A biblia e o futuro anthony hoekema

687
1 A BÍBLIA E O FUTURO

Transcript of A biblia e o futuro anthony hoekema

1

A BÍBLIAE

O FUTURO

2

Por

Anthony A Hoekema

3

Copyright 1979 de Wm. B. Eerdmans Co.Direitos exclusivos cedidos à Casa EditoraPresbiteriana para edição em língua portuguesa.Autor: Anthony A HoekemaTradutor: Karl H. KeplerRevisão dos Originais: Sabatini LalliRevisão Final: Valter G. Martins

FICHA CATALOGRÁFICAHOEKEMA, Anthony A H693b A Bíblia e o futuro. Anthony A Hoekema: Tradução de Karl H. Kepler. - - São Paulo: Casa Ed. Presbiteriana, 1989. 461pp. Contém bibliografia Contém índice 1.

236

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO

ESCATOLOGIA - CRISTIANISMO 236IGREJA TRIUNFANTE 236.6VIDA FUTURA 237

1ª Edição 1989

As citações bíblicas, nesta obra, são extraídas daEdição Revista e Atualizada da tradução de JoãoFerreira de Almeida para o Português. “Algumas partes do livro representam uma versãorevisada (e expandida) do meu estudo sobre oamilenismo em The Meaning of the Millennium: FourViews (O Significado do Milênio: Quatro Posições),

4

editado por Robert G. Clouse, 1977, pela Inter-Varsity Christian Fellowship dos EUA. Usado compermissão” (A A Hoekema).

CASA EDITORA PRESBITERIANARua Miguel Teles Jr., 382/394, Cambuci

01540 - São Paulo - SPTel.: (011) 270-7099

5

ÍNDICE

Prefácio

Abreviaturas

PARTE I. ESCATOLOGIA INAUGURADA

1. A Perspectiva Escatológica do Velho Testamento2. A Natureza da Escatologia Neotestamentária3. O Sentido da História4. O Reino de Deus5. Escatologia e o Espírito Santo6. A Tensão entre o “Já” e o “Ainda-Não”

PARTE II. A ESCATOLOGIA FUTURA

7. A Morte Física8. Imortalidade9. O Estado Intermediário10. A Expectativa pela Segunda Vinda11. Os Sinais dos Tempos12. Os Sinais em Particular13. A Natureza da Segunda Vinda14. Principais Correntes Milenistas15. Uma Crítica ao Dispensacionalismo Premilenista16. O Milênio do Apocalipse 2017. A Ressurreição do Corpo

6

18. O Juízo Final19. Castigo Eterno20. A Nova Terra

Apêndice: Últimas Tendências em Escatologia

Bibliografia

7

PREFÁCIO

Este livro é uma tentativa de apresentar aescatologia bíblica ou, seja, aquilo que a Bíbliaensina sobre o futuro. Conforme vem indicado noApêndice, existem três grandes correntes depensamento em escatologia, cada uma com umaperspectiva diferente a cerca da vinda do reino deDeus: o reino pode ser (1) presente, ou (2) futuro,ou então (3) tanto presente como futuro. O ponto devista adotado neste estudo é o terceiro:reconhecendo a distinção entre o “já”- a formapresente do reino como inaugurado por Cristo - e o“ainda não” - o estabelecimento final do reino, queterá lugar quando da Segunda Vinda de Cristo.

Coerentemente com a tese de que escatologia é umarealidade que envolve tanto o presente como ofuturo, o livro está dividido em duas partes. Aprimeira parte, Escatologia inaugurada, trata arealização presente do reino e das bênçãos que acomunidade redimida já desfruta; enquanto isso, aSegunda parte, Escatologia Futura, aborda assuntostais como o estado do crente entre a morte e aressurreição do corpo, o juízo final e a novaterra.

Cabe-me reconhecer minha dívida a meus colegas doCalvin Theological Seminary, e a meus alunos detodos esses anos, cujos comentários nas discussões

8

de classe ajudaram a aprimorar minhas idéias sobreesses assuntos.

Eu gostaria ainda de expressar minha gratidão aoConselho Diretor do Seminário por me propiciar umano sabático, durante o qual esse livro foiiniciado, e à equipe das bibliotecas daUniversidade de Cambridge e da Faculdade eSeminários Calvin, pelo uso de suas instalações.

Fico agradecido também à minha esposa, Ruth, porsua ajuda e apoio inestimável durante a redaçãodeste livro.

Que o Senhor possa usar este estudo para inspirarregozijo por sua vitória decisiva sobre o pecado ea morte, e para aguardarmos ansiosamente aconsumação final dessa vitória na vida vindoura.

ANTHONY A HOEKEMA

Grand Rapids, Michigan (EUA)

9

ABREVIATURAS

ASV American Standard VersionBerkhof, Meaning H.Berkhof, Christ the Meaning of History (Cristo, o sentido da História) Berkouwer, Return G.C. Berkouwer, The Return of Christ (A Volta de Cristo)Cullmann, Savation(Salvação na História)Culmann, Time O Cullmann, Christ and Time (Cristo e o Tempo)DITNT Dicionário Internacional de Teologia do Novo TestamentoInst. J. Calvino, As Institutas da Religião CristãKJ King Jamens VersionLadd, Presence G.E. Ladd, The Presence of the Future (A Presença do Futuro)NIV New Internacional VersionNSB New Scofield Bible (1967) (A NovaBíblia de Scofield)Ridderbos, Coming H.N. Ridderbos, The Coming of theKingdom (A Vinda do Reino)RAB Edição Revista e Atualizada no BrasilRSV Revised Standard VersionWalvoord, Kingdom J.F. Walvoord, The Millennial Kingdom (O Reino Milenar)

10

( Nota: Todas as citações bíblicas nãoidentificadas de outra forma provêm da versãoRevista e Atualizada no Brasil.)

11

PARTE IESCATOLOGIA INAUGURADA

O termo “escatologia” origina-se de duas palavras gregas,eschatós e lógos, e significa “doutrina das últimas coisas”.Geralmente, tem sido entendido como referindo-se a eventos queainda virão a acontecer, relacionados tanto com o indivíduo comocom o mundo.Com relação ao indivíduo, é dito que a escatologia se ocupa deassuntos tais como morte física, imortalidade, e o assim chamado“estado intermediário” - o estado entre a morte e a ressurreiçãogeral. Com relação ao mundo, a escatologia é vista como tratandoda volta de Cristo, da ressurreição geral, do juízo final e do estadofinal das coisas. Mesmo concordando em que escatologia bíblicainclui os tópicos acima mencionados, nós temos de insistir em que amensagem da escatologia bíblica será seriamente empobrecida senela não incluirmos a situação presente do crente e a fase atual doreino de Deus. Em outras palavras, a escatologia bíblica completaprecisa incluir tanto o que podemos chamar de escatologia“inaugurada”1 como a escatologia “futura”2 .

Nesta seção deverei tratar de várias idéias básicas relativas aoestado presente do reino. Os capítulos 1 e 2 abordamdetalhadamente a perspectiva escatológica do Antigo e do NovoTestamentos. O Antigo Testamento está repleto de profecias acercade bênçãos futuras para Israel. Em o Novo Testamento, muitasdestas profecias - embora não todas - são cumpridas na pessoa deCristo. Por conseguinte, torna-se óbvio que algumas profecias serãocumpridas apenas na Segunda Vinda. O capítulo 3 discute a respeitodo propósito e o alvo para o qual esta se move, com Cristo no centroe Deus no comando. Os demais capítulos desta parte abordam a

12

natureza e o significado do reino de Deus, o papel do Espírito Santona escatologia, e a tensão entre as realidades presente e futura.

1 Esta expressão é preferível à “escatologia realizada” (por razõesque serão apresentadas mais adiante). Ela se refere ao gozopresente de bênçãos escatológicas que o crente desfruta.

2 Este termo designa eventos escatológicos que ainda são futuros.

13

CAPÍTULO 1

A PERSPECTIVA ESCATOLÓGICADO ANTIGO TESTAMENTO

Para entendermos corretamente a escatologiabíblica, precisamos vê-la como um dos aspectosintegrantes de toda a revelação bíblica. Aescatologia não deve ser vista como algo encontradoapenas em livros tais como Daniel e Apocalipse, mascomo dominando e permeando toda a mensagem daBíblia. Neste ponto, Jürgen Moltmann estátotalmente correto: “Do começo ao fim, e não apenasdo epílogo, o Cristianismo é escatologia, éesperança, olhar e andar para frente e, por causadisso, também, é revolucionar e transformar opresente. O escatológico não é um dos elementos daCristandade, mas é o agente da fé cristã em si, achave à qual tudo está ajustado... Por isso,escatologia não pode realmente ser apenas uma parteda doutrina cristã. Antes, a perspectivaescatológica é característica de toda a proclamaçãocristã, de cada existência cristã e de toda aIgreja” 1.

Para entendermos este tópico, passemos aapreciar mais de perto a natureza escatológica damensagem bíblica como um todo. Neste Capítulo,queremos considerar a perspectiva escatológica doAntigo Testamento; no capítulo seguinte estaremosnos ocupando da visão escatológica do NovoTestamento.

14

Freqüentemente tem sido dito, por teólogossituados na tradição liberal, que há muito poucaescatologia no Antigo Testamento. Devemosconcordar, naturalmente, em que os escritores doAntigo Testamento não nos fornecem ensinamentosclaros a respeito das doutrinas a que chamamos de“Escatologia Futura”: vida pós-morte, Segunda Vindade Cristo, juízo final e assim por diante. Mas háum outro sentido, segundo o qual o AntigoTestamento está orientado escatologicamente doprincípio ao fim. George Ladd o descreve daseguinte forma:

Conclui-se que a esperança de Israel, peloReino de Deus, é uma esperança escatológica, e estaescatologia é a conseqüência inevitável da visãoque Israel tem de Deus. O antigo criticismoWellhauseniano insistia em que escatologia era umdesenvolvimento tardio que veio a emergir somentena época pós-exílica. Recentemente, o pêndulo tem-se inclinado para outra direção e o caráterfundamental da escatologia israelita tem sidoreconhecido. Pode-se citar um número cada vez maiorde eruditos que reconhecem que foi o conceito deDeus, ocupando-se com Israel na história redentiva,a causa do surgimento da esperança escatológica 2.

Um dos mais recentes eruditos citados por Laddé T.C. Vriezen, professor de Estudos do AntigoTestamento da Universidade de Utrecht é “umfenômeno israelita que não tem sido encontrado forade Israel”3. Ele continua:

15

A escatologia não surgiu quando o povo começoua duvidar da veracidade do reinado de Deus noculto, mas sim quando eles tiveram de aprender, emmeio a grande sofrimento, a confiar em Deus, pelafé somente, como o único fundamento firme da vida,e quando esse realismo da fé esteve dirigidocriticamente contra a vida do povo, de modo que acatástrofe iminente era considerada como umaintervenção divina plenamente justa e, ainda, demodo a ser confessado que o Deus santo permaneciainabalado em Sua fidelidade e amor a Israel. Dessamaneira, a vida de Israel na história passou a terum aspecto duplo: por um lado, o juízo eraconsiderado como próximo, tangível, e a re-criaçãoda comunidade de Deus como algo que seavizinhava... Escatologia é uma certeza religiosaque emana diretamente da fé israelita em Deus,conforme enraizado na história de sua salvação 4.

Por causa disso, Vriezen considera aescatologia como essencial à mensagem tanto doAntigo como do Novo Testamento: “No coração damensagem do Antigo Testamento está a expectação doReino de Deus, e em Jesus de Nazaré está ocumprimento inicial dessa expectação... isso subjazà mensagem do Novo Testamento. O verdadeiro cernede ambos, Antigo Testamento e Novo Testamento, é,portanto, a perspectiva escatológica” 5.

Passemos a examinar a perspectiva escatológicado Antigo Testamento com mais detalhe, vendo alguns

16

conceitos específicos da revelação, nos quais estaperspectiva está incorporada. Nós começaremos com aexpectação do redentor vindouro. A narrativa daqueda, encontrada nos primeiros versículos deGênesis 3, é imediatamente seguida pela promessa deum redentor futuro no versículo 15: “Poreiinimizade entre ti e a mulher, entre a tuadescendência e o seu descendente. Este te ferirá acabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Estapassagem, freqüentemente denominada “a promessamãe”, passa a determinar todo o Antigo Testamento.As palavras são endereçadas à serpente, mais tardeidentificada como um agente de Satanás (Ap 12.9;20.2). A inimizade instaurada entre a raça humana ea serpente implica em que Deus, que também éinimigo da serpente, será amigo do homem.Encontramos a promessa do redentor vindouro napredição de que finalmente o descendente da mulheresmagará a cabeça da serpente. Poderíamos dizerque, nesta passagem, Deus revela resumidamente todoo seu propósito salvífico para com o seu povo. Ahistória da salvação, ulterior é um desdobramentodo conteúdo desta “promessa-mãe”. A partir desteponto, tudo na revelação do Antigo Testamento olhapara a frente, aponta para a frente, e ansiosamenteaguarda o redentor prometido.

Esse redentor vindouro, descrito em Gênesis3.15 apenas como o descendente da mulher, édesignado como descendente de Abraão em Gn 22.18(cp. 26.4; 28.14). Gn 49.10, mais adiante,especifica que o redentor deverá ser um descendente

17

da tribo de Judá. Ainda mais tarde, no curso darevelação do Antigo Testamento, aprendemos que oredentor vindouro será um descendente de Davi (2 Sm7.12-13).

Após o estabelecimento da monarquia, o povode Deus do Antigo Testamento reconheceu trêsministérios especiais: os de profeta, sacerdote erei. O redentor vindouro era aguardado como sendo oauge e o cumprimento de todos os três ministériosespeciais. Ele deveria ser um grande profeta: “OSenhor teu Deus te suscitará um profeta no meio deti, de teus irmãos, semelhante a mim (Moisés): “OSenhor jurou e não se arrependerá: tu és sacerdotepara sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (Sl110.4). Ele também deveria ser o grande rei do seupovo: “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta ófilha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei...” (Zc9.9).

Em conexão com o reinado do redentor vindourohá uma predição específica de que ele se assentaráno trono de Davi. O profeta Natã disse a Davi:“Quando teus dias se cumprirem, e descansares comteus pais, então farei levantar depois de ti o teudescendente, que procederá de ti, e estabelecerei oseu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, eeu estabelecerei para sempre o trono do seu reino”(2 Sm 7.12-13; cp. Is 9.7).

Podemos também perceber que algumas vezesa vinda do futuro Rei e Redentor é identificada coma vinda de Deus a seu povo. Em Isaías 7.14, porexemplo, o redentor vindouro é denominadoespecificamente Emanuel, que significa “Deus

18

conosco”. Em Isaías 9.6, um dos nomes atribuídos aoredentor prometido é “Deus Forte”. A B. Davidsonfaz um comentário a respeito nas seguintespalavras: “Algumas vezes, a vinda ‘de Jeová’ écumprida de acordo com a esperança messiânica -Jeová desde para junto de seu povo no Messias, Suapresença é manifestada e percebida nele... Deusestá plenamente presente, com propósitosredentores, no rei Messiânico. Esta é a concepçãomessiânica mais sublime”6.

Lado a lado com a concepção de que o redentorvindouro será um profeta, um sacerdote e um rei,porém, encontra-se em Isaías, igualmente, a visãode que o redentor será o Servo sofredor de Deus. Oconceito de “Servo do Senhor” aparecefreqüentemente em Isaías, sendo que, algumas vezes,designa a nação de Israel e outras vezes descreve oredentor vindouro. Entre as passagens de Isaías quedescrevem especificamente o Messias vindouro como oServo do Senhor estão: 42.1-4; 49.5-7; 52.13-15, etodo capítulo 53. É especialmente Isaías 53 queretrata o redentor vindouro como o Servo sofredor deJeová : “ele foi traspassado pelas nossastransgressões, e moído pelas nossas iniqüidades; ocastigo que nos traz a paz estava sobre ele, epelas suas pisaduras fomos sarados” (v.5). Depassagens como essas nós aprendemos que o redentor,cuja vinda o crente do Antigo Testamento aguardava,era considerado pelo menos no tempo dos últimosprofetas, como alguém que iria sofrer por seu povoa fim de redimi-lo.

19

Outra forma pela qual o Antigo Testamentodescreve a vinda do redentor é como o Filho do Homem.Encontramos este tipo de expectação particularmenteem Daniel 7.13-14.

Eu estava olhando nas minhas visões da noite E eis que vinha como as nuvens do céuUm como o Filho do homem,E dirigiu-se ao Ancião de dias,E o fizeram chegar até ele.Foi-lhe dado domínio E glória, e o reino,Para que os povos, nações e homens de todas as línguasO servissem;O seu domínio é eterno,Que não passará, E o seu reino Jamais será destruído.

Em o Novo Testamento, o Filho do Homem éespecialmente identificado com o Messias.

Em resumo, podemos dizer que o crenteveterostestamentário aguardava um redentor, demaneiras diversas e pelo sentido de várias figuras,que deveria vir em algum tempo futuro (ou nos“últimos dias”, para usar uma figura de linguagemcomum ao Antigo Testamento) para redimir seu povoe, também, para ser uma luz aos gentios. Pedro, emsua primeira epístola, nos dá um quadro vívidosobre o modo como os profetas do Antigo Testamentoaguardavam a vinda deste Redentor messiânico: “Arespeito desta salvação, os profetas, que falaramda graça que haveria de vir para vós, buscaram

20

atentamente, e com o maior cuidado, procurandodescobrir a época e as circunstâncias às quais oEspírito de Cristo neles estava-se referindo,quando ele predisse os sofrimentos de Cristo e asglórias que se haveriam de seguir” (1 Pe 1.10-11,NIV).

Outro conceito da revelação bíblica no qual aperspectiva escatológica do Antigo Testamento estáincorporada é o do reino de Deus. Apesar de o termo“reino de Deus” não ser encontrado no AntigoTestamento, o pensamento de que Deus é rei estápresente particularmente nos Salmos e nos profetas.Deus é denominado, freqüentemente, de Rei, tanto deIsrael (Dt 33.5; Sl 84.3; 145.1; Is 43.15) como detoda a terra (Sl 29.10; 47.2; 96.10; 97.1;103.19;145.11-13; Is 6.5; Jr 46.18). Porém, devido àabundância de pecado e rebelião nos homens, osenhorio de Deus é efetuado apenas imperfeitamentena história de Israel. Por causa disso os profetasaguardavam um dia quando o reinado de Deus pudesseser provado plenamente, não somente por Israel, maspelo mundo inteiro 7.

É especialmente Daniel quem desenvolve a idéiado reino vindouro. No capítulo 2 de sua profecia,ele fala acerca do reino que Deus um dia levantará,que nunca será destruído, que quebrará todos osoutros reinos em pedaços e que permanecerá parasempre (vs 440-45). E em 7.13-14, como vimos,àquele um como filho do homem é dado um domínioeterno e um reino que não será destruído. Por causadisso Daniel prediz não apenas a vinda de um reino

21

futuro, mas conjuga este reino com a vinda doRedentor, a quem descreve como o Filho do Homem.

Mais um conceito veterostestamentário comimplicações escatológicas é o da nova aliança. Comomuitos eruditos do Antigo Testamento têm mostrado,a idéia da aliança é central à revelação do AntigoTestamento 8. Nos dias de Jeremias, entretanto, opovo de Judá havia quebrado a aliança de Deus comeles por meio de suas idolatrias e transgressões.Embora o tema principal das profecias de Jeremiasseja o de condenação na ruína, ele efetivamenteprediz que Deus fará uma nova aliança com seu povo:“Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei novaaliança com a casa de Israel e com a casa de Judá.Não conforme a aliança que fiz com seus pais, nodia em que os tomei pela mão, para os tirar daterra do Egito; porquanto eles anularam minhaaliança”(Jr 31.31-32; ver também 33-34). A partirdo Novo Testamento (veja Hb 8.8-13; 1 Co 11.25)fica claro que a nova aliança predita por Jeremiasfoi instaurada pelo nosso Senhor Jesus Cristo.

Proeminente entre os conceitos escatológicosdo Antigo Testamento é a restauração de Israel. Após adivisão do reino, ambos, Israel e Judá, caíram maise mais na desobediência, idolatria e apostasia. Porcausa disso, os profetas pregaram que, devido à suadesobediência, o povo de ambos os reinos serialevado cativeiro por nações hostis, e ficariadisperso por terras estrangeiras. Mas em meio aessas predições sombrias há também profecias delibertação. Vários profetas pregam a futurarestauração de Israel do seu cativeiro.

22

Observe, por exemplo, esta pregação do profetaJeremias: “Eu mesmo recolherei o restante dasminhas ovelhas, de todas as terras para onde astiver afugentado, e as farei voltar aos seusapriscos; serão fecundas, e se multiplicarão(23.3).

As palavras de Isaías 11.11 também vêm àmente: “Naquele dia o Senhor tornará a estender amão para resgatar o restante do seu povo, que fordeixado, da Assíria, do Egito, de Patros, daEtiópia, de Elão, de Sinear, de Hamate e das terrasdo mar”.

É interessante notar a palavra “tornará” napassagem, a qual sugere que a futura restauração deIsrael será um tipo de segundo Êxodo.

É importante observar, também que arestauração de Israel pregada pelos profetas temimplicações éticas. Ambos, Ezequiel e Isaías (caps24-27) salientam que esta restauração nãoacontecerá isolada do arrependimento e rededicaçãode Israel ao serviço de Deus. Como George Laddsalienta:

“Eles (os profetas do Antigo Testamento)prevêem a restauração, mas somente de um povo quetenha sido purificado e justificado. Sua mensagem,tanto de tribulação como de prosperidade, éendereçada a Israel para que o povo possa seradvertido sobre sua pecaminosidade e se converta aDeus. A escatologia é ética e religiosamentecondicionada.

Talvez o resultado mais significante dapreocupação ética dos profetas é sua convicção de

23

que não será Israel como tal que entrará para oremanescente crente e purificado”9.

Também encontramos, particularmente em Joel,uma pregação sobre o futuro derramamento do Espíritosobre toda a carne. As bem conhecidas palavras daprofecia de Joel são:

“E acontecerá depois que derramareio meu espírito sobre toda a carne;vossos filhos e vossas filhas profetizarão,vossos velhos sonharão, e vossos jovensterão visões;até sobre os servos e sobre as servasderramarei o meu Espírito naqueles dias” (2.28-29)

Este derramamento do Espírito, portanto, foioutro evento escatológico no horizonte do futuro aoqual o crente da época véterotestamentária olhavacom ansiosa antecipação. É notável, no entanto, nosversos seguintes da profecia de Joel, a menção deprodígios nos céus e na terra; sangue, fogo, ecolunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, ea lua em sangue, antes que venha o grande eterrível dia do Senhor” (2.30-31).

Certas passagens do Novo Testamento (porexemplo, Lucas 21.25, Mateus 24.29) relacionam ossinais mencionados acima como a Segunda Vinda deJesus Cristo. Contudo, Joel parece pregá-los comose eles fossem acontecer imediatamente antes doderramamento do Espírito. A menos que alguéminterprete esses sinais de forma não literal (emcujo caso a transformação do sol em trevas poderia

24

ser entendida como cumprida nas 3 horas de trevasenquanto Jesus estava na cruz), parecerá que Joel,em sua profecia, vê numa única visão, comoacontecendo conjuntamente, eventos que de fatoestão separados um do outro por milhares de anos.Este fenômeno passível de ser chamado de perspectivaprofética, ocorre freqüentemente nos profetas doAntigo Testamento. Ele também acontece, comoveremos adiante, em algumas passagens apocalípticasdo Novo Testamento.

Esta passagem de Joel nos conduz a consideraroutro conceito escatológico proeminente do períodoveterotestamentário, qual seja, o dia do Senhor. Àsvezes, nos escritos proféticos, o dia do Senhor éconsiderado como um dia no futuro próximo, quandoDeus trará destruição repentina para os inimigos deIsrael. Obadias, por exemplo, prediz a ruína deEdom como a chegada do dia do Senhor (vs 15-16).Entretanto, o dia do Senhor pode também referir-sea um dia final, escatológico, de juízo e redenção.Às vezes - e este é outro exemplo da perspectivaprofética - um dia do Senhor próximo e um distantesão vislumbrados juntos, na mesma visão. Isaías 13,por exemplo, fala de um dia do Senhor no horizontenão tão longínquo, quando Babilônia será destruída(vs 6-8,17-22). No mesmo capítulo, porém, espalhadoentre descrições da destruição de Babilônia,encontramos referências ao dia escatológico doSenhor, no futuro distante:

“Eis que vem o dia do Senhor,dia cruel, com ira e ardente furor

25

para converter a terra em assolação,e dela destruir os pecadores.Porque as estrelas e constelações dos céusNão darão a sua luz;O sol logo ao nascer se escurecerá,e a lua não fará resplandecer a sua luz.Castigarei o mundo por causa da sua maldade,e os perversos por causa da sua iniqüidade” (v.5).

Parece como se Isaías estivesse vendo adestruição de Babilônia e o dia escatológico, doSenhor, o dia final, como sendo um dia só, umavisitação divina.

Muito freqüentemente, porém, a expressão “odia do Senhor” é usada pelos profetas para retratarum dia final, escatológico, de visitação. Às vezeso dia do Senhor significa juízo para Israel. Nosdias de Amós era comum se pensar que o dia doSenhor traria somente bênçãos e prosperidade paraIsrael. Amós, porém, perturbou o contentamentocomum ao dizer:

“Ai de vós que desejais o dia do Senhor!Para que desejais vós o dia do Senhor?É dia de trevas e não de luz”.

De modo similar, Isaías descreve o dia doSenhor como um dia de juízo para o povo apóstata deJudá:

“Porque o dia do Senhor dos Exércitosserá contra todo soberbo e altivo,

26

e contra todo o que se exalta...A arrogância do homem será abatida,E a sua altivez será humilhada;Só o Senhor será exaltado naquele dia” (2.12,17)

Também Sofonias fala do dia do Senhor como umdia de ira:

“Está perto o grande dia do Senhor;está perto e muito se apressa.Atenção! O dia do Senhor é amargoE nele clama até o homem poderosoAquele dia é dia de indignação,Dia de angústia, e dia de alvoroçoE desolação,Dia de escuridade e negrume,Dia de nuvens e densas trevas...” (1.14-15) Pelo restante do livro fica claro que o dia de

ira, de Sofonias, refere-se tanto a um dia de juízopara Judá num futuro imediato como uma catástrofeescatológica, final” 10.

Todavia, o dia do Senhor não traz unicamentejuízo e destruição. Às vezes, é dito que o diatrará salvação. Joel 2.32, por exemplo, prometesalvação a todo o que invocar o nome do Senhorantes da chegada do dia do Senhor. E em Malaquias4, não é só juízo que é proferido contra osmalfeitores, em conexão com a vinda do “grande eterrível dia do Senhor” (v.5), mas são igualmenteprometidos cura e gozo a todos os que temem o nomede Deus (v.2). Poderíamos resumir, observando que o

27

dia do Senhor pregado pelos profetas do AntigoTestamento será um dia de juízo e ira para uns, masde bênçãos e salvação para outros.

Embora o conceito do dia do Senhor tenha,freqüentemente, uma conotação de tristeza e detrevas, há ainda um outro conceito escatológico doAntigo Testamento, que tem um toque mais brilhante:o de novos céus e nova terra. A esperança escatológicado Antigo Testamento sempre inclui a terra:

“A idéia bíblica de redenção sempre inclui aterra. O pensamento hebraico via um unidadeessencial entre homem e natureza. Os profetasrealmente não pensam na terra como apenas umteatro indiferente no qual o homem executaseus deveres normais, mas como a expressão daglória divina. Em lugar algum o AntigoTestamento prega a esperança de uma redençãoincorpórea, imaterial, meramente “espiritual”,como o faz o pensamento grego. A terra é ocenário divinamente arranjado para aexistência humana. Mais tarde, a terra foienvolvida na maldade trazida pelo pecado. Háum inter-relação entre a natureza e a vidamoral do homem; por causa disso, a terra temde tomar parte da redenção final de Deus” 11.

Esta esperança futura para a terra estáexpressa em Isaías 65.17:

“Pois eis que eu crio novos céus e nova terra;e não haverá lembrança das coisas passadas,

28

jamais haverá memória delas” (cp 66.22).Outras passagens de Isaías mostram o que esta

renovação da terra envolverá: o que é árido passaráa ser terreno frutífero (32.15) o desertoflorescerá (35.1), os lugares secos serão fontes deágua (35.7), a paz volverá ao mundo animal (11.6-8), e a terra se encherá do conhecimento do Senhor,como as águas cobrem o mar (11.9).

Passemos, agora, a recapitular o queaprendemos a respeito da perspectiva escatológicado Antigo Testamento. Bem no início, havia umaexpectação por um Redentor vindouro que haveria deferir ou esmagar a cabeça da serpente. Com o passardo tempo, houve um enriquecimento progressivo daesperança escatológica. Com certeza, os diversositens desta esperança não subsistiram todos aomesmo tempo, e eles assumiram formas variadas emtempos diversos. Mas se considerarmos estesconceitos de modo acumulativo, poderemos certamentedizer que em várias épocas o crenteveterotestamentário aguardava, no futuro, asseguintes realidades escatológicas:

(1) O Redentor Vindouro(2) O Reino de Deus(3) A Nova Aliança(4) A Restauração de Israel(5) O Derramamento do Espírito(6) O Dia do Senhor(7) Os Novos Céus e a Nova Terra

Todas estas coisas avultam no horizonte daexpectação: o crente do Antigo Testamento não

29

tinha, naturalmente, idéia clara sobre como ouquando estas expectações seriam cumpridas. No quelhe tocava, estes eventos escatológicosaconteceriam todos a uma vez em algum tempo futuro,variavelmente denominado de “dia do Senhor”, de os“últimos dias”, de os “dias vindouros”, ou de“naqueles dias”.Com uma perspectiva caracteristicamente profética,os profetas veterotestamentários inter-mesclavamitens relacionados à primeira vinda de Cristo comitens relacionados à segunda vinda de Cristo.Somente nos dias do Novo Testamento viria a serrevelado que o que, no Antigo Testamento, eraconsiderado como sendo em uma vinda do Messiasseria cumprido em dois estágios: uma primeira e umaSegunda vinda. O que por causa disso não era claroaos profetas do Antigo Testamento foi clarificadona era do Novo Testamento.

Todavia, temos de reiterar que a fé do crenteveterotestamentário era completamente escatológica.Ele aguardava a intervenção de Deus na história,tanto no futuro próximo como no distante. Foi, naverdade, esta fé-esperança que concedeu ao santo doAntigo Testamento a coragem necessária parapercorrer o caminho posto perante ele. o décimoprimeiro capítulo de Hebreus, ao olharretrospectivamente para os heróis da fé, salientaespecialmente este ponto. Ali é dito de Abraão:“aguardava a cidade que tem fundamentos, da qualDeus é o arquiteto e edificador” (v.10). É ditoacerca de todos os patriarcas: “Todos estesmorreram na fé, sem ter obtido as promessas, vendo-

30

as, porém de longe, e saudando-as...” (v.13). Esobre todos os santos do Antigo Testamento reunidosé declarado o seguintes: “Ora, todos estes queobtiveram bom testemunho por sua fé, não obtiveram,contudo, a concretização da promessa, por haverDeus provido cousa superior a nosso respeito, paraque eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados” (vs39-40).

Notas do Capítulo 11. Jürgen Moltmann, Teologia da Esperança, p. 16 2. G.E. Ladd, Presence, pp 52-533. T.C. Vriezen, Na Outline of Old Testament Theology

(Esboço de Teologia do Antigo Testamento),Oxford: Blackwell, 1970, p.458

4. Ibid., p 4595. Ibid., p 1236. A B. Davidson, The Theology of the Old Testament (A

Teologia do Antigo Testamento), Edinburgh: T.&T.Clark, 1904, p.371

7. Ladd. Presence, p 468. Veja, e.g., Walter Eichrodt, Theology of the Old

Testament (Teologia do Antigo Testamento), Vol I,Philadelphia: Westminster, 1961; Ludwig Kohler,Olde Testament Theology (Teologia do AntigoTestamento), Philadelphia: Westminster, 1957,pp. 60-75; Vriezen, op.cit., pp.139-143, 283-84,325-27; Gerhard Von Rad, Old Testament Theology(Teologia do Antigo Testamento), New York:Harper and Row, 1962, pp. 129-35, 192-94, 202-3,338-39.

9. Ladd, Presence, p 72

31

10. Ibid., pp 67-6811. Ibid., pp 59-60

32

CAPÍTULO 2

A NATUREZA DA ESCATOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

A fé do crente veterotestamentário eraescatologicamente orientada. Como já vimos, eleaguardava por um número de eventos que avultam nohorizonte escatológico. No cerne de sua esperançaescatológica estava a expectação pelo redentorvindouro. Podemos observar esta esperançaescatológica exemplificada no já idoso Simeão, dequem é dito que “esperava a consolação de Israel”(Lc 2.25), e em Ana, a profetisa, que, após tervisto o infante Jesus, “dava graças a Deus, efalava a respeito do menino a todos os queesperavam a redenção de Jerusalém” (Lc 2.38).

Na era do Novo Testamento, as bênçãosespirituais desfrutadas eram mais abundantes do quenos dias do Antigo Testamento: o conhecimento doplano redentor de Deus está largamente enriquecido,a fé do crente neotestamentário está muitoaprofundada, e sua compreensão das dimensões doamor de Deus, conforme revelado em Cristo, estáimensuravelmente fortalecida. Ao mesmo tempo,porém, a expectação do crente por bênçãos aindamaiores, no porvir, está igualmente intensificada.O Novo Testamento possui, assim como o Antigo, umavisão fortemente orientada para o futuro. Há umaconvicção profunda de que a obra redentora doEspírito santo experimentada agora é apenas umprelúdio de uma redenção muito mais rica e completano futuro, e que a era que foi instaurada pela

33

primeira vinda de Cristo será seguida de outra era,que será mais gloriosa do que esta talvez possaser. Em outras palavras, por um lado o crente doNovo Testamento esta consciente do fato de que aogrande evento escatológico predito no AntigoTestamento já aconteceu, enquanto que, por outrolado, ele percebe que outra significativa série deeventos escatológicos ainda está por vir.

Ao abrirmos as páginas do Novo Testamento,ficamos imediatamente cientes do fato de que aquiloque foi prometido pelos escritores do AntigoTestamento já aconteceu. A vinda de Jesus Cristo aomundo é, de fato, o cumprimento da expectaçãoescatológica central do Antigo Testamento. WillianManson o descreve assim:

Quando mudamos para o Novo Testamento,nós passamos do clima de predição para o decumprimento. As coisas que Deus tinha preditopelos lábios de Seus santos profetas, Eletrouxe agora, pelo menos em parte, àrealização. O Eschaton, descrito de longe...,registrou seu advento em Jesus... O sinalsupremo do Eschaton é a Ressurreição de Jesus ea descida do Espírito Santo sobre a Igreja. ARessurreição de Jesus não é meramente um sinalque Deus concedeu a favor de Seu Filho, mas éa inauguração, a entrada na história, dostempos do Fim.

Através do Cristo, portanto, os cristãosentraram na Nova Era. Igreja, Espírito, vidaem Cristo, são grandezas escatológicas.

34

Aqueles que se reuniam em Jerusalém nosnuminosos primeiros dias da Igreja, sabem queé assim; eles já estavam conscientes deprovarem os poderes do Mundo porvir. O quetinha sido predito nas Sagradas Escrituraspara acontecer a Israel ou ao homem noEschaton, aconteceu para e em Jesus. A pedrafundamental da Nova Criação assumiu suaposição 1.

Apesar disto ser verdade, nós estamosigualmente cientes de que muitas das profecias dosprofetas do Antigo Testamento ainda não foramcumpridas, e que uma porção de coisas que o próprioJesus predisse ainda não foram realizadas. Não éverdade que os profetas falam de um julgamento domundo e de uma ressurreição dos mortos, e que Jesusfala sobre a vinda do Filho do Homem sobre asnuvens em poder e grande glória? Concluímos,portanto, que se deve falar da escatologia do NovoTestamento tanto em termos do que já foi efetuadocomo em termos do que ainda deve acontecer. Maisuma vez, Manson o coloca bem:

Existe uma escatologia realizada. Existetambém uma escatologia do não-realizado. Sobnenhuma condição imaginável pode haver algocomo uma escatologia totalmente realizada nosentido estrito. O impulso escatológiconovamente desperta e se auto-afirma nocristianismo, porque escatologia, como o amor,é de Deus...

35

O cristianismo, portanto, exibe desde oprincípio uma bipolaridade essencial. O Fimchegou! O Fim não chegou! Nem a graça nem aglória, nem o gozo antecipado no presente, nema perfeição futura da vida em Deus podem seromitidas do quadro sem que a realidade sejadestruída 2.

Devemos notar, portanto, que o que caracterizaespecificadamente a escatologia do Novo Testamentoé uma tensão subliminar entre o “já” e o “ainda-não” - entre o que o crente já desfruta e o que eleainda não possui. Oscar Cullmann tem o seguinte adizer sobre esse ponto: “o elemento novo no NovoTestamento não é a escatologia mas o que eu costumochamar de tensão entre o ‘já cumprido’ decisivo e o‘ainda-não-completado’, entre presente e futuro.Toda a teologia do Novo Testamento... está marcadapor esta tensão” 3.

Voltaremos a discorrer sobre essa tensão em umcapítulo seguinte, onde exploraremos suasimplicações para nossa compreensão da mensagembíblica e para nossa vida no mundo de hoje. Porora, será suficiente reconhecermos esta tensão do“já-ainda-não” como um aspecto essencial daescatologia do Novo Testamento. Embora poder-se-iadizer que o crente do Antigo Testamento jáexperimentava essa tensão, a tensão é mais elevadapara o crente do Novo Testamento, uma vez que eletem tanto uma experiência mais rica das bênçãospresentes como uma compreensão das esperanças

36

futuras mais claras do que seu parceiroveterotestamentário.

Passemos agora a ver como o Novo Testamentoindica ambos: que o grande evento escatológicopredito pelos profetas do Antigo Testamentoaconteceu, e que a consumação final da históriaestá ainda por vir.

(1) Em o Novo Testamento encontramos a percepção deque o grande evento escatológico predito no AntigoTestamento aconteceu.A vinda de Jesus Cristo para o mundo é

interpretada no Novo Testamento especificamentecomo o cumprimento da profecia vétero-testamentária. Por exemplo, no Evangelho de Mateus,o nascimento de Jesus da virgem Maria estáapresentado como um cumprimento da prediçãoencontrada na profecia de Isaías:

Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lheapareceu, em sonho, um anjo do Senhor,dizendo: José, filho de Davi, não temasreceber Maria, tua mulher, porque o que nelafoi gerado é do Espírito Santo... Tudo issoaconteceu, para que se cumprisse o que foradito pelo Senhor por intermédio do profeta:

Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e eleserá chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer:Deus conosco) (Mt 1.20-23).

Um grande número de outros detalhes a respeito davida, morte e ressurreição de Jesus é citado comocumprimento das profecias do Antigo Testamento: seu

37

nascimento em Belém (Mt 2.4-6; comparado com Mq5.2), sua fuga para o Egito (Mt 2.14-15; Os 11.1),sua rejeição pelo seu povo (Jo 1.11; Is 53.3), suaentrada triunfal em Jerusalém (Mt 21.4-5; Zc 9.9),sua venda por trinta moedas de prata (Mt 26.15; Zc11.12), ser pregado numa cruz (Jo 19.34; Zc 12.10),o fato dos soldados lançarem sortes sobre suasvestes (Mc 15.24; Sl 22.18), o fato de nenhum deseus ossos ter sido quebrado (Jo 19.33; Sl 34.20),o fato de que ele deveria ser sepultado com o rico(Mt 27.57-60; Is 53.9), sua ressurreição (At 2.24-32; Sl 16.10) e sua ascensão (At 1.9; Sl 68.18).

De grande importância nesta conexão é aaplicação de palavras tais como hapax (uma únicavez) e ephapax (de uma vez por todas) para a obra deCristo. Assim, por exemplo, lemos em 1 Pe 3.18:“Pois também Cristo morreu, uma única vez (hapax),pelos pecados, o justo pelos injustos, paraconduzir-vos a Deus”. O autor de Hebreus utiliza apalavra ephapax para expressar o mesmo pensamento:

“Quando, porém, veio Cristo como sumo-sacerdote dos bens já realizados;mediante o maior e mais perfeitotabernáculo, não feito por mãos, querdizer, não desta criação, não por meio desangue de bodes e bezerros, mas pelo seupróprio sangue, entrou no Santo dosSantos, uma vez por todas, tendo obtidoeterna redenção.” (9.11-12)“... temos sido santificados, mediante aoferta do corpo de Jesus Cristo, uma vezpor todas”(10.10).

38

No mesmo sentido é usada a expressão eis todienekes (=para sempre) em Hb 10.12: “Jesus, porém,tendo oferecido, para sempre, o único sacríficiopelos pecados, assentou-se à destra de Deus,aguardando, daí em diante, até que seus inimigossejam postos por estrado de seus pés”.

Nós aprendemos, de passagens desse tipo, que osacrifício de Cristo foi caracterizado por umafinalidade, e que na obra de Cristo, realmenteaconteceu o que Deus tinha prometido através dosprofetas do Antigo Testamento. Em Cristo, oredentor prometido realmente veio!

Vejamos alguma evidência adicional para esteponto. Tanto João Batista como Jesus sãomencionados, proclamando que na vinda de Jesus oreino de Deus ou dos céus está próximo (Mt 3.2; Mc1.15; a palavra grega traduzida por “próximo” éeggizo). Jesus, igualmente, disse aos fariseus queseu ato de expulsar os demônios pelo espírito deDeus era uma prova de que o reino de Deus erachegado sobre eles (Mt 12.28; aqui a palavra grega é“phthano”). Uma vez que a vinda do reino de Deus,como já vimos, era um dos aspectos da expectaçãoescatológica do Antigo Testamento, vemos mais estaprofecia cumprida em Cristo. Na pessoa de Cristo oreino prometido tinha vindo - embora também deveráhaver uma consumação final desse reino no futuro.

Os escritores do Novo Testamento estãoconscientes de que eles já estão vivendo nosúltimos dias. Isto é, especialmente declarado porPedro, em seu grande sermão, no dia de pentecostes,quando ele cita o seguinte da profecia de Joel:

39

“estes homens não estão embriagados, como vindespensando, sendo esta a terceira hora do dia. Mas oque ocorre é o que foi dito por intermédio doprofeta Joel: ‘E acontecerá nos últimos dias, diz oSenhor, que derramarei do meu Espírito sobre todacarne...’” (At 2.15-17). As palavras: “nos últimosdias” (= en tais eschatais hemerais) são uma tradução daspalavras hebraicas acharey qhen que literalmentesignificam: posteriormente. Quando Pedro cita estaspalavras e as aplica ao evento recém-ocorrido, oque ele está, de fato, dizendo é: “nós estamos nosúltimos dias agora” 4.

Encontramos em Paulo um conceito similar. Emuma de suas primeiras epístolas (Gl 4.4), eleindica que Jesus veio ao mundo na “plenitude dostempos” (RAB) ou “quando o tempo tinha plenamentechegado” (RSV; a expressão grega é topleroma touchronou). A palavra pleroma sugere a idéia decumprimento, ou, chegado à conclusão. Quando Paulodeclara que Cristo apareceu plenitude do tempo estáinferindo que o grande ponto central da história échegado, que a profecia do Antigo Testamento chegaagora, a seu cumprimento. Embora tais palavras nãoexcluam uma futura consumação da história no fimdos tempos, elas certamente estão ensinando que, daperspectiva do Antigo Testamento, a era do NovoTestamento é o tempo do cumprimento. Numa cartaescrita alguns anos mais tarde, 1 Coríntios, Paulocoloca esta verdade de modo impressionante: “estascoisas lhes sobrevieram (aos israelitas queperegrinavam no deserto) como exemplos, e foramescritas para advertência nossa de nós outros sobre

40

quem os fins dos séculos têm chegado” (“os fins dosséculos”, tateletonaionon, 10.11). Aqui, novamente, alinguagem de cumprimento é inconfundível.

O autor de Hebreus expressa o mesmo pensamentoao contrastar Cristo como o sumo-sacerdote doAntigo Testamento, que ano após ano tinham deentrar no Santo Lugar com sangue que não era odeles. Cristo, assim continua o autor, éimensamente superior a esses sacerdotes, uma vezque: “ao se cumprirem os tempo (literalmente “nofim dos tempos” episynteleía tonaionon), se manifestouuma vez por todas para aniquilar pelo sacrifício desi mesmo o pecado” (Hb 9.26). Comparando com opapel provisório dos sacerdotes,veterotestamentários, a Epístola aos Hebreus vê osurgimento de Cristo em termos de cumprimentoescatológico e de caráter final.

As epístolas de João são normalmenteconsideradas como pertencendo aos últimos escritosdo Novo Testamento. Aqui também encontramos umacompreensão da era do Novo Testamento como sendo decumprimento escatológico. Entretanto, ao invés deusar a expressão: “os últimos dias”, João usa aspalavras: “a última hora”: “filhinhos, já é aúltima hora (eschate hora); e, como o vistes que vemo anti-cristo, também agora muitos anti-cristos temsurgido, pelo que conhecemos que é a última hora”(1 Jo 2.18).

Expressões como as que acabamos de ver mostramque o crente do Novo Testamento tinha realmenteconsciência de estar nos últimos dias, na últimahora e no fim dos tempos. Ele estava ciente de que

41

o grande evento escatológico predito no AntigoTestamento, tinha acontecido com a vinda de JesusCristo. Este é o elemento de verdade na posiçãoassociada com C.H.Dodd, comumente denominada:“escatologia realizada.” Contudo, uma vez querestam ainda muitos eventos escatológicos que aindanão se realizaram e uma vez que o Novo Testamentofala claramente sobre uma escatologia futura, assimcomo de uma presente, eu prefiro falar de umaescatologia “inaugurada” ao invés de uma“realizada” 5. A vantagem deste termo é que ele fazjuz ao fato de que a grande incisão escatológica nahistória já está feita, ao passo que não exclui odesenvolvimento ulterior da escatologia no futuro.(escatologia inaugurada) implica em que aescatologia já teve início, mas de modo nenhum estáterminada.

(2) Em o Novo Testamento encontramos ainda acompreensão de que aquilo que os escritores do AntigoTestamento pareciam representar, como um movimentoúnico, deve agora ser reconhecido como envolvendo doisestágios: a era messiânica presente e a era do futuro. Ou,então, dita em outras palavras, o crente daépoca Neotestamentária, conquanto ciente deestar agora vivendo na era predita pelosprofetas, percebeu que esta nova erainaugurada pela vinda de Jesus Cristo, eraentendida como carregando no seu ventre umaoutra era porvir 6.

Podemos encontrar evidência, para tanto, nofato de que os escritores do Novo Testamento, mesmoreconhecendo, como acabamos de ver que há um

42

sentimento de que estamos nos últimos dias agora,começam igualmente a falar acerca de duas eras: aera presente e a era porvir. São usados três tiposde expressão para descrever a era porvir: “aquelaera” (ho aion ekeinos, Lc 20.35), “a era vindoura”(ho aion erchomenos, Lc 18.30), a “era porvir” (ho aionmellon, Mt 12.32).

O autor de Hebreus, por exemplo, afirma quecertas pessoas, nos seus dias, tinham provado “ospoderes da era porvir”(mellontos aionos, Hb 6.5).Paulo, em Ef 2.7, fala inclusive sobre as erasporvir: “para que nas eras porvir (en tois aiosin toisèperchomenois) ele possa mostrar a suprema riquezada sua graça em bondade para conosco em CristoJesus” (ASV) 7.

A percepção de que haverá uma era futuradistinta da presente é tão perspicaz que há váriaspassagens nas quais as duas eras são mencionadasconjuntamente. Em Lc 20.34-35, Jesus responde apergunta ardilosa dos saduceus acerca daressurreição dizendo: “Os filhos deste mundo(aiomos toutou) casam-se e dão-se em casamento; masos que são havidos por dignos de alcançar a eravindoura (aionos ekeinou) e a ressurreição dentre osmortos, não casam nem se dão em casamento”. Umajustaposição similar das duas eras é encontrada emMt 12.32: “mas se alguém falar contra o EspíritoSanto, não lhe será isso perdoado nem neste mundo(touto to aionil) nem no porvir (to mellonti)”8. Numaoutra passagem, o tempo presente (kairos) écontrastado com a era porvir: “Em verdade vos digoque ninguém há que tenha deixado casa, ou mulher,

43

ou irmãos, ou pais, ou filhos por causa do reino deDeus, que não receba no presente (kairo touto) muitasvezes mais, e no mundo porvir (to aioni to erchomeno) avida eterna” (Lc 18.29-30). A partir de passagenscomo estas, fica claro que os escritores do NovoTestamento aguardavam por uma era vindoura, quedeveria seguir-se à presente era.

Encontramos uma ilustração muito interessanteda justaposição das duas eras no uso que o NovoTestamento faz das expressões: “últimos dias” e “oúltimo dia”. Como já vimos, Pedro em seu sermão nodia de Pentecostes, disse que o período introduzidopelo derramamento do Espírito Santo constitui os“últimos dias”; em outras palavras, nós estamos nosúltimos dias agora 9. Quando a expressão éencontrada no singular (“o último dia”),entretanto, ela nunca se refere à era presente, massempre à era porvir geralmente ao Dia do Juízo ouao dia da ressurreição. Assim, por exemplo, ouvimosJesus dizer: “E a vontade de quem me enviou é esta:Que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelocontrário, eu o ressuscitarei no último dia (eschatehemera)” (Jo 6.39). Expressões similares sãoencontradas nos versos 40,44 e 54 deste capítulo.Em Jo 11.24 é relatado que Marta fala acerca de seuirmão Lázaro: “Eu sei que ele há de ressurgir naressurreição no último dia”. E em Jo 12.48, Jesusdiz: “Quem me rejeita e não recebe as minhaspalavras, tem quem o julgue; a própria palavra quetenho proferido, essa o julgará no último dia”. Emoutros termos, de acordo com os autores do Novo

44

Testamento nós estamos agora nos “últimos dias”,mas o “último dia” ainda está porvir.

É igualmente interessante observar o uso dosubstantivo synteleia (fim, ou conclusão). Em um caso, ondeesta palavra é usada junto com o plural de aion(era), significa a era presente: “Agora, uma vez nofim das eras (epi synteleia ton aionon), ele (Cristo) foimanifestado para tirar o pecado” (Hb 9.26, ASV).Mas quando essa palavra é usada com o singular deaion, sempre se refere à consumação final, queainda é futura: “E eis que estou convosco todos osdias até a consumação do século (tes sinteleias tou aionos)”(Mt 13.39; cp vs.40,49); e quando os discípulosperguntam a Jesus acerca do futuro, eles dizem:“Dize-nos quando sucederão estas coisas, e quesinal haverá da tua vinda e da consumação doséculo” (Mt 24.3).

A escatologia do Novo Testamento, portanto,olha para trás, para a vinda de Cristo, que tinhasido predita pelos profetas do Antigo Testamento, eafirma: nós estamos agora nos últimos dias. Mas aescatologia Neotestamentária também olha para afrente, para uma consumação final ainda por vir, epor isso também diz: o último dia ainda estáchegando; a era final ainda não chegou.

Seria possível, na verdade, representar aexpectação escatológica do crente neotestamentárionum diagrama semelhante ao seguinte:

Criação Primeira vinda de Cristo Segunda Vinda de Cristo

45

A era passada Esta eraA era porvir

Os últimos dias O fim das eras O último dia O fim da era

Uma vez admitido que a escatologiaNeotestamentária olha tanto para o passado comoaponta para o futuro, qual é a relação entre estesdois aspectos dessa escatologia?

(3) A relação entre estes dois estágiosescatológicos é que as bênçãos da erapresente são o penhor e a garantia debênçãos maiores no porvir.

Antes de tudo, podemos ver esta relação aoobservarmos que, conforme o Novo Testamento, aprimeira vinda de Cristo é a garantia e penhor dacerteza da segunda vinda de Cristo. Foi isso que oanjo destacou, ao falar aos discípulos quando daascensão de Cristo: “Varões galileus, por queestais olhando para as alturas? Este Jesus queentre vós foi assunto ao céu, assim virá do modocomo o vistes subir” (At 1.11). O autor de Hebreusafirma que tão certo quanto o juízo segue à morte,assim certamente a Segunda vinda de Cristo seguiráà primeira: “E assim como aos homens está ordenadomorrerem uma só vez e, depois disto, o juízo, assimtambém Cristo, tendo-se oferecido uma vez parasempre para tirar os pecados de muitos, aparecerásegunda vez, sem pecado, aos que o aguardam parasalvação”(Hb 9.27,28). E Paulo, em Tt 2.11-13,indica que o crente neotestamentário vive entre

46

duas vindas de Cristo: “Porquanto a graça de Deusse manifestou (epephane) salvadora a todos oshomens, educando-nos para que, renegadas aimpiedade e as paixões mundanas, vivamos nopresente século, sensata, justa e piedosamente,aguardando a bendita esperança e a manifestação(epinhaneian) da glória do nosso grande Deus eSalvador Cristo Jesus”. A segunda palavra gregadestacada aqui é o substantivo correspondente aoverbo usado mais no começo do texto; ambas aspalavras denotam uma manifestação visível e real.Assim como Cristo apareceu no passado, ensina estapassagem, assim ele aparecerá novamente no futuro.

Escatologia cristã, portanto, envolve umaexpectação pelo futuro que está enraizada no que jáaconteceu no passado G.C.Berkouwer comenta daseguinte forma:

“...A promessa do futuro estáintricavelmente conectada comeventos do passado. A expectaçãocristã é algo muito diferente de umageneralização tal como: “as sementesdo futuro estão no presente”. É algocompletamente determinado pelarelação única entre o que estáporvir e o que já aconteceu nopassado. Toda a certeza da nossaexpectação está fundamentada nestarelação peculiar...Escatologia verdadeira, portanto,ocupa-se sempre com a expectação doCristo que já foi revelado e que

47

“aparecerá Segunda vez... parasalvar aqueles que estãoansiosamente esperando por ele”(Hb9.28) (RSV) 10.

O que é singular a respeito da escatologiaNeotestamentária, portanto, é que ela espera umaconsumação futura dos propósitos de Deus baseada navitória de Cristo, no passado. George Ladd salientaeste ponto: “Seu [da igreja] testemunho da vitóriade Deus, no futuro será fundamentado numa vitóriajá alcançada na história. Ela proclama não apenasesperança, mas uma esperança baseada em eventos dahistória e em sua própria experiência”11.

Oscar Cullman se utiliza de uma figura bemconhecida: o crente da era cristã vive entre o “DiaD” e o “Dia V”. O “Dia D” foi a primeira vinda deCristo, quando o inimigo foi decisivamentederrotado; “Dia V” é a Segunda Vinda de Cristo,quando o inimigo vai se render, total e finalmente.“A esperança da vitória final é tão vívida assimpor causa da inabalavelmente firme convicção de quea batalha que decide já aconteceu”12.

No mesmo sentido vem a seguinte declaração deHendrikus Berkhof: “Em resumo, o futuro em o NovoTestamento é o desdobramento e conclusão daquiloque já existe em Cristo e no Espírito que seráacabado triunfantemente apesar do pecado,sofrimento e morte”13. Ele continua ao destacar quea esperança cristã é de ascensão, nãoprincipalmente da pobreza, mas da possessão. Ocristão espera por bênçãos muito maiores no futuro,não porque ele tem tão pouco, mas porque ele já tem

48

tanto: “Entre nós, seres humanos, a esperança porum futuro feliz nasce geralmente da pobreza eincerteza; a esperança cristã, porém, surge de umapossessão que abre muitos horizontes mais para ofuturo. Por isso é que esperança é regularmenteencontrada em conexão com fé e amor, que são ambosnossas possessões. Mas exatamente o fato de que nóspossuímos, faz-nos sentir dolorosamente o que aindanão temos; tem “gosto de quero mais”. Por issoesperança é fruto tanto da possessão como da falta”14.

Concluímos, então, que a natureza daescatologia do Novo Testamento pode ser resumidasob estas três observações: (1) o grande eventoescatológico predito no Antigo Testamento jáaconteceu; (2) aquilo que para escritores do AntigoTestamento representava um movimento é visto agoracomo envolvendo dois estágios: a era presente e aera do futuro; e (3) a relação entre estes doisestágios escatológicos é que as bênçãos da erapresente são penhor e garantia de bênçãos maioresno porvir.

49

Notas do Capítulo 2

1. W. Manson, “Eschatology in the New Testament”(Escatologia no Novo Testamento), Scottish Journal ofTheology Occasional Papers Vol.2 (Edição Avulsa doJornal Escocês de Teologia) Edinburgh: Oliverand Boyd, 1953, p.6.

2. Ibid., p.7 3. O Cullmann, Salvation, p.172.4. Ver G. Kittel, “eschatos”, in Theological Dictionary of

the New Testament (Dicionário Teológico do NovoTestamento), Grand Rapids: Eerdmans, 1964.

5. O termos “escatologia inaugurada” é usado porJ.A T. Robinson em seu livro Jesus and His Coming(Jesus e sua Vinda) (London: SCM, 1957). Foiprimeiro sugerido por G.Florovsky (W. AWhithehouse, “The Modern Discussion of Eschatology”,Scottish Journal of Theology Occasional Papers Vol.2, p.76número 1) (“A Discussão Moderna da Escatologia”,in Jornal Escocês de Teologia, EdiçãoOcasional).

6. G. Vos, Pauline Eschatology (Escatologia Paulina), p.467. Arnt E Gingrich destacam que o plural de aion é

usado freqüentemente no Novo Testamento paradesignar a eternidade (Greek-English Lexicon of the NewTestament) (Léxico Grego-Inglês do NovoTestamento), Chicago: Univ of Chicago Press,1957, pp.26-27). Veja também H. Sasse “aion”,DITNT, I.

8. Uma justaposição semelhante de ho aion houtos e hoaion mellon é encontrada em Ef 1.20-21.

50

9. Um tipo semelhante de expressão é encontrado emHb 1.2, onde é dito que Deus, que antigamentefalou aos pais pelos profetas “nestes últimosdias (literalmente: “ao final destes dias”,ep’eschatou ton hemeron touton) tem-nos falado peloFilho”. Cp. Também 1 Pe 1.20 “conhecido(Cristo), com efeito, antes da fundação domundo, porém manifestado no fim dos tempos(ep’eschatou ton chronon), por amor de vós.”

10. G.C. Berkouwe, Return, pp.12-13. 11. G.E. Ladd, Presence, p.337.12. O Culmann, Time, p. 87.13. H. Berkhof, Well-Founded Hope (Esperança Bem-

fundamentada), p.19.14. Ibid, p.20.

51

CAPÍTULO 3

O SENTIDO DA HISTÓRIA

Poucas questões são tão cruciais, no mundo dehoje, como a do sentido da história. Após o traumade duas guerras mundiais no espaço de uma geração opesadelo da Alemanha de Hitler e a futilidade doVietnam, nossa geração está clamando por umaresposta a esta questão. Um teólogo eminente denossos dias, Hendrikus Berkhof, observa: “Nossageração está estrangulada pelo medo: medo do homem,por seu futuro e pela direção em que somosdirigidos, contra nossa vontade e desejo. E dessasituação brota um grito por iluminação, em relaçãoao sentido da existência da raça humana, e acercado alvo para o qual estamos direcionados. Esse é umgrito por uma resposta à velha pergunta sobre osentido da história” 1.

Berkhof continua, dizendo que a igreja deJesus Cristo deve conhecer a resposta à pergunta dosentido da história, uma vez que a Bíblia nosfornece essa resposta. Por muitos séculos, porém, aigreja e seus teólogos mal perceberam esse materialna Bíblia - material esse que podia tê-los providode uma teologia da história 2. Por causa disso,muitos cristãos hoje falham em viver na plena luzda interpretação cristã da história. Berkhofcontinua: “A igreja de Cristo o século vinte éespiritualmente incapaz de resistir às rápidasmudanças que acontecem a seu redor porque ela nãoaprendeu a ver a história na perspectiva do reinado

52

de Cristo. Por essa razão ele interpreta os eventosde seu tempo em termos inteiramente seculares. Elaé dominada pelo temos num sentido mundano, e de ummodo mundano ela tenta livrar-se do temor. Nesteprocesso Deus não passa de um substitutobeneficente”3.

Por causa disso, deveríamos nos deter algomais para examinar a questão do sentido dahistória. Este é um aspecto da escatologia que nósdevemos não só entender, mas em cuja luz devemosmais e mais viver e trabalhar.

Passemos a examinar, primeiramente, duasinterpretações da história que devemos rejeitar. Aprimeira delas é encontrada entre os antigosgregos. Os gregos tinham uma visão da história aque podemos chamar de “cíclica”: as coisasacontecem em ciclos infinitamente repetidos, demodo que aquilo que está acontecendo hoje vai serepetir algum dia. Baseados neste tipo de visão,fica obviamente impossível encontrar qualquersentido verdadeiro para a história. É concebívelque se possa viver para determinados alvosindividuais de vida, mas a história propriamentedita não poderia ser considerada como dirigindo-separa um alvo, uma vez que a história somente serepete a si mesma. John Marsh deu-nos uma análisepenetrante da visão grega da história:

“A partir da natureza de sua cosmologia,era, talvez, impossível para os gregosdesenvolver qualquer coisa diferente de suavisão cíclica da história. A idade áurea domundo começaria um dia novamente, e o ciclo

53

dos eventos iria se repetir. Se uma visãoassim é verdadeira, a existência histórica foientão privada de sua significação. O que façoagora eu já fiz em um ciclo mundial anterior,e voltarei a fazê-lo em ciclos futuros domundo. Desaparecem responsabilidade e decisão,e com elas qualquer significação real paravida história que, na verdade, se torna apenasnum ciclo algo mais grandioso. Exatamente comoo grão, cada ano, é semeado, cresce aamadurece, assim os eventos da história irãose repetir freqüentemente. Além disso, se tudoque pode acontecer é a constante repetição deum ciclo de eventos, não há possibilidade desentido no ciclo em si. Ele não alcança nadaem si próprio e também não pode contribuirpara nada fora de si. Os eventos da históriasão destituídos de significado”4.

Os gregos, portanto, não podiam conceber ahistória em si como tendo propósito ou levando a umfim. Para os gregos, tempo e história eram apenasincorporações imperfeitas de ideais que nunca foramrealizados. Tempo e história, para eles,representavam o domínio do qual a pessoa buscavaser libertada. Conforme salienta Oscar Cullmann,esta compreensão da história também afeta acompreensão que o sujeito tem da redenção:

“Uma vez que, no pensamento grego, otempo não é concebido como uma linhaascendente oblíqua, com começo e fim, porém,mais como um círculo, o fato de o homem estar

54

preso ao tempo deve ser experimentado aquicomo uma escravidão, como uma desgraça. Otempo se move dentro do eterno curso circular,no qual tudo continua a se repetir. É por issoque o pensamento filosófico do mundo grego seocupa com o problema do tempo. E é também porcausa disso que todo grego que se esforça paraalcançar a redenção, tem como objetivo serliberto desse eterno curso circular e, destemodo, ser liberto do próprio tempo.

Para os gregos, a idéia de a redençãoacontecer através de uma ação divina no cursodos eventos, no tempo, é impossível. Redenção,no helenismo, somente pode consistir do fatode sermos transferidos da existência nestemundo, uma existência presa ao curso circulardo tempo, para dentro do Além que estáafastado do tempo, e está já e sempreacessível” 5.

A visão da história dos gregos é incompatívelcom a visão cristã, que vê história como umcumprimento do propósito de Deus, e como movendo-seem direção a um alvo. Para os escritores da Bíblia,história não é uma série de ciclos repetitivos semsentido, mas um veículo através do qual Deusrealiza seus propósitos para o homem e o universo.A idéia de que a história está se movendo paraalvos estabelecidos por Deus, e que o futuro é paraser visto como o cumprimento de promessas feitas nopassado, é a contribuição singular dos profetas deIsrael.

55

Uma Segunda interpretação da história, quedeve ser rejeitada, é a do existencialismo ateísta.Para o existencialismo desse tipo, a história é semsentido. Nenhum padrão significativo, nem ummovimento para um fim podem ser vistos na historia;só uma sucessão de eventos desprovida de sentido.Sendo este o caso, cada um é deixado com o quepareceria ser um total individualismo: cada pessoadeve tentar encontrar o seu caminho da existência nãoautêntica para a existência autêntica, através da tomadade decisões significativas. Mas, a história como umtodo, fica desprovida de sentido.

Podemos ver uma ilustração desta abordagem arespeito da história na obra de Albert Camusintitulada “A Peste”. A cidade de Orã foi tomada deratos, que trouxeram com eles a horrível pestebubônica. Corajosamente, o médico e os que estavamligados a ele combatiam a peste; finalmente elesconseguiram deixar a epidemia sob controle. Aofinal do livro, porém, o doutor diz: “É apenas umaquestão de tempo. Os ratos voltarão”. Váriosindivíduos trabalharam heroicamente e com auto-sacrifício para estancar a maré de sofrimento; masnada de sentido duradouro foi efetuado na história- as coisas permanecem praticamente assim comosempre foram. O fato de A Peste ser considerada comoa representação alegórica, de Camus, do reinado deterror que Hitler impôs à Europa, serve apenas paraenfatizar o que acabamos de dizer.

A visão existencialista da história é,portanto, incompatível com a visão cristã. Semnegar a importância da decisão individual, o

56

cristianismo afirma haver sentido na história. Deusestá desenvolvendo seu plano na história.Indivíduos podem rebelar-se contra Deus e tentarfrustar seu plano. Outros tentarão realizar suavontade e viver para o progresso do seu reino. Emambos os casos Deus permanece no controle.

Quais são as principais características de umainterpretação cristã da história? Embora maispontos possam ser mencionados, vejamos cincocaracterísticas.

(1) A história é um desenvolvimento dos propósitos deDeus . Deus revela seus propósitos na história. Istoé verdadeiro primeiramente no que é geralmentedenominado “história sacra” ou “história santa”.Com “história sacra” queremos dizer história daredenção - redenção que Deus faz de seu povoatravés de Jesus Cristo. Esta redenção tem suasraízes nas promessas, tipos e cerimônias do AntigoTestamento; chega a seu cumprimento na vida, mortee ressurreição de Jesus Cristo; e alcançará suaconsumação nos novos céus e nova terra, que aindasão futuros. Como fica evidente pela descriçãoacima, a redenção tem uma dimensão histórica. Elaenvolve a história da raça humana, a história deuma nação (Israel), a história de uma pessoa (Jesusde Nazaré) e a história de um movimento (o início eprimeiros anos da igreja). estas histórias sãoreveladoras de Deus: elas desvendam ou expõem seupropósito redentor para com a raça humana. Oseventos dessa “história sacra” revelaram Deus antesde haver uma Bíblica completa. Poderia ser ditoinclusive que Deus revelou a si mesmo ao homem

57

primeiramente através de eventos históricos -eventos como o êxodo, a travessia do Jordão, avolta do cativeiro, o nascimento de Jesus Cristo eo derramamento do Espírito. Mas, como George Laddenfatiza: “Estes eventos são... auto-explanatórios,mas requerem a Palavra de Deus para interpretar ocaráter revelatórios, mas requerem a Palavra deDeus para interpretação inspirada do sentidodivinamente intencionado destes eventos”6.

Embora seja verdade, portanto, que Deus seauto-revela na Bíblia, que é sua Palavra, nãodevemos esquecer que ele se revela primeiramentenos eventos históricos que estão registrados naBíblia. Revelação acontece tanto através de atoscomo de palavras. Mas os atos necessitam de umainterpretação antes que sua mensagem revelatóriapossa ser entendida. Deus revela a si próprio,portanto, através de ambos, atos e palavras -através de seus atos conforme interpretados porsuas palavras. Assim, por exemplo, somente quando oevento do êxodo é interpretado pelos escritores doAntigo Testamento é que ele é entendido como sendouma revelação do poder redentor e do amor do Deusde Israel que, em cumprimento de suas promessas eem resposta às orações do seu povo, o libertou daescravidão egípcia.

Até aqui temos nos ocupado somente da“história sacra”. Vimos que a “história sacra” éreveladora de Deus e de seus propósitos. Porém, umavez que a “história sacra” é a chave para seentender o sentido de toda a história (porque estáno cerne da ação de Deus em relação ao homem), e

58

uma vez que toda a história está sob controle edireção de Deus, nós podemos dizer que toda ahistória é uma revelação de Deus. Isto nãosignifica que a história seja sempre cristalina emsua mensagem. A verdade, freqüentemente, está nopatíbulo e o erro, freqüentemente, está no trono.Enquanto os eventos históricos estão acontecendo, égeralmente bem difícil, se não impossível,discernir o que Deus nos está dizendo atravésdeles. Ainda voltaremos a tratar deste assunto, emconexão com a natureza provisória dos julgamentoshistóricos. Contudo, deve ser mantido que história- particularmente a história redentora - revelaDeus e seus propósitos.

(2) Deus é o Senhor da história. Isto estáclaramente ensinado na Escritura. Os escritores doAntigo Testamento afirmavam que o reino de Deusdomina sobre tudo (Sl 103.19), inclusive sobre osreinos das nações (2 Cr 20.6) e que ele inclina ocoração do rei para onde deseja (Pv 21.1). Osescritores do Novo Testamento nos contam que Deusrealiza todas as coisas segundo o conselho da suavontade (Ef 1.11) e que ele tem determinado ostempos estabelecidos para as nações da terra e oslugares exatos onde elas deveriam viver (At 17.26).

Isto significa, conforme Ladd o diz, que “Deusé Rei e atua na história para trazer a históriapara um fim divinamente direcionado”7. Deus está nocontrole da história. Isto não significa que elemanipula os homens como se estes fossem marionetes;a liberdade do homem em tomar suas própriasdecisões e sua responsabilidade por essas decisões

59

são mantidas em todos os tempos. Mas isto significaque Deus tem domínio inclusive sobre as obrasmalignas dos homens, fazendo-as servir a seupropósito. Uma ilustração veterotestamentáriaexcepcional para isto é encontrada na história deJosé. Depois de os irmãos de José o terem vendidocomo escravo, José tornou-se o principal governadordo Egito sob Faraó, e foi assim, um instrumentopara a preservação de muitos, inclusive de suaprópria família, por ocasião da grande fome. Aspalavras que ele endereçou a seus irmãos, após amorte de seu pai, sublinham o soberano senhorio deDeus sobre a história: “Vós, na verdade,intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornouem bem, para fazer, como vedes agora, que seconserve muita gente de vida” (Gn 50.20). A supremailustração do Novo Testamento acerca do soberanocontrole de Deus sobre a história é, obviamente, acrucificação de Jesus Cristo. Apesar de ser o feitomais perverso ocorrido na história, inclusive estecrime terrível estava sob o completo controle deDeus: “Porque verdadeiramente se ajuntaram nestacidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qualungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios epovos de Israel, para fazerem tudo o que a tua mãoe o teu propósito predeterminaram” (At 4.27,28)).Precisamente por causa do controle de Deus, o maisdetestável feito consumado na história tornou-se ocerne do plano redentor de Deus e a suprema fontede bênçãos para a raça humana. Conforme o autor doSl 76 diz: “Pois até a ira humana há de louvar-te”(v.10).

60

O fato de Deus ser o Senhor da história,implica que todo o que ocorre serve a seupropósito, seja de uma forma ou de outra. A quedade Samaria sob os assírios, no oitavo século a C.,estava tão completamente sob o seu controle, queDeus pode tomar a Assíria de cetro de sua ira (Is10.5). E, então, depois de Deus ter usado a Assíriapara cumprir seu propósito, ele a humilhou edestruiu (Is 10.12,24-27). Nações estrangeiras egovernadores estão tão completamente na mão de Deusque ele pode chamar Ciro, o soberano eventualmentea sua terra - , de seu pastor e seu ungido (Is44.28; 45.1).

O que isso nos acrescenta é que toda ahistória cumpre os propósitos soberanos de Deus,tanto as nações como os indivíduos. Nações seelevam e caem de acordo com a vontade de Deus; eleas usa conforme lhe aprouver e domina sobre seusplanos. A mesma coisa é verdade para os indivíduos.Aqueles que se rebelam contra Deus, e desafiam suasleis, estão “acumulando ira” para si próprios “parao dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus”(Rm 2.5), considerando que todas as coisas“cooperam para o bem daqueles que amam a Deus evivem para seu louvor” (Rm 8.28, ASV).

Pelo fato de ser Deus o Senhor da história, ahistória tem sentido e direção. Nem sempre podemosser capazes de discernir o propósito de Deus nahistória, mas que esse propósito existe é umaspecto primordial de nossa fé. Nem é necessáriodizer que a suprema revelação do propósito de Deusna história é a vinda de Jesus Cristo ao mundo: “É

61

o propósito e a vontade do Criador que dão àhistória a sua configuração; e a penetração doeterno na plenitude dos tempos foi nada menos que aasseveração, na história, do propósito eterno deDeus” 8.

(2) Cristo é o centro da história.“o dinamismo e caráter histórico exclusivo da

cristandade são resultado da Vinda de Cristo, aqual constitui o fato central da história cristã.Este fato é único e - não repetitivo -, a qualidadeessencial de tudo que é histórico; e ele enfoca otodo da história mundial”9. Estas palavras doescritor russo, Nicolas Berdyaev, servirão para nosintroduzir à outra característica principal dainterpretação cristã da história: a de que Cristo éo centro da história. Oscar Cullmann chama nossaatenção para o fato de que o modo pelo qual datamosnossos calendários, numerando anos antes ou depoisdo nascimento de Cristo, tem implicaçõesteológicas:

“... O ponto interessante eteologicamente decisivo não é o fato que recuano tempo até Dionysius Exiguus, que onascimento de Cristo foi tomado como ponto departida da enumeração subseqüente... Odecisivo é antes a prática, que tem estado emvoga apenas nos últimos dois séculos, denumerar tanto para diante como para trás a partir donascimento de Cristo. Apenas quando isto éfeito é que o evento-Cristo é considerado comoo ponto central temporal de todo o processohistórico.

62

Nós dizemos “sistema cristão de contagemdo tempo”. Mas ele é o sistema comum no mundoOcidental... Mas hoje dificilmente alguémconsidera o fato de que esta divisão não é umamera convenção que repousa sobre a tradiçãocristã, porém, na verdade, pressupõesasserções fundamentais da teologia do NovoTestamento em relação a tempo e história”10.

Cullmann continua dizendo que a diferençaprincipal entre a compreensão veterotestamentáriade história e a do Novo Testamento é que o pontocentral da história moveu-se do futuro para opassado. Para o crente neotestamentário a vinda deCristo é esse ponto central, e por causa disso eleestá consciente de viver entre o ponto central dahistória e sua culminação - A Parousia de JesusCristo 11.

Isso implica em que a vinda de Cristo foi oevento singular mais importante da história humana.Implica também em que este evento teve significaçãodecisiva para toda a história subseqüente e,inclusive, para toda a história precedente. Aanalogia de Cullmann do “Dia D ” e “Dia V” já foimencionada: A primeira vinda de Cristo foi o “DiaD”, no qual aconteceu a batalha decisiva da guerra,garantindo a derrota final do inimigo. A segundavinda de Cristo será como o “Dia V”, no qual oinimigo finalmente depõe suas armas e se rende 12. Ocrente neotestamentário vive, por assim dizer,entre o “Dia D” e o “Dia V” 13.

63

O fato de a vinda de Cristo ser o pontocentral da história significa que, neste eventocentral, “não apenas tudo o que acontece antes écumprido, mas também que tudo o que é futuro estádecidido” 14. O evento-Cristo, portanto, coloca seuselo distintivo em toda a história.

“... Uma vez que o reino de Deus foicumprido em Cristo, nenhum outro se não omesmo reino pode chegar ao fim da história...Esta ação [o cumprimento das promessas doAntigo Testamento na vinda de Cristo] cumpretanto o que veio antes como o que se seguedepois, na história, e constituiontologicamente a imposição do modelo divinode providência e redenção sobre a história e,epistemologicamente, o ponto na qual arevelação da vontade e propósito divinos sãototalmente revelados. Ela significa também queo fim do processo histórico não pode ser outroque a manifestação final ou revelação documprimento da história que teve lugar em seu‘centro’” 15.

A Bíblia, portanto, nos ensina a ver ahistória humana como completamente dominada porJesus Cristo. A história é a esfera da redenção deDeus, na qual ele triunfa sobre o pecado do homematravés de Cristo, e uma vez mais reconcilia omundo consigo mesmo (2 Co 5.19). através de CristoDeus ganhou de uma vez por todas a vitória sobre amorte (1 Co 15.21,22), Satanás (Jo 12.31), e todosos poderes hostis (Cl 2.15). A centralidade de

64

Cristo na história está representada simbolicamenteno quinto capítulo do livro de Apocalipse. Somenteo Cordeiro é digno de tomar o rolo e de romper seussete selos - a ruptura dos selos significando nãoapenas a interpretação da história mas a execuçãodos eventos da história (conforme mostram oscapítulos seguintes). O cântico dos seres viventese dos anciãos, que se segue aos louvores dados aoCordeiro como Redentor do mundo:

“Digno és de tomar o livroe de abrir-lhe os selos,

porque fostes morto e com teu sanguecompraste para Deus os que procedem

de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9).

(4) A nova era já foi instaurada. Conformeobservamos no capítulo 2, o crente do NovoTestamento estava consciente de que ele vivia nosúltimos dias e na última hora. Podemos notar algumaevidência bíblica mais para isto. Cristo diz deJoão Batista: “Entre os nascidos de mulher, ninguémé maior do que João; mas o menor do reino de Deus émaior do que ele” (Lc 7.28). a implicação daspalavras de Jesus parece ser que João, como opredecessor de Cristo, ainda pertenceu à antigaera, ao invés de pertencer à nova era do reino queJesus estava agora inaugurando. Por outro lado,aqueles que se tornam membros do reino de Cristo,começam por meio dele a viver no novo mundo.

Entre os escritores bíblicos não há nenhum quetenha dado tanta ênfase aos fato de que Cristo nosintroduziu numa nova era, como o Apóstolo Paulo. Em

65

Cl 1.13, ele diz que Deus “nos libertou do impériodas trevas e nos transportou para o reino do Filhodo seu amor”, significando que nós fomos libertadosdo poder do velho mundo do pecado (cp Gl 1.4). EmEf 2.5-6, Paulo frisa que Deus “nos deu vidajuntamente com Cristo... e juntamente com ele nosressuscitou e nos fez assentar nos lugarescelestiais em Cristo Jesus”, dando a entender quepela fé nós estamos, mesmo agora, vivendo na novaera. Em Rm 12.2, ele insta especificamente com seusleitores a “não se conformarem com este mundo [ouera; a palavra grega é aion], mas para “setransformarem” pela renovação de vossa mente”(RSV). O conhecido contraste paulino entre “carne”e “Espírito” não é tanto um contraste psicológicoentre dois aspectos de nosso ser, mas um contrasteentre dois estilos de vida que pertencem a duasesferas de poder, ou a dois mundos: o velho e onovo 16. Um comentário similar poderia ser feitoacerca do contraste entre “velho homem” e “novohomem” nos escritos paulinos. “Velho homem” refere-se à velha era ou mundo no qual o homem é umescravo do pecado, ao passo que “novo homem”designa a nova era ou mundo no qual o homem estáliberto da escravidão do pecado e é livre paraviver para o louvor de Deus. O crenteneotestamentário foi transferido da velha era dopecado para a nova era da liberdade cristã 17.

Herman Ridderbos vê neste conceito a chavepara a pregação de Paulo:

“... Antes de tudo ele, Paulo, era oproclamador de um novo tempo, o grande ponto

66

decisivo na história da redenção, a introduçãode uma nova era mundial. Tal era a perspectivadominante e o fundamento de toda a pregação dePaulo. Somente ela pode iluminar as váriasfacetas e inter-relações de sua pregação,e.g., justificação, estar em Cristo, sofrer,morrer e ressuscitar com Cristo, o conflitoentre o espírito e a carne, o drama cósmico,etc.

A pessoa de Jesus Cristo forma o mistérioe o ponto central desta grande revelaçãoredentora da história. Pelo fato de Cristo seter revelado, um novo século foi instaurado, ovelho mundo terminou e o novo mundo começou”18.Alguém poderia objetar, dizendo que o que foi

desenvolvido acima não é característico da históriageral, uma vez que somente os cristãos estãovivendo na nova era que Cristo inaugurou. A questãoé, porém, que desde que Cristo apareceu aqui naterra - foi crucificado e ressuscitou dos mortos -,a nova era foi verdadeiramente inaugurada. O fatode que nem todos os homens estarem participando,pela fé, das bênçãos da nova era não anula aexistência dessa era. John Marsh fornece a seguinteilustração, que ele próprio ouvira do Bispo Nygren:

“Hitler ocupou a Noruega mas, em 1945,ela foi libertada. Suponhamos que bem longe,no quase inacessível norte, alguma aldeia comum governante nazista não tenha, por algumassemanas, ouvido a notícia da libertação.durante esse período, nós podíamos dizer, queos habitantes dessa aldeia estavam vivendo no

67

‘velho’ tempo do nazismo, em vez de no ‘novo’tempo da libertação norueguesa.

...Qualquer pessoa que viva agora nummundo que foi liberto da tirania dos poderesmalignos, e que ignore ou seja indiferente aoque Cristo fez, está exatamente na posiçãodesses noruegueses a quem as boas novas delibertação não alcançaram. Em outras palavras,é fácil para nós perceber que os homens podemviver na era a C., em plena A D.” 19.

O fato é, então, que Cristo verdadeiramente

introduziu a nova era, a era do reino de Deus. Porcausa disso, o mundo não é mais o mesmo desde queCristo veio; uma mudança eletrizante aconteceu. Amenos que uma pessoa conheça e admita esta mudança,ela não terá realmente entendido o sentido dahistória.

(5) Tudo na história se move em direção a um alvo: osnovos céus e nova terra. Não obstante ter Cristoinstaurado a nova era, a sua consumação final aindaé futura. Por causa disso, a Bíblia vê a históriacomo dirigida para um alvo divinamenteestabelecido. A idéia de que a história tem um alvoé, como vimos, a contribuição peculiar dos profetashebreus. Nas palavras de Karl Lowith: “O horizontetemporal para um alvo final é, porém um futuroescatológico, e o futuro para nós existe apenas naexpectação e esperança. O sentido final de umpropósito transcendente está centrado num futuroesperado. Tal expectação era bem mais intensamente

68

viva entre os profetas hebreus; ela não existiaentre os filósofos gregos” 20.

Não só os profetas hebreus mas também osescritores do Noto Testamento vêem a história comodirigida para um alvo. No capítulo anterior,notamos que aquilo que os escritores do AntigoTestamento tinham representado como um movimento,era visto pelos escritores do Novo Testamento comoprovido de dois estágios: a era messiânica presentee uma era que ainda era futura. A primeira vinda deCristo deveria ser seguida de uma segunda vinda. Oreino de Deus, que foi estabelecido, ainda nãochegou à sua consumação final. Embora muitasprofecias tenham sido cumpridas muitas ainda estãopara ser cumpridas.

O crente neotestamentário, portanto, estáciente de que a história move-se para o alvo destaconsumação final. Esta consumação da história, comoele a vê, inclui eventos tais como a Segunda Vindade Cristo, a ressurreição geral, o Dia do Juízo, eos novos céus e a nova terra. Uma vez que os novoscéus e a nova terra serão a culminação da história,podemos dizer que toda história está se movendopara este alvo.

Para entender completamente o sentido dahistória, portanto, devemos ver a redenção de Deusem dimensões cósmicas. Uma vez que a expressão“céus e terra” é a descrição bíblica de todo ocosmos, podemos dizer que o alvo da redenção é nadamenos do que a renovação do cosmos., aquilo que oscientistas da atualidade denominam de universo. Umavez que a queda do homem no pecado afetou não

69

apenas a ele só mas, também, ao resto da criação(ver Gn 3.17-18; Rm 8.19-23), a redenção do pecadodeve igualmente envolver a totalidade da criação deDeus. Hermann Ridderbos faz o seguinte comentário:“Esta redenção [operada por Cristo]... adquire osentido de um drama divino que abrange tudo, ou,seja, é uma luta cósmica, na qual está envolvidonão somente o homem em seu pecado e condição deperdição, e na qual estão inscritos os céus e aterra, anjos e demônios, e cujo alvo é trazer devolta todo o cosmos criado para estar sob o domínioe senhorio de Deus” 21.

Esta dimensão cósmica da redenção estáclaramente ensinada em passagens como Ef 1.9-10 eCl 1.19-20. A primeira passagem diz o seguinte:“desvendando-nos [Deus] o mistério da sua vontade,segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo,de fazer convergir nele, na dispensação daplenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as docéu como as da terra”. A passagem de Colossenses éimportante porque conjuga a redenção cósmica com ofato de que Cristo é o autor da criação tanto comoda redenção (veja v.16) “todas as coisas foramcriadas através dele [Cristo] e para ele”. Cristoestá envolvido na redenção como aquele através dequem e para quem todas as coisas foram criadas, ecomo aquele que, por causa disso, está maisprofundamente interessado na criação inteira. Nadamenos do que a libertação total da criação de seu“cativeiro da corrupção” (Rm 8.21) poderásatisfazer os propósitos redentores de Deus.

70

Para que possamos ver a história à luz destespropósitos, portanto, nós devemos vê-la comomovendo-se em direção ao alvo do universofinalmente restaurado e glorificado. Retornaremos aeste assunto mais adiante, quando tratarmos dotópico da nova terra. Por enquanto, será bastantelembrar que é essencial à interpretação cristã dahistória perceber sua natureza orientada para oalvo. Isso não significa que nós podemos versempre, exatamente, como cada evento histórico estárelacionado com o alvo da história, uma vez queisso, muitas vezes, é extremamente difícil. Massignifica, entretanto, que ao lermos as manchetes,ouvirmos o noticiário e lermos as revistasinformativas, devemos crer que o Deus da históriaestá sempre no controle, e que a história está semovendo firmemente para seu alvo.

Estas são as principais características dainterpretação cristã da história. Passemos agora aobservar algumas das implicações destainterpretação da história para nossa compreensão domundo em que vivemos.

(a) A atividade característica da era presente são as missões. Se Cristo realmente inaugurou o reino deDeus e se ele realmente nos deu a Grande Comissão(Mt 28.19,20), como ele de fato, o fez, então agrande tarefa da igreja é levar o evangelho a cadacriatura. O próprio Cristo disse: “E será pregadoeste evangelho do reino por todo o mundo, paratestemunho a todas as nações. Então virá o fim” (Mt24.14). Uma razão pela qual Cristo ainda nãoretornou, conforme 2 Pe 3.9, é que o Senhor é

71

paciente com os homens “não desejando que nenhumpereça mas que todos venham ao arrependimento”(ASV). Todas estas considerações somam-se a umacoisa: a atividade missionária da igreja que é aatividade característica dessa era entre a primeirae a segunda vinda de Cristo.Oscar Cullmann expressa este pensamento nasseguintes palavras: “A proclamação missionária daIgreja, sua pregação do evangelho, dá ao períodoentre a ressurreição de Cristo e a Parousia seusignificado para a história redentora; e ela temeste significado através de sua conexão com oSenhorio presente de Cristo” 22. Hendrikus Berkhof,na verdade, devota um capítulo inteiro de seu livroChrist the Meaning of History (Cristo, o sentido dahistória) para “O Esforço Missionário Como UmaForça Fazedora da História” 23. Neste parágrafo,Berkhof fala das novas realidades que esta pregaçãomissionária trouxe para o mundo: uma novacompreensão do homem e da natureza e o novoreconhecimento do mundo como uma unidade. Eleencontra nas missões cristãs uma evidência do poderda ressurreição de Cristo: “O que é verdadeiro dosofrimento de Cristo é também verdadeiro a respeitodo poder de sua ressurreição. Este poder se auto-manifesta não apenas no indivíduo, mas também naIgreja como um todo. Como tal, é de significaçãoconstitucional para o Reino e seu fazer história. Amarca primeira e central deste fato é a continuaçãoda empresa missionária (Mt 24.14)” 24.

(b) Nós vivemos numa tensão contínua entre o já e o aindanão. Como vimos, a posição do crente

72

neotestamentário é esta: ele vive nos últimos dias,mas o último dia ainda não chegou; ele está na novaera, mas a era final ainda não está aí. Embora eledesfrute dos “poderes da era porvir”, ele ainda nãoestá livre de pecado, sofrimento e morte. Emboraele tenha as primícias do Espírito, ele gemeinteriormente enquanto espera por sua redençãofinal.

Esta tensão dá à era presente seu saborpeculiar. O cristão desfruta hoje de bênçãos que ocrente veterotestamentário nunca conheceu; ele temuma compreensão muito mais rica do plano redentorde Deus do que seu colega-crente do AntigoTestamento. Mas o cristão ainda não está no finaldo caminho. Embora ele seja agora um filho de Deus,ainda não é aparente o que ele será (1 Jo 3.2).embora ele saiba que está em Cristo e que ninguémjamais poderá arrancá-lo fora das mãos de Cristo,ele percebe que ainda não tem posse da perfeição eque precisa confessar seus pecados diariamente.

Uma vez que Cristo conquistou a vitória, nósdevemos ver evidências desta vitória na história eno mundo ao nosso redor. Mas, desde que aconsumação final da vitória ainda não aconteceu,continuará havendo muitas coisas na história quenão entendemos, que não parecem refletir a vitóriade Cristo. Até o Dia do Juízo final, a históriacontinuará a ser marcada por uma certa ambigüidade.Karl Lowith bem comenta:

“Invisivelmente, a história mudoufundamentalmente; visivelmente, ela continua amesma, porque o Reino de Deus já está próximo

73

e assim, como um eschaton, ainda por vir. Estaambigüidade é essencial a toda a história apósCristo: o tempo já está cumprido e ainda nãoconsumado... em função desta profundaambigüidade do cumprimento histórico onde tudo‘já’ é ‘ainda-não’ é, o cristão vive numatensão radical entre presente e futuro. Eletem fé e tem esperança. Estando tranqüilo emsua experiência presente e concentrando-se nofuturo, ele confiantemente desfruta daquilo emfunção do que está se esforçando e aguardandoansiosamente” 25.

(C) Há duas correntes de desenvolvimento na história. Atensão descrita acima entre o já e o ainda-nãoimplica que, lado a lado com o crescimento edesenvolvimento do reino de Deus, na história domundo desde a vinda de Cristo, nós também vemos ocrescimento e desenvolvimento do “reino do mal”.Recordaremos que na Parábola do Joio (Mt 13.24-30,36-43), Jesus ensinou que o joio que representa osfilhos do maligno - continuará crescendo até a horada ceifa, quando será finalmente separado do trigo.Em outras palavras, o reino de Satanás existirá ecrescerá enquanto o reino de Deus crescer, até oDia do Juízo.

Berkhof conecta o desenvolvimento paralelodestas duas correntes com a cruz e ressurreição deCristo e sustenta que ambas as correntes, a cristãe a anticristã, alcançarão uma crise final antes dofim da história humana como nós a conhecemos: “...As duas correntes reveladas na cruz e ressurreição,

74

a corrente da rebelião do homem e a corrente dopoder superior de Deus, irão igualmente continuar eserão aprofundadas e fortalecidas até que ambasalcancem um ponto de culminação e uma crise. Isto éo que as imagens sobre os anticristos e oAnticristo, e acerca do Milênio e a grande batalhafinal, procuram expressar” 26. Ele insiste que paravermos a história, em sua totalidade, devemoscontinuar a ver ambas as correntes: “...Cruz eressurreição são ambas conjuntamente o segredo dahistória. Devemos rejeitar a falta de apreciação deum ou dos dois fatores, ou o isolamento um do outrocomo, por exemplo, é feito quando o poder daressurreição é considerado ativo apenas naIgreja... não há equilíbrio entre cruz eressurreição. As sombras criadas pelo reinado deCristo são perfeitamente parte desta dispensação,enquanto que a luz do seu reino permaneceráofuscada até o fim” 27.

Aqui vemos, novamente, a ambigüidade dahistória. A história não revela um triunfo simplesdo bem sobre o mal, nem uma vitória total do malsobre o bem. Mal e bem continuam a existir lado alado. O conflito entre ambos continua durante a erapresente, porém, uma vez que Cristo conquistou avitória, a solução final do conflito nunca está emdúvida. O inimigo está lutando uma batalha perdida.

Isto nos leva a considerar a questão doprogresso. Podemos nós dizer que a história revelaprogresso genuíno? Novamente nos deparamos com oproblema da ambigüidade da história. Para cadaavanço, assim nos parece, há um recuo

75

correspondente. A invenção do automóvel trouxeconsigo a poluição do ar e um temível aumento dosacidentes rodoviários. A invenção da imprensatrouxe uma enchente de livros e revistasinferiores, triviais e mesmo pornográficos. Oadvento da TV significou a apresentação de muitosprogramas envolvendo violência, com um conseqüenteaumento dos crimes de violência. A cisão do átomoresultou no indescritível horror de Nagasaki eHiroshima. E assim por diante. Para cada passo àfrente, como se pode ver, a raça humana dá um passopara trás. Progressão está emparelhada comregressão.

Nicolas Berdyaev conjuga o conceito deprogresso com a visão otimista de vidacaracterística do século dezenove, mostrando que aidéia do progresso está baseada em um tipo ingênuode Utopia que o homem do século vinte não podeaceitar mais 28. Ele sustenta que, quando nósolhamos para a história de pessoas e nações numaescala ampla, não encontramos progresso real, porémmais ascensão seguida de declínio:

“Ao examinarmos o destino de pessoas,sociedades, culturas, observamos que todaselas passam por estágios nítidos denascimento, infância, adolescência,maturidade, e florescência, idade avançada,decadência e morte. Toda grande sociedade ecultura nacionais e ficam sujeitas a esteprogresso de decadência e morte. Valoresculturais são imortais porque cultura contémum princípio imortal. Mas as próprias pessoas,

76

consideradas como organismos vivos dentro daestrutura da história, estão condenadas àdecadência e morte tão logo sua eflorescênciatenha passado. Nenhuma grande cultura ficouimune à decadência...

Tais considerações têm levadohistoriadores importantes, tais como EdouardMeyer, a negar categoricamente a existência deprogresso humano numa linha reta ascendente.Existe um desenvolvimento de tipos apenasdistintos de cultura, e culturas prósperas nemsempre alcançam o nível de suas precedentes”29.

Enquanto a visão histórica de Berdyaev ébasicamente pessimista, a de Hendrikus Berkhof émais otimista. Ele não nega que, paralelamente aocrescimento do reino de Deus, os poderesanticristãos também crescem. Contudo, ele contestaque o crescimento desses poderes anticristãos sejaapenas o lado sombrio do crescimento do reino deDeus 30. Portanto, Berkhof insiste em que, aoolharmos para a história com os olhos da fé,podemos ver progresso uma vez que, inclusive, osmovimentos e forças anticristãs estão sempre sob ocontrole de Cristo e, em última instância, servem àseus propósitos:

“Na luta por uma existência genuinamentehumana, pela libertação do sofrimento, pelaelevação do subdesenvolvimento, pela redençãodos cativos, pela diminuição das diferenças deraça e classe, por oposição ao caos, ao crime,

77

ao sofrimento, à doença e à ignorância - emresumo, na luta pelo que denominamos progresso-, há uma atividade acontecendo por todo omundo para a honra de Cristo. Às vezes ela érealizada por pessoas que o conhecem e desejam[a honra de Cristo]; mais freqüentemente, érealizada por aqueles que não tem esseinteresse, mas cujas obras provam que Cristoverdadeiramente recebeu - bem objetivamente -todo o poder na terra” 31.

Em resumo, embora devamos sempre reconhecerestas duas correntes de desenvolvimento na história- a do reino de Deus e a do reino do mal -, a fésempre verá a primeira como controlando, dominandoe, finalmente, conquistando a segunda. É no reinode Deus que devemos ver o sentido real da história.

(d) Todos os nossos juízos históricos devem ser provisórios.Esta é a mais uma implicação da ambigüidade dahistória. Nós sabemos que no juízo final o bem e omal serão finalmente separados e uma avaliaçãofinal de todos os movimentos históricos será dada.Até àquela hora, como Jesus disse, o trigo e o joiocrescerão juntos. Isto implica em que todos osnossos julgamentos, feitos do lado de cá do juízofinal, têm de ser relativos, aproximativos eprovisórios. Nunca poderemos estar absolutamentecertos de se um evento histórico específico é bom,mau, ou - em caso ambivalente - predominantementebom ou predominantemente mau. Um escritor o colocaassim: “Até ao fim de tudo, fenômeno histórico

78

nenhum é ou absolutamente bom ou absolutamente mau”32.

Freqüentemente, tendemos a ver movimentoshistóricos e forças simplesmente em termos de pretoou branco: “a igreja é boa; o mundo é mau”. Narealidade, as coisas são muito mais complicadas doque isso. Há muita coisa má na igreja, e há muitacoisa boa no “mundo”. Conforme Abrahan Kuypercostumava dizer: “o mundo, geralmente, é melhor doque nós esperamos, ao passo que a igreja égeralmente pior do que esperamos”. Por causa disso,os eventos históricos não devem ser vistossimplesmente em termos de branco ou preto, porémmais em termos de diferentes tons de cinza.

Contudo, o fato de todos os julgamentoshistóricos serem provisórios, não significa que nósnão devamos emiti-los. Até julgamentos falhosacerca da significação de eventos históricos sãomelhores do que a falta de julgamento. Note o queBerkhof tem a dizer sobre isso:

“o fato de nem o Reino de Cristo nem oreino do anticristo terem sido revelados atéagora, mas de estarem eles escondidos sob aaparência do oposto, e de estarem entrelaçadosem todo lugar, não significa que nada se possaconhecer ou reconhecer acerca deles. Ahistória mundial não é preta ou branca, mastambém não é nem mesmo cinza. O olho da féreconhece o cinza claro e o cinza escuro, sabeque estas diferenças de graduação se originamem diferenças de princípios.

79

Somando a este, encontramos um assuntomuito importante. A história é o terreno deações e decisões humanas. Escolhas têm de serfeitas... Tendo em vista a ambigüidade denossa história, toda interpretação semprepermanecerá discutível. Mas ela é inevitável.É um ato de grata obediência e, como tal,nunca é desprovida de sentido e de bênçãos.Ela não acontece de modo cego. Por maisrelativos que os fatos possam ser, o cinzaclaro e escuro impressiona claramente a nossavisão” 33.

(e) A compreensão cristã da história é fundamentalmente

otimista. O cristão crê que Deus está no controle dahistória e que Cristo conquistou a vitória sobre ospoderes do mal. Isto significa que o resultadofinal das coisas com certeza será bom e não mau,que o propósito redentor de Deus será finalmenterealizado, e que “apesar de o errado, tantas vezes,parecer tão forte, Deus ainda é o soberano”.

Infelizmente, porém, os cristãos são muitasvezes excessivamente pessimistas acerca da erapresente. Eles tendem a dar ênfase ao mal que eles,ainda, encontram no mundo, ao invés de dar ênfase àevidência da soberania de Cristo. Hendrikus Berkhoffala de um “pessimismo em relação à cultura” porparte dos cristãos:

“O cristão típico não espera ver nenhumsinal positivo do reinado de Cristo no mundo.Ele crê que o mundo somente fica pior e correna direção do anticristo... O cristão típico

80

não está ciente da presença do Reino hoje nomundo. ...Em nossas igrejas prevalece umaqualidade ruim de pietismo... que limita opoder de Cristo à sua relação pessoal com ocrente individualmente, e não vê conexão entreCristo e eventos seculares, ou entre Cristo eo trabalho diário. Isso nos leva a umacegueira ingrata para com os sinais do reinode Cristo no presente. Expressões tais como:“nós vivemos numa cratera de vulcão”; “assimnão vai agüentar mais muito tempo”; “ahumanidade está piorando continuamente”; “ofim do tempo está próximo”, são muitopopulares nos círculos cristãos. E eles crêemque esse pessimismo em relação à cultura...está completamente de acordo com a fé cristã”34 .

Berkhof argumenta que uma visão tal dahistória não faz jus nem ao desempenho atual deDeus nem à vitória de Cristo e que, por causadisso, é negação de um aspecto essencial da fécristã. Embora o cristão seja suficientementerealista para reconhecer a presença do mal no mundoe a presença do pecado no coração dos homens, eleainda é basicamente um otimista. Ele crê que Deusestá no trono, e que está desenvolvendo seuspropósitos na história. Assim como o cristão devecrer firmemente que todas as coisas cooperam,conjuntamente, para o bem em sua vida, apesar dasaparências em contrário, assim também ele deve crerque a história está se dirigindo para o alvo

81

estabelecido por Deus, mesmo que eventos mundiaisfreqüentemente pareçam contrariar a vontade deDeus. Nas palavras de Berkhof: “Nós cremos num Deusque continua vitoriosamente a sua obra nestadispensação. Isso é um ato de fé. Este ato estábaseado no fato de que Cristo ressuscitou dosmortos neste velho mundo e não é perturbado pelofato de que a experiência, muitas vezes, parececontradizer esta fé. O crente sabe que, para Deus,os fatos estão de acordo com esta crença” 35.

(f) Há tanto continuidade como descontinuidade entre estaera e a próxima. Tradicionalmente, nós tendemos apensar que a era por vir está de tal natureza, que“cairá neste mundo mau como uma bomba” 36 e que,portanto, envolve uma quebra absoluta entre estaera e a próxima. A Bíblia, porém, nos ensina queentre esta e a próxima era haverá tantocontinuidade como descontinuidade. Os poderes daera porvir já estão em ação na era presente; sealguém está em Cristo, ele já é agora uma novacriatura (2 Co 5.17). O crente vive agora nosúltimos dias; pelo menos num sentido ele já foiressuscitado com Cristo (Cl 3.1) e Deus o fezsentar-se com Cristo nos lugares celestiais (Ef2.6).

Na experiência cristã do crente, portanto, háuma continuidade real entre esta era e a próxima. OCatecismo de Heidelberg expressa esta verdade emsua resposta à Questão 58:

“Que conforto você deduz do artigo sobrea vida eterna?

82

Que, uma vez que eu agora sinto em meucoração o início do gozo eterno, após estavida eu vou possuir alegria perfeita, tal qualolho nenhum viu nem ouvido ouviu, nem penetrouno coração humano - dessa maneira para louvara Deus para sempre”.

Existirá, portanto, também alguma continuidadecultural entre este mundo e o próximo? Haverá algumsentido no qual nós possamos já hoje estartrabalhando para aquele mundo melhor? Podemos dizerque alguns dos produtos da cultura de que nósdesfrutamos hoje continuarão a estar conosco noradiante amanhã de Deus?

Eu creio que sim. A nova terra que está vindonão será uma criação absolutamente nova, mas umarenovação da terra presente. Sendo este o caso,haverá continuidade tanto quanto descontinuidadeentre nossa cultura presente e a cultura - se é quea chamaremos assim -, do mundo por vir. Berkhof noslembra várias figuras bíblicas que sugerem estacontinuidade:

“... A Bíblia... apresenta a relaçãoentre o agora e o depois como aquela entresemeadura e ceifa, amadurecimento e ceifa, grão eespiga. Paulo declara que um homem pode construirsobre Cristo, o fundamento, com ouro ou prata, demodo tal que sua obra permanecerá na consumação eele receberá galardão (1 Co 3.14). O livro deApocalipse menciona as obras que seguirão oscrentes na consumação (14.13), e duas vezes é ditona descrição da nova Jerusalém que a glória dos

83

reis da terra (21.24) e das nações (21.260) serátrazida para dentro dela. Para nós, que devemosdecidir e trabalhar na história, é de grandeimportância tentar entender mais claramente osentido desta linguagem figurativa que fala tãoclaramente sobre uma continuidade entre presente efuturo” 37.

O que isso tudo significa é que nós,realmente, devemos estar trabalhando agora para ummundo melhor, que nossos esforços desta vida emtrazer o reino de Cristo a uma mais completamanifestação são de significado eterno. Uma vez queaté aqueles que não amam a Cristo estão sob seucontrole, nós podemos crer firmemente que produtosda ciência e a cultura produzida por descrentespoderão ser ainda encontrados na nova terra. Mas oque é de importância ainda maior para nós é quenossa vida cristã hodierna, nossa luta contra opecado - tanto individual como institucional -,nossa obra missionária, nossa tentativa parapromover uma cultura distintivamente cristã, terãovalor não só para este mundo mas inclusive para omundo porvir 38.

84

Notas do Capítulo 3

1. H. Berkhof, Meaning, p.13 2. Ibid, pp 13,14. A Cidade de Deus de Agostinho,

obviamente forma uma notável exceção a estadeclaração.

3. Berkhof, Meaning, p. 154. John Marsh, The Fulness of Time (A Plenitude do

Tempo) Londo: Nisbet, 1952 p. 1675. O Cullmann, Time, p.52. Sobre a visão grega da

história, ver também Berkhof, Meaning, pp 19-21;e Karl Lowith, Meaning in History (Sentido naHistória) (Chicago: Univ of Chicago Press,1949), pp. 4,5.

6. G. E. Ladd, Jesus and the Kingdom (Jesus e o Reino)New York: Harper and Row, 1964, p.xiv

7. Ladd, Presence, p 3318. Marsh, op. Cit., p 1709. Nicolas Berdyev, The Meaning of the History (O Sentido

da História) London: Geoffrey Bles, 1936, p.10810. Cullmann, Time, pp 18,19. Ver também Marsh, op

cit., p. 15511. Cullmann, Time, pp 81-83.12. Ibid., pp 84, 145, 14613. Tanto Marsh (op. Cit., pp. 177,178) como

Berkouwer (Return, pp 74,75) têm criticado aanalogia de Cullmann, principalmente baseados nocaráter de tentativa de todos os julgamentoshistóricos. É obviamente verdadeiro que nenhumaanalogia exata à obra redentiva de Cristo possaser achada na história humana. Ainda assim, oponto central de Cullmann está certamente bem

85

colocado: através da primeira vinda de Cristo, avitória sobre Satanás foi conquistada, mesmo quemuitas batalhas ainda restam para seremtravadas.

14. Cullmann, time, p.7215. Marsh, op cit., pp 166,16716. H. Ridderbos, Paul, pp 221, 22217. Compare meu livro The Christian Looks at Himself (O

Crente Olha para Si Mesmo) Grand-Rapids:Eerdmans, 1977, pp. 41-48

18. R Ridderbos, Paul and Jesus (Paulo e Jesus)Filadélfia: Presbyterian and Reformed, 1958, pp.64,65

19. Marsh, op. cit., pp 155, 5620. Lowth, op. Cit., p.621. Ridderbos, Paul na Jesus, p. 7722. Cullmann, Time, p.15723. Berkhof, Meaning, pp 81-10024. Ibid., p 12425. Lowith, op. Cit., p.188 26. H.Berkhof, Well-Founded Hop (Esperança bem

fundamentada), p.79.27. Berkhof, Meaning, pp.177,178 28. Berdyev, op cit., pp 186-9329. Ibid., p. 19430. Berkhof, Meaning, pp 170, 7131. Ibid., p. 17332. D. Chantepie de la Saussaye, La Crise Religiouse en

Hollande (A Crise Religiosa na Holanda), 1860,p.50 citado em Berkhof, Meaning, p.194

33. Berkhof, Meaning, p.199. Com relação à naturezaprovisória do julgamento histórico, observe

86

também a útil distinção que Frank Roberts fazentre dois extremos que devem ser evitados:“Excesso de confiança” e “Excesso dedesconfiança”, in A Christian View of History? (Uma visãocristã da História?) Grand Rapids: Eerdmans,1975, pp. 10-13.

34. Berkhof, Meaning, p.174.35. Ibid., p.170. 36. Ibid., p.182.37. Ibid., p.189.38. Para uma interpretação cristã da história, em

adição às obras já mencionadas, ver tambémHerbert Butterfield, Christianity and Hitory(Cristianismo e História) (London: G. Bell,1949), e A T. Van Leeuwen, Christianity in Word Histoy(Cristianismo na História Mundial) (New York:Scribner, 1965).

87

CAPÍTULO 4

O REINO DE DEUS

O Reino de Deus é o tema central da pregaçãode Jesus e, por extensão, da pregação e ensino dosapóstolos. Foi mencionado anteriormente que um doseventos que o crente veterotestamentário aguardavaera a vinda do Reino de Deus, e que essa expectaçãoestava conectada, especialmente em Daniel, com oaparecimento futuro do Filho do Homem. A chegada doReino de Deus, portanto, bem como sua permanência econsumação final, deve ser vista como um aspectoessencial da escatologia bíblica. Georg Ladd faz oseguinte comentário: “Uma vez que a missãohistórica de Jesus é vista pelo Novo Testamentocomo um cumprimento da promessa vétero-testamentária, toda a mensagem do Reino de Deusincorporada nos atos e palavras de Jesus pode serincluída na categoria da escatologia” 1.

Como podemos verificar no levantamentohistórico encontrado no apêndice, o Reino de Deus éum conceito extremamente importante nas discussõesescatológicas modernas. Ritschl, Harnack e C.H.Dodd consideram o Reino, no ensino de Jesus, comoexclusivamente presente, enquanto que homens comoWeiss, Schweitzer e Moltmann ensinavam que o reinoera exclusivamente futuro. Ainda outros eruditosbíblicos, como Geerhardus Vos e Oscar Cullmann,viam o Reino tanto como presente quanto como futuro- presente em um sentido e futuro em outro2. Parachegarmos a uma avaliação destes pontos de vista

88

conflitantes, deveremos ter de examinar,cuidadosamente, o conceito do Reino de Deus.

No início do Novo Testamento, ouvimos João, oBatista, e Jesus, ambos anunciando a vinda do Reinode Deus. João Batista veio pregando no deserto daJudéia, dizendo: “Arrependei-vos, porque estápróximo o reino dos céus” (Mt 3.2) 3. João exortavaseus ouvintes, preparando para a vinda deste Reino,que seria inaugurado pelo Messias, designado apenascomo “O que Haveria de Vir”. João viu a missãodAquele que Haveria de Vir como sendo primeiramentede separação: aqueles que se arrependessem elesalvaria, e julgaria os que não se arrependessem.João, na verdade, “esperava essa dupla obramessiânica acontecer em um evento escatológicoúnico” 4. Ele tinha pregado que o Messias vindouroiria tanto “recolher o seu trigo no celeiro” comoqueimar a palha em fogo inextinguível (Mt 3.12).Quando João estava na prisão, começou a refletirsobre o fato de que, embora tivesse visto Jesusrealmente recolhendo trigo, não o vira queimandopalha. Isso levou João a enviar seus discípulos aJesus, e a perguntar: “És tu aquele que estava paravir, ou havemos de esperar outro?” (Mt 11.3). Naresposta, Jesus citou profecias do AntigoTestamento que estavam sendo cumpridas em seuministério; profecias acerca dos cegos recebendosua visão e dos coxos sendo reabilitados (vs 4-5).As palavras de Jesus implicavam que a fase dejulgamento de seu ministério, como João a tinhadescrito, deveria vir mais tarde; assim temos aquia primeira alusão ao fato de que a primeira vinda

89

do Messias deveria ser seguida por uma segunda - umfato que João não tinha entendido claramente.

Jesus também anunciou a vinda do Reino, empalavras que soavam semelhantemente àquelas de JoãoBatista: “O tempo está cumprido e o Reino de Deusestá próximo 5; arrependei-vos e credes noevangelho” (Mc 1.15). Porém, embora as pregações deJoão Batista e de Jesus soassem como semelhantes,havia uma diferença básica entre elas. A chave paraa diferença é encontrada nas palavras de Jesus: “Otempo está cumprido”. Enquanto João tinha dito queo Reino estava para vir na pessoa daquele queHaveria de Vir, Jesus disse que o tempo preditopelos profetas agora estava cumprido (Lc 4.21), eque o Reino agora estava presente na sua própriapessoa. Dessa forma, por exemplo, Jesus podia dizero que João Batista nunca falou: “O Reino de Deus échegado sobre vós” (Mt 12.28; Lc 11.20) 6. Poresta razão, então, Jesus pode falar acerca de JoãoBatista: “Entre os nascidos de mulher, ninguémapareceu maior do que João Batista; mas o menor noReino dos céus é maior do que ele” (Mt 11.11). Joãofoi o precursor do Reino, mas ele próprio ficou dolado de fora dele; ele anunciou a nova ordem decoisas, mas não era ele próprio parte dela. Ladddescreve da seguinte maneira a diferença entre aspregações do Reino por João Batista e por Jesus:“João tinha anunciado uma visitação iminente deDeus, o que significaria o cumprimento da esperançaescatológica e a vinda da era messiânica. Jesusproclamou que essa promessa estava de fato sendocumprida... Ele anunciou, corajosamente, que o

90

Reino de Deus tinha vindo a eles... A promessa foicumprida na ação de Jesus: em sua proclamação dasboas novas para os pobres, liberdade para oscativos, visão restaurada para o cego, libertandoaqueles que eram oprimidos. Isso não era umateologia nova ou nova idéia ou nova promessa; eraum novo evento na história” 7.

Podemos dizer, portanto, que Jesus mesmoinaugurou o Reino de Deus cuja vinda tinha sidopredita pelos profetas do Antigo Testamento. Porcausa disso, nós devemos ver o Reino de Deus semprecomo indissoluvelmente ligado à pessoa de JesusCristo. Nas palavras e feitos de Jesus, milagres eparábolas, ensino e pregação, o Reino de Deusestava dinamicamente ativo e presente entre oshomens.

Às vezes, nos Evangelhos, o nome de Cristo éigualado com o Reino de Deus. Isto será evidente seolharmos para as passagens paralelas, nosSinóticos, que tratam da história do jovem rico. Emresposta à pergunta de Pedro: “Eis que nós tudodeixamos e te seguimos: que será, pois, de nós?”(Mt 19.27), Jesus diz: “Todo aquele que tiverdeixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe,ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberámuitas vezes mais e herdará a vida eterna” (v.29).No paralelo, em Marcos, Jesus fala de deixar todasestas coisas “por causa do Reino de Deus” (Lc 18.29).

Encontramos uma equiparação similar entreCristo e o Reino no livro de Atos. Filipe édescrito como alguém “que os evangelizava arespeito do Reino de Deus e do nome de Jesus

91

Cristo” (At 8.12). E Paulo é descrito no últimoversículo do livro de Atos como “pregando o Reinode Deus e ensinando acerca do Senhor Jesus Cristo”(At 28.31, RSV).

Passagens desse tipo talvez ajudem a explicarporque não lemos tanto acerca do Reino de Deus nasEpístolas quanto nos Evangelhos. Nos escritos dePaulo, na verdade, o termo reino é encontrado apenastreze vezes, e nas Epístolas não-paulinas ele éencontrado apenas cinco vezes. Isto não significa,entretanto, que os Apóstolos não ensinavam oupregavam o Reino. O comentário de Karl LudwigSchimidt é útil aqui: ‘Desta forma, podemos verporque a Igreja apostólica é pós-apostólica do NTnão falava muito do basileia tou theou (Reino de Deus)explicitamente, mas sempre o enfatizouimplicitamente através de sua referência ao kyrioslesous Christos (= O Senhor Jesus Cristo). Não éverdade que ele agora colocou a Igreja em lugar doReino pregado por Jesus de Nazaré. Pelo contrário,a fé no Reino de Deus persiste na experiência deCristo pós-Páscoa” 8.

Deveríamos dizer, neste ponto, algo a respeitoda distinção entre Reino de Deus e Reino dos céus. SomenteMateus usa a última expressão; em todas as outraspartes do Novo Testamento encontramos Reino de Deus(com variações ocasionais como Reino de Cristo ou Reinode nosso Senhor). Embora alguns tenha tentadoencontrar uma diferença de sentido entre estas duasexpressões, deve ser mantido que Reino dos céus eReino de Deus são sinônimos em seu significado. Umavez que os judeus evitavam o uso do nome divino, na

92

prática judaica ulterior, a palavra céus era usadafreqüentemente como um sinônimo para Deus; porqueMateus estava escrevendo primeiramente paraleitores judeus, podemos entender sua preferênciapor esta expressão (embora até Mateus utilize otermo Reino de Deus quatro vezes). A expressão malkuthshamayim (reino dos céus) é encontrada na literaturajudaica ulterior; a frase que Mateus geralmenteutiliza, basileia ton ouranon (reino dos céus), é umatradução grega literal desta expressão hebraica.Uma vez que as expressões Reino dos céus e Reino de Deussão intercambiáveis nos sinóticos, podemos concluirseguramente que não há diferença de significaçãoentre as duas.

Como deveremos definir o reino de Deus? Estanão é uma tarefa fácil, especialmente porque opróprio Jesus nunca forneceu uma definição doreino. Também não encontramos tal definição nosescritos apostólicos; as palavras de Paulo em Rm14.17: “Porque o reino de Deus não é comida nembebida, mas justiça, e paz, e alegria no EspíritoSanto”, mesmo que úteis e esclarecedoras, não sãoexatamente uma definição. Deveremos ter de agirindutivamente.

Georg Eldon Ladd indica que os Evangelhos nemsempre falam da mesma maneira acerca do Reino; eleencontra pelo menos quatro usos distintos daexpressão 9.

Muitos eruditos bíblicos têm enfatizado um ououtro significado, freqüentemente refletindo suaposição teológica particular. Naturalmente, étambém bem possível que as diferentes maneiras

93

pelas quais Jesus e os Apóstolos falaram sobre oReino representem facetas diversas de uma única,porém complexa idéia.

Ao procurarmos o significado central do Reino,a primeira questão a ser colocada é se o Reinovigora sobre um setor ou território sobre o qualDeus governa, ou sobre o Reino ou governo de Deuscomo tal. A concepção mais amplamente aceita doReino de Deus é que seu significado principal é oGoverno ou Reino de Deus mais do que um territóriosobre o qual ele governe. Ladd menciona dezoitofontes recentes que representam o Reino como oGoverno ou Reinado de Deus 10. Ele cita uma porçãode passagens do Novo Testamento, tanto dosEvangelhos como de fora deles, que trazem opensamento de que o Reino é o Reino de Deus 11.Embora ocasionalmente o termo “reino” tenhaconotação de espaço, ao referir-se a uma ordem decoisas ou a um estado de paz e felicidade,normalmente ele descreve o Reinado de Deus sobre oseu povo.

Não há dúvida de que o primeirosignificado, especialmente o de domínio como oexercício da dignidade real, é pronunciamentoscentrais acerca do “Reino dos Céus” nosEvangelhos. Então, o significado espacial doReino é secundário. Quando o texto diz quebasileia ton ouranon “está próximo”... nãodeveríamos pensar primeiramente em umaentidade espacial ou estática que estejadescendo dos céus, mas antes em um governoreal divino que de fato e efetivamente começa

94

sua operação; por causa disso, devemos pensarna ação divina do rei 12.

... O Reino dos Céus pregado por João eJesus é antes de tudo um processo de caráterdinâmico... Pois a vinda do Reino é o estágioinicial do grande drama da história do fim 13.

Portanto, o Reino de Deus deve ser entendidocomo o Reinado dinamicamente ativo de Deus nahistória humana através de Jesus Cristo, cujopropósito é a redenção do povo de Deus do pecado ede poderes demoníacos, e o estabelecimento finaldos novos céus e nova terra. Isto significa que ogrande drama da história da salvação foi inauguradoe que a nova era foi instaurada 14. O Reino não deveser entendido como apenas a salvação de certosindivíduos ou mesmo como o Reino de Deus no coraçãode seu povo; não significa nada menos que o Reinode Deus sobre todo o seu universo criado. “O Reinode Deus significa que Deus é Rei e age na históriapara trazer a história a um alvo divinamentedeterminado”15.

Fica evidente, portanto, que o Reino de Deus,como descrito no Novo Testamento, não é um estadode atividade realizada através de conquistashumanas, nem a culminação de esforços humanosextenuantes. O Reino é estabelecido pela graçasoberana de Deus e suas bênçãos devem ser recebidascomo dons dessa graça. A tarefa do homem não étrazer o Reino para a existência, mas neleingressar pela fé, e orar para que ele seja mais emais capacitado a submeter-se ao governo

95

beneficente de Deus, em todas as áreas de sua vida.O Reino não é a escalada ascendente do homem para aperfeição mas a irrupção de Deus na história humanapara estabelecer seu Reinado e para levar adianteseus propósitos 16 .

Dever-se-á acrescentar que o Reino de Deusinclui tanto um aspecto positivo como um negativo.Ele significa redenção para aqueles que o aceitam enele ingressam pela fé, e juízo para aqueles que orejeitam. Jesus deixa isto muito claro em seusensinos, especialmente em suas parábolas. Aqueleque ouve as palavras de Jesus, e as pratica, é comoum homem que constrói sua casa sobre a rocha,enquanto aquele que ouve as palavras de Jesus, masnão as pratica, é semelhante ao homem que constróisua casa sobre a areia - e grande foi a sua queda(Mt 7.24-27). Aqueles que aceitam o convite para asbodas, se regozijam e estão felizes, enquanto queaqueles que rejeitam o convite são entregues àmorte, e o homem sem as vestes nupciais é lançadofora nas trevas (Mt 22.1-14). Na verdade, porque anação de Israel, como um todo, rejeitou o Reino,Jesus disse que o Reino de Deus seria tirado delese dado a uma nação que produzisse seus frutos (Mt21.43). O propósito primeiro do Reino de Deus é asalvação, no sentido integral da palavra, daquelesque nele ingressam - porque “Deus não enviou seuFilho ao mundo para condenar o mundo, mas parasalvar o mundo através dele” (Jo 3.14, NIV). Masaqueles que rejeitam e desprezam o Reino receberamo maior julgamento: “Todo o que cair sobre estapedra [a pedra angular, que é Jesus Cristo] ficará

96

em pedaços’; e aquele sobre quem ela cair, ficaráreduzido a pó” (Lc 20.18)

Quais são os sinais da presença do Reino? Umdestes sinais é a expulsão de demônios por Jesus. Quando Jesus fez isto, mostrou que ele haviaconquistado uma vitória sobre os poderes do mal eque, por causa disto, o Reino de Deus tinhachegado. O próprio Jesus salientou isto, quandodisse aos fariseus que argumentavam que ele estavaexpulsando demônios por Belzebu, o príncipe dosdemônios: “Se, porém, eu expulso os demônios peloEspírito de Deus, certamente é chegado o Reino deDeus sobre vós” (Mt 12.28).

