A Era da Ciberpolítica Globalizada

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós Graduação em Ciência Política Disciplina: Os novos regimes internacionais Professor: Dawisson Lopes Aluna: Cinthia Lopes Henriques Título - A era da ciberpolítica globalizada Abstract: A ciberpolítica evidencia dois outros conceitos importantes para o entendimento do recente processo de articulação social através da internet, o cibercidadão e o ciberativismo. O processo de identificação, mobilização e articulação de causas sociais é potencializado e projetado pela internet, através do que conhecemos como redes sociais. O desenvolvimento das mídias sociais digitais alterou o comportamento dos indivíduos nas relações humanas. As ferramentas tecnológicas permitem a formação de redes em defesa de interesses em comum estruturadas em uma nova forma de cidadania da era globalizada. O relato de experiências como essas não são novos. O que diferencia os últimos protestos é a intensidade com que os usuários utilizaram a rede para mobilizar e projetar as informações em nível global. São reinvindicações diversas em cada região, mas com formas de atuação muito similares e desencadeamento de uma solidariedade de massa, mútua e global. A novidade estaria na facilidade para as testemunhas compartilharem informações por meio dos dispositivos móveis, o fato de terem tornado este conteúdo público, por meio da internet, e a partir daí a formação de um fluxo paralelo de informações. Esta característica tem atraído a atenção dos regimes internacionais sobre a normativa da Internet e reestruturado a forma como governos se relacionam com a sociedade.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós Graduação em Ciência Política

Disciplina: Os novos regimes internacionais

Professor: Dawisson Lopes

Aluna: Cinthia Lopes Henriques

Título - A era da ciberpolítica globalizada

Abstract:

A ciberpolítica evidencia dois outros conceitos importantes para o entendimento do

recente processo de articulação social através da internet, o cibercidadão e o

ciberativismo. O processo de identificação, mobilização e articulação de causas sociais

é potencializado e projetado pela internet, através do que conhecemos como redes

sociais. O desenvolvimento das mídias sociais digitais alterou o comportamento dos

indivíduos nas relações humanas. As ferramentas tecnológicas permitem a formação de

redes em defesa de interesses em comum estruturadas em uma nova forma de cidadania

da era globalizada. O relato de experiências como essas não são novos. O que diferencia

os últimos protestos é a intensidade com que os usuários utilizaram a rede para

mobilizar e projetar as informações em nível global. São reinvindicações diversas em

cada região, mas com formas de atuação muito similares e desencadeamento de uma

solidariedade de massa, mútua e global. A novidade estaria na facilidade para as

testemunhas compartilharem informações por meio dos dispositivos móveis, o fato de

terem tornado este conteúdo público, por meio da internet, e a partir daí a formação de

um fluxo paralelo de informações. Esta característica tem atraído a atenção dos regimes

internacionais sobre a normativa da Internet e reestruturado a forma como governos se

relacionam com a sociedade.

INTRODUÇÃO

Em 2011, países do mundo árabe foram notícia entre as páginas dos principais jornais

do mundo desde que o jovem tunisiano Mohamed Bouazizi imolou o próprio corpo

como forma de protesto pela apreensão de suas mercadorias. O ato desencadeou uma

série de revoluções no norte da África e no Oriente Médio, que representavam um

descontentamento em massa com os governos autoritários da região.

Revoluções começaram a se articular em países como Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen, e

alcançaram a Europa, a América do Sul e os Estados Unidos. Os motivos que

provocaram os protestos foram diferentes, mas as formas de mobilização foram bastante

semelhantes: através da rede.

Este artigo propõe-se a discutir a projeção dos movimentos sociais e a relação

estabelecida com a esfera pública, neste caso intermediada pela internet. Procura-se

entender qual é a apropriação que os movimentos sociais fazem da internet, como

espaço de difusão e compartilhamento de informações e mobilizações.

Historicamente as insurreições políticas surgem da insatisfação social com o Estado no

atendimento às demandas populares. As ocupações são mecanismos de pressão política

de massa que contribuem para mudanças políticas e de transformação da sociedade. A

partir disso, compreende-se a organização dos movimentos sociais da última década.

