A construção da representação sobre os viquingues: mistificação e desumanização presentes na...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES CURSO DE HISTÓRIA ELIAS VILLAR A CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SOBRE OS VIQUINGUES: MISTIFICAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO PRESENTES NA ICONOGRAFIA (750-800)

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

CURSO DE HISTÓRIA

ELIAS VILLAR

A CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SOBRE OS VIQUINGUES:

MISTIFICAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO PRESENTES NA ICONOGRAFIA

(750-800)

CURITIBA

2015

ELIAS VILLAR

A CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SOBRE OS VIQUINGUES:

MISTIFICAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO PRESENTES NA ICONOGRAFIA

(750-800)

Trabalho de Conclusão deCurso apresentado ao Cursode Graduação em História daPontifícia UniversidadeCatólica do Paraná, comorequisito parcial àobtenção do título deLicenciado em História.

Orientador: Prof. Dr.Alexandro Neundorf

CURITIBA

2015

ELIAS VILLAR

A CONSTRUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SOBRE OS VIQUINGUES:

MISTIFICAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO PRESENTES NA ICONOGRAFIA

(750-800)

Trabalho de Conclusão deCurso apresentado ao Cursode Graduação em História daPontifícia UniversidadeCatólica do Paraná, comorequisito parcial àobtenção do título deLicenciado em História.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________

Professor 1(Alexandro Neundorf)

Instituição 1

_____________________________________

Professor 2 (Titulação e nome completo)

Instituição 2

_____________________________________

Professor 3 (Titulação e nome completo)

Instituição 3

Curitiba, ____ de ________ de 2015.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a Deus, pois é um

amigo fiel e um Pai maravilhoso, que nunca me abandona e me

da forças e motivação para enfrentar qualquer desafio.

Quero agradecer, também, as pessoas da minha família, as

quais ajudaram a formar a minha essência. Pessoas que, de

alguma forma, sempre estão comigo, dando seu apoio, sua

alegria e me ajudando a ter forças. Mesmo quando muitas

outras pessoas criticam sua decisão de fazer o curso, estes

nunca deixam de apoiar e mostram que estão sempre ao seu

lado. A minha mãe Sara, que sempre representou através de

seu amor e alegria um grande exemplo para mim e sempre me

incentivou a buscar pelos meus sonhos. Aos meus irmãos

Kauany e Júlio Vinicius, que mesmo em meio a muitas

alegrias e momentos de desentendimentos, sempre desejaram e

ajudaram a buscar o melhor para mim. A minha avó Seleide e

ao meu tio Eliezer, que sempre me ajudaram em momentos onde

mais precisei e não tinha a quem recorrer. A minha tia

Sandra, que em vários momentos me ajudou grandemente e

cuidou de mim com muito carinho. Aos meus primos e todos os

familiares que, de certo modo, contribuíram para que eu

chegasse onde estou.

Agradeço ao meu professor orientador Alex, o qual é um

grande exemplo de carisma e humildade, além de ser um ótimo

professor e historiador. Sempre esteve disposto a me ajudar

onde fosse necessário, respondendo a qualquer dúvida,

indicando a bibliografia e incentivando a fazer o melhor. É

um grande privilégio ter sua amizade e apoio durante o

curso e para a vida.

Sou grato aos demais professores, os quais me ajudaram

imensamente e, também, contribuíram para me tornar

professor e historiador. A professora Maria Cecília,

exemplo de ser humano e profissional, sempre confiando no

meu potencial e buscando o melhor para o curso. Ao

professor Wilson, pelo exemplo de profissional e sendo

sempre atencioso com seus alunos. A professora Adriana,

sempre compreensiva e simpática com os alunos e, através de

suas aulas, confirmei um fascínio pela História Antiga e

Medieval. Ao professor Fernando, por sempre mostrar a

importância da valorização da História. Aos demais

professores que, também, foram fundamentais para minha

formação: Daniele, Etiane, Jair, Vera, Irmgard, Cauê,

Cezar, Neide, Valdir, Irineu, entre outros.

Aos amigos que fiz durante o curso, onde formamos parcerias

de sucesso nos trabalhos em equipe e onde as lembranças e

amizades vão permanecer para sempre. A Mayara Lima, grande

amiga e parceira, sempre me entusiasmando com sua alegria e

espontaneidade. A Ana Andrade, também ótima amiga, sempre

atenciosa e me incentivando a seguir em frente. Aos meus

amigos, os quais dividimos bons momentos e parcerias nos

trabalhos: Alex, Everton, Fernando, Jean Arthur, Jean

Lima, Leonardo, Luiz Alberto, Marcelo. A outros colegas,

com quem dividi bons momentos e que me ajudaram muito em

trabalhos ao decorrer, mesmo aos que pararam pelo caminho:

Alessandro, Amaury, Jorge, Geise, Priscila e a vários

outros.

Enfim, agradeço a todos os que de alguma forma me ajudaram

e me apoiaram para que hoje eu estivesse vivendo este

momento incrível e inesquecível. Peço desculpas se esqueci

de alguém. Estou muito feliz por fazerem parte de minha

trajetória.

RESUMO

O estudo de civilizações escandinavas sempre despertou acuriosidade geral das pessoas, seja do público acadêmico ouleigo. Entretanto, antes de obterem um contato maior sobreestas civilizações, muitos já possuem ideias distorcidassobre elas, como o fato de possuírem certos hábitos ouusarem determinados objetos, o que nem sempre correspondecom a realidade. O presente trabalho visa contribuir para amudança de visão que as pessoas possuem sobre osviquingues, pois, muitas vezes, essas opiniões são baseadasem conceitos que não são condizentes com a verdade. Orecorte temporal abrange os anos 700 ao 800, períodoconhecido como Era Vendel, na História nórdica, e quepossui grande quantidade de fontes iconográficas parapesquisas. Os resultados aqui obtidos são consequências deestudos da iconografia de trabalhos arqueológicos, em suamaioria, de localidades que são referências parapesquisadores. Serão analisadas, também, imagens e fontesescritas da literatura nordica, buscando uma complementaçãoe sempre focalizando a proposta de construção sobre quemera o indivíduo viquingue.

Palavras-chave: Viquingues. Era Vendel. Iconografia.

ABSTRACT

The study of Scandinavian civilizations always arousedgeneral curiosity of people, whether academic or laypublic.However, before obtaining greater contact on thesecivilizations, many already have distorted ideas aboutthem, such as the fact that they have certain habits or usecertain objects, which does not always correspond withreality.This paper aims to contribute to the change of viewthat people have about the vikings because often theseopinions are based on concepts that are not consistent withthe truth.The time frame covers the years 700-800, theperiod known as Vendel Period in Nordic History, and it haslot of iconographic sources for research.The resultsobtained are consequences of iconography studies ofarchaeological work, mostly in locations that arereferences for researchers. They will be analyzed, too,images and written sources of Norse literature, seeking acomplementary and always focusing on the proposedconstruction on who the individual viking .

Key-words: Vikings. Vendel Period. Iconography.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................8

1 CIVILIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO...............................10

1.1 O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO...............................10

1.2 CIVILIZAÇÃO OU NAÇÃO?...................................11

1.3 AS VESTIMENTAS NÃO DETERMINAM O GRAU DE CIVILIDADE......12

1.4 GUERREIROS BEM INSTRUÍDOS E DE EXCELENTE ARMAMENTO......12

1.5 NEM SÓ DE CONFLITOS VIVIAM OS VIQUINGUES................12

1.6 AS LEIS TAMBÉM FAZEM PARTE DE UMA CIVILIZAÇÃO...........13

1.7 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO.............................13

1.8 DISCUSSÃO METODOLÓGICA..................................15

2 CONTEXTO HISTÓRICO.........................................18

2.1 O PERÍODO VENDEL - SUÉCIA...............................18

2.2 EUROPA CENTRO-OCIDENTAL.................................22

2.3 O IMPÉRIO CAROLÍNGIO ...................................24

2.4 IMPÉRIO BIZANTINO.......................................29

2.5 CIVILIZAÇÃO ITALIANA....................................31

2.6 OS LOMBARDOS............................................32

2.7 IMPÉRIO PERSA...........................................33

2.8 NORTE DA ÁFRICA35

2.9 O ISLAMISMO NA PENÍNSULA IBÉRICA35

3 ANÁLISE DE FONTES37

CONCLUSÃO49

FONTES51

REFERÊNCIAS51

9

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende auxiliar e,

consequentemente, contribuir para uma difusão sobre a

construção da imagem dos indivíduos viquingues através da

iconografia já encontrada sobre esta civilização.

O recorte temporal concentra-se entre os anos 750 e

800, pois pertence a este período a maior parte das fontes

encontradas para o estudo que aqui se pretende. Este

período é denominado como Era Vendel, nome que define

também o local onde as fontes materiais foram encontradas.

É uma localidade que serve como referência quando o assunto

trata-se de civilizações nórdicas, especialmente referentes

à Suécia.

Quando se pensa em civilização viquingue, um dos

primeiros pensamentos que vem a mente das pessoas é

referente aos elmos de cornos que seriam, supostamente,

utilizados por eles. Outras coisas comuns do pensamento

coletivo geral é imaginar os viquingues como guerreiros

sanguinários, sem qualquer senso humanitário e desprovidos

de qualquer hábito higiênico. Este trabalho visa repensar a

imagem que é feita sobre esses indivíduos, com base na

iconografia descoberta sobre eles e que será aqui

analisada.

A análise das fontes iconográficas será realizada

tendo como base os lugares onde os viquingues estiveram.

11

Por isso pode-se aplicar credibilidade. Serão analisados os

seguintes materiais: um elmo do período Vendel; um elmo da

localidade de Sutton Hoo; Monumento de Runestone de Sanda

I; uma ilustração medieval sobre viquingues; a Tapeçaria de

Bayeux; espadas de Vendel; três lendas da literatura

escandinava: “O matador de dragões”, “Alvis, o elfo

pedante” e “Gefion, a saltimbanca”. Com todas estas fontes,

espera-se compreender melhor quem eram os viquingues.

No primeiro capítulo, alguns conceitos norteadores

foram necessários para a sua elaboração. Estes conceitos

são: civilização e representação. O estudo deles foi

realizado sobre as obras de Norbert Elias e Roger Chartier,

respectivamente. Estes autores são grandes referências para

os assuntos os quais defendem, sendo, portanto, de útil

aplicação para se compreender melhor a construção da

representação viquingue. Neste capítulo, também, serão

apresentadas as metodologias que foram utilizadas. O

principal tipo de pesquisa é a bibliográfica, composta por

livros e artigos científicos. Para a elaboração da pesquisa

em sua totalidade, é interessante mencionar alguns autores

que servirão para a fundamentação: Johannes Brondsted,

James Graham-Campbell, Lars Haraldson, Johnni Langer.

No segundo capítulo, foi realizada a análise do

contexto histórico do período estudado neste trabalho.

Busca-se compreender o que estava acontecendo em regiões

próximas à Suécia no Período Vendel, quais eram os seus

respectivos governantes e como estas regiões contribuíram

para a essência da História de cada localidade analisada.

12

Em vários momentos, será visto como um determinado

governante influenciou mais de uma região, por isso a

importância do estudo de vários impérios.

Finalmente, no terceiro capítulo há a análise das

fontes utilizadas nesta monografia. Cada fonte será

analisada conforme sua classificação e visando atender os

objetivos aqui propostos.

Percebendo a falta de divulgação sobre os povos

nórdicos medievais, até mesmo dentro das salas de aula do

ensino básico, espera-se com esta monografia a contribuição

para o maior conhecimento sobre quem eram estes povos e,

também, para uma reflexão crítica sobre conceitos errôneos

que já foram formulados sobre eles.

1 CIVILIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO

1.1 O CONCEITO DE CIVILIZAÇÃO

13

O primeiro capítulo vai tratar sobre o conceito de

civilização e representação. Para discorrer sobre estes

conceitos, serão utilizados os estudos de dois grandes

autores: Norbert Elias e Roger Chartier, respectivamente

De acordo com Norbert Elias, civilização é um

processo natural que todas as sociedades alcançariam em uma

determinada fase, onde estas mesmas sociedades, ao longo de

sua História, seguiriam a uma direção que muitos definiriam

como sendo a melhor, a superior.

