TESE CRISTIANE THIAGO completa.pdf - BDTD/UERJ
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro Biomédico
Instituto de Medicina Social
Cristiane da Costa Thiago
Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica:
o caso da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal
masculina relacionada ao envelhecimento
Rio de Janeiro
2018
Cristiane da Costa Thiago
Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica: o caso da
promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao
eenvelhecimento
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção
do título de Doutor ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
Orientadora: Prof.a Dra. Jane Araujo Russo
Coorientador: Prof. Dr. Kenneth Rochel de Camargo Jr.
Rio de Janeiro
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CB/C
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,
desde que citada a fonte.
_____________________________________________ _____________________
Assinatura Data
T422 Thiago, Cristiane da Costa
Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a
classe médica: o caso da promoção e divulgação da terapia de
reposição hormonal masculina relacionada ao envelhecimento /
Cristiane da Costa Thiago. – 2018.
275 f.
Orientadora: Jane Araújo Russo
Coorientador: Kenneth Rochel de Camargo Jr.
Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Medicina Social.
1. Indústria farmacêutica – Teses. 2. Médicos - Teses. 3.
Terapia de reposição hormonal - Teses. 4. Envelhecimento –
Teses. I. Russo, Jane Araújo. II. Camargo Jr., Kenneth Rochel.
III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Medicina Social. IV. Título.
CDU 615.012:614.253
Cristiane da Costa Thiago
Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica: o caso da
promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao
envelhecimento
Tese apresentada, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós-
Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Aprovada em 29 de maio de 2018
Banca Examinadora: ________________________________________________________
Orientadora: Prof.ª Dra. Jane Araujo Russo
Instituto de Medicina Social – UERJ
________________________________________________________
Coorientador: Prof. Dr. Kenneth Rochel de Camargo Jr
Instituto de Medicina Social – UERJ
________________________________________________________
Prof.ª Dra. Rafaela Zorzanelli
Instituto de Medicina Social - UERJ
__________________________________________________________
Prof. Dr. Rogerio Lopes Azize
Instituto de Medicina Social- UERJ
________________________________________________________
Prof.ª Dra. Fabiola Rohden
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
________________________________________________________
Prof. Dr. Josué Laguardia
Fundação Oswaldo Cruz
Rio de Janeiro
2018
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu refúgio e fortaleza em todos os momentos.
À minha família, especialmente Valmir Thiago, Telma Vieira Thiago, Viviane Thiago,
Helenir Thiago e Beatriz Thiago, pelo amor abnegado e paciente, durante todo processo de
doutorado.
À minha orientadora Jane Russo, que me acompanha desde o mestrado. Além de muito
competente, é dedicada e atenciosa com todos os seus orientandos. Uma pessoa especial, que
desperta em nós genuína confiança.
A Kenneth Camargo, meu co-orientador desde o mestrado, pelas ricas sugestões e pelo
seu jeito terno e humano de compartilhar seus conhecimentos conosco.
À Fabiola Rohden, presente no começo da minha caminhada acadêmica e que continua
me inspirando com suas contribuições e sugestões.
À Rafaela Zorzanelli, pelas contribuições na qualificação, posteriores sugestões relativas
à tese e por ter aceitado participar da banca de defesa.
A Rogério Lopes Azize pelas contribuições na qualificação e por ter aceitado participar
da banca de defesa.
A Josue Laguardia por ter aceitado participar da banca de defesa.
A Sergio Carrara e à Elaine Brandão que aceitaram ser suplentes da banca.
Aos colegas e amigos Anacely Costa, Lucas Tramontano, Regina Senna, Denise Oliveira,
Isabela Vieira, Beatriz Rique, Bruno Zilli, Fernanda Loureiro, Livi Faro, Marina Nucci, Nádia
Fagundes, Alessandra Aniceto pelas risadas, contribuições e apoio, que tornaram essa jornada
mais leve.
Ao grupo de pesquisa Biomedsci pela rica troca de conhecimento e solidariedade.
Aos demais colegas e professores do IMS, por fazerem parte, direta ou indiretamente, do
processo de construção deste trabalho.
À Daniela Lacerda e Luciana Fonseca por cederem a mim seus ombros amigos,
principalmente na reta final do doutorado.
Aos meus amores eternos Rafael, Sheila, Micheli e Cíntia, pela amizade que o tempo e a
distância não conseguem apagar.
A Marcio Porfirio e Zilda Lopes, pela amizade sincera e zelo constante comigo.
Às funcionárias da secretaria e da biblioteca, pela atenção e disponibilidade de nos ajudar.
À agência governamental de fomento à pesquisa CAPES pela bolsa concedida.
Parecer feliz tornou-se um produto que parece assim: você vai à farmácia e compra em
vidrinhos para cada ocasião.
Haredita Angel
RESUMO
THIAGO, Cristiane da Costa. Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a
classe médica: o caso da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina
relacionada ao envelhecimento. 2018. 275f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto
de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
Este estudo buscou investigar o modo como o processo de promoção e divulgação de
categorias diagnósticas e de medicamentos caracteriza-se por uma série de interações em que
práticas e discursos de médicos e de profissionais da indústria farmacêutica se influenciam
mutuamente, formando uma rede de trocas e apoio mútuo. As trocas dizem respeito a um
conjunto de objetos (como brindes e amostras de medicamentos), informações, conhecimento
(sob a forma de artigos e/ou conferências), gentilezas, interações sociais que têm na dispensação
de determinado(s) medicamento(s) seu propósito final. O objetivo geral desta pesquisa consistiu
em analisar a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica no processo de promoção
e divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas, utilizando a terapia de reposição
hormonal masculina relacionada ao envelhecimento como caso de estudo. A fim de atingir o
objetivo proposto, escolheu-se três principais meios de coleta de dados: entrevistas
semiestruturadas com médicos líderes de opinião, prescritores da terapia de reposição
hormonal (TRH) com testosterona (urologistas e endocrinologistas) e propagandistas
farmacêuticos da TRH com testosterona; etnografia de congressos científicos, cujos temas se
relacionavam ao objeto de pesquisa; análise de material utilizado em curso de formação de
propagandista farmacêutico online. Os roteiros de entrevista foram específicos para cada classe
profissional e buscaram abordar temas como promoção e divulgação do uso de testosterona
relacionado ao envelhecimento masculino e as conexões existentes entre a classe médica e
indústria farmacêutica. Utilizou-se a entrevista semiestruturada como instrumento para coleta
de dados a fim de buscar informações referentes à dinâmica de interação entre os propagandistas
farmacêuticos e a classe médica. A escolha da etnografia de congressos científicos seguiu o
pressuposto de que nesses espaços é possível perceber a articulação entre a indústria
farmacêutica e a classe médica. Já a opção pela análise de material do curso online ocorreu
devido ao objetivo de conhecer e investigar estratégias de marketing farmacêutico dirigidas à
classe médica para, posteriormente, fazer um paralelo com o material sobre a TRH com
testosterona, coletado durante a pesquisa. A análise do material evidenciou a articulação entre
a indústria farmacêutica e a classe médica em diferentes níveis. No entanto, o bjetivo aqui não
foi tanto desvendar algo ainda desconhecido ou provar uma hipótese não comprovada. O
objetivo foi tão somente acompanhar, em um contexto específico, alguns dos mecanismos
através dos quais tais articulações são tecidas de modo a serem ocultadas no mesmo momento
em que se realizam.
Palavras-chave: Indústria Farmacêutica. Classe Médica. Reposição Hormonal Masculina.
Envelhecimento.
ABSTRACT
THIAGO, Cristiane da Costa. A study on the relationship between the pharmaceutical
industry and the medical profession: the case of the promotion and disclosure of aging-related
male hormone replacement therapy. 2018. 275f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) -
Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
This study sought to investigate how the process of promotion and disclosure of
diagnostic categories and medications is characterized through a series of interactions in which
the practices and discourses of doctors and professionals of the pharmaceutical industry
influence each other, forming a network of exchanges and mutual support. The exchanges
pertain to a set of objects (as gifts and drug samples), information, knowledge (in the form of
articles and/or conferences), gentleness and social interactions that have in the dispensing of
certain medication(s) their final purpose. The main objective of this research was to analyze the
relationship between the pharmaceutical industry and the medical profession in the process of
promotion and disclosure of medicines and diagnostic categories, using a male hormone
replacement therapy related to the aging process as a case of study. In order to achieve the
proposed objective, we chose three main means of data collection: semi-structured interviews
with doctors who are opinion leaders, prescribers of hormone replacement therapy (HRT) with
testosterone (urologists and endocrinologists) and pharmaceutical propagandists of HRT with
testosterone; ethnography of scientific congresses that have themes related to the object of
research; analysis of materials used in an online pharmaceutical propagandist formation course.
The scripts of the interviews were specific for each professional body and sought to approach
topics such as the promotion and disclosure of the use of testosterone related to male aging
process and the existent connections between the medical professionals and the pharmaceutical
industry. A semi-structured interview was used as an instrument to collect data to search for
information on the dynamics of interaction between pharmaceutical propagandists and the
medical profession. The choice of the ethnography of scientific congress followed the
assumption that inside these spaces it is possible to perceive an articulation between the
pharmaceutical industry and the medical profession. The option of analyzing online course
materials was due to the objective of knowing and investigating pharmaceutical marketing
strategies directed to the medical profession to later make a parallel with the material on the
testosterone TRH, collected during the research. The analysis of the material shows an
articulation between the pharmaceutical industry and the medical profession at different levels.
However, our objective was not to unravel something yet unknown or to prove an unproven
hypothesis. That being said, we only aim to follow, in a specific context, some of the
mechanisms through which such articulations are built so that they are hidden at the same
moment in which they are realized.
Keywords: Pharmaceutical Industry. Medical Profession. Male Hormone Replacement. Aging.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 –
Figura 1 –
Figuea 2 –
Figura 3–
Figura 4 -
Figura 5 –
Figura 6 -
Figura 7-
Figura 8-
Figura 9-
Figura 10-
Figura 11-
Figura 12-
Figura 13-
Figura 14-
Figura 15-
Esquema de diagnóstico do DAEM...........................................................
Folheto publicitário da Besins Healthcare (frente). Congresso
Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................................
Folheto publicitário da Besis Healthcare (interior). Congresso
Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................................
Folheto publicitário da Besins Healthcare (verso). Congresso Internacional
de Medicina Sexual, 2014...........................................................................
Slide ‘Resultado esperado: retorno do paciente à normalidade.’ Congresso
Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................................
Apresentação de escola de samba durante encerramento de evento.
Congresso Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................
Estande promocional de aparelho (shockwave) para tratamento de
disfunção erétil. Congresso Internacional de Medicina Sexual, 2014 ........
Imagem publicitária de estande da Pfizer. Congresso Internacional de
Medicina Sexual, 2014…………………………………………………...
Folheto publicitário da Flukka (frente). Congresso Brasileiro de Urologia,
2015……………………………………………………………………….
Folheto publicitário da Flukka (verso). Congresso Brasileiro de Urologia,
2015……………………………………………………………………….
Folheto publicitário da Lilly (frente). Congresso Brasileiro de Urologia,
2015.............................................................................................................
Folheto publicitário da Lilly (verso). Congresso Brasileiro de Urologia,
2015……………………………………………………………………….
Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte superior)-
Portal Educação, 2015……………………………………………………
Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte inferior-
Portal Educação, 2015……………………………………………………
Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 1). Curso
propagandista farmacêutico, 2015………………………………………...
Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 2).
Curso propagandista farmacêutico, 2015………………………………….
87
98
99
100
119
122
124
126
144
145
147
148
196
196
273
274
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
1 RELAÇÃO ENTRE INDÚSTRIA FARMACÊUTICA E CLASSE
MÉDICA NA PROMOÇÃO E DIVULGAÇÃO DE MEDICAMENTOS E
CATEGORIAS DIAGNÓSTICAS...................................................................
23
1.1 Medicalização, Biomedicalização e Farmaceuticalização............................... 23
1.2 Promoção e divulgação de medicamentos e categorias
diagnósticas...........................................................................................................
31
1.2.1 Mercantilização da saúde/doença: categorias diagnósticas e tratamentos
médicos...................................................................................................................
31
1.2.2 Medicamentos: valor simbólico e consumo........................................................... 37
1.2.3 Indústria farmacêutica e classe médica: co-promoção e co-divulgação de
medicamentos e categorias diagnósticas................................................................
42
1.2.3.1
1.2.3.2
O papel do propagandista farmacêutico na divulgação de medicamentos à classe
médica...................................................................................................................
Marketing farmacêutico em congressos científicos.............................................
44
50
1.2.4 A classe médica na promoção e divulgação de categorias diagnósticas e
medicamentos.........................................................................................................
55
1.2.4.1 Classe médica: ética e conflitos de interesse.......................................................... 55
1.2.4.2 Publicações, palestras e “aulas” médicas em eventos científicos......................... 61
2 SAÚDE MASCULINA: HORMÔNIOS, SEXUALIDADE E
ENVELHECIMENTO.......................................................................................
66
2.1 Promoção e divulgação de categorias diagnósticas: declínio hormonal
masculino relacionado ao envelhecimento.....................................................
66
2.2 Testosterona e o novo envelhecer masculino: performance sexual e
rejuvenescimento.................................................................................................
73
3 CONGRESSOS CIENTÍFICOS........................................................................ 79
3.1 XXXXVIII Congresso científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE- UERJ) ....................................................................................................
80
3.1.1 Apresentando o congresso .................................................................................... 80
3.1.1.1 Informações iniciais e impressões gerais.............................................................. 80
3.1.1.2 Organizadores .................................................................................................... 81
3.1.2 Material.............................................................................................................. 82
3.1.3 Atividades ......................................................................................................... 83
3.1.3.1 Palestra: Reposição hormonal masculina .......................................................... 83
3.1.3.2 Teleconferência: Tópicos de terapia de reposição hormonal no homem idoso.... 86
3.1.4 Comentários finais.................................................................................................. 88
3.2 XVI World Meeting on Sexual Medicine (XVI Congresso Internacional de
Medicina Sexual) ..............................................................................................
89
3.2.1
3.2.1.1
Apresentando o congresso...................................................................................
Informações iniciais.............................................................................................
89
89
3.2.1.2 Organizadores...................................................................................................... 91
3.2.1.3
3.2.2
3.2.3
Impressões gerais ................................................................................................
Programa científico..............................................................................................
Simpósios, cursos, workshops e palestras.............................................................
93
101
104
3.2.3.1
3.2.3.2
3.2.4
3.3
3.3.1
3.3.1.1
3.3.1. 2
3.3.1.3
3.3.2
3.3.3
3.3.3.1
3.3.3.2
3.3.4
3.3.5
4
Casos clínicos: deficiência androgênica no envelhecimento masculino-
disfunções sexuais masculinas...............................................................................
Terapia de reposição de testosterona no Brasil: como adaptar os
diferentes tratamentos disponíveis........................................................................
Comentários finais..................................................................................................
XXXV Congresso Brasileiro de Urologia...........................................................
Apresentando o congresso.....................................................................................
Informações iniciais................................................................................................
Organizadores........................................................................................................
Impressões Iniciais e gerais...................................................................................
Programa científico ...............................................................................................
Simpósios, cursos, workshops e palestras ............................................................
Painel: atualização em hipogonadismo e TRT ....................................................
Simpósio satélite Eurofarma ................................................................................
Estandes de empresas expositoras e folders de propaganda farmacêutica ............
Comentário geral final: relacionando os três congressos .......................................
ENTREVISTAS: ENTRADA NO CAMPO, IMPRESSÕES E DISCUSSÃO
DE RESULTADOS..............................................................................................
104
114
120
128
128
128
130
131
135
137
137
139
142
149
152
4.1
4.2
4.3
4.4
5
5.1
5.2
5.2.1
5.2.2
5.2.3
5.2.4
Entrevista como ferramenta de pesquisa: o modelo semiestruturado ...........
Entrevistas com médicos e propagandistas farmacêuticos: entrada no
campo e impressões gerais...................................................................................
Entrevistas com médicos líderes de opinião (urologistas e
endocrinologistas) ...............................................................................................
Entrevistas com propagandistas farmacêuticos................................................
CURSO PROPAGANDISTA FARMACÊUTICO ONLINE.........................
Referência metodológica e informações gerais .................................................
O curso ................................................................................................................
Módulo I- Publicidade e propaganda......................................................................
Módulo II- A base técnica do propagandista..........................................................
Módulo III- Aspectos éticos e legais da propaganda de medicamentos ................
Módulo IV- Propaganda médica na prática ...........................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................
REFERÊNCIAS .................................................................................................
APÊNDICE A- Organizadores e palestrantes (congresso HUPE) ......................
APÊNDICE B- Organizadores e palestrantes (Congresso Internacional de
Medicina Sexual) ...................................................................................................
APÊNDICE C- Organizadores e palestrantes (Congresso Brasileiro de
Urologia) ..............................................................................................................
APÊNDICE D- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(médicos)..............................................................................................................
APÊNDICE E- Termo de consentimento livre e esclarecido
(representantes)......................................................................................................
APÊNDICE F- Roteiro de entrevista com médicos............................................
APÊNDICE G- Roteiro de entrevista com representantes ................................
APÊNDICE H- Simulação de visita de propagandista farmacêutico.................
152
153
158
177
192
192
195
203
207
210
216
222
231
243
247
258
267
269
271
272
273
12
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como tema geral o papel da indústria farmacêutica e da classe médica
na promoção e na divulgação da terapia de reposição hormonal (TRH) masculina relacionada
ao envelhecimento. Consideramos que ele tem estreita relação com minha pesquisa de
mestrado1, que abordou a construção do “declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento” como problema médico. Utilizamos, então, o conceito de medicalização
proposto por Conrad (2007) a fim de caracterizar o modo como é definido e tratado tal declínio
nos sites de laboratórios farmacêuticos e associações médico-científicas.
Destacamos, ainda, que o uso do termo “declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento” (derivado da biomedicina) na construção deste trabalho, vem sendo
problematizado desde o mestrado2. Ele resulta de uma escolha baseada em sua pertinência para
o objetivo proposto, já que consideramos tal expressão, dentre outras existentes, a mais
descritiva possível. Essa escolha foi difícil e necessária, pois precisávamos encontrar um termo
por meio do qual pudéssemos nos referir, e que tivesse o maior distanciamento possível de
terminologias médicas existentes, utilizadas na construção de categorias diagnósticas referentes
a uma baixa hormonal masculina associada ao envelhecimento.
A expressão adotada permite fazer uma associação entre a queda hormonal masculina e
o avanço da idade, principal eixo de definição de categoria(s) diagnóstica(s) que têm na TRH
com testosterona seu tratamento de escolha, e permite, portanto, certa separação entre essa
expressão e outros termos utilizados no meio médico para caracterizar tal queda hormonal como
problema médico. No entanto, sabemos que seu uso é problemático, pois remete a uma
definição médica (por se referir a um pretenso “declínio hormonal”) além de não tratar apenas
da descrição de um estado. Utilizando a perspectiva de Conrad (2007) como referência
ocorreria, nesse caso, uma “tradução médica” de um problema não médico, ou seja, de um
processo de medicalização.
Durante a pesquisa de mestrado, pude observar e discutir algumas questões sobre a
relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica no que diz respeito à promoção e
1 Dissertação intitulada “Hormônios, masculinidade e velhice: um estudo de sites de laboratórios farmacêuticos
e associações médico-científicas”, defendida em 2012, no Instituto de Medicina Social, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ).
2 Na dissertação discuto também a construção das diferentes terminologias utilizadas no meio médico para
caracterizar tal baixa hormonal.
13
divulgação de novos medicamentos3 e novas categorias diagnósticas, uma das características
mais significativas atribuídas ao processo de medicalização apontado por Conrad (2007).
O autor utiliza o termo medicalização4 para descrever um processo complexo, no qual
questões antes consideradas externas à competência médica passam a ser definidas e tratadas
como problemas médicos, geralmente em termos de distúrbios e desordens. Segundo ele, tal
fenômeno conta com a participação de vários agentes, como a indústria farmacêutica e de
equipamentos médicos e a classe médica. Além disso, caracteriza-se pela presença de relações
de consumo transformando percepções e ideias sobre saúde/doença.
Segundo Barros (2008), a indústria farmacêutica utiliza estratégias que promovem e
intensificam a medicalização, em que há extrapolação do razoável e do cientificamente
justificável no valor e na ação dos fármacos. Dentre tais estratégias, está a intensificação da
“criação” de doenças para os medicamentos fabricados pelas empresas farmacêuticas. Como
diz Barros (1983): “Em termos puramente mercadológicos, nos setores de produção e
comercialização de medicamentos, interessa a ocorrência de um máximo de doenças
acompanhadas de um máximo de tratamentos.” (BARROS, 1983, p. 378).
No caso do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, há a
divulgação e a promoção não de uma doença propriamente dita, mas de uma deficiência, cujo
tratamento não visa a cura, mas reposição de algo que está em falta no corpo. Aqui, mesmo
com um esforço no sentido de se chegar a um consenso sobre o diagnóstico clínico e laboratorial
de tal declínio, observa-se a intensiva promoção e divulgação da testosterona como tratamento
eficaz para esse problema médico.
Nesse cenário de co-promoção e co-divulgação de categorias diagnósticas, o sucesso do
tratamento farmacológico, muitas vezes, é considerado confirmação do diagnóstico e definição
da causa da anormalidade. A classe médica, por ser a responsável legal pela prescrição de
medicamentos, é o alvo central das estratégias de marketing utilizadas pela indústria
farmacêutica (ANGELL, 2010; BARROS, 2004).
3 Aqui, baseio-me na definição de medicamento estabelecida pelas Ciências Farmacêuticas, que o considera um
produto, resultante de processo industrial, composto por diferentes elementos, dentre eles, uma substância
chamada de princípio ativo, responsável por desencadear o efeito farmacológico esperado no indivíduo
(ANSEL, 2000). Isto é, trata-se de um produto “localizado como um construto próprio da biomedicina, como
uma tecnologia industrial, imbuído de um saber especializado dominado por poucos, e como algo
necessariamente exógeno, externo ao organismo” (TRAMONTANO, 2017, p.13).
4 Neste trabalho optamos pelo conceito de medicalização que Conrad (2007) propôs, por considerá-lo, dentre
outros existentes, o mais adequado para o desenvolvimento da pesquisa, abarcando questões como o papel da
indústria farmacêutica e da classe médica no desenvolvimento, promoção e divulgação de medicamentos e
categorias diagnósticas. Mais adiante, voltaremos a discutir o termo medicalização e as diferentes perspectivas
de análise propostas a partir do emprego desse termo.
14
Ao citarmos a expressão “co-promoção e co-divulgação de categorias diagnósticas” e
medicamentos, ancoramo-nos em textos de autores como Angell (2008, 2010, 2011), Barros
(2004, 2008), Healy (2006) e Oldani (2002, 2004), entre outros, que, embora não utilizem
exatamente essa expressão, apontam o modo como, cada vez mais, as categorias diagnósticas e
os medicamentos são promovidos e divulgados simultaneamente. Neste contexto, segundo eles,
há a participação de dois principais atores − a classe médica e a indústria farmacêutica − que
interagem de maneira dinâmica e intrincada, promovendo, simultaneamente, uma doença, um
distúrbio, um transtorno ou uma deficiência e seu tratamento farmacológico, sempre visto, neste
caso, como a solução mais rápida e eficaz para o problema.
Assim, este estudo tem como objetivo geral analisar a relação entre a indústria
farmacêutica e a classe médica no processo de promoção e divulgação de medicamentos e
categorias diagnósticas, utilizando a terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao
envelhecimento, no contexto brasileiro, como estudo de caso. A fim de atingir o objetivo
proposto, escolhemos três principais meios de coleta de dados5: entrevistas semiestruturadas
com médicos líderes de opinião, prescritores da TRH com testosterona (urologistas e
endocrinologistas) e propagandistas farmacêuticos da TRH com testosterona; etnografia de
congressos científicos, cujos temas se relacionavam ao objeto de pesquisa e análise de material
utilizado em curso de formação de propagandista online.
Constituem objetivos específicos deste trabalho: caracterizar e discutir estratégias
utilizadas pela indústria farmacêutica a fim de promover a terapia de reposição hormonal
masculina relacionada ao envelhecimento, no meio médico brasileiro e investigar, junto a
médicos brasileiros (urologistas e endocrinologistas) líderes de prescrição e /ou opinião, sua
relação com a indústria farmacêutica, buscando entender como a classe médica utiliza
informações referentes à TRH masculina com testosterona apresentadas a ela pela indústria
farmacêutica em discursos e práticas que promovem e divulgam esse tratamento médico.
Os roteiros de entrevista foram específicos para cada classe profissional e buscaram
abordar temas como promoção e divulgação do uso de testosterona relacionado ao
envelhecimento masculino e as conexões existentes entre a classe médica e a indústria
farmacêutica. Utilizamos a entrevista semiestruturada como instrumento para coleta de dados a
5 Nucci (2015) aponta que o campo dos estudos sociais da ciência, que tem como um de seus desafios investigar
a forma como o conhecimento científico se constrói, é marcado pela difusão, por uma diversidade de
metodologias, disciplinas e instituições. Assim, as estratégias metodológicas utilizadas neste trabalho são
muito mais difusas e complexas do que foram apresentadas.
15
fim de buscar informações referentes à dinâmica de interação entre os propagandistas
farmacêuticos e a classe médica.
Escolhemos a etnografia de congressos científicos como uma das estratégias
metodológicas empregadas na construção dessa tese, acreditando que, nesses espaços, é
possível perceber a articulação entre indústria farmacêutica e classe médica, principalmente
quando pensamos em propagandas de medicamentos dirigidas aos médicos (AZIZE, 2010a,
2010b) e nos meios pelos quais a classe médica acaba promovendo e divulgando, direta ou
indiretamente, os medicamentos vendidos pelas empresas farmacêuticas6. Além disso, nesses
eventos, havia a possibilidade de se conseguir contatos para futuras entrevistas e de adquirir
materiais para análise (como folhetos e cartazes com propaganda farmacêutica, documentos
referentes à regulação e diretrizes éticas profissionais, entre outros).
Já a opção pela análise de material de curso online ocorreu devido à dificuldade de fazer
o curso presencial de propagandista farmacêutico, pretensão inicial7. O objetivo principal era
conhecer e investigar estratégias de marketing farmacêutico dirigidas aos médicos apresentadas
no curso e, posteriormente, fazer um paralelo com o material promocional coletado sobre a
TRH com testosterona, durante a pesquisa. Além disso, visava estabelecer contato com
possíveis entrevistados. Vale destacar ainda que os cursos de formação de propagandistas
apresentam estratégias gerais de marketing, utilizando exemplos, a princípio, aleatórios.
Apenas quando o propagandista é contratado por uma empresa farmacêutica é que receberá
treinamento específico para determinado produto promovido. Assim, ao analisarmos o material
do curso online, buscamos elementos relacionados, direta ou indiretamente, ao objetivo
principal mencionado.
Segundo Barros (2008), mecanismos diretos e indiretos são utilizados pelos produtores
de medicamentos a fim de promovê-los junto aos médicos. Os instrumentos ou estratégias
diretas seriam, por exemplo, a distribuição de amostras grátis (e dos mais variados brindes) e
os anúncios em revistas médicas. Entre as estratégias indiretas, estariam o financiamento dos
programas de “educação continuada”, de revistas médicas ou de associações profissionais.
6 Dalmolin et al. (2002), ao discutirem a importância da etnografia como recurso metodológico em pesquisas na
área da saúde, destacam a possibilidade de, por meio dela, compreendermos a dinâmica das relações sociais
existentes nas sociedades da atualidade. Afirmam que tal método é dinâmico e permite ao pesquisador refletir
sobre suas impressões no campo. No entanto, ao escolhê-lo, o pesquisador se sujeita a alguns riscos, como ter
que construir novas ferramentas para a compreensão dos seus objetos de pesquisa.
7 Este fato será explicado mais adiante.
16
No entanto, a indústria farmacêutica não utiliza essas estratégias apenas com os
médicos; os estudantes de medicina também recebem presentes, juntamente com informações
referentes aos produtos promovidos pelas empresas farmacêuticas. Essa abordagem da
indústria seria uma espécie de “doutrinação” na cultura de os médicos receberem “presentes” e
informações científicas sobre medicamentos, o que ajudaria a estabelecer laços de confiança e
relacionamento a longo prazo, fazendo, dos futuros médicos, propagandistas8 daquela empresa
farmacêutica (OLDANI, 2002, 2004).
Oldani (2004) enfatiza o papel dos propagandistas das empresas farmacêuticas dentro
do processo de co-promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas. Ele
descreve o que chama de “pharmaceutical gift cycle”. Trata-se de uma rede de intercâmbio de
troca de informações, privilégios e benefícios entre médicos, propagandistas de laboratórios
farmacêuticos e pacientes, que abordaremos mais adiante nesta pesquisa.
O contexto de divulgação e promoção das terminologias/categorias diagnósticas que
buscam caracterizar o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento é marcado
não só por questões relacionadas à ampliação do espectro de indicação do tratamento com
testosterona, mas também pela disputa por legitimação científica entre os profissionais da área
médica e científica, principalmente urologistas e endocrinologistas, envolvidos na divulgação
e promoção dessas terminologias e categorias.
Controvérsias, no meio médico-científico, em torno da construção de
terminologias/categorias diagnósticas fazem parte do processo de legitimação destas, e pode
ser visto como um indicativo do fenômeno de medicalização, no qual um nome legítimo para
uma condição promulga o seu diagnóstico e, ao fazê-lo, reestrutura e constitui, de certa maneira,
a condição nomeada.
Durante o desenvolvimento da minha dissertação, a partir da análise do material coletado
em sites de laboratórios farmacêuticos e de associações médico-científicas, pude perceber a
importância atribuída à Terapia de Reposição Hormonal (TRH) com testosterona, que vem
ocupando papel de destaque tanto nos veículos de comunicação de massa quanto nas
publicações científicas. Tal terapia, além de ser apresentada como o melhor tratamento para o
declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, abarca questões mais gerais que
envolvem a saúde masculina como qualidade de vida, felicidade, produtividade, bem-estar,
estímulo à busca de auxílio médico e informações sobre saúde e autocuidado.
8 Mais adiante serão explicadas as diferenças entre as funções de propagandistas e representantes farmacêuticos.
17
Há, ainda, outras características atribuídas à reposição de testosterona tanto no meio
médico-científico, quanto no leigo. Em relação ao seu uso pelas mulheres, a testosterona vem
sendo apresentada pela classe médico-científica como o hormônio relacionado diretamente ao
desejo sexual feminino9. A insuficiência de androgênio10 (testosterona) causaria a chamada
desordem do desejo sexual hipoativo (DDSH) (FISHMAN, 2004). Apesar das controvérsias
existentes em torno do uso de testosterona por mulheres, incluindo a não aprovação do adesivo
de testosterona (Intrinsa ®)11 pela FDA12, em 2004, ela vem sendo prescrita off-label13 para as
mulheres (HARTLEY, 2006)14.
Entre homens, é apresentada como “o hormônio masculino”, responsável não só pelo
prolongamento da juventude e bom desempenho sexual (visto como um tipo de “fonte da
juventude” e condição para uma vida saudável), mas também como uma substância com poder
de restaurar ou melhorar aspectos da masculinidade15, como potência sexual, libido, força física
e disposição para o trabalho no homem de mais idade.
Nesse sentido, a testosterona estaria dirigida, assim como outros medicamentos, também
a um uso inespecífico, que não visa, necessariamente, a cura ou resolução de um problema, mas
a melhora da perfomance (enhancement), o que sugere uma ampliação do mercado consumidor,
em que medicamentos lançados para faixa etária e condições específicas passam a ser utilizados
também por outros segmentos de mercado.
9 FARO (2017) apresenta um estudo sobre o desenvolvimento e a difusão de conhecimentos médicos acerca do
uso da testosterona para tratamento de questões ligadas à sexualidade feminina, no Brasil.
10 Segundo a literatura biomédica, andrógenos (ou androgênios) são hormônios produzidos nos testículos, córtex
adrenal (região mais externa das glândulas suprarrenais, que são situadas acima dos rins) e ovários. A
testosterona é um andrógeno considerado responsável pelo desenvolvimento dos órgãos sexuais e das
características sexuais secundárias masculinas como crescimento de pelos, aparecimento da barba,
engrossamento da voz, desenvolvimento de massa muscular (BERNE et al., 2004; GOODMAN; GILMAN,
2006).
11 Produzido pela empresa farmacêutica Procter & Gamble.
12 Food and Drug Administration (FDA) é uma agência federal americana (EUA), responsável pela
regulamentação das normas comerciais e de segurança nas indústrias de alimentos e medicamentos do país
(ANGELL, 2010).
13 Para uso não aprovado pela agência reguladora de medicamentos do país (ANGELL, 2010), neste caso a FDA.
14 Faro e Russo (2017), ao partirem da premissa de que há uma estreita articulação entre pesquisa biomédica e
indústria farmacêutica, buscam discutir, por meio do estudo de caso do Intrinsa, alguns dos efeitos dessa
estreita articulação na produção de biotecnologia.
15 Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema ver Almeida (2005), Kimmel (2005, 1998), Mosse (1996),
Connel (1995). Sobre o uso da testosterona de modo geral entre homens, ver Tramontano (2017).
18
Este estudo explora a hipótese, já discutida em diversos trabalhos (HOBERMAN, 2005;
OUDSHOORN, 1994; ROHDEN, 2011) de que o processo de promoção e divulgação de
categorias diagnósticas e medicamentos é caracterizado por uma rede de interações em que
práticas e discursos de médicos e profissionais da indústria farmacêutica são influenciados
mutuamente (ANGELL, 2002, 2010; BARROS, 2008; DUMIT, 2012; HEALY, 2006;
LAKOFF, 2006; OLDANI, 2004). Nossa intenção é, partindo do estudo do caso da promoção
e divulgação da TRH com testosterona, contribuir para que o tema da co-promoção e co-
divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas possa ser investigado do ponto de vista
do processo de medicalização, tal como definido por Conrad (2007).
A parte teórica da tese é dividida em duas partes. A primeira aborda a relação entre a
indústria farmacêutica e a classe médica. Neste capítulo, discutimos conceitos e concepções
envolvidos no contexto de promoção e divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas
que acreditamos serem pertinentes para a construção da pesquisa. Além disso, debatemos
questões referentes a discursos e práticas da classe médica e indústria farmacêutica
(representada, aqui, principalmente pelos propagandistas farmacêuticos), que, segundo os
pressupostos deste trabalho, são influenciados mutuamente.
A segunda parte teórica é dedicada a discutir a medicalização da saúde masculina, sob
a perspectiva de gênero, com foco na sexualidade e no envelhecimento masculinos. São
apontados fatores que parecem influenciar concepções e práticas referentes à saúde dos homens,
impulsionando e alimentando, assim, o consumo de “novas” tecnologias biomédicas. O papel
dos hormônios, principalmente da testosterona, na construção de uma nova perspectiva de
abordagem da saúde masculina, é tratado com destaque no capítulo.
A parte referente à pesquisa de campo é dividida em três capítulos. Em cada um deles,
são apresentados os caminhos percorridos a fim de investigar em campo as questões
apresentadas nos dois primeiros capítulos, bem como os resultados encontrados a partir da
análise dos dados. Assim, no terceiro capítulo da tese, apresentamos as impressões obtidas
durante a realização dos três congressos científicos pesquisados, buscando problematizar os
resultados obtidos. O quarto capítulo trata de analisar e discutir os dados obtidos durante as
entrevistas realizadas com médicos líderes de opinião e propagandistas farmacêuticos. No
início, é feita uma breve discussão acerca da relevância de se utilizar entrevistas
semiestruturadas como ferramenta de coleta de dados. Em seguida, são apontadas algumas
impressões e dificuldades de entrada no campo. Na parte seguinte do capítulo, os dados obtidos
são analisados e discutidos, buscando fazer um paralelo com referenciais teóricos que
consideramos pertinentes para se entender essa dinâmica de interação profissional.
19
O quinto capítulo busca descrever e analisar a estrutura de um curso de formação de
propagandista farmacêutico online, focando na discussão de estratégias de marketing
apresentadas pela indústria a fim de promover seus produtos à classe médica e no tipo de
preparação que um propagandista considerado “de sucesso” deve ter.
Nas considerações finais, os temas que foram discutidos nos dois primeiros capítulos
são retomados com a finalidade de se fazer uma conexão geral entre os resultados obtidos nos
diferentes tipos de materiais analisados e os objetivos propostos na pesquisa, bem como de
analisar as limitações do estudo e suas possíveis contribuições para o campo da saúde.
Antes de partirmos para a discussão teórica e posterior descrição e análise dos dados
coletados, consideramos importante destacar duas questões que influenciaram a construção
deste trabalho. A primeira delas diz respeito ao “nó” em relação à hierarquia dos interesses de
pesquisa, impasse que se colocou desde o desenvolvimento do projeto de tese. Esses interesses
se concentravam, basicamente, em duas áreas: a hormonal, em que se localizam os temas
declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento e a terapia de reposição hormonal
(TRH) com testosterona e a área em que se situa a discussão acerca da relação entre a classe
médica e a indústria farmacêutica, no contexto de promoção e divulgação de categorias
diagnósticas e medicamentos . No decorrer da pesquisa, a segunda dimensão foi ganhando mais
espaço do que a primeira. Isso ocorreu, principalmente, por conta do extenso e rico material
coletado, que oportunizou o estudo desse tema espinhoso e interessante.
É verdade que a relação entre a indústria e a classe médica poderia ser estudada a partir
de qualquer tratamento farmacológico. Ao mesmo tempo, percebemos a necessidade de um
ponto de partida, uma ancoragem para pesquisa como essa, assim como os trabalhos de Azize
(2010a) e Ravelli (2012)16, e escolhemos a TRH com testosterona como o caso a ser estudado.
Pesou nessa escolha, é claro, minha familiaridade com o campo, por conta da pesquisa realizada
no mestrado, pois apostamos que isso influenciaria, positivamente, o processo da busca de
informações, bem como o contato com médicos e propagandistas da área. Pesou também o meu
interesse em continuar estudando o tema declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento, envolto por controvérsias dentro do próprio meio médico.
Desta forma, podemos dizer que o eixo deste trabalho consiste no estudo da relação entre
a indústria farmacêutica e a classe médica, numa perspectiva de construção de diagnóstico,
16 Azize (2010a) tomou como ponto de partida para seu estudo, que envolveu análise de articulações existentes
entre indústria farmacêutica e classe médica em congressos científicos, a concepção de “pessoa” na área
neurocientífica. Já Ravelli (2012), escolheu um antibiótico muito prescrito em seu país, para, a partir dele,
traçar um caminho de pesquisa desde estudos realizados com o objetivo de desenvolvê-lo até sua
comercialização, propondo, assim, uma “biografia social” do medicamento.
20
juntamente com a promoção de terapia farmacológica como tratamento mais eficaz para
resolução do problema médico, ou seja, neste caso, a ideia de uma substância (testosterona) à
procura de uma doença, distúrbio, transtorno ou deficiência para tratar.
A segunda questão refere-se à minha formação. Sou farmacêutica, formada pela
Universidade Federal de Pernambuco, nos anos 2000, cujo curso é considerado bastante
técnico, voltado principalmente para o campo da pesquisa, desenvolvimento e produção de
medicamentos. Foi em uma disciplina eletiva que ouvi, pela primeira, vez o termo
“medicalização”. Na verdade, não me lembro quais foram as circunstâncias que me levaram a
cursá-la, mas ela, com certeza, foi o ponto de partida para uma mudança de direção na minha
carreira. Antes, pensava em trabalhar na área de produção de medicamentos, algo que, com o
decorrer da disciplina, foi ficando cada vez mais distante.
Logo que terminei a graduação, comecei a trabalhar numa farmácia comercial, onde
me deparei com uma enorme quantidade de pacientes, que se queixavam de efeitos colaterais
dos medicamentos consumidos por meio da automedicação, principalmente. Meu interesse
nesse tipo de assunto cresceu ainda mais. Assim, ingressei em um curso de especialização Lato
Sensu em Saúde Coletiva. Lembro, inclusive, que não foi fácil encontrar, em Recife, um curso
com um cronograma que abordasse questões referentes à indústria farmacêutica de forma mais
crítica.
O tema da minha monografia foi automedicação com antibióticos. Gostei muito de me
aprofundar no assunto e foi aí que comecei a pensar em cursar mestrado em Saúde Coletiva.
Após uma extensa pesquisa, acabei encontrando o Instituto de Medicina Social, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ). Antes de passar na seleção, participei,
como ouvinte, de uma disciplina ministrada pelo prof. Kenneth Camargo e pela profa. dra.
Fabiola Rohden, que versava sobre o tema medicalização. Durante esse tempo, fui convidada
pela Fabiola a participar de um projeto financiado pelo CNPq intitulado “Diferenças de gênero
na recente medicalização do envelhecimento e sexualidade: a criação das categorias
menopausa, andropausa e disfunção sexual”, coordenado por ela.
Fiquei encarregada de pesquisar sobre o tema andropausa. Por conta da minha formação,
recebi dela a sugestão de pesquisar sites de empresas farmacêuticas a fim de buscar como essa
categoria diagnóstica era apresentada em tais sites. Encantei-me com o trabalho. Depois,
estendemos a pesquisa para sites de associações médico-científicas. Foi aí que começou minha
trajetória de pesquisa envolvendo os temas “medicalização”, “indústria farmacêutica”, “classe
médica” e “hormônios”. Após ingressar no curso de mestrado e, com a mudança da profa.
Fabiola para outro estado, continuei minha caminhada orientada pela profa. dra. Jane Russo e
21
co-orientada pelo prof. dr. Kenneth Camargo. De lá para cá, foram agradáveis e proveitosos
anos de estudo e pesquisa sobre esses temas.
No entanto, durante o trabalho de campo para o doutorado, senti algo diferente
acontecer. Pela primeira vez, desde que me mudei de estado a fim de estudar na UERJ, estava
“dentro” do campo que comecei a compreender sob outras perspectivas, anos atrás. Voltava
como pesquisadora, porém sem deixar de ser farmacêutica e amar minha profissão.
Obviamente, pesquisar e procurar escrever de forma crítica sobre seu próprio campo de
trabalho não é tarefa fácil. Fazer isso “dentro dele”, ao mesmo tempo em que interagimos com
outros profissionais da área, é mais difícil ainda. Confesso que não esperava ter tanta
dificuldade, principalmente de acesso aos entrevistados, por conta de ser farmacêutica. Achava
que me veriam com menos desconfiança. Não foi assim. A minha formação pareceu causar
estranheza na maioria das pessoas com as quais tive contato. Era como se ficasse a seguinte
pergunta “no ar”: “Mas, por que uma farmacêutica está pesquisando justamente sobre isso?”
Pareciam não entender o meu interesse em um assunto tão delicado, no qual minha própria
profissão estaria sendo questionada.
A sensação de exercer uma “dupla identidade” (farmacêutica e pesquisadora) me
acompanhou durante a construção deste trabalho. Senti-me, inclusive, deslizando entre essas
duas “personalidades”, em diferentes momentos. Percebi que “escolhia” assumir uma delas (às
vezes conscientemente, às vezes não) dependendo das impressões observadas no campo e do
desconforto que sentia em alguns momentos. Outra coisa que notei, após reflexão, foi que tive
receio de ser vista como “traidora da profissão” tanto pelos médicos, quanto pelos
propagandistas farmacêuticos. Desta forma, sentia-me, muitas vezes, como “portadora de um
grande segredo”, que precisava ser mantido. Isso pode ter me impedido de insistir em algumas
questões pertinentes durante as entrevistas, por exemplo.
No entanto, julgo que as questões subjetivas relatadas não impediram a realização da
pesquisa sobre o tema proposto neste trabalho. Ao contrário, acredito que podem ter ajudado
na observação de aspectos que talvez passassem despercebidos por um pesquisador sem tanta
intimidade com o campo.
Por fim, gostaria de deixar claro que, embora adote uma perspectiva crítica em relação
ao papel da indústria farmacêutica e da classe médica na promoção e divulgação de categorias
diagnósticas e medicamentos, não foi objetivo deste trabalho apontar possíveis erros ou acertos
cometidos por profissionais dessas áreas. Meu interesse foi tentar compreender como se dá a
relação entre duas categorias profissionais, médicos e propagandistas farmacêuticos, e qual sua
22
influência na maneira como os problemas de saúde e seus tratamentos são apresentados para a
classe médica e, consequentemente, para o público leigo.
23
1 RELAÇÃO ENTRE INDÚSTRIA FARMACÊUTICA E CLASSE MÉDICA NA
PROMOÇÃO E DIVULGAÇÃO DE MEDICAMENTOS E CATEGORIAS
DIAGNÓSTICAS
1.1 Medicalização, Biomedicalização e Farmaceuticalização
O conceito de medicalização consiste em um tema frequente do pensamento social, e,
atualmente, ocupa uma posição de significativa importância teórico-prática (CARVALHO et
al., 2015). De acordo com Conrad (1992), foi, durante a década de 1970, que o termo
medicalização passou a fazer parte da literatura das Ciências Sociais. Trabalhos como os de
Thomas Szasz (1974), Zola (1972), Illich (1975), Foucault (1976), Conrad (1975), dentre
outros, pontuaram discussões relevantes sobre o tema nesse período17.
Foucault (1976, 1999, 2001a, 2001b, 2001c) também apontou o investimento da
medicina para além do campo específico do tratamento médico na esfera humana e social18. No
entanto, para Zorzanelli et al. (2014), o processo de medicalização descrito pelo autor seria
historicamente anterior aos que analisam as obras de alguns de seus contemporâneos. Foucault
se dedica a questões referentes ao contexto europeu do fim do século XVII e início do século
XIX, principalmente, no que diz respeito às medidas de saúde como formas constituintes do
Estado- Nação. Já autores como Zola, Conrad e Illich focam seus debates no século XX,
período do pós- Segunda Guerra19.
O sentido da medicalização como controle social foi significativamente criticado por
Lupton (1997), que chamou atenção para a visão profundamente negativa que os estudiosos de
tal tema têm em relação à classe médica, atribuindo a esta apenas o objetivo de aumentar seu
poder e direito exclusivo de definição e tratamento de doenças, o que levaria,
17 No Brasil, podemos destacar o influente trabalho de Donnangelo (1976).
18 A medicalização discutida por Foucault se trata de “um dispositivo central do exercício do que se chamaria de
nascimento da biopolítica, exercendo- se por meio da pedagogização do sexo das crianças, da histerização das
mulheres, da psiquiatrização das perversões – cada um conduzindo a uma medicalização minuciosa dos corpos
e, especificamente, da sexualidade, em nome da responsabilidade na saúde da prole, da solidez da instituição
familiar e da sociedade” (ZORZANELLI et al., 2014, p. 1861).
19 Nesse ponto, Zorzanelli et al. (2014) chamam atenção para uma diferenciação importante a ser considerada
quando se discute os sentidos para o termo medicalização, o contexto no qual ele é pensado.
24
consequentemente, a uma dependência, cada vez maior, das pessoas em relação a esses
profissionais.
Segundo a autora, essa concepção da medicina seria muito radical, pois parece deixar
de lado a possibilidade de a prática médica contribuir para melhoria do estado de saúde das
pessoas e retrata os médicos como profissionais que, ao invés de ajudarem seus pacientes, usam
sua “força opressora” sobre eles, “anulando” qualquer opinião ou conhecimento sobre
saúde/doença que não seja proveniente da classe médica. Isso caracterizaria os pacientes como
indefesos, passivos e sem agência. Lupton não acredita que tal visão corresponda à realidade,
pois existe uma “dimensão referente aos diferentes jogos de forças e interesses, ou concernente
à possibilidade de uso, da parte de pacientes e grupos de processos medicalizantes”
(ZORZANELLI et al., 2014, p.1863), ou seja, haveria também participação ativa de indivíduos
leigos no processo de medicalização.
Ao se referirem à Lupton (1997), Zorzanelli et al. (2014) destacam que a primeira fase
dos estudos sobre medicalização tem como ideia central a promoção da autonomia dos
indivíduos e considera o ato de medicalizar uma ação despolitizadora das dimensões sociais do
adoecimento e da saúde, com o deslocamento de questões referentes à desigualdade social e
dominância entre grupos humanos para a esfera da saúde. Existiria, então, nesses estudos, a
ideia de uma assimetria entre a medicina, seus representantes e os leigos:
Por meio dela supõe-se haver uma relação inversamente proporcional entre a
medicalização e a liberdade individual. Ou seja, quanto mais medicalizado um
indivíduo ou a sociedade em que vive, maior o controle social a que estão submetidos.
A medicalização seria assim – para os adeptos da tese do controle social – uma forma
de imperialismo médico e de exercício do controle, que negaria a ação autônoma por
parte dos indivíduos (ZORZANELLI et al., 2014, p.1863).
Segundo os autores, Lupton considera insuficiente a tese de assimetria entre médicos e
leigos, que coloca os indivíduos medicalizados como seres passivos diante das estratégias do
mercado e das empresas farmacêuticas. A possibilidade de o conhecimento biomédico não
estar sempre a serviço dos interesses escusos da classe médica seria, então, deixada de lado.
Em resposta a essa tese − ancorada na posição autoritária da classe médica e na posição passiva
do paciente − autores produziram trabalhos significativos sobre outro sentido atribuído ao
conceito de medicalização, ou seja, a medicalização caracterizada como processo irregular,
contando com a participação ativa dos indivíduos leigos. Dentre eles, destaca-se Conrad (1975,
1992, 2005, 2007).
25
Para Zorzanelli e colegas, Conrad foi, inequivocamente, o principal autor a abordar a
medicalização como processo irregular, enfatizando o papel dos atores fora do campo médico
desde seu primeiro trabalho, em 1975, apesar de essa obra remontar a um contexto conceitual
de proximidade com as discussões de Zola e Illich. Ao pensar nas diferentes perspectivas de
visão do processo de medicalização que surgiram ao longo do tempo, Conrad (1992) colocou
em evidência sua preocupação referente à possível falta de uma articulação mais clara de tal
conceito.
Nesse sentido, Zorzanelli e colegas chamam atenção para as críticas que vêm surgindo
(desde a década de 200020) em relação à excessiva generalidade desse termo, utilizado para
caracterizar, de forma abrangente, diversas situações. Sua argumentação tem como eixo
principal o uso do conceito de medicalização como uma crítica ao poder médico, o que
tornariam obscuros diferentes níveis de sua ocorrência.
Dentre esses níveis, estariam a prescrição de medicamentos para casos que não são
considerados necessariamente doenças (os contraceptivos, por exemplo) ou para
aprimoramento cognitivo, a conduta ativa dos usuários na apropriação de medicamentos e de
outras tecnologias médicas, a incorporação de questões novas no campo da psicofarmacologia
(como a timidez e a tristeza). Por outro lado, os autores consideram a obra de Peter Conrad
(1975, 1992, 2005, 2007), a despeito das críticas destinadas a ela, um referencial em relação ao
conceito de medicalização.
Em 1975, Conrad utiliza o termo medicalização para se referir à definição de um
comportamento como problema médico, em que a profissão médica tem licença para ofertar
algum tipo de tratamento para tal problema. Nesse trabalho inicial sobre o tema, são destacados
os papéis da indústria farmacêutica, da Pediatria, das associações voltadas para crianças com
problemas de aprendizagem e dos periódicos médicos da década de 1960 na promoção da
categoria diagnóstica hipercinese, seu primeiro estudo de caso (ZORZANELLI et al., 2014).
Em 1992, Conrad caracteriza a medicalização como um processo sociocultural, que pode ou
não envolver a profissão médica, levar ao controle social exercido pela classe médica ou, ainda,
ser o resultado da expansão intencional dessa profissão.
O conceito mais recente de medicalização proposto por Conrad (2007) descreve um
processo caracterizado pela complexidade, que conta com a participação de vários agentes. Em
tal processo, problemas não-médicos passam a ser definidos e tratados como problemas
médicos, geralmente em termos de doenças e distúrbios. Aqui, relações de consumo
20 Rose (2007), Davis (2006), Rosenberg (2006), Aronowitz (2009).
26
impulsionariam o desenvolvimento de percepções e ideias sobre saúde/doença, em que “[...]
um problema é definido em termos médicos, descrito em linguagem médica, entendido através
da adoção de uma visão médica, ou ‘tratado’ com uma intervenção médica.” (CONRAD, 2007,
p. 5)21.
Zorzanelli et al. (2014) apontam que a ênfase na obra de Conrad é “no deslocamento
de comportamentos outrora não pertinentes ao campo de intervenção médica para essa
jurisdição. Ou seja, aquilo que não necessariamente é um problema médico ipso facto passa a
ser entendido como se fosse.” (ZORZANELLI et al., 2014, p. 1860).
Conrad (2005) destaca três fatores, pertencentes à dimensão da medicina, que, nas
últimas décadas, contribuíram para alteração do processo de medicalização: o desenvolvimento
da biotecnologia (especialmente da indústria farmacêutica e da genética), a nova postura,
baseada numa perspectiva de consumo (consumers of health care) 22 assumida pelos pacientes
e as mudanças referentes à organização dos cuidados de saúde (managed care) 23. Para o autor,
a definição central de medicalização se mantém, mas a disponibilidade de novos tratamentos
na área farmacêutica e genética impulsiona, cada vez mais, a construção de novas categorias
médicas.
Ainda segundo Conrad (2007), há um aumento crescente, nos últimos anos, do número
de problemas definidos como médicos, antes não abordados nessa esfera. Processos naturais da
vida (nascimento, envelhecimento, morte), aspectos fisiológicos (menstruação, sono, fome),
características e experiências do ser humano (humor, emoções) e comportamentos antes
considerados desviantes são, atualmente, medicalizados. A calvície, o transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH), a tensão pré-menstrual (TPM), a disfunção erétil e a
diminuição da produção hormonal relacionada ao envelhecimento, tanto em homens quanto em
mulheres, seriam exemplos dessas “novas” categorias diagnósticas. O autor descreve também
21 A concepção do processo pelo qual problemas não- médicos passam a ser definidos e tratados como
problemas médicos impulsionou uma mudança mais complexa em direção a uma sociedade em que as noções
de risco e vigilância parecem estar, cada vez mais, relacionadas às questões de saúde. (ROSENFELD;
FAIRCLOTH, 2006). Podemos observar isso nas mensagens propagadas em instituições como escola e local
de trabalho, que estimulam novos comportamentos, inspirando e alimentando tais noções. (ROSENFELD;
FAIRCLOTH, 2006). Aliada à ideia de saúde como projeto, estaria a concepção de que os meios para o
realizar envolveria o consumo de tecnologias de saúde.
22 Segundo Conrad (2007), os cuidados em saúde estão mais sujeitos ao mercado devido às mudanças,
observadas, nas últimas décadas, no sistema de saúde. Neste cenário, os pacientes passam a considerar tais
cuidados a partir de uma lógica econômica e de consumo, assumindo, então, o perfil de consumidores
(consumers of health care).
23 Segundo Andrade e Lisboa (2000), managed care é um sistema de gerenciamento dos serviços de saúde,
característico dos Estados Unidos (EUA).
27
os motores da medicalização (engines of medicalization), representados por uma complexidade
de atores envolvidos no processo de medicalização, como a indústria farmacêutica e de
equipamentos médicos, os consumidores dos bens e serviços de saúde, os profissionais de saúde
e a sociedade civil.
Talvez, seja importante, aqui, uma breve discussão acerca do que costuma ser
conceituado como “Complexo Médico-Industrial”, termo a partir do qual diferentes autores
discutem as relações existentes entre práticas econômicas, desenvolvimento e organização do
setor saúde.
Segundo Vianna (2002), o conceito de Complexo Médico- Industrial é, desde a década
de 1980, utilizado no Brasil a fim de destacar as múltiplas interrelações estabelecidas entre os
diversos atores do setor saúde e destes com os demais setores da economia. Ele destaca que os
estudos sobre o CMI propunham compreender as relações entre o Estado e o complexo médico-
empresarial. O objetivo era oferecer uma melhor explicação sobre as origens e a dinâmica do
desenvolvimento das empresas médicas no Brasil, como também sobre o padrão de consumo
dos bens de saúde.
Porém, com o decorrer do tempo, o conceito de CMI ampliou-se, abrangendo as
diferentes articulações entre a assistência médica, as redes de formação profissional, a indústria
farmacêutica e a indústria produtora de equipamentos médicos e de instrumentos de diagnóstico
(VIANNA, 2002). Segundo o autor, a indústria farmacêutica, a partir da Segunda Guerra
Mundial, “emergiu”, devido às novas descobertas de medicamentos e passou a ter crescente
influência sobre os médicos: “Médicos e pacientes tinham agora à sua disposição um
quantitativo surpreendente de novas drogas que ofereciam a promessa de resolver ‘velhos’
problemas de saúde” (VIANNA, 2002, p. 379).
Assim, como destaca Vianna (2002), as condições de saúde sofreram grande impacto,
resultando no desenvolvimento de uma concepção que passa a aceitar os medicamentos
produzidos pela indústria farmacêutica como uma das grandes conquistas da Humanidade.
Além disso, a partir da década de 1960, o desenvolvimento de um setor capitalista produtor de
material e equipamentos médicos começa a transformar a prática médica e a estrutura do setor
prestador de serviços médicos.
Nessa conjuntura, novas práticas e especialidades médicas foram se desenvolvendo.
Tais especialidades tinham como características a utilização de equipamentos médicos de
última geração e a solicitação de grande quantidade de exames complementares, pois uma “boa
medicina” não poderia mais ser exercida sem o auxílio de tecnologias médicas.
28
Para Vianna (2002) a saúde passa a ser considerada, então, uma mercadoria de custo
elevado, que tem uma estreita ligação com a tecnologia. A última assumiria um papel simbólico
no imaginário coletivo, pois, além de se relacionar ao setor saúde, também seria vista como
“objeto de desejo”. Desta forma, uma “boa” prática médica estaria vinculada à “melhor”
tecnologia disponível e um “bom” produto à “tecnologia embutida” nele24.
O tema tecnologia é fundamental na construção do conceito de biomedicalização
apresentado por Clarke et al. (2003). Para elas, a biomedicalização consiste em um crescente e
complexo processo de medicalização, uma expressão de sua intensificação, com novos e
complexos processos tecnocientíficos. Na biomedicalização, a biomedicina envolveria o
controle e a transformação dos corpos, da saúde e da vida, impulsionando a construção de novas
identidades “tecnocientíficas” individuais e coletivas. Tal processo está situado dentro de uma
dinâmica de expansão do setor biomédico, bem como de sua expressão na sociedade, em que
determinados “padrões” de incorporação tecnológica são influenciados por modismos e
celebridades, transformando possibilidades corporais através da aplicação da tecnociência
(CLARKE et al., 2003).
De acordo com as autoras, as inovações tecnocientíficas estariam influenciando,
significativamente, a constituição de instituições de cuidado da saúde, a produção de
conhecimento, a veiculação de informações e a gestão na esfera da saúde. Dentre essas
inovações, as de ordem clínica representariam o “coração” da biomedicalização, com
transformações significativas, produzidas através de “novos” diagnósticos, tratamentos e
procedimentos de bioengenharia e engenharia genética, por exemplo.
A indústria farmacêutica, através do desenvolvimento e promoção de tratamentos
farmacológicos para diferentes “problemas” de saúde e tratamentos estéticos, tem sido um dos
atores mais envolvidos na construção desses “novos” corpos, dessas “novas” identidades e
“novas” formas de se enfrentar não só questões de saúde, mas também questões relativas à
própria existência humana.
O termo “farmaceuticalização” é proposto, exatamente, devido ao reconhecimento da
crescente importância da indústria farmacêutica no processo de
medicalização/biomedicalização e da necessidade de se estudar com mais profundidade o papel
24 Ao articular o tema Complexo Médico-Industrial (CMI) com o tema medicalização, Camargo Jr. (2007)
ressalta a possibilidade de pensarmos sobre uma concepção ampliada do conceito de medicalização: quaisquer
agentes do CMI podem ser agentes desse processo, através do convencimento de segmentos cada vez mais
amplos de que um dado evento é um “problema de saúde” e que, além disso, há uma solução eficaz e segura
para ele.
29
específico que as intervenções farmacêuticas exercem na saúde e na vida cotidiana das
populações.
Bell e Figert (2012) indicam que o termo farmaceuticalização foi introduzido na
Antropologia por Mark Nicher, em 1989, e na Sociologia por Williams, Gabe e Davis, em 2008.
Segundo os autores, foi somente nos anos 2000 que estudiosos começaram a fazer um balanço
da contribuição da indústria farmacêutica na expansão do uso de medicamentos, bem como do
papel da profissão médica, dos Estados e dos consumidores nessa expansão.
Abraham (2010) define farmaceuticalização como um processo em que aspectos do
âmbito social, comportamental ou corporal são tratados, ou vistos como tratáveis, passíveis de
intervenção, com produtos farmacêuticos. O autor defende que os fenômenos de
farmaceuticalização e medicalização devem ser vistos como processos diferenciados, no
entanto, admite o papel dos interesses da indústria farmacêutica na promoção, desenvolvimento
e consumo de medicamentos, elementos que também fazem parte do processo de
medicalização.
Williams, Martin e Gabe (2011) definem farmaceuticalização como um deslocamento ou
transformação das condições, capacidades e recursos humanos em oportunidade de intervenção
farmacêutica. A farmaceuticalização pode ser entendida como um complexo processo sócio-
técnico, envolvendo uma série de dimensões e dinâmicas, em que a “descoberta”,
desenvolvimento, comercialização, uso e governança de produtos farmacêuticos estão
centrados em torno da tecnologia baseada na química incorporada no comprimido.
(WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011). Ela inclui atividades sócio-econômicas distintas e
diversos atores (classe médica, público leigo, empresas farmacêuticas, por exemplo). Além
disso, tem extensão variável e dependente do contexto e da interação entre esses atores. (BELL;
FIGERT, 2012).
De acordo com Williams, Martin e Gabe (2011), há diferenças e semelhanças entre a
farmaceuticalização e a medicalização25. Ambos seriam processos bidirecionais, ou seja, pode
ocorrer tanto a “desmedicalização” quanto a “desfarmaceuticalização”. No entanto, vale
ressaltar que, no caso da desfarmaceuticalização, a retirada do medicamento, seria,
provavelmente, para substituí-lo por outro (de outro tipo ou outra geração). O que pode ocorrer,
também, é um declínio do seu uso.
Para os autores, farmaceuticalização, ao contrário da medicalização, engloba o uso de
medicamentos para fins não- médicos (estilo de vida e aprimoramento, por exemplo), podendo
25 Os autores se baseiam na definição de medicalização proposta por Conrad (2007).
30
haver farmaceuticalização sem um grau significativo de medicalização. Assim, há um
reposicionamento da função dos medicamentos, pois não se trata de utilizar certo fármaco para
se curar ou manter uma doença sob controle, e sim para fazer o corpo “funcionar melhor”,
prolongar aspectos corporais desejáveis ou reverter os indesejáveis. No entanto, vale apontar
que Conrad (2007) considera os limites entre o que é visto como tratamento médico e o que é
visto como enhancement “esfumaçados”, variando de acordo com as concepções de saúde,
doença e tratamentos médicos que estejam em jogo no momento.
Eles apontam seis dimensões sociológicas relacionadas às tendências e às
transformações da farmaceuticalização na sociedade. Essas dimensões serão vistas
detalhadamente a seguir.
A primeira consiste na redefinição e reconfiguração dos problemas de saúde, onde,
cada vez mais, os medicamentos são apontados como solução para resolvê-los. O crescimento
significativo da venda de medicamentos no mercado mundial, principalmente nos EUA e na
Europa, a desigual distribuição de vendas de medicamentos no mundo26 e a “mercantilização”
de doenças−com o alargamento das fronteiras do que é considerado doença e a ampliação do
mercado consumidor de medicamentos−constituem características dessa primeira dimensão
sociológica (WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011).
A segunda dimensão se refere às mudanças na relação entre as agências reguladoras e a
indústria farmacêutica. Houve uma redução da regulação exercida pelas agências e um aumento
da participação destas na promoção e inovação de medicamentos. Os autores ligam tais
acontecimentos ao financiamento das agências reguladoras por empresas farmacêuticas.
A terceira diz respeito ao papel da mídia e da cultura popular na (re)formulação de
problemas de saúde, em que a intervenção farmacêutica é apresentada como solução para
resolvê-los. A mídia teria a função de transportadora, catalisadora, amplificadora e promotora
do processo de mercantilização das doenças. A propaganda direta ao consumidor e a internet,
principalmente através da compra de medicamentos e dos questionários de diagnóstico, seriam
suas principais ferramentas. (WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011).
A quarta dimensão abarca a construção de novas identidades sociais e a mobilização de
grupos de pacientes ou de consumidores em torno de certos medicamentos. Essa dimensão se
caracteriza pelo desenvolvimento de um tipo específico de paciente, o paciente especialista, que
busca, cada vez mais e de maneira ativa e crítica, informações sobre seu problema de saúde e
26 Os autores apontam uma distribuição desigual de medicamentos no mundo, ou seja, há um alto percentual de
vendas de medicamentos, a maioria para problemas crônicos de saúde, como hipertensão e diabetes, em
países considerados centrais, ao contrário do que se observa em países periféricos.
31
tratamentos disponíveis, o que pode ser um combustível ou uma resistência para a
farmaceuticalização (WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011).
A quinta dimensão aborda a questão da inovação farmacêutica. De acordo com os
autores, há uma diminuição de lançamentos de novos medicamentos no mercado. Em
contrapartida, a farmacogenética e a farmacogenômica− com o uso do conhecimento genético
e genômico para prever reações a medicamentos – aparecem como promessa de uma medicina
personalizada, de uma redução significativa das reações adversas aos medicamentos. No
entanto, os progressos nessa direção ainda são lentos, com poucas evidências de benefícios.
A sexta, e última dimensão, diz respeito ao uso de medicamentos para fins não médicos
e ao desenvolvimento de novos mercados de consumo. Aqui, os medicamentos seriam
“medicamentos de estilo de vida”, ocupando o papel de gerenciadores de comportamentos e de
ferramentas de aprimoramento (enhancement), ou seja, com a função de fazer o corpo funcionar
“melhor” (LOE, 2001).
1. 2 Promoção e divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas
1.2.1 Mercantilização da saúde/doença: categorias diagnósticas e tratamentos médicos
Para Rosenberg (2002), os últimos dois séculos foram marcados pela reconfiguração do
papel do diagnóstico na prática médica. Ele estaria, cada vez mais, caracterizado pela
tecnicidade, burocracia e especialidade. A prática clínica e os argumentos médicos sobre as
doenças incorporaram e colaboraram para a constituição dessa mudança, em que o diagnóstico
é estreitamente relacionado à especificidade da doença. Isso abriu espaço para que esta pudesse
ser pensada como uma entidade conceitual, com suas manifestações observadas a nível
individual27.
27 Antes disso, o conceito de doença era ancorado no sofrimento individual do paciente. Dentre uma variedade de
trajetórias possíveis, a evolução da doença no organismo seria capaz de seguir qualquer caminho. Por exemplo,
um resfriado comum poderia se tornar uma bronquite, evoluindo sem consequências em longo prazo ou
reincidindo, rapidamente, em uma pneumonia fatal ou, lentamente, em uma doença pulmonar crônica. Assim,
de acordo com essa concepção, o organismo estaria sempre em risco, porém um risco relacionado à
idiossincrasia, à multicausalidade e à contingência de fatores. Isso mudou durante o século XIX, período em
que as doenças passaram a ser vistas como entidades, com mecanismos causais específicos. O
desenvolvimento da anatomia patológica e sua ênfase nas lesões corporais localizadas, bem como o da
32
A partir do conceito de “especificidade da doença”, ancorado na noção de agente
etiológico, a doença passa a ser combatida como “algo eliminável, estrangeiro, que causa
distúrbios limitados”. (SAYD, 2011, p.93). Tais distúrbios seriam específicos para cada doença
e não para cada doente. Assim, o sentido atribuído às noções de autorregulação, reequilíbrio e
disfunção28 existentes na medicina seria secundário no contexto de “procura” das doenças, ou
seja, a “descoberta” das causas das doenças seria mais importante. Isso contribuiu para que o
conceito de especificidade da doença orientasse as disciplinas médicas a fim de se identificar
doenças específicas, individualizadas por suas etiologias. (SAYD, 2011).
A ideia de que o diagnóstico corresponde ao eixo central na definição das doenças
consiste em uma das crenças mais poderosas acerca da construção das categorias diagnósticas.
Rosenberg (2002) argumenta que o diagnóstico assume a forma de um ritual, estabelecendo
ligação entre o médico e o paciente. Ademais, consiste em um meio de legitimação da classe
médica, bem como da autoridade de sua prática voltada para “cura”. Isso facilitaria decisões
médicas, além de favorecer o desenvolvimento de significados socialmente “acordados” para
determinada experiência individual. Nesse sentido, o autor apresenta o saber médico como
consistentemente ancorado ao redor das “imagens” de doenças, com a prática médica
fundamentada no conhecimento técnico de categorias diagnósticas, a partir do qual se
desenvolvem os cuidados necessários para a cura ou alívio do sofrimento provocado por
determinada “doença”29.
No entanto, vale destacar que, de acordo com Camargo Jr. (2007), o problema não
consistiria, exatamente, na construção das categorias diagnósticas. A “doença”, entendida como
artefato teórico e heurístico, contribuiria para organização do conhecimento médico disponível
e para delimitação de uma classe de problemas, em que intervenções técnicas são justificadas
e, muitas vezes, imprescindíveis. Além disso, as categorias diagnósticas circunscreveriam a
patologia química, com o estudo do “normal” e “anormal” na função fisiológica contribuíram para tal mudança
conceitual (ROSENBERG, 2002).
28 Entendemos que a autora se refere à ideia do “conjunto do organismo”, que necessitaria de tratamento ao se
encontrar disfuncional ou desequilibrado. Neste caso, tratar individualmente distúrbios fisiológicos, centrados
no “conjunto” do corpo doente, faria sentido.
29 Healy (2006) destaca que pensar sobre a possibilidade da existência de um remédio específico para uma
doença específica, até as últimas décadas do século XIX, era considerado algo pertencente à esfera do
charlatanismo. Porém, no final deste século, a medicina teria passado por um momento no qual pareceu existir
a necessidade de se escolher entre duas visões terapêuticas: uma, referente ao tratamento da pessoa “em sua
totalidade” e outra voltada para a “correção de defeitos específicos”. Cristalizou-se, então, na passagem do
século, a concepção de doença e terapêutica específicas, por meio do conceito de “magic bullets” e do
fortalecimento de uma indústria para produzi-las. Assim, os recursos utilizados para “testar” a eficácia dessas
“balas mágicas farmacológicas” teriam se fundamentado nas novas concepções sobre doença.
33
esfera de atuação dos profissionais de saúde, o que colaboraria, ao menos em princípio, para se
evitar a medicalização da vida.
O problema estaria relacionado à extensão da atuação do “setor saúde” para áreas além
da sua competência, ou seja, as que expressam a própria experiência humana, e à centralidade
da categoria doença no modelo biomédico, conforme aponta a discussão de
Conrad (2007), o que “[...] desloca o indivíduo doente do foco do olhar médico.” (CAMARGO
JR., 2007, p. 65). Essas questões vêm contribuindo para o crescimento do fenômeno
denominado “mercantilização de doenças” na sociedade.
Conrad (2007) e outros autores já discutidos apontam diferentes estratégias de
mercantilização que podem ser utilizadas: lidar com problemas leves de saúde como se fossem
doenças graves (síndrome do intestino irritável), considerar questões e aspectos da vida como
doenças (menopausa) e tratar um fator de risco como se trata uma doença, por exemplo.
(APPLBAUM, 2006).
Podemos sugerir, então, que a mercantilização de doenças se relaciona com a
mercantilização da saúde, pois a ampliação do que é visto como problema e risco de saúde
estimula, cada vez mais, a busca por tratamentos ou meios preventivos através do consumo de
tecnologias de saúde, como os medicamentos, por exemplo. Neste contexto, pode ocorrer a
promoção de doenças e medicamentos concomitantemente, ou seja, determinada doença é
divulgada juntamente com um medicamento específico para combatê-la.
Crawford (1980) define o conceito de saudização como uma maneira particular de se
ver os problemas de saúde, que pode ser compreendida como uma forma de medicalização. Tal
conceito situa os problemas de saúde na esfera individual, com a preocupação centrada na saúde
pessoal, foco primário para a definição e realização do bem-estar. A saúde torna-se, então, um
objetivo a ser atingido através da modificação dos estilos de vida, com ou sem ajuda terapêutica.
Nesta perspectiva, o indivíduo torna-se responsável pela sua própria saúde, que passa
a ser percebida e vivida numa visão ancorada em questões morais: "a incapacidade de manter a
saúde é atribuída à falta de vontade de estar bem, ou a um desejo inconsciente de estar doente,
ou, simplesmente, a uma falta de vontade." (CRAWFORD, 1980, p.379, tradução nossa)30.
A saudização é caracterizada pela transferência da responsabilização pela saúde da
competência médica para a competência do indivíduo (CRAWFORD, 1980), que é visto,
portanto, como responsável tanto pela sua saúde quanto pela doença e os danos que a última
possa causar no seu organismo.