Ao perceberem o alcance das redes, os Estados procuram estabelecer contato através da

web com os diversos atores da sociedade e/ou monitorar o uso da internet. Essa relação

é delicada, pois adentra a questão da privacidade dos indivíduos e o uso de mecanismos

de vigilância, que podem ser utilizados de forma coerciva pelos governos.

1 MOVIMENTOS SOCIAIS E A INTERNET

Com o desenvolvimento da internet as relações sociais foram alteradas. O processo de

identificação, mobilização e articulação de causas sociais que ocorre no cotidiano é

potencializado nas e pelas redes.

A constituição da internet, em que muitos compartilham informações de outros muitos,

sem precisar passar pela mídia de massa, é a lógica que opera na divulgação e

articulação dos movimentos sociais.

Analisando a relação da internet com os movimentos sociais percebe-se que a sociedade

já alfabetizada pelo uso da rede utiliza intensamente os mecanismos proporcionados

pela rede, que projetam os protestos em dimensões que os tornam movimentos globais.

Os movimentos sociais precisam ser analisados de acordo com a ótica da globalização,

pois são fenômenos da Era da Informação (Castells, 2003). Ainda deve-se ressaltar que

cada época apresenta um sistema de comunicação responsável por mobilizar a

sociedade. A internet e as redes móveis apresentam-se como as estruturas da Era da

Informação e são decisivas para a articulação dos movimentos. As redes permitem que a

informação circule diretamente, simultaneamente e espontaneamente, sem intermédio

da mídia tradicional e em nível pessoal.

Os cidadãos têm autonomia na expressão política e social, tornam-se cibercidadãos

estruturados em uma rede de cidadania da era globalizada. Isto é o mesmo que afirmar,

cibercidadãos conectam-se por uma causa.

O segundo traço que caracteriza os movimentos sociais na sociedade em rede é que

ele tem de preencher o vazio deixado pela crise das organizações verticalmente

integradas. Os partidos políticos herdados da Era Industrial. Os partidos políticos de

massa, quando e onde ainda existem, são conchas vazias, mal ativadas com

máquinas eleitorais a intervalos regulares. (CASTELS, 2003, p. 118)

Esta ocorrência foi relatada em pesquisa anterior sobre os conflitos do Oriente Médio

em 2011, denominados Primavera Árabe, que ampliou o debate sobre o uso das TICs

como ferramenta de mobilização e visibilidade para “movimentos sociais organizados

ou de livre manifestação cidadã na sociedade da informação” (FÁTIMA, sd, p.1 apud

LOPES, 2012)

[...] A Primavera Árabe foi e ainda é uma revolução de povos insatisfeitos com

modelos de governos instaurados e que se utilizaram das redes sociais como

ferramentas de organização e mobilização de protestos que culminaram na ocupação

pacífica, na maioria dos casos, de ruas praças, bairros e espaços públicos das

maiores cidades e pequenas vilas do Norte da África e Oriente Médio. (FÁTIMA,

sd, p. 3. apud LOPES, 2012)

O processo de identificação, mobilização e articulação de causas sociais que ocorre no

cotidiano é potencializado nas redes sociais digitais. Os indivíduos ampliam o debate e

os canais de difusão reforçando, sensibilizando e projetando problemáticas. O

ciberativismo cria relações construídas em torno de interesses em comum.

Na dinâmica das redes, os fenômenos que popularmente conhecemos como “efeitos

cascata ou em cascata” são exemplos de ação coletiva que pode ser induzida pelo

poder público, principalmente em situações onde a resolução do problema comum

depende de uma adesão do maior número de atores sociais possível. A importância

dos fluxos de informação para a realização de ações coletivas coordenadas também

aparece claramente em regimes totalitários, onde o direito à reunião e ao trabalho

dos jornalistas são normalmente diminuídos ou eliminados, como estratégia de

combate aos opositores. A sequência de eventos conhecida como “Primavera

Árabe”, onde em vários países, ditaduras antigas tem enfrentado oposição nas ruas, é

um exemplo das possiblidades de análise com um olhar interdisciplinar que envolva

teorias de Rede e de Comunicação. A utilização de redes sociais para contornar as

restrições de comunicação nesses cenários e potencialmente gerar mudanças em

escala e velocidade inéditas também reforça o interesse desse tipo de abordagem e

sua utilidade para a compreensão de situações e sistemas de considerável

complexidade. (SANTOS, 2012, p.68)

