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João Meirelles Filho – o encontro de Frans Krajcberg e Thiago de Mello 1
Grito pela Amazônia: o encontro de Frans Krajcberg e Thiago de Mello1
Crédito: foto João Meirelles Filho, abril, 2011.
– Eu sou revoltado, não tem um intelectual para dizer que tem um povo nesta floresta!
Nos jornais só falam que estão queimando as árvores, e o povo que mora lá? –
pergunta Frans Krajcberg.
– Está aqui, ao teu lado, este filho da terra... – e aponto Thiago de Mello – na tua frente!
– Os filhos da floresta não conhecem a floresta – emenda Thiago – e quem conhece é
chamado de doido!
– É a luta tremenda, você não pode imaginar! – responde Frans – todo mundo fala
Brasil, Brasil, Brasil... mas quem conhece este Brasil? – e arremata – a juventude:
completamente despolitizada!
– Frans vai mais longe – e Thiago olha pra mim – a floresta sozinha é só paisagem.
1 Artigo publicado no website O EcoAmazônia em 5 de maio de 2011.
João Meirelles Filho – o encontro de Frans Krajcberg e Thiago de Mello 2
Este é o resumo do diálogo entre o escultor polonês-‐brasileiro Frans Krajcberg, 90
anos, e o escritor amazonense Thiago de Mello, 85 anos, na ensolarada tarde de seis de abril de
2011, em Salvador. Frans, um dos maiores escultores brasileiros, reconhecido mundialmente, e
Thiago de Mello, o grande poeta da Amazônia.
Homem de poucas palavras, palavras afiadas, Frans acompanhava, aflitíssimo, os
preparativos para a retrospectiva que abriria no dia seguinte. Instruí seus auxiliares que vieram
com ele de Nova Viçosa, onde mora; a todo momento, observa a demora na montagem da
iluminação, a posição das fotografias e esculturas...
***
Sucede que há vinte anos eu não me encontrava com Frans. Em 1984 eu o conheci e
logo seguimos para uma expedição ao Rio Juruena, no norte de Mato Grosso, acompanhado de
outro artista plástico, Sepp Baendereck. Na última vez que viajamos, desta vez somente eu e
ele, em 1986, eu tinha vinte e seis anos e ele, sessenta e cinco.
Crédito: 1a Expedição ao Rio Juruena, foto João Meirelles Filho, 1984.
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O Governo da Bahia, depois de lhe conceder o título de cidadão agora o presenteia
com mais esta homenagem no Palacete das Artes Rodin Bahia, em Salvador.
– Eu doei tudo para o Governo da Bahia. – Frans fala, com orgulho, a retribuir a terra que o
acolheu. Mas está transtornado: – Eu quero ir embora do Brasil! É o quinto roubo agora! E
ninguém é preso?
Demorei a compreender que não se tratava de um roubo qualquer: – ninguém foi
preso, como pode? Um ambiente deste! Roubaram o colar que carreguei a vida toda, que os
soldados de Hitler enforcaram com a minha mãe! ...Roubaram a medalha que ganhei do Stalin
como herói da guerra! – e ameaça: – no fim do mês eu vou pra Europa. Não volto mais! Há
possibilidade que eu vá me instalar lá...
É difícil compreender que uma obra de tal relevância ainda não mereça atenção. Houve
tentativas em Curitiba, em São Paulo, mas, concretamente, só Paris possui um espaço dedicado
ao artista. O Governo da Bahia está diante deste desafio: preservar acervo de dezenas de
grandes esculturas com materiais tão perecíveis, milhares de gravuras e obras diversas,
quinhentos mil slides, milhares de livros... Frans está preocupado, grita por atenção...
As homenagens se sucedem. Minas Gerais também lhe concede uma medalha – a da
Inconfidência. A França o homenageia com exposições nos próximos meses. Convites para falar
no mundo todo... Mas o artista está inquieto:
– Há dois anos não faço um único desenho!
E, muda de assunto, quer empolgar quem está por perto para a causa da natureza: –
Você não sabe o que o mundo está falando da Amazônia! Este é o ano mundial da floresta e
ninguém fala disto! – e seus olhos brilham. O mesmo brilho que vi nos olhos do menino de 65
anos subindo em cipós no Mato Grosso, correndo no mato, pulando de alegria a cada
fotografia.
