessoa humana, e são fundamentais uma vez que estruturam
a própria relação social.
A pessoa humana é pressuposto dos direitos humanos. Dir-se-á, com acerto,
que é de todo o Direito. Ela é antecedente necessário, do qual os direitos
humanos são o consequente. Estes existem em razão dela e têm o seu
fundamento na sua natureza. São-lhe inerentes. Nascem com ela e para ela.
(OLIVEIRA, 2000, p. 11)
Ademais, para Oliveira (2000), a vida em sociedade deve ter como suporte a
dignidade da pessoa humana, e tal organização social deve se dispor a efetivar e assegurar os
Direitos Humanos Fundamentais impreterivelmente.
Nada obstante, nas sociedades antigas as leis vigentes protegiam apenas os
membros da classe aristocrática, garantindo-lhes o direito a propriedade, a integridade física, a
honra e a família. Permitia-se o comércio de pessoas, a escravidão, as penas cruéis; as
mulheres eram tratadas como inferiores e se sujeitavam ao marido, assim como os membros
da família deveriam se submeter ao patriarca e os súditos à tirania do monarca. Era comum a
poligamia, não havia liberdade religiosa, e a ordália era permitida como obtenção de provas
para inocentar ou incriminar. Naqueles tempos não havia uma concepção da pessoa humana
como se tem hoje, logo não há que se falar em direitos humanos fundamentais na antiguidade.
(OLIVEIRA, 2000)
A origem dos direitos individuais do ser humano é remota, e tem resquícios nas
antigas civilizações do Egito e da Mesopotâmia, onde era possível vislumbrar recursos que
protegiam os indivíduos de atuações arbitrárias do Estado. Provavelmente, o Código de
Hamurabi (1690 a.C) já previa direitos comuns a todos os homens, os quais hoje são
conhecidos como fundamentais, tais como: direito a vida, a honra, a dignidade, a propriedade
e a família. De mais a mais, as ideias filosófico-religiosas de Buda (500 a. C) e os
pensamentos dos filósofos gregos já defendiam o direito a liberdade e a igualdade, como um
direito natural inerente a cada ser humano, que independe de leis escritas, por ser superior a
estas. (MORAES, 2002)
Por conseguinte, Moraes (2002), alude que a conceituação dos direitos humanos
fundamentais tais como se conhece hoje, se originou de fontes diversas: das tradições e dos
costumes de algumas civilizações, de pensamentos filosóficos e jurídicos, das ideias oriundas
do cristianismo e do próprio direito natural. O pensamento comum era o princípio da
igualdade e a necessidade de legalizar as ações do Estado, limitando as ações dos governantes
de das instituições estatais.
Importante ressaltar que, nesse processo histórico de reconhecimento dos direitos
10
da pessoa, necessário foi limitar o poder dos governantes, e fazê-los entender que o Estado e
suas instituições devem ser usados em prol de seus governados e não em prol de si mesmos. E
que os direitos do homem não advêm da concessão e do arbítrio do governante, são inerentes
a sua própria natureza. (COMPARATO, 2006).
A Magna Charta Libertatum, datada de 15 de junho de 1215, anuída por João
Sem-Terra que antevia o devido processo legal e o acesso a justiça; A Petition of Right, de
1628, que previa a impossibilidade da prisão ilegal; O Habeas Corpus Act, de 1679, que
pressupunha o pedido de soltura e a prerrogativa de responder o processo em liberdade; A
Bill of Rights, de1689, que trouxe restrições ao poder estatal, diminuindo o poder do
governante e fortalecendo o parlamento, na tentativa de conter os desmandos do rei: são
documentos, oriundos da Inglaterra, considerados por Moraes (2002, p.25) como “os mais
importantes antecedentes históricos das declarações de direitos humanos fundamentais”.
Assim como Moraes, Aragão (2001) aponta a Inglaterra como sendo o berço dos
Direitos do homem e nomeia a Carta Magna de Liberdades como marco inicial dos direitos
humanos fundamentais.
Já Comparato (2006) considera a Declaração de Direitos da Virgínia, como marco
inicial do nascimento dos Direitos Humanos. Surgiu da necessidade de se registrar um rol
mínimo de direitos humanos fundamentais. Desde então, os homens foram solenemente
reconhecidos como iguais e vocacionados pela natureza ao aperfeiçoamento constante de si
mesmos.
Posteriormente, e com idêntica importância, na evolução dos direitos
humanos encontramos a participação da Revolução dos Estados Unidos da
América, onde podemos citar os históricos documentos: Declaração de
Direitos de Virgínia, de 16-6-1776; Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América, 4-7-1776; Constituição dos Estados Unidos da
América, de 17-9-1787. (MORAES, 2002, p.27)
Dentre os fatos históricos que contribuíram com o surgimento dos Direitos
humanos fundamentais, deve-se também incluir a Revolução Francesa, revolução burguesa
que “inaugura uma nova etapa na história do homem” deixando um legado ao mundo: a
valorização do homem e de sua liberdade, através da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão (ARAGÃO, 2001, p.48).
Dentre os direitos tutelados por este documento, estão a liberdade, a igualdade, a
segurança e a resistência a opressão. Os franceses declararam que tudo aquilo que não
prejudica o outro, deveria ser permitido; que a lei só deveria proibir as ações que acometem a
sociedade e tudo que não fosse expressamente proibido por lei não poderia ser impedido.
11
(OLIVEIRA, 2000)
Comparato (2006) atesta que o reconhecimento da dignidade da pessoa humana e
de seus direitos tem sido, em grande parte, proveniente do remorso pós-segunda guerra
mundial. O pesar pelos horrores cometidos durante os conflitos, as torturas aplicadas, os
genocídios, as barbáries, fez florescer nas consciências a necessidade de proteger a
humanidade contra novas atrocidades. Assim, muitos dos direitos ditos humanos são
procedentes “da dor física e do sofrimento moral”. (COMPARATO, 2006, p.37)
Oliveira (2000, p.122) reitera a assertiva acima: “tantas e tão graves foram as
violações dos direitos fundamentais do homem, que as Nações Unidas, já na sua carta, em
1945, previu medidas destinadas a proteger a humanidade contra a repetição de tais
ignomínias.”
Consoante Comparato (2006) foi em 10 de Dezembro de 1948, através da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas que proclamou-se “que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares,
reconhecido como pessoa.”
Discordando dos autores jusnaturalistas, Bobbio (1992, p.32) assevera que os
direitos ditos humanos não são oriundos da natureza, mas da civilização humana, “enquanto
direito históricos eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação.”
Por derradeiro, observa-se a transição dos direitos da pessoa, genérico, para o
homem específico, tomado na sua diversidade, nas suas especificidades. Com base em
diferentes critérios de diferenciação, é perceptível a tentativa de se aplicar a máxima
aristotélica de tratar os desiguais na medida de sua desigualdade, assim surgiram nos últimos
quarenta anos as cartas de direitos: em 1952, a Convenção sobre os Direitos Políticos da
Mulher ( vez que a mulher é diferente de homem); a Declaração da Criança em 1959 (criança
é diferente de adulto); em 1971 a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (o sadio é
diferente dos doentes); em 1975 a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos (os
fisicamente normais são diferente dos deficientes); em 1982, em Viena, tem se a primeira
Assembleia Mundial sobre os direitos dos anciãos ( o velho é diferente do adulto). (BOBBIO,
1992)
Neste contexto, Alves (1999, p. 164) entende que os direitos humanos “protegem
mais claramente os direitos da mulher, das crianças, dos indígenas e das minorias oprimidas
dentro das sociedades nacionais”.
O que se pretende através dos Direitos humanos fundamentais é o respeito à
dignidade humana, e a proteção contra os desmandos do Estado, garantindo a cada um
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condições mínimas necessárias para viver e se desenvolver. (MORAES, 2002)
A Unesco, também definindo genericamente dos direitos humanos
fundamentais, considera-os por um lado uma proteção de maneira
institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder
cometidos pelos orgãos do Estado, e por outro, regras para se estabelecer
condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana
(Les dimensions internationales des droits de l'homme. Unesco, 1978,p.11.)
(MORAES, 2002, p.40).
Diante do exposto, conclui-se que embora as pessoas tenham a mesma natureza
humana, e isso por si só as tornam iguais, nem sempre na história da humanidade houve
igualdade. A alguns eram dado direito à liberdade, à honra, à segurança, à propriedade, e
outros direito algum. O Estado costumava ser o maior opressor, e impunha toda sua tirania
sobre a camada desprivilegiada da sociedade. Através de muitas lutas e incessante
descontentamento com tal realidade, fizeram-se revoluções, vistas tanto na Europa, quanto na
América com o intuito de retirar dos governantes o domínio desmedido e positivar as ideias
dos filósofos, dos jusnaturalistas, dos religiosos que acreditavam que o todos os homens são
iguais, e como tal, detentores de direitos. Surgem assim os direitos humanos fundamentais,
um rol de direitos com o intuito de garantir ao ser humano condições essenciais, para que leve
uma vida com dignidade e não tenha sua condição de pessoa diminuída. Embora, fossem
direitos próprios da pessoa humana, fez-se necessário registrá-los para que se efetivem e para
que as próximas gerações não se esqueçam de que não há distinção entre os seres humanos,
que todos merecem respeito à vida, à honra, à sua dignidade e cabe ao Estado proteger e
assegurar o desenvolvimento da pessoa humana.
1.2 A internacionalização dos direitos humanos.
A concepção contemporânea dos direitos humanos é fruto da internacionalização
desses direitos, proveniente de um movimento pós guerra, em resposta aos horrores cometidos
na Era Hitler. Durante a ditadura nazista o Estado foi o grande profanador dos direitos
humanos, enviou 18 milhões de pessoas aos campos de concentração, matando 11 milhões,
dentre judeus, homossexuais, ciganos e comunistas. Num cenário pós-guerra surge a
necessidade de resgatar os direitos humanos como forma de orientar a atual ordem
internacional. Há uma crença que grande parte das atrocidades, cometidas por Hitler,
poderiam ser evitadas, caso já existisse uma ordem internacional de proteção aos direitos
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humanos. (PIOVESAN, 2007)
Para Oliveira (2000) a internacionalização dos direitos humanos é devido a um
longo processo de intercâmbio entre os povos, do qual se criou a consciência de que é
necessário a colaboração de todos para salvaguardar tais direitos.
