A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência

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Eusébio André Pedro Recensão crítica da Obra de Paul Claval A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência

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Eusébio André Pedro

Recensão crítica da Obra de Paul Claval

A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência

Dokuz Eylül Üniversitesi İzmir, Turquia

19 de Abril de 2015

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Eusébio André Pedro

Recensão crítica da Obra de Paul Claval

A Construção do Brasil: Uma Grande Potência em Emergência

Trabalho apresentado emSeminário sobre aProblemática da História doBrasil, no Curso do Mestradoem História, RelaçõesInternacionais e Cooperação,Universidade do Porto,Faculdade de Letras, em 2011,sob orientação do Prof. Dr.

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Dokuz Eylül Üniversitesi

İzmir, Turquia

19 de Abril de 2015

ÍNDICE

Introdução...................................................31. Apresentação geral da Obra................................42. As Geopolíticas Atlânticas e a Formação do Brasil.........53. O papel dos Jesuítas e o confronto das culturas...........64. O Brasil Colonial, Séculos XVII-XVIII.....................85. A Modernidade e génese de uma grande potência............116. A República Velha e a Modernização do Brasil.............127. A Ocupação dos Espaços: Contributo da Obra de Paul Claval138. Modernidade e génese de uma grande potência..............15Conclusão...................................................17Bibliografia................................................18

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Introdução

O presente trabalho é uma recensão crítica da obra de PaulClaval intitulada A Construção do Brasil: Uma Potência emEmergência. O objecto de estudo é o Brasil enquanto potênciaemergente. Constituem objectivos do estudo analisar opensamento do autor em epígrafe, fazer uma análise crítica daobra em alusão e compreender a História do Brasil enquantoespaço criado e modificado pelo homem. Importa salientar que avisão do autor é mais geográfica do que Histórica pelo que osacontecimentos históricos ora descritos tendem a serinterpretados em função da Geografia. Ao ler a obra de Clavalpercebemos claramente que para ele o Brasil é uma potênciaemergente como resultado da importação do espaço ocidental.Numa das suas páginas ele aborda a questão em termos maisclaros quando diz que qualquer um que chega nas metrópolesbrasileiras questiona-se se se está na Europa. Em todo o casoele vai destacando que à medida que se penetra para o interiordo Brasil nota-se o fosso que separa os abastados dospaupérrimos. Dai que apresente o Brasil como o país dosextremos, por isso, complexo. É uma obra de extremaimportância, pois, além de permitir a compreensão cronológicados acontecimentos históricos que marcaram o espaçobrasileiro, vai relatando como o espaço geográfico foi sendoreconstruido ao longo dos tempos. Apresenta o Sul como o localde onde sai o progresso porque foi ali onde existiam muitoseuropeus. E também considera que foi o Sul que tomou a ideiade desenvolver o Norte numa espécie de «salvador», Norte esteque estava ainda nas garras da escravatura, que se extinguiumais tarde. Foi na época da ditadura em que se desenvolveramobras de referência que permitiram criar um Brasil emergente.O esforço do exército foi crucial para o desenvolvimento danação brasileira. Contudo, há novos desafios com que asmetrópoles se defrontam como a questão das favelas,suficientemente exploradas por Claval.

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1. Apresentação geral da Obra

1) Titulo da Obra: A Construção do Brasil: Uma Grande Potênciaem Emergência

2) Autor: Paul CLAVAL3) Editora: Instituto Piaget4) Local da Edição: Lisboa5) Ano da Publicação: 20106) Tradutor: Duarte Pacheco Souza

Paul CLAVAL insere-se numa corrente geográfico-cultural,defensor de uma Epistemologia da Ciência da Geografia,influenciada pelo Positivismo lógico, segundo o qual aGeografia é uma Ciência dos lugares e não dos Homens. LaBlache e Ratzel definiram os primeiros conceitos no séculoXIX. Segundo a nova epistemologia, os espaços geográficos sãoconstrução objectiva na noção do espaço perceptivo. Assim, osespaços podem ser reconstruidos mediante as necessidades e aacção dos homens.

Um olhar sobre a sua obra, A Construção do Brasil: Uma grandePotência em Emergência, é um fascínio, porque nela seentrelaçam aspectos histórico-geográficos. CLAVAL deixa

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antever que a imagem criada em torno do Brasil nem semprecorresponde a realidade ocultando-a, vezes sem conta. É o«Brasil dos Romances do Jorge Amado» que se conhece fora,sobretudo no meio ocidental francês dominado por uma imagemmuito rica.

O autor aponta com o dedo aos franceses dizendo que a imagemque eles gostam e têm é de um Brasil alegre, divertido, sempreocupações, o do Carnaval e o dos ritmos tropicais, para deseguida alertar que tal não corresponde ao verdadeiro Brasilno qual povoam «gentes muitas vezes graves, por vezesnostálgicas, é um país trabalhador, onde a festa é apenasaparente, mas também um país de desempregados onde muitosdeles permanecem sem emprego. É uma terra de paixão e deviolência».

Com CLAVAL chegamos a descobrir que tantos mitos criados emtorno do Brasil gigante não passam disso mesmo «mito» pois,embora haja pessoas que conhecem o seu gigantesco território,suas cidades, praias, carnavais e favelas, desconhecem osestereótipos que escondem a realidade, para concluir que «asimagens veiculadas pela imprensa e pelas obras escritas nãoacompanham a realidade. A imagem criada pincelada de alegriamas negligente, esconde uma realidade complexa, onde mistura emestiçagem, diversidade e sociabilidade tornam-no país dosextremos.

Ao longo do texto, perceberemos como uma colónia se torna maispoderosa que a metrópole e CLAVAL não hesita em afirmar quetal se deveu a intervenção humana, que incorporou o espaçoeuropeu no novo mundo, com todas as suas características erepresentações. Coloca, para ilustrar o seu posicionamento, osexemplos de Belo Horizonte ou São Paulo, cujos engenheirosrecorreram aos modelos de ocidentais e americanas paradesenhar as plantas das urbes. Embora reconhecendo asdesigualdade sociais, CLAVAL confirma a sua tese de que em 500anos o Brasil se constituiu num país digno de referênciamundial, o que chama de uma potência emergente.

Esta força faz com que os espaços geográficos sejamincorporados no processo da formação «construção» da naçaão,como tem acontecido com Amazónia, cada vez mais valorizada. Apertinência da obra reside no facto de conciliar um debatemetodológico baseado na análise histórico-cultural no qual oespaço geográfico vai sofrendo as mutações acompanhando opróprio desenvolvimento de construção da nação Brasileira.

