Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa:...

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213 ISSN 1517-5030 Colombo, PR Dezembro, 2008 Técnico Comunicado D B A C B Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso 1 Engenheiro Florestal, Mestre, Pesquisador da CONAF. [email protected] 2 Engenheira Florestal, Doutora, Pesquisadora da Embrapa Florestas. [email protected] 3 Engenheira Florestal, Doutora, Pesquisadora da Embrapa Florestas. [email protected] 4 Engenheiro Florestal, Doutor, Professor da Universidade Federal do Paraná – UFPR. [email protected] Hugo Rivera 1 Maria Augusta Doetzer Rosot 2 Yeda Maria Malheiros de Oliveira 3 Nelson Carlos Rosot 4 Conceito e Elementos Componentes da Técnica de Avaliação Multicritério A Avaliação Multicritério (AMC) é uma ferramenta matemática que permite a comparação de diferentes alternativas ou cenários conforme muitos critérios, com freqüência opostos, com o propósito de orientar a tomada de decisão na direção de uma escolha acertada (ROY, 1996). Qualquer que seja a definição, geralmente, assume-se na AMC que a tomada de decisão deve se basear em opções diferentes, “alternativas” ou conjunto de alternativas. Selecionar uma alternativa neste conjunto depende de muitas características, freqüentemente opostas, denominadas “critérios” (CHAKHAR; MARTEL, 2003). Existem vários componentes dentro da AMC, sendo os principais: objetivos; critérios (fatores e limitantes); regra de decisão; funções e avaliação. Segundo Barredo (1996), estes componentes são: a) Objetivos: na AMC, um objetivo entende-se como uma função a desenvolver; o objetivo indica a estruturação da regra de decisão ou o tipo da regra de decisão a utilizar. Os objetivos podem ser múltiplos em determinados problemas de planejamento, decisão ou localização/atribuição de atividades, o que permite projetar uma avaliação “multiobjetivo”. Em avaliações deste tipo os objetivos podem ser complementares ou conflitantes. b) Critérios: são aqueles sobre os quais se baseia a tomada de uma decisão que pode ser medida e avaliada. Quando um critério é espacializado, recebe o nome de “camada”. Os critérios podem ser de dois tipos: fatores e limitantes. - Fator: é um critério que aumenta ou diminui a adequabilidade de uma alternativa específica para a atividade considerada, sendo medido, portanto, em uma escala contínua. Camadas SIG. Fonte: Laboratório de Monitoramento - Embrapa Florestas.

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213ISSN 1517-5030Colombo, PRDezembro, 2008Técnico

Comunicado

D

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A C

B

Uso de AvaliaçãoMulticritério (AMC) noOrdenamento Territorial deuma Propriedade daEmbrapa: Estudo de Caso

1 Engenheiro Florestal, Mestre, Pesquisador da CONAF. [email protected] Engenheira Florestal, Doutora, Pesquisadora da Embrapa Florestas. [email protected] Engenheira Florestal, Doutora, Pesquisadora da Embrapa Florestas. [email protected] Engenheiro Florestal, Doutor, Professor da Universidade Federal do Paraná – UFPR. [email protected]

Hugo Rivera1

Maria Augusta Doetzer Rosot2

Yeda Maria Malheiros de Oliveira3

Nelson Carlos Rosot4

Conceito e Elementos Componentesda Técnica de AvaliaçãoMulticritério

A Avaliação Multicritério (AMC) é uma ferramentamatemática que permite a comparação de diferentesalternativas ou cenários conforme muitos critérios,com freqüência opostos, com o propósito de orientar atomada de decisão na direção de uma escolhaacertada (ROY, 1996). Qualquer que seja a definição,geralmente, assume-se na AMC que a tomada dedecisão deve se basear em opções diferentes,“alternativas” ou conjunto de alternativas. Selecionaruma alternativa neste conjunto depende de muitascaracterísticas, freqüentemente opostas, denominadas“critérios” (CHAKHAR; MARTEL, 2003).

