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O dinheiro e a Felicidade ou como em casa onde não há pão… todos ralham e
TODOS têm razão
Rui Brites1
De vez em quando, como canta Sérgio Godinho, “vem-nos à memória uma frase batida”. O título
deste texto remete-nos, precisamente, para duas frases que, de tanto “batidas”, se vão
naturalizando. A primeira é a de que “o dinheiro não dá felicidade” e a segunda é a de que “em
casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Ora bem, um dos objectivos deste
texto é o de mostrar que as coisas poderão não ser assim, mostrando-se como o dinheiro é um
preditor da felicidade e que em casa onde não há pão, todos ralham e todos têm razão.
Quando passam dois anos de assistência financeira sob intervenção da Troika, e quando por toda
a Europa tem sido veiculada a necessidade de uma espécie de austeridade virtuosa que, para uns,
é a condição sine qua nom que permitirá, no futuro, o crescimento virtuoso, enquanto para outros
levará à destruição da economia e à pauperização da Europa, é bom que perguntemos à
“realidade” se “o dinheiro dá felicidade” e se quem ralha tem razão para ralhar. É o que tentamos
fazer aqui, com base nos dados disponibilizados pelo European Social Survey (ESS), recolhidos
na última década2.
1. A medida da felicidade
O bem-estar subjectivo tem conhecido grande interesse por parte dos investigadores e atenção
por parte dos media, especialmente devido à ampla divulgação dos trabalhos de Veenhoven3 e da
sua equipa, agora reunidos na World Database of happiness, criada com o objectivo de juntar
num mesmo local toda a pesquisa científica sobre a felicidade. Em conferências, entrevistas e
trabalhos publicados, Veenhoven (cfr 2006) não cessa de afirmar que as pessoas nunca viveram
tanto tempo nem nunca foram tão felizes, pois a riqueza material na maioria dos países
desenvolvidos tem crescido muito nas últimas décadas e tem conduzido a um aumento da
felicidade, embora nem sempre se possa encontrar uma relação de causa efeito entre a primeira e
a segunda. Como mostram variadíssimos estudos, ser mais rico não é sinónimo de ser mais feliz,
pois as mesmas causas nem sempre produzem os mesmos efeitos, pelo que não é possível
afirmar com toda a certeza o que é que torna as pessoas felizes, podendo concluir-se pela
1 Sociólogo e Professor universitário (rui.brites@outlook.com). 2 European Social Survey, cumulative data 2002-2010, http://www.europeansocialsurvey.org/ 3 A este propósito, consultar: http://worlddatabaseofhappiness.eur.nl/ e http://www2.eur.nl/fsw/research/veenhoven/
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inexistência de uma correlação muito forte entre os níveis de riqueza de um país, medida através
do PIB e a felicidade. No ranking da felicidade entre 149 nações no período 2000 a 2009,
elaborado por Veenhoven e a sua equipa4, os 10 primeiros classificados são a Costa Rica, a
Dinamarca, a Islândia, a Suíça, a Finlândia, o México, a Noruega, o Canadá, o Panamá e a
Suécia. Entretanto a Islândia (3º) entrou em bancarrota. Por outro lado, os três países da América
Latina referidos não são conhecidos pela abundância material dos seus habitantes. Dos países
que integram o G7, que registam os PIBs per capita mais elevados do mundo, apenas o Canadá
está entre os 10 “mais felizes”, quedando-se os restantes em posições mais modestas: EUA (21ª),
Alemanha (29ª), Reino Unido (32ª), Itália (43ª), França (47ª) e Japão (54ª). Portugal está
classificado em 83º, e entre os países da UE apenas tem atrás de si a Roménia (84º) e a Hungria
(87º). Os nossos vizinhos espanhóis estão em 26º lugar.