Um outro sinal é a queda de Satanás . Quando ossetenta retornaram de sua missão, dizendo que atéos demônios se sujeitavam a eles em nome de Cristo,Jesus é citado dizendo: “Eu via Satanás caindo docéu como um relâmpago” (Lc 10.18). Não há dúvida deque estas palavras devem ser interpretadasfiguradamente, não literalmente. Elas significamque “a vitória sobre Satanás”, que o pensamentojudaico situava conjuntamente no fim da era,aconteceu na história, em certo sentido, na missãode Jesus”17. Podemos dizer que, nessa época, o poderdo Reino de Deus entrou na história humana atravésdo ministério dos discípulos - um ministério,entretanto, que estava baseado na vitória que Jesusjá tinha conquistado sobre Satanás. Resta dizer queesta vitória sobre Satanás, embora decisiva, aindanão é final, uma vez que Satanás continua ativodurante o ministério subseqüente de Jesus (Mc 8.33;Lc 22.3 e 31). O que de fato aconteceu durante o

97

ministério de Jesus foi uma espécie de amarração deSatanás (veja Mt 12.29 e compare com Ap 20.2) -isto é, uma restrição de suas atividades. Que tipode restrição isto envolveu nos veremos maisadiante.

Ainda um outro sinal da presença do Reino foia realização de milagres por Jesus e seus discípulos. Naoperação desses milagres era efetuada a vinda doReino. O próprio Jesus indicou isto em sua repostaa João Batista, na qual ele instruiu seusdiscípulos como segue: “ide, e anunciai a João oque estais ouvindo e vendo: os cegos vêem, os coxosandam, os leprosos são purificados, os surdosouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobresestá sendo pregado o evangelho” (Mt 11.4-5). Masestes milagres foram apenas sinais; eles tinhamsuas limitações. Primeiro, nem todos os doentesforam curados, nem todos os mortos ressuscitados.Mais ainda, os doentes que foram curados, os coxosque tiveram seu andar recuperado e os mortos queforam ressuscitados, ainda tinha de morrer. Osmilagres tinham função provisória, indicando apresença do Reino, mas ainda não marcando suaconsumação final.

Mais um sinal, até mais importante que oúltimo, era a pregação do Evangelho. Os milagres decura não foram o maior dom que Jesus concedeu.Muito mais importante foi a salvação ele trouxeàqueles que creram - uma salvação mediata ou, seja,através da pregação do Evangelho. Quando Jesusdisse aos setenta: “Não obstante, alegrai-vos, nãoporque os espíritos se vos submetem e, sim, porque

98

os vossos nomes estão arrolados nos céus” (Lc10.20), ele estava restaurando o senso deprioridade deles. É significativo, portanto, que naresposta de Jesus a João Batista, citada acima, osinal último e culminante, que mostra que Cristoverdadeiramente é o Messias e que o Reinoverdadeiramente veio, é este: “aos pobres estásendo pregado o evangelho” (Mt 11.5).

A dádiva do perdão de pecados é um sinal da presença do Reino. Nos profetas do AntigoTestamento, o perdão dos pecados tinha sido preditocomo uma das bênçãos da era messiânica vindoura(vejam-se Is 33.24; Jr 31.34; Mq 7.18-20; Zc 13.1).Quando Jesus veio, ele não somente pregou acerca doperdão de pecados mas, realmente, o concedeu. Acura do paralítico, após Jesus ter perdoado seuspecados, foi uma prova de que “o Filho do homem temsobre a terra autoridade para perdoar pecados” (Mc2.10). O fato de que os escribas acusaram Jesus deblasfêmia nesta ocasião, uma vez que - assimargumentavam -, somente Deus pode perdoar pecados,indicou que eles não perceberam que o Reino de Deusrealmente estava presente entre eles. Eles não sederam conta de que “A presença do Reino de Deus nãoera um novo ensino de Deus: era uma nova atividadede Deus na pessoa de Jesus, trazendo aos homens,como uma experiência presente, o que os profetasprometeram no Reino escatológico”18.

Relacionado com os sinais da presença doReino, dever-se-ia relembrar que a vinda do Reinonão significou um fim para o conflito entre bem emal. Continuará a haver conflito e oposição entre o

99

Reino de Deus e o Reino do mal através da história,e neste conflito o povo de Deus será convocado aosofrimento. Na verdade, a antítese entre estes doisreinos, é até intensificada pela vinda de Cristo.Não nos disse Jesus: “Não penseis que vim trazerpaz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt10.34)?

O que há de maior interesse na área daescatologia a respeito do Reino é a questão sobrese o Reino de Deus, nos ensinos de Jesus e dosapóstolos, era considerado uma realidade presenteou uma realidade futura, ou ambas. Esta questão temsido objeto de muito debate. Será relembrado quealguns eruditos vêem o Reino como exclusivamentefuturo, outro o vêem como exclusivamente presente eoutros, ainda, o entendem tanto como presentequanto como futuro. Faremos jus a todos os dadosbíblicos apenas quando concebermos o Reino de Deustanto presente como futuro.

Jesus ensinou claramente que o Reino de Deusjá estava presente em seu ministério. Mateus 12.18foi citado anteriormente: “Se, porém, eu expulso osdemônios pelo Espírito de Deus, certamente échegado o Reino de Deus sobre vós” (cp. Lc 11.20).O verbo grego usado aqui, ephthasen, significa chegouou veio, e não está para vir. O ponto é que a expulsãode demônios, por parte de Jesus, é prova de que oReino chegou, uma vez que não se pode saquear osbens de um homem forte sem primeiro ter amarrado ohomem forte (aqui significando o demônio). Outrapassagem que ensina claramente a presença do Reinonos dias de Jesus é a de Lc 17.20-21. Os fariseus

100

tinham acabado de perguntar a Jesus sobre quandoviria o Reino de Deus - significando, supomos, umademonstração dramática do forte poder de Deus queiria arrasar os romanos e estabelecer o reinado deDeus sobre o mundo de maneira fisicamente visível.Jesus responde como segue: “Não vem o Reino de Deuscomo visível aparência, nem dirão: ei-lo aqui! Ou:lá está! Porque o Reino de Deus está no meio devós” 19. Estas palavras não deveriam ser forçadasa significar que não há “sinais dos tempos”, ousinais da segunda vinda de Cristo, aos quais nósdevemos estar alertas, porque o próprio Jesus faladestes sinais em outras ocasiões. O que Jesus estádizendo é que ao invés de aguardar sinaisespetaculares exteriores da presença de um Reino,primeiramente político, os fariseus devem perceberque o Reino de Deus está no meio deles agora, napessoa do próprio Cristo, e que a fé nele énecessária para entrar nesse Reino.

Algumas das parábolas de Jesus implicam que oReino já está presente. As parábolas do tesouroescondido e da pérola de grande valor (Mt 13.44-46)ensinam que agora o homem deve vender tudo o quepossui para entrar no Reino. As parábolas doconstrutor da torre e do rei saindo a guerrear (Lc14.28-33) ensinam a importância de calcular o custoantes de entrar no Reino, novamente implicando queo Reino está agora presente. No sermão do monte,além disso, as bem-aventuranças descrevem o tipo depessoa de quem se pode dizer: “deles é (estin) oReino dos céus” (Mt 5.3-10). Quando os discípulosfazem uma pergunta a Jesus acerca de quem é o maior

101

no Reino dos céus, Jesus convida uma criança aintegrar o grupo e diz: “Aquele que se humilhar,como esta criança, este é o maior no Reino doscéus” (Mt 18.4). e quando os discípulos repreendemaqueles que estão trazendo crianças a Jesus, oMestre diz: “Deixai os pequeninos, não osembaraceis de vir a mim, porque dos tais é (estin) oReino dos céus” (Mt 19.14). Podemos acrescentar queos sinais previamente mencionados (expulsão dedemônios, realização de milagres, a pregação doEvangelho e a concessão do perdão de pecados)também evidenciam o fato de que o Reino estápresente no ministério de Jesus 20.

Jesus, entretanto, também ensinou que havia umsentido no qual o Reino de Deus ainda era futuro.Podemos ver, primeiramente, algumas declaraçõesespecíficas com esta finalidade. A seguintepassagem do sermão do monte descreve a entrada doReino como algo ainda futuro e a combina com umfuturo dia do juízo: “Nem todo o que me diz:Senhor, Senhor! Entrará no Reino dos céus, masaquele que faz a vontade de meu Pai que está noscéus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor,Senhor! Porventura não temos nós profetizado em teunome, e em teu nome não expelimos demônios, e emteu nome não fizemos milagres? Então lhes direiexplicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos demim, os que praticais a iniqüidade” (Mt 7.21-23).Verbos no tempo futuro são igualmente usados naseguinte declaração, que fala claramente acerca deum Reino futuro: “Digo-vos que muitos virão doOriente e do Ocidente e tomarão lugares com Abraão,

102

Isaque e Jacó no Reino dos céus. Ao passo que osfilhos do reino serão lançados para fora, nastrevas; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mt8.11-12).

Muitas das parábolas ensinam uma consumaçãofutura do Reino. A parábola das bodas indica umtempo futuro de bênçãos para aqueles que aceitam oconvite, mas num lugar de punição, nas trevasexteriores, para aqueles que falham em preenchertodos os requisitos (Mt 22.1-14). A parábola dojoio e sua explicação (Mt 13.24-30 e 36-43) falamda “consumação do século” (synteleia tou aionos) quandoos que praticam a iniqüidade serão lançados nafornalha acesa e quando os justos “resplandecerãocomo o sol, no reino de seu Pai”. A parábola darede (Mt 13.47-50) descreve, de modo semelhante, a“consumação do século” (synteleia tou ainos), quando“sairão os anjos e separarão os maus dos justos”.Na parábola das dez virgens (Mt 25.1-13) aprendemosacerca da demora do noivo, acerca de um grito àmeia-noite, e sobre algumas que entraram com onoivo para a festa das bodas e outras para quem aporta estava permanentemente cerrada. A parábolatermina com uma advertência tipicamente“escatológica”: “Vigiai, pois, porque não sabeis odia nem a hora” (v.13). e a parábola dos talentos(Mt 25.14-30) fala acerca de um homem que fez umajornada e ficou fora por muito tempo, acerca de umajuste final de contas, e acerca de alguns queforam convidados a entrar no gozo de seu Senhor eoutros que foram expulsos para as trevasexteriores.

103

Não seria difícil fornecer mais evidências.Pelo que já foi citado, fica claro que o Reino deDeus, no ensino de Jesus, era tanto presente comofuturo. Tentar negar qualquer aspecto destadoutrina é adulterar a evidência 21.

O apóstolo Paulo também pensava que o Reino deDeus era tanto presente como futuro. Algumas desuas declarações descrevem claramente o Reino deDeus como estando presente. Em 1 Coríntios 4, Pauloestá escrevendo acerca de alguns inimigos seusarrogantes, que pensam que ele não está vindo paraCorinto: “Mas em breve irei visitar-vos, se oSenhor quiser, e então conhecerei não a palavra,mas o poder dos ensoberbecidos. Porque o Reino deDeus consiste não em palavra mas em poder” (vs.19,20). Obviamente, Paulo não está pensando arespeito de um Reino futuro, mas acerca de um Reinoque é presente agora. De modo semelhante Paulo falaa seus leitores em Roma: “Porque o Reino de Deusnão é comida nem bebida, mas justiça, e paz, ealegria no Espírito Santo” (Rm 14.17). E em uma desuas últimas epístolas ele descreve a seus irmãosem Colossos: “Porque ele [Deus] nos resgatou dodomínio das trevas e nos trouxe para dentro doReino do Filho que ele ama, no qual temos aredenção, o perdão dos pecados” (Cl 1.13-14, NIV).Uma vez que desfrutamos agora do perdão dospecados, está claro que o Reino do qual Paulo falaaqui é um Reino ao qual nós temos o privilégio depertencer desde agora.

Mas há também passagens nas quais Pauloretrata o Reino como futuro. Em 2 Tm 4.18, Paulo

104

escreve: “O Senhor me livrará de cada ataquemaligno e trazer-me-á a seu Reino celestial emsegurança” (NIV). Tanto a expressão “Reinocelestial” como o tempo futuro do verbo traduzido“trazer-me-á em segurança” (sosei) indicam quePaulo, aqui, está pensando acerca do Reino futuro.A palavra herdarão (kleronomeo) sugere um benefício queserá recebido em algum tempo futuro. Quando Pauloutiliza este verbo, para indicar que certas pessoasserão excluídas do Reino de Deus, ele estáobviamente referindo-se ao Reino no sentido futuro:“Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reinode Deus?” (1 Co 6.9); “eu vos declaro, como jáoutrora vos preveni que não herdarão o Reino deDeus os que tais coisas praticam [as obras dacarne]”(Gl 5.21). Em Ef 5.5 ele utiliza osubstantivo derivado deste verbo para fazer umadeclaração semelhante: “Sabei, pois, isto: nenhumincontinente, ou impuro, ou avarento, que éidólatra, tem herança no Reino de Cristo e deDeus”. E em 1 Co 15.50, Paulo descreve: “Istoafirmo, irmãos, que carne e sangue não podem herdaro Reino de Deus, nem a corrupção herdar aincorrupção”. Uma vez que ele está falando aquiacerca da ressurreição do corpo, fica claro que oReino de Deus é também aqui considerado como um eestado de coisas que ainda é futuro.

Resumindo, então, podemos dizer que o Reino deDeus, tanto no ensino de Jesus como no do apóstoloPaulo é uma realidade tanto presente como futura.Por causa disso, nossa compreensão do Reino precisafazer jus a ambos estes aspectos. George Eldon Ladd

105

dá ênfase à importância de vermos estes doisaspectos: “A tese central deste livro [The Presenceof the Future (A Presença do Futuro)] é que o Reinode Deus é o reinado redentor dinamicamente ativo deDeus para estabelecer seu governo entre os homens,e este Reino, que aparecerá no final da era como umato apocalíptico, já entrou na história humana napessoa e missão de Jesus para vencer o mal, paralibertar os homens do poder do mal e para trazê-lospara as bênçãos do reinado de Deus. O Reino de Deusenvolve dois grandes momentos: cumprimento dentroda história e consumação ao fim da história” 22.Herman Ridderbos salienta um ponto semelhante. Elesugere que, no começo de seu ministério, Jesus deumais ênfase à presença do Reino em cumprimento àprofecia do Antigo Testamento, ao passo que, maispara o fim de seu ministério, ele deu maiordestaque à vinda futura do Reino 23. Entretanto,Ridderbos insiste em que os aspectos presentes efuturo do Reino nunca devem ser separados:”...Porque o futuro e o presente estãoindissoluvelmente conectados na pregação de Jesus.Um é o complemento necessário do outro. A profeciaacerca do futuro só pode ser vista corretamente doponto de vista da presença cristológica, assim comoo caráter do presente implica a necessidade ecerteza do futuro”24.

Aquele que crê em Jesus Cristo, portanto, fazparte do Reino no tempo presente, desfruta de suasbênçãos e compartilha de suas responsabilidades. Aomesmo tempo, ele percebe que o Reino é presenteagora, apenas um estado provisório e incompleto, e

106

por causa disso, ele aguarda por sua consumaçãofinal no fim da era. Pelo fato de o Reino ser tantopresente como futuro, podemos dizer que ele, agora,está escondido de todos, exceto daqueles que têm féem Cristo; um dia, entretanto, ele será totalmenterevelado, de forma que até seus inimigos terão,finalmente de reconhecer e curvar-se perante seugoverno. Este é o destaque na parábola do fermento,em Lc 13.20-21. Quando o fermento (ou levedura) écolocado na farinha, nada parece acontecer por ummomento, mas ao final toda a massa está fermentada.De maneira semelhante, o Reino de Deus estáescondido agora, fazendo sua influência ser sentidasilenciosa mas penetrantemente, até que um diasurgirá a céu aberto para ser visto por todos.Portanto, o Reino, em seu estado presente, é objetode fé, não de vista. Mas quando a fase final doReino for instaurada pela segunda vinda de JesusCristo, “todo joelho se dobrará e toda línguaconfessará que Jesus Cristo é o senhor, para glóriade Deus Pai” (Fp 2.11).

O fato de o Reino de Deus estar presente numsentido e ser futuro em outro implica que permaneceuma certa tensão entre estes dois aspectos. Podemosdescrever esta tensão em duas formas: (1) A Igrejadeve viver com um senso de urgência, percebendo queo fim da história, como o conhecemos, pode estarbem próximo. Porém, ao mesmo tempo, ela devecontinuar a planejar e trabalhar por um futuronesta terra presente, que pode durar um longoperíodo. (2) A Igreja foi alcançada pela tensãoentre a era presente e a era por vir. Conforme

107

Georg Ladd pondera: “A Igreja experimentou avitória do Reino de Deus; e, mesmo assim, a Igrejaestá, como outros homens, à mercê dos poderes destemundo... É esta situação que cria a austera tensão- na verdade, um conflito agudo; porque a Igreja éo ponto focal do conflito entre o bem e o mal, Deuse Satanás, até o fim dos tempos. A Igreja nuncapode estar descansando ou facilitando, mas precisaser sempre a Igreja em luta e conflito,freqüentemente perseguida, mas certa da vitóriaúltima” 25.

Já observamos que a escatologiaNeotestamentária deve ser comentada em termos doque já foi realizado e, também, em termos do queainda deve ser realizado e, por causa disso, toda ateologia do Novo Testamento é marcada pela tensãoentre o já e o ainda não 26. Podemos agoraperceber que esta tensão está ilustrada eexemplificada pelo ensino neotestamentário acercado Reino de Deus. Nós estamos no Reino e, mesmoassim, aguardamos sua manifestação completa; nóscompartilhamos de suas bênçãos mas ainda aguardamossua vitória total; nós agradecemos a Deus por ter-nos trazido para o Reino do filho que ele ama, eainda assim continuamos a orar: “Venha o teuReino”.

Quais são algumas das implicações, a nível defé e vida, do fato de o Reino de Deus estarpresente conosco agora e estar destinado a serrevelado em sua totalidade na era porvir? Emprimeiro lugar, podemos observar que somente Deus pode nos colocar nos Reino . Deus nos chama para o seu

108

Reino (1 Ts 2.12), dá-nos o Reino (Lc 12.32), traz-nos para o Reino do seu Filho (Cl 1.13), e nosconfia o Reino (“E eu [Cristo] vos confio um Reino,assim como meu Pai confiou um Reino a mim”, Lc22.29, NIV). De passagens deste tipo aprendemos quepertencer ao Reino de Deus não é uma conquistahumana mas um privilégio que nos é concedido porDeus.

Mas este fato não nos livra deresponsabilidade em relação ao Reino. Notaremos,mais adiante, que o Reino de Deus exige, de nós, arrependimento e fé . Em várias ocasiões Jesus disse quenós precisamos entrar no Reino de Deus. Só se podeentrar no Reino humilhando-se a si mesmo como umacriança (Mt 18.3 e 4) 27 , fazendo a vontade do Pai dos céus (Mt 7.21), ou tendo uma justiça que excedeà dos escribas e fariseus (Mt 5.20). É difícil paraum homem rico entrar no Reino de Deus (Mc 10.25),presumivelmente porque ele é tentado a confiar maisem suas riquezas do que em Deus. A não ser querenasçamos ou nasçamos do Espírito, não podemosentrar no Reino de Deus (Jo 3.3 e 5). Somente Deuspode fazer alguém renascer; e dessa forma o pontono qual a mensagem do Evangelho atinge o ouvinte éa intimação para crer: “Porque Deus amou ao mundode tal maneira, que deu o seu Filho unigênito, paraque todo o que nele crê não pereça, mas tenha avida eterna”(Jo 3.16).

O Reino de Deus, na verdade, demanda nada menos que compromisso total . Nós devemos, assim disse Jesus,buscar primeiro o Reino de Deus e sua justiça,confiando em que, assim fazendo, todas as outras

109

coisas de que necessitamos nos serão dadas (Mt6.33). Nós temos de, por assim dizer, vender tudo oque temos para adquirir o Reino (Mt 13.44,45). Parapermanecer no Reino, devemos estar prontos paraarrancar fora o olho que nos faz tropeçar (Mt 29) ecortar fora a mão que nos faz pecar (Mt 5.30).Devemos estar dispostos a odiar, se necessário,pai, mãe, irmão, irmã, e mesmo nossas própriasvidas por amor do Reino (Lc 14.26). Devemos estarprontos a renunciar a tudo o que temos para sermosdiscípulos de Jesus (Lc 14.33). Em outras palavras,ninguém deve buscar entrar no Reino a não ser quetenha calculado minuciosamente os custos (dessadecisão) (Lc 14.28-32).

Mais outra implicação da presença do Reinopoder ser acrescentada: o Reino de Deus implica redençãocósmica. O Reino de Deus, como já vimos, nãosignifica apenas salvação de certos indivíduos, nemmesmo a salvação de um grupo escolhido de pessoas.Significa nada menos do que a renovação completa detodo o cosmos, culminando nos novos céus e novaterra. Paulo descreve as dimensões cósmicas doReino de Deus em palavras inspiradas:

“[Deus] em toda a sabedoria e prudência,desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundoo seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazerconvergir nele, na dispensação da plenitude dostempos, todas as coisas, tanto as do céu como as daterra” (Ef 1.8-10).

“Porque Deus se agradou em ter toda suaplenitude habitando nele [Cristo], e em atravésdele reconciliar consigo mesmo todas as coisas,

110

sejam coisas na terra ou coisas no céu, ao fazer apaz através de seu sangue, vertido na cruz” (Cl1.19,20, NIV).

“A ardente expectativa da criação aguardaa revelação dos filhos de Deus. Pois a criação estásujeita à vaidade, não voluntariamente, mas porcausa daquele que a sujeitou, na esperança de que aprópria criação será redimida do cativeiro dacorrupção, para a liberdade da glória dos filhos deDeus” (Rm 8.19-21).

Ser um cristão do Reino, portanto, significaque devemos ver toda a vida e toda a realidade àluz do alvo da redenção do cosmos. Isto implica,como Abraham Kuyper uma vez falou, que não hánenhuma polegada do universo da qual Cristo nãodiga: “É minha”. Isto implica uma filosofia dahistória cristã: toda a história deve ser vistacomo o desenvolvimento do propósito eterno de Deus.Esta visão do Reino inclui uma filosofia cristã dacultura: a buscar seu louvor. Isso também incluiuma visão cristã da vocação: todas as chamadas sãode Deus, e tudo o que nós fazemos na vida cotidianadeve ser feito para louvor de Deus, seja estudo,ensino, pregação, negócios, indústria ou trabalhodoméstico. George Herbert o coloca bem:

“Ensina-me, meu Deus e Rei,a te ver em todas as coisas,

e que, em qualquer coisa que eu fizer,a fazê-lo como para ti.

111

Notas do Capítulo 41. Ladd, Presence, pp. 325-326.2. Veja adiante.3. A palavra grega usada aqui é eggiken.4. Ladd, Presence, p. 108.5. Novamente a palavra grega é eggiken.6. Aqui a palavra grega é ephthasen, do verbo

phthanein, que significa “chegar”7. Ladd, Presence, pp. 111-112.8. K. L. Schmidt, “basileia” , TDNT, I, p.589.9. Ladd, Presence, p. 12310. Ibid., p.127 n. 11.11. Ibid., pp. 134-138.12. H. Ridderbos, The Coming of the Kingdom (A Vinda do

Reino) Philadelphia: Presbyterian and Reformed,1962, pp. 24-25.

13. Ibid., p. 27.14. Ibid., ps. XXVII, 29; Ladd, Presence, p.42.15. Ladd, Presence, p. 331.16. Cp Schimidt op.cit., pp.584-585; Ridderbos,

Coming, pp. 23-24.17. Ladd, Presence, p. 157.18. Ibid., p.215.19. A leitura grega é entos hymon. Outras traduções

da expressão incluem: “dentro de vós” (RSVmargem ASV texto), e “entre vós” (NIV margem).

20. Veja também Ladd, Presence, pp. 149-217;Ridderbos, Coming, pp. 47-56; Norman Perrin, TheKingdom of God in The Teaching of Jesus (O Reino de Deusno Ensino de Jesus), pp. 74-78.

112

21. Cp. Ladd, Presence, pp. 307-328; Ridderbos,Coming, pp.36-56, esp. 55,56; Perrin, op.cit., pp.83-84.

22. Ladd, Presence, p.218.23. Ridderbos, Coming, p.468.24. Ibid., pp. 520,521.25. Ladd, Presence, p. 338.26. Ver acima.27. Cp. também Mc 10.15 e a passagem paralela, Lc

18.17.

113

CAPÍTULO 5

A ESCATOLOGIA E O ESPÍRITO SANTO

O papel desempenhado pelo Espírito santo naescatologia nem sempre foi completamente analisado.Em 1912, Geerhardus Vos atraiu a atenção do mundoerudito para este papel no artigo intitulado: TheEschatological Aspect of the Pauline Conception of the Spirit” (OAspecto Escatológico da Concepção Paulina doEspírito) 1. Mais recentemente, Neil Q. Hamiltonescreveu um monografia sobre o assunto intituladaThe Holy Spirit and Eschatology in Paul (O Espírito Santo e aEscatologia em Paulo) 2. Ambos os autores indicamque a obra do Espírito Santo é de significaçãodecisiva para a escatologia.

Vimos anteriormente que, de acordo com otestemunho bíblico, os crente já estão na nova erapredita pelos profetas do Antigo Testamento, e jáestão desfrutando dos privilégios e bênçãos dessaera. Também observamos, entretanto, que os crentesexperimentaram estas bênçãos escatológicas demaneira apenas provisória e aguardam por umaconsumação futura do Reino de Deus, no qual deverãodesfrutar plenamente dessas bênçãos. O papel que oEspírito desempenha na escatologia ilustra maisesta tensão entre o que nós já temos e o que aindaesperamos.

Vejamos agora, primeiramente, o papel doEspírito na escatologia em geral. No Antigo

114

Testamento, o Espírito está relacionado com aescatologia de pelo menos três modos:

(1) É dito que o Espírito Santo preparará ocaminho para irrupção da era escatológica finalatravés de certos sinais proféticos. Assim, porexemplo, o profeta Joel prediz o derramamento doEspírito que ocorrerá num tempo que ele designasimplesmente como “depois (acharey khen), mas quePedro, em sua citação desta passagem no dia dePentecostes, denomina “nos últimos dias” (en taiseschatais hemerais, At 2.17). O sentido imputado a estederramamento do Espírito por Pedro, em Atos 2.17-36, indica que ele foi um dos eventos excepcionaisque marcaram a vinda dos últimos dias.

(2) É dito que o Espírito será Aquele querepousará sobre o Redentor vindouro e o equiparácom os dons necessários. Observe, por exemplo,Isaías 11.1-2.

“Do tronco de Jessé sairá um rebento.E das suas raízes um renovo.

Repousará sobre ele o Espírito do Senhor,O Espírito de sabedoria e de entendimento,

O Espírito de conselho e de fortaleza,O Espírito de conhecimento e de temor do Senhor”.

Em outra passagem, o profeta, numaantecipação, coloca as seguintes palavras na bocado Messias vindouro:

“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim,porque o Senhor me ungiu,

para pregar boas novas aos quebrantados,enviou-me a curar os quebrantados de coração,

115

a proclamar libertação aos cativos,e pôr em liberdade os algemados;

e apregoar o ano aceitável do Senhore o dia da vingança do nosso Deus;

a consolar todos os que choram” (Isaías 61.1-2; cp. 42.1).

Poder-se-ía deduzir destas passagens que oEspírito Santo estará permanente esignificativamente ativo na vida do Messias. Aatividade do Espírito no e através do Messias será,por causa disso, uma característica especial danova era predita pelos profetas.

(3) O Espírito aparece como a fonte da futuranova vida de Israel, incluindo tanto bênçãosmateriais como renovação ética. Assim, por exemplo,lemos em Isaías 44.2-4:

“Não temas, ó Jacó, servo meu, ó amado a quem escolhi.Porque derramarei água sobre o sedento,

e torrentes sobre a terra seca;derramarei o meu Espírito sobre a tua posteridade,

e a minha bênção sobre os teus descendentes;e brotarão como a erva,

como salgueiros junto às correntes das águas”(cp. tambémIsaías 32.15-17).

Passagens similares podem ser encontradas emEzequiel 37.14 e 39.29. Ezequiel não fala só debênçãos nacionais; ele também prediz a renovação demembros individuais da nação: “Então aspergireiágua pura sobre vós e ficareis purificados; detodas as vossas imundícias e de todos os vossosídolos vos purificarei. Dar-vos-ei coração novo e

116

porei dentro em vós espírito novo; tirarei de vós ocoração de pedra e vos darei coração de carne.Porei dentro em vós o meu espírito [o Espírito,ASV], e farei que andeis nos meus estatutos,guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez 36.25-27) 3.

Nos Evangelhos, ouvimos Jesus referir-se aoEspírito de modo a cumprir a profecia do AntigoTestamento. Assim, por exemplo, em Lucas 4.17-19,Jesus é referido mencionando a passagem de Isaías61, à qual acabamos de aludir, e aplicando-a a simesmo: “Hoje se cumpriu a Escritura que acabais deouvir” (Lc 4.21). Aqui Cristo reinvindica ser oMessias sobre quem o Espírito do Senhor repousa, emcumprimento à profecia de Isaías. Em Mateus 12.28,mais adiante, Jesus faz alusão ao fato de eleexpulsar demônios pelo Espírito de Deus como provade que o Reino de Deus chegou aos seus ouvintes.Aqui, o modo pelo qual o Espírito reveste Cristo depoder está citado como evidência da chegada da novaera.

Embora os textos que acabamos de citardescrevam o Espírito repousando sobre Jesus erevestindo-o de poder, há quatro passagens nosEvangelhos que indicam Jesus, diferentemente deJoão Batista, que batizava apenas com água,batizará com o Espírito Santo (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc3.16; Jo 1.33). Estas palavras implicam em queCristo tem o poder para conceder o Espírito Santo aseu povo. Em Atos 1.6, Jesus esclarece que aexpressão “ser batizado com o Espírito” refere-se aum evento que está para ocorrer: “Porque João, na

117

verdade, batizou com água, mas vós sereis batizadoscom o Espírito Santo, não muito depois destesdias”. Este evento, como fica óbvio em Atos 2, foio derramamento do Espírito Santo que aconteceu nodia de Pentecostes - um evento que teve grandesignificação escatológica 4.

O livro de Atos descreve o derramamento doEspírito no Capítulo 2. Em seu discurso no dia dePentecostes, Pedro cita a profecia de Joel à qualnos referimos anteriormente, indicando que estaprofecia foi agora cumprida e que, portanto, os“últimos dias” foram agora instaurados (Atos 2.16-17). Disto fica claro que a “nova era” escatológicadeve ser marcada pela presença do Espírito naIgreja, em toda a sua plenitude.

Paulo vê o Espírito principalmente como o domescatológico, o revelador da nova era, de acordocom a profecia do Antigo Testamento 5. EmColossensses 1.13 Paulo diz que Deus “nos libertoudo império das trevas e nos transportou para oReino do Filho do seu amor”. Hermann Ridderbosvincula declarações desse tipo com a obra doEspírito Santo, e conclui que, segundo Paulo, oEspírito nos introduz em um novo modo deexistência:

“...’Carne’ e ‘Espírito’ representam doismodos de existência; por um lado, o da velhaera que é caracterizada e determinada pelacarne e, pelo outro lado o da nova criação queé o Espírito de Deus... por esta razão aigreja não está mais ‘na carne’, i.e., sujeitaao regime da primeira era e dos poderes

118

malignos que nela reinam, mas está ‘noEspírito’, trazida para sob o domínio daliberdade em Cristo (Rm 8.2 ss, 9, 13; 2 Cl3.6; Gl 3.21). Todas as facetas do contrasteentre carne e Espírito... ficam transparentese notáveis a partir desta estruturaescatológica básica da pregação de Paulo econstitui um elemento altamente importantedela” 6.

Geerhardus Vos sustenta que o que é únicoacerca de Paulo é seu entendimento dauniversalidade da obra do Espírito. O Espírito nãosomente vive agora em todos os crentes, como tambémopera em todos os aspectos de sua vida religiosa eética 7. Considerando a ligação entre o Espírito ea escatologia para Paulo, Vos tem isto a dizer:“...o ‘pneuma’ [Espírito] era, na mente doapóstolo, antes de tudo, o elemento da esferaescatológica ou celestial que caracteriza o modo devida e existência no mundo porvir e,consequentemente, daquele forma antecipada na qualo mundo por vir é mesmo agora realizado...” 8.

Uma outra forma de se abordar isto é dizerque, para Paulo, o Espírito significa o irromper dofuturo no presente, de forma que os poderes,privilégios e bênçãos, da era futura estão desde jádisponíveis para nós através do Espírito: “... oEspírito, pertence primeiramente, ao futuro nosentido de que o que nós testemunhamos no Espírito,da ação pós ressurreição, pode ser entendidosomente quando visto como uma irrupção do futuro no

119

presente. Em outras palavras, baseado na obra deCristo, o poder do futuro redimido foi liberadopara agir no presente na pessoa do EspíritoSanto”9.

Por causa disso, para Paulo, o recebimento doEspírito significa que nós podemos nos tornarparticipantes do novo modo de existência associadoà era futura, e agora tomar parte nos “poderes daera por vir”. Desta forma, Paulo insistiria em queo Espírito dá é somente uma prova antecipada dasbênçãos muito maiores que hão de vir. É por estarazão que ele chama o Espírito de: “primícias” e“garantia” das bênçãos futuras, que deverãoultrapassar, em muito, as da vida presente. Porcausa disso, poderíamos dizer que, para Paulo, aera do Espírito (do Pentecostes até a Parousia) éum tipo de era provisória. Durante essa era, oscrentes já têm as bênçãos da era futura mas “ainda-não” as têm em sua plenitude.

Prosseguindo, passemos a examinar o papelescatológico do Espírito em conexão com certosconceitos bíblicos específicos. Comecemos com opapel que o Espírito Santo desempenha em relação ànossa filiação. Paulo baseia a filiação dos crentesna obra de Cristo, mas a relaciona muitointimamente com a obra do Espírito Santo.Aprendemos de Gálatas (4.4-5) que Deus enviou seuFilho para que nós pudéssemos ser adotados comofilhos. A palavra grega huiothesia, usada aqui, serefere aos direitos legais envolvidos na filiação;a New International Version (Nova Versão Internacional)de fato, refere-se ao termo, definindo-o como “os

120

direitos plenos de filhos”. Paulo agora segueadiante no verso 6: “E, porque vós sois filhos,enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seuFilho, que clama: Aba, Pai!” O papel do Espírito édescrito aqui como aquele que testifica a filiaçãodos crentes, clamando: “Aba! Pai!” 10 em seuscorações - isto é, para dar aos crentes a certezade que eles são filhos de Deus e de que Deus é, defato, seu Pai e de que eles são, de fato, seusfilhos. Outra passagem principal onde Paulodescreve a filiação dos crentes, é Romanos 8.14-16.No verso 14, ele diz que todos aqueles que sãoguiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.Então, como evidência dessa declaração, Pauloprossegue dizendo, no verso 15: “Porque nãorecebestes o Espírito de escravidão para virdesoutra vez atemorizados, mas recebestes o espíritode adoção (pneuma huiothesias)”. A questão aqui é sedeveríamos entender espírito de adoção como sereferindo a um certo espírito ou ao Espírito Santo.Uma porção de versões usam a letra maiúscula napalavra Espírito nesta última expressão ao passoque mantêm espírito com inicial minúscula na fraseanterior (KJNEB, NIV). Provavelmente, será maissatisfatório considerar a última expressão comodescrevendo o Espírito Santo aqui (Espírito de adoção)uma vez que o Espírito Santo está associado comnossa adoção e a confirma. O Espírito Santo, então,nesta passagem, se torna distinto do espírito ouatitude mental associada ao estado de escravidão doqual os leitores da epístola tinham acabado de serlibertos.

121

Quando Paulo continua dizendo: “baseados noqual clamamos: Aba, Pai!” (v.15), ele repetevirtualmente o que tinha dito em Gálatas 4.6,exceto que neste último texto ele afirma claramenteque são crentes os que clamam “Pai”, pois sãolevados a fazê-lo pelo Espírito que neles habita.Este pensamento é continuado no verso 16: “Opróprio Espírito testifica com o nosso espírito quesomos filhos de Deus”. Novamente, o papel doEspírito é descrito aqui como aquele que testificaou dá testemunho junto ao espírito dos crentes deque eles são realmente filhos de Deus. O tempopresente do verbo symmartyrei implica que estetestemunho do Espírito não é dado apenas emdeterminadas ocasiões dramáticas ou espetaculares,mas que continua ao longo da vida.

Paulo, agora, indica que a adoção asseguradapelo Espírito aos crentes tem dimensõesescatológicas. Porque, no verso 19, ele afirma quea criação inteira aguarda, em ardente expectativa,pela revelação dos filhos de Deus. Estas palavrasimplicam em que os filhos de Deus ainda nãoprovaram a plenitude das bênçãos e privilégios quesua filiação inclui. O que está implicado no verso19 é colocado explicitamente no verso 23: “E nãosomente a criação, mas também nós, que temos asprimícias do Espírito, igualmente gememos em nossoíntimo aguardando a adoção de filhos (huiothesian), aredenção do nosso corpo (tem aplytrosin tou somatoshemon)”. A palavra apolytrosis, redenção, significavaoriginalmente a recompra de um escravo ou cativo,tornando-o livre pelo pagamento de um resgate

122

(lytron) 11. Quando aplicado ao corpo, como aqui, apalavra refere-se obviamente à libertação do corpodas limitações terrenas que ocorre na ressurreição.Portanto, a “adoção de filhos” (huiothesia) descritaneste verso é algo ainda futuro, que nós aindaaguardamos ansiosamente. O Espírito, portanto,testifica nossa adoção, assegurando-nos a posse dealgo que nós temos, mas ainda não desfrutamosplenamente. Nós temos os direitos plenos associadoscom a adoção, mas nós realmente não possuímos aindatudo o que nossa adoção envolve. A “Huiothesia”completa é ainda objeto de esperança” 12. Ou, comoHamilton o diz: “Esta redenção futura do corpo é oainda-não-cumprido, é o aspecto futuro da adoçãoque o Espírito cumprirá. Que esta é uma função doEspírito fica claro no verso 11. Assim, no caso deadoção, a ação do Espírito presente é apenaspreliminar. A obra propriamente completa doEspírito está no futuro” 13.

Em conexão com nossa filiação, podemos tambémnotar o que Paulo diz acerca de sermos herdeiros deDeus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.17; Gl 4.7). Aherança que haveremos de receber, que poderia serconsiderada como o complemento de nossa adoção, édescrita em outros lugares, em termos que sereferem claramente ao futuro: 1 Co 6.9; Gl 5.21; Ef1.14 e 18; Cl 3.24 e Tt 3.7. Embora possamosadmitir que ser filho envolve ser herdeiro, o queestá incluso na herança é, certamente, ainda objetode esperança14 .

Concluímos que o papel do Espírito, em conexãocom nossa adoção, é de assegurar-nos de que,

123

realmente, somos filhos de Deus em Cristo eherdeiros de Deus com Cristo, mas, ao mesmo tempo,devemos lembrar-nos de que a riqueza plena destafiliação só será revelada na Parousia. Mas uma vezficamos apercebidos da tensão que existe entre o jáe o ainda não que caracteriza esta era. Embora oApóstolo João não conecte nossa adoçãoespecialmente com a obra do Espírito Santo, nasseguintes palavras, ele de fato descreve nossafiliação tanto em termos do que já temos como doque ainda esperamos: “Vede que grande amor nos temconcedido o Pai, ao ponto de sermos chamados filhosde Deus; e, de fato, somos filhos de Deus...Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não semanifestou o que havemos de ser. Sabemos que,quando ele se manifestar, seremos semelhantes aele, porque havemos de vê-lo como ele é” (1 Jo3.1,2).

Um outro conceito bíblico que nos ajuda acompreender o papel escatológico do Espírito é odas primícias (aparche). Esta palavra é aplicada aCristo em 1 Co 15.20 e 23 (“as primícias dos quedormem”). Existe, entretanto, uma passagem na qualesta palavra é aplicada ao Espírito Santo: Rm 8.23,que foi citada acima: “E não somente a criação, mastambém nós que temos as primícias do Espírito (tenaparchen tou pneumatos), gememos igualmente em nossoíntimos, aguardando a adoção de filhos, a redençãodo nosso corpo”.

O que significa o termo “primícias”? A palavraera usada no Antigo Testamento para descrever osprimeiros frutos do ou dos rebanhos, que eram

124

oferecidos a Deus (Dt 18.4; 26.2; Nm 10.35-37). Asprimícias, portanto, representam o início dacolheita. Em Rm 8.23, o Espírito Santo é denominadode primícias 15 . Aqui o Espírito é descrito como oinício de uma colheita somente neste caso é Deus, enão o adorador, quem dá as primícias. G.Delling opondera bem: “Em Rm 8.23, a relação de doador erecipiente está invertida e “aparche” são asprimícias de Deus para o homem (cp.2 Co 5.5). O domdo pneuma é apenas provisório. É apenas oprincípio, que será ulteriormente seguido porhuiothesia, pelo dom do soma pneumatikon” 16 .

Assim como nos tempos do Antigo Testamento asprimícias eram o início de uma colheita muito maiorque estava ainda por vir, assim o recebimento doEspírito Santo pelo crente, é o precursor de coisasmelhores que hão de vir. Agora, nós temos oEspírito; após a Parousia, deveremos ter a colheitainteira que inclui a ressurreição do corpo. Porcausa disso, gememos em nosso íntimo, porque temosapenas o início da colheita. Mas a posse presentedo Espírito, como primícias, nos dá a certeza deque um dia deveremos colher toda a ceifa 17 .

Um conceito bíblico relacionado com este é odo Espírito como nosso penhor de bênçãos futuras. Apalavra grega traduzida como penhor, na VersãoRevista e Atualizada no Brasil, é arrabon, e éaplicada ao Espírito em três passagens: 2 Co 1.22;5.5 e Ef 1.14. Arrabon é um termo semita emprestado,transliteração grega de uma palavra hebraica.Significa “um ‘penhor’ que mais tarde é devolvido(apenas Gl 38.17-20); um ‘depósito’ que paga parte

125

da dívida total e dá um direito legal...; ‘sinal emdinheiro’ que ratifica um acordo...” 18 . Talvez,alguém poderia sugerir a palavra “sinal” ou “primeiraprestação”, se não fosse o fato de que no mundo dehoje, um sinal não garante o pagamento da dívidatoda. Eis porque a palavra arrabon pode ser melhortraduzida por penhor ou garantia.

Em 2 Co 1.22, Paulo nos conta que o Espíritofoi-nos dado como uma garantia de que todas aspromessas de Deus, que têm o sim e o amém emCristo, serão cumpridas. Aprendemos de 2 Co 5 que oEspírito é a garantia de que um dia entraremos emum modo celestial de existência, descrito no verso1 como “da parte de Deus um edifício, casa nãofeita por mãos, eterna, nos céus” 19 . E em Ef 1.14,somos ensinados que o Espírito é o penhor de nossaesperança - a herança da glória futura. Em todasestas três passagens o Espírito Santo é descritocomo um “depósito que garante” 20 bênçãos futuras eo cumprimento de promessas divinas.

A palavra arrabon, como aplicada ao Espírito,portanto, enfatiza especialmente o papel doEspírito na escatologia. Ela indica que o Espírito,que agora os crentes possuem é a garantia e penhordo complemento futuro de sua salvação no eschaton.Enquanto que a designação do Espírito, comoprimícias, indica a natureza provisória do gozoespiritual presente, a descrição do Espírito comonossa garantia implica a certeza do cumprimentoderradeiro. A importância do conceito a respeito doEspírito como arrabon está mais desenvolvida nasseguintes observações:

126

“Paulo chama a atenção especial para ofato de que o Espírito apresenta parte dofuturo que agora se tornou presente, quandoele o designa como “primeiros-frutos” (aparcheRm 8.23), e como “sinal” (arrabon, 2 Co 1.22)21.

Agora o Espírito possui o significado de“penhor” [em 2 Co 5.5], exatamente porque Eleconstitui um pagamento provisório do total queserá recebido no futuro... Arrabon significadinheiro pago em compras como garantia de queo total da compra será pago subseqüentemente.Neste caso, portanto, o Espírito é visto comorelacionado especificamente com a vida futura,não como constituindo a composição substancialdesta vida; e a posse presente do Espírito éconsiderada à luz de uma antecipação22.

Portanto, para Paulo, o dom do Espíritosignificou tanto a realização da escatologiacomo uma reconfirmação dela; isso ficaimplicado pelo uso que ele faz do termoarrabon; a posse do Espírito significa queparte da futura felicidade já foi atingida e,igualmente, significa que parte dela aindapermanece futura, ainda não possuída” 23.

O Espírito Santo é também chamado de selo.Existem três passagens neotestamentárias onde édito que os crentes foram selados com o Espírito: 2Co 1.22; Ef 1.13 e 4.30. Nos tempos do NovoTestamento os pastores freqüentemente, marcavamseus rebanhos com selo para distinguir suas

127

próprias ovelhas das de outros 24 . Isto sugeriria que, quando a figura do selo é aplicada a crentes,ela designa uma marca de propriedade. Ser seladocom o Espírito, então, significa ser marcado comopossessão de Deus.

Em 2 Co 1.22, a idéia de que Deus nos selou (overbo grego usado é uma forma de sphragizo) écolocado em paralelo com a idéia de que Deus nosDeu seu Espírito como garantia de que todas as suaspromessas para conosco serão cumpridas. Embora estapassagem não afirme que é pelo dom do Espírito queDeus nos sela, isto fica implícito na segundametade do verso. Em Ef 1.13, isto é tornadoexplícito: “nele [Cristo], quando crentes, fostesmarcados com um selo, o Espírito Santo prometido”(NIV). É significativo que aqui, bem como em 2 Co1.22, o conceito de ser selado com o Espírito é postoem paralelo com o conceito do Espírito como nossagarantia (arrabon). Por causa disso, pareceria queser selado com o Espírito não significa apenas serdesignado como propriedade de Deus, mas também serassegurado de que Deus continuará a nos proteger ecompletará, ao final, nossa salvação. Efésios 4.30,na verdade, afirma isso, expressamente: “e nãoentristeçais o Espírito de Deus no qual fostesselados para (eis) o dia da redenção”. G.Fitzerreitera este ponto ao dizer: “o Espírito Santo,como penhor da herança, é agora o selo com o qual ocrente é marcado, designado e guardado para aredenção. Ele mostra que o crente é possessão deDeus para o dia da redenção” 25.

128

Portanto, o ensino de que os crentesforam selados com o Espírito Santo também temimplicações escatológicas. Ter recebido o Espíritocomo um selo significa, antes de tudo, estarseguro, de que se pertence a Deus - uma asseveraçãoque deve ser entendida à luz do que foi ditoanteriormente sobre o testemunho do Espírito emnossos corações, no sentido de que somos filhos deDeus. Mas o selo do Espírito também significasegurança para o futuro, e a certeza de que, aofinal, vamos receber nossa herança em Cristo. Paracitar Neill Hamilton: “Efésios 1.13 tambémapresenta a relação do Espírito com o crente demodo tal que vemos o Espírito como presente para ocrente não apenas agora, enquanto ele crê emCristo, mas também depois da hora quando o crentetoma posse de sua herança na era futura. Aqui temosdescrita uma função do Espírito no presente docrente que só é cheia de significado em relação aofuturo” 26.

Finalmente, passemos a ver como o NovoTestamento relaciona o Espírito Santo com aressurreição do corpo. É dito do Espírito que ele estáativo tanto na ressurreição de Cristo como naressurreição dos crentes. No que toca àressurreição de Cristo, podemos notar a declaraçãode Geerhardus Vos: É pressuposto pelo Apóstolo,embora não expresso em palavras textuais, que Deusressuscitou a Jesus através do Espírito” 27 .

Talvez, a passagem mais clara que relaciona oEspírito com a ressurreição de Jesus Cristo seja ade Rm 1.3,4: “com respeito a seu Filho, o qual,

129

segundo a carne, veio da descendência de Davi, efoi designado filho de Deus, com poder, segundo oEspírito de santidade, pela ressurreição dosmortos”. Esta passagem contém vários contrastes.Primeiro, há um contraste entre “descendência”(genomenos) e “designado” (horistheis). Parece melhorentender estes termos como descrevendo dois estadossucessivos na vida de Cristo28. “Descendente”descreve a existência de Cristo durante sua vidaterrena, antes de sua ressurreição, como alguém quenasceu de uma mãe terrena; “designado” descreve adeclaração de Deus acerca de Cristo, como o “Filhode Deus em poder” durante a era pós-ressurreição.

O próximo contraste é entre as frases “segundoa carne” (kata sarka) e “segundo o Espírito desantidade” (kata pneuma hagiosynes). Estas frasescontrastam o modo dos dois estados de existência.O modo de existência de Cristo, anterior à suaressurreição, está descrito como sendo “segundo acarne”; seu modo de existência pós-ressurreição édito ser “segundo o Espírito de santidade”.Hamilton tem algo útil a dizer acerca destecontraste: “As palavras ‘segundo o Espírito desantidade’ explicam este estado novo. Elas estão emcontraste com as palavras ‘segundo a carne’, quedescrevem o modo de ser de Cristo anterior àressurreição. ‘Paulo, então, distingue dois modosdiferentes da existência de Cristo que, de maneiranenhuma, estão no mesmo plano’ 29. A carne foi oveículo da existência de Cristo antes daressurreição. O Espírito Santo é agora o veículo omodo, a maneira de Seu estatus como Senhor” 30.

130

Um terceiro contraste é entre as expressões“de Davi” (literalmente: “da semente de Davi, ekspermatos David) e “pela ressurreição dos mortos” (exanastaseos nekron). Estas duas expressões contrastam aorigem de cada modo de existência. O modo deexistência anterior de Cristo foi “da semente deDavi”, enquanto que seu último modo de existênciafoi “a partir da ressurreição dos mortos”. “Aressurreição... portanto é, conforme Paulo, aentrada em uma nova fase de filiação caracterizadapela posse e exercício de um poder sobrenaturalúnico” 31.

Embora não esteja especificamente afirmado,nesta passagem, que o Espírito estava ativo, naressurreição de Cristo, isso certamente estáimplícito. Porque se a nova fase, pós-ressurreição,da filiação de Cristo, é vivida “segundo o Espíritode santidade” então, certamente, esse mesmoEspírito de santidade tem de ter estado ativo com ofim de trazer Cristo para este novo estado. Se oEspírito sustenta Cristo durante seu estado deexaltação, o Espírito também deve ter inaugurado avida ressurrecta de Cristo.

Esta igualmente ensinado, por implicação, emRm 8.11, que o Espírito estava ativo naressurreição de Cristo: “Se habita em vós oEspírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre osmortos esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesusdentre os mortos, vivificará também os vossoscorpos mortais, por meio do seu Espírito que em vóshabita”. Embora Paulo não diga aqui que foi oEspírito que ressuscitou dos mortos a Cristo, ele

131

realmente afirma que o mesmo que ressuscitou Cristotambém ressuscitará os crentes “pelo seu Espírito”.Certamente, se os crentes devem ser ressuscitadospor meio do Espírito, deve ser correto inferir queo Espírito também ressuscitou a Cristo dentre osmortos 32.

Se o Espírito esteve ativo na ressurreição deCristo, ele também está ativo na ressurreição doscrentes. Se olharmos mais uma vez para Romanos(8.11), veremos isto claramente demonstrado. Deusressuscitará os crentes da morte, diz Paulo, “pormeio do seu Espírito que [ou quem] em vós habita”.O Espírito Santo, portanto, é retratado aqui como agarantia de que um dia nossos corpos serãoressuscitados da morte a fim de compartilhar daexistência gloriosa na qual Cristo já entrou.

“... no versículo 11 foi substituído osimples pneuma pela definição completa” “ oEspírito daquele que ressuscitou a Jesusdentre os mortos”. Nesta designação de Deusreside a força do argumento: o que Deus fezpor Jesus, fará igualmente para o crente. Épressuposto pelo apóstolo, embora não expressoem palavras textuais, que Deus ressuscitou aJesus através do Espírito. Aqui o argumento daanalogia entre Jesus é mais fortalecido pelaobservação de que o instrumento pelo qual Deusefetuou a ressurreição de Jesus, já estápresente nos leitores. A idéia de que oEspírito opera instrumentalmente naressurreição e está claramente implícita” 33.

132

É lançada mais luz sobre o papel do Espíritona ressurreição dos crentes, em 1 Co 15.42-44:“Pois assim também é a ressurreição dos mortos.Semeia-se o corpo na corrupção, e ressuscita naincorrupção. Semeia-se em desonra ressuscita emglória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder.Semeia-se corpo natural [soma psychikon],ressuscitacorpo espiritual [soma pneumatikon]”. Algumastraduções, como a RSV, trazem a expressão “corpofísico” para sõma psychikon, o que pode nosconfundir, dando a impressão de que o “corpoespiritual” (soma pneumatikon) da ressurreição sejaimaterial ou não-físico. A tradução “corponatural”, para soma psychikon, encontrada nas versõesASV, NIV e RAB, ajuda o leitor a evitar esse erro.Com “corpo espiritual” Paulo não quer significar umcorpo que seja não-material, mas antes, um corpoque esteja, completamente, sob controle do EspíritoSanto.

“Esse objetivo Pneumatikon expressa aqualidade do corpo no estado escatológico.Todo pensamento de imaterialidade, oueterialidade ou ausência de densidade físicadeve ser cuidadosamente afastado do termo...Para manter estes mal-entendidos afastados,deve-se preservar, cuidadosamente, a letramaiúscula tanto na tradução como vice-versa:pneumatikon (com inicial minúscula) quase comcerteza nos leva ao erro, enquanto que,Pneumatikon (com inicial maiúscula), não apenassoa como uma nota de advertência mas tambémaponta positivamente na direção certa. Paulo

133

tenciona caracterizar o estado de ressurreiçãocomo o estado no qual Pneuma [Espírito]governa” 34.

À luz da passagem acima, portanto, o EspíritoSanto não está ativo apenas ao efetuar aressurreição do corpo mas também, continuará(ativo) a sustentar e dirigir o corpo ressurrecto,depois da ressurreição ter acontecido: “Se oEspírito inaugurou e sustém a vida do Senhorressurrecto, então o Espírito igualmente inauguraráe susterá a vida dos redimidos em sua ressurreição.Isto é verdadeiro porque Paulo vê, no Senhorexaltado, a atual realização do futuro dosredimidos” 35.

Falta destacar um elemento. Se é verdade, comoPaulo nos conta em 2 Coríntios (3.18), que oEspírito já está operando em nós agora,transformando-nos na imagem de Cristo36, conclui-seque esta renovação progressiva é um tipo deantecipação da ressurreição do corpo. Dessa forma,o Espírito Santo é o elo de ligação entre o corpopresente e o corpo ressurrecto.

“O Espírito não somente opera no homem,portanto, mas também renova sua humanidade.Mas o segredo da continuidade entre o corpopresente e o corpo ressurrecto não está no“ser humano”, mas também no Espírito. E ofundamento firme da crença que um dia o mortalvestirá a imortalidade está em conformidadecom isto. Quem nos tem preparado para este fimé Deus, que nos deu o Espírito como um penhor

134

(2 Co 5.5). Neste sentido, a obra é renovaçãodo Espírito nos crentes, durante sua vidapresente pode também ser entendida como uminício da ressurreição do corpo, e serdescrita por Paulo desta forma (cp 2 Co 3.18;4.10, 11, 16, 17; Ef 5.14; Fp 3.10,11). Assim,o esplendor da glória da vida futura osilumina mesmo agora (2 Co 3.18; 4.6), asprimícias e penhor no tempo presente de suaressurreição da morte (cf Gl 6.8; Rm 8.23; 2Co 5.5)” 37.

Em conclusão, podemos dizer que, na posse doEspírito, nós que estamos em Cristo, temos a provaantecipada das bênçãos da era vindoura, e um penhore garantia da ressurreição do corpo. Dessa forma,agora, nós temos apenas as primícias. Aguardamos aconsumação final do Reino de Deus, quando entãodesfrutaremos dessas bênçãos em sua plenitude.

135

Notas do Capítulo 5

1. In Biblical and Tehological Studies (Estudos Bíblicos eTeológicos), pp. 209 a 259.

2. Schottis Journal of Theology Occasional Papers número 6(Edição avulsa do Jornal Escocês de Teologia),Edinburgh: Oliver and Boyd, 1957.

3. Sobre este assunto ver também G.Vos, PaulineEschatology (Escatologia Paulina) pp. 160 a 162.

4. Sobre o significado de “batismo com o EspíritoSanto” veja minha obra Holy Spirit Baptism (Batismo doEspírito Santo), Grand Rapids Eerdmans, 1972.Sobre o papel escatológico do Espírito nosEvangelhos, ver também G.Vos, “The EschatologicalAspect of the Pauline Conception of the Spirit”(O AspectoEscatológico da Concepção Paulina do Espírito),pp. 222, 223.

5. H. Ridderbos, Paul, p 87.6. Ibid., pp. 66, 67.7. Vos, Pauline Eschatology, p.58.8. Ibid., p. 59.9. N.Q.Hamilton, The Holy Spirit and Eschatoly in Paul (O

Espírito Santo e a Escatologia em Paulo), p. 26.Cp. Vos, Pauline Eschatology., p. 165.

10. A expressão “Aba! Pai! Era de uso comumnaquela época. Aba era a palavra aramaica paraPai, e era freqüentemente usada nas orações. Apalavra Aba indicaria uma certa intimidade eternura àqueles que falavam aramaico, evocandomemórias da infância.

136

11. Arndt e Gingrich, A Greek-English Lexicon of the NewTestament (Léxico grego-inglês do NovoTestamento), p. 95.

12. A Oepke, “Paris”, TDNT, V, p. 653,13. Hamilton, op. cit., p.32. ver também G.

Berkouwer, Return, pp. 114, 115.14. Cp Ridderbos, Paul, pp 203, 204. E. Schweizer,

“huios”, TDNT, VIII, pp. 391, 392.15. Embora alguns comentaristas entendam tou

pneumatos como um genitivo partitivo(significando a primeira das bênçãos concedidaspelo Espírito, com outras que se seguirão),parece ser mais correto entender a construçãocomo um genitivo de aposto: o aparche que é oEspírito.

16. G.Delling, “aparche”, TDNT, I, p. 486.17. Sobre o Espírito como primícias, ver também

Hamilton, op. cit., p.19; e Berkower, Return, p.114.18. J.Behn, “arrabon” TDNT, I, p.475.19. Uma vez que parece inadequado pensar acerca do

corpo ressurrecto como sendo “eterno nos céus”,é provavelmente melhor pensar acerca deste“edifício de Deus” como referindo-se ao modocelestial de existência que, para o crente,começa com a morte e culmina na ressurreição. CpCalvin, ad. loc., e veja mais adiante.

20. A tradução de arrabon encontrada na NIV.21. O Cullmann, Konigsherrschaft Christ and kirche im Neuen

Testament (O Senhorio Real de Cristo e a Igreja noNovo Testamento), p.20, transcr. N.Q.Hamilton,op.cit., p.20.

22. G.Vos, Pauline Eschatology, p.165.

137

23. C.K. Barrett, The Holy Spirit and the Gospel Tradition (OEspírito Santo e a Tradição dos Evangelhos), NewYork: Macmillan, 1947, p.153. C.P. Berkouwe,Return, p. 114; Hamilton, op.cit., pp.20,21;H.M.Shires, The Eschatology of Paul in the Life of ModernScholarship (A Escatologia de Paulo à luz daErudição Moderna), Philadelphia: Westminster,1966, p. 154.

24. G.Fitzer, “Sphragis”, TDNT, VII, p.950, número86.

25. Ibid.,p.949.26. Hamilton, op.cit., p.28. Sobre o Espírito como

selo, ver também Ridderbos, Paul, pp.399-400;G.W.H. Lampe, The Seal of the Spirit (O Selo doEspírito), segunda edição, Naperville: Allenson,1967.

27. Pauline Eschatology, p.163.28. Ibid., pg. 155, número 10, onde Vos discute os

três contrastes mencionados no texto.29. Hamilton, op.cit., p.13. Note também o seguinte

comentário de A Nygren: “Assim, a ressurreição éo ponto decisivo na existência do Filho de Deus.Antes disso Ele era o Filho de Deus em fraquezae solidão. Através da ressurreição ele tornou-seo Filho de Deus em poder”; Commentary on Romans(Comentário de Romanos), transcr. C.Rasmussen,Philadelphia: Fortress, 1949, p.51.

30. Hamilton, op.cit., p.13. Deveria ser óbvio que apalavra carne em Romanos 1.3 não significaescravidão ao pecado.

31. Vos, Pauline Eschatology, p.156 número 10.

138

32. Sobre este assunto ver também Vos, “TheEschatological Aspect of the Pauline Conception of the Spirit”,pp.228-235; Hamilton, op.cit., pp.12-15; Ridderbos,Paul, pp.538-539.

33. Vos, Pauline Eschatology, p.163. Cp Hamilton,op.cit., pp.18, 19; Ridderbos, Paul, p.538.

34. Vos, Pauline Eschatology pp. 166,167. Cp.Ridderbos, Paul, pp.544, 545, incluindo número160. Para uma discussão completa do significadodo termo “corpo espiritual”, ver mais adiante.

35. Hamilton, op.cit., p.17.36. O tempo presente de metamorphounetha (nós

estamos sendo transformados) sugere um processocontínuo.

37. Ridderbos, Paul, p.551.

139

CAPÍTULO 6

A TENSÃO ENTRE O JÁ E O AINDA-NÃO

Temos visto que aquilo que caracterizaespecificamente a escatologia do Novo Testamento éuma tensão subliminar entre o “já” e o “ainda-não.”O crente, assim ensina o Novo Testamento, já estána era escatológica mencionada pelos profetas doAntigo Testamento, mas ainda não está no estadofinal. Ele já experimenta a presença do EspíritoSanto em si, mas ainda espera por seu corporessurrecto. Ele vive nos últimos dias, mas oúltimo dia ainda não chegou.

Em capítulos anteriores, tocamos nesta tensãode várias maneiras. Vimos que o Novo Testamentoexpressa esta tensão em sua doutrina das duaseras: a era presente e a era vindoura (veja pp. 28-30). Percebemos que a compreensão da história quesubjaz ao Novo Testamento implica na existênciadesta tensão: continua havendo duas correntes dedesenvolvimento na história - a do Reino de Deus ea do reino do mal (acima, pp.45-49). O próprioReino de Deus, na verdade, só pode ser entendido àluz desta tensão, como sendo uma realidade tantopresente como futura (acima, pp.66-73).

O papel do Espírito Santo na escatologialustra mais a tensão entre o que já somos e o queesperamos ser (abaixo, pp. 74-90). Observamos istoespecialmente em conexão com conceitos tais comonossa filiação (pp. 80-83), o Espírito como

140

primícia (p.83), e o Espírito como penhor e selo(pp.83-86).

Na verdade, é impossível entender aescatologia Neotestamentária à parte desta tensão.A tensão entre o já e o ainda-não está implícitanos ensinos de Jesus. Porque Jesus ensinou que oReino de Deus é tanto presente como futuro, e que avida eterna é tanto uma possessão presente como umaesperança futura. Esta tensão mais tarde, tambémpermeia os ensinos do Apóstolo Paulo. Para estesApóstolo, a vida de Jesus se auto-revela no tempopresente em nossa carne mortal (2 Co 4.10, 11), masa presença desta vida nova é provisória eimperfeita, de modo que podemos referi-la tantodela revelada, como podemos falar dela comoescondida (cp Cl 3.3; Rm 8.19,23). Por causa disso,às vezes, Paulo escreve acerca da morada presentedo Espírito numa linguagem alegre e triunfante (Rm8.9; 2 Co 3.18), enquanto que outras vezes ele falaacerca do crente gemendo intimamente e anelando porcoisas melhores (Rm 8.23; 1 Co 5.2) 1.

Esta tensão também é mencionada nas Epístolasnão-paulinas. O autor de Hebreus contrasta aprimeira vinda de Cristo com a segunda: “Cristo,tendo-se oferecido uma vez para sempre para tiraros pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sempecado, aos que o aguardam para a salvação” (9.28).Pedro conecta a ressurreição de Cristo com nossaesperança futura: “que nos regenerou para uma vivaesperança mediante a ressurreição de Jesus Cristodentre os mortos, para uma herança incorruptível,sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para

141

vós outros” (1 Pe 1.3,4). E João realça o contrasteentre o que somos agora e o que deveremos ser:“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não semanifestou o que havemos de ser. Sabemos que quandoele se manifestar, seremos semelhantes a ele,porque havemos de vê-lo como ele é” (1 Jo 3.2).

Contrariamente à opinião de alguns, estatensão entre o já e o ainda-não é também encontradano livro de Apocalipse. Embora uma discussão maiscompleta deste livro seja fornecida mais adiante,podemos notar aqui que nem uma visão exclusivamentepreterista deste livro, nem uma exclusivamentefuturista lhe faz jus completamente. A visãopreterista afirma que maior parte do que éencontrado no livro de Apocalipse ou já tinhaacontecido à época em que o livro foi escrito, ouestava para acontecer logo após seu surgimento. Avisão futurista, ao contrário, sustenta que a maiorparte do que está no livro não somente era futuroquando o livro foi escrito mas, mesmo hoje, aindanão aconteceu. Nenhuma destas posições leva emconta a tensão já-ainda-não, que permeia o livrointeiro. O livro do Apocalipse se refere tanto aopassado como ao futuro. Ele constrói sua expectaçãopelo futuro sobre a obra que Cristo fez no passado.Entre as várias referências do livro à vitória queCristo conquistou no passado, podemos citar asseguintes: 1.18; 5.5-7, 9,10; 12.1-5, 11. Entre asreferências deste livro à segunda vinda de Cristoencontram-se as seguintes: 1.7; 19.11-16; 22.7, 12,20. O livro do Apocalipse, portanto, retrata aigreja de Jesus Cristo como salva, segura em

142

Cristo, e destinada para uma glória futura - emboraainda sujeita a sofrimento e perseguição enquanto onoivo demora.

Pelo fato de a tensão entre o já e o ainda-nãoser um aspecto tão importante da escatologiaNeotestamentária, vamos continuar a explorar maisalgumas de suas implicações para nossa vida epensamento de hoje.

(1) Esta tensão já-ainda-não caracteriza o que geralmentedenominamos de os “sinais dos tempos”. Por “sinais dostempos” entendemos eventos que têm de acontecerantes que Cristo retorne, incluindo coisas taiscomo a pregação missionária da Igreja, a conversãode Israel, a grande apostasia, a grande tribulaçãoe a revelação do anticristo. Estes sinais serãodiscutidos, com maior detalhe, mais adiante. Nestemomento, entretanto, podemos notar que esses sinaistomam parte da tensão já-ainda-não, uma vez queapontam tanto para o que já aconteceu como para oque ainda está porvir. Todos os “sinais dos tempos”apontam para a primeira vinda de Cristo no passadoe apontam, no futuro, para sua segunda vinda. Alémdisso, estes sinais não devem ser considerados comoacontecendo exclusivamente no tempo-final,imediatamente antes da volta de Cristo, mas devemser vistos como ocorrendo ao longo de toda a eraentre a primeira e a Segunda Vinda de Cristo2 .Embora estes sinais deixem lugar para umcumprimento culminante futuro, imediatamente antesda volta de Cristo3, eles são de tal natureza queserão encontrados ao longo da história da igreja noNovo Testamento.

143

Como ilustração deste ponto, considere apregação missionária do Evangelho. Jesus disse: “Eserá pregado este evangelho do Reino por todo omundo, para testemunho a todas as nações. Entãovirá o fim” (Mt 24.14). Esta pregação do Evangelho,por isso, é tanto uma marca distintiva da era naqual vivemos agora, como um sinal apontando nofuturo para a Segunda Vinda de Cristo. A pregaçãomissionária do Evangelho é um sinal que nos lembraa vitória de Cristo no passado e que antecipa seuretorno glorioso.

(2) A Igreja está envolvida nesta tensão. Uma vez que aigreja é uma comunidade de pessoas que foramredimidas por Cristo, ela é uma comunhão daquelesque não obstante serem um povo novo, são tambémpessoas imperfeitas. Não se deve perder de vistanem a novidade nem a imperfeição. A pregação,ensino, cuidado pastoral e disciplina praticados naigreja, portanto, sempre têm de levar esta tensãoem conta. O povo de Deus não deve ser tratado comoaqueles que ainda estão totalmente depravados,“completamente incapazes de qualquer bem einclinados para todo mal” 4 , mas devem ser tratados e considerados como novas criaturas em Cristo. Aomesmo tempo, porém, deve ser lembrado que o povo deDeus é ainda imperfeito. Por causa disso, oscristãos deveriam lidar um com o outro comopecadores perdoados. Deve sempre haver umaprontidão para aceitar e perdoar irmãos que pecaramcontra nós. Além disso, qualquer correção que devaser feita, deveria acontecer no Espírito de Gl 6.1:“Se alguém for apanhado em pecado, meus irmãos, vós

144

que sois espirituais tendes obrigação de o trazerao bom caminho, sem qualquer complexo desuperioridade, para vos salvaguardar contrapossíveis tentações” (Philips).

(3) Esta tensão deveria ser um incentivo para um vivercristão responsável. A tensão contínua entre o já e oainda-não implica que, para o cristão, a luta contrao pecado continua ao longo da presente vida. Masesta é uma luta para se engajar, não na expectaçãoda derrota, mas na certeza da vitória. Nós sabemosque Cristo desferiu um golpe mortal no reino deSatanás e que a condenação de Satanás é certa.

Nós já somos novas criaturas em Cristo,habitadas pelo Espírito Santo, que nos fortifica demodo que realmente podemos “mortificar os mausfeitos do corpo” (Rm 8.13, NIV). Mas não podemosatingir a perfeição sem pecado nesta vida. Nossaimperfeição contínua, entretanto, não nos dá umadesculpa para viver irresponsavelmente, nem implicaque devamos renunciar a tentar fazer o que agrada aDeus. Na verdade, nós apenas podemos continuar aviver com o ainda-não à luz do já.

Uma compreensão da força que é nossa, atravésda habitação do Espírito Santo, deveria nos motivara viver uma vida cristã positiva e vitoriosa. A féna transformação contínua que em nós é operada peloEspírito (cp 2 Co 3.18) deveria nos estimular emnossos esforços. Acima de tudo, deveríamos serencorajados pela convicção de que nossasantificação é, em última instância, não umaconquista nossa mas dom de Deus, uma vez que Cristoé a nossa santificação (1 Co 1.30).

145

Podemos considerar mais um aspecto nestaconexão. A relação entre o já e o ainda-não não é deantítese absoluta, mas antes de continuidade. Oprimeiro é o antegozo do último. O Novo Testamentoensina que há uma conexão estreita entre aqualidade da nossa vida presente e a qualidade davida além-túmulo. Para indicar o modo pelo qual avida presente esta relacionada com a vida vindourao Novo Testamento utiliza figuras tais como oprêmio, a coroa, o fruto, a colheita, o grão e aespiga, semeadura e ceifa (cp. Gl 6.8) 5. Conceitoscomo estes nos ensinam que temos umaresponsabilidade de viver para o louvor de Deuscomo o melhor de nossa capacidade mesmo enquantocontinuamos a não alcançar a perfeição.

(4) Nossa auto-imagem deveria refletir esta tensão. Porauto-imagem quero designar o modo como uma pessoaolha para si mesma, seu conceito acerca de seupróprio valor ou falta de valor. O fato de ocristão se encontrar na tensão entre o que jápossui em Cristo e o que ele ainda não desfruta,implica que ele deveria ver a si mesmo como umapessoa nova imperfeita. Mas a ênfase deveria cairsobre a novidade, não sobre a contínua imperfeição.Colocar a ênfase na imperfeição em vez de nanovidade é viver no Novo Testamento de cabeça parabaixo. Conforme Oscar Cullmann comenta, para ocrente cristãos nos dias de hoje o já excede em pesoao ainda-não 5.

Porque continuamos a viver na tensãoescatológica entre o já e o ainda não, nós realmentenão vemos ainda nossa novidade em Cristo em sua

146

totalidade. Nós vemos muito em nossas vidas que seassemelha mais ao velho que ao novo. Por causadisso, fica um sentido no qual esta novidade sempreé um objeto de fé. Mas a fé no fato de que somosnovas criaturas em Cristo é um aspecto essencial denossa vida cristã.

Embora a tensão permaneça, é também verdadeiroque a vida cristã é marcada por crescimentoespiritual. O novo homem que vestimos, comocristãos, está continuamente sendo renovado: “Nãomintais um para o outro, uma vez que vos despistesdo vosso velho homem com suas práticas e vestisteso novo homem, que está sendo renovado emconhecimento na imagem de seu criador” (Cl 3.9,10,NIV). O cristão, portanto, deveria olhar para simesmo como uma nova pessoa em Cristo, pessoa queestá sendo progressivamente renovada pelo Espíritode Deus 7.

(5) Esta tensão nos ajuda a entender o papel do sofrimentona vida dos crentes. “Por que sofre o justo?” é umaquestão tão velha quanto o livro de Jó. Umaresposta a esta questão é que o sofrimento, na vidados crentes, é uma manifestação concreta do ainda-não. O sofrimento ainda acontece na vida decristãos porque ainda não foram eliminados todos osresultados do pecado. O Novo Testamento ensina que“através de muitas tribulações, nos importa entrarno Reino de Deus” (At 14.22). Paulo conecta nossosofrimento presente com nossa glória futura (Rm8.17,18). E Pedro aconselha seus leitores a não sesurpreender “com o julgamento penoso que estaissofrendo como se algo estranho estivesse

147

acontecendo a vós” mas antes “alegrai-vos emparticipar dos sofrimentos de Cristo” (1 Pe 4.12,13, NIV).

O episódio das almas debaixo do altar, emApocalipse (6.9-11), também nos ajuda a entender oproblema do sofrimento na vida dos crentes. Joãoouve as almas daqueles que foram mortos por causada palavra de Deus, clamando: “Ó Soberano Senhor...até quando não julgas nem vingas o nosso sangue dosque habitam sobre a terra?” (v.10). A perguntasobre porque Deus permite injustiças tão terríveisacontecerem sobre a terra, requer uma resposta. E aresposta é dada em dois estágios. Primeiro, àquelesque clamavam foram dadas vestiduras brancas - umsímbolo óbvio de vitória. Depois, é-lhes dito paradescansar um pouco mais, até que o número de seusconservos, que deveriam ser mortos, seja completado(v.11). Assim, o povo de Deus continuará a sofrerinjustiça até o fim desta era - contudo, aquelesque sofrem e morrem por causa de Cristo receberãosuas vestiduras brancas da vitória.

Por causa disso, temos de ver o sofrimento doscrentes à luz do eschaton, ocasião em que Deusenxugará todas as lágrimas dos nossos olhos equando não mais haverá sofrimento e morte (Ap21.4). Entrementes, sabemos que Deus tem seuspropósitos para permitir a entrada do sofrimento navida de seu povo. Paulo nos ensina, em Romanos 5,que o sofrimento produz perseverança, aperseverança produz caráter e o caráter produzesperança (vs. 3,4). E o autor de Hebreus, emboraadmitindo que a disciplina e o sofrimento não

148

parecem ser agradáveis na hora em que sãoexperimentados, nos conta que tal disciplina maistarde “produz uma colheita de justiça e paz paraaqueles que por ela foram treinados” (12.11, NIV)8.

(6) Nossa atitude para com a cultura está relacionada comesta tensão. H. Richard Niebuhr em seu livro Christ andCulture (Cristo e a Cultura) 9, aponta váriasabordagens para com a cultura que foram utilizadaspor diversos grupos cristãos no passado, variandodesde rejeição total até aceitação acrítica daprodução cultural de não-cristãos, com numerosasposições intermediárias. Aplicando o conceito datensão já-ainda-não à questão das conquistasculturas, tanto de crentes como de descrentes,ajudaremos a lança alguma luz sobre este eternoproblema.

É geralmente entendido, por muitos cristãos,que o relacionamento entre o mundo presente e anova terra que está porvir é de descontinuidadeabsoluta. A nova terra, pensam muitos, cairá comouma bomba em nosso meio. Não haverá nenhum tipo decontinuidade entre este mundo e o vindouro; tudoserá totalmente diferente.

Esta compreensão, porém, não faz jus ao ensinodas Escrituras. Há tanto continuidade comodescontinuidade entre este mundo e o vindouro 10. Oprincípio aqui envolvido está bem expresso empalavras que foram freqüentemente usadas porteólogos medievais: “A graça não destrói a naturezamas a restaura” 11. Em sua atividade redentora, Deusnão destrói as obras de suas mãos mas as limpa do

149

pecado e as aperfeiçoa, a fim de que possamfinalmente alcançar o alvo para o qual ele ascriou. Aplicado a este problema, esse princípiosignifica que a nova terra que aguardamos não serátotalmente diferente da terra atual, mas será umarenovação e glorificação da terra na qual vivemosagora.

Já observamos, anteriormente, figurasneotestamentárias que sugerem que aquilo que oscrentes fazem nesta vida terá conseqüências na vidaporvir - figuras como as da semeadura e ceifa, grãoe espiga, amadurecimento e colheita. Paulo ensinaque uma pessoa pode construir sobre a fundação dafé em Cristo, com materiais duráveis como ouro,prata ou pedras preciosas, de modo que naconsumação sua obra possa sobreviver e ele possareceber uma recompensa (1 Co 3.10-15). O livro doApocalipse fala acerca das obras que seguirãoaqueles que morreram no Senhor (14.13). Fica claro,de passagens como esta, que aquilo que os cristãosfazem para o Reino de Deus nesta vida temsignificado também para o mundo porvir. Em outraspalavras, há uma continuidade entre o que é feitopara Cristo agora e o que deveremos desfrutar nofuturo - uma continuidade expressa no NovoTestamento em termos de galardão ou gozo (cp 1 Co3.14; Mt 25.21,23).

Mas, que dizer acerca da produção cultural dosnão-cristãos? Devemos simplesmente renegar taisprodutos como sem valor porque não foram produzidospor crentes e não foram conscientemente dedicados àglória de Deus? Os cristãos que tomam esta atitude,

150

falham em apreciar a obra da graça geral de Deus nomundo atual, através da qual mesmo homens não-regenerados são capacitados para fazercontribuições válidas para a cultura mundial.

“Toda verdade é de Deus;consequentemente, se homens iníquos disseramqualquer coisa que seja verdadeira e justa,não devemos rejeitá-la; porque ela veio deDeus 12.

Sempre que depararmos com estes assuntosem escritores seculares, deixemos essaadmirável luz da verdade que neles brilha nosensinar que a mente do homem, embora decaída epervertida em sua inteireza está mesmo assimvestida e ornamentada com os excelentes donsde Deus. Se consideramos o Espírito de Deuscomo a única fonte da verdade, nunca devemosrejeitar a verdade em si, nem menosprezá-lapareça como for, a não ser que desejemosdesonrar o Espírito de Deus. Porque, em tendoos dons do Espírito em pouca estima,desprezamos e rejeitamos o próprio Espírito”13.

Com relação à cultura não-cristã, portanto,temos de lembrar que o soberano poder de Cristo étão grande que ele pode governar em meio a seusinimigos, e fazer com que aqueles que não oconhecem façam contribuições à ciência e à arte,contribuições que servirão à sua causa. Os poderesdespertos pela ressurreição de Jesus Cristo estãoativos no mundo de hoje! O governo soberano de

151

Cristo sobre a história é tão maravilhosos que elepode fazer até seus inimigos louvá-lo, embora eleso façam involuntariamente. E quando lemos, no livrodo Apocalipse, que os reis das nações da terradeverão trazer sua glória para a nova Jerusalém(21.24,26), concluímos que haverá algumacontinuidade até entre a cultura do mundo atual e ado mundo vindouro.

A tensão entre o já e o ainda-não, portanto,implica em que não devemos desprezar o que oEspírito de Deus capacitou a homens não-regeneradosproduzirem, mas devemos avaliar todos essesprodutos culturais à luz dos ensinos da Palavra deDeus. Podemos usar em gratidão qualquer coisa devalor da cultura deste mundo, desde que a usemoscom discriminação.

Como cristãos, acima de tudo, temos de fazer oque melhor podemos para continuar a produzir umacultura genuinamente cristã: literatura cristã,arte, filosofia, uma abordagem cristã da ciência, eassim por diante. Mas não devemos esperar alcançaruma cultura totalmente cristã deste lado doeschaton. Uma vez que ainda não somos o que devemosser, todos os nossos esforços em estabelecer umacultura cristã serão apenas uma aproximação.

Para dar certeza, embora haja uma continuidadeentre o mundo presente e o mundo por vir, a glóriado mundo vindouro superará em muito a glória domundo presente. Porque:

Nenhum olho viu,Nenhum ouvido ouviu,Nenhuma mente concebeu

152

O que Deus tem preparado para aqueles que o amam (1 Co 2.9, NIV).

Resumindo o que foi desenvolvido nestecapítulo, concluímos que toda a nossa vida cristãdeve ser vivida à luz da tensão entre o que jásomos em Cristo e o que um dia esperamos ser.Olhamos, no passado, com gratidão, para a obraconcluída e a vitória decisiva de Jesus Cristo. Eolhamos para o futuro com ansiosa antecipação daSegunda Vinda de Cristo, quando instauraremos afase final de seu Reino glorioso, e traremos àplenitude a boa obra que ele começou em nós 14.

153

Notas do Capítulo 6

1. Ver também H. Riderbos, Paul, pp. 169-175.2. Cp. G Berkower, Return, Cap. 8, e veja adiante,

pp.3. Isto se aplica particularmente à manifestação do

anticristo. Embora desde a primeira vinda deCristo sempre tenha havido anticristos no mundo(veja 1 Jo 2.18,22), o Novo Testamento tambémnos ensina a aguardar um anticristo único efinal no futuro (veja 2 Ts 2.3-10).

4. Heidelberg Catechism (Catecismo de Heidelberg),questão 8.

5. Veja H. Berkhof, Christelijk Geloof, Nijkerk:Callenbach, 1973, p.511.

6. O Cullmann, Salvation, p.183.7. As implicações da nossa fé cristã para nossa

auto-imagem estão mais exploradas em minha obra:The Christian Looks at Himself (O Cristão Olha para SiMesmo).

8. Sobre o assunto do sofrimento e martírio na vidados crentes, veja Berkouwer, Return, pp. 115-122.

9. “Gratia non tollit sed reparat naturam”.10. Commentary on the Epistles to Timothy, Titus, and Philemon

(Comentário das Epístolas a Timóteo, Tito eFilemon), transcr W. Pringle, Grand Rapids:Eerdmans, 1948, de Tito 1.12, pp. 300, 301.

11. Institutas, ed., J. T. McNeill trasncr.,F.L.Battles, Phidadelphia: Westminster, 1960)II, 2, 15.

12. Para uma discussão mais ampliada da tensão do“já-ainda-não”, veja Berkouwer, Return, pp.20-23,

154

110-115, 121, 122, 138, 139; Cullmann, Salvation,pp. 32, 172-185; Hamilton, The Holy Spirit andEschatology in Paul (O Espírito Santo e a Escatologiaem Paulo), pp. 39, 87; W. Manson, “Eschatologyin the New Testament” (A Escatologia em o NovoTestamento), pp. 7, 9-13; Ridderbos, Paul, pp.230, 231, 249-252, 267-277; Shires, The Eschatologyof Paul in the Light of Scholarship (A Escatologia de Pauloà luz da Erudição Moderna), pp.18, 162, 163,169, 226.

155

PARTE II

ESCATOLOGIA FUTURA

Tendo visto o que a Bíblia ensina acerca da escatologiainaugurada, passamos agora ao que deveremos chamar deescatologia futura - a discussão de eventos escatológicos que aindasão futuros. Ao pensar acerca da escatologia futura, porém éimportante que lembremos o que foi desenvolvido na parte I. Omaior evento escatológico da história não está no futuro mas nopassado. Uma vez que Cristo conquistou a vitória decisiva sobreSatanás, pecado e morte, no passado, os eventos escatológicosfuturos devem ser vistos como o complemento do processo redentorque já começou. Em outras palavras, o que acontecerá no último dianão será nada além da culminação do que tem acontecido nestesúltimos dias.

A discussão da escatologia futura será divida em duassubseções. Na primeira delas (Capítulos 7 a 9), estaremos tratandodo que podemos chamar de “escatologia individual”. Sob este títuloestaremos lidando com temas tais como morte física, imortalidade eo estado do homem entre morte e ressurreição. Na segunda destassubseções (Capítulos 10 a 20) deveremos tratar do que se podechamar de “escatologia cósmica”. Aqui consideraremos tópicos taiscomo a expectação da Parousia, os sinais do tempo, a SegundaVinda de Cristo, o milênio, a ressurreição do corpo, o juízo final e oestado final.

156

CAPÍTULO 7

MORTE FÍSICA

Abordamos agora a questão da morte física,especialmente enquanto relacionada com o pecado e aredenção. O problema saliente, que encaramos aqui,é a conexão entre pecado e morte. A morte veio parao mundo como resultado do pecado, ou teria havidomorte mesmo que não tivesse havido pecado?

Para vermos claramente este problema,entretanto, temos primeiro que fazer uma distinçãoimportante. Quando falamos do problema da conexãoentre pecado e morte, temos em mente a questão daorigem da morte na vida do homem, não da origem damorte no mundo animal e vegetal.

Parece bem provável que deve ter havido morteno mundo animal e vegetal antes da queda do homemno pecado. Temos registros fósseis de vários tiposde plantas e animais que estão extintos há milharesde anos. Muitas dessas espécies podem ter-seextinguido muito antes de o homem aparecer naterra. E mais: a morte desempenha uma parteimportante no modo de existência de vários animaise plantas conforme os conhecemos hoje. Existemanimais carnívoros que subsistem por devoraremoutros animais. Há plantas e árvores que são mortaspor animais ou insetos. Muitas das células deplantas vivas (árvores, por exemplo) são célulasmortas, e estas células mortas cumprem uma funçãodas mais importantes. A não ser que desejemossustentar que a natureza hoje seja diferente do que

157

era antes da queda, em todos aspectos, temos deadmitir que, com toda probabilidade, havia morte nomundo animal e vegetal antes da queda. O professorL.W.Kuilman, escrevendo na segunda edição daChristelijke Encyclopedie, faz a seguinte ponderação:

“A questão sobre se a morte, como umfenômeno biológico, já ocorreu antes da quedado homem no pecado tem de ser respondidaafirmativamente, com base na evidênciafornecida pela ciência da paleontologia (aciência de plantas e animais antigos)... Oestudo destas áreas de investigação [registrosfósseis de plantas e animais antigos] nos levaa reconhecer que a morte biológica ocorriaantes do homem ser criado. A morte biológicadesse tipo, portanto, não deve seridentificada com a morte que ingressou nomundo como punição do pecado do primeiro casalhumano” 1.

Por causa disso retornamos ao problema damorte humana. A morte do homem foi resultado dopecado, ou o homem teria morrido mesmo que nãotivesse caído em pecado?

Embora, geralmente, os teólogos cristãos,tanto católicos romanos como protestantes, têmconsiderado que a morte humana é um dos resultadosdo pecado do homem, alguns professores cristãos têmensinado diferentemente. Pelágio, um mongebritânico que ensinava em Roma no século quinto AD., admitia que o pecado de Adão trouxe a mortepara dentro do mundo. Mas Celestius, o discípulo de

158

Pelágio que se tornou líder do movimento pelagiano,ensinava que Adão fora criado mortal, e teriamorrido de qualquer forma, tivesse ele pecado ounão 2 . Os socinianos do tempo da Reformadesenvolveram uma visão similar à de Celestius.

Em anos recentes, a idéia de que a morte, navida do homem, não é resultado do pecado tem sidonovamente desenvolvida por Karl Barth. Para serexato, Barth realmente diz que a morte do homemestá relacionada com seu pecado e culpa e, porcausa disso, é um sinal do julgamento de Deus sobresua vida 3. Mas esta não é a última palavra deBarth sobre o assunto. Ele distingue o aspecto dejulgamento do aspecto natural da morte 4. Ele,então, continua dizendo: “Isto significa que tambémpertence à natureza humana, e que está determinadoe ordenado pela boa criação de Deus e nessa medidaé justo e bom, que o ser do homem, no tempo, devaser finito e que o próprio homem seja mortal... Emsi mesmo, portanto, não é desnatural, mas naturalpara a vida humana seguir o seu curso para esteterminus ad quem, para declinar e murchar, e porcausa disso ter este limite à frente” 5.

De acordo com Barth, então a morte do homemnão foi resultado de sua queda no pecado, mas umaspecto da boa criação de Deus. Deus, desde oprincípio, planejou que a vida do homem na terrateria um fim. Barh admite, para ser preciso, quepelo fato de o homem ser um pecador, sua morte éagora um sinal do julgamento de Deus sobre ele. maseste julgamento, ele afirma mais adiante, foiremovido por Jesus Cristo 6. No pensamento de

159

Barth, o homem é um ser destinado por Deus paraemergir da inexistência, passar um número limitadode anos na terra, e então retornar à inexistência7.

Esta posição, entretanto, desperta inúmerasquestões. Se o homem fosse morrer de qualquerforma, à parte de sua queda no pecado, por que aBíblia relaciona tão consistentemente o pecadojuntamente com a morte? Se a morte era parte da boacriação de Deus e o fim natural do homem, por queteve Cristo de morrer por nossos pecados? E mais,se a morte é o fim do homem, segundo o plano deDeus desde o princípio, por que Cristo ressuscitoudos mortos? E por que, então, a Bíblia ensina quetanto crentes como descrentes ressuscitarãoigualmente dentre os mortos?

Diferentemente de Celestius, Karl Barth eoutros, temos que sustentar que a morte, no mundohumano, não é um aspecto da boa criação de Deus,mas um dos resultados da queda do homem no pecado.Passemos a ver a evidência escriturística paratanto.

Vejamos, primeiramente, Gn 2.16,17: “E lhe deuesta ordem: De toda árvore do jardim comeráslivremente, mas da árvores do conhecimento do bem edo mal não comerás; porque no dia em que delacomeres, certamente morrerás”.

Esta passagem, que contém a primeirareferência à morte na Bíblia, ensina claramente aconexão entre pecado e morte. Deus ameaçou com amorte, como penalidade, por comer da árvoresproibida. A expressão hebraica usada no texto

160

(infinitivo absoluto seguido pela forma imperfeitado verbo finito), na verdade, significa: “ você deverá certamente morrer ”.

Poderíamos levantar a questão: Que significamas palavras “no dia em que dela comeres?” Será queestas palavras pretendem transmitir a idéia de queAdão morreria exatamente no dia cronológico no qualele comeu do fruto proibido? Alguns eruditosfavorecem esta interpretação, sugerindo que aexecução imediata da sentença de morte foi adiadapor causa da graça geral de Deus 8. Obviamente,esta é uma interpretação possível. Entretanto, umaoutra interpretação parece ser mais plausível.Geerhardus Vos chama a atenção para o fato de que aexpressão “no dia em que dela comeres” ésimplesmente um idiomatismo hebraico que significa:“tão certo como tu dela comeres”. Ele cita, comoexpressão paralela, I Rs 2.37, onde Salomão diz aSimei: “Porque há de ser que no dia em que saíres epassares o ribeiro de Cedrom, fica sabendo que serámorto” 9. Outro exemplo para este idiomatismo éencontrado em Êxodo (10.28), texto que se refere aFaráo, dizendo para Moisés: “Retira-te de mim eguarda-te que não mais vejas o meu rosto; porque nodia em que vires o meu rosto, morrerás”. Em ambasas passagens, a expressão “no dia” significasimplesmente “tão certo como”. Se entendermos aexpressão de Gênesis (2.17) no mesmo sentido,concluiremos, portanto, que ela não significanecessariamente “no exato dia que comeres destefruto morrerás”, mas antes: “tão certo como tucomes deste fruto morrerás”. Baseado nesta

161

interpretação, pois, o fato de Adão e Eva não teremmorrido fisicamente no mesmo dia em que comeram daárvores proibida, não precisa nos causar nenhumadificuldade especial.

Mas, quê dizer da expressão: “certamentemorrerás?” As palavras que a Bíblia usa paradenotar morte, podem significar várias coisas. Quesentido terá a palavra aqui? O significado óbvio eprimeiro do verbo hebraico muth é morrer de morte física. Quando este castigo e, mais tarde,mencionado em conexão com o processo que éresultado do pecado do homem, é a morte física queestá descrita (veja Gn 3.19). Portanto, o que querque Gênesis (2.17) signifique, certamente está nosensinando que a morte física, no mundo humano, éresultado do pecado do homem. Embora não saibamoscomo era o corpo de Adão antes de sua queda nopecado, somos impedidos, por esta passagem, deassumir que ele teria morrido fisicamente dequalquer forma, tivesse ele pecado ou não.

À luz do restante das Escrituras, entretanto,a morte, conforme nesta ameaça aqui, deve serentendida como significando mais do que a simplesmorte física. O homem é uma totalidade, que possuium lado espiritual tanto quanto um lado físico emseu ser. Uma vez que, de acordo com as Escrituras,o significado mais profundo da vida á a comunhãocom Deus, o significado mais profundo da morte temde ser a separação de Deus. A morte, conforme aameaça feita em Gênesis (2.17), portanto, inclui oque geralmente chamamos de morte espiritual: istoé, a quebra da comunhão do homem com Deus. Por

162

causa do pecado de Adão, cada ser humano estáagora, por natureza, num estado de morte espiritual(cp. Ef 2.1,2): “Ele vos deu vida, estando vósmortos nos vossos delitos e pecados, nos quaisandastes outrora”). Leon Morris expressa bem estepensamento: “Quando o homem pecou, passou para umnovo estado, um estado simbolizado e, ao mesmotempo, dominado pela morte. É provável que a morteespiritual e a morte física não sejam consideradascomo separadas, mas que uma envolva a outra” 10. Emoutras palavras, depois de o homem ter pecado ele,imediatamente, morreu no sentido espiritual e, porcausa disso, ficou sujeito ao que chamamos de morteeterna - separação eterna da presença amorosa deDeus 11. Ao mesmo tempo, o homem entrou num estadono qual a morte corporal se tornou agorainevitável.

Passemos a ver a passagem a que já aludimos,de Gn 3.19:

“No suor do rostocomerás o teu pão,

até que tornes à terra,pois dela foste formado:

porque tu és póe ao pó tornarás”.

Alguns argumentam que estas palavrassimplesmente retratam o que teria acontecido aohomem mesmo que o pecado não tivesse intervindo.Mas esta interpretação não é garantida. Porqueestas palavras constam de uma passagem que descreveos castigos divinamente ordenados para o pecado -

163

primeiro para a serpente (vs. 14,15) então para amulher (v.16) e em seguida para o homem (vs 17-19).

Aqui é predito o destino do corpo de homem:uma vez que ele é feito de pó, terá de voltar aopó. Aqui a morte está vividamente retratada, nãocomo um fenômeno natural, mas como um aspecto damaldição que veio sobre o homem por causa do seupecado.

Gênesis (3.22,23) também lança luz sobre oproblema: “Então disse o Senhor Deus: Eis que ohomem se tornou como um de nós, conhecedor do bem edo mal: assim, para que não estenda a mão, e tometambém da árvore da vida, e coma, e vivaeternamente: o Senhor Deus, por isso, o lançou forado jardim do Éden...” Novamente, vemos a morteretratada como resultado do pecado do homem. Umavez que o homem tinha comido da árvore proibida,não lhe era permitido permanecer no jardim do Édene “viver para sempre”. Embora não seja indicada aexata relação entre comer da árvores da vida eviver para sempre, fica claro que agora o homemdeve morrer porque pecou contra Deus. Ao mesmotempo, a expulsão do jardim implica numa bênção.Porque, viver eternamente com uma natureza decaídanão-regenerada não teria sido uma bênção, mas teriasignificado uma extensão irremediável do curso devida.

A conexão necessária entre pecado e morte nãoé ensinada apenas no Antigo Testamento, mas tambémno Novo. Romanos (5.12) é muito claro neste ponto:“Portanto, assim como por um só homem entrou opecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim

164

também a morte passou a todos os homens porquetodos pecaram”. É concebível que alguém possa dizerque, uma vez que nesta parte do capítulo Paulo estácontrastando a morte com a vida que recebemosatravés de Cristo, ele tenha em mente apenas amorte espiritual. Embora seja verdadeiro que nestaperícope (5.12-21) a morte que Paulo estádescrevendo inclua a morte espiritual, não se podeexcluir, com acerto, a morte física do que ele querdizer. Certamente, a morte física é mencionadatanto no contexto precedente (“fomos reconciliadoscom Deus mediante a morte do seu Filho”, v.10) comono subseqüente (“reinou a morte deste Adão atéMoisés, v.14). Por causa disso, quando Paulo diz:“por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelopecado a morte”, a morte física está seguramenteincluída. Na verdade, esta passagem é um eco óbviode Gênesis (2.17).

Em Romanos (8.10), Paulo diz: “Mas Cristo estáem vós, vosso corpo está morto por causa do pecado,mas vosso Espírito está vivo por causa dajustiça”(NIV). Como fica óbvio a partir do verso 11(“vivificará os vossos corpos mortais”), corposignifica aqui corpo físico. O vosso corpo físicoestá morto, diz Paulo - isto é, tem nele a sementeda morte e é certo que, finalmente, morrerá. Então,ele adiciona significativamente: “por causa dopecado”. Novamente vemos que, de acordo com asEscrituras, a morte do corpo é um resultado dopecado.

Podemos citar mais uma passagem, em 1Coríntios (15.21): “Visto que a morte veio por um

165

homem, também por um homem veio a ressurreição dosmortos”. Aqui Paulo está discorrendo sobre aressurreição do corpo. Nesta conexão, ele novamentecontrasta Cristo com Adão. “A morte veio por umhomem” - obviamente, a referência é a Adão. A mortefísica está aqui claramente denotada, uma vez queestá contrastando com a ressurreição do corpo.

Tendo considerado a conexão entre a morte epecado, prossigamos para atentar para a morte à luzda redenção. A Bíblia ensina que Cristo veio aomundo para conquistar e destruir a morte. O autorde Hebreus escreve da seguinte forma: “Visto, pois,que os filhos têm participação comum de carne esangue, destes também ele, igualmente, participou,para que, por sua morte, destruísse aquele que temo poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse atodos os que, pelo pavor da morte, estavam sujeitosà escravidão por toda a vida” (2.14,15). Uma vezque foi através da tentação do diabo que a morte(do homem) veio ao mundo, pode ser dito aqui dodiabo que ele tem o poder da morte. Cristo,entretanto, assumiu a natureza do homem e morreupor nós a fim de, pela morte, poder destruir amorte. Embora esta passagem não o digatextualmente, o Novo Testamento ensina claramenteque foi através de sua ressurreição dos mortos queCristo conquistou sua grande vitória sobre a morte:“Havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, jánão morre: a morte já não tem domínio sobre ele”(Rm 6.9).

A conquista da morte, portanto, deve ser vistacomo uma parte essencial da obra redentora de

166

Cristo. Cristo não redime seu povo apenas dopecado; ele também o redime dos resultados dopecado, e a morte é um deles. E, assim, lemos em 2Timóteo (1.10) que Cristo “destruiu a morte etrouxe à luz a vida e a imortalidade”. Por causadisto, o fato de que na nova Jerusalém não maishaverá morte é uma culminação adequada da obraredentora de Cristo (Ap 21.4).

Então surge a questão: porque os crentes têmde morrer? Por que eles não poderíam ascender aoscéus imediatamente após o fim de seus diasterrenos, sem ter de atravessar o processo dolorosode morrer? Na verdade, é isso que vai acontecer aoscrentes que ainda estiverem vivos quando Cristovoltar. Eles não terão de morrer, mas serãotransformados “num momento, num abrir e fechar deolhos” (1 Co 15.52) no estado deincorruptibilidade. Por que isto não pode acontecera todos os crentes?

Esta questão é, de fato levantada no catecismode Heidelberg, Questão 42: “Então, uma vez queCristo morreu por nós, porque temos nós também demorrer? A resposta reza o seguinte: “Nossa mortenão é uma satisfação de nossos pecados, mas éapenas um morrer para os pecados e entrar na vidaeterna”.

Para nós que somos cristãos, a morte não é umpagamento pelos pecados. Foi para Cristo, mas não épara nós. Uma vez que Cristo foi nosso mediador,nosso segundo Adão, ele teve de sofrer a morte comoparte do castigo que nós merecíamos pelo pecado;mas, para nós, a morte não é mais uma punição pelo

167

pecado. Para Cristo, a morte foi parte do curso desua vida. Para nós, a morte é fonte de bênção.

Mas, então, perguntamos: Que significa amorte, agora, para o cristão? “Um morrer para ospecados”, o Catecismo continua dizendo(literalmente, “uma extinção dos pecados”). Na vidapresente, o pecado é o fardo mais pesado que temosde carregar. Quanto mais velhos ficamos, mais nosaflige o fato de que continuamos não conseguindofazer a vontade de Deus. Pode-se sentir algo depeso deste fardo ao ler as palavras de Paulo emRomanos (8.23): “E não somente a criação, mastambém nós que temos as primícias do Espírito,igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando aadoção de filhos, a redenção do nosso corpo”. Mas amorte trará um fim ao ato de pecar. Note como oautor de Hebreus descreve a comunhão daqueles queagora estão nos céus: “Mas tendes chegado ao monteSião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalémcelestial... e à universal assembléia e igreja dosprimogênitos arrolados nos céus... e aos espíritosdos justos aperfeiçoados” (Hb 12.22,23). Paulo, defato, nos conta que Cristo amou a igreja e a simesmo se entregou por ela “para que a santificasse,tendo-a purificado por meio da lavagem de água pelapalavras para apresentar a si mesmo igrejagloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisasemelhante, porém santa e sem defeito” (Ef5.26,27).

Nossa morte também será uma “entrada na vidaeterna”. Estas palavras não pretendem negar que háum sentido no qual o crente já possui a vida eterna

168

aqui e agora, uma vez que o mesmo Catecismo ensina,na Resposta 58, que agora nós sentimos em nossoscorações o início do gozo eterno. Mas o que gozamosagora é apenas o início. Entraremos nas riquezasplenas da vida eterna somente após termos passadoatravés do portal da morte. Por causa disso, Paulopode dizer: “para mim o viver é Cristo e o morrer élucro” (Fp 1.21), e: “preferindo deixar o corpo ehabitar com o Senhor” (2 Co 5.8).

Tudo isso implica em que a morte, nosso“último inimigo” (1 Co 15.26), através da obra deCristo, tornou-se nosso amigo. Nosso oponente maistemível veio a se para nós o servo que abre asportas para a felicidade celestial. A morte para ocristão, portanto, não é o fim, mas um gloriosonovo início. E, dessa forma, entendemos porquePaulo pôde dizer:

“Tudo é vosso:seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas,

seja o mundo, seja a vida, seja a morte,sejam as coisas presentes, sejam as futuras,

tudo é vosso,e vós de Cristo,

e Cristo de Deus” (1 Co 3.21-23)

Notas do Capítulo 7

1. Christelijke Encyclopedie, Segunda Ed. Ver., Kampen:Kok, 1957, II, 461 (tradução do autor).

2. J.N.D Kelly, Early Christian Doctrines (PrimeirasDoutrinas Cristãs), New York, Harper and Row,1959, pp. 358, 359, 361.

169

3. Karl Barth, Church Dogmatics (Teologia Dogmática daIgreja), Edinburgh: T. and T. Clark, 1960,III/2, pp. 596-598.

4. Ibid p. 632.5. Ibid.6. Ibid., pp 605,606. Outro teólogo recente, que

sustenta que a morte do homem é parta da boacriação de Deus, é Reinhold Niebuhr, em The Natureand Destiny of Man (Natureza e Destino do Homem),New York, Scribner, 1941, I, pp. 175-177.

7. Para uma discussão mais completa da visão deBarth sobre a morte, juntamente com uma crítica,veja G.C. Berkower, The Triumph of Grace in the Theologyof Karl Barth (O Triunfo da Graça na Teologia deKarl Barth) trans. H.Boer, Grand Rapids:Eerdmans, 1956, pp. 151-165, 328-346.

8. Herman Bavinck, Gereformeerd Dogmatiek. QuartaEdição, Kampen: Kok, 1928-1930, III, pp. 139,140(Terceira Edição, p.159); Abraham Kuyper, DeGemeene Gratie, Amsterdam: Hoveker & Wormser, 1902,I, pp. 209-217; G.Ch. Aalders, Korte Verklaring,Genesis, Kampen: Kok, 1949, pp. 124, 140-141.

9. Biblical Theology (Teologia Bíblica), Grand Rapids:Eerdmans, 1964, pp. 48,49.

10. The Wages of Sin (O Salário do Pecado), London:Tyndale, 1955 p. 10.

11. Adão e Eva teriam entrado em morte eterna seDeus, em sua graça, não tivesse intervindo.Gênesis 3.15, entretanto, nos fala que Deusrealmente interveio assim.

170

CAPÍTULO 8

IMORTALIDADE

Às vezes, tem sido dito que o conceito deimortalidade da alma faz parte da fé cristã. Istofoi verdadeiro especialmente nos século Dezoito, oséculo do Iluminismo e de seu correlativoreligioso, o Deísmo. De acordo com o Iluminismo, afonte de toda verdade deveria ser encontrada maisna razão do que na revelação divina. As trêsgrandes verdades da “teologia natural”, que sepodem descobrir pela razão, supostamente, eram aexistência de Deus, a importância da virtude e aimortalidade da alma. Dizia-se que o conceito deimortalidade da alma era demonstrável pela razão,até que Immanuel Kant (1724-1804) submeteu essesargumentos a uma crítica devastadora. Mas, mesmoKant, continuava a sustentar o conceito como umpostulado da assim chamada razão prática1 .

Primeiramente, devemos notar que a idéia deimortalidade da alma (a saber, que após a morte docorpo, a alma ou aspecto imaterial do homemcontinua a existir) não é um conceito peculiar aoCristianismo. Ele tem sido sustentado, de uma formaou outra, por grande número de povos, incluindo osbabilônios, os persas, os egípcios e os antigosgregos. Na verdade, o conceito de imortalidade daalma, que era tão fortemente defendido no séculodezoito pelos líderes do Iluminismo, não era umadoutrina distintivamente cristã, uma vez que a

171

“teologia natural”, da qual esta doutrina fazia umaparte, era considerada como sendo distinta esuperior ao Cristianismo.

O conceito de imortalidade da alma foidesenvolvido nas religiões de mistério da antigaGrécia, e recebeu expressão filosófica nos escritosde Platão (427-347 a C.). Em vários diálogos,especialmente no Fedo, Platão apresenta a idéia deque corpo e alma devem ser considerados como duassubstâncias distintas: a alma pensante é divina; ocorpo, sendo constituído de matéria - umasubstância inferior - é de valor menor que a lama.A alma racional ou nous é a parte imortal do homemque desceu “dos céus”, onde desfrutava de uma pré-existência feliz. Porque a alma perdeu suas asasneste estado pré-existente, entrou no corpo,habitando na cabeça. Na morte, o corpo simplesmentese desintegra, mas o nous , ou alma racional,retorna aos céus caso seu curso de ação tenha sidojusto e honorável; caso não, ela reaparece em formade outro homem ou de um animal. Mas a alma em si éindestrutível 2.

No conceito de Platão, a imortalidade da almaestá enraizada em uma metafísica racionalista: oracional é o real, e tudo o que seja não-racionaltem uma realidade do tipo inferior. Por causadisso, a alma é considerada como uma substânciasuperior, inerentemente indestrutível e portantoimortal, enquanto que o corpo é de substânciainferior, mortal e condenado à destruição total.Aqui o corpo é considerado como um túmulo para aalma, que é realmente mais feliz sem o corpo. Neste

172

sistema de pensamento, portanto, não há lugar paraa doutrina da ressurreição do corpo.

Mas agora temos de levantar a questão: Seráque as Escrituras em algum lugar, utilizam aexpressão “a imortalidade da alma”? Ensinam elasque a alma do homem é imortal?

Há duas palavras gregas que geralmente sãotraduzidas por imortalidade na versão portuguesa daBíblia: athanasia e aphtharsia. Athanasia é encontradaapenas três vezes no Novo Testamento: uma em 1Timóteo (6.16) e duas vezes em 1 Coríntios(15.53,54). Na primeira passagem, a palavra é usadapara descrever Deus, “o único que possuiimortalidade, que habita em luz inacessível, a quemhomem algum jamais vio, nem é capaz de ver”.Obviamente, a imortalidade aqui significa mais doque mera existência sem fim. Significa imortalidadeoriginal, como distinta da concedida. Nestapassagem, Paulo ensina que Deus, como fonte davida, é origem de todas as outras imortalidades.Neste sentido, somente Deus tem imortalidade;outros recebem imortalidade e a possuem apenas nadependência dele. Como Deus tem vida em si mesmo(João 5.26), assim também ele tem imortalidade emsi mesmo.

Os outros dois lugares onde a palavra athanasiaé usada, ocorrem em sucessão: 1 Co 15.53,54:“Porque o perecível tem de se revestir com oimperecível, e o mortal com imortalidade. Quando operecível estiver vestido com o imperecível, e omortal com imortalidade, então a palavra que estáescrita se fará verdadeira: A morte foi tragada na

173

vitória” (NIV). Paulo aqui está falando acerca doque acontecerá na hora da volta de Cristo (vejav.52). As palavras citadas acima se aplicam tanto àtransformação dos crentes, que ainda estiveremvivos quando Cristo voltar, como à ressurreição dosmortos que, estará acontecendo. Uma vez que,conforme Paulo já dissera, o corruptível não podeherdar o incorruptível (v.50), precisa aconteceruma mudança desta espécie.

Observe agora três coisa acerca daimortalidade, das quais esta passagem fala (1) Aimortalidade mencionada aqui é atribuída apenas aoscrentes - Paulo não diz coisa alguma nesta passagemacerca dos descrentes. (2) Esta imortalidade é umdom que devemos receber no futuro. O tipo deimortalidade mencionado aqui não é uma possessãopresente de todos os homens, nem mesmo de todos oscrentes, mas uma concessão que ocorrerá naParousia. (3) a imortalidade descrita nestapassagem não é uma característica apenas da alma,mas da pessoa inteira. Se houver alguma ênfase, elaestá sobre o corpo, uma vez que a passagem fala daressurreição do corpo. Aqui não há alusão da idéiada imortalidade de alma.

A outra palavra geralmente traduzida porimortalidade, (aphtharsia), ocorre sete vezes no NovoTestamento. Ela é usada para designar o alvo que osverdadeiros crentes perseguem (Rm 2.7), e aquiloque Cristo trouxe à luz em 2 Timóteo (1.10). Éusada quatro vezes em 1 Coríntios (15), o grandecapítulo paulino a respeito da ressurreição. Noverso 50, ela é usada para descrever aquilo que o

174

corruptível ou perecível não pode herdar. No verso42 é usada para comunicar o fato de que, embora ocorpo seja semeado em corrupção, é ressuscitado emincorrupção. Nos versos 53-54, a palavra é usadapara descrever a incorrupção ou imperecibilidadecom a qual o corpo atual, aqui chamado deperecível, precisa revestir-se na ressurreição. Emnenhuma destas passagens a palavra é usada para a“alma”.

O adjetivo derivado, aphthartos é também usadosete vezes no Novo Testamento. Ele é usado paradescrever Deus (Rm 1.23; 1 Tm 1.17), o corporessurrecto (“os mortos ressuscitarãoincorruptíveis” 1 Co 15.52), a coroa pela qualPaulo se esforça (1 Co 9.25), a jóia imperecível deum Espírito manso e tranqüilo (1 Pe 3.4), a sementeimperecível da qual fomos nascidos de novo (1 Pe1.23), e a herança incorruptível que está guardadanos céus para nós (1 Pe 1.4). Em caso nenhum apalavra é usada para descrever a “alma”.

Concluímos, então, que as Escrituras não usama expressão “a imortalidade da alma”. Mas istoainda deixa a questão em aberto: Será que de algummodo a Bíblia ensina que a alma do homem é imortal?

Alguns teólogos da Reforma usaram e defenderama expressão “imortalidade da alma” comorepresentativa de um conceito que não estava emconflito com o ensino das Escrituras. João Calvino,por exemplo, ensina que Adão teve uma alma imortal3, e fala da imortalidade das almas como umadoutrina aceitável 4. Ao mesmo tempo, entretanto,ele admite que a imortalidade não pertence à

175

natureza da alma, mas é comunicada à alma por Deus5.

Archibald Alexander Hodge, num volumepublicado originalmente em 1878, apresenta váriosargumentos em defesa da doutrina da imortalidade daalma 6. William G.T. Shedd, numa obra originalmentepublicada em 1889, tem o seguinte a dizer acerca daquestão: “A crença na imortalidade da alma e em suaexistência separada do corpo após a morte, eracaracterística tanto da economia vétero[testamentária] como da do Novo [Testamento]” 7. Demodo similar, Lous Berkhof diz: “Esta idéia deimortalidade da alma está em perfeita harmonia como que a Bíblia ensina acerca do homem...” 8; elepassa a fornecer vários argumentos, tanto darevelação geral como da Bíblia, para sustentar esteconceito.

A posição de Herman Bavinck, neste ponto,entretanto, é consideravelmente mais cautelosa. Eledenomina a doutrina da imortalidade da alma dearticulus mixtus, cuja verdade é mais demonstrada pelarazão de que pela revelação divina, e em nenhumlugar o colocam em primeiro plano; menos ainda,elas nunca fazem qualquer tentativa em argumentar arespeito da verdade deste conceito ou em sustentá-lo contra seus oponentes” 10.

Concordando com Bavinck, G.C. Berkouwerrejeita a idéia de imortalidade da alma comodoutrina distintivamente cristã, e afirma: “AsEscrituras nunca se ocupam de um interesseindependente na imortalidade como tal, nãomencionando a imortalidade de uma parte do homem

176

que despreza e sobrevive à morte sob todas ascircunstâncias e sobre a qual podemos refletir bemà parte da relação do homem com o Deus vivo” 11.

Como devemos avaliar estas reaçõesaparentemente conflitantes dos teólogos da Reforma?Estamos de acordo com que a idéia de imortalidadeda alma esteja em perfeita harmonia com o que aBíblia ensina acerca do homem? Com relação a estaquestão, as seguintes observações podem ser feitas:

(1) Como temos visto, as Escrituras não utilizam aexpressão “a imortalidade da alma”. A palavra imortalidadeé aplicada a Deus, à existência total do homem nahora da ressurreição, e a coisas tais como a coroaimperecível e a semente incorruptível da Palavra,mas nunca para a alma do homem.

(2) As Escrituras não ensinam a existência continuada daalma devido a sua indestrutibilidade inerente 12 - um dosargumentos filosóficos principais para aimortalidade da alma. Este argumento, vale a penalembrar, está relacionado com uma visãoespecificamente metafísica do homem. Na filosofiade Platão, por exemplo, a alma é consideradaindestrutível porque ela faz parte de uma realidademetafísica superior à do corpo; ela é consideradacomo uma substância não criada, eterna e, por causadisso, divina. Mas as Escrituras não ensinam essetipo de conceito da alma. Uma vez que, de acordocom as Escrituras, o homem foi criado por Deus econtinua a ser dependente de Deus para suaexistência, não podemos indicar no homem nenhumaqualidade ou qualquer aspecto do homem que o façaindestrutível.

177

(3) As Escrituras não ensinam que uma simplesexistência continuada após a morte sejasupremamente desejável, porém insistem que uma vidaem comunhão com Deus é o maior bem do homem. O conceitode imortalidade da alma, como tal, não diz nadaacerca da qualidade de vida após a morte; elesimplesmente afirma que a alma continua a existir.Mas isto não é o que as Escrituras enfatizam. O quea Bíblia salienta, é que viver separado de Deus émorte, e que relação e comunhão com Deus é vidaverdadeira. Esta vida verdadeira já é desfrutadapor aqueles que creêm em Cristo (Jo 3.36; 5.24;17.3). A vida em comunhão com Deus continuará a serdesfrutada pelos crentes após a morte, conformePaulo ensina em Filipenses (1.21-23) e em 2Coríntios (5.8) 13. É esse tipo de existência após amorte que as Escrituras nos apresentam como umestado a ser supremamente anelado. Elas ensinam quemesmo aqueles que não têm esta vida verdadeiramenteespiritual, continuarão a existir após a morte; suaexistência continuada, entretanto, não será umaexistência feliz, mas de tormento e angústia (2 Pe2.9); veja-se também Lucas (16.23,25).

As Escrituras, portanto, trazem uma novadimensão para nosso pensamento acerca da vidafutura. O que é importante para elas não é osimples fato de que as almas continuarão a existir,mas a qualidade dessa existência. As Escriturasinstam com os homens para que venham a Cristo a fimde que possam ter vida, e dessa forma fugir da iravindoura; elas proferem advertências severas contraqualquer conceito de “imortalidade da alma” que

178

possa obscurecer a seriedade do julgamento divinosobre o pecado, ou que possa negar a verdade dapunição eterna para pecadores impenitentes 14.

(4) A mensagem das Escrituras acerca do futuro do homemé a ressurreição do corpo . Neste ponto, vemos umadivergência radical entre a visão cristã do homem ea visão comum à filosofia grega, especialmente a dePlatão. Conforme vimos, os gregos não tinham lugar,em seu pensamento, para a ressurreição do corpo. Ocorpo era visto como um túmulo para a alma, e amorte era considerada como uma libertação doaprisionamento.

Esta compreensão do homem, entretanto, étotalmente diferente do ensino das Escrituras. Deacordo com as Escrituras, o corpo não é menos realdo que a alma; Deus criou o homem em suatotalidade, corpo e alma. Nem o corpo é inferior àalma, nem é não-essencial à verdadeira existênciado homem; se fosse assim, a Segunda Pessoa daTrindade nunca poderia ter assumido uma naturezahumana genuína, com um corpo humano genuíno. Noensino bíblico, o corpo não é um túmulo para a almamas um templo do Espírito Santo; o homem não écompleto sem o corpo. Por causa disso, o futuroestado da bênção do crente não é simplesmente aexistência continuada de sua alma, mas inclui, comoseu aspecto mais rico, a ressurreição de seu corpo.Esta ressurreição será, para os crentes, umatransição para a glória, na qual nossos corposdeverão tornar-se semelhantes ao corpo glorioso deCristo (Fp 3.21).

179

Concluímos que o conceito glorioso deimortalidade da alma não é uma doutrinadistintivamente cristã. Antes, o que é central naescatologia bíblica é a doutrina da ressurreição docorpo. Se desejarmos usar a palavra imortalidade com relação ao homem, digamos que o homem, mais do quesua alma, é imortal. Mas o corpo do homem precisapassar por uma transformação através daressurreição antes que ele possa desfrutartotalmente de imortalidade 15 .

180

Notas do Capítulo 8

1. S.J.Popma, “Aufklarung” (esclarecimento),Christelijke Encyclopedie, Segunda E. Ver., Kampen:Kok, 1956, I, pp. 374/75.

2. J.Van Genderen, “Onsterfelijkheid”, ChristelijkeEncyclopedie V, p. 284.

3. Comentários de 1 Coríntios 15.47.4. Institutas, I, 5,5; III, 25, 6.5. Comentário de 1 Timóteo 6.16. Ver também D.

Holwerde, “Eschatology and History”: A Look at Calvin’sEschatological Vison” (Escatologia e História: UmExame da Visão Escatológica de Calvino), inExploring the Heritage of John Calvin (Explorando a Herançade João Calvino), ed. D. Howerda, Grand Rapids:Baker, 1976 p. 114.

6. Outlines of Theology (Esboço de Teologia), GrandRapids: Eerdmans, 1957, pp. 549-552.

7. Dogmatic Theology (Teologia Dogmática), GrandRapids: Zondervan, s/data, II, p.612.

8. Systematic Theology (Teologia Sistemática), GrandRapids, Eerdmans, 1953, p.672.

9. Herman Ravinck, Gereformeerd Dogmatiek, QuartaEdição, IV, p. 567 (Terceira Edição p. 648).

10. Ibid., p.573 (Terceira Edição, p.656) [tradução doautor].

11. Man: The Image of God (O Homem: A Imagem de Deus),trans. Dirk W. Jellema, Grand Rapids: Eerdmans,1962 p. 276. Veja todo capítulo “Imortalidade”(pp. 234-278), para uma discussão atual daquestão. Ver também O Cullmann, Immortality of theSoul or Ressurrection of the Dead? (Imortalidade da Alma

181

ou Ressurreição dos Mortos?), New York:Macmillan, 1964.

12. Esta declaração assume que é admissível falarde “alma” do homem como continuando a existirapós a morte do corpo. Sem entrar profundamentena questão, por ora, podemos observar que asEscrituras freqüentemente falam do homem emtermos do “corpo e alma” ou “corpo e espírito ”,e às vezes falam da “alma” do homem comosobrevivendo após a morte (e.g., Mt 10.28; Ap6.9, 10; 20.4). Ver também mais adiante.

13. Trataremos mais completamente destas passagensem conexão com a discussão do estadointermediário, no próximo capítulo.

14. Nesta conexão, deveria ser dito que aexpressão “a imortalidade da alma” não somentefalha em fazer jus à ênfase das Escrituras, maspode realmente ser contrária a ela, se aimortalidade for considerada como meraexistência descolorida, ou como uma existênciaque seja exclusivamente feliz.

15. Aqueles que ainda estiverem vivos, quandoCristo voltar, experimentarão esta transformaçãosem ter de morrer (1 Co 15.51, 52).

182

CAPÍTULO 9

O ESTADO INTERMEDIÁRIO

Conforme vimos, o aspecto central do ensinoneotestamentário acerca do futuro do homem é avolta de Cristo e os eventos que acompanharão essavolta: a ressurreição, o juízo final e a criação danova terra. Mas antes de avançarmos para consideraresses assuntos, temos de dar alguma atenção ao quenormalmente é denominado de “o estadointermediário” - isto é, o estado do morto entre amorte e a ressurreição.