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Esta conciliação metodológica permite, para a comunidadecientifica, analisar no tempo, a emergência de elementosconstituintes da nação brasileira e no espaço, a implementaçãodas políticas de desenvolvimento territorial, onde sobressaemcidades gigantescas. É dentro destes espaços historicamentecriados onde se desenvolve a diversidade da nação. CLAVALchega a fazer um questionamento sobre o quotidiano dosbrasileiros no que diz respeito ao seu modo de vida, seussonhos dentro das desigualdades ai presentes. E conclui que, ecomo tese, as desigualdades agudas verificáveis no Brasil sãoo resultado de um rápido desenvolvimento.

2. As Geopolíticas Atlânticas e a Formação do Brasil

A leitura leva-nos a reflectir a importância da arte denavegar que teve como pioneiros primeiro Portugal, e depois aEspanha, onde a cidade de Lisboa e desempenhara papel dedestaque. Numa primeira abordagem o autor apresenta acompetição existente entre Portugal e Espanha, e tentadiferenciar as suas actuações em função dos interesses. Nãotem dúvida quando afirma,

Portugal do século XV é um país pobre e pouco povoado.Situado no contacto com dois mundos marítimos, o doAtlântico e o do Mediterrâneo. A arte de navegardesenvolveu-se precocemente no mar interior, mas aproximidade das margens e a brevidade dos percursostravaram o progresso da navegação de longo curso. (…)Portugal é pobre, mas a casa real é rica. (p. 15)

CLAVAL ilustra entre outros: a construção do espaço e do povobrasileiro, modernidade e génese e mutação do Brasil. Assimsendo, na primeira parte intitulada A Construção do Espaço e do povobrasileiros, século XVI-XX, discute-se a geopolítica atlântica e aformação do Brasil e o brasil colonial. Nisto, um esforçosingular de Claval vai para Portugal e Espanha enquantopioneiros do processo da Expansão marítima.

O papado está presente nos episódios arrolados assim como osmissionários, com destaque para os Jesuítas. A tese de Clavalnesta primeira parte consiste em considerar 1) a descoberta doBrasil inscreve-se no esforço conjunto dos europeus nadefinição, aquisição e consolidação dos espaços geopolíticos;2) as geopolíticas são uma invenção para legitimar acolonização. Na primeira tese ele afirma;

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Para alcançar a Europa, é necessário corta-lo em ângulorecto até beneficiar, mais a Norte, dos ventos de Oeste:é o princípio da volta Portuguesa, da vuelta ibérica. Acompreensão destes mecanismos torna possível a aberturado Atlântico Norte: esta descoberta é um feito dosmarinheiros portugueses, castelhanos e italianos quefrequentam, como Cristóvão Colombo, as rotas entreLisboa, Sevilha, as Canárias, Madeira e Açores. (p. 16)

Reconhece, contudo que Portugal desempenhou um papel eminentena síntese e desenvolvimento dos saberes marítimos dos paísesdo Mediterrâneo e do Atlântico, tendo ocupado o lugar-chave oque lhe permitiu explorar desde cedo as costas africanas edescobrir a rota marítima para as índias, tendo, por fim,descoberto, sem a procurar, uma América que lhe cabia porsituar a Este da linha de demarcação entre áreas de expansãoatribuídas aos portugueses e espanhóis. Esta demarcação forafixada em 1493, pelo Papa Alexandre VI, renegociada depoisentre Portugal e Espanha no Tratado de Tordesilhas, a 7 de Junho doano seguinte, o que virá a ser confirmado pelo Papa Júlio IIem 1516.

A acumulação de saberes que permitisse à navegação fez-se emSevilha e Lisboa, e numa medida pequena em Genova e noutrosportos italianos. As dinastias de Portugal e Espanha tinhamuma preocupação comum: a conversão das almas, mas nãoretiravam das suas possessões o mesmo tipo de recursos. Diz-seque os portugueses eram pobres governados por um rei rico.Para os portugueses, os metais precisos ficaram muito atrás docomércio e o rei ficou como um negociante de especiarias.

A construção imperial de Portugal ficou confinada ao litoralpara diminuir as despesas de transporte para uma penetração aointerior. A Espanha vivia cada vez mais dos metais das minasde prata do México e Potosí, por isso privilegiou a instalaçãoterritorial profunda. Na segunda tese ele pretende mostrar queas descobertas e os tratados seriam para legitimar acolonização ao conceder espaços geopolíticos aosdescobridores. Embora obra pioneira de dois países, não tardaque todos os outros se sintam parte integrante do processopois,

«os príncipes sonham assentar o seu poder sobre as novasbases, a Igreja Católica pretende surpreender os infiéise procura converter os selvagens descobertos. Asperspectivas comerciais são imensas: ouro e escravos dascostas de África, especiarias e tecidos do Extremo

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Oriente, pescas e peles nas costas da América do Norte,trocas ao longo de todos os litorais» (p. 17)

Daqui resulta que todas as potências que se sentem capazes, seapaixonam pelo Novo Mundo recusando a partilha a que Portugale Espanha procederam sob autoridade da Igreja Católica:desenvolvem objectivos geopolíticos reunindo meios para os pôrem prática que incluem saberes geográficos, técnicas deprodução ou de transporte, técnicas de organização dasrelações sociais. O autor afirma categoricamente que não épossível conceber uma geopolítica atlântica sem dominar a arteda navegação, porque para escolher as rotas, é necessárioconhecer as correntes atmosféricas e oceânicas dominantes.

Ainda considera que imaginar uma geopolítica significaconhecer os meios que se cobiça, os seus recursos e os meios etécnicas necessários para a sua exploração. Em último lugar, oautor ressalta que a geopolítica colonial assenta sobre aescolha das formas de exploração económica usando trêspossibilidades: comercializar com as populações indígenas,desenvolver as trocas com os colonos europeus que valorizam opaís e explorar os recursos locais e retirar lucros impondo àssociedades locais uma dominação política.

Para CLAVAL, o processo de dominação colonial está interligadoa concepção de ocupação dos espaços geográficos por meio deacção directa do estado, de homens singulares e dosmissionários. Como todas as potências se apaixonam pelo novomundo, o seu cruzamento explicará as característicasfundamentais do Brasil.