Elogia o apoio do governo da Bahia, o nome da exposição e do catálogo: Grito: o ano
internacional da árvore. Há um novo livro – Frans Krajcberg – Natureza. São 216 páginas de
reproduções fotográficas. Este livro é bem mais alegre que os anteriores, há mais esperança.
No entanto, como presenciei algumas delas no momento do clique da máquina, pude sentir o
que cada uma representa ao artista.
Para Thiago de Mello, que assina um poema inédito, A Arte de Krajcberg, Amor,
assombro e fúria, Frans é o cavaleiro da esperança:
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Frans atendeu o chamado
e entendeu o seu destino,
que perseverante cumpre
com amor e indignação.
É a sua parte, sua maneira
luminosa de servir
mais que à vida da floresta.
à do homem que vive nela,
à do homem que vive dela.
Não é grito de guariba,
não é esturro de onça, nem silvo do Curupira.
É a mata pedindo ajuda.
A floresta é a tua casa,
Cuida dela com amor.
Crédito: 1a Expedição ao Rio Juruena, foto João Meirelles Filho, 1984.
***
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Há uma confissão a fazer. Frans é responsável pela grande guinada profissional de
minha vida. Ao acompanhá-‐lo pela Amazônia na década de 1980, Frans provocou-‐me profunda
reflexão. O seu olhar vibrante para a natureza converteu-‐me, para sempre, para a carreira de
ambientalista. De voluntário da então pequenina ONG em que militava, a Fundação SOS Mata
Atlântica, tornei-‐me profissional, em detrimento do trabalho na empresa familiar de
colonização e pecuária.
Também merece uma nota o fato que, dias antes de encontrá-‐lo na Bahia, descobri um
diário e um conjunto de gravações em fitas K7, contendo entrevistas com a biografia de Frans,
ambos considerados perdidos. Melhor: ao ler o diário e ouvi-‐lo em Salvador percebo-‐o
incansável, ocupado em tornar este um mundo melhor. Como quer Thiago, Frans não é uma
árvore, é uma floresta.
– Eu vejo as queimadas, eu sou um homem queimado. – Frans desabafa – Você precisa
mostrar de uma maneira muito forte as queimadas da Amazônia e os índios. Esta deve
ser a prioridade. O mundo quer saber.
E Thiago concorda:
– Não podemos desanimar, e toca no ombro de Frans, que reage, não gosta de ser
cutucado! Mas a sua reação pede um abraço.
E Thiago o abraça, ao que Frans se alegra:
– Eu adoro este homem (sobre o Thiago) – e retoma seu mantra: -‐ Você não sabem o que
está acontecendo nesta Amazônia, não tem um brasileiro diz que tem um povo que
mora na floresta. Eu grito pela Amazônia!
Em 1978 os artistas plásticos Frans Krajcberg e Sepp Baendereck e o crítico de arte
Pierre Restany escreveram o Manifesto do Rio Negro, pelo naturalismo integral. Thiago
acredita que as mudanças climáticas, o avanço sobre a floresta e o planeta no limite, exijam um
novo manifesto (planos para o futuro). Um manifesto amplo pela cultura; a Amazônia
respeitada pelo que ela é! Não por seu potencial econômico, energia hidrelétrica, o emprego
imediato da biodiversidade. A Amazônia respeitada por sua Natureza e Cultura.
Mesmo emocionado com as homenagens pelos 90 anos, transtornado com os
sucessivos roubos, e decidido a mudar-‐se para a Europa, Frans ainda acalenta a vontade de
retornar à Amazônia, de visitar a casa de Thiago de Mello, no Rio Andirá, em Barreirinha, no
Amazonas:
– Quero ficar de frente para uma árvore o tempo que eu quiser, fotografando. Quero
fazer imagens da Amazônia, filmar, eu gostaria de fazer imagem de trabalho, eu quero
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entrar seriamente na mata. Quero viajar para o Rio Negro, fazer um livro só de texturas
da água! ... O mundo fala muito da Amazônia, e nós podemos mundialmente reforçar!
E Thiago de Mello arrebata:
– é o cavaleiro da esperança. É o pacto do amor do Homem com a Floresta!
Crédito: Frans e a paxiúba queimada, foto João Meirelles Filho, 1984.