Desde o tempo de Agostinho 1, os teólogoscristãos pensavam que, entre a morte e aressurreição, as almas dos homens desfrutavam dodescanso ou sofriam aflições enquanto esperavam oupela complementação de sua salvação, ou pelaconsumação de sua condenação. Na Idade Média, estaposição continuou a ser ensinada 2, e foidesenvolvida a doutrina do Purgatório. OsReformadores rejeitaram a doutrina do Purgatório,mas continuaram a defender um estado intermediário,embora Calvino, mais do que Lutero, tendia mais aconsiderar esse estado como de uma existênciaconsciente 3. Em sua obra Psycopannychia, umaresposta aos Anabatistas de seu tempo, queensinavam que as almas simplesmente dormiam entre amorte e a ressurreição, Calvino ensinou que, paraos crentes, o estado intermediário é tanto debênçãos como de expectação - por causa disso a

183

bênção é provisória e incompleta4. Desde aqueletempo, a doutrina do estado intermediário tem sidoensinada pelos teólogos da Reforma 5, e se refletenas Confissões da Reforma 6.

Entretanto, a doutrina do estado intermediáriotem sido recentemente sujeita a uma crítica severa.G.C. Berkouwer retrata o ponto de vista de algunsdestes críticos em seu recente livro sobreescatologia 7. G.Van Der Leeuw (1890-1950), porexemplo, sustenta que após a morte somente existeuma perspectiva escatológia para os crentes: aressurreição do corpo. Ele rejeita a idéia de queexista “algo” do homem que continue após a morte esobre o que Deus construiria uma nova criatura 8.De acordo com as Escrituras, assim insiste ele, ohomem morre totalmente, com corpo e alma; quando ohomem, mesmo assim, recebe uma nova vida naressurreição, isto é um feito maravilhoso de Deus,e não algo que jorre naturalmente da existênciaatual do homem 9. Por causa disso, falar de“continuidade” entre nossa vida atual e a vida daressurreição leva ao engano 10. Deus não cria nossocorpo ressurrecto a partir de alguma coisa - porexemplo, nosso Espírito, ou nossa personalidade -mas ele cria uma nova vida do nada, de nossa vidaaniquilada e destruída 11.

Outro crítico moderno da doutrina do estadointermediário é Paul Althaus, um teólogo luterano(1888-1966). Esta doutrina, sustenta ele, deve serrejeitada uma vez que pressupõe a existênciacontinuada e independente de uma alma incorpórea 12,e por este motivo é mesclada com Platonismo 13.

184

Althaus apresenta várias objeções à doutrina doestado intermediário. Esta doutrina não faz jus àseriedade da morte, uma vez que a alma parecepassar incólume através da morte 14. Por sustentarque, sem o corpo o homem pode ser totalmenteabençoado e completamente feliz, esta doutrina negaa importância do corpo 15. A doutrina tira osignificado da ressurreição: quanto maisaumentarmos as bênçãos do indivíduo após a morte,mais diminuiremos a importância do último dia 16.Se, de acordo com esta doutrina, os crentes após amorte já estão abençoados e o ímpio já está noinferno, por que ainda é necessário o dia do juízo?17. A doutrina do estado intermediário écompletamente individualista; ela envolve mais umtipo privado de bênção do que comunhão com osoutros, e ignora a redenção do cosmos, a vinda doReino, e a perfeição da igreja 18. Em suma, concluiAlthaus, esta doutrina separa o que deve estarjunto: corpo e alma, o individual e o comunitário,felicidade e a glória final, o destino deindivíduos e o destino do mundo 19.

Em resposta a estas objeções, deve seradmitido que a Bíblia fala muito pouco acerca doestado intermediário e que aquilo que ela dizacerca dele é contingente à sua mensagemescatológica principal sobre o futuro do homem, quediz respeito à ressurreição do corpo. Temos deconcordar com Berkouwer que aquilo que o NovoTestamento nos fala acerca do estado intermediárionão passa de um sussurro 20. Temos também deconcordar que em lugar nenhum o Novo Testamento nos

185

fornece uma descrição antropológica ou exposiçãoteórica do estado intermediário21. Entretanto,permanece o fato de que há evidência suficientepara nos capacitar a afirmar que, na morte, o homemnão é aniquilado e o crente não é separado deCristo. Veremos mais adiante qual é esta evidência.

Neste ponto, devemos fazer uma observaçãosobre a terminologia. Geralmente, é dito porCristãos que a “alma” do homem continua a existirapós o corpo ter morrido. Este tipo de linguagem éfreqüentemente criticado como revelando um modogrego ou platônico de pensar. Será que isso énecessariamente assim?

Deve ser admitido que certamente é possívelfalar da “alma” de modo platônico. No capítuloanterior foi apresentada esta visão platônica daalma, bem como a divergência entre essa visão e aconcepção cristã do homem.

Mas, o fato de que os gregos usaram o termoalma de modo não bíblico não implica,necessariamente, que todo uso da palavra alma, paraindicar a existência continuada do homem após amorte, seja errado. O próprio Novo Testamentoutiliza ocasionalmente deste modo a palavra gregapara a alma, psyche, Arndt e Gingrich, em seu Greek-English Lexicon of the New Testament (Léxico Grego-Inglêsdo Novo Testamento), sugerem que psyche, no NovoTestamento, pode significar vida, alma como o centro davida interior do homem, alma como o centro da vida que transcendeterra, aquela que possui vida, a criatura vivente, alma como aquelaque deixa o Reino da terra e da morte e continua a viver no Hades22.

186

Existem, pelo menos, três exemplos claros doNovo Testamento onde a palavra psyche é usada para designar aquele aspecto do homem que continua aexistir após a morte. O primeiro deles encontra-seem Mateus (10.28): “Não temais os que matam o corpoe não podem matar a alma (psyche); temei antesaquele que pode fazer perecer no inferno tanto aalma como o corpo”. O que Jesus diz é o seguinte:Existe algo seu que aqueles que o mataram não podemtocar. Este algo tem de ser um aspecto do homem quecontinua a existir após a morte do corpo. Doisexemplos mais deste uso da palavra são encontradosno livro do Apocalipse: “Quando ele abriu o quintoselo, vi debaixo do altar as almas (psychas)daqueles que tinham sido mortos por causa dapalavra de Deus e por causa do testemunho quesustentavam”(6.9); “Vi ainda as almas (psychas) dosdecapitados por causa do testemunho de Jesus, bemcomo por causa da palavra de Deus”(20.4). Emnenhuma destas duas passagens a palavra almas podese referir a pessoas que ainda estejam vivendo naterra. A referência é claramente a mártiresassassinados; a palavra almas é usada paradescrever aquele aspecto desses mártires que aindaexiste após seus corpos tem sido cruelmenteabatidos 23.

Concluímos, portanto, que não é ilegítimos nemantibíblico usar a palavra alma para descrever oaspecto do homem que continua a existir após amorte. Devemos acrescentar que, às vezes, o NovoTestamento usa a palavra Espírito (pneuma) para

187

descrever este aspecto do homem: por exemplo, emLucas (23.46), Atos (7.59) e Hebreus (12.23) 24.

As Escrituras ensinam claramente que o homem éuma unidade, e que “corpo e alma” (Mt 10.28) ou“corpo e espírito” (1 Co 7.34; Tg 2.26) sãoinseparáveis 25 . O homem só é completo nesta espéciede unidade psicossomática. Porém, a morte fazsurgir uma separação temporária entre o corpo e aalma. Uma vez que o Novo Testamento,ocasionalmente, realmente fala das “almas” ou dos“espíritos” dos homens como ainda existindo duranteo tempo entre a morte e a ressurreição, nós tambémpodemos fazê-lo, desde que lembremos que esteestado de existência é provisório, temporário eincompleto. Uma vez que o homem não é totalmentehomem sem corpo, a esperança escatológica centraldas Escrituras, em relação ao homem, não é asimples existência continuada da “alma” (conforme opensamento grego) mas é a ressurreição do corpo.

Passaremos agora a investigar o que a Bíbliaensina acerca da condição do homem entre a morte ea ressurreição. Comecemos pelo Antigo Testamento.De acordo com o Antigo Testamento, a existênciahumana não finda com a morte; após a morte, o homemcontinua a existir no Reino dos mortos, geralmentedenominado Sheol. George Eldon Ladd sugere que o“Sheol é a maneira veterotestamentária de afirmarque a morte não acaba com a existência humana” 26.

Na versão King James a palavra hebraica Sheol étraduzida diversamente como sepultura (31 vezes),inferno (31 vezes) ou cova (31 vezes). Porém, tanto na

188

Versão American Standard como na Versão Revised Standard,Sheol não foi traduzida.

Ao passo que admite que a palavra nem sempresignifica a mesma coisa, Louis Berkhof sugere nosentido tríplice para Sheol: o estado de morte,sepultura ou inferno 27. É bem confirmado que Sheol possa significar tanto o estado de morte como asepultura; mas é duvidoso que possa significarinferno.

(1) Geralmente, Sheol significa reino dos mortos que deve ser entendido figuradamente comodesignando o estado de morte. Freqüentemente Sheol é simplesmente usado para indicar o ato de morrer:“Chorando, descerei [Jacó] a meu filho até àsepultura ( Sheol )” (Gn 37.35); “se lhe [Benjamim] sucede algum desastre no caminho por onde fordes,fareis descer minhas cãs com tristeza ao Sheol”(Gn42.38). Em 1 Samuel 2.6, na verdade, fazer descerao Sheol é equivalente a levar alguém ao estado de morte: “O Senhor é o que tira a vida, e dá; fazdescer ao Sheol e faz subir”.

As diversas figuras aplicadas ao Sheol podemtodas ser entendidas como se referindo ao Reino dosmortos: é dito do Sheol que ele tem portas (Jó 17.16), que é um lugar escuro e triste (Jó 17.13),e que é um monstro com apetite insaciável (Pv27.20; 30.15,16; Is 5.14; Hc 2.5). Quandoconsideramos o Sheol desde modo, temos de lembrarque tanto o piedoso como o ímpio descem ao Sheol namorte, uma vez que ambos entram no reino dosmortos.

189

(2) Às vezes, Sheol pode ser traduzido comosepulcro. Exemplo claro está no Salmo 141.7: “aindaque sejam espalhados os meus ossos à boca do Sheolse lavra e sulca a terra”. Entretanto, este nãoparece ser um significado comum do termo; eespecialmente não o é porque existe um termohebraico para sepultura, gebher. Muitas passagensnas quais Sheol poderia ser traduzido por sepultura,têm também o sentido claro se traduzirmos Sheol por reino dos mortos.

Tanto Louis Berkhof como William Shedd sugeremque, às vezes Sheol pode significar inferno ou lugar depunição para os ímpios 28. Mas as passagens citadaspara sustentar esta interpretação não sãoconvincentes. Um dos textos assim citados é o Salmo9.15: “Os perversos serão lançados no Sheol, etodas as nações que se esquecem de Deus”. Mas nãohá indicação no texto de que uma punição estáenvolvida. Fica difícil crer que o Salmista estejapredizendo aqui a punição eterna de cada membroindividual destas nações iníquas (goyim). Apassagem, porém, tem sentido bem claro seentendermos Sheol no significado comum, referindo-seao reino da morte. O Salmista estará então dizendo queas nações ímpias, embora agora se orgulhem de seupoder, serão extirpadas pela morte.

Outra passagem apresentada por Berkhof é a doSalmo 55.15: “A morte os assalte, e vivos desçam aoSheol!” À luz do princípio do paralelismo que,geralmente, caracteriza a poesia hebraica, pareciaque a segunda linha está apenas repetindo opensamento da primeira linha: a morte (ou

190

desolação, na leitura marginal) virá sobre estesmeus inimigos. Descer vivo ao Sheol, então,significaria morte súbita, mas não implicaria,necessariamente, punição eterna.Outro texto ainda citado por Berkhof, relacionadocom isto, é o de Provérbios 15.24: “Para oentendido há o caminho da vida que o leva paracima, a fim de evitar o Sheol em baixo”. Mas aquinovamente se encontra o contraste óbvio entre vidae morte, a última representada pela palavra Sheol.

Não foi definitivamente comprovado, portanto,que Sheol possa designar o lugar de punição eterna.Mas é verdade que já no Antigo Testamento começa aaparecer a convicção de que o destino do ímpio e odestino do piedoso, após a morte, não são o mesmo.Esta convicção é expressa primeiramente na crençade que, embora o ímpio permanecerá sob o poder doSheol, o piedoso finalmente será liberto dessepoder. Por exemplo, no Salmo 49.14, lemos que osímpios, “como ovelhas, são postos no Sheol; a morteserá seu pastor” (ASV). Estas palavras sugerem aidéia de que a morte deverá guardá-los e nuncadeixá-los ir. Os justos, porém, deverão serredimidos do poder da morte: “Mas Deus remirá aminha alma do poder (literalmente, da mão) doSheol; pois ele me tomará para si” (v.15). Aqui érevelada uma diferença acentuada entre o destinodos ímpios e o destino dos justos após a morte. Édito que o justo será redimido do poder da morte -uma declaração que, pelo menos, sugere, sem o

191

afirmar claramente, a promessa da ressurreição dosmortos 29.

Uma passagem de importância semelhante é a doSalmo 16.10: “Pois não deixarás a minha alma para oSheol, nem suportarás que o teu santo vejacorrupção” (ASV). O significado parece ser: tu,Senhor, não abandonarás minha alma (ou a mim) aoReino dos mortos permanentemente, e tu nãopermitirás que eu veja corrupção. O Apóstolo Pedrocita esta passagem em seu sermão de Pentecostes (At2.27,31), e a aplica à ressurreição de Cristo,afirmando que através destas palavras Davi estavaprofetizando esta ressurreição. A pergunta é: Quesignificou esta passagem para Davi, quando ele aescreveu? Poderia ter significado simplesmente suaconfiança de que, embora ele estivesse em perigomortal naquela época, Deus não o deixaria morrer.Em Atos (2.30,31), entretanto, Pedro diz de Davi:“Sendo, pois, profeta, e sabendo que Deus lhe haviajurado que um dos seus descendentes se assentariano seu trono; prevendo isso, referiu-se àressurreição de Cristo, que nem foi deixado noHades [a palavra neotestamentária equivalente aSheol], nem o seu corpo experimentou corrupção”. Seas palavras do Salmo 16 podem realmente serinterpretadas como uma predição da ressurreição deCristo, elas podem ter também significado para Davia esperança da sua própria ressurreição. À luz douso que Pedro fez da passagem, certamente nãopodemos excluir a segunda interpretação 30.

As duas passagens que acabamos de citarindicam que a esperança da libertação do Sheol, para

192

o povo de Deus, já estava presente na época doAntigo Testamento. Podemos observar mais algumaspassagens veterotestamentárias que indicam que odestino dos justos, após a morte, é melhor que odestino dos ímpios. A simples declaração acerca deEnoque já sugere esta idéia: “Enoque andou comDeus, e já não era, porque Deus o tomou para si”(Gn 5.24). As palavras de Balaão, em Números(23.10) também implicam que há uma diferença entreo destino dos justos e o destino dos ímpios após amorte: “Que eu morra a morte dos justos, e o meufim seja como o dele”.

Um contraste semelhante está escrito em duasoutras passagens dos Salmos. O Salmo 17.15 diz:“Eu, porém, na justiça contemplarei a tua face;quando acordar eu me satisfarei com a tuasemelhança”. Embora o primeiro sentido destaspalavras provavelmente seja a comunhão com de Deusnesta vida, certamente não é inseguro ver nelas umareferência à vida após a morte. Em contraste com odestino dos ímpios, ao qual ele se referiu nosversos precedentes, o Salmista espera contemplar aforma ou semelhança temunah de Deus ao acordar dosono da morte31.

O Salmo 73.24 diz: “tu me guias com o teuconselho, e depois me recebes na glória (ouhonra)”. A palavra kabhodh, aqui traduzida por glóriaou honra não vem precedida de preposição, e podetalvez ser considerada como um acusativo de modo;ela é traduzida diversamente como: “a glória, para“a glória”, “em glória” ou “com glória”. À luz doSalmo inteiro, que contrasta o destino dos ímpios

193

com o dos justos, podemos dizer que aqui a fé deAsafe contempla o além-túmulo. Asafe está confiantede que, embora agora os ímpios pareçam prosperar,eles perecerão ao final (vs. 19,27), mas que ele,embora agora sofrendo muitos castigos (v.14), serárecebido na glória após esta vida. Fica evidenteque esta é uma interpretação plausível da passagema partir do verso 26: “Ainda que a minha carne e omeu coração desfalecem, Deus é a fortaleza do meucoração e a minha herança para sempre” 32.

Que ensina o Novo Testamento acerca do assimchamado estado intermediário? De início, temos deafirmar, como já foi mencionado, que a Bíblia nãofala muito acerca deste estado, deixando váriasquestões sem resposta. Porém, os ensinos do NovoTestamento, neste assunto, não contradizem porémantes complementam e expandem os do AntigoTestamento.

O Novo Testamento, assim como o antigo, ensinaque o homem não é aniquilado na morte mas continuaa existir, seja no Hades ou em um lugar defelicidade às vezes denominado Paraíso ou seio deAbraão. Hades é a tradução comum da Sptuaginta paraSheol. Porém, o significado de Hades, no NovoTestamento, não é exatamente o mesmo de Sheol noAntigo Testamento. No Antigo Testamento, comovimos, Sheol indicava o reino dos mortos ou,ocasionalmente, a sepultura. Durante o períodointerbíblico, entretanto, o conceito de Sheol sofreu certas mudanças. Na literatura rabínica desteperíodo, bem como em alguns escritos apocalípticoscomeçou a surgir o conceito de que há uma separação

194

espacial no mundo dos mortos entre o justo e oímpio; em alguns escritos, a palavra Hades começoua ser usada exclusivamente para o lugar de puniçãodas almas ímpias no mundo dos mortos 33. Em certaextensão, o uso neotestamentário da palavra Hadesreflete esta evolução.

Na maioria das vezes, a palavra Hades, no NovoTestamento, designa o reino dos mortos. Ela é usadanesse sentido em Atos (2.27.31), no sermão dePentecostes de Pedro: “porque não deixarás a minhaalma no Hades, nem permitirás que o teu Santo vejacorrupção... [Cristo] que nem foi deixado no Hadesnem o seu corpo experimentou corrupção”. Nestapassagem, Hades é a palavra grega equivalente aSheol no Salmo 16.10, e indica simplesmente o reinodos mortos. Pedro vê essas palavras cumpridas naressurreição de Cristo: Cristo não foi abandonadono reino dos mortos, nem sua carne experimentoucorrupção.

Hades é usado várias vezes no livro do Apocalipse; também aqui significa o Reino dos mortos .Em 1.18, Hades é retratado como uma prisão comportas: “[Cristo] tenho as chaves da morte e doHades”. Em 6.8, o Hades é novamente descrito como emrelação estreita com a morte: “E olhei, e eis umcavalo amarelo e o seu cavaleiro, sendo estechamado Morte: e o Hades o estava seguindo”. Em20.13, o Hades é retratado como um Reino queentrega seus mortos: “Deu o mar os mortos que neleestavam. A morte e o Hades entregaram os mortos queneles havia. E foram julgados um por um, segundo assuas obras”. Esta última passagem leva Joachim

195

Jeremias, em seu artigo sobre o Hades no TheologicalDictionay of the New Testament (Dicionário Teológico doNovo Testamento), a dizer que Hades, no NovoTestamento, tem de se referir ao estadointermediário, uma vez que é mencionado entregandoseus mortos por ocasião da ressurreição34.

Hades também significa reino dos mortos em Mateus 11.23: “Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura,até o céu? Descerás até ao Hades ” . Estas palavrassão um eco de Isaías (14.13 e 15), onde a palavraprofética é dirigida ao rei da Babilônia: “Tudizias ao teu coração: Eu subirei ao céu...Contudo, serás precipitado para o Sheol”. Estesversos descrevem vividamente a entrada do rei noreino dos mortos. De modo similar, Jesus está aquidizendo para reino dos mortos. De modo similar, Jesusestá aqui dizendo para Cafarnaum que, embora em seuorgulho ela se esteja exaltando até aos céus,descerá ao reino dos mortos (o lugar de humilhação eabandono) porque recusou-se a se arrepender diantedas palavras de Jesus. Fica claro que esta descidaao Hades implica em julgamento futuro a partir doverso 24: “Digo-vos, porém, que menos rigor haveráno dia do juízo para com a terra de Sodoma, do quepara contigo”.

Mateus (16.18) é outra passagem onde o Hadesdesigna o reino dos mortos, as palavras de Jesus aPedro, após este ter feito sua grande confissão: “Esobre esta rocha edificarei a minha igreja; e asportas do Hades não prevalecerão contra ela” (ASV).A expressão “as portas do Hades” é o equivalentegrego da expressão hebraica: “as portas do Sheol”.

196

Esta última expressão é encontrada em Isaías(38.10), onde Ezequias, esperando morrer logo, édescrito dizendo: “Em pleno vigor de meus dias heide entrar nas portas do Sheol; roubado estou doresto dos meus anos”. Uma expressão similar, “asportas da morte”, é encontrada em Jó (38.17) e noSalmo 107.18. Estas expressões representam o reinodos mortos como uma prisão bastante fortificada, comportas fortes dentro das quais os mortos estãoconfinados. Em Mateus (16.18), Cristo promete quesua Igreja nunca será vencida ou conquistada pelamorte, uma vez que ele próprio é o conquistador damorte. A morte nunca poderá destruir a Igreja deCristo. Mesmo que os membros da igreja tenham demorrer um a um, a Igreja continuará a existir portoda a eternidade.

Existe uma passagem do Novo Testamento, porém,onde a palavra Hades é usada não apenas como uma designação do reino dos mortos, mas como uma descrição do lugar de tormentos no estado intermediário: aparábola de Lázaro e o Homem Rico, em Lucas (16.19-31). Não é dito que Lázaro tenha entrado no Hadesquando morreu, mas sim que ele foi “levado pelosanjos para o seio de Abraão” (v.22). Entretanto, édito sobre o homem rico após sua morte, que “noHades, estando em tormentos, levantou os olhos...“Aqui o Hades representa o lugar de tormento esofrimento após a morte, enquanto que “o seio deAbraão” é um lugar ou condição de existência feliz(ver também v.25). Conforme indicado acima, estamudança no significado de Hades é paralela a uma

197

mudança similar em certos escritos judaicos daquelaépoca.

Poder-se-ia objetar que isto é uma parábola, eque não se busca em parábolas ensino doutrináriodireto acerca da condição após a morte. Embora istoseja verdadeiro, a parábola seria totalmente semsentido se, de fato, não houver uma diferença entreo destino do justo e o do ímpio após a morte. Oobjeto da parábola gira em torno da miséria futurado homem rico e do futuro conforte de Lázaro.

Nesta parábola, pois, Hades é o lugar oucondição de sofrimento e punição para o ímpio.Deveria ser igualmente observado que a parábola nãoretrata as condições conforme elas serão após aressurreição. Nos versos 27,28 o homem rico fala deseus cinco irmãos que estão vivendo na terra - estasituação seria impossível se a ressurreição játivesse acontecido (cp. também v.31). Concluímosentão, que tanto os sofrimentos associados com oHades como os confortos associados com o seio de Abraão, conforme descrito nesta parábola, ocorremno estado intermediário 35 .

Resumindo, que podemos aprender acerca doestado intermediário, a partir do uso bíblico dosconceitos de Sheol e Hades? Podemos observar osseguintes pontos: (1) As pessoas não saemtotalmente da existência após a morte, mas vão paraum “reino dos mortos”. (2) Os ímpios deverão permanecerneste reino dos mortos, tendo a morte como seupastor. O Novo Testamento adiciona o detalhe deque, após a morte, os ímpios sofrerão tormento,ainda antes da ressurreição do corpo (Lc 16.19-31).

198

(3) O povo de Deus, entretanto, sabendo que Cristonão foi abandonado no reino dos mortos, tem a firmeesperança de também ser libertado do poder do Sheol.Novamente o Novo Testamento leva esta esperança umpasso adiante, ao sugerir que, após a morte, osjustos são confortados (Lc 16.25). Em cada caso,percebemos que o Novo Testamento expande ecomplementa ensinos do Antigo Testamento.

Entretanto, o que o Novo Testamento diz acercado Hades não esgota seu ensino sobre o estadointermediário. Passemos agora a observar algumaspassagens específicas, que lançam mais luz sobreesta questão.

O Novo Testamento diz bem pouco acerca dacondição dos ímpios entre a morte e a ressurreição,uma vez que sua preocupação principal é com ofuturo do povo de Deus. Conforme vimos, a parábolado homem rico e Lázaro retrata o homem ricosofrendo tormentos no Hades após a morte. Talvez, apassagem mais clara do Novo Testamento, que tratada condição do ímpio morto durante o estadointermediário, seja a de 2 Pedro 2.9: “O Senhorsabe como livrar os homem justos de provações ecomo reservar os injustos para o dia do juízo,enquanto continua sua punição” (NIV). Pedro vemexpondo a severidade do julgamento divino sobre osanjos que pecaram, sobre o mundo antigo e sobreSodoma e Gomorra. De acordo com o verso 4, Deuslança os anjos que pecaram no inferno (no grego,Tartarys), para serem guardados até o julgamento. Noverso 9, Pedro está falando acerca dos homensinjustos. A estes, diz ele, Deus sabe como guardar

199

ou manter sob punição até o Dia do Juízo -literalmente, enquanto são punidos. A palavra gregautilizada aqui, kolazomenous, é a forma departicípio passivo presente no verbo kolazo,(=punir). O tempo presente do particípio transmite aidéia de que esta punição é contínua (note atradução da NIV, citada acima). As palavras eishemeran kriseos (=até o Dia do Juízo), nos revelam que oque é descrito aqui não é o castigo final dosímpios, mas uma punição que precede o dia dojuízo36. Além disso, não pode ser sustentado que apunição aqui mencionada seja administrada somentenesta vida atual, uma vez que as palavras “até odia do juízo” estendem claramente a punição atéaquele dia. Esta passagem, portanto, confirma o queaprendemos na parábola do homem rico e Lázaro, enos revela que os ímpios sofrem punição contínua(cuja natureza não nos é mais amplamente descritaaqui) entre a sua morte e o Dia do Juízo.

Agora, passamos a perguntar: Que ensina o NovoTestamento acerca da condição dos crentes mortos(ou, usando a expressão bíblica, “os mortos emCristo”) entre a morte e a ressurreição? Há trêspassagens importantes para considerarmos aqui.

A primeira delas contém as palavras de Jesusao ladrão arrependido. Para entendermos seuimpacto, temos de observar a petição do ladrão bemcomo a promessa de Jesus: “E [o ladrão arrependido]acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieresno (variante textual, em) teu reino”. Jesus lherespondeu: “Em verdade te digo que hoje estaráscomigo no paraíso” (Lucas 23.42,43). Anteriormente,

200

este ladrão tinha reprovado seu comparsa malfeitore expressado arrependimento por seus erros. Agora,ele se dirige a Jesus em fé e esperança. Comoalguém, provavelmente criado na fé judaica, oladrão creu num Messias que algum dia, talvez nofim do mundo, estabeleceria um reino glorioso.Estando agora convencido de que Jesus era esseMessias, dirigiu-se a ele e pede: “lembra-te de mimquando vieres no (ou em, conforme rezam algunsmanuscritos) teu reino”. O ladrão não esperava serassim lembrado a não ser em algum tempo no futurodistante. Mas a resposta de Jesus prometeu a eleainda mais do que ele tinha pedido: “Hoje estaráscomigo no paraíso” 37.

A palavra paraíso é usada aqui e em duas outraspassagens neotestamentárias: 2 Coríntios 12.4 eApocalipse 2.7. Na passagem de 2 Coríntios, Paulonos conta que ele foi arrebatado ao paraíso numavisão; a expressão paraíso é paralela a terceiro céu doverso 2. Aqui, portanto, paraíso significa céu, oreino dos mortos abençoados e a habitação especialde Deus38. Em Apocalipse 2.7, lemos acerca da árvoreda vida que está no paraíso de Deus - aquinovamente paraíso se refere ao céu, embora mais oestado final do que o estado intermediário.Concluímos que Jesus prometeu, ao ladrãoarrependido, que este estaria com Ele na felicidadecelestial naquele mesmo dia. Nem é necessário dizerque esta promessa não exclui que Jesus também selembrará do ladrão por ocasião de sua SegundaVinda, quando ele de fato, finalmente, virá para oseu reino; mas ele afirmou que já, naquele dia,

201

imediatamente após sua morte, o ladrão arrependidodesfrutará do gozo celestial juntamente comCristo39.

Estas palavras de Jesus nos dão um relancebreve, porém memorável, acerca da condição do povode Deus após a morte. Com certeza o sono da almaestá excluído aqui, pois por que se dirigiam estaspalavras se, após a morte, o ladrão estivessetotalmente inconsciente de estar com Cristo noparaíso? 40

Uma segunda passagem importante sobre o estadointermediário é encontrada em Filipenses (1.21-23):“Portanto, para mim o viver é Cristo, e o morrer élucro. Entretanto, se o viver na carne traz frutopara o meu trabalho, já não sei o que hei deescolher. Ora, de um e de outro lado estouconstrangido, tendo o desejo de partir e estar comCristo, o que é incomparavelmente melhor”.

No verso 20, Paulo expressou sua certeza deque Cristo seria engrandecido em seu corpo sejapela morte ou pela vida. No verso 21, ele faz acorajosa afirmação de que para ele o viver é Cristoe o morrer é lucro. Por que Paulo chama aqui amorte de lucro? Alguém poderia dizer que ele estáconsiderando apenas o dia da ressurreição e nãofalando coisa alguma do estado intermediário. Overso 23, porém, lança mais luz sobre o assunto. Láele diz: “Meu desejo é partir e estar com Cristo,porque isso é muito melhor”. Analysai (partir) é um aoristo infinitivo, retratando a experiência instantânea da morte. Ligado por um artigo singulara analysai está o infinitivo presente, einai (ser). O

202

artigo singular junta os dois infinitivos de modoque as ações representadas por estes infinitivosdevam ser considerados dois aspectos da mesmacoisa, como duas faces da mesma moeda 41 . O que Paulo está dizendo aqui é que, no momento em que eleparte ou morre, naquele mesmo momento ele estarácom Cristo.

Paulo não nos diz aqui exatamente como eleestará com Cristo. Se ele estivesse se referindoapenas à ressurreição no último dia, ele poderiatê-lo deixado claro - veja sua referência nadaambígua à ressurreição do corpo em 3.20,21. Aqui,no entanto, ele está simplesmente considerando omomento de sua morte. No momento em que eu morrer,diz Paulo, eu estarei com Cristo. Esta condição,ele acrescenta, será “muito melhor” do que apresente, rejeitando claramente a idéia de que,após a morte, ele entrará num estado de sono-da-alma ou não-existência. Porque, como poderia o sono-da-alma ounão-existência ser “muito melhor” do que o estadoatual no qual ele tem comunhão consciente, emboraimperfeita, com Cristo? 42

Novamente, vislumbramos alguma luz sobre oestado intermediário - não uma grande luz, mas luzsuficiente par anos confortar. Poder-se-ia dizer,na verdade, que há um paralelo impressionante entreo que Paulo diz aqui e o que Jesus disse ao ladrãoarrependido: “ ‘Com Cristo’ - isto é tudo o quePaulo conhece acerca do estado intermediário. Nãosobrepuja o que Jesus disse ao ladrão que morria(Lc 23.43)” 43.

203

Passemos agora à terceira passagemneotestamentária importante sobre o estadointermediário: 2 Coríntios 5.6-8. No entanto, paraentender completamente estes versos, temos decomeçar pelo início do capítulo. O verso 1 diz:“Sabemos que, se a nossa casa terrestre sedesfizer, temos da parte de Deus um edifício, casanão feita por mãos, eterna, nos céus”. Parece claroque, com “casa terrestre deste tabernáculo”, quedeve ser destruída, Paulo denota o modo atual deexistência sobre a terra, cheio de tribulações esofrimento (veja cap. 4.7-17), um modo tãotemporário que pode ser comparado a viver numatenda. O maior problema de interpretação aqui édeterminar o que significa “o edifício de Deus,casa não feita por mãos”. Tem havido,principalmente, três pontos de vista: (1) Oedifício de Deus significa uma espécie de corpointermediário entre o corpo atual e o corpo daressurreição; os crentes receberiam este corpointermediário na morte, mas na Parousia o corpointermediário seria substituído e sobrepujado pelocorpo ressurreto44. (2) O edifício de Deus é o corporessurrecto que deveremos receber na Parousia45. (3)O edifício de Deus descreve a existência gloriosado crente no céu, com Cristo, durante o estadointermediário 46.

Não precisamos gastar muito tempo com aprimeira posição, uma vez que é dito que o“edifício de Deus” é eterno, enquanto que o corpointermediário, pressuposto nesta interpretação,seria apenas temporário. Além disso, não há na

204

Bíblia referência a tal “corpo intermediário”. Oúnico contraste de que Paulo trata, em 1 Coríntios15, é entre o corpo atual e o corpo ressurrecto.

Só nos resta escolher entre (2) o corporessurrecto e (3) a existência gloriosa dos crentesno estado intermediário após a morte. É realmentemuito difícil escolher entre estas duas posições.Existem elementos neste verso e no capítulo inteiroque, realmente, sugerem a idéia do corporessurrecto: por exemplo, a idéia de ser revestidoou de vestir nossa habitação celestial (v.2), e adeclaração de que quando estivermos vestido o que émortal será tragado pela vida -, uma declaração quenos lembra a figura de 1 Coríntios 15.53: “Porque énecessário que este corpo corruptível se revista daincorruptibilidade, e que o corpo mortal se revistada imortalidade”. Por outro lado, há elementos nocapítulo que parecem indicar o estadointermediário: por exemplo, a casa não feita pormãos é descrita como estando nos céus. Com certeza,não deveremos pensar acerca de nossos corpos,ressurrectos sendo guardados para nós em algumlugar, nos céus, não é assim? Outra dificuldade coma segunda posição é o tempo presente de “nós temos”(echomen) no verso 1. Se Paulo estivesse pensandono corpo ressurrecto, por que ele não disse: “nósteremos”?

Embora se possa defender, plausivamente, tantoa interpretação (2) como a (3), nenhuma posição écompletamente satisfatória. Por causa disso, ocomentário de Calvino sobre o verso em questão ébem impressionante. Após ter apresentado algumas

205

das dificuldades da passagem, Calvino diz em seucomentário de 2 Coríntios: “... Eu prefiro entendê-lo [v.1] como indicando que a condição de bênção daalma após a morte, é o início deste edifício, e aglória da ressurreição final é a sua consumação” 47.Em outras palavras, a interpretação de Calvinocombina as posições (2) e (3) acima. O “estadointermediário” e o “corpo ressurrecto” não sãoentendidos aqui como um “ou-ou” mas como um “tanto-como”. Esta interpretação da passagem, assim meparece, faz mais jus às palavras de Paulo e nosajuda a compreender o futuro do crente como umaexperiência unitária, embora dividida pelaressurreição em duas etapas. Ambas as etapas, porémenvolvem uma experiência de glória celestial.

Portanto, o verso 1 nos relata o que aconteceimediatamente após a morte: No momento em que atenda terrestre, em que vivemos agora, estiverdestruída ou dissolvida (o tempo aoristo de katalythesugere o momento em que a morte acontece), nóstemos imediatamente, não em algum tempo futuro, umedifício de Deus. Isto é, tão logo nós, eu estamosem Cristo, morrermos, entramos numa existênciacelestial gloriosa, que não é temporária como anossa existência atual, mas sim permanente eeterna. Embora a primeira fase desta existênciavenha a ser incompleta, esperando pela ressurreiçãodo corpo na Parousia, todo este modo de eternidade,será glorioso, muito mais desejável do que nossaexistência presente.

Nos versos seguintes, Paulo desenvolve mais oque disse no verso 1. No verso 2 ele afirma que,

206

uma vez que nossa vida terrena é cheia de aflições,nós, que somos crente, ansiamos por vestir ou porser revestidos com nossa habitação celestial -observe que aqui Paulo combina as figuras de lugarde morada e vestimenta. O verso 3: “desde queestamos vestidos, não seremos achados nus” (NIV),nos faz indagar sobre o que Paulo quer dizer comnudez. Vários comentaristas, especialmente aquelesque interpretam o “edifício de Deus” como sendo ocorpo ressurrecto, entendem a nudez do verso 3 comodenotando a existência incorpórea que precede aressurreição 48. Dessa forma, as palavras de Paulosão interpretadas de modo a significar que eleevita a idéia de se estar em tal condiçãoincorpórea. Mas evitar isto, seria inconsistentecom o que ele diz em Filipenses 1.23, bem como como que diz no verso 8 deste capítulo. Se, contudo,entendermos o “edifício de Deus” como indicando omodo celestial de existência, que começaimediatamente após a morte e culmina no corporessurrecto, poderemos interpretar a nudez aquimencionada como indicando a falta da glóriacompleta deste tipo celestial de existência. Nestesentido, mesmo nossa vida terrena atual écaracterizada pela nudez, em distinção com sermosrevestido com a glória celestial. No verso 4, Pauloindica que suspiramos com ansiedade, enquanto aindaestamos em nossa tenda terrena, não por desejarmosser despidos, mas porque queremos ser revestidoscom nossa habitação celestial. Anelamos por estaexistência celestial futura, para que a mortalidade

207

de nosso modo atual de ser possa ser tragada pelavida gloriosa e infinita que nos aguarda.

Isto nos traz aos versos 6 a 8: “Temos,portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquantono corpo, estamos ausentes do Senhor; (7) visto queandamos por fé, e não pelo que vemos (8).Entretanto, estamos em plena confiança, preferindodeixar o corpo e habitar com o Senhor”. Por quePaulo diz que, enquanto estivermos no corpo,estamos ausentes do Senhor? É porque na vida atual“nós andamos por fé, não pela vista”; isto é, nossacomunhão atual com o Senhor, embora seja boa, aindadeixa muito a desejar. Por isso Paulo seguedizendo: “preferindo deixar o corpo e habitar com oSenhor”. Aqui ele não está falando da ressurreiçãomas sim do que acontece imediatamente após a morte.Isto fica evidente, também, a partir dos tempos dosverbos usados. Encontramos dois tempos aoristo noverso 8: ekdemesai (estar ausente) e endemesai (estarem). O tempo aoristo, no grego, sugereinstantaneidade, ação instantânea. Enquanto que otempo presente dos mesmos verbos, no verso 6,retrata uma habitação contínua no corpo e umaausência contínua do Senhor, os aoristosinfinitivos do verso 8 indicam um acontecimentomomentâneo, que ocorre uma vez por todas. O quepoderia ser isto? Só existe uma resposta: a morte,que é uma transição imediata de estar no corpo paraestar ausente do corpo. No exato momento em queisso acontece, diz Paulo, começarei a estarpresente com o Senhor. A palavra pros (na expressãopros ton kyrion, “com o Senhor”) sugere uma comunhão

208

muito íntima com o Senhor, implicando que acomunhão com Cristo, que será experienciada após amorte, será mais rica do que a que eraexperienciada aqui na terra. Em outras palavras,Paulo espera que no momento da morte ele estejapresente com o Senhor.

Paulo não nos conta, exatamente, comoexperimentaremos esta proximidade com Cristo após amorte. Não temos descrição da natureza destacomunhão; não podemos formar uma imagem de comoserá. Uma vez que não estaremos mais no corpo,deveremos ser libertos dos sofrimentos,imperfeições e pecados que afligem esta vidapresente. Mas nossa glorificação não será completaaté que tenha acontecido a ressurreição do corpo.Por causa disso, a condição dos crentes, durante oestágio intermediário, conforme é ensinado porCalvino, é uma condição de ser incompleto, deantecipação, de felicidade provisória.

A Bíblia não tem doutrina independente acercado estado intermediário. Seu ensino sobre esteestado nunca deve ser separado de seu ensino sobrea ressurreição do corpo e a renovação da terra. Porcausa disso, como diz Berkouwer, o crente deveriater não uma “expectação dupla” do futuro, mas uma“expectação única” 50. Aguardamos uma existênciaeterna e gloriosa com Cristo após a morte, umaexistência que culminará na ressurreição. Portanto,o estado intermediário e a ressurreição devem serconsiderados como dois aspectos de uma esperançaúnica 51.

209

Ao mesmo tempo, o ensino bíblico sobre oestado intermediário é de grande importância. Oscrentes que morreram são “os mortos em Cristo” (1Ts 4.16); estejam eles visos ou mortos, eles são doSenhor (Rm 14.8). Nem a morte nem a vida, nemqualquer outra coisa em toda a criação, será capazde separá-los do amor de Deus em Cristo Jesus (Rm8.38,39).

Este ensino deveria nos trazer grandeconforto. Nos termos da imagem de 2 Coríntios 5.6-8, nossa vida atual é um estar ausente do Senhor,uma espécie de peregrinação. A morte, para ocristão, entretanto, é um chegar em casa. É o fimde sua peregrinação; é seu retorno à sua casaverdadeira.

210

Notas do Capítulo 9

1. Enchiridion, p.109.2. Cp Thomas Aquinas, Summa Theologica, Supp.3, Q69,

Art.2.3. P. Althaus, Die Letzten Dinge (As Últimas Coisas),

Sétima Ed., Gutersich: Bertelsmann, 1957, pp.146-149. Cp. Francis Pieper, Christian Dogmatics(Teologia Dogmática Cristã), St. Louis:Concordia, 1963, III, 512, número 21.

4. O texto desta obra pode ser encontrado na obrade Calvino: Tracts and Treatises of the Reformed Faith(Tratos e Tratados da Fé da Reforma), trad porH. Beveridge, Grand Rapids: Eerdmans, 1958, III,pp. 413-490. Veja Berkouwer, Return, pp. 49,50.

5. E.G. Charles Hodge, Systematic Theology (TeologiaSistemática), Grand Rapids: Eerdmans, 1940, III,pp. 713-703, W.G.T. Shedd, Dogmatic Theology(Teologia Dogmática), III, p.591-640; HermanBavinck, Gereformeerd Dogmatiek, Quarta Ed., IV,pp. 564-622 (Terceira Ed., pp. 645-711);L.Berkhof, Systematic Theology (TeologiaSistemática), pp. 679-693; G.C. Berkouwer,Return, pp. 32-64.

6. Catecismo de Heidelberg, Q.57; confissão Belga,art.37; Confissão de Westminster, cap. 32 (ou34); Catecismo Abreviado de Westminster, Q.37;Catecismo Ampliado de Westminster, Qs. 86, 87.

7. Return, pp. 38-46.8. Onsterfelijkheid of Opstanding, Segunda Ed., Assen: Van

Goecum, 1936, pp. 35 e 37.9. Ibid., p.36.

211

10. Ibid., pp. 36, 37.11. Ibid., p.38. O ponto de vista de Van der Leew é

de várias maneiras similar aos ensinos dasTestemunhas de Jeová e Adventistas do Sétimo Diasobre este assunto; veja minha obra Four Mjor Cults(Quatro Maiores Seitas), pp. 135, 136, 293-295.

12. Die Letzten Dinge (As Últimas Coisas), p. 155.13. Ibid., p. 157.14. Ibid., p. 155.15. Ibid.16. Ibid., pp. 155-158.17. Ibid., p. 156.18. Ibid., p. 156, 157.19. Ibid., p. 158.20. De Wederjomst van Christus (A Volta de Cristo) Kampen:

Kok, 1961, I, p.79, onde Berkouwer diz: “Quandonossa existência terrena tiver findado, quemdesejará dizer mais do que o claro sussurro doNovo Testamento?” [tradução do autor]. Atradução inglesa desta sentença, encontrada napágina 63 de The Return of Christ (A Volta de Cristo),não reproduz acuradamente a palavra holandesafluistering (Whispering, sussurro), traduzindo-a porproclamação: “Quem pretenderá ser capaz deadicionar qualquer coisa à proclamação do NovoTestamento?”

21. Berkouwer, Return, p.51. Cp. H.Ridderbos, Paul,p.507.

22. Chicago: Univ. of Chicago Press, 1957, pp.901, 902.

23. Sobre estas passagens ver Hoekema, The Four MajorCults (As Quatro Maiores Seitas), pp. 346-349.

212

24. Ibid., pp. 349-351.25. Sobre este assunto ver o útil capítulo de

Berkouwer: “The Whole Man” (O Homem Integral) emMan: The Image of God (O Homem: A Imagem de Deus),pp. 194-233.

26. A Theology of the New Testament (Uma Teologia do NovoTestamento) Grand Rapids: Eerdmans, 1974, p.194.

27. Systematic Theology (Teologia Sistemática), pp. 685,686. Sobre o ensino de que Sheol possasignificar o lugar de punição ou inferno. Vertambém W.G.T.Shedd, Dogmatic Theology (TeologiaDogmática), II, pp. 625-633.

28. Ver L. Berkhof, op.cit., p. 685.29. Neste ponto podemos ver pelo menos um esboço

do pensamento de que Sheol possa designar umlugar de punição para os ímpios - no sentido deque os injustos deverão permanecer no Sheol,enquanto que os justos serão libertos daquelereino.

30. Sobre esta passagem, veja N. Ridderbos, DePsalmen (Os Salmos), Kampen: Kok, 1962, p. 176;D. Kidner, Psalms (Exposição dos Salmos),Columbus: Wartburg, 1959, ad loc. Sobre oconceito de Sheol ver Strack-Billerbeck,Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch(Comentário do Novo Testamento a partir doTalmude e do Midraxe), München: C. H. Beck,1928, IV/2, pp. 1016-1029.

31. Cp N. Ridderbos, op.cit., ad loc; Kidner, op.cit., ad loc;Leupold, op.cit.,ad loc.

213

32. Delitzsh, op.cit., ad loc. D. Kidner, Psalms 73-150(Salmo 73 a 150), Downers Grove, Inter-VarsityPress, 1975, ad loc; Leupold, op.cit, ad loc.

33. J. Jeremias, “hades”, TDNT, I, p. 147, CpStrack-Billerbeck, op.cit, IV/2, pp.1016-1022.

34. Loc.cit,. p.148.35. A palavra neotestamentária para o lugar de

punição, no estado final é Gehenna, acerca daqual falaremos mais adiante.

36. Calvino, em seu comentário ad loc, diz queembora o particípio kolazomenous esteja no tempopresente, deveria ser entendido como sereferindo a uma punição futura que seráadministrada no último julgamento. Mas, se estaera a intenção de Pedro, porque usou ele o tempopresente?

37. Para fazer a palavra hoje ser vista juntamentecom as palavras “ele lhe disse”, como, e.g., osAdventistas do Sétimo Dia e as Testemunhas deJeová fazem para fazer o verso se encaixar emseus ensinos, é injustificado. Pois, quandosenão hoje poderia Jesus dizer essas palavras? Arazão pela qual Jesus acrescentou a palavra hojefica evidente a partir do pedido anterior verHoekema, The Four Major Cults (As Quatro MaioresSeitas). p.353.

38. Ver Phipip E. Hughes, Paul’s Second Epistle to theCorinthians (A Segunda Epístola de Paulo aosCoríntios), Grand Rapids: Eerdmans, 1962, pp.432-437.

39. Sobre esta passagem, ver também os comentáriode Lucas por N.Geldenhuys, Grand Rapids,

214

Eerdmans, 1962, e L.Morris, Grand Rapids:Eerdmans, 1974. Sobre o significado de paraíso,ver Strack-Billerbeck, op.cit, II pp. 264-269;IV/2, pp. 1118-1165.

40. A posição dos Adventistas do Sétimo Dia e dasTestemunhas de Jeová fica, igualmente, excluídapor esta passagem. Sua posição não é do “sono daalma”, mas antes da “extinção da alma”, uma vezque sustentam que após a morte nada do homemsobreviverá, e que, então o homem deixa deexistir.Ver Hoekema, The Four Major Cults (As QuatroMaiores Seitas), pp. 110, 111, 135, 136, 265,266, 293, 294, 345-359.

41. Ver A T. Robertson, Grammar of the Greek Testamentin the Light of Historical Research (Gramática doTestamento Grego à Luz da Pesquisa Histórica)Nashville: Broadman, 1934, p. 787. Cp F. Blass eA Debrunner, A Greek Grammar of the New Testament(Gramática Grega do Novo Testamento), trad. PorR.W. Funk, Chicago: Univ. of Chicago Press,1961, seç 276 (3).

42. Sobre esta passagem cp H. Ridderbos, Paul, pp.498, 499; G.C. Berkouwer, Return, pp. 53,54.

43. G.E.Ladd, A Theology of the New Testament (Teologiado Novo Testamento), p. 553.

44. Entre os que defendem esta posição estão R.H.Charles, Eschatology: The Doctrine of a Future Life in Israel,Judaim, and Christianity (Escatologia: A Doutrina daVida Futura em Israel, no Judaísmo e noCristianismo), New York: Schocken, 1963;originalmente publicado em 1913, pp. 458-461;W.D. Davies, Paul and Rabinic Judaism (Paulo e o

215

Judaísmo Rabínico), ed. rev. New York, harperand Row, 1967; Orig. pub. 1955, pp. 309-319;Henry M. Shires, The Eschatology of Paul (AEscatologia de Paulo) p.90; D.E.H. Whiteley, TheTheology of St.Paul (A Teologia de São Paulo),Philadelphia: Fortpress, 1966, p. 269.

45. James Denney, Second Epistle to the Corinthians(Segunda Epístola aos Coríntios), New York,Armstrong, 1903, ad loc; Floyd V. Filsom, The SecondEpistle to the Corinthians (A Segunda Epístola aosCoríntios), in The Interpreter’s Bible (A Bíblia doIntérprete, New York: Abingdon, 1952, vol X, adloc; Philip E. Hughes, Paul’s Second Epistle to theCorinthians (A Segunda Epístola de Paulo aosCoríntios), ad loc; H.Ridderbos, Paul, pp. 499-501.

46. Herman Bavinck, Gereformeerd Dogmatick, QuartaEd., IV, p. 596 (Terceira Ed., pp. 681, 682).João Calvino, Second Corinthians (Segunda aosCoríntios) ad loc; Charles Hodge, II Corinthians (IICoríntios) ad loc; Charles Hodge, II Corinthians (2Coríntios) ad loc; R.C.H.Lenski, II Corinthians (2Coríntios), ad loc; R.V.G.Tasker, II Corinthians (TyndaleBible Commentary), (2 Coríntios - Comentário BíblicoTyndale), ad loc; G.C. Berkouwer, Return, pp. 55-59.

47. Transcr. John Pringle, Grand Rapids, Eerdmans,1948, ad loc.

48. E.g., Hughes, Filson, Denney, Plummer.49. Cp G. Vos, Pauline Eschatology (Escatologia

Paulina), p. 194: “Ele [Paulo] dificilmenteteria se expressado exatamente dessa forma, casoele quisesse dizer que o corpo seria

216

imediatamente substituído por outro, pois oestado desse novo corpo dificilmente poderia serdescrito como um estado de ausência do corpo”.

50. Return, Cap.2, “Expectação Dupla?” pp. 32-64.51. A interpretação fornecida acima do “edifício

de Deus” (2 Coríntios 5.1), como se referindotanto ao estado intermediário quanto ao corporessurrecto, sustenta a idéia de uma expectaçãoescatológica única. Sobre esta passagem, bemcomo sobre outras passagens discutidas nestecapítulo, ver também Karel Hanhart, The IntermediateState in the New Testament (O Estado Intermediário noNovo Testamento), Franeker: Wever, 1966.

217

CAPÍTULO 10

A EXPECTAÇÃO DA SEGUNDA VINDA

A Segunda Vinda de Cristo está no centro denossas considerações sobre a “Escatologia Cósmica”.Cristo veio para inaugurar seu Reino, mas ele vemnovamente para introduzir a consumação daqueleReino. Embora, como vimos, o Reino de Deus estejapresente em um sentido, ele é futuro em outro.Vivemos agora entre duas vindas. Olhamos cheios dealegria, no passado, para a primeira vinda deCristo, e aguardamos com ansiedade por seu retornoprometido.

A expectação do Segundo Advento de Cristo é umdos aspectos mais importantes da Escatologianeotestamentária - tanto o é, na verdade, que a féna Igreja do Novo Testamento é dominada por estaexpectação. Todo livro do Novo Testamento nosindica o retorno de Cristo e nos conclama a viverde modo tal a sempre estar pronto para essa volta.Esta nota é repetida diversas vezes nos Evangelhos.Somos ensinados que o Filho do Homem virá com seusanjos na glória de seu Pai (Mateus 16.27); Jesusfalou ao sumo-sacerdote que este veria o Filho doHomem sentado à destra poderosa de Deus e vindo comas nuvens do céu (Marcos 14.62). FreqüentementeJesus falou aos seus ouvintes para vigiar por suavolta, uma vez que ele viria numa hora em que elesnão esperavam (Mateus 24.42,44; Lucas 12.40). Elefalou da felicidade daqueles servos a quem ele

218

encontraria fiéis quando de sua vinda (Lucas12.37,43). Após ter descrito alguns dos sinais queprecederiam sua vinda, o Senhor disse: “Ora, aocomeçarem estas coisas a suceder, exultai e ergueias vossas cabeças; porque a vossa redenção seaproxima” (Lucas 21.28). E em seu discurso dedespedida Jesus contou a seus discípulos que, apóster deixado a terra, ele viria novamente e oslevaria consigo (João 14.3).

Uma nota similar ressoa no livro de atos. Osanjos disseram aos discípulos que assistiam àascensão de Jesus aos céus: “Esse Jesus, que dentrevós foi assunto ao céu, assim virá do modo como ovistes subir” (At 1.11). E Paulo disse aosatenienses que um dia Deus julgará o mundo pelohomem a quem levantou dos mortos, o Senhor JesusCristo (Atos 17.31).As epístolas paulinas revelam uma consciênciavívida da proximidade e certeza da volta do Senhor:“pois vós mesmos estais inteirados com precisão deque o dia do Senhor vem como ladrão de noite” (1 Ts5.2); “Perto está o Senhor” (Fp 4.5). Paulo instacom os Coríntios para serem cautelosos em fazerjulgamentos, uma vez que o Senhor está vindo:“Portanto, nada julgueis antes do tempo, até quevenha o Senhor, o qual não somente trará à plenaluz das coisas ocultas das trevas...” (1 Co 4.5) EmTito 2.13 ele descreve os cristãos como aqueles queestão “aguardando a bendita esperança e amanifestação da glória do nosso grande Deus eSalvador Cristo Jesus”. E em Romanos 8.19 ele nos

219

fala de que a “ardente expectativa da criaçãoaguarda, a revelação dos filhos de Deus”.

Este senso agudo da expectação do SegundoAdvento de Cristo, entretanto, é também encontradonas epístolas católicas. O autor de hebreus diz que“assim também Cristo, tendo se oferecido uma vezpara sempre para tirar os pecados de muitos,aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que oaguardam para a salvação” (Hb 9.28). Tiago fala demodo semelhante quando diz: “fortalecei os vossoscorações, pois a vinda do Senhor está próxima” (Tg5.8). Pedro enfatiza tanto a certeza da volta doSenhor como a incerteza sobre sua hora: “Ora, logoque o Supremo Pastor se manifestar, recebereis [osanciãos] a imarcescível coroa da glória” (1 Pe5.4); “Virá, entretanto, como ladrão, o dia doSenhor” (2 Pe 3.10). João insta com seus leitores apermanecerem em Cristo a fim de que, quando ele semanifestar, eles possam ter confiança (1 João2.28); mais adiante, ele afirma que quando Cristoefetivamente aparecer de novo, seremos como ele,uma vez que o veremos como ele é (1 João 3.2).

Um sentido similarmente forte da expectação davolta do Senhor ressoa através do livro doApocalipse: “Eis que vem com as nuvens, e todo olhoo verá” (Ap 1.7). “Venho sem demora”, diz Jesus àIgreja em Filadélfia; “Conserva o que tens, paraque ninguém tome a tua coroa”. (3.11). E emApocalipse 22.20, o penúltimo verso do NovoTestamento, lemos: “Aquele que dá testemunho destascoisas diz: Certamente venho sem demora. Amém. Vem,Senhor Jesus!”

220

Esta mesma expectação vivida pela volta deCristo deveria marcar a Igreja de Jesus Cristo nosdias de hoje. Se esta expectação não mais estiverpresente, há algo radicalmente errado. É o servoinfiel da parábola de Jesus que diz em seu coração:“Meu senhor tarda em vir” (Lucas 12.45). Pode havervárias razões para a perda deste senso deexpectação. É possível que a Igreja hodierna estejatão envolvida em assuntos materiais e seculares queo interesse pela Segunda Vinda esteja sedesvanecendo no segundo plano. É possível quemuitos cristãos não mais creiam numa volta literalde Cristo. É também possível que muitos dos quecrêem numa volta literal empurram este evento paratão longe, no futuro distante, que não vivem maisna espera dessa volta. Quaisquer que sejam asrazões, a perda de uma expectativa vívida e vitalda Segunda Vinda de Cristo é um sinal de umaenfermidade espiritual das mais sérias na Igreja.embora possa haver diferenças entre nós acerca dosdiversos aspectos da Escatologia, todos os cristãosdeveriam aguardar ansiosamente pela volta de Cristoe deveriam viver à luz desta expectação renovada acada dia.

Admitindo, pois, que a Igreja deve viver à luzdesta expectação, deparamo-nos com um problemaquando começamos a perguntar acerca de quando seráa Parousia ou Segunda Vinda de Cristo. Este é oproblema do assim chamado “atraso da Parousia”.Conforme os eruditos do Novo Testamento que falamsobre tal atraso, Jesus, Paulo e toda a IgrejaPrimitiva aguardavam a volta de Cristo para muito

221

em breve. Parece óbvio, entretanto, assim dizemesses eruditos, que Cristo e Paulo estavamenganados, uma vez que ele não veio logo - naverdade, ele ainda não retornou. Este, pois, énosso problema: Por que Cristo predisse seu breveretorno, e por que até agora ele ainda nãoretornou?

Foi Albert Schweitzer quem primeiro alcunhou aexpressão: “O atraso da Parousia”1. De acordo comsua posição, desenvolvida mais completamente noApêndice, o próprio Jesus esperava que a Parousia ea vinda do reino escatológico ocorresse antes de osdiscípulos terem terminado sua jornada de pregaçãopelas cidades de Israel (ver Mateus 10.23). Quandoos discípulos retornaram e isto não tinhaacontecido, Jesus percebeu que tinha cometido umengano - e este foi o primeiro “atraso daParousia”. Então Jesus começou a pensar que eleteria de trazer o Reino através de seu própriosofrimento e morte. Mas mesmo nisso ele estavaenganado, e então morreu como um homemcompletamente desiludido.

Schweitzer representa a posição que veio a serconhecida como Escatologia consistente, bem como FritzBuri e Martin Werner2. De acordo com esta escola depensamento, Jesus estava enganado não apenas acercado tempo de sua Parousia, mas também acerca de todoo ambiente escatológico no qual ele situou o Reino.Falando francamente, o que aconteceu na época davida de Jesus mostra que não haverá Parousia ouReino escatológico futuro. Para estes teólogos,toda a história do cristianismo torna-se uma

222

“desescatologização” do cristianismo. Ao invés deviver durante um breve ínterim entre as duas vindasde Cristo, a Igreja agora se vê como uma longalinha de continuidade histórica. De acordo comWerner, o vácuo criado pelo atraso da Parousia éagora preenchido pela história do dogma cristão 3.Não aguardamos nenhuma Segunda Vinda; esteconceito, uma vez emprestado dos escritosapocalípticos judaicos, não é integrante da fécristã e, portanto, deveria ser simplesmenteabandonado.

Outros teólogos recentes, menos radicais doque os recém-mencionados, efetivamente aguardampela Segunda Vinda de Cristo, mas concordam em queJesus estava enganado ao predizer seu retorno parabreve. Oscar Cullmann pertence a este grupo.Embora, como já vimos, ele dê ênfase ao fato de queo grande ponto central da história já aconteceu,ele efetivamente aguarda a volta de Cristo. Mas elesustenta que a expectação da Igreja Primitiva pelaproximidade dessa volta (uma questão mais dedécadas do que de séculos) era um “erro deperspectiva” que pode ser explicado “da mesma formacom que explicamos as previsões precipitadas sobrea data do fim da guerra, uma vez presente aconvicção de que a batalha decisiva já aconteceu” 4.Outro teólogo desta posição é Werner G. Kummel, queafirma especificamente que Jesus estava erradosobre este assunto: “Jesus não proclama apenas avinda futura do Reino de Deus em termos gerais, mastambém sua iminência. E mais: ...ele enfatiza istotão concretamente que o limitou ao tempo de vida da

223

geração de seus ouvintes... É perfeitamente claroque esta predição de Jesus não foi cumprida e éportanto impossível asseverar que Jesus não estavaenganado acerca disto” 5.

O problema com que nos deparamos aqui,portanto, é se Cristo realmente predisse que elevoltaria dentro de uma geração e, em casoafirmativo, porque essa predição não se fezverdadeira. A expressão: “atraso da Parousia”sugere que algo de errado aconteceu com oscálculos. Houve realmente tal atraso? O ApóstoloPaulo realmente também esperava que Cristo voltasseno seu período de vida? Então, estava ele tambémenganado? Estaria toda a Igreja Primitiva sob aimpressão errada de que a Parousia iria acorrerdentro de algumas décadas?

Antes de tudo, olharemos para o problema noque toca aos Evangelhos Sinóticos. Acabamos de verque muitos eruditos modernos do Novo Testamentointerpretam certas declarações de Jesus comoimplicando que ele retornaria do espaço de umageração. Ao iniciar nossa discussão, deveríamosobservar que os Sinóticos registram três tipos dediscursos acerca do futuro do Reino: (1) Há trêspronunciamentos que aprecem falar de um retornoiminente; (2) há outra série de pronunciamentos quefalam mais de atraso do que de iminência; e (3) háainda outro grupo de pronunciamentos e parábolasque enfatizam a incerteza do tempo da Segunda Vinda6. Mais tarde observaremos estas passagens em maisdetalhe. Por ora, entretanto, fica óbvio que falarapenas do primeiro grupo de pronunciamento e

224

negligenciar os outros dois grupos é tornar-seculpado de uma super-simplificação grosseira.

Passemos agora a examinar cada um destesgrupos de passagens. Os três textos dos quais sediz que ensinam o retorno de Cristo no espaço dageração daqueles que então viviam (as “passagens deiminência”) são as seguintes: Marcos 9.1 (e oparalelo de Mateus 16.28; Lucas 9.27), Marcos 13.30(e o paralelo de Mateus 24.34; Lucas 21.32) eMateus 10.23. Estes são textos difíceis, pelo quedeveremos observá-los cuidadosamente. Mas antes deo fazermos, deveríamos observar que, no meio do seuassim chamado discurso apocalíptico, Jesus disseclaramente: “Mas a respeito daquele dia ou da hora[o tempo da Parousia] ninguém sabe; nem os anjos nocéu, nem o filho, senão somente o Pai” (Marcos13.32); cp. Mateus 24.36). Se estas palavras podemsignificar alguma coisa, elas significam que opróprio Cristo não sabia o dia ou a hora de suavolta. Podemos ter dúvidas acerca de como estadeclaração pode ser conciliada com a deidade deCristo ou a onisciência do Filho, mas não podehaver dúvidas sobre o que Cristo está dizendo aqui.Se, pois, o próprio Cristo, conforme Ele próprioadmitiu, não sabia a hora de seu retorno, nenhumaoutra declaração sua pode ser interpretada comoindicativa do tempo exato desse retorno. Istoinclui as passagens difíceis que acabamos demencionar. A insistência em que essas passagensexijam uma Parousia no espaço da geração daquelesque eram contemporâneos de Jesus, está claramente

225

em desacordo com a negativa do próprio Jesus acercade conhecer o tempo de sua volta.

Marcos 9.1 diz o seguinte: “Jesus dizia-lhesainda: em verdade vos afirmo que, dos que aqui seencontram, alguns há que, de maneira nenhumapassarão pela more até que vejam ter chegado compoder o Reino de Deus”. A passagem paralela, emLucas, termina com as palavras: “até que vejam oReino de Deus” (Lc 9.27), enquanto que a passagemparalela em Mateus termina como se segue: “até quevejam vir o Filho do Homem no seu reino” (Mt16.28).

Conforme seria de se esperar, asinterpretações desta passagem variam em grandeescala. Alguns sustentam que Jesus falava aquiacerca de sua Parousia, e estava dessa formapredizendo um retorno dentro do tempo de vida dealguns de seus ouvintes7. Pelas razões fornecidasacima, esta interpretação deve ser rejeitada.Outros intérpretes sugerem que Jesus estava falandoacerca da transfiguração, que é o evento seguinteregistrado em todos os três Sinóticos8. Outraposição, um tanto comum, é que Jesus esteja sereferindo à sua ressurreição, juntamente com oderramamento do Espírito subseqüente9; alguns dosque sustentam esta posição a relacionamespecialmente com Romanos 1.4: “designado Filho deDeus com poder, segundo o Espírito de santidade,pelo ressurreição dos mortos”. Uma posição similara este é a de N.B. Stonehouse: Jesus estava sereferindo à sua atividade sobrenatural como Senhorressurrecto, ao estabelecer sua Igreja10. Há os que

226

interpretam as palavras de Jesus como se referindoa manifestações do Reino de Deus tais como opentecostes, o julgamento sobre Jerusalém ou oavanço poderoso do Evangelho no mundo pagão11. E háeruditos que interpretam a passagem como indicandoa destruição de Jerusalém e a subseqüente expulsãodos judeus da Palestina, preparando, desta forma, ocaminho para a formação do novo Israel, queconsiste de judeus e gentios12.

Em minha opinião, a interpretação maisaceitável sobre esta difícil passagem é oferecidapor H.N. Ridderbos. Embora sua posição tenha algoem comum com várias das sugestões enumeradas, elevai consideravelmente além destas. Antes de tratarespecificamente da passagem que estamos discutindo,em seu livro Coming of the Kingdom (A Vinda do Reino),ele indica que há duas linhas de pensamento naspredições do próprio Jesus acerca de seu futuro:uma aponta para sua morte e ressurreição vindouras,e a outra aponta para sua volta final em glória, eestas duas linhas não devem ser separadas masconservadas conjuntamente13. Com relação a Marcos9.1 e às paralelas dos Sinóticos, ele tece osseguintes comentários:

(1) Não podemos eliminar a Parousia daexpectação indicada nas palavras: “Vejam o Reino deDeus vindo em poder”, ou: “vejam o filho do Homemvindo no seu Reino”. Pois há uma referência clara àParousia no contexto precedente em todos os trêsrelatos dos Evangelhos, e é impossível interpretaras palavras de Jesus como não tendo qualquerreferência a seu retorno em glória.

227

(2) Entretanto, é igualmente sustentável dizerque essas palavras não indicam nada além daParousia. Entre o tempo em que Jesus disse essaspalavras e a Parousia haveria de acontecer o grandeevento da ressurreição. Nesta ressurreição o Filhodo Homem, igualmente, viria em sua dignidade real(cp. Mateus 28.18).

(3) Na mente dos discípulos, entretanto, aressurreição de Cristo e sua Parousia estavamligadas conjuntamente. Aparentemente, eles pensavamque a ressurreição de Cristo não aconteceria até oúltimo dia (cp. Marcos 9.9-11).

(4) As palavras de Cristo, portanto, numatípica condensação profética, vinculamconjuntamente sua ressurreição e sua Parousia. Eleestá predizendo que muitos dos que estão vivos,quando ele profere essas palavras, testemunharãosua ressurreição, que em um sentido é uma vinda doReino de Deus com poder.

(5) A ressurreição de Cristo será seguida porsua Parousia num modo que ele ainda não explicacompletamente. A ressurreição de Cristo será agarantia da certeza da Parousia14.

Passaremos agora à segunda destas “passagensde iminência”, Marcos 13.30, que diz: “Em verdadevos digo que não passará esta geração sem que todasestas coisas aconteçam”. A passagem paralela emMateus (24.34) é virtualmente idêntica à de Marcos.A paralela em Lucas (21.32) tem um fraseadolevemente diferente: “Não passará esta geração atéque tudo tenha acontecido”.

228

Mais uma vez, os eruditos estão divididosquanto à interpretação desta passagem. O maiorproblema é o significado de “esta geração”, bemcomo das palavras “sem que tudo isto aconteça”. Emrelação a “esta geração” há duas possibilidades:pode referir-se à geração das pessoas que viviam notempo em que Jesus proferiu estas palavras, ou podeser entendida num sentido mais qualitativo do quetemporal, como descrevendo ou o povo judeu ou osincrédulos rebeldes desde a época em que Jesus estáfalando até a hora de seu retorno.

Entre os que sustentam a primeirainterpretação de “esta geração” estão OscarCullmann e Werner Kummel, ambos crendo que “todasas coisas” mencionadas por Jesus incluem aParousia, e portanto ambos falam de um certo “errode perspectiva” da parte de Jesus 15. Uma vez queesta compreensão das palavras de Jesus implica queele estava marcando uma data para seu retorno e umavez que em Marcos 13.32 (e Mateus 24.36) Jesusafirma claramente que ele não sabe o dia nem a horade seu retorno, esta interpretação tem de serrejeitada. Outros, que sustentam que “esta geração”significa a geração contemporânea de Jesus,entendem “todas estas coisas” - como significando adestruição de Jerusalém e os sofrimentos queacompanharão essa destruição, embora eles admitamque a destruição de Jerusalém é um tipo do fim domundo16. Ainda outros, que compartilham da mesmaposição quanto ao sentido da frase “esta geração”,sustentam que a expressão “todas essas coisas”significa os sinais do fim descritos em Marcos

229

13.5-23, excluindo-se a Parousia propriamente dita;então, a ênfase seria que aquelas pessoas queestavam vivas, enquanto Jesus estava falando,veriam todos estes sinais precursores de sua vindasem verem a vinda propriamente dita17.

Entre os que interpretam “esta geração” maisnum sentido qualitativo que temporal está F.W. Grosheide,que entende “esta geração” como significando ahumanidade em geral, da qual então se diz quepermanecerá até a Parousia18. Outros, tambémentendendo “todas essas coisas” como incluindo aParousia, interpretam “esta geração” comosignificando o povo judeu que irá continuar aexistir até o fim; entende-se então, esta profeciacomo incluindo uma esperança pela salvação dosjudeus até o último dia19. Há ainda outros quetambém entendem “esta geração” como se referindo aopovo judeu continuando a existir até o fim dostempos, mas enfatizando não a possibilidade de suasalvação, porém antes sua rebelião e sua rejeiçãodo Messias; dessa forma, a profecia serve mais comouma advertência rigorosa do que como uma esperançapor revelações futuras da graça divina. Este últimogrupo de eruditos divide-se em duas classe: aquelesque sustentam que “todas essas coisas” significamtodos os sinais precursores do fim, excluída aParousia propriamente dita20, e aqueles que afirmamque “todas essas coisas” incluem a Parousia21.

Ao tentarmos chegar a uma conclusão acerca dainterpretação desta passagem difícil, devemos terem mente duas coisas. Primeiro, o propósito deJesus ao proferir estas palavras não é fornecer uma

230

data exata para sua volta (ver v.32) mas, antes,indicar a certeza de seu retorno. Este ponto éenfatizado no verso seguinte: “Passará o céu e aterra, porém as minhas palavras não passarão”(Marcos 13.11). Segundo, parece arbitrário einjustificado impor qualquer tipo de limitação àspalavras “sem que tudo isto aconteça” - uma vez quetal limitação, na verdade, faz Jesus dizer: “semque algumas destas coisas aconteçam”. Embora sejaverdadeiro que o discurso registrado em Marcos 13partiu do contexto de uma predição sobre adestruição do templo (v.2), o discurso em si incluiterremotos e fomes (v.8), a pregação do Evangelho atodas as nações (v.10), perseguição por causa doEvangelho (v.12, 13), tribulação “como nunca houvedesde o princípio... e nunca jamais haverá” (v.19),prodígios nos céus (v.24), e a vinda do Filho doHomem nas nuvens com grande poder e glória (v.26).Quando mais adiante, no discurso (v.30), Jesus diz:“não passará esta geração sem que todas estas coisasaconteçam”, qualquer interpretação destas palavrasque exclua algum dos itens recém-mencionados pareceser forçada.

Por isso eu concluo que com a expressão -“todas estas coisas” - Jesus quer dizer todos oseventos escatológicos que ele acabou de enumerar,incluindo sua volta sobre as nuvens do céu. Seuensino é que todos estes eventos com certeza virãoa acontecer - embora céus e terra passarão, estaspalavras infalivelmente serão cumpridas. Que,então, Jesus quer dizer com a expressão “estageração”? Deve-se observar que a palavra “geração”

231

(genea), conforme comumente utilizada nosEvangelhos Sitóticos, pode ter tanto um significadoqualitativo como um temporal: “Deve-se entender essageração num sentido temporal, mas sempre há umcriticismo qualificante. Dessa forma lemos sobreuma geração ‘adúltera’ (Marcos 8.38), ou de umageração ‘má’ (Mateus 12.45; Lucas 11.29), ou de umageração ‘má e adúltera’ (Mateus 12.39; 16.4), ou deuma geração ‘incrédula e perversa’ (Mateus 17.17;cp. Lucas 9.41; Marcos 9.9)”22. Podemos encontrarum uso paralelo desta expressão em Mateus 23.35,36.Ali Jesus indica que sobre o povo judeu apóstatarecairá “todo o sangue justo derramado sobre aterra, desde o sangue do justo Abel até ao sanguede Zacarias,” acrescentando: “Em verdade vos digoque todas estas coisas hão de vir sobre estageração”. “Esta geração” não pode ser aqui restritaao judeus vivos no tempo em que Jesus está dizendoessas palavras, porque o contexto se refere tanto apecados passados (v.35) como pecados futuros “porisso eis que eu vos envio profetas, sábios eescribas. A uns matareis e crucificareis; a outrosaçoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis decidade em cidade” (v.34).

Com “esta geração”, então, Jesus denota o povojudeu rebelde, apóstata e incrédulo, conforme elese revelou no passado, está se revelando nopresente e continuará a se revelar no futuro. Estageração má e incrédula, embora esteja agorarejeitando a Cristo, continuará a existir até o diade sua volta, e então, receberá o julgamento quelhe é devido. Interpretada dessa forma, a

232

declaração de Jesus serve como uma conclusão lógicados discursos que começou com a proclamação dadestruição de Jerusalém, como uma punição para oendurecimento de Israel 23.

A terceira das assim chamadas “passagens deiminência” é Mateus 10.23 que não tem paralelo nosoutros Sinóticos: “Quando, porém, vos perseguiremnuma cidade, fuja para outra; porque em verdade vosdigo que não acabareis de percorrer as cidades deIsrael até que venha o Filho do Homem”.

Como é de se esperar, há uma ampla diferençade opinião sobre o significado desta passagem. Ainterpretação de Albert Scheweitzer comumenteconhecida como escatologia consistente, deve serrejeitada uma vez que está em conexão com o modo dever a Jesus, que o considera como homem enganado edesiludido 24. Outros eruditos entendem as palavras“não acabareis de percorrer as cidades de Israel”como apontando para missão de pregação dos dozediscípulos às cidades de Israel (que durou por umtempo maior de que apenas a jornada de pregaçãodescrita em Mateus 10), e as palavras “até quevenha o Filho do Homem” como se referindo àParousia. Uma vez que a Parousia não aconteceu,quando Jesus disse que iria acontecer, esseseruditos não hesitam em falar sobre o erro, seja daparte de Mateus 25 ou da parte do próprio Cristo26.Esta posição também tem de ser rejeitada, uma vezque implica que Jesus estava marcando uma data parao seu retorno - exatamente aquilo que ele própriodissera que não poderia fazer (Mateus 24.36).

233

Outros, porém, ao passo que concordam que“percorrer as cidades de Israel” significa apregação dos discípulos de Jesus aos judeus aolongo de todo seu apostolado, sustentam que a“Vinda do Filho do Homem” deve ser interpretadacomo significando não a Parousia, mas algum eventono futuro próximo: ou a manifestação do Cristoressurrecto aos discípulos, com a grande comissão27,ou o progresso do Evangelho que revela o reinado deCristo28, ou a destruição de Jerusalém29.

Outros ainda estão convictos de que aspalavras “até que venha o Filho do homem” não podemsignificar nada menos que a volta de Cristo nasnuvens dos céus. Mas estes diferem de Plummer,Kummel e Cullmann ao não restringir o significadode “percorrer as cidades de Israel” à missão depregação dos doze, referindo uma interpretaçãomenos literal e mais figurativa destas palavras,como descrevendo algo que continuará até aParousia. Esses eruditos, entretanto, diferem entresi sobre a interpretação exata desta expressão.Herman Ridderbos insiste que “percorrer as cidadesde Israel” não se refere à missão mas à fuga dosdiscípulos; por causa disso, ele aqui entende Jesuscomo predizendo que, embora aqueles que trazem oEvangelho continuarão a ser perseguidos até oúltimo momento, sempre haverá um lugar para o qualeles possam fugir30. Grosheide, Schniewind e Ladd,entretanto, enxergam efetivamente uma referência àobra missionária nesta expressão. Grosheide vê aquios discípulos como representativos de toda aIgreja; para ele, a passagem significa que a igreja

234

deve continuar a pregar o Evangelho até que Jesusretorne - “cidades de Israel”, para ele, indicamlugares onde vivam pessoas que, embora nominalmentecristãs, na verdade estão afastadas de Deus31.Schniewind e Ladd entendem “percorrer as cidades deIsrael” como descrevendo a missão contínua daigreja para com Israel que persistirá até aParousia, e que resultará na salvação de muitosjudeus32.

Ao tentarmos chegar a uma conclusão acerca dosignificado dessa passagem, deve ser lembrado queas instruções de Jesus à seus discípulos conformeregistradas em Mateus 10, incluem pronunciamentosque se ocupam de suas atividades futuras, após suaascensão33, e até incluem declarações que seriamaplicadas aos membros de sua igreja durante todo ocurso da história34. O que dissemos acima acerca dacondensação profética 35,também deve ser lembrado:ao falar ao seus discípulos, freqüentemente Jesusvinculou conjuntamente assuntos do futuro próximocom eventos do futuro bem distante, assim como ofizeram os profetas do Antigo Testamento. Em outraspalavras, o que Jesus diz aqui acerca daperseguição, no futuro imediato, poderia terrelevância para o povo de Deus também no futurolongínquo.

Tendo essas coisas em mente, podemos entenderMateus 10.23 como nos ensinando, primeiramente, quea igreja de Jesus Cristo deve não somente continuara preocupar-se com Israel, mas também continuar alevar o Evangelho a Israel até que Jesus venha denovo. Em outras palavras, Israel continuará a

235

existir até o tempo da Parousia36, e continuará aser objeto de evangelismo. Isto implica que tantono futuro como no passado uma grande multidão dejudeus persistirá em rejeitar o Evangelho; paraeles, a volta de Cristo não significará salvação,mas sim juízo37. Enquanto a oposição ao Evangelhocontinuar, também deve-se esperar que a perseguiçãodaqueles que levam o Evangelho continue. Mascontinuará igualmente a conversão de judeus à fécristã até a Parousia, pois Deus continuará areunir seus eleitos dentre os israelitas38.

As três “passagens de iminência”, portanto,não devem ser entendidas como ensinando um retornode Cristo dentro de um período de vida daquele queo ouviam. Passaremos, agora, a observar um outrogrupo de passagens dos Evangelhos Sinóticos, queensinam que a Parousia pode ainda estar bemdistante, no tempo. Foram registradas declaraçõesespecíficas de Jesus que indicam que certas coisasainda tem de acontecer antes que ele volte. EmMateus 24.14, por exemplo, Jesus diz: “E serápregado este Evangelho do Reino por todo o mundopara testemunho à todas as nações. Então virá ofim”. A palavra “então” (no grego kaitote ) implicaque um período de tempo tende-se a expirar antes daParousia - possivelmente um período de tempo muitolongo. No mesmo sentido vem as palavras que Jesusfalou na casa de Simão, o leproso, depois de tersido ungido por uma mulher anônima: “porque ospobres os tendes convosco e, quando quiserdespodeis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre metendes... Em verdade vos digo: onde for pregado em

236

todo o mundo o Evangelho, será também contado o queela [a mulher] fez, para memória sua” (Marcos 14.7,9). Estas palavras implicam que haverá um períodode tempo em que Jesus estará ausente dosdiscípulos, durante o qual o Evangelho será pregadopor todo o mundo. Outro pronunciamento que ensinauma vinda “atrasada” 39 é o de Marcos 13.7: “Quando,porém, ouvirdes falar de guerras e rumores deguerras, não vos assusteis; é necessário assimacontecer, mais ainda não é o fim”.

Várias das parábolas de Jesus transmitem umpensamento similar. A parábola das minas éintroduzida por Lucas com estas palavras: “Jesuspropôs uma parábola, visto estar perto de Jerusaléme lhes parecer que o Reino de Deus havia demanifestar-se imediatamente” (Lc 19.11). A ênfaseda parábola, que fala de um nobre fidalgo que foipara um país distante e então retornou para umajuste de contas com os seus servos, é que umperíodo pode decorrer antes que o senhor retorne.No mesmo sentido aparece a parábola dos talentos,que deixa a questão acima explícita: “Depois demuito tempo voltou o senhor daqueles servos eajustou contas com ele” (Mateus 25.19). O mesmocapítulo traz a parábola das dez virgens que,incluem as já famosas palavras “é, tardando o noivo(ou “demorando-se” ASV), foram tomadas de sono, eadormeceram” (Mt 25.5). O assunto desta parábola,da mesma forma, gira em torno do atraso do noivo eda conduta das virgens durante esse atraso.Destaque similar é feito na parábola do servovigilante (Lucas 12.41-48). Quando um dos servos

237

diz: “Meu senhor tarda em vir” (v.45), ele érevelado como mal e infiel, mas a implicação é quehaverá de fato um “atraso”. Em outra ocasião Jesusindicou que, embora os convidados das bodas não hãode jejuar enquanto o noivo estiver com eles, diasvirão em que lhes será tirado o noivo, e, entãoeles jejuarão (Marcos 2.19-20). Mas ainda, entre asparábolas encontradas em Mateus 13, a seguintesugere a possibilidade de um longo lapso de tempoantes do fim: a parábola do joio (sugerindo que oscrentes serão deixados lado a lado com incrédulospor um longo tempo), do grão de mostarda (sugerindoque o pequeno grupo, agora reunido ao redor deJesus, com o tempo se tornará um grupo muitogrande) e o do fermento (sugerindo que o Reino deDeus, que nos dias de Jesus estava escondido, algumdia prevalecerá tão poderosamente que não existiránenhuma soberania rival) 40. Baseados nospronunciamentos e parábolas que acabamos de ver,podemos concluir que, com certeza, Jesus deixoulugar para a possibilidade de que sua Segunda Vindapudesse não acontecer antes de um períodoconsiderável de tempo.

Existe, porém, um terceiro grupo de passagens,nos Sinóticos, que enfatizam a incerteza do tempoda Parousia. Já mencionamos Marcos 13.32 (e Mateus24.36): “Mas a respeito daquele dia e da horaninguém sabe; nem os anjos do céu, nem o Filho,senão somente o Pai”. Jesus termina a parábola dasdez virgens à qual acabamos de nos referir, comessas palavras: “Vigiai, pois, porque não sabeis odia nem a hora” (Mateus 25.13). A passagem de

238

Marcos enfatiza a incerteza do tempo: estai desobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando virá odono da casa: se à tarde, se à meia noite, se aocantar do galo, se pela manhã; para que, vindo eleinesperadamente, não vos ache dormindo. O que,porém, vos digo, digo a todos: Vigiai!” (Marcos13.33-37). Em outra ocasião, Jesus usa a figura dosservos que esperam pela volta de seu servos:“Cingidos estejam os vossos corpos e acesas asvossas candeias. Sede vós semelhantes a homens queesperam pelo seu senhor ao voltar ele das festas decasamento; para que, quando vier e bater a portalogo lhe abram” (Lucas 12.35-36). Logo adiante, nomesmo discurso, Jesus utiliza a figura da vinda deum ladrão: “Sabei, porém, isto: que, se o pai defamília soubesse a que hora havia de vir o ladrão,vigiaria e não deixaria arrombar a sua casa. Ficaitambém vós apercebidos, porque, a hora em que nãocuidais o Filho do Homem virá” (Lc 12.39-40;paralelo de Mt 24.43-44).

A partir desses pronunciamentos, aprendemosque ninguém pode saber o tempo exato da Parousia. ASegunda Vinda ocorrerá numa hora em que nãoesperamos. Entretanto, é exatamente pelo fato de aSegunda Vinda ser inesperada que sempre devemosestar vigiando em relação a ela. O próprio Jesusindica certos sinais de sua vinda, conforme veremosno próximo capítulo. A vigilância por sua vinda,portanto, inclui estar alerta para estes sinais.Mas, acima de tudo, vigilância significa prontidão- estar sempre pronto para que Cristo retorne. Laddtem um comentário útil acerca disto: “A palavra

239

traduzida por ‘vigiai’ nestes vários versos [versoscomo os que acabamos de citar] não significa‘aguardar por’, mas uma qualidade moral ouprontidão espiritual para a volta do Senhor. ‘Ficaitambém vós prontos’ (Lucas 12.40). A incertezaacerca do tempo da Parousia significa que os homensdevem estar espiritualmente acordados e prontospara encontrar o Senhor quando quer que elevenha”41.

A figura do ladrão utilizada por Jesus tambémenfatiza a colocação que acabamos de fazer. Parecetotalmente incongruente comparar a volta de Cristoà visita de um ladrão. Mas o objetivo da comparaçãoé exatamente o fato de que o ladrão é inesperado.Nunca se sabe quando um ladrão pode arrombar suacasa; por causa disso precisa-se tomar certasprecauções. De modo similar, uma vez que nãosabemos quando Cristo retornará, deveríamos sempreviver em prontidão para essa volta.

Passemos agora a resumir o que aprendemos dosEvangelhos Sinóticos acerca da expectação daSegunda Vinda. Está claro que Jesus não marcou umadata para seu retorno; por causa disso, nãodeveríamos falar acerca de um engano ou “erro deperspectiva” de sua parte. Naturalmente, é possívelque alguns de seus discípulos ou seguidores oentenderam erradamente como tendo ele marcado umadata para a parousia. Na verdade, o Apóstolo Joãonos dá um exemplo desse mal entendido: “EntãoPedro, voltando-se, viu que também o ia seguindo odiscípulo a quem Jesus amava... Vendo-o, pois,Pedro perguntou a Jesus: E quanto a este?

240

Respondeu-lhe Jesus: se eu quero que ele permaneçaaté que eu venha, que te importa? Quanto a ti,segue-me. Então se tornou corrente entre os irmãoso dito de que aquele discípulo não morreria. Ora,Jesus não dissera que tal discípulo não morreria,mas: Se eu quero que ele permaneça até que euvenha, que te importa?” (João 21.20-23).Aparentemente, havia crentes naquela época quepensavam que Jesus tivesse dito que retornariaantes de João morrer. Mas o próprio João afirma queJesus não disse tal coisa. Se é possível ocorrer umerro desses, é também possível que alguns dos queouviam Jesus ensinar, tivessem interpretadoerroneamente suas palavras de modo a significar queele tivesse marcado uma data precisa para suaSegunda Vinda. Porém, conforme temos demonstrado,Jesus não fez isto.

Entretanto, Jesus efetivamente ensinou que,dentro do período de vida de seus ouvintes, elevivia em glória real (Mt 16.28); estas palavras sereferem à sua ressurreição, que haveria de ser umprelúdio e garantia de sua Parousia. Portanto,Jesus ensinou a certeza de sua Parousia, sem nosfornecer a data exata. Alguns de seuspronunciamentos dão lugar ao transcurso dequantidade considerável de tempo, antes de seuretorno. Mas, uma vez que o tempo exato da Parousiaé desconhecido, é necessário uma vigilânciaconstante. Esta vigilância não significa esperaindolente, mas requer o uso diligente de nossosdons no serviço do Reino de Cristo.

241

Deslocamos agora nossa atenção para a questãoda expectação da Parousia nos escritos paulinos. Écertamente verdadeiro que “a expectação da vinda doSenhor e do que a acompanha é um dos motivos maiscentrais e poderosos de Paulo” 42. Paulo não somentededica discussões exclusivas a este tópico, mastambém faz referências freqüentes à Segunda Vindade Cristo de modo incidental, enquanto discuteoutro assunto. Para Paulo, a esperança pelamanifestação de Cristo é uma das marcas do cristão.

Temos, porém, de levantar novamente a questãoacerca do tempo da Parousia em Paulo. Como dissemosacima, alguns pensam que Paulo ensinou que aParousia aconteceria dentro de uma geração ou,possivelmente, mesmo antes de ele morrer, mas issoera obviamente um engano. Será esta uma análisecorreta dos escritos de Paulo?

Temos de concordar com Ridderbos em que édifícil duvidar que não somente a Igreja CristãPrimitiva, mas também Paulo, nas epístolas quechegaram até nós, imaginassem um desenvolvimentocontinuado por vários séculos da ordem mundialpresente43. Com certeza, passagens como as seguintesconfirmam este julgamento: “porque a nossa salvaçãoestá agora mais perto do que quando no princípiocremos. Vai alta a noite e vem chegando o dia”(Romanos 13.11,12); “Isto, porém, vos digo, irmãos:o tempo se abrevia; o que resta é que não só oscasados sejam como se o não fossem” (1 Coríntios7.29); “Perto está o Senhor” (Filipenses 4.5).

Vários eruditos modernos do Novo Testamentoargumentam que houve uma mudança no pensamento de

242

Paulo sobre este assunto. Em suas epístolas maisantigas, assim é comentado, ele aguardava umaParousia rápida - tão rápida, na verdade, que eleesperava estar ainda vivendo quando o Senhorretornasse. Mas em suas epístolas posteriores,assim dizem eles, ele não mais tinha estaexpectação; ao invés, ele esperava que morresseantes de Cristo voltar, e que a Parousiaacontecesse algum tempo mais tarde. Dessa forma,Paulo estaria corrigindo um erro anterior, dizemalguns desses eruditos.

Vejamos algumas dessas posições. De acordo comAlbert Schweitzer, Paulo primeiramente esperava umaParousia rápida, mas, quando esta expectaçãoprovou-se ser uma ilusão, Paulo ensinou, já em suasprimeiras epístolas, que os crentes participam namorte e ressurreição de Cristo de um modo místico,e dessa forma pode-se dizer que estão em Cristo44. Jáem 1930, Geerhardus Vos mencionou as posições doseruditos de sua época, que pensavam que Paulotivesse mudado sua primeira expectação de aindaestar vivo na Parousia, para uma reconsideração desuas crenças acerca da ressurreição, provocada pelaconvicção posterior de que ele morreria antes daParousia45. Num livro publicado originalmente em1946, Oscar Cullmann ensinava que, ao passo que em1 Tessalonicenses 4.16, Paulo tinha dito que eleainda estaria vivo quando Cristo retornasse, emepístolas posteriores (2 Co 5.1ss e Fp 1.23) eleafirmou que a Parousia somente ocorreria após a suamorte46.

243

Esta mudança alegada no pensamento de Paulofoi mais completamente desenvolvida por C.H. Dodd.De acordo com Dodd, Paulo, em sua primeira epístolaaos Tessalonicenses, sua epístola mais antiga, criaque a Segunda Vinda estivesse tão próxima queafirmou que nós (significando não somente elepróprio mas também os crentes de Tessalônica)encontraríamos o Senhor nos ares (1 Ts 4.17) 47. Em1 Coríntios, escrita acerca de quatro anos maistarde, Paulo expressou a convicção de que ele epelo menos alguns de seus convertidos de Corintoainda estariam vivos quando ocorresse a Parousia48.Após a 1 Coríntios, entretanto, não mais vemosPaulo referir-se a essa expectação confiante. Em 2Coríntios, escrita um pouco após 1 Coríntios, eleexpressa o pensamento de que, provavelmente,morreria antes da Parousia. Em suas epístolasposteriores, a idéia do retorno iminente do Senhordesaparece. A ênfase agora recai em exortaçõeséticas e sobre nossa participação presente emCristo; portanto, há uma espécie de transformaçãoda Escatologia em misticismo49.

Outros intérpretes, ainda, encontram evidênciadeste tipo de mudança no pensamento de Paulo50. Quediremos acerca disto? Parece bem evidente quePaulo, realmente, esperava que Cristo voltassemuito breve. Na verdade, parece igualmente razoávelcrer que o próprio Paulo ainda esperava estarvivendo naquele momento. Mas isto não significa quePaulo não deixasse lugar para outra possibilidade,nem que ele tenha marcada uma data “dentro destageração” para a Parousia, como parte de seu ensino

244

reconhecidamente autorizado. Paulo não estavainteressado em marcar datas; sua maior preocupaçãoera ensinar a certeza da volta de Cristo, e aimportância de estarmos sempre prontos para essavolta. Dizer que Paulo esperava estar ainda vivo naParousia é uma coisa; mas dizer que eledefinitivamente ensinou que a Parousia aconteceriaantes de sua morte é outra coisa completamentediferente! 51

A alegação de que Paulo mudou de opiniãoacerca do tempo da Parousia, entre suas primeiras eúltimas epístolas, é igualmente sem fundamento.Primeiramente porque, em 1 Tessalonicenses - quesupostamente representa a primeira posição de Paulo- , ele já acolhe a possibilidade de que alguns,incluindo ele próprio, poderão morrer antes que oSenhor retorne: “Porque Deus não nos destinou paraa ira, mas para alcançar a salvação mediante nossoSenhor Jesus Cristo, que morreu por nós para que,quer vigiemos, quer durmamos, vivamos em união comele” (1 Ts 5.9,10). Além disso, Paulo não forneceindicação alguma, em 2 Coríntios (alegadamenterepresentando sua última posição), de que ele tenhamudado de opinião após ter escrito 1 Coríntios(supostamente representando sua primeira posição).

Mas, que dizer acerca da palavra “nós” de 1Tessalonicenses e 1 Coríntios? Em 1 Tessalonicenses(4.17), Paulo diz, escrevendo acerca da Parousia:“depois nós, os vivos, o que ficarmos, seremosarrebatados juntamente com eles [aqueles queacabaram de ser ressuscitados dos mortos], entrenuvens, para o encontro do Senhor nos ares...” E em

245

1 Coríntios 15.51,52, falando acerca do queacontecerá quando Cristo retornar, Paulo diz: “Nemtodos dormiremos, mas transformados seremostodos... A trombeta soará, os mortos ressuscitarãoincorruptíveis, e nós seremos transformados”. Seráque estas passagens transmitem a certeza de quePaulo espera estar ainda vivo quando Cristoretornar? Elas não fazem nada disso. Elas expressama possibilidade de que Paulo e alguns de seusleitores poderão estar ainda vivos naquela hora,mas não a certeza. Nestes versos, Paulo estáescrevendo acerca daqueles que ainda estarão vivosna hora da Parousia em distinção àqueles que terãomorrido até aquela hora, mas ele não diz e tambémnão sabe quem serão esses que ainda estarão vivos.Qualquer crente, desde a época de Paulo até hoje,poderia usar linguagem similar sem implicar que elecertamente ainda estará vivo quando Cristo voltar52.

Está também claro que Paulo ensinou aimpossibilidade de se calcular o tempo da volta deCristo. Ridderbos pondera desta forma: “Comcerteza, temos sempre de ter em mente que, emPaulo, também qualquer computação do tempo daParousia é completamente deficiente...” 53. Comoprova disso, deveríamos observar que Paulo, tantocomo Jesus, fala do dia do senhor vindo como umladrão: “pois vós mesmos estais inteirados comprecisão de que o dia do Senhor vem como o ladrãode noite. Quando andarem dizendo: Paz e segurança,eis que lhes sobrevirá repentina destruição, comovem a dor do parto à que está para dar a luz; e de

246

nenhum modo escaparão. Mas, vós, irmãos, não estaisem trevas, para que esse dia como ladrão vos apanhecom surpresa”( 1 Ts 5.2-4). O objetivo da imagem doladrão é, conforme vimos, a incerteza do tempo daParousia. Quando Paulo adiciona que seus leitoresnão estão em trevas e que, por causa disso, o diado Senhor não deve surpreendê-los, como um ladrão,ele deixa implícito que, se alguém estiver sempreespiritualmente pronto para a volta de Cristo, essealguém não será transtornado por esta volta mesmose ela vier numa hora inesperada. Paul Minearsugere outra implicação da figura do ladrão: oladrão pretende fazer você ficar mais pobre. Se umdos maiores valores são os “tesouros na terra”, dosquais Jesus falou uma vez (Mt 6.19), a volta deCristo realmente tornará a pessoa mais pobre, umavez que o que era de valor para ela terá sidolevado embora. Mas se alguém tiver estado ajuntando“tesouros nos céus” e buscando “as coisas que sãodo alto”, a volta de Cristo não será equivalente àvinda de um ladrão, uma vez que essa volta fará apessoa mais rica do que era antes. A figura doladrão, portanto, enfatiza tanto a incerteza dotempo da Parousia como a necessidade de constanteprontidão espiritual para a volta do Senhor54.

Resumindo agora o que aprendemos de Pauloacerca da Parousia, deveria ficar claro que nãodevemos acusá-lo de ter feito um erro de julgamentoacerca do tempo da volta de Cristo. Assim comoJesus, Paulo ensinou que, embora o tempo da SegundaVinda seja incerto, o fato dessa vinda é certo. Ocrente deveria viver numa expectativa constante e

247

alegre da volta de Cristo; embora ele não conheça otempo exato em que ela vai ocorrer, o crente sempredeveria estar pronto para ela.

É muito significativo, porém, que embora osescritores do Novo Testamento não tentem precisar,muito acuradamente, a data exata da Parousia, elesefetivamente falam, muitas vezes, de suaproximidade. Paulo agiu assim freqüentemente. Jámencionamos 1 Coríntios 7.29, que fala acerca daescassez de tempo; Romanos 13.11 que diz que o diaestá próximo; e Filipenses 4.5, onde Paulo afirmaque o senhor está perto. Poderíamos acrescentartambém Romanos 16.20, onde Paulo diz que Deus logoesmagará a Satanás sob os pés de seu povo. Numcaráter similar, o autor de Hebreus escreve:“Porque ainda dentro de um pouco tempo aquele quevem, virá e não tardará” (10.37). Tiago não somentenos diz que a vinda do Senhor está próxima (5.8),mas também que o Juízo já está “às portas” (5.9).Pedro diz que o fim de todas as coisas está próximo(1 Pe 4.7). E o livro do Apocalipse começadeclarando que o seu propósito é de “mostrar aosseus [de Deus] servos as coisas que em breve devemacontecer” (1.1); ele termina com a afirmação:“Aquele que dá testemunho destas coisas diz:certamente venho sem demora” (22.20).

Declarações deste tipo não devem serinterpretadas como tentando marcar uma data para aParousia. Para os escritores do Novo Testamento, aproximidade da Parousia não é tanto uma proximidadecronológica quanto uma proximidade da “história dasalvação”. Num capítulo anterior observamos que, de

248

acordo com o Novo Testamento, as bênçãos da eraatual são o penhor e garantia de bênçãos maiorespor vir55. A primeira vinda de Cristo garante acerteza da sua Segunda Vinda. Pelo fato de a voltade Cristo ser tão certa, num sentido ela estásempre próxima. Nós já experimentamos o poder, ogozo e os privilégios da era-do-fim, e a partirdisso aguardamos ansiosamente pala consumação daredenção em Cristo. Tendo provado os primeirosfrutos do Espírito, estamos bastante ansiosos paradesfrutar do que está guardado para nós. AEscatologia inaugurada e a Escatologia futura,portanto, estão bem juntas na consciência docrente. A primeira não apenas garante a segunda,mas, porque a primeira já veio, a segunda estásempre próxima na expectação do crente56.

Há uma passagem do Novo Testamento que parecefalar explicitamente de um certo atraso naParousia: 2 Pedro 3.3,4. Mas, neste caso, sãoescarnecedores os que falam de atraso: “nos últimosdias, virão escarnecedores com os seus escárnios,andando segundo as próprias paixões, e dizendo:Onde está a promessa da sua vinda? Porque desde queos pais dormiram, todas as coisas permanecem comodesde o princípio da criação”. Em outras palavras,essa não era uma pergunta levantada por crentesansiosos, mas por zombadores que estavam tentandodesacreditar a Palavra de Deus. A resposta de Pedroé importante: “Há, todavia, uma coisa, amados, quenão deveis esquecer: que, para com o Senhor, um diaá como mil anos, e mil anos como um dia. Nãoretarda o Senhor a sua promessa, como alguns a

249

julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimopara convosco, não querendo que nenhum pereça,senão que todos cheguem ao arrependimento” (vs.8,9). O ímpeto da resposta de Pedro é este: Deusnão está protelando a volta de Cristo, como se eletivesse esquecido sua promessa, mas está esperando,deliberadamente, para melhor revelar seu amor, suacompaixão e sua paciência para com os pecadores. Apalavra grega usada aqui - makrothymei - significater paciência ou ser longânimo. Ao postergar a volta deCristo, Deus está criando lugar para arrependimentoe conversão, uma vez que ele não deseja que ninguémpereça! Ao invés de falarmos sobre o “atraso” daParousia, portanto, deveríamos agradecer a Deus poresta manifestação do seu amor, e ser o maisdiligentes possível para levar o Evangelho àquelesque talvez ainda não o tenham ouvido57.

Uma expectação vívida da Parousia deveria serencontrada na Igreja hoje, como era encontrada naIgreja Primitiva. Qual é o significado destaexpectação? Os críticos do Cristianismo,freqüentemente, gostam de dizer que esta expectaçãoleva a um tipo de “vida de outro mundo” ou, seja, auma vida improdutiva - uma espera passiva pela vidapor vir, inclusive negligenciando nossasresponsabilidades neste mundo atual. Será issoverdadeiro? Não de acordo com a Bíblia. HermanRidderbos, escrevendo acerca do ensino e pregaçãode Paulo, tem isto a dizer: “O motivo escatológico,a consciência da vinda do senhor como algo próximo,tem não uma negativa mas sim uma positivasignificação para a vida no tempo presente. Ele não

250

faz a responsabilidade por esta vida ser relativa,mas antes a aumenta58. O que ele diz acerca de Paulopode ser dito sobre todo o Novo Testamento. Que osescritores do Novo Testamento têm a dizer acerca dasignificação prática da expectação da Parousia paraa fé e a vida?

A ênfase mais comum é que nossa expectação,pela volta do senhor, serve como um incentivo paraum viver santo. Assim, ouvimos Paulo nos dizer, emRomanos 13, que a proximidade dessa volta deverianos motivar a expulsar as obras das trevas e vestiras armas da luz; a não fazer provisão para a carne,mas conduzir-nos a nós mesmos convenientemente comoem pleno dia (vs. 12-14). Em Tito 2.11-13, Paulodestaca o fato de que nossa vida, entre as duasvindas de Cristo, significa que devemos renunciaràs paixões mundanas e viver sensata, justa epiedosamente neste mundo atual. Pedro, em suaprimeira epístola, nos diz que lançar nossaesperança totalmente sobre a graça que vem a nós,pela revelação de Cristo, significa para nós abusca diligente do auto-controle, obediência esantidade (1 Pe 1.13-15). E em sua segunda cartaele diz o seguinte: “Visto que todas essas coisashão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como osque vivem em santo procedimento e piedade, operandoe apressando (ou desejando ardentemente, variantetextual) a vinda do dia de Deus...” (2 Pe 3.11-12).O Apóstolo João, em sua primeira epístola, depoisde nos dizer quando Cristo se manifestar em glórianós seremos iguais a ele, adiciona: “E a si mesmo

251

se purifica todo o que nele tem esta esperança,assim como ele é puro” (1 João 3.2,3).

De várias outras maneiras nossa expectativa daSegunda Vinda deveria afetar o nosso modo de viver.A manifestação futura do nosso Senhor deveria noslevar ser fieis à comissão que Deus nos deu, assimcomo Timóteo o fez (1 Tm 6.14). Se continuarmos apermanecer em Cristo, nós deveremos estarconfiantes e sem ter do que nos envergonhar diantedele, quando ele aparecer (1 Jo 2.28). A percepçãode que, quando o senhor vier, ele revelará ospropósitos dos nossos corações, implica em que nãodevemos pronunciar julgamentos prematuros sobreoutras pessoas (1 Co 4.5). Sermos fiéis e sábiosmordomos de tudo o que o Senhor nos tiver confiadopara cuidar é outro meio de mostrar que estamosprontos para a volta do senhor (Lc 12.41-48). Naparábola dos talentos e das minas dá-se ênfase aque a prontidão para a volta de Cristo significatrabalhar diligentemente para ele com os dons ehabilidades que ele nos tem dado (Mt 25.1-40; Lc19.11-27). E, à luz do juízo final, encontrado emMt 25.31-46, o melhor modo de se estar preparadopara a Segunda Vinda, é estar continuamentemostrando amor àqueles que são irmãos de Cristo.

Nossa expectação pela volta do Senhor,portanto, deveria ser um incentivo constante paraviver para Cristo e para o seu Reino, e para buscaras coisas que são lá do alto, não as coisas queestão sobre a terra. Mas o melhor modo de buscar ascoisas lá de cima é estar ocupado para o Senhoraqui e agora.

252

Notas do capítulo 10

1. The Quest of the Historical Jesus (A Questão do JesusHistórico), p. 358.

2. F.Buri, Die Bedeutung der N.T. Eschatologie für die NeuereProtestantische Theologie (O Significado da Escatologiado N.T. para a Teologia Protestante Moderna),Zürich, 1935; M. Werner, The Formation of ChristianDogma (A Formação da Dogmática Cristã),Naperville: Allenso, 1957.

3. G. C. Berkouwer, Return, p.70. Par uma análiseesclarecedora sobre o problema do atraso daParousia, veja todo o seu capítulo: “Crisis of theLay?” (A Crise do Atraso), pp. 65-95. Para umadiscussão mais detalhada ver H. Ridderbos,Coming, pp. 444.527.

4. Time pp.87,88.5. Promisse and Fulfillment (Promessa e Cumprimento),

trad. Dorothe M. Barton, Naperville: Allenson,1957, p. 149.

6. G.E. Ladd, A Theology of the New Testament (Teologia doNovo Testamento), pp. 206-208.

7. Werner Kümmel, op.cit., p.17; O Culmann, Salvation,pp. 211-214

8. Alfred Plummer, Matteew (Mateus), Grand Rapids:Eerdmans, 1960; pub. orig. 1909, em Mateus16.28; C. E. B. Cranfield Mark (Marcos),Cambridge: Univ. Press, 1959, ad loc.; H. Berkhof,Meaning, p.75; W.Lane, Mark (Marcos), GrandRapids: 1974, ad loc.

9. João Calvino, Harmony of the Evangelists (Harmonia dosEvangelistas), trad. W. Pringle, Grand Rapids:

253

Eerdmans, 1957, II, p.307; F.W.Grosheide,Mattheüs (Mateus), 2ª ed., Matteu (Mateus), GrandRapids: Eerdmans, 1961, em Mateus 16.28; W.Hendriksen, Mark (Marcos), Grand Rapids: Baker,1975, ad loc.

10. The Witness of Matteu and Mark to Christ (O Testemunho deMateus e Marcos sobre Cristo), Philadelphia:Presbyterian Guardian, 1944, p. 240.

11. J.A C. Van Leeuwen, Markus (Marcos), Kampen:Kok, 1928, ad loc., F.F. Bruce, New Testament History(História do Novo Testamento), New York:Doubleday, 1971, p. 197.

12. R.C.H. Lenski, Mark (Marcos), Columbus:Wartburg, 1946, ad loc; N. Geldenhuys, Luke(Lucas), em Lucas 9.27; S. Greijdanus, Lucas,Kampen: Kok, 1955,em Lucas 9.27.

13. Pp. 461-468.14. Ibid., pp 503-507. Ver também pp.519-521.C15. Cullmann, Salvation, pp.214,215; W Kümmel,

op.cit., pp.59-61.16. Calvino,Harmony of the Evangelists (Harmonia dos

Evangelistas), III, pp.151,152; Plummer, Matteu(Mateus), em Mateus 24.34; Geldenhuys, Luke(Lucas), em Lucas 21.32; R.A Cole, Mark (Marcos),Grand Rapids: Eerdmans, 1961 ad loc., Lane, Mark(marcos), ad loc.

17. Theodor Zahn, Mattheüs (Mateus), 3ª ed., Leipzig:Diechert, 1910, em Mateus 24.34; Cranfield, Mark(Marcos) ad locl.; Land, Presence, pp. 320, 321.

18. Grosheid, Mattheüs (Mateus), em Mateus 24.34.19. Julius Schneiwind, Mark (Marcos), in Das Neue

Testament Deustch (O Novo Testamento Alemão), 9ª

254

ed., Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1960;pub. Orig. 1936, pp. 139, 140; W. Hendriksen,Mattheu (Mateus) Grand Rapids: Baker, 1973, emMateus 24.34.

20. Van Leeuwen, Markus (Marcos), ad loc.; FelixFlückiger, Der Ursprung des Christlichen Dogmas (AOrigem dos Dogmas Cristãos), Zürich:Evangelischer Verlag, 1955, pp. 115-117.

21. Lenski, Mark., ad loc,; H. Ridderbos, Comingpp.498-503.

22. F. Büchsel, “Genea” TDNT, I, p. 663.23. Flückiger, op. cit., p.117. Ver também Ridderbos,

Coming, pp. 500-503; Cp. p. 535 número 127. Cp.duas outras passagens que transmitem o mesmopensamento básico: Mateus 23.39 e 26.64.

24. Ver adiante, pp. 3890-390.25. Plummer, Matthew (Mateus) ad loc.26. Cullmann, Salvation, pp.216-218; Kümmel, Promise

and Fulfillment (Promessa e Cumprimento), pp. 61-64.27. Taster, Matthew (Mateus), ad loc.28. Calvino, Harmony of the Evangelists (Harmonia dos

Evangelistas), I, pp. 456-458.29. Lenski, Matthew (Mateus), ad loc.30. Ridderbos, Coming, p.507-510; ver também seu

comentário de Mateus, 2ª impressão, Kampen: Kok,1952, II, pp. 205-207.

31. F.W. Grosheide, De Verwachting der Toekomst van JezusChristus, Amesterdam: Van Bottenburg, 1907, pp.89-93; ver também seu comentário, ad loc.

32. Julius Schniewind, Matteüs (Mateus), in Das NeueTestament Deustsch (O Novo Testamento Alemão), 9ªed., Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1960;

255

pub. Orig. 1936, pp. 130-131; Ladd, Theology of theNew Testament (Teologia do Novo Testamento), pp.200-201.

33. E.g., o que é dito nos versos 16-22.34. E.g., o que é encontrado nos versos 24-25; 26-

39.35. Veja acima, p. 156, em conexão com Marcos 9.1.36. A existência do Estado de Israel hoje, bem

como a presença dos judeus em várias outraspartes do mundo, indica que esta profeciacontinua a ser cumprida. Isto é realmentenotável considerando-se o tanto de sofrimento,opressão e tentativa de genocídio que os judeustêm suportado ao longo de sua história.

37. Nesse sentido, a passagem traz uma mensagemsimilar àquela de Marcos 13.30.

38. Será observado que, nessa interpretação,Mateus 10.23 confirma o pensamento de que aevangelização contínua de Israel é um dos sinaisdos tempos (veja adiante, pp. 186-198).Schniewind, de fato (Matteüs p.131), vinculaestas palavras de Jesus com a esperança deconversão de Israel expressada por Paulo emRomanos 11.

39. Uso a palavra “atrasado” aqui simplesmentepara indicar a passagem do tempo, não parasugerir que tenha havido um erro de cálculo dotempo.

40. Sobre o significado dessas três parábolas, verLadd, Theology of the New Testament (Teologia do NovoTestamento), pp. 95-100.

256

41. Ibid., p.208. observe que, de acordo com asparábolas dos talentos e das minas, a melhormaneira de estar pronto para o retorno do Senhoré estarmos usando nossos dons fielmente noserviço do Senhor.

42. Ridderbos, Paul, p.487.43. Ibid., p.489. Embora a tradução traga: “Não davam

permissão para”, eu creio que as palavras: “nãoimaginavam” reproduzem mais acuradamente o textooriginal neste ponto: “geen rekening heeft gehouden” .

44. Schweitzer, portanto, não apresenta essamudança no pensamento de Paulo através de váriasepístolas; ele a vê como tendo ocorrido mesmoantes de as primeiras epístolas terem sidoescritas. Para saber mais da compreensão queSchweitzer tem de Paulo, ver adiante, p. 391.

45. G. Vos, Pauline Eschatology (Escatologia Paulina),pp. 174-175. Infelizmente, Vos não indica quaisos eruditos que sustentam esta posição.

46. Time, p.88. Cullmann acrescenta que apesar dessamudança, a esperança de Paulo não sofreu nenhumaperda, já que o centro dessa esperança repousana primeira vinda de Cristo que já ocorreu.

47. C.H. Dodd New Testament Studies (Estudos do NovoTestamento), Manchester: Manchester Univ. Press,1953, p. 110.

48. Ibid., p. 110.49. Ibid., pp. 110-113. É interessante observar que

aqui Dodd interpreta Filipenses 4.5: “Perto estáo Senhor”, como não tendo nenhum significadoescatológico, mas como simplesmente descrevendo

257

a proximidade do Senhor daqueles que o invocam(p.112).

50. H.J.Schoeps, Paul (Paulo), trad. Harold Knight,Philadelphia: Westminster, 1961, pp.103-104;Martin Dibelius, Paul (Paulo), ed. W. G. Kümmel,trad. Frank Clarke, Philadelphia: Westminster,1953, pp. 109-110; Berkhof, Meaning p.77.

51. Ridderbos, Paul, p.492.52. Ver Ibid., pp. 490-492; cp. também Berkouwer,

Return, pp. 92-98.53. Paul p.492.54. Paul Minear, Christian Hope and The Second Coming (A

Esperança Cristã e a Segunda Vinda),Philadelphia: Westminster, 1954, pp. 135-136.Observe que a figura do ladrão é tambémencontrada em 2 Pd 3.10, Ap 3.3 e Ap 16.15.

55. Veja acima, pp. 30-32.56. Sobre este assunto, ver também Berkouwer.

Return, pp. 94-95; Ridderbos, Paul, pp. 492-497;Cullman, Time, pp. 87-88; Berkhof, Meaning p.77.

57. Sobre esta passagem, veja Berkouwer, Return,pp. 78-79, 122-124.

58. Paul, p.495.

258

CAPÍTULO 11

OS SINAIS DOS TEMPOS

Geralmente, a expressão “os sinais dos tempos”é usada para descrever certos acontecimentos ousituações dos quais se diz que procedem ou apontampara a Segunda Vinda de Cristo. Nessa posição, aorientação primordial destes sinais é para ofuturo, especialmente para os eventos que cercam aParousia.

Deve ser observado, entretanto, que na únicapassagem onde a expressão citada acima é utilizadana Bíblia “os sinais dos tempos” se refereprimeiramente não ao que ainda é futuro, mas aquiloque Deus fez no passado está revelando no presente:“Sabei, na verdade, discernir o aspecto do céu, enão podeis discernir os sinais dos tempos” (Mt16.3).

As palavras gregas usadas aqui são ta semeia tonkairon. Embora a palavra semeion possa ter umavariedade de significados, aqui ela, provavelmente,designa “um símbolo significativo dado por Deus,indicando o que Deus fez, ou está fazendo, ou estápara fazer”1. Kairos, geralmente significandomomento no tempo ou período de tempo, aqui deve sereferir a um período da atividade divina quedeveria ter levado (as pessoas) a quem Jesus falou(fariseus e saduceus) a uma decisão de fé nele, masque obviamente não o fez. Os fariseus e saduceustinham acabado de pedir que Jesus lhes mostrasse

259

sua autenticidade, apresentando-lhes um sinal doscéus. Jesus respondeu na palavra do verso 3, citadoacima. Ele os repreendeu pelo fato de não seremcapazes de discernir os sinais que o Messiaspredito pelos profetas estava realmente em seumeio. Jesus já tinha indicado a João Batista o queeram alguns desses sinais: “Os cegos vêem, os coxosandam, os leprosos são purificados, os surdosouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobresestá sendo pregado o Evangelho” (Mt 11.5). Baseadosnestes “sinais dos tempos”, os líderes judeusdeveriam ter percebido que o grande e decisivoevento da história tinha acontecido com a vinda doMessias. Sua recusa em discernir estes sinais foi acausa de sua condenação.

É naturalmente verdadeiro que “sinais dostempos”, dos quais Jesus falou, também apontavampara o futuro. Se estes líderes continuassem afalhar em reconhecer Jesus como Messias, ojulgamento futuro os esperaria, bem como a todos osque os seguissem. Assim, podemos admitir que estessinais realmente apontavam para o futuro. Mas suaindicação primeira não era para o futuro, mas parao passado e o presente.

Um dos problemas que temos de considerar, emconexão com os sinais dos tempos, conformetradicionalmente entendido, é este: Se estes sinaisapontam para certos eventos que ainda tem deocorrer, antes que Jesus venha de novo, comopodemos nós estar sempre prontos para essa volta?Será que a consideração destes sinais não carregaconsigo o período de jogar a volta de Cristo para o

260

futuro longínquo, de modo a não mais precisarmosnos preocupar com estar sempre prontos? Será que afalta de uma expectação vívida da Parousia entrecristãos de hoje não seria devida a uma ênfaseexcessiva sobre a doutrina dos sinais dos tempos?

Teremos de encarar este problema aoprosseguirmos na discussão destes sinais. Antes deo fazermos, porém, deveríamos considerar algumasinterpretações erradas dos sinais dos tempos.

Uma destas interpretações erradas é considerar ossinais dos tempos como se referindo exclusivamente ao tempo dofim, isto é, como se eles apenas se referissem aoperíodo imediatamente anterior à Parousia e nãotivessem nada a dizer sobre os séculos anteriores àParousia. Que esta é uma visão errada de taissinais fica óbvio primeiramente com o uso que Jesusfaz dessa expressão em Mt 16.3, onde os sinais dostempos se refere claramente mais ao passado e aopresente do que ao futuro. Fica igualmente óbviocom o fato de que tanto Jesus como Paulo falaramdesses sinais, ao se dirigirem aos seuscontemporâneos. Com certeza Jesus e Paulo nãoestavam se fazendo ininteligíveis a seus ouvintes eleitores quando se referiam a estes sinais! Noassim chamado “sermão profético, registrado emMateus 24, Marcos 13 e Lucas 21, Jesus fornecevários sinais que tiveram seu cumprimento inicialna época da destruição de Jerusalém; uma vez queeste discurso exemplifica o princípio dacondensação profética, entretanto, os sinais nelemencionados terão um cumprimento posterior no tempoda Parousia. Entrementes, todos os sinais dos

261

tempos descritos no Novo Testamento caracterizamtodo o período entre a primeira e a Segunda Vindade cristo, e cada década deste período 2. Os sinaisdos tempos, por essa razão, convocam a Igreja a umavigilância constante.

Outra compreensão errada desses sinais éconsiderá-los apenas em termos de eventos anormais, espetacularesou catastróficos. Com base nesta posição, que temafinidade com a visão errônea recém-discutida, ossinais são considerados como interrupçõesespetaculares do curso normal da história, quechamam irresistivelmente a atenção para si mesmos.Mas, se os sinais da volta de Cristo forem dessetipo, como poderemos estar continuamentevigilantes? O próprio Jesus fez advertência contraesse modo de compreender os sinais quando disse aosfariseus: “Não vem o Reino de Deus com visívelaparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está!Porque o Reino de Deus está dentro de vós” (Lucas17.20,21). O comentário de Berkouwer sobre estapassagem é objetivo: “As palavras que Cristo usaobviamente não são dirigidas contra ‘ver’ ossinais, mas contra uma expectação do Reinoorientada para o espetacular e incomum, e dessaforma negligenciando o elemento da decisão pessoal”3.

É mister acrescentar mais uma palavra deadvertência aqui. Os sinais espetaculares sãoassociados especialmente com o reino de Satanás;por essa razão, eles poderiam ser enganosos. É ditoque a vinda do homem da iniqüidade será “com todopoder, e sinais e prodígios da mentira” (2 Ts 2.9).

262

E sobre o surgimento da besta da terra descrito emApocalipse 13, é dito que ela “opera grandessinais, de maneira que até fogo do céu faz descer àterra diante dos homens. Seduz os que habitam sobrea terra por causa dos sinais que lhe foi dadoexecutar diante da besta” (vs. 13,14). Ao invés deesperar sinais espetaculares, portanto, o povo deDeus deveria estar alerta para discernir os sinaisda volta de Cristo, primeiramente no processos não-espetaculares da história. Não é negado que possahaver sinais catastróficos tais como terremotos,mas é um erro limitar os sinais à categoria doincomum e do anormal.

Uma terceira maneira errada de compreender ossinais dos tempos é tentar usá-los como modo de datar otempo exato da volta de Cristo. Tentativas assim tem sidofeitas ao longo da história cristã. Em 1818, porexemplo, após um período de dois anos de estudo dabíblica Willian Miller concluiu que Cristo estariavoltando em algum momento entre 21 de Março de 1843e 21 de Março de 18444. O próprio Cristo, porém,condenou todas essas tentativas quando nos disseque ninguém conhece o dia ou a hora de seu retorno,nem mesmo o Filho (Mc 13.32; Mt 24.36). Se opróprio Cristo não sabia o dia, quem somos nós paratentar saber mais do que Cristo? Os sinais dostempos nos falam acerca da certeza da SegundaVinda, mas não divulgam sua data precisa5.

Um terceiro uso errado dos sinais leva àtentativa de construir um cronograma exato de acontecimentosfuturos. Esta tentativa tem sido característica devários movimentos sectários escatologicamente

263

orientados6; ela continua a ser característica decertos tipos de dispensacionalismo 7. Mas CharlesHodge indicou muitos anos atrás, este não é opropósito da profecia bíblica: “O primeiro assuntoa ser considerado [na interpretação da profecia] éo verdadeiro desígnio da profecia, e como estedesígnio deve ser determinado. A profecia é muitodiferente da história. Ela não pretende nos dar, dofuturo, um conhecimento análogo ao que a histórianos dá a respeito do passado” 8. A título deexemplo, Hodge observa que, embora muitas profeciasforam dadas pelos profetas do Antigo Testamento,acerca do primeiro advento de Cristo, ninguém sabiaexatamente como estas profecias seriam cumpridasaté que Cristo, efetivamente, chegasse: “Cristorealmente foi um rei, mas não um rei conforme omundo sempre havia conhecido, e foi um rei comohomem nenhum esperava; ele foi um sacerdote, mas oúnico sacerdote em todos os tempos de cujosacerdócio ele próprio era a vítima; ele de fatoestabeleceu um Reino, mas não era um Reino destemundo” 9.