Haverá a necessidade de escravos para suster a terra visto quetodos os pobres pretendem possuir escravos que são o garanteda vida pois pescam, cultivam a terra e protegem o dono. Defacto, o número de escravos indica o estatuto do proprietário.A terra é de boa qualidade onde se produz milho, frutas emandioca além de ananases, mas há índios inimigos dosportugueses mas amigos de franceses os quais não têm Lei, Fé,Rei.

3. O papel dos Jesuítas e o confronto das culturas

Num segundo momento, CLAVAL autor aborda a questão do BrasilColonial, para, de seguida, defender a tese segundo a qual, a

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construção do Brasil deveu-se aos padres Jesuitas, mas queestes, mediante os vícios, tiveram que olhar a juventude, numprojecto com base numa visão futurista1. Segundo ele, oprocesso de penetração para o interior foi moroso e difícildevido a presença dispersa de tribos hostis e canibais dosíndios tendo resultado 1) choque entre as culturas; 2) maiormiscigenação e 3) desempenho económico nas formas deorganização de espaços geográficos. Aqui percebe-se, num enoutro ponto, que o autor prefere justificar a presençamassiva da imigração europeia não pelo facto de os índios eescravos negros serem uma ameaça a cultura europeia, mas pelofacto do espaço ser tão grande com pouca gente para explorarrespectivos recursos.

CLAVAL diz-nos que a igreja é parte interessada na aventuraatlântica. A razão do catolicismo é muito simples segundo aopinião do autor: a possibilidade de compensar fora da Europaas perdas que a Reforma lhe provocou na Europa do Norte e doCentro. A igreja ficou parte integrante e interessada naaventura atlântica desde a origem, através do Tratado deTordesilhas.

A vontade missionária é sensível a todos, católicos eprotestantes. Com as instituições saídas da Reforma o papel daigreja fortifica-se, sobretudo quando o papado deixa a cargode Portugal e da Espanha a iniciativa de abrirem as terrasdescobertas á verdadeira fé. Tudo muda com os Jesuítas, quesuperam os franciscanos e dominicanos e levam a peito adifusão da palavra de Deus entre os povos que ainda nãotiveram seu conhecimento.

Os jesuítas desempenharam um papel de relevo nestaprimeira fase da conquista e consolidação dos

1 O jesuíta AFRANIO PEIXOTO deixa uma ilustração que vai ao encontro datese defendida pelo Claval ao afirmar que: «Com elle vieram os jesuítasem 49. Aqui acharam alguns pequenos núcleos de povoação na costa, dePernambuco a São Vicente. Os indígenas comiam uns aos outros; os reinoesos matavam e escravizavam; uns e outros viviam na polygamia e napromiscuidade. Os próprios clérigos aqui se corrompiam. A causa, dal-a-iao Padre Antonio de Sá: «a terra era tão larga e a gente tão solta».! Masvieram os Jesuitas. Veiu com eles a Virtude. Para os colonos, que aesqueciam e a repudiavam, passada a Linha. Para os indios, canibais,intemperantes, sensuais, que jamais conheceram freio e reserva. …. Apenascom durarem perto de vinte anos, já vai alto o sol. Não se come mais carnehumana; cada um tem sua mulher, a sua família; aprende-se a ler eescrever, aprendem-se officios». Cfr. Carneiro, José (Coord). CartasJesuíticas 1550-1568: Azpilcueta NAVARRO e outros, USP, 1988:38

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territórios que fazem o complexo brasileiro. Como ordemreligiosa nova, fundada em 1540, os Jesuítas acompanhamas missões de descoberta com muito entusiasmo, levando acristandade nas áreas recém descobertas, catequisando osíndios com a língua europeia, além de introduziremcostumes europeus cristãos. O catolicismo tem assim apossibilidade de compensar fora da Europa as perdas quea Reforma lhe provocou na Europa do Norte e do Centro.(p. 20)

Quando Tomé de Sousa, em 1548, viajou para o Brasil com osseus mil homens, levava a bordo seis missionários jesuítas. Ospadres tinham a ideia unificadora do Brasil. Levavam consigoplantas sementes e animais para cultivar o solo. Igualmentelevavam medicamentos para curar os enfermos e a eles própriose sobretudo livros para ensinar. Porque os velhos eram tidoscomo algo perdido, habituados ao canibalismo, os jesuítasapostaram na educação das crianças, um projecto consideradopioneiro no pensamento ao futuro longínquo e nunca ao presenteimediato.

Os velhos eram inférteis à educação. Pediram a mistura deculturas e para tal era necessário que se enviassem os jovensque andavam nas ruas de Lisboa, mesmo que fossem maus, ladrõese perdidos incluindo as prostitutas. O obstáculo da construçãodo Brasil acabaram sendo os próprios europeus que fizeram comque a poligamia e a devassidão fossem desenfreadas. Erapreciso enviar mulheres ao Brasil.

Os jesuítas sabiam que as conversões eram mais fáceis onde osíndios não estavam submetidos às múltiplas tentações às quaisse entregavam os comerciantes europeus. Por essa razão fazemgerminar as ideias de protecção dos ameríndios a partir deentão. A sua obra contribuiu para redução de caça ao homem queameaçava directamente as sociedades autóctones. A escravidãofoi o ponto de muitas contendas porque a terra precisava degente que plantasse a cana sacarina. Por isso, recrutaram osíndios2, numa primeira fase, incentivando lutas inter-grupais,

2 Grabriel Soares de Souza diz-nos que ao cativo é-lhe posta uma corda nopescoço de modo a evitar a fuga e fica ao cuidado de uma moça que oacompanha em todos os movimentos podendo prostituir-se com ele durante 5ou 6 meses findos os quais é morto e a carne consumida. Se a moça estivergrávia, o bebé que nasce é igualmente morto. Também fala das mulherescastas que vivem como homens e que tem ao seu serviço alguns escravos.Sintetiza que esta gente não tinha ocupação nenhuma senão comer, beber ematar gente.

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e depois, os negros africanos, promovendo a escravatura. Em1570, a Carta Regia regulamenta os cativeiros das guerrasjustas (libertação ao tráfico de índios).

A partir do momento em que o povoamento europeu eracriado no ultramar, as condições de elaboração dedecisões mudaram. As informações que detinham aquelesque estavam no terreno eram insubstituíveis pois erameles que conheciam os meios e a forma de os explorar,eram eles que lidavam com as populações indígenas esabiam como as enquadrar e as associar às empresaseconómicas interessantes para a Europa. Não hesitavam emrecorrer à coacção para os obrigar a trabalhar. (p. 22)

Os colonos instalados no terreno tinham ideia exactadaextensão que pretendiam para as possessões da metrópole esobre os meios a utilizar para lá chegar. Emboradesconfiassem, os responsáveis dos países europeus dependiamdeles, concedendo facilmente a sua confiança aos europeus deorigem. A intervenção dos padres jesuítas presentes no localevitou a competição na busca de escravos e e na promoção delutas injustas entre os índios, pois havia o resgate, o qualera feito mediante troca de objectos pelos escravos. Haviabichos como cobras e feras.