30 O texto em língua estrangeira é “Healthism and the Medicalization of Everyday.”
34
Preocupações com estilos de vida e comportamentos de risco tornam-se centrais no
desenvolvimento dessa “nova” consciência de saúde. De acordo com tal lógica, o
comportamento saudável é considerado paradigma para o “bem -viver”, que é reduzido a uma
questão de saúde, assim como a saúde é expandida para incluir aspectos ligados à ideia de se
ter uma “vida boa” (CRAWFORD, 1980). Essa noção de “bem- viver”, aliada à crença da
doença como algo presente no cotidiano das pessoas, podendo ser evitada, vencida ou
amenizada, estimula o desenvolvimento de políticas de promoção de saúde e prevenção de
doenças com foco no indivíduo.
Segundo Dumit (2012), estudos realizados na década de 1950, em que dados
estatísticos passaram a ser utilizados com mais confiança pela medicina, contribuíram para a
construção de noções de populações “em risco”. A aplicação de vacinas− que preveniu algumas
doenças nas populações − e o desenvolvimento de biomarcadores do colesterol e da hipertensão
− então relacionados a problemas de saúde − impulsionaram a prática da intervenção médica
sobre comportamentos considerados “de risco”. Ademais, houve a edificação de uma nova
forma de estudo, o ensaio clínico randomizado controlado duplo cego. Com isso, foi possível
detectar diferenças mínimas entre dois tratamentos. Tal forma de medição significava que os
tratamentos eram tão semelhantes em eficácia que médicos ou pacientes não seriam capazes de
saber a diferença entre eles e teriam, portanto, que confiar nos resultados dos ensaios clínicos
para dizer-lhes qual medicamento31 foi o “melhor” (DUMIT, 2012).
O autor relaciona o que ele denomina de “industrialização dos ensaios clínicos” com a
possibilidade de se associar os medicamentos a fatores de risco, por exemplo, Diuril com
hipertensão, Onirase com diabetes e Mevacor com colesterol elevado. Tais medicamentos
seriam utilizados não a fim de se curar uma condição, mas para reduzir o fator de risco e a
chance de problemas cardíacos (ou outros) futuros. Além disso, os pacientes teriam de utilizá-
los todos os dias, cronicamente, ou seja, pelo resto de suas vidas. Desta forma, a indústria
farmacêutica havia “encontrado” diagnósticos que fariam seu mercado crescer em proporções
maciças.
O objetivo das empresas farmacêuticas seria, justamente, “maximizar o número de novas
prescrições” e garantir que os consumidores permanecessem com suas medicações o maior
tempo possível. Para isso, a promoção da “conscientização” do risco − bem como da ideia desse
risco ser personalizado consistem em duas estratégias fundamentais para o convencimento da
necessidade de tratamento farmacológico preventivo (DUMIT, 2012). Esta conjuntura colabora
31 Optamos por traduzir a palavra “drugs” utilizada pelo autor por “medicamentos”, pois acreditamos ser a que
mais se assemelha, em termos de significado, ao termo em inglês.
35
para que, cada vez mais, doenças sejam vistas na perspectiva da cronicidade, com o risco sendo
abordado da mesma forma que a própria doença.
Dumit (2012) aponta a mudança da concepção que considerava a maioria das pessoas
como saudáveis em sua essência − com a maior parte das doenças consistindo em interrupções
temporárias de suas vidas − para uma concepção desenvolvida a partir dos anos 1960 e 1970 e
que se tornou comum na década de 1990. Tal concepção coloca a doença como questão central
quando se fala de saúde. Desta forma, os corpos são vistos como inerentemente doentes, seja
pela genética, pelo estilo de vida ou pelo trauma e “sentir-se saudável” passa a ser considerada
uma expressão que nomeia uma experiência temporal.
Para o autor, a velha ideia baseada na relação entre os sintomas e o diagnóstico da doença
− em que após o tratamento a saúde do doente é recuperada − foi substituída por um novo
modelo de saúde, no qual, muitas vezes, não há sintoma que o médico possa detectar e/ou
experiência de adoecimento, e sim uma condição de risco detectada por meio de um teste de
rastreio, ancorado em ensaios clínicos. A detecção de uma condição de risco é suficiente para
a prescrição do uso crônico de um medicamento, que pode ser estendida para o resto da vida de
uma pessoa sem que ela esteja necessariamente doente (DUMIT, 2012).
Em um trabalho anterior ao de Dumit, Greene (2007) também se refere ao tratamento de
pessoas assintomáticas com base em medidas quantitativas a fim de prevenir futuros problemas
de saúde. Ele aponta a poderosa influência dos números como meio de se quantificar o risco na
prática clínica e descreve a relação entre os avanços nos tratamentos preventivos, os incentivos
dos fabricantes de tecnologias preventivas e os efeitos do desenvolvimento dessas tecnologias
no cotidiano das pessoas. Como Dumit, analisa a história do tratamento da hipertensão, da
diabetes e da hipercolesterolemia, doenças vistas como crônicas, em que a questão dos números
é fundamental para se considerar uma pessoa portadora dessas doenças ou em risco de
desenvolvê-las. Neste cenário, o tratamento pode ser prescrito para uma pessoa sem sintomas
associados a um problema médico, mas que, ao ter sua pressão aferida ou seus níveis de glicose
e colesterol mensurados, depara-se com números a partir dos quais é classificada como “em
risco”.
Segundo esses dois autores, portanto, problemas de saúde não relacionados a sintomas
imediatos estariam atrelados a uma probabilidade estatística de se desenvolverem no futuro,
tendo seu diagnóstico mensurável quantitativamente, por meio de tecnologias específicas.
Somada a isso, estaria a noção do consumo de medicamentos por um período definido ou até
mesmo pelo resto da vida, ao qual os pacientes se prendem a fim de prevenirem doenças futuras,
36
mesmo sendo encorajados a mudarem seu estilo de vida, com alteração de suas dietas, inclusão
da prática de exercícios físicos no cotidiano e busca de outras formas terapêuticas, por exemplo.
Desta forma, a lógica do risco do adoecimento torna-se um componente central das
preocupações relacionadas à saúde, colocando em evidência o tratamento crônico de doenças,
dificultando, cada vez mais, a distinção entre o tratamento de uma pessoa saudável e o
tratamento de um doente crônico. Com isso, a saúde vem sendo definida como redução do risco
de a pessoa desenvolver algum tipo de doença. Se a condição de risco passa a ser tratada como
se fosse doença, com o uso de medicamentos, por exemplo, podemos concluir que, nessa
concepção, a prevenção torna-se tratamento32. Isso pode gerar uma sensação de insegurança e
ansiedade crescentes, pois as noções de saúde e bem-estar estariam condicionadas a
biomarcadores, obtidos através de ensaios clínicos, que podem ser alterados a qualquer
momento.
Greene ressalta a importância de percebemos que a promoção da ideia de “redução de
risco” não se resume a uma estratégia de marketing dos fabricantes de medicamentos ou a uma
postura médica adotada com o objetivo de aumentar o número de visitas de pacientes nos
consultórios. Essa estratégia, para ter um mínimo de sucesso, precisa expressar um certo
“desinteresse” financeiro. Daí a necessidade de envolver, além da indústria, cientistas
respeitados, institutos de pesquisa, associações médicas, publicações científicas e leigas e
associações de pacientes. Tal rede, congregando profissionais, leigos, e instituições diversas,
forçosamente implica algum grau de debate e discordância, o que não impede o marketing
farmacêutico de se realizar.
Assim como Greene, Dumit (2012) acredita que atrelar o marketing farmacêutico à
produção do conhecimento (visto como) científico é fundamental para a negação do interesse
“puramente financeiro”. É neste ponto que, segundo ele, os ensaios clínicos assumem papel
fundamental – são realizados a fim de apontar os benefícios de determinados medicamentos na
redução do risco de problemas de saúde – para o desenvolvimento, a promoção e a divulgação
do tratamento medicamentoso visando à prevenção de doenças. De acordo com o autor, a
cristalização e a disseminação dessa concepção de prevenção através de medicamentos
32 De acordo com Greene (2007), pacientes que consomem medicamentos para condições assintomáticas, na
realidade, não sabem se terão algum benefício ao consumí-los e, ao mesmo tempo, podem experimentar seus
efeitos colaterais. Ironicamente, isso pode fazer com que o único resultado dessa experiência seja um conjunto
de sintomas iatrogênicos.
37
consistem em um processo no qual as dimensões da propaganda farmacêutica e da pesquisa
científica influenciam-se mutuamente.
Tal processo vai desde os estágios iniciais de desenvolvimento do medicamento −
quando um composto promissor é concebido de acordo com seu potencial de mercado −
passando pela realização de ensaios clínicos (patrocinados por empresas privadas) até a etapa
de educação, envolvendo a classe médica e o público leigo − que ocorre, principalmente, por
meio de uma rede promocional de produtos farmacêuticos, constituída por propagandistas e
publicidade direta ao consumidor. Assim, segundo Greene, a doença teria se tornado,
simultaneamente, um evento epidemiológico e um evento de marketing.
Concomitante à concepção do risco como doença e da busca do bem-estar, os
medicamentos são cada vez mais consumidos com a finalidade de modelagem do corpo ou do
comportamento a padrões estéticos e comportamentais culturalmente valorizados. Esse
consumo é caracterizado pela tendência ao seu “desligamento” da responsabilidade médica. A
automedicação, em que a pessoa assume os possíveis riscos referentes ao uso de medicamentos
sem indicação médica, consiste na mais significativa ilustração desse desligamento
(NASCIMENTO, 2002).
Assim como Dumit, Nascimento destaca a tendência de deslocamento do medicamento do
campo de cura e de saúde para o de controle de risco, enquanto intervenção tecnológica que
evoca noções do que seria “certo-incerto”, “corpo-espírito”, “vida-morte”, por exemplo.
1.2.2 Medicamentos: valor simbólico e consumo
Segundo Nogueira (2008), o consumo consiste em parte essencial da vida
contemporânea. Por meio dele, as identidades são construídas, a simbologia atrelada aos objetos
consumidos passa a ser parte constituinte do indivíduo e se transmuta em sinal de diferenciação
na sociedade. Nesta conjuntura, o valor atribuído às mercadorias não estaria mais ligado ao
tempo de trabalho necessário para produzi-las, mas sim pelos signos, “representados por valores
intangíveis que se tornam espelhos que refletem e refratam nossa identidade” (NOGUEIRA,
2008, p. 11)
Outro ponto importante desta questão, destacado por Nogueira (2008), diz respeito à
extrema valorização do presente, ao “esquecimento” do amanhã, ou seja, à ideia de
“presentificação do tempo”. As pessoas estariam, cada vez mais, interessadas em mudanças
38
imediatas e na posse de soluções rápidas, que levam muito pouco tempo para serem
implementadas. Assim, a produção torna-se frenética, com o ciclo de vida dos produtos e
tecnologias cada vez menor e a procura pelo novo passa a ser a “regra do jogo”. Por meio da
simbologia atrelada não só aos bens consumidos, mas também ao próprio ato de consumir,
desejos, sonhos e prazeres estariam, então, disponíveis quase que instantaneamente. Logo,
através do consumo, a posse de signos tornar-se-ia disponível prontamente (NOGUEIRA,
2008).
Para Lefrève (1983) o signo ou símbolo é
[..] um estímulo ou realidade material (seja ela um som, traços, gráficos, luzes,
sombras, gesso talhado, ou certos tipos de mercadorias como automóveis de luxo,
cachimbos, remédios e outras) que, através de um sistema convencional ou código,
exerce a função de estar-no-lugar-de ou representar algo, sempre que o representado
(pela sua natureza abstrata ou mística, ou pelo fato de expressar mazelas ou
contradições sociais que não se deseja que apareçam à luz do dia, ou por qualquer
outra razão impeditiva) não puder funcionar como representante de si mesmo”
(LEFRÈVE, 1983, p. 500).
Neste contexto, a publicidade, por meio de sua retórica, “apresenta os valores sociais
vigentes e simboliza a liberdade de escolha, com sua miríade de produtos e identidades prontas
para serem consumidas” (NOGUEIRA, 2008, p. 23). Ela impulsiona a construção de um
imaginário em torno das marcas promovidas, por meio de ferramentas utilizadas na propaganda,
como belas paisagens, situações de vitória e felicidade, por exemplo, atreladas ao consumo de
determinado produto. A identificação do consumidor com o produto seria alimentada pela
necessidade de satisfação e prazer imediatos, além da possibilidade de se sentir diferenciado
(para melhor) em relação “ao outro”, na sociedade.
Atualmente, os medicamentos estão entre os produtos mais consumidos na sociedade. Esse
consumo crescente está associado, como discutimos acima, a questões que extrapolam o
objetivo de cura ou tratamento de problemas médicos. Por isso, consideramos pertinente a
abordagem de alguns aspectos simbólicos relacionados ao consumo dessa tecnologia
biomédica.
Lefrève (1983) analisa a função simbólica dos medicamentos no contexto da
mercantilização de doenças. Aqui, os medicamentos, vistos como mercadorias, são
considerados a única maneira cientificamente válida de se enfrentar a doença, notada, neste
caso, pela perspectiva orgânica. A confiança no medicamento relacionada ao “valor científico”
atrelado a ele, coloca-o numa posição de mercadoria especial, legítima e representante da
“tecnologia científica” (DUPUY; KARSENTY, 1979).
39
Ao propor a visão do medicamento como uma “mercadoria-símbolo”, Lefèvre apresenta
características embutidas, simbolicamente, nesse produto, tais como a ideia de obtenção de
saúde imediata, de acesso ao bem-estar e à qualidade de vida, de realização ou obtenção de
saúde, único modo cientificamente válido de se obter saúde (LEFÈVRE, 1987). Assim, como
diz Nogueira (2008, p. 24): “Ao tomarmos uma pílula, não ingerimos apenas um medicamento.
Dentro de seu invólucro, além de substâncias químicas, residem crenças: crenças de cura, de
saúde, de ciência”.
Nogueira argumenta que justificativas racionais e irracionais estimulam o uso de
medicamentos. O consumo desses produtos farmacoquímicos seria, ao mesmo tempo, concreto
(o das substâncias) e simbólico (sua forma de atuação na vida do indivíduo). Segundo ela, para
se discutir sobre como a simbologia relacionada ao consumo de medicamentos se apresenta,
seria necessário, primeiramente, considerar que esse produto faz parte do cotidiano dos
indivíduos, é facilmente encontrado em quaisquer drogarias e largamente consumido. No
entanto, uma parte considerável das pessoas que fazem uso deles, na expectativa de serem
curados imediatamente, desconhecem seus componentes e mecanismo de ação no organismo.
A convicção de que os medicamentos são capazes de resolver os problemas provém,
justamente, dos aspectos simbólicos presentes na sociedade há muito tempo. Como afirma
Nogueira:
A simbologia dada aos medicamentos (fator que estimula o seu consumo) é formada
através de um aprendizado social que é construído no viver diário e no contato com
os meios de comunicação. Estes se tornam um estímulo coagente que determina a
forma como o objeto será visto pela sociedade. A indústria farmacêutica faz grande
uso de estratégias de relações públicas, promovendo os seus medicamentos não só
através da publicidade, mas também utilizando a mídia impressa ao relacionar
assuntos que fazem parte do cotidiano com o consumo de medicamentos
(NOGUEIRA, 2008, p. 27)
Vale ressaltar, aqui, que especialistas da esfera farmacêutica, médicos e profissionais de
saúde em geral também têm suas práticas permeadas pela simbologia atrelada aos produtos
farmacêuticos. Geest e Whyte (2011) apontam que os medicamentos33 constituem uma
tecnologia de significativa atratividade em diversas culturas e são considerados pelos pacientes
e pela classe médica centrais nos cuidados de saúde. Em seu trabalho, os autores sugerem que
há um “encanto” em relação aos medicamentos tanto nos países desenvolvidos (centrais),
33 Os autores definem “medicamentos” como “substâncias usadas no tratamento de enfermidades” (GEEST e
WHYTE, 2011, p. 458).
40
quanto nos países em desenvolvimento (periféricos). Sua concretude, caracterizada pela
objetificação da cura, facilitaria processos simbólicos e sociais particulares:
Medicamentos são coisas. Fazendo deste o nosso ponto de partida, poderemos
entender por que os medicamentos são o núcleo duro da terapia e o que os separa de
outras formas de cura. Na biomedicina, outros tipos de tratamento também têm a
qualidade de ser tangíveis, sendo a cirurgia o primeiro exemplo. Mas uma cirurgia
não é algo que possa ser separado do cirurgião. (GEEST; WHYTE, 2011, p.458, grifo
dos autores).
A concretude e o caráter democrático atribuído aos medicamentos são características
que estão atreladas à “objetificação” da cura, ou seja, à crença do medicamento como algo que
tem o poder de cura em si mesmo. Nesta conjuntura, são impulsionados processos simbólicos
e sociais em torno dos medicamentos e seu consumo (GEEST; WHYTE, 2011). No entanto,
tais processos não estariam somente ligados à questão da capacidade de cura inerente ao
medicamento:
Parece insatisfatório argumentar que as pessoas querem medicamentos somente
porque eles têm uma capacidade inerente “natural” e óbvia de curar. A motivação para
obter medicamentos não é simplesmente que eles são poderosos, mas que as pessoas
acreditam que eles o sejam. A pergunta então retorna de outra forma: por que as
pessoas estão inclinadas a acreditar tão fortemente na eficácia das drogas34? (GEEST;
WHYTE, 2011, p.459).
Além disso, os medicamentos “têm qualidades que os tornam mais apropriados para sua
transformação em mercadoria do que a maioria das outras coisas ao serem trocadas” (GEEST;
WHYTE, 2011, p. 461). Uma dessas qualidades diz respeito à possibilidade de os
medicamentos irem ao encontro das necessidades das pessoas, numa demanda que é, em
princípio, ilimitada. A ideia, cada vez mais difundida − de que a saúde nunca parece estar
assegurada, necessitando que as pessoas façam o possível para mantê-la ou restabelecê-la − tem
papel fundamental na construção dessa demanda.
Geest e Whyte (2011) apontam importantes implicações relacionadas ao consumo de
medicamentos na esfera das relações sociais. Uma delas seria a possibilidade de essas
tecnologias médicas desprenderem-se do território profissional dos médicos e farmacêuticos.
Isso aconteceria por conta da escrita, particularmente das publicações, que podem ser acessíveis
a outras pessoas, removendo, assim, a centralidade do conhecimento da dimensão de atuação
desses profissionais.
34 Acreditamos que os autores utilizam os termos “drogas” e “fármacos” como sinônimos de medicamentos.
41
Desta forma, o conhecimento se “objetifica” e passa a ser visto como algo que pode se
sustentar sozinho, ser “guardado no armário”, “trancado atrás das portas”, transmitido para
outras pessoas através do espaço e do tempo. A escrita possibilita que o conhecimento,
desenvolvido como propriedade exclusiva de uma classe privilegiada, torne-se “vulgarizado”
(GEEST; WHYTE, 2011).
Segundo os autores, os medicamentos, de maneira similar, “objetificam a arte de curar”
atribuída aos médicos, de forma que essas tecnologias científicas podem ser utilizadas por
qualquer um: “Os fármacos quebram a hegemonia dos profissionais e habilitam as pessoas a
ajudarem a si mesmas. Os medicamentos, portanto, têm um poder ‘libertador’, particularmente
naquelas sociedades onde é difícil controlar sua circulação e uso” (GEEST; WHYTE, 2011,
p.460).
Eles apontam, ainda, a possibilidade de o medicamento se tornar um veículo de
individualização, influenciando a maneira pela qual o indivíduo doente se relaciona com a
família e a comunidade. Dependendo do tipo de doença, ou seja, quando ela pode ter um reflexo
negativo no paciente ou na família, o uso individual e privado do medicamento é
particularmente importante. Os tipos de doenças que se encaixam nessa categoria são variáveis
de uma cultura para outra. Além disso, quando o tratamento medicamentoso é feito
individualmente e de maneira privada, ocorre a diminuição da dependência do doente em
relação a médicos, biomédicos, mentores espirituais e parentes:
O controle social exercido por especialistas terapêuticos, do caçador de bruxas ao
psiquiatra, do sacerdote ancestral ao médico da família, pode ser evitado, assim como
a influência de parentes idosos, vizinhos, líderes religiosos e outros pode ser muito
reduzida, já que o indivíduo pode conseguir contornar a interferência dessas pessoas
ao fazer um uso privado de medicamentos. Adivinhação, reza coletiva, sacrifício,
cirurgia e aconselhamento colocam o paciente nas mãos de outras pessoas. Os
medicamentos lhe permitem assumir, em suas próprias mãos, sua condição (GEEST;
WHYTE, 2011, p. 461)35.
Desta forma, podemos observar que, de acordo com os autores, na prática, os
medicamentos são, habitualmente, vistos como vantajosos, libertadores, convenientes, prontos
para o uso. Além disso, são itens que, geralmente, podem ser trocados por dinheiro e sua
concretude os torna eminentemente intercambiáveis.
35 No entanto, é preciso considerar, aqui, que um determinado medicamento pode até ser consumido por meio
de automedicação, mas, ainda assim, ter sido indicado por alguém em algum momento da vida do indivíduo,
por exemplo.
42
O simbolismo atrelado ao consumo de medicamentos diminui significativamente a
possibilidade de se encarar a complexidade do processo saúde-doença, pois o medicamento é
visto como uma “solução mágica e rápida” para dor, para o desconforto e/ou problema de saúde
em questão. Ele atuaria, também, como uma espécie de “camuflador” de problemas complexos,
subjetivos, referentes à própria condição humana, proporcionando certo conforto moral,
aplacando sentimentos angustiantes, preenchendo os “vazios”, “ajudando a viver” (DUPUY;
KARSENTY, 1979).
Ao promoverem que qualquer dor, qualquer estado considerado fora do padrão, tanto na
dimensão saúde/doença, quanto na estética, deve ser visto como intolerável para as pessoas, a
indústria farmacêutica, a classe médica, a mídia e o próprio público leigo impulsionam o
consumo de tecnologias científicas, dentre elas os medicamentos, como solução eficaz para
esses problemas.
1.2.3 Indústria farmacêutica e classe médica: co-promoção e co-divulgação de medicamentos
e categorias diagnósticas
Conforme já dito anteriormente, a indústria farmacêutica utiliza estratégias de
marketing que visam promover a venda de seus produtos, tendo, assim, papel fundamental na
“[...] ampliação do uso inadequado e dos efeitos adversos dos fármacos, sobretudo ao
institucionalizar estratégias de comercialização e promoção intensificadoras da medicalização,
isto é, da crença que extrapola o razoável e o cientificamente justificável no valor e na ação dos
fármacos.” (BARROS, 2008, p. 39).
O autor destaca a intensificação da “criação” de doenças para os medicamentos
fabricados pelas empresas farmacêuticas como uma dessas estratégias. Seguindo esse
raciocínio, Applbaum (2006) argumenta que as estratégias de marketing36 utilizadas pela
indústria farmacêutica a fim de promover seus medicamentos acabam contribuindo para a
formação de um tipo de consumidor, inserido numa lógica de “mercantilização” de doenças
(disease mongering).
36 De acordo com a American Marketing Association (AMA), Marketing é a atividade, função organizacional,
conjunto de processos para a criação, comunicação, entrega e troca de ofertas que têm valor para os clientes,
parceiros e sociedade em geral (Disponível em https://www.ama.org. Acesso em 7 mar. 2016).
43
Somada a isso, estaria a tendência, cada vez maior, de se descrever as doenças da maneira
mais superficial possível, o que acentua a tenuidade da linha divisória entre o “sadio” e o
“doente”, impulsiona a ampliação do espectro de definição das doenças (MOYNIHAN;
WASMES, 2007) e, consequentemente, o mercado consumidor de medicamentos. Desta
forma, como diz Barros (1983): “Em termos puramente mercadológicos, nos setores de
produção e comercialização de medicamentos, interessa a ocorrência de um máximo de doenças
acompanhadas de um máximo de tratamentos.” (BARROS, 1983, p. 378). Ou seja, ao
promover seus produtos, a indústria farmacêutica promove não apenas os medicamentos, mas
as próprias doenças. Tais promoções seriam concomitantes, ou seja, determinada “doença” é
divulgada juntamente com um medicamento específico para “combatê-la”.
Neste cenário de co-promoção e co-divulgação de categorias diagnósticas e
medicamentos, os últimos são apresentados como a melhor solução para o problema, a doença,
o transtorno ou a deficiência em questão. Além disso, o sucesso do tratamento farmacológico,
muitas vezes, é considerado confirmação do diagnóstico e definição da causa da anormalidade.
De acordo com essa ideia, o medicamento só funcionaria no sintoma de um distúrbio
subjacente, ou seja, se há ação farmacológica, há doença (LAKOFF, 2006).
Ao se referir ao processo de promoção de novos diagnósticos e tratamentos, neste caso
com foco na comercialização de drogas para disfunção sexual, Marshall (2009) aborda a
questão da promoção e consumo de medicamentos por meio de uma concepção que chama de
“imaginação farmacêutica.” Tal concepção engloba uma gama de narrativas possíveis, tendo
como eixo condutor o pressuposto de um modelo linear de progresso científico, em que as
explicações as fisiológicas para problemas de saúde vão se firmando, estando ligadas a soluções
farmacológias. A imaginação farmacêutica também diz respeito à crença dos pacientes,
profissionais, pesquisadores e indústria em que a “solução química” é a melhor, seja qual for o
problema em questão.
Conforme apontam Angell (2010) e Barros (2004), a classe médica, por ser a responsável
legal pela prescrição de medicamentos, seria o alvo central das estratégias de marketing
utilizadas pela indústria farmacêutica. Dentre os diversos fatores que influenciam a prescrição
médica, Barros (2008) destaca os relacionados às fontes de informação de que se servem os
médicos, especialmente as desenvolvidas e disseminadas pelos produtores de medicamentos.
Tais produtores utilizariam mecanismos diretos e indiretos a fim de promover seus
medicamentos junto aos médicos. Os instrumentos ou estratégias diretas seriam, por exemplo,
a distribuição de amostras grátis e dos mais variados brindes e os anúncios em revistas médicas.
Entre as estratégias indiretas estariam o financiamento dos programas de “educação
44
continuada”, de revistas médicas ou de associações profissionais (BARROS, 2008). Estudantes
de medicina também receberiam “presentes”, juntamente com informações referentes aos
produtos promovidos pelas empresas farmacêuticas. Essa abordagem da indústria seria uma
espécie de “doutrinação” na cultura dos médicos receberem “presentes” e informações
científicas sobre medicamentos, o que ajudaria a estabelecer laços de confiança e
relacionamento em longo prazo, fazendo, dos futuros médicos, propagandistas daquelas
empresas farmacêuticas (OLDANI, 2002, 2004)37.
Há outros autores, além dos já citados, que apontam articulações existentes entre a
classe médica e a indústria farmacêutica, responsáveis por impulsionar, cada vez mais, a
promoção e divulgação de categorias diagnósticas e medicamentos simultaneamente.
Abordaremos essa questão mais detalhadamente no decorrer deste capítulo.
1.2.3.1 O papel do propagandista farmacêutico na divulgação de medicamentos à classe médica
A indústria farmacêutica faz parte de uma ampla e intrincada rede de produção,
promoção e divulgação de diagnósticos e tratamentos (medicamentos). Tal rede é caracterizada
pela troca de informações e privilégios entre médicos, propagandistas38 de empresas
farmacêuticas e pacientes, denominada por Oldani (2004) de “pharmaceutical gift cycle”.
Segundo o autor, essa abordagem considera uma genealogia ou ciclo do medicamento,
caracterizada pela produção (pesquisa e desenvolvimento), marketing, prescrição, distribuição,
aquisição, consumo e eficácia. Cada uma dessas fases teria suas próprias características,
contando com a participação de diferentes atores.
37 Quanto aos meios pelos quais a classe médica busca informações sobre medicamentos, Camargo Jr. (2003)
aponta uma questão importante. Trata-se da quase exclusividade atribuída à indústria farmacêutica no que diz
respeito às informações sobre medicamentos, ou seja, as informações veiculadas pelas empresas
farmacêuticas são, praticamente, a única fonte de conhecimento e formação disponível no meio médico.
Além disso, a ausência de uma formação acadêmica que estimule a avaliação crítica de textos científicos
colabora para uma posição dos médicos similar à dos leigos (CAMARGO JR., 2003).
38 Optamos por traduzir a expressão “pharmaceutical sales representative” por “propagandista farmacêutico”,
já que, nesse meio profissional, no Brasil, a expressão “representante farmacêutico” pode ser utilizada para
designar profissionais da indústria que visitam somente as farmácias, não tendo nenhum contato com os
médicos. Mais adiante, quando discutirmos as entrevistas feitas com os propagandistas, abordaremos essa
questão com mais detalhes.
45
Oldani (2004) caracteriza a relação entre médicos e propagandistas farmacêuticos como
parte de um processo dinâmico, em que as práticas desses dois profissionais são influenciadas
mutuamente. Prescrições, hábitos médicos, tratamentos de pacientes e até design de produtos
podem ser alterados a partir dessas interações, que são forjadas e reforçadas no repetitivo e
calculado ato de “doar presentes”, ou seja, nessa relação de troca, tanto os propagandistas da
indústria farmacêutica quanto os médicos são beneficiados de alguma forma.
Segundo o autor, os propagandistas farmacêuticos39 são uma peça fundamental no
processo de promoção e divulgação de medicamentos produzidos pela indústria farmacêutica.
Eles recebem treinamento fornecido pelas empresas farmacêuticas, visando orientar
informações médicas, valorizar características positivas e omitir, ou minimizar as
características negativas do medicamento ou produto farmacêutico apresentado aos médicos
(OLDANI, 2002). Influenciar novas prescrições médicas e/ou manter as mais antigas e,
consequentemente, impulsionar a venda de medicamentos, consiste no principal objetivo desses
profissionais em suas visitas aos consultórios médicos.
Consideramos o conceito de “dádiva”, de “doação de presentes”, central para
entendermos o mecanismo de funcionamento do “pharmaceutical gift cycle” proposto por
Oldani, que utiliza o trabalho seminal de Marcel Mauss (1974), intitulado “Ensaio sobre a
dádiva” para discutir, como já dito anteriormente, a dinâmica envolvida no processo de co-
promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas.
Lévi-Strauss (1974), em sua “Introdução à obra de Marcel Mauss”, destaca que, em
muitas civilizações, as trocas e os contratos são realizados por meio de presentes, com as
doações e retribuições de tais presentes consideradas, teoricamente, voluntárias. No entanto, na
prática, a obrigatoriedade e a imposição caracterizariam essas doações e retribuições. Mauss
(1974), no “Ensaio sobre a dádiva”, concentra-se nas experiências de troca em sociedades
consideradas primitivas ou arcaicas40, discutindo as formas do direito e da economia presentes
nessas sociedades através da análise do conceito de dádiva: “A ideia é, partindo da análise da
39 No livro “Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman” (2005), Jamie Reidy relata sua experiência como
propagandista farmacêutico da empresa Pfizer, produtora do medicamento Viagra®. Ele menciona as
técnicas de vendas comumente utilizadas pelos propagandistas farmacêuticos e descreve como se aperfeiçoou
para lidar com a classe médica. O filme “Love & Other Drugs”, estrelado por Jake Gyllenhaal e Anne
Hathaway foi baseado no livro de Reidy.
40 Utilizo as expressões “primitivas” e “arcaicas” de modo similar ao empregado por Mauss (1974). Vale
ressaltar que as transações voluntárias, marcadas pelo signo da espontaneidade, e os movimentos de caráter
coercitivo são encontrados em inúmeros lugares, conforme apontado em diversos relatos etnográficos,
durante o desenvolvimento da pesquisa empreendida por Mauss (COELHO, 2006).
46
dádiva, rastrear nos direitos primitivos e antigos o estado das categorias que o direito moderno
separou, em especial, o problema da separação entre coisas e pessoas.” (COELHO, 2006, p.21)
A partir do termo “sistema de prestações totais” Lévi-Strauss (1974) destaca
características das trocas e dos contratos presentes na Melanésia, Polinésia e no Noroeste
americano, as três principais áreas abordadas no estudo de Mauss (COELHO, 2006). Essas
trocas não seriam, exclusivamente, de bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas
economicamente úteis. Como diz Lévi-Strauss (1974):
São, antes de tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres,
crianças, danças, festas, feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, e nos
quais a circulação de riquezas não é senão um dos termos de um contrato bem mais
geral e bem mais permanente. Enfim, essas prestações e contraprestações se
estabelecem de uma forma voluntária, por meio de regalos, presentes, embora elas
sejam no fundo rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública.
Propusemos chamar tudo isso o sistema de prestações totais.” (LÉVI-STRAUSS,
1974, p. 191).
De acordo com Lévi-Strauss (1974), em duas tribos do Noroeste americano (os Tlingit
e os Haida), assim como em toda região, aparece uma forma “evoluída e relativamente rara
dessas prestações totais” (LÉVI-STRAUSS, 1974, p. 191), denominada potlatch. Tal expressão
significa, essencialmente, “nutrir”, “consumir” (LÉVI-STRAUSS, 1974).
Destacaremos, aqui, dois elementos essenciais do potlatch apontados por Mauss (1974):
o elemento da honra, do prestígio e o da obrigação de se retribuir as dádivas, sob pena de perder
autoridade, prestígio, honra. Nesta perspectiva, o caráter coercitivo da troca pode ser entendido
como parte de uma conjuntura em que se torna necessário não só retribuir o presente, mas
retribuí-lo de maneira adequada, segundo o esperado, de acordo com as regras culturais que
envolvem determinada situação de troca de presentes, em cada sociedade. Só assim será
assegurada a manutenção do prestígio, da honra e da autoridade, por exemplo. Como aponta
Coelho:
Erigida em estratégia de construção do renome, a troca é composta por uma ‘tríplice
obrigação’: dar, receber, retribuir. Dar é essencial para obter prestígio; é preciso
ostentar a fortuna por intermédio de sua distribuição. Por sua vez, receber também
está longe de ser um ato voluntário; aquele que recusa a dádiva ofertada tem seu
prestígio ameaçado, uma vez que recusar a dádiva tem o sentido de dar-se por vencido
antecipadamente. Ao mesmo tempo, se dar é um convite à aliança, receber equivale a
aceitá-la, recusar um presente sendo algo assim como uma declaração de guerra. A
terceira obrigação − retribuir − completa o ‘sistema da dádiva’, uma vez que a coisa
ofertada em retribuição, em vez de ‘quitar’ a dádiva inicial recebida, corresponde a
aceitar estar em relação com o doador inicial − conforme afirma Mauss, a
contraprestação equivale a uma nova primeira prestação, exigindo por sua vez uma
nova retribuição. (COELHO, 2006, p. 23).
47
Nesse sentido, a autora sugere que deixemos de encarar o ciclo de prestações e
contraprestações como um sistema de trocas estritamente materiais, pois só com base na ideia
da “virtude espiritual” presente nas coisas trocadas podemos, então, enxergar sentido na
dimensão dessas relações, já que “há muito mais em jogo do que a mera materialidade das
coisas trocadas” (COELHO, 2006, p.23), ou seja, os presentes, com seu potencial de insultar e
cultivar prestígio, servem como veículo de expressão para seus doadores e donatários.
Ao trazermos essa dimensão do conceito de dádiva ao contexto de promoção e
divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas, podemos observar características que
nos ajudam a compreender o desenrolar das articulações existentes entre a classe médica e a
indústria farmacêutica e seu impacto na venda e no consumo de medicamentos. Como nas
sociedades discutidas por Mauss, o sistema de troca de presentes, envolvendo os propagandistas
farmacêuticos e a classe médica, está longe de se vincular apenas a um aspecto material, aos
interesses econômicos. Essa questão vai além, por exemplo, do retorno material (aumento de
salário, bônus financeiro, brindes) que o propagandista farmacêutico recebe por ter exercido
com competência seu papel de promotor de medicamentos. Vai além também do financiamento
de pesquisas científicas, de participações em congressos, pagamento de viagens, entre outros
brindes (OLDANI, 2004), recebidos pelos médicos e vinculados a suas prescrições e discursos
promovendo, direta ou diretamente, o uso e/ou prescrição de determinado medicamento
vendido por uma empresa farmacêutica.
Desta forma, pensando na questão da “virtude espiritual” das coisas, descrita por Mauss,
valores como honra, prestígio, expressão de poder e competência profissional também estão em
jogo nessa dimensão interacional de troca entre os propagandistas farmacêuticos e a classe
médica. Como diz Coelho (2002):
O princípio básico de construção de renome e obtenção de prestígio por meio dos
objetos doados/recebidos obedece, logicamente, a regras ditadas pelas posições
relativas ocupadas pelos indivíduos envolvidos na troca na hierarquia social. Assim,
a adequação das ocasiões, parceiros e objetos está subordinada a uma gramática que
regula as escolhas individuais. É nesse sentido que as trocas materiais podem ser
pensadas como estratégias de comunicação, consistindo assim em uma linguagem
(COELHO, 2002, p.76).
Nesse sentido, Coelho, referindo-se a Mauss, aponta a capacidade dos presentes trocados
de “dramatizarem a natureza do vínculo entre o doador e o receptor” (Coelho, 2002, p.76), ou
seja, os presentes trocados representam o tipo e a importância da relação que é estabelecida
nessa dimensão de interação. Aqui, mais uma vez, cabe voltar a Mauss e à obrigação implícita
nesse ritual de troca, a tríplice obrigação que está “embutida” na dádiva: dar, receber e retribuir
48
(de forma adequada). Conforme Mauss afirma (1974, p.58), “recusar-se a dar, deixar de
convidar ou recusar-se a receber equivale a declarar guerra; é recusar a aliança e a comunhão”.
Quando o propagandista farmacêutico visa estabelecer vínculo com os médicos,
forjando uma aliança por meio da “partilha” de informações e da “doação” de si mesmo
(OLDANI, 2004), ele tem uma expectativa de retorno, que pode se estender além da questão
material. Ter uma relação especial com os médicos, falar “de igual pra igual” com um
pesquisador renomado, por exemplo, não se relaciona, diretamente, a benefícios materiais, mas
sim à possibilidade de fazer parte de uma rede de interações vinculada à ciência e à tecnologia,
pois a classe médica é considerada a "detentora do conhecimento científico" sobre os problemas
de saúde e seus tratamentos. Assim, parece haver uma “transmissão do prestígio” associado à
classe médico-científica ao propagandista farmacêutico.
Já o médico que recebe financiamento da indústria farmacêutica para suas pesquisas, é
convidado a dar palestras em eventos científicos promovidos pela indústria, ou até mesmo para
falar sobre determinado problema médico (e seu tratamento) em veículos de comunicação de
massa é visto como um profissional de sucesso, de referência, detentor de conhecimento
científico especializado, tanto entre os leigos quanto na classe médico-científica.
Os propagandistas de empresas farmacêuticas − através de suas visitas aos consultórios
médicos, em que são apresentadas informações sobre "novos" medicamentos − são a peça chave
na manutenção desse vínculo entre os médicos e a indústria farmacêutica. Aqui, a noção de
cientificidade é de extrema importância, de tal maneira que os propagandistas farmacêuticos
são treinados para apresentarem com desenvoltura essas informações, não de maneira leiga,
mas utilizando palavras de cunho técnico, numa estratégia de se aproximarem do médico, de
falarem “de igual pra igual” no que diz respeito à linguagem médico-científica.
Mais uma vez voltando a Mauss, podemos dizer que aqui há uma promoção da qualidade
“espiritual” tanto dos medicamentos quanto dos médicos, vinculada à noção de cientificidade,
à importância da linguagem técnica e científica na apresentação de um produto considerado
resultado de um processo tecnológico e científico. Além disso, há a ideia de que o médico é um
profissional que não possui outro interesse além de cumprir sua missão de curar e salvar vidas,
utilizando a tecnologia científica como uma ferramenta fundamental para atingir tal objetivo.
Logo, mesmo conquistando uma posição de pesquisador “de peso” entre os pares por,
justamente, conseguir benefícios oferecidos pelas empresas farmacêuticas (AMARAL, 2015),
a concepção da classe médica como detentora de conhecimento científico e imune a qualquer
interferência externa à sua prática persiste não só fora, mas também dentro do meio médico-
científico.
49
No entanto, como salienta Lakoff (2006), a questão do conflito de interesses entre o
dever do médico de tratar seu paciente e uma reciprocidade existente entre os médicos e as
empresas farmacêuticas permanece como problema, na medida em que se pode afirmar que tal
reciprocidade comprometeria a integridade do médico como profissional. O autor, ao estudar o
contexto argentino de venda de medicamentos antidepressivos em 2001, destaca pelo menos
dois problemas ligados à dinâmica de “doação de presentes” envolvendo os médicos e as
empresas farmacêuticas.
O primeiro refere-se à ideia de que pode ser feita uma distinção clara entre “farmacologia
racional” e marketing. Essa distinção, como discutem diversos autores já mencionados, não
seria possível, pois as empresas farmacêuticas produzem não só os medicamentos, mas também
informações sobre eles, como sua eficácia e segurança, que vão influenciar diretamente as
prescrições médicas. O segundo problema diz respeito aos conflitos de interesse. É assumido
que os “presentes” oferecidos aos médicos representam uma troca que tem seu fim naquele
momento, ou seja, uma transferência direta de bens. Entretanto, na realidade, tal troca
consistiria em um meio de se reforçar uma relação contínua, envolvendo o acesso recíproco a
“recursos guardados” (LAKOFF, 2006), portanto, haveria uma circularidade de trocas e
prestações (MAUSS, 1974; OLDANI, 2004).
Seguindo esse raciocínio, OLDANI (2004) aponta que nessa relação de troca tanto os
propagandistas quanto os médicos são beneficiados de alguma forma, conforme já discutimos
mais acima. Desta forma, podemos concluir que existe um contexto em que interesses são
negociados, influenciando tanto a postura dos propagandistas quanto a postura dos médicos em
relação aos medicamentos lançados no mercado.
Assim como Oldani, Lakoff considera os propagandistas da indústria farmacêutica
figuras-chave no processo de promoção de medicamentos por meio da prescrição médica. Ele
afirma que a tarefa do propagandista consiste em trabalhar em determinado território a fim de
aumentar a quota de mercado dos produtos da empresa farmacêutica para a qual trabalha. É
importante ressaltar que empresas farmacêuticas realizam monitoramento das prescrições
médicas constantemente, com o objetivo de obter dados que permitam uma avaliação dos
resultados de suas campanhas de marketing, bem como de suas relações com os médicos. Sabe-
se, por exemplo, da existência de empresas de banco de dados que microfilmam prescrições
individuais em farmácias, coletam os dados e, em seguida, vendem essas informações para as
empresas farmacêuticas.
No entanto, segundo o autor, não são apenas as prescrições médicas que são monitoradas
pelas empresas farmacêuticas. O desempenho dos propagandistas também é controlado. Ao
50
manter esse controle, o monitoramento se torna uma espécie de técnica reflexiva para as
empresas, um meio de intervenção no processo de marketing, uma espécie de feedback, que
permite ao gerente de vendas saber o que está acontecendo em cada território de venda delegado
aos propagandistas. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, é possível obter
rapidamente e de maneira detalhada essas informações.
Foi dito que as ações e concepções dos médicos são influenciadas pelo marketing das
empresas farmacêuticas, mas vale a pena reforçar que a relação entre a classe médica e a
indústria farmacêutica é marcada pela interatividade, ou seja, as ações de marketing também
são influenciadas pelos médicos (LAKOFF, 2006). Essa interatividade faz parte de um processo
que (re)configura, (re)constrói e alimenta noções sobre saúde, doença e tratamentos médicos,
que vão influenciar o modo pelo qual as pessoas vivem e se comportam na sociedade.
1.2.3.2. Marketing farmacêutico em congressos científicos
Segundo Giami (2009b), a participação de um pesquisador em conferências41
internacionais consiste em um aspecto importante da atividade e da socialização profissional.
Nesses eventos, em que supostos avanços no campo científico são discutidos por pares, uma
gama de possibilidades de construção e manutenção de redes, visando à realização de novos
projetos ou à formação de parcerias para o desenvolvimento de novas publicações científicas,
são vislumbradas. Além disso, há também momentos de lazer, de “desligamento” da vida
cotidiana, em que é possível visitar museus, ir a concertos e jantares de gala, entre outras
atividades. Tais eventos são, portanto, singulares, já que, teoricamente, são organizados com a
finalidade de difundir conhecimento científico, por meio de divulgação de novas tecnologias e
tratamentos médicos, por exemplo, mas que também acabam se tornando um espaço de lazer
para os pesquisadores e/ou profissionais participantes.
A partir de observações participantes no Congresso Nacional de Sexologia, Larocque-
Latour (2014) destaca, em sua análise, dois tipos de pessoas presentes nesses eventos: os
41 Consideramos que o raciocínio aplicado para se discutir a relação entre indústria farmacêutica e classe médica
em conferências internacionais seja similar ao pensarmos nos congressos científicos. No entanto, optamos
por não trocar as palavras durante a tradução.
51
ouvintes, que ele chama de congressistas e os oradores, denominados congrologistes.42 O autor
reconhece que essa divisão é artificial, porque ouvintes podem ir a congressos com objetivos
que vão além do “apenas ouvir”. O representante de venda seria um exemplo desse tipo de
ouvinte, já que, provavelmente, prefere manter um estande durante os congressos a ouvir o que
os palestrantes teriam a dizer em suas apresentações. Da mesma forma, um orador pode estar
presente em outras sessões do evento como ouvinte. Essa divisão proposta por Larocque-Latour
é utilizada como ferramenta a fim de ilustrar características significativas atreladas à
organização de um congresso.
Assim como Giami (2009b), Larocque-Latour (2014) acredita que o espaço físico
escolhido para cada momento do congresso é estratégico e tem relação com o prestígio de cada
orador no seu campo de atuação profissional. Por exemplo, as sessões plenárias dos congressos
seriam, geralmente, outorgadas a “oradores convidados”, que ocupariam, neste caso, uma
posição importante na associação43 ou no campo da sexologia e/ou saúde sexual. Tais sessões
atrairiam um número maior de participantes quando comparadas aos simpósios, cuja
organização é, geralmente, confiada a membros de associação ou associação satélite. Já as
“apresentações livres” e as sessões de pôsteres seriam geridas, diretamente, pelas comissões
científicas. As oficinas de formação (workshops) aconteceriam antes da cerimônia de abertura,
seriam pagas “por fora” da inscrição no congresso e organizadas por profissionais. (Giami,
2009b).
Seguindo o modelo proposto por Giami (2009b) − que se refere a um congresso
internacional − Larocque-Latour (2014) divide as áreas de intervenção, ou seja, de divulgação
de conhecimento em três níveis, que correspondem a diferentes possibilidades de visibilidade
para os oradores. O primeiro nível é localizado em um auditório, usualmente denominado “sala
de conferências”. Nesses espaços é realizada uma série de atividades como debates,
apresentação de pesquisas, resumos de outras sessões ou plenárias, encerramento de congresso,
entre outras. Uma apresentação ou intervenção nesse local dá o máximo de visibilidade vis-à-
vis entre orador e ouvintes e a oportunidade de o orador interagir com o público durante o
debate que encerra a sessão.
O segundo nível de visibilidade caracteriza-se por intervenções realizadas em salas,
como cursos e oficinas de trabalho. Aqui, o público presente seria mais restrito e selecionado.
O nível de visibilidade na sala, dada a audiência mais limitada, seria, obviamente, menor
42 Não encontramos, até o momento, tradução na língua portuguesa para essa palavra.
43 O autor não explicita no texto qual associação seria essa.
52
quando comparado a um anfiteatro, a uma sala de conferências. Contudo, a dinâmica da
intervenção nesse lugar de menor dimensão aumentaria a possibilidade de interação com o
especialista no final da sessão.
O terceiro nível de visibilidade localiza-se onde estão dispostos os pôsteres, no corredor
central, entre os espaços ocupados por estandes de laboratórios farmacêuticos e de associações
médico-científicas, e onde ocorrem os coffee breaks. O nível de visibilidade ligado aos pôsteres
é, obviamente, baixo, mas pode ser compensado com a presença de seus autores no espaço,
possibilitando, assim, uma troca direta com o público interessado (LAROCQUE-LATOUR,
2014). No entanto, muitas vezes, os autores dos pôsteres não estão presentes durante todos os
dias de um congresso. Pude observar isso nos três congressos analisados neste trabalho.
Seguindo essa perspectiva interacional entre participantes de congressos, acreditamos
que, nesses espaços, é possível perceber a articulação entre indústria farmacêutica e classe
médica, principalmente quando pensamos em propagandas de medicamentos dirigidas aos
médicos (AZIZE 2010a; 2010b) e nos meios pelos quais a classe médica acaba promovendo e
divulgando − direta ou indiretamente − os medicamentos vendidos pelas empresas
farmacêuticas.
Segundo Giami (2009b), congressos que recebem apoio financeiro ou patrocínio de
indústrias são geridos pelos Professional Congress Organizers (PCO) 44. Pesquisadores
convidados para esses eventos têm, muitas vezes, sua participação totalmente financiada, desde
o transporte utilizado para deslocamento até o local do evento, até mesmo a estadia e a taxa de
inscrição. Além disso, podem receber pagamentos pelos serviços prestados aos organizadores.
O autor argumenta que, atualmente, conferências internacionais na área da saúde e da
biomedicina, não podem ser organizadas de forma “tradicional” e “autogeridas” com taxas de
inscrição pagas pelos participantes ou com pequena subvenção de autoridades acadêmicas
locais, sem o apoio da indústria farmacêutica. Isso ocorreria, segundo ele, por conta dos custos
envolvidos na organização desses eventos (aluguel de instalações, viagens aéreas, alojamento,
promoção de eventos sociais, convite de oradores proeminentes, entre outras coisas). Mas,
certamente, essa dinâmica teria o efeito de influenciar a construção, a orientação, o conteúdo e
a organização dos programas apresentados (GIAMI, 2009b).
44 O autor aponta que não se sabe muito bem sobre esses profissionais e nem como suas atividades são
desenvolvidas. Ele cita como exemplo de PCOs, que se apresentam como empresas “globais”, responsáveis
pela organização de congressos e workshops internacionais no campo da saúde, a Regimedia
(http://www.regimedia.com/index2.htm. Acesso: 10 de janeiro de 2018) e a Kenes International (Disponível
em: http://www.kenes.com. Acesso em: 10 de jan. 2018).
53
Para Giami (2009b), a participação da indústria farmacêutica no financiamento de
eventos científicos gerou um grande afluxo de recursos financeiros. Isso fez com que eles
passassem a ser organizados em locais mais interessantes, funcionais, bem equipados e mais
agradáveis, mas também voltados para benefícios financeiros substanciais. Neste contexto, a
relação entre ciência e dinheiro mudou, pois este, necessário para realizar conferências
científicas, tornou-se um meio de gerar benefícios financeiros significativos e não,
essencialmente, de promover o desenvolvimento “científico”.
Azize (2010a; 2010b), ao fazer uma pesquisa etnográfica em um congresso de psiquiatria,
aponta questões interessantes referentes à dinâmica de interação entre médicos e empresas
farmacêuticas, no que diz respeito às propagandas de medicamentos dirigidas aos médicos.
Essa dinâmica de interação começaria pelo reconhecimento de um possível prescritor de
medicamentos, que se daria através do crachá de identificação dos participantes do congresso.
Segundo Azize (2010a), a distribuição desses crachás parecia marcar, através das diferentes
cores, certa hierarquia de prestígio, em que a posição mais alta era ocupada pelos médicos, neste
caso os psiquiatras.
Além disso, o autor chama atenção para a maneira como os propagandistas de laboratórios
e funcionários dos estandes se dirigiam aos profissionais não prescritores:
Independentemente da minha vontade, naquele ambiente eu seria chamado
repetidamente de 'doutor', já que, em caso de dúvida, os propagandistas dos
laboratórios e funcionários dos estandes partem do pressuposto de que os participantes
do congresso são médicos ou estudantes de medicina. (AZIZE, 2010a, p. 66).
Isso pode evidenciar, dentre outras coisas, a preocupação dos propagandistas
farmacêuticos com a possibilidade de perderem o contato de algum prescritor, já que, às vezes,
não é possível, de imediato, conferir tal informação através do crachá de identificação dos
participantes.
Vale lembrar também que, nos congressos médicos, os laboratórios farmacêuticos lançam
mão da estratégia que consiste em cadastrar profissionais desejosos de receberem,
posteriormente, a visita de propagandistas farmacêuticos em seus consultórios (AZIZE, 2010a).
Ou seja, quanto mais médicos cadastrados no congresso, maior a possibilidade de prescrições
de medicamentos e, como já dito antes, maior a possibilidade de lucro para as empresas
farmacêuticas.
Ainda sobre a divulgação de medicamentos à classe médica em congressos científicos,
Azize (2010a; 2010b) −assim como Giami (2009b) − destaca que tais espaços acabam
54
funcionando como áreas de lazer, em que os congressistas ganham alimentação, recebem
brindes diversos, participam de sorteios e ainda podem socializar. Além disso, é possível
observar, nesses eventos, um local singular de divulgação farmacêutica dirigida aos médicos,
os chamados "Simpósios da Indústria":
Alguns simpósios, chamados justamente de 'Simpósios da Indústria', são organizados
pelos laboratórios farmacêuticos com objetivos específicos de divulgação. Em alguns
casos, é possível encontrar o mesmo profissional apresentando trabalhos em
atividades diversas, como por exemplo, em uma conferência especial e em um
simpósio da indústria, o que demostrava haver trânsito entre as áreas científicas e
comercial do congresso. (AZIZE, 2010b, p. 370).
Desta forma, além de indicar peculiar interação entre a classe médica e as empresas
farmacêuticas, a existência de tais simpósios faz dos congressos científicos potentes espaços de
divulgação e promoção de medicamentos entre os médicos, juntamente com a promoção e
divulgação de "novas" categorias diagnósticas.
Assim como Azize (2010a; 2010b) e Giami (2009b), Ravelli (2012) discute a dinâmica
de interação entre empresas farmacêuticas e classe médica nos eventos científicos, ressaltando
a importância desses espaços na construção de articulações marcadas por interesses diversos,
que podem ser mais ou menos explícitos dentro desses locais, dependendo do tipo de contato
estabelecido entre médicos e indústria farmacêutica.
Ele procurou, em seu trabalho, analisar a “biografia social” de um antibiótico muito
prescrito na França, traçando um caminho de pesquisa desde a investigação até a
comercialização do medicamento, passando pela produção industrial. O autor propõe a
apresentação de uma cadeia de interações entre os atores envolvidos nesse longo processo. Ao
abordar os mecanismos estratégicos utilizados pela indústria farmacêutica a fim de influenciar
médicos prescritores e líderes de opinião (médicos renomados, especialistas bem reconhecidos
em sua área de atuação) a terem uma conduta médica favorável a seus produtos, Ravelli destaca
o congresso médico como um local em que o marketing farmacêutico e o saber médico, embora
considerados pertencentes a dimensões separadas são, na realidade, inseparáveis.
Nesse sentido, Giami (2009b) afirma que a prática da comunicação e a discussão
científica, bem como a divulgação de trabalhos científicos são atividades “não-imunes” a
ajustes sociais, econômicos, políticos e até psicológicos. Segundo o autor, a participação da
indústria farmacêutica, com suas estratégias e mecanismos de promoção e divulgação de
produtos e medicamentos toma uma “forma visível” nos estandes de laboratórios e na
distribuição de folhetos no hall de entrada dos eventos científicos, por exemplo.
55
No entanto, a influência da indústria em tais espaços vai além e pode se mostrar de
forma ainda mais explícita. Por exemplo, cada trabalho apresentado em um simpósio apoiado
pela indústria farmacêutica deve ser aprovado pela seção de regulamentação da empresa
financiadora. Além disso, as apresentações preparadas pelos pesquisadores são,
obrigatoriamente, equipadas com serviços de comunicação dessas mesmas empresas e contêm
logotipos farmacêuticos (GIAMI, 2009b). Desta forma, uma apresentação sobre algum tipo de
problema médico realizada nesses espaços pode conter, além de informações sobre causas,
sintomas e tratamento, a indicação de qual medicamento seria mais eficaz para cura ou controle
de tal problema, mesmo de maneira não tão direta, através da presença do logotipo do
laboratório produtor do medicamento nos slides da apresentação.
Assim, os eventos científicos consistem em espaços nos quais a promoção e a
divulgação concomitante de categorias diagnósticas e medicamentos − bem como mecanismos
de interação entre a classe médica e a indústria farmacêutica durante esse processo − podem ser
observados de maneira efetiva e concreta.
1.2.4 A classe médica na promoção e divulgação de categorias diagnósticas e medicamentos
1.2.4.1 Classe médica: ética e conflitos de interesse
Segundo Ravelli (2012), em períodos de crise, grandes empresas lutam em muitas frentes
para superar as ameaças que se acumulam, por meio do emprego de diversas estratégias a fim
de manter o controle de seus mercados. Neste cenário, a indústria farmacêutica se mantém
garantindo seu poder, apesar da diminuição de lucros, repetidos escândalos, esgotamento do
modelo de pesquisa para desenvolvimento de novos medicamentos e questionamentos nas áreas
médica, política e jornalística que enfrente. Tal capacidade de adaptação e reorganização
constante permite que o setor, em plena “tempestade” econômica, continue a ser considerado
um "refúgio seguro" nas bolsas de valores e alvo de críticas ferrenhas.
O autor argumenta que os escândalos envolvendo a indústria farmacêutica
impulsionaram os discursos críticos a se concentrarem em excessos, práticas abertamente
condenadas pela moral pública, com a questão do conflito de interesses presente nas etapas de
produção, promoção e divulgação de medicamentos vista como exceção e não como regra. Em
56
suma, apontavam as disfunções de um sistema sem descrever as engrenagens usuais e normais,
que também poderiam ser escandalosas.
A maioria dessas análises, portanto, teria em comum o fato de separar o curso “normal”
de andamento da indústria farmacêutica de suas “aberrações” periódicas − como se houvesse
de um lado o excepcional, o erro dramático, a falha nos sistemas de segurança e, de outro, a
“marcha” usual de uma indústria bem assistida. Logo a culpa seria do cientista corrupto, da
ganância ou da perversidade de um laboratório isolado, por exemplo.
Segundo Ravelli, encontramos nessas representações resultantes de escândalos, a
mesma ideia subjacente, que consiste em criticar os conflitos de interesses: os indivíduos
responsáveis pela “defesa de um bem público”, como o da saúde, não podem, ao mesmo tempo,
trabalhar para seus interesses pessoais ou privados, porque essa “mistura” seria prejudicial aos
interesses da sociedade. Desta forma, médicos, cientistas, experts ou líderes empresariais
seriam culpados pelos conflitos de interesse que eclodem, de tempos em tempos, na mídia. Tal
concepção, para o autor, seria baseada em uma idealização da objetividade da ciência e da
expertise.
Ravelli (2012) aponta que o código de deontologia médica francês45 contém uma série
de referências ao tema. Lá, segundo o autor, está escrito, por exemplo, que o médico, ao prestar
serviço à saúde individual e pública, “não pode alienar sua independência profissional”, deve
se “proteger” de “qualquer publicidade de interesse geral”, porque “a medicina não deve ser
praticada como um negócio”.
Assim, o conflito de interesse, que se revela ao grande público durante os escândalos,
não é somente um problema de ética profissional ou disposição política pessoal, é o sintoma de
um estado econômico e social mais profundo, que mistura, constantemente, o requisito de lucro
com as necessidades de saúde. Os textos examinados a seguir tratam do tema “conflitos de
interesse” em periódicos médicos, como um problema a ser resolvido. Consideramos
importante levar em conta esse ponto de vista em nossas reflexões.
Segundo Relman (1985), foi na década de 1980 que o tema conflitos de interesse passou
a receber mais atenção na literatura médica46. A partir daí diversos estudos que descrevem uma
45 Ordre National des Médecins. Code de déontologie médicale: décret n°95-1000 du 6 septembre 1995 portant
code déontologie médicale, articles 1, 5, 13 et 19, p. 3, 5 et 7.
46 Segundo Chamon et al. (2010), a indústria farmacêutica e a classe médica mantêm um relacionamento que se
iniciou nas primeiras décadas do século XX e acabou se expandindo, progressivamente, para diversas
atividades profissionais e médicas. Por conta disso, situações com enorme potencial de conflitos de interesse
começaram a surgir. Neste contexto, a “Declaração de Conflito de Interesse” “faz parte da transparência
científica, possibilitando ao leitor ou ouvinte avaliar se o comportamento do apresentador pode ter sido
57
ampla gama de conflitos envolvendo médicos, pesquisadores e instituições médicas foram
desenvolvidos (THOMPSON, 1993). O autor define conflitos de interesse como uma
associação de condições em que o julgamento profissional, referente a certo interesse primário,
tende a ser influenciado, de maneira indevida, por um interesse secundário. Dentre os interesses
primários, estão o bem-estar do paciente ou a validade da pesquisa, por exemplo; já o ganho
financeiro consiste em um exemplo de interesse secundário.
Goldim (2002) afirma que situações envolvendo possíveis conflitos de interesse têm
recebido atenção crescente na atualidade, principalmente quanto aos aspectos éticos e
bioéticos47 implicados nessa questão. Para ele, o tema “conflito de interesse” abarca situações
que vão além dos aspectos econômicos. Interesses pessoais, científicos, assistenciais,
educacionais, religiosos e sociais também podem estar presentes. Os conflitos de interesse têm
chances de ocorrer entre um profissional e uma instituição com a qual se relaciona ou entre um
profissional e outra pessoa. Assim, os interesses de um profissional de saúde e de seu paciente,
por exemplo, podem não ser coincidentes, da mesma forma que os de um professor e seu aluno,
ou ainda, os de um pesquisador e do sujeito da pesquisa na qual trabalha.
Reyes et al. (2007), ao se basearem em textos específicos e de diferentes associações e
comitês de pesquisa científica48, destacam que os conflitos de interesse mais comuns se
relacionam ao apoio financeiro de determinadas instituições ou entidades. Concordando com
Reyes e colegas, Thompsom (1993) destaca que as “regras” de conflitos de interesse,
geralmente, concentram-se no ganho financeiro, não porque este seja mais pernicioso quando
comparado aos outros interesses, mas por conta do dinheiro ser mais objetivo, fungível, fácil
de regularizar regras imparciais e também útil para a realização de diferentes propósitos.
Esse tipo de conflito pode existir porque o patrocinador condicionou sua ajuda à
abordagem direta ou exclusiva de uma questão específica de seu interesse, tem autoridade para
aprovar ou não a bibliografia sobre a qual a pesquisa se baseia, julga se os resultados concordam
influenciado por esses interesses privados.” (CHAMON et al., 2010, p. 107). Ou seja, é por meio dessa
declaração que o pesquisador médico informará aos leitores de seu texto científico se recebeu algum
financiamento da indústria farmacêutica para a realização da pesquisa.
47 Para Oliveira (2005), a expressão “ética médica” se define, habitualmente pelos médicos, como “o
cumprimento ao determinado pelo código de ética: deveres e direitos dos médicos” (OLIVEIRA, 2005, p.
26). Já a bioética consistiria em uma dimensão do conhecimento, por meio da qual se relaciona os valores
éticos com questões da biologia, principalmente os aspectos envolvendo a vida e saúde de seres humanos,
dentro de um meio ambiente.
48 Para mais detalhes ver Reyes et al. (2007).
58
com seus interesses, é responsável pela análise estatística do trabalho, participa da interpretação
dos resultados, da preparação do manuscrito ou da escolha da revista à qual o texto foi enviado
(REYES et al., 2007)49.
Em alguns casos, segundo os autores, a entidade patrocinadora determina que um dos
autores do texto científico seja alguém com dependência laboral ou vínculos comerciais com
ela. A declaração de existência ou inexistência de conflitos de interesse deve ser ratificada com
a assinatura de cada um dos autores do manuscrito. No entanto, na maioria dos textos
submetidos a revistas que exigem tal procedimento, os autores declaram que o apoio recebido
não comprometeu sua “independência” científica.
Nesse sentido, Chamon et al. (2010), ao indicar o trabalho de Bodenheimer (2000) como
uma referência, aponta que apesar da maioria dos pesquisadores médicos negarem que sua
relação com a indústria comprometa a suposta objetividade de suas pesquisas, existem cada vez
mais evidências sobre a maior probabilidade de pesquisadores ligados a empresas farmacêuticas
relatarem e interpretarem resultados favoráveis a determinado medicamento. Já os
pesquisadores independentes, ou seja, sem vínculo com a indústria, tendem a ser mais críticos50.
Segundo Thompsom (1993), os conflitos são mais ou menos problemáticos dependendo
da probabilidade de o julgamento profissional ser (ou parecer) influenciado por um interesse
secundário e da gravidade do dano que essa influência possa (ou pareça) causar a algo ou
alguém. Assim, quanto maior for o interesse secundário, mais provável será sua influência
sobre a postura do profissional diante de determinada questão. Outro fator que pode afetar a
probabilidade de alcance do conflito consiste na natureza do relacionamento estabelecido entre
as partes envolvidas no processo. Quanto mais longas e mais próximas as relações, maiores são
as chances de tal tipo de influência ocorrrer. Um relacionamento contínuo como membro do
conselho ou parceiro de um patrocinador industrial, por exemplo, pode gerar mais problemas
envolvendo conflitos de interesse do que uma única concessão ou presente (THOMPSOM,
1993).
Para Filho (2010), no entanto, o maior problema, na maioria das vezes, não consiste na
existência de conflitos de interesse, mas sim na ausência da declaração destes. Como afirma
Chamon et al. (2010): “A caracterização de conflito de interesse não necessariamente significa
49 Goldim (2002) destaca que o conflito de interesses pode ser exemplificado também pelo estabelecimento de
cláusulas de não-divulgação de resultados negativos da pesquisa ou pelo adiamento desta divulgação, com a
finalidade de resguardar o potencial mercado de determinado produto ou serviço.
50 Para Chamon et al. (2010), outro aspecto que deve ser discutido é a participação da indústria na elaboração
de diretrizes que padronizam tratamentos de doenças. Segundo os autores, isso consistiria, possivelmente, em
uma das causas de maior impacto em relação às prescrições de medicamentos.
59
que os envolvidos não mereçam credibilidade. Permite sim, que se tenha ideia dos personagens
envolvidos no processo e suas motivações.” (CHAMON, et al. 2010, p. 107). Nesse sentido,
Reyes et al. (2007) enfatizam que a publicação da declaração de conflitos de interesse melhora
a transparência de um documento, estimula a confiança em seus autores, nos periódicos que
publicam suas obras e na maneira como determinada profissão se apropria de uma informação
que afirma ter utilidade coletiva.
No Brasil, O Código de Ética Médica (17 de setembro de 2009), a Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 96/2008 da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária e a Resolução 1.595/2000 do Conselho Federal de Medicina
fazem menção aos conflitos de interesse. De acordo com este Código, no seu artigo 104, “é
vedado ao médico deixar de manter independência profissional e científica em relação a
financiadores de pesquisa médica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens
pessoais”. Já no artigo 109, afirma-se que “é vedado ao médico deixar de zelar, quando docente
ou autor de publicações científicas, pela veracidade, clareza e imparcialidade das informações
apresentadas, bem como deixar de declarar relações com a indústria de medicamentos, órteses,
próteses, equipamentos, implantes de qualquer natureza e outras que possam configurar
conflitos de interesses, ainda que em potencial”.
A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (alínea b do item III.3) declara que
“a pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá assegurar a
inexistência de conflito de interesses entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa ou
patrocinador do projeto”. A resolução RDC 96/2008 da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, no parágrafo segundo do artigo 42, afirma que “os palestrantes de qualquer sessão
científica que estabeleçam relações com laboratórios farmacêuticos ou tenham qualquer outro
interesse financeiro ou comercial devem informar potencial conflito de interesses aos
organizadores dos congressos, com a devida indicação na programação oficial do evento e no
início de sua palestra, bem como, nos anais, quando estes existirem”.
A Resolução 1.595/2000 do Conselho Federal de Medicina ( artigo 2) determina “que os
médicos, ao proferirem palestras ou escreverem artigos divulgando ou promovendo produtos
farmacêuticos ou equipamentos para uso na medicina, declarem os agentes financeiros que
patrocinam suas pesquisas e/ou apresentações, cabendo-lhes ainda indicar a metodologia
empregada em suas pesquisas – quando for o caso – ou referir a literatura e bibliografia que
serviram de base à apresentação, quando essa tiver por natureza a transmissão de conhecimento
proveniente de fontes alheias”.
60
Internacionalmente, o International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE), o
American Medical Association Manual of Style e o Council of Science Editors (CSE) fazem
recomendações referentes à necessidade de que os envolvidos no processo de publicação
(autores, revisores e editores) exponham seus conflitos de interesse, sejam eles realmente
existentes ou simplesmente potenciais, a fim de prevenir ambiguidades (CHAMON et al.,
2010).
Para os autores, a área de educação médica consiste em outra fonte constante de
questionamentos acerca dos conflitos de interesse envolvendo a classe médica e a indústria
farmacêutica. Desta forma, quando há participação da indústria nesse tipo de atividade, ainda
que seja somente na programação, isso deve ser caracterizado. Tal atitude permite ao público
assistir a um evento sabendo dos interesses envolvidos. Por conta de tudo que já foi discutido,
podemos pensar na posição peculiar ocupada pelos profissionais de marketing farmacêutico ao
promoverem seus produtos para uma classe inserida num contexto de legislação de saúde que,
muitas vezes, pode restringir suas ações promocionais de venda.
Os médicos, como já foi dito anteriormente, são os principais alvos da publicidade
farmacêutica, por conta da prescrição médica. A “arte” do marketing farmacêutico consiste,
portanto, em transformar as disposições prescritivas, ou seja, mudar os hábitos dos médicos,
convencendo-os a prescreverem medicamentos em maior quantidade ou aumentarem o espectro
de prescrição dos medicamentos (RAVELLI, 2012).
Segundo o autor, a indústria farmacêutica é um dos setores que mais gasta em publicidade
e informações médicas, cujos serviços de marketing são os mais consistentes. No entanto, o
marketing farmacêutico está sujeito a uma dupla restrição particularmente forte, é necessário
vender, mas é necessário respeitar a rigorosa legislação de Saúde Pública que vigora no país.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que os propagandistas são estimulados a usarem toda
criatividade e estratégias de influência para convencerem os médicos a prescreverem os
produtos que promovem, deparam-se com a constante exigência de se referirem aos
regulamentos vigentes. A legislação francesa, similarmente à brasileira, proíbe a publicidade
de medicamentos direta aos pacientes, com exceção dos que possam ser comprados sem receita
médica.
Assim, a ética, envolvendo a relação médico/indústria farmacêutica, parece não ser
definida com base em princípios morais, mas pragmaticamente, de acordo com os regulamentos
em vigor, ou seja, é “ético” aquele que, entre as propostas de marketing, respeita a lei. É ético
o que permanece circunscrito no quadro regulamentar do Código de Saúde Pública vigente no
país, por exemplo. É aqui, para Ravelli, (2012), que a medicina, traduzida em forma regulatória,
61
desempenha um papel de lembrete para a ordem das fronteiras do marketing, ou seja, impõe,
teoricamente, por meio de práticas e códigos desenvolvidos na área biomédica um limite às
empresas farmacêuticas no que diz respeito ao conteúdo das propagandas de medicamentos
dirigidas tanto ao público leigo quanto aos médicos.
1.2.4.2 Publicações, palestras e “aulas” médicas em eventos científicos
Miguelote e Camargo Jr. (2010) discutem as articulações existentes entre a indústria
farmacêutica e a “indústria do conhecimento”, expressão proposta por Camargo Jr. (2009)51
para definir “a configuração contemporânea dos processos de negociação da produção
científica, que envolve a construção do conhecimento médico e a produção de artigos
científicos.” (MIGUELOTE; CAMARGO Jr., 2010, p. 191). Para a indústria farmacêutica é
importante a associação entre o medicamento lançado no mercado e o conhecimento científico,
pois é por meio da caracterização do produto como “evidência científica” que a sua promoção
e divulgação é direcionada. Desta forma, a indústria farmacêutica se utiliza da legitimação
científica como estratégia de marketing para a venda de seus produtos.
Sismondo (2009) aponta diversas estratégias utilizadas pela indústria farmacêutica
visando promover seus produtos por meio de publicações científicas. Ele aponta a existência
do “planejamento de publicação” de pesquisas patrocinadas pela indústria farmacêutica, em que
as publicações seriam cuidadosamente construídas e apresentadas. Publicar apenas a parte do
estudo que seja favorável; financiar várias pesquisas e apresentar somente as que possuam
resultados favoráveis; publicar o mesmo estudo em várias revistas científicas a fim de sugerir
a existência de diversas pesquisas com os mesmos resultados positivos; minimizar ou “criar”
incerteza em relação ao risco do uso de determinado medicamento são exemplos de estratégias
de publicação utilizadas pela indústria farmacêutica com o objetivo de atingir seus interesses
de comercialização. (MICHAELS, 2008).
Além disso, estudos clínicos são enviados para aprovação e edição acadêmica, em que
pesquisadores exercem o papel de “endossadores” da pesquisa, pois emprestam apenas seus
nomes aos trabalhos, sem qualquer outro tipo de participação. O fato de pesquisadores
51 CAMARGO JR., K. R. Public health and the knowledge industry. Rev Saude Publica, v.43, n.6, p.1078-83,
2009.
62
acadêmicos aparecerem como autores de tais estudos colaboraria para a imagem de uma
“pesquisa independente”, realizada sem a interferência de interesses específicos. (HEALY,
2006; LAKOFF, 2006; SISMONDO, 2009).