Utilizando qualquer dicionário como exemplo,

verifica-se que apresentam um conceito semelhante sobre

civilização. De forma geral civilização é definida como um

processo de evolução que é atingido por determinada

sociedade. Seria, portanto, o alcance de um estágio

considerado superior. Porém, é difícil determinar o grau de

civilização de certo grupo, pois como diria Elias (1990):

“não há nada que possa ser feito de forma civilizada ou

incivilizada”. (1990, p. 23). Portanto, não se pode

estabelecer um conceito estático. É importante ressaltar,

também, a definição de civilização que está relacionada ao

conjunto de costumes e hábitos de um grupo em qualquer

estágio de desenvolvimento.

Seguindo à risca as definições elaboradas por

dicionários, entende-se que civilização pode se referir

tanto a um agrupamento de indivíduos de determinada

sociedade, como também, referir-se ao conjunto de valores e

costumes de um povo qualquer, ou seja, sua cultura. Norbert

Elias (1990) nunca deixou de afirmar que podem haver, sim,

14

povos mais civilizados que outros. Entretanto, este mesmo

autor ressalta que se um grupo é civilizado não significa,

necessariamente, que é melhor ou superior a outro. Em

relação à civilização viquingue e sua relação com a Europa

feudal, isto mostra-se muito visível. Os europeus

enxergavam os viquingues como bárbaros, um povo não

pertencente a sua cultura. Porém isto não significa que os

viquingues não possuíssem sua própria cultura, sua própria

civilização. Mesmo que fosse diferente de grande parte da

Europa medieval.

Elias (1990) também faz uma ressalva importante.

Para ele, conceitos como o de civilização são utilizados

repetidas vezes e sem que se busque uma inovação, um

questionamento, adotando, assim, as referidas definições

como uma verdade absoluta e incontestável. Para que se

entenda melhor sobre o conceito de civilização aplicado aos

viquingues, é necessário observar o que Elias afirma sobre

o que se refere uma civilização: “A uma grande variedade de

fatos: ao nível da tecnologia, ao tipo de maneiras, ao

desenvolvimento dos conceitos científicos, às ideias

religiosas e aos costumes”. (ELIAS, 1990, p. 23). Esta

definição elaborada por Elias está relacionada às

características de um povo, aos seus hábitos culturais.

Portanto, uma sociedade não pode ser considerada superior a

outra apenas por ser considerada mais civilizada. O que

deve ser levado em consideração é o seu conjunto de

características culturais. Tudo o que um povo produz como

15

cultura faz parte de sua civilização e não apenas o alcance

de determinado nível.

1.2 CIVILIZAÇÃO OU NAÇÃO?

É necessário compreender que civilização não se

refere, necessariamente, a uma nação formalmente

instituída. A situação dos viquingues corresponde a este

exemplo. Os viquingues não constituíam uma nação, mas, sim,

um grupo de pessoas que tinham um líder em comum. Apesar de

a Escandinávia, local onde os viquingues viveram, não

possuir suas fronteiras delimitadas por Estados, os chefes

tribais possuíam o controle de determinadas partes de

territórios. Eram os seus hábitos culturais que permitiram

unir e identificar este povo como pertencente a certa

civilização. Sabe-se que os viquingues viviam onde hoje é a

Suécia, Noruega e Dinamarca. Conforme Michael Gibson (1976)

afirma: “Embora esses três países estivessem ligados por

vários fatores, eram independentes entre si”. (GIBSON,

1976, p. 10). O fato de haver certas características em

comum entre esses países não impediam de cada um possuir

sua própria autonomia.

1.3 AS VESTIMENTAS NÃO DETERMINAM O GRAU DE CIVILIDADE

16

É inverídica a ideia de que viquingues não

possuíam higiene e se vestiam de maneira selvagem. Apesar

de se preocupar com a aparência, a forma de se vestir não

determina o quanto uma civilização é mais rústica que

outra. Elias reforça este pensamento: “Rigorosamente

falando, não há nada que possa ser feito de forma

civilizada ou incivilizada” (ELIAS, 1990, p. 23). Apesar de

europeus realizarem uma descrição negativa a respeito da

aparência dos viquingues, é importante refletir como eles

realmente se vestiam e o que usavam. Homens usavam gibões e

as mulheres usavam vestidos. Gibson afirma: “Todos gostavam

de usar broches de prata e de ouro, pulseiras, colares,

braceletes e brincos”. (GIBSON, 1976, p. 20). Em relação a

sua higiene, não faziam por menos. Objetos como pentes,

navalhas, pinças e até cotonetes a sabão estavam entre seus

pertences básicos.

1.4 GUERREIROS BEM INSTRUÍDOS E DE EXCELENTE ARMAMENTO

Os viquingues eram guerreiros habilidosos e

possuíam os melhores armamentos da Europa. Possuíam domínio

da técnica de manutenção de ferro, desenvolvendo variados

tipos de armas. Isto é mais uma evidência de que eram

pessoas instruídas, pois conheciam várias técnicas para

aperfeiçoar seus materiais. “As longas espadas eram afiadas

dos dois lados. As lanças eram de dois tipos: leves, para

serem arremessadas, e pesadas, para o ataque de perto”.

17

(GIBSON, 1976, p. 40). As armas que estes guerreiros mais

utilizavam eram a espada, a lança e o machado.

1.5 NEM SÓ DE CONFLITOS VIVIAM OS VIQUINGUES

Embora os viquingues tenham sempre sua imagem

associada a guerras e conflitos, apenas uma pequena parcela

de indivíduos desta civilização era composta de guerreiros.

Em sua grande parte, as maiores ocupações destes cidadãos

eram como fazendeiros, artesãos e comerciantes. “Durante

muitos anos os vikings foram tidos como bárbaros cruéis que

só sabiam pilhar e matar. Não é bem assim. Fizeram muita

coisa importante e construtiva”. (GIBSON, 1976, p. 51).

Contribuíram para a construção e enriquecimento de várias

cidades, principalmente na região da Europa. Um exemplo

destas cidades é Kiev, na Rússia. Contribuíram, também,

para o crescimento do comércio em Constantinopla e Bagdá e

fundaram povoações em regiões como a da Islândia.

1.6 AS LEIS TAMBÉM FAZEM PARTE DE UMA CIVILIZAÇÃO

Estes cidadãos também confiavam na ordem e

faziam uso da lei. É necessário lembrar que Elias afirma

que civilização também se refere ao conjunto de leis de um

povo: “à forma de punição determinada pelo poder

judiciário”. (ELIAS, 1990, p. 23). A Assembleia viquingue

era a Althing, responsável, em grande parte pelo poder

judiciário. “A Althing, uma assembleia que era um misto de

18

parlamento e tribunal, foi a primeira instituição desse

gênero fundada na Europa. Os guerreiros vikings davam muito

valor à liberdade”. (GIBSON, 1976, p. 51). Não possuíam

líderes em seu exército, pois consideravam-se todos iguais.

1.7 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO

Ao realizar-se estudos sobre a sociedade

viquingue, percebe-se que a reputação negativa que envolve

a representação de sua imagem foi elaborada por grupos que

visavam apresenta-los como bárbaros e desumanos.

Um dos grandes estudiosos sobre representação

foi Roger Chartier. A principal contribuição dos trabalhos

de Chartier se dá para análise social através das práticas

e representações. Ele faz uma conexão entre estas noções e

os modos de ver e de fazer sobre a sociedade.

Em seu livro, Roger Chartier (1991) explica a

distinção que envolve entre o que representa e o que é

representado: “Uma relação decifrável é, portanto,

postulada entre o signo visível e o referente significado –

o que não quer dizer, é claro, que é necessariamente

decifrado tal qual deveria ser”. (CHARTIER, 1991, p. 184).

No caso dos viquingues, eles são os representados através

da iconografia. A Igreja Católica foi a principal

responsável pela difusão da imagem desumana deste povo,

representando, assim, apenas o que era do seu interesse. Os

artistas de óperas do século XIX também foram os

responsáveis pela propagação da imagem inverídica sobre os

19

viquingues, ao representarem-nos utilizando elmos com

chifres.

As representações sociais podem ser individuais

ou coletivas. Ambas podem acabar gerando um efeito prático

na sociedade. Ao produzirem peças de teatro retratando os

viquingues utilizando elmos com chifres, este efeito estava

mostrando apenas a visão dos criadores. Isto é um exemplo

de uma representação individual que gerou um comportamento

coletivo. Esta representação individual não quer dizer que

fosse uma representação fiel dos cidadãos viquingues ou que

a visão de criação do autor representasse a opinião do

público de maneira geral. Isto contribuiu para que apenas

um tipo de imagem construísse a opinião sobre quem eram os

viquingues.

Ainda que não seja intencional, esta atitude

contribui por impor a autoridade e serve de pretexto para

que as pessoas justifiquem suas escolhas. Baseadas nestes

argumentos é que as pessoas vão justificar a razão de ter

certa opinião sobre os viquingues. Chartier realiza um

amplo estudo ao identificar como novas opiniões são

construídas através de como as pessoas se influenciam e

tomam como base as representações.

Chartier ressalta que um dos grandes problemas que

ocorrem ao realizar um estudo da História Cultural é quando

o signo toma o lugar do significado, onde a imagem torna-se

a verdade absoluta do objeto em estudo. Muitas vezes, os

indivíduos não possuem preparação para fazer uma análise

crítica, para questionarem se a referida imagem representa

20

realmente o verdadeiro significado. Em relação aos

viquingues, este é um exemplo cabível, pois a Igreja

Católica medieval construiu uma imagem sobre eles e não

considerou o fato de que a população em geral não

refletiria se tal imagem representava fielmente estes

indivíduos.

Quando representaram os viquingues utilizando

elmos com chifres nas óperas do século XIX, os artistas não

estavam mostrando uma imagem real destes indivíduos, uma

vez que eles nunca utilizaram elmos nestes formatos. Este,

também, não era o pensamento da coletividade em um todo,

mas sim de um pequeno grupo de artistas. Provavelmente, a

população da Europa medieval também não enxergava os

viquingues como pessoas desumanas. Quem difundiu esta

imagem sobre eles foi a Igreja Católica.

1.8 DISCUSSÃO METODOLÓGICA

A pesquisa a ser realizada neste trabalho tem

como objeto de estudo a civilização viquingue e a relação

com a imagem que é construída sobre esta mesma civilização.

Foram realizados os procedimentos de leitura de

livros sobre o assunto; análise destas mesmas obras,

focalizando o que aqui se pretende; investigação de fontes

imagéticas e icônicas, que tratem como eram os verdadeiros

objetos utilizados por estes indivíduos; analise de contos

da mitologia nórdica, focalizando a maneira como os

personagens eram representados. Para todos estes

21

procedimentos, foram realizadas consultas em bibliotecas,

busca por pesquisadores que realizem estudos relacionados

ao tema e acesso a informações virtuais.

Em livros, encontram-se muitas das imagens de

objetos que servirão como fonte neste trabalho. A análise

será feita considerando a autenticidade destes objetos,

cujos meios para tal procedimento serão expostos a seguir;

levantamento da idade destes objetos, verificando se

pertencem ao período estudado e sendo empregados os mais

variados métodos científicos para se chegar a tal resposta,

levando-se em conta que os pesquisadores utilizam o carbono

14 para a referida análise; comparações dos achados

arqueológicos com outros tipos de fontes já estudadas, como

a escrita, a oral e outras fontes icônicas, buscando

identificar assimilações com o que cada uma dessas fontes

informam. É importante destacar, também, a importância do

trabalho dos pesquisadores da área, que realizam trabalhos

reconhecidamente eficientes e são de grande referência a

qualquer estudo sobre o tema em vista.

Os livros analisados são de autores que estudam

a civilização viquingue de um modo geral. Aspectos que

englobam desde a história geral desta civilização,

caminhando para fatos de maior importância científica,

passando por características curiosas como seus hábitos

culturais. No momento em que se realiza o estudo destas

obras, leva-se em consideração a principal pretensão deste

trabalho, que é a desconstrução da imagem equivocada

através de fontes imagéticas. Não basta apenas fazer um

22

estudo e deixar de considerar o objetivo principal. É

preciso sempre ter um objetivo norteador para que o

trabalho tenha um rumo a ser seguido.