Piovesan (2007) acredita que houve um resgate do pensamento Kantiano acerca
da dignidade da pessoa humana; as pessoas, por serem racionais, existem como fim em si
mesmas e nunca como meio. As coisas, irracionais são substituíveis as pessoas ao contrário
das coisas são únicas e insubstituíveis.
Até o principio do século XX, o Direito Internacional regia as relações entre os
Estados, o homem não era pessoa de Direito Internacional, isso só foi possível após as duas
grandes guerras mundiais. O pós guerra ensejou numa mitigação da soberania dos Estados,
que passaram a sujeitar-se a organismos internacionais, tal como a ONU (Organização das
Nações Unidas). (OLIVEIRA, 2000)
O movimento de internacionalização dos direitos humanos, que necessariamente
implica na restrição da soberania dos Estados, é resultante da necessidade de reconstruir o
cenário mundial pós Segunda Guerra, onde atrocidades foram cometidas e consequentemente
houve uma ruptura com os direitos humanos.(PIOVESAN, 2010)
Concernente a universalização dos direitos humanos, Alves (1999, p. 139-140)
afirma:
No curso do seu meio século de existência a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, cumpriu um
papel extraordinário na história da humanidade. Codificou as esperanças de
todos os oprimidos, fornecendo linguagem autorizada à semântica de suas
reivindicações. Proporcionou base legislativa às lutas políticas pela liberdade
e inspirou a maioria das constituições nacionais na positivação dos direitos
da cidadania. Modificou o sistema “westfaliano” das relações internacionais,
que tinha como atores exclusivos os Estados soberanos, conferindo à pessoa
física a qualidade de sujeito do Direito além das jurisdições domésticas.
Lançou os alicerces de uma nova e profusa disciplina jurídica, o Direito
Internacional dos Direitos, descartando o critério da reciprocidade em favor
de obrigações erga omnes.
A proclamação dos Direitos Humanos, de 1948, teve por escopo obrigar, através
de acordos e convenções internacionais, que todas as nações respeitem a pessoa humana nos
seus direitos fundamentais, assegurando-lhe, através do trabalho, o desenvolvimento material
e espiritual. Uma vez proclamados, como direitos humanos universais, devem ser garantidos
por toda a comunidade internacional e não apenas por um governo. (ANDREIUOLO;
ARAUJO, 1999)
Congruentemente, é Piovesan (2010, p. 123) quem afirma:
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Nasce ainda a certeza de que a proteção dos direitos humanos não deve ao
âmbito reservado de um Estado, porque revela um tema de legítimo interesse
internacional. Sob esse prisma, a violação dos direitos humanos não pode ser
concebida como questão doméstica do Estado, e sim como problema de
relevância internacional, com legítima preocupação da comunidade
internacional.
Alves (1999) alude que a Declaração de 1948 deve ser entendida como Universal
e não apenas Internacional, já que se destina a todos os seres humanos.
Corroborando com os demais autores já mencionados acima, Miguel (2006) aduz
que após a segunda grande guerra mundial, a tentativa de proteger o ser humano fez surgir,
em âmbito internacional, o que se denominou Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Este tem por fim concretizar a eficácia dos direitos humanos fundamentais, criando normas
que resguardem a dignidade da pessoa, a vida, a liberdade, a segurança, a honra, dentre
outros.
Consoante Moraes (2006, p.17)
A necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos humanos
possibilitou, em nível internacional, o surgimento de uma disciplina
autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional
dos Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da
plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meio de normas
gerais tuteladoras de bens da vida primordiais (dignidade, vida, segurança,
liberdade, honra, moral, entre outros) e previsões de instrumentos políticos e
jurídicos de implementação dos mesmos.
Após o reconhecimento da personalidade jurídica internacional do homem, pôde o
indivíduo promover a defesa dos seus direitos, por si só, perante o organismo internacional,
possibilitando ao sujeito demandar contra o próprio Estado, quando este, por dolo ou culpa,
desrespeitar os direitos humanos fundamentais. (OLIVEIRA, 2000, p. 191). E acresce:
Depois da Carta das Nações Unidas e, mais particularmente, depois da
Convenção Europeia sobre Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais,
de 4 de novembro de 1950, e da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, de 7 de abril de 1970, […]. Essas convenções criaram comissões e
cortes, às quais o indivíduo pode ter acesso para a defesa dos seus direitos,
respeitada a regra do esgotamento dos recursos oferecidos pelo direito
interno. (OLIVEIRA, 2000, p. 191)
Miguel (2006) esclarece que, ao admitir os pactos e convenções internacionais de
proteção ao ser humano, o Estado está sujeito ao monitoramento internacional, e está
obrigado a garantir que os direitos humanos fundamentais sejam respeitados.
Ratificando o exposto, Piosevan (2007) alude que o processo de universalização
dos direitos humanos possibilitou a criação de um sistema internacional de defesa desses
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direitos. Sistema este, composto por tratados internacionais de proteção que refletem a atual
consciência ética dos Estados concernente aos direitos humanos fundamentais, num esforço
de garantir que tais direitos sejam respeitados.
Inúmeros são os instrumentos internacionais destinados a proteger os direitos
humanos; alguns de caráter regional, outros de caráter universal classificados conforme a
magnitude a que se destinam. Deste modo, compõem o sistema internacional de defesa dos
direitos humanos, as “declarações, convenções, pactos, cartas, protocolos, atas, resoluções e
proclamações”. Dentre os principais instrumentos, destaca-se a Declaração Universal de
Direitos Humanos, que “arrola os direitos básicos e as liberdades fundamentais, que
pertencem a todos os seres humanos em qualquer parte, sem nenhuma distinção de raça, cor,
sexo, idade, religião, opinião política, origem nacional ou social, ou qualquer outra”;
(OLIVEIRA, 2000, p.197-198)
Assim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos consagrou o indivíduo como
sujeito de direitos, tanto no âmbito interno, como no externo. Pactos e Convenções sobre
Direitos Humanos regulamentam um sistema, global e regional, que harmoniosamente se
complementam com o intuito de salvaguardar tais direitos e proteger aqueles que tiveram seus
direitos violados. (ANDREIUOLO; ARAUJO, 1999)
1.3 Os direitos humanos no cenário nacional.
Em meados dos anos 80, o processo de democratização possibilitou ao Brasil ser
inserido no âmbito internacional de proteção aos direitos humanos; uma vez que a
democratização permitiu a ratificação de inúmeros tratados de direitos humanos. (MIGUEL,
2006, p.312)
Em 5 de outubro de 1988, promulgou-se outra Constituição , que estabeleceu
como fundamento do Estado brasileiro a soberania, a cidadania, a dignidade
da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o
pluralismo político. Como objetivos fundamentais, construir uma sociedade
livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a
pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e
promover o bem de todos, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade
quaisquer outras formas de discriminação (arts. 1º a 3º) (OLIVEIRA, 2000,
p. 144)
A Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988 representou o fim de
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uma ditadura e o início de um governo democrático no Brasil, sendo considerada como marco
jurídico inicial da garantia dos direitos humanos. Serviu de inspiração para outros textos
constitucionais como os da Alemanha, Portugal e Espanha. (PIOVESAN, 2005).
Aragão (2002, p. 155) alude que “os direitos individuais são inerentes à teoria
democrática”.
Segundo Carvalho (2006) usualmente a doutrina tem destinado a expressão
direitos humanos para intitular os direitos naturais positivados pelo Direito Internacional, em
tratados e convenções; ao passo que o termo direitos fundamentais tem sido usado para
designar o direito do indivíduo, em face do Estado, a nível nacional. Deste modo, muitas são
as terminologias usadas na Constituição brasileira de 1988 para denominar os direitos básicos
do homem e podem ser encontrados em seu preâmbulo da (direitos sociais e individuais), no
Capítulo I do Título II (direitos e deveres individuais e coletivos), no artigo 4º, II; artigo 5º, §
3º e artigo 7º do ADCT (direitos humanos); artigo 5º, XLI (direitos e liberdades
fundamentais); artigo 5º, LXXI (direitos e liberdades constitucionais), art. 12, § 4º, II, b
(direitos fundamentais da pessoa humana), artigo 34, VII, b (direitos da pessoa humana),
artigo 60, § 4º, IV ( direitos e garantias individuais).
Contudo, Moraes (2006) ensina que os direitos fundamentais são encontrados na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em capítulos intitulados: direitos
individuais e coletivos (próprios da pessoa humana e de sua personalidade), direitos sociais
(busca da igualdade social), direitos de nacionalidade (vincula juridicamente o individuo ao
Estado, ficando sujeito a direitos e deveres) direitos da pessoa humana, direitos políticos
(confere atributo de cidadania e a participação popular na regulação do Estado) e partidos
políticos (instrumentos necessários na manutenção do Estado Democrático de Direito).
Importa ressaltar que os direitos fundamentais, enquanto normas são colocadas no
cume do ordenamento jurídico brasileiro e estruturam a sociedade e o Estado; é na
constituição que ocorre a positivação jurídica dos direitos humanos, e embora esta seja o
fundamento de todo um ordenamento jurídico, ainda assim, não garante aos direitos
fundamentais que por si só sejam “realidades jurídicas efectivas” (CANOTILHO, 2002,
p.375).
Ademais, o sistema de proteção dos direitos humanos tem como norte ético o
valor da dignidade humana, e por conseguinte são instituídos como cláusulas pétreas na
constituição de 1988, o que significa que não podem ser alterados nem mesmo por emenda
constitucional, a menos que seja para robustecê-los.