É concebível que alguém responda que a razãopela qual muitos dos contemporâneos de Cristo não oreconheceram como aquele que cumpria as profeciasveterotestamentárias acerca do Messias, era queeles falharam em vê-lo com os olhos da fé. Isto éde fato verdadeiro. Mas é igualmente verdadeiro quemuitos daqueles que efetivamente creram em cristo,tiveram dificuldades em enxergar como ele cumpriaas predições do Antigo Testamento. Por exemplo,João Batista, o precursor de Jesus, que

264

primeiramente tinha apresentado Jesus como oMessias prometido, começou mais tarde a ter suasdúvidas. Após João ter sido aprisionado, ele enviouseus discípulos a Jesus para perguntarem a este:“És tu aquele que estava para vir, ou havemos deesperar outro?” (Mt 11.3). Por que tem João agorasuas dúvidas? Porque ele tinha imaginado o Messiasque estava apresentando como alguém que estava paracortar as árvores que não produzissem fruto,queimando a palha em fogo inextinguível (Mt3.10,12). Enquanto que o Jesus, de quem ele ouvia,não fez nenhuma destas coisas. Jesus respondeuchamando a atenção para seus milagres de cura e suapregação do Evangelho aos pobres (vs.4,5), o queIsaías tinha predito que o Messias iria fazer(Isaías 35.56; 61.1). João estava esperando queJesus cumprisse, em sua primeira vinda, asatividades de juízo que ele executaria em suaSegunda Vinda; até o momento em que ele recebeu amensagem corretiva de Jesus, ele falhou em perceberque as ações de cura e pregação do Messias deveriamser executadas na sua primeira vinda. Em outraspalavras, João confundiu a Segunda Vinda de Cristocom sua primeira vinda; embora ele tenha crido quetodas as promessas do Antigo Testamento, acerca doMessias, seriam cumpridas, ele não entendeupropriamente o modo pelo qual elas seriamcumpridas.

Se crentes como João Batista puderam terproblemas desta espécie com profecias acerca daprimeira vinda de Cristo, que garantia temos nós deque os crentes (hoje) não terão dificuldades

265

semelhantes com profecias acerca da Segunda Vindade Cristo? Estamos confiantes de que todas asprofecias acerca da volta de Cristo e do fim domundo serão cumpridas, mas não sabemos exatamentecomo elas serão cumpridas.

Tanto Ridderbos como Berkouwer são muitocríticos sobre o que eles denominam “Escatologia dereportagem” - a tentativa de entender as profeciasescatológicas da Bíblia como algo que nos forneceuma espécie de relatório feito em “noticiárioformalístico” sobre a ordem exata dos eventos queocorrerão no tempo do fim. De acordo com oprimeiro, a tentativa de chegar a tal ordem deeventos baseada nos dados bíblicos é uma máutilização da Bíblia10. De acordo com o segundo, acrença de que a proclamação escatológica do NovoTestamento pretende fornecer um relatório narrativomais ou menos exato dos acontecimentos futuros, ébaseada numa compreensão seriamente errônea dopropósito de tais proclamações11. Tentativas deelaborar tais relatórios narrativos do futuro, naverdade, freqüentemente erram o verdadeiro objetivodos escritores bíblicos. Conforme Berkouwerpondera: “A elaboração do que temos denominadoEscatologia de reportagem parece talvez fornecer umaresposta adequada à teoria do atraso da Parousia,mas freqüentemente não se percebem seus efeitosnegativos. Com sua preocupação com guerras, comofenômenos caóticos da história, há uma penetraçãode incerteza e o cerne da verdadeira proclamaçãoescatológica se perde” 12.

266

Tendo visto algumas maneiras erradas decompreender os sinais dos tempos, passemos agora ainquirir: Como devemos entender estes sinais? Qualé sua verdadeira função? Primeiramente,discutiremos os sinais dos tempos em geral; somentedepois de termos feito isso, trataremos dosdiversos sinais separadamente.

(1) Embora, geralmente, consideremos os sinais dos temposcomo apontando para o futuro, estes sinais apontam, antes de tudo,para o que Deus fez no passado. Este, conforme vimosacima, era o sentido primário dos sinais dos temposaos quais Jesus se referiu em Mateus 16.3: “Sabeis,na verdade, discernir o aspecto do céu, e nãopodeis discernir os sinais dos tempos”. Os sinaisdos tempos revelam que a grande vitória de Cristofoi conquistada, e que por causa disso a mudançadecisiva na história aconteceu. Eles revelam queDeus está trabalhando no mundo, ocupado em cumprirsuas promessas e trazer à realização a consumaçãofinal da redenção13. Eles revelam o sentido centralda história. O Senhor domina, e está realizandoseus propósitos14.

Discernir os sinais dos tempos, portanto, temimplicações importantes para nossa conduta diária.Significa “remir o tempo, porque os dias são maus”(Efésios 5.16). Significa “andar como filhos daluz” (Efésios 5.8). Em Romanos (13), Paulo apelapara seus leitores para que mostrem, pela qualidadede suas vidas, que eles sabem que tempo estámarcado no relógio de Deus: “E digo isto a vósoutros que conheceis o tempo, que já é hora de vosdespertardes do sono; porque a nossa salvação está

267

agora mais perto do que quando no princípio cremos.Vai alta a noite e vem chegando o dia. Deixemos,pois, as obras das trevas, e revistamo-nos dasarmas da luz. Andemos dignamente, como em plenodia” (vs.11-13).

(2) Os sinais dos tempos também apontam no futuro para ofim da história, especialmente para a volta de Cristo. Conforme jávimos, estes sinais não nos contam o tempo exatoquando Cristo retornará e quando sucederão oseventos que acompanham seu retorno, mas eleefetivamente nos asseguram de que estas coisascertamente ocorrerão. Mais de uma vez Jesus usouexpressões tais como “e então virá o fim”, após terrevelado o que seriam alguns dos sinais (Mateus24.14,29,30). Paulo falou aos tessalonicenses que“aquele dia não virá, sem que primeiro venha aapostasia, e seja revelado o homem da iniqüidade”.(2 Ts 2.3). assim, os sinais dos tempos tambémapontam para o futuro. Mas eles apontam para ofuturo baseados no que Deus já fez no passado. Apregação escatológica testemunha acerca do futurodo ponto de vista da salvação que já veio15.

Os sinais dos tempos, portanto, apontam tantopara o passado como para o futuro. Eles dão ênfaseà tensão entre o já e o ainda não, na qual vive aIgreja do Novo Testamento: já desfrutamos da luz davitória de Cristo, gozando das primícias doEspírito, e somos novas criaturas em Cristo -, masainda não somos o que deveremos ser e, por causadisso, aguardamos ansiosamente o retorno gloriosode nosso Senhor16.

268

(3) Os sinais dos tempos revelam, na história, a antítesecontínua entre o Reino de Deus e os poderes do mal. De acordocom a parábola do joio, que Jesus contou, o trigo eo joio crescem lado a lado até a ceifa do fim domundo. Isto significa que podemos esperar que aluta entre as forças de Deus e as forças de Satanáscontinue por toda a história do mundo. Os sinaisdos tempos continuam a dar testemunho dessa luta.Alguns dos sinais, especialmente o sinal dapregação do Evangelho às nações, indicam que opoder de Deus está operando no mundo e que seuReino está crescendo. Outro sinais, entretanto,como o da presença de forças do anticristo, docrescimento da apostasia e iniqüidade e daocorrência repetida de guerras e rumores de guerra,indicam a presença dos poderes do mal. Dessa forma,os sinais dos tempos revelam a presença contínuatanto da graça e longanimidade de Deus como da irade Deus. Estes sinais nos contam, em outraspalavras, que aquele a quem esperamos virá tantocomo Salvador quanto como Juiz17.

(4) Os sinais dos tempos pedem uma decisão. Jesuscensurou seus contemporâneos porque eles nãodiscerniram adequadamente os sinais dos tempos.Através desses sinais, Deus continua a convocar oshomens a crerem em seu Filho para serem salvos.Para o incrédulo, que não presta atenção aos sinaisdos tempos, portanto, estes apenas servirão paraaumentar sua condenação. Mas, embora os incrédulosignorem estes sinais, os crentes estão a elesatentos. Quando eles assim procedem, os sinaistornam-se para eles cânticos de alegria: indicações

269

de que o Senhor está no trono, e de que sua voltaestá próxima18. Mesmo quando ele vê os sinaisdesagradáveis, portanto (como apostasia, falsosprofetas e falsos cristos, perseguição etribulação), o crente não é desencorajado. Pois elesabe que as forças do anticristo sempre estão sob ocontrole de Deus, e que nunca podem frustar opropósito final de Deus. Ele sabe também que mesmoestes sinais desagradáveis devem ser esperados, eque são indicações de que a volta de Cristo está acaminho.

(5) Os sinais dos tempos requerem vigilância constante.Conforme vimos, tanto Jesus como Paulo indicam quecertas coisas têm de acontecer antes da Parousia.Mas ambos igualmente ensinam que o tempo exato daParousia é desconhecido. Isto significa então, queuma vigilância contínua pela Parousia é exigida.Por causa disso, não há contradição entre observaros sinais dos tempos e uma prontidão constante; éexatamente a natureza dos sinais que requer talvigilância. Conforme Jesus disse: “Portanto, vigiaipor que não sabeis em que dia vem o vosso Senhor”(Mateus 24.42).

Foi observado, anteriormente, que uma dascompreensões erradas dos sinais dos tempos éconsiderá-los como se referindo exclusivamente aotempo do fim. A partir do desenvolvimento dosignificado dos sinais que acabamos de dar, ficaráevidente que estes sinais têm estado presentes aolongo da era cristã. Eles estavam presentes aotempo em que o Novo Testamento foi escrito,estiveram presentes ao longo dos séculos que já se

270

passaram, e estão presentes agora. Dessa forma, ossinais dos tempos têm uma relevância contínua paraa igreja de Jesus Cristo.

É bem comum, especialmente nos círculosdispensacionalistas, dizer que a Segunda Vinda deCristo é “iminente”. Se, por “iminência” quer-sesignificar que nenhum evento predito necessitaacontecer antes que Cristo venha de novo, estaposição nos traz dificuldades - uma vez que,conforme vimos, o Novo Testamento ensina quealgumas coisas realmente têm de acontecer antes queocorra a Parousia. Os dispensacionalistas pré-tribulacionistas dividem a Segunda Vinda de Cristoem duas etapas. Na primeira etapa, freqüentementedenominada “vinda para seus santos”, Cristoarrebata a Igreja da terra e a leva para os céus,para as “bodas do Cordeiro”. Durante os sete anosque se seguem, todos os sinais culminantes dostempos geralmente aceitos, acontecem sobre a terra:a grande tribulação, a manifestação do anticristo eassim por diante. Após esse período de sete anos,Cristo retorna à terra para a segunda etapa de suaSegunda Vinda, a “vinda com seus santos”. Numcapítulo subseqüente 19 esta posição sobre a SegundaVinda será mais detalhadamente examinada ecriticada. Por enquanto, é suficiente observar que,conforme essa posição, nenhum acontecimento preditonecessita ocorrer antes da “vinda de Cristo paraseus santos”.

Conforme veremos mais adiante, não há basebíblica sólida para dividirmos a Segunda Vinda deCristo nestas duas etapas. Embora os sinais dos

271

tempos efetivamente tenham estado presentes aolongo de toda a história da igreja cristã, pareceque antes da volta de Cristo alguns desses sinaisassumirão uma forma mais intensa do que tiveram nopassado. Os sinais se tornarão mais claro e sedirigirão para um certo clímax. A apostasia serámuito mais difundida, a perseguição e o sofrimentoredundarão na “grande tribulação”, e as forçasanticristãs culminarão com o “homem da iniqüidade”20. Conforme veremos, ao olhar em maior detalhe paraos sinais individuais, a Bíblia efetivamente apontapara tal culminação final dos sinais dos tempos.Por causa disso, dizer que nenhum evento preditonecessita acontecer antes que Cristo retorne édizer demais. Temos de estar preparados para apossibilidade de que a Parousia ainda esteja bemdistante, e os dados do Novo Testamento deixamlugar para essa possibilidade. Por outro lado,afirmar com certeza que a Parousia ainda está muitodistante é igualmente dizer demais. O tempo exatoda Parousia nos é desconhecido. Nem sabemos nósexatamente como os sinais dos tempos seintensificarão. Esta incerteza indica que devemossempre estar preparados.

Aos invés de dizer que a Parousia é iminente,portanto, digamos que ela está por acontecer 21. É certoque ela virá, mas não sabemos exatamente quando háde vir. Por isso, temos de viver em constanteexpectação e prontidão para a volta do Senhor. Aspalavras do seguinte lema o colocam bem: “Viva comose Cristo tivesse morrido ontem, ressuscitado namanhã de hoje e estiver voltando amanhã”.

272

Notas do capítulo 11

1. A A Jones, “Sign” (sinal), in The New Bible Dictionary (ONovo Dicionário da Bíblia), Grand Rapids:Eerdmans, 1962, p. 1185.

2. Ver Berkouwer, Return, pp. 238, 244-246.3. Ibid., p. 248. Ver também pp. 236, 260-2514. Hoekema, The Four Major Cults (As Quatro Grandes

Seitas), pp. 89-90.5. Ver Berkouwer, Return, pp. 256-259.6. Veja e.g., The Four Major Cults (As Quatro Grandes

Seitas), pp. 67-74, 137-143, 295-326.7. Cp., e.g., esta declaração de Hal Lindsey, um

escritor dispensacionalista: “Eles, os profetashebreus, predisseram que, à medida que o homemse aproximasse do fim da história conhecida,haveria uma padrão preciso de eventos que seassomariam na história”; The Late Great Planet Earth (AAgonia do Grande Planeta Terra), Grand Rapids:Zondervan, 1970; 42ª impressão 1974, p. ii.

8. Systematic Theology (Teologia Sistemática), III, p.790.

9. Ibid., p. 791.10. Ridderbos, Paul, p.528.11. Berkouwer, Return p. 243. Ver também pp.246-

247.12. Ibid., p. 256. Ver também K. Rahner, “The

Hermeneutics of Eschatological Assertions” (A Hermenêuticadas Afirmações Escatológicas), in TheologicalInvestigations (Investigações Teológicas), IV, ET,1966, p. 323 ss.

13. Ridderbos, Coming, p. 522-523.

273

14. Ver acima, capítulo 3.15. Berkouwer, Return, 249.16. Ver acima, capítulo 6.17. Sobre esse assunto, ver K. Dijk, Het Einde der

Eeuwen Kampen: Kok, 1952, pp. 123-124.18. Ibid., p. 116, 131.19. Capitulo 13, pg.20. Dijk, op.cit., p. 117.21. Cp. Henry W. Frost, The Second Coming of Christ (A

Segunda Vinda de Cristo), Grand Rapids:Eerdmans, 1934, p.170.

274

CAPÍTULO 12

OS SINAIS EM DETALHE

No capítulo anterior, vimos de modo geral ossinais dos tempo, e chegamos a algumas conclusõesacerca deles. Neste capítulo veremos os sinais dostempos em particular, conforme eles sãodesenvolvidos nas Escrituras.

Embora seja difícil desenvolver uma visãosistemática desses sinais1, poderá ser útil agrupá-los sob os seguintes três títulos:

(1) Sinais que evidenciam a graça de Deus:(a) A proclamação do Evangelho a todas

as nações(b) A salvação da plenitude de Israel

(2) Sinais que indicam oposição a Deus:(a) Tribulação(b) Apostasia(c) Anticristo

(3) Sinais que indicam julgamento divino:(a) Guerras(b) Terremotos(c) Fomes

Foi observado, anteriormente, que os sinaisdos tempos revelam tanto a graça de Deus como ojulgamento de Deus. A graça de Deus é manifesta naoportunidade de salvação, através de Cristo,estendida à humanidade durante a era que transcorreentre a primeira e a Segunda Vinda de Cristo. Osprimeiros dois sinais a serem discutidos se

275

encaixam neste grupo. Vejamos, primeiramente, osinal da proclamação do Evangelho a todas as nações. Háantecipações deste sinal no Antigo Testamento. Osprofetas do Antigo Testamento já predisseram que,quando os últimos dias fossem instaurados, oEspírito seria derramado sobre toda a carne (Joel2.28), e que os confins da terra veriam a salvaçãode Deus (Isaías 52.10). Isaías profetizou que Deusentregaria seu Servo não apenas como uma aliançacom o seu povo mas também como luz para as nações(42.6), e que toda a carne veria a glória do Senhor(40.5). E em Isaías (45.22), lemos: “Olhai paramim, e sede salvos, vós, todos os termos da terra!”Passagens deste tipo foram citadas pelos apóstolosquando eles desejavam provar que o Evangelhodeveria ser tanto para gentios como para judeus.

No assim chamado sermão profético, Cristoensinou que o Evangelho deveria ser pregado a todasas nações antes de a Parousia ocorrer: “E serápregado este evangelho do Reino por todo o mundo,para testemunho a todas as nações. Então virá ofim” (Mateus 24.14; Marcos 13.10).

Uma vez que no grego a palavra nações vemprecedida por um artigo definido (pasin tois ethnesin),podemos traduzir a expressão por “a todas asnações”. Jesus não quer dizer que cada derradeirapessoa da terra tem de se converter antes daParousia, uma vez que é evidente pelo restante dasEscrituras que esse nunca será o caso. Jesus tambémnão quer dizer que cada indivíduo sobre a terraprecisa ouvir o Evangelho antes que ele retorne. Oque ele efetivamente diz é que o Evangelho tem de

276

ser pregado por todo o mundo como um testemunho (eismartyrion) para todas as nações.

O que se quer dizer com “testemunho para todasas nações?” A Idéia parece ser a de que o Evangelhoserá para todas as nações uma testemunha queconvida a uma decisão. O Evangelho tem de se tornaruma força a ser levada em conta pelas nações domundo. Não está implicado que cada membro de cadanação ouvirá o Evangelho, mas antes que o Evangelhose tornará uma parte da vida de cada nação, de modotal que não possa ser ignorado. O Evangelho deveriadespertar fé, mas se ele for rejeitado, eletestificará contra aqueles que o rejeitaram.Portanto, a pregação do Evangelho a cada naçãoreforçará a responsabilidade de cada nação comrelação a esse Evangelho2.

A pregação missionária do Evangelho a todas asnações é, na verdade, o sinal dos temposextraordinário e mais característico. Ela fornece àera atual seu sentido e propósito primordiais3. Operíodo entre a primeira e a Segunda Vinda deCristo é a era missionária por excelência . Este é otempo da graça, um tempo em que Deus convida einsta com todos os homens para serem salvos. NaGrande Comissão, na verdade, este sinal toma aforma de uma ordem: “Ide, portanto, fazeidiscípulos de todas as nações” (Mateus 28.19). Apromessa subseqüente indica que esta ordemmissionária deve ser levada adiante por toda estaera: “E eis que estou convosco todos os dias até àconsumação do século” (v.20) 4. Este sinal dostempos, por essa razão, deveria ser um grande

277

incentivo para missões. Desde o pentecostes repousasobre cada geração a obrigação solene de levar oEvangelho a cada nação.

Este sinal olha para o passado tanto como parao futuro. Ele olha, no passado, para a morte eressurreição de Cristo como prova da graciosaintervenção de Deus na história humana e como abase objetiva sobre a qual o oferecimento doEvangelho pode agora ser feito. Ele também olha, nofuturo, para a Parousia: “então virá o fim”. Mas éimportante observar que este sinal não nos autorizaa marcar uma data precisa para a Segunda Vinda deCristo. Quem pode estar certo de quando o Evangelhoterá sido pregado como testemunho para todas asnações? Para dar um exemplo concreto, ninguémestaria inclinado a negar que o Evangelho do Reinotornou-se um testemunho, no sentido descrito acima,aos Estados Unidos da América. Mas quem pode dizerque, por este tempo, o Evangelho se tornou umtestemunho para cada nação dos continentes Norte eSul americanos? Em quantas línguas e dialetos aBíblia ou partes da Bíblia terão de ser traduzidosantes que esse alvo seja alcançado? Quantos membrosde uma nação têm de ser evangelizados antes que sepossa dizer que o Evangelho seja um testemunho paraessa nação? O que, de fato, constitui “uma nação?”

Temos humildemente de admitir que somente Deuspoderá saber quando este sinal tiver sidototalmente cumprido5. O fato de que o Evangelhoestá sendo pregado por todo o mundo é um sinal quenos assegura que Cristo veio e está voltandonovamente, mas não nos conta exatamente quando ele

278

estará voltando outra vez. Entremente, a Igrejadeve continuar a proclamar fielmente o Evangelhopor todo o mundo, sabendo que missões continuarão aser a característica peculiar desta era até aParousia.

Focalizamos nossa atenção agora para o sinalda salvação da plenitude de Israel . Num sentido, aproclamação contínua do Evangelho a Israel ésimplesmente um aspecto do sinal já discutido, umavez que Israel, certamente, está incluído entre “asnações”. Que o Evangelho deve continuar a serlevado a Israel até que Cristo retorne, está tambémimplicado nas palavras de Jesus a seus discípulos,registradas em Mateus 10-23: “em verdade vos digoque não acabareis de percorrer as cidades deIsrael, até que venha o Filho do homem” 6. Desde quePaulo devota uma atenção especial ao problema dasalvação de Israel, em Romanos 9-11, porém, podemosdestacar a salvação da totalidade de Israel comosendo outro sinal específico dos tempos.

Em Romanos (11.25-26a), Paulo descreve:“Porque não quero, irmãos, que ignoreis estemistério, para que não sejais presumidos em vósmesmo, que veio endurecimento em parte a Israel,até que haja entrado a plenitude dos gentios. Eassim todo o Israel será salvo...”

Existe muita diferença de opinião entre oseruditos bíblicos sobre o significado da cláusula:“e assim todo o Israel será salvo”. Existem,principalmente, três interpretações da cláusula:(1) Vários intérpretes entendem que estas palavrassignificam que a nação de Israel, como uma

279

totalidade (embora não necessariamente incluindocada membro individual dessa nação), seráconvertida após a plenitude dos gentios ter sidoarrebanhada para o Reino de Deus. Dentro destaposição, no entanto, temos de reconhecer algumasvariações (a) Eruditos dispensacionalistas vinculamsua interpretação dessas palavras com um programaespecífico para o futuro de Israel. Após a Igrejagentílica ter sido arrebatada da terra, assimensinam eles, Deus voltará novamente sua atençãopara Israel. O endurecimento parcial de Israel seráentão removido, e Israel, como uma nação, seráconvertida, seja imediatamente antes de Cristovoltar ou no momento exato de sua volta. Depoisdisto, Cristo governará sobre a nação judaicaconvertida, agora novamente reunida em sua antigaterra natal, (governará) de um trono em Jerusalém,durante um período de mil anos7. (b) Outroseruditos pré-milenistas, mas nãodispensacionalistas em suas posições8, tambémaguardam uma conversão futura de Israel como umanação9. (c) Ainda outros eruditos, nem pré-milenistas nem dispensacionalistas, igualmenteaguardam uma conversão futura da totalidade deIsrael10.

(2) Uma segunda interpretação da cláusula “eassim todo o Israel será salvo” a entende como sereferindo à salvação de todos os eleitos, nãosomente dentre os judeus mas também dos gentios, aolongo da história11. Nesta posição, o significado dapalavra Israel não é restrito aos judeus, e a épocaem que este grupo eleito será trazido à salvação

280

não é limitada ao fim da história ou ao períodoimediatamente anterior à Parousia.

(3) Uma terceira interpretação da cláusula emquestão a entende como trazendo à salvação, aolongo da história, o número total dos eleitos entreos judeus12. Esta posição concorda com a segundainterpretação ao entender as palavras “todo oIsrael” como não designando a nação de Israel comouma totalidade a ser salva no tempo do fim, mas simcomo se referindo ao número de eleitos a seremsalvos ao longo da história. Ela difere da segundainterpretação, entretanto, ao restringir osignificado da palavra Israel aos judeus.

A interpretação das palavras “e assim todo oIsrael será salvo”, que faz mais jus aos dadosescriturísticos, é a terceira. As razões para estejulgamento ficarão claras ao prosseguirmos adiscussão da passagem.

Para entendermos Romanos 11.25,26a, porém,temos primeiramente de olhar cuidadosamente para ocontexto. O problema que conduz Paulo a Romanos 9-11 é a questão espinhosa da incredulidade deIsrael. Embora Paulo se auto-denomine um apóstolopara os gentios, ele próprio é um israelita. Porcausa disso, o fato de a maioria de seuscompatriotas israelitas não estarem respondendo aoEvangelho com fé, mas sim rejeitando-o, lhe provoca“grande tristeza e incessante dor no coração” (Rm9.2). Paulo sente este assunto tão fortemente, quediz que desejaria a si próprio ser anátema eseparado de Cristo por amor de seus irmãos judeus(v.3), se deste modo ele pudesse trazê-los à

281

salvação. A questão que o perturba está expressa deforma mais aguda em Romanos 11.1: “Pergunto pois:Terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo?”

Nestes três capítulos, Paulo desbrava seucaminho para uma resposta para esta difícilquestão. No capítulo 9, Paulo salienta que aaparente rejeição de Israel não é completa. Aqui aresposta a esta questão chega dessa forma: “Nemtodos os que são descendentes de Israel sãoisraelitas” (9.6, NIV). Com isto ele quer dizerque, embora seja verdadeiro que muitos israelitasestejam perdidos, os verdadeiros israelitas nãoestão perdidos mas, sim, salvos. Deus cumpresoberanamente seu propósito para com aqueles quesão os filhos da promessa. Desde exatamente ocomeço da história de Israel houve umadiscriminação soberana dentro de Israel: Não emIsmael, mas em Isaque será chamada a descendênciade Abraão (v.7); não Esaú, mas Jacó foi escolhidocomo aquele no qual a linhagem da aliança deveriaser perpetuada e as promessas da aliança deveriamser cumpridas (vs.10-12). O restante do capítulo 9traz à luz duas idéias: (1) Deus não é injusto aoconceder sua misericórdia a alguns e não a outros,uma vez que sua misericórdia é totalmenteimerecida; (2) Mesmo assim esta atividade soberanade Deus, na história, não elimina aresponsabilidade do homem. Quando Paulo encara,neste capítulo a questão sobre porque tantos judeusnão foram salvos no passado, sua resposta éfornecida em termos de responsabilidade humana:“Israel que buscava lei e justiça não chegou a

282

atingir essa lei. Por que? Porque não decorreu dafé e, sim, como que das obras” (vs. 31,32).

No capítulo 10 Paulo continua a mostrar que arejeição de uma porção substancial de Israel não éarbitrária. Aqui ele desenvolve mais o ponto que dizque os israelitas perdidos são responsáveis por suaprópria rejeição do Evangelho. “Uma vez que elesdesconsideraram a justiça que vem de Deus eprocuraram estabelecer sua própria, eles não sesubmeteram à justiça de Deus” (10.3 NIV). Novamenteé enfatizada a idéia de que o modo divino desalvação não é o caminho das obras mas o caminho dafé: “Se com a tua boca confessares a Jesus comoSenhor, e em teu coração creres que Deus oressuscitou dentre os mortos, será salvo” (10.9).Os israelitas que rejeitaram o caminho de Deus parasalvação, por recusar-se a crer, portanto, nãopodem culpar Deus por estarem perdidos mas podemapenas culpar a si próprios. A importância daresponsabilidade humana é reforçada pelo últimoverso do capítulo, uma citação de Isaías 65.2:“Quanto a Israel, porém, [Deus] diz: Todo o diaestendi as minhas mãos a um povo rebelde econtradizente” (v.21).

Um verso do capítulo 10 merece atençãoespecial, o verso 12: “Pois não há distinção entrejudeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor detodos, rico para com todos os que o invocam”. Oargumento de Paulo aqui é que no que tange à obtenção dasalvação, não há distinção entre judeu e grego. Sendoisto assim, um período futuro de tempo no qualapenas judeus serão salvos, ou no qual os judeus

283

serão salvos de modo diferente do modo pelo qualgregos ou gentios são salvos, parece estardescartado.

No capítulo 11, Paulo demonstra que a rejeiçãode Israel nem é absoluta nem irrestrita13. Neste capítulo,Paulo continua a indicar, de modo já antecipado em10.19, que os modos de Deus lidar com judeus egentios estão intimamente interrelacionados. Osversos 1-10 do capítulo 11 resumem novamente asidéias anteriormente desenvolvidas: embora pareçaque Deus tenha expulsado ou rejeitado seu povo, naverdade sempre tem havido, e ainda agora há, umremanescente escolhido pela graça, remanescente queefetivamente crê e está salvo (v.5). Os eleitos deentre o Israel obtiveram a salvação, enquanto queoutros entre eles foram endurecidos (v.7). emoutras palavras, o Evangelho tem tido um efeitoduplo sobre os israelitas: alguns foram salvosatravés dele, ao passo que outros foramendurecidos.

Mas agora, no verso 11, Paulo introduz umpensamento novo. Através da transgressão de muitosisraelitas veio a salvação aos gentios, paraprovocar ciúmes nos israelitas. Isto é, o fracassoda maioria dos israelitas em aceitar a Cristo temsido usado por Deus para trazer salvação aosgentios. Mas a salvação dos gentios, por sua vez,está agora sendo usada por Deus para enciumar osjudeus e assim trazê-los de volta para ele14. Overso 12 introduz uma expansão deste pensamento:“Mas se a transgressão deles significa riqueza parao mundo, e sua perda significa riqueza para os

284

gentios, quão maior riqueza haverá de trazer a suaplenitude!” (NIV). A palavra plenitude (no grego, pleroma ) deve ser entendida aqui num sentido escatológico: o número pleno daqueles que devem sersalvos até o fim da história. Plenitude é aquiobviamente contrastada com o remanescente mencionadono verso 5; a promessa de Deus para Israel aindaserá cumprida na salvação da plenitude de Israel. Édito mais adiante que a salvação da plenitude deIsrael trará riquezas inimagináveis para todo omundo.

No mesmo sentido vem o verso 15: “Porque, se ofato de terem sido eles rejeitados [os judeus]trouxe reconciliação ao mundo, que será o seurestabelecimento, senão vida dentre os mortos?”Aqui a rejeição de Israel é contrastada com seurestabelecimento; novamente imaginamos uma conversãode bem mais israelitas do que poderia ser descritocomo apenas um pequeno remanescente. “Vida dentreos mortos” não se refere a uma ressurreiçãoliteral; estas palavras são usadas provavelmentecomo uma figura para descrever a alegre surpresanossa quando os judeus, que tiveram sido rebeldes,se voltarem para o Senhor. Não há necessidade,entretanto, de restringir este restabelecimento a umperíodo da história do tempo do fim; orestabelecimento por Deus de todos os israelitascrentes ao longo da história é de fato “vida dentreos mortos” e assim será por toda a eternidade.

Paulo continua agora, nos versos 17-24, adesenvolver a figura da oliveira. Ramos judaicosforam quebrados da oliveira e ramos gentílicos

285

foram nela enxertados; porém, se os judeus nãopersistirem em sua incredulidade, os ramos judaicospodem novamente ser enxertados na árvore. O que éimportante aqui é que Paulo não fala de duas, massim de apenas uma oliveira; judeus e gentios sãonão apenas salvos do mesmo modo (pela fé), mastambém, ao serem salvos, tornam-se parte do mesmoorganismo vivo, aqui denominado de oliveira. Todopensamento de um futuro separado, um tipo separadode salvação, ou um organismo espiritual separadopara os judeus salvos está aqui excluído. Suasalvação é retratada aqui em termos de tornar-se umcom a totalidade salva do povo de Deus, não emtermos de um programa separado para os judeus!Deveria também ser observado que Paulo não diz queo enxerto dos ramos judaicos têm necessariamente deseguir ao enxerto dos ramos gentílicos; não hárazão para excluir a possibilidade de que ramosgentílicos e ramos judaicos possam ser enxertadosna oliveira simultaneamente.

Chegamos agora a Romanos 11.25-26a que, naversão New International, consta assim:

“Eu não quero que sejais ignorantes destemistério,

irmãos, para que não sejais presunçosos:Israel experimentou um endurecimento parcialaté que o número total dos gentios tenhaentrado. E assim todo o Israel será salvo...”Um “mistério” é algo que estava anteriormente

escondido, mas agora foi revelado. Paulo chegou aenxergar um certo método na maneira divina de agircomo judeus e gentios: a queda de Israel conduziu à

286

salvação dos gentios, e a salvação dos gentios estálevando os judeus a se enciumarem. Estainterdependência da salvação dos gentios e dosjudeus é o mistério ao qual Paulo se refere aqui -um mistério que agora foi revelado. Com as palavras“para que não sejais presunçosos” Paulo estáadvertindo seus leitores gentílicos a não seexaltarem acima dos judeus incrédulos, conforme elefizera anteriormente nos versos 18-24. Quando eledeclara especificamente que Israel temexperimentado um “endurecimento parcial”, ele estárealmente dizendo que o endurecimento que retevemuitos israelitas de aceitarem o Evangelhopermanece no passado, agora no presente e também nofuturo apenas de modo parcial. Por esta razão judeusforam salvos, estão sendo salvos e continuarão aser salvos até o fim dos tempos.

O que Paulo quer dizer com o “número total” ou“plenitude” (pleroma) dos gentios? Conformedissemos anteriormente, em conexão com o termoplenitude aplicado aos judeus (v.12), plenitude aquitambém tem de ser entendida de um modoescatológico: o número total de gentios a quem Deuspretende salvar. Quando esse número total degentios tiver sido arrebanhado, será o fim da era.Deveria ser entendido que este arrebanhamento daplenitude dos gentios não acontece somente no tempodo fim, mas se desenrola ao longo da história daIgreja.

Porém, como deve ser interpretada a expressão:“e assim todo o Israel será salvo?” Calvino, comovimos, considerou eu estas palavras se referiam à

287

salvação do número total dos eleitos por todahistória, não apenas de judeus mas também degentios. A dificuldade com esta interpretação,entretanto é esta: em Romanos (9.11), o termo Israelaparece 11 vezes; em cada uma das 10 outras vezesque não em 11.26, onde o termo é usado, ele apontainconfundivelmente para os judeus como distintosdos gentios. Que razão haverá para aceitarmos umsignificado diferente do termo aqui? Por quedeveria Paulo mudar repentinamente o significadonatural do termo Israel para um sentido mais amplo,figurado? Não é exatamente o objetivo de Romanos(11.25-26a) dizer algo acerca tanto de judeus comode gentios?

A interpretação mais comum, como também vimos,entende esta passagem como indicando uma conversãoem larga escada da nação de Israel ou logo antes dotempo da volta de Cristo, ou exatamente naquelemomento, após o arrebatamento da plenitude dosgentios. Existem, assim me parece, duas objeções umtanto importantes para interpretar “e assim todo oIsrael será salvo” dessa forma:

(1) A idéia de que a salvação do povo deIsrael, conforme aqui descrita, ocorra apenas notempo do fim não faz jus à palavra todo em “todo oIsrael”. Será que “todo o Israel” significa apenasa última geração de israelitas? Esta última geraçãoserá apenas um fragmento do número total de judeusque viveram nesta terra. Como pode tal fragmentoser chamado adequadamente de “todo o Israel?”

(2) Este texto não diz: E então todo o Israelserá salvo”. Se Paulo quisesse transmitir esta

288

idéia, ele poderia ter usado uma palavra quesignifique então (como tote ou epieta). Mas eleutilizou o termo houtos, que não descreve umasucessão temporal, mas sim um modo, e que significadesse modo, assim ou dessa forma. Em outras palavras,Paulo não está dizendo: “Israel tem experimentadoum endurecimento parcial até que o número total dosgentios tenha entrado, e então (após isto teracontecido) todo o Israel será salvo”. Mas ele estádizendo: “Israel tem experimentado um endurecimentoparcial até que o número total dos gentios tenhaentrado, e dessa forma todo o Israel será salvo”.

De que forma? Da forma que Paulo descreve naprimeira parte do capítulo: (a) através daincredulidade de muitos israelitas, a salvação estáchegando aos gentios, e (b) pela salvação dosgentios, israelitas estão sendo levados a seenciumarem. Isso aconteceu no passado, estáacontecendo agora e continuará a acontecer.

Então, eu interpreto esta passagem comoindicando que Deus cumpre suas promessas a Israelda seguinte forma: Embora Israel tenha sidoendurecido em sua incredulidade, este endurecimentosempre foi e continuará a ser um endurecimentoparcial, nunca um endurecimento total. Em outraspalavras, Israel continuará a voltar para o Senhoraté a Parousia, ao passo que ao mesmo tempo aplenitude dos gentios continuará a ser arrebanhada.E dessa forma todo o Israel será salvo: não somentea última geração de israelitas, mas todos osverdadeiros israelitas - todos aqueles que nãoapenas são de Israel, mas que são Israel, para usar a

289

linguagem de Romanos 9.6. Uma outra forma de dizeristo seria: todo o Israel, em Romanos 11.26, significaa totalidade dos eleitos dentre Israel. A salvaçãode todo o Israel, portanto, não aconteceexclusivamente no tempo do fim, mas acontece aolongo da era entre a primeira e a Segunda Vinda deCristo - na verdade, desde o tempo da chamada deAbraão. Todo o Israel, portanto, difere doremanescente eleito mencionado em 11.5, mas apenascomo a soma total de todos os remanescentes aolongo da história15.

Poderá ser útil indicar o que é estainterpretação através de dois diagramas. O quePaulo quer dizer quando escreve: “E assim todo oIsrael será salvo”, não é isso:

E então1ª VINDA 2ª VINDAO NÚMERO TOTAL DOS GENTIOS TODO O ISRAEL

mas, sim, isto:

1ª VINDA 2ª VINDAO NÚMERO TOTAL DOS GENTIOS E DESSA MANEIRA TODO O

ISRAEL SERÁ SALVO

Em apoio a esta interpretação, podemosapresentar as seguintes considerações adicionais:

290

(1) O objetivo principal da discussão anteriorde Paulo, em Romanos 11, foi o de indicar que Deus- que em tempos passados lidou quase queexclusivamente com Israel no que tange a trazer asalvação a seu povo - , está agora lidandoconjuntamente com judeus e gentios. Este objetivo érepresentado notavelmente pela figura da oliveira,que teve alguns ramos naturais removidos, algunsramos bravos enxertados, e então enxertadosnovamente alguns dos ramos naturais removidos. Nãoexistem duas oliveiras (uma para gentios e uma parajudeus), mas uma oliveira só. O modo pelo qual osjudeus não estão agora sendo salvos, em outraspalavras, não deve ser separado do modo pelo qualos gentios são salvos, uma vez que Deus agora lidaconjuntamente com ambos os grupos. Fazer o verso 26referir-se a um tempo de salvação para judeus,tempo que seria separado (porque subseqüente) dotempo em que os gentios são salvos, é ircontrariamente à ênfase principal do capítulo.

(2) O arrebanhamento da plenitude - o númerototal - dos gentios acontece ao longo da história,não apenas no tempo do fim. Por que oarrebanhamento da plenitude dos judeus deveria serdiferente?

(3) os versos subseqüentes a Romanos 11.26aapoiam a interpretação colocada acima. A citaçãocomposta de Isaías 59.20 e 27.9 que se segueimediatamente (“Virá de Sião o Libertador, eleapartará de Jacó as impiedades. Esta é a minhaaliança com eles, quando eu tirar os seuspecados”), geralmente aplicada por escritores

291

dispensacionalistas à Segunda Vinda de Cristo, nãoprecisa necessariamente ser interpretada dessaforma, uma vez que tem sentido claro como umadescrição da primeira vinda de Cristo e da retiradados pecados, que se segue a esta primeira vinda 16.Estritamente falando, se esta citação devesse seruma descrição da Segunda Vinda de Cristo, dever-se-ia esperar que o profeta dissesse: “o Libertadorvirá dos céus”(em vez de “de Sião”). O que éespecialmente significativo, porém, é que nosversos 30-31, onde Paulo está resumindo o argumentodo capítulo, ele não fala em termos do queacontecerá no futuro, mas sim em termos do que estáacontecendo agora: “Porque assim como vós [gentios]também outrora fostes desobedientes a Deusrecebestes agora misericórdia como resultado dadesobediência deles [dos judeus], assim também eles[os judeus] tornaram-se agora desobedientes paraque também eles possam17 agora receber misericórdiacomo um resultado da misericórdia de Deus paraconvosco” [gentios] (NIV).

Dever-se-ia acrescentar que a interpretaçãorecém-exposta de Romanos 11.26a não exclui umapossível futura conversão em larga escada dosjudeus ao Cristianismo, mas deixa implícita apossibilidade de isso acontecer. Na verdade, porque não deveria haver mais de uma futura conversãoem larga escada de judeus a Cristo? Nada há nestapassagem que exclua tal conversão futura ou taisfuturas conversões, desde que não se insista em quea passagem aponte apenas para o futuro, ou em queela descreva uma conversão de Israel que aconteça

292

após o número total dos gentios ter sidoarrebanhado.

Pode também ser observado que têm havidoconversões em larga escala dos judeus no passado.Um exemplo aconteceu no primeiro século A D., noqual a Igreja começava como uma igreja judaico-cristã. Outro exemplo é o recente movimento “Jews forJesus” (Judeus para Jesus) nos Estados Unidos. Numartigo na seção Religião da edição de 12 de Junho de1972 na revista Time, sob o título “Jews for Jesus”(Judeus para Jesus), foram feitas as seguintesdeclarações: “O Rabino Shelomo Cunin do CampusU.C.L.A estima que os judeus jovens estão seconvertendo ao cristianismo na proporção de 6.000 a7.000 por ano. O evangelista cristão para judeus,na Califórnia, Abe Schneider, diz ter observadomais conversões nos últimos nove meses do que nos23 anos anteriores juntos” 18. Se tais conversões emlarga escada, de judeus ao Cristianismo,aconteceram no passado, haverá alguma razão pelaqual elas não possam acontecer novamente?

O sinal da salvação da plenitude de Israel,interpretado dessa forma, não nos autoriza a datara Segunda Vinda de Cristo com exatidão. Ele nosconta que os judeus continuarão a se converter aoCristianismo ao longo de toda a era, entre aprimeira e a Segunda Vinda de Cristo, enquanto onúmero total de gentios estiver sendo arrebanhado.Em tais conversões de judeus, portanto, devemos verum sinal da certeza da volta de Cristo. Enquantoisso, este sinal deveria marcar, em nossoscorações, a urgência da missão da Igreja para com

293

os judeus. Num mundo em que ainda há uma grandedose de anti-semitismo, não deixemos nunca delembrar que Deus não rejeitou o povo de sua antigaaliança, e que ele ainda tem seu propósito paraIsrael.

Passemos agora a ver alguns sinais que indicamoposição, a Deus, a saber: tribulação, apostasia eanticristo. Trataremos, primeiramente do sinal datribulação - obviamente uma indicação de oposição aoReino de Deus por parte de seus inimigos. Estesinal já era predito pelos profetas do AntigoTestamento - na verdade, tanto por Jeremias comopor Daniel:

“Ah! Que é grande aquele dia, e não há outrosemelhante: é certamente tempo de angústiapara Jacó; ele, porém, será livrado dela (Jr30.7, KJ)....e haverá tempo de angústia, qual nuncahouve, desde que houve nação até àquele tempo;mas naquele tempo será salvo o teu povo, todoaquele que for achado inscrito no livro (Dn12.1b)”.

Nas passagens que acabamos de citar, o “tempo deangústia” futuro está associado especialmente comIsrael. Se isto significa que a tribulação futura,aqui predita, deve ser restringida ao povo deIsrael é uma questão que teremos de considerar maisadiante.

Ao perguntarmos o que o Novo Testamento ensinaacerca do sinal da tribulação, temos de olharprimeiramente para o assim chamado Sermão Profético- o discurso escatológico de Jesus encontrado em

294

Mateus 24.3-51, Marcos 13.3-37 e Lucas 21.5-36.Contudo, esta é uma passagem muito difícil de seinterpretar. O que a torna tão difícil é quealgumas partes do discurso se referem obviamente àdestruição de Jerusalém, que está no futuropróximo, ao passo que outras partes do sermão sereferem a eventos que acompanharão a Parousia nofim dos tempos.

As circunstâncias do sermão são as seguintes:quando os discípulos mostravam a Jesus a construçãodo templo, Jesus respondeu: “Em verdade vos digoque não ficará aqui pedra sobre pedra, que não sejaderrubada” (Mt 24.2). Quando Jesus se assentou noMonte das Oliveiras, os discípulos vieram a ele edisseram: “Dize-nos quando sucederão estas coisas,e que sinal haverá da tua vinda e da consumação doséculo” (v.3). Observe que na versão de Mateus dosermão Profético, diferentemente dos relatosencontrados em Marcos e Lucas, a pergunta dosdiscípulos abrange dois assuntos: (1) Quando seráisto? (literalmente, estas coisas; no grego, tauta) -obviamente uma referência à destruição do temploque Jesus tinha acabado de predizer; e (2) qualserá o sinal da tua vinda (no grego, Parousia) e daconsumação do século? - uma referência à Segunda Vindade Cristo. Podemos concluir adequadamente,portanto, que o sermão tratará de ambos osassuntos.

Ao lermos o sermão, porém, percebemos que osaspectos desses dois assuntos estão mesclados;questões ligadas à destruição de Jerusalém(configurada pela destruição do templo) estão

295

mescladas conjuntamente com questões relativas aofim do mundo - a tal ponto que, às vezes, é difícildeterminar se Jesus está se referindo a uma ououtra ou, talvez, a ambas. Obviamente, o método deensino aqui utilizado por Jesus é o da condensaçãoprofética, no qual os eventos colocados num tempodistante e eventos do futuro próximos sãomencionados como se estivessem bem juntos um aooutro. Este fenômeno tem sido comparado com aquiloque acontece quando se olha para montanhasdistantes; alguns picos que estão separados porvários quilômetros pode parecer estarem juntos.

Tal condensação profética é característica dosprofetas do Antigo Testamento. Já vimos exemplosdessa característica no capítulo 1 acima. Joelacrescenta detalhes à sua predição do derramamentodo Espírito acerca de prodígios nos céus, prodígiosque não serão cumpridos até a Parousia. Isaías vê adestruição de Babilônia e o dia final do Senhorcomo se fossem um dia de visitação divina. E adescrição que Sofonias faz acerca do dia do Senhorse refere tanto a um dia de juízo para Judá, nofuturo imediato, como a uma catástrofe escatológicafinal19.

No Sermão Profético, portanto, Jesus estáanunciando eventos do futuro distante em conexãoestreita com eventos do futuro próximo. Adestruição de Jerusalém, que está no futuropróximo, é um tipo de fim do mundo; daí a mistura.Por causa disso, a passagem nem trataexclusivamente da destruição de Jerusalém, nemexclusivamente do fim do mundo; ela lida com ambos

296

os eventos - às vezes falando deste em termosdaquela.

Deveríamos fazer mais um comentário. Nestediscurso, Jesus parece estar descrevendo eventosassociados com sua Segunda Vinda como se estivessefalando do povo de Israel e da vida da Judéia.Estes detalhes, entretanto, não deveria serinterpretados como estritamente literais. HermanRidderbos tem algo útil a dizer acerca disto:

“... O profeta retrata o futuro nas cores ecom as linhas que ele toma emprestado do mundoque ele conhece, isto é, de seu próprio meioambiente... Vemos os profetas pintarem ofuturo com o pincel de sua própria experiênciae projetando a pintura dentro de seu própriohorizonte geográfico. Isto é encontrado nosprofetas do Antigo Testamento de todas asformas. E em nossa opinião, esta é também aexplanação da descrição que Jesus faz dofuturo. Ele segue bem de perto o AntigoTestamento, e não só falta a perspectivatemporal no fim, mas também o horizontegeográfico dentro do qual os eventosescatológicos acontecem está igualmenterestrito a alguns lugares do país da Judéia oudas cidades de Israel” 20.

Esta consideração nos ajuda a responder à questãoanteriormente colocada. Embora a tribulação,perseguição, sofrimento e julgamentos aqui preditosestejam descritos com palavras relativas àPalestina e aos judeus, estes eventos não têm deser interpretados como tendo de se referir somente

297

aos judeus. Jesus estava descrevendo eventosfuturos com palavras que seriam inteligíveis a seusouvintes, com palavras que tinham sentido étnicolocal e cor geográfica. Não podemos estar seguros,contudo, ao aplicar estas predições apenas aosjudeus, ou ao restringir sua ocorrência apenas àPalestina.

No Sermão Profético, Jesus fala da tribulaçãocomo um sinal dos tempos que deve ser esperado porseu povo ao longo do período entre sua primeira esegunda vindas. Assim, por exemplo, ele diz emMateus 24.9,10: “Então sereis atribulados, e vosmatarão. Sereis odiados de todas as nações, porcausa do meu nome. Nesse tempo, muitos hão de seescandalizar, trair e odiar uns aos outros”. Umavez que no contexto imediato (v.14) Jesus predizque o Evangelho do Reino será pregado por todo omundo - uma pregação que continuará até o fim -, éobvio que a tribulação mencionada anteriormente nãoé limitada ao período imediatamente anterior àParousia.

Outras declaração de Jesus indicam que eleprevia sofrimento e tribulação guardados para seupovo no futuro. As palavras sobre este assunto, noSermão do monte, são bem conhecidas: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça,porque deles é o Reino dos céus. Bem-aventuradossois quando, por minha causa, vos injuriarem e vosperseguirem e, mentindo, disseram todo mal contravós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande ovosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aosprofetas que viveram antes de vós” (Mt 5.10-12). No

298

assim denominado “discurso do cenáculo”, encontradono Evangelho de João, vemos Jesus dizendo: “Se meperseguiram a mim, também perseguirão a vósoutros”(15.20); “No mundo passais por aflições; mastende bom ânimo, eu venci o mundo” (16.33).Pronunciamentos deste tipo também apresentam atribulação como um sinal dos tempos continuado ourepetido.

Mas, também, encontramos Jesus falando noSermão Profético acerca de uma tribulação final queestá reservada para seu povo -, uma tribulação daqual os sofrimentos que acompanhariam a destruiçãode Jerusalém seriam apenas uma antecipação. Observea intensidade da seguinte descrição: “porque nessetempo haverá grande tribulação (thlipsis megale), comodesde o princípio do mundo até agora não tem havidoe nem haverá jamais. Não tivessem aqueles dias sidoabreviados, e ninguém seria salvo; mas por causados escolhidos, tais dias serão abreviados” (Mt24.21,22). Embora o cenário destas palavras tenhaum colorido distintivamente judeu e da Judéia(“Orai para que a vossa fuga não se dê no inverno,nem no sábado” v.20), as palavras “Não tem havido,e nem haverá jamais” e a referência ao abreviamentodos dias por causa dos eleitos indicam que Jesusestá predizendo uma tribulação tão grande quesuperará qualquer tribulação que a possa preceder.Em outras palavras, Jesus está aqui olhando paraalém da tribulação reservada para os judeus naépoca da destruição de Jerusalém, para umatribulação final que ocorrerá no fim desta era.Pois de acordo com os versos 29 e 30, Jesus

299

prossegue indicando que esta “grande tribulação”precederá imediatamente a sua Segunda Vinda: “Logoem seguida à tribulação daqueles dias, o solescurecerá, a lua não dará a sua claridade, asestrelas cairão do firmamento e os poderes dos céusserão abalados. Então aparecerá no céu o sinal doFilho do homem; todos os povos da terra selamentarão e verão o Filho do homem vindo sobre asnuvens do céu com poder e muita glória”.

Concluímos, então, que o sinal da tribulaçãonão é restrito ao tempo do fim, mas caracteriza aera entre as duas vindas de Cristo. Por causa daoposição continuada do mundo ao Reino de Deus, oscristãos devem esperar sofrer tribulações eperseguição de uma ou outra espécie durante todaesta era. Baseados nas palavras de Jesus em Mateus24.21-30, entretanto, somos de parecer que haverátambém uma tribulação final e culminanteimediatamente antes de Cristo retornar. Essatribulação não será basicamente diferente detribulações anteriores, que o povo de Deus teve desofrer, mas será uma forma intensificada dessasmesmas tribulações.

Nas palavras de Jesus, não encontramosindicação de que a grande tribulação que ele predizserá restrita aos judeus, e que os cristãos gentiosou a Igreja, em distinção aos judeus, não terão depassar por ela. Esta posição, geralmente ensinadapor dispensacionalistas, não tem base nasEscrituras. Pois se a tribulação, conforme acabamosde ver, deve ser suportada por cristãos ao longo detoda esta era, que razões haveria para restringir a

300

tribulação final aos judeus? Que razão há pararestringir o número de eleitos aos judeus, se osdias da tribulação final serão abreviados por causade todos os eleitos? (Mt 24.22). Não implicará aúltima referência de Jesus ao arrebanhamento doseleitos “dos quatro ventos, de uma a outraextremidade dos céus” (v.31), que ele está pensandoaqui em todo o verdadeiro povo de Deus, e nãoapenas nos judeus eleitos?21.

O sinal da tribulação, assim como outrossinais dos tempos já discutidos, não nos autoriza adatar a Segunda Vinda de Cristo com exatidão. Opovo de Deus terá de sofrer tribulação ao longodesta era; quando a forma final e intensificadadesta tribulação irá acontecer, é difícil dizer.Talvez, para alguns cristãos que vivem hoje nomundo, a Grande Tribulação já começou. WilliamHendriksen sugere que a Grande Tribulação nãonecessita de vir sobre todo o mundo ao mesmo tempo,mas pode já estar sendo experimentada por cristãosque são perseguidos por causa de sua fé em paísescontrolados por governos anticristãos22.

Em qualquer evento, este sinal deveria nos pôra todos em guarda. Quando cristãos sofremtribulação ou perseguição, isto deve serreconhecido como um sinal da volta iminente deCristo a questão é: Será nossa fé forte o bastantepara suportar a tribulação?

Um outro sinal dos tempos, que indica oposiçãoa Deus e a seu Reino, é o sinal da apostasia. Antesde examinarmos as referências do Novo Testamento,devemos observar que as apostasias da era

301

neotestamentária foram freqüentemente prenunciadasna dispensação do Antigo Testamento. Na verdade, oAntigo Testamento registra uma triste sucessão deapostasias em relação ao serviço de Deus. Jádurante as peregrinações no deserto, ocorreu umaapostasia em tão larga escala que toda uma geraçãode israelitas morreu no deserto, sem terempermissão para ingressar na terra prometida.Durante a época dos juízes, uma apostasia seguia aoutra com uma regularidade quase monótona. Ahistória posterior, tanto do reino do norte quantodo reino do sul, conforme relatada nos livroshistóricos e proféticos do Antigo Testamento, é umanarrativa decepcionante de apostasias crescentesque culminam no esfacelamento de ambos os reinos.

Em o Novo Testamento, porém, encontramospredições tanto de uma apostasia contínua ourepetida da verdadeira adoração de Deus, ao longoda história da igreja, como de uma apostasia finalque precederá a Parousia. No Sermão Proféticoouvimos Cristo falar da apostasia nos seguintestermos.

“Nesse tempo, muitos hão de se escandalizar,trair e odiar uns aos outro; levantar-se-ãomuitos falsos profetas e enganarão a muitos.E, por se multiplicar a iniqüidade, o amor seesfriará de quase todos” (Mt 24.10-12).“Porque surgirão falsos cristos e falsosprofetas, operando grandes sinais e prodígiospara enganar, se possível, os próprioseleitos” (Mt 24.24).

302

Uma vez que, conforme vimos, Jesus fala nestesermão tanto da destruição iminente de Jerusalémcomo do tempo do fim - freqüentemente fala desteúltimo usando palavras do primeiro -, podemosconcluir que estas palavras descrevem as apostasiasassociadas com ambos os eventos recém-mencionados.Por essa razão, a apostasia é realmente um dos“sinais dos tempos”.

Mas, conforme o restante do Novo Testamento,fica claro que a apostasia não é restringida aotempo do fim. Pois o autor de Hebreus fala depessoas de seu próprio tempo que estavam cometendoapostasia (6.6) ou calcando aos pés o Filho de Deus(10.29), e Pedro descreve aqueles que, depois deterem escapado das contaminações do mundo peloconhecimento de Cristo, deixam-se novamente enredarpor elas de forma ainda pior (2 Pe 2.20). Oapóstolo João comenta tristemente acerca de alguns“que saíram do nosso meio, entretanto não eram dosnossos” (1 Jo 2.19).

Paulo, em suas cartas a Timóteo, vincula aapostasia especificamente aos últimos dias ouúltimos tempos:

“Ora, o Espírito afirma expressamente que nosúltimos tempos (hysterois kairois) algunsapostatarão da fé...” (1 Tm 4.1).“Sabe, porém, isto: Nos últimos dias (eschataishemerais) sobrevirão tempos difíceis; pois oshomens serão egoístas, avarentos,jactanciosos, arrogantes, blasfemadores,desobedientes aos pais, ingratos,irreverentes, desafeiçoados... antes amigos

303

dos prazeres que amigos de Deus, tendo formade piedade, negando-lhe, entretanto o poder”(2 Tm 3.1-5).

Entretanto, conforme vimos anteriormente,expressões como “os últimos dias” são comumenteusadas pelos escritores neotestamentários paradescrever não apenas o período imediatamenteanterior à Parousia, mas todo o período entre aprimeira e a Segunda Vinda de Cristo. Por essarazão, à luz das passagens citadas acima, podemosdizer que a apostasia é um sinal encontrado aolongo de toda a era presente.

Há, porém, uma passagem específica do NovoTestamento que, indubitavelmente, aponta paraapostasia final que acontecerá imediatamente antesda Parousia. Passamos agora a ver a segundaepístola de Paulo aos tessalonicenses: “Irmãos, noque diz respeito à vinda (Parousia) de nosso SenhorJesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vosexortamos a que não vos demovais da vossa mente,com facilidade, nem vos perturbeis, quer porEspírito, quer por palavra, quer por epístola, comose procedesse de nós, supondo tenha chegado o diado Senhor. Ninguém de nenhum modo vos engane,porque isto não acontecerá sem que primeiro venha aapostasia [no grego, apostasia], e seja revelado ohomem da iniqüidade...” (2.1-3).

Parece evidente que os tessalônicos achavamque o “dia do Senhor” ou a Parousia já estava noprocesso de chegada24. Consequentemente, muitosdeles tinham parado de trabalhar e estavam vivendona ociosidade (2 Ts 3.11). Por causa disso, Paulo

304

teve de corrigi-los, indicando que ocorreriamcertas coisas que tinham de acontecer antes davolta de Cristo: haveria a grande apostasia, e ohomem da iniqüidade seria revelado.

A palavra apostasia é derivada do verbo aphistemique, usado intrasitivamente, significa: “abandonar”ou “tornar-se apóstata”. Conforme empregada em 2Tessalonicenses 2.3, a palavra apostasia é precedidapor um artigo definido: a apostasia ou a rebelião.Tanto o artigo definido como a declaração de queesse acontecimento tem de preceder a Parousiaindicam que o que aqui é predito é uma apostasiafinal e culminante, imediatamente anterior ao tempodo fim. Deveria ser observado, porém, que estaapostasia será uma intensificação e culminação deuma rebelião que já começou, uma vez que no verso 7Paulo diz: “Com efeito o mistério da iniqüidade jáopera”. Portanto, podemos distinguir um paralelismoentre este sinal e o sinal da tribulação: ambos sãoevidentes ao longo da era atual, mas chegam a umclímax e a uma forma final imediatamente antes deCristo voltar.

O fato de este sinal ser denominado um“abandono” ou “apostasia” implica que esta será umarebelião contra a fé cristã, ao mesmo tempo em queela for ouvida ou professada. Por essa razão,podemos pressupor que aqueles que a abandonam,estarão, ao menos exteriormente, associados com opovo de Deus. A apostasia acontecerá dentro dasfileiras dos membros da igreja visível. Aqueles quesão crentes verdadeiros não apostatarão (João

305

10.27,29; 1 Pe 1.3-5); mas muitos que tinham feitouma profissão exterior de fé, o farão.

Assim como acontece com os outros sinais dostempos, este também não é um sinal que nos autorizea datar a Segunda Vinda de Cristo com exatidão.Certamente, tem havido apostasia na Igreja desde aépoca do Novo Testamento. Inegavelmente, há agora aapostasia na Igreja. Quando hoje, em vários paíseseuropeus, países que conheceram o Evangelho porséculos, as pessoas se afastam das igrejas embandos - certamente isto é apostasia. Quando muitosdos assim chamados líderes cristãos, tanto naEuropa como na América, negam ensinos centrais daBíblia, como a ressurreição corporal de Cristo, eainda alegam ser teólogos cristãos -, certamenteisto é apostasia. Quando os pregadores proclamammitos ao invés de fatos, filosofia existencialistaao invés de teologia cristã, humanismo ao invés daverdade do Evangelho -, certamente isto éapostasia. Mesmo assim, quem pode dizer exatamentequando ou como virá a apostasia final? Ela pode virmuito em breve, ou pode ainda tardar anos - temossempre de estar prontos, orando por graça parapodermos continuar firmes na fé.

Devemos observar que o sinal da apostasia estávinculado com aparição do homem da iniqüidade. Apartir das palavras de Paulo em 2 Tessalonicenses2, fica evidente que a grande apostasia seráacompanhada pela revelação do homem da iniqüidade:“sem que primeiro venha a apostasia, e sejarevelado o homem da iniqüidade” (v.3). Paulo ligaestas duas cláusulas com um e, sugerindo que o

306

homem da iniqüidade se levantará na apostasia.Parece também que a própria apostasia seráintensificada com o aparecimento do homem dainiqüidade: “Ora, o aparecimento do iníquo ésegundo a eficácia de Satanás, com todo poder, esinais e prodígios da mentira, e com todo engano deinjustiça aos que perecem, porque não acolheram oamor da verdade para serem salvos” (vs. 9,10).Portanto, podemos esperar que esta apostasia finalfique ainda pior após o aparecimento do homem dainiqüidade.

O terceiro e mais notável sinal de oposição aDeus é o sinal do anticristo. Como no caso dos doissinais anteriores, este sinal também tem seusantecedentes no Antigo Testamento. A maioria dessesantecedentes é encontrada no livro de Daniel.Assim, por exemplo, é falado do “pequeno chifre” nosonho que Daniel teve das quatro bestas:“Profetizará palavras contra o Altíssimo, magoaráos santos do Altíssimo, e cuidará em mudar ostempos e a lei...” (7.25). Embora tenha havido umclaro cumprimento dessa predição nos feitos deAntíoco Epifânio, o rei sírio que oprimiu os judeuse derrubou suas leis em 168 A C. (veja 1 Mac.1.49), muitos intérpretes vêem nestas palavras umadescrição antecipada do anticristo mencionado noNovo Testamento. Se a descrição paulina do “homemda iniqüidade”, em 2 Tessalonicenses 2, é umretrato do anticristo, conforme sustenta a maioriados comentaristas, podemos realmente ver váriassimilaridades entre esse homem e a figurarepresentada em Daniel 7.25. Ambas as figuras

307

proferem palavras contra o Altíssimo, e ambostentam destruir (ou oprimir, NIV) os santos doAltíssimo.

Ainda mais vívidas são as palavras de Daniel11.36, que aparecem na descrição do “rei da morte”:“Este rei fará segundo a sua vontade e se levantaráe se engrandecerá sobre todo deus; contra o Deusdos deuses, falará coisas incríveis”. Embora sejaamplamente reconhecido que a descrição encontradaneste capítulo (vs. 20-39) é de Antíoco Epifânio,que iria profanar o templo de Jerusalém e exigirser adorado como um deus, muitos comentaristasconcordam em que as palavras do verso 36 podemigualmente ser aplicadas ao anticristo mencionadono Novo Testamento. Edward J. Young, na verdade,afirma que a descrição do verso 36 não se aplica aAntíoco Epifânio mas se refere exclusivamente aoanticristo25.

Há duas passagens do livro de Daniel que falamde uma “abominação desoladora” ou “que causadesolação” (cf a versão da NIV). Uma delas ocorrena descrição de Antíoco Epifânio, no capítulo 11:“Dele sairão forças que profanarão o santuário, afortaleza nossa e tirarão o sacrifício costumado,estabelecendo a abominação desoladora” (Dn 11.31).

A outra passagem é encontrada no capítulo 12:“Depois do tempo em que o costumado sacrifício fortirado, e posta a abominação desoladora, haveráainda mil duzentos e noventa dias” (12.11).

“A abominação desoladora” mencionada nestaspassagens é entendida pela maioria dos intérpretescomo se referindo à profanação do templo de

308

Jerusalém por Antíoco Epifânio. Antíoco realmenteprofanou o templo, dedicando-o ao deus grego Zeus;ele realmente retirou o holocausto contínuo,substituindo-o, bem como outras oferendas judaicas,por sacrifícios pagãos (incluindo os de porcos);ele, na verdade, colocou um altar pagão no topo doaltar do holocausto (veja 1 Mac. 1.45, 46, 56; 2Mac. 6.2). É exatamente a mesma expressão utilizadano texto da Septuaginta, nas passagens de Danielrecém-citadas, bdelygma eremoseos (lit., “abominaçãode desolação”), que é encontrada no original gregode 1 Macabeus 1.54. Na RSV esta última passagemreza: “Agora, no décimo quinto dia de Chislev, nocentésimo quadragésimo quinto ano, eles levantaramum sacrilégio desolador em cima do altar doholocausto”.

É agora importante observar que nosso Senhorse refere a essas passagens de Daniel no seu assimchamado Sermão Profético: “Quando, pois, virdes oabominável da desolação (bdelygma tes eremoseos) deque falou o profeta Daniel, no lugar santo... osque estiverem na Judéia fujam para os montes” (Mt24.15,16; cp Mc 13.14). Quando Jesus proferiu estaspalavras, a profanação do templo, por AntíocoEpifânio, já tinha ocorrido. Mesmo assim, Jesusdisse: “Quando virdes isto acontecer, fujam para osmontes”. Obviamente, deveria haver uma segundocumprimento da profecia acerca da abominaçãodesoladora, em adição ao cumprimento que já tinhaocorrido, quando Jesus proferiu estas palavras.Este segundo cumprimento deveria ter lugar na épocada destruição de Jerusalém, em 70 A D., quando o

309

imperador romano Tito, com suas legiões, entrariana cidade santa com estandartes contendo a imagemdo imperador - uma imagem que era adorada pelosromanos daquela época. Quando os judeus vissem esta“abominação desoladora”, eles deveriam lembrar daspalavras de Jesus e fugir para os montes.

Conforme vimos acima, porém26, no SermãoProfético Jesus está se referindo tanto àdestruição iminente de Jerusalém como ao fim dostempos, o primeiro sendo um tipo deste último. Poressa razão, podemos esperar que haverá um terceirocumprimento maior da predição da “abominação quecausa desolação” ou “abominação desoladora”,encontrada na profecia de Daniel. Este cumprimentofinal acontecerá no fim dos séculos, e envolverá oanticristo que, nas palavras de 2 Tessalonicenses2.4, exaltará a si mesmo “contra tudo que se chamaDeus, ou objeto de culto, a ponto de assentar-se nosantuário de Deus ostentando-se como se fosse opróprio Deus”.

Concluímos que o ensino neotestamentárioacercado anticristo efetivamente tem antecedentesno Antigo Testamento, e que tanto Antíoco Epifâniocomo Tito foram tipos do anticristo que está porvir. Um importante aspecto do ensino bíblico acercado anticristo já foi antecipado: embora deva haveruma anticristo culminante no fim dos tempos, podehaver precursores ou antecipações do anticristoantes que ele apareça.

Jesus, na verdade, também descreve certosprecursores do anticristo ao dizer aos seusdiscípulos, no mesmo Sermão Profético a que

310

acabamos de nos referir: “Então se alguém vosdisser: Eis aqui o crist! Ou: Ei-lo ali! Nãoacrediteis; porque surgirão falsos cristos(pseudochristoi) e falsos profetas (pseudoprophetai)operando grandes sinais e prodígios para enganar,se possível, os próprios eleitos” (Mt 24.23,24).

O termo “falsos cristos” sugere que osenganadores que Jesus aqui retrata alegarão sereles próprios o Cristo - observe a descrição aindamais vívida deles no verso 5 do mesmo capítulo:“Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou oCristo...” O detalhe acrescentado de que estesfalsos cristos mostrarão “grandes sinais eprodígios”, para levar o povo ao engano, pareceantecipar a descrição de Paulo acerca do anticristocomo aquele que virá com “sinais e prodígios dementira” (2 Ts 2.9). Através de tais milagresespúrios esses “pseudo-cristos” tentarão afastarmesmo os crentes verdadeiros do verdadeiro Cristo.As palavras de Jesus sugerem que estes falsoscristos serão encontrados durante toda a era entresua primeira e segunda vindas. Podemos, na verdadesem muita dificuldade, encontrar exemplos de taisimpostores no mundo hoje. Uma vez que esses homensalegam ser Cristo, com certeza eles são“anticristos” de alguma espécie. Mas, pelo fato deJesus mencioná-los no plural, podemos considerá-loscomo precursores do anticristo final que ainda estápor vir.

O que dia o Novo Testamento acerca do próprioanticristo? O termo anticristo (antichristos) éencontrado apenas nas epístolas de João (1 Jo

311

2.18,22; 4.3; 2 Jo 7). O significado original doprefixo grego anti é “ao invés de” ou “em lugar de”27. Nesse sentido, antichristos significa um Cristosubstituto no Novo Testamento também como oadversário declarado de Cristo, podemos combinarambas as idéias: o anticristo é tanto um Cristorival como um oponente de Cristo28.

Em 1 Jo 4.2,3 o termo anticristo é utilizadoobviamente num sentido impessoal: “Nistoreconheceis o Espírito de Deus: todo espírito queconfessa que Jesus Cristo veio em carne e de Deus;e todo espírito que não confessa a Jesus nãoprocede de Deus; pelo contrário, este é o espíritodo anticristo, a respeito do qual tendes ouvido quevem, e presentemente já está no mundo”. A principalheresia que João estava combatendo, em sua primeiraepístola, era um gnosticismo incipiente. Um doserros desses primeiros gnósticos era negar agenuína encarnação de Cristo. Uma vez que a matériaera considerada como má, eles ensinavam que Deusnão poderia entrar num corpo genuíno, e que Cristo,por causa disso, teve apenas um corpo aparente ( oudocético) enquanto estava sobre a terra. Isto, aosolhos de João, era uma heresia tão imortal queretirava o cerne do Evangelho. Se Cristo nãotivesse assumido uma natureza humana genuína, comum corpo humano genuíno, então o homem não teria umverdadeiro Mediador, nenhuma expiação teria sidofeita por nós, e ainda estaríamos em nossospecados. Por esta razão, João diz que negar queCristo veio em carne (isto é, assumiu um corpohumano genuíno) é revelar o Espírito do anticristo.

312

Deve ser observado, entretanto, que aqui João falado anticristo apenas de modo impessoal.

João expressa a mesma idéia de modo maispessoal em 1 Jo 2.22: “Quem é o mentiroso senãoaquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é oanticristo (ho antichristos), o que nega o Pai e oFilho”. Aqui o anticristo é considerado como umapessoa, uma vez que o artigo definido foi usadojunto com a palavra. Mas ele é considerado como umapessoa que já está presente nos dias de João - naverdade, como alguém que representa um grupo depessoas. A heresia aqui denominada de anticristo éaquela que postula um abismo intransponível entreum Jesus meramente humano e um Cristo divino edocético (e por causa disso não humano).

No mesmo sentido vem a passagem da SegundaEpístola de João: “Porque muitos enganadores têmsaído pelo mundo fora, os quais não confessam queJesus Cristo veio em carne: assim é o enganador e oanticristo (ho antichristos)” (2 Jo 7). Novamente, Joãofala em termos pessoais: o anticristo. Mas novamente,como na passagem recém-citada, o anticristo é um termousado para descrever várias pessoas que sustentamesta heresia fatal - pessoas que já estavam nomundo da época em que João escrevia.

Em 1 Jo 2.18, porém, João fala tanto de umanticristo, que ainda está vindo, como deanticristos que agora já estão presentes:“Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistesque vem o anticristo, também agora muitosanticristos têm surgido, pelo que conhecemos que éa última hora”. As palavras: “como ouvistes que vem

313

o anticristo” indicam que João efetivamenteesperava um anticristo pessoal no fim dos tempos,assim como a igreja cristã primitiva.Provavelmente, ele estava familiarizado com oensino de Paulo acerca do “homem da iniqüidade”,referido na Segunda Carta aos Tessalonicenses 2,que tinha sido escrita muito antes. Ele tambémestaria familiarizado com os ensinos acerca destefuturo oponente de Deus e de Cristo encontrado emDaniel e nas palavras do próprio Cristo. Portanto,não é correto dar a impressão de que João nãoaguarda um anticristo futuro em nenhum sentido;nesta passagem, lembra ele seus leitores acerca dealgo que eles já conhecem: “como ouvistes que vem oanticristo”. Mas João também vê vários anticristosno mundo de seus dias: falsos mestres que negam queCristo tenha vindo em carne. Nós poderíamos chamaresses falsos mestre de precursores do anticristofinal. Uma vez que João já via estes “muitosanticristos” no mundo, ele conclui que nós agora,na era presente, estamos na “última hora”. Dessaforma, podemos esperar continuar a encontrarpessoas e poderes do anticristo em cada era daIgreja de Jesus Cristo até sua Segunda Vinda. Estesinal dos tempos, portanto, assim como os outros,caracteriza toda a era da Igreja entre as duasvindas de Cristo, e possui relevância para a igrejahoje. Precisamos constantemente estar em guardacontra anticristos e contra ensinos e práticas deanticristos.

Resumindo, podemos admitir que a idéia de umanticristo único futuro não é muito proeminente nas

314

epístolas de João; sua ênfase recai mais sobre osanticristos e idéias de anticristos que já estavampresentes em seus dias. Mesmo assim, não seriacorreto dizer que João não admite, em seupensamento, um anticristo pessoal futuro, uma vezque ele ainda aguarda um anticristo que deverá vir.

O ensino neotestamentário mais claro acerca doanticristo futuro é encontrado nos escritos dePaulo, no assim chamado “pequeno apocalipse” de 2Tessalonicenses 2. Embora o termo anticristo não sejausado nesta passagem, a maioria dos comentaristas,conforme mencionamos, identificam o “homem dainiqüidade” de Paulo com o anticristo de João. Em 2Tessalonicenses, 2.1-12, Paulo está dizendo a seusleitores - muitos dos quais pensam que a SegundaVinda de Cristo já estava em processo -, que certascoisas precisam primeiramente acontecer antes quevenha o “dia do Senhor”. Um destes acontecimentos éa grande apostasia ou rebelião, conforme vimosacima29. O outro evento, ao qual dedicamos agoranossa atenção, é o surgimento do “homem dainiqüidade”.

São ditas várias coisas acerca do “homem dainiqüidade” nesta passagem:

(1) Ele aparecerá na grande apostasia ourebelião. Observe como essas duas figuras sãovinculadas no verso 3: “Ninguém de nenhum modo vosengane, porque aquele dia, o dia do Senhor, nãovirá, sem que primeiro venha a apostasia, e sejarevelado o homem da iniqüidade”30.

(2) Ele será uma pessoa. A descrição fornecidaneste capítulo não pode se referir a nada além de

315

uma pessoa definida. Ele é denominado o “homem dainiqüidade, o filho da perdição” (v.3), o qual seopõe (ho antikeimenos) e se levanta contra tudo quese chama Deus, ou objeto de culto (v.4). é dito queele se assenta no santuário de Deus (v.4), que algoagora o está detendo, e que ele será revelado a seutempo (v.6). É dito mais adiante que o Senhor Jesuso matará com o sopro de sua boca (v.8). EmboraPaulo diga que “o mistério da iniqüidade já opera”(v.7) no mundo, em seus dias, ele claramente prediza vinda de um homem da iniqüidade final antes queCristo venha de novo. Portanto, o que não estátotalmente claro, no ensino de João acerca doanticristo, fica claro aqui: haverá uma anticristofinal e pessoal antes que venha o dia do Senhor.Embora alguns tenham sugerido que devamos ler Pauloà luz de João, e outros tenham dito que devamos lerJoão à luz de Paulo, eu creio que devemos levar emconta ambas as abordagens31. Não existe um conflitobásico entre estas duas abordagens, uma vez que,conforme já vimos, João deixa espaço para a vindade um anticristo pessoal no futuro, e Pauloreconhece que as forças do anticristo já estãooperando no mundo (v.7).

(3) O homem da iniqüidade será objeto deadoração. Ele não somente se oporá a tudo que sechama Deus e é adorado, mas também “se assentará nosantuário de Deus, ostentando-se como se fosse opróprio Deus” (v.4). Em outras palavras, ele seoporá a toda forma de adoração exceto à adoraçãodele próprio, a qual ele exigirá e imporá à força.A expressão “assentar-se no santuário de Deus” não

316

deveria ser entendida como implicando que haveránovamente um templo judaico literalmente entendidona época da volta de Cristo, nem como sugerindo queo homem da iniqüidade surgirá na igreja, que é ocorrespondente neotestamentário do templo do AntigoTestamento. Provavelmente, é melhor entender estaexpressão como uma descrição apocalíptica dausurpação da honra e adoração que deveria serrendida unicamente a Deus. Herman Ridderbos ponderada seguinte forma: “Assentar-se no templo é umatributo divino, é usurpar para si a honra divina”32. Nem é necessário dizer que esta exigência dohomem da iniqüidade, em ser adorado, envolveráperseguição severa para o verdadeiro povo de Deus,que rejeitará esta exigência. Esta, então será a“grande tribulação” predita por nosso Senhor. Emoutras palavras, a intensificação culminante datribulação, que é um dos sinais dos tempos,coincidirá com o aparecimento do homem da iniqüidade.

(4) O homem da iniqüidade fará uso de milagresenganosos (v.9) e ensino falso (v.11) para levarsua causa adiante. Ele virá com “milagres, sinais emaravilhas ilusórios” (v.9, NIV). Podemos observar,nesse ponto, que ele aparecerá como uma espécie deCristo substituto ou rival, imitando inclusive osmilagres de Jesus e, dessa forma, enganando amuitas pessoas. Estes sinais e prodígios têm suaorigem no desejo de enganar, e têm por trás a obrade Satanás (v.9). Mais ainda: Como Cristo foi ummestre, assim também será o homem da iniqüidade - sóque este último ensinará a falsidade em lugar daverdade (vs.10,11). Por essa razão, podemos ver

317

nessa figura a culminação da oposição do homem aDeus. Ridderbos resume a descrição conforme segue:“... Este homem não é apenas um indivíduopreeminentemente ateu, mas... nele a hostilidadehumana a Deus chega a uma revelação escatológica edefinitiva... A figura do ‘homem da iniqüidade’ éplanejada claramente para ser a duplicação final eescatológica do homem Jesus Cristo, que foi enviadopor Deus para destruir as obras de Satanás” 33.

(5) O homem da iniqüidade somente pode serrevelado depois de ter sido removido aquilo que odetém. O enigmático aqui é que este impedimento émencionado tanto em termos pessoais como em termosimpessoais: “e, agora, sabeis o que o detém” (v.6);“aquele que agora o detém” (v.7). Tem havido muitadiscussão acerca da identidade desta força dedetenção. Alguns têm dito que o que o detinha era oimpério romano (impessoal) ou uma série deimperadores (pessoal) 34. Isto é um tantoimprovável, uma vez que vários dos própriosimperadores romanos exigiam ser adorados e, dessaforma, pareceriam antes ser aliados do queimpedidores do anticristo. Outros têm sustentadoque o que o detém é a pregação do Evangelho a todasas nações35. Uma das dificuldades com esta posição éque ela sugere que está vindo um tempo durante oqual a proclamação do Evangelho cessará. Outros,ainda, afirmam que a força impedidora é “o poder dogoverno humano bem-ordenado” 36. O problema com estaposição, porém, é que o homem da iniqüidade, conformedescrito aqui, não é primariamente uma figurapolítica a quem se poderia resistir pelo poder

318

político, mas um enganador na área da religião. Osdispensacionalistas geralmente ensinam que quem odetém é o Espírito Santo37; mas esta posição envolvea eventualidade impossível de haver um tempo em queDeus será “afastado” (v.7). É provavelmente maisseguro dizer que não sabemos quem é aquele quedetém o homem da iniqüidade. A menção que Paulo fazdo impedidor, entretanto, indica que a revelaçãocompleta da pessoa aqui descrita não acontecerá atéque este impedimento, seja lá o que for, tenha sidoremovido38.

(6) O homem da iniqüidade será totalmentedestruído por Cristo em sua Segunda Vinda: “entãoserá de fato revelado o iníquo, a quem o SenhorJesus matará com o sopro de sua boca, e odestruirá, pela manifestação de sua vinda” (v.8).Em outras palavras, embora o surgimento do homem dainiqüidade traga sofrimentos indizíveis para aigreja, o povo de Deus não tem nada a temer, umavez que Cristo o esmagará. Daí que a atmosferapredominante em que a igreja deve considerar oanticristo tem de ser mais otimista que pessimista.

Acerca da identidade do anticristo houve muitos,no passado, que o identificaram com certosimperadores romanos. Nero foi freqüentementelembrado nesse sentido; após sua morte, algunspensavam que Nero seria ressuscitado novamente comoo anticristo do tempo do fim. Por volta da época daReforma, muitos, incluindo tanto Lutero comoCalvino, sustentaram que o papa de Roma ou o papadoera o anticristo. Em tempos mais recentes, oanticristo tem sido identificado com ditadores como

319

Salin e Hitler, G.C. Berkouwer observa que quandopessoas, no passado, identificaram certosindivíduos com o anticristo, elas não estavamtotalmente erradas, uma vez que têm havidomanifestações de pensamentos e ações típicas doanticristo ao longo da história da igreja39. Jáobservamos anteriormente que têm havido precursoresdo anticristo, e que continuará a havê-los. Mas, mesmoassim, as Escrituras parecem ensinar, especialmenteem 2 Tessalonicenses 2, que haverá um anticristofinal e culminante, a quem o próprio Cristodestruirá na sua Segunda Vinda.

Resumindo, concluímos que o sinal do anticristo,assim como os outros sinais do tempo, está presenteao longo da história da Igreja. podemos até dizerque cada época providenciará sua própria formaparticular de atividade de anticristo. Mas sóaguardamos uma intensificação deste sinal namanifestação do anticristo pouco antes de Cristoretornar.

Este sinal igualmente não nos capacita aestabelecer uma data para a volta de Cristo comprecisão. Nós simplesmente não sabemos como semanifestará o anticristo final ou que forma tomará asua manifestação. Em nossos dias de mudançasrápidas, tal pessoa poderia surgir em um tempomuito breve. Enquanto isso, temos sempre de estaralertas para a presença de forças, movimentos elíderes que agem como anticristos em nossos dias,como um dos sinais contínuos de que estamos vivendo“entre os tempos”.

320

Tendo observado os sinais dos tempos queevidenciam a graça de Deus e aqueles que indicamoposição a Deus, passemos finalmente a ver ossinais que indicam julgamento divino: guerras,terremotos e fomes. Nós os encontramos mencionados noSermão Profético de Jesus: “E certamente ouvireisfalar de guerras e rumores de guerras; vede, nãovos assusteis, porque é necessário assim acontecer,mais ainda não é o fim. Porquanto se levantaránação contra nação, reino contra reino, e haveráfomes e terremotos em vários lugares; porém, tudoisto é o princípio dos sofrimentos (ou dores departo, NIV; no grego, odinon)” (Mt 24.6-8).Declarações similares são encontradas nas passagensparalelas: Marcos 13.7,8 e Lucas 21.9-11. Lucas, naverdade, acrescenta a palavra grandes a terremotos,e menciona epidemias juntamente com fomes. Uma vezque estes sinais são mencionados no discursoescatológico de Jesus, deveríamos considerá-loscomo parte da categoria geral de “sinais dostempos”. Entretanto, os seguintes comentários devemser feitos a respeito deles:

(1) Estes sinais também têm seus antecedentesno Antigo Testamento. As palavras “nação selevantará contra nação, e Reino contra Reino” sãocitadas de Isaías 19.2 e 2 Crônicas 15.6.Terremotos são mencionados freqüentemente empassagens do Antigo Testamento, descrevendo aintervenção de Deus na história: Juízes 5.4,5;Salmos 18.7 e 68.8; Isaías 24.19, 29.6 e 64.1.Profecias acerca de fomes são encontradas emJeremias 15.2 e Ezequiel 5.15,17; 14.13.

321

(2) Estes sinais são evidências do juízodivino. Isto não significa que pessoas que suportamsofrimento ou morte, como resultado de tragédiastais como guerras, terremotos ou fomes, sãoescolhidas como objeto específico da ira de Deus;considere as palavras de Jesus acerca daquelessobre quem caiu a torre de Siloé (Lucas 13.4). Masisto significa que estes sinais, de que agoratratamos, são manifestações do fato de que o mundopressente está sob a maldição de Deus (Gn 3.17), eque a ira de Deus está constantemente sendorevelada do céu contra a impiedade e perversão doshomens (Rm 1.18). Estes sinais fazem lembrarcontinuamente que o Juízo está às portas (Tiago5.9).

(3) Estritamente falando, estes não são sinaisdo fim. Porque Jesus diz claramente acerta destessinais que, quando eles acontecerem, seu povo nãodeve ficar alarmado, porque “ainda não é o fim” (Mt24.6). No mesmo sentido são suas palavras no fim doverso 8: “Todos estes são o princípio das dores departo” (NIV). A expressão aqui utilizada tornou-seum termo técnico na literatura rabínica quedescreve o período de sofrimento precedente àlibertação messiânica, arche odinon, “dores donascimento (do Messias) 40. Em outras palavras,quando acontecerem guerras, terremotos e fomes, nãodevemos supor que a volta de Cristo estejaimediatamente próxima. Estes sinais “apontam para ofim e são uma garantia de que ele chegará” 41.

(4) Assim como os outros sinais, estes tambémcaracterizam todo o período entre a primeira e a

322

Segunda Vinda de Cristo. Eles são indicações de queDeus está desenvolvendo seu propósito na história.Quando eles acontecerem, não devemos ficaratemorizados, mas devemos aceitá-los como dores donascimento de um mundo melhor. Vinculado a isto,observe as palavras de Paulo em Romanos 8.22:“Sabemos que toda a criação está gemendo como nasdores do nascimento de uma criança até o momentopresente” (NIV). O segundo verbo utilizado aqui,synodinei, tem a mesma raiz que a palavra odinon(“dores de parto”) encontrada em Mateus 24.8. Poressa razão, podemos dizer que o gemido da criaçãodescrito em Romanos 8 é também um dos sinais dostempos.

323

Notas do Capítulo 12

1. Ver Berkouwer, Return p. 247.2. Sobre este assunto ver W. Hendriksen, Matthes

(Mateus), em Mateus 24.14; R.C.H. Lenski,Mattew, ad loc, e Theodor Zahn, Matthaus (Mateus), adloc.

3. Ridderbos, Coming, p.382.4. Cullmann, Time, pp.161-163.5. Ibid., p. 166. Cap Althaus, Die Letzten Dinge (As

Últimas Coisas), p. 282; J.Schniewind, Matthaus(Mateus), ad loc.

6. Ver acima, pp. 156-159. 7. John F. Walvoord, The Millennial Kingdom (O Reino

Milenar), Findlay, Ohio: Dunham, 1959, pp. 167-192; J.Dwight Pentecost, Things to Come (Coisas porVir), Findlay: Dunham, 1958 pp. 504-507.

8. Sobre as diferenças entre premilenismodispensacionalista e não dispensacionalisa, veradiante.

9. G.E.Ladd, Theology of the NT (Teologia do NT), pp.561-563; J.Van Andel, Paulus’Brief Aan de Romeinen(Carta de Paulo aos Romanos), Kampen: Kok, 1904,pp. 225-227, Berkhof, Meaning pp.141-146;Cullmann, Time, p.78.

10. S.Greijdanus, Romeinen (Romanos), ad loc; G.Vos,Pauline Eschatology (Escatologia Paulina), p. 89;Johannes Munck, Christ and Israel (Cristo e Israel),trad. Ingeborg Nixon, Philadelphia: Fortress,1967, pp. 132-137; John Murray, Romans, ad loc.

324

11. J.Calvino, Romans (Romanos), ad loc; J.C.C. VanLeeuwen e D. Jacobs, Romeinen (Romanos), Kampen:Kok, 1952, ad loc.

12. Herman Bavinck, Gereformeerde Dogmatiek, QuartaEd., IV, pp. 649-652 (Terceira Ed., pp. 741-746); L.Berkhof, Systematic Theology (TeologiaSistemática), pp. 698-700; W.Hendriksen, Israel inProphecy (Israel nas Profecias), Grand Rapids:Baker, 1974, pp. 39-52; Berkouwer, Return, pp.323-358, H.Ridderbos, Romeinen (Romanos), Kampen:Kok, 1959, ad loc; H.Ridderbos, Paul, pp.354-361; OPalmer Robertson, “Is There a Distinctive Future for EthnicIsrael in Romans 11?” (Haverá um Futuro Diferentepara o Israel Étnico em Romanos 11?), in Perpectiveson Evangelical Theology (Perspectivas na TeologiaEvangélica), ed. Por K.S.Kantzer e S.N.Gundry,Grand Rapds, Baker 1979, pp. 209-227.

13. Para estas caracterizações de Romanos 9, 10 e11, sou devedor a W.Henriksen, Israel in Prophecy(Israel nas Profecias), p. 36.

14. Esta idéia não é totalmente nova uma vez quejá foi proferida profeticamente em Deuteronômio32.21, uma passagem que Paulo citou em Romanos10-19: “Eu vos porei em ciúmes com um povo quenão é nação, com gente insensata eu vosprovocarei à ira”.

15. A interpretação fornecida aqui é desenvolvidade modo competente em Hendriksen, Israel in Prophecy(Israel nas Profecias), caps. 3 e 4.

16. É interessante observar que mesmo George Ladd,que é premilenista e ensina que haverá umafutura conversão de Israel como nação, admite

325

isto; veja sua obra Theology of the New Testament(Teologia do Novo Testamento), p. 562.

17. O último agora encontrado nesta passagem não éreproduzido na maioria das versões inglesas.Entretanto, a evidência textual a seu favor érazoavelmente forte, uma vez que ele éencontrado nos dois unciais mais antigos, ambosdo quarto século: o Vaticano e o Sinaitico.

18. P. 67.19. Ver acima, pp. 14-21.20. Ridderbos Coming, p.525.21. Mais adiante falaremos mais sobre este

assunto, quando o assim chamado “arrebatamentopré-tribulacional” for discutido (ver adiante).

22. The Bible on the Life hereafter (A Vida Futura na Bíblia),Grand Rapids, Baker, 1959, p. 127.

23. Ver acima, cap.2.24. Ver Ridderbos, Paul pag. 511, número 68; Cp A

Oepke, “enistemi”, TDNT II, p. 544, número 2. 25. The Prophecy of Daniel (A Profecia de Daniel), Grand

Rapids: Eerdmans, 1953, pp. 246-248.26. Ver acima, pp. 200-201.27. Arnd-Gingrich, Greek English Lexicon of the New

Testament (Léxico Grego-Inglês do NovoTestamento), p. 72.

28. Alexander Ross, The Epistles of James and John (AsEpístolas de Tiago e João), Grand Rapids,Eerdmans, 1954, p. 170.

29. Ver acima, p. 20330. Vários manuscritos antigos trazem homem do

pecado (ver KJ e ASV). Os manuscritos maisantigos, porém trazem homem da iniqüidade.

326

31. Observe a posição de G.C.Berkouwer (Return,cap.9) e a resposta a ela dada por H.Ridderbos(Paul, pp.508-521). Enquanto Berkouwer afirma:“Não há razão para, baseado no Novo Testamento,afirmar com certeza que o anticristo retratadoaqui é uma pessoa do [no] fim da história”(Return, p.271). Ridderbos insiste em que oensino de Paulo em 2 Tessalonisences 2,especialmente suas declarações acerca “daqueleque detém”, nos levam a crer que haverá umanticristo futuro pessoal.

32. Paul, pp. 520-521.33. Ibid, p. 514.34. E.G., E. Stauffer, New Testament Theology

(Teologia do Novo Testamento), trad por J.Marsh,London: SCM Press, 1955; pub.orig. 1941, p.84;J.A C. Van Leeuwer, Paulu’s Zendbrieven aan Ephez,Colosse, Filemon, em Thessalonica, 1926, O Betz, “DerKatechon”, New Testament Studies (Estudos no NovoTestamento), 1963 pp. 248 ss.

35. Entre os que sustentam esta posição estão JoãoCalvino, Oscar Cullmann, Johannes Munck eHendrikus Berkhof.

36. W.Hendriksen, I and II Thessalonians (I eIITessalonicenses), Grand Rapids, Baker, 1955, pp.181, 182; Cp. C.J.Ellicott, St Paul’s Epistles to theThessalonians (Epístola de São Paulo aosTessalonicenses), London, 1880, ad loc.

37. The New Scofield Reference Bible (A Nova Bíblia deConsulta de Scofield), ed por C.I.Scofield, NewYork; Oxford Univ. Press, 1967, pp. 1294-1295,

327

número 1; Walvoord, Kingdom, p. 252; Pentecost,Things to Come (Coisas Porvir), p. 296.

38. Sobre a questão do impedimento do homem dainiqüidade, ver Ridderbos, Paul, ppl 521-526, eHendriksen, I and II Tessalonians (I e IITessalonicenses), pp. 179-183.

39. Return, pp. 281, 282.40. W. Lane, Mark (Marcos), p. 458.41. Ibid.

328

CAPÍTULO 13

A NATUREZA DA SEGUNDA VINDA

Em um capítulo anterior, tratamos da questãoda expectação da Segunda Vinda. Passaremos agora adiscutir a natureza da Segunda Vinda de Cristo.

Abordaremos primeiramente a questão sobre se aSegunda Vinda é um evento único ou se é dividida emdois estágios. O dispensacionalismo pré-tribulacionista1 fala e uma vinda dupla de Cristo,intermediada por um intervalo de sete anos. Então,a primeira etapa da Segunda Vinda é denominadaarrebatamento (ou o arrebatamento pré-tribulacinal),enquanto que a segunda etapa, na qual Cristoinstaurará seu Reino milenar, é denominada suavolta. Embora uma discussão mais completa dopremilenismo dispensacionalista será deixada paramais tarde, precisamos agora examinar a questão davinda dupla.

O ponto de vista dispensacionalista pré-tribulacional2, sobre este assunto, conformedesenvolvido na New Scofield Bible (Nova Bíblia deScofield) é o seguinte:

A primeira etapa da volta de Cristo será oassim chamado arrebatamento3, que pode aconteceraqualquer momento. Nesta ocasião, Cristo nãopercorre todo o caminho até a terra, mas somenteparte do caminho. Então acontece a ressurreição detodos os verdadeiros crentes4. Após estaressurreição, os crentes que ainda estavam vivosserão subitamente transformados e glorificados.

329

Agora acontece o arrebatamento de todo o povo deDeus: Os crentes ressuscitados e os crentestransformados são rapidamente elevados às nuvenspara encontrar nos ares o Senhor que desce. Estecorpo de crentes, denominado a Igreja, segue agorapara ao céu com Cristo, para com ele celebrardurante sete anos as bodas do Cordeiro5.

Durante este período de sete anos, enquanto aIgreja permanece no céu, vários eventos sucederãosobre a terra: (1) a tribulação predita em Daniel9.27 começa agora, sua última metade sendo assimchamada grande tribulação; (2) o anticristo (ou “abesta que emerge do mar”) começa então seu reinadocruel - um reinado que culminará em sua exigênciapara ser adorado como Deus (3) agora caem juízosterríveis sobre os habitantes da terra, inclusive aparte não-salva da Igreja professa; (4) agora seráredimido um número eleito de israelitas, juntamentecom uma multidão inumerável de gentios; (5) os reisda terra e os exércitos da besta e do falso profetareúnem-se agora para atacar ao povo de Deus.

Ao final deste período de sete anos, Cristoretornará em glória acompanhado pela Igreja. Destavez, ele percorrerá todo o caminho até a terra. Eledestruirá seus inimigos na batalha do Armagedom,estabelecerá seu trono em Jerusalém e começará seureinado milenar6.

Não há, porém, base escriturística sólida paraa posição de que a Segunda Vinda de Cristo deva serdividida nestas duas etapas. Duas publicaçõesrecentes de eruditos premilenistas contêm umacrítica completa da teoria da vinda dupla: George

330

E. Ladd, The Blessed Hope (A Esperança Bendita) (GrandRapids: Eerdmans, 1956), e Robert H. Gundry, TheChurch and the Tribulation (A Igreja e a Tribulaçã0)(Grand Rapds, Zondervan, 1973) 7. Entre as razõespelas quais a posição da Segunda Vinda dupla deCristo deve ser rejeitada encontram-se asseguintes:

(1) Nenhum argumento a favor da vinda em duas etapaspode ser deduzido do uso neotestamentário das palavras daSegunda Vinda. Esta palavras são: Parousia(Literalmente: presença), apokalypsis (revelação), eepiphaneia (manifestação). Primeiramente, veremos ouso da palavra Parousia. Em 1 Tessalonicenses 4.15,Paulo usa Parousia para descrever aquilo que os pré-tribulacionistas chamariam de arrebatamento. Já em1 Tessalonicenses 3.13, a mesma palavra é utilizadapara descrever a “vinda de nosso Senhor Jesus comtodos os seus santos” - a segunda etapa da volta deCristo, de acordo com os pré-tribulacionaistas. Eem 2 Tessalonicenses 2.8, Paulo utiliza o termoParousia para se referir à vinda na qual Cristoreduzirá o anticristo a nada - o que conforme ospré-tribulacionaistas não deveria acontecer até asegunda etapa.

Passando ao uso da palavra apokalypsis,encontramos Paulo utilizando-a em 1 Coríntios 1.7para descrever o que esses intérpretes chamam dearrebatamento: “aguardando vós o aparecimento (ourevelação, ASV) de nosso Senhor Jesus Cristo”.Porém em 2 Tessalonicenses 1.7,8, a mesma palavra éempregada para descrever o que os pré-tribulacionaistas denominam a segunda etapa de

331

Segunda Vinda: “... na revelação (apokalypsis) doSenhor Jesus dos céus com os anjos do seu poder, emchama de fogo, tomando vingança contra os que nãoconhecem a Deus...” (ASV).

Isto também é verdade quanto ao uso do termoepiphaneia. Em 1 Timóteo 6.14 ele se refere ao queos pré-tribulacionaistas chamam de arrebatamento:“Exorto-te... que guardes o mandato imaculado,irrepreensível, até a manifestação (epiphaneia) donosso Senhor Jesus”. Mas em 2 Tessalonicenses 2.8Paulo emprega o mesmo termo para descrever a vindade Cristo na qual ele destruirá o homem dainiqüidade: “Então será revelado o iníquo, a quem oSenhor Jesus... destruirá, pela manifestação(epiphaneia) de sua vinda”. (ASV). Isto nãoacontecerá, entretanto, conforme os pré-tribulacinaisas, até o fim da grande tribulação.

Portanto, o uso destas palavras não provê basealguma para o tipo de distinção que os pré-tribulacionistas fazem entre etapas da volta deCristo8.

(2) As passagens do Novo Testamento, que descrevem agrande tribulação, não indicam que a Igreja será removida da terraantes que a tribulação comece. Conforme vimosanteriormente, Jesus fala sobre a grande tribulaçãoem seu Sermão Profético encontrado em Mateus 24.Mas lá não há indicação de que a Igreja não maisestará sobre a terra quando esta tribulaçãoocorrer. Na verdade, Jesus diz que os dias daquelatribulação serão abreviados por causa dos eleitos(v.22), e não há base para crer que estes sejamapenas eleitos judeus. Alguém poderia contra-

332

argumentar dizendo que o Evangelho de Mateus foiescrito especialmente para os judeus, mas palavrassimilares são encontradas em marcos 13.20, umEvangelho que não é dirigido especificamente aosjudeus. Às vezes os pré-tribulacionistas dizem queMateus não está falando acerca da Igreja, porqueele efetivamente não utiliza a palavra Igreja nestapassagem. Uma vez que, todavia, Mateus utiliza otermo para igreja (ekklesia) apenas três vezes em seuEvangelho (uma vez em 16.18 e duas vezes em 18.17),o que se pode provar pela ausência do termo aqui?

Neste assunto, entretanto, o que é deimportância crucial é a referência ao arrebatamentoda igreja em Mateus 24.31: “E ele [Cristo] enviaráos seus anjos, com grande clangor de trombeta, osquais reunirão os seus escolhidos dos quatrosventos, de uma a outra extremidade dos céus”.Observe os pontos paralelos entre esta passagem e adescrição do arrebatamento da Igreja em 1Tessalonicenses 4.16,17: a descida do Senhor, osoar da trombeta e a reunião de todo o verdadeiropovo de Deus, aqui denominado os escolhidos. Parececlaro que estas duas passagens descrevem o mesmoevento. Mas agora deveria ser observado que oarrebatamento descrito em Mateus 24 é subseqüente àdescida do Senhor na sua Segunda Vinda “final”. “everão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céucom poder e muita glória. E ele enviará os seus anjos”, eassim por diante (vv. 30-31). Aqui não há sinalalgum de um arrebatamento pré-tribulacionaista; defato, o arrebatamento está descrito como vindo apósa grande tribulação (veja v.29).

333

Já vimos anteriormente que a descrição quePaulo faz da manifestação do homem da iniqüidade em 2Tessalonicenses 2, implica em que o surgimentodeste homem provocará grande perseguição etribulação para o povo de Deus. O propósito dePaulo, neste capítulo, é de advertir seus leitores,alguns dos quais pensavam que o dia do Senhor játivesse vindo (v.2); adverti-los de que aquele dianão virá sem que primeiramente seja revelado ohomem da iniqüidade, juntamente com a tribulação queacompanhará sua manifestação. Portanto, qual seriao objetivo da advertência de Paulo se estes crentesfossem removidos da terra antes da tribulação? Umavez que a igreja, em Tessalônica, era na suamaioria composta por crentes gentios (veja Atos17.4), não se pode dizer que Paulo estivesse aquidescrevendo apenas para cristãos judeus. De fato,as palavras de abertura de 2 Tessalonicenses 2indicam claramente que os eventos descritos nestecapítulo, e que incluem a manifestação doanticristo e a grande tribulação, precederão oarrebatamento da igreja: “No que diz respeito àvinda de nosso Senhor Jesus Cristo e a nossareunião com ele, nós vos pedimos, irmãos, que nãovos deixeis ficar inseguros ou alarmados por algumaprofecia... dizendo que o dia do Senhor já tenhavindo. Não deixeis de modo algum que alguém vosengane, porque aquele dia não virá até que tenhaacontecido a apostasia e o homem da iniqüidade sejarevelado...” (vv.1-3, NIV). É interessante observarque a palavra grega traduzida acima, como “nossareunião com ele” (episynagogge), é a forma

334

substantiva do verbo utilizado para o arrebatamentoem Mateus 24.31: “os quais reunirão (episynago) osseus escolhidos... de uma a outra extremidade doscéus”. Fica claro que o arrebatamento da igreja,conforme descrito nesta passagem, não precede massucede à grande tribulação.

(3) A principal passagem do Novo Testamento, que descreveo arrebatamento, não ensina um arrebatamento pré-tribulacionaista. Passamos agora à passagem de 1Tessalonicenses 4.16,17: “Porquanto o Senhor mesmo,dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz doarcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá doscéus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro;depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremosarrebatados juntamente com eles, entre nuvens, parao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremospara sempre com o Senhor”. O que esta passagemensina claramente é que, na hora da volta deCristo, todos os crentes mortos (os “mortos emCristo”) serão ressuscitados, e todos os crentesque ainda estiverem vivos serão transformados eglorificados (veja 1 Coríntios 15.51,52); entãoestes dois grupos serão levantados rapidamente paraencontrar o Senhor no ar. O que estas palavras nãoensinam é que, após este encontro nos ares, oSenhor inverterá sua direção e voltará para oscéus, levando com ele os membros da igrejaressuscitados e transformados. A passagem não falanenhuma palavra sobre isso. Para dar certeza, overso 17 termina com as palavras: “e assimestaremos para sempre com o Senhor”. Porém, Paulonão diz onde estaremos para sempre com o Senhor”. A

335

idéia de que, após termos encontrado o Senhor nosares, estaremos com ele por sete anos no céu, emais tarde por mil anos nos ares acima da terra épura inferência e nada mais. O ensino claro destapassagem é uma unidade eterno com Cristo em glória,não uma arrebatamento antes da tribulação.

Tudo isto se tornará ainda mais claro aoolharmos para as palavras traduzidas pela expressão“o encontro do Senhor nos ares”. Embora a traduçãoinglesa empregue um infinitivo, “encontrar”, ogrego traz aqui uma locução preposicional: eisapantesin. Apantesis é uma termo técnico utilizado naépoca do Novo Testamento para descrever as boas-vindas públicas dadas por uma cidade a um visitanteilustre. Normalmente as pessoas sairiam da cidadepara encontrar o distinto visitante e entãovoltariam com ele para dentro da cidade9. Baseadona analogia transmitida por essa palavra, tudo oque Paulo está dizendo aqui é que os crentesressuscitados e os transformados são elevados àsnuvens para encontrar o Senhor, enquanto ele descedo céu, implicando que após este alegre encontroeles voltarão com ele para a terra.

Esta idéia é confirmada ao olharmos para osdois outros lugares em que a palavra apantesis éutilizada no Novo Testamento. Um desses lugares éAtos 28.15: “Tendo ali os irmãos ouvido notíciasnossas, vieram ao nosso encontro (eis apantesin hemin)até a Praça de Àpio e às Três Vendas”. Estes irmãossaíram de Roma para encontrar Paulo, e entãoretornaram com ele para Roma. O outro uso dapalavra é encontrado em Mateus 25.6, na parábola

336

das dez virgens: “Mas, à meia-noite um grito: Eis onoivo! Saí ao seu encontro (eis apantesin)”. Assimcomo as virgens prudentes da parábola saíram paraencontrar o noivo, assim os crentes serãolevantados para encontrar o Senhor que estádescendo. Assim como as virgens, depois disso,foram juntamente com o noivo em seu caminho para asbodas, assim os crentes ressurrectos e ostransformados, após terem-se encontrado com oSenhor nos ares, permanecerão juntos com o Senhor,enquanto ele continua seu caminho para terra. Afigura das bodas implica em comunhão feliz eamorosa. Por que dever-se-ia presumir que estacomunhão só pode acontecer no céu? O lugar doscorpos ressurrectos e glorificados dos crentes nãoé no céu, mas sobre a terra. Portanto, não é no céumas na nova terra que a festa do casamento deCristo e seu povo redimido acontecerá.

(4) A Segunda Vinda de Cristo envolve tanto uma vindacomo seu povo quanto uma vinda para seu povo. Os pré-tribulacionistas, às vezes, falam das duas etapasda Segunda Vinda de Cristo como uma “vinda paraseus santos” (O arrebatamento) e uma “vinda comseus santos” (a volta), com um intervalo de seteanos entre si. O argumento então continua daseguinte forma: Cristo somente pode vir com seussantos após ele ter primeiramente vindo para seussantos, no arrebatamento. Após as bodas de seteanos nos céus, Cristo pode levar seus santos comele quando voltar à terra para estabelecer seuReino milenar.

337

Devemos observar que 1 Tessalonicenses 3.13,efetivamente, fala da “vinda de nosso Senhor Jesus,com todos os seus santos”. Se admitirmos, como ofaz a maioria dos comentaristas, que o termos“santos” aqui se refere a seres humanos e não aanjos, teremos aqui efetivamente uma descrição doretorno de Cristo com seu povo redimido. Agora aquestão passa a ser a seguinte: se esta vinda énecessariamente diferente do que geralmentechamamos de arrebatamento, é 1 Tessalonicenses4.13-18. O verso 14, que é uma parte dessapassagem, diz o seguinte: “Pois nós cremos queJesus morreu e ressuscitou, e portanto cremos queDeus trará com Jesus aqueles que dormem nele”(NIV). O problema que perturbava os tessalonicensesera saber se os crentes que já tinham morridoperderiam a alegria da Segunda Vinda de Cristo. Aresposta de Paulo, desenvolvida nos versos 13-18, éque eles não perderão, uma vez que os mortos emCristo serão ressuscitados primeiro, e então,juntamente com os que ainda estiverem vivos,encontrarão o Senhor nos ares. No verso 14 Paulodiz que “Deus trará com Jesus” aqueles que morreramem Cristo. O que se pretende dizer com “trará comJesus”? Os crentes mortos, assim Paulo nos ensinaem outros lugares, estão agora com Cristo (vejaFilipenses 1.23 e 2 Coríntios 5.8). Quando Cristovoltar, ele trará estes crentes mortos com ele doscéus. Isto é ensinado, entretanto, não apenas em 1Tessalonicenses 4.14, que trata especificamente doarrebatamento. A vinda de Cristo “com seus santos”,portanto, não deve ser separada de sua “vinda para

338

seus santos” no arrebatamento. A vinda de Cristoserá tanto “com” quanto “para” seus santos10.

(5) Nenhum argumento, para a vinda em duas etapas, podeser extraído do ensino de que a grande tribulação será umderramamento da ira de Deus sobre o mundo. Uma vez quedurante a grande tribulação a ira de Deus visitaráa humanidade rebelde, a Igreja não estará sobre aterra nesse tempo, porque a Igreja não pode serobjeto da ira de Deus.

É verdade; a Igreja nunca será objeto da irade Deus, uma vez que Cristo sofreu a ira de Deuspor seu povo quando foi crucificado. Mas esse fatonão implica, necessariamente, em que a Igreja nãopossa estar na terra quando a ira de Deus forderramada durante a tribulação. Por exemplo,devemos lembrar-nos de que, quando Deus visitou comsua ira os egípcios na época das dez pragas, o povode Deus, embora vivesse na terra, foi guardado dosmales infligidos aos egípcios. No sétimo capítulo,do livro do Apocalipse, além disso, lemos acercados servos de Deus que serão selados em suasfrontes (v.3), a fim de que a ira de Deus não caiasobre eles (cap.9.4) durante o tempo em que essaira estiver caindo sobre outros11.

Todavia, há algo mais que precisa ser dito.Proteção da ira de Deus não implica em libertaçãoda ira do homem. Conforme vimos anteriormente, aIgreja terá continuamente de sofrer tribulação;consideremos as palavras de Jesus em Mateus 24.9,falando de seu povo ao longo de toda a era atual:“Então sereis atribulados, e vos matarão. Sereisodiados de todas as nações, por causa do meu nome”.

339

Se a tribulação é um dos sinais dos tempos, querazão haveria para que a Igreja não esteja na terradurante a fase final da tribulação? Em 2Tessalonicenses 1.6-8, Paulo indica que a volta deCristo significará libertação da tribulação parrasua Igreja e para seu povo: “... se de fato é justopara com Deus e ele dê em paga tribulação aos quevos atribulam, e a vós outros que sois atribulados,alívio juntamente conosco, quando do céu semanifestar o Senhor Jesus com os anjos do seupoder, em chama de fogo tomando vingança contra osque não conhecem a Deus e contra os que nãoobedecem ao Evangelho do nosso Senhor Jesus”.

Concluímos, portanto, que não há base nasEscrituras para se conceber a Segunda Vinda em duasetapas, como é ensinada pelos pré-tribulacionaistas. A Segunda Vinda de Cristo deveser considerada como um evento único, que ocorreapós a grande tribulação. Quando Cristo voltar,haverá uma ressurreição geral, tanto de crentescomo de incrédulos12. Após a ressurreição, oscrentes que ainda estiverem vivos deverão sertransformados e glorificados (1 Co 15.51,52). Entãoacontece o “arrebatamento” de todos os crentes13. Oscrentes que forem ressuscitados, juntamente com oscrentes vivos que forem transformados, são agoraelevados rapidamente para as nuvens paraencontrarem com o Senhor nos ares (1 Ts 4.16,17).Após este encontro nos ares, a Igreja arrebatadacontinua junto com Cristo enquanto ele completa suadescida à terra.

340

Prosseguindo, perguntamos agora: Que é que asEscrituras ensinam acerca do modo como ocorrerá aSegunda Vinda? Observamos, primeiramente, que eladeve ser uma vinda pessoal: O próprio Cristo voltaráem sua própria pessoa. Isto é claramente ensinado,por exemplo, em Atos 1.11, que registra as palavrasdos dois homens com vestes brancas, que falaram aosdiscípulos na hora da ascensão de Cristo: “Varõesgalileus, porque estais olhando para as alturas?Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu, assimvirá do modo como o vistes subir?. No mesmo sentidosão as palavras de Atos 3.19-21, proferidas porPedro no templo: “Arrependei-vos, pois, econvertei-vos... a fim de que da presença do Senhorvenham tempos de refrigério, e que envie ele oCristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual énecessário que o céu receba té aos tempos darestauração de todas as coisas, de que Deus faloupor boca dos seus santos profetas desde aantigüidade”. Paulo também ensina que Cristovoltará em pessoa: “Pois a nossa pátria está noscéus, de onde também aguardamos o salvador, oSenhor Jesus Cristo” (Fp 3.20). Veja também o queele diz em Colossenses 3.4: “Quando Cristo, que é anossa vida, se manifestar, então vós também sereismanifestados com ele, em glória”.

Aprendemos igualmente do Novo Testamento que avolta de Cristo será uma vinda visível. OsTestemunhas de Jeová alegam que Cristo voltou e,1914, de modo invisível14. Mas com certeza o textode Apocalipse 1.7 exclui qualquer concepção dessaespécie sobre a Segunda Vinda: “Eis que vem com as

341

nuvens e todo olho o verá”... Relacionado com issoveja também Tito 2.11-13: “Porquanto a graça deDeus se manifestou (epephane) salvadora a todos oshomens, educando-os para que, renegadas a impiedadee as paixões mundanas, vivamos no presente século,sensata, justa e piedosamente aguardando a benditaesperança e a manifestação (epiphaneian) da glóriado nosso grande Deus e salvador Cristo Jesus...” OSubstantivo epipheneia, uma das três palavras maiscomuns que o Novo Testamento utiliza para a SegundaVinda, é colocado em paralelo com apephane que éuma forma verbal do mesmo termo grego. Se aprimeira manifestação de Cristo, descrita naspalavras de abertura do texto, foi visível - o queninguém ousaria negar - o uso de uma forma cognatado verbo epiphino, para designar a segundamanifestação de Cristo, prova acima de qualquerdúvida que a Segunda Vinda será tão visível quantofoi a primeira.

Uma terceira característica da volta de Cristoé que ela é uma vinda gloriosa. A primeira vinda deCristo foi uma vinda em humilhação. Isaías já tinhapredito isso:

“Ele não tinha aparência nem formosura;olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nosagradasse. Era desprezado, e o mais rejeitado entre oshomens; homem de dores e que sabe o que épadecer;E como um de quem os homens escondem o rosto,era desprezado, e dele não fizemos caso”(53.2,3).

342

Paulo também nos lembra que, quando Cristo veio àterra pela primeira vez, ele “a si mesmo seesvaziou, assumindo a forma de servo”, e “a simesmo se humilhou, tornando-se obediente até amorte, e morte de cruz” (Fp 2.7,8)

Mas quando Cristo vier de novo, tudo serádiferente. Ele retornará em glória. O próprioCristo nos falou disso, em seu Sermão Profético:“... e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvensdo céu com poder e muita glória” (Mt 24.30). Pauloacrescenta mais alguns detalhes: “Porquanto opróprio Senhor descerá dos céus, com uma sonoraordem, com a voz do arcanjo e com o chamado datrombeta de Deus (1 Ts 4.16, NIV). Cristo voltarápara ser glorificado nos seus santos (2 Ts 1.10), enós que somos seu povo apareceremos com ele emglória quando ele retornar (Cl 3.4). Cristo voltarácomo o glorioso conquistador, o Juiz de tudo, oredentor de toda a criação, o Rei dos reis e Senhordos senhores (Ap 19.16).

343

Notas do Capítulo 13

1. Dispensacionalismo é uma abordagem teológica daBíblia que divide a história sacra em váriaseras específicas ou dispensações, sendo que emcada uma delas Deus lida com as pessoas de ummodo diferente. A última dessas dispensações,dizem eles, será o Reino de mil anos de Cristosobre a terra durante o milênio. Pré-tribulacionismoé a posição que diz que a Igreja será arrebatadae levada para o céu antes da grande tribulaçãoque precede o milênio.

2. Embora alguns dispensacionalistas tenhamdiferentes posições acerca da relação entrearrebatamento e tribulação (e.g., médio-tribulacionistas e pós-tribulacionaistas), aposição pré-tribulacionaista é a mais amplamentesustentada pelos dispensacionalistas.

3. Embora a palavra arrebatamento não apareça nastraduções inglesas da Bíblia, ela é derivada dotexto da Vulgata para o verbo “elevados”(harpagesometha), em 1 Tessalonicenses 4.17,rapiemur.

4. Alguns dispensacionalistas afirmam que oscrentes do Antigo Testamento também serãoressuscitados nessa hora; outrosdispensacionalistas, entretanto, sustentam queos crentes do Antigo Testamento nãoressuscitarão até após a tribulação, na hora daressurreição dos santos que morreram durante atribulação (ver New Scofield Bbible - a Nova Bíblia deScofield - p. 1250, n.).

344

5. NSB, pp. 1372, 1293, 1161 e 1162.6. NSB, pp. 1359, 1162, 1372.7. Cp. também Normam F. Douty, Has Christ’s Return Two

Stages? (Terá a Volta de Cristo Duas Etapas?), NewYork: Pageant Press, 1956, e Alexander Reese, TheApproaching Advent of Christ (O Iminente Advento deCristo), Grand Rapids: Kregel, 1975; pub.orig.1932. Ambas as obras fornecem argumentosescriturísticos contra a teoria da Segunda Vindadupla.

8. Embora os primeiros pré-tribulacionistasdenominavam a primeira etapa da Segunda Vindacomo Parousia e a segunda etapa como revelação oumanifestação, a maioria dos pré-tribulacionaistascontemporâneos reconhece agora que os trêstermos são utilizados indiscriminadamente peloNovo Testamento para o que eles consideram asduas etapas da volta de Cristo (ver Gundry, TheChurch and the Tribulation - A Igreja e a Tribulação -p. 158).

9. E. Peterson, “apantesis” TDNT, I, pp. 380,381.10. Para uma útil discussão dessas duas passagens,

ver Hendriksen, I and II Tessalonians ( I e IITessalonicenses), Grand Rapids: Baker, 1955, pp.91-94, 111-114. Ele sugere que as expressões:“com todos os santos” (1 Ts 3.13) e “trará comJesus” (1 Ts 4.14, NIV) referem-se às almas doscrentes mortos, que imediatamente após serãounidas a seus corpos na ressurreição. Cp.Catecismo de Heidelberg, Q.57; e ConfissãoBelga, Art. 37.

345

11. Sobre o argumento de que os 144.000 aquidescritos coo selados não representam apenas umremanescente judaico, mas sim, toda a igrejasobre a terra, ver Hendriksen, Mais Que Vencedores,Primeira Edição, Casa Editora Presbiteriana, SãoPaulo 1987, pp. 182-187.

12. A evidência para a doutrina da ressurreiçãogeral será dada adiante, no capítulo 17.

13. A palavra arrebatamento tem sido colocada entreaspas para distinguir a posição aquidesenvolvida da posição do arrebatamentoencontrada no pré-tribulacionismo. Poderíamoschamar a posição desenvolvida neste livro de umarrebatamento pós-tribulacionaista.

14. Let God Be True (Seja Deus Verdadeiro), Brooklyn:Watchtower Bible and Tract Society, 1946; rev.Em 1952, pp.198, 199; Make Sure of all Things(Certifique-se de Todas as Coisas), Brooklyn:Watchtower Bible and Tract Society, 1953; rev.Em 1957, p. 321. Ver minha obra Four Major Cults(Quatro Grandes Seitas), p. 297.

346

CAPÍTULO 14

AS PRINCIPAIS POSIÇÕES SOBRE O MILÊNIO

O livro do Apocalipse menciona certosindivíduos dos quais diz que viverão e reinarão comCristo por mil anos (cap.24.4). interpretaçõesdivergentes desta passagem levaram à formação depelo menos quatro posições principais acerca danatureza do milênio ou do Reino milenar descrito aqui1.Estas quatro posições são: amilenismo, pós-milenismo, premilenismo histórico e premilenismodispensacinalista2. Neste capítulo, apresentaremosuma breve descrição e análise dessas quatroprincipais posições acerca do milênio.

Comecemos com o amilenismo3. O termo amilenismonão é muito feliz. Ele sugere que os amilenistas ounão crêem em nenhum milênio ou, simplesmente,ignoram os primeiros seis versos de Apocalipse 20,que falam de um reinado milenar. Nenhuma destasduas declarações é correta. Embora seja verdadeiroque os amilenistas não crêem em um reinado terrenoliteral de mil anos, que se seguiria à volta deCristo, o termo amilenismo não é uma descriçãoacurada de sua posição. Jay E. Adams, em seu livroThe Time is at Hand 4 (O Tempo Está Próximo), sugeriuque o termo amilenismo seja substituído pelaexpressão milenismo realizado. Este último termo, semdúvida, descreve mais acuradamente a posição“amilenista” do que o termo usual, uma vez que os“amilenistas” crêem que o milênio de Apocalipse 20

347

não é exclusivamente futuro, mas está agora emprocesso de realização. Entretanto, a expressãomilenismo realizado é um tanto desajeitada,substituindo um simples prefixo por uma palavra decinco sílabas. Portanto, apesar das desvantagens elimitações da palavra, eu continuarei a usar otermo mais breve e mais comum, amilenismo5.

Os amilenistas interpretam o milêniomencionado em Apocalipse 20.4-6 como descrevendo oreinado presente das almas dos crentes mortos e comCristo no céu. Eles entendem o aprisionamento deSatanás, mencionado nos primeiros três versos destecapítulo, como estando efetivado durante todo operíodo entre a primeira e a Segunda Vinda deCristo, embora findando pouco antes da volta deCristo. Eles ensinam que Cristo voltará após estereinado milenar celestial.