A análise das fontes ocorrerá, principalmente, através

das fontes imagéticas e icônicas. Entretanto, também serão

analisadas fontes escritas sempre que estas servirem de

auxílio ao que se pretende nesta pesquisa. As principais

fontes analisadas são de caráter arqueológico, de um local

chamado Vendel, na Suécia. A escolha deste local se deve ao

fato de que ele apresenta abundância de fontes

arqueológicas. Este nome não remete apenas a um local, como

também ao período histórico que será aqui estudado. A razão

da escolha deste recorte de tempo e espaço (Vendel) está no

fato de que o local possui grande abundância em fontes

primárias. Para um trabalho como este é essencial priorizar

a riqueza de fontes.

Para saber a respeito da credibilidade que se

aplica a estas fontes primárias, basta observar que o local

há muito tempo é estudado por pesquisadores da área e é

referência no estudo. É comprovado, cientificamente, que

Vendel foi um local habitado por viquingues. A própria

História ajuda a comprovar isto, pois esta civilização

sobreviveu neste local por muitos anos além da época

estudada aqui, originando seus descendentes. As próprias

pessoas que viveram neste local após os fatos posteriores

aqui estudados, fazem referência a fatos e a cultura em

geral que contribuem a construir a história que é defendida

por muitos, em pesquisa como esta. Portanto, isto serve

23

como fonte e deve ser assimilada a outras fontes que serão

utilizadas neste trabalho, fazendo a complementação e

servindo como uma nova prova de tudo o que aqui se afirmar.

O fato, também, de se tratar de fontes

arqueológicas contribui para uma aproximação e uma noção

ainda maior sobre como eram os objetos que já foram

utilizados por indivíduos viquingues. Esta aproximação com

estes objetos, portanto, compõe a História desta sociedade,

permitindo que exista um contato direto com o que já foi

pertencente à cultura das pessoas que são o centro de

estudo desta pesquisa. Este contato direto também contribui

para a verificação de autenticidade das fontes estudadas.

Logicamente, todo o material que já foi

descoberto ao longo de todos esses anos passou por análises

críticas por pesquisadores. Não basta apenas os objetos

serem encontrados no local, é preciso tomar os devidos

cuidados de um prudente cientista para saber se possuem

autenticidade. De acordo com tudo o que já foi estudado,

pode-se afirmar com segurança que se trata de objetos

autênticos, isto é, objetos que foram realmente utilizados

pela população que ali já viveu.

Outras espécies de fontes que servirão de base

ao trabalho serão as fontes literárias. Todo o material

desta natureza que contribuir afirmando o que aqui se

pretende, será utilizado. Como já afirmado anteriormente,

estas fontes devem trabalhar ao lado das abundantes fontes

imagéticas relacionadas, pois ambas complementam a

24

informação transmitida e servem para formar uma teoria

concreta do assunto estudado.

Estas constatações são realizadas através dos

mais diversos métodos. Métodos como a utilização de

materiais químicos, como o carbono 14, muito utilizado por

cientistas e delimitam com exatidão o tempo, comprovando

que a idade do objeto pertence ao período em questão.

Outros métodos de natureza teórica são os estudos

realizados através da comparação; da pesquisa bibliográfica

de outros estudiosos do assunto; da história oral; entre

outros. Todos estes métodos ajudam a afirmar como eram os

viquingues e como eram os objetos utilizados por eles, como

os elmos. Portanto, servem como complementação as fontes

arqueológicas de Vendel, pois, na teoria, fazem referência

a tudo o que já foi descoberto através da Arqueologia,

afirmando tudo o que estas descobertas já mostraram.

25

2 CONTEXTO HISTÓRICO

2.1 O PERÍODO VENDEL - SUÉCIA

Neste segundo capítulo será analisado o contexto

histórico do momento estudado neste trabalho,

prioritariamente da região que é o objeto de estudo

(Suécia), mas também de outras localidades do mundo (Europa

ocidental, Império Bizantino e regiões muçulmanas) que, de

certo modo, ocasionaram as mais diversas influências entre

si.

O período que abrange meados do século VI a meados do

século VIII é denominado de Período de Vendel (na Suécia).

Este é o período de concentração deste trabalho.

Durante esta época, estavam surgindo centros de poder

regional na Escandinávia, em especial na Dinamarca e “as

entidades políticas do período de Vendel deveriam,

portanto, ser consideradas como a culminação de fatos

precedentes e não como inovações”. (GRAHAM-CAMPBELL, 2006,

p.35). Estes acontecimentos seriam a base de consolidação

para o nascimento de reinos característicos no período

viquingue e a solidificação de reinos dos países

escandinavos.

Na província de Uppland (Suécia) está localizado o

cemitério de Vendel. Os habitantes do local, denominados de

26

suíones, foram enterrados neste local. Dominavam o Báltico e

foram os responsáveis por dar nome ao país (Suécia). No

lago Mälarem está localizado Gamla Upsala, um centro

religioso, com um rico acervo de túmulos funerários.

A população que ali vivia controlava o comércio

em torno do rio Fyrys, sendo também uma importante rota

comercial interligando o norte até os centros do sul. As

famílias residentes do local desfrutavam de amplo poder de

consumo, de acordo com as evidências arqueológicas

encontradas. Objetos como armaduras decoradas, copos de

vidro, objetos de cozinha variados são provas de como a

população local usufruía de seu potencial criativo. “São os

melhores exemplos que temos de um centro real naquela

época”. (GRAHAM-CAMPBELL, 2006, p. 35). Entretanto, no meio

rural, nem todos os setores da sociedade desfrutavam dos

mesmos privilégios, conforme mostra Graham-Campbell (2006):

“por conseguinte podemos supor que a maioria da população

que vivia em estabelecimentos rurais não desfrutava do

mesmo nível de vida ou dos mesmos luxos que os ocupantes

dos cemitérios de Vendel e de Valsgärde”. (GRAHAM-CAMPBELL,

2006, p. 35). Portanto, em certas regiões havia

desigualdades sociais.

Durante este período, vários centros mercantis e

povoados desenvolveram-se. Um exemplo é o de Ahus em Skane,

na Suécia, em meados do século VIII. Os governantes tiveram

um papel essencial para esse desenvolvimento, contribuindo,

juntamente, o artesanato. “A expansão de autoridades

poderosas centrais na Escandinávia durante o período de

27

Vendel conduziu a outros desenvolvimentos, como o

estabelecimento de centros mercantis e de trabalhos de

artesãos”. (GRAHAM-CAMPBELL, 2006, p. 35). Este período

também se destaca por grandes monumentos arquitetônicos que

foram construídos:

Danevirke, uma grande fortificação no Sul dapenínsula da Jutlândia, começou a ser construídapor volta de 737. Devia ser um extraordinárioobstáculo, formado por uma muralha de terrarevestida de madeira por 10 metros de largura,aproximadamente, com um fosso em frente, cujaescavação proporcionou provavelmente a terra para amuralha. (GRAHAM-CAMPBELL, 2006, p. 35).

Das três nações viquingues, a Suécia já

demonstrava que era a de organização mais complexa e

desenvolvida. “No século VIII a diferença entre a Dinamarca

e a Noruega de um lado, e a Suécia de outro, era que a

Suécia já era um reinado organizado e antigo (baseado em

Uppland), suficientemente forte para ocupar-se com a

expansão colonial”. (BRONDSTED, 1960, p. 17). Estavam

expandindo-se para além das fronteiras de países como

Letônia e Estônia.

A ilha sueca de Gotland viu as primeiras embarcações

da grande dispersão germânica. Foi testemunha, também, de

várias outras migrações:

entre os séculos VI e VIII, separada dos Germanosmeridionais, o Norte báltico e atlântico, passoupor uma temporada de isolamento e dedesenvolvimento cultural: quantidades de ouro,emergindo de butim germânico arrancado do mundoromano, foram derretidas e cinzeladas pelos

28

artistas escandinavos em objetos surpreendentes.(LOUTH, 1976, p. 154).

O mundo eslavo entra em contato com o norte do mundo

germânico, introduzindo aos escandinavos uma nova opção de

rota migratória. Segundo Louth: “Essas rotas passam pelas

ondas por onde vão deslizar os navios, esquis negros do campo

dos cisnes”. (1976, p. 154). Este fato proporciona uma

maior interação entre os povos.

Até mesmo as embarcações deste período tornam-se mais

modernas, permitindo o avanço:

é uma ‘revolução náutica’ que vai lançar os Vikingsna direção do Oeste e do Sul. O navio da estela deLoerbo, em Gotland, não tem mais nada em comum comos barcos saxões do século VI, estreitos, afiladose impulsionados a remo. Este navio atinge, derepente, o máximo de eficiência: sua quilhareforçada e seu mastro removível permitem-lhe oalto mar; seu pequeno calado (fundo chato) e seus10 a 30 pares de remos dão-lhe acesso às praias e àsubida dos rios; seu timão lateral em forma de remoserá admirado pelos navegadores modernos. (LOUTH,1976, p. 154).

Os três países nórdicos muito contribuíram para a

origem de todas as sociedades germânicas. Os proprietários

de terra formavam a classe de baendr. Conforme Louth: “entre

eles apoia-se nos chefes de cantão e nos chefes de clã, na

paz e na guerra, sacerdotes do santuário local. No seu hall

com lareira central, no seu assento-elevado de espaldar

esculpido, o chefe comanda um harad” (1976, p. 159). O

hundari refere-se ao conjunto de 120 guerreiros camponeses,

comum entre os Francos, os Anglo-Saxões e os germânicos de

forma geral. As reuniões entre os homens livres (thing)

29

ocorrem ao ar livre e podem ser semanais ou quinzenais, em

ambiente propício a um centro de comunicação. Nos centros

das províncias escandinavas, nasceram as tribos da primeira

Germânia.

Qualquer pessoa que se apresenta ao thing recebe

proteção, algo que os membros consideram como uma espécie

de paz:

a região realiza suas assembleias num local centralconsagrado pelos deuses: o landsthing de Fiônia que sereúne em Odense, santuário de Odin. Para serproclamado, o rei dinamarquês deve subir sobre arocha do Daneryg, no landsthing de Viborg, naJutlândia. O rei sueco, soberano-sacerdote doAntigo Uppsala, é proclamado no thing de Upplandsobre a pedra mágica da campina de Mora. (LOUTH,1976, p. 160).

As realezas unificadoras ainda não existiam na divisão

antiga do território escandinavo. O thing possuía ampla

autonomia para elaborar suas leis e julgar de forma

eficiente:

a única autoridade apoiada nos costumes é o thing declã e de província, que promulga suas leis e julgaas proposições do rei; herdeiro de um Königtum, umarealeza antiquíssima, o thing fundamenta suas funçõesnos seus mitos de proteção comunitária e defecundidade; ele é árbitro, pacificador, porém nãolegisla. Somente em caso de guerra sua autoridade éreconhecida por todos. (LOUTH, 1976, p. 160).

Para defender o litoral e as questões relacionadas à

guerra marítima, o thing comanda o levante em massa (lething).

Os cantões costeiros de Uppland (Roden) oferecem ao rei

30

inúmeros remadores sob o comando do membro mais importante

da família.

A sociedade deste momento é totalmente rural e não há

cidades, sendo centralizada na residência do jarl (chefe

hereditário). Diferente de outras regiões da Escandinávia,

a Suécia apresenta residências de madeira, muitas vezes,

desmontável. Esta característica também é observada em

outras regiões escandinavas. “Nem janelas nem chaminés: um

orifício no teto, protegido por uma bexiga de porco,

esticada num caixilho; contudo, o fazendeiro norueguês tem

a sua badhstôfa (sala de banhos)”. (LOUTH, 1976, p. 161).

Caracteriza-se por um jeito mais próprio de fazer

arquitetura.