Nesse sentido, Angell (2008) aponta que os médicos recebem dinheiro ou presentes das
empresas farmacêuticas quando atuam como palestrantes em encontros patrocinados pela
indústria farmacêutica, como “ghostwriters”52 de artigos sobre pesquisas também patrocinadas
pela indústria e como pesquisadores de estudos, que medicam seus pacientes com uma droga
para, posteriormente, repassarem os resultados ao laboratório farmacêutico. Vale ressaltar que
a prática envolvendo produção de textos científicos não ocorre somente em revistas periféricas
e artigos de revisão. Ela acontece também nos mais prestigiados jornais e revistas científicas53
e, na maioria das vezes, em estudos clínicos randomizados. (HEALY, 2006).
Após essa etapa, a estratégia consiste na certificação de que as informações publicadas e
os artigos científicos sejam amplamente disseminados na esfera médica. (ANGELL, 2010). Já
destacamos, anteriormente, que os médicos, por serem os responsáveis legais pela prescrição,
são, geralmente, o alvo preferencial da publicidade farmacêutica (BARROS, 2004). Tal
publicidade se utiliza de estratégias diversas a fim de influenciar o maior número de prescrições
possíveis. Conferências, congressos e outros tipos de eventos científicos são utilizados para que
tal objetivo seja atingido. Nesses encontros, os “autores” dos trabalhos e outros especialistas
descreveriam o sucesso dos medicamentos para os usos aprovados.
Laguardia (2013) defende a divulgação de resultados envolvendo os ensaios clínicos,
apontado tal ação como de suma importância para a divulgação de informações científicas de
qualidade:
O compromisso com a divulgação dos resultados de todos os pacientes envolvidos em
ensaios clínicos baseia-se nas noções de altruísmo e bem público comum, nos esforços
de reduzir o viés de publicação e a duplicação desnecessária de esforços de pesquisa,
na agregação de maior valor aos resultados da pesquisa ao prover uma fonte de
informação confiável e não enviesada para revisões sistemáticas, metanálises e
diretrizes baseadas em evidências (LAGUARDIA, 2013, p. 1053)
52 Escritores pagos para escreverem textos científicos que serão assinados, posteriormente, por outros autores,
cientistas proeminentes. Desta forma, o nome do verdadeiro escritor do artigo fica no anonimato. Essa prática
tem sido utilizada na esfera médico-científica com o objetivo de “mascarar” possíveis conflitos de interesse
nas pesquisas, como o patrocínio da indústria farmacêutica.
53 Reyes et al. (2007) apontam que a opinião de avaliadores externos, os esclarecimentos e as modificações
feitas pelos autores em uma versão corrigida, bem como a decisão adotada pelos editores podem fazer parte
desse processo tendencioso.
63
Ele destaca que, no decorrer da última década, diversas iniciativas visando tornar as
informações de pesquisas clínicas transparentes e de acesso aberto se desenvolveram e
acabaram impulsionando a criação do International Clinical Trials Registry Platform, da
Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2007. Segundo o site da OMS, a missão dessa
plataforma seria a de garantir que dados de pesquisas científicas sejam acessíveis a todos os
atores envolvidos em tomadas de decisões na área da saúde, melhorando, assim, a transparência
da pesquisa e, consequentemente, fortalecendo a validade e o valor das informações
científicas54.
Ao mencionar a revisão da Declaração de Helsinque55 ,de 2008, o autor frisa que, no seu
artigo 30, constam as obrigações éticas de autores e editores ao publicarem e divulgarem
resultados de pesquisas. Eles devem tornar público os resultados negativos, inconclusivos e
positivos, as fontes de financiamento, afiliações institucionais e conflitos de interesse.
Quanto à América Latina, Laguardia destaca recomendações nesse sentido do Centro
Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) aos editores
de revistas científicas da área da saúde, indexadas na Scientific Electronic Library Online
(SciELO) e na LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências
da Saúde). Em relação ao Brasil, menciona a criação do Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos
(ReBEC)56 e a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA; RDC nº 36,
de 27 de junho de 2012), documentos que fomentam o registro e a disseminação das
informações, na língua portuguesa, de pesquisas clínicas realizadas no Brasil.
Voltando à questão das prescrições médicas, conforme observa Ravelli (2012), com o
objetivo de aumentar as prescrições, a indústria farmacêutica “corteja” as personalidades mais
influentes no meio médico, de alta notoriedade científica e “crédito científico” sólido. O papel
desses médicos seria o de “influenciar os influenciadores” construindo redes de opiniões
favoráveis aos seus produtos, que serão “absorvidas” pela “massa” de prescritores. Cada um
desses líderes de opinião, ao participar de seminários, simpósios e ser autor de artigos
54 Disponívem em: http://www.who.int. Acesso em: 10 abr. 2018.
55 Documento desenvolvido pela Associação Médica Mundial, em 1964, contendo um conjunto de princípios
éticos que regem a pesquisa com seres humanos. Já foi revisado diversas vezes.
56 De acordo com site do governo, O ReBEC consiste em “uma plataforma virtual de acesso livre para registro
de estudos experimentais e não-experimentais realizados em seres humanos e conduzidos em território
brasileiro, por pesquisadores brasileiros e estrangeiros [...] é um projeto conjunto do Ministério da Saúde
(DECIT\MS), da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)”
(Disponível em: http://www. ensaiosclinicos.gov.br/. Acesso em: 10 abr.2018).
64
científicos amplamente distribuídos, promove uma determinada marca, ainda que, muitas
vezes, possa fazer o mesmo com várias marcas de empresas farmacêuticas (LAKOFF, 2008).
Tal dinâmica concretizar-se-ia pela participação dessas personalidades médicas tanto na
colaboração de ensaios clínicos relativos aos produtos farmacêuticos, quanto na organização de
simpósios, em que a marca em questão é apresentada de maneira favorável, nos congressos
médicos. Além disso, é mantido um diálogo suficientemente habilidoso com os especialistas,
que fazem parte das instituições oficiais de regulamentação e controle de questões referentes à
saúde, com o objetivo de estes trabalharem a favor dos produtos farmacêuticos. Tudo isso
ocorre devido à necessidade de se fornecer fórum e credibilidade para esses estudiosos
influentes, também conhecidos como KOLs, ou Key Opinion Leaders que, muitas vezes, são
ouvidos por centenas ou milhares de médicos (RAVELLI, 2012).
Assim, segundo o autor, o discurso desses médicos, de grande status nacional e
internacional, possuem um peso de autoridade perante a “massa de prescritores”. A função
daqueles é muito mais transversal do que a dos médicos prescritores, já que lidam com os
ensaios clínicos e, como tal, têm um conhecimento muito mais profundo dos detalhes científicos
dos medicamentos. Pode-se, então, perceber que a “cadeia de medicamentos” não é de forma
alguma uma linha direta, mas um conjunto de loops, cujo controle de interseções é importante
(RAVELLI, 2012), em que participam atores importantes para sua promoção e divulgação, os
líderes de opinião e os médicos prescritores57.
Ao participar de um congresso de infectologia, realizado na França58, Ravelli descreveu o
que chamou de “espaço das marcas” e “espaço das moléculas”. O primeiro era constituído por
cinquenta e seis estandes de laboratórios farmacêuticos, dispostos em sete fileiras, de acordo
com uma lógica de blocos escalonados, que impunha, segundo ele, um deslocamento em
ziguezague para os mil e quinhentos médicos registrados no evento. O segundo, composto por
dois auditórios, denominados “Einstein” e “Pasteur”, foi o espaço no qual os colóquios
científicos ocorreram. Tais eventos foram organizados por empresas farmacêuticas.
De acordo com o autor, os simpósios − acompanhados por gerentes de produtos, médicos
e alguns visitantes de cada laboratório −foram comentados, analisados, criticados nos estandes
57 Fishman (2004), ao discutir a comodificação da disfunção sexual feminina, em um cenário que envolve a
participação de diferentes atores, como cientistas, médicos clínicos, governo e mercado, aponta o papel
fundamental dos cientistas no processo de promoção de novos medicamentos. Tais atores seriam, neste caso,
médicos e psicólogos renomados, com cargos em instituições médicas de ensino e portadores de um “capital
simbólico”, traduzido pela função de mediadores entre os produtores de medicamentos (empresas
farmacêuticas) e os consumidores (médicos e pacientes).
58 Congresso realizado em Montpellier, no ano de 2010.
65
e corredores, construindo uma arena de competição entre as empresas, em que as “regras do
jogo” eram, principalmente, “científicas”. Aqui, quanto menos a marca aparecia, mais a
molécula se beneficiava. A exigência dessa separação, paradoxalmente, garantiria uma melhor
credibilidade.
Segundo o autor, a “disputa” entre os laboratórios não foi direta, porque nenhum dos
falantes era um empregado assalariado de uma empresa farmacêutica. Tal batalha funcionou
através da voz de vários líderes vistos como independentes, que apresentaram seus próprios
resultados de pesquisa, mas sob a tutela da indústria farmacêutica. Cada uma das apresentações
do simpósio incluiu tabelas estatísticas, em que eram mencionadas fontes, margens de erro e a
metodologia.
Ravelli observou que, durante as apresentações, havia, constantemente, a suspeita ou a
realidade de conflitos de interesse. Antes de cada apresentação do simpósio, o médico deveria
comunicar legalmente suas colaborações com os laboratórios. Isso foi feito muito rapidamente,
às vezes, com humor: “Não tenho conflitos de interesses, pelo menos não é do meu
conhecimento”, “Transmito meus conflitos de interesse que não têm interesse”, ou “Aqui estão
meus conflitos de interesses”, esta última pronunciada com um sotaque francês
deliberadamente exagerado e irônico, como se quisesse enfatizar a artificialidade da declaração,
segundo o autor.
Para Ravelli, se, por um lado, a organização do congresso foi espacialmente binária,
socialmente foi ternária. Entre o espaço das marcas, controlado pelos laboratórios e o espaço
das moléculas, realizado pelos especialistas sob a influência dos laboratórios, circulavam os
médicos “comuns” e os especialistas que não faziam parte da elite científica. Essa organização
socioespacial funcionou como um “mercado fantasma”, no sentido de que os bens estavam
fisicamente ausentes, mas onipresentes visualmente e verbalmente. Desta forma, foi expresso
nesse congresso, como ocorre em tantos outros, que, para aumentar o seu volume de negócios,
os grandes grupos industriais organizam, controlam e orientam as ideias científicas
transformando em mercado os espaços de debate de medicina e ciência.
No entanto, apesar de serem necessários para a estratégia comercial, os congressos
médicos são, fundamentalmente, insuficientes, isto é, há a necessidade de convencer,
individualmente, cada médico prescritor por meio da visita médica, que permanece o
instrumento essencial de promoção e divulgação de medicamentos (RAVELLI, 2012). É aí que
o propagandista farmacêutico tem um papel fundamental.
66
2 SAÚDE MASCULINA: HORMÔNIOS, SEXUALIDADE E ENVELHECIMENTO
2.1 Promoção e divulgação de categorias diagnósticas: declínio hormonal masculino
relacionado ao envelhecimento
Ao compararem a visibilidade da saúde feminina com a visibilidade da saúde masculina
pela biomedicina, ao longo do tempo, diversos autores afirmam que a saúde masculina não foi
visada pelo saber médico na mesma intensidade que a saúde feminina: “[...] uma ciência sobre
o homem, como sujeito generificado e não como representante universal da espécie humana,
encontrou e ainda encontra grandes dificuldades para se implantar.” (CARRARA; RUSSO;
FARO, 2009, p. 661)59
No entanto, os autores apontam que mudanças ocorreram, na primeira década do século
XXI. O processo de objetificação dos homens e de seus corpos, por meio de diversas disciplinas
científicas, pareceu ganhar um novo impulso. Uma conformação de fenômenos econômicos,
políticos, culturais e tecnológicos contribuíram para essa nova abordagem de intervenção sobre
os corpos masculinos:
De um lado, o aprofundamento da crítica dos movimentos feminista e LGBT ao
machismo tem feito com que os homens percam progressivamente a posição de
representantes universais da espécie humana e a relativa invisibilidade epistemológica
que tal posição lhes proporcionava. De outro, a transformação das estruturas
familiares e de padrões de masculinidade tem permitido aos homens emergirem como
consumidores de bens e serviços - entre eles os serviços de saúde- antes voltados às
mulheres ou vistos como intrinsecamente femininos. Além disso, a constatação de que
a resolução de graves problemas de saúde (como a disseminação da Aids, a
reprodução não-planejada ou o recrudescimento da violência urbana) passa
necessariamente pela mobilização da população masculina e o desenvolvimento de
tratamentos específicos e relativamente eficazes para a “impotência”, rebatizada nesse
novo contexto de “disfunção erétil”, precipitam a medicalização dos corpos
masculinos (CARRARA; RUSSO; FARO, 2009, p.661).
59 Para Carrara (1996), a luta contra a sífilis, no Brasil, especialmente no final do século XIX e início da década
de 1940, impulsionou uma grande mobilização médica e estatal. Intervenções sociais foram propostas e/ou
implementadas a fim de se combater tal doença que, juntamente com o alcoolismo e a tuberculose, era
identificada como flagelo social. Nesta conjuntura, a sexualidade e o corpo masculino passaram a ser alvos
de grandes preocupações. Porém, as campanhas de combate ao alcoolismo, à tuberculose e às doenças
sexualmente transmissíveis não foram suficientes para que se formulassem políticas públicas voltadas
especificamente à população masculina, pelo menos não como ocorrera com a população feminina.
(CARRARA; RUSSO; FARO, 2009).
67
Desta forma, a temática da saúde do homem vem sendo incorporada em debates no
campo médico-científico, assim como na saúde pública em geral, em que questões de políticas
de saúde, prevenção de doenças, busca e organização de serviços de saúde abordam, de maneira
direta ou indireta, aspectos considerados específicos do corpo masculino (GOMES et al., 2014).
O lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem60 (PNAISH) pelo
governo brasileiro, em 2009, consiste em um exemplo dessa incorporação, que tem na saúde
sexual masculina um de seus principais eixos61.
A construção e a emergência da categoria disfunção erétil, situada na dimensão da
sexualidade masculina, é considera por diversos autores62 um marco no que diz respeito à
medicalização do corpo masculino. Giami (2009a), por exemplo, ao retratar a recente
transformação do conceito de impotência, considerada desordem psicossocial, em disfunção
erétil, de etiologia principalmente orgânica, destaca como a construção dessa nova entidade
clínica foi associada, em certo momento, ao desenvolvimento e promoção de uma nova classe
de drogas, os inibidores da fosfodiesterase, dentre eles o medicamento Viagra®, o primeiro a
ser lançado no mercado, em 2008.
Já Faro e colegas (2010) apontam o lançamento do Viagra®, utilizado no tratamento da
disfunção erétil, como fator fundamental no processo de consolidação da disfunção erétil em
fenômeno fisiológico. Para as autoras, esse medicamento, considerado de fácil administração,
não invasivo e bem tolerado pelo organismo, impulsionou uma série de reconfigurações da
sexualidade masculina e da masculinidade, o que contribuiu para a ampliação gradual do
conceito de disfunção erétil, com consequente expansão do mercado consumidor.
Ao mesmo tempo em que o Viagra e as outras drogas utilizadas para garantir ou
“melhorar” a performance sexual masculina prometem uma masculinidade “otimizada” e
“confiante”, também produzem uma variada gama de ansiedades em relação à qualidade e ao
60 Segundo o Ministério da Saúde, essa política foi desenvolvida, principalmente, a fim de promover ações de
saúde, contribuindo, de maneira significativa, para a compreensão da ímpar realidade masculina, nos
diferentes contextos socioculturais e econômicos, respeitando os diversos níveis de desenvolvimento e
organização dos sistemas locais de saúde e tipos de gestão (BRASIL, 2009).
61 Vale ressaltar a efetiva participação da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) na implantação dessa
política, tendo como objetivo principal a caracterização da disfunção erétil como problema de saúde pública
(CARRARA; RUSSO; FARO, 2009). A SBU também promoveu o Movimento pela Saúde Masculina,
campanha voltada para a orientação da população masculina, realizada em 2010, focando sua ação em torno
da disfunção erétil, doenças da próstata e andropausa (ROHDEN, 2014). Para a autora, o Movimento pela
Saúde Masculina consiste em um evento estratégico para se compreender o fenômeno caracterizado por uma
maior medicalização da sexualidade masculina, nas duas últimas décadas.
62 Carrara, Russo e Faro (2009), Giami (2009a), Faro et al. (2013), Russo (2013), Azize (2011), Marshall
(2007; 2006; 2002), Marshall e Katz (2002).
68
tempo de duração da ereção. Assim, a implícita concepção de que a sexualidade masculina
centrada na ereção é instável e a noção de que sem o fármaco toda sexualidade masculina seria
incerta contribuem para a normatização e racionalização da sexualidade masculina,
tradicionalmente representada como “selvagem”, “instintiva” e “incontrolável”:
Paradoxalmente, é por meio da tecnologia farmacológica que se oferece aos homens
o resgate de suas características “primordiais”, da sua “verdadeira natureza sexual”.
Assim renovado, o homem sexualmente potente, confiante, rígido e eficaz é um
produto hibrido corpo-tecnologia, “super-natural”, na fronteira cada vez mais
esfumaçada entre natureza e cultura. (FARO et al., 2010, p. 15).
Além da disfunção erétil, Azize (2011) aponta também que a andropausa e os
tratamentos por meio da terapia de reposição hormonal com testosterona ocupam uma posição
de vanguarda quanto à medicalização de aspectos considerados pertencentes à esfera masculina:
“Após o fenômeno da disfunção erétil, de ampla visibilidade, a andropausa63 e os tratamentos
de reposição hormonal à base de testosterona parecem abrir uma nova frente de medicalização
da masculinidade” (AZIZE, 2011, p. 191).
Desta forma, nessa nova conjuntura de medicalização do corpo masculino, em que a
saúde masculina vem sendo abordada principalmente por meio de questões associadas, direta
ou indiretamente, à dimensão da sexualidade (disfunção erétil, libido, virilidade, entre outras)
podemos notar, nos discursos médicos, uma associação entre declínio hormonal masculino
relacionado ao envelhecimento e aspectos da saúde sexual masculina. O que indica, neste caso,
não só uma medicalização do envelhecimento masculino, mas também uma medicalização da
sexualidade masculina. Como sugere Azize (2011):
O que, afinal, é medicalizado no corpo masculino? Possivelmente queixas
relacionadas ao envelhecimento, afinal essa é a relação com a reposição com
testosterona. Mas não seria ainda a principal queixa o item virilidade, que faz parte,
sim, dos critérios diagnósticos da andropausa? (AZIZE, 2011, p. 194).
O declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento é identificado, no meio
médico, por meio dos níveis do hormônio testosterona no sangue, em homens a partir da meia-
idade (em torno dos 40 anos). Tal declínio caracteriza-se por sintomas como fadiga, depressão,
perda da libido, disfunção erétil, diminuição do tecido muscular, entre outros (BONACCORSI,
63 O autor usa o termo “andropausa” em seu texto quando se refere ao declínio hormonal masculino relacionado
ao envelhecimento. Mais adiante, discutiremos as diferentes terminologias utilizadas para caracterizar esse
declínio.
69
2001). A terapia de reposição hormonal com testosterona (TRH) é apresentada como tratamento
eficaz para a resolução desse problema médico. Ele pode ser feito via oral, tópica (adesivos
transdérmicos), subcutânea (implantes) e intramuscular. Porém, devido ao seu longo tempo de
ação e maior segurança quanto aos efeitos hepáticos adversos, a injeção intramuscular é a mais
indicada pelos médicos. (BARBOZA; SILVA; DAMIÃO, 2010)64.
Há diferentes categorias/terminologias diagnósticas empregadas entre os médicos para
caracterizar tal declínio como uma perturbação, um distúrbio ou uma deficiência, isto é, algo a
ser reparado: andropausa, climatério masculino, menopausa masculina, late-onset
hypogonadism (LOH) ou hipogonadismo masculino tardio, DAEM ou ADAM (Distúrbio ou
Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino ou Androgen Deficiency of the Aging
Male), PADAM (Partial Androgen Deficiency of Aging Male) e, mais recentemente, TDS ou
SDT (Testosterone Deficiency Syndrome ou Síndrome da Deficiencia de Testosterona)
(MORALES et al., 2006)
Em minha pesquisa de mestrado verifiquei que apesar de tais categorias e terminologias
apresentarem vários pontos em comum − como a similaridade na descrição de sintomas
referentes ao declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento − não era possível
considerá-las sinônimos, isto é, crer que a única diferença entre elas estaria em suas
nomenclaturas. Existem diferenças observadas tanto no processo de construção dessas
terminologias e categorias diagnósticas, quanto no modo pelo qual elas apresentam o declínio
hormonal masculino relacionado ao envelhecimento.65
Nos últimos anos, observamos, no Brasil, a promoção e a divulgação da categoria
diagnóstica DAEM (Distúrbio ou Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino)66
pela urologia, tanto na esfera leiga quanto na esfera médico-científica (ROHDEN, 2011). A
urologia vem se afirmando como especialidade médica responsável por tratar problemas
relacionados à saúde masculina, especialmente os da esfera sexual, em que o declínio hormonal
masculino relacionado ao envelhecimento é incluído.
64 Foram lançados, mais recentemente, as formas farmacêuticas de testosterona em gel e roll on. Voltaremos a
esse assunto em outra parte do trabalho.
65 Para saber mais ver Thiago (2012).
66 O termo DAEM (Distúrbio Androgênico do Envelhecimento Masculino) é o equivalente em português ao
termo ADAM (Androgen Deficiency of Aging Male), proposto por Morley e Perry, em 1999.
(FERNÁNDEZ e ACOSTA, 2008). Segundo Morley e Perry (1999), estudos sugerem que essa deficiência
androgênica ocorre, predominantemente, devido a uma “falha” bioquímica, resultando na diminuição dos
níveis de testosterona sanguíneos em homens mais velhos.
70
Rohden (2012) chama atenção para características envolvidas no discurso sobre o
DAEM:
Por meio do discurso em torno do DAEM, os homens também passam a ser alvos
desse tipo de investimento que privilegia a associação entre hormônios, juventude,
sexualidade e saúde. No caso específico da conjunção entre envelhecimento e
sexualidade, há que se notar que a promoção das novas drogas e recursos caminha
lado a lado com a promoção de modelos de comportamento centrados na valorização
do corpo jovem, saudável e sexualmente ativo. E no que se refere ao caso masculino,
é necessário observar a criação de novas narrativas que aproximariam os homens de
mais idade de um modelo mais feminino, no sentido de mais vulneráveis e mais
sujeitos às intervenções médicas, em um processo constante de “vigilância da
virilidade”. (RODHEN, 2012, p. 197).
Pode-se concluir, então, segundo a autora, que o diagnóstico de DAEM, no Brasil,
vincula-se a uma nova concepção sobre o envelhecimento masculino, agora mais vulnerável à
intervenção tecnológica a fim de se atingir e/ou manter o ideal de um corpo saudável, jovem e
sexualmente ativo. A terminologia/categoria DAEM também pode ser entendida como uma
forma de conceber a velhice como uma fase caracterizada pela deficiência, pela falta de algo
que deve ser suprido por meio de tratamento medicamentoso.
Apesar de o termo DAEM ter sido promovido, tanto no meio médico-científico quanto
no leigo, nos anos 2000, como a terminologia mais adequada para tratar o declínio hormonal
masculino relacionado ao envelhecimento, nota-se que outras terminologias, por exemplo, o
hipogonadismo, continuam sendo utilizadas em discursos médico-científicos de especialidades
envolvidas no diagnóstico e tratamento dessa categoria médica, principalmente a
endocrinologia e a urologia.
A urologia vem se consolidando como a especialidade médica responsável pela saúde
sexual masculina, juntamente com a promoção e a divulgação de um conjunto de diagnósticos
referentes a transtornos sexuais masculinos, como a disfunção erétil e o DAEM. Esse fenômeno
tem coincidido com o lançamento de um número considerável de fármacos voltados para o
tratamento de tais transtornos67 .
Tramontano (2011) discute as controvérsias existentes entre os médicos acerca do
diagnóstico do DAEM. Elas vão desde a pertinência do uso dessa terminologia para caracterizar
uma deficiência, até a utilização dos sintomas clínicos em conjunto com o exame laboratorial
67 O medicamento, citrato de sildenafila, de nome comercial Viagra, lançado, no Brasil, entre 1998 e 1999
(BRIGUEIRO e MAKSUD, 2009) para o tratamento da disfunção erétil e a injeção intramuscular de
testosterona, de nome comercial Nebido, lançado, no Brasil, nos anos 2000 (ROHDEN, 2011), para o
tratamento do DAEM são exemplos desse fenômeno.
71
para fins de diagnóstico. Quanto aos exames laboratoriais, o autor aponta a dificuldade de se
mensurar a concentração de testosterona na corrente sanguínea e a ausência de um teste
confiável, fazendo com que seja utilizado um método indireto de mensuração do hormônio.
Além disso, a concentração de testosterona no sangue, considerada indício do DAEM
não é consensual: “Mas o valor considerado preocupante não é consensual, como quase tudo
acerca do DAEM.” (TRAMONTANO, 2011, p. 93). A despeito de o DAEM ser uma
terminologia, dentre outras existentes, utilizadas para caracterizar o declínio hormonal
masculino relacionado ao envelhecimento, podemos associar essas controvérsias às demais
terminologias. Dentre eles, a similaridade na descrição da maioria dos sintomas referentes à
baixa hormonal. No entanto, há diferenças no processo de construção do modo pelo qual o
declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento é apresentado. No caso do
DAEM, por exemplo, a sintomatologia é a mesma da andropausa, porém, os sintomas referentes
à área sexual, como perda da libido e disfunção erétil parecem receber ainda mais destaque.
Segundo Rohden (2011), a promoção e a divulgação do DAEM, tanto na mídia em geral
quanto na área médico-científica, têm estreita relação com o lançamento da injeção
intramuscular de testosterona (Nebido) da Bayer Schering Pharma, nos anos 2000, para o
tratamento dos sintomas do DAEM. De maneira similar, parece que a promoção e a divulgação
da categoria disfunção erétil ocorreram, juntamente, com o medicamento citrato de sildenafil,
lançado, na forma farmacêutica de comprimido, em 1998, com o nome comercial Viagra, para
o tratamento da disfunção erétil (FARO et al., 2010; GIAMI, 2009a; RUSSO, 2013). É
interessante observar a proximidade cronológica de promoção e de divulgação dos dois
medicamentos e, principalmente, seus lançamentos, juntamente, com a promoção e divulgação
de supostas categorias diagnósticas “novas”.
Além disso, quanto ao DAEM, são lançados, em âmbito internacional, instrumentos de
reconhecimento e medição, considerados importantes referências no meio médico: a Escala de
Sintomas do Envelhecimento Masculino (Aging Male’s Symptoms Scale - AMS)
(HEINEMANN et al., 2003) e o ADAM Questionnarie. Tais instrumentos são utilizados, no
Brasil, principalmente pelos urologistas, como ferramentas para auxílio no diagnóstico dessa
deficiência hormonal.
A Escala de Sintomas do Envelhecimento Masculino foi desenvolvida na Alemanha,
em 1999. A ideia sobre a qual se basearam para construí-la é a de que os homens desenvolvem,
assim como as mulheres, no período da menopausa, queixas e sintomas semelhantes. Consiste
em uma ferramenta de avaliação dos sintomas de envelhecimento (independentemente daqueles
que são relacionados ao DAEM) entre grupos de homens em diferentes condições, da gravidade
72
dos sintomas ao longo do tempo e das mudanças pré e pós-terapia de reposição com
testosterona. (HEINEMANN et al., 2003).
O segundo instrumento de avaliação consiste em um questionário padronizado, o ADAM
Questionnarie, desenvolvido por Morley68, em 1999. É utilizado como uma ferramenta de
autodiagnostico para homens mais velhos, a fim de ajudá-los a reconhecerem sintomas
possivelmente relacionados a um “problema” que necessita do tratamento de reposição
hormonal com testosterona69. Ao mesmo tempo, funciona como instrumento de auxílio aos
médicos para o diagnóstico da deficiência androgênica. A construção de tal questionário foi
baseada na sintomatologia clínica do DAEM (BARBOZA; SILVA; DAMIÃO, 2010) e
apresenta perguntas genéricas como: “Você está sem energia?” / “Você está triste e/ou mal-
humorado?” 70
O argumento utilizado para justificar o uso de tais instrumentos de diagnóstico é que o
DAEM apresenta sintomas não-específicos desse distúrbio, presentes no envelhecimento
natural do homem. Portanto, a avaliação clínica necessita de instrumentos de auxílio. Além
desta, também deve ser feita a avaliação laboratorial da testosterona sanguínea dos pacientes.
(BARBOZA; SILVA; DAMIÃO, 2010).
Rohden (2011) destaca a escala AMS como uma ferramenta fundamental para a
construção dos primeiros dados referentes ao diagnóstico de DAEM, bem como para sua
promoção e divulgação. Segundo a autora, por meio do autodiagnostico essa escala proporciona
a mediação entre o possível paciente e a procura por atendimento médico e tratamento. Na
esfera médica, exerce a função de facilitadora e viabilizadora de um novo diagnóstico,
impulsionando a prescrição de um medicamento específico. Podemos seguir o mesmo
raciocínio em relação ao ADAM Questionnarie.
No caso do DAEM, notamos que a testosterona é peça-chave no processo de
reconhecimento desse distúrbio ou deficiência, como também na promoção do seu diagnóstico
e tratamento. Trata-se de um hormônio quase sempre relacionado, diretamente, à masculinidade
e à virilidade, em sintonia com o discurso hormonal, utilizado como uma das principais fontes
de explicação na medicina, desde o século XX. Além disso, é atrelada à ideia de aprimoramento,
68 John Morley, mesmo pesquisador que propôs o termo ADAM, também em 1999. É médico, professor de
gerontologia, diretor dos departamentos de Medicina Geriátrica e Endocrinologia da Faculdade de Medicina
de Saint Louis (EUA). Atua ainda como diretor do Centro Clínico de Pesquisa e Educação Geriátrica dessa
mesma universidade ( https://www.slu.edu. Acesso: 04 de março de 2018).
69 http://www.slu.edu. Acesso: 23 de maio de 2011.
70 Para maiores informações, ver Thiago (2012).
73
através do consumo de biotecnologias. Assim, a testosterona vai se tornando uma nova forma
de administração bioquímica do corpo masculino, podendo oferecer aos homens a “renovação”
da sua própria masculinidade (ROHDEN, 2011; TRAMONTANO, 2017).
Assim, depois do que foi discutido anteriormente, podemos destacar dois pontos
referentes à promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal (TRH) com testosterona
que acabam influenciando conceitos e representações sobre o binômio saúde/doença, bem como
sobre os possíveis usos e benefícios dessa tecnologia médica.
O primeiro consiste nas disputas pela legitimação de nomenclaturas/categorias
diagnósticas empregadas para caracterizar o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento. Essas disputas envolveriam a ampliação do espectro de indicação do
tratamento com testosterona e a própria legitimação de profissionais da classe médico-científica
(principalmente urologistas e endocrinologistas). O segundo diz respeito às estratégias
empregadas pela indústria farmacêutica para vender seu produto, visando influenciar,
positivamente, a classe médica e o público leigo, no que diz respeito ao consumo de
testosterona.
2.2 Testosterona e o novo envelhecer masculino: performance sexual e rejuvenescimento
Conforme percebemos a partir dos autores discutidos no item anterior, o lançamento do
DAEM como categoria diagnóstica tem como fundamento, de um lado, certas concepções
acerca do envelhecimento masculino – que, como o envelhecimento de modo geral, passa a ser
visto como uma deficiência a ser corrigida – e, de outro, o surgimento dos hormônios sexuais
como substâncias cujo potencial terapêutico deve ser explorado. São essas as duas questões que
iremos explorar neste subcapítulo.
Szymczak e Conrad (2006) chamam atenção para uma crescente preocupação com o
processo de envelhecimento masculino, em que a medicalização da velhice se torna um meio
de controlá-la ou até mesmo adiá-la. Além disso, o “culto” à estética, a constante busca pelo
aperfeiçoamento corporal, a ideia de que é necessária uma “vigilância corporal” permanente
parecem ser questões que, cada vez mais, ocupam debates em torno da saúde masculina.
Rohden (2011) também discute a configuração de novas representações, observada nas
últimas décadas, envolvendo o envelhecimento masculino, em que a dimensão da sexualidade
é privilegiada. Segundo a autora, podemos observar, atualmente, a promoção de
74
comportamentos centrados na valorização do corpo jovem, saudável e sexualmente ativo, tanto
no meio médico quanto no leigo.
Tais concepções estariam em contraste com as que admitiam uma suposta diminuição
do interesse e atividade sexual com o passar dos anos e com as consequentes alterações
corporais. Agora, o que se busca é prolongar a juventude71 ao máximo e desenvolver a melhor
perfomance sexual possível, através de hábitos disciplinares e/ou consumo de tecnologias
disponíveis. Além disso, há certa cobrança em relação ao bom desempenho sexual até o final
da vida e a visão do sexo como uma espécie de “fonte” da juventude e condição para uma vida
saudável (ROHDEN, 2011). Como aponta Lins de Barros:
Construiu-se um conjunto de saberes, de técnicas de intervenção e uma nova
sensibilidade em relação à velhice, que a apresentam como um problema social e,
simultaneamente, indicam uma alternativa positiva de se viver esta fase da vida. A
juventude é eleita como modelo a ser seguido, e não é mais compreendida como um
momento da vida, mas como um modo específico de representação de si, um modelo
de comportamento e de expressão das emoções. A juventude, positivada neste
modelo, apresenta-se como um contraste à velhice e como um padrão de vida que
deve ser estendido a todas as faixas etárias. A velhice estigmatizada, por outro lado,
não desaparece de nossa realidade. Ela é colocada, apenas, em outro lugar e adiada
para outro tempo da vida de cada um de nós. (LINS DE BARROS, 2006, p.124).
Marshall e Katz72 consideram que a expansão e o estabelecimento da categoria médica
“disfunção erétil”, juntamente com seu tratamento farmacológico, associam-se a um processo
caracterizado pela reconfiguração do envelhecimento, especialmente do envelhecimento
masculino, em que, como já mencionado, a dimensão da sexualidade passa a ser considerada
de suma importância. O sucesso clínico e de mercado do Viagra, lançado nos EUA em 1998,
que posteriormente se tornou um campeão de vendas (Marshall, 2002), teve papel fundamental
no desenvolvimento da “indústria de saúde dos homens” (Marshall, 2007) e impulsionou a
construção de estruturas institucionais e discursos sobre saúde em torno da saúde sexual e do
envelhecimento masculino, em que os corpos masculinos são vistos como locais passíveis de
intervenções biomédicas (MARSHALL, 2002, 2007).
71 Bourdieu (1983) argumenta que juventude e velhice são construídas socialmente na luta entre jovens e velhos.
A fronteira entre essas duas etapas consistiria em um objeto de disputa em todas as sociedades. Além disso,
essa fronteira estaria intimamente ligada a outros fatores, como classe social, por exemplo. Desta forma, as
relações entre idade biológica e idade social expressariam certa complexidade e variabilidade. Para o autor,
consiste em manipulação evidente falar de jovens como se eles fizessem parte de um grupo com interesses
comuns e idade biológica bem definida e demarcada.
72 Marshall (2002; 2006; 2007); Marshall e Katz (2002).
75
Como já foi dito, esse processo de medicalização do envelhecimento masculino é
caracterizado pela ideia da necessidade de se ter uma vida sexual plena em todas as idades,
inclusive nas mais avançadas. Assim, uma vida sexual feliz passa a ser vista como um meio de
se prevenir o declínio relacionado à idade, e sua ausência considerada um indício de possíveis
doenças ou desequilíbrios fisiológicos (RUSSO, 2013). Nesse contexto, as intervenções
biomédicas exercem o papel de “reparadoras” do envelhecimento, que passa a ser abordado
como uma espécie de deficiência. No caso dos homens, além da disfunção erétil, o declínio
hormonal relacionado ao envelhecimento também começa a se difundir como uma categoria
médica a ser tratada com terapia farmacológica, a reposição hormonal com testosterona, a fim
de suprir, justamente, uma deficiência desse hormônio no corpo masculino.
Segundo Oudshoorn (1994), a crescente importância dada aos hormônios impulsionou o
surgimento de tratamentos médicos voltados para a reposição hormonal tanto feminina quanto
masculina. No entanto, a terapia de reposição hormonal masculina, ao contrário da feminina,
não teve sucesso imediato73. Ao discutir a construção do “modelo de corpo hormonal”, a autora
aponta a influência de vários atores nesse processo, em que os hormônios são considerados
agentes químicos, específicos ao sexo em sua origem e função, exercendo papel decisivo na
diferenciação entre os sexos.
Dentre os atores estão a indústria farmacêutica, a classe médica (principalmente os
ginecologistas), a sociedade em geral (com os movimentos sociais, como o feminismo, e os
meios de comunicação). Oudshoorn defende que o modelo de corpo hormonal obteve sucesso,
rapidamente, entre as mulheres, já que elas, em todo o mundo, utilizam medicamentos à base
de hormônios para tratar questões referentes à fertilidade, menstruação ou menopausa.
Para Oudshoorn, o processo de desenvolvimento de medicamentos “hormonais”
envolveu três grupos principais de atores: a indústria farmacêutica, os clínicos e os cientistas
de laboratório. O laboratório farmacêutico holandês Organon, que promoveu esse tipo de
medicamento, assumiu uma posição de destaque, na década de 192074, como maior produtor de
73 Segundo Szymczak e Conrad (2006), ela ressurge impulsionada por avanços tecnológicos no campo
farmacêutico e na distribuição de medicamentos para um número crescente de problemas considerados
masculinos. Além disso, a evolução das formas farmacêuticas de apresentação da testosterona, ao longo das
últimas décadas, o que proporciona uma maneira mais eficaz e menos inconveniente de administração,
contribui para tornar os homens mais propensos ao tratamento.
74 A década de 1920 foi um marco em relação à participação da indústria farmacêutica no processo de
isolamento dos hormônios, já que se tornou necessária a coleta de uma grande quantidade de material para
realizá-lo (OUDSHOORN, 1994), algo que só poderia ser feito contando com a estrutura e os recursos dos
laboratórios farmacêuticos. Vale ressaltar que, assim como afirma Rohden (2008): “Este movimento
76
hormônios sexuais femininos. No final desta década, tais hormônios foram promovidos para
uma gama de novas indicações médicas, dentre elas infertilidade, menopausa, problemas de
órgãos genitais, distúrbios menstruais, chegando até a serem indicados para o tratamento de
esquizofrenia e melancolia (OUDSHOORN, 1994).
A autora destaca que a primeira preparação de hormônios sexuais masculinos foi
colocada no mercado pela Organon, em 1931. Ao contrário dos hormônios sexuais femininos,
a comercialização dos hormônios sexuais masculinos não foi caracterizada por altas
expectativas. Oudshoorn (1994) sugere que um dos motivos para as baixas expectativas, tanto
dos cientistas quanto do próprio laboratório Organon, estava ligada ao incidente ocorrido com
o endocrinologista Brown-Sèquard. Ele, em 1889, na tentativa de estabelecer uma ligação entre
o hormônio testosterona com o envelhecimento, injetou-se dez vezes com uma solução
composta por extratos de testículos e fluidos seminais de cães e porcos. (SZYMCZAK;
CONRAD, 2006). Esse acontecimento despertou o interesse nos tratamentos médicos para o
envelhecimento nas comunidades científicas e leigas, mas arruinou a reputação de Sèquard, que
foi denunciado como charlatão75.
Assim, na tentativa de evitar uma associação negativa dos seus produtos com essas
especulações anteriores, a Organon promoveu, inicialmente, a terapia hormonal masculina para
uma indicação totalmente diferente e especificamente descrita, o tratamento da hipertrofia da
próstata. Tal restrição direcionou a promoção da terapia hormonal masculina para os
urologistas, que acabou sendo recebida favoravelmente. (OUDSHOORN, 1994).
No entanto, a autora destaca que a Organon teria sugerido, por meio dos resultados de
suas pesquisas, outras aplicações para a terapia hormonal masculina. Dentre elas, estaria o
tratamento de distúrbios sexuais, particularmente em homens idosos (perda da libido e
impotência sexual) e de desordens psicológicas (depressão, melancolia e esquizofrenia). Desta
forma, a terapia hormonal masculina foi promovida, principalmente, como uma terapia
corresponde também à passagem de um modelo biológico para um modelo bioquímico de entendimento do
corpo humano.” (ROHDEN, 2008, p.146).
75 Segundo Szymczac e Conrad (2006), as discussões envolvendo a “terapia testicular” não se limitaram à
última década do século XIX. Elas continuaram nas primeiras décadas do século XX. Os autores destacam
que o reconhecimento de algum efeito dos testículos sobre o corpo masculino é anterior à “descoberta” da
testosterona. Havia a ideia de que um aumento da função dos testículos ampliaria ou melhoraria os “traços
masculinos”. Muitos cientistas aplicaram essa concepção explorando os testículos de uma variedade de
animais.
77
específica para a hipertrofia da próstata e, mais timidamente, para distúrbios sexuais e
psicológicos.
O isolamento da testosterona, em 1935, a partir de testículos de touro, foi fundamental
para a promoção do olhar médico sobre o envelhecimento masculino (SZYMCZAK;
CONRAD, 2006). O isolamento e a síntese desse hormônio pelas companhias farmacêuticas
foram vistos com crescente otimismo na esfera científica. A partir desse momento, a
testosterona teria ocupado o papel de um medicamento à “procura” de um problema médico
para tratar. (CONRAD, 2007).76
Segundo Hoberman (2005), a concepção de que a testosterona era um medicamento que
melhorava o desempenho ao aumentar, significativamente, a produtividade de pessoas começou
a se desenvolver em 1939, juntamente com a ideia da menopausa masculina. Aqui, a terapia de
reposição hormonal com testosterona ajudaria os homens mais velhos em posições importantes
a cumprirem suas “responsabilidades sociais e econômicas”. O autor discute, também, como o
uso da de anabolizantes à base de testosterona se tornou ferramenta de aprimoramento no meio
esportivo, impulsionando atletas a alcançarem desempenhos recordes.
Além de ter o papel de tônico muscular, aumentando o desempenho atlético, a
testosterona, denominada de “hormônio carismático” por Hoberman, tem sido considerada uma
substância rejuvenescedora, um afrodisíaco ou estimulante sexual. A construção de fantasias
acerca do rejuvenescimento e de uma performance “supernormal” atribuídas ao uso da
testosterona, desde sua síntese, fazem parte de um processo impulsionado por uma competição
entre três equipes de pesquisadores, patrocinadas por empresas farmacêuticas rivais, que
desejavam conquistar o mercado do “hormônio masculino”, assim como o já estabelecido
mercado dos hormônios femininos (HOBERMAN, 2005).
Para o autor, ao longo das décadas seguintes, o uso de testosterona e seus derivados (os
esteroides anabolizantes androgênicos77), sugere o interesse de muitas pessoas no uso de
testosterona para uma variedade de propósitos. Somado a isso, estaria o entusiasmo com a
perspectiva médica e comercial da testosterona, compartilhado por algumas das principais
76 De acordo com Conrad (2007), diversos laboratórios farmacêuticos promoveram o uso de testosterona para a
comunidade médica, por meio de uma variedade de estratégias. Assim, médicos e empresas farmacêuticas
contribuíram para reforçar o conceito de hormônios sexuais como duas entidades separadas: “hormônios
sexuais masculinos”, medicamentos para os homens e “hormônios sexuais femininos”, terapia para as
mulheres. (OUDSHOORN, 1994).
77 Segundo Cunha et al. (2004), os esteróides anabolizantes consistem em um grupo de compostos naturais e
sintéticos formados a partir da testosterona (ou um de seus derivados). A indicação do uso terapêutico
clássico desses fármacos está associada ao hipogonadismo e a quadros de deficiência do metabolismo
protéico.
78
empresas farmacêuticas desse tempo, e a disponibilidade do hormônio em forma de pílula,
“convencendo” pessoas a pensarem que, finalmente, uma maneira prática de se administrar o
hormônio teria sido encontrada.
Hoberman atribui o carisma da testosterona, principalmente, à promessa de uma
estimulação sexual e renovação de energia aos indivíduos, além de uma maior produtividade,
algo considerado relevante na sociedade contemporânea. Outro ponto importante levantado
pelo autor consiste na descrição médica de um dos efeitos da testosterona, a sensação de bem-
estar, um termo que tem sido usado, muitas vezes, ao longo do último meio século, para
caracterizar seu efeito positivo sobre o humor.
Essa questão envolvendo o hormônio testosterona, em que tal substância carrega consigo
características que a colocam numa posição singular, extrapolando a dimensão de tratamento
farmacológico, também é tratada no trabalho de Tramontano (2017). O autor explora a vida
“errante e ambígua” dessa substância, que além de ser considerada um medicamento pode ser
vista, similarmente a outros hormônios chamados sexuais, como “um caso paradigmático, no
sentido de se tratar não de uma molécula estrangeira, mas de uma substância sintetizada pelo
próprio organismo” (TRAMONTANO, 2017, p. 16).
De acordo com o autor, até mesmo o uso médico da testosterona para tratamento de
reposição hormonal é considerado por muitos críticos e parte da classe médica mais como um
tônico do que um medicamento, tendo seu valor terapêutico, muitas vezes, tratado como um
aprimoramento. Podemos pensar, a partir daí, no deslizamento da posição da testosterona em
discursos médicos-científicos. Estes que, a princípio, promovem-na como uma terapia
farmacológica eficaz para o tratamento de uma baixa hormonal, ao mesmo tempo, ainda que de
forma não tão explícita, promovem o uso da TRH com testosterona como um meio para se
atingir objetivos fora do propósito de simplesmente tratar um problema médico.
79
3 CONGRESSOS CIENTÍFICOS
Essa etapa do processo metodológico consiste na exposição, análise e discussão de
questões relacionadas, direta ou indiretamente, ao tema de pesquisa e que foram observadas em
congressos científicos. O objetivo principal foi fazer uma etnografia desses eventos, buscando
identificar e compreender aspectos que expressem características envolvidas na relação entre a
indústria farmacêutica e a classe médica, com enfoque na promoção e divulgação da terapia de
reposição hormonal (TRH) com testosterona relacionada ao envelhecimento masculino, no
contexto brasileiro.
Participei, como ouvinte, dos seguintes congressos científicos relacionados ao tema de
pesquisa:
a) XXXXVIII Congresso Científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE- UERJ), realizado na cidade do Rio de Janeiro, em 2010;
b) XVI Congresso Internacional de Medicina Sexual, realizado na cidade de São
Paulo, em 2014;
c) XXXV Congresso Brasileiro de Urologia, realizado no Rio de Janeiro, em
2015.
A escolha desses eventos foi baseada também na sua localização e nos gastos relativos a
inscrições e deslocamento. Desta forma, não foi possível participar de algum congresso na área
de endocrinologia, porque os que ocorreram no período da coleta de dados se realizaram no
Paraná (2014), no Espírito Santo (2015) e na Bahia (2016)78.
Começaremos a descrição e a análise dos materiais obtidos nos congressos obedecendo a
uma ordem cronológica. Acreditamos que isso facilitará a compreensão de como foi se
desenvolvendo a construção, divulgação e promoção de categoria(s) diagnóstica(s) referente(s)
a um declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, bem como foram se
sofisticando as estratégias de marketing da indústria farmacêutica, visando promover a terapia
de reposição hormonal com testosterona nesses espaços, ao longo dos anos.
Importante destacar que o Congresso do HUPE teve um caráter muito diferente dos outros
congressos analisados, por se tratar de um congresso realizado no âmbito de uma universidade,
dirigido prioritariamente a estudantes. Desse ponto de vista, a relação com a indústria foi
78 Refiro-me aqui ao Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia.
80
bastante diferente, e a própria maneira como o congresso se desenvolveu, de forma muito mais
simplificada, destaca-o dos outros.
3.1 XXXXVIII Congresso científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto
(HUPE- UERJ)
3.1.1 Apresentando o congresso79
3.1.1.1 Informações iniciais e impressões gerais
O evento foi realizado no período de 23 a 27 de agosto de 2010. Segundo os
organizadores, o tema central do congresso foi “Saúde do Homem”. O programa final do evento
contemplou 31 cursos, 26 mesas redondas, conferências e outras atividades. Foi objetivo do
congresso contribuir com a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças que mais
frequentemente acometem o homem na faixa etária após 25 anos, assim como discutir, neste
contexto, a formação dos profissionais de saúde. Tratou-se de um congresso de pequeno porte,
com poucos participantes, ao compararmos com os outros dois que participei. Vale destacar
que esse evento ocorreu, aproximadamente, um ano depois do lançamento da Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), que tem na saúde sexual masculina um de
seus principais eixos, como já mencionado anteriormente.
A fim de conseguir informações sobre o evento das quais não me lembrava, como presença
de estandes de empresas expositoras, especialidades médicas e áreas de saúde envolvidas no
congresso, entrei em contato com a Comissão Organizadora do evento, que me forneceu o email
do coordenador do congresso, o urologista Ronaldo Damião, para que pudesse conseguir tais
informações. Infelizmente, não obtive retorno.
Nos dias em que participei do congresso como ouvinte, procurei apenas assistir a palestras
que, direta ou indiretamente, relacionavam-se ao tema “andropausa”. Pensava continuar
79 Vale ressaltar que as informações apontadas neste trabalho foram obtidas por anotações pessoais, realizadas
durante o congresso, e por buscas na internet, utilizando o site Google, no período de setembro a outubro de
2016, de onde foram retirados dados especificamente sobre nomes de participantes e de comissões.
81
pesquisando sobre ele no mestrado. Não busquei observar características gerais do congresso,
como proporção entre homens e mulheres participantes (plateia e palestrantes) ou presença de
profissionais da minha área, por exemplo. Apenas notei que a maioria, homens e mulheres,
incluindo alguns palestrantes, estavam de jaleco.
Em relação às palestras que abordavam o tema da TRH com testosterona relacionada ao
envelhecimento, foi praticamente impossível não perceber que a grande maioria da plateia era
composta por homens. Em uma delas, eu era a única mulher (e sem jaleco). Tive a impressão
de que grande parte dos presentes era composta por residentes em urologia, pois tais pessoas
faziam perguntas bem específicas da área. Além disso, pareciam conhecer os palestrantes, ter
certa intimidade com eles. Isso, somado ao próprio tema abordado, que envolve questões sobre
sexualidade, pode ter contribuído para o clima irreverente e descontraído, apesar das
apresentações serem técnicas.
Quanto aos pôsteres, havia uma quantidade significativa da área urológica. Dentre os
temas abordados, estavam a disfunção erétil e a reposição hormonal com testosterona
relacionada ao envelhecimento A linguagem da grande maioria desses pôsteres era técnica.
3.1.1.2 Organizadores80
Presidente: Ronaldo Damião
Comissão Científica81
Coordenação: Mario Fritsch Toros Neves
Fabrício Borges Carrerette
Comissão Organizadora
Coordenação: José Roberto Muniz
80 Optamos por colocar, aqui, apenas os membros da comissão científica e organizadora, por conta do número
significativo de membros das outras comissões.
81 Informações sobre os membros da Comissão Científica e Organizadora estão localizadas no apêndice A.
82
Edna Ferreira da Cunha
João Luiz Schiavini
3.1.2 Material
A organização do congresso disponibilizou para todos os participantes o volume 9 (supl.
1) da Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. De acordo com o editorial desse
suplemento, a Revista HUPE estaria contemplando o tema do XXXXVIII Congresso Científico
do HUPE, a Saúde do Homem, por meio de artigos em que são destacadas doenças relacionadas
à idade e ao sexo masculino, seus aspectos demográficos e epidemiológicos, bem como
diagnósticos e tratamentos disponíveis. O editorial enfatiza a importância da prevenção e
tratamento adequado dessas doenças, visando uma melhoria da qualidade de vida82para o
homem.
Diversos assuntos são abordados nesse volume da revista, como câncer de próstata,
aspectos demográficos e epidemiológicos referentes ao envelhecimento masculino,
incontinência urinária no homem, tratamento não cirúrgico da hiperplasia prostática benigna,
Deficiência Androgênica do Envelhecimento masculino (DAEM), disfunção erétil,
planejamento familiar, diabetes mellitus, pré-hipertensão, AIDS na população masculina e o
comportamento de risco.
Vale ressaltar duas questões acerca do artigo83 sobre DAEM, escrito por três urologistas
do HUPE84. A primeira delas diz respeito à associação do DAEM à disfunção erétil e à síndrome
metabólica85. Isto é, tanto a disfunção erétil quanto a síndrome metabólica podem ser sinais ou
sintomas do DAEM, de acordo com o artigo. A associação do DAEM à disfunção erétil e a
82 Não fica claro, no editorial, o que o urologista Ronaldo Damião define como “qualidade de vida”.
83 Artigo intitulado “Saúde Masculina: DAEM – Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino”.
84 Rogério A. Barboza; Eloísio Alexandro da Silva; Ronaldo Damião.
85 De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, é definida como um grupo de
doenças cuja base é a resistência à insulina, que, nessa síndrome, age menos nos tecidos, fazendo com que o
pâncreas produza mais insulina, elevando seu nível no sangue. Tal síndrome aumenta as chances de
desenvolvimento de doenças cardíacas, derrames e diabetes. O diagnóstico é feito com base na presença de
fatores como grande quantidade de gordura abdominal (homens- cintura com mais de 102cm e mulheres
maior que 88cm), baixo HDL (homens- menos que 40mg/dl e mulheres -menos do que 50mg/dl),
triglicerídeos elevado (150mg/dl ou superior), pressão sanguínea alta (135/85 mmHg ou superior), glicose
elevada (110mg/dl ou superior) (Disponível em: <http://www.endocrino.org.br. Acesso em 27 mai. 2018).
83
outros problemas relacionados à esfera sexual masculina foi algo que observei nos três
congressos que participei, tanto nas apresentações médicas quanto na propaganda farmacêutica
da TRH com testosterona. No decorrer deste trabalho, discutiremos sobre o assunto.
A segunda questão se refere à estrurura do artigo. Pareceu um texto de apresentação do
DAEM à classe médica, pois continha a definição do DAEM, a apresentação de seus sinais e
sintomas, como é feito o diagnóstico do paciente, os tratamentos com testosterona disponíveis,
o processo de acompanhamento de pacientes, além da menção aos questionários de avaliação
de diagnóstico, citados anteriormente.
O tema do risco na dimensão da saúde foi abordado por dois artigos da revista, um sobre
pré-hipertensão e outro sobre AIDS na população brasileira. Os resumos desses dois artigos,
principalmente o que discute a pré-hipertensão, sugerem uma noção de risco similar à criticada
nos trabalhos de Dumit (2012), Greene (2007) e Crawford (1980), em que hábitos e
comportamentos saudáveis são considerados imprescindíveis para se evitar problemas de saúde
futuros, além de serem passíveis de intervenções tecnológicas.
3.1.3 Atividades
Dentre as atividades assistidas, foram escolhidas para abordarmos, aqui, as duas que mais
se relacionam ao tema desta pesquisa. Vale lembrar que, durante o congresso, não tinha o
objetivo de realizar uma etnografia e nem meu objeto de pesquisa definido. Portanto, questões
relevantes para a pesquisa podem ter sido deixadas de lado.
3.1.3.1 Palestra: Reposição hormonal masculina
Palestra realizada no anfiteatro de Urologia, no dia 23 de agosto de 2010. Teve como
palestrante o médico urologista João Luiz Schiavini86. Segundo ele, a testosterona teria papel
importante no funcionamento adequado de vários órgãos do corpo masculino, como os órgãos
86 Informações sobre os médicos das palestras abordadas aqui se encontram no apêndice A.
84
genitais, a pele, o cérebro, os ossos, os músculos, a medula óssea, entre outros, durante cada
fase da vida do homem. Portanto, o declínio hormonal de testosterona no corpo do homem
poderia trazer repercussões negativas para a saúde masculina87.
Schiavini utilizou a terminologia “síndrome de deficiência da testosterona” (SDT) ao se
referir à baixa hormonal no homem de mais idade. Apresentou a síndrome como bioquímica,
caracterizada pela diminuição dos níveis de testosterona no organismo do idoso, com
probabilidade de ter origem genética, causada por “defeitos” testiculares ou pela incapacidade
dos testículos de produzirem testosterona. Dentre os termos existentes para se referir ao
problema, essa terminologia foi apresentada como a mais adequada.
O argumento utilizado foi o de que o termo “andropausa”, além de ser um termo obsoleto,
remeteria a uma similaridade com a menopausa, o que não seria correto, pois, a menopausa
acometeria todas as mulheres, enquanto a andropausa atingiria cerca de 20% dos homens. De
acordo com o urologista, outro termo utilizado de maneira inadequada seria “hipogonadismo
do idoso”, pois o hipogonadismo pode ocorrer em outras fases da vida e não só na velhice. O
termo DAEM (distúrbio ou deficiência androgênica do envelhecimento masculino) também
seria inadequado, porque o envelhecer ocorreria durante toda a vida.
Interessante pensarmos nesse argumento do envelhecimento durante toda a vida e no
objetivo do congresso, que consistiu em contribuir para a prevenção, diagnóstico e tratamento
de doenças em homens após os 25 anos. Isso sugere uma inclusão de cada vez mais homens na
definição de doença. Quanto ao DAEM, por exemplo, parece que há uma tendência, nos
discursos médicos, de incluir homens cada vez mais jovens dentro da faixa dos possíveis
indivíduos a sofrerem dessa deficiência hormonal.
Voltando à questão da terminologia SDT, Schiavini afirmou que as manifestações clínicas
dessa síndrome seriam nervosismo, cansaço, diminuição da libido e da massa muscular, anemia,
depressão, infertilidade, osteoporose, disfunção erétil. Para se diagnosticar adequadamente a
SDT, seria necessário fazer a dosagem da testosterona sanguínea, levando em consideração o
ciclo circadiano, pois a concentração de testosterona no sangue variaria durante o dia, e o ritmo
circadiano88 dos jovens seria diferente dos mais idosos.
87 Durante a palestra, Schiavini não deixa claro o que chama de “saúde masculina.” 88 Segundo Ferreira e Andriolo (2008), ritmo circadiano é definido como “as variações na concentração de
determinada substância em um período de 24 horas” (FERREIRA; ANDRIOLO, 2008, p.13).
85
Também seriam importantes os exames de SHBG, albumina, prolactina, FSH, LH, PSA,
hemograma e avaliação prostática89. Além desse meio de diagnóstico, Schiavini afirmou utilizar
na sua prática médica os questionários disponibilizados pela ISSM (International Society for
Sexual Medicine) e pelo laboratório BAYER, como também o programa existente no site da
ISSM, que permite o cálculo da testosterona livre90 no computador. Segundo ele, esse cálculo
realizado pelo radioimunensaio91, outro método utilizado, não traria resultados precisos.
Em seguida, apontou que os valores considerados limítrofes para a testosterona total e
para a testosterona livre92 seriam respectivamente 230-345ng/dL e 7,2ng/dL. Importante
destacar, aqui, que tais valores, até hoje, não são consenso no meio médico, até mesmo entre os
urologistas. Isto é, há um consenso no que diz respeito à relevância clínica de valores baixos de
testosterona, mas há controvérsias acerca do estabelecimento dos níveis considerados
limítrofes.
O Consenso Latino-Americano sobre DAEM, cuja primeira edição foi publicada em
2013, contando com a participação de urologistas brasileiros, admite que as dosagens de
testosterona total acima de 346ng/dL possam ser consideradas normais e que as abaixo de
231ng/dL sejam compatíveis com a deficiência hormonal. No entanto, ele destaca que dosagens
de testosterona total maiores que 400ng/dL ou menores que 150ng/dL também poderm ser
valores a partir dos quais se forneça o diagnóstico, de acordo com estudos mais recentes.
Similarmente, aponta o valor de 7,2ng/dL como o de corte, mas indica estudos que consideram
o de 7,0ng/dL mais pertinente para a elaboração do diagnóstico.
No Brasil, de acordo com Schiavini, o tratamento da SDT seria feito por via oral, através
de comprimidos de undecanoato de testosterona e por via intramuscular, através de injeções de
ésteres de testosterona de distribuição rápida (cipionato de testosterona) e de distribuição lenta
89 A relação dessas substâncias com a testosterona e a questão da avaliação prostática serão exploradas na
descrição e análise dos outros dois congressos.
90 Segundo Fernandes et al. (2006), consiste na fração de testosterona que não se encontra ligada a proteínas
carregadoras, ou seja, que circula livre na corrente sanguínea.
91 O radioimunoensaio é uma metodologia de quantificação baseada no princípio de competição antígeno-
anticorpo, em que uma substância não marcada e o traçador competem pelo sítio de interação com o
anticorpo. A partir da observação dos complexos formados pelo anticorpo com a substância não-marcada e
dos complexos formados pelo anticorpo com o traçador é possível medir a quantificação do reagente não
marcado na amostra (Disponível em: http://www.iaea.org. Acesso em 30 jun. 2016).
92 Essa questão será explicada, com mais detalhes, no decorrer do trabalho.
86
(undecilato de testosterona) 93. A reposição hormonal por via oral (120mg -160 mg várias vezes
ao dia) seria a que mais pode provocar efeitos colaterais, pois nela há a passagem do
medicamento pelo fígado. Os ésteres de distribuição rápida não passariam pelo fígado, mas
fariam picos suprafisiológicos, que podem provocar efeitos adversos. Os ésteres de longa
duração (1000mg a cada 3 meses) não fariam esses picos e por isso seriam mais onerosos. Ao
mencionar a questão do câncer de próstata relacionada ao uso do hormônio testosterona,
Schiavini afirmou que existem estudos comprovando a inexistência de tal relação94.
Outros tópicos mencionados na palestra foram as diretrizes em DAEM da Sociedade
Brasileira de Urologia (SBU) e a perspectiva do envelhecimento da população brasileira, o que
enfatizaria a necessidade de estudos sobre a SDT, segundo o urologista.
A segunda apresentação escolhida também abordou a questão da TRH masculina com
testosterona relacionada ao envelhecimento.
3.1.3.2 Teleconferência: Tópicos de terapia de reposição hormonal no homem idoso
Realizada no anfiteatro Rolando Monteiro, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-
HUPE), no dia 26 de agosto de 2010. Teve como conferencista o médico urologista Ernani Luis
Rhoden, considerado um dos principais especialistas nacionais no diagnóstico e tratamento do
DAEM95. Segundo ele, a prescrição de testosterona para terapia de reposição hormonal
masculina teria crescido, consideravelmente, desde 1990. Um dos principais fatores que
justificaria esse crescimento seria o aumento do número de estudos que comprovariam a
inexistência da relação entre o câncer de próstata e a terapia de reposição hormonal com
testosterona.
Rhoden apresentou o DAEM /hipogonadismo do adulto96 como uma síndrome clínica e
bioquímica, causada pela diminuição da testosterona sanguínea no homem idoso. Os principais
93 Importante ressaltar, aqui, que não foi registrada menção de nomes comerciais de medicamentos ou de
empresas farmacêuticas por Schiavini. No entanto, isso não significa, necessariamente, que ele não tenha
citado tais nomes durante sua apresentação.
94 No estudo dos outros congressos, essas questões serão explicadas com mais detalhes.
95 No decorrer do trabalho, falaremos mais sobre esse médico.
96 Durante sua apresentação, Rhoden alternou o uso das duas terminologias.
87
sintomas de DAEM apontados foram perda da libido, irritabilidade, disfunção erétil, cansaço.
Para o urologista, ao se encarar o DAEM como uma síndrome clínica e bioquímica, o resultado
dos níveis séricos de testosterona (taxa de testosterona no soro sanguíneo), obtido pelo exame
laboratorial, deixa de ser valorizado de forma definitiva para seu diagnóstico. Desta forma, ele
propôs o seguinte esquema de diagnóstico:
Quadro 1. Esquema de diagnóstico do DAEM
Testosterona sérica total97 Sintomas DAEM TRH Testosterona
< 300 ng/Dl Presentes Indicada
> 400 ng/Dl Presentes Não indicada (verificar
outras causas).
Entre 300 e 400ng/Dl Presentes Dependente do resultado
de uma avaliação clínica
mais detalhada.
Fonte: A autora, 2018.
Ou seja, o diagnóstico de DAEM teria como base a observação de sintomas clínicos e certo
nível de concentração de testosterona sanguínea. Se o paciente apresentar sintomas e um nível
de testosterona abaixo de 300ng ng/dL, a terapia com testosterona seria indicada. No caso de o
paciente apresentar uma concentração de testosterona superior a 400 ng/dL, mesmo
apresentando sintomas, o procedimento correto seria a não indicação da TRH e a verificação
de outras causas para tais sintomas. E, por último, se o paciente apresentar sintomas e uma
concentração de testosterona sanguínea, entre 300 e 400ng/dL, o médico deveria fazer uma
avaliação clínica mais detalhada.
Segundo o urologista, a mensuração de testosterona deve ser feita no período da manhã,
em que a mesma se encontra em maior concentração no sangue.98 Rhoden afirmou utilizar a
AMS Scale (The Aging Male's Symptoms Scale) como método auxiliar no diagnóstico do
DAEM. Ao falar sobre os benefícios da reposição hormonal masculina, argumentou que,
antigamente, pensava-se na testosterona como um hormônio que alteraria o colesterol e poderia
causar câncer de próstata. No entanto, hoje já se sabe que os efeitos da reposição hormonal são
97 Valores limitrofes de TT (testosterona sérica total) citados pelo médico durante a apresentação: Endocrine
Society Practice: TT <300ng/dL; International Society for Study of the Aging male: TT< 354ng/dL.
98 Essas questões serão explicadas, detalhada e posteriormente, neste trabalho.
88
“praticamente neutros”. Além dos benefícios relacionados aos sintomas do DAEM, foi citada
também a melhoria da resistência insulínica, dos quadros de inflamação e de síndrome
metabólica com o uso da testosterona.
Quando questionado sobre os possíveis pontos negativos em relação à TRH, Rhoden
apontou a “excessiva” expectativa dos pacientes em relação ao tratamento, em que, muitas
vezes, há a crença em uma espécie de “melhoria contínua”. Ele completou afirmando que, ao
fazer o tratamento hormonal, o paciente passa de um estado “hipogonadal” para um
“eugonadal”, ou seja, no último, os níveis de testosterona se encontram “normais” e, a partir
desse momento, estabiliza-se o quadro clínico do paciente.
Aqui, percebemos a ideia da passagem de um estado de deficiência, o “hipogonadal” para
um de “normalidade”, o “eugonadal”. Também há uma crítica à expectativa dos pacientes em
relação a uma “melhoria contínua”, que remete a uma ideia de aprimoramento.
Encerrando a apresentação, Rhoden apontou a tendência das empresas farmacêuticas em
focarem apenas no diagnóstico laboratorial do DAEM, mesmo quando há ausência de sintomas
nos pacientes. Reforçou a importância de o diagnóstico laboratorial e clínico serem feitos em
conjunto. Em seguida, apresentou os tratamentos de reposição hormonal com testosterona
disponíveis no Brasil, que foram os mesmos apresentados por Schiavini, na palestra “Reposição
Hormonal Masculina.”
3.1.4 Comentários finais
A apresentação de Rhoden intitulada “Distúrbios androgênicos do envelhecimento
masculino” foi praticamente a mesma observada na teleconferência descrita anteriormente, com
o acréscimo da apresentação das funções sexuais masculinas dependentes da testosterona:
libido (mais dependente), orgasmo, ereção (menos dependente) e ejaculação.
Podemos observar nas apresentações de Schiavini e Rhoden certa discordância acerca da
terminologia mais adequada para designar o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento. O primeiro aponta o DAEM como um termo inapropriado, destacando o
“hipogonadismo do idoso” como o mais viável dentre os existentes. Já o segundo utiliza a
terminologia DAEM com naturalidade, alternando-a com “hipogonadismo do adulto”. Isso
pode ser visto como uma tentativa de caracterização de uma doença, cuja definição da própria
terminologia para identificá-la faz parte desse processo.
89
Outra questão que vale a pena ressaltar é que o tema DAEM foi falado na mesa redonda
intitulada “Disfunção Erétil”99. Associou-se a disfunção erétil ao DAEM, em que a existência
de uma deficiência hormonal pode ser investigada, caso não haja uma resposta a medicamentos
para a disfunção erétil. Esse tipo de relação ocorreu em um estudo de caso apresentado no
Congresso Internacional de Medicina Sexual, realizado quatro anos depois do congresso do
HUPE. Mais adiante discutiremos tal estudo.
3.2 XVI World Meeting on Sexual Medicine (XVI Congresso Internacional de Medicina
Sexual)
3.2.1 Apresentando o congresso
3..2.1.1 Informações iniciais
O evento foi realizado na cidade de São Paulo, no período de 8 a 12 de outubro de 2014,
no Hotel Transamérica. A Sociedade Internacional de Medicina Sexual (ISSM) e a Sociedade
Latino-Americana de Medicina Sexual (SLAMS) foram responsáveis pela sua organização. De
acordo com informações disponíveis em um site específico do congresso, a ISSM e a SLAMS
“promovem, incentivam e apoiam os mais altos padrões de prática, pesquisa, educação e ética
no estudo da função sexual humana e disfunção” (tradução nossa) 100. Nesse site, também
consta que, aproximadamente, 900 especialistas na área de medicina sexual, incluindo
cientistas, clínicos e médicos do campo da urologia, andrologia, ginecologia, psicologia e
psiquiatria de todo o mundo participaram do congresso101.
99 Realizada no anfiteatro Ney Palmeiro (HUPE), no dia 26 de agosto de 2010, e teve como participantes o
médico urologista Ronaldo Damião (moderador), a médica psiquiatra Carmita Abdo e os urologistas Celso
Gromatzky, João Luiz Schiavini e Ernani Rhoden.
100 Disponível em: http://www.issmslams2014.org. Acesso em :19 de ago. 2016).
101 Interessante notar, aqui, a separação entre urologia e andrologia, já que a última, segundo médicos do próprio
campo, pode ser considerada uma subespecialidade da urologia. Isso pode sugerir certa hierarquia, em que a
urologia assumiria uma posição mais “científica e objetiva”, pois a cirurgia é tida como função essencial de
90
Vale ressaltar, aqui, a escolha de um hotel luxuoso para a realização do evento e a
descrição desse espaço como privilegiado, pois se localizaria perto do Centro Empresarial de
São Paulo (CENESP), de principais sedes comerciais, excelentes restaurantes, shoppings e
bares. Além disso, o hotel contaria com restaurantes, famosos na cidade por sua gastronomia,
com um campo de golfe, piscina aquecida, quadras de tênis, fitness center, sauna e pista de
corrida
Na mensagem de boas-vindas, também contida no site, Sidney Glina, presidente da
SLAMS, presidente local da comissão organizadora do Congresso e Chris MacMahon,
presidente da ISSM, destacaram que esse seria o terceiro congresso promovido pela ISSM na
América Latina e enfatizaram o sucesso dos dois eventos anteriores, realizados no Rio de
Janeiro (1990) e em Buenos Aires (2004). Além disso, apontaram a troca de conhecimento,
bem como a possibilidade de renovação e desenvolvimento de novas amizades como uma
característica dos congressos científicos promovidos pela ISSM, no campo internacional da
medicina sexual.
Em seguida, há uma breve descrição da cidade de São Paulo. São destacados o clima, a
extensão territorial e as características da população, como origem e descendência. A cidade é
apontada como um centro cultural e aeroportuário, que conta com inúmeros hotéis, restaurantes,
cinemas, teatros, museus, parques, shopping centers, clubes de golfe, estádios de futebol, além
de ser conhecida como um grande centro gastronômico e uma das cidades que sediou a Copa
do Mundo de 2014.
Acreditamos que o empenho dos organizadores em enfatizar características relacionadas
à localização do evento, que ultrapassam o objetivo da discussão e divulgação do conhecimento
científico, consiste em algo comum na promoção de congressos científicos de porte
internacional. Assim, ao mesmo tempo em que destacaram São Paulo como “o centro
comercial, industrial, financeiro, médico e tecnológico do Brasil” (tradução nossa)102, também
apontaram uma gama de possibilidades culturais e de lazer, que poderiam ser exploradas pelos
participantes do evento ao decidirem conhecê-la. O destaque dado à boa localização e à
capacidade do hotel “Transamérica” de oferecer diversas atividades de lazer e descanso − o que
possibilita uma interação social entre os participantes − também ilustra essa preocupação dos
organizadores.
um urologista, enquanto a andrologia, que trataria de problemas relacionados à sexualidade masculina, seria
uma espécie de “ginecologia masculina” (Disponível em: https://www.andrologia.com.br. Acesso em: 01 jun
2017).
102 Disponível em: http://www.issmslams2014.org. Acesso em: 25 ago. 2016).
91
Os assuntos abordados no evento dividiram-se em dois temas principais: sexualidade
masculina e sexualidade feminina − com enfoque nas disfunções sexuais. Tais temas foram
tratados pela medicina sexual. As palestras sobre sexualidade masculina se realizaram, no geral,
em salas e auditórios maiores e mais sofisticados, quando comparados às palestras sobre
sexualidade feminina. Isso sugere uma maior importância dada às disfunções sexuais
masculinas. Uma das causas para isso pode estar ligada ao patrocínio recebido pelos
organizadores do congresso, quase exclusivamente, de empresas produtoras de medicamentos,
serviços e dispositivos médicos relacionados à saúde sexual masculina. Os estandes das
empresas expositoras eram também, em sua maioria, voltados para a saúde sexual masculina,
especialmente, as disfunções sexuais.