Os amilenistas também sustentam que o Reino deDeus está presente agora no mundo, pois o Cristovitorioso está governando seu povo através de suaPalavra e seu Espírito, embora eles também aguardemum Reino futuro, glorioso e perfeito na nova terrana vida por vir. Apesar do fato de Cristo terconquistado a vitória decisiva sobre o pecado e omal, o Reino do mal continuará a existir lado alado com o Reino de Deus até o fim do mundo. Emborajá estejamos desfrutando de várias bênçãosescatológicas, no tempo presente (Escatologiainaugurada), nós aguardamos uma série culminante deeventos futuros associados com a Segunda Vinda deCristo, que instaurará o estado final (Escatologiafutura). Os assim chamados “sinais dos tempos” têm

348

estado presentes no mundo desde o tempo da primeiravinda de Cristo, mas eles atingirão umamanifestação mais intensa e final imediatamenteantes de sua Segunda Vinda. O amilenista, portanto,espera que, antes da volta de Cristo, sejamcompletadas a pregação do Evangelho a todas asnações e a conversão da plenitude de Israel. Eleigualmente aguarda uma forma intensificada detribulação e da apostasia, bem como a manifestaçãode um anticristo pessoal, antes da Segunda Vinda.

O amilenista compreende a Segunda Vinda deCristo como um evento único, não um evento queenvolva duas partes. Na hora da volta de Cristohaverá uma ressurreição geral, tanto de crentescomo de incrédulos. Após a ressurreição, os crentesque ainda estiverem vivos serão transformados eglorificados. Estes dois grupos, crentesressurrectos e crentes transformados, são entãoelevados para as nuvens para encontrar com o Senhornos ares. Após este “arrebatamento” de todos oscrentes, Cristo completará sua descida à terra econduzirá o juízo final. Após o juízo, osincrédulos serão entregues à punição eterna, aopasso que os crentes desfrutarão para sempre dasbênçãos dos novos céus e da nova terra6.

Uma segunda posição importante sobre o milênioé a do pós-milenismo7. Podemos observar primeiramenteque os pós-milenistas concordam com os amilenistasem três pontos: (1) os pós-milenistas não entendemo milênio como envolvendo um reinado invisível deCristo a partir de um trono terreno; (2) ele nãoconsideram o milênio como tendo exatamente uma

349

duração de mil anos; (3) eles situam a volta deCristo após o milênio.

No entanto, as diferenças entre pós-milenismoe amilenismo ficarão mais claras ao procedermos adescrição da posição pós-milenista. Começamos com acitação de um dos expoentes contemporâneos maisfamosos do pos-milenismo, Loraine Boettner:

“Temos definido pós-milenismo como aquelaposição, acerca das últimas coisas, quesustenta que o Reino de Deus está agora sendoestendido no mundo através da pregação doEvangelho e da obra salvadora do EspíritoSanto nos corações dos indivíduos; que omundo, por fim, deve ser cristanizado e que avolta de Cristo deve acontecer no final de umlongo período de justiça e paz geralmentedenominado “Milênio”. Dever-se-ia acrescentarque, de acordo com os princípios do pós-milenismo, a Segunda Vinda de Cristo seráimediatamente seguida pela ressurreição geral,o juízo geral e a introdução do céu e infernoem sua plenitude” 8.

Conforme o pós-milenismo, a era atual serágradualmente absorvida na era milenária na medidaem que uma proporção cada vez maior dos habitantesdo mundo for sendo convertida ao Cristianismoatravés da pregação do Evangelho. Este númerocrescente de cristãos incluirá tanto judeus comogentios. Os pós-milenistas geralmente entendemRomanos 11.25,26 como ensinando uma futuraconversão, em larga escala, do povo judeu, embora

350

eles não considerem isto como envolvendorestauração de um reinado judaico político.

Enquanto o milênio se torna uma realidade, osprincípios cristão de fé e conduta serão os padrõesaceitos por nações e indivíduos. O pecado não seráeliminado, mas reduzido a mínimo. A vida social,econômica, política e cultural da humanidade seráamplamente desenvolvida. Haverá condições gerais deprosperidade em todo o mundo, as riquezas serãomais amplamente divididas e o deserto florescerácomo a rosa. Nações que eram inimigas, trabalharãojuntas harmoniosamente. Esta era dourada daprosperidade espiritual se estenderá por um longoperíodo de tempo, talvez bem mais do que mil anosliteralmente falando. Nas próprias palavras deBoetther: “Isto não significa que haverá umperíodo, nesta terra, em que cada pessoa será umcristão, ou que todo o pecado seja abolido. Masisto significa sim que o mal, em todas as suasvariadas formas, finalmente será reduzido aproporções mínimas, de modo que os princípioscristãos serão a regra e não a exceção, e queCristo retornará a um mundo verdadeiramentecristianizado” 9.

Tanto Loraine Boettner como J. Marcellus Kik(outro pós-milenista) concordam em que a grandetribulação de Mateus 24 e a apostasia de 2Tessalonicenses 2 já são passadas. Porém, baseadoem Apocalipse 20.7-10, que descreve a soltura deSatanás no final do milênio, Boettner aguarda poruma “manifestação limitada do mal” antes da voltade Cristo. Mas, ele segue dizendo, que esta soltura

351

de Satanás e o ataque contra a igreja, que eleentão lançará, serão de curta duração e nãoprejudicarão a igreja10. Para o pós-milenista, ofato de haver um ressurgimento final do malimediatamente antes da volta de Cristo, de modoalgum nega sua expectação por uma futura eradourada milenar.

O único lugar em que a Bíblia menciona ummilênio é Apocalipse 20.1-6. Os primeiros trêsversos desta passagem descrevem o aprisionamento deSatanás durante mil anos, enquanto os últimos trêsversos indicam que certos indivíduos viverão ereinarão com Cristo por mil anos. Será interessanteobservar agora como vários pós-milenistasinterpretam esses versos. Benjamim B. Warfield,geralmente alistado entre os pós-milenistas, afirmaque Apocalipse 20.1-6 descreve o aprisionamento deSatanás durante a era atual da Igreja, e o Reinodas almas dos crentes mortos com Cristo nos céusdurante a presente era11. Em sua obra mais recentesobre o assunto, Loraine Boettner concorda com ainterpretação de Warfield sobre esta passagem12.Portanto, estes dois pós-milenistas adotaram ainterpretação amilenista comum acerca dos seisprimeiros versos de Apocalipse 20. J. MarcellusKik, entretanto, mesmo concordando que oaprisionamento de Satanás esteja acontecendo notempo presente, afirma que a expressão - “e viverame reinaram com Cristo durante mil anos” - se refereaos crentes que vivem agora sobre a terra. Deacordo com Kik, a “primeira ressurreição” (v.6)significa a regeneração destes crentes enquanto

352

eles estão vivendo na terra, e os tronos do verso 4são interpretados como um modo figurativo dedescrever o reinado do povo de Cristo com ele agorasobre a terra13. Normm Shepherd, também um pós-milenista, sustenta, que o aprisionamento deSatanás ainda é futuro. No entanto, ele concordacom Kik ao interpretar a “primeira ressurreição”como se referindo à regeneração. Ele tambéminterpreta o “viver e reinar com Cristo” comodescrevendo a vida presente dos crentes sobre aterra14.

Qual é a prova escriturística que os pós-milenistas fornecem para sua posição? Boetter citaa Grande Comissão de Mateus 28.18-20, na qualCristo ordena a seu povo para fazerem discípulos detodas as nações. Esta comissão, prossegue ele, nãoé meramente um aviso de que o Evangelho serápregado mas implica numa promessa de que aevangelização efetiva de todas as nações serácompletada antes que Cristo retorne15. Boettnerigualmente menciona Mateus 16.18, onde se registramas palavras de Jesus, dizendo que as portas doinferno não prevalecerão contra a Igreja. eleinterpreta este verso como indicando que a Igrejatomará a ofensiva com o Evangelho, “de modo que elaavançará por todo o mundo e nada literalmente nada,será capaz de resistir sua marcha progressiva”16.Normam Shepherd cita passagens dos Salmos e dosProfetas que mencionam o reinado universal etriunfante do Messias (e.g., Nm 14.21; Sl 2.8;22.27-29; 72; Is 2.2-4; 11.6-9; 65; 66; Jr 31.31-34; Zc 9.9ss; 13.1; 14.9). Então ele diz: “Uma vez

353

que elas [estas passagens] não podem referir-se aum reinado pós-advento de Cristo, e porque nada doque tem acontecido na história faz jus à glória davisão profética, a era dourada tem de ainda serfutura, mas anterior à volta do Messias” 17.Shepherd prossegue, mencionando a parábola dofermento, em Mateus 13.33, como indicando umaextensão universal do Reino. Ele deduz de Romanos11 o aspecto da conversão extensiva tanto de judeuscomo de gentios. “Tudo isto”, continua ele, “estáde acordo com o fato de que o objeto da redenção deCristo é o mundo (João 3.16,17; Cp. Apocalipse11.15) 18.

A título de crítica, podemos levantar asseguintes objeções contra a posição pós-milenista:

(1) As profecias do Antigo Testamento, interpretadas pelospós-milenistas como se referindo a uma futura era dourada milenar,retratam o estado final da comunidade redimida. O professorShepherd afirma que passagens deste tipo não podemreferir-se a um reinado pós-advento de Cristo. Eupergunto: Por que não? Se tivermos em mente oimportante fato de que no estado final haverá tantoum novo céu como uma nova terra19, estas profeciaspodem ser prontamente entendidas como apontando, emseu sentido último, para as glórias nessa novaterra.

Passemos a examinar algumas das passagensapontadas pelo Professor Shepherd. Salmos 2.8 diz:“Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e asextremidades da terra por possessão”. Se estapassagem for considerada como se referindo aoMessias, o que sem dúvida ela faz, por que não

354

podemos considerá-la como descrevendo o Reino deCristo na nova terra, quando “o reino do mundo setornou o Reino de nosso Senhor e seu Cristo?” (Ap11.15). Isaías 2.4 diz: “...estes converterão assuas espadas em relhas de arados, e suas lanças empodadeiras: uma nação não levantará a espada contraoutra nação, nem aprenderão mais a guerra”. Por quenão podemos interpretar esta passagem comoigualmente se referindo à nova terra, na qual asfolhas da árvore da vida servirão para a cura dasnações? (Ap 22.2). Há duas passagens proféticas quedescrevem claramente que a totalidade doconhecimento do Senhor caracterizará a existênciana nova terra: Isaías 11.9 (“por que a terra seencherá do conhecimento do Senhor, como as águascobrem o mar”) e Jeremias 31.34 (“todos meconhecerão, desde o menor até o maior deles, diz oSenhor”). Isaías 65.17-25 também tem de serentendido como descrevendo o estado final dosredimidos; observe especialmente as palavras doverso 17: “Pois eis que eu crio novos céus e novaterra; e não haverá lembrança das coisas passadas,jamais haverá memória delas”.

(2) A interpretação pós-milenista comum da grandetribulação de Mateus 24 e da apostasia de 2 Tessalonicenses 2 éinjustificada. Como já vimos, o Sermão Profético deMateus 24 lida tanto com eventos relativos àdestruição de Jerusalém como com eventosconcernentes ao fim do mundo. Embora Jesusefetivamente indique, em seu sermão, que atribulação deve ser esperada por seu povo para todoo período entre sua primeira e segunda vindas, ele

355

também fala de uma grande tribulação tal qual nuncahouve desde o princípio do mundo e jamais haverá(v.2). Os versos 29 e 30 deste capítulo são de umaimportância especial: “Logo em seguida à tribulaçãodaqueles dias, o sol escurecerá... então apareceráno céu o sinal do Filho do homem... e verão o Filhodo homem vindo sobre as nuvens do céu com poder emuita glória”.

No que toca à apostasia de 2 Tessalonicenses2, Paulo afirma explicitamente: “porque aquele dia[o dia do Senhor, ou a Parousia] não acontecerá semque primeiro venha a apostasia...” (v.3). Portanto,não há justificativa, nas Escrituras, para se dizerque estes dois eventos, a grande tribulação e aapostasia descrita em 2 Tessalonicenses 2, devemser relegados apenas ao passado.

(3) Apocalipse 20.1-6 não dá apoio à posição pós milenista.Conforme será demonstrado mais adiante, estapassagem descreve o reinado das almas dos crentesque estão com Cristo no céu durante a presente era,e não retrata uma futura era dourada. Passemosagora a examinar três interpretações desta passagemque são sustentadas por pós-milenistasrepresentativos.

Tanto Warfiel como Boetthr aceitam ainterpretação amilenista comum destes versos,concordando em que eles descrevem o aprisionamentode Satanás durante a era presente e o reinado dasalmas dos crentes já mortos que estão com Cristo nocéu, também durante a era presente. Entretanto, quebase pode ser encontrada nesta passagem, conformeesta interpretação, para crer em uma futura era

356

dourada? Deve ser lembrado que o único lugar onde aBíblia menciona um milênio é Apocalipse 20; seestes versos não dão evidência para a expectação deuma futura era dourada milenar, que provaconsistente temos nós de que haverá uma tal era?

J. Marcellus Kik concorda que o aprisionamentode Satanás esteja acontecendo agora, mas interpretao verso 4 como descrevendo os crentes vivos queestão reinando sobre a terra já agora com Cristo.Existem duas dificuldades com a interpretação deKik acerca do verso 4. A primeira: interpretar “asalmas que reinam com Cristo”, como se referindo acrentes que ainda estejam vivos sobre a terra,entra em conflito com a declaração anterior: “Viainda as almas dos decapitados”(v.4), e também comouma declaração ulterior: “Os restantes dos mortosnão reviveram...” (v.5). A segunda: como se podefalar de crentes vivos reinando com Cristo por milanos, quando cada pessoa não vive mais do que operíodo normal de vida de “setenta anos” - sechegar a isso? Além disso, mesmo baseados nainterpretação que Kik faz da passagem, quefundamento há nestas palavras para esperarmos umafutura era dourada milenar?

O professor Shepherd afirma que oaprisionamento de Satanás ainda é futuro, ao passoque ele interpreta o reinado das almas com Cristono mesmo modo de Kik o faz. As objeções mencionadasacima para a posição também se aplicam aqui. Há umadificuldade adicional: conforme Shepherd, os milanos durante os quais Satanás estará preso parecemser um período diferente do que os mil anos durante

357

os quais as almas reinam com Cristo. Mas, nãoparece muito mais provável que os “mil anos”,mencionados cinco vezes nestes seis versos,representam o mesmo período de tempo, especialmenteporque a expressão “os mil anos” (ta chilia ete) ocorreduas vezes na passagem, uma no verso 3 e outra noverso 5? Mesmo se admitirmos, todavia, que ainterpretação de Shepherd acerca dessa passagempossa estar correta, temos novamente de perguntar:que base haverá então, em Apocalipse 20.1-6, para aexpectação de uma futura era dourada milenar? 20.

(4) A expectação pós-milenista de uma era dourada futura,anterior à volta de Cristo, não faz jus à tensão contínua na históriado mundo entre o Reino de Deus e as forças do mal. Jámencionamos anteriormente que está havendo econtinuará a haver uma tensão sempre presente nahistória21. Já em Gênesis 3.15, Deus anunciava aantítese que continuaria por toda a história:inimizade entre a semente da mulher e a semente daserpente. Esta antítese continua até ao fim dahistória - considerem-se as referências emApocalipse à Batalha do Armagedom (cap. 16.13-16) eà Batalha de Gogue e Magogue (cap. 20.7-9). Naparábola do joio (ou erva daninha), encontrada emMateus 13.36-43, Jesus ensina que o povo do malignocontinuará a existir lado a lado com o povoredimido de Deus até a hora da ceifa. A implicaçãoclara desta parábola é que o Reino de Satanás, seassim o podemos chamar, continuará a existir e acrescer enquanto o Reino de Deus crescer, até queCristo venha de novo. O Novo Testamento dáindicações de contínua força desse “reino do mal”

358

até o fim do mundo, ao falar acerca da grandetribulação, da apostasia final e da manifestação deum anticristo pessoal. Por causa disso, supor queantes da volta de Cristo o mal “será reduzido aproporções mínimas” 22 pareceria uma simplificaçãoexagerada e romântica da história, que não é umagarantia pelos dados bíblicos. Sem dúvida, Cristoconquistou a vitória decisiva sobre o pecado eSatanás, de modo que o resultado final da lutanunca é posto em dúvida. Mesmo assim, a antíteseentre Cristo e seus inimigos continuará até o fim.

Prosseguiremos agora examinando uma terceiraimportante posição acerca do milênio, que opremilenismo histórico. Faz-se necessário uma discussãoem separado do premilenismo histórico, comodistinto do premilenismo dispensacionalista, porqueestas duas variedades de pensamento premilenistadiferem em assuntos essenciais. Falandoresumidamente, os premilenistas crêem que a SegundaVinda de Cristo será premilenista: isto é, anteriorao milênio. Por isso, os premilenistas aguardam umreinado de Cristo sobre a terra por um período demil anos após sua volta, e antes da instauração doestado final. O que se segue é um esboço dascaracterísticas principais do premilenismohistórico23. Naturalmente, é necessário lembrar queos premilenistas históricos diferem entre si emvários detalhes específicos24.

De acordo com o premilenismo histórico, várioseventos têm de acontecer antes que Cristo retorne:a evangelização das nações, a grande tribulação, agrande apostasia ou rebelião e a manifestação do

359

anticristo pessoal. A Igreja terá de atravessaresta tribulação final. A Segunda Vinda de Cristonão será um evento em duas etapas, mas umaocorrência única. Quando Cristo voltar, os crentesque estiverem mortos serão ressuscitados, oscrentes que estiverem ainda vivos serãotransformados e glorificados, e então ambos osgrupos serão juntamente elevados para encontrar como Senhor nos ares25. Após este encontro nos ares, oscrentes acompanharão o Cristo que desce à terra.

Após Cristo ter descido à terra, o anticristoé exterminado e seu Reino opressor chega ao fim. Ouneste momento ou antes disso, a grande maioria dosjudeus que estiverem vivos se arrepende de seuspecados, crê em Cristo como seu Messias e é salva;esta conversão do povo judeu será uma fonte debênçãos indizíveis para o mundo.

Agora Cristo estabelece seu Reino milenar - umReino que durará aproximadamente mil anos. Jesusagora governa visivelmente sobre todo o mundo, eseu povo redimido reina juntamente com ele. Osredimidos incluem tanto judeus como gentios. Emboraem sua maioria os judeus tenham-se convertidorecentemente, após a conversão dos gentios, elesnão formam um grupo separado, uma vez que há apenasum povo de Deus. Aqueles que reinam com Cristo,durante o milênio, incluem tanto crentes que acabamde ser ressuscitados da morte como crentes queainda estavam vivos quando da volta de Cristo. Asnações incrédulas, que ainda estiverem sobre aterra nessa época, são controladas e governadas porCristo com vara de ferro.

360

Não se deve confundir o milênio com o estadofinal, porque o pecado e a morte ainda existem.Entretanto, o mal será amplamente restringido e ajustiça prevalecerá na terra como nunca antesaconteceu. Este deve ser um tempo de justiçasocial, política e econômica, e de grande paz eprosperidade. Até a natureza refletirá as bênçãosdesta era uma vez que a terra seráextraordinariamente produtiva e o desertoflorescerá como a rosa.

Perto do fim do milênio, porém, Satanás, queestava preso durante este período, será solto esairá a enganar as nações mais uma vez. Elecongregará as nações rebeldes para a Batalha deGogue e Magogue, e as levara para atacar o“acampamento dos santos”. Mas descerá fogo do céusobre as nações rebeldes e Satanás será lançado no“lago de fogo”.

Após o fim do milênio, segue-se a ressurreiçãodos incrédulos que morreram. Agora acontece ojulgamento perante o grande trono branco, no qualtodos os homens, tanto crentes como incrédulos,serão julgados. Aqueles cujos nomes foremencontrados escritos no livro da vida ingressarãona vida eterna, enquanto aqueles cujos nomes nãoforem encontrados naquele livro serão lançados nolago de fogo. Depois disto, o estado final éinstaurado: os incrédulos passam a eternidade noinferno, enquanto que o povo redimido de Deus vivepara sempre na nova terra que foi purgada de todomal.

361

Quais são as provas das Escrituras fornecidaspelos premilenistas históricos para o ensino de quehaverá um reinado milenar terreno após a volta deCristo? George Eldon Ladd admite que o único lugaronde a Bíblia menciona tal reino milenar terreno éApocalipse 20.1-626. Ele encontra uma descrição daSegunda Vinda de Cristo em Apocalipse 19, einterpreta Apocalipse 20 como descrevendo eventosque sucederão à Segunda Vinda. Os primeiros trêsversos de Apocalipse 20, afirma Ladd, descrevem oaprisionamento de Satanás durante o milênioposterior à volta de Cristo27. Apocalipse 20.4retrata o reinado dos crentes ressuscitados comCristo sobre a terra durante o milênio. Laddinsiste em que a palavra grega ezasan (eles viveramou, vieram à vida), encontrada nos versos 4 e 5, temde significar ressuscitado da morte de um modofísico28. No verso 4, ele encontra uma descrição daressurreição física dos crentes no início domilênio (mais tarde denominada “a primeiraressurreição”), e no verso 5 ele encontra umadescrição da ressurreição física dos incrédulos nofinal do milênio. Ladd credita no fato, de que oensino acerca deste Reino milenar terreno sejaencontrado apenas neste capítulo, ao que eleentende a respeito da revelação progressiva.

Ladd encontra mais apoio para seu ensino em 1Coríntios 15.23-26, embora ele admita que estapassagem não fornece prova conclusiva para ummilênio terreno29. Ele apela especialmente para osversos 23 e 24: “Cada um, porém, por sua própriaordem: Cristo, as primícias, depois (epeita) os que

362

são de Cristo, na sua vinda. E então (eita) virá ofim (telos), quando ele entregar o Reino ao Deus ePai...” De acordo com Ladd, Paulo retrata aqui otriunfo do Reino de Cristo realizado em trêsetapas. A primeira etapa e a ressurreição deCristo. A segunda etapa ocorre na Parousia, quandoos crentes são ressuscitados. Então vem o fim,quando Cristo entrega o Reino a Deus Pai; esta é aterceira etapa. Uma vez que há um intervalosignificativo entre a primeira e a segunda etapas,não parece improvável que haja também um intervalosignificativo entre a segunda e a terceira etapas.Ladd afirma que as palavras então (eita) e fim (telos)deixam lugar para um intervalo indefinido de tempoentre a Segunda Vinda e o fim, quando Cristocompleta a subjugação de seus inimigos30. Esteintervalo seria o milênio.

A título de avaliação, podemos dizerprimeiramente que existe muito na posição de Laddque podemos apreciar. Entre estes pontos estão seuensino de que (1) Deus não tem dois povos separadoscom destinos distintos (a saber, judeus e gentios,ou Israel e a Igreja) mas somente um povo; (2) oReino de Deus é tanto presente como futuro; (3) aIgreja já está desfrutando bênçãos escatológicas notempo pressente; (4) os sinais dos tempos têmestado presente desde o tempo da primeira vinda deCristo, mas assumirão uma forma intensificada antesde sua Segunda Vinda; (5) a Segunda Vinda de Cristonão é um acontecimento em duas etapas, mas umevento único.

363

Temos igualmente de apreciar a rejeiçãodecidida que Ladd faz de vários ensinosdispensacionalistas; por essa razão, seupremilenismo, bem como dos premilenistas históricosem geral31, deve ser claramente distinguido dodispensacionalismo premilenista. Entretanto,permanecem certas dificuldades básicas com o ensinoque é comum tanto ao premilenistmodispensacionalista como ao não dispensacionalista,de que haverá um reinado milenar terreno após avolta de Cristo. As seguintes objeções podem serlevantadas contra esta posição:

(1) Apocalipse 20 não fornece prova incontestável para umreinado milenar terreno que se seguirá à Segunda Vinda. Não hádúvida de que vários teólogos evangélicosefetivamente encontram uma prova para tal Reinonesta passagem. Contudo, conforme será demonstradoem um capítulo subseqüente, este não é o único modopossível de se interpretar esses versos. Acompreensão amilenista de Apocalipse 20.1-6, quedescreve o reinado das almas dos crentesdecapitados com Cristo nos céus, tem tido bom apoiona Igreja desde os dias de Agostinho32. Para umadescrição e defesa mais elaborada da interpretaçãoamilenista desta passagem, veja o capítulo 16.

Entretanto, mais uma questão deveria serlevada em conta acerca da compreensão premilenistade Apocalipse 20.1-6. Geralmente, os premilenistasnão dispensacionalistas sustentam que aqueles quereinam com Cristo, durante o milênio, são nãoapenas os crentes que foram ressuscitados da morte,mas também os crentes que ainda estavam vivos

364

quando Cristo voltou. Deveria ser observado, porém,que mesmo na interpretação premilenista, estapassagem não diz coisa alguma acerca deste últimogrupo. Se a frase “viveram e reinaram com Cristodurante mil anos” for entendida com o sentido de“foram ressuscitados dos mortos e reinaram comCristo”, não há nada dito aqui acerca de crentesque não morreram, mas ainda estavam vivos quandoCristo retornou. De acordo com a interpretaçãopremilenista comum, portanto, esta passagem falaapenas acerca de um reinado com Cristo, durante omilênio da parte de crentes ressurrectos. Mas este seriaum tipo diferente de reinado milenar terrenodaquele que geralmente é ensinado pelospremilenistas33.

(2) 1 Coríntios 15.23,24 não fornece evidência clara para talReino milenar terreno. Deve ser dito em primeiro lugarque em nenhum dos escritos paulinos à base para aexpectação de um Reino milenar que preceda o estadofinal. Além disso, não há um ensino claro acerca deum reinado milenar terreno deste tipo nestapassagem. Em 1 Coríntios 15 Paulo estava tratandocom cristãos que aparentemente criam efetivamentena ressurreição corporal de Cristo, mas nãoesperava mais uma ressurreição corporal doscrentes. Argumentando contra esse erro, Paulodesenvolve, neste capítulo a ordem divina dascoisas: Cristo, as primícias, que foi ressuscitadoprimeiro; depois disso, na Parousia, aqueles quesão de Cristo serão ressuscitados dentre os mortos.Paulo aqui não está sugerindo que haverá umaressurreição de incrédulos mil anos após a

365

ressurreição dos crentes: ele não diz coisa algumanesta passagem acerca da ressurreição deincrédulos. As palavras do verso 24: “E então viráo fim, quando ele entregar o Reino ao Deus e Pai”,não implicam necessariamente um longo intervalo detempo após a ressurreição dos crentes, mas sãoapenas um modo de dizer que só então, após tudoisso ter acontecido, virá o fim ou a consumação daobra messiânica de Cristo34.

(3) O retorno do Cristo glorificado e dos crentesglorificados, para uma terra onde existam pecado e morte, violaria afinalidade de sua glorificação. Porque os crentes que temestado desfrutando da glória celestial, durante oestado intermediário35, deveria ser ressuscitadodentre os mortos para voltar a uma terra onde opecado e a morte ainda existem? Não seria isso umanti-climax? A existência de corpos ressurrectos eglorificados não reivindica uma vida em uma novaterra, da qual todos os remanescentes de pecado emaldição tenham sido banidos? Além disso quedeveria o Cristo glorificado retornar para umaterra aonde existam ainda pecado e morte? Por quedeveria ele, após sua volta em glória, ainda ter degovernar sobre seus inimigos com vara de ferro, eainda ter de esmagar uma rebelião contra ele no fimdo milênio? A batalha de Cristo contra seusinimigos não foi completada já durante seu estadode humilhação? Não foi durante esse tempo que eleconquistou a vitória final e decisiva sobre o mal,pecado, morte e Satanás? Não é verdade que a Bíbliaensina que Cristo está voltando na plenitude da suaglória, para instaurar não um período interno de

366

paz e bênção limitadas, mas sim o estado final deilimitada perfeição?

(4) o reinado milenar terreno, ensinado pelos premilenistas,não concorda com o ensino escatológico do Novo Testamento, umavez que não pertence nem a era presente nem a era porvir. Jávimos anteriormente36que o Novo Testamento destacaduas eras: a era presente, a era porvir. Não háindicação nenhuma nos Evangelhos, no livro de Atos,nem nas epístolas de que haverá também uma terceiraera entre a era presente e a era porvir. O que osescritores do Novo Testamento é que, quando Jesusvoltar, ele instaurará nova era. Assim, porexemplo, lemos em Mateus 25.31: “quando vier oFilho do homem na sua majestade e todos os anjoscom ele [uma referência obvia à volta de Cristo]então se assentará no trono da sua glória”. Ficaevidente à partir do verso 46 que este não é umtrono milenar terreno mas sim o trono do juízo queintroduzirá a era final: “E irão estes [aqueles àesquerda do juiz] para o castigo eterno, porém osjustos para a vida eterna”. Em Atos 3, ouvimosPedro dizer em seu sermão no templo: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que seus pecadospossam ser apagados, a fim de que da presença doSenhor venham tempos de refrigério; e que ele envieo Cristo que já vos foi designado, Jesus: a quem océu deve receber até os tempos da restauração detodas as coisas de que Deus falou por boca de seussantos profetas desde a antigüidade”. (vs 19-21,ASV). Certamente as palavras - “os tempos darestauração de todas as coisas” - não se referem aum intervalo milenar intermediário, mas ao estado

367

final. Paulo ensina que a Segunda Vinda de Cristoserá imediatamente seguida pelo juízo final:“Portanto, nada julgueis antes do tempo, até quevenha o Senhor, o qual não somente trará a plenaluz as coisas ocultas das trevas, mas tambémmanifestará os desígnios dos corações” (1 Co 4.5).Em sua segunda epístola, Pedro afirma cominconfundível clareza que a Segunda Vinda seráseguida no ato pela dissolução da velha terra ecriação da nova terra:

“Virá, entretanto, como ladrão, o dia doSenhor, no qual os céus passarão comestrepitoso estrondo e os elementos sedesfarão abrasados; também a terra e as obrasque nela existem serão atingidas. Visto quetodas essas coisas hão de ser assim desfeitas,deveis ser tais como os que vivem em santoprocedimento e piedade, esperando e apressandoa vinda do dia de Deus, por causa do qual oscéus incendiados serão desfeitos e oselementos abrasados se derreterão. Nós, porém,segundo a sua promessa, esperamos novos céus enova terra, nos quais habita a justiça”. (2 Pe3.10-13).O milênio dos premilenistas, portanto, é algo

como uma anomalia teológica. Não é nemcompletamente como a era atual, nem completamentecomo a era porvir. Com certeza, é melhor do que aera presente, mas fica muito atrás de ser o estadofinal de perfeição. Para os santos ressurrectos eglorificados, o milênio é um adiamento agonizantedo estado final de glória pelo qual eles aguardam

368

tão ansiosamente. Para as nações rebeldes, omilênio é uma continuação da ambigüidade da erapresente, na qual permite ao mal existir enquantoatrasa seu julgamento final sobre ele. Uma vez queum reinado terreno milenar de Cristo não é ensinadoem nenhum outro lugar das Escrituras, e uma vez queas características deste Reino milenar entram emconflito com o que as Escrituras ensinam, em outraspassagens, acerca da Segunda Vinda e acerca da eraporvir que a sucede, por que deveríamos afirmar queApocalipse 20.1-6 ensina que haverá um Reino assim?Ao invés de insistirmos que Apocalipse 20 apresentaum ensino que não é encontrado em nenhum outrolugar da Bíblia, não seria mais sábio interpretaresses versos difíceis de um livro apocalíptico àluz e em harmonia com o que o restante dasEscrituras claramente ensina?

Passamos agora a examinar a quarta importanteposição acerca do milênio, o premilenismodispensacionalista. Deveria ser dito, de início, que opremilenismo dispensacionalista tem uma origemcomparativamente recente. Embora o premilenismotenha sido ensinado por teólogos cristãos desde osegundo século 37, o sistema teológico conhecidocomo dispensacionalismo, ensinando, como de fato ofaz, uma distinção absoluta entre Israel e aIgreja, como dois povos de Deus separados, não teveseu início se não na época de John Nelson Darby(1800-1882) 38.

O premilenismo dispensacionalista compartilhacom o premilenismo histórico a convicção de queCristo reinará sobre a terra durante mil anos após

369

a sua volta. Entretanto, existem muitas diferençasprofundas entre estas duas variedades depremilenismo.

Antes de observarmos as principaiscaracterísticas do dispensacionalismo (oupremilenismo dispensacionalista) deveríamosprimeiramente anotar dois princípio básicos, quesão determinantes para o pensamentodispensacionalista:

(1) A interpretação literal de profecias. Herman Hoyt,um dispensacionalista contemporâneo, desenvolveestes princípio nas seguintes palavras:

“Este princípio claramente declarado é ode tomar as Escrituras em seu sentido literale normal, entendendo que isso se aplica a todaBíblia. Isto significa que o conteúdohistórico da Bíblia deve ser tomadoliteralmente; a matéria doutrinária deve serigualmente interpretada desta forma; ainformação moral e espiritual também segueeste padrão; e o material profético deve serigualmente entendido desse modo. Isto nãosignifica que não haja linguagem figuradautilizada na Bíblia. Mas significa, isto sim,que onde esta linguagem for empregada, épreciso interpretá-la figuradamente, pois, deoutro modo, será uma aplicação indevida dométodo literal. Qualquer outro método deinterpretação furta parcialmente, se nãocompletamente, o povo de Deus da mensagem quelhe estava destinada”

370

(3) A distinção fundamental e permanente entre Israel e aIgreja. Ilustram este ponto as seguintes citações deteólogos dispensacionalistas famosos:

“O dispensacionalismo crê que, atravésdas eras, Deus está buscando dois propósitosdistintos: um deles relacionado com a terra,com um povo terreno e objetivos terrenosenvolvidos, que é o judaísmo; enquanto que ooutro está relacionado com o céu, com um povocelestial e objetivos celestiais envolvidos,que é o Cristianismo... 40

É de importância capital, à interpretaçãopremilenista das Escrituras, a distinçãoestabelecida no Novo Testamento entre opropósito atual de Deus para a Igreja e Seupropósito para a nação de Israel. Osindivíduos que nesta era presente sãodescendentes de Jacó têm o mesmo privilégiodos gentios para investir sua fé em Cristo eformar o corpo de Cristo que é a igreja.Entretanto, o Novo Testamento, assim como oantigo, deixa claro que a nação de Israel,como tal, tem suas promessas cumpridas emúltima instância no reinado futuro de Cristosobre eles... A era presente, de acordo com ainterpretação premilenista, é o cumprimento doplano e propósito de Deus, revelado no NovoTestamento, de chamar um povo dentre judeus egentios igualmente, para formar um novo corpode santos. É somente quando este propósito forcompletado que Deus poderá realizar assentenças trágicas que precedem ao Reino

371

milenar de Cristo, e inaugurar a justiça e apaz que caracterizam o Reino milenar” 41.

É difícil apresentar as característicasprincipais do premilenismo dispensacionalista,porque os dispensacionalistas diferem entre si devários detalhes. O que se segue é uma tentativa dedescrever os aspectos mais importantes daEscatologia dispensacionalista contemporânea,retratando particularmente o ponto de vista da NewScofield Bible (A Nova Bíblia de Scofield) de 196742.

Os dispensacionalistas dividem as ações deDeus para com a humanidade em várias “dispensações”diferentes. A New Scofield Bible distingue sete destasdispensações: Inocência, Consciência de ResponsabilidadeMoral, Governo Humano, Promessa, Lei, a igreja e o Reino. Umadispensação é definida como “um período de tempodurante o qual o homem é testado em relação à suaobediência a algumas revelações específicas davontade de Deus43. Embora em cada dispensação Deusrevele sua vontade de um modo diferente, estasdispensações não são modos separados de salvação.“Durante cada uma delas [das dispensações] o homemé reconciliado com Deus de apenas uma forma, i.e.,pela graça de Deus através da obra de Cristo quefoi realizada na cruz e vindicada em suaressurreição” 44. A dispensação do Reino é o Reinomilenar de Cristo, que acontecerá após a sua volta.

O Antigo Testamento contém várias promessas deque, em algum tempo no futuro, Deus estabelecerá umReino terreno que envolva o povo de Israel, o povode seu antigo pacto. Embora a aliança abraâmica

372

inclua promessas à descendência espiritual deAbraão, sua promessa central era de que a terra deCanaã seria dada aos descendentes naturais deAbraão por uma possessão eterna. Na aliançadavídica, a promessa outorgada era que um dosdescendentes de Davi (a saber, o Messias vindouro)iria se assentar para sempre no trono de Davi,governando sobre o povo de Israel. A nova aliançapredita em Jeremias 31.31-34, embora inclua certascaracterísticas que já estão sendo cumpridas paraos cristãos na presente Era da Igreja, éessencialmente uma aliança para Israel, que nãoserá completamente cumprida até a época do milêniovindouro. Uma grande quantidade de passagens dosSalmos e profetas (e.g., Sl 72.1-20; Is 2.1-4;11.1-9; 11-16; 65.18-25; Jr 23.5,6; Am 9.11-15; Mq4.1-4; Zc 14.1-9, 16-21) prediz que o povo deIsrael, em algum tempo futuro, será novamentecongregado na terra de Canaã, desfrutará de umaépoca de prosperidade e bênção, terá um lugarespecial de privilégio sobre outras nações e viverásob o governo benevolente e perfeito de seuMessias, o descendente de Davi. Uma vez que nenhumadestas promessas foi cumprida até agora, osdispensacionalistas aguardam este cumprimento parao Reino milenar de Cristo.

Quando Cristo estava sobre a terra, eleofereceu o Reino dos céus aos judeus de sua época.Este Reino deveria ser um governo terreno sobreIsrael, em cumprimento às profecias do AntigoTestamento; além disso, a entrada do Reinorequereria arrependimento dos pecados, fé em Jesus

373

como o Messias e uma disposição para adotar o altopadrão de moralidade ensinado, por exemplo, noSermão do Monte. Entretanto, os judeus daquelaépoca rejeitaram o Reino. Por causa disso, oestabelecimento final deste Reino foi então adiadopara a época do milênio. Neste ínterim, Cristointroduziu a “forma misteriosa” do Reino - umaforma descrita em parábolas tais como a do semeadore a do joio em Mateus 13. Um expoente destaposição, E. Schuyler English, argumenta da seguinteforma: “O Reino em mistério é a cristandade, aquelaparte do mundo onde o nome de Cristo é confessado.É a Igreja visível, composta tanto de crentes comode incrédulos, que constitui o Reino dos céus emmistério. Ele continuará até o fim da era, quandoCristo retornará à terra para reinar como Rei” 45.

Uma vez que o Reino, em sua forma “real” oufinal, foi rejeitado pelos judeus, Cristo agorapassou a estabelecer a Igreja. o propósito daigreja é de congregar crentes, primariamentegentios, mas também judeus, como o corpo de Cristo- uma convocação ou “chamada” que não serácompletada até que Cristo volte para oarrebatamento. Embora o Reino davídico tenha sidopredito no Antigo Testamento, a Igreja não o foi.Por causa disso, a Igreja constitui uma espécie de“parêntesis” no plano de Deus, interrompendo o seuprograma predito para Israel. “...A era presente [aEra da Igreja] é um parêntesis ou um período detempo não predito pelo Antigo Testamento, e porcausa disso não cumprindo nem levando o programa de

374

eventos revelado na previsão do Antigo Testamento”46.

Conforme vimos acima47, a volta de Cristoacontecerá em duas etapas ou fases. A primeira faseserá o assim chamado arrebatamento, que podeacontecer a qualquer momento. Aqui emerge umadiferença importante entre o premilenismodispensacionalista pré-tribulacionista e opremilenismo histórico; enquanto que este últimoaguarda que certos sinais dos tempos sejamcumpridos, antes da volta de Cristo, aquele esperaque estes sinais sejam cumpridos após ter ocorridaa primeira etapa da volta. Em outras palavra: osdispensacionalistas pré-tribulacionaistas crêem naassim chamada vinda iminente ou a qualquer momento deCristo48. Na hora do arrebatamento, Cristo não vemrealmente por todo o trajeto até a terra mas fazapenas parte do caminho. Então acontece aressurreição de todos os verdadeiros crentes,excluindo os santos do Antigo Testamento. Após estaressurreição, os crentes que ainda estiverem vivos- tanto crentes judeus como gentios crentes - serãoinstantaneamente transformados e glorificados.Agora acontece o arrebatamento de todo o povo deDeus; os crentes ressuscitados e os crentestransformados são elevados às nuvens para encontrarnos ares o Senhor que está descendo. Este corpo decrentes, denominado Igreja, agora sobe ao céu comCristo, para com ele celebrar durante sete anos asbodas do Cordeiro.

Este período de sete anos que se segue é umcumprimento da septuagésima semana da profecia de

375

Daniel (Dn 9.24-27). Os dispensacionalistas afirmamque, embora a sexagésima nona semana desta profeciatenha sido cumprida quando da primeira vinda deCristo, a profecia acerca da septuagésima semana(v.27) não será cumprida até o arrebatamento.Durante este período de sete anos, enquanto aIgreja permanece no céu, acontecerão vários eventosna terra: (1) a tribulação predita em Daniel 9.27começa agora, sua última metade sendo a assimchamada grande tribulação; (2) o anticristo iniciaagora seu reinado cruel - um reinado que culmina emsua exigência para ser adorado como Deus; (3) entãocaem terríveis julgamentos sobre os habitantes daterra; (4) nesta hora um remanescente de Israelconverter-se-á a Jesus como o Messias - os 144.000israelitas selados de Apocalipse 7.3-8; (5) entãoeste remanescentes de Israel começará a pregar o“Evangelho do Reino” - um Evangelho que tem comoconteúdo central o estabelecimento do Reinodavídico vindouro, mas que inclui a mensagem dacruz e a necessidade de fé e arrependimento; (6)através do testemunho deste remanescente judaico,uma multidão inumerável de gentios será igualmentetrazida à salvação (Ap 7.9); (7) então se reúnem osreis da terra e os exércitos da besta e do falsoprofeta para atacar conjuntamente o povo de Deus naBatalha do Armagedom.

No final deste período de sete ano, Cristoretornará em glória, acompanhado pela Igreja. destavez ele descerá todo o trajeto até a terra edestruirá seus inimigos, pondo dessa forma fim àBatalha do Armagedom. Até esse momento a não de

376

Israel terá sido reagrupada na Palestina. Na voltade Cristo a grande maioria dos israelitas queestiverem vivos se converterá em fé a Cristo e serásalva, em cumprimento a profecias do Antigo e doNovo Testamentos. Então será preso o diabo, lançadono abismo e ali selado por mil ano - o período detempo é interpretado de modo estritamente literal.Os santos que morreram durante a tribulação dossete anos, que acabou de findar, são agoraressuscitados dentre os mortos (Ap 20.4); tambémacontece neste momento a ressurreição dos santos doAntigo Testamento. Estes santos ressuscitados,porém, não entrarão no Reino milenar que está paraser estabelecido; eles se juntarão aos santosressurrectos e transladados que constituem a Igrejaarrebatada nos céus. Agora segue-se o julgamentodos gentios vivos, registrado em Mateus 25.31-46.Este julgamento é para indivíduos e não paranações. “O critério deste julgamento será como osindivíduos gentios trataram a seus irmãos cristãos- sejam irmãos segundo a carne (i.e., judeus) ouirmãos segundo o Espírito (i.e., pessoas salvas) -durante a “tribulação” 49. As ovelhas - aqueles quepassaram no teste - serão deixadas na terra paraingressar no Reino milenar. Os cabritos - aquelesque não passaram no teste - serão lançados no fogoeterno. Então segue-se o julgamento de Israel,mencionado em Ezequiel 20.33-38. Os rebeldes dentreos israelitas serão mortos nessa hora e não lhesserá permitido desfrutar das bênçãos do milênio.Aqueles israelitas que se voltaram para o Senhor,

377

entretanto, ingressarão no Reino milenar edesfrutarão de suas bênçãos.

Agora Cristo inicia seu reinado milenar. Elese assenta num trono em Jerusalém e governa sobreum Reino que é primariamente judaico, embora osgentios também compartilhem de suas bênçãos; osjudeus, porém, são exaltados acima dos gentios. Noinício do milênio, Cristo governa sobre aqueles quesobreviveram ao julgamento dos gentios e aojulgamento de Israel recém-descritos. Aqueles quesão membros do Reino milenar, portanto, não sãocrentes ressurrectos, mas sim crentes que aindaestavam vivos quando Cristo voltou para a segundaetapa de sua Segunda Vinda; deveria também serobservado que, no princípio do milênio não haverápessoas não-regeneradas vivendo sobre a terra. OReino milenar de Cristo cumpre as promessas feitasa Israel no Antigo Testamento: “O propósito terrenode Israel, de que falam os dispensacionalistas, dizrespeito à promessa nacional que será cumpridapelos judeus durante o milênio, quando eles viveremsobre a terra em corpos não-ressuscitados. O futuroterreno de Israel não se refere aos israelitas quemorreram antes da instalação do milênio” 50.

Aqueles que ingressaram no Reino milenar serãoseres humanos normais. Eles casarão e sereproduzirão, e a maioria deles morrerá. O milênioserá um tempo de prosperidade, produtividademaravilhosa e paz; será uma era dourada tal como omundo nunca viu antes. A terra estará cheia doconhecimento de Deus como as águas cobrem o mar. Aadoração no milênio será centrada em um templo

378

reconstruído em Jerusalém, ao qual todas as naçõesirão para oferecer louvores a Deus. Serão novamenteoferecidos sacrifícios de animais no templo. Estessacrifícios, porém, não serão ofertaspropiciatórias, mas sim ofertas memoriais,relembrando a morte de Cristo por nós.

Qual será a relação dos santos ressurrectoscom a terra milenar? Os santos ressuscitadosestarão vivendo na Jerusalém nova e celestial, queé descrita em Apocalipse 21.1 a 22.5. Durante oreinado milenar, esta Jerusalém celestial estarános ares sobre a terra, irradiando sua luz sobre aterra. Os santos ressurrectos terão algumaparticipação no Reino milenar, pois participarãocom Cristo em certos julgamentos (cp. Mt 19.28; 1Co 6.2; Ap 20.6). Parece, então, que os santosressurrectos são capazes de descer na NovaJerusalém para a terra a fim de participar destesjulgamentos. Entretanto, estas atividadesjulgadoras parecem ser “limitadas a algumas funçõesespecíficas, e a atividade principal dos santosressurrectos será na nova cidade celestial” 51.

Embora no princípio do milênio haja apenaspessoas regeneradas sobre a terra, os filhos destaspessoas - nascidas durante o milênio -, com otempo, superarão em muito o número de seus pais.Muitas destas crianças irão se converter e setornarão crentes verdadeiros. Aqueles que semostraram rebeldes contra o Senhor serãocontrolados por Cristo e, se necessário, serãomortos. Aqueles que apenas professam a fé cristã,mas não são crentes verdadeiros, serão

379

arrebanhados por Satanás no final do milênio (apósele ter sido solto de sua prisão) para uma ataquefinal contra o “acampamento dos santos”. Estarevolta final, porém, será totalmente esmagada porCristo, os inimigos de Deus serão destruídos eSatanás será lançado no lago de fogo. Antes quetermine o milênio todos os crentes que morreramdurante o milênio serão ressuscitados.

Após o milênio ter findado, todos osincrédulos mortos serão ressuscitados e julgadosperante o grande trono branco. Uma vez que seusnomes não terão sido escritos no livro da vida,eles todos serão lançados no lago de fogo, que á asegunda morte.

Agora será instaurado o estado final. Deusentão criará novos céus e uma nova terra, dos quaistodo pecado e imperfeição terão sido removidos. AJerusalém celestial, o lugar da habitação dossantos ressurrectos, descerá agora para esta novaterra, onde Deus e seu povo habitarão eternamentejuntos, em perfeita felicidade. Embora o povo deDeus, sobre a nova terra, seja um, continuará ahaver uma distinção entre judeus redimidos egentios redimidos, por toda a eternidade.

A relação entre o cumprimento das promessas deDeus à nação de Israel durante o milênio e odestino final dos indivíduos israelitas salvos estáindicada na seguinte citação: “... O AntigoTestamento exibe uma esperança nacional que serátotalmente realizada na era milenar. A esperança doindivíduo santo do Antigo Testamento, acerca de umacidade eterna, será realizada pela ressurreição na

380

Jerusalém celestial, onde, sem perder a distinçãoou a identidade, Israel ser reunirá com osressurrectos e transladado da era da igreja paracompartilhar na glória do Seu [de Cristo] Reinopara sempre52.

Uma avaliação crítica do premilenismodispensacionalista será apresentada no próximocapítulo.

381

Notas do Capítulo 14

1. A palavra milênio é derivada das palavras latinasmille, que significa “mil” e annus, que significa“ano”. O termo, portanto, refere-se a um períodode mil anos. O adjetivo milenar significa“relacionado com o milênio”.

2. Uma exposição e avaliação destas quatro posiçõesé encontrada numa recente obra editada porRobert G. Clouse, The Meaning of the Millennium (OSignificado do Milênio) (Downer Grove: Inter-Varsity, 1977). Cada um dos quatro autores(George Ladd, Herman Hoyt, Loraine Boettner eAnthony Hoekema) contribui com um capítulodesenvolvendo sua posição acerca do milênio.Cada autor também avalia as outras trêsposições.

3. As três palavras recém-mencionadas (amilenismo, pós-milenismo e premilenismo) devem ser consideradascomo modificando a Segunda Vinda de Cristo.Literalmente, portanto, a palavra amilenistasignifica que a Segunda Vinda de Cristo deveráser sem referência a um milênio.

4. The Time is at Hand (O tempo está Próximo)Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1970,pp. 7-11.

5. Clouse, op.cit., pp.155.156.6. A presente obra reflete a posição amilenista. No

capítulo 16, adiante, a interpretação amilenistado milênio, com base em Apocalipse 20, será maiselaborada. Uma breve história do amilenismo, bem

382

como uma lista de obras amilenistas, pode serencontrada em Clouse, op.cit., pp 9-13, 219, 220.

7. Se conciderarmos o termo como modificando aSegunda Vinda, observaremos que, de acordo comesta posição, a volta de Cristo será pós-milenar -isto é, após o milênio.

8. The Millennium (O Milênio), Grand Rapids: Baker,1958, p. 14.

9. Ibid.10. Ibid., pp. 67-70.11. “The Millennium and the Apocalypse” (O Milênio e o

Apocalipse), Biblical Doctrines (DoutrinasBíblicas), New York, Osford, 1929, pp.648-650.

12. Clouse, op.cit., pp 202,203. Observe que aposição aqui referida difere daquele encontradana obra de Boettner, The Millennium (O Milênio),pp. 65,66.

13. Revelation Twenty (Apocalipse 20), Philadelphia:Presbyterian and Reformed, 1955, pp.33-37, 54,55. Este livro foi reimpresso em 1971 pela mesmaeditora, como parte de uma obra intitulada TheEschatology of Victory (A Escatologya da Vitória).Nesta obra veja pp.179-184, 209-211.

14. “Pós-Milenismo”, in The Zondervan PictorialEncyclopedia of the Bible (Enciclopédia ilustradaZondervan da Bíblia), ed. Por Merril C. Tenney,Grand Rapids: Zondervan, 1975, IV, pp. 822-823.Ver também o artigo de Shepherd, “The Ressurrectionsof Revelation 20” (As Ressurreições de Apocalipse20), in The Westminster Theological Journal (JornalTeológico de Westminster), XXXVII, 1 (Fall,1974), pp. 34-43.

383

15. Clouse, op.cit., pp.118.16. Ibid., p. 202.17. “Pós-Milenismo”, Zondervan Pictorial Encyclopedia of the

Bible (Enciclopédia Ilustrada Zondervan daBíblia), IV, p.823.

18. Ibid. Pode-se encontrar uma breve história dopós-milenismo e uma breve bibliografia de obraspós-milenistas registradas em Clouse, op.cit., pp9-13, 219. Deveria ser acrescentado àbibliografia lain Murray, The Puritan Hope (AEsperança Puritana) London: Banner of TruthTrust, 1971. Sobre cinco recentes estudos quedefendem a posição pós-milenista, ver The Journal ofChristian Reconstruction (Jornal da ReconstruçãoCristã), III, p.2, Winter, 1976-1977.

19. Para uma maior elaboração do ensino bíblicosobre a nova terra, ver Capítulo 20 adiante.

20. A única base para tal expectação de sua parteseria o aprisionamento futuro de Satanás. Mas,então, Shepherd pareceria estar sustentando doismilênio, um existindo no presente, e outro aindapor vir. Fará isto jus a Apocalipse 20?

21. Ver Capítulo 3 acima, especialmente pp. 48-54.22. Boettner, The Millennium (O Milênio), p. 14.23. Pode-se encontrar uma breve história do

premilenismo histórico e uma breve bibliografiade obras que defendem esta posição em Clouse,op.cit., pp 7-13, 217, 218. Um estudo históricomais completo das diversas posições acerca domilênio pode ser encontrado em D.H. Kromminga,The Millennium in the Church (O Milênio na Igreja),Grand Repids: Eerdmans, 1945.

384

24. No esboço que se segue, as posições de GeorgeEldon Ladd, um teólogo contemporâneo famoso,serão consideradas representativas dopremilenismo histórico atual. As posições deLadd podem ser encontradas nas seguintespublicações: Crucial Questions about the Kingdom of God(Questões Cruciais Acerca do Reino de Deus),Grand Rapids: Eerdmans, 1952, The Blessed Hope (AEsperança Bendita), Eerdmans, 1956, The gospel of theKingdom (O Evangelho do Reino), Eerdmans, 1959,Commentary on the Revelation of John (Comentário doApocalipse de João), Eerdmans, 1972, A Theology ofthe New Testament (Teologia do Novo Testamento),Eerdmans, 1974, e “Historic Premillennialism”(Premilenismo Histórico) in The Meaning of theMillennium (O Significado do Milênio), ed., porRobert G. Clouse.

25. Por causa disso, os premilenistas históricoscrêem em uma arrebatamento pós-tribulacionista.

26. Clouse, op.cit., p. 32.27. Commentary on Revelation (Comentário do Apocalipse),

pp. 262-263. Ladd não pensa que os mil anosdevam ser entendidos no sentido “estritamenteliteral” (p.262).

28. Clouse, op.cit., pp 35-38.29. Ele diz acerca da passagem de 1 Coríntios:

“Entretanto, existe uma passagem na qual Pauloparece estar se referindo a um reinado interino,se não a um milênio” (Ibid p.38).

30. Ibid pp.38,39. Ver também The Gospel of the Kingdom (OEvangelho do Reino) p. 42-45.

385

31. Entre estes, podemos mencionar os seguinte:Henry Alford, H. Grattan Guinness, Robert H.Gundry, S.H. Kellogg, D.H. Kromminga, J.BartonPayne, Alexander Reese, Nathaniel West.

32. Deveria ser lembrado, entretanto, que ainterpretação de Agostinho acerca dessa passagemnão é totalmente idêntica à posição amilenista.Ele entende o reinar com Cristo, descrito nessesversos, como se referindo a (1) o governo dosoficiais sobre a igreja nesta vida atual, (2) asubjugação das paixões rivais pelos crentesnesta vida e (3) o reinado dos crentesdecapitados com Cristo nos céus, no tempopresente (City of God - Cidade de Deus, XX p.9,10).

33. Em sua Theology of the New Testament (Teologia doNovo Testamento) Ladd contesta que as palavras“que não tinham adorado a besta ou sua imagem enão receberam sua marca em suas frontes ou suasmãos” designam aqueles que sobreviveram àtribulação e estejam ainda vivendo quando Cristoretornar (pp.628-629). O problema com estainterpretação é que então a palavra ezesan possuidois signficados: ressurreição física e a transformaçãodos crentes vivos. Mas isto destrói o argumento deLadd de que a palavra ezesan, nos versos 4 e 5,possa ter somente um significado: ressurreiçãodentre os mortos. Além disso, ao incluirmos oscrentes vivos entre aqueles descritos no verso4, também entramos em dificuldades com adeclaração explícita do verso 5: “o restante dosmortos não reviveu até que os mil anos sefindaram” [itálicos meus??].

386

34. Ver H. Ridderbos, Paul, pp. 556-559; cp.G.Vos. Pauline Eschatology (Escatologia Paulina), pp.226-260. Observe também que a ressurreição decrentes e incrédulos é mencionada comoacontecendo ao mesmo tempo em João 5.28,29.

35. Ver acima, Capítulo 9.36. No Capítulo 2, “A Natureza da Escatologia do

Novo Testamento”.37. Ver D.H. Kromminga, The Millennium in the Church (O

Milênio na Igreja), capítulos 3 a 7.38. Clarence B.Bass, Backgrounds to Dispensationalism

(Contexto Originário do Dispensacionalismo),Grand Rapids: Neerdmans, 1960, pp.7, 64-69;cp.Ladd, The Blessed Hope (A esperança Bendita),pp.40,41. Ver também Dave MacPherson, TheUnbelievable Pre-trib Origin (A inacreditável Origem doPré-tribulacionismo), Kansas City: Heart ofAmercia Bible Society, 1973, para um relatosobre a origem do pré-tribulacionaismo.

39. “Premilenismo Dispensacionalista”, in Clouse,op.cit., pp 66, 67.

40. Lewis Sperry Chafer, Dispensationalism(Dispensacionalismo), Dallas: Seminary press,1936, p.107.

41. Walvoord, Kingdom, pp.VII-VIII.42. Esta obra, uma revisão da edição de 1909, foi

editada por um comitê de nove eminentes teólogosdispensacionalistas, e por essa razão pode serconsiderada representativa do dispensacionalismoatual. Outras obras utilizadas, na composiçãodeste esboço, incluem Charles C. Ryrie, The Basisof the Premillennial Faith (As Bases da Fé

387

Premilenista), New York: Loizeaux, 1953, eDispensationalism today (Dispensacionalismo Hoje),Chicago: Moody, 1965; J.Dwight Pentecost, Thingsto Come (Coisas Porvir); Alva J. McClain, TheGreatness of the Kingdom (A Grandeza do Reino), GrandRapids: Zondervan, 1959; John F.Walvoord, TheMillennial Kingdom (O Reino Milenar); E.SchuylerEnglish, A Companion to the New Scofield Reference Bible (UmSuplemento à Nova Bíblia de Consulta deScofield), New York: Oxford Univ. Press, 1972; eHerman A Hoyt, “Premilenismo Dispensacionalista”,Clouse, op.cit., pp 63-92.

43. NSB, p. 3, número 3.44. Ibid.45. A Companion to the New Scofield Reference BiBle (Um

Suplemento à Nova Bíblia de Consulta deScofield), p.97.

46. Walvoord, Kingdom, p.231.47. Ver acima, pp. 221-223.48. Os médio-tribulacionistas, que sustentam que a

Igreja será arrebatada no meio da tribulação, eos pós-tribulacionistas, que afirmam que aIgreja será arrebatada no final da tribulação,não aceitam a teoria da “vinda a qualquermomento”, uma vez que eles aguardam que certossinais sejam cumpridos antes que ocorra oarrebatamento.

49. English, op.cit., p. 150.50. Charles C. Ryrie, Dispensationalism Today

(Dispensacionalismo Hoje), p.146.51. Walvoord, Kingdom, p.329. Sobre o papel da

Jerusalém celestial durante o milênio, ver

388

também Pentecost, Things to Come (Coisas Porvir),pp.563-580.

52. Pentecost, Things to Come (Coisas Porvir), p.546.

389

CAPÍTULO 15

CRÍTICA DO PREMILENISMO DISPENSACIONALISTA

Embora o tema principal deste capítulo seja ode oferecer uma crítica do premilenismodispensacionalista, poderíamos iniciar mencionandoalguns aspectos do ensino dispensacionalista queapreciamos. Apreciamos a aceitação da inspiraçãoverbal e infabilidade da Bíblia pelosdispensacionalistas. Ficamos gratos em observar queos dispensacionalistas aguardam um retorno pessoale visível de Cristo. Reconhecemos gratamente suainsistência de que, em cada era, a salvação éapenas pela graça, baseada nos méritos de Cristo.Concordamos também, com os dispensacionalistas, emaguardar uma etapa futura do Reino de Deus queenvolverá a terra, na qual Cristo reinará e Deusserá tudo em todos. Embora esperemos ver este Reinono estado final, e apesar de a nossa maneira decompreender o futuro Reino diferir da deles, nós,efetivamente, concordamos em que haverá na terra umReino futuro de tal espécie.

Já foram abordados criticamente dois aspectosdo premilenismo dispensacionalista e, por causadisso, não voltaremos a discuti-los: a SegundaVinda em duas etapas1, e a compreensãodispensacionalista do arrebatamento da igreja2.

Nem é necessário dizer que a crítica que sesegue não será exaustiva. Durante os últimosquarenta anos, vários livros apareceram contendo

390

abordagens críticas acerca da teologia eEscatologia dispensacionalista de que a queoferecemos aqui3. O que se segue é uma crítica dosoito pontos principais do tipo dedispensacionalismo descrito no capítulo anterior4.

(1) O dispensacionalismo não faz jus inteiramente àunidade básica da revelação bíblica. Já vimos anteriormenteque a New Scofield Bible (Nova Bíblia de Scofield)divide a história bíblica em sete dispensaçõesdistintas. A definição de uma dispensaçãoencontrada nesta Bíblia é a seguinte: “Um períodode tempo durante o qual o homem é testado emrelação à sua obediência e alguma revelaçãoespecífica da vontade de Deus” 5. Apreciamos ainsistência dos editores da New Scofield Bible deque, em cada dispensação, há apenas uma base para asalvação: pela graça de Deus através da obra deCristo realizada na cruz e vindicada em suaressurreição. Ficamos igualmente gratos por suaafirmação de que as diferenças entre asdispensações não se aplicam ao modo de salvação.

Entretanto, se é verdadeiro que em cadadispensação o homem precisa ser salvo pela graça,não implicará isto em que o homem, em cadadispensação, seja inteiramente incapaz de obedecerà vontade de Deus perfeitamente, e dessa formaincapaz de salvar a si próprio através de seuspróprios esforços? Por que então o homem necessitade ser testado novamente em cada dispensação(conforme a definição de dispensação citada acima)?Não é verdade de que o homem foi testado por Deusbem no princípio, no Jardim do Édem? Não é verdade

391

que ele fracassou naquele teste? E não é por essarazão que a salvação pela graça é agora sua únicaesperança? Ao invés de precisar ser testadorepetidamente, conforme implica a teologiadispensacionalista, o de que o homem necessita nãoserá que se lhe mostre, em cada era de suaexistência, como ele pode ser libertado de suaimpotência espiritual e ser salvo pela graça?

Na verdade, isso é que nós encontramos daBíblia. Imediatamente após a queda do homem, Deusveio a ele com a promessa de um redentor através dequem ele poderia ser salvo (Gn 3.15). Esta promessade redenção, através da semente da mulher, torna-seagora o tema de toda a história da redenção, doGênesis ao Apocalipse. O conteúdo central dasescrituras trata do modo como o homem pode salvar-se através de Jesus Cristo em todos os diversosperíodos da história de sua existência. Apesar dasdiferenças na administração, existe apenas umaaliança de graça que Deus faz com seu povo. OAntigo Testamento trata do período de sombras etipo, enquanto que o Novo Testamento descreve operíodo de cumprimentos, mas a aliança da graça éuma em ambas estas eras6.

Por causa disso, uma grande dificuldade com osistema dispensacionalista é que nele as diferençasentre os diversos períodos da história da redençãoparecem preponderar sobre a unidade básica dessahistória. Passamos agora a observar uma importanteimplicação deste ponto. Quando não se fazcompletamente jus à unidade das maneiras redentorascom que Deus lida com a humanidade, e quando se faz

392

distinções rígidas entre as diversas dispensações,existe o perigo de não se conseguir reconhecer osavanços cumulativos e permanentes que marcam osmodos de Deus lidar com seu povo na era do NovoTestamento. Por exemplo, aprendemos do NovoTestamento que o muro de divisão ou hostilidadeque, anteriormente, divida gentios e judeus foiremovido permanentemente por Cristo (Ef.214,15).Baseados no ensino desta passagem e de outrassimilares, perguntamos aos dispensacionalistas: Porque, então, vocês ainda postulam um tipo deseparação entre judeus e gentios, no mil6enio, poisos judeus terão uma posição favorecida naqueleperíodo e serão exaltados acima dos gentios? Aresposta dispensacionalista, presumo eu, seria maisou menos esta: “O muro de separação, entre judeus egentios, é removido durante a pressente Era daIgreja, enquanto Deus está agora congregando suaIgreja dentre ambos, judeus e gentios. Mas omilênio será uma dispensação diferente - na qual aspromessas feitas e Israel, durante uma dispensaçãoanterior, serão cumpridas”. O problema com estareposta dispensacionalista, porém, é que, por causadas exigências do esquema dispensacionalista,precisa-se desconsiderar aquilo que o NovoTestamento diz acerca da remoção do muro deseparação entre judeus e gentios. O princípio dadescontinuidade entre uma dispensação e outrapredominou aqui e, virtualmente, anulou o princípioda revelação progressiva.

(2) O ensino de que Deus tem um propósito separado paraIsrael e outro para a igreja é um erro. Conforme vimos acima7,

393

um dos princípios determinantes da teologiadispensacionalista é que existe uma distinçãofundamental e permanente entre Israel e igreja. osdispensacionalistas dizem: Israel e a Igreja têmsempre de ser mantidos separados. Quando a Bíbliafala sobre Israel, ela não se refere à Igreja, equando a Bíblia fala acerca da Igreja ela não serefere a Israel. Uma vez que existem váriaspromessas do Antigo Testamento a Israel, promessasque não foram cumpridas, elas ainda terão de sercumpridas no futuro.

Antes de tudo, temos de desafiar a declaraçãosegundo a qual quando a Bíblia fala acerca deIsrael, ela nunca se refere à Igreja, e que, quandoela fala acerca da igreja, ela sempre pretendeexcluir Israel. Na verdade, o próprio NovoTestamento, freqüentemente, interpreta expressõesrelacionadas com Israel de um modo a aplicá-las àIgreja do Novo Testamento, que inclui tanto judeuscomo gentios.

Passemos a observar três desse conceitos:primeiro, o termo Israel. Existe pelo menos umapassagem do Novo Testamento onde o termo Israel éusado de forma a incluir os gentios, e por causadisso, significando toda a Igreja do NovoTestamento. Falo de Gálatas 6.15,16: “Nem acircuncisão nem a incircuncisão significam coisaalguma; o que vale é a nova criação. Paz emisericórdia a todos os que seguem esta regra, ouseja, o Israel de Deus”(NIV). A quem se refere aexpressão “todos seguem esta regra”? Obviamente, atodos aqueles que são novas criaturas em Cristo,

394

para quem nem a circuncisão nem a incircuncisãosignificam coisa alguma. Isto teria de incluirtodos os crentes verdadeiros, judeus e gentios. Oque se segue em grego é kai epi ton Israel tou theou. JohnF. Walvoord, um escritor dispensacionalista,insiste em que a palavra kai deve ser traduzida pore, de modo que “o Israel de Deus” se refere aosjudeus crentes8. O problema com esta interpretaçãoé que os crentes judeus já foram incluídos pelaspalavras “todos que seguem esta regra”. A palavrakai, portanto, deveria ser aqui traduzida por ou,seja, conforme o fez a versão New International.Quando a passagem é entendida deste modo, “o Israelde Deus” é uma descrição adicional de “todos os queseguem esta regra” - isto é, todos os verdadeiroscrentes, incluindo tanto judeus e gentios, queconstituem a Igreja do Novo Testamento. Em outraspalavras, Paulo aqui está claramente identificandoa igreja como o verdadeiro Israel. Isto implicaria emque as promessas que tinham sido feitas a Israel,durante a época do Antigo Testamento, são cumpridasna Igreja do Novo Testamento.

Existem vários outros modos pelos quais o NovoTestamento faz o que acabamos de discutir.Considere, por exemplo, o que Paulo disse aosjudeus reunidos na sinagoga de Antioquia, daPisídia: “Nós vos anunciamos o Evangelho de queaquilo que Deus prometeu aos pais, isto ele cumpriua nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus... E, queDeus o ressuscitou dentre os mortos para que jamaisvoltasse à corrupção, desta maneira o disse: Ecumprirei a vosso favor as santas e fiéis promessas

395

feitas a Davi... Tomai, pois, irmãos, conhecimentode que se vos anuncie remissão de pecados porintermédio destes; e por meio dele todo o que crê éjustificado de todas as coisas das quais vós nãopudestes ser justificados pela lei de Moisés” (Atos13.32-34, 38,39). Observe-se que, conforme essaspalavras, as promessas de Deus aos pais foramcumpridas na ressurreição de Jesus, e que nessaressurreição Deus deu, a seu povo do NovoTestamento, “as fiéis promessas de Davi”. Estaspromessas e bênçãos, além disso, são interpretadascomo indicando não um futuro Reino judaico nomilênio, mas sim perdão de pecados e salvação. Porcausa disso, as promessas feitas a Israel sãocumpridas na Igreja do Novo Testamento.

Ainda outro modo no qual podemos ver que aIgreja do Novo Testamento é o cumprimento do Israeldo Antigo Testamento é observando 1 Pedro 2.9:“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real,nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus(variante: um povo para sua possessão), a fim deproclamardes as virtudes daquele que vos chamou dastrevas para a sua maravilhosa luz”. Pedro endereçasua epístola “aos forasteiros da Dispersão, noPonto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” (1.1).Embora a palavra dispersão seja freqüentementeaplicada aos judeus, fica evidente, a partir doconteúdo desta epístola, que Pedro estavaescrevendo aos cristãos nestas províncias, muitosdos quais, senão a maioria deles, eram gentios9.Portanto, Pedro está se dirigindo aos membros daIgreja do Novo Testamento.

396

Ao olharmos cuidadosamente para 1 Pedro 2.9,observamos que Pedro está aplicando aqui, à Igrejado Novo Testamento, expressões que são utilizadasno Antigo Testamento para descrever Israel. Aspalavras “raça eleita” são aplicadas ao povo deIsrael em Isaías 43.20. As expressões “sacerdócioreal, nação santa” são utilizadas para descrever opovo de Israel em Êxodo 19.6. As palavras “povo depropriedade exclusiva de Deus” ou “um povo para suapossessão” são aplicadas ao povo de Israel em Êxodo19.510. Portanto, Pedro está dizendo aqui, naclareza de suas palavras, que aquilo que o AntigoTestamento disse acerca de Israel, pode agora serdito acerca da Igreja. O povo de Israel não deveser considerado como constituindo exclusivamente araça eleita - a Igreja judaico-gentílica é agora araça eleita de Deus. Os judeus do Antigo Testamentonão são mais a nação santa de Deus - agora toda aIgreja deve ser assim denominada11. Israel, em si,não é mais “um povo para a possessão de Deus” -estas palavras têm agora de ser aplicadas a toda aIgreja do Novo Testamento. A partir das passagensde que acabamos de tratar, não ficaráabundantemente claro que a Igreja do NovoTestamento é, agora, o verdadeiro Israel, no qual eatravés do qual as promessas feitas ao Israel doAntigo Testamento estão sendo cumpridas?

Passamos agora a examinar a expressãodescendência de Abraão. Embora, com certeza, estaexpressão seja geralmente usada no AntigoTestamento para designar os descendentes naturaisde Abraão, o Novo Testamento amplia o significado

397

deste termo de modo a incluir os gentios crentes.Veja-se por exemplo, Gálatas 3.28,29: “Não há nemjudeu nem grego, escravo nem livre, homem nemmulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus. Sevós pertencerdes a Cristo, então sois descendentesde Abraão, e herdeiros conforme a promessa” (NIV).O que é indubitavelmente claro aqui é que todos oscrentes do Novo Testamento, todos os que pertencema Cristo, todos os que foram revestidos de Cristo(v.27), são descendência de Abraão - não no sentidonatural, com certeza, mas num sentido espiritual.Novamente, vemos a identificação da Igreja no NovoTestamento como o verdadeiro Israel, e de seusmembros como os verdadeiros herdeiros da promessafeita a Abraão.

As palavras Sião e Jerusalém são geralmenteusadas pelo Antigo Testamento para indicar um dosmontes onde se situava Jerusalém, a capital dosisraelitas ou o povo de Israel em geral. Novamentepercebemos que o Novo Testamento amplia acompreensão destes termos. O autor de Hebreusescreveu a seus leitores cristãos: “Mas tendeschegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, àJerusalém celestial, e às incontáveis hostes deanjos, e à universal assembléia e igreja dosprimogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juizde todos, e aso espíritos dos justos aperfeiçoados,e a Jesus, o Mediador de Nova Aliança...” (Hb12.22-24). Obviamente, “monte Sião” e “a Jerusalémcelestial” representam um grupo de santos redimidosincluindo tanto judeus como gentios. Certamentetambém, a “nova Jerusalém”, que João vê “descendo

398

do céu, da parte de Deus, ataviada como noivaadornada para o seu esposo” (Ap.21.2), é muito maisabrangente do que a idéia de limitar-se apenas aosjudeus crentes. Por causa disso, o termo Jerusalém,utilizado no Antigo Testamento a respeito do povode Israel, é utilizado no Novo Testamento,incluindo toda a igreja de Jesus Cristo.Concluímos, então, que a argumentaçãodispensacionalista, de que quando a Bíblia falasobre Israel ela nunca se refere à Igreja, não estáem harmonia com as Escrituras12.

Nossos amigos dispensacionalistas, porém,poderão responder ao que foi dito acima, contra-argumentando que o Novo Testamento, efetivamente,várias vezes menciona os judeus como distintos dosgentios. Concordo com esta afirmação. Seria fácililustrar este argumento. No livro de Romanos, Paulofreqüentemente utiliza a expressão: “primeiro dojudeu e também do grego” (1.16; 2.9,10;cp.3.9,29). Em Romanos 9.11 o termo Israel éutilizado onze vezes; em cada vez se refere aosjudeus como distintos dos gentios. Em Efésios 2.11-22, Paulo mostra que Deus fez gentios e judeusmembros co-participante da família de Deus, tendoderrubado a parede de hostilidade (ou separação_que estava entre eles; contudo, toda a discussãoseria sem sentido se Paulo não estivesse fazendodistinção entre judeus e gentios.

Todavia, o fato de o Novo Testamentofreqüentemente mencionar os judeus como distintosdos gentios não implica, de forma alguma, que Deustenha um propósito para a Igreja, conforme afirmam

399

os dispensacionalistas. O Novo Testamento deixa bemclaro que Deus não tem esse propósito, em separado,para Israel.

Na passagem de Efésios, a que acabamos de nosreferir, Paulo mostra claramente que o murointermediário de separação, entre judeus crentes egentios crentes, foi derrubado (Ef 2.14), que Deusreconciliou judeus e gentios consigo mesmo em umcorpo através da cruz de Cristo (2.16), e que, porcausa disso, os gentios crentes pertencem (2.19).Qualquer idéia de um propósito separado parajudeus crentes está excluída aqui. Como poderá estaunidade de judeu e gentio, que é um resultadopermanente da morte de Cristo na cruz, ser colocadade um lado numa dispensação ainda porvir?

Os dispensacionalistas apelam freqüentementepara Romanos 11, como ensinando um período futurode bênçãos separado para Israel. Este apelo é feitoespecialmente com base nos versos 25 até 27. Já foifornecida anteriormente evidência para a posição deque Romanos 11.26 (“e assim todo o Israel serásalvo”) não ensina necessariamente, uma conversãofutura da nação de Israel13. Devemos agoraacrescentar que, mesmo se alguém estivesseinclinado a entender esta passagem como ensinandotal futura conversão nacional de Israel, essealguém, ainda assim, teria de admitir que Romanos11 não diz coisa alguma relativa a Israel sernovamente congregado em sua terra, nem acerca de umfuturo governo de Cristo sobre um Reino milenarisraelita.

400

Na verdade, existem indicações claras, emRomanos 11, de que o propósito de Deus para Israelnunca deve ser separado de seu propósito para osgentios crentes. Nos versos 17 a 24, Paulo descrevea salvação dos israelitas utilizando a idéia deeles serem re-enxertados em sua própria oliveira. Asalvação dos gentios, porém, é descrita, nestapassagem, sob a figura de seu enxerto na mesmaoliveira na qual os judeus estão sendo enxertados.A comunidade do povo crente de Deus, portanto, nãoestá retratada aqui em termos de duas oliveiras,uma para judeus e uma para gentios, mas sim falandode uma oliveira só onde tanto judeus como gentiosestão sendo enxertados. Sendo este o caso, comopoderia Paulo nos ensinar aqui que Deus ainda temum propósito, em separado, para os judeus e umfuturo, em separado, para Israel?

Podemos destacar mais um ponto. Desde oprincípio, o propósito de Deus para Israel não erade que, no futuro, Israel devesse ser recipiente deprivilégios especiais negados aos gentios, masantes, que Israel deveria ser uma bênção a todos ospovos do mundo, pois de Israel deveria nascer osalvador da humanidade. Quando Deus primeiramentechamou Abraão de Ur dos Caldeus, ele lhe disse: “Deti farei uma grande nação, e te abençoarei, e teengrandecerei o nome... em ti serão benditas todasas famílias da terra” (Gn.12.2-3, ASV). Em Gênesis22.18 é acrescentada a idéia da descendência: “E emtua descendência todas as nações da terra serãobenditas”(ASV). Vemos este grande propósito de Deuspara Israel ser cumprido no livro do Apocalipse,

401

que descreve da seguinte maneira o Cordeiro nocapítulo 5: “Digno és de tomar o livro e de abrir-lhes os selos, porque foste morte e com teu sanguecompraste para Deus os que procedem de toda tribo,língua, povo e nação” (v.9). o Cordeiro,descendente de Abraão, resgatou uma vasta multidãocomprada por sangue dentre cada tribo e nação sobrea terra - este era o propósito de Deus para Israel.No vigésimo primeiro capítulo do Apocalipse, Joãodescreve a cidade santa, a nova Jerusalém, quedesceu dos céus à terra. Sobre suas portas estãoescritos os nomes das doze tribos de Israel,enquanto que nos seus doze fundamentos estãoescritos os nomes dos doze apóstolos (vs.12-14).Esta comunidade de redimidos do tempo do fimrepresenta tanto o povo de Deus do AntigoTestamento (as doze tribos) como a Igreja do NovoTestamento (os doze apóstolos). Dessa forma, opropósito de Deus para Israel é agora final etotalmente realizado.

Sugerir que Deus tenha em mente um futuro emseparado para Israel, diferente do futuro que eleplanejou para os gentios, na verdade vai contra opropósito de Deus. É como levantar novamente osandaimes depois de a construção ter sido terminada.É como fazer o relógio da história voltar aostempos do Antigo Testamento. É impor a separação doAntigo Testamento sobre o Novo Testamento, eignorar o progresso da revelação. O propósito atualde Deus, para Israel, é que Israel creia em Cristocomo seu Messias, e dessa forma se torne parte da

402

comunidade única do povo redimido de Deus, que é aIgreja.

Não haverá, então, nenhum futuro para Israel?Naturalmente que há! Mas o futuro dos israelitascrentes não deve ser separado do futuro dos gentioscrentes. A esperança de Israel, para o futuro, éexatamente a mesma dos gentios crentes: salvação eglorificação ulterior através da fé em Cristo. Ofuturo de Israel não deve ser visto em termos de umreino político na Palestina, que dure mil ano, massim como uma felicidade eterna compartilhada comtodo o povo de Deus na nova terra glorificada.

(3) O Antigo Testamento não ensina que haverá um futuroReino milenar terreno. Os dispensacionalistas encontramevidência para o futuro reino milenar de Cristo emmuitas passagens do Antigo Testamento. Quando seexaminam os títulos de seções e capítulos da NewSofield Bible (A Nova Bíblia de Scofield), percebe-seque várias seções do Antigo Testamento sãointerpretadas como descrevendo o milênio. Naverdade, porém, o Antigo Testamento não diz coisaalguma acerca deste reino milenar. As passagensgeralmente interpretadas como descrevendo omilênio, descrevem de fato a nova terra, que é aculminação da obra redentiva de Deus.

Vejamos algumas destas passagens. Começamoscom Isaías 65.17-25. O título da New Scofield Bible porcima do verso 17 diz: “Novos céus e nova terra”.Entretanto, o título acima dos versos 18 e 25 é:“Circunstâncias do milênio na terra renovada,removida a maldição”. Parece que os editores destaBíblia, embora compelidos a admitir que o verso 17

403

descreve a nova terra final, restringem osignificado dos versos 18-25 a uma descrição domilênio que deve preceder a nova terra. Porém, sóse pode encontrar uma descrição do milênio, nestapassagem, se deliberadamente omitirmos o que é ditonos versos 17 a 19. O verso 17 fala,inequivocamente, acerca dos novos céus e nova terra(que o livro de Apocalipse reconhece como marcandoo estado final; ver Ap.21.1). O verso 18 convoca oleitor a “exultar-se perpetuamente” - não somentepor mil anos - nos novos céus e nova terra recém-mencionados. Isaías não fala aqui acerca de umaexistência que não durará mais que mil anos, massim acerca de uma felicidade eterna! O que sesegue, no verso 19, acrescenta outro detalhe que,em Apocalipse 21.4, é uma marca do estado final:“Nunca mais se ouvirá nela [a nova Jerusalém] nemvoz de choro nem de clamor”.

Que indicação há, na passagem, de que Isaíasmude de uma descrição do estado final para umadescrição do milênio? A resposta dosdispensacionalistas: veja o verso 20: “Não haverámais nela criança para viver poucos dias, nem velhoque não cumpra os seus; porque morrer aos cem anosé morrer ainda jovem, e quem pecar só aos cem anosserá amaldiçoado”. Uma vez que a morte é mencionadaneste verso, dizem os dispensacionalistas, esta nãopode ser uma descrição da nova terra final, mas temde se aplicar ao milênio.

Temos de admitir que este é um texto difícilde se interpretar. Estará Isaías nos dizendo aquique haverá morte na nova terra? Em minha opinião,

404

esta não pode ser sua intenção, à luz do que eleacabou de dizer no verso 19: “Nunca mais se ouviránela [a Jerusalém que está sendo descrita] nem vozde choro nem de clamor”. Pode alguém imaginar umamorte desacompanhada de choro? É significativo que,no capítulo 25.8, Isaías claramente prediz que nãohaverá morte para o povo de Deus no estado final,conectando esta predição com a promessa de que nãohaverá lágrimas: “Ele [o Senhor dos Exércitos]tragará a morte para sempre, e assim enxugará oSenhor Deus as lágrimas de todos os rostos...”À luz disso, eu concluo que Isaías, no verso 20 docapítulo 65, está retratando, em linguagemfigurada, o fato de que os habitantes da nova terraviverão vidas incalculavelmente longas. Nasprimeiras duas cláusulas do verso ele nos diz quenesta nova terra não haverá mortalidade infantil, eque as pessoas idosas não morrerão antes de teremcompletado sua tarefa de vida (em outras palavras,não serão retiradas prematuramente como éfreqüentemente o caso na terra atual). A terceiracláusula eu traduziria como a NIV14 o faz: “aqueleque morre aos cem será considerado apenas um moço”.Uma vez que a palavra traduzida por quem pecarindica alguém que errou o alvo, eu optarianovamente pela tradução da NIV: “aquele que nãoalcança cem anos será considerado maldito” 15. Nãoestá implicando que, na nova terra, haverá alguémque não atingirá cem anos. Em apoio a essainterpretação no verso 20, estão as palavras doverso 22: “Porque a longevidade do meu povo será

405

como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão detodo as obras das suas próprias mãos”. Esta passagem, portanto, não precisanecessariamente ser interpretada como descrevendo omilênio, e tem sentido claro quando entendida comouma figura inspirada da nova terra que está porvir. O verso 25 indica que não haverá violêncianaquela nova terra: “Não farão mal nem dano algumem todo o meu santo monte, diz o Senhor”.

Passamos, agora, a observar outra passagem deIsaías, o capítulo 11.6-10. O título da New ScofieldBible, para os versos 1 até 10 diz: “O reinodavídico a ser restaurado por Cristo: seu caráter eextensão”. Em outras palavras, esta Bíbliainterpreta a passagem como sendo uma descrição domilênio. Os versos 6 a 10 fornecem um retratoencantador de um novo mundo onde “o lobo habitarácom o cordeiro, e o leopardo se deitará junto aocabrito”. O verso 9 diz: “Não se fará mal nem danoalgum em todo o meu santo monte, porque a terra seencherá do conhecimento do Senhor, como as águascobrem o mar”.

Concordo com os dispensacionalistas em queesta passagem não deveria ser interpretada comoretratando um céu em algum lutar solto no espaço;ela descreve inequivocamente a terra. Mas, por quedeveria ela ser considerada como retratando oestado do milênio? Não fará ela até melhor sentidose entendermos estas palavras como uma descrição danova terra final? Na verdade, as palavras “a terrase encherá do conhecimento do Senhor, como as águascobrem o mar” não são uma discussão acurada do

406

milênio, pois durante o milênio haverá aqueles quenão conhecem ou não amam ao Senhor, alguns dosquais serão congregados juntamente no final dos milanos para um assalto final contra o acampamento dossantos. Entretanto, estas palavras realmentedescrevem acuradamente a nova terra.

Passemos agora a Ezequiel 40 a 48. A NewScofield Bible introduz estes capítulos com osseguintes títulos: “O Tempo do Milênio e seuCulto”(40.1 a 47.12) e “A Divisão da Terra Durantea Era Milenar” (47.13 a 48.35). Estes capítuloscontêm uma visão do templo que deveria serreconstruído pelos cativos que voltassem daBabilônia. Uma descrição elaborada do templo desuas medias é fornecida, bem como dos váriossacrifícios que devem ser oferecidos no templo:ofertas pelo pecado, ofertas por transgressão,ofertas de holocausto e ofertas pacíficas. Osdispensacionalistas dizem que estes capítulosprofetizam a reconstrução do templo de Jerusalémdurante o milênio, e a adoração que entãoacontecerá neste templo milenar.

Obviamente, estes capítulos retratam um futuroglorioso para os israelitas que estão no cativeirona época em que Ezequiel está escrevendo. Estefuturo é descrito nos termos do ritual religiosoque seria familiar a estes israelitas: a saber, ode um templo e seus sacrifícios. Mas a questão é:Será que todos estes detalhes têm de ser entendidosliteralmente e aplicados literalmente à eramilenar?

407

A maior dificuldade com tomarmos estesdetalhes literalmente é causada pelo sacrifício deanimais. Haverá qualquer necessidade decontinuarmos oferecendo sacrifícios sangrentos deanimais após Cristo ter feito seu sacrifício final,para quem as ofertas do Antigo Testamento apontavamno futuro? A resposta comum, que osdispensacionalistas fornecem a esta objeção, é quedurante o milênio estes serão sacrifíciosmemoriais, sem valor expiatório16. Mas, qual seria oobjetivo de voltarmos para os sacrifícios deanimais como memorial da morte de Cristo, após opróprio Senhor ter-nos dado um memorial de suamorte na Ceia do Senhor?

É de extrema significância a nota da página888 da New Scofield Bible, que sugere o seguinte comouma possível interpretação dos sacrifíciosmencionados nestes capítulos da profecia deEzequiel: “A referência aos sacrifícios não deveser tomada literalmente, em vista da remoção detais oferendas, mas deve antes ser considerada comouma apresentação da adoração do Israel redimido, emsua própria terra e no templo milenar, utilizandoos termos com que os judeus estavam familiarizadosnos dias de Ezequiel”. Estas palavras transmitemuma concessão de grande alcance da parte dosdispensacionalistas. Se os sacrifícios não devemser tomados literalmente, por que deveríamos nósentender o templo literalmente? Parece que oprincípio dispensacionalista da interpretaçãoliteral da profecia do Antigo Testamento foiabandonado aqui, e que uma pedra fundamental

408

crucial para todo o sistema dispensacionalista foiaqui posta de lado!

Ezequiel não dá indicação alguma, nestescapítulos, de que ele esteja descrevendo algo quedeva acontecer durante um milênio que preceda oestado final. Uma interpretação destes capítulos,que está de acordo com o ensino neotestamentário eque evita o absurdo de postular a necessidade desacrifícios memoriais de animais no milênio,interpretará Ezequiel como descrevendo aqui ofuturo glorioso do povo de Deus na era porvir, nostermos que os judeus daqueles dias compreenderiam.Uma vez que a adoração anterior a seu cativeiroestava centrada no templo de Jerusalém, écompreensível que Ezequiel descreva sua felicidadefutura, retratando um templo com seus sacrifícios.Os detalhes acerca do templo e dos sacrifícios nãodevem ser entendidos literalmente, mas simfiguradamente. De fato, os últimos capítulos dolivro do Apocalipse fazem eco à visão de Ezequiel.Em Apocalipse 22, lemos acerca da contraparte dorio que Ezequiel viu brotando no templo, cujasfolhas servirão para a cura (cap.47.12): “Então memostrou o rio da água da vida, brilhante comocristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro. Nomeio da sua praça, de uma e outra margem do rioestá a árvores da vida, que produz doze frutos,dando o seu fruto de mês em mês, e as folhas daárvore são para a cura dos povos”. O queencontramos, em Ezequiel 40 a 48, portanto, não éuma descrição do milênio, mas sim um retrato doestado final na nova terra, nos termos do

409

simbolismo religioso com que Ezequiel e seusleitores estavam familiarizados.

Examinemos mais uma passagem do AntigoTestamento, Isaías 2.1-4 (cp.Miquéias 4.1-3). Otítulo da New Scofield Bible sobre Isaías 2.1 diz: “Umavisão do reino vindouro”. Portanto, esta passagem éconsiderada como sendo uma descrição do milênio. Noverso 4, porém, lemos o seguinte: “Estesconverterão as suas espadas em relhas de arados, esuas lanças em podadeiras: uma nação não levantaráa espada contra outra nação, nem aprenderão mais aguerra”. Esta predição, entretanto, não se encaixano milênio dos dispensacionalistas. A guerra não étotalmente eliminada dessa dispensação, pois haveráuma ataque final contra o acampamento dos santos.Somente na nova terra é que esta parte da profeciade Isaías será totalmente cumprida. Os versos 2 e 3retratam a jubilosa participação de todas as naçõesna adoração do único Deus verdadeiro. Concluímosque este é um retrato inspirado, não do Reinomilenar, mas sim das condições da nova terra.

Portanto, não há razão obrigatória paraentendermos este tipo de passagens do AntigoTestamento, como as que acabamos de tratar, de modoa descrever um reino milenar futuro. Geralmente osdispensacionalistas dizem que nós, amilenistas,espiritualizamos profecias deste tipo, por entendê-las como sendo cumpridas ou na Igreja desta eraatual, ou nos céus da era porvir17. Entretanto, eucreio que as profecias deste tipo não se referemprimariamente nem à Igreja desta era, nem aos céus,mas à nova terra. Por causa disso, o conceito da nova

410

terra é de grande importância para uma abordagemadequada à profecia do Antigo Testamento,infelizmente, muito freqüentemente os exagetasamilenistas não têm em mente o ensino bíblicoacerca da nova terra, quando interpretam profeciasdo Antigo Testamento. Aplicar estas passagenssomente à Igreja ou aos céus consiste numempobrecimento de seu significado. Porém, é tambémum empobrecimento fazê-las se referirem a umperíodo de mil anos anterior ao estado final. Elasdevem ser interpretadas como descrições inspiradasda nova terra gloriosa, que Deus está preparandopara seu povo18.

(4) A Bíblia não ensina uma restauração dos judeus à suaterra no milênio. Este argumento dispensacionalista ébaseado numa interpretação literal de váriaspassagens do Antigo Testamento. Vejamos algumasdessas passagens.

Observamos primeiramente Isaías 11.11-16. Otítulo da New Scofield Bible, sobre esta divisão, é:“Como Cristo estabelecerá o Reino”. A nota número1, no verso 1 deste capítulo, diz o seguinte: “Estecapítulo é uma descrição profética da glória doReino futuro que será estabelecido quando o filhode Davi voltar em glória”.

Os dispensacionalistas alegam que a palavra“tornará”, no verso 11, se refere à volta de Israelpara sua terra, imediatamente antes ou no princípioda era milenar futura. O verso diz o seguinte:“Naquele dia o Senhor tornará a estender a mão pararesgatar o restante do seu povo, que for deixado,da Assíria, do Egito, de Patros, da Etiópia, de

411

Elão, de Sinear, de Hamate e das terras do mar”.Se, contudo, olharmos para o verso 16 destecapítulo, ficará claro que a expressão “tornará”,no verso 11, se refere a uma segunda ocorrência, emrelação à volta dos israelitas do Egito, na épocado êxodo: “Haverá caminho plano para o restante doseu povo, que for deixado da Assíria, como o houvepara Israel no dia em que subiu da terra do Egito”.Em outras palavras, o que Isaías está profetizando,nestes versos, é o retorno de um remanescente dopovo de Deus, num futuro previsível, das terras queo tomaram cativos. A Assíria é mencionada, emprimeiro lugar, pois Isaías bem pode ter escritoestas palavras depois de o Reino do Norte ter sidodeportado para a Assíria, em 721 A C. Dessa forma,esta profecia teve um cumprimento literal com oretorno dos israelitas do cativeiro, no sextoséculo a C. 19.

Passemos agora para Jeremias 23.3,7,8:“Eu mesmo recolherei o restante das

minhas ovelhas, de todas as terras para ondeas tiver afugentado, e as farei voltar aosseus apriscos; serão fecundas, e semultiplicarão (v.3).Portanto, eis que vêm dias, diz o Senhor, em

que nunca mais dirão: Tão certo como vive o Senhor,que faz subir os filhos de Israel da terra doEgito; mas:

“Tão certo como vive o Senhor, que fezsubir, que trouxe a descendência da casa deIsrael da terra do Norte, e de todas as terras

412

para onde os tinha arrojado; e habitarão nasua terra” (vv.7,8).

A nota da New Scofield Bible, sobre o verso 3, dizo seguinte: “Esta restauração final será levada aefeito após um período de incomparável tribulação(Jr 30.3-10), e em conexão com a manifestação doRenovo justo de Davi (v.5)... Não se deve confundiresta restauração com o retorno de um remanescentede Judá sob Esdras, Neemias e Zorobabel, ao finaldo cativeiro de setenta anos” (Jr 29.10). Mas, eupergunto, por que não se pode entender estaprofecia como tendo sido cumprida pelo retorno dosisraelitas dispersados no sexto século a C.? Não éverdade que Jeremias proferiu estas palavrasimediatamente antes da deportação do Reino de Judápara a Babilônia? Este contraste entre o retorno doEgito e o retorno “da terra do Norte”, mencionadonos versos 7 e 8, não é de fato semelhante aocontraste traçado por Isaías 11.16? O fato de opróprio jeremias mencionar especificamente oretorno do cativeiro babilônico, num capítuloposterior, reafirma o argumento de que é este oretorno que ele prediz no capítulo 23: “Assim diz oSenhor: Logo que se cumprirem para Babilôniasetenta anos atentarei para vós outros e cumprireipara convosco a minha boa palavra, tornando atrazer-vos pra este lugar” (Jr 29.10) 20.

Uma outra passagem, freqüentemente citadapelos dispensacionalistas nesse sentido, é Ezequiel34.12,13: “Como o pastor busca o seu rebanho, nodia em que encontra ovelhas dispersas, assimbuscarei as minhas ovelhas; e livrá-las-ei de todos

413

os lugares para onde foram espalhadas no dia denuvens e de escuridão. Tirá-las-ei dos povos, e ascongregarei dos diversos países e as introduzireina sua terra; apascentá-las-ei nos montes deIsrael, junto às correntes, e em todos os lugareshabitados da terra”. Novamente, os títulos da NewScofield Bible aplicam esta profecia à restauração deIsrael à sua terra durante o milênio. Uma vez que,contudo, Ezequiel profetizou aos cativos naBabilônia, não parece mais provável que areferência imediata desta profecia seja à volta docativeiro babilônico? Podemos perfeitamenteconcordar com os dispensacionalistas em que a visãogloriosa encontrada no restante deste capítuloaponta para um futuro bem mais distante do que oretorno da Babilônia. Mas, haverá qualquer motivo,no capítulo, que nos possa compelir a consideraresta era gloriosa do futuro distante apenas emtermos de um milênio? Não é muito mais provável quetenhamos aqui mais um retrato do futuro que aguardatodo o povo de Deus na nova terra?

Examinemos agora Ezequiel 36.24: “Tomar-vos-eide entre as nações, e vos congregarei de todos ospaíses, e vos trarei para a vossa terra”. Oseditores da New Scofield Bible consideram igualmenteque esta passagem esteja ensinando a restauração deIsrael à sua terra durante o milênio. Mas observe oque é dito no verso 8 deste capítulo: “Mas vós, ómontes de Israel, vós produzireis os vossos ramosprestes a vir”. Se lermos o verso 24 à luz do verso8, parecerá bem mais provável que Ezequiel esteja

414

falando acerca do retorno de Israel do cativeiro,no futuro próximo, e não no futuro distante.

Zacarias 8.7,8 é mais uma passageminterpretada pela New Scofield Bible como descrevendouma restauração milenar de Israel: “Assim diz oSenhor dos exércitos: Eis que salvarei o meu povo,tirando-o da terra do oriente e da terra doocidente; eu os trarei e habitarão em Jerusalém;eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus emverdade e em justiça”. Zacarias, provavelmente,pronunciou esta profecia entre 520 a 518 a C., apósa volta dos israelitas da Babilônia, sob Zorobabele Josué em 536 a C. Contudo, seu propósito era depersuadir, ainda, mais cativos na Babilônia pararetornarem a Jerusalém. Por essa razão, a profeciaencontrada nestes versos foi cumprida literalmentenos dias de Esdras, que retornou da Babilônia paraJerusalém com muitos judeus em 458 a C.

Todas as profecias examinadas até aqui acercada restauração dos israelitas à sua terra foramcumpridas literalmente. Não há motivo, portanto,para se dizer que ainda devamos esperar umcumprimento literal destas profecias no futurolongínquo.

Mais outra passagem profética aplicada pelaNew Scofield Bible à restauração de Israel durante omilênio é Amós 9.14,15: “Mudarei a sorte do meupovo Israel: reedificarão as cidades assoladas, enelas habitarão, plantarão vinhas e beberão o seuvinho, farão pomares e lhes comerão o fruto.Plantá-los-ei na sua terra, e, dessa terra que lhesdei, já não serão arrancados, diz o Senhor teu

415

Deus”. O que encontramos aqui é uma profecia de queIsrael, após ter sido plantado em sua terra, nuncamais seria arrancado para fora dela. Por que,então, devemos restringir o sentido destas palavrasao milênio? A passagem fala da residência de Israelna terra, que durará para sempre, não apenas pormil anos.

Os dispensacionalistas replicam que “estarecongregação de Israel e a restauração à suaprópria terra serão permanentes” 21. Nesta mesmalinha temos estas declarações de outro escritordispensacionalista famoso:

“Aquilo que caracteriza a era milenar nãoé visto como temporário, mas como eterno” 22.

“As alianças de Israel garantem a terra,uma existência nacional, um Reino, um Rei ebênçãos espirituais perpetuamente àquele povo.Por essa razão tem de haver uma terra eternana qual estas bênçãos possam ser cumpridas” 23.

Mas, certamente, mesmo tendo por base estainterpretação, o objetivo primeiro de Amós 9.14,15não é o de descrever um recongregamento milenar deIsrael, mas sim retratar uma residência eterna dopovo de Deus em sua terra24. Se alguém crer nummilênio terreno, essa pessoa poderá perfeitamentever uma referência à situação do milênio nestapassagem. Mas, novamente, temos de insistir em queesta passagem não prova uma recongregação milenar deIsrael em sua terra.Já fizemos anteriormente referência à possibilidadedo cumprimento múltiplo das profecias do AntigoTestamento. Um exemplo famoso de tais profecias é

416

encontrado em Isaías 7.14: “Portanto, o Senhormesmo vos [a Acaz] dará sinal: eis que uma jovem(variante: virgem) conceberá, e dará à luz umfilho, e lhe chamará Emanuel”. Obviamente, estapassagem foi cumprida no futuro imediato com onascimento de uma criança por sinal ao Rei Acaz(veja todo o parágrafo vv.10-17). Porém, conformeaprendemos de Mateus 1,22, o maior cumprimentodestas palavras dita a Acaz ocorreu quando Jesusnasceu da virgem Maria.

As profecias veterotestamentárias acerca darestauração de Israel também podem ter cumprimentosmúltiplos. De fato, elas podem ser cumpridas de ummodo tríplice: literalmente, figuradamente ouantitipicamente. Passemos a examinar alguns exemplosde cada tipo de cumprimento.

As profecias deste tipo podem ser cumpridasliteralmente. Conforme acabamos de ver, todas asprofecias mencionadas acerca da restauração deIsrael à sua terra, foram cumpridas literalmente,seja no retorno do cativeiro babilônico sobZorobabel e Josué (em 536 a C.), seja um retornoposterior, sob Esdras (em 458 a C.).

Entretanto, as profecias deste tipo tambémpodem ser cumpridas figuradamente. A Bíblia forneceum exemplo claro deste tipo de cumprimento. Eu merefiro à citação de Amós 9.11,12, em Atos 15.14-18.No Concílio de Jerusalém, conforme registrado emAtos 15, primeiramente Pedro, e então Paulo eBarnabé, relataram como Deus trouxe à fé váriosgentios através de seus ministérios. Tiago, queaparentemente presidia ao Concílio, passa a dizer:

417

“Irmãos, atentai nas minhas palavra: Expôs Simão[Pedro] como Deus primeiro visitou os gentios, afim de constituir dentre eles um povo para o seunome. Conferem com isto as palavras dos profetas,como está escrito: Cumpridas estas coisas, voltareie reedificarei a habitação (ou tabernáculo, KJ eASV) caída de Davi; e, levantando-o os de suasruínas, restaurá-los-ei. Para que os demais homensbusquem o Senhor, e todos os gentios sobre os quaistem sido invocado o meu nome, diz o Senhor que fazestas coisas conhecidas desde séculos” (Atos 15.13-18). Aqui Tiago está citando as palavras de Amós9.11,12. Ao fazê-los, indica que, em sua opinião, aprofecia de Amós acerca do levantar a tenda outabernáculo caído de Davi” (“Naquele dia levantareio tabernáculo caído de Davi...”) estava sendocumprida naquele momento, quando os gentios eramganhos para a comunidade do povo de Deus. Aqui,portanto, encontramos um exemplo claro da própriaBíblia de uma interpretação figurada, não literal,de uma passagem do Antigo Testamento que trata darestauração de Israel.

A New Scofield Bible, porém, em sua nota acerca deAtos 15.13, interpreta a palavra “voltarei”, doverso 16, como se referindo à Segunda Vinda deCristo. As palavras acerca da reconstrução dahabitação ou tabernáculo caído de Davi sãointerpretadas como descrevendo a restauração doreino de Israel durante o milênio. O arrebatamentodos gentios, como um povo para o nome de Deus, évisto como algo que deve preceder a restauraçãofinal de Israel no milênio. É dessa forma que a

418

New Scofield Bible aplica a citação de Amós à situaçãoem questão.

Entretanto, existem duas dificuldades com aexegese da New Scofield Bible acerca desta passagem. Aprimeira: o termo original traduzido por “voltarei”(anastrepso) nunca é utilizado pelo Novo Testamentopara descrever a Segunda Vinda de Cristo25. Asprimeiras palavras do verso 16: “cumpridas estascoisas, voltarei”, são simplesmente uma versão daspalavras de Amós: “naquele dia”(bayyom hahu). Amósestava se referindo a um período que para ele erafuturo, não necessariamente a um evento tãodistante como a Segunda Vinda. A segunda: ainterpretação dispensacionalista parece um tantoartificial. Quando Tiago diz: “Conferem com isto aspalavras dos profetas”, estará ele se referindo apalavras proféticas acerca de um evento aindaseparado por mil anos? O que ele está dizendo é queas palavras de Amós, acerca da reconstrução dotabernáculo de Davi, estavam sendo cumpridasnaquele momento, no arrebanhamento dos gentios paraa comunidade do povo de Deus. Embora nos dias deAmós a condição do povo de Deus estivesse emdecadência (o tabernáculo tinha caído), hoje -assim diz Tiago - o povo de Deus está novamenteflorescendo, uma vez que seu número está agoracrescendo rapidamente. Insistir que Tiago estejafalando aqui acerca de uma futura restauraçãomilenar no sentido literal, de Israel, é perder oobjetivo de suas palavras.

Aqui, portanto, encontramos o próprio NovoTestamento interpretando, de modo não literal, uma

419

profecia do Antigo Testamento acerca da restauraçãode Israel. É bem possível que aquelas outrasprofecias devam também ser figuradamenteinterpretadas. Pelo menos, não podemos insistir emque todas as profecias acerca da restauração deIsrael tenham de ser interpretadas literalmente.

É também possível que as profecias acerca darestauração de Israel sejam cumpridas antitipicamente- isto é, tenham seu cumprimento último napossessão, por todo o povo de Deus, na nova terrada qual Canaã era um tipo. A Bíblia indica que aterra de Canaã realmente era um tipo de herançaeterna do povo de Deus na nova terra. No capítuloquatro do livro de Hebreus, a terra de Canaã, queos israelitas adentrassem com Josué, é retratadacom um tipo do descanso sabático que subsiste parao povo de Deus. Aprendemos, de Hebreus 11, queAbraão, a quem a terra de Canaã tinha sidoprometida por possessão eterna, aguardava a cidadeque tem fundamentos, cujo arquiteto e edificador éDeus (v.10). esta cidade futura, portanto, terá deser o cumprimento final da promessa feita a Abraão,de que ele possuiria eternamente a terra de Canaã.O que poderá ser esta cidade futura, senão a“cidade santa” que estará na nova terra? Aprendemosem Gálatas 3.29 que, se formos de Cristo, entãosomos descendência de Abraão, herdeiros de acordocom a promessa. Herdeiros do que? De todas asbênçãos que Deus prometeu a Abraão, incluindo apromessa de que a terra de Canaã seria suapossessão eterna. Esta promessa será cumprida atoda a descendência espiritual de Abraão (tanto

420

gentios crentes quanto judeus crentes) na novaterra. Pois se é verdade, conforme vimos, que aIgreja é a contraparte neotestamentária do Israeldo Antigo Testamento, então as promessas dadas aIsrael terão seu cumprimento último na Igreja.

Pode-se ainda levantar a seguinte questão: Seo sentido último das profecias desta espécie é aherança da nova terra, no estado final,conjuntamente por todo o povo de Deus (tanto judeuscomo gentios), por que é que os profetas do AntigoTestamento falam em termos tão que fizessem sentidoaos israelitas daqueles dias. Para aquelesisraelitas, o termo Israel era simplesmente um modode dizer: “o povo de Deus”. Para eles, a terra deCanaã era a terra que Deus tinha dado a seu povopor lugar de habitação e por sua possessão. Porém,o Antigo Testamento é um livro de sombras e tipos.O Novo Testamento amplia estes conceitos. Nostempos do Novo Testamento, o povo de Deus não seconstitui mais unicamente de israelitas, compequenos acréscimos de não-israelitas, mas éexpandido numa comunidade que inclui tanto gentioscomo judeus. Na época do Novo Testamento a terra,que deve ser herdada pelo povo de Deus, é expandidade modo a incluir todo o planeta. A título deilustração, observe como o próprio Cristo amplia osignificado do Salmo 37.11: “Mas os mansospossuirão o país. No Sermão do Monte, Cristoparafraseia esta passagem da seguinte forma: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão aterra” (Mt 5.5). Observe como o país do Salmo 37tornou-se a terra em Mateus 526.

421

Por esta razão, nós concordamos com osdispensacionalistas em que as profeciasveterotestamentárias, acerca da restauração deIsrael à sua terra, efetivamente aguardam, pelomenos em certo sentido, por um futuro glorioso.Contudo, não vemos este futuro glorioso comolimitado ao milênio, mas sim como envolvendo toda aeternidade; e entendemos estes futuro como sendoboas novas não apenas para os israelitas, porémpara todo o povo redimido de Deus. Entender estasprofecias apenas em termos de um cumprimentoliteral para Israel na Palestina, durante os milanos, é voltar atrás para um nacionalismo judaico enão entender o propósito de Deus para todo o seupovo redimido. Entretanto, entender estas profeciascomo indicando, para seu cumprimento último, a novaterra e seus habitantes glorificados procedentes detodas as tribos, povos e línguas, conecta estasprofecias com o progresso contínuo da revelação doNovo Testamento e as faz ter um sentido mais ricopara todos os crentes de hoje. Vemos nestasprofecias do Antigo Testamento, portanto,antecipações inspiradas das visões gloriosas deapocalipse 21 e 22.

(5) O ensino dispensacionalista acerca da postergação doReino não tem apoio nas Escrituras. Este ensino deve serdesafiado em pelo menos três pontos. Primeiro, nãoé correto dar a impressão de que todos os judeusdos dias de Jesus rejeitaram o Reino que ele lhesofereceu. Sem dúvida, muitos desses judeusrejeitaram seu Reino, mas de forma alguma todos ofizeram. Alguns, efetivamente, creram nele e se

422

tornaram seus discípulos. Considere, por exemplo,os doze, as diversas mulheres que o seguiram, asmuitas pessoas que foram por ele curadas e dessaforma vieram a crer nele, Maria, Marta e Lázaro;Nicodemos e José de Arimatéia. Pouco depois daascensão de Jesus, encontramos no livro de Atos umgrupo de irmãos em número de cento e vinte (cap.1.15), e Paulo registra uma manifestação do Cristoressurrecto a mais de quinhentos irmãos de uma sóvez (1 Co 15.6). por essa razão, não é verdade queCristo postergou o Reino quando esteve sobre aterra. Ele não somente ofereceu o Reino aos judeusde sua época; ele o estabeleceu, e várias pessoasse tornaram seus seguidores. Aos fariseus Jesusdisse: “Se, porém, eu expulso os demônios, peloEspírito de Deus, certamente é chegado o reino deDeus sobre vós” (Mt 12.28). A Pedro, como umrepresentante da Igreja, Jesus disse: “Dar-te-ei aschaves do Reino dos céus: o que ligares na terra,terá sido ligado no céu; e o que desligares naterra, terá sido desligado nos céus” (Mt 16.19).Será que estas passagens nos dão a impressão de queCristo postergou o seu Reino?

Um segundo ponto a ser criticado é este: oReino que Cristo ofereceu aos judeus de sua épocanão incluía sua ascensão a um trono terreno,conforme argumentam os dispensacionalistas. SeJesus tivesse proposto um governo sobre os judeus,a partir de um trono terreno, os seus inimigoscertamente teria utilizado esta proposta nojulgamento perante Pilatos, e teriam dela feito umaacusação. Com certeza, uma oferta deste tipo teria

423

sido citada como evidência da acusação de que Jesustinha reivindicado ser um rei sobre os judeus numsentido terreno, dessa forma teria ameaçado ogoverno de César (veja Lucas 23.2). Mas nunca sefez tal acusação. Pilatos disse especificamente aosque acusavam Jesus: “Que mal fez este? De fato nadaachei contra ele para condená-lo à morte”(Lc.23.22). O Reino que Jesus ofereceu aos judeus,e que de fato instaurou, era primariamente umaentidade espiritual: a soberania de Deus noscorações e vidas dos homens, cujo propósito era suaredenção do pecado e dos poderes demoníacos27. Porcausa disso, Jesus disse incisivamente a Pilatos:“Meu Reino não é deste mundo; se meu Reino fossedeste mundo, então meus servos lutariam, a fim deque eu não fosse entregue aos judeus: mas agora omeu Reino não é daqui” (João 18.36, ASV) 28.

Um terceiro ponto da análise crítica é que oensino dispensacionalista, acerca da postergação doReino, desperta dúvidas acerca do fato de Cristoter ido à cruz caso o Reino tivesse sido aceitopelos judeus de sua época. O problema é este: se amaioria dos judeus tivesse aceito o Reino queCristo estava oferecendo, será que isto não teriaeliminado a ida de Cristo à cruz? Podemos colocar oproblema de outra forma: A razão pela qual Cristofoi à cruz à que ele foi rejeitado pela maioria deseus concidadãos. Suponhamos, porém, que eletivesse sido aceito pela maioria dos judeus comoseu rei; isso não nos leva a pensar que suahumilhante jornada até a cruz jamais teria sidofeita?

424

Charles C. Ryrie, um escritosdispensacionalista, discute esta objeção naspáginas 161 a 168 de seu livro, Dispensationalism Today(O Dispensacionalismo Hoje). A resposta de Ryrie àobjeção pode ser resumida da seguinte forma: Mesmoque os judeus da época de Jesus tivessem aceito oReino davídico, que ele lhes oferecia, acrucificação de Cristo ainda teria sido necessáriacomo fundamental para o estabelecimento do Reino. Oproblema com esta reposta, porém é o seguinte: Se amaioria dos judeus da época de Jesus tivessemaceito a Cristo e a seu Reino, como Cristo teriachegado à cruz? Conforme a narrativa do Evangelho,Cristo foi levado à cruz por causa da inimizade eódio profundo dos judeus, especialmente de seuslíderes religiosos. Se, pois, este judeus e seuslíderes tivessem, em sua maioria, aceitado acristo, de onde teria vindo a hostilidade que viriaa resultar na crucificação?

Devemos apresentar mais uma consideração. Asugestão dispensacionalista de que a aceitaçãojudaica do Reino, que Jesus lhes oferecia, poderiater sido seguida da crucificação de Cristo, teriasignifica uma inversão na ordem dos eventospreditos nas Escrituras. Pois a seqüência previstateria envolvido, para Jesus, a seguinte ordem:primeiramente a glória (governo real) e então o sofrimento(culminando na crucificação). O próprio Cristo,contudo, explicou aos discípulos de Emaús, em Lucas24.26, que os seus sofrimentos deveriam preceder asua glória: “Não deveria o Cristo ter de sofrerestas coisas e então entrar em sua glória?” (NIV).

425

No mesmo sentido, vêm as seguintes palavras de 1Pedro 1.10,11: “A respeito desta salvação, osprofetas, que falaram da graça que estava por virsobre vós, procuraram atentamente e com o maiorcuidado, tentando descobrir o tempo e ascircunstâncias que o Espírito de Cristo estavaindicando neles, quando predisse os sofrimentos deCristo e as glórias que se seguiram” (NIV).

(6) O ensino dispensacionalista acerca da Igreja como umparêntesis não tem apoio nas Escrituras. Este ensino deveser rejeitado pelo menos por três motivos.Primeiramente, não é verdade, como osdispensacionalistas gostam de dizer29, que o AntigoTestamento nunca profetiza acerca da Igreja. OAntigo Testamento afirma claramente que os gentioscompartilharão das bênçãos da salvação com osjudeus. Em Gênesis (12.3 e 22.18) Deus diz a Abraãoque nele e em sua descendência seriam abençoadastodas as famílias ou nações da terra. No Salmo 22,geralmente considerado como um Salmo Messiânico,lemos: “Lembrar-se-ão do Senhor e a ele seconverterão os confins da terra; perante eles seprostrarão todas as famílias das nações”(v.27).Isaías menciona freqüentemente o fato de que asalvação que Deus concederá a seu povo Israel, nofuturo, é também dirigido aos gentios. No capítulo49.6 se registra o que Deus diz a seu servo, aquiconsiderado como um indivíduo: “Pouco é o seres meuservo, para restaurares as tribos de Jacó, e paratornares a trazer o remanescente de Israel; eu tedarei como luz para as nações (ou gentios, ASV),para seres a minha salvação até a extremidade da

426

terra”. No sexagésimo capítulo de Isaías, Deus sedirige da seguinte forma a seu povo israelita:“Dispõe-te, resplandece; porque vem a tua luz, e aglória do Senhor nasce sobre ti. Porque eis que astrevas cobrem a terra, e a escuridão os povos; massobre ti aparece resplendente o Senhor, e a suaglória se vê sobre ti. As nações se encaminham paraa tua luz, e os reis para o resplendor que tenasceu” (vs.1-3). À luz destas passagens pode-seentender o convite universal encontrado em Isaías45.22: “Olhai para mi, e sede salvos, vós, todos ostermos da terra; porque eu sou Deus, e não háoutro”. Malaquias prediz claramente a adoração aoDeus de Israel por parte dos gentios: “Mas desde onascente do sol até ao poente é grande entre asnações (ou gentios, ASV) o meu nome; e em todolugar lhe é queimado incenso e trazidas ofertaspuras; porque o meu nome é grande entre as nações,diz o Senhor dos exércitos” (1.11). Embora possa seadmitir que a forma precisa que a Igreja assumiriana época do Novo Testamento não esteja revelada noAntigo Testamento, não é correto dizer - como Ryrieo faz - que a Igreja não foi revelada em absolutopelo Antigo Testamento30.

Em segundo lugar, a Bíblia ensina umacontinuidade entre o povo de Deus da época doAntigo Testamento e da época do Novo Testamento;por essa razão, não se deve considerar a igrejacomo um parêntesis nos propósitos de Deus. Podemosver esta continuidade de várias formas. O termohebraico gahal, geralmente traduzido por ekklesia pelaSeptuaginta (a tradução grega da Bíblia hebraica),

427

é aplicado a Israel no Antigo Testamento31. Paramencionar somente alguns exemplos, encontramos apalavra gahal utilizada para designar a assembléia oucongregação de Israel, em Êxodo 12.6, Números 14.5,Deuteronômio 5.22, Josué 8.35, Esdras 2.64 e Joel2.16. Uma vez que a Septuaginta era a Bíblia dosApóstolos, o uso que estes faziam do termo gregoekklesia, o equivalente da Septuaginta para gahal,referindo-se à Igreja do Novo Testamento, indicaclaramente uma continuidade entre aquela Igreja e oIsrael do Antigo Testamento.

Quando, mais tarde, os escritores do NovoTestamento aplicam o termo templo de Deus paradesignar Igreja, eles deixam implícita, de modosimilar, uma continuidade entre o povo de Deus doAntigo e o do Novo Testamentos. Isto é feito, porexemplo, em 1 Coríntios 3.16,17: “Não sabeis quesois santuário de Deus, e que o Espírito de Deushabita em vós? Se alguém destruir o santuário deDeus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus,que sois vós, é sagrado” (cp.2 Co 6.16). A mesmafigura é também utilizada em Efésios 2.21,22: “noqual [Cristo] todo edifício, bem ajustado, crescepara santuário dedicado ao Senhor, no qual tambémvós juntamente estais sendo edificados parahabitação de Deus no Espírito”. Uma vez que naépoca do Antigo Testamento o templo era o lugaronde Deus habitava de um modo especial, o fato dedenominar a Igreja do Novo Testamento, como otemplo em que o Espírito de Deus faz suaresidência, indica continuidade.

428

Quando, mais uma vez, os escritores do NovoTestamento chamam a igreja neotestamentário deJerusalém, eles deixam implícita esta continuidade.Conforme vimos, a expressão “a Jerusalémcelestial”, de Hebreus 12.22, representa um grupode santos redimidos que inclui tanto judeus comogentios. A “nova Jerusalém”, que João vê “descendodos céus, da parte de Deus, ataviada como noivaadornada para o seu esposo” (Ap 21.2), representatoda a Igreja redimida de Deus, incluindo santos noNovo Testamento bem como do Antigo Testamento. Ofato de esta multidão redimida ser denominadaJerusalém, reforça esta continuidade básica entre opovo de Deus do Antigo Testamento e o povo de Deusdo Novo Testamento.

Um terceiro ponto a ser criticado é este: oconceito da Igreja como um parêntesis, queinterrompe o programa de Deus para Israel, não fazjus ao ensino das Escrituras. A idéia de uma“igreja parêntesis” implica numa espécie dedicotomia na obra redentora de Deus, como se eletivesse um propósito separado para judeus e outropara gentios. O fato de uma tal compreensão da obraredentora de Deus não provir das Escrituras já foidemonstrado anteriormente neste capítulo32.

As Escrituras ensinam claramente acentralidade da Igreja no propósito redentor deDeus. Observemos, primeiramente, o que Jesus dizacerca da igreja em Mateus 16.18,19: “Também eu tedigo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificareia minha igreja, e os poderes da morte (ou portas doHades, ASV, NIV) não prevalecerão contra ela. Dar-

429

te-ei as chaves do Reino dos céus: o que ligares naterra, terá sido ligado nos céus; e o quedesligares na terra, terá sido desligado nos céus”.Cristo ensina claramente aqui a centralidade e apermanência da Igreja; os poderes da morte nuncaterão sucesso em destruí-la. Jesus também indicaque a Igreja não é uma espécie de parêntesis ouinterlúdio esperando seu retorno para estabelecer oReino, mas sim que a Igreja é a agência principaldo Reino, uma vez que as chaves do Reino lhe sãodadas (isto é, a Pedro como representante daIgreja).

A carta de Paulo aos Efésios enfatiza, de modoparticular, a centralidade da Igreja no propósitoredentor de Deus. Em Efésios 1.22,23 lemos: “[Deus]para [Cristo] ser o cabeça sobre todas as coisas, odeu à Igreja, a qual é o seu corpo, a plenitudedaquele que a tudo enche em todas as coisas”. AIgreja é representada aqui como algo tãoimportante, a ponto de Cristo, que é sua cabeça,ter sido feito por Deus cabeça sobre todas ascoisas, a fim de que ele tenha soberania absolutasobre toda a história. Também aprendemos destapassagem que a Igreja é o corpo de Cristo,constituindo sua plenitude, de modo que Cristo nãoé completo sem a Igreja. como pode uma Igrejadescrita deste modo ser considerada como umparêntesis nos propósitos de Deus? Efésios 3.8-11lança mais luz sobre a centralidade da Igreja noplano de Deus: “Embora eu seja menos que o menor detodo o povo de Deus, esta graça me foi dada: pregaraos gentios as insondáveis riquezas de Cristo, e

430

deixar claro a todos minha administração destemistério, que foi mantido durante eras passadasoculto em Deus, o qual criou todas as coisas. Seupropósito era de que agora, através da igreja, amultiforme sabedoria de Deus seja tornada conhecidaaos governadores e autoridades nos reinoscelestiais, conforme o seu propósito eterno que elerealizou em Cristo Jesus nosso Senhor” (NIV).Aprendemos, desta passagem maravilhosa, que aIgreja realmente não foi uma reflexão tardia daparte de Deus, porém é o fruto do eterno propósitode Deus (prothesis ton aionon; literalmente, “propósitodas eras”) que ele executou em Cristo. Mais outrapassagem significativa está no capítulo 5, versos25-27: “Maridos, amai vossas mulheres, como tambémCristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou porela, para que a santificasse, tendo-a purificadopor meio da lavagem de água pela palavra, paraapresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula,nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e semdefeito”. Conforme esta passagem, a razão pela qualCristo veio ao mundo era de entregar-se a si mesmopela Igreja a fim de santificá-la e, finalmente,apresentá-la a si próprio como Igreja perfeita, semmácula, nem ruga. Agora, como pode tal Igreja serconsiderada um “parêntesis” no plano de Deus?