Existem vários componentes dentro da AMC, sendo osprincipais: objetivos; critérios (fatores e limitantes);regra de decisão; funções e avaliação. SegundoBarredo (1996), estes componentes são:

a) Objetivos: na AMC, um objetivo entende-se comouma função a desenvolver; o objetivo indica aestruturação da regra de decisão ou o tipo da regra dedecisão a utilizar. Os objetivos podem ser múltiplos emdeterminados problemas de planejamento, decisão oulocalização/atribuição de atividades, o que permiteprojetar uma avaliação “multiobjetivo”. Em avaliaçõesdeste tipo os objetivos podem ser complementares ouconflitantes.

b) Critérios: são aqueles sobre os quais se baseia atomada de uma decisão que pode ser medida eavaliada. Quando um critério é espacializado, recebe onome de “camada”. Os critérios podem ser de doistipos: fatores e limitantes.

- Fator: é um critério que aumenta ou diminui aadequabilidade de uma alternativa específica para aatividade considerada, sendo medido, portanto, emuma escala contínua.

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2 Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

CAMADAS TEMÁTICAS

LIMITANTES CAMADA

CRITÉRIO 1

MODELO DE DECISÃO

CRITÉRIOS

F ATORES

LIMITANTES

O BJETIVO

PROCEDIMENTOS FUNÇÃO D E

SELEÇÃO

REGRA DE DECISÃO

CAMADA CRITÉRIO 3

CAMADA CRITÉRIO 2

FUNÇÃO HEUR ÍSTIC A

Pontuação de Critérios

Superposição

Avaliação Estruturação

Dados espaciais

Juízos de Valor

Conjunto Procedim.

LEGENDA

- Limitante: é um critério que restringe adisponibilidade de algumas alternativas segundo aatividade avaliada; com este tipo de critério, excluem-se várias categorias da camada analisada para aavaliação, ou seja, gera-se uma camada binária (0 ou1), onde o valor 1 representa as alternativas passíveisde serem escolhidas para uma atividade e o valor 0 anão disponibilidade para essa mesma atividade.

c) Regra de decisão: é o procedimento por meio doqual se obtém uma avaliação específica, podendo,também, comparar-se, através dessa regra, distintasavaliações, com o fim de mudar algum de seusaspectos caso seja necessário.

d) Funções: existem as funções de seleção e asheurísticas. Nas funções de seleção, tenta-seclassificar as alternativas com relação a umacaracterística mensurável. Já a função heurísticabusca obter uma seleção de apenas algumasalternativas do conjunto global.

e) Avaliação: Uma vez que a regra de decisão tenhasido estruturada, o processo de aplicá-la sobre ascamadas-critério denomina-se avaliação, que produzirá,finalmente, o modelo de decisão.

Segundo Eastman (1997), os objetivos podem ser dedois tipos:

a) complementares: quando a porção ou zona doterritório pode satisfazer a mais de um objetivo, ouseja, a mesma região pode pertencer a mais de umaclasse de uso. Por exemplo: no caso de se desejaralocar uma determinada superfície para uso combinadode conservação e recreação, as áreas ótimas seriamaquelas que satisfazem a ambos os objetivos no maiorgrau possível.

b) conflitantes: quando ocorre competição pela porçãode terreno disponível, uma vez que ela pode ser usadapara um ou para outro objetivo, mas não para ambos.Por exemplo: alocar áreas para a produção de madeirae para a preservação da vida silvestre. Os doisobjetivos, de uma maneira geral, não podem coexistir.Qual a forma exata de competição e sobre qual baseum deles prevalecerá vai depender da natureza daregra de decisão adotada.

Na Fig. 1 apresenta-se um esquema que mostra umavisão global dos elementos que constituem o processoda AMC.

Fig. 1. Processo da avaliação multicritério. Fonte: Barredo (1996).

3Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

Ferramentas para a AvaliaçãoMulticritério Empregada noOrdenamento Territorial

A integração da AMC com os Sistemas de InformaçãoGeográfica (SIG) gera uma potente ferramenta paraapoiar processos de análise espacial através damodelagem, em especial para a atribuição/localizaçãode atividades, gerando-se uma série de possibilidadesde aplicações (RIVERA, 2007). Pode, também, auxiliarde maneira eficaz processos de planejamento urbano,regional e de ordenação do território, bem comorealizar operações de localização/atribuição levandoem conta diversos critérios e múltiplos objetivos(BARREDO, 1996). Neste mesmo sentido, Sharifi et al.(2002) comentam que a integração de SIG e AMCfornece uma técnica poderosa no desenvolvimento deopções para reduzir os impactos ecológicos esocioeconômicos negativos de ações não planejadas,assim como para avaliação e visualização de seusresultados.

A estrutura de avaliação gerada pela integração doSIG e da AMC se aproxima do tipo de planejamentoconhecido como planejamento físico, que é entendidocomo a previsão e controle do uso do solo medianteuma adequada distribuição das atividades no território(BARREDO, 1996). Nesse caso, não apenas o SIG, mastambém outras geotecnologias disponíveis, tais como osensoriamento remoto, o uso do GPS e a execução deanálises espaciais, são de fundamental importância,uma vez que representam o conjunto deprocedimentos, técnicas, equipamentos e softwareque servem como instrumento à aquisição,processamento e disponibilização da informaçãoespacializada.

Estudo de Caso: Zoneamento daReserva Florestal Embrapa/Epagri emCaçador, SC, por AvaliaçãoMulticritério

Uma proposta de zoneamento por AMC foidesenvolvida na Embrapa Florestas para a ReservaFlorestal Embrapa/Epagri (RFEE), propriedade de1.194 ha, localizada em Caçador, SC, dos quais cercade 1.100 ha são cobertos por Floresta Ombrófila Mista

(Floresta de Araucária) em variadas condições deconservação e estágios sucessionais (ROSOT et al.,2008). O zoneamento foi considerado uma atividadeprioritária e pré-requisito à elaboração de um plano demanejo para a área.

Foram objetivos da aplicação da técnica de AMC:

a) atribuir funções ao território da Reserva;

b) pesquisar alternativas de uso sob a luz de múltiploscritérios e objetivos conflitantes;

c) gerar soluções para os problemas de uso do solo;

d) hierarquizar alternativas de uso segundo o grau deatração;

e) eliminar o componente empírico e não-científico dozoneamento.

O processo de zoneamento do território (país, estado,região, unidades de conservação ou propriedadesrurais), independentemente do método utilizado,inclusive por AMC, se depara com dois problemasbásicos, considerando que os resultados devem,necessariamente, gerar mapas. O primeiro é aexistência de uma base cartográfica freqüentementeincompleta (por exemplo, rios, limites) ou em escalainadequada para as dimensões da área em questão. Emsegundo lugar, a dificuldade em se eleger, compilar,estruturar e sistematizar informações ambientais quesejam relevantes para o processo.

O zoneamento da Reserva não foi exceção a essaregra, de forma que o primeiro desafio consistiu emresolver questões de mapeamento básico (ROSOT etal., 2006). Iniciou-se a compilação do materialcartográfico disponível e, utilizando um equipamentode estação total, foi levantado o perímetro, ainfraestrutura e a hidrografia (parcial); um GPSdiferencial foi utilizado para o levantamento parcial deformas de ocupação do solo, hidrografia detalhada evegetação. Na Tabela 1 são apresentadas as“camadas” de informações ou “layers” básicas do SIGnecessárias para a aplicação da AMC realizada naReserva e a forma como foram adquiridas.

4 Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

A aplicação da técnica de AMC e seus resultadosencontram-se descritos detalhadamente em Rivera(2007), sendo parte integrante de uma dissertação demestrado desenvolvida em parceria com aUniversidade Federal do Paraná.

