TESE CRISTIANE THIAGO completa.pdf - BDTD/UERJ

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Instituto de Medicina Social Cristiane da Costa Thiago Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica: o caso da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao envelhecimento Rio de Janeiro 2018

Transcript of TESE CRISTIANE THIAGO completa.pdf - BDTD/UERJ

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro Biomédico

Instituto de Medicina Social

Cristiane da Costa Thiago

Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica:

o caso da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal

masculina relacionada ao envelhecimento

Rio de Janeiro

2018

Cristiane da Costa Thiago

Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica: o caso da

promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao

eenvelhecimento

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção

do título de Doutor ao Programa de Pós-Graduação em

Saúde Coletiva, da Universidade do Estado do Rio de

Janeiro.

Orientadora: Prof.a Dra. Jane Araujo Russo

Coorientador: Prof. Dr. Kenneth Rochel de Camargo Jr.

Rio de Janeiro

2018

CATALOGAÇÃO NA FONTE

UERJ/REDE SIRIUS/CB/C

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,

desde que citada a fonte.

_____________________________________________ _____________________

Assinatura Data

T422 Thiago, Cristiane da Costa

Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a

classe médica: o caso da promoção e divulgação da terapia de

reposição hormonal masculina relacionada ao envelhecimento /

Cristiane da Costa Thiago. – 2018.

275 f.

Orientadora: Jane Araújo Russo

Coorientador: Kenneth Rochel de Camargo Jr.

Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Instituto de Medicina Social.

1. Indústria farmacêutica – Teses. 2. Médicos - Teses. 3.

Terapia de reposição hormonal - Teses. 4. Envelhecimento –

Teses. I. Russo, Jane Araújo. II. Camargo Jr., Kenneth Rochel.

III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de

Medicina Social. IV. Título.

CDU 615.012:614.253

Cristiane da Costa Thiago

Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica: o caso da

promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao

envelhecimento

Tese apresentada, como requisito parcial para

obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós-

Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em 29 de maio de 2018

Banca Examinadora: ________________________________________________________

Orientadora: Prof.ª Dra. Jane Araujo Russo

Instituto de Medicina Social – UERJ

________________________________________________________

Coorientador: Prof. Dr. Kenneth Rochel de Camargo Jr

Instituto de Medicina Social – UERJ

________________________________________________________

Prof.ª Dra. Rafaela Zorzanelli

Instituto de Medicina Social - UERJ

__________________________________________________________

Prof. Dr. Rogerio Lopes Azize

Instituto de Medicina Social- UERJ

________________________________________________________

Prof.ª Dra. Fabiola Rohden

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

________________________________________________________

Prof. Dr. Josué Laguardia

Fundação Oswaldo Cruz

Rio de Janeiro

2018

DEDICATÓRIA

A todos que lutam pela saúde, dignidade e liberdade humana.

AGRADECIMENTOS

A Deus, meu refúgio e fortaleza em todos os momentos.

À minha família, especialmente Valmir Thiago, Telma Vieira Thiago, Viviane Thiago,

Helenir Thiago e Beatriz Thiago, pelo amor abnegado e paciente, durante todo processo de

doutorado.

À minha orientadora Jane Russo, que me acompanha desde o mestrado. Além de muito

competente, é dedicada e atenciosa com todos os seus orientandos. Uma pessoa especial, que

desperta em nós genuína confiança.

A Kenneth Camargo, meu co-orientador desde o mestrado, pelas ricas sugestões e pelo

seu jeito terno e humano de compartilhar seus conhecimentos conosco.

À Fabiola Rohden, presente no começo da minha caminhada acadêmica e que continua

me inspirando com suas contribuições e sugestões.

À Rafaela Zorzanelli, pelas contribuições na qualificação, posteriores sugestões relativas

à tese e por ter aceitado participar da banca de defesa.

A Rogério Lopes Azize pelas contribuições na qualificação e por ter aceitado participar

da banca de defesa.

A Josue Laguardia por ter aceitado participar da banca de defesa.

A Sergio Carrara e à Elaine Brandão que aceitaram ser suplentes da banca.

Aos colegas e amigos Anacely Costa, Lucas Tramontano, Regina Senna, Denise Oliveira,

Isabela Vieira, Beatriz Rique, Bruno Zilli, Fernanda Loureiro, Livi Faro, Marina Nucci, Nádia

Fagundes, Alessandra Aniceto pelas risadas, contribuições e apoio, que tornaram essa jornada

mais leve.

Ao grupo de pesquisa Biomedsci pela rica troca de conhecimento e solidariedade.

Aos demais colegas e professores do IMS, por fazerem parte, direta ou indiretamente, do

processo de construção deste trabalho.

À Daniela Lacerda e Luciana Fonseca por cederem a mim seus ombros amigos,

principalmente na reta final do doutorado.

Aos meus amores eternos Rafael, Sheila, Micheli e Cíntia, pela amizade que o tempo e a

distância não conseguem apagar.

A Marcio Porfirio e Zilda Lopes, pela amizade sincera e zelo constante comigo.

Às funcionárias da secretaria e da biblioteca, pela atenção e disponibilidade de nos ajudar.

À agência governamental de fomento à pesquisa CAPES pela bolsa concedida.

Parecer feliz tornou-se um produto que parece assim: você vai à farmácia e compra em

vidrinhos para cada ocasião.

Haredita Angel

RESUMO

THIAGO, Cristiane da Costa. Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a

classe médica: o caso da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina

relacionada ao envelhecimento. 2018. 275f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto

de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Este estudo buscou investigar o modo como o processo de promoção e divulgação de

categorias diagnósticas e de medicamentos caracteriza-se por uma série de interações em que

práticas e discursos de médicos e de profissionais da indústria farmacêutica se influenciam

mutuamente, formando uma rede de trocas e apoio mútuo. As trocas dizem respeito a um

conjunto de objetos (como brindes e amostras de medicamentos), informações, conhecimento

(sob a forma de artigos e/ou conferências), gentilezas, interações sociais que têm na dispensação

de determinado(s) medicamento(s) seu propósito final. O objetivo geral desta pesquisa consistiu

em analisar a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica no processo de promoção

e divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas, utilizando a terapia de reposição

hormonal masculina relacionada ao envelhecimento como caso de estudo. A fim de atingir o

objetivo proposto, escolheu-se três principais meios de coleta de dados: entrevistas

semiestruturadas com médicos líderes de opinião, prescritores da terapia de reposição

hormonal (TRH) com testosterona (urologistas e endocrinologistas) e propagandistas

farmacêuticos da TRH com testosterona; etnografia de congressos científicos, cujos temas se

relacionavam ao objeto de pesquisa; análise de material utilizado em curso de formação de

propagandista farmacêutico online. Os roteiros de entrevista foram específicos para cada classe

profissional e buscaram abordar temas como promoção e divulgação do uso de testosterona

relacionado ao envelhecimento masculino e as conexões existentes entre a classe médica e

indústria farmacêutica. Utilizou-se a entrevista semiestruturada como instrumento para coleta

de dados a fim de buscar informações referentes à dinâmica de interação entre os propagandistas

farmacêuticos e a classe médica. A escolha da etnografia de congressos científicos seguiu o

pressuposto de que nesses espaços é possível perceber a articulação entre a indústria

farmacêutica e a classe médica. Já a opção pela análise de material do curso online ocorreu

devido ao objetivo de conhecer e investigar estratégias de marketing farmacêutico dirigidas à

classe médica para, posteriormente, fazer um paralelo com o material sobre a TRH com

testosterona, coletado durante a pesquisa. A análise do material evidenciou a articulação entre

a indústria farmacêutica e a classe médica em diferentes níveis. No entanto, o bjetivo aqui não

foi tanto desvendar algo ainda desconhecido ou provar uma hipótese não comprovada. O

objetivo foi tão somente acompanhar, em um contexto específico, alguns dos mecanismos

através dos quais tais articulações são tecidas de modo a serem ocultadas no mesmo momento

em que se realizam.

Palavras-chave: Indústria Farmacêutica. Classe Médica. Reposição Hormonal Masculina.

Envelhecimento.

ABSTRACT

THIAGO, Cristiane da Costa. A study on the relationship between the pharmaceutical

industry and the medical profession: the case of the promotion and disclosure of aging-related

male hormone replacement therapy. 2018. 275f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) -

Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

This study sought to investigate how the process of promotion and disclosure of

diagnostic categories and medications is characterized through a series of interactions in which

the practices and discourses of doctors and professionals of the pharmaceutical industry

influence each other, forming a network of exchanges and mutual support. The exchanges

pertain to a set of objects (as gifts and drug samples), information, knowledge (in the form of

articles and/or conferences), gentleness and social interactions that have in the dispensing of

certain medication(s) their final purpose. The main objective of this research was to analyze the

relationship between the pharmaceutical industry and the medical profession in the process of

promotion and disclosure of medicines and diagnostic categories, using a male hormone

replacement therapy related to the aging process as a case of study. In order to achieve the

proposed objective, we chose three main means of data collection: semi-structured interviews

with doctors who are opinion leaders, prescribers of hormone replacement therapy (HRT) with

testosterone (urologists and endocrinologists) and pharmaceutical propagandists of HRT with

testosterone; ethnography of scientific congresses that have themes related to the object of

research; analysis of materials used in an online pharmaceutical propagandist formation course.

The scripts of the interviews were specific for each professional body and sought to approach

topics such as the promotion and disclosure of the use of testosterone related to male aging

process and the existent connections between the medical professionals and the pharmaceutical

industry. A semi-structured interview was used as an instrument to collect data to search for

information on the dynamics of interaction between pharmaceutical propagandists and the

medical profession. The choice of the ethnography of scientific congress followed the

assumption that inside these spaces it is possible to perceive an articulation between the

pharmaceutical industry and the medical profession. The option of analyzing online course

materials was due to the objective of knowing and investigating pharmaceutical marketing

strategies directed to the medical profession to later make a parallel with the material on the

testosterone TRH, collected during the research. The analysis of the material shows an

articulation between the pharmaceutical industry and the medical profession at different levels.

However, our objective was not to unravel something yet unknown or to prove an unproven

hypothesis. That being said, we only aim to follow, in a specific context, some of the

mechanisms through which such articulations are built so that they are hidden at the same

moment in which they are realized.

Keywords: Pharmaceutical Industry. Medical Profession. Male Hormone Replacement. Aging.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 –

Figura 1 –

Figuea 2 –

Figura 3–

Figura 4 -

Figura 5 –

Figura 6 -

Figura 7-

Figura 8-

Figura 9-

Figura 10-

Figura 11-

Figura 12-

Figura 13-

Figura 14-

Figura 15-

Esquema de diagnóstico do DAEM...........................................................

Folheto publicitário da Besins Healthcare (frente). Congresso

Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................................

Folheto publicitário da Besis Healthcare (interior). Congresso

Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................................

Folheto publicitário da Besins Healthcare (verso). Congresso Internacional

de Medicina Sexual, 2014...........................................................................

Slide ‘Resultado esperado: retorno do paciente à normalidade.’ Congresso

Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................................

Apresentação de escola de samba durante encerramento de evento.

Congresso Internacional de Medicina Sexual, 2014...................................

Estande promocional de aparelho (shockwave) para tratamento de

disfunção erétil. Congresso Internacional de Medicina Sexual, 2014 ........

Imagem publicitária de estande da Pfizer. Congresso Internacional de

Medicina Sexual, 2014…………………………………………………...

Folheto publicitário da Flukka (frente). Congresso Brasileiro de Urologia,

2015……………………………………………………………………….

Folheto publicitário da Flukka (verso). Congresso Brasileiro de Urologia,

2015……………………………………………………………………….

Folheto publicitário da Lilly (frente). Congresso Brasileiro de Urologia,

2015.............................................................................................................

Folheto publicitário da Lilly (verso). Congresso Brasileiro de Urologia,

2015……………………………………………………………………….

Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte superior)-

Portal Educação, 2015……………………………………………………

Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte inferior-

Portal Educação, 2015……………………………………………………

Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 1). Curso

propagandista farmacêutico, 2015………………………………………...

Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 2).

Curso propagandista farmacêutico, 2015………………………………….

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148

196

196

273

274

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12

1 RELAÇÃO ENTRE INDÚSTRIA FARMACÊUTICA E CLASSE

MÉDICA NA PROMOÇÃO E DIVULGAÇÃO DE MEDICAMENTOS E

CATEGORIAS DIAGNÓSTICAS...................................................................

23

1.1 Medicalização, Biomedicalização e Farmaceuticalização............................... 23

1.2 Promoção e divulgação de medicamentos e categorias

diagnósticas...........................................................................................................

31

1.2.1 Mercantilização da saúde/doença: categorias diagnósticas e tratamentos

médicos...................................................................................................................

31

1.2.2 Medicamentos: valor simbólico e consumo........................................................... 37

1.2.3 Indústria farmacêutica e classe médica: co-promoção e co-divulgação de

medicamentos e categorias diagnósticas................................................................

42

1.2.3.1

1.2.3.2

O papel do propagandista farmacêutico na divulgação de medicamentos à classe

médica...................................................................................................................

Marketing farmacêutico em congressos científicos.............................................

44

50

1.2.4 A classe médica na promoção e divulgação de categorias diagnósticas e

medicamentos.........................................................................................................

55

1.2.4.1 Classe médica: ética e conflitos de interesse.......................................................... 55

1.2.4.2 Publicações, palestras e “aulas” médicas em eventos científicos......................... 61

2 SAÚDE MASCULINA: HORMÔNIOS, SEXUALIDADE E

ENVELHECIMENTO.......................................................................................

66

2.1 Promoção e divulgação de categorias diagnósticas: declínio hormonal

masculino relacionado ao envelhecimento.....................................................

66

2.2 Testosterona e o novo envelhecer masculino: performance sexual e

rejuvenescimento.................................................................................................

73

3 CONGRESSOS CIENTÍFICOS........................................................................ 79

3.1 XXXXVIII Congresso científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto

(HUPE- UERJ) ....................................................................................................

80

3.1.1 Apresentando o congresso .................................................................................... 80

3.1.1.1 Informações iniciais e impressões gerais.............................................................. 80

3.1.1.2 Organizadores .................................................................................................... 81

3.1.2 Material.............................................................................................................. 82

3.1.3 Atividades ......................................................................................................... 83

3.1.3.1 Palestra: Reposição hormonal masculina .......................................................... 83

3.1.3.2 Teleconferência: Tópicos de terapia de reposição hormonal no homem idoso.... 86

3.1.4 Comentários finais.................................................................................................. 88

3.2 XVI World Meeting on Sexual Medicine (XVI Congresso Internacional de

Medicina Sexual) ..............................................................................................

89

3.2.1

3.2.1.1

Apresentando o congresso...................................................................................

Informações iniciais.............................................................................................

89

89

3.2.1.2 Organizadores...................................................................................................... 91

3.2.1.3

3.2.2

3.2.3

Impressões gerais ................................................................................................

Programa científico..............................................................................................

Simpósios, cursos, workshops e palestras.............................................................