[...] a Constituição de 1988, no intuito de reforçar a imperatividade das
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normas que traduzem direitos e garantias fundamentais, imediatas das
normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, institui o princípio
da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais, nos termos do seu art. 5º, § 1.º. Inadmissível, por
consequência, a inércia do Estado quanto a concretização de direito
fundamental, posto que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo
em vista a exigência de ação, o dever de agira no sentido de garantir direito
fundamental. Implanta-se um constitucionalismo concretizador dos direitos
fundamentais. Vale dizer que cabe aos Poderes Públicos conferir eficácia
máxima e imediata a todo e qualquer preceito definidor de direito e garantia
fundamental. (PIOVESAN, 2003, p.222)
Consoante Moraes (2006) os direitos humanos fundamentais no âmbito nacional,
além de estarem no ápice do ordenamento jurídico em detrimento aos demais direitos
previstos, apresentam outras características importantes: são imprescritíveis (não há preclusão
de prazo), irrenunciáveis (não podem ser abdicados), inalienáveis (não se pode transferir a
outrem), invioláveis (não se pode desrespeitá-los sem que haja penalização), universais
(destina-se a todas as pessoas, sem quaisquer distinções), efetivos (garantidos pelo Poder
Público), complementares e interdependentes (embora autônomos, devem ser interpretados de
forma conjunta e não isoladamente).
Entretanto, os direitos humanos fundamentais não são absolutos, são relativos, vez
que não podem ser alegados no descumprimento às leis do Estado; ao mesmo tempo que tais
direitos surgem com o escopo de restringir o poder estatal aos limites impostos pela
Constituição, também submete o indivíduo ao Estado dentro dos limites fixados pela lei.
(MORAES, 2006)
Neste mesmo sentido, posicionou-se o Ministro Celso de Mello,
OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER
ABSOLUTO.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se
revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse
público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos
estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas,
desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O
estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico
a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa -
permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de
um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar
a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia
pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos
direitos e garantias de terceiros.”
(Jurisprudência: STF, Pleno, RMS 23.452/RJ, Relator Ministro Celso de
Mello, DJ de 12.05.2000, p. 20)
Piovesan declara que:
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Desde seu preâmbulo a Carta de 1988 projeta a construção de um Estado
Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos. [...] Dentre os fundamentos que alicerçam o
Estado Democrático de Direito brasileiro destacam-se a cidadania e
dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III CF/88). Vê-se aqui o encontro
do princípio do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais,
fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a
realização do princípio democrático. (PIOSEVAN, 2005, p. 48-49)
Robustecendo, Carvalho (2009) acredita que ao intitular a dignidade da pessoa
humana como fundamento do Estado, o legislador constituinte não só valorou o homem e sua
liberdade, como também priorizou que o Estado seja construído com base no respeito que
qualquer pessoa merece ser tratada.
Ante ao exposto, é mister atribuir aos direitos e garantias fundamentais a
universalidade, que tem como objetivo resguardar a todos os indivíduos, independentemente
de sua origem, religião, raça, convicção política, e conforme disposto no parágrafo 5º na
Declaração de Viena de 1993, ademais é possível pleiteá-los tanto em foro nacional quanto
internacional devido sua interrelacionaridade, cabe proteção no âmbito regional e global.
Também é característica destes direitos a indivisibilidade, vez que compõe um único
aglomerado de direitos, não cabendo análises isoladas, e o descumprimento de um deles
significa violação em relação aos demais, pois há interdependência entre os direitos e
garantias fundamentais, embora autônomos, estão interrelacionados no momento de cumprir
suas finalidades, a exemplo tem-se o habeas corpus que garante a liberdade de locomoção e o
devido processo legal. Outro sim, é possível caracterizar os direitos e garantias fundamentais
como imprescritíveis, tais não prescrevem, não se perdem com o passar do tempo, no entanto,
esta regra não é absoluta, pois há alguns direitos que quando não exercidos, prescrevem, é o
caso do direito a propriedade, que quando não exercido pode ser atingido pelo usucapião.
Importa ressaltar que os direitos fundamentais ligados a integridade física e mental do ser
humano, bem como sua liberdade de escolhas, de agir sem coerção externa, são
intransferíveis, indisponíveis e inalienáveis; não podem ser comercializados, pois são o
fundamento da condição humana e da sua dignidade; deste modo a inalienabilidade não
alcança todos os direitos fundamentais, mas somente aqueles que visão resguardar a vida.
Outra característica típica destes direitos é a irrenunciabilidade, não podendo o titular destes
direitos renunciá-los, contudo o STF frente a casos concretos, como intimidade e privacidade,
vem admitindo a renúncia, ainda que excepcionalmente. Em se tratando dos direitos
fundamentais, é vedado o retrocesso, logo aos direitos já existentes não cabem limitação, ou
19
revogação; é inadmissível retroagir, reformatio in pejus, àquilo que já se estabeleceu como
proteção a pessoa humana. (DIÓGENES JÚNIOR, 2012).
20
CAPITULO II
AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O
DIREITO INTERNO DO ESTADO
2.1 Conceito e histórico.
O direito Internacional Público é um sistema jurídico independente, que ordena as
relações entre Estados soberanos. Os Estados apenas se subordinam ao direto convencionado
por eles, livremente construído ou reconhecido. Não há um poder centralizado, a comunidade
internacional se organiza horizontalmente, “não existe autoridade superior, nem milícia
permanente”. (REZEK, 2011, p.25)
Mazzuoli (2010, p.55) define Direito Internacional Público como:
Conjunto de princípios e regras jurídicas (costumeiras e
convencionais) que disciplinam e regem a atuação e a conduta da
sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações
internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos),
visando alcançar as metas comuns da humanidade e, em ultima
análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais.
O Direito Internacional Público é o “conjunto de normas consuetudinárias e
convencionais que regem as relações diretas ou indiretas entre Estados e organismos
internacionais, que as consideram obrigatórias.” (DINIZ 2010, p. 209).
Ademais, acrescenta:
O direito internacional público tem por objetivo a organização jurídica da
solidariedade entre nações, atendendo ao interesse público e visando a
manutenção da ordem social que deve haver na comunidade internacional.
Suas normas dizem respeito aos órgãos destinados às relações internacionais
(ministério do exterior, embaixadas, consulados, ONU, UNESCO, FAO
etc.); à diplomacia e aos agentes diplomáticos; à solução pacífica das
pendências; ao direito de guerra, regulando-lhe a humanização, o regime dos
prisioneiros e a intervenção pacificadora dos neutros; à marinha e a aviação
internacionais etc. (DINIZ, 2010, p.209)
Consoante Mazzuoli (2010) não há como precisar uma data para o surgimento do
Direito Internacional Público, sabe-se que é resultado de diversos fatores, incluindo sociais,
econômicos, políticos e religiosos da Idade Média. Na idade antiga não existia lei comum
entre nações estrangeiras, nem tampouco igualdade jurídica, e somente no período feudal
21
(Idade Média) surgiram os primeiros intercâmbios e as primeiras alianças celebradas com o
intuito de assegurar a paz externa.
Durante esse período (situado entre os anos 200 depois de Cristo e a queda
de Constantinopla, em 1953) todos os tratados passaram a ser celebrados sob
a égide da Igreja e do Papado e as decisões do Papa passaram a ser
respeitadas em todo o continente, principalmente naquilo que dizia respeito à
esfera espiritual de homens e mulheres. Nesse mesmo momento histórico
formam-se as Cidades-Estados italianas, já no quadro da transição para a
Idade Moderna, as quais passaram a manter freqüentes intercâmbios
políticos e econômicos entre si, dando início ao esboço dos contornos
normativos de um Direito menos doméstico e mais internacional já nesse
período. (MAZZUOLI, 2010, p.47)
Todavia, foi a partir dos Tratados de Westfália, acordos firmados entre católicos e
protestantes pondo fim à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que o Direito Internacional
público foi reconhecido como ciência autônoma; A Reforma protestante não somente
desmontou o domínio católico da Idade Medieval, como propiciou aos Estados, ainda que
católicos, desvincular a Igreja do governo do Estado, atribuindo à autoridade civil o sumo
poder dentro do Estado. “Antes da Paz de Westfália não existia um Direito Internacional
propriamente dito, como se conhece nos dias atuais [...] não existia uma comunidade
internacional com poder político para sujeitar os Estados ao cumprimento de suas regras de
conduta.” (MAZZUOLI, 2010, p.49)
Amaral Júnior (2008) considera as regras jurídicas como sendo de extrema
importância para garantir a ordem internacional. São as normas que contribuem para a
redução da instabilidade das relações sociais, tanto internas quanto internacionais. “Grande
parte da atividade internacional concentra-se hoje na elaboração e alteração das regras em
áreas tão diversas quanto o comércio, a agricultura, as finanças e os serviços.” (AMARAL
JÚNIOR, 2008, p.13). Nesse diapasão, tem-se como amostra a criação da Organização
Mundial do Comércio (OMC) que disciplina vários temas ligados ao comércio; o Fundo
Monetário Internacional, o Banco Mundial e G8 que fixam termos para concessão de
empréstimos, monitoram políticas econômicas internas com o intuito de evitar as crises,
dentre outros mecanismos criados com o intuito de resguardar a comunidade internacional.
Ademais, as regras jurídicas internacionais não surgem da consciência coletiva, resultam,
quase sempre, de acordos entre sujeitos de posturas contrárias; é através do conflito e da
negociação que se estabelecem as normas jurídicas com o escopo de garantir a efetividade da
ação coletiva. E acresce:
As regras jurídicas internacionais reduzem a incerteza, ampliam o grau de
22
previsibilidade da ação coletiva e introduzem maior racionalidade nas
relações entre governos e indivíduos de países diferentes. Possibilitam,
ademais, que as coletividades se dediquem à consecução de projetos
comuns. Por último, conferem força jurídica a valores morais que
transcendem o interesse particular dos Estados. (AMARAL JÚNIOR, 2008,
p.17)
Diferenciando o direito que rege as relações exteriores do direito interno de cada
Estado, Mazzuoli (2010) esclarece que a aplicação do Direito Internacional não implica na
exclusão das normas do ordenamento jurídico do próprio Estado. Embora haja autores que
acreditam que o Direito Interno é um sistema independente e distinto do Direito Internacional,
admitem que ambos são igualmente válidos; os adeptos desta corrente são denominados
dualistas e defendem que os compromissos firmados por um Estado no âmbito internacional
não traz qualquer reflexo no cenário jurídico interno, vez que os sistemas são independentes.