Seleção de critérios: limitantes e fatoresOs critérios limitantes são aqueles dicotômicos, isto é,permite-se (valor 1) ou não se permite (valor 0) realizaralguma atividade em uma determinada área. Oscritérios denominados fatores são critérios que podemser expressos em um gradiente, ou seja, em diferentesníveis, não sendo, portanto, dicotômicos.

Tabela 1. Camadas de informação básicas do SIG e respectivas fontes.

Como uma forma didática para separar as diferentestemáticas envolvidas no zoneamento da Reserva, tantolimitantes como fatores foram separados em camadasde caráter legal, social, ambiental e econômico,entendendo-se que algumas delas podem representardois ou mais tipos destes componentes ao mesmotempo.

A Tabela 2 apresenta as limitantes e os fatoresselecionados para a Avaliação Multicritério, segundouma separação de temas, definida com finalidadesdidáticas.

Tabela 2. Critérios (limitantes e fatores) considerados para a avaliação multicritério segundo uma separaçãotemática.

Fonte: Rivera (2007).

Camada ou layer original Fonte

Perímetro, infra-estrutura Croquis da área, imagem IKONOS, GPS diferencial

Hidrografia GPS diferencial

Curvas de nível e pontos cotados Mapa em papel escala 1:50.000

Uso do solo, vegetação Imagem Ikonos, GPS diferencial

Modelo digital de elevação (MDE) Curvas de nível e pontos cotados

Camada derivada

Declividade Modelo digital de elevação (MDE)

Exposição de vertentes Modelo digital de elevação (MDE)

Restrições legais de uso (APP, Reserva Legal) Layer de uso do solo e hidrografia

Outras Cruzamento de layers, consulta de atributos, técnicas de

interpolação

Temática Limitantes Fatores

Legal/Ambiental Áreas de Preservação Permanente

Áreas de Uso Restrito

Declividade

Efeito Borda

Econômica Produção e Pesquisa Agrícola

Incremento Periódico Anual

Qualidade da Madeira em Pé

Grupos Florísticos

Proximidade a Caminhos

Social Áreas de Alta Singularidade ___

Operativa Pesquisa com Parcelas Permanentes ___

5Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

Os critérios selecionados para a superposição dasdiferentes camadas ou layers do SIG e o valor que lhesfoi atribuído foram determinados segundo o conjuntode informações disponíveis. Para a geração dascamadas: a) Áreas de Preservação Permanente; b)Produção e Pesquisa Agrícola; c) Áreas de AltaSingularidade; d) Pesquisa com Parcelas Permanentes;e) Áreas de Uso Restrito; f) Declividade; g) EfeitoBorda; e h) Proximidade a Caminhos, foi necessáriorealizar algumas operações de geoprocessamento nosoftware ArcGis 9.1, como foi a geração de buffers ereclassificações, gerando novas classes.

Para disponibilizar outras camadas, no entanto, foinecessário um tratamento específico. Este foi o casodas camadas de Incremento Periódico Anual eQualidade de Madeira em Pé, as quais dispõem deinformação do tipo discreto – informação pontual(parcelas) e não contínua – que para poder serestendida a toda a área da Reserva, requereu oemprego de técnica de interpolação. Também este foio caso para a camada denominada “GruposFlorísticos”, para a qual apenas se dispunha deinformação pontual advinda das parcelas de inventário.

LimitantesNo caso dos critérios limitantes foram definidos quatrotipos: legal/ambiental, econômica, social e operativa.