Importa assim, antes de empreendermos a nossa análise e procedermos a comparações, saber do
que é que falamos quando falamos de felicidade. O conceito é polimórfico e multidimensional,
não sendo, por conseguinte, fácil defini-lo, e muito menos “medi-lo” consensualmente. O termo
felicidade é, aliás, uma forma simplista de designação de uma coisa muito complexa, o bem-estar
subjectivo, cuja definição remete para componentes intra e extra individuais. Consciente dessas
dificuldades, as Nações Unidas instituíram recentemente o dia mundial da felicidade, que se
comemorou pela primeira vez no passado dia 22 de Março, tendo exortado os países a
concentrarem esforços para encontrarem indicadores que traduzam o bem-estar subjectivo das
pessoas e permitam calcular a Felicidade Interna Bruta (FIB) dos países. Termo criado pelo Rei
do Butão em 1972, o seu objectivo é o de proceder à sua comparação entre países, por analogia
com as comparações baseadas no Produto Interno Bruto (PIB), que avalia apenas a actividade
económica e deixa de lado o bem-estar subjectivo dos povos. Não obstante, como como nota
Amartya Sen5, “o rabugento homem rico poderá muito bem ser menos feliz do que o resignado
camponês, mas a verdade é que tem um padrão de vida mais elevado do que ele”.
É nesta perspectiva que considero o chamado “Relatório da Comissão Stiglitz” produzido por
uma comissão nomeada por Sarkozy, presidida por Joseph Stiglitz, da Universidade de
Columbia, ex-director do Banco Mundial, Amartya Sen, da Universidade de Harvard, autor do
Índice de Desenvolvimento Humano (HDI) e Jean-Paul Fitoussi, director de pesquisa do OFCE e
professor emérito do IEP em Paris, a mais séria contribuição para harmonizar a selecção de
indicadores e a respectiva recolha de informação, que permita a construção de um índice
comparável de bem-estar subjectivo e da Felicidade Interna Bruta (FIB).
4 Disponível em http://worlddatabaseofhappiness.eur.nl/hap_nat/findingreports/RankReport_AverageHappiness.php 5 Citado por Graham (2011: 73).
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Os autores consideram que a felicidade é uma expressão do bem-estar subjectivo, conceito
multidimensional, assente nas seguintes dimensões-chave, que devem ser consideradas em
simultâneo: Padrões materiais de vida (rendimento, consumo, e riqueza); Saúde; Educação;
Actividades pessoais, incluindo o trabalho; Voz política e governação; Conexões e relações
sociais; Ambiente (condições actuais e futuras); Segurança de natureza económica e física.
Com base nos indicadores sugeridos pela comissão e nos dados disponibilizados pelo ESS,
embora com a limitação decorrente do facto dos mesmos recobrirem apenas parcialmente as
dimensões enunciadas pelos autores, procedemos à construção do Índice de Bem-estar
subjectivo6 onde verificámos que as variáveis que mais afectam o mesmo são o dinheiro7 e a
preocupação com a sua falta8. A Felicidade Interna Bruta, entendida como o stock de felicidade
por país, mostra que Portugal ocupa a antepenúltima posição entre 18 países europeus, só à
frente da Hungria e da Bulgária.
Felicidade Interna Bruta na Europa [Figura nº 1]
Fonte: European Social Survey, round 4, 2008
A elevada correlação da medida indirecta do grau de felicidade que criámos, com a resposta à
pergunta “Considerando todos os aspectos da sua vida, qual o grau de felicidade que sente”9
(r=0,725; p<0,001) mostra que as avaliações subjectivas que os indivíduos fazem do seu bem-
6 http://www.cies.iscte.pt/destaques/documents/ComomediroBESecalcularaFIB_RuiBrites.pdf. 7 Traduzido aqui pela percepção subjectiva do nível de vida permitido pelo rendimento disponível. 8 Insegurança económica traduzida pela preocupação com o facto de poder ficar desempregado, de ter que reduzir o
tempo de trabalho remunerado e ter momentos em que o dinheiro não chega. 9 A escala de respostas varia entre 0=extremamente infeliz e 10=extremamente feliz.