No ambiente das fazendas, o ferro é usado junto ao

martelo, lima e pedra de afiar, formando uma espécie de

máquina, a qual as mulheres usam para tecer panos. As

terras em torno das construções possuem um sistema de

aquisições:

em volta das construções, estendem-se as terras queo bondi possui, através de aquisições ou, por herança(quatro ou seis gerações), em ôdhal: este regimearcaico de propriedade plena protege a herdade,contra as divisões e dá ao clã um direito deresgate por preempção, em caso de alienação dosbens. (LOUTH, 1976, p.161).

Os habitantes da Escandinávia, de forma geral, estavam

acostumados a ultrapassar suas fronteiras em busca de novos

territórios. Muitas conquistas foram realizadas por via

marítima, além de haver construções de fortalezas em

regiões estratégicas e cobrança de tributos das populações

31

regionais. Há muito tempo, os nórdicos já influenciavam

outras regiões do Báltico:

as descobertas arqueológicas atestam a presença dedinamarqueses e de suecos nas margens meridionaisdo Báltico desde o século VII. Navios-túmuloencontrados em Uppland provam relações antigasentre a Escandinávia e a Inglaterra, pois continhamobjetos que traziam a marca inegável de influênciasanglo-célticas. (GIORDANI, 1974, p. 31).

A expansão normanda vai ocasionar as mais diversas

influências no Império Carolíngio, o qual será visto

posteriormente. Importante destacar que estas influências

não só ocorreram neste, que foi o maior império da Europa

Ocidental neste momento, como também em outros territórios

que mantinham relações caracterizadas por vários aspectos.

Todas foram testemunhas das consequências deste avanço

normando:

a expansão escandinava possuía, portanto, raízesbem antigas, mas nos fins do século VIII e iníciodo século IX essa expansão sofre um processo deaceleração adquirindo novas dimensões e até mesmorevestindo o aspecto de uma verdadeira explosão quevai sacudir os quadros políticos, sociais eeconômicos da Europa carolíngia. (GIORDANI, 1974,p. 31).

2.2 EUROPA CENTRO-OCIDENTAL

Durante este período, observa-se que diversas partes

do mundo estavam em conflito, muitas vezes, caracterizados

através de conquistas territoriais e submissão de povos que

viviam nestas localidades. Verifica-se que ao se tratar do

32

Império Carolíngio, Carlos Martel disputa territórios com

os árabes buscando o apoio da Igreja. Posteriormente,

Carlos Magno acaba submetendo lombardos e saxões ao seu

domínio para dar sequência as suas grandes conquistas. O

Império Bizantino, ainda com base na influência grega,

buscava se reorganizar e também mantinha uma rivalidade em

relação aos árabes. Em territórios muçulmanos, observam-se

muitas disputas internas entre persas e os califas de

Damasco para obter o controle da região. A civilização

italiana embora estivesse em declínio em vários setores,

via nas artes visuais um amplo desenvolvimento com o

florescimento da arte românica. Os árabes estavam situados

em diversas regiões, tanto na disputa pelas formas de

poder, quanto no auxílio do desenvolvimento social e

econômico.

Desde o início do século VIII, observa-se que a Europa

Ocidental é uma região marcada por instabilidades,

fragmentação territorial, de aristocracia inculta, entre

outras características. Crouzet explica sobre essas

características básicas deste período: “Diretamente

ameaçada pela expansão do Islã, a Europa Ocidental, no

início do século VIII, é uma região selvagem onde, afora

alguns refúgios isolados, os últimos vestígios da cultura

antiga acabam de corromper-se”. (CROUZET, 1964, p. 124). A

aristocracia buscava aumentar o seu poder durante esta

época na Europa: “Uma terra de violência, dominada por uma

aristocracia inculta, turbulenta, ávida de prazeres

grosseiros e que poder algum consegue disciplinar”.

33

(CROUZET, 1964, p. 124). Essas características contribuem

para os fatos posteriores.

No presente trabalho, a importância de se analisar

impérios como o Carolíngio está no fato de que, além de ser

o maior e mais influente império europeu do período, também

influenciou a História da expansão dos povos nórdicos, como

será visto em seguida. Esta importância também se posiciona

a outros impérios, como o Bizantino e o Persa. Em relação à

civilização italiana, sua contextualização é importante

para se analisar a presente situação deste que, em outros

tempos, havia sido um dos maiores impérios do mundo. Não se

pode deixar de verificar a importância do contato dessas

civilizações com outros povos, como os lombardos, árabes e

ibéricos, influenciando a essência da História de cada um.

Portanto, percebe-se a inter-relação entre estas

civilizações, tornando, por muitas vezes, sua História

homogênea e buscando a maior abrangência possível.

Apesar de ser uma referência como centro

intelectual, a Inglaterra encontra-se desunida, fragmentada

em frágeis reinos. O prefeito do paço da Australásia,

Pepino de Herstal, consegue submeter as três províncias

francas ao seu domínio. Porém, a Gália do Norte é uma

região em declínio, incluindo sua característica

eclesiástica, fracassando qualquer esperança de restauração

política. Já no reino lombardo, encontra-se uma resistência

de duques hereditários em aceitar uma monarquia sem

recursos e que tenta erradicar as possessões bizantinas.

Mesmo o pontificado estendendo a sua influência ao

34

Ocidente, existe a também influência dos patriarcas de

Constantinopla e a grande força dos imperadores locais.

Ocorrem invasões em todas as regiões do continente.

“Ao norte, é devastada pelas incursões periódicas de bandos

pagãos provenientes da Frísia e do Saxe; a leste os avares,

instalados na Panônia, ameaçam a Venécia, cujas populações

buscaram refúgio nas lagunas”. (CROUZET, 1964, p. 125). O

Ocidente percebe a necessidade de união para combater estas

diversas invasões e, assim, contribuir para a mudança do

quadro político da Europa. Crouzet enfatiza estes fatos:

“Formavam-se laços, que se estreitariam durante o século

VIII, entre os chefes da aristocracia franca, os sábios

missionários da Grã-Bretanha e o pontificado, que procurava

libertar-se da pressão bizantina”. (CROUZET, 1964, p. 125).

Desta forma, os territórios estariam fortalecidos e melhor

protegidos de possíveis invasões.

2.3 O IMPÉRIO CAROLÍNGIO

A origem deste império vem de uma família de

grandes extensões territoriais da região do rio Mosa. Após

a maior parte do território estar dividida, os reis da

dinastia merovíngia haviam perdido seu poder e não tinham

qualquer participação no governo. Outra família, dona de

muitas terras na região oriental do Estado franco, via o

seu poder ampliar. Era a família dos Carlovíngios ou

Carolíngios. “No tempo dos ‘reis vagabundos’ ocuparam eles

a mais alta dignidade na corte, a de mordomos do palácio.

35

Os mordomos comandavam o exército, administravam a coleta

de impostos e a divisão de terras”. (KOSMINSKY, 1960, p.

22). Estes reis tinham os nobres como aliados.

Em 714, Carlos Martel assume o poder,

substituindo Pepino de Herstal. Ele tem o apoio de seus

fieis, domina as revoltas e a região da Nêustria (norte da

França). Crouzet conta outros detalhes sobre estas

dominações: “detém no Poitou, em 732, a expedição do emir

da Espanha, surgindo após esta vitória, como o salvador da

cristandade latina; outras campanhas fecham aos muçulmanos

as rotas do norte”. (1964, p. 125). No confronto do ano de

732, os francos apresentaram resistência frente aos ataques

árabes. Os árabes reconheceram sua derrota e retiraram-se

do local. “Depois dessa derrota, deixaram de atacar as

terras dos francos. A vitória de Poitiers fortaleceu ainda

mais o poder de Carlos Martel” (KOSMINSKY, 1960, p. 23).

Para o controle dos condados da Gália, Carlos coloca cada

um aos cuidados de homens de sua confiança.

Sobre os territórios escandinavos, Carlos Martel marca

sua presença e inicialmente trava um conflito político,

especialmente na região do Estado frísio (Dinamarca):

em 734, Carlos Martel destrói o Estado frísio e seapossa dos centros comerciais do mar do Norte; emrevide, os navios dinamarqueses invadem a região.Porém, quando os Francos, tendo dominado e vencidoa resistência da Saxônia, tentam, em seguida imporà Nordalbingia (Holstein) seu regime fundamentadona conversão pela força, o rei dinamarquês,Godofredo, mobiliza o seu povo para construir, àtoda pressa, uma muralha de proteção, impedindo oacesso ao istmo da Jutlândia: o “muro daDinamarca”. (LOUTH, 1976, p.162).

36

Esta obra só foi concluída em 808. A conquista de

Carlos Martel beneficiou a expansão da Dinamarca: “É

interessante notar que essa conquista facilitará a expansão

dinamarquesa no sentido oeste, pois torna vacante a

primazia comercial sobre o Mar do Norte”. (GIORDANI, 1974,

p. 33). Em 810, os dinamarqueses chegam ao litoral do

império franco, ampliando, assim, o grau de interação entre

estes povos.

Carlos conta, também, com o auxílio de

missionários para ajudá-lo a dominar a região da Germânia.

Crouzet explica melhor: “Enfim, compreendendo que, para

submeter à Germânia, deveria civilizá-la e convertê-la,

concede o apoio de sua força aos missionários anglo-

saxônicos”. (1964, p. 125). Os guerreiros eram obrigados a

prestar serviço militar no corpo de cavalaria. “As terras

que se davam como recompensa do serviço militar prestado

chamavam-se benefícios e os guerreiros que as recebiam

denominavam-se vassalos”. (KOSMINSKY, 1960, p. 24).

Posteriormente, os vassalos possuíram uma posição estática

na sociedade do Estado franco, tornando-se a força militar

e posicionando-se acima dos simples agricultores. A força

desses militares não serviu somente em guerras contra os

inimigos, mas também para levar os camponeses livres à

servidão.

Houve momentos onde Carlos Martel necessitou

tirar da Igreja parte de suas terras, para adquirir maior

força militar. “Não o fez, porém, por hostilidade a ela,

pois que ela sempre apoiou o poder. Durante o seu governo,

37

o clero continuou gozando de situação privilegiada”.

(KOSMINSKY, 1960, p. 24). Estes fatos contribuíram para a

ampliação do poder dos carolíngios, fortalecimento do poder

militar dos francos e a abertura para novas conquistas.

Em 747, Pepino, o Breve, sucede Carlos Martel no trono

Carolíngio. “A fim de consolidar seu poder, Pepino pediu

ajuda do bispo de Roma, considerado chefe da Igreja, e que

tinha a denominação de Papa”. (KOSMINSKY, 1960, p. 24). O

Papa considerou que o poder deveria ser de quem o

detivesse.

Pepino transfere o último rei merovíngio para um

convento e torna-se o rei dos francos no ano de 751. Em

754, o Papa renova a unção e estende o poder aos filhos de

Pepino, seus futuros sucessores. “Esta cerimônia sela a

aliança entre o rei franco e o bispo de Roma e,

imediatamente, Pepino concede ao pontificado seu auxílio

militar”. (CROUZET, 1964, p. 126). Durante este período, os

lombardos detinham o domínio da maior parte da Itália. O

Papa necessitou da ajuda de Pepino para retirar dos

lombardos a posse das terras. A ajuda foi bem-sucedida e a

Igreja passou a obter a posse das terras. “Correspondia

isto a dispor ilegalmente, ao mesmo tempo, das antigas

possessões bizantinas e de uma dignidade que apenas os

imperadores podiam conceder; mas tais iniciativas fundaram

o poder temporal do pontificado”. (CROUZET, 1964, p. 126).

A partir destes fatos, o papado necessitaria recorrer

frequentemente à proteção franca e seriam construídas as

bases para a restauração do Império do Ocidente.

38

O apogeu do Estado franco ocorreu durante o

reinado do filho de Pepino, Carlos Magno (768-814):

todo o seu governo transcorreu em guerras. Nãoretrocedia ante os malogros passageiros e foiempreendendo novas e novas campanhas para subjugaras tribos ainda não submetidas. Carlos Magnoparticipou pessoalmente de trinta campanhas.(KOSMINSKY, 1960, p. 25).