Como limitantes legais/ambientais – por sua condiçãode provir de determinações legais e por sua granderelevância ambiental em termos de preservação –foram consideradas:

a) Áreas de Preservação Permanente: definidassegundo o Artigo 2º do Código Florestal Brasileiro(BRASIL, 2008), Lei Federal nº 4.771/65. Assim,foram definidas áreas de proteção (buffers) ao redorde nascentes, lagos e várzeas em uma largura mínimade 50 m e, ao longo de rios, uma faixa de proteção de30 m (mínimo requerido para cursos de água de menosde 10 m de largura, que é o tamanho dos riosexistentes na RFEE);

b) Áreas de Uso Restrito: também foram determinadassegundo o Código Florestal Brasileiro (BRASIL, 2008),Lei Federal nº. 4.771/65. O Artigo 10 indica que “nãoé permitida a derrubada de florestas situadas em áreasde inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelastoleradas a extração de toras quando em regime deutilização racional, que vise a rendimentospermanentes”. O Artigo 2º determina que também se

considerem áreas de preservação permanente as“encostas ou partes destas com declividade superior a45º, equivalente a 100 % na linha de maiordeclividade”. Em função do anterior, e apesar de existira possibilidade de realizar algum tipo de uso em áreasacima de 25º, optou-se por manter as áreas acimadeste valor como áreas de uso restrito, portanto, comocamada limitante, não podendo se realizar dentrodessas áreas nenhum tipo de atividade.

Como limitante econômica, consideraram-se as áreasda RFEE que, atualmente, são utilizadas para produçãoe pesquisa agrícola. Estimou-se que estas áreas nãomudariam de uso dentro de pelo menos 7 a 10 anos,que é o prazo que se acredita razoável para que existacontinuidade do conjunto das atividades realizadas naRFEE definidas pelo zoneamento.

Foi determinada uma limitante social, devido aosinteressantes atrativos que possui a RFEE, tanto emtermos de paisagem como culturais. Imponentesexemplares de Cedrela fissilis (7,40 m de CAP),Araucaria angustifolia (6,9 m de CAP) e Ocoteaporosa (5,9 m de CAP) (KURASZ, 2005), que seencontram entre os maiores do Sul do Brasil, devemser resguardados para contemplação pela população.Alguns sítios-habitações da tradição indígena da triboTaquara encontrados na RFEE são um importantepatrimônio cultural que também deve ser protegido,criando-se em torno deles um buffer de 30 m, que,acredita-se ser suficiente para proteção do que sedenominou Áreas de Alta Singularidade.

Foi necessário definir uma limitante “operativa” pelofato de não ter sido possível enquadrá-la em nenhumadas limitantes anteriores. Esta limitante correspondeuàs áreas onde se efetua pesquisa com parcelaspermanentes, onde não se deve exercer nenhumaatividade que não seja a própria da pesquisa. Para asnove parcelas permanentes (2.500 m2 cada) queexistem na RFEE, criaram-se buffers de 20 m no seuentorno.

FatoresForam definidos dois tipos de fatores: ambientais eeconômicos. Dentre os ambientais encontram-se:

a) Declividade: este fator foi escolhido por sua relaçãodireta com a susceptibilidade à erosão, tendo-se trêsníveis: menor que 8 %, entre 8 % e 20 % e maior que20 %;

6 Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

b) Efeito Borda: estima-se para o caso da RFEE, que asáreas florestais internas têm maior valor ambiental queas da sua parte externa, já que esse tipo de floresta,ao estar mais distante da borda, poderá manter demelhor maneira os seus processos naturais e ser maisbem preservada, pois os efeitos das pressões humanase as interferências de fenômenos climáticos vãodiminuindo quanto mais se penetra no fragmentoflorestal. Foram definidos três níveis de distância daborda: i) menor que 450 m; ii) entre 450 m e 900 m; eiii) maior que 900 m.