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estar são bastante realistas e estão muito ligadas às suas disposições objectivas no quadro social.
Torna-se assim possível, por conseguinte, considerar a resposta àquela questão como uma
“medida parcimoniosa” do grau de felicidade. Esta “medida” é, aliás, usada em variadíssimos
estudos, nomeadamente no primeiro Relatório Mundial sobre Felicidade, publicado pela ONU
em 201210, em que Portugal (5,4) ocupa a posição 73 entre 156 países e os países nórdicos
encabeçam a lista com uma avaliação média de 7,6 na escala 0 a 10.
Os dados do ESS permitem verificar que a média do grau de felicidade por país mostra uma
grande consistência ao longo das cinco observações, com oscilações muito pequenas. Um facto
curioso é o de não se observarem valores médios inferiores ao centro da escala (5) em nenhum
dos países representados. Ou seja, são todos felizes, embora uns mais do que outros, notando-se
um decréscimo do norte para o sul da Europa. Portugal regista o valor mais elevado em 2002
(6,8).
Grau de Felicidade por país
[Quadro nº 1]
ESS round 1 (2002) 2 (2004) 3 (2006) 4 (2008) 5 (2010) Total
Considerando todos os aspectos da sua vida, qual o grau de felicidade que sente? N Média* N Média* N Média* N Média* N Média* N Média*
Noruega 2036 7,9 1760 7,9 1750 7,9 1549 8,0 1548 8,0 8643 7,9
Suécia 1999 7,9 1948 7,8 1927 7,9 1830 7,8 1497 7,9 9201 7,9
Finlândia 2000 8,0 2022 8,1 1896 8,0 2195 8,0 1878 8,0 9991 8,0
Dinamarca 1506 8,3 1487 8,3 1505 8,3 1610 8,4 1576 8,3 7684 8,3
Reino Unido 2052 7,5 1897 7,4 2394 7,4 2352 7,4 2422 7,4 11117 7,4
Irlanda 2046 7,9 2286 7,9 1800 7,7 1764 7,5 2576 6,8 10472 7,6
Holanda 2364 7,8 1881 7,7 1889 7,6 1778 7,7 1829 7,8 9741 7,7
Bélgica 1899 7,8 1778 7,7 1798 7,7 1760 7,6 1704 7,8 8939 7,7
Áustria 2257 7,6 2256 7,5 2405 7,4 . . 6918 7,5
Alemanha 2919 7,2 2870 7,0 2916 7,0 2751 7,2 3031 7,4 14487 7,2
Suíça 2040 8,0 2141 8,0 1804 8,1 1819 7,9 1506 8,1 9310 8,0
Luxemburgo 1552 7,9 1635 7,8 . . . 3187 7,8
França 1503 7,3 1806 7,2 1986 7,1 2073 7,1 1728 7,0 9096 7,1
Rep. Checa 1360 6,7 3026 6,8 . 2018 6,8 2386 6,6 8790 6,7
Polónia 2110 6,4 1716 6,7 1721 6,9 1619 7,2 1751 7,3 8917 6,9
Eslováquia . 1512 6,2 1766 6,5 1810 6,6 1856 6,7 6944 6,5
Hungria 1685 6,3 1498 6,4 1518 6,2 1544 5,9 1561 6,4 7806 6,3
Eslovénia 1519 6,9 1442 7,2 1476 7,2 1286 7,2 1403 7,3 7126 7,2
Estónia . 1989 6,3 1517 6,8 1661 6,7 1793 6,9 6960 6,6
Bulgária . . 1400 5,2 2230 5,2 2434 5,4 6064 5,3
Croácia . . . 1484 6,8 1649 6,6 3133 6,7
Espanha 1729 7,3 1663 7,3 1876 7,6 2576 7,6 1885 7,6 9729 7,5
Portugal 1511 6,8 2052 6,5 2222 6,4 2367 6,4 2150 6,6 10302 6,5
Itália 1207 6,5 1529 6,2 . . . 2736 6,3
Grécia 2566 6,5 2406 6,7 . 2072 6,7 2715 6,0 9759 6,5
Chipre . . 995 7,7 1215 7,5 1083 7,3 3293 7,5
Ucrânia . 2031 5,5 2002 5,6 1845 5,3 1931 5,6 7809 5,5
Rússia . . 2437 5,9 2512 6,0 2595 6,1 7544 6,0
Turquia . 1856 6,7 . 2416 5,5 . 4272 6,0
Israel 2499 7,1 . . 2490 7,5 2294 7,6 7283 7,4
Total 42359 7,4 48487 7,2 43000 7,1 52626 7,0 50781 7,0 237253 7,1
Escala: 0=extremamente infeliz; 10=extremamente feliz
10 Disponível em http://issuu.com/earthinstitute/docs/world-happiness-report