Carlos Magno sempre serviu de referência a seus

contemporâneos, tamanho legado deixado. Durant faz um breve

relato sobre a vida deste soberano: “O maior dos reis

medievais nasceu em 742, em lugar desconhecido. Era de

sangue e língua germânicos e possuía alguns característicos

do seu povo – força corporal, coragem de espírito, orgulho

de raça”. (1957, p. 249). Ele conquista territórios em

diversas partes da Europa.

Inicia uma nova guerra contra a coroa lombarda e

apodera-se de suas terras. A Itália passa a ser submetida

ao domínio franco. Outro território que sofreu sua

dominação foi a Germânia cristã. Houve também conflitos

para tomar as terras dos árabes, conforme afirma Kosminsky:

“Os francos recomeçaram sua luta contra os árabes e

conquistaram as terras que ficavam a oeste dos montes

Pirineus, inclusive a cidade de Barcelona. Com essas terras

formou-se uma região à parte, que foi denominada de Marca

Hispânica”. (1960, p. 26). Nascia, assim, uma nova

localidade.

Na região leste, Carlos Magno iniciou uma guerra

que duraria trinta anos, contra tribos germânicas de

saxões, considerados pagãos. A população ali residente era

39

livre e vivia sob o sistema de clãs. “Carlos Magno queria

apoderar-se de seus territórios e transformar os saxões

livres em servos da gleba, porém eles lhe opuseram uma

tenaz resistência. Carlos Magno os derrotou mais de uma

vez”. (KOSMINSKY, 1960, p. 26). Os saxões apresentavam

resistência e muitas vezes usavam de rebeldia para com o

exército de Carlos Magno.

Visando enfrentar a resistência dos saxões,

Carlos Magno utiliza a influência da Igreja e converte-os à

força ao cristianismo, além de elaborar leis cruéis.

Kosminsky fornece mais detalhes sobre como eram estas leis:

“Considerava-se delito não somente a luta contra os francos

mas também qualquer repúdio ao cristianismo. A adoração dos

deuses saxônicos ou a falta de cumprimento dos ritos

cristãos eram ameaçados com a pena de morte”. (1960, p.

26). Ele propôs aos vencidos a escolha entre o batismo e a

morte, mandando executar a vida de quatro mil e quinhentos

saxões em um único dia.

Conseguiu estreitar as relações com a nobreza

saxônica, de forma a levar benefícios a ambos os lados.

Isto se deu através da repartição de terras e ao poder

concedido aos saxões livres. Houve o advento da religião da

parte da nobreza, conforme relata Kosminky: “A nobreza

adotou o cristianismo e apoiou Carlos Magno. Não obstante,

somente em princípios do século IX é que os saxões foram

completamente subjugados”. (1960, p. 26). Estava bem-

sucedida mais uma campanha de Carlos Magno.

40

Em 777, o rei franco também presta auxílio para

o governador de Barcelona, Ibnal-Arabi, contra o califa de

Córdoba. “Carlos conduziu um exército através dos Pirineus,

sitiou e tomou a cidade cristã de Pamplona, tratou os

cristãos mas incontáveis bascos do norte da Espanha como

inimigos e avançou até Saragoça”. (DURANT, 1957, p. 250).

Porém, nem tudo ocorreu como era de se esperar. As forças

de Carlos Magno estavam ausentes de auxílio para lutar

contra Córdova. Os saxões conquistados estavam a caminho de

Colônia, fazendo seu exército retroceder. Em Roncesvalles,

na Navarra (nordeste da Espanha), uma força de bascos

atacou e matou quase todos os homens do exército franco.

Neste fato, ocorreu um episódio curioso, conforme conta

Durant: “Ali morreu o nobre Hruodland (Rolando), que três

séculos depois se tornaria o herói do poema mais famoso da

França – a Chanson de Roland”. (1957, p. 250). A partir de

795, a Marca Espanhola (nordeste da Espanha) torna-se parte

da Francia. Regiões como a de Barcelona, Navarra e Astúrias

(norte da Espanha) reconhecem o domínio franco. Saxões e

eslavos também reconheceram sua dependência perante ele e

os ávaros também estavam derrotados.

A paz finalmente estava selada e estas

expedições tiveram como consequência o aumento do

território do Estado franco. “Estava integrado pela maior

parte do que tinha sido o Império Romano do Ocidente.

Carlos Magno era o soberano mais poderoso da Europa”.

(KOSMINSKY, 1960, p. 27). No ano de 800 foi coroado pelo

Papa com o título de imperador. A unidade política e

41

espiritual do Ocidente estava restaurada desde quando havia

sido interrompida em 476, quando os bárbaros tomaram Roma.

O Império Ocidental é reconhecido por Bizâncio doze anos

depois.

Até este momento, observa-se que as riquezas da

família carolíngia e a ascensão do Estado franco tornaram

viável a reestruturação do Ocidente europeu. Entretanto,

observa-se que nem todas as estruturas sofreram demasiadas

modificações, conforme registra Crouzet: “Os elementos

materiais, as tendências econômicas, as estruturas sociais,

não foram sensivelmente modificadas; neste domínio chega a

seu fim a secular evolução que, até agora, fora o principal

fator da decadência”. (1964, p. 127). Os órgãos políticos

desempenharam um importante papel para restabelecer a ordem

e a unidade. “Assim, criou-se um clima propício ao

desenvolvimento e à difusão dos renascimentos culturais já

esboçados no fim do período merovíngio: intelectual nas

regiões anglo-saxônicas, artístico na Gália do Norte”.

(CROUZET, 1964, p. 127). O progresso segue rumo a várias

regiões como as antigas províncias francas. Todos estes

fatores influenciaram outras regiões da Europa Ocidental.

O grandioso império de Carlos Magno não durou para

sempre. Os grandes senhores feudais possuíam o controle

para a sua manutenção. “Cada um deles era absoluto em seus

domínios: julgava, recebia em seu proveito os impostos,

tinha sua própria força militar, seus vassalos armados”.

(KOSMINSKY, 1960, p. 31). Os senhores feudais aceitavam a

submissão ao imperador, assim como as ordens determinadas

42

por ele. Porém sempre visavam momentos para garantir uma

liberdade maior. Com a morte de Carlos Magno em 814, os

senhores passaram a desconsiderar as ordens de seus

sucessores, enfraquecendo assim o sistema.

2.4 O IMPÉRIO BIZANTINO

Após uma série de acontecimentos em todo o império,

Bizâncio já não é a mesma cidade apresentada ao mundo

quando ocorreu a queda do Império Romano do Ocidente.

Procura, neste momento, uma reorganização interna, tendo

que conviver com uma crise religiosa que toma conta das

províncias.

Vários territórios estavam sendo perdidos para outras

dominações, principalmente na região da Itália. Em seguida,

a região da Sicília é que sofrerá a perda. Em alguns casos,

as perdas não foram vistas com maus olhos, pois algumas

possessões mais distantes geravam mais prejuízos que

lucros. “Nos Balcãs, o perigo búlgaro, ao sul do Baixo

Danúbio, após 750, assume aspecto particularmente grave. No

resto da península fixaram-se os eslavos para a Ásia Menor,

e de asiáticas para a Grécia e a Trácia”. (CROUZET, 1964,

p. 119). Em 718, ocorre o Cerco de Constantinopla pelos

árabes, episódio que ocasionou baixas territoriais para o

Império Bizantino. “No império, reduzido, em suma, à

periferia do Mar Egeu, o elemento grego ou ‘grecizado’

readquire maioria, esmaecendo ao mesmo tempo a variedade

étnica”. (CROUZET, 1964, p. 119). Percebe-se que a

43

influência grega conseguiu resistir mesmo em meio a várias

transformações.

Diferentemente de outras fases, agora a mão-de-obra é

ampla e encontra-se disponível, porém o número de terras

para abrigar os trabalhadores é que mostra-se pequeno.

Crouzet enfatiza sobre o lugar que as pequenas propriedades

estavam assumindo: “Parece, embora não possamos distinguir

as modalidades, que os grandes domínios recuaram

parcialmente diante da extensão da pequena propriedade,

muito útil, de resto, à organização militar”. (1964, p.

119). A Lei Agrária foi de fundamental importância para a

ocupação das terras nesta etapa do século VIII. Havia

influência de comunidades eslavas: “faz-se, aí, alusão a

coletividades rurais em que certos historiadores viram a

influência de comunidades eslavas, numerosas, agora, no

campesinato”. (CROUZET, 1964, p. 119). É importante

destacar que mesmo a pequena propriedade exercendo

influência, não contribuiu para a redução dos grandes

domínios laicos e clericais. “A simples acumulação em mão-

morta dos donativos dos fieis, o desejo, acentuado pelas

provações, de desviar a cólera divina e colocar os bens

materiais sob a salvaguarda das Igrejas, enriqueciam os

temporais religiosos”. (CROUZET, 1964, p. 119). O clero

secular não estava inserido sob esta função de salvaguarda

e o poderio material crescia diante de toda a sociedade

cristã.

A instância civil tinha uma responsabilidade direta em

administrar as províncias, “por maiores que fossem as

44

interferências provocadas pelas operações militares”.

(CROUZET, 1964, p. 120). As manutenções administrativas

deveriam ser executadas sempre pelo governo, mesmo quando o

exército permanecia um tempo extenso em certa área. Um

grupo de exército era o responsável por uma determinada

parte do território, denominada circunscrições militares ou

temas, cujo comandante tinha a responsabilidade de

administrá-la. “Além disso, o exército é automaticamente

mantido no território de seu acantonamento, não mais

mediante requisições administrativas, mas por meio da

concessão de soldados, em plena propriedade, de lotes de

terra que eles cultivavam”. (CROUZET, 1964, p. 120).

Utilizavam este sistema, também, para sustentar suas

famílias.

As rivalidades entre muçulmanos e bizantinos foi

sentida também na economia. Crouzet revela em maiores

detalhes: “A muçulmanização da moeda do Califa e das

fábricas do Estado, como a do papiro, as medidas islâmicas

de desconfiança contra os cristãos de rito grego, talvez

levassem os basileisa represálias”. (1964, p. 120). Bizâncio

ainda possuía o domínio dos mares. Os imperadores da

dinastia isáuria tiveram de ceder o comércio que mantinham

com parte da Ásia, em detrimento de determinados setores,

como o de mercadores e proprietários de Constantinopla.

“Pelo menos quiseram proibir a seus rivais dos Estados

muçulmanos qualquer exportação direta para a Europa,

assegurar a Constantinopla e a alguns outros entrepostos

sob controle bizantino, o monopólio de trânsito”. (CROUZET,

45

1964, p. 120). Ou seja, visavam impedir o comércio

muçulmano com o restante do continente europeu. Entretanto,

os resultados posteriores não foram satisfatórios e

serviram como desvantagens para Bizâncio. Havia garantia de

abastecimento para Constantinopla, porém o comércio com o

Mediterrâneo ocidental entrou em recessão.

Várias teorias já foram elaboradas a respeito da

influência do Islã em relação ao declínio do comércio no

Mediterrâneo. Muitas dessas teorias já foram refutadas,

pois observa-se que os muçulmanos ajudaram a impulsionar o

comércio em outras regiões. “De resto, o declínio do

tráfego entre o leste e o este do Mediterrâneo é muito

anterior à irrupção do Islã, que não acentuou

sensivelmente”. (CROUZET, 1964, p. 121). O enfraquecimento

do comércio é ocasionado tanto por fatores que ocorrem no

Ocidente, como por restrições da política bizantina; a qual

mantinha sob constante vigilância os portos colocados sob

seu domínio. Ao decorrer do século VIII, Bizâncio mantêm

relações comerciais com a Itália Meridional e regiões do

Adriático. “De seu lado, o Ocidente muçulmano era ainda

demasiado jovem e rude para traficar ativamente com o

Oriente Próximo”. (CROUZET, 1964, p. 121). Isto só

ocorreria a partir do momento em que o Islã estivesse em

contato com as ilhas do Mediterrâneo, feito que só

ocorreria posteriormente.

2.5 CIVILIZAÇÃO ITALIANA

46

Apesar de a cultura bizantina ter influenciado a

região oriental e meridional da Itália, o restante do

território criava uma cultura nova, descendente de Roma.