O que diferencia os últimos protestos é a intensidade com que os usuários utilizaram a

rede para se mobilizarem e projetarem as informações em nível global. Em artigo

publicado pela revista Veja em 2011, Jady Pavão Júnior e Rafael Sbarai (2011) fazem

um levantamento histórico do uso das TIC no mundo todo:

2001- Filipinas - Milhares de pessoas trocam mensagens de texto no celular (SMS)

para coordenar protestos que culminam no impeachment do presidente Joseph

Estrada.

2004 - Espanha - Mensagens de texto acusando o premiê José María Aznar de

mentir sobre o atentado ao metrô de Madri influenciam a eleição e impõem derrota

ao primeiro-ministro nas urnas.

2006 - Bielorrúsia - A tentativa de revolução começa por e-mail, mas não vai longe:

o protesto não têm força para derrubar o ditador Aleksandr Lucashenko, que em

seguida tenta controlar a rede.

2009 - Irã - Ativistas usam celulares e redes sociais para coordenar protestos contra

fraudes nas eleições. Em resposta, o governo bloqueia o acesso ao Twitter e ao

Facebook.

2009 - Moldávia - Ações na web reúnem mais de 10.000 manifestantes anti-

governo, que responde com perfis falsos no Facebook para atrapalhar os

manifestantes.

2010 - Tailândia - O movimento Red Shirt, que se opõe ao governo militar que

comanda o país, usa redes sociais para coordenar suas ações. A ação é esmagada e

dezenas de pessoas morrem.

2011 - Tunísia - O ditador Zine El Abidine Ali cai após convulsão popular. As redes

sociais são usadas como meio de comunicação entre os manifestantes.

2011 - Egito - Motivados pelos acontecimentos da Tunísia, os egípcios saem às ruas

contra o ditador Hosni Mubarak, que tenta bloquear o Twitter, ferramenta de

coordenação do movimento. (PAVAO JR. e SBARAI, 2011)

2 O USO DO TWITTER NOS PROTESTOS BRASILEIROS

Em junho de 2013, o Movimento Passe Livre organizou uma passeata no centro de São

Paulo contra o aumento das passagen na cidade. O movimento foi organizado pela

internet como uma ação local. Mas os conflitos com a polícia e o uso desproporcional

da força rapidamente foram denunciados em diversos vídeos pela web. Os protestos

ganharam força e adeptos em diversas cidades do país e do mundo. Sempre organizados

pela web, as manifestações repercutiram durante vários dias em diversos locais, até que

no dia 20 de junho, durante a realização da Copa das Confederações, 120 cidades

reuniram 1,4 milhão de pessoas.

Um estudo dos pesquisadores Andrés Monroy Hernández e Emma Spiro realizado pelo

Microsoft FUSE Labs, centro de pesquisas e desenvolvimento de projetos de mídias

sociais, aponta o impacto do microblog Twitter na projeção das manifestações. A

pesquisa analisou 1,5 milhão de tweets entre o período de 01 de junho a 22 de junho de

2013 e observou um conjunto de hashtags específicas, palavras chave antecedidas pelo

símbolo cerquilha (#) ou jogo da velha como é popularmente conhecido na internet,

que estão conectadas com outras informações, relacionadas com os protestos.

Figura 1- Gráfico com número total de Tweets por dia durante o período de 1 a 22 de junho de 2013

Fonte: http://blog.fuselabs.org/post/54384449224/how-is-the-brazilian-uprising-using-twitter

A pesquisa destaca que o ápice dos protestos coincidiu com o maior pico na internet. No

dia 17 de junho de 2013, no horário local brasileiro de 20h, o Congresso Brasileiro foi

invadido pelos manifestantes. Na mesma data e horário, as mensagens publicadas no

Twitter alcançaram o pico de 96.531 tweets.