93

101

104

3.2.3.1

3.2.3.2

3.2.4

3.3

3.3.1

3.3.1.1

3.3.1. 2

3.3.1.3

3.3.2

3.3.3

3.3.3.1

3.3.3.2

3.3.4

3.3.5

4

Casos clínicos: deficiência androgênica no envelhecimento masculino-

disfunções sexuais masculinas...............................................................................

Terapia de reposição de testosterona no Brasil: como adaptar os

diferentes tratamentos disponíveis........................................................................

Comentários finais..................................................................................................

XXXV Congresso Brasileiro de Urologia...........................................................

Apresentando o congresso.....................................................................................

Informações iniciais................................................................................................

Organizadores........................................................................................................

Impressões Iniciais e gerais...................................................................................

Programa científico ...............................................................................................

Simpósios, cursos, workshops e palestras ............................................................

Painel: atualização em hipogonadismo e TRT ....................................................

Simpósio satélite Eurofarma ................................................................................

Estandes de empresas expositoras e folders de propaganda farmacêutica ............

Comentário geral final: relacionando os três congressos .......................................

ENTREVISTAS: ENTRADA NO CAMPO, IMPRESSÕES E DISCUSSÃO

DE RESULTADOS..............................................................................................

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4.1

4.2

4.3

4.4

5

5.1

5.2

5.2.1

5.2.2

5.2.3

5.2.4

Entrevista como ferramenta de pesquisa: o modelo semiestruturado ...........

Entrevistas com médicos e propagandistas farmacêuticos: entrada no

campo e impressões gerais...................................................................................

Entrevistas com médicos líderes de opinião (urologistas e

endocrinologistas) ...............................................................................................

Entrevistas com propagandistas farmacêuticos................................................

CURSO PROPAGANDISTA FARMACÊUTICO ONLINE.........................

Referência metodológica e informações gerais .................................................

O curso ................................................................................................................

Módulo I- Publicidade e propaganda......................................................................

Módulo II- A base técnica do propagandista..........................................................

Módulo III- Aspectos éticos e legais da propaganda de medicamentos ................

Módulo IV- Propaganda médica na prática ...........................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................

REFERÊNCIAS .................................................................................................

APÊNDICE A- Organizadores e palestrantes (congresso HUPE) ......................

APÊNDICE B- Organizadores e palestrantes (Congresso Internacional de

Medicina Sexual) ...................................................................................................

APÊNDICE C- Organizadores e palestrantes (Congresso Brasileiro de

Urologia) ..............................................................................................................

APÊNDICE D- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(médicos)..............................................................................................................

APÊNDICE E- Termo de consentimento livre e esclarecido

(representantes)......................................................................................................

APÊNDICE F- Roteiro de entrevista com médicos............................................

APÊNDICE G- Roteiro de entrevista com representantes ................................

APÊNDICE H- Simulação de visita de propagandista farmacêutico.................

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12

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como tema geral o papel da indústria farmacêutica e da classe médica

na promoção e na divulgação da terapia de reposição hormonal (TRH) masculina relacionada

ao envelhecimento. Consideramos que ele tem estreita relação com minha pesquisa de

mestrado1, que abordou a construção do “declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento” como problema médico. Utilizamos, então, o conceito de medicalização

proposto por Conrad (2007) a fim de caracterizar o modo como é definido e tratado tal declínio

nos sites de laboratórios farmacêuticos e associações médico-científicas.

Destacamos, ainda, que o uso do termo “declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento” (derivado da biomedicina) na construção deste trabalho, vem sendo

problematizado desde o mestrado2. Ele resulta de uma escolha baseada em sua pertinência para

o objetivo proposto, já que consideramos tal expressão, dentre outras existentes, a mais

descritiva possível. Essa escolha foi difícil e necessária, pois precisávamos encontrar um termo

por meio do qual pudéssemos nos referir, e que tivesse o maior distanciamento possível de

terminologias médicas existentes, utilizadas na construção de categorias diagnósticas referentes

a uma baixa hormonal masculina associada ao envelhecimento.

A expressão adotada permite fazer uma associação entre a queda hormonal masculina e

o avanço da idade, principal eixo de definição de categoria(s) diagnóstica(s) que têm na TRH

com testosterona seu tratamento de escolha, e permite, portanto, certa separação entre essa

expressão e outros termos utilizados no meio médico para caracterizar tal queda hormonal como

problema médico. No entanto, sabemos que seu uso é problemático, pois remete a uma

definição médica (por se referir a um pretenso “declínio hormonal”) além de não tratar apenas

da descrição de um estado. Utilizando a perspectiva de Conrad (2007) como referência

ocorreria, nesse caso, uma “tradução médica” de um problema não médico, ou seja, de um

processo de medicalização.

Durante a pesquisa de mestrado, pude observar e discutir algumas questões sobre a

relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica no que diz respeito à promoção e

1 Dissertação intitulada “Hormônios, masculinidade e velhice: um estudo de sites de laboratórios farmacêuticos

e associações médico-científicas”, defendida em 2012, no Instituto de Medicina Social, da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ).

2 Na dissertação discuto também a construção das diferentes terminologias utilizadas no meio médico para

caracterizar tal baixa hormonal.

13

divulgação de novos medicamentos3 e novas categorias diagnósticas, uma das características

mais significativas atribuídas ao processo de medicalização apontado por Conrad (2007).

O autor utiliza o termo medicalização4 para descrever um processo complexo, no qual

questões antes consideradas externas à competência médica passam a ser definidas e tratadas

como problemas médicos, geralmente em termos de distúrbios e desordens. Segundo ele, tal

fenômeno conta com a participação de vários agentes, como a indústria farmacêutica e de

equipamentos médicos e a classe médica. Além disso, caracteriza-se pela presença de relações

de consumo transformando percepções e ideias sobre saúde/doença.

Segundo Barros (2008), a indústria farmacêutica utiliza estratégias que promovem e

intensificam a medicalização, em que há extrapolação do razoável e do cientificamente

justificável no valor e na ação dos fármacos. Dentre tais estratégias, está a intensificação da

“criação” de doenças para os medicamentos fabricados pelas empresas farmacêuticas. Como

diz Barros (1983): “Em termos puramente mercadológicos, nos setores de produção e

comercialização de medicamentos, interessa a ocorrência de um máximo de doenças

acompanhadas de um máximo de tratamentos.” (BARROS, 1983, p. 378).

No caso do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, há a

divulgação e a promoção não de uma doença propriamente dita, mas de uma deficiência, cujo

tratamento não visa a cura, mas reposição de algo que está em falta no corpo. Aqui, mesmo

com um esforço no sentido de se chegar a um consenso sobre o diagnóstico clínico e laboratorial

de tal declínio, observa-se a intensiva promoção e divulgação da testosterona como tratamento

eficaz para esse problema médico.

Nesse cenário de co-promoção e co-divulgação de categorias diagnósticas, o sucesso do

tratamento farmacológico, muitas vezes, é considerado confirmação do diagnóstico e definição

da causa da anormalidade. A classe médica, por ser a responsável legal pela prescrição de

medicamentos, é o alvo central das estratégias de marketing utilizadas pela indústria

farmacêutica (ANGELL, 2010; BARROS, 2004).

3 Aqui, baseio-me na definição de medicamento estabelecida pelas Ciências Farmacêuticas, que o considera um

produto, resultante de processo industrial, composto por diferentes elementos, dentre eles, uma substância

chamada de princípio ativo, responsável por desencadear o efeito farmacológico esperado no indivíduo

(ANSEL, 2000). Isto é, trata-se de um produto “localizado como um construto próprio da biomedicina, como

uma tecnologia industrial, imbuído de um saber especializado dominado por poucos, e como algo

necessariamente exógeno, externo ao organismo” (TRAMONTANO, 2017, p.13).

4 Neste trabalho optamos pelo conceito de medicalização que Conrad (2007) propôs, por considerá-lo, dentre

outros existentes, o mais adequado para o desenvolvimento da pesquisa, abarcando questões como o papel da

indústria farmacêutica e da classe médica no desenvolvimento, promoção e divulgação de medicamentos e

categorias diagnósticas. Mais adiante, voltaremos a discutir o termo medicalização e as diferentes perspectivas

de análise propostas a partir do emprego desse termo.

14

Ao citarmos a expressão “co-promoção e co-divulgação de categorias diagnósticas” e

medicamentos, ancoramo-nos em textos de autores como Angell (2008, 2010, 2011), Barros

(2004, 2008), Healy (2006) e Oldani (2002, 2004), entre outros, que, embora não utilizem

exatamente essa expressão, apontam o modo como, cada vez mais, as categorias diagnósticas e

os medicamentos são promovidos e divulgados simultaneamente. Neste contexto, segundo eles,

há a participação de dois principais atores − a classe médica e a indústria farmacêutica − que

interagem de maneira dinâmica e intrincada, promovendo, simultaneamente, uma doença, um

distúrbio, um transtorno ou uma deficiência e seu tratamento farmacológico, sempre visto, neste

caso, como a solução mais rápida e eficaz para o problema.

Assim, este estudo tem como objetivo geral analisar a relação entre a indústria

farmacêutica e a classe médica no processo de promoção e divulgação de medicamentos e

categorias diagnósticas, utilizando a terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao

envelhecimento, no contexto brasileiro, como estudo de caso. A fim de atingir o objetivo

proposto, escolhemos três principais meios de coleta de dados5: entrevistas semiestruturadas

com médicos líderes de opinião, prescritores da TRH com testosterona (urologistas e

endocrinologistas) e propagandistas farmacêuticos da TRH com testosterona; etnografia de

congressos científicos, cujos temas se relacionavam ao objeto de pesquisa e análise de material

utilizado em curso de formação de propagandista online.

Constituem objetivos específicos deste trabalho: caracterizar e discutir estratégias

utilizadas pela indústria farmacêutica a fim de promover a terapia de reposição hormonal

masculina relacionada ao envelhecimento, no meio médico brasileiro e investigar, junto a

médicos brasileiros (urologistas e endocrinologistas) líderes de prescrição e /ou opinião, sua

relação com a indústria farmacêutica, buscando entender como a classe médica utiliza

informações referentes à TRH masculina com testosterona apresentadas a ela pela indústria

farmacêutica em discursos e práticas que promovem e divulgam esse tratamento médico.

Os roteiros de entrevista foram específicos para cada classe profissional e buscaram

abordar temas como promoção e divulgação do uso de testosterona relacionado ao

envelhecimento masculino e as conexões existentes entre a classe médica e a indústria

farmacêutica. Utilizamos a entrevista semiestruturada como instrumento para coleta de dados a

5 Nucci (2015) aponta que o campo dos estudos sociais da ciência, que tem como um de seus desafios investigar

a forma como o conhecimento científico se constrói, é marcado pela difusão, por uma diversidade de

metodologias, disciplinas e instituições. Assim, as estratégias metodológicas utilizadas neste trabalho são

muito mais difusas e complexas do que foram apresentadas.

15

fim de buscar informações referentes à dinâmica de interação entre os propagandistas

farmacêuticos e a classe médica.

Escolhemos a etnografia de congressos científicos como uma das estratégias

metodológicas empregadas na construção dessa tese, acreditando que, nesses espaços, é

possível perceber a articulação entre indústria farmacêutica e classe médica, principalmente

quando pensamos em propagandas de medicamentos dirigidas aos médicos (AZIZE, 2010a,

2010b) e nos meios pelos quais a classe médica acaba promovendo e divulgando, direta ou

indiretamente, os medicamentos vendidos pelas empresas farmacêuticas6. Além disso, nesses

eventos, havia a possibilidade de se conseguir contatos para futuras entrevistas e de adquirir

materiais para análise (como folhetos e cartazes com propaganda farmacêutica, documentos

referentes à regulação e diretrizes éticas profissionais, entre outros).

Já a opção pela análise de material de curso online ocorreu devido à dificuldade de fazer

o curso presencial de propagandista farmacêutico, pretensão inicial7. O objetivo principal era

conhecer e investigar estratégias de marketing farmacêutico dirigidas aos médicos apresentadas

no curso e, posteriormente, fazer um paralelo com o material promocional coletado sobre a

TRH com testosterona, durante a pesquisa. Além disso, visava estabelecer contato com

possíveis entrevistados. Vale destacar ainda que os cursos de formação de propagandistas

apresentam estratégias gerais de marketing, utilizando exemplos, a princípio, aleatórios.

Apenas quando o propagandista é contratado por uma empresa farmacêutica é que receberá

treinamento específico para determinado produto promovido. Assim, ao analisarmos o material

do curso online, buscamos elementos relacionados, direta ou indiretamente, ao objetivo

principal mencionado.

Segundo Barros (2008), mecanismos diretos e indiretos são utilizados pelos produtores

de medicamentos a fim de promovê-los junto aos médicos. Os instrumentos ou estratégias

diretas seriam, por exemplo, a distribuição de amostras grátis (e dos mais variados brindes) e

os anúncios em revistas médicas. Entre as estratégias indiretas, estariam o financiamento dos

programas de “educação continuada”, de revistas médicas ou de associações profissionais.

6 Dalmolin et al. (2002), ao discutirem a importância da etnografia como recurso metodológico em pesquisas na

área da saúde, destacam a possibilidade de, por meio dela, compreendermos a dinâmica das relações sociais

existentes nas sociedades da atualidade. Afirmam que tal método é dinâmico e permite ao pesquisador refletir

sobre suas impressões no campo. No entanto, ao escolhê-lo, o pesquisador se sujeita a alguns riscos, como ter

que construir novas ferramentas para a compreensão dos seus objetos de pesquisa.

7 Este fato será explicado mais adiante.

16

No entanto, a indústria farmacêutica não utiliza essas estratégias apenas com os

médicos; os estudantes de medicina também recebem presentes, juntamente com informações

referentes aos produtos promovidos pelas empresas farmacêuticas. Essa abordagem da

indústria seria uma espécie de “doutrinação” na cultura de os médicos receberem “presentes” e

informações científicas sobre medicamentos, o que ajudaria a estabelecer laços de confiança e

relacionamento a longo prazo, fazendo, dos futuros médicos, propagandistas8 daquela empresa

farmacêutica (OLDANI, 2002, 2004).

Oldani (2004) enfatiza o papel dos propagandistas das empresas farmacêuticas dentro

do processo de co-promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas. Ele

descreve o que chama de “pharmaceutical gift cycle”. Trata-se de uma rede de intercâmbio de

troca de informações, privilégios e benefícios entre médicos, propagandistas de laboratórios

farmacêuticos e pacientes, que abordaremos mais adiante nesta pesquisa.

O contexto de divulgação e promoção das terminologias/categorias diagnósticas que

buscam caracterizar o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento é marcado

não só por questões relacionadas à ampliação do espectro de indicação do tratamento com

testosterona, mas também pela disputa por legitimação científica entre os profissionais da área

médica e científica, principalmente urologistas e endocrinologistas, envolvidos na divulgação

e promoção dessas terminologias e categorias.