Dentre os palestrantes convidados para falar sobre sexualidade feminina, estava o expert
Irwin Goldstein, médico especialista em urologia e ginecologia, diretor do Departamento de
Medicina Sexual do Hospital Alvarado, em San Diego, professor de cirurgia na Universidade
da Califórnia e ex-presidente da International Society for the Study of Women's Sexual Health
(ISSWSH)103. No decorrer da descrição e análise do evento, apontaremos alguns dos principais
especialistas que ministraram palestras relacionadas à sexualidade masculina.
3..2.1.2 Organizadores104
Comissão Organizadora Local105
Presidente: Sidney Glina
Membros: Carmita Abdo
João Afif Abdo
Eduardo Bertero
Fernando Facio
Claudia Faria
103 Disponível em: http://www.isswsh.org. Acesso em: 19 d mar. 2018
104 Devido ao grande número de participantes de cada comissão, comitê e conselho desse congresso, optamos
por colocar, aqui, apenas os membros da comissão organizadora local e do comitê científico.
105 Informações sobre cada membro da comissão organizadora e do comitê científico estão localizadas no
apêndice B.
92
Geraldo Faria
Celso Gromatzky
Gerson Lopes
Archimedes Nardozza
Ralmer Rigoletto
Oswaldo Rodrigues Jr.
Luiz Otavio Torres
Comitê Científico
Co-Presidentes: Edgardo Becher (Argentina)
Sidney Glina (Brasil)
Membros: Carmita Abdo (Brasil)
Stanley Althof, (EUA)
Amado Jose Bechara, (Argentina)
Julio Ferrer Montoya (Colômbia)
Annamaria Giraldi (Dinamarca)
Mario Maggi (Itália)
John Mulhall (EUA)
Sharon Parish (EUA)
Miguel Alfredo Rivero (Argentina)
Eusebio Rubio-Aurioles (México)
Andrea Salonia (Itália)
Luiz Otavio Torres (Brasil)
Ex-officio member106 : Chris McMahon (Australia)
106 O termo ex-officio é uma expressão latina utilizada para descrever uma obrigação ou um privilégio que
determinada pessoa tem, em virtude da sua posição, de servir em um conselho ou comitê. (Disponível em:
http://msue.anr.msu.edu/. Acesso em: 23 set. 2016).
93
3.2.1.3 Impressões gerais
Quando cheguei ao evento, dirigi-me a um dos estandes, localizados bem próximos à
entrada do hotel, onde eram distribuídos materiais aos participantes (certificado de participação,
crachá, programação, bolsa com logotipo do congresso, bloco para anotações, caneta e folhetos
diversos). Percebi que a programação científica seria realizada em salas, diferentes em tamanho
e sofisticação. Funcionários se posicionavam na entrada de cada uma delas, durante a realização
dos simpósios, palestras e mesas, e se colocavam à nossa disposição, caso tivéssemos alguma
dúvida em relação ao evento. Estavam vestidos socialmente, os homens com terno e gravata e
as mulheres com tailleur.
A maior parte do público do evento era constituída por homens brancos vestidos de maneira
formal (terno e gravata ou camisa e calça social). As mulheres presentes, tanto as ouvintes
quanto as oradoras, também eram brancas e se vestiam de modo formal (tailleur ou camisa e
calça social), estavam maquiadas e usavam sapatos de salto alto, em sua maioria. Quase todos
os palestrantes homens estavam de terno e gravata. O número de homens palestrantes era bem
maior do que o de mulheres, cerca de 80%. Considerando todas as pessoas que estavam
presentes naquele espaço, havia cerca de 70% de homens e 30% de mulheres.
A área reservada aos expositores do congresso se localizava em um salão, separado das
demais salas, mas também no primeiro piso, onde todo o congresso se concentrou. Achamos
que eram poucos estandes, principalmente devido ao grande porte do evento. Havia estandes
de associações médicas, empresas farmacêuticas, produtoras de próteses penianas e de
equipamentos de choque para tratamento da disfunção erétil:
a) Associações médicas: International Society for Sexual Medicine (ISSM) e
European Society for Sexual Medicine (ESSM);
b) Empresas produtoras de próteses penianas: Zephyr Surgical Implants,
American Medical Systems (AMS) e Coloplast;
c) Empresas fabricantes de equipamentos de choque para tratamento de DE:
Direx e Medispec;
d) Empresas farmacêuticas: Pfizer, Besins Healthcare e Flukka. A empresa
Menarini Group fazia exposição de seu produto em uma sala separada,
localizada ao lado do “salão dos expositores”.
Como já dito anteriormente, a grande maioria dos estandes era de empresas que divulgavam
produtos referentes à saúde sexual masculina, principalmente as disfunções sexuais. Destes, os
94
estandes de próteses penianas eram os de maior número. A pequena quantidade de estandes da
indústria farmacêutica pode estar associada ao fato de não haver lançamentos recentes de
medicamentos na área, no Brasil, com exceção do Androgel®, gel à base de testosterona, usado
para tratamento do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, de uso tópico.
Os estandes, em geral, eram coloridos, contendo imagens e/ ou desenhos de seus produtos
em destaque. Dois deles ofereceram petiscos (biscoitos, café, água) aos participantes, o da
Besins Healthcare (Androgel®) e da Pfizer (Viagra®). Consegui me deslocar com facilidade
entre os estandes, inclusive conversar com um propagandista do Androgel®, que foi bastante
simpático. Ouviu sobre minha pesquisa e se dispôs a ser entrevistado, posteriormente. Percebi
que tal propagandista interagia de forma bastante íntima com os médicos urologias. Eram
interações que, particularmente, poderiam ser confundidas com comunicações entre amigos ou
conhecidos mais próximos.
O propagandista circulava com bastante desenvoltura e segurança no ambiente. Expunha
informações sobre o Androgel® em linguagem objetiva e técnica, demonstrando conhecer
mecanismo de ação, efeitos colaterais, propriedades farmacológicas e indicações do produto.
Um detalhe que vale a pena ser destacado consiste em sua posição profissional na indústria
farmacêutica. Trata-se de um propagandista gerente, responsável pela supervisão das atividades
de outros propagandistas. Talvez, o modo mais íntimo de interação com os médicos esteja
associado à sua posição hierárquica, pois percebi que os outros não se portavam da mesma
maneira com os médicos, eram menos informais.
Quanto aos folhetos de propaganda farmacêutica, que consegui adquirir nos estandes do
congresso, o do Androgel107 (Figuras 1, 2 e 3) chamou minha atenção. Seu título era “If you
know Testogel or Androgel, you know us”. Achei muito interessante a empresa Besins
Healthcare, produtora do Androgel, citar um medicamento produzido por uma concorrente, a
Bayer, em um material promocional. Talvez tenha sido uma estratégia de marketing
desenvolvida com o objetivo de associar o Androgel ao Testogel, já lançado no mercado.
A Besins destacou o Androgel como um tratamento de reposição hormonal inovador, o
primeiro medicamento à base de testosterona na forma farmacêutica de gel transdérmico. Além
disso, apontou o Androgel como a “testosterona mais vendida no mundo”, registrada em 65
países e aprovada pela FDA e EMA108 . Claramente, uma exaltação ao “novo”, “tecnológico”
107 Além de todas as informações apresentadas no decorrer do texto, havia uma espécie de bula, com dados sobre
dosagens, métodos de administração, efeitos colaterais, contraindicações, precauções e informações de
contato.
108 European Medicines Agency. Agência europeia com funções semelhantes à da FDA.
95
e “científico”. Abaixo da frase “You know you can have confidence in Androgel by Besins
Healthcare”, também contida no folheto, havia os logotipos do Androgel e do Testogel. Isso
reforça a hipótese anterior de que houve a intenção da Besisns de associar o Androgel ao
Testogel.
Outra frase do folheto que me chamou atenção foi “We know Androgel because we invented
it”. Essa frase parece uma tentativa de apropriação de todo conhecimento científico acerca do
produto, ou seja, a promoção da noção de que não há quem saiba mais sobre um medicamento
do que a empresa produtora, nem mesmo médicos especialistas. Além disso, as frases “We know
you want a well-defined safety profile” e “We know your patients want to restore natural
testosterone” sugerem a ideia de que a empresa se preocupa tanto com as demandas dos
médicos, quanto as de seus pacientes, isto é, de que não estaria interessada apenas em vender
um medicamento, mas também em atingir objetivos mais nobres, como o tratamento de um
problema médico de forma segura e eficaz.
Na frase “We know you want a well-defined safety profile”, observamos a ênfase no perfil
de segurança do medicamento. Já na “We know your patients want to restore natural
testosterone”, notamos a promoção da testosterona em gel como uma substância “natural”, que
parece estar relacionada à ideia desse tipo de medicamento ser seguro, causando, praticamente,
nenhum efeito colateral.
Outra questão importante sobre o folheto diz respeito à utilização de gráficos para explicar
cada ponto positivo do medicamento apresentado, seguidos sempre de uma referência
bibliográfica da área biomédica. Acreditamos que isso consistiu em um apelo à objetividade e
à cientificidade, já que o uso de gráficos e tabelas é bastante comum em artigos e textos
biomédicos, possuindo até certo status nesse campo. Dentre os pontos positivos do uso do
medicamento estavam a facilidade e rapidez de aplicação, sua boa tolerância no organismo,
flexibilidade de escolha para o local de aplicação (ombros, braço ou abdômen), secagem rápida
(em torno de cinco minutos), composição inodora, incolor e não pegajosa e ótima
biodisponibilidade.
Somado a esses pontos, estava o fato do Androgel “melhorar” sintomas do declínio
hormonal na área física (melhorar estrutura óssea, aumentar massa e força muscular), sexual
(melhorar função sexual, desejo sexual e atividade sexual) e psicológica (melhorar humor e
reduzir sintomas depressivos). Vimos, aqui, o deslizamento da posição ocupada pelo hormônio
testosterona, que − além de repor uma substância em falta no corpo do homem − “melhoraria”
aspectos físicos, sexuais e psicológicos, ou seja, teria uma função de aprimoramento mental e
corporal.
96
No folheto, havia também a foto de um casal heterossexual, branco, feliz, sorridente,
aparentando ter cerca de 50 anos de idade, e estar ao ar livre. Ao ver essa foto, foi possível
lembrar, imediatamente, as análises feitas na dissertação de mestrado, em que observarmos
imagens vinculadas a frases ou textos relacionados, direta ou indiretamente, a um declínio
hormonal masculino associado à idade e ao seu respectivo tratamento. Tais imagens
apresentavam características que podem ser vinculadas a um perfil de paciente com queixas
referentes ao diagnóstico de DAEM 109, como a presença apenas de pessoas brancas, casais
constituídos por homem e mulher, exclusivamente, faixa etária predominante entre 50 e 60
anos, aparência de “saúde”, “beleza” e “felicidade”.
Ao fazer um paralelo com o trabalho de França (2006), que estuda relações existentes entre
consumo e construção de identidades, numa esfera de mercado direcionada aos homossexuais,
podemos notar certo padrão de apresentação nas imagens encontradas. Elas pareciam se dirigir
a um público específico, ou seja, a pessoas de classe média a média alta, brancas,
heterossexuais, entre 45-65 anos.
Tais características foram observadas tanto em imagens localizadas em sites de empresas
farmacêuticas, quanto em sites de associações médico-científicas. Podemos pensar que, neste
caso, a classe médica e a indústria farmacêutica lançaram mão de estratégias semelhantes de
promoção e divulgação da categoria diagnóstica em questão e de seu respectivo tratamento.
Essas estratégias, transmitidas por meio de imagens, caracterizaram-se por ideias e concepções
sobre saúde e doença, atreladas ao consumo de bens e serviços de saúde. Além disso, pareciam
demarcar classe, faixa etária, orientação sexual e raça para as quais eram dirigidas (THIAGO;
RUSSO; CAMARGO, 2016).
Assim, percebemos o desenrolar do processo de construção de um mercado segmentado, do
qual pessoas seriam incluídas ou excluídas a partir de diferenças sociais, raciais e
comportamentais. Isso impulsionaria a demarcação de um público consumidor, caracterizado
pelo valor que certos hábitos e conceitos referentes à saúde assumem nesse grupo. No entanto,
não podemos deixar de considerar que desejos, ideias, percepções e necessidades transitam no
imaginário de tal grupo e, portanto, as mensagens transmitidas iriam de encontro a supostas
demandas (THIAGO, 2012).
Quanto aos pôsteres apresentados no congresso, eles se dividiram em dois grupos, os
moderados e os não-moderados. Os do primeiro grupo foram expostos numa sala, em que o
autor responsável ia à frente e fazia uma rápida apresentação do trabalho, seguida ou não, por
109 Ou outra categoria diagnóstica utilizada para caracterizar o suposto declínio hormonal masculino relacionado
ao envelhecimento.
97
perguntas da plateia. Já os do segundo, ficaram disponíveis em computadores localizados no
salão de entrada do congresso. A maior parte dos pôsteres era sobre disfunções sexuais, tanto
masculinas quanto femininas.
98
Figura 1. Folheto publicitário da Besins Healthcare (frente). Congresso Internacional de
Medicina Sexual, 2014
Fonte: A autora, 2018
99
Figura 2. Folheto publicitário da Besins Healthcare (interior). Congresso Internacional de
Medicina Sexual, 2014
Fonte: A autora, 2018
100
Figura 3. Folheto publicitário da Besins Healthcare (verso). Congresso Internacional de
Medicina Sexual, 2014
Fonte: A autora, 2018
101
3.2.2 Programa científico
A capa do programa era composta por um fundo verde claro, com círculos de cores rosa,
verde e azul, em diversos tamanhos. Alguns se localizavam na parte superior, à direita. Uma
maior quantidade se distribuía na parte inferior da capa. Acima dos círculos localizados na parte
superior, ficavam os logotipos da International Society for Sexual Medicine (ISSM) e da
Sociedade Latinoamericana de Medicina Sexual (SLAMS), as organizadoras do evento, como
já dito anteriormente. À sua esquerda, encontrava-se o logotipo do congresso, que parecia
assumir o formato de um coração, a partir da junção de duas figuras representando um casal.
Elas se formavam por duas cores sobrepostas (rosa e verde/ verde e rosa). Isso sugere a ideia
de interação, contato íntimo, o que remete à questão da relação sexual.
Acreditamos que o casal representado no logotipo seja um casal heterossexual, pois
durante o congresso, observamos apenas discussões que abordavam a sexualidade e supostos
problemas que dificultariam ou até mesmo impediriam uma vida sexual “plena” e “feliz”
(disfunção erétil, ejaculação precoce e declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento) apenas na dimensão da heterossexualidade. Os relacionamentos homoafetivos
pareciam não fazer parte de tal realidade.
Nas últimas páginas do programa, havia duas propagandas, a de um medicamento para
ejaculação precoce, lançado naquele mesmo ano, e a de uma prótese peniana. Interessante notar
que essas duas empresas, denominadas Priligy e Coloplast, respectivamente, foram as que mais
investiram no patrocínio do congresso. Isso estava contido no próprio programa, por meio de
uma lista de patrocinadores e expositores divididos em três categorias: Platinum Sponsor, Silver
Sponsor e Sponsor & Exhibitors. As informações referentes a esses patrocinadores e
expositores foram pesquisadas no site Google, no período de maio a agosto de 2017.
Platinum Sponsor
a) The Menarini Group
102
Grupo farmacêutico italiano, produtor de medicamentos e dispositivos nas áreas de alergologia,
andrologia, cardiologia, entre outras. É fabricante do medicamento Priligy, prescrito para o
tratamento de ejaculação precoce110.
Silver Sponsor:
a) Coloplast
Empresa internacional, com filiais localizadas no Brasil, que desenvolve produtos e
serviços médicos, incluindo cuidados com estomias, urologia, incontinência e tratamento de
feridas111.
Sponsor & Exhibitors:
a) AMS
Empresa internacional que fabrica próteses penianas para pacientes com disfunção erétil112.
b) Bayer
Grupo farmacêutico com empresas localizadas em vários países do mundo. Desenvolve
produtos voltados à saúde dos seres humanos, animais e plantas. Seu portfólio de produtos
farmacêuticos se concentra em produtos sujeitos à prescrição, especialmente para cardiologia e
saúde feminina. É produtor do medicamento Levitra®, comprimido para tratamento da
disfunção erétil (DE) e do Nebido®, injeção intramuscular de testosterona para tratamento do
declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento113 .
110 Disponível em: https://menarini.com. Acesso em: 27 mai. 2017.
111 Disponível em: https:// www.coloplast.com. Acesso em: 26 mai. 2017.
112 Disponível em: http://www.protesespenianas.com.br. Acesso em: 30 ago. 2017.
113 Disponível em: https://www.bayer.com. Acesso em: 31 mai. 2017.
103
c) Besins Healthcare
A Besins Healthcare é uma empresa farmacêutica global, produtora de medicamentos
utilizados no tratamento de condições ginecológicas, de fertilidade e obstétricas, bem como da
deficiência de andrógenos. Comercializa o AndroGel®, gel tópico de testosterona utilizado no
tratamento do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento114
d) Direx Group
Consiste em uma rede de empresas distribuidoras e centros de serviços localizados em
diversos países, incluindo o Brasil. Em 2012, lançou o Renova, primeiro sistema de ondas de
choque para o tratamento da disfunção erétil115
e) Flukka Farmácia de Manipulação
Empresa brasileira, localizada na cidade de São Bernardo do Campo (SP), que atua na área
de medicamentos manipulados, com foco nos segmentos de urologia e hospitalar. Na área de
urologia, desenvolve medicamentos para tratamento da disfunção erétil, “falta” de libido,
ejaculação precoce, anorgasmia e reposição hormonal.116
f) Medispec Ltda
Empresa internacional especializada em sistemas baseados em shockwave para aplicação
nas áreas cardiovascular, de urologia e ortopedia117.
g) Pfizer
114 Disponível em: http://www.besins-healthcare.com. Acesso em: 31 de maio de 2017.
115 Disponível em: http://www.direxgroup.com. Acesso em: 01 de junho de 2017.
116 Disponível em: http://www.lukka.com.br. Acesso em: 31 de maio de 2017.
117 Disponível em: https://www.medispec.com. Acesso em: 30 de maio de 2017.
104
Empresa farmacêutica internacional, com um portfólio que engloba desde vacinas até
medicamentos para dor, câncer, tabagismo, artrite reumatoide, infecção hospitalar, Alzheimer.
É produtora do medicamento Viagra®, utilizado no tratamento da disfunção erétil.118
h) Zephyr Surgical Implants
Fabricante europeu e distribuidor mundial de implantes e próteses para as áreas urinárias,
urológicas, andrológicas, bem como para procedimentos envolvendo identidade de gênero119.
Podemos notar, então, que o congresso em questão recebeu patrocínio de empresas
farmacêuticas, produtoras de materias médicos e fornecedoras de serviços de saúde
relacionados à área sexual, principalmente, à saúde sexual masculina.
3.2.3 Simpósios, cursos, workshops e palestras
Nosso critério de escolha de discussões para análise se baseou nos tópicos que mais se
relacionavam ao tema da pesquisa.
3.2.3.1 Casos clínicos: deficiência androgênica no envelhecimento masculino- disfunções
sexuais masculinas
Esse estudo de caso fez parte do Simpósio SLAMS120, que ocorreu durante o primeiro dia
de congresso, de 8:00 hs às 17:00hs. A duração dessa apresentação foi de uma hora,
aproximadamente (10:10 hs às 11:20hs). Tratou-se de um caso clínico fictício e complexo, que
contemplou diversas queixas/sintomas de um suposto paciente, a fim de se construir um
diagnóstico.
118 Disponível em: http://www.pfizer.com. Acesso em: 31 mai. 2017.
119 Disponível em: https://www.zsimplants.ch/en. Acesso em: 31 mai. 2017.
120 Sociedade LatinoAmericana de Medicina Sexual.
105
Participaram dessa mesa os médicos urologistas Geraldo Eduardo Faria (apresentador do
caso clínico), Carlos da Ros, Archimedes Nardozza e Ernani Luis Rhoden121.
O caso clínico
O caso foi apresentado à platéia por meio de um slide, em que estava escrito o trecho
abaixo:
“Sr, Mário, 63 anos, executivo, sem parceira fixa, relata que anda muito estressado e que
desde há dois anos vem perdendo seu desejo sexual e com dificuldade de manter a ereção, não
conseguindo na maioria das vezes completar a relação. Por inúmeras vezes fez uso de diferentes
medicamentos para ereção, mas a resposta foi inadequada. Nos últimos 3 meses não teve
relações sexuais, não tem se masturbado e não tem observado ereções matinais. Sente-se
cansado, com muito sono e sua memória já não é tão boa como antes”.
A partir da descrição do quadro clínico, consideramos relevante destacar dois pontos:
Sobre a foto do Sr. Mário
Sabemos que se trata de uma foto pequena, tipo 3x4, no entanto, é possível perceber que o
Sr. Mário é um homem branco, de boa aparência, aparentando ser de classe média, talvez média
alta e, acima de tudo, com aspecto saudável. Aqui, podemos pensar em uma contradição, já que
a imagem transmitida da pela foto não corresponde à descrição que a acompanha, ou seja, a
descrição de um homem cansado, com sono e estressado.
Há ainda outra imagem, sobre a qual falaremos mais adiante, que aparece no final da
apresentação do quadro clínico. Ela pode ilustrar a nossa hipótese de que há demarcação de um
público consumidor e um ideário de valores ligados às imagens utilizadas na ilustração do caso,
como a concepção de envelhecimento não associada à decrepitude, a valorização da boa
aparência, de uma vida produtiva e feliz numa idade mais avançada.
Sobre o texto que apresenta o quadro clínico do Sr. Mário
121 Informações sobre os médicos das palestras discutidas aqui se encontram no apêndice B.
106
Na descrição referente ao Sr. Mário “63 anos, executivo, sem parceira fixa”, a palavra
“executivo” sugere a ideia de um profissional bem-sucedido, muito ocupado, cheio de
responsabilidades e que vive situações estressantes no seu dia a dia. Isso parece ser confirmado
na frase seguinte “relata que anda muito estressado”. Achamos interessante questionar se “andar
muito estressado” poderia ser uma condição relacionada ao estilo de vida deste homem de 63
anos e não, necessariamente, a algum problema de saúde específico. Esse mesmo raciocínio
pode ser estabelecido ao pensarmos nas próximas frases: “há dois anos vem perdendo seu desejo
sexual”, “com dificuldades de manter ereção” e “não conseguindo na maioria das vezes
completar a relação”.
Somado a isso, está a ausência de informações sobre sua vida afetiva, há apenas a expressão
“sem parceira fixa” (algo muito vago) que não esclarece os possíveis fatores relacionados à
atual situação vivida pelo Sr. Mário. Não é mencionado, por exemplo, se ele teria sido casado
por um longo tempo e, agora, estaria vivenciando uma separação ou viuvez. Tal questão nos
leva a pensar na irrelevância dada à dimensão afetiva da vida do Sr. Mário. É como se sua
performance sexual independesse do tipo de relação em que esteja envolvido. Não há o “outro”,
não há relacionamento, parceria. As expressões “com dificuldade de manter a ereção” e “não
conseguindo na maioria das vezes completar a relação” são “intransitivas”, não há alguém com
quem se completa a relação. Aqui, é possível pensar na ideia da função sexual masculina
marcada pela biologia, ou seja, pela noção de uma função sexual orgânica e fisiológica,
independente do contexto social, relacional e emocional e, portanto, passível de tratamento
farmacológico − neste caso, a terapia de reposição hormonal com testosterona.
Na descrição do caso clínico apresentado, a esfera sexual é, sem dúvida, a que recebe
maior destaque. Também é vista de forma reducionista e simplista, focada na disfunção erétil.
As expressões “há dois anos vêm perdendo seu desejo sexual”; “com dificuldade de manter
ereção”; “não conseguindo na maioria das vezes completar a relação”; “não teve relações
sexuais”; “não tem se masturbado”; “não tem observado ereções matinais” parecem reiterar
várias vezes dentro do texto que a dimensão mais prejudicada com o declínio hormonal é a
sexual.
De fato, como já dito, a categoria diagnóstica DAEM (deficiência androgênica do
envelhecimento masculino) − que é mencionada no título desse caso clínico − parece enfatizar
a questão sexual na descrição dos sintomas relacionados à queda hormonal, sendo a disfunção
erétil um dos mais destacados. É importante lembrar que a categoria diagnóstica DAEM e a
terapia de reposição hormonal com testosterona começaram a ser divulgadas e promovidas,
tanto pela classe médica quanto pela indústria farmacêutica, no início dos anos 2000
107
(ROHDEN, 2011), pouco tempo depois do lançamento do Viagra®, que ocorreu no final da
década de 1990 (FARO et al., 2010, 2013; GIAMI, 2009a).
Voltando ao caso clínico, a frase “Por inúmeras vezes fez uso de diferentes medicamentos
para ereção, mas a resposta foi inadequada” indica que o problema do Sr. Mário não poderia
ser tratado apenas com o uso de um medicamento para a disfunção erétil. Podemos pensar na
ideia do tratamento de um sintoma, não da causa do problema de ereção. Assim, tal problema
não poderia ser resolvido, sendo imprescindível a terapia de reposição hormonal com
testosterona.
Seguindo esse raciocínio, destacamos algumas características atribuídas ao hormônio
testosterona, observadas tanto no meio médico quanto no meio leigo, que parecem perpassar a
construção do caso clínico apresentado. Uma delas seria a visão da testosterona como o
“hormônio masculino” − a substância poderosa capaz de restaurar ou melhorar aspectos da
masculinidade do homem idoso, como a potência sexual e a libido. Além disso, também
proporcionaria a recuperação da vitalidade e da energia diminuídas ou “perdidas” com o
decorrer dos anos, diretamente relacionadas à produtividade no trabalho. Outra característica
diz respeito ao suposto poder da testosterona de “regular” o corpo masculino (CONRAD, 2007),
ou seja, não adiantaria tratar um problema específico, no caso a disfunção erétil, pois ela seria
apenas o resultado de algo muito mais complexo e profundo que estaria acontecendo no corpo
masculino. Esse corpo só voltaria ao “equilíbrio perdido”, à condição “natural” de
funcionamento por meio da terapia de reposição hormonal com testosterona.
O último trecho da descrição do caso “Sente-se cansado, com muito sono e sua memória já
não é tão boa como antes” coloca em evidência, mais uma vez, queixas que poderiam estar
relacionadas ao estilo de vida do Sr. Mário, bem como à sua faixa etária. O próprio cansaço
poderia levar a um estado de mais sonolência e de uma memória, de certa forma, prejudicada.
No entanto, tais queixas também fazem parte do conjunto de sintomas característicos da baixa
de testosterona no corpo masculino.
As perguntas à plateia
Após a apresentação do quadro clínico, uma série de perguntas foi dirigida à plateia,
constituída, em sua grande maioria, por homens. Tais perguntas se referiam a procedimentos
médicos realizados a fim de se obter um diagnóstico completo e adequado. O ponto de partida
108
para as perguntas foi um slide contendo informações sobre resultados de exames solicitados
pelo médico clínico do sr. Mário, que foram levados para sua consulta com o urologista:
Traz exames solicitados por seu clínico: eletrocardiograma normal, hemograma
normal, glicemia 120, colesterol total 220, HDL 28, LDL 180, triglicérides 250, Gama
GT 23, Ureia 32, PSAT 2,60, PSAL0,47, Rel 0,18, testosterona total de 260 (280 a
880). Tem um ultra- som abdominal com uma próstata de 55 gramas e resíduo pós-
miccional de 40 ml. Refere que o jato urinário não é tão forte como antes, mas não
tem tido dificuldade à micção. Exame físico: PA 140/85, peso 82kg, altura 1, 75, IMC
27kg/m2, circunferência abdominal 100 cm. Avaliação genital normal. Toque:
próstata pouco aumentada de volume com características de HPB.
Em meio às informações bioquímicas referentes aos exames realizados pelo sr. Mário, a
concentração de testosterona total no sangue do paciente (260)122 foi a única acompanhada pela
faixa de concentração considerada “normal” (280 a 880), vista como padrão para se detectar
uma possível baixa hormonal associada a um problema médico.
Sobre essa questão, Tramontano e Russo (2015) destacam a dificuldade de se medir a
testosterona circulante na corrente sanguínea, bem como a ausência de um teste confiável para
mensurá-la. Por conta disso, a medição do hormônio seria feita por meio de um cálculo indireto,
cujo primeiro parâmetro consistiria na dosagem de testosterona total, composta pela
combinação das diferentes formas de testosterona encontradas no corpo humano123.
Ao entrevistar médicos prescritores da terapia de reposição hormonal com testosterona,
Tramontano e Russo (2015) observaram que, independente da confiança ou não nos testes
disponíveis para a medição de tal hormônio, a detecção de uma dosagem de testosterona total
baixa chama atenção desses profissionais e os faz recorrer a outros testes, com o objetivo de se
confirmar o diagnóstico de declínio hormonal. No entanto, os parâmetros utilizados para se
iniciar a reposição hormonal são variáveis entre eles.
Também foi possível observar, nos discursos médicos, essa falta de consenso em relação
à concentração de testosterona sérica considerada preocupante, tanto na pesquisa de mestrado
quanto, agora, na pesquisa de doutorado. Mas, apesar de tais controvérsias e dificuldades
122 Acreditamos que a unidade de medida considerada, aqui, é nanogramas (ng) por decilitro (dl), ou seja, ng/dl.
123 Segundo os autores, a testosterona circularia na corrente sanguínea de três maneiras: ligada não
especificamente à albumina, especificamente à SHBG (sexual hormone globuline ou globulina ligadora de
hormônios) e de forma livre, não-ligada. A soma da fração livre mais a fração ligada à albumina consistiria
na fração biodisponível do hormônio, ou seja, a fração disponível para exercer efeitos fisiológicos. Já a
testosterona total seria composta pela conjunção da testosterona ligada à SHBG e de sua fração biodísponível
(testosterona ligada à albumina e testosterona livre).
109
dmensuração desse hormônio, parece que o diagnóstico do declínio hormonal é ancorado,
basicamente, na medida de testosterona sanguínea no corpo masculino124.
No caso dos discursos médicos sobre o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento, há descrição de sintomas e defesa da realização do diagnóstico clínico
juntamente com o diagnóstico laboratorial, mas, na prática, parece que são nos números em que
a classe médica se apóia para afirmar se um homem precisa ou não fazer TRH com testosterona.
Voltando ao slide do caso clínico, o parâmetro adotado para considerar preocupante o
nível sérico de testosterona foi de 280ng/dL a 880ng/dl. Desta forma, a concentração de
testosterona sanguínea do sr. Mário (260ng/dL) estaria baixa, o que poderia indicar uma
deficiência hormonal associada ao envelhecimento.
Outro ponto que vale ressaltar são as informações relacionadas à próstata contidas no
slide. Acreditamos que tais informações foram colocadas ali devido à discussão existente acerca
da relação entre a terapia de reposição hormonal com testosterona e o desenvolvimento de
câncer de próstata. Dentre as informações exibidas, achamos pertinente destacar as que se
referiam ao PSA (Prostate Specific Antigen ou Antígeno Específico da Próstata), que é uma
glicoproteína produzida, quase exclusivamente, pelas células epiteliais da próstata, mas também
existe no esperma, no sangue periférico e tem a função de tornar o esperma líquido. Através da
mensuração dos níveis de PSA no sangue se pode diferenciar a presença de uma situação de
aumento benigno da próstata ou de um câncer deste órgão.125
Após a exposição do slide contendo os resultados dos exames que o sr. Mário levou para
consulta com o urologista, foi feita a seguinte pergunta à platéia:
124 Podemos, aqui, remeter-nos ao trabalho já mencionado de Greene (2007), que discute o papel dos números
na construção de categorias diagnósticas na atualidade.
125 Apesar de ser um dos melhores marcadores tumorais existentes, o PSA não é específico, ou seja, seu
aumento não corresponde, necessariamente, à existência de um câncer de próstata. Outras situações podem
ser responsáveis pela sua elevação, por exemplo, a presença de prostatite (aguda ou crônica). Classicamente,
um valor de PSA acima de 4,0 ng/ml (nanograma por mililitro) era considerado suspeito, um inferior a 4,0
não precisaria de biópsia, superior a 10 era francamente suspeito e entre 4,0 e 10 se situava na chamada
“zona cinzenta”. Atualmente, existem outros métodos para melhorar a sensibilidade e especificidade desta
análise. A determinação da relação entre o PSA livre (PSAL), que circula livre no sangue e o PSA total
(PSAT), que corresponde à soma do PSA que circula no sangue ligado a proteínas, denominado PSA
complexado (PSAC), com o PSA livre) consiste em um desses métodos. A relação entre o PSAL e o PSAT
fornece mais informações acerca do risco da presença de um câncer de próstata. Quanto mais baixa é essa
relação, maior é o risco. Por exemplo, uma razão inferior a 15% (0,15) seria mais suspeita em relação à
presença de um câncer do que uma razão superior a 20 0u 25% (0,20 ou 0,25). Porém, aqui também não há
um valor consensual que permita uma delimitação fixa entre pacientes com mais ou menos suspeita de vir a
ter um câncer de próstata. Alguns autores consideram como padrão o valor 0,15, outros o valor de 0,20
(Disponível em: http://www.institutodaprostata.com . Acesso em: 14 jul. 2017).
110
Com este quadro clínico e dosagem de testosterona baixa você acha que o sr. Mário é
portador de DAEM?” Havia três opções de escolha para a resposta: 1- Sim; 2- “Não.
A testosterona baixa está relacionada ao seu quadro clínico”; 3- “Talvez. Preciso de
mais informações.
Foi solicitado que as pessoas da plateia levantassem as mãos, conforme o médico que
apresentava o caso fosse falando as alternativas. Observamos que a maioria das pessoas, no
caso, os homens (as poucas mulheres que ali estavam não se manifestaram nesse momento),
levantaram as mãos para a resposta número 1, ou seja, consideraram as informações suficientes
para diagnosticar o sr. Mário. Para elas se tratava de um caso de DAEM. Uma quantidade menor
de homens escolheu a número 3. Ninguém respondeu a número 2.
O apresentador seguiu, então, passando o próximo slide, cujo título era “O que você
faria?”, em que havia cinco alternativas para a plateia escolher. Ao analisá-las, verificamos que
a resposta mais adequada para pergunta anterior seria a de número 3: “Talvez. Preciso de mais
informações”. As cinco alternativas apresentadas foram:
1- Solicitaria nova dosagem de testosterona total;
2- Solicitaria nova dosagem de testosterona total e acrescentaria SHBG, TLC, LH,
prolactina, TSH?126
3- Diria ao paciente que é candidato a uma TRH, porém como sua próstata está
aumentada o tratamento está contraindicado até que se faça uma RTU127;
4- Pelos valores do PSA faria uma biópsia prostática e, caso negativa, iniciaria a
TRH;
5- Iniciaria de imediato a TRH.
A maioria dos presentes respondeu que iniciaria, imediatamente, a TRH com testosterona
(alternativa 5). Um número menor respondeu que solicitaria nova dosagem de testosterona total
e acrescentaria exames para outras substâncias. Um grupo bem pequeno respondeu que faria
uma biópsia da próstata antes de iniciar a TRH. É importante destacar, aqui, que muito
rapidamente e insistentemente apontaram a TRH como melhor solução para os problemas
enfrentados pelo sr. Mário.
O próximo slide mostrou os resultados dos novos exames feitos pelo sr Mário, indicando
que a resposta número 2 seria a mais adequada para a questão anterior:
126 Sexual hormone globuline ou globulina ligadora de hormônios (SHBG), hormônio luteinizante (LH),
hormônio estimulante da tireoide (TSH).
127 Ressecção transuretral de próstata. Procedimento cirúrgico usado para tratamento da hiperplasia prostática
benigna (HPB). Consiste na retirada, via uretral, da porção da próstata que bloqueia a uretra e o
esvaziamento da urina pela bexiga (http://www.uro.com.br. Acesso: 15 de julho de 2017).
111
Os novos exames sanguíneos mostraram uma testosterona total de 240 ng/dl (280-
880), SHBG de 83nmol/l (30-70) e TCL de 41pg/ml (60-312) e LH e prolactina
normais e novo PSAT 2.80, PSAL 0, 42, Rel: 0,15.
Você iniciaria neste momento uma TRH com testosterona para o sr. Mário?
1-Sim.
2- Não.
3- Não. Antes faria uma biópsia prostática.
Novamente, a grande maioria respondeu dizendo que iniciaria imediatamente a TRH. Um
grupo bem pequeno respondeu que, antes de começar o tratamento, faria uma biópsia prostática.
Podemos notar que, nesses novos exames, tanto a concentração sérica de testosterona (passou
de 260ng/dL para 240ng/dL), quanto a relação entre PSAT e PSAL (foi de 0.18 para 0.15)
diminuíram.
Aqui, o apresentador fala que o sr. Mário começou a namorar a secretaria Karla, e aparece
a foto dela. Mas, ele continuava com problemas de ereção, apesar de ter iniciado a TRH com
testosterona. Ou seja, Karla aparece (jovem, branca, muito bonita e sua secretária) para indicar
que a questão relacional não era relevante.
A apresentação seguiu com o seguinte slide:
O que você faria agora?
1-Manteria a TRT e aguardaria mais 3 meses para avaliar a evolução clínica e os níveis
de PSA.
2- Manteria a TRH e associaria uma droga iPDES para tratar a disfunção erétil.
3- Manteria a TRH e associaria um alfa-bloqueador.
4- Manteria a TRT e proporia iniciar tratamento com droga intracavernosa pois o sr.
Mário já havia utilizado anteriormente iPDE5 sem resultado.
5- Interromperia a TRH e solicitaria novo PSA total e livre após 60 dias.
6- Interromperia a TRH e faria uma biópsia prostática.
Ao pensarmos nas alternativas acima, parece que iniciar a TRH com testosterona seria a
resposta mais adequada para a pergunta do slide que questionava a pertinência do início desse
tratamento, já que, agora, só se apresentam duas possibilidades: manter ou interromper a TRH.
Similarmente ao que ocorreu com o sr. Mário, uma foto de Karla foi colocada em um dos
slides. No entanto, era uma foto maior, na qual era possível observar, de forma mais clara, sua
aparência. O namoro de um homem de 63 anos com uma moça bonita, bem mais nova do que
ele e sua secretaria, evidencia a ideia de uma velhice não mais associada à decadência, mas sim
ao prolongamento da juventude e do vigor sexual, ainda que por meios artificiais. Evidencia,
também, a noção tradicional numa sociedade machista, segundo a qual o sonho de todos os
homens de certa idade é conseguir encontrar / namorar uma moça mais jovem, de preferência
bonita, bem-feita de corpo, com pele e cabelos bem tratados e dentes impecáveis.
112
Além disso, demonstra que o problema do sr. Mário não é relacional, ou seja, não tem
relação com Karla. Certamente, a posição subordinada dela, somada à sua juventude e aos seus
atributos físicos, mexe com o imaginário em torno do que deseja um homem de 63, jogando
com estereótipos da masculinidade e da velhice. Desta forma, tornou-se evidente que o
problema do sr. Mário era fisiológico, pois nem o fato de estar namorando uma mulher como a
Karla pôde resolvê-lo.
Nesse momento, duas questões emergiram numa interação entre o apresentador e a plateia:
a relação entre câncer de próstata e TRH com testosterona e o problema de disfunção erétil do
sr. Mário. Além disso, a apresentação passa a ter um novo ritmo, com a plateia se manifestando
verbalmente.
Quanto à relação da TRH com testosterona e o desenvolvimento de câncer de próstata, o
apresentador perguntou se havia alguém na plateia que tratou, ou estava tratando, paciente que
desenvolveu a doença após iniciar tratamento com reposição hormonal. Vários médicos
levantaram as mãos. O apresentador, então, disse que eles poderiam contar no microfone essa
experiência. Dois médicos, urologistas, aceitaram. Outros médicos se manifestaram de forma
verbal, sem o uso do microfone. O que observamos, para nosso espanto, foi certa minimização
dos perigos à saúde do homem associados ao câncer de próstata. Junto a isso, ocorreu também
a defesa da terapia de reposição hormonal com testosterona como algo tão “bom” para a saúde,
o bem-estar e a felicidade do homem, que valeria a pena enfrentar até um câncer, ou seja, os
benefícios atrelados ao uso da testosterona seriam muito maiores quando comparados aos
possíveis problemas trazidos pela doença.
O primeiro urologista disse que um paciente seu começou o tratamento de reposição
hormonal com testosterona e, depois de um período, desenvolveu câncer de próstata. Após a
detecção do tumor maligno, o médico teria suspendido a TRH do paciente, que começou a ser
tratado do câncer. Após esse tratamento, o médico contou que o próprio paciente voltou ao seu
consultório, pedindo pra reiniciar a TRH com testosterona. Ele completou dizendo que, se o
câncer for tratado, não há problema em voltar a fazer uso de testosterona, porque o mais
importante seria o bem-estar e a qualidade de vida dos seus pacientes. O que não poderia ser
feito, segundo ele, é iniciar a TRH estando o paciente com câncer de próstata ou continuar a
reposição hormonal após a detecção do tumor maligno, pois causaria sérios danos à saúde do
paciente.
Desta forma, parece que a deficiência, a baixa de testosterona no corpo masculino foi
vista como algo tão prejudicial, não só à saúde do homem, mas também à sua própria felicidade,
que, quando comparada a um câncer, acabou diminuindo a gravidade deste. Inclusive,
113
observamos que, em outras apresentações sobre declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento e TRH com testosterona, realizadas no XVI Congresso Internacional de
Medicina Sexual, falou-se da não-existência de associação entre TRH com testosterona e câncer
de próstata, o que foi bastante curioso, pois há diversas pesquisas que confirmam tal questão.
O argumento dos que defendiam a não-conexão entre reposição hormonal e câncer de próstata
se baseava na existência de estudos mais recentes, que “desmentiriam” os estudos anteriores.
No entanto, esses trabalhos mais recentes foram apenas citados, ou abordados rapidamente nas
apresentações.
A fala do segundo urologista nos causou um espanto ainda maior, porque a questão que o
preocupava se resumia ao receio de ser processado por pacientes que desenvolveram câncer de
próstata após início do tratamento com testosterona. Isso só seria possível, segundo ele, por
causa das bulas, nas quais o risco de desenvolvimento de câncer de próstata associado à TRH
com testosterona está descrito. Tal médico chegou até mesmo a criticar as empresas
farmacêuticas por colocarem essas informações disponíveis para os leigos.
Após esse debate envolvendo câncer de próstata e TRH com testosterona, o apresentador
chamou a atenção das pessoas para que voltassem aos slides do caso clínico, mas, a partir desse
momento, acabaria a dinâmica caracterizada pela participação da plateia, informando ao
apresentador as opções escolhidas para cada pergunta feita a ela. Além disso, os slides passaram
a ser mostrados rapidamente, o que acabou com a possibilidade de fotografá-los
sequencialmente. Desta forma, achamos melhor seguir apontando as principais questões
discutidas no tempo restante de apresentação do caso clínico.
Quanto à persistência da disfunção erétil do sr. Mário, apesar de já ter sido iniciada a TRH
com testosterona e o namoro com Karla, acreditamos ser importante apontar a discussão sobre
uma suposta conexão existente entre estilo de vida e concentração de testosterona corporal.
Uma das hipóteses levantadas para justificar a persistência da disfunção erétil do sr. Mário foi
seu estilo de vida, provavelmente, não saudável, ou seja, para se ver “livre” de suas queixas e
ter “qualidade de vida”, o paciente precisaria começar a fazer exercícios, a se alimentar de
maneira mais saudável, ter mais tempo para o lazer, deixar hábitos nocivos como fumar ou
beber em excesso, por exemplo.
A ausência de mudança no estilo de vida poderia, então, ter interferido no êxito do
tratamento medicamentoso. Foi mencionado, inclusive, que a concentração de testosterona
sanguínea pode aumentar caso o homem passe a adquirir hábitos saudáveis no seu cotidiano.
Ao serem questionados sobre a possibilidade de aumento da concentração de testosterona
corporal apenas com a mudança de estilo de vida, isto é, sem a necessidade de um tratamento
114
medicamentoso, um dos médicos participantes da mesa que compunha esse estudo de caso
argumentou dizendo que tal processo é demorado, e os homens que procuram ajuda médica
com queixas semelhantes querem resultados rápidos.
Por fim, ao continuar com a TRH com testosterona e ao seguir todas as recomendações
médicas, as queixas do sr. Mário desapareceram. Ele, então, pôde retomar sua vida, ser
produtivo, feliz, e ter uma vida sexual ativa namorando Karla. Assim, confirmou-se que o
problema de saúde do sr. Mário era mesmo o DAEM.
É preciso apontar, aqui, que o fato de o sr. Mário ter começado a namorar sua secretária,
uma moça bem mais jovem do que ele, levou a maioria dos homens presentes ao riso. Notamos,
inclusive, que as poucas mulheres ali ficaram muito constrangidas nesse momento.
Curiosamente, durante a apresentação seguinte (simpósio SBRASH128), um dos palestrantes129,
visivelmente irritado com o acontecido, comentou sobre o que foi, segundo ele, um absurdo,
algo inadmissível em um congresso internacional, enfatizando que um homem começar a
namorar sua secretária é um caso de assédio, algo muito grave. Completou dizendo estar
indignado com a postura dos médicos participantes da mesa que constituiu o caso clínico e com
a atitude condescendente da plateia. Após alguns segundos de silêncio, ele começou sua
apresentação.
3.2.3.2 Terapia de reposição de testosterona no Brasil: como adaptar os diferentes tratamentos
disponíveis
Apresentação que fez parte do Simpósio ABEIS130, ocorrido durante o primeiro dia de
congresso, de 13:30 às 14:30hs, tendo como mediador o urologista Leonardo Eiras Messina.
Além desta, mais duas apresentações foram feitas nesse intervalo de tempo, cujos títulos foram:
- Premature ejaculation: improving adherence to treatment (palestrante Diogo R. Mendes,
urologista- Brasil)
128 Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana.
129 Jorge José Serapião, médico, psicólogo, doutor em Sexologia, professor da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ (Instituto de Ginecologia) (http://cienciaparaeducacao.org. Acesso: 15 de julho de 2017). 130 Associação Brasileira para o Estudo da Inadequação Sexual.
115
- Female sexuality: efficient pharmacological treatment to stimulate women’s sexual life?
(palestrante José Carlos Riechelmann, ginecologista- Brasil)
Como os objetivos da pesquisa giram em torno de questões sobre a TRH com testosterona
relacionada ao envelhecimento masculino, optamos focar nosso estudo apenas na primeira
palestra do simpósio, em que se discutiu diferentes tratamentos de reposição hormonal com
testosterona. O médico palestrante foi João Luiz Schiavini.
A palestra
Schiavini iniciou sua apresentação falando sobre “eugonadismo” masculino, que definiu
como o estado no qual o funcionamento das gônodas131 é “normal”, garantindo que o hormônio
testosterona132 esteja em níveis fisiológicos, ou seja, em concentrações consideradas “normais”.
Por meio de um esquema e dois gráficos, Schiavini demonstrou como se dá o controle, a
produção e a liberação de testosterona no corpo do homem, desde a estimulação de sua
produção por hormônios secretados pela hipófise133 até sua secreção pelos testículos134.
Em seguida, apontou os efeitos da testosterona no corpo masculino: manutenção da libido
e função erétil, aumento da massa e força muscular, mineralização óssea, eritropoiese135,
manutenção masculina de implante de cabelo, formação de espermatozóides
(espermatogênese). A testosterona também teria efeito na área comportamental, sendo
131 Segundo Costanzo (2014), as gônadas são glândulas endócrinas responsáveis por assegurar o
desenvolvimento e a maturação das células germinativas masculinas (espermatozoides) e femininas (óvulo).
As gônadas masculinas (testículos) têm a função de garantir o desenvolvimento e a maturação dos
espermatozoides, bem como a síntese e secreção do hormônio testosterona. Já as gônadas femininas
(ovários), garantem o desenvolvimento e a maturação do óvulo, assim como a síntese e excreção dos
hormônios estrógeno e progesterona.
132 Vale ressaltar que, similarmente às outras apresentações, o hormônio testosterona foi tratado como “o
hormônio masculino”, mesmo estando presente também no corpo feminino, ainda que em menor quantidade.
133 Glândula situada na base do cérebro, que tem papel na regulação de outras glândulas, como a adrenal, a
tireoide, os testículos e os ovários. Produz a prolactina, hormônio importante na amamentação e o hormônio
do crescimento (GH). Secreta o hormônio antidiurético e a ocitocina, hormônio atuante no trabalho de parto
(Disponível em: https://hospitalsiriolibanes.org.br. Acesso em: 17 jul. 2017).
134 A testosterona também é secretada, em menor quantidade, pelas suprarrenais, glândulas situadas acima dos
rins. No entanto, tal informação não foi mencionada na apresentação.
135 Processo de produção de eritrócitos, também denominados hemácias.
116
responsável pela motivação e pelo bom humor do homem, por exemplo.136 Dentre as 7 ações
da testosterona apontadas no slide, apenas 2 não têm relação direta com características ou
comportamentos considerados pertencentes ao sexo masculino: mineralização óssea e
eritropoiese.
Em relação ao efeito da testosterona no comportamento masculino, podemos pensar na
característica motivação, citada como exemplo no slide, ligada à ideia de instrumentalidade
discutida por Formiga e Camino (2001) ao apontarem que pesquisas sobre masculinidade e
feminilidade têm problematizado a atribuição, desde os aspectos de gênero até os traços de
personalidade, de uma instrumentalidade ao homem (assertividade, independência, etc) e uma
expressividade à mulher (simpatia, carinho, etc).
Desta forma, podemos interpretar essa “motivação” masculina como uma qualidade ligada
à proatividade, à capacidade do homem de tomar decisões, de assumir as “rédeas” de sua vida
com confiança. Em contraste com esse perfil, estaria o da mulher, marcado por características
como passividade e amabilidade.
No slide em questão, ao lado da descrição dos efeitos da testosterona no corpo masculino,
havia a imagem de um homem, representada por uma escultura, na qual eram apontadas as
ações da testosterona em cada parte do corpo masculino, ou seja, além da concepção de atuação
da testosterona no corpo como um todo (ideia de corpo hormonal), podemos notar também a
visão de que tal hormônio age, especificamente, nos órgãos.
Em seguida, Schiavini começou a falar sobre a relação existente entre o ritmo
cicardiano137 da testosterona total e a idade. De acordo com ele, a concentração de testosterona
total no corpo de um homem jovem sofre flutuação durante o dia (ritmo cicardiano). Com o
avançar da idade, além da diminuição da produção da testoterona, ocorre também um aumento
de proteínas sanguíneas transportadoras que se ligam à testosterona, “bloqueando” o hormônio,
ou seja, impedindo que ele fique livre na corrente sanguínea para exercer sua ação biológica.
Assim, a flutuação da concentração de testosterona total (soma da concentração de testosterona
136 Aqui, podemos pensar nos trabalhos já mencionados de Rohden (2008) e Oudshoorn (1994), que discutem a
ideia de um modelo de corpo hormonal, presente tanto nos discursos médicos quanto nos leigos, em que os
hormônios são responsáveis pelo desenvolvimento de características e comportamentos diferenciadores dos
sexos.
137 Ritmo circadiano ou ciclo circadiano consiste no período sobre o qual é baseado o ciclo biológico de quase
todos os seres vivos. Dura, aproximadamente, 24 horas e sofre influência, principalmente, da variação da luz,
temperatura, marés e ventos entre o dia e a noite. O ritmo circadiano influenciaria, por exemplo, a digestão
ou o estado de vigília e sono, a renovação das células e o controle da temperatura do organismo (Disponível
em: http://dicionarioportugues.org/. Acesso em: 05 ago. 2017).
117
livre mais a concentração de testosterona ligada às proteínas) no sangue do homem idoso
diminuiria com o passar dos anos. Sobre essa questão, Schiavini foi enfático: “O ritmo
cicardiano da testosterona total se perde no homem idoso”.
No slide seguinte, foram apresentados sinais e sintomas da deficiência de testosterona. É
interessante notar que aparecem alguns sintomas da menopausa e ,claro, também relacionados
a sinais da velhice:
a) Comprometimento sexual (diminuição da libido e disfunção erétil);
b) Aumento da gordura corporal (obesidade visceral, síndrome metabólica);
c) Perda da massa muscular (diminuição da força muscular, dores musculares e
articulares);
d) Perda da massa óssea (dor lombar, perda da altura, fraturas);
e) Sintomas vegetativos (fogachos, palpitações);
f) Diminuição do bem-estar (depressão, falta de iniciativa, dificuldade de
concentração);
g) Diminuição de pêlos (diminuição da barba, pelos axilares e corporais);
h) Anemia (fadiga crônica, perda de energia).
O próximo assunto abordado por Schiavini foi a TRH com testosterona no Brasil. No
primeiro slide referente a essa questão, estava escrito que o papel verdadeiro da TRH com
testosterona seria tornar o estado hipogonádico em eugonádico e evitar picos suprafisiológicos.
Também havia um gráfico, oriundo de um estudo138, em que se demosntrava a relação entre
níveis suprafisiológicos de testosterona e risco cardiovascular. Mais uma vez, vemos aqui a
ideia da passagem de um estado de deficiência, o “hipogonádico” para um de “normalidade”, o
“eugonádico” com o uso da testosterona.
O slide seguinte enumerava as opções de TRH com testosterona no Brasil: clomifeno139,
ésteres de testosterona parenterais, undecanoato de testosterona oral, gel de testosterona
(manipulado), undecilato de testosterona parenteral, testosterona solução hidroalcoólica axilar.
Em seguida, Schiavini explicou as características de cada uma delas.
O próximo assunto abordado por Schiavini foi o que ele chamou de “situações especiais”
envolvendo o tratamento hormonal com testosterona. Tais situações foram o câncer de próstata,
a hiperplasia prostática, a apnéia do sono e a poliglobulia. Em relação ao câncer, ele argumentou
que só se deve iniciar uma TRH após o tratamento de pacientes diagnosticados com essa doença
138 Blouin K. et al. J. Steroid Biochem Mol Biol, 2008; 108: 272. Essa referência foi copiada exatamente como
estava no slide.
139 Citrato de clomifeno é um medicamento utilizado no tratamento da infertilidade feminina decorrente da
anovulação (Disponível em: http://www.medicinanet.com.br. Acesso em: 06 ago. 2017). No corpo
masculino, atuaria, segundo alguns médicos, estimulando os níveis de testosterona sanguínea (Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 20 mar. 2018.
118
e com o resultado do NADIR do PSA, que é o menor PSA medido após o tratamento de câncer.
Caso o PSA se eleve após o início da TRH, esta deve ser suspensa e o paciente encaminhado
para tratamento, novamente. Após mais essa intervenção médica, e com novo resultado do
NADIR do PSA, a TRH com testosterona pode ser reiniciada. Segundo ele, só não se pode
iniciar a TRH se houver evidências de metástase.
Quanto à hiperplasia prostática, Schiavini afirmou que não há possibilidade de piora com
a TRH, mas que ela deve ser tratada antes do início da reposição hormonal. A mesma
recomendação foi feita em relação à apnéia do sono. A poliglobulia, segundo Schiavini, é mais
comum na TRH injetável e deve ser tratada com sangrias crônicas (repetidas a cada 3 meses).
Por fim, Shiavini encerrou sua apresentação dizendo que é objetivo dos urologistas fazer
com que o homem volte “a apreciar as coisas boas da vida”. Logo depois dessa fala, ele passou
um slide que provocou risos na maior parte da platéia, constituída por homens, provavelmente
urologistas, e indignação em uma parte bem menor, composta por mulheres. Foi a imagem dos
glúteos de uma mulher, totalmente descobertos e em movimento. Acima dessa imagem estava
escrito “Resultado esperado: retorno do paciente à normalidade” (Figura 4).
119
Figura 4. Slide ‘Resultado esperado: retorno do paciente à normalidade’, Congresso
Internacional de Medicina Sexual, 2014
Fonte: A autora, 2018
120
3.2.4 Comentários finais
No XVI Congresso Internacional de Medicina Sexual, foram observadas características
que remetem a uma visão mais abrangente sobre congressos científicos. De acordo com tal
visão, eventos científicos não são centrados unicamente em torno do debate médico-científico,
mas também ligados, direta ou indiretamente, a possibilidades de lazer e descanso, bem como
de se conhecer novos lugares e novas pessoas. Isso amplia redes de amizade e/ou parcerias, ou
seja, contribui para uma melhor socialização profissional dos participantes (GIAMI, 2009b).
Dentre as ativividades de socialização, lazer e/ou descanso promovidas em determinados
espaços do congresso, destacamos o oferecimento de coffee breaks e lunch breaks140. O espaço
utilizado para os coffee breaks foi o mesmo salão em que estavam os estandes de empresas
produtoras de medicamentos e materias médicos. Já os lunch breaks foram oferecidos em outros
salões disponíveis do hotel.
Além disso, houve um jantar patrocinado pela empresa farmacêutica Besins Healthcare,
que estava divulgando o lançamento do medicamento Androgel®, no Brasil, e um café da
manhã patrocinado pela empresa farmacêutica Pfizer, em comemoração aos 15 anos de
lançamento do primeiro tratamento oral para disfunção erétil, o Viagra ®. O jantar ocorreu fora
do Hotel Transamérica141, porém foi disponibilizado um ônibus ,saindo de lá, para transportar
os participantes do congresso até o local do jantar e trazê-los de volta ao hotel, posteriormente.
Já o café da manhã aconteceu no mesmo local do congresso.
Consideramos importante destacar que, no jantar promovido pela Besins Healthcare,
houve duas palestras, intituladas “LOH latest update” e “Transdermal TRT: Androgel precision
simplified for you and your patient”, ministradas, respectivamente, pelo médico
endodrinologista Ricardo Meirelles142 e pelo urologista Ernani Rhoden que, tanto nesse
congresso quanto no de urologia, pareceu ocupar posições de destaque nas mesas de discussão.
140 Consta, no programa oficial do congresso, que foram oferecidos coffee breaks e lunch breaks todos os dias
do congresso. No primeiro, foi oferecido almoço em um dos salões do hotel, mas não gratuitamente,
conforme ocorreu no segundo dia. Já no terceiro, o almoço foi substituído por um kit lanche, contendo dois
sanduíches e uma fruta.
141 O evento ocorreu no Blue Tree Verbo Divino, hotel luxuoso localizado no bairro Itaim Bibi, em São Paulo.
142 Presidente da Comissão de Comunicação Social, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
(SBEM) (Disponível em: https://www.linkedin.com. Acesso em: 22 mar de 2018).
121
O jantar e o café da manhã foram oferecidos a todos os participantes, independente de
serem prescritores ou não. Curioso, inclusive, esse fato, já que os dois eventos faziam parte da
programação “Simpósios da Indústria”, sessões organizadas pelas empresas farmacêuticas com
objetivos específicos de divulgação (AZIZE, 2010a).
Talvez, o que mais ilustrou a questão de se agregar lazer e divertimento a um evento
científico, nesse caso a um congresso internacional de medicina sexual, foi a presença de uma
escola de samba, no dia do encerramento do evento (Figura 5). Essa escola interagiu com o
público em diferentes espaços do congresso, inclusive na área reservada aos estandes de
empresas farmacêuticas e de materiais médicos.
Sabemos que, em grande parte dos congressos médico-científicos, há estandes de
empresas que oferecem café e/ou lanches, distribuem brindes ou dispõem de algum instrumento
mais criativo para chamar atenção do público, como jogos interativos. Ao ganhar um brinde,
tomar um café ou participar de um jogo, o congressista está, direta ou indiretamente, sendo
informado sobre o medicamento divulgado naquele estante. Porém, no caso da escola de samba,
podemos pensar em questões mais abrangentes, inseridas no campo das representações de
gênero, principalmente, porque esse não foi um incidente isolado. Observamos vários outros
pontos relacionados a essa questão durante a realização do congresso.
122
Figura 5. Apresentação de escola de samba durante encerramento de evento, Congresso
Internacional de Medicina Sexual, 2014
Fonte: A autora, 2018
Podemos pensar, assim, na exposição do corpo feminino, com pouca roupa, dançando
entre estandes que, nos dias do evento, foram locais “separados” para divulgação de
“informações científicas” e momentos de socialização profissional, como um dos momentos de
objetificação do corpo feminino ocorridos no congresso. Ligada a essa exposição, estaria o
machismo, percebido em comentários deselegantes, piadas e imagens vulgares, inclusive
durante as próprias palestras ditas científicas. O slide final de uma das palestras descritas neste
trabalho, contendo a imagem dos glúteos de uma mulher, totalmente descobertos, em
movimento, e a reação da maioria da plateia, constituída por homens, que começou a rir diante
daquela imagem, consiste, em nossa opinião, na ilustração mais evidente do machismo explícito
do evento.
Além disso, identificamos concepções do senso comum, estereótipos sexuais e de
gênero na construção de argumentos considerados científicos apresentados no evento. Um
exemplo disso foi a definição da mulher como um ser emotivo, possuidor de uma sexualidade
123
subjetiva, psicológica e dependente do estímulo do parceiro, no caso, o homem. Em
contrapartida, o homem teria uma sexualidade mais “biológica”, “independente” de estímulos
externos. Esse argumento serviu de base para a promoção e a divulgação de tratamentos vistos
como “mais adequados” e “mais eficientes” em relação a problemas sexuais masculinos e
femininos.
Voltando à exposição do corpo feminino, houve uma palestra, durante a qual fizeram
uma retrospectiva das cidades que receberam o evento ao longo dos anos. Ao mencionar a
cidade do Rio de Janeiro, o orador disse que apenas se lembrava de uma festa qual tinha
participado. Nesse momento, aparecia um slide com mulheres de biquini, numa praia. E, mais
uma vez, a plateia reagiu rindo. É importante destacar que, em todas as outras cidades
mostradas, as imagens e os comentários que as acompanhavam se referiam às questões
discutidas nos congressos, aos seus pontos turísticos e aos participantes de destaque presentes
em cada evento.
Outro ponto observado foi a diferença de apresentação do corpo masculino, quando
comparada com a do corpo feminino. Além de este ter sido muito mais exposto, as imagens
que representavam tanto o corpo inteiro quanto suas partes fragmentadas, consistiam em
fotografias “reais”. Já o corpo masculino, quando mostrado, foi, quase exclusivamente, por
meio de desenhos ou bonecos (Figura 6). Até mesmo nos estandes que promoviam próteses
penianas e tratamentos para a disfunção erétil, optou-se pelo desenho da genitália masculina.
124
Figura 6. Estande promocional de aparelho (shockwave) para tratamento de
disfunção erétil, Congresso Internacional de Medicina Sexual, 2014
Fonte: A autora, 2018
O estande da empresa farmacêutica Pfizer, produtora de medicamento para disfunção
erétil, continha uma imagem que também pode ser analisada pela perspectiva de gênero. Nela,
havia uma mulher muito bonita, loira, jovem e magra apontando para o número 4, referência ao
grau 4 de rigidez peniana (em que o pênis estaria completamente rígido), critério pelo qual a
biomedicina se baseia para avaliação do diagnóstico de disfunção erétil (GIAMI, 2009a)143.
Uma escada ligava a tal mulher à figura de um homem, representado por uma miniatura, que
olhava para cima, almejando alcançar aquela mulher (Figura 7).
143 Segundo Giami (2009a), o lançamento do citrato de sildenafila (Viagra®), em 1998, representa um divisor de
águas no tratamento da impotência sexual masculina. Até o final da década de 1990, os tratamentos médicos
disponíveis para esse problema (por exemplo, injeções no pênis antes do intercurso ou implantes penianos)
eram considerados invasivos. Com o Viagra, abre-se o caminho de acesso a um tratamento não-invasivo e de
fácil administração. Além disso, ocorre a consolidação do processo de definição da "disfunção erétil" (DE)
como um fenômeno fisiológico, com a ampliação gradual desse conceito, já que os novos critérios se baseiam
na avaliação do grau de rigidez da ereção (GIAMI, 2009a). Isso contribuiu para expansão do mercado
consumidor e para uma série de reconfigurações da sexualidade masculina e da masculinidade (FARO et al.,
2013).
125
Podemos pensar, aqui, na questão da mulher vista como uma espécie de “prêmio” para o
homem que, ao perceber um problema de ereção, busca o tratamento adequado, e consegue
chegar ao “topo”, ou seja, ao nível 4 de ereção. No topo, o “vencedor” conquista, então, a
mulher tão desejada, que é o estereótipo da “mulher dos sonhos” de um homem: linda, magra,
loira e jovem. Além disso, é possível notar, assim como observamos na análise do caso clínico
do sr. Mário, que a sexualidade do homem é restrita à fisiologia de um órgão. Basta estar com
o pênis “completamente” rígido para ser capaz de conquistar a mulher que se deseja.
126
Figura 7. Imagem publicitária de estande da Pfizer, Congresso Internacional de Medicina
Sexual, 2014
Fonte: A autora, 2018
Pensar nas diferentes perspectivas de abordagem da sexualidade masculina e feminina
observadas nesse congresso científico, remete-nos ao já mencionado trabalho de Giami (2007),
que discute a permanência de representações tradicionais de gênero na Sexologia144 ,
juntamente com as mudanças surgidas nesse campo, relacionadas ao desenvolvimento de novos
diagnósticos e tratamentos médicos das disfunções sexuais.
Segundo o autor, pesquisas médico-científicas recentes sobre a função sexual, consideradas
representativas de um “avanço científico inovador”, reforçam representações tradicionais da
144 Segundo Russo et al. (2011), pesquisas apontam que, nas últimas décadas do século XIX, houve uma
explosão de debates em torno da sexualidade. O surgimento da Sexologia, ciência da sexualidade, teria feito
parte de tal explosão. No entanto, o termo “sexologia” não seria um consenso dentro do campo. Haveria uma
tendência atual de utilização dos termos “sexualidade humana”, “saúde sexual” ou “medicina sexual”, o que
indica um cenário de disputas e tensões no território em questão (RUSSO et. al, 2009).
127
sexualidade masculina e feminina, apoiadas na visão dicotômica da sexualidade, ou seja, da
natureza biológica da sexualidade masculina e da natureza espiritual da sexualidade feminina:
Inscrita na natureza biológica e irreprimível da necessidade sexual, a função sexual
masculina será caracterizada pela centralidade do pênis (um órgão) e pela
simplicidade do seu funcionamento. Inversamente, as pesquisas sobre a função sexual
da mulher, fundadas em parte sobre abordagens organicistas - certamente ainda
balbuciantes - enfatizam as representações tradicionais da sexualidade feminina, que
atribuem lugar central às dimensões psicológica, emocional e relacional, e à fraqueza
de intensidade dos desejos e da excitação sexual. (GIAMI, 2007, p. 302)
Desta forma, as noções “inovadoras” da função sexual masculina consistiriam em “um
aggionarmento e um reforço das concepções tradicionais da sexualidade masculina, sob a forma
de uma ancoragem à biologia e à fisiologia.” (GIAMI, 2007, p. 302). A função sexual
masculina, marcada pela “biológica” e “irreprimível” necessidade sexual, seria caracterizada
pela centralidade do pênis, bem como pela simplicidade de seu funcionamento. De maneira
inversa, quando tratam da função sexual da mulher, pesquisas ancoradas em abordagens
organicistas enfatizariam representações tradicionais da sexualidade feminina, destacando as
dimensões psicológica, emocional e relacional, bem como a baixa de intensidade dos desejos e
da excitação sexual da mulher (GIAMI, 2007).
O autor procura mostrar como novas concepções sobre a função sexual permanecem
intrincadas ao que ele denomina de “script cultural tradicional”. Tal script, além de diferenciar,
também coloca a sexualidade masculina e a feminina em oposição. Desta forma, a crescente
promoção (e divulgação) de novos diagnósticos e tratamentos médicos, no campo da
sexualidade e envelhecimento masculinos, parece desempenhar papel fundamental no processo
de (re)afirmação e consolidação de uma visão tradicional da dicotomia sexual.
Ao se privilegiar a ideia de uma função sexual masculina orgânica e fisiológica− vista
como independente do contexto social, relacional e emocional (GIAMI, 2007), sendo passível
de intervenções corporais−contribui-se para a formação de um mercado consumidor de
tecnologias biomédicas variadas e serviços profissionais voltados para o tratamento de "novas"
categorias diagnósticas (FARO et al., 2013). A promoção da terapia de reposição hormonal
com testosterona como tratamento para o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento consiste em um exemplo desse fenômeno.
Podemos questionar, então, a partir desta interpretação, a postura de “autonomia” e
“neutralidade” que caracteriza o discurso médico-científico em relação às categorias do senso
128
comum, às ideologias e aos valores de cada época. Esse questionamento é muito importante,
por exemplo, ao se analisar a promoção e divulgação de “novos” diagnósticos e tratamentos
médicos.
3.3 XXXV Congresso Brasileiro de Urologia
3.3.1 Apresentando o congresso
3..3.1.1 Informações iniciais
O evento foi realizado na cidade do Rio de Janeiro, de 31 de outubro a 4 de novembro de
2015, no Centro de Convenções Sul América. A mensagem do presidente da Sociedade
Brasileira de Urologia (SBU), Carlos Corradi145, contida na primeira página do programa
científico, destacou a presença de renomados convidados nacionais e internacionais, que
trariam as mais recentes “novidades e avanços” no campo de pesquisa, ensino e prática clínica.
Isso ocorreria por meio de tutoriais, cursos e uma plenária de “alto nível científico”. Além
disso, segundo a mensagem, haveria uma parte social “diversificada”, com várias atrações, o
que ofereceria uma oportunidade de “congraçamento” e “ótimos momentos de lazer para
urologistas e seus acompanhantes de todo o Brasil”146.
Já a mensagem do presidente da Comissão Científica, Francisco Horta Bretas, na página
seguinte, começou descrevendo a “boa medicina”, feita pela união de “bons profissionais
médicos, bem treinados no que fazem, embasados por propedêutica bem realizada e confiável,
e praticada em bons hospitais e clínicas, com suporte técnico adequado e pessoal de apoio
competente.”
145 Médico urologista. Chefe do Serviço de Nefrologia e Urologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Professor
do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
(Disponível em: http://lattes.cnpq.br/. Acesso em: 13 de mar. de 2018).
146 Similarmente ao que foi feito em relação ao Congresso Internacional de Medicina Sexual, tentamos acessar o
site do evento várias vezes após o congresso, mas a página se encontrava sempre fora do ar.
129
Um bom congresso médico, segundo ele, seria o que conta com três pilares: com um
programa científico que privilegie a informação e a discussão construtiva e atualizada dos
assuntos; com um time de organização ímpar, que age em sintonia e focado em seus objetivos
e com o apoio das indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos. Bretas finalizou a
mensagem agradecendo às entidades AUA, EAU, ISSM, SIU147, à equipe de RV148 e,
especialmente, à indústria como um todo, frisando que, sem ela, nada daquilo seria possível.
Notamos, em tais mensagens, uma exaltação à cientificidade, expertise médica e tecnologia
e a ideia da indústria farmacêutica como agente participante do universo médico, ou seja,
propagadora de avanços científicos e tecnológicos que visam o benefício das sociedades. A
parceria da classe médica com a indústria além de declarada sem o menor problema, foi
apontada como fundamental para a realização do evento. Outro ponto que vale ressaltar é a
menção a uma “parte social” do congresso, separada da “parte científica”. A organização dessa
parte social ficou a cargo da comissão social feminina, ou seja, contou apenas com a
participação de mulheres e promoveu atividades voltadas para o público feminino. Talvez, com
o intuito de promover uma programação direcionada às acompanhantes dos médicos
urologistas.
Tal programação contou com palestras intituladas “Sempre linda” e “A vida que vale a pena
ser vivida”, ministradas pela apresentadora de TV Solange Frazão e pelo jornalista Clóvis de
Barros Filho, respectivamente, e com um bingo interativo, no hotel Windsor Atlântica149. Além
disso, houve uma manhã de exercícios físicos em frente a esse hotel, na praia de Copacabana,
e um chá da tarde na Confeitaria Colombo, localizada no centro do Rio.
Percebemos outra questão interessante, aqui. A separação entre a programação social e
científica não se restringiu apenas a uma questão de abordagem de temas diferenciados no
congresso ou a uma brecha na programação para o lazer e interação social dos participantes, ela
consistiu em uma separação feita no nível físico, estrutural do evento150. Isso foi diferente do
que aconteceu no Congresso Internacional de Medicina Sexual, por exemplo, em que houve, a
147 American Urological Association, European Association of Urology, International Society for Sexual
Medicine, Société Internationale d'Urologie.
148 Empresa promotora de eventos ( http://rvmais.com.br. Acesso: 14 de março de 2018).
149 Hotel 5 estrelas, localizado no bairro de Copacabana.
150 As exceções foram o coquetel de abertura e as palestras de entretenimento ministradas por Arnaldo Jabor e o
comediante Rafael Infante, que ocorreram no próprio centro de convenções. A festa de encerramento do
congresso ocorreu no Pier Mauá, um dos pontos turísticos do Rio de Janeiro.
130
apresentação de uma escola de samba entre os estandes de empresas expositoras, como já
comentado.
3.3.1.2 Organizadores151
Comissão Organizadora Local152
Presidente: André Guilherme L. da Cavalcanti
Membros: Alfredo Felix Canalini
Fernando Pires Vaz
José Cocisfran Alves Milfont
Marco Antonio Quesada Ribeiro Fortes
Paulo Roberto Magalhaes Bastos
Rogério de Moraes Mattos
Ronaldo Damião
Samuel Dekermacher
Comissão Científica
- Presidente: Francisco F. Horta Bretas
- Membros: André Guilherme L. da Cavalcanti
Antônio de Moraes Junior
Anuar Ibrahim Mitre
Carlos Alberto Bezerra
Cristiano Mendes Gomes
Fernando Pires Vaz
José Calos Cezas I. Truzzi
José Carlos de Almeida
151 Devido ao grande número de participantes de cada comissão desse congresso, optamos por colocar, aqui,
apenas os membros da comissão organizadora local e da comissão científica.