Em síntese, a descoberta do Brasil foi um acontecimentorelevante no qual novas formas de viver foram descobertaspelos portugueses. A necessidade de comunicação permitiu queos gestos falassem mais alto do que a voz. Entretanto, ochoque entre as culturas foi notório, quando algunsportugueses eram capturados e transformados em cativos.Igualmente houve incentivo de prática de guerras injustasentre os índios devido ao estímulo do resgate que era feitopelos portugueses, de modo a conseguirem mais escravos emtroca de coisas simples que eram admiradas pelos índiospredadores.

4. O Brasil Colonial, Séculos XVII-XVIII

Do texto podemos compreender que as ideias de base dasgeopolíticas coloniais são antes de mais elaboradas pelosestados. O longo período da vida brasileira (1500-1822)revestiu-se da tentativa e materialização de muitos projectosvisando a consolidação dos espaços conquistados e criação deserviços administrativos capazes de dar cunho ao papel que anova terra viria a desempenhar no futuro da metrópole. Foi a

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27de Março de 1547 que se materializa o primeiro projecto deuma administração eficaz quando Tomé de Sousa pousa a Bahianomeado pelo rei D. João III.

A implantação portuguesa torna-se permanente paraconcretizar a soberania sobre o pedaço da América que oTratado de Tordesilhas deu miraculosamente a Portugal epara proteger a região das empresas estrangeiras. Aempresa colonial desenvolve-se verdadeiramente sob oreinado de D. João III (1521-1555). O problema é incitaros portugueses a instalarem-se no Brasil. Emconformidade com os usos da época, D. João II tirapartido das disposições do direito feudal. (p. 25)

Claval faz notar que foram usados métodos feudais paraincentivar a implantação recorrendo-se a sesmaria que era umterreno maninho concebida para povoar as terras devastadas,atribuída gratuitamente, na condição de o beneficiário ahabitar e valorizar. Estes lotes eram distribuídos sem outracontrapartida para além do pagamento do imposto, a dízima aorei, e direitos ao capitão donatário, e sem qualquer outraobrigação para além da valorização das terras. Esta iniciativateve um sucesso limitado porque nem todas as capitanias avalorizavam.

O momento era complicado devido a concorrência espanhol efrancesa enquanto a metrópole se debatia com a falta derecursos para administrar outros territórios orientais o quefez com que diminuísse ou mesmo abandonasse algumas daspossessões. De facto, naquela época havia problemasfinanceiros para manter as fortalezas distantes. Existe umatese que defende que os portugueses terão sido forçados acriar uma administração no Brasil devido a descoberta dasminas Potosi pelos espanhóis o que impulsionou a necessidadedo estabelecimento de mecanismos tendentes a controlar asprováveis minas por descobrir.

Entretanto, outra tese aponta o facto de revoltas frequentespor parte dos índios como a causa da tomada desta posição. Defacto, entre os que defendem esta tese encontramos o própriogovernador Tome de Sousa que considera as revoltas de Bahia(1545), Espirito Santo (1546), Porto Seguro (1546) e São Tomée Príncipe (1546), como estando na origem da decisão. Ogovernador tinha recebido poderes especiais do rei paraintervir na justiça, na fazenda e na milícia, com atributosacrescido conferindo-lhe ainda o poder de premiar e de punir.

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A missão era criar equipamento para defender as capitanias,que constituiu a sua missão difícil.

Os europeus estavam desarmados face aos meios tropicais.Indo ao Brasil, foram portadores de germes queexplicaram as epidemias que dizimaram as populaçõesíndias. Eles não possuíam uma imunidade o que levou aníveis de mortalidade elevados que a população não seconsegue reproduzir localmente. Eles não conheciam asplantas nem animais que ai podiam prosperar. Avalorização dos meios tropicais de exploração da terraforam desprezados no plano comercial até que se olhassea possibilidade de produzir os produtos precisados naEuropa (p. 22).

Duas plantas americanas entraram rapidamente neste círculo deinteresses: o cacau e o tabaco. Mas depois, o interesse peloaçúcar fê-los pensarem no incentivo da cultura de canasacarina, vinda da Índia, passando pelo Mediterrâneo onde épraticada em pequena escala. Portugal primeiro cultivou-as naMadeira enquanto Espanha as cultiva nas Canárias, experiênciaestendida para Cabo Verde e depois para as Ilhas de São Tomé ePríncipe, devido a aridez de Cabo Verde. Os portuguesestransportam a fórmula da produção de Cana Sacarina ao Brasil eos Espanhóis a São Domingos.

Em termos comerciais, as frotas que se expediam tinhamessencialmente uma missão de informação, indo para lá dascostas desconhecidas, de descobrir novas terras, decompreender a mecânica de ventos e das correntes paraorganizar melhor as travessias. Não era precisa nenhumainstalação permanente .

Nesta fase, o Brasil apenas desempenha o papel defornecedor de madeira vermelha para tintas, pau-brasil.Como a tripulação era pouca, para abater árvores e fazeros carregamentos, alguns indígenas são recrutados comovoluntários em troca de machados, machetes e utensíliosde ferro de que apreciavam a eficácia. As relaçõesestabelecidas eram pacíficas. Entretanto, algunsportugueses acabavam instalando-se, casados por umaíndia que lhes ensinavam a língua. O caso evidente foiaquele em que um dos chefes índios contava com umresidente português a quem deu sua filha em casamento.Tratava-se de Ramalho, o fundador de Santo André, pertode São Paulo (p. 24) .

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Os portugueses integrados eram importantes guias poisconheciam as rotas, ajudando as suas mulheres nos trabalhos decampo. Os seus instrumentos eram mais eficazes do que os dosíndios. A base de alimentação era o milho, a mandioca e ofeijão. Os seus filhos, embora sentindo-se portugueses como ospais, sabiam bem os costumes índios. Portanto, os portuguesestiveram uma capacidade de união com as mulheres índias, dandoorigem a mestiçagem e a aprendizagem dela resultante. Oportuguês aprendeu a comer a mandioca e a preparar os camposmediante o uso das queimadas.