Mesmo em meio a várias mudanças, essas características

nunca foram totalmente perdidas. Aspectos como a língua

italiana, a religião e a arte estavam adaptados aos novos

tempos, nunca haviam deixado de existir. As cidades não

haviam sido ofuscadas pelo crescimento do campo e o

comércio ainda era um dos pilares da economia, mesmo o

império não mais possuir o poderio de antes.

Roma, que em outros tempos havia sido uma cidade

imponente, agora estava em declínio. “O seu senado perecera

na guerra gótica; suas antigas instituições municipais,

depois de 700, tornaram-se instrumentos inócuos e sonhos

rebeldes” (DURANT, 1957, p. 242). A população estava muito

heterogênea e não concordava com certas práticas que eram

realizadas dentro da Igreja, como as esmolas papais. As

famílias mais nobres tentavam disputar entre si o controle

do papado e até mesmo o controle de Roma. A ordem social

era mantida pelos conselhos eclesiásticos, sermões e por

pessoas instruídas pela Igreja, como os monges.

Embora o cenário não fosse semelhante a Roma dos

grandes imperadores da Antiguidade, outras atividades

conseguiram desempenhar um grande desenvolvimento. Uma

delas foi a arte, com a criação do estilo românico (774).

Este estilo era marcado pelas paredes grossas das

basílicas, composta por torres e de pilares e colunas

sustentando o teto. “O arco românico característico era um

47

semicírculo simples, uma forma de nobre dignidade, melhor

adaptado para abarcar um espaço do que suportar um peso”.

(DURANT, 1957, p. 243). O românico era um estilo

genuinamente romano. Diferenciava-se por visar à

estabilidade, ao contrário do gótico que buscava a

elevação. Buscava também levar a alma humana a uma

humildade, em tentativa de aproximar o homem do céu.

2.6 OS LOMBARDOS

Os povos germânicos que viviam nesta região sofreram a

conquista lombarda. Desta forma, os lombardos deixaram sua

marca em vários aspectos da cultura do povo submetido,

entre eles na língua italiana. Houve um ressurgimento do

comércio no vale do Pó e as cidades da região norte da

Itália estavam crescendo e enriquecendo, tanto artística

como belicamente. Entretanto, a literatura não se

desenvolveu. Somente um único livro sobreviveu desta época,

datando de 748: “História dos lombardos”, de Paulo, o

diácono. Seu conteúdo é considerado pobre. Outras grandes

contribuições lombardas podem ser vistas na arquitetura e

finanças. “Os construtores haviam conservado algo de sua

velha organização e habilidade romana; um grupo, os magistri

Comacini, ou senhores de Como, tomou a dianteira na criação

de um estilo “lombardo” de arquitetura”. (DURANT, 1957, p.

235). Este estilo, posteriormente, transformaria-se no

românico, um dos mais conhecidos da Idade Média.

Em 751, o rei Astolfo ocupa Ravena e derruba o

48

exarcado bizantino. “Como o ducatus Romanus (ou ducado de

Roma) tinha estado legalmente sob o governo do exarca,

Astolfo reclamou Roma como parte do seu reino ampliado”.

(DURANT, 1957, p. 236). O Papa Estêvão II solicita a ajuda

de Constantino Coprônimo. Este, por sua vez, tenta um

acordo com Astolfo. Como não havia uma solução a caminho,

Estêvão solicita ajuda de Pepino o Breve. Este, como

possuía interesse nas referidas terras, tratou de ajudar.

“Pepino cruzou os Alpes, bateu Astolfo, fez da Lombardia um

feudo franco e deu toda a Itália central ao papado”.

(DURANT, 1957, p. 236). Embora a suserania dos imperadores

orientais não tivesse sucumbido, a autoridade bizantina

tinha se encerrado no norte da Itália. O Papa Adriano I

reagiu à tentativa do rei lombardo Desidério de restaurar a

independência e as conquistas da Lombardia, através da

ajuda de Carlos Magno. Este rei franco interna Desidério em

um mosteiro e transforma o reino lombardo em uma província

dos francos em 774.

2.7 IMPÉRIO PERSA

A dinastia omíada teve sua desintegração em 750. Pode-

se notar que isto caracteriza uma revanche dos persas

contra os Omíadas de Damasco, os quais haviam assimilado a

cultura e até mesmo a forma de governar dos sírios de

Bizâncio, inimigos do Império Persa.

Novos são os adeptos da religião, entre as populações

submetidas, algo que era muito improvável de ocorrer:

49

entre os protegidos (ou infiéis), alguns foramconquistados pela atração de uma religião simples,forte, conquistadora e de uma lei claramenteafirmada; muitos também desejavam escapar à suacondição inferior, ter sua parte de glória eespólio. (HEERS, 1974, p. 297).

Havia também um interesse especial sobre estas

conversões: a isenção de impostos sobre os novos fieis. Os

califas, logicamente, se opuseram aos grandes números de

conversões.

Os persas, entretanto, não abandonaram sua cultura do

passado e estavam contra os califas de Damasco, tentando

impor-se ao Império. Um dos pontos que marcam esta oposição

é a lembrança de acontecimentos como o massacre de Ali e de

Hosaín, eclodindo em 747; “a revolta parte de Merv e do

Khorassan onde os árabes, quando da conquista um século

antes, haviam encontrado, a mais firme resistência, onde,

também, se haviam refugiado numerosos adeptos de

Zoroastro”. (HEERS, 1974, p. 297). Khorassan será o palco

da luta. A derrota omíada ocorre na batalha do Grande Zab,

Pérsia, em 750.

A vitória só foi realmente aproveitada pelos

descendentes de Abbas, tio de Maomé. Os abássidas inauguram

uma nova dinastia, tendo como primeiro califa Saffah. “O

novo califa depende tão estreitamente de seus aliados

persas, de suas tropas fieis, que numerosos historiadores

falam dos Abássidas como sendo uma dinastia khorassaniana”

(HEERS, 1974, p. 298). Saffah estabelece a nova capital nas

margens do rio Eufrates em Hashimya, distante de Kufa e de

Bassorah. O segundo califa, Al-Mansur, transfere a capital

50

para outro local as margens do rio Tigre. Em Bagdá, cidade

que era um vasto campo militar, um grande número de

operários trabalhava para defender o grande palácio do

califa.

Embora os califas sejam considerados senhores

absolutos, eles transferem várias funções do governo ao

vizir, o qual, também é muito respeitado e um soberano.

Heers explica melhor quem era o vizir: “O vizir controla

tudo, administra as províncias, supervisiona o correio e a

guarda, deixando ao califa somente o comando do exército.

Um duplo governo, militar de uma parte, civil de outra, se

estabelece através de todo o Império”. (1974, p. 298). Os

vizires conseguem garantir a hereditariedade de suas

funções. Um exemplo ocorre com a família dos Barkhamidas, a

qual consegue uma longa estadia no governo, habitando em

seu grande palácio em Bagdá:

mesmo após a queda dos Barkhamidas, provocada em803 por uma violenta reação do califa, Harun-al-Rachid (789-809), um forte partido persa impõe-sesempre em Bagdá e no Império: guerreiros doKhorassan, letrados e funcionários. (HEERS, 1974,p. 298).

O legado cultural do Irã nesta região é muito vasto.

Muito dos conhecimentos de artesanato, literatura,

engenharia e as artes de forma geral foram desenvolvidas

por eles.

2.8 NORTE DA ÁFRICA

Os califas enfrentavam sérias oposições para

51

conseguirem impor seu poder de dominação. Durante as

primeiras fases do califado no Ocidente era permitido aos

berberes recém-convertidos não concordar com a política dos

árabes, se assim preferissem. Em 755, um membro dos omíadas

atinge a Espanha e se proclama emir de Córdova,

independente de Bagdá. Porém, posteriormente, Bagdá seria

obrigada a identificar a autonomia destes governos,

conforme conta Heers: “Bagdá devia reconhecer, senão a

independência, ao menos a autonomia dos governadores

aglábidas de Kairuan que fundam então um novo Estado na

Tunísia, saqueiam as costas da Córsega e da Sardenha”

(1974, p. 299). A Sicília também seria alvo destas

conquistas.

Os berberes atacam Kairuan e fundam reinos como

Tafilalet, Tlemcen e Tiaret. Todos na região norte da

África. Idris, que possuía laços familiares com Ali,

abriga-se em Maghreb, entra em conflito com os povos

pagãos, judeus e cristãos e toma Tlemcen. Faz outra

importante realização: “por volta do ano 790, constrói a

cidade de Fez, no coração de um novo reino berbere de

religião chiita que logo se estende por todo o Marrocos”.

(HEERS, 1974, p. 299). A religião muçulmana estabelecida no

Ocidente, a partir do século IX, não possuirá vínculos com

o Império.

2.9 O ISLAMISMO NA PENÍNSULA IBÉRICA

52

Os mouros conquistaram a Espanha antes dos

árabes, comandados pelo exército de Tariq, através do

Estreito de Gibraltar. “Tariq fora enviado à Espanha por

Musa ibn Nusayr, governador árabe da África do Norte. Em

712, Musa cruzou com 10.000 árabes e 8.000 mouros o

estreito e sitiou e subjugou Sevilha e Merida”. (DURANT,

1957, p. 15). Musa entregou o título de governador de

Sevilha a seu filho, Abdal-Aziz. Porém, novos fatos

confirmam a instabilidade no governo, conforme atesta

Durant: “Suleiman, irmão de Walid, suspeitou que ele

estivesse conspirando para tornar-se soberano independente

da Espanha e enviou assassinos para matá-lo. A cabeça de

Abdal-Aziz foi levada a Suleiman, agora califa em Damasco”.

(DURANT, 1957, p. 15). Musa acabaria falecendo, tamanha sua

mágoa.

Os vencedores permitiram uma ampla liberdade aos

vencidos, raras vezes vista, de forma a autorizar a

manutenção de seus cultos religiosos e não submeteram a uma

taxa maior que a cobrada anteriormente por visigodos. Os

muçulmanos tinham a pretensão de entrar na Gália e

transformar o continente europeu em uma província de

Damasco. “Entre Tours e Poitiers, a mil milhas ao norte de

Gibraltar, foram enfrentados pelas fôrças combinadas de

Eudes, duque da Aquitânia e Carlos, duque da Austrásia.

Após sete dias de luta, os muçulmanos foram derrotados”.

(DURANT, 1957, p. 15). Em 735, os muçulmanos tomam Arles

(região da França) e em 737, Avignon (França). Pepino o

Breve será o responsável por exulsá-los, em 759.

53

Até 756, a Espanha era somente um distrito de

Andaluzia e governada por Kairuan. "Mas em 755 uma figura

romântica desembarcou na Espanha, armada somente de sangue

real, destinada porém a estabelecer uma dinastia que

rivalizaria em riqueza e glória com os califas de Bagdá”.

(DURANT, 1957, p. 15). Em 750, os Abássidas ordenaram a

morte dos príncipes da família omíada. Abd-er-Rahman, neto

do califa Hisham, foi o único sobrevivente. Sofrendo

ameaças, ele foge até ao Marrocos. “A notícia da revolução

abássida havia intensificado a rivalidade facciosa de

árabes, sírios, persas e mouros na Espanha”. (DURANT, 1957,

p. 16). Um grupo árabe simpatizante dos omíadas e receosos

em relação ao califa abássida, propôs que Abd-er-Rahman os

comandasse. Abd-er-Rahman aceita a proposta e, assim,

torna-se emir de Códova em 756. Conseguiu obter vitória

sobre o exército do califa al-Mansur.

54

3 ANÁLISE DE FONTES

Neste terceiro capítulo será desenvolvida a análise da

empiria disponível. As fontes as quais se tem acesso e

serão aqui analisadas são: um elmo do período Vendel,

acessório o qual foi encontrado em uma embarcação-túmulo;

um elmo de Sutton Hoo (região inglesa), o qual, conforme

estudos, foi confeccionado na Suécia; monumento de

Runestone de Sanda I, localizado em Gotland (Suécia);

imagem medieval onde viquingues são mostrados em navegação;

Tapeçaria de Bayeux, onde é possível observar cenas da

conquista normanda da Inglaterra por Guilherme I; espadas

localizadas em Vendel; sagas da literatura nórdica,

55

adaptadas pelo historiador e escritor Lars Haraldson: O

matador de dragões; Alvis, o elfo pedante; e Gefion, a

saltimbanca. Em um primeiro momento, serão analisadas as

fontes materiais, ou seja, os referidos elmos para que se

possa ter uma visão abrangente sobre o assunto; em um

segundo momento também serão analisadas as fontes

materiais, entretanto, estas fontes serão o monumento

Runestone, a Tapeçaria de Bayeux, onde são representados

indivíduos viquingues e as espadas de Vendel; por fim a

discussão que aqui se pretende encaminha-se em mostrar as

características mais íntegras de alguns personagens dos

três referidos contos adaptados das sagas nórdicas acima

citadas.