Os fatores econômicos foram definidos baseando-se noestudo de Rivera et al. (2002), com exceção do fatorIncremento Periódico Anual que, no referido estudo, nãofoi considerado. Os quatro fatores econômicos foram:

a) Incremento Periódico Anual: é um fator que mede aprodutividade florestal de uma área e chave para oordenamento florestal que visa rendimentossustentáveis. Os valores de incremento foram obtidoscom relação à área basal;

b) Qualidade da Madeira em Pé: na obtenção deprodutos madeireiros de uma área é importanteconhecer qual é a qualidade das árvores, em termos deforma e sanidade. Foram definidos os níveis: má, médiae boa qualidade;

c) Grupos Florísticos: as diferentes associações de umafloresta apresentam diversos estágios de evolução e,conseqüentemente, diferentes valores de área basal,de densidade e de número de espécies. Sob umaperspectiva econômica, os estágios menos evoluídosforam considerados como mais importantes, já que são

os estágios onde a floresta pode ser conduzida commaior facilidade para alcançar determinados objetivosde manejo, pois elas possuem um menor número deespécies e o seu desenvolvimento é mais rápido. Osestágios mais evoluídos foram considerados menosimportantes pelas razões contrárias, isto é, são osestágios mais complexos para o manejo florestal, pelogrande tamanho das árvores e o seu elevado númerode espécies, pelas relações sinecológicas entre asespécies que são mais difíceis de entender e, porquerequer pessoal muito bem capacitado em ecologiaflorestal e silvicultura de florestas naturais pararealizar as intervenções com mínimo impacto;

d) Proximidade a Caminhos: foram consideradas asáreas próximas aos caminhos como as maisimportantes sob o ponto de vista econômico, porque ocusto para qualquer tipo de atividade em sua área deinfluência é mais baixo do que nas áreas maisdistantes. Em função da possibilidade de que venham aser executadas atividades de manejo florestalinvestigativo na área, com retirada das toras portração animal (bois ou cavalos), estabeleceram-se trêsníveis de distância: menor que 300 m; de 300 a600 m; e, maior que 600 m.

Integração de critériosO processo de integração foi efetuado no softwareArcGis 9.1, conforme as seguintes etapas:

a) Cruzamento de todas as camadas limitantes,gerando-se uma camada de “Limitantes” e aposterior transformação dos vetores para formatoraster (matricial), com células de tamanho 10 m x10 m (Fig. 1).

Fig. 1. Diagrama ilustrativo do processo de “rasterização” de vetores.

7Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

b) Cruzamento dos fatores de natureza ambientalatravés de uma soma aritmética (dados transformadospara formato raster, com células de tamanho 10 m x 10m) (Fig. 2). Depois de um processo de reclassificação,gerou-se uma camada temática denominada“Importância Ambiental” (IA), com três níveis.

c) Cruzamento dos fatores de natureza econômicaatravés de uma soma aritmética (similar aocruzamento ambiental). Depois de uma reclassificaçãodos valores obtidos, gerou-se uma camada denominada“Importância Econômica” (IE), com três níveis.

d) Foram cruzadas as camadas IE e IA gerando-se ummapa “Ambiental-Econômico” com nove classes (3x3)(Fig. 3).

Fig. 2. Ilustração esquemática de álgebra de mapas efetuada no SIG.

Fig. 3. Detalhe ampliado dos mapas da RFEE mostrando no círculo realçado o processo de álgebra de mapas de importância

ambiental e econômica.

e) O mapa anterior (letra d) foi multiplicado pelacamada de limitantes, gerando-se um mapa com dezclasses. Uma classe correspondeu à camada delimitantes (valor 0) e, as outras nove, receberam umuso segundo a “Matriz de Compatibilidade deObjetivos” (MCO), como explicado a seguir.

Regras de decisãoA questão do uso que se pode atribuir às nove classesonde se é possível realizar alguma atividade foi, emparte, resolvida pela MCO, tendo-se definido quequatro objetivos devem ter áreas específicas da RFEEonde possam ser aplicados. Permanece, no entanto, oquestionamento sobre qual objetivo deverá seratribuído a cada uma destas nove células ou classes.

Como apresentado no esquema da Fig. 4, realizou-se aatribuição de funções (na AMC um objetivo entende-secomo uma função a desenvolver) ou usos ao territórioempregando a matriz de 3x3 células correspondenteao “Mapa Limitantes/Fatores Ambientais–Econômicos”(sem considerar o zero). Assim, a atribuição defunções ao território foi efetuada de acordo com osvalores das células nos mapas.