5
Comparando a primeira aplicação do questionário em 2002, sem crise à vista, com a quinta em
201011 com a crise plenamente instalada na Irlanda, Grécia e Portugal que já estavam sob
resgate, bem como a contaminação de outros países como Espanha, Itália, França etc. notam-se
diferenças médias do grau de felicidade mais acentuadas negativamente na Irlanda (-1,04),
Grécia (-0,51) e Portugal (-0,24), e positivamente na Polónia (+0,89), indiciando que a crise pode
afectar a felicidade.
Grau de Felicidade em 2002 e 2010, por país
[Figura nº 2]
Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010
2. O dinheiro
Sabes o que é a felicidade Augusta? E o esquecimento. Sabes onde se encontra o esquecimento? A mitologia diz que é no Leres; eu, que não sou pagão, digo que é nas mil diversões que oferece o dinheiro. Resumindo, queres saber onde está a felicidade? — Se quero! — Está debaixo de uma tábua onde se encontram cento e cinquenta contos de réis...
Camilo Castelo-Branco12
A relação entre o dinheiro e a felicidade tem sido bastante estudada e tem produzido resultados
para todos os gostos. Na literatura também abundam as referências a esta relação. Atente-se,
como exemplo, no que escreveu Camilo na frase acima citada. Mas enquanto a liberdade
estilística do escritor e a liberdade opinativa dos “opinadores”13 que pululam na comunicação
social, não necessitam da confirmação empírica da relação entre o dinheiro e a felicidade, os
investigadores que pretendam um conhecimento sério dessa relação não podem quedar-se pela
11 Os resultados da 6ª aplicação, em 2012, deverão estar disponíveis até ao fim do ano. 12 Onde está a felicidade? romance publicado em 1856. Disponível em versão digital em http://www.luso-
livros.net/Livro/onde-esta-a-felicidade/ 13 Que muitas vezes baseiam a sua opinião no “achismo”: eu acho que…
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sua opinião subjectiva e devem sustentar as suas conclusões na evidência empírica e submetê-las
a refutação, na acepção de Popper.
Assim, com base nas evidências empíricas permitidas pela informação disponibilizada pelo ESS
nos 5 rounds (2002, 2004, 2006, 2008 e 2010)14, podemos observar que os portugueses estão
entre os europeus que menos referem que o rendimento disponível lhes “permite viver
confortavelmente”. Apenas 7,3% o refere, contra os 66,8% de dinamarqueses e os 27,8% do
conjunto dos países analisados.
Perante estes resultados, podemos concluir que ou os portugueses são uns grandes mentirosos ou
os políticos e “opinadores dos media” que dizem que “temos vivido acima das nossas
possibilidades” não sabem do que falam.
Percepção sobre o rendimento disponível, por país
[Figura nº 2]
Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010
A figura seguinte mostra que a relação entre o dinheiro e a felicidade não é uma mera figura de
retórica. Como se observa, é nos países que mais referem que “o rendimento disponível permite
14 Ver composição da amostra em apêndice.
7
viver confortavelmente” que se registam os valores médios de felicidade mais elevados. Portugal
partilha o quadrante -/- com a Grécia e com os países pós-comunistas.