(7) Não há base bíblica para esperarmos que pessoas aindaserão trazidas para a salvação após Cristo ter voltado. Conformetemos visto, os dispensacionalistas ensinam que umagrande multidão de pessoas ainda será salva apósCristo retornar. Se considerarmos o arrebatamentocomo a primeira etapa da volta de Cristo, no

431

pensamento dispensacionalistas, lembraremos que umremanescente de Israel (os 144.000) e umainumerável multidão de gentios serão salvos durantea tribulação dos sete anos. Embora somente pessoasregeneradas estejam vivendo sobre a terra, noprincípio do milênio, um grande número dosdescendentes destas pessoas irá se converterdurante o milênio. Entretanto, existem indicaçõesclaras nas Escrituras de que a Igreja (incluindotanto crentes judeus como gentios) estará completaquando Cristo vier de novo. Sendo este o caso, nãodevemos esperar que as pessoas ainda serão capazesde crer em Cristo e vir à salvação após a volta deCristo.

Considere-se primeiramente o ensino de 1Coríntios 15.23: “Cada um, porém, por sua própriaordem: Cristo, as primícias; depois os quepertencem a Cristo (hoi tou Christou; literalmente, osde Cristo)”. Percebemos, pelo contexto prévio, queCristo foi ressuscitado como as primícias daquelesque dormem (v.20). O termo primícias implica quetodos aqueles que morreram em Cristo serãoigualmente nele vivificados (v.22). No verso 23,Paulo nos fornece a ordem segundo a qual estas duasressurreições ocorrem: primeiramente Cristo, entãoalgum tempo mais tarde, na vinda de Cristo, aquelesque pertencem a Cristo. As palavras “aqueles quepertencem a Cristo” implicam que todos os que sãode Cristo serão ressuscitados naquela oportunidade,não somente alguns deles. Estas palavras, portanto,não dão oportunidade para a ressurreição de outroscristão mais tarde.

432

Os dispensacionalistas afirmam que haverá maisduas ressurreições de crentes após a primeira etapada Segunda Vinda de Cristo: a ressurreição dossantos da tribulação, incluindo os santos do AntigoTestamento, e a ressurreição dos santos quemorreram durante o milênio. Algunsdispensacionalistas sustentam que “aqueles quepertencem a Cristo”, conforme mencionado em 1Coríntios 15.23, incluem crentes que sãoressuscitados após a tribulação33, mesmo estesintérpretes, todavia, ainda aguardam umaressurreição dos santos do milênio, no final dosmil anos. Mas, será que este ensino toma 1Coríntios 15.23 literalmente? Se Paulo tivesse emmente possíveis ressurreições posteriores decrentes (ou uma ressurreição posterior possível decrentes), não deveria ter ele escrito: “Cada um,porém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias;então na sua vinda alguns daqueles (ou a maioriadaqueles) que pertencem a Cristo?”

Passemos agora para 1 Tessalonicenses 3.12,13:“...e o Senhor vos faça crescer, e aumentar no amoruns para com os outros e para com todos, comotambém nós para convosco; a fim de que sejam osvossos corações confirmados em santidade, isentosde culpa, na presença de nosso Deus e Pai, na vindade nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos(meta panton ton hagion autou)”. Os dispensacionalistasinterpretam estas palavras como se referindo àsegunda etapa da Segunda Vinda de Cristo , quandoCristo retornará com sua Igreja. entretanto, já foidemonstrado anteriormente34 que não se deve fazer

433

distinção alguma entre uma vinda de Cristo paraseus santos e uma vinda de Cristo com seus santos.Contudo, mesmo considerando a interpretaçãodispensacionalista deste verso, a passagem dizclaramente que Cristo retornará com todos os seussantos, não somente com alguns deles. Como poderáisto deixar lugar para o aparecimento de outrossantos que ainda não tenham nascido, e que aindaprecisam se converter durante o milênio?

Já observamos anteriormente o ensino de Pauloacerca do arrebatamento dos crentes na hora davolta de Cristo, ensino encontrado em 1Tessalonicenses 4. Veja agora o que ele diz nosversos 16 e 17: “Porquanto o Senhor mesmo, dada asua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, eressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e osmortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depoisnós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatadosjuntamente com eles, entre nuvens, para o encontrodo Senhor nos ares, e assim estaremos para semprecom o Senhor”. Todos os intérpretes, inclusive osdispensacionalistas, concordam em que esta passagemtrata do arrebatamento da Igreja na hora da voltade Cristo. Contudo, merece ser observado que Paulodiz “os mortos em Cristo ressuscitarão”, não:“alguns dos mortos em Cristo”, ou: “a maioria dosmortos em Cristo”. Esta passagem parece igualmenteexcluir qualquer ressurreição (ões) dos mortos emCristo depois deste momento.

Mateus 24.31 diz: “E ele [o Filho do homemcuja vinda sobre as nuvens do céu foi mencionada noverso anterior] enviará os seus anjos, com grande

434

clangor de trombeta, os quais reunirão os seusescolhidos, dos quatro ventos, de uma a outraextremidade dos céus”. Os dispensacionalistas,geralmente, interpretam esta passagem como sereferindo apenas ao arrebanhamento dos judeuseleitos no final do período da tribulação35. Mas,conforme vimos36, não há razão para tal limitaçãodos eleitos aqui. Se todos os eleitos sãoentendidos aqui, que lugar ainda haverá para oarrebanhamento de ainda outros eleitos após aSegunda Vinda de Cristo ? 37.

Pedro também tem algo a dizer acerca desteproblema. Em 2 Pedro 3.4, ele afirma que osescarnecedores virão nos últimos dias, dizendo:“Onde está a promessa da sua vinda?” No verso 9Pedro responde a esta objeção com as seguintespalavras: “Não retarda o Senhor a sua promessa,como alguns a julgam demorada; pelo contrário, eleé longânimo para convosco, não querendo que nenhumpereça, senão todos cheguem ao arrependimento”. OSenhor retarda a sua vinda, diz Pedro, a fim de quemais pessoas possam se arrepender. A implicaçãoevidente destas palavras é que, depois da SegundaVinda ter ocorrido, não haverá outra oportunidadepara se voltar a Deus, em arrependimento.

Considere-se finalmente o ensino da Paráboladas Dez Virgens em Mateus 25.1-13. Nesta parábolaJesus está ensinando aos seus discípulos estaremsempre preparados para sua volta. A históriadescreve uma festa judaica de casamento, na qualdez virgens estão esperando pelo noivo a fim depoderem com ele entrar para as bodas. Enquanto o

435

noivo se atrasa, todas as virgens adormecem. Mas,quando, finalmente, o noivo chega, as virgenssábias - que tinham levado óleo para suas lâmpadas- entram com ele para a festa do casamento.Entretanto, às virgens néscias - que não tinhamlevado óleo consigo - não foi permitido entrarempara as bodas porque, depois de as outras terementrado, a porta foi fechada. Quando, mais tarde,as virgens néscias tentam ingressar para as bodas,o noivo lhes diz: “Em verdade vos digo que não vosconheço”(Mt 25.12).

A maioria dos intérpretes concorda em que asvirgens desta parábola representam todos aquelesque dizem estar esperando pela volta de Cristo; emoutras palavras, todos aqueles que parecem sermembros da Igreja de Cristo. Sem tentarmos explicarcada detalhe, podemos dizer que a lição óbvia daparábola é que todos os que aparentam ser cristãos,que não estiverem verdadeiramente prontos para avolta de Cristo, não desfrutarão da salvaçãorepresentada pelas bodas, quando ele vier, e nãoterão uma oportunidade posterior para serem salvos,uma vez que, após a entrada daqueles que estavamprontos para a festa, a porta é fechada. Portanto,a parábola claramente não dá lugar para que pessoassejam salvas após a volta de Cristo.

Uma interpretação dispensacionalista comumdesta parábola é considerar que as virgensrepresentam os santos da tribulação,especificamente os israelitas. Israel estáesperando para o fim do período da tribulação avolta do noivo e da noiva (indicando Cristo e sua

436

Igreja). Conforme J. Dwight Pentecost: “A ceia docasamento, então, torna-se a figura da parábolapara toda a era milenar, à qual Israel seráconvidado durante o período da tribulação, cujoconvite muitos rejeitarão e serão assim lançadosfora, e muitos aceitarão e serão nela recebidos”38.Esta interpretação é certamente questionável; porque deveríamos limitar aqueles que esperam pelonoivo na parábola de Jesus aos israelitas? Porém,mesmo tomando esta interpretação, a parábola aindamilita contra a posição dispensacionalista. Pois,na parábola, a porta foi fechada, após as virgensque estavam prontas terem entrado para as bodas,não deixando oportunidade para que outros entremdepois. Mesmo assim os dispensacionalistas ensinamque, inclusive após esta hora (o princípio domilênio), outras pessoas serão capazes de entrar nogozo da festa do casamento - isto é, aqueles queainda deverão nascer durante o milênio, e que aindase converterão. Em outras palavras, para osdispensacionalistas a porta não foi realmentefechada39.

(8) O milênio dos dispensacionalistas não é o milêniodescrito em Apocalipse 20.4-6. Algumas das principaisdificuldades com a doutrina de um Reino milenarterreno, após a volta de Cristo, já forammencionadas anteriormente, quando tratávamos dadiscussão do premilenismo histórico40. Aquilevantaremos algumas objeções adicionais, que sãodirigidas especialmente contra a visãodispensacionalista do milênio.

437

Devemos observar, primeiramente, que adificuldade anteriormente mencionada, de queApocalipse 20.4-6 não diz coisa alguma acerca doscrentes que não morreram, porém estão ainda vivosquando Cristo retornar41, tem peso ainda maiorcontra o premilenismo dispensacionalista do quetinha premilenismo histórico. Eu citei, no Capítulo14, a declaração de Charles Ryrie de que opropósito terreno de Israel será cumprido pelosjudeus durante o milênio, ao viverem eles sobre aterra com corpos não ressuscitados42. No mesmosentido vem a seguinte declaração de J.DwightPentecost:

“A conclusão para esta questão seria a deque o Antigo Testamento exibe uma esperançanacional, que será completamente realizada naera milenar. A esperança do crente individualdo Antigo Testamento por uma cidade eternaserá realizada na ressurreição na Jerusalémcelestial, onde, sem perder a distinção nem aidentidade, Israel ser juntará com osressuscitados e com os transladados da era daigreja para compartilhar da glória de seuReino para sempre. A natureza do milênio, comoperíodo de teste da humanidade decaída sob ojusto reinado do rei, impede a participação deindivíduos ressurrectos naquele teste. Destaforma, a era milenar dirá respeito apenas ahomens que foram salvos, mas que estarãovivendo em seus corpos naturais” 43.Ambos estes escritores, representando o ponto

de vista dispensacionalista, dizem que a era

438

milenar dirá respeito apenas a pessoas que aindaestiverem vivendo em seus corpos naturais. Alémdisso, de acordo com a posição dispensacionalista,os santos ressurrectos desempenharão apenas umpapel incidental no mil6enio. Eles participarão comCristo em certos julgamentos, e descerão da novaJerusalém (que durante o milênio estará pairandonos ares sobre a terra) para a terra a fim departicipar destes julgamentos. Estas atividadesjulgadoras, porém, serão limitadas a poucas funçõesespecíficas, uma vez que, “a atividade principaldos santos ressurrectos será na cidade nova ecelestial” 44.

Todavia, ao lermos Apocalipse 20 do modo queos dispensacionalistas querem, não encontramos napassagem nenhum referência quer a pessoas que aindavivem na hora em que o milênio começa, quer apessoas com “corpos não ressuscitados”. As palavras“e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos”(v.4) devem ser entendidas, dizem osdispensacionalistas, como indicando que aqueles queaqui descritos foram ressuscitados dentre os mortosnuma ressurreição física45. Nenhum outro significadoda palavra viveram (ezesan) é possível, assim dizemos dispensacionalistas. De acordo com estainterpretação de Apocalipse 20.4, portanto, são ossantos ressurrectos, e somente os santosressurrectos, que são aqui mencionados comoreinando com Cristo durante mil anos. Mas, conformevimos, os dispensacionalistas ensinam que os santosressurrectos desempenharão apenas uma papellimitado no milênio, pois sua atividade principal

439

será na nova e celestial Jerusalém que paira no ar,sobre a terra, durante o milênio. Osdispensacionalistas também ensinam que a eramilenar dirá respeito às pessoas não ressuscitadas,pessoas que ainda estiverem vivendo em seus corposnaturais. Mas esta passagem não diz uma palavra sequeacerca de tais pessoas! Concluímos que Apocalipse20.4-6 não descreve o milênio dosdispensacionalistas, ainda que seja interpretadoconforme os dispensacionalistas desejam que ointerpretemos. Em outras palavras, a compreensãodispensacionalista do milênio não está baseada emuma interpretação literal desta passagem maisimportante.

Temos agora de mencionar uma segunda objeção.Conforme o ensino dispensacionalista, o propósitodo Reino terreno milenar de Cristo é o de cumpriras promessas que até agora não foram cumpridas aIsrael, ou seja, restaurar os israelitas à suaterra como uma nação, e naquela terra dar aosisraelitas um lugar de exaltação acima dos não-israelitas. Em outras palavras, o propósito domilênio é desenvolver o reinado terreno que foiprometido a Davi, no qual Cristo, descendente deDavi, governará desde um trono terreno emJerusalém, sobre uma nação israelita convertida.

Se este deve ser o propósito do milênio, não éextremamente estranho que Apocalipse 20.4-6 nãomencione nenhuma palavra acerca dos judeus, danação de Israel, da terra da Palestina, ou deJerusalém? Isto não seria tão sério se a idéia darestauração de Israel fosse apenas um aspecto

440

incidental do milênio. Mas, conforme o ensinodispensacionalista, a restauração de Israel é opropósito central do milênio! Portanto é de sumaimportância que nada deste legado propósito centralesteja mencionado na única passagem bíblica quetrata diretamente do Reino milenar de Cristo:Apocalipse 20.4-6.

Concluímos que o premilenismodispensacionalistas tem de ser rejeitado, como umsistema de interpretação bíblica que não está emharmonia com as Escrituras.

441

Notas do Capítulo 15

1. Ver acima, pp.221-228.2. Ver acima, pp.223-228.3. Podem ser mencionadas as seguintes obras: Oswald

T. Allis, Prophecy and the Church (Profecia e aIgreja), Philadelphia: Presbyterian andReformed, 1945; Lous Berkhof, The Second Coming (ASegunda Vinda), Grand Rapids: Eerdmans, 1953,W.E.Cox., Biblical Studies in Final Things (EstudosBíblicos sobre as Coisas do Fim), 1967, NaExamination of Dispensationalism (Exame doDispensacionalismo), 1971, e, Amillennialism Today(Amilenismo Hoje), 1972, todos publicados porPresbyterian and Reformed; Lous A DeCaro, IsraelToday: Fultillment of Prophecy? (O Israel de Hoje:cumprimento de Profecia?), Philadelphia:Presbyterian and Reformed, 1974; W.Grier, TheMomentous Event (O Evento Momentâneo), Belfast:Evangelicam Bookshop, 1945; Floyd E. Hamilton,The Basis of Millennial Faith (A Base da Fé Milenista),Eerdmans, 1942; W.Hendriksen, Israel in Prophecy(Israel nas Profecias), Grand Rapids: Baker,1974; Philips E.Hughes, Interpreting Prophecy(Interpretando Profecias), Eerdmans, 1976; R.Bradley Jones, What, Where, and When is The Millennium?(O Que, Onde e Quando é o Milênio?), GrandRapids: Baker, 1975; Philip Mauro, The Gospel of theKingdom (O Evangelho do Reino), Boston: Hamilton,1928, e The Hope of Israel (A Esperança de Israel),Swengel Pa.: Reiner, 1929; George Murray MillennialStudies (Estudo sobre o Milênio), Grand Rapids:

442

Baker, 1948; Albertus Pieters, The Seed of Abraham(A Descendência de Abraão), Grand Rapids:Zondervan, 1937; e Martin J. Wyngaarden, TheFuture of the Kingdom (O Futuro do Reino), GrandRapids: Baker, 1955.

4. Merece ser observado que o dispensacionalismo,criticamente analisado neste capítulo, ébasicamente o mesmo que o apresentado nosrecentes best-sellers, como a obra de Hal Lindsey,Late Great Planet Earth (A Agonia do Grande PlanetaTerra), Grand Rapids: Zondervan, 1970.

5. Acima, p. 249. Ver NSB, pp. 3 e 4.6. Sobre a questão da unidade da aliança da graça,

apesar da diferença em sua administração, ver asInstitutas de Calvino, Book II, caps. 10 e 11.

7. Ver acima pp. 248, 249.8. Kingdom, p. 170.9. Observe, e.g.m. 1.18 e 2.10. Esta última passagem

diz: “vós, sim, que antes não éreis povo, masagora sois povo de Deus, que não tínheisalcançado misericórdia, mas agora alcançastemisericórdia”.

10. Uma comparação do texto grego com que aSeptuaginta traduz os versos do AntigoTestamento recém-mencionados, indicará que Pedroestá, praticamente, citando literalmente aqui, eutilizando a versão do Antigo Testamento com aqual ele e seus leitores estavam maisfamiliarizados.

11. Se a Igreja do Novo Testamento é agora a naçãosanta de Deus, que lugar é deixado para umaparecimento futuro (no milênio assim é dito) de

443

outra “nação santa”, que será distinta daIgreja?

12. Para uma maior elaboração do uso bíblico deconceitos similares aos três que acabamos dediscutir, demonstrando como as Escriturasindicam que a Igreja é o verdadeiro Israel, verMartin J. Wyngaarden, The Future of the Kingdom (OFuturo do Reino).

13. Ver acima, pp. 189-198.14. New International Version (NIV), 1978.15. Traduções semelhantes às da NIV estão também

na Today’s English Version (Versão no Inglês de Hoje) ea Jerusalem Bible (Bíblia de Jerusalém).

16. Entretanto, mesmo o fato de sugerir que estesserão sacrifícios memoriais viola o princípio deinterpretação literal da profecia. Acerca dotermo hebraico usado para descrever o propósitodestes sacrifícios em Ezequiel 45.15,17 e 20: éa forma piel de kaphar (Traduzido por “fazerreconciliação” RSV) ou “fazer expiação” [ASV,RSV]. Porém, este é exatamente o termo utilizadona descrição que o Pentateuco faz dossacrifícios do Antigo Testamento, para indicarseu propósito propiciatório ou expiatório (verLv 6.30; 8.15; 16.6, 11, 24, 30, 32, 33, 34; Nm5.8; 15.28; 29.5). Se os sacrifícios mencionadosem Ezequiel devem ser interpretadosliteralmente, eles têm de ser ofertasexpiatórias e não memorais.

17. Walvoord, Kingdom, pp. 100-102, 298.18. Para uma maior elaboração destes conceitos,

ver Capítulo 20.

444

19. Pode-se admitir que poderia haver umcumprimento adicional desta profecia no futurolongínquo. Mais, adiante neste capítulo,trataremos da questão dos cumprimentos múltiplosdas profecias. Aqui é importante observarmos quenão se pode dizer que esta profecia não foicumprida literalmente.

20. Observe também que, em 24.5-6 (que vem noCapítulo imediatamente seguinte a 23.3),Jeremias se refere claramente à volta docativeiro babilônico (ou caldeu): “Do modoporque vejo estes bons figos, assim favorecereios exilados de Judá, que eu enviarei deste lugarpara a terra dos caldeus. Porei sobre elesfavoravelmente os meus óleos, e os farei voltarpara esta terra...”

21. Alva J. McClain, The Greatness of the Kingdom (AGrandeza do Reino), p. 200.

22. J.Dwight Pentecost, Things to Come (Coisas porvir), p. 490.

23. Ibid., p. 561.24. Por essa razão podemos ver, nesta passagem

profética, uma predição do futuro glorioso dopovo de Deus na nova terra.

25. Observe também que não é dito que Cristo“voltará”, mas sim Deus, uma vez que Amós estáfalando acerca da ação de Deus.

26. Um desenvolvimento mais completo do ensino dasEscrituras sobre a nova terra será fornecido noCapítulo 20.

27. Não é correto dizer - como osdispensacionalistas freqüentemente acusam os

445

amilenistas de dizerem - que o Reino que Jesusofereceu e estabeleceu era apenas espiritual. OReino de Deus envolve nossas atividades em todasas áreas da vida, tanto a material como aespiritual. Mas agora é primariamente um governode Deus através de Cristo em nossos corações evidas. Ulteriormente esse Reino incluirá umgoverno visível de Cristo com Deus Pai sobre anova terra, como um aspecto da glorificação deCristo. Contudo, durante o ministério de Cristo,na época de sua primeira vinda, essa etapa doReino ainda era futura.

28. Para uma maior elaboração sobre o significadodo Reino de Deus, ver acima, Capítulo 4.

29. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith (As Bases daFé Premilenista), p. 136; cp. Pentecost, Things toCome (Coisas Porvir), p. 201.

30. The Basis of the Premillennial Faith (As Bases da FéPremilenista), p. 136;

31. “... Pela LXX, a ekklesia do Novo Testamento é ocumprimento do gahal do Antigo Testamento...”(K.L.Schmidt, “ekklesia”, TDNT, III p. 530).

32. Ver acima, pp. 262-269.33. Ver, e.g., Pentecost, Things to Come (Coisas

Porvir), p. 176.34. Ver acima p. 229.35. NSB p.1033, número 4.36. Ver acima, pp. 199, 223-224.37. Sobre este assunto, observe a seguinte

declaração da Confissão Belga, Artigo 37:“Finalmente, cremos, de acordo com a Palavra deDeus, que, quando o tempo indicado pelo Senhor

446

(que é desconhecido para todas as criaturas) forchegado e o número dos eleitos for completado, onosso Senhor Jesus Cristo virá dos céus...”(Psalter Hymnal - Hinário do Saltério - daChristian Reformed Church - Igreja Cristã Reformada-, 1959, Seção de Padrões Doutrinários, p. 20).

38. Pentecost, Things to Come (Coisas Porvir), p.227. Para uma posição similar, ver J.F.Walvoord,The Rapture Question (A Questão do Arrebatamento),Findlay: Dunham, 1957, pp.113, 114; eL.S.Chafer, Systematic Theology (TeologiaSistemática), Dallas: Dallas Seminary Press,1947, V. pp. 131 ss.

39. Uma vez que a maioria dos adeptos dopremilenismo histórico (em distinção aodispensacionalista) também crêem que as pessoasserão convertidas e salvas durante o milênio, asconsiderações recém-apresentadas militamigualmente contra sua posição sobre o milênio.

40. Ver acima, pp. 244-247.41. Acima, pp.244-245.42. Acima, p. 25343. Things to Come (Coisas Porvir), p. 54644. Walvoord, Kingdom, p.329. Ver acima, pp.253-

254.45. Ver J.F.Walvoord, The Revelation of Jesus Christ (A

Revelação de Jesus Cristo), Chicago: Moody,1966, pp. 297,298 e 300.

447

CAPÍTULO 16

O MILÊNIO DE APOCALIPSE 20

Neste capítulo faremos uma tentativa deapresentar, com certo detalhe, a posição amilenistasobre o milênio descrito em Apocalipse 20. Antes deolharmos mais atentamente para Apocalipse 20,entretanto, deveríamos primeiramente nos ocupar coma questão da interpretação do livro do Apocalipse,que me parece mais satisfatório (embora não semdificuldades), é aquele conhecido por paralelismoprogressivo, mui habilmente defendido por WilliamHendriksen em More Than Conquerors (Mais queVencedores), seu comentário do Apocalipse1. Deacordo com esta posição, o livro do Apocalipseconsiste de sete seções que se desenrolamparalelamente entre si, cada uma delas retratando aIgreja e o mundo desde a época da primeira vinda deCristo até o tempo de sua Segunda Vinda.

A primeira destas seções é encontrada noscapítulos 1 a 3. João vê o Cristo ressurrecto eglorificado andando entre sete candeeiros de ouro.Em obediência à ordem de Cristo, João passa agora aescrever cartas para cada uma das sete igrejas daÁsia Menor. A visão do Cristo glorificado,juntamente com as cartas às sete Igrejas, formaobviamente uma unidade. Ao lermos estas cartasficamos impressionados com duas coisas. Primeiro,existem referências a eventos, pessoas e lugares daépoca em que o livro do Apocalipse foi escrito.

448

Segundo, os princípios, recomendações eadvertências contidos nestas cartas têm valor paraa Igreja de todos os tempos. Na verdade, estas duasobservações provêem uma chave para a interpretaçãode todo o livro. Uma vez que o livro do Apocalipsefoi endereçado à Igreja do primeiro século a D.,sua mensagem tem referência a eventos que ocorriamnaquela época, e por essa razão tinha relevânciapara os cristãos daqueles dias. Mas, como o livrotambém era dirigido à Igreja ao longo das eras, suamensagem ainda é relevante para nós nos dias dehoje.

A segunda dessas sete seções é a visão dossete selos, encontrada nos capítulos 4 a 7. João éarrebatado ao céu e vê a Deus assentado em seutrono radiante. Então ele vê o Cordeiro, que tinhasido morto, tomando o rolo selado com sete selos damão daquele que está assentado no trono, indicandoque Cristo conquistou a vitória decisiva sobre asforças do mal, e dessa maneira é digno de abrir osselos. Então os selos são quebrados, e diversosjulgamentos divinos sobre o mundo são descritos.Nesta visão, vemos a Igreja sofrendo provações eperseguições sobre o pano de fundo da vitória deCristo. Se alguém perguntar: Como saberemos quandotermina uma destas sete seções paralelas (à exceçãoda primeira, que forma uma unidade óbvia), aresposta é que cada um das sete termina com umaindicação de que o tempo do fim é chegado. Talindicação pode ser fornecida por uma referência aojuízo final, no fim da história, ou ao estado finalde bem-aventurança do povo de Deus, ou a ambos. No

449

final desta seção encontramos ambos. Existe umareferência ao juízo final no capítulo 6.15-17: “Osreis da terra, os grandes, os comandantes, osricos, os poderosos, e todo escravo e todo livre seesconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes,e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobrenós, e escondei-nos da face daquele que se assentano trono, e da ira do Cordeiro, porque chegou ogrande dia da ira deles; e quem é que pode suster-se? Mas temos também uma descrição do estado finalde felicidade daqueles que saíram da grandetribulação no capítulo 7.15-17: “razão porque seacham diante do trono de Deus e o servem de dia ede noite no seu santuário; e aquele que se assentano trono estenderá sobre eles o seu tabernáculo.Jamais terão fome, nunca mais terão sede, não cairásobre eles o sol, nem ardor algum, pois o Cordeiroque se encontra no meio do trono os apascentará eos guiará para as fontes da água da vida. E Deuslhe enxugará dos olhos toda lágrima”.

A terceira seção, encontrada nos capítulos 8 a11, descreve as sete trombetas de juízo. Nestavisão, vemos a Igreja vingada, protegida evitoriosa. Esta seção termina com uma referênciaclara ao juízo final: “Na verdade, as nações seenfureceram; chegou, porém a tua ira, e o tempodeterminado para serem julgados os mortos, para sedar o galardão aos teus servos, os profetas aossantos e aos que temem o teu nome, assim aospequenos como aos grandes, e para destruíres os quedestroem a terra” (11.18).

450

A quarta seção, capítulos 12 a 14, começa coma visão da mulher dando à luz um filho, enquantoque o dragão espera para devorá-lo tão logo tenhanascido - uma referência óbvia ao nascimento deCristo. O restante da seção descreve a oposiçãocontínua que o dragão (que representa Satanás) fazà Igreja. aqui somos introduzidos às duas bestas,que são auxiliares do dragão: a besta que emerge domar e a besta que emerge da terra. Esta seçãotermina com uma descrição figurada da vinda deCristo para o juízo: “Olhei, e eis uma nuvembranca, e sentado sobre a nuvem um semelhante afilho de homem, tendo na cabeça uma coroa de ouro,e na mão uma foice afiada. Outro anjo saiu dosantuário, gritando em grande voz para aquele quese achava sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice eceifa, pois chegou a hora de ceifar, visto que aseara da terra já secou. E aquele que estavasentado sobre a nuvem passou a sua foice sobre aterra, e a terra foi ceifada” (14.14,15).

A quinta seção é encontrada nos capítulos 15 e16. Ela descreve as sete taças da ira, retratandodessa forma, de um modo gráfico, a visitação finalda ira de Deus sobre aqueles que permanecemimpenitentes. Esta seção também termina com umareferência ao juízo final: “E a grande cidade sedividiu em três partes, e caíram as cidades dasnações. E lembrou-se Deus da grande Babilônia paradar-lhe o cálice do vinho do furor da sua ira. Todailha fugiu e os montes não foram achados”(16.19,20).

451

A sexta seção, capítulos 17 a 19, descreve aqueda da Babilônia e das bestas. Babilôniarepresenta a cidade mundial - as forças dosecularismo e ateísmo que estão em oposição aoReino de Deus. O final do capítulo 19 retrata aqueda dos dois auxiliares do dragão: a besta queemerge do mar e o falso profeta, que aparentementeé a mesma figura que a besta que emerge da terra(veja 16.13). Mais uma vez temos referências clarasao tempo do fim, no final desta seção. O capítulo19, verso 11, descreve a Segunda Vinda de Cristo:“Vi o céu aberto, e eis um cavalo branco. O seucavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro, e julga epeleja com justiça”. Mais adiante, no capítulo, éapresentado o castigo final dos dois auxiliadoresdo dragão: “E vi a besta e os reis da terra, com osseus exércitos, congregados para pelejarem contraaquele que estava montado no cavalo, e contra o seuexército. Mas a besta foi aprisionada, e com ela ofalso profeta que, com os sinais feitos diantedela, seduziu aqueles que receberam a marca dabesta, e eram os adoradores da sua imagem. Os doisforam lançados vivos dentro do lago do fogo quearde com enxofre” (19.19,20).

A sétima seção, capítulos 20 a 22, narra acondenação do dragão (que é Satanás), completandodesta forma a descrição da destruição dos inimigosde Cristo. O juízo final e o castigo final dosímpios estão descritos no final do capítulo 20: “Vium grande trono branco e aquele que nele seassenta... Vi também os mortos, os grandes e ospequenos, postos em pé diante do trono. Então se

452

abriram livros. Ainda outro livro, o livro da vida,foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo assuas obras... Então a morte e o inferno foramlançados para dentro do lago de fogo. Esta é asegunda morte, o lago de fogo. E, se alguém não foiachado inscrito no livro da vida, esse foi lançadopara dentro do lago de fogo” (vv.11,12,14,15). Emadição, esta seção descreve o triunfo final deCristo e sua igreja, e o universo renovado, aquichamado de novos céus e nova terra.

Observe que, embora estas sete seções sejamparalelas entre si, elas também revelam um certoprogresso escatológico. A última seção por exemplo,nos leva mais longe, no futuro, do que as outrasseções. Embora o juízo final já tenha sido descritoresumidamente em 6.12-17, ele não é apresentado emmaior detalhe até chegarmos a 20.11-15. Embora ogozo final dos redimidos, na vida por vir, tenhasido esboçado em 7.15-17, somente encontramos umadescrição detalhada e elaborada da vida sobre anova terra ao alcançarmos o capítulo 21 (21.1 a22.5). Por isso este método de interpretação édenominado paralelismo progressivo.

Encontramos a progressão escatológica nestassete seções não apenas em relação a cada seção, mastambém no que diz respeito ao livro como um todo.Se admitirmos que o livro do Apocalipse retrata aluta de Cristo e sua Igreja, por um lado, contra osinimigos de Cristo e da igreja pelo outro, podemosdizer que a primeira metade do livro (caps. 1-11)descreve a luta na terra, retratando a Igrejaenquanto perseguida pelo mundo. A segunda metade do

453

livro, porém (caps. 12-22), nos fornece o pano defundo espiritual e mais profundo desta luta,mostrando a perseguição da Igreja pelo dragão(Satanás) e seus auxiliadores. À luz desta análise,vemos como a última seção do livro (20-22) seencaixa bem. Esta última seção descreve ojulgamento que recai sobre Satanás, e suacondenação final. Uma vez que Satanás é o oponentesupremo de Cristo, é bastante lógico que suacondenação seja narrada por último.

Agora, estamos prontos para a interpretação doApocalipse 20.1-6, a única passagem da Bíblia quefala, explicitamente, de um Reino de mil anos.Observe primeiramente que a passagem claramente seauto-divide em duas partes: os versos 1-3, quedescrevem o aprisionamento de Satanás; e os versos4-6, que descrevem o reinado de mil anos de certosindivíduos com Cristo.

A interpretação premilenista destes versos osentende como descrevendo um Reino milenar de Cristona terra, que se seguirá à sua Segunda Vinda. E éverdade que se fez referência à Segunda Vinda deCristo no capítulo anterior (veja 19.11-16). Se,pois, alguém considerar Apocalipse 20 comomostrando o que cronologicamente se segue ao quefoi descrito no Capítulo 19, esta pessoa realmenteconcluiria que o milênio de Apocalipse 20.1-6 viráapós a volta de Cristo.

Entretanto, conforme indicamos acima, oscapítulos 20 a 22 constituem a última das seteseções do livro do Apocalipse e, por essa razão,não descrevem o que se segue na volta de Cristo.

454

Antes, Apocalipse 20.1 nos traz mais uma vez, devolta ao início da era do Novo Testamento.

Que esta é a interpretação adequada destesversos fica claro não apenas a partir do que foidesenvolvido acima, mas também do fato de que esteCapítulo descreve a derrota e a condenação final deSatanás. Certamente, a derrota de Satanás teveinício com a primeira Vinda de Cristo, conforme jáfoi claramente demonstrado no Capítulo 12, versos7-9. O fato de que o Reino milenar, retratado em20.4-6, acontece antes da Segunda Vinda de Cristofica evidente porque o juízo final, descrito nosversos 11 a 15 deste Capítulo, é retratado comovindo após o Reino de mil anos. Não somente nolivro do Apocalipse, mas também em todo o restantedo Novo Testamento, o juízo final está associadocom a Segunda Vinda2 . Sendo este o caso, ficaóbvio que o reinado milenar de Apocalipse 20.4-6tem de ocorrer antes e não depois da Segunda Vinda deCristo. Passemos agora a examinar, mais de perto,Apocalipse 20.1-6. Começamos com os versos 1-3:

“Então vi descer do céu um anjo; tinha nanão a chave do abismo e uma grande corrente.Ele segurou o dragão, a antiga serpente, que éo diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos;lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobreele, para que não mais enganasse as nações atése completarem os mil anos. Depois disto énecessário que ele seja solto pouco tempo”.Nestes versos, temos uma descrição do

aprisionamento de Satanás. É dito do dragão, aquiclaramente identificado como “o diabo” ou

455

“satanás”, que ele será preso por mil anos, e entãolançado num lutar denominado “a cova sem fundo” ou“abismo” (ASV, NIV). O propósito desteaprisionamento é “para que não mais enganasse asnações até se completarem os mil anos”.

O livro do Apocalipse está cheio de númerossimbólicos. Portanto, parece bem provável que onúmero “mil”, utilizado nesta passagem, não devaser interpretado de forma estritamente literal. Umavez que o número dez significa totalidade, e umavez que mil é dez elevado à terceira potência,podemos considerar a expressão “mil anos” comoindicando um período completo, um período muitolongo de duração interminada. De acordo com o quefoi dito acima acerca da estrutura do livro, e àluz dos versos 7-15 deste capítulo (que descreve a“curta temporada” de Satanás, a batalha final e ojuízo final), podemos concluir que este período demil anos se estende da primeira vinda de Cristo atéimediatamente antes de sua Segunda Vinda.

Uma vez que o “lago de fogo”, mencionado nosversos 10,14 e 15, represente obviamente o lugar docastigo final, a “cova sem fundo” ou “abismo”mencionado nos versos 1 e 3 não pode ser o lugar docastigo final. Este termo deveria antes serconsiderado como uma descrição figurada do modopelo qual as atividades de Satanás serãorestringidas durante o período dos mil anos.

O que, pois, se quer dizer com oaprisionamento de Satanás? Nos tempos do AntigoTestamento, ao menos na era pós-abraâmica, todas asnações do mundo, com exceção de Israel, estavam sob

456

o governo de Satanás, por assim dizer. Naquelaépoca, o povo de Israel era o recipiente darevelação especial de Deus, de modo que elesconheciam a verdade de Deus acerca de si próprios,acerca de sua pecaminosidade e acerca do modo peloqual poderiam obter o perdão dos seus pecados(embora se deva admitir que este conhecimento lhesfoi dado em tipos e sombra, sendo entãoincompleto). Durante esta mesma época, entretanto,as outras nações do mundo não conheciam estaverdade, e por esta razão estavam em ignorância eerro (veja Atos 17.30) - com exceção de eventuaispessoas, famílias ou cidade que chegaram a tercontato com a revelação especial de Deus. Poder-se-ia dizer que durante esta época estas nações eramenganadas por Satanás, assim como nossos primeirospais foram enganados por Satanás quando caíram nopecado no Jardim do Édem.

Imediatamente antes de sua ascensão, porém,Cristo deu a Grande Comissão para seus discípulos:“Ide, portanto, fazei discípulos de todas asnações” (Mt 28.19). Neste momento, pode-se bemimaginar os discípulos trazendo uma intrigantequestão: Como poderemos fazer isto, se Satanáscontinua a enganar as nações, do modo como ele ofez no passado? Em Apocalipse 20.1-3, João traz umaresposta tranqüilizadora a esta pergunta.Parafraseando, sua resposta é mais ou me assim:“Durante a era do Evangelho, que foi instauradaagora, Satanás não será capaz de continuarenganando as nações de modo como o fez no passado,pois ele foi aprisionado. Portanto, durante todo

457

este período, vocês discípulos de Cristo, serãocapazes de pregar o Evangelho e de fazer discípulosdentre todas as nações”.

Isto não significa que Satanás não possa fazerqualquer mal enquanto estiver preso. significaapenas o que João está dizendo aqui. EnquantoSatanás estiver preso, ele não poderá enganar asnações de modo a impedí-las de aprenderem acerca daverdade de Deus. Mais adiante, neste capítulo, Joãono diz que, quando os mil anos tiverem passado,Satanás será solto de sua prisão e sairá paraenganar as nações do mundo, para reuni-lasconjuntamente para a luta contra o povo de Deus(vv.7-9). Isto, porém, ele não pode fazer enquantoestá preso. Concluímos, então que o aprisionamentode Satanás durante a era do Evangelho significaque, primeiramente, ele não pode impedir adisseminação do Evangelho e, em segundo lugar, elenão pode congregar todos os inimigos de Cristo paraatacarem conjuntamente a igreja.

Haverá alguma indicação, no Novo Testamento,de que Satanás estava preso na época da primeiravinda de Cristo? De fato há. Quando os fariseusacusaram Jesus de expulsar demônio pelo poder deSatanás, Jesus respondeu: “Ou, como pode alguémentrar na casa do valente e roubar-lhe os bens semprimeiro amarrá-lo?” (Mt 12.29). É bem interessanteque a palavra utilizada por Mateus, para descrevero aprisionamento do homem valente, é a mesmapalavra utilizada em Apocalipse 20 para descrever oaprisionamento de Satanás (o termo grego deo).Poderia se dizer que Jesus amarrou o diabo quando

458

triunfou sobre ele no deserto, recusando-se a cederàs suas tentações. O fato de Jesus expulsar osdemônio, assim ele nos ensina nesta passagem, foiuma evidência deste triunfo. Alguém poderia contra-argumentar, dizendo que o aprisionamento deSatanás, aqui mencionado, está apresentado mais emconexão com a expulsão de demônios do que emconexão com a pregação do Evangelho. Porém, euresponderia que a expulsão de demônios é umaevidência da presença do Reino de Deus (Mt 12.28),e que é exatamente porque o Reino de Deus é chegadoque se pode agora pregar o Evangelho a todas asnações (veja Mateus 13.24-30, 47-50).

Quando os setenta retornaram de sua missão depregação, disseram a Jesus: “Senhor, os própriosdemônios se nos submetem pelo teu nome!” Jesusrespondeu: “Eu via a Satanás caindo do céu como umrelâmpago” (Lc. 10.17-18). Nem é necessário dizerque estas palavras não devem ser interpretadas comosugerindo uma descida literal de Satanás desde oscéus naquela hora. Elas devem antes ser entendidasno sentido de que, nas obras que seus discípulosestavam realizando, Jesus via uma indicação de queo reino de Satanás tinha acabado de sofrer um golpedemolidor - que, na verdade, acabara de acontecerum certo aprisionamento de Satanás, uma certarestrição de seu poder. Neste evento, a queda ouaprisionamento de Satanás está diretamenteassociada com a atividade missionária dosdiscípulos de Jesus. Outra passagem que descreve arestrição das atividades de Satanás, em relação àabrangência missionária de Cristo, é João 12.31,32:

459

“Chegou o momento de ser julgado este mundo, eagora o seu príncipe será expulso. E eu, quando forlevantado da terra, atrairei todos a mim mesmo”. Éinteressante observar que o verbo grego traduzidopor “expulsar” (ekballo) é derivado da mesma raizque o termo utilizado em Apocalipse 20.3: “lançou-o(ballo) [Satanás] no abismo”. Ainda maisimportante, porém, é a observação de que a“expulsão” de Satanás está associada aqui com ofato de que não somente judeus, mas também homensde todas as nacionalidades serão atraídos a Cristoquando ele estiver na cruz.

O aprisionamento de Satanás, descrito emApocalipse 20.1-3, portanto, significa que, aolongo da era do Evangelho na qual vivemos agora, ainfluência de Satanás, embora certamente nãoeliminada, é tão restringida que ele não podeimpedir a disseminação do Evangelho às nações domundo. Por causa do aprisionamento de Satanásdurante esta era presente, as nações não podemconquistar a igreja, mas a igreja está conquistandonações.

Passamos agora aos versos 4 a 6, a passagemque trata do Reino de mil anos:

“(4) Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade dejulgar. Vi ainda as almas dos decapitados porcausa do testemunho de Jesus, bem como porcausa da Palavra de Deus, tantos quantos nãoadoraram a besta, nem tão pouco a sua imagem,e não receberam a marca na fronte e na mão; eviveram (ezesan) e reinaram com Cristo durante

460

mil anos. (5) Os restantes dos mortos nãoreviveram (ezesan) até que completassem os milanos. Esta é a primeira ressurreição. (6) Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte naprimeira ressurreição; sobre esses a segundamorte não tem autoridade; pelo contrário,serão sacerdotes de Deus e de Cristo, ereinarão com ele os mil anos”.

Observamos, anteriormente, que os versos 1 a 3mencionam um período de “mil anos”. Observamosagora que os versos 4 a 6 também se referem a umperíodo de mil anos. Embora seja possível entenderos “mil anos” dos versos 4 a 6, como descrevendoum período de tempo diferente dos “mil anos” dosversos 1 a 3, não há nenhuma razão forte para ofazermos, especialmente porque a expressão “os milanos” (ta chilia ete) aparece duas vezes, uma no verso3 e outra no verso 5. Por causa disso podemosadmitir, seguramente, que os versos 1 a 3 e osversos 4 a 6 se ocupam do mesmo período de “milanos”. Este período, conforme vimos, abrange toda adispensação do Novo Testamento, desde a época daprimeira vinda de Cristo até imediatamente antes dotempo da Segunda Vinda de Cristo.

Observemos mais acuradamente o verso 4: “Vitambém tronos, e nestes sentaram-se aqueles aosquais foi dada autoridade de julgar”. A primeiraquestão a tratarmos aqui é: Onde estão estestronos? Leon Morris destaca o fato de que no livrode Apocalipse a palavra “trono” é utilizadaquarenta e sete vezes, e que todos estes tronos, à

461

exceção de três (2.13; 13.2; 16.10), parecem estarnos céus3. Se acrescentarmos a esta consideração ofato de João ver “as almas dos decapitados”, somoscorroborados na conclusão de que o local da visãode João foi agora transferido para o céu. Podemosentão dizer que, embora o período de mil anos,descrito nestes seis versos, seja inteiramente omesmo, os versos 1 a 3 descrevem o que se passa naterra durante esta época, e os versos 4 a 6retratam o que acontece no céu.

João vê aqueles a quem foi dada autoridade dejulgar assentados em tronos. O livro de Apocalipsese ocupa muito de questões de justiça,especialmente para os cristãos perseguidos.Portanto, é de alta significância que o julgamentoda visão de João (ou “autoridade de julgar”, NIV) éconferido àqueles que estão assentados nos tronos.A descrição que João faz deles, como “assentados emtronos”, é um modo concreto de expressar a idéia deque eles estão reinando com Cristo (veja a últimaparte do verso 4). Aparentemente, este ato dereinar inclui a autoridade de proceder a algum tipode julgamento. Se isto significa simplesmenteconcordar e estar agradecido pelos julgamentosfeitos por Cristo, ou se isto significa que àquelesque estão assentados nos tronos é dada aoportunidade de fazerem seus próprios julgamentosacerca de assuntos terrenos, não nos é revelado. Ofato de que reinar e julgar estão, às vezes,interrelacionados, fica evidente a partir daspalavras de Cristo a seus discípulos: “Em verdadevos digo que vós, os que me seguistes, quando, na

462

regeneração, o Filho do homem se assentar no tronoda sua glória, também vos assentareis em dozetronos para julgar as doze tribos de Israel” (Mt19.28) 4.

Perguntamos agora: Quem está assentado nestestronos? Para responder a esta pergunta, temos deolhar mais adiante na passagem, e observar queaqueles a quem João viu nesta visão são descritoscomo tendo “vindo à vida” (v.4) e são distinguidosdos “restantes dos mortos” no verso 5. Em outraspalavras, João teve uma visão acerca de certaspessoas que morreram, as quais ele distingue deoutras pessoas que também morreram. Ao examinarmoscuidadosamente o verso 4, parece que João vê aquiduas classes de pessoas mortas: um grupo maior decrentes mortos, e um grupo menor daqueles quemorreram como mártires da fé cristã.

A primeira sentença do verso 4 descreve oscrentes que morreram, a quem João vê assentados emtronos, compartilhando do reinado de Cristo eexercendo sua autoridade em realizar julgamentos.Este reinado é um cumprimento de uma promessaanteriormente registrada no livro do Apocalipse:“Àquele que vencer, eu darei o direito de sentarcomigo em meu trono, assim como eu venci, e mesentei com meu Pai no seu trono” (3.21, NIV).

Conforme a visão prossegue, porém, João vê umgrupo específico de crentes mortos, a saber, osmártires: “vi ainda as almas dos decapitados porcausa do testemunho de Jesus, bem como por causa daPalavra de Deus, tantos quantos não adoraram abesta, nem tão pouco a sua imagem, e não receberam

463

a marca na fronte e na mão”. As palavras: “as almasdos decapitados” se referem obviamente a mártires -cristão fiéis que preferiram antes entregar suasvidas do que negar seu salvador. Esta passagem, naverdade, é uma espécie de paralela a uma passagemanterior do livro, Apocalipse 6.9: “Quando eleabriu o quinto selo, vi debaixo do altar as alamasdaqueles que tinham sido mortos por causa daPalavra de Deus e por causa do testemunho quesustentavam”. Quando João adiciona o fato de queestes aqui descritos “não adoraram a besta, nem tãopouco a sua imagem”, ele está descrevendo melhor osmártires cristãos. Aprendemos em Apocalipse 13.15que aqueles que se recusassem a adorar a imagem dabesta deveriam ser mortos.

A visão, portanto, se refere às almas de todosos cristãos que morreram, mas especialmente àsalmas daqueles que morreram como mártires, porcausa de sua lealdade a Cristo5. Se perguntarmoscomo pôde João ver as almas daqueles que tinhammorrido, a resposta será que João viu tudo isto emuma visão. Alguém também poderia perguntar: comopôde João ver um anjo amarrando o diabo e oprendendo por mil anos com uma grande corrente?

Agora vêem as palavras mais controvertidas dapassagem: “E viveram e reinaram com Cristo durantemil anos”. Os intérpretes premilenistas, sejam elesdispensacionalistas ou não, entendem estas palavrascomo descrevendo uma ressurreição literal e físicados mortos, e por esta razão, encontram nestapassagem uma prova para um reinado milenar de

464

Cristo na terra, após sua Segunda Vinda. Será estaa interpretação correta dessa passagem?

Deve ser admitido que a palavra gregatraduzida por “viveram”, ezesan, pode-se referir auma ressurreição física (veja, por exemplo, Mt9.18; Rm. 14.9; 2 Co 13.4; Ap 2.8). A questão,porém, é se é isto que a palavra significa aqui.

Parece que João está falando aqui sobre umaespécie de ressurreição, a partir da segundasentença do verso 5: “Esta é a primeiraressurreição” - palavras que se referem obviamenteao viver e reinar com Cristo no verso 4. Mas, seráesta “primeira ressurreição” uma ressurreiçãofísica - um ressuscitar o corpo dentre os morto?Aparentemente não, uma vez que a ressurreição docorpo dentre os mortos é mencionada mais adiante noCapítulo, nos versos 11 a 13, como algo diferentedo que é descrito aqui. Os premilenistasinterpretam a descrição dos versos 11 a 13 comosendo a ressurreição dos incrédulos que, dizemeles, acontece após o milênio, uma vez que aressurreição dos crentes ocorreu antes do milênio.Entretanto, devemos questionar a idéia da separaçãoda ressurreição de incrédulos da dos crentes por umintervalo de mil anos, especialmente à luz daspalavras de Jesus, em João 5.28,29: “Vem a hora emque todos os que se acham nos túmulos ouvirão a suavoz e sairão: os que tiverem feito o bem, para aressurreição da vida; e os que tiverem praticado omal, para a ressurreição do juízo” [grifo meu]6.Além disso, o argumento de que a ressurreiçãoretratada em Apocalipse 20.11-13 seja somente a

465

ressurreição de incrédulos não pode ser provado.Embora tenha sido dito que se o nome de alguém nãofor encontrado no livro da vida, ele será lançadono lago do fogo (v.15), estas palavras não provamque nenhum daqueles que foram ressuscitados tenhatido seu nome escrito no livro da vida. Concluímosque, no final do capítulo 20, o que está descrito éa ressurreição geral, e aquilo que é descrito naúltima cláusula de 20.4 deve ser outra coisa quenão uma ressurreição física ou corporal.

O que significam, então as palavras: “e vieramà vida (ou viveram, ASV), e reinaram com Cristodurante mil anos?” A chave já foi fornecida no ver4a. Ali João disse: “Vi também tronos, e nestessentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridadede julgar”. O restante do verso deixa claro queaqueles que estão assentados em tronos eram asalmas das pessoas que tinham morrido - crentes quepermaneceram fiéis a Cristo, e especialmentemártires que selaram sua fé com suas vidas. Este éo grupo que João vê como “vivendo e reinando comCristo”. Embora estes crentes tenham morrido, Joãoos vê vivos, não no sentido corporal, mas nosentido de que eles estão desfrutando da comunhãocom Cristo no céu. Esta é uma vida de muitafelicidade - veja, por exemplo, as palavras dePaulo acerca da condição dos crentes entre a mortee a ressurreição em Filipenses 1.23 e 2 Coríntios5.87. é uma vida na qual estes crentes que forammortos se assentam em tronos, compartilhando doreinado de Cristo sobre todas as coisas,

466

compartilhando inclusive de sua atividadejulgadora.

Por essa razão entendemos que a palavra ezesan(viveram, ou vieram à vida) no verso 4, descreve ofato de que as almas dos crentes que morreram estãoagora vivendo com Cristo no céu e compartilhando deseu reinado durante o estado intermediário entremorte e ressurreição. O período de mil anos duranteo qual estas almas vivem e reinam com Cristo é,conforme vimos, toda a era do Evangelho, desde aprimeira vinda de Cristo até a Segunda Vinda. Emoutras palavras, estamos agora no milênio, e oreinado de Cristo com os crentes durante estemilênio não é terreno, mas sim celestial8.

George Eldon Ladd discorda da interpretaçãoacima, afirmando que a palavra zao (a forma presentede ezesan) nunca é utilizada no Novo Testamento paradescrever algumas vivendo após a morte do corpo9.Eu creio, porém, que há pelo menos um caso de taluso no Novo Testamento, no vigésimo capítulo deLucas. Jesus citou as palavras que Deus proferira aMoisés na sarça ardente aos saduceus, que negavam aressurreição do corpo: “Eu sou o Deus de Abraão, oDeus de Isaque e o Deus de Jacó” (v.37, citandoÊxodo 3.6). Então Jesus acrescentou estas palavras:“Ele não é o Deus dos mortos, mas dos vivos, poispara ele todos estão vivos” (v.38, NIV). Destaforma, Jesus provou a doutrina da ressurreição docorpo a partir do Pentateuco, o qual os saduceusaceitavam como autoridade.

Para nosso propósito, contudo, é importanteque, de acordo com Josefo, os saduceus não negavam

467

apenas a ressurreição do corpo, mas também aexistência continuada da alma após a morte: “Mas adoutrina dos saduceus é esta: as almas morrem comos corpos...” 10. Observe agora, que em suaresposta, Jesus não corrigiu apenas a negação dossaduceus à ressurreição, mas também sua negação daexistência da alma após a morte. As palavras deJesus: “ele não é Deus de mortos, e sim, de vivos”,implicam que, em certo sentido, os patriarcas estãomesmo agora vivos, após a sua morte e antes de suaressurreição. Este destaque é explicitado pelaúltima cláusula do verso 38: “Porque pra ele todosvivem” (pantes gar auto zosin). O tempo do verbotraduzido por “vivem” (zosin, uma forma de zao) não éfuturo ( o que poderia sugerir que estes mortosviveriam apenas na hora de sua ressurreição mas simpresente, nos dizendo que Abraão, Isaque e Jacóestão em algum sentido vivos agora. Embora para nóseles pareçam estar mortos, para Deus eles estãovivos. O comentário de Calvino, sobre as palavras“porque par ele todos vivem”, apóia estainterpretação: “Este modo de expressão se encontraempregado em vários sentidos pelas Escrituras; masaqui ela significa que os crentes, após teremmorrido neste mundo, levam uma vida celestial comDeus... Deus é fiel para preservá-los vivos em suapresença, o que ultrapassa a compreensão doshomens” 11. Aqui, pois, temos um exemplo, fora dolivro do Apocalipse, do uso do termo grego zao paradescrever a vida da alma após a morte do corpo eantes da ressurreição12.

468

Para deixar claro, não podemos encontrar outrouso de zao com este significado no livro doApocalipse, à parte do Capítulo 20. Existe,conforme vimos, pelo menos um uso de zao noApocalipse, que denota a ressurreição corporal(2.8). Mas há vários exemplos, em Apocalipse, ondeesta palavra é utilizada com um sentido outro quenão ressurreição corporal. Em 4.9,10, 7.2, 10.6 e15.7, por exemplo, zao é utilizado para descrever ofato de que Deus vive para sempre; e, 3.1 a palavraé utilizada para descrever o que podemos chamar devida espiritual.

Existe, porém, um paralelo, no livro doApocalipse, à idéia contida em 20.4, conformeinterpretada acima. Eu me refiro ao que se encontraem 6.9-11: “Quando ele abriu o quinto selo, videbaixo do altar as almas daqueles que tinham sidomortos por causa da palavra de Deus e por causa dotestemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz,dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo everdadeiro, não julgas em vingas o nosso sangue dosque habitam sobre a terra? Então, a cada um delesfoi dada uma vestidura branca, e lhes disseram querepousassem ainda por pouco tempo, até que tambémse completasse o número dos seus conservos e seusirmãos que iriam ser mortos como igualmente elesforam”. Observe o marcante paralelo entre “as almasdos decapitados” (em 20.4) e “as almas daqueles quetinham sido mortos” (em 6.9). Ambas as visõestratam de crentes que foram mortos. Aparentemente,as almas dos mártires mortos, descritas em 6.9-11,estão conscientes e com elas se pode falar; a elas

469

foram dadas vestiduras brancas e lhes foi dito quedescansassem. As vestiduras brancas e o descansosugerem que elas estão experimentando uma espécieprovisória de felicidade, que espera pelaressurreição final. Isto é muito semelhante àsituação das lamas descritas no capítulo 20, dasquais se diz que estão reinando com Cristo enquantoesperam pela ressurreição do corpo. Embora apalavra viveram (ezesan) não esteja empregada em 6.9-11, a situação descrita nesses versos certamente éparalela à situação descrita em 20.4. A únicadiferença, é que é dito para as almas dos mártiresmortos no capítulo 6 que descansem, enquanto que àsalmas dos mártires mortos, referidas no Capítulo20, é dito que vivem e reinam com Cristo. Mas, emambos os Capítulos, diz-se, das almas dos crentesmortos, que elas estão vivendo entre a morte e aressurreição. Concluo que existe no livro doApocalipse um precedente para se interpretar 20.4conforme foi feito acima13.

Podemos observar a relevância desta visão aolembrar que, na época de João, a igreja era muitooprimida e, freqüentemente, perseguida. Seriabastante confortante para os cristãos dos dias deJoão saber que embora muitos de seus companheirosna fé tivessem morrido, alguns inclusive tendo sidocruelmente executados como mártires, estes irmãos eirmãs na fé mortos estavam de fato vivos agora nocéu, no que diz respeito às suas almas, e estavamreinando com Cristo.

Não temos indicação, nestes versos, de queJoão esteja descrevendo um reinado milenar terreno.

470

A cena, conforme vimos, se passa no céu. Nos versos4 a 6 não é dito coisa alguma acerca da terra,acerca da Palestina como centro deste reinado ouacerca dos judeus. Nada é dito aqui acerca doscrentes que ainda estejam sobre a terra duranteeste Reino milenar - a visão trata exclusivamentede crentes que já morreram. Este Reino milenar nãoé algo que deva ser aguardado no futuro; ele estáacontecendo agora, e durará até que Cristo retorne.Por isso, o termo milenismo realizado é uma descriçãoapropriada da posição defendida aqui - selembrarmos que o milênio em questão não é umreinado terreno, mas sim reinado celestial.

A sentença seguinte, verso 5a, tem um caráterparentético e, por isso, apropriadamente é postaentre parêntesis pela Versão New International: “Osrestantes dos mortos não reviveram (ezesan) até quese completassem os mil anos”. O termo ezesan,conforme empregado nesta sentença, tem designificar a mesma coisa que denotou a sentençaanterior. Em nenhum dos casos esta palavrasignifica ressurreição corporal. João está falando aquiacerca dos incrédulos mortos - os “restantes dosmortos” - como distintos dos mortos crentes queacabou de descrever. Quando ele diz que o restantedos mortos não viveu ou não veio à vida, ele denotaexatamente o oposto daquilo que acabara de dizeracerca dos crentes mortos. Os mortos incrédulos,diz ele, não viveram nem reinaram com Cristodurante este período de mil anos. Enquanto que oscrentes desfrutam, após a morte, de um novo tipo devida com Cristo no céu, no qual eles compartilham

471

do reinado de Cristo. Os incrédulos, após a morte,não compartilham nem desta vida nem deste reino.

O fato de que isto verdadeiramente abarca operíodo de mil anos está indicado pelas palavras“até que se completassem os mil anos” (achri telesthe tachilia ete). A palavra grega traduzida aqui por “até”,achri, indica que o que é dito aqui permaneceverdadeiro durante toda a extensão do período demil anos. O uso da palavra até não implica queestes incrédulos mortos viverão e reinarão comCristo após este período ter findado. Se esse fosseo caso, teríamos de esperar uma afirmação claraneste sentido. Observe que também encontramos aexpressão “até se completarem os mil anos” no verso3 deste capítulo. Ali, porém, a expressão vemseguida de uma declaração explícita, indicando quealgo diferente acontecerá após o final destes milanos: “Depois disto é necessário que ele [o diabo,cujo aprisionamento acabara de ser descrito] sejasolto pouco tempo”. No verso 5, entretanto, aspalavras “até que se completassem os mil anos” nãosão seguidas por outra declaração que pudesseindicar que estes mortos viriam à vida após teremfindado os mil anos14.

Mais adiante, neste capítulo, contudo,efetivamente encontramos um ensino claro acerca doque acontecerá a estes incrédulos mortos após otérmino dos mil anos. O que acontece ao “restantedos mortos” naquela hora está descrito no verso 6como “a segunda morte”. Quando, no verso 6, é ditoque a “segunda morte” não tem poder sobre oscrentes mortos, está implicando que a “segunda

472

morte” efetivamente tem poder sobre os mortosincrédulos. O que quer dizer “a segunda morte”? Overso 14 explica: “Esta é a segunda morte, o lagodo fogo” (ASV). A segunda morte, pois, significapunição eterna após a ressurreição do corpo.Portanto, no que toca aos incrédulos mortos, haveráuma mudança após o final dos mil anos, mas não seráuma mudança para melhor, porém para pior.

Agora João continua dizendo: “Esta é aprimeira ressurreição” (v.5b). Estas palavrasretratam o que aconteceu aos crentes mortos a quemJoão estava descrevendo no final do verso 4, antesda declaração parentética que acabamos de discutir.À luz do que foi dito acima, temos de entenderestas palavras não como descrevendo umaressurreição corporal, mas antes como a transiçãoda morte física para a vida no céu com Cristo. Estatransição da morte física para a vida no céu comCristo. Esta transição é aqui denominada como uma“ressurreição” - na verdade um uso incomum dotermo, mas perfeitamente compreensível face ao panode fundo do contexto anterior. Isto é realmente umaforma de ressurreição, pois pessoas que sãoconsideradas mortas são agora vistas como vivas,num sentido muito real do termo. A expressão “aprimeira ressurreição”, realmente, implica quehaverá uma “segunda ressurreição”(embora estaexpressão não seja utilizada) para estes crentesmortos - a ressurreição do corpo, que aconteceráquando Cristo voltar, no final do período dos milanos.

473

João prossegue agora, no verso 6: “Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte naprimeira ressurreição”. As palavras seguintes nosdão a razão para esta felicidade: “sobre esses asegunda morte não tem autoridade”. A segunda morte,conforme vimos, significa punição eterna. Estaspalavras acerca da segunda morte implicam a“primeira ressurreição” que João acabou demencionar, não é uma ressurreição corporal. Pois,se devêssemos considerar os crentes aqui como tendosido fisicamente ressuscitados, com corposglorificados, eles já estariam desfrutando daplenitude e felicidade total da vida por vir, naqual “a morte já não existirá” (Ap 21.4), e nãomais seria necessário dizer que a segunda morte nãotem poder sobre eles.

“Pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e deCristo, e reinarão com ele os mil anos” (v.6b). Aolongo de todo este período de “mil anos”, portanto,os crentes mortos estarão adorando a Deus e aCristo como sacerdotes, e reinarão com Cristo comoreis. Embora João esteja pensando aqui unicamentesobre o período que se estende até a volta deCristo, os últimos capítulos do Apocalipse indicamque, após a volta de Cristo e a ressurreição docorpo, estes crentes mortos serão capazes de adorara Deus, servir a Deus e reinar com Cristo de formaainda mais rica do que estão fazendo agora. Entãoeles adorarão e servirão a Deus por toda aeternidade, numa perfeição sem pecado, com corposglorificados na nova terra.

474

Esta é, portanto, a interpretação amilenistade Apocalipse 20.1-615. Interpretada desta forma, apassagem não diz coisa alguma acerca de um reinadoterreno de Cristo sobre um Reino primariamentejudaico. Antes, ela descreve o reinado com Cristono céu, das almas dos crentes mortos, entre suamorte e a Segunda Vinda de Cristo. Ela, igualmente,descreve o aprisionamento de Satanás durante a erapresente, de modo tal que ele não possa impedir adisseminação do Evangelho.

475

Notas do Capítulo 16

1. Segunda Edição, Grand Rapids: Baker, 1940. Umaexposição e apologia deste método deinterpretação, resumido em nove proposições,pode ser encontrado nas pp. 22-64. Entre outrosintérpretes que defendem uma visão deparalelismo acerca do livro do Apocalipse,podemos mencionar os seguintes: M.F. Sadler, TheRevelation of St. John The Divine (O Apocalipse de SãoJoão, o Divino), 1894; S.L. Morris, The Drama ofChristianity (O Drama do Cristianismo), 1928; S.Greijdanus, De Openbaring des Heeren aan Johannes (OApocalipse do Senhor a João), Amsterdam: VanBottemburg, 1925; Hermann Bavinck, GereformeerdeDogmatick, Quarta Ed., IV, pp. 663-666 (TerceiraEd., pp. 758-761); Abraham Kuyper, E votoDordraceno Kampen: Kok, 1892, II, pp. 252-290,especialmente p. 284; R.C.H.Lenski, Revelation(Apocalipse), Columbus: Wartburg, 1943;B.B.Warfield, “The Millennium and the Apocalypse” (OMilênio e o Apocalipse), Biblical Doctrines(Doutrinas Bíblicas), New York, Oxford, 1929,pp. 644-646; ver número 6.

2. Ver Apocalipse 22.12; Mateus 16.27; 25.31,32;Judas 14.15; e especialmente 2 Tessalonicenses1.7-10.

3. The Revelation of St. John (O Apocalipse de São João),Grand Rapids: Eerdmans, 1969, p.236.

4. Sobre a íntima relação entre governar e julgar,ver F. Büchsel, “Krino”, TDNT, III, p.923.

476

5. Fica evidente que João aqui está vendo as almasnão somente dos mártires mortos, mas sim detodos os crentes mortos, a partir da primeiraparte do verso 5: “os restantes dos mortos nãoreviveram...” Uma vez que “o restante dosmortos” tem de se referir aos incrédulos mortos,fica óbvio que aqueles a que João viu nestavisão (v.4) tem de ser os crentes mortos.

6. Será fornecida uma discussão mais completaacercado ensino bíblico sobre a ressurreição docorpo no Capítulo 17.

7. Para uma discussão mais completa acerca do assimchamado “estado intermediário” ver acima,Capítulo 9.

8. Eu discordo, portanto, daqueles amilenistas(incluindo Agostinho) que interpretam ezesan comosignificando regeneração, e que; por essa razão,incluem os crentes que ainda estão vivos sobre aterra no número daqueles mencionados comovivendo e reinando com Cristo. Em minha opinião,esta passagem menciona unicamente a vida ereinado com Cristo de crentes que já morreram.

9. Robert G. Clouse, ed., The Meaning of the Millennium (OSentido do Milênio), p.190.

10. Antiquities (Antigüidades), XVII, 1, 4. Ver tambémWars of the Jews (As Guerras dos Judeus), II, 8, 14.

11. Harmony of the Gospel (Harmonia dos Evangelhos),1957, III, p.53.

12. Podemos observar pelo menos uma indicação deum uso similar de zao na literatura joanina. EmJoão 11.25,26 lemos: “Disse-lhe Jesus: Eu sou aressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda

477

que morra, viverá (zesetai); e todo o que vive ecrê em mim, não morrerá eternamente”. Adenotação primeira de zesetai aqui é em relação àressurreição corporal dos crentes. Mas adeclaração “todo o que vive e crê em mim nãomorrerá, eternamente” implica que aquele que crêem Jesus estará vivendo mesmo durante o estadointermediário.

13. Outras passagens do livro do Apocalipse, queensinam que os crentes desfrutarão após a mortede uma existência abençoada, são: 3.21, que foicitada anteriormente no Capítulo 2.10 (“Sê fielaté a morte, e dar-te-ei a coroa da vida”); e14.13 (“Bem-aventurados os mortos que desdeagora morrem no Senhor...”).

14. Para uma interpretação semelhante do verso 5a,ver S. Greijdanus De Openbaring de Heeren aan Johannes(O Apocalipse do Senhor a João), ad loc; WHendriksen, More than Conquerors (Mais QueVencedores), ad loc; R.C.H.Lenski, Revelation(Apocalipse), ad loc; James A Hughes, “Revelation20.4-6 and the Question of the Millennium” (Apocalipse20.4-6 e a Questão do Milênio), WestminsterTheological Journal (Jornal Teológico deWestminster), XXXV, 3 (Spring, 1973), pp.300-302. Sobre o uso de achri, como indicando umacondição que prevalece até certo ponto, semimplicar que um estado de coisas diferentes seseguirá após aquele ponto ter sido alcançado,observe as seguintes passagens: Mateus 24.38 (opovo nos dias de Noé não parou imediatamente decomer e de beber após Noé ter entrado na arca),

478

Atos 23.1 (Paulo não parou de viver perante todaboa consciência após este dia), Atos 26.22,Romanos 5.13a (o pecado não cessou de estar nomundo após ter sido dada a lei), romanos 8.22( a criação não cessou de gemer em dores após oponto e que Paulo se refere aqui), 1 Coríntios4.11, Apocalipse 2.26. Sobre este uso de achri,ver também O Palmer Robertson, “Is There A DistinctiveFuture for Ethnic Israel in Romans 11?” (Haverá uma FuturoDistinto para o Israel Étnico em Romanos 11?),in Perspectives on Evangelical Theology (Perspectivas naTeologia Evangélica), ed. Por Kenneth S. Kantzere Stanley N. Gundry, Grand Rapids: Baker, 1979,pp.219, 220.

15. Entre outros teólogos que sustentam ainterpretação amilenista desta passagem e aEscatologia amilenista em geral, como acréscimoaos já relacionados na nota número 1, acima,podemos mencionar os seguintes: Oswald T. Alli,Prophecy and the Church (A Profecia e a Igreja),Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1945;Lous Berkhof, Systematic Theology (TeologiaSistemática), Grand Rapids: Eerdmans, 1953;Floyd E.Hamilton, The Basis of Millennial Faith (As Basesda Fé Milenista), Eerdmans, 1955; Philip E.Hughes, Interpreting Prophecy (InterpretandoProfecias), Eerdmans, 1976; R. Bradley Jones,What, Where, and When is the Millennium? (O Que, Quando eOnde é o Milênio?), Grand Rapids: Baker, 1975;George L. Murray, Millenial Studies (Estudos sobre oMilênio), Grand Rapids, 1948; reimpressão,1975), Geerhardus vos, The Pauline Sachatology (A

479

Escatologia Paulina), Princeton: Princeton Univ.Press, 1930.

480

CAPÍTULO 17

A RESSURREIÇÃO DO CORPO

A ressurreição do corpo é de importânciacentral para a mensagem escatológica bíblica.Conforme observamos anteriormente1, existe umadiferença radical entre a visão cristã e a visãogrega do homem. Conforme os filósofos gregos, ocorpo do homem é mau e é um obstáculo à suaexistência plena. Por causa disso, na morte, ocorpo se desintegra enquanto que a alma continuavivendo - não há aqui esperança de uma ressurreiçãocorporal. A Bíblia, ao contrário, ensina que Deuscriou o homem corpo e alma, e que homem não écompleto sem o seu corpo. Tanto a encarnação como aressurreição corporal de Cristo provam que o corponão é mau, mas sim bom. Porque Cristo ressuscitoudos mortos, todos os que são de Cristo tambémressuscitarão com corpos glorificados. Emboraaqueles que morreram em Cristo desfrutem agora deuma felicidade provisória, durante o estadointermediário, sua felicidade não será completa atéque seus corpos tenham sido ressuscitados dentre osmortos. A ressurreição do corpo, portanto, é umadoutrina singularmente cristã.

Antes de discutirmos a natureza daressurreição, temos de nos ocupar com a questão dotempo da ressurreição. Já vimos que tanto ospremilenistas históricos como osdispensacionalistas separam a ressurreição doscrentes da dos incrédulos por um espaço de mil

481

anos. Todos os premilenistas ensinam que aressurreição dos crentes acontecerá no princípio domilênio, enquanto que ressurreição dos incrédulosocorrerá no final do milênio2. Osdispensacionalistas acrescentam mais duasressurreições além dessas: a ressurreição dossantos da tribulação, ao final da tribulação desete anos, e a ressurreição dos santos do milêniono final do milênio 3.

Temos agora de nos defrontar com a questãosobre se a Bíblia ensinou ou não tal ressurreiçãoem duas ou quatro etapas. O principal ponto emdebate aqui é o ensino comum a ambos os tipos depremilenismo, de que haverá um intervalo de milanos entre a ressurreição dos crentes e a dosincrédulos. Podemos apresentar as seguintesconsiderações contra esta posição:

A primeira: A Bíblia apresenta a ressurreição de crentes eincrédulos como acontecendo conjuntamente. Uma das maisnotáveis passagens do Antigo Testamento, que tratamda ressurreição dos mortos, é Daniel 12.2: “Muitosdos que dormem no ó da terra ressuscitarão, unspara a vida eterna, e outros para vergonha e horroreterno”. Observe que a passagem menciona aressurreição dos justos e a dos ímpiossimultaneamente, sem qualquer indicação de que aressurreição destes dois grupos deva ser separadapor um longo período de tempo.

São muito claras, sobre este assunto, aspalavras de Jesus encontradas em João 5.28,29: “Nãovos maravilheis disto, porque vem a hora em quetodos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz

482

[do Filho do homem] e sairão: os que tiverem feitoo bem, para a ressurreição da vida; e os quetiverem praticado o mal, para a ressurreição dojuízo”. Aqui igualmente encontramos a ressurreiçãodos crentes e a ressurreição dos incrédulosmencionadas conjuntamente. É dito especificamentepor Jesus: “vem a hora em que todos os que se achamnos túmulos ouvirão a sua voz e sairão”. Aimplicação clara isto parece ser a de que, numtempo específico e determinado, aqui denominado “ahora” vindoura, todos os que estiverem em seustúmulos ouvirão a voz de Cristo e serãoressuscitados dos mortos. Não há aqui nenhumaindicação de que Jesus pretenda ensinar que umperíodo extremamente longo de tempo separará aressurreição para a vida da ressurreição para ojuízo.

Deveria ser observado, contudo, que em umverso anterior Jesus utilizou a palavra “hora” paradescrever o período de tempo durante o qual os seusseguidores são regenerados: “Em verdade, em verdadevos digo que vem a hora, e já chegou, em que osmortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que aouvirem, viverão” (v.25). Os dispensacionalistasargumentam que, uma vez que a “hora” mencionada noverso 25 se estende ao longo de toda a era doEvangelho, não há razão para que a “hora”mencionada no verso 28 não possa incluir duasressurreições separadas por mil anos4.

A título de réplica, devemos primeiramentedizer que João utiliza a palavra “hora” com mais deum sentido em seu Evangelho. Sem dúvida, em 5.25, a

483

palavra “hora” denota todo o período do Evangelho,durante o qual as pessoas que estão mortas empecado ouvem a voz de Cristo e se tornamespiritualmente vivas. Um uso similar do termo éencontrado em 4.23: “Mas vem a hora, e já chegou,quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai emEspírito e em verdade...” Mas, nas passagensseguintes do Evangelho de João, a palavra “hora” éutilizada no sentido de um ponto específico notempo que ou ainda não é chegado (7.30; 8.20) ou jáé chegado (12.23; 13.1; 16.21; 17.1). Temos deolhar cuidadosamente para cada passagem onde Joãoutiliza o termo para saber exatamente o que elequer dizer ao utilizá-lo.

Será que a palavra “hora”, como utilizada em5.28, descreve um período de tempo que poderia sertão longo quanto mil anos? Penso que não. Pois,primeiramente, para ser um paralelo do que é ditono verso 25, a ressurreição dos crentes eincrédulos deveriam então estar acontecendo aolongo de todo este período de mil anos, como é ocaso com a regeneração das pessoas durante a “hora”mencionada no verso 25. Mas, de acordo com a teoriaem discussão, este não é o caso; antes, esta teoriaensina que haverá uma ressurreição no princípio dosmil anos e outra no final. Quanto a isto, porém,não há qualquer indicação nessa passagem. Alémdisso, observe as palavras “todos os que se achamnos túmulos ouvirão a sua voz”. Esta referênciaparece ser a uma ressurreição geral de todosquantos estão em seus túmulos; fazer estas palavrasdescreverem dois grupos (ou quatro grupos) de

484

pessoas que serão ressuscitadas em ocasiõesseparadas é forçar o sentido destas palavras. Alémdo que, esta passagem afirma especificamente quetodos estes mortos ouvirão a voz do Filho do homem.A implicação clara parece ser a de que esta vozserá emitida uma vez, não duas nem quatro vezes. Sea palavra “hora” for interpretada comorepresentando um período de mil anos a mais, istoimplicaria em que a voz de Jesus continue a soarpor mil anos. Será que isto é provável? O que Jesusestá dizendo é o seguinte: Numa determinada hora,no futuro, minha voz será ouvida; naquele momentotodos os que estão nos túmulos sairão, alguns paraa ressurreição da vida e outras para ressurreiçãodo juízo. Esta passagem ensina claramente umaressurreição geral de todos os mortos, tanto os quetiverem feito o bem como os que tiverem feito omal.

Uma outra passagem, onde a ressurreição decrentes e incrédulos é mencionada conjuntamente,encontra-se em Atos 24. Paulo, em sua defesaperante Félix, diz: “Eu sirvo ao Deus de nossospais..., tendo esperança em Deus, como também este[os judeus que o acusavam] a têm, de que haveráressurreição, tanto de justos como de injustos”(vv.14,15). No grego, assim como na tradução para oportuguês, a palavra ressurreição está no singular(anastasin). Poderão duas ressurreições separadas pormil anos serem adequadamente denominadas deressurreição?

Passemos agora para o Apocalipse 20.11-15:

485

(11) “Vi um grande trono branco e aqueleque nele se assenta, de cuja presença fugirama terra e o céu, e não se achou lugar paraeles. (12) Vi também os mortos, os grande e ospequenos, postos em pé diante do trono. Entãose abriram livros. Ainda outro livro, o livroda vida, foi aberto. E os mortos foramjulgados, segundo as suas obras, conforme oque se achava escrito nos livros. (13) Deu omar os mortos que nele estavam. A morte e oalém entregaram os mortos que neles havia. Eforam julgados, um por um, segundo as suasobras. (14) Então a morte e o inferno foramlançados para dentro do lago do fogo. Esta é asegunda morte, o lago do fogo. (15) E, sealguém não foi achado inscrito no livro davida, esse foi lançado para dentro do lago dofogo”.

Os premilenistas, tanto os históricos como osdispensacionalistas, afirmam que aqui está descritounicamente a ressurreição dos incrédulos. Elesdizem isso baseados em sua interpretação da visãoencontrada nos versos 4 a 6 deste capítulo - umavez que, segundo eles, a ressurreição dos versos 12e 13 é uma elaboração mais desenvolvida dadeclaração encontrada no verso 5: “Os restantes dosmortos não reviveram até que se completassem os milanos”. Mas, conforme vimos, a interpretaçãopremilenista dos versos 4 a 6 não é a únicapossível; já foi fornecida evidência para a posiçãode que 20.4-6 não trata de uma ressurreição

486

corporal, nem de crentes nem de incrédulos. Ospremilenistas devem admitir que Apocalipse 20.4-6 éa única afirmação clara das Escrituras que prova,ao menos para eles, que haverá duas ressurreiçõesseparadas, uma para crentes e outra paraincrédulos, com um intervalo, entre elas, de milanos. Porém este ensino estaria então baseado numainterpretação literal de uma passagem de um livroaltamente simbólico, contrapondo-se ao ensino clarode outras passagens (como João 5.28, e Atos 24.15)de que a ressurreição de crentes e incrédulos serásimultânea. O comentário de George L. Murray acercada interpretação premilenista de Apocalipse 20.4-6é bem incisivo sobre a questão.

“A anomalia com que nos defrontamos aqui é quese pode ler toda a Bíblia sem descobrir qualquersinal desta doutrina [a doutrina das duasressurreições separadas por mil anos] até que sechega ao seu antepenúltimo capítulo. Se, ao chegara esse capítulo, a pessoa der uma interpretaçãoliteral a uma sentença de uma passagem altamentesimbólica, essa pessoa então perceberá que énecessário voltar tudo novamente e interpretartodos os ensinos escatológicos da Bíblia de modo aque concordem com esta única diferença. Uma regraconsagrada da exegese é a de interpretar umapassagem obscura das Escrituras à luz de umaafirmação clara. Neste caso, as afirmações clarasestão sendo interpretadas de modo a concordarem coma interpretação literal de uma sentença numcontexto repleto de simbolismo, cujo sentidoverdadeiro é altamente discutível” 5.

487

Passemos agora a olhar mais de pertoApocalipse 20.11-15. Observe a referência aos“mortos, os grandes e os pequenos, postos em pédiante do trono” (v.12). Por que deveríamos limitara significação destas palavras a uma descrição dosincrédulos? Como pode algum morto ser excluídodeste grupo? Observe também a declaração de que omar entregou os mortos que nele estavam (v.13).Haverá, então, somente mortos incrédulos no mar?Veja igualmente a afirmação: “a morte e o Hadesentregaram os mortos que nele havia” (v.13). Comcerteza o Hades, o Reino dos mortos6, inclui todosos mortos, não apenas os mortos que eramincrédulos7.

Lemos no verso 12 acerca da abertura doslivros. Conforme a última parte do verso 12, esteslivros devem conter um registro do que cada um temfeito8. Mas não há nada que indique que esteslivros contenham apenas material para condenação. Olivro da vida, mencionado nos versos 12 e 15, égeralmente entendido como indicando a lista doseleitos de Deus. O verso 15 nos diz que se o nomede alguém não for achado escrito nesse livro davida, essa pessoa foi lançada no lago do fogo.Contudo, haverá qualquer indicação nesta passagemde que nenhum dos que estavam perante o grandetrono branco tivesse seu nome escrito no livro davida? Na verdade, haveria qualquer razão em sedizer: “E, se alguém não foi achado inscrito nolivro da vida”, e se toda a visão tratasseunicamente de pessoas cujos nomes não estavamescritos naquele livro? 9

488

Portanto, é totalmente inconvincente atentativa de restringir a ressurreição descrita emApocalipse 20.11-15 unicamente ao incrédulos. Estapassagem descreve claramente uma ressurreição geralde todos os mortos”; “deu o mar os mortos que neleestavam”; “a morte e o Hades entregaram os mortosque neles havia. E foram julgados, um por um,segundo as suas obras”.

A segunda: a Bíblia ensina que os crentes serão ressuscitadoshá hora da Segunda Vinda de Cristo, cuja ocasião é denominada “oúltimo dia”. Entre as passagens que ensinam que aressurreição dos crentes acontecerá na hora daSegunda Vinda estão as seguintes: 1Tessalonicenses 4.16: “Porquanto o Senhor mesmo,dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz doarcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá doscéus, e os mortos em Cristo ressuscitarãoprimeiro...”; Filipenses 3.20,21: “Pois a nossapátria está nos céus, de onde também aguardamos osalvador, o Senhor Jesus Cristo, o qualtransformará o nosso corpo de humilhação, para serigual ao corpo da sua glória...”; 1 Coríntios15.23: “Cada um, porém, por sua própria ordem:Cristo, as primícias; depois os que são de Cristo,na sua vinda”.

Entretanto, ao olharmos para o sexto capítulodo Evangelho de João, aprendemos que a ocasião emque os crentes forem ressuscitados dentre os mortosé chamada por Jesus de “o último dia”: “De fato, avontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filhoe nele crer, tenha a vida eterna; e eu oressuscitarei no último dia” (v.40; cp.vv. 39,44 e

489

54). De acordo com premilenismo, tanto históricocomo dispensacionalistas, é afirmado que a ocasiõesem que os crentes deverão ser ressuscitados terálugar pelo menos uns mil anos antes da instauraçãodo estado final. Mas, como pode uma ocasião queocorre mil anos antes do fim ser chamada de “últimodia”?

A terceira: os argumentos para uma ressurreição em duasetapas baseados em 1 Tessalonicenses 4.16 e 1 Coríntios 15.23, 24não são conclusivos. Um dos argumentos baseados nestaspassagens é que em nenhuma delas os incrédulos sãomencionados; por isso é suposto que a ressurreiçãodos crentes aconteça numa ocasião diferente da dosincrédulos. Todavia, a razão pela qual Paulo nãomenciona os incrédulos, em ambas as passagens, éque ele está tratando unicamente da ressurreiçãodos crentes, que difere, em princípio daressurreição dos incrédulos. Quando Paulo estádescrevendo as bênçãos que os cristãos recebem deCristo, com respeito à sua ressurreição, elepossivelmente não pode incluir os incrédulos, poisestes não recebem tais bênçãos. O fato de Paulo nãomencionar os incrédulos em nenhum destes doistextos efetivamente não prova, de forma alguma, queos incrédulos não sejam ressuscitados dentre osmortos na mesma ocasião em que os crentes o são.

1 Tessalonicenses 4.16, que acabamos de citar,diz em parte: “E os mortos em Cristo ressuscitarãoprimeiro”. Alguns premilenistas afirmam que aexpressão “ressuscitarão primeiro” implica em queos crentes serão ressuscitados antes dosincrédulos. Mas mesmo um exame superficial desta

490

passagem revelará que aqui o contraste não é entrea ressurreição de crentes e incrédulos, mas entre aressurreição dos mortos em Cristo e o arrebatamentodos crentes que ainda estiverem vivos quando Cristoretornar. Paulo está dizendo aos Tessalonicensesque a ressurreição dos crentes mortos precederá atransformação e o arrebatamento dos crentes queestiverem vivos por ocasião da Parousia.

1 Coríntios 15.23,24 diz o seguinte: “Cada umporém, por sua própria ordem: Cristo, as primícias,depois os que são de Cristo, na sua vinda. E entãovirá o fim, quando ele entregar o Reino ao Deus ePai, quando houver destruído todo principado, bemcomo toda potestade e poder”. A interpretação queencontra uma possível referência ao milênio nestapassagem já foi discutida e respondidaanteriormente10. Assim como não há nesta passagemevidência conclusiva para um futuro reinado terrenode mil anos, também não existe aqui nenhumaevidência conclusiva de que os incrédulos serãoressuscitados muito tempo depois de os crentesterem sido ressuscitados. Em todo este capítulo,Paulo não diz coisa alguma acerca da ressurreiçãodos incrédulos; seu ensino aqui ocupa-se apenas daressurreição dos crentes.

Concluímos que não há base, nas Escrituras,para a teoria de uma ressurreição dupla ouquádrupla. O ensino claro da Bíblia é de que, naocasião da volta de Cristo, haverá uma ressurreiçãogeral tanto de crentes como de incrédulos. Apósesta ressurreição geral se seguirá o juízo.

491

Abordaremos agora a questão da natureza daressurreição. Como é de se esperar, o ensinoneotestamentário, sobre a ressurreição do corpo, ébem mais explícito e detalhado do que o ensino doAntigo Testamento. Já no capítulo 9 ficou evidenteque, desde o Antigo Testamento, aprendemos que háuma diferença entre o destino do justo e o do ímpioapós a morte. Em algumas das citadas encontramosuma indicação ocasional sobre a possibilidade daressurreição do corpo. Vimos tal indicaçãoespecificamente em Salmos 16.10: “Pois não deixarása minha alma no Sheol; nem permitirás que o teuSanto veja corrupção” (ASV) 11. À luz do uso quePedro faz desta passagem, em seu sermão dePentecostes (Atos 2.27,31), podemos ver nestaspalavras uma predição clara da ressurreição deCristo.

Existem duas passagens do Antigo Testamento,ambas nos profetas, que falam explicitamente daressurreição do corpo. A primeira delas é Isaías26.19: “os vossos mortos e também os seus cadáveresviverão e ressuscitarão: despertai e exultai, osque habitais no pó!” Isaías faz aqui um contrasteentre o destino futuro dos crentes mortos (“vossosmortos”) e o destino dos inimigos de Judá, acercados quais ele falara no verso 14: “Eles estãomortos, eles não viverão; eles são sombras, nãoressuscitarão”. Isaías 26.19, portanto, fala apenassobre a ressurreição corporal futura dos crentes -especificamente dos crentes entre os israelitas.

Daniel 12.2, entretanto, fala tanto daressurreição de crentes como de incrédulos: “Muitos

492

dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, unspara a vida eterna, e outros para vergonha e horroreterno”. Este é o único lugar no Antigo Testamento,onde aparece a expressão vida eterna (chayyey olam).Daniel aqui dá testemunho claro da ressurreiçãofutura do corpo, e do fato de que haverá umaressurreição não apenas para a vida eterna, mastambém para o horror eterno. O mesmo termo hebraicoolam (pelas eras, ou eterno) é utilizado paraqualificar a bem-aventurança dos justos e ainfelicidade dos ímpios. Uma dificuldade dapassagem é o uso da palavra muitos, no início dotexto, onde se esperaria a palavra todos12. Talvez otermo muitos esteja empregado aqui para se referiràqueles que morreram durante o “tempo datribulação” mencionado no verso anterior; ou talvezmuitos seja, neste caso, um equivalente hebraicopara todos. Provavelmente é correto dizer que aressurreição predita aqui por Daniel seja limitadaaos israelitas; isto, entretanto, não é desurpreender, à luz do fato de que Israel representao povo de Deus nos profetas, e qualquer mensagemacerca do povo de Deus tem de ser expressada emtermo de Israel. De qualquer forma, temos nestapassagem um ensino explicito do Antigo Testamentoacerca de uma ressurreição do corpo que será tantopara a vida eterna como para a condenação eterna.

Passando agora a examinar o ensinoneotestamentário acerca da ressurreição,encontramos, bem no centro desse ensino, aressurreição de Jesus Cristo. As Escrituras deixamamplamente claro o fato de que a ressurreição de

493

Cristo é o penhor e garantia da ressurreição futurados crentes. Todas as ressurreições anteriores quea Bíblia menciona foram novamente seguidas pelamorte13; somente a ressurreição de Cristo nunca seráseguida pela morte - e é este tipo de ressurreiçãoque os crentes aguardam. Pelo fato de Cristo terressuscitado, os crentes também deverãoressuscitar.

Este fato é ensinado em várias passagens doNovo Testamento. Em 1 Coríntios 15.20, lemos: “Masde fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendoele as primícias dos que dormem”. A palavra primícias(aparche) indica a primeira parte de uma colheita,que garante seu complemento final; desta forma aressurreição de Cristo é prova e garantia de quenós, que estamos em Cristo, também ressuscitaremosdos mortos. Em Colossenses 1.18, lemos que Cristo é“o primogênito (prototokos) de entre os mortos”. Ofato que Cristo aqui ser chamado de primogênitoimplica em que aqueles que são seus irmãos e irmãotambém ressuscitarão de entre os mortos, a fim deque, conforme aprendemos de Romanos 8.29, Cristopossa ser “o primogênito entre muitos irmãos”. EmJoão 14.19, na verdade Cristo especificamente dizaos seus discípulos: “Porque eu vivo, vós tambémvivereis”.

Aprendemos de Romanos 8.11 não somente aíntima ligação entre a ressurreição de Cristo e aressurreição dos crentes, mas também o fato de quea ressurreição dos crentes será uma obra doEspírito Santo: “Se habita em vós o Espíritodaquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos,

494

esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre osmortos, vivificará também os vossos corpos mortais,por meio do seu Espírito que em vós habita”. EmFilipenses 3.20, 21, Paulo ensina que os corposressurrectos dos crentes serão semelhantes ao corporessurrecto de Cristo: “Pois a nossa cidadania estáno céu, de onde também aguardamos o salvador, oSenhor Jesus Cristo, o qual transformará o nossocorpo de humilhação, para ser igual ao corpo da suaglória, segundo a eficácia do poder que ele tem deaté subordinar a si todas as coisas” (ASV). Nossocorpo atual é descrito aqui como “o corpo de nossahumilhação - humilhação por causa dos resultados dopecado. Podemos considerar coisas tais comosofrimento, dor, doença, fadiga e morte. Mas naressurreição, os corpos dos crentes se tornarãocomo o corpo de glória de Cristo, de onde todos osresultados do pecado, inclusive a morte, terão sidoremovidos. Na hora da ressurreição, portanto, nósque estamos em Cristo seremos totalmente como ele,não somente em relação a nossos espíritos, mastambém no que diz respeito a nossos corpos.

Como efetivamente tem acontecido, váriasquestões podem ser levantadas acerca daressurreição do corpo. Este corpo ressurrectodeverá ser material, isto é, físico? Haverá algumasemelhança entre o corpo que temos hoje e o corpoque teremos no futuro? Ou será que o corporessurrecto deverá ser tão diferente do corpo atualque não se poderá falar de identidade? De que formao corpo ressurrecto será diferente do corpo atual?

495

Para tentarmos encontrar respostas a estas e aoutras questões semelhantes, passemos a examinar 1Coríntios 15, o capítulo que contém o tratamentomais completo, em toda a Bíblia, a respeito daressurreição do corpo. Não é fácil determinar,exatamente, qual era o erro combatido por Pauloneste capítulo. O verso 12 diz: “Ora, se écorrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre osmortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós quenão há ressurreição de mortos?” A partir desteverso parece que a ressurreição corporal de Cristonão era negada em Corinto, mas que alguns dosCoríntios (e apenas alguns) negavam a ressurreiçãocorporal dos crentes. Podemos apenas supor que istofoi feito sob influência do pensamento grego, queensinava a imortalidade da alma mas negava aressurreição do corpo. Paulo combate este erroindicando que, se alguém crê na ressurreição deCristo, essa pessoa não mais pode negar aressurreição dos crentes14.

Paulo passa agora a combater essa visãoerrônea, discorrendo primeiramente sobre o fato daressurreição (vv.12 a 34), depois sobre o modo daressurreição (vv. 35 a 49) e, finalmente, sobre anecessidade da ressurreição e da transformação doscrentes vivos (vv. 50 a 57). O fato da ressurreiçãodos crentes é provado, primeiramente, pelareferência à ressurreição de Cristo: “Ora, se ácorrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre osmortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós quenão há ressurreição de mortos? E, se Cristo nãoressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a vossa fé”

496

(vv.12-14). Em outras palavras, não se pode negar aressurreição dos crentes sem negar a ressurreiçãode Cristo, uma vez que as duas são inseparáveis. Ese alguém negar a ressurreição de Cristo, sua fé éem vão - ele ainda está em seu pecado.

Paulo agora prossegue destacando o assunto járeferido, a saber, que a ressurreição de Cristo é agarantia da ressurreição dos crentes. No verso 20,Cristo é chamado de as primícias daqueles quedormem. No verso 21 lemos que assim como a morteveio por um homem, por um homem (isto é, por JesusCristo) veio também a ressurreição dos mortos. Eaprendemos, no verso 22, que assim como todosmorreram em Adão, assim também todos serãovivificados em Cristo. Nesta última passagem, oprimeiro todos se refere a todos os que estão emAdão - isto é, todos os homens. O segundo todos,porém, refere-se a todos os que estão em Cristo -isto é, todos os crentes. Nesta passagem, Paulo nãofala da ressurreição de incrédulos; ele estátratando aqui apenas da ressurreição dos crentes.Por essa razão, ele destaca, nestes versos, quepelo fato de Cristo ter ressuscitado, todos aquelesque estão em Cristo ressuscitarão com ele. naverdade, esta ressurreição dos crentes é um aspectonecessário na obra mediadora de Cristo, pois “oúltimo inimigo a ser destruído é a morte” (v.26).

No verso 35, Paulo começa a discorrer sobre omodo da ressurreição. Primeiramente, ele apresentaa figura da semente: “Mas alguém dirá: Comoressuscitam os mortos? E com que corpo vêm?Insensatos! O que semeias não nasce, se primeiro

497

não morrer; e quando semeias, não semeias o corpoque há de ser, mais o simples grão, como de trigo,ou de qualquer outra semente. Mas Deus lhe dá corpocomo lhe aprouve dar, e a cada uma das sementes oseu corpo apropriado” (vv.35-38). Não devemosforçar esses versos a ponto de sugerir que elesensinem que nossos corpos atuais contenham umaespécie de gérmen ou semente do corpo ressurrecto,cuja semente permaneça intacta após o corpo termorrido e, mais tarde, forme a base para o corporessurrecto. Tal idéia é pura especulação. Oobjetivo de Paulo é, simplesmente, este: Vocês queduvidam da possibilidade de uma ressurreiçãofísica, considerem a maravilha que há no plantio deuma semente. Você semeia um grão de trigo no solo;então o grão morre como grão, mas, a seu tempo,Deus fará uma nova planta surgir do onde o grão foisemeado. Deus dá um “corpo” a esse grão conformesua escolha, e a cada tipo de grão ou semente eledá seu “corpo” peculiar. Se Deus é capaz de fazeristo com a semente, por que não poderá ele fazê-locom o corpo humano?

Com esta ilustração, Paulo destaca trêspontos: primeiro, assim como a nova planta nãosurgirá a menos que a semente morra como semente15,assim o corpo ressurrecto não surgirá a menos que ocorpo em sua forma atual morra. Segundo, assim comonão se pode, a partir da aparência da semente,dizer como se parecerá a futura planta, assimtambém não se pode, a partir da observação do corpoatual, dizer exatamente como será o corporessurrecto. Terceiro, assim como existe uma

498

continuidade entre a semente e a planta, assimtambém haverá continuidade entre o corpo atual e ocorpo ressurrecto.

A figura da semeadura e da ceifa é continuadanos versos 42 a 44, onde Paulo apresenta algunscontrastes notáveis entre o corpo atual e o corporessurrecto: “Pois assim também é a ressurreiçãodos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção,ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra,ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza,ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural,ressuscita corpo espiritual” (ASV). A referência aosemear (“semeia-se”) é, provavelmente, umadescrição figurada do sepultamento, uma vez que oato de sepultar um corpo tem alguma similaridadecom o plantar uma semente no solo. Dever-se-ialembrar, entretanto, que em cada caso a descriçãodo corpo, na primeira metade da comparação, seaplica a todo o tempo da existência atual do corpoe não somente a sua condição na ocasião dosepultamento.

O primeiro destes quatro contrastes é entrecorrupção e incorrupção. Nossos corpos naturais, dizPaulo, são corpos de corrupção (phthora); a sementeda doença e da morte está neles, de modo que amorte destes corpos é apenas uma questão de tempo.Mas nossos corpos serão ressuscitados naincorruptibilidade (aphtharsia). Toda asusceptibilidade à doença terá passado. Nãoestaremos mais a caminho de uma certa morte, comoestamos agora, mas desfrutaremos então de um tipode existência incorruptível.

499

O segundo contraste é entre desonra (atimia) eglória (doxa). Por ocasião do sepultamento, tentamoshonrar os mortos vestindo-os com suas melhoresroupas, providenciando um esquife atraente, ecercando o esquife de flores, mas de fato umsepultamento envolve muita desonra. O que poderiaser mais desonroso para um corpo do que ser baixadoà sepultura? Os corpos dos crentes, porém,ressuscitarão em glória - não somente um tipoexterior de glória, mas uma glória que transformaráa pessoa desde o interior. Já vimos Filipenses 3.21que o corpo ressurrecto será como o corpoglorificado de Cristo - radiante, brilhante, talvezaté ofuscante. Na verdade não saberemos como é estaglória até que nós mesmos a vejamos e aexperimentemos.

O terceiro contraste é entre fraqueza (ashtneia) epoder (dynamism). Após algumas horas de trabalhoneste corpo atual, já ficamos cansados e precisamosde repouso. Em qualquer coisa que tentarmos fazer,estamos sempre conscientes de nossa fraqueza oulimitações humanas. À medida que a morte seaproxima, na verdade, o corpo fica totalmentedesamparado. Mas, na ocasião da ressurreição, estecorpo será ressuscitado em poder. Exatamente comoesse poder se revelará é assunto de especulação;nós o saberemos quando o virmos. Ficará patente quenão mais haverá a fraqueza que agora nos coíbe emnosso serviço ao Senhor.

Temos de gastar um pouco mais de tempo com oquarto contraste. Este é entre um corpo natural(soma psychikon) e um corpo espiritual (soma pneumatikon).

500

Uma das dificuldades que encontramos aqui é que aexpressão “corpo espiritual” levou muitos a pensarque o corpo ressurrecto não será um corpo físico -neste caso, espiritual é considerado em contrastecom físico.

É fácil demonstrar que isso não é assim. Ocorpo ressurrecto do crente, conforme vimos, serácomo o corpo ressurrecto de Cristo. Mas, comcerteza, o corpo de Cristo foi um corpo físico; elepôde ser tocado (João 20.17,27) e pede ingeriralimentos (Lucas 24.38-43). Além disso, a palavraespiritual (Pneumatikos) não descreve o que é imaterialou não físico. Observe como Paulo utiliza o mesmocontraste na mesma epístola, em 2.14,15: “Ora, ohomem natural (psychikos) não aceita as coisas doEspírito de Deus: elas lhe são loucura; e ele nãoas pode conhecer, porque elas se discernemespiritualmente. Mas aquele que é espiritual(pneumatikos) discerne todas as coisas, e ele mesmonão é julgado por ninguém”. (ASV). Aqui as mesmaspalavras gregas, psychicos e pneumatikos são utilizadasdo mesmo modo que em 15.44. Mas espiritual(pneumatikos) não significa não-físico nesta passagem.Antes, significa alguém que é guiado pelo EspíritoSanto, pelo menos em princípio, em distinção aalguém que é guiado unicamente por seus impulsosnaturais. De modo semelhante, o corpo natural,descrito em 15.44, é um corpo participante destaexistência atual, amaldiçoada pelo pecado; mas ocorpo espiritual da ressurreição é um corpo queserá totalmente - não apenas parcialmente -dominado e dirigido pelo Espírito Santo16.

501

O homem, em seu corpo atual, relacionado com oprimeiro Adão, é psychikos, natural, pertencente aesta era presente e, por essa razão, facilmentetentado ao erro. Sem dúvida, a pessoa que está emCristo é agora capaz de resistir à tentação, dedizer não ao diabo e de viver uma vida nova eobediente. Mas a nossa obediência, nesta vidapresente, continua imperfeita; nós percebemos queficamos bem longe do ideal e ainda necessitamosdiariamente de confessar nossos pecados. Nossaexistência futura, porém, será uma existência totale completamente governada pelo Espírito Santo, demodo que nunca mais teremos algo a ver com opecado. Por essa razão o corpo da ressurreição édenominada de corpo espiritual. Geerhardus Vos estácorreto ao insistir que deveríamos, neste verso,escrever a palavra espiritual com letra maiúscula, afim de deixar claro que o verso descreve o estadono qual o Espírito Santo governa o corpo17.

Se o corpo ressurrecto fosse imaterial ou não-físico, o diabo teria alcançado uma grande vitória,pois Deus então teria sido levado a transformarseres humanos, que ele criou com corpos físicos, emcriaturas de uma espécie diferente, sem corpofísico (como os anjos). Então, realmente pareceriaque a matéria tivesse se tornado intrinsecamentemá, de modo que tivesse de ser eliminada. E então,em certo sentido, teria sido provado que osfilósofos gregos tinham razão. Mas a matéria não émá; ela é parte da boa criação de Deus. Por causadisso, o alvo da redenção de Deus é ressurreição docorpo físico, e a criação de uma nova terra na qual

502

seu povo redimido possa viver e servir para semprea Deus com corpos glorificados. Dessa forma, ouniverso não será destruído, mas sim renovado, eDeus conquistará a vitória18.

Em 1 Coríntios 15.50-57, Paulo trata daquestão da necessidade da ressurreição do corpo.Quando Paulo diz no verso 50: “carne e sangue nãopodem herdar o Reino de Deus”, ele não estátentando dizer que o corpo ressurrecto não seráfísico, mas antes que “o homem, como é agora, umacriatura frágil e perecível, não pode ter um lugarno Reino glorioso e celestial de Deus” 19. Eleprossegue dizendo: “nem a corrupção (phthora) herdara incorrupção (aphtharsia)” (v.50). O que Paulo estádizendo aqui é que, para nós, é impossível em nossopresente estado, em nossos corpos atuais, fracos eperecíveis como são, herdar a plenitude das bênçãosda vida por vir. Tem de haver uma transformação.

Sendo este o caso, a transformação não podeapenas envolver aqueles crentes que tiverem morridoaté a hora da volta de Cristo, mas também aquelescrentes que, então, ainda estiverem vivos. Por issoPaulo continua dizendo, nos versos 51, 52: “Eis quevos digo um mistério: nem todos dormiremos, mastransformados seremos todos, num momento, num abrire fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. Atrombeta soará, os mortos ressuscitarãoincorruptíveis e nós seremos transformados”. Estatransformação, que é necessária, de um corpoperecível em um imperecível, o será tanto para osvivos como para os mortos. A glorificação doscrentes, que ainda estiverem vivos quando Cristo

503

vier, será instantânea. Na ocasião da volta deCristo, em outras palavras, tanto a ressurreiçãodos mortos como a transformação dos vivosacontecerão numa sucessão rápida. Vemos, em 1Tessalonicenses 4.16,17, que o arrebatamento doscrentes - sua elevação para encontrar o Senhor nosares - acontecerá imediatamente após.

Agora Paulo expressa, de modo positivo, o quetinha expressado negativamente no verso 50: “Porqueé necessário que este corpo corruptível se revistada incorruptibilidade, e que o corpo mortal serevista da imortalidade” (v.53). Dessa forma, Paulomostrou que tanto a ressurreição dos crentesmortos como a transformação dos crentes vivos sãoabsolutamente necessárias para que os crentesdesfrutem das glórias da vida futura. Somentedepois de isto ter acontecido é que terá ocorrido avitória final sobre a morte: “E quando este corpocorruptível se revestir de incorruptibilidade, e oque é mortal se revestir de imortalidade, então secumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi amorte pela vitória” (v.54).

Já levantamos, anteriormente, a questão sobrese haverá continuidade entre o corpo atual e ocorpo ressurrecto. Com base nos dados dasEscrituras, deve ser dito que haverá tantocontinuidade como diferença. Tem de havercontinuidade, pois, de outra forma, não fariasentido falar acerca da ressurreição. O ato dechamar à existência um grupo completamente novo depessoas totalmente diferentes dos habitantes atuaisda terra não seria uma ressurreição. Quando Paulo

504

diz que os mortos serão ressuscitarão (1 Co 15.52)e que nós, que estivermos vivos, seremostransformados (v.52), com certeza ele quer dizerque haverá algum tipo de continuidade entre estesdois estágios de existência. Na verdade, éexatamente a linguagem do verso 53 que implica e,mesmo, exige uma continuidade: “Porque é necessárioque este corpo corruptível se revista daincorruptibilidade, e que o corpo mortal se revistada imortalidade” [grifos meus]. Lembramos, também,o que Paulo diz em 1 Tessalonicenses 4.17, após terdescrito a ressurreição dos crentes e o subseqüentearrebatamento da igreja: “E assim estaremos parasempre com o Senhor”. Aqueles que estarão parasempre com o Senhor, após sua ressurreição outransformação, não serão criaturas diferentes denós mesmos, mas seremos nós.

Mesmo assim, embora haja continuidade, tambémhaverá diferença. Já examinamos passagens quedescrevem essas diferenças, especialmente 1Coríntios 15. Observaremos agora dois outros textosque mencionam diferenças específicas entre o corpopresente e o corpo ressurrecto. Conforme Mateus22.30 (e as passagens paralelas: Marcos 12.25 eLucas 20.35) Jesus ensinou que, na vida por vir,não haverá casamento: “Porque na ressurreição nemcasam nem se dão em casamento; são, porém, como osanjos no céu”. Podemos presumir que a semelhançacom os anjos se aplica unicamente ao pontomencionado, não à ausência de corpos físicos. Oensino de Jesus aqui não implica, necessariamente,que não haja diferenças de sexo na vida por vir. O

505

que efetivamente vemos, contudo, é que ainstituição do casamento não mais estará existindopois não haverá necessidade de trazer novascrianças ao mundo.

Uma segunda passagem, que sugere umadiferença, encontra-se em 1 Coríntios 6.13: “Osalimentos são para o estômago, e o estômago para osalimentos; mas Deus destruirá tanto este comoaquele”. A palavra aqui traduzida por “destruirá”,Katargeo, freqüentemente significa abolir, suprimir outrazer ao fim. Parece que, conforme esta passagem, asfunções digestivas do corpo não mais serãonecessárias na vida por vir.

Entretanto, temos de confessar que a Bíblianos diz muito pouco acerca da natureza exata docorpo ressurrecto. São-nos dados alguns indíviduos,mais muito ainda fica por ser dito. De fato, éinteressante observar que muito do que a Bíbliadiz, acerca da existência futura, está em termosnegativos: ausência de corrupção, fraqueza edesonra; ausência da morte; ausência de lágrimas,lamentação, choro ou dor (1 Co 15.42, 43; Ap 21.4).Sabemos alguma coisa acerca do que nãoexperimentaremos, mas sabemos pouco acerca do quevamos experimentar. Tudo o que realmente sabemos éque será maravilhoso, além de nossa mais altaimaginação. As palavras que Paulo profere, em outrocontexto, são provavelmente aplicáveis aqui: “Oolho não viu, nem o ouvido ouviu, nem penetrou nocoração humano, as coisas que Deus tem preparadopara aqueles que o amam” (1 Co 2, 9 , KJ) 20.

506

Notas do Capítulo 17

1. Ver acima, capítulo 8.2. Ver acima, pp. 241-243, 252, 2543. Ver acima, pp. 252, 254 Uma vez que os

premilenistas afirmam que ainda haverá mortedurante o milênio, eles também precisam defenderuma ressurreição dos crentes que morreramdurante o milênio, em adição às duasressurreição mencionadas acima.

4. Ver NSB, p.1131, número 1: “Uma vez que estahora de regeneração espiritual já tem perduradopor mais de dezenove séculos é também possívelque a futura “hora” da ressurreição física (vs.28,29) se estenda por mil anos - os justos sendoressuscitados no princípio; os ímpios no final.Ver Apocalipse 20”. Cp. também, Pentecost, Thingsto Come (Coisas Por Vir), p. 400.

5. Millennial Studies (Estudos do Milênio), Grand Rapids,Baker, 1948, pp. 153, 154.

6. Ver acima, pp.130, 131. 7. Embora em Lucas 16.23, conforme vimos (acima,

pp. 131, 132), Hades parece ser usado paradescrever o lugar de punição do ímpios durante oestado intermediário, não há indicação de queesta palavra seja utilizada neste sentidorestrito em Apocalipse 20.13, especialmente nãoporque nesta passagem Hades é colocado emparalelo com morte.

8. Provavelmente, não devemos pensar em livros nosentido literal nem aqui, nem no caso do “livroda vida”.

507

9. Para uma refutação mais ampla da teoria daressurreição, em duas etapas, ver David Brown,Christ’s Second Coming (A Segunda Vinda de Cristo),New York: Carter, 1851, pp. 190-217.

10. Ver acima, p. 245.11. Ver acima, pp. 128-130.12. A palavra todos, na verdade, é utilizada na

passagem neotestamentária que faz eco a estaspalavras de Daniel: João 5.28,29.

13. Pensamos e.g., de ressurreições tais como a dofilho da viúva de Sarepta (1 Reis 17.17-24) e dofilho da mulher sunamita (2 Reis 4.32-37); bemcomo na ressurreição do filho da viúva de Naim(Lucas 7.11-17), da filha de Jairo (Mt 9.18-26)e de Lázaro (João 11.38-44).

14. Quando Paulo utiliza a expressão “ressurreiçãodos mortos” (anastasis nekron), neste capítulo, eleindica uma ressurreição física ou corporal. Istofica evidente do exemplo de Cristo, quecertamente ressuscitou de modo físico (ele pôdeser tocado e pôde comer; ver Lc 24.38-43). Ficaevidente também pela consideração de que um tiponão-físico de “ressurreição” seria equivalenteao conceito grego da “imortalidade da alma” - umconceito que os hereges de Corinto provavelmenteaceitaram como substituto para a ressurreiçãofísica.

15. A vida da semente continua, mas a semente nãomais existe como semente depois de a nova plantater começado a se formar.

16. Por causa disso, a tradução de 1 Coríntios15.44, pela RSV, é confusa: “Semeia-se corpo

508

físico, ressuscita corpo espiritual”. É melhor,como o fazem KJ, ASV e NIV, traduzir somapsychikon por corpo natural.

17. Pauline Eschatology (Escatologia Paulina), p.167.18. Sobre o significado de “corpo espiritual” em 1

Coríntios 15.44 ver também J.A Schep, The Nature ofthe Ressurrection Body (A Natureza do CorpoRessurrecto), Grand Rapids, Eerdmans, 1964, Cap.6; M.E. Dahl The Ressurrection of the Body (ARessurreição do Corpo), London: SCM, 1962; e H.Ridderbos, Paul , pp.537-551

19. Schep, op.cit., p. 204.20. A Bíblia diz muito pouco acerca da

ressurreição dos incrédulos. Já observamos aspassagens que mencionam especificamente esteaspecto da ressurreição (Daniel 12.2; João5.28,29; Atos 24.15). A ressurreição dosincrédulos é parte do julgamento de Deus sobreeles, e por causa disso reflete mais a obra deCristo como juiz do que sua obra como salvador.

509

CAPÍTULO 18

O JUÍZO FINAL

Na verdade, há um sentido no qual as pessoas sãojulgadas já na presente vida, pela resposta delas aCristo. Lemos em João 3.18: “Aquele que nele[Cristo] crê não é condenado (ou julgado, ASV);aquele que não crê já está condenado (ou julgado,ASV), porque não creu no nome do unigênito Filho deDeus” (veja também 3.36; 5.24). Em outras palavras,um julgamento divino recai já agora sobre aquelesque se recusam a crer em Cristo. Mas a Bíbliatambém ensina que haverá um julgamento final no fimda história, no qual todos os homens aparecerãoperante o trono de Cristo para serem julgados. Édeste juízo final que tratamos neste capítulo.

Começamos com a questão da necessidade destejulgamento. Alguns consideram o juízo final comodesnecessário, pois o destino de cada pessoa játerá sido determinado por ocasião de sua morte. Sealguém morre, estando em Cristo, essa pessoa serásalva e imediatamente após a morte estará napresença do Senhor1. Se, porém, uma pessoa morre naincredulidade, ela estará perdida e iráimediatamente para o lugar de tormentos2. Se isto éassim, por que é necessário um juízo final? Semdúvida, tal juízo seria necessário para aqueles queainda estivessem vivos quando do retorno de Cristo,mas não para aqueles que tiverem morrido até aquelaocasião. Esta é a objeção.

Esta objeção.

510

Esta objeção, porém, está baseada na suposiçãode que o propósito do juízo final seja determinar odestino futuro do homem. Os Advertistes do SétimoDia, por exemplo, ensinam que no final da vida decada pessoa haverá um “julgamento investigador”para determinar se ela será salva ou estaráperdida: “Este julgamento investigador determinaquem dentre os milhares que estão dormindo no pó daterra é digno de tomar parte na primeiraressurreição, e quem de suas multidões viventes édigno da transladação” 3. Mas esta suposição não écorreta. Na ocasião do juízo final o destino finalde todos os que tiverem vivido ou ainda estiveremvivendo na terra já terá sido determinado. Deus nãonecessita de proceder a uma investigação nas vidasdas pessoas para determinar quem será salvo e quemnão o será. Vemos em Efésios (1.4) que o destinodos salvos é não apenas preconhecido por Deus mastem, também, sido predeterminado desde aeternidade: “assim como nos escolheu nele [Cristo]antes da fundação do mundo”. Vemos em João (10.27,28) que Cristo conhece as suas ovelhas e lhes deuvida eterna, de modo que ninguém pode tirá-las desua mão.

Qual será, pois, o propósito do juízo final?Três pontos podem ser destacados: (1) O principalpropósito do juízo será mostrar a soberania de Deuse a glória de Deus na revelação do destino final decada pessoa. Até essa ocasião, o destino final decada ser humano terá estado oculto; agora essedestino será revelado, conforme a fé que cada umteve ou não, conforme as obras que cada um fez e a

511

vida que cada um viveu. Com a publicação dessasobras, a graça de Deus será magnificada na salvaçãode seu povo e sua justiça será magnificada nacondenação de seus inimigos. Portanto, o que écentral no dia do juízo não é o destino dosindivíduos, mas sim a glória de Deus (2) um segundopropósito é o de revelar o grau de punição que cadaum deverá receber. Uma vez que esta atribuição estáintimamente relacionada com as vidas que as pessoasviveram, este assunto terá de ser determinado porocasião do juízo final4. (3) Um terceiro propósitoé o de executar o julgamento de Deus sobre cadapessoa. Agora Deus designará o lugar em que cadapessoa passará a eternidade: ou a nova terra, ou olugar de punição final.

Ao comentar a natureza do juízo final, E ALitton nos lembra que não devemos aplicar aanalogia dos tribunais humanos tão literalmente:“Um julgamento humano... é estritamente um processode investigação... No juízo final, porém, o Juiz éonisciente e não tem necessidade de provas que oconvençam; ele preside ao julgamento com umconhecimento perfeito do caráter e da história decada um que estiver perante ele... o grande diaserá mais um dia de publicação e execução do que dejulgamento estritamente concebido” 5.

Qual será o tempo do juízo final? Osdispensacionalistas distinguem vários julgamentosseparados: o julgamento das obras dos crentes porocasião da Parousia ou arrebatamento; o julgamentoindividual dos gentios imediatamente antes domilênio; o julgamento de Israel imediatamente antes

512

do milênio e o julgamento dos ímpios mortos após omilênio6. No capítulo anterior, foram examinados ejulgados insuficientes os ensinosdispensacionalistas acerca das ressurreiçõesmúltiplas; foi fornecida evidência para a doutrinade que haverá uma ressurreição geral dos mortos porocasião da volta de Cristo. O ensino bíblico acercada ressurreição geral implica em que haverá apenasum juízo final, não quatro julgamentos diferentes,pois é dito que o juízo final se seguirá àressurreição.

Quando acontecerá o juízo final? Embora nãopossamos situá-lo com precisão numa espécie decronograma escatológico, podemos dizer que o juízoacontecerá no final da presente era. Pedro nos dizque os céus e terra que existem agora estão sendoguardados até o Dia do Juízo (2 Pedro 3.7),implicando que os novos céus e nova terra virão àexistência após o juízo (v.13). Em sua explicaçãoda parábola do joio, Jesus indica que a execuçãodo destino final dos homens, que é um aspecto dojuízo final, acontecerá no fim dos homens, que é umaspecto do juízo final, acontecerá no fim dosséculos (Mateus 13.40-43). Mas outra passagembíblica sugere que o juízo acontecerá por ocasiãoda Segunda Vinda de Cristo. Jesus disse: “Quandovier o Filho do homem na sua majestade e todos osanjos com ele, então se assentará no trono da suaglória; e todas as nações serão reunidas em suapresença, e ele separará uns dos outros...” (Mt.25.31,32). No mesmo sentido, encontramos o ensinode Paulo em 2 Tessalonicenses 1.7-10. Além disso,

513

vemos em Apocalipse 20 que o juízo se seguirá àressurreição geral: “Vi também os mortos, osgrandes e os pequenos, postos em pé diante dotrono. Então se abriram livros. Ainda outro livro,o livro da vida, foi aberto. E os mortos foramjulgados, segundo as suas obras, conforme o que seachava escrito nos livros” (v.12).

Qual será a duração do juízo final? A Bíbliafala acerca do “dia do Juízo” (Mt 11.22), “aqueledia” (Mt 7.22; 2 Ts 1.10; 2 Tm 1.12) e “o dia daira” (Rm 2.5). Não precisamos presumir que o Dia doJuízo seja um dia de vinte e quatro horas; apalavra dia, às vezes, é usada pelas Escrituraspara indicar um período muito mais longo.Entretanto, sugerir, como o fazem as Testemunhas deJeová, que o Dia do Juízo deva-se estender ao longodos primeiros mil anos do novo mundo7 parecetotalmente injustificado.

Passamos agora a examinar as circunstâncias dojuízo final. A primeira questão é: Quem será o Juíz?Algumas passagens bíblicas atribuem o juízo a DeusPai. 1 Pedro 1.17 fala de invocarmos com Pai aqueleque julga imparcialmente a cada um conforme as suasobras. Romanos 14.10 menciona o tribunal de Deus(comparar também Mt 18.35, 2 Ts 1.5; Hb 11.6; Tg4.12 e 1 Pe 2.23). O que se encontra maiscomumente, e é mais característico do ensinoneotestamentário sobre a questão, é que Cristo seráo Juiz. Em João 5.22 lemos: “E o Pai a ninguémjulga, mas ao Filho confiou todo o julgamento...”Em seu discurso aos atenienses encontramos Paulodizendo: “[Deus] estabeleceu um dia em que há de

514

julgar o mundo com justiça por meio de um varão quedestinou e acreditou diante de todos,ressuscitando-o dentre os mortos” (Atos 17.31). Em2 Timóteo 4.8 Paulo menciona “a coroa da justiça aqual o Senhor, reto juiz, me dará naquele dia...” Eem 2 Coríntios 5.10, Paulo escreve: “Porque importaque todos nós compareçamos perante o tribunal deCristo...” (comparar também Jo 5.27; AntigoTestamento 10.42; Rm 14.9; Mt 25.32; 2 Tm 4.1).

É realmente mais apropriado que Cristo seja ojuiz do juízo final. Foi ele quem se encarnou,morreu e ressuscitou novamente para a salvação doseu povo. Os que nele crêem são por eles salvos;por isso é mais próprio que ele seja seu juiz. Osque o rejeitaram, por outro lado, pecaram contraele. por isso á apropriado que aquele a quem elesrejeitaram seja seu juiz. Além disso, a obra dejulgar será a exaltação final e o triunfo maior deCristo. Enquanto esteve sobre a terra, ele foicondenado por governadores terrenos: agora elejulgará sobre todas as autoridades terrenas. AgoraCristo levará à consumação sua obra salvadora paraseu povo. O juízo significará a subjugação total detodos os seus inimigos e a consumação do seu Reino,após o que ele entregará o Reino a Deus Pai (1 Co15.24).

No ato de julgar, Cristo será assistido poranjos e santos. Fica evidente que os anjos tomarãoparte no juízo final, segundo Mateus 13.41-43:“mandará o Filho do homem os seus anjos queajuntarão do seu Reino todos os escândalos e os quepraticam a iniqüidade, e os lançarão na fornalha

515

acesa; ali haverá choro e ranger de dentes. Entãoos justos resplandecerão como o sol, no Reino deseu pai”. (comparar também Mateus 24.31 e 25.31).Mesmo os santos, em seu estado glorificado, tomarãoparte na obra de julgar. Quando Paulo repreende aosCoríntios por irem aos tribunais contra seuscompanheiros cristãos, ele diz: “Ou não sabeis queos santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundodeverá ser julgado por vós, sois acasoincompetentes para julgar as coisas mínimas? Nãosabeis que havemos de julgar os próprios anjos?” (1Co 6.2,3). Hermann Bavinck, ao comentar estapassagem, diz que não devemos diminuir estadeclaração de modo a significar uma mera aprovaçãodos santos para o julgamento de Cristo, mas devemosentendê-la como ensinando que os santos, realmente,compartilharão do ato de julgar o mundo e os anjos.Sobre este assunto, ele chama a atenção para Mateus19.28, que relata as palavras de Jesus a seusdiscípulo: “Em verdade vos digo que vós os que meseguistes, quando, na regeneração, o Filho dohomem, se assentar no trono da sua glória, tambémvos assentareis em doze tronos para julgar as dozetribos de Israel” (comparar Lucas 22.30) 8. EstejaBavinck correto ou não, em sua interpretação,parece claro que os santos glorificados realmenteparticiparão na obra do dia do juízo.