Acreditam que para que um acordo assumido internacionalmente passe a ter validade no
cenário interno de cada Estado, faz-se necessário a transformação desse Direito Internacional
em norma de Direito Interno, passando pelo processo de adoção. (MAZZUOLI, 2010).
Diferentemente do que ocorre no direito interno, não há hierarquia nas normas
que regem o direito internacional público; ademais, o direito interno é centralizado, “a
autoridade superior e o braço forte do Estado garantem a vigência da ordem jurídica, [...]
fazendo valer, para todos, tanto o acervo legislativo quanto as situações e atos jurídicos” o que
não acontece no direito internacional público, cujo poder é descentralizado, e o qual prevalece
o princípio da não intervenção nos assuntos de foro interno de cada Estado. (REZEK, 2011,
p.25)
Como dito alhures, há autores que defendem a independência do direito
internacional frente ao direito interno, os chamados autores dualistas que preconizam “a
validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a ordem
internacional”, não está sujeita a norma internacional. Por outro lado, existe uma corrente que
defende um pensamento contrário ao supramencionado, os conhecidos por autores monistas;
A corrente monista se subdivide em duas: há monistas que sustentam a “unicidade da ordem
jurídica sob o primado do direito internacional, a que se ajustariam todas as ordens internas”,
e há outros monistas que apregoam “o primado do direito nacional de cada Estado soberano,
sob cuja ótica a adoção dos preceitos do direito internacional aparece como uma faculdade
discricionária.” (REZEK, 2011, p. 28)
Robustecendo os demais autores supra, Mello (2001) salienta que o direito
internacional resulta da coletividade, do arbítrio dos Estados, membros da comunidade
23
internacional, manifestado tacitamente por meio do costume ou de maneira expressa por meio
dos tratados. Por conseguinte, a ordem jurídica internacional se baseia num sistema de
coordenação, ao passo que a ordem jurídica interna de cada Estado está assentada em um
sistema de subordinação, a comunidade internacional é uma sociedade de iguais.
2.2 Os tratados e convenções internacionais.
Na antiguidade e na Idade Média o direito era pautado no costume e na religião, a
estabilidade das relações entre os povos era assegurada pela tradição e pela origem
carismática das normas jurídicas. No final da Idade Média houve o rompimento com o
universalismo religioso e o direito transferiu sua legitimação do sobrenatural para ser próprio
do mundo cultural. Assim, com a modernidade, as relações entre as civilizações, usualmente
reguladas pelo costume, passam a ser prescritas com o intuito oferecer confiança e garantia
aos acordos estabelecidos. Doravante, com o escopo de assegurar os compromissos firmados
internacionalmente, surge a figura dos tratados e convenções internacionais que nos dias
atuais são a principal fonte do Direito Internacional. (AMARAL JÚNIOR, 2008)
Importa ressaltar que os tratados são fontes do direito internacional e sua
regulamentação jurídica têm uma origem remota, desde a antiguidade as civilizações já
celebravam acordos internacionais fundamentados no costume; entretanto, não há consenso
entre os doutrinadores acerca do marco histórico inicial dos tratados, para Mazzuoli (2010) o
pacto estabelecido entre o rei Hattusil III (Hitita) e o faraó egípcio Ramsés II, pondo fim a
guerra nas terras sírias, por volta de 1280 e 1272 a. C. foi o marco histórico precursor dos
tratados bilaterais internacionais, já Silva (2010,p.50) afirma que “o primeiro tratado
internacional data de 3,100 a. C., celebrado por Eannatum, senhor da Cidade-Estado de
Lagash, e os homens de Umma, duas cidades da Mesopotâmia, que tratava de questões de
fronteiras.”
Consoante Guerra(2009, p.53), tratado, de maneira genérica, é “um acordo entre
dois ou mais Estados para regular um assunto, determinar seus direitos e obrigações, assim
como regras de conduta que devem seguir”, e ressalta ainda que é de competência exclusiva
dos Estados, não cabendo a qualquer outro ente privado.
Garcia (2001, p.38) esclarece:
Os tratados internacionais, atos jurídicos pelos quais Estados e organizações
24
internacionais criam, modificam ou extinguem relações jurídicas
internacionais, assumem aspectos diversos, nas SUS especificidades,
podendo representar acordos ou convenções internacionais sobre
negociações de caráter comercial, cultural e toda sorte de interesses desse
nível ou, então, constituírem-se em tratados-normativos, ou tratados-leis, isto
é, normas de ordem geral estabelecidas para os Estados, firmando princípios
e regras de convivência internacional.
Para Amaral Júnior (2008, p.47) tratado é “todo acordo formal, concluído entre
sujeitos de direito internacional público e destinado a produzir efeitos jurídicos.” Assim,
somente os Estados e Organizações internacionais podem celebrar tratados, vez que são
pessoas jurídicas de direito internacional público.
Destrinchando o conceito de tratado internacional, Mazzuoli (2010, p. 151)
elucida:
A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados teve como uma de suas
primeiras preocupações a de definir precisamente o que se entende por
tratado internacional, tendo isto decorrido da falta de precisão com que os
autores representativos do denominado Direito Internacional Clássico
vinham caracterizando este instrumento. [...] A definição de tratado na
Convenção de 1969 aparece logo no seu art. 2º, § 1º, alínea a, que assim
estabelece: a) “tratado” significa um acordo internacional concluído por
escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um
instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que
seja sua denominação específica.
Destarte, no direito internacional existe grande variedade terminológica para
designar a manifestação de vontade manifestada pelos sujeitos de direito internacional:
[...] acordo, ajuste, convenção, compromisso, arranjo, ata, ato, carta, código,
constituição, declaração, estatuto, contrato, convênio, memorando, pacto,
regulamento e protocolo. Carta e Convenção são os termos mais comumente
utilizado para indicar os tratados constitutivos de organizações
internacionais; por seu turno, os ajustes, arranjos e memorandos designam
tratados de importância reduzida. (AMARAL JÚNIOR, 2008, p.48)
Guerra (2009) assevera que embora muitos sejam os termos utilizados para
denominar tratado internacional, o que importa é a essência, se o tratado celebrado produz
norma internacional, gerando efeitos jurídicos entre as partes contratantes.
Robustecendo, Mazzuoli (2010) sustenta que o tratado é um instrumento que
veicula normas jurídicas formalizando regras de variados assuntos concernentes ao interesse
das partes contraentes, desde que seja formal (deve ser escrito), a matéria tratada pode ser de
quaisquer natureza, logo a terminologia destinada a cada acordo internacional não importa,
será um tratado sempre que presentes seus elementos constitutivos: acordo internacional,
celebrado por escrito e concluído por entes capazes (Estados e Organizações Internacionais).
25
A expressão tratado é uma expressão-gênero que alberga dentro de si
diferentes nomenclaturas. Assim, na prática convencional geral pode-se
identificar um cem número de denominações que recebem os tratados,
dependendo do assunto por eles versado, de sua finalidade, da qualidade das
partes, do número de contraentes etc. [...] Assim, sem embargo de as
Constituições brasileiras terem colocado os termos “tratado” ao lado de
outras expressões como “acordo” e “convenção”, dando a impressão de que
tratados, acordos e convenções designam coisas diversas, a verdade é que
atualmente tal opção redacional é tecnicamente redundante e sem qualquer
valor prático. (MAZZUOLI, 2010, p.159)
Ademais, os tratados que outrora eram regidos pelos princípios do livre
consentimento das partes, da boa-fé dos contraentes e da norma universal pacta sunt servanda
(os acordos firmados devem ser cumpridos), desde o século XX foram acrescidos de
legislação específica no Direito Internacional, codificando o Direito dos Tratados como
direito que “permeia todo o conjunto do ordenamento jurídico internacional e sedimenta as
bases da estrutura na qual operam as normas internacionais”. A Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados de 1969 é um dos mais importantes documentos do Direito Internacional
posto que, visa a segurança jurídica internacional e a manutenção da paz. (MAZZUOLI, 2010,
p. 148)
Uma vez que os Tratados surgiram com o escopo de trazer segurança jurídica as
relações internacionais, importa ressaltar que quando descumpridos acarretam ao Estado
descumpridor sanções de caráter econômica e financeira, protesto diplomático, entrega do
território, controle financeiro, dentre outros. (MELLO, 2001)
Desde a mais remota Antiguidade existe entre as partes contratantes a
preocupação de assegurar a execução do tratado. Nos primeiros tratados já
encontramos a invocação dos deuses para garantir a sua execução: a parte
que violasse o tratado seria execrada. [...] Na Idade Moderna (século XVIII)
já se encontram casos de se dar como garantia da execução do tratado uma
hipoteca sobre determinada cidade. A execução de um tratado é “questão de
boa-fé”. O tratado é executado pelo Estado na mais completa independência
(princípio da independência) e sob sua única responsabilidade. (MELLO,
2001, p.241-242)
Consoante Mello (2001) só se pode distinguir um tratado por seu aspecto formal,
já que as normas convencionais internacionais podem versar sobre todos as matérias; para que
um tratado tenha validade é necessário que haja capacidade dos contraentes, que os agentes
signatários sejam habilitados, que haja consentimento mútuo e objeto lícito e possível. Um
tratado não tem efeito retroativo e assim como os contratos.
Para que um tratado tenha validade é necessário sua ratificação. Cada Estado, com
seu regimento próprio, determina o poder competente para concluir o acordo e torná-lo
obrigatório. “O poder competente para efetuar a ratificação é fixado livremente pelo D.
26
Constitucional de cada Estado.” (MELLO 2001 p. 217).