Felicidade e Percepção sobre o rendimento disponível, por país
[Figura nº 3]
Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010
No conjunto, os quatro escalões de percepção do rendimento disponível registam os seguintes
valores médios de felicidade: “permite viver confortavelmente” (8,1), “dá para viver” (7,3), “é
difícil viver” (6,4) e “é muito difícil viver” (5,3).
É de esperar, por conseguinte, que o impacto das medidas de austeridade no empobrecimento
dos portugueses acabe por afectar ainda mais negativamente o seu grau de felicidade. A falta de
esperança num futuro melhor, por outro lado, afectará também negativamente a força anímica de
que necessitam para enfrentar as adversidades.
Saliente-se ainda, em abono da tese de que o dinheiro afecta a felicidades, que os resultados do
Índice de bem-estar subjectivo que construímos com os indicadores da quarta aplicação do ESS
em 2008, sugeridos pela “Comissão Stiglitz”, mostraram que a percepção avaliativa do
8
rendimento disponível e a preocupação com a segurança económica eram as variáveis com maior
impacto positivo e negativo, respectivamente15.
3. Todos ralham…e todos têm razão
O Governo “ralha” com a oposição
"Infelizmente, o que tem conduzido Portugal a uma situação de endividamento excessivo não é a agenda do FMI, mas foram decisões de governos que se acumularam ao longo de anos e que colocaram Portugal a gastar muito para além das suas possibilidades. É com isso que estamos preocupados" (Passos Coelho, DN 02/02/201116
O ministro das Finanças não tem "qualquer espécie de dúvida" de que "o comportamento de ocultação dos impactos orçamentais de decisões tomadas foi um padrão de comportamento do anterior Governo que tem implicações vastas para a gestão das contas públicas" e culpa os governos de Sócrates pela "ocultação durante mais de seis anos" destes contratos ‘swap' (Económico, 30/04/201317).
O Primeiro-ministro tem razão nas críticas que faz ao descontrolo das finanças públicas por
parte dos Governos anteriores. O Ministro das Finanças tem razão ao criticar os Governo
anterior pela desorçamentação a que procedeu.
A Oposição “ralha” com o Governo
"Pela primeira vez em democracia, um primeiro-ministro ataca o Tribunal Constitucional. Em democracia não se ataca o Tribunal Constitucional, cumpre-se a Constituição" (José Junqueiro, RTP, 10/04/201318).
"Propomos uma renegociação profunda do nosso programa de ajustamento" […] "Sem esta renegociação é irrealista pensarmos em cumprir as metas e os prazos estabelecidos. Para além de razões de natureza ideológica, trata-se de uma questão de óbvio bom senso", declarou Seguro na sua intervenção de abertura no debate da moção de censura do PS ao Governo (RTP, 03/04/201319).
Segundo Jerónimo de Sousa, o executivo de Passos Coelho e a troika "preparam-se, neste momento, para relançar um novo processo de extorsão das classes e camadas populares e do país a favor dos grandes grupos económicos monopolistas, da agiotagem e da especulação financeira" (RTP, 20/04/201320)
“Mais uma vez, destruição. Destruir o único consenso que existe em Portugal é o único objectivo deste governo”, resumiu. […] “Portugal é neste momento, e vergonhosamente, o país da Europa que menos investe em Educação: 4% do PIB. Estamos a nível da Indonésia". “Este Governo tem de ser parado e temos de ter mudanças concretas” (Catarina Martins, Público, 20/04/201321).