Conforme afirmado no primeiro capítulo, a construção

da imagem que se tem sobre os viquingues foi elaborada por

grupos específicos. Com base nas análises da empiria, este

capítulo servirá para mostrar que esta imagem que já foi

construída não passa de uma visão equivocada. Nesta etapa

do trabalho, poderá se compreender de forma mais ampla a

civilização composta por estes indivíduos. As fontes aqui

analisadas, em sua maioria, são de regiões e períodos já

citados no segundo capítulo, mostrando assim sua

importância para a análise e, também, como fatos que

ocorreram em diferentes regiões no mesmo período

proporcionaram as mais diversas influencias.

Após muitos estudos sobre os indivíduos viquingues,

percebe-se que muitos conceitos formulados sobre eles são

opiniões errôneas ou que apresentam apenas uma visão de

56

determinado ângulo. Um bom exemplo ocorre quando foram

representados, tanto pela Igreja Católica medieval quanto

em óperas do século XIX, utilizando elmos feitos de cornos.

Já foi defendido neste trabalho que esta é uma imagem

distorcida sobre os indivíduos desta civilização. Numerosos

estudos já foram realizados e vários pesquisadores

concordam que os elmos de cornos nunca foram acessórios

viquingues. Esta afirmativa é defendida por Brondsted

quando ele explica melhor sobre como era o formato dos

verdadeiros capacetes viquingues: “A armadura de malha e o

capacete eram usados somente pelos nobres, e apenas

restaram fragmentos, provavelmente de couro, de formato

aproximadamente cônico”. (1960, p. 100). Portanto, percebe-

se a ausência de cornos em seus elmos.

Realizando o estudo da análise de fontes materiais,

observa-se na figura 1, o elmo encontrado em uma

embarcação-túmulo do século VII, em Vendel:

Figura 1 – Elmo de ferro do período Vendel.

57

Fonte: Museu de Imagens, 2014.

Como se pode perceber, este elmo não é feito de

cornos. Conforme estudos realizados nas sepulturas de

Vendel, trata-se de um elmo autêntico, portanto sua

veracidade pode ser creditada para afirmar o que aqui se

pretende. O autor Graham-Campbell faz uma descrição sobre o

referido objeto: “Um capacete de ferro, com adornos de

bronze, encontrado numa embarcação-túmulo do século VII, em

Vendel: tem uma proteção para os olhos e o nariz em forma

de máscara”. (2006, p. 35). Conforme estes estudos, o autor

também afirma que viquingues não utilizavam capacetes da

forma como muitos imaginam: “Os capacetes vikings – que não

tinham chifres – teriam sido de um tipo semelhante a este”.

(GRAHAM-CAMPBELL, 2006, p. 35). A análise de fontes

materiais mostra-se, assim, um importante recurso para o

estudo de construção, desconstrução e reconstrução de

58

imagens e representação.

Outro exemplo de fonte que será aqui analisada é o

capacete de Sutton Hoo, conforme representado na figura 2.

Embora este local esteja em território inglês, este elmo

trata-se de um viquingue, situado no século VIII, conforme

estudos que apontam que os suecos estiveram nesta região.

Sutton Hoo é considerado um importante sítio arqueológico

para estudos da História medieval da Inglaterra e da Europa

em geral. Autores como Haraldson destacam a importância de

desfazer conceitos equivocados que existem sobre certas

civilizações, neste caso sobre viquingues:

de resto, somos tão apegados aos lugares-comuns queo hábito costuma se tornar uma segunda forma depensamento: é habitual falar de drácar, ver osvikings com capacetes de chifres (coisa que elesnunca usaram!), apresenta-lo como selvagens etc.Assim, lutar contra os clichês não é combater pelaverdade, mas contra outras pessoas. (2006, p. 211).

Verifica-se, desta forma, que é fundamental não só

buscar a verdade na construção de ideias, como também

combater opiniões distorcidas que são elaboradas sobre

elas. Analisando a figura 2, observa-se, novamente um

objeto autêntico viquingue:

59

Figura 2 – Elmo de Sutton Hoo.

Fonte: História Ilustrada, 2014.

De acordo com a imagem observada na figura 2, nota-se

a ausência de galhos no elmo e isto contribui para reforçar

de forma mais ampla esta ideia, pois trata-se de uma fonte

original conforme estudos. De acordo com estes exemplos de

fontes, constata-se evidências de que os elmos viquingues

não possuíam cornos.

Continuando a análise sobre fontes materiais, a

análise agora será feita a respeito do monumento de

Runestone, conforme representado na figura 3. Neste exemplo

de fonte, pode-se observar que estão representados vários

cavalheiros viquingues juntos ao deus Odin.

60

Figura 3 – Runestone de Sanda I.

Fonte: Templo do Conhecimento, 2004.

Nesta representação, pode-se observar que os

cavalheiros utilizam elmos sem cornos. Nem mesmo no

acessório sobre a cabeça do deus Odin, que aparece sentado

na parte superior frente a um homem de pé, é possível ver

algo que assemelhe a uma galhada. Este é um exemplo de

monumento muito conhecido representativo dos povos nórdicos

europeus e pode ser utilizado para a finalidade de estudo

que aqui se pretende. Viquingues e seus acessórios são

mostrados de diversas maneiras, em diversos tipos de

fontes, porém deve-se sempre priorizar a busca pela

veracidade dos fatos.

A figura 4, a seguir, é uma representação tipicamente

61

medieval dos viquingues. Nesta imagem é possível notar uma

das características mais marcantes destes indivíduos: o seu

lado navegador, através do drácar, denominação das

embarcações viquingues. Além das cores serem exibidas com

um bom destaque, é possível observar várias características

no olhar dos personagens.

Figura 4 – Ilustração medieval de viquingues.

Fonte: História do Mundo, 2015.

Interessante notar que esta imagem apresenta alguns

diferenciais em relação às outras fontes que aqui foram

analisadas. Um deles, já mencionado, é o fato de apresentar

traços tipicamente medievais, pouco lembrando algo

62

produzido na região norte da Europa. Importante, também, é

ver que os viquingues são representados em navegações, que

embora esta seja uma de suas características mais

conhecidas, não era algo do cotidiano de todos os

habitantes desta civilização. Finalmente, é fundamental

verificar que seus elmos nesta representação não apresentam

cornos, mesmo sendo elaborada por artistas de uma sociedade

influenciada pela Igreja Católica (Europa Ocidental),

instituição que muito contribuiu para a imagem distorcida

sobre os viquingues.

A figura 5 é um pequeno trecho da Tapeçaria de Bayeux.

Esta tapeçaria foi encomendada e confeccionada entre 1070 a

1080, a mando de Odo de Bayeux, meio-irmão de Guilherme, o

Conquistador. Nela, estão registrados os principais fatos

da conquista normanda por Guilherme I da Inglaterra. É

possível também identificar vários aspectos da vida

cotidiana do local ao longo de toda a Tapeçaria, sendo,

portanto, uma rica fonte de estudo.

Figura 5 – Tapeçaria de Bayeux.

Fonte: Ricardo Costa, 2009.

63

Neste trecho da obra, estão sendo representados os

viquingues. Brondsted faz um importante estudo sobre a

forma como estes indivíduos eram representados, de acordo

com todas as informações já coletadas sobre eles. Neste

caso, o destaque cabe às fontes imagéticas: “Não raro, os

homens eram representados com chapéus pontudos ou com a

parte superior arredondada”. (1960, p. 108). Conforme pode-

se ver na figura 5, as gravuras correspondem ao que é

afirmado por Brondsted, ou seja, estão representados por

chapéus que apresentam a parte superior arredondada.

Ao realizar uma análise sobre a principal arma

utilizada por um guerreiro viquingue, percebe-se que o

processo de fabricação já mostrava o lado artístico e

sensível destes indivíduos, contribuindo para elucidar suas

características mais humanas. Inúmeras quantidades delas já

foram localizadas, entre outros lugares, em Vendel. O ouro

era um material frequentemente utilizado para fabricá-las e

nota-se que elas possuíam uma refinada decoração, como é

mostrada na figura 6. Brondsted ajuda a compreender como

eram decoradas: “A lâmina era soldada e às vezes embutida;

o punho ricamente gravado e dourado, ou marcheteado com

ouro, cobre, prata ou nigela; portanto a espada Viking era

comumente uma arma de grande esplendor”. (1960, p. 97). As

espadas foram localizadas nas três nações escandinavas

(Suécia, Dinamarca e Noruega), como também em outros locais

pelos quais os viquingues passaram, como Inglaterra,

Irlanda, França, Rússia. Analisando a figura 6 pode se

entender melhor como eram confeccionadas estas espadas.

64

Figura 6 – Espada localizada em Vendel.

Fonte:Ivargault, 2015.

Brondsted novamente retrata como os viquingues

apreciavam decorar seus utensílios, incluindo as armas: “Os

Vikings, realmente, adoravam riqueza e cor nas suas armas,

apetrechos e roupas. A bainha é raramente encontrada, mas

sua ponteira de bronze sempre permanece”. (1960, p. 97).

Através do estudo de objetos como estes e de obras dos

referidos autores, pode-se contribuir para remoldar a

imagem de equívocos que já foi construída sobre os

viquingues.

Os contos e lendas das sagas nórdicas também possuem

um papel fundamental para ajudar a construir a imagem de um

65

viquingue. Elas retratam personagens de diversas

características. Como já se sabe, este trabalho focalizará

as características humanas, que ajudam a demonstrar a

integridade de um cidadão viquingue. As sagas aqui

analisadas foram adaptadas por Lars Haraldson, um

historiador especialista no estudo das civilizações

escandinavas. Ele realizou um amplo estudo em relação à

literatura desta região e contribuiu para a divulgação e

popularização desta mesma literatura. Esses textos são

datados, originalmente, da década de 1220, onde iniciou-se

uma maior preocupação sobre a preservação desta literatura

e, assim, foram realizadas compilações das mesmas.

Iniciando a análise pelo conto “O matador de dragões”,

verifica-se que a maioria dos personagens possui

características que evidenciam o lado bom, valoroso do ser

humano. Ou, até mesmo, características que mostram que o

homem pode não ser perfeito, mas não deixa de ter boas

qualidades por causa disto. Observa-se um exemplo quando,

no referido conto, a mãe de Hott, um dos personagens

principais, descreve seu filho e fala das consequências

sofridas por ele por possuir tais características: “Meu

filho Hott foi um dia procurar trabalho na cidade de Hrolf,

o Caolho. Mas os guerreiros de Hrolf zombaram dele. Como

meu filho é medroso e não está acostumado a lutar, os

guerreiros passaram a fazê-lo de palhaço”. (HARALDSON,

2006, p. 67). Neste trecho, pode-se notar que o cidadão

descrito por sua mãe é dotado de uma característica frágil,

não sendo capaz de fazer nada para se defender de tamanha

66

zombaria. Este ponto atinge muito qualquer representação

que já foi elaborada a respeito dos viquingues, mostrando-

os como pessoas insensíveis. Neste trecho nota-se um

viquingue que contradiz esta imagem formulada por muitos

grupos.

No mesmo conto é possível observar os sentimentos de

Björn, um guerreiro de grande caráter, ao saber como Hott

reagia a tudo o que lhe acontecia. Apesar de não aprovar,

ele mostrava-se muito humano em sua forma de pensar:

mulher, o que você diz me deixa muito triste. Essabrincadeira não é digna de um guerreiro valoroso.Fique sossegada. Amanhã, quando chegar à cidade deHrolf, cuidarei de que ninguém faça mal a seufilho. Dou-lhe a minha palavra. (HARALDSON, 2006,p.68).