Figura 2- Tweets por hora

Fonte: http://blog.fuselabs.org/post/54384449224/how-is-the-brazilian-uprising-using-twitter

É perceptível na imagem acima o pico que começa na noite do dia 17 de junho e

amplia-se no decorrer do próximo dia repercutindo e atualizando os acontecimentos da

noite anterior. As tags investigadas pela pesquisa foram: vemprarua; mudabrasil;

changebrazil; changebrasil; passelivre; protestosrj; ogiganteacordou; copapraquem;

PimientaVsVinagre; sp17j, consolação e acordabrasil.

Castells (2003) avalia que a rede tornou-se pulverizador das ações propostas pelos mais

diversos movimentos sociais. Novas características operam nos movimentos sociais, a

auto-organização, a autonomia e a divulgação em escala.

Neste contexto, a comunicação de valores e a mobilização em torno de significados

tornam-se fundamentais. Os movimentos culturais (no sentido de movimentos

voltados para a defesa ou a proposta de modos específicos de vida e significado)

formam-se em torno de sistemas de comunicação – essencialmente a Internet e a

mídia – porque é principalmente através deles que conseguem alcançar aqueles

capazes de aderir a seus valores e, a partir daí, atingir a consciência da sociedade

como todo. (CASTELLS, 2003, p. 116)

A pesquisa do Microsoft Fuse Labs ainda aponta que, metade dos tweets analisados

foram originados do horário de Brasília, a outra metade veio de outros países. Foram

registrados tweets localizados nos seguintes fusos, Santiago, Groelândia, Mid-Atlantic,

Hawaii, Quito, Atlantic Time (Canadá), Eastern Time (EUA e Canadá), Londres,

Pacific Time (Eua e Canada), Central Time (EUA e Canadá), Istambul e Buenos Aires.

Conclui-se assim que, a comunidade internacional influencia na geração de posts

durante a semana do dia 17 de junho, data que apresenta o maior número de tweets

sobre as manifestações brasileiras.

Ainda sobre a rede de solidariedade mútua que a internet proporciona, os dados da

pesquisa registram uma importante observação, concomitante, aos protestos no Brasil a

Túrquia passava por um processo de mobilização muito semelhante com

reinvindicações para as causas sociais e alta insatisfação política.

Os dados revelam que os tweets com origem no fuso horário de Istambul foram

publicados com atraso de algumas horas. Esse dado sugere que as informações foram

publicadas na Túrquia depois da repercussão das notícias do movimento no Brasil. O

pico dos tweets em Istambul acontecei às 2h do dia 18 de junho, com 434 tweets. .

Figura 2- Tweets por hora de usuários com fuso horário de Istambul - 15-22 junho

Fonte: http://blog.fuselabs.org/post/54384449224/how-is-the-brazilian-uprising-using-twitter

Geograficamente, a Turquia está bem próxima dos países do mundo árabe, que

participaram da Primavera Árabe. A onda de movimentos pró-democráticos de 2011 se

propôs a derrubar governos ditatoriais em países do norte da África e do Oriente Médio.

Com características muito semelhantes de mobilização e de reinvindicações, os

protestos mudaram a ordem das relações entre o governo turco e esses países.

Embalados pela Primavera Árabe, ambientalistas foram as ruas contra uma proposta que

previa a transformação de uma praça de Istambul em shopping center. Em poucos dias,

milhares de cidadão estavam nas ruas contra as ações conservadoras do governo de

Tayyip Erdogan, que nos últimos anos abriu espaço para o islamismo. É importante

salientar que a Turquia não tem um governo ditatorial, a eleição que colocou Erdogan

no poder foi realizada em 2002.

3 O CONTROLE DA INTERNET

A internet e suas aplicações como às redes sociais provocam uma nova discussão sobre

o espaço das soberanias nacionais. As próprias características do ciberespaço alteraram

as relações humanas e impactaram a organização social e política da

contemporaneidade. Os resultados alcançados pelo uso da rede em fenômenos como a

Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Indignados na Espanha e mais recentemente o

caso dos protestos na Túrquia e no Brasil colocam a internet em categoria estratégica

para os Estados, destacando a importância da Governança da Internet.