As condições para criar as plantações foram difíceis porque atécnica das operações do açúcar situavam-se fora do domíniohabitual dos saberes vernáculos. Eram precisas pessoas capazesde organizar as plantações, o corte e o transporte das canasque depois eram moídas antes que as operações da extracção doaçúcar começassem. Era necessário recorrer a métodos agrícolase a técnicas industriais não familiares com os ameríndios nemaos africanos. O desbravamento fez-se pelo fogo, utilizando,de seguida, a enxada e planta-se à mão. Algumas vezes boisforam atrelados para transporte de canas aos moinhos, masnunca para puxar charrua.

A sucessão das plantações criou uma necessidade de mão-de-obra. Primeiro colaboraram os índios e depois inicia a caça aoescravo que se propaga rapidamente o que criou um clima dehostilidade que se caracterizou entre os índios e osportugueses. Os portugueses aliavam-se a certos grupos parafazer prisioneiros noutras tribos, transformando-os emescravos. A partir de 1550 as condições mudaram rapidamentedevido ao olhar francês sobre a região e os sucessos daplantação. Os franceses tinham falhado por pouco o controlo ePortugal reteve a lição sobre a importância de ocupaçãopermanente, criando pontos de apoio fortificados.

O sucesso económico da economia açucareira do Brasilconfirma-se na segunda metade do seculo XVI, estalamrevoltas de escravos em São Tome de 1574-1586 quearruínam a primeira zona portuguesa de produção deaçúcar nos trópicos. Em 1585 já existiam 115 engenhosonde se moia a cana sacarina, o coração da plantação,elevando-se para 192, em1612. (p. 29).

O desenvolvimento acelerado verificou-se na Bahia e emPernambuco, desenvolveu-se em todo o lado onde existiam terrasflorestais ricas na proximidade do mar, baias ou rios

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navegáveis. O povoamento era dividido em múltiplos centros deresistência, repartidos por cerca de 2000 km e não de formafortificada como era o desejo do governador Tomé de Sousa. Oslucros advenientes dos sucessos das plantações incitaraminveja porque eram desigualmente repartidos.

Havia muito a ganhar na pilhagem dos navios que regressavam aSevilha ou a Lisboa. O corso e a pirataria concorreram nainstauração de um clima de insegurança nas rotas a partir dosanos de 1560 e 1570. As consequências foram múltiplas. Paraassegurar o regresso seguro, organizam-se os navios emcomboios o que atrasa as relações e prejudica os pequenosportos. As fortificações multiplicaram-se e os engenheirosmilitares multiplicam os bastiões, os redentes e os taludes.

A repressão do protestantismo levada a cabo pelos espanhóis naFlandres fizeram nascer províncias unidas da Espanha e dePortugal que recorrem mais as companhias com privilégios. Areação à invasão estrangeira, sobretudo holandesa, parte doscolonos instalados no Brasil luta para romper a união.

A revolta contra a Espanha e a fundação da dinastia deBragança, em1640, não remete para a situação dos anos 1570 ou1580. Lisboa estava no centro do mundo no qual o lugar doBrasil era modesto. As possessões africanas não eramconcebidas como intermediárias da rota do Cabo. Apesar detudo, o Brasil estava nas preocupações da coroa que controlavaos governadores não os mantendo no cargo por muitos anos.

Paul Claval apresenta-nos A Emergência de um grande espaço: império eprimeira república. Um primeiro esforço do autor reincide no papelque a ida, ao Brasil da família real teve para defender quetal ida constituiu numa força centrífuga e centrípeta da acçãoexercida no espaço brasileiro. De acordo com suas palavras, 1)criou-se um tipo de colonização gerador de um Brasil Livre eBranco; 1) que o factor económico foi tão crucial para asdecisões políticas em determinados espaços geográficos e 3)existiu Brasil popular e Brasil para as elites.

O autor ainda faz uma análise das Cidades como expressão do BrasilTradicional. Recapitula a vida europeia para explicar aquilo queele chama de transposição da cidade portuguesa. Mas deseguida, reconhece que os espaços criados tiveram que contarcom modelos emprestados da Europa Ocidental e mostra que, só apartir da altura da Unificação da Alemanha e da Itália, por

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volta de 1870, é que há acelerado processo de urbanização dosespaços brasileiros, num processo que levou 50 anos.

5. A Modernidade e génese de uma grande potência

Na segunda parte: Modernidade e génese de uma grande potência, PaulClaval retoma aspectos de consciência nacional impulsionadaspelas teorias de Gilberto Freyre. Nisto, eles tenta conciliara modernidade à consciência nacional. A conclusão do autor é ade que estavam criadas condições para uma visão marxista doBrasil, visão que irá ser predominante nos problemas futurosdo Brasil até ao fecho do século XX.

De seguida, ele apresenta as geopolíticas do desenvolvimentono Brasil na qual os regimes políticos são cruciais naformação dos espaços geográficos. Num outro desenvolvimento,talvez o terceiro, ele mostra que o arranque económicocoincide com a militarização do espaço. Dai que ele veja nosmilitares a força de modernização económica o que resulta numbeco sem saída em termos dos limites das geopolíticas dedesenvolvimento até 1980.

Assim, de acordo com sua tese, a criação dos espaços no Brasilcontou com a Revolução Ecológica do século XX a qual teve suainfluência no domínio urbano e na saúde. Para ele, 1) há umamarcha de reconversão das terras cultivadas; 2) essa marchacaminhou para o Norte e encontrou os factores limitantesrelacionados com o meio ambiente; 3) cria-se um espaçoeconómico nacional que permite a metropolização .

Em Um Gigante em Mutaçao, o autor mostra-nos que a urbanizaçãoacelerada tem problemas relevantes que resultam na existênciade grupos marginais que, por sua vez, dão origem nasprincipais questões sociais, com destaque para a ocupação dosespaços de forma desordenada, em favelas. Mas é nas favelasonde os elementos políticos se encontram com os económicos,resultando daí o que ele designa de economia paralela.

É dentro desta desordem social que vão nascer o tempo e acultura das massas reinventando o que da Europa foi importadopara dar-lhe um carácter mais nacional, como foi com o Samba.Igualmente será nos espaço desordenado que nascerão as escolasde Samba. Enquanto isso, as culturas ligadas a elite vãodesenvolvendo suas atividades, nasce o desporto da elite, o

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amor às praias, a telenovela e a cultura das massas. Ofenómeno religioso não é deixado de lado. Apesar deprofundamente católico, a sua força é tida em conta como sendopossível geradora de uma rápida evolução religiosa, paraseitas e protestantismo.