Aqui, percebe-se que além de Björn não ter mostrado

agressividade, prometeu fazer proteção a Hott. Estas são

marcas de personagens de caráter exemplar, muito distante

de indivíduos cruéis e sanguinários que muitas vezes foram

descritos por instituições como a Igreja Católica.

A imagem que a Igreja começou a formular sobre os

viquingues, foi resultado das incursões feitas na

Inglaterra e França no fim do século VIII. Para Johnni

Langer, é importante observar estes acontecimentos do ponto

de vista religioso, pois contribuíram para formular os

conceitos sobre quem eram os nórdicos: “Num período em que

todas as antigas etnias bárbaras já se encontravam

cristianizadas no continente, os nórdicos surgem como uma

oposição indireta ao domínio cristão”. (LANGER, 2001, p.

67

218). Pode-se notar que foi o receio à oposição à crença e

ao domínio cristão que contribuiu para que houvesse uma

difusão negativa sobre quem eram estes povos. “Nada poderia

ser mais horripilante ao imagináriodo período, do que uma

horda de pagãos matando padres e saqueando a santa Igreja”.

(LANGER, 2001, p. 218). Viquingues foram associados a

pessoas negativas.

Através do romantismo oitocentista foi elaborada uma

nova visão, onde os viquingues eram representados

evidenciando um aspecto mais desumano. Como este movimento

desejava corresponder aos anseios nacionalistas, as antigas

paisagens e os personagens medievais foram relembrados para

ajudar a construir uma identidade modernizada. Apesar de

inicialmente os artistas realizarem representações

verídicas sobre os nórdicos, inesperadamente esta situação

inverteu-se e os guerreiros viquingues passaram a ser

mostrados com elmos feitos de cornos. Um dos pintores que

contribuiu para isto foi o francês Guizot, em sua obra

Chegada dos normandos a França, de 1879, mostrando os

nórdicos como homens das cavernas, embrutecidos, sem noções

básicas de civilidade e o chefe da expedição usando elmos

com asas de dragão. “Guizot certamente uniu a imagem de

caos e primitivismo com a invasão dos povos nórdicos,

reservando desta maneira a civilização para os franceses”.

(LANGER, 2001, p. 220). Outro exemplo de viquingues

representados com elmos semelhantes está nos personagens da

ópera Tristão e Isolda, de Richard Wagner, em 1865. Esta

obra também tinha por objetivo resgatar temas medievais.

68

Seguindo adiante na análise deste conto, mesmo após

muitos desafios enfrentados, Björn cumpre o que se havia

proposto e transforma Hott em um cavalheiro admirável. Após

ter sido o único a aceitar enfrentar um dragão, vence a

disputa e nota-se que não é mais um jovem medroso,

entretanto não perdeu sua essência de bondade. Hrolf

testemunha em palavras a mudança observada em Hott e

parabeniza Björn pela transformação que conseguiu realizar:

“Parece que você venceu o desafio e fez daquele covarde um

homem sem medo e um guerreiro exemplar”. (HARALDSON, 2006,

p. 78). Guerreiros generosos, de excelente caráter existiam

e não precisavam cometer atrocidades.

Realizando um estudo sobre outros contos das sagas

viquingues, nota-se que até mesmo outros seres, como os

elfos, são dotados de características que evidenciam uma

generosidade exemplar. Como no conto de “Alvis, o elfo

pedante” que narra sobre a vida de um elfo pequenino,

singelo e muito curioso. Observa-se a capacidade dos

viquingues em criar personagens que tem uma grande busca

pelo conhecimento e são dotados de tamanha meiguice.

Voltando, também, a discussão sobre acessórios e roupas

utilizados por viquingues, logo no início do conto é

realizada uma descrição sobre as vestimentas utilizadas por

este elfo, evidenciando, assim, seu lado singelo e observa-

se também que utilizava um acessório na cabeça, o qual, nem

de longe lembra os elmos de cornos que um dia já foram

descritos: “vestia uma camisa de bolinhas, por cima dela um

casaco felpudo de linho, e na cabeça um gorro de pele cujo

69

nome eu esqueci”. (HARALDSON, 2006, p.99). A sensibilidade

de Alvis era tamanha que até se refletia em seu corpo. Ele

não poderia expor-se a luz do sol, pois poderia se

transformar em pedra.

Percebe-se, também, que Alvis era um ser instruído,

algo muito distante do que já foi construído sobre

viquingues ao descreverem que eram indivíduos incultos.

“Ele era instruído, sabia ler as runas, os outros elfos até

diziam que ele era um elfo culto – e, aliás, ele adorava

exibir seus conhecimentos. Quando lhe perguntavam alguma

coisa, Alvis desatava a falar e não parava mais”.

(HARALDSON, 2006, p. 100). Embora pudesse aparentar

exibicionismo em seus conhecimentos sobre o mundo de forma

geral, Alvis era incapaz de fazer mal a qualquer um e não

deixava que seu conhecimento o tornasse alguém ruim: “Alvis

era um sujeitinho muito pedante, mas tinha um coração de

ouro” (HARALDSON, 2006, p.101). É importante destacar que

na própria lenda é mostrada a boa relação de convivência

entre seres da mitologia viquingue. Neste caso, esta

convivência se dá entre elfos e deuses. Isto também

contribui para mostrar que estes seres mantinham uma

relação de paz, diferente de muito o que já foi afirmado

sobre estes mesmos seres. Pode-se notar, conforme narrado

nesta lenda, que Alvis mantinha um bom relacionamento com

Thor, o deus do trovão. Esta relação era tão cordial que

até presentes trocaram: “Assim é que, um belo dia, deu um

anel mágico de presente a Thor, o deus viking do trovão”

(HARALDSON, 2006, p.101). Apesar de ser conhecido, muitas

70

vezes, por uma imagem negativa a respeito de sua pessoa,

Thor possuía qualidades de seres de bondade: “Thor apreciou

muito o mimo, achando que lhe seria mesmo muito útil”.

(HARALDSON, 2006, p. 101). Verifica-se nesta parte um lado

de Thor que nem sempre foi evidenciado.

O próximo conto a ser estudado também mostra

personagens que possuem qualidades muito apreciáveis, algo

que ajuda a repensar a visão de muitos que conhecem os

personagens de lendas viquingues apenas por seu lado

bárbaro. Este conto é “Gefion, a saltimbanca”, onde há um

rei chamado Gylfi, o qual também possui um excelente

caráter e preocupa-se com o próximo: “Era um soberano

generosíssimo, e quem quer que viesse vê-lo de coração

aberto tinha certeza de que seria bem recebido”.

(HARALDSON, 2006, p. 145). Neste fragmento, pode-se notar

que trata-se de um rei muito valoroso, característica nem

sempre presente em reis de qualquer saga. Este fato

enriquece o que se pretende neste trabalho, pois está

relatando um rei viquingue, ajudando a fortalecer a

elaboração de uma imagem íntegra sobre indivíduos desta

sociedade. Nesta lenda é mostrada como as qualidades deste

rei eram refletidas na sociedade, pois estavam sempre em

festa, sempre em confraternização: “A hospitalidade do rei

atraía para sua corte os mais variados indivíduos, que

queriam desfrutar de uma boa comida e de um agradável

espetáculo”. (HARALDSON, 2006, p. 146). Isto muito

diferencia do cenário de guerra que inúmeras vezes é

apresentado a respeito do possível ambiente o qual os

71

viquingues viviam.

A personagem principal do conto também é dotada de

características que demonstram grande generosidade e

alegria, características muito distintas de tudo o que já

foi desenhado sobre povos nórdicos, quando são descritos

por sua frieza e malícia. Gefion era uma saltimbanca muito

talentosa e que possuía grande habilidade na arte circense,

algo que impressionava a todos: “Os convidados do rei

ficaram impressionados com o talento de Gefion, e alguns

deles convidaram-na a animar suas noitadas”. (HARALDSON,

2006, p. 148). É importante lembrar que viquingues nem

sempre foram reconhecidos por suas habilidades e talentos,

principalmente no que se refere a arte. Contos como este

servem de importante base para ajudar a evidenciar que

viquingues possuíam qualidades apreciáveis e realizaram

muitas coisas construtivas.

CONCLUSÃO

É comum, quando se imagina os viquingues, associá-los

a elmos de cornos ou como guerreiros extremamente

sanguinários. Como já falado anteriormente, esta imagem foi

construída com base em interesse de pequenos grupos e sobre

informações irreais. Esta visão leva muitos a acreditarem

que os indivíduos nórdicos eram pessoas desprovidas de

noções de bom comportamento e civilidade. A coletividade,

72

de forma geral, não foi estimulada a fazer uma reflexão

crítica de que esta imagem poderia não indicar a

veracidade. O historiador possui um importante papel na

análise minuciosa de fontes para ajudar a elaborar a

verdadeira construção sobre pessoas e fatos.

Através de estudos, é possível verificar que os

viquingues eram pessoas com muitos hábitos semelhantes aos

ditos “civilizados”, não apresentando muitas diferenças de

cidadãos de outros territórios em relação ao período

analisado. Eram dotados de emoções, imaginações e

ideologias, assim como os habitantes de outras localidades.

Apesar de toda construção distorcida sobre este povo,

as fontes encontradas através da Arqueologia servem de

auxílio para ampliar o conhecimento sobre eles e, também,

para ajudar a quebrar visões estereotipadas baseadas em

opiniões não fundamentadas em acontecimentos reais. Os

elmos localizados em antigos locais habitados por

viquingues, como Vendel, são provas autênticas de que estes

indivíduos nunca utilizaram elmos de cornos. Até porque,

como dito anteriormente, já se sabe que elmos de cornos são

invenções fantasiosas. Também, já foram descobertos outros

objetos muito bem ornamentados, como espadas, evidenciando

que possuíam amplo conhecimento técnico para produzi-las e

apreciavam as características artísticas.

Analisando outras fontes, inclusive produzidas pelos

próprios viquingues, como o monumento de Runestone de Sanda

I, é possível conhecer de forma mais ampla um pouco mais

73

sobre os objetos que utilizavam e, assim, contribuir para

que o conceito estereotipado sobre eles seja derrubado.

Verificando outras fontes, como a Tapeçaria de Bayeux,

pode-se chegar a um mesmo resultado obtido com a última

fonte citada anteriormente, pois é possível observar as

características de objetos por eles utilizados. Não se pode

deixar de notar, também, o fato da Tapeçaria de Bayeux não

ter sido produzida por nórdicos, evidenciando, assim, que

os produtores desta obra estavam cientes de que elmos de

cornos não eram utilizados por viquingues e estes cidadãos

possuíam as noções de civilidade atribuídas a muitos

outros.

Por meio da literatura nórdica, pode-se conhecer mais

sobre esta mitologia e neste caso, especificamente, sobre

personagens que não se é habitual ver nestas sagas. São

personagens de características humanas, íntegras, onde

evidenciam que viquingues possuíam sensibilidade para criá-

los e refletem que estes indivíduos possuíam senso de

generosidade e civilidade. Estes resultados auxiliam a

desmistificar o fato de que os escandinavos eram

desprovidos de bons comportamentos e noções de integridade.

Conforme tudo o que foi aqui analisado, observa-se que

muito da imagem já formulada sobre viquingues não passa de

opiniões distorcidas por alguns grupos. Através das fontes

materiais já conhecidas e descobertas pela Arqueologia,

assim como pelas fontes escritas, os viquingues nunca

usaram elmos de cornos, conheciam técnicas para decorar

seus objetos e eram muito mais íntegros do que se possa

74

imaginar. Todos estes resultados contribuem para a

construção de que viquingues eram muito humanos.

Espera-se que este trabalho possa contribuir para uma

nova construção, um novo olhar sobre os indivíduos da

civilização viquingue. Também, espera-se que as pessoas

possam ter um raciocínio crítico e não formular opiniões

somente através de estereótipos. Outro grande anseio é que

possa existir um conhecimento mais amplo sobre viquingues e

possam ser difundidos em ambientes diversos.

FONTES

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