Na compreensão dos regimes internacionais voltados para a internet é importante

considerar as diferenças entre governo e governança. Como aponta Rosenau (2000) a

governança diferentemente do governo não depende de força coercitiva para sua

existência.

A internet é um mecanismo de comunicação global. A partir desta informação, é

possível afirmar que a sociedade contemporânea tem uma importante dimensão

midiática e por isso precisa de normativas globais que norteiem o uso e as ações

realizadas na rede. Krasner (2012) defende que a Governança este definida por

princípios que norteiam a tomada de decisões dos vários atores internacionais.

A partir dessa definição, compreende-se como o uso intenso das TICs em insurreições

de movimentos como o Wikileaks intensificou a preocupação dos Estados com a

Governança da internet. Se por um lado, existe preocupação com o controle da rede por

parte dos governos, por outro, existem iniciativas positivas que contribuem para a

gestão transparente e o diálogo entre entidades públicas e a sociedade.

A Governança da internet é um assunto novo nas discussões da agenda internacional,

atores e propostas devem convergir para a elaboração de uma “Constituição da Internet”

– que deve apontar para direitos e deveres que norteiem toda iniciativa de

regulamentação da rede.

A análise dos protestos brasileiros permite uma exemplificação de como os governos

buscam enfrentar a problemática do uso das redes em situações de conflito. As

proporções que as manifestações alcançaram foram tão importantes que diferentemente

dos países do mundo árabe, que restringiram o acesso à internet, o governo brasileiro

lançou semanas após as manifestações uma rede social voltada para a produção de

conhecimento com participação e mobilização, voltada para a juventude: o

Participatório – Observatório Participativo da Juventude, e um canal de comunicação

com os governantes brasileiros o Gabinete Digital, na tentativa de estabelecer uma

comunicação direta com os internautas.

Entretanto, ainda durante as manifestações o Agência Brasileira de Inteligência – Abin

– montou uma rede para monitorar atividades em redes sociais. De acordo com dados

do Gabinete de Segurança Institucional, o objetivo da ação de monitoramento foi captar

a formação de novos protestos assim como qualquer outro dado relevante sobre os

movimentos sociais.

O monitoramento das redes sociais seria realizado por um programa de observação

popularmente conhecido como Mosaico. A ferramenta capta dados das redes sociais

mais populares como Twitter, Facebook e Instagram. Em geral, a ferramenta monitora

dados abertos que podem ser avaliados por qualquer pessoa, já que são informações

postadas em caráter público.

Mas o Mosaico rastrearia também dados do Whatsapp, aplicativo de mensagem

instantânea via celular, que tem caráter privado. Sobre isso, Castells (2003) destaca as

características das tecnologias de vigilância.

As tecnologias de vigilância são de um tipo diferente, mas muitas vezes se baseiam

em tecnologias de identificação para localizar o usuário individual. As tecnologias

de vigilância interceptam mensagens, instalam marcadores que permitem o

rastreamento de fluxos de comunicação a partir de uma localização especifica de

computador e monitoram a atividade de máquinas 24 horas por dia. Tecnologias de

vigilância podem identificar um dado servidor na origem de uma mensagem.

Depois, por persuasão ou coerção, governos, companhias ou tribunais podem obter

do provedor de serviços da Internet a identidade do réu potencial pelo uso de

tecnologias de identificação ou simplesmente procurando em suas listas, quando a

informação está disponível. Uma vez que dados são coletados em forma digital,

todos os itens de informação contidos no banco de dados pode ser podem ser

agregados, desagregados, combinados e identificados de acordo com o objetivo e o

poder legal. Por vezes, trata-se simplesmente de fazer perfis agregados, como em

pesquisa de mercado, seja para o comércio ou para a politica. Em outros casos trata-

se de visar indivíduos, já que uma dada pessoa pode ser caracterizada por um grande

corpo de informação contido em seus registros eletrônicos, de pagamentos por

cartão de crédito a visitas websites, correio eletrônico e chamadas telefônicas.