Defende-se, ao pico deste poto, como o Brasil tende atransformar a sua realidade a partir da modernidade para àaltermundialização. A valorização dos espaços geográficos comoo Amazonia, aparece associada ao sentimento nacional e umafábrica de sonhos. Os problemas próprios do Brasil actual,como os referentes ao acesso à terra, as favelas e os sem-tecto são evocados. A tese é de que a Sociedade Brasileira temdentro de si uma contra-sociedade, assim como a cultura tem asua contra-cultura o que resulta numa subversão cultural.

6. A República Velha e a Modernização do Brasil

Foi durante a Republica Velha que emergiram grandes obras.Houve intervenções tendentes a sanear e instalar canalizaçõesde água e esgotos. Também a instalação da rede de carroseléctricos mereceu atenção. Todos estes projectos eramanteriores a República mas tiveram um novo impulso. A capitalde Minas Gerais estava sem muito ouro.

Por isso não se justificava a sua escolha pois estava situadanuma região de relvo escarpado e de difícil acesso. Além detudo isso, lembrava o papel desempenhado pela aristocraciamineira na história do Estado, quando a riqueza provinha, cadavez mais, da criação do gado ou da produção do café. Decidiu-se criar uma nova capital do Estado: Belo Horizonte.

Em 1892, Afonso Pena que era presidente do Estado de MinasGerais convidou Aarão Leal de Carvalho Reis, um engenheiroexperiente na área de canalização das águas e dos caminhos deferro, para dirigir a Comissão de estudos das localidadesselecionadas para a Nova Capital3.

Ao engenheiro coube a concepção da planta da nova cidadequando estava animado com convicções positivistas e acreditouque a sua missão era importante. Reuniu uma equipa que incluiu

3 Auxilio-me das leituras complementares em: Leme, Maria Cristina da Silva,Urbanismo no Brasil, 1895-1966. FUPAM e Studio Nobel, São Paulo. 1990:448-449)

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José Magalhães formado na Escola de Belas Artes de Paris, PaulVillon, e o suíço Morandi, que também trabalhava na elaboraçãoda planta de La Plata, na Argentina.

A planta que Reis elaborou sobre Belo Horizonte, indicasemelhanças com a planta da cidade de Washington. Mas tambémtem semelhanças com a planta efectuada por Haussmann quandoreformava Paris e sobretudo, a planta de La Plata, com a quala cidade mineira partilha a mesma concepçao urbanística.

De Paris, aproveitaram-se ideias referentes as grandesavenidas arborizadas e a importância dada aos parques eàs zonas ajardinadas. Para tal contou com a contribuiçãodo colaborador paisagista Paul Villon. O sistema dequadrados cortados tinha muito em comum com a cidade deLa Plata. Era sistema cortado por vias diagonais efechado por uma avenida circular reflectindo naimportância das zonas verdes4.

O projecto desta nova cidade não se limitou a uma planta, masincluiu também um planeamento de actividades. A equipa de Reisinteressava-se pela zona suburbana, propicia à instalação deparques necessários para garantir higiene e lazer na vidacitadina. Foi inaugurada em 1897 e desenvolveu-se lentamenteaté que precisou de uma geração para a encher e encher osespaços circunscritos na avenida circular. Belo Horizonte, foiconcebido como centro administrativo, mas depois atraiuindústrias e recebeu massas pobres que teve de alojar. Como sepode depreender, os engenheiros civis que participaram nasobras de construção da cidade do Belo Horizonte não foramurbanistas de formação. Os engenheiros brasileiros da alturaestavam ao corrente das ideias da Europa e dos Estados Unidosde América, até porque alguns deles tinham passado algum tempona Europa. Fenómenos naturais também tiveram sua influencia naconcepção das novas cidades.

As condições do tráfico marítimo tinham mudado.Tradicionalmente os barcos fundeavam junto da costa. Eramcarregados ou descarregados por uma lancha que fazia a ligaçãocom as praias. Mas nessa altura, a construção de cais segeneraliza. Os engenheiros que participaram da construção dasobras de relevo foram induzidos a remodelar os bairros abeira-mar, uma vez que as operações efectuadas pressupunham a

4 Acerca desta matéria, o autor que aprofunda é: Gomes, Marco Aurélio de Figueiras, Lima, José Martins de. Pensamento e Prática Urbanistica em Belo Horizonte, 1895-1961, FUPAM e Studio Nobel, SP, 1990:121

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regularização do traçado litoral através do atulhamento dasangras e dos pântanos.

A imigração no Brasil trouxe mudanças socioculturais ecomportamentais envolvidas na inserção dos imigrantes nasociedade brasileira. Formaram-se novas identidades fundadasna diferença cultural. Ao que parece, a maior atenção vai àsquestões econômicas e políticas envolvendo a migração em largaescala, em consonância com a globalização. O fenômenomigratório também produziu etnicidade, palavra-chave nasanálises de sistemas interétnicos amplamente usada nas últimasdécadas com implicações nas políticas de reconhecimentoassociadas ao multiculturalismo e aos direitos de minorias.

Num país onde o campo não está ainda formado, a ligaçãoàs cidades é interessante, pois a personalidade e o génioda população exprime-se mais fortemente. No início, acidade brasileira é uma simples transposição da cidadeportuguesa. Nunca houve, da parte de Lisboa, um esforçosemelhante ao que Madrid efectuou, então, para impor, portodo o lado, a mesma força nos centros que a colonizaçãofez surgir no Novo Mundo. (pp. 127-128).

Algumas cidades com plano regular surgem em redor das minas etem o estatuto de vilas e a coroa transforma as vilas maisimportantes em cidades. A partir de 1890 ou 20 anos antes, aurbanização acelera e há um rompimento com a cidade colonial.Surgem então novos problemas com destaque para o Rio deJaneiro e São Paulo com os saturamentos, o que exige novosmeios de transporte que ampliam as áreas de construção o quede certa forma permite as classes abastadas a abandonarem ocentro. Por outro lado as migrações internas acabam saturandocada vez mais a periferia dos centros urbanos criando asfavelas.