8 Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

Fig. 4. Esquema de integração das diferentes componentes (legais, ambientais, sociais e econômicas) para a obtenção do mapa

final de usos (ou funções) ao território da RFEE. Fonte: Modificado de RIVERA et al. (2002).

FATORES IMPORTÂNCIA

AMBIENTAL (Valores 1,2 e 3)

FATORES IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

(Valores 1,2 e 3)

LIMITANTES AMB, SOC, ECON

(Valores 0 e 1)

Mapa Ambiental - Econômico

Multiplicação

MAPA FINAL (Legal- Social/

Ambiental/ Econômico)

IM P. AMBIENTAL 1 2 3

1 2 Fj

IM P. E C O N 3

Fj: A tr ibuição de funções ao terr itório s egundo a MCO

MAPA Limitantes / Fatores

Ambiental - Econômico

Foram construídas cinco regras de decisão diferentes,cujos resultados foram lançados nos mapasrespectivos. Estes mapas foram empregados paraavaliar e estudar a quantidade de área por uso e suaalocação nas diferentes zonas da RFEE e, segundo essaanálise, decidir que regra utilizar. A Tabela 3 apresentaa Regra de Decisão definitiva escolhida para atribuiçãodos objetivos (funções ou usos) ao território da RFEE.Sempre existirão tantas funções/objetivos/zonasquantos forem os definidos na matriz decompatibilidade de objetivos e que necessitem deterritório específico.

Tabela 3. Regra de decisão para atribuir funções ou usosao território da RFEE.

Importância Ambiental (IA)

1 2 3

1 Recreação Produção não Madeireira Preservação

2 Produção Madeireira

Produção não Madeireira Preservação

Importância

Econômica

(IE) 3 Produção

Madeireira Produção Madeireira

Produção Madeireira

9Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

O resultado da aplicação da regra de decisão daTabela 3 pode ser observado, com relação às áreasgeradas (hectares) e suas percentagens, segundo osobjetivos definidos (Tabela 4).

Para o caso analisado, a melhor opção dentre asobservadas para as áreas de preservação foi a suaatribuição às células de IA “muito importante” (valor3). Esta decisão determinou que 136 ha (11,4 %)fossem atribuídos a este objetivo (função ou uso), áreaque, em termos práticos, ao ser somada com a áreade limitantes, representa quase 39 % do total da áreada RFEE.

Outra decisão tomada foi que as áreas de IE “muitoimportante” fossem todas de produção de madeira semconsiderar a IA na sua atribuição. Aqui se privilegiou ocritério econômico, em função de que áreas depreservação e outras áreas onde nenhuma atividadepode ser realizada (limitantes) já ocupam umaimportante extensão da RFEE (27,3 %) (Tabela 4).

Tabela 4. Objetivos ou usos atribuídos à RFEE, células,suas áreas e percentagens.

* no número da célula o primeiro valor indica a IE e o segundo valor indica a IA.

Outra célula que recebeu este último objetivo foi a2x1, isto é, a célula de IE “importante” (valor 2) e IA“pouco importante” (valor 1). No caso deste objetivode “produção de madeira”, aquelas áreas de produçãode madeira que foram determinadas pela suaatribuição às células de IA “muito importante” ou“importante” deverão receber tratos silviculturaisadequados à sua condição de maior fragilidadeambiental.

Acredita-se que aquelas áreas que teoricamentepodem suportar um forte impacto por visitação depessoas seriam as de IA “pouco importante” e tambémcom uma IE “pouco importante”, sendo, portanto,atribuído à célula 1x1 o objetivo de “recreação”.

Para as áreas de produção não-madeireira foramescolhidas aquelas áreas que apresentavam umacondição intermediária em termos ambientais eeconômicos, o que, aparentemente, ajusta-se bem aobaixo impacto que este tipo de produção poderia gerarna RFEE.