Controvérsias, no meio médico-científico, em torno da construção de

terminologias/categorias diagnósticas fazem parte do processo de legitimação destas, e pode

ser visto como um indicativo do fenômeno de medicalização, no qual um nome legítimo para

uma condição promulga o seu diagnóstico e, ao fazê-lo, reestrutura e constitui, de certa maneira,

a condição nomeada.

Durante o desenvolvimento da minha dissertação, a partir da análise do material coletado

em sites de laboratórios farmacêuticos e de associações médico-científicas, pude perceber a

importância atribuída à Terapia de Reposição Hormonal (TRH) com testosterona, que vem

ocupando papel de destaque tanto nos veículos de comunicação de massa quanto nas

publicações científicas. Tal terapia, além de ser apresentada como o melhor tratamento para o

declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, abarca questões mais gerais que

envolvem a saúde masculina como qualidade de vida, felicidade, produtividade, bem-estar,

estímulo à busca de auxílio médico e informações sobre saúde e autocuidado.

8 Mais adiante serão explicadas as diferenças entre as funções de propagandistas e representantes farmacêuticos.

17

Há, ainda, outras características atribuídas à reposição de testosterona tanto no meio

médico-científico, quanto no leigo. Em relação ao seu uso pelas mulheres, a testosterona vem

sendo apresentada pela classe médico-científica como o hormônio relacionado diretamente ao

desejo sexual feminino9. A insuficiência de androgênio10 (testosterona) causaria a chamada

desordem do desejo sexual hipoativo (DDSH) (FISHMAN, 2004). Apesar das controvérsias

existentes em torno do uso de testosterona por mulheres, incluindo a não aprovação do adesivo

de testosterona (Intrinsa ®)11 pela FDA12, em 2004, ela vem sendo prescrita off-label13 para as

mulheres (HARTLEY, 2006)14.

Entre homens, é apresentada como “o hormônio masculino”, responsável não só pelo

prolongamento da juventude e bom desempenho sexual (visto como um tipo de “fonte da

juventude” e condição para uma vida saudável), mas também como uma substância com poder

de restaurar ou melhorar aspectos da masculinidade15, como potência sexual, libido, força física

e disposição para o trabalho no homem de mais idade.

Nesse sentido, a testosterona estaria dirigida, assim como outros medicamentos, também

a um uso inespecífico, que não visa, necessariamente, a cura ou resolução de um problema, mas

a melhora da perfomance (enhancement), o que sugere uma ampliação do mercado consumidor,

em que medicamentos lançados para faixa etária e condições específicas passam a ser utilizados

também por outros segmentos de mercado.

9 FARO (2017) apresenta um estudo sobre o desenvolvimento e a difusão de conhecimentos médicos acerca do

uso da testosterona para tratamento de questões ligadas à sexualidade feminina, no Brasil.

10 Segundo a literatura biomédica, andrógenos (ou androgênios) são hormônios produzidos nos testículos, córtex

adrenal (região mais externa das glândulas suprarrenais, que são situadas acima dos rins) e ovários. A

testosterona é um andrógeno considerado responsável pelo desenvolvimento dos órgãos sexuais e das

características sexuais secundárias masculinas como crescimento de pelos, aparecimento da barba,

engrossamento da voz, desenvolvimento de massa muscular (BERNE et al., 2004; GOODMAN; GILMAN,

2006).

11 Produzido pela empresa farmacêutica Procter & Gamble.

12 Food and Drug Administration (FDA) é uma agência federal americana (EUA), responsável pela

regulamentação das normas comerciais e de segurança nas indústrias de alimentos e medicamentos do país

(ANGELL, 2010).

13 Para uso não aprovado pela agência reguladora de medicamentos do país (ANGELL, 2010), neste caso a FDA.

14 Faro e Russo (2017), ao partirem da premissa de que há uma estreita articulação entre pesquisa biomédica e

indústria farmacêutica, buscam discutir, por meio do estudo de caso do Intrinsa, alguns dos efeitos dessa

estreita articulação na produção de biotecnologia.

15 Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema ver Almeida (2005), Kimmel (2005, 1998), Mosse (1996),

Connel (1995). Sobre o uso da testosterona de modo geral entre homens, ver Tramontano (2017).

18

Este estudo explora a hipótese, já discutida em diversos trabalhos (HOBERMAN, 2005;

OUDSHOORN, 1994; ROHDEN, 2011) de que o processo de promoção e divulgação de

categorias diagnósticas e medicamentos é caracterizado por uma rede de interações em que

práticas e discursos de médicos e profissionais da indústria farmacêutica são influenciados

mutuamente (ANGELL, 2002, 2010; BARROS, 2008; DUMIT, 2012; HEALY, 2006;

LAKOFF, 2006; OLDANI, 2004). Nossa intenção é, partindo do estudo do caso da promoção

e divulgação da TRH com testosterona, contribuir para que o tema da co-promoção e co-

divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas possa ser investigado do ponto de vista

do processo de medicalização, tal como definido por Conrad (2007).

A parte teórica da tese é dividida em duas partes. A primeira aborda a relação entre a

indústria farmacêutica e a classe médica. Neste capítulo, discutimos conceitos e concepções

envolvidos no contexto de promoção e divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas

que acreditamos serem pertinentes para a construção da pesquisa. Além disso, debatemos

questões referentes a discursos e práticas da classe médica e indústria farmacêutica

(representada, aqui, principalmente pelos propagandistas farmacêuticos), que, segundo os

pressupostos deste trabalho, são influenciados mutuamente.

A segunda parte teórica é dedicada a discutir a medicalização da saúde masculina, sob

a perspectiva de gênero, com foco na sexualidade e no envelhecimento masculinos. São

apontados fatores que parecem influenciar concepções e práticas referentes à saúde dos homens,

impulsionando e alimentando, assim, o consumo de “novas” tecnologias biomédicas. O papel

dos hormônios, principalmente da testosterona, na construção de uma nova perspectiva de

abordagem da saúde masculina, é tratado com destaque no capítulo.

A parte referente à pesquisa de campo é dividida em três capítulos. Em cada um deles,

são apresentados os caminhos percorridos a fim de investigar em campo as questões

apresentadas nos dois primeiros capítulos, bem como os resultados encontrados a partir da

análise dos dados. Assim, no terceiro capítulo da tese, apresentamos as impressões obtidas

durante a realização dos três congressos científicos pesquisados, buscando problematizar os

resultados obtidos. O quarto capítulo trata de analisar e discutir os dados obtidos durante as

entrevistas realizadas com médicos líderes de opinião e propagandistas farmacêuticos. No

início, é feita uma breve discussão acerca da relevância de se utilizar entrevistas

semiestruturadas como ferramenta de coleta de dados. Em seguida, são apontadas algumas

impressões e dificuldades de entrada no campo. Na parte seguinte do capítulo, os dados obtidos

são analisados e discutidos, buscando fazer um paralelo com referenciais teóricos que

consideramos pertinentes para se entender essa dinâmica de interação profissional.

19

O quinto capítulo busca descrever e analisar a estrutura de um curso de formação de

propagandista farmacêutico online, focando na discussão de estratégias de marketing

apresentadas pela indústria a fim de promover seus produtos à classe médica e no tipo de

preparação que um propagandista considerado “de sucesso” deve ter.

Nas considerações finais, os temas que foram discutidos nos dois primeiros capítulos

são retomados com a finalidade de se fazer uma conexão geral entre os resultados obtidos nos

diferentes tipos de materiais analisados e os objetivos propostos na pesquisa, bem como de

analisar as limitações do estudo e suas possíveis contribuições para o campo da saúde.

Antes de partirmos para a discussão teórica e posterior descrição e análise dos dados

coletados, consideramos importante destacar duas questões que influenciaram a construção

deste trabalho. A primeira delas diz respeito ao “nó” em relação à hierarquia dos interesses de

pesquisa, impasse que se colocou desde o desenvolvimento do projeto de tese. Esses interesses

se concentravam, basicamente, em duas áreas: a hormonal, em que se localizam os temas

declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento e a terapia de reposição hormonal

(TRH) com testosterona e a área em que se situa a discussão acerca da relação entre a classe

médica e a indústria farmacêutica, no contexto de promoção e divulgação de categorias

diagnósticas e medicamentos . No decorrer da pesquisa, a segunda dimensão foi ganhando mais

espaço do que a primeira. Isso ocorreu, principalmente, por conta do extenso e rico material

coletado, que oportunizou o estudo desse tema espinhoso e interessante.

É verdade que a relação entre a indústria e a classe médica poderia ser estudada a partir

de qualquer tratamento farmacológico. Ao mesmo tempo, percebemos a necessidade de um

ponto de partida, uma ancoragem para pesquisa como essa, assim como os trabalhos de Azize

(2010a) e Ravelli (2012)16, e escolhemos a TRH com testosterona como o caso a ser estudado.

Pesou nessa escolha, é claro, minha familiaridade com o campo, por conta da pesquisa realizada

no mestrado, pois apostamos que isso influenciaria, positivamente, o processo da busca de

informações, bem como o contato com médicos e propagandistas da área. Pesou também o meu

interesse em continuar estudando o tema declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento, envolto por controvérsias dentro do próprio meio médico.

Desta forma, podemos dizer que o eixo deste trabalho consiste no estudo da relação entre

a indústria farmacêutica e a classe médica, numa perspectiva de construção de diagnóstico,

16 Azize (2010a) tomou como ponto de partida para seu estudo, que envolveu análise de articulações existentes

entre indústria farmacêutica e classe médica em congressos científicos, a concepção de “pessoa” na área

neurocientífica. Já Ravelli (2012), escolheu um antibiótico muito prescrito em seu país, para, a partir dele,

traçar um caminho de pesquisa desde estudos realizados com o objetivo de desenvolvê-lo até sua

comercialização, propondo, assim, uma “biografia social” do medicamento.

20

juntamente com a promoção de terapia farmacológica como tratamento mais eficaz para

resolução do problema médico, ou seja, neste caso, a ideia de uma substância (testosterona) à

procura de uma doença, distúrbio, transtorno ou deficiência para tratar.

A segunda questão refere-se à minha formação. Sou farmacêutica, formada pela

Universidade Federal de Pernambuco, nos anos 2000, cujo curso é considerado bastante

técnico, voltado principalmente para o campo da pesquisa, desenvolvimento e produção de

medicamentos. Foi em uma disciplina eletiva que ouvi, pela primeira, vez o termo

“medicalização”. Na verdade, não me lembro quais foram as circunstâncias que me levaram a

cursá-la, mas ela, com certeza, foi o ponto de partida para uma mudança de direção na minha

carreira. Antes, pensava em trabalhar na área de produção de medicamentos, algo que, com o

decorrer da disciplina, foi ficando cada vez mais distante.

Logo que terminei a graduação, comecei a trabalhar numa farmácia comercial, onde

me deparei com uma enorme quantidade de pacientes, que se queixavam de efeitos colaterais

dos medicamentos consumidos por meio da automedicação, principalmente. Meu interesse

nesse tipo de assunto cresceu ainda mais. Assim, ingressei em um curso de especialização Lato

Sensu em Saúde Coletiva. Lembro, inclusive, que não foi fácil encontrar, em Recife, um curso

com um cronograma que abordasse questões referentes à indústria farmacêutica de forma mais

crítica.

O tema da minha monografia foi automedicação com antibióticos. Gostei muito de me

aprofundar no assunto e foi aí que comecei a pensar em cursar mestrado em Saúde Coletiva.

Após uma extensa pesquisa, acabei encontrando o Instituto de Medicina Social, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ). Antes de passar na seleção, participei,

como ouvinte, de uma disciplina ministrada pelo prof. Kenneth Camargo e pela profa. dra.

Fabiola Rohden, que versava sobre o tema medicalização. Durante esse tempo, fui convidada

pela Fabiola a participar de um projeto financiado pelo CNPq intitulado “Diferenças de gênero

na recente medicalização do envelhecimento e sexualidade: a criação das categorias

menopausa, andropausa e disfunção sexual”, coordenado por ela.

Fiquei encarregada de pesquisar sobre o tema andropausa. Por conta da minha formação,

recebi dela a sugestão de pesquisar sites de empresas farmacêuticas a fim de buscar como essa

categoria diagnóstica era apresentada em tais sites. Encantei-me com o trabalho. Depois,

estendemos a pesquisa para sites de associações médico-científicas. Foi aí que começou minha

trajetória de pesquisa envolvendo os temas “medicalização”, “indústria farmacêutica”, “classe

médica” e “hormônios”. Após ingressar no curso de mestrado e, com a mudança da profa.

Fabiola para outro estado, continuei minha caminhada orientada pela profa. dra. Jane Russo e

21

co-orientada pelo prof. dr. Kenneth Camargo. De lá para cá, foram agradáveis e proveitosos

anos de estudo e pesquisa sobre esses temas.

No entanto, durante o trabalho de campo para o doutorado, senti algo diferente

acontecer. Pela primeira vez, desde que me mudei de estado a fim de estudar na UERJ, estava

“dentro” do campo que comecei a compreender sob outras perspectivas, anos atrás. Voltava

como pesquisadora, porém sem deixar de ser farmacêutica e amar minha profissão.

Obviamente, pesquisar e procurar escrever de forma crítica sobre seu próprio campo de

trabalho não é tarefa fácil. Fazer isso “dentro dele”, ao mesmo tempo em que interagimos com

outros profissionais da área, é mais difícil ainda. Confesso que não esperava ter tanta

dificuldade, principalmente de acesso aos entrevistados, por conta de ser farmacêutica. Achava

que me veriam com menos desconfiança. Não foi assim. A minha formação pareceu causar

estranheza na maioria das pessoas com as quais tive contato. Era como se ficasse a seguinte

pergunta “no ar”: “Mas, por que uma farmacêutica está pesquisando justamente sobre isso?”

Pareciam não entender o meu interesse em um assunto tão delicado, no qual minha própria

profissão estaria sendo questionada.

A sensação de exercer uma “dupla identidade” (farmacêutica e pesquisadora) me

acompanhou durante a construção deste trabalho. Senti-me, inclusive, deslizando entre essas

duas “personalidades”, em diferentes momentos. Percebi que “escolhia” assumir uma delas (às

vezes conscientemente, às vezes não) dependendo das impressões observadas no campo e do

desconforto que sentia em alguns momentos. Outra coisa que notei, após reflexão, foi que tive

receio de ser vista como “traidora da profissão” tanto pelos médicos, quanto pelos

propagandistas farmacêuticos. Desta forma, sentia-me, muitas vezes, como “portadora de um

grande segredo”, que precisava ser mantido. Isso pode ter me impedido de insistir em algumas

questões pertinentes durante as entrevistas, por exemplo.

No entanto, julgo que as questões subjetivas relatadas não impediram a realização da

pesquisa sobre o tema proposto neste trabalho. Ao contrário, acredito que podem ter ajudado

na observação de aspectos que talvez passassem despercebidos por um pesquisador sem tanta

intimidade com o campo.

Por fim, gostaria de deixar claro que, embora adote uma perspectiva crítica em relação

ao papel da indústria farmacêutica e da classe médica na promoção e divulgação de categorias

diagnósticas e medicamentos, não foi objetivo deste trabalho apontar possíveis erros ou acertos

cometidos por profissionais dessas áreas. Meu interesse foi tentar compreender como se dá a

relação entre duas categorias profissionais, médicos e propagandistas farmacêuticos, e qual sua

22

influência na maneira como os problemas de saúde e seus tratamentos são apresentados para a

classe médica e, consequentemente, para o público leigo.

23

1 RELAÇÃO ENTRE INDÚSTRIA FARMACÊUTICA E CLASSE MÉDICA NA

PROMOÇÃO E DIVULGAÇÃO DE MEDICAMENTOS E CATEGORIAS

DIAGNÓSTICAS

1.1 Medicalização, Biomedicalização e Farmaceuticalização

O conceito de medicalização consiste em um tema frequente do pensamento social, e,

atualmente, ocupa uma posição de significativa importância teórico-prática (CARVALHO et

al., 2015). De acordo com Conrad (1992), foi, durante a década de 1970, que o termo

medicalização passou a fazer parte da literatura das Ciências Sociais. Trabalhos como os de

Thomas Szasz (1974), Zola (1972), Illich (1975), Foucault (1976), Conrad (1975), dentre

outros, pontuaram discussões relevantes sobre o tema nesse período17.

Foucault (1976, 1999, 2001a, 2001b, 2001c) também apontou o investimento da

medicina para além do campo específico do tratamento médico na esfera humana e social18. No

entanto, para Zorzanelli et al. (2014), o processo de medicalização descrito pelo autor seria

historicamente anterior aos que analisam as obras de alguns de seus contemporâneos. Foucault

se dedica a questões referentes ao contexto europeu do fim do século XVII e início do século

XIX, principalmente, no que diz respeito às medidas de saúde como formas constituintes do

Estado- Nação. Já autores como Zola, Conrad e Illich focam seus debates no século XX,

período do pós- Segunda Guerra19.

O sentido da medicalização como controle social foi significativamente criticado por

Lupton (1997), que chamou atenção para a visão profundamente negativa que os estudiosos de

tal tema têm em relação à classe médica, atribuindo a esta apenas o objetivo de aumentar seu

poder e direito exclusivo de definição e tratamento de doenças, o que levaria,

17 No Brasil, podemos destacar o influente trabalho de Donnangelo (1976).

18 A medicalização discutida por Foucault se trata de “um dispositivo central do exercício do que se chamaria de

nascimento da biopolítica, exercendo- se por meio da pedagogização do sexo das crianças, da histerização das

mulheres, da psiquiatrização das perversões – cada um conduzindo a uma medicalização minuciosa dos corpos

e, especificamente, da sexualidade, em nome da responsabilidade na saúde da prole, da solidez da instituição

familiar e da sociedade” (ZORZANELLI et al., 2014, p. 1861).

19 Nesse ponto, Zorzanelli et al. (2014) chamam atenção para uma diferenciação importante a ser considerada

quando se discute os sentidos para o termo medicalização, o contexto no qual ele é pensado.

24

consequentemente, a uma dependência, cada vez maior, das pessoas em relação a esses

profissionais.

Segundo a autora, essa concepção da medicina seria muito radical, pois parece deixar

de lado a possibilidade de a prática médica contribuir para melhoria do estado de saúde das

pessoas e retrata os médicos como profissionais que, ao invés de ajudarem seus pacientes, usam

sua “força opressora” sobre eles, “anulando” qualquer opinião ou conhecimento sobre

saúde/doença que não seja proveniente da classe médica. Isso caracterizaria os pacientes como

indefesos, passivos e sem agência. Lupton não acredita que tal visão corresponda à realidade,

pois existe uma “dimensão referente aos diferentes jogos de forças e interesses, ou concernente

à possibilidade de uso, da parte de pacientes e grupos de processos medicalizantes”

(ZORZANELLI et al., 2014, p.1863), ou seja, haveria também participação ativa de indivíduos

leigos no processo de medicalização.

Ao se referirem à Lupton (1997), Zorzanelli et al. (2014) destacam que a primeira fase

dos estudos sobre medicalização tem como ideia central a promoção da autonomia dos

indivíduos e considera o ato de medicalizar uma ação despolitizadora das dimensões sociais do

adoecimento e da saúde, com o deslocamento de questões referentes à desigualdade social e

dominância entre grupos humanos para a esfera da saúde. Existiria, então, nesses estudos, a

ideia de uma assimetria entre a medicina, seus representantes e os leigos:

Por meio dela supõe-se haver uma relação inversamente proporcional entre a

medicalização e a liberdade individual. Ou seja, quanto mais medicalizado um

indivíduo ou a sociedade em que vive, maior o controle social a que estão submetidos.

A medicalização seria assim – para os adeptos da tese do controle social – uma forma

de imperialismo médico e de exercício do controle, que negaria a ação autônoma por

parte dos indivíduos (ZORZANELLI et al., 2014, p.1863).

Segundo os autores, Lupton considera insuficiente a tese de assimetria entre médicos e

leigos, que coloca os indivíduos medicalizados como seres passivos diante das estratégias do

mercado e das empresas farmacêuticas. A possibilidade de o conhecimento biomédico não

estar sempre a serviço dos interesses escusos da classe médica seria, então, deixada de lado.

Em resposta a essa tese − ancorada na posição autoritária da classe médica e na posição passiva

do paciente − autores produziram trabalhos significativos sobre outro sentido atribuído ao

conceito de medicalização, ou seja, a medicalização caracterizada como processo irregular,

contando com a participação ativa dos indivíduos leigos. Dentre eles, destaca-se Conrad (1975,

1992, 2005, 2007).

25

Para Zorzanelli e colegas, Conrad foi, inequivocamente, o principal autor a abordar a

medicalização como processo irregular, enfatizando o papel dos atores fora do campo médico

desde seu primeiro trabalho, em 1975, apesar de essa obra remontar a um contexto conceitual

de proximidade com as discussões de Zola e Illich. Ao pensar nas diferentes perspectivas de

visão do processo de medicalização que surgiram ao longo do tempo, Conrad (1992) colocou

em evidência sua preocupação referente à possível falta de uma articulação mais clara de tal

conceito.

Nesse sentido, Zorzanelli e colegas chamam atenção para as críticas que vêm surgindo

(desde a década de 200020) em relação à excessiva generalidade desse termo, utilizado para

caracterizar, de forma abrangente, diversas situações. Sua argumentação tem como eixo

principal o uso do conceito de medicalização como uma crítica ao poder médico, o que

tornariam obscuros diferentes níveis de sua ocorrência.

Dentre esses níveis, estariam a prescrição de medicamentos para casos que não são

considerados necessariamente doenças (os contraceptivos, por exemplo) ou para

aprimoramento cognitivo, a conduta ativa dos usuários na apropriação de medicamentos e de

outras tecnologias médicas, a incorporação de questões novas no campo da psicofarmacologia

(como a timidez e a tristeza). Por outro lado, os autores consideram a obra de Peter Conrad

(1975, 1992, 2005, 2007), a despeito das críticas destinadas a ela, um referencial em relação ao

conceito de medicalização.

Em 1975, Conrad utiliza o termo medicalização para se referir à definição de um

comportamento como problema médico, em que a profissão médica tem licença para ofertar

algum tipo de tratamento para tal problema. Nesse trabalho inicial sobre o tema, são destacados

os papéis da indústria farmacêutica, da Pediatria, das associações voltadas para crianças com

problemas de aprendizagem e dos periódicos médicos da década de 1960 na promoção da

categoria diagnóstica hipercinese, seu primeiro estudo de caso (ZORZANELLI et al., 2014).

Em 1992, Conrad caracteriza a medicalização como um processo sociocultural, que pode ou

não envolver a profissão médica, levar ao controle social exercido pela classe médica ou, ainda,

ser o resultado da expansão intencional dessa profissão.

O conceito mais recente de medicalização proposto por Conrad (2007) descreve um

processo caracterizado pela complexidade, que conta com a participação de vários agentes. Em

tal processo, problemas não-médicos passam a ser definidos e tratados como problemas

médicos, geralmente em termos de doenças e distúrbios. Aqui, relações de consumo

20 Rose (2007), Davis (2006), Rosenberg (2006), Aronowitz (2009).

26

impulsionariam o desenvolvimento de percepções e ideias sobre saúde/doença, em que “[...]

um problema é definido em termos médicos, descrito em linguagem médica, entendido através

da adoção de uma visão médica, ou ‘tratado’ com uma intervenção médica.” (CONRAD, 2007,

p. 5)21.

Zorzanelli et al. (2014) apontam que a ênfase na obra de Conrad é “no deslocamento

de comportamentos outrora não pertinentes ao campo de intervenção médica para essa

jurisdição. Ou seja, aquilo que não necessariamente é um problema médico ipso facto passa a

ser entendido como se fosse.” (ZORZANELLI et al., 2014, p. 1860).

Conrad (2005) destaca três fatores, pertencentes à dimensão da medicina, que, nas

últimas décadas, contribuíram para alteração do processo de medicalização: o desenvolvimento

da biotecnologia (especialmente da indústria farmacêutica e da genética), a nova postura,

baseada numa perspectiva de consumo (consumers of health care) 22 assumida pelos pacientes

e as mudanças referentes à organização dos cuidados de saúde (managed care) 23. Para o autor,

a definição central de medicalização se mantém, mas a disponibilidade de novos tratamentos

na área farmacêutica e genética impulsiona, cada vez mais, a construção de novas categorias

médicas.

Ainda segundo Conrad (2007), há um aumento crescente, nos últimos anos, do número

de problemas definidos como médicos, antes não abordados nessa esfera. Processos naturais da

vida (nascimento, envelhecimento, morte), aspectos fisiológicos (menstruação, sono, fome),

características e experiências do ser humano (humor, emoções) e comportamentos antes

considerados desviantes são, atualmente, medicalizados. A calvície, o transtorno do déficit de

atenção e hiperatividade (TDAH), a tensão pré-menstrual (TPM), a disfunção erétil e a

diminuição da produção hormonal relacionada ao envelhecimento, tanto em homens quanto em

mulheres, seriam exemplos dessas “novas” categorias diagnósticas. O autor descreve também

21 A concepção do processo pelo qual problemas não- médicos passam a ser definidos e tratados como

problemas médicos impulsionou uma mudança mais complexa em direção a uma sociedade em que as noções

de risco e vigilância parecem estar, cada vez mais, relacionadas às questões de saúde. (ROSENFELD;

FAIRCLOTH, 2006). Podemos observar isso nas mensagens propagadas em instituições como escola e local

de trabalho, que estimulam novos comportamentos, inspirando e alimentando tais noções. (ROSENFELD;

FAIRCLOTH, 2006). Aliada à ideia de saúde como projeto, estaria a concepção de que os meios para o

realizar envolveria o consumo de tecnologias de saúde.

22 Segundo Conrad (2007), os cuidados em saúde estão mais sujeitos ao mercado devido às mudanças,

observadas, nas últimas décadas, no sistema de saúde. Neste cenário, os pacientes passam a considerar tais

cuidados a partir de uma lógica econômica e de consumo, assumindo, então, o perfil de consumidores

(consumers of health care).

23 Segundo Andrade e Lisboa (2000), managed care é um sistema de gerenciamento dos serviços de saúde,

característico dos Estados Unidos (EUA).

27

os motores da medicalização (engines of medicalization), representados por uma complexidade

de atores envolvidos no processo de medicalização, como a indústria farmacêutica e de

equipamentos médicos, os consumidores dos bens e serviços de saúde, os profissionais de saúde

e a sociedade civil.

Talvez, seja importante, aqui, uma breve discussão acerca do que costuma ser

conceituado como “Complexo Médico-Industrial”, termo a partir do qual diferentes autores

discutem as relações existentes entre práticas econômicas, desenvolvimento e organização do

setor saúde.

Segundo Vianna (2002), o conceito de Complexo Médico- Industrial é, desde a década

de 1980, utilizado no Brasil a fim de destacar as múltiplas interrelações estabelecidas entre os

diversos atores do setor saúde e destes com os demais setores da economia. Ele destaca que os

estudos sobre o CMI propunham compreender as relações entre o Estado e o complexo médico-

empresarial. O objetivo era oferecer uma melhor explicação sobre as origens e a dinâmica do

desenvolvimento das empresas médicas no Brasil, como também sobre o padrão de consumo

dos bens de saúde.

Porém, com o decorrer do tempo, o conceito de CMI ampliou-se, abrangendo as

diferentes articulações entre a assistência médica, as redes de formação profissional, a indústria

farmacêutica e a indústria produtora de equipamentos médicos e de instrumentos de diagnóstico

(VIANNA, 2002). Segundo o autor, a indústria farmacêutica, a partir da Segunda Guerra

Mundial, “emergiu”, devido às novas descobertas de medicamentos e passou a ter crescente

influência sobre os médicos: “Médicos e pacientes tinham agora à sua disposição um

quantitativo surpreendente de novas drogas que ofereciam a promessa de resolver ‘velhos’

problemas de saúde” (VIANNA, 2002, p. 379).

Assim, como destaca Vianna (2002), as condições de saúde sofreram grande impacto,

resultando no desenvolvimento de uma concepção que passa a aceitar os medicamentos

produzidos pela indústria farmacêutica como uma das grandes conquistas da Humanidade.

Além disso, a partir da década de 1960, o desenvolvimento de um setor capitalista produtor de

material e equipamentos médicos começa a transformar a prática médica e a estrutura do setor

prestador de serviços médicos.

Nessa conjuntura, novas práticas e especialidades médicas foram se desenvolvendo.

Tais especialidades tinham como características a utilização de equipamentos médicos de

última geração e a solicitação de grande quantidade de exames complementares, pois uma “boa

medicina” não poderia mais ser exercida sem o auxílio de tecnologias médicas.

28

Para Vianna (2002) a saúde passa a ser considerada, então, uma mercadoria de custo

elevado, que tem uma estreita ligação com a tecnologia. A última assumiria um papel simbólico

no imaginário coletivo, pois, além de se relacionar ao setor saúde, também seria vista como

“objeto de desejo”. Desta forma, uma “boa” prática médica estaria vinculada à “melhor”

tecnologia disponível e um “bom” produto à “tecnologia embutida” nele24.

O tema tecnologia é fundamental na construção do conceito de biomedicalização

apresentado por Clarke et al. (2003). Para elas, a biomedicalização consiste em um crescente e

complexo processo de medicalização, uma expressão de sua intensificação, com novos e

complexos processos tecnocientíficos. Na biomedicalização, a biomedicina envolveria o

controle e a transformação dos corpos, da saúde e da vida, impulsionando a construção de novas

identidades “tecnocientíficas” individuais e coletivas. Tal processo está situado dentro de uma

dinâmica de expansão do setor biomédico, bem como de sua expressão na sociedade, em que

determinados “padrões” de incorporação tecnológica são influenciados por modismos e

celebridades, transformando possibilidades corporais através da aplicação da tecnociência

(CLARKE et al., 2003).

De acordo com as autoras, as inovações tecnocientíficas estariam influenciando,

significativamente, a constituição de instituições de cuidado da saúde, a produção de

conhecimento, a veiculação de informações e a gestão na esfera da saúde. Dentre essas

inovações, as de ordem clínica representariam o “coração” da biomedicalização, com

transformações significativas, produzidas através de “novos” diagnósticos, tratamentos e

procedimentos de bioengenharia e engenharia genética, por exemplo.

A indústria farmacêutica, através do desenvolvimento e promoção de tratamentos

farmacológicos para diferentes “problemas” de saúde e tratamentos estéticos, tem sido um dos

atores mais envolvidos na construção desses “novos” corpos, dessas “novas” identidades e

“novas” formas de se enfrentar não só questões de saúde, mas também questões relativas à

própria existência humana.

O termo “farmaceuticalização” é proposto, exatamente, devido ao reconhecimento da

crescente importância da indústria farmacêutica no processo de

medicalização/biomedicalização e da necessidade de se estudar com mais profundidade o papel

24 Ao articular o tema Complexo Médico-Industrial (CMI) com o tema medicalização, Camargo Jr. (2007)

ressalta a possibilidade de pensarmos sobre uma concepção ampliada do conceito de medicalização: quaisquer

agentes do CMI podem ser agentes desse processo, através do convencimento de segmentos cada vez mais

amplos de que um dado evento é um “problema de saúde” e que, além disso, há uma solução eficaz e segura

para ele.

29

específico que as intervenções farmacêuticas exercem na saúde e na vida cotidiana das

populações.

Bell e Figert (2012) indicam que o termo farmaceuticalização foi introduzido na

Antropologia por Mark Nicher, em 1989, e na Sociologia por Williams, Gabe e Davis, em 2008.

Segundo os autores, foi somente nos anos 2000 que estudiosos começaram a fazer um balanço

da contribuição da indústria farmacêutica na expansão do uso de medicamentos, bem como do

papel da profissão médica, dos Estados e dos consumidores nessa expansão.

Abraham (2010) define farmaceuticalização como um processo em que aspectos do

âmbito social, comportamental ou corporal são tratados, ou vistos como tratáveis, passíveis de

intervenção, com produtos farmacêuticos. O autor defende que os fenômenos de

farmaceuticalização e medicalização devem ser vistos como processos diferenciados, no

entanto, admite o papel dos interesses da indústria farmacêutica na promoção, desenvolvimento

e consumo de medicamentos, elementos que também fazem parte do processo de

medicalização.

Williams, Martin e Gabe (2011) definem farmaceuticalização como um deslocamento ou

transformação das condições, capacidades e recursos humanos em oportunidade de intervenção

farmacêutica. A farmaceuticalização pode ser entendida como um complexo processo sócio-

técnico, envolvendo uma série de dimensões e dinâmicas, em que a “descoberta”,

desenvolvimento, comercialização, uso e governança de produtos farmacêuticos estão

centrados em torno da tecnologia baseada na química incorporada no comprimido.

(WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011). Ela inclui atividades sócio-econômicas distintas e

diversos atores (classe médica, público leigo, empresas farmacêuticas, por exemplo). Além

disso, tem extensão variável e dependente do contexto e da interação entre esses atores. (BELL;

FIGERT, 2012).

De acordo com Williams, Martin e Gabe (2011), há diferenças e semelhanças entre a

farmaceuticalização e a medicalização25. Ambos seriam processos bidirecionais, ou seja, pode

ocorrer tanto a “desmedicalização” quanto a “desfarmaceuticalização”. No entanto, vale

ressaltar que, no caso da desfarmaceuticalização, a retirada do medicamento, seria,

provavelmente, para substituí-lo por outro (de outro tipo ou outra geração). O que pode ocorrer,

também, é um declínio do seu uso.

Para os autores, farmaceuticalização, ao contrário da medicalização, engloba o uso de

medicamentos para fins não- médicos (estilo de vida e aprimoramento, por exemplo), podendo

25 Os autores se baseiam na definição de medicalização proposta por Conrad (2007).

30

haver farmaceuticalização sem um grau significativo de medicalização. Assim, há um

reposicionamento da função dos medicamentos, pois não se trata de utilizar certo fármaco para

se curar ou manter uma doença sob controle, e sim para fazer o corpo “funcionar melhor”,

prolongar aspectos corporais desejáveis ou reverter os indesejáveis. No entanto, vale apontar

que Conrad (2007) considera os limites entre o que é visto como tratamento médico e o que é

visto como enhancement “esfumaçados”, variando de acordo com as concepções de saúde,

doença e tratamentos médicos que estejam em jogo no momento.

Eles apontam seis dimensões sociológicas relacionadas às tendências e às

transformações da farmaceuticalização na sociedade. Essas dimensões serão vistas

detalhadamente a seguir.

A primeira consiste na redefinição e reconfiguração dos problemas de saúde, onde,

cada vez mais, os medicamentos são apontados como solução para resolvê-los. O crescimento

significativo da venda de medicamentos no mercado mundial, principalmente nos EUA e na

Europa, a desigual distribuição de vendas de medicamentos no mundo26 e a “mercantilização”

de doenças−com o alargamento das fronteiras do que é considerado doença e a ampliação do

mercado consumidor de medicamentos−constituem características dessa primeira dimensão

sociológica (WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011).

A segunda dimensão se refere às mudanças na relação entre as agências reguladoras e a

indústria farmacêutica. Houve uma redução da regulação exercida pelas agências e um aumento

da participação destas na promoção e inovação de medicamentos. Os autores ligam tais

acontecimentos ao financiamento das agências reguladoras por empresas farmacêuticas.

A terceira diz respeito ao papel da mídia e da cultura popular na (re)formulação de

problemas de saúde, em que a intervenção farmacêutica é apresentada como solução para

resolvê-los. A mídia teria a função de transportadora, catalisadora, amplificadora e promotora

do processo de mercantilização das doenças. A propaganda direta ao consumidor e a internet,

principalmente através da compra de medicamentos e dos questionários de diagnóstico, seriam

suas principais ferramentas. (WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011).

A quarta dimensão abarca a construção de novas identidades sociais e a mobilização de

grupos de pacientes ou de consumidores em torno de certos medicamentos. Essa dimensão se

caracteriza pelo desenvolvimento de um tipo específico de paciente, o paciente especialista, que

busca, cada vez mais e de maneira ativa e crítica, informações sobre seu problema de saúde e

26 Os autores apontam uma distribuição desigual de medicamentos no mundo, ou seja, há um alto percentual de

vendas de medicamentos, a maioria para problemas crônicos de saúde, como hipertensão e diabetes, em

países considerados centrais, ao contrário do que se observa em países periféricos.

31

tratamentos disponíveis, o que pode ser um combustível ou uma resistência para a

farmaceuticalização (WILLIAMS; MARTIN; GABE, 2011).

A quinta dimensão aborda a questão da inovação farmacêutica. De acordo com os

autores, há uma diminuição de lançamentos de novos medicamentos no mercado. Em

contrapartida, a farmacogenética e a farmacogenômica− com o uso do conhecimento genético

e genômico para prever reações a medicamentos – aparecem como promessa de uma medicina

personalizada, de uma redução significativa das reações adversas aos medicamentos. No

entanto, os progressos nessa direção ainda são lentos, com poucas evidências de benefícios.

A sexta, e última dimensão, diz respeito ao uso de medicamentos para fins não médicos

e ao desenvolvimento de novos mercados de consumo. Aqui, os medicamentos seriam

“medicamentos de estilo de vida”, ocupando o papel de gerenciadores de comportamentos e de

ferramentas de aprimoramento (enhancement), ou seja, com a função de fazer o corpo funcionar

“melhor” (LOE, 2001).

1. 2 Promoção e divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas

1.2.1 Mercantilização da saúde/doença: categorias diagnósticas e tratamentos médicos

Para Rosenberg (2002), os últimos dois séculos foram marcados pela reconfiguração do

papel do diagnóstico na prática médica. Ele estaria, cada vez mais, caracterizado pela

tecnicidade, burocracia e especialidade. A prática clínica e os argumentos médicos sobre as

doenças incorporaram e colaboraram para a constituição dessa mudança, em que o diagnóstico

é estreitamente relacionado à especificidade da doença. Isso abriu espaço para que esta pudesse

ser pensada como uma entidade conceitual, com suas manifestações observadas a nível

individual27.

27 Antes disso, o conceito de doença era ancorado no sofrimento individual do paciente. Dentre uma variedade de

trajetórias possíveis, a evolução da doença no organismo seria capaz de seguir qualquer caminho. Por exemplo,

um resfriado comum poderia se tornar uma bronquite, evoluindo sem consequências em longo prazo ou

reincidindo, rapidamente, em uma pneumonia fatal ou, lentamente, em uma doença pulmonar crônica. Assim,

de acordo com essa concepção, o organismo estaria sempre em risco, porém um risco relacionado à

idiossincrasia, à multicausalidade e à contingência de fatores. Isso mudou durante o século XIX, período em

que as doenças passaram a ser vistas como entidades, com mecanismos causais específicos. O

desenvolvimento da anatomia patológica e sua ênfase nas lesões corporais localizadas, bem como o da

32

A partir do conceito de “especificidade da doença”, ancorado na noção de agente

etiológico, a doença passa a ser combatida como “algo eliminável, estrangeiro, que causa

distúrbios limitados”. (SAYD, 2011, p.93). Tais distúrbios seriam específicos para cada doença

e não para cada doente. Assim, o sentido atribuído às noções de autorregulação, reequilíbrio e

disfunção28 existentes na medicina seria secundário no contexto de “procura” das doenças, ou

seja, a “descoberta” das causas das doenças seria mais importante. Isso contribuiu para que o

conceito de especificidade da doença orientasse as disciplinas médicas a fim de se identificar

doenças específicas, individualizadas por suas etiologias. (SAYD, 2011).

A ideia de que o diagnóstico corresponde ao eixo central na definição das doenças

consiste em uma das crenças mais poderosas acerca da construção das categorias diagnósticas.

Rosenberg (2002) argumenta que o diagnóstico assume a forma de um ritual, estabelecendo

ligação entre o médico e o paciente. Ademais, consiste em um meio de legitimação da classe

médica, bem como da autoridade de sua prática voltada para “cura”. Isso facilitaria decisões

médicas, além de favorecer o desenvolvimento de significados socialmente “acordados” para

determinada experiência individual. Nesse sentido, o autor apresenta o saber médico como

consistentemente ancorado ao redor das “imagens” de doenças, com a prática médica

fundamentada no conhecimento técnico de categorias diagnósticas, a partir do qual se

desenvolvem os cuidados necessários para a cura ou alívio do sofrimento provocado por

determinada “doença”29.

No entanto, vale destacar que, de acordo com Camargo Jr. (2007), o problema não

consistiria, exatamente, na construção das categorias diagnósticas. A “doença”, entendida como

artefato teórico e heurístico, contribuiria para organização do conhecimento médico disponível

e para delimitação de uma classe de problemas, em que intervenções técnicas são justificadas

e, muitas vezes, imprescindíveis. Além disso, as categorias diagnósticas circunscreveriam a

patologia química, com o estudo do “normal” e “anormal” na função fisiológica contribuíram para tal mudança

conceitual (ROSENBERG, 2002).

28 Entendemos que a autora se refere à ideia do “conjunto do organismo”, que necessitaria de tratamento ao se

encontrar disfuncional ou desequilibrado. Neste caso, tratar individualmente distúrbios fisiológicos, centrados

no “conjunto” do corpo doente, faria sentido.

29 Healy (2006) destaca que pensar sobre a possibilidade da existência de um remédio específico para uma

doença específica, até as últimas décadas do século XIX, era considerado algo pertencente à esfera do

charlatanismo. Porém, no final deste século, a medicina teria passado por um momento no qual pareceu existir

a necessidade de se escolher entre duas visões terapêuticas: uma, referente ao tratamento da pessoa “em sua

totalidade” e outra voltada para a “correção de defeitos específicos”. Cristalizou-se, então, na passagem do

século, a concepção de doença e terapêutica específicas, por meio do conceito de “magic bullets” e do

fortalecimento de uma indústria para produzi-las. Assim, os recursos utilizados para “testar” a eficácia dessas

“balas mágicas farmacológicas” teriam se fundamentado nas novas concepções sobre doença.

33

esfera de atuação dos profissionais de saúde, o que colaboraria, ao menos em princípio, para se

evitar a medicalização da vida.

O problema estaria relacionado à extensão da atuação do “setor saúde” para áreas além

da sua competência, ou seja, as que expressam a própria experiência humana, e à centralidade

da categoria doença no modelo biomédico, conforme aponta a discussão de

Conrad (2007), o que “[...] desloca o indivíduo doente do foco do olhar médico.” (CAMARGO

JR., 2007, p. 65). Essas questões vêm contribuindo para o crescimento do fenômeno

denominado “mercantilização de doenças” na sociedade.

Conrad (2007) e outros autores já discutidos apontam diferentes estratégias de

mercantilização que podem ser utilizadas: lidar com problemas leves de saúde como se fossem

doenças graves (síndrome do intestino irritável), considerar questões e aspectos da vida como

doenças (menopausa) e tratar um fator de risco como se trata uma doença, por exemplo.

(APPLBAUM, 2006).

Podemos sugerir, então, que a mercantilização de doenças se relaciona com a

mercantilização da saúde, pois a ampliação do que é visto como problema e risco de saúde

estimula, cada vez mais, a busca por tratamentos ou meios preventivos através do consumo de

tecnologias de saúde, como os medicamentos, por exemplo. Neste contexto, pode ocorrer a

promoção de doenças e medicamentos concomitantemente, ou seja, determinada doença é

divulgada juntamente com um medicamento específico para combatê-la.

Crawford (1980) define o conceito de saudização como uma maneira particular de se

ver os problemas de saúde, que pode ser compreendida como uma forma de medicalização. Tal

conceito situa os problemas de saúde na esfera individual, com a preocupação centrada na saúde

pessoal, foco primário para a definição e realização do bem-estar. A saúde torna-se, então, um

objetivo a ser atingido através da modificação dos estilos de vida, com ou sem ajuda terapêutica.

Nesta perspectiva, o indivíduo torna-se responsável pela sua própria saúde, que passa

a ser percebida e vivida numa visão ancorada em questões morais: "a incapacidade de manter a

saúde é atribuída à falta de vontade de estar bem, ou a um desejo inconsciente de estar doente,

ou, simplesmente, a uma falta de vontade." (CRAWFORD, 1980, p.379, tradução nossa)30.

A saudização é caracterizada pela transferência da responsabilização pela saúde da

competência médica para a competência do indivíduo (CRAWFORD, 1980), que é visto,

portanto, como responsável tanto pela sua saúde quanto pela doença e os danos que a última

possa causar no seu organismo.

30 O texto em língua estrangeira é “Healthism and the Medicalization of Everyday.”

34

Preocupações com estilos de vida e comportamentos de risco tornam-se centrais no

desenvolvimento dessa “nova” consciência de saúde. De acordo com tal lógica, o

comportamento saudável é considerado paradigma para o “bem -viver”, que é reduzido a uma

questão de saúde, assim como a saúde é expandida para incluir aspectos ligados à ideia de se

ter uma “vida boa” (CRAWFORD, 1980). Essa noção de “bem- viver”, aliada à crença da

doença como algo presente no cotidiano das pessoas, podendo ser evitada, vencida ou

amenizada, estimula o desenvolvimento de políticas de promoção de saúde e prevenção de

doenças com foco no indivíduo.

Segundo Dumit (2012), estudos realizados na década de 1950, em que dados

estatísticos passaram a ser utilizados com mais confiança pela medicina, contribuíram para a

construção de noções de populações “em risco”. A aplicação de vacinas− que preveniu algumas

doenças nas populações − e o desenvolvimento de biomarcadores do colesterol e da hipertensão

− então relacionados a problemas de saúde − impulsionaram a prática da intervenção médica

sobre comportamentos considerados “de risco”. Ademais, houve a edificação de uma nova

forma de estudo, o ensaio clínico randomizado controlado duplo cego. Com isso, foi possível

detectar diferenças mínimas entre dois tratamentos. Tal forma de medição significava que os

tratamentos eram tão semelhantes em eficácia que médicos ou pacientes não seriam capazes de

saber a diferença entre eles e teriam, portanto, que confiar nos resultados dos ensaios clínicos

para dizer-lhes qual medicamento31 foi o “melhor” (DUMIT, 2012).

O autor relaciona o que ele denomina de “industrialização dos ensaios clínicos” com a

possibilidade de se associar os medicamentos a fatores de risco, por exemplo, Diuril com

hipertensão, Onirase com diabetes e Mevacor com colesterol elevado. Tais medicamentos

seriam utilizados não a fim de se curar uma condição, mas para reduzir o fator de risco e a

chance de problemas cardíacos (ou outros) futuros. Além disso, os pacientes teriam de utilizá-

los todos os dias, cronicamente, ou seja, pelo resto de suas vidas. Desta forma, a indústria

farmacêutica havia “encontrado” diagnósticos que fariam seu mercado crescer em proporções

maciças.

O objetivo das empresas farmacêuticas seria, justamente, “maximizar o número de novas

prescrições” e garantir que os consumidores permanecessem com suas medicações o maior

tempo possível. Para isso, a promoção da “conscientização” do risco − bem como da ideia desse

risco ser personalizado consistem em duas estratégias fundamentais para o convencimento da

necessidade de tratamento farmacológico preventivo (DUMIT, 2012). Esta conjuntura colabora

31 Optamos por traduzir a palavra “drugs” utilizada pelo autor por “medicamentos”, pois acreditamos ser a que

mais se assemelha, em termos de significado, ao termo em inglês.

35

para que, cada vez mais, doenças sejam vistas na perspectiva da cronicidade, com o risco sendo

abordado da mesma forma que a própria doença.

Dumit (2012) aponta a mudança da concepção que considerava a maioria das pessoas

como saudáveis em sua essência − com a maior parte das doenças consistindo em interrupções

temporárias de suas vidas − para uma concepção desenvolvida a partir dos anos 1960 e 1970 e

que se tornou comum na década de 1990. Tal concepção coloca a doença como questão central

quando se fala de saúde. Desta forma, os corpos são vistos como inerentemente doentes, seja

pela genética, pelo estilo de vida ou pelo trauma e “sentir-se saudável” passa a ser considerada

uma expressão que nomeia uma experiência temporal.

Para o autor, a velha ideia baseada na relação entre os sintomas e o diagnóstico da doença

− em que após o tratamento a saúde do doente é recuperada − foi substituída por um novo

modelo de saúde, no qual, muitas vezes, não há sintoma que o médico possa detectar e/ou

experiência de adoecimento, e sim uma condição de risco detectada por meio de um teste de

rastreio, ancorado em ensaios clínicos. A detecção de uma condição de risco é suficiente para

a prescrição do uso crônico de um medicamento, que pode ser estendida para o resto da vida de

uma pessoa sem que ela esteja necessariamente doente (DUMIT, 2012).

Em um trabalho anterior ao de Dumit, Greene (2007) também se refere ao tratamento de

pessoas assintomáticas com base em medidas quantitativas a fim de prevenir futuros problemas

de saúde. Ele aponta a poderosa influência dos números como meio de se quantificar o risco na

prática clínica e descreve a relação entre os avanços nos tratamentos preventivos, os incentivos

dos fabricantes de tecnologias preventivas e os efeitos do desenvolvimento dessas tecnologias

no cotidiano das pessoas. Como Dumit, analisa a história do tratamento da hipertensão, da

diabetes e da hipercolesterolemia, doenças vistas como crônicas, em que a questão dos números

é fundamental para se considerar uma pessoa portadora dessas doenças ou em risco de

desenvolvê-las. Neste cenário, o tratamento pode ser prescrito para uma pessoa sem sintomas

associados a um problema médico, mas que, ao ter sua pressão aferida ou seus níveis de glicose

e colesterol mensurados, depara-se com números a partir dos quais é classificada como “em

risco”.

Segundo esses dois autores, portanto, problemas de saúde não relacionados a sintomas

imediatos estariam atrelados a uma probabilidade estatística de se desenvolverem no futuro,

tendo seu diagnóstico mensurável quantitativamente, por meio de tecnologias específicas.

Somada a isso, estaria a noção do consumo de medicamentos por um período definido ou até

mesmo pelo resto da vida, ao qual os pacientes se prendem a fim de prevenirem doenças futuras,

36

mesmo sendo encorajados a mudarem seu estilo de vida, com alteração de suas dietas, inclusão

da prática de exercícios físicos no cotidiano e busca de outras formas terapêuticas, por exemplo.

Desta forma, a lógica do risco do adoecimento torna-se um componente central das

preocupações relacionadas à saúde, colocando em evidência o tratamento crônico de doenças,

dificultando, cada vez mais, a distinção entre o tratamento de uma pessoa saudável e o

tratamento de um doente crônico. Com isso, a saúde vem sendo definida como redução do risco

de a pessoa desenvolver algum tipo de doença. Se a condição de risco passa a ser tratada como

se fosse doença, com o uso de medicamentos, por exemplo, podemos concluir que, nessa

concepção, a prevenção torna-se tratamento32. Isso pode gerar uma sensação de insegurança e

ansiedade crescentes, pois as noções de saúde e bem-estar estariam condicionadas a

biomarcadores, obtidos através de ensaios clínicos, que podem ser alterados a qualquer

momento.

Greene ressalta a importância de percebemos que a promoção da ideia de “redução de

risco” não se resume a uma estratégia de marketing dos fabricantes de medicamentos ou a uma

postura médica adotada com o objetivo de aumentar o número de visitas de pacientes nos

consultórios. Essa estratégia, para ter um mínimo de sucesso, precisa expressar um certo

“desinteresse” financeiro. Daí a necessidade de envolver, além da indústria, cientistas

respeitados, institutos de pesquisa, associações médicas, publicações científicas e leigas e

associações de pacientes. Tal rede, congregando profissionais, leigos, e instituições diversas,

forçosamente implica algum grau de debate e discordância, o que não impede o marketing

farmacêutico de se realizar.

Assim como Greene, Dumit (2012) acredita que atrelar o marketing farmacêutico à

produção do conhecimento (visto como) científico é fundamental para a negação do interesse

“puramente financeiro”. É neste ponto que, segundo ele, os ensaios clínicos assumem papel

fundamental – são realizados a fim de apontar os benefícios de determinados medicamentos na

redução do risco de problemas de saúde – para o desenvolvimento, a promoção e a divulgação

do tratamento medicamentoso visando à prevenção de doenças. De acordo com o autor, a

cristalização e a disseminação dessa concepção de prevenção através de medicamentos

32 De acordo com Greene (2007), pacientes que consomem medicamentos para condições assintomáticas, na

realidade, não sabem se terão algum benefício ao consumí-los e, ao mesmo tempo, podem experimentar seus

efeitos colaterais. Ironicamente, isso pode fazer com que o único resultado dessa experiência seja um conjunto

de sintomas iatrogênicos.

37

consistem em um processo no qual as dimensões da propaganda farmacêutica e da pesquisa

científica influenciam-se mutuamente.

Tal processo vai desde os estágios iniciais de desenvolvimento do medicamento −

quando um composto promissor é concebido de acordo com seu potencial de mercado −

passando pela realização de ensaios clínicos (patrocinados por empresas privadas) até a etapa

de educação, envolvendo a classe médica e o público leigo − que ocorre, principalmente, por

meio de uma rede promocional de produtos farmacêuticos, constituída por propagandistas e

publicidade direta ao consumidor. Assim, segundo Greene, a doença teria se tornado,

simultaneamente, um evento epidemiológico e um evento de marketing.

Concomitante à concepção do risco como doença e da busca do bem-estar, os

medicamentos são cada vez mais consumidos com a finalidade de modelagem do corpo ou do

comportamento a padrões estéticos e comportamentais culturalmente valorizados. Esse

consumo é caracterizado pela tendência ao seu “desligamento” da responsabilidade médica. A

automedicação, em que a pessoa assume os possíveis riscos referentes ao uso de medicamentos

sem indicação médica, consiste na mais significativa ilustração desse desligamento

(NASCIMENTO, 2002).

Assim como Dumit, Nascimento destaca a tendência de deslocamento do medicamento do

campo de cura e de saúde para o de controle de risco, enquanto intervenção tecnológica que

evoca noções do que seria “certo-incerto”, “corpo-espírito”, “vida-morte”, por exemplo.

1.2.2 Medicamentos: valor simbólico e consumo

Segundo Nogueira (2008), o consumo consiste em parte essencial da vida

contemporânea. Por meio dele, as identidades são construídas, a simbologia atrelada aos objetos

consumidos passa a ser parte constituinte do indivíduo e se transmuta em sinal de diferenciação

na sociedade. Nesta conjuntura, o valor atribuído às mercadorias não estaria mais ligado ao

tempo de trabalho necessário para produzi-las, mas sim pelos signos, “representados por valores

intangíveis que se tornam espelhos que refletem e refratam nossa identidade” (NOGUEIRA,

2008, p. 11)

Outro ponto importante desta questão, destacado por Nogueira (2008), diz respeito à

extrema valorização do presente, ao “esquecimento” do amanhã, ou seja, à ideia de

“presentificação do tempo”. As pessoas estariam, cada vez mais, interessadas em mudanças

38

imediatas e na posse de soluções rápidas, que levam muito pouco tempo para serem

implementadas. Assim, a produção torna-se frenética, com o ciclo de vida dos produtos e

tecnologias cada vez menor e a procura pelo novo passa a ser a “regra do jogo”. Por meio da

simbologia atrelada não só aos bens consumidos, mas também ao próprio ato de consumir,

desejos, sonhos e prazeres estariam, então, disponíveis quase que instantaneamente. Logo,

através do consumo, a posse de signos tornar-se-ia disponível prontamente (NOGUEIRA,

2008).

Para Lefrève (1983) o signo ou símbolo é

[..] um estímulo ou realidade material (seja ela um som, traços, gráficos, luzes,

sombras, gesso talhado, ou certos tipos de mercadorias como automóveis de luxo,

cachimbos, remédios e outras) que, através de um sistema convencional ou código,

exerce a função de estar-no-lugar-de ou representar algo, sempre que o representado

(pela sua natureza abstrata ou mística, ou pelo fato de expressar mazelas ou

contradições sociais que não se deseja que apareçam à luz do dia, ou por qualquer

outra razão impeditiva) não puder funcionar como representante de si mesmo”

(LEFRÈVE, 1983, p. 500).

Neste contexto, a publicidade, por meio de sua retórica, “apresenta os valores sociais

vigentes e simboliza a liberdade de escolha, com sua miríade de produtos e identidades prontas

para serem consumidas” (NOGUEIRA, 2008, p. 23). Ela impulsiona a construção de um

imaginário em torno das marcas promovidas, por meio de ferramentas utilizadas na propaganda,

como belas paisagens, situações de vitória e felicidade, por exemplo, atreladas ao consumo de

determinado produto. A identificação do consumidor com o produto seria alimentada pela

necessidade de satisfação e prazer imediatos, além da possibilidade de se sentir diferenciado

(para melhor) em relação “ao outro”, na sociedade.

Atualmente, os medicamentos estão entre os produtos mais consumidos na sociedade. Esse

consumo crescente está associado, como discutimos acima, a questões que extrapolam o

objetivo de cura ou tratamento de problemas médicos. Por isso, consideramos pertinente a

abordagem de alguns aspectos simbólicos relacionados ao consumo dessa tecnologia

biomédica.

Lefrève (1983) analisa a função simbólica dos medicamentos no contexto da

mercantilização de doenças. Aqui, os medicamentos, vistos como mercadorias, são

considerados a única maneira cientificamente válida de se enfrentar a doença, notada, neste

caso, pela perspectiva orgânica. A confiança no medicamento relacionada ao “valor científico”

atrelado a ele, coloca-o numa posição de mercadoria especial, legítima e representante da

“tecnologia científica” (DUPUY; KARSENTY, 1979).

39

Ao propor a visão do medicamento como uma “mercadoria-símbolo”, Lefèvre apresenta

características embutidas, simbolicamente, nesse produto, tais como a ideia de obtenção de

saúde imediata, de acesso ao bem-estar e à qualidade de vida, de realização ou obtenção de

saúde, único modo cientificamente válido de se obter saúde (LEFÈVRE, 1987). Assim, como

diz Nogueira (2008, p. 24): “Ao tomarmos uma pílula, não ingerimos apenas um medicamento.

Dentro de seu invólucro, além de substâncias químicas, residem crenças: crenças de cura, de

saúde, de ciência”.

Nogueira argumenta que justificativas racionais e irracionais estimulam o uso de

medicamentos. O consumo desses produtos farmacoquímicos seria, ao mesmo tempo, concreto

(o das substâncias) e simbólico (sua forma de atuação na vida do indivíduo). Segundo ela, para

se discutir sobre como a simbologia relacionada ao consumo de medicamentos se apresenta,

seria necessário, primeiramente, considerar que esse produto faz parte do cotidiano dos

indivíduos, é facilmente encontrado em quaisquer drogarias e largamente consumido. No

entanto, uma parte considerável das pessoas que fazem uso deles, na expectativa de serem

curados imediatamente, desconhecem seus componentes e mecanismo de ação no organismo.

A convicção de que os medicamentos são capazes de resolver os problemas provém,

justamente, dos aspectos simbólicos presentes na sociedade há muito tempo. Como afirma

Nogueira:

A simbologia dada aos medicamentos (fator que estimula o seu consumo) é formada

através de um aprendizado social que é construído no viver diário e no contato com

os meios de comunicação. Estes se tornam um estímulo coagente que determina a

forma como o objeto será visto pela sociedade. A indústria farmacêutica faz grande

uso de estratégias de relações públicas, promovendo os seus medicamentos não só

através da publicidade, mas também utilizando a mídia impressa ao relacionar

assuntos que fazem parte do cotidiano com o consumo de medicamentos

(NOGUEIRA, 2008, p. 27)

Vale ressaltar, aqui, que especialistas da esfera farmacêutica, médicos e profissionais de

saúde em geral também têm suas práticas permeadas pela simbologia atrelada aos produtos

farmacêuticos. Geest e Whyte (2011) apontam que os medicamentos33 constituem uma

tecnologia de significativa atratividade em diversas culturas e são considerados pelos pacientes

e pela classe médica centrais nos cuidados de saúde. Em seu trabalho, os autores sugerem que

há um “encanto” em relação aos medicamentos tanto nos países desenvolvidos (centrais),

33 Os autores definem “medicamentos” como “substâncias usadas no tratamento de enfermidades” (GEEST e

WHYTE, 2011, p. 458).

40

quanto nos países em desenvolvimento (periféricos). Sua concretude, caracterizada pela

objetificação da cura, facilitaria processos simbólicos e sociais particulares:

Medicamentos são coisas. Fazendo deste o nosso ponto de partida, poderemos

entender por que os medicamentos são o núcleo duro da terapia e o que os separa de

outras formas de cura. Na biomedicina, outros tipos de tratamento também têm a

qualidade de ser tangíveis, sendo a cirurgia o primeiro exemplo. Mas uma cirurgia

não é algo que possa ser separado do cirurgião. (GEEST; WHYTE, 2011, p.458, grifo

dos autores).

A concretude e o caráter democrático atribuído aos medicamentos são características

que estão atreladas à “objetificação” da cura, ou seja, à crença do medicamento como algo que

tem o poder de cura em si mesmo. Nesta conjuntura, são impulsionados processos simbólicos

e sociais em torno dos medicamentos e seu consumo (GEEST; WHYTE, 2011). No entanto,

tais processos não estariam somente ligados à questão da capacidade de cura inerente ao

medicamento:

Parece insatisfatório argumentar que as pessoas querem medicamentos somente

porque eles têm uma capacidade inerente “natural” e óbvia de curar. A motivação para

obter medicamentos não é simplesmente que eles são poderosos, mas que as pessoas

acreditam que eles o sejam. A pergunta então retorna de outra forma: por que as

pessoas estão inclinadas a acreditar tão fortemente na eficácia das drogas34? (GEEST;

WHYTE, 2011, p.459).

Além disso, os medicamentos “têm qualidades que os tornam mais apropriados para sua

transformação em mercadoria do que a maioria das outras coisas ao serem trocadas” (GEEST;

WHYTE, 2011, p. 461). Uma dessas qualidades diz respeito à possibilidade de os

medicamentos irem ao encontro das necessidades das pessoas, numa demanda que é, em

princípio, ilimitada. A ideia, cada vez mais difundida − de que a saúde nunca parece estar

assegurada, necessitando que as pessoas façam o possível para mantê-la ou restabelecê-la − tem

papel fundamental na construção dessa demanda.

Geest e Whyte (2011) apontam importantes implicações relacionadas ao consumo de

medicamentos na esfera das relações sociais. Uma delas seria a possibilidade de essas

tecnologias médicas desprenderem-se do território profissional dos médicos e farmacêuticos.

Isso aconteceria por conta da escrita, particularmente das publicações, que podem ser acessíveis

a outras pessoas, removendo, assim, a centralidade do conhecimento da dimensão de atuação

desses profissionais.

34 Acreditamos que os autores utilizam os termos “drogas” e “fármacos” como sinônimos de medicamentos.

41

Desta forma, o conhecimento se “objetifica” e passa a ser visto como algo que pode se

sustentar sozinho, ser “guardado no armário”, “trancado atrás das portas”, transmitido para

outras pessoas através do espaço e do tempo. A escrita possibilita que o conhecimento,

desenvolvido como propriedade exclusiva de uma classe privilegiada, torne-se “vulgarizado”

(GEEST; WHYTE, 2011).

Segundo os autores, os medicamentos, de maneira similar, “objetificam a arte de curar”

atribuída aos médicos, de forma que essas tecnologias científicas podem ser utilizadas por

qualquer um: “Os fármacos quebram a hegemonia dos profissionais e habilitam as pessoas a

ajudarem a si mesmas. Os medicamentos, portanto, têm um poder ‘libertador’, particularmente

naquelas sociedades onde é difícil controlar sua circulação e uso” (GEEST; WHYTE, 2011,

p.460).

Eles apontam, ainda, a possibilidade de o medicamento se tornar um veículo de

individualização, influenciando a maneira pela qual o indivíduo doente se relaciona com a

família e a comunidade. Dependendo do tipo de doença, ou seja, quando ela pode ter um reflexo

negativo no paciente ou na família, o uso individual e privado do medicamento é

particularmente importante. Os tipos de doenças que se encaixam nessa categoria são variáveis

de uma cultura para outra. Além disso, quando o tratamento medicamentoso é feito

individualmente e de maneira privada, ocorre a diminuição da dependência do doente em

relação a médicos, biomédicos, mentores espirituais e parentes:

O controle social exercido por especialistas terapêuticos, do caçador de bruxas ao

psiquiatra, do sacerdote ancestral ao médico da família, pode ser evitado, assim como

a influência de parentes idosos, vizinhos, líderes religiosos e outros pode ser muito

reduzida, já que o indivíduo pode conseguir contornar a interferência dessas pessoas

ao fazer um uso privado de medicamentos. Adivinhação, reza coletiva, sacrifício,

cirurgia e aconselhamento colocam o paciente nas mãos de outras pessoas. Os

medicamentos lhe permitem assumir, em suas próprias mãos, sua condição (GEEST;

WHYTE, 2011, p. 461)35.

Desta forma, podemos observar que, de acordo com os autores, na prática, os

medicamentos são, habitualmente, vistos como vantajosos, libertadores, convenientes, prontos

para o uso. Além disso, são itens que, geralmente, podem ser trocados por dinheiro e sua

concretude os torna eminentemente intercambiáveis.

35 No entanto, é preciso considerar, aqui, que um determinado medicamento pode até ser consumido por meio

de automedicação, mas, ainda assim, ter sido indicado por alguém em algum momento da vida do indivíduo,

por exemplo.

42

O simbolismo atrelado ao consumo de medicamentos diminui significativamente a

possibilidade de se encarar a complexidade do processo saúde-doença, pois o medicamento é

visto como uma “solução mágica e rápida” para dor, para o desconforto e/ou problema de saúde

em questão. Ele atuaria, também, como uma espécie de “camuflador” de problemas complexos,

subjetivos, referentes à própria condição humana, proporcionando certo conforto moral,

aplacando sentimentos angustiantes, preenchendo os “vazios”, “ajudando a viver” (DUPUY;

KARSENTY, 1979).

Ao promoverem que qualquer dor, qualquer estado considerado fora do padrão, tanto na

dimensão saúde/doença, quanto na estética, deve ser visto como intolerável para as pessoas, a

indústria farmacêutica, a classe médica, a mídia e o próprio público leigo impulsionam o

consumo de tecnologias científicas, dentre elas os medicamentos, como solução eficaz para

esses problemas.

1.2.3 Indústria farmacêutica e classe médica: co-promoção e co-divulgação de medicamentos

e categorias diagnósticas

Conforme já dito anteriormente, a indústria farmacêutica utiliza estratégias de

marketing que visam promover a venda de seus produtos, tendo, assim, papel fundamental na

“[...] ampliação do uso inadequado e dos efeitos adversos dos fármacos, sobretudo ao

institucionalizar estratégias de comercialização e promoção intensificadoras da medicalização,

isto é, da crença que extrapola o razoável e o cientificamente justificável no valor e na ação dos

fármacos.” (BARROS, 2008, p. 39).

O autor destaca a intensificação da “criação” de doenças para os medicamentos

fabricados pelas empresas farmacêuticas como uma dessas estratégias. Seguindo esse

raciocínio, Applbaum (2006) argumenta que as estratégias de marketing36 utilizadas pela

indústria farmacêutica a fim de promover seus medicamentos acabam contribuindo para a

formação de um tipo de consumidor, inserido numa lógica de “mercantilização” de doenças

(disease mongering).

36 De acordo com a American Marketing Association (AMA), Marketing é a atividade, função organizacional,

conjunto de processos para a criação, comunicação, entrega e troca de ofertas que têm valor para os clientes,

parceiros e sociedade em geral (Disponível em https://www.ama.org. Acesso em 7 mar. 2016).

43

Somada a isso, estaria a tendência, cada vez maior, de se descrever as doenças da maneira

mais superficial possível, o que acentua a tenuidade da linha divisória entre o “sadio” e o

“doente”, impulsiona a ampliação do espectro de definição das doenças (MOYNIHAN;

WASMES, 2007) e, consequentemente, o mercado consumidor de medicamentos. Desta

forma, como diz Barros (1983): “Em termos puramente mercadológicos, nos setores de

produção e comercialização de medicamentos, interessa a ocorrência de um máximo de doenças

acompanhadas de um máximo de tratamentos.” (BARROS, 1983, p. 378). Ou seja, ao

promover seus produtos, a indústria farmacêutica promove não apenas os medicamentos, mas

as próprias doenças. Tais promoções seriam concomitantes, ou seja, determinada “doença” é

divulgada juntamente com um medicamento específico para “combatê-la”.

Neste cenário de co-promoção e co-divulgação de categorias diagnósticas e

medicamentos, os últimos são apresentados como a melhor solução para o problema, a doença,

o transtorno ou a deficiência em questão. Além disso, o sucesso do tratamento farmacológico,

muitas vezes, é considerado confirmação do diagnóstico e definição da causa da anormalidade.

De acordo com essa ideia, o medicamento só funcionaria no sintoma de um distúrbio

subjacente, ou seja, se há ação farmacológica, há doença (LAKOFF, 2006).

Ao se referir ao processo de promoção de novos diagnósticos e tratamentos, neste caso

com foco na comercialização de drogas para disfunção sexual, Marshall (2009) aborda a

questão da promoção e consumo de medicamentos por meio de uma concepção que chama de

“imaginação farmacêutica.” Tal concepção engloba uma gama de narrativas possíveis, tendo

como eixo condutor o pressuposto de um modelo linear de progresso científico, em que as

explicações as fisiológicas para problemas de saúde vão se firmando, estando ligadas a soluções

farmacológias. A imaginação farmacêutica também diz respeito à crença dos pacientes,

profissionais, pesquisadores e indústria em que a “solução química” é a melhor, seja qual for o

problema em questão.

Conforme apontam Angell (2010) e Barros (2004), a classe médica, por ser a responsável

legal pela prescrição de medicamentos, seria o alvo central das estratégias de marketing

utilizadas pela indústria farmacêutica. Dentre os diversos fatores que influenciam a prescrição

médica, Barros (2008) destaca os relacionados às fontes de informação de que se servem os

médicos, especialmente as desenvolvidas e disseminadas pelos produtores de medicamentos.

Tais produtores utilizariam mecanismos diretos e indiretos a fim de promover seus

medicamentos junto aos médicos. Os instrumentos ou estratégias diretas seriam, por exemplo,

a distribuição de amostras grátis e dos mais variados brindes e os anúncios em revistas médicas.

Entre as estratégias indiretas estariam o financiamento dos programas de “educação

44

continuada”, de revistas médicas ou de associações profissionais (BARROS, 2008). Estudantes

de medicina também receberiam “presentes”, juntamente com informações referentes aos

produtos promovidos pelas empresas farmacêuticas. Essa abordagem da indústria seria uma

espécie de “doutrinação” na cultura dos médicos receberem “presentes” e informações

científicas sobre medicamentos, o que ajudaria a estabelecer laços de confiança e

relacionamento em longo prazo, fazendo, dos futuros médicos, propagandistas daquelas

empresas farmacêuticas (OLDANI, 2002, 2004)37.

Há outros autores, além dos já citados, que apontam articulações existentes entre a

classe médica e a indústria farmacêutica, responsáveis por impulsionar, cada vez mais, a

promoção e divulgação de categorias diagnósticas e medicamentos simultaneamente.

Abordaremos essa questão mais detalhadamente no decorrer deste capítulo.

1.2.3.1 O papel do propagandista farmacêutico na divulgação de medicamentos à classe médica

A indústria farmacêutica faz parte de uma ampla e intrincada rede de produção,

promoção e divulgação de diagnósticos e tratamentos (medicamentos). Tal rede é caracterizada

pela troca de informações e privilégios entre médicos, propagandistas38 de empresas

farmacêuticas e pacientes, denominada por Oldani (2004) de “pharmaceutical gift cycle”.

Segundo o autor, essa abordagem considera uma genealogia ou ciclo do medicamento,

caracterizada pela produção (pesquisa e desenvolvimento), marketing, prescrição, distribuição,

aquisição, consumo e eficácia. Cada uma dessas fases teria suas próprias características,

contando com a participação de diferentes atores.

37 Quanto aos meios pelos quais a classe médica busca informações sobre medicamentos, Camargo Jr. (2003)

aponta uma questão importante. Trata-se da quase exclusividade atribuída à indústria farmacêutica no que diz

respeito às informações sobre medicamentos, ou seja, as informações veiculadas pelas empresas

farmacêuticas são, praticamente, a única fonte de conhecimento e formação disponível no meio médico.

Além disso, a ausência de uma formação acadêmica que estimule a avaliação crítica de textos científicos

colabora para uma posição dos médicos similar à dos leigos (CAMARGO JR., 2003).

38 Optamos por traduzir a expressão “pharmaceutical sales representative” por “propagandista farmacêutico”,

já que, nesse meio profissional, no Brasil, a expressão “representante farmacêutico” pode ser utilizada para

designar profissionais da indústria que visitam somente as farmácias, não tendo nenhum contato com os

médicos. Mais adiante, quando discutirmos as entrevistas feitas com os propagandistas, abordaremos essa

questão com mais detalhes.

45

Oldani (2004) caracteriza a relação entre médicos e propagandistas farmacêuticos como

parte de um processo dinâmico, em que as práticas desses dois profissionais são influenciadas

mutuamente. Prescrições, hábitos médicos, tratamentos de pacientes e até design de produtos

podem ser alterados a partir dessas interações, que são forjadas e reforçadas no repetitivo e

calculado ato de “doar presentes”, ou seja, nessa relação de troca, tanto os propagandistas da

indústria farmacêutica quanto os médicos são beneficiados de alguma forma.

Segundo o autor, os propagandistas farmacêuticos39 são uma peça fundamental no

processo de promoção e divulgação de medicamentos produzidos pela indústria farmacêutica.

Eles recebem treinamento fornecido pelas empresas farmacêuticas, visando orientar

informações médicas, valorizar características positivas e omitir, ou minimizar as

características negativas do medicamento ou produto farmacêutico apresentado aos médicos

(OLDANI, 2002). Influenciar novas prescrições médicas e/ou manter as mais antigas e,

consequentemente, impulsionar a venda de medicamentos, consiste no principal objetivo desses

profissionais em suas visitas aos consultórios médicos.

Consideramos o conceito de “dádiva”, de “doação de presentes”, central para

entendermos o mecanismo de funcionamento do “pharmaceutical gift cycle” proposto por

Oldani, que utiliza o trabalho seminal de Marcel Mauss (1974), intitulado “Ensaio sobre a

dádiva” para discutir, como já dito anteriormente, a dinâmica envolvida no processo de co-

promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas.

Lévi-Strauss (1974), em sua “Introdução à obra de Marcel Mauss”, destaca que, em

muitas civilizações, as trocas e os contratos são realizados por meio de presentes, com as

doações e retribuições de tais presentes consideradas, teoricamente, voluntárias. No entanto, na

prática, a obrigatoriedade e a imposição caracterizariam essas doações e retribuições. Mauss

(1974), no “Ensaio sobre a dádiva”, concentra-se nas experiências de troca em sociedades

consideradas primitivas ou arcaicas40, discutindo as formas do direito e da economia presentes

nessas sociedades através da análise do conceito de dádiva: “A ideia é, partindo da análise da

39 No livro “Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman” (2005), Jamie Reidy relata sua experiência como

propagandista farmacêutico da empresa Pfizer, produtora do medicamento Viagra®. Ele menciona as

técnicas de vendas comumente utilizadas pelos propagandistas farmacêuticos e descreve como se aperfeiçoou

para lidar com a classe médica. O filme “Love & Other Drugs”, estrelado por Jake Gyllenhaal e Anne

Hathaway foi baseado no livro de Reidy.

40 Utilizo as expressões “primitivas” e “arcaicas” de modo similar ao empregado por Mauss (1974). Vale

ressaltar que as transações voluntárias, marcadas pelo signo da espontaneidade, e os movimentos de caráter

coercitivo são encontrados em inúmeros lugares, conforme apontado em diversos relatos etnográficos,

durante o desenvolvimento da pesquisa empreendida por Mauss (COELHO, 2006).

46

dádiva, rastrear nos direitos primitivos e antigos o estado das categorias que o direito moderno

separou, em especial, o problema da separação entre coisas e pessoas.” (COELHO, 2006, p.21)

A partir do termo “sistema de prestações totais” Lévi-Strauss (1974) destaca

características das trocas e dos contratos presentes na Melanésia, Polinésia e no Noroeste

americano, as três principais áreas abordadas no estudo de Mauss (COELHO, 2006). Essas

trocas não seriam, exclusivamente, de bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas

economicamente úteis. Como diz Lévi-Strauss (1974):

São, antes de tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres,

crianças, danças, festas, feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, e nos

quais a circulação de riquezas não é senão um dos termos de um contrato bem mais

geral e bem mais permanente. Enfim, essas prestações e contraprestações se

estabelecem de uma forma voluntária, por meio de regalos, presentes, embora elas

sejam no fundo rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública.

Propusemos chamar tudo isso o sistema de prestações totais.” (LÉVI-STRAUSS,

1974, p. 191).

De acordo com Lévi-Strauss (1974), em duas tribos do Noroeste americano (os Tlingit

e os Haida), assim como em toda região, aparece uma forma “evoluída e relativamente rara

dessas prestações totais” (LÉVI-STRAUSS, 1974, p. 191), denominada potlatch. Tal expressão

significa, essencialmente, “nutrir”, “consumir” (LÉVI-STRAUSS, 1974).

Destacaremos, aqui, dois elementos essenciais do potlatch apontados por Mauss (1974):

o elemento da honra, do prestígio e o da obrigação de se retribuir as dádivas, sob pena de perder

autoridade, prestígio, honra. Nesta perspectiva, o caráter coercitivo da troca pode ser entendido

como parte de uma conjuntura em que se torna necessário não só retribuir o presente, mas

retribuí-lo de maneira adequada, segundo o esperado, de acordo com as regras culturais que

envolvem determinada situação de troca de presentes, em cada sociedade. Só assim será

assegurada a manutenção do prestígio, da honra e da autoridade, por exemplo. Como aponta

Coelho:

Erigida em estratégia de construção do renome, a troca é composta por uma ‘tríplice

obrigação’: dar, receber, retribuir. Dar é essencial para obter prestígio; é preciso

ostentar a fortuna por intermédio de sua distribuição. Por sua vez, receber também

está longe de ser um ato voluntário; aquele que recusa a dádiva ofertada tem seu

prestígio ameaçado, uma vez que recusar a dádiva tem o sentido de dar-se por vencido

antecipadamente. Ao mesmo tempo, se dar é um convite à aliança, receber equivale a

aceitá-la, recusar um presente sendo algo assim como uma declaração de guerra. A

terceira obrigação − retribuir − completa o ‘sistema da dádiva’, uma vez que a coisa

ofertada em retribuição, em vez de ‘quitar’ a dádiva inicial recebida, corresponde a

aceitar estar em relação com o doador inicial − conforme afirma Mauss, a

contraprestação equivale a uma nova primeira prestação, exigindo por sua vez uma

nova retribuição. (COELHO, 2006, p. 23).

47

Nesse sentido, a autora sugere que deixemos de encarar o ciclo de prestações e

contraprestações como um sistema de trocas estritamente materiais, pois só com base na ideia

da “virtude espiritual” presente nas coisas trocadas podemos, então, enxergar sentido na

dimensão dessas relações, já que “há muito mais em jogo do que a mera materialidade das

coisas trocadas” (COELHO, 2006, p.23), ou seja, os presentes, com seu potencial de insultar e

cultivar prestígio, servem como veículo de expressão para seus doadores e donatários.

Ao trazermos essa dimensão do conceito de dádiva ao contexto de promoção e

divulgação de medicamentos e categorias diagnósticas, podemos observar características que

nos ajudam a compreender o desenrolar das articulações existentes entre a classe médica e a

indústria farmacêutica e seu impacto na venda e no consumo de medicamentos. Como nas

sociedades discutidas por Mauss, o sistema de troca de presentes, envolvendo os propagandistas

farmacêuticos e a classe médica, está longe de se vincular apenas a um aspecto material, aos

interesses econômicos. Essa questão vai além, por exemplo, do retorno material (aumento de

salário, bônus financeiro, brindes) que o propagandista farmacêutico recebe por ter exercido

com competência seu papel de promotor de medicamentos. Vai além também do financiamento

de pesquisas científicas, de participações em congressos, pagamento de viagens, entre outros

brindes (OLDANI, 2004), recebidos pelos médicos e vinculados a suas prescrições e discursos

promovendo, direta ou diretamente, o uso e/ou prescrição de determinado medicamento

vendido por uma empresa farmacêutica.

Desta forma, pensando na questão da “virtude espiritual” das coisas, descrita por Mauss,

valores como honra, prestígio, expressão de poder e competência profissional também estão em

jogo nessa dimensão interacional de troca entre os propagandistas farmacêuticos e a classe

médica. Como diz Coelho (2002):

O princípio básico de construção de renome e obtenção de prestígio por meio dos

objetos doados/recebidos obedece, logicamente, a regras ditadas pelas posições

relativas ocupadas pelos indivíduos envolvidos na troca na hierarquia social. Assim,

a adequação das ocasiões, parceiros e objetos está subordinada a uma gramática que

regula as escolhas individuais. É nesse sentido que as trocas materiais podem ser

pensadas como estratégias de comunicação, consistindo assim em uma linguagem

(COELHO, 2002, p.76).

Nesse sentido, Coelho, referindo-se a Mauss, aponta a capacidade dos presentes trocados

de “dramatizarem a natureza do vínculo entre o doador e o receptor” (Coelho, 2002, p.76), ou

seja, os presentes trocados representam o tipo e a importância da relação que é estabelecida

nessa dimensão de interação. Aqui, mais uma vez, cabe voltar a Mauss e à obrigação implícita

nesse ritual de troca, a tríplice obrigação que está “embutida” na dádiva: dar, receber e retribuir

48

(de forma adequada). Conforme Mauss afirma (1974, p.58), “recusar-se a dar, deixar de

convidar ou recusar-se a receber equivale a declarar guerra; é recusar a aliança e a comunhão”.

Quando o propagandista farmacêutico visa estabelecer vínculo com os médicos,

forjando uma aliança por meio da “partilha” de informações e da “doação” de si mesmo

(OLDANI, 2004), ele tem uma expectativa de retorno, que pode se estender além da questão

material. Ter uma relação especial com os médicos, falar “de igual pra igual” com um

pesquisador renomado, por exemplo, não se relaciona, diretamente, a benefícios materiais, mas

sim à possibilidade de fazer parte de uma rede de interações vinculada à ciência e à tecnologia,

pois a classe médica é considerada a "detentora do conhecimento científico" sobre os problemas

de saúde e seus tratamentos. Assim, parece haver uma “transmissão do prestígio” associado à

classe médico-científica ao propagandista farmacêutico.

Já o médico que recebe financiamento da indústria farmacêutica para suas pesquisas, é

convidado a dar palestras em eventos científicos promovidos pela indústria, ou até mesmo para

falar sobre determinado problema médico (e seu tratamento) em veículos de comunicação de

massa é visto como um profissional de sucesso, de referência, detentor de conhecimento

científico especializado, tanto entre os leigos quanto na classe médico-científica.

Os propagandistas de empresas farmacêuticas − através de suas visitas aos consultórios

médicos, em que são apresentadas informações sobre "novos" medicamentos − são a peça chave

na manutenção desse vínculo entre os médicos e a indústria farmacêutica. Aqui, a noção de

cientificidade é de extrema importância, de tal maneira que os propagandistas farmacêuticos

são treinados para apresentarem com desenvoltura essas informações, não de maneira leiga,

mas utilizando palavras de cunho técnico, numa estratégia de se aproximarem do médico, de

falarem “de igual pra igual” no que diz respeito à linguagem médico-científica.

Mais uma vez voltando a Mauss, podemos dizer que aqui há uma promoção da qualidade

“espiritual” tanto dos medicamentos quanto dos médicos, vinculada à noção de cientificidade,

à importância da linguagem técnica e científica na apresentação de um produto considerado

resultado de um processo tecnológico e científico. Além disso, há a ideia de que o médico é um

profissional que não possui outro interesse além de cumprir sua missão de curar e salvar vidas,

utilizando a tecnologia científica como uma ferramenta fundamental para atingir tal objetivo.

Logo, mesmo conquistando uma posição de pesquisador “de peso” entre os pares por,

justamente, conseguir benefícios oferecidos pelas empresas farmacêuticas (AMARAL, 2015),

a concepção da classe médica como detentora de conhecimento científico e imune a qualquer

interferência externa à sua prática persiste não só fora, mas também dentro do meio médico-

científico.

49

No entanto, como salienta Lakoff (2006), a questão do conflito de interesses entre o

dever do médico de tratar seu paciente e uma reciprocidade existente entre os médicos e as

empresas farmacêuticas permanece como problema, na medida em que se pode afirmar que tal

reciprocidade comprometeria a integridade do médico como profissional. O autor, ao estudar o

contexto argentino de venda de medicamentos antidepressivos em 2001, destaca pelo menos

dois problemas ligados à dinâmica de “doação de presentes” envolvendo os médicos e as

empresas farmacêuticas.

O primeiro refere-se à ideia de que pode ser feita uma distinção clara entre “farmacologia

racional” e marketing. Essa distinção, como discutem diversos autores já mencionados, não

seria possível, pois as empresas farmacêuticas produzem não só os medicamentos, mas também

informações sobre eles, como sua eficácia e segurança, que vão influenciar diretamente as

prescrições médicas. O segundo problema diz respeito aos conflitos de interesse. É assumido

que os “presentes” oferecidos aos médicos representam uma troca que tem seu fim naquele

momento, ou seja, uma transferência direta de bens. Entretanto, na realidade, tal troca

consistiria em um meio de se reforçar uma relação contínua, envolvendo o acesso recíproco a

“recursos guardados” (LAKOFF, 2006), portanto, haveria uma circularidade de trocas e

prestações (MAUSS, 1974; OLDANI, 2004).

Seguindo esse raciocínio, OLDANI (2004) aponta que nessa relação de troca tanto os

propagandistas quanto os médicos são beneficiados de alguma forma, conforme já discutimos

mais acima. Desta forma, podemos concluir que existe um contexto em que interesses são

negociados, influenciando tanto a postura dos propagandistas quanto a postura dos médicos em

relação aos medicamentos lançados no mercado.

Assim como Oldani, Lakoff considera os propagandistas da indústria farmacêutica

figuras-chave no processo de promoção de medicamentos por meio da prescrição médica. Ele

afirma que a tarefa do propagandista consiste em trabalhar em determinado território a fim de

aumentar a quota de mercado dos produtos da empresa farmacêutica para a qual trabalha. É

importante ressaltar que empresas farmacêuticas realizam monitoramento das prescrições

médicas constantemente, com o objetivo de obter dados que permitam uma avaliação dos

resultados de suas campanhas de marketing, bem como de suas relações com os médicos. Sabe-

se, por exemplo, da existência de empresas de banco de dados que microfilmam prescrições

individuais em farmácias, coletam os dados e, em seguida, vendem essas informações para as

empresas farmacêuticas.

No entanto, segundo o autor, não são apenas as prescrições médicas que são monitoradas

pelas empresas farmacêuticas. O desempenho dos propagandistas também é controlado. Ao

50

manter esse controle, o monitoramento se torna uma espécie de técnica reflexiva para as

empresas, um meio de intervenção no processo de marketing, uma espécie de feedback, que

permite ao gerente de vendas saber o que está acontecendo em cada território de venda delegado

aos propagandistas. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, é possível obter

rapidamente e de maneira detalhada essas informações.

Foi dito que as ações e concepções dos médicos são influenciadas pelo marketing das

empresas farmacêuticas, mas vale a pena reforçar que a relação entre a classe médica e a

indústria farmacêutica é marcada pela interatividade, ou seja, as ações de marketing também

são influenciadas pelos médicos (LAKOFF, 2006). Essa interatividade faz parte de um processo

que (re)configura, (re)constrói e alimenta noções sobre saúde, doença e tratamentos médicos,

que vão influenciar o modo pelo qual as pessoas vivem e se comportam na sociedade.

1.2.3.2. Marketing farmacêutico em congressos científicos

Segundo Giami (2009b), a participação de um pesquisador em conferências41

internacionais consiste em um aspecto importante da atividade e da socialização profissional.

Nesses eventos, em que supostos avanços no campo científico são discutidos por pares, uma

gama de possibilidades de construção e manutenção de redes, visando à realização de novos

projetos ou à formação de parcerias para o desenvolvimento de novas publicações científicas,

são vislumbradas. Além disso, há também momentos de lazer, de “desligamento” da vida

cotidiana, em que é possível visitar museus, ir a concertos e jantares de gala, entre outras

atividades. Tais eventos são, portanto, singulares, já que, teoricamente, são organizados com a

finalidade de difundir conhecimento científico, por meio de divulgação de novas tecnologias e

tratamentos médicos, por exemplo, mas que também acabam se tornando um espaço de lazer

para os pesquisadores e/ou profissionais participantes.

A partir de observações participantes no Congresso Nacional de Sexologia, Larocque-