Quem será julgado? Já está claro, à partir de 1Coríntios 6.2,3 conforme citado acima, que os anjosserão julgados. Pedro, em sua segunda epístola,fala especificamente do julgamento dos anjoscaídos: “... se Deus não poupou a anjos quando

516

pecaram, antes, precipitando-os no inferno (nogrego, Tartarys), os entregou a abismos de trevas,reservando-os para juízo...” (2 Pe 2.4). No mesmosentido, encontramos as palavras de Judas 6: “E aanjos, os que não guardaram o seu estado original,mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele temguardado sobre trevas, em algemas eternas, para ojuízo do grande dia...”.

As Escrituras também ensinam que todos osseres humanos de todos os tempos terão de aparecerperante este tribunal final. Conforme Mateus 25.32:“E todas as nações serão reunidas em sua presença[do Filho do homem]”. De acordo com Romanos 2.5,6,“Segundo a tua dureza de coração impenitenteacumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e darevelação do justo juízo de Deus, que retribuirá acada um segundo o seu procedimento...”. Vemos, emRomanos 3.6, que Deus julgará o mundo. E na cena dojulgamento, de Apocalipse 20, encontramos todos osmortos, grandes e pequenos, inclusive todos aquelesdevolvidos pelo mar, pela morte e pelo Hades, em péperante o trono do juízo (vv 12,13) 9.

Se todos os homens devem aparecer perante otribunal de Cristo, isso tem de incluir todos oscrentes. O Novo Testamento ensina isso bemexplicitamente. De acordo com 2 Coríntios 5.10 nós,significando “nós, os crentes”, temos todos decomparecer perante o tribunal de Cristo. Lemos emHebreus 10.30: “O Senhor julgará seu povo”. EmRomanos 14.10, Paulo escreve a seus companheiroscristão: “Pois todos compareceremos perante otribunal de Deus...” (Comparar Tiago 3.1; 1 Pedro

517

4.17). Embora todos os crentes tenham de comparecerperante este tribunal, eles não precisam temer odia do juízo. Pois não há condenação para aquelesque estão em Cristo Jesus (Rm 8.1), e aqueles quepermanecem em Deus podem ter confiança no dia dojuízo (1Jo 4.17). A alegre antecipação que o crentetem do dia do juízo está muito bem expressa naresposta 52 do Catecismo de Heildelberg:

“Em toda minha angústia e perseguição eu olho paraos céus e, confiantemente, aguardo como juiz Aquele que jásuportou o julgamento em meu lugar perante Deus e, dessaforma, removeu de mim toda maldição. Todos os seus e meusinimigos ele condenará à punição eterna: Mas a mim e seuseleitos ele levará consigo para o gozo e gloria dos céus.” 10. Que é que será julgado? Todas as coisas que foram

feitas durante esta vida presente. 2Coríntios 5.10é bem claro a respeito: “Porque todos nós temos decomparecer perante o tribunal de Cristo para quecada um receba o que lhe é devido pelas coisasfeitas enquanto estava no corpo, sejam boas ou más”(NIV). Tudo o que uma pessoa fez é uma expressão dainclinação básica do seu coração e por isso serálevado em conta no dia do juízo. Isso inclui asobras, palavras e pensamentos da pessoa. As obrasestão claramente incluídas em Mateus 25.35-40:“Porque tive fome e me destes de comer; tive sede eme destes de beber; era forasteiro e mehospedastes; estava nu e me vestistes; enfermo e mevisitastes; preso e fostes ver-me... Em verdade,vos afirmo que sempre o que fizestes a um destespequeninos irmãos, a mim o fizestes”. Em Apocalipse(20.12), está especificamente declarado que “os

518

mortos foram julgados segundo as suas obras,conforme o que se achava escrito nos livros”(comparar 1 Co 3.8; 1 Pe 1.17; Ap 22.12). Nem énecessário dizer que tantas boas obras como as másobras são levadas em conta. Observe, em adição apassagem de Mateus recém-citada, Efésios 6.8, ondese lê: “Certos de que cada um, se fizer algumacoisa boa, receberá isso outra vez do Senhor, querseja servo, quer livre”; e também Hebreus 6.10,onde está escrito: “Porque Deus não é injusto paraficar esquecido do vosso trabalho e do amor queevidenciastes para com o seu nome, pois servistes eainda servis aos santos”.

O dia do juízo também se ocupará das palavrasque pronunciamos. Jesus nos diz, em Mateus 12.36:“Digo-vos que de toda palavras frívola queproferirem os homens, dela darão conta no dia dojuízo”. Até os pensamentos dos homens serãojulgados, conforme fica evidente em 1 Coríntios4.5: “Portanto, nada julgueis antes do tempo, atéque venha o Senhor, o qual não somente trará àplena luz as coisas ocultas das trevas, mas tambémmanifestará os desígnios (ou motivos, NIV; nogrego, boulas) dos corações” (compare com Romanos2.16). Em suma, não há nada que agora estejaescondido que não haverá de ser revelado no dia dojuízo (comparar Lc 12.2; Mt 6.4, 6, 18; 10.26; 1 Tm5.24, 25).

Às vezes é dito que os pecados dos crentes,que Deus perdoou, apagou e lançou no mar doesquecimento, não serão mencionados no dia dojuízo. Entretanto, se é verdade que nada há que

519

agora esteja oculto que não venha a ser revelado, eque o juízo se ocupará de todas as nossas obras,palavras e pensamento, então certamente os pecadosdos crentes também serão revelados naquele dia. Defato, se é verdade que mesmo as melhores obras doscrentes estão manchadas com pecado (veja Is 64.6;Rm 3.23; Tg 3.2), como será possível trazer à luzqualquer feito dos crentes sem reconhecer algumpecado ou imperfeição? Em 1 Coríntios 3.10-15,Paulo ensina que alguns crentes constróem sobre ofundamento da fé em Cristo com materiaisinferiores, como madeira, feno e palha - estesserão salvos mas, mesmo assim, sofrerão a perda. Asfalhas e deficiências destes crentes, portanto,participarão do quadro do dia do juízo. Mas - eeste é o ponto importante - os pecados edeficiências dos crentes serão revelados no juízocomo pecados perdoados, cuja culpa foi totalmentecoberta pelo sangue de Jesus Cristo. Por isso,conforme dissemos, os crentes não tem nada a temeracerca do juízo - embora a percepção de que elesterão de prestar contar de tudo que fizeram,disseram e pensaram, deveria ser para eles umincentivo constante para a luta diligente contra opecado, para o serviço cristão consciente e parauma vida consagrada.

Qual será o critério pelo qual os homens serãojulgados? O critério será a vontade revelada deDeus, mas esta não será a mesma para todos. Algunsreceberam uma revelação mais completa da vontade deDeus do que outros; fica claro, em Mateus 11.20-22,que aqueles que tiverem recebido uma revelação da

520

vontade de Deus maior do que os outros terãoresponsabilidades correspondentemente maiores:“Passou, então, Jesus, a increpar as cidades nasquais ele operara numerosos milagres, pelo fato denão se terem arrependido. Ai de ti, Corazim! Ai deti, Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidon setivessem operado os milagres que em vós se fizeramhá muito que elas se teriam arrependido com pano desaco e cinza. E contudo voz digo: No dia do juízohaverá menos rigor para Tiro e Sidon, do que paravós outros”.

Em outras palavras, aqueles que receberam arevelação completa da vontade de Deus, tanto noAntigo Testamento como no Novo Testamento, serãojulgados por sua reação a toda a Bíblia. Aquelesque tiveram apenas a revelação do Antigo Testamentoserão julgados por sua reação ao Antigo Testamento.Em apoio a isso, podemos lembrar que os profetas doAntigo Testamento advertiram repetidamente a seusouvintes para que vivessem de acordo com o que Deuslhes tinha revelado, e, dessa forma, encontrassempaz, felicidade e salvação. É mais reveladora nesseassunto a parábola do homem rico e Lázaro que Jesuscontou em Lucas 16. Quando o homem rico pergunta àAbraão se Lázaro poderia ser ressuscitado dosmortos para advertir aos irmãos dele, que aindaviviam sobre a terra, acerca do lugar de tormentos,Abraão responde: “Se não ouvem a Moisés e aosprofetas, tão pouco se deixarão persuadir, aindaque ressuscite alguém dentre os mortos”. (v.31).

Aqueles, porém, que não receberam nem arevelação encontrada no Antigo Testamento, nem a

521

encontrada no Novo, serão julgados à base da luzque tiveram. Vemos em Romanos 1.18-21 que, mesmoaqueles que tinham apenas a revelação de Deus nanatureza, não têm desculpa pelo fato de nãohonrarem a Deus como Deus: “A ira de Deus se revelado céu contra toda impiedade e perversão dos homensque detêm a verdade pela injustiça: porquanto o quede Deus se pode conhecer é manifesto entre eles,porque Deus lhes manifestou. Porque os atributosinvisíveis de Deus, assim o seu eterno poder comotambém a sua própria divindade, claramente sereconhece, desde o princípio do mundo, sendopercebidos por meio das coisas que foram criadas.Tais homens são por isso indescupáveis...” Eobservamos, em Romanos 2, que o julgamento de Deussobre aqueles que não tiveram a revelação completade sua vontade será baseado na reação deles à“norma da lei gravada nos seus corações”. Assim,pois, todos os que pecaram sem lei, também sem leiperecerão; e todos os que com lei pecaram, mediantea lei serão julgados... Quando, pois, os gentiosque não têm lei, procedem por natureza deconformidade com a lei, não tendo lei, servem elesde lei para si mesmos. Estes mostram a norma da leigravada nos seus corações, testemunhando-lhestambém a consciência, e os seus pensamentosmutuamente acusando-se ou defendendo-se; no dia emque Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar ossegredos dos homens, de conformidade com o meuEvangelho” (vv.12, 14-16).

O que está bem claro, portanto, é que oshomens serão julgados com base na luz que tiveram,

522

e não com base numa revelação que eles nãoreceberam. Aqueles que tiveram muitos privilégiosterão a maior responsabilidade; aqueles que tiverammenos privilégios terão menos responsabilidades.Por essa razão haverá “graduações” nos sofrimentosdos perdidos. Jesus indica isso em Lucas 12.47,48:“Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seuSenhor e não se aprontou, nem fez segundo a suavontade, será punido com muitos açoites. Aquele,porém, que não soube a vontade do seu Senhor e fezcoisas dignas de reprovação, levará poucos açoites.Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe seráexigido; e àquele a quem muito se confia, muitomais lhe pedirão”.

No que diz respeito àqueles que efetivamentereceberam a plena luz da revelação divina - isto é,que conheceram a vontade de Deus conforme reveladaem toda a Bíblia - o que é de importância crucial ése eles estão unidos com Cristo na fé, e estãovestidos com sua perfeita justiça. O fator de sumaimportância, para determinar o destino eterno dohomem, é sua relação com Jesus Cristo. Citamosacima João 3.1811; no mesmo sentido vem João 3.36:“Por isso quem crê no Filho tem a vida eterna; oque, todavia, se mantém rebelde contra o Filho nãoverá a vida, mas sobre ele permanece a ira deDeus”. Jesus também disse, em João 5.24: “Emverdade, em verdade vos digo: Quem ouve a minhapalavra e crê naquele que me enviou, tem a vidaeterna, não entra em juízo, mas passou da mortepara a vida” 12. Paulo afirma, inequivocamente, em

523

Romanos 8.1: “Agora, pois, já nenhuma condenação hápara os que estão em Cristo Jesus”.

Mas agora surge a questão: Se é verdade queuma fé viva em Cristo é de importância crucial paradeterminar o destino eterno da pessoa, por que éque a Bíblia ensina tão consistentemente que ojuízo final será segundo as obras? Considere, porexemplo, as seguintes passagens:

“Pois o Filho do homem virá na glória deseu pai com seus anjos; e então ele retribuiráa cada homem segundo os seus feitos (Mateus16.27, ASV).Pois ele [Deus] retribuirá a cada homem

segundo as suas obras (Romanos 2.6).Eu vi os mortos, os grande e os pequenos,

postos em pé perante o trono... e os mortosforam julgados segundo as coisas que estavamescritas nos livros, segundo as suas obras(Apocalipse 20.12, ASV).

Eis que venho rapidamente; e meu galardãoestá comigo; para retribuir a cada homemconforme é a sua obra” (Apocalipse 22.12,ASV).

A razão pela qual a Bíblia ensina que o juízofinal será segundo as obras, mesmo que a salvaçãovenha pela fé em Cristo e nunca seja conquistadapor obras, é a conexão íntima entre fé e obras. Afé tem de revelar a si própria nas obras, por suavez, são a evidência da verdadeira fé. Como disseJoão Calvino certa vez: “É... só a fé quejustifica, e mesmo assim a fé que justifica não

524

está só” 13. Que isso é assim ficará claro pelaconsideração de passagens das Escrituras tais comoTiago 2.26 (“Porque, assim como o corpo semEspírito é morto, assim também é fé sem obras émorta”) e Gálatas 5.6: “Porque em Cristo Jesus, nema circuncisão, nem a incircuncisão tem valor algum,mas a fé que atua pelo amor”).

Observe também as palavras de Jesus em Mateus7.21: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor!Entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz avontade de meu Pai, que está nos céus”. Em outraspalavras, o julgamento conforme as obras realmenteserá um julgamento acerca da fé - isto é, a fé comorevelada em obras. Se a fé foi genuína, as obrasestarão presentes; se as obras não estiverempresentes, a fé não terá sido real. Tiago o diz demodo notável: “Mas alguém dirá: Tu tens fé e eutenho obras; mostra-me essa tua fé sem obras, e eu,com as obras, te mostrarei a minha fé” (2.18) 14.

A propósito, passemos a examinar mais de pertoa cena do juízo encontrada em Mateus 25.31-46. OFilho do homem retornou em sua glória, e estásentado no seu trono do juízo. todas as naçõesestão congregadas perante ele e agora o rei passa aseparar as “ovelhas” que estão à sua direita dos“cabritos” que estão à sua esquerda. Observe como adecisão acerca do destino final, tanto das ovelhascomo dos cabritos, é dada em primeiro lugar. Nocaso das “ovelhas”, a decisão é esta: “Vinde,benditos de meu Pai! Entrai na posse do Reino quevos está preparado desde a fundação domundo...”(v.34). Em outras palavras, este

525

julgamento não é uma investigação das vidas das“ovelhas”, para determinar se estas fizeram boasobras o bastante para merecer o Reino que lhe foipreparado, mas é antes uma decisão graciosa acercade seu destino final, seguida por um revelaçãopública das razões pelas quais esta decisão écorreta e apropriada. Se, agora, voltarmos paraobservar o verso 34 mais de perto, verificaremosque qualquer idéia de mérito está excluída. As“ovelhas” são chamadas de “benditos de meu Pai” -objeto do favor imerecido do Pai. É dito que elasherdarão o Reino - uma herança, porém, nunca éconquistada mas sempre recebida como um presente. OReino que elas estão para herdar é descrito comotendo sido preparado para elas desde a fundação domundo - novamente vemos a evidência da sua escolhagraciosa que o Pai fez desde a eternidade, umaescolha não baseada em mérito, mas sim na graça.

Agora, o rei prossegue em revelar as razõespelas quais a decisão acerca destas “ovelhas” eracerta e apropriada: “porque tive fome e me destesde comer; tive sede e me destes de beber” e assimpor diante. Fica evidente, a partir de suasurpresa, que as “ovelhas” não praticam estas boasobras para merecer o Reino: “Senhor, quando foi quete vimos com fome e te demos de comer? Ou com sedee te demos de beber? “ (v.37). sua surpresa revelaque eles não estavam fazendo estas obras paramerecer a vida eterna, mas antes como um modoespontâneo de expressar sua devoção genuína àCristo, mostrando amor aos irmãos de Cristo. Suasobras foram evidências de sua fé. Os “cabritos”,

526

por outro lado, não revelaram amor por Cristo pelofato de não demonstrarem amor aos irmãos de Cristo;dessa forma, mostraram que eles próprios não eramverdadeiros crentes. Em outras palavras, a cena dojulgamento de Mateus 25 ilustra, vividamente, anatureza do juízo final.

Isso nos leva à questão do galardão. Sem dúvidaa salvação é dada totalmente pela graça; mesmoassim a Bíblia indica que haverá diferenças nogalardão a ser recebido pelo povo de Deus no dia dojuízo. Sobre esse assunto, duas passagensneotestamentárias são especialmente importantes:Lucas 19.12-19 e 1 Coríntios 3.10-15.

Lucas 19.12-27 registra a parábola das dezminas. Um homem nobre foi a um país distante parareceber um Reino e então retornar. Este homem nobredeu uma mina15 a cada um dos seus dez servos,pedindo a cada um que negociasse com sua mina paraobter algum lucro. Quando o homem nobre retornou16,o primeiro servo lhe disse: “Senhor, a tua minarendeu dez” (v.16). E o homem nobre lhe respondeu:“muito bem, servo bom, porque foste fiel no poucoterás autoridade sobre dez cidades” (v.17). Osegundo servo disse ao senhor que sua mina tinharendido cinco outras. A este servo o senhorrespondeu: “Terás autoridade sobre cinco cidades”(v.19). O que é importante é que a variação narecompensa concedida é proporcional à variação nonúmero de minas que os servos angariaram com a suamina original. Sem dúvida, o ponto principal daparábola é que todos nós devemos ser fiéis emaplicar os dons que o Senhor nos tem dado. Mas

527

parece que o detalhes adicional das cinco cidades edas dez cidades tem, pelo menos, algumasignificância. É também interessante observar que,neste caso, a recompensa parece mais ser umaquestão de responsabilidade aumentada, do quesimplesmente um gozo maior.

A outra passagem importante, que trata daquestão do galardão, é 1 Coríntios 3.10-15. Emboraa referência primordial da passagem seja aosensinos (os ensinos de homens como Paulo e Apolo,ambos os quais serviram na Igreja de Corinto),aplicá-la às obras, bem como aos ensinos, é apenasuma extensão mais ampla do sentido da passagem.Conforme o verso 11, o fundamento único sobre oqual todos têm de construir é Jesus Cristo . masmuito depende de como a pessoa constrói sobreaquele fundamento. Ela pode construir com ouro,prata e pedras preciosas - ou ela pode construircom madeira, feno e palha (v.13). Então a passagemfala acerca de um fogo que testará o tipo de obraque cada um tem realizado - uma referência óbvia aoDia do Juízo: “Se permanecer a obra de alguém quesobre o fundamento edificou, esse receberágalardão; se a obra de alguém se queimar, sofreráele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, comoque através do fogo” (vs. 14, 15).

Ambos os tipos de edificadores são salvos pelagraça, pois ambos construíram sobre o fundamentoúnico que é Jesus Cristo. Mas o construtor, cujaedificação sobre o fundamento passar no teste dofogo e sobreviver, receberá um galardão. O homemcuja obra não passe no teste do fogo, porém,

528

sofrerá perda. Que quer dizer a perda? Não podesignificar a perda da salvação - veja o verso 15. Aperda que este homem sofre tem de ser uma perda degalardão. Este homem é salvo como “alguém queescapou por entre as chamas” (NIV), assim como umhomem escapa de um prédio em fogo, tendo perdidotodas as suas posses com exceção das roupas docorpo. Parece óbvio que esta passagem fala sobre umgalardão que alguns crentes recebem e outros não.Esse galardão será diretamente proporcional ao tipode material com o qual a pessoa construiu sobre ofundamento da fé em Cristo - em outras palavras, àqualidade de sua vida cristã.

Está claro que haverá tais galardões para oscrentes. Jesus freqüentemente menciona os galardões(veja Mateus 5.11, 12; 6.19-21; Lucas 6.35; Marcos9.41; Mateus 25.23). Entretanto, Jesus deixaindubitavelmente claro que tais galardões sãoimerecidos, sendo dons da graça de Deus. Observeespecialmente suas palavras em Lucas 17.10: “Assimtambém vós, depois de haverdes feito quanto vos foiordenado, dizei: Somos servos inúteis, porquefizemos apenas o que devíamos fazer”. O Catecismode Heidelberg expressa a mesma idéia na Resposta63: “Este galardão não é conquistado: é um presenteda graça” 17.

Entretanto, a relação entre nossas obras enosso futuro galardão não deve ser entendida demodo mecânico, mas antes de modo orgânico. Quandoalguém estudou música e obteve alguma destreza emtocar algum instrumento musical, a sua capacidadepara desfrutar da música foi grandemente aumentada.

529

De modo similar, nossa devoção a Cristo e aoserviço do seu Reino aumentam nossa capacidade dedesfrutar as bênçãos daquele Reino, tanto agoracomo na vida por vir. Leon Morris habilmente diz:“Aqui e o homem que de todo coração se entrega aoserviço de Cristo conhece mais da alegria do Senhordo que o que tem o coração dividido. Não temosgarantia alguma do Novo Testamento para pensar queisso será diferente no céu”18.

Finalmente, qual é a significação do Dia doJuízo? Podemos fazer quatro observações: (1) Ahistória do mundo não é uma sucessão infinita deciclos sem sentido, mas é um movimento em direção aum alvo; (2) O Dia do Juízo revelará finalmente quea salvação e a felicidade eterna dependerão darelação da pessoa com Jesus Cristo; (3) Ainevitabilidade do Dia do Juízo enfatiza aresponsabilidade do homem por sua vida, e afirma aseriedade da luta moral na vida de cada pessoa,especialmente na vida do cristão; (4) O Dia doJuízo significa o triunfo final de Deus e de suaobra redentora na história - ou, seja, a conquistafinal e decisiva sobre todo mal e a revelação finalda vitória do Cordeiro que foi morto. O Dia doJuízo revelará que, sem sombra de dúvida, a vontadede Deus, ao final, será executada perfeitamente.

530

Notas do Capítulo 18

1. Ver acima, pp. 132-139.2. Ver acima, pp. 130-132.3. Artigo 16 das “Fundamental Beliefs of Seventh-Day

Adventists” (Crenças Fundamentais dos Adventistasdo Sétimo Dia), encontrado em Seventh-Day AdventistsAnswer Questions on Doctrine (Os Adventistas do SétimoDia Respondem a Questões de Doutrina),Washington: Review and Herald, 1957, p. 15. Vera crítica deste ensino em minha obra Four MajorCults (Quatro Maiores Seitas), pp. 144-158.

4. Mais adiante, no capítulo, será discutida aquestão dos graus de galardão e punição.

5. Introduction to Dogmatic Theology (Introdução à TeologiaDogmática), London, 1960, conforme citado emLeon Morris, The Biblical Doctrine of Judgement (DoutrinaBíblica do Juízo), Grand Rapids: Eerdmans, 1960,p. 54, número 3.

6. NSB, p. 1375, número 1.7. Let God Be True (Seja Deus Verdadeiro), 1952, p.

286. As Testemunhas de Jeová também diferem doCristianismo histórico ao ensinar que ojulgamento final não é baseado nas obras feitasdurante esta vida atual, mas sim no que é feitodurante o milênio ver Four Major Cults (QuatroGrandes Seitas), pp. 319-321.

8. Gereformeerd Dogmatiek, 4ª ed. IV, pp. 683-684 (3ªed., pp. 781, 782).

9. Ver acma, pp. 324-325.

531

10. Tradução nova, aprovada pelo Sínodo da IgrejaCristã Reformada de 1975 (Grand Rapids: Board ofPuclications of the CRC, 1975).

11. Ver acima, pp. 336,337.12. A declaração: “não entra em juízo (krisis)” não

significa que ele não terá de comparecer peranteo tribunal de Cristo, mas significa que ele nãoserá condenado.

13. Acts of the Council of Trent with the Antiodote (Atos doConcílio de Trento com Antídoto), sexta sessão,no Cânon 11; in Tracts and Treatises in Defense of theReformed Faith (Tratos e Tratados em Defesa da Féda Reforma), transformação. H.Beveridge, III, p.152.

14. Uma discussão útil sobre a relação entrejustificação pela fé e o julgamento segundo asobras pode ser encontrada na obra de G.C.Berkouwer, Faith and Justification (Fé e Justificação),trad. Por L.B.Smedes, Grand Rapids: Eerdmans,1954, pp. 103-112.

15. Uma mina representa aqui uma quantidade dedinheiro semelhante a cerca de três meses deordenado de um trabalhador.

16. Provavelmente deve-se entender o retorno dohomem nobre como uma descrição figurada da voltade Cristo.

17. Tradução nova de 1975.18. Biblical Doctrine of Judgement (Doutrina Bíblica do

Juízo), p. 67.

532

CAPÍTULO

A PUNIÇÃO ETERNA

Estaremos tratando neste e no seguintecapítulo sobre o estado final daqueles quecompareceram perante o tribunal de Deus. Esseestado final - assim diz a Bíblia - será um estadoou de miséria eterna ou de felicidade eterna. Todosaqueles que estão em Cristo desfrutarão da eternabem-aventurança na nova terra, ao passo que todosos que não estiverem em Cristo serão entregues àpunição eterna do inferno. Neste capítulo nosocuparemos do estado final daqueles que não estãoem Cristo ou, melhor dito, dos incrédulos e ímpios.

A doutrina da punição eterna foi ensinada naIgreja Cristã desde o princípio. Harry Buis, em seulivro Doctrine of eternal Punishment (Doutrina da PuniçãoEterna), traz citações de vários pais da igrejaprimitiva para provar que essa doutrina era poreles ensinada1. Então ele segue mostrando queteólogos tanto da Idade Média quanto do período daReforma igualmente criam e ensinavam a doutrina dapunição dos ímpios2. Buis prossegue, mostrando que,à partir do século dezoito, vários teólogoscristãos começaram a negar a doutrina da puniçãoeterna. Esta rebelião contra a doutrina “avolumou-se numa poderosa revolta no século dezenove,revolta essa que continua até hoje” 3.

Hoje em dia a negação da doutrina da puniçãoeterna toma duas formas principais: o universalismo e

533

o aniquilismo. Os universalistas crêem que inferno epunição eterna seriam incoerentes com o conceito deum Deus amoroso e poderoso. Por isso, eles ensinamque, no fim, todos os homens serão salvos. Algunsuniversalistas afirmam que as pessoas que tenhamvivido vidas más poderão ser punidas por algumtempo após a morte, mas todos os universalistasconcordam que estará perdido em última instância.Esta posição é tão antiga quando Orígenes (185-254), que ensinava que no fim não somente todos osseres humanos seriam salvos, mas inclusive o diaboe seus demônios. Nos Estados Unidos e no Canadá, adoutrina da salvação universal é defendida epropagada pela Unitarian Universalist Association (AssociaçãoUniversalista Unitariana), que foi fundada em 1961.Em 1975 foi registrado que esse grupo tinha 220.648membros em 1019 igrejas4.

A outra principal forma assumida pela negaçãoda punição eterna é a doutrina do aniquilamento.Essa doutrina pode se apresentar de duas formas.Conforme uma delas, o homem fora criado imortal,mas aqueles que continuam no pecado são privados daimortalidade e simplesmente aniquilados - isto é,reduzidos a não-existência. Segundo a outra forma,também conhecida como “imortalidade condicional” ohomem fora criado mortal. Os incrédulos, porém, nãorecebem esse dom, e por isso permanecem mortais;por essa razão são aniquilados por ocasião damorte. Ambas as formas do aniquilismo ensinam oaniquilamento dos ímpios e, portanto, negam adoutrina da punição eterna. Já no quarto século,Arnóbio ensinava o aniquilamento dos ímpios. O

534

socinianos, da segunda metade do século dezesseis,também ensinavam que ao final os incrédulos seriamaniquilados. Na época atual o aniquilamento, naforma da imortalidade condicional, é ensinado pelosAdventistas do Sétimo Dia e pelos Testemunhas deJeová os Testemunhas de Jeová ensinam que oaniquilamento é a punição dos ímpios, de Satanás edos demônios; os Adventistas do Sétimo Dia, porém,afirmam que haverá período de sofrimento punitivoanterior ao aniquilamento de Satanás e dessesgrupo, cuja duração dependerá do montante de culpaenvolvido. O que ambos os grupos têm em comum é anegação da punição eterna5.

Certamente, pode-se entender as dificuldadesque as pessoas têm com a doutrina da puniçãoeterna. Nós todos, naturalmente, nos recusamos acontemplar tal destino horrível. Mas esta doutrinadeve ser aceita porque a Bíblia a ensinaclaramente. Vejamos então a evidência dasEscrituras para esta doutrina. Começaremos peloensino de Cristo, seguindo então para o ensino dosapóstolos.

Começamos, pois, com os ensinos de Cristo. Ocomentário de Buis é bem incisivo sobre o assunto:“O fato de que o sábio e amoroso salvador tem maisa dizer sobre o inferno do que qualquer outrapessoa que figura na Bíblia certamente provocanossas reflexões” 6. No Sermão do Monte encontramospelo menos três referências ao inferno. Em Mateus5.22 Jesus diz: “Eu, porém, vos digo que todoaquele que se irar contra seu irmão estará sujeitoa julgamento; e quem proferir um insulto a seu

535

irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; equem lhe chamar: Tolo! Estará sujeito ao inferno defogo (tem geennan tou pyros)”. E nos versos 29-30, domesmo capítulo Jesus diz: “Se o teu olho direito tefaz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois teconvém que se perca um dos teus membros, e não sejatodo teu corpo lançado no inferno (geennan). E se atua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-ade ti; pois te convém que se perca um de seusmembros e não vá todo teu corpo para o inferno(geennan)”. Observe-se que Jesus aqui falaindubitavelmente acerca do inferno, indicando queos sofrimentos do inferno envolvem tanto o corpocomo a alma. É melhor, dizerem, perder um olho ouuma mão do que ter todo o seu corpo lançado noinferno.

Neste momento, deveríamos examinar melhor apalavra aqui traduzida por inferno, a palavra gregageenna. Já vimos anteriormente que às vezes apalavra Hades - pelo menos em Lucas 16.23 - podesignificar o lugar de punição durante o estadointermediário7. Entretanto, a palavraneotestamentária, que de nota o lugar final depunição, é geenna, geralmente traduzida porinferno. Esta palavra é uma forma grega daexpressão aramaica gee hinnom, que significa: “Valede Hinom”. Este era um vale ao sul de Jerusalém,onde, às vezes, pais ofereciam seus filhos comosacrifício ao Deus amonita Moloque, nos dias deAcaz e Manassés (veja 2 Reis 16.3; 21.6; eespecialmente Jr 32.35). Ameaças de juízo sãolançadas sobre esse vale sinistro em Jeremias 7.32

536

e 19.6. Era também nesse vale que se queimava olixo de Jerusalém. Por isso este vale tornou-se umtipo do pecado e maldição e, dessa forma, a palavrageenna passou a ser usada como designação para ofogo escatológico do inferno e para o lugar dapunição8. Ao continuarmos a observar o uso destapalavra, ficará claro que a punição de geenna é semfim.

As palavras de Jesus, registradas em Mateus10.28, consolidam um aspecto levantado em conexãocom Mateus 5.29-30, a saber, que os sofrimentos doinferno envolvem tanto o corpo como a alma e, porisso, pressupõe a ressurreição do corpo: “Nãotemais os que matam o corpo e não podem matar aalma; temei antes aquele que pode fazer perecer9 noinferno tanto a alma como o corpo” 10. Além disso, oque é especialmente importante em Mateus 18.8,9 é areferência de Jesus ao fogo eterno: “Portanto, se atua mão ou o teu pé te faz tropeçar, corta-o elança-o fora de ti; melhor é entrares na vida mancoou aleijado, do que, tendo duas mãos ou dois o pés,seres lançado no fogo eterno (to pyr to aionion). Se umdos teus olhos de faz tropeçar, arranca-o e lança-ofora de ti; melhor é entrares na vida com um só dosteus olhos, do que, tendo dois, seres lançado noinferno de fogo (tem geennan tou pyros)”. Aqui Jesusensina claramente que o fogo do inferno não é umaespécie de punição e temporária da qual algumaspessoas possam se libertar, mas sim uma punição semfim ou eterna11.

Encontramos mais evidência para o fato de quea punição do inferno é eterna em Marcos 9.43, onde

537

o fogo do inferno é chamado de “inextinguível” (topyr to asbeston). No verso 48 do mesmo capítulo sãoutilizadas as seguintes palavras para descrever oinferno: “...onde não lhe morre o verme, nem o fogose apaga”. Estas palavras são citadas de Isaías66.24, onde elas aparecem num cenário escatológico.Obviamente, deve-se interpretá-las figuradamente, enão literalmente. O objetivo das figuras, porém, éque o tormento e angústia internos, simbolizadospelo verme, nunca terão fim e os sofrimentosexteriores simbolizados pelo fogo nunca cessarão.Se as figuras utilizadas nesta passagem nãosignificam sofrimento sem fim, então elas nãosignificarão coisa alguma.

Outra figura que retrata os tormentos doinferno é apresentada em Mateus 13.41,42: “Mandaráo Filho do homem os seus anjos que ajuntarão, e oslançarão na fornalha acesa; ali haverá choro eranger de dentes”. Embora a duração eterna dapunição não seja mencionada especificamente nessapassagem, as figuras utilizadas sugerem o caráteramargo do remorso e a auto-condenação desesperada.Mateus (25.30) adiciona outra parte horrível aocenário: “E o servo inútil lançai-o para fora, nastrevas. Ali haverá choro e ranger de dentes” (cp.Mt 22.13). “Para fora, nas trevas” sugere oisolamento terrível do perdido, e sua separaçãoeterna da graciosa comunhão com Deus.

Em Mateus 25.46 é empregado o mesmo adjetivopara descrever a duração da punição do ímpio e dafelicidade do salvo. “E irão estes [os que estão àesquerda do Rei] para o castigo eterno (kolasin

538

aionion), porém os justos para a vida eterna (zoenaionion)”.

Em relação a isso também podem ser mencionadasduas passagens do Evangelho de João. A primeira é ofamoso “Evangelho em miniatura”, João 3.16: “PorqueDeus amou ao mundo de tal maneira que deu o seuFilho unigênito para que todo o que nele crê nãopereça (me apoletai), mas tenha a vida eterna (zoenaionion)”. Fica claro que “perecer” neste versosignifica punição eterna comparado com o trigésimo-sexto verso deste capítulo: “Aquele que crê noFilho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantémrebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobreele repousa (reside [ASV] ou permanece [NIV]; nogrego, menei) a ira de Deus”. Se a ira de Deuspermanece sobre uma pessoa assim, que outraconclusão podemos tirar senão que a puniçãoenvolvida é eterna?

Voltamos agora para examinar, em detalhe, duaspalavras que foram usadas freqüentemente naspassagens citadas acima: apollymi (geralmentetraduzida por “destruir”, “arruinar”; na vozpassiva, “estar perdido” ou “perecer”) e aionios(geralmente traduzido por “eterno”).

Os oponentes da doutrina da punição eterna,freqüentemente, dizem que a palavra apollymi, quandoutilizada pelo Novo Testamento para o destino dosímpios, significa aniquilar ou apagar a existência.Por exemplo, tanto os Adventistas do Sétimo Diacomo os Testemunhas de Jeová interpretam o termodessa forma12.

539

Apollymi, no Novo Testamento, contudo, nuncasignifica aniquilamento. Esta palavra nunca significaaniquilar quando é aplicada a outras coisas que não odestino eterno do homem. (1) Às vezes, apollymisimplesmente significa “estar perdido”. A palavra éutilizada nesse sentido nas três parábolas acercado “perdido”, em Lucas 15 - para designar a ovelhaperdida, a moeda perdida e o filho perdido. No casodo filho, sua perdição significava que ele estavaperdido para a comunhão do seu pai, uma vez quefora contra o propósito de seu pai. (2) Às vezes, apalavra apollymi pode significar “tornar-se inútil”.Assim, em Mateus 9.17, ela é utilizada para mostraro que acontece aos odres velhos quando se colocavinho novo neles: os odres “se rompem” ou ficaminutilizados. (3) Às vezes, apollymi é usado parasignificar “matar”. Por exemplo, observe-se Mateus2.13: “porque Herodes há de procurar o menino parao matar (apolesai)”. Mesmo à parte do fato de que apassagem fala acerca da tentativa para matar Jesus,será matar o mesmo que aniquilar? Vimos, em Mateus10.28, que “aqueles que matam o corpo” “não podemmatar a alma” - por causa disso aniquilamento estáfora de questão. Além disso, estritamente falando,nem mesmo se aniquila o corpo quando se mata umhomem. As partículas de um corpo em decomposiçãopassam para outras formas de matéria.

Tendo observado que apollymi não significaaniquilamento quando utilizado em outras formas, nãodeveríamos esperar que a palavra significaaniquilamento quando é utilizada para descrever odestino final dos ímpios. Tal mudança abrupta de

540

sentido teria de ser atestada claramente. Mas,conforme temos visto, os ensinos bíblicos, acercado destino final dos perdidos, excluemcompletamente o aniquilamento. Observamos váriaspassagens dos Evangelhos, a maioria delas proferiapelo próprio Jesus, que descrevem a sorte final dosímpios como sendo um tormento continuado e sem fim.À luz deste ensinamento claro, somos levados aconcluir que apollymi, quando usado para o destinofinal dos perdidos, não pode significaraniquilamento. Por causa disso não devemos nos deixarenganar pela ressonância de palavras como“destruir” ou “perecer”, quando estas sãoutilizadas nas traduções, como se elas provassemque os ímpios deverão ser aniquilados. Apollymi,quando utilizado para descrever o destino últimodaqueles que não estão em Cristo (conforme em Mt10.28; 18.14; Lc 13.3; Jo 3.16; 10.28; Rm 2.12; 1Co 1.18; Fp 3.19; 2 Pe 2.1; 3.16), significaperdição eterna, uma perdição que consiste na perdainterminável da comunhão com Deus, que é, ao mesmotempo, em estado de tormento ou dor interminável13.

Prosseguimos agora, examinando o significadoda palavra aionios, geralmente traduzida por “eterno”ou “que dura para sempre” em nossas traduções.Arndte Gingrich, em seu Greek - English Lexicon of the NewTestament (Léxico Grego-Inglês do Novo Testamento),sugere três significados para aionios: (1) sem início,(2) sem início ou fim, e (3) sem fim14. O segundosignificado da palavra é aplicado a Deus, como emRomanos 16.26, onde Paulo fala sobre o mandamentodo Deus eterno. Quando aionios é utilizado para

541

descrever o destino futuro seja do povo de Deus,seja do ímpio, significa sem fim (conformesignificado (3)).

A palavra aionio é, freqüentemente, utilizadapelo Novo Testamento para descrever a felicidadefutura interminável do povo de Deus. Nós aencontramos empregada assim em Mateus 25.46, ondese diz que aos justos é dito que ingressem na vidaeterna. Também encontramos a palavra empregadadessa forma em João 10.28: “Eu lhes dou [às minhasovelhas] a vida eterna; jamais perecerão,eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão”.Além disso, encontramos aionios utilizado paradescrever a glória eterna que aguarda os crentes,como em 2 Timóteo 2.10, o eterno peso de glória em2 Coríntios 4.17, as eternas “coisas que sãoinvisíveis” em contraste com as transitórias“coisas visíveis” em 2 Coríntios 4.18, o edifícioeterno de Deus que nos aguarda na morte em 2Coríntios 5.1, a redenção eterna e a herança eternaque Cristo obteve para nós segundo Hebreus 9.12,15.

Se, porém a palavra aionios significa sem fimquando aplicada à felicidade futura dos crentes,deve-se concluir, a não ser que seja dada claraevidência em contrário, que estas palavras tambémsignifique sem fim quando utilizada para descrever apunição futura dos perdidos. Aionios é empregadoneste último sentido em Mateus 25.46 (“irão estespara o castigo eterno”) e em 2 Tessalonicenses 1.9(“estes sofrerão penalidade de eterna destruição”).Deduz-se, pois, que a punição que os perdidos

542

sofrerão após esta vida será tão interminávelquanto a felicidade futura do povo de Deus15.

Passamos agora a examinar os ensinos dos apóstolossobre este assunto. Talvez a descrição mais vívidados sofrimentos dos perdidos encontrada nosescritos paulinos esteja em 2 Tessalonicenses 1.7-9: “...quando do céu se manifestar o Senhor Jesuscom os anjos do seu poder, em chama de fogo,tomando vingança contra os que não conhecem a Deuse contra os que não obedecem ao Evangelho de nossoSenhor Jesus. Estes sofrerão penalidades de eternadestruição, banidos da face do Senhor e da glóriado seu poder...” Os termos gregos traduzidos por“destruição eterna” são olethron aionin. Olethros nãopode significar aniquilamento aqui, pois que sentidoteria falar de um aniquilamento eterno? Esta palavrageralmente significa “destruição” ou “ruína” 16. Em1 Timóteo 6.9 olethros é utilizado como um paralelode apoleia (um substantivo derivado de apollymi), quesignifica “perdição”. Olethron aionion, portanto, temde significar, em 2 Tessalonicenses 1.9, ruína eternaou punição interminável, implicando eterna exclusão dapresença graciosa do Senhor17.

Paulo descreve o futuro destino dos ímpios empelo menos duas passagens da Carta aos Romanos. Aprimeira destas era em Romanos 2: “Mas, segundo atua dureza e coração impenitente acumulas contra timesmo ira para o dia da ira e da revelação do justojuízo de Deus... Mas ira a indignação aos facciososque desobedecem à verdade, e obedecem à injustiça.Tribulação e angústia virão sobre a alma dequalquer homem que faz o mal, do judeu primeiro, e

543

também do grego...” (vs. 5, 8, 9). Embora nãoesteja especificamente declarada aqui a duraçãoeterna da punição dos perdidos, note a referência àira e furor de Deus. É exatamente desta ira que oscrentes são salvos pela obra de Cristo: “Logo,muito mais agora, sendo justificados pelo seusangue [de Cristo], seremos por ele salvos da irade Deus” (Rm 5.9). A outra passagem está em Romanos2.12, onde a palavra apolountai, uma forma deapollymi, é utilizada para indicar a perdição eternados perdidos: “Todos os que pecaram sem lei, tambémsem lei perecerão (apolountai); e todos os que comlei pecaram, mediante lei serão julgados”.

O décimo capítulo do livro de Hebreus contémalgumas palavras severas sobre o destino daquelesque desprezam o Filho de Deus: “Sem misericórdiamorre pelo depoimento de duas ou três testemunhasquem tiver rejeitado a lei de Moisés. De quantomais severo castigo julgais vós será consideradodigno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, eprofanou o sangue da aliança com o qual foisantificado, e ultrajou o Espírito da graça?...Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (vs.28,29,31). Embora não seja mencionada a duraçãoeterna desta punição, o horror do destino daquelesque quebram a aliança está aqui ominosamenterevelado. Após instar com seus leitores para quepermaneçam fiéis à fé, o autor continua dizendo como fim de encorajá-los: “Nós, porém, não somos dosque retrocedem para a destruição (ou “retrocedempara a perdição” [ASV]; no grego, eis apoleian);

544

somos, entretanto, da fé, para a conservação daalma”.

Encontramos mais evidência para a puniçãoeterna dos perdidos em 2 Pedro e em Judas.Referindo-se aos homens ímpios, Pedro diz: “Essestais são como fonte sem água, como névoas impelidaspor temporal. Para eles está reservada a negridãodas trevas” (2 Pe 2.17). A figura empregada porPedro nos lembra das palavras de Jesus acerca das“trevas exteriores” nas quais os perdidos serãolançados. Encontramos uma declaração similar emJudas 13, onde certos apóstatas são descritos como“ondas bravias do mar, que espumam as suas própriassujidades; estrelas errantes, para as quais temsido guardada a negridão das trevas, para sempre(eis aiona)”. Aqui a duração eterna desta punição éespecificamente mencionada. Um destino similar éatribuído a Sodoma e Gomorra no verso 7: “ComoSodoma e Gomorra e as cidades circunvizinhas que,havendo-se entregue à prostituição como aqueles,seguindo após outra carne, são postas para exemplodo fogo eterno (pyros aioniou), sofrendo punição”.

Mais um ensino sobre este assunto é encontradono livro do Apocalipse. Em 14.10,11 lemos acerca dealguém que adora a besta e a sua imagem: “...também esse beberá do vinho da cólera de Deus,preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, eserá atormentado com fogo e enxofre, diante dossantos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça doseu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e nãotêm descanso algum, nem de dia nem de noite...” Aimagem é horrivelmente vívida, lembrando-nos de

545

algumas palavras de nosso Senhor acerca da ira quepermanece e do fogo que não é extinguido. A fumaçado tormento desses perdidos é mencionada comosubindo para sempre. Embora não devamos pensar aquiem fumaça no sentido literal, a expressão fica semsentido se não pretender retratar uma punição quenão terá fim. As palavras “pelos séculos dosséculos” são as seguintes no grego: eis aionas aionon(literalmenete: pelas eras das eras). Em Apocalipse4.9 Deus é descrito como aquele “que vive pelosséculos dos séculos” (eis tous aionas ton aionon). Anão ser pelo acréscimo dos artigos definidos, estaé a mesma expressão utilizada em 14.11 para afumaça que sobe do tormento dos perdidos.Comparando essa duas passagens, portanto, vemos queo tormento dos perdidos é tão interminável quanto opróprio Deus!

Outra descrição da punição dos perdidos éencontrada em Apocalipse 21.8: “Quanto, porém, aoscovardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aosassassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aosidólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhescabe será no lago que arte com fogo e enxofre, asaber, a segunda morte”. Novamente temos a imagemdo lago de fogo (cp vs. 10,14,15 do capítuloanterior). O destino dos ímpios é agora descritocomo “a segunda morte” (ho thanatos ho deuteros) - umaexpressão utilizada pelo livro do Apocalipse paradesignar a punição eterna18.

Fizemos agora um levantamento da evidênciabíblica. Se levarmos em conta, seriamente, otestemunho das Escrituras, e se basearmos nossas

546

doutrinas em seus ensinos - como de fato deveríamos- somos obrados a crer na punição eterna dosperdidos. Sem dúvida, internamente nos retraímosdeste ensino, e não ousamos tentar visualizar comoesta punição eterna poderia ser experimentada poralguém que conhecemos. Mas a Bíblia a ensina, e porisso (como cristãos) temos de aceitá-la.

Conforme foi dito anteriormente, não devemostomar literalmente as diversas figuras pelas quaisa punição do inferno é retratada. Pois, quandotomadas literalmente, estas figuras tendem a secontradizer reciprocamente: como pode o inferno sertrevas e fogo ao mesmo tempo? As imagens devem serentendidas simbolicamente, porém a realidade serápior do que os símbolos.

Devemos também ter em mente o que foi ditoanteriormente acerca de níveis de punição ou“graduações” no sofrimento dos perdidos19. Nem todapessoa perdida experimentará os sofrimentos de umJudas! 20 Deus será perfeitamente justo, e cadapessoa sofrerá exatamente o que merece.

Deveríamos dizer algo sobre a localização doinferno. Na Idade Média era comum pensar ser sobreo céu como estando em algum lugar acima da terra esobre o inferno como estando em algum lugar abaixo,talvez nas profundezas da terra (como no Inferno deDante). Para a pessoa dos século vinte, com seusconhecimentos da astronomia moderna, este modo depensar não mais faz sentido. Onde se situa oembaixo ou o em baixo em nosso universo atual? Tudo oque podemos dizer é que, conforme os dados

547

bíblicos, tem de haver um lugar denominado inferno,mas não sabemos onde fica.

Qual é a importância da doutrina da puniçãoeterna? O ensino bíblico sobre o inferno deveriaacrescentar uma nota de seriedade profunda à nossapregação e ensino da Bíblia. Ainda que falemos doinferno com relutância, com tristeza e, talvez, atécom lágrimas - temos contudo de falar acerca dele.Nunca podemos esquecer as palavras do autor deHebreus: “Pois se a mensagem proferida pelos anjosera certa, e cada violação e desobediência recebeusua justa punição, como poderemos nós escapar seignorarmos tão grande salvação?” (2.2,3, NIV). Paranosso empreendimento missionário, a doutrina doinferno deveria nos impulsionar a um zelo eurgência maiores. Se é verdade que pessoas empaíses estrangeiros possam estar condenadas a umaeternidade sem Cristo, a não ser que ouçam oEvangelho, quão ansiosos deveríamos estar paralevar esse Evangelho até elas! Pois “como crerãonaquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, senão há quem pregue?” (Rm 10.14).

548

Notas do Capítulo 19

1. Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1957,pp. 53.67.

2. Ibid., pp. 67-80.3. Ibid., p. 111. Sobre os detalhes, ver pp. 82-111.4. Frank S. mead, Handbook of Denominations in the U.S.

(Manual das Denominações dos E.U.A), 6a. ed.,Nashville: Abingdon, 1975, p. 257.

5. Para uma maior elaboração destas posições, verminha obra Four Major Cults (Quatro Grandes Seitas),pp. 142, 308, 320-324. Para uma refutação destasposições, ver Ibid., pp. 360-371.

6. Buis, op.cit., p. 33. É muito útil o resumo dasevidências das Escrituras para esta doutrinafeito pelo sr. Buis. Entre outros livrosimportantes sobre este assunto, podemosmencionar os seguintes: E.B. Pusey, What is of Faithas to Everlasting Punishment? (Que é da fé na puniçãoeterna?), Oxford: Parker, 1880; W.G.T.Shedd, TheDoctrine of Endless Punishment (A Doutrina da puniçãointerminável), New York: Scribner, 1886; e,também de Shedd, pp. 667-754 do Vol II de suaDogmatic Theology (Teologia Dogmática), GrandRapids: Zondervan, s/data; publ.orig.em 1888-1894.

7. Ver acima, pp. 130,131.8. Ver J.Jeremias, “geenna”, in TDNT, I, pp. 657-

658.9. A palavra traduzida por “fazer perecer”

(“destruir”, no inglês) é uma forma de apollymi.

549

Mais adiante, neste capítulo, essa palavra seráexaminada com mais detalhe.

10. A partir daqui, sempre que a palavra infernoocorrer nas citações do Novo Testamento será umatradução de geenna.

11. Mais adiante, no capítulo, examinaremos maisde perto a palavra aqui traduzida por “eterna”:aionios.

12. Ver Hoekema, The Four Major Cults (As QuatroGrandes Seitas), p. 361.

13. Cp. A Oepke, “apollymi”, TDNT, I, pp. 394-397.14. “Aionios”, pp. 27-28.15. H.Sasse, “aionios”, TDNT, I, pp. 208-209.16. Ardt-Gingrich, Greek-English Lexicon of the New

Testament (Léxico Grego-Inglês do NovoTestamento), p.352.

17. J.Schneider, “olethros”, TDNT, v. pp. 168-169.18. Arndt-Gingrich, op.cit., p. 352,19. Ver acima, p. 347.20. Cp. as palavras de Jesus sobre Judas: “Melhor

lhe fora não haver nascido” (Mt 26.24).

550

CAPÍTULO 20

A NOVA TERRA

Neste capítulo trataremos sobre o estado finaldaqueles que estão em Cristo. A Bíblia ensina queos crentes irão para o céu ao morrer. É tambémclaramente ensinado nas Escrituras que eles estarãofelizes durante o estado intermediário entre mortee ressurreição1. Mas sua felicidade será provisóriae incompleta. Para que sua felicidade seja completaeles aguardam a ressurreição do corpo e a novaterra que Deus criará com culminação de sua obraredentora. Concentramos agora nossa atenção nessanova terra.

A doutrina da nova terra conforme ensinadapelas Escrituras é uma doutrina importante. Ela éimportante, primeiramente, para compreensãoadequada da vida por vir. A partir de certos hinostemos a impressão de que os crentes glorificadospassarão a eternidade em algum céu etéreo, em algumlugar no espaço, bem longe da terra. As seguinteslinhas do hino “My Jesus, I Love Thee” (Meu Jesus, Eu TeAmo) parecem transmitir essa impressão: “Em mansõesde glória e prazer sem fim - eu sempre te adorareino radiante céu”. Mas será que tal concepção fazjus à Escatologia bíblica? Será que deveremospassar a eternidade em algum lugar no espaço,trajando vestes brancas, tocando harpas, cantandohinos e pulando de nuvem em nuvem enquanto fazemosisso? Pelo contrário, a Bíblia nos assegura que

551

Deus criará uma nova terra na qual viveremos paraseu louvor em corpos ressurrectos e glorificados.Nessa nova terra, portanto, é que esperamos passara eternidade, desfrutando de suas belezas,explorando seus recursos e utilizando seus tesourospara a glória de Deus. Uma vez que Deus fará novaterra seu lugar de habitação, e uma vez que o céu éonde Deus habita, estaremos então continuando nocéu enquanto estivermos na nova terra. Pois os céuse a terra não mais serão separados como o sãoagora, mas serão um (veja Apocalipse 21.1-3). Masdeixar a nova terra fora de nossas considerações,ao pensarmos no estado final dos crentes, éempobrecer em muito o ensino bíblico acerca da vidapor vir.

Em segundo lugar, a doutrina da nova terra éimportante para uma compreensão adequada daplenitude das dimensões do programa redentor deDeus. No princípio, assim lemos em gênesis, criouDeus os céus e a terra. Por causa da queda do homemno pecado foi pronunciada uma maldição sobre estacriação. Deus, então, envia seu Filho a este mundopara redimir essa criação dos resultados do pecado.A obra de Cristo, portanto, não é apenas salvarcertos indivíduos, nem mesmo salvar uma incontávelmultidão de pessoas compradas por sangue. A obratotal de Cristo não é nada menos do que redimirtoda esta criação dos efeitos do pecado. Estepropósito não será realizado até que Deus tenhainstaurado a nova terra, até que o Paraíso Perdidotenha-se tornado o Paraíso Recuperado. Precisamosde uma compreensão clara da doutrina da nova terra,

552

portanto, para ver o programa redentor de Deus emsuas dimensões cósmicas. Precisamos perceber queDeus não estará satisfeito até que todo o universotenha sido purificado de todos os resultados daqueda do homem.

Uma terceira razão pela qual este assunto éimportante é sua necessidade para a compreensãoadequada das profecias do Antigo Testamento. Jávimos anteriormente várias profecias do AntigoTestamento que falavam de um futuro glorioso para aterra2. Estas profecias nos dizem que, em algumtempo no futuro, a terra se tornará muito maisprodutiva do que agora, que o deserto florescerácomo a rosa, que o lavrador ultrapassará oceifeiro, e que as montanhas destilará docesvinhos. Elas nos dizem que não mais será ouvido osom do choro sobre aquela terra, e que os dias dopovo de Deus serão então semelhantes aos dias deuma árvore. Elas nos dizem que naquela terra o loboe o cordeiro comerão juntos e que ninguém ferirá oudestruirá algo em todo santo monte de Deus, pois aterra estará cheia do conhecimento do Senhor comoas águas cobrem o mar.

Os dispensacionalistas no acusam a nósamilenistas, de “espiritualizar” este tipo deprofecias de modo a ocultar o seu verdadeirosignificado. John F. Walvoord, por exemplo, diz:“Às várias promessas feitas a Israel é dado umdentre dois tratamentos [pelos amilenistas]. Pelotradicional amilenismo agostiniano, essas promessassão transformadas por uma interpretaçãoespiritualizada para a igreja. A igreja hoje é o

553

verdadeiro Israel e herda as promessas que Israelperdeu ao rejeitar a Cristo. O outro tratamento outipo de amilenismo mais moderno, sustenta que aspromessas de justiça, paz e segurança são figuraspoéticas do céu e cumpridas no céu, não na terra” 3.Numa página posterior, após citar e referir-se avárias passagens proféticas acerca do futuro daterra Walvoord continua dizendo: “Através denenhuma alquimia teológica estas e inumeráveisoutras referências à terra, como a esfera do Reinomilenar de Cristo deveriam ser espiritualizadas,para se tornar equivalentes ao céu, o estado eternoou a Igreja, conforme têm feito os amilenistas” 4.

Podemos responder argumentando que profeciasdeste tipo não deveriam ser interpretadas nem comoreferindo-se à Igreja do tempo presente nem ao céu,se com céu for entendido um Reino em algum lugar noespaço, bem distante da terra. As profecias destanatureza deveriam ser entendidas como descrições -certamente em linguagem figurada - da nova terraque Deus trará à existência após a volta de Cristo- uma nova terra que não durará apenas mil anos,mas para sempre5.

Portanto, uma compreensão adequada da doutrinada nova terra providenciará uma resposta adeclarações dispensacionalistas tais como estasrecém-citadas. Também proverá uma resposta àseguinte declaração de outro dispensacionalista:“Se as profecias do Antigo Testamento concernentesàs promessas de um futuro feitas a Abraão e a Davidevem ser cumpridas literalmente, então tende haverum período futuro, o milênio, no qual elas possam

554

ser cumpridas, pois a igreja não as está cumprindoagora em nenhum sentido literal. Em outraspalavras, o quadro literal das profecias do AntigoTestamento requer um cumprimento futuro, ou umcumprimento não-literal. Se elas devem sercumpridas no futuro, o único tempo possível paraeste cumprimento é o milênio” 6.

A isto podemos responder: Haverá umcumprimento futuro dessas profecias, não nomilênio, mas sim na nova terra. Se todas elas devemser cumpridas literalmente é uma questão aberta; comcerteza detalhes acerca de lobos e cordeiros, eacerca de montanhas destilando doce vinho devem serentendidos não de um modo grosseiramente literal,mas como descrições figuradas de como a nova terraserá. Entretanto, não é correto dizer que aplicaressas profecias à nova terra seja participar de umprocesso de “espiritualização”.

Mantendo em mente a doutrina da terra,portanto, estaremos esclarecendo o significado degrandes porções da literatura profética do AntigoTestamento de modos surpreendentemente novos. Fazerestas passagens se referirem unicamente a umperíodo de mil anos anterior ao estado final éempobrecer o seu significado. Mas ver estasprofecias como descrevendo a nova terra que aguardaa todo o povo de Deus e que durará para sempre éver estas passagens em sua verdadeira luz.

Passamos agora a examinar mais completamente oque a Bíblia ensina acerca da nova terra7. Desde ocapítulo de abertura do livro de Gênesis aprendemosque Deus prometeu ao homem nada menos do que a

555

própria terra como sua herança e habitaçãoadequado: “E Deus os abençoou e lhes disse: Sedefecundos, multiplicai-vos, enchei a terra esujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobreas aves dos céus e sobre todo animal que rastejasobre a terra” (Gn 1.28). Deus também ambientou ohomem no Jardim do Édem. A partir desse jardim,como seu centro, o homem deveria governar e dominarsobre toda a terra. Esta era a sua tarefa, seumandato da criação. Mas o homem caiu no pecado, foiexpulso do Jardim do Édem e foi-lhe dito que agora,por causa do seu pecado, ele teria de morrer.Quando o homem pecou, seu domínio sobre a terra nãofoi removido. Mas a terra sobre a qual elegovernava passou a estar sob maldição, conformevemos em Gênesis 3.17 (“Maldita é a terra por tuacausa”). Mais adiante, o próprio homem tornou-setão corrompido pelo pecado que não mais podegovernar a terra adequadamente.

Imediatamente após a queda Deus deu ao homem oassim chamado “proto-Evangelho”: “Porei inimizadeentre ti e a mulher, entre a tua descendência e oseu descendente. Este te ferirá a cabeça e tu lheferirás o calcanhar” (Gn 3.15). As palavras sãodirigidas à serpente que, no livro do Apocalipse, éidentificada como Satanás: “Ele segurou o dragão, aantiga serpente que é o diabo, Satanás”(20.2; cp.12.9). Esta promessa afirmou claramente que acabeça da serpente - aquela que levou o homem a serebelar contra Deus - seria finalmente esmagadapelo descendente da mulher e que, por isso,indubitavelmente se vislumbrava a vitória final

556

sobre a força do mal que tinha perturbado atranqüilidade do paraíso.

Como, pois, poderiam Adão e Eva, juntamentecom outros que ouvissem esta primeira promessa,visualizar essa vitória final? Somente podemosespecular acerca dessa questão. Mas poderia parecerque uma vez que um dos resultados do pecado foi amorte, esta vitória prometida tivesse de algumaforma que envolver a remoção da morte. Além disso,uma vez que outro resultado do pecado fora aexpulsão de nossos primeiros pais do Jardim do Édemde onde eles deveriam governar o mundo para Deus,pareceria que a vitória também devesse significar arestauração do homem a algum tipo de paraísorecuperado, do qual ele novamente poderia governaradequadamente, e sem pecado sobre a terra. O fatode que a terra fora amaldiçoada por causa do pecadodo homem também pareceria implicar que, como parteda vitória prometida, esta maldição e todos osoutros resultados do pecado que a maldição envolviafossem removidos. Num certo sentido, portanto, aexpectação de uma nova terra já estava implícita napromessa de Gênesis 3.15.

Em Gênesis 15 e 17 lemos acerca doestabelecimento formal da aliança da graça comAbraão e seu descendente. Ao estabelecer suaaliança com Abraão, Deus estava estreitando,temporariamente, o escopo da aliança da graça com oobjetivo de preparar para um alargamento último daaliança. Na promessa de Gênesis 3.15 Deus tinhaanunciado que ele estava graciosamente inclinadopara com o homem apesar da queda deste no pecado.

557

Esta inclinação graciosa foi definida nos termosmais amplos possíveis, dirigindo-se para “odescendente da mulher”. Ao estabelecer sua aliançaformalmente com Abraão, entretanto, Deus introduziutemporariamente uma etapa particularizadora daaliança da graça - com Abraão e com os seusdescendentes naturais - para que estes descendentesde Abraão pudessem ser uma bênção para todas asnações (veja Gn 12.3; 22.18). Esta etapaparticularista da aliança da graça com Abraão,portanto, vem seguida na era do Novo Testamentopelo alagamento do escopo da aliança, que agora nãomais esta restrito a Israel, mas inclui pessoasdentre todas as nações da terra.

Na questão da herança da terra encontramos umasituação similar: um estreitamento temporário dapromessa é seguido por uma ampliação posterior. Emoutras palavras, assim como o povo de Deus, na erado Antigo Testamento, era em sua maioria restritoaos israelitas, mas era neotestamentária éarrebanhado dentre todas as nações, assim também naépoca do Antigo Testamento a herança da terra eralimitada a Canaã, enquanto que na época do NovoTestamento a herança é expandida para incluir todaa terra.

Encontramos em Gênesis 17.8 a seguintepromessa feita a Abraão: “Dar-te-ei e à tuadescendência (ou somente, ASV) a terra das tuasperegrinações, toda a terra de Canaã, em possessãoperpétua...” Observe-se como Deus prometeu dar aterra de Canaã não somente aos descendentes deAbraão, mas também ao próprio Abraão. Mesmo assim,

558

Abraão nunca possuiu nem um metro quadrado de terrana terra de Canaã (cp. Atos 7.5) - com exceção dacaverna-túmulo que ele teve de comprar dos hititas(veja Gn.23). Qual, pois, foi a atitude de Abraãocom relação a esta promessa da herança da terra deCanaã, que nunca foi cumprida durante o período desua vida? Recebemos uma resposta a esta questão nolivro de Hebreus. No capítulo 11, versos 9,10,lemos: “Pela fé Abraão peregrinou na terra dapromessa como em terra alheia, habitando em tendascom Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesmapromessa; porque aguardava a cidade que temfundamentos, da qual Deus é o arquiteto eedificador”. Por “a cidade que tem fundamentos”devemos entender a cidade santa ou a nova Jerusalémque se encontrará na nova terra. Em outraspalavras, Abraão aguardava o advento da nova terracomo o verdadeiro cumprimento da herança que lhetinha sido prometida - e assim procederam os outrospatriarcas. O fato de que os patriarcas assimfizeram, é citado pelo autor de Hebreus como umaevidência de sua fé: “Todos estes morreram na fé,sem ter obtido as promessas, vendo-as, porém, delonge, e saudando-as, e confessando que eramestrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque osque falam desse modo manifestam estar procurandouma pátria. E, se, na verdade, se lembrassemdaquela de onde saíram, teriam oportunidade devoltar. Mas agora aspiram a uma pátria superior,isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonhadeles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhespreparou uma cidade” (11.13-16).

559

Vemos no quarto capítulo de Hebreus que aterra de Canaã, no sentido literal, era um tipo dodescanso sabático eterno que subsiste para o povode Deus. Os israelitas no deserto, que não entraramno descanso da terra de Canaã por causa de suaincredulidade e desobediência, são comparados nestecapítulo a pessoas que, por causa de desobediênciasemelhante, não entram no “descanso sabático” (v.9)que nos aguarda na vida por vir. Portanto, Canaãnão era um fim em si mesma. Ela apontava, nofuturo, para a nova terra que estava por vir.Também vemos, em Gálatas 3.29, que se somos deCristo, somos descendência de Abraão, herdeirossegundo a promessa. Todos nós que estivermos unidoscom Cristo pela fé, somos, portanto, neste sentidomais amplo, a descendência de Abraão. E a promessada qual somos herdeiros tem de incluir a promessada terra.

Quando, à luz desta expansão neotestamentáriado pensamento do Antigo Testamento, relermosGênesis 17.8, vemos nessa passagem, agora, umapromessa da possessão eterna última por todo o povode Deus - todos aqueles que, no sentido mais amplodo termo, são descendência de Abraão - daquela novaterra de que Canaã terrena era apenas um tipo.Dessa forma a promessa da herança da terra temsentido para todos os crentes de hoje. Limitar essealcance futuro desta promessa a Abraão, como ofazem os dispensacionalistas, à possessão da terrada Palestina pelos judeus crentes durante o milênioé diminuir em muito o sentido dessa promessa.

560

Patrick Fairbairn resume o que a herança deCanaã significa sob os seguintes três pontos:

(1) A Canaã terrena nunca foi designadapor Deus - nem poderia assim serentendida por seu povo no princípio -para ser a herança última e propriamentedita que eles deveriam ocupar; emrelação a isso foram proferidas eesperadas coisas que, claramente, nãopodiam ser realizadas dentro dos limitesde Canaã, nem em toda a terra comopresentemente a temos.

(2) A Herança, em seu sentido verdadeiroe completo, poderia apenas serdesfrutada por aqueles que tivessem setornado filhos da ressurreição, elespróprios totalmente redimidos em corpo ealma dos efeitos e conseqüências dopecado.

(3) A ocupação da Canaã terrena peladescendência natural de Abraão, em seugrande e último desígnio, foi um tipo deocupação por uma Igreja redimida deherança de glória a ela destinada8.

Uma questão que deveríamos encarar nestemomento é se a nova terra será outra totalmentediferente desta terra atual, ou será uma renovaçãoda presente terra. Tanto em Isaías, 65.17, como emApocalipse, 21.1, ouvimos acerca de “novos céus euma nova terra”. A expressão “céus e terra” deveriaser entendida como um modo bíblico de designar ouniverso inteiro: “Céus e terra conjuntamente

561

constituem o cosmos” 9. Mas então a questão é: Ouniverso atual será totalmente aniquilado, de formaque o novo universo será completamente outro do queo cosmos atual, ou será o novo universoessencialmente o mesmo cosmos que o presente,apenas renovado e purificado?

Os teólogos luteranos, freqüentemente,favoreceram a primeira destas duas opções.G.C.Berkouwer menciona vários escritores luteranosque favoreceram o conceito do aniquilamento dopresente cosmos e de uma descontinuidade completaentre a velha terra e a nova10. Estes teólogosapelam para passagens tais como Mateus 24.29 (“Osol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, asestrelas cairão do firmamento e os poderes dos céusserão abalados”) e 2 Pedro 3.12 (“Os céusincendiados serão desfeitos e os elementosabrasados se derreterão”) 11. Fica claro que eventoscataclísmicos acompanharão a destruição da terraatual - eventos que continuarão um julgamentodivino sobre esta terra, com todo o seu pecado eimperfeição.

Entretanto, temos de rejeitar o conceito deaniquilamento total em favor do conceito derenovação, pelas seguintes quatro razões:

A primeira: tanto em 2 Pedro 3.13 como emApocalipse 21.1 o termo grego utilizado paradesignar a novidade do novo cosmos não é neos massim kainos. A palavra neos significa novo em tempo ouorigem, enquanto que a palavra kainos significa novoem natureza ou em qualidade12. A expressão ouranonkainon kai gen kainen (“Novo céu e nova terra”, Ap.

562

21.1) significa, portanto, não a emergência de umcosmos totalmente outro, diferente do atual, mas acriação de um universo que, embora tenha sidogloriosamente renovado, está em continuidade com ouniverso presente.

Uma segunda razão para favorecer o conceito derenovação ao invés do aniquilamento é o argumentode Paulo em Romanos 8. Quando ele nos diz que acriação aguarda, com ansiedade, pela revelação dosfilhos de Deus a fim de que possa ser liberta docativeiro da corrupção (vv. 20,21), ele estádizendo que é a criação atual quem será libertadada corrupção no eschaton, não uma criação totalmentediferente.

Uma terceira razão é a analogia entre a novaterra e os corpos ressurrectos dos crentes. Jáindicamos, anteriormente, que haverá tantocontinuidade como descontinuidade entre o corpoatual e o corpo ressurrecto13. As diferenças entrenossos corpos atuais e nossos corpos ressurrectos,por mais maravilhosas que sejam não retiram acontinuidade: somos nós que seremos ressuscitados, esomos nós que estaremos para sempre com o Senhor.Aqueles ressuscitados com Cristo não serão umconjunto totalmente novo de seres humanos, mas simo povo de Deus que viveu nesta terra. A título deanalogia, seria de se esperar que a nova terra nãoserá totalmente diferente da terra atual, mas seráa terra presente maravilhosamente renovada.

Uma quarta razão para preferirmos mais oconceito da renovação do que o do aniquilamento éesta: Se Deus tivesse de aniquilar o presente

563

cosmos, Satanás teria conquistado uma grandevitória. Pois então Satanás teria tido sucesso emcorromper tão devastadoramente o cosmos presente ea terra atual que Deus não poderia mais fazer nadacom isso a não ser extingui-los totalmente daexistência. Mas Satanás não conquistou essavitória. Pelo contrário, Satanás tem sidodecisivamente derrotado. Deus revelará a plenitudedas dimensões essa derrota ao renovar exatamente amesma terra na qual Satanás enganou a humanidade,banindo, finalmente dessa terra, os resultados dasmaquinações diabólicas de Satanás13a.

Sobre este assunto é interessante observar aspalavras com as quais Edward Thurneysen descreveusua compreensão de como seria a nova terra: “Omundo no qual entraremos, na Parousia de JesusCristo, por essa razão não é outro mundo; é estemundo, este céu, esta terra; ambos, porém, jápassados e renovados. Serão estas florestas, estescampos, estas cidades, estas ruas, este povo, queconstituirão o cenário da redenção. No momento,eles são campos de batalha, cheios de luta e dorpela consumação ainda não realizada: então elesserão campos de vitória, campos de colheita, ondeda semente que foi semeada com lágrimas os molhoseternos serão ceifados e trazidos para casa” 14.Emil Brunner criticou esta declaração,considerando-a extremamente grosseira ematerialista, dizendo que não temos direito deesperar que a futura terra venha a ser exatamentecomo esta terra atual15. G.C. Berkouwer, porém,manifesta apreço pela concreticidade da esperança

564

de Thurneysen, preferindo este modo de declararcomo será a vida futura aos conceitos etéreos eespiritualizados sobre o futuro que não fazem jus àpromessa bíblica de uma nova terra16.

Quando entendermos adequadamente os ensinosbíblicos acerca da nova terra, várias outraspassagens das Escrituras começam a se encaixar numpadrão significativo. Por exemplo, no salmo 31.11lemos: “Mas os mansos herdarão o país”. É importanteobservar como Jesus parafraseia esta passagem emseu Sermão do Monte, refletindo a expansãoneotestamentária do conceito dessa terra: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt5.5). Vemos em Gênesis 17.8 que Deus prometeu dar aAbraão e à sua descendência toda a terra de Canaãpor possessão eterna; mas, em Romanos 4.13, Paulofala da promessa a Abraão e a seus descendentes,dizendo que eles deveriam herdar o mundo - observeque a terra de Canaã, de Gênesis, tornou-se o mundoem Romanos.

Após a cura do coxo no templo, Pedro fez umdiscurso aos judeus reunidos no pórtico de Salomão,no qual ele disse: “Arrependei-vos, portanto, econvertei-vos, para que seus pecados sejamcancelados, a fim de que da presença do Senhorpossam vir tempos de refrigério; e que ele possaenviar o Cristo que vos foi apontado, Jesus, a quemo céu precisa receber até à época da restauração detodas as coisas” (Atos 3.19-21, ASV). A expressão“a restauração de todas as coisas” (no grego,apokatastaseos panton) sugere que a volta de Cristoserá seguida pela restauração de toda a criação de

565

Deus à sua perfeição original - dessa formaapontando para a nova terra.

Foi feita anteriormente referência ao ensinode Paulo, em Romanos 8.19-21. Aqui Paulo descreve aexpectação da nova terra pela criação atual emtermos vívidos: “A ardente expectativa da criaçãoaguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois acriação está sujeita à vaidade, nãovoluntariamente, mas por causa daquele que asujeitou, na esperança de que a própria criaçãoserá redimida do cativeiro da corrupção, para aliberdade da glória dos filhos de Deus”. Em outraspalavras, não é só o homem que aguarda por essanova terra; toda a criação também aguarda por ela.Quando os filhos de Deus receberem sua glorificaçãofinal, na ressurreição, toda a criação serálibertada da maldição sob a qual tem labutado. Paraparafrasear as notáveis palavras de Philips, toda acriação “está na ponta dos pés” esperando que issoaconteça. Quando Paulo, mais adiante, nos diz que acriação inteira geme como nas dores de parto, elesugere que as imperfeições da criação presente, quesão resultado do pecado, devem propriamente servistas por nós como as contrações do parto de ummundo melhor. Novamente vemos a redenção emdimensões cósmicas.

Em Efésios 1.13,14, Paulo fala acerca de nossaherança: “Nele fostes selados com o Santo Espíritoda promessa; o qual é o penhor da nossa herança atéo resgate da sua propriedade, em louvor da suaglória”. Nesta tradução, da Versão Revised Standard, aexpressão grega eis apolytrosin tes peripoieses

566

(literalmente: até à redenção da possessão) é traduzidacomo se significasse: até que resgatemos o que é nossapossessão. Outras versões sugerem uma interpretaçãodiferente. A Versão New International traduz assim afrase em questão: “até à redenção daqueles que sãopossessão de Deus”. Seja qual for a versão queadotarmos, porém, é claro nesta passagem que oEspírito Santo é a garantia ou penhou da nossaherança. O que, pois, é esta herança? Geralmente,consideramos a herança aqui mencionada comoapontando para o céu. Mas porque esse termo deveriaser tão restringido? À luz do ensino do AntigoTestamento, não é verdade que esta herança inclua anova terra com todos os seus tesouros, belezas eglórias?

Existe uma passagem, no livro do Apocalipse,que fala acerca de nosso reinado sobre a terra:“Digno és [Cristo] de tomar o livro e de abrir-lheos selos, porque foste morto e com teu sanguecompraste para Deus os que procedem de toda tribo,língua, povo e nação, e para o nosso Deus osconstituíste Reino e sacerdotes; e reinarão sobre aterra (Ap. 5.9,10). Embora alguns manuscritostragam o verbo “reinarão” no tempo presente, osmelhores textos trazem o tempo futuro. O reinadosobre a terra desta grande multidão redimida érepresentado aqui como a culminação da obraredentora de Cristo por seu povo17.

As principais passagens bíblicas que falam danova terra são as seguintes: Isaías 65.17-25 e66.22,23 2 Pedro 3.13 e Apocalipse 21.1-4. Isaías65.17-25, que talvez contenha mais sublime

567

descrição veterotestamentária da vida futura dopovo de Deus, já foi abordada anteriormente18. EmIsaías 66.22,23, existe uma segunda referência ànova terra: “Porque, como os novos céus e a novaterra, que hei de fazer, estarão diante de mim, dizo Senhor, assim há de estar a vossa posteridade e ovosso nome. E será que de uma lua nova à outra, ede um sábado a outro virá toda a carne a adorarperante mim, diz o Senhor”. Nos versos anterioresdo capítulo 66, Isaías predisse futuras e copiosasbênçãos para o povo de Deus: Deus dará a seu povogrande prosperidade (v.12), confortará o seu povo(v.13), fará o seu povo se regozijar (v.14), e ocongregará dentre todas as nações (v.20). No verso22 Deus nos diz, através de Isaías, que seu povopermanecerá perante ele tão duradouramente quantoos novos céus e a nova terra que ele criará. Vemosno verso 23 que todos os habitantes dessa novaterra adorarão a Deus fiel e regularmente. Emboraesta adoração esteja descrita em toemos emprestadosda época em que Isaías escrevera (“de uma lua novaà outra, e de um sábado a outro”), estas palavrasnão devem ser entendidas em um modo estritamenteliteral. O que está predito aqui é a adoraçãoperpétua de todo o povo de Deus, congregado dentretodas as nações, de modo que será adequado à novaexistência gloriosa de que eles desfrutarão na novaterra.

Em 2 Pedro 3, o apóstolo enfrenta a objeçãodos escarnecedores que dizem: “Onde está a promessada sua vinda?” (v.4). A resposta de Pedro é que oSenhor adia a sua vinda porque ele não deseja que

568

ninguém pereça, mas deseja que todos venham aoarrependimento (v.9). Entretanto, Pedro continuadizendo, o dia do Senhor virá, e naquela ocasião aterra e as obras que nela estão serão destruídaspelo fogo (v.10). Agora acompanhe estas palavras:“(11) Visto que todas essas coisas hão de ser assimdesfeitas, deveis ser tais como os que vivem emsanto procedimento e piedade, (12) esperando eapressando (ou desejando ansiosamente, variante) avinda do dia de Deus, por causa do qual o céusincendiados serão desfeitos e os elementosabrasados se derreterão. (13) Nós, porém, segundo asua promessa, esperamos novos céus e nova terra,nos quais habita justiça”. A ênfase de Pedro é que,embora a terra atual será “incendiada”, Deus nosdará novos céus e uma nova terra que nunca serádestruída, mas que durará para sempre. Desta novaterra tudo o que for pecaminoso e imperfeito terásido removido, pois será uma terra onde habita ajustiça. Portanto, a atitude adequada para comestes eventos vindouros não é de escarnecer do seuatraso, mas de estar ansiosamente esperando pelavolta de Cristo e pela nova terra que virá àexistência após essa volta. Tal espera deveriatransformar a qualidade da vida aqui e agora: “Poressa razão, pois, amados, esperando estas coisas,empenhai-vos por ser achados por ele em paz, semmácula e irrepreensíveis” (v.14).

A descrição mais arrebatadora de toda a Bíbliasobre a nova terra é encontrada em Apocalipse 21.1-4:

569

(1) Vi novo céu e nova terra, pois o primeiracéu e a primeira terra passaram, e o mar jánão existe. (2) vi também a cidade santa, anova Jerusalém, que descia do céu, da parte deDeus, ataviada como noiva adornada para o seuesposo. (3) Então ouvi grande voz vinda dotrono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus comos homens. Deus habitará com eles. Eles serãopovos de Deus e Deus mesmo estará com eles.(4) E lhes enxugará dos olhos toda lágrima e amorte já não existirá, já não haverá luto, nempranto, nem dor, porque as primeiras coisaspassaram.

Uma existência incomparavelmente bela estáretratada nesses versos. O fato de que a palavrakainos descreve a novidade do novo céu e nova terraindica, conforme apontado anteriormente, que o queJoão vê não é um universo totalmente diferente doatual, mas um universo que foi gloriosamenterenovado. Existem diferenças de opinião quanto àquestão de se as palavras “e o mar já não existe”deveriam ser entendidas literalmente oufiguradamente. Mesmo que devam ser interpretadasliteralmente, elas indubitavelmente apontam para umaspecto significativo da nova terra. Uma vez que omar no restante da Bíblia, especialmente no livrodo Apocalipse (cp 13.1; 17.15), freqüentemente,representa aquilo que ameaça a harmonia douniverso, a ausência do mar na nova terra significaa ausência de qualquer coisa que pudesse interferirnessa harmonia.

570

O verso 2 nos mostra a “cidade santa, a novaJerusalém”, representando toda a igreja glorificadade Deus, descendo dos céus à terra. Esta igreja,agora totalmente sem mancha ou mácula,completamente purificada do pecado está agora“ataviada como noiva adornada para o seu esposo”,pronta para o casamento do Cordeiro (veja Ap 19.7).Vemos neste verso que a Igreja glorificada nãopermanecerá em um céu distante no espaço, maspassará a eternidade na nova terra.

Aprendemos, do verso 3, que o lugar dahabitação de Deus não mais será agastado da terra,mas será na terra. Uma vez que o céu é onde Deushabita, concluímos que na vida por vir céu e terranão mais estarão separados, conforme estão agora,mas serão fundidos. Por causa disso os crentescontinuarão a estar no céu enquanto continuam aviver na nova terra. “Ele habitará com eles, e elesserão seu povo” são as palavras familiares dapromessa central da aliança da graça (cp Gn 17.7;Ex 19.5,6; Jr 31.33; Ez 34.30; 2 Co 6.16; Hb 8.10;1 Pe 2.9,10). O fato de que esta promessa érepetida na visão que João tem da nova terraimplica que somente nessa nova terra Deusfinalmente concederá a seu povo a plenitude dasriquezas que a aliança da graça inclui. Aqui nósrecebemos as primícias; lá receberemos toda acolheita.

As afirmações corajosas do verso 4 sugerem bemmais do que elas efetivamente dizem. Não haverálágrimas na nova terra. Choro e dor pertencerão àscoisas primeiras, que já serão passadas. E não

571

haverá mais morte - não mais haverá acidentesfatais, nem doenças incuráveis, nem serviçosfúnebre, nem últimas despedidas. Naquela nova terradesfrutaremos de comunhão eterna e inquebrável comDeus e com o povo de Deus, incluindo os queridos eamigos a quem amamos e perdemos por um pouco.

No restante do capítulo 21, e nos primeirascinco versos do capítulo 22, encontramos umadescrição maior da cidade santa - que, como podemosinferir, será o centro da nova terra. É duvidoso sedetalhes como os fundamentos de jóias, os portõesde pérolas e as ruas de ouro devem ser tomadasliteralmente, mas o radiante esplendor que essasfiguras sugerem confundem a imaginação. O fato deque os nomes das doze tribos estão inscritos nasdoze portas (21.12) e que os nomes dos dozeapóstolos estão inscritos nos doze fundamentos(v.14) sugere que o povo de Deus, na nova terra,incluirá tanto crentes da comunidade da aliançaveterotestamentária quando da Igreja do NovoTestamento. Não haverá templo na cidade (v.22), umavez que os habitantes da nova terra terão comunhãodireta e contínua com Deus.

Os versos 24 e 26 são muitos significativos,pois nos dizem: “os reis da terra lhe trazem a suaglória [na cidade santa]... e lhe trarão a glória ea honra das nações”. Poder-se-ia dizer que,conforme essas palavras, os habitantes da novaterra incluirão pessoas que alcançaram grandeproeminência e exerceram grande poder na terraatual - reis, príncipes, líderes e outros. Tambémpoderia se dizer que qualquer coisa que as pessoas

572

tiverem feito nesta terra, que tenha glorificado aDeus, será lembrado na vida por vir (veja Ap.14.13). Porém, é preciso dizer mais. Não serádemais dizer que, conforme estes versos, ascontribuições peculiares de cada nação para a vidana presente terra enriquecerão a vida da novaterra? Deveremos então herdar as melhores produçõesda cultura e da arte que esta terra tem produzido?Hendrikus Berkhof sugere que tudo o que tiver tidovalor nesta vida atual, tudo o que tivercontribuído para a “libertação da existênciahumana” será retido e acrescentado na nova terra19.Em apoio a esta idéia ele cita a seguinte sentençade Abrahm Kuyper: “Se um campo infinito deconhecimento e habilidade humanas está agora sendoformado por tudo o que acontece, com o fim desujeitar a nós o mundo visível e a naturezamaterial, e se sabemos que este nosso domínio sobrea natureza será completo na eternidade, podemosconcluir que o conhecimento e o domínio que aquiconquistamos sobre a natureza pode e será deimportância permanece, mesmo no Reino da glória” 20.

Vemos, no capítulo 22, que na nova terra asnações viverão juntas em paz (v.2), e que amaldição que repousou sobre a criação desde a quedado homem será removida (v.3). É-nos dito que osservo de Deus o adorarão ou servirão21 (v.3);portanto, o descanso que aguarda o povo de Deus navida por vir não será um descanso de meraociosidade. O fato de que os servos de Deusreinarão pelos séculos dos séculos (v.5) confirma oque aprendemos em Apocalipse 5.10; em distinção ao

573

reinado dos crentes mortos, no céu com Cristodurante os mil anos do estado intermediário (cap20.4), este será um reinado eterno na terra, peloscrentes com corpo ressuscitados. A maior alegria eo mais alto privilégio da vida gloriosa estáexpresso no verso 4: “Eles contemplarão a sua face[de Deus] e nas suas frontes está o nome dele”. Emsuam, a existência de Deus, perfeito gozo de Deus eperfeito serviço a Deus.

A doutrina da nova terra deveria nos daresperança, coragem e otimismo em tempos dedesespero difundido. Embora o mal seja excessivoneste mundo, é confortante saber que Cristoconquistou a vitória final. Enquanto que osecologistas, freqüentemente, retratam o futurodesta terra em termos sombrios, é encorajador saberque um dia Deus preparará uma nova terra gloriosa,na qual os problemas ecológios que agora nosassolam não mais existirão. Isto não implica quenão tenhamos de fazer nada acerca desses problemas,mas significa sim que trabalhamos por soluções paraestes problemas não com um sentimento de desespero,mas na confiança de esperança.

Já foi salientado, anteriormente, que tantohaverá continuidade como descontinuidade entre estaera e a próxima, e entre esta terra e a novaterra22.Este ponto é extremamente importante. Como cidadãosdo Reino de Deus, não podemos simplesmenteconsiderar a terra atual como uma perda total, ounos alegrar com sua deterioração. Temos realmentede estar trabalhando por um mundo melhor agora.Nossos esforços em trazer o Reino de Cristo, em sua

574

manifestação plena, são de importância eterna.Nossa vida institucional - nossa obra missionária,nossa tentativa de desenvolver e promover umacultura distintivamente cristã, têm valor nãoapenas para este mundo, mas inclusive para o mundopor vir.

Enquanto vivemos nesta terra nós nospreparamos para a vida na nova terra de deus.Através de nosso serviço real estão sendo agorareunidos os materiais de construção para aquelanova terra. Bíblias estão sendo traduzidas, pessoasestão sendo evangelizadas, crentes estão sendorenovados, e culturas estão sendo transformadas.Somente a eternidade revelará o significado totaldo que está sendo feito para Cristo aqui.

No princípio da história Deus criou os céus ea terra. No fim da história vemos os novos céus e anova terra, que ultrapassarão, em muito, oesplendor de tudo que temos visto antes. No centroda história está o Cordeiro que foi morto, oprimogênito entro os mortos, e o governador dosreis da terra. Um dia lançaremos perante ele todasas nossas coroas, “perdidos em admiração, amor elouvor”.

575

Notas do Capítulo 20

1. ver acima, pp. 132-138.2. Ver acima, pp. 269-274.3. Walvoord, Kingdom p. 81.4. Ibid., p. 298.5. As razões para estas interpretação foram

fornecidas acima, nas pp. 269-282.6. Charles C.Ryrie, Dispensationalism Today

(Dispensacionalismo Hoje), p. 158.7. Devo o desenvolvimento deste ensino à obra de

Patrick Fairbairn, Typoloty of Scriptyre (Tipologia dasEscrituras), New York: Funk and Wagnall, 1900;pub. Orig em 1845-47, I, pp. 329-361.

8. Ibid., II, pp.3-4.9. H.Sasse, “ge” TDNT, I, p. 678.10. Return, p.220, número 18.11. Ver também II Pedro 3.10. Para outras

passagens de importância semelhante ver Ibid.,pp.215, 216.

12. J.Behm, “Kainos”, TDNT, III, pp. 447-449. Parauma discussão mais recente e mais completa, verWilliam Barclay, “The One, New Man”(O Único e NovoHomem), in Unity and Diversity in New Testament Theology(Unidade e Diversidade na Teologia do NovoTestamento), ad.por Robert A Guilich, GrandRapids, Eerdmans, 1978, pp. 73-81.

13. Ver acima.14. A posição de que a nova terra será a terra

atual renovada é claramente afirmada por umfamoso credo da Reforma, a Confissão Belga, Art

576

37, par. 1; Cristo voltará “queimando este velhomundo com chamas e fogo para purificá-lo”.

15. Extraído de “Christus und seine Zukunft” (Cristo eSeu Futuro), in Zwischen den Zeiten (Entre osTempos), 1931, p. 209. Trasncr. Por J.A Schep inThe Nature of the Ressurrection Body (A Natureza do CorpoRessurrecto), pp. 218,219.

16. Eternal Hope (Esperança Eterna), trad. Por HaroldKnight, London: Lutterworth, 1954, p. 204.

17. Return, p. 232.18. Alguém poderia perguntar sobre quem estes

santos glorificados reinarão, pois todos osseres humanos da nova terra participarão nestereinado. Talvez a melhor resposta a esta questãoseja que esse será um reinado sobre a novacriação. Agora o homem será capaz de cumprirperfeitamente o mandado de dominar sobre aterra, que na terra presente só podia sercumprido de modo imperfeito. Em outras palavras,na vida por vir, pela primeira vez desde aqueda, o homem realmente governará sobre aterra.

19. Ver acima.20. Meaning, pp. 191, 192. Ver também pp.181-191.21. De Gemeene Gratie, Amsterdam: Hoveker & Wormser,

1902, I, pp. 482, 483, citado em Berkhof,Meaning, p. 191. Para um maior desenvolvimentodessas idéias, ver pp. 454-494 da obra deKuyper.

22. A palavra grega latreuo, utilizada aqui,significa “servir através do cumprimento deobrigações religiosas”, (F.W.Gingrich, Shorter

577

Lexicon of the Greek New Testament - Pequeno Léxico doNovo Testamento Grego - Chicago: Universalismo.of Chicago Press, 1965, p.125.

23. Ver acima, pp.49-54, observando especialmentea citação de Hendrikus Berkhof na p. 50.

APÊNDICE

ÚLTIMAS TENDÊNCIAS NA ESCATOLOGIA

Que dirão as pessoas dentro de cem anos acercadas principais tendências teológicas do séculovinte? Uma coisa de que podemos estar certos queeles dirão é que este século testemunhou um notávelaumento de interesse pela Escatologia.

Este aumento representa uma mudança importanteem relação às ênfases encontradas na teologialiberal predominante na Europa do século dezenove.Vejamos, por exemplo, as posições teológicas deAlbrecht Ritschl (1822-1889), um dos teólogos maisinfluentes do século dezenove. Ritchl ensinava queo conceito do Reino de Deus era o mais importantepara o Cristianismo. Ele descrevia o Cristianismocomo uma elipse determinada por dois pontos focais:a Redenção efetuada por Cristo e o Reino de Deus.Este último, disse ele, pode ser definido como “aorganização moral da humanidade pela ação inspiradapelo amor” 1. “Redenção é função do redentor;atividade dirigida para o estabelecimento do Reinode Deus é a função do redimido” 2.

Isto implica que Ritschl concebe o Reino deDeus não primariamente como um dom divino, mas sim

578

como uma tarefa humana3. Uma vez que Ritschl vê areligião cristã como consistindo essencialmente demoralidade, o Reino representa aqueles valores ealvos éticos que são ensinados pelo Novo Testamentoe exemplificados por Jesus Cristo - valores ealvos que o redimido deve continuar a tentaralcançar. Para Ritschl o Reino de Deus é, portanto,essencialmente deste mundo; significa fazer avontade de Deus aqui e agora. Jesus veio parafundar o Reino de Deus no sentido descrito acima;como fundador do Reino ele é também nossos grandeexemplo.

Veremos que na compreensão que Rischl tem doReino de Deus a Escatologia (a doutrina das últimascoisas) virtualmente não desempenha papel algum.Para ele, o Reino de Deus trata de nossa obediênciaa Deus no aqui e no agora; não é um dom de Deus,mas uma tarefa humana. Como fundador desse Reino,Jesus Cristo é nosso grande exemplo e mestre moral.Ernst Troeltsch, que viveu algum tempo apósRitschl, resumiu habilmente a teologia dos dias deRitschl ao citar um contemporâneo do Ritschl quedizia: “Em nossos dias, a gaveta escatológicageralmente permanece fechada” 4.

As posições de Adolf von Harnack (1851-1930),conforme expressas em seu famoso livro What isChristianity? (Que é Cristianismo?), são típicas destacompreensão ritschliana de Jesus e do Reino.Segundo Harnack, a mensagem de Jesus acerca doReino de Deus abarcava dois polos: “em um polo, avinda do Reino parece ser um evento puramentefuturo, e o Reino propriamente dito parece ser o

579

governo externo de Deus; no outro, ele aparece comoalgo interior, algo que já está presente eatualmente abrindo seu caminho” 5. Ele continuadizendo que embora Jesus tenha assumido, dastradições religiosas de sua nação, essa visão doReino tanto como futuro quanto presente, temos dedistinguir entre o que é casca e o que é cerne namensagem de Jesus acerca do Reino. O fato de oReino significar uma esperança dramática no futuro,no qual todos os inimigos de Deus serão subjugados,era uma idéia que Jesus compartilhava com seuscontemporâneos (a “casca”). Mas o fato de o Reinojá estar aqui era a idéia particular de Jesus, eera o coração de sua mensagem (o “cerne”) 6. Paraentendermos realmente a mensagem de Jesus,prossegue Harnack, temos de estudar suas parábolas.Ao fazê-lo, é isto que encontramos: “O Reino deDeus vem por vir ao indivíduo, por entrar em suaalma e dominá-la. É verdade que o Reino de Deus é ogoverno de Deus; mas é o governo de Deus noscorações dos indivíduos; é o próprio Deus em seupoder. Deste ponto de vista, tudo que eradramático, no sentido histórico e externo, foisubjugado, e também terminaram todas as esperançasexternas pelo futuro” 7.

De um modo tipicamente ritschliano, Harnackcontinua dizendo que Jesus combinou religião emoralidade de tal forma que a religião pode serchamada de alma da moralidade, e a moralidade decorpo da religião8. O Evangelho inteiro, afirmaele, está expresso em conceitos tais como apaternidade de Deus e o valor infinito da alma

580

humana9. Harnack discute a ética do amor cristãocoo sendo outro aspecto do Evangelho, resumindosuas posições como se segue:

“...Na espera do pensamento que éindicada pela “justiça superior” e “o novomandamento do amor”, o ensino de Jesus tambémestá totalmente contido. Na verdade, as trêsesferas que distinguimos - o Reino de Deus,Deus como pai e o infinito valor da almahumana, e a justiça superior demonstrando a simesma em amor - estão mescladas; pois, emúltima instância, o Reino não é nada além dotesouro que a alma possui no Deus eterno emisericordioso. Tomando os dito de Jesus comobase, somente um pouco de esforço é necessáriopara desenvolver este pensamento em tudo o quea cristandade conhece e se empenha por mantercom esperança, fé e amor” 10.Assim como Ritschl, portanto, Harnack rejeitou

os aspectos escatológicos do Reino de Deus(Escatologia no sentido futuro) e viu Jesusprimordialmente como um mestre da moralidade.

Opondo-se à compreensão de Jesus e o Reino deDeus representada por Rischl e Harnack, surgiu umavigorosa reação durante a última década do séculodezenove. O primeiro protesto veio de JohannesWeiss (1863-1914), genro de Albrecht Ritschl, emsua obra Jesus’s Proclamation of the Kingdom of God (AProclamação de Jesus a Respeito do Reino de Deus),cuja primeira edição foi publicada em 1892. Weissdisse que os ensinos de Ritschl, acerca do Reino deDeus, não estavam baseados num exame cuidadoso das

581

palavras do próprio Jesus, mas sim no pensamentoevolucionista e não-escatológico corrente doséculos dezenove. De fato, assim prossegue Weiss, acompreensão que o próprio Jesus tinha do Reino eraexatamente o oposto da concepção de Ritschl.

Jesus não era somente um grande mestre ético,disse Weiss. Antes, Jesus estava convicto de queele estava na encruzilhada decisiva dos tempos, eque ele era o proclamador de uma salvaçãoescatologicamente orientada. Ele esperava o Reinocomo uma realidade futura. O Reino não viria comoresultado de um processo evolutivo gradual, masviria como uma total irrupção na história,totalmente diferente do que tivesse havido antes.Quando vier, o Reino de Deus será “a irrupção deuma estrondosa tempestade divina que irromperá nahistória para destruir e renovar” 11. Portanto, oReino de Deus não é tarefa do homem, nem pode serdesenvolvido pela obra do homem; é inteiramenteobra de Deus.

Quando Jesus eventualmente parecia dar aimpressão de que o Reino já tinha chegado, Weisscontinua dizendo, ele estava falando de modoantecipatório. Weiss interpreta as passagens queparecem falar de um Reino presente como indicandopara o futuro. Entretanto, Jesus realmente pensouque o Reino estava vindo muito em breve. Noprincípio, ele nem mesmo pensou acerca dapossibilidade de ter de morrer para instaurar oReino. Sob pressão de circunstânciasdesapontadoras, porém, Jesus veio a perceber queteria de morrer por seu povo para inaugurar o

582

Reino. Mesmo assim, ele pensava que aquela geraçãoque então vivia experimentaria a vinda do Reino.Uma grande nova era estava para irromper sobre omundo!

Weiss resume a importância de Jesus nasseguintes palavras:

“A grandeza e Jesus era... que ele viveu,lutou e sofreu pela convicção de que asoberania de Deus estava para se manifestar epara alcançar a vitória para sempre. Aquiloque no judaísmo posterior era uma busca e umaesperança para o futuro distante, para Jesusera uma certeza imediata: Deus é realmente oúnico Senhor e Rei deste mundo. Chegou agora ahora em que ele demonstrará isso e destruirátodos os seus inimigos. Jesus é o mensageirodesta nova época; suas palavras não sãoinstrução, mas sim Evangelho; sua obra é umabatalha pelas coisas de Deus, e seu ponto departida é a afirmação da vitória de Deus. Eledeixou para a comunidade de seus seguidoresnão um ensino acerca do Reino de Deus, mas acerteza de que Satanás caiu e que o mundo[estava] nas mãos de Deus” 12.

Para Weiss, portanto, em distinção a Rischl eHarnack, o elemento escatológico não era a casca maso cerne do ensino de Jesus. Ele prestou ao mundoteológico um grande serviço ao reconhecer acentralidade da Escatologia futura no ensino deJesus. Mesmo assim, de modo geral, ele foi longedemais ao sustentar que, para Jesus, o Reino de

583

Deus era exclusivamente futuro, e não presente deforma alguma.

As posições de Weiss acerca de Jesus e doReino foram endossadas e expandidas por AblertSchweitzer (1875-1966). Este último argumentou que,embora estivesse Weiss basicamente correto em suacompreensão da missão de Jesus, não foi longe obastante. Enquanto Weiss tinha enfatizado oselementos escatológicos na pregação de Jesus,Schweitzer afirmava que os conceitos escatológicosnão só dominavam a pregação de Jesus, mas toda asua vida13. Por isso é que a interpretação queSchweitzer faz de Jesus e do Reino veio a serconhecida como Escatologia consistente ou realizada.

Schweitzer apresentou suas posiçõesprimeiramente no seu livro que marcou época: Quest ofthe Historical Jesus (A Questão do Jesus Histórico) 14.Esta busca, disse Schweitrzer, certamente nãoobteria êxito se víssemos Jesus apenas através dalente do idealismo do século dezenove, não levandoem conta os aspectos escatológicos de sua vida e deseu ensino. Assim como Weiss, Schweitzer ensinavaque Jesus concebia o Reino não como uma realidadepresente, mas sim futura. Para Jesus, o Reino erapresente apenas assim como se pode dizer que estápresente uma nuvem cuja sombra á lançada sobre aterra15; na verdade, o Reino era futuro, mas bempróximo - “logo atrás da esquina”. Jesus assumiuesta concepção do futuro do Reino com base naliteratura apocalíptica judaica16.

Confiante de que ele era o Messias e de que oReino futuro viria muito em breve, Jesus enviou

584

seus discípulos para as “ovelhas perdidas da casade Israel”, de acordo com Mateus 10, para dar àspessoas uma última chance de se arrependerem antesque o Reino de Deus realmente chegasse. Baseado emMateus 10.23 (“Em verdade vos digo que nãoacabareis de percorrer as cidades de Israel até quevenha o Filho do homem”), Schweitzer concluiu queJesus esperava que a Parousia e a vinda do Reinoocorressem antes que os discípulos tivessemterminado sua jornada de pregação17.

Entretanto, quando os discípulos voltaram aele, a Parousia do Filho do homem ainda não tinhaacontecido, e o Reino ainda não tinha vindo. Poressa razão, Jesus convenceu-se de que estiveraenganado. Este incidente, de fato, tornou-se umponto marcantemente decisivo no ministério deJesus. Esta foi a primeira ocasião do assim chamado“atraso” ou adiamento da Parousia. Nesse momento,assim diz Schweitzer, iniciou-se “o abandono daEscatologia” que marcaria a história posterior doCristianismo: “Deve ser observado que o não-cumprimento de Mateus 10.23 é o primeiro adiamentoda Parousia. Por essa razão, temos aqui a primeiradata importante na ‘história do Cristianismo’, issodá uma nova direção à obra de Jesus, que de outraforma seria inexplicável” 18.

Não somente a predição da Parousia, mas tambéma predição dos sofrimentos descritos em Mateus 10permanecem não-cumpridas. Esses sofrimentos, assimensinava Scheitzer, eram a aflição messiânica quena expectação apocalíptica judaica deveria precederou acompanhar a vinda do Reino19. Agora Jesus

585

convenceu-se de que ele precisaria sofrer essastribulações messiânicas sozinho. Por causa disso,se determinou a forçar a vinda dessa afliçãomessiânica subindo a Jerusalém para sofrer emorrer. Dessa maneira assim pensava Jesus, eleseria capaz de trazer o Reino futuro à existência20.

Qual foi o resultado da tentativa de Jesus?Total desilusão. O clamor de Jesus na cruz, “Deusmeu, Deus meu, porque me desamparaste?” (Mt 27.46),era um clamor de desespero, uma admissão final deque ele estivera enganado em sua última esperança.Embora ele estivesse entregando sua vida paraintroduzir o Reino - que infelicidade! - o Reinonão veio. Schweitzer descreve a tragédia da mortede Jesus com palavras inesquecíveis:

“...Sabendo que Ele é o Filho do Homemvindouro, [Jesus], assume a direção do mundopara colocá-lo a mover aquela última revoluçãoque deve trazer toda a história ordinária a umfim. O mundo se recusa a mudar, e Ele a Simesmo se lança sobre o mundo. Então o mundorealmente muda e O esmaga. Em vez de inauguraras condições escatológicas Ele as destruiu. Omundo se move e o corpo destroçado do únicoimensuravelmente grande Homem, que era forte obastante para considerar-se o governadorespiritual da humanidade e para prender ahistória a Seu propósito ainda está neledependurado. Esta é Sua vitória e Seu Reino”21.

586

A grande contribuição de Schweitzer,juntamente com Weiss, foi que ele aplicou um golpemortal à velha imagem de Jesus como aquele que erameramente um exemplo moral e um mestre da ética.Schweitzer mostrara que “toda a obra e ensino deJesus eram dominados por uma expectaçãoescatológica fixa, uma expectação que deve serinterpretada nos termos do que encontramos naliteratura apocalíptica judaica” 22. Entretanto,segundo o próprio Schweitzer, Jesus tornou-se umafigura trágica - um homem que provocou sua própriamorte para trazer à existência aquilo que Deus, naverdade, não tinha intenção alguma de o fazer. Tudoo que nos restou é destilar certas ênfases éticasdos ensinos de Jesus.

Por essa razão, o comentário de Holmstromsobre Schweitzer é muito importante: “A Escatologiaconseqüente de Schweitzer impõe uma cristologialiberal conseqüente; seu aparente destaque daEscatologia, na verdade, se torna um extermínio daEscatologia; sua ética permanece como um moralismoque é até mais distante do verdadeiro Cristianismodo que o eticismo de Ritschl” 23.

Deveríamos acrescentar uma palavra sobre ainterpretação que Schweitzer faz de Paulo.Schweitzer ensinava que Paulo compartilhou comJesus da expectação de uma vinda rápida do Reino24.Esta expectação, porém, mostrou-se uma ilusão. Aimportância permanente de Paulo está em suaconvicção de que, através da morte e ressurreiçãode Cristo, o eschaton irrompeu na era presente.Agora a Igreja se tornou tão envolvida na morte e

587

na ressurreição de Cristo que se pode dizer que elaestá em Cristo e com Cristo. Dessa forma, já na vidapresente, os crentes compartilham com Cristo. Esseestar-em-Cristo vem à existência pelo batismo, e émediado pelo Espírito Santo.

Será visto que Schweitzer, em suainterpretação de Paulo, ao passo que mantém acompreensão escatológica do Reino que eleapresentara em seu livro anterior, passou adefender uma posição da irrupção do eschaton nopresente que antecipa a “Escatologia realizada”, deCharles Harold Dodd constituem uma reação vigorosacontra a “Escatologia conseqüente” de Schweitzer.

A posição básica de Dodd, sobre Jesus e oReino, poderia ser resumida como se segue: “Ele[Dodd] argumentava que para Jesus o Reino erapresente, que Jesus ensinava a realidade do Reinocomo realizada em seu próprio ministério, [e que] aEscatologia de Jesus é uma ‘Escatologia realizada’”27.

Dodd argumenta que o Reino de Deus preditopelos profetas do Antigo Testamento chegou com oministério de Jesus. “O eschaton moveu-se do futuropara o presente, da esfera da expectação para a daexperiência realizada” 28. Ele alega que osignificado dos dois verbos utilizados nosEvangelhos Sinóticos, para descrever a vinda doReino, é idêntico, de modo que ambos os tipos deexpressão deveriam ser traduzidos por “o Reino deDeus chegou” 29. Portanto, o ministério de Jesus temde ser entendidos como um ministério de“Escatologia realizada” ou seja, em verdadeiro

588

processo agora, quando o impacto dos ‘poderes domundo por vir’ se faz sobre este mundo numa sériede eventos sem precedentes e sem repetição” 30.

Num livro posterior, Dodd argumenta que, paraos escritores do Novo Testamento, o “dia do Senhor”predito no Antigo Testamento irrompeu, e que a erapor vir começou” 31. Após citar várias passagens doNovo Testamento, ele diz: “Fica certamente claronestas e em muitas passagens semelhantes, que, paraos escritores neotestamentários em geral, o eschatoningressou na história; o governo oculto de Deus foirevelado; a Era do Vir veio. O Evangelho doCristianismo primitivo é um Evangelho deEscatologia realizada” 32.

Embora Dodd, conforme observamos, realmente vêa “Escatologia realizada” retratada nos EvangelhosSinóticos, ele afirma que é nas Epístolas de Pauloque, pela primeira vez, se faz inteiramente jus aoprincípio da Escatologia realizada: “A ordem devida sobrenatural, que os escritores apocalípticostinham predito em tempos de pura fantasia, é agoradescrita como um verdadeiro fato da experiência...De modo magistral Paulo reivindica todo oterritório da vida da igreja como o campo domilagre escatológico” 33.

Dodd encontra a Escatologia realizadaapresentada muito claramente no Evangelho de João:“Os evangelistas [João], portanto, estásubordinando deliberadamente o elemento ‘futurista’da Escatologia da Igreja primitiva à ‘Escatologiarealizada’ que, conforme tentei demonstrar, eradesde o princípio o fator distintivo e controlador

589

do kerygma. Seu tema é a vida eterna, que querdizer em linguagem escatológica a vida da Era porVir, porém vida eterna como realizada aqui e agorapela presença de Cristo através de Seu Espírito naIgreja” 34.

Enquanto que para Weiss e Scheweitzer, o Reinode Deus que Jesus proclamava não era presente, masfuturo (embora no futuro imediato), para Dodd esseReino chegou e está presente no ministério deJesus. Mas, temos de perguntar, o que faz Dodd comas várias referências à ecologia futura encontradasno Novo Testamento - referências a eventos futurostais como a Segunda Vinda de Cristo, o Dia doJuízo, a nova terra, etc? Vejamos, primeiramente, ainterpretação de Dodd para a parábola dos talentos(Mt 25.14-30) e da parábola das minas (Lc 19.12-27). Estas parábolas certamente parecem indicar,claramente, um retorno futuro de Cristo, no qualhaverá um ajuste final de contas. Como Dodd trataessas passagens? Essas parábolas, afirma Dodd, eramoriginalmente dirigidas contra os fariseus. O“servo maus e negligente” de ambas as parábolas,que esconde seu talento ou mina no solo ou numlenço, representa o judeu farisaico que buscasegurança na observância meticulosa da lei, mas quepor seu exclusivismo egoísta não deixa oportunidadepara a salvação de publicanos e pecadores.Aplicando a cânones da crítica da forma, Dodd alegaque a forma original da parábola não continhareferência à Segunda Vinda de Cristo nem às trevasexteriores nas quais o servo negligente foilançado. Como, então, estes elementos da

590

Escatologia futura conseguiram ingressar nessasparábolas? Dodd diz que eles foram adicionadosposteriormente pela Igreja, como forma deesclarecimento para o fato de que o retorno brevede Cristo, que tinha sido esperado, ainda não tinhaacontecido35.

Dodd utiliza o mesmo tipo de raciocínio para aparábola das dez virgens (Mt 25.1-12).Originalmente, esta parábola pretendia ensinarsobre a prontidão para certos acontecimentos quedeveriam acontecer no ministério terreno de Jesus.Mais tarde, porém, depois de a crise no ministériode Jesus - à qual a parábola primeiramente apontava- ter passado, a Igreja modificou a parábola,acrescentando uma ambientação escatológica a fim depreparar os homens para a crise final do mundo, queentão se cria estar próxima36.

Dodd destaca que a fonte da “Escatologiafutura” encontrada no Novo Testamento era aliteratura apocalíptica judaica. No princípio, oscrentes esperavam que o Senhor voltasseimediatamente. Quando isto não aconteceu, explicaDodd, “a Igreja... passou a reconstruir, em umplano modificado, o esquema tradicional daEscatologia judaica que tinha sido destroçado peladeclaração de que o Reino de Deus já tinha vindo.Os materiais para tal reconstrução estavampresentes em profusão na literatura apocalíptica.Portanto, a Escatologia reconstruída da Igrejaderivou-se fortemente de fontes judaicas” 37.

Dodd considera este material derivado dosescritos apocalípticos judaicos bastante inferior

591

ao que ele considera ser a mensagem principal doCristianismo primitivo, que é a Escatologiarealizada. Ele expressa essa concepção em seuscomentários acerca de 2 Ts. 1.7-10 e 2.3-10, eacerca do assim chamado “pequeno apocalipse” de Mc13 e acerca do livro do Apocalipse38.

Se perguntarmos se Dodd deixa qualquer lugar,em seu pensamento, para o que foi anteriormentedenominado “Escatologia futura” (ensinos acerca deeventos escatológicos que ainda devem acontecer),não receberemos uma resposta clara e unívoca. Porum lado, numa declaração preparada para a segundaassembléia do Concílio Mundial de Igreja (realizadaem Evanston, Illinois, em 1954), ele disse: “Nele[Cristo] já possuímos pela fé a realidade do Reinode Deus. Mesmo assim, nós a possuímos em termos queimplica que há mais por vir, uma vez que sobre aterra nada é nem final, nem completo. A vida cristãsempre está sob tensão entre realização eexpectação”39.

Entretanto, ao tentarmos entender maiscompletamente a posição de Dodd sobre este assunto,fica claro que ele realmente não crê numa SegundaVinda de Cristo no sentido literal. Ele afirma queuma vez que o Senhor não voltou, de fato, sobre asnuvens do céu durante os anos trinta do primeiroséculo, esperar que ele volte dessa forma no séculovinte é ir contrariamente ao “Cristianismoprimitivo” - que é o modo de Dodd definir“Cristianismo verdadeiro” 40. De fato, ele consideraa doutrina da Segunda Vinda como um mito: “O mitomenos inadequado do alvo da história é aquele que

592

se molda sobre o grande evento divino do passado,conhecido em sua realidade concreta, e representasua conclusão final de forma que leve o tempo a umfim e situe o homem na eternidade - a Segunda Vindado Senhor, o Último Juízo” 41.

Mais luz é lançada sobre a compreensão de Doddacerca do que geralmente é denominado Escatologiafutura através de seu comentário sobre Marcos 14.25:“Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto davideira, até àquele dia em que o hei de beber, novono Reino de Deus”: “Devemos nós pensar a respeitodo Reino de Deus como algo ainda por vir? Se éassim, não deve vir neste mundo, pois o ‘vinhonovo’ pertence aos ‘novos céus e a nova terra’ dopensamento apocalíptico, isto é, à ordemtranscedente além do tempo e espaço” 42.

Que significa “além do tempo e espaço”? Muitosdos críticos de Dodd disseram que aqui ele estáintroduzindo uma espécie de conceito platônico nopensamento bíblico43. Dodd, de fato, admite que eleencontra ênfases platônicas em dois livros do NovoTestamento: Hebreus e o Evangelho de João. Aepístola aos hebreus, diz ele, reinterpretou aEscatologia nos termos do esquema platônico, pois a“Era Porvir” é identificada como “aquela ordem derealidade eterna cujas sombras ou reflexos formam omundo dos fenômenos” 44. Com relação ao Evangelho deJoão, Dodd tem o seguinte a dizer: “O fato é queainda mais completamente do que em Paulo, nesteEvangelho a Escatologia é sublimada em um tipodistintivo de misticismo. Sua filosofia subjacente,assim como a da epístola aos hebreus, tem um

593

aspecto platônico, que sempre é adequada àperspectiva mística. A realidade última, ao invésde figurar como o último termo na série histórica -como na literatura apocalíptica judaica - , éconcebida como uma ordem eterna do ser, da qual aordem fenomênica da história é sombra ou símbolo.Esta ordem eterna é o Reino de Deus...” 45.

A título de avaliação, podemos dizer que acompreensão de Dodd sobre o futuro do Reino em umsentido platônico, como estando “além do tempo eespaço”, lança sérias dúvidas sobre a acuracidadede sua compreensão da mensagem bíblica. Poiscertamente, como com razão Oscar Cullmann insiste,o futuro do Reino e a Segunda Vinda de Cristo nãoeram, na compreensão dos escritores bíblicos,entidades atemporais, mas deveriam acontecer aolongo da mesma linha do tempo na qual a primeiravinda de Cristo aconteceu. Além disso, o ensinobíblico claro acercada nova terra (que foidesenvolvido num capítulo anterior) indica que ofuturo do Reino não será “além do espaço”. Percebe-se aqui que Dodd introduziu um elemento estranho noensino dos escritores do Novo Testamento46.

Deve ser dito, para crédito de Dodd, que elecorrigiu a visão unilateral de Schweitzer para quemo Reino de Deus, no ensino de Jesus, eracompletamente futuro. Dodd enfatizou corretamente ofato de que, para Jesus e para os apóstolos, oReino de Deus era presente, e que por essa razão aEscatologia bíblica não se ocupa apenas deacontecimentos futuros, mas também de realidadespresentes. Este é o elemento de verdade da

594

“Escatologia realizada”. Por outro lado, contudo,deve ser dito também que superestimou seu lado.Conforme vimos, aquilo que denominamos “Escatologiafutura” ou está totalmente ausente em Dod, ou é tãoatenuado e “platonizado” na sua interpretação quesomos deixados sem ensino claro algum acerca dessesassuntos. O argumento de Dodd de que a maioria daEscatologia futura, encontrada no Novo Testamento,é uma relíquia da literatura apocalíptica judaicae, por essa razão, “subcristã” 47, certamente nãofaz jus a esse aspecto do ensino das Escrituras.Pelo fato de não nos fornecer ensino claro einequívoco acerca da Segunda Vinda de Cristo e daconsumação futura do Reino de Deus, Dodd não fezjus a uma dimensão da doutrina bíblica que é tãoessencial à mensagem da Bíblia quanto à Escatologiarealizada, que ele tão habilmente defende48.

Embora Dodd, ao consagrar a expressão“Escatologia realizada”, tenha enfatizadodramaticamente a irrupção do Reino de Deus nopresente, através do ministério de Jesus Cristo,certamente ele não foi o primeiro a ver esteaspecto do ensino do Novo Testamento. Thomas F.Torrance demonstrou que os princípios daEscatologia realizada já podem ser encontrados emJoão Calvino. Assim como Dodd, Calvino ensinava queo mundo por vir, em certo sentido, já está aqui:

Comentando Hb 2.5s., Calvino escreveu:“Aqui o mundo por vir não é aquele queesperamos para depois da ressurreição, masaquele que se iniciou no princípio do Reino deCristo, embora sem dúvida venha a ter sua

595

realização completa em nossa redenção final”.Isto é, Calvino sustenta que a relaçãoescatológica não envolve apenas a relaçãoentre o presente e o futuro... mas também umarelação no presente entre o mundo novo e ovelho, pois os últimos dias já alcançaram aIgreja de modo que, mesmo agora, ele vive nomundo novo49.

Torrance prossegue dizendo que, para Calvino,o Reino de Deus estava completamente realizado emCristo, de modo que nada mais restava por fazer anão ser sua manifestação final em glória50. Aocomentar a natureza escatológica da pazfundamentada na morte, ressurreição e ascensão deCristo, disse Calvino, de acordo com Torrance: “Apaz significa não apenas a certeza da vitória, nãoum simples consolo na Anfechtung (=tentação), mas sima experiência positiva da Igreja que já vive destelado da ressurreição, pois através da fé a Igreja éassentada nos lugares celestiais com o Cristotriunfante em Seu Reino, mesmo que ainda estejaenvolvida nas tribulações da cruz sobre a terra51.

Torrance também sustenta que a Escatologia deCalvino está intimamente relacionada com seu ensinosobre a união da Igreja com Cristo, de modo queaquilo que acontece ao Cabeça, acontece também aosmembros: “Ou, dizendo de outra forma, Escatologia éa doutrina do Espírito e de tudo o que a união comCristo pelo Espírito envolve” 52. Veremos, a partir dascitações de Calvino feitas acima, que ele, emboraenfatizando a verdade essencial daquilo que mais

596

tarde Dodd chamaria de “Escatologia realizada”,evitou a unilateralidade deste último. EmboraCalvino não tenha escrito nenhum comentário sobre olivro do Apocalipse, ele, certamente, creu eensinou que o Reino de Deus teria uma futuramanifestação em glória e que, por isso, existetanto uma Escatologia futura quanto uma Escatologiarealizada.

Neste ponto, deveríamos observar melhor umteólogo que deu uma importante contribuição aosestudos escatológicos, mas que não recebeu aatenção que merecia. Refiro-me a Geerhardus Vos(1862-1949), que foi professor de teologia bíblicano Princeton Theological Seminary de 1893 a 1932. Já em1915, Vos antecipava as compreensões de Dodd acercado Reino presente e da chegada da era por vir, aomesmo tempo em que evitava a virtual rejeição queesta último fazia da Escatologia futura. Em umartigo intitulado “Eschatology of the New Testament”(Escatologia do Novo Testamento), escrito para aedição de 1915, da International Standard Bible Encyclopedia(Enciclopédia Clássica Internacional da Bíblia),ele fez declarações que soam surpreendentementesimilares às de Dodd: “O Cristianismo traz bem nasua origem um caráter escatológico. Ele significa amanifestação do Messias e a inauguração de sua obrae, do ponto de vista do Antigo Testamento, isto fazparte da Escatologia” 53.

Vos continua dizendo que, enquanto o AntigoTestamento apontava, no futuro, para a vinda doMessias como aquele grande evento escatológicofuturo (“o Dia do Senhor”), o Novo Testamento

597

divide esse evento em dois estágios: a eramessiânica presente e o estado consumado do futuro.Entretanto, o Novo Testamento encontra a era porvir antecipada no presente:

“Em alguns casos, isso assume uma formaexplícita na crença em que grandes transaçõesescatológicas já começaram a acontecer, e queos crentes já atingiram pelo menos um gozoparcial dos privilégios escatológicos” 54.

“...Isso até pode se expressar na formaparadoxal de que o estado escatológico chegoue aquela grande incisão na história foi feita(Hb 2.3,5; 9.11; 10.1; 12.22-24). Ainda, mesmoquando esta consciência extrema é alcançada,em nenhum lugar ela substitui outrarepresentação mais comum, segundo a qual oestado presente continua a se situar destelado da crise escatológica...” 55.

Em sua obra, Pauline Eschatology (EscatologiaPaulina), publicada em 1930, vos desenvolve maisestas concepções, especialmente na medida em querefletem os ensinos dos apóstolo Paulo. Ele afirmaque, para os escritores do Antigo Testamento, adistinção entre “esta era” e a “era por vir” eraconsiderada simplesmente em termos de sucessãocronológica. Mas quando o Messias, cuja vinda estesescritores do Antigo Testamento tinham profetizado,realmente entrou em cena, em princípio o processoescatológico já tinha começado e, portanto, oesquema simples ad sucessão cronológica entre estaera ou mundo e a era ou mundo por vir não mais era

598

adequado. A manifestação do Messias agora começa ase desdobrar em duas épocas sucessivas; “percebeu-se que a era por vir trazia em seu ventre outra erapor vir” 56.

Agora, Vos prossegue desenvolvendo a idéia deque, para Paulo, em certo sentido, o crenteneotestamentário vive tanto na era presente como naera por vir: “Lado a lado... com a continuaçãodeste esquema antigo [das duas eras sucessivas]pode-se observar a emergência de um esquema novo,envolvendo a coexistência dos dois mundos ouestados”57.