O Partido Socialista tem razão na falta de respeito do Governo ao criticar um órgão de
soberania cuja função é zelar pelo cumprimento da Constituição e que, no exercício dessa
função, “chumbou” quaro artigos do orçamento que eram manifestamente inconstitucionais e
15 Brites, R (2010), Valores e felicidade no Século XXI: um retrato sociológico dos portugueses em comparação
europeia, pp. 192-201. Disponível em http://repositorio-iul.iscte.pt/handle/10071/2948. 16 http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1773604 17 http://economico.sapo.pt/noticias/gaspar-culpa-governo-socrates-pelos-swaps_168177.html 18 http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=642800&tm=9&layout=121&visual=49 19 http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=640794&tm=9&layout=121&visual=49 20 http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=645467&tm=9&layout=121&visual=49 21 http://www.publico.pt/politica/noticia/catarina-martins-acusa-governo-de-querer-destruir-consenso-sobre-o-
estado-social-1592002
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também tem razão quando critica o programa de ajustamento e propõe a renegociação as
metas e prazos acordados, que se revelaram irrealistas.
O Partido Comunista tem razão ao acusar Passos Coelho e a Troika pelo agravamento das
condições de vida das classes e camadas populares.
O Bloco de Esquerda tem razão na acusação que faz ao Governo de cortar na educação.
A Troika “ralha” com o Governo
O programa da 'troika' não está a produzir os resultados pretendidos, estando em risco o cumprimento da meta do défice fixada para este ano e próximo (4,5% e 3% do PIB, respectivamente), fruto de uma queda drástica das receitas fiscais.
No entanto, os chefes de missão do FMI, Comissão Europeia e BCE lembram que a responsabilidade por este programa é de Portugal, atirando para o Governo pelo menos parte das culpas pelas falhas do programa de ajustamento (DN Economia, 02/09/210222).
A Troika tem razão ao dizer que o programa de ajustamento não está a ter os resultados que se
esperava e que a responsabilidade da sua aplicação é do Governo.
O Presidente da República “ralha” com a UE
"O euro não é a causa da crise. As causas radicam, por um lado, nas políticas erradas, nomeadamente orçamentais e macroeconómicas, seguidas pelos Estados membros e, por outro lado, numa deficiente supervisão por parte das instituições europeias. A responsabilidade por esta crise é claramente partilhada pelos Estados membros e pelas instituições europeias" (Correio da Manhã, 12/10/201223).
O Presidente da República tem razão ao criticar a EU e os Estados membros pela crise.
O povo “ralha” contra a situação em que se vê envolvido e…manifesta-se.
“Gritar em manifestações tira a dor que vai na alma e no peito”, titulava o Público24 na sequência
da grande manifestação de 15 de Setembro, quando muitos portugueses saíram à rua para se
manifestarem contra as medidas de austeridade e a subida da Taxa Social Única (TSU) e citava
Carlos Amaral Dias:
“A tristeza que não é expressa é patogénica, a tristeza falada é mais positiva”, explica. “É como no estado depressivo, quando a pessoa fala sobre esse estado, está a aliviá-lo”
e o Psiquiatra Álvaro de Carvalho:
“as manifestações são uma válvula de escape e um benefício das sociedades democráticas”. […] “Se está numa manifestação em que as pessoas à sua volta têm as mesmas perspectivas, isso reforça a sua auto-estima, está a comungar um sentimento de júbilo ou de protesto com outras pessoas”.
22 http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=2749351&seccao=Dinheiro%20Vivo 23 http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/economia/cavaco-silva-o-euro-nao-e-a-causa-da-crise 24 http://www.publico.pt/politica/noticia/gritar-em-manifestacoes-tira-a-dor-que-vai-na-alma-e-no-peito-1567239
10
As manifestações são, assim, uma certa forma de “ralhar” dos cidadãos que, como é óbvio, têm
razão, pois não querem assistir passivamente ao empobrecimento que lhes é imposto e à
eliminação pura e simples de direitos que julgavam adquiridos. E quem se manifesta, busca a
felicidade.
No entanto, os portugueses estão entre os europeus que menos se manifestam, como se observa
na figura seguinte. Os 3,6% que dizem que participaram numa manifestação nos últimos 12
meses correspondem a cerca de 250 000 participantes.