Nesse diapasão, reitera Amaral Júnior (2008, p. 51) “o direito internacional não
disciplina o procedimento de ratificação dos trados, que é matéria a ser regulada pela ordem
jurídica interna”. Assim, a ratificação do tratado é um reexame, por parte de autoridade
competente, do acordo assumido pelo Estado na esfera internacional.
2.3 Os tratados internacionais e o ordenamento jurídico brasileiro.
Rezek (2011, p.128) apregoa o predomínio dos tratados sobre as leis
infraconstitucionais no ordenamento jurídico brasileiro, “não se coloca em dúvida, em parte
alguma, a prevalência dos tratados sobre leis internas anteriores à sua promulgação [...] sua
simples introdução no complexo normativo estatal faria operar, em favor dele, a regra lex
posterior derogat priori.”; ademais, salienta que o legislador ao criar leis ordinárias de direito
interno, deve no mínimo observar os acordos firmados internacionalmente pela república, a
fim de não torná-la “um ilícito internacional.” (REZEK, 2011, p. 130). Entretanto, esclarece
que caso haja conflito entre o tratado a Constituição nacional, a lei máxima, vértice do
ordenamento jurídico prevalece.
Segundo Mello (2001) uma vez que os tratados sejam promulgados e publicados,
estes passam a ser de observância obrigatória pelos órgãos judiciais na esfera interna dos
Estados.
Contudo, Costa e Gomes ([2006?] p.10) fazem uma ressalva quanto à posição
adotada pelo Estado brasileiro:
[...] encontra-se bem assentado no direito internacional que um Estado
não pode deixar de cumprir suas obrigações internacionais alegando o
Direito interno, o que, inclusive, está expresso na Convenção de Viena de
1969, Art. 46, I e II. No entanto, é importante ressaltar, uma vez que o
tratado tenha sido revogado internamente, em decorrência do posterior
início de vigência de uma lei ordinária que o revoga expressa ou
tacitamente, este não poderá ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais.
No Brasil compete ao Poder Executivo as negociações e a adesão ao tratado,
conquanto deve sujeitá-lo à apreciação do Congresso Nacional para que se torne norma
interna obrigatória. Para que um tratado entre em vigor no ordenamento jurídico é necessário
que se cumpra um longo rito pelas duas casas do Congresso Nacional. A Constituição de 1891
já reservava ao presidente da República o direito de celebrar tratados e convenções
27
internacionais, contudo competia ao Congresso Nacional decidir de forma definitiva acerca
dos tratados e convenções celebrados com outros Estados. Também, a Constituição de 1988,
vigente no país, prevê a que os “acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional” devam passar pelo crivo do Congresso
nacional. (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 56)
A Constituição de 1988 determina:
“Art.49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I. resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
[...] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repúlblica :
VII – Celebrar tratados, convenções e atos internacionais sujeitos a referendo
do Congresso Nacional: (MELLO, 2000, 269-270)
Por conseguinte, após a celebração e assinatura do tratado por parte do Executivo
(no plano externo), o texto de inteiro teor do tratado internacional é, primeiramente,
submetido à apreciação na Câmara dos Deputados, onde passará por leitura em plenário
(publicidade), será remetido à Comissão de Relações Exteriores, passará pelo crivo da
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e se aprovado seguirá ao plenário onde será
submetido à votação. Caso a Câmara desaprove o disposto no tratado põe termo ao processo,
e uma vez que a redação final seja aprovada na casa por maioria absoluta de seus membros, o
tratado seguirá para a apreciação do Senado Federal. Assim como ocorreu na primeira casa,
ao chegar ao Senado o projeto será lido e publicado, posteriormente despachado para análise
da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. A aprovação se dá mediante maioria
absoluta, em único turno e sem emendas, vale ressaltar que não cabem alterações ao texto do
tratado. Concluído a apreciação pelo Senado Federal, sendo aprovado, segue para que o
presidente do Congresso Nacional, (também presidente do Senado) o promulgue. Após
promulgação será publicado nos diários do Congresso Nacional e no Oficial da União
Cumprindo o rito, a prática brasileira prevê que o instrumento seja ratificado pelo presidente
da República, “a quem a Constituição da competência privativa para celebrar tratados,
convenções e atos internacionais (art. 84 inc. VIII)”. Após ratificado, deve ser promulgado (
por decreto presidencial), e por fim publicado no Diário Oficial da União. Ao findar o
processo de legitimação os tratados passam a integrar o ordenamento jurídico nacional
devendo ser observado por todos, governantes e particulares, e garantido pelo poder
judiciário. (MAZZUOLI, 2010, p.323)
Em suma,
A aprovação dos atos internacionais se inicia com uma exposição de motivos
do Ministro das Relações Exteriores, solicitando ao Presidente a submissão,
por Mensagem, ao Congresso Nacional. O processo segue na Câmara dos
28
Deputados, sendo avaliado pelas comissões pertinentes e levado ao plenário.
Uma vez aprovado o instrumento, para o Senado Federal, sendo submetido
às comissões e ao plenário. Havendo aprovação, edita-se decreto legislativo,
assinado pelo Presidente do Senado e enviado para publicação no Diário
Oficial da União. O Presidente da República, então, tem a autorização para
ratificar o ato internacional e colocá-lo em vigor no Brasil mediante Decreto
Presidencial. (COSTA; GOMES, [2006?] p.8)
Cabe ainda salientar que a inobservância processual, o qual deva se submeter os
tratados para serem incorporados ao ordenamento interno pode gerar Ação Direta de
Inconstitucionalidade:
O supremo tribunal federal entende que a aprovação pelo Congresso e o
depósito do instrumento de ratificação no exterior não bastam para assegurar
a vigência do tratado no território brasileiro. È imprescindível na opinião da
Suprema Corte a promulgação de decreto presidencial, que introduza o
tratado na ordem interna. (AMARAL JÚNIOR, 2008, p.69)
Como dito alhures, não há consenso na doutrina quanto à hierarquia dos tratados
internacionais em face de leis federais. Nesse diapasão esclarece Costa e Gomes ([2006?])
que as decisões de tribunais superiores têm indicado qual posição deva ser adotada,
Já houve um período em que se admitiu com clareza que os tratados, nos
regimes de constituições anteriores, não apenas revogam leis anteriores
(STF, Apelação Cível 9.587 de 1951), mas não são revogados por leis
posteriores (STF, Apelação Cível 7.872 de 1943). No entanto, houve uma
significativa modificação dessa percepção, afastando-se da doutrina dos
internacionalistas brasileiros, a partir do Recurso Extraordinário 80.004 de
1978, em que o STF deixou claro que lei federal posterior revoga tratado
anterior (COSTA; GOMES, [2006?] p. 9)
Moraes (2010) assevera que os tratados e convenções internacionais que forem
formalmente aprovados pelo Poder Legislativo e promulgados pelo presidente da República,
terão suas normas inseridas no ordenamento jurídico brasileiro como atos normativos
infraconstitucionais, ainda que estes versem sobre direitos fundamentais, excetuando, claro, a
hipótese prevista no §3º, do artigo 5º, onde estabelece que os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada casa do congresso
nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros serão
equivalentes às emendas constitucionais, acrescido pela Emenda Constitucional nº45 de 2004.
Nesse diapasão, Costa e Gomes ( [2006?] p. 11) instruem:
A partir da vigência da CF de 1988, renovou-se a polêmica em torno da
validade e da hierarquia dos atos e tratados internacionais. Um dos pontos
mais controversos é a aplicação do § 2º do Art. 5º, que reza:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
29
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
[...] De fato, em que pese a qualidade técnica e o empenho dos
doutrinadores contrários à caracterização do tratado como tendo status
equivalente ao de lei federal ordinária, a posição do STF é suficientemente
clara, consistente e constante.
Recapitulando, cabe ressaltar que a mera assinatura de um tratado internacional,
não faz com que suas normas sejam de observância obrigatória no ordenamento jurídico
brasileiro, não produz eficácia. Para que as normas contidas no tratado tenham vigência é
necessária a aprovação do Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo e
posteriormente deve ser promulgada pelo Presidente da República, via decreto presidencial,
este procedimento garantirá que as normas do tratado internacional sejam incorporadas pelo
direito interno. (MORAES, 2010)
Diferentemente se posiciona Mazzuoli ( 2010, p.324)
O mesmo não se diga em relação aos tratados de direitos humanos, cuja
protelação destes atos suplementares pode servir de pretexto para não
cumprir e não atribuir os direitos que o tratado prevê aos cidadãos, devendo-
se, por isso, considerar que eles tem aplicação imediata a partir de suas
respectivas ratificações, sendo sua promulgação algo facultativo
(evidentemente que uma boa parcela de bom senso do Executivo faria bem
aos tratados internacionais de direitos humanos, se fizesse com que estes
fossem promulgados e publicados tão logo ratificados.
Reis (2011) acentua que tratados e leis são coisas distintas e não se confudem, vez
que eles têm processos diferentes na sua elaboração. A lei, em sentido strictu, emana de fonte
interna, dos Poderes Legislativo e Executivo e o tratado após ser negociado e assinado pelo
Poder Executivo, deve ser aprovado pelo Poder Legislativo, só então caberá ratificação pelo
Presidente da República. Deve o tratado, ao ser elaborado, observar o disposto nos comandos
constitucionais e uma vez publicado, respeitando os procedimentos impostos pelo texto
constitucional, adquire validade, devendo ser observado pelos particulares e aplicados nos
Tribunais.