Uma vez que Cristo ascendeu aos céus, ocrente, que é um com ele, não somente tem interessepelos “lugares celestiais” onde Cristo está, mas emcerto sentido vive lá agora. Nas próprias palavrasde Vos: “O outro, o mundo mais elevado, está emexistência aí [no céu], e o cristão não podeescapar do seu domínio supremo sobre sua vida.Dessa forma, o outro mundo, até aqui futuro,tornou-se presente. Pois se o mundo presentetivesse, na mesma hora, deixado de existir, então alinha reta continuaria ininterruptamente, e nãohaveria ocasião para um desenrolar concorrente deduas linhas de existência. De qualquer forma, teriade suceder-se uma duplicação” 58.

Vos ilustra a estrutura da Escatologia paulinaatravés de dois diagramas, o primeiro delesrepresentando a Escatologia dos escritores doAntigo Testamento, e o segundo descrevendo aperspectiva escatológica de Paulo59:

599

I. O Esquema Original:Esta era ou mundo A era ou mundo por vir

II. O Esquema Modificado O mundo por vir, realizado em

princípio Era e mundo futuros totalmenterealizados em existência sólidaR D E E S S C U R R I R S E T I O Ç Ã O [no Céu] P A R O U S I A [na Terra]Esta era ou mundo

Segundo Vos, portanto, o crentesneotestamentário vive, simultaneamente, tanto nestaera ou mundo como na era ou mundo por vir. Por essarazão, Vos concordaria com Dodd em que, numsentido, a era por vir já chegou. Entretanto, elediscordaria de Dodd ao sustentar que haverá umaParousia ou Segunda Vinda futura de Cristo, e umaconsumação futura da era ou mundo por vir, na qualtodas as suas potencialidades serão completamenterealizadas.

Em seu capítulo sobre “The Interaction betwewnEschatology and Soteriology” (A Interação entreEscatologia e Soteriologia), Vos afirma que, para ocrente neotestamentário, era a Escatologia queformava a soteriologia (a doutrina do modo desalvação), e não o contrário. O crentes estava tãoclaramente consciente da perfeição que elefinalmente herdaria, após a Parousia, que eleconsiderava sua salvação atual à luz daquelaperfeição final: “...Em um aspecto muito amplo, emnada secundário em importância no sistema paulino

600

de pensamento, o escatológico aparece comopredeterminante tanto da substância como da formado soteriológico” 60.

Agora, vos passa a ilustrar a conformação dasoteriologia pela Escatologia em Paulo, utilizando-se de quatro ilustrações do ensino doutrináriodeste. A primeira ocupa-se com o ensino de Pauloacerca da ressurreição. Vos considera notável que anova vida do crentes seja descrita por Paulo comoum “ser ressuscitado com Cristo”:

“Quando, então, vemos que a experiênciasoteriológica, pela qual os crentes sãointroduzidos em um novo estado, écaracterizada pelo Apóstolo como um“ressuscitar com Cristo”, ou “ser ressuscitadocom Cristo”... então a influência retroativa eformativa exercida pela Escatologia, em umaparte central do processo salvador, ficainquestionável.

...A expressão “ser ressuscitado em oucom Cristo” só pode ter aquele sentido único:ter aplicado a si mesmo um dos dois atosfundamentais da Escatologia, através de umamudança radical de vida... É um efeitoantecipatório, no sentido mais literal dotermo, produzido pelo mundo escatológico sobreaqueles que ainda permanecem no mundopresente” 61. O segundo desses conceitos doutrinários é o da

salvação. Nos escritos de Paulo, continua Vos,salvação tem tanto um sentido presente como um

601

sentido futuro; ao considerarmos nossa salvação, ogozo presente e a alegre antecipação da libertaçãofinal estão mesclados conjuntamente. Mas, paraPaulo, a prioridade pertence ao aspectoescatológico. Embora geralmente em nossospensamentos nós partamos da salvação presente paraa futura, para Paulo esta ordem era inversa: namedida em que deveremos ser salvos no futuro, assimsomos salvos no presente62.

Outro conceito ilustrativo é o da justificação.Para Paulo, argumenta Vos, o ato da justificaçãoera, para todos os efeitos - no que toca ao crente-, um juízo final antecipado63.

Vos também comenta a compreensão de Paulo arespeito do papel do Espírito, a quem ele tinha sereferido anteriormente no capítulo como penhor eprimícias da efetiva possessão final do estadocelestial” 64. Em caráter similar, ele caracteriza oEspírito, na última parte do capítulo, como “oelemento da esfera escatológica ou celestial,aquele que caracteriza o modo de existência e vidado mundo por vir e, conseqüentemente, daquela formaantecipada na qual mesmo agora o mundo por vir érealizado...” 65.

Em suma, podemos dizer que Vos antecipou-sesignificativamente a Dodd, ao sustentar que, com avinda de Cristo, o Reino de Deus chegou, e a eraescatológica final teve início. Na verdade, ele vêo pensamento de Paulo como desde o princípio66

lançado em um molde escatológico e, por causadisso, denomina Paulo o pai da Escatologia cristã67.Diferentemente de Dodd, porém, Vos ensina

602

claramente que haverá uma Segunda Vinda de Cristo,uma ressurreição futura dentre os mortos e um juízofinal. Por essa razão vemos em vos uma abordagemequilibrada da Escatologia bíblica, que reconhece aautoridade plena das Escrituras e faz jus,inteiramente, à totalidade do ensino bíblico.

Passamos agora para um teólogo suíçocontemporâneo, Oscar Cullmann, um dos maisproeminentes representantes da escola deEscatologia conhecida como “história da salvação”.Embora admitindo que a expressão “história dasalvação” não seja encontrada no Novo Testamento, eque se pode contra ela levantar algumas objeções,Cullmann ainda expressa uma preferência por ela,como uma descrição de sua abordagem68. Por “históriada salvação” quer indicar-se a posição de que Deustem-se revelado na história através de uma série deatos redentores, no centro dos quais está aencarnação, crucificação e ressurreição de JesusCristo, e por meio dos quais ele traz a salvação aseu povo. Cullmann nos fornece uma descriçãosucinta da história da salvação nestas palavras “Ohomem do Novo Testamento tinha certeza de que eleestava continuando [como um cooperador de Cristo naIgreja] a obra que Deus começara com a eleição dopovo de Israel para a salvação da humanidade, queDeus cumpriu em Cristo, que ele desdobra nopresente, e que completará no fim69.

Cullmann concorda com Dodd e Vos (embora elenão pareça estar familiarizado com os escritosdeste último) em que a vinda de Cristo significou ocumprimento das expectações escatológicas do Antigo

603

Testamento e, portanto, a instauração do Reino deDeus. Ele concordaria completamente em que há umsentido no qual nós estamos agora nos últimos diasou na nova era, e que a grande incisão escatológicana história foi feita70. Mas, discordando de Dodd econcordando com Vos, Cullmann aguarda umaconsumação futura do Reino na história; por essarazão sua posição deixa lugar tanto para aEscatologia futura como para a Escatologiarealizada.

É básico, para a posição de Cullmann, a suaconvicção de que o grande ponto central da históriaestá às nossas costas. A própria datação de nossoscalendários, que divide o tempo em dois períodosprincipais (antes de Cristo e depois de Cristo),testifica este fato71. Em outras palavras, estegrande ponto central é o nascimento de Jesus Cristo- ou, antes, a totalidade dos eventos associadoscom a encarnação, crucificação e ressurreição deCristo. “...No evento central do Cristo Encarnado,um evento que constitui o ponto central dessa linha[a linha inteira do tempo] não apenas tudo o quevem antes está cumprido mas, também, tudo que éfuturo está decidido”72.

Enquanto que para o crente veterotestamentárioo ponto central da história está no futuro, para ocrente neotestamentário esse ponto agora está noapssado73. Sendo este o casi, este último fazassentar sua esperança, pelo futuro,primordialmente, naquilo que já aconteceu nopassado. Cullmann cativou a imaginação de muitos aocomparar a posição do crente neotestamentário com a

604

da pessoa que, durante a II Guera Mundial, viviaentre o “dia D” e o “dia V”:

“A batalha decisiva duma guerra pode játer acontecido em um estágio relativamenteinicial da guerra, e mesmo assim a guerraainda continua. Embora o efeito decisivodaquela batalha talvez não seja reconhecidopor todos, mesmo assim ela já significa avitória. Mas a guerra ainda tem de ser levadaadiante por um tempo indefinido até o “Dia daVitória”. É exatamente esta a situação de queo Novo Testamento está consciente, pelo fatode reconhecer a nova divisão do tempo; arevelação consiste precisamente no fato daproclamação de que, aquele evento da cruz,juntamente com a ressurreição que se seguiu,ser já a batalha decisiva concluída” 74.

O que esta figura indica é o seguinte: emborajá tenha sido travada a batalha decisiva contra ospoderes do mal, e embora Cristo já tenhaconquistado a vitória, os crentes ainda têm decontinuar a “combater o bom combate da fé”, até queJesus venha de novo para fazer acontecer o términodefinitivo da guerra e a consumação final do seuReino. Portanto, combatemos com a certeza davitória final.

Cullmann representou o contraste entre oscrentes do Antigo e do Novo Testamento através dosseguintes dois diagramas75:

JUDAÍSMO:

605

Ponto Central

Antes da Criação Entre a Criação e a ParousiaDepois da parousia

CRISTIANISMO:Ponto Central

Antes da Criação Entre a Criação e a ParousiaDepois da Parousia

Para o crente veterotestamentário (veja oprimeiro diagrama), a linha do tempo bíblicoestende-se até o passado indefinido de antes dacriação, continua a se mover no período entre acriação e a Parousia, e se estende indefinidamentepara o futuro, no infinito tempo da eternidade.Para este crente, o ponto central da linha do tempoainda estava no futuro: a vinda do Messiasprofetizado. Para o crente neotestamentário, porém(veja o segundo diagrama), uma divisão dupla dotempo foi sobreposta à divisão tripla do judaísmo:antes da vinda de Cristo e depois dela. Para ocrente neotestamentário, portanto, o ponto centralda linha do tempo (ou da história) está agrao nopassado, pois Cristo veio. Ao passo que, conforme adivisão dupla, o cristão que vive entre a primeirae a Segunda Vinda de Cristo já pertence à nova era,conforme a divisão tripla a nova era, que se iniciacom a Parousia, ainda não começou76.

Assim como Vos, portanto, Cullmann crê nasobreposição das duas eras. Em um sentido, o crente

606

já está na nova era, pois o grande ponto centralescatológico está no passado. Em outro sentido, eleainda não está na nova era, pois a Parousia aindanão aconteceu77.

Para Cullmann, a era na qual o crenteneotestamentário vive é marcada por uma tensãocontínua entre o ponto central e o fim: “O elementonovo do Novo Testamento não é a Escatologia, mas oque eu chamo de tensão entre o decisivo ‘já cumprido’ eo ´ainda não completado’, entre o presente e o futuro.Toda a teologia do Novo Testamento, inclusive apregação de Jesus, é caracterizada por esta tensão”78.

Cullmann vê essa tensão como encontrada já nosensinos do próprio Cristo:

“...Ela [a expectação de Jesus] não deveser... considerada como puramente futura oupuramente presente, mas como uma tensão notempo entre o “já” e o “ainda-não”, entre opresente e o futuro... 79.

“...Os ensinos de Jesus somente podem serlibertados dessa tensão [entre o presente e ofuturo] por um método altamente arbitrário ecientificamente questionável, no qual tanto ospronunciamentos sobre o presente (a escola deSchweitzer) como os pronunciamentos sobre ofuturo (a escola de Dodd) são denominados“criações da comunidade”. A essência do que édenominada Escatologia de Jesus consiste najustaposição de ambas essas séries dedeclarações” 80.

607

Esta tensão entre o “já” e o “ainda-não” estáilustrada de diversas formas: “Nós somos santos;isto significa que deveríamos nos santificar a nósmesmos. Nós recebemos o Espírito; isto significaque deveríamos ‘andar no Espírito’. Em Cristo játemos a redenção do poder do pecado; isto significaque agora mais do que nunca temos de batalharcontra o pecado” 81.

A tensão também é ilustrada peos ensinosneotestamentários acerca da subjugação dos inimigosde Cristo e da abolição da morte. Embora Pedro (1Pe 3.22) afirme que os poderes invisíveis já foramsujeitados a Cristo, Paulo (1 Co 15.25) ensina quetodos os inimigos de Cristo somente serão colocadossob seus pés no fim dos tempos82. Enquanto que, paraPaulo, (em 2 Tm 1.10), a morte já foi abolida porCristo, para ele (ainda em 1 Co 15.26) a destruiçãoda morte ainda está no futuro83.

Embora essa tensão continue a existir durantetodo o período entre o ponto central e a Parousia,para Cullmann o “já” prepondera sobre o “ainda-não”: É essencial, para essa tensão, que, por umlado, ela ainda exista, mas por outro lado elaesteja abolida por implicação. Não é como se o ‘já’e o ‘ainda-não’ equilibrassem exatamente a balança.Nem o ponto central decisivo divide o tempo dasalvação em duas partes iguais. O fato de que amudança decisiva de eventos já aconteceu em Cristo, oponto central - de que agora a expectação futuraestá fundamentada na fé no ‘já’-, mostra que o ‘já’é preponderamente sobre o ‘ainda-não’” 84.

608

Desta vez fica claro que, para Cullmann, aEscatologia bíblica inclui os elementos futuros queainda não foram cumpridos e, também, os elementospresentes que já foram cumpridos. Depois deperceber com desagrado a tendência de certos gruposem considerar qualquer interesse por um eventofinal, ainda por vir, como expressão de uma formainferior de religião, ele continua afirmando aimportância da Escatologia futura como parteessencial da mensagem bíblica: “...As declaraçõesfuturistas do Novo Testamento estão envolvidas nainteração típica da história da salvação, com todoo processo salvador e o evento do ponto centra,Cristo... O futuro não mais é concebível, no NovoTestamento, sem a vitória sobre amorte jáconquistada por Cristo. Mas as declaraçõesfuturistas, assim enraizadas na vitória de Cristo,apontam no futuro para um ponto final para todo oprocesso salvador que, de modo algum, é realizadodefinitivamente antes do fim” 85.

Considerando, conforme vimo, que não seencontra nenhum ensino claro acerca da Escatologiafutura nos escritos de C.H.Dodd, Cullmann afirmaque grandes eventos futuros ainda nos aguardam. Odiagrama da posição do crente neotestamentário, queobservamos anteriormente, indica claramente queCullmann aguarda uma Parousia futura. Em várioscontextos ele menciona a era neotestamentário dahistória da salvação como estando “entre aressurreição de Cristo e sua volta” 87. Cullmann fazum grande esforço para demonstrar que o assimchamado “atraso da Parousia” não era um grande

609

problema para os cristãos primitivos; o importanteera que, uma vez que Cristo tinha vindo, seuretorno era certo e, portanto, em um sentido,sempre próximo88.

Cullmann ensina que o Reino de Deus é tantopresente como futuro89, e que o juízo tanto jáaconteceu commo ainda acontecerá no futuro90. Eletambém afirma que a ressurreição do corpo e arenovação da criação são eventos ainda por vir:

“Tudo que está associado com aressurreição de nossos corpos e suatransformação pelo Espírito (1 Co 15) e com anova criação super-humana (Rm 8) ainda está porvir... Somente na ressurreição futura nósteremos um corpo finalmente transformado porDeus..., quando o mesmo Espírito refizer todaa criação. Então a vitória que já foialcançada sobre a “carne”... e o pecado, aconquista da morte pela qual nosso homensinterior já está sendo renovado (peloEspírito) dia a dia (2 Co 4.16) produzirão seuefeito corporal. É uma modernizaçãoinjustificada da substância do pensamentopaulino interpretar este evento de outra formaque não algo que ainda esteja por vir no tempo”91.

É mister acrescentar algo acerca dacompreensão de Cullmann sobre o significado dotempo. Embora admitindo que os escritores do NovoTestamento nãoe stavam primordialmente ocupados como conceito de tempo como tal, mesmo assim Cullmannextrai do Novo Testamento um conceito de tempo que

610

ele considera necessário para a compreensão de suamensagem. Este conceito de tempo é por eledenominado linear92. Na sua obra Christ and Time (Cristoe Tempo), ele diz que o símbolo do tempo, para ocristinismo primitivo, era uma linha ablíquaascendente, cujo aspecto “oblíquo ascendente”significa que o plano de Deus está em movimentoprogressivo para seu alvo final93. Entretanto, emsua obra Salvation in History (Salvação na História), eleinsiste em que, “embora eu ainda utilize a figurada linha como orientação geral para a história dasalvação, agora para mim é importante enfatizar queeu não indicava com isso uma linha reta, mas umalinha ondulada, que pode demonstrar variação ampla” 94.

Cullmann contrasta essa visão de tempo com aque é encontrada no pensamento grego. Para osgregos, o símbolo do tempo não era uma linha reta,mas um círculo. Uma vez que para eles o tempo semovia num eterno curso circular, no qual tudocontinuava a se repetir, o fato de que o homem estápreso ao tempo era experimentado como umaescravidão e uma maldição no pensamento grego.Portanto, a redenção, para os gregos, significavaser livre do tempo e ser transferido para um Alémtemporal95.

No Cristianismo primitivo, porém,a salvação éconcebida estritamente em termos de um processo detempo: “A consumação vindoura é um futuro tão realquanto a obra redentora passada de Jesus Cristo, eapesar do fato de ser ela o ponto centralinterpretador de todos os tempos é, no entanto, dopnto de vista da Igreja, um passado real,

611

exatamente como o presente da Igreja, que é marcadapor um caráter inteiramente condicionado pelotempo, e está presa a esse passado e àquelefuturo”96.

Adotando, como sua própria, o que ele denominaa posição do Cristianismo primitivo, Cullmannportanto rejeita qualquer “dissolição ereinterpretação filosófica” do mesmo em uma“metafísica atemporal” 97. Ele encontra um exemplodesse tipo de metafísica em Platão. Ao passo quepara os cristãos primitivos a eterninade éentendida simplesmente como uma linha de tempointerminável98, para Platão a eternidade éatemporal, qualitativamente diferente do tempo99.Por essa razão, Cullmann também rejeita a concepçãode tempo de Karl Barth, que diz ser o tempo algoqualitativamente diferente da eternidade, contra oque Cullmann sustenta que essa concepção é umremanescente do platonismo100. Cullmann éespecialmente veemente ao repudiar a maneira comoRudolf Bultmann compreende o desenvolvimento dahistória da salvação no tempo “como apenas umaarmação da qual temos de despir o relato para chegarao cerne” 101. Bultmann considera o elementohistórico e temporal dos escritos bíblicos comosendo material mitológico que temos de pôr de lado,e dessa forma “despir a proclamação cristã de seucontexto temporal da história redentora” 102. Aoproceder assim, contexta Cullmann, Bultmann estáretirando o coração do Evangelho. Pois nossasalvação depende do que Jesus Cristo fez por nósno tempo e na história.

612

Tem sido muito discutida a compreensão deCullmann acrerca do significado da eternidade comotempo infinitamente prolongado. A maioria dascríticas às suas posições tem-se concentrado nadificuldade de aplicar esta concepção a Deus. JohnMarsh, por exemplo, sustenta que a visão daeternidade de Cullmann não faz jus à transcedênciade Deus, pois tem de ser óbvio que Deus não vivenuma mera sucessão de momentos, como o faz ohomem103. Hendrikus Berhof, igualmente, teme que naconcepção de Bultmann a linha divisória entre Deuse o homem esteja em perigo de exitinção104. Em umlivro posterior, Berkhof destaca que a eternidadede Deus não é a mesma eternidade do homem e que,portanto, não será possível colocar Deus e o homemna mesma linha de tempo105. Embora estas críticassejam bem colocadas, elas não deveriam nos cegarpara o serviço genuíno que Cullmann prestou aoCristianismo evangélico, ao insistir noarrraigamento da história redentora no tempo.

Poderíamos resumir a importância dacontribuição de Cullmann, para a Escatologiabíblica, como se segue: Uma vez que o grande pontocentral da história aconteceu por ocasião daprimeira vinda de Cristo, existe um sentido muitoreal segundo o qual os crentes estão hoje vivendona nova era. A consumação final do Reino de Deus,porém, que incluirá a Segunda Vinda de Cristo, aressurreição geral e a renovação da criação, estáainda no futuro. Por isso, a era na qual agoravivemos está caracterizada pela tensão - entre o

613

ponto central e o fim, o presente e o futuro, o jáe o ainda-não.

Poderá ser proveitoso concluirmos esteapêndice com um breve exame de três tipos deEscatologia que representam ênfases um tantodiferentes das discutidas acima. Eu me refiro à“Escatologia vertical” de Karl Barth, à“Escatologia existencialista” de Rudolf Bultmann eà “Escatologia futurista” de Jüigen Moltmann.

Karl Barth disse que ele não quer que aEscatologia seja meramnte “um último capítulo,breve e perfeitamente inofensivo, da teologiadogmática” 106. Toda a teologia, Barth gostaria dedizer, está colocada em um molde escatológico. Nósbem podemos apreciar esta ênfase no caráteruniversal da Escatologia e em sua importância parao todo da teologia. Mas fica a questão: o queentende Barth por Escatologia?

No prefácio da segunda edição de sua obraEpistle to the Romans (Epístola aos Romanos) Barthdisse: “Se eu tenho um sistema, ele está limitado aum reconhecimento do que Kierkegaard denominou a‘distinção infinita e qualitativa’ entre tempo eeternidade...” 107. Quando Barth abordou a carta aosRomanos com esta compreensão de tempo e eternidadeem mente, o resultado foi uma ênfase esmagadorasobre a trasncedência de Deus e sobre o fato de quenão há uma ponte do homem pra Deus, mas apenas umaponte de Deus para o homem.

“...Karl Barth, em sua obra Epistle to theRomans (Espístola aos Romanos)... chamou aatenção para a soberania [deveria ser juízo]

614

108 transcedente de Deus sobre tudo que étemporal e humano na moralidade, cultura ereligião, enfatizando especialmente que aEscatologia nãoe está principalmente,preocupada com condições futuristas, mas simcom a realidade completa da proclamaçãoescatológica no presente... Ele viu o eschaton -Deus como o Último - na crise existencial dohomem que vive constantemente à beira daeternidade de Deus. Esta eternidade não eratemporalmente remota, mas estava intimamenterelacionada e relevante à vida cotidiana” 109.

Esta nova compreensão da Escatologia éexemplificada pela interpretação que Barth faz deRomanos 13.11: “E digo isto a vós outros queconheceis o tempo, que já é hora de vosdespertardes do sono; porque a nossa salvação, estáagora mais perto do que quando no princípiocremos”. Ao invésde ve aqui uma proximidadecronológica retratada, Barth fala sobre um tipodiferente de proximidade:

“Parados no limite do tempo, os homens sãoconfrontados pela muralha íngreme e suspensa deDeus, pela qual todo o tempo e tudo o que está notempo é dissolvido. É aí que eles aguardam a ÚltimaHora, a Parousia de Jesus Cristo...

Não haverá nunca um fim para toda nossainterminável fala sobre o atraso da Parousia? Comopoderá a vinda daquilo que não ingressa ser atrasada?O Fim de que o Novo Testamento fala não é nenhumevento temporal...

615

O que atrasa sua vinda [a expectação do Fim]não é a Parousia, mas nossa vigilância. Nós apenasvigiamos; nós apenas relembramos, nós apenasprogredimos do tempo não-qualificado para ao tempoque é qualificado; fomos apenas terrificados pelofato de que, quer queiramos quer não, efetivamentea cada momento estamos na fronteira do tempo...então deveríamos aguardar a Parousia... e então nãodeveríamos hesitar em nos arrepender, em nosconverter, em pensar o pensamento da eternidade epor essa razão - amar” 110.

Nestas palavras, Barth revela uma concepção deEscatologia completamente diferente da tradicional.Escatologia não mais significa aguardar certoseventos que acontecerão no futuro mas, antes,significa temer a Jesus Cristo em arrependimento efé, em cada momento em que o defrontarmos. Podemosdenominar isso uma espécie de “Escatologiaatempora”, na qual a Parousia não mais é entendidacomo a volta futura de Cristo, mas antes como “umsímbolo atemporal da realidade infinita daeternidade em cada situação existencial” 111. Tambémpodemos denominar isso como uma espécie deEscatologia “vertical”, em distinção à“horizontal”. O Eterno é considerado como estandosempre sobre nós; temos de responder a ele quandoele nos fala; no momento em que o fazemos, aeternidade interseccionou-se com o tempo - e isso éEscatologia. Berkouwer reproduz como se segue opensamento de Barth sobre esse ponto:

616

“Não havia um fim da história em termosde tempo em um plano horizontal, mas somenteum eschaton vertical marcado pela crisepermanente da vida e pela real gravdade daproximidade de Deus.

Dessa forma o futuro temporal étransposto para o presente e o eschatonrealizado não mais é mencionado em categoriastemporais, mas em termos espaciais... O “pós”é substituído pelo “trans” e, contra todo ofuturismo, a ênfase recai sobre o sempre-presente pulsar [o soar contínuo do gongo] daeternidade” 112.Entretanto, se essa é a compreensão que se tem

de Escatologia, parece que não sobra espaço para aEscatologia futura. Baseados em tal compreensão,estaríamos simplesmente rejeitando qualquerexpectação de uma volta futura de Cristo ou de umjuízo final como remanescente obsoletos dasuperstição medieval. Na tentativa de reabilitar aEscatologia, Barth roubou da Escatologia bíblicaalguns de seus significados mais essenciais113.

A bem da verdade, deveríamos observar que opróprio Barth roubou da Escatologia bíblica algunsde seus significados mais essenciais113.

A bem da verdade, deveríamos observar que opróprio Barth reagiu contra esta posição extrema emescritos posteriores. Reproduzindo o que Barth diz,em sua obra Church Dogmatics (Teologia Dogmática daIgreja), Berkouwer comenta:

“Barth aceita uma ênfase [quase] 114

exclusiva na transcedência [Jenseitigkeit] de

617

Deus sem dar atenção adequada à sua vinda emsi. A reação escatológica foi muito forte, eperdeu de vista o telos, o alvo e fim dahistória.

Reconsiderando sua exegese de Romanos13.11... Barth confessa abertamente: “Mastambém está claro que, com toda essa arte eeloqüência, eu perdi a característicadistintiva da passagem, a teologia que concebeo tempo como se movendo para um fim real” 115.Ao avaliarmos a posição de Barth, não devemos

ignorar essa correção. Mesmo assim, ele nuncarepudiou sua insistência na “distinção infitita equalitativa” entre o tempo e eternidade. Devemosadmitir que permanece muita ambigüidade em Barthacerca da relação exata entre o presente e ofuturo, entre o já e o ainda-não.

Rudolf Bultmann vê a mensagem do NovoTestamento embutida numa estrutura de mitologia.Uma vez que esta mitologia é completamenteinaceitável ao homem moderno, e uma vez que po essarazão ela agora constitui um obstáculo à aceitaçãodo Evangelho, temos assim afirma Bultmann, de“demitizar” o Novo Testamento. Por “demitizar” elenão quer dizer, simplesmente, que devamos rejeitarestes aspectos mitológicos do Novo Testamento,segundo o estilo dos teólogos liberais do séculodezenove, mas sim que devemos reinterpretar amitologia para obter seu significado real einterior. Entre os elementos mitológicos do NovoTestamento, que devem ser reinterpretados, eportanto não mais entendidos literalmente, estão os

618

seguintes: céu e inferno, a ressurreição de JesusCristo , a Segunda Vinda de Cristo e o Dia doJuízo final.

Conforme Cullmann destacou, Bultmann consideratoda a estrutura de tempo na qual a mensagemredentora do Novo Testamento está ambientada comoalgo que temos de despir para chegar à verdade realda mensagem. Para Bultmann, o ponto importanteacerca de Jesus Cristo não é a obra expiatória queele fez por seu povo, num dado tempo na história,mas o novo modo de vida que ele nos possibilitou.

O que, pois, é a Escatologia para Bultmann? “Oponto essencial acerca da mensagem escatológica é aidéia do Deus que nela opera e a idéia deexistência humana que ela contém - não a rença deque o fim do mundo está logo à frente” 116.

Podemos dizer que Bultmann nos oferece uma“Escatologia existencialista”. Para ele, aEscatologia não trata de certos eventos queacontecerão no futuro, mas sim da vinda de JesusCristo ao mundo e da decisão que cada pessoa temde tomar em relação a ele.

Observemos como Bultmann descreve a suacompreensão da Escatologia:

“Segundo o Novo Testamento, o significadodecisivo de Jesus Cristo é que ele - em suapessoa, sua vinda, sua paixão e suaglorificação - é o evento escatológico117.

Portanto, temos de dizer que viver na féé viver uma existência escatológica, viveralém do mundo, ter passado da morte para avida (cp Jo 5.24; 1 Jo 3.14). Certamente, a

619

existência escatológica já é realizada emantecipação, poi, “andamos por fé, não porvista” (2 Co 5.7). Isto significa que aexistência escatológica do crente não é umfenômeno mundano, mas é realizada na novaauto-compreensão. Essa auto-compreensão,conforme vimos anteriormente, surge daPalavra. O evento escatológico, que é JesusCristo , acontece aqui e agora enquanto aPalavra está sendo pregada (2 Co 6.2; Jo5.24)...” 118.

A existência escatológica, portanto, envolveuma nova auto-compreensão - uma nova auto-compreensão que vem ao respondermos com fé àPalavra pregada. A existência escatológica tambémenvolve abertura ao futuro. “Este, pois, é osentido mais profundo da pregação mitológica deJesus - estar aberto ao futuro de Deus, querealmente é iminente para cada um de nós...” 119.

Bultmann alega encontrar apoio para suaposição especialmente no Evangelho de João, uma vezque, assim argumenta ele, João demitizou a mensagemdo Evangelho. Para João, não haverá juízo final; ojuízo já veio através de Cristo. A vida eterna,para João, não é uma bênção futura mas umapossessão presente. O que, então, Bultmann faz comas declarações do Quarto Evangelho, que apontampara eventos escatológicos futuros? Essasafirmações, assim diz Bultmann, foram acrescentadasao Evangelho original por um editor posterior.

620

“Bultmann conclui... que não há nenhumamenção de qualquer elemento futuro oudramático na perspectiva escatológica de João,porque, para João, “o evento escatológico jáestá sendo consumado”. Ele admite querealmente há algumas alusões ao futuro nolivro, entre as quais as declarações de Jesusde que “vem a hora em que todos os que seacham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão”(Jo 5.28s), e de que “qem comer a minha carnee beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu oressuscitarei no último dia” (6.54; cp. v.39;12.48). Ele julga que estas passagens estão emconflito com a Escatologia presente[característica de João], e conclui que elasnão podem ter sido originais” 120.

Bultmann também diz encontrar apoio para suaposição nos escritos de Paulo. Ele admite osensinos acerca de eventos futuros “apocalípticos”,como a Segunda Vinda e o juízo final, se encontramem Paulo. Bultmann, porém, efetivamente não aceitaesta “Escatologia mítica”: “Não podemos maisaguardar pela volta do Filho do homem sobre asnuvens ou esperar que o fiel se encontrará com elenos ares (1 Ts 4.15ss)... A Escatologia mítica éinsustentável...” 121.

Por essa razão, ele passa a reinterpretarPaulo: “... Se Paulo tivesse uma compreensão válidada situação humana, em seu tempo, essa mesmacompreensão seria válida para nosso tempo. A tarefaentão é decifrar sua linguagem, sua mitologia, sua

621

cosmovisão, e penetrar em sua auto-compreensão...Embora as declarações de Paulo, acerca da naturezado ambiente do homem não sejam verdadeiras, mesmoassim num sentido mais profundo todo o que ele dizpode ser verdadeiro acerca da situação humana.Deste ponto de vista, Paulo é relevante e válidopara cada época” 122.

Herman Ridderbos fornece a seguinte análise dacompreensão de Bultmann acerca da mensagemredentora de Paulo:

“Embora Paulo, segundo Bultmann, não rejeitaas expectações apocalípticas futuras daressurreição, juízo e glória, ainda assim asalvação real, para ele, é a justiça, liberdade ealegria no Espírito Santo... Por um lado, estasalvação já eé presente, mas, por outro lado, elaainda é futura, pois só é obtida... através dedecisões existenciais. Para chegar à sua existênciaautêntica, o homem precisa sempre de novo permetira si próprio ser crucificado com Cristo - isto é,ele precisa desviar seus olhos do que está próximo,sobre o que ele tem controle, e precisa escolheraquilo que não está próximo, que é invisível, sobreo que ele não tem controle algum. Dessa forma ele éconstantemente levado ao fim de suas possibilidadescontroláveis, e é conduzido à liberdade de serverdadeiramente humano. O que forma a estrutura dapregação de Paulo não são as concepcçõesescatológicas, mas as compreensões antropológicasque por elas são expressadas. O conteúdo demitizadodessa Escatologia não é a idéia do fim do mundo,mas o modo pelo qual o hoem é existencialmente

622

confrontado com a ação e as palavras de Deus emJesus Cristo” 123.

A natureza existencialista da Escatologia deBultmann é deixada clara na seguinte citação:

“O paradoxo da mensagem cristã é o fatode que o evento escatológico, segundo Paulo eJoão, não deve ser entendido como umacatástrofe cósmica e dramática, mas comoacontecendo dentro da história, começando como aparecimento de Jesus Cristo e, emcontinuidade com isso, acontecendo sempre denovo na história, porém não como um tipo dedesenvolvimento histórico que possa serrepetido na pregação e fé. Jesus é o eventoescatológico não como um fato estabelecido dotempo passado, mas como repetidamentepresente, como se dirigindo a você e a mimaqui e agora na pregação.

Pregação é comunicação, e, comocomunicação ela requer uma resposta,decisão... Nessa decisão de fé eu não decidosobre uma ação responsável, mas sobre uma novacompreensão de mim como livrre de mim mesmopela graça de Deus e como presenteado com meunovo ser, e esta é ao mesmo tempo a decisão deaceitar uma nova vida fundamentada na graça deDeus” 124.Filósofos existencialistas, como Martin

Heidegger e karl Jaspers, argumentam que o homemtem de encontrar uma existência autêntica atravésdo rompimento com o comportamento conformista e da

623

tomada licre de decisões acerca de si próprio, seusalvos e seu modo de vida. Está claro que Bultmannreinterpretou a esatologia do Novo Testamento à luzda filosofia existencialista, especialmente a deMartin Heidegger125.

A título de avaliação, podemos realmenteapreciar a insistência de Bultmann na necessidadede uma decisão em resposta à pregação da Palavra.Podemos também concordar com ele em que o homemencontra a existência autêntica somente através dafé em Jesus Cristo. Mas, certamente, temos derepudiar, como sendo totalmente, arbitrária, arejeição de toda Escatologia futura por parte deBultmann, bem como sua redução da mensagem bíblicaà mera antropologia. Vemos nele uma unilateralidadetão grande quanto à de C.H.Dodd. Mas enquanto ocontexto filosófico do pensamento de Dodd é um tipode platonismo, o contexto das posições de Bultmanné a filosofia do existencialismo126.

Enquanto que Bultmann foi muito fortementeinfluenciado por Martin Heidegger, Jügen Moltmannrecebeu seu ponto de partida especialmente de ErnsBloch, que era um marxista judeu, sustenta em suaobra Prinzip Hoffonung (Esperança Principal) que ohoem é um ser em seu caminho para o futuro. Aessência de seu ser não está no que ele tem, mas noque ele espera - está em seu aguardar por aquiloque necessitamos de uma fé em Deus para, dessaforma, sermos dirigidos para o futuro, Moltmanndecidiu colocar as idéias de Bloch, acerca do homemque espera, num contexto cristão. Ele o fez em seu

624

controvertido livro Theology of Hop (Teologia daEsperança).

Moltmann tem algumas coisas importantes adizer acerca da importância da Escatologia.Escatologia, afirma ele, não deve ser consideradamerramente como um “apêndice frouxamente preso” àteologia dogmática127. Ela tem a ver não somente comcoisas que acontecererão no fim dos tempos, mas comtoda a vida de hoje:

“Do princípio ao fim, e não meramente noepílogo, o Cristianismo é Escatologia, éesperança, é aguardar o futuro e para ele semover e, por essa razão, é também revolucionare transformar o repsente. O escatológico não éum elemento do Cristianismo, mas é a premissada fé cristã como tal, a chave à qual tudoestá ajustado, o brilho que aqui inunda todasas coisas no alvorecer de um esperado novodia. Pois a fé cristã vive do engrandecimentodo Cristo crucificado, e esforça-se pelapromessa do futuro universar de Cristo... Porisso, a Escatologia não pode realmente serapenas uma parte da doutrina cristã. Antes, aperspectiva escatológica é característica detoda a proclamação cristã, de cada existênciacristã e e toda a Igreja128.

Mas, que é que Moltmann entende porEscatologia? A Escatologia cristã, diz Moltmann,fala de “Cristo e seu futuro”. Uma vez que elaentende a história como a realidade instituída porpromessas divinas, sua linguagem é a linguagem de

625

promessas129. O pensamento escatológico é um“pensamento de expectação”, que corresponde àesperança cristã. À luz das palavras de Paulo sobre“a expectação intensa da criatura”, a teologiadeve atingir um novo modo de pensar acerca dahistória - um modo que esteja orientado para ofuturo de Deus para o mundo130.

Moltmann constrasta a esperança cristã comduas formas de desesperança que ele vê serempredominamtes no mundo de hoje: presunção e desespero.A presunção, representada por homens tais como KarlMarx, pensa que pode construir um mundo deliberdade e dignidade humana através de suaspróprias forças, sem contar com Deus. O desespero,representado por Albert Camus (“pensar claramente enão mais esperar”) e pelos existencialistas,desistiu de toda esperança e considera a vida comototalmente sem sentido. Contrapondo-se a estesdois, somente a esperança cristã tem uma mensagemrelevante para os dias de hoje131: “A glória daauto-realização e a miséria da auto-estranhezasurgem, igualmente, da desesperança de um mundo dehorizontes perdidos. A tarefa da Igreja Cristã émanifestar, a este mundo, o horizonte do futuro doCristo crucificado”132.

Para entender a perspectiva escatológica deMoltmann, temos de conhecer a sua posição sobre arevelação. Harry Kuitert disse que, para Moltmann,a promessa é a categoria que determina arevelação133. Segundo o pensamento de Moltmann,todas as revelações de Deus são promessas134. Tantoa revelação do Antigo Testamento como a do Novo

626

Testamento ocorrem primariamente em termos depromessas; essas promessas, entretanto, “não foramcompletamente desdobradas em nenhum evento -permanecendo algo restante que aponta para ofuturo” 135. Deus, assim afirma Moltmann, revela asi mesmo na forma de promessa e na história que émarcada pela promessa. Por essa razão, a doutrinacristã da revelação de Deus não deve pertencer nemà doutrina de Deus, nem à antropologia, porém àEscatologia: ela é uma expectação pelo futuro daverdade136.

No mesmo sentido, encontramos os comentáriosde Moltmann acerca da Palavra de Deus: “Ela [aPalavra de Deus] não provê uma revelação final, masnos chama a um caminho cuja meta é mostrada emtermos de promessa... Como promessa de um futurouniversal e escatológico, a palavra aponta paraalém de si mesma, para eventos vindouros nofuturo... É por isso que a proclamação está natensão escatológica à qual nos referimos... Ela éverdadeira na extensão em que anuncia o futuro daverdade. Ela comunica essa verdade de um modo talque só a podemos ter mediante um esperar confiante porela e por um buscá-la de todo o coração” 137.

O que diz Moltmann acerca da revelação entrefé e esperança? “Na vida cristã, a fé tem aprioridade, mas a esperança tem a primazia... Épela fé que o homem encontra o caminho daverdadeira vida, mas é somente a esperança que omantém nesse caminho” 138. A primazia da esperança,na fé cristã, tem implicações importantes paranosso conhecimento:

627

“A fé espera com o fim de saber no que crê.Por isso, todo o seu conhecimento será umconhecimento antecipatório e fragmentário, formandoum prelúdio ao futuro prometido... 139.

Portanto, o conhecimento do futuro, que éiluminado pela promessa, é um conhecimento daesperança, é prospectivo e antecipatório, masé também provisório, fragmentário, aberto,esforçando-se além de suas forças... Dessaforma, o conhecimento de Cristo torna-se umconhecimento antecipatório, provisorio efragmentário acerca de seu futuro, ou seja, doque ele virá a ser” 140.

Portanto, mesmo o nosso conhecimento de Deusé, para Moltmann, primordialmente um conhecimentodo futuro de Deus141. Na verdade, Deus é descritocomo um Ser cuja natureza essencial é futura: “ODeus aqui mencionado [no Antigo e no NovoTestamentos] não é um Deus imanente outranscedentes, mas é o ‘Deus da esperança’(Rm15.13), um Deus que tem o ‘futuro como sua naturezaessencial’ (conforme colocado por E.Bloch),conforme dado a conhecer no Êxodo e na profeciaisraelita, o Deus a quem, por essa razão, nãopodemos realmente ter em nós ou sobre nós, masunicamente à nossa frente, que nos encontra em suaspromessas para o futuro, e a quem por isso tambémnão podemos ‘ter’, mas a quem somente podemosaguardar em esperança ativa” 142.

Que tipo de conhecimento, então, nós temos deJesus Cristo? Somente podemos falar acerca de Jesus

628

Cristo e de seu futuro143. “A esperança cristã pelofuturo vem de observarmos um evento específico eúnico - a ressurreição e manifestação de JesusCristo. Entretanto, a mente teologica esperançosasomente pode observar este evento ao procurarabarcar o horizonte futuro projetado por esseevento. Por isso, reconhecer a ressurreição deCristo significa reconhecer, nesse evento, o futurode Deus para o mundo e o futuro que o homemencontra nesse Deus e em seus atos... A Escatologiacristã fala do futuro de Cristo que traz o homem eo mundo à luz” 144.

Moltmann também afirma que, ao falarmos dofuturo de Jesus Cristo, queremos denotar o que édescrito na biblia como a “Parousia de Cristo”.Entretanto, acrescenta ele, “a Parousia realmentenão significa o retorno de alguém que partiu, mas a‘chegada da iminente’... Ela é a ‘presença do queestá vindo em nossa direção, o que poderíamoschamar de um futuro que está chegando’” 145. Nossopróprio futuro está intimamente ligado com o futurode Cristo146.

Este futuro de Cristo envolve o senhorioúltimo de Cristo sobre todas as coisas e, portanto,também inclui uma nova criação: “A esperança cristãestá dirigida para um novum ultimum, para uma novacriação de todas as coisas pelo Deus daressurreição de Jesus Cristo. Assim, ela abre umaperspectiva futura que abrange todas as coisas,incluindo também a morte... Ela sabe que nada podeser ‘muito bom’ até que ‘todas as coisas se tornemnovas’” 147.

629

A Escatologia de Moltmann, portanto, temdimensões cósmicas: “Agora o mundo inteiro estáenvolvido no processo escatológico divino dahistória, não apenas o mundo de homens e nações...Não são apenas os mártires que estão incluídos nossofrimentos escatológicos do servo de Deus, mas acriação inteira está incluída nos sofrimentos dosúltimos dias. O sofrimento torna-se universal edestrói a auto-suficiência do cosmos, do mesmo modocomo então a alegria escatológica ressoará nos‘novos céus e nova terra’” 148.

Para Moltmann, o Reino de dues não é presente,mas apenas futuro; o Cristianismo deve serentendido como a comunidade daqueles que aguardampelo Reino de deus149. O único sentido no qual oReino é presente é “como promessa e esperança parao horizonte futuro de todas as coisas” 150.

O fato de o Reino ser apenas futuro implicaque nossa existência presente está em contradiçãocom o que deverá ser151.

“Declarações de esperança de promessa,entretanto, têm de esperar em contradição coma realidade que pode ser experienciada nopresente... Presente e futuro, experiência eesperança, estão um em contradição com o outrona Escatologia cristã, resultando disso que ohomem não chega à harmonia e ao acordo com asituação dada, mas é posto no conflito entre aesperança e a experiência...

Por isso, também à Escatologia é proibidodivagar, e ela tem de formular suas afirmaçõesde esperança em contradição com nossa

630

experiência presente de sofirmento, mal emorte” 152.

Pelo fato de a esperança estar em contradiçãocom a realidade presente, a esperança pode não seruma mera antecipação passiva de bênçãos futuras,mas deve ser um fermento em nosso pensar,convocando-nos à transformação criativa darealidade153. A esperança cristã nunca podedescansar satisfeita com o status quo, mas deveengajar-se intimamente em todos os “movimentos demudança histórica” que visam a um mundo melhor154. AIgreja, portanto, tem uma tarefa importante nomundo: “Essa esperança faz, da Igreja Cristã, umconstante distúrbio na sociedade humana,procurando, assim como esta última o faz,estabilizar-se em uma ‘cidade parmanente’. Ela fazda igreja a fonte de novos impultos contínuos paraa realização da justiça, liberdade e humanidadeaqui, à luz do futuro prometido que está por vir”155.

Uma vez que o ponto mais característico daEscatologia de Moltmann é a antecipação do futurode Jesus Cristo e do futuro de Deus, sua posiçãopode ser designada como “Escatologia futurista”. Naverdade, Moltmann é bastante crítico quanto a Barthe a Bultmann, por não fazerem jus à orientaçãofutura da Escatologia bíblica. Ele reefuta a Barthpor fazer do eschaton meramente o “presente daeternidade” transcedental e, dessa forma, deixa dever a Escatologia em termos de progressãohistórica156. Ele critica Bultmann por fazer do

631

eschaton meramente uma crise de engajamentokerigmático157. Ele também contesta o ensino deBultmann acerca da auto-compreesão no momento dadecisão, dizendo que não se pode chegar a umaverdadeira auto-compreensão sem uam apreciação docaráter do “ainda-não” de nossa existênciapresente. No momento da fé, diria Moltmann, não sechega a uma existência autêntica, mas está-sesomente a caminho dela158.

Moltmann trouxe uma importante contribuição aoestudo da Escatologia bíblica. Certamente, temos deapreciar sua argumentação de que a Escatologia nãoé somente um apêndice da teologia dogmática, mas éa chave à qual se ajusta toda a mensagem doCristianismo. Também, podemos ficar agradecido porsua insistência em que a esperança cristã deve serum fermento em nosso pensamento e um incentivo paraa ação cristã. Temos também de apreciar sua ênfasesobre o fato de que a Escatologia bíblica não seocupa meramente de momentos atemporais ou deencontros existenciais, porém envolve o cumprimentodas promessas de Deus na história. A preocupação demo, pelas implicações cósmicas da Escatologia, ébem recebida como uma correção à perspectivaescatológica individualista de Bultmann.

Entretanto, existem três pontos sobre os quaistemos de discordar de Moltmann. O primeir deles ésua ênfase unilateral ao caráter exclusivamentefuturo do Reino de Deus. Tendo admitido que o Reinoexclusivamente presente de Dodd é uma distorçãodaverdade bíblica, temos também de reconhecer que oReino exclusivamente futuro de Moltmann é uma

632

distorção tão séria quanto a de Dodd. Será verdade,como insiste Moltmann, que nossa experiênciapresente é contraditória unicamente em relaçãoàquilo que aguardamos? Não é fato que Paulo nos dizque já fomos ressuscitados com Cristo (Cl 3.1), quejá estamos assentados com ele nos lugarescelestiais (Ef 2.6) e que já possuímos “asprimícias do Espírito?” (Rm.8.23). Será verdade quesó podemos aguardar a Deus, mas não podemos tê-loem nós? Não é fato que o Novo Testamento nos ensinaque Deus habita em nós pelo seu Espírito Santo? (Rm8.9).

Uma segunda objeção a Moltmann diz respeito àsua interpretação da revelação feita exclusivamenteem termos de promessa. Não há dúvida de que arevelação de Deus, nas Escrituras, efetivamenteinclui suas promessas, porém inclui também muitomais. Ela é também uma revelação dos feitosredentores de Deus no passado. A crucificação e aressurreição de Jesus Cristo não significamsomente promessas para o futuro, mas também vitóriano passado; elas significam, como Vo e Cullmanncorretamente sustentam, que grande incisãoEscatológica na história já foi feita. Por isso,não é verdade que nosso conheciento de Cristo sejaapenas um conhecimento fragmentário do que eleserá; é também conhecimento certo do que eleefetivamente realizou por nós. Não é verdade que aproclamação cristã comunica a verdade de modo talque só a possuímos por aguardá-la; pois, se fosseesse o caso, como poderia o Antigo Testamento falardaqueles que conhecem a verdade, obedecem a

633

verdade, crêe na verdade e receberam o conhecimentoda verdade? (Jo 8.32; Gl 5.7; 2 Ts 2.13; Hb 10.26).

Uma terceira dificuldade acerca de Moltmann éque sua descrição do futuro é vaga, meramenteformal, faltando-lhe conteúdo específico159.Procura-se em vão, nos escritos de Moltmann, porensino claro, inequívoco, sobre assuntos tais comoa Segunda Vinda de Cristo o Dia do Juízo, aressurreição futura e a nova terra. Seuscomentários acerca desses ensinamentos - quandoacontecem - são vagos, abstratos e imprecisos.Fica-se com um sentimento de que algo novo emaravilhoso acontecerá no futuro, mas que ninguémsabe exatamente o que haverá de acontecer.

A título de resumo, quais são os pontos quepodemos considerar estabelecidos pelos estudosescatológicos revistos neste apêndice? Podemosobservar quatro conclusões: (1) os ensinosescatológicos da Bíblia são integrantes de suamensagem e não podem ser ignorados; (2) há umsentido pelo qual estamos agora nos últimos dias;(3) há também um sentido segundo o qual aconsumação escatológica final da história aindaestá no futuro; e (4) o Reino de Deus é tantopresente quanto futuro160. Em outras palavras, se aEscatologia bíblica deve ser completa, ela tem delidar com realidade presente quanto com esperançasfuturas.

634

Notas do Apêndice

1. A Ritschl, The Christian Doctrine of Justification andReconliation (A Doutrina Cristã da Justificação eReconciliação), ed. Por H.R,Mackintosh e AB.Macaulay, Segunda Ed. New York: Scribner,1902, p. 13.

2. Ibid.,p. 9.3. G.C. Berkouwer, The Return of Christ (A Volta de

Cristo), trad. Por James Van Oosterom, GrandRapids: Eerdmans, 1972, p. 25.

4. Ernest Troeltsch, Glaubenslehre (Lição de Fé),München, 1925, p. 36. É interessante observarque o tipo de teologia de Ritschl foi um tantoinfluente na América. O assim chamado “Evangelhosocial”, das primeiras décadas do século vinte,conforme representado por Walter Rauschenbusch,extraiu amplamente sua inspiração teológica deAlbrecht Ritschl. Norman Perrin destaca, em suaobra Kingdom of God in the Teaching of Jesus (O Reino deDeus no Ensino de Jesus) (Philadelphia:Westminster, 1963), pp. 148-157, que váriosteólogos americanos influentes, que escreveramna década de 1940 (G.C.McCown, F.C.Grant, JohnKnox, Amos N.Wilder), tiveram uma compreensãobasicamente em termos deste mundo acerca doReino e, dessa forma, deram seqüencia à tradiçãoritschiliana.

5. What is Christianity? (Que é Cristianismo?), trad. PorR.B.Saunders, Terceira Ed., New York: Putnam,1904, p. 53. Este livro foi publicadooriginalmente em 1900.

635

6. Ibid., p.54-57.7. Ibid., p. 57.8. Ibid., p.75.9. Ibid., p.74.10. Ibid., p.79,80.11. Johannes Weiss, Die Predigt Jesu vom Reich Gottes (A

Pregação de Jesus acerca do Reino de Deus),segunda ed., 1900, p. 5 conforme citado emPerrin, op.cit., p.18. Ver pp. 16-23 em Perrin,para uma útil exposição das posições de Weiss.

12. Weiss, op.cit., p. 35, conforme citado emPerrin, op.cit., p.19.

13. Perrin op cit., p. 34.14. Originalmente publicado em 1906, sob o título

Von Reimarus zu Wrede (De Reimarus a Wrede). Atradução inglesa de W. Montgomery foi publicadaprimeiramente em 1910.

15. A Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus (AQuestão do Jesus Histórico), Terceira Ed.,London: A & C. Black, 1954, p.238.

16. Ibid., p.365.17. Ibid., p.357.18. Ibid., p.358.19. Ibid., p.359-363.20. Ibid., p.386-387. Ver Perrin, op.cit., p.31.21. Schweitzer, op.cit.,pp. 368, 369.22. Perrin, op.cit., p.30.23. F. Holmstrom, Das Eschatologiche Denken der Gegenwart

(O Pensamento Escatológico Moderno), Gütersloh:Bertelsmann, 1936, p.89 [tradução do autor].

24. A Schweitzer, Die Mystik des Apostels Paulus (AMística do Apóstolo Paulo), 1930, p. 59.

636

25. Ibid., p. 91.26. Ibid., p. 119; ver pp.159-174, 374-377. Deveria

ser observado, porém, que Schweitzer não aceitao fato da ressurreição de Cristo. VerH.N.Ridderbos, Paul, trad. Por John R. de Witt,Grand Rapids: Eerdmans, 1975, p. 31.

27. Perrin op.cit., p.58.28. C.H.Dodd, The Parables of the Kingdom (As Parábolas

do Reino), London: Nisbet, 1935, p.50.29. Ibid., p.44, Os verbos são eggizein, encontrado por

exemplo, em Mc 1.15, e traduzido pela RSV por “oReino de Deus está próximo”; e phthanein,encontrado em Mt 12.28 e Lc 11.20 e traduzidopor “o Reino de Deus é chegado sobre vós”.

30. Ibid., p.51.31. The Apostolic Preaching and its Developments (A Pregação

Apostólica e seu Desenvolvimento), London:Hodder and Stoughton, 1936, p.18. Sobre o “diado Senhor”, ver também pp. 204-214, 217.

32. Ibid., p.210.33. Ibid., p.154, 155.34. Ibid., p.156, 157.35. Parables of the Kingdom (Parábolas do Reino), pp. 146-

153.36. Ibid.,pp. 172-174.37. Apostolic Preaching (A Pregação Apostólica), pp.

80,81.38. Ibid., pp. 81-90. Observe o comentário de Dodd

acerca do livro do Apocalipse: “...Se avaliarmoso livro como um todo, temos de concluir que essaênfase excessiva sobre o futuro tem o efeito derelegar, a uma segundo plano, exatamente os

637

elementos que no Evangelho original são os maisdistintivos do Cristianismo: a fé em que na obracompletada de Cristo Deus já agiu para asalvação do homem, e o sentido abençoado da vidana presença divina aqui e agora” (pp.87,88).

39. We Inted to Stay Together (Pretendemos Ficar Juntos),London: SCM Press, 1954 p. 15.

40. Apostolic Preaching (A Pregação Apostólica). p.91.41. Ibid.,p. 240.42. Parables of the Kingdom (Parábolas do Reino), p. 56.43. Por platônico deve-se entender que, para Dodd, o

Reino vindouro parece ser uma espécie de idealatemporal, do qual a vida terra é apenas umtênue reflexo. Se fosse “atemporal” ou “além dotempo”, pareceria que Dodd não espera umaconsumação futura do Reino, ou uma futurarenovação da terra.

44. Apostolic Preaching (A Pregação Apostólica), pp.100,101.

45. Ibid., pp. 157, 158.46. Sobre críticas similares, ver Perrin, op.cit.,

pp. 68-73; Neil Q.Hamilton, “The Holy Spirit andEschatology in Paul”(O Espírito Santo e a Escatologiaem Paulo), Scottish Journal of Theology Occasional PapersNumber 6 (Edição Avulsa do Jornal Escocês deTeologia, número 6), Edinburgh: Oliver and Boyd,1957, pp. 59-61; James Kallas, The Significance of theSynoptic Miracles (A Importância dos milagres nosSinóticos), London: SPCK, 1961, p.105; OscarCullmann, Salvation in History (Salvação na História),New York: Harper & Row, 1967, pp. 34, 174, 204.

638

47. Observe, e.g., seu comentário acerca dapassagem escatológica em 2 Ts 1.7-10. Essapassagem, diz Dodd, “é melhor entendida como umavirtual citação de algum apocalipse da época,seja judaico ou judaico-cristão. Não há nadadistintivamente cristão nem em seu conteúdo, nemem seu tom geral, exceto o fato de que a figurado Messias é identificada com Jesus” (ApostolicPreaching - A Pregação Apostólica - p.81).

48. Sobre outras críticas a Dodd, ver Perrin,op.cit., pp.64-74; N.Q. Hamilton op.cit., pp.56-70;J.E.Fison, The Christian Hope (A Esperança Cristã),London: Longmans, Green, 1954, pp.62-65; GeorgeE.Ladd, The Presence of the Future, (A Presença doFuturo), Grand Rapids: Eerdmans, 1974, pp.19,20; H.N.Ridderbos, Paul, pp.40,41.

49. T.F.Torrance, “The Eschatology of theReformation” (A Escatologia da Reforma), ScottishJournal of Theology Occasional Papers número 2 (EdiçãoAvulsa do Jornal Escocês de Teologia, número 2),Edinburgh: Oliver and Boyd, 1953, p.57.

50. Ibid., p.58.51. Ibid., p.55.52. Ibid., p.58.53. “Eschatology of the New Testament” (Escatologia no

Novo Testamento), International Standard BibleEncyclopedia (Enciclopédia Clássica Internacionalda Bíblia), ed. Por James Orr, Chicago: Howard-Serevence, 1915; reimpresso, Grand Rapids:Eerdmans, 1939, II, p.979.

54. Ibid.55. Ibid.,p.980.

639

56. G.Vos, The Pauline Eschatology (A EscatologiaPaulina), Princeton: Princeton Univ. Press,1930, p. 36.

57. Ibid., p.37.58. Ibid., p.38.59. Ibid.60. Ibid.,p. 60. Aqui Vos se refere a seu Artigo “The

Eschatological Aspect of the Pauline Conceptionof the Spirit” (O Aspecto Escatológico daConcepção Paulina do Espírito), in Biblical andTheological Studies (Estudos Bíblicos e Teológicos),pelos Membros da Faculdade do PrincetonTheological Seminary, New York: Scriber, 1912,pp.209-259.

61. Pauline Eschatology (Escatologia Paulina), p.45.62. Ibid., pp.51-53. Vos encontra um paralelo a esse

modo de falar na maneira com que Cristo falou daúltima hora: “vem a hora e agora é”, p.54.Expressões como “o Reino de Deus” e “a Parousia”são utilizadas de modo similar (Ibid).

63. Ibid., p.5564. Ibid., p.41.65. Ibid., p.59.66. Ibid., p.60.67. Ibid., prefácio p. vi.68. Oscar Cullmann, Salvation in History (Salvação na

História), trad. Por S.G.Sowers, New York,Harper & Row, 1967, pp.74-78. O termo “históriada salvação” é uma tradução da palavra alemãHeilsgeschichte.

69. Ibid., p.13.

640

70. Christ and time (Cristo e o Tempo), trad. por FloydV.Filson, Philadelphia: Westminster, 1950, p.83.

71. Ibid., pp.17-19.72. Ibid., p. 72.73. Ibid., pp.81,82.74. Ibid., p. 84.75. Ibid., p. 82.76. Ibid., p. 81-83.77. Será observado que, embora o diagrama de

Cullmann sobre a posição do crenteneotestamentário difira da de Vos, a mensagemessencial de ambos os diagramas é a mesma.

78. Salvation p.172.79. Ibid., p.32.80. Ibid., p.175. Cullmann observa que apesar das

grandes diferenças entre Schweitzer e Dodd, elesse assemelham ao excluir essa tensão da históriada salvação de suas escatologias (p.174).

81. Time, p.224.82. Ibid., p. 153, 154.83. Ibid., p. 153. Em ambas as passagens o verbo grego

utilizado é uma forma de katargeo.84. Salvation, p.183.85. Ibid., pp. 178, 179.86. Ibid., p. 202.87. Ibid., p. 169.88. Ibid., pp. 32, 181.89. Time., p. 83.90. Ibid., p.89.91. Salvation, pp.177, 178.92. Ibid., p.15.93. Time, pp. 51, 53.

641

94. Salvation, p. 15. Na p.78 ele acrescenta que elequer deixar lugar no plano divino para aresistência e pecado humanos, de modo que ahistória da salvação também tem de incluir uma“história do desastre” (Unheilsgeschichte).

95. Time., p.53.96. Ibid., p.69.97. Ibid., p.61.98. Ibid., p.62, 63.99. Ibid., p.13.100. Ibid., p.62, 63.101. Ibid., p.13.102. Ibid.,pp. 30,31.103. John Marsh, The Fulness of Time (A Plenitude do

Tempo), London: Nisbet, 1952, pp.177-181.104. Hendrikus Berkhof, Christ the Meaning of History

(Cristo, o Sentido da História), trad. por L.Buurman da 4ª ed., Richmond: John Knox, 1966 p.186.

105. Well-Founded Hope (Esperança Bem Fundamentada),Richmond: John Knox, 1969, pp. 29,30.

106. Karl Barth, The Epistle to the Romans (A Epístolaaos Romanos), trad. da 6ª ed. Por E.C. Hoskyns,London: Oxford Univ.Press, 1933, p.500.

107. Ibid., p.10.108. A palavra holandesa aqui é gericht, que

significa julgamento. 109. Berkouwer, Return p.27.110. Barth, op.cit., pp.500, 501.111. F.Holmstrom, op.cit., p. 241.

642

112. Berkouwer, Return, pp. 27,28. As palavras entreparêntesis traduzem a expressão holandesa:“gongslag der eeuwigheid”.

113. Isso não nega o elemento de verdade que há naconcepção de Barth. Sem dúvida, quando alguém setorna um crente em Cristo, essa pessoa ingressaem uma nova era e toma parte das bênçãosescatológicas. Porém, restringir Escatologia aisso é diminuir seriamente a mensagem bíblica.

114. O acréscimo da palavra quase é uma tentativade fazer jus ao original: vrijwel uitsluitend.

115. Berkouwer, Return, p.29. A referência em Barthé de Church Dogmatics (Teologia Dogmática daIgreja), II/1 p. 635.

116. Rudolf Bultmann, Theology of the New Testament(Teologia do Novo Testamento), trad. porK.Grobel, New York: Scribner, 1951, I, p.23.

117. Jesus Christ and Mythology (Jesus Cristo e aMitologia), New York: Scribner, 1958, p.80.

118. Ibid., p.81.119. Ibid., p. 31.120. Berkouwer, Return, p. 105.121. R.Bultmann, “New Testament and Mythology” (Novo

Testamento e Mitologia), in Kerugma and Myth (oKerigma e o Mito), ed por H.W.Bartch, New York:Harper and Row, 1961; pub.org. em 1953, pp. 4,5.

122. Neill Q.Hamilton, “Rudolf Bultmann’s ReinterpretedEschatology”(A Escatologia Reinterpretada de RudolfBultmann), in op.cit., p.76.

123. H.N. Riddebos, Paulus (Paulo), Kampen: Kok,1966, p. 37, [trad.do autor].

643

124. R.Bultmann, History and Eschatology (Escatologia eHistória), Edinburgh: Univ Press, 1957, pp. 151,152.

125. Ver H.N. Ridderbos, Bultmann, trad. por DavidFreeman, Grand Rapids: Baker, 1960, pp. 38-45.

126. A crítica que Cullmann faz do fato de Bultmannretirar da Bíblia a estrutura de tempo dentro daqual a mensagem de redenção chega a nós já foiobservada acima. Para uma crítica mais ampla daEscatologia existêncialista de Bultmann, verDavid E.Holwerda, The Holy Spirit and Eschatology in theGospel of John (O Espírito Santo e a Escatologia noEvangelho de João), Kampen: Kok, 1959, pp. 126-133.

127. Jürgen Moltmann, Theology of Hope (Teologia daEsperança), trad, da 5ª ed. Por J.W.Leitch, NewYork: Harper and Row, 1967, p. 15.

128. Ibid., p.16.129. Ibid., p.224.130. Ibid., p.35.131. Ibid., p. 23-26.132. Ibid., p. 338.133. “Erlauterugen zu Jürgen Moltmann Theologie der

Hoffnung”(Comentários sobre a Teologia daEsperança de Jürgen Moltmann), in Diskussion überdie “Theologie der Hoffnung” von Jürgen Moltmann(Discussões sobre a “Teologia da Esperança” deJürgen Moltmann), ed. Por Wolf-Dieter Marsch,München: Kaiser, 1967, p.185.

134. Theology of Hope (Teologia da Esperança), pp. 42,43.

644

135. Hans Schwarz, On The Way to The Future (A Caminhodo Futuro), Minneapolis: Augsburg, 1972, pp.99.

136. Theology of Hope (Teologia da Esperança), pp.42,43.

137. Ibid., pp. 325, 326.138. Ibid., p.20.139. Ibid., p.33.140. Ibid., p.203.141. Ibid., p.117, 118.142. Ibid., p.16.143. Ibid., p.17.144. Ibid., p.194.145. Ibid., p.227.146. Ibid., p.229.147. Ibid., p.33, 34.148. Ibid., p.137.149. Ibid., p.326.150. Ibid., p.223.151. Ibid152. Ibid., pp.18,19.153. Ibid., pp. 33, 34154. Ibid., p. 34.155. Ibid., p. 22.156. Ibid., p.40.157. Ibid.,158. Ibid., pp.67-69.159. Hendrikus Berkhof, Well-Founded Hope (Esperança

Bem Fundamentada), p. 15; ver também a análisede Berkhof sobre o livro de Moltmann em Wolf-Dieter Marsch, op.cit., pp.182, 183.

160. George Eldon Ladd argumenta que há um“consenso emergente” da opinião sobre que o

645

Reino de Deus é tanto presente como futuro;acrescentando numa nota de rodapé uma impressivalista de eruditos do Novo Testamentocomprometidos com essa posição (Presence, pp.38,39, número 161).

646

BIBLIOGRAFIA

Adams, Jay E., The Time is at Hand (O Tempo EstáPróximo),

Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1970.Allis, Oswald R., Prophecy and the Church (A Igrejae as Profecias),

Philadelphia: Presbiteryan and Reformed,1945.Althaus, Paul. Die Letzten Dinge (As ÚltimasCoisas), 7ª ed.,

Gütersoloh: Bertelsmann, 1957.Barret, C.K., From Fist Adam to Last Adam (DoPrimeiro Adão ao Último Adão),

London: A & C. Balck, 1962.-------, The Holy Spirit and the Gospel Tradicion(O Espírito Santo e a Tradição do Evangelho), New York: Macmillian, 1947.-------, “New Testament Eschatology” (Escatologiado Novo Testamento), Scottish

Journal of Theology (Jornal Escocês deTeologia), vol. VI, 1953, pp. 136-155,

225-243.Bart, Karl, Church Dogmatics (Teologia Dogmática daIgreja), Vol. III/2 Edinburgh:

T. & T. Clark, 1960.-------, Epistle to the Romans (Epístola aosRomanos), trad. da 6ª ed. por E.C.Hoskyns

New York: Oxford Univ Press, 1933.Bass, Clarence B., Backgrounds to Dispensacionalism(O Contexto do

647

Dispensacionalismo), Grand Rapids: Eerdmans,1960.Bavinck, Herman, Gereformeerd Dogmatiek, 4ª ed., 4vols.,

Kampen: Kok, 1928-1930 (3ª ed., 1918).Berdyaev, The Meaning of History (O Sentido daHistória), trad. por George Reavey

London: Geoffrey Bles, 1936.Berkhof, Hendrikus, Christ the Meaning of History(Cristo, o Sentido da História),

Trad. da 4ª ed., por L. Buurman, Richmond:John Knox, 1966. Reimpresso,

Grand Rapids: Baker, 1979.--------, Well-founded Hope (Esperança BemFundamentada),

Richmond: John Knox, 1969.--------, Christ and the Powes (Cristo e osPoderes),

Scottdale, Pa: Herald Press, 1962.Berkhof, Louis, The Second Coming of Christ (ASegunda Vinda de Cristo), Grand

Rapids: Eerdmans, 1953 (pub.orig.1938).Berkouwer, G.C., Man, the Image of God (O Homem, aImagem de Deus), trad.por

Dirk W.Jellema, Grand Rapids: Eerdmans, 1962.-------, The Return of Christ (A Volta de Cristo),trad. por James Van Oosterom,

Grand Rapids: Eerdmans, 1972 (pub.orig. ’61[vol.I] e ’63 [vol.II]).-------, The Triumph of Grace in the Theology ofKarl Barth (O Triunfo da Graça

648

na Teologia de Karl Barth), trad. por H. Boer,Grand Rapids: Eerdmans, 1956.Boettner, Loraine, The Millennium (O Milênio),Grand Rapids: Baker 1958.Bowman, John Wick, “Dispensationalism”Interpretation (“Dispensacionalismo” em

Interpretação), Abril, 1956, pp.170-187.Braum, John, Whatever Happened to Hell? (QueAconteceu com o Inferno?) New

York: Nelson, 1979.Brown, David, Christ’s Second Coming (A SegundaVinda de Cristo), New York:

Carter, 1851.Brunner, Emil, Eternal Hope (Esperança Eterna),trad.por Harold Knight, London:

Lutterworth, 1954.Buis, Harry, The Doctrine of Eternal Punishment (ADoutrina da Punição Eterna),

Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1957.Bultmann, Rudolf, History and Eschatology(Escatologia e História), Edinburgh:

Univ Press, 1957.-------, Jesus Christ and Mythology (Jesus Cristoe a Mitologia), New York:

Scribner, 1958.-------, “New Testament and Mythology”, in Kerigmaand Myth (O Novo Testamento

e a Mitologia”, in Kerigma e Mito), ed. porH.W.Bartsch, New York: Harper and

Row, 1961 (pub.orig. 1953).Calvin, John, Institutes of the Christian Religion(As Insitutas da Religião Cristã), ed.

649

Por Joohn T.McNeill, trad.por Ford LewisBattles, 2 vols., Philadelphia:

Westminter, 1960.--------, Psichopannychia (Sono da Alma ou AlmaIndormida?), in Tracts na Treatises

of the Reformed Faith (Tratos e Tratados da FéReformada) III, pp. 413-490,

Grand Rapids: Eerdmans, 1958.Chafer, Lewis Sperry, Dispensationalism(Dispensacionalismo), Dallas: Dallas

Seminary Press, 1936.--------, Systematic Theology (TeologiaSistemática), 8 vols., Dallas: Dallas Seminary

Press, 1947-48.Charles, R.H., Eschatology: The Doctrine of aFuture Life in Israel, Judaism, and

Christianity (Escatologia: A Doutrina de umaVida Futura em Israel, Judaísmo

E Cristianismo), New York: Schocken, 1963(pub.orig.1913).Clouse, Robert G. e. The Meaning of the Millennium(O Sentido do Milênio),

Capítulos por George E. Ladd (“HistoricPremillenism”) (“Premilenismo

Histórico”), Herman A Hoyt (“DispensationalPremillennialism”) (Premilenismo

Dispensacionalistas”), Loraine Boettner(“Postmillennisalism”) (“Pós-

Milenismo”) e Anthory A Hoekema(“Amillennisalism”) (“Amilenismo”);

Downers Grove: Inter-Varsity Press, 1977.

650

Cox, William E., Amillennialism Today (“AmilenismoHoje), Philadelphia:

Presbyterian and Reformed, 1972.--------, Biblical Studies in Final Things (EstudosBíblicos das Coisas do Fim),

Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1971.Cullmann, Oscar, Christ and Time (Cristo e oTempo), trad. por Floyd V.Filson,

Philadelphia: Westminster, 1950.--------, Immortality of the Soul or Ressurrectionof the Dead? (Imortalidade da

Alma ou Ressurreição da Morte?), New York:Macmillian, 1964.--------, Salvation in History (Salvação naHistória), trad. por S.G.Sowers, New York:

Harper and Row, 1967.Dahl, M.E., The Ressurrection of the Body (ARessurreição do Corpo), London:

SCM, 1962.Davidson, A B. The Theology of the Old Testament (ATeologia do Antigo

Testamento), ed. por S.D.F. Salmond,Edinburgh: T. & T. Clark, 1904.Davies, W.D., e Daube, D., eds., The Background ofthe New Testament and is

Eschatology (O Contexto do Novo Testamento esua Escatologia), estudos em

Homenagem a C.H.Dodd, Cambridge: Univ. Press,1956.DeDaro, Louis A, Israel Today: Fulfillment ofProphecy? (Israel de Hoje

651

Cumprimento de Profecia?), Philadelphia:Presbyterian and Reformed, 1974.De Young, James C, Jerusalem in the New Testament(Jerusalém no Novo

Testamento), Kampen: Kok, 1960.Dijk, Klass, Het Einde der Eeuwen, Kanpen: Kok,1952.Dodd, Charles H., The Apostolic Preaching and itsDevelopments (A Pregação

Apostólica e seus Desenvolvimentos), London:Hodder and Stoughton, 1936.-------, New Testament Studies (Estudos do NovoTestamento), Manchester:

Manchester Univ.Press 1953.-------, Parables of the Kingdom (Parábolas doReino), London: Nisbet, 1935.-------, We Intent to Stay Together (NósPretendemos Ficar Juntos), London: SCM,

1954.Douty, Norman F., Has Christ’s Return Two Stages?(A Volta de Cristo tem Duas

Etapas?), New York: Pageant Press, 1956.English, E.Schuyler, A Companion to the NewScofield Reference Bible (Suplemento

À Nova Bíblia de Referência Scofield), NewYork: Oxford Univ.Press, 1972.Fairbairn, Patrick, The Typology of Scripture (ATipologia das Escrituras), 2 vols.,

New York: Funk and Wagnalls, 1900(pub.orig.1845-47).Fison, J.E., The Christian Hope: The Presence ofthe Parousia (A Esperança Cristã:

652

A Presença da Parousia), London: Longmans,Green, 1954.Flüickiger, Felix, Der Uusprung des ChristlichenDogmas (A Origem dos Dogmas

Cristãos), Zürich: Evangelischer Verlag, 1955.Frost, Henry W. The Second Coming of Christ (ASegunda Vinda de Cristo), Grand

Rapids: Eerdmans, 1934.Greijdanus, S. De Openbaring des Heeren aanJohannes, Amsterdam: Van

Bottenburg, 1925.Grier, Willian, The Momentous Event (O EventoImportante), Belfast: Evangelical

Bookshop, 1945.Grosheide, F.W., De Verwalchting der Toekomst vanJezus Christus, Amsterdam:

Van Botterburg, 1907.Gundry, Robert H., The Church and the Tribulation(A Igreja e a Tribulação),

Grand Rapids: Zondervan, 1973.Hamilton, Floyd E. The Basis of Millennial Faith(As Bases da Fé Milenista),

Grand Rapids: Eerdmans, 1942.Hamilton, Neill Q., “The Holy Spirit andEschatology in Paul” (“O Espírito Santo

E a Escatologia em Paulo), Scottish Journal ofTheology Occasional Papers

No. 6 (Edição Avulsa do Jornal Escocês deTeologia nr. 6), Edinburgh: Oliver

And Boyd, 1957.Hanhart, H., The Intermediate State in the NewTestament (O Estado Intermediário

653

Do Novo Testamento), Franeker: Wever, 1966.Harnack, Adolph Von, What is Christianigy (Que éCristianismo?), trad. por Thomas

B.Saunders, 3ª ed., New York: G.P. Putnam,1904 (publ. Orig. 1900).Hendriksen, William, Israel in Prophecy (Israel naProfecia), Grand Rapids: Baker,

1974.-------, More Than Conqueror (Mais Que Vencedores),2ª ed., Grand Rapids:

Baker, 1940, Também editado em Português pelaCasa Editora Presbiteriana,1ª Edição, 1987.

Hodge, Charles, Systematic Theology (TeologiaSistemática), 3 vols, Grand Rapids:

Eerdmans, 1940., (pub. Orig. 1871-72).Hoekema, Antony ª, The Christian Looks at Himself(O Cristão Olha Para Si Mesmo)

2ª ed., Grand Rapids: Eerdmans, 1977.-------, The Four Major Cults (As Quatro GrandesSeitas), Grand Rapids: Eerdmans,

1972.-------, Holy Spirit Baptism (O Batismo do EspíritoSanto), Grand Rapids: Eerdmans,

1972.Holmström, Folke. Das Eschatologische Denken derGegenwart (O Pensamento

Escatológico Moderno), Gütersloh: Bertelsmann,1936. Holwerd, David E., “Eschatology and History: A Lookat Calvin’s Eschatological

654

Vision” (Escatologia e História: Um Exame daVisão Escatológica de Calvino)

In, Exploring the Heritage of John Calvin(Explorando a Herança de João

Calvino), ed. por D.E. Holwerda, pp.110-139,Grand Rapids: Baker, 1976.-------, The Holy Spirit and Eschatology in theGospel of John: A Critique of

Rudolf Bultmann’s Present Eschatology (OEspírito Santo e a Escatologia no

Evangelho de João: Uma Crítica da EscatologiaPresente de Rudolf Bultmann),

Kampen: Kok, 1959.Hughes, Philip E., Interpreting Prophecy(Interpretando Profecias), Grand Rapids:

Eerdmans, 1976.Jones, R. Bradley, What, Where, and When is theMillennium? (Que, Onde e

Quando é o Milênio?), Grand Rapids: Baker,1975.Kik, J. Marcellus, The Eschatology of Victory (AEscatologia da Vitória), Philadelphia

Presbyterian and Reformed, 1971.-------, Revelation Twent (Apocalipse 20),Philadelphia: Presbyterian and Reformed,

1955.Kittel, G., and Friedrich, G., ed., TheologicalDictionary of the New Testament

(Dicionário Teológico do Novo Testamento),trad. por G.W. Bromiley, 10 vols.,

Grand Rapids: Eerdmans, 1954-76.

655

Kreck, Walter, Die Zukinft des Gekommenen (O Futurodo que Já Veio), München:

Kaiser, 1966.Kromminga, D.H., The Millennium (O Milênio), GrandRapids: Eerdmans, 1948.-------, The Millennium in the Church (O Milênio naIgreja), Grand Rapids: Eerdmans

1945.Kümmel, Werner, Promise and Fulfillment (Promessa eCumprimento), trad. por

Dorothea M. Barton, Naperville: Allenson,1957. Também London: SCM, 1957.Ladd, George E., The Blessed Hope (A EsperançaBendita), Grand Rapids: Eerdmans

1956.-------, Commentary on the Revelation of John(Comentário do Apocalipse de João),

Grand Rapids: Eerdmans, 1972.-------, Crucial Questions about the Kingdom of God(Questões Cruciais Acerca do

Reino de Deus), Grand Rapids: Eerdmans, 1952.-------, The gospel of the Kingdom (O Evangelho doReino), Grand Rapids: Eerdmans

1959.-------, The Presence of the Future (A Presença doFuturo). Uma versão revista e

atualizada de Jesus and the Kingdom (Jesus e oReino), (New York: Harper

and Row, 1964), Grand Rapids: Eerdmans, 1974.Lampe, g.W., The Seal of the Spirit (O Selo doEspírito), Naperville: Allenson, 1967.

Ttambém London: Longmans, Green, 1951.

656

Lenski, R.C.H., The Interpretation of St.John’s RRevelation (A Interpretação do

Apocalipse de São João), Columbus: WartburgPress, 1943.Lindsey, Hal, com C.C.Carlson, The Late GreatPlanet Earth (O Último Grande

Planeta Terra), Grand Rapids: Zonderva, 1970,42ª impr. 1974.Löwith, Karl, Meaning in History (Sentido naHistória), Chicago: Univ.of

Chicago Press, 1949.Lundström, Gösta, The Kingdom of God in theTeaching of Jesus (O Reino de Deus

no Ensino de Jesus), trad. por Joan Bulman,Edinburgh: Oliver and Boyd, 1963.Mac Pherson, Dave, The Unbelievable Pre-trib Origin(A Inacreditável Origem Pré-

Tribulacionista), Kansas City: Heart ofAmerica Bible Society, 1973.Manson, William, “Eschatology in the New Testament”(Escatologia do Novo

Testamento), in Scottish Journal of TheologyOcasional Papers no. 2 (Edição

Avulsa do Jornal Escocês de Teologia no. 2),pp. 1-16, Edinburgh: Oliver and

Boyd, 1953.Marsch, Wolf-Dieter, ed., Diskussion über die“Theologie der Hoffnung”, von

Jürgen Moltmann (Discussão sobre a “Teologiada Esperança: de Jürgen

Moltmann), München: Kaiser, 1967.

657

Marsden, George, e Roberts, Franc, ed., A ChristianView of History? (Uma Visão

Cristã da História?), Grand Rapids: Eerdmans,1975.Marsh, Philip, The Gospel of the Kingdom (OEvangelho do Reino), Boston:

Hamilton, 1928.-------, The Hope of Israel (A Esperança deIsrael), Swengel, Pa.: Reiner, 1929.McClain, Alva J., The Greatness of the Kingdom (AGrandeza do Reino), Grand Rapids: Zondervan, 1959.Minear, Paul, Christian Hope and The Second Coming(A Esperança Cristã e a

Segunda Vinda), Philadelphia, Westminster,1954.Moltmann, Jürgen, Theology of Hope (Teologia daEsperança), trad. por J.W.Leitch,

New York: Harper and Row, 1967 (pub.orig.1964).Moody, Dale, The Hope of Glory (A Esperança daGlória), Grand Rapids: Eerdmans,

1964.Morris, Leon, The Biblical Doctrine of Judgment (ADoutrina Bíblica do Juízo),

Grand Rapids: Eerdmans, 1969.Munck, Johannes, Christ and Israel (Cristo eIsrael), trad. por Ingeborg Nixon,

Philadelphia: Fortress Press, 1967.Murray, George, Millennial Studies (Estudos sobre oMilênio), Grand Rapids: Baker,

1948.

658

Murray, Lain, H., The Puritan Hope (A EsperançaPuritana), London: Banner of

Truth Trust, 1971.Pentecost, J.Dwight, Things to Come (Coisas PorVir), Findlay, Ohio: Dunham, 1958Perrin, Norman, The Kingdom of God in the Teachingof Jesus (O Reino de Deus

No Ensino de Jesus), Philadelphia:Westminster, 1963. Também London: SCM

1963.Pieters, Albertus, The Seed of Abrahan (ADesdendência de Abraão), Grand Rapids

Zonderva, 1937.Pusey, E.B., What is of Faith as to EverlastingPunishment? (Que é da Fé na Punição

Eterna?), Oxford: Parker, 1880.Quistorp, Heirich, Calvin’s Doctrine of the LastThings (A Doutrina de Calvino sobre

as Últimas Coisas), trad. por Harold Knight,London: Lutterworth, 1955.Reese, Alexander, The Approaching Advent of Christ(O Advento Iminente de

Cristo), Grand Rapids: Kregel, 1975. TambémLondon: Marshall, Morgan &

Scott, 1932.Ridderbos, Herman N. Bultmann, trad. por DavidFreeman, Grand Rapids: Baker 1960.-------, The Coming of the Kingdom (A vinda doReino), trad. por H.de Jongste. Ed.

por Raymond O Zorn, Philadeplhia, Presbyterianand Reformed, 1962 (pub.

orig.1950).

659

-------, Paul: Na Outline of his Theology (Paulo:Panorama de sua Teologia), trad.por

John R.de Witt, Grand Rapids: Eerdmans, 1975(pub.orig.1966).Rowley, H.H., The Releyance of Apocalyptic (AImportância da Literatura

Apocalíptica), ver.ed.London: Lutterworth,1963.Russell, David S., The Method and Message of JewishApocalyptic (O Método e a

Mensagem da Literatura Apocalíptica Judaica),Philadelphia: Westminster,

1966.Ryrie, Charles C., The Basis of the PremillennialFaith (As Bases da Fé Premilenista)

New York: Loizeaux, 1953.-------, Dispensationalism Today(Dispensacionalismo Hoje), Chicago: Moody, 1965.Schep, J.A, The Nature of the Ressurrection Body (ANatureza do Corpo Ressurecto)

Grand Rapids: Eerdmans, 1964.Schwarz, Hans, On the Way to the Future (A Caminhodo Futuro), Minneapolis:

Augsburg, 1972.Schweitzer, Albert, The Quest of the HistoricalJesus (A Questão do Jesus Histórico),

3ª ed., trad. por W. Montgomery, London: A &C. Black, 1974 (pub.orig.1906).Scofield, C.I., ed., The New Scofield ReferenceBible (A Nova Bíblia de Rerefência

Scofield), Comitê Editorial, E. SchuylerEnglish et al., New York: Oxford Univ

660

Press, 1967.Shedd, William G.T., The Doctrine of EndlessPunushment (A Doutrina da Punição

Eterna), New York: Scribner, 1886.-------, Dogmatic Theology (Teologia Dogmática), 3vols., Grand Rapids: Zondervan,

s/d (pub.orig. 1889-1894).Shepherd, Norman, “Postmillennialism” (Pós-milenismo) in Zondervan Pictorial

Encyclopedia of the Bible (EnciclopediaIlustrada Zondervan da Bíblia), ed.

Por Merrill C.Tenney, IV., pp.822, 823 GrandRapids: Zondervan, 1975.Shires, Henry M., The Eschatology of Paul in theLight of Modern Scholarship (A

Escatologia de Paulo à luz da ErudiçãoModerna), Philadelphia: Westminster:

1966.Strack, Herman, e Billerbeck, Paul, Kommentar zumNeuen Testament aus Talmud

Und Midrasch (Comentário do Novo TestamentoSegundo o Talmude e o

Mildraxe), 5 vols., München: C.H. Beck, 1922-1928.Torrance, Thomas F., “The Eschatology of theReformation” (A Escatologia da

Reforma), in Scottish Journal of TheologyOccasional Papers nº. 2 º (Edição

Avulsa do Jornal Escocês de Teologia n º 2),pp. 36-62, Edinburgh: Oliver and

Boyd, 1953.

661

-------, Kingdom and Church (A Igreja e o Reino),Edinburgh: Oliver and Boyd, 1956Travis, Stephen, The Jesus Hope (A EsperançaJesus), Downers Grove: Inter-Varsity,

1974.Van der Leeuw, G., Onsterfellijkheid of Opstanding2ª ed., Assen: Van Gorgum,

1936. Vos Gerrhardus, Biblical Theology (TeologiaBíblica), Grand Rapids: Eerdmans, 1954

(pub.orig.1948).-------, “The Eschatological Aspect of the PaulineConception of the Spirit” (O

Aspecto Escatológico da Concepção Paulina deEspírito), in Biblical and

Theological Studies (Estudos Bíblicos eTeológicos), pelos Membros da

Faculdade do Princeton Theological Seminary,pp. 209-259, New York:

Scribner, 1912.-------, “The Eschatology of the New Testament” (AEscatologia do Novo

Testamento), in International Standard BibleEncyclopedia (Enciclopédia

Bíblica Clássica Internacional), ed. por JamesOrr, II, pp.979-993, Chicago:

Howard-Severence, 1915 (reimpr. Por Eerdmansem 1939).------, “The Pauline Eschatology and Chiliasm” (A Escatologia Paulina e o

Milenarismo), in Princeton Theological Review (Revista Teológica de

662

Princeton), Janeiro 1911.Vriezen, T.C., Na Outline of Old Testament Theology(Uma Perspectiva da Teologia

Do Antigo Testamento) 2ª ed., revista e ampliada. Trad.por S. Neuijen, Oxford:

Blackwell, 1970.Walvoord, John F., The Blessed Hope and the Tribulation (A Esperança Bendita e a

Tribulação), Grand Rapids: Zondervan, 1976.-------, “The Millennial Kingdom” (O Reino Milenar), Findlay, Ohio: Dunham, 1958.-------, “The Rapture Question”(A Questão do Arrebatamento), Findlay, Ohio:

Dunham, 1957.-------, “The Revelation of Jesus Christ (O Apocalipse de Jesus Cristo), Chicago:

Moody, 1966.Warfield, Benjamin B., “The Millenniun and The Apocalypse” (O Apocalipse e o

Milênio), in BiBlical Doctrines (Doutrinas Bíblicas), pp. 643-664. New York:

Oxford Univ.Press, 1929.Whitehouse, W.A, “The Modern Discussion of Eschatology” (A Discussão Moderna

da Escatologia), in Schottish Journal of Theology Occasional Papers n º 2

(Edição Avulsa do Jornal Escocês de Teologia, n º 2), pp.63-90, Edinburgh:

Oliver and Boyd, 1953.Whiteley, D.E.H., The Theology of St. Paul (A Teologia de São Paulo), Philadelphia:

Frotress, 1966.

663

Wyngaarden, Martin J., The Future of the Kingdom inProphecy and Fulfillment

(O Futuro do Reino em Profecia e Cuprimento), Grand Rapids: Baker, 1955

(pub.orig.por Zondervan em 1934).

664

ÍNDICE DE ASSUNTOS

A Escatologia dá forma à soteriologia, posições deVos sobre, 400, 401; quatro ilustrações dosescritos paulinos, 401.A qualquer momento, vinda de Cristo, a, ensinadapelos dispensacionalistas 250, 251.Abismo de Apocalipse 20, o significado de 303, 304.“Abominação que causa desolação”, a, 222, 223, 208,209.Agostinho, interpretação sobre Ap 20.1-6 de, 244Aionios, o significado de, 360, 361.Aliança da graça, unidade da, no VT e no NT,opostamente ao ensino dispensacionalista 261, 262.Alma, uso bíblico do termo para descrever a existência continuada do homem após a morte, 125-127.Alvo, a história está se dirigindo para um, 45-47.Ambigüidade da história, a, 48, 49, 53, 54.Amilenismo, a posição descrita, 233, 234; sugerida uma designação diferente para, 233, 234; a posição exposta na presente obra, 234; a posição amilenistasobre Ap 20.1-6, 234, 299-316; o Reino de Deus, 59-74, 234; Escatologia futura e inaugurada, 234; os sinais dos tempos, 175-217, 234; a Segunda Vinda , 147-169, 221-230, 234; a ressurreição geral, 234, 320-336; o arrebstamento, 227-229, 234; o juízo final, 234, 339-355; o estado final. 234, 355-383.Aniquilamento, 355-357; duas formas de, 355-357; ensinado pelos Adventistas do Sétimo Dia e Testemunhas de Jeová, 355-357.

665

Anjos, tomarão parte do juízo final, 342; serão julgados, 343.Anomalia teológica, o milênio dos premilenistas descrito como uma, 246, 247.Anticristo, ensino dispensacionalistas sobre, 221, 222.Anticristo, o sinal do, 206-216; antecedentes do VTpara, 206-208; tipos do, 208,209; precursores do, 208-210, 215, 216; definição do termo, 209-210; ensino de João sobre, 210-211; ensino de Paulo sobre, 211-215; não há conflito entre João e Paulo sobre, 211, 212; a identidade do, 215, 216; sinal presente ao logo da história da igreja, 216, 217; culminará num anticristo pessoal, 211, 212, 216, 217.Antíoco Epifânio, 206-209.Antítese na história, 48-54, 66, 67; revelada pelossinais dos tempos, 180-182, os pós-milenistas não fazem totalmente jus a, 240, 241.Apantesis, o significado de, 225-227.Apocalipse 20.1-6, a interpretação amilesnita de, 234, 244, 302-316; interpretações pós-milenistas de, 235-238; reação contra as posições pós-milenistas, 238-240; a interpretação premilenista história de, afimada, 253-255; criticada, 291-294.Apollymi, o significado de, 359, 360.Apostasia, o sinal da, 202-206; encontrada ao longoda era atual, 203-205; culminará numa apostasia final climática, 205; relacionada com a manifestação do homem da iniqüidade, 206; interpretação pós-milenista da, 236; essa interpretação é rejeitada, 238.

666

Armagedon, A Batalha do, ensino dispensacionalista sobre, 221, 222, 250, 251.Arrebatamento da Igreja, o, segue-se à grande tribulação, 222-224; acontece após a ressurreição geral, 227-229, 326, 334, 335.Arrebatamento, o ensino amilenista sobre, 227-229, 234; ensino premilenista histórico sobre, 241; ensino dispensacionalistas sobre, 217-220, 250-252.Arrebatamento, o médio-tribulacionista 218, 219, 250, 251.Arrebatamento, o pós-tribulacionista, 218, 219, 227-229, 234, 242, 250, 251; uma defesa do, 220-227.Arrebatamento, o pré-tribulacionista, distinguido da volta de Cristo, 218, 219, 226; descrito, 182-183, 218-220, 250-252; defendido pelos dispensacionalistas como sendo iminente, 182-183, 250-251; uma análise crítica do, 220-28.Arrebatamento, pré-tribulacionista, o, não ensinadoem 1 Ts 4.16, 17, 224-226.“Atraso da Parousia” a definição do problema, 149-151; a posição de A Schweitzer sobre, 149, 389-391;as posições de Buri e Werner, 149; as posições de Cullmann e Kümel, 149-151, uma passagem do NT que parece mencionar o, 167, 168; não era grande problema para os primeiros cristãos (Cullmann), 406; a posição de Barth sobre, 409, 410 (Ver Segunda Vinda , o tempo da ).“Ausentes do corpo e presentes com o Senhor”, o significado de, 140, 141.Bodas do Cordeiro, 221, 221, 226, 251, 252, 381.

667

Canaã, a terra de, um tipo da nova terra, 280, 281,372-374.Carne e Espírito, Conflito entre, 43-44; dois modosde existência, 79.Céu e terra, serão um na vida por vir, 368, 381.Compreensão otimista da história, 54.Continuidade entre esta era e a próxima, 54-56; entre esta terra e a nova terra, 55, 56, 100, 101, 372, 375, 383.Continuidade, entre o corpo atual e o corpo da ressurreição, 334-336, 373; não exclui diferenças, 335, 336.Continuidade, entre o povo de Deus dos tempos do VTe do NT, 285-287.Conversão dos judeus, futura, posição amilenista sobre, 188-198; posição pós-milenista sobre, 235; posição premilenista histórica sobre, 241; posição dispensacionalistas sobre, 251, 252.“Corpo Espiritual” de 1 Co 15.44, o, como devemos interpretar o, 88,89, 332-333.Corpo Ressurrecto, o, quatro contrastes com o corpoatual, 332-333, a natureza do, 334-336, continuidade entre ele e o corpo atual, 334-336, 373.Crentes, todo têm de comparecer perante o tribunal de Cristo, 334, 345; os pecados dos crentes participarão do quadro do Dia do Juízo, 345, 346.Cristo, exaltação final de, 343.Cruz de Cristo, a, problema no ensino dispensacionalistas com, 283-285.Cultura Cristã, nossa obrigação em produzir uma, 102.

668

“Demitização” do NT (Bultmann), o significado de, 411-413; enumeração de elementos mitológicos do NT,411-413.Descendência de Abraão, todos os crentes do NT são denominados, 265, 266, 372.Dia-D e dia-V, ilustração de Cullmann sobre, 31, 32, 404; significado para a história dos, 42; crítica a, 42 n º 13.Dia do Senhor, o, 16-20, 392, 393, 398-400.Diagramas: a era presente e a era porvir, 30; a salvação da plenitude de Israel, 195, 196; de Vos sobre a escritura da Escatologia paulina, 399,400; de Cullmann sobre o contraste entre os crentes do VT e do NT, 404.Dimensões Cósmicas da redenção de Deus, 45-47, 73-75, 369, 376.Dispensações, sete distintas, conforme apresentadasna New Scofield Bible, 249,250; não fazem jus à unidade básica da revelação bíblica, 261-263.Dispensacionalismo, tendência a construir um quadrocronológico exato de eventos futuros por parte do, 177-179.Dispensacionalistas, ensinos rejeitados: a Segunda Vinda em duas etapas, 221-230; o arrebatamento pré-tribulacionista, 223-230; não faz jus à unidadebásica da revelação bíblica, 261-263; que Deus tem um propósito em separado para Israel, 263-269, que o VT ensina um futuro Reino milenar terreno, 269-275; que haverá uma restauração milenar dos judeus à sua terra, 275-282; o adiamento do Reino, 282-284; a igreja como parêntesis, 284-288; que pessoasserão salvas após a Volta de Cristo, 288-292; o

669

milênio dos dispensacionalistas não é o milênio descrito em Ap 20.4-6, 291-294; várias ressurreições, 321-326; vários julgamentos, 340-343.Duas correntes de desenvolvimento da história, 48-54.Duas eras a era presente e a era porvir, 28-31; diagramas das 30,31; exclui a idéia de uma terceiraera (o milênio) entre essa era e a era porvir, 246,247.Duas etapas, a Segunda Vinda em, ensinada pelos dispensacionalistas pré-tribulacionistas, 181-183, 221-223, 250-252; argumentos contra: o uso do NT das palavras para a Segunda Vinda não fundamenta, 222-224; o NT não ensina que a Igreja será removidada terra antes da tribulação, 223-225; a principal passagem do NT que descreve o arrebatamento não ensina um arrebatamento pré-tribulacionista, 224-227; a Segunda Vinda de Cristo envolve tanto uma vinda com seu povo quanto uma vinda para seu povo, 226, 227; não se pode extrair argumento algu`m do ensino de que a grande tribulação será um derramamento da ira de Deus, 227, 228; a Segunda Vinda em duas etapas rejeitada pelos amilenistas, 234; pelos premilenistas históricos, 241, 242.“E então todo o Israel será salvo”, o significado de, 189-191, 193-198.“Edifício de Deus” em 2 Co 5.1, o significado de, 137-139.Era porvir, a, antecipada no presente (Vos), 399, 400.

670

Escatologia, definição de, 8; um aspecto integrante da revelação bíblica, 11; Cristianismo éEscatologia (Moltmann), 417.“Escatologia atemporal” de Karl Barth, a, 412, 413.Escatologia conseqüente, 389-393.Escatologia consistente,149, 156, 157, 389.Escatologia cósmica, 104, 148, 383.“Escatologia de reportagem”, uma crítica da, 179, 180.“Escatologia do Novo Testamento” a natureza da: o grande evento escatológico predito no VT aconteceu,24-29; o que os escritores do AT parecia retratar como um movimento único envolve dois estágios, a era presnte e a era do futuro, 28-31; as bênçãos daera presente são a garantia de bênçãsos maiores porvir, 30-33.“Escatologia existencialista” de Rudolf Bultmann, 413-416; avaliação da, 416.Escatologia futura, definida, 8.Escatologia futura e inaugurada, a relação entre, 166-168.“Escatologia futurista” de Jüergen Moltmann, 415-423; sua principal categoria é a promessa, 417-418;tem dimensões cósmicas, 418-420; deveira motivar a ação cristã, 419; avaliação da, 419-423.Escatologia inaugurada, definida, 8; razões para preferir esse termo à “Escatologia realizada”, 27-29.Escatologia realizada, 23; Escatologia ainda não completamente realizada, 23; contém um elemento de

671

verdade, 27, 28; a posição de C.H.Dodd sobre, 392-397.“Escatologia vertical” de Karl Barth, a, 411-413; avaliação da, 413.Esperança, cristã, não tem sua fonte na pobreza, mas na possessão, 31, 32; contrastada com duas formas de deseperança (Moltmann), 417.Espírito Santo, o, relacionado com a Escatologia detrês maneiras no AT, 76-79; é para Paulo a irrupçãodo futuro no presnte, 80; o papel escatológico do, representado em cinco conceitos; filiação 80-83; primícias, 83; garantia, 83-85; selo, 85,86; ressurreição do corpo, 86-90, 328, 329.Espírito Santo, o derramamento do, 15, 16; marca o início da nova era escatológica, 79.Espírito Santo, o vínculo de ligação entre o corpo atual e o corpo ressurrecto, 87-89.Espiritualização das profecias do AT, a acusação de, 273, 274, 369; a resposta à acusação, 370.Estado final, o, 354-383.Estado Intermediários: ensino dos primeiros teólogos sobre, 124; a doutrina recentemente criticada, 125-127; a Bíblia diz pouco acerca dele,126,127; ensino do AT sobre, 127, 131, 132; ensino do NT sobre, 131-141; a importância do ensino bíblico sobre, 141.Estado intermediários e ressurreição, dois aspectosde uma única expectação, 141.Evangelho, a proclamação a todas as nações, 186-189.“Evangelho social”, seus teólogos seguem a tradiçãoritschliana, 387.

672

Existência Escatológica, envolve uma nova auto-compreensão (Bultmann), 411-415.Ezesan, o significado de, em Ap 20.4, interpretaçãopós-milenista de, 236, 237; a interpretação do premilenismo histórico de, 242, 243; a interpretação dispensacionalista de, 292-294; a interpretação amilenista de, 310-314.Filiação, nossa, atestada pelo Espírito, 80-83; temdimensões escatológicas, 81-83.Fim dos tempos, o 27, 28.Futuro de Israel, qual é? 269.Galardão recebido no Dia do Juízo, variações no, 349-352; esse por O Cullmann, 403; definição de “história da salvação”, 403.História, rejeição à visão cíclica da, 35, 36; rejeição da visão existencialista da, 36.“Homem da iniqüidade” o 212-215; o que detém o, 213-215.Homem velho e homem novo, 40.“Hora”, o significado do termo no Evangelho de João, especialmente em 5.28, 322, 323.Igreja, a, predita no AT, 284-286; a agência principal do Reino, 287; a centralidade no propósito redentor de Deus da, 287, 288.“Igreja como parêntesis”, ensino dispensacionalistassobre a, 251; criticado, 284-288.“Iminência” da Segunda Vinda , a, ensinada pelos dispensacionalistas, 251; uma análise da, 184-187.Imortalidade, as duas palavras gregas par,a nunca utilizadas nas Escrituras para descrever a alma, 116, 117.

673

Imortalidade condicional, ensinada pelos Adventistas do Sétimo Dia e Testemunhas de Jeová, 356.Imortalidade da alma: não é um conceito peculiar doCristianismo, 115; desenvolvida pelos gregos, 115; encontrada em Platão, 115, 116; a expressão nunca áutilizada nas Escrituras, 116, 117; alguns teólogosda Reforma defenderam o uso da expressão, 117, 118;a posição de Bavinck e Berkouwer sobre esse assunto, 118; quatro observações sobre o conceito, 118-120; conclusão; não é uma doutrina distintivamente cristã, 120, 121/Incrédulos, a ressurreição dos, 322, 323, 327, 335,336.Isaías 65.17-25 retrata a nova terra e não o milênio, 269, 271.Israel, a ressurreição de, 15; a declaração da compreensão dispensacionalista sobre, 249-251, 275;crítica, 275-282. Israel, a salvação da plenitude de, 186-199.Israel de Deus, o, uma descrição de toda a igreja do NT, 262-264; a Igreja do NT agora como o verdadeiro Israel, 263-265; promessas feitas a Israel cumpridas na igreja, 264; a igreja judaico-gentílica agora como raça eleita de Deus e nação santa, 265.Israel e a Igreja, a distinção permanente entre, defendida pelos galardão não é de mérito mas de graça, 351, 352; relação entre obras e galardão nãomecânica mas orgânica, 352.Garantia, o Espírito como, 82-84.

674

Gehenna, o significado de, 356, sua punição é eterna, 356-359.Glória e honra das nações, a ser trazida para a Nova Jerusalém, 55, 56, 101, 381-383.Guegue e Magogue, a Batalha de, 241, 242.Graça universal, o papel da, 101.Graduação nos sofrimentos dos perdidos, 347, 364.Grande trono branco, o julgamento perante o: ensinopremilenista histórico sobre, 242, 243; ensino dispensacionalistas sobre, 254; ensino amilenista sobre, 323, 326.Guerras, terremotos e fomes, como sinais dos tempos, 215-217; evidências de juízo divino, 216, 217; não são sinais do fim, 216, 217; encontrados aos longo da era presente, 216, 217.Hades, o significado de: o Reino dos mortos, 131-133; o lugar de punição no estado intermediário, 133-134; inclui todos os mortos em Ap 20.13, 324.Herança da terra de Canaã, prometida a Abraã, 371; um tipo da nova terra, 371, 372; a nova terra como herança de todos os crentes, 375, 376.História a interpretação cristã da, principais características da: história como desenvolvimento dos propósitos de Deus, 36, 37; Deus é o Senhor da história, 37-39; Cristo é o centro da história, 39-41; a nova era já foi instaurada, 40-42; toda a história se dirige para um alvo, 41-45.História a interpretação cristã da, principais implicações da: a atividade característica da era presente é missões, 44-46; vivemos numa tensão entre o já e o ainda-não, a 45-46; existem duas correntes de desenvolvimento na história; 45-48;

675

todos os julgamentos históricos têm de ser provisórios, 48,49; a compreensão cristã da história é basicamente otimista, 49, 50; existe tanto continuidade como descontinuidade entre esta era e a próxima, 49-53.“História da salvação”, a escola de Escatologia da,representada dispensacionalistas, 248, 249; críticadesta posição, 262-269.Israel, o endurecimento de, 194, 195.Israelita, os 144.000, ensino dispensacionalista sobre, 252.Já, Ainda-Não, tensão: carateriza a Escatologia do NT 23, 24, 91; dá à presente era sua característicapeculiar, 46; implicado no fato de que o Reino é tanto presente quanto futuro, 72; revelado em conexão com nossa filiação, 81; encontrado nos ensinos de Jesus (94); Paulo (94, 95); nas epístolas não-paulinas (95); no livro do Apocalipse(95).Já, Ainda-Não, tensão, implicações da: caracterizaos “sinais dos tempos”, 95,96, 180, 181; envolve a Igreja, 96; um incentivo para uma vida cristã responsável, 97; deveria ser refletida em nossa auto-imagem, 97, 98; ajuda-nos a entender o sofrimento na vida dos crentes, 98, 99; está relacionada com a nossa atitude para com a cultura,99, 100.Já, Ainda-Não tensão, o elemento novo no NT (Cullmann), 405; ilustrada de várias formas, 405; ojá prepondera sobre o ainda-não, 406.

676

Jerusalém e Sião, termos utilizados pelo NT para descrever a Igreja, 266; o primeiro deles inclui tanto judeus como gentios no NT, 286, 287.Jesus, detalhes de sua vida preditos no AT, 25.Judeus, possíveis conversões em larga escada de,195-197.Juízo final, a necessidade do, 339, 340; o tempodo, 303,304, 340, 341; as circunstâncias do: quemserá o juiz, 341-344; quem será julgado, 344, 333;o que será julgado 344-346; o padrão pelo qual aspessoas serão julgadas, 346-350; a questão dogalardão, 350-352; o significado do juízo final,352.Juízo final, o propósito do, 340; dev acontecer nofim da presente era, 341; a duração do, 341. “Juízo investigador” o, ensinado pelos Adventistasdo Sétimo Dia, 339; uma análise crítica do, 339,340.Julgamento dos incrédulos após o milênio, ensinodispensacionalista sobre, 254.Julgamentos múltiplos ensinado pelosdispensacionalistas, 340, 341; uma crítica desseensino, 341.Julgamentos no princípio do milênio, ensinado pelosdispensacionalistas: dos gentios 253; de Israel,253.Ladrão, a volta de Jesus comparada à vinda de um,160, 161, 164-166; a sugestão de Minear acerca dosignificado da figura, 164-166.Ladrão penitente, palavras de Jesus ao, 135, 136.Lago do fogo de Ap 20, o significado do, 303-305,314,325,363.

677

Livro da vida em Ap 20, o significado do, 325.Livro do Apocalipse, a interpretação do, 299-303.Maior evento escatológico, da história, o, não nofuturo, porém no passado, 104.Mil anos de Ap 20, o significado dos, 303, 306,307.“Milenarismo realizado”, 233, 234, 313.Milênio, definição do termo, 233; posiçãoamilenista sobre, 234, 303-316; posição pós-milenista sobre, 235, 236; posição premilenista-histórica sobre, afirmada, 241, 242; criticada,244-247; posição dispensacionalista sobre,afirmada, 253, 254; criticada, 288-295.Milênio, posições sobre o, quatro posiçõesdescritas: amilenismo, 233, 234, 303-316; pósmilenismo, 235-240; premilenismo histórico, 240-247; premilenismo dispensacionalistas, 247-255.Missões, atividade característica da era atual, 44-46.Morte à luz da redenção: a conquista da morte comoparte da obra redentora de Cristo, 111; osignificado da morte para os crentes, 111-113.Morte a segunda, o significado da, 314, 315, 363,364.Morte no mundo humano, resultado do pecado: negadapor alguns teólogos, 105-107; provas das Escriturasda, do AT, 106-111; do NT, 109-111; o sentido plenoda, 108-109.Morte, presente no Reino animal e vegetal antes daqueda, 104-106.

678

Não-regenerados durante o milênio, ensinodispensacionalista sobre, 254; congregados porSatanás para uma batalha final, 254.Nova aliança, a, 13, 14.Nova era, a, introduzida por Cristo, 43-45, 63;evidenciada pela capacitação do Espírito em Cristo,89; instaurada pelo Espírito, 78, 79.Nova era, o crente tanto já está nela como aindanão está nela (Cullmann), 404, 405.Nova Jerusalém, a, Abraão aguardava pela 372, 373;descendo dos céus à terra, 380-382; descrição da,381-383.Nova Jerusalém, a posição dispensacionalistassobre, como pairando sobre a terra durante omilênio, 254, 292.Nova terra, a, descrição da, em Isaías, 269-271,273, 379; em 2 Pedro 379, 380; em Apocalipse 21,380-383.Nova terra, a doutrina da, importância da, 368-370; ensino bíblico sobre, 370-383; importância da,382,383.Nova terra, a, não totalmente outra do que a terraatual, mas uma renovação dela, 374, 475; razõespara essa compreensão, 375-377.Nova terra, a, preparação adequada para, 50-53,383.Nova terra, a profecias do AT apresentadas pelospós-milenistas apontam para a, 238; profecias do ATaplicadas pelos dispensacionalistas ao mil6enioapontam para a, 269-279, 280-28, 369, 370.Novos céus e nova terra, 20, 237, 242, 243, 254,373-375, 379-384.

679

Nudez em 1 Co 5.3, o significado de, 139, 140.Oliveira a figura da, 193, 196.Parábola das dez virgens, a interpretaçãodispensacionalista da, 291.Paraíso, o singnificado do, 136. Paralellismo progressivo no livro do Apocalipse,299, 303; descrição das sete seções: caps. 1-3,299,300; caps. 4-7, 300; caps. 8-11, 300; caps. 12-14, 300-302, caps. 15, 16, 301, 302; caps. 17-19,301,302; caps. 20-22, 301, 303. Parousia, apokalypsis e epiphaneia, a uso dessaspalavras não fornece base para a vinda em duasetapas, 222, 223.Parousia o significado da, 222.“Partir e estar com Cristo”, o significado de, 136,137.“Passagens da Iminência” discutidas, 150-158.“Pendente” preferível a “iminente”, 183.Perspectiva profética, 16, 21, 196, 197.Pessimismo, cultural, criticado, 49, 50, 99, 100,383, 384.Plenitude do tempo, 25, 26.Plenitude, dos judeus em Romanos 11, 192, 193, 196;dos gentios em Romanos 11, 194, 196.Ponto central da história, o, 40-42; está em nossascostas (Cullmann),Pós-milenismo, posição descrita, 235-238; pontos deconcordância com o amilenismo, 235; a interpretaçãopós-milenista da grande tribulação e da apostasia,236; de Ap.20.1-6, 236-238; provas das escriturasapresentadas para o pós-milenismo, 237, 238; umaanálise crítica do pós-milenismo, 237-241.

680

Prémilenismo, dispensacionalista, de origemcomparativamente recente, 246; dois princípiosbásicos de, 247; a posição descrita, 249-255;apreço por certos aspectos do, 261; uma análisecrítica do, 262-294.Prémilenismo, histórico, a posição descrita 240-243; provas das Escrituras apresentadas para, 242-244; apreço por certos aspectos do, 243; umaanálise crítica do, 243-246.Pré-tribulacionaismo dispensacionalista, sua visãoda Segunda Vinda envolvendo duas etapas, 181, 182,221, 222; sua posição sobre “iminência”, 181, 182;sua posição sobre os sinais dos tempos, 182.Primícias o Espírito como, 83.Problemas ecológicos a atitude do crente em relaçãoa, 382, 383.Produções culturais de não-cristãos, não devem sertotalmente rejeitadas, 99, 100; comentários deCalvino sobre, 99. Profecias, a interpretação literal de, defendidapelos dispensacionalistas, 247.Profecias do AT, interpretadas pelosdispensacionalistas como descrevendo o milênio, naverdade descrevem a nova terra, 269-274.Profecias o cumprimento múltiplo de: literalmente,278; figuradamente, 278-280; antitipicamente, 280,281.Progresso, será que a história revela? 50-52.Promessa da aliança, as riquezas plenas da, a seremdesfrutadas na nova terra, 381.

681

Propósito em separado para Israel, em distinção aopropósito de Deus para a igreja, não ensinado nasEscrituras, 266-269.Punição dos ímpios no estado intermediário, 134,135.Punição eterna, a doutrina da, história da, 355; anegação da, 355; essa negação toma duas formas:universalismo, 342, 356; e aniquilamento, 356;provas nas escrituras para a doutrina da puniçãoeterna, nos ensinos de Cristo, 356-361; nos ensinosdos apóstolos, 361-365; importância da doutrina,364, 365.Redentor a expressão de sua vinda, 10-13.Reinado dos crentes sobre a terra na vida porvir,o significado do 379.Reino, adiamento do, não ensinado pelas Escrituras,281-283.Reino de Deus, considerado como sendo presente,futuro, ou tanto presente como futuro, 59; Jesusfalando do Reino tanto como presente (67,68) quantofuturo (68,69); Paulo falando do Reino tanto comopresente (69) quanto futuro (69,70); a importânciade se fazer jus a ambos os aspectos, 70, 71;implicações do fato de que o Reino é tanto presentequanto futuro, 71-73.Reino de Deus e Reino dos céus, o usointercambiável dos termos, 61Reino de Deus predito por Daniel, 13; instauradopor Cristo, 25, 60, 61; anunciado por João Batistae por Jesus, 59,60.Reino de Deus teólogos que ensinaram que ele éexclusivamente presente: Albrecht Ritschl, 386,

682

387; Adolf Von Harnack, 387, 388; C.H.Dodd, 391-396; teólogos que ensinavam que ele éexclusivamente futuro; Johannes Weiss, 388, 389;Albert Schweitzer, 389-391, Jürgen Moltmann, 415-423; teólogos que ensinavam que ele é tantopresente como futuro: João Calvino, 395-397;Geerhardus Vos, 397-403; Oscar Cullmann, 403-408;George Eldon Ladd, 244, 422, 423 (ver nota 160 nap. 423).Reino de Deus, um aspecto essencila da Escatologiabíblica, 59; definição de, 64; não introduzido poresforços humanos, 64,71,72; tem um aspecto positivoe negativo, 64,65; sinais da presença do, 65, 6;requer arrependimento e fé, 72; requer compromissototal, 72; implica numa redenção cósmica, 72,73.Reino dos céus, ensino dispensacionalista sobre:rejeitado pelos judeus, 250; adiado até a hora domilênio, 250; a “forma misteriosa” do, 250.Reino o Evangelho do, no ensino dispensacionalista,251.Reino, visões do, implicações das, 72, 73.Ressurreição a geral, ensino pós-milenista sobre,235; ensino amilenista sobre, 230, 234, 309, 310,320-325; argumentos em apoio a: a Bíblia apresentaa ressurreição de crentes e incrédulos comoocorrendo conjuntamente, 321-324; os crentes serãoressuscitados no “último dia”, 324; 1 Ts 4.16 e 1Co 15.23,24 não provam uma ressurreição em duasetapas, 324, 325.Ressurreição a primeira, em Ap 20.5, interpretaçõespós-milenistas da , 236, 237; a interpretação

683

premilenista histórica da, 242; a interpretaçãoamilenista da, 309-314.Ressurreição de Cristo, o penhor e garantia daressurreição futura dos crentes, 328-330; o padrãopara a ressurreição dos crentes, 328.Ressurreição do corpo, o ensino explícito do ATsobre, 327; ensino do NT sobre: o fato da, 329,330; seu modo, 330-332; a necessidade da, 332, 333.Ressurreição do corpo, não a imortalidade da alma,como a mensagem central das Escrituras sobre ofuturo do homem, 120, 212, 127, 320.Ressuscitarão do corpo, o papel do Espírito na, 86-90; o Espírito relacionado com a ressurreição deCristo, 86,87; com a ressurreição dos crentes, 87-90.Ressuscitarão dos incrédulos somente após omilênio, ensinada pelos premilenistas, 241-243,253, 322, 323; crítica a essa posição, 322, 323.Ressurreição o tempo da, 320-325; a natureza da,325-336.Ressuscitarão múltiplas: ressuscitarão em doisestágios ensinada pelos premilenistas históricos,241, 242, 324; quatro ressurreições ensinads pelosdispensacionalistas, 251-253; uma análise críticadesses ensinos, 321-325.Sacrifícios de animais durante o milênio, ensinodispensacionalista sobre, 252, 271, 273; críticado, 272, 273; possível interpretação não-literalsugerida pela New Scofield Bible para 272, 273.Salvação não haverá possibilidade de após a voltade Cristo, 288-292.

684

Santos ressurrectos, seu papel no milênio, ensinodispensacionalistas sobre, 251-252.Santos tomarão parte na obra de julgar, 342.Satanás o aprisionamento de, ensino amilenistasobre, 234, 304-306; ensino pós-milenista sobre,236,239; ensino premilenista histórico sobre, 241-243; ensino dispensacionalista sobre, 251.Segunda Vinda, a, evolve tanto uma vinda com quantouma vinda para os santos, 229.Segunda Vinda, a, um evento único, 230-231; aressurreição dos crentes ocorrerá por ocasião da,324. Segunda Vinda, a, certeza da, garantida pelaprimeira vinda de Cristo, 30-32; embora seu temposeja incerto, o fato é certo, 166, 167.Segunda Vinda, a expectação da, domina a fé daIgreja do NT, 147; a nota de expectação ressoadanos Evangelhos, 147; no livro de Atos, 147; Paulo148; as Epístolas católicas, 148; Apocalipse, 148;essa expectação deveria caracterizar a igreja hoje,148, 149; a importância dessa expectação para avida e para a fé, 167-169.Segunda Vinda, a proximidade da, ensinada pelo NT,166; o significado dessa proximidade, 166-168.Segunda Vinda, o modo da: pessoal, 231; visível,231, 232; gloriosa, 232.Segunda Vinda, o tempo da, em Paulo: 162-166; umamudança no pensamento paulino sobre esse assunto?162-164; não há base sólida para essa posição, 163-166; Paulo ensinava a incalculabilidade da, 165-167; não dever ser acusado por ter se enganado arespeito, 166, 167.

685

Segunda Vinda, o tempo da, nos Sinópticos: trêstipos de passagens sobre, 150; as assim chamadas“passagens de iminência”, 150, 159; passagens quefalam de atraso 159-161; passagens que enfatizam aincerteza do tempo, 161, 162; Jesus não conhecia,151; Jesus não marcou data para a, 162.Selo o Espírito como, 85, 86.Senhorio soberano de Deus, na história, ilustrado,40.“Sermão Profético” o, 198-200, 202, 205, 206, 223,230, 238, 239.Sete anos, o período de, ensinado pelosdispensacionalistas, 222; um cumprimento daseptuagésima semana da profecia de Daniel, 251;eventos que se diz que devem ocorrer durante essesperíodo, 251; uma análise crítica desse ensino,221-229.Sheol e Hades, resumo da importância de, 134. Sheol, o significado de, 128, 129; os justos serãolibertos de seu poder, 129, 130.Sinais dos tempos, diferenças entre o premilenismohistórico e o premilenismo dispensacionalistasobre, 250.Sinais dos tempos em geral o uso da expressão nasEscrituras, 175, 176; interpretações erradas dos,176-180; a interpretação adequada dos, 180-182; nãohá contradição entre observá-los e uma vigilênciaconstante, 182; presente ao longo da era cristã,182; assumirão uma forma mais intensa da Parousia,183, 184.Sinais dos tempos em particular, uma lista dos,186; a proclamação do Evangelho a todas as nações,

686

186-188; a salvação da plenitude de Israel, 188-198; tribulação, 198-203; apostasia, 203-207;anticristo, 206-216; guerras, terremotos e fomes,216, 217.Templo de Deus, a Igreja do NT denominada, 285Templo, o, reconstruído e sacrifícios de animaisreativados durante o milênio, ensinodispensacionalistas sobre, 252, 271, 272; aprofecia de Ezequiel sobre não deve ser tomadaliteralmente, 272, 273.Tempo, a compreensão de Cullmann, sobre osignificado de, 410, 411; a posição cristã sobre,contrastada coma posição grega, 410; visão de tempoencontrada em Platão, Barth e em Bultmannrejeitada, 410, 411; relação de tempo cometernidade, a, 411.Tempo e eternidade, a distinção qualitativainfinita entre (Barth), 412, 413; rejeitada porCullmann, 410.Transformação dos crentes vivos na ocasião daParousia, a 333.Tribulação a grande, 200, 201, 222, 223, 224, 228;ensino pós-milenista sobre, 236; rejeição dessainterpretação, 238; ensino premilenista histórico,sobre, 240-242; ensino dispensasionalista sobre,251; ensino amilenista sobre, 200, 201, 223-228.Tribulação o sinal da, 197-201; caracteriza toda aera entre as duas vindas de Cristo, 199, 200;culminará numa tribulação final climática, 200,201; essa tribulação final não é restrita aosjudeus, 201.

687

Tronos, em Ap 20.4, a localização dos, 307; osocupantes dos, 308, 309.Última hora a 27, 28.Últimos dias, escritores do NT conscientes deestarem vivendo nos, 26-28.Unidade Psicossomática, ensinada nas Escrituras,127; separação temporária entre corpo e alma namorte, 127; esse estado de separação comoprovisório e incompleto, 127.Universalismo 355, 356.Velho Testamento, a orientação escatológica do, 9,10, 22.Velho Testamento, a perspectiva escatológica do,incorporada em conceitos específicos: a expectaçãodo redentor vindouro, 10-13; o Reino de Deus, 13; anova aliança, 13; a restauração de Israel, 14; oderramamento do Espírito, 14, 15; o dia do Senhor,14-21; os novos céus e a nova terra, 21.Velho Testamento, passagens do, mostrando que odestino dos justos após a morte é melhor que odestino dos ímpios, 130-132, 326.Ventura dos crentes mortos entre a morte e aressurreição, 135-141.Vigilância pela Segunda Vinda, o significado de,161Vigilância de Cristo, a decisiva, 31, 32, 37, 38,54, 180, 240, 246, 299, 300, 407, 408.“Viveram e reinaram com Cristo” em Ap. 20.4, osignificado de, 309-311.