Participação em manifestação pública nos últimos 12 meses, por país
[Figura nº 4]
Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010
Contudo, as duas manifestações nacionais convocadas pelo movimento “Que se lixe a Troika”
terão registado números bem mais expressivos de participantes, que variaram entre os 800 000 e
o milhão e meio, de acordo com diversas fontes. Será que a Troika está a fazer com que os
portugueses se manifestem mais?
O povo “ralha” contra a classe política e… tira-lhe a confiança.
Não obstante os portugueses serem os europeus que mais dizem que não se interessam pela
política, 38,4% contra os 5,6% de dinamarqueses, contrastando com os 19,3% no total dos países
11
analisados, como mostra a figura seguinte, são dos que mais desconfiam dos políticos, o que é,
também, uma certa forma de “ralhar” que se expressa muitas vezes na mudança do voto.
Não se interessam pela política, por país
[Figura nº 5]
Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010
Claro que as promessas eleitorais mil vezes repetidas e mil vezes esquecidas logo que se ganham
as eleições, deverão ter uma quota-parte de culpa nessa desconfiança. Atente-se, por exemplo,
nas seguintes frases partilhadas por Passos Coelhos na sua conta do Twitter25 e compare-se com
a realidade:
«A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento»
«Já ouvi o primeiro-ministro dizer que o PSD quer acabar com o 13.º mês, mas nós nunca falámos disso e é um disparate»
«Se vier a ser necessário algum ajustamento fiscal, será canalizado para o consumo e não para o rendimento das pessoas»
«Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos.»
«O aumento de impostos previsto por este Governo no documento que assinámos com a UE e o FMI é mais do que suficiente»
«Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português.»
25 As redes sociais, amplificadas pelos media tradicionais estão a revelar-se um “pau de dois bicos” para os políticos
que, em período de campanha eleitoral prometem “este mundo e o outro” e quando ganham as eleições apressam-se a esquecer o que prometeram. Fazem promessas em papel molhado, como canta Sérgio Godinho e contribuem para o descrédito nos políticos.
12
Promessas deste tipo não são só de Passos Coelho, como se sabe, pois atravessam todos os
partidos em período eleitoral, penalizando mais os partidos do chamado “arco da governação”
que, ao ganharem as eleições, se vêem confrontados com o cumprimento das mesmas. Se
associarmos à desconfiança nos políticos e nos partidos a desconfiança no sistema jurídico,
último garante de que a sociedade funciona de acordo com regras socialmente prescritas, o
resultado pode ser um “ralhar” ensurdecedor expresso em níveis de desconfiança política com
grande impacto no grau de felicidade dos portugueses. Atente-se no grau de confiança dos
portugueses nestas três dimensões da vida política:
Não se interessam pela política, por país
[Figura nº 6]
Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010
Os portugueses apresentam níveis de confiança relativamente aos políticos, aos partidos políticos
e ao sistema judicial inferiores ao centro da escala – desconfiam – e ao nível dos países pós-
comunistas. Mas enquanto o sistema judicial sai relativamente bem na “fotografia”, com
excepção dos países pós-comunistas, Espanha e Portugal, os políticos e os partidos políticos só
registam níveis de satisfação próximos do centro da escala – moderados – nos países
Escandinavos, Holanda, Suíça e Luxemburgo. Ou seja, os políticos não confiam no
discernimento dos eleitores e mentem para ganhar eleições, e os eleitores não confiam nos
políticos mas… votam neles e no primeiro populista anti-sistema que lhes prometa que vai
“limpar” o sistema político dos “maus políticos”. Os exemplos são muitos, o resultado é
catastrófico. Todos ralham e todos têm razão.