(CASTELLS, 2003, p. 141-142)

Mackinnon (2012) mostra que a vigilância das redes é uma tática comum entre os

governos. O autor revela que, a vigilância das mídias sociais realizada por governos da

Primavera Árabe foi utilizada como forma de coerção e repressão.

Logo depois do presidente egípcio, Hosni Mubarak, ser derrubado do poder no ano

passado, os manifestantes invadiram a sede da segurança nacional egípcia, onde

estavam guardados os registros policiais. Alguns egípcios encontraram arquivos que

as autoridades tinham compilado sobre eles. Outros descobriram arquivos com foco

em amigos e colegas. Havia transcrições de escuta, fardos de impressões com

interceptação de e-mails e mensagens de celular, comunicação que se pensava ser

privada. Como se vê, a tecnologia American-made ajudou Mubarak e seu governo

de segurança a coletar, compilar e analisar grandes quantidades de dados sobre os

cidadãos comuns. Em suma, a mesma tecnologia não só auxilia os administradores

de rede na busca de atacantes e invasores, mas também pode ajudar os governos a

patrulhar as atividades online de seus cidadãos. (MACKINNON, 2012, p. 1,

tradução nossa)

CONCLUSÃO

Em caráter conclusivo, destaca-se que o uso da rede em processos de mobilização social

vão além do uso da rede, são características da sociedade contemporânea. Certamente,

outros movimentos acontecerão pelo mundo com características de articulação

similares.

Nesta perspectiva, compreende-se que a internet representa posição estratégica para os

governos. A internet rompe as fronteiras da soberania nacional e, as identidades

nacionais são substituídas por identidades globais.

Ainda que a rede represente uma mudança na hierarquia do fluxo de informações, com

autonomia dos cidadãos, sem intermediários como a mídia tradicional, os Estados são

detentores de importantes ferramentas de vigilância das informações.

Em âmbito global, as negociações sobre a Governança da Internet avançaram pouco nos

últimos anos. Os Estados devem assegurar uma normativa específica para regulamentar

as ações da internet e garantir a liberdade de expressão e a privacidade online,

garantindo que haja segurança sobre os dados dos usuários e impedindo o rastreio de

informações em ações com finalidades coercitivas.

Quanto a análise da pesquisa realizada por pesquisadores do Microsoft FUSE Labs

representa uma primeira conclusão sobre o caso. Outras pesquisas devem ser realizadas

para avaliar mais profundamente o impacto do uso das redes nos movimentos

brasileiros.

É importante ressaltar que a rede é apenas o instrumento para a demonstração da

insatisfação popular com a situação política, econômica e social dos países. Em outras

épocas, existiam outros recursos de mobilização. Esse movimento representa apenas

uma retomada da articulação popular e o uso de uma ferramenta de nossa época para

mobilizar e repercutir as ações dos movimentos sociais.

REFERÊNCIAS

CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet; Reflexões Sobre a Internet, os Negócios e

a Socieadade. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2003.

HENRIQUES LOPES, CINTHIA. Jornalismo Participativo e A Morte de Muammar

Kadafi, 2012.

HERNANDEZ, Andrés Monroy e SPIRO,Emma, How is the Brazilian Uprising Using

Twitter? Blog Microsoft Research Fuse Labs, 2013. Disponível em

<http://blog.fuselabs.org/post/54384449224/how-is-the-brazilian-uprising-using-

twitter>

KRASNER, S. “Causas estruturais e consequências dos regimes internacionais: regimes

como variáveis intervenientes”. Revista de Sociologia e Política, 2012.

MACKINNON, R. “A Clunky Cyberstrategy”. Foreign Affairs. 2012.

ROSENAU, J. e CZEMPIEL, O. Governança sem Governo. EdUnB, 2000.

SANTOS, Márcio Carneiro dos. Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma

abordagem sistêmica baseada na Teoria das Redes para a modelagem de ações

coletivas. Revista GEMInISano 3 - n. 1, p. 51 – 70, 2012.