30
CAPÍTULO III
A INFLUÊNCIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS
DIREITOS HUMANOS FRENTE À JURISDICÃO BRASILEIRA
3.1 O tratado Internacional como norma constitucional.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 teve início no Brasil o
processo de redemocratização que trouxe como fundamento do Estado Democrático de
Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) e a preponderância dos direitos
humanos (art.4º, inc. II). ”A Carta de 1988, dessa forma, instituiu no país novos princípios
jurídicos que conferem suporte axiológico a todo o sistema normativo brasileiro e que devem
ser sempre levados em conta quando se trata de interpretar quaisquer normas do ordenamento
jurídico pátrio”. (MAZZUOLI, 2010, p. 764)
Para Gomes e Mazzuoli (2009, p.1) embora o Supremo Tribunal Federal em
decisão histórica, no dia 03 de dezembro de 2008 (RE 466.343-SP e HC 87.585-TO) tenha
atribuído status supralegal aos tratados de direitos humanos não aprovados com o quorum
previsto pelo artigo 5º § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, isso
não implica que esteja “totalmente superada a discussão a respeito do grau hierárquico dos
tratados internacionais no nosso direito interno”. Ademais, questionam, “qual seria esse valor
hierárquico?” uma vez que há quatro correntes e possíveis respostas: “(a) valor legal; (b)
supralegal, (c) constitucional e (d) supraconstitucional.”
Contudo, quanto ao valor hierárquico dos tratados de direitos humanos,
esclarecem:
Conquanto a doutrina internacionalista entenda que qualquer tratado tem, no
mínimo, status supralegal (posição com a qual concordamos), o certo é que,
para o Supremo Tribunal Federal, os tratados que não versam sobre temas
relacionados aos direitos humanos não ultrapassariam o nível da legislação
ordinária no Brasil (isso é o que se pode inferir do RE 466.343-SP e do HC
87.585-TO). No que diz respeito às normas de direitos humanos (ou seja:
Direito Internacional dos Direitos Humanos), elas ingressariam no
ordenamento jurídico brasileiro ou como norma constitucional (posição da
doutrina avalizada pelo Min. Celso de Mello HC 87.585-TO, seja em relação
aos tratados aprovados com quorum qualificado, seja em relação aos tratados
de direitos humanos vigentes no Brasil antes da EC 45/2004) ou como
31
norma supralegal (voto do Min. Gilmar Mendes no RE 466.343-SP) Nesse diapasão, Novelino (2007) apud Reis (2011) dispõe que anteriormente o
Supremo Tribunal Federal tinha como entendimento que os tratados internacionais,
independentemente da matéria tratada, possuíam status de lei ordinária, conforme disposto no
artigo 102, inciso III, alínea b da Constituição da República Federativa do Brasil.
No entanto, consolidava-se a tese defendida, no Estado brasileiro, por
Antônio Augusto Cançado TRINDADE e pela professora Flávia
PIOVESAN, de que os tratados internacionais de Direitos Humanos teriam a
mesma hierarquia das normas constitucionais, por força do § 2º do artigo 5º
da Constituição da República Federativa do Brasil. (REIS, 2011, p. 232)
Comungando da mesma opinião, Mazzuoli (2010) acredita que quando o poder
constituinte originário dispôs no artigo 5º em seu § 2º que: “os direitos e garantias expressos
nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”;
estaria autorizando que tais direitos e garantias advindos de tratados internacionais
concernentes a direitos humanos ratificados pelo Brasil devem ter status de emenda
constitucional.
Para dirimir este tema, e tentar por fim à controvérsia, emendou-se o artigo 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil (Emenda Constitucional nº 45, de 8 de
dezembro de 2004) criando-lhe um terceiro parágrafo, o qual dispõe que uma vez que o
tratado ou convenção internacional sobre direitos humanos tenha a aprovação no Congresso
Nacional nos moldes previsto para as emendas, os tratados serão equivalentes a estas. (REIS,
2011)
É dizer, tais tratados passaram a ser fontes do sistema constitucional de
proteção de direitos no mesmo plano de eficácia e igualdade daqueles
direitos, expressa ou implicitamente, consagrados pelo texto constitucional,
o que justifica o status de norma constitucional que detêm tais instrumentos
internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. (MAZZUOLI, 2010, P.
765)
Do mesmo modo se posiciona Moraes (2010, p.744)
“A EC nº45/04 concedeu ao Congresso Nacional, somente na hipótese de
tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos, a
possibilidade de incorporação com status ordinário (CF, art. 49, I) ou com
status constitucional (CF, § 3º, art. 5º).”
Quanto aos tratados de direitos humanos já vigentes no ordenamento interno antes
da Emenda Constitucional nº45/04, Gomes (2009) apud Reis (2011) esclarece:
No histórico julgamento do dia 03.12.08, preponderou no STF (Pleno) o
32
voto do Min. Gilmar Mendes (cinco votos a quatro). Ganhou a tese da
supralegalidade dos tratados. Restou afastada a tese do Min. Celso de
Mello (que reconhecia valor constitucionais a tais tratados). Os tratados de
direitos que vierem a ser incorporados no Brasil podem ter valor
constitucional, se seguirem o parágrafo 3º, do art. 5º, da CF, inserido pela
Emenda Constitucional nº 45, que diz: “os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Os
tratados já vigentes no Brasil possuem valor supralegal: tese do Min.
Gilmar Mendes (RE 466.343-SP), que foi reiterada no HC 90.172-SP,
Segunda Turma, votação unânime, j.05.06.07 e ratificada no histórico
julgamento do dia 03.12.08. (GOMES, 2007 apud REIS, 2011, p.233)
Corroborando com os demais autores, Piovesan (2003) alude que por força do
art.5º, parágrafos 1º e 2º previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
os direitos previstos em tratados internacionais possuem hierarquia de norma constitucional,
sendo de aplicabilidade imediata, uma vez que são garantias constitucionais. Quanto aos
demais tratados internacionais, não jushumanitários, têm força hierárquica
infraconstituicionais, nos termos do artigo 102, inciso III, alínea b.
Esse tratamento jurídico diferenciado se justifica na medida em que os
tratados internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial,
distinguindo-se dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam
o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados–partes, aqueles
transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes,
tendo em vista que objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não
das prerrogativas dos Estados. (PIOVESAN, 2003, 46-47)
Consoante Mazzuoli (2010) uma vez que haja conflito entre as fontes do direito
(interna e internacional) deve se optar pela mais benéfica, uma vez que o princípio
internacional pro homine busca potencializar este sistema de proteção à pessoa humana
podendo, inclusive, ser aplicado ambas as normas, cada qual naquilo em que for mais
favorável.
Cabe, ainda, registrar que o art. 29 da Convenção Americana de Direitos
Humanos consagra o princípio da prevalência da norma mais benéfica, ou
seja, a Convenção só se aplica se ampliar, fortalecer e aprimorar o grau de
proteção de direitos, ficando vedada sua aplicação se resultar na restrição e
limitação do exercício dos previstos pela ordem jurídica de um Estado-Parte
ou por tratados internacionais por ele ratificados. (GOMES, 2004 apud
REIS, 2011, p. 236)
Isto posto, faz-se mister ressaltar que o princípio da primazia da norma mais
benéfica e protetiva aos direitos humanos afasta os demais princípios interpretativos
tradicionais, tais como: Lex posteriori derogat legi priori, que sejam incompatíveis, e Lex
speciali derogati legi generali. (GOMES, 2004 apud REIS, 2011)
33
O Brasil tem ampliado o rol de proteção dos direitos humanos, à medida que
ratifica os tratados internacionais e os incorpora ao ordenamento interno como normas
constitucionais.
Atualmente já se encontram ratificados pelo Brasil (estando em pleno vigor
entre nós) praticamente todos os tratados internacionais significativos sobre
direitos humanos pertencentes ao sistema global de proteção dos direitos
humanos (também chamado de sistema das Nações Unidas). São exemplos
desses instrumentos (já incorporados ao Direito brasileiro) a Convenção para
Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção
Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1966), o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (1966), O Pacto Internacional sobre Direitos
econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979), o Protocolo
Facultativo à convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher ((1999), a Convenção Contra Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984), a
Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), o Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional (1998), o Protocolo Facultativo sobre Direitos
da Criança Referentes à venda de Crianças, á Prostituição Infantil e à
Pornografia Infantil (2000) e, ainda, a Convenção das Nações Unidas contra
a Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida (2003). Isto tudo sem
falar nos tratados sobre direitos sociais(v.g., as convenções da OIT) e em
matéria ambiental, também, incorporados ao Direito brasileiro e em vigor no
país. (MAZZUOLI, 2010, p. 763)
Dentre todos esses pactos firmados pelo Brasil, Jayme (2005) destaca a
Convenção Americana de Direitos humanos, alegando que a promulgação da Constituição
Federativa do Brasil em 1988, mostrou o caminho de reconstrução do ordenamento jurídico e
da cidadania, contudo, o país deu um grande salto com a ratificação da Convenção Americana
de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica), em 1992,
alcançando seu ápice a partir do Decreto Legislativo nº 89/98, pelo qual reconhece a
submissão do Estado brasileiro à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos
Humanos; rompendo com o preceito de soberania absoluta e impondo ao Estado o dever de
cumprir com o pactuado na Convenção.
3.2 O sistema regional interamericano de proteção aos direitos humanos.
A partir da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 10 de dezembro de
1948, houve um comprometimento dos países membros da Organização das Nações Unidas
(ONU), em salvaguardar os direitos e garantias dispostos neste documento. Assim, com o
34
propósito de se cumprir o disposto na Carta das Nações Unidas concernente aos direitos
humanos, surgiram, particularmente na Europa, América e África, os sistemas regionais de
proteção dos direitos humanos que buscam estabelecer no âmbito regional condições viáveis
para efetiva tutela destes direitos, reprimindo violações contra estas garantias essenciais de
toda pessoa. (ROSA, 1999).
O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos é composto
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos. O marco inicial do Sistema é a
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem em abril de 1948
em Bogotá, Colômbia, sendo o instrumento inaugural de uma nova fase no
Direito Internacional, uma vez que considerou a proteção internacional dos
direitos do homem como orientação principal do direito americano em
evolução, além de ser o documento fundador da Organização dos Estados
Americanos (OEA). (BARRETO et al, [2010?] p.1)
Piovesan (2007) afirma que a Convenção America de Direitos Humanos, também
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica é o instrumento de maior importância no
sistema interamericano de proteção aos direitos humanos. Apenas os Estados membros da
Organização dos Estados Americanos (OEA) podem aderir à convenção; assim como ocorre
com a Convenção Européia de Direitos Humanos a Convenção Americana garante direitos
civis e políticos análogos aos mencionados pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, tais como direito à vida, à liberdade, ao nome, à nacionalidade, à personalidade
jurídica, dentre outros.