Segundo o esquema da Fig. 4, o mapa apresentado naFig. 5 constituiria o “Mapa Final” da análise, onde ascélulas de mesma cor correspondem à mesma função,uso ou objetivo. No entanto, foi necessário ajustá-lomediante uma homogeneização e dissolução de áreassob o critério de se poder contar com um zoneamentooperacional simples e de utilidade para osencarregados da gestão da área. Assim, foramefetuados ajustes no mapa, tentando-se manter omodelo o mais próximo do original gerado com aferramenta de AMC. A Fig. 6 mostra o resultado destahomogeneização e dissolução, que constitui o Mapa deOrdenamento do Território da Reserva FlorestalEmbrapa/Epagri – Caçador, SC.

Objetivos Célula* Área (ha) % Preservação 13; 23 136 11,4

Produção Madeireira

21; 31; 32; 33 507 42,5

Produção Não Madeireira

12; 22 181 15,2

Recreação 11 43 3,6

Subtotal 867

Limitantes 325 27,3

Total 1.192 100,0

10 Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

Fig. 5. Representação “raster” do resultado da regra de decisão aplicada na AMC para a atribuição de zonas ou objetivos à área da

RFEE.

Fig. 6. Mapa de zonas de Reserva Florestal Embrapa/Epagri construído a partir da técnica de Avaliação Multicritério e adaptado para

operacionalização.

Conclusões

A aplicação da técnica de Avaliação Multicritério parao ordenamento territorial da Reserva FlorestalEmbrapa/Epagri, ao mesmo tempo em que privilegiou aobjetividade e a repetibilidade características de

ferramentas matemáticas e estatísticas, não deixou deconsiderar fatores como o conhecimento, experiênciae informações de múltiplas fontes e natureza sobre oterritório. Esse fato foi ressaltado no processo dehomogeneização e elaboração do mapa final dozoneamento.

11Uso de Avaliação Multicritério (AMC) no Ordenamento Territorial de uma Propriedade da Embrapa: Estudo de Caso

Referências

BARREDO, J. Sistemas información geográfica y evaluaciónmulticriterio en la ordenación del territorio. Madrid: EditorialRA-MA, 1996. 261 p.

BRASIL. Lei nº 4771, de 15 de setembro de 1965. Institui onovo código florestal. In: BRASIL. Presidência da República.Presidência da República Federativa do Brasil: legislação.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4771.htm>. Acesso em: out. 2008.

Pode-se considerar como uma vantagem da técnica apossibilidade de se simular várias combinações deintegração dos dados para a atribuição de valores deimportância. Esse processo deve ser seguido de umaavaliação das diferentes propostas criadas, visando àseleção da alternativa que mais se adeque às funçõesou objetivos desejados para o território.

No entanto, o método requer dados em formato digitale espacializados, o que, nesse caso particular, nãoconstituiu um problema, em função da disponibilidadede um Sistema de Informações Geográficasestruturado anteriormente. A utilização da técnica, poroutro lado, exigiu uma desejável complementação eatualização dos dados temáticos, incluindo-se aí, osresultados do inventário florestal da área.

O mapa de zoneamento foi considerado satisfatóriopela equipe de planejamento da gestão da área,principalmente pelo número reduzido de zonas e pelaclara correspondência entre estas e os objetivospropostos para a Reserva. No entanto, suaadequabilidade e eficácia dependem de quão útil eefetivo seja este mapa no auxílio à tomada de decisõesquando da implementação de programas de manejoespecíficos por zona, como, por exemplo, o plano deordenamento florestal e o projeto de prospecção deprodutos não-madeireiros, já iniciados para as zonas deprodução madeireira e não-madeireira,respectivamente.

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Supervisão editorial: Patrícia Póvoa de MattosRevisão de texto: Mauro Marcelo BertéNormalização bibliográfica: Elizabeth Câmara TrevisanEditoração eletrônica: Mauro Marcelo Berté

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