Isto irá, no futuro, requerer uma intervenção modernizante dascidades como foram os casos das reformas de Pereira Passos noRio de Janeiro, cujo estudiosa de fundo na reforma urbana foiSonia Gomes Pereiraque aplicou inteligentemente o modeloparisiense e que fez do Rio uma cidade industrial moderna aoempregar uma semântica urbana tradicional. Outra transformaçãofoi a do fazendeiro e homem de negócios, Antonio da SilvaPrado que entre 1889-1910, como presidente da câmaramunicipal, desempenha um papel importante na transformação deSão Paulo. (pp. 157-158).

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7. A Ocupação dos Espaços: Contributo da Obra de Paul Claval

A colonização não se instala sobre um território virgem. Noprimeiro momento dos contactos, as densidades são fracas emtodo o lado. Se havia 7, 8 ou 10 milhões de índios, eram«sociedades contra o Estado» divididas em tribos que seopunham em guerras sem fim, e sacrificavam os prisioneiros emrituais complexos, ligados ao valor moral reconhecido àvingança. A crença numa Terra sem Mal lançava-os em longasmigrações. Nisto, o governo de Lisboa trabalha em estreitaligação com o do Brasil, numa altura em que o peso dosinteresses e dos meios comerciais estão virados ao o açúcar eo que o rodeia.

A colonização portuguesa podia justificar-se porconsiderações religiosas: não era urgente levar a palavrade Deus a populações que a ignoravam? Mas desde o começo,um lugar importante está reservado às consideraçõeseconómicas: o comércio do pau-brasil e a produção deaçúcar tornam-se, desde cedo, actividades lucrativas. É asegunda que o país deve o seu desenvolvimento precoce. Aorientação mercantil confirma-se a seguir à introduçãoholandesa. O açúcar mantém-se durante todo o períodocolonial uma das bases essenciais da económicabrasileira. (pp. 49-50)

Igualmente houve peso dos interesses comerciais, como ouro,diamante e as pedras preciosas. Os colonos portuguesesinstalados no Brasil sonham, como todos aqueles que deixam aEuropa na época, encontrar ouro e pedras preciosas. Foipreciso mais de um seculo e meio para que as descobertas sematerializassem. Assinalaram primeiro ouro na Serra do Mar, noactual estado do Paraná, ao Sul de São Paulo. As descobertasessenciais são feitas no norte, no actual estado de MinasGerais, ao qual dão o seu nome. (p. 50)

A aposta aos recurso minerais exige mão de obra numerosa,servil em larga medida, mas não unicamente. É precisoalimentar as populações dos centros de extracção. Se em 1700havia 300 mil almas, 70 anos depois já eram 1700.000, quando aprodução de ouro começa a baixar. Este aumento populacionalcondiciona as políticas de Lisboa em face da organizaçãoeconómica do Brasil. Aliás, havia temos das ocupaçõesholandesas que se mostravam mais organizadas. A propósitodisso, Claval diz que,

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Os holandeses souberam organizar bem a economia das suaspossessões. A partir de 1640, os portugueses tentaramretirar as lições. Quando Portugal retoma a suaindependência, as autoridades espanholas fazem tudo parabloquear o seu comércio e os portugueses reageminstalando-se permanentemente no estuário de La Plataonde fundam a colónia do Sacramento, uma excelente basepara o contrabando com as colonias espanholas. (p. 53)

Portanto, como se pode ver, além da economia, a políticadesempenhou o seu papel. A fundação e consolidação de uma novasociedade leva aos portugueses a adoptarem um tipo depovoamento: um aglomerado nas zonas das plantações ou nosaldeamentos de reagrupamento das populações índias, no restodo território predomina a dispersão. O local é constituído poruma serie de comunidades organizadas em torno do local deculto: a Igreja não o estruturou em paróquias de acordo cm aprática quotidiana das populações. Assim, o Federalismo passaa ser uma das forças centrífugas de acção. No Brasil, Lisboaera proprietária de todos os espaços não concedidos. Aindependência não modifica esta situação: a terra no Brasil,pertenceu, em princípio, primeiro ao Rei de Portugal, depois,ao governo do império.

Como o país atingiu, aproximadamente os seus limitesterritoriais actuais a partir do final do seculo XVIII,encontra-se dividido na sua quase totalidade emcapitanias, logo, em províncias. No brasil, a soluçãofederal tem como objectivo não ferir as susceptibilidadeslocais e evitar a rigidez de um sistema demasiadocentralizado. No entanto, parece ser insuficiente emmuitas regiões: revoltas, agitações, movimentosseparatistas atravessam o país durante uma geração. (p.91)

Na instalação das colonias europeias nos estados do sul oscaminhos-de-ferro desempenham papel de relevo. Os colonos eramatraídos pela possibilidade de obter terrenos baratos. Osprimeiros recém-chegados são os alemães, que se espalham nasencostas arborizadas da Serra, a norte do Porto Alegre. Sãotambém os alemães que se instalam em Santa Catarina. Criamcomunidades rurais de aparência completamente germânica, comoem Pomerode, ainda que os arrozais, nos quais se reflectem ascasas de taipas, em nada lembram a Europa Central. A segundacomponente do povoamento é italiana, ao Rio Grande do Sul eSanta Catarina. Eles recebiam pequenos lotes, de cerca devinte hectares.

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O império e a republica caracterizou-se pela ruptura econtinuidade tendo registado os seguintes acontecimentosimportantes: voto da constituição em Fevereiro de 1889,inflacção explosiva do encilhamento, nascimento daconfederação operaria brasileira, greve geral em SãoPaulo, em 1917, revolta dos tententes no forte deCopacabana, em 1927, queda do preço do café e inicio dagrande crise no Brasil, e fim da Primeira República com aentrada de Getulio Vagas ao poder. (pp. 110-111).

Os imigrantes provenientes de toda a Europa mediterrânica,central ou oriental, aceitam a língua e as leis do país: àexcepção dos alemaes, que permanecem fiéis à sua língua,durante várias gerações, todos se fundem rapidamente no moldecomum.

8. Modernidade e génese de uma grande potência

O autor mostra que o Brasil seguia com atenção tudo o queacontecia na Europa porque pensavam que as condições deprogresso ainda não estavam reunidas no Brasil. mas comprimeira guerra mundial estas ambições são postas em causa. Aeuropa enfraquecida pelos conflitos deixou de fascinar aselites e o desenvolvimento está virado de fora para dentrocomo uma obrigação moral.