152 Informações sobre cada membro dessas comissões estão localizadas no apêndice C.
131
Lucas Mendes Nogueira
Marcus Vinicius Sadi
Márcio Augusto Averbeck
Reginaldo Martello
Ronaldo Damião
Samuel Dekermacher
Ubirajara de Oliveira Barroso Junior
Ubirajara Ferreira
Wilson Ferreira Aguiar
Ao observamos os nomes acima, percebemos que não há mulheres nas comissões e
ninguém ligado à medicina sexual.
3.3.1.3 Impressões iniciais e gerais
O centro de convenções pareceu bastante adequado a um evento científico,
principalmente por conta de sua estrutura física. Logo na entrada, era possível ver um pavilhão
de 500m2153, completamente ocupado com estandes de empresas farmacêuticas e de materiais
médicos. Impressionava, portanto, e passava a ideia de imponência. À frente dos estandes, havia
uma fileira de recepcionistas, cada uma em sua mesa, responsáveis pela distribuição dos
materiais aos participantes (crachá, programação, mochila com logotipo do congresso, bloco
para anotações, caneta e folhetos diversos).
A planta do local, desenhada no cronograma, era enorme, com vários andares e salas.
Então, para evitar me perder ali, perguntei a uma das recepcionistas onde seria ministrada a
palestra que pretendia assistir. No entanto, conforme caminhava pelo lugar, notei a presença de
funcionários (homens e mulheres) em pontos estratégicos, a fim orientar aos presentes, caso
qualquer dúvida aparecesse. Importante dizer, ainda, que tanto as recepcionistas quanto os
demais funcionários estavam muito bem vestidos; as mulheres de tailleur, maquiadas e de salto
alto, os homens de terno e gravata. Esse padrão de vestuário também se estendia aos
153 Informação fornecida pelos organizadores do evento.
132
participantes e palestrantes, que eram todos brancos, aparentando pertencerem à classe média
ou média- alta154.
A quantidade de mulheres participantes foi mínima, a ponto de me fazer sentir certo
constrangimento, ao notar os olhares de muitos homens, como se questionassem a presença de
uma mulher ali. O número de palestrantes mulheres também foi ínfimo, quando comparado à
maioria esmagadora de homens. É possível afirmar que o número de mulheres participantes do
evento, somando ouvintes e palestrantes, foi inferior a dez por cento (10%) do total de pessoas.
Voltando à estrutura física do congresso, as salas em que ocorreram as palestras tinham,
praticamente, o mesmo padrão de tamanho e sofisticação, contando com poltronas confortáveis
e ambiente de boa acústica e iluminação. Bastante espaçosas, conseguiam comportar um bom
número de ouvintes, talvez torno de 50, 60 pessoas. Pelo que observei no programa, os cursos
foram realizados nestas salas também.
É preciso deixar claro que a questão de gênero interferiu bastante no trabalho de campo.
Senti-me insegura, deslocada e incomodada naquele ambiente. Alguns urologistas me olhavam
com certa desconfiança, outros ficavam tentando ler o meu crachá, acredito que a fim de
tentarem descobrir de qual área eu era. Parecia que jamais seria confundida com uma médica
urologista, por ser mulher. Como já comentado anteriormente, uma característica dessa
especialidade médica consiste na predominância de médicos homens no seu campo de atuação.
Isso, juntamente com a convicção dos próprios urologistas de serem os únicos especialistas
capazes de entender e tratar a saúde do homem, principalmente os aspectos relacionados à
potência sexual masculina, pode explicar o estranhamento dos congressistas ao verem mulheres
ali.
Antes do início de uma das palestras, uma médica urologista, sentada ao meu lado, iniciou
uma conversa comigo, ao me perguntar se eu era urologista. Quando lhe disse o motivo de estar
ali, relatou-me, brevemente, sua dificuldade de trabalhar nessa especialidade, apesar de gostar
muito dela, pois o número de mulheres é mínimo e isso afetaria seu cotidiano profissional. Logo
depois de fazer essa afirmação, olhou a sala onde estávamos e disse “Só tem homem aqui!”
Rimos, comentei o meu mal-estar naquele congresso e o quanto me senti mais à vontade em
outros eventos científicos, que contavam com um maior número de mulheres presentes.
Outro acontecimento marcante relacionado à questão de gênero foi quando, ao fazer
anotações durante uma das palestras, percebi que dois médicos, sentados ao meu lado, tentavam
ler o que estava escrevendo. Obviamente, senti-me invadida e vigiada naquele momento, uma
154 Dentre os funcionários responsáveis por nos fornecerem informações durante o evento, havia negros.
133
“intrusa” em um espaço ocupado por homens. Além da questão de gênero, havia a diferença de
hierarquia profissional e de idade, pois eu era uma farmacêutica, não prescritora, “invadindo”
um evento dirigido, especificamente, para médicos urologistas, na sua maioria, de mais idade.
A linguagem utilizada nas palestras foi bastante técnica, específica e formal. Inclusive,
houve argumentos acerca de mecanismos de ação de alguns medicamentos que não consegui
entender, apesar de ser farmacêutica. Em vários momentos do congresso, tive a impressão de
que apenas os urologistas teriam capacidade de compreender as discussões expostas daquela
maneira excessivamente técnica e complexa. A maioria das apresentações se baseou em
gráficos e cálculos estatísticos, utilizando artigos científicos para corroborar as ideias
desenvolvidas. Outro aspecto que percebi foi a extensa programação científica do evento,
contando com inúmeros tutoriais, cursos teóricos e práticos, além de simpósios, plenárias e
apresentações de trabalhos.
Para uma pessoa fora do meio, como eu, era muito fácil se perder diante de tanta informação
específica oferecida em tão pouco tempo. Além disso, por conta da extensão da programação
científica, as apresentações se caracterizaram pela rapidez e falta de espaço para os debates
finais, o que dificultou, ainda mais, o meu entendimento em relação a algumas questões
expostas. Também não houve oportunidade de interação social entre as sessões científicas, pois
o tempo de intervalo era curto, em média 20 minutos, e como não foi oferecido algum tipo de
refeição155 aos congressistas, caberia a cada participante procurar um lugar para lanchar (ou
almoçar) fora dali, durante os intervalos, ou se dirigir à praça de alimentação, localizada no
fundo do pavilhão, em que se encontravam os estandes das empresas expositoras.
Desta forma, optei por não tirar fotos dos slides apresentados, ao invés disso, procurei me
concentrar em informações importantes para os objetivos do trabalho, como comentários e
posturas de palestrantes e ouvintes durante as apresentações. Isso me ajudou, inclusive, a prestar
mais atenção nos momentos de interação entre médicos e propagandistas farmacêuticos. Notei
que, nesse congresso, havia um número maior de propagandistas, e eles conversavam com os
médicos, tanto na área dos estandes quanto nos corredores, ou até mesmo nas salas em que
ocorriam as palestras. Isto é, pareciam estar bastante envolvidos com os médicos, demonstrando
intimidade, apesar do aparente tom formal presente nas interações. Reconheci alguns
propagandistas que também estavam presentes no Congresso Internacional de Medicina Sexual.
Achei interessante perceber que estavam diferentes. A diferença ia desde o vestuário mais
formal até o modo como se portavam diante dos médicos. Tudo ali parecia ser muito "sério”,
155 A exceção foi uma sacola que recebi durante a realização do Simpósio Satélite da Eurofarma, no segundo dia
do evento. Nela continha um sanduíche, um suco de frutas em caixa, uma maçã e algumas guloseimas.
134
“objetivo”, “científico” e “tecnológico”. Não havia espaço para descontração, era apenas um
local de divulgação científica.
Um ponto importante relacionado à ênfase na cientificidade e na expertise médica
observada nesse evento, diz respeito à utilização de terminologias e categorias diagnósticas
usadas para caracterizar o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. Ao
contrário do que ocorreu no Congresso Internacional de Medicina Sexual e no Congresso
HUPE, o termo DAEM foi muito mais empregado do que “hipogonadismo masculino tardio”
ou “testosterona baixa”, por exemplo, inclusive, por médicos urologistas que participaram
desses três eventos.
Além do uso do termo DAEM ser um meio dos médicos urologistas “falarem entre si”,
essa diferença pode sugerir uma estratégia da urologia para se firmar como única especialidade
médica capaz de diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento. Isto é, a detentora de conhecimentos técnico-científicos necessários para lidar
com tal problema de saúde, que, para os urologistas, parece ser mais bem caracterizado pelo
termo DAEM. O uso de outros termos, fora do círculo da urologia, pode apontar também uma
estratégia dos urologistas para evitar questionamentos de outras especialidades médicas, como
a endocrinologia, ou de outros profissionais de saúde acerca do uso da terminologia DAEM.
Não podemos deixar de comentar a fala de um médico urologista durante uma das
palestras. Ele afirmou, enfaticamente, que todos os profissionais de saúde, com exceção dos
urologistas, que se colocam como capacitados para entender, diagnosticar e/ou tratar o DAEM
seriam “aventureiros”. Obviamente, tal fala me fez sentir constrangida, pois além de estar em
uma das primeiras filas, todos ali pareciam saber ou desconfiar da minha formação não-médica.
Como já dito anteriormente, a área reservada aos expositores156 do congresso se localizava
no térreo, em um grande pavilhão. Havia inúmeros estandes de associações médicas, empresas
farmacêuticas, produtoras de próteses penianas e/ ou materiais médicos, além de um grupo
representante de clínicas oncológicas, o Oncoclínicas, de um instituto de pesquisa desta área, o
Instituto Oncoclínica, da clínica Oncologia D’or e da Siemens:
a) Empresas farmacêuticas: Astellas, Lilly, Aché, AstraZeneca, Bayer,
Eurofarma, Besins Heaalthcare, Flukka, GSK, SEM, Sanofi, Janssen;
b) Empresas produtoras de próteses penianas e / ou materiais médicos: Boston
Scientific, AMS, Alacer Biomédica, Arlan, Biolitec, Bio Prime, Porges
Coloplast Division, Dynamed, Diagnostic Medical, EndoMaster, Engemed,
156 Além dos expositores mencionados acima, havia um estande da empresa vendedora de livros médicos, a Di
Livros⃰⃰⃰⃰⃰⃰⃰⃰⃰ e da Agência de Viagens Activia⃰⃰⃰.
135
Gadali Medical, Handle, Hummer do Brasil, HalexIstar, Medicone, Hospicare,
Strattner, Indovasive, Labor Med, Lofric, Medtronic, Olympus, Rhosse, Russer,
Starmedic, Taimin, TC Técnica Cirúrgica, Zambon, Zodiac, Medical Brasil ⃰⃰⃰157,
Wellspect⃰⃰⃰, H Strattner⃰⃰⃰, Europa Médico⃰⃰⃰, Direx⃰⃰⃰, Biosat⃰⃰⃰, CLB Macedo⃰⃰⃰, Endovisão⃰⃰⃰,
Gimed⃰⃰⃰, Transmai⃰⃰⃰, Intraview⃰⃰⃰;
c) Associações médico-científicas: Sociedade Brasileira de Urologia (SBU),
American Urological Association (AUA), European Association of Urology
(EAU), Sociedade Panameña de Urologia (SPUROL), Urologistas do Estado do
Rio de Janeiro (AURJ).
Notamos grande número de patrocinadores e expositores nesse evento. Algo interessante,
pois sugere que a urologia recebe auxílio financeiro significativo não só de empresas
farmacêuticas, mas de produtoras de materiais médicos também. De fato, não podemos negar
que isso é sinal de certo prestígio no meio médico e pode estar relacionado à própria
característica da especialidade, que inclui cirurgia, clínica médica e crescente campo que vem
ocupando, no âmbito da Saúde Masculina, principalmente na saúde sexual.
A área dos pôsteres se localizava no fundo do pavilhão, contando com inúmeros trabalhos,
cujos temas passavam pelas disfunções sexuais masculinas, problemas urológicos masculinos,
femininos e pediátricos (como problemas de micção, tratamentos de cálculos renais, infecções),
neoplasias, incluindo câncer de próstata, declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento, cirurgias de transgenitalização, saúde do homem, entre outros assuntos. Pelo
que foi possível perceber, eles seguiram o mesmo padrão das apresentações assistidas, ou seja,
discurso técnico, com a utilização de termos específicos e complexos da área de urologia.
3.3.2 Programa científico
A capa do programa era composta por um fundo branco, contendo, na parte de cima, à
esquerda, o desenho de dois rins. O rim esquerdo de cor azul, com a imagem do Pão de Açúcar
no fundo, num tom mais escuro. O do lado direito em tons que iam do verde ao azul, passando
pelo amarelo, continha, no fundo, a imagem do Cristo Redentor, de cor verde escura. Abaixo
do desenho, estava escrito o título e data do congresso, em letras pretas e azuis. Acima e à sua
157 Todas as empresas marcadas com esse símbolo não foram patrocinadoras do evento. Nenhuma associação
médico-científica patrocinou o congresso.
136
direita havia a expressão “Urologia 360 °, em letras pretas e amarelas, seguida, abaixo, por uma
foto, em forma de semicírculo, do Rio de Janeiro. Localizado mais centralmente, existia um
selo da “Comissão Nacional de Acreditação (CNA), “responsável por administrar a pontuação
dos eventos científicos necessários para que o Certificado de Atualização Profissional (CAP)
seja emitido, atestando assim que o médico especialista possui conhecimentos atuais sobre a
prática médica158”
Abaixo e à esquerda do selo, estava escrito, dentro de um círculo de fundo branco de
bordas a zuis, com letras pretas e azuis, “Programa Final”. Abaixo e à esquerda desse círculo
havia um pequeno quadro contendo as pontuações de cada especialidade159, referentes à
participação no congresso. Dentre elas, a da urologia era a mais alta, com 20 pontos; seguida
pela Nefrologia (10 pontos), Cancerologia Clínica, Radiologia, Radioterapia e Ginecologia e
Obstetrícia, todas com 5 pontos. Cirurgia do Trauma e Sexologia constavam como áreas de
atuação, ambas com 5 pontos. No final da capa, ao centro, estava o logotipo da Sociedade
Brasileira de Urologia, realizadora do congresso.
Podemos observar, já na capa do programa, certa preocupação em demonstrar que o evento
seria de grande importância para a formação profissional dos participantes, principalmente os
urologistas. O próprio desenho dos rins chama atenção para a questão da expertise, pois é um
órgão tratado, quase exclusivamente, pela urologia. Apesar de se colocar outras especialidades
e áreas de atuação como possíveis beneficiadoras do conhecimento científico difundido no
evento, não pareceu, em nenhum momento, que houve, realmente, algum empenho dos
organizadores em tornar o congresso menos específico e não voltado apenas para uma
especialidade. Pelo contrário, ao observar a organização do programa científico, já foi possível
notar essa característica.
Dentro das páginas do programa do congresso, havia propagandas de próteses penianas e
materiais médicos produzidos pela empresa Russer, expositora e patrocinadora do evento. A
programação social, ficava logo no começo, e contava com fotos dos palestrantes, imagens e
letras coloridas, o que contrastava com o restante das páginas, dedicadas à programação
científica, compostas de cores mais sóbrias, com o logotipo do congresso, fotos pequenas e
discretas da cidade, localizadas no canto das páginas.
158 Disponível em: https://amb.org.br/comissao-nacional-de-acreditacao/. Acesso em: 15 mar 2018.
159 De acordo com a Associação Médica Brasileira (AMB), todo o conteúdo fornecido pelo seu programa de
educação médica continuada é valido para obtenção do Certificado de Atualização Profissional (CAP). Tal
certificado é conquistado após o profissional atingir uma pontuação determinada pela AMB. O Congresso
Brasileiro de Urologia consiste em um evento que se enquadra no programa de educação médica continuada
da AMB.
137
3.3.3 Simpósios, cursos, workshops e palestras
Similarmente ao que foi feito em relação ao congresso abordado anteriormente,
escolhemos, dentre as apresentações assistidas, as que mais trouxeram questões pertinentes para
o desenvolvimento deste trabalho. Consideramos importante reforçar a informação de que elas
foram muito curtas e técnicas, portanto não foi possível fazer descrições semelhantes às
realizadas na análise do congresso Internacional de Medicina Sexual.
3.3.3.1 Painel: atualização em hipogonadismo e TRT
Esse painel fez parte da Plenária Conjunta entre Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e
International Society for Sexual Medicine (ISSM), que ocorreu durante o segundo dia de
congresso, de 13:40hs às 15:20hs. O painel contou com quatro apresentações, que aconteceram
entre 13:50hs e 14:25hs, cada uma delas durando, aproximadamente, 10 min. Participaram
dessa discussão os urologistas Archimedes Nardozza Júnior e Celso Gromatzky (moderadores)
e os painelistas Abraham Morgentaler, John P. Mulhall, Peter N Schlegel e Wayne Hellstrom160,
também urologistas.
Todos os palestrantes residem nos Estados Unidos, fato que talvez explique o uso das
terminologias “hipogonadismo” e “testosterona baixa”, diferentemente dos urologistas
brasileiros, que utilizaram o termo DAEM, versão portuguesa da sigla ADAM, questão já
comentada anteriormente. Vale ressaltar que John P. Mulhall, Wayne Hellstrom e Celso
Gromatzk atuam na área de medicina sexual.
John P. Mulhall iniciou o painel com a apresentação, intitulada “Terapia de reposição de
testosterona (TRH) nas disfunções sexuais- por que, como, para quem, até quando, quais riscos
(cardiovascular, próstata)”. O médico comentou a relação existente entre a concentração de
testosterona baixa no sangue e as disfunções sexuais masculinas, o que inclui problemas na
produção de sêmen, disfunção erétil e dificuldade de atingir o orgasmo. Também dividiu a
função sexual masculina em duas partes, a biológica, que seria “visceral”, e dependente do
160 Informações sobre os médicos participantes das palestras discutidas aqui se encontram no apêndice C.
138
estado orgânico do homem e a motivacional, pertencente à “dimensão intelectual”, mais ligada
a fatores psicológicos.
Segundo ele, os três principais fatores responsáveis pelo “baixo” desejo sexual masculino
seriam problemas hormonais, efeitos colaterais de medicamentos e causas psicológicas. O
médico também falou da mensuração da testosterona, que, por conta de seu ciclo cicardiano,
deveria ocorrer mais de uma vez ao dia e em dias diferentes, para que o diagnóstico de
hipogonadismo fosse confirmado com precisão, por isso a necessidade de acompanhamento do
paciente. Relacionou a concentração de testosterona sanguínea com outros hormônios, como o
FSH e LH, envolvidos na estimulação da liberação de testosterona e espermatozóides no corpo
masculino. No caso do homem com hipogonadismo, a concentração desses hormônios também
estaria alterada. Finalizou comentando que a terapia de reposição de testosterona exibe
segurança a longo prazo, e sua relação direta com o câncer de próstata tem sido negada, de
acordo com estudos mais recentes. Desta forma, seria necessária cautela apenas em relação a
pacientes já acometidos pela doença, optando pelo início da terapia hormonal após o tratamento
de câncer.
Foram bastante interessantes alguns pontos dessa apresentação. A maioria dos discursos
acerca da sexualidade masculina da área biomédica a que tivemos acesso, tanto em artigos
médicos quanto em apresentações em eventos científicos, girava em torno da disfunção erétil e
de uma visão biológica, anatômica, centrada no órgão sexual. Além disso, geralmente, não
havia a preocupação de se estabelecer uma relação mais detalhada entre a concentração de
testosterona e os demais hormônios. Pareceu, assim, que, pelo menos nesse aspecto, houve uma
visão mais sistêmica do processo envolvendo o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento.
A segunda apresentação foi do médico Peter N Schlegel, intitulada “TRT no paciente
infértil”. Durou apenas 7 minutos e, por não ter relação direta com o tema da pesquisa,
decidimos dar a ela menor atenção. Além disso, não foi possível entender a maior parte dela,
principalmente, qual seria, realmente, o papel da testosterona na questão da infertilidade
masculina. Wayne Hellstrom foi responsável pela terceira apresentação intitulada “TRT pós-
PR: é tempo de mudança de paradigma?” Nela, o médico tratou de mostrar como o pensamento
médico mudou em relação à crença de que a TRH com testosterona causaria câncer de próstata
e de que pacientes acometidos pela doença jamais poderiam ser tratados com terapia hormonal.
Apontou estudos mais antigos, que defendiam tais ideias, e os contrastou com pesquisas mais
novas que demonstram, inclusive, ser a testosterona um fator de proteção contra o câncer de
próstata.
139
A última apresentação foi a de Abraham Morgentaler, intitulada “Recomendações no
diagnóstico, tratamento e acompanhamento do hipogonadismo no homem”. Ela também teve
pontos interessantes, pois foram abordadas questões controversas acerca da TRH com
testosterona. O médico apontou o diagnóstico do hipogonadismo como “confuso”, citando a
questão problemática envolvendo a mensuração da testosterona. Falou sobre a concentração
variável desse hormônio durante as 24hs do dia no corpo masculino e sobre os diferentes tipos
de testosterona existentes no sangue (livre, total e ligada a proteínas). Comentou, ainda, a
própria falta de consenso quanto à concentração de testosterona considerada indicadora de
hipogonadismo e a importância de se observar os sintomas clínicos do paciente. Também
relacionou a concentração de testosterona com a de outros hormônios e substâncias presentes
no corpo do homem, e enfatizou a necessidade de se fazer testes para averiguar a concentração
desses elementos e, assim, fornecer um diagnóstico preciso. Finalizou destacando a necessidade
de monitoramento contínuo dos pacientes, a fim de que os médicos estejam atentos a possíveis
efeitos colaterais.
Conforme o urologista John P. Mulhall, Abraham Morgentaler fez uma apresentação
diferenciada, ao compararmos sua palestra com as de urologistas brasileiros. Ele expôs o
diagnóstico do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, neste caso o
hipogonadismo, como “confuso”, por conta da problemática envolvendo a mensuração de
testosterona. Isso não parece fazer parte da discussão entre urologistas brasileiros, que apesar
de concordarem com a inexistência de um consenso em relação aos níveis de testosterona
considerados limítrofes para o diagnóstico do DAEM, não consideram que ele seja confuso de
se determinar.
3.3.3.2 Simpósio satélite Eurofarma
Tal simpósio, intitulado “Novas tendências no tratamento da disfunção erétil”, ocorreu
durante o quarto dia de congresso, de 12:30hs às 13:30hs. Participaram dessa discussão os
médicos John P. Mulhall, Eduardo Berna Bertero e Carmita Helena N. Abdo.
Primeiramente, é preciso esclarecer que, apesar de o tema se referir à disfunção erétil,
houve uma relação estritamente direta entre essa disfunção e o declínio hormonal masculino
relacionado ao envelhecimento, na apresentação de Carmita Abdo, que discutiu questões muitos
pertinentes ao tema deste trabalho.
140
A primeira apresentação foi a do médico John P. Mulhall. Aqui, ele não se concentrou
na relação entre a baixa de testosterona sanguínea e a disfunção erétil. Falou mais sobre a
própria disfunção, destacando os diversos tipos de tratamentos existentes para o problema,
desde os farmacológicos, como os inibidores da fosfodiesterase 5 (PDE-5), apontando o
medicamento Zydena ® (udenafila), produzido pela empresa Eurofarma, como o novo
medicamento dessa classe terapêutica, até a classe de medicamentos inibidores das enzimas
Rho Kinases, em fase de testes em humanos. Também mencionou os medicamentos ativadores
da enzima Guanilato Ciclase, não tão utilizados quanto os inibidores da PDE-5, e o tratamento
com ondas de choque (shock therapy), produzidos por aparelhos que atuam no órgão sexual
masculino. No entanto, enfatizou que esta seria uma alternativa apenas no caso de a terapia
medicamentosa não obter o efeito desejado, e que o teste definitivo sobre tal terapia ainda não
tinha sido feito. Falou, muito rapidamente, sobre a terapia com plasma rico em plaquetas, que
também poderia ser utilizada para o tratamento de DE, da qual nunca tinha ouvido falar até o
momento.
O segundo palestrante, Eduardo Berna Bertero, fixou-se na apresentação do
medicamento Zydena ®, desenvolvido na Coréia, que seria lançado no Brasil naquele ano.
Destacou que tal medicamento teria perfil farmacocinético único, com meia vida de 11hs a 15hs
e excelente perfil de segurança, tendo efeitos adversos praticamente inexistentes. Apontou
ainda que pacientes teriam se “curado” com o uso de udenafila. Completou com o argumento
de que o uso diário de Zydena ® melhora não só a função sexual masculina, mas também todas
as dimensões do sistema sexual. Fiquei curiosa para saber o que ele estava querendo dizer com
essa afirmação, mas, infelizmente, por conta do tempo, sua apresentação foi encerrada.
A última apresentação do simpósio foi a mais intrigante naquele dia. Carmita Abdo
direcionou, praticamente, todo o seu discurso para o DAEM, afirmando ser “a causa
endocrinológica do hipodesejo sexual masculino”, que definiu como a falta de desejo sexual no
homem. Classificou o DAEM como uma síndrome clínica e bioquímica, que acomete cerca de
7% dos homens até 60 anos e chega até 20% dos homens acima de 60 anos. Segundo a
palestrante, há queda dos níveis de testosterona sanguíneos em todos os homens, a partir dos
40 anos, mas ela seria fisiológica. Nos homens com DAEM, essa queda não ocorreria assim,
pois a concentração de testosterona sanguínea estaria abaixo da taxa considerada “normal”.
Carmita destacou a testosterona como a substância responsável pelo humor do homem,
sendo a depressão, juntamente com a falta de desejo sexual e os problemas de ereção, os
principais sintomas do DAEM. Aqui, ressaltou a importância de se tratar também a parceira,
pois ela pode ter relação com o problema apresentado pelo paciente. Foi muito interessante essa
141
colocação, porque também foge à regra do que, geralmente, é discutido nos discursos
biomédicos sobre o DAEM. Neles, a questão da ereção, apontada como um dos sintomas dessa
deficiência, resume-se à fisiologia do órgão sexual masculino. No entanto, é importante
ressaltar que Carmita não é urologista. Trata-se de uma psiquiatra e sexóloga brasileira, com
certo prestígio dentro da Sociedade Brasileira de Urologia. Provavelmente, essa abordagem
diferenciada acerca do DAEM tem relação direta com sua formação.
Ao falar sobre o diagnóstico do DAEM, Abdo enfatizou a importância do teste
laboratorial e de ser feita mais de uma coleta de sangue, observando outras taxas hormonais, a
fim de garantir um diagnóstico preciso161. Também mencionou a importância de se verificar o
uso de outros medicamentos pelos pacientes, pois há os que afetam o desejo masculino e podem
interferir nos resultados do tratamento do DAEM. Após o diagnóstico clínico e bioquímico do
paciente, o tratamento deve buscar o mínimo de efeitos colaterais possíveis, segundo ela.
Nesse momento, ela começou a falar do medicamento Axeron®, cuja forma farmacêutica
consiste em uma solução de testosterona tópica, aplicada nas axilas. Esse medicamento estava
sendo lançado naquele ano, no Brasil. Foi muito intrigante o fato de ela ter o logotipo do
medicamento em seus slides, principalmente por que se tratava de um simpósio da Eurofarma,
e não da Lilly, produtora do medicamento em questão. Carmita também falou sobre o
medicamento Androgel®, testosterona também de uso tópico, só que na forma de gel, como
mencionado anteriormente. Disse que a vantagem deste em relação ao Axeron® seria a
possibilidade de parada no tratamento, no entanto, ressaltou que há maior risco de contaminação
durante sua aplicação quando comparado ao Axeron, por exemplo.
Por fim, ao falar sobre efeitos colaterais relacionados à TRH com testosterona, Carmita
expôs o tema “câncer de próstata” versus “TRH” como polêmico, mas destacou que não há
fundamento científico para se relacionar essas duas coisas, mencionando estudos que
corroboram seu argumento. Destacou, inclusive, a existência de testes que vêm mostrando a
testosterona como fator protetor do câncer de próstata. Assim, a única contraindicação legítima
para o início da TRH com testosterona, ao se pensar nessa questão específica, seria um câncer
de próstata não tratado.
161 Ela fez um breve comentário sobre a relação da testosterona com outros hormônios no corpo masculino.
Segundo ela, o FSH e o LH estimulam a síntese de testosterona.
142
3.3.4 Estandes de empresas expositoras e folders de propaganda farmacêutica
Ao me deslocar entre os estandes das empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos,
percebi que não havia imagens ou fotos chamativas neles, muito diferente do que observei no
Congresso Internacional de Medicina Sexual. Os estandes eram muito sóbrios, contendo apenas
o logotipo de cada empresa, folhetos de propaganda, fotos ou imagens discretas, a maioria em
estandes de próteses penianas. O único que continha petiscos para servir aos participantes
(biscoitos e água) era o da empresa Lilly, que estava lançando, naquele ano, o medicamento
Axeron®, conforme já falado. Tais características podem estar relacionadas ao tom de
cientificidade, objetividade e sobriedade que o congresso quis passar.
O número de urologistas, nos dois dias, foi muito grande. Não consegui conversar com
propagandistas do sexo masculino, inclusive com os quais já havia conversado no Congresso
Internacional de Medicina Sexual, pois estavam sempre rodeados de médicos. Isso, juntamente
ao meu mal-estar já descrito, colaborou para que optasse pela observação à distância daquele
tipo de interação. Quando tentava me aproximar de algum estande, os olhares eram quase,
diretamente, voltados para o meu crachá. Às vezes, notava alguns médicos me observando,
talvez para verem o que pretendia fazer ali, a quem iria me direcionar.
Acho que não foi coincidência o fato de só conseguir conversar com a única propagandista
de testosterona presente naqueles dois dias. A primeira coisa que ela me perguntou, quando me
aproximei do estande, foi se era urologista. Ao ouvir minha resposta negativa, disse ser muito
difícil encontrar urologista mulher. Conversamos, rapidamente, sobre o meu projeto de
pesquisa e acabei conseguindo seu contato para uma entrevista futura.
Dentre os folhetos de propaganda da TRH com testosterona distribuídos pelos
propagandistas no congresso, dois chamaram minha atenção. O primeiro foi o da empresa de
manipulação Flukka, cujo título era “Modulação hormonal- O equilíbrio da vida masculina”
(Figuras 8 e 9). Nele, havia a foto do rosto de um homem bonito, branco, com cerca de 45 anos,
sorrindo. Ao lado direito dela, estavam mencionados os benefícios do uso desse medicamento,
suas indicações e as características positivas referentes ao fato de ser uma fórmula manipulada.
Isso consiste na técnica de propaganda farmacêutica que destaca os pontos positivos do
medicamento, ou seja, no seu marketing positivo. Abaixo da foto, estava a descrição da
categoria diagnóstica Andropausa, os benefícios do uso da testosterona (tido como o “hormônio
masculino”) na “reversão” de dois de seus sintomas (disfunção erétil e falta de libido),
143
destacados em negrito, e a enumeração de quatro outros benefícios ligados ao tratamento com
a TRH:
- Sensação de bem-estar;
- Aumento da massa e força muscular;
- Aumento da densidade mineral óssea;
- Melhora do metabolismo da glicose e de marcadores da síndrome metabólica
A descrição da categoria diagnóstica Andropausa162, juntamente com a promoção da
terapia de TRH com testosterona, consiste em uma ilustração do que podemos considerar uma
co-promoção e co-divulgação de medicamento e categoria diagnóstica, assunto discutido neste
trabalho. Outra questão importante, aqui, diz respeito ao deslizamento da posição ocupada pelo
hormônio testosterona, que vai de uma terapia para tratar um problema médico a uma substância
que provoca uma “melhora” no corpo masculino, ou seja, tem a função de aprimoramento
corporal.
O destaque em negrito do trecho “A terapia de reposição de testosterona (TRT) mostrou-
se eficaz em reverter a disfunção erétil e a falta de libido, além de trazer benefícios não sexuais”
sugere um foco do tratamento com testosterona nos problemas da área sexual masculina.
O verso do folheto consistia em uma espécie de bula, em que estavam contidas sugestão
de formulação, precauções e contraindicações, seguida de informações de contado, logotipo da
empresa e referências bibliográficas da área biomédica.
162 Curiosamente, foi utilizada a terminologia “Andropausa”, considerada obsoleta pelo meio médico,
principalmente pelos urologistas.
144
Figura 8. Folheto publicitário da Flukka (frente). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015
Fonte: A autora, 2018
145
Figura 9. Folheto publicitário da Flukka (verso). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015
Fonte: A autora, 2018
O segundo folheto foi do medicamento Axeron®, produzido pela empresa Lilly, cujo
título era “A primeira e única solução de testosterona aplicada na axila” (Figuras 10 e 11). Nele,
havia a foto de um homem, aparentando ter uns 50 anos de idade, branco, sem camisa,
146
preparando-se para a aplicação da solução de testosterona. Ao lado da foto, estava o logotipo
do medicamento e uma foto dele. Abaixo, havia a descrição de todas as vantagens do uso desse
tipo de forma farmacêutica, ou seja, também uma exposição dos pontos positivos do
medicamento.
O verso do folheto consistia em uma espécie de bula, em que estavam contidas indicações,
advertências, precauções, contraindicações e reações adversas. Além disso, continha a foto163
do site www.testosteronatopica.com.br164, desenvolvido pela empresa com o objetivo de
fornecer informações sobre o medicamento aos médicos e pacientes, referências bibliográficas
da área biomédica e um código QR, por meio do qual poderíamos obter mais informações
acerca do Axeron®.
Percebemos, nesse folheto, características já mencionadas na análise dos outros folhetos de
propaganda da TRH com testosterona associada ao envelhecimento masculino, como a
estratégia de marketing que consiste em destacar os pontos positivos do medicamento. Também
há referências bibliográficas da área biomédica.
163 Na foto, havia um homem branco, aparentando ter cerca de 50 anos, sem camisa, olhando-se no espelho e se
enxugando com uma toalha.
164 Disponível em: http://www.testosteronatopica.com.br. Acesso em: 20 abr. 2018.
147
Figura 10. Folheto publicitário da Lilly (frente). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015
Fonte: A autora, 2018
148
Figura 11. Folheto publicitário da Lilly (verso). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015
Fonte: A autora, 2018
149
3.3.5 Comentário geral final: relacionando os três congressos
Consideramos que há algumas questões pertinentes para abordarmos ao compararmos os
três congressos analisados. A primeira delas diz respeito ao prestígio ligado a certas profissões
e ocupações dentro do campo médico-científico, e a como esse prestígio dá legitimidade não só
ao que é pesquisado, promovido e divulgado por elas, mas também ao modo como tal promoção
e divulgação é feita.
No Congresso Internacional de Medicina Sexual, embora a maioria dos participantes
fossem urologistas, havia uma variedade de profissionais da área de Medicina Sexual presentes.
Este ainda não é um campo de especialidade reconhecida, tradicional ou com o prestígio da
Urologia, por exemplo. Trata-se de um campo em construção, talvez, por isso, esteve presente
um clima de maior descontração, irreverência e diversão nesse evento. Além disso, tal clima
pode ter a ver com o próprio tema do congresso, “sexualidade”, pois este consiste em um terreno
ambíguo, em que a jocosidade pode ocorrer. Percebemos, inclusive, que diversas piadas foram
feitas em torno desse tema, durante as palestras médicas.
Já no Congresso Brasileiro de Urologia, as atividades voltadas para lazer e entretenimento
ocorreram fora do espaço destinado à realização do evento. O congresso do HUPE também
organizou atividades, de certa forma, separadas dos locais em que ocorreram as apresentações
científicas. Os cursos sobre temas relacionados à saúde do homem, voltados para o público em
geral, foram realizados num espaço específico denominado “Espaço Cidadão/ Saúde do
Homem – HUPE”.
Outro ponto que deve ser levado em conta na análise desses três congressos é a questão de
gênero, de raça e de classe social. A maioria do público nos três congressos foi constituída por
homens brancos, aparentando pertencerem à classe média ou média-alta. Dentre as mulheres
presentes nos três congressos, a maioria também era branca, aparentando pertencer à classe
média ou média-alta. No Congresso Internacional de Medicina Sexual, houve a presença de
mulheres nas apresentações científicas, nas plateias e nos estandes de medicamentos e materiais
médicos. No congresso do HUPE, também houve presença de mulheres nas sessões científicas
e nas plateias, mais ou menos na mesma quantidade observada no congresso de medicina
sexual. Já no congresso de urologia, notamos que o número de mulheres presentes nas palestras
do congresso era mínimo. Houve, inclusive, uma palestra em que era a única mulher na plateia,
o que, como já mencionado, provocou certo desconforto, uma sensação de estar “invadindo” o
espaço dos urologistas e de não ser bem-vinda ali. Essa postura de especialidade médica
150
importante e diferenciada da urologia pôde ser notada no clima de formalidade presente no
congresso de urologia, reforçado pela exaltação à objetividade e à cientificidade, ilustrada pela
extensa programação científica, com inúmeros tutoriais, cursos teóricos e práticos − além dos
simpósios, plenárias e apresentações de trabalhos.
Ainda falando sobre a questão de gênero nos congressos, vale apontar aqui o modo como
apresentaram o corpo feminino em diversos momentos do congresso de medicina sexual. Ele
foi extremamente exposto, visto como objeto sexual, reforçando, assim, estereótipos de gênero,
como mencionado anteriormente.
Ao compararmos os três congressos, é interessante também notarmos a evolução em
relação à maneira de apresentação do declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento e de seu tratamento pela classe médica. No congresso do HUPE, por exemplo,
o urologista Schiavini criticou o uso da terminologia DAEM, que parece ser utilizada de forma
consensual entre os urologistas brasileiros. No entanto, nos outros dois congressos em que
participou teve postura diferente, ou seja, não fez crítica à terminologia, pelo contrário, chegou
a mencioná-la, naturalmente, em suas apresentações.
Sobre essa questão, vale mencionar que, tanto no congresso do Hospital Pedro Ernesto,
quanto no congresso de medicina sexual, as terminologias empregadas variaram, às vezes, até
numa mesma apresentação. Síndrome da Deficiência de Testosterona (SDT), DAEM e
hipogonadismo do idoso165 foram os termos mais utilizados no primeiro evento.
“Hipogonadismo masculino tardio” e “low tetosterone” (ou testosterona baixa) consistiram nas
nomenclaturas mais utilizadas no congresso internacional de medicina sexual. Já no congresso
de urologia, o termo DAEM166 foi o mais empregado, inclusive por profissionais que também
participaram do congresso de medicina sexual e do HUPE.
Os benefícios em torno da TRH com testosterona também “aumentaram” ao longo do
tempo, se pensarmos nas apresentações médicas desses três congressos. As do HUPE pareceram
mais cautelosas, com a exposição da questão TRH com testosterona versus câncer de próstata
ainda como algo passível de discussão. Também houve as que mencionaram a possibilidade de
risco cardiovascular com o uso de testosterona. No congresso de medicina sexual, além de ser
associada a benefícios como aumento da massa muscular, melhoria do humor, fim da disfunção
erétil, entre outros, notamos que a testosterona foi apresentada como fator protetor para o
165 Acreditamos que os termos “hipogonadismo do idoso” e “hipogonadismo masculino tardio” são considerados
similares no meio médico.
166 Neste caso, consideramos as apresentações feitas por urologistas brasileiros.
151
desenvolvimento de doenças cardiovasculares. A questão do câncer de próstata associado ao
uso de testosterona foi considerada ultrapassada em várias apresentações. Já no congresso da
SBU, além de prevenir doenças cardiovasculares, a testosterona foi apontada como fator
protetor para doenças respiratórias. Também citaram um estudo em que essa substância poderia
prevenir o câncer de próstata. Percebemos, então, o deslocamento do que antes estava na esfera
do risco referente ao uso da testosterona (câncer de próstata, doenças cardiovasculares) para a
dimensão da proteção associada ao uso do hormônio.
Vale ressaltar também a não declaração sobre possíveis conflitos de interesse (ou
declaração extremamente rápida, impossível de ser compreendida), tanto nas próprias
apresentações, quanto nos artigos utilizados para corroborarem os argumentos expostos nelas.
Isso foi observado nos três congressos. No de urologia, houve muita comparação entre estudos
antigos e mais novos sem maior esclarecimento de como foram feitos e se havia alguma
possibilidade de conflitos de interesse, principalmente nos mais recentes, utilizados para
“derrubar” argumentos controversos acerca da TRH com testosterona.
Percebemos em apresentações, tanto no congresso de medicina sexual quanto no
congresso de urologia, certa naturalidade ao se mencionar os nomes comerciais de
medicamentos, inclusive de empresas concorrentes, numa mesma apresentação. Isso associado
ao fato da não-declaração de conflito de interesses parece colocar os médicos numa posição que
sugere a existência de certa noção de “independência” e “imunidade” perante as informações
provenientes da indústria farmacêutica. Ou mesmo, sugere que a questão relativa à
independência não se coloca. Isto é, os médicos consideram-se aliados da indústria e que
trabalham com /para ela. Parece que se sentem capazes de discernir e fazer comentários isentos
e imparciais sobre qualquer terapia farmacológica, mesmo participando de simpósios
organizados por empresas farmacêuticas, com objetivos específicos de divulgação.
152
4 ENTREVISTAS: ENTRADA NO CAMPO, IMPRESSÕES E DISCUSSÃO DE
RESULTADOS
4.1 Entrevista como ferramenta de pesquisa: o modelo semiestruturado
Segundo Boni e Quaresma (2005), a entrevista consiste em uma das formas de coleta de
informações ou dados que não seriam possíveis de se obter somente através da pesquisa
bibliográfica e da observação. Dentre os tipos de entrevistas existentes, escolhemos utilizar,
neste estudo, o modelo de entrevista semiestruturada, em que “a resposta não está condicionada
a uma padronização de alternativas formuladas pelo pesquisador como ocorre na entrevista com
dinâmica rígida” (MANZINI, 1991, p.155). Aqui, foca-se, geralmente, no objetivo sobre o qual
é construído um roteiro com questões principais, complementadas com outras relacionadas às
circunstâncias observadas durante a entrevista. Assim, o pesquisador segue um conjunto de
questões definidas anteriormente, mas a dinâmica da entrevista se assemelha a de uma conversa
informal (BONI; QUARESMA, 2005).
Os autores apontam uma das vantagens da entrevista semiestruturada. Ela diz respeito à
elasticidade de sua duração, permitindo abrangência mais profunda sobre certos assuntos, bem
como proximidade maior entre entrevistador e entrevistado. Isso favorece a abordagem de
assuntos mais complexos e delicados e o aparecimento de respostas espontâneas, ou seja,
contribui para uma interação mais efetiva entre as partes envolvidas. Esse tipo de entrevista é
de grande auxílio para investigação de questões afetivas e valorativas ligadas a atitudes e
comportamentos dos entrevistados.
As desvantagens de tal técnica estariam muito mais relacionadas às próprias limitações do
entrevistador, como a escassez de recursos financeiros e o dispêndio de tempo. Além disso, há
a insegurança167 referente ao anonimato, o que pode levar o entrevistado a reter importantes
informações. Portanto, durante todo o processo da pesquisa, o pesquisador deve estar preparado
para detectar respostas não-explícitas, “ler nas entrelinhas”, ou seja, “ser capaz de reconhecer
167 Acreditamos que essa insegurança pode persistir mesmo com a apresentação do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da entrevista, em que é garantido o anonimato dos participantes.
Os TCLEs utilizados para a realização das entrevistas com os médicos e os propagandistas farmacêuticos se
encontram nos apêndices D e E, respectivamente.
153
as estruturas invisíveis que organizam o discurso do entrevistado” (BONI; QUARESMA, 2005,
p.77).
Nesse sentido, os autores concebem a entrevista semiestruturada como um processo de
interação verbal e não-verbal, ou seja, ela se insere em um espectro conceitual maior: a interação
propriamente dita. Essa interação ocorreria face a face, no momento da coleta de dados, em que
o pesquisador tem um objetivo previamente definido e o entrevistado detém, supostamente,
informações que possibilitam o estudo do fenômeno estudado. A linguagem seria o meio pelo
qual a mediação da interação entre os dois envolvidos na entrevista ocorre.
Vale ressaltar que há outras formas de coletar dados de natureza verbal que não se realizam
“face a face”, como entrevistas por telefone, internet ou chat. Aqui, apesar da ausência de uma
interação “frente a frente”, outras condições estariam presentes, como perguntas, respostas e
interpretações. Desta forma, as categorias de análise também podem ser utilizadas aqui.
Vislumbram-se, então, dois campos de estudo característicos para tais mediações, neste caso,
da entrevista semiestruturada, o processo de coleta de dados face a face e o que ocorre por meio
de telefone ou de internet (MANZINI, 2004). Ao considerarmos o tema de pesquisa e o perfil
de profissionais a serem entrevistados, acreditamos que o modelo de entrevista semiestruturada
é o mais pertinente a fim de se atingir os objetivos propostos.
4.2 Entrevistas com médicos e propagandistas farmacêuticos: entrada no campo e
impressões gerais
Antes de entrar em contato com os médicos, já sabia que não seria tarefa fácil. Um colega,
que entrevistou endocrinologistas e urologistas durante o mestrado, já havia me alertado sobre
a dificuldade de se conseguir uma entrevista com esses profissionais, principalmente os
urologistas que, fora as atribuições clínicas, também realizam cirurgias. Além disso, tinha
consciência de que, neste caso, algo mais poderia dificultar o contato com esses profissionais:
o próprio tema da pesquisa. Portanto, ao pensarmos na metodologia aplicada neste trabalho,
também consideramos a possibilidade de entrevistar médicos residentes em urologia e
endocrinologia, ampliando, assim, o espectro de entrevistados.
De fato, houve muita dificuldade no processo. Inicialmente, enviamos um e-mail para todos
os médicos cujos contatos conseguimos durante o XVI Congresso Internacional de Medicina
Sexual e o XXXV Congresso Brasileiro de Urologia, e, por meio de conhecimentos anteriores,
154
relacionados a trabalhos168 coordenados pela Profa. Dra. Jane Russo e ao trabalho de
mestrado169 de Lucas Tramontano, o colega mencionado anteriormente. Dentre
aproximadamente vinte médicos convidados, incluindo urologistas e endocrinologistas de todo
o Brasil, apenas seis, duas endocrinologistas e quatro urologistas (homens), responderam que
estavam disponíveis para entrevista. O tempo de resposta variou de poucos dias a semanas.
Não havia pretensão de entrevistar somente médicos líderes de opinião, embora
desejássemos contatar o maior número possível desses profissionais, devido a uma relação mais
estreita que eles têm com a indústria farmacêutica quando comparados aos demais médicos. O
fato de os seis médicos entrevistados ocuparem uma posição de referência em suas áreas de
atuação foi mera coincidência.
Após a resposta positiva desses médicos, o próximo passo foi agendar dias e horários
para a realização das entrevistas, o que, no geral, também levou tempo. Foi preciso ligar várias
vezes para secretárias, insistindo no agendamento das entrevistas assim que possível. As
entrevistas foram realizadas no período de novembro de 2016 a maio de 2017. Quatro das seis
entrevistas foram feitas presencialmente, as outras duas por telefone.
Antes de passarmos para análise das entrevistas, consideramos fundamental descrever
alguns pontos que influenciaram o desenrolar do processo. O primeiro deles, mencionado
anteriormente, diz respeito ao próprio objeto da pesquisa. A relação entre a indústria
farmacêutica e a classe médica é um tema espinhoso, delicado. Nesse sentido, autores como
Oldani (2002, 2004) e Angell (2010), já citados neste trabalho, abordam a dinâmica de interação
entre a classe médico-científica e a indústria farmacêutica, partindo da perspectiva de interesse
mútuo, ou seja, de uma relação que traz vantagens para as duas partes envolvidas. Em tal
interação, muitas vezes, a ética profissional pode ser “deixada de lado” (ANGELL, 2010;
REIDY, 2005 SISMONDO, 2009 ).
Abordar questões ligadas aos possíveis conflitos de interesse presentes nas relações entre
médicos e indústria farmacêutica consistiu em um dos pontos mais delicados das entrevistas,
mas, ao mesmo tempo, também de extrema relevância para a construção do trabalho. Ao
mencionar a questão do desenvolvimento de ensaios clínicos de medicamentos, chefiados por
médicos e financiados pelas próprias empresas farmacêuticas que desejam comercializá-los,
168 RUSSO, Jane et al. Sexualidade, ciência e profissão no Brasil. Rio de Janeiro: Cepesc, 2011.
169 Dissertação intitulada "‘Continue a nadar’: sobre testosterona, envelhecimento e masculinidade”, defendida
no Instituto de Medicina Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), em 2011.
155
percebemos, claramente, que não havia disposição, por parte dos entrevistados, de informar
algo menos superficial sobre o assunto.
Além disso, apesar de concordarem com a necessidade e a importância de se esclarecer a
existência de patrocínio da indústria farmacêutica nas pesquisas clínicas, os médicos pareciam
não enxergar qualquer problema em relação a tal prática, pelo contrário, alguns até defendiam
o apoio financeiro da indústria, alegando que, sem ele, não haveria como fazer pesquisa no
Brasil. Outros simplesmente se esquivaram de responder perguntas sobre o assunto.
A princípio, achei que ser farmacêutica contribuiria para que as respostas a questões
relativas à indústria farmacêutica fossem menos evasivas e superficiais, mas isso não ocorreu.
Questões mais gerais, sobre trajetória profissional e atribuições da profissão, por exemplo,
foram respondidas com detalhes e aparente satisfação. No entanto, à medida que a entrevista
caminhava para aspectos ligados a relações dos médicos com a indústria farmacêutica, ocorria
uma mudança visível no tom das entrevistas. As respostas ficavam mais sucintas, ambíguas e
até mesmo distantes do tema das perguntas. Vale ressaltar que, nesse momento, também foram
percebidas alterações no tom de voz e postura de alguns entrevistados. Uns pareciam irritados
com o direcionamento da entrevista para esse ponto, levantando a voz, gesticulando mais ou
respondendo num tom mais ríspido. Outros começavam a rir entre as respostas evasivas.
O segundo ponto se refere a determinadas características presentes na interação entre
entrevistadora e entrevistados. Acreditamos que tais características influenciaram a conduta dos
médicos durante o processo e causaram desconforto. Isso me impediu de insistir em questões
delicadas não respondidas, bem como de fazer perguntas mais ousadas, porém pertinentes,
referentes a informações inusitadas que apareceram durante as entrevistas.
Uma das características diz respeito à questão de gênero170. Ou seja, o fato de ser mulher e
entrevistar médicos cuja especialidade (urologia) é dominada, quase que exclusivamente, pelo
sexo masculino teve impacto durante o processo. Assim, como ocorreu no XXXV Congresso
Brasileiro de Urologia, senti-me invadindo um “espaço essencialmente masculino”, tanto por
estar à procura de informações referentes a uma “especialidade masculina” quanto pelo fato de
meu tema de pesquisa abarcar um tratamento médico que os próprios urologistas tomam como
sendo de sua “exclusiva” competência. O declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento e seu tratamento com reposição hormonal com testosterona seria, então, um
assunto que caberia ficar “entre homens”, ou seja, um problema de saúde que ocorre em
170 Logicamente, a questão de gênero influenciou somente as entrevistas realizadas com os médicos urologias.
156
homens, que é tratado por homens. Portanto, acredito que me sentir mais à vontade com as
médicas endocrinologistas não foi coincidência.
Outra característica se refere ao maior status profissional da classe médica em relação às
demais profissões da área da saúde. Isso se somou, ainda, ao fato de tais médicos estarem numa
posição hierárquica superior aos demais de sua classe, pois são líderes de opinião e referência
em suas áreas de atuação. Desta forma, fiquei um pouco insegura nas entrevistas,
principalmente nas entrevistas com os urologistas. Vale destacar que os urologistas possuem
maior prestígio na classe médico-científica do que os endocrinologistas, recebendo, inclusive,
muito mais apoio financeiro da indústria farmacêutica. Uma das próprias endocrinologistas
comentou isso durante a entrevista. Esse assunto será abordado mais adiante.
Por mais que me preparasse com antecedência para o momento, havia o receio de que os
médicos percebessem a minha intenção em conseguir informações delicadas e controversas.
Além disso, houve entrevistas em que os médicos se portaram de forma arrogante, piorando
minha sensação de desconforto.
Após a transcrição das entrevistas, decidimos não as estender aos médicos residentes,
tanto por conta do significativo tempo gasto para sua realização171 quanto pela percepção da
dificuldade de abordar assuntos delicados e controversos relacionados ao tema da pesquisa.
Resolvemos, então, focar na análise das seis entrevistas e explorar mais as outras vertentes
metodológicas deste trabalho.
Quanto às entrevistas com os propagandistas farmacêuticos, a dificuldade foi ainda maior.
Antes de convidar os propagandistas contatados durante o XVI Congresso Internacional de
Medicina Sexual, o XXXV Congresso Brasileiro de Urologia e por meio de conhecimentos
pessoais172, marquei uma conversa informal com uma gerente de marketing farmacêutico,
contato que consegui também por meio de conhecimentos pessoais. Tal estratégia foi adotada
não só como forma de conhecer melhor o campo, mas também para buscar a melhor maneira
possível de entrar em contato com os propagandistas farmacêuticos.
Paula173 foi muito solícita quando entrei em contato com ela por email, marcando um
almoço comigo apenas alguns dias depois, que foi bastante proveitoso. Além de Paula, Rebeca,
171 Além do tempo envolvendo espera de resposta aos convites e agendamento de entrevistas, foram realizadas
duas viagens para outro estado a fim de realizar duas entrevistas.
172 Indicações de colegas farmacêuticos.
173 Nome fictício da gerente de marketing farmacêutico. Todos os nomes próprios utilizados nesta parte do
trabalho são fictícios, a fim de garantir o anonimato dos entrevistados.
157
outra gerente de marketing farmacêutico, também estava presente. Elas relataram que os
propagandistas são muito desconfiados e muito “fechados”. Isso ocorre, principalmente,
segundo elas, devido à pressão que as próprias empresas farmacêuticas exercem sobre tais
profissionais, por meio de um monitoramento contínuo174 de suas atividades, exigindo, acima
de tudo, extrema competência, fidelidade e discrição.
Além disso, haveria espionagem por parte de empresas concorrentes, o que também
contribuiria para uma postura sempre “desconfiada” e “defensiva” dos propagandistas. Paula e
Rebeca se ofereceram para tentar fazer uma ponte com propagandistas com quem tinham um
pouco mais de contato para que, por meio deles, pudessem contatar os que trabalhavam com
saúde sexual masculina e terapia de reposição hormonal com testosterona. Infelizmente, isso
não ocorreu. Entrei em contato com Paula e Rebeca diversas vezes depois do referido almoço,
mas não obtive resposta sobre o assunto. Paula alegava estar muito ocupada, por isso não
poderia me ajudar naquele momento. Já de Rebeca não obtive retorno algum. Tempos depois,
tentei marcar outra conversa com Paula por Skype ou por telefone, mas também não foi
possível. Desta forma, resolvi partir para o campo, munida das informações que possuía.
O contato inicial com os propagandistas foi feito por email. Dentre os seis propagandistas
contatados, apenas um retornou, consentindo participar da entrevista. Assim, resolvi ligar para
os demais. Destes, apenas uma propagandista respondeu positivamente ao convite, um
declinou, afirmando que não trabalhava mais na área, outro alegou falta de tempo. Os dois
restantes não atenderam as ligações. Quando entrevistei a propagandista mencionada
anteriormente, consegui conversar com seu colega de trabalho, pois ela o havia chamado para
“ajudá-la nas respostas da entrevista”, segundo suas próprias palavras. Desta forma, foram
realizadas três entrevistas com propagandistas farmacêuticos da terapia de reposição hormonal
com testosterona, entre 2016 e 2017, uma por telefone e duas presencialmente. Sendo que as
últimas ocorreram de forma inusitada. Mais adiante, este ponto será explicado detalhadamente.
174 Tal monitoramento pode, segundo Paula, ser feito sem os propagandistas saberem, por meio de pessoas que
não se identificam como avaliadoras. Por isso, foi dito que, talvez, os propagandistas pudessem desconfiar
que as entrevistas fossem, na realidade, testes para avaliação de seus desempenhos.
158
4.3 Entrevistas com médicos líderes de opinião (urologistas e endocrinologistas)
Como já dito, no total, foram entrevistados seis médicos, quatro urologistas, todos do sexo
masculino, e duas endocrinologistas. Quatro dos seis médicos foram entrevistados
pessoalmente (três urologistas e uma endocrinologista). Os dois restantes, uma endocrinologista
e um urologista por telefone. A faixa etária dos médicos é de 50-70 anos, aproximadamente.
Devido ao fato de serem líderes de opinião, portanto muito conhecidos em suas áreas de
atuação, optamos por não mencionar em quais estados brasileiros tais médicos residem. Assim,
acreditamos colaborar para a garantia do anonimato de seus nomes.
Os médicos entrevistados são líderes de opinião, ou seja, possuem certo prestígio em suas
áreas de atuação, com publicações consideradas referência entre seus pares. Frequentemente,
dão palestras e são membros de Comissões Científicas ou Comissões Organizadoras de
congressos científicos. Também ocupam (ou já ocuparam) posições de destaque em associações
médico-científicas brasileiras, como Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Associação Brasileira para o Estudo de
Inadequação Sexual (ABEIS) e Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana
(SBRASH) e internacionais, como a International Society for Sexual Medicine (ISSM),
Sociedad Latinoamericana de Medicina Sexual (SLAMS) e World Association for Sexual
Health (WAS).
Repetindo o que já foi dito, não foi tarefa fácil entrevistá-los, principalmente os urologistas,
mais curtos e diretos em suas respostas. As médicas endocrinologistas foram um pouco menos
superficiais, mas era perceptível o controle de cada palavra dita. Elas falavam como se
estivessem “pisando em ovos”. Uma delas, inclusive, não permitiu que a entrevista fosse
gravada e que eu fizesse anotações, exatamente quando ela respondia questões pertinentes à
pesquisa. Os urologistas não mediram tanto as palavras como as endocrinologistas, porém
utilizaram outros meios de defesa: responder uma pergunta com outra; responder o que não foi
perguntado; usar um tom de voz mais agressivo; voltar a falar de suas competências
profissionais quando essa parte da entrevista já havia encerrado; responder de maneira dúbia.
As entrevistas se iniciaram com perguntas mais gerais175, que se referiam à trajetória
profissional e atribuições referentes à especialidade dos entrevistados, com o objetivo de ir
“quebrando o gelo”. Procurei não fazer perguntas diretas sobre supostas relações médicas com
175 O roteiro utilizado nas entrevistas com os médicos se encontra no apêndice F.
159
a indústria farmacêutica, tema mais importante para a pesquisa, mas introduzir a questão,
indiretamente, a partir de alguma resposta dada. Foi possível observar, desta forma, alguns
pontos em comum no discurso dos entrevistados. Buscaremos fazer uma descrição e análise
deles, ilustrando com alguns trechos das entrevistas.
Utilizaremos o trabalho de Bourdieu (1974) como um dos referenciais de análise. Ao
estudar o mercado das obras de arte, o autor aponta um aparente paradoxo vivido pelos
escritores e artistas. Estes teriam a possibilidade de afirmar, simultaneamente, tanto em suas
práticas quanto nas representações que detêm de tais práticas, “a irredutibilidade da obra de arte
ao estatuto de simples mercadoria, e também, a singularidade da condição intelectual e artística”
(BOURDIEU, 1974, p. 103). Ou seja, embora a obra intelectual e/ou artística esteja inserida
num mercado financeiro competitivo, manteria sua “essência”. A produção intelectual teria
certa “imunidade”, nenhuma pressão mercadológica poderia atingi-la.
Ao fazermos um paralelo com a classe médica, podemos pensar que os médicos também
vivem um paradoxo semelhante. Ao mesmo tempo em que a prática médica pode ser vista como
influenciada ou até mesmo determinada pelo conhecimento baseado em “evidências
científicas” (CAMARGO Jr. 2003)176, utilizado de forma “abnegada e desinteressada” por tais
profissionais, ela também está inserida num mercado competitivo, marcado pela produção de
bens simbólicos. Um trecho de artigo médico destaca:
A MEDICINA é sacerdócio e assim exige acentuada vocação. Vocação significa voz.
A voz interior que solicita e dirige os indivíduos para um determinado mister como se
fossem atraídos pela luz. Na Medicina não há o dilema de quem surgiu primeiro, o
ovo ou a galinha. A Medicina surgiu em função dos doentes. O doente é a razão de
ser da Medicina. Gerou-a a dor, as lágrimas, a angústia dos necessitados, não os
interesses dos médicos. Em Medicina tudo deve ser feito em favor dos doentes, para
seu bem e garantia. A MEDICINA tem por objetivo o bem dos doentes, não o dos
médicos. (PEREIRA, 2002, on-line, grifo do autor)177.
Percebemos, aqui, a visão da medicina como uma profissão exercida por pessoas que
atingiram um tipo de “iluminação interior”, caracterizada pelo sacrifício e pela entrega
profissional. O bem dos doentes consiste no único objetivo a ser alcançado, ou seja, outros
176 Conforme aponta o autor, o conhecimento, baseado em “evidências científicas” muda, substancialmente, ao
longo do tempo. Isto é, o que é considerado evidência segue critérios que selecionam e absorvem o
conhecimento estrategicamente relevante para os médicos. (CAMARGO Jr. 2003).
177 Disponível em: http://www.moreirajr.com.br Acesso em: 20 jan. 2018.
160
interesses seriam irrelevantes e, até mesmo, uma afronta ao “sacerdócio médico”. Essa
simbologia, envolvendo a prática médica, parece fazer parte não só do pensamento leigo, mas,
conforme se lê no trecho acima, também da construção da própria identidade profissional.
Quanto à produção de bens simbólicos, Bourdieu (1974) afirma que, com os progressos da
divisão do trabalho, uma categoria particular de produção, especificamente destinada ao
mercado emergiu. Essa categoria e o estabelecimento da obra de arte como mercadoria
proporcionaram uma conjuntura favorável a uma “teoria pura da arte”, ou seja, da arte quanto
tal, em que se instaura uma dissociação entre a arte vista como mercadoria e a arte considerada
“pura significação”. A cisão fora, então, produzida por um propósito unicamente simbólico e
“destinada à apropriação simbólica, isto é, a fruição desinteressada e irredutível à mera posse
material” (BOURDIEU, 1974, p. 103).
Segundo o autor, isso impulsionou a ruptura de vínculos entre os artistas e seus patrões ou
mecenas, tornando aqueles, de modo geral, independentes em relação às encomendas diretas.
Assim, um mercado impessoal começou a se desenvolver, com o surgimento de um público
numeroso de compradores anônimos de ingressos de teatro ou de concerto, de livros ou quadros.
A liberdade proporcionada aos artistas, no entanto, revelou-se formal, uma condição à
submissão às leis do mercado de bens simbólicos, a uma demanda que surgiria por meio dos
índices de venda e das pressões de editores, diretores de teatro, marchands de quadros.
Como consequência disso, concepções relacionadas ao romantismo, desde a representação
da cultura como “realidade superior e irredutível às necessidades vulgares da economia”
(BOURDIEU, 1974, p. 104) até a ideia de uma “criação artística livre e desinteressada”,
proveniente de uma inspiração inata, emergem como uma espécie de contestação diante das
ameaças que a dinâmica mercadológica faz pesar sobre as produções artísticas, ao substituir as
demandas de clientes selecionados pelas demandas imprevisíveis, provenientes de um público
anônimo.
Aqui, mais uma vez, fazendo um paralelo com a profissão médica, podemos pensar na ideia
que existe, tanto no meio médico quanto no leigo, de que há profissionais médicos
comprometidos com a “ciência pura” e aqueles que se deixam levar pela “sedução do mercado”.
Percebemos, durante as entrevistas, que tal concepção foi representada pela dicotomia do “nós
versus eles”. O “nós” era constituído por médicos comprometidos com a “pureza científica” e
que, mesmo recebendo apoio financeiro da indústria farmacêutica, estariam “protegidos” de
qualquer influência mercadológica. Já os “eles” seriam aqueles que “trairiam os ideais
científicos” por interesses pessoais e não, necessariamente, pertencentes à classe médica,
podendo exercer outras profissões, como farmacêuticos e propagandistas.
161
Notamos isso, por exemplo, quando o dr. Paulo (urologista, 2017) se referiu aos
farmacêuticos que acabam cedendo às pressões da indústria farmacêutica por interesses
pessoais: “Então, tem gente da tua área que trabalha com isso, e que pra não perder o emprego
diz o que a indústria mandou.” Ele chega até mesmo a usar uma palavra forte ao se referir à
classe médica e à classe farmacêutica: “Então, a nossa classe é desgraçada, mas a tua também
não se salva.”
O dr. Ricardo (urologista, 2016) também apontou a existência de médicos que acabam
agindo de acordo com seus interesses: “O que não pode e, às vezes, nem é tão comum, os
médicos... Às vezes, eles têm certo interesse em agradar o laboratório, né?” Já dr. Marcos
(urologista, 2016) atribuiu o ceder ao “viés mercantil” da indústria a uma escolha pessoal: “Vem
gente falar ‘Não, a indústria corrompe’. Ela corrompe quem quer ser corrompido”. Além disso,
afirmou que há corrupção em todas as profissões, não apenas na médica: “O médico tem,
teoricamente, um padrão ético alto a seguir, né? Mas não é todo mundo que segue. Um monte
de fraude, um monte de... De coisa que acontece como toda profissão que é uma …. A nossa
sociedade brasileira ela é muito corrupta.” Também destacou a necessidade de o médico saber
selecionar as informações provenientes das empresas farmacêuticas: “Precisa ter uma, uma...
Um filtro.”
Outro exemplo nesse sentido é o da dra Regina (endocrinologista, 2017) que, por estar
envolvida com pesquisa, numa universidade pública, disse ser capaz de “filtrar” as informações
provenientes das empresas farmacêuticas:
E outra, estando nessa parte hospitalar, de trabalhar com muita pesquisa e tal, a gente,
assim, eu recebo as informações, mas eu filtro. E eu acho que todos os médicos
deveriam fazer isso, mas a gente sabe que não é isso que acontece. (..) então, nós
fazemos alguma coisa pro laboratório, estudo, mas assim... Fui membro do (inaudível)
da A178 quando lançaram o verde, então na época da testosterona eu já participei de
algumas coisas, mas, assim, as aulas que eu dou eu... Não que eu fale do medicamento,
do medicamento em si. Só da patologia e da indicação (Dra. Regina, endocrinologista,
2017)
Observamos, nos trechos acima, certa crença na imparcialidade e na neutralidade da
ciência, bem como na capacidade que um médico teria de “filtrar” informações recebidas de
empresas farmacêuticas. Isso contrasta com o já citado trabalho de Camargo Jr. (2003). Ele
destaca que as informações disponíveis no meio médico são, quase exclusivamente, oriundas
da indústria farmacêutica. Além disso, segundo o autor, a formação acadêmica seria
178 Por questões éticas, nomes de empresas farmacêuticas, instituições de pesquisa/ensino e nomes comerciais de
medicamentos citados nas entrevistas serão substituídos por letras, nome de flores e cores, respectivamente.
162
caracterizada pela ausência de estímulo à avaliação criteriosa de textos científicos, o que
impulsionaria os médicos a ocuparem uma posição similar a dos leigos em relação à prescrição
médica.
Ao realizar minha pesquisa de mestrado, notei uma ilustração dessa questão. Nos sites de
associações médico-científicas e de laboratórios farmacêuticos pesquisados, as áreas de acesso
restritas aos médicos e outros profissionais de saúde, na maioria das vezes, continham
informações que se diferenciavam das áreas destinadas ao público leigo em poucas coisas, como
disponibilidade de acesso a alguns artigos científicos e bulários.
Além disso, como já comentado anteriormente, as imagens contidas nesses sites
possuíam certo padrão de apresentação. Isso sugeria sua direção a um público específico (classe
média alta, branca, heterossexual, entre 45-65 anos). Assim, ideias e concepções sobre saúde
/doença, associadas ao consumo de bens e serviços de saúde, demarcavam, neste caso, classe,
faixa etária, orientação sexual e raça. Tal fenômeno parece fazer parte do processo de
construção de um mercado segmentado, que “inclui” e “exclui” pessoas a partir de diferenças
sociais /raciais e comportamentais, impulsionando a demarcação de um público consumidor.
Vale ressaltar que todas as informações sobre saúde/ doença e medicamentos disponíveis
nos sites de associações médicas eram provenientes de empresas farmacêuticas. Portanto, neste
caso, a internet exerceu a função de um veículo de transmissão de mensagens relacionadas a
problemas de saúde e seus respectivos tratamentos, tanto para a população leiga quanto para a
classe médica, de uma maneira, grosso modo, similar179.
Ao analisarem material publicitário de medicamentos para tratamento da “disfunção
erétil”, Faro et al. (2013) apontam que o discurso do marketing farmacêutico dirigido aos
médicos veiculava novas concepções referentes a categorias diagnósticas, enquanto reforçava
ideias tradicionais de gênero e sexualidade. As imagens contidas nessas propagandas
chamavam atenção por remeterem a pressupostos do senso comum, e que, aparentemente,
poderia fazer pensar que seriam direcionadas ao público leigo, não a médicos especialistas:
Em outras palavras, usa-se com o médico imagens e concepções do senso comum
como se ele fosse um leigo. A impressão que se tem é que se pretende “vender” o
produto ao profissional como se fosse para uso próprio, ou seja, apesar de a
propaganda em princípio ter como objetivo instigar o médico a prescrever, pela
linguagem e imagens utilizadas parece estar vendendo o medicamento em si. (FARO
et al., 2013, p. 314).
179 No entanto, é preciso considerar que essa é uma via de mão dupla, ou seja, as mensagens transmitidas
estavam, de alguma forma, indo ao encontro de ideias, percepções e demandas que transitam no imaginário
desse grupo. Além disso, a formulação de tais imagens, a fim de transmitir determinadas mensagens para um
público específico, estava ancorada em certo entendimento do que se passa nesse imaginário.
163
Assim, a ideia de que tanto a prática quanto o discurso médico sejam “imunes” a qualquer
interferência localizada fora da esfera “científica” contrasta com o exemplo citado, pois este
sugere uma influência significativa da indústria farmacêutica no modo pelo qual os médicos
avaliam e usam os produtos por ela promovidos.
Relacionada à essa noção de “imunidade” está a de “independência profissional”, isto é, a
total liberdade dos médicos em tomar decisões, estando completamente “livres” para decidirem,
por exemplo, o que falar sobre certo medicamento promovido pela indústria farmacêutica ou se
devem prescrevê-lo para seus pacientes.
Podemos constatar isso na fala de dr. Ricardo (urologista, 2016): “E eu falava e eles sabiam
que eu vinha pelo laboratório, que eu estava sendo, inclusive, pago para dar essas palestras e eu
falava sobre essa droga. Eu dizia todos os prós e os contras, entendeu? Dessa droga. Então, eu
tinha independência pra falar.” Ou seja, mesmo sendo pago pela empresa farmacêutica, segundo
dr. Ricardo, ele teria total liberdade para falar sobre o medicamento promovido: “Mas, assim,
eu sempre dizia: eu tô falando porque eu acho, não porque o laboratório quer que eu fale isso,
né?” A frase do dr. Marcos (urologista, 2016) também ilustra essa ideia: “[...] eu nunca prescrevi
uma medicação porque alguém me pediu pra prescrever, eu prescrevi porque eu acho que tá
certo.”
Em contraste com essa ideia de “independência profissional” da classe médica, autores
como Rampton e Stauber (2001) descrevem o expert (perito, especialista) como peça-chave de
um tipo de estratégia de divulgação e promoção de produtos farmacêuticos, utilizada pela
indústria farmacêutica. Por ser detentor de uma suposta “neutralidade” e “imparcialidade”, além
do reconhecimento em sua área de atuação, o especialista emprestaria sua imagem e
credibilidade para que, através de veículos de comunicação, como jornais, revistas, televisão e
internet, promova e/ou divulgue uma ideia, serviço, marca ou produto relacionado a
determinada empresa farmacêutica. O dr. Ricardo comentou uma de suas experiências:
Há duas semanas atrás, a A me convidou pra dar uma palestra, pra gravar uma palestra
que é pra farmacêutico, entendeu? Em que eu ia falar sobre hipertrofia prostática
benigna, que é esse tumor benigno de próstata. E ela tem um produto, quer dizer, não
foi falado na hora, mas eu falei tudo sobre hipertrofia prostática, explicando, né? E
ela tem um produto que é o vermelho, que é tadalafila, que além de facilitar a ereção,
ele relaxa a uretra e tá indicado como sintomático, pra facilitar o indivíduo urinar. [...]
então, por isso que dei uma aula sobre a próstata pra farmacêutico. Mas aí foi ... foi
pela internet (Dr. Ricardo, urologista, 2016).