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Mas vejamos como a confiança no sistema político26 pode afectar a felicidade:
Felicidade e Confiança no Sistema político, por país
[Figura nº 7]
Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010
Os resultados são elucidativos: mais confiança significa mais felicidade. Também nesta relação
Portugal partilha o quadrante -/- com a Grécia e os países pós-comunistas. Por mais que o
Governo diga que “nós não somos a Grécia”, a Grécia está-nos “colada” nos níveis de
Felicidade, Rendimento disponível e Confiança no Sistema político.
Conclusão
Os resultados aqui apresentados contrariam a sabedoria popular e permites concluir que:
a) O dinheiro dá felicidade;
b) Em casa onde não há pão, todos ralham e todos têm razão.
No que se refere ao dinheiro, saliente-se que não nos referimos a montantes, isso seria
incomparável, mas à percepção individual do padrão de vida permitido pelo rendimento
disponível. Ou seja, como mostramos noutro estudo27, mais dinheiro não traz, necessariamente,
mais felicidade, tese suportada pelo chamado paradoxo de Easterlin que concluiu, com base em
26 Para o efeito criámos o Índice sintético de confiança no Sistema político, que agrega a resposta conjunta aos três
indicadores. Alpha de Cronbach=0,852; variância explicada=78,37%. 27 Brites, R. (2011).
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vários estudos empíricos, que o grau de felicidade aumenta com o rendimento mas só até um
determinado nível. Nesta perspectiva, estamos em condição de sugerir que o dinheiro não dá
felicidade mas a falta de dinheiro produz infelicidade.
Já no que diz respeito à razão para ralhar dos que “não têm pão”, os dados que aqui
apresentamos também nos permitem afirmar que há razões para “ralhar” e para ter razão, pois as
manifestações que designamos de “ralhar” parecem dar razão a todas as partes, como vimos.
Por fim, estamos em crer que o processo de ajustamento em curso, aparentemente “mal
desenhado” pela Troika, que rejeita responsabilidades na sua execução, que endossa unicamente
ao Governo, vão agravar o “retrato” que aqui traçamos. Ou seja, o “dinheiro” vai escassear ainda
mais e, as clivagens sociais e o nível de contestação social vão aumentar. Paralelamente,
assistiremos a um aumento da desconfiança no Sistema político, propício ao aparecimento de
alternativas populistas ou apostadas na diminuição da democracia. Neste contexto, a felicidade
dos portugueses será, inevitavelmente afectada negativamente.
Mas sejamos optimistas, pois se não fossemos não escreveríamos uma linha sequer a chamar a
atenção de um futuro que se vislumbra mas que não se quer. Parafraseando Marx, diremos que a
humanidade só coloca os problemas que é capaz de resolver. Embora nem sempre os tenha
resolvido da melhor maneira, estamos, no entanto, confiantes de que os portugueses, malgrado os
sacrifícios e as dificuldades que enfrentam, darão preferência a uma democracia imperfeita em
detrimento de uma ditadura perfeita. Trata-se, por conseguinte, de lutar pelo seu aperfeiçoamento
e mostrar que a visão estreita do economicismo não pode aprisionar a política.
Referências
Brites, R (2011), Valores e felicidade no Século XXI: um retrato sociológico dos portugueses em comparação europeia, pp. 192-201. Disponível em http://repositorio-iul.iscte.pt/handle/10071/2948.
Easterlin, Richard (1974), “Does economic growth improve the human lot? Some empirical evidence”, in Paul A. David e Melvin W. Reder, Nations and Households in Economic Growth, Academic Press.
Graham, C. (2011), O Que Nos Faz Felizes por Esse Mundo Fora, Lisboa, Texto.
Stiglitz, J.; Amartya Sen e J-P. Fitoussi (cords.) (s/d), Report by the Commission on the Measurement of
Economic Performance and Social Progress. Disponível em: http://stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/index.htm.
Veenhoven, R. e M. Hagerty (2006), “Rising Happiness in Nations 1946-2004. A reply to Easterlin”, em Social Indicators Research, Vol. 79: 421-436. Disponível em: http://www2.eur.nl/fsw/research/veenhoven/Pub2000s/2006a-full.pdf.