Sai da modernidade externa para a modernidade nacional.Para ele, é um cenário que se desenha nos anos 20 doseculo XX e tem um ápice nos anos 30. «Os artistasreflectem, muitas vezes, a evolução e a sensibilidade dospaíses onde vivem. As estadas no estrangeiro, emparticular em França, bem como a imigração proveniente daeuropa Central e Leste, reforçam a nova pregnância daideia de modernidade no domínio da arte. (p. 167)

A ideia de consciência nacional levou tempo. A ponto de algunsacreditarem nela, atribuindo-se papeis desiguais. Tal foidefendido por Alberto Tores que em 1914 afirmava que «Brasilnunca foi um país organizado». O que acontecia é que o sulestava livre, por isso desenvolvido enquanto o norte queacabava de libertar-se da escravatura ainda estava pobre. Essaimagem exaltava o sul tido como uma terra de progressorealçando os traços arcaicos do norte.

Acusa-se as populações do norte de serem fanáticas daviolência. Por isso, o Estado de São Paulo, em 1923,

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manda o jornalista Moraes Barros, para fazer umainvestigação destas regiões desfavorecidas. A maneira deas designar começou a mudar e o termo Nordeste aparecepela primeira vez em 1919, para designar a área da acçãoda Inspeção federal das obras públicas contra as secasIFOCS. (p. 171)

É neste tempo que Gilberto Freyre se insurge contra apretensão das elites sulistas em reduzir a História do Brasilà das últimas fases da colonização, e em ignorar o resto dopaís. A ideia do Brasil branco retinha apenas uma dascomponentes regionais, a que se constituiu progressivamentedurante o seculo XIX sob efeito conjunto da política imperiale da acção dos empresários de São Paulo. Assim, o Brasilconstituía o todo constituído por partes das quais não sepodia separar.

A partir de 1950 surgem as geopolíticas do desenvolvimentoincentivadas pelos militares que tem uma visão mais abrangenteque vai resultar num milagre económico dourado. A partir domomento em que o Brasil descobre que faz parte do TerceiroMundo, a sua ligação com o Ocidente já não parece ser taoevidente. Surge uma atitude reivindicativa em relação aospaíses desenvolvidos e industrializados. O Brasil tem deerradicar a miséria. Tem de encontrar o caminho docrescimento. Já não é considerado como semelhante a um modeloestrangeiro à Europa, como no final do seculo XIX, ou aosEstados Unidos da America.

Apesar de os projectos do desenvolvimento datarem desde1930, é a partir de 1950 e 30 anos depois que ganhammaior relevo, o verdadeiro arranque económico. Foi asegunda guerra mundial que permite a retoma economia efacilita o arranque de certas industrias embora o paistivesse dificuldades em equipar-se. Em 1953 cria-se aPetrobras com a missão de prospectar, extrair e refinar opetróleo em território nacional, como para a Companhia doVale do Rio Doce. Houve, antes, negociações secretas parafundar uma companhia electrica nacional, a Eletrobras. Eem 1956 a economia atinge a plenitude. (p. 213).

Na base dos progressos verificados neste período, novas áreassão exploradas e criados novos espaços de intervenção dodesenvolvimento e o Brasil impõe-se precocemente na cenainternacional.

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A unidade cultural também é evidente porque de uma pontaà outra deste imenso território as pessoas falam a mesmalíngua, dançam os mesmos ritmos, partilham a mesma paixãopela festa e são igualmente apaixonadas pelo jogo defutebol. Existe uma dúvida que o Brasil seja umarealidade tao viva no domínio politico como o é nodomínio cultural. (p. 267)

De entre os problemas acuais do Brasil cumpre apontar o casodas favelas. O problema que apresentam as favelas sãomúltiplos: económicos, já que é necessário fornecer aos seushabitantes meios de se inserir nos mercados de habitação etrabalho, culturais, já que eles são portadores decontracultura em contradição com alguns dos valores dasociedade dominante; politicas, já que esperam que asinstituições oficiais lhes providenciem o que eles necessitam,mas não tem ideia que isto tem um preço. Sentem-sebrasileiros, mas não estão prontos a pagar impostos. Achamnatural piratear as linhas eléctricas para terem iluminaçãosem pagar nada às companhias distribuidoras. (p. 324)

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Conclusão

Analisar em forma de recensão crítica a obra de Paul Clavalfoi um exercício frutífero. Frutífero na medida a em quesuscitou maior interesse na aprendizagem da História doBrasil, um país aparentemente apresentado com eldorado,quando, como ficou a saber-se, esconde dentro de si grandesdesigualdades sociais cujo termo designador é o de «um paísdos extremos».

Em contrapartida, indo ao lado do Curso em que me formo, olivro mostrou que o desenvolvimento só é possível mediante umacooperação e junção de ideias de várias proveniências. Foiisso o que permitiu a criação de novos espaços atractivos noBrasil actual, num processo que foi muito longo e penoso.

Paul Claval aborda a História do Brasil de forma simples ecompreensível, numa linha geográfica, tendo como o pano defundo, o papel das relações geopolíticas na recriação deespaços e no desenvolvimento. Não é de estranhar que eleaborde a questão do Brasil envolvendo todos os países que, nocomeço da expansão, iniciada por Portugal e pela Espanha, seviam parte integrante num projecto de que não eram actores nasua origem.

Segundo Claval há um novo enfoque cultural devido ainsatisfação dos pesquisadores pelas perspectivas existentes.A perspectiva cultural levarianos a renúncia aos pontos devista totalizantes permitindo partir do indivíduo e de suasexperiências porque é através delas que os homens descobrem omundo, a natureza a sociedade, a cultura e o espaço.

Claval ignora o facto de que é dificil identificar o espaçocultural real e sua representação, pois, o quotidiano dosindividuos não pode ser uma categoria de análise em si semincluir a dimensao ideologica do individuo e respectivasrepresentações. A noção de espaço produzido pela sociedadetermina na paisagem imaginária a crer nas suas palavrassegundo as quais «o espaço constitui um palco onde as pessoasse oferecem um espetáculo». Ele consegue, com grande mestria,mostrar a possibilidade de a Geografia produzir uma teoriacapaz de explicitar a realidade em função de seuaprisionamento aos estudos de casos. É este um dos contributosde Claval.

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Finalmente, no papel de Lisboa, Claval mostra que a ameaçafrancesa e holandesa esteve na origem da pertinência daocupação dos espaços de forma permanente. A obra em análise éum contributo na comunidade académica, ilumina como o homemtende a transformar os espaços, tentado resolver problemas aomesmo que cria novos.

Bibliografia

CLAVAL, Paul. A Construção do Brasil: Uma grande Potência em Emergência.Instituto Piaget, Lisboa, 2010.

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