164
Percebemos aqui que, além de promover e divulgar um determinado medicamento para
outros profissionais da área de saúde180, juntamente com a divulgação e promoção de uma
doença, o entrevistado cita, tranquilamente, o nome comercial do medicamento e a empresa que
o produz. Notamos tal comportamento em todos os entrevistados urologistas. Inclusive, quando
falavam sobre ensaios clínicos financiados pela indústria farmacêutica:
Sim, eu fiz muitos estudos clínicos, desses produzidos181 por laboratório de pesquisa
clínica mesmo, né? No início, quando surgiu o azul, então, foram feitos estudos, já
fase IV, né, que comparava o azul no início com uma droga chamada apomorfina, que
era o tal de amarelo, né, do laboratório C... É.... Se comparou o azul com a... que é a
sildenafila, com o vermelho, que é a tadalafila. Eu fiz estudos também do lançamento
do marrom, que é o vardenafila. (dr. Ricardo, urologista, 2016).
Apenas as duas endocrinologistas entrevistadas expressaram certo receio em relação a isso,
inclusive uma delas me perguntou se era permitido citar tais nomes na entrevista. Respondi que
ela poderia citar, mas que não os colocaria no trabalho, por questões éticas.
Também podemos fazer um paralelo entre a construção da noção de autonomia da classe
artística com a ideia de independência e autonomia profissional médica a partir da obra de
Bourdieu (1974). O autor destaca que a emergência de um público anônimo comprador de
produções eruditas e a explosão do emprego de métodos ligados ao campo econômico e à
comercialização da arte coincidiram com a construção da noção de “autonomia” do criador, que
teria capacidade de reconhecer, exclusivamente, o receptor ideal, expressado por outro
“‘criador’, contemporâneo ou futuro, capaz de mobilizar em sua compreensão das obras a
disposição ‘criadora’ que define o escritor e o artista autônomos” (BOURDIEU, 1974, p. 104).
Pensando na esfera médica, o médico, principalmente o especialista, seria, neste caso, capaz de
diferenciar qualitativamente as informações provenientes da indústria farmacêutica,
reconhecendo as que estariam associadas “apenas a estratégias de marketing” das que seriam,
realmente, “científicas”.
Bourdieu argumenta, ainda, que o grau de autonomia de um criador, no campo de produção
erudita, pode ser medido com base no poder que ele tem de estabelecer as normas de sua
produção e os padrões utilizados para avaliação de seus produtos. Isto é, ser capaz de retraduzir
180 O entrevistado afirmou, durante a entrevista, que ministrou muitas aulas para farmacêuticos, patrocinadas por
uma empresa farmacêutica, em que falava sobre determinado medicamento, recém lançado no mercado, para
tratamento de disfunção erétil. Mencionou, com certa naturalidade, o objetivo dessas aulas/palestras: “[...] ela
queria, assim, educar os farmacêuticos, entendeu? [...] em palestras tipo assim, comerciais mesmo deles. [..]
eles convidavam, vamos supor, 10, 20 farmacêuticos e iam num restaurante, por exemplo, numa churrascaria,
e eu dava palestra e depois eles ofereciam um jantar pra eles” (Dr. Ricardo, urologista,2016). 181 É importante ressaltar que ele usou a palavra “produzidos” ao invés de “financiados” ou “patrocinados”, fato
bastante curioso.
165
e reinterpretar as regras externas conforme seus próprios princípios de funcionamento.
Conforme afirma:
Em outros termos, quanto mais o campo estiver em condições de funcionar como a
arena fechada de uma concorrência pela legitimidade cultural, ou seja, pela
consagração propriamente cultural e pelo poder propriamente cultural de concedê-la,
tanto mais os princípios externos segundo os quais se realizam as demarcações
internas aparecem como irredutíveis a todos os princípios externos de divisão, por
exemplo os fatores de diferenciação econômica, social ou política, como a origem
familiar, a fortuna, o poder (no caso de um poder capaz de exercer sua ação
diretamente sobre o campo), bem como às tomadas de posição políticas.
(BOURDIEU, 1974, p. 106).
Ao observar o discurso dos médicos entrevistados, percebemos a existência da crença no
poder e na liberdade de construir discursos e práticas, bem como de estabelecer padrões de
avaliação sobre informações de medicamentos promovidos pela indústria farmacêutica. Como
comentou dr. Ricardo:
O próprio laboratório B convidou, inclusive, eu, dra. Júlia, dr. Marcos, entendeu? Nós
fomos pra Bélgica, né? Em Bruges, onde eles deram um curso pra nós sobre
hormônios, entendeu? Então, assim, eles fazem isso e a gente até aceita, dentro de
uma ética, quer dizer, não é porque eles aceitaram, eles me convidaram que eu só
receito, por exemplo, o roxo da D ou o verde. Por exemplo, eu receito esses dois, mas
eu receito muito também o medicamento da D que é o branco, né? (Dr. Ricardo, 2016).
Vemos, aqui, dr. Ricardo enfatizando que, independente de fazer um curso sobre hormônios
fora do país, patrocinado por uma empresa produtora desse tipo de substância, tem total
capacidade de discernir, por meio de sua expertise, se determinado medicamento promovido
deve ser prescrito ou não.
É certo que líderes de opinião estão numa posição hierarquicamente acima dos demais
médicos da mesma especialidade, no que diz respeito ao nível de legitimidade atribuído a seus
discursos e práticas médicas. São profissionais consagrados, cuja palavra é altamente respeitada
e influenciadora. Afinal, eles têm anos de experiência na área e são considerados os melhores
entre seus pares. Talvez, isso também explique a forma pela qual se referiram aos
financiamentos recebidos pela indústria farmacêutica.
Ao invés de problematizarem a possibilidade de existir algum conflito de interesse nessa
relação, trataram-na como algo natural, importante para a realização de suas pesquisas, ou até
mesmo como um tipo de identificador de status profissional, já que não é “qualquer médico”
que consegue patrocínio de empresas farmacêuticas tanto para pesquisar quanto para dar aulas,
palestras: “Eu percorri o Brasil todo, inclusive, patrocinado pelo laboratório E, pra falar sobre
166
essa droga.” (dr. Ricardo, urologista, 2016); “A indústria me convida pra dar aula, me
convida.... Assim, eu me lembro, na época que tinha a F, a A, e a do marrom, eu dava aula pra
todas”. (dr. Marcos, urologista, 2016).
No entanto, ao mesmo tempo em que esses médicos afirmaram receber financiamento da
indústria farmacêutica, também fizeram uma crítica ao viés mercantil presente na promoção e
divulgação de medicamentos pelas empresas farmacêuticas, além de apontarem a importância
de deixar claro, em trabalhos e apresentações, se houve financiamento da indústria. É o que
podemos observar nos trechos abaixo:
Quando você vai fazer uma palestra sobre medicamentos é importante que, pra quem
você tá falando, ele saiba da relação que você tem com esse medicamento, entendeu?
[...] eu falo aquilo que eu acho e aquilo que eu considero que deve ser falado, sem
problema nenhum, né? Mas, aí, eu acho importante você deixar bem claro que você...
As ligações que você tem, né? Com o laboratório (Dr. Ricardo, urologista, 2016).
Eu acho isso superimportante. Eu quando dou aula, sempre meu primeiro slide é meu
conflito de interesse. (...) eu acho que é importante você colocar porque a pessoa que
vai analisar o que você tá falando tem que saber se... Qual é a sua relação. É
fundamental. A... É... Acho que é importante você colocar nos trabalhos isso, né? A
indústria força sempre um pouco a barra. Óbvio. A indústria sempre tenta mostrar o
lado bom do remédio. É... Eles têm que ganhar dinheiro. Eles fazem de um jeito que
eles tentam mostrar sempre que, se é um negócio ruim e se eles puderem dar uma
maquiada, eles tentam. Eu acho que cabe à classe médica, cabe aos revisores de revista
entender o que tá acontecendo (dr. Marcos, urologista, 2016).
“[...], mas isso depende da seleção dos indivíduos, porque cada laboratório, por exemplo,
estabelece, tem um viés aí que é um viés mercantil, não é?” (dr. Paulo, urologista, 2017).
Também denunciaram a existência de práticas manipuladoras, que podem fazer parte da
relação entre as empresas farmacêuticas e a classe médico-científica, chegando até à esfera das
publicações científicas, mais uma vez dentro da dinâmica do “nós versus eles”:
Tem muitos ensaios clínicos que foram feitos por decisão da.... da in... Eu fui
coordenador do CEP, do Comitê de Ética em Pesquisa, dez anos, da nossa
universidade, na Rosa. Tem muitos estudos que foram feitos e que tinha uma... Um
item que é a... A publicação ou não, que deveria ser um acordo restrito com o
patrocinador, então tem muitos que não acharam relevantes, não queriam publicar até
por que iam dar um tiro no pé, né? (dr. Paulo, urologista, 2017).
Eles também fazem fraude. Ou o médico faz ou eles também fazem. São... São... São
seres humanos e... E... Tem, você precisa tomar um certo cuidado quando você lê,
quando você … Por exemplo, você vê dos dois lados, por exemplo, a testosterona teve
dois ou três trabalhos que mostraram que testosterona fazia mal pro coração, né... Teve
167
um trabalho é... Que... Eles mostraram... Se você pega os resultados contidos do
trabalho mostra que a testosterona melhorou, favoreceu, é... Protegeu o coração. Os
autores fizeram não sei que cálculo de estatística que eles conseguiram mostrar o
contrário, né? [...] por um lado, você tem o trabalho da indústria dizendo que o
remédio é maravilhoso e não fala os efeitos colaterais, ou pega o... Um jeito de mostrar
que o efeito colateral é menor... Então, você precisa tomar cuidado, precisa olhar
mesmo. Se você for olhar publicação, né? A quantidade de trabalhos com fraude...”
(dr. Marcos, urologista, 2016).
Na entrevista do dr. Ricardo (urologista, 2016) notamos, inclusive, a visão de que o
marketing farmacêutico acaba atingindo o público leigo, impulsionando a procura de
tratamento com reposição hormonal sem necessidade:
Existe uma tendência, coisa muito da indústria, né, que faz reposição hormonal, etc e
tal, então, tem muitos homens que acham que tendo, assim, cinquenta, sessenta anos,
vêm aqui perguntando se precisa fazer reposição hormonal. E, de repente, você faz
uma anamnese e não tem queixa nenhuma, você faz a dosagem hormonal e tá normal
e a gente sempre orienta, né, que não é e não precisa fazer reposição (dr. Ricardo,
urologista, 2016).
O fato desses profissionais se sentirem à vontade para expor suas relações com a indústria
farmacêutica, ao mesmo tempo em que criticam o viés mercantil relacionado à promoção de
medicamentos, pode estar ligado às ideias de independência e autonomia profissional, à crença
numa competência profissional, que apenas os melhores conseguem atingir, por isso a indústria
estaria disposta a investir em pesquisas chefiadas por esses profissionais. A valorização da
expertise esteve presente na fala de todos os médicos entrevistados, e sempre associada à ideia
de “imunidade” em relação a possíveis influências da indústria farmacêutica.
Observamos essa crença em trechos da entrevista do dr. Marcos, ao explicar que, durante
a visita de um propagandista, ele teria o papel de ajudá-lo a levar as informações adequadas
para os “médicos comuns”, que necessitam muito mais receber visita de propagandistas do que
os experts:
Então, às vezes, a gente ajuda mais a controlar do que o representante chegar para o
urologista comum e falar ‘Olha, eles têm uma testosterona injetável e é melhor por
isso’. (...)então, o representante tem uma importância. Então, eles falam ‘Ó, o senhor
quer ver a peça promocional? O senhor acha que ficou bom? A gente pode falar isso
e tal?’ E eles perguntam isso pra mim, perguntam pra quem é especialista, né? (dr.
Marcos, urologista, 2016).
Ele também destacou a importância dos profissionais da indústria na educação desses
médicos comuns:
168
[...] porque quando você não é especialista, representantes têm uma função
importante. Por isso que existem representantes há trezentos anos, né? Eles fazem uma
parte da educação médica. (...)então, o representante tem uma importância.
Principalmente quem tá fora dos grandes centros, quem não tem acesso à tanta
literatura e acaba tendo um papel importante (dr. Marcos, urologista, 2016).
Voltando à questão do financiamento de empresas farmacêuticas no campo médico-
científico, dr. Marcos declarou um ponto muito interessante sobre a relação entre a Sociedade
Brasileira de Urologia e a indústria farmacêutica:
Eu acho essa parceria fantástica, porque você... Dinheiro pra pesquisa eles têm. E eles
ajudam (...) essa relação é uma relação que pode ser muito.... ruim, mas pode ser muito
boa. Por exemplo, antes de 99, 98, quando saiu azul, não tinha nenhum centro de
pesquisa clínica em urologia no Brasil. A Amora colocou dinheiro e hoje nós temos
90 centros que fazem pesquisa clínica pra urologia, que estão aptas pra fazer. Eu fiz
curso de pesquisa clínica. Então, esse dinheiro é um dinheiro que pode ser muito bem
aproveitado. (...) todo dinheiro que vai pra Sociedade de Urologia vem da indústria.
Você pode aproveitar perfeitamente. Você pode treinar os urologistas, fazer educação
continuada... Então, eu acho que é uma parceria boa, só precisa ter limites (dr. Marcos,
urologista, 2018).
Os trechos acima mostram que a especialidade urologia recebe bastante financiamento
da indústria atualmente, e o início disso teve, aparentemente, relação direta com o lançamento
de determinado medicamento prescrito para disfunção erétil. Desta forma, parece que as
empresas farmacêuticas viram no mercado voltado para a saúde sexual masculina uma grande
oportunidade de lucro. Isso pode explicar o persistente marketing farmacêutico em torno da
terapia de reposição hormonal com testosterona como tratamento para um problema de saúde
relacionado ao declínio hormonal, cujo sintoma mais destacado é a disfunção erétil, bem como
a grande quantidade de pesquisas patrocinadas por empresas farmacêuticas nessa área.
Além disso, o dr. Marcos comentou que a indústria farmacêutica não beneficiou apenas os
médicos urologistas, mas também a própria Sociedade Brasileira de Urologia, constituindo sua
única fonte de renda. Isso pode explicar o fato de uma grande quantidade de ensaios clínicos,
patrocinados por empresas farmacêuticas, serem desenvolvidos pela urologia, o que não ocorre
da mesma forma com a endocrinologia. A dra Regina (endocrinologista, 2017) apontou isso em
uma de suas falas: “É.... Eu não sei exatamente por que, mas eles têm mais apoio, na verdade,
da indústria, né? A SBU é uma sociedade que tem (inaudível), é uma sociedade mais antiga
até.”
Assim, foi possível notar diferentes posições hierárquicas dentro do conjunto dos médicos
entrevistados. A primeira se refere à função de líderes de opinião, ocupada tanto por
169
endocrinologistas quanto urologistas, embora numa proporção numérica diferenciada, pois os
médicos que mais pesquisam e dão palestras sobre o declínio hormonal masculino relacionado
ao envelhecimento e seu tratamento são os urologistas. As endocrinologistas e os urologistas
entrevistados ocupam uma posição hierarquicamente superior, no campo de suas
especialidades, em relação aos demais médicos.
No entanto, ao compararmos as endocrinologistas com os urologistas, percebemos que,
embora haja um esforço da endocrinologia em legitimar seu lugar como especialidade mais
habilitada para diagnosticar esse declínio hormonal e prescrever a TRH com testosterona é a
urologia que ocupa uma posição predominante nessa área. Tal especialidade concentra suas
atividades no sistema urológico, que inclui os genitais e trata a sexualidade masculina como
centrada no órgão sexual. Isso coloca a sexualidade masculina na dimensão da visibilidade, pois
tem na fisiologia e anatomia de um órgão a base para a construção de diagnósticos e
desenvolvimento de tratamentos, algo interessante para a indústria farmacêutica e de
equipamentos médicos. Já a endocrinologia tem uma visão mais global da questão hormonal,
bem como da sexualidade masculina, o que coloca a sexualidade na dimensão da invisibilidade
e não centrada em um órgão ou sistema corporal.
Ao falarmos de expertise, consideramos importante apontar o trabalho de Fleck (1979),
no qual se destacam dois conceitos centrais: o coletivo de pensamento e o estilo de pensamento.
O primeiro refere-se a uma comunidade de pessoas que intercambiam ideias mutuamente ou
por meio da manutenção de uma interação intelectual. O segundo diz respeito a uma contrição
definida do pensamento, a um conjunto de preparação ou disponibilidade intelectual para uma
maneira particular de ver e agir em detrimento de qualquer outra. Ou seja, o estilo de
pensamento não é uma característica possível de ser adotada voluntariamente, mas sim imposta
pelo processo de socialização, representado pela integração em um coletivo de pensamento.
Desta forma, o estilo de pensamento determina, por exemplo, “que textos são lidos, como eles
são lidos, e como (ou se) eles são incorporados ao estoque de conhecimento disponível”.
(CAMARGO JR, 2003, p.1165).
Fleck descreve duas dimensões dentro de um coletivo de pensamento na ciência moderna.
A primeira dimensão é chamada de “círculo esotérico”, na qual os experts, ou seja, aqueles que
“produzem” conhecimento científico, inserem-se. Tal dimensão é composta por um círculo
mais interno, em que se situam os experts especializados e por um círculo mais externo, onde
se localizam os experts generalistas. A segunda dimensão, denominada “círculo exotérico” é
constituída pelos “leigos educados”. Essa descrição possibilita a diferenciação entre maneiras
diferentes de comunicação. No círculo esotérico, a “ciência da expertise” se caracteriza pela
170
produção do periódico técnico/científico e do livro de referência. Já o exotérico é configurado
pelos periódicos de ciência popular ou de divulgação.
Nesta perspectiva, os líderes de opinião estariam na parte mais interna do círculo esotérico,
ou seja, seriam os vistos como “produtores do conhecimento científico”, os que possuem
publicações em revistas médicas respeitadas e são convidados para darem aulas e palestras em
eventos científicos. Dentro desse círculo mais interno, ao compararmos os líderes de opinião
urologistas com os endocrinologistas, tomando como base o problema médico declínio
hormonal masculino relacionado ao envelhecimento e seu tratamento, os urologistas teriam um
status profissional maior do que os endocrinologistas. No círculo esotérico mais externo,
estariam os demais médicos urologistas e endocrinologistas. Aqui, também parece haver uma
diferença de status profissional entre eles, na qual os urologistas ocupam uma posição superior
à dos endocrinologistas, no que diz respeito ao status profissional.
Notamos essa percepção quando a dra. Regina (endocrinologista, 2017) criticou a própria
especialidade, que, segundo ela, não se posiciona de forma mais agressiva no campo: “Eu falo
sempre que a endocrinologia, como uma especialidade clínica, ela não é muito agressiva,
digamos assim, em relação a se posicionar, dentro das especialidades.” Ela também comentou
o poder que a Sociedade Brasileira de Urologia tem, quando falei sobre a expansão da urologia
no campo da Saúde do Homem: “A sociedade de urologia é muito forte.”
Ao escrever minha dissertação de mestrado, percebi a existência de conflitos no meio
médico-científico, no que diz respeito à legitimação de categorias e terminologias envolvendo
o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. Para nós, esse fenômeno
consiste em um indicativo do processo de medicalização, que, como já descrito antes, conta
com a participação de vários atores, incluindo a classe médica e a indústria farmacêutica. Desta
forma, “[...] um nome legítimo para uma condição promulga o seu diagnóstico e, ao fazê-lo,
reestrutura e constitui, de certa maneira, a condição nomeada.” (THIAGO, 2012, p. 17).
Não podemos deixar de comentar novamente, aqui, que a promoção e divulgação da
categoria diagnóstica DAEM − utilizada quase exclusivamente pela urologia, tanto na mídia
em geral, quanto na área médico-científica − teve estreita relação com o lançamento da injeção
intramuscular de testosterona (Nebido®) da Bayer Schering Pharma, nos anos 2000, para o
tratamento dos sintomas do DAEM (ROHDEN, 2011). Esse pode ser considerado um exemplo
de co-promoção e co-divulgação de uma categoria diagnóstica (DAEM) e de seu tratamento, a
TRH com testosterona.
Outra questão que abordei em minha dissertação foi o papel da especialidade médica
urologia, juntamente com a indústria farmacêutica, na promoção e divulgação de novas
171
perspectivas de abordagem da Saúde Masculina. Um exemplo disso consistiu na parceria
firmada entre a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e a empresa farmacêutica Lilly, no
lançamento do “Movimento pela Saúde Masculina”, em 2010. O movimento teve como
objetivo orientar os homens quanto aos cuidados de sua saúde, além de oferecer-lhes a
oportunidade de serem examinados por urologistas182. Nesse movimento, o tratamento para o
declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento teve destaque. Além disso, houve
participação efetiva da SBU na formulação e lançamento, no Brasil, da Política de Atenção
Integral à Saúde do Homem, em 2009 (CARRARA; RUSSO; FARO, 2009).183
A urologia, antes considerada um ramo da cirurgia, como já comentamos, vem se
legitimando como especialidade médica masculina. No entanto, ela não trata apenas do homem,
apesar de ser apresentada pela própria Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) desta forma. A
despeito de sua conhecida atuação no tratamento do trato urinário masculino e feminino, essa
especialidade tem priorizado a saúde masculina, com ênfase na área sexual, além de promover
internacionalmente suas propostas aos profissionais da área médica e sexual. (GIAMI, 2009a).
Ou seja, atualmente, ela está se consolidando como especialidade médica responsável por
tratar de problemas relacionados à saúde masculina, especialmente os da esfera sexual, com o
declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento entre eles. Como afirmou dr.
Saulo (urologista, 2017) na entrevista:
[..] dentre os assuntos que a andrologia, como é conhecida a partir da urologia, que
trata da saúde sexual dos homens, dentre os assuntos que ela aborda é... A deficiência
androgênica é um assunto axial. O outro é a disfunção erétil. Têm outras, mas esses
dois são os principais da abordagem andrológica. (...) os dois assuntos mais marcantes,
que são eixo dessa atividade da andrologia, são a deficiência da testosterona e a
disfunção erétil, que em algum momento elas têm a ver uma com a outra né? A falta
da testosterona, lá no final do quadro clínico vai levar a uma disfunção erétil,
originária dela (dr. Saulo, 2017).184
182 Disponível em: http://www.movimentosaudemasculina.com.br. Acesso em: 14 mai. 2011.
183 Segundo os autores, a SBU vem se envolvendo em projetos relacionados à saúde do homem desde, pelo
menos, 2004. No decorrer do ano de 2008, “pressionou” diferentes setores do governo, parlamentares,
conselhos de saúde e outras sociedades médicas no sentido de se elaborar uma política específica envolvendo
homens e saúde. Além do estabelecimento das diretrizes dessa política, havia interesses corporativos, como a
questão do valor dos honorários pagos aos urologistas pelo SUS. A primeira campanha de esclarecimento
destinada à população masculina foi lançada em 2008 e dedicada à disfunção erétil.
184 Aqui, novamente, aparece a questão da centralidade do órgão sexual em si (fica ereto, é capaz de
penetração?), ou seja, é uma visão anatômica e fisiológica da sexualidade.
172
Há um cenário, então, de ampliação do espectro de indicação da TRH com testosterona,
que passa a ser considerada o tratamento mais adequado para um declínio hormonal masculino
relacionado ao envelhecimento, caracterizado e promovido pela urologia como DAEM, e que
coincide com um momento de afirmação dessa especialidade como a mais apta para tratar a
saúde sexual masculina. Além disso, parece se relacionar diretamente à promoção e divulgação
da disfunção erétil, que teve como marco o lançamento do medicamento Viagra®, em 2008,
prescrito paro tratamento dessa disfunção. (FARO et al., 2010).
Bourdieu (1983) define o campo científico como um sistema de relações objetivas, no qual
ocorrem disputas pelo monopólio da autoridade científica. Essa autoridade é definida como
capacidade técnica e poder social, dentro de um contexto de competição por espaço entre
posições adquiridas anteriormente e também por novas posições.
Para o autor, é equivocada a ideia de uma comunidade científica autônoma, “isolada” da
sociedade, auto-reprodutora, composta por cientistas neutros, interessados somente no
progresso científico. Nada disso corresponderia à realidade observada na dinâmica das práticas
científicas, onde há conflitos e disputas de interesses. É introduzido, então, o termo “campo
científico”, definido como “o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial.” (BOURDIEU,
1983, p.1).
Os médicos, assim como os escritores, artistas e eruditos também trabalham para seus
concorrentes, não só para um público, neste caso seus pacientes. Segundo Bourdieu (1974) a
competição entre os produtores de arte se desenvolveria em nome de uma pretensão à ortodoxia
ou “ao monopólio de manipulação legítima de uma classe determinada de bens simbólicos.”
(BOURDIEU, 1974, p. 108).
Ao analisarmos as entrevistas, percebemos argumentos utilizados tanto pelos urologistas
quanto pelos endocrinologistas a fim de se legitimarem como os profissionais mais capacitados
para diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. Os
urologistas argumentaram que o exame da próstata, realizado somente por esses especialistas,
é fundamental para determinar se um paciente deve ou não fazer o tratamento com testosterona
para tratar o declínio hormonal relacionado ao envelhecimento. Como afirmou dr. Paulo
(urologista, 2017):
E tu vês que o tratamento, a reposição hormonal masculina tem que ter uma série de
cuidados, por causa da próstata, não pode... Antes de tu tratar alguém tem que ter
certeza que esse indivíduo não tem um câncer incipiente ou um pré-câncer de próstata,
e quem vai avaliar bem isso é o urologista. O endocrinologista não faz toque retal.
Alguns fazem, mas enquanto a gente faz aí vinte por dia, eles fazem um por mês (dr.
Paulo, urologista, 2017)
173
Isso é interessante, pois, de acordo com o que percebi no XXXV Congresso Brasileiro de
Urologia, a relação entre câncer de próstata e terapia de reposição hormonal masculina foi
considerada uma questão inexistente, até mesmo ultrapassada. O único problema, segundo os
urologistas, seria iniciar a reposição em um paciente já acometido pelo câncer, pois agravaria
seu estado. Mas, após o tratamento, a reposição poderia ser iniciada sem maiores problemas.
Conforme dr. Ricardo (urologista, 2016) comentou: “Olha, a testosterona é o alimento da
próstata, mas não é a testosterona que provoca o câncer. Se, por acaso, parecer um câncer que
a gente não sabe qual é a causa do câncer, então, a testosterona também vai alimentar esse
câncer, mas após o termino do tratamento a reposição poderia ser iniciada.”
Além desse argumento referente ao diagnóstico de câncer de próstata e a TRH com
testosterona, usado pelos outros urologistas, dr. Ricardo utilizou mais um argumento. Trata-se
da própria estrutura corporal masculina: “Porque existe no homem uma intersecção. (...)então,
a próstata, a uretra são dois aparelhos que se misturam, o urinário e o genital. Então, por isso
que o urologista cuida desses dois aparelhos.” Então, de acordo com esse raciocínio, o
urologista seria o médico mais apto para tratar os problemas de saúde envolvendo os aparelhos
urinário e genital masculinos, incluindo a deficiência hormonal relacionada ao envelhecimento.
Já as endocrinologistas mencionaram seu conhecimento mais aprofundado sobre os
hormônios como o que lhes dá maior legitimidade para fornecer o diagnóstico e tratamento
correto para os pacientes com declínio hormonal relacionado ao envelhecimento. É o que
podemos notar na fala da dra Regina (endocrinologista, 2017):
Mesmo porque isso é uma área muito específica dentro da endocrinologia, é... Até da
urologia, uma área bem específica e as pessoas não têm essa vivência do uso de
hormônios, né? E pra você analisar o uso de um hormônio você tem que conhecer
todo eixo que regula esses hormônios (...) por que quem faz reposição? Ginecologista
e endocrinologista. Existem aqueles urologistas, claro, que fazem a parte de
andrologia e aí eles se aprofundam melhor na parte hormonal (dr. Regina,
endocrinologista, 2017).
No entanto, apesar de as duas endocrinologistas entrevistadas afirmarem que sua
especialidade é a mais adequada para prescrever a TRH com testosterona, reconheceram que a
urologia vem crescendo e “ocupando” o espaço de outras profissões como a endocrinologia.
Acreditamos que tal crescimento se relaciona à construção de um novo campo na área da saúde
masculina, a “Saúde Sexual Masculina”, que abrange problemas médicos como disfunção erétil
e declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento.
174
Desta forma, ao analisarmos as entrevistas, pudemos focar em dois pontos envolvendo a
legitimidade do uso da TRH com testosterona. O primeiro está ligado à disputa de campo entre
a urologia e a endocrinologia. O segundo envolve a ciência, a biomedicina, isto é, a dimensão
em que os diagnósticos médicos se situam. Por isso, tanto as endocrinologistas quanto os
urologistas entrevistados buscaram traçar um diferencial entre o uso recreativo de testosterona
por aqueles que não teriam uma “deficiência” para tratar e os pacientes com uma “queda”
hormonal. Os trechos das entrevistas abaixo ilustram esse argumento:
Então, primeiro a gente tem que dividir em dois grupos, né? O grupo que precisa e o
grupo que faz uso recreativo. Então, o grupo que precisa é aquele indivíduo que não
produz testosterona, ou produz de uma forma insuficiente. Então, esse indivíduo, ele
precisa do uso de testosterona. Então, ele faz uso porque ele precisa. O que a gente tá
fazendo é uma reposição. Toda vez que você faz uma terapia de reposição hormonal
você tá fazendo o.... Você tá tendo uma atitude fisiológica, né? (...) então, quando
você tá repondo o que tá faltando.... Claro, que sempre tem risco, é uma droga, né?
É.... Os benefícios são muito maiores que os riscos. Eu tenho pacientes usando
testosterona, com hipogonadismo, né? Mas, assim, usando testosterona há mais de
trinta anos, não tem efeito colateral nenhum (dra. Regina, endocrinologista, 2017).
O problema da testosterona... Assim... Existe uma testosterona mania, né? Que
começou nas academias, e se confunde testosterona com.... Um.... É...
Antienvelhecimento, com ficar forte, com ficar bonito, ficar saudável.... E não tem
esse papel, né? O DAEM, o hipogonadismo do idoso é uma doença. (...) eu vejo um
monte de gente tomando testosterona à toa. Então, isso.... E eu não sei exatamente aí
qual é o papel da indústria nessa história. (...) A testosterona tem um papel muito claro
pra tratar uma determinada doença (dr. Marcos, urologista, 2016).
Porque, na verdade, as pessoas que usassem a testosterona na demanda, na
necessidade, só o que precisa, é que nem encher um copo d´água, né? Não vai é... Não
vai produzir nenhuma lesão no ser humano. Agora, as pessoas jovens, pelo
narcisismo, usam doses bem elevadas e que modificam a estrutura corporal, mas
também o risco é da infertilidade definitiva, perene (dr. Paulo, urologista, 2017).
Notamos, nesses trechos, uma característica singular ligada ao tratamento farmacológico
para o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. A ideia de “repor” algo
que o corpo masculino “perdeu”. Vimos que a testosterona é ainda caracterizada como “o
hormônio do homem”, tanto nos discursos médicos quanto nos leigos, apesar de já ser sabido
que ela também é encontrada no corpo feminino. Isso pode sugerir que a reposição hormonal
com testosterona não é igual à maioria dos tratamentos farmacológicos, em que os pacientes
“recebem” no seu organismo uma substância alheia a ele. Isto é, no caso da deficiência
hormonal, tais pacientes seriam tratados com uma substância, a princípio, produzida pelo
próprio organismo, responsável pelo seu funcionamento e que afetaria, diretamente, a expressão
da masculinidade, o “ser homem” (THIAGO, 2012).
175
Desta forma, apesar de certa “artificialidade” atribuída à produção química do
medicamento e de, teoricamente, haver possíveis consequências negativas de seu uso, o
discurso médico triunfalista em torno da TRH com testosterona predomina. Nele, essa
substância traz de volta a “essência masculina” sem, praticamente, causar efeito colateral que
provoque a interrupção do tratamento. Os possíveis riscos seriam insignificantes diante dos
inúmeros benefícios atribuídos ao uso de testosterona para o tratamento de uma doença, uma
deficiência.
Por outro lado, seu uso para aprimoramento foi condenado pelos entrevistados de maneira
enfática. O interessante é perceber que nas apresentações médicas sobre o uso da TRH com
testosterona, que ocorreram nos congressos científicos dos quais participei, expressões
associadas à questão do aprimoramento estavam ligadas aos benefícios trazidos com o uso de
testosterona. Por exemplo: “melhora a performance sexual”, “aumenta a autoestima do
homem,” “proporciona uma maior qualidade de vida”, entre outras. Essas expressões, muitas
vezes, nem estavam nos slides das apresentações, mas eram faladas no decorrer delas. Isso
aconteceu, inclusive, em apresentações de alguns entrevistados.
Podemos perceber, então, que, mesmo nos discursos médicos, há certo deslizamento em
torno das atribuições da testosterona. Elas vão desde uma substância que supre uma “falta”
orgânica até um meio tecnológico de melhorar a autoestima e a qualidade de vida dos pacientes,
ou seja, a testosterona ocupa, aqui, um papel de gerenciadora de comportamento e ferramenta
de aprimoramento (enhancement). Isso está de acordo a discussão proposta no trabalho já
comentado de Loe (2001), que destaca o século XXI como o século da biotecnologia sexual,
em que as drogas seriam “drogas de estilo de vida”.
Portanto, a testosterona, assim como outras drogas, ilustra um reposicionamento da função
dos medicamentos, pois é utilizada para se alcançar “qualidade de vida e desempenho
melhores” e, não se trata, neste caso, de se obter a cura para um problema médico, mas sim de
contribuir para uma saúde “melhor”. Desta forma, tal discurso associado à testosterona sugere
uma ampliação do mercado consumidor, em que drogas lançadas para faixa etária e condição
específicas passam a ser utilizadas também por outro segmento de mercado consumidor.
Voltando à questão da hierarquia profissional, podemos pensar nesta perspectiva ao
falarmos sobre a interação entre propagandista farmacêutico e médico especialista. O
funcionário da indústria farmacêutica, por mais que tenha estudado farmacologia e anatomia
durante seu treinamento, não tem a mesma bagagem técnica de um médico especialista. Muitos
propagandistas sequer se formaram na área de saúde. Podem ser administradores ou
profissionais da área de marketing, por exemplo.
176
Desta forma, não teriam a competência técnica necessária para avaliar as informações que
seriam encarregados de transmitir aos médicos. Tal diferença de status profissional pôde ser
percebida na crítica dos médicos aos propagandistas, ao dizerem que estes sofreriam de uma
“lavagem cerebral” feita pela indústria: “As pessoas que visitam os médicos, normalmente....
Normalmente, eles recebem uma lavagem cerebral e eles têm que dizer para os médicos que os
recebem aquilo que a companhia quer” (dr. Paulo, urologista, 2017).
No entanto, não devemos deixar de pensar que a postura aparentemente natural dos
médicos em relação ao apoio financeiro recebido da indústria, as respostas que tenderam a
enaltecer a expertise, autonomia e independência da classe médica, bem como as críticas
referentes às estratégias de marketing das empresas farmacêuticas e aos propagandistas podem
constituir um modo de defesa dos médicos ao se depararem com questões ligadas à sua relação
com a indústria farmacêutica.
Um exemplo pode ser a postura do dr. Paulo que, quando questionado sobre sua relação
com a indústria farmacêutica, passou a falar sobre seu trabalho como coordenador do Comitê
de Ética em Pesquisa de uma universidade brasileira:
Tem muitos ensaios clínicos que foram feitos por decisão da.... Da in... Eu fui
coordenador do CEP, do Comitê de Ética em Pesquisa, dez anos, da nossa
universidade, na Rosa. (...) nós bloqueamos vários estudos quando eu fui coordenador
do CEP e, daí tu arruma [sic] um monte de inimizade, né? Porque, por exemplo, eu
que sou suíço, brancão, assim, os caras diziam: ‘Não, o teu apelido agora é Adolf’. Eu
digo: ‘Bom, meu apelido é Adolf, mas isso aí não é...’. O CEP tem representantes da
comunidade, dos pacientes, e tudo é uma... É.... Tem médico, tem veterinária, tem...
Enfim, e químico... E a... Mas, as pessoas ficavam muito ruim da cara conosco,
porque, na verdade, se tu vai [sic] usar, entre aspas, pacientes que assinaram
consentimento e tal, pra depois não publicar os dados não é uma coisa muito razoável.
‘É, mas nós pagamos lanche, nós pagamos passagem, nós pagamos isso e aquilo...’
Bom, mas não chega, né? Essa história que a gente participou, por exemplo, da
testosterona aplicada na axila masculina, cheia de pelos. A absorção não é, não é...
Dependendo da etnia varia muito, né? A quantidade de pelos axilares varia de acordo
com a etnia do indivíduo, né? (dr. Paulo, urologista, 2017)
Nesses trechos da entrevista, observamos características que sugerem uma tentativa de o dr.
Paulo de deslocar, conscientemente ou não, a entrevista para outro foco. Foi muito intrigante
sua mudança de “identidade profissional” quando insisti em perguntar sobre questões
envolvendo ensaios clínicos e patrocínio da indústria farmacêutica. Com a mudança de
identidade, o entrevistado deixou de se referir a si mesmo como “médico urologista” e passou
a responder as perguntas como o ex-coordenador de Comitê de Ética em Pesquisa de certa
universidade brasileira. Também fez questão de mencionar o tempo de trabalho nessa função
177
e o quão rigoroso era durante a avaliação de pesquisas científicas, ao ponto do ser chamado de
“Adolf”, numa referência ao ditador nazista Adolf Hitler.
Todavia, apesar de ressaltar a importância de um monitoramento mais eficiente em relação
ao que é publicado em revistas científicas, reagiu com certo pessimismo quando pedi que
falasse sobre a obrigatoriedade de se publicar os possíveis conflitos de interesse presentes em
pesquisas científicas:
Não... Não... Eu já vi até do nosso serviço pessoas publicarem e não acontecer nada.
Tem gente que publicou trabalhos sem submeter ao CEP. O que tu vai [sic] fazer, daí,
com a pessoa, né? Vai chamar a polícia? O que tu vai [sic] fazer? [...] O Brasil, nisso
aí, é muito, é.... Por exemplo, eu fiz várias denúncias, eu fiz uma denúncia pra direção
da instituição e a pessoa disse assim, da alta cúpula: ‘Pô, nós vamos dar um tiro no
pé, agora nós vamos expor a nossa instituição por causa de um m.185 que fez isso,
aquilo!’ E o cara continua trabalhando lá, professor, etc e quer ver o seu trabalho
publicado e a revista também não tomou nenhuma atitude. Só instituições, assim,
como onde eu trabalhei, universidade Amarela186, esses caras levam a sério isso aí, e
mesmo assim, parece que não é tanto. Eu, com a experiência do CEP que eu tive de
10 anos, é... É uma coisa que deixa a gente muito triste, é muito comércio metido no
meio da bioética, da ética (dr. Paulo, 2017).
Assim, parece que para o dr. Paulo, o trabalho sério e importante dos Comitês de Ética em
Pesquisa não é capaz de evitar a ação de pessoas inescrupulosas187, que conseguem não só fazer
pesquisas de maneira duvidosa como publicá-las em revistas científicas de renome, mesmo sem
a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa. O que sugere, mais uma vez, a dicotomia do
“nós e eles”, isto é, apesar de existir o “nós”, constituído por pessoas honestas e comprometidas
com a ciência, muitas vezes, o “eles”, caracterizado por um conjunto de pessoas que agem
segundo seus interesses escusos e não a favor da ciência, conseguem agir burlando as normas
éticas do campo.
4.4 Entrevistas com propagandistas farmacêuticos
Como mencionado anteriormente, consegui entrevistar três propagandistas de TRH com
testosterona: dois homens e uma mulher. Optamos por não mencionar seus estados de
185 Tal palavra consistia em um palavrão, por isso foi abreviada.
186 Trata-se de uma universidade estrangeira.
187 Novamente a lógica do “nós” (que temos escrúpulos) versus “eles” (que não têm escrúpulos).
178
residência, pois o número de propagandistas dessa substância é muito pequeno no país. Assim,
contribuímos para a manutenção do anonimato dos participantes. A faixa etária dos
entrevistados é de 30 a 40 anos, aproximadamente. Similarmente ao que ocorreu com os
médicos, as entrevistas se iniciaram com perguntas mais gerais sobre trajetória profissional e
atribuições da profissão, com o objetivo de “quebrar o gelo”188. No decorrer das entrevistas,
tentei introduzir questões mais específicas sobre a relação dos propagandistas com os médicos,
mas percebi muita resistência.
As entrevistas com esses profissionais se caracterizaram por apresentar situações
inusitadas, portanto, resolvi descrevê-las, aqui, com mais detalhes. A primeira foi feita por
telefone. O contato inicial se deu por email, conseguido através de um cartão-de-visita do
entrevistado, em um estande da Empresa Figo, durante o XVI Congresso Internacional de
Medicina Sexual, em 2014.
Vale ressaltar que tal propagandista foi simpático ao responder o email enviado por mim.
Não esperava, inclusive, que isso fosse ocorrer, porque quando me aproximei, durante o
congresso, do estande desta empresa − a fim de obter algumas informações pertinentes para a
pesquisa − não obtive sucesso. Logo de cara, ele me perguntou se era médica. Com minha
resposta negativa, simplesmente, virou-se e começou a conversar com a pessoa que estava ao
meu lado, no caso, um médico.
A entrevista não ocorreu pessoalmente, pois no dia em que entrei em contato com o
entrevistado, para marcar local e horário de encontro, ele mencionou que estava numa região
distante a trabalho. Além disso, disse que, por telefone, seria mais conveniente, porque
otimizaria seu tempo. A entrevista por Skype também foi descartada, já que, segundo ele, não
havia acesso a essa ferramenta de comunicação onde estava. Confesso que fiquei frustrada, pois
tinha expectativa de que a entrevista fosse feita pessoalmente. Inclusive, fiz questão de frisar
isso, durante essa primeira ligação. Como resposta, o propagandista continuou a dizer que era
longe para mim, apesar estarmos no mesmo estado. Nesse momento, lembrei-me da conversa
que tive com as duas gerentes de marketing farmacêutico, mencionadas anteriormente, e percebi
que uma entrevista por telefone poderia ser muito menos intimidadora para o propagandista do
que uma feita pessoalmente ou, até mesmo, por Skype. Combinamos, então, a entrevista para o
dia seguinte, pela manhã.
Logo no início da entrevista, percebi muita cautela do entrevistado ao responder perguntas
mais pessoais. Acabava sempre direcionando suas respostas para questões gerais da empresa.
188 O roteiro utilizado nas entrevistas com os propagandistas se encontra no apêndice G.
179
Assim, decidi deixá-lo à vontade e não interromper sua fala. Tentei pensar nos objetivos da
pesquisa a partir dessas respostas mais gerais. Isso não foi fácil, pois o telefone fixo utilizado
por mim não possuía viva- voz, o que me impediu de gravar a entrevista, e Mateus falava muito
rápido, ininterruptamente.
Ele tinha um vocabulário muito rico, expressava-se bem. Dentre os três entrevistados
pareceu ser o propagandista com mais conhecimento técnico não só sobre a testosterona, mas
também sobre o campo de tratamento farmacológico para a saúde sexual masculina. Isso pode
estar relacionado ao fato de ele trabalhar numa empresa de manipulação, especializada na
produção de medicamentos exclusivamente para tratamento de disfunções sexuais masculinas.
Durante a entrevista afirmou, inclusive, que há muito preconceito das pessoas em relação
à área sexual. Completou dizendo que elas sabem da existência de problemas nessa área, mas
não têm conhecimento sobre como tais problemas podem ser resolvidos. A Figo, de acordo com
Mateus, consiste na única empresa de manipulação voltada para o campo da sexualidade
masculina do estado. Depois da entrevista, fiquei me indagando se essa forma de falar muitos
assuntos tão rapidamente não seria também uma maneira, consciente ou não, do propagandista
evitar perguntas mais delicadas.
As outras duas entrevistas, feitas pessoalmente, foram marcadas por diversos momentos
inusitados. O contato inicial com a entrevistada se deu, inicialmente, por e-mail, também
conseguido através de um cartão-de-visita, em um estande da empresa Abacate, no Congresso
Brasileiro de Urologia, em 2015. Lá, conversei um pouco com Ana sobre o tema da minha
pesquisa. Ela foi bastante solícita e me ofereceu seu cartão para que pudesse entrar em contato
com ela, posteriormente. Como não respondeu ao email enviado por mim, entrei em contato
novamente, ligando diretamente para o número de celular que constava em seu cartão-de- visita.
A tentativa inicial de convidá-la por e-mail consistiu em uma estratégia a fim de evitar
uma sensação de “invasão de espaço” e desconfiança por parte da Ana, pois já havia passado
pela experiência anterior com Mateus e não queria perder a oportunidade de fazer uma
entrevista pessoalmente. Assim, como não houve retorno ao convite feito por e-mail, optei pelo
plano B, ligando para Ana. Ela atendeu prontamente e, quando me identifiquei, mencionou o
email que lhe havia enviado, dizendo que não o respondeu devido à sua falta de disponibilidade
naquele momento. Perguntei-lhe se seria possível me conceder uma entrevista nos próximos
dias e, para minha surpresa, ela foi marcada para três dias depois.
Ana pediu o número do meu celular a fim de me adicionar no whatsapp e, pouco tempo
depois, perguntou se poderia passar o tema da minha tese para ela, alegando que a empresa
180
tinha um código de conduta ético muito rigoroso e, por isso, precisava passar o tema da pesquisa
para o departamento de compliance189 .
De fato, existe um código de conduta desenvolvido pela Interfarma, entidade que regula as
atividades das indústrias multinacionais e dos propagandistas/ representantes farmacêuticos190.
Segundo informações contidas em seu website191, foi fundada 1990 e consiste em uma entidade
setorial, sem fins lucrativos, que representa empresas e pesquisadores, nacionais ou
estrangeiros, atuantes na área de saúde, no Brasil. Atualmente, é composta por laboratórios
nacionais e internacionais de pesquisa e um start up. No entanto, pesquisadores nacionais,
instituições, fundações, universidades, institutos e até mesmo pessoas físicas também podem se
associar.
A primeira versão do Código de Conduta foi lançada em 2007, com o objetivo de
formalizar a relação entre a indústria farmacêutica e os profissionais da saúde. Isso fez da
Interfarma a entidade precursora do setor farmacêutico a possuir um código de conduta. Em
2012, em função de um acordo inédito, o documento se tornou o primeiro a ser validado pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela
Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualmente, a Interfarma é a única associação que possui
um Conselho de Ética independente, Corregedoria e esfera de Conciliação.
Voltando à minha conversa com a propagandista, respondi sua pergunta com certo receio,
devido à grande dificuldade de acesso ao campo que estava experimentando. Ana retornou
apenas com um “ok.” Assim, meu receio permaneceu até o dia da entrevista, que foi marcada
numa sala administrativa de um prédio comercial.
No dia da entrevista, ao fazer um rápido resumo da minha pesquisa, mesmo enfatizando o
fato de ser farmacêutica e explicando que o anonimato seria garantido, notei grande
189 Compliance consiste em “uma expressão que se volta para as ferramentas de concretização da missão, da
visão e dos valores de uma empresa” (RIBEIRO; DINIZ, 2015, p. 88). No entanto, segundo os autores,
confundi-la com um mero cumprimento de regras formais e informais seria um equívoco, pois seu alcance é
bem mais amplo. Ela envolve questão estratégica e pode ser aplicada em qualquer tipo de organização, haja
vista a exigência, cada vez maior, do mercado no que diz respeito a condutas legais e éticas para a
consolidação de um novo comportamento por parte das empresas. Tal comportamento estaria relacionado à
busca de lucratividade de maneira sustentável, com a condução dos negócios das empresas focado no
desenvolvimento econômico e socioambiental.
190 Mais adiante, serão explicadas as diferenças entre propagandista e representante farmacêutico.
191 Disponível em: http://www.interfarma.org.br. Acesso em: 19 mai. 2017. Além desse código, há a RDC Nº
96, de 17 de dezembro de 2008, da ANVISA, que dispõe sobre a propaganda, publicidade e outras práticas
que tenham como objetivo a divulgação ou promoção comercial de medicamentos. Esses dois documentos
foram citados, nas duas últimas entrevistas, como os norteadores do padrão de ética exigido pelas empresas
farmacêuticas.
181
desconfiança por parte de Ana. Então, mostrei-lhe o “termo de consentimento livre
esclarecido”, a fim de deixar claro que toda pesquisa feita na UERJ precisa ser realizada de
modo ético, sendo o anonimato uma das principais questões exigidas para que uma pesquisa
seja aprovada.
Após lê-lo com bastante cuidado, Ana aceitou assiná-lo e me disse que poderíamos
começar a entrevista, ressaltando que estava à espera de um colega. Este, segundo ela, viria
para ajudá-la a responder minhas perguntas. Disse a Ana que seria ótimo se seu colega pudesse
ser entrevistado também. Mencionei o uso de gravador apenas para meu auxílio na hora de
rever a entrevista, garantindo que só seria gravado o que a entrevistada permitisse. Porém, ela
recusou, afirmando que poderia “escapar sem querer” alguma informação sobre a empresa,
voltando a falar do rígido código de conduta que rege as profissões de propagandista e
representante.
O colega de Ana chegou cerca de 10 minutos após o início da entrevista. Sentou-se do meu
lado esquerdo, enquanto Ana estava do meu lado direito. Logo após as apresentações, Ana disse
a Davi que eu havia solicitado a gravação da entrevista, mas ela não tinha aceitado, porque
poderia deixar escapar alguma informação sobre a empresa em que trabalhavam. Enfatizou,
novamente, a forte regulação ética que existe nas empresas farmacêuticas. Davi consentiu com
a cabeça. Achei que era melhor não insistir, pois poderia fazer com que não fossem faladas
questões importantes.
Expliquei a ele, então, rapidamente, o tema da pesquisa e iniciei a entrevista. Novamente,
senti-me “pisando em ovos”, pois, similarmente à Ana, Davi parecia se esforçar para conseguir
ler tudo o que escrevia no meu caderno de anotações. Tal atitude provocou em mim certa
sensação de desconforto. Assim, optei, a partir daquele momento, por anotar somente palavras-
chaves e, logo após a entrevista, tentar recompor os principais pontos abordados.
Ao encerrar a entrevista, pedi que Davi assinasse o termo de consentimento. Ana disse,
nesse momento, que ele poderia assinar, porque ela já havia lido o documento. Então, Davi, em
tom de brincadeira, afirmou: “Ah, se a Ana assinou, eu posso assinar sem ler!” Igualmente ao
ocorrido com as entrevistas médicas, observamos pontos em comum nas entrevistas com os
propagandistas, que pretendemos discutir em seguida.
Os três entrevistados expressaram muita desconfiança, por meio de atitudes defensivas,
como a não permissão para gravação das entrevistas e respostas dadas da maneira mais genérica
possível, evitando passar quaisquer posições ou opiniões pessoais. Logo, as repostas se
iniciavam com expressões como “segundo a empresa”, “a empresa faz”, “é norma da empresa
que”. Outra atitude interessante foi o modo rápido e ininterrupto de falar dos propagandistas,
182
não me dando tempo para pensar e/ou formular perguntas a partir de suas respostas. Tal atitude
foi observada, principalmente, na entrevista realizada por telefone. Houve ainda a aparente
combinação feita entre os dois últimos entrevistados, possivelmente com o propósito de evitar
que a entrevista fosse feita apenas com um participante por vez, e a interferência mútua nas
respostas.
As frases ditas pela propagandista Ana, durante a entrevista, ilustram a desconfiança e o
receio dos propagandistas de que acabassem revelando algo comprometedor: “Prefiro que não
grave, porque posso deixar escapar alguma coisa. [...] Nossa profissão tem um código de
conduta muito rígido” (Ana, propagandista, 2017)
Aqui, vale lembrar que ela voltava ao assunto do código de conduta da empresa toda vez
que eu tentava fazer uma pergunta mais delicada. Mencionou, mais de uma vez, a Interfarma
e a ANVISA como as reguladoras das profissões de propagandista e representante. Também
repetiu que a Interfarma é muito rigorosa nos aspectos éticos, e por isso eles não podem fornecer
“informações diretas” sobre as empresas em que trabalham. Seria exigido sigilo sobre essas
informações. Isso pode explicar a negação dos propagandistas quando lhes perguntei se poderia
gravar as entrevistas e sua resistência a responder a maioria das perguntas.
De fato, os próprios organizadores do código de conduta da Interfarma são enfáticos ao
mencionarem em quais bases éticas e legais ele foi desenvolvido:
Os princípios contidos neste Código de Conduta observam ainda a legalidade e os
padrões éticos, morais e técnicos reconhecidos nacional e internacionalmente, tais
como a legislação sanitária, a Lei de Defesa da Concorrência, a Lei Anticorrupção, o
Código de Conduta da Federação Internacional da Indústria Farmacêutica e
Associações - IFPMA (International Federation of Pharmaceutical Manufacturers &
Associations), os Códigos de Conduta Ética das categorias profissionais e suas
resoluções, a Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), bem como o Pacto Global das Nações Unidas, do qual a
INTERFARMA é signatária desde 2014 (INTERFARMA, 2016, on-line)192.
A questão da ética é bastante mencionada nesse código, inclusive o capítulo 1 intitulado
“Normas gerais e condutas éticas” apresenta, detalhadamente, normas e condutas que devem
ser seguidas pelas empresas produtoras de medicamentos, tanto nas relações com as associações
de pacientes e a classe médica, quanto com agentes públicos e autoridades governamentais.
Talvez, as normas de conduta desse código foram destacadas durante o processo de treinamento
192 Disponível em: http://www.interfarma.org.br. Acesso em: 19 mai. 2017.
183
desses propagandistas e sejam, repetidamente, lembradas como algo de grande importância, no
seu cotidiano.
Quando questionados sobre as atribuições da profissão, os propagandistas afirmaram que
sua função é levar informações aos médicos, “propagar conhecimento científico” que irá
beneficiar médicos e pacientes: “Os propagandistas propagam estudos e benefícios dos
medicamentos para os médicos e os pacientes.” (Ana, propagandista, 2017). Essas
informações, segundo eles, seriam científicas, ou seja, objetivas, imparciais e comprovadas por
meio de extensas pesquisas, realizadas nos mais altos padrões éticos e de segurança: “A função
do propagandista é levar conhecimento científico aos médicos, obedecendo todas as normas
éticas.” (Davi, propagandista, 2017).
De acordo com os entrevistados, há uma diferença entre propagandistas e representantes.
Durante as três entrevistas, percebi que o fato de lidar diretamente com a classe médica dá certo
status e prestígio à profissão de propagandista, que, por isso, é hierarquicamente superior à
profissão de representante. Os primeiros levam informações científicas sobre medicamentos
aos médicos que, consequentemente, passam para seus pacientes. Já os representantes são
responsáveis pela venda de produtos e medicamentos que não necessitam de prescrição médica.
São os profissionais que trabalham visitando as farmácias, que têm seus “pontos de venda” nas
farmácias.
Logo, a testosterona, por necessitar de prescrição médica, é promovida e divulgada pelos
propagandistas. A propagandista Ana fez questão de frisar que “vendas é com representantes”,
como se quisesse separar a questão do lucro e marketing farmacêutico, associada à função dos
representantes, da divulgação “tecnológica e científica”, ligada à atividade profissional dos
propagandistas. Assim, segundo ela, para exercer esta profissão, seria preciso ter conhecimento
do produto a fim de transmitir informações corretas aos médicos. Completou seu raciocínio ao
mencionar que, quando foi contratada, não tinha essa visão, achava que tudo se tratava de
vendas.
Associada à ideia do propagandista “difundir conhecimento científico” pode estar a deste
profissional ser, muitas vezes, a única fonte de conhecimento a qual a classe médica tem acesso.
Assim, segundo essa perspectiva, é possível que médicos desconheçam uma doença e/ou
tratamento correto até que algum propagandista lhe forneça informações sobre o assunto. A fala
de Davi ilustra esse ponto: “Muitas vezes, temos que vender a doença antes do produto. [...]
Muitas vezes, quando vamos falar com os médicos, eles desconhecem a existência daquela
doença, e podem dar até diagnósticos errados, prescrever tratamentos inadequados”.
184
Aqui, apesar de enfatizar a função de difundir conhecimento científico associada ao
propagandista, ele fala, naturalmente, sobre “vender”, tanto as doenças quanto os seus
tratamentos. Podemos pensar, então, que essa declaração ilustra a ideia de mercantilização de
doenças, bem como a de co-promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias
diagnósticas, já discutidas neste trabalho. Logo em seguida, Davi fez uma crítica aos médicos,
afirmando que estes, muitas vezes, não ouvem seus pacientes, o que pode acarretar
consequências graves, inclusive a morte193. Segundo ele, isso, somado ao desconhecimento em
relação a algumas doenças, favorece o fornecimento de diagnósticos errados.
Sobre diagnósticos equivocados, a propagandista Ana afirmou que, no caso dos homens
idosos, por exemplo, eles podem ser diagnosticados com depressão e tratados com
antidepressivos, porém, na realidade, o que teriam é baixa testosterona, hipogonadismo.
Completou dizendo que, no caso do hipogonadismo, o tratamento deve ser feito continuamente,
pois “uma vez hipogonádico sempre hipogonádico”. Segundo ela, apesar dos avanços, o
hipogonadismo seria uma doença subdiagnosticada194.
Muito interessante essa colocação da Ana sobre o diagnóstico do declínio hormonal ser
confundido pelos médicos com a depressão, já que praticamente em todos os discursos médicos
obsevados, tanto nos congressos quanto nas entrevistas, sempre há o destaque da mensuração
da concentração de testosterona sanguínea como peça fundamental para o diagnóstico e início
do tratamento com testosterona. Desta forma, a depressão consiste em um dos sintomas dessa
baixa hormonal, mas não algo definitivo para o diagnóstico.
Outra questão relacionada a diagnósticos médicos comentada foi a falta de tempo e
dinheiro que tais profissionais têm para se atualizarem, já que precisam escolher entre vários
cursos e congressos, que são muito caros. Confesso que fiquei bastante curiosa com essa
afirmação de Davi. Perguntei-lhe se as empresas farmacêuticas oferecem algum tipo de ajuda
de custo para os médicos participarem desses eventos. Davi respondeu, categoricamente, que
não, para minha surpresa. Insisti, perguntando sobre os palestrantes desses eventos, que vão
falar sobre doenças e seus tratamentos farmacológicos. Mais uma vez, Davi negou que existe
esse tipo ajuda por parte da indústria farmacêutica. Impressionou-me a segurança do
propagandista ao responder negativamente essas perguntas. Ao procurar sobre o assunto no
código de conduta da Interfarma, vi que tal apoio financeiro não é proibido, no entanto, ele não
193 Perguntei-lhe quais eram os fatores que, na sua opinião, influenciavam os médicos a agirem dessa forma.
Davi respondeu que a questão da falta de tempo é crucial.
194 Perguntei à Ana se a empresa tinha feito estudos (e se sim quais) para observar essa questão do
subdiagnóstico, mas ela disse que não sabia me dizer naquele momento.
185
pode estar condicionado à prescrição e/ou dispensação, venda ou promoção pela classe médica
de qualquer tipo de produto sujeito à Vigilância Sanitária ou da própria empresa apoiadora. Ou
seja, trata-se de uma questão delicada, mesmo no caso de o médico afirmar que está apenas
expondo uma opinião profissional e imparcial sobre um medicamento e não fazendo sua
promoção, como observamos em algumas falas das entrevistas. Penso que a negação de Davi
pode ter sido uma forma de evitar que entrássemos nesse tópico espinhoso.
Um tema que apareceu em diferentes momentos das entrevistas foi o “marketing positivo
dos medicamentos”, o que me surpreendeu. Mateus disse que propagandistas da empresa na
qual trabalha são responsáveis por não permitirem que médicos contrários à prescrição da TRH
com testosterona “falem mal” desse tratamento. Segundo ele, existem urologistas que são contra
a reposição, principalmente devido a estudos sobre a relação entre câncer de próstata, problemas
vasculares e uso de testosterona. Mencionou que, no último congresso paulista de urologia,
houve uma discussão sobre um estudo internacional (não soube me dizer qual) que apontava
relação entre TRH com testosterona e problemas cardiovasculares.
Tal discussão destacou que o estudo em questão contava com a participação de pacientes
fora do perfil adequado para a realização do ensaio clínico (mulheres, jovens e pessoas de mais
idade) e, por conta disso, não pode ser considerado como um estudo significativo. Isso, segundo
Mateus, está mudando a visão dos urologistas que são contra a TRH, que há três, quatro anos
atrás era significativamente maior.
Já Ana comentou que todos os propagandistas são treinados para passar informações sobre
medicamentos à classe médica, destacando os pontos positivos de cada medicamento, tanto para
o paciente quanto para o médico, pois o objetivo seria tratar a doença corretamente e da “melhor
forma possível”. Isso, segundo ela, é essencial para uma visita médica ter sucesso. Interessante
perceber que Ana fala sobre destacar os pontos positivos de um produto, mas não relaciona esse
procedimento com marketing farmacêutico195. Todo seu argumento gira em torno do
“conhecimento científico”, que beneficia médicos e pacientes. Algo similar à visão dos
médicos, que dizem ser imunes a qualquer viés mercadológico envolvido nessa questão.
Além disso, da mesma forma que os médicos criticam os propagandistas por não estarem,
muitas vezes, comprometidos com a “ciência” e sim com os objetivos de gerar lucro para as
empresas nas quais trabalham, garantindo seus empregos, os propagandistas criticam os
195 Vale ressaltar que essa atitude de Ana parece ser, realmente, autêntica. Há certa naturalidade ao falar sobre
isso, o que sugere crença no que diz. Podemos fazer um paralelo com a postura dos médicos ao se colocarem
totalmente independentes para falarem “bem ou mal” de medicamentos cujas empresas que os produzem
patrocinam suas pesquisas ou participações em eventos científicos.
186
médicos por não estarem atentos a informações científicas, necessitando que propagandistas
lhes apresentem uma doença até então desconhecida por eles.
Um dos pontos referentes ao marketing positivo da testosterona que pareceu interessante
foi sua apresentação pelos propagandistas como “substância natural”, “bioidêntica”196. Davi
argumentou que a testosterona promovida por ele é “a única testosterona do mercado que é
bioidêntica, ou seja, natural, pois é reconhecida pelos receptores de testosterona no organismo.”
Já Mateus, associou a característica “natural” da TRH que promove ao fato dela ser manipulada,
pois “o veículo197 usado na manipulação é mais importante do que a própria testosterona”. Por
isso, toda matéria-prima constituinte do medicamento seria analisada por um laboratório
especializado nesse tipo de análise, segundo ele.
Os argumentos apresentados pelos propagandistas seguem a mesma perspectiva que
observei nas entrevistas com os médicos. Ou seja, a ideia da testosterona como uma “substância
natural”, pois seria um hormônio produzido pelo próprio organismo. Desta forma, mesmo com
certa “artificialidade” associada à sua produção em laboratório, a testosterona não é vista como
uma “substância estranha ao corpo”, característica que muitos outros medicamentos
apresentam. Penso que ao falar “o veículo é mais importante do que a própria testosterona”,
Mateus apontou uma preocupação com o “grau de naturalidade” das outras substâncias da
fórmula, já que com a testosterona presente na fórmula, esse problema não existe, pois seu “grau
de naturalidade” seria “alto”.
Quanto ao tipo de treinamento que os propagandistas recebem, as respostas se fixaram em
dois pontos. O primeiro se refere ao treinamento técnico, no qual adquirem conhecimentos na
área farmacêutica, em cursos de farmacologia e farmacovigilância198, que preparam os
196 De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, “hormônios bioidênticos” são
substâncias que apresentam estruturas química e molecular idênticas aos hormônios produzidos no corpo
humano. No entanto, tal nomenclatura vem sendo utilizada de maneira indevida quando é associada apenas
aos hormônios manipulados, como se estes consistissem em “novas opções” de tratamento. A SBEM critica
essa posição e afirma que, na verdade, há muito tempo hormônios bioidênticos são produzidos por empresas
farmacêuticas e estão disponíveis nas farmácias (https://www.endocrino.org.br/hormonios-bioidenticos.
Acesso 20 de fevereiro de 2018)
197 Segundo Taveira e Guimarães (2014), veículos ou excipientes consistem em substâncias que compõem as
fórmulas farmacêuticas cuja função é dissolver, criar uma suspensão, ou misturar os outros ingredientes para
dar volume, forma e facilitar a administração de tais fórmulas.
198 Sobre essa primeira etapa, Mateus mencionou que consiste, primeiramente, em “quebrar preconceito sobre a
saúde do homem”. Depois disso, recebem informações sobre a fisiologia da ereção e a ação de cada
medicação no corpo masculino. Em seguida, são treinados para o atendimento telefônico e visitas médicas.
Acreditamos que, por se tratar de uma empresa especializada em medicamentos prescritos para a área sexual
masculina e cujos produtos são manipulados, tal empresa apresenta um tipo de treinamento diferenciado.
187
propagandistas para a apresentação dos medicamentos aos médicos, para serem capazes de tirar
quaisquer dúvidas destes. O segundo diz respeito ao relacionamento com a classe médica. Davi
disse que esse treinamento tem o objetivo de fazer o propagandista "saber lidar com cada
médico", o que ele chamou de "técnica de vendas".
Há, então, segundo Davi, médicos "mais fáceis" e outros "menos fáceis" de lidar. Os
primeiros cedem pouco tempo para as visitas dos propagandistas, desejando informações mais
sucintas sobre os medicamentos. Ao comparar os urologistas com os endocrinologistas, ele
disse que estes são mais acessíveis, demoram mais tempo com os propagandistas. Já os
urologistas são mais rápidos, "querem tudo rápido". O entrevistado atribuiu esse
comportamento dos urologistas a uma característica da especialidade, que é a cirurgia, ou seja,
por serem cirurgiões, apreciam informações transmitidas de maneira objetiva e rápida199. Além
disso, normalmente, não fazem muitos questionamentos em relação ao medicamento
apresentado. Desta forma, na maioria das vezes, as visitas aos urologistas são mais curtas
quando comparadas às feitas aos endocrinologistas.
Talvez, esse comportamento dos urologistas esteja relacionado também à questão da
expertise médica e ao status profissional da especialidade. O fato de um dos médicos
entrevistados afirmar que “ensinava” os propagandistas pode ser uma ilustração dessa questão.
Quanto aos endocrinologistas, Ana, ao interferir na resposta de Davi, apontou que eles gostam
mais de falar, são mais acessíveis, perguntam mais sobre os medicamentos. A propagandista
atribuiu essas características à própria formação dos endocrinologistas, pois, segundo ela, tais
profissionais estudam a atuação dos hormônios no corpo inteiro, e isso seria algo mais
complexo, na sua opinião.
Davi completou seu argumento destacando que é preciso saber lidar com todas essas
diferenças, além da própria personalidade de cada médico. Assim, a maneira de apresentação
do produto varia dependendo de qual profissional será visitado. Ele deu o exemplo de uma
visita a consultório de urologista "de nome", muito ocupado. Sabendo disso previamente, vai
vestido de uma forma mais elegante, de terno, por exemplo. Fala de maneira mais objetiva
possível, sendo rápido em suas colocações. Por outro lado, se for visita a um urologista em
hospital, já pode ir vestido de maneira mais simples e expor as informações sobre o
medicamento de forma menos sucinta.
199 Aqui, podemos pensar, novamente, no caráter anatômico da especialidade. A ligação da urologia com a
cirurgia, mencionada pelos entrevistados, corrobora isso. Ou seja, no caso dos urologistas, parece haver uma
preocupação maior com o estado do órgão em si e menor com a pessoa como um todo.
188
No entanto, disse que independente do médico a ser visitado, a primeira visita é sempre
uma “visita de sondagem", feita com o objetivo de conhecer o profissional, perceber suas
características e particularidades. A partir daí é que são feitas visitas a fim de apresentar o
medicamento ao médico. Esse procedimento está de acordo com o ensinado no curso de
formação de propagandistas online, abordado em outra parte deste trabalho.
Quando perguntei qual especialidade eles mais visitavam, os três entrevistados afirmaram
ser a urologia, porque os urologistas prescrevem mais testosterona. Ana usou a expressão
“médicos em potencial” ao se referir a médicos com tal característica, e completou afirmando
que essa informação resultou de uma pesquisa feita pela própria empresa. Perguntei-lhe como
ocorreu a pesquisa e Davi interferiu, novamente, dizendo que o aumento nas prescrições dos
urologistas ocorreu, provavelmente, por conta das políticas de governo sobre a saúde do
homem, das quais a urologia participou. Ele completou dizendo que, com os urologistas, os
pacientes têm mais liberdade para falar sobre seus problemas sexuais: “Antes do Viagra todo
mundo tinha vergonha. Agora não.”
Já com os endocrinologistas, os pacientes não têm essa liberdade, disse Ana. Eles chegam
aos consultórios dos endocrinologistas reclamando de doenças como diabetes, por exemplo, e,
na realidade, seu problema é hipogonadismo. Os que vão aos urologistas podem até chegar aos
consultórios sem saberem que seu problema é de testosterona baixa, mas conseguem conversar
com os médicos com mais liberdade sobre sua sexualidade.
Fiquei curiosa ao perceber que Davi e Ana tinham bastante conhecimento sobre a parceria
entre a indústria farmacêutica e a urologia na formulação da Política Nacional da Saúde do
Homem e também sobre o crescimento do campo de atuação da urologia, que vem se afirmando,
cada vez mais, como especialidade médica responsável pela saúde sexual masculina. Isso
sugere que o envolvimento entre a classe médica e a indústria farmacêutica, inclusive na
formulação de políticas públicas, é de conhecimento dos propagandistas, que enxergam tal
acontecimento com muita naturalidade.
Quanto à avaliação profissional do propagandista, mencionaram a existência de dois tipos
de avaliação, uma qualitativa e outra quantitativa200. A qualitativa diz respeito à avaliação de
cada propagandista, em que é avaliada a maneira pela qual cada profissional transmite
informações aos médicos. São analisadas a capacidade de comunicação, fidelização do médico
e observância das normas éticas. Essa avaliação é feita por um supervisor ou gerente distrital
que, inclusive, pode acompanhar os propagandistas em algumas visitas para observá-los. A
200 São avaliações feitas, geralmente, uma vez por ano, segundo os entrevistados.
189
quantitativa se refere ao número de prescrições médicas que cada visita do propagandista
consegue gerar.
Perguntei-lhes como seria feita essa avaliação quantitativa, mas nenhum dos três soube me
responder de forma clara. Um deles, o Davi, disse apenas que a empresa pesquisa para saber
como anda o número de prescrições médicas, se houve aumento ou diminuição no período que
determinado propagandista trabalhou naquela área
Uma reportagem especial, realizada pela Rádio Câmara201, intitulada “O que é e como
funciona o mercado farmacêutico”, contou com a participação de um ex-propagandista
farmacêutico202 que não quis se identificar, mas comentou sobre um programa que existe nas
farmácias, responsável por escanear as receitas que chegam às farmácias com o nome do
médico visitado e do medicamento promovido pelo propagandista. Depois disso, o resultado é
encaminhado para empresas farmacêuticas:
Existe um programa, hoje eu não seu se mudou, mas eu acho que é isso ainda, que
chama AuditFarma. Esse AuditFarma é um programa que fica em todas as grandes
redes de farmácia, que toda receita que chega com o nome do médico e nome do
produto passa por esse AuditFarma, um escâner, assim, e esse resultado vai pra todos
os laboratórios que fazem o pagamento para ter esse resultado na farmácia.
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016, on-line)203
Segundo o ex- propagandista entrevistado, o objetivo do uso desse programa é a
confirmação de que o médico visitado pelo propagandista realmente receitou o medicamento
promovido pela indústria farmacêutica204.
Lakoff (2006) destaca em seu estudo sobre as relações entre indústria farmacêutica e
classe médica, na Argentina, a existência de pharmaceutical audits, isto é, de técnicas utilizadas
para monitorar o comportamento dos médicos, no que diz respeito às prescrições médicas.
Segundo ele, esse tipo de “indústria de auditoria farmacêutica” fornece dados que permitem as
empresas farmacêuticas avaliarem os resultados de campanhas de marketing e monitorarem
suas relações com médicos prescritores. Descobriu-se que existem empresas de banco de dados
que microfilmam prescrições médicas em farmácias, coletam os dados e depois vendem a
201 Consiste em uma emissora de rádio brasileira que transmite as sessões da Câmara dos Deputados, no Brasil.
202 Na matéria é usado o termo “representante farmacêutico”, mas como se trata de um profissional que visita
médicos, resolvemos trocá-lo por “propagandista farmacêutico”.
203 Disponível em http://www2.camara.leg.br. Acesso em: 16 mar. 2017.
204 A matéria destaca que tal prática está “no radar” das autoridades.
190
informação para empresas farmacêuticas. Desta forma, para o autor, os números gerados nessa
dinâmica tornam o mercado farmacêutico palpável como uma entidade que pode ser alvo de
uma intervenção de estrategistas e uma fonte de feedback de retificação.
Lakoff menciona dois serviços pelos quais as empresas farmacêuticas pagam caro, com o
objetivo de monitorar a prescrição e a venda de seus produtos. Um deles é o IMS, que consiste
em um tipo de auditoria. Tal serviço é fornecido pela IMS Health, empresa multinacional
sediada na Grã-Bretanha, com uma subsidiária em Buenos Aires. Ela é a principal coletora e
distribuidora de dados de vendas de produtos farmacêuticos no mundo. O "material primário"
da empresa é informação padronizada sobre vendas gerais e classes terapêuticas específicas em
termos de unidades e valor, tanto para os mercados regionais quanto globais.