Nessa linha de raciocínio, é importante asseverar que a vinculação entre
direitos civis e políticos e os direitos econômicos e sociais não é apenas uma
imposição ética ou moral, mas também uma condição palpável da paz e da
estabilidade social e que pouco serve a proteção dos direitos civis e políticos
sem a existência dos direitos econômicos, sociais e culturais. Os direitos
humanos não podem consistir em vã invocação da liberdade, mas devem
assentar-se no que é essência do ser humano: o direito à vida, ao trabalho e
às condições imprescindíveis para satisfazer as premências espirituais e
materiais. (JAYME, 2005, p.2)
Assim sendo, cabe ao Estado-parte respeitar e assegurar o exercício destes
direitos, adotando todas as medidas necessárias para a efetividade dos direitos reconhecidos
pela convenção. Para monitorar os Estados membros a convenção criou a Comissão
Interamericana de direitos Humanos que tem como escopo principal defender os direitos
humanos na América. A Comissão formada por formada por sete membros eleitos pela
Assembleia Geral para um período de quatro anos, sendo possível a reeleição por uma única
vez, tem por competência conciliar mediante conflitos entre Estado e grupos sociais,
assessorar os Estados na tomada de decisões para promoção dos direitos humanos, averiguar
35
denúncias encaminhadas por sujeitos ou grupos que tiveram seus direitos violados.
(PIOVESAN, 2007)
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos exerce função essencial
para o funcionamento do Sistema Interamericano de Proteção, uma vez que
além de ser um órgão consultivo, participa ativamente de todo o processo,
desde a apreciação da denúncia, até a fiscalização e acompanhamento de
toda a tramitação do processo junto ao Tribunal interamericano, pois é
determinado no Artigo 57 da Convenção, o comparecimento da Comissão
em todos os casos perante a Corte. Encontra-se, portanto, em contato direto
com as vítimas e com os Estados, onde exerce sua função primordial, qual
seja, o processamento e investigação das denúncias de violações de Direitos
Humanos. (BARRETO et al, [2010?] p.1)
O Estado que aceita ser parte da Convenção America de Direitos Humanos, está,
automaticamente, sujeito à Comissão Interamericana, que tem legitimidade para agir contra
ele próprio, conforme disposto no artigo 44 e 41 da Convenção Americana de Direitos
Humanos. Para que um indivíduo, grupo ou entidade não governamental peticione à
Comissão alegando violação de direito assegurado, nos tratados ou no direito interno, é
preciso que já se tenha esgotado os recursos internos, exceto quando o ordenamento interno
não prover o devido legal ou ocorra demora judicial injustificada. Ao receber uma petição a
Comissão Interamericana, considerando os requisitos do artigo 46 da Convenção, decide sua
admissibilidade; caso a petição seja deferida, busca-se do governo denunciado maiores
explicações, garantindo o contraditório. Se os fatos não forem esclarecidos, poderá a
Comissão investigá-los; a princípio a Comissão buscará uma solução conciliadora entre as
partes, mas quando não for possível para a Comissão estabelecer um acordo amigável, esta
redigirá um relatório destinado ao Estado-parte declarando se houve ou não violação da
Convenção Americana; após receber o relatório o Estado violador terá três meses para dar
cumprimento as recomendações feitas; neste prazo de três meses, podem as partes se
conciliarem ou levar o caso ao conhecimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(órgão jurisdicional desse sistema regional). Passado o prazo de três meses, se as partes não
fizeram acordo, tampouco submeterem o caso à Corte, caberá à Comissão, por maioria
absoluta dos votos, manifestar seu parecer, recomendando ao Estado que remedie a situação e
se publicará o informe no relatório anual de suas atividades. Importa ressaltar que embora
haja previsão de submeter o conflito ao conhecimento da Corte, no prazo de três meses, esta é
uma prerrogativa exclusiva dos Estados-partes e da Comissão, conforme disposto no artigo 61
da Convenção Americana, sendo negado o acesso direto dos indivíduos, dos grupos sociais e
das entidades não governamentais à Corte Interamericana de Direitos Humanos. (PIOVESAN,
2007).
36
Tal Corte é uma "instituição judiciária autônoma" com sede na cidade de
São José da Costa Rica. Segundo estabelecido no artigo 1º do seu Estatuto,
esta tem por missão interpretar e aplicar a Convenção Americana de Direitos
Humanos. A Corte é composta por sete juízes eleitos a título pessoal, [...]
Eles devem ser originários de um Estado-membro da Convenção IDH, a
Corte IDH não pode contar com mais de um juiz da mesma [...]. Tais
magistrados são eleitos pelo escrutínio da maioria absoluta dos votos dos
Estados-parte, na ocasião de uma Assembleia Geral e são retirados de uma
lista de nomes oferecidos pelos países. Na teoria, cada país pode oferecer até
três nomes, mas na pratica, por razões políticas, a maioria oferece o nome de
um só candidato ou nenhum. A Corte IDH exerce essencialmente dois tipos
de competência: uma competência contenciosa que a permite de reconhecer
ou não violações aos direitos convencionais pelos Estados-membro da
Convenção ADH e uma competência consultiva, que está à disposição de
todo e qualquer país membro da OEA. (SIMULAÇÃO DE
ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS, 12., 10-14 out. 2012)
É atributo da Corte, em sua competência contenciosa nos casos em que se
comprove violação de direito ou liberdades resguardados pela Convenção, determinar ao
Estado violador que assegure à vítima o exercício do direito ou da liberdade transgredida.
Também é possível à Corte ordenar que sejam reparados os prejuízos oriundos do desrespeito
ao direito ou liberdade, e que seja pago às vítimas uma justa compensação (previsto pela
Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 61) (PIOVESAN, 2007)
Diante destas prerrogativas, Barreto et al ([2010?], p.14) adverte:
O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos tem enfrentado
problemas graves em relação ao seu perfeito funcionamento, pois, é evidente
que a Comissão e a Corte representam uma última esperança aos
denunciantes, uma vez que não recebendo o respaldo necessário pelo Estado
respectivo, ou pelo mau funcionamento do Judiciário ou pela longa demora
na apuração dos fatos, busca-se na Corte uma celeridade maior e uma
decisão que solucione o litígio. Entretanto a falta de um instrumento de
coerção, aparentemente, continua a ser um empecilho dos tribunais
internacionais, e a curto prazo, resta confiar na boa vontade por parte das
autoridades e órgãos respectivos.
Quanto aos efeitos das sentenças internacionais da Corte Interamericana, Jardim
(p.34, 2011) afirma que “são de caráter obrigatório, não político, inapeláveis e definitivas
(arts. 67 e 68, § 2º, da CADH)”.
Ademais, quanto à eficácia da sentença internacional, Jardim (2011) relembra que
os acordos internações estão firmados pelo princípio pacta sunt servanda,
De início, devemos lembrar a Convenção de Viena sobre direitos dos
tratados, ratificada pelo Brasil, e que consagra o princípio pacta sut
servanda, pelo qual os tratados devem ser cumpridos e executados de boa fé
por seus Estados Partes (art. 26). Além disso, essa Convenção determina que
os Estados não podem invocar o direito interno como viciando seu
consentimento nem justificando sua não execução (arts. 46, § 1º, e 27). Tais
37
princípios a própria CorteIDH já os reafirmou. (JARDIM, 2011, p.35)
Ante ao exposto, Piovesan afirma que a Corte Interamericana e a Comissão vêm
atuando com relevância, ainda que sua jurisprudência seja recente, consolidando o sistema
interamericano de proteção dos direitos humanos, diante da inércia e ineficácia das
instituições nacionais. Ressalta ainda que o sistema interamericano tem salvado muitas vidas,
“tem contribuído de forma decisiva para a consolidação do Estado de Direito e das
democracias na região; tem combatido a impunidade; e tem assegurado às vítimas direitos
fundamentais.” (PIOVESAN, 2007, p.118)
3.3 Reflexos dos acordos internacionais de proteção aos direitos humanos junto ao
Estado brasileiro.
A Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, em seu artigo 5º, inciso
LXVII preconiza: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo responsabilidade pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”,
ou seja, não se pode impor pena privativa de liberdade por inadimplemento, contudo está
previsto na norma constitucional que o responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia pode ser preso, do mesmo modo, está passível de prisão
civil aquele que se nega a devolver, ante mandado judicial, coisa ou valor que lhe foi confiado
(depositário infiel). Embora haja previsão constitucional sobre a matéria, o Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-SP, firmou o entendimento de que
a prisão civil do depositário infiel está vedada pela Convenção Americana de Direitos
Humanos, que prevê em seu artigo 7º, item 7: "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este
princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de
inadimplemento de obrigação alimentar." (GOMES, 2009)
E acrescenta:
O fato de o Brasil ser signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que
admite somente a prisão civil a devedor de alimentos, impede qualquer outro
tipo de prisão. [...] O conflito entre os tratados internacionais e o direito
interno (Constituição ou leis ordinárias) resolve-se por dois novos critérios
(da jurisprudência internacional): (a) vedação de retrocesso e (b) princípio
pro homine (em matéria de direitos humanos aplica-se sempre a norma mais
favorável). (GOMES, 2009, p 1)
38
Outro grande avanço na legislação brasileira, resultado da proteção internacional dos
direitos humanos, foi a promulgação, da Lei 11.340, em 07 de agosto de 2006, que combate a
violência doméstica. Também conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei 11.340 surgiu por
recomendação internacional em resposta ao caso da brasileira Maria da Penha Maia
Fernandes vítima do próprio marido, que por duas vezes tentou matá-la. Consta que em maio
de 1983, Marco Antônio Heredia Viveiros, forjando um assalto, atirou, com uma espingarda,
nas costas da esposa enquanto ela dormia deixando-a paraplégica. Poucos dias depois, ao
regressar ao lar Maria da Penha, após ser submetida à vária cirurgias, recebeu de Marco uma
descarga elétrica, enquanto tomava banho, numa tentativa de eletrocutá-la. Em junho de 1983,
iniciaram as investigações sobre o caso, e somente em setembro de 1984 a vítima ofereceu
denúncia contra seu agressor. Em 1991 o marido agressor foi condenado a oito anos de prisão,
contudo, recorreu em liberdade conseguindo a anulação do seu julgamento em 1992. Em
1996, em um novo julgamento, Marco foi condenado a dez anos e seis meses de reclusão, e
mais uma vez recorreu em liberdade. Após transcorridos dezenove anos e seis meses da data
do crime, Marco foi preso, contudo cumpriu apenas dois anos de prisão e em seguida obteve
liberdade. Maria da Penha, diante da desídia e lentidão da justiça brasileira, recorreu aos
organismos internacionais para a defesa da mulher que formalizaram a denúncia à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. “O caso de Maria da Penha Maia Fernandes provocou a
condenação internacional do Brasil e forçou a implementação de instrumentos que buscassem
coibir a violência doméstica”. (SIQUEIRA, 2012, p.4)
O Relatório n. 54 da Organização dos Estados Americanos responsabilizou o
Estado brasileiro por negligência e omissão frente a violência doméstica,
recomendando a adoção de várias medidas, dentre elas a de simplificar os
procedimentos judiciais penais a fim de que se possa ser reduzido o tempo
processual. Também impôs o pagamento de uma indenização no valor de 20
mil dólares em favor de Maria da Penha. [...] O Poder Judiciário, que até
então reforçava a desigualdade de gênero na sociedade, passa gradualmente
a atuar em defesa dos direitos das mulheres. O Direito Penal brasileiro
finalmente começa a trilhar caminho em direção à primazia da dignidade
humana e sua prevalência na esfera doméstica, condizente aos tratados
internacionais que versam sobre a mulher. (SIQUEIRA, 2012, p.1)
Apregoa a Lei 11.304/2006 em seu preâmbulo:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
39
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. (BRASIL, 2006)
Nestes termos, com a condenação do Estado brasileiro, por negligência e omissão em
relação à violência doméstica, a internacionalização dos direitos humanos, através da
Comissão Interamericana, garantiu às mulheres a efetivação dos direitos já previstos na
Constituição da República Federativa do Brasil (artigo 226, § 8o da CRFB/88), mas que só se
materializaram diante da exigência do cumprimento dos acordos firmados internacionalmente.
Outro caso de condenação do Brasil perante a Corte Interamericana de direitos
humanos é o da Casa de detenção José Mário Alves, mais conhecida como Presídio Urso
Branco. Construído no final da década de 1990, em Rondônia, com o escopo de abrigar os
presos provisórios (sem sentença transitada em julgado), passou a funcionar como
penitenciária, abrigando também presos condenados que eram amontoados em celas
superlotadas, não havendo a separação entre o preso provisório e o condenado. Nestes termos
e com estrutura física precária o estabelecimento penal se tornou palco de carnificina.
(KOSTER, [2009?] p. 1)
Num período de cinco anos, foram quase cem mortes causadas por
desavenças e vinganças dos presos entre si, conseqüências de torturas e
assassinatos cometidos pelos próprios agentes públicos e a falta de
assistência médica. As mortes demonstraram situações de violência
extremada. (KOSTER, [2009?] p. 1)
Inúmeros motins e crimes bárbaros foram cometidos dentro daquele estabelecimento
penal, por presos de facção rivais que almejavam o comando do presido e pelos próprios
agentes públicos responsáveis pela ordem e pela segurança. O que levaram a Comissão de
Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho e Justiça Global a peticionarem junto ao Sistema
Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, restaurar a proteção da dignidade humana
dentro do presídio Urso Branco. (KOSTER, [2009?] p.1)
No caso do presídio urso branco em face do Brasil, a corte ordenou medidas
provisórias para evitar novas mortes de internos daquele presídio, em Porto
velho, Rondônia, onde ao menos 37 presos foram brutalmente assassinados
entre 1º de janeiro e 5 de julho de 2002. (Piovesan, 2007, p.110
Consoante Barreto et al ([2010?[) o caso Damião Ximenes Lopes trata-se da primeira
condenação do Estado brasileiro frente à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em 1º
de outubro 1999, Damião Ximenes Lopes, portador de doença mental, que neste tempo estava
com 30 anos de idade, foi submetido a internação para tratamento psiquiátrico, na Casa de
Repouso Guararapes (no Município de Sobral, Ceará). Damião foi uma vítima da Casa de
Repouso; num dia de visitas sua mãe constatou que ele estava sendo torturado e mantido em
40
situação degradante: amarrado, malcheiroso e cheio de hematomas; ela buscou socorro dentro
da própria instituição e não obteve, o que levou Damião a óbito. O laudo do médico da casa
de repouso apontava parada cardiorrespiratória como causa determinante da morte de Damião
Ximenes, e a necropsia realizada na cidade de Fortaleza/CE não determinou a causa morte,
embora fossem visíveis no cadáver hematomas, punhos dilacerados, mãos perfuradas, ou seja,
marcas de tortura. Crendo que a verdade estava sendo manipulada por laudos médicos, a
família Ximenes apresentam queixa junto a delegacia de Sobral e devido a morosidade das
investigações do caso, ingressam com um pedido junto a Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa. Em 22 de novembro de 1999, a irmã de Damião, Irene Ximenes,
oferece denúncia do caso junto a Comissão Interamericana, e somente em 9 de outubro de
2002 a Comissão se considerou competente para analisar o litígio frente a inércia da
jurisdição brasileira. Em 8 de outubro de 2003 , a Comissão Interamericana condena o Estado
brasileiro pela violação dos direitos salvaguardados pela Convenção Americana.
A Corte julga a ação procedente decidindo que: O Estado violou em
detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, os direitos à vida e à
integridade pessoal consagrados nos artigos 4.1 e 5.1 e 5.2 da Convenção
Americana. O Estado violou, em detrimento dos [...] familiares do senhor
Damião Ximenes Lopes, o direito à integridade pessoal consagrado no artigo
5 da Convenção Americana. Dispõe que o Estado deve garantir dentro de um
prazo razoável que o processo interno destinado a investigar e sancionar os
responsáveis deste fato surta seus efeitos esperados. Deve o Estado publicar,
no praz o de seis meses, no Diário Oficial, os fatos provados na sentença O
Estado deve pagar quantia em dinheiro à família de Damião Ximenes por
dano material no prazo de um ano. A sentença obrigou o país a reformular as
prioridades do Sistema Nacional de Saúde, principalmente no tocante as
pessoas com deficiências mentais. Até a data da sentença, não se teve notícia
de que o processo em âmbito da jurisdição interna tenha se findado.
(BARRETO, et al, [2010?] p.17-18))
Ante ao exposto, observa-se a importância dos acordos internacionais de direitos
humanos, frente à violação destes direitos e a conduta inerte do Estado, cujo dever é
promover e garanti-los. Surge então para aqueles que tiveram seus direitos transgredidos, uma
outra instância na busca por justiça.
41
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O homem, por sua natureza, possui direitos próprios, naturais e fundamentais à
sua condição humana. Conhecidos em todo o mundo como Direitos Humanos; estes visam
proteger a dignidade da pessoa, assegurando liberdade e condições mínimas de vida para o
desenvolvimento de sua personalidade. Não cabe escusa do Estado em resguardá-los, nem
tampouco admiti-se a distinção das gentes, a todos deve-se garantir, isonomicamente, a tutela
de seus direitos, sendo inaceitável a alegação de superioridade em razão de gênero, etnia,
nação ou religião.
A construção dos direitos e garantias da pessoa humana é decorrente de fatores
históricos, foram longos períodos de lutas, na tentativa de combater os abusos e o desrespeito
ao ser humano, na maioria das vezes vítimas do próprio Estado; uma incessante busca pelo
reconhecimento dos direitos, próprios do homem, eclodiu nesse conjunto institucionalizado de
direitos que hoje são intitulados Direitos Humanos.
Atualmente, esses direitos encontram-se salvaguardados na esfera internacional
por princípios e regras jurídicas que regem as relações internacionais entre os Estados, através
de tratados e convenções que se tornam leis perante os Estados acordantes; e no plano
nacional são distintamente considerados cláusulas pétreas da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, só cabendo alterações que possam robustecer este resguardo,
ademais o Estado amplia tal proteção na medida em que mitiga sua soberania permitindo que
a tutela internacional dos direitos humanos alcance a sua jurisdição interna, cabendo a
observância do convencionado internacionalmente.
Logo, pode-se afirmar que grande é a influência dos tratados e convenções
internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro e grande tem sido a
contribuição do sistema internacional de proteção dos direitos humanos para a materialização
de direitos e garantias fundamentais. Observou-se que num sistema globalizado é relevante
que o direito internacional concorra com o direito interno do Estado na busca por resguardar a
pessoa humana na sua totalidade. Consciente da magnitude dos direitos humanos e da
necessidade de garanti-los, o Estado brasileiro (Estado Democrático de Direito), que vem se
redemocratizando desde a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, submete-
se a jurisdição contenciosa internacional, sujeitando-se ao pólo passivo das ações em que os
direitos humanos e suas garantias sejam violados; surgindo para as vítimas de ultrajes uma
terceira instância na busca por justiça.
42
Em suma, considerou-se que a jurisdição brasileira sofre influência dos tratados e
convenções internacionais de direitos humanos, visto que por vezes precisou-se se adequar
revogando normas e suprimindo práticas que ultrajam os direitos humanos ali reconhecidos,
além de legislar, para observância e garantia dos direitos.
.
43
REFERÊNCIAS
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In: ARAUJO, Nádia de; BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu (org.).Os direitos humanos e
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Brasil e os Direitos Humanos. In: ARAUJO, Nádia de; BOUCAULT, Carlos Eduardo de
Abreu (org.).Os direitos humanos e o direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
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