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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, PORTUGUÊS E LÍNGUAS CLÁSSICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
UMA DESCRIÇÃO GRAMATICAL DA LÍNGUA XIKRÍN DO CATETÉ
(FAMÍLIA JÊ, TRONCO MACRO-JÊ)
BRASÍLIA
2015
Ficha catalográfica elaborada automaticamente,
com os dados fornecidos pelo autor
____________________________________________________________
S586u Silva da Costa, Lucivaldo
Uma descrição gramatical da língua Xikrín do Cateté
(família Jê, tronco Macro-Jê) / Lucivaldo Silva da
Costa; orientador Ana Suelly Arruda Câmara Cabral. --
Brasília, 2015.
358 p.
Tese (Doutorado - Doutorado em Linguística) --
Universidade de Brasília, 2015.
1. Descrição gramatical. 2. Língua Xikrín-Jê. 3.
Fonologia. 4. Morfologia. 5. Morfossintaxe (sintaxe).
I. Arruda Câmara Cabral, Ana Suelly, orient. II. Título.
____________________________________________________________
LUCIVALDO SILVA DA COSTA
UMA DESCRIÇÃO GRAMATICAL DA LÍNGUA XIKRÍN DO CATETÉ
(FAMÍLIA JÊ, TRONCO MACRO-JÊ)
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Linguística do
Programa de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de
Letras da Universidade de Brasília, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em Linguística.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Suelly Arruda Câmara Cabral.
BRASÍLIA
2015
LUCIVALDO SILVA DA COSTA
UMA DESCRIÇÃO GRAMATICAL DA LÍNGUA XIKRÍN DO CATETÉ
(FAMÍLIA JÊ, TRONCO MACRO-JÊ)
Esta tese foi julgada adequada à obtenção do título de
Doutor em Linguística e aprovada em sua forma final
pelo Curso de Doutorado em Linguística, do Programa
de Pós-Graduação em Linguística do Instituto de Letras
da Universidade de Brasília.
Brasília, 23 de junho de 2015.
Professora e orientadora Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, Dra. (Presidente)
Universidade de Brasília, Instituto de Letras
Profa. Josenia Antunes Vieira, Dra. (Membro interno)
Universidade de Brasília, Instituto de Letras
Prof. Paul Heggarty, Dr. (Membro externo)
Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology, Department of Linguistics
Prof. Sanderson Castro Soares de Oliveira, Dr. (Membro externo)
Universidade Estadual do Amazonas, Campus de Tabatinga
Prof. Andérbio Márcio Silva Martins, Dr. (Membro externo)
Universidade Federal da Grande Dourados
Prof. Maxwell Gomes Miranda, Dr. (Suplente)
Universidade Federal do Mato Grosso
Ao estimado e inesquecível
prof. Aryon Dall’Igna Rodrigues (in memoriam),
pelo apoio, acolhida e incansáveis ensinamentos,
sempre com muita alegria e muito bom humor.
AGRADECIMENTOS
A elaboração desta Tese, assim como qualquer outro trabalho intelectual, não foi um
trabalho de autoria única; foram várias as vozes orientando, sugerindo, ponderando,
criticando, questionando para que o produto final atingisse a perfeição ou o nível de
excelência mínimo, digno da apreciação da comunidade científica, embora os prováveis
equívocos cometidos ao longo de sua confecção seja de minha inteira responsabilidade.
À minha orientadora, profa. Dra. Ana Suelly Arruda Câmara Cabral pela forma
brilhante como conduziu a orientação desta tese. Sou-lhe grato também por ter me “adotado”
desde 2001 como seu orientando de mestrado na UFPA e, desde então, estar compartilhando
comigo do seu saber sobre as línguas e as culturas indígenas brasileiras.
Ao saudoso professor Aryon Dall’Igna Rodrigues, formador de inúmeros
pesquisadores em Linguística Indígena, pelos ensinamentos, orientações, sugestões de
análises de alguns fenômenos encontrados na língua Xikrín durante o tempo em que tive o
privilégio de conviver com ele no Laboratório de Línguas Indígenas da UnB – LALI, por ter
me dado a honra de ter sido seu hóspede por dois momentos em que precisei estar em
Brasília, o primeiro em 2002 e em vários momentos entre os anos de 2011 e 2013 por conta
do Doutorado. Em ambos os momentos, tive a oportunidade de aprender muito sobre os
indígenas e suas culturas através das “palestras” proferidas pelo professor Aryon durante o
café da manhã e o jantar. Professor Aryon, receba meus sinceros agradecimentos.
Aos Xikrín do Cateté, por terem tornado possível a nossa pesquisa linguística desde
2001. Por terem me permitido mergulha em seu mundo e apreender um pouco de seu
kukradjà — conhecimentos e epistemologias —, basilares à formação do ser mebêngokre. Em
especial quero agradecer à Tanatã Poy Xikrín, Bep Nhõrõ-Ti Xikrín, Katop-Ti Xikrín, Bep
Ko Xikrín Krupdjo Xikrín Bep Ngra-Ti Xikrín por me considerarem com seu kamy, e sempre
me socorrerem nos momentod de dúvidas sobre sua língua, por me ensinarem, sempre que
possível, um pouquinho mais de sua língua e por terem me auxiliado na transcrição e tradução
de alguns textos em língua materna. A vocês: mei kumrei.
Aos meus pais João e Maria, pelo carinho, confiança, e por sempre me apoiarem em
minha trajetória acadêmica. Muito obrigado por vocês sonharem comigo e por contribuirem
para a realização de mais um sonho.
Aos meus irmãos, sobrinho e parentes, que, embora distantes geograficamente,
espiritualmente estãos sempre pertinhos de mim, torcendo pelo meu sucesso acadêmico e
profissional, transmitindo-me seu carinho e amor ímpares.
À Aline, minha sobrinha-filha, pelo carinho e amor mútuo.
Aos professores Sanderson Oliveira, Paul Heggart, Josênia Vieira, Andérbio Martins
e Maxwell Miranda por terem participado da avaliação e julgamento desta tese, contribuindo
com críticas, sugestões e comentários.
À Floriza, Bianca e Bia pela convivência familiar durante nove anos e pelo carinho,
amizade e respeito existentes de ambas as partes. A Vocês meu muito obrigado.
Ao amigo Maxwell Miranda, pela discussões a respeito de fenômenos encontrados
na língua Xikrín e pelas importantes sugestões de análise de alguns desses fenômenos aqui
analisados e descritos. Sou-lhe grato também pelos envios de inúmero livros, e sobretudo,
pelo grande apoio dado na seleção do doutorado em 2010.
À amiga Suseile, pelo carinho, amizade e por estar sempre disposta a nos ajudar em
todos os momentos.
Aos colegas e amigos Lallienses com quem tive oportunidade de conviver durante
esses quatro anos, aqui simbolicamente representados por Ariel e Suseile.
Ao amigo de graduação, de doutorado e de todas as horas, Jorge Domingues Lopes,
sempre prestativo e atencioso.
À professora amiga Adriana Sales, pelas conversas, trocas linguísticas, ensinamentos
e aprendizagens sobre educação escolar indígena, especialmente no âmbito da educação
bilíngue e metodologias aplicadas ao ensino de primeira e segunda línguas.
RESUMO
Esta tese consiste em uma descrição de aspectos da fonologia segmental, da morfologia e da
morfossintaxe e sintaxe da língua Xikrín, uma das língua do ramo setentrional da família Jê,
tronco Macro-Jê (Rodrigues 1986, 1999). Trata-se de um estudo desenvolvido à luz de uma
linguística antropológica, que considera a língua como instrumento da cultura e moldada a
partir desta. Os procedimentos analíticos adotados foram os procedimentos clássicos de uma
descrição linguística dessa natureza, como a utilização de dados de situações de fala natural, o
que muito contou o fato de eu falar um pouco a língua Xikrín e de ter morado com eles por
mais de dois anos ininterruptos, além da minha convivência constante com eles há 12 anos.
Outros procedimentos foram os de adotar análises contrastivas dos pontos analisados, de
observar critérios distribucionais e de considerar organizações paradigmáticas de seus
elementos linguísticos. Esta tese foi sendo construída tomando como referência os estudos
que ajudavam a entender os dados do Xikrín. Assim, não caberia aqui listar os inúmeros
trabalhos consultados, mesmo porque nenhum deles foi exaustivo enquanto referência, exceto
os trabalhos de Rodrigues que nortearam sua hipótese de uma agrupamento Macro-Jê-Tupí-
Karíb (cf. RODRIGUES, 2009). Ao apresentar uma descrição de referência para o Xikrín,
nosso objetivo é também o de tornar esta tese uma referência nos processos de formação de
professores de língua Xikrín e na ampliação dos estudos sobre essa língua, agora com uma
participação de autoria dos professores indígenas.
Palavras-chave: Descrição gramatical. Língua Xikrín-Jê. Fonologia. Morfologia.
morfossintaxe (sintaxe).
ABSTRACT
This dissertation is a description of aspects of the segmental phonology, morphology,
morphosyntax and syntax of Xikrín, a language of the northern branch of the Jê family,
Macro-Jê stock (RODRIGUES, 1986, 1999). This study has been developed within the
framework of anthropological linguistics, taking language as a cultural tool that is in turn
itself moulded by culture. I have followed standard analytical procedures for describing a
language, such as the use of language data from natural speech acts. To that end, it has been
crucial that I am myself a fluent speaker of Xikrín, having lived among the Xikrín for two
years, and been in constant contact with them for 12 years now. Other procedures followed
here are contrastive analysis, observations of distributional criteria, and the paradigmatic
organization of language components. This thesis is founded upon a series of reference works
that form the wider context in which the Xikrín language data are best understood. Here is
not the place to list all of those bibliographical references, except to highlight the works by
Rodrigues that guided his Macro-Jê-Tupí-Caríb hypothesis (cf. RODRIGUES, 2009). This
thesis aspires also to serve as a reference description to support training for teachers of Xikrín,
and thereby to engender further research, not least by native-speaker teachers as authors of
new publications on their own language.
Keywords: Grammatical description. Xikrín-Jê language. Phonology. Morphology.
morphosyntax (syntax).
RÉSUMÉ
L’objectif de ce travail est de faire une description des aspects de la phonologie segmentaire,
de la morphologie et de la syntaxe et morphosyntaxe de la langue Xikrin, classifié dans la
branche nord de la famille Jê, tronc Macro-Jê (Rodrigues, 1986, 1999). Il s’agit d’une étude
menée dans le domaine d’une linguistique anthropologique, qui considère le langage comme
instrument de culture et qui est formée dans cette même culture. Les procédures analytiques
utilisées étaient les procédures classiques d’une description linguistique telles que l’utilisation
de donnés originaires de situations de parole naturelle. Pour cela il a été très important le fait
du chercheur parler la langue Xikrin et avoir vécu avec eux pendant plus de deux ans sans
interruption mais aussi le contact constant avec eux pendant 12 ans. Autres procédures
adoptées dans cette recherche ont été celles de l’analyse contrastive des points analysés, de
respecter des critères de répartition et de considérer les organisations paradigmatiques de leurs
éléments linguistiques. Cette thèse a été construite par référence aux études qui ont permis de
comprendre les données Xikrin. Donc, on ne cadrerait pas ici d’énumérer les nombreuses
études examinées, si seulement parce qu’aucun d’eux était épuisant comme une référence,
sauf les œuvres de Rodrigues qui ont guidé son hypothèse d’un regroupement Macro-Jê-Tupí-
Karíb (cf. RODRIGUES, 2009). Avec cette description de référence pour Xikrin, l’objectif de
cette thèse est aussi d’établir une référence pour la formation des enseignants de langue
Xikrin, mais aussi pour l’expansion des études sur cette langue, en ayant la collaboration à
partir de ce moment des enseignants indigènes.
Mots-clés: Description grammaticale. Langue Xikrín-Jê. Phonologie. Morphologie.
morphosyntaxe (syntaxe).
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 –As línguas da família Jê. (Rodrigues 1986, p.56) ................................................................19
Quadro 2 – Consoantes do Xikrin ..........................................................................................................28
Quadro 3 – Vogais orais do Xikrin ........................................................................................................33
Quadro 4 – Vogais nasais do Xikrín ......................................................................................................38
Quadro 5 – Nomes distintos quanto ao gênero sexual do interlocutor ...................................................64
Quadro 6 – Nomes distintos quanto ao gênero sexual do locutor ..........................................................65
Quadro 7 – Verbos transitivos: ação única versus ação plural .............................................................102
Quadro 8 – Verbos intransitivos: ação única versus ação plural ..........................................................103
Quadro 9 – Posposições na língua Xikrín ............................................................................................113
Quadro 10 – Os advérbios do Xikrín ...................................................................................................117
Quadro 11 – Advérbios de quantidade .................................................................................................119
Quadro 12 – Advérbios de modo em Xikrín ........................................................................................120
Quadro13a – Advérbio de negação ......................................................................................................120
Quadro 13b – Advérbio de tempo ........................................................................................................121
Quadro 14 – Palavras aspectuais ..........................................................................................................126
Quadro 15 – Palavras modalizadoras ...................................................................................................126
Quadro 16 – Interjeições ......................................................................................................................127
Quadro 17 – Prefixos relacionais do Xikrín .........................................................................................137
Quadro 18 – Complementação por paraxe ...........................................................................................188
LISTA DE ABREVIATURAS
ABLAT.CENTR Ablativo-centrípeto
ADES Adesivo
ASSERT Assertivo
ASS.INTR Associativo-instrumentivo
ATEN Atenuativo
ANTER Anterioridade
CAUS Causativo
CESS Cessativo
COL Coletivizador
COM Companhia
COMP Comparativo
CONJ Conjunção
DEM. DIST Demonstrativo distal
DEM.PROX. Demonstrativo proximal
DIRET Diretivo
DIR Direcional
DIR.CENTR Direcional centrípeto
DISJ Disjunção
DUB dubitativo
FINLD Finalidade
FRUST Frustrativo
HORT Hortativo
HUM Humano
LOC.DIF Locativo-difuso
IMIN Iminentivo
INCOMPL Incompletivo
INT Interrogativo
INTENS Intensivo
ITER Iterativo
INDEF indefinido
LOC.PONT Locativo-pontual
MS Mesmo sujeito
NEG Negação
OBL Oblíquo
PART partitivo
PERL Perlativo
PL Plural
POST posterioridade
PROB Probabilidade
QUANT Quantificador
REC Recíproco
REFL Reflexivo
REL Relativo
R1 Prefixo relacional de contiguidade
R2 Prefixo relacional de não-contiguidade
SD Sujeito diferente
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................17
0.1 A LÍNGUA E O POVO XIKRÍN ................................................................................................17 0.2 A FAMÍLIA JÊ ............................................................................................................................18 0.3 UM POUCO DE HISTÓRIA DOS XIKRÍN E DOS KAYPÓ ...................................................19 0.4 A EDUCAÇÃO ENTRE OS XIKRÍN DO CATETÉ .................................................................22
0.4.1 A educação Xikrín ................................................................................................................22 0.4.2 A Educação Escolar Indígena ...............................................................................................22
0.5 METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA .......................................................................24 0.6 TRABALHOS ANTERIORES SOBRE O MEBÊNGÔKRE .....................................................25 0.7 ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS ........................................................................................27
CAPÍTULO I – ASPECTOS DA FONOLOGIA DA LÍNGUA XIKRÍN .............................................28
1.1 CONSOANTES ...........................................................................................................................28 1.2 VOGAIS ......................................................................................................................................33
1.2.1 Vogais orais ..........................................................................................................................33 1.2.2 Vogais nasais ........................................................................................................................38
1.3 SÍLABA .......................................................................................................................................39 1.3.1 Estrutura silábica ..................................................................................................................39 1.3.2 Padrões silábicos ..................................................................................................................39
1.4 PROCESSOS FONOLÓGICOS ..................................................................................................46 1.5 CONCLUSÃO .............................................................................................................................49
CAPÍTULO II – MORFOLOGIA ..........................................................................................................50
2.1 NOMES .......................................................................................................................................50 2.1.1 Nomes relativos ....................................................................................................................50 2.1.2 Nomes descritivos ................................................................................................................54 2.1.3 Nomes absolutos ...................................................................................................................57 2.1.4 Propriedades dos nomes .......................................................................................................59
2.1.4.1 Número ..........................................................................................................................60 2.1.4.1.1. Pluralizador me .....................................................................................................60 2.1.4.1.2 Coletivizador õj ......................................................................................................62 2.1.4.1.3 Pluralizador kwə ....................................................................................................63
2.1.4.2 Gênero ...........................................................................................................................64 2.1.5 Morfologia derivacional dos nomes .....................................................................................66
2.1.5.1 Atenuação e intensificação ............................................................................................67 2.1.5.2 Composição ...................................................................................................................70
2.2 PRONOMES ................................................................................................................................77 2.2.1. Pronomes pessoais ...............................................................................................................78 2.2.2 Pronomes Demonstrativo .....................................................................................................84 2.2.3 Pronomes Indefinidos ...........................................................................................................86 2.2.4 Pronomes Reflexivo e Recíproco .........................................................................................90 2.2.5 Palavras interrogativas ..........................................................................................................93
2.3 VERBOS ......................................................................................................................................99 2.3.1 Classes de verbos em Xikrín ................................................................................................99
2.3.1.1 Verbos transitivos bivalentes .........................................................................................99 2.3.1.2 Vebos transitivos trivalentes........................................................................................100 2.3.1.3 Verbos intransitivos monovalentes ..............................................................................100 2.3.1.4 Verbos intransitivos bivalentes....................................................................................101
2.3.2 Temas verbais supletivos ....................................................................................................102 2.3.3 Nominalização ....................................................................................................................105
2.4 POSPOSIÇÕES .........................................................................................................................112
2.5 ADVÉRBIOS .............................................................................................................................116 2.5.1.Classe de advérbios ............................................................................................................116
2.5.1.1 Quantidade...................................................................................................................119 2.5.1.2 Advébio de modo ........................................................................................................119 2.5.1.3 Advérbio de negação ...................................................................................................120 2.5.1.4 Advérbio de tempo ......................................................................................................121
2.6 PALAVRAS QUE SERVEM PARA TRADUZIR NOÇÕES NUMÉRICAS DO
PORTUGUÊS ..................................................................................................................................121 2.7 CONJUNÇÕES .........................................................................................................................123 2.8 PALAVRAS ASPECTUAIS .....................................................................................................125 2.9 PALAVRAS MODALIZADORAS ...........................................................................................126 2.10 INTERJEIÇÃO ........................................................................................................................126 2.11 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................127
CAPÍTULO III – FLEXÃO RELACIONAL .......................................................................................128
3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A FLEXÃO RELACIONAL .................128 3.2 OS PREFIXOS RELACIONAIS DO XIKRÍN E AS CLASSES DE TEMAS
FLEXIONADOS .............................................................................................................................136 3.2.1 Flexão relacional em temas nominais .................................................................................138 3.2.2 Flexão relacional em temas verbais transitivos ..................................................................143 3.2.3 Flexão relacional em temas verbais intransitivos ...............................................................147 3.2.4 Flexão relacional em temas posposicionais ........................................................................150 3.2.5 Flexão relacional em temas nominais, verbais e posposicionais ........................................152
3.3 Algumas considerações finais sobre a flexão relacional em Xikrín ..........................................159
CAPÍTULO IV – PREDICADOS VERBAIS E NOMINAIS EM XIKRÍN ........................................163
4.1 PREDICADOS NOMINAIS .....................................................................................................163 4.1.1 Predicados equativos ..........................................................................................................163 4.1.2 Predicados inclusivos .........................................................................................................164 4.1.3 Predicados possessivos .......................................................................................................165 4.1.4 Predicados existenciais .......................................................................................................167
4.2 PREDICADOS VERBAIS ........................................................................................................168 4.2.1 Predicados verbais intransitivos monovalentes ..................................................................168 4.2.2 Predicados verbais intransitivos bivalentes ........................................................................169 4.2.3 Predicados verbais transitivos bivalentes ...........................................................................170 4.2.4 Predicados verbais transitivos trivalentes ...........................................................................172
4.3 NOMINALIZAÇÕES DE PREDICADOS VERBAIS .............................................................172 4.4 CONCLUSÃO ...........................................................................................................................174
CAPÍTULO V – CONSTRUÇÕES COORDENADAS ......................................................................175
5.1 ORAÇÕES COORDENADAS POR JUSTAPOSIÇÃO ...........................................................175 5.2 ORAÇÕES COORDENADAS POR MEIO DE CONJUNÇÕES.............................................177 5.3 ORAÇÕES COORDENADAS CONJUNTIVAS .....................................................................180 5.4 ORAÇÕES COORDENADAS DISJUNTIVAS .......................................................................182 5.5 ORAÇÕES COORDENADAS ADVERSATIVAS ..................................................................183 5.6 ORAÇÕES COORDENADAS CONCLUSIVAS .....................................................................185 5.7 CONCLUSÃO ...........................................................................................................................186
CAPÍTULO VI – ORAÇÕES SUBORDINADAS ..............................................................................187
6.1 ESTRATÉGIAS DE SUBORDINAÇÃO ..................................................................................187 6.2 ORAÇÕES COMPLETIVAS ....................................................................................................188
6.2.1 Verbo de modalidade ..........................................................................................................189 6.2.1.1. Orações completivas com o verbo -ɔjnɔɾɛ ..................................................................189 6.2.1.2. Orações completivas com o verbo -mɔkɾaj ‘começar’ ...............................................192 6.2.1.3. Orações completivas com o verbo -boj ‘conseguir’ ...................................................195
6.2.1.4. Orações completivas com o verbo -pɾãm ...................................................................198 6.2.2 Verbos de manipulação ......................................................................................................201
6.2.2.1 Orações completivas com o verbo -aɾe ‘dizer’............................................................202 6.2.3 Verbos de cognição-elocução (‘ver’, ‘saber’, ‘pensar’, ‘dizer’ etc.). .................................205
6.2.3.1 Orações completivas com o verbo -mu ‘ver’ ...............................................................206 6.2.3.2 Orações completivas com o verbo -ma ‘saber’ ...........................................................210 6.2.3.3 Orações completivas com o verbo -ɔwagnɔ ‘esquecer’ ...............................................213
6.3 ORAÇÕES ADVERBIAIS ........................................................................................................216 6.3.1 Orações adverbiais temporais .............................................................................................216
6.3.1.1 Orações adverbiais temporais de anterioridade ...........................................................217 6.3.1.2 Orações adverbiais temporais de sucessividade ..........................................................220 6.3.1.2 Orações adverbiais temporais de simultaneidade ........................................................224
6.3.2 Orações adverbiais de finalidade ........................................................................................225 6.3.3. Orações adverbiais condicionais .......................................................................................228 6.3.4. Orações subordinadas condicionais ...................................................................................229 6.3.5 Orações adverbiais temporais-espaciais .............................................................................233 6.3.6 Orações adverbais causais ..................................................................................................237
6.4 ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO .................................................................................240 6.4.1 Atributo do sujeito ..............................................................................................................241 6.4.2 Atributo do objeto direto ....................................................................................................242 6.4.3 Atributo de objeto indireto .................................................................................................244 6.4.4 Atributo do oblíquo ............................................................................................................244
6.5 CONCLUSÃO ...........................................................................................................................245
CAPÍTULO VII – CORREFERENCIALIDADE E ALINHAMENTO ..............................................246
7.1 CORREFERENCIALIDADE EM JUNÇÕES DE ORAÇÕES OU INTERORACIONAIS ....247 7.2 CORREFERENCIALIDADE E RESTRIÇÕES DE ALINHAMENTO ...................................250 7.3 ALINHAMENTO INTRASSENTENCIAL EM XIKRÍN ........................................................251 7.4 CORREFERENCIALIDADE INTRAORACIONAL EM XIKRÍN .........................................258 7.5 NÃO-CORREFERENCIALIDADE INTRAORACIONAL .....................................................261 7.6. CORREFERENCIALIDADE EM OUTRAS LÍNGUAS JÊ ...................................................264 7.7. ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE CORREFERENCIALIDADE SINTÁTICA EM
XIKRÍN ...........................................................................................................................................269 7.8 CONCLUSÃO ...........................................................................................................................271
CAPÍTULO VIII – CONSTRUÇÕES INTERROGATIVA ................................................................272
8.1 PROPRIEDADES FORMAIS E SEMÂNTICO-FUNCIONAIS DAS SENTENÇAS
INTERROGATIVAS .......................................................................................................................272 8.2 CONSTRUÇÕES INTERROGATIVAS POLARES ................................................................273 8.3 CONSTRUÇÕES INTERROGATIVAS DE CONTEÚDO ......................................................282
8.3.1 Palavra interrogativa ɲum ...................................................................................................282 8.3.2 Palavra interrogativa məj ....................................................................................................284 8.3.3 As partículas interrogativas məj e ɲum combinadas com posposições ..............................284 8.3.4 Palavra interrogativa ɲɨj......................................................................................................292 8.3.5 Palavras interrogativas ɲãj e ɲãm .......................................................................................298 8.3.6 Palavra interrogativa məkãm ..............................................................................................300
8.4 CONCLUSÃO ...........................................................................................................................301
CAPÍTULO IX – TEMPO, ASPECTO E MODALIDADE ................................................................303
9.1 ASPECTO ..................................................................................................................................303 9.1.1 Aspecto incompletivo .........................................................................................................303 9.1.2 Aspecto completivo ............................................................................................................304 9.1.3 Aspecto progressivo ...........................................................................................................305 9.1.4 Aspecto recém realizado .....................................................................................................305 9.1.5 Aspecto iterativo .................................................................................................................306
9.1.6 Aspecto frustrativo .............................................................................................................307 9.1.7 Aspecto cessativo ...............................................................................................................307 9.1.8 Aspecto iminente ................................................................................................................308
9.2 MODALIDADE ........................................................................................................................308 9.2.1 Modalidade hortativa ..........................................................................................................308 9.2.2 Modalidade Epistêmica ......................................................................................................309
9.2.2.1 Modalidade assertiva ...................................................................................................309 9.2.2.2 Modalidade não-atestado pelo falante .........................................................................309 9.2.2.3 Modalidade dubitativa .................................................................................................310
9.3 MODO .......................................................................................................................................311 9.3.1 Modo realis – na .................................................................................................................311 9.3.2 Modo irrealis - ʤa .............................................................................................................312 9.3.3 Modo Imperativo ................................................................................................................312
9.3.3.1 Imperativo afirmativos: ...............................................................................................312 9.3.3.2 Imperativo negativo .....................................................................................................314
9.4 CONCLUSÃO ...........................................................................................................................316
CAPITULO X – VOZES VERBAIS ...................................................................................................317
10.1 VOZ REFLEXIVA ..................................................................................................................317 10.2 VOZ MÉDIA ...........................................................................................................................320 10.3 VOZ RECÍPROCA ..................................................................................................................320 10.4 VOZ CAUSATIVA .................................................................................................................322
10.4.1 Construções causativas monooacionais ............................................................................322 10.4.2 Construções bioracionais causativas ................................................................................326
10.5 CONCUSÃO ...........................................................................................................................331
CAPÍTULO XI – CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS ....................................................................332
11. INTRODUÇÃO .........................................................................................................................332 11.1 ESTRATÉGIA COMPARATIVA TIPO S..............................................................................332
11.1.1 Comparação de superioridade ..........................................................................................333 11.1.2 Comparação de inferioridade ............................................................................................335
11.2 COMPARAÇÃO DO TIPO A1 ...............................................................................................337 11.2.1 Construções comparativas de superioridade .....................................................................338 11.2.2 Construções comparativas de inferioridade ......................................................................341
11.3 CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS DE IGUALDADE .....................................................342 11.4 CONCLUSÃO .........................................................................................................................344
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................................345
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................347
ANEXOS..............................................................................................................................................353
17
INTRODUÇÃO
Nesta tese, aprofundamos aspectos gramaticais da língua Xikrín do Cateté ou
mebêngôkre, com foco especial nas classes de palavras, na “Flexão relacional”, nos tipos de
predicados, nos processos de coodenação e subordinação, nas nominalizações e nas
manifestações de alinhamento, assim como nas vozes verbais, sem perder de vista a
necessidade de contribuir para futuros estudos de cunho histórico-comparativo e para a
aplicação dos resultados em prol do ensino da língua nas escolas das aldeias.
Apesar de a língua Mebêngôkre já contar com três dissertações de mestrado, uma
tese de doutorado e vários artigos que abordam aspectos de sua fonologia e morfossintaxe, há
vários aspectos de sua gramática que precisam ser aprofundados e outros descritos pela
primeira vez. Merecia aprofundamento, por exemplo, a natureza e funcionamento do
fenômeno de switch reference, as escolhas que os falantes fazem pelas formas longas e curtas
dos verbos e as implicações dessas escolhas na interação linguística; as estratégias usadas
pelos falantes Xikrín para expressar o que em línguas como o Português e Inglês é chamado
de orações relativas, adverbiais e substantivas, o uso das partículas modalizadoras aléticas e
epistêmicas, os tipos de perguntas, as diferentes vozes verbais, dentre outros. Sobre elementos
ainda não descritos destacam-se os nomes dinâmicos, os tipos de causativização, a semântica
de certas posposições, dentre outros.
0.1 A LÍNGUA E O POVO XIKRÍN
A língua Xikrín, falada pelo povo conhecido pelo mesmo nome atribuído à língua,
foi classificada como uma variante dialetal da língua Kayapó, pertencente à família Jê
(Rodrigues 1986, 1999).
O povo Xikrín vive em duas Terras Indígenas, a T.I. Cateté e a T.I. Trincheira
Bacajá, no estado do Pará. A Terra Indígena Trincheira Bacajá faz fronteira, a leste, com as
rodovias Belém-Brasília (BR-010) e PA-150, na altura de Redenção e, a sudoeste, limita-se
com a sede do município de São Felix do Xingu1. De acordo com o censo da de 2012 da DSEI
Altamira (Beltrame, em comunicação pessoal), a população Xikrín é de aproximadamente 806
indivíduos. Já os Xikrín do Cateté compreendem uma população de aproximadamente 1.311
1 As informações sobre os limites da Terra Indígena Trincheira Bacajá foram retiradas do site:
http://cggamgati.funai.gov.br/index.php/experiencias-em-gestao/terra-indigena-trincheira-bacaja, acesso em 26
de maio de 2015, às 17h24.
18
pessoas (cf. APINAGÉS, 2013, p. 9), distribuídas em três aldeias na Terra Indígena Xikrín do
Cateté, que incide no município de Parauapebas, sudeste do Estado do Pará.
Segundo Beltrame (2013, p. 21), até o ano de 2000, os Xikrín do Bacajá viviam em
duas aldeias, Bacajá e Trincheira. A partir daquele ano, começaram as cisões no grupo, que
resultou na fundação de outras aldeias. Atualmente, vivem em oito aldeias: Pykaikà, Krajn,
Kamokti-Kô, Potikrô, Kenkudjôi, Ptakô, Bacajá e Mrotidjãm, todas estabelecidas às margens
e ao longo do rio Bacajá, um dos afluentes do rio Xingu. A Terra Indígena Cateté incide na
zona rural do município de Parauapebas, sudeste do estado do Pará. Entre os anos de 1964 a
1990, viviam numa só aldeia (cf. GORDON 2006, p. 105). Vivem atualmente em três aldeias:
Cateté, Djudjêkô e Ô’odjãm, à margem esquerda do rio Cateté, tributário do Itacaiúnas,
afluente médio do rio Tocantins. A aldeia Cateté ou Pykatingrà2 é a maior e mais antiga. Nela
vivem aproximadamente 727 habitantes. A aldeia Djudjekô3, com aproximadamente 465
habitantes, fica a 18 km da aldeia Cateté. Por fim, a aldeia Ô’ôdjà4 conta com uma população
estimada em 119 indivíduos.
Embora os Xikrín do Cateté vivam em três aldeias distintas e possuam organização
política própria5, eles se identificam como um único povo, em relação, por exemplo aos
Xikrín do Bacajá - que reconhecem como parentes – e aos Kayapó. Essa distinção fica
evidente quando perguntamos se eles falam a mesma língua que os Kayapó. A resposta é
imediata: “- Não! Falamos Xikrín e eles falam Kayapó”. Com os Kayapó, o sentimento é o
mesmo. Embora Xikrín e Kayapó, do ponto de vista estritamente linguístico tenham sido
considerados falantes de variedades da mesma língua, as diferenças diatópicas da língua
mebêngôkre falada por um e outro grupo indígena servem de argumento para corroborar a
ideia que ambos são povos distintos.
0.2 A FAMÍLIA JÊ
Segundo Rodrigues (1986, p. 56), a família Jê é a maior constituinte do Tronco
Macro-Jê. Os membros desta família se estendem do sul do Maranhão e do Pará, passando por
Tocantins, Goiás, atingindo os estados de São Paulo e Santa Catarina, até alcançar o estado do
2 O Vocábulo Pykatingrà é formado por meio de dois processos, derivação de pyka ‘terra’ + -ti ‘intensificador’ e,
posteriormente, a composição de pykati +ngrà ‘seco’, formando o vocábulo pykati ‘praia’. 3 Djudjekô é formado a partir do tema Djudjê ‘tipo de pau usado na confecção do arco’ e –kô ‘sufixo que designa
um conjunto de elementos da mesma espécie’. 4 Os professores com quem traduzi alguns texto Xikrín, não conseguiram me dizer o significado do termo
Ô’ôdjà, alegando que precisariam perguntar aos velhos detentores desse conhecimento. 5 Para mais informações a respeito, consultar Gordon 2006.
19
Rio Grande do Sul. Rodrigues agrupa a família em três subgrupos: Jê do Norte, jê do Centro e
Jê do Sul, conforme o quadro abaixo extraído de Rodrigues (Ibidem):
Quadro 1 –As línguas da família Jê. (RODRIGUES, 1986, p.56)
Norte Centro Sul
1. Timbíra Ramkókamekra,
Apâniekra, krinkati, pukobyé e krenjé,
Parkateje, Krahô;
3. Apyanjé
4. Kayapó: kubenkrankegn,
kubenkrangnoti, kokraimoro, Gorotíre,
Xikrín, Txukahamãe;
5. Panará;
6. Suyá (Tapayuna)
7. Xerente;
8. Xavante;
e Xakriabá
9. Kaingáng;
10. Xokléng
Além das línguas descritas no quadro acima, Rodrigues (ibidem) agrupa, como
pertencente a esta família, as línguas já mortas Jairó – antes falada no Piauí -, Xakriabá e
Akroá – Jê Central -, e Igain – Jê do Sul.
0.3 UM POUCO DE HISTÓRIA DOS XIKRÍN E DOS KAYPÓ
O nome Kayapó ainda carece de uma etimologia convincente. O registro do uso
deste termo data da segunda metade do século XVII para designar os índios “Bilreiros” ou
Kayapó Meridionais, os quais atacavam, à época, primordialmente a região da Companhia de
Goiás (cf., por exemplo, Turner (1966, p. 7), Chain (1974, p. 126), Arnaud (1989, p.433). Esta
designação é atribuída também aos Kayapó Setentrionais ou “Gradaús do Sertão’- que
habitavam a região compreendida entre o Tocantins e o Araguaia e que foram considerados
por Cunha Matos como descendentes dos Kayapó Medidionais (TURNER, 1966, p. 2).
Outros pesquisadores, como, por exemplo, Castelnau (1944) afirma serem os Kayapó
20
Setentrionais um grupo oriundo dos Meriodionais. A ideia de que os Kayapó Setentrionais
eram uma ramificação dos Meridionais se desfez após estudos sobre os dialetos, a história e a
cultura desses grupos, cujos resultados mostraram que, não obstante terem uma mesma
ascendência genética, são muito diferentes e não podem, portanto, ser consideradas como
tendo sido derivadas uma da outra (cf. NIMUENDAJÚ, 1952, p. 427). Para ratificar que são
grupos com origem distintas, afirmamos com Turner (1966) que “depois de um “survey
glotocronológico”, percebemos que os Kayapó Meridionais estão afastados pelo menos há
onze séculos dos Suyá e dezenove dos Kayapó Setentrionais”.
Com base em estudos, como os de Coudreau (1897), Frikel (1968), Nimuendajú,
(1952), Simões (1963), Turner (1966) e Vidal, (1977), é possível afirmar que na década de
1850 os Kayapó Setentrionais já estavam divididos em três grandes grupos, os Xikrín (Pore-
kru, Kokorekre-Diore e Put-Karot), Irã-amkrãire (Gradaús ou Kayapó do Araguaia) e
Gorotíre. Vidal (1977) esclarece que os Kayapó têm como grupo ancestral os Goroti-kumrem,
dos quais surgiram dois grandes grupos: Pore-kru e Gorotire. Devido a questões de disputas
políticas e outros conflitos internos, o grupo Pore-kru se cinde em dois, os Put-Karôt e os
Kokorekre. Os Put-Karôt, mais tarde, se subdividem em Xikrín do Cateté e Xikríin do Pacajá.
Dos Kokorekre, originou-se o grupo Djore, já extinto devido a epidemias e confrontos
armados com as frentes regionais.
Atualmente, a despeito de se considerarem um grupo distinto dos Kayapó, os Xikrín
estabelecem com eles uma relação amistosa: há constantes visitas entre as aldeias, há
casamentos entre eles, há incorporação de objetos da cultura material intergrupal. Além disso,
compartilham alguns traços socioculturais como a organização da aldeia de modo circular
com a casa dos homens ngà no centro, o corte de cabelo característico da etnia, que consiste
em raspar a parte central da cabeça do início da testa até o meio da cabeça.
Seminômades tradicionais, os Xikrín alternavam tempo-espaço-aldeia e tempo-
espaço-floresta. O tempo-espaço-aldeia era o momento em que os Xikrín ficavam na aldeia e
consumiam principalmente o que produziam em suas roças familiares ou coletivas, o que
caçavam, pescavam ou coletavam nas proximidades de sua aldeia. O tempo-espaço-floresta
consistia na perambulação da comunidade pela floresta por longos meses, durante os quais
coletavam e caçavam. Concordamos com Turner (1992) quando pondera que o modo de
organização da vida comunitária em dois momentos distintos não pode ser visto como mero
meio de prover a subsistência do grupo, mas deve ser considerado em função de sua dinâmica
21
sociopolítica, bem como meio de inserção e interação das crianças e jovens Xikrín no
universo Mebêngôkre.
Como atualmente vivem em Terra Indígena demarcada em torno da qual há grandes
áreas de fazenda, os Xikrín não fazem mais expedições tão longas. Quando vão à floresta,
geralmente por ocasião de alguma festa tradicional, ficam no máximo duas semanas. Nessas
expedições atuais, é muito raro a presença de crianças e mulheres. Quando retornam da
expedição, trazem caça de toda natureza: porcão, jabuti, veado, paca, tatu, arara, macaco, etc.
No período da chuva, geralmente de janeiro a março ou abril, vão à floresta para coletar
castanha do Pará, fruto que comercializam atualmente com um comprador de Redenção que
lhes paga um preço relativamente justo e ainda vai buscar o produto na própria aldeia,
diminuindo os custo dos Xikrín que até então tinham que escoar o produto de barco pelo rio
Cateté e Itacaiúnas até chegar a um local denominado Caldeirão, localizado na unidade de
conservação da Flona de Carajá, de onde seguiam de caminhão por mais ou menos duas horas
até chegarem no núcleo urbano de Carajás.
Atualmente, o consumo de alimentos industrializados e o intenso consumo de açúcar
têm gerado sérios problemas à saúde dos Xikrín do Cateté, como os inúmeros casos de
pessoas com diabetes. Há necessidade urgente de realização de campanhas educativas que
esclareçam sobre o consumo de alimentos industrializados e o perigo que podem causar à sua
saúde. Outro ponto importante a ser levantado está relacionado ao tratamento que devem dar
ao lixo que acumulam na aldeia atualmente. Acreditamos que cabe ao poder público abraçar a
causa e estabelecer parcerias com setores/agentes que atuam nas comunidades para tentar
minimizar os danos que o consumo desenfreado de produtos industrializados têm causado à
comunidade Xikrín do Cateté. Uma boa opção seria engajar os professores indígenas e não
indígenas, a equipe da saúde que atua nas aldeias em projetos escolares que visem à
elaboração de cartilhas educativas com o objetivo de conscientizar a comunidade estudantil
para que repassem aos parentes informações sobre a importância de uma alimentação
saudável e do tratamento adequado que deve ser dado ao lixo acumulado nas aldeias, evitando
assim, por exemplo, a poluição dos rios e consequente morte dos peixes e o aumento da
escassez desse alimento para a comunidade.
22
0.4 A EDUCAÇÃO ENTRE OS XIKRÍN DO CATETÉ
0.4.1 A educação Xikrín
A educação indígena, como já é fato conhecido, é um processo por meio do qual os
membros mais velhos da comunidade repassam aos seus membros mais jovens e estes
internalizam seu próprio modo de ser, sua cosmovisão, garantindo que sua cultura seja
fortalecida com as novas gerações independentemente de agentes externos como a escola e os
meios de comunicação da sociedade que os cerca. Na perspectiva da educação Xikrín,
apreende-se o conhecimento de oitiva e na vivência. Aprende-se a fazer uma flecha, um arco,
uma borduna, pelo processo de observação e depois pelo brincar de confeccionar tais produtos
sem, contudo, ter-se a obrigação do fazê-lo perfeito, sob pena de alguma sanção como é o
caso da educação escolar que a cada atividade feita pelo aluno, lhe é imputado uma nota, um
conceito, rotulando-o numa escala que em um dos polos há o aluno “excelente/nota 10” e em
outro o aluno “insuficiente, rude, com dificuldade intelectual ou cognitiva”. A educação entre
os Xikrín se dá assim: os pais, tios, avós transmitem às crianças seus valores socioculturais e
políticos ao longo de anos, seja em casa, seja na frente de casa à noitinha, próximo a uma
fogueira, seja no Ngà, durante reuniões formais, seja em expedições para coleta, pesca e caça.
A tarefa dos aprendizes é observar, prestar atenção, e depois “treinar” por meio de
brincadeiras relacionadas à alguma atividade que viram algum parente fazendo. Este fato pode
ser corroborado com o depoimento do professor Katop-Ti Xikrín sobre as tarefas ou
atividades das crianças na sociedade Xikrín do Cateté, em outubro de 2014 na própria aldeia
quando estivemos lá ministrando oficina de fonética e fonologia com vistas à elaboração do
sistema de escrita Xikrín: “...mepɾiɾe ɲõ kukɾy ʤà mepɾiɾe ɾum ami kɾa ‘ôk mã kaɾõ mebôktiɾe
djwyi na me pɾi ɾum na me kadjy ami mã kaɾõ.. Kra kadjy ami mã bà kãm te mã kaɾõ”
6.
0.4.2 A Educação Escolar Indígena
A educação escolar indígena consiste na introdução de agentes externos à cultura
autóctone. Está relaciona à nova realidade por que passa a grande maioria das comunidades
indígenas no Brasil: o contato com a sociedade hegemônica. A educação escolar indígena é o
espaço de aquisição e aprendizagem do conhecimento universal de base europeia ocidental.
6 As atividades das crianças. Desde cedo, as crianças (meninas) brincam de se pintar. Os meninos também desde
cedo brincam de ir caçar para (alimentar) seus filhos.
23
Qualquer iniciativa de implantação de educação escolar indígena deve ser pautada levando-se
em consideração que a comunidade indígena (a) fala uma língua diferente do português, (b)
tem características socioculturais diferentes das ocidentais e (c) tem estratégias de assimilação
de conhecimento peculiares. Esses fatores nos levam ou devem nos levar a pensar uma escola
indígena bilíngue, diferenciada e específica.
No que se refere à educação escolar entre os Xikrín, sabemos que o primeiro
segmento do ensino fundamental (1o ao 5
o ano) foi implantado na aldeia ainda na década de
80, então sob a responsabilidade da FUNAI. O ensino do 5o ao 9
o ano só foi implantado em
2004 na aldeia Cateté. Atualmente, em todas as três aldeias há escolas funcionando do 1o ao
9a ano, sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação do município de
Parauapebas. Segundo o discurso oficial, as escolas são bilíngues e desenvolvem práticas de
ensino e aprendizagem diferenciadas e específicas. Entretanto, basta uma ida à aldeia e uma
visita a qualquer uma das turmas em aula que se constata lamentável situação diglóssica da
língua portuguesa em detrimento da língua materna e total invisibilização da língua materna
no espaço escolar, exceto, é óbvio, pelos professores indígenas.
É oportuno salientarmos que os Xikrín são todos, sem exceção, falantes fluentes de
sua língua materna. Contrariamente às pesquisas sobre aquisição de língua, que asseveram ser
muito mais fácil à criança ser alfabetizada em língua materna para só depois iniciá-la no
processo de ensino e aprendizagem de uma segunda língua, o que se observa, nas escolas das
aldeias Xikrín do Cateté, são professores alfabetizando “incrivelmente” as crianças em língua
portuguesa, língua da qual aquelas crianças sequer falam duas ou três palavras. Como
resultado dessa prática que vai na contramão do que se espera da educação escolar indígena,
há o desinteresse, a evasão escolar, que são perfeitamente justificáveis e esperados diante de
uma visão tão equivocada de ensino e aprendizagem em contextos bilíngues.
Felizmente, os professores indígenas, preocupados com o papel e a real função da
escola nas aldeias, têm questionado esse modelo de educação e demandado da Secretaria
Municipal de Educação um modelo de educação escolar que privilegie a aquisição de
conhecimento ocidental, e da língua portuguesa, porém sem ofuscar o conhecimento
tradicional e relegar a língua materna apenas às práticas de oralidade fora do ambiente
escolar. Essa mobilização dos professores Xikrín resultou, entre outros, na própria mudança
de status que lhes era dado pela Secretaria Municipal de Educação: de meros “monitores”
foram promovidos a professores indígenas com todo o mérito, diga-se de passagem. Os
professores têm reivindicado junto ao Setor de Educação Indígena da Secretaria Municipal de
24
Educação, a alfabetização em língua materna e a elaboração de material de apoio ao
ensino/aprendizagem da língua Xikrín. Estes professores Xikrín nos procuraram em agosto do
ano passado e solicitaram que fizéssemos uma oficina de fonética e fonologia para que eles
pudessem discutir e criar, com nossa assessoria, o sistema de escrita da língua Xikrín do
Cateté. Em outubro, ministramos a oficina na aldeia. Após muita discussão, debate, decidiram
estabelecer um sistema ortográfico, que apresenta algumas diferenças daquele usado pelos
Kayapó, que também reformularam seu sistema de escrita por não concordarem com o
modelo imposto anteriormente7.
0.5 METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA
A metodologia empregada na pesquisa que fundamentou esta tese consistiu em coleta
de dados elicitados, seguindo questionários pré-elaborados em função dos tópicos
investigados, mas também de coleta de relatos, conversas e outros atos de fala naturais. Os
dados elicitados se constituem de listas de palavras sobre vocabulário básico, vocabulários
especializados sobre fauna, flora, corpo humano, frases e sentenças com foco em aspectos
gramaticais específicos. Os dados naturais se constituem de textos descritivos, míticos,
instrutivos, relatos do cotidiano, conversas telefônicas, conversas na escola, na roça, entre
outros. Essas coletas foram realizadas durante viagens de campo e durante o tempo em que
trabalhei na aldeia como professor de Língua Portuguesa em 2004. A pesquisa foi gravada em
vídeo, em áudio e documentada também por meio de fotografias, e esse material integra o
acervo do banco de dados de Línguas Indígenas do Laboratório de Línguas e Literaturas
Indígenas (LALLI) da Universidade de Brasília. Somam mais de 100 horas de gravação,
coletadas desde o ano de 2001 até o ano em curso.
A análise descritiva se pautou em procedimentos de contraste e identificação de
variações e de distribuição complementar. As noções universais foram referências para que
buscássemos, na prática, entender como elas funcionam em Xikrín.
7 Em novembro de 2014, fui convidado pela professora Maria Trocarelli (pedagoga) e Camila Beltrame
(antropóloga) a participar do segundo curso de formação de professores Kayapó, realizado entre os dias 21 a 29
de novembro na aldeia Pyka Rãrãkre, que incide no município de São Felix do Xingu. O curso contou com a
participação de 40 professores Kayapó de quase todas às aldeias da região sul e sudeste do Pará. Traballhamos
noções de fonética e fonologia, a relação entre som e letra e muitas atividades pedagógicas. Como resultado
deste curso, os Kayapó produziram um livro de alfabetização na língua materna, que em breve será publicado e
auxiliará no ensino d aprendizagem da língua materna em suas aldeias.
25
0.6 TRABALHOS ANTERIORES SOBRE O MEBÊNGÔKRE
Uma das primeiras contribuições para o conhecimento dessa língua foi a de Paul
Ehrenreich, que publicou em 1894, na Zeitschrift für Ethnologie (Berlim), o trabalho
intitulado “Die Sprache der Cayapo (Goyaz)”. Essa publicação contém material linguístico de
dois dialetos do Kayapó, o dialeto ‘Cradaho’ e o dialeto ‘Uchikring’. Outra contribuição é
“Ensaio de grammatica Kaiapó” de Antonio Maria Sala (1920), publicada na Revista do
Museu Paulista. Nesse trabalho, o autor Sala elabora um vocabulário em Português-Francês-
Kayapó (pp. 405-429). Nimuendajú (1932) coletou uma lista de palavras do Kayapó do médio
Xingu e a comparou com dados de Socrates, Ehrenreich, Coudreau, Krause e Sala. Em 1934,
Hugo Mense publicou, na revista Santo Antonio, Provinzzeitschrift der Franziskaner in
Nordbrasilien, um pequeno vocabulário Kayapó. Schmidt reuniu em “Los Kayapó de Matto-
Grosso”, os poucos dados existentes, até então, sobre os Kayapó localizados entre o
Paranatinga e a parte superior da Bacia do Xingu (1947). Stout e Thomson (1974)
apresentaram três artigos sobre a língua Kayapó. No primeiro, “Elementos proposicionais em
Kayapó”, tratam da estrutura das orações Kayapó de acordo com a teoria semântica gerativa,
tomando, como aporte teórico, Fillmore (1968), Donald Frantz (1970) e Hall (1969). O ensaio
está organizado em três partes. Aprimeira parte é dedicada à fundamentação teórica; a
segunda, trata da estrutura profunda ou a casos existentes na língua; a terceira, discute a
respeito da estrutura de superfície ou de constituintes e o esquema das relações entre a
estrutura subjacente e a de superfície. Os autores discutem a respeito dos tipos de predicados
na língua, definindo-os em termos de papéis semânticos que expressam relações existentes na
estrutura subjacente. No segundo, “Modalidades em Kayapó”, discutem a categoria
gramatical modalidade que são adicionadas a um tema nuclear, isto é, a proposição, de modo
a fornecer coerência e relevância ao discurso global de qualquer tipo. Com este estudo, os
autores pretendem descrever os elementos de modalidade na língua Kayapó os quais, segundo
os autores, fornecem a base para os estudos do discurso. Apresentam três tipos de modalidade
: modalidade de orientação, de conexão e de conceito. No último, “Fonêmica Txukuhame i”,
descrevem o sistema fonológico do “Txukuhame i” (Txukahamãe), uma variedade da língua
Kayapó falada no alto Xingu. Jefferson (1980) publicou uma “Gramática pedagógica
Kayapó”, destinada ao aprendizado dessa língua por falantes de Português, com várias
observações culturais sobre os Kayapó. Em 1991, Trevisan & Pezzotti (1991) publicaram o
que eles designaram “Dicionário Kayapó-Português - Português-Kayapó”, em que esboçam
um quadro dos fonemas da língua Kayapó, além de algumas explicações sobre a pronúncia
26
dos vocábulos. Borges escreveu uma dissertação de mestrado sobre “Aspectos da
morfossintaxe do sintagma nominal na língua Kayapó” (UnB, 1995), em que tratou dos
nomes em relações genitivas, mostrando evidências para a existência de prefixos relacionais
em Kayapó, e publicou no ano seguinte um artigo sobre o mesmo assunto (BORGES, 1996).
Reis Silva e Salanova (2000) discutem a codificação de argumentos em Mebêngôkre e
consideram que a mesma está condicionada à finitude ou à não-finitude do núcleo do
predicado verbal. Salanova (2001), em “A nasalidade em Mebengokre e Apinayé: o limite do
vozeamento soante”, propõe um ensaio a respeito dos sistemas fonológicos de Mebêngokre e
Apinayé e inicia uma discussão sobre a noção de sistema fonológico. Esboça aspectos dos
sistemas fonológicos dessas línguas. Reis Silva (2001), em “Pronomes, ordem e ergatividade
em Mebengokre (Kayapó)”, sugere que o fenômeno da ergatividade naquela língua está
condicionado à forma não-finita do verbo.
Costa (2002) apresenta o artigo intitulado “Prefixos relacionais no Xikrín”, em que
mostra os prefixos que flexionam temas nominais para indicar suas relações de dependência e
de contiguidade sintática com seus determinantes. Em “Notas sobre ergatividade em Xikrín”,
Cabral, Rodrigues e Costa (2001[2004]) fazem uma breve apresentação das classes de temas
verbais, dos prefixos relacionais e dos marcadores de pessoa em Xikrín e, em seguida,
descrevem uma cisão entre alinhamento nominativo-absolutivo e ergativo-absolutivo
condicionada pela modificação circunstancial dos predicados. “Xikrín e línguas Tupí-
Guaraní: marcas relacionais”, Cabral & Costa (2001[2004]) mostram alguns paralelismos
gramaticais entre a língua Xikrín e as línguas Tupí-Guaraní, como a expressão de posse
indireta e o sistema de relacionais, inclusive o mofema me- que em Xikrín, indica que o
determinante é genérico e humano. Os autores asseveram que esses paralelismos podem
constituir evidências adicionais para a proposta de existência de afinidades entre Jê e Tupí,
proposta por Rodrigues (1985, 1992). Em 2003, Costa publica sua dissertação de mestrado
intitulada “Flexão relacional, marcas pessoais e tipos de predicados em Xikrín: contribuição
para os estudos sobre ergatividade em línguas Jê”. Nesse estudo, o pesquisador discute sobre
as classes de palavras e os tipos de predicados na língua Xikrín e mostra que, nas orações
independetes do Xikrín, o agente de verbos transitivos e o argumento interno de verbos
instransitivos ativos são marcados pelas mesmas formas pessoais, ao passo que o argumento
interno de verbos transitivos é marcado por uma série pronominal distinta, a mesma que
codifica o possuidor e o complemento de posposição. O estudo também mostra que, quando o
núcleo do predicado é modificado por uma expressão adverbial, ou quando é núcleo de
orações completivas ou de orações relativas, há uma cisão no alinhamento. O objetivo
27
principal da dissertação é mostrar que a cisão está relacionada à natureza nominal ou verbal
dos núcleos dos predicados. No artigo intitulado “Pessoa e número: estratégias de combinação
em Xikrín, Costa (2007) mostra como os indivíduos Xikrín fazem uso das marcas pessoais,
combinando-as ou não com outras partículas, para indicar os participantes da interação verbal.
Mostra também que essa língua distingue a 1ª pessoa inclusiva (falante e ouvinte) da 1ª pessoa
exclusiva (falante e um terceiro, excluindo o ouvinte), seja no dual, no paucal ou no plural, e
não apresenta forma pronominal para a 3ª pessoa. Este estudo é relevante por mostrar que a
língua Xikrín especifica claramente os participantes da interação verbal sem produzir um
enunciado ambíguo no que diz respeito a quem participa da interação verbal. Mais
recentemente, Em “nominalizations and aspect”, Salanova (2007) discute alguns pontos
acerca de nominalizações e ergatividade em mebêngôkre. Em 2010 é publicado na Revista
Brasileira de Linguística antropológica o artigo intitulado “Correferencialidade sintática e
alinhamento em Xikrín do Cateté” ( COSTA, XIKRIN e CABRAL, 2010, p. 285-308). Neste
artigo os autores descrevem as principais estratégias para expressar referência compartilhada
ou disjunta através de fronteiras de orações unidas por parataxes ou hipotaxes.
0.7 ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS
Esta tese é composta de uma introdução e onze capítulos, que tratam de aspectos
gramaticais da língua Xikrín do Cateté. A introdução traz informações sobre o povo, a língua
e metodologia de pesquisa e notas sobre a educação escolar indígena entre os Xikrín do
Cateté. O capítulo 1 apresenta uma breve descrição de aspectos da fonologia da língua Xikrín.
O capítulo 2 discute a respeito das classes de palavras existentes nessa língua. O capítulo 3
discorre sobre o fenômeno da flexão relacional. O capítulo 4 descreve os tipos de predicados
em Xikrín. Os capítulos 5 e 6 são descrevem as construções coordenadas e subordinadas
respectivamente. O fenômeno da correferencialidade é analisado no capítulo 7. O capítulo 8
descreve as construções interrogativas do Xikrín. O capítulo 9 discute sobre as categorias
gramaticais de tempo, aspecto e modalidade e o capítulo 10 descreve as vozes verbais. O
capítulo 11 encerra a tese com a descrição das estratégias da construções comparativas em
Xikrín.
28
CAPÍTULO I – ASPECTOS DA FONOLOGIA DA LÍNGUA XIKRÍN
Neste capítulo apresentamos uma breve descrição de aspectos da fonologia
segmental da língua Xikrín do Cateté, em parte, com base nos princípios estruturalistas de
Pike (1947), em parte tendo como referência um literatura diversificada que contempla noções
fundamentais para uma análise fonológica segmental, como as noções de classes naturais,
processos fonológicos, entre outros. A seção 1.1 descreve os segmentos consonânticos e a
seção 1.2, os segmentos vocálicos. A seção 1.3 trata de aspectos da fonologia prosódica e a
seção 1.4 descreve alguns processos fonológicos da língua Xikrín do Cateté. A seção 1.5
finaliza o capítulo com uma breve conclusão.
1.1 CONSOANTES
A análise dos dados a partir de suas carcaterísticas fonéticas, com base em contrastes
de pares mínimos e análogos, e observadas as restrições de ocorrência e distribuição dos
segmentos, permitiram a depreensão de 16 segmentos fonológicos consonantais. A produção
dos fonemas consonantais distingue cinco pontos de articulação – labial, alveolar, palatal,
velar e glotal – e cinco modos de articulação – oclusivo, africado, nasal, flepe e aproximante.
No quadro seguinte apresentamos os fonemas distribuídos de acordo com os traços que
marcam a sua configuração fonética:
Quadro 2 – Consoantes do Xikrin
Labial Alveolar Palatal Velar Glotal
Oclusivas p b t d k g ʔ
Africadas ʧ ʤ
Nasais m n ɲ ŋ
Flepe ɾ
Aproximantes w j
Os dados a seguir comprovam o caráter distintivo dos/ fonemas consonantais com
base em contrastes de pares mínimos ou análogos
29
001. /p/ e /b/
a. /pa/ ‘mão’
/ba/ ‘eu’
b. /pi/ ‘pau’
/bi/ ‘matar’
c. /bo/ ‘palha’
/pɔ/ ‘achatado’
d. /põ/ ‘lavar’
/bõ/ ‘grama’
002. /b/ e /w/
a. /ba/ ‘eu’
/wa/ ‘dente’
b. /bã/ ‘coruja’
/bɛ/ ‘partícula exclativa’
c. /kaba/ ‘arrancar’
/kawa/ ‘pilão’
003. /p/ e /w/
a. /wa/ ‘dente’
/pa/ ‘braço’
004. /p/ e /m/
a. /pa/ ‘braço’
/ma/ ‘figado
b. /pi/ ‘pau’
/mi/ ‘jacaré’
c. /põ/ ‘lavar’
/mõ/ ‘ir/vir.pl’
d. /pɔ/ ‘achatado’
/mɔ/ ‘veado’
30
005. /m/ e /w/
a. /ma/ ‘figado
/wa/ ‘dente’
006. /m/ e /b/
a. /mi/ ‘jacaré’
/bi/ ‘matar’
b. /ma/ fígado’
/ba/ ‘eu’
c. /me/ ‘atirar’
/be/ ‘mostrar’
d. /kumã/ ‘para ele’
/kubã/ ‘cheirar’
007. /t/ e /d/
a. /t/ ‘morrer’
/d/ ‘ai!’
008. /n/ e /d/
a. /n/ ‘novo’
/d/ ‘ai!’
009. /d/ e /t/
a. /aduj/ ‘algo curto, sem continuidade’
/atu/ ‘barrida de você’
31
010. /ɾ/ e /d/
/ɾ/ ‘comprido, longo’
/d/ ‘ai!’
011. /ɾ/ e /t/
a. /tɨ/ ‘morrer’
/ɾɨ/ ‘longo’
b. /te/ ‘carrapato’
/ɾe/ ‘nadar’
c. /tɛ/ ‘perna’
/ɾɛ/ ‘atenuativo’
012. /n/ e /ɲ/
a. /na/ ‘chuva’
/ɲa/ ‘morder’
b. /i.nõ/ ‘eu estou deitado’
/i.ɲõ/ ‘meu pertence’
c. /ka.ɲe/ ‘atrapalhar’
/ka.ne/ ‘estar.doente’
013. /ʧ/ e /ɲ/
a. / ʧa/ ‘ descontentamento (interjeição)’
/ɲa/ ‘morder’
014 /ʧ/ e /ʤa/
a. /ʧa/ ‘ descontentamento (interjeição)’
/ʤa/ ‘estar.em pé’
32
015. /ʤa/ e /ɲ/
a. /ʤj/ ‘doce’
/ɲj/ ‘picapau’
016. /ŋ/ e /n/
a. /ŋ/ ‘casa dos homens/
/n/ ‘sim/
b. /ŋɔ/ ‘molhado’
/nɔ/ ‘olho’
c. /ŋɨ/ ‘barro’, ‘lama’
/nɨ/ ‘novo’
017. /ŋ/ e /k/
a. /ŋ/ ‘casa dos guerreiros’
/k/ ‘canoa, cesta’
b. /ŋɾa/ ‘paca’
/kɾa/ ‘filho’
c. /ŋɾɛ/ ‘cantar’
/kɾɛ/ ‘plantar’
d. /ŋɨ/ ‘barro’
/kɨ/ ‘viajar’
018. /k/ e /g/
a. /kuka/ ‘testa’
/kuga/ ‘assar’
b. /kaj/ ‘coelho’
/ga/ ‘você’
33
019. /ŋ/ e /g/
a. /ŋ/ ‘casa dos guerreiros’
/ga/‘ ‘você
020. /ʔ/
a. /ʔõ/ ‘algo’
/õ/ ‘posse’
b. /ʔi/ ‘osso’
/i/ ‘eu’
c. /ʔo/ ‘folha’
/o/ ‘fruto’
d. /kuʔe/ ‘estar.em.pé.pl’
/kue/ ‘furúnculo’
1.2 VOGAIS
1.2.1 Vogais orais
Foram depreendidas 16 vogais fonológicas no Xikrín, em concordância com estudos
anteriores do Mebêngôkre (Stout & Thomson 1974).
Quadro 3 – Vogais orais do Xikrin
Anterior Central Posterior
Alto i ɨ u
Médio-fechado e ə o
Médio-aberto ɛ ʌ ɔ
Baixo a
34
O inventário vocálico exposto, tem como base os contrastes existes nos pares mínimos
ou análos exemplificados a seguir:
021. /i/ e /e/
. a. /ti/ ‘intensivo/
/te/ ‘carrapato’
b. /be/ ‘essivo’
/bi/ ‘somente’
c. /i/ ‘eu’
/e/ ‘lixo’
022. /ɨ/ e /i/
a. /kɨ/ ‘engatinhar’
/ki/ ‘forno’
b. /bɨ/ ‘pegar’
/bi/ ‘somente’
c. /tɨ/ ‘morrer’
/ti/ ‘intensivo’
d. /nɨ/ ‘novo’
/ni/ ‘fêmea’
023. /e/ e /ɛ/
a. /te/ ‘carrapato’
/tɛ/ ‘perna’
b. /be/ ‘essivo’
/bɛ/ ‘exclamação’
c. /kane/ ‘doença’
/kanɛ/ ‘tratar.doença’
35
024. /ɨ/ e /ə/
a. /mɨ/ ‘pênis’
/mə/ ‘pegar?’
025. /ʌ/ e / ə/
a. /mʌ/ ‘dobrar a esquina’
/mə/ ‘pegar’
b. /ʌɾʌ/ ‘assado’
/əɾə/ ‘direcional’
026. /ʌ/ e /a/
a. /mʌ/ ‘dobrar a esquina’
/ma/ ‘fígado’
b. /nʌ/ ‘sim’
/na/ ‘chuva’
c. /bʌ/ ‘floresta’
/ba/ ‘eu’
d. /kʌɲe/ ‘beliscar’
/kaɲe/ ‘atrapalhar’
027. /ə/ e /o/
a. /inəj/ ‘cuspe dele’
/ino/ ‘tórax dele’
b. /təj/ ‘forte’
/to/ ‘esticar’
36
028. /ʌ/ e /ə/
a. /kʌ/ ‘canoa’
/mə/ ‘pegar’
b. /bʌ/ ‘floresta’
/be/ ‘essivo’
029. /ʌ/ e /ɔ/
a. /pʌt/ ‘tamanduá’
/kɔt/ ‘sei lá’
b. /nʌ/ ‘sim’
/nɔ/ ‘olho’
030. /o/ e /ɔ/
a. /kot/ ‘verdade’
/kɔt/ ‘sei lá’
b. /ŋo/ ‘água’
/ŋɔ/ ‘molhado’
/mop/ ‘inhame’
/mɔ/ ‘veado’
031. /u/ e /o/
a. /ku/ ‘comer’
/ko/ ‘vara’
37
b. /kupu/ ‘embrulhar’
/kubo/ ‘assar. pl’
032. /u/ e /ɨ/
a. /mut/ ‘pescoço’
/mɨt/ ‘sol’
b. /kɨ/ ‘engatinhar
/ku/ ‘comer’
A decisão de reconhecer uma série de vogais centrais no Xikrín, funda-se na
percepção de que ɨ e ə (como em pɨ ‘urucum’ e kwəɾə ‘mandioca’) não teriam o caráter
posterior que lhes é atribuído na literatura prévia (cf., por exemplo, Stout e Thomson (1974, p.
1)). Os dados aqui apresentados mostram um contraste entre a série central e a posterior, de
forma que a hipótese de que ʌ seja a contraparte não labializada da posterior ɔ, por exemplo,
fica descartada, como mostram nítidos contrastes entre ʌ e ɔ, entre o e ə e entre ɨ e u:
033. a /e /ɔ/
/pʌt/ ‘tamanduá’
/pɔ/ ‘achatado’
b. /o/ e /ə/
/to/ ‘esticar’
/təj/ ‘forte/
38
c. /u/ e /ɨ/
/mut/ ‘pescoço’
/mɨt/ ‘sol’
1.2.2 Vogais nasais
As seis vogais nasais do Xikrín são apresentadas no quadro seguinte:
Quadro 4 – Vogais nasais do Xikrín
Anterior Central Posterior
Alto i ɨ u
Médio e o
Baixo a
O contraste entre vogais nasais e orais é exemplificado abaixo:
Contraste entre vogais nasais e orais:
034.
a. /na/ ‘chuva’ b. /nã/ ‘mãe’
c /bʌ/ ‘floresta’ d. /bʌ/ ‘coruja
e. /te/ ‘carrapato’ f. /te/ ‘ir’
g. /tɛ/ ‘perna’ h /te/ ‘ir’
i. /ki/ ‘berarubu’ j. /ki/ ‘cabelo’
k /bo/ ‘palha’ l. /mõ/ ‘ir.pl’
m. /mɔ/ ‘veado’ n. /mõ/ ‘ir.pl’
o. /tu/ ‘barriga’ p. /tum/ ‘velho’
q. /ɨɾɨ/ ‘tecer’ r. /ɨɾɨ/ sentado’
39
1.3 SÍLABA
Nesta seção apresentamos a constituição da sílaba em Xikrín, seus padrões silábicos
e as restrições fonotáticas, que restringem a posição que cada segmento consonantal pode
ocupar na estrutura silábica e quais segmentos podem se combinar na formação de sílaba
complexa.
1.3.1 Estrutura silábica
A língua Xikrín tem como estrutura máxima de sílaba a forma CCVC
(Consoante-Consoante-Vogal-Consoante) e, como estrutura mínima de sílaba, há a forma V
(Vogal). Os segmentos consonantais têm restrições quanto a que posição ocupar na estrutura
silábica. Assim, todos os segmentos consonantais ocupam a primeira posição silábica. Na
segunda posição, apenas os segmentos /ɾ/ /w/ e /j/ são permitidos e na última posição, são
permitidos os segmentos /p/, /t/, /k/, /m/, /n/ e /j/.
Abaixo apresentamos um diagrama arbóreo com a distribuição dos fonemas
consonantais e vocálicos e sua distribuição na estrutura silábica.
σ
ataque rima
núcleo coda
C C V C
1.3.2 Padrões silábicos
A língua Xikrín possui os seguintes padrões silábicos: V, VC, CV, CVC, CCV e
CCVC A estrutura mínima de sílaba é a forma V (Vogal) e estrutura máxima a forma CCVC
(Consoante-Consoante-Vogal-Consoante). A seguir exemplificamos os padrões silábicos da
língua Xikrín.
40
035
V
/aŋjet/ tamaduá’ (forma antiga)
/amak/ ‘orelha’
/amao/ ‘barba’
/kɾk/ ‘pousar
/ikɔp/ ‘unha dele’
/ikɾaʔi/ ‘dedo dele’
/ipokɾi/ ‘no meio’
/imj/ ‘matar.pl’
/uɾu/ ‘pus’
/ʌpej/ ‘trabalho
/ʌkɾe/ ‘zangado’
/əɾə/ ‘direcional’
/ɔɾina/ ‘longe’
/ɨɾɨ/ ‘sentado’
/e/ ‘ninho’
/kuɾua/ ‘bater’
/ka.ɨ.ɾɨ/ ‘costurado’
VC
/ʌk/ gavião’
/õt/ ‘dormir’
/ʌɾʌ/ ‘tirado’
/ʌbne/ ‘conversar’
ʌpkʌ/ ‘investigar’
/apkɾɨ/ ‘tarde’
/amŋɾɔ/ ‘calor’
/an/ ‘part. pauc’
41
/in/ ‘fezes’
/aj/ ‘sim’
/ajtɛ/ ‘iterativo’
/ɔt/ ‘agora’
/kɾuət/ ‘traíra’
a. CV
/pa/ ‘braço’
/kate/ ‘abóbora’
/kaŋã/ ‘cobra’
/kapɾãn ‘jabuti’
/kɛ’kɛt/ ‘sorriso’
/tɛ/ ‘perna’
/te/ ‘carrapato’
/pɨ.ka/ ‘terra’
/boɾo/ ‘assado’
/koɾo/ ‘sede’
/nɔ/ ‘olho’
/kunun ‘capivara’
/kukɾɨt/ ‘anta’
/guba/ ‘nós incl.’
/tɔkɾɨ/ ‘doer’
/ʔõ/ ‘algo’
b. CVC
/jʌt/ ‘batata-doce’
/nɔt/ ‘umbigo’
42
/ɾɔp/ ‘cachorro’
/kuʤek/ ‘veia’
/kwatɨj/ ‘avó’
/kaʔuk/ ‘socar’
/aɾəp/ ‘já’
/mɔkɔkti/ ‘puraquê’
/tum/ ‘velho’
/kuɾum/ ‘de (ablativo)’
/ken/ ‘pedra’
c. CCV
/kwəɾə/ ‘mandioca’
/kwə/ ‘pedaço’
/mɾãmɾi/ ‘verdade’
/kɾɛ/ ‘buraco’
/kɾakɾi/ ‘em baixo de’
/kɾɨɾʌp/ ‘de manhã’
/ŋɾa/ ‘paca’
/ŋɾɛ/ ‘cantar’
/ŋɾi/ ‘pequeno’
/bɾiɾɛ/ ‘sapo’
/kɾua/ ‘flecha’
/kɾuəjti/ ‘papagaio’
/kɾuət/ ‘traíra’
/abje/ ‘procurar’
/ikje/ ‘lado’; banda
/bikwa/ ‘parente’
/bikjeɾe/ ‘dividir’
43
d. CCVC
/kɾaj/ ‘cintura’
/kɾʌb/ ‘amigo formal’
/pɾõn/ ‘corrida’
/twəb/ ‘gordura’
/gwaj/ ‘nós’
/kumɾej/ ‘primeiro’
/kukɾɨt/ ‘anta’
As margens esquerda e direita de sílabas são ambas opcionais. Margens direitas
complexas não são permitidas e a fonotática da língua restringe as combinações de fonemas
possíveis na margem esquerda de sílaba. Estas combianções não podem conter consoantes
homorgânicas isto é, sequências que compartihem o mesmo ponto de articulação como *tɾ ou
*pw ). As combinações de fonemas possíveis na margem esquerda de sílaba em Xikrín são as
seguintes:
36.
a. /pɾ/
/kapɾãn/ ‘jabuti’
/pɾõn/ ‘corrida’
/prɨ/ ‘caminho’
/pɾek/ ‘alto’
/kapɾə/ ‘vazio’
b. /bɾ/
/bɾiɾɛ/ ‘sapo’
c. /mɾ/
/mɾɨ/ ‘caça’
/ʌmɾa/ ‘gritar’
44
/õmɾõ/ ‘comida’
/kamɾo/ ‘sangue’
/kamɾek/ ‘vermelho’
d./kɾ/
/kɾakɾi’ ‘em baixo de’
/kɾɔ/ ‘podre’
/kɾãj/ ‘serra’
/kɾəb/ ‘amigo formal’
/akɾo/ ‘cipó’
e. /ŋɾ/
/kaŋɾɔ/ ‘quente’
/ŋɾa/ ‘paca’
/ŋɾʌ/ ‘seco’
/ŋɾãŋɾã/ ‘verde’
/ŋɾik/ ‘raivoso’
f. /kɾw/
/kɾwua/ ‘flecha’
g. /tw/
/twəb/ ‘gordura’
h. /ʤw/
/ʤwa/ ‘tomar banho’
/ʤwəpɔ/ ‘bolacha’
/ʤwəj/ ‘verdade’
/kaʤwati/ ‘cana-de-açúcar’
45
e. /kw/
/kwəɾə/ ‘mandioca’
/kwɨ/ ‘fogo’
/kajkwa/ ‘céu’
/kwɨɾɨ/ ‘quebrado’
/õbikwa/ ‘parente’
f. /gw/
/gwaj/ ‘nós
/ugwɛ/ ‘canhoto’
g. /pj/
/upje/ ‘pendurar no pescoço’
h. /bj/
/abje/ ‘procurar
i. /kj/
/ikje/ ‘lado’, ‘banda’
/bikjɾe/ ‘dividir’
j. /ŋj/
/ŋjet/ ‘tamanduá’ (forma arcaica)
De acordo com os exemplos dos padrões silábicos expostos, percebemos que sílabas
mínimas com forma V podem ser constituídas por todas as vogais orais e pelas vogais nasais
/i/ e /ɨ/. Ocorrência de outras vogais nasais neste padrão silábico não foram encontradas no
corpus analisado.
O acento primário incide, com maior frequência, sobre a sílaba final da palavra. O
conjunto de formas excepcionais é formado por: (1) termos derivados por meio da adição de
46
sufixos extramétricos e que, portanto, não ‘atraem’ o acento e (2) formas derivadas pela
adição de uma ‘vogal eco’ ou ‘vogal previsível’.
Padrão de acento regular. Sílaba final mais proeminente:
037.
a. /a-tɛ/ [aˈtɛ] ‘tua perna’
b. /a-tɛ-ʤo/ [atɛˈʤo] ‘tuas nádegas’
c. /a-tɛ-ʤo-kɾɛ/ [atɛʤoˈkɾɛ] ‘teu ânus’
Penúltima sílaba mais proeminente:
038.
a. [ˈpuɾu] ‘roça’
b. [ˈkoto] ‘certo, correto’
c. [ˈmaɾi] ‘saber’; forma nominal ([ˈma] ‘saber’; forma verbal)
d. [puˈnu] ‘ruim, feio’
e. [puˈnuɾɛ] ‘ruim, feio’ (atenuativo)
Em (e), acima, temos como exemplo de sufixo extramétrico o Atenuativo -/ɾɛ/.
1.4 PROCESSOS FONOLÓGICOS
Um conjunto de mudanças fonológicas é observado quando da combinação de
morfemas para formar palavras e quando da combinação de palavras para formar frases. Essas
mudanças consistem em processos de sandhi, que são acionados em fronteira de morfemas ou
de palavars.
47
Sonorização de ooclusivas surdas - Consoantes em posição final se sonorizam quando na
juntura de morfemas são seguidos de consoantes sonoras:
039.
b. /amak/ + /ɾaj/ =[amaˈgɾaj] ‘orelha grande’
d. /ɾɔp/ + / ni/ = [ɾɔbˈni] ‘cachorro fêmea, cadela’
Elisão vocálica - Em fala rápida, em certos encontros vocálicos há tendência à elisão
vocálica:
040. ba na ba aɾi a-mu [banaba aɾamu]
1 RLS 1 PAUC 2-ver
‘eu vi vocês’
O morfema Associativo-Instrumentivo /-ɔ/ pode cliticizar-se ao item lexical que
ocorre à sua direita. Quando a palavra em questão inicia-se por vogal, ocorre, opcionalmente,
o aparecimento de uma aproximante labial de transição [w] (ver especialmente o contraste
entre (041) e (042) abaixo):
Desenvolvimento de [w] – Na juntura do morfema Associativo-Instrumentivo -ɔ
com tema iniciado por /a/, ocorre, opcionalmente, o desenvolvimento de uma aproximante
labial de transição [w]:
041. tɛp ɔ bi [tɛpɔwabi] peixe ASS.INSTR subir
‘subir com peixe; pescar’
48
042. meni na me mɾoti kam ɔ ajɾe [ɔwajɾe]
mulher RLS PL jenipapo LOC ASS.INSTR misturar
‘As mulheres misturaram o jenipapo’
Quando o morfema Associativo-Instrumentivo -ɔ ocorre seguido por consoante e
precedido por uma vogal de qualidade idêntica, há a fusão das duas vogais:
044. me na me tɔ.ɾɔ ɔ mo [mename tɔɾɔmo] Pl RLS Pl festejar-NLZ ASS ir
‘as pessoas estão festejando’
Na fala rápida, em situações restritas, como em sequências formadas pelo pronome
gu e a marca de Irrealis ʤa, observa-se um fenômeno de harmonia vocálica completa
(exemplo (045) abaixo). Caso similar foi observado também com a partícula do modo Realis,
quando esta ocorre seguida do pronome gu (046):
Mudança de a para u:
045 gu ʤa te [guʤute] 1+2 IRRLZ ir
‘nós vamos’
046. iʧɛɾɛ kãm na gu ami mu [nuguamimu] espelho LOC RLS 1+2 REFL ver
‘Nós nos vimos no espelho’
047. na gu aɾəp ʤwa [nuguaɾəbʤwa]
RLS 1+2 já tomar banho
nós já tomamos banho’
49
1.5 CONCLUSÃO
Neste capítulo tratamos brevemente de alguns aspectos da fonologia da língua
Xikrín. Inicamos com a descrição dos fonemas vocálicos e consonantais. Em seguida,
descrevemos e exemplificamos os padrões silábicos e as restrições fonotáticas existentes na
língua Xikrín e finalizamos o estudo descrevendo alguns processos fonológicos presentes
nessa língua.
50
CAPÍTULO II – MORFOLOGIA
O presente capítulo descreve as classes de palavras existentes na língua Xikrín. As
classes de palavras apresentam propriedades gramaticais específicas que as distinguem umas
das outras sob três pontos de vistas, a saber, distribucional, de constituição interna, e
semântico, como demonstraremos nas seções seguintes.
A definição e distinção das classes de palavras está para além da constituição de um
fim em si mesmo, na medida em que vibializa um maior conhecimento de línguas pouco
estudadas, como é o caso da língua Xikrín do Cateté. A descrição das classes e subclasses de
palavras aqui proposta, além de considerar os critérios já mencionados, leva em conta também
como as palavras são atualizadas no discurso.
Com base no conjunto dos critérios elencandos até aqui, distinguem-se em Xikrín
nove classes de palavras, a saber: nomes, pronomes, verbos, posposições, advérbios,
conjunções, palavras aspectuais, palavras modalizadoras, e interjeições.
2.1 NOMES
Partindo da análise dos dados de que dispomos e, levando em consideração critérios
estruturais, distribuicionais e semânticos e, ainda tomando como parâmetro de análise, o
critério de dependência, distinguem-se, na língua Xikrín, três tipos de nomes, os nomes
relativos, os nomes descritivos e os nomes absolutos. A seguir, apresentam-se cada um desses
subtipos de nomes.
2.1.1 Nomes relativos
Nomes relativos são assim definidos pela conjugação de dois critérios: o semântico e o
morfossintático. Semanticamente, são nomes relativos todos aqueles cujos referemtes têm
existência relativa a algo ou a alguém. A natureza relativa desses nomes revela-se por meio de
marcas morfossintáticas, através das quais são licenciados no discurso, numa relação de
dependêcia com outro nominal, formando com este uma unidade sintática (cf. CABRAL,
2001). Compõem esta classe nomes que referem entidades relacionadas à parte do corpo
humano, a partes dos animais, a partes das plantas, a relações de parentesco e a alguns termos
referentes a utensílios e/ou adornos corporais, típicos da cultura material Xikrín. Os exemplos
que seguem ilustram esses tipos de nomes.
51
Partes do corpo humano
048.
a. tamakwarɛ ɲ-ikra
Tamakwaré R1-mão
‘mão de Tamakwaré’
b. i ɲ-ikɾa
1 R1-mão
‘mão de mim’ (minha mão)
c. poɨ ʤ-wa
Poy R1-dente
‘dente de Poy’
d. i ʤ-wa
1 R1-dente
‘dente de mim’ (meu dente)
e. poɨ -nɔ
Poy R1-olho
‘olho de Poy’
f. i -nɔ
1 R1-olho
‘olho de mim’ (meu meu olho)
Partes de animais e plantas
049.
a. mʌt j-aɾa
arara R1-pena
‘pena de arara’
52
b. kwej -ŋɾɛ
pássaro R1-ovo
‘ovo de pássaro’
c. pi -kʌ
árvore R1-casca
‘casca da árvore’
d. piʤo -ɾã
fruto R1-flor
‘flor do fruto da árvore’(flor)
Relações de parentesco
050.
a. tutɛ ɲ-iŋet
Tute R1-avô
‘avô de Tute’
b. a -bãm
2 R1-pai
‘teu pai’
c. i ʤ-umɾɛŋet
1 R1-sogro
‘meu sogro’
d. -kwatəj
R2-avó
avó dele’
53
e. bɛpɲõɾõti ɲ-õbikwa
Bep Nhõrõ-Ti R1-amigo
‘amigo de Bep Nhõrõ-Ti’
f. -õbikwa
R2-amigo
amigo dele’
Utensílios e adornos corporais
051.
a. ikro ɲ-ikɾakamɾʌj
Ikro R1-anel
‘anel de Ikrô’
b. i -kiʤeʤʌ
1 R1-prendedor de cabelo
‘meu prendedor de cabelo’
c. bʌʧe j-akʌkako
Bàtiê R1-botoque
‘botoque de Bàtiê’
d. i -paʤe
1 R1-braçadeira
‘meu prendedor de cabelo’
Como foi dito acima, e corroborado pelos exemplos, os nomes relativos formam uma
unidade sintática com outros nominais através do mecanismo morfossintático da flexão
relacional, matéria descrita com exaustão no capítulo III.
54
2.1.2 Nomes descritivos
Neste estudo, são considerados nomes descritivos aqueles que, sob a perspectiva
semântica, expressam noções que dizem respeito à qualidade, à sensação física, à estado
mental e à dinamicidade e, sob a perspectiva morfossintática, são sempre seguidos de seus
determinantes aos quais se ligam por meio de flexão relacional. Desempenham a função de
modificadores e núcleo de predicados nominais, conforme mostram os exemplos abaixo.
Qualidade
052.
a. i -mɛj
1 R1-bom
‘o bem de mim’ ‘(eu estou bem)’
b. kɾi ɲ-ipok
aldeia R1-redondo
‘o redondo do aldeia’ ‘(a aldeia é redonda)’
c. ŋo -kɔɾɔɾɔɾɛ
rio R1-raso
‘o raso do rio’ ‘(o rio está raso)’
d. i -ŋɔ
1 R1-molhado
‘o molhado de mim’ ‘(eu estou molhado)’
e. a -ki j-abje
2 R1-cabelo R
1-comprido
‘o comprido do meu cabelo’ ‘(meu cabelo é comprido)’
f. kɾi ɲ-ipok
aldeia R1-redono
‘o redondo da aldeia’(a aldeia é reonda)
55
Sensações físicas
053.
a. a -kaŋɾɔ
2 R1-calor
‘o teu calor’ ‘(você está com calor)’
b. ŋo j-akɾɨ
água R1-frio
‘o frio da água’ ‘(a água está fria)’
c. i -pɾõ -tɨkʤa
1 R1-esposa R
1-cansaço
‘o cansaço da minha esposa’
‘(minha esposa está cansada)’
d. pɔɨ ɲ-õʤwa
Poy R1-sono
‘o sono do Poy’(Poy está com sono)
Estados mentais
054.
a. meniɾe -kapɾiɾɛ
mulher R1-tristeza
‘a tristeza da da mulher‘(a mulher está triste)’
b. benaʤwəɾə -kij
chefe R1-alegria
‘a alegria do chefe’ ‘(o chefe está alegre)’
56
c. kube -ŋɾɨk
não índigena R1-raiva
‘a raiva do não indígena’ ‘(o não indígena está com raiva)’
d. i ʤ-ukaŋa
1 R1-preguiça
‘a preguiça de mim’ ‘(eu estou com preguiça)’
e. -ukaŋa
R2-preguiça
‘a preguiça dele’ ‘(ele está com preguiça)’
Dinamicidade
055.
a. ga na ga a -prõt
2 RLS 2 2 R1-corrida
‘existiu tua corrida’ ‘(tu correste)’
b. aɾəp ga a j-ari
já 2 2 R1-pulo
‘já existiu teu pulo’ ‘(tu pulaste)’
c. guba j-aɾi ket
1+2 R1-pulo NEG
‘não existiu nosso pulo’ ‘(nós não pulamos)’
d. ga na ga aɾəp a -katɔ
2 RLS 2 já 2 R1-saída
‘já existiu tua saída’ ‘(tu saiste)
57
e. ba ʤa ba i ʤ-ʌpej
1 IRRLS 1 1 R1-trabalho
‘ existirá´o meu trabalho’ ‘(eu vou trabalhar)’
f. ba na ba i -kaben
1 RLS 1 1 R1-fala
‘ existiu minha fala’ ‘(eu falei)’
2.1.3 Nomes absolutos
Os nomes absolutos constituem uma subclasse de temas nominais da língua Xikrín,
cujos referentes não dependem de outra entidade para existir. Nomes desta subclasse são, sob
o aspecto morfossintático, independentes e, sob o aspecto semântico, são referentes
independentes, pois existem por si só. Estes temas designam entidades referentes à fauna, à
flora, a elementos da natureza e à nomes de pessoas, como mostram os exemplos a seguir:
Nomes referentes à fauna
056.
a. kukɾɨt ‘anta’
b. aŋɾo ‘porcão’
c. ɾɔpkɾɔɾi ‘onça pintada’
d. kaprãn jabuti
e. kukej cotia
f. kukoj macaco
Nomes referentes à flora
057.
a. piʤoɾã flor
b. pɨ urucum
58
c. aw mogno
d. moj jatobá
Nomes referentes a elementos da natureza
058.
a. pɨka ‘terra’
b. kʌjkwa céu
c. mɨtɨɾwə ‘lua’
d. mɨt ‘sol’
e. kaɲetiɾɛ ‘estrela
f. kɾãj ‘serra’
Nomes referentes a manufaturas, a objetos da cultura material, nomes referenciais
tomados de empréstimo da língua portuguesa, por força do contato com a sociedade
circundante, e, ainda, nomes abolutos, quando ocorrem numa relação de dependência, são
vinculados indiretamente a seus determinantes, mediados pelo nome -õ ‘pertence’ (c.f.
COSTA, 2002, p. 82). Ilustrações disso são os exemplos seguintes.
059.
a. i ɲ-õ ko
1 R1-PERTENCE borduna
‘meu pertence, a borduna’
b. a ɲ-õ kʌpɔ
2 R1-PERTENCE remo
‘teu pertence, o remo’
c. lusivawdo i ɲ-õ profesor -tum
Lucivaldo 1 R1-PERTENCE professor R
1-antigo
Lucivaldo, meu professor antigo’
59
d. ba i ɲ-õ mãmãj
1 1 R1-PERTENCE mamãe
‘minha mamãe’
Note-se que mamãe, como a palavra professor são empréstimos do Português, razão
pela qual são tratados como termos absolutos.
e. kenpɔti ɲ-õ selulah
Kenpoti R1-PERTENCE celular
‘celular de Kenpoti’
f. bɛbʤaɾi ɲ-õ kukɾɨt
Bepdjari R1-PERTENCE anta
‘anta de Bepdjari’ (anta de estimação)
g. kikrɛ -kãm na i ɲ-õ ɾɔp
casa R1-LOC RLS 1 R
1-PERTENCE cachorro
na casa, existe o cachorro de mim’ ‘(meu cachorro
está em casa)’
2.1.4 Propriedades dos nomes
Os nomes apresentam, através das línguas, entre as propriedades inerentes mais
típicas, a flexão para número, a classificação para gênero e, sobretudo, a habilidade de ocorrer
como núcleo dentro de um sintagma nominal (cf. TRASK, 1994).
Em Xikrín, a expressão de número e gênero se manifestam por meio de estratégias
sintáticas e lexicais, típicas das línguas da família Jê (cf. RODRIGUES, 1999). Nesta seção,
mostramos como a expressão gramatical de número e gênero são realizadas na língua Xikrín.
60
2.1.4.1 Número
Rodrigues (1999, p.183) afirma que a expressão formal de pluralidade não é expressa
morfologicamente nos nomes nas línguas da família Jê, embora essa categoria gramatical seja
diversamente manifestada em outras línguas do tronco Macro-Jê. Em Xikrín, a categoria de
número se manifesta por meio do morfema me ‘pluralizador’, anteposto ou posposto a
nominais cujos referentes têm o traço semântico exclusivamente [+humano] e dos morfemas
õj ‘coletivizador de vários’ e kwə coletivizador de parte de um todo’, que são pospostos a
nominais cujos referentes são [+animados].
2.1.4.1.1. Pluralizador me
Distribucionalmente, este morfema pode ocorrer anteposto a nomes, pronomes
dependentes da série absolutiva e pronomes indefinidos cujos referentes têm o traço
semântico exclusivamente [+humano] e posposto a pronomes indepenentes da série
nominativa. A expressão do singular é não marcada.
Anteposto a nomes
060. ...ʤa me ni-ɾɛ tɛp j-aɨ ʔãane
IRLS PL fêmea-ATEN peixe R1-bater o peixe com a ponta da faca assim
ɲɨm me mɨ ŋo -kaʔõ-j bi...
SD PL macho rio R1-bater.timbó-NLZ só
me ni-ɾɛ na me mɾɨ ʤ-ʌɾʌ -ɔ ʤa
PL fêmea-ATEN RLS PL caça R1-assar.NLZ R
1-ASS.INSTR estar.em pé
‘...as mulheres bateram com a ponta da faca no peixe. Foi assim, e os homens
estavam só batendo timbó e as mulheres estavam assando a caça’
61
Anteposto a pronomes da série absolutiva
061. nʌ kwɨ me i ket kwɨ ket...
SIM fogo PL 1 NEG fogo NEG
‘então, não havia o nosso fogo. Não havia fogo...’ (sim, nós não tínhamos fogo.
Não havia fogo)
062. ...gwaj me i ɲ-õbikwa -mã ku-ŋã
1+2 PL 1 R1-parente R
1-DIR R
2-dar
jʌt məja kuni na ba me i ɲ-õbikwa
batata doce coisa tudo RLS 1 PL 1 R1-parente
-mã ku-ŋã ku-kɾe...
R1- DIR R
2-dar R
2-comer
‘...nós os demos (o colhido) para nossos parentes: batata doce, todas as coisas,
nós as demos aos nossos parentes e eles comeram...’
Anteposto a pronomes indefinidos
063. ...me kuni na bʌ -kãm mõ...
PL INDEF RLS floresta R1-LOC ir/vir/PL
me ʔõʤwə na me bʌ -kãm mõ
PL INDEF RLS PL floresta R1-LOC ir/vir. pl
‘...todos (homens) foram para a floresta...’ (todos forma caçar)alguns foram pescar,
outros foram caçar’
Posposto a pronomes da série nominativa
064. na ba me puɾu -kaɾe
RLS 1 PL roça R1-capinar
‘eu capinei a roça’
62
065. ...tãm ʤa gu me -əɾə -kaʔõ...
ENTÃO IRLS 1+2 PL R1-DIR R
1-bater.timbó
‘...então nós vamos para bater.timbó’
O pluralizador me pode ocorrer justaposto ao morfema kwə para indicar um
determinado número de refentes humanos dentre um grupo maior de participantes.
Semanticamente, a combinação desses dois morfemas denota ‘um grupo de gente’, ‘uma parte
das pessoas’. Os exemplos 066-067 ilustram a ocorrência desses morfemas justapostos.
066. lusivawdo ʤə ga ja -kãm me kwə -mu
Lucivaldo INT 2 DEM.PROX R2-LOC PL PART R
2-ver
‘Lucivaldo, você conhece parte destas pessoas?
067. me kwə na me tɛp -əɾə -mõ
PL PART RLS PL peixe R1-DIR R
1-ir/vir/PL
‘alguns foram na direção do peixe’ (alguns foram pescar)
me ʔõʤwə na me bʌ -kãm -mõ
PL outro RLS PL floresta R1-LOC R
1-ir/vir/PL
‘alguns foram na direção do peixe e outros foram para a floresta’
2.1.4.1.2 Coletivizador õj
O morfema õj é posposto a nominais cujos referentes apresentam o traço semântico
[+animado]. Semanticamente, o morfema õj pode denotar ‘um grupo de gente’ ou ‘um grupo
de animais’, ‘vários’, como ilustram os exemplos 068-070 a seguir.
63
068. ‘...ɲum -kãm akej na pãj aɾəp kube -õj
SD R2-LOC voltar RLS em.troca já branco R
1-COL
-bi ne me ku-tɛ katoŋ ʔɨ -õj bɨ
R1-matar MS PL R
2-OBL revólver semente R
1-COL pegar
‘... e eles voltaram e também mataram alguns não indígenas e pegaram
alguns projéteis’
069. ɲɨj na ga aŋɾo -õj -bi
onde RLS 2 porcão R1-COL R
1-matar
‘onde você matou um bocado de porções?’
070 na ba ŋo-ɾaj -mã te tɛp -õj j-aɲi
RLS 1 rio R1-DIR ir/vir peixe R
1-COL R
1-pescar com rede
‘eu fui para o rio e pesquei um bocado de peixes’
2.1.4.1.3 Pluralizador kwə
O morfema kwə também combina-se com nominais cujos referentes apresentam o
traço semântico [ + animado], porém. distingue-se de õj, por denotar ‘parte de um todo’, ‘uma
porção de’, ‘alguns’.
071. ‘...me aɾəp akɾo aɾəp -pɾõn ne aɾəp akɾo -kwə -ãpɾɛ...’
PL já cipó já R1-corrida MS já cipó R
1-PART R
1-amarrar
‘...já houve a corrida dos homens (para encontrar) cipó. (eles) já amarraram alguns’
072. ga na ga i -mã ŋo -kwə -ɾu
2 RLS 2 1 R1-DIR água R
1-PART R
1-colocar
‘você colocou um bocado de água para mim’
64
073. a -jɛ ŋo -kwə -ɔ a -kõ-j ket
2 R1-OBL água R
1-PART R
1-ASS.INSTR 2 R
1-beber-NLZ NEG
‘não houve o beber de um bocado de água por ti’ ‘(você não bebeu um bocado
de água)’
Contribui também com um signifcado distributivo:
074. ... ɲum aɾəp apɨj mebeŋokɾɛ -kwə aɾəp ku-mɔkɾaj...
SD já cada Xikrín R1-PART já R
2-começar...
‘... cada um dos indígenas começou (a falar)...’
2.1.4.2 Gênero
A categoria gramatical de gênero não se gramaticalizou em Xikrín. Ela está presente
na distinção lexical de nomes de parentesco, em decorrência da sociedade Xikrín ter a
necessidade de classificar os indivíduos que a constituem em diferentes categorias. Os
falantes criam, assim, estratégias referenciais para o sistema de relações sociais (cf. VIDAL,
1977, p. 51). A língua Xikrín trata a distinção de gênero biológico nos termos de parentesco
de duas formas: (i) tendo como referência o gênero biológico do interlocutor e (ii) tendo como
referência o gênero biológico do locutor. Abaixo são apresentados dois quadros que ilustram
essa distinção de gênero em Xikrín.
Quadro 5 – Nomes distintos quanto ao gênero sexual do interlocutor
MASCULINO FEMININO
REFERÊNCIA RELAÇÃO REFERÊNCIA RELAÇÃO
-bam ‘pai ou tio de ego (pai ou
irmão do pai)’
-nã ‘mãe ou tia de ego (irmã da
mãe)’
-ŋete ‘avô ou tio de ego masculino
(pai ou irmão da mãe)
-tɨjwa
‘mãe ou tia de ego feminino
(mãe ou irmã do pai)’
-mjet ‘esposo’ pɾõ ‘esposa’
-kamɨ ‘irmão de ego’ -kanikwəj ‘irmã de ego’
65
-mʌj ‘cunhado de ego masculino
(irmão da esposa)’
-pɔpãj ‘cunhada de ego masculino
(irmã da esposa)’
-mʌjŋet ‘sogro de ego masculino (pai
da esposa)’
-upãjŋej ‘sogra de ego masculino (mãe
da esposa)’
Quadro 6 – Nomes distintos quanto ao gênero sexual do locutor
FALANTE MASCULINO FALANTE FEMININO
REFERÊNCIA RELAÇÃO REFERÊNCIA RELAÇÃO
-mʌj ‘cunhado de ego masculino
(irmão da esposa)’
-atukʌ ‘cunhado de ego’ feminino
(irmão do esposo)
-pɔpãj ‘cunhada de ego masculino
(irmã da esposa)’
-wəj ‘cunhada de ego feminino
(irmã do esposo)’
-mʌjŋet ‘sogro de ego masculino (pai
da esposa)’
atukʌje ‘sogro de ego feminino (pai
do esposo)
-upãjŋej
‘sogra de ego masculino (mãe
da esposa)’
-umɾeŋej ‘sogra de ego feminino (mãe
do esposo)’
-upãj ‘nora de ego masculino
(esposa do filho)
-wəj ‘nora de ego feminino
(esposa do filho)’
Outra distinção de gênero biológico existente em Xikrín é feita por meio dos
morfemas -mɨ ‘macho’ e -ni ‘fêmea’, os quais funcionam como modificadores de nomes de
parentesco e de animais.
075. i -kɾa -mɨ
1 R1-filho R
1-macho
‘meu filho macho’
076. i -kɾa -ni
1 R1- filha R
1-fêmea
‘minha filha fêmea’
66
077. kube -mɨ
não indígena R1-macho
‘não indígena macho’
078. kube -ni
não.indígena R1-fêmea
‘ não indígena femea’
079. me -mɨ
HUM R2-macho
‘gente macho’
080. me -ni
HUM R2-fêmea
‘gente fêmea’
081. ɾɔp -mɨ
cachorro R2-macho
‘cachorro macho’
082. ɾɔp Ø-ni
cachorro R1-fêmea
‘cachorro fêmea’
2.1.5 Morfologia derivacional dos nomes
Nesta seção, tratamos dos processos derivacionais que afetam os nomes em Xikrín,
identificando os morfemas derivacionais e os seus respectivos significados.
67
2.1.5.1 Atenuação e intensificação
Os nomes, em geral, se combinam com os morfemas derivacionais {-ɾɛ} ‘atenuativo’
e {-ti}’intensivo’, que atenuam e intensificam respectivamente formas físicas ou sentimentos,
estados de espírito, entre outros.
Atenuação e intensificação:
083. bɾi ‘sapo’
a. bɾi-ɾɛ sapo-ATEN ‘sapinho’
b. bɾi-ti sapo-INTENS ‘sapão’
084. ɾɔp ‘cachorro’
a. ɾɔp-ɾɛ sapo-ATEN ‘cachorrinho’
b. ɾɔp-ti sapo-INTENS ‘cachorrão’
085. ʌk ‘gavião’
a. ʌk-ɾɛ gavião-ATEN gaviãozinho’
b. ʌk-ti sapo-INTENS ‘gavião grande’
086. kamɾek ‘vermelho’
a. kamɾek-ti vermelho-INTENS ‘vermelhão’
087. a. tɨk ‘preto’
a. b. tɨk-ɾɛ preto-ATEN ‘pretinho’
b. c. tɨk-ti preto-INTENS ‘pretão’
68
088. jʌt ‘batata’
a. a. jʌt-tɨk-ɾɛ batata –preta-ATEN ‘batata preta’
b. b. jʌt-kɾɛ j-aka-ɾɛ batata-buraco R1-branco-ATEN ‘batata vermelha’
089. pɾam ‘fome’
a. a. pɾam-ti fome- INTENS ‘fome intensa’
090 koɾo ‘sede’
a. koɾo-ti sede- INTENS ‘sede intensa’
091. kɾɨ ‘frio’
a. kɾɨ-ɾɛ frio-ATEN ‘friozinho’
b. kɾɨ-ti frio-INTENS ‘frio intenso’
092. me ni-ɾɛ -kapɾi-ɾɛ
HUM fêmea-ATEN R1-triste-ATEN
‘a mulher está tristinha’
093. me ni-ɾɛ -mɛj-ti
HUM fêmea-ATEN R1-bem-INTENS
‘a mulher está intensamente bem’
O morfema -ɾɛ ocorre em temas verbais nominalizados, atenuando o significado do
‘nome de ação’. Ferreira (2003, p. 46) descreve para o Parkatêjê a ocorrência nos verbos de
sufixo cognato, embora não especifique que a restrição de ocorrência é a forma nominalizada
do verbo.
69
094. ...ba -kupõ-j-ɾɛ ane -kupõ-j-ɾɛ
1 R2-matar- NOML-ATEN assim R
2-matar- NOML-ATEN
ane ne -kãm...
assim SM R2-LOC
‘...eu o mato (o gavião) assim, mato-o assim e depois...
095. ...aɾi i -ɔ-te aɾi i -ɔ-te-m-ɾɛ -əɾə
PAUC 1 R1-CAUS-ir/vir pauc 1 R
1-CAUS-ir/vir-NLZ-ATEN R
1-DIR
‘... (ele) nos fez ir com ele, nos fez ir na direção dele...’
Outra estratégia usada para expressar atenuação e intensificação consiste no uso das
formas livres ɾaj ‘grande’ e ŋɾi ‘pequeno’, kɾa ‘filho’ e krɨ-ɾɛ ‘muito pequeno’ justapostos aos
nomes que modificam. Os três últimos, podem ocorrer com o sufixo -ɾɛ, opcionalmente, como
mostram os exemplos 096 a 100.
096. ŋo ‘água’
a. ŋo -ɾaj ‘rio
água -grande
b. ŋo -ŋɾi-ɾɛ ‘rio pequeno’
água -pequeno-ATEN
097. ɾɔp ‘cachorro’
a. ɾɔp -ɾaj ‘cachorro grande’
cachorro -grande
b. ɾɔp -ŋɾi-ɾɛ ‘cachorro pequeno’
cachorro -pequeno-ATEN
c. ɾɔp -kɾa-ɾɛ ‘cachorrinho’
cachorro -filho-ATEN
70
098. kʌ ‘canoa’
a. kʌ -ɾaj ‘canoa grande’
canoa -grande
b. kʌ -ŋɾi ‘canoa pequena’
099. kukoj ‘macaco’
a. kukoj -ɾaj ‘macaco grande’
macaco -grande
b. kukoj -ŋɾi-ɾɛ ‘macaco pequena’
-pequeno-ATEN
c. kukoj -kɾa-ɾɛ ‘filhote de macaco
-filho-ATEN
100. piʤo-kɾã ‘fruta’
a. piʤo-kɾã -ɾaj ‘fruta grande’
fruta -grande
b. piʤo-kɾã -kɾɨ-ɾɛ ‘fruta muito pequena’
fruta pequeno-ATEN
2.1.5.2 Composição
A composição é o processo de formação de palavras a partir da combinação
morfológica de dois ou mais vocábulos já existentes na língua. O processo de formação de
palavras por meio da composição diferencia-se da derivação e da flexão por combinar dois ou
mais elementos lexicais. Para Bybee (1885, p. 105), a composição se disingue de todos os
outros processos combinatórios de uma língua por se constituir de unidades que também
existem independentemente como palavras da língua, sendo completas tanto do ponto de vista
fonológico quanto semântico e a expressão lexical resultante da combinação é uma palavra
com significado que não é previsível a partir da soma do significado de suas partes. A
formação de novas expressões lexicais em Xikrín é feita pela justaposição de temas de
diferentes classes, como mostramos a seguir.
71
NOME + NOME
101. -kɾã -mɛj
R2-cabeça -bom
‘inteligente’
102. -kɾã -təj
R2-cabeça -duro
‘rude’
103. -piʔok -kapɾi
R2-folha -triste
‘dinheiro’
104. ʤwə -ŋɾʌ
massa -seco
‘farinha’
105. pi -pɔj
pau -achatado
‘mesa’ (lit. pau achatado)
106. tɛp -tɨk-ti
peixe -escuro- INTENS
‘piranha’
72
107. pi -ŋɾʌ
pau -seco
‘lenha’
108. pi -tɨk
pau -escuro
‘carvão’
109. ŋo -tɨk
água -escuro
‘café’ (lit. água escura)
110. kapɾã -pɔ-ti
jabuti -achatado-INTENS
‘tartaruga’
111. piʤo -kɾã -pɔ-ti
fruta -grande -achatado-INTENS
‘manga’
NOME + VERBO
112. -pa -ʤe
R2-braço -prender
‘braçadeira’
73
113. -kɾã -me
R2-cabeça -arremessar
‘machado’
Justaposição
Justaposição de um elemento lexical ou de um sufixo para formar novos nomes é um
processo comum em Xikrín. Há três termos de classe nessa língua, bʌɾi , ko e kɾo. Este
processo de formação de novos nomes é encontrado em outras línguas Jê (cf., por exemplo,
Dourado (2001), Ferreira (2003), Castro Alves (2004) e Miranda (2014)). Segundo Grinevald
(2002, p. 261), termos de classe são um processo de composição cuja função equivale aos
processos derivacionais. São mais ou menos produtivos e muito frequentes em dois domínios
semânticos, a saber: ocupações humanas e mundo vegetal. Na língua Xikrín, identificamos
três termos de classe combinados com temas nominais relacionados ao campo semântico do
mundo vegetal para indicar: (a) nomes de árvores, (b) posição vertical do referente nominal,
(c) posição horizontal do referente nominal, (d) fruto de árvores e (e) semente de frutos. A
seguir, apresentamos exemplos de temas nominais ocorrendo com os termos de classe
descritos acima.
Termo de classe para indicar o referente ‘árvore’/’tronco’:bʌɾi
Composto Tradução
114.
a. piʤo kao-ɾo bʌɾi ‘tronco de laranja
b. kameɾe kɾã-ti bʌɾi ‘tronco de bacaba’
c. kupu bʌɾi ~ kube kɾã-ti bʌɾi ‘tronco de cupu’
d. tɨɾɨti bʌɾi ‘tronco de banana’
e. kate bʌɾi ‘tronco de mamão’
f. mɾo-ti bʌɾi ‘tronco de jenipapo’
g. pi ʔɨ bʌɾi ‘tronco de castanha’
Como os exemplos acima evidenciam, o termo de classe bʌɾi, corresponde, nos
contextos dados acima, a arvores, como laranjeira, bacabeiro, cupuzeiro, bananeira,
74
mamoeiro, jenipapeiro, castanheira, entre outros, usado com respeito a plantas em posição
vertical.
O termo de classe que indica um conjunto de plantas da mesma espécie é ko. Pode
também ser traduzido por ‘lugar em que existe em abundância tal planta’, mas em posição
vertical:
115. Composto Tradução
a. ŋɾoa ko ‘buritizal’
b. tɨɾɨti ko ‘bananal’
c. mɾoti ko ‘jenipapozal’
d. kwəɾə ko ‘mandiocal’
e. bʌɨ ko ‘milharal
f. kameɾe ko ‘bacabal’
g. kõkɲõ ko ‘ingazal
h. kate bʌɾi ko ‘mamãozal’
i. pɾit ko ‘pequizal’
j. ʤuʤe ko tucunzal
Há ainda o termo de classe kɾo, que indica um conjunto de plantas, mas em posição
horizontal:
116. Composto Tradução
a. mop kɾo ‘inhamezal’
b. mʌt kɾwə ɨ kɾo ‘feijãozal’
c. kate kɾo ‘abrobral’
d. motopi ɨ kɾo ‘amendoinzal’
e. kɾuwa kɾo ‘bambuzal’
f. jʌt kɾo ‘batatal’
Há uma tendência a determinados nomes serem concebidos como termos de classe,
mas não devem ser consideraods como tal em Xikrín, pois podem ter como determinante um
prefixo relacional ou um dêitico. Estes são nomes como os seguintes:
75
117. kameɾe ʤo ‘fruto da bacaba’
a. kamɔk-ti ʤo ‘fruto do frutão’
b. pi ʔɨ ʤo ‘fruto da castanha’
c. pɾin ʤo ‘fruto do pequi’
d. kameɾekʌk ʤo ‘fruto do açaí’
e. bʌ ɨ ɾɛɾɛk ʤo ‘fruto do cajá’
f. tɨɾɨti ʤo ‘fruto da banana’
118.
a. pi ɨ ‘semente da castanha
b. pɨ ɨ ‘semente de urucum’
c. mʌt kɾwə ɨ ‘semente de feijão
d. motopi ɨ ‘semente de amendoim
Há aínda em Xikrín dois itens lexicais que parecem desempenhar a função de termo
de classe, a saber: kɾã ‘cabeça’ e pɔj ‘achatado’. O primeiro, combina-se com itens lexicais
que designam frutos e expressa a ideia de ‘caroço de frutos’, além de indicar o formato
arredondado do referente. O segundo, combina-se a morfemas lexicais indicando seu formato
achatado.
Em Xikrín, quando um iten lexical refere a líquido, geralmente, vem acompanhado
do termo de classe kaŋo. A seguir elencamos alguns exemplos de nomes acompanhados do
termo de classe kaŋo, cuja função é indicar que este nome refere entidade líquida.
119.
a. mɾɨ -kʌ kaŋo ‘leite’ (líquido da pele de animal)
b. nɔ kaŋo ‘lágrima’ (líquido do olho)
c. kʌ kaŋo ‘leite materno’ (líquido da pele)
d. i j-akɾɛ kaŋo coriza nasal’ (líquido do nariz)
e. piʤo kaŋo ‘suco’; ‘refrigerante’ (líquido da fruta)
f. kaʤwati kaŋo ‘cachaça’; ‘cerveja’ (líquido da cana)
76
Noções distributivas
Noções distributivas são expressas pelas formas apɨj, ipɨj kot, e apɨi...ʤʌɾi. A primeira,
ocorre no início de sentenças e se combina tanto com nomes quanto com pronomes da série
absolutiva. A segunda, ocorre após as partículas paucal aɾi e plural me, as marcas pessoais
absolutivas e os nomes. A última, ocorre de forma descontínua apyj ..... ʤʌɾi .
120. -apɨj ʤa gwaj ŋo -ɾaj -mã mõ
R2- DISTR IRRLS 1+2.PAUC água -grande R
1-DIR ir/vir. PL
‘cada um de nós estará indo para o rio’
121. -apɨj na memɨ -õ puɾu
R2-DISTR RLS homem R
2-PERTENCE roça
-kaɾe-ɾe -ɔ mõ
R1-limpar-NLZ R
1-ASS.INTR ir/vir. PL
‘Cada um dos homens está limpando sua roça’
122. ba na ba piʤo aɾi -ipɨj kot ku-mã Ø-ŋã
1 RLS 1 fruta PAUC R2-DISTR R
2-DAT R
2-dar
‘eu dei fruta para cada um deles’
123. meniɾɛ na me -ipɨj kot pi kɔkje
mulher RLS PL R2-DISTR pau cortar
‘cada uma das mulheres cortou pau’
124. aɾi a ɲ-ipɨj kot ʤa ga aɾi mõ aŋɾo õj -bi
PAUC 2 R1-DISTR IRRLS 2 PAUC IR/VIR.PL porcão COL R
1-matar
‘cada um de vocês vai matar parte dos porcões’
77
125. aɾi i ɲ-ipɨj kot ʤa ba aɾi ŋɾɛ
PAUC 1 R1-DISTR IRRLS 1 PAUC cantar
‘cada um de nós vai cantar’
126. ba na ba me -be piʔok j-aɾe-j-ʤwəj
1 RLS 1 PL R2-ESSIVO folha R
1-dizer- NLZ- NLZ
ɲ-ipɨj kot me -mã livɾo -be
R1-DISTR PL R
2-DIR livro R
1-mostrar
‘eu mostrei o livro para cada um dos alunos’
127. -apɨj gɾupo ʤʌɾi ʤa me ujaɾe-j ɲ-ipej
R2-DISTR grupo DISTR IRRLS PL narrar-NLZ R
1-fazer
‘cada grupo escreverá uma estória’
128. ‘…-apɨj me --kɾa --ni ʤʌɾi bo --kaʤɨ
R2-DISTR PL R
2-filho R
1-fêmea DISTR palha R
1-FINLD
kukɾej -ɔ -wakpɾõ….’
material R1-ASS.INSTR R
1-reunir
‘cada um dos pais das meninas está reunido material para
(confeccionar) o aruanã’
2.2 PRONOMES
O sistema pronominal do Xikrín é formado por pronomes pessoais, pronomes
demonstrativos, pronomes interrogativos, pronomes indefinidos, pronome reflexivo e
pronome recíproco.
78
2.2.1. Pronomes pessoais
A língua Xikrín apresenta duas séries de pronomes pessoais, as quais rotulamos aqui
de SÉRIE I ou SÉRIE NOMINATIVA, e SÉRIE II ou SÉRIE ABSOLUTIVA.8 Essas duas
séries pronominais têm formas e funções distintas. Abaixo apresentamos o quadro com essas
duas séries pronominais. Os pronomes da série I desempenham funções livres e,
distribucionalmente, funcionam como argumento externo de verbo transitivo e argumento
interno de verbos intransitivo, ao passo que o sistema pronominal da série II ou absolutiva são
formas dependentes e funcionam como determinante de nomes, complemento de posposições,
e argumento interno de verbo intransitivo modificado por expressão adverbial. O sistema
pronominal pronominal do Xikrín indica referente singular e/ou dual. Quando seguem a
partícula aɾi indicam referente paucal, quando seguem a partícula me indicam referente plural.
A série pronominal pessoal livre pode ser vista como no quadro abaixo:
Pronomes Peessoais em Xikrín
SÉRIE I SÉRIE II
1 ba i
1+2 gu guba
2 ga a
3 ta ta
Os pronomes da SÉRIE I são formas independentes e exercem a função de sujeito de
verbos transitivos e intransitivos. Frequentemente, ocorrem como pronomes enfáticos, em
coocorrênncia com eles mesmos ou com os pronomes da SÉRIE ABSOLUTIVA. As
partículas aɾi ‘paucal’ e me ‘plural’ se justapõem aos pronomes livres contribuindo
respectivanmnete com os significados de poucos e muitos referentes (cf., por exemplo,
Cabral, Rodrigues e Costa (2002) e Costa (2003).
129. ba na ba kapɾãn -mə
1 RLS 1 jabuti R1-pegar
‘eu peguei jabuti’
8 A presente descrição dos pronomes em Xikrín tem como referências principais Costa (2003) e Cabral,
Rodrigues e Costa (2004).
79
130. gu na gu kapɾãn -mə
1+2 RLS 1+2 jabuti R1-pegar
‘nós pegamos jabuti’
131. ga na kapɾãn -mə
2 RLS jabuti R1-pegar
‘você pegou jabuti
132. i -bãm na bʌ -kãm te ta na kukɾɨt -bi
1 R1-pai RLS floresta R
1-LOC ir/vir 3 RLS anta R
1-matar
‘meu pai foi à floresta. Ele matou anta’
133. ba ʤa ba kɾi-ɾaj -mã te
1 IRRLS 1 serra-grande R1-DIR ir/vir
‘eu vou à cidade’
134. gu ʤa gu kɾi-ɾaj -mã te
1+2 IRRLS 1+2 serra-grande R1-DIR ir/vir
‘nós vamos à cidade’
135. ga ʤa ga kɾi-ɾaj -mã te
2 IRRLS 2 serra-grande R1-DIR ir/vir
‘vocês vão para a cidade’
Um fato que distingue dialetalmente a variedade Xikrín do Cateté das outras
variedades Kayapó é o de que os falantes da primeira variedade linguística fazem a contração
dos pronomes ba e ga com a particula paucal aɾi, resultando nas formas ban e gan,
80
respectivamente, enquanto nas demais variedades esta contração não ocorre.9 Estas formas
são muito frequentemente usadas pelos Falantes Xikrín do Cateté em sua interações
interpessoais, como conversas do dia a dia, contação de relatos históricos e míticos, embora a
forma não contraída ainda seja usada na comunidade, mesmo que com menos frequência. Já
os falantes da variedade Kayapó, não usam a forma contraída.
136. na ba na ban kapɾãn -mə
PAUC 1 RLS 1 jabuti R1-pegar
‘nós pegamos jabutis’
137. na gu na gwaj kapɾãn -mə
PAUC 1+2 RLS 1+2. PAUC jabuti R1-pegar
‘nóspegamos jabutis’
138. na ga na gan kapɾãn -mə
PAUC 2 RLS 2 jabuti R1-pegar
‘vocês pegaram jabutis’
139. na ba ʤa ban kɾi-ɾaj -mã te
PAUC 1 IRRLS PAUC serra grande R1-DIR ir/vir/SING
‘nós vamos à cidade’
140. na gu ʤa gwaj kɾi-ɾaj -mã te
PAUC 1+2 IRRLS 1+2 serra-grande R1-DIR ir/vir
‘nós vamos à cidade’
9 Ainda não temos registro do uso dessas formas pelos Xikrín do Bacajá.
81
141. an ga ʤa gan kɾi-ɾaj -mã te
PAUC 2 IRRLS 2.PAUC serra-grande R1-DIR ir/vir
‘vocês vão à cidade’
142. me ba na ba me aŋɾo õj -bi
PL 1 RLS 1 PL porcão COL R1-matar
‘nós matamos alguns porcões’
143. me gu na gu me aŋɾo õj -bi
PL 1+2 RLS 1+2 PL porcão COL R1-matar
‘nós matamos alguns porcões’
144. me ga na ga me aŋɾo õj -bi
PL 2 RLS 2 PL porcão COL R1-matar
‘vocês mataram alguns porcões’
Os pronomes da SÉRIE II/ABSOLUTIVA são formas dependentes e indicam referentes
singulares e duais. Quando combinados com a parícula paucal aɾi e a particula plural me,
indicam poucos e muitos referentes, respectivamente. Do ponto de vista distribucional, essas
formas ocorrem como determinantes de nomes, complemento de posposição, argumento
interno de verbo transitivo e como argumento interno de verbo intransitivo, cujo núcleo do
predicado é um nome de ação, como mostram os exemplos abaixo.
Determinantes de nomes
145. i -prõ
1 R1-esposa
‘minha esposa’
82
146. a -nã
2 R1-mãe
‘tua mãe’
147. guba ɲ-õbikwa
1+2 R1-amigo
‘nosso amigo (teu e de mim)’
148. i -kapɾi-ɾɛ
1 R1-triste-ATEN
‘eu estou tristinho’
complemento de posposição
149. kenpɔti na i -mã ʤuʤe -ŋã
Kenpoti RLS 1 R1-DIR arco R
1-dar
‘Kenpoti me deu arco’
150. ba ʤa ba a -kot te
1 IRRLS 1 2 R1-COM ir/vir
‘eu vou com você’
151. ba na ba a j-ã i ʤ-ʌbɲiɲi
1 RLS 1 2 R1-com respeito a 1 R
1-ciúme
‘eu tenho ciúmes de você’(lit. existe o meu ciúme com respeito a você)
83
152. “...ge ãane -nɔ -ɔ-boj ne eskɔla -pumu
assim R2-olho R
1-CAUS-chegar MS escola R
1-ver
aɾi a j-ã -akɾɛ
PAUC 2 R1-com respeito a R
2-conferir
kɔt aɾi a -pumu”
DUB PAUC 2 R1-ver
-kãm gwajba -mã -kaben ʔõ j-aɾe...”
R1-LOC 1+2 R
1-DIR R
2-fala algo R
1-dizer
‘...deixem assim eles verem com os próprios olhos a escola e conferirem a
respeito de vocês. talvez, ver vocês. Nisso, eles nos dizem algo’
argumento interno de verbo transitivo
153. ta na aɾəp gwajba -wəɾə boj ne ku-te
3 RLS JÁ 1+2.PAUC R1-DIR chegar MS R
2-OBL
aɾi a -pumu-j na aɾi a -kabi...”
2 R1-ver-NLZ RLS PAUC 2 R
1-escolher
eles (vieram) nos encontrar e’ conhecer vocês (os alunos) e
escolher vocês’
154. waj-ʤa ʤa kaŋã a -ɲa
cuidado IRRLS cobra 2 R1-picar
‘cuidado! a cobra pode te picar’
155. “-kãm na piʤəɲãɾãʤwəj kaŋã -kane -ɔ i -kaɲuə...”
R1-LOC RLS enfermeira cobra R
1-doença R
1-ASS.INTR 1 R
1-furar
“...nisso, a enfermeira me aplicou remédio contra veneno de cobra...”
84
argumento interno de verbo intransitivo (nome de ação)
156. ‘...ajtɛ fɔhtaleza -kãm i -te-m..’
ITER Fortaleza R1-LOC 1 R
1-ir/vir-NLZ
‘...continuei o meu ir em Fortaleza...’
157. ɲo-ɾaj -ã me i -ɾe-ɾe ket
rio R1-sobre PL 1 R
1-nadar- NLZ NEG
‘não houve o nosso banhar no rio’
2.2.2 Pronomes Demonstrativo
Os demonstrativos têm natureza dêitica e se referem a uma classe de itens cuja
função é indicar ou apontar uma entidade do contexto extralinguístico de um evento de fala
situando-o no espaço ou no tempo com relação ao centro dêitico que em Xikrin é o falante.
Conforme o papel gramatical que desempenham numa dada situação discursiva, os
demonstrativos podem funcionar como pronomes demonstrativos ou determinantes
demonstrativos. Eles se organizam conforme o parâmetro proximal versus distal em relação
ao centro dêitico, ou seja, ao falante . Em Xikrín, a forma demonstrativa ja ‘este/esta/isto’ é
usada para indicar referentes próximos ao centro dêitico, enquanto a forma wa
‘aquele/aquela/aquilo’ indica referentes distantes do falante. Abaixo seguem alguns exemplos
ilustrativos de ocorrência destes pronomes em Xikrín.
158.
a. kʌj ja b. kʌj wa
facão DEM.PROX facão DEM.DIST
‘este facão’ ‘aquele facão’
159.
a. -ʤə ga ajtɛ
INT 2 ITER
‘-você de novo?’ ‘(quer comer mais)?’
85
b. -ket ja bi
NEG DEM.PROX só
‘- não, só isto’
160. məja wa na tɨm
coisa DEM.DIST RLS cair
‘aquela coisa caiu’’
161. ja na i -tak
DEM.PROX RLS 1 R1-bater
‘este me bateu’
162. wa na i -tak
DEM.DIST RLS 1 R1-bater
‘aquela me bateu’
Os demonstrativos podem também se combinar com o pronome pessoal ta,
resultando em ta ja ‘ele, que está perto falante’ e ta wa ‘ele’, que está distante do falante’.
Nesse uso os demonstrativos em Xikrín não apresentam estratégias morfológicas ou sintáticas
para diferenciar singular e plural, como ocorre em outras língua da Família Jê (cf., por
exemplo, Santos (1997) e Miranda (2014)). Essa distinção é dada apenas pelo contexto
pragmático.
163. ta ja na pi-ŋɾʌ -ɔ-te
3 DEM.PROX RLS pau-seco R1-CAUS-ir/vir
‘ela está trazendo lenha’
164. ta wa na pi-ŋɾʌ -ɔ-te
DEM.DIST RLS pau-seco R1-CAUS-ir/vir
‘aquela está trazendo lenha’
86
2.2.3 Pronomes Indefinidos
Os pronomes indefinidos em Xikrín são expressos pela junção de dois morfemas: um
que expressa o significado de indefinitude e o outro que expresa a ideia de ‘pessoa’ ou ‘coisa’
(cf. SCHACHTER, 1985). A estes dois morfemas, combinam-se sintaticamente o pronome
indefinido ʔõ ‘INDEF’ e as palavras quanficadoras kuni ‘todos(as), ʔõʤwə ‘outro(a)’, kumɛj
‘muitos(as)’, ŋɾi-ɾɛ ‘pequenininho’, ‘poucos(as)’, ŋɾe-ɾɛ ‘pequenininho’, ‘poucos(as) (não
contável)’ e ʔɨ-ɾɛ ‘pouquinho(a)’ para indicar referentes indefinidos cujos traços semânticos
são [+animado]). Do ponto de vista distribucional, todas estas palavras funcionam na língua
Xikrín como determinantes de nomes, exceto quando vêm precedidos pelo morfema me
‘humano’, caso em que funcionam como substantivo.
Nas sentenças 165-166, o pronome indefinido ʔõ ocorre como argumento nuclear nas
funções A e S, respectivamente. Nas duas sentenças, o pronome indefinido ʔõ é precedido
pelo morfema me, que possibilita a interpretação de que os argumentos A e S referem
entidades indefinidas e humanas.
165. ‘...me ʔõ i -be aɾi a -kuɾua...”
HUM INDEF 1 R1-ABL PAUC 2 R
1-bater
‘alguém bateu em vocês em detrimento de mim’
166. ‘...me ʔõ boj ɲum apkɾɨ...’
HUM INDEF chegar SD de tarde
‘... alguém chegou; depois entardeceu ...’
Observando o exemplo (167), verifica-se que ʔõ funciona como determiante do nome
məja em função S.
167. məja ʔõ na tɨm
coisa INDEF RLS cair
‘algo caiu’
87
Em (168), constata-se que ʔõ funciona como argumento interno do verbo -ae
‘assustar’ e refere a entidade humana, pois vem antecedido da partícula me, enquanto no
exemplo (169), ʔõ aparece como modificador do nome composto katoŋ -ʔɨ ‘projétil’ em
função O.
168. ɾɔpkɾɔri na me ʔõ j-ae
onça RLS HUM INDEF R1-assustar
‘a onça assustou alguém’
169. ‘...me ku-tɛ katoŋ -ʔɨ ʔõ -bɨ
HUM R2-OBL revólver R
1-semente INDEF R
1-pegar
‘...houve o pegar de alguns projéteis pelos homens’
Observando os exemplos 170-172, constata-se que o quantificador kuni aparece
modificando nomes que referem entidades (+humano) em função S, O e em função de
oblíquo, respectivamente:
170. piʔokjakɾɛʤwəj -kuni na kɾi-ɾaj -mã mõ
professor R1-QUANT RLS serra-grande R
1-DIR ir/vir.PL
‘todos os professores foram para a cidade’
171. ba na ba kube -kuni -mu
1 RLS 1 não indígena R1-QUANT R
1-ver/conhecer
‘eu conheço todos os não indígenas’
172 ga ʤa ga meniɾɛ -kuni -mã a -kaben
2 RLS 2 mulher R1-QUANT R
1-DIR 2 R
1-fala
‘vai haver o teu falar para todas as mulheres’
88
Em 173-175, kuni aparece modificando nomes referentes a animais em função S e O,
respectivamente:
173. tɛp -kuni na aɾəp apej
peixe R1-QUANT RLS já acabar
‘todos os peixes acabaram ’
174. gu ajtɛ bʌɨ -kuni -kɾɛ
1+2 ITER milho R1-QUANT R
1-plantar
‘nós plantamos todo o milho de novo ’
175 memɨ na kapɾan -kuni -mə
homem RLS jabuti R1-QUANT R
1-pegar
‘o homem pegou todos os Jabutis ’
Na sentença (176), kuni ocorre como prominal, funcionando como argumento do
verbo boj ‘chegar’
176. me kuni na puɾu -kuɾum boj
HUM QUANT RLS roça R1-ABL chegar
‘todos chegaram da roça ’
Na sentença (177), kuni funciona como argumento interno do verbo -mu
‘ver/conhecer’.
177 ba na ba me -kuni -mu
1 RLS 1 PL R2-QUANT R
1-ver/conhecer
‘eu conheço todos’
89
Em (178), verifica-se que ʔõʤwə está ocorrendo como argumento externo na oração,
enquanto em (179), ele aparce modificando o nome nɔkamiʧɛ ‘óculos’em funão O.
ʧ
178. me ʔõʤwə na tɛp j-aɲi
HUM QUANT RLS peixe R1-subir
‘outros pescaram’
179. ʤa ba nɔkãmiʧɛ -ʔõʤwə j-aʤʌ
IRLS 1 óculos R1-QUANT R
1-usar
‘eu vou usar outros óculos’
Em (180), a palavra quantificadora kumɛj relaciona-se ao nome piʤo ‘fruta’ na
construção existencial, e funciona como modificador, enquanto em (181) modifica o nome
tɛp, em função O.
180. piʤo -kumɛj na kʌ -kãm ʤa
fruta R1-QUANT RLS cesto R
1-LOC estar.em pé
‘há muitas frutas no cesto
181. memɨ na tɛp -kumɛj ʤ-ʌɲwə
homem RLS peixe R1-QUANT R
1-flechar
‘os homens flecharam muitos peixes’
No exemplo (182), o quantificador ŋɾe-ɾɛ -usado com nomes de massa - refere-se ao
sintagma nominal piʤo ‘fruta’, como um modificador e no exemplo (183), ele refere-se ao
sintagma nominal -inokʌ, modificando-o:
90
182. piʤo -ŋɾe-ɾɛ na kʌ -kãm ʤa
fruta R1-QUANT-ATEN RLS cesto R
1-LOC estar.em pé
‘há poucas frutas no cesto
183. aɾəp i ɲ-inokʌ -ŋɾe-ɾɛ
já 1 R1-camisa R
1-QUANT-ATEN
‘eu tenho poucas camisas
Na sentença (184), o quantivicador ʔɨ-ɾɛ -usado com nomes incontáveis- modifica o
sintagma nominal piʤokaŋo ‘refrigerante’ e no exemplo (185b), o nominal ŋo ‘água’.
184. aɾəp i ɲ-õ piʤokaŋo -ʔɨ-ɾɛ
já 1 R1-PERTENCE refrigerante R
1-QUANT-ATEN
‘já há pouquinho do meu refrigerante’
185.
a. - amɾe a ɲ-õ ŋo ʤa ba kwə i -kõ
para cá 2 R1-PERTENCE água IRRLS 1 PART 1 R
1-beber
‘-venha, vai haver o meu beber da tua água’
b. - ket ane aɾəp i ɲ-õ ŋo -ʔɨ-ɾɛ
não assim já 1 R1-PERTENCE água R
1-QUANT-ATEN
‘-não é assim! Já há pouco da minha água’
2.2.4 Pronomes Reflexivo e Recíproco
A língua Xikrín apresenta um morfema para expressar a categoria gramatical de
reflexivo e outro para expressar a categoria de recíproco. Assume-se, com Schadt (2000, p.
103), que um marcador reflexivo denota um referente idêntico ao sujeito do sintagma nominal
que, geralmente, funciona como objeto da sentença. Ou seja, a forma reflexiva mostra que um
mesmo referente na sentença é, sob o ponto de vista semântico, agente/paciente e, sob o ponto
de vista sintático, sujeito/objeto da ação expressa pelo verbo. Dito de outra forma, o reflexivo
91
sinaliza a correferencialidade dos argumentos interno e externo de verbo transitivo (cf.
PAYNE, 1997). Em Xikrín, o reflexivo é expresso pelo morfema ami. Nos exemplos (186-
187), a forma ami funciona como objeto direto do verbo -ok ‘pintar’ e das formas nominais -
ɔmu e -ŋɾe-j em que é correferente com o sujeito das respectivas sentenças.
186. meni na ami j-ok
mulher RLS REFL R1-pintar
‘a mulher se pintou’
187. ba na ba itʃɛrɛ -kãm ami j-ɔmu
1 RLS 1 espelho R1-LOC REFL R
1-ver
‘eu me vi no espelho’
gan ku-be ami -ŋɾe-j ket
2.PAUC R1-ABLAT REFL R
1-mexer-NLZ Neg
‘...eh, filhos, se depois (puraquê) andar sobre vocês, vocês
não se mexem’
Em (188 a 190) a forma ami funciona como objeto indireto das formas verbais
nominalizadas -ujare-j ‘contar’, -kuʔõ ‘lavar’ e do verbo -ɾe ‘tirar’. Este pronome, indica
também que o objeto indireto destas sentença é correferente com o sujeito.
188. akati -mɛj i -jɛ brasiʎja -mã ami
dia R1-bem 1 R
1-OBL Brasília R
1-DIR REFL
-te-m -ã i ʤ-ujare-j -mã...”
R1-ir/vir.NLZ R
1-sobre 1 R
1-contar- R
1-DIR
‘bom dia! Vai haver sobre minha ida a Brasília por mim mesmo...’
92
189. ba na ba ami -mã -inokʌ -kuʔõ
1 RLS 1 REFL R1-DIR R
1-camisa R
1-lavar
‘eu lavei a camisa para mim mesmo’
190. meni na ami -mã noʔõ -ɾe
mulher RLS REFL R1-DIR cílios R
1-tirar.PL
‘a mulher tirou seus próprios cílios’
O Pronome recíproco aben assemelha-se ao reflexivo por indicar a
correfenrencialidade com um outro nominal recorrente na sentença. Semanticamente,
expressa ações, eventos, condições, etc. mútuos (cf. SCHACHER, 1992) e sintaticamente
funciona como objeto direto e indireto.
Em (191 e 192), aben ocorre em função de O e indica a correferencilaidade com o
sujeito nas duas sentenças.
191. piʔokjakɾɛʤʌ -kãm kubeniɾɛ aben -tak
escola R1-LOC não indígena RECIP R
1-bater
‘foi na escola que mulheres bateram uma na outra’
192. ‘...arəp -wəɾə aben j-anɔ-ɾɔ ʤa
‘...já R2-DIR RECIP R
1-mandar-NLZ estar.em.pé
‘...(eles) madaram um ao outro ficar em pé em direção (do gavião)...’
Observando os exemplos (193a,b-194), verifica-se que aben exerce a função de objeto
indireto e é correferente com o sujeito de ambas as sentencas.
193.
a. ‘...-katɨk -katɨk ɲum arəp w ajtɛ aben
R2-cansado R
2-cansado SD JÁ DUB ITER RECIP
b. -mã -ã -ʌbne-j -ɔ ʤa
R1-DIR R
2-sobre R
2conversar-NLZ R
1-ASS.INSTR ficar.em.pé
‘...(o gavião) cansado, cansado; eles (os dois irmão) talvez continuaram conversando
um com o outro sobre (como matar o gavião)...’
93
194. memɨ na me aben -mã -kaben -ɔ ɲɨ
homem RLS PL RECIP R1-DIR R
2-fala R
1-ASS.INSTR sentar
‘os homens estão falando uns com os outros’
2.2.5 Palavras interrogativas
Palavras interrogativas ocupam a posçião inicial na sentença e são palavras
equivalentes as do português quem, que, onde, quando, etc. Segundo Schachter (2007), as
palavras interrrogativas podem ser constituídas por pronomes interrogativos (quem, que) ou
por itens lexicais de outras classes, como os advérbios interrogativos (onde, quando) (cf.
SCHACHTER, 2007). Em Xikrín, há duas palavras interrogativos, ɲum ‘quem’ e məj ‘que). A
palavra ɲum refere entidades cujo traço semântico é [+humano]. Este pronome pode ocorrer
como derminante do sintagma nominal õ ‘pertence’ (exs. 195 a 197) e como argumento em
função sujeito (exs. 198 a 201), objeto direto (exs. 202 a 203) e objeto indireto (ex. 204).
Determinante do nominal õ
195. ɲum ɲ-õ ɾɔp na ja
INT R1-PERTENCE cachorro RLS DEM.PROX
‘de quem é este cachorro?’
196. ɲum ɲ-õ puɾu na ja
INT R1-PERTENCE cachorro RLS DEM.PROX
‘de quem é este roça?’
197. ɲum ɲ-õ bisiklɛta na ʤa
INT R1-PERTENCE bicicleta RLS estar.em.pé
‘de quem é a bicleta’
94
Argumento em função sujeito
198. ɲum na bʌ -kãm te
INT RLS floresta R1-LOC ir/vir
‘quem foi na floresta?’(quem foi caçar)
199. ɲum na boj
INT RLS chegar
‘quem chegou?’
200. ɲum na kukoj -bi
INT RLS macaco R1-matar
‘quem matou macaco?’
201. ɲum na tɨɾɨti -kɾe
INT RLS banana R1-comer
‘quem comeu banana?’
objeto direto
202. ɲum na ga -ɔmu
INT RLS 2 R2-ver
‘quem você viu?’
203. ɲum na mak ku-ɲa
INT RLS escorpião R2-ferrar
‘quem o escorpião ferrou?’
95
Objeto indireto
204. ɲum -mã na ga tɛp -ŋã
INT R1-DIR RLS 2 peixe R
1-dar
‘para quem você deu peixe?’
A palavra interrogativa məj ‘que’ refere entidades cujo traço semantico é (-humano) e
substitui sintagmas nominais na função sujeito de verbos transitivos (Exs. 205-206) e
intransitivos (Ex. 207) e objeto direto de verbos transitivos (Exs. 208-209).
205. - məj na a -ɲa
INT RLS 1 R1-ferrar
- mak na i -ɲa
escorpião RLS 1 R1-ferrar
‘- O que te ferrou? - Foi escorpião que me ferrou.’
206. - məj na me a j-ae
INT RLS PL 2 R1-assustar
- ɾɔp na me i j-ae
onça RLS PL 1 R1-assustar
‘- O que assustou vocês?
‘– Foi a onça que nos assustou’
207. - məj na ruə
INT RLS desceu
- kukoj na ruə
macaco RLS desceu
‘- O que desceu?
- Foi o macaco.’
96
208. - məj na ga -uti-ri -ɔ nõ
INT RLS 2 R1-sonhar-NLZ R
1-ASS.INSTR deitar
- me -kot i -te-m na ba
PL R2-COM 1 R
1-ir/vir.sing-NLZ RLS 1
-tum ɾʌp -uti-ri -ɔ nõ
R2-velho REF.PASS R
1-sonhar-NLZ R
1-ASS.INSTR deitar
‘- O que você sonhou’?
- o meu ir com as pessoas (para Fortaleza) eu sonhei com (esse) tempo passado’
209. - məj na memɨ ku-bi
INT RLS homem R2-matar
-aŋɾo na memɨ ku-bi
RLS homem R2-matar
‘- o que o homem matou?
- foi porcão que o homem matou.’
Os pronomes ɲum e məj combinam-se com algumas posposições e/ou temas
nominais absolutos, como akati ‘dia’, mɨt ‘sol’ para formar locuções interrogativas que
expressam noções adverbiais, tais como: quantidade, local, instrumento, finalidade, tempo,
razão, companhia, modo, dentre outros, como mostram os exemplos seguintes:
210. ɲum -ã -kot na ga kapɾãn -ɔ--mõ-ɾõ boj
INT R1-sobre R
2-COM RLS 2 jabuti R
1-CAUS-R
1-ir/vir.PL-NLZ chegar
‘com quem você chegou fazendo vir com o jabuti’ ‘(com quem você chegou trazendo
jabuti?’
211. ɲum -ã -kot na -te pi -ɔ -mə
INT R1-sobre R
2-COM RLS R
2-ir/vir chegar R
1-ASS.INSTR R
2-pegar
‘Com quem ela pegou lenha?’
97
212. məj -ɔ na ga kukej -bi
INT R1-ASS-INSTR RLS 2 cotia R
1-matar
‘com que você matou cotia?’
213. məj -kãm na meniɾɛ kwəɾə -tu-ru -ɔ-mõ
INT R1-LOC RLS mulher mandioca R
1-carregar-NLZ R
1-CAUS-ir/vir.PL
‘Dentro de que as mulheres estão carregando mandioca?’
214. məj kaʤɨ ʤa a -bãm iskejɾu -bɨ
INT FINLD IRRLS 2 R1-pai isqueiro R
1-pegar
‘para que teu pai vai pegar isqueiro?’
215. məj akati -kãm ʤa ga belej -mã te
INT dia R1-LOC IRRLS 2 Belém R
1-DIR ir/vir
‘Que dia você vai a Belém?’
216. məj saku ku-tɛ ʤa ga a -mã -kij
INT saco R2-OBL IRRLS 2 2 R
1-DIR R
2-agradar
‘Quantos sacos te agradam?’ (Quantos sacos você vai querer?)
217. məj na kapɾãn ku-tɛ ga a-mə
INT RLS jabuti R2-OBL 2 R
2-pegar
‘quantos jabutis você pegou?’
218. məj na nɔkamiʧɛ pãj ku-tɛ
INT RLS óculos em troca R2-OBL
‘Quanto custam os óculos?’
98
219. məj mɨt ku-tɛ
INT sol R2-OBL
‘Que horas são?’
Além das palavras interrogativas ɲum e məj, há as palavras interrogativas ɲɨj, ɲãj e
ɲãm, que codificam informações espaciais (exs. 220 a 224). A forma ɲɨj, associa-se ao
demonstrativo ja e a uma das posposições locativas ã e/ou kãm para expressar noções espaço-
temporais. Essas formas interrogativas exercem papel periférico de adjunto adverbial e
ocorrem rigorosamente no início da oração.
220. ɲɨj na ga aŋɾo ja -bi
INT RLS 2 porcão DEM.PROX R1-matar
‘onde você matou este porcão?’
221. ɲãj na ga te
INT RLS 2 ir/vir
‘de onde você veio?’
222. ɲãm ʤa ga te
INT IRRLS 2 ir/vir
‘para onde você vai?’
223. ɲɨj ja ã ʤa ga boj
INT DEM.PROX.SOBRE IRRLS 2 chegar
‘quando você vai chegar?’
224. ɲɨj ja kãm ʤa ga amɾe te
INT DEM.PROX.LOC IRRLS 2 DIR.CENTR ir/vir.siing
‘quando você virá par cá’
99
2.3 VERBOS
Os verbos em Xikrín são definidos com base em critérios semânticoss, morfológicos
e sintáticos. De acordo com critérios semânticos pertencem à classe de verbos temas que
expressam ações, processos, estados transitórios, eventos e atividades fisiológicas (cf.
SCHACHTER, 1985; GIVON, 1984).
Morfologicamente, os temas verbais, assim como os nomes relativos e as
posposições, recebem flexão relacional. Neste capítulo não tratamos da flexão relacional nos
temas verbais. Para um estudo detalhado da flexão relacional, ver cápitulo III.
2.3.1 Classes de verbos em Xikrín
Com base em critérios distribucionais, os verbos em Xikrín agrupam-se em duas
classes. Verbos que exigem dois argumentos obrigatórios, um interno, e outro externo,
agrupam-se na classe dos transitivos e verbos que requerem apenas um argumento
obrigatório, o sujeito, agrupam-se na classe dos intransitivos. Ambas as classes podem ser
organizadas em duas subclasses. Assim, a classe dos verbos transitivos subdivide-se em (i)
transitivos bivalentes, os quais apresentam dois argumentos obrigatórios e (ii) em transitivos
trivalentes, os quais, exigem, além dos argumentos interno e externo, um argumento oblíquo.
A classe dos verbos intransitivos subdivide-se em (i) intransitivos monovalentes, os quais têm
apenas um argumento obrigatório, o sujeito e (ii) em intransitivos bivalentes, os quais, além
do argumento sujeito, têm outro argumento oblíquo.
2.3.1.1 Verbos transitivos bivalentes
225. ba na ba kapɾãn kwə j-amɨ
1 RLS 1 jabuti PART R1-pegar
‘eu peguei alguns jabutis’’
226. ga na ga kwəɾə -kuʤo
2 RLS 2 R1-mandioca R
1-descascar
‘Você descascou mandioca’
100
227. an ba na ban kʌj ʤ-waŋɾʌ
PAUC 1 RLS 1.PAUC facão R1-amolar
‘nós descascamos mandioca’
228. ba na ba piʔɨ -kumɛj -ɾuɾuk
1 RLS 1 castanha R1-QUANT R
1-cortar.PL
‘eu cortei muitas castanhas’
2.3.1.2 Vebos transitivos trivalentes
229. pɔɨ na i -mã -kaɾõ Ø-be
Poy RLS 1 R1-DIR R
1-sombra R
1-mostrar
‘Poy me mostrou fotos’
230. tamakwarɛ -mã na ba aŋʌ Ø-ŋã
Tamakwaré R1-DIR RLS 1 missanga R
1-dar
‘foi para o Tamakwaré que eu dei missanga’
231. ga ʤa ga i -mã kruwa j-anɔ
2 IRRLS 2 1 R1-DIR flecha R
1-mandar
‘você vai me mandar flecha’
2.3.1.3 Verbos intransitivos monovalentes
232. wɛwɛ ʤa tɔ
borboleta IRRLS voar
‘a borboleta vai voar’
101
233. sábado -kãm ʤa gu katɛtɛ -mã mõ
sábado R1-LOC IRRLS 1+2 Cateté R
1-DIR ir/vir.PL
‘no sábado, nós vamos para o Cateté’
234. ba ʤa ba ŋõɾõ
1 IRRLS 1 dormir
‘eu vou dormir’
235. aɾəp na ba boj
já RLS 1 chegar
‘eu já cheguei’
2.3.1.4 Verbos intransitivos bivalentes
236. ba na ba kube -mã amɾa
1 RLS 1 não indígena R1-DIR gritar
‘eu gritei com o não indígena’
237. meniɾɛ na i -mã ej
mulher RLS 1 R1-DIR mentir
‘a mulher mentiu para mim’
238. ba i -kamɨ -mã Ø-inokʌ -ɔ-te
1 1 R1-irmão R
1-DIR -camisa R
1-CAUS-ir/vir
‘Eu vim com camisa para meu irmão’
102
239. benaʤwəɾə na i -mã -kaben
cacique RLS 1 R1-DIR R
1-fala
‘houve a fala do cacique para mim’ ‘(o cacique falou comigo)’
2.3.2 Temas verbais supletivos
Nesta seção, tratamos da supleção de temas verbais, isto é, do uso de dois ou mais
temas distintos para expressar as flexões de um único item lexical (cf. TRASK, 1994).
Formas verbais supletivas e/ou reduplicadas são atestadas na língua Xikrín. Este
fenômeno, comum a muitas línguas da família Jê (cf., por exemplos, Ferreira (2003), Oliveira
(2005) e Miranda (2014), é também descrito por Porto (1987)10
para a língua Kaingáng.
Segundo essa autora, há em Kaingáng formas verbais singulares e plurais, conforme seja
singular ou plural o sujeito de verbos intransitivos e o objeto de verbos transitivos. Já
D’Angelis (2004), rejeita a interpretação de que as ditas formas singulares versus formas
plurais sejam evidência de concordância de número em favor da interpretação de que esses
temas verbais expressam ação única constrastando com ação múltipla, o que difere da análise
de Urban (1985) para o Xokleng e da presente análise do Xikrín.
Abaixo apresentamos um quadro com alguns temas verbais que alternam sua forma
conforme o objeto de verbos transitivos ou o sujeito de intransitivos seja singular ou plural.
Quadro 7 – Verbos transitivos: ação única versus ação plural
Temas verbais transitivos
O singular O plural Glosa
-bi-n -imɛj- matar
ʤ-ʌɾʌ ∞ ʤi-ɾi- aʤwə- ɾə colocar
apok- - ∞ kaɲwə-ɾə kamjə-ɾə furar
kɾe-n ku-ɾu comer
kɾɛ- aŋje-j plantar
kwɨɾɨ ∞ kwɨ-j kɾakɾak- quebrar
me-j re-j jogar
tak- titik- bater
10
Marita Porto Cavalcante. Fonologia e morfologia da língua Kaingáng: o dialeto de São Paulo comparado com o do Paraná. 1987. 0 f. Tese (Doutorado em
Lingüística) - Universidade Estadual de Campinas, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Orientador: Aryon Dall'Igna Rodrigues.
103
Quadro 8 – Verbos intransitivos: ação única versus ação plural
Temas verbais Intransitivos
S singular S plural Glosa
ʤa-m kuʔe- estar.em pé
katɔ-ɾɔ apoj- sair
ɲɨ-ɾɨ kɾi- estar.sentado
nõ-ɾõ ikwa- estar.deitado
rwək- kɾukɾuk- chover
rwək- biʧaʤwə-ɾə descer
tak- titik- bater
te-m mõ-ɾõ ir/vir
tɨm-Ø ɾoɾok-Ø cair
waʤa/waʤʌ-ɾʌ aŋje-j entrar
A seguir, apresentamos exemplos contextualizados das formas singulares e plurais
dos verbos Xikrín.
240. ba na ba ŋɾa -bi
1 RLS 1 paca R1-matar
‘eu matei paca’
241. ‘...amrebe na gɔɾɔtiɾɛ kikɾɛ -mã katɔ ne
antigamente RLS Gorotire aldeia R1-DIR sair MS
memɨ ɲ-imɛj meniɾɛ -pɨtʌt -ɔ-mõ
homem R1-matar.PL mulher R
1-levar R
1-CAUS- ir/vir. PL
me pri-ɾɛ -ɔ-mõ
HUM criana-ATEN R1-CAUS- ir/vir. PL
‘..há algum tempo, os Gorotire encontraram a aldeia dos Xikrín e mataram
muitos homens e levaram mulheres e crianças...’
Observando o exemplo (240), o verbo -bi temm objeto singular, ao passo que em
(241), ocorre a forma vebal o-imɛj já que o objeto é plural.
104
242. me niɾɛ na kʌ -kãm kʌj -kuʤʌ
mulher RLS cesto R1-LOC faca R
1-colocar.sing
‘a mulher colocou uma única facas no cesto
243. me niɾɛ na me kʌ -kãm piʤo j-aʤwə
mulher RLS PL cesto R1-LOC fruta R
1-colocar.PL
‘as mulheres colocaram as frutas no cesto’
Em (242), -kuʤʌ ‘colocar’ tem objeto singular, já em (243) ocorre a forma supletiva
do mesmo verbo -aʤwə ‘colocar’ visto que o objeto é plural.
Outros exemplos:
244. kapɾan na ba pɨka -be ku-me
jabuti RLS 1 chão R1-ABLAT R
2-jogar. sing
‘eu joguei jabuti no chão’’
245. ba na ba a -mã piʤokɾãpɔjti -ɾe
1 RLS 1 2 R1-DIR manga R
1-jogar.PL
‘eu joguei mangas para você’
246. ba -kãm ni kaʤɨ brasiʎja -mã te
1 R2-LOC DIR.CENTR para Brasília R
1-DIR ir
‘eu, nisso, (vim) para cá para ir a Brasília’
247. ‘...ba me lusivawdo me Kahmɛʎja me ba aɾi
1 CONJ Lucivaldo CONJ Carmélia CONJ 1 PAUC
-nɔ -ma mõ ba aɾi takisi -kãm mõ
R1-olho R
1-saber ir/vir 1 PAUC táxi R
1-LOC ir/vir
105
takisi -kãm mõ mɾa hodoviaria -kãm boj...’
táxi R1-LOC ir/vir.PL hes rodoviária R
1-LOC chegar
nós, Lucivaldo, Carmélia e eu fomos passear de táxi; fomos de táxi e
chegamos à rodoviária
2.3.3 Nominalização
A nominalização é um mecanismo derivacional que consiste em transformar em
nomes elementos de outras classes de palavras, embora muitas línguas nominalizem
sintagmas posposicionais e predicados, como o fazem línguas Tupí-Guaraní (cf.
RODRIGUES, 1954). Em Xikrín, como resultado da derivação aplicada a verbos, derivam-se
nomes de ação, de agente e de circunstância. A nominalização de nome de ação é obtida a
partir de temas verbais acrescidos de um dos alomorfes do sufixo nominalizador de nome de
ação -m ~ -n ~ -j ~ -rV ~ -. É a partir de tais bases nominalizadas que é possível derivar
nomes de agente e de circunstância, os primeiros com a adição do sufixos -ʤwəj e os
segundos, por meio do sufixo -ʤʌ. Os nomes de circunstância referem local, instrumento e
evento.
Nomes de agente
Exemplos de nomes de agente são:
Nominalizador de nome agente: -ʤwəj Tradução: aquele que
me -ŋɾɛ-ɾɛ-ʤwəj
HUM R2-cantar-NLZ-NLZ
‘cantor’
me -wa ɔ apoj--ʤwəj
HUM R2-dente CAUS sair-NLZ-NLZ
‘dentista’
me -kanɛ--ʤwəj
HUM R2-tratar.doença-NLZ-NLZ
‘médico’
me piʤə ɲ-ãɾã--ʤwəj
HUM remédio R1-dar-NLZ-NLZ
‘enfermeira’
piʔok j-akɾɛ--ʤwəj
R2-
folha R1-mostrar- NLZ-NLZ
‘professor’
106
-ʌpej-ʤwəj
R2-trabalho- NLZ
‘trabalhador’
-pa-ɾi-ʤwəj
R2-matar- NLZ-NLZ
‘matador’
-mɾã-j-ʤwəj
R2-andar- NLZ-NLZ
‘andarilho’
-kukwə-ɾə-ʤwəj
R2-quebrar-NLZ-NLZ
‘quebrador’
tɛp j-aɲi--ʤwəj ‘pescadores’
peixe R1-pegar-NLZ-NLZ
Os exemplos que seguem mostram alguns desses nomes de ação contextualizados em
enunciados de fala natural.
248. joãw paulo ajbeɾi boj ku-be me -kanɛ--ʤwəj
João Paulo agorinha chegar R2-essivo HUM R
2-tratar.doença- NLZ-NLZ
‘João Paulo acabou de chegar. Ele é médico’
249. bɛp kamɾek -be me -piʤə ɲ-ãɾã--ʤwəj
Bep Kamrek R1-essivo HUM R
2-remédio. R
1-dar-NLZ-NLZ
‘Bep Kamrek é enfermeiro’
250. ŋum na ku-be -piʔok j-akɾɛ--ʤwəj
quem RLS R2-essivo R
2-folha R
1-mostrar-NLZ-NLZ
‘quem é o professor?’
251. pɔkɾɛ -be piʔɨ -kukwə-ɾə-ʤwəj
Pokre R1-essivo castanha R
1-quebrar- NLZ-NLZ
‘Pokre é cortador de castanha’
107
252. mebeŋokɾɛ ku-be -õkɾɛʤe ɲ-ipej- -ʤwəj
indígena R1-essivo R
2-colar R
1-fazer- NLZ-NLZ
‘os mebengokre são fazedores de colar’
Formas longas e curtas dos verbos
As línguas da família Jê distinguem formas verbais curtas e longas (cf., por exemplo
Shell (1952), Popjes e Popjes (1986), Dourado (2001), Ferreira (2003), Costa (2003), Amado
(2005), Souza Filho (2007) e Miranda, 2014)). Em geral, a alternância no uso da forma verbal
curta ou longa tem sido descrita como relacionada a tempo imperfeito/perfeito e aspecto
imperfectivo/perfectivo.
A alternância entre forma curta e longa em Xikrín não está relacionada à não-
conclusão versus conclusão de um evento verbal, e sim, à modificação do núcleo de predicado
verbal por um adverbial, e à relação de dependência estrutural, como é o caso da subordinação
e relativização (cf., Costa (2003) e Miranda (2014). Em sentenças em que o núcleo do
predicado é modificado por uma expressão adverbial, ou quando funcionam como substantivo
ou adjetivo, ocorre a forma nominalizada de nome de ação. Em seguida, apresentamos
exemplos de sentenças com formas verbais plenas e outros com formas nominalizadas.
Na sentença (253) o predicado tem como núcleo a forma vebal plena tɔ; já na
sentença (254), por outro lado, ocorre o nome de ação -tɔɾɔ, já que foi modificado pelo
adverbial -kumɛj.
253. ba na ba tɔ
1 RLS 1 festejar
‘eu festejei’
254. ba i -tɔɾɔ -kumɛj
1 1 R1-dançar R
1-QUANT
‘houve muito o meu dançar’ (eu dancei muito)
108
Em (255a), como o núcleo do predicado não é modificado, ocorre a forma finita do
verbo -kre . Já, em (255b), como o núbleo do prediado é modifiacdo pelo adverbial ket, é
acionada a forma nomializada do verbo, resultando em -kre-n.
255.
a. kube kunum -kre ɲum
não-indígena capivara R1-comer SD
‘os não indígenas come/m capivara mas’
b. mebeŋokrɛ -tɛ -kre-n ket
indígenaL R1-OBL R
1-comer-NOM NEG
‘não há o comer de capivara pelos indígenas’
As formas longas são ‘nomes de ação’, formados pelos alomorfes do morfema ‘nome
de ação’ ação -m ~ -n ~ -j ~ -r ~V ~ -. A partir do nome de ação é possível a formação de
nomes de agente por meio do sufixo -dwj e a formação de nomes de circunstância com o
sufixo -dʌ.
Nomes de ação
256. a te-m ket
2 ir-NLZ NEG
‘não houve teu ir’
257. i -j aro bi-n ket
1 R1-OBL porcão matar-NLZ NEG
‘não houve o matar do porcão por mim’
258. menir -t mem mu-j ket
mulher R1-OBL homem ir- NLZ NEG
‘não houve o ver do homem pela mulher’
109
259. menir -nõ-rõ ket
mulher R1-deitar-NLZ NEG
‘não houve o deitar da mulher’
260. i -bãm boj- ket rãã
1 R1-pai chegar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o chegar do meu pai’
Nomes de circunstância
Um nome de circunstância é formado da combinação de um nome de ação
combinado com o sufixo -ʤʌ. Exemplos são os seguintes:
LOCAL
me -kanɛ--ʤʌ
HUM R2-tratar.donça-NLZ- NLZ.CIRC
‘hospital’
me -ɨ-ɾɨ-ʤʌ
HUM R2-sentar-NLZ-NLZ.CIRC
‘acampamento’; ‘aldeia’
-piʔok j-akɾɛ--ʤʌ
R2-folha R
1-mostrar-NLZ-NLZ.CIRC
‘escola’
-ʌpej-ʤʌ
R2-trabalhar-NLZ.CIRC
‘escriório’
pɨʤi--ʤʌ. ‘auditório’
reunir-NLZ-NLZ.CIRC
-piʔok -təj ɲ-ipej--ʤʌ.
R2-folha R
2-forte R
’-fazer-NLZ-NLZ.CIRC
‘universidade’
110
boj--ʤʌ
chegar-NLZ-NLZ.CIRC
‘lugar de chegada’; ‘terminal de integração’’
-ikwã--ʤʌ
R2-deitar/PL-NLZ-NLZ.CIRC
‘lugar de deitar de’; final da linha do ônibus;
‘garagem’
Os exemplos (261 a 263) foram extraídos de relatos dos professores pesquisas Bep
Biere-Ti Xikrín, Bep Nhõri-Ti Xikín e Kenpo-Ti Xikrín. O primeiro, narrou uma história a
respeito da mudança de acampamento/aldeia feita pelos Xikrín. O segundo, descreve a visita
que fez a Brasília em 2010, durante a qual participou de um evento promovido pelo
Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas da UnB. O último, conta a história de uma
briga entre duas adolescentes em uma escola onde estudava no municío de Marabá.
261. ...ʃikɾi na me -ɨ-ɾɨ-ʤʌ -tum -kaŋa...
Xikrín RLS HUM R2-sentar-NLZ- NLZ.CIRC R
1-velho R
1-abandonar
‘... os Xikrín abandonaram o acampamento antigo’
262. “kubeniɾɛ-kʌ-kɾã-tɨk-ɾɛ lapis ʤ-wa--ʤʌ -bɨ...”
a não indígena negra lápis R1-apontar-NLZ-NLZ.CIRC R
1-pegar...”
‘a não-indígena negra pegou o estilete...’
263. ...me -tɛ aben pɨʤi--ʤʌ -mã te...
PL R2-OBL RECIP reunir-NLZ-NLZ.CIRC R
1-DIR ir/vir
‘... as pesoas foram para o auditório...’
Instrumento
me -ako-ɾo-ʤʌ
HUM R2-soprar-NLZ-NLZ.CIRC
‘ventilador’
111
me -ki-ʤe--ʤʌ
HUM R2-cabelo-preder-NLZ-NLZ.CIRC
‘prendedor de cabelo’
me -kɾi--ʤʌ
HUM R2-sentar/PL-NLZ-NLZ.CIRC
‘cadeira’
me -kaben ma-ɾi-ʤʌ
HUM R2-fala-saber-NLZ-NLZ.CIRC
‘rádio’
me -ã ŋo -ŋɾʌ--ʤʌ
HUM R2-água R
1-secar-NLZ-NLZ.CIRC
‘toalha’
me -akʌ-ɾʌ--ʤʌ
HUM R2-água R
1-cortar.em pedaços-NLZ-NLZ.CIRC
‘tesoura’
lapis ʤ-wa--ʤʌ
lápis R1-apontar-NLZ-NLZ.CIRC
‘apontador’; ‘estilete’
kwɨ -ã kabe-ɾe-ʤʌ ‘abanador’
fogo R1-sobre abanar-NLZ-NLZ.CIRC
kapõ-j-ʤʌ ‘vassoura
R2-varrer-NLZ-NLZ.CIRC
Os exemplos (264 a 265) ilustram a ocorrência de nomes de circunstância que fazem
referência a instrumentos.
264. kepɔti na me -ako-ɾo-ʤʌ
HUM R2-soprar-NLZ-NLZ.CIRC
-bɨ
Kenpo-Ti RLS ventilador R1-pegar
‘Kenpo-Ti comprou um ventilador’
112
265. piʔok na me -kɾi--ʤʌ -ã nõ
folha RLS cadeira R1-sobre estar.deitado
‘o livro está sobre a cadeira’
266. kwəɾə -ke-j-ʤʌ wa na me -kuni ɲ-õ
mandioca R1-ralar-
NLZ-NLZ.CIRC
DEM.DIST RLS PL R2-QUANT R
2-PERTENCE
‘aquele ralador de mandioca é de todas as pessoas’
267. ikɾo na -kɾa -mã me -ki-ʤe--ʤʌ -ŋã
Ikro RLS R2-fillha R
2-DIR prendedor de cabelo’ R
1-dar
‘Ikro deu prendedor de cabelo para sua filha’
268. amɾebe mebeŋokɾɛ na me kwɨ -ã kabe-ɾe-ʤʌ ɲ-ipej
antigamente Xikrín RLS PL fogo R1-sobre abanar-
NLZ-NLZ.CIRC
R1-fazer
‘antigamente os Xikrín faziam abanador’
2.4 POSPOSIÇÕES
As posposições constituem uma classe fechada de palavras. Do ponto de vista
morfológico, são temas flexionáveis - assim como nomes relativos e verbos transitivos. Do
ponto de vista sintático, encabeçam sintagmas adverbiais em função oblíqua. Funcionam
também como complementos obrigatórios de intransitivos bivalentes e de transitivos
trivalentes. Nesta seção não descrevemos os prefixos relacionais em temas posposicionais,
pois o capítulo III é dedicado aos relacionais em geral, havendo um destaque especial à sua
ocorrência em posposições.
113
O quadro abaixo apresenta as posposições identificadas na língua Xikrín e os papéis
semânticos a que estão associadas.
Quadro 9 – Posposições na língua Xikrín
PAPEL SEMÂNTICO POSPOSIÇÃO GLOSA
OBLÍQUO jɛ ∞ tɛ por
DIRETIVO (DATIVO, FINALIDADE,
DIRETIVO)
mã direção
ABLATIVO be afastando-se de
ESSIVO be incluso em
COMPANHIA/PERLATIVO/MEIO kot com
ASSOCIATIVO-INSTRUMENTIVO ɔ com
RELATIVO/ADESIVO ã em relação a, próximo de (adesivo),
sobre
ABLATIVO kurum de
DIRECIONAL əɾə; wəɾə em direção de
LOCATIVO PONTUAL kãm em (pontual)
PROXIMATIVO kuɾi ao lado de
POTERIORIDADE iukri depois de
ANTERIORIDADE wrp antes de
Exemplos:
-mã ‘diretivo/dativo/finalidade’
269. ga na ga a -jɛ i -mã
2 RLS 2 2 R1-OBL 1 R
1-DIRET
ʤuʤe j-anɔ-ɾɔ ket
arco R1-mandar-NLZ NEG
‘não houve o mandar de arco para mim por você’
114
-be ‘essivo’
270. bɛpɲɨɾɨti -be piʔokjakrɛʤwəj
Bep Nhõrõti R1-essivo professor
‘Bep Nhõrõ-Ti é professor’
-be ‘ablativo’
271. bk me -be meniɾ --b...
Bacajá PL R2-ABL mulher R
1-CAUS-andar
‘os Bacajá levaram as mulheres deles (dos Xikrín) com eles’
272 ‘...meõ i -be ɾi -kuɾu...’
alguém 1 R1-ABL PAUC 2 R
1-bater
‘...Alguém bateu em vocês’
-kãm ‘locativo pontual’
273. ‘...kr -kãm ku-d rp -kot r-r mõ...’
cabeça R1-LOC R
2-colocar já R
2-COM cantar-NLZ ir/vir
‘...(eles) colocaram (penas) na cabeça (do gavião morto) e foram cantando com ela’
-kot ‘perlativo’
274. b ɾi jt kej ne bm metɾo -kot mõ
1 PAUC ITER voltar ms voltar metrô R1-meio ir/vir.PL
nós, de novo, voltamos e voltamos de metrô’
115
-ɾ ‘direcional’
275. gɾtiɾ me -r poj ne me -be bk -ɾ boj
Gorotire PL R2-DIR sair MS PL R
2-LOC Bacajá R
1-DIR chegar
‘...grtir na me --r poj ne bk -imj
Gorotire RLS pl R2-DIR sair MS Bacajá R
1-matar.vários
‘os Gorotire, eles saíram em direção ao (acampamento dos bacajá) e mataram
muitos Xikrín do Bacajá’
276. ta gwajba -wəɾə te boj
3 1+2. PAUC R1-DIR ir/vir chegar
‘a não indígena chegou e nos encontrou’
-ɔ ‘associativo/instrumentivo’
277. kubeniɾɛ ɲ-i -ɔ na boj ne
não-indígena R1-pele R
1-ASS.INSTR RLS chegar MS
‘pessoalmente ela já chegou’
-kãm ‘locativo pontual
278.
a. amɾebej na b i pɾi-ɾɛ -kãm
não-indígena RLS 1 1 pequeno-ATEN R2-LOC
-mã ‘diretivo’
b. i -mã kɾɨ ɲum i -nã
1 R1-DIRET frio SD 1 R
1-mãe
116
-ã ‘relativo/adesivo’
c. kwɨ -ã i kaɾɔ
fogo R1- próximo de 1 calor
‘antigamente, quando eu era criança e sentia frio,
minha mãe me aquecia perto do fogo’
-kuɾum ‘ablativo’
279. i -nã na bɛlej -kuɾum te
1 R1- mãe RLS Belém R
1-ABL ir/vir
‘minha mãe veio de Belém’
2.5 ADVÉRBIOS
Advérbios têm sido descritos em alguns estudos sobre línguas da família Jê não
como o uma classe homogênea, mas como um conjunto de expressões heterogêneas, ou seja,
constituídos por elementos de diferentes classes de palavras, cujas funções guardam alguma
semelhança entre si (cf., por exemplo, Dourado (2001), Ferreira (2003) e Miranda (2014)). Na
realidade, o que ocorre é que nesses estudos, os linguistas não distinguem noções semânticas
de classes de palavras. A noção adverbial, por exemplo, em Xikrín, pode ser expressa por
advérbios, que constituem uma pequena classe fechada de palavras e por sintagmas
posposicionais. Advérbios lexicais quando seguem o verbo acionam a nominalização destes.
Podem entretanto, modificar nomes como kumɛj ‘muito’. Já os sintagmas posposicionais têm
funções adverbiais, mas não ocorrem em posição pós-núcleo verbal. As expressões adverbiais
encontradas na língua Xikrín, podem ocupar duas posições na sentença: a pré-verbal e a pós-
verbal. No primeiro caso, os adverbiais tomam por escopo toda a sentença. Em posição pós-
verbal, tomam por escopo o predicado, cujo núcleo modificam.
2.5.1.Classe de advérbios
Os elementos da classe de adverbio são:
117
Quadro 10 – Os advérbios do Xikrín
kumej muito
ri pouco
ket negação
ɾãʔã ‘ainda’
Funcionam como advérbios sintagmas posposicionais:
ja kãm ‘hoje; agora’neste
apkɾɨ kãm à tarde
akamʌt kãm à noite
amu ja ã ‘ontem’
akati kuni kot ‘o dia todo’
akamʌt kuni kot ‘a noite toda’
mɨtɨɾwə kuni kot ‘o mês todo’
amɛj kuni kot ‘o ano todo’
akati kuni kot ‘o dia todo’
Exemplos:
280. ja kãm i -mã kɾi ŋɾi-ɾɛ ket
hoje 1 R1-DIRET frio POUCO-ATEN NEG
‘hoje não há pouco frio para mim’
281. amujaã memɨ na me bʌ -kãm mõ
ontem homem RLS PL floresta R1-LOC ir/vir.PL
‘ontem os homens foram para a floresta’
282.
a. ‘...mɾə kaʔuk- -ɔ ʤa
buriti socar-NLZ R1-ASS.INSTR estar.sentado
118
b. kaʔuk-- -ɔ ʤa
socar-NLZ R1-ASS.INSTR estar.sentado
c. ɲum ʌk waj -kaʤɨ ʤa
SD gavião lá R1-FINLD estar.sentado
ficaram (os netos e a avó) socando buriti sentados, socando sentados. E
o gavião (estava) lá (em cima da árvore) em pé
283. jaj na ba ʤa
aqui RLS 1 estar.em.pé
‘eu estou aqui’
284. waj na i -bãm ʤa
lá RLS 1 R1-pai estar.em.pé
‘meu pai está lá’
285.
a. me -ɔ-akpɾõ- aɾəp me -mã -aɾe
pl R2-CAUS-reunir já PL R
1-DIRET
2-dizer
b. ɔɾina kajmã hio seko nɔɾɔkɔt ãtetekti
longe para cima rio seco DISJ Ãtetekti
c. nɔkɔt bɛɾɔ-j-aʤwə-ʤʌ ja -kãm na tɛp -kumɛj
DISJ berojadjwydjà DEM.PROX R1-LOC RLS peixe R
1-QUANT
‘reuniram-se com as pessoas e lhes disseram (o lugar onde tinha muito peixe) ‘(era)
ali para cima, o rio seco, ou o rio ãtetekti ou o rio berojadjwydjà ‘nesse lugar, há
muito peixe’
286. ɔɾina i ɲ-õ kikɾɛ
longe 1 R1- PERTENCE casa
‘Minha casa é longe’
119
Observe que, nos exemplos acima, os adverbiais situam numa perspectiva locacional o
estado de coisas expresso pela sentença tendo como ponto de partida o falante como centro
dêitico.
2.5.1.1 Quantidade
As noções de quantidade, em Xikrín, são expressas pelos advérbios kumɛj ‘muito’ e
ŋɾiɾɛ ‘pouco’, os quais ocupam obrigatoriamente a posição pós-verbal na sentença e têm
escopo sobre o predicado, que, assim modificado tem como núcleo, uma nominalização.
Quadro 11 – Advérbios de quantidade
ŋɾi-ɾɛ ‘pouco’
kumɛj ‘muito’
287. i -je mebeŋokɾɛ -kaben j-are-j ŋɾiɾɛ
1 R1-OBL indígena R
1-fala R
1-dizer-NLZ pouco
‘existe pouco do dizer da fala indígena por mim’ ‘(eu falo pouco Xikrín)’
288. ‘...ba -kãm atɛ kãjmã ʤa ɲum -kãm kube
1 R2-LOC depois para cima estar.em pé SD R
2-LOC não indígena
atɛ mə-ɾə kumɛj ba i -pɾõn...’
depois chorar-NLZ muito 1 1 R1-corrida
‘...e depois nos levantamos e os não indígenas choraram muito.
Houve minha corrida...’
2.5.1.2 Advébio de modo
Há dois advérbios de modo em Xikrin mɛj ‘bem’ e punu ‘mal’.
120
Quadro 12 – Advérbios de modo em Xikrín
mɛj bem
punu mal
289. ga na ga a tɔ-ɾɔ mɛj
2 RLS 2 2 festejar-NLZ bem
‘eu festejo bem’
290. ga na ga a ŋɾɛ-ɾɛ punu
2 RLS 2 2 cantar-NLZ mal
‘você canta mal’
291. ga na ga a ɲ-õt punuɾɛ
2 RLS 2 2 R1-dormir.NLZ mal-ATEN
‘você dormiu mal’
2.5.1.3 Advérbio de negação
O advérbio de negação ket, a semelhança dos adverbiais de modo mɛj e punu, ocupa
a posição pós-verbal na sentença e modifica o predicado, obrigando o núcleo deste ser
representado por um nome de ação.
Quadro13a – Advérbio de negação
ket ‘negação’
O Xikrín possui um único advérbio de negação, ket ‘negação’. Há porém duas
palavras que negam, mas não modificando o núcleo de um sintagma verbal ou nominal. Essas
palavras são kati ‘não’ e keteri ‘nada’ mas são apenas usadas como sentenças fragmento.
121
292. ba na ba i -jɛ kukɾɨt -bi ket
1 RLS 1 1 R1-OBL anta R
1-matar-NLZ NEG
‘não houve o matar da anta por mim’ ‘(eu não matei anta)’
293. me -tɔ-ɾɔ -kãm na kube -tɔ-ɾɔ ket
hum R2-festejar-NLZ R
1-LOC RLS não-indígena R
1-festejar-NLZ NEG
‘no festejar, não houve o festejar do não indígena’ ‘(no festejo, o não indígena não
festejou)’
2.5.1.4 Advérbio de tempo
O advérbio de tempo ɾãʔã, a semelhança do advérbio de negação ket e dos adverbiais
de modo mɛj e punu, ocupa a posição pós-verbal na sentença e modifica o predicado,
obrigando o núcleo deste ser representado por um nome de ação.
Quadro 13b – Advérbio de tempo
ɾãʔã ‘ainda’
294. meniɾɛ na -tɔ-ɾɔ -ɔ -ãm ɾãʔã
mulher RLS R2-festejar-NLZ R
1-ASS.INSTR R
2-estar.em pé ainda
‘a mulher ainda está festejando’
295. ga na ga a -ɲɾɛ-ɾɛ ɾãʔã
2 RLS 2 2 R1-cantar-NLZ ainda
‘ainda vai haver o teu cantar’‘(você ainda vai cantar)’
2.6 PALAVRAS QUE SERVEM PARA TRADUZIR NOÇÕES NUMÉRICAS DO
PORTUGUÊS
Não existem numerais em Xikrin. O que existe são nomes como pɨʤi ‘sozinho’ e
ame ‘par’, ‘dupla’. Outras perífrases podem ser usadas para expressar noções como sem
122
parelha ou deparelhado, como ame ikje ket ‘par + lado + NEG ‘três’ Para expressar quantidade
maior que três, os indivíduos Xikrín usam o quantificador ‘kumɛj ‘muito’, acompanhado de
diferentes graus de ênfase e alongamento da vogal da sílaba final, conforme aumenta a
quantidade de itens referidos pelo locutor. Para expressar a noção de ‘quatro’, reduplica-se o
tema ‘ame’ e para expressar a noção de ‘cinco’, combina-se o tema ‘ame’, reduplicado, com a
locução ikje-ket ‘sem banda’. Uma terceira estratégia – já muito comum sobretudo entre os
mais jovens - é tomar de empréstimo o sistema numérico da língua portuguesa. Exemplos
dessas palavras usadas para traduzir expressões numéricas do Português são apresentados a
seguir:
296.
a. ɾɔp pɨʤi b. ɾɔp ame
cachorro sozinho cachorro par
‘um cachorro’ ‘ dois cachorros
c ɾɔp ame ikje ket
cachorro par banda sem
‘três cachorro’
d. ɾɔp ame ame e. kɾuwa ame ame ikje ket
cachorro par par flecha par par banda sem
‘ quatro cachorros ‘cinco flechas’
297. kruwa ame ame ame
flecha par par par
‘seis flechas’
298. kukej -be tɾej
cotia R1-ESSIVO três
‘há três cotias’
123
299. - pɔɨ məj mɨt -kãm ʤa ga funaj -mã te
Poy INT sol R1-LOC IRRLS 2 FUNAI R
1-DIRET ir/vir
Poy, a que horas você vai à FUNAI?
300. - biri nɔvi ɔra -kãm ʤa ba funaj -mã te
talvez nove horas R1-LOC IRRLS 1 FUNAI R
1-DIRET ir/vir
‘- talvez às nove horas eu vá à FUNAI.’
2.7 CONJUNÇÕES
As conjunções constituem uma classe de palavras fechada que ligam nomes,
sintagmas ou sentenças, estabelecendo relações semânticas entre eles (cf., por exemplo,
Bussmann (1998) e Trask (1994)).
Em Xikrín, há as seguintes conjunções me, nɔɾɔkɔt, ne e ɲum. A conjunção me
coordena pronomes pessoais da série nominativa, nomes e sintagmas. A conjunção nɔɾɔkɔt
coordena sintagmas e orações com função disjuntiva. As conjunções ne e ɲum estabelecem
uma relação sintática entre orações coordenadas ao mesmo tempo marcando correferência
entre sujeitos: ne coordena orações cujos sujeitos são correferenciais e ɲum coordena orações
cujos sujeitos são diferentes11
.
301. ba me ga
1 CONJ 2
‘eu e você’
302. ŋo me õmɾo
água CONJ comida
‘água e comida
11
Para maiores esclarecimentos sobre correferencialidade em Xilrín, consultar capítulo VII.
124
303. kube -kaben me mebeŋokɾɛ -kaben
não indígena R1-fala CONJ indígena R
1-fala
‘a fala do não indígena e a fala do indígena’
304. ba na ba bʌ -kãm te kukej me ŋɾa -bi
1 RLS 1 floresta R1-LOC ir/vir cotia CONJ paca R
1-matar
‘eu fui caça e matei cotia e paca’
305. ba na ba bʌɨ me katetʌpkuɾu me kwəɾə -kɾɛ
1 RLS 1 milho CONJ melancia CONJ mandioca R1-plantar
‘Eu plantei milho, melancia e mandioca’
306. ba nɔɾɔkɔt ga
1 DISJ 2
‘eu ou você’
307. ŋo nɔɾɔkɔt õmɾo
água DISJ comida
‘água ou comida
308 “...kɾɨɾʌp ku-tɛ me -imɛj akati maktã nɔɾɔkɔt kɾɨɾʌp
cedo R2-OBL PL R
2- matar.PL dia madrugada DISJ cedo
paɾaɾɛ jakãm ku-tɛ me -imɛj -kaʤɨ ami -ma...”
tardezinha aqui R2-OBL HUM R
2-matar.PL R
2-FINLD REFL R
2-ouvir...”
“cedo, os matariam. De madrugada ou de manhã cedo... de tardezinha; aqui dicutiam
para melhor matá-los...(os Kayapó)”
309. amɾebej na wɛ kukoj ta -umaɾi-ʤʌ -kot
antigamente RLS dub macaco 3P R2-pensar-NLZ R
1-PERL
me -kaʤɨ umaɾi-ʤʌ -ma ne -kãm aɾəp
PL R2-FINLD pensar-NLZ R
1-planejar MS R
2-LOC já
125
jãʤɨ kumɾej -mã ej...’
veado primeiro R2-DIRET mentir
‘há algum tempo, parece que o macaco, ele fez um planejamento para
(enganar) as pessoas) e primeiro enganou o veado....’
310. ‘...kukoj na -pɾõn ne kukɾɨt -əɾə -katɔ.’
macaco RLS R1-correr ms anta R
1-DIR R
1-sair
‘...o macaco correu e encontrou a anta.’
311. ‘...ojɾɛ kaʤatɲi -kaba ɲum -kãm kukoj paɾi -ɔ
macaco algodão R1-arrancar SD R
2-LOC macaco pé ASS.INSTR
ãʤa ɲum ajtɛ ʔõʤwə -kaba...
pisar SD ITER outro R2-arrancar
‘...os papagaios tiraram o aldodão (da canoa) e nisso o macaco pisou
com os pés. E os papagaios tiraram outro de novo...’
2.8 PALAVRAS ASPECTUAIS
Aspecto ou modo de ação é uma categoria gramatical relacionada à estrutura temporal
interna de uma situação (cf. TRASK, 1994). A expressão aspectual em Xikrín pode se dar por
um conjunto de palavras que, em geral, ocupam, ou a posição inicial na sentença, ou a posição
final, ou ainda pelo morfema zero. A seguir, mostramos algumas palavras expressando
diferentes nuances aspectuais e seus significados. É uma categoria expressa lexicalmente, dái
a considerarmos como modo de ação em Xikrín, deixando aspecto para línguas em que essa
categoria encontra-se gramaticalizada como flexão verbal (cf. GUENTCHÉVA, 1996, 2007).
A seguir apresentamos um quadro com as palavras aspectuais identidicadas na língua
Xikrín12
.
12
Para um estudo aprofundado sobre aspecto em Xikrín, ver capítulo IX.
126
Quadro 14 – Palavras aspectuais
ɾãʔã ‘aspecto incompletivo’
ajbeɾe ‘aspecto recém realizado’
ajtɛ ‘aspecto iterativo’
kajgɔ ‘aspecto frustrativo’
pa ‘aspecto frustrativo’
ɾãj ‘aspecto iminente’
2.9 PALAVRAS MODALIZADORAS
Palavras modalizadoras são usadas para exprimir o julgamento, a avaliação ou a
atitude do falante com respeito ao conteúdo informacional. Em Xikrín, identificamos as
seguints palavras modalizadoras:13
Quadro 15 – Palavras modalizadoras
aj ‘hortativo’
ãne ‘assertivo’
kɔt ‘dúvida’
jabjeɾe ‘dubitativo’
pɾʌk ‘probabilidade’
ɾãj ‘aspecto iminente’
2.10 INTERJEIÇÃO
Palavras de conteúdos exclamativos, as interjeições podem constituir um enunciado
por si só e não ter nenhuma relação sintática com outros itens da oração com os quais pode
eventualmente ocorrer (SHACHTER,1996, P. 58).
As interjeições encontradas em Xikrín são as seguintes:
13
Sobre os diferentes tipos de modalidade, consultar capítulo IX.
127
Quadro 16 – Interjeições
ta! ‘passa (homem expulsando cachorro)’
de! ‘passa (mulher expulsando cachorro)’
t! ‘reprovação’; ‘surpresa’
ʤɨ! ‘dor’ (homem quando se queima)
eʔõ!’ ‘espanto’ (mulheres)
eʔi! ‘espanto’ (homens)
tohukane ‘barulho de pedra arrepessada’
ppp ‘barulho do bater das asas do gavião durante seu voo’
tj ‘barulho da borduna sobre as folhas’
espécie de click línguo-palatal ‘descontetamento’
produção de um som ingressivo ‘concordância, afirmação (produzido só pelas mulheres)’
2.11 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Descrevemos neste capítulo as classes de palavras da língua Xikrín com base em
critérios distribucionais, estruturais e semânticos. Vimos que nomes são subdivididos em
relativos, descritivos e absolutos. Mostramos que a categoria gramatical de número em Xíkrín
é expressa por meio de formas me ‘pluralizadores’, õj ‘coletivizador’ e kwə ‘pluralizador’e a
de gênero é realizada por meio de distintos temas conforme o gênero biológico do interlocutor
e do locutor. Destacamos que os nomes recebem os sufixos derivacionais -ɾɛ ‘atenuativo’ e -ti
‘intensivo’. Descrevemos, em Xikrín, os pronomes pessoais, demonstrativos, indefinidos
reflexivos, recíprocos, além de palavras interrogativas. Mostramos nessa língua há verbos
transitivos e intransitivos, os quais conforme os argumentos que exigem, podem ser
classificados como transitivos bivalentes ou trivalentes e intransitivos monovalentes ou
bivalentes. Constatamos, ainda, que alguns verbos transitivos e intransitivos dispõem de
formas supletivas conforme o objeto direto daquele e o sujeito deste sejam singular ou plural,
respectivamenteque. Mostramos que temas verbais podem receber sufixos derivacionais e se
tornarem temas nominalizados. Também descrevemos as posposições, os advérbios, as
palavras aspectuais, modalizadoras, as conjunções e as interjeições. Por fim, constatamos que
verbos transitivos, intransitivos nominalizados, nomes relativos e posposições são as únicas
classes de palavras flexionáveis, sendo as demais classes invariáveis.
128
CAPÍTULO III – FLEXÃO RELACIONAL
Neste capítulo tratamos da flexão relacional, que estabelece relações morfossintáticas
de subordinação e de determinação entre temas subordinadores e seus respectivos
determinantes. Fundamenta-se em um princípio de organização gramatical segundo o qual
todo tema relativo tem que ser marcado por um determinante, de forma que se distingam dos
temas absolutos, os quais, diferentemente dos primeiros, não entram em uma relação
morfossintática direta com nenhum determinante, uma vez que sua semântica não o permite.
A flexão relacional nas línguas Jê, assim como das outras línguas do tronco Macro-jê e de
línguas de várias famílias do tronco Tupí, é responsável por manter historicamente padrões
estruturais de ordem de palavras e de alterações nessas ordens acionadas por motivações
pragmáticas, como veremos no decorrer deste capítulo. Há, dessa forma, uma relação
intrínseca entre a flexão relacional e ordem da cadeia estrutural em que núcleos e seus
complementos se distribuem. Nas próximas seções, descreveremos os prefixos relacionais, a
partir de sua distribuição com os temas dependentes da língua Xikrín do Cateté (seção 3.1),
apontamos e discorremos sobre as motivações que acionam a combinação de um tema com
um ou outro prefixo relacional (3.2), mostramos como os prefixos relacionais do Xikrin do
Cateté correspondem com os prefixos relacionais de outras variedades da língua Kayapó-
Mebengôkre e com línguas do Complexo Timbira, especialmente o Apinajé e o Krahô.
3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A FLEXÃO RELACIONAL
O processo morfossintático analisado como estabelecedor de relações de
dependência e de contiguidade sintática entre temas determinantes e temas determinados foi
identificado por Rodrigues em línguas do Tronco Tupí (1952, 1953, 1981, 1994, 1999, 2001,
2010), em línguas de famílias Macro-Jê (1999, 2001, 2010) e em línguas Karíb (1985).
Entretando, é nas famílias Tupí-Guaraní, Mawé, Mundurukú e Tuparí do tronco Tupí e nas
famílias Jê e Maxakali do tronco Macro-Jê que os relacionais podem ser observados ativos
sincronicamente, ao passo que em outras famílias do tronco Tupí e em várias famílias do
tronco Macro-Jê os relacionais guardam apenas alguns vestígios inanalisáveis devido a
mudanças de função que alomorfes do que teriam sido prefixos relacionais sofreram em
129
conjunto ou devido a outras mudanças estruturais que ocorreram na história dessas línguas ou
dos grupos de línguas que integravam (cf. CABRAL, em preparação).
A flexão relacional se manifesta nos temas dependentes das línguas, em que é ativa,
por meio de prefixos. Para as línguas Tupí-Guaraní, são descritos três ou quatro prefixos
relacionais, mas em algumas línguas só é possível a análise de dois relacionais; já nas línguas
Jê são descritos dois ou três prefixos relacionais, dependendo do autor e/ou da língua.
Em seguida, sintetizamos o estudo sobre prefixos relacionais nas línguas da família
Tupí-Guaraní de autoria de Cabral (2001), por este estudo focalizar o processo
morfossintático que ocorre consistentemente em aproximadamente vinte línguas de diferentes
subramos da família Tupí-Guaraní, e que fortalece a análise de Rodrigues desse processo
como um processo morfossintático configurando-se como altamente funcional e importante
para a identidade da gramática dessas línguas. Com essa retomada do estudo de Cabral,
falaremos dos relacionais do Xikrín do Cateté na certeza de que eles não serão vistos como
algo fácil de ser desafiado, ou seja, fácil de ser negado enquanto um fenômeno
morfossintático de importância para as gramáticas das línguas Tupí e das línguas Jê.
Cabral (2001) argumenta que os dados das línguas Tupí-Guaraní sugerem que, "em
um estágio anterior comum a todas essas línguas, os temas das classes I e II se subdividiam
nas seguintes subclasses:"
As línguas e fontes usadas por Cabral em seu estudo foram as seguintes: Guaraní
Antigo (GA): Ruiz de Montoya, 1876[1639/1640]; Restivo, 1892[1724]; Guaraní-Paraguayo
(GP): Krivoshein, 1983; Mbyá (Mb): Dooley, 1982, 1988, 1997; Cadogan, 1992; Kaiwá
(Kw): Taylor, 1984; Chiriguano (Ch): Dietrich, 1986; Guarayo (Gu): Hoeller, 1932a, 1932b;
Tupinambá (Tb): Anônimo, 1952[1621], 1953[1621]; Figueira, 1878[1687]; Língua Geral
Amazônica (LGA): Tastevin, 1921; Asuriní do Tocantins (As-T): Nicholson, 1976; Harrison,
1960, 1986; Cabral, 1997); Parakanã (Pr): Rodrigues e Cabral, arquivos pessoais; Souza e
Silva, 1999), Suruí (Su): Monserrat, arquivos pessoais; Tapirapé (Tp): Almeida et al., 1983;
Leite, 1990; 1995); Tembé (Tm): Boudin, 1978; Cabral, arquivos pessoais; Guajajára (Gj):
Bendor-Samuel, 1972; Kayabí (Kb): Dobson, 1988, 1997; Weiss 1998; Asuriní du Xingú (As-
X): Monserrat et al., 1998; Rodrigues e Cabral, arquivos pessoais; Araweté (At): Vieira e
Leite, 1998; Rodrigues e Cabral, arquivos pessoais; Parintintin (Pt): Betts, 1981; Kamayurá
(Km): Seki, 1990; 2000); Wayampí do Amaparí (Wy-A): Jensen, 1989; Wayampí do Jarí
(Wy-J): Jensen, 1989; Wayampí da Guyana Francesa (Wy-G): Grenand, 1980, 1989; Ka’apór
(Kp): Kakumasu, 1983; Corrêa da Silva, 1997; Cabral, arquivos pessoais); Emérillon (Em):
130
Coudreau, 1892; Maurel, 1999; Couchili, Maurel e Queixalós, 2000; Jo’é (Jo): Cabral, 1996;
2000).
Apresentamos em seguida, o quadro dos relacionais que poderiam, segundo Cabral
(2001) ter constituído o sistema de relacionais do Proto-Tupí-Guaraní. O quadro abaixo foi
inspirado em Rodrigues 1981, publicado em Rodrigues 2010, que é um estudo sobre a
estrutura da língua Tupinambá:
Quadro apresentado em Cabral 2001:
1 2 3 4 Temas Línguas
Classe I
a)
ø-
i- ~ jo-
o-
ø-
boca; cabeça;
ter.comprimento;
para; sair; dormir;
bater; amarrar
Tb; GA, Ch; Mb; Kw; Gu; Sr;
As-T; Pr; Tp; Tm; Gj; Pt; Kj;
Ar; As-X; Km; Jo; Em; Wj; Kp
b)
ø-
i-
o-
m-
mão; pé; dançar; ficar
Tb; GA, Ch; Mb; Kw; Gu; Sr;
As-T; Tp; Tm; Gj; As-X; Km;
Jo; Em; Wj;
Classe
II
a)
r- ~
n-
ts- ~
jots-
t-
olho; rosto; ser.alegre;
ser.azedo; diante.de;
estar.em movimento;
ver
Tb; GA, Ch; Mb; Kw; Gu; Sr;
As-T; Pr; Tp; Tm; T-Gj, Pt; Kj;
Ar; As-X; Km; Jo; Em; Wj
b)
r- ~
n-
t-
o-
t-
pai; filho (em rel. a
pai); vir
Tb; GA, Ch; Mb; Kw; Gu; Sr;
As-T; Pr; Tp; Tm; Gj, Pt; Kj;
Ar; As-X; Km; Jo; Em; Wj
c)
r- ~
n-
ts- ~
jots-
o-
t-
ser.ardido; lavar
Tb; GA, Ch; Mb; Kw; Gu; Sr;
As-T; Pr; Tp; T-Tm; Gj, Pt; Kj;
Ar; As-X; Km; Jo; Em; Wj
d)
r- ~
n-
ts-
o-
v ø-
caminho; defecar;
cuia; emitir.gases
Tb; GA, Ch; Mb; Kw; Gu; Sr;
As-T; Pr; Tp; Tm; Gj, Pt; Kj;
Ar; As-X; Km; Jo; Em; Wj
e)
r- ~
n-
ts-
o-
-
casa; flecha
Tb; GA, Ch; Mb; Kw; Gu; Sr;
As-T; Pr; Tp; Tm; Gj, Pt; Kj;
Ar; As-X; Km; Wj
131
Como mostra o quadro acima, os temas das línguas da família Tupí-Guaraní se
dividem em duas classes e cada uma dessas classes se subdividem em sub-classes, de acordo
com a sua distribuição com os alomorfes de três dos prefixos relacionais, conforme descrito
para o Tupinambá por Rodrigues (1981, 2010) e para a família Tupí-Guaraní por (Rodrigues
(1985) e por Cabral (2001) e, ainda, para o tronco Tupí, consoante Rodrigues e Cabral (2012).
Cabral (2001) observa que a presença de quatro relacionais em línguas de todos os
sub-ramos da família "é também indicativa de que os sistemas de relacionais com apenas dois
ou três prefixos, presentes em algumas línguas, devem ser resultantes da redução de um
sistema original mais complexo.
Cabral ressalva que várias das mudanças de natureza fonológica ou gramatical
ocorridas nas línguas da família "teriam resultado na passagem de temas de uma classe ou de
uma subclasse a outra, bem como na eliminação de algumas subclasses e/ou no surgimento de
novas subclasses."Esta é uma observação também válida para a família Jê, como veremos
adiante. Cabral (2001 ) observa que:
No Jo'é, por exemplo, com a desnasalização histórica das consoantes nasais
em temas com acento oral (Cabral, 2000), a forma absoluta de temas da
Classe II b, passou a ser obtida com a sonorização de /p/ (byter-a 'parte do
meio' < R4-meio-ARG), isso nos casos em que não houve mudança de
classe. O Ka'apór, como observado por Corrêa da Silva (1997:30), teve o seu
sistema de relacionais extremamente reduzido com a perda do prefixo
relacional 3, e de vários alomorfes dos prefixos 2 e 4 e com a conseqüente
redução do número de subclasses da Classe II. Há vários casos de mudanças
de classe de temas em diferentes línguas, como, por exemplo, em Jo'é, em
que o alomorfe do prefixo 2 que ocorria em temas da Classe IIa foi
reanalisado como parte de alguns temas que receberam uma vogal adicional
e passaram para a subclasse IIe (h-ãj > -ahãj 'dente'). No Jo'é e no
Emérillon, com o enfraquecimento de *ts para h ou , o alomorfe do prefixo
2 que ocorria em temas da Classe II se preservou enquanto h- quase só em
temas monossilábicos. No Ka'apor, no Joé e no Emérillon, vários temas da
classe I passaram a constituir uma subclasse distinta
Sobre a função da flexão relacional em línguas Tupí-Guaraní, Cabral retoma o que
dissera Rodrigues em estudo de (1996), que a função dos prefixos relacionais é a de marcar
tanto a contiguidade como a não contiguidade sintática de um determinante com respeito ao
elemento por ele determinado. Para Cabral, isso quer dizer que a flexão relacional marca "as
relações de dependência desenvolvidas entre os dois, ou seja, as relações de dependência que
unem sujeito/verbo intransitivo, objeto/verbo transitivo, objeto/posposição e genitivo/nome."
Cabral acrescenta que "Em todas essas combinações, o elemento núcleo é obrigatoriamente
marcado por prefixos relacionais." Cabral ressalta ainda que os temas flexionáveis que não
132
recebem prefixos relacionais, tais quais os nomes de animais, nomes de plantas, e nomes de
certos elementos da natureza não podem funcionar como núcleo nessas combinações.
Para Cabral, a flexão relacional encontrada nas línguas Tupí-Guaraní constitui uma
estratégia para "licenciar, na sintaxe, o que no léxico é relativo, ou seja, o que está fadado a
ser relacionado a um determinante." Por outro lado, consoante Cabral, "Contrariamente aos
elementos lexicais relativos, os elementos não-relativos (absolutos) são livres para operarem
na sintaxe, porém não como elemento dependente."
Assim, como já descrevera Rodrigues para o Tupinambá, nas línguas Tupí-Guaraní,
Cabral ressalva que "raízes verbais, posposições e nomes possuíveis são os elementos lexicais
relativos, e raízes nominais não-possuíveis e dêiticos são os elementos absolutos." Segundo
Cabral, todos esses elementos "têm em comum a propriedade de funcionar como argumento e
como predicado, o que os distingue dos outros elementos listados no léxico, os quais são de
natureza gramatical (partículas e afixos)."
Cabral acentua ainda que as estruturas resultantes da flexão relacional têm em
comum um núcleo flexionado por um prefixo relacional, que pode ser um prefixo que exija
uma expressão sintática do determinante: (i) [NOM R1-NÚCLEO], ou que exclua a
possibilidade de uma expressão sintática do determinante: -(ii) (NOM) [R2-NÚCLEO]
(NOM)). O relacional pode ainda combinar-se com um tema para marcar que o determinante
deste é genérico ou humano: [R4-NÚCLEO] ). Finalmente, o relacional pode indicar que o
determinante de um tema é correferente com o sujeito da oração principal: (iii) [R3-
NÚCLEO]. Assim, segundo Cabral, o relacional 1 exige que o determinante se posicione
imediatamente à esquerda do núcleo e forme com este uma unidade sintática (exemplos 1-4);
o relacional 2 permite a expressão sintática do determinante, porém fora do sintagma verbal
(exemplos 5-10); o relacional 3 indica que o determinante de um núcleo é correferente com o
sujeito da oração principal, o qual pode ou não estar sintaticamente presente no contexto
oracional (exemplos 11-12); e o relacional 4
especifica que o determinante de um núcleo é
genérico e humano e exclui a expressão sintática desse determinante (exemplos 13-14).
Os exemplos apresentados por Cabral são os seguintes. Mantemos a numeração dos
exemplos no texto original:
133
Asuriní do Tocantins
[NOM R1-NÚCLEO]
‘’’’’1) [Mo’ýr-a r-ów-a] 2) [Mo’ýr-a ø-pý-a]
Mo’ýr-ARG R1-pai-ARG Mo’ýr-ARG R
1-pé-ARG
'pai de Mo’ýra’ (Cabral, arquivos pessoais) ‘pé de Mo’ýra’ (Cabral, arquivos pessoais)
3) a-há [ka’á-ø r-opí] Raká
2-ir mato-ARG R2-pelo EPIST
‘ele foi pelo mato’ (Cabral, arquivos pessoais)
4) ón [[Mo’ýr-a r-áη-a] ø-hí]
3.vir Mo’ýr-ARG R1-casa-ARG R
1-afastando-se.de
'ele veio da casa de Mo’ýra ‘ (Cabral, arquivos pessoais)
[R2-NÚCLEO]
5) [i-pý-a] 6) [t-ów-a]
R2-pé-ARG R
2-pai-ARG
‘pé dele(s)/dela(s)’ (Cabral, arquivos pessoais) 'pai dele(s)/dela(s)' (Cabral, arquivos
pessoais)
7) [i-hí] 8) ón [i-soká-w] sawár-a
R2-afastando-se.de 3.vir R-matar-GER onça
'afastando-se dela(s)/dele(s)’ (Cabral,
arquivos pessoais)
‘ele veio pra matar onça’ ou ‘ele
veio para o matar da onça’ (Cabral,
arquivos pessoais)
9) ón sawár-a [i-soká-w] 10) [h-opí]
3.vir onça-
ARG
R-matar-
GER
R2-por
‘ele veio para matar onça’ ou ‘ele veio
para o matar da onça’ (Cabral,
arquivos pessoais)
‘por ele(s)/ela(s)’ (Cabral,
arquivos pessoais)
134
[R3-NÚCLEO]
11) [o-pý-a] 12) [o-hý-a]
R3-pé-ARG R
3-mãe-ARG
'seu próprio pé' (Cabral, arquivos
pessoais)
'sua própria mãe’ (Cabral,
arquivos pessoais)
[R4-NÚCLEO]
13) mý-a 14) ’-áη-a
m-pý-a R4-casa-ARG
R4-pé-ARG 'casa (de gente)’ (Cabral,
arquivos pessoais)
'pé (de gente)' (Cabral, arquivos
pessoais)
Cabral ressalta o fato de que os prefixos relacionais 1, 2, 3 e 4 têm sido interpretados
por alguns autores como prefixos funcionalmente dissociados uns dos outros. Para tais
autores, o prefixo 1 e o prefixo 2, por exemplo, têm sido rotulados respectivamente de linker e
de marca de terceira pessoa por Jensen (1990; 1997) e por Payne (1994). O prefixo 1 é
analisado por Dobson (1988) e por Nicholson (1977) como marca de objeto e o prefixo 2 ora
é analisado como marca de posse, ora como terceira pessoa sujeito, ora como terceira pessoa
objeto. Jensen (1990; 1997; 1999) inclui o prefixo relacional 2 no mesmo conjunto de marcas
pessoais independentes que ela reconstrói para o pTG : (čé (r)‘1sg’; oré ( r) ‘1 excl.’; ‘jané (r )
‘1 incl’; né (r)‘2sg.’; pé (r ) ‘2pl’; i- ~ ts- ~ t- ‘3’ (Jensen, 1999:147). Quanto ao relacional 4,
poucos são os linguistas que o têm identificado como elemento morfológico.
Para Cabral, "interpretações dos prefixos relacionais como marcas dissociadas uma
das outras não se sustentam", uma vez que "são mutuamente exclusivos, o que constitui uma
das bases para a análise desses prefixos como membros de um mesmo paradigma flexional."
Para Cabral, "A análise do relacional 2 como uma marca pessoal integrando um
paradigma de pronomes independentes é problemática, pois viola princípios de análise
linguística e nega o comportamento de mútua exclusividade dos prefixos". Cabral ilustra isso
com os seguintes exemplos do Asuriní do Tocantins:
135
As-T Tema da classe I
Akwapičíηa ø-hý-a ‘mãe de Akwapičíηa’
(isé) Sé ø-hý-a ‘minha mãe’
(ené) Né ø-hý-a ‘tua mãe’
(sané) Sané ø-hý-a ‘nossa (incl.) mãe’
(oré) Oré ø-hý-a ‘nossa (excl.) mãe’
(pé) Pé ø-hý-a ‘vossa (excl.) mãe’
-- -- i-hý-a ‘mãe de alguém'
-- -- o-hý-a ‘sua própria mãe’
-- -- ø-hý-a ‘mãe (de gente)’
Tema da classe II
Akwapičíηa r-ów-a ‘pai de Akwapičíηa’
(isé) Sé r-ów-a ‘meu pai’
(ené) Né r-ów-a ‘teu pai’
(sané) Sané r-ów-a ‘nosso (incl.) pai’
(oré) Oré r-ów-a ‘nosso (excl.) pai’
(pé) Pé r-ów-a ‘vossa (excl.) pai’
-- -- t-ów-a ‘pai de alguém'
-- -- o-ów-a ‘seu próprio pai’
-- -- t-ów-a ‘pai (de gente)’
O papel da flexão relacional na organização da gramática das línguas da família
Tupí-Guaraní demonstrado em Cabral (2001) serve de referência para a análise do papel da
flexão relacional na gramática da língua Xikrín. Como veremos na seção seguinte, a flexão
relacional do Xikrín obedece aos mesmos princípios que orientam, em Tupí-Guaraní, a
distribuição de temas relativos com prefixos relacionais em função da contiguidade ou não
dos seus respectivos determinantes.
136
3.2 OS PREFIXOS RELACIONAIS DO XIKRÍN E AS CLASSES DE TEMAS
FLEXIONADOS
Em Xikrín, como nas línguas da família Tupí-Guaraní, há um conjunto de prefixos
relacionais, que estabelecem relações de dependência e de subordinação entre temas relativos
e seus determinantes. Os prefixos relacionais se combinam, assim, com temas relativos.
Cognatos dos prefixos relacionais do Xikrín foram analisados também como prefixos
relacionais em Krahô (cf., por exemplos, souza (1990), Miranda (2010 e 2014), Panará
Dourado (1993 e 2001), Apãniekrá Alves (2004), Suya Santos (1997), Kayapó Borges (1995
e 1996) e Parkatêjê Ferreira (2003).
Em Xikrín, como em Tupí-Guaraní, a distribuição dos prefixos relacionais serve de
critério para a divisão dos temas relativos, ou seja, temas que necessitam de determinantes,
como nomes das partes do corpo humano ou das partes do corpo de animais; nomes que se
referem a relações de parentesco, às partes de plantas, às sensações, a verbos transitivos, a
verbos intransitivos (não ativos) e a posposições, em classes temáticas. Estas classes se
dividem, por sua vez, em subclasses, como veremos a seguir. Costa (2001) e Cabral e Costa
(2003) descrevem três prefixos relacionais para a língua Xikrín, cada qual com seus
alomorfes:
O prefixo R1 sinaliza que o determinante está adjacente ou contíguo
imediatamente à esquerda de seu núcleo formando com ele uma unidade
sintática;
o prefixo R2 indica que o determinante foi deslocado do sintagma de
dependência ou simplesmente não foi expresso nesse sintagma, não
constituindo, assim, uma unidade sintática com o seu determinado;
o prefixo R4 indica que o determinante, não expresso no sintagma de
dependência, é um ser genérico e humano.
Neste estudo, diferentemente do que foi descrito por Costa (2001) e Cabral e Costa
(2003), assumimos que o Xikrín apresenta apenas dois prefixos relacionais, o R1 e o R
2.
A distribuição dos alomorfes do prefixo relacional R1 com os temas dependentes são
a base para dividi-los em duas classes distintas, classe I e a classe II. Os temas que se
137
combinam com os alomorfes j-, - ,d- - do prefixo R1
são os temas da classe I. O alomorfe
j- ocorre com temas iniciados pela vogal baixa central oral /a/, - ocorre diante de temas
iniciados pela vogal anterior, alta, não-arredondada /i/, e diante de vogais nasais, d- liga-se a
temas iniciados por /u/, /w/ e // e - ocorre diante de alguns temas posposicionais iniciados
por vogal. Os temas da classe II se combinam com o alomorfe - do mesmo prefixo R1. O
prefixo relacional R2
tem dois alomorfes, - e ku-. Os temas da Classe I se combinam com o
alomorfe - do relacional R2. Com relação aos temas da classe II, uma parte deles se combina
com o alomorfe -, enquanto outra parte se combina com o alomorfe ku-, distinguindo assim
duas subclasses de temas, subclasse IIa e subclasse IIb.
O alomorfe ku- alterna com uma forma a- quando sinaliza o argumento interno de
certos verbos transitivos com sujeito de segunda pessoa, e não forma com este uma unidade
sintática, seja por ter sido deslocado do sintagma de dependência, seja por ter sido omitido por
razões discursivo-pragmáticas. É importante pontuar aqui que o alomorfe ku- do prefixo R2
da classe II liga-se apenas a certos temas transitivos e a algumas posposições, enquanto o
alomorfe - desse mesmo prefixo ocorre com temas nominais, verbais transitivos, verbais
intransitivos (não ativos) e posposicionais.
A seguir, apresentamos o quadro dos prefixos relacionais conforme sua distribuição
com os temas relativos dividindo-os em duas classes, as classes I e II e, depois, ilustramos a
ocorrência desses prefixos e seus respectivos alomorfes.
Quadro 17 – Prefixos relacionais do Xikrín
Distribuição dos prefixos relacionais do Xikrín
Classe I Classe II
Ia Ib Ic Id IIa IIb
1.Contiguidade j- - d- - - -
2. Não-contiguidade - - - - - ku- (~ a-)
Abaixo, são apresentados exemplos da ocorrência de prefixos relacionais em temas
nominais, verbais e posposicionais da classe I e de suas respectivas subclasses.
138
CLASSE I
3.2.1 Flexão relacional em temas nominais
Classe I, subclasse a + R1
312. meniɾ j-pe
mulher R1-boca
‘boca de mulher’
313. mepɾiɾɛ j-mk
criança R1-orelha
‘orelha de criança’
313. i j-ɾkɾ
1 R1-axila
‘minha axila’
314. j-ɾkɾ
2 R1-axila
‘tua axila’
315. j-boɾo
2 R1-costas
‘tuas costas’
139
Classe I, subclasse a + R2
316. -pe
R2-boca
‘boca dela’
317. -mk
R2-orelha
‘orelha dele/dela’
318. -ɾkɾ
R2-axila
‘axila desse/dessa’
319. -boɾo
R2-costas
‘costas dele/dela’
Nos exemplos de (312-315) o alomorfe j- do relacional R1 flexiona os nomes boca,
orelha, axila e costas, para indicar que estes nomes formam com seus determinantes uma
unidade sintática; nos exemplos de (316-319) estes nomes recebem o prefixo relacional R2,
isto é, - pois os seus determinantes sintáticos não formam com eles uma unidade sintática.
Os exemplos seguintes, de (320-323), evidenciam a ocorrência dos prefixos
relacionais com temas das subclasses b) da classe I:
Classe I, subclasse b + -R1
320. i -ikp
1 R1-unha
‘minha unha’
140
321. mr -i
animal R1-carne
‘carne de animal’
322. mɾ -õt
animal R1-língua
‘língua do animal’
323. i -õmje
1 R1-peito
‘meu peito’
Classe I, subclasse b + R2
324. -ikp
R2-unha
‘ unha desse/dessa’
325. -i
R2-carne
‘carne desse/dessa’
326. -õt
R2-língua
‘língua dele’
141
327. -õmje
R2-peito
‘peito desse/dessa’
Como pode ser visto nos exemplos de (320-323) os temas flexionáveis unha, carne,
língua e peito estão contíguos ao seus respectivos determinantes. Por essa razão recebem o
prefixo relacional R1. Por outro lado, nos exemplos de (324-327), o prefixo que flexiona os
temas nominais é o prefixo R2, que sinaliza a não contiguidade desses mesmos nomes com os
seus respectivos determinantes.
Em seguida, apresentamos exemplos ilustrativos da combinação de temas da classe I,
subclasse c com os alomorfes dos prefixos R1 e R
2.
Classe I, subclasse c + R1
328. mepriɾ d-w
criança R1-dente
‘dente da criança’
329. kue d-uru
furúnculo R1-pus
‘pus do furúnculo’
330. mɾ d-uru
animal R1-pus
‘pus de animal’
331. i d-umret
1 R1-sogro
‘meu sogro’
142
Classe I, subclasse c + R2
333. -w
R2-dente
‘o dente dela (da criança)’
334. -uɾu
R2-pus
‘o pus dele (do furúnculo)’
335. -uɾu
R2-pus
‘o pus dele (do animal)’
336. -umɾet
R2-sogro
‘o sogro desse/dessa’
337. -udw
R2-cunhado
‘cunhado desse/dessa’
Os exemplos de (328-332) ilustram a ocorrência do prefixo relacional de
contiguidade no tema relativo, enquanto os temas de (333-337) se combinam com o prefixo
de não contiguidade.
332. i d-udw
1 R1-cunhado
‘meu cunhado’
143
3.2.2 Flexão relacional em temas verbais transitivos
Os prefixos relacionais combinam-se com núcleo de temas transitivos para expressar
a relação obrigatória destes com seus argumentos internos. Se o argumento interno estiver
justaposto ao núcleo, formando com este uma unidade sintática, os temas verbais da classe I
recebem um dos alomorfes do prefixo R1, de acordo com a qualidade da vogal inicial do tema
verbal, o que permite subdividir as classes de temas verbais em três subclasses, a saber, a
classe Ia, a classe Ib e a classe Ic. Os exemplos de (338-343) ilustram a ocorrência do prefixo
R1 da subclasses Ia, já que os argumentos internos dos temas furar, xingar, estender, colocar,
pintar e assustar estão imediatamente contíguos à esquerda constituindo com eles uma
unidade sintática. Entretanto, se o argumento interno do tema transitivo não estiver expresso
sintaticamente, por ter sido mencionado anteriormente ou por estar evidente a partir do
contexto pragmático, ou ainda se estiver deslocado do sintagma de dependência, o prefixo R2
será acionado, para sinalizar que núcleo e argumento interno não formam uma unidade
sintática, como nos exemplos de (344-349).
Classe I, subclasse a + R1
338. ba n ba -t j-pok
1 RLS 1 2 R1-perna R
1-furar
‘Eu furei a tua perna ’
339 ba n kube j-pɾ
1 RLS não indígena R1-xingar
‘eu xinguei o não índio ’
340. ba n ba kube -k j-o
1 RLS 1 não indigena R1-pele R
1-estender
‘eu estendi a roupa ’
341. ba n ba o Ø-kãm br j-dw
1SG.ENF RLS 1 rio R1-LOC puba R
1-colocar
‘eu coloquei a mandioca de molho no rio’
144
342. meniɾ n j-ok
mulher RLS 2 R1-pintar
‘a mulher pintou você’
343. b ɾp j-e
1 cachorro R1-assustar
‘eu assustei o cachorro’
Classe I, subclasse a + R2
344. -t n ba -pok
2 R2-perna RLS 1 R
2-furar
‘a tua perna, eu a furei’
345. kube n ba -pɾ
não indígena RLS 1 R2-xingar
‘eu xinguei o não indígena’
346. kube -k n ba -o
não indígena R1-pele RLS 1 R
2-estender
‘a roupa, eu a estendi’
347. ba n ba o -kãm -dw
1 RLS 1 rio R1-LOC R
2-colocar
‘eu a coloquei de molho no rio’
348. meniɾ n -ok
mulher RLS R2-pintar
‘a mulher o pintou ’
145
349. b -e
1 R2-assustar
‘eu o assustei’
Os exemplos de (350-353) ilustram os temas verbais fazer, derrubar, cortar cabelo e
cortar em pedaços da subclasse Ib combinados com o prefixo relacional R1. Esta combinação
ocorre porque os respectivos argumentos internos desses verbos formam com eles uma
unidade sintática. Já nos exemplos de (354-357) os argumentos internos desses verbos não
formam com eles uma unidade sintática, motivo pelo qual o tema verbal está sinalizado pelo
prefixo relacional R2.
Classe I, subclasse b + R1
350. bbdɾi n k -ipej
Bep Djari RLS paneiro R1-fazer
‘BepDjari faz paneiro’
351. kube n pi -ikot
não indígena RLS árvore R1-derrubar
‘o não indígena derrubou a árvore’
352. b ʤa b menõɾõn -itp
1 IRRLS 1 jovem R1-cortar.cabelo
‘eu vou cortar o cabelo do jovem’
353. meni na tp -iɾe
mulher RLS peixe R1-cortar.em pedaços
‘a mulher cortou o peixe em pedaços’
146
Classe I, subclasse b + R2
354. bbdɾi n -ipej
Bep Djari RLS R2-fazer
‘Bep Djari a faz’
355. pi n kube -ikot
árvore RLS não indígena R2-derrubar
‘a árvore, o não indígena a derrubou’
356. b ʤa b -itp
1 IRRLS 1 R2-cortar. Cabelo
‘eu vou cortar o cabelo dele’
357. tp meni -iɾe
peixe mulher R2-cortar. em pedaços
‘o peixe, a mulher o cortou em pedaços’
Os exemplos de (358-360) exemplificam os temas verbais pendurar no pescoço,
amolar e flechar da subclasse Ic combinados com o prefixo relacional R1. Nos exemplos de
(361-363), os argumentos internos desses verbos não formam com eles uma unidade sintática,
motivo pelo qual o tema verbal está sinalizado pelo prefixo relacional R2.
Classe I, subclasse c + R1
358. ba i -õkɾde d-upje
1 1 R1-colar R
1-pendurar.no pescoço
‘eu pendurei meu colar no pescoço’
147
359. ga n ga a -õ kj d-waɾ
2 RLS 2 2 R1-pertence facão R
1-amolar
‘você amolou o seu facão’
360. ga n ga tp d-w
2 RLS 2 peixe R1-flechar
‘você flechou o peixe’
Classe I, subclasse c + R2
361. na ba -upje
RLS 1 R2-pendurar no pescoço
‘eu o pendurei no pescoço’
362. ɾp n ga -waɾ
já RLS 2 R2-amolar
‘você já o amolou’
363. tp n ga -w
peixe RLS 2 R2-flechar
‘você flechou o peixe’
3.2.3 Flexão relacional em temas verbais intransitivos
Além de flexionarem nomes relativos e verbos transitivos, os prefixos relacionais
também se combinam com vebros intransitivos quando estes são nominalizados. Os exemplos
(364-365) mostram que os argumentos dos temas voltar e sair estão contíguos formando com
esses temas uma unidade sintática, razão pela qual estes últimos recebem o prefixo R1,
148
enquanto nos exemplos de (366-367) os mesmos temas se combinam com o prefixo R2, pois
seus respetivos argumentos não estão contíguos.
Classe I, subclasse a + R1
364. a j-akej-- ket
2 R1-voltar-NLZ NEG
‘não houve o teu voltar’
365. mkãm na ga me a j-apoj-- ket
por que RLS 2 PL 2 R1-sair-NLZ NEG
‘por que não há o sair de vocês ?
Classe I, subclasse a + R2
366. -akej- ket
R2-voltar-NLZ NEG
‘não houve o voltar dele’
367. ta wa na -apoj- bi
3 DEM.DIST RLS R2-sair-NLZ só
‘há só o sair daqueles’
A seguir, apresentamos os prefixos relacionais ocorrendo em outras subclasses da
classe I. Nos exemplos (368-369) o alomorfe -do prefixo relacional R1, flexiona os tema
dormir, deitar pois este pertence a subclasse Ib, e os temas de (370-371) são marcados pelo
morfema -para indicar a não contiguidade do argumento com respeito ao verbo. Em (372-
373) os temas respirar e soprar são marcados pelo alomorfe d-, o qual indica que estes
temas pertencem à subclasse Ic e, ainda, que seus determinantes estão contíguos no sintagma
de dependência. Nos exemplos em (374-375) estes mesmo temas recebem o prefixo R2- pois
não constituem com seus determinantes uma unidade sintática.
149
Classe I, subclasse b + R1
368. i -õt -kumj
1 R1-dormir.NLZ R
1-QUANT
‘houve o meu dormir em grande quantidade’
369. me i -ikw a- ket
PL 1 R1-deitar-NLZ NEG
‘não houve nosso deitar’
Classe I, subclasse b + R2
370. mebeej na -õt -kumj
velha RLS R2-dormir-NLZ R
2-QUANT
‘houveo dormir da velha em grande quantidade’
371. -ikwa- ket
R2-deitar.PL- NLZ NEG
‘não houve o deitar dela’
Classe I, subclasse c + R1
372. ga na ga a d-ʌptoɾo ket
2 RLS 2 2 R1-cuspir NEG
‘não houve o teu cuspir’
373. kok d-ʌbeɾe -tj
vento R1-sopro R
1-forte
150
‘há o sopro forte do vento’ ‘(o
vento sopra forte’
Classe I, subclasse c + R2
374. -ʌpto-ɾo ket
R2-cuspir-NLZ NEG
‘não houve o cuspir dele’
375. kok na -ʌbeɾe -tj
vento RLS R2-sopro R
1-forte
‘há a força do sobro do vento’
3.2.4 Flexão relacional em temas posposicionais
As posposições, que constituem uma classe fechada de palavras, recebem flexão
relacional para estabelecer relação de dependência com seus complementos obrigatórios.
Nesse aspecto morfossintático, se assemelham aos nomes relativos, aos verbos transitivos e
aos intransitivos (não ativos). Entretanto, o sintagma posposicional se diferencia do sintagma
nominal por não constituir um argumento nuclear; e sim um sintagma periférico,
Até o presente, identificamos as seguintes posposições da classe I:
(a) a posposição -ã . que pertence à subclasse Ia por se combinar com o alomorfe j- do
prefixo R1, quando seu determinante é um pronominal. Quando seu determinante é um
nominal, essa posposição é marcada pelo alomorfe - do prefixo R1.
(b) as posposições -ib e -iukri, que pertencem à subclasse Ib por se combinarem com o
alomorfe - do prefixo R1.
(c) A posição -wəɾʌp, que pertence à suclasse Ic por se combinarem com o alomorfe ʤ-
do prefixo R1.
(d) As posposições -əɾə/-wəɾə, -ɔ, que pertencem à subclasse Id por se combinarem com
alomorfe - do prefixo R1.
151
Classe I, subclasse a + R1
376. meniɾ na a j-ã -kkt
mulher RLS 2 R1-EM RELAÇÃO A R
2-riso
‘houve o riso de você (pela) mulher’
Classe I, subclasse a + R2
377. meniɾ na -ã -kkt
mulher RLS R2-EM RELAÇÃO A R
2-riso
‘houve o riso dele (pela) mulher’
Classe I, subclasse c + R1
378. mepɾiɾ na me o -ib -ɾi
menino RLS PL rio R1-sobre R
2-pulo
‘houve o pulo das crianças sobre o rio’
379. a -bitae-ɾe -iukɾi na ga ʤwa
2 R1-brincar-NLZ R
1-DEPOIS DE RLS 2 banhar
‘depois de tua brincadeira, tu banhaste’
Classe I, subclasse Ic + R2
380. mepriɾ na me -ib -ɾi
menino RLS PL R2-SOBRE R
2-pulo
‘houve o pulo das crianças nele (rio)’
152
381. ‘…ba profesoh lusivawdo -mã ami -bipti-ɾi j-aɾe
1 professor Lucivaldo R1-DIRET REFL R
1-sonhar-NLZ R
1-dizer
um aɾp ku-dʌ -iukɾi ku-t piok -kãm -ipej…’
SD já R2-gravar R
2-DEPOIS DE R
2-OBL folha R
1-LOC R
2-fazer
‘...eu contei meu próprio sonho para o professor Lucivaldo e ele o gravou.
depois ele vai escrevê-lo no papel...’ (Kenpoti, 2012)
CLASSE II
3.2.5 Flexão relacional em temas nominais, verbais e posposicionais
Abaixo apresentamos exemplos de temas nominais, verbais e posposicionais da
classe II flexionados pelos prefixos relacionais, observando que os temas da subclasse IIa
flexionam o alomorfe - tanto do prefixo R1, quanto do R
2, ao passo que na subclasse IIb os
temas recebem o alomorfe ku- do prefixo relacional R2, como já foi descrito acima.
Nomes
Classe II, subclasse a + R1
382. guba -n
1+2 R1-mãe
‘mãe de nós dois’
383. bp ɨɾɨti -n
Bep Nhõrõ-Ti R1-mãe
‘a mãe do Bep Nhõrõ-Ti’
153
384. i -n
1 R1-olho
‘ meu olho’
385. rpkrɾi -n
onça R1-olho
‘olho da onça’
Classe II, subclasse a + R2
386. -n
R2-mãe
‘ mãe dele’
387. -n
R2-olho
‘olho dela’
388. -kɾ
R2-filho
‘filho dele’
389. -bãm
R2-pai
‘pai dele’
Verbos transitivos
Classe II, subclasse a + R1
390. ba na ba pi -kɾãta
1 RLS 1 pau R1-cortar
‘eu cortei pau’
154
391. b na b pido -kudjo-j - ɨ
1 RLS 1 fruta R1-descascar R
1-ASSOC.INSTR estar. sentado
‘eu estou descascando a fruta’
392. mem na rp -tk
homem RLS cachorro R1-bater
‘o homem bateu no cachorro’
Classe II, subclasse a + R2
393. ʤa ba -tak um -pɾõn
IRRLS 1 R2-bater SD R
2-corrida
‘se eu bater nele, ele correrá’
394. mem na ɾp -mu ne -kãm -tk
homem RLS cachorro R1-ver MS R
2-LOC R
2-bater
‘o homem viu o cachorro e bateu nele’
Verbos intransitivos
Classe II, subclasse a + R1
395. ga na ga a -te-m ket
2 RLS 2 2 R1-ir/vir-NLZ NEG
‘não houve o teu ir’
155
396. ba na ba i -boj- ket ɾãʔã
1 RLS 1 1 R1-chegar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o meu chegar’
Classe II, subclasse a + R2
397 ta wa na -te-m ket
3 DEM.DIST RLS R2-ir/vir-NLZ NEG
‘não houve o ir dele’
398. benadwr na -boj- ket ɾãã
cacique RLS R2-chegar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o chegar do cacique’
Posposições
As posposições que integram a subclasse IIa são flexionadas pelo alomorfe - tanto
do prefixo R1, quanto do R
2. Abaixo são apresentados exemplos com algumas posposições
dessa subclasse.
Classe II, subclasse a + R1
399. meniɾɛ na kɾi -kuɾum te
mulher RLS aldeia R1-ABLAT ir/vir
‘a mulher veio da aldeia’
400. ba a -kuɾi da
1 2 R1-LOC estar.em.pé
‘eu estou ao teu lado’
156
Classe II, subclasse a + R2
401 kri na meniɾ -kuɾum te
aldeia RLS mulher R2-LOC ir/vir
‘foi da aldeia que a mulher veio’
402. ba na ba -kuri da
1 RLS 1 R2-LOC estar.em.pé
‘eu estou do lado dela’
Classe II, subclasse b + R1
Pertencem à subclasse b, temas verbais transitivos e temas posposicionais que recebem
o alomorfe ku- do prefixo relacional R2.
Verbos transitivos
Classe II, subclasse b + R1
403. ɾma na pi -kukw ku-ã pãj
Roma RLS castanha R1-cortar R
2-dar em troca
piokapɾi -b ajt -kukw
dinheiro R1-pegar de novo R
2-cortar
‘Roma cortou castanha. vendeu-a. Recebeu dinheiro em troca e cortou
novamente (castanha)’
404. i -bãm na b -kãm te kukɾt -bi
1 R1-pai RLS floresta R
1-LOC ir/vir anta R
1-matar
um kãm i -iɾu ku-tep kwɾ j-ɾe
SD nisso 1 R1-mãe R
2-esperar mandioca R
1-arrancar
ku-ke ne -une ku-tep- -
R2-ralar MS R
2-espremer R
2-esperar-NLZ R
1-ASSOC.INSTR estar.sentado
um -ɾ boj
157
SD R2-DIR chegar
‘Meu pai foi caçar e matou uma anta e minha mãe o esperou. Ela arrancou mandioca.
‘a ralou e a espremeu e esperou (meu pai). E depois ele a encontrou
Classe II, subclasse b + R2
405. ɾma na pi -kukw ku-ã pãj
Roma RLS castanha R1-cortar R
2-dar em troca
piʔokapɾi -b ajt -kukw
dinheiro R1-pegar de novo R
2-cortar
‘Roma cortou castanha, a vendeu, recebeu
dinheiro em troca e a cortou novamente’
406. i -bãm na b -kãm te kukɾt -bi
1 R1-pai RLS floresta R
1-LOC ir/vir anta R
1-matar
um -kãm i -iɾu ku-tep kwɾ j-ɾe
SD R1-LOC 1 R
1-mãe R
2-esperar mandioca R
1-arrancar
ku-ke ne -une ku-tep- -
R2-ralar MS R
2-espremer R
2-esperar-NLZ progr estar. sentado
um -ɾ boj
SD R2-DIR chegar
‘meu pai foi caçar e matou anta e minha mãe o esperou. Ela arrancou mandioca, a
ralou e a espremeu e o esperou e depois ele a encontrou’
407. ga na ga kruwa ta wa Ø-m a-ã
2 RLS 2 flecha 3 DEM.DIST R1-DIRET R
2-dar
‘você deu flecha para aquele’
408. ga a-bi
2 R2-matar
‘você o matou’
158
Posposições
Até o presente, encontramos três posposições ocorrendo na subclasse IIb, a
posposições -mã, -be e -t Essas posposições são flexionadas pelo alomorfe - do prefixo R1
e pelo alomorfe ku- do prefixo R2. Abaixo, seguem exemplos de ocorrência dessas
posposições.
Classe II, subclasse b + R1
409. meniɾ -t mem -mu-j ket
mulher R1-OBL homem R
1-ver-NLZ NEG
‘não houve o ver do homem pela mulher’
410. ɾma na i -mã kɾuwa Ø-ã
Roma RLS 1 R1-DIRET flecha R
1-dar
‘Roma me vendeu flechas’
411. i -be piok j-akɾ--dwj
1 R1-essivo folha- R
1-ensinar-NLZ- NLZ.CIRC
‘eu sou professor’
Classe II, subclasse b + R2
412. meniɾ na ku-t mem -mu-j ket
mulher RLS R2-OBL homem R
1-ver-NLZ NEG
‘a mulher, não houve o ver do homem por ela’
159
413. ɾma na ku-mã kɾuwa -ã
Romá RLS R2-DAT flecha R
1-dar
‘Roma vendeu flechas para ele’
414. ku-be piok j-akɾ-Ø-dwj
R2-essivo folha-R
1-ensinar- NLZ- NLZ.CIRC
‘ele é professor’
3.3 Algumas considerações finais sobre a flexão relacional em Xikrín
Como demonstramos neste capítulo, a flexão relacional é uma forte marca
morfossintática na língua Xikrín. É por meio dela que são estabelecidas relações de
dependência entre termas relativos e seus determinantes. Há, por outro lado, na literatura
sobre línguas Jê, adeptos de outras análises que tentam negar a validade do que consideramos
como marcas morfossintáticas relacionais. Salanova (2011) chega mesmo a sugerir que a
análise de prefixos relacionais para o Xikrín, como proposta por Costa (2002; 2003) e Costa e
Cabral (2004) seja descartada.
Salanova tenta argumentar, mas não apresenta provas consistentes, que os prefixos
relacionais são na realidade parte dos temas, optando por uma análise segundo a qual os
prefixos relacionais podem se tratar de:
processos morfofonológicos que coocorrem com a prefixação dos morfemas
de pessoa. A diferença entre esta abordagem e a anterior é que o que na
abordagem com “prefixos relacionais” é um morfema separado do tema
flexionado, na análise morfofonológica é parte integrante de tema
flexionado, e é transformado por regras morfofonológicas que em princípio
teriam que ser motivadas pelas propriedades gerais da fonologia das línguas
em questão. (Salanova 2011:78)
Um dos questionamentos que faz Salanova (2011:83) sobre a validade da análise de
prefixos relacionais em Xikrín é que, para ele, uma palavra como bitaer 'fazer brincadeiras' é
resultado da combinação de -aer 'assustar e de um prefixo que ele chama de 'antiacusativo'
bi-. E como há um segmento sonoro t, bitaer, se t fosse um prefixo relacional não poderia
ocorrer entre o tema verbal e o prefixo bi. Mas muito provavelmente bitaer não tem relação
160
nenhuma com o tema aer 'assustar', assim como não fazem sentido as demais etimologias
propostas para as formas de onde Salanova quer que tenha os segmentos conhecidos como
relacionais.
Segundo Salanova (2011:84), o que ele chama de consoantes de ligação (e que na
nossa análise são prefixos relacionais) aparecem em temas não flexionados. Salanova acredita
que temas como pur ‘roça’, pɨka ‘terra’, dwə ‘farinha de mandioca’, ɲuɲ ‘beija-flor’ e jʌt
‘batata doce’, teriam como sons iniciais, tais consoantes. O que ele não consegue entender é
que nem todos os p, d e j que iniciam palavras em Xikrín são prefixos relacionais, assim
como nem todos os a iniciais do Português são manifestações do artigo definido feminino
singular, como em aula, atas, anil, amarelo, da mesma forma que nem todos os s em final de
palavra dessa mesma língua são manifestações do plural, como em lápis, cós, etc..
Salanova (2011:85) estranha o fato de que haja duas formas não finitas e uma finita,
sendo que uma das não finitas é idêntica à finita. Entretanto em se tratando de verbos
posicionais, é comum, tanto em Jê como em Tupí, tais variações. Esses são casos muito
antigos de processos fonológicos ocorridos na história dessas línguas que resultaram em
formas temáticas supletivas de tais verbos (cf. Rodrigues e Cabral em preparação). Esses
autores ao demonstrarem esses fenômenos históricos dão exemplos como o verbo -up ~ -tup
'estar deitado' em Tupí-Guaraní, em que a forma up, aparece na terceira pessoa e a forma tup
nas demais pessoas. Considere-se que há ainda a forma tupawa 'lugar de dormir de gente', em
que o T inicial é um outro sufixo, o relacional que indica que o determinante é genérico e
humano'. Dadas as evidências de relacionamentos históricos entre Jê e Tupí, devemos olhar
com caução exemplos como os apresentados por Salanova, os quais não devem ser vistos
como os demais verbos da língua.
Outro exemplo dado por Salanova (2011:91) que mostra distribuição análoga é
abandonar e ter preguiça, mas como há duas possibilidades de se dizer:
a. (ku-mʌ) / i- mʌ) ʤukaŋa
3-para / 1-para abandonar
‘ele tem/eu tenho preguiça’
b. ku-mʌ) / i- mʌ) ukaŋa
3-para / 1-para 3-abandonar
‘ele tem / eu tenho preguiça’
161
É mais prudente considerar que nesses casos há duas formas lexicais variantes
ʤukaŋa e ukaŋa, como há duas formas em Português como benzida e benta.
Finalmente, Salanova propõe uma análise abstrata para dar conta do que ocorre nas
línguas Jê. Para ele há um processo de aférese que ocorre em certos temas em Me bengôkre, o
qual seria "consequência da prefixação de um elemento fonologicamente abstrato, que por ora
ele representa por {H-}." Para tanto, Salanova reconhece ser necessário recorrer-se a uma
série de regras fonológicas complementares, que, como ele salienta, "por ora chamaremos
coletivamente de “reparação de ataques”". Salanova (2011:102) observa que as objeções que
podem ser levantadas contra a sua abordagem, como a que aponta para o fato de que {H-} não
tem nenhum reflexo fonético na língua, não seria "tão grave se a análise se justifica em termos
diacrônicos." Ora, uma análise sincrônica se fortalece quando reforçada por indicações
diacrônicas, mas há que se distinguir sincronia de diacronia, e de forma nenhuma, a segunda
pode fundamentar sozinha um fato sincrônico.
Salanova (2011:103) chega a postular um possível fonema /h/ para o Me bengôkre
para justificar a sua análise. Ele diz: “De fato, as palavras “iniciadas por vogal” em
Mebengôkre podem ser pronunciadas com um [h] ou [H] inicial na fala cuidadosa.
Exploremos a possibilidade de /h/ ser parte do sistema fonológico da língua.
Salanova chega a admitir que "Isso não afeta a essência da nossa análise; apenas a
torna um pouco mais concreta." Ora, essa ideia claramente força a concretude de um processo
subfonêmico e marginal como o da pronúncia de uma fricativa surda no início de palavras
iniciadas por vogal na língua em questão.
Finalmente, conclui que com "este novo fonema no sistema fonológico do
Mebengôkre, podemos propor que o prefixo de terceira pessoa em Me bengôkre é
simplesmente {h-}."
Além de não apresentar fundamentos sólidos e convincentes para quem entende o
que são prefixos relacionais, Salanova pretende com o seu ensaio desfazer da hipótese de
Rodrigues sobre um parentesco genético Tupí e Jê, mesmo reconhecendo que sua análise é
incompleta e que requer avanços.
Contrariamente ao que postula Salanova (2011), apresentamos neste capítulo um
número significante de dados que mostram claramente que o Xikrín possui prefixos
relacionais, e que estes são prefixos de importância fundamental no estabelecimento de
relações gramaticais na língua. São eles que sinalizam nos temas dependentes a contiguidade
sintática do determinante destes.
162
Salientamos que as línguas estão em constante processo de mudanças e que assim
como palavras podem mudar de classe, nesse processo, algumas mudanças podem levar a
lexicalização de formas derivadas ou flexionadas. Em Zo'é, por exemplo, temas que sofreram
reduções fonológicas tiveram os relacionais reanalisados como parte da raiz em todas as
pessoas, menos na terceira pessoa. Assim atualmente diz-se e r-ahãj 'meu dente' e h-ãj 'dente
de alguém', quando em estágio anterior da língua se diria e r-ãj 'meu dente' e h-ãj 'dente de
alguém' (Cabral, comunicação pessoal).
163
CAPÍTULO IV – PREDICADOS VERBAIS E NOMINAIS EM XIKRÍN
Este capítulo consiste em um estudo sobre os tipos de predicados na língua Xikrín.
Considerando-se a natureza do núcleo do predicado, a distribuição das marcas pessoais e o
número de argumentos obrigatórios, distinguem-se dois tipos principais de predicados em
Xikrín, a saber, os predicados nominais e os predicados verbais. Os primeiros se subdividem
em: (i) equativos, (ii) inclusivos, (iii) relativos e (iv) existenciais, seguindo a tipologia
proposta por Payne (1997). Os segundos subdividem-se em transitivos, transitivos trivalentes,
intransitivos e intransitivos bivalentes.
4.1 PREDICADOS NOMINAIS
Figuram como núcleo de predicados nominais em Xikrín nomes relativos e
absolutos. Em termos sintáticos, estes predicados são sempre monoargumentais. Do ponto de
vista semântico, podem expressar inclusão própria, equação, relação de pertencimento,
dinamicidade e existência, daí poder-se falar em predicados equativos, inclusivos, relativos e
existenciais.
4.1.1 Predicados equativos
Predicados equativos manifestam-se como parte de uma equação em que X = Y, isto
é, expressam uma relação em que um sintagma é simplesmente idêntico à segunda parte da
equação. A relação entre argumento e predicado ocorre por justaposição formando uma
equação em que X = Y, sendo X equivalente ao argumento e Y equivalente ao núcleo do
predicado. A seguir, mostramos alguns exemplos de predicados equativos.
415. lusivawdo i -kamɨ
lucivaldo 1 R1-irmão
‘Lucivalo (é) meu irmão’
416. floriza i -kanikwəj
164
Floriza 1 R1-irmã
‘Floriza (é) minha irmã’
417. mepiʤəɲãrãʤwəj ɲ-iʤi floriza
enfermeira R1-nome Floriza
‘o nome da enfermeira (é) Floriza’
418. krwua ja
flecha isto
‘isto (é) flecha’
4.1.2 Predicados inclusivos
Predicados inclusivos introduzem um referente em uma classe ou categoria
explicitada pelo predicado. Distribucionalmente, seu argumento é constituído de um sintagma
nominal - um nome ou um pronome da série absolutiva - combinado com a posposição
be,’essiva’, seguido do nome que representa a classe de inclusão, que é o núcleo do predicado.
Abaixo há exemplos de predicados inclusivos.
418. bɛptum -be benjaʤwəɾə
Bep-Tum R1-ESSIVO chefe
‘Bep-Tum é chefe’
419. bɛpɲɨrɨti -be piʔok j-akrɛ-Ø-ʤwəj
Kenpoti R1-ESSIVO folha R
1-mostrar-NLZ-NLZ
‘Bep Nhõrõ-Ti é professor’
165
420. pɔɨ -be ŋokõbʌri
Poy R1-ESSIVO conselheiro
‘Poy é conselheiro’
4.1.3 Predicados possessivos
Predicados possessivos em Xikrín podem expressar a relação possessiva entre núcleo
e argumento. Os núcleos recebem flexão relacional.
421. i -ikra
1 R1-mão
‘existe minha mão’ ‘(eu tenho mão)
422. i j-amak
1 R1-orelha
‘‘ existe minha orelha’ ‘(eu tenho orelha)’
423. rɔpkrɔri -kɾa
onça R1-filho
‘filhote de onça’
424. ba na ba i -prõn
1 RLS 1 1 R1-corrida
‘houve minha corrida’ ‘(eu corri)’
425. ʤa ba i j-ri
IRRLS 1 1 R1-pular
‘vai haver meu pulo ‘(eu vou pular)’
166
426. ta ja na ɾp -pɾõn
3 DEM.PROX RLS já R2-corrida
‘já existiu a corrida deste’ ‘(ele correu)’
427. gub j-ri ket
1+2 R1-pulo NEG
‘não houve nosso pulo’ ‘(nós não pulamos)’
428. o - d ba i -kt
rio R1-sobre IRRLS 1 1 R
1-saída
‘vai haver minha saída do rio’ ‘(eu vou sair
do rio)’
429. krrʌp d ba i d-ʌpej
amanhã IRRL 1 1 R1-trabalho
‘amanhã vai haver meu trabalho’ ‘(amanhã eu vou
trabalhar)’
430. ga na ga a -kɛkɛt
2 RLS 2 2 R1-sorriso
‘houve teu sorriso’ ‘(você sorriu)’
431. ba a -mã i -kaben
1 2 R1-DIRET 1 R
1-fala
‘houve meu falar a você’ ‘(eu falei com você)’
167
4.1.4 Predicados existenciais
Predicados existenciais expressam a existência ou presença de algo ou alguém
introduzido na cena discursiva (PAYNE, 1998). O núcleo dos predicados existenciais é
composto por nomes absolutos, nomes de qualidade e de sensações. Esses tipos de predicados
podem ser constituídos apenas por seu núcleo, ou podem exigir um adjunto locativo ou
temporal regido ou pela posposição mã ou kãm. Obserava-se que nas construções existencias
que requerem o adjunto locativo ou temporal, há a ocorrência da particula modal na, que
sempre segue o núcleo do predicado. O mesmo não ocorre nesses tipos de predicados quando
seu argumento único é regido pela posposição dativa mã.
432. krwua
flecha
‘existe flecha’
433. tɛp
peixe
‘existe peixe’
434. meprirɛ -kane
criança R1-doença
‘existe a doença da criança’
435. i -kaŋɾɔ
1 R1-calor
‘existe o meu calor’
436. kikrɛ -kãm na ɾɔp
casa R1-LOC RLS cachorro
‘existe cachorro na casa (aldeia)’
168
437. i -mã kr
1 R1-DIRET frio
‘existe frio para mim’
438. kəjkwa -kãm na kakum
nuvem R1-LOC RLS nuvem
‘existe nuvem no céu’
4.2 PREDICADOS VERBAIS
Os predicados verbais se subdividem em intransitivos e transitivos. Tanto os
intransitivos quanto os transitivos podem ser subdivididas em duas subclasses. A classe dos
predicados intransitivos pode ser subdividida em intransitivos monovalentes e intransitivos
bivalentes. Da mesma forma, a classe dos transitivos pode ser subdividida em transitivos
bivalentes ou trivalentes. Nas seções seguintes, descrevemos com maiores detalhes cada um
desses dois tipos de predicados.
4.2.1 Predicados verbais intransitivos monovalentes
Os predicados verbais intransitivos monovalentes são os que têm como núcleo um
verbo que exige apenas um argumento interno, o sujeito, que pode ser um pronome livre da
série nominativa (439), um demonstrativo (440), um pronome interrogativo (441), um
pronome indefinido (442) ou ainda um nome referencial (443).
439 guba na gu tɔ
1+2 RLS 1+2 festejar
‘nós festejamos’
169
440. wa na ŋɾɛ
DEM. DISTAL RLS cantar
‘aquele cantou’
441. ɲum na ɾe
quem RLS nadar
‘quem nadou?’
442. meʔõ na ɾe
alguém RLS nadar
‘alguém nadou’
443. kubeniɾɛ na tɔ
mulher RLS festejar
‘a mulher festejou’
4.2.2 Predicados verbais intransitivos bivalentes
Há também predicados intransitivos que, além do argumento interno sujeito,
requerem outro argumento obrigatório, que é um complemento oblíquo regido pela
posposição diretiva mã, ou pela posposição locativa kãm. Este tipo de predicado é também
conhecido na literatura como predicado intransitivo estendido (DIXON, 1994). São exemplos
de predicados intransitivos bivalentes as sentenças (444-445).
444. ba na ba a -mã akia
1 RLS 1 2 R1-DIRET gritar
‘eu gritei para você’(pedindo socorro)
170
445. memɨ na i -mã -kaben
homem RLS 1 R1-DIRET R
2-fala
‘houve a fala do homem para mim’ ‘(o
homem falou para mim)’
4.2.3 Predicados verbais transitivos bivalentes
Os predicados verbais transitivos bivalentes têm como núcleo um verbo que exige
um argumento interno correspondente ao objeto direto, e outro externo correspondente ao
sujeito/agente. Podem ocorrer como argumento externo de verbos transitivos, pronomes
pessoais do caso nominativo, demonstrativos, interrogativos, indefinidos, além de nomes
referenciais. Quando o núcleo do predicado verbal transitivo é modificado por expressão
adverbial, seu argumento externo, se pronominal, é da série absolutiva e regido pela
posposição jɛ ∞ tɛ. Se o argumento externo for um nome referencial ou um pronome
demonstrativo, será igualmente regido pela posposição jɛ ∞ tɛ. Se o sujeito já for conhecido
pelos interlocutores, pode ser expresso simplesmente por ku-tɛ, isto é, prefixo relacional de
não contiguidade mais a posposição -tɛ. Já o argumento interno de um predicado verbal
transitivo pode ser expresso por pronomes pessoais do caso absolutivo, por demonstrativos,
interrogativos, indefinidos ou por um nome referencial, como ilustram os exemplos abaixo.
446. piʔɨ na ba -kukwə
castanha RLS 1 R2-quebrar
‘foi castanha que eu quebrei’
447. memɨ na tɛp ʤ-ʌɲwə
homem RLS peixe R1-flechar
‘os homens flecharam peixe’
448. meʔõ na kʌ ɲ-ipej
alguém RLS canoa R1-fazer
‘alguém fez canoa’
171
449. ɲum na kapɾãn -mə
quem RLS jabuti R1-pegar
‘quem pegou jabuti?’
450. a -jɛ kʌjŋʌrʌti -bi-n ket
2 R1-OBL mutum R
1-matar-NLZ NEG
‘não houve o matar do mutum por você’ ‘(você não
matou o mutum)’
Os exemplos (451-455) ilustram a ocorrência de argumento interno de predicados
transitivos bivalentes.
451. i -jɛ kukɾɨt -bi-n ket
2 R1-OBL anta R
1-matar-NLZ NEG
‘não houve o matar da anta por mim’ ‘(eu não
matei anta)’
452 ɲum na i -mu
quem RLS 1 R1-ver
‘quem me viu?’
453. ɾɔp na meʔõ -ɲa
cachorro RLS alguém R1-morder
‘o cachorro mordeu alguém’
454. ɲum na a j-ɔmu
quem RLS 2 R1-ver
‘quem você viu?’
172
455. ga na ga ta wa -mu
2 RLS 2 3 DEM.DIST R1-ver
‘você a viu’
4.2.4 Predicados verbais transitivos trivalentes
Os predicados transitivos trivalentes caracterizam-se por exigir um argumento
interno, um externo e um argumento oblíquo obrigatório regido por posposição, como
mostram os exemplos (456-457).
456. ɲum -mã na ga mɾɨ ɲ-i -ŋã
quem R1-DIRET RLS 2 caça R
1-carne R
1-dar
‘para quem você deu carne de caça?’
457. kenpoti i -mã krwuapu j-anɔ
Kenpoti 1 R1-DIRET tipo de cocar R
1-mandar
‘Kenpoti me mandou um cocar’
4.3 NOMINALIZAÇÕES DE PREDICADOS VERBAIS
A língua Xikrín apresenta formas verbais nominalizadas usadas como núcleo de
predicados nominais. Estas formas correm em orações independentes quando o núcleo do
predicado é modificado por expressões de valor adverbial e em orações dependentes
completivas, relativas e adverbais. Este processo derivacional cria nomes de ação por meio do
acréscimo de um dos alomorfes do sufixo nominalizador {-ɾ}: -j, -n, -m, -k, ou - à forma
verbal básica.
Observa-se que os condicionamentos que levam ao uso de um nome de ação como
núcleo de predicados transitivos e intransitivos em Xikrín não obedecem ao critério TAM,
como tem sido descrito para outras língua da família (cf., por exemplo, Santos (1997),
173
Dourado (2001), Ferreira (2003), Castro Alves (2004) e Miranda (2014). Em Xikrín é
indiferente se uma oração é marcada pelo aspecto perfectivo ou imperctivo ou se se encontra
no modo realis ou irrealis. Como vimos, o que determina de fato a natureza nominal ou
verbal do núcleo do predicado em Xikrín, é se este é ou não modificado por expressão
adverbial, ou se se trata de uma oração em relação de dependência com outra, a oração
principal. Vejamos alguns exemplos abaixo:
Modificação por expressão adverbial
458. ga na [ga tɔ]
2 RLS 2 festejar
‘você festejou’
459. ga na ga [a -tɔ-ɾɔ kumɛj]
2 RLS 2 2 R1-festejar-NLZ muito
‘houve o teu festejar em grande quantidade’ ‘(você festejou muito)’
460. ba na [ba a -mu]
1 RLS 1 2 R1-ver
‘eu vi você’
461. ba na ba [i -jɛ meni -mu-j ket]
1 RLS 1 1 R1-OBL homem R
1-ver-NLZ NEG
‘não houve o ver da mulher por mim’ ‘(eu não vi a mulher)’
Em função adjetiva
462. memɨ [-ktɔ-ɾɔ] ɾɔpkɾɔɾi -bi
homem R1-sair-NLZ onça pintada R
1-matar
‘o homem que saiu matou onça pintada’
174
463. mebeŋokɾɛ na [ku-tɛ i -mu-j] tp j-ai
indígena RLS R2-OBL 1 R
1-ver-NLZ peixe R
1-pescar
‘o homem que me viu pesca’
464. memɨ [mak -tɛ -kaɲwə-ɾə] amɾa- -ɔ nõ
homem escorpião R1-OBL R
2-ferrar-NLZ gritar- NLZ R
1-ASS.INSTR estar.deitado
‘o homem que o escopião ferrou está griando’
Complementação
465. g na g [-j -m-ɾi] b -kãm ɾ
2 RLS 2 2-OBL R2-saber-NLZ 1 R
2-LOC cantar
‘você sabe que eu cantei’
466. ʤə na kwəɾəti [-tɛ pi -kukw-ɾə] m
INT RLS kyryti R1-OBL castanha R
1-cortar-NLZ saber
‘Kwyryti sabe cortar castanha?’
4.4 CONCLUSÃO
Descrevemos, neste capítulo, os tipos de predicados em Xikrin. Vimos que a
principal distinção dos predicados é a sua natureza, verbal ou nominal. Vimos que há
predicados de natureza nominal que têm por núcleo verbos nominalizados por meio de um
dos alomorfes do sufixo nomminalizador {-r}: -j, -n, -m, -k, ou - à forma verbal básica.
Trata-se de processo altamente produtivo na língua. Mas nem toda nominalização funciona
como núcleo de predicado, podendo funcionar como substantivo e como adjetivo ou como
complemento de posposições.
175
CAPÍTULO V – CONSTRUÇÕES COORDENADAS
Construções coordenadas podem ser identificadas com base em sua simetria: uma
construção [A B] é considerada coordenada se as duas partes A e B tiverem o mesmo status
(cf. HASPELMATH, 2014, p. 3). Para Haspelmath (2014, p. 4), estas construções consistem
de duas ou mais orações independentes, mediadas por um elemento gramatical o
‘coordenador’, que pode ser um morfema livre (conjunção, partícula) ou preso (afixo). Se a
coordenação de orações independentes envolver o uso de um elemento gramatical, estas serão
chamadas de orações sindéticas. Se eles estiverem simplesmente justapostas, serão chamadas
de construções assindéticas. Semanticamente, as construções coordenadas podem ser de três
tipos distintos, a saber: conjuntiva, disjuntiva e adversativa.
Neste capítulo, descrevemos as estratégias usadas na língua Xikrín para coordenar
orações sintaticamente independentes. Em 5.1, descrevemos orações coordenadas que se
combinam através da estratégia de justaposição e em 5.2, descrevemos as orações
independentes ligadas por meio do uso de elementos gramaticais, que, além de exercerem a
função conectiva, marcam a correferencialidade ou não entre sujeitos oracionais14
e, em 5.3,
tratamos das orações coordenadas conjuntivas e, finalmente, em 5.4, descrevemos as orações
coordenadass disjuntivas. As orações coordenadas adversativas e conclusivas são tratadas em
5.5 e 5.6, respectivamentes.
5.1 ORAÇÕES COORDENADAS POR JUSTAPOSIÇÃO
Orações coordenadas por justaposição ligam-se sem auxílio de elementos
gramaticais. Nocionalmente, podem denotar um mesmo evento sucessivo ou eventos distintos
sucessivos. Quando o sujeito da segunda oração é correferencial com o da primeira, ele pode
ser omitido na segunda oração; mas, quando ele for diferente do da primeira oração ou estiver
numa construção em que o núcleo do predicado for modificado, o sujeito da segunda oração
será obrigatoriamente expresso, sendo ou não correferente com o da primeira oração.
No exemplo (467), há duas orações justapostas. O sujeito da oração intransitiva ba
‘eu’ é correferente com o da oração transitiva, por isso o argumento A, na segunda oração está
14
Para maior compreensão e aprofundamento sobre correferencilidade em Xikrín, consultar COSTA et al
(2010), bem como o capítulo VII, que traz uma discussão atualizada e acurada sobre este tema.
176
elíptico, demonstrando uma configuração nominativa. Em (468), o núcleo do predicado da
segunda oração -bi-n ‘matar’ foi modificado pelo advérbio ket ‘não’, caso em que o sujeito,
mesmo sendo correferencial com o da primeira oração, deve vir expresso na segunda.
467. [ba na ba bʌ -kãm te] [kukɾɨt -bi]
1 RLS 1 floresta R1-LOC ir/vir anta R
1-matar
‘eu fui caçar e matei anta’
468. [na ba bʌ -kãm te]
RLS 1 floresta R1-LOC ir/vir
[i -jɛ kukɾɨt -bi-n ket]
1sg.abs R1-OBL anta R
1-matar-NLZ NEG
‘eu fui caçar, (mas) não houve o matar da anta por mim’
Em (469), há cinco orações transitivas independentes justapostas. Na primeira
oração, o argumento A i ɲ-iɾua ‘minha mãe’ é correferente com o argumento A das quatro
orações subsequentes, motivo pelo qual não está nelas explícito. Estas orações têm uma
configuração A/A, seguindo uma orientação nominativa.
469. [i ɲ-iɾua ku-tep] [kwəɾə j-aɾe] [ku-ke]
1 R1-mãe R
2-esperar mandioca R
1-arrancar R
2-ralar
[-une] [ku-tep -ɔ-ɲɨ]
R2-espremer R
2-esperar R
2-CAUS-sentar
‘minha mãe o esperou. arrancou mandioca, a ralou, a espremeu o esperando...’
O exemplo abaixo (470) consiste de duas orações independentes justapostas, a
primeira é uma oração transitiva e a segunda, uma oração intransitiva. Nesta, o argumento S é
omitido por ser correferencial com o argumento A da primeira oração. Assim, as orações em
tela apresentam uma configuração A/S, seguindo um alinhamento nominativo:
470. [ba na ba a j-mu] [aɾp -mã te]
1 RLS 1 2 R1-ver já R
2-DIRET ir/vir
‘eu vi você e fui embora’
177
5.2 ORAÇÕES COORDENADAS POR MEIO DE CONJUNÇÕES
Em Xikrín, orações independentes também podem ser ligadas por meio das
conjunções ne , ɲum e nɔɾɔkɔt. A primeira conjunção liga orações independentes cujos
sujeitos são correferenciais; a segunda, relaciona orações cujos sujeitos são diferentes,
enquanto que a terceira conjunção pode ligar orações com sujeitos correferenciais ou
diferentes.
O exemplo (471) é um trecho de um relato do professor Bep Nõrõ-Ti sobre sua ida a
Brasília. As duas primeiras orações são intransitivas e estão justapostas. O sujeito da primeira
oração ba aɾi ‘1 + PAUC’ é também o sujeito da segunda oração, por isso não vem expresso
nesta, tendo ambas as orações uma configuração S/S. A terceira oração é introduzida pela
conjunção ne, indicando que o argumento A, omitido naquela oração, é correferencial com o
argumento S das duas primeiras orações, o que configura um alinhamento S/A. A quarta
oração, intransitiva, é introduzida pela conjunção ɲum sinalizando que seu argumento S mʌtkʌ
‘avião’ é diferente do argumento A da oração anterior, mas correferente com o argumento O
daquela oração. Por essa razão, o argumento S da quarta oração pôde ter sido omitido,
apresentando uma configuração O/S. A quinta oração inicia com a conjunção ɲum, porque
houve, novamente, mudança de sujeito. A sexta oração, intransitiva, é introduzida pela
conjunção ne, pois o argumento S, embora expresso na oração, é correferente com o
argumento S da oração anterior. A última oração, intransitiva, é introduzida também pela
conjunção ne, pois seu argumento S é correferente com o da sexta oração, motivo pelo qual
está omitido, mas facilmente inferido pelo contexto enunciativo.
471. kwatɾo ɾ -kãm [ba ɾi ɾəp kpot -mã te]
quarto horas R1-LOC 1 PAUC já campo R
1-DIRET ir/vir
[boj] [ne mtk -kmm] [um sejs ɾ
chegar MS avião R1-esperar SD seis horas
-kãm boj] [um ba ɾi -kãm me -kot te]
R2-LOC chegar SD
1 PAUC R
2-LOC PL R
2-COMP ir/vir
[ne nvi ɾ -kãm ba ɾi boj]
depois nove horas R1-LOC 1 PAUC chegar
[ne brzij -kãm boj]
MS Brasília R1-LOC chegar
178
‘...às quatro horas nós fomos ao aeroporto. Chegamos e esperamos o avião e às seis
horas o avião chegou e nós fomos com as pessoas no (avião). Depois, às nove horas,
nós chegamos, chegamos a Brasília...’
O trecho seguinte é extraído do mito kukoj me Ojre, escrito por um grupo de
alunos/professores Xikrín durante o curso de elaboração da escrita da língua materna,
realizado na aldeia Cateté em outubro de 2014.
O exemplo (472) traz duas orações transitivas ligadas pelo conectivo ne. O
argumento A da primeira oração, kukoj ‘macaco’, é também o sujeito da segunda oração,
motivo pelo qual está elíptico nesta, e facilmente identificado pelo contexto. Estas orações
apresentam uma configuração A/A.
472. [amɾebej na wɛ kukoj ta -uma-ɾi-ʤʌ -kot
antigamente RLS DUB macaco 3 R2-pensar-NLZ- NLZ.CIRC R
1-PERL
me -kaʤɨ -uma-ɾi-ʤʌ -ma] [ne -kãm aɾəp
PL R2-FINLD R
2-pensar- NLZ- NLZ.CIRC R
1-saber MS R
2-LOC já
jãʤɨ kumɾej -mã ej...]’
veado primeiro R2-DIRET mentir
‘...antigamente, o macaco, ele fez um planejamento para enganar as pessoas e
primeiro enganou o veado...’
O mesmo acontece no exemplo (473): as orações estão ligadas pelo conectivo ne,
indicador de referência compartilhada, exibindo configuração sintática S/A.
473. [...kukoj na -pɾõn] [ne kukɾɨt -əɾə -katɔ]
macaco RLS R2-correr ms anta R
1-DIR R
1-saída
‘...o macaco correu e encontrou a anta.’
No exemplo de (474), há três orações independentes, ligadas pelo conectivo ɲum. O
Argumento A da primeira oração é ojɾɛ ‘espécie de papagaio’ e o argumento S da segunda
oração é kukoj. Por se tratar de sujeitos diferentes, a segunda oração é introduzida pela
conjunção ɲum. A terceira oração é introduzida pela conjunção ɲum, pois seu argumento A é
179
diferente do argumento S da segunda oração, mas correferetne com o argumento A da
primeira.
474. ojɾɛ kaʤatɲi -kaba] [ɲum kãm kukoj -paɾi
macaco algodão R1-arrancar SD nisso macaco R
1-pé
-ɔ-ãʤa] [ɲum ajtɛ ʔõʤwə -kaba...]
R1-CAUS-COMIT-pisar SD ITER outro R
1-arrancar
‘o papagaio arrancou o algodão (da canoa) e o macaco tapou com os pés e de novo o
papagaio tirou outro (algodão)’
Os exemplos (475 e 476) são fragmentos de um relato que narra a ida dos homens à
floresta em busca de caça para abastecer a comunidade por ocasião de uma festa na aldeia.
Nestas orações, há ocorrência da conjunção nɔɾɔkɔt, que exprime a escolha de uma das duas
ações expressas pelos verbos -apɾɛ ‘juntar’ e aɲo ‘pendurar’ e -ga ‘ assar’e -mɾõ, ‘cozinhar’,
respectivamente.
475 me ku-tɛ -ɔ-ba -ɔ-boj kuni
PL R2-OBL R
2-CAUS.COMIT-andar R
2-CAUS-chegar tudo
-kot ami -mã -apɾɛ nɔɾɔkɔt -aɲo ne
R1-COMP REFL R
1-DIRET R
2-juntar DISJ R
2-pendurar MS
ku-tɛ ami -mã -kaɨ-ɾɨ -tu-ɾu -kaʤɨ
R2-OBL REFL R
1-DIRET R
2-colocar-NLZ R
2-carregar-NLZ R
1-FINLD
‘homens andaram com ( jabuti), chegaram com (jabuti) juntaram tudo para eles
mesmos ou penduram e (fizeram) o kayry para eles mesmos para carregarem
jabuti’
476. Apjêti na kɾɛ -kãm -ikwã ɲum
tipo de tatu RLS buraco R1-LOC R
2-sentar.PL SD
me -pɾek ne -ãkɾɛ -kãm ku-pa
PL R2-cutucar MS R
2-cavar R
2-LOC R
2-matar
-ɔ-boj ne -kãm ku-ga nɔɾɔkɔt
R2-CAUS.COMIT-chegar MS R
2-LOC R
2-assar DISJ
-mɾõ -kãm ku-kɾe
R2-cozinhar R
2-LOC R
2-comer
‘o tatu vive no buraco. as pessoas cutucam e cavam (no buraco) e matam-
no.(depois), tranzem-no e o assam (no fogo) ou o cozinham e nisso o comem’
180
5.3 ORAÇÕES COORDENADAS CONJUNTIVAS
As orações coordenadas conjuntivas ligam-se através dos morfemas ne e ɲum, que
indicam, respectivamente, mesmo sujeito e sujeito diferente. Os exemplos (477-480) e (481-
484) ilustram a ocorrência dos conectivos ne ‘mesmo sujeito’ e ɲum ‘sujeito diferente’.
477. meni na boj ne kwəɾə -kuʤo
mulher RLS chegar MS mandioca R1-descascar
‘a mulher chegou e descascou mandioca’
478. pikamɾekti -ɔ na me kotɨt ɲ-ipej ne
pau brasil R1-ASS.INSTR RLS hum mão de pilão R
1-fazer MS
-ɔ ko ɲ-ipej ne kawa ɲ-ipej
R2-ASS.INSTR borduna R
1-fazer MS pilão R
1-fazer
‘com o pau brasil se faz mão de pilão e, com ele , se faz borduna e
pilão’
479. kukrtkko n ʌmɾ rp -bãm -r
Kukrykako RLS gritar já R2-pai R
1-DIR
-m-r te ne -r boj
R2-chorar-NLZ ir/vir MS R
2-DIR chegar
Kukryt Kako gritava e já ia chorando na direção de
seu pai e o encontrou’
480. ʌk na aɾi i -be -ʌdwte -kʌe
gavião RLS PAUC 1 R2-ABLAT R
2-sogra R
1-agarrar
ne km rp kej
MS nisso já voltar
‘o gavião pegou nossa sogra em detrimento de nós e
nisso voltou’
181
481. ga aɾi -ipej ɲum aɾi a
2 PAUC R2-fazer SD PAUC 2
-nã aɾəp -kij
R1-mãe já R
2-felicidade/alegria
‘vocês o fizeram (cursaram o ensino médio) e as mães de vocês
estão felizes’
482. i -jɛ kaŋã -mu-j ket ɲum
1 R1-OBL cobra R
1-ver-NLZ NEG SD
kaŋã aɾəp i -ɲa ɲum
cobra já 1 R1-picar SD
-tɔkɾɨ ba ʌmɾa...
R2-dor 1 gritar
‘...não houve o ver da cobra por mim e a cobra me
picou e (a picada dela) doeu. Eu gritei’
483. meniɾɛ kameɾe -əɾə te ɲum
homem açaí R1-DIR ir/vir SD
memɨ ku-tep ɲɨ
homem R2-esperar sentar
‘a mulher foi apanhar açaí e o homem a esperou’
484) meniɾɛ puɾu -mã te kwəɾə j-aɾe
mulher roça R1-DIRET ir/vir
mandioca R
1-arrancar
ŋo -kãm ku-ʤi ɲum aɾəp
água R1-LOC R
2-colocar SD já
-ɾɛɾɛk ɲum meʔõ -əɾə te -ɔmu
R2-mole SD alguém R
2-DIR ir/vir R
2-ver
‘a mulher foi para a roça e arrancou mandioca.
Colocou-a na água e (ela) amoleceu. Alguém veio ver
(a mandioca)...’
182
5.4 ORAÇÕES COORDENADAS DISJUNTIVAS
As orações coordenadas disjuntivas em Xikrín combinam-se por meio do conectivo
nɔɾɔkɔt ‘ou’, como exemplificado nos exemplos (485-487). Este morfema é usado também na
coordenação de sintagmas nominais complexos, como mostram os exemplos (488-490).
485. ʤə ga [kukɾɨt õj -bi [nɔɾɔkɔt
INT 2 anta INDEF R1-matar DISJ
ʤə ga aŋɾo õj -bi]
INT 2 porcão INDEF R1-matar
‘você vai matar anta ou vai matar porcão?’
486. ga ʤa ga maɾaba -mã te
2 IRRLS 2 Marabá R1-DIRET ir/vir
[nɔɾɔkɔt ʤa ga paɾauapɛbas -mã te]
DISJ IRRLS 2 Parauapebas R1-DIRET ir/vir
‘você irá a Marabá ou irá a Parauapeba.
487. me ku-tɛ -ɔ-ba- -ɔ-boj kuni
PL R2-OBL R
2-CAUS.COMIT-andar-NLZ R
2-CAUS.COMIT-chegar tudo
-kot ami -mã -apɾɛ nɔɾɔkɔt -aɲo ne ku-tɛ
R1-COMP REFL R
1-DIRET R
2-juntar DISJ R
2-pendurar MS R
2-OBL
ami -mã -kaɨ-ɾɨ -tu-ɾu -kaʤɨ
REFL R1-DIRET R
2-tecer-NLZ R
2-carregar-NLZ R
1-FINLD
‘os homens fizeram chegar consigo, fazendo o andar (dos jabutis) por eles.
juntaram tudo para eles mesmos ou os penduram e houve o trançar (dos jabutis)
para eles mesmos para haver o carregar (dos jabutis) nas costas (por eles)’
488. ɲɨj na apjeti ʤ-ʌku-ɾu-ʤʌ ʤə
onde RLS tipo de tatu R1-comer- NLZ-NLZ.CIRC INT
183
bʌ -kãm [nɔɾɔkɔt kapot -kãm
floresta R1-LOC DISJ campo -LOC
‘onde é o lugar de comer do tatu, na floresta ou no campo?
489. məj na ga a-bi [kukɾɨt nɔɾɔkɔt aŋɾo]
INT RLS 2 R2-matar anta DISJ porcão
‘o que você matou: anta ou porcão?’
490. ...me i ŋo ʔõ -pumu ŋo ʔõ -kɔɾɔɾɔɾɛ
PL 1 rio algum R1-ver rio algum R
1-raso
-kãm tɛp -kumɛj ɲum -ɔmu -kãm te
R2-LOC peixe R
1-QUANT SD R
2-ver R
2-LOC ir/vir
ɲum akamʌt ɲum me -ɔ-akpɾõ aɾəp me -mã
SD noite SD PL R2-CAUS-reunir já PL R
2-DIRET
-aɾe ɔɾina kʌjmã [hiw seko nɔɾɔkɔt ãtetekti]
R2-dizer longe para cima rio seco DISJ Ãtetekti...
‘nós vimos algum rio, algum rio raso no qual exista peixe em grande
quantidade. Vimos e fomos nele. Anoiteceu. (nós) fizemos as pessoas
reunirem conosco para lhes dizer (que) é longe, o Rio Seco ou Ãtetekti...’
5.5 ORAÇÕES COORDENADAS ADVERSATIVAS
Na coordenação de orações coordenadas adversativas, a oração coordenada
adversativa é marcada por uma conjunção, como mas, but, aber. De um ponto de vista
nocional, subdividem-se entre as que marcam oposição semântica, as que denotam negação da
expectativa e as que denotam impedimento (PAYNE, 1985, p. 06;08). As primeiras, implicam
que a relação entre as orações é simplesmente a de contraste ou oposição. As que denotam
negação da expectativa implicam um contraste de base pragmática, isto é, se A ocorrer,
espera-se que B não ocorra. As orações que denotam impedimento têm o seguinte significado:
A que poderia acontecer, não acontecerá por causa de B.
184
As orações coordenas adversativas em Xikrín não apresentam uma conjunção como
em português, inglês ou alemão. Formalmente, assemelham-se às orações conjuntivas por
serem marcadas, às vezes, pelos morfemas ne ‘mesmo sujeito’e ɲum ‘sujeito diferente’. O que
as diferenciam daquelas é o fato de a segunda oração ocorrer na forma negativa (cf.
MIRANDA 2014, p. 188). Os exemplos (491-496) ilustramos as orações adversativas do
Xikrín.
491. ba na ba boj ne i -jɛ
1 RLS 1 chegar MS 1 R1-OBL
a j-mu-j ket
2 R1-ir/vir-NLZ NEG
‘você chegou mas não houve o ver de você por mim’
492. ba na ba mem -mu um -te-m ket
1 RLS 1 homem R1-ver SD R
2-ir/vir-NLZ NEG
‘eu vi o homem mas não houve o ir dele’
493 mepiʤəɲãɾãʤwəj na mepɾi -kaɲuə um -mə-ɾə ket
enfermeira RLS criança R1-furar SD R
1-chorar-NLZ NEG
‘a enfermeira (aplicou injeção na) furou a criança, mas não houve o chorar dela’
494. bekwəj na aŋɾo -ga um bɛp ɲɨɾɨti
Bekwyi RLS porcão R1-matar SD Bep Nhõrõ-Ti
-tɛ -kɾe-n ket
R1-OBL R
2-comer-NLZ NEG
Bekwyi assou porcão, mas não houve o comer dele por
Bep Nhõrõ-Ti’
185
495. mekanɛʤwəj na kɾi -kãm da ne -tɛ
médico RLS aldeia R1-LOC R
1-estar.em.pé MS R
2-OBL
i -kɾa -kanɛ- ket
1 R1-filho R
1-tratar.doença-NLZ NEG
‘o médico estava na aldeia, mas não houve o tratar da doença do
meu filho por ele’
496. ɾɔp na -kane -kãm -tɨ-k ket
cachorro RLS R2-doença R
2-LOC R
2-morrer-NLZ NEG
‘havia a doença do cachorro, mas mas não houve o morrer dele’
5.6 ORAÇÕES COORDENADAS CONCLUSIVAS
Orações coordenadas conclusivas exprimem a dedução ou conclusão de uma ideia
em relação a um fato expresso na oração antecedente. Em Xikrín, essas orações são marcadas
pela conjução kãm ‘por isso’, como mostram os exemplos seguintes.
497. na na ɾuə ba kãm aɾɛk kikɾɛ -kãm ɲɨ
RLS chuva descer 1 CONJ ficar casa R1-LOC estar.sentado
‘a chuva desceu, por isso eu fiquei em casa’
498. ...ne kum kok -ɾãɾãŋ -təj na me -iɾɔ
ms dizer vento R1-barulho R
1-forte RLS PL R
2-devastar
te ba kãm -umaje i -pɾõn...
ir/vir 1 CONJ R2-medo 1 R
1-corrida
‘...e (o macaco) disse: há uma ventania devastando todo, por isso
eu eu corri de medo...’
186
499. ʤa na ɾuə ba kãm i -katɔ-ɾɔ ket
IRRLS RLS descer 1 CONJ 1 R1-sair-NLZ NEG
‘vai chover, por isso não vai haver o meu sair’
500. mak na i ɲa kãm piʤəɲãɾãʤwəj
escorpião RLS 1 R1-picar CONJ enfermeira
mak -kane -ɔ i -kaɲuə
escorpião R1-doença R
1-ASS.INSTR 1 R
1-furar
‘o escorpião me picou, por isso a enfermeira me
aplicou injeção’
501. meniɾɛ puɾu -mã te kwəɾə j-aɾe kãm -tɨkʤʌ
mulher roça R1-DIRET IR/VIR mandioca R
1-arrancar CONJ R
2-cansaço
‘a mulher foi para a roça. Arrancou mandioca, por isso existe o seu cansaço’
5.7 CONCLUSÃO
Neste capítulo, descrevemos brevemente as orações coordenadas em Xikrín,
mostrando as estratégias morfossintáticas utilizadas em sua construção. Em 5.1 apresentamos
as orações coordenadas justapostas. Em 5.2 descrevemos as orações coordenadas que se ligam
por meio de elemento gramatical. Em 5.3, apresentamos as orações coordenadas conjuntivas,
introduzidas por conectivos que, além de exercerem a função de ligar as orações, indicam a
correferencialidade ou não dos sujeitos das orações por eles ligadas. As orações coordenadas
disjuntivas foram analisadas em 5.4 e as adversativas foram descritas em 5.5. Finalizamos o
capítulo tratando, em 5.6, das orações coordenadas conclusivas.
187
CAPÍTULO VI – ORAÇÕES SUBORDINADAS
Neste capítulo descrevemos as orações dependentes ou subordinadas da língua
Xikrín, tendo como foco a investigação da natureza dos predicados dessas orações – verbal ou
nominalizado - e os fatores que os condicionam.
Descreveremos três tipos de orações dependentes encontrados em várias línguas,
como por exemplos, o Português e o Inglês: as completivas, as adverbiais e as relativas. O
presente capítulo está assim organizado: na seção 6.1 apresentaremos as estratégias que as
línguas naturais dispõem para expressar a subordinação de orações; em 6.2, discorremos sobre
as orações completivas; na seção 6.3 descrevemos alguns tipos de orações adverbais. Em 6.4.,
mostramos as estratégias empregadas para a formação de sintagmas nominais que
correspondem a orações relativas em outras línguas; em e, em 6.5, apresentamos uma síntese
do capítulo.
6.1 ESTRATÉGIAS DE SUBORDINAÇÃO
Thompson e Longacre (1985, p. 172), distinguem três tipos de orações subordinadas:
as completivas – que funcionam como sintagmas nominais, as relativas – que funcionam
como modificadores de nomes e as adverbiais – que funcionam como modificadores de
verbos ou de toda a oração.
Para os autores (ibidem), há três mecanismos atestados nas línguas do mundo usados
para marcar orações subordinadas:
(a) Morfemas subordinadores. Podem ser de dois tipos: (i) morfemas gramaticais que não
apresentam significado lexical, como to do inglês e (ii) morfemas gramaticais com
conteúdo lexical, como before, when, if do inglês;
(b) Formas verbais especiais, isto é, aquelas que não são usadas em asserções
independentes. Em línguas com concordância verbo-sujeito, a forma verbal especial
pode ser a forma não-finita que perde uma ou mais das categorias de concordância;
(c) Ordem de palavras. Algumas línguas têm uma ordem de palavras especial para
orações subordinadas, como em alemão e em sueco (cf. THOMPSON e
LONGACRE, 1985, p. 173).
188
Além das três estratégias citadas, Noonan (1985, p. 55) afirma que a parataxe é
também uma estratégia usada para expressar a subordinação de orações. Neste tipo de
construção, tanto oração principal quanto oração dependente podem ser consideradas como
orações independentes, cada uma contendo sintagmas verbais com verbo flexionado, sem
nenhum marcador de coordenação ou subordinação ligando as duas orações e sem nenhuma
forma verbal especial. A o quadro a seguir é um resumo de como Noonan (1985. P. 65)
sumariza a complementação por meio da paraxe:
Quadro 18 – Complementação por paraxe
Tipo de
complemento
Classe de
palavra do
predicado
Relação sintática
do sujeito com o
predicado
Categorias
flexionais
Outras propriedades
Paratático verbo o predicado pode
concordar com o
sujeito, mas não
forma um
constituinte com ele
as mesmas
do
indicativo
interpretado como
asserção separada;
sintaticamente não é
uma oração
subordinada; não
possui
complementizador
A seguir descrevemos as orações dependentes da língua Xikrín. Iniciamos com a
análise das orações completivas. Em seguidas, passamos à descrição das orações adverbiais e
finalizamos com a descrição das orações relativas.
6.2 ORAÇÕES COMPLETIVAS
Orações completivas funcionam sintaticamente como argumento do verbo da oração
principal. Esta característica as distingue de outras orações subordinadas, como as relativas e
as adverbiais (cf., por exemplo, Noonan (1985), Givón (2001) e Dixon (2010).
Para Givón (2001, p. 40), os verbos que exigem complemento oracional agrupam-se
em três classes semânticas principais:
Verbos de modalidade (‘querer’, ‘começar’, ‘terminar’, ‘tentar’ etc.);
Verbo de manipulação (‘fazer’, ‘dizer’, ‘ordenar’, ‘pedir’ etc.)
Verbos de cognição-elocução (‘ver’, ‘saber’, ‘pensar’, etc.).
189
Nas subseções seguintes, descrevemos as propriedades de cada classe semântica
segundo Givón (ibidem) e passamos à análise dos dados da língua Xikrín.
6.2.1 Verbo de modalidade
De acordo com Givón (2001, p. 55), orações principais que têm como núcleo verbos
de modalidade codificam ações, estados ou atitudes modais (tentativa, intenção, obrigação,
habilidade, possibilidade) e aspectuais (início, término, continuação, sucesso, fracasso) do
sujeito frente ao evento/estado codificado na oração completiva.
Do ponto de vista sintático, a relação entre verbos modais e seus complementos são
as seguintes (cf. GIVÓN, 2001, p. 55):
O sujeito da oração principal é também o sujeito da oração completiva;
O sujeito da oração completiva tem codificação zero;
O verbo da oração completiva é comumente não-finito ou nominalizado;
A oração completiva é análoga ao objeto da oração principal (OV ou VO);
A oração completiva tende a ter um contorno intonacional unificado com a oração
principal.
Pertencem à classe de verbos de modalidade temas como ‘querer’, ‘começar’,
‘terminar’, ‘tentar’ ‘deixar’, ‘dever’, ‘poder’, ‘permitir’, ‘conseguir’. Descrevemos, neste
estudo, orações completivas com os verbos -ɔjnɔɾɛ (6.2.1.1), -mɔkɾaj (6.2.1.2), -boj (6.2.1.3),
e -pɾãm (6.2.1.4),
6.2.1.1. Orações completivas com o verbo -ɔjnɔɾɛ
As orações completivas com o verbo -ɔjnɔɾɛ ‘terminar’ funcionam como objeto da
oração principal. Têm como núcleo de predicado verbos nominalizados e seu sujeito é
correferente com o da oração principal.
190
502. ba na ba aɾəp [kɾuwapu -kaɨ-ɾɨ] -ɔjnɔɾɛ
1 RLS 1 já capacete R1-tecer-NLZ R
1-terminar
‘eu já terminei o tecer do capacete’ ‘(eu já terminei de tecer o capacete)’
503. i -jɛ [kɾuwapu -kaɨ-ɾɨ] -ɔjnɔɾɛ-ɾɛ ket ɾãʔã
1 R1-OBL capacete R
1-tecer-NLZ R
1-terminar-NLZ NEG ainda
‘não houve ainda o terminar do tecer do capacete por mim’ ‘(eu ainda não
terminei de tecer o capacete)’
504. mebeŋet na me aɾəp [kʌ ɲ-ipej-] -ɔjnɔɾɛ
velho RLS HUM já paneiro R1-fazer-NLZ R
1-terminar
‘o velho já terminou o fazer do paneiro’
505. mebeŋet na -tɛ [kʌ ɲ-ipej-]
velho RLS R1-OBL paneiro R
1-fazer-NLZ
-ɔjnɔɾɛ-ɾɛ ket ɾãʔã
R1-terminar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o fazer do do paneiro pelo velho’ ‘(o velho ainda não
terminou de fazer do paneiro)’
506. meniɾɛ na me aɾəp [kubekʌ -põ-j] -ɔjnɔɾɛ
mulher RLS HUM já roupa R1-lavar-NLZ R
1-terminar
‘a mulher já terminou o lavar de roupas’ ‘(a mulher já terminou de lavar
roupa)’
507. meniɾɛ na me -tɛ [kʌ ɲ-ipej-]
mulher RLS HUM R1-OBL paneiro R
1-fazer-NLZ
-ɔjnɔɾɛ-ɾɛ ket ɾãʔã
R1-terminar-NLZ NEG ainda
ainda não houve o terminar do fazer do paneiro pela mulher’
‘(a mulher ainda não terminou de fazer o paneiro)’
191
508. meniɾɛ na me aɾəp [kwəɾə j-aɾe-j] -ɔjnɔɾɛ
mulher RLS HUM já mandioca R1-arrancar-NLZ R
1-terminar
‘as mulheres já terminaram o arrancar de mandioca’ ‘(as mulheres já terminaram
de arrancar mandioca)’
509. meniɾɛ na me -tɛ [kwəɾə j-aɾe-j]
mulher RLS HUM R1-OBL mandioca R
1-arrancar-NLZ
-ɔjnɔɾɛ-ɾɛ ket ɾãʔã
R1-terminar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o terminar do arrancar de mandioca pelas
mulheres’ ‘(as mulheres ainda não terminaram de arrancar
mandioca)’
510. aɾəp na ba [i -ɾe-ɾe] -ɔjnɔɾɛ
já RLS 1 1 R1-nadar-NLZ R
1-terminar
‘eu já terminei o meu nadar’ ‘(eu já terminei de nadar)’
511. ba na ba [i -ɾe-ɾe]
1 RLS 1 1 R1-nadar-NLZ
-ɔjnɔɾɛ-ɾɛ ket ɾãʔã
R1-terminar-NLZ NEG ainda
‘eu ainda não terminei de nadar’ (ainda
não houve o término do meu nado)’
512. mepɾiɾɛ na me [-ɾe-ɾe] -ɔjnɔɾɛ
crianças RLS PL R2-nadar-NLZ R
1-terminar
‘as crianças terminaram seu nadar’ ‘(as crianças terminaram de
nadar)’
192
513. mepɾiɾɛ na me -tɛ [-ɾe-ɾe] -ɔjnɔɾɛ-ɾɛ ket ɾãʔã
criança RLS PL R2-OBL R
2-nadar-NLZ R
1-terminar- NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o terminar do nadar das crianças’ ‘(as crianças ainda não
terminaram de nadar)’
514. ga na ga aɾəp [a ʤ-wə-ɾə] -ɔjnɔɾɛ
2 RLS 2 já 2 R1-banhar-NLZ R
1-terminar
‘você já terminou o seu banhar’ ‘(você já terminou de banhar)’
515. ga na ga a -jɛ [a ʤ-wə-ɾə]
2 RLS 2 2 R1-OBL 2 R
1-banhar-NLZ
-ɔjnɔɾɛ-ɾɛ ket ɾãʔã
R1-terminar-NLZ NEG ainda
‘(não houve ainda o terminar do teu banhar ‘9você ainda
não terminou de banhar)’
6.2.1.2. Orações completivas com o verbo -mɔkɾaj ‘começar’
516. meni na me aɾəp [pi -kʌ-ɾʌ] -mɔkɾaj
mulher RLS PL já pau R1-cortar-NLZ R
1-começar
(as mulheres já começaram o cortar do pau)’ ‘as mulheres já começaram a cortar
pau’
517. meni na me -tɛ [pi -kʌ-ɾʌ]
mulher RLS PL R1-OBL pau R
1-cortar-NLZ
-mɔkɾaj- ket ɾãʔã
R1-começar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o começar de cortar pau pelas mulheres’
‘(as mulheres ainda não começaram a cortar pau)’
193
518. i -pɾõ ʤa [mɾɨ ɲ-i -ʤʌ-ɾʌ] -mɔkɾaj
1 R1-esposa IRLS caça R
1-carne R
1-assar-NLZ R
1-começar
‘minha esposa começou o assar carne de caça’ (minha esposa começou o
assar de carne de caça)’
519 i -pɾõ ʤa -tɛ [mɾɨ -ʤʌ-ɾʌ]
1 R1-esposa IRLS R
1- OBL caça R
1-assar-NLZ
-mɔkɾaj- ket ɾãʔã
R1-começar-NLZ NEG ainda
‘não houve o começar do assar da caça por minha esposa’
‘(minha esposa não começou a assar da caça)’
520. pɨkaʤwa na aɾəp [kʌj ʤ-waŋɾʌ-j] -mɔkɾaj
Pykadjwá RLS já facão R1-amolar-NLZ R
1-começar
‘Pykadjwá já começou o amolar do facão’ ‘(Pykadjwá já começou a amolar o
facão)’
521. Pɨkaʤwa na -tɛ [kʌj ʤ-waŋɾʌ-j]
Pykadjwá RLS R2- OBL facão R
1-amolar-NLZ
-mɔkɾaj-- ket ɾãʔã
R1-começar- NLZ NEG ainda
‘Ainda não houve o amolar do facão por Pykadjwá’
‘(Pykadjwá ainda não começou a amolar o facão)’
522. ta wa na aɾəp [kɾuwapu -kaɨ-ɾɨ] -mɔkɾaj
3 DEM.DIST RLS já capacete R1-tecer-NLZ R
1-começar
‘aqueles já começaram o tecer do capacete’ ‘(aqueles já começaram a tecer o
capacete)’
194
523. ta wa na -tɛ [kɾuwapu -kaɨ-ɾɨ]
3P DEM.DIST RLS R2-OBL capacete R
1-tecer-NLZ
-mɔkɾaj- ket ɾãʔã
R1-começar- NLZ NEG ainda
‘não houve ainda o terminar do tecer do capacete por mim’ ‘(eu ainda não
terminei de tecer o capacete)’
524. guba na gu aɾəp [ʤwəŋɾʌ ɲ-ipej-] -mɔkɾaj
1+2 RLS 1+2 já farinha R1-fazer-NLZ R
1-começar
‘nós começamos o fazer da farinha’ ‘(nós começamos a fazer farinha’
525. guba na guba -jɛ [ʤwəŋɾʌ ɲ-ipej-]
1+2 RLS 1+2 R1-OBL farinha R
1-fazer-NLZ
-mɔkɾaj- ket ɾãʔã
R1-começar-NLZ NEG ainda
‘não houve ainda o começar do fazer da farinha por nós)’ ‘nós ainda não
começamos a fazer farinha’
526. ba na ba aɾəp [i -tɔ-ɾɔ -mɔkɾaj
1 RLS 1 já 1 R1-festejar-NLZ R
1-começar
‘eu já comecei o meu festejar’ ‘(eu já comecei o meu festejar)’
527. ba na ba i -jɛ [i -tɔ-ɾɔ
1 RLS 1 1 R1-OBL 1 R
1-festejar-NLZ
-mɔkɾaj-- ket ɾãʔã
R1-começar- NLZ NEG ainda
ainda não houve o começar do meu festejar’ ‘(eu ainda não comecei a festejar)’
195
528. ta wa na aɾəp [-ɾe-ɾe -mɔkɾaj
3 DEM.DIS RLS já R2-nadar-NLZ R
1-começar
a quele já começaram seu nadar’‘(aqueles já começaram a
nadar)’
529 ta wa na -tɛ [-ɾe-ɾe] -mɔkɾaj- ket ɾãʔã
3 DEM.DIS RLS já R1-nadar-NLZ R
1-começar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o começar do nadar por eles’ ‘(aqueles ainda não começaram a
nadar)’
530. me kuni na me aɾəp [-ŋɾɛ-ɾɛ] -mɔkɾaj
HUM QUANT RLS HUM já R2-cantar-NLZ R
1-começar
todos comearam seu cantar’ ‘(todos começaram a cantar)’
531. me kuni na me -tɛ [-ŋɾɛ-ɾɛ] -mɔkɾaj- ket ɾãʔã
HUM QUANT RLS PL R2-OBL R
2-cantar-NLZ R
1-começar- NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o começar do cantar por todos eles’
6.2.1.3. Orações completivas com o verbo -boj ‘conseguir’
532. ba na ba [i -jɛ a -mã
1 RLS 1 1 R1-OBL 2 R
1-DIRET
-akɾɛ- -əɾə] boj
R1-ensinar-NLZ R
1-DIR conseguir
‘eu consegui na direção do ensinar para você’ ‘(eu consegui te
ensinar)’
533. ba na ba [i -jɛ a -mã -akɾɛ-
1 RLS 1 1 R1-OBL 2 R
1-DIRET R
1-ensinar-NLZ
196
-əɾə] i -boj- ket ɾãʔã
R1-DIR 1 R
1-conseguir-NLZ NEG ainda
‘não houve o conseguir na direção do ensinar a você
por mim’ ‘(eu não consegui te ensinar)’
534. memɨ na me [-tɛ aŋɾo -bi-n -əɾə] boj
homem RLS HUM R2-OBL porcão R
1-matar-NLZ R
1-DIR conseguir
‘o homem conseguiu na direção do matar do porcão por ele’ ‘(o homem
conseguiu matar o porcão)’
535. memɨ na me [-tɛ aŋɾo -bi-n -əɾə]
homem RLS HUM R2-OBL porcão R
1-matar-NLZ R
1-DIR
-boj- ket ɾãʔã
R1-conseguir-NLZ NEG ainda
‘não houve o conseguir na direção do martar do porcão pelo homem’ ‘(o
homem não conseguiu matar o porcão)’
536. ga na ga [a -jɛ ni -mu-j
2 RLS 2 2 R2-OBL mulher R
1-ver-NLZ
-əɾə] -boj
R1-DIR R
1-conseguir
‘você conseguiu na direção do ver da mulher por você’ ‘(você conseguiu ver a
mulher)’
537. ga na ga [a -jɛ ni -mu-j
2 RLS 2 2 R2-OBL mulher R
1-ver-NLZ
-əɾə] a -boj- ket
R1-DIR 2 R
1-conseguir-NLZ NEG
‘não houve o conseguir na direção do ver da mulher por você’ ‘(você não
conseguiu ver a mulher)’
197
538. ba na ba [i -jɛ piʔokapɾi -bɨ-ɾɨ
1 RLS 1 1 R2-OBL dinheiro R
1-pegar-NLZ
-əɾə] boj
R1-DIR conseguir
‘eu consegui na direção do pegar do dinheiro’ ‘(eu consegui receber o
dinheiro)’
539. ba na ba [i -jɛ piʔokapɾi -bɨ-ɾɨ
1 RLS 1 1 R2-OBL dinheiro R
1-ensinar-NLZ
-əɾə] i -boj- ket
R1-DIR 1 R
1-conseguir-NLZ NEG
‘não houve o conseguir na direção do pegar do dinheiro por mim’ ‘(eu
não consegui receber o dinheiro)’
540. memɨ na me aɾəp gɔɾɔtiɾɛ -kãm [-boj--
homem RLS PL já Gorotire R1-LOC R
2-chegar-NLZ
-əɾə] boj
R1-DIR conseguir
‘os homens já conseguiram na direção do seu chegar ao Gorotire’ ‘(os
homens já conseguiram chegar ao Gorotire)’
541. memɨ na me gɔɾɔtiɾɛ -kãm [-boj--
homem RLS PL Gorotire R1-LOC R
2-chegar-NLZ
-əɾə] -boj- ket ɾãʔã
R1-DIR R
2-conseguir-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o conseguir na direção do chegar dos homens ao
Gorotire’ ‘(os homens ainda não conseguiram chegar ao Gorotire)’
198
542. ba na ba aɾəp [i -ŋɾɛ-ɾɛ
1 RLS 1 já 1 R1-cantar-NLZ
-əɾə] boj
R1-DIR conseguir
‘eu já consegui na direção do meu cantar’ ‘(eu já consegui cantar)’
543. ba na ba [i -ŋɾɛ-ɾɛ -əɾə]
1 RLS 1 1 R1-cantar-NLZ R
1-DIR
i -boj- ket ɾãʔã
1 R1-conseguir-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o conseguir na direção do meu cantar’
‘(eu ainda não consegui cantar)’
544. ba na ba aɾəp [i -mɛj -əɾə] boj
1 RLS 1 já 1 R1-bom R
1-DIR conseguir
‘(eu já consegui na direção do meu estar bem’ ‘(eu já consegui ficar bem)’
545. ba na ba [i -mɛj -əɾə]
1 RLS 1 1 R1-bom R
1-DIR
i -boj- ket ɾãʔã
1SG.ABS R1-conseguir-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o conseguir na direção do meu estar bem’
‘(eu ainda não consegui fica bem)’
6.2.1.4. Orações completivas com o verbo -pɾãm
546. ba na ba i -mã
1 RLS 1 1 R1-DIRET
[puɾu -kaɾe-ɾe] -pɾãm
roça R1-limpar-NLZ R
1-querer
‘eu quero limpar a roça’ ‘
199
547. ba na ba i -mã
1 RLS 1 1 R1-DIRET
[puɾu -kaɾe-ɾe] -pɾãm ket
roça R1-limpar-NLZ R
1-querer NEG
‘eu não quero limpar a roça’
548. kube ku-mã [kapɾãn -kɾe-n] -pɾãm
não indígena R2-DIRET jabuti R
1-comer-NLZ R
1-querer
‘o não indígena quer comer jabuti’
549. kube na ku-mã [kapɾãn -kɾe-n] -pɾãm ket
não indígena RLS R2-DIRET jabuti R
1-comer-NLZ R
1-querer NEG
‘o não indígena não quer comer jabuti’
550. i -mã [tɛp j-aɲi-j] -pɾãm
1 R1-DIRET peixe R
1-pescar-NLZ R
1-querer
‘eu quero pescar’
551. i -mã [tɛp j-aɲi-j] -pɾãm ket
1 R1-DIRET peixe R
1-pescar-NLZ R
1-querer NEG
‘eu não quero pescar’
552. mepɾiɾɛ na me [ŋo -kãm -biʧae-ɾe] -pɾãm
criança RLS PL água R1-LOC R
1-brincar-NLZ R
1-querer
‘as crianças querem brincar no rio’
200
553. mepɾiɾɛ na me [ŋo -kãm
criança RLS PL água R1-LOC
-biʧae-ɾe] -pɾãm ket
R1-pescar-NLZ R
1-querer NEG
‘as crianças não querem brincar no rio’
554. ba na ba maɾaba -mã
1 RLS 1 Marabá R1-DIRET
[i -te-m] -pɾãm
1 R1-ir/vir-NLZ R
1-querer
‘eu quero ir a Marabá’ (existe o querer do meu
ir a Marabá)
555. ba na ba maɾaba -mã
1 RLS 1 Marabá R1-DIRET
[i -te-m] -pɾãm ket
1 R1-ir/vir-NLZ R
1-querer NEG
‘eu não quero ir a
556. ga na ga a -mã
2 RLS 2 2 R1-DIRET
[a ʤwə-ɾə] -pɾãm
2 R1-ir/vir-NLZ R
1-querer
‘você quer tomar banho’
557. ga na ga a -mã
2 RLS 2 2 R1-DIRET
[a ʤwə-ɾə] -pɾãm ket
2 R1-ir/vir-NLZ R
1-querer NEG
‘você não quer tomar banho’
201
558. ga na ga a -mã
2 RLS 2 2 R1-DIRET
[i -ŋɾɛ-ɾɛ] -pɾãm
1 R1-cantar-NLZ R
1-querer
‘você quer que eu cante’
559. ga na ga a -mã
2 RLS 2 1SG.ABS R1-DIRET
[i -ŋɾɛ-ɾɛ] -pɾãm ket
1 R1-cantar-NLZ R
1-querer NEG
‘você não quer que eu cante’
560. meni na me ku-mã [i -tɔ-ɾɔ] -pɾãm
mulher RLS HUM R2-DIRET 1 R
1-festejar-NLZ R
1-querer
‘a mulher quer que eu dance’
561. meni na me ku-mã [i -tɔ-ɾɔ] -pɾãm ket
mulher RLS HUM R2-DIRET 1 R
1-festejarr-NLZ R
1-querer NEG
‘a mulher não quer que eu dance’
6.2.2 Verbos de manipulação
Orações principais que têm como núcleo verbos de manipulação apresentam as
seguintes características semânticas e sintáticas, de acordo com Givón (2001, p. 41):
Características semânticas
O agente da oração principal manipula o comportamento do manipulee ‘alvo’, um
agente em potencial;
O manipulee do verbo principal é correferente com o agente da oração completiva;
A oração completiva codifica o evento a ser realizado pelo manipulee.
202
Características sintáticas
O agente manipulador do verbo principal é o sujeito da oração principal;
O manipulee do verbo principal exerce a função de objeto direto ou indireto da oração
principal;
O manipulee do verbo principal é também o sujeito da oração completiva.
sujeito ‘manipulee’ da oração completiva é codificado como zero na oração
completiva.
O verbo da oração completiva exibe com maior frequência morfologia nominalizada
ou não-finita.
A oração completiva tende a ocupar a posição de objeto na oração principal (OV ou
VO).
A oração completiva tende a ter um contorno intonacional unificado com a oração
principal.
São considerados de manipulação verbos como: ‘fazer’, ‘dizer’, ‘ordenar’, ‘pedir’,
‘mandar’, falar’, dentre outros.
6.2.2.1 Orações completivas com o verbo -aɾe ‘dizer’
As orações completivas com verbo de manipulação são sintaticamente indepentes da
oração matriz, mas completam o significado desta. Ocorrem justapostas, têm como núcleo do
predicado formas verbais plenas e seu argumento sujeito é codificado pelas marcas pessoais
nominativas.
562. kɾupʤo na -aɾe [ʤa -pɾõ tɛp -ga]
Krupdjo RLS R2-dizer IRRLS R
2-esposa peixe R
1-assar
‘Krupdjo disse (que) (há potencialidade de que) esposa assa peixe’
563. kɾupʤo na -aɾe [ʤa -pɾõ -tɛ
Krupdjo RLS R2-dizer IRRLS R
2-esposa R
2-OBL
203
. tɛp ʤ-ʌɾʌ ket]
peixe R1-assar-NLZ NEG
‘Krupdjo disse que sua esposa não (que) não há
potencialidade de que) esposa
564. meni na me -aɾe [ʤa ga me kwəɾə ʤ-une]
mulher RLS HUM R2-dizer IRRLS 2 PL mandioca R
2-espremer
‘a mulher disse (potencialmente) vocês vão espremer mandioca’
565. meni na me -aɾe [ʤa me a
mulher RLS HUM R2-dizer IRRLS PL 2
kwəɾə ʤ-une-j ket]
mandioca R2-espremer-NLZ NEG
‘a mulher disse que (potencialmente)vocês não vão espremer
mandioca’
566. ga na ga i -mã kaɾiɲo i j-aɾe
2 RLS 2 1 R1-DIRET fumo 1 R
1-dizer
[ʤa ba a -mã ku-bɨ
IRRLS 2 2 R1-DIRET R
2-pegar
‘você disse que (potencialmente) eu vou
pegar fumo para você’
567. ga na ga i -mã kaɾiɲo i j-aɾe
2 RLS 2 1 R1-DIRET fumo 1 R
1-dizer
[ʤa i -jɛ a -mã ku-bɨ]
IRRLS 1 R1-OBL 2 R
1-DIRET R
2-pegar
‘você disse que (não há a potencialidade) eu não vou pegar
fumo para você’
204
568. ba na ba a -mã -aɾe
1 RLS 1 2 R1-DIRET R
2-dizer
[ʤa ga puɾu -mã te]
IRRLS 2 roça R2-DIRET ir/vir
‘eu disse que você vai para a roça’
568. ba na ba a -mã -aɾe
1 RLS 1 2 R1-DIRET R
2-dizer
[ʤa ga puɾu -mã a -te-m ket]
IRRLS 2 roça R2-DIRET 2 R
1-ir/vir NEG
‘eu disse que você não vai para a roça’
569. benaʤwəɾə na -aɾe [ʤa me
cacique RLS R2-dizer IRRLS PL
mõ ŋo -kaʔõ]
para cá ir/vir R1-bater.timbó
‘o cacique está dizendo que (há potencialidade) eles vão bater timbó’
570. benaʤwəɾə na -aɾe [ʤa me
cacique RLS R2-dizer IRRLS PL
mõ ŋo] -kaʔõ-j ket]
para cá ir/vir R1-bater.timbó NEG
‘o cacique está dizendo que eles não vão bater timbó’
571. ba na ba aɾəp -aɾe [ʤa mepɾiɾɛ ŋõɾõ]
1 RLS 1 já R2-dizer IRRLS criança dormir
‘eu disse que a acriança vai dormir’
572. ba na ba aɾəp -aɾe [ʤa mepɾiɾɛ ɲ-õt ket]
1 RLS 1 já R2-dizer IRRLS criança R
1-dormir NEG
‘eu disse que acriança não vai dormir’
205
573. -nã na aɾəp -aɾe [ʤa -kɾã ɾe]
R2-mãe RLS já R
2-dizer IRRLS R
2-filho nadar
‘a mãe disse que o filho vai nadar’
574. -nã na aɾəp -aɾe [ʤa -kɾã -ɾe-ɾe ket]
R2-mãe RLS já R
2-dizer IRRLS R
2-filho R
1-nadar-NLZ NEG
‘a mãe disse que o filho não vai nadar’
6.2.3 Verbos de cognição-elocução (‘ver’, ‘saber’, ‘pensar’, ‘dizer’ etc.).
Os verbos de cognição-elocução apresentam as seguintes características semânticas
sintáticas, conforme Givón (2001:42):
Características semânticas
O verbo da oração principal codifica um evento ou estado mental ou um evento de
percepção ou cognição ou um ato de fala.
O sujeito do verbo é uma agente marcado pelo caso dativo.
O estado ou evento codificado na oração completivas é análogo ao paciente do verbo
da oração principal
Características sintáticas
Não há restrições quanto à correferencialidade entre a oração principal e a oração
completiva.
Em geral, a oração completiva terá uma oração principal com estrutura finita, com um
sujeito plenamente expresso e morfologia verbal finita.
As duas orações podem ser separadas por um morfema subordinador.
As duas orações têm contornos intonacionais separados.
206
6.2.3.1 Orações completivas com o verbo -mu ‘ver’
As orações completivas com verbo de cognição-elocução -mu ‘ver’ ocorrem
encaixadas na oração matriz, tem como núcleo de predicado formas verbais nominalizadas e
seu argumento sujeito é codificado pelos pronomes da série absolutiva regidos pela
posposição oblíqua -jɛ/tɛ. Semanticamente, funcionam como objeto direto da oração principal.
575. ba na ba [a -jɛ kaŋã -bi-n] -mu
1 RLS 1 2 R1-OBL cobra R
1-matar-NLZ R
1-ver
‘eu vi o matar da cobra por você ‘(eu vi que você matou a cobra)’
576. ba na ba i -jɛ [a -jɛ kaŋã
1 RLS 1 1 R1-OBL 2 R
1-OBL cobra
-bi-n] -mu-j ket
R1-matar-NLZ R
1-ver-NLZ NEG
‘não houve o ver de mim do matar da cobra por você’ ‘(eu não vi que você não
matou a cobra)’
577. ba na ba -ɔmu
1 RLS 1 R2-ver
a -jɛ kaŋã -bi-n] ket
2 R1-OBL cobra R
1-matar-NLZ NEG
‘eu vi que não houve o martar da cobra por você’ ‘(eu vi que você não
matou a cobra)’
578. memɨ na me [meniɾɛ -tɛ pi -kɔkje-ɾe] -mu
homem RLS PL mulher R1-OBL pau R
1-cortar-NLZ R
1-ver
‘os homens viram que houve o cortar de pau pelas mulheres’ ‘(os homens viram
que as mulheres cortaram pau)’
207
579. memɨ na me -tɛ [meniɾɛ -tɛ
homem RLS PL R2-OBL mulher R
1-OBL
pi -kɔkje-ɾe] -mu-j ket
pau R1-cortar-NLZ R
1-ver NEG
‘não houve o ver pelos homens do cortar pau pelas mulheres’ ‘(os homens não
viram que as mulheres cortaram pau)’
580. memɨ na me -ɔmu [ɲum meniɾɛ pi -kɔkje-ɾe ket]
homem RLS PL R2-ver SD mulher PAU R
1-cortar-NLZ NEG
‘os homens viram que não houve o cortar de pau pelas mulheres’ ‘(os homens
viram que as mulheres não cortaram pau)’
581. ga na ga [meniɾɛ kwəɾə j-aɾe-j] Ø-ɔmu
2 RLS 2 mulher mandioca R1-arrancar-NLZ R
1-ver
‘você viu que houve o arrancar de mandioca pela mulher’ ‘você viu
que a mulher arrancou mandioca’
582. ga na ga -ɔmu ɲum meniɾɛ
2 RLS 2 R2-ver SD mulher
-tɛ kwəɾə j-aɾe-j ket]
R1-OBL andioca R
1-arrancar-NLZ NEG
‘você viu que não houve o arrancar de mandioca pela mulher’ ‘(você viu
que a mulher não arrancou mandioca)’
583. ga na ga a -jɛ [meniɾɛ -tɛ kwəɾə
2 RLS 2 2 R1-OBL mulher R
1-OBL mandioca
j-aɾe-j] -mu-j ket
R1-arrancar-NLZ R
1-ver-NLZ NEG
‘não houve o teu ver do arrancar de mandioca pela mulher’ ‘(você não viu que a
mulher arrancou mandioca)’
208
584. ba na ba [ɾɔp -kʌ-ɾʌ
1 RLS 1 cachorro R1-latir-NLZ
-ɔ -ã-m] -mu
ASS.INSTR R2-estar.em.pé-NLZ R
1-ver
‘eu vi que houve o latido do cachorro’ ‘(eu vi
que o cachorro latiu)’
585. ba na ba i -jɛ [ɾɔp Ø-kʌ-ɾʌ
1 RLS 1 1 R1-OBL cachorro R
1-latir-NLZ
-ɔ -ã-m] -mu-j ket
R1-ASS.INSTR R
2-estar.em.pé-NLZ R
1-ver-NLZ NEG
‘não houve o ver por mim do latido do cachorro’ ‘(eu não vi que o
cachorro estava latindo)’
586. ba na ba -ɔmu ɲum [ɾɔp -kʌ-ɾʌ
1 RLS 1 R1-ver SD cachorro R
1-latir-NLZ
-ɔ -ã-m] ket
R1-ASS.INSTR R
2-estar.em.pé-NLZ NEG
‘não houve o ver por mim do latido do cachorro’ ‘(eu vi que o cachorro não
estava latindo)’
587. meniɾɛ na -ɔmu [ɲum mepɾiɾɛ ʤwa]
mulher RLS R2-ver SD criança banhar
‘a mulher viu que a criança banhou’
588. meniɾɛ na -tɛ mepɾiɾɛ ʤ-wə-ɾə -mu-j ket
mulher RLS R2-ver criança R
1-banhar-NLZ R
1-banhar-NLZ NEG
‘não houve o ver pela mulher do banhar da criança’ ‘(a mulher não viu que a
criança banhou)’
209
589. meniɾɛ na -ɔmu [ɲum mepɾiɾɛ ʤ-wə-ɾə ket]
mulher RLS R2-ver SD criança R
1-banhar-NLZ NEG
‘a mulher viu que não houve o banhar da criança’ ‘(a mulher viu que a
criança não banhou)’
590. ba na ba [meniɾɛ -tɔ-ɾɔ] -mu
1 RLS 1 mulher R1-dançar-NLZ R
1-ver
‘eu vi o dançar das mulheres’ ‘eu vi que as mulheres dançaram’
591. ba na ba i -jɛ
1 RLS 1 1 R1-OBL
‘eu vi que as mulheres dançaram’ ‘(eu vi o dançar das mulheres)’
[meniɾɛ -tɔ-ɾɔ] -mu-j ket
mulher R1-dançar-NLZ R
1-ver NEG
‘não houve o ver por mim do dançar das mulheres’ ‘(eu não vi que as
mulheres dançaram)’
592. ba na ba -ɔmu ɲum [meniɾɛ -tɔ-ɾɔ] ket
1 RLS 1 R2-ver SD mulher R
2-dançar-NLZ neg
‘eu vi que não houve o dançar das mulheres’ ‘(eu vi que as mulheres não
dançaram)’
593. ba na ba -ɔmu [a -kapɾiɾɛ]
1 RLS 1 R2-ver 1 R
1-triste
‘eu vi haver tua tristeza’ ‘(eu vi que você está triste)
210
6.2.3.2 Orações completivas com o verbo -ma ‘saber’
As orações completivas de cognição-elocução com o verbo -ma ‘saber’ podem
ocorrer justapostas ou podem vir encaixadas à principal. No primeiro caso, o núcleo do
predicado da oração dependente é composto por temas verbais plenos e seu argumento sujeito
é marcado pelos pronomes nominativos. Quando a oração dependente vem encaixada na
matriz, o núcleo de seu predicado é codificado por um nome de ação e seu argumento sujeito
é marcado pelos pronomes dependentes da série absolutiva.
594. ba na ba ku-ma [ɲum meniɾɛ kwəɾə j-aɾe]
1 RLS 1 R2-saber SD mulher mandioca R
1-arrancar
‘eu sei que houve o arrancar de mandioca pelas mulheres’ ‘(eu sei que a
mulher arrancou mandioca)’
595. ba na ba i -jɛ -ma-ɾi ket
1 RLS 1 1 R1-OBL R
2-saber-NLZ NEG
[ɲum meniɾɛ kwəɾə j-aɾe]
SD mulher mandioca R1-arrancar
‘não há o saber por mim de que a mulher arrancou mandioca’ ‘(eu não sei que a
mulher arrancou mandioca)’
596. i -jɛ [meniɾɛ -tɛ kwəɾə j-aɾe-j] -ma-ɾi
1 R2-OBL mulher R
1-OBL mandioca R
1-arrancar- NLZ R
1-saber-NLZ
‘há o saber por mim do arranca de mandioca pela mulher’ ‘(eu sei que a mulher
arrancou mandioca)’
597 i -jɛ [meniɾɛ -tɛ kwəɾə
1 R2-OBL mulher R
1-OBL mandioca
211
j-aɾe-j] Ø-ma-ɾi ket
R1-arrancar-NLZ R
1-saber-NLZ NEG
‘não há o saber por mim do arrancar de mandioca pela mulher’ ‘(eu não sei que a
mulher arrancou mandioca)’
598. ga na ga a-ma [ba kukɾɨt -bi]
2 RLS 2 R2-saber 1 anta R
1-matar
‘você sabe que eu matei anta’
599. a -jɛ -ma-ɾi ket [ba kukɾɨt Ø-bi]
2 R2-OBL R
2-saber-NLZ NEG 1 anta R
1-matar
‘você não sabe que eu matei anta’ ‘(não há o saber por você de que
eu matei anta)’
600. a -jɛ [i -jɛ kukɾɨt -bi-n] -ma-ɾi
2 R2-OBL 1 R
2-OBL anta R
1-matar-NLZ R
1-saber-NLZ
‘não há o saber por você de que eu matei anta’ ‘(você não sabe que eu matei
anta)’
601 a -jɛ [i -jɛ kukɾɨt
2 R2-OBL 1SG.ABS R
2-OBL anta
-bi-n] -ma-ɾi ket
R1-matar-NLZ R
1-saber-NLZ NEG
‘você não sabe que eu matei anta’ ‘(não há o saber por você do matar de anta por
mim)’
602. benaʤwəɾə na ku-ma ɲum memɨ piʔɨ -kukwə
cacique RLS R2-saber SD homem castanha R
1-cortar
‘o cacique sabe que os homens cortaram castanha’
212
603. benaʤwəɾə na -tɛ -ma-ɾi ket
cacique RLS R2-OBL R
2-saber NEG
[ɲum memɨ piʔɨ -kukwə]
SD homem castanha R1-cortar
‘o cacique não sabe que os homens
cortaram castanha’
604. benaʤwəɾə na -tɛ [memɨ -tɛ piʔɨ
cacique RLS R2-OBL homem R
2-OBL castanha
-kukwə-ɾə] -ma-ɾi ket
R1-cortar-NLZ R
1-cortar-NLZ NEG
‘não há o saber do cacique do cortar de castanha pelos
homens’ ‘(o cacique não sabe que os homens cortaram
castanha)’
605. ba na ba i -jɛ [bʌ
1 RLS 1 1 R1-OBL floresta
-kãm i -te-m] -ma-ɾi
R1-LOC 1SG.ABS R
1-ir/vir-NLZ R
1-saber-NLZ
‘existe o saber do meu ir à floresta por mim )’ ‘(eu sei caçar)’
606. ga na ga a -jɛ [i
1 RLS 1SG.ENF 1SG.ABS R1-OBL floresta
-katɔ-ɾɔ] -ma-ɾi
R1-sair-NLZ R
1-saber-NLZ
‘existe o saber do meu sair por você’ ‘(você sabe que eu
sai)’
607. meniɾɛ na -tɛ [a -ŋɾɛ-ɾɛ -ma-ɾi
mulher RLS R1-OBL 2 R
1-cantar-NLZ R
1-saber-NLZ
‘a mulher sabe que você canta’ (existe o saber pela mulher de teu cantar)’
213
608. ga na ga a -jɛ [i -nõ-ɾõ -ma-ɾi
2 RLS 2 2 R1-OBL 2 R
1-cantar-NLZ R
1-saber-NLZ
‘existe o saber por você do meu deitar’ ‘(você sabe que eu deitei)’
609. ga na ga a -jɛ
2 RLS R1-OBL 2 R
1-banhar-NLZ
i -mə-ɾə] -ma-ɾi
1 R1-banhar-NLZ R
1-saber-NLZ
‘existe o saber do meu chorar por você’ ‘(você sabe que eu
chorei)’
6.2.3.3 Orações completivas com o verbo -ɔwagnɔ ‘esquecer’
As orações dependentes com o verbo -ɔwagnɔ ‘esquecer’ ocorrem encaixadas à
principal e funcionam como complemento desta. O núcleo do predicado da oração dependente
é codificado por formas verbais nominalizadas e seu argumento sujeito segue orientação
absolutiva.
610 mebeŋet na me [kukoj ʤ-ʌɲwə-ɾə] -ɔwagnɔ
velho RLS HUM macaco R1-flechar-NLZ R
1-esquecer
‘o velho esqueceu (de) flechar o macaco’
611. mebeŋet na me -tɛ [kukoj
velho RLS HUM R2-OBL macaco
ʤ-ʌɲwə-ɾə] -ɔbignɔ-ɾɔ ket
R1-flechar-NLZ R
1-esquecer-NLZ NEG
‘o velho não esqueceu (de) flechar o macaco’ ‘(não houve
o esquecer do flechar do macaco pelo velho)’
214
612. meniɾɛ na me [jʌt j-aɾe-j] -ɔwagnɔ
mulher RLS HUM batata doce R1-arrancar-NLZ R
1-esquecer
‘a mulher esquecueu (de) arrancar batata doce’
613. meniɾɛ na me Ø-tɛ [jʌt
mulher RLS HUM R2-OBL batata doce
j-aɾe-j] -ɔbignɔ-ɾɔ ket
R1-arrancar-NLZ R
1-esquecer-NLZ neg
não houve o esquecer da mulher do arrancar de batata-doce por ela’ ‘(a
mulher não esquecueu (de) arrancar batata-doce)’
614. ga na ga [i -mã piʔokapɾi
2 RLS 2 1 R1-DIRET dinheiro
-ɲã-ɾã] -ɔwagnɔ
R1-dar-NLZ R
1-esquece
‘você esquecueu (de) me dar dinheiro’
615. ga na ga a -jɛ [i -mã
2 RLS 2 2 R1-OBL 1SG.ABS R
1-DIRET
piʔokapɾi ɲ-ã-ɾã -ɔbignɔ-ɾɔ ket
dinheiro R1-dar-NLZ R
1-esquecer-NLZ NEG
‘não houve o esquecer de você do dar dinheiro para mim por você’ ‘(você não
esqueceu (de) me dar dinheiro)’
616. ba na ba [i -kɾa -mã
1 RLS 1 1 R1-OBL R
1-DIRET
tɛp j-anɔ-ɾɔ -ɔwagnɔ
peixe R1-mandar-NLZ R
1-esquecer
‘eu esqueci de mandar peixe para meu filho’
215
617. ba na ba [i -jɛ [i -kɾa -mã
1 RLS 1 1 R1-OBL 1 R
1- filho R
1-DIRET
tɛp j-anɔ-ɾɔ -ɔbignɔ-ɾɔ ket
peixe R1-mandar-NLZ R
1-esquecer-NLZ NEG
‘eu não esqueci de mandar peixe para meu filho’ (não houve o
esquecer do mandar peixe para meu filho por mim)’
618. ba na ba aɾəp [i -ŋɾɛ-ɾɛ] -ɔwagnɔ
1 RLS 1 já 1 R1-cantar-NLZ R
1-esquecer
‘eu esqueci o meu cantar’ ‘(eu esqueci de cantar)’
619. ba na ba i -jɛ [i
1 RLS 1 1 R1-OBL 1
-ŋɾɛ-ɾɛ] -ɔbignɔ-ɾɔ ket
R1-cantar-NLZ R
1-esquecer-NLZ NEG
‘não houve o esquecer do cantar por mim’ ‘(eu não esqueci de
cantar)’
620. ga na ga [a ʤ-wə-ɾə] -ɔwagnɔ
2 RLS 2 2 R1-banhar-NLZ R
1-esquecer
você esqueceu o seu banhar’ ‘(você equeceu de banhar)’
621. ga na ga a -jɛ [a
2 RLS 2 2 R1-OBL 2
ʤ-wə-ɾə] -ɔbignɔ-ɾɔ ket
R1-banhar-NLZ R
1-esquecer-NLZ NEG
‘não houve o seu esquecer do banhar por você’ ‘(você
não esqueceu de banhar)’
216
6.3 ORAÇÕES ADVERBIAIS
Orações dependentes adverbiais funcionam como advérbio e modificam a oração
principal, com a qual contribuem com noções de tempo, modo, lugar, finalidade, condição,
etc.
Segundo Thompson et al (2007, p. 238), orações adverbiais são consideradas como
uma combinação hipotática com respeito à oração principal, uma vez que elas se relacionam à
oração principal como um todo. Para estes autores, há três estratégias usadas para codificar as
orações subordinadas, a saber: (a) por meio de morfemas subordinantes, (b) por meio de
formas verbais especiais e (c) por meio da ordem de palavras. Todas essas estratégias são
atestadas nas línguas do mundo para marcar orações dependentes adverbiais.
Neste capítulo, descrevemos as orações dependentes adverbiais encontradas na
língua Xikrín do Cateté. Veremos que as orações dependentes adverbais da língua Xikrín são
codificadas pelas três estratégias propostas por Thompson et al (2007, p. 238). Esta seção
está assim organizada: em 6.3.1 descrevemos as orações adverbais temporais. Em 6.3.2,
apresentamos as orações adverbais de finalidade. Na seção 6.3.3, apresentamos as orações
adverbiais condicionais. Em 6.3.4, decrevemos as orações adverbiais circunstanciais e, em
6.3.5, encerramos com as orações causais.
6.3.1 Orações adverbiais temporais
As orações adverbais temporais em Xikrin podem ser marcadas por posposições ou
podem ser justapostas. Estas orações expressam eventos retrospectivos, sucessivos e
simultâneos em relação ao evento da oração principal, conforme sejam marcadas pelos
morfemas. -wəjɾʌp ‘antes de’ -iukri ‘depois de’ e por verbos de movimento ou posicionais,
respectivamente. As orações adverbiais temporais em Xikrín podem ser de anteriorioridade
(6.3.1.1), de sucessividade, (6.3.1.2), e (c) de simultaneidade (6.3.1.3), as quais descrevemos
nas subseções seguintes.
217
6.3.1.1 Orações adverbiais temporais de anterioridade
As orações subordinadas adverbiais temporais que expressam eventos retrospectivos
são marcadas pela posposição ʤ-wəjɾʌp ‘antes de’. Estas orações têm como núcleo do
predicado nomes ou verbos nominalizados e ocorrem sempre antepostas à oração principal.
Quando o núcleo do predicado da oração dependente é um nome (129-131) ou um
verbo intransitivo nominalizado (132-134) seu argumento único é marcado pelos pronomes da
série absolutiva, ou pode ser expresso por um nome referencial não regido por posposição
oblíqua.
622. [i -mã kɾɨ ʤ-wəjɾʌp] na ba ami j-ãpɾɔ
1 R1-DIRET frio R
1-antes.de RLS 1 REFL R
1-cobrir
‘antes de haver frio na minha direção, eu me cobri
623. [i -mã -pɾãm-- ʤ-wəjɾʌp] na ba kapɾãn -kɾe
1 R1-DIRET R
2-querer-NLZ R
1-antes.de RLS 1 jabuti R
1-comer
‘antes do querer (a comida) na minha direção, eu comi jabuti’ (antes de sentir
fome, eu comi jabuti)’
624. [kube -katɔ-ɾɔ ʤ-wəjɾʌp] ta wa na kapɾãn -mə
1 R1-SAIR-NLZ R
1-antes.de 3 DEM.DIST RLS jabuti R
1-pegar
‘antes da saída do não indígena, ele pegou jabuti’
625. [bʌ -kãm i -te-m ʤ-wəjɾʌp]
floresta R1-LOC 1 R
1-ir/vir-NLZ R
1-antes.de
na ba kʌj -ʤwaŋɾʌ
RLS 1 facão R1-amolar
‘antes do meu ir na floresta, eu amolei o facão’
626. [tɛp -əɾə a -te-m ʤ-wəjɾʌp]
218
floresta R1-DIR 2 R
1-ir/vir-NLZ R
1-antes.de
ʤa ga tɛpɾãmʤʌ ʔõ kumɾej -kaba
RLS 2 minhoca INDEF primeiro R1-tirar
‘antes do meu ir na direção do peixe, eu vou primeiro tirar algumas minhocas’
627. [i ʤ-wə-ɾə ʤ-wəjɾʌp] i ʤ-ʌpej kumɾej
1 R1-banhar-NLZ R
1-antes.de 1 R
1-trabalho primeiro
‘antes do meu banhar, houve meu trabalho primeiro’
Orações dependentes adverbiais com núcleos transitivos têm seu argumento externo
marcado pelos pronomes da série absolutiva regidos pelo alomorfe -jɛ ‘por’, ou por nomes
regidos pelo alomorfe -tɛ da mesma posposição, enquanto as orações principais têm o mesmo
argumento marcado pela série pronominal nominativa ou por nomes referenciais sem auxílio
de posposição (Exs. 628, 630, 632, 634, 636). Entretanto, quando o núcleo do predicado da
oração principal é modificado por expressão de valor adverbial, seu argumento externo será
marcado da mesma forma que o argumento externo da oração dependente, isto é, pela série
absolutiva regida pela posposição -jɛ/-tɛ, como mostram os exemplos (629, 631, 633, 635,
637).
628. a -jɛ tɛp ʤ-ʌ-ɾʌ ʤ-wəjɾʌp]
2 R1-OBL peixe R
1-assar-NLZ R
1-antes.de
ʤa ba kwɨ kumɾej ɲ-ipej
IRLS 1 fogo primeiro R1-fazer
‘antes do assar do peixe por você, eu vou primeiro fazer o fogo’
629. a -jɛ tɛp ʤ-ʌ-ɾʌ ʤ-wəjɾʌp]
2 R1-OBL peixe R
1-assar-NLZ R
1-antes.de
ʤa i -jɛ kwɨ ɲ-ipej- kumɾej
IRLS 1 R1-OBL fogo R
1-fazer- NLZ primeiro
‘antes do assar do peixe por você, vai haver o fazer do fogo por mim primeiro’
219
630. a -jɛ kwəɾə -ke-j ʤ-wəjɾʌp]
2 R1-OBL mandioca R
1-ralar-NLZ R
1-antes.de
ʤa ga kumɾej -kuʤo
IRRLS 2 primeiro R2-arrancar
‘antes do ralar mandioca por você, você primeiro a arrancou’
631. a -jɛ kwəɾə -ke-j ʤ-wəjɾʌp]
2 R1-OBL mandioca R
1-ralar-NLZ R
1-antes.de
ʤa ga a -jɛ -kuʤo-j kumɾej
IRRLS 2 2 R1-OBL R
2-arrancar primeiro
‘antes do ralar mandioca por você, houve o arrancar dela por você primeiro’
632. i -jɛ kukej j-amə-j ʤ-wəjɾʌp]
1 R1-OBL cotia R
1-pegar-NLZ R
1-antes.de
katʌpti na kumɾej ku-mã ku-me
Katop-Ti RLS primeiro R2-DIRET R
2-atirar
‘antes do pegar cotia por mim, Katop-Ti atirou primeiro
nela’
633. i -jɛ kukej j-amə-j ʤ-wəjɾʌp]
1 R1-OBL cotia R
1-pegar-NLZ R
1-antes.de
katʌpti na -tɛ ku-mã -me-j kumɾej
Katop-Ti RLS R2-OBL R
2-dat R
2-atirar-NLZ primeiro
‘antes do pegar cotia por mim, houve o atirar nela por Katop-Ti primeiro’
634. i -jɛ ɾõɲõ -ku-ɾu ʤ-wəjɾʌp]
1 R1-OBL palmito R
1-comer-NLZ R
1-antes.de
na ba kumɾej ku-bo
RLS 1 primeiro R2-assar
‘antes do comer palmito por mim, eu primeiro o assei’ ‘
220
635. i -jɛ ɾõɲõ -ku-ɾu ʤ-wəjɾʌp]
1 R1-OBL palmito R
1-comer-NLZ R
1-antes.de
na ba i -jɛ -bo-ɾo kumɾej
RLS 1 1 R2-OBL R
2-assar-NLZ primeiro
‘antes do comer palmito por mim, houve o assar dele por mim
primeiro’
636. [meniɾɛ na -tɛ kwəɾə -kɾɛ- ʤ-wəjɾʌp]
mulher RSL R1-OBL mandica R
1-plantar-NLZ R
1-antes.de
na memɨ puɾu kumɾej -kaɾe
RLS homem roça primeiro R1-limpar
‘antes do plantar mandioca pelas mulheres, os homens primeiro limparam a roça’
637. [meniɾɛ na -tɛ kwəɾə -kɾɛ- ʤ-wəjɾʌp]
mulher RSL R2-OBL mandica R
1-plantar-NLZ R
1-antes.de
na memɨ -tɛ puɾu -kaɾe-ɾe kumɾej
RLS homem R1-OBL roça R
1-limpar- NLZ primeiro
‘antes do plantar mandioca pelas mulheres, houve o limpar da roça pelos
homens primeiro’
6.3.1.2 Orações adverbiais temporais de sucessividade
Orações adverbiais temporais que expressam sucessão de eventos são codificadas
pela posposição -iukɾi ‘depois de’. Do ponto de vista distribucional, ocorrem antepostas à
oração principal e têm como núcleo de predicado nomes ou formas verbais intransitivas
nominalizadas e, por isso, exibem orientação absolutiva (Exs. 638-644). Quando o núcleo do
predicado dessas orações é formado por verbo transitivo nominalizado, o argumento externo,
codificado pela formas pronominais dependentes, é regido pela posposição oblíqua -jɛ/-tɛ.
(Exs.645-652). Já a oração principal quando tem como núcleo verbo intransitivo, seu
argumento único é codificado pelas formas pronominais livres (Exs. 638. 639, 641, 643),
exibindo alinhamento nominativo. Mas se o núcleo de seu predicado for modificado por
221
expressão de valor adverbial, exibem mesmo alinhamento que as orações dependentes. (639,
640, 641, 643). As orações principais que têm como núcleo de predicado temas verbais
transitivos também apresentam uma orientação nominativa, tendo seu argumento externo
marcado pelos pronomes livres (Exs. 645, 647, 649, 651), exceto se o núcleo do predicado for
modificado por elemento adverbial, caso em que seu argumento externo passa a ser
codificado pelos pronomes dependentes regidos pela pospocição jɛ/-tɛ, exibindo alinhamento
absolutivo (Exs. 646, 648, 650, 652).
638. [ta wa -pɾõn ɲ-iukɾi] ʤa ta wa ŋɾɛ
3 DEM.DIST R1-corrida R
1-depois.de IRRLS 3 DEM.DIST cantar
‘depois da corrida daqueles, aqueles vão cantar’
639. [ta wa -pɾõn ɲ-iukɾi]
3 DEM.DIST R1-corrida R
1-depois.de
ʤa ta wa ŋɾɛ-ɾɛ ket
IRRLS 3P DEM.DIST cantar-NLZ NEG
‘depois da corrida daqueles, não vai haver o cantar daqueles’
639. [i ʤ-ʌpej ɲ-iukɾi] na ba ʤwa
1 R1-trabalho R
1-depois.de RLS 1 banho
‘depois do meu trabalho, eu banhei’
640. [i ʤ-ʌpej ɲ-iukɾi] na ba
1 R1-trabalho R
1-depois.de RLS 1
i ʤ-wə-ɾə ket
1 R1-tomar.banho-NLZ NEG
‘depois do meu trabalho, não houve o meu banhar’
641. [guba ʤ-wə-ɾə ɲ-iukɾi] na gu nõ
1+2 R1-banhar-NLZ R
1-depois.de RLS 1+2 deitar
‘depois do nosso banhar, nós deitamos’
222
642. [guba ʤ-wə-ɾə ɲ-iukɾi] na guba nõ-ɾõ ket
1+2 R1-banhar-NLZ R
1-depois.de RLS 1+2 R
1-ver-NLZ NEG
‘depois do nosso banhar, não houve nosso deitar
643. [benaʤwəɾə -boj- ɲ-iukɾi] na -õbikwa mua
cacique R1-chegar-NLZ R
1-depois.de RLS R
2-parente R
1-chorar
‘depois do chegar do cacique, seus parentes choraram’
644. [benaʤwəɾə -boj- ɲ-iukɾi] na
cacique R1-chegar-NLZ R
1-depois.de RLS
-õbikwa mə-ɾə ket
R2-parente R
1-chorar-NLZ NEG
‘depois do chegar do cacique, não houve o choro
de seus parentes’
645. [i -jɛ aŋɾo -ãpɾɛ- ɲ-iukɾi]
1 R1-OBL porcão R
1-amarrar-NLZ R
1-depois.de
na ba ku-tu
RLS 1 R2-carregar
‘depois do amarrar do porcão por mim, eu o carreguei’
646. [i -jɛ aŋɾo -ãpɾɛ- ɲ-iukɾi] na
1 R1-OBL porcão R
1-amarrar-NLZ R
1-depois.de RLS
ba [i -jɛ -tu-ɾu ket
1 1 R1-OBL R
1-carregar-NLZ NEG
‘depois do amarrar do porcão, não houve o carregar dele por mim’
647. [a -jɛ kwəɾə -kuʤo-j ɲ-iukɾi]
2 R1-OBL mandioca R
1-descascar-NLZ R
1-depois.de
ʤa ba ku-ke
223
RLS 1 R1-ralar
‘depois do descascar da mandioca por mim’ eu a vou ralar’
648. [a -jɛ kwəɾə -kuʤo-j ɲ-iukɾi] ʤa
2 R1-OBL mandioca R
1-descascar-NLZ R
1-depois.de RLS
ba [i -jɛ -ke-j ket
1 1 R1-OBL R
1-ralar-NLZ NEG
‘depois do descascar da mandioca por você, não vai
haver o ralar dela por mim’
649. [meniɾɛ -tɛ tɛp ʤ-ʌ-ɾʌ ɲ-iukɾi] ʤa
mulher R1-OBL mandioca R
1-assar-NLZ R
1-depois.de RLS
me [ku-kɾe
PL R2-comer
‘depois do assar do peixe pelas mulheres, eles vão comê-lo’
650. [meniɾɛ -tɛ tɛp ʤ-ʌ-ɾʌ ɲ-iukɾi] ʤa
mulher R1-OBL mandioca R
1-assar-NLZ R
1-depois.de RLS
me -tɛ [-kɾe-n ket
PL R2-OBL R
2-comer-NLZ NEG
‘depois do assar do peixe pelas mulheres, eles não vão comê-lo’
651. [i -jɛ kukɾɨt -bi-n ɲ-iukɾi] ʤa
1 R1-OBL anta R
1-matar-NLZ R
1-depois.de IRRLS
ba piʔɨ [kukwə
1 castanha R2-quebrar
‘depois do matar da antas pr mim, eu vou quebrar castanha’
652. [i -jɛ kukɾɨt -bi-n ɲ-iukɾi] ʤa
1 R1-OBL anta R
1-matar-NLZ R
1-depois.de IRRLS
224
ba i -jɛ piʔɨ [kukwə-ɾə ket
1 1 R1-OBL castanha R
2-quebrar-NLZ NEG
‘depois do matar da anta por mim, não vai haver o quebrar
da castanha por mim’
6.3.1.2 Orações adverbiais temporais de simultaneidade
Orações dependentes adverbiais que expressam simultaneidade de eventos são
codificadas através dos temas verbais que expressam movimento -ba ‘andar’ e -mõ ‘ir/vir’, ou
posição -nõ ‘estar.deitado’, -ʤa ‘estar. em.pé’, -ɲɨ ‘estar. sentado’ precedidos ou não da
posposição -ɔ ‘associativo instrumentivo’. Em termos distribuiconais, essas orações ocorrem
antepostas às orações principais. O núcleo do predicado da oração dependente é nominalizado
e os argumentos interno de predicado intransitivo e externo de predicado transitivo
apresentam alinhamento absolutivo
653 na ba [i ʤ-ʌpej mõ] ɲum aɾəp ŋõɾõ
RLS 1 1 R1-trabalho ir/vir SD ja dormir
‘enquanto há meu trabalho, ele dorme’
654. ga na ga [a ʤ-wə-ɾə a -ba]
2 RLS 2 2 R1-banhar-NLZ 2 R
1-andar
ɲum aɾəp a ɲ-õ pɾi mua
SD ja 2 R1-PERTENCE criança chorar
‘enquanto há o teu banhar, teu filho chora
655. ga na ga [a ɲ-õt -ɔ nõ]
2 RLS 2 2 R1-dormir-NLZ R
1-ASS.INSTR deitar
ba aɾəp pi tu-ɾu -ɔ te
SD ja pau R1-carregar-NLZ R
1-ASS.INSTR ir/vir
‘enquanto havia o seu dormir, eu carregava pau’
225
656. [a -jɛ kapɾãn ʤ-ʌ-ɾʌ -ɔ a ʤ-ãm]
2 R1-OBL jabuti R
1-assar-NLZ R
1-ASS.INSTR 2 estar.em.pé. NLZ
ʤa] ba ŋɾa -bi
IRRLS 1 paca R1-matar
‘enquanto vai haver o assar do jabuti por você, eu vou matar paca’
657. [a -jɛ memɨ -ʔok- -ɔ a ʤ-ãm]
2 R1-OBL homem R
1-pintar-NLZ R
1-ASS.INSTR 2 estar.em.pé.NLZ
ʤa ba ʤwa
IRRLS 1 banhar
‘enquanto há o pintar do homem por você, eu vou banhar’
658. [meniɾɛ na me -tɛ aben -mã -kaben
mulher RLS PL R2-OBL RECIP R
1-DIRET R
2-fala
mõ] kwəɾə j-aɾe-j -ɔ mõ
IR/VIR mandioca R1-arrancar-NLZ ASS.INSTR ir/vir
‘enquanto as mulheres conversam, elas arrancam mandioca’
6.3.2 Orações adverbiais de finalidade
As orações adverbiais de finalidade em Xikrín são codificadas pela posposição -
kaʤɨ. Ocorrem pospostas à oração principal e o núcleo de seu predicado pode ser formado por
nomes descritivos (Exs. 659-663) e por nomes de ação, derivados de verbos intransitivos
(Exs. 664-666) e transitivos (Exs. 667-673).
659. na ba kapɾãn ɲ-i -kɾe [ne i -təj -kaʤɨ]
RLS 1 jabuti R1-carne R
1-comer MS 1 R
1-foça R
1-FINL
‘eu comi carne de jabuti para haver a minha força’
226
660. ba ʤa ba ami j-ɔ-mɛj [ne i -mɛj -kaʤɨ]
1 IRRLS 1 REFL R1-CAUS-bom MS 1 R
1-bom R
1-FINLD
‘eu vou me fazer bom para haver o bom de mim’ ‘(eu vou me arrumar para ficar
bonito’
661. ŋo -kãm ʤa meniɾɛ kwəɾə -ʤi
água R1-LOC RLS mulher mandioca R
1-colocar
[ɲum -ɾɛɾɛk -kaʤɨ]
SD R1-mole R
1-FINLD
‘foi na água que as mulheres colocaram a mandioca para amolecer’
662. pɔɨ na me kikɾɛ -mã tɨɾɨti -ɔ-boj
Poy RLS HUM casa R1-DIRET banana R
1-CAUS-chegar
[kamɾek -kaʤɨ]
vermelha R1-FINLD
‘Poy trouxe a banana para casa para amadurecer’
663. ga na ga boj ne i -ŋɾɛ-ɾɛ -kaʤɨ]
2 RLS 2 chegar MS 1 R1-cantar- NLZ R
1-FINLD
‘você chegou o cantar de você’ ‘(você chegou para cantar)’
664. ŋo -ɾaj -mã na ba te
água R1-grande R
1-DIRET RLS 1 ir/vir
i -ɾe-ɾe -kaʤɨ]
1 R1-nadar-NLZ R
1-FINLD
‘foi para o rio que eu fui para o meu nadar’
665. mepɾiɾɛ na me ŋo -ɾaj -mã mõ
crianças RLS PL água R1-grande R
1-DIRET ir/vir.PL
[-wə-ɾə -kaʤɨ]
R2-banhar-NLZ R
1-FINLD
‘as crianças foram ao rio para o banhar delas’
227
666. kube i ɲ-õ kikɾɛ -kãm boj
não indígena 1 R1-PERTENCE casa R
1-LOC chegar
ne [õt -kaʤɨ]
ms R2-dormir-NLZ R
1-FINLD
‘o não indígena chegou à minha casa para o dormir dele’
667. mebeŋet na boj [ne -tɛ ɾõɲõ -kɾe-n -kaʤɨ]
velho RLS chegar MS R2-OBL palmito R
2-comer-NLZ R
1-FINLD
‘o velho chegou para o comer do palmito por ele’
668. meniɾɛ ʤ-ʌpej meniɾɛ na me kikɾɛ -kãm
mulher R1-trabalho mulher RLS PL casa R
1-LOC
[-tɛ -kɾa -mu-j -kaʤɨ]
R2-OBL R
2-filho R
1-VER-NLZ R
1-FINLD
‘...o trabalho das mulheres, as mulheres, elas (ficam) em casa,
para o ver dos filhos por elas’
669. mebeŋet na ko ɲ-ipej ne -tɛ
velho RLS borduna R1-fazer MS R
2-OBL
-ɔ kukɾɨt -bi-n -kaʤɨ]
R2-OBL anta R
1-matar-NLZ R
1-FINLD
‘o velho fez borduna para o matar da anta com ela por ele’
670. meniɾɛ na me pi -kɔkje [-tɛ
mulher RLS PL R1-fazer R
1-cortar R
2-OBL
-ɔ kwɨ ɲ-ipej- -kaʤɨ]
R2-OBL fogo R
1-fazer- NLZ R
1-FINLD
‘as mulheres cortaram pau para o fazer do fogo com ele por elas’
228
671. ba na ba kʌ -kãm kʌj ʤa
1 RLS 1 cesto R1-LOC facão R
1-colocar
ga a -jɛ -bɨ-ɾɨ -kaʤɨ]
2 2 R1-OBL R
1-pegar-NLZ R
1-FINLD
‘eu coloquei o facão no cesto para o pegar dele por você
672. meniɾɛ na me kubekʌ j-amə -tɛ -põ-j -kaʤɨ]
mulher RLS PL roupa R1-pegar R
2-OBL R
2-lavar-NLZ R
1-FINLD
‘a mulher pegou as roupas para o lavar delas por ela’
673. ba na ba kukoj -bi [i -jɛ -kɾe-n -kaʤɨ]
1 RLS 1 macaco R1-matar 1S R
1-OBL R
2-lavar-NLZ R
1-FINL
‘eu matei o macaco para o comer dele por mim’
6.3.3. Orações adverbiais condicionais
Thompson et. al. (2007. P. 255) distinguem dois tipos de orações adverbiais
condicionais, as de realidade e as de irrealidade. Para aqueles autores, as condicionais de
realidade referem-se a uma situação presente real, habitual/genérica ou passada. Como
ilustração desse tipo semântico de oração condicional, vejamos os exemplos traduzidos dos
exemplos 62), 63) e 64), dados por Thompson et. al:
Present
Se estiver chovendo lá fora, meu carro está molhando
Habitual/generic
Se você pisa no freio, o carro para
Past
Se você estivesse na festa, então você saberia sobre Sue e Fred
229
Já as orações condicionais de irrealidade são usadas para expressar situações irreais.
Segundo os autores supra, as condicionais de irrealidade se subdividem em: a) imaginativas –
aquelas nas quais imaginamos o que poderia ser ou o que poderia ter sido e b) preditivas –
aquelas nas quais prevemos o que será.
Dentre as condicionais imaginativas, Thompson et. al. (2007:256) distinguem dois
subtipos, (1) as imaginativas hipotéticas- que se referem a situações que poderiam ter
acontecido- e (2) as contrafactuais – que se referem a situações que não aconteceram ou não
puderam acontecer.
Os autores sumarizam os tipos semânticos de orações condicionais da seguintes
formas:
Real
1 Presente
2 habitual/genérico
3 passado
Irreal
1. Imaginativa
a) Hipotética
b) Contrafactual
2 Preditiva.
Nesta seção descrevemos as orações adverbiais condicionais em Xikrín, as quais
ocorrem preferencialmente antepostas à oração matriz. A análise dos dados da língua Xikrín
revelam que esta língua não distingue formalmente orações condicionais de realidade e
irrealidade. Mas estabelece contraste formal e morfossintático com as orações adverbiais
temporais-espaciais, as quais expressam eventos realizados de fato. A seguir, descrevemos
estas orações.
6.3.4. Orações subordinadas condicionais
As orações subordinadas condicionais são usadas para expressar eventos que
poderiam ser ou ter sido realizados, mas, por algum motivo, não o foram ou não puderem ter
sido. Esse tipo de oração é marcado em Xikrín por meio da partícula ʤa.’irrealis’ e ocorre, na
grande maioria das vezes, anteposta à oração matriz. O núcleo do predicado dessas orações
230
pode ser preenchido por nomes descritivos (Exs. 675-680), verbos intransitivos (681-686) e
transitivos (687-692), exibindo alinhamento nominativo/absolutivo, semelhante ao da oração
principal.
675. [ʤa ba i -kapɾiɾɛ] ne mua
IRRLS 1 1 R1-triste MS chorar
‘quando/se eu estiver triste, eu choro’ ‘(quando/se houver
minha tristeza, eu choro)’
676. [ʤa tɨɾɨti -kamɾek] ba ku-kɾe
IRRLS banana R1-vermelha 1 R
2-comer
‘quando/se a banana amadurecer eu a como
677. [ʤa mepɾiɾɛ -tɔkɾɨ] ga ku-mã piʤə -ŋã
IRRLS criança R1-doente 2 R
2-DIRET remédio R
2-dar
‘quando/se a criança estiver doente, você lhe dá
678. [ʤa a ɲ-õ kwə -kɾe-n -ɾaj]
IRRLS 2 R1-PERTENCE PART R
2-comer-NLZ R
1-grande
a -tu -kãm -tɔkɾɨ
2 R1-barriga R
1-LOC R
2-doente
‘quando/se houver grande quantidade do teu comer, tua barriga vai doer’
679. [ʤa ga a -tɨkʤʌ] ne nõ
IRRLS a 2 R1-cansaço MS deitar
‘quando/se você estiver cansado, você deita’
231
680. [ʤa ga a -ʤ-ʌpej] ne kuni -ɔjnɔɾɛ
IRRLS 2 2 R1-travalho MS tudo R
1-terminar
‘quando/se houver o teu trabalho, você termina tudo’
681. [ʤa ga a -mɾã-j -təj] ɲum
IRRLS 2 2 R1-andar-NLZ R
1-forte SD
wajaŋa a j-ɔmu
pajé 2 R1-ver
‘quando/se houvero forte do teu andar, você ver o pajé’
682. [ʤa ga bʌ -kãm te] gwaj
IRRLS 2 2 R1-andar-NLZ R
1-forte 1+2.PAUC.ABS
aɾəp ba ɲ-õ mɾi ɲ-i
já 1 R1-PERTENCE caça R
1-carne
‘se você tivesse ido caçar, nós teríamos nossa carne de caça’
683. [ʤa mepɾiɾɛ ʤwa] ne aɾəp ŋõɾõ
IRRLS criança banhar MS já dormir
‘se a criança tivesse banhado, já poderia ter dormido’
684. [ʤa ba tɔ] ga i -kãm
IRRLS 1 festejar 2 1 R1-LOC
a -kij
2 R1-feliz
‘se eu tivesse festejado, você teria ficado feliz comigo’
685. [ʤa ba boj] ne a j-ɔmu
IRRLS 1 chegar MS 2 R1-ver
‘quando/se eu chegar, vou ver você’
232
686. [ʤa ga mua] a -kamɨ
IRRLS 2 chorar 2 R1-irmão
a -mã məja -ŋã
2 R1-DIRET coisa R
1-dar
‘se você tivesse chorado, teu irmão teria te dado algo’
687. [ʤa kaŋã i -ɲa] ba aɾəp tɨ
IRRLS cobra R1-picar 1 já morrer
‘se a cobra tivesse me picado, eu teria morrido’ ou ‘se
acobra me picar, eu morro’
688. [ʤa i -kwatɨj kwəɾə j-ane]
IRRLS 1 R1-avó mandioca R
1-espremer
ba ʤwəŋɾʌ ɲ-ipej
1 farinha R1-dar
‘se minha avó espremer mandioca, eu faço farinha’
689. [ʤa ga kʌj -ɔ-boj] ba aɾəp
IRRLS 2 facão R1-CAUS-chegar 1 já
-ɔ mɾɨ ɲ-i kwə -ta
R2-ASS.INSTR caça R
1-carne PART R
1-corta
‘se você trouxer o facão, eu corto a parte da carne com ele’
690. [ʤa memɨ i -mã katõŋ -ŋã]
IRRLS homem 1 R1-DIRET revólver R
1-dar
ba kukɾɨt -mã ku-me
1 anta R1-DIRET R
1-atirar
‘quando/se o homem me der o revólver, eu atiro na direção da anta’
691. [ʤa ba õmɾõ ɲ-ipej] gu ku-kɾe
IRRLS 1 comida R1-fazer 1+2 R
2-comer
‘quando/se eu fizer comida, nós comemos ’
233
692. [ʤa mebeŋet piʔɨ -kukwə]
IRRLS velho castanha R1-quebrar
ɲum meniɾɛ õmɾõ ɲ-ipej
SD mulher comida R1-pescar
‘se os velhos cortarem castanha, as mulheres fazem a comida’
6.3.5 Orações adverbiais temporais-espaciais
As orações que neste estudo chamamos de adverbiais temporais-espaciais
correspondem ao que em outras línguas são chamadas de orações subordinadas temporais,
causais e coordenadas explicativas. Estas orações são marcadas pela posposição -kãm
‘locativa’, cujo complemento é um nominal e são usadas para expressar acontecimentos reais,
por isso ocorrem no modo realis. Do ponto de vista sintático, estas orações são independentes.
Em termos distribucionais, ocorrem antepostas à oração matriz, da qual são semanticamente
dependentes. Estas orações podem ter como núcleo de seus predicados temas nominais e
verbais intransitivos e transitivos nominalizados e seguem o padrão absolutivo. A seguir,
apresentamos exemplos de orações temporais-espaciais tendo como núcleo nomes (Exs. 693-
702), verbos intransitivos nominalizados (Exs. 703-707), e verbos transitivos nominalizados
(Exs. 708-716).
693. [a -tɨkʤʌ -kãm] na ga nõ
2 R1-cansaço R
1-LOC RLS 2 deitar
‘no cansaço de você, você deitou’
694. [i j-atɔp -kãm] na ba ʤwa
1 R1-sujeira R
1-LOC RLS 1 banhar
‘na minha sujeira, eu banhei’
695. [tɨɾɨti -kamɾek -kãm] na mepɾiɾɛ ku-kɾe
banana R1-vermelho R
1-LOC RLS criança R
1-comer
‘no vermelho da banana, as crianças a comeram’
234
696. [i -kapɾiɾɛ -kãm] na ba mua
1 R1-tristeza R
1-LOC RLS 1 chorar
‘na minha tristeza, eu chorei’
697. [mepɾiɾɛ -tɔkɾɨ -kãm] ɲum mepiʤəɲãɾãʤwəj
criança R1-dor R
1-LOC SD enfermeira
ku-mã piʤə -ŋã
R2-DIRET remédio R
2-dar
‘na dor da criança, a enfermeira lhe deu remédio’
698. [mepɾiɾɛ -kane -kãm] ne -ɾɛɾɛk-ɾɛ
criança R1-doença R
1-LOC MS R
2-fraqueza-ATEN
‘na doença da criança, houve a fraqueza dela’
699. [i ɲ-õʤwa -kãm] ne i ɲ-õ-t kumɛj
1 R1-sono R
1-LOC MS 1 R
1-dormir.NLZ muito
‘no meu sono, houve muito o meu dormir’
700. [a -mã -koɾo -kãm] na ga
2 R1-DIRET R
1-sede R
1-LOC RLS 2
ŋo -ɔ i -kõ
água R1ASS.INSTR 1 R
1-bebida
‘na sede na tua direção, houve a tua bebida de água’
701. [i -mã -kɾɨ -kãm] na ba ami j-ãpɾɔ
1 R1-DIRET R
1-frio R
1-LOC RLS 1 REFL R
1-combrir
(no frio na minha direção, eu me cobri)’
235
702. [bʌʧe nõɾõnɨɾɛ -kãm] na bakaʒa -mã mõ
Bàxê adolescente R1-LOC RLS Bacajá R
1-DIRET ir/vir.PL
‘na adolescência de Baxe , ele ia ao Bacajá’
703. [bʌ -kãm a -te-m -kãm]
floresta R1-LOC 2 R
1-andar-NLZ R
1-LOC
na ga mɾi -ɔ-boj
RLS 2 caça R1-CAUS-chegar
‘no ir você à floresa, você trouxe caça’
704. [i tɔ-ɾɔ -kãm] na ga i -kãm
1 festejar-NLZ R1-LOC RLS 2 2 R
1-LOC
a -kij kumrej
2 R1-felicidade/alegria de fato
‘no meu festejar, houve tua alegria com respeito a mim)’
705. [i -boj-- -kãm] ba a j-ɔmu
1 chegar R1-LOC 1 2 R
1-ver
‘no meu chegar, eu vi você’
706. [a -mə-ɾə -kãm] na a -kamɨ
2 chorar-NLZ R1-LOC RLS 2 R
1-irmão
a -mã məja -ŋã
2 R1-DIRET coisa R
1-dar
‘no chorar de você, o irmão de você deu algo a você’
707. [me i -ŋɾɛ-ɾɛ -kãm] na kube tɔ
PL 1 R1-cantar R
1-LOC RLS não indígena festejar
‘no nosso cantar, o não indígena festejou’
236
708. [a -jɛ kʌ -ãpɾɛ- ket -kãm]
1 R1-OBL canoa R
1-amarrar-NLZ não indígena R
1-LOC
ɲum aɾəp -mã ŋo -ɔ-mõ
SD já R1-DIRET água R
1- CAUS-ir/vir.PL
‘a canoa foi embora porque você não a amarrou’ ‘(no não amarrar da
canoa por você, ela foi com a água)’
709. [mak -tɛ i -ɲa-j -kãm] ɲum
escorpião R1-OBL R
1-picar-NLZ R
1-LOC SD
mekanɛʤwəj i -mã piʤə -ŋã
médico 1 R1-DIRET remédio R
1-dar
‘quando o escorpião me picou, o médico me deu remédio’ ‘(no picar de mim
pelo escorpião, o médico me deu remédio)’’
710. [i -kwatɨj -tɛ kwəɾə j-ane-j -kãm]
1 R1-avó R
1-OBL mandioca R
1-espremer-NLZ R
1-LOC
ba -kot -ɔ- -kaŋõ
1 R2-COM R
2-ASS.INTR
R
1-suportar/aguentar
‘no espremer da mandioca por minha avó, eu suportei (a mandioca) com com ela)’
711. [a -jɛ kʌj -ɔ-boj- -kãm] na ba
2 R1-OBL facão R
1-CAUS-chegar-NLZ R
1-LOC RLS 1
-ɔ mɾɨ kwə -ta
R2-ASS.INSTR caça PART R
1-corta
‘no fazer chegar do facão por você, eu corte parte da carne de caça com ele)’
712. [i -jɛ poɨ -mã katõŋ ɲ-ãɾã -kãm]
1 R2-OBL Poy R
1-DIRET revólver R
1-dar.NLZ R
1-LOC
na -ɔ kukɾɨt -mã ku-me
MS R2-ASS.INSTR anta R
1-DIRET R
1-atirar
‘no dar do revólver na direção de Poy por mim, ele atirou na anta com ele)’
237
713. [i -jɛ aŋɾo -bi-n -kãm]
1 R2-OBL porcão R
1-fazer R
1-LOC
ɲum i -pɾõ ku-ga
SD 1 R1-esposa R
1-assar
‘no matar do porcão por mim, minha esposa o assou’
714. [memɨ -tɛ kwəɾə -ke-j -kãm]
homem R2-OBL mandioca R
1-ralar-NLZ R
1-LOC
ɲum meni -ane
SD HOMEM R2-espremer
‘no ralar da mandioca pelos homens, as mulheres a espremram
715. [i -jɛ bɔɾa j-api- -ɔjnɔɾɛ-ɾɛ -kãm]
1 R2-OBL bola R
1-chutar-NLZ R
1-terminar-NLZ R
1-LOC
ne ba ʤwa
SD 1 R1-banhar
‘no terminar do chutar bola por mim, eu banhei’
716. [a -jɛ i -mã ko ɲ-ãɾã -kãm]
1 R2-OBL 1 R
1-DIRET borduna R
1-dar-NLZ R
1-LOC
ba aɾəp ku-bɨ
1 já R1-pegar
‘no dar da borduna na minha direção por você, eu a peguei’
6.3.6 Orações adverbais causais
De acordo com Thompson et. al (2007, p. 250), as orações adverbiais causais são
usadas para explicar ou justificar a ocorrência de um dado estado ou uma dada ação. Em
Xikrín, essas orações são englobadas, por um lado, pelas orações adverbiais temporais-
238
espaciais e, por outro lado, realizam-se por meio da justaposição de oração sintaticamente
independentes, as quais, entretanto, estabelecem relação de subordinação: a oração
subordinada justifica ou explica o contéudo informacional da oração principal. Do ponto de
vista distribucional, a oração semanticamente dependente é posposta à principal. Ambas as
orações podem ter como núcleo de predicado, nome e verbo e seu argumento sujeito é
codificado pelas formas pronominais absolutivas (predicados nominais) e nominativas
(predicados verbais). Em (Exs. 717-720) exemplificamos orações causais com núcleo
formado por nome. Nos exemplos (Exs. 721-723) e (Exs. 724-727) mostramos orações
adverbiais causais com núcleo composto por verbo intransitivo e transitivo, respectivamente.
717. meniɾɛ na tɨɾɨti -mã -ta [ɲum aɾəp -kamɾek]
mulher RLS banana R1-DIRET R
1-tirar SD já R
1-vermelho
‘a mulher tirou na direção da banana porque já estava madura’
718. mepɾiɾɛ na -ɾɛɾɛk-ɾɛ [-kane]
criança RLS R1-fraqueza-ATEN R
2-doença
‘existe a fraqueza da criança. existe a doença dela’ ‘(a criança está fraquinha
por causa da doença)’
719. ba ɾɔpkɾɔɾi -ɔmu [ne i -pɾõn
1 onça R1-amarrar- MS 1 R
1-corrida
‘eu vi a onça e houve a minha corrida’
720. na ba i -tɨkʤʌ [i ʤ-ʌpej -kumɛj]
RLS 1 1 R1-cansaço RLS R
1-trabalho R
1-QUANT
‘há o meu cansaço. Houve muito o meu trablaho’ ‘(eu estou cansado
porque eu trabalhei muito)’
721. i ɲ-õbikwa -mə-ɾə -ɔ ɲɨ
1 R1-parente R
2-chorar-NLZ R
1-ASS.INSTR sentar
[ɲum aɾəp i -kamɨ boj]
SD já 1 R1-irmão chegar
‘estava havendo o choro dos meus parentes porque meu irmão chegou’
239
722. meni na me -tɔ-ɾɔ -ɔ ɲɨ
mulher RLS PL R2-festejar-NLZ R
1-ASS.INSTR estar.em.pé
[ɲum memɨ bʌ -kuɾum aɾəp boj]
SD homem já R1-ABLAT.CENTR já chega
‘as mulheres estavam festejando porque os homens cheragam da floresta’
723. ta wa na -mə-ɾə -ɔ ʤa
3 DEM. DISTAL RLS R2-chorar-NLZ R
1-ASS.INSTR fica.em pé
[ɲum aɾəp -kamɨ boj]
SD já R2-irmão chegar
‘elas choraram porque o irmão delas chegou’
724. kʌ na aɾəp -mã te [a -jɛ -ãpɾɛ- ket]
canoa RLS já R2-DIRET ir/vir 2 R
2-OBL R
2-amarrar-NLZ NEG
‘a canoa foi embora porque você não a amarrou'
725. ba na ba ko -bɨ [ga aɾəp
1 RLS 1 borduna ir/vir 2 já
i -mã ku-ŋã]
1 R1-DIRET R
1-dar
‘eu peguei a borduna, porque você me deu’
726. ga na ga aɾəp -kɾɛ [ba na
2 RLS 2 já R2-plantar 1SG.ENF RLS
ba aɾəp puɾu -kaɾe
1 já roça R1-limpar
‘você já plantou, porque eu já limpei a roça’
240
727. ga na ga aɾəp kapɾãn -ga [ba
2 RLS 2 já jabuti R1-assar 1
na ba aɾəp kutɔ
RLS 1 já acender.fogo
‘você assou jabuti, porque eu acendi o fogo’
6.4 ESTRATÉGIAS DE RELATIVIZAÇÃO
Construções relativas têm sido descritas como orações plenas com núcleo do
predicado formado com temas verbais finitos. Essa ideia surge a partir da longa tradição dos
estudos linguísticos pautados exclusivamente em línguas como o inglês e outras línguas
europeias (cf. SHIBATANI, 2009, p. 178). Nesse sentido, Comrie (1889, p. 143) assevera que
uma oração “consiste necessariamente de um núcleo e uma oração restritiva.” E que “O
núcleo em si mesmo tem certa variedade potencial de referentes, mas a oração restritiva
restringe este conjunto por dar uma proposição que deve ser verdadeira dos referentes atuais
da construção total”.
Neste estudo seguimos a ideia de Shibatani (2009) de que as construções que
correspondem a orações relativas em outras línguas, em Xikrín são construções
nominalizadas, que funcionam como atributo ou modificadoras de sintagmas nominais.
Apresentamos, a seguir, exemplos do que chamamos neste estudo de estratégias de
nominalização em funções atributivas em Xikrín, por entendermos que não se trata de orações
relativas e sim de nominalizações que formam nomes de ação em função atributiva.
Antes de apresentar os exemplos de nominalizações em função atributiva, retomamos
aqui exemplos de nomes qualidades (exs. a e b ) e de cores (ex. c) em função atibutiva:
Nomes de qualidade
a. meniɾɛ -mɛj na aɾəp boj
mulher R1-bom RLS já chegar
a mulher bonita chegou’
241
b. kikɾɛ -nɨ na ba -ɔmu
casa R1-nova RLS 1 R
1-ver
‘foi a casa nova que eu vi’
Nomes de cores
c. mepɾiɾɛ na tɨɾɨti -kamɾek -kɾe
criança RLS banana R1-vermelho R
1-comer
‘a criança comeu a banana vermelha (madura)’
Como pode ser observado, os exemplos seguintes funcionam, como nomes em função
atributiva acima, como atributos dos nomes que precedem:
6.4.1 Atributo do sujeito
728. memɨ [ku-tɛ tɛp ʔõ bɨ-ɾɨ] aɾəp boj
homem R2-OBL peixe INDEF R
1-pegar-NLZ já R
1-chegar
‘o homem pegador de peixe chegou’
729. menɨ [ku-tɛ kwəɾə -kaʤʌ-ɾʌ] aɾəp boj
homem R2-OBL mandioca R
1-tirar-NLZ já chegar
‘a mulher tiradora de mandioca chegou’
730. kwəɾə [menɨ -tɛ -aɾe-j] aɾəp -apej
mandioca mulher R1-OBL R
2-arrancar-NLZ já acabar
‘a mandioca arrancada pela mulher acabou’
731. mebeŋokɾɛ [ku-tɛ ku-mã ʤuʤe ɲ-ãɾã]
indígena R2-OBL R
2-DIRET arco R
1-dar-NLZ
aɾəp -mã te
242
já R2-DIRET ir/vir
‘o indígena doador do arco a ela já foi’
732. aŋɾo [memɨ -tɛ -bi-n] na -ɾaj
porcão homem R2-OBL R
2-matar-NLZ RLS R
2-grande
‘o porcão matado pelo homem é grande’
733. memɨ [-boj--] na -inokʌ -kõmpra
homem R1-chegar-NLZ RLS R
2-camisa R
1-comprar
‘o homem chegado comprou camisa’’
734. memɨ [-katɔɾɔ-] na aŋɾo -bi
homem R1-sair-NLZ RLS porcão R
1-matar
‘o homem saidor matou porcão’
Observando as construções acima, percebemos que o resultado de um verbo
nominalizado em Xikrín pode corresponder em português à (a) agente habitual (exs. 728, 729,
731), (b) particípio (exs. 730, 732, 733) e (c) nomes de ação (exs. 733 e 734).
6.4.2 Atributo do objeto direto
Os exemplos abaixo trazem, cada um, uma oração matriz com núcleo do predicado
formado por temas verbais finitos: -ane ‘espremer’, -ʌɲuə ‘flechar’, -kuʤo ‘descascar’ -
aɾe,’ralar’, -kɾe ‘comer’, -mə ‘pegar’ e -mõ ‘ir/vir.PL’. Todos esses predicados exigem um
complemento direto, que no caso em tela, é o que está em negrito em cada sentença e
encabeçado por formas verbais nominalizadas correspondendo ao particípio em português.
Dentro de cada sintagma nominal, o núcleo, em função participial, modifica outro nome que
está imediatamente à sua esquerda, ou seja, em função de atributo.
243
735. [meni -tɛ kwəɾə -ke-j] na ba -ane
mulher R1-OBL mandioca R
1-ralar-NLZ RLS 1 R
2-espremer
‘eu espremi a mandioca ralada pela mulher’
736) [meniɾɛ -tɛ kukoj -mu-j] na ba -ʌɲuə
mulher R1-OBL macaco R
1-ver-NLZ RLS 1 R
2-flechar
‘eu flechei o macaco visto pela mulher’
737. [a -jɛ kwəɾə j-aɾe-j] na ba -kuʤo
mulher R1-OBL macaco R
1-arrancar-NLZ RLS 1 R
2-descascar
‘eu descasquei a mandioca arrancada por você’
738. ari a -jɛ kwəɾə j-akʌ-ɾʌ] na ba -aɾe
PAUC 2 R1-OBL mandioca R
1-cortar-NLZ RLS 1 R
2-arrancar
‘eu arranquei a mandioca cortada por vocês’
739. aj gwaj [meni -tɛ tɛp ʤ-ʌ-ɾʌ] -kɾe
HORT 1+2.PAUC mulher R1-OBL peixe R
1assar-NLZ R
1-comer
‘vamos comer o peixe assado pela mulher’
740. ba ʤa ba [i -jɛ bʌɨ -kuke-j] -kɾe
1 IRRLS 1 1 R1-OBL milho R
1-coletar-NLZ R
1-comer
‘eu vou comer o milho coletado por mim’
741. ɲum na [meniɾɛ -tɛ kapɾãn -bo-ɾo] -mə
INT IRRLS mulher R1-OBL jabuti R
1-assar-NLZ R
1-pegar
‘quem pegou os jabutis assados pelas mulheres’
244
742. ɲum na [i -jɛ kapɾãn -mə-j]
INT RLS 1 R1-OBL peixe R
1-pegar-NLZ
-tu-ɾu -ɔ-mõ
R1-carregar-NLZ R
1-CAUS-ir/vir.PL
‘quem carregou os jabutis pegados por mim?’
6.4.3 Atributo de objeto indireto
Processo análogo ocorre com o objeto indireto:
743. benaʤwəɾə na aɾi a ɲ-ɨ-ɾɨ]
cacique RLS R2-OBL PAUC 2 R
1-sentar-NLZ
-mã -kaben j-aɾe
R1-DIRET R
2-fala R
1-dizer
o cacique disse a sua fala na direção de vocês sentados’
744. ga na ga meni [ku-tɛ pi -tu-ɾu
2 RLS 2 mulher R2-OBL pau R
1-carregar-NLZ
-ɔ-mõ-ɾõ] -mã ʌmɾa
R1-CAUS-ir/vir- NLZ R
2-DIRET gritar
‘você gritou na direção da mulher carregando lenha’
6.4.4 Atributo do oblíquo
745. [i -jɛ kɾuwa -ɔ kukoj ʤ-ʌɲwə-ɾə]
1 R1-OBL flecha R
1-ASS.INSTR macaco R
1-flechar- NLZ
na ga i -mã a-ŋã
RLS 2 1 R1-DIRET R
2-dar
‘você me deu (a flecha), com ela houve o flechar do macaco por mim
245
746. kwɨ [-ɔ a -jɛ kaɾiɲo j-ao-j]
isqueiro R2-ASS.INSTR 2 R
1-OBL cigarro R
1-acender-NLZ
na ba ku-bɨ
RLS 1 R2-pegar
‘eu o peguei (o isqueiro), com ele houve o acender do cigarro por você’
747. [iʧɛɾɛ [-kãm a -jɛ ami j-ɔmu-j]
espelho R2-OBL 2 R
1-LOC REFL R
1-colocar-NLZ
‘o espelho no qual você se viu se quebrou’
na aɾəp ami -katɛ
RLS já REFL R1-quebrar
‘o espelho, nele houve o ver de você mesmo, se quebrou’
748. [iʧɛɾɛ [-kãm i -jɛ a j-ɔmu-j]
espelho R2-OBL 1 R
1-LOC 2 R
1-colocar-NLZ
na mepɾiɾɛ -katɛ
RLS criança R2-quebrar
‘o espelho, nele houve o ver de você por mim, a criança o quebrou’
Observando os dados acima, constatamos que o núcleo do sintagma nominal em
função atributiva é composta por temas verbais nominalizados que funcionam como nomes de
ação.
6.5 CONCLUSÃO
Neste capítulo, descrevemos e analisamos as estratégias usadas em Xikrín para a
construção de atributos que correspondem em outras línguas a orações substantivas, adverbais
e relativas. Vimos que em Xikrín há um só tipo de construção, que consiste em um nome de
ação. Não há, em realidade, orações subordinadas, substantivas ou relativas, mas
nominalizações.
246
CAPÍTULO VII – CORREFERENCIALIDADE E ALINHAMENTO
Neste capítulo descrevemos estratégias da língua Xikrín do Cateté para marcar
referência compartilhada ou disjunta de argumentos através de orações combinadas por
parataxis ou por hipotaxis.
O presente capítulo está assim organizado: seção 7.1 trata da correferencialidade em
junções de orações ou interoracionais; seção 7.2 discute correferencialidade e restrições de
alinhamento; seção 7.3 mostra o alinhamento intrassentencial, seção 7.4, a correferencialidade
intraoracional e 7.5, analisa a não-correferencialidade intraoracional. Seção 7.6 mostra como
o fenêmeno da correferencialidade é tratado em outras línguas Jê. Seção 7.7 descreve algumas
observações sobre correferencialidade sintática em Xikrín e, finalmente, seção 7.8 traz a
conclusão do capítulo.
O objetivo deste estudo é identificar as correlações entre o sistema de alinhamento
intraoracional existente na língua, que é caracterizado por uma cisão em que um padrão
nominativo-absolutivo alterna com um padrão ergativo-absolutivo (cf. Cabral, Rodrigues e
Costa [2001] 2003; Costa 2003), com padrões nominativo e absolutivo acionados na
combinação de orações. Será mostrado que a língua Xikrín, na combinação de orações por
parataxes, manifesta uma cisão: em certos contextos é acionado um padrão nominativo e, em
outros, um padrão misto, nominativo e absolutivo. Esses padrões são orientados por um
sistema de switch-reference (ou referência alternada), que sinaliza por meio de diferentes
estratégias morfossintáticas quando o referente de um argumento A, S ou O de uma oração
dependente é correferente ou não com um argumento da oração principal.
Identificamos, assim, os padrões combinatórios de correferência igual ou disjunta e
identificamos correlações destes padrões com os padrões de alinhamento que ocorrem no
interior de orações, observando o que têm em comum e sua importância para a compreensão
de aspectos importantes da organização da gramática Xikrín.
Como mostramos em Costa, Xikrin e Cabral (2010), Switch-reference foi estudado
pela primeira vez, no contexto das línguas Macro-Jê, por Urban (1985), em Ergativity and
accusativity in Shokleng (GE). Esta foi também a descrição mais ampla do fenômeno em tela
até o presente no contexto das línguas da família Jê. O mesmo fenômeno foi identificado
posteriormente em outras línguas da família: no Krahô por Popjes e Popjes (1986), no
Parkatejê por Ferreira (2003), no Canela Apãniekrá por Alves (2004).
247
Em Costa; Xikrín e Cabral (2010) mostramos que os dados do Xikrín também
evidenciam a presença de um sistema de switch-reference como esperado, dada a sua
proximidade com as demais línguas Jê, embora nessa língua o fenômeno não possa ser visto
como uma simples marcação de correferência igual ou disjunta entre A ou S de duas orações,
mas como um sistema mais complexo, próximo do que foi descrito para o Xokléng por Urban
(1985). Vimos que, em Xikrín do Cateté, assim como em Xokléng, o fenômeno switch-
reference observa variáveis gramaticais como transitividade, mas diferentemente deste,
regula-se também por outros princípios que constituem a gramática Xikrín, como o que
determina a nominalização de predicados verbais em contextos nos quais funcionam como
nomes adjetivos (ou de qualidade) ou substantivos (Cabral; Rodrigues e Costa [2001]15
2003;
Costa, 2003).
Nas duas seções seguintes, retomo as considerações feitas por Costa; Xikrín e Cabral
(op. cit.) sobre as características e variações de sistemas de correferência identificados por
Foley e Van Valin (1984) e por Dixon (1994) – switch-reference e functional reference
(referência funcional) – em línguas geneticamente diferentes e geograficamente distantes,
visto que os resultados das abordagens funcional e tipológica desses fenômenos feitas por
esses autores contribuem com previsões e generalizações acerca de princípios gerais que
acionam sistemas correferenciais através das línguas.
7.1 CORREFERENCIALIDADE EM JUNÇÕES DE ORAÇÕES OU INTERORACIONAIS
Em Costa, Xikrin e Cabral (2010), discorremos sobre o tratamento dado por Foley e
Van Valin (1984) sobre como o nível de junturas periféricas – união de construções com
núcleos, argumentos e elementos periféricos (expressões adverbiais) próprios – difere do nível
de junturas de núcleos – em que se unem construções com núcleos e argumentos próprios,
mas que compartilham os mesmos elementos periféricos –, visto que, neste último, há fortes
restrições de correferencialidade entre argumentos dos núcleos individuais que constituem a
juntura. Mostramos também que, para os autores, no que diz respeito ao nível da juntura de
núcleos que formam um núcleo complexo – núcleos que compartilham tanto o mesmo
argumento quanto elementos periféricos, como nas construções de verbos seriais de línguas
africanas –, há obrigatoriedade de correferência entre todos os membros da junção. Foley e
15 A primeira versão desse estudo foi apresentada durante o II Macro-Jê, na Universidade de Campinas, em 2001.
248
Van Valin (op.cit., p. 193) ilustram as restrições de correferência entre junturas de núcleo
complexo, com dados do Akan disponibilizados em Schachter (1974). O exemplo em (5.8)
abaixo é gramatical, pois os referentes dos argumentos dos dois núcleos são correferentes,
mas o exemplo (5.9) é agramatical por não haver correferência entre os atores (argumentos
agentes):
(5.8) kofi y adwuma maa Amma
Kofi did work gave Amma
‘Kofi did work for Amma’ (Foley e Van Valin 1984, p. 193)
(5.9) *kofi y adwuma Kwaku maa Amma
Kofi did work Kwaku gave Amma
‘Kofi did work Kwaku gave Amma’ (FOLEY, e VAN VALIN, 1984, p. 193)
O exemplo (5.9) é agramatical, pois o sujeito de gave deve ser correferente com o
sujeito de did work.
Foley e Van Valin (1984, p.194) observam que outras línguas são menos restritivas,
permitindo que junturas nucleares sejam formadas com correferência entre U(ndergoer)-
A(gent) ou U(ndergoer)-S(subject), como em Barai (OLSON, 1991):
(5.11) na ki-ia bu va-e
1SG say-3PLU 3PL go-PAST
‘I spoke to them; (causing) they went’ or ‘I made them go’
(FOLEY VAN VALIN, 1984, p. 194)
Os autores (p.195) observam também que, por junturas periféricas serem formadas
pela combinação de periferias, cada uma com seus próprios núcleos, argumentos nucleares e
elementos periféricos (adverbiais), não se espera que haja restrições de correferência entre os
argumentos nucleares na formação de junções, mas ressaltam que, nessas situações, a
determinação de correferencialidade entre constituintes pode ser problemática, razão pela qual
as línguas desenvolveram várias estratégias para resolver impasses. Foley e Van Valin
(op.cit., p.196) apresentam outras diferenças entre as junturas de núcleos e de constituintes de
núcleos complexos e junturas de construções periféricas: nas primeiras, não há marcação
individual de tempo e modo, mas compartilhada, e são marcadas apenas por justaposição, ao
passo que as junturas periféricas permitem a existência de várias relações semânticas entre as
249
junturas, e as línguas tendem a ter um largo inventário de morfemas para expressar tais
relações.
Todas essas diferenças justificam, segundo os autores, a necessidade de
monitoramento de correferência entre os argumentos em junções periféricas. Segundo os
mesmos autores (1984, p. 321), em virtude do alto índice de relações semânticas que podem
ser expressas em junturas periféricas, elas são comuns em diferentes tipos de discurso, de
forma que o monitoramento de correferência de argumentos nucleares através dessas junturas
é uma função central das gramáticas de toda língua. Ressaltam que o uso de sintagmas
nominais para se referirem a todos os participantes em cada juntura seria uma solução para o
problema, mas não a solução real, dada a tendência pervasiva das línguas de omitir ou
pronominalizar informações dadas ou tópicas, de forma que o problema da identificação de
participante é um problema real.
Finalmente, Foley e Van Valin (op.cit., p. 322) postulam a existência de quatro
sistemas básicos para marcar correferência através das línguas e, segundo eles, uma língua
pode empregar um ou mais de um desses sistemas: a) a combinação de pivots pragmáticos
com oposição de voz, b) referência alternada, c) gênero como elemento acionador de
correferência, e d) variáveis sociolinguísticas como base de correferência. Segundo esses
atores, mecanismos em a) são encontrados em línguas como o Inglês, e correspondem ao
sistema de função alternada, exemplificada pelos exemplos que reproduzimos abaixo,
numerados de acordo com o texto original (op.cit., p. 322):
(7.1) a. Fred wants to see Marsha. (= 4.5)
b. *Fred wants Marsha to see [him].
(7.2) a. Max persuaded Fred to see Marsha.
b. *Max persuaded Fred Marsha to see [him].
(7.3) a. Oscar went to the store and spoke to Bill (= 4.9)
b. *Oscar went to the store and Bill spoke to [him].
Para os autores (op.cit. 1984, p. 322), em (7.1a) existe correferência entre P(ivots)
Pr(agmáticos) PrP-PrP, e em (7.2a) há correferência entre U-PrP, e em cada caso o PrP na
oração coordenada é zero; já os exemplos correspondentes em b são agramaticais, visto que
existe correferência entre PrP-U e U-U, em que U na oração coordenada ocorre como zero em
uma posição de argumento nuclear não pivot (objeto direto). Assim, para que um argumento
da oração coordenada seja omitido, teria que ser potencialmente um PrP, o que só é possível
com uma construção passiva:
250
(7.4) a. Fred wants to be seen by Marsha.
b. Max persuaded Fred to be seen by Marsha.
c. Oscar went to the store and was spoken to by Bill.
Foley e Van Valin (op.cit.) reiteram que em todos os casos, o argumento zero-
pronominalizado deve ser o PrP de sua oração, de forma que a oposição ativa-passiva
desempenha importante papel nesse sistema. Os autores se referem a esse tipo de sistema
switch function (função alternada).
O outro sistema que é pertinente para o estudo de correferencialidade em Xikrin é o
sistema de switch-reference em que a morfologia verbal indica se um SN na primeira oração é
correferencial com um NP particular da oração seguinte. Segundo esses autores a morfologia
da referência alternada sinaliza a correferência ou a não correferência entre S/A SmP-S/A,
embora outras línguas operem em outras bases.16
7.2 CORREFERENCIALIDADE E RESTRIÇÕES DE ALINHAMENTO
Em Costa; Xikrin e Cabral (2010), nos pautamos no tratamento de Dixon (1994) sobre
ergatividade sintática interoracional em diferentes línguas. Dixon (op. cit.) propõe que
algumas delas impõem duas restrições com respeito à função sintática (S ou A ou O) dos
sintagmas nominais correferenciais. Dessas restrições, uma trata como equivalentes S e A,
enquanto outra trata como equivalentes S e O. Essa equivalência é descrita pela categoria de
pivot (termo usado pela primeira vez por Dixon (1979)). Essa categoria tem, segundo Dixon
(1994, p. 143), duas variedades, e as línguas podem fazer uso de uma das duas variedades ou
de uma variedade mista:
S/A – o SN correferencial deve estar em uma função de S ou de A derivada em cada
uma das orações a serem combinadas.
S/O – o SN correferencial deve estar em uma função de S ou de O derivada em cada
uma das orações a serem combinadas.
16
Os outros dois tipos de sistemas de manutenção de correferência, – o sistema de gênero e o sistema de
referência discursiva – não se manifestam em Xikrín. O Primeiro envolve a codificação morfológica aberta de
classificação de sintagma nominais, ao passo que o segundo faz uso sutil de variáveis sociolinguísticas, mas a
sinalização não se dá diretamente nas formas linguísticas, como ocorre, segundo Foley e Van Valin, na fala
honorífica em Japonês e Coreano, ou no caso das regras de inferência conversacional baseada em conhecimento
cultural existente em outras línguas.
251
Para o presente estudo, a ideia proposta por Dixon (op. cit. p. 154) de que em línguas
com referência alternada, um segundo SN pode ser omitido facilmente sem possibilidade de
ambiguidade e confusão, é fundamental. Inclusive uma omissão sem que sejam requeridas
operações sintáticas de passiva ou de antipassiva, uma vez que não há necessidade de
transformar um SN, O ou A em S para facilitar a omissão do SN sem chance de ambiguidade.
Dixon (op. cit.) enfatiza que, passivas e antipassivas derivam uma oração intransitiva de uma
transitiva, pois a passiva coloca um O subjacente em uma função de S, ao passo que uma
antipassiva coloca A em função de S e rebaixa o objeto, que muitas vezes é omitido. E línguas
com sistema de referência alternada não teriam passiva nem antipassiva, como é o caso do
Xikrín, como mostraremos adiante.
Dixon (1994) considera apenas três sistemas com implicações sintáticas para
alinhamento: referência alternada, restrição de pivot e línguas que não apresentam nem
referência alternada nem restrição de pivot. Nesse último tipo de língua, segundo Dixon (op.
cit.), qualquer tipo de oração pode ser combinado por coordenação ou por subordinação,
desde que essa combinação seja semanticamente aceita.
7.3 ALINHAMENTO INTRASSENTENCIAL EM XIKRÍN
Antes de abordarmos manifestações de correferencialidade interoracional em Xikrín,
discorremos, de forma resumida, sobre os padrões de alinhamento intraoracionais nessa
língua, com base em Cabral, Rodrigues e Costa ([2001] 2003) e em Costa (2003). O Xikrín é
uma língua que apresenta uma cisão em seu alinhamento: um padrão ergativo-absolutivo
ocorre nas situações em que uma oração tem como núcleo uma forma nominalizada de um
verbo – em função de adjetivo, de substantivo, de advérbio (CABRAL, RODRIGUES e
COSTA [2001] 2003; COSTA 2003), e um padrão nominativo-absolutivo ocorre nas orações
com núcleo verbal processual (CABRAL, RODRIGUES e COSTA [2001] 2003; COSTA
2003). O Xikrín possui duas séries de marcadores pessoais, I e II:
Marcadores pessoais do Xikrín
Série I Série II 1 ba i
1+2 gu guba
2 ga a
252
Os marcadores da série II, sem nenhum elemento adicional, correspondem a
referentes singulares, exceto o morfema guba, que indica referentes duais. Combinam-se com
a partícula aɾi/an, que indica dois, três ou poucos referentes, e com a partícula me, que indica
muitos referentes. As formas dessa série ocorrem como possuidor (ex. 749), objeto de
posposição (ex. 750), objeto direto (ex. 751), sujeito de predicados descritivos17 (ex. 752),
assim como sujeito de verbos intransitivos de orações modificadas por uma expressão
adverbial (ex. 753 e 754). A ocorrência desses marcadores nessas funções caracteriza-os
como marcadores pessoais absolutivos.
749. i ɲ-iakɾɛ
1 R1-nariz
‘meu nariz
750. ku-me t ɾ i -be mk j-bt i -be
R2-jogar depois já 1 R
1-ABL mochila R
1-pegar 1 R
1-ABL
serul j-bt ki kuni -m --mõ
celular R1-pegar caixinha tudo R
2-DIRET R
2-CAUS-ir/vir
jogaram ele para junto de mim e depois me levou a mochila, pegaram o celular de
mim,
751. mekanɛʤwəj ʤa me i -kanɛ
enfermeira IRRLS PL 1 R1-tratar.doença
‘o enfermeiro tratou a nossa doença’
752. a -mɛj
2 R1-bom
‘você é bom’/ ‘você está bem’
17
Predicados descritivos têm por núcleo nomes de qualidade.
253
753. a -te-m ket
2 R1-ir/vir-NLZ NEG
‘não houve o teu ir’
754. i j-akej- ket ɾãʔã
1 R1-voltar-NLZ NEG ainda
‘ainda não houve o voltar de vocês’
Os marcadores da série I ocorrem como sujeitos de verbos transitivos e intransitivos
(exs. 755 e 756), e são, portanto, marcadores pessoais nominativos. Podem também ocorrer
como pronomes enfáticos, em coocorrência com eles mesmos (ex.755-757) ou com os da
série II (exemplo 758). As partículas ari ‘paucal’ e m ‘plural’ são antepostas aos marcadores
enfáticos (ex. 757) e pospostas aos nominativos (ex. 758) para indicar poucos ou muitos
elementos, respectivamente.
755. ba ʤa ba tɛp õj j-aɲi
1 IRRLS 1 peixe algum R1-pescar
‘eu vou pescar alguns peixes’
756. ga na ga boj
2 RLS 2 chegar
‘você chegou’
757. aɾi ba ʤa ba aɾi tɔ
PAUC 1 IRRLS 1 PAUC festejar
‘nós vamos festejar’
758. me ba na me i tɔ
PL 1 RLS PL 1 festejar
‘nós festejamos’
254
A língua Xikrín manifesta, assim, dois tipos básicos de alinhamento de suas formas
pronominais, um padrão nominativo-absolutivo e outro absolutivo-ergativo. O sujeito de um
verbo transitivo, seja este bivalente ou trivalente, é expresso pela mesma série nominativa
(série I), usada para expressar o sujeito dos intransitivos processuais, ao passo que seu objeto
se exprime pelos marcadores absolutivos (série II), tal como o sujeito de predicados
intransitivos descritivos e processuais quando o contexto sintático requer uma forma
nominalizada do verbo. Configura-se, assim, com respeito aos transitivos, um padrão
nominativo-absolutivo, que pode ser observado nos seguintes exemplos:
Predicados com núcleos transitivos bivalentes
759. pikamɾekti na ba -kukʌ -kãm -kɔkje
pau brasil RLS 1 R2-derrubar R
2-LOC R2-cortar em pedaços
-kãm aɾəp apɨj -ɔ məja ʤʌɾi -ipej
R2-LOC já DISTR R
2-ASS.INSTR coisa DISTR R2-fazer
ne -ɔ kotɨk ɲ-ipej ne -ɔ
MS R2-ASS.INSTR mão de pilão R
1-fazer MS R2-ASS.INSTR
ko ɲ-ipej ne -ɔ kawa ɲ-ipej...
borduna R1-fazer MS R
2-ASS.INSTR pilão R1-fazer
‘Pau brasil, eu o derrubo e o corto em pedaços. Nisso, eu faço cada coisa com ele (o
pau brasil). Com ele (o pau) faço mão de pilão, borduna, pilão...’
Predicados com núcleos transitivos trivalentes
760. d b -m -re
IRRLS 1 2 R’-DIRET R
2-contar
‘eu vou contá-la (a estória) a você’
761. meniɾɛ na me i -mã õmɾõ -ŋã
mulher RLS PL 1 R1-DIRET comida R
1-dar
‘a mulher deu comida para nós’
255
762. katʌpti ʤa i -mã ko j-anɔ
Katop-Ti IRRLS 1 R1-DIRET borduna R
1-mandar
‘Katop-Ti vai mandar a borduna para mim’
Predicados com núcleos intransitivos monovalentes descritivos
763. kube ja na -təj
não indígena DEM.PROX RLS R2-forte
‘este não indígena é forte’
764. mepɾiɾɛ ɲ-jakɾɛ ɲ -itɔp
criança R1-nariz R
1-entupido
‘o nariz da criança está entupido’
765. amujaã na ba i -kapɾiɾɛ
ontem RLS 1 1 R1-triste
‘ontem eu estava triste.’
766. õmɾõ na -ʌj
comida RLS R2-gostoso
‘a comida está gostosa.’
Intransitivos monovalentes processuais
767. me kuni na me tɔ
PL todos RLS PL festejar
‘todos dançaram’
256
768. ba na ba kikɾɛ -kãm waʤʌ
1 RLS 1 casa R1-LOC entrar
‘Eu entrei na casa’
769. ajbeɾi na ba braziʎja -kãm boj
REC RLS 1 Brasília R1-LOC entrar
‘eu acabei de chegar a Brasília.’
770. bʌ -kãm ʤa ba te
floresta R1-LOC IRRLS 1 ir/vir
‘eu vou a floresta.’
Intransitivos bivalentes
771. meniɾɛ -mã me i -kij
mulher R1-DIRET PL 1 R
1-gostar
‘a mulher gosta de nós’
772. ta wa -mã meniɾɛ -kij
3 DEM.DIST R1-LOC mulher R
1-gostar
‘aquele gosta da mulher’
Em Xikrín, no padrão (ergativo)-absolutivo, o sujeito dos verbos transitivos é
expresso pelos marcadores pessoais da série II, regidos pela posposição -jɛ/tɛ do caso oblíquo,
enquanto o objeto é expresso por marcador dessa mesma série contíguo ao verbo18
. Exemplos:
18
Para Reis Silva (2001:19-20), os elementos de uma mesma série pronominal, os quais chamamos neste
trabalho de formas pronominais da série B, são tratados ora como marcas absolutivas, ora como marcas
acusativas, como em ba a-kapreprek /1NOM 2 AC-bater/ ‘eu bati em você’ e ba r /1NOM cantar/ ‘eu canto’
(p.20). Em nossa análise essas formas pronominais são sempre marcas absolutivas.
257
773. ba na ba i -jɛ kapɾãn j-amə-j ket
1 RLS 1 1 R1-OBL jabuti R
1-pegar-NLZ NEG
‘não houve o pegar do jabuti por mim’
774. ga ʤa ga a -jɛ aŋɾo -tu-ɾu
2 IRRLS 2 2 R1-OBL porcão R
1-carregar-NLZ
-əɾə a -boj- ket
R1-DIR 2 -chegar-NLZ NEG
‘não vai haver o teu conseguir na direção do carregar do
porcão por você’ ‘(você não vai conseguir carregar o porcão)’
775. pɔɨ na -tɛ kukejɾɛ -bi-n ket
Poy RLS R1-OBL cotia R
1-matar-NLZ NEG
‘não houve o matar da cotia por Poy’
Quando os predicados intransitivos processuais são modificados por palavra adverbial,
ocorrem nominalizados e o determinante deles é marcado pelas formas da série II,
neutralizando-se, assim, a diferença entre eles e os predicados descritivos:
776. a -mə-ɾə ket
2 R1-chorar-NLZ NEG
‘não há teu chorar’
777. i ɲ-õt ket
Poy R1- o dormir NEG
‘não há teu dormir’
778. guba -ŋɾɛ-ɾɛ ket
1+2 R1-cantar-NLZ NEG
‘não houve nosso cantar’
258
Cabral, Rodrigues e Costa ([2001] 2003:27) observam que o padrão (ergativo)-
absolutivo do Xikrín é acionado em orações seguidas por advérbios ou por palavras ou
orações modificadoras que qualificam ou negam o conteúdo do predicado. Neste estudo,
porém consideramos a existência de uma cisão que distingue os alinhamentos nominativo-
absolutivo e (ergativo)-absolutivo, a qual é condicionada pela modificação circunstancial dos
predicados.
Acrescentamos a este o condicionamento sintático que requer nominalizações para
funções nominais de núcleos verbais. Os autores observam que a cisão presente no Xikrín faz
lembrar a cisão entre duas formas do modo indicativo, uma de expressão nominativa e a outra
de expressão absolutiva, que ocorre nas línguas da família Tupí-Guaraní (RODRIGUES,
1953; CABRAL, 2001). Em ambos os casos há uma cisão de alinhamento não contemplada
em ensaios sobre sistemas cindidos, como, por exemplo, em Dixon (1994).
7.4 CORREFERENCIALIDADE INTRAORACIONAL EM XIKRÍN
Primeiramente, esclarecemos que em Xikrín a estrutura de orações cuja tradução
corresponde em outras línguas como o Português a subordinadas temporais ou condicionais se
distingue de suas orações coordenadas, pela presença nas primeiras de partícula que pode ser
traduzida por ‘se’ ou ‘quando’ e pela posição da oração dependente em relação à principal –
nas temporais/condicionais (hipotaxes) a dependente precede a principal, nas coordenadas
(parataxes), a principal precede a dependente – como veremos adiante.
Em Xikrín, na combinação de duas orações por parataxes, se a oração principal e a
oração dependente têm como núcleo predicados intransitivos e os seus sujeitos são
correferentes, faz-se uso de duas estratégias: a) a combinação é marcada pela conjunção ne,
que aqui glosamos de ‘mesmo sujeito (MS)’, e b) o sujeito da segunda oração é omitido:
779. ba ʤa ba boj ne ʤwa
1 IRRLS 1 chegar MS banhar
‘eu vou chegar e banhar’
259
780. mepɾiɾɛ na ʤwa ne ŋõɾõ
criança RLS banhar MS dormir
‘a criança banhou e dormiu’
A correferência configura-se como S/S. Eventualmente, pode ocorrer depois do
conectivo de mesmo sujeito ne a posposição kãm que contribui com a idéia de ‘em relação a
isso’, ‘assim’, ‘por isso’.
781. na ba i -tɨkʤʌ ne -kãm nõ
RLS 1 1 R1-cansado MS R
2-LOC deitar
eu estava cansado, por isso deitei’
O mesmo padrão é encontrado em combinações em que a oração principal tem
predicado com núcleo intransitivo e a dependente núcleo transitivo, evidenciando-se o padrão
S/A:
782. guba na gu bʌ -kãm te ne -kapɾãn j-abje
1+2 RLS 1+2 floresta R1-LOC ir/vir MS R
2-jabuti R
1-procurar
‘nós fomos à floresta e procuramos jabuti’
Interessantemente, quando o predicado da oração dependente é negado, embora haja
correferência, o S é obrigatoriamente marcado por proclítico pessoal combinado com o tema
verbal, o que decorre da natureza da forma nominalizada do verbo, que exige um
determinante expresso. Nesses casos, temos então um padrão em que o proclítico pessoal da
oração dependente funciona como parte de um sistema de concordância com marca aberta de
correferência.
783. na ba i -tɨkʤʌ ne -kãm i -nõ-ɾõ ket
RLS 1 1 R1-cansado MS R
2-LOC 1 R
1-deitar-NLZ NEG
eu estava cansado, mas não deitei’
260
784. ga ʤa ga boj ne -kãm a ʤ-wə-ɾə ket
2 IRRLS 2 chegar MS R2-LOC 2 R
2-banhar-NLZ NEG
‘você vai chegar, mas não vai banhar’
Nesse caso também, verifica-se um padrão absolutivo de correferência S/S.
Quando a oração principal tem predicado cujo núcleo é um verbo transitivo e a segunda
oração tem um predicado cujo núcleo é um verbo intransitivo, se os referentes de A e S são os
mesmos, a correferência é marcada pela ausência de marcação de S na oração dependente,
mantendo o padrão A/S. Entretanto, se a oração dependente for negada, S é obrigatoriamente
marcado nesta última.
785. aɾi ba na ba aɾi mɾɨ -bi ne kikɾɛ -mã mõ
PAUC 1 RLS 1 PAUC caça R1-matar ms casa R
1-DIRET ir/vir.PL
‘nós matamos caça e fomos para casa’
786. aɾi ba na ba aɾi mɾɨ -bi ne kikɾɛ
PAUC 1 RLS 1 PAUC caça R1-matar ms casa
-mã aɾi i -mõ-ɾõ ket
R1-DIRET PAUC 1 R
1-ir/vir.PL NEG
‘nós matamos caça mas não houve nosso ir para casa’
787. me ga ʤa ga me mɾɨ -bi ne -kãm tɔ
PL 2 IRRLS 2 PL caça R1-matar MS R
1-LOC festejar
‘vocês vão matar caça e festejar’
788. me ga ʤa ga me mɾɨ -bi ne -kãm
PL 2 IRRLS 2 PL caça R1-matar MS R
1-LOC
me a -tɔɾɔ ket
PL 2 R1-festejar NEG
‘vocês vão matarvõ festejar’
261
Vimos até aqui que nas relações intraoracionais a correferência sintática em Xikrín é
possível entre S/S, S/A, A/S. Nessas combinações, verifica-se a presença da conjunção ne e a
ausência da expressão de S ou A da oração dependente. Quando a combinação é A/S, ne não é
usado, mas mantém-se a correferência marcada pela ausência de expressão de S na oração
dependente, se esta não for negada ou modificada por outra expressão adverbial.
7.5 NÃO-CORREFERENCIALIDADE INTRAORACIONAL
Na combinação de orações em que não há correferencialidade entre S e A, S e S e
A/S, independentemente da transitividade do núcleo do predicado da oração dependente, a
língua Xikrín dispõe das seguintes estratégias:
a) as orações ocorrem justapostas e o sujeito da segunda oração é obrigatoriamente
expresso, seja por pronome, seja por nome:
789. meniɾɛ na boj mebeŋet ku-mã mop -ŋã
mulher RLS chegar velho R2-DIRET inhame R
1-dar
a mulher chegou e o velho lhe deu inhame’
790. ga ʤa ga guba -kɾa j-ok ba ʤa ba tɔ
2 IRRLS 2 1+2 R1-filho R
1-pintar 1 IRRLS 1 R
1-festejar
você vai pintar nosso filho e eu vou festejar’
791 ga na ga ŋɾɛ ba na ba tɔ
2 RLS 2 cantar 1 RLS 1 festejar
você cantou e eu festejei’
792. ba ʤa ba ŋɾa -bi ga ʤa ga a-ga
1 IRRLS 1 paca R1-matar 2 IRRLS 2 R
2-assar
eu vou matar paca e você vai assá-la’
262
793. piʔɨʤo na ŋɾɛ -kãm ga tɔ
Pi’ydjô IRRLS cantar R2-LOC 2 dançar
‘Pi’ydjô canta e você festeja’
b) as duas orações são combinadas pela conjunção um e o sujeito da segunda oração
pode ou não ser expresso se for diferente de S ou A, mas igual a O da primeira oração:
794. mak na kube -ɲa ɲum (kube) -ʌmɾa
Pi’ydjô IRRLS não indígena R2-LOC SD (não indígena) R
2-gritar
‘o escorpião picou o não indígena e ele gritou’
795. pɔɨ na ɾɔpkɾɔɾi -mu ɲum
Poy RLS onça R1-ver SD
-kãm (ɾɔpkɾɔɾi) -pɾõn
R2-LOC (onça) R
2-corrida
‘Poy viu a onça e ela correu’
796. pɔɨ na iãʤɨ -bi ɲum aɾəp wa ku-ga
Poy RLS veado R1-ver SD já DEM.DIST R
2-assar
‘Poy matou o veado e aquela já o assou’
Em (ex. 794), kube pode ser expresso porque não é correferencial com o referente do
sujeito da oração principal. Em (ex. 795) ocorre o mesmo padrão, mas com o morfema -kãm;
em (ex.796) wã marca uma terceira pessoa, diferente de Poy e de iãʤɨ. O sujeito dessa oração
não poderia ser correferente com o referente do agente da primeira oração por causa da
conjunção um, que marca referência disjunta e, se fosse correferente com iãʤɨ, ou iãʤɨ seria
expresso ou seria omitido.
No exemplo seguinte, embora um marca a não correferência de S da oração
dependente com A da oração principal, S não é marcado, pois é correferente com o objeto da
oração principal:
263
797. kube na meni -mu ɲum -pɾõn
não indígena RLS mulher R1-ver SD R
1-corrida
‘Poy viu a onça e houve a corrida dela’
798. ga na ga a -kwatɨj -mu ɲum -akej
2 RLS 2 2 R1-avó R
1-ver SD R
1-voltar
‘você viu a sua avó e (ela) voltou’
Os dois últimos exemplos mostram que a língua Xikrín faz uso também de um sistema
de correferência O/S. A coocorrência de um sistema nominativo e de um sistema absolutivo
faz do sistema de correferência do Xikrín um sistema misto, que é uma possibilidade nas
línguas naturais, como observado por Dixon (1994, P. 154), de forma que o monitoramento de
correferência é um monitoramento complexo e bidirecional.
No exemplo seguinte, S da oração principal é correferente com O da oração dependente,
mas nada de especial é marcado, apenas a não correferência entre S e A.
799. ʤa gu kapot -kãm boj
IRRLS 1+2 campo R1-LOC chegar
ɲum lucivaldo guba -pa-amə
R1-avó Lucivaldo SD R
1-braço-pegar
‘quando nós chegarmos no aeroporto, Lucivaldo vai nos apanhar’
Quando duas orações expressam processos excludentes, S ou A é marcado em todas as
orações, mesmo que haja correferência, visto que semanticamente não há relação entre os
referentes dos argumentos das duas orações:
800. ʤa gu tukumã -mã te nɔɾɔkɔt
IRRLS 1+2 Tucumã R1-DIRET chegar DISJ
ʤa gu agwazul -mã te
IRRLS 1+2 Água Azul R1-DIRET ir/vir
‘ou nós vamos a Tucumá ou nós vamos a Água Azul’
264
Já em combinações em que uma delas exprime hipótese, o que se faz por meio do
morfema da (dependência semântica que são expressas por meio de processos de hipotaxes
em outras línguas) em posição inicial da sentença, havendo correferência entre A/A, A/S ou
S/A, S ou A da oração principal não é marcado, visto que a oração dependente a precede. Isto
evidencia que o princípio da anaforicidade prevalece nesta língua.
801. da ga aɾo õj -bi -kãm
IRLS 2 porcão algum R1-matar R
1-LOC
i -mã kw -ta
1 R1-DIRET PART R
1-cortar
‘se você matar algum porcão, (você) corta um pedaço para mim’
802. da meni kaŋã -mu -kãm -pɾõn
IRLS mulher cobra R1-ver R
2-LOC R
2-corrida
‘se a mulher vir a cobra, vai haver sua corrida’
803. ʤa ba bʌ -kãm te -kãm mɾɨ -bi
IRRLS 1 floresta R1-LOC 1 R
2-LOC caça R
1-matar
‘se eu for a floresta, eu vou matar caça’
7.6. CORREFERENCIALIDADE EM OUTRAS LÍNGUAS JÊ
Urban (1985) mostra que em Xokléng é o uso do pronome especial
anafórica – ou mais frequentemente catafórica –, que indica
correferência entre argumentos; já o uso de pronomes não-correferenciais indica referência
disjunta. Urban (op.cit.) nota, ainda, que em Xokleng o pronome é usado em oração
subordinada para indicar que o sintagma nominal que ele substitui tem o mesmo referente que
um sintagma nominal da oração principal. Segundo esse autor, se o correferente do sintagma
nominal da oração principal está em função de S, pode ser usado para substituir S, A, ou O
na oração subordinada, como em (63), (65), e (66), respectivamente (a numeração original dos
exemplos foi mantida):
265
63) ɛ twi ku t wñkan t
COREF. arrive, sg., STAT. CONJ. he REST imperfective
‘When hei arrives, hei is going to rest.’ (URBAN, 1985, p. 181)
65) ɛ t uyol tn klku t tawi t
COREF. ergative tapir kill after he arrive, SG., ACT. imperfective
‘After hei kills the tapir, hei is going to arrive’. (URBAN, 1985, p. 181)
66) t i t ɛ we klku t wu
woman FEM. ergative COREF. see, STAT. after he 3-NOM
t mu
go, sg., act. active
‘After the woman saw himi, hei left’ (URBAN, 1985, p. 181)
64) ti tawi ku tã wãñkn tɛ
he arrive, SG., STAT. CONJ. he rest imperfective
‘When hei arrives, hej is going to rest.’ (URBAN, 1985, p. 181)
Ainda de acordo com Urban (op.cit.), quando o correferente do sintagma nominal da
oração principal está em função de A, é usado, mas apenas quando correferente com S ou A
da oração subordinada, como mostram os exemplos em (67) e (68):
67) ɛ tawi ku tã a opala t
COREF. arrive, SG., STAT CONJ. he you teach imperative
‘when hei arrives, hei is going to teach you’. (URBAN, 1985, p. 181)
68) ɛ t uyol tn klku t wu ti n t
COREF. ergative tapir kill after he 3-NOM his meat DEF.
266
ko t
eat imperfective
‘After he kills the tapir he is going to eat its meet’(URBAN, 1985, p. 182)
Se o correferente do sintagma nominal da oração subordinada estiver em uma função de
O, não é usado, mas uma terceira pessoa ti ou zi:
69) t i t ti we klku t i
woman FEM. ergative he see, STAT. after he she
to p mu
toward Shoot/throw active
‘After the woman saw himi, hei shot (at) her’. (URBAN, 1985, p. 182)
Urban (op.cit.) conclui que o sujeito sintático nesta língua não é claramente definido,
visto que pode ser usado também para um O da oração subordinada correferente com S da
oração principal. Para esse autor, se não fosse por isso, o padrão do Xokléng corresponderia a
um simples sistema de switch-reference, com um sujeito sintático definido em termos da
confluência de A e S. Como ressalta Urban (op.cit.), o Xokléng mostra nesta área da sintaxe
um padrão claro, mas que não é nem acusativo nem ergativo.
Outras línguas Jê para as quais o fenômeno switch-reference foi descrito são o Crahô
(POPJES e PPOPJESs, 1986), o Parkatêjê (FERREIRA, 2003) e o Canela-Apaniekra
(ALVES, 2004).
Popjes & Popjes (1986) mostram que o Canela-Krahô dispõe de morfemas
independentes para indicar o fenômeno de switch-reference entre sujeitos de duas ou mais
orações: a conjunção ne, dentre outras funções que desempenha na trama sintática da língua, é
usada para indicar que sujeitos de duas ou mais orações são correferentes, conforme ilustra o
exemplo (49):
(49) Capi te pó curan ne quê há cuku
Capi PAST deer kill and 3 FUT 3+eat
‘Capi killed a deer and will eat it’ (POPJES e POPJES, 1986, p. 147)
Para marcar a não-correferencialidade dos sujeitos, as orações são ligadas pela
conjunção mã, como exemplificado em (50):
267
50) a-te pó curan mã capi Apu cuku
2-PAST deer kill and Capi CONT 3+eat
‘You killed a deer and Capi is eating it.’ (POPJES e POPJES, 1986, p. 147)
Na língua Parkatêjê, o fenômeno switch-reference é marcado por dois morfemas
independentes, a conjunção n, usada para indicar que sujeitos de duas orações têm o mesmo
referente, e a conjunção m, utilizada para sinalizar que os sujeitos de duas orações são
diferentes (cf. FERREIRA, 2003). Os exemplos (51) e (52), extraídos de Ferreira (2003, p.
183) exemplificam sujeitos correferentes e sujeitos não-correferentes, respectivamente.
51) int um t mi r koran n t kukrt pi r
meu. Pai ERG jacaré matar SS ERG anta matar+ PAS
‘meu pai matou jacaré e matou anta’ (FERREIRA, 200, 183)
52) int um t mir koran m int umti t kukrt pi r
meu.pai ERG jacaré matar DS meu.tio ERG anta ONC-matar+PAS
‘meu pai matou jacaré e meu tio também matou anta’ (FERREIRA, 2003, p. 183)
Alves (2004, p. 143) descreve duas estratégias de que a língua Canela Apãniekrá dispõe
para marcar a correferência dos sujeitos em sentenças coordenadas, o apagamento do mesmo
SN sujeito da segunda oração e uso da conjunção n, como ilustra o exemplo (53).
53) wa há poj n a-pupu
1 IRLZ chegar CONJ CORREF 2-ver
‘eu vou chegar e te ver’ (ALVES, 2004, p. 143)
Alves (op. cit. p. 143) observa que quando há um padrão ergativo, “ainda que seja
possível, não é comum apagá-lo, e que, nesses casos, só ocorre a conjunção”:
53) i-poj n i-t a-pupu
1 CONJ 1-ERG 2-ver
‘eu cheguei e vi você’ (ALVES, 2004, p. 143)
268
Já, para marcar que o sujeito da oração principal não é correferente com o da oração
dependente, o Apãniekrá utiliza a conjunção ma, conforme mostra o exemplo (54).
54) i-t humr pupun mã ma t
1-ERG homem ver CONJ 3 DIR ir
‘eu vi o homem e ele foi embora’ (ALVES, 2004, p. 144)
Alves observa que quando S1 e S2 são nominais, S2 não é apagado:
55) Pedro t João pupun mã João mor
Pedro RG João ver CONJ João ir
‘Pedro viu João e João foi embora’ (ALVES, 2004, p. 144)
A autora descreve outras situações de expressão de correferência na língua, orientando
sua descrição para preocupações de outra natureza: a origem do fenômeno de switch-
reference na língua, e a descrição tipológica desse sistema (...) “dentro do domínio funcional
da continuidade do tópico no discurso” (...) (cf. p. 157).
Maxakalí, da família do mesmo nome, é outra língua na qual switch-reference foi
identificado. Rodrigues (1999, p. 197-198) mostra que o Maxakalí utiliza a conjunção t para
marcar a correferencialidade dos sujeitos de duas ou mais orações, ao passo que a conjunção
ha distingue orações com sujeitos diferentes, como mostram os exemplos (55) e (56)
respectivamente.
55) -mõ t -nn
3-go and.SS 3-come
‘He went and returned’ (RODRIGUES, 1999, p.197)
56) -mõ ha -nn
3-go and.DS 3-come
‘Hei went and hej returned’ (RODRIGUES, 1999, p. 198)
269
É interessante notar que não só as línguas da família Jê setentrional e meridional
apresentam um sistema de referência alternada que distingue mesmo sujeito de sujeito
diferente, mas que o mesmo fenômeno é encontrado em membro de outra família Macro-Jê, o
Maxakalí, o que sugere que um sistema dessa natureza tenha estado ativo em estágio anterior
comum a essas e outras famílias incluídas na proposta de um Macro-Jê por Rodrigues (1986,
1992, 1996, 2001, 2009).
Por outro lado, a exploração que fizemos dos dados do Xikrín revela que, embora nessa
língua haja um sistema de referência alternada, com marcas de mesmo sujeito e sujeito
diferente, os quais contribuem para a coesão discursiva e comunicação plena, este sistema é
mais sofisticado do que uma simples alternância de correferência fundada em uma orientação
S/A (nominativa). Na seção seguinte resumiremos as características do sistema de
correferencialidade do Xikrín.
7.7. ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE CORREFERENCIALIDADE SINTÁTICA EM
XIKRÍN
De acordo com os dados apresentados, pode-se concluir que na língua Xikrín há um
sistema de referência-alternada, sinalizado por partículas e por omissão ou não da expressão
sintática de argumentos correferentes com argumentos da oração principal. A presença de
uma estratégia ou de outra, depende de fatores pragmáticos e de princípios gramaticais que
interagem com os princípios que determinam alinhamento, seja no nível intraoracional, seja
no nível interoracional.
Nas combinações de orações por parataxes, as partículas comportam-se como
conjunções conectivas e não como morfemas subordinadores sistematicamente recorrentes,
como ocorre em outras línguas indígenas brasileiras, como as da família Tupí-Guaraní. Em
Xikrín, são conectivos exclusivos de orações, pois o conectivo de nomes que formam um
sintagma nominal tem a forma me . O uso das partículas não é sistemático, já que
paralelamente ao seu uso, a língua pode se valer da omissão ou expressão de argumentos para
monitorar correferência entre estes, em determinados contextos sintáticos.
As combinações de orações por parataxes em Xikrín seguem uma ordem canônica: a
oração em que os referentes são obrigatoriamente expressos é a primeira, sendo a segunda
aquela que segue regras morfossintáticas de correferência. A segunda oração pode manter
270
certa dependência semântica da primeira, como em Português: ‘eu descasco o camarão e você
o tempera’, ‘eu pesco o peixe e você o come’.
Diferentemente da parataxes, nas combinações por hipotaxes, a primeira oração é
semanticamente dependente da segunda, o que é exigido pelo princípio da anaforicidade que
determina correferência na língua:
– Elementos acionadores de correferência através de fronteiras de orações devem ter
precedência sintática.
Os pivots da correferência interoracional em Xikrín são A e S, mas há sintonia desta
correferência com a correferência entre O e S, quando o contexto morfossintático exige. Esta
sintonia ocorre na situação em que duas orações têm sujeitos distintos e o objeto da primeira é
correferente com o sujeito da oração dependente. Neste caso, S não é marcado, embora as
duas orações tenham sujeitos diferentes, o que revela que, além do alinhamento sintático
nominativo, A/S,S/A, o Xikrín alinha O/S, um padrão absolutivo. Nesse sentido, o Xikrín se
assemelha ao Xokléng, conforme a descrição de Urban (1986, p. 183):
However, in Shokleng the syntactic “subject” is not so clearly defined. This is because E may be used
for subordinate clause O, when this noun phrase is referent with main clause S. If this were not the
case, the pattern would be one of ordinary “switch-reference”, with a syntactic “subject” defined in
terms of the conflation of A and S. Since it is, however, Shokleng shows in this area of syntax a clear
pattern, but one that is neither accusative nor ergative in its entirety.
Correferencialidade em Xikrín é marcada entre duas orações, estejam elas internamente
estruturadas ou não de acordo com o mesmo sistema nominativo-absolutivo ou o mesmo
sistema absolutivo. A particularidade da marcação de correferência em construções
absolutivas é que nelas há sempre uma expressão sintática de argumentos, o que a diferencia
de construções nominativas-absolutivas nas quais, havendo correferência, os argumentos A e
S podem não ser expressos.
Sumarizando, a língua Xikrín possui um sistema de referência alternada que faz uso de
marcas morfológicas concomitantemente ou não com a expressão ou omissão de argumentos
sintáticos, de acordo com necessidades pragmáticas e com princípios da sintaxe da língua.
Os resultados obtidos até o presente reiteram que o Xikrín é uma língua que apresenta
cisões em seu sistema de alinhamento intraoracional, (ergativo)-absolutivo e nominativo-
absolutivo (CABRAL, RODRIGUES e COSTA, [2001] 2003; COSTA, 2003), e mostram que
a correferencialidade através de orações também apresenta cisões: por um lado, a
correferência segue um alinhamento A e S ou S e A, mas, por outro lado, um alinhamento O e
271
S. Resta confirmar se esses padrões de correferência se estendem a outras combinações de
orações.
Finalmente, no aprofundamento deste estudo, deverão ser consideradas diferentes
modalidades discursivas, para que apreciações sobre a caracterização do sistema de
correferência em Xikrín, associado a alinhamento, sejam conclusivas.
7.8 CONCLUSÃO
Neste capítulo analisamos e descrevemos estratégias da língua Xikrín do Cateté para
marcar referência compartilhada ou disjunta de argumentos através de orações combinadas
por parataxis ou por hipotaxis. Em seguida, identificamos as correlações entre o sistema de
alinhamento intraoracional existente na língua e mostramos que a língua Xikrín, na
combinação de orações por parataxes, manifesta uma cisão: em certos contextos é acionado
um padrão nominativo e, em outros, um padrão misto, nominativo e absolutivo. Por fim,
vimos que esses padrões são orientados por um sistema de switch-reference, que sinaliza por
meio de diferentes estratégias morfossintáticas quando o referente de um argumento A, S ou
O de uma oração dependente é correferente ou não com um argumento da oração principal.
272
CAPÍTULO VIII – CONSTRUÇÕES INTERROGATIVA
Construções interrogativas são tipos de sentenças existentes nas línguas naturais, ao
lado de outros tipos de sentenças, como as declarativas e as imperativas. Sentenças
interrogativas servem para a obtenção ou confirmação de informação, enquanto sentenças
declarativas expressam atos de fala que correspondem a asseveramentos, alegações,
acusações, críticas, promessas, etc., enquanto que sentenças imperativas são usadas para
aconselhar, estimular ou determinar que o interlocutor desempenhe uma ação o um evento.
Sob o rótulo de sentenças imperativas há atos de fala como ordenar, solicitar, sugerir,
prescrever, apelar, aconselhar, induzir, dentre outros. (c.f. KÖNIG e SIEMUND, 2007).
Neste capítulo descrevemos aspectos fundamentais das construções interrogativas do
Xikrín. O capítulo está organizado da seguinte forma: na seção 8.1 apresentamos as
propriedades formais e semântico-funcionais de várias construções interrogativas do Xikrín;
na seção 8.2, tratamos das interrogativas polares ou que exigem uma resposta sim/não, e na
seção 8.3, analisamos as construções que requerem um conteúdo informacional, distinguindo
suas subdivisões conforme a palavra interrogativa que encabeçam.
8.1 PROPRIEDADES FORMAIS E SEMÂNTICO-FUNCIONAIS DAS SENTENÇAS
INTERROGATIVAS
As sentenças interrogativas, convencionalmente associadas ao ato de fala de pedir
informação, ou confirmação de um conteúdo informacional, subdividem-se em dois tipos
principais, conforme suas propriedades sintáticas e semânticas, a saber: sentenças polares ou
de perguntas que requerem uma resposta ‘sim/não’ e as interrogativas informacionais, as
quais requerem respostas com conteúdo informacional.
Para König & Siemund (2007, p. 291), as sentenças polares ou de perguntas
‘sim/não’ são usadas para obter informações sobre a verdade ou falsidade da proposição que
elas expressam. Neste tipo de sentença interrogativa a informação solicitada restringe-se a
mera afirmação ou negação. Daí serem também conhecidas como perguntas do tipo ‘sim/não’.
Em contrapartida, as interrogativas de constituintes ou de informação/conteúdo recebem
respostas que fornecem o tipo de informação especificada na palavra interrogativa contida na
sentença. A informação solicitada neste tipo de construção interrogativa é uma locução mais
273
elaborada, que pode ser uma palavra, um sintagma complexo, uma sentença simples, ou uma
sentença complexa.
Na próxima seção, tratamos desses dois tipos de construções ao quais serão
devidamente ilustradas.
8.2 CONSTRUÇÕES INTERROGATIVAS POLARES
Em Xikrín, sentenças interrogativas polares apresentam uma das duas partículas
interrogativas djə ou djəri na primeira posição da estrutura sentencial, seguida do constituinte
focalizado na pergunta:
Exemplos com a partícula interrogativa djə:
804. djə a -ŋɾɨk
INT 2
R1-zangado
‘você está zangado?’
805. djə a -mɛj
INT 2
R1-bom
‘você está bem?’
806. djə a ʤ-ʌpej
INT 2
R1-trabalho
‘você trabalhou?’
807. djə a -kɾa -mɛj
INT 2 R1-filho R
1-bom
‘teu filho está bem?’
274
808. djə kɾuwa -kajɾɛɾɛ
INT flecha R1-reta
‘a flecha está reta?’
809. djə meniɾɛ -ŋɾɛ-ɾɛ -mɛj
INT mulher R1-cantarr-NLZ R
1-bom
‘a mulher canta bem?’
810. djə mepɾiɾɛ j-atɔp
INT criança R1-sujo
‘as crianças estão sujas?’
811. djə na aɾəp ivo nɔ-təj
INT RLS já Ivo olho-grande
‘Ivo já está apressado?’
812. djə na aɾəp ivo kɾã-katɔ
INT RLS já Ivo cabeça-sair
‘Ivo já acordou?’
813. djə aɾəp ga boj
INT já 2
chegar
‘você já chegou?’
814. djə aɾəp mepɾiɾɛ ŋõɾõ
INT já criança
dormir
‘a criança já dormiu?’
275
Nos exemplos seguintes, o elemento questionado é um sujeito pronominal:
815. djə na ga a ɲ-õ-t -mɛj
INT RLS 2 2
R1-dormir-NLZ R
1-bem
‘você dormiu bem?’
816. djə na ga a ʤ-ʌku-ɾu -mɛj
INT RLS 2 2
R1-comer-NLZ R
1-bom
‘você comeu bem?’
817. djə na ga kube -kaben -ma
INT RLS 2 não indígena R1-fala R
1-saber
‘você fala português? (você sabe/conhece a fala do não-
indígena?)
818. djə na ga i -kaben j-aɾe
INT RLS 2 1 R1-fala R
1-dizer
‘você fala a minha língua? ‘(você diz a
minha fala?)’
819. djə aɾi a -jɛ tɨɾɨti -kre-n -pɾãm
INT PAUC 2 R1-OBL banana R
1-comer-NLZ R
1-querer
‘existe o querer do comer banana por vocês? ( querem comer
banana?)’
820. djə aɾi a -jɛ mɾɨ -bi-n kumɛj
INT PAUC 2 R1-OBL caça R
1-matar-NLZ muito
‘houve o matar de muita caça por vocês?’ ‘(vocês mataram
muita caça?)’
276
821. djə a -tɔ-ɾɔ kumɛj
INT 2 R1-festejar-NOMZ muito
‘houve muito do seu festejar?’
‘(você dançou muito?)’
Quando o objeto de um verbo segue a partícula interrogrativa, significa que o objeto
é o foco da pergunta. Nos exemplos seguintes fica claro que os focos das perguntas são
bɛnɔɾã ‘tucunaré’, meniɾɛ ‘mulher’, aŋɾo ‘porcão’, ʤwəŋɾʌ e ‘farinha’, respectivamente:
822. djə bɛnɔɾã na ga a-ga
INT tucunaré RLS 2 R2-assar
‘foi tucunaré que você assou?
823. djə meniɾɛ na ga -ɔmu
INT mulher RLS 2 R2-ver
‘foi mulher que você viu?
824. djə aŋɾo na katʌpti ku-bi
INT porcão RLS Katop-Ti R2-matar
‘foi porcão que Katop-Ti matou?
825. djə ʤwəŋɾʌ na katʌpti -ipej- -ɔ ʤa
INT farinha RLS Katop-Ti R2-fazer-NLZ R
1-ASS.INTR estar.em.pé
‘É farinha que Katop-Ti está fazendo?
No exemplo seguinte, o falante quer saber se foram os homens e não outros os que
foram para a mata:
826. djə memɨ na me bʌ -kãm mõ
INT homem RLS PL
R1-mata R
1-LOC ir/vir.PL
‘foram os homens (que) foram para a mata?’
277
827. djə meniɾɛ na me pi -kɾãta
INT mulher RLS PL
pau R1-cortar
‘foram as mulheres (que) cortaram pau?’
Assim, o elemento foco da questão é o constituinte que segue imediatamente a
partícula interrogativa.
Em todos os exemplos de (804 a 827) o falante tem algum conhecimento prévio do
conteúdo informacional ou alguma referência a aspectos desse conteúdo. Entretanto, quando o
falante pergunta algo que ele desconhece totalmente, ou sobre algo que tenha a possibilidade
de acontecer, faz uso da partícula djəri :
828. djəɾi a -bam aɾəp boj
INT 2 R1-pai já chegar
‘seu pai já chegou?’
829. djəɾi ga te
INT 2 ir/vir.sing
‘você vai?’
830. djəɾi memɨ ʤa bʌ -mã te
INT homem IRRLS já R1-DIRET ir/vir.sing
‘os homens vão à floresta?’
831. djəɾi ga maɾaba -mã te
INT 2 Marabá R1- DIRET ir/vir.sing
‘você vai a Marabá?’
832. djəɾi meniɾɛ t
INT mulher festejar
‘a mulher festejou?’
278
833. djəɾi kubeŋet aɾəp tɨ
INT velho já morrer
‘o velho já morreu?’
834. djəɾi aɾi ga aɾi a -pɾõn
INT PAUC 2 PAUC 2 R1-corrida
‘houve o a corrida de vocês?’ ‘(vocês
correram?)’
835. djəɾi ga aɾəp a ɲ-õ kwə -kɾe
INT 2 já 2 R1-PERTENCE PART R
1-comer
‘você já comeu?’
836. djəɾi ga meniɾɛ -mu
INT 2 mulher R1-ver
‘você viu a mulher?’
837. djəɾi mepɾiɾɛ pido -ɾe
INT criança fruta R1-colher
‘as crianças colheram frutas?’
838. djəɾi meniɾɛ pi-ŋɾʌ j-akʌ
INT mulher pau-seco R1-cortar
‘as mulheres cortaram lenha?’
839. djəɾi ta wa ami -kʌ -krãta
INT 3 DEM.DIST REFL R1-pele R
1-cortar
‘ele cortou a própria pele?’
279
840. djəɾi ga ɾɔpkɾɔɾi bʌ -kãm -mu
INT 2 onça floresta R1-LOC R
2-ver
‘foi onça (que) você viu na floresta?’
841. djəɾi kubeŋet kawa ɲ-ipej
INT velho pilão R1-cortar
‘o velho fez pilão?’
842. djəɾi aɾi a -jɛ tɨɾɨti -kɾe-n -pɾãm
INT PAUC 2 R1-OBL banana R
1-comer-NLZ R
1-querer
‘há o querer do comer banana por vocês?’ ‘(vocês querem comer
banana?)’
843. djəɾi menõɾõnɨɾɛ bo -ɔ-mõ
INT mulher palha R1-CAUS.COMIT-ir/vir.PL
‘os adoslescentes trouxeram palha?’
844. djəɾi ga a -mã meniɾɛ -kij
INT 2 2 R1-DIRET mulher R
1-gostar
‘Você gosta da mulher’
845. djəɾi pɨka jã -kãm mʌtkʌ ɲ-õ kapot
INT terra DEM.PROX R2-LOC avião R
1-PERTENCE campo
‘há pista de pouso aqui (nesta aldeia)?’
846. djəɾi ŋo ja -kãm tɛp kumɛj
INT rio DEM.PROX R2-LOC peixe muito
‘há muito peixe neste rio?’
280
847. djəɾi kukoj -ma
INT macaco R1-fígado
‘é fígado do macaco?’
848. djəɾi a -kɾa -mɛj
INT 2 R1-filho R
1-bom
‘teu filho está bem?’
849. djəɾi kɾuwa -kajɾɛɾɛ
INT flecha R1-reta
‘a flecha está reta?’
850. djəɾi mepɾiɾɛ j-atɔp
INT criança R1-sujo
‘as crianças estão sujas?’
Perguntas retóricas
Note-se que djəri nunca co-ocorre com a marca na ‘ realis’. Isso explica o fato de
que djəri expressa uma pergunta de um conteúdo informacional sobre o qual o falante apenas
questiona a hipótese ou possibilidade de sua existência.
Entretanto, retoricamente, pode-se perguntar sobre algo realizado usando djəri. Isto
ocorre por polidez, por respeito, quando não se está querendo ser direto, para não mostrar a
face, como mostram os exemplos seguintes,
851. djəɾi ga a -pɾõ
INT 2 2 R1-esposa
‘você é casado?’
281
852. djəɾi ga meniɾɛ -əɾə mõ
INT 2 mulher R1-DIR ir/vir/pl
‘Você casou com a mulher?’
853 djəɾi ga meniɾɛ -ɔ--ipu
INT 2 mulher R1-CAUS-R
2-cheio
‘você fez a mulher cheia?’ ‘(você
engravidou a mulher?)’
854. djəɾi meniɾɛ -tɨjaɾo
INT mulher R1-grávida
‘a mulher está grávida?’
Note-se que outras formas de perguntar as mesmas coisas seriam assim:
855. djə na ga a -pɾõ
INT RLS 2 2 R1-esposa
‘você é casado?’
856. djə na ga meniɾɛ -əɾə mõ
INT RLS 2 mulher R1-DIR ir/vir.PL
‘você casou com a mulher?’
857. djə na meniɾɛ -tɨjaro
INT RLS mulher R1-grávida
‘A mulher está grávida?’
282
858. djə na ga meniɾɛ -ɔ--ipu
INT RLS 2 mulher R1-CAUS-R
2-cheio
‘Você engravidou a mulher?’
Mas nesses casos há que haver intimidade entre falante e ouvinte.
8.3 CONSTRUÇÕES INTERROGATIVAS DE CONTEÚDO
As sentenças interrogativas de conteúdo informacional são usadas pelo falante para
obter informações por ele desconhecidas. Este tipo de pergunta se realiza por meio de
palavras ou expressões interrogativas tais como ɲum ‘quem’ e məj ‘o que’, ɲɨj ‘onde’, ɲãj ‘de
onde’, e ɲãm ‘para onde’. Trataremos primeiramente das construções com ɲum e məj, as quais
têm uso extenso por se combinarem com várias posposições, o que permite o questionamento
de constituintes de diferentes naturezas morfo-sintáticas e semânticas.
8.3.1 Palavra interrogativa ɲum
A palavra interrogativa ɲum é usada para questionar constituintes com traço [+
humano] na função de sujeito (ex. 859 a 863) e objeto direto (ex. 864 a 878).
859. ɲum na -kane
int RLS R1-doente
‘quem está doente?’
860. ɲum na boj
INT RLS chegar
‘quem chegou?’
861. ɲum ʤa kɾiɾaj -mã te
INT IRRLS cidade R1-DIRET R
1-IR/VIR
‘quem vai à cidade?’
283
862. ɲum na kukɾɨt -bi
INT RLS anta R1-matar
‘quem matou anta?’
863. ɲum ʤa kapɾãn j-abje
INT IRRLS jabuti R1-procurar
‘quem irá procurar jabuti?’
864. ɲum na memɨ ku-bi
INT RLS homem R2-matar
‘quem o homem matou?’
865. ɲum na ga -mu
INT RLS 2 R2-ver
‘quem você viu?’
866. ɲum na ʌk j-ae
INT RLS gavião R2-assustar
‘quem o gavião assustou?’
867. ɲum na kukoj ku-ni
INT RLS macaco R2-copular
‘com quem o macaco copulou?’
878. ɲum na ɾɔp ku-ɲa
INT RLS cachorro R2-morder
‘quem o cachorro mordeu
284
8.3.2 Palavra interrogativa məj
A palavra interrogativa məj pode ser traduzida como ‘que, o que’ em perguntas que
questionam tanto constituintes com traço semântico [+humano] quanto [-humano] na função
de sujeito, objeto direto e de modificador. Entretanto, quando məj corresponde a um sujeito ou
objeto [+humano] significa que o falante desconhece totalmente o referente de məj.
879. məj na tim
INT RLS cair
‘o que caiu?’
880. məj na ja
INT RLS DEM.PROX
‘o que é isto?’
881. məj pɾiɾɛ na boj
INT menino RLS chegar
‘que menino chegou?’
882. məj na ga a-bi
INT RLS 2 R2-matar
‘o que você matou?’
8.3.3 As partículas interrogativas məj e ɲum combinadas com posposições
A palavra interrogativa ɲumse combina com as posposições -mã e -kot para expressar
respectivamente as noções de ‘dativo’ e ‘companhia’, enquanto que a palavra məj se combina
com as posposições -ɔ, -kaʤɨ e -kãm para expressar respectivamente as noções de
‘instrumentivo’, ‘finalidade’ e ‘locativo’.
285
ɲum combinado com–mã questiona constituintes na função dativa, como mostram os
exemplos a seguir:
883. ɲum -mã ʤa ga tɨɾɨti -ŋã
INT R1-DIRET IRRLS 2 banana R
1-dar
‘para quem você vai dar banana?’
884. ɲum -mã na a -nã ʤwəŋɾʌ j-anɔ
INT R1-DIRET RLS 2 R
1-mãe farinha R
1-mandar
‘para quem a tua mãe mandou farinha?’
885. ɲum -mã na wajaŋa -kaben j-are
INT R1-DIRET RLS pajé R
1-fala R
1-dizer
‘para quem o pajé falou’
ɲum combinada com a posposição -kot questiona constituintes que semanticamente
correspondem a uma circunstântia de ‘companhia’:
886. ɲum -kot ʤa ga bʌ -kãm te
INT R1-COM RLS 2 floresta R
1-LOC ir/vir
‘com quem você irá à floresta?’
887. ɲum -kot na kube boj
INT R1-COM RLS não indígena chegar
‘com quem o não indígena chegou?’
888. ɲum -kot na katʌpti aŋɾo -bi
INT R1-COM RLS Katop-Ti porcão R
1-matar
‘com quem Katàp-Ti matou porcão?’
286
məj
O morfema məj é de natureza nominal e originou-se, muito provavelmente, da forma
nominalizada do verbo -amə/-mə ‘pegar’, -mə-j. No momento atual funciona como nominal,
pois serve de complemento de posposições como -ɔ, -kaʤɨ -kot, e -kãm para expressar
perguntas respectivamente ‘com que’, ‘para que’, ‘em que’ e ‘de que’, além de encabeçar
outros tipos de pergunta, como veremos adiante.
Combinado com -ɔ
889. məj -ɔ na ga kukej -bi
INT R1-ASS-INSTR RLS 2 cotia R
1-matar
‘com que você matou cotia?’
890. məj -ɔ na mebeŋet aŋɾo ɲ-õpok
INT R1-ASS-INSTR RLS velho porcão R
1-furar
‘com que o velho furou o porcão?’
891. məj -ɔ ʤa ga kaɾiɲo j-atɔ
INT R1-ASS-INSTR IRRLS 2 cigarro R
1-acender
‘com que você vai acender cigarro?’
892. məj -ɔ na meniɾɛ kwəɾə -kuʤo
INT R1-ASS-INSTR RLS mulher mandioca R
1-descascar
‘com que as mulheres descascaram mandioca?’
Combinada com kaʤɨ:
893. məj -kaʤɨ ʤa ga kɾuwa ɲ-ipej
INT R1-FINLD IRRLS 2 flecha R
1-fazer
‘para que você vai fazer flecha?’
287
894. məj -kaʤɨ na ta wa iskejro -bɨ
INT R1-FINLD RLS 3 DEM.DIST isqueiro R
1-pegar
‘para que aquele pegou o isqueiro?’
895. məj -kaʤɨ na menõɾõnɨɾɛ bo -ɔ-boj
INT R1-FINLD RLS adolescente palha R
1-CAUS.COMIT-chegar
‘para que os adolescentes trouxeram palha?’
896. məj Ø-kaʤɨ ʤa meniɾɛ kwəɾə j-aɾe
INT R1-FINLD IRRLS mulher mandioca R
1-arrancar
‘para que as mulheres vão arrancar mandioca?’
Combinada com -kot:
897. məj -kot ʤa ga bɾaziʎja -mã te
INT R1-COMP IRRLS 2 Brasília R
1-DIRET ir/vir
‘de que você vai a Brasília?’
Combinada com -kãm:
898. məj -kãm na meni-ɾɛ kwəɾə
INT R1-LOC RLS mulher-ATEN mandioca
-tu-ru -ɔ- mõ
R1carregar-NLZ R
1-CAUS-ir/vir.PL
‘em que as mulheres estão carregando mandioca?’
899. məj -kãm na memɨ ʤwə-ŋɾʌ -ʤi
INT R1-LOC RLS homem massa-seca R
1colocar
‘em que os homens colocaram a farinha?’
288
900. məj -kãm ʤa ga bɾaziʎja -mã te
INT R1-LOC IRRLS 2 mandioca R
1-DIRET ir/vir
‘De que você foi a Brasília?’
Com o significado de ‘como’:
As ideia de ‘como’ e ‘de que modo’ requer o emprego de məj associado a um
sintagma posposicional encabeçado por -ɔt/-ɔ ‘associativo.instrumentivo’:
901. məj na me ʤuʤe -ɔt -ipej
INT RLS HUM arco R1-ASS.INSTR R
2-fazer
‘como se faz o arco?’
902. məj ʤa ga kawa -ɔt -ipej
INT IRRLS 2 pilão R1-ASS.INSTR R
2-fazer
‘como você vai fazer pilão?’
903. məj na ga kubekʌ -ɔt -ipej
INT RLS 2 vestido R1- ASS.INSTR R
2-fazer
‘como você faz vestido?’
904. məj ʤa ga laɾãʒa -ɔt -kɾãta
INT IRRLS 2 laranja R1- ASS.INSTR R
2-cortar
‘como você vai cortar laranja?’
905. məj na meniɾɛ me -ɔt -ʔok
INT RLS mulher PL R1- ASS.INSTR R
2-pintar
‘Como as mulheres os pintam?’
289
906. məj na memɨ kʌ -ɔt -ʔkaɨ
INT RLS homem cesto R1- ASS.INSTR R
2-tecer
‘como os homens tecem cesto?’
907. məj na ga kapɾãn -ɔt a-mə
INT RLS 2 jabuti R1- ASS.INSTR L R
2-pegar
‘como você pegou jabuti’?’
908. məj na meniɾɛ tɛp -ɔt ku-ga
INT RLS mulher peixe R1- ASS.INSTR R
2-assar
‘como as mulheres assaram peixe?’
909. məj na meniɾɛ tɛp -ɔt ku-bi
INT RLS mulher peixe R1- ASS.INSTR R
2-matar
‘como as mulheres mataram peixe?’
910. məj ʤa gwaj piʔɨ -ɔt -kukwə
INT IRRLS 1+2.PAUC castanha R1- ASS.INSTR R
2-cortar
‘como nós vamos cortar castanhas?’
911. məj na me ʤuʤe ɲ-ipej- -ɔ
INT RLS HUM arco R1-fazer-NLZ R
1-ASS.INSTR
‘como se faz o arco?’
912. məj na ga kawa ɲ-ipej- -ɔ
INT RLS 2 pilão R1-fazer-NLZ R
1-ASS.INSTR
‘como você faz pilão?’
290
913. məj na ga kubekʌ ɲ-ipej- -ɔ
INT RLS 2 vestido R1-fazer-NLZ R
1-ASS.INSTR
‘como você faz vestido?’
Note-se que, em final de enunciado, o morfema ‘associativo.instrumentivo’ se realiza
pelo alomorfe -ɔ.
914. məj na ga laɾãʒa -kɾã-ɨɾɨ -ɔ
INT RLS 2 laranja R2-cortar-NLZ R
1-ASS.INSTR
‘como você corta laranja?’
915. məj na meniɾɛ me -ʔok--ʔ -ɔ
INT RLS mulher PL R2-pintar-NLZ R
1-ASS.INSTR
‘como as mulheres os pintam?’
916. məj na memɨ kʌ Ø-ʔkaɨ-ɾɨ -ɔ
INT RLS homem cesto R1-tecer-NLZ
R
1-ASS.INSTR
‘como os homens tecem cesto?’
917. mə-j na ga kapɾãn mə-j -ɔ
INT RLS 2 jabuti R1-pegar-NLZ R
1-ASS.INSTR
‘como as você pega jabuti?’
918. mə-j na meniɾɛ tɛp ʤ-ʌɾʌ -ɔ
INT RLS mulher peixe R1-assar.NLZ R
1-ASS.INSTR
‘como as mulheres assam peixe?’
919. məj na me tɛp -bi-n -ɔ
INT RLS mulher peixe R1-matar R
1-ASS.INSTR
‘como as mulheres matam peixe?’
291
920. məj ʤa gwaj piʔɨ -kukwə -ɔ
INT IRRLS 1+2.PAUC peixe R1-cortar R
1-ASS.INSTR
‘como nós cortaremos castanha?’
Contribuindo com o significado de ‘quantos’
Nas construções em que məj contribui com a ideia de quantos, há vestígios de uma
construção oblíqua formada do relacional ku- e da posposição-te, ku-tɛ, resquício de um
momento da história da língua em que o verbo pegar nominalizado pedia um argumento
externo na terceira pessoa. Atualmente, tais construções equivalem a perguntas que
questionam quantidade, como mostram os seguintes exemplos:
921. məj ʤa sako ku-tɛ ɲum meni ku-mã -kij
INT IRRLS saco R2-OBL SD mulher R
2-DIRET R
2-gostar
‘Quantos sacos a mulher vai querer?
922. məj na kapran ku-tɛ ga -amə
INT RLS jabuti R2-OBL 2 R
2-pegar
‘quantos jabutis você pegou?’
923. məj na nɔkamiʧɛ pãj ku-tɛ
INT RLS óculos em troca R2-OBL
‘quanto custam os óculos?’
924. məj na katɛtɛ -kãm kri -be ku-tɛ
INT RLS Cateté R1-LOC aldeia R
1-ESSIVO R
2-OBL
‘Quantas aldeias há no Cateté?’
292
8.3.4 Palavra interrogativa ɲɨj
A palavra interrogativa ɲɨj significa ‘onde’:
925. ɲɨj na kaŋã aɾiba
INT RLS cobra viver
‘onde cobra vive?’
926. j n ntir rib
onde RLS Notire vive
‘onde Notire vive?’
927. j na g -õ kikr
onde RLS 2 2 R1-PERTENCE casa
‘onde é tua casa?’ ‘(onde você mora?)´
928. j na g ʤa
onde RLS 2 estar.em.pé
‘onde você está?´
929. j na ntir d
onde RLS Notire ficar. em pé
‘onde está Notire?’
930. j na br nõ
onde RLS bola estar. deitado
‘onde está a bola?’
293
931. j na g br -ʤi
onde RLS 2 bola R1-deixar
‘onde você deixou a bola?’
932. j na kubeŋet rɔpkɾɔɾi -mu
onde RLS velho onça R1-ver
‘onde você viu a onça?’
933. j na memɨ aben -mã -kaben -ɔ ɲɨ
onde RLS homem REC R1-DIRET R
1-fala R
1-ASS.INTR estar.sentado
‘onde os homens estam conversado?’
Há evidências de que não se trata de um nominal, pois não se combina com
posposições. Porém, pode ser seguido de um pronome demonstrativo combinado com as
posposições ã ou kãm, casos em que expressa a noção temporal ‘quando’:
934. ɲɨj ja -ã na ga a ɲ-jaɾɔp
INT DEM.PROX R2- EM.RELAÇÃO. A RLS 2 2 R
1-gripe
‘quando houve a tua gripe?’
935. ɲɨj ja -ã na mepɾiɾɛ -kane
INT DEM.PROX R2- EM.RELAÇÃO. A RLS criança R
1-doença
‘quando houve a doença da criança?’
936. ɲɨj ja -ã na mepɾiɾɛ -iɾɛ
INT DEM.PROX R2- EM.RELAÇÃO. A RLS criança R
1-magro
‘quando houve a magreza da crinça?’ ‘(quando a criança emagreceu ?)’
294
937 ɲɨj ja -ã na meni -tɨjaɾo
INT DEM.PROX R2- EM.RELAÇÃO. A RLS mulher R
1-ravidez
‘quando houve a gravidez da mulher?’ (quando a mulher engravidou?)’
938. ɲɨj ja -ã ʤa mebeŋet ʤ-ʌkɾej
INT DEM.PROX R2- EM.RELAÇÃO. A RLS velho R
1-valentia/braveza
‘quando vai haver a braveza dos velhos?’
939. ɲɨj ja -ã na mepɾiɾɛ -tɔkɾɨ
INT DEM.PROX R2- EM.RELAÇÃO. A RLS criança R
1-dor
‘quando houve a dor da criança?’
940. ɲɨj ja -ã ʤa a -kɾa ŋõɾõ
INT DEM.PROX R2- EM.RELAÇÃO. A IRRLS 2 R
1-filho dormir
‘quando haverá o dormir do teu filho?’
941. ɲɨj ja Ø-kãm na a -kɾa -mɛj
INT DEM.PROX R2-LOC RLS 2 R
1-filho R
1-bom
‘quando teu filho ficou bom ?
942. ɲɨj ja -kãm na ga a -nɔ-təj
INT DEM.PROX R2-LOC RLS 2 R
1-filho R
1-olho-forte
‘quando foi o teu acordar?
943. ɲɨj ja -kãm ʤa ivo belej -mã te
INT DEM.PROX R2-LOC IRRLS IVO belém R
1-DIRET ir/vir
‘quando Ivo vai a Belém?
295
944. ɲɨj ja -kãm ʤa katʌpti braziʎja -kuɾum akej
INT DEM.PROX R2-LOC IRRLS KATOP-TI Brasília R
1-ABLAT.CENTRIP voltar
‘quando Katop-Ti vai voltar de Brasília?
Perguntas relativas a tempo
Perguntas relativas a tempo são feitas com o nome mj seguido de sintagmas
posposicionais que têm por núcleo a palavra ‘luz do dia’ para expressar ‘em que dia’, a
palavra ‘sol’ para expressar ‘a hora’, a palavra ‘lua’ para expressar ‘em que mês’ e a palavra
‘verão’ para expressar ‘em que ano’. Os exemplos seguintes ilustram essas combinações e os
seus respectivos significados:
akati ‘luz do dia’ e -kãm ‘locativo pontual’
945. məj akati -kãm ʤa ga tɛp j-aɲi
INT luz.do.dia R1-LOC IRRLS 2 peixe R
1-pescar
‘quando você pescará?’
946. məj akati -kãm ʤa ga bɾaziʎja -mã te
INT luz.do.dia R1-LOC IRRLS 2 Brasília R
1-DIRET ir/vir
‘quando você irá a Brasília?’
947. məj akati -kãm ʤa metɔɾɔ -mɔkɾaj
INT luz.do.dia R1-LOC IRRLS festejo R
1-começar
‘que dia o festejo começa?’
mt ‘sol’ e -kãm ‘locativo pontual’
948. məj mɨt -kãm ʤa ga -mã te
INT sol R1-LOC IRRLS 2 R
2-DIRET ir/vir
‘a que horas você vai?’
296
949. məj mɨt -kãm ʤa piokjakɾʤwəj -mã te
INT sol R1-LOC IRRLS professora R
2-DIRET ir/vir
‘a que horas a professora foi?’
950. məj mɨt -kãm ʤa Ø-kaʤɨ me -tɨkʤʌ ket
INT sol R1-LOC IRRLS R
2-FINLD PL R
2-cansado NEG
‘o que horas será o intervalo?
951. məj mɨt -kãm ʤa me ki -kãm kapɾãn -kupɾã
INT sol R1-LOC IRRLS PL fogo R
1-LOC jabuti R
1-tirar
‘a que horas as mulheres vão tirar os jabutis da fogo?
952. məj mɨt -kãm ʤa ga i -mã piʤə -ŋã
INT sol R1-LOC IRRLS 2 1 R
1-DIRET remédio R
1-dar
‘a que horas você vai me dar remédio?
953. məj mɨt -kãm ʤa mebeŋet gwajba -mã -ujarej
INT sol R1-LOC IRRLS velho 1+2.PAUC R
1-DIRET R
2-contar (história)
‘a que horas o velho vai nos contar histórias?
954. məj mɨt -kãm na me bʌ -kurum mõ
INT sol R1-LOC RLS PL floesta R
2-ABLAT.CENTRIP ir/vir.PL
‘a que horas os homens vieram da floresta?
955. məj mɨt -kãm na mʌtkʌ boj
INT sol R1-LOC RLS avião chegar
‘a que horas o avião chegou?
297
Combinado com mtrwə ‘lua’ e -kãm significa ‘que mês’
956. məj mtrwə -kãm ʤa piʔok -mɔkɾaj
INT lua R1-LOC IRRLS avião R
1-começar
‘em que mês começam as aulas?
957. məj mtrwə -kãm ʤa me kapɾãn j-abje
INT lua R1-LOC IRRLS PL jabuti R
1-procurar
‘em que mês os homens vão procurar jabutir?
958. məj mtrwə -kãm na me ŋo -kaʔõ
INT lua R1-LOC RLS PL rio R
1-bater.timbó
‘em que mês os homens pescam com timbó?
959. məj mtrwə -kãm na doutor joão paulo amɾe te
INT lua R1-LOC RLS doutor João Paulo CENTRIP ir/vir
‘em que mês dr. João Paulo veio para cá?
Combinado com amɛj ‘verão’ e -kãm significa ‘que anos’
960. məj amɛj -kãm na mebeŋokɾɛ kube -kajpa
INT verão R1-LOC RLS indígena não indígena R
1-encontrar
‘em que ano os Xikrín encontraram os não-indígenas?
961. məj amɛj -kãm na ga -ɔmu
INT verão R1-LOC RLS 2 R
1-ver
‘em que ano você o conheceu?
298
962. məj amɛj -kãm na kube me -kane
INT verão R1-LOC RLS não indígena hum R
2-doença
‘em que ano os não-indígenas trouxeram doença para a aldeia?
kikɾɛ -kãm -ɔ-boj
casa R1-LOC R
2-CAUS-chegar
‘em que ano os não indígenas chegaram com suas doenças na aldeias’
‘(em que ano os não indígenas trouxeram doença para a aldeia?)’
963. məj amɛj -kãm na me ensino fundamental -ɔ-boj
INT verão R1-LOC RLS HUM ensino fundamental R
1-CAUS-chegar
‘em que ano os não indígenas chegaram com o ensino fundamentam?’
‘(em que ano os não indígenas trouxeram o ensino fudamental?
964. məj amɛj -kãm na me enino medio ɲ-ipej -mɔkɾaj
INT verão R1-LOC RLS HUM ensino médio R
1-fazer R
1-começar
‘em que ano as pessoas começaram o fazer do ensino médio?
8.3.5 Palavras interrogativas ɲãj e ɲãm
Há em Xikrin duas palavras interrogativas que significam lugar: ɲãj e ɲãm. A
diferença entre elas é que ɲãj contém um valor ablativo ‘lugar de onde algo ou alguém se
afasta, enquanto ɲãm contem um significado diretivo, ‘lugar para onde algo ou alguém se
dirige ou do qual se aproxima’. Exemplos ilustrativos desse contraste são os seguintes:
965. ɲãj na meniɾɛ te
INT RLS mulher ir/vir
‘de onde a mulher veio?’
299
966. ɲãj na memɨ mõ
INT RLS mulher ir/vir.PL
‘de onde os homens vieram?’
967. ɲãj na aɾəp a -katɔ
INT RLS já 2 R1-sair
‘de onde você saiu?’’
968. ɲãm na meniɾɛ te
INT RLS mulher ir/vir
‘para onde a mulher foi?’
969. ɲãm na afõso mõ
INT RLS Afonso ir/vir.
‘para onde Afonso está indo?’
970. ɲãm na meniɾɛ te
INT RLS mulher ir/vir
‘para onde a mulher foi?’
971. ɲãm na memɨ mõ
INT RLS mulher ir/vir.PL
‘para onde os homens foram?’
972. ɲãm na aɾəp a -katɔ
INT RLS já 2 R1-sair
‘para onde você saiu?’
300
8.3.6 Palavra interrogativa məkãm
A palavra interrogativa məkãm é usada para interrogar sobre ‘a causa’, ‘a razão’, ‘o
motivo’ de um evento, estado ou processo expresso pelo predicado.
973. məkãm na ga a -kapɾiɾɛ
INT RLS 2 2 R1-triste
‘por que você está triste?’
974. məkãm na me -kɛkɛt
INT RLS PL R2-sorrir
‘por que eles sorriem?’
975. məkãm na mɾɨ ɳ-i aɾəp -akɾɨ
INT RLS caça R1-carne já R
2-esfriar
‘por que a carne esfriou?’
976. məkãm na ŋo -kaŋɾɔ
INT RLS água R1-esfriar
‘por que a água esquentou?’
977. məkãm meni -mə-ɾə -ɔ ɲɨ
INT mulher R1-chorar-NLZ R
1-ASS.INSTR estar.em pé
‘por que a mulher está chorando?’
978. məkãm na me -ŋɾɛ-ɾɛ -ɔ ʤa
INT RLS PL R2-cantar-NLZ R
1-ASS.INSTR estar.em pé
‘por que as pessoas estão cantando?’
301
979. məkãm ʤa kepɔti ɾedesão -mã te
INT IRRLS Kenpoti Redenção R1-DIRET IR/VIR
‘por que Kenpoti irá para Redenção?’
980. məkãm na ga boj
INT RLS 2 chegar
‘por que você chegou?’
981. məkãm na ga -mã te
INT RLS 2 R2-DIRET ir/vir
‘por que você foi?’
982. məkãm ʤa bebo tɛp j-aɲi
INT IRRLS Bebô peixe R1-pescar
‘por que Bebo vai pescar?’
983. məkãm na me piʔɨ -kukwə
INT RLS PL castanha R1-quebrar
‘por que eles quebraram castanha?’
984. məkãm na meniɾɛ pi -kɔkje
INT RLS mulhere pau R1-cortar
‘por que as mulheres cortaram pau?’
8.4 CONCLUSÃO
Neste capítulo, descrevemos as construções interrogativas em Xikrín. Distinguimos
dois tipos básicos de construções interrogativas em Xikrín, as construções interrogativas
polares – do tipo sim/não- e as construções interrogativas de conteúdo informacional.
302
Mostramos que a língua Xikrín faz uso de um conjunto de estratégias várias para
questionar o que há no mundo, como se situam espacialmente e temporalmente, de que são
constituídos, quais suas funções, entre outros. As construções descritas aqui apontam também
para momentos anteriores da história da língua, mostrando de forma transparente como
noções, possivelmente não necessárias à cultura nativa, se desenvolveram, como é o caso de
perguntas quantificadoras. Como Xinkrín não possui um sistema númerico como o Português,
por exemplo, como necessitaria de perguntar sobre quantidades (COSTA e CABRAL, em
preparação).
303
CAPÍTULO IX – TEMPO, ASPECTO E MODALIDADE
Neste capítulo abordamos como as noÇões de tempo, aspecto e modo são expressas
em Xikrín. Nessa língua, há três modos de fala, realis, irrealis e imperativo. Tempo não é
marcado gramaticalmente, e o modo realis se associa a algo realizado, portanto a uma noção
de passado, mas não necessariamente, pois pode-se projetar algo realizado para um tempo
posterior ao da fala, enquanto o irrealis se associa naturalmente a algo hipotético, em certo
sentido à ideia de futuro, mas não necessariamente, pois pode-se ter projetado algo no
passado. Algo análogo ocorre com superposições de noções aspectuais com noções temporais
e modais, pois o aspecto imperfectivo pode em algum ponto se superpor ao de irrealidade,
enquanto o completivo com o de realidade.
O interessente em línguas como o Xikrín é que modo, aspecto, tempo e modalidade
estão em dinâmica conexão.
9.1 ASPECTO
Aspecto ou modo de ação é uma categoria gramatical relacionada à estrutura
temporal interna de uma situação (cf. TRASK, p. 1994). A expressão aspectual em Xikrín
pode se dar por um conjunto de palavras que, em geral ocupam, ou a posição inicial na
sentença, ou a posição final, ou ainda pelo morfema zero. É uma categoria expressa
lexicalmente, daí a considerarmos como modo de ação em Xikrín, deixando aspecto para
línguas em que essa categoria encontra-se gramaticalizada como flexão verbal (cf.
GUENTCHÉVA, 1996, 2007). Descrevemos, em seguida as expressões de modo de ação em
Xikrín.
9.1.1 Aspecto incompletivo
A expressão de aspecto incompletivo em uma oração é marcada pela palavra ɾãʔã,
cujo sentido é ‘ainda’. Este morfema ocorre sempre na última posição da oração.
985 mepɾiɾɛ na -kane ɾãʔã
criança RLS R2-doença INCOMPL
‘a criança ainda está doente’
304
986. ba na ba maɾaba -mã i te-m ket ɾãʔã
1 RLS 1 Marabá R1-DIRET 1 ir/vir-NLZ NEG INCOMPL
‘eu ainda não vou a Marabá’
9.1.2 Aspecto completivo
O aspecto completivo em Xikrín não tem forma fonológica, tem portanto a
configuração de um morfema . Isto fica evidente quando contrastamos sentenças
expressando aspecto completivo com sentenças expressando outras noções aspectuais.
Ilustramos esse contraste por meio dos exemplos (787a) versus (787b) e (788a) versus (788b),
em que as construções em b contêm a marca de aspecto não-completivo ɾãʔã.
987
a. aɾəp na ba boj
já RLS 1 chegar
‘eu já cheguei’
b. i boj ket ɾãʔã
1 chegar NEG INCOMPL
‘aunda não houve minha chegada’
‘(eu ainda não cheguei)’
988.
a. menõɾõnɨɾɛ na me aɾəp kʌ j-aɲo
jovem RLS PL já canoa R1-amarrar
‘os jovens estava amarrando a canoa’
b. menõɾõnɨɾɛ ku-tɛ kʌ j-aɲoɾo ket ɾãʔã
jovem R2-OBL canoa R
1-amarrar NEG INCOMPL
‘os jovens ainda não amarraram a canoa’
305
9.1.3 Aspecto progressivo
Embora não exista uma marca específica que expresse o aspecto progressivo,
sintagmas posposicionas cujo núcleo é a posposição -ɔ ‘associativo-instrumentivo’, podem
naturalmente equivaler a construções gerundivas. Esse deve ser também o caso do Suyá, onde
há o morfema ɾɔ (cf. SANTOS, 1997), cognato do Xikrín -ɔ, usado em situação análoga à
forma do Xikrín
989. na na ɾwək- -ɔ ʤa
RLS chuva cair-NLZ R1-ASS.INTR estar.em.pé
‘está chovendo’
990. me kuni na me tɔ-ɾɔ -ɔ ʤa
PL todos RLS PL festejar-NLZ R1-ASS.INTR estar.em.pé
‘todos estão festejando’
9.1.4 Aspecto recém realizado
Para indicar que um processo ou evento acabou de ser relizado, marca-se com a
palavra aspectual ajbeɾi, que, em geral ocupa a primeira posição na estrutura da sentença.
991. ajbere na ba boj
RREAL RLS 1 chegar
‘eu acabei de chegar’
992. ajbere ba ŋo -kwə -ɾu
RREAL 1 água R1-PART R
1-botar
‘eu acabei de botar parte da água’
306
9.1.5 Aspecto iterativo
O aspecto iterativo marca por meio da palavra ajtɛ um processo ou evento como
repetido.
993. ‘...aɾəp ba ŋo -kwə -ɾu ajtɛ -kwə -ɾu ajtɛ
JÁ 1 água R1-PART R
1-botar ITER R
2-PART R
1-botar ITER
-kwə -ɾu ajtɛ -kwə -ɾu ajtɛ -kwə -ɾu…’
R2-PART R
1-botar ITER R
2-PART R
1-botar ITER R
2-PART R
1-botar
‘...eu botei água e botei, e botei e botei...’
994. ‘...ojɾɛ kaʤatɲi -kaba ɲum kãm kukoj paɾi
papagaio algodão R1-arrancar SD nisso macaco pé
-ɔ ãʤa ɲum ajtɛ ʔõʤwə -kaba...
R 1
-ASS.INSTR pisar SD ITER outro R2-arrancar
ɲum -paɾi ɲ-ikje ãʤa ɲum ajtɛ kaʤatɲi -kaba
SD R2-pé R
1-lado pisar SD ITER algodão R
1-arrancar
ɲum kukoj -ã -ikɾa -ʤi ɲum ajtɛ ʔõʤwə
SD macaco R2-LOC R
2-mão R
2-colocar SD ITER outro
-kaba... ɲum ajtɛ -ã -ikɾa ʔõʤwə -ʤi ɲum
R2-arrancar SD ITER R
2-LOC R
2-mão outro -ʤi SD
ojɾɛ kuni -ɔ-CAUS-poj…’
papagaio tudo R1-CAUS-
‘...os papagaios tiraram o aldodão (da canoa) e nisso o macaco pisou com o pé. E os
papagaios tiraram outro de novo e o macaco colocou o outro pé. E (os papagaios) tiraram
outro algodão e o macaco colocou sua mão e (os papagaios) tiraram outro. E (o macaco)
colocou a outra mão e os papagaios tiraram tudo...’
307
9.1.6 Aspecto frustrativo
O aspecto frustrativo é marcado por meio de kajgɔ, que pode ser traduzido em
português por ‘algo frustrado’ ou realizado ‘em vão’. kajgɔ ocorre em posição pós-verbal.
995. ba i -jɛ aŋɾo -bi-n -əɾə kajgɔ
1 1 R1-OBL porcão R
1-matar-NLZ R
1-DIR FRUST
ɲum aɾəp -mã -pɾõn
SD já R 1-DIRET R
2-correr
‘houve o matar falso do porcão de mim. Ele correu’(eu quase matei o
porcão, mas ele correu)
996. ga na ga a -jɛ tɛp ʔõ wabi-ɾi kajgɔ
2 RLS 2 2 -1-OBL peixe IND pescar-NLZ FRUST
‘houve o pescar em vão de alguns peixes por você’ ‘(você quase
pescou alguns peixes)’
9.1.7 Aspecto cessativo
O aspecto cessativo é expresso pelo tema verbal pa ‘matar’, que ocorre em posição
final na sentença. Miranda (2014) apresenta, para a língua Krahô, a forma cognata paɾ, mas,
diferentemente da análise proposta neste estudo, analisa-a como marca de aspecto completivo.
997. meni na me aɾəp bʌɨ -kaŋa -kɾɛ- pa
mulher RLS PL já milho R1-abandonar R
1-plantar-NLZ CESS
‘as mulheres abandonaram o plantar do milho’
998. ga na ga a ɲ-õ -kwə -kɾe-n pa
2 RLS 2 2 R1-PERTENCE R
1-PART R
1-comer-NLZ CESS
‘você cessou o seu comer’
308
9.1.8 Aspecto iminente
O aspecto iminentivo, marcado pela palavra ɾãj, expressa processos e eventos que
estavam em via de efetivação imediata, mas que, por alguma razão, não puderam ser
realizados.
999. ba na ba ɾãj maɾaba -mã te
1 RLS 1 IMIN Marabá R1-DIRET ir/vir
‘eu quase ia a Marabá’
1000. ba na ba ɾãj -ɔ-go ɲum
1 RLS 1 IMIN R2-CAUS-gol SD
kãm goɾeɾo i -be bɔɾa j-amə
nisso goleiro 1 R1-ABL bola R
1-pegar
‘eu quase fiz o gol, mas o goleiro pegou a bola de mim’
9.2 MODALIDADE
Modalidade é a categoria da subjetividade, expressa a relação do falante com o
conteúdo informacional. Em Xikrín, identificamos:
9.2.1 Modalidade hortativa
A modalidade hotativa, expressa pela palavra aj põe em evidência um convite.
Ocupa a primeira posição na sentença e é sempre seguida por pronomes pessoais, como
mostam os exemplos a seguir:
1001. aj gu ɾe
HORT 1+2 nadar
‘vamos nadar!’
309
1002. aj gu aŋɾo -bi
HORT 1+2 porcão R1-matar
‘vamos matar porcão!’
9.2.2 Modalidade Epistêmica
A modalidade epistêmica diz respeito ao grau de comprometimento do falante com a
verdade da proposição por ele enunciada.
9.2.2.1 Modalidade assertiva
ãne – assertivo
A modalidade assertiva, codificada pelo tema ãne, é usada para introduzir
informações consideradas pelo interlocutor como verdadeiras.
1003. me -ujaɾe ãne
PL R2-contar ASSERT
‘o contar (história) deles é assim’ ‘(a história é assim)’
1004. ɲum apkɾɨ ɲum me tɛp j-ae- j-aɲo ãne
SD de tarde SD pl peixe R1-assustar-NLZ R
1-armar ASSSERT
‘e de tarde, os homens armam a armadilha de peixe. é assim’
9.2.2.2 Modalidade não-atestado pelo falante
kɔt - ‘dúvida’
1005. kɔt ʤa ba tu ŋo-ɾaj -mã te
DUB IRRLS 1 ? água-grande R1-DIRET ir/vir
‘não sei se vou ao rio’
310
9.2.2.3 Modalidade dubitativa
A modalidade dubitativa acrescenta à proposição informações consideradas como
incertas, duvidosas. Em Xikrín, esta modalidade é codificada pelo tema jabjeɾe. Em
perguntas, a marca do dubitativo é ʤəɾi ‘será’.
1006. i -jɛ kukɾɨt -bi jabjeɾe
1 R1-OBL anta R
1-matar DUB
‘talvez eu mate anta ’
1007. ʤa ba janejɾo -kãm kurso -mɔkɾaj jabjeɾe
IRRLS 1 janeiro R1-LOC curso R
1-começar DUB
‘talvez eu comece o curso em janeiro
1008. lusivawdo na ku-tɛ -kɾe-n jabjeɾe
Lucivaldo RLS R2-OBL R
1-comer-NLZ DUB
‘talvez Lucivaldo coma’
ʤaɾi - ‘será?’
1009. ʤəɾi ga ja -kãm a te-m
IRRLS DUB 2 DEM.PROX R2-LOC 2 ir/vir-NLZ
‘será que você vem hoje’
pɾʌk - ‘probabilidade
A modalidade de probabilidade é codificada pelo tema pɾʌk, que é posposto ao
verbo.
311
1010. nʌtiɾɛ -tɛ kukej Ø-bi-n pɾʌk
Notire R1-OBL cotia R
1-matar PROB
‘parece que Notire matou cotia’
1011. ga na ga a -jɛ tɨɾɨti -ɔ- boj pɾʌk
2 RLS 2 2 R1-OBL banana R
1-CAUS-chegar PROB
‘parece que você trouxe banana’
9.3 MODO
Modo tem a ver com os diferentes mundos em que a predicação se situa. Em Xikrín
há dois modos principais, o realis e o irrealis. São raras as sentenças que não são marcadas
para um ou outro modo, e quando isso acontece, trata-se de um comentário sobre algo já dito
e marcado por modo. Um terceiro modo é o imperativo.
9.3.1 Modo realis – na
O modo realis, codificadado pela partícula na, é usado pelo falante para informar a
seu interlocutor que o evento verbal ou já se realizou, ou está sendo realizado de fato.
1012. ba na ba mi -mu
1 RLS 1 jacaré R1-ver
‘eu vi jacaré’
1013. ‘...meniɾɛ na me kikɾɛ -kãm -tɛ -kɾa -mu-j -kaʤɨ...’
mulher RLS PL casa R1-LOC R
2-OBL R
2-filho R
1-ver-NLZ R
1-FINLD
‘...as mulheres, elas (ficam) em casa. eles servem para cuidar dos filhos’
312
9.3.2 Modo irrealis - ʤa
O modo irrealis, em oposição ao realis, é acionado pelo falante quando o mesmo
quer informar a seu interlocutor que o evento expresso pelo verbo está no nível da
potencialidade, possibilidade, condicionalidade, e que pode vir a ser realizado. Este modo é
codificado pela patícula ʤa.
1014. ʤa ba i -jɛ tak- -mã ɲum prõn
IRRLS 1 1 R1-OBL bater-NLZ R
1-DIR SD correr
‘se for haver o bater dele por mim, vai haver a corrida dele’
1015. ga ʤa ga boj ne -kãm i -mu
2 IRRLS 2 chegar NS R1-LOC 1 ver
‘você vai chegar e vai me ver’
9.3.3 Modo Imperativo
O modo imperativo é acionado quando o falante se dirige ao seu interlocutor
expressando a necessidade de ele realizar um processo verbal. Na seção 9.3.3.1 descrevemos a
expressão formal do imperativo afirmativo e em 9.3.3.2 analisamos a expressão formal do
imperativo negativo.
9.3.3.1 Imperativo afirmativos:
O modo imperativo afirmativo em Xikrín é expresso através do uso da forma verbal
finita, sem qualquer marca. São exemplos de imperativo afirmativo os seguintes:
Verbos intransitivos
1016. ŋõɾõ
dormir
‘durma!’
313
1017. ŋɾɛ
cantar
‘canta!’
1018. tɔ
festejar
‘festeja!’
1019. akja
gritar
‘grita’
Observando os exemplos (1016-1019) percebemos que, no imperativo afirmativo,
formado com predicados intransitivos, não há a expressão formal do argumento sujeito, visto
que nesse tipo de enunciação ocorre um comando direto do falante ao interlocutor para que
este desempenhe a ação ou evento expresso na proposição enunciada pelo falante. Dessa
forma, pragmaticamente é desnecessário a expressão formal do sujeito.
Verbos transitivos
1020.
a. kukoj ʤ-ʌɲuə b. -ʌɲuə
macaco R1-flechar R
2-flechar
‘flecha o macaco!’ ‘Flecha-o!’
1021
a tɛp -ga b. a-ga
peixe R1-assar R
2-assar
‘assa peixe! ‘assa-o!’
314
1022.
a. kue j-ane b. -ane
furúnculo R1-espremer R
2-espremer
‘espreme o furúnculo!’ ‘esprema-o!’
1023.
a. kukɾɨt -bi b. a-bi
anta R1-matar R
2-matar
‘mata a anta!’ ‘mata-a!’
1024.
a. ɾõɲõ -ɾe b. -ɾe
palmito R1-colher R
2-colher
‘colha palmito’ ‘colha-o!’
Ao analisarmos os exemplos percebemos que o mesmo acontece com os predicados
verbais transitivos, ou seja, não há a expressão formal do argumento externo. Porém, se o
locutor julgar que seu interlocutor desconhece o conteúdo informacional do argumento
interno, este será expresso no enunciado (Exs. 1020a-1024a). Se o conteúdo do argumento
interno for de conhecimento comum de locutor e interlocutor, ele será omitido na construção e
sua ausência será indicada pela presença do prefixo relacional R2, como mostram os exemplos
(Exs. 1020b-1024b).
Assim como ocorre com verbos intransitivos, nos predicados verbais transitivos no
modo imperativo, não ocorre a expressão formal do argumento externo, como observamos
nos exemplos (1020-1024) ilustrados acima.
9.3.3.2 Imperativo negativo
315
O modo imperativo negativo é marcado pelo advérbio de negação ket ‘NEG’, que
aciona a forma nominalizada do verbo. Nesse caso, é obrigatória a expressão formal do
sujeito de verbos intransitivos, que , será marcada pela forma pronominal absolutiva a ‘2’ (exs
1025-1028), ao passo que o argumento interno de verbos transitivos pode vir expresso na
oração (exs.1029a-1032a) ou ser omitido por já ser conhecido do interlocutor (exs. 1029b-
1032b).
Verbos intransitivos
1025. a ɲ-õ-t ket
2 R1-dormir-NLZ NEG
‘não durma!’
1026. a -ŋɾɛ-ɾɛ ket
2 R1-cantar-NLZ NEG
‘não cante!’
1027. a -tɔ-ɾɔ ket
2 R1-festejar-NLZ NEG
‘não festeja!’
1028. a ʤ-ʌkje-ɾe ket
2 R1-gritar-NLZ NEG
‘não grite!’
Verbos transitivos
1029.
a. kukoj ʤ-ʌɲuə-ɾə ket b. -ʤ-ʌɲuə-ɾə ket
macaco R1-flechar-NLZ NEG R
2-flechar-NLZ NEG
‘flecha o macaco!’ ‘Flecha-o!’
316
1030.
a. tɛp ʤ-ʌɾʌ ket b. -ʌɾʌ. ket
peixe R1-assar.NLZ NEG R
2-assar.NLZ NEG
‘não assa peixe! ‘assa-o!’
1031.
a. kue j-ane-j ket b. -ane-j ket
peixe R1-espremer-NLZ NEG R
2-espremer-NLZ NEG
‘não espreme o furúnculo! ‘não o esprema!’
1032.
a. kukɾɨt -bi ket b. a-bi-n ket
anta R1-matar NEG R
2-matar NLZ NEG
‘não mata a anta!’ ‘não o esprema!’
9.4 CONCLUSÃO
Neste capítulo mostramos como as noções de tempo aspecto e modo são expressas
em Xikrín. Vimos que há três modos de fala nessa língua, realis, irrealis e imperativo. Tempo
não é marcado gramaticalmente e o modo realis se associa a algo realizado, portanto a uma
noção de passado, mas não necessariamente, pois pode-se projetar algo realizado para um
tempo posterior ao da fala, enquanto o irrealis se associa naturalmente a algo hipotético, em
certo sentido à ideia de futuro, mas não necessariamente, pois pode-se ter projetado algo no
passado. Vimos que algo análogo ocorre com superposições de noções aspectuais com noções
temporais e modais, pois o aspecto imperfectivo pode em algum ponto se superpor ao de
irrealidade, enquanto o completivo com o de realidade.
317
CAPITULO X – VOZES VERBAIS
A voz é uma categoria gramatical que busca circunscrever a participação do sujeito
com respeito ao processo verbal (cf. BENVENISTE, 1995). Segundo Benveniste, há duas
vozes, a voz ativa e a voz média, na primeira, o sujeito, que geralmente é um agente, é
exterior ao processo desencadeado pelo verbo, visto que o processo se desenvolve a partir
dele, mas não o afeta, enquanto que, na voz média, o sujeito é interior ao processo, já que,
simultaneamente, realiza-o e por ele é afetado. Rodrigues (1953), em Morfologia do verbo
Tupí, descreve cinco vozes para o Tupí antigo, a saber: a voz causativa, a causativo-
comitativa, a causativo-prepositiva, a reflexiva e a recíproca. Segundo Rodrigues (Opit cit),
na voz causativa, o sujeito age sobre outro para que este pratique a ação em vez de ele mesmo
praticá-la; na voz causativo-comitativa, o sujeito faz outra pessoa praticar a ação juntamente
com ele; na voz causativo-prepositiva, o sujeito age sobre o interlocutor afim de que este
pratique a ação sobre uma terceira pessoa; na voz reflexiva, o sujeito pratica e sofre a ação
simultaneamente e, na voz recíproca, os sujeitos agem uns sobre os outros.
Neste capítulo descrevemos as vozes verbais reflexiva, recíproca e causativa
encontradas na língua Xikrín, com base em Benveniste (1966), com respeito a noção de voz, e
em Rodrigues (1953) e em Dixon (2012), com respeito às diferentes vozes que também são
encontradas na língua em pauta. O capítulo está organizado da seguinte forma: na seção 10.1
descrevemos a voz reflexiva; em 10.2, apresentamos a voz recíproca, na seção 10.3,
analisamos as construções causativas, e finalizamos o capítulo com algumas considerações
finais, na seção 10.4.
Construções reflexivas e recíprocas expressam atividades em que os participantes são
correferentes e caracterizam-se por serem orações intransitivas derivadas de orações
transitivas, como veremos nas próximas seções.
10.1 VOZ REFLEXIVA
Em Xikrín, a voz reflexiva é derivada por meio do nome ami ‘reflexivo’ em função
de objeto sintático do verbo. Os exemplos (1033a) a 1035a), ilustram construções na voz
ativa, enquanto os exemplos (1033b) a 1035b), ilustram construções na voz reflexiva.
318
1033.
a. meniɾɛ na -kɾa -ãpɾɔ
mulher RLS R2-filho R
1-cobrir
‘a mulher cobriu a criança’
b. meniɾɛ na ami -ãpɾɔ
mulher RLS REFL R1-cobrir
‘ a mulher se cobriu’
1034.
a. ba na ba a ɲ-ikɾa -kɾãta
1 RLS 1 a R1-mão R
1-cortar
‘eu cortei tua mão’
b. ba na ba ami -kɾãta
1 RLS 1 REFL R1-cortar
‘eu cortei minha própria mão’
1035.
a. ga na ga itʃɛɾɛ -kãm i j-ɔmu
2 RLS 1 espelho R1-LOC i R
1-ver
‘você me viu no espelho’
b. ga na ga itʃɛɾɛ -kãm ami j-ɔmu
1 RLS 1 espelho R1-LOC REFL R
1-ver
‘você se viu no espelho’
A voz reflexiva implica que o sujeito aja sobre si mesmo, o que requer que ele seja
minimamente animado, a menos que se trate de uma situação pragmática que permita um ser
inanimado agir sobre outro e sobre se mesmo. Entretanto a mesma construção reflexiva é
319
usada quando um sujeito que realizou um evento ou processo tem referente inanimado mesmo
não podendo ser ele próprio, voluntariamente, sujeito do mesmo verbo agindo sobre um
objeto distinto. Os exemplos seguintes são muito provavelmente resultado da interferência do
Português sobre o Xikrín, em que figuram pacientes que correspondem, na maioria dos casos
a empréstimos culturais, como copo, porta, carro, entre outros, embora sejam também
recorrentes o emprego de objetos culturais nativos nessas construções. Exemplos de
construções reflexivas com pacientes inanimados são os seguintes:
1036. kɾɛakʌ na ami -ãta
porta RLS REFL R1-abrir
‘a porta se abriu’
1037. kubeniɾɛ na ŋojkrã -katɛ
mulher não-indígena RLS copo R1-quebrar
‘a mulher abriu a porta’
1038. ŋojkrã na ami -katɛ
copo RLS REFL R1-quebrar
‘o copo se quebrou’
1039. kubeae ami -kaʤo
rede RLS R1-rasgar
‘a rede se rasgou’
1040. itʃɛɾɛ na ami -katɛ
espelho RLS REFL R1-quebrar
‘o espelho se quebrou’
320
10.2 VOZ MÉDIA
A voz média é expressa por meio do morfema aj- combinado com o terma verbal.
Trata-se, na realidade, de um processo de intransitivização verbal. Ocorre, em princípio,
quando o sujeito é inanimado, como porta, arco, copo, entre outros. Muito provavelmente, as
construções com o prefixo aj- estão perdendo espaço para as construções reflexivas.
Exemplos ilustrativos disso são:
1041. ŋo aj-kapi
água MED-derramar
‘a água derramou’
1042 itʃɛɾɛ na tɨm ne aj-katɛ
espelho RLS cair MS MED-quebrar
‘o espelho caiu e se quebrou’
10.3 VOZ RECÍPROCA
Na voz recíproca, o sujeito oracional deve ter referência plural, sobre o qual recai a
ação verbal. A voz recíproca é indicada pelo nome aben ‘um.ao.outro’, em função do objeto
direto sintático do verbo transitivo na voz ativa. Os exemplos (1043a a 1046a) ilustram
construções ativas, enquanto que os exemplos (1043b a 1046b) ilustram construção na voz
recíproca.
1043.
a. meniɾɛ mepriɾɛ -tak
mulher criança R1-bater
‘a mulher bateu na criança’
b. meniɾɛ aben -tak
mulher REC R1-bater
‘as mulheres bateram uma na outra’’
321
1044.
a. meniɾɛ na i -kaɲe
mulher RLS 1 R1-atrapalhar
‘as mulheres me atrapalharam’
b. meniɾɛ na aben Ø-kaɲe
mulher RLS REC R1-atrapalhar
‘as mulheres atrapalharam umas as outras’
1045.
a. guba na gu mepɾiɾɛ j-ae
1+2 RLS 1+2 criança R1-assustar
‘nós assustamos as crianças’
b. guba na gu aben j-ae
1+2 RLS 1+2 REC R1-assustar
‘nós dois assustamos um ao outro’
1046.
a. memɨ na -pɾõ -mã -kaben
homem RLS R2-esposa R
1-DIRET R
2-fala
‘o homem falou para a mulher’
b. memɨ na me aben -mã -kaben
homem RLS PL REC R1-DIRET R
2-fala
‘os homens falaram uns aos outros’
322
10.4 VOZ CAUSATIVA
A causativização é um mecanismo usado para aumentar a valência de um verbo
intransitivo. Ao se causativizar um verbo intransitivo, que apresenta um único argumento, o
argumento S original é demovido à função de O(bjeto direto) e há o acréscimo de um novo
elemento na função A (cf. DIXON, 2012, p. 240).
Identificamos em Xikrín dois tipos de construções causativas, as monoracionais e as
bioracionais.
10.4.1 Construções causativas monooacionais
Nas construções causativas monooracionais, a causativização é realizada pela
combinação do prefixo ɔ- ‘causativo’ com um tema verbal intransitivo. Os exemplos
seguintes contrastam orações com verbos intransitivos (exs. ímpares) com orações com os
mesmos verbos causativizados (exs. pares).
1047
a. -kwtj n bʌ -kãm te
R2-avó RLS floresta R
2-LOC ir/vir
‘a avó dele foi à floresta’
b. bʌ -kãm n ba i -kwtj -ɔ-te
floresta R1-LOC RLS 1 1 avó R
1-CAUS-ir/vir
‘eu fiz minha avó ir à floresta’
1048.
a. -kwtj na bʌ -kãm mõ
R2-avó RLS floresta R
1-LOC ir/vir
‘a avó deles estava indo para a floresta’
323
b. ku-be -kwtj -ke um -kãm kʌjm ʌmr
R2-ABLAT.CENTR R
2-avó R
1-pegar SD R
2-LOC em cima gritar
um -ɔ-mõ
SD R2-CAUS-ir/vir.PL
‘(o gavião) pegou a avó deles e ela gritava lá de cima, (mas) ele (o gavião) a levou’
1049.
a. kukɾɨtkako na ɾp boj ne
Kukrytkako RLS já chegar
‘Kukrytkako já chegou’
b. kukɾɨtkako na -kɾa --boj
Kukrytkako RLS R2-filho R
1-CAUS-chegar
‘Kukrytkako trouxe o filho dela’
Causativização com nomes dinâmicos
O morfema causativo combina-se também com nomes dinâmicos. Os exemplos
seguintes contrastam predicados com nomes dinâmicos e predicados com nomes dinâmicos
causativisados:
1050. mepri n me aɾəp -katɔ
criança RLS PL já R2-o sair
‘’houve o sair das crianças’
1051. ɲɛti mepri -ɔ-katɔ
Ngeti criança R2-CAUS-sair
‘Ngeti flechou as crianças’
324
1052. ga na ga a j-aɾi
2 RLS 2 2 R1- o pular
houve o teu pular’ (houve o teu pular)
1053. ba na ba mepriɾɛ -ɔ-aɾi
1 RLS 1 criança CAUS-pular
‘eu fiz você pular’’
O morfema causativo se combina também com nomes de qualidade, formando
verbos transitivos:
1054. ga na ga a -mɛj
2 RLS 2 2 R1-bom
‘você está bem’
1055. ba na ba a j-ɔ-mɛj
1 RLS 1 2 R1-CAUS-bom
‘eu fiz você (ficar) bonito’
1056. kikɾɛ -nɨ/
casa R1-novo
‘a casa é nova’
1057. kube ʤa ajtɛ kikrɛ -ɔ-nɨ
homem IRLS ITER casa R1-CAUS-novo
‘os não índigenas vão fazer a casa ficar nova’
325
1058. kɾi-ɾaj ɲ-ipok
aldeia R1-círculo
‘a aldeia é redonda’
1059. piʔokjakɾɛʤwəj na a ɲ-iʤi -mã -ɔ-ipok
professor RLS 2 R1-nome R
1-DIRET CAUS-círculo
‘o professor ciculou no seu nome’
Apresentamos em seguida exemplos da voz reflexiva com verbos causativizados:
1060. ba na ba ami j-ɔ-te
1 RLS 1 REFL R1-CAUS-ir/vir
‘eu me fiz vir’
1061. ba na ba ami j-ɔ-ŋɾɛ
1 RLS 1 REFL R1-CAUS-cantar
‘eu me fiz cantar’
1062. ba na ba ami j-ɔ-tɔ
1 RLS 1 REFL R1-CAUS-festejar
‘eu me fiz festejar’
1063. meniɾɛ na ami j-ɔ-ŋõɾõ
mulher RLS REFL R1-CAUS-dormir
‘a mulher se fez dormir’
326
1064. mepɾiɾɛ na pi -ã ami j-ɔ-ɾwə
menino RLS árvore R1-LOC REFL R
1-CAUS-descer
‘o menino se fez descer da árvore’
1065. ga na ga ŋo -kãm ami j-ɔ-boj
2 RLS 2 rio R1-LOC REFL R
1-CAUS-chegar
‘você se fez chegar no rio’
1066. ga na ga ami j-ɔ-nõ
2 RLS 2 REFL R1-CAUS-deitar
‘você se fez deitar’
1067. ba na ba ami j-ɔ-akej
1 RLS 1 REFL R1-CAUS-voltar
‘eu me fiz voltar’
1068. ba na ba ami j-ɔ-ɲɨ
1 RLS 1 REFL R1-CAUS-sentar
‘O menino se fez descer da árvore’
1069. ba na ba ami j-ɔ-mɛj
1 RLS 1 REFL R1-CAUS-bom
‘Eu me fiz bonita
10.4.2 Construções bioracionais causativas
Em Xikrín há três verbos e um nome que, em algumas situações, têm uma função
causativa:
327
a) o nome -kɾʌ ‘pedido’;
b) os verbos transitivos ,- anɔ ‘mandar’, -aɾe ‘dizer’ e -ipej. ‘fazer’.
Construções causativas com -kɾʌ ‘pedido’
O nome -kɾʌ, numa construção bioracional, tem a ideia de ‘fazer pedido’. Ocupa a
última posição da oração principal, estabelecendo limite com a oração dependente, cujo
núcleo é um verbo transitivo modificado pela posposição -mã ‘diretiva’, como mostram os
exemplos (1070 e 1072).
1070. g na g menõɾõnɨ -m -kɾʌ
2 RLS 2 jovem R1-DIRET 2 R
1-pedido
ku-tɛ kwɨ -bi-n -m
R2-OBL fogo R
1-matar-NLZ R
1-DIRET
‘houve o pedido de você para o jovem para ele apagar o fogo’(houve o teu
pedido ao jovem para o apagar do fogo por ele)
1071. ta wa na i -m -kɾʌ
1 DEM.DIST RLS 1 R1-DIRET R
1-pedido
i -jɛ kwɨ -bi-n -m
1 R1-OBL fogo R
1-matar-NLZ R
1-DIRET
‘houve o pedido daquele a mim para eu apagar o fogo’
1072. benaʤwəɾə na a -m -kɾʌ
cacique RLS 2 R1-DIRET R
1-pedido
a- -jɛ -atɨ- -m
2 R1-OBL R
2-forrar-NLZ R
1-DIRET
‘houve o pedido a mim do cacique para o forrar (do chão) por mim’
328
Construções causativas com -anɔ ‘mandar’ ‘enviar’
O verbo -anɔ, numa construção bioracional, expressa na oração principal a ideia de
‘mandar, enviar’, correspondendo a ideia de causatividade prepositiva (cf. RODRIGUES,
1953). O verbo -ano ocorre no final da oração e tem como complemento um sintagma
posposicional de finalidade, como ilustram os dados de (1073 a 1079).
1073. ba na ba ivã- j-anɔ ku-tɛ
1 RLS 1 Ivã R1-mandar R
2-OBL
kʌkɾikɾiti -preg- -m
motor R1-ligar-NLZ R
1-DIRET
‘eu mandei Iva ligar o motor’(eu mandei Ivan e houve o ligar do motor por ele)
1074 ba na ba [ -jɛ kʌkɾikɾiti -preg- -m] j-nɔ
1 RLS 1 2 R1-OBL motor R
1-ligar-NLZ R
1-DIRET 1 R
1-mandar
‘eu mandei você ligar o motor’(eu mandei você. houve o ligar do motor por você
1075. b ne b meni [ku-tɛ me -õkɾɛʤe
1 RLS 1 mulher R2-OBL hum R
2-colar
-ipej -m] -n
R1-fazer R
1-DIRET R
2-mandar
‘eu mandei a mulher fazer colar’ (eu mandei a mulher e houve o fazer do
colar por ela
1076. b ne b [ ɲɾɛ-ɾɛ -m] j-n
1 RLS 1 2 R1-cantar-NLZ R
1-DIRET 2 R
1-mandar
‘eu mande você cantar’ (eu mandei você e houve o teu cantar)
1077. b ne b [ mə-ɾə -m] j-n
1 RLS 1 2 chorar-NLZ R1-DIRET 2 R
1-mandar
‘eu mandei você chorar’ (eu mandei você e houve o teu choro)
329
Construções causativas com -aɾe ‘dizer’
Da mesma forma, o verbo -aɾe ‘dizer’ contribui com a ideia de causativisação
prepositiva. Quando o verbo dizer é usado enquanto causativo prepositivo há que ter duas
orações coordenadas por ɲum ‘SD’. O verbo causativo ocorre na primeira oração, precedido
pela expressão dativa, e o que é mandado alguém fazer é expresso na segunda oração, como
mostram os exemplos de (1078 a 1083).
1078. b ne b mepɾiɾɛ -m -aɾe
1 RLS 1 criança R1-DIRET R
1-dizer
ɲum me -aɾi
SD PL R2-pulo
‘eu disse para as crianças pularem’ (eu disse para as crianças e houve o pulo
delas)
1079. b ne b memɨ -m -aɾe
1 RLS 1 criança R1-DIRET R
2-dizer
ɲum -pɾõn
SD R2-o correr
‘eu disse para o homem correr (eu disse para o homem e houve a corrida dele)
1080. mepɾiɾɛ na me -bãm -m -aɾe
criança RLS PL R2-pai R
1-DIRET R
2-dizer
ɲum -kɛkɛt
SD R2-o sorrir
‘a criança disse para o pai sorrir’ ‘(a criança disse ao pai e houve o sorrir dele)’
1081. g ne g ku-mã -aɾe
2 RLS 2 R2-DIRET R
2-dizer
ɲum a -nã ajtɛ akej
SD 2 R1-mãe ITER voltar
‘você fez sua mãe voltar’ ‘(você disse e sua mãe voltou)’
330
1082. b ʤa b lane -m -aɾe
1 IRRLS 1 Lane R1-DIRET R
2-dizer
ɲum memɨ -mu
SD homem R1-ver
‘eu vou fazer Lane ver o homem’ ‘(eu vou dizer à Lane e ela vai ver o homem)’
1083. b na b mepɾiɾɛ -m -aɾe
1 RLS 1 criança R1-DIRET R
2-dizer
ɲum tɨm
SD cair
‘eu fiz a criança cair’ ‘(eu disse à criança e ela caiu)’
Construções causativas com -ipej ‘fazer’
O verbo -ipej ‘fazer’, não só tem um uso causativo prepositivo, como os verbos -aɾe e -
an como requer estrutura sentencial análoga às estruturas sentenciais requeridas por esses
dois verbos, como mostram os exemplos de (1084 a 1087).
-ipej ‘fazer’
1084. b iɾekɾi ɲ-ipej ɲum ŋɾɛ
1 Irekri R1-fazer SD cantar
‘eu fiz Irekri dançar’
1085. b a ɲ-ipej ɲum ba bʌ -kãm te
1 1 R1-fazer SD 1 floresta R
1-LOC ir/vir
‘eu fiz você caçar’’
331
1086. meniɾɛ na mepɾiɾɛ ɲ-ipej ɲum ŋõɾõ
mulher RLS criança R1-fazer SD dormir
‘a mulher fez a criança dormir’
1087. b -ipej ɲum ku-ma
1 R2-fazer SD R
1-saber
‘eu o fiz aprender’
10.5 CONCUSÃO
Neste capítulo foi mostrado que na língua Xikrín há as vozes verbais reflexiva,
recíproca e causativa, além da voz média codificada pelo prefixo aj-. Foi visto também que a
voz causativa pode ocorrer em construções monooracionais e bioracionais.
332
CAPÍTULO XI – CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS
11. INTRODUÇÃO
Construções comparativas envolvem a observação de pelo menos duas entidades
quanto a similaridades e diferenças entre elas. Dixon (2012, p. 344) propõe o seguinte
esquema ilustrativo dos componentes de uma relação comparativa. Vejamos o exemplo
traduzido do exemplo 1) dado por Dixon:
John is more hansome than Felix
João é mais bonito do que Felix
comparee index parameter mark standard
Para Dixon estruturas comparativas devem ser constituídas de um esquema contendo
os seguintes elementos:
Um elemento comparado (João)
Um padrão de comparação (Felix)
Uma propriedade, que é o parâmetro da comparação (bonito)
Um índice de comparação (mais, menos, ou outro) (mais)
Para Dixon o elemento comparado é quase sempre um tipo de sujeito e o padrão de
comparação pode ser um objeto, ou um argumento periférico. Há ainda uma marca da função
gramatical do parâmetro, equivalente a ‘do que’, do Português.
Dixon oferece uma variedade de tipos de estruturas comparativas encontradas em
diferentes línguas, explicados a partir desse esquema básico, mas considerando as
especificidades de cada língua e os tipos de estruturas, mono-oracionais, bi-oracionais ou
construções envolvendo verbos seriais, entre outras.
Estratégias descritas por Dixon (2012), três delas são encontradas em Xikrín,
Estratégia comparativa tipo S e dois subtipos de estruturas do tipo A1.
11.1 ESTRATÉGIA COMPARATIVA TIPO S
Nesse tipo de comparação, é o contraste semântico do conteúdo dos predicados que
entram em uma relação comparativa. Quando o contraste se faz por meio de duas orações, a
333
propriedade imputada ao participante da primeira oração será oposta e interpretada como
superior à propriedade imputada ao segundo participante, que se encontra na segunda oração.
Os exemplos seguintes ilustram esse tipo de comparação.
11.1.1 Comparação de superioridade
Predicados existenciais
1088. kapɾãn na -kumɛj aŋɾoɾɛ na -ŋɾi-ɾɛ
jabuti RLS R2-grande quantidade caititu RLS R
2-pouca quantidade
‘há jabutis em grande quantidade e há porcão em pouca quantidade’ ‘(Há mais
jabuti do que caititu)’
1089. metɔɾɔ -kãm na meni -kumɛj
festa R1-LOC RLS mulher R
2- grande quantidade
ɲum memɨ -ŋɾe-ɾɛ
SD homem R1- pouca quantidade
‘Na festa, há muitas mulheres em grande quantidade e homens em pouca
quantidade’ ‘(Na festa, há mais mulheres do que homens)’
Predicados nominais de essivos
1090. bɛptum ja na -təj nʌtiɾɛ na -iɾɛ
BepTum DEM.PROX RLS R2-força Notire RLS R
2-magreza
‘Bep Tum é forte e Notire é magro’ ‘(Bep Tum é mais forte do que Notire)’
1091. kaɾaŋɾɛ na -nɨ-ɾɛ ɲum bʌʧe -be ŋet
Karangre RLS R2-novo-ATEN SD Bàxe R
1-ESSIVO velho
‘Karangre está novo e Bàxe está velho (Karangre é mais novo do que Bàxe)’
334
1092. memɨ na me -abatʌj mepɾiɾɛ na me -pɾiɾɛ
homem RLS HUM R2-alto criança RLS HUM R
2-pequeno
‘o homem é alto e a criança é pequena’ ‘(O homem é mais alto do que a
criança)’
1093. ba na ba i -pɾek ɲum ga na ga a -pɾiɾɛ
1 RLS 1 1 R1-alto SD 2 RLS 2 2 R
1-pequeno
‘eu sou alto e você é pequeno.’ ‘(Eu sou mais alto do que você)’
Exemplos com predicados essivos que têm por núcleo verbos intransitivos nominalizados
1094. ga na ga a -mɾã-j -təj
2 RLS 2 2 R1-andar-NLZ R
1-força
ba na ba i -mɾã-j -ɾɛɾɛk
1 RLS 1 1 R1-andar-NLZ R
1-fraqueza
‘há teu andar forte e há meu andar fraco’ ou ‘(você anda mais rápido do que eu)’
1095. ba na ba i -ŋɾɛ-ɾɛ -mɛj
1 RLS 1 1 R1-cantar-NLZ R
1-bom
ga na ga a -ŋɾɛ-ɾɛ -punu
2 RLS 2 2 R1-cantar-NLZ R
1-feio
‘há o meu cantar bonito e há o teu cantar feio’ ou ‘(eu canto melhor do que você)’
1096. ba na ba i ɲ-õt -kumɛj
1 RLS 1 1 R1-dormir.NLZ R
1- grande quantidade
ga na ga a ɲ-õt -ŋɾi-ɾɛ
2 RLS 2 2 R1-dormir-NLZ R
1- pouca quantidade
‘houve meu dormir em grande quantidade e houve teu dormir
em pouca quantidade’ ou ‘(eu durmi mais do que você)’
335
Exemplos em que o que é comparado é o conteúdo informacional de predicados de
verbos intransitivos
1097. ba na ba pi -kumɛj na -akʌ ɲum
1 RLS 1 pau R2- grande.quantidade RLS R
2-cortar SD
ga na ga -ŋɾe-ɾɛ Ø-akʌ
2 RLS 2 R2- pouca quantidade-ATEN R
2-corta
‘foi muito pau (que) eu cortei e você cortou pouco’ ou ‘(eu cortei mais pau do que
você)’
Em 1097, o parâmetro da comparação é ‘cortar lenha’ e os nomes kumɛj ‘grande
quantidade’ e ŋɾe-ɾɛ ‘pouca.quantidade’ é o que vai diferenciar se o camparado está em uma
relação inferior ou superior ao padrão da comparação. Assim ocorre com os exemplos
seguintes:
1098. ba na ba tɛp -kumɛj -ʌɲuə ɲum
1 RLS 1 peixe R2-grande.quantidade R
2-flechar SD
ga na ga -ŋɾe-ɾɛ -ʌɲuə
2 RLS 2 R2-pouca.quantidade-ATEN R
2-flechar
‘ eu flechei peixe em grande quantidade e você o flechou em pouca
quantidade’ ou ‘(eu flechei mais peixe do que você)
11.1.2 Comparação de inferioridade
Para expressar uma comparação de inferioridade, o nome ‘pouca. quantidade’
marcará o elemento comparado e o nome ‘grande.quantidade’, o padrão da comparação:
Comparações com predicados existenciais:
1099. kapɾãn na -ŋɾi-ɾɛ aŋɾoɾɛ na -kumɛj
jabuti RLS R2-pouca.quantidade-
ATEN
caititu RLS R2-grande.quantidade
‘há jabuti em pouca quantidade e há caititu em grande quantidade’ ou ‘(há menos
jabuti do que caititu)’
336
1000. metɔɾɔ -kãm na meni -ŋɾi-ɾɛ
festa R1-LOC RLS mulher R
1-pouca.quantidade-ATEN
ɲum memɨ -kumɛj
SD homem R2-grande.quantidade
‘Na festa, há mulher em pouca quantidade e há homem em grande
quantidade’ ou ‘(na festa, há menos mulher do que homem)’
Exemplos com predicados nominais essivos
1101. kenpɔti na -pɾi-ɾɛ ɲum bɛp tum na -abatʌj
Kenpoti RLS R2-pequeno-ANTEN SD Bep Tum RLS R
2-alto
‘Kenpoti é pequeno e Beptum é alto’ ou ‘(Kenpoti é menor do que Bep Tum)’
1102. ba na ba i -pɾiɾɛ ɲum
1 RLS 1 1 R2-baixo-ANTEN SD
ga na ga a -pɾek
2 RLS 2 2 R1-altura
‘há minha baixa estatura e há tua altura’ ou ‘(eu
sou mais baixo do que você)’
1103. ba na ba i -ɾɛɾɛk
1 RLS 1 1 R1-fraqueza
ga na ga a təj
2 RLS 2 2 R1-força
‘há minha fraquez e há tua força’ ou ‘(eu sou mais fraco do que você)’
1104. ko ja na -ŋɾi-ɾɛ
borduna DEM.PROX RLS R2-pequeno-ATEN
ko wa na -ɾaj
borduna DEM. DIST RLS R2-grandeza
‘esta borduna é pequena e aquela borduna é grande’ ou ‘(Esta borduna é menor do
que aquela)’
337
Exemplos em que o que é comparado é o conteúdo informacional de predicados de verbos
transitivos
1105. ba na ba aŋɾo -ŋɾe-ɾɛ ku-pa ɲum
1 RLS 1 porcão R1pouca.quantidade-ATEN R
2-matar SD
ga na ga -kumɛj na ku-pa
2 RLS 2 R2-grande.quantidade RLS R
2-matar
‘Eu matei de porcão em pouca quantidade e você o matou em grande
quantidade’ ou ‘(eu matei menos porcão do que você)’
1106. ba na ba pi -ŋɾe-ɾɛ -akʌ ɲum
1 RLS 1 pau R1-pouca. quantidade-ATEN R
2-corta SD
ga na ga kumɛj na -akʌ
2 RLS 2 R2-grande.quantidade RLS R
2-corta
‘Eu cortei pouca quantidade de pau e você cortou grande quantidade dele’
ou ‘(eu cortei menos pau do que você)’
11.2 COMPARAÇÃO DO TIPO A1
Em Xikrin, esse tipo de comparação monooracional é constituído de um nome de
qualidade como parâmetro e o padrão da comparação é modificado pela marca de comparação
jakre ‘do.que’ a qual, de acordo com critérios sintáticos, tem características de uma
posposição.
É importante salientar que, esse tipo de construção, em Xikrín, não inclui um index
como ‘mais’ ou ‘menos’. Mas o elemento comparado se combina com o morfema
associativo.instrumentivo -, enquanto o padrão de comparação é modificado por jakre.
Outro fato importante a ser destacado, é que o elemento comparado precede o padrão
da comparação.
338
11.2.1 Construções comparativas de superioridade
São exemplos de construções comparativas de superioridade do tipo A1 as seguntes:
1107. memɨ na me -abatʌɾi -ɔ mepɾiɾɛ jakɾɛ
homem RLS HUM R2-altura R
1-ASS.INSTR criança comp
‘o homem é mais alto do que a criança’
1108. tutɛ na -abatʌɾi -ɔ ɾɔpkɾɔɾi jakɾɛ
Tute RLS R2-altura R
1-ASS.INSTR Ropkrori comp
‘Tute é mais alto do que Ropkrori’
1109. ɾɔpkɾɔɾi na -aɾi -ɔ tutɛ jakɾɛ
Ropkrori RLS R2-pulo R
1-ASS.INSTR Tute comp
‘Ropkrori pula mais do que Tuté’
1110. kube na -iɾɛ -ɔ ikɾo jakɾɛ
não-indígena RLS R2-magro R
1-ASS.INSTR Ikro comp
‘o não indígena é mais magro do que Ikro’
1111. ba na ba i -pɾiɾɛ -ɔ a jakɾɛ
1 RLS 1 1 R2-pequeno R
1-ASS.INSTR 2 comp
‘eu sou mais baixo do que você
1112. tutɛ na -abatʌj -ɔ lusivawdo jakɾɛ
Tute RLS R2-altura R
1-ASS.INSTR Lucivaldo comp
‘Tute é mais alto do que Lucivaldo’
339
1113. ɾɔp ja na -abatʌj -ɔ wa jakɾɛ
cachorro DEM.PROX RLS R2-altura R
1-ASS.INSTR DEM.DIST comp
‘este cachorro é mais alto do que aquele’
1114. ɾɔp ja na -pɾiɾɛ Ø-ɔ wa jakɾɛ
cachorro DEM.PROX RLS R2-pequeno R
1-ASS.INSTR DEM.DIST comp
‘este cachorro é menor do que aquele’
1115. ba na ba i -mɛj -ɔ ta wa jakɾɛ
1 RLS 1 1 R1-bom R
1-ASS.INSTR 3P DEM.DIST comp
‘eu sou mais bonita do aquela’
1116. meniɾɛ na mɛj -ɔ i jakɾɛ
mulher RLS R2-bom R
1-ASS.INSTR 1 comp
‘a mulher é mais bonita do que eu’
1117. i ɲ-õ kʌ na -ɾaj
1 R1-PERTENCE canoa RLS R
2-grande
-ɔ a ɲ-õ jakɾɛ
R1-ASS.INSTR 2 R
1-PERTENCE comp
‘minha canoa é maior do que a tua’
1118. a ɲ-õ kɾuwa na -nɨ
2 R1-PERTENCE flecha RLS R
2-grande
--ɔ i ɲ-õ jakɾɛ
R1-ASS.INSTR 1 R
1-PERTENCE comp
‘tua flecha é mais nova do que a minha’
340
1119. ko ja na -ɾaj -ɔ wa jakɾɛ
borduna esta RLS R2-grande R
1-ASS.INSTR DEM.DIST comp
‘esta borduna é maior do que aquela’
1120. bɛp tum na -ɾaj -ɔ nʌtiɾɛ jakɾɛ
borduna RLS R2-grande R
1-ASS.INSTR Notire comp
‘Bep Tum é mais forte do que Notire’
1121. bʌʧe na ku-be ŋet -ɔ kaɾaŋɾɛ jakɾɛ
Bàxe RLS R2-essivo velho R
1-ASS.INSTR Karangre comp
‘Bàxe é mais velho do que Karangre’
1122. ga na ga a -mɾã-j -təj -ɔ i jakɾɛ
2 RLS 2 2 R1-andar-NLZ R
1-forte R
1-ASS.INSTR 1 comp
‘você anda mais rápido do que eu’
1123. tamakwaɾɛ na pi -kɾãɨɾɨ -ɔ i jakɾɛ
Tamakware RLS pau R1-cortar.NLZ R
1-ASS.INSTR 1 comp
‘Tamakwaré cortou mais pau do que eu’
1124. mepɾiɾɛ ja na məja -ma-ɾi
menino DEM.PROX RLS coisa R1-saber-NLZ
-ɔ ta wa jakɾɛ
R1-ASS.INSTR 3p DEM.DIST comp
‘’Este menino é mais inteligente do que aquele’
341
1125. ba na ba i ʤ-ʌpej -ɾaj -ɔ a jakɾɛ
1 RLS 1 1 R1-trabalho R
1-grande R
1-ASS.INSTR 2 comp
‘eu trabalho mais do que você’
1126. ga na ga a ʤ-ʌpej -ɾaj -ɔ i jakɾɛ
2 RLS 2 2 R1-trabalho R
1-grande R
1-ASS.INSTR 1 comp
‘você trabalha mais do que eu’
1127. ba na ba i -pɾek -ɔ a jakɾɛ
1 RLS 1 1 R1-altura R
1-ASS.INSTR 2 comp
‘eu sou mais alto do que você’
1128. na ba aŋɾo kumɛj ne -pa-ɾi -ɔ a jakɾɛ
RLS 1 porcão muito MS R2-matar-NLZ R
1-ASS.INSTR 2 comp
‘eu matei mais porcão do que você’
11.2.2 Construções comparativas de inferioridade
A estratégia para a codificação de construções comparativas de inferioridade é
também do tipo A1, mas inclui o índice kʌjbe ‘menos, menor’, posicionado antes do
constituinte padrão, parâmetro da comparação:
1129. pɔkɾɛ na ku-mã rɔp -kij
Pokre RLS R2-DIRET cachorro R
1-gostar
-ɔ kʌjbe i jakɾɛ
R1-ASS.INSTR menos 1 comp
‘Pokre gosta menos do cachorro do que eu’
342
1130. ba na ba kʌjbe me -kaben
1 RLS 1 menos HUM R1-fala
‘eu sei menos Xikrin do que você’
-ma-ɾi -ɔ a jakɾɛ
R1-saber-NLZ R
1-ASS.INSTR 2 comp
‘eu sei menos Xikrin do que você’
1131. ga na ga kʌjbe mebeŋokɾɛ -kaben
2 RLS 2 menos indígena R1-fala
-ɔ i jakɾɛ
R1-ASS.INSTR 1 comp
‘você sabe menos o falar do Xikrin do que eu’
1132. ba na ba kʌjbe i -pɾiɾɛ -ɔ a jakɾɛ
1 RLS 1 menos 1 R1-pequeno R
1-ASS.INSTR 2 comp
‘eu sou menos alto do que você
1133. ba na ba kʌjbe pi -kɔkje-ɾe
1 RLS 1 pouco pau R1-cortar-NLZ
-ɔ a jakɾɛ
R1-ASS.INSTR 2 comp
‘eu cortei um pouco mais de lenha do que você’
11.3 CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS DE IGUALDADE
As construções comparativas de igualdade, diferem das construções do tipo A1 por
não possuírem o contraste entre comparado e padrão da comparação. Os elementos postos em
relação de igualdade formam um constituinte conectados pelo conectivo me . Entretanto esse
tipo de comparação compartilha com a comparação tipo A1 a combinação do morfema
343
associativo--intrumentivo com o parâmetro da comparação seguido da marca comparativa
pɾʌk ‘igual.a’. Esse tipo de estrutura também inclui o recíproco aben.
Exemplos:
1134. ikɾo me bɛp kamɾek na aɾi ku-tɛ
Ikro CONJ Bep Kamrek RLS pauc R2-OBL
abatʌɾi -ɔ aben pɾʌk
altura R1-ASS.INSTR REC igual
‘Ikro e Bep Kamrek têm a mesma altura’
1135. tamakwarɛ me iɾã na pi -kɔkje-ɾe
Tamakware CONJ Irã RLS pau R1-cortar-NLZ
-ɔ aben pɾʌk
R1-ASS.INSTR REC igual
‘Tamakwaré e Irã cortaram pau igualmente’
1136. tamakwarɛ me iɾã na -aɾi
Tamakware CONJ Irã RLS R2-pulo
-ɔ aben pɾʌk
R1-ASS.INSTR REC igual
‘Tamakwaré e Irã pularam da mesma altura’
1137. lusivawdo me kɾupʤo -abatʌj
Tamakware CONJ Krupdjo R1-altura
-ɔ aben pɾʌk
R1-ASS.INSTR REC igual
‘Lucivaldo e Kropdjo são da mesma altura’
344
1138. guba j-abatʌj -ɔ aben pɾʌk
1+2 R1-altura R
1-ASS.INSTR REC igual
‘nós somos da mesma tamanho’
1139. guba -pɾiɾɛ -ɔ aben pɾʌk
1+2 R1-baixa.estatura R
1-ASS.INSTR REC comp
‘nós somos igualmente baixos’
1140. lucivawdo me bɛp ɲɨɾɨti na --abatʌɾi
Lucivaldo CONJ Bep Nhõrõ-Ti RLS R2-altura
-ɔ aben pɾʌk
R1-ASS.INSTR RECIP comp
‘Lucivaldo e Bep Nõrõti têm mesma altura’
11.4 CONCLUSÃO
Neste capítulo, vimos que a língua Xikrín possui basicamente três tipos de
construções comparativas. Dois tipos de construções são consideradas subtipos de um tipo
A1, e o outro tipo caracteriza-se como construções do tipo S. O traço que distingue
construções de um dos tipos das comparações A1 do Xikrín de línguas como o Português é o
uso na primeira de um morfema associativo.instrumentivo, enquanto que línguas como o
Português usam um índice do tipo ‘mais, maior’. Provavelmente o morfema associativo
instrumentivo contribua com o significado similar ao de um índice como ‘mais, maior’.
345
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta tese descrevemos aspectos da fonologia segmental, da morfologia da
morfossintaxe e sintaxe da língua. Inicialmente, descrevemos os fonemas vocálicos e
consonantais, os padrões silábicos e alguns processos fonológicos observados na língua. Em
seguida, analisamos e descrevemos as classes de palavras da língua Xikrín com base em
critérios distribucionais, estruturais e semânticos. Verificamos que verbos transitivos,
intransitivos nominalizados, nomes relativos e posposições são as únicas classes de palavras
flexionáveis, sendo as demais classes invariáveis.
Mostramos também que a flexão relacional é uma forte marca morfossintática na
língua Xikrín, pois é por meio dela que são estabelecidas relações de dependência entre temas
relativos e seus determinantes.
Continuamos a investigação linguística descrevendo os predicados nominais e
verbais do Xikrin. Assinalamos que os predicados nominais se subdividem em: (i) equativos,
(ii) inclusivos, (iii) relativos e (iv) existenciais, enquanto os verbais subdividem-se em
transitivos, transitivos trivalentes, intransitivos e intransitivos bivalentes.
Identificamos e analisamos estratégias para coordenar orações independentes em
Xikrín. Vimos que orações independentes podem ser coordenadas através da justaposição ou
através de conectivos. Descrevemos e analisamos, ainda, estratégias usadas em Xikrín para a
construção de atributos que correspondem em outras línguas a orações substantivas, adverbais
e relativas. Constatamos que em Xikrín há um só tipo de construção, que consiste em um
nome de ação. Assim, não há, em realidade, orações subordinadas, substantivas ou relativas,
mas nominalizações.
Analisamos as estratégias da língua Xikrín do Cateté para marcar referência
compartilhada ou disjunta de argumentos através de orações combinadas por parataxis ou por
hipotaxis. Identificamos, também, as correlações entre o sistema de alinhamento
intraoracional existente na língua e mostramos que a língua Xikrín, na combinação de orações
por parataxes, manifesta uma cisão: em certos contextos é acionado um padrão nominativo e,
em outros, um padrão misto, nominativo e absolutivo. Vimos, ainda, que esses padrões são
orientados por um sistema de switch-reference, que sinaliza por meio de diferentes estratégias
morfossintáticas quando o referente de um argumento A, S ou O de uma oração dependente é
correferente ou não com um argumento da oração principal.
346
Também analisamos e descrevemos as construções interrogativas em Xikrín.
Distinguimos dois tipos básicos de construções interrogativas em Xikrín, as construções
interrogativas polares – do tipo sim/não- e as construções interrogativas de conteúdo
informacional. Mostramos, também, que a língua Xikrín faz uso de um conjunto de
estratégias várias para questionar o que há no mundo, como se situam espacialmente e
temporalmente, de que são constituídos, quais suas funções, entre outros. Constamos que as
construções interrogativas apontam para momentos anteriores da história da língua,
mostrando de forma transparente como noções, possivelmente não necessárias à cultura
nativa, se desenvolveram, como é o caso de perguntas quantificadoras.
Descrevemos como as noções de tempo aspecto e modo são expressas em Xikrín.
Vimos que há três modos de fala nessa língua, realis, irrealis e imperativo. Constatamos que
tempo não é marcado gramaticalmente e o modo realis se associa a algo realizado, portanto a
uma noção de passado, mas não necessariamente, pois pode-se projetar algo realizado para
um tempo posterior ao da fala, enquanto o irrealis se associa naturalmente a algo hipotético,
em certo sentido à ideia de futuro, mas não necessariamente, pois pode-se ter projetado algo
no passado. Vimos que algo análogo ocorre com superposições de noções aspectuais com
noções temporais e modais, pois o aspecto imperfectivo pode em algum ponto se superpor ao
de irrealidade, enquanto o completivo com o de realidade.
Mostramos que na língua Xikrín há as vozes verbais reflexiva, recíproca e causativa,
além da voz média codificada pelo prefixo aj-. Vimos que a voz causativa ocorre em dois
tipos de construções, as monooracionais e as bioracionais.
Analisamos e descrevemos que a língua Xikrín possui basicamente três tipos de
construções comparativas. Dois tipos de construções são consideradas subtipos de um tipo
A1, e o outro tipo caracteriza-se como construções do tipo S. O traço que distingue
construções de um dos tipos das comparações A1 do Xikrín de línguas como o Português é o
uso na primeira de um morfema associativo.instrumentivo, enquanto que línguas como o
Português usam um índice do tipo ‘mais, maior’. Provavelmente o morfema associativo
instrumentivo contribua com o significado similar ao de um índice como ‘mais, maior’.
Pretendemos com a elaboração desta tese apresentar uma descrição de referência
para o Xikrín, que contribua para o conhecimento científico desta língua e para futuros
estudos de cunho histórico-comparativo, mas sem perder de vista a necessidade de contribuir
para a aplicação dos resultados em prol do ensino da língua nas escolas das aldeias.
347
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353
ANEXOS
TEXTOS XIKRÍN 01
Relato do Indígena Kenpoti Xikrín sobre o assalto que sobreu em Marabá quando
estava saindo da escola numa noite no ano de 2012.
001) kube -t i --tɨm b
não-indígena R1-OBL 1 R
1-CAUS-cair 1
‘os não índios, eu vou contar que eles me assaltaram’
i -j -re-j -m
1 R1-OBL R
2-contar-NLZ R
1-DIR
‘os não índios, eu vou contar que eles me
assaltaram’
002) kube -t i --tɨm - ne b
não-indígena R1-OBL 1 R
1-CAUS-cair sobre RLS 1
‘os não-índios, eu vou contar sobre o assaltar de mim por eles’
i -j -re-j -m
1 R1-OBL R
2-contar-NLZ R
1-DIR
‘os não índios, eu vou contar que eles me
assaltaram’
003) kube me n b eskol -mã te
não indígena conj RLS 1 escola R1-DIR ir/vir
‘eu e um não-índio íamos para a escola
354
004) iskl -m na b te
escola R1-DIR RLS 1 ir/vir
‘íamos para a escola, na escola
005) piokjkrd -kãm me -kot piok j-ɾe piok j-kɾ
escola R1-LOC PL R
2-COMP folha R
1-dizer folha R
1-mostrar
‘na escola, (os professores) ensinam as pessoas a ler e escrever’
006) b me -kot pɾova -ipej ne i -kt
1 PL R2-COMP prova R
1-fazer MS 1 R
1-o sair
‘eu ,com eles (outros alunos), fiz a prova e saí’
007) um ɾp n ɾw n -ɾw-k -ɾi ket
SD já chuva cair chuva R1-cair-NLZ R
1-pouco NEG
e a chuva caiu, não foi pouca chuva (que) caiu
008) b -kãm ɾp i -kpɾi-ɾ d
1 R2-LOC já 1 R
1-triste-ATEN estar.em.pé
nisso, eu estava triste
009) kubenir i -mã: “gu -t gu -t”
não indígena 1 R1-DIR 1+2 R
2-ASSOC.INSTR 1+2 R
2-ASSOC.INSTR
a não indígena (disse) para mim: “vamos, vamos”
010) um -km kjoɾe i -mã: ‘gu -t
SD R1-LOC Kajore 1 R
1-DIR 1+2 R
2-ASSOC.INSTR
e nisso, kaiore (disse) para mim: “vamos,
011) gu -tt - -t
1+2 R2-ASSOC.INSTR R
2-ASSOC.INSTR R
2-ASSOC.INSTR
vamos, vamos, vamos”
355
012) ku-m: “- dm ge n -pej- -m
R2-dizer espera deixa chuva R
1-acabar-NLZ R
1-DIR
(eu) lhe disse: “espera. Deixa para (quando) a chuva passar)
013) n rw n -ɾi ket -kãm
chuva descer chuva R1-pouco NEG R
2-LOC
chove, não chove pouco nesse espaço/tempo
014) kubeni-r: ‘gwj -t b kum ket ne
não indígena 1+2. PAUC R2-ASSOC.INSTR 1 dizer NEG assim
‘ a mulher (disse): ‘vamos”. Eu disse: “não é assim (calma)
015) b -kãm ɾp
pj -kd
1 R2-LOC já em.troca R
2-FINLD estar. sentado
nisso, eu sentei no lugar dele (eu troquei de lugar com ela)
016) b ɾk -kd i -kpri -r
1 ? R2-FINLD sentar 1 R
2-triste-ATEN sentar
e esperei triste a chuva passar
017) ne -kãm kum(ã): “- ɾp n b i -te-m -m.”
ms R2-LOC R
2-DIR á RLS 1 1 R
1-ir/vir-NLZ R
1-DIR
e eu disse a ela: “eu já vou”
018) b i -krjkr - rõj i -inok -kb
1 1 R1-calça R
1-ASS.INSTR arregaçar 1 R
1-camisa R
1-tirar
eu arregacei as calças, tirei a camisa
019) mk -kãm ku-d - i -prõn i -prõn ne
mochila R1-
LOC
R2-guardar R
1-ASS.INSTR 1 R
1-corrida 1 R
1-corrida MS
guardei na mochila e corri, e corri e
356
020) krumi -koj rp br -ɾi-ɾ -kãm um ɾp
Quero Mais R1-próximo já bar R
1-pequeno R
1-LOC SD já
próximo ao Quero Mais, no barzinho
021) i -kut te i j-p -mj kumɾej
1 R1-adiante ir/vir 1 R
1-passar R
1-bom de verdade
nisso (os bandidos) passaram adiante de mim.eu fiquei (lo barzinho)
bem (tranquilo)
022) b b dw -p kjore ikje -
1 1 também R2-passar Kajore lado R
1-sobre
nisso, Kajoré (meu irmão) passou por ali
023) kɾumi -kãm kikɾ -kãm d kubeni-ɾ me n
Quero Mais R1-LOC casa R
1-LOC estar.em pé mulher-ATEN conj RLS
no quero Mais, na casa (onde funciona o restaurante) a mulher e
024) kikɾ -kãm d b -kãm mu i j-ri te
casa R1-LOC estar.em pé 1 R
1-LOC para lá 1 R
1-pulo ir/vir
(ela) estava lá, e eu fui para lápulando’ (por causa das poças d’água)
024) um i -kot i -p-m ne i -m:
SD 1 R1-COM 1 R
1-braço-pegar MS 1 R
1-DIR
e nisso (o bandido) pegou no meu braço (e disse) para mim:
025) “- aswt” rp b -p-m” b ku-be mi -kb
assalto já 1 R2-braço-pegar 1 R
2-ABL REFL R
1-tirar
- é um assalto! Eu segurei no braço dele. Eu me afastei dele (tirando o braço dele
do meu ombro)
357
026) um -kãm: “- ket d g ne b -bi”
SD R2-LOC Neg IRRLS 2 ficar. quieto 1 2 R
2-matar
e nisso ele (disse): “-Fica quieto senão eu te mato’
027) -kãm t i -kd kto -kdr --te
R2-LOC depois 1 R
2-FINLD revólver R
1-tirar.NLZ R
1-CAUS-ir/vir
e nisso depois (ele) veio puxando o revólver para mim’
028) -kãm t: “- nõ nõ” b jt rp nõ
R2-LOC depois
deitar deitado 1 deitar já deitar
e depois (disse): -Deitados, deitados! e nós rapidinho deitamos
029) um me -kãm kumj ku-be kumj ne -kãm -ikwã
SD PL R2-LOC muito R
2-ESSIVO muito MS R
2-LOC R
2-deitar.pl
e havia muita gente lá, muita gente deitada lá
030) kjor d-wj ikje - te ne -biri kjg
Kajore R2-Verdade lado R
1-SOBRE ir/vir MS R
2-subir à toa
Kajore de verdade vinha do outro lado (da rua), subindo (a rua) sem saber de nada
031) um me -t -p-m ne -kãm t ɾp i -kot
SD PL R2-ASS.INSTR R
2-segurar MS R
2-LOC depois já 1 R
2-COM
e (os bandidos) seguraram ele e ele ficou comigo
032) ku-me t ɾp i -be mk j-bt
R2-jogar depois já 1 R
1-ABL mochila R
1-pegar
jogaram ele (para junto de mim) e depois (eles) levaram minha
mochila’
358
033) i -be serul j-bt ki kuni -m --mõ
1 R1-ABL celular R
1-pegar caixinha tudo R
2-DIR R
2-CAUS-ir/vir
pegaram o celular, a caixinha (de som). Levaram tudo’
034) j bi b -kãm nõ um ku-be -m -prõn
DEM.PROX só 1 R1-LOC deitar SD R
2-ABL R
2-DIR R
2-corrida
só isso. Eu fiquei deitado lá e eles correram’
035) b -kãm t kjm d um -kãm kube
1 R1-LOC depois para cima estar.em.pé SD R
1-LOC não indígenas
nisso, eu me levantei nos levantamos e os não índios
036) t -m-r - kumj b i -prõn rp
depois R2-chorar-NLZ R
1-ASS.INSTR muito 1 1 R
1-corrida já
depois ficaram chorando muito. E eu corri.
037) kikr -kãm boj b -kãm rp kjtk -m i -kben
casa R1-LOC chegar 1 R
2-LOC já Kajtyk R
1-POSP 1 R
1-fala
cheguei na casa. Lá, eu falei para o Kajtyk
038) -õ srura kj postw -kãm mj -õ ket
R1-pertence celular caixa postal R
1-LOC coisa R
1-pertence NEG
o celular dele deu na caixa postal. Não funcionou.
039) tãm n j j bi
isso! RLS DEM.PROX DEM.PROX só
Foi isso que aconteceu. É só isso