O outro serviço é o Close Up, fornecido pela empresa de mesmo nome205, que coleta
receitas de farmácias e oferece um conjunto diferente e complementar de dados que são
igualmente difíceis de acessar. Com uma assinatura dos bancos de dados do Close Up, é
possível a empresa farmacêutica procurar quais médicos prescreveram seus produtos e quanto
prescreveu cada um deles. Para obter essa informação, Close Up compra cópias microfilmadas
de prescrições médicas em redes de farmácias.
Além disso, esses dois serviços vêm com um software que propicia o fornecimento de
informações, tais como: para qual doença os médicos, geralmente, prescrevem determinado
medicamento; quem são os líderes em uma determinada classe terapêutica de medicamentos no
último ano; como as vendas se dividem por região − por cidade, vizinhança ou mesmo código
postal. Durante as entrevistas, cheguei a perguntar a Ana e Davi se eles tinham ouvido falar
desses serviços e programas, mas os dois responderam, enfaticamente, que nada sabiam.
Ao falar sobre prescrição médica, Davi a comparou a um meio de pagamento: “A moeda
dos propagandistas é a prescrição", ou seja, a meta do propagandista consiste em conseguir o
maior número de prescrições médicas. Já a moeda dos representantes é o medicamento vendido
nas farmácias. Sua meta consiste em atingir um determinado número de vendas de
medicamentos. Mais uma vez, Davi, ao contrário de Ana, pareceu falar com certa naturalidade
sobre a questão mercadológica envolvida na sua atividade profissional.
Já caminhando para o final das entrevistas, perguntei-lhes quais seriam as principais
qualidades de um bom propagandista farmacêutico. Ter conhecimento científico e ser capaz de
205 O autor se limita a dizer que é uma empresa argentina. No site dela, há a informação de que se trata de uma
empresa internacional (http://www.close-upinternational.com/ Acesso: 10 de março de 2018). Acreditamos
que, ao fazer tal afirmação, Lakoff pode ter se referido à sede da Close Up, na Argentina. No entanto, não
pareceu muito claro.
191
tirar todas as dúvidas dos médicos foi o ponto mais frisado pelos propagandistas. Ana, por
exemplo, repetiu que o conhecimento técnico é fundamental, pois a função do propagandista é
transmitir conhecimento científico aos médicos. Este, segundo ela, deve ser propagado de forma
ética, respeitando as normas que regulam a profissão e o sigilo sobre informações da empresa.
Similarmente à Ana, Davi disse que o conhecimento técnico é fundamental, bem como ser um
profissional ético. No entanto, destacou a habilidade de saber “vender a doença antes do
medicamento”, reafirmando que muitos médicos não conseguem diagnosticar corretamente
determinadas doenças e acabam prescrevendo medicamentos inadequados para tratá-las.
Para os entrevistados, obter conhecimento científico e interagir com a classe médica são
as duas coisas que mais dão prestígio à profissão de propagandista. O bom salário e a
possibilidade de crescimento também foram mencionados, porém não como um diferencial.
Ana, por exemplo, afirmou que gosta muito de ter contato com informações técnicas, fazer
cursos da área de biomedicina e dialogar com médicos: “Acho estimulante aprender coisas
novas, aprender ciência e poder falar com os médicos quase no mesmo nível”. Mateus declarou
que sua profissão é interessante devido “à oportunidade de trabalhar em contato com os
médicos, buscar conhecimento médico, estar no meio científico e ao bom retorno financeiro.”
Podemos nos remeter aqui ao conceito de dádiva, no contexto de promoção e divulgação
de medicamentos e categorias diagnósticas, discutido anteriormente. O sistema de troca de
presentes, envolvendo a classe médica e os propagandistas farmacêuticos, está longe de se
vincular apenas a interesses econômicos. Valores como honra, prestígio, poder e competência
profissional também fazem parte dessa dimensão interacional, que influencia o consumo e
prescrição de medicamentos.
192
5 CURSO PROPAGANDISTA FARMACÊUTICO ONLINE
5.1 Referência metodológica e informações gerais
Consideramos importante indicar, aqui, que a análise de material de curso online se ancorou
em Bardin (1994). A autora define Análise de Conteúdo (AC) como “um conjunto de técnicas
de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens.” (BARDIN, 1994, P.38)206. Segundo ela, apesar de existirem
algumas regras de base nessa técnica, é possível reinventá-la, pois, muitas vezes, sua adequação
ao domínio e aos objetivos pretendidos na pesquisa é necessária.
Sendo assim, para Bardin, o campo de aplicação da AC é bastante vasto, qualquer
transporte de significações de um emissor para um receptor pode ser analisado por ela. Desta
forma, consideramos tal método relevante para a pesquisa, já que, por meio dele, é possível
realizar uma organização sistemática das mensagens contidas nos textos do material coletado.
No entanto, vale ressaltar que o método utilizado serviu apenas como ferramenta de
estruturação de ideias e controle de dados, sem ignorar as subjetividades da pesquisadora e sua
influência na coleta, análise e interpretação de resultados.
Antes de iniciarmos a descrição e análise do curso, consideramos pertinente destacar alguns
pontos. A ideia inicial era a de fazer um curso presencial de formação de propagandistas
farmacêuticos. Foi feita uma extensa pesquisa, tanto por meio do site Google207, quanto por
informações pessoais de colegas farmacêuticos a fim de se encontrar um curso cujo conteúdo
programático fosse pertinente aos objetivos da pesquisa e, ao mesmo tempo, tivesse um custo
razoável. No entanto, todos os cursos encontrados custavam caro, na faixa de mil a dois mil
206 A autora aponta dois objetivos gerais relacionados a esse tipo de análise: a possibilidade de fazer com que a
visão do pesquisador seja compartilhada por outros − o que valida e generaliza determinada leitura − e a
viabilização do enriquecimento da leitura e da exploração do material. Isso se daria por meio do
descobrimento de conteúdos confirmadores ou infirmadores das hipóteses de pesquisa formuladas
anteriormente. A principal característica desse tipo de análise, ao considerarmos a perspectiva qualitativa,
que é a deste estudo, seria a realização da inferência baseada na presença do índice (tema, palavra,
personagem, etc.). Tal inferência pode responder a dois tipos de problema. O primeiro diz respeito às causas
ou antecedentes da mensagem, ou seja, ao que conduziu um determinado enunciado. O segundo refere-se aos
possíveis efeitos da mensagem, às suas consequências, isto é, ao que determinado enunciado vai provocar.
207 Podemos afirmar que a pesquisa começou a ser feita desde o início do doutorado e se intensificou entre abril
de 2016 e março de 2017.
193
reais. Assim, após longa procura de cursos em todo o país e diversas solicitações de desconto
e/ou isenção de pagamento negadas pelas respectivas coordenações, fizemos uma solicitação
de apoio financeiro à UERJ, em março de 2017. Mas, infelizmente, a resposta não chegou em
tempo hábil. Essa dificuldade causou uma mudança na estrutura metodológica do trabalho:
houve, portanto, a substituição da observação participante em curso presencial pela análise de
conteúdo de um curso de formação de propagandista feito online, antes considerado apenas
como possível apoio para a análise do curso que seria realizado presencialmente.
Vale ressaltar que, durante a procura do curso presencial, em 2014, descobri um curso de
formação de propagandista, com carga horária de 4 horas208, que estava fornecendo aula-extra
para uma de suas turmas, intitulada “Workshop de Pesquisa Clínica”. Ela seria aberta e gratuita
para todos os interessados, bastava apresentarem vínculo com alguma instituição de ensino, no
momento da inscrição. Resolvi, então, participar a fim de conseguir mais informações sobre o
curso, incluindo a possibilidade de um desconto na inscrição, ou, até mesmo, um entrevistado
em potencial.
O curso se localizava em um prédio comercial. Logo na entrada do local, havia duas
secretárias bem simpáticas, vestidas com uma espécie de uniforme branco, de crachá, e cabelos
presos. Elas me informaram o caminho para chegar à sala em que estava ocorrendo a aula. A
turma era grande, em torno de sessenta pessoas, com número similar de homens e mulheres.
Havia pessoas de idades e vestimentas variadas. Homens vestidos socialmente, com camisa e
gravata e mais casualmente, até mesmo com jeans e tênis. Dentre as mulheres, umas estavam
de salto alto, calça ou vestido social, enquanto outras estavam sem maquiagem, de sapato de
salto baixo e jeans, por exemplo. Pelo que pude notar, conversando com alguns alunos durante
o intervalo da aula, o grau de escolaridade variava entre nível superior (graduação em marketing
e administração de empresas) e nível médio.
No momento em que entrei na sala, o professor, um ex-propagandista de medicamentos
bem conhecido no meio, percebeu que eu não fazia parte da turma. Pediu que me apresentasse
e dissesse a todos qual seria meu objetivo ao fazer aquela aula. Confesso que fui “pega de
surpresa”, pois não imaginava que isso poderia ocorrer em uma aula-extra e aberta ao público.
Assim, acabei me esquecendo de falar que era farmacêutica, no começo da minha apresentação.
Foi muito curioso, pois ao me colocar como pesquisadora, percebi um olhar meio
desconfiado do professor enquanto falava do meu objeto de pesquisa para a turma, da maneira
mais resumida e superficial possível. Mencionei apenas que “buscava estudar como se dava a
208 Por motivos éticos, optamos por não fornecer a localização do curso, já que isso poderia facilitar sua
identificação.
194
relação entre a classe médica e a indústria farmacêutica”. No entanto, ao finalizar minha fala
dizendo “Ah, sou farmacêutica” ouvi um “Ah...” não só do professor, mas dos alunos também,
fato que achei bastante engraçado. Após a “revelação” da minha profissão, foi evidente a
“quebra de gelo” no ambiente. O professor sorriu e me perguntou “Ah, então você vai falar bem
da gente, né?”, o que me fez sorrir de volta. Em seguida, ele me deu seu cartão de visita, além
de se disponibilizar a ser entrevistado por mim, posteriormente. Isso não ocorreu, pois, ao entrar
em contato com ele, por email e telefone, não obtive retorno.
Achei a aula bastante interessante. Assuntos como ética e judicialização na pesquisa
clínica em geral foram abordados, inclusive com a utilização de trechos de filmes como “A Pele
que Habito” e “Contágio”209, cujas temáticas problematizam os limites éticos e legais da ciência
na vida e saúde das pessoas. Aliás, a ética na pesquisa científica foi um assunto bastante
discutido no curso, o que me surpreendeu. Além disso, noções e conceitos acerca do tema do
curso, como definição de ensaio clínico, as fases que o compõem, bem como a legislação
envolvida nesse tipo de pesquisa foram apresentadas.
Em certo momento da aula, o professor pediu que a turma se dividisse em grupos e
distribuiu a cada um deles um estudo de caso sobre a Disfunção Erétil. Consistia em uma
simulação de um ensaio clínico de uma nova droga desenvolvida para o tratamento desse
problema. Em seguida, havia algumas questões para cada grupo responder. Eram questões
relativamente simples. Por exemplo, uma delas perguntava se seria correto fazer um ensaio
desse tipo com os pesquisadores sabendo de antemão que voluntários receberiam placebo e
quais receberiam o medicamento em questão. A despeito das perguntas serem bem simples,
achei bastante interessante o fato de um problema relacionado à saúde sexual masculina ter sido
escolhido como estudo de caso em uma aula sobre pesquisa clínica.
E não parou por aí. Ao falar sobre as áreas de “maior oportunidade” atualmente para a
indústria farmacêutica e, consequentemente, para os propagandistas, o professor fez duas listas.
Na primeira, deu exemplo de áreas cujas oportunidades estariam decrescendo para a indústria
farmacêutica: fertilidade, câncer, doenças degenerativas, estresse. Na segunda, apresentou as
que ofereceriam oportunidades crescentes: ereção, longevidade, qualidade de vida, libido.
Podemos notar que esses temas citados estão associados ao tema declínio hormonal masculino
relacionado ao envelhecimento, como já comentado neste trabalho. A seguir, será apresentada
a discussão sobre o curso de formação de propagandista online.
209 Para saber mais sobre os filmes acesse http://www.adorocinema.com (Acesso em: 02 abr. 2018)
195
5.2 O curso
O curso foi encontrado por meio de pesquisa realizada no site Google, durante o mês de
julho, no ano de 2015. Na busca, utilizamos a expressão “curso formação de propagandista
online”. Diversos cursos apareceram na página de busca do Google. O critério de escolha se
baseou no preço e no conteúdo programático que mais se ajustasse aos objetivos da pesquisa.
O escolhido faz parte de um portal da internet denominado “Portal Educação210”, em que são
oferecidos diversos cursos livres, profissionalizantes e de pós-graduação à distância como
culinária, direito, farmácia, indústria, marketing e vendas, moda e design. No período da
pesquisa, a faixa de preço do curso era em torno de duzentos reais, mais barato em comparação
aos demais cursos disponíveis, provavelmente devido ao conteúdo programático ser menor.
Como a ideia inicial era apenas mapear o campo para posterior participação em um curso
presencial, resolvi me inscrever no curso, ao notar que, apesar de ter curta duração, abordava
questões pertinentes para a pesquisa.
Logo após a inscrição no curso, recebi um email em que constavam informações
referentes à sua estrutura. Ele foi dividido em quatro módulos. Podíamos acessá-los quando
quiséssemos, até trinta dias após a inscrição, prazo final para a realização de uma prova, cuja
duração era de uma hora, a fim de recebermos o certificado de conclusão do curso.
Ao fazer login e entrar na página do curso, encontrei a estrutura representada nas figuras
a seguir:
210 http://www.portaleducacao.com.br
196
Figura 12. Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte superior) - Portal
Educação, 2015
Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 16 de outubro de 2015
Figura 13. Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte inferior) - Portal
Educação, 2015
Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 16 de outubro de 2015
197
Como podemos notar, a área “Meu Curso” disponibilizava o download do livro digital,
contendo os 4 módulos do curso. Ao clicar no link “Material”, dentro da área “Aprendizagem”,
houve direcionamento a uma página que continha os 4 módulos do curso, em separado, com
algumas ilustrações a mais do que o livro digital continha. Além disso, em sua parte superior,
havia links para as seguintes áreas: “Página Inicial”, “Fórum café”, “Calendário”,
“Mensagens”, “Opinião”, “Minha Turma,” “Temas” e “Ajuda”. Ao clicar em tais links, com
exceção de “Página Inicial” e “Minha Turma”, houve direcionamento a páginas em branco. O
link “Minha Turma” dava acesso a uma lista com os nomes de todos alunos inscritos (alguns
acompanhados de fotos), com suas cidades de origem. Na lista, havia nomes de alunos de várias
regiões do país, com idades diversas, e numa proporção similar de homens e mulheres O
material didático ficava disponível no site por sessenta dias, prazo para a realização da prova,
cuja nota mínima sete, garantiria o certificado de conclusão de curso.
A “Atividade Reflexiva”, cujo link se encontrava na área “Avaliação”, consistiu no estudo
do artigo intitulado “Análise de correspondência aplicada à avaliação da propaganda
farmacêutica junto à classe médica”211 e posterior atividade discursiva orientada por um tutor,
que seria realizada por meio de videoconferência entre este e o aluno. Para participar de tal
atividade o aluno deveria informar ao curso seu interesse, clicando no link “tutoria” para se
cadastrar. Uma boa avaliação, aqui, garantiria um ponto extra na prova final. Por questão de
tempo, optei por não fazer essa atividade. Apenas baixei o artigo, já que o deixaram disponível
para todos os alunos matriculados no curso.
O artigo tem como objetivo principal “avaliar o papel do propagandista na divulgação dos
produtos farmacêuticos para a classe médica, com intuito de aperfeiçoar o marketing de
relacionamento empregado pelo representante212” (NASCIMENTO et.al, 2010, p.2). Além
disso, busca também indicar o perfil dos médicos entrevistados: gênero, local de trabalho
(cidade), especialidade, número de atendimentos, tanto a pacientes quanto a representantes, por
semana. A fim de atingir esses objetivos, foi aplicado um questionário, composto por treze
questões fechadas, a uma amostra representativa de médicos da região Centro-Oeste e do Vale
do Taquari (RS).
Nessa pesquisa, há a ideia da indústria farmacêutica como sendo a produtora de
tecnologias farmacológicas que podem prevenir e tratar doenças. Além disso, a promoção de
211 NASCIMENTO et.al. Análise de correspondência aplicada à avaliação da propaganda farmacêutica junto à
classe médica. Sistemas & Gestão, v. 5, n. 1, p. 1-16, jan./abr. 2010.
212 Os autores consideram os termos propagandistas e representantes sinônimos.
198
medicamentos é definida como uma forma de expansão do conhecimento científico, ou seja,
desloca-se essa atividade da dimensão comercial, do objetivo principal que as empresas
farmacêuticas têm quando promovem medicamentos, que é a obtenção do maior lucro possível.
Assim, aqui, o propagandista pode ser visto como uma espécie de “parceiro” do profissional de
saúde, pois ambos trabalhariam juntos para garantir os tratamentos farmacológicos mais
adequados para a prevenção e o tratamento de doenças:
A promoção dos medicamentos de prescrição para os profissionais de saúde é uma
extensão vital do processo de busca e desenvolvimento de novos e melhores meios de
prevenir e tratar as doenças. A promoção e difusão da informação educacional
asseguram que os amplos benefícios dos anos de trabalho e o enorme dispêndio de
qualificação e dinheiro estarão prontamente disponíveis para os pacientes do mundo
todo. Em todas as suas atividades, a indústria farmacêutica acredita que devem ser
definidos e respeitados altos padrões e é certo que, no que diz respeito às suas
atividades de marketing, a figura do representante farmacêutico, ou como é
conhecido, o propagandista é o que melhor atende ao interesse dos profissionais de
saúde (NASCIMENTO et al., 2010, p.1)
No trecho acima, percebemos a promoção de medicamentos para a classe médica vista
como parte da busca pelo “novo”, “tecnológico”, ou seja, pelo que é capaz de trazer mais
benefícios à população, no que diz respeito à prevenção e tratamento de doenças. Outrossim,
coloca a indústria no papel de educadora dos profissionais de saúde, o que também contribui
para beneficiar os pacientes em seus tratamentos, segundo os autores. Apenas no final do trecho,
há referência ao marketing farmacêutico, com destaque para o papel do propagandista, aquele
que “melhor atende aos interesses dos profissionais de saúde”, isto é, além de beneficiar os
pacientes, a promoção de medicamentos atende também às demandas dos profissionais de
saúde. Tudo isso põe a atividade promocional farmacêutica numa posição que vai muito além
da simples função de venda de medicamentos para obtenção de lucro.
Nos parágrafos seguintes, questões diretamente relacionadas ao mercado farmacêutico
foram abordadas. Os autores destacam a necessidade de os medicamentos passarem por um
“trabalho promocional forte, devido à grande concorrência e ao conhecimento de poucas
diferenças tangíveis existentes entre esses produtos. Por isso, é objetivo do propagandista fazer
com que o médico, considerado seu público-alvo mais importante, perceba um simples detalhe
no medicamento promovido, como o tamanho de um comprimido, um sabor mais agradável de
um xarope ou uma ação mais prolongada, que possa determinar a adesão do paciente ao
tratamento. Isso estimula o médico a adotar o produto e passar a prescrevê-lo aos seus pacientes
(NASCIMENTO et al., 2010). Desta forma, os autores apontam, aqui, a importância de o
propagandista valorizar cada detalhe acerca do medicamento promovido que possa ser visto
199
como vantajoso em relação aos demais produtos. Isso faz parte do “marketing positivo” dos
medicamentos, já comentado anteriormente.
Em seguida, colocam os propagandistas na posição de “vendedores diferenciados”, pois
não lidam diretamente com o público, e sim com um profissional especializado:
Uma das ferramentas mais utilizadas pelas indústrias farmacêuticas é a venda pessoal,
são vendedores diferenciados que não se relacionam com o consumidor final, mas sim
com um profissional médico, altamente qualificado, que não compra o produto, mas
tem a necessidade de avaliá-lo e prescrevê-lo, ou não, para seus pacientes
(NASCIMENTO et al., 2010, p.2)
Duas definições de propagandista farmacêutico são apontadas no texto. A primeira, uma
citação direta do trabalho de Semenik e Bamossy (1996)213, apresenta o propagandista como o
profissional que “analisa o mercado, prevê vendas, sugere novas apresentações para os
produtos, analisa o comportamento dos clientes, representa o papel de ligação entre a
organização farmacêutica e a classe médica. Vêm do campo as verdadeiras necessidades dos
clientes” (SEMENIK; BAMOSSY, 1996, p. 495). A segunda, também uma citação direta,
afirma que os propagandistas “são os profissionais da propaganda médica que sabem onde os
produtos estão disponíveis, quem os prescreve, quem os consome, enfim, são eles que melhor
visualizam a situação da empresa a nível local” (BREGANTIN, 2000, p. 89)214.
Percebemos, então, a visão do propagandista farmacêutico como o principal elo entre a
indústria farmacêutica e a classe médica, um conhecedor do mercado farmacêutico, das
possíveis necessidades da classe médica, bem como da dinâmica envolvendo prescritores de
medicamentos, locais em que tais produtos são vendidos e pacientes que os compram.
Para os autores, o contato do propagandista farmacêutico com a classe médica é um
exemplo de “Marketing de Relacionamento”, isto é, “[...] uma interação contínua entre os
clientes e vendedor, na qual o vendedor melhora permanentemente sua compreensão das
necessidades do cliente e este se torna mais leal ao vendedor, já que suas necessidades estão
sendo atendidas.” (NASCIMENTO et al., 2010, p.2).
Notamos, então, uma menção direta à venda, ao comércio de medicamentos, embora haja
a afirmação de que seria um tipo diferenciado de venda, na qual o propagandista não se
213 Esse trabalho não estava nas referências contidas no final da apostila. Entrei em contato com o curso por e-
mail a fim de consegui-la, mas não obtive retorno.
214 Trabalho que também não consta nas referências bibliográficas do curso.
200
relaciona com o consumidor final, mas com o profissional médico. Pareceu que a ideia de a
indústria promover o conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico que beneficiam
a sociedade, e a ênfase no emprego de técnicas de marketing, com o objetivo de “convencer um
cliente”, neste caso o médico, a prescrever determinado medicamento, foram postas,
naturalmente, como se não houvesse nenhuma contradição a ser discutida.
Outro ponto do artigo que vale destacar consiste na concepção do médico como profissional
responsável por definir o tipo de relacionamento que pretende ter com a empresa farmacêutica
promotora de determinado produto:
O relacionamento entre a classe médica e a indústria farmacêutica depende muito do
perfil de cada médico, isto é, devem saber definir o tipo de relacionamento que
pretende ter com a indústria farmacêutica, de maneira livre e consciente, e ser coerente
com suas convicções e posicionamentos (NASCIMENTO et al., 2010, p.2).
Na conclusão, os autores apontaram a posição favorável dos entrevistados em relação ao
trabalho mercadológico desenvolvido pelas empresas farmacêuticas e a significativa
participação do propagandista no processo de constante atualização médica. Quanto à
influência do propagandista na prescrição médica, a maioria dos médicos acredita que é
influenciada pelos propagandistas.
Os outros resultados destacados na conclusão foram:
“a. Os laboratórios devem primar pela boa formação técnico-científica de seus
representantes para que seus profissionais conheçam bem os produtos que divulgam;
b. Quanto ao uso dos ‘visual aid’ (ajuda visual) estes devem despertar o interesse nos
médicos. Em razão do pouco tempo que o médico atual dispõe, sugere-se que o ‘visual
aid’ seja objetivo, primando por um bom desing [sic] e informações confiáveis;
c. Relativo ao uso das amostras grátis sugere-se uma maior distribuição deste material,
por seu poder de impulsionar o receituário; d. Ficou constatado o fato que o médico
associa o medicamento ao representante que o visita. Portanto, quanto maior o índice
de permanência deste profissional no seu setor de trabalho, maiores as possibilidades
de o médico indicar seus produtos; e. Com relação às características mais importantes
dos propagandistas, a análise dos dados levantados demonstrou que 50,66% dos
médicos validam o conhecimento técnico/científico dos produtos e 30,92% a empatia.
Sendo assim, destaca-se a importância da melhor formação do setor de treinamento
dos laboratórios farmacêuticos, para um melhor preparo do propagandista, tanto em
termos científicos como na utilização dos preceitos do marketing de relacionamento.”
(NASCIMENTO et al., 2010, p.13).
Por fim, frisaram que os resultados obtidos mostraram a posição favorável da classe média
em relação às ações de mercado desenvolvidas pelas empresas farmacêuticas, o papel
fundamental do propagandista farmacêutico na atualização médica e a dinâmica de
201
comunicação eficaz entre a indústria farmacêutica, representada pelos propagandistas, e a classe
médica215. Além disso, constaram que o marketing de relacionamento é um meio relevante de
se conseguir fidelização do médico aos medicamentos farmacêuticos, por meio da prescrição.
No entanto, segundo os autores, haveria ainda necessidade de uma política de mercado mais
agressiva e inovadora, com investimentos significativos na imagem do propagandista
farmacêutico e foco no cliente prescritor, representado pelo médico, principalmente.
Mais uma vez, vimos a promoção de medicamentos deslizar entre as funções de
formadora /atualizadora da classe médica e a de “influenciadora” de clientes, por meio do
marketing farmacêutico. Tudo colocado de maneira naturalizada. Além disso, vale ressaltar
que, segundo a pesquisa realizada por Nascimento e colegas, os próprios médicos não só
reconhecem a influência dos propagandistas nas prescrições e o suposto papel importante destes
na atualização médica, mas também são favoráveis às ações de mercado desenvolvidas pelas
empresas farmacêuticas a fim de promoverem seus produtos.
Outra questão referente a esse artigo consiste no destaque dado ao “marketing de
relacionamento”, ou seja, às estratégias utilizadas pelos propagandistas que colaboram para a
criação e manutenção de um vínculo do propagandista com o médico visitado e,
consequentemente, aumentam a probabilidade de prescrição do medicamento, já que os
médicos associam o medicamento ao propagandista que os visita, segundo o resultado da
pesquisa em questão. Tal resultado também mostrou que o conhecimento técnico-científico
deste profissional em relação os medicamentos que promove, bem como sua empatia são
características consideradas importantes pelos médicos. Toda essa discussão sugere que a
interação entre médicos e propagandistas farmacêuticos é complexa, envolvendo diversos
aspectos que vão além da simples venda de medicamentos, e de grande importância para a
indústria farmacêutica.
Voltando à página do curso de propagandista, o outro link localizado na área “Avaliação”,
de mesmo nome, dirigia-nos à página em que se encontrava a prova final do curso, já
mencionada anteriormente. O recebimento do certificado de conclusão do curso dependia da
realização de tal prova, que continha 10 questões de múltipla- escolha, com duração máxima
215 No entanto, existem espaços organizados que visam discutir a influência do marketing farmacêutico na
prática médica. Um exemplo é o movimento “No Free Lunch” (www. nofreelunch.org), criado e dirigido
pelo médico Bob Goodman, nos Estados Unidos. Esse movimento visa fornecer informações não só aos
médicos, mas também a outros profissionais de saúde sobre a influência do marketing farmacêutico em suas
práticas profissionais, alertando-os de que até mesmo o ato de receber das empresas farmacêuticas brindes
vistos como “insignificantes” (canetas, canecas, blocos, entre outros) influenciam as prescrições médicas.
202
de 60 minutos para ser respondida. As questões eram simples e diretas216. As demais áreas da
página correspondente ao curso (e seus respectivos links) estavam em branco.
O curso foi dividido em quatro módulos. A seguir, apontaremos os principais tópicos
abordados em cada módulo.
Antes de iniciarem a apresentação do conteúdo de cada módulo do curso, houve uma breve
introdução, em que utilizaram a definição de propagandista oriunda do Portal Carreira e
Sucesso, pertencente à empresa Catho. Nesse portal, o propagandista farmacêutico é definido
como “um pouco marketeiro, matemático, psicólogo, farmacêutico, comunicador e
vendedor”217. Em seguida, enfatizaram a importância desse profissional para a “indústria da
área da saúde”, pois ele seria o responsável pela atualização dos profissionais em relação às
novidades do mercado farmacêutico.
Além disso, foi apontado que os propagandistas visitam, principalmente, os médicos, mas
também trabalham junto a outros profissionais de saúde, como dentistas, veterinários,
fisioterapeutas, esteticistas, nutricionistas e farmacêuticos. Outro profissional que pode ser alvo
do propagandista218 é o balconista vendedor de medicamentos. Justificaram a generalização do
cliente como médico nos tópicos do curso com o argumento de que isso facilitaria a leitura e o
aprendizado.
Logo após, houve uma espécie de declaração de estímulo e dicas gerais para os estudantes
que, a partir daquele momento, iniciariam o curso:
“Aproveite as diversas oportunidades, explore todas as possibilidades que sua formação
como propagandista pode lhe oferecer! Aplique os conhecimentos adquiridos, adaptando-os à
realidade de cada cliente. Afinal, um bom propagandista entende que cada cliente é único, e
dispensa-lhe um tratamento exclusivo e específico às suas necessidades. Em nosso curso
veremos conceitos importantes para a sua formação de propagandista farmacêutico, o
auxiliando a passar informações corretas e com maior credibilidade aos seus clientes.”
216 Eu fiz a prova, e acredito que qualquer aluno empenhado em ler, com atenção, o material do curso foi capaz
de se sair bem.
217 Disponível em: https://www.catho.com.br/carreira-sucesso. Acesso em: 23 nov. 2017.
218 Mais uma vez, notamos, aqui, que não há uma diferenciação entre propagandista e representante.
203
5.2.1 Módulo I- Publicidade e propaganda
Foi iniciado com a proposta de esclarecer a diferença entre Publicidade e Propaganda e de
apresentar alguns conceitos básicos sobre cada um desses campos. De acordo com o texto, a
diferença fundamental entre tais conceitos se baseia na persuasão. Na Publicidade, há a
divulgação de uma ideia, sem que isso esteja associado, necessariamente, à persuasão de quem
a recebe. Já a Propaganda busca divulgar um produto ou serviço com o objetivo de induzir o
consumidor a comprar algum item. Além disso, atua por meio dos veículos de comunicação
(rádio, TV, cinema, imprensa, outdoors, Internet, etc.), que veiculam mensagens sobre produtos
e serviços para diversos nichos do mercado.
Após o curso esclarecer a diferença entre Publicidade e Propaganda, o conceito de
Marketing foi abordado. De acordo com o material, Marketing e Propaganda estão
relacionados, mas são áreas separadas de conhecimento. Assim, Marketing é a “arte de planejar
o antes, o durante e o depois do processo de vendas, enquanto a propaganda é uma forma de
estimular o cliente a fazer uma compra. Em poucas palavras: A propaganda é uma parte do
marketing”.
Aqui, o propagandista farmacêutico está inserido na promoção das vendas dos
medicamentos e de outros produtos ou serviços da indústria farmacêutica. Por fazer
propaganda, ele faz parte das estratégias de marketing para a empresa a qual trabalha. Ao
abordar as estratégias de marketing e as definições dos elementos que compõem a estrutura
desse conceito, o curso utiliza como referencial a pirâmide de Maslow219, que representa o
“modelo da pirâmide das necessidades”. Nesse modelo, as necessidades humanas estão
hierarquizadas numa pirâmide, em que as mais básicas se localizam na base e as mais
sofisticadas no topo220. Atualmente, ele é utilizado pelo marketing, pois visa oferecer
alternativas para a satisfação das necessidades humanas, segundo o texto.
Desta forma, um novo produto lançado do mercado, orientado por estratégias de marketing,
relaciona-se, de alguma maneira, à descoberta de uma necessidade221 do consumidor222,
219 De acordo com o exposto no curso, esse modelo foi proposto pelo psicólogo Abraham Maslow, na metade do
século XX, inicialmente aplicado na área de Ciência Humanas.
220 As necessidades expressas na pirâmide são (da base para o topo): básicas, segurança, sociais, auto estima,
auto realização.
221 Aqui, necessidade é definida, resumidamente, como “um estado de privação do indivíduo”.
222 Interessante notar que, aqui, consumidor tanto pode ser o médico quanto o paciente deste.
204
detectada em algum processo de pesquisa. Exemplos de como o marketing se orienta pelas
necessidades são, de acordo com o texto, as pesquisas para o desenvolvimento de novos
medicamentos, que “só ocorrem quando há necessidade de se obter um medicamento para tratar
uma doença”
Após pontuarem sobre a questão das necessidades humanas, o conceito de “desejos” foi
apresentado. Com base no trabalho de Mota (2011), relacionaram o significado dessa palavra à
vontade de realizar satisfações específicas, influenciadas pela cultura e pelas características
individuais. Tais vontades seriam mutáveis e passíveis de modificação, conforme as
transformações ocorridas na sociedade. A ilustração utilizada foi a situação em que duas
pessoas estariam com fome, um brasileiro e um americano. Para acabar com tal necessidade, o
brasileiro desejaria um bom prato de arroz com feijão e bife, já o americano satisfaria seu desejo
com hambúrguer e batatas fritas, por exemplo.
Ainda citando Mota (2011), afirmaram que os profissionais de marketing são especialistas
em induzir e aguçar desejos. As propagandas da área da cosmetologia foram citadas como
exemplo, pois despertam o desejo de “uma melhor estética” nos consumidores. Aqui, fizeram
um comentário sobre a presença de imagens de pessoas “muito bonitas e seguras” nas
campanhas de propagandas de cosméticos. Além disso, apontaram que grande parte dos
consumidores desse tipo de produto, principalmente mulheres, costuma ser influenciada pelas
propagandas “em função do desejo, da necessidade latente de ficar mais bonita”.
Ao fechar essa primeira parte do estudo, foi discutido o conceito de “demandas”,
relacionado ao poder de compra para aquisição de um desejo, ou seja, quando há poder de
compra, os desejos se tornam demandas. De acordo com texto, o problema envolvendo as
demandas é que os desejos são infinitos e os recursos limitados.
Em seguida, foram apresentados os componentes conhecidos como os 4P’s, relacionadas
ao sucesso das empresas no mercado: o produto, o preço, o ponto de distribuição e a promoção.
Ao citarem Freire (2012)223, apontaram que esses 4P’s devem estar em equilíbrio constante,
caso contrário, o sucesso do marketing de uma empresa fica comprometido. O produto224 foi
definido como “qualquer coisa que possa ser oferecida a alguém para satisfazer uma
necessidade ou desejo.” Segundo o texto, o medicamento é o principal produto do setor
farmacêutico, utilizado para “atender necessidades ou desejos de cura, alívio ou prevenção de
223 Outra citação que não está nas referências bibliográficas.
224 Conforme o texto, um produto é chamado de serviço quando consiste em um objeto intangível.
205
alguma doença dos pacientes”, com seu valor diretamente relacionado à satisfação oferecida ao
consumidor.
O preço foi definido como “uma quantidade de dinheiro estabelecida na hora da compra”,
com o objetivo de o consumidor adquirir um produto ou serviço e usufruir de seus benefícios.
Nesse ponto, comentaram a importância de se escolher o preço de um produto ou serviço,
adequadamente, pois para a empresa ser bem-sucedida e rentável, esse valor deve ser
suficientemente alto para proporcionar lucro à empresa que o produz ou comercializa, mas, ao
mesmo tempo, não pode desestimular o consumidor a efetuar a compra. Segundo o texto, o
local onde ocorre a distribuição desse produto ou serviço no mercado é denominado praça ou
ponto de distribuição. Desta forma, as farmácias seriam o ponto de distribuição dos
medicamentos no mercado farmacêutico varejista.
Por fim, apontaram que a promoção diz respeito às tarefas de comunicação que visam
promover o consumo de determinado produto ou serviço. A propaganda, a assessoria de
imprensa, a venda pessoal são exemplos dessas tarefas. O propagandista farmacêutico foi citado
como o profissional que está “incluso nas estratégias de marketing da indústria farmacêutica.”,
pois trabalha na promoção dos produtos farmacêuticos.
O próximo assunto abordado no módulo foi a história da propaganda médica do Brasil.
Imagens de anúncios225 apelativos, com promessas de cura milagrosa e multifuncionalidade dos
produtos serviram de ilustração nessa parte do curso. Outra característica associada aos
anúncios veiculados, no fim do século XIX e começo do século XX, foi a presença de
depoimentos de supostos ex-pacientes, que teriam se curado com o uso de medicamentos
anunciados.
A explicação dada para a constituição dos anúncios dessa época se baseou na falta de
formação especializada dos redatores publicitários, que eram escritores literários ou poetas226.
Desta forma, o tom “exagerado e poético” das propagandas pertencia a redatores da época. Por
volta de 1930, com o surgimento do rádio, houve uma modificação na forma de comunicação
e os anúncios se modernizaram, as propagandas tornaram-se mais rápidas e objetivas. Iniciava-
se o período dos “jingles”, dos “spots” e dos “slogans”.
225 De acordo com o texto, o primeiro anúncio de medicamento ocorreu em 1882, em um jornal denominado
Corsário. Era o anúncio da pomada boro-borácica, considerada o primeiro produto industrializado no Brasil.
226 Muito interessante perceber que todos os problemas referentes aos tipos de propagandas realizadas, naquela
época, são colocados como resultado da má formação técnica de seus autores, ou seja, nada tinham a ver com
uma possível tentativa de influenciar a compra de medicamentos por meio de estratégias de venda.
206
Em seguida, foi citado o trabalho de Custódio e Vargas (2005), que discute a diminuição
do número de anúncios na década de 1960, logo após um período muito produtivo para as
propagandas de medicamentos. Segundo os autores, isso ocorreu devido ao controle de preços
que passou a ser exercido sobre os medicamentos. Apenas na década de 1970 houve uma
retomada dos anúncios, porém de forma mais criteriosa.
De acordo com o texto do curso, a regulamentação de vários aspectos referentes aos
medicamentos, realizada pela Vigilância Sanitária em 1976227, consistiu em um marco
importante na história da propaganda de medicamentos. A partir desse momento, os
medicamentos passaram a ser divididos em dois grupos, os que podiam ser vendidos sem
prescrição médica e os que necessitavam de uma prescrição para sua comercialização. Estes
não podiam mais ser anunciados em veículos de comunicação de massa. O texto destaca que é
neste cenário que a profissão de propagandista farmacêutico começa a tomar forma. Tal
profissional seria o responsável pela promoção dos medicamentos com venda sob prescrição,
cuja propaganda fica restrita aos profissionais prescritores ou a anúncios em publicações
específicas das empresas farmacêuticas. Até hoje, somente os medicamentos de venda livre,
também chamados de OTC (over the counter) podem ser veiculados livremente na mídia.
Em seguida, foi apontada a importância da regulamentação da propaganda de
medicamentos, pois garante que as informações veiculadas pelas propagandas sejam corretas,
equilibradas e acessíveis aos médicos, farmacêuticos e, principalmente, à população: “Com a
regulamentação da propaganda de medicamentos e sua evolução em paralelo com a indústria
farmacêutica, a liberdade de comunicação, do comércio e a proteção da saúde humana são
garantidas”.
No entanto, conforme o texto, apesar de o propagandista ter como objetivo a promoção do
medicamento e, consequentemente, sua venda, é seu dever deixar bem claro quais os riscos
envolvidos na sua utilização228. Para que isso seja possível, ele deve conhecer conceitos
técnicos do medicamento a fim de garantir “o padrão da qualidade das informações” que
fornece aos seus clientes, os profissionais prescritores ou dispensadores.
Finalizando o módulo, foram explicadas, resumidamente, algumas características do
mercado farmacêutico nacional. Ele apresenta muitas peculiaridades e está em ascensão devido
227 Lei de n 6.360 de setembro de 1976.
228 Podemos notar que, aqui, já começa a aparecer o que é específico acerca do medicamento como produto a ser
comercializado.
207
a fatores como o aumento de renda da população e, consequentemente, aumento de poder de
compra, ampliação do acesso a planos de saúde privados e envelhecimento da população.
Observamos que, nesse primeiro módulo, utilizaram a linguagem, essencialmente,
comercial. Palavras como “necessidade”, “consumidor”, “desejos”, “demandas”, “promoção”,
“produtos”, “serviços”, empregadas em discursos gerais sobre consumo e marketing, foram
colocadas, aqui, de forma adaptada para a especificidade da propaganda de medicamentos.
Além disso, aparece, como já mencionado, a preocupação em pôr os propagandistas numa
posição diferenciada em relação aos demais vendedores, ao mesmo tempo em que pareceu
querer mostrar que aqueles fazem parte de uma engrenagem, cujo principal objetivo consiste
na compra do medicamento pelo consumidor. Isso pode ser demonstrado pelo fato de discutirem
questões mais diretas associadas à venda dos medicamentos, como a importância de se
estabelecer preços adequados para os medicamentos, por exemplo. Assim, o propagandista,
cuja função é promover o consumo de medicamentos, faria parte de um processo que resulta na
compra dos produtos que ele promove, de forma “científica” e “diferenciada” dos “outros
vendedores”.
Outra questão que aparece é a importância da regulação da propaganda de medicamentos
feita, no Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). De acordo com o
curso, ela é fundamental para garantir que as informações sobre medicamentos dirigidas à classe
médica, aos farmacêuticos, aos demais profissionais de saúde e à população, no caso dos
medicamentos de venda livre, sejam transmitidas de forma ética, obedecendo à legislação do
país. O desenvolvimento de normas acerca da regulação de medicamentos dependentes de
prescrição estaria, diretamente, ligado ao surgimento da profissão de propagandista. Há também
um enfoque na importância do conhecimento técnico adquirido pelo propagandista, pois ele
seria, justamente, o responsável por garantir que as informações transmitidas para os médicos
e, consequentemente, seus pacientes, estejam enquadradas nessas normas legislativas.
5.2.2 Módulo II- A Base técnica do propagandista
Podemos afirmar que, dos 4 módulos apresentados, esse foi o mais técnico, no que diz
respeito aos conhecimentos específicos da área biomédica, principalmente da Farmacologia.
Iniciou-se destacando a necessidade que o propagandista farmacêutico tem de conhecer o
funcionamento do corpo humano e as interações dos sistemas biológicos com os medicamentos,
208
a fim de fornecer informações de qualidade no atendimento de seus clientes que são,
geralmente, médicos. Conforme o texto, uma boa formação técnica proporciona maior
credibilidade ao propagandista durante a visita médica e promove o uso racional dos
medicamentos, bem como a saúde de quem irá utilizá-los.
Em seguida, discutiram os fundamentos da Anatomia e Fisiologia, em que se estudou as
partes do corpo, as estruturas e os sistemas que o compõem.229 Vale ressaltar que os assuntos
foram abordados de maneira detalhada, com imagens e esquemas ilustrativos. Houve uma
preocupação de se utilizar uma linguagem técnica, mas que, ao mesmo tempo, fosse a mais
acessível e esquemática possível, talvez, com o objetivo de facilitar a memorização de assuntos
densos e complexos.
Após essa primeira parte, passamos para o estudo dos fundamentos de Farmacologia, cuja
definição apresentada no texto foi “a ciência que estuda os efeitos das drogas sobre os sistemas
biológicos, ou seja, sobre os organismos vivos.” Primeiramente, distinguiu-se os conceitos de
drogas, fármacos e medicamentos:
- Uma droga pode ser definida como qualquer substância capaz de promover
alterações fisiológicas ou modificar quadros patológicos, com ou sem a intenção de
beneficiar o indivíduo, podendo até prejudicá-lo;
- Fármacos são os princípios ativos dos medicamentos e são unicamente drogas que
possuem ações preventivas, paliativas ou curativas;
- Medicamentos, por sua vez, são produtos com finalidades preventivas, paliativas ou
de tratamento, constituídos por fármacos e outros compostos inertes, chamados de
excipientes. Os medicamentos apresentam-se sempre sob uma forma farmacêutica,
tais como comprimidos, drágeas, cápsulas, xaropes, soluções, suspensões, colírios,
pomadas, cremes, etc.
Ou seja, segundo o texto, uma droga pode prejudicar, mas fármacos e medicamentos, não.
Quanto a esses conceitos, foi apontado que muitas substâncias, dependendo da finalidade
de uso, podem ser consideradas ou não medicamentos. As vitaminas, por exemplo, são tidas
como nutrientes se forem adquiridas por meio da alimentação, mas se ingeridas para tratamento
de problemas de saúde são vistas como medicamentos.
Em seguida, abordaram os conceitos fundamentais de Farmacologia, como
Farmacocinética e Farmacodinâmica230. Depois, estudamos Farmacologia Clínica, que
229 De acordo com o texto, as partes do corpo são cabeça, pescoço, tronco e membros (superiores e inferiores).
Ele é composto, estruturalmente, pelos sistemas nervoso, esquelético, digestivo, respiratório, circulatório,
excretor e reprodutor.
230 Ancorados no estudo de Wannmacher e Ferreira (1999), argumentaram que a Farmacocinética estuda o
trajeto do medicamento no organismo, desde sua administração até a eliminação. Engloba os processos de
209
consiste, de acordo com o texto, na parte da Farmacologia que analisa a eficácia e segurança
dos medicamentos.
Ao estudarmos Farmacologia Clínica, vimos as principais classes terapêuticas de
medicamentos que, segundo o texto, são importantes para o propagandista farmacêutico231: os
analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios, antialérgicos, antiulcerosos, antiespasmódicos,
descongestionantes nasais e broncodilatadores, antibióticos, antidiabéticos orais, anti-
hipertensivos.
O último tópico do módulo consistiu em uma breve discussão sobre o uso racional de
medicamentos, que enfatizou a importância da ética e da promoção racional do uso de
medicamentos na profissão de propagandista farmacêutico. A definição utilizada foi a da
Organização Mundial de Saúde (OMS)232, que define “uso racional de medicamentos” como a
circunstância na qual os pacientes recebem a medicação adequada às suas necessidades clínicas,
na dose certa, por um período apropriado e pagando um preço acessível por ela. Desta forma,
evita-se o uso incorreto de medicamentos, que pode levar a uma série de efeitos indesejados,
também chamados de reações adversas, ou até mesmo à morte. Tal argumento sugere que
apenas o uso irracional de medicamentos pode trazer danos à saúde, por meio de efeitos
adversos.
Ao encerrar o módulo, destacaram a contribuição do propagandista para a qualidade das
informações que os médicos transmitirão aos seus pacientes, bem como para a escolha dos
medicamentos que serão prescritos. Por isso, conforme o texto, a propaganda dirigida aos
médicos deve ser feita de maneira correta, o que, muitas vezes, não acontece, impulsionando
práticas prescritivas incorretas. Assim, mesmo com o objetivo de promover os produtos que
representa, o propagandista precisa tomar cuidado com as informações dispensadas aos
prescritores que, por sua vez, devem escolher os medicamentos mais adequados para prescrição
com base em evidências clínicas e científicas.
Aqui, observamos que aparece um pouco mais do que no módulo anterior a questão da
especificidade do medicamento como produto comercializado, bem como o papel do
propagandista na transmissão de informações de qualidade aos prescritores, que devem ser
absorção, distribuição, biotransformação e eliminação dos fármacos ou dos seus metabólitos. O conceito de
Farmacodinâmica, baseado na pesquisa de Goodman e Gilman (2005), foi apresentado como o estudo dos
efeitos das drogas ou fármacos nos organismos, bem como seus mecanismos de ação e a relação entre a dose
do fármaco e seus efeitos.
231 O texto não deixa claro o porquê dessas classes terapêuticas serem consideradas as mais importantes para o
propagandista.
232 Referência que também não está na bibliografia do curso.
210
baseadas em “evidências clínicas e científicas”. Isto é, a parte do marketing farmacêutico é
deixada de lado, pois a característica essencial dessas informações seria a “cientificidade”, vista
como importante para a promoção do uso racional de medicamentos.
5.2.3 Módulo III- Aspectos éticos e legais da propaganda de medicamentos
Neste módulo, estudamos os aspectos éticos e legais da propaganda de medicamentos.
Inicialmente, argumentaram que muitas estratégias de marketing desenvolvidas pela indústria
farmacêutica visam, infelizmente, apenas ao aumento dos lucros em detrimento da transmissão
de informações de qualidade. De acordo com o texto, o medicamento é um “produto essencial
à saúde” e não pode ser reduzido à simples mercadoria.
Utilizando a definição da OMS, destacaram que as promoções de medicamentos são
atividades informativas desenvolvidas pelos fabricantes de medicamentos, com o intuito de
persuasão, ou seja, de induzir a prescrição, provisão, aquisição ou utilização de medicamentos.
Ao citarem Barros (1995), apontaram as variadas formas de promoção de medicamentos
existentes, como publicidade em revistas especializadas ou outras publicações, incluindo
jornais, folhetos para o público ou para profissionais da área de saúde, incentivos econômicos,
financiamento de reunião de profissionais e patrocínios de associações de pacientes ou
organizações científicas.
Aqui, também ancorados em Barros (1995), relacionaram o uso racional de medicamentos
a promoções norteadas pela ética, destacando que, nos países em desenvolvimento, como o
Brasil, a promoção de medicamentos é, marcadamente, dirigida ao retorno financeiro, na
prática. Além disso, concordando com o trabalho de Lexchin (1997), afirmaram que a indústria
farmacêutica gasta mais dinheiro em propagandas do que em pesquisa e desenvolvimento de
outros fármacos.
Segundo o texto, a publicação do Código de Comercialização de Produtos Farmacêuticos,
em 1981, pela Federação Intercontinental das Indústrias de Medicamentos, foi um marco legal
na busca da promoção de medicamentos de uma forma mais responsável. Com referências
obtidas da Organização Mundial de Saúde- OMS (1988) e da Sociedade Brasileira de Vigilância
de Medicamentos- SOBRAVIME (2001), falaram sobre a atualização desse código, feita em
1994. Em tal documento, está presente os Critérios Éticos para a Promoção de Medicamentos,
aprovados pela Assembléia Mundial de Saúde, em 1988. Estes consistem em normas sobre
211
aspectos da comercialização de produtos farmacêuticos. Além dessa atualização, destacaram a
RDC N0 96, de 17 de dezembro de 2008233 como um marco importante para o controle da
promoção comercial de medicamentos, pois dispõe sobre propaganda, publicidade, informação
e outras práticas que tenham o objetivo de divulgar ou promover comercialmente os
medicamentos.
O Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária, o CONAR, também foi
citado. Trata-se de um órgão governamental corporativo, responsável por promover a auto-
regulamentação publicitária, estabelecer as regras éticas para a indústria publicitária.
Conforme o texto, foi por causa de propagandas pautadas no desrespeito, na
desonestidade e na mentira que houve a instalação do CONAR e de outras legislações
desenvolvidas pela ANVISA a fim de regulamentar a propaganda de medicamentos. Desta
forma, é fundamental que o propagandista farmacêutico se lembre, assim como é indicado no
artigo 10 do CONAR, de que as informações sobre medicamentos promovidas por ele devem
ser respeitosas, honestas e verdadeiras.
Finalizando esta parte do módulo, apontaram, resumidamente, os quatro pontos-chave
para a promoção comercial de medicamentos no Brasil. Foi comentado que a realização da
propaganda de medicamentos é assegurada pela Constituição Federal brasileira, obedece a
princípios gerais de ética e é registrada no Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária
(CONAR), que dispõe sobre produtos farmacêuticos isentos de prescrição. Este tipo de
propaganda, segundo o texto, é permitido ao público geral, respeitando requisitos da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Já a propaganda de medicamentos de venda sob
prescrição médica é feita exclusivamente para os profissionais prescritores por meio dos
propagandistas farmacêuticos ou por propagandas em meios de comunicação específicos da
área médica.
Na próxima parte do módulo, discutiram a função do propagandista farmacêutico na
formação de opinião dos prescritores. No texto, foram apontados os papéis fundamentais que a
propaganda exerce no cotidiano dos profissionais que prescrevem: o de persuasão e o de fonte
de informação. Citaram o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) como um
exemplo da significativa influência da propaganda de medicamentos sobre a formação de
opinião de diversos profissionais de saúde. Tal dicionário consiste em uma coletânea de bulas,
um veículo de propaganda publicado pela indústria farmacêutica e amplamente utilizado como
fonte de informações terapêuticas pelos prescritores.
233 Essas citações de órgãos ligados à legislação farmacêutica também não estão nas referências bibliográficas
do curso.
212
Citando Barros (2001), destacaram que, particularmente em publicações específicas da área
de saúde, os medicamentos mais prescritos é que são anunciados, frequentemente.
Em seguida, comentaram a existência de estudos234 que identificam fontes de informações
oriundas da publicidade farmacêutica e confirmam sua influência sobre a prescrição, apontando
o lugar de destaque ocupado propagandista farmacêutico, nesse cenário. Desta forma, de acordo
com o texto, mais da metade dos custos com propaganda de medicamentos incidem sobre o
propagandista. Como frisaram, “é por meio do propagandista farmacêutico que chega aos
prescritores, médicos em geral, o conhecimento da presença de um novo medicamento ou
qualquer produto farmacêutico no mercado.”
Além disso, acrescentaram que os produtores de medicamentos investem no propagandista
farmacêutico porque já o identificaram como peça fundamental nas estratégias de marketing.
Para reforçar o argumento anterior, mencionaram o estudo de Peters (1981)235, em que a
preferência dos prescritores pela informação oral é sublinhada. Essa preferência está associada
à possibilidade que tais profissionais têm de otimizar seu escasso tempo.
Aqui, mais uma vez, enfocaram a importância da ética e da responsabilidade do
propagandista farmacêutico no exercício de sua função, a fim de promover os produtos que
representa de forma positiva: “Assim, um bom propagandista farmacêutico pode sim causar um
efeito positivo na prescrição de medicamentos, pois de sua visita provêm informações
importantes a respeito da eficácia dos medicamentos e de possíveis reações adversas”.
O tópico seguinte abordado foi o comércio de medicamentos e a prática da automedicação.
Associaram essa prática aos profissionais dispensadores que trabalham em farmácia ou
drogarias e recebem visitas dos propagandistas farmacêuticos, pois podem receber bonificações
relacionadas à venda de determinado medicamento, o que impulsiona a prática da
automedicação, por exemplo.
Utilizaram a definição de automedicação proposta pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), que a conceitua como “o uso de medicamento sem a prescrição,
orientação ou o acompanhamento médico”. Segundo o texto, ela consiste em uma das principais
consequências negativas da propaganda de medicamento, que, pouco a pouco, vem sendo
regulamentada. A quantidade de mensagens persuasivas contidas nos anúncios de
medicamentos somada à questão cultural e à falta de acesso aos médicos e de profissionais
234 Não foram mencionadas as fontes de tais estudos.
235 Novamente, um estudo citado que não aparece nas referências bibliográficas, no final da apostila.
213
habilitados para fornecer instruções corretas em relação ao uso racional de medicamentos torna
a automedicação um caso de saúde pública no Brasil, país que está entre os dez maiores
mercados farmacêuticos do mundo236.
Segundo o texto, as propagandas, muitas vezes, evidenciam os benefícios do uso de
medicamentos, mas ocultam as desvantagens, o que coloca os medicamentos numa posição
similar a “quaisquer outros produtos”: “Isso é bem observado durante as visitações dos
propagandistas aos médicos, quase nunca esses profissionais citam espontaneamente os efeitos
colaterais ou reações adversas que os medicamentos que estão promovendo podem causar.”
Outra definição que usaram foi a de “polimedicação”, que é a automedicação
caracterizada pelo uso abusivo de vários medicamentos. Com a polimedicação é constante o
aparecimento de interações medicamentosas237, que podem se reverter em risco ou prejuízo à
saúde, embora, na maioria das vezes, isso não ocorra, de acordo com o texto. Citaram como
exemplo de automedicação danosa à saúde o caso dos antibióticos. O uso indiscriminado desses
medicamentos pode contribuir para o desenvolvimento do fenômeno chamado resistência
bacteriana, ou seja, as bactérias se tornam resistentes ao uso de antibióticos por desenvolverem
mecanismos específicos de resistência.
Finalizando esta parte, argumentaram que não há uma ação mais incisiva das autoridades
públicas quanto ao combate da automedicação, que, na realidade, consiste em uma prática
impossível de eliminar totalmente, pois testar e arriscar são ações pertencentes à condição
humana.
Seguindo o módulo, abordaram o tópico “empurroterapia”. Utilizaram a definição da
ANVISA, que a descreve como uma prática irregular realizada pelos profissionais
dispensadores, em geral farmacêuticos e balconistas, associada a algum benefício que estes
recebem das empresas produtoras ao “empurrarem” certos medicamentos aos consumidores,
em vendas realizadas em farmácias e drogarias. Um dos exemplos de “empurroterapia” citado
foi o ato de convencer o consumidor a adquirir o medicamento similar ao invés do medicamento
de referência ou do genérico.238 De acordo com o texto, isso acontece, justamente, por conta de
236 Sem citar as fontes, afirmaram que, no mercado varejista de medicamentos, há, em média, uma farmácia ou
drogaria para cada 3 mil habitantes.
237 Definiram “interações medicamentosas” como “um evento clínico em que os efeitos de um medicamento são
alterados pela presença de outro medicamento, alimento ou bebida.”
238 De acordo com definição apresentada pelo Banco de Saúde, em 2008, e tomada como referência aqui,
medicamentos genéricos são produtos farmacêuticos cujas patentes expiraram, o que, consequentemente, faz
com que seus preços baixem. Isso ocorre porque não há mais necessidade de as empresas produtoras
214
comissões que produtores de medicamentos similares239 oferecem a balconistas e/ou
farmacêuticos para que os “empurrem” aos consumidores.
A última parte do módulo consistiu no estudo sobre a regulação e a legislação das
propagandas de medicamentos no Brasil. Segundo o texto, o Estado tem o direito e o dever de
regular o exercício da propaganda no país, na forma que melhor supra os interesses coletivos,
pois ela pode tanto educar quanto deseducar; formar opinião; ser moral ou imoral; sugerir
condutas de ordem ou desordem social; influenciar na busca e nos preços dos medicamentos.
Antes de abordarem as leis de regulação, apresentaram os produtos que estão sob
regulação dessas leis: medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos240 e correlatos (definidos
pela lei 5. 991/73), produtos de higiene, cosméticos e perfumes, saneantes domissanitários241,
produtos destinados à correção estética.
Nesse módulo, notamos uma contradição evidente em relação ao exposto no início do
curso que consideramos pertinente comentar. Enquanto o enfoque anterior foi sobre o
medicamento visto como um “produto”, uma “mercadoria”, ainda que diferenciada, aqui há
uma clara crítica à visão do medicamento como “simples mercadoria.” É destacado, inclusive,
que a própria indústria farmacêutica desenvolve muitas estratégias de marketing visando,
exclusivamente, ao aumento dos lucros.
Ao marcarem os aspectos éticos e legais envolvidos na propaganda de medicamentos,
citaram diversos estudos que criticam a estrutura das propagandas farmacêuticas, induzindo a
prescrição, provisão, aquisição ou utilização de medicamentos, em detrimento da transmissão
de informações de qualidade. Textos de Barros (1995) e Lexchin (1997), que destacam o fato
da indústria farmacêutica investir muito mais em marketing do que em pesquisas para o
investirem em pesquisas ou estudos clínicos, uma vez que já foram realizados para a aprovação dos
respectivos medicamentos de referência, também chamados, popularmente, de “éticos” ou “de marca”. Estes
podem ser substituídos pelos genéricos nas prescrições. Somente o farmacêutico pode fazer tal troca. Já os
similares não são substitutos aprovados pela ANVISA. A referência correspondente a essa definição também
não se encontra no final da apostila.
239 Os medicamentos similares possuem os mesmos princípios ativos dos respectivos medicamentos de referência
e são registrados no Ministério da Saúde. A diferença entre eles está na bioequivalência, que se refere “à
quantidade e à velocidade em que um medicamento será absorvido e estará disponível para produzir efeito no
local de ação.” Um medicamento similar, ao contrário do genérico, não possui comprovação técnica de que
será absorvido na mesma concentração e velocidade no organismo, quando comparado ao seu correspondente
de marca (http://www.procon.sp.gov/. Acesso: 3 de dezembro de 2017).
240 Insumo farmacêutico, também chamado de fármaco ou princípio ativo, é uma substância química ativa ou
matéria-prima que tenha propriedades farmacológicas com finalidade medicamentosa
(http://portal.anvisa.gov.br/. Acesso: 05 de dezembro de 2017).
241 Consistem em substâncias ou preparações utilizadas para higienização, desinfecção ou desinfestação
domiciliar. (http://portal.anvisa.gov.br/. Acesso: 05 de dezembro de 2017).
215
lançamento de novos medicamentos, contradizendo, assim, a visão das empresas farmacêuticas
como importantes produtoras de tecnologias farmacológicas e “disseminadoras” de
conhecimento científico, apontada no primeiro módulo, foram mencionados sem nenhuma
conexão ou, pelo menos, discussão sobre contradições existentes entre o conteúdo desses
módulos.
Da mesma forma, citaram referências de órgãos ligados à legislação farmacêutica
acriticamente, como se a atividade dos propagandistas, que consiste em “persuasão” e
“propagação de conhecimentos científicos”, segundo a própria apostila, não fossem diretamente
afetadas pela legislação vigente do país. Além disso, contrasta com a função da Propaganda
apresentada no curso: “[...] a propaganda busca divulgar um produto ou serviço, com o objetivo
de induzir o consumidor a comprar tais itens”.
Nesse sentido, o já citado trabalho de Ravelli (2012) discute a restrição pela qual o
marketing farmacêutico é submetido, pois os propagandistas necessitam convencer os médicos
a prescreverem os produtos por eles promovidos, mas também respeitar a legislação de saúde
que vigora no país. Desta forma, segundo o autor, a ética envolvendo esse tipo de interação
seria definida a partir do que é possível ser feito dentro dos limites que a legislação estabelece,
e não com base em princípios morais.
Além disso, comentários sobre a importância da ética profissional dos propagandistas,
críticas referentes a questões relacionadas ao uso irracional de medicamentos, como a
automedicação que, de acordo com o texto, seria uma consequência negativa associada a
propagandas inadequadas de medicamentos e um caso de saúde pública no país, coexistiram
com comentários acerca do papel do propagandista no processo de marketing farmacêutico sem
nenhuma menção a possíveis conflitos ou contradições existentes no processo.
Outra questão abordada nesse módulo que vale ressaltar é a crítica em relação à prática
do propagandista de evidenciar os benefícios do uso de medicamentos, ao mesmo tempo em
que omite as desvantagens. O trecho “Isso é bem observado durante as visitações dos
propagandistas aos médicos, quase nunca esses profissionais citam espontaneamente os efeitos
colaterais ou reações adversas que os medicamentos que estão promovendo podem causar” é
muito intrigante, pois jamais imaginaria ler uma crítica tão específica a uma estratégia de
marketing farmacêutico em um curso de formação de propagandistas.
Também é interessante aparecer a ideia de se colocar os interesses coletivos acima dos
interesses das empresas farmacêuticas. Isso foi ilustrado por meio da discussão, na última parte
do módulo, que apontou o direito e dever do Estado de regular o exercício da propaganda no
país, a fim de prover os interesses coletivos, já que esta teria o poder de educar e deseducar; ser
216
moral e imoral; contribuir para a ordem ou desordem social; formar opinião e influenciar na
busca e nos preços dos medicamentos, segundo o texto.
5.2.4 Módulo IV- Propaganda médica na prática
Nesse último módulo do curso, estudamos as etapas envolvidas no processo de visitação
do propagandista aos consultórios ou farmácias de seus clientes. Ao citar Hansen (2004),
afirmaram que tal atividade é uma reunião de negócios, não um encontro social ou conversa
entre amigos. Portanto, na ausência de uma programação clara, a visita do propagandista se
torna uma perda de tempo. Ela é, então, como mencionada no decorrer do curso, uma
oportunidade de comunicar aos clientes as novidades em termos de tratamentos farmacêuticos
e de apresentar novos medicamentos ou novas informações sobre medicamentos já lançados no
mercado.
De acordo com o texto, a falta de preparo do propagandista para as visitas e,
consequentemente, sua ineficácia em transmitir informações pertinentes às necessidades dos
clientes, geralmente os médicos, colabora, provavelmente, para o rápido encerramento da visita:
“Um dos pontos principais para o propagandista farmacêutico alcançar resultados positivos é
entender que a visita médica inclui um conjunto de atividades planejadas, preparadas e feitas
de forma ordenada e sequencial” Desta forma, o prescritor tende a escolher o profissional
baseado em seu proceder durante a visita, ou seja, aquele que lhe forneça algo interessante, que
atenda às necessidades de seus pacientes.
Também foi destacada a importância da habilidade do propagandista em se comunicar e
do conhecimento sobre medicamentos que ele precisa ter para “ser consultor de seus clientes,
médicos ou dispensadores”. Para isso, esse profissional necessita estudar continuamente,
evitando, assim, incoerências durante suas visitas. Ao preencher tais requisitos, o propagandista
garante a respeitabilidade da classe médica: “O diferencial de um bom propagandista
farmacêutico e um simples vendedor de medicamento é ter respeito pelo seu próprio trabalho e
pelos seus clientes.”
As visitas médicas foram caracterizadas como um conjunto de diferentes etapas que se
sucedem. Tudo que ocorre em cada uma delas é fator determinante para a obtenção de
resultados positivos. A seguir, estudamos as etapas envolvidas no processo de visitação.
217
Planejamento das visitas
De acordo com o texto, o propagandista deve sempre planejar com antecedência suas
visitas aos prescritores. Uma visita improvisada pode até ocorrer, em alguns casos, mas,
provavelmente não gerará resultados positivos: “Não se planejar para uma visita é uma aventura
e, com certeza, um risco inadmissível para o propagandista correr.” Logo, o sucesso de tal
profissional está ligado a seu perfil “extremamente metódico e organizado”, capaz de planejar
com antecedência o roteiro e as visitas. Além disso, ele deve ser um bom observador, prestar
atenção em detalhes.
Citaram alguns cuidados que o propagandista deve ter durante essa fase, principalmente,
se estiver começando em uma nova empresa:
- Buscar conhecer a empresa e os produtos que irá representar;
- Reforçar e sempre atualizar os conhecimentos técnicos básicos de Anatomia,
Fisiologia e Farmacologia;
- Ter conhecimento sobre o mercado em que estará inserido;
- Analisar a concorrência e nunca a subestimar;
- Explorar técnicas e ferramentas de vendas para auxiliá-lo durante a visita.
Mais uma vez, notamos aqui o uso dos termos “mercado”, “concorrência” e “vendas”, ou
seja, um foco na dimensão comercial que envolve as atividades dos propagandistas.
Um bom relacionamento do propagandista com as secretárias dos clientes também foi
visto como uma questão relevante durante o processo de visitação: “A secretária é uma peça
fundamental na visitação médica. Ela é capaz de abrir as portas para o visitador ou não, por
isso: consiga a empatia das secretárias de seus clientes.” Desta forma, o propagandista precisa
ter cuidado com o que vai dizer a elas, evitar quaisquer comentários que possam causar algum
tipo de constrangimento, problema ou desconforto. Se um cliente tiver mais de uma secretária,
a mesma atenção precisa ser dada a elas.
O dia a dia da propaganda de medicamentos: como lidar com as adversidades
O segundo tópico do módulo começou com o seguinte trecho:
218
Você fez uma apresentação maravilhosa em sua visita, conseguiu captar a essência
das necessidades não atendidas pelo seu cliente, as quais você pode explorar242.
Posicionou seu produto de forma consistente e segura, mas aí seu cliente faz uma
objeção. Primeiramente, encare as objeções de seu produto como um manifesto de
interesse por parte do cliente.
Logo abaixo desse enunciado, havia a imagem de um propagandista bem vestido, de
terno e gravata, conversando com dois médicos de jaleco, um homem e uma mulher. A imagem
tinha como legenda a frase “Enfrentando objeções com calma e tranquilidade”, e era seguida
por uma frase de efeito, escrita numa fonte de tamanho maior do que a do texto e em letras
maiúsculas: “QUEM DESDENHA QUER COMPRAR.”
Como, segundo o texto, o principal cliente dos propagandistas farmacêuticos é o médico,
houve uma evidente preocupação de demonstrar que este é um cliente diferenciado. A questão
da necessidade de um bom preparo desses profissionais, volta e meia, aparecia no texto:
“Diante dos clientes mais exigentes e esclarecidos, a capacidade de lidar com as
adversidades é uma das qualidades que os propagandistas necessitam desenvolver ao longo de
sua carreira. Durante o processo de visitação médica, será inevitável que o visitador encontre
resistência de alguns médicos. Nem todos aceitarão a proposta na primeira tentativa e
certamente as objeções surgirão. Por isso, é necessário que o visitador esteja psicologicamente
preparado para receber com calma e impessoalidade as críticas e/ou argumentos que possam
vir a ser feitos pelos médicos. É imprescindível que o visitador saiba sair de uma objeção de
maneira educada, convincente e ética, sem demonstrar constrangimento e apatia”.
Seguindo o módulo, listaram uma série de dicas consideradas importantes para o dia a
dia do propagandista, a fim de auxiliar-nos de maneira “mais didática e prática”. No entanto,
pareceu um resumo de questões já abordadas.
Finalizando esta parte do módulo, foi mencionado que, para o propagandista avaliar seu
trabalho, ele deve fazer a seguinte pergunta a si mesmo: “Demonstrei os benefícios dos produtos
que represento?” Para ilustrar essa questão, descreveram o seguinte exemplo:
“Imagine que você está promovendo um laboratório que produz um creme fictício chamado
‘XXINA’, ao término de sua visita você diz ao prescritor:
Finalizo lhe deixando a ‘XXXINA’. Pense se não seria melhor explorar mais esse
final. Que tal assim: Finalizo com a ‘XXXINA’, que apresenta uma tecnologia
exclusiva, em que o creme tem formulação de pomada, podendo ser usado em lesões
secas e úmidas. Resumindo: Saiba vender seu peixe.
242 Acreditamos que o texto se refere às necessidades tendo como base as necessidades expressas na pirâmide de
Maslow (básicas, segurança, sociais, auto estima, auto realização), comentada anteriormente no curso.
219
Técnicas de venda e merchandising
Aqui, inicialmente, foi enfatizada, mais uma vez, a importância de o propagandista ser
capaz de mostrar a seus clientes que suas necessidades podem ser plenamente atendidas pelo
produto que promove. Também lembraram que “um propagandista farmacêutico não promove
apenas seus produtos, promove-se também, ou melhor, promove-se por meio da qualidade de
seu conteúdo informativo”.
Segundo o texto, ao se promover de maneira eficaz, o propagandista vai, então, construindo
e consolidando, progressivamente, um bom relacionamento com seus clientes, pois as visitas
médicas consistem em eventos dinâmicos, que acontecem de forma sucessiva e integrada. Só
assim as técnicas de venda funcionam, ou seja, cultivar um relacionamento, ficando cada vez
mais próximo do cliente, sempre disposto a ouvi-lo, já consiste em uma técnica de venda. O
bom propagandista demonstra a seus clientes que se importa com eles e seus pacientes.
De acordo com o texto, o propagandista deve fazer com que o médico ou o profissional
da dispensação (farmacêutico ou balconista) se sinta a pessoa mais importante do mundo, o que
parece simular, em menor nível, o papel da indústria farmacêutica em relação ao médico. A
cada visita, ele deve se preocupar em levar novas informações de seus produtos (ou novos
produtos), conseguir informações sobre os interesses do cliente, melhorar o ambiente de
relacionamento. Tudo isso deve ser observado, porque “O resultado do trabalho de um
propagandista não é uma simples alternativa em conquistar ou não a prescrição ou a
dispensação.”
Segundo o texto, as técnicas devenda e merchandising podem ser divididas nas seguintes
etapas: abordagem e apresentação.
Abordagem
Um tom de conversa amigável consiste na forma mais eficiente de abordagem a fim de se
conquistar um cliente. Iniciar a conversa de uma maneira mais amena, aparentemente, sem
maiores pretensões e evitar abordar, logo de início, o assunto da venda em si é vista como uma
técnica eficiente, chamada de “quebra-gelo”. O propagandista só precisa ter cuidado para não
ser invasivo e indiscreto.
Apresentação
220
Após conseguir se aproximar do cliente, por meio de uma conversa aparentemente
despretensiosa, estabelecer uma sintonia na comunicação e estar certo das suas necessidades, o
propagandista deve posicionar seu produto de forma convincente, a fim de atingir os objetivos
traçados na pré-visita. É imprescindível que a apresentação institucional seja feita na primeira
visita. Ela precisa incluir a apresentação pessoal (nome do propagandista, nome da empresa que
representa). Caso a visita seja decorrente de uma indicação, a fonte deve ser mencionada.
Depois da apresentação, frequentemente, o propagandista faz um rápido levantamento
sobre as necessidades do cliente, mostra os produtos, serviços e diferenciais da empresa que
representa, evidenciando, de forma ética, os benefícios que esses produtos e/ou serviços possam
oferecer:
Em seguida, foi apresentada uma breve simulação de visita médica, que está descrita no
Apêndice H.
Fechamento e pós-consulta
Neste tópico, foram abordadas as questões relacionadas ao fim da visita médica
propriamente dita. De acordo com o texto, é, aqui, que o propagandista deve avaliar se as
expectativas foram atendidas ou se houve alguma informação pertinente que não foi transmitida
ao cliente. Verificar se ocorreu algum avanço na conquista da confiança do cliente, ou seja, um
progresso no relacionamento entre ele e o cliente. Ao final da visitação, é importante que a
despedida seja feita de maneira educada, porém informal. Deve-se agradecer ao cliente pela
atenção dispensada e pelo tempo cedido para a visita. O propagandista pode, inclusive,
expressar alegria ao notar evolução no relacionamento e pela possibilidade de uma futura
parceria.
Caso consiga fechar negócio, vendendo seu produto a um médico, por exemplo, o
atendimento pós-venda pode ser iniciado no fechamento da visita. Oferecer serviços de
assistência e atendimento que, porventura, o prescritor precise é um dos procedimentos desta
etapa. O bom profissional usa o fechamento da visita para interagir com seu cliente,
conduzindo-o a uma decisão sobre a qual ele se sinta responsável, ou seja, que assume um
compromisso com o propagandista e o produto por ele promovido.
Neste módulo, observamos a ênfase do curso nas características que um bom propagandista
deve ter para se diferenciar de “um simples vendedor de medicamentos” e realizar uma visitação
221
médica eficaz. Primeiramente, é importante ressaltar que, nessa parte do texto, a visitação
médica é definida como uma “reunião de negócio”, ou seja, aparece, aqui, novamente, a
abordagem mais comercial do processo. Interessante notar como tal abordagem vai e vem, no
decorrer do curso, da mesma forma que acontece com a voltada para as questões éticas e sociais.
Dentre as características apontadas, as mais destacadas diziam respeito à habilidade de
comunicação, organização e domínio sobre conhecimentos científicos a serem transmitidos aos
médicos. A importância do estudo contínuo e regular foi bastante enfatizada e diretamente
associada à credibilidade do propagandista perante a classe médica e seus colegas. Segundo o
curso, o propagandista, além de “promover medicamentos”, venderia também “conceitos”. Isso
está de acordo com os argumentos observados nas entrevistas com os propagandistas, em que
o conhecimento técnico-científico desses profissionais foi apontado como fator primordial para
uma visitação médica bem-sucedida, bem como para levar informações de qualidade aos
médicos acerca de determinados problemas de saúde que possam ser até então desconhecidos
pela classe médica.
Outro ponto interessante mencionado nesse módulo, foi a importância dada às secretárias
dos médicos, consideradas peças fundamentais no processo de visitação, capazes de “abrirem
portas” para o visitador. Desta forma, o propagandista deve se empenhar para ter um bom
relacionamento com elas, evitando, ao máximo, constrangimentos, problemas ou desconforto
em sua interação com essas profissionais. Isso nos faz pensar que a visitação médica não se
resume apenas na relação médico-propagandista. Há outras pessoas envolvidas no processo.
A autoconfiança e a persistência do “bom propagandista” também foram discutidas com
certo destaque, nessa parte do curso. Até mesmo uma suposta objeção vinda de um médico, em
relação ao medicamento promovido, foi vista como “sinal de interesse”, que deveria ser
explorado pelo propagandista. A frase “Quem desdenha quer comprar”, destacada no texto, em
letras maiúsculas, pareceu um incentivo direto à perseverança do propagandista em atingir seu
objetivo final de “persuadir” a classe médica nas suas prescrições.
Assim, de acordo com o texto, ter conhecimento das necessidades específicas de cada
médico e seus pacientes, ser capaz de promover o conteúdo informativo referente ao
medicamento de forma “ética”, “correta” e “verdadeira”, sabendo lidar com adversidades, como
objeções iniciais de um médico, são características fundamentais para o propagandista ir
construindo uma boa imagem perante à classe médica. Ao se promover, esse profissional
consolida um bom relacionamento com os médicos, pois as visitas médicas são eventos
dinâmicos, sucessivos e integrados, ou seja, um relacionamento a longo prazo que precisa ser
construído e mantido.
222
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa foi feita com três materiais de qualidade diferente, fato que tornou mais
complexa a descrição e discussão dos resultados obtidos. No entanto, acreditamos que, por meio
deles, foi possível estabelecer conexões entre a indústria farmacêutica e a classe médica, no
contexto da promoção e divulgação de categorias diagnósticas e medicamentos, por diferentes
vertentes, enriquecendo, assim, a discussão sobre o tema.
Observamos a existência de uma rede de interações entre a classe médica e indústria
farmacêutica, hipótese discutida em diversos estudos já mencionados neste trabalho243, que
caracteriza o processo de co-promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias
diagnósticas. Nessa rede, discursos e práticas de médicos e profissionais da indústria
farmacêutica, especialmente os propagandistas, influenciam-se mutuamente. O “clímax” dessa
interação seria o momento da prescrição dos medicamentos promovidos pela indústria
farmacêutica.
Nos congressos científicos, as articulações entre a indústria farmacêutica e a classe
médica, apontadas por autores como Azize (2010a, 2010b), Ravelli (2012) e Giami (2009b),
são bastante explícitas. Essa dinâmica de interação entre médicos e empresas pode ser ilustrada
e identificada por meio de diferentes aspectos. O primeiro deles se refere ao patrocínio de
eventos científicos pelas empresas e o financiamento da participação de pesquisadores
convidados para ministrarem palestras em tais eventos, nas quais os medicamentos produzidos
pelas empresas financiadoras são promovidos, direta ou indiretamente. Dois dos congressos
observados (o Internacional de Medicina Sexual e o Brasileiro de Urologia) foram realizados
graças ao apoio de diferentes empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos.
Vale ressaltar que, além do nome e do logotipo das empresas patrocinadoras, os
programas dos eventos também continham propagandas de produtos farmacêuticos e de
materiais médicos produzidos pelos financiadores. No programa do Congresso Internacional de
Medicina Sexual, por exemplo, as duas empresas que mais investiram no evento, a Priligy e a
Coloplast, dado informado no próprio programa, tinham a propaganda de seus produtos em
destaque, sendo que uma delas, a Priligy, contou também com uma sala exclusiva para a
exposição de seu produto durante o congresso.
243 Rohden, 2011; Hoberman, 2005; Oudshoorn, 1994; Oldani, 2004, 2002; Barros, 2008; Dumit, 2012; Healy,
2006; Angell, 2010; Lakoff, 2006.
223
Quanto à promoção de medicamentos durante algumas apresentações médicas,
observamos que nomes comerciais de medicamentos foram citados, naturalmente, pelos
médicos, no congresso de medicina sexual e de urologia. Além disso, percebemos a falta da
indicação ou não de possíveis conflitos de interesse existentes na realização das pesquisas
apresentadas. Nas poucas vezes que mencionaram o assunto foi de uma forma muito rápida,
com apenas a afirmação da não existência de conflitos de interesse.
Também observamos a presença de logotipos de empresas farmacêuticas nas
apresentações, fato que Giami (2009b) comenta em seu trabalho. Os congressos também
contaram com “Simpósios da Indústria”, locais singulares de divulgação farmacêutica dirigida
aos médicos (AZIZE, 2010b). No congresso de urologia houve, inclusive, uma apresentação
desse tipo, em que foram citados nomes comerciais de medicamentos produzidos por empresas
concorrentes, de forma natural.
Outro ponto observado, ressaltado por Azize (2010a) em sua pesquisa, diz respeito ao
reconhecimento de um possível prescritor de medicamentos por meio do crachá de identificação
dos participantes do congresso. Tanto no congresso de medicina sexual, quanto no de urologia,
os crachás de prescritores e não prescritores se diferenciavam e indicavam hierarquia de
prestígio, em que a mais alta posição era ocupada por médicos urologistas. Parecia haver uma
preocupação por parte dos propagandistas de não perderem a possibilidade de contato com
algum prescritor naqueles espaços, ou seja, de não deixarem escapar a oportunidade de marcar
o maior número possível de visitas médicas. O fato de os propagandistas estarem atentos ao
meu crachá, incluindo o incidente em que um deles simplesmente deixou de falar comigo ao
saber que não era prescritora e se dirigiu, em seguida, ao médico localizado ao meu lado, pode
servir de ilustração dessa questão.
A interação entre propagandistas e médicos ocorre preferencialmente na área dos estandes
expositores desse tipo de evento, destacada nos trabalhos de Azize (2010a, 2010b), Giami
(2009b) e Faro (2017), que acabam funcionando como áreas de lazer, em que os congressistas
ganham alimentação, recebem brindes diversos, participam de sorteios e ainda podem
socializar. Pareceu que, no Congresso Internacional de Medicina Sexual, essa concepção de
área de lazer ficou mais evidente, principalmente por conta da presença de uma escola de samba
no último dia de congresso. No entanto, apesar do congresso de urologia ter se apresentado
como mais técnico e formal, houve a distribuição de brindes como canetas, blocos e até mesmo
livros aos participantes, assim como ocorreu no congresso de medicina sexual.
Ao analisarmos os congressos, notamos também que a apresentação do que estamos
chamando declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento não foi homogênea.
224
Essas diferenças estiveram ligadas à especialidade médica, ao próprio tipo de congresso e até
mesmo à nacionalidade dos palestrantes244. Além disso, percebemos que, ao longo do tempo,
algumas questões referentes ao diagnóstico do declínio hormonal masculino e seu tratamento
foram se modificando, principalmente as que discutiam efeitos colaterais e benefícios do uso
da TRH com testosterona.
Essas transformações do discurso podem ser compreendidas a partir da concepção
foucaultiana do discurso como um acontecimento histórico, com sua construção atrelada às
relações de poder que permeiam a sociedade (Silva; Júnior, 2014).245 Foucault aponta o
controle da produção de discursos, que podem ser percebidos como práticas discursivas
definidas pelo status do sujeito que fala, a partir dos lugares em que fala, considerando as
posições sociais assumidas quando fala, por aqueles que seriam “habilitados” para isso.
Podemos analisar os discursos médicos acerca do declínio hormonal masculino
relacionado ao envelhecimento e da TRH com testosterona observados nos congressos
pesquisados a partir dessa perspectiva. A apresentação da categoria diagnóstica em questão foi
feita por meio de diferentes terminologias, cada uma delas com características específicas. Para
nós parece que o termo DAEM é praticamente consenso entre os urologistas brasileiros, sendo
utilizado em suas apresentações como terminologia mais adequada para caracterizar o declínio
hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. No entanto, observamos diferenças em
apresentações dos mesmos urologistas, quando participaram do congresso de medicina sexual
e do congresso de urologia.
É importante lembrarmos que, no congresso de urologia, as apresentações tinham um
formato bastante técnico e específico. Houve, inclusive, o episódio em que um dos urologistas
palestrantes chamou todas as outras especialidades envolvidas no diagnóstico e tratamento do
DAEM de “aventureiras”. Tudo isso sugere que tal evento foi, exclusivamente, dirigido aos
urologistas, embora tivesse a proposta de ser destinado a outras especialidades ou áreas. Ou
seja, consistiu em um evento “fechado” para profissionais que falavam entre si, com, dentre
outros objetivos, o de confirmar a legitimidade dessa especialidade médica no que diz respeito
244 Aqui, estamos nos referindo, principalmente, ao caso da terminologia DAEM, que parece ser consensual
entre os urologistas brasileiros, fato observado no Congresso Brasileiro de Urologia. No entanto, neste
mesmo congresso, notamos que entre os urologistas estrangeiros tal fato não parece acontecer da mesma
forma, já que muitos deles não utilizaram o termo ADAM (do qual se originou o equivalente em língua
portuguesa DAEM) em suas apresentações.
245 Apesar de ter tido acesso às obras de Foucault durante meu mestrado e doutorado, baseio-me aqui no trabalho
de Silva e Júnior sobre Foucault. Essa citação em segunda mão deve-se, de um lado à complexidade de
alguns textos do autor que acabaram sendo apresentados em um amplo conjunto de textos que discutem sua
obra de forma mais acessível, e, de outro, pela premência do prazo para terminar esta tese, o que impediu um
mergulho mais consistente nas discussões foucaultianas sobre o discurso.
225
à habilidade de diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento.
Já no congresso internacional de medicina sexual, apesar da maioria do público ser
constituída de urologistas, havia a participação de outras especialidades e profissões, tanto na
plateia quanto entre os palestrantes. Pensamos, então, que o fato de esses urologistas terem
utilizado termos diferentes do DAEM em suas apresentações, aqui, tem a ver com a plateia para
a qual seu discurso era dirigido, que contava com outras especialidades médicas e até mesmo
com outros profissionais da saúde.
Foi interessante perceber o uso frequente da expressão “low T” ou “baixa testosterona” nas
apresentações. É possível que, enquanto a categoria DAEM remete a uma concepção de doença
ou distúrbio, a mera referência à “testosterona baixa”, de algum modo, é mais flexível e passível
de uma leitura generalizante (ou seja, mais propensa a referir-se à noção de aperfeiçoamento ou
enhancement).
O uso do termo “andropausa” em um folheto de propaganda de TRH com testosterona,
distribuído no congresso de urologia, também foi intrigante, pois tal termo remeteria a algo que
acometeria todos os homens (como é o caso da menopausa).
Quanto aos discursos referentes a benefícios e efeitos colaterais associados ao uso de
testosterona, percebemos diferenças nas apresentações dos três congressos. Houve uma
tendência, ao longo do tempo, na ênfase nos benefícios e minimização dos efeitos colaterais
relacionados ao uso da TRH com testosterona, inclusive em apresentações de médicos presentes
nos três diferentes congressos. Essa tendência nos remete à estratégia específica da indústria
farmacêutica, citada durante as entrevistas com os propagandistas e no curso online de
propagandista que consiste em exaltar os pontos positivos do medicamento, minimizando seus
pontos negativos. Vale ressaltar que, em tais apresentações, não houve a menção de uma
literatura médica consistente para corroborar essas possíveis “novas evidências” acerca da TRH
com testosterona. Os médicos se limitavam a dizer que novos estudos indicaram tais evidências,
às vezes citando rapidamente um ou dois estudos.
Há, ainda, outros pontos relativos aos congressos que consideramos pertinentes.
Confirmamos, por meio dos depoimentos de urologistas e endocrinologistas, que a urologia
recebe muito mais apoio financeiro da indústria farmacêutica e de materiais médicos do que a
endocrinologia, tendo, inclusive, um número bem maior de pesquisas e publicações sobre o
problema médico declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento e seu tratamento
com TRH com testosterona. Conforme já argumentamos, parece que tal apoio está associado
ao fato de a urologia ser uma especialidade cujos diagnósticos são ancorados não só na
226
fisiologia, mas na própria anatomia dos órgãos, ou seja, os resultados dos tratamentos realizados
por essa especialidade seriam mais “palpáveis” quando comparados ao da endocrinologia, que
tem uma visão mais sistêmica e menos localizada acerca dos problemas de saúde. A categoria
diagnóstica DAEM, por exemplo, apresenta como um dos principais sintomas do declínio
hormonal masculino relacionado ao envelhecimento a disfunção erétil, problema de saúde que
pode ser mensurado, segundo a classe médica, por meio da funcionalidade do órgão sexual
masculino, com seu diagnóstico centralizado nesse órgão (FARO et al., 2013; GIAMI 2009a).
Um exemplo disso pôde ser notado, claramente, no estudo de um caso clínico apresentado
por urologistas, em uma das mesas no congresso de medicina sexual, descrita anteriormente. A
questão sexual masculina, focada na disfunção erétil, foi o eixo ao redor do qual o estudo do
quadro clínico girou. O paciente acabou sendo diagnosticado com DAEM, e teve na TRH com
testosterona a oportunidade mais eficaz de resolver os sintomas referentes a essa deficiência,
principalmente a disfunção erétil.
Sabemos que a questão sexual aparece também em apresentações nas quais os médicos
utilizam outras terminologias para caracterizar o declínio hormonal masculino, mas não
podemos esquecer que a terminologia DAEM, apesar de apresentar sintomatologia semelhante
à categoria diagnóstica andropausa, parece ter nos sintomas referentes à área sexual, como
perda da libido e disfunção erétil, um maior destaque (THIAGO, 2012). As propagandas
farmacêuticas da TRH com testosterona também seguem essa ideia, e destacam a “reversão” da
disfunção erétil como um dos principais benefícios alcançados pelo homem com o tratamento
da baixa hormonal masculina.
Há ainda uma a questão importante a ser mencionada. Observamos que, especialmente
no congresso de medicina sexual, os argumentos que se pretendiam científicos eram
perpassados por concepções que reforçavam ideias tradicionais de gênero e sexualidade,
conforme é discutido no trabalho de Giami (2007), que aponta a permanência de representações
tradicionais de gênero, durante o surgimento de mudanças no campo da Sexologia, relacionadas
ao desenvolvimento de novos diagnósticos e tratamentos médicos das disfunções sexuais.
Tal fenômeno também pôde ser percebido em propagandas expostas nos estandes de
empresas farmacêuticas e em folhetos distribuídos pelos propagandistas. Isso está de acordo
com o também já apontado estudo de Faro et al. (2013). Este discute características observadas
em discursos de marketing farmacêutico dirigidos aos médicos. Dentre elas, destaca-se o
reforço de ideias tradicionais de gênero e sexualidade enquanto são apontadas novas
concepções referentes a categorias diagnósticas. Segundo as autoras, as imagens contidas
227
nessas propagandas chamavam muita atenção e poderiam ser confundidas com imagens
direcionadas ao público leigo, justamente por remeterem a pressupostos do senso comum.
Quanto às entrevistas, percebemos também algumas questões referentes à relação entre a
indústria farmacêutica e classe médica que consideramos bastante interessantes. Um desses
aspectos foi o modo como os médicos entrevistados percebem a si mesmos como “imunes” às
possíveis estratégias utilizadas pela indústria farmacêutica a fim de promover seus
medicamentos. De acordo com as respostas dadas nas entrevistas, apenas “alguns médicos” se
deixariam levar pelas “seduções” da indústria, movidos por interesses pessoais.
Como já comentado, acreditamos que essa aparente confiança dos médicos em discernir
quais informações trazidas pelos propagandistas seriam “científicas” e quais seriam apenas
“marketing”, esteja ligada à uma crença na imparcialidade e neutralidade da ciência, à
concepção da medicina como uma profissão essencialmente voltada para trazer benefícios aos
doentes, seja com o restabelecimento de sua saúde ou melhor tratamento possível para suas
doenças, e ao fato desses médicos serem considerados experts em suas áreas de atuação.
Tudo isso contrasta com a pesquisa, também já mencionada de Camargo Jr. (2003) que,
ao investigar o modo pelo qual professores renomados de duas faculdades de medicina do Rio
de Janeiro buscavam informação e atualização para suas práticas médicas, percebeu uma
ausência de critérios claros para tal busca, sugerindo que esta funciona por meio de um registro
intuitivo246. Somada a isso, há ainda a agenda sobrecarregada dos médicos, fato citado,
inclusive, nas entrevistas realizadas para o presente estudo, principalmente os considerados
médicos de referência em suas áreas de atuação, dificultando, desta forma, uma atualização
profissional mais eficiente. Assim sendo, a indústria se encarrega da “atualização” dos médicos,
contando com a ajuda “neutra” dos experts formadores de opinião.
Outra questão que também podemos perceber analisando as entrevistas, foi como a
relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica pode ser diferente dependendo da
especialidade médica em questão. A urologia é uma especialidade que recebe extenso
patrocínio de empresas farmacêuticas para a realização de pesquisas, cursos de educação
continuada, eventos científicos. Os urologistas comentaram o fato de forma positiva. O apoio
da indústria parece-lhes não apenas importante, mas até mesmo uma prova de que estariam
numa posição hierárquica superior aos demais, por conseguirem financiamento para suas
pesquisas e serem convidados a darem palestras em eventos científicos.
246 Experiência pessoal, seguida de informações obtidas por meio da leitura de artigos científicos, manuais da
área, textos da internet e de participações em eventos científicos foram as principais fontes de obtenção de
conhecimento citadas nas entrevistas.
228
No entanto, aqui também houve uma crítica dos médicos entrevistados em relação ao
viés mercantil presente na promoção e divulgação de medicamentos pela indústria
farmacêutica. Todos os médicos entrevistados concordaram com a importância de deixarem
claro, em seus trabalhos e apresentações, se receberam apoio de empresas farmacêuticas para
realização de suas pesquisas, embora admitissem ter total “independência profissional”, neste
caso. Vale mencionar, novamente, que, em palestras ministradas nos congressos pesquisados,
inclusive por médicos entrevistados, praticamente não houve menção acerca de conflitos de
interesses.
A bastante mencionada “independência profissional” nas entrevistas se opõe ao discutido
por Rampton e Stauber (2001). Como já dito, os autores descrevem o expert como peça-chave
de um tipo de estratégia de divulgação e promoção de produtos farmacêuticos, utilizada pelas
empresas farmacêuticas e baseada, justamente, na noção de “neutralidade” e “imparcialidade”,
além do prestígio em sua área de atuação, representada pela figura do profissional reconhecido
entre seus pares, e, até mesmo, entre o público leigo, como referência profissional.
Urologistas e endocrinologistas concordam em dois pontos envolvendo a legitimidade do
uso da TRH com testosterona. O primeiro diz respeito ao uso recreativo da testosterona com a
finalidade de aprimoramento, considerado por eles abusivo e causador de efeitos colaterais
graves no organismo dos usuários. O segundo diz respeito à legitimação, por meio de
argumentos apresentados durante as entrevistas, dessas especialidades como as mais
capacitadas para diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao
envelhecimento.
A crítica dos médicos ao consumo de testosterona visando o aprimoramento corporal,
durante as entrevistas, fez-nos pensar nas apresentações médicas e propagandas farmacêuticas
envolvendo o uso da TRH com testosterona, observadas nos congressos pesquisados. Foi
possível perceber, nessas duas situações, palavras e expressões associadas à questão do
aprimoramento, ligadas aos benefícios trazidos com o uso de testosterona, por exemplo,
“melhora” “aumenta”, “proporciona um (a) maior...” Desta forma, nota-se um deslizamento em
torno das atribuições da testosterona, nos discursos médicos e nas propagandas farmacêuticas,
que vão desde uma substância que supre uma “falta” orgânica a um meio tecnológico de
melhorar aspectos do corpo e da vida dos pacientes, ou seja, que tem a finalidade de
aprimoramento. Isso coloca a testosterona numa posição que, no mencionado trabalho de Loe
(2001), é destacada como “droga de estilo de vida”.
Quanto às entrevistas com os propagandistas, um dos fatos que consideramos importante
destacar foi a crítica desses profissionais em relação a algumas práticas médicas, decorrentes
229
de um suposto desconhecimento da classe médica acerca de doenças e medicamentos, o qual
poderia ser suprido por informações fornecidas pelos propagandistas farmacêuticos. Um dos
propagandistas chega a dizer que uma das funções de sua profissão é levar aos médicos
conhecimento sobre doenças que até então poderiam ser desconhecidas por estes. Essa posição
dos propagandistas contrasta com o argumento, dos médicos entrevistados, que diziam faltar
competência técnica aos propagandistas para avaliarem as informações que seriam
encarregados de transmitir aos médicos.
Importante perceber que o deslizamento contínuo entre o discurso puramente
mercadológico e o discurso que enfatiza a contribuição da “divulgação” médica para a ciência
foi observado tanto no curso online quanto nas entrevistas com os propagandistas. É como se a
indústria farmacêutica e os médicos a ela associados estivessem o tempo todo caminhando num
certo fio da navalha em que os interesses mercantis estivessem “temperados” pelo interesse
maior da melhoria das condições da vida humana. A insistência no termo “ética” em todos os
discursos (incluindo o dos médicos) diz respeito aos modos de convivência entre os diversos
tipos de interesse.
Os deslizamentos observados em todos os discursos têm como fundamento a ideia
difundida de uma ciência neutra que visa o bem-estar da humanidade. Essa ideia constrói uma
outra, segunda a qual estaríamos frente a dois polos: de um lado o pesquisador neutro na sua
preocupação eminentemente científica, e de outro a indústria que depende da pesquisa
científica, mas cuja voracidade meramente econômica deve ser controlada (por leis, associações
e agências governamentais). Entre esses dois pólos, mais próximos de um ou de outro,
encontramos os médicos líderes de opinião e os propagandistas. Os médicos valorizam o apoio
que recebem da indústria, realizam pesquisas financiadas por ela e aceitam falar em seu nome,
esquecendo-se de se referir publicamente aos seus possíveis conflitos de interesse. Para tanto,
afirmam sua autonomia enquanto guardiões do discurso científico. Entre os propagandistas (aí
incluídos os cursos de formação e os folders de propaganda) as referências ao conhecimento
técnico e ao saber científico, bem como a “dizer a verdade sobre os medicamentos”, entrelaçam-
se à terminologia francamente mercadológica, e os objetivos de “curar” ou “salvar vidas”
convivem com aqueles de aumentar as vendas de determinado produto e defender as cores da
empresa. É o prestígio da ciência que permite o deslizamento e o entrecruzamento, dissolvendo
possíveis contradições.
Os congressos médicos – além das visitas de propagandistas a consultórios, que ficaram
fora do nosso escopo de observação – parecem ser o local por excelência do encontro desses
dois atores fundamentais. É lá que os formadores de opinião fazem suas conferências (ou
230
“aulas”), utilizando a linguagem esotérica da ciência e dos números (gráficos, tabelas, quadros
comparativos além de imagens explicativas) e nas quais os produtos oferecidos pelos
propagandistas na área dos estandes são avaliados e/ou recomendados.
Na área dos estandes, a linguagem esotérica, presente aqui e ali no rodapé dos anúncios
e dos folders distribuídos, cede lugar às conversas mais amenas e informais, ao cafezinho e aos
brindes. Espaço de lazer (para uns) e trabalho (para outros). Lá relações pessoais são tecidas e
à qualidade científica dos medicamentos são acrescidas as qualidades “humanas” dos
propagandistas. Importante lembrar aqui a pesquisa apresentada no início do curso online,
durante a “atividade reflexiva”, em que os médicos falam da relevância do propagandista no
processo de atualização médica, bem como na dinâmica de comunicação entre a indústria
farmacêutica e a classe médica.
Assim se misturam, de forma maussiana247, gráficos, brindes, financiamento de
pesquisas, jantares, sorrisos e artigos científicos. Nosso objetivo aqui não foi tanto desvendar
algo ainda desconhecido ou provar uma hipótese não comprovada. Ao contrário, as relações
entre a classe médica e a indústria já foram objeto de um sem número de trabalhos, críticos ou
não, aos quais nos referimos no decorrer da tese. Objetivamos tão somente acompanhar, em um
contexto específico, alguns dos mecanismos através dos quais tais relações são tecidas de modo
a serem ocultadas no mesmo momento em que se realizam.
247 Estamos aqui nos referindo ao Ensaio sobre a Dádiva, já citado em momento anterior.
231
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243
APÊNDICE A – Organizadores e palestrantes (Congresso HUPE)248
Organizadores
Presidente
- Ronaldo Damião
Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ (1975).
Doutor em medicina (urologia) pela Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP (1991).
Atualmente é professor titular da disciplina de Urologia, da Faculdade de Ciências Médicas, da
UERJ. Atua na área de Cirurgia Urológica, com ênfase nos seguintes temas: câncer de próstata,
uretra, estereologia, pênis e hipospádia. É coordenador do Serviço de Urologia, do Hospital
Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ). É diretor da 14ª Enfermaria-Urologia, da Santa
Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Professor da disciplina de Urologia, da Faculdade de
Medicina, da Universidade Estácio de Sá.
Comissão Científica
- Mario Frisch Toros Neves
Graduado em Medicina (1986) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
mestre em Cardiologia (1997) e doutor em Biociências (2003) pela UERJ. Professor titular de
Clínica Médica da UERJ, atualmente diretor da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ. Chefe
do departamento de Clínica Médica (2007-2011, 2015-2016), coordenador da Clínica de
Hipertensão Arterial e Doenças Metabólicas Associadas (CHAMA). Editor setorial da Revista
Brasileira de Hipertensão. Editor líder de Edição Especial (2011 e 2012) para o International
Journal of Hypertension. Membro da diretoria do Departamento de Hipertensão da Sociedade
Brasileira de Cardiologia (2013-2014). Presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão em
(2015-2016). Coordenador da Área de Saúde da FAPERJ (2007-2012, 2015-atual). Atua
248 As informações sobre médicos brasileiros, em todos os apêndices, foram retiradas da Plataforma Lattes
(http://lattes.cnpq.br), da parte que consiste no texto informado pelo autor, durante o mês de abril de 2018, com
exceção dos nomes não encontrados nesse site.
244
principalmente na área de Cardiologia Clínica, com ênfase em hipertensão arterial, diabetes
mellitus, dislipidemia, remodelamento vascular, disfunção endotelial, rigidez arterial, nutrição
em hipertensão e cardiometabolismo.
- Fabrício Borges Carrerette
Professor adjunto de Urologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Doutor em Ciências Médicas (2007) e Mestre em Medicina (Urologia) pela UERJ (1997).
Professor universitário na UERJ, tem experiência nas áreas específicas de Oncologia Urológica,
Vídeo Cirurgia, Vídeo Laparoscopia, Retroperitoneoscopia e Urologia Feminina. Atua em
pesquisas com ênfase em câncer de próstata, disfunções do trato urinário e anatomia humana.
Atua como médico urologista na clínica Uromedic em Petrópolis, Rio de Janeiro.
Comissão Organizadora
- José Roberto Muniz
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ
(1977). Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro- UERJ (2007). Atualmente é professor assistente e coordenador do Curso de
Especialização em Psicologia Médica (UERJ) e psiquiatra do Instituto de Assistência do
Servidor do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em
Psiquiatria, Psicologia Médica, Psicanálise e Terapia Familiar Sistêmica, atuando
principalmente nos seguintes temas: psiquiatria, psicanálise, interconsulta, psicologia médica,
terapia familiar sistêmica, educação médica, urologia.
- Edna Ferreira da Cunha
Professora de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ)249.
249 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962013000601011
245
- João Luiz Schiavini
Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ (1980).
Especialista em Urologia, pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ) (1984).
Mestre em Medicina, área de Concentração Nefrologia - UERJ (1992). Doutor em Ciências
Médicas- UERJ (2009). Atualmente é professor adjunto de Urologia da UERJ e tutor de alunos
do Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante de Medicina da Faculdade de Ciências
Médicas (UERJ). Professor do curso de especialização lato sensu em Urologia e do Programa
de Pós-Graduação stricto sensu em Ciências Médicas (UERJ). Responsável pelo setor de
Andrologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ). Professor de Urologia da
Faculdade de Medicina da Universidade Estácio de Sá. Tem experiência na área de Medicina,
com ênfase em Urologia, atuando principalmente nas seguintes áreas: Urologia Geral,
Incontinência Urinária, Andrologia, Sexologia e Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST).
Participação associativa: Membro titular da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), membro
da Confederação Americana de Urologia (CAU), da Sociedade Internacional de Medicina
Sexual (ISSM) e da Sociedade Internacional de Incontinência (ICS).
Palestrantes
- João Luiz Schiavini
Ver informações acima.
- Ernani Luis Rhoden
Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA-1991). Mestre em Clínica Cirúrgica pela UFCSPA (1996), e em Medicina pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS (1998). Doutor em Clínica Cirúrgica pela
UFCSPA (2000), e em Medicina pela UFRGS (2001). Pós-doutorado na Harvard University
(2003). Atualmente é professor associado 2, livre-docente em Urologia da UFCSPA, professor
do curso de Pós-Graduação em Ciências Médicas da UFCSPA. Foi tesoureiro (2004-2005),
secretário (2006-2007) e presidente (2008-2009) da Associação Brasileira Para Estudos da
246
Inadequação Sexual (ABEIS). Secretário, vice-presidente e delegado da Sociedade Brasileira
de Urologia Seccional Rio Grande do Sul (SBU-RS). Membro do Serviço de Urologia da Santa
Casa de Misericórdia de Porto Alegre (desde 1997) e do Hospital Moinhos de Vento (HMV)
de Porto Alegre. Médico da Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul (desde 1995).
Membro do Conselho Editorial do International Brazilian Journal of Urology, e revisor
convidado de vários periódicos internacionais, incluindo European Urology, International
Journal of Impotence Research, The Journal of Sexual Medicine, JAMA, Urology. Tem
experiência em pesquisa clínica e experimental. Líder do Grupo de Pesquisa em Urologia
(GPU), reconhecido pela UFCSPA, atuando principalmente nos seguintes temas: câncer de
próstata, infertilidade, disfunções sexuais, estresse oxidativo isquemia e reperfusão renal,
terapia de reposição hormonal masculina, oncologia urológica, Saúde Masculina. Palestrante
convidado em eventos nacionais e internacionais.
247
APÊNDICE B – Organizadores e palestrantes (Congresso Internacional de Medicina Sexual)
Comissão Organizadora Local
- Presidente
Sidney Glina
Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(1977), residência em Cirurgia Geral (1978-1980) e Urologia (1980-1983) no Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (1991). Professor Titular da Disciplina de Urologia da Faculdade
de Medicina da Fundação do ABC. Editor do International Brazilian Journal of Urology e da
Einstein (São Paulo). Co-chairman do Comitê de Publicações da International Society of Sexual
Medicine. Diretor, membro do corpo clínico e urologista do Instituto H Ellis. Médico do corpo
clínico dos hospitais Israelita Albert Einstein, Sírio-Libanês, Nove de Julho, Alemão Oswaldo
Cruz. Membro do corpo docente da Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre, do
Conselho de Orientação e Administração da Associação Brasileira para o Estudo das
Inadequações Sexuais (ABEIS). Membro do Comitê de Ética da Sociedade Latino-Americana
de Medicina Sexual. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Cirurgia Urológica,
atuando principalmente nos seguintes temas: disfunção erétil, infertilidade masculina,
reprodução assistida, disfunção erétil - tratamento oral e incontinência urinaria.
- Membros
1-Carmita Abdo
Psiquiatra. Doutora e livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FMUSP). Fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex)
do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Coordenadora do Núcleo de
Medicina Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo. Coordenou um dos mais abrangentes
248
estudos sobre o comportamento e as dificuldades sexuais do brasileiro, realizado em 2000, e
ampliado/atualizado em 2003. Coordenou ainda, em 2006, amplo estudo nacional sobre
envelhecimento, saúde geral e dificuldades sexuais e em 2008 a pesquisa Mosaico Brasil, que
mapeou o comportamento afetivo-sexual do brasileiro. Membro Honorário da Sociedade
Brasileira de Urologia. Faz parte do corpo editorial de periódicos científicos e colegiados da
FMUSP e de outras instituições. Eleita Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria
(ABP), para o triênio 2017-2019.
2- João Afif Abdo
Possui graduação em Medicina (1973) e mestrado em Urologia (1985) pela Escola
Paulista de Medicina – UNIFESP. Residência Médica em Cirurgia Geral e Urologia no Hospital
do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira - São Paulo (SP). Membro Titular
da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
3- Eduardo Bertero
Possui graduação em Medicina pela Universidade Gama Filho (1986) e mestrado em
Medicina (Clínica Cirúrgica) pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é diretor-
sócio - Clínica Bertero e médico assistente do Instituto de Assistência Médica ao Servidor
Público Estadual. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Cirurgia Urológica
(Medicina Sexual, Disfunção sexual, Impotência sexual, Peyronie, distúrbios da ejaculação,
implante de prótese peniana).
4- Fernando Facio
Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP
(1987), mestrado (1996) e doutorado (2006) em Ciências da Saúde pela FAMERP. Pós-
doutorado no Johns Hopkins Hospital em Baltimore. Atualmente, é professor adjunto dos
cursos de graduação em Medicina e Pós-Graduação em Ciências da Saúde da FAMERP,
coordenador do grupo de pesquisa em Medicina Sexual junto ao CNPq. Tem experiência na
249
área de Urologia com ênfase em Saúde Masculina, atuando principalmente nos seguintes temas:
disfunção erétil, priapismo, doença de Peyronie, ejaculação precoce, distúrbios androgênicos
do envelhecimento masculino e hiperplasia prostática benigna.
5- Claudia Faria
Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (2012). Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (2000), especialização em Terapia Sexual pela Faculdade
de Medicina do ABC (2003) e especialização em Sexualidade Humana pela Faculdade de
Medicina da USP (2004). Atualmente é analista de promotoria I (psicóloga) do Ministério
Público de São Paulo - MPSP, na área regional de Piracicaba.
6- Geraldo Faria
Graduado em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1969).
Residência Médica em Cirurgia Geral e Urologia no Hospital do Servidor Público do Estado de
São Paulo. Diretor médico do Instituto de Urologia e Nefrologia de Rio Claro e diretor
administrativo da Master Clínica de Rio Claro, atuando principalmente nas áreas de urologia
geral, andrologia e medicina sexual. Membro honorário do CEPCoS - Centro de Estudos e
Pesquisas em Comportamento e Sexualidade e membro emérito da Academia de Medicina de
São Paulo. Membro da diretoria executiva da Sociedade Brasileira de Urologia. Pesquisador
clínico, participou de inúmeros protocolos de estudos internacionais com medicamentos para o
tratamento das disfunções sexuais e outras patologias urológicas. É autor de várias publicações
nacionais e internacionais e frequente colaborador e autor de capítulos de livros de urologia e
medicina sexual.
250
7- Celso Gromatzky
Graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (1982) e doutorado em Urologia
pelo Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1999).
Ex-médico assistente da Clínica Urológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP. Atualmente médico assistente da disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do
ABC.
8- Gerson Lopes
Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1979). Atualmente
participa efetivamente do Comitê de Organização Local da Sociedade Latino-Americana de
Medicina Sexual (SLAMS), Membro honorário da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Coordenador do Departamento de Medicina Sexual do Hospital Mater Dei em Belo Horizonte
- MG. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Sexologia Clínica pela
Escola Baiana de Medicina de Saúde Pública. Professor convidado do Curso de Especialização
em Sexologia Clínica da PUC/RS. Membro Honorário de Sociedades Médicas Nacionais e
Internacionais. Ex-consultor em Projetos de Sexualidade do Fundo das Nações Unidas para
População (FNUAP). Seu interesse se concentra nas áreas de Sexologia Médica, Terapia Sexual
e Educação Sexual.
9- Archimedes Nardozza
Possui graduação em Medicina (1984), mestrado em Medicina - Urologia (1993) e
doutorado em Medicina- Urologia pela Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP (1997).
Professor afiliado da disciplina de Urologia da UNIFESP.
10- Ralmer Rigoletto
Possui graduação em Psicologia- Licenciatura Plena (1991) e graduação em Psicologia -
Formação de Psicólogo (1993) pela Universidade São Francisco. Especialização em
251
Psicodrama pela Companhia do Teatro Espontâneo (1994) e em Psicoterapia, com enfoque na
sexualidade pelo Instituto Paulista de Sexualidade (2004). Atualmente é diretor administrativo
e membro pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Sexualidade,
coordenador da Companhia do Teatro Espontâneo e membro associado do Instituto Paulista de
Sexualidade. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia da Sexualidade.
Atuando principalmente nos seguintes temas: Disfunção Erétil, Disfunção Sexual, Sexualidade
Masculina.
11- Oswaldo Rodrigues Jr.
Graduado em Psicologia pela Universidade São Marcos (1984). MestrE em Psicologia Social
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996). Atualmente é conselheiro da
Associação Brasileira para o Estudo da Inadequação Sexual, assessor de publicações da
ALAMOC - Asociación Latinoamericana de Análisis del Comportamiento y Terapia
Cognitivo-comportamental, coordenador do grupo de pesquisas do Instituto Paulista de
Sexualidade, onde é diretor e psicoterapeuta sexual e de casais. Trabalha em Psicologia Clínica
com os temas: disfunções sexuais, terapia sexual, sexologia, sexualidade e disfunção erétil,
terapia de casais.
12- Luiz Otavio Torres
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (1984),
residência médica em Urologia no Hospital Governador Israel Pinheiro (Instituto dos
Servidores do Estado de Minas Gerais) (1985-1988), pós-graduação em Urologia no Centre
médico-chirurgical de la Porte de Choisy. (Paris), na Fondación Puigvert (Barcelona) e na
Cleveland Clinic Foundation (Cleveland) (1988-1989). Mestrado em Urologia pela
Universidade Federal de São Paulo (1995). Membro titular da Sociedade Brasileira de Urologia,
na função de diretor do Departamento de Relações Internacionais. Na American Urological
Association atua como International Member Committee. Na International Society of Sexual
Medicine como Secretário Geral. Atualmente é médico do Instituto de Previdência dos
Servidores de Minas Gerais e professor da disciplina de Urologia do Curso de Medicina do
Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH). É titular de cadeira da Academia
252
Internacional de Sexologia Médica e da Academia Mineira de Medicina. Especializado em
Urologia, com ênfase na área de Medicina Sexual.
Comitê Científico
-Co-Presidentes
1- Edgardo Becher (Argentina)
Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires em
1983. Doutor em Cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, onde
atualmente atua como Professor Adjunto de Urologia. Médico do Centro de Urologia em
Buenos Aires. Chefe da Seção de Disfunções Sexuais no Hospital da Universidade de Buenos
Aires250.
2-Sidney Glina
Ver informações acima.
- Membros
1- Carmita Abdo
Ver informações acima.
2- Stanley Althof (EUA)
250https://eventscribe.com/2018/AUA2018/ajaxcalls/PresenterInfo.asp?efp=Sk1aSkRYUEMzMDQz&PresenterI
D=413400&rnd=0.1503113 Acesso: 21 de abril de 2018.
253
Doutor em Psicologia Clínica da Oklahoma State University em Stillwater, Oklahoma.
Diretor executivo do Centro de Saúde Sexual e Conjugal do Sul da Flórida. Professor emérito
da Faculdade de Medicina da Universidade Case Western Reserve. Sua pesquisa enfoca os
aspectos psicossociais da disfunção sexual e seu impacto sobre homens, mulheres e casais. É
editor associado do Journal of Sexual Medicine e do Conselho Editorial do Journal of Sex and
Marital Therapy251.
3- Amado Jose Bechara (Argentina)
Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, Argentina252.
4- Julio Ferrer Montoya (Colômbia)
Médico urologista. Trabalha na área de Medicina Sexual253.
5- Annamaria Giraldi (Dinamarca)
Graduação (1992) e doutorado (1997) em Medicina e especialização em Psiquiatria (2011)
pela Universidade de Copenhague. Conselheira sexual autorizada pela Associação Nórdica de
Sexologia Clínica (2007)254.
6- Mario Maggi (Itália)
Graduação em Medicina (1981) e Pós-Graduação em Endocrinologia (1984) pela Escola de
Medicina, da Universidade de Florença. Membro do conselho editorial do Journal of Sexual
251 http://www.issm.info/who-we-are/nominations-board-of-directors1/Stanley-Althof-USA Acesso: 21 de abril
de 2018. 252 https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1743-6109.2006.00223.x Acesso: 22 de abril de 2018. 253 https://medicosdoc.com/perfil-medico/5133/julio-ferrer-montoya/urologo-medellin.Acesso: 25 de abril de
2018. 254 http://www.issm.info/who-we-are/member-profiles/annamaria-giraldi. Acesso: 23 de abril de 2018.
254
Medicine, International Journal of Endocrinology e do Journal of Endocrinological
Investigation255.
7- John Muhall (EUA)
Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Dublin (1985).
Residência em urologia na Universidade de Connecticut. Especialista em Medicina Sexual e
Reprodutiva no Boston University Medical Center. Diretor do Programa de Medicina Sexual e
Reprodutiva Masculina do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York. Professor
adjunto de Urologia no Departamento de Urologia do Centro Médico Weill Cornell256.
8- Sharon Parish (EUA)
Graduada em Medicina pela Albany Medical College, em Nova York. Residência em
Medicina Interna e Atenção Primária no Centro Médico da Universidade George Washington,
Washington, DC. Professora de Medicina Clínica no Weill Cornell Medical College. Diretora
de serviços médicos do Hospital Presbiteriano de Nova York/ Westchester Division. Tem
prática em Medicina Interna, com foco em Medicina Sexual para pacientes masculinos e
femininos na Weill Cornell Medicine, em Nova York257.
9- Miguel Alfredo Rivero (Argentina)
Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires
(1971). Especialista em Consultoria em Urologia (Sociedade Argentina de Urologia) e em
Andrologia (Sociedade Argentina de Andrologia). Membro do Conselho Editorial - Revista
Internacional de Andrologia - Salud Sexual y Reproductiva. Ex Officio Member (Comitê
Executivo do SLAMS) desde 2007258.
255 https://www.sbsc.unifi.it/vp-234-gruppo-maggi.html Acesso: 23 de abril de 2018. Acesso: 23 de abril de
2018. 256 http://www.issm.info/news/john-mulhall-to-become-editor-in-chief-of-the-jsm Acesso: 23 de abril de 2018. 257 http://www.issm.info/who-we-are/nominations-board-of-directors-2018-portugal/parish Acesso: 23 de abril
de 2018. 258 http://www.issm.info/who-we-are/nominations-board-of-directors1/Miguel-Alfredo-Rivero-Argentina
Acesso: 23 de abril de 2014.
255
10- Eusebio Rubio-Aurioles (México)
Graduado em Medicina pela Universidad La Salle, na Cidade do México (1978).
Doutorado pelo Programa de Sexualidade Humana da New York University. Pós-doutorado
em Terapia Sexual pelo Departamento de Psiquiatria do Mount Sinai Hospital, em Nova York
(1983). Professor no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina
da Universidad Nacional Autonoma de México. Desde 2013 é vice-presidente da Sociedad
Latino Americana de Medicina Sexual (SLAMS). Atualmente é membro do Standards
Committee da International Society of Sexual Medicine259.
11- Andrea Salonia (Itália)
Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Milão. Médico urologista na
Unidade de Urologia da Ospedale San Raffaele, em Milão. Residência em urologia na
Universidade de Trieste e em endocrinologia na Università Vita-Salute San Raffaele.
Membro do Conselho Editorial Oficial da Urologia Europeia260.
12- Luiz Otavio Torres
Ver informações acima.
Ex- officio member
Chris McMahon (Austrália)
Médico em Saúde Sexual. Diretor do Centro Australiano de Saúde Sexual em Sydney.
Presidente do Comitê de Padrões Médicos e de Pesquisa da Sociedade Internacional de
Medicina Sexual (ISSM). Editor associado do Journal of Sexual Medicine e do British Journal
259 http://www.cbpabp.org.br/hotsite/minibio-eusebio-rubio-aurioles-m-d-ph-d/ Acesso: 23 de abril de 2018. 260 http://research.hsr.it/en/institutes/urological-research-institute/andrea-salonia.html Acesso: 23 de abril de
2018.
256
of Urology. Membro do conselho editorial do International Journal of Sexual Health, Current
Sexual Health Reports e do Journal of Men’s Health261.
Palestrantes
- Geraldo Faria
Ver informações acima.
- Carlos da Ros
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Santa Maria (1988).
Mestrado em Farmacologia (1996) e doutor em Clínica Cirúrgica (1999) pela Fundação
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Fez residência médica de Cirurgia
Geral em 1989-1990 e Urologia em 1991-1992, na Irmandade Santa Casa de Porto Alegre. Foi
Presidente da Sociedade Brasileira de Urologia - Seccional RS, no período de 2004-2005 e
Presidente da ABEIS - Associação Brasileira para Estudo da Inadequação Sexual, no período
de 2006-2007. Atualmente dedica-se a sua clínica de Urologia e faz uma instrutoria voluntária
ao ambulatório de Andrologia do Serviço de Residência Médica de Urologia do Hospital
Conceição262.
- Archimedes Nardozza
Ver informações acima.
-- Ernani Luis Rhoden
Informações contidas no apêndice A.
261 https://www.psychevisual.com/Chris_McMahon.html Acesso: 23 de abril de 2018. 262 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4700855U8
258
APÊNDICE C – Organizadores e palestrantes (Congresso Brasileiro de Urologia)
Comissão Organizadora Local
- Presidente
André Guilherme L. da Cavalcanti
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (1993). Fez
Residência Médica e Mestrado em Urologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(1993-1999). Pós-doutorado na Universidade da Califórnia, na área de Trauma e Cirurgia
Reconstrutora Urogenital, (2002). Doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(2007), com ênfase em pesquisa básica aplicada a cirurgia reconstrutora urogenital. Cursou
MBA em Gestão de Saúde - Coopead-UFRJ (2009). Tem experiência na área de Medicina-
Urologia, com ênfase em Cirurgia Urológica Reconstrutora, Uro-Oncologia e Infertilidade
Masculina. Atualmente atua com professor adjunto de Urologia da UNIRIO e médico urologista
do Hospital Federal Cardoso Fontes263.
- Membros
1-Alfredo Felix Canalini
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ
(1979), mestrado em Medicina (Nefrologia) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-
UERJ (1988) e doutorado em Medicina (Cirurgia Geral) pela UFRJ (1991). Atualmente é
professor adjunto da UERJ. Atuando principalmente nos seguintes temas: dura máter, bexiga,
cistoplastia, ampliação, urodinâmica264.
263 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4791462E6 264 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4771116J0
259
2- Fernando Pires Vaz
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UFRJ
(1967). Residência médica em Boston, Massachuttes, entre 1969 e 1974. Especialização em
Urologia pela Sociedade Brasileira de Urologia e pelo Conselho Federal de Medicina. Diretor
de duas clínicas privadas de Urologia, além de urologista do Hospital Samaritano e responsável
por equipes urológicas dos Hospitais Copa D’or, Barra D’or e da Casa de Saúde Santa Lúcia265.
3- José Cocisfran Alves Milfont
Médico urologista, com consultório particular no bairro Leblon- RJ266.
4- Marco Antônio Quesada Ribeiro Fortes
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-
UNIRIO (1979), Mestrado em Medicina - Urologia (1995) e Doutorado em Medicina -Urologia
(2002) pela Universidade Federal de São Paulo Especialização em Endourologia pela Lahey
Clinic, EUA (2000). Tem ampla experiência em Urologia Geral, com ênfase na área de Cirurgia
Minimamente Invasiva (cirurgia robótica e endoscópica). Atualmente é coordenador do curso
de Pós-Graduação em Urologia Minimamente Invasiva do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino
(IDOR)267.
5- Paulo Roberto Magalhães Bastos
Graduado em medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1981).
Residência médica no Hospital Universitário Pedro Ernesto (1985). Organizou o II Encontro
da Universidade Federal Fluminense-Sociedade Brasileira de Urologia (2005)268.
265 http://www.anm.org.br/conteudo_view.asp?id=323 Acesso: 25 de abril de 2018. 266 https://www.doctoralia.com.br/medico/jose+cocisfran+alves+milfont-10599269. Acesso: 25 de abril de 2018. 267 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4244441T6 268 http://acamerj.org/index.php?caminho=academico.php&id=9 Acesso: 25 de abril de 2018.
260
6- Rogério de Moraes Mattos
Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (1989).
Especialista em Urologia / Residência Médica pelo Hospital dos Servidores do Estado (HSE) –
RJ (1994). Mestre em Urologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (2001).
Doutor em Urologia pela Universidade de São Paulo – USP (2005)269.
7- Ronaldo Damião
Informações contidas no apêndice A.
8- Samuel Dekermacher
Mestre em Medicina (Urologia) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997).
Atualmente é professor titular da Universidade Iguaçu. Tem experiência na área de Medicina,
com ênfase em Urologia270.
Comissão Científica
- Presidente
Francisco F. Horta Bretas
Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1981).
Especialista em Urologia pela Sociedade Brasileira de Urologia e pela Associação Médica
Brasileira. Pós-doutorado em Urologia pela Baylor College of Medicine,
Houston, EUA. Atua nas áreas de prostatectomia, nefrectomia, ressecção endoscópica da
próstata, implante de prótese peniana, implante de prótese peniana e Câncer urológico271.
269 https://www.catalogo.med.br/doutor/rogerio-de-moraes-mattos-441500.htm. Acesso: 25 de abril de 2018. 270 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4447082A0 271 http://franciscobretas.com.br/areas-de-atuacao/ Acesso: 25 de abril de 2018.
261
-Membros
1- André Guilherme L. da Cavalcanti
Ver informações acima.
2 – Antônio de Morais Junior
Urologista com consultório particular em Goiânia (GO). Tem experiência em câncer de
próstata272.
3- Anuar Ibrahim Mitre
Possui graduação em Medicina (1973), mestrado (1980), doutorado (1987) e livre-
docência (1990) em Urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
É professor titular de Urologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí e professor associado de
Urologia da Faculdade de Medicina da USP. Atua nas áreas de cirurgia urológica laparoscópica,
robótica e endourologia273.
4- Carlos Alberto Bezerra
Possui graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (1986). Mestrado (1997)
e doutorado em Medicina (Urologia) pela Universidade Federal de São Paulo (2001) e Livre
Docência pela Faculdade de Medicina do ABC (2007). Atua principalmente nas seguintes
áreas: incontinência urinária de esforço, bexiga neurogênica, incontinência urinária no homem
e outros distúrbios do trato urinário inferior274.
272 https://www.doctoralia.com.br/medico/antonio+de+moraes+junior-10613071 273 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4767911D9 274 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4290083H6
262
5- Cristiano Mendes Gomes
Graduação em Medicina e doutorado em Urologia pela Universidade de São Paulo
(USP). É professor livre-docente, médico assistente e pesquisador da Faculdade de Medicina
da USP. Tem experiência na área de Urologia, com ênfase em disfunções miccionais, atuando
principalmente nos seguintes temas: incontinência urinária, bexiga neurogênica, cirurgias
reconstrutivas, hiperplasia prostática benigna e disfunções sexuais. Suas áreas de interesse
incluem não somente estas áreas clínicas, como também a pesquisa básica envolvendo os
mecanismos celulares e moleculares da disfunção vesical275.
6- Fernando Pires Vaz
Ver informações acima.
7- José Carlos Cezas I. Truzzi
Possui graduação em Medicina (1990), mestrado em Urologia (1996) e doutorado em
Urologia (1999) pela Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP. Professor titular II, da
disciplina de Urologia da Universidade de Santo Amaro (1999 - 2008). Editor do Boletim de
Informações Urológicas da Sociedade Brasileira de Urologia- Seccional São Paulo (2016 -
2017). Coordenador - Escola Superior de Urologia da Sociedade Brasileira de Urologia (2012
- 2017). Chefe do Departamento de Uroneurologia da Sociedade Brasileira de Urologia (2016-
2017). Urologista da Universidade Federal de São Paulo com ênfase na área de Disfunções
Miccionais e Urologia Feminina276.
8- José Carlos de Almeida
Possui graduação em Medicina pela Universidade de Brasília (1980). Pós-Graduação na
Lahey Clinic Medical Center e Harvard Medical School - USA. É doutor pela Universidade de
Brasília com defesa de tese em Patologia Molecular- Câncer de Próstata (2006). Médico
urologista chefe do serviço de urologia, do Hospital das Forças Armadas (Brasília -DF).
275 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4768098U7 276 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4220794A6
263
Professor do Curso de Graduação em Medicina das Faculdades Integradas da União
Educacional do Planalto Central (Faciplac). Tem experiência na área de Medicina / Urologia,
com ênfase em Uro-oncologia e Cirurgia do Trato Urinário277.
9- Lucas Mendes Nogueira
Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Atualmente é membro do Grupo de Uro-Oncologia do Hospital das Clínicas da UFMG, editor
associado do International Brazilian Journal of Urology e coordenador de Câncer Urotelial do
departamento de Uro-Oncologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Presidente eleito
da Escola Superior de Urologia. Tem experiência na área de Urologia e Cirurgia Robótica, com
ênfase em Urologia Oncológica, atuando principalmente nos seguintes temas: câncer de
próstata, bexiga, rim, testículo e pênis278.
10- Marcus Vinicius Sadi.
Graduado em Medicina (1979), mestre (1983) e doutor (1985) em Urologia pela Escola
Paulista de Medicina. Livre-docente em Urologia pela Escola Paulista de Medicina (1991). Pós-
doutorado pelo departamento de Urologia do Johns Hopkins Hospital (1989). Atualmente é
professor adjunto e livre-docente da Escola Paulista de Medicina. Tem experiência na área de
Medicina, atuando principalmente em Cirurgia Urológica, com ênfase nos seguintes temas:
Uro-oncologia, Próstata, Litíase Urinária e Reconstrução Urinária279.
11- Márcio Augusto Averbeck
Graduação em Medicina pela Fundação Universidade Federal de Pelotas (2003). Mestre
e Doutor em Ciências da Saúde pela UFCSPA (2011; 2017). Membro do Comitê de Promoção
da Neurourologia da Sociedade Internacional de Continência (ICS) desde 2012. Médico
urologista da Secretaria de Saúde do Município de Porto Alegre (RS). Preceptor da Residência
277 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787006U6 278 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4278638Z0 279 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4781360Z7
264
de Ginecologia do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, Porto Alegre/RS. Professor
convidado da Pós-graduação em Estomaterapia da UNISINOS, Porto Alegre (RS).
Coordenador de Neuro-Urologia da Unidade de Video-Urodinâmica do Hospital Moinhos de
Vento, Porto Alegre/RS. Secretário de Relações Internacionais da International Neuro-Urology
Society (desde 2016)280.
12- Reginaldo Martello
Graduação em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina (1980). Mestrado
(2000) e doutorado (2013) em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Minas Gerais. Atualmente, é pesquisador da mesma universidade, chefe do departamento de
Reprodução Humana da Sociedade Brasileira de Urologia, médico andrologista da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, andrologista do Serviço de Urologia e do Setor de Reprodução
Humana do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de MInas Gerais. Tem experiência
na área de Andrologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Infertilidade Masculina e
Disfunções Sexuais Masculinas281.
13- Ronaldo Damião
Informações contidas no apêndice A.
14- Samuel Dekermacher
Ver informações acima.
15- Ubirajara de Oliveira Barroso Júnior
Possui graduação em Medicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (1992),
doutorado em Medicina (Urologia) pela Universidade Federal de São Paulo (2000).
280 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4203703A2 281 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4241511Z8
265
Atualmente, é chefe do serviço de urologia do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos da
Universidade Federal da Bahia, professor do corpo permanente da Pós-Graduação em
Medicina, Livre-Docente/Adjunto, chefe e coordenador da disciplina de Urologia da
Universidade Federal da Bahia e professor adjunto da Escola Bahiana de Medicina. Tem
experiência na área de Medicina, com ênfase em Urologia Pediátrica, atuando principalmente
nos seguintes temas: infecção urinária, refluxo vésico-ureteral, bexiga neurogênica, hipospádia
e cirurgia reconstrutora do aparelho geniturinário282.
16- Ubirajara Ferreira
Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina de Jundiaí (1979). Fez mestrado em
cirurgia (1988), doutorado em cirurgia (1989), livre docência em cirurgia (1995) e tornou-se
Professor Associado em cirurgia (2000), pela UNICAMP. Atualmente é Professor Titular da
Universidade Estadual de Campinas. Atua em todas as áreas da urologia, com especial
dedicação ao ensino, pesquisa clínica e cirurgia em urologia oncológica283.
17- Wilson Ferreira Aguiar
Graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina (1994) e doutorado em
Medicina (Urologia) pela Universidade Federal de São Paulo (2006). Chefe do Grupo de
Transplante Renal da Disciplina de Urologia da UNIFESP - Escola Paulista de Medicina e
Hospital do Rim e Hipertensão. Orientador da Pós-Graduação da Disciplina de Urologia da
Unifesp na área de Transplante Renal284.
Palestrantes285
1-Archimerdes Nardozza Júnior
282 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4130681U2 283 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783618E6 284 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4495759Y5 285 As informações referentes aos palestrantes internacionais foram retiradas do programa científico do
congresso. Tais informações não foram disponibilizadas dessa forma nos outros dois congressos analisados.
266
Informações contidas no apêndice B.
2- Abraham Morgentaler
Professor associado da clínica urológica da Havard Medical School (Boston- EUA).
3- Celso Gromatzky
Informações contidas no apêndice B.
4- John P. Mulhall
Informações contidas no apêndice B.
5- Peter N. Schlegel
Professor de urologia e presidente do Departamento de Urologia no Weill Cornell Medical
College. Professor Associado visitante do Hospital Universitário Rockefeller. Chefe de
urologista do Hospital Pressbiteriano de Nova York.
6- Wayne J.G. Hellstrom
Professor de Urologia e chefe de Andrologia (infertilidade masculina e disfunção sexual) na
escola Tulane University of Medicine, em Nova Orleans.
7- Eduardo Berna Betero
Informações contidas no apêndice B.
8- Carmita Abdo
Informações contidas no apêndice B.
267
APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (médicos)
Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa de doutorado
intitulada “Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica: o caso
da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao
envelhecimento”, conduzida por Cristiane da Costa Thiago. Este estudo tem por objetivo
entender como a indústria farmacêutica e a classe médica promovem e divulgam a terapia de
reposição hormonal masculina relacionada ao envelhecimento, no contexto brasileiro.
Você foi selecionado(a) por ser um(a) médico(a) ou médico(a) residente especialista
nessa área de atuação (hormônios e envelhecimento masculino). Sua participação não é
obrigatória. A qualquer momento, você poderá desistir de participar e retirar seu consentimento.
Sua recusa, desistência ou retirada de consentimento não acarretará prejuízo.
A pesquisa não oferece riscos à sua participação, salvo o possível desconforto durante
a entrevista, bem como a preocupação de ser reconhecido(a) no produto final da pesquisa.
Contudo, mesmo essas possibilidades são bastante remotas, já que a entrevista será conduzida
de forma que o(a) participante estará livre para responder as questões da maneira que preferir,
tendo, inclusive, total liberdade para se abster de responder qualquer pergunta que não
considerar pertinente. Além disso, esse estudo não depende dos dados pessoais do(a)
participante e a publicação será apenas de trechos da entrevista, não de seu texto na íntegra.
Não há qualquer incentivo financeiro para a participação, nem despesas previstas.
Sua participação nesta pesquisa consistirá num relato detalhado de como ocorreu seu
ingresso nesse campo de especialidade médica, envolvida na questão hormonal masculina
associada ao envelhecimento e de como vem sendo essa experiência, principalmente no que diz
respeito à indicação do tratamento de reposição hormonal com testosterona a homens de mais
idade, diagnosticados com declínio hormonal.
A entrevista tem duração prevista de uma hora, a ser realizada no local que lhe for mais
conveniente. Apenas o pesquisador responsável estará presente, e o áudio da entrevista será
gravado somente para facilitar a análise, não sendo seu conteúdo na íntegra divulgado em
nenhum meio. O conteúdo da entrevista versa sobre temas relacionados ao papel dos hormônios
(testosterona) na saúde masculina, bem como à indicação do tratamento de reposição hormonal
masculina associada ao envelhecimento.
Os dados obtidos por meio desta pesquisa serão confidenciais e não divulgados em nível
individual, visando assegurar o sigilo de sua participação.
268
O pesquisador responsável se comprometeu a tornar públicos nos meios acadêmicos e
científicos os resultados obtidos de forma consolidada, sem qualquer identificação de
indivíduos participantes.
Caso você concorde em participar desta pesquisa, assine ao final deste documento, que
possui duas vias, sendo uma delas sua, e a outra, do pesquisador responsável / coordenador da
pesquisa. Seguem os telefones e o endereço institucional do pesquisador responsável e do
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, onde você poderá tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação nele, agora ou a qualquer momento.
Contatos do pesquisador responsável: Cristiane da Costa Thiago, doutoranda no Instituto
de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), residente em
Rua Almirante Calheiros da Graça, 82, Todos os Santos. Email: [email protected].
Telefones: (21) 985302304.
Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da UERJ: Rua São
Francisco Xavier, 524 – sala 7.003-D, Maracanã, Rio de Janeiro, CEP 20559-900, telefone (21)
2334-0235, ramal 108. E-mail: [email protected]
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa,
e que concordo em participar.
Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____.
Assinatura do(a) participante: ________________________________
Assinatura do pesquisador: ________________________________
269
APÊNDICE E- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (representantes)286
Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa de
doutorado intitulada “Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe
médica: o caso da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina
relacionada ao envelhecimento”, conduzida por Cristiane da Costa Thiago. Este estudo tem por
objetivo entender como a indústria farmacêutica e a classe médica promovem e divulgam a
terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao envelhecimento, no contexto
brasileiro.
Você foi selecionado(a) por ser um(a) representante da indústria farmacêutica que
trabalha com a promoção da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao
envelhecimento. Sua participação não é obrigatória. A qualquer momento, você poderá desistir
de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa, desistência ou retirada de consentimento
não acarretará prejuízo.
A pesquisa não oferece riscos à sua participação, salvo o possível desconforto durante
a entrevista, bem como a preocupação de ser reconhecido(a) no produto final da pesquisa.
Contudo, mesmo essas possibilidades são bastante remotas, já que a entrevista será conduzida
de forma que o(a) participante estará livre para responder as questões da maneira que preferir,
tendo, inclusive, total liberdade para se abster de responder qualquer pergunta que não
considerar pertinente. Além disso, esse estudo não depende dos dados pessoais do(a)
participante e a publicação será apenas de trechos da entrevista, não de seu texto na íntegra.
Não há qualquer incentivo financeiro para a participação, nem despesas previstas.
Sua participação nesta pesquisa consistirá num relato detalhado de como ocorreu seu
ingresso na área de representação farmacêutica, envolvendo a promoção da terapia de reposição
hormonal com testosterona e de como vem sendo essa experiência, principalmente no que diz
respeito ao processo de divulgação desse tratamento no meio médico.
A entrevista tem uma duração prevista de uma hora, a ser realizada no local que lhe for
mais conveniente. Apenas o pesquisador responsável estará presente, e o áudio da entrevista
será gravado somente para facilitar a análise, não sendo seu conteúdo na íntegra divulgado em
nenhum meio. O conteúdo da entrevista versa sobre temas relacionados ao papel dos hormônios
286Mantemos, aqui, a terminologia representante, pois foi a utilizada no projeto apresentado ao Comitê de Ética
em Pesquisa.
270
(testosterona) na saúde masculina, bem como à indicação do tratamento de reposição hormonal
masculina relacionada ao envelhecimento.
Os dados obtidos por meio desta pesquisa serão confidenciais e não divulgados em nível
individual, visando assegurar o sigilo de sua participação.
O pesquisador responsável se comprometeu a tornar públicos nos meios acadêmicos e
científicos os resultados obtidos de forma consolidada sem qualquer identificação de indivíduos
participantes.
Caso você concorde em participar desta pesquisa, assine ao final deste documento, que
possui duas vias, sendo uma delas sua, e a outra, do pesquisador responsável / coordenador da
pesquisa. Seguem os telefones e o endereço institucional do pesquisador responsável e do
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, onde você poderá tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua
participação nele, agora ou a qualquer momento.
Contatos do pesquisador responsável: Cristiane da Costa Thiago, doutoranda no
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ),
residente em Rua Almirante Calheiros da Graça, 82, Todos os Santos. Email:
[email protected]. Telefones: (21) 985302304.
Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da UERJ: Rua São
Francisco Xavier, 524 – sala 7.003-D, Maracanã, Rio de Janeiro, CEP 20559-900, telefone (21)
2334-0235, ramal 108. E-mail: [email protected]
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa,
e que concordo em participar.
Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____.
Assinatura do(a) participante: ________________________________
Assinatura do pesquisador: ________________________________
271
APÊNDICE F - Roteiro de entrevista com médicos
1- Identificação:
- Nome
- Data de nascimento
- Endereço Profissional (consultório/hospital)
- Especialidade médica (urologia/endocrinologia)
2- Trajetória profissional:
- Como escolheu a profissão? Onde cursou a graduação? O que achou do curso?
- Como escolheu a especialidade? Onde cursou (ou está cursando) a especialização? O que
achou (ou está achando) do curso?
- Como foi (ou como está sendo) a transição da fase de estudante para a de profissional?
3- Fale um pouco sobre as atribuições de sua profissão.
4- Faz parte de alguma associação médica? Ocupa algum cargo? Qual? Como isso aconteceu?
5- Como vê a atuação da endocrinologia e da urologia no campo da saúde do homem? Há
diferenças? Quais?
6- Fale um pouco sobre o declínio hormonal relacionado ao envelhecimento masculino e como
sua especialidade médica vem enfrentando essa questão (diagnóstico, tratamento, melhor tipo
de medicação, etc).
7- Que tipo de informações sobre tal declínio os representantes farmacêuticos apresentam numa
visita ao consultório/hospital? Como lida com essas informações?
8- Recebe algum tipo de financiamento (realização de pesquisas, participação em congressos
científicos, etc)? Como se dá isso? O que acha dessa prática?
09- Fale um pouco sobre os valores éticos de sua profissão. Há conflitos de interesse? Quais?
10-Gostaria de comentar mais alguma cois
272
APÊNDICE G - Roteiro de entrevista com representantes
1-Identificação:
- Nome
- Data de nascimento
- Endereço Profissional
2- Fale sobre sua trajetória profissional.
- Como se deu a escolha da profissão?
- Onde fez seu curso/treinamento? Como foi?
- Como foi contratado (a) pela empresa farmacêutica para a qual trabalha?
- Após ser contratado (a) houve algum treinamento específico? Como foi?
3- Quais as principais atribuições de sua profissão?
4- Fale um pouco sobre as visitas aos consultórios médicos e/ou hospitais (quais as principais
preocupações, como se prepara, o que é essencial na apresentação de um novo medicamento
aos médicos).
5- Como seu trabalho é avaliado pela empresa farmacêutica que o(a) contratou? Com que
frequência isso ocorre?
6- Como avalia o seu trabalho? Com que frequência?
7- Fale um pouco sobre os valores éticos de sua profissão.
8-Gostaria de comentar mais alguma coisa?
273
APÊNDICE H- Simulação de visita de propagandista farmacêutico
A figura abaixo consiste no primeiro slide da simulação, em que são apresentados dois
personagens fictícios, o médico dermatologista dr. Júlio e o propagandista Gilberto.
Figura 14. Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 1). Curso propagandista
farmacêutico, Portal Educação, 2015
Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 20 de outubro de 2015
Os slides seguintes apresentam o diálogo entre médico e propagandista, utilizando uma
imagem padrão. Nela havia o desenho do médico, um homem branco, de jaleco, sentado atrás
de sua mesa, com estetoscópio pendurado no pescoço. Já o propagandista, também um homem
branco, estava de pé, vestido com calça, camisa social e gravata. Ele dizia “Bom dia, Dr. Júlio,
meu nome é Gilberto. Eu sou propagandista do laboratório “X”. O Dr. Luís Fonseca, que é
nosso cliente, indicou-me seu consultório.”
274
Figura 15. Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 2). Curso propagandista
farmacêutico, Portal Educação, 2015
Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 20 de outubro de 2015
Para evitar a repetição de imagens praticamente iguais, optei por colocar apenas o diálogo
escrito, a partir desse ponto. A letra J indica que a fala pertence ao dr. Júlio e a letra G ao
Gilberto:
J “ Ah...O Luís. Pois não, como tem passado?”
G- “Ótimo. E o sr?”
J- “Estou bem!”
G- “O Dr. Luís é cliente do laboratório ‘X’ há muito tempo. Ele é muito exigente e nos dá a
preferência porque nossa empresa é lider em tecnologia farmacêutica, sempre temos novidades
que atendem as necessidades dos pacientes. Ele me falou do sucesso de sua clínica. Tenho
acompanhado o bom trabalho que o [sic] estás fazendo na dermatologia.”
J- “É mesmo?”
G- “Parece que essa atividade cresceu muito nos últimos anos, e essa região precisava mesmo
de uma clínica especializada no assunto, não é?”
J- “É verdade. Fizemos um investimento muito grande e estamos muito bem, os pacientes
realmente procuram nossa clínica.”
G- “Formidável! O senhor poderia me contar um pouco mais a respeito?”
J- “Com prazer. A região carecia mesmo de dermatologistas. As pessoas, principalmente as
mulheres, estão cada vez mais preocupadas com sua pele ou com seu cabelo. Minha agenda
sempre é cheia, na maioria dos casos, pelo menos aqui, minhas pacientes procuram cuidados
275
para prevenir os sinais do envelhecimento. Sabe como são vaidosas as mulheres, né? Mas tenho
que ser cauteloso na prescrição, o tratamento muitas vezes não precisa ser agressivo.”
G- “Uh, é verdade sim. E, pelo que entendi, seus pacientes, ou melhor, as pacientes buscam
novidades no combate aos sinais do envelhecimento, produtos para o cuidado da pele devem
ser vitais em seus tratamentos.”
L- “Sem dúvida, as pacientes me procuram justamente para que eu indique e prescreva o melhor
tratamento disponível.”
G- “A utilização de um creme de tratamento com propriedades cosméticas e princípios ativos
naturais, que não agridem tanto a pele, não seria uma boa alternativa para suas pacientes?”
L- “Creio que sim. Você tem algum produto assim?”
G- “‘Creme X’! Conheço bem! É um produto muito bom, feito com tecnologia avançada, além
dos principais ativos, a base do creme foi tecnologicamente desenvolvida.”
L-“É verdade. A pesquisa farmacêutica no campo da dermatologia, ou mesmo com os
dermocosméticos avançou muito.”
G- “Sim, e no caso de nosso produto, basta um tratamento de sete dias para os resultados
aparecerem.”
L- “Uma semana?”
G- “É. Em uma semana o progresso já é reparado. Tenho aqui a monografia do produto e os
artigos científicos da sua eficácia. O senhor já leu algo sobre essa planta que é o princípio ativo
do creme? O Laboratório ‘X’ está concentrando toda a sua tecnologia visando à satisfação dos
seus pacientes. O doutor não gostaria de fazer um teste?”
L- “Um teste? Sim, é uma boa ideia!”
Após esse diálogo é descrito o seguinte: “Como combinado, Francisco deixa algumas
amostras grátis para o teste. Ele sabe que os resultados do teste serão favoráveis. Todavia, terá
que convencer o Dr. Júlio que as vantagens do produto justificam o preço maior que o cobrado
pelos concorrentes. Na data combinada, Gilberto retorna e tem novo encontro com o Dr. Júlio.
Durante o caminho, procura relembrar tudo o que conversou com ele anteriormente, olhando o
seu relatório de visita. A cada visita, ele estreita o relacionamento com o Dr. Júlio e sempre está
atento a lhe transmitir novidades que lhe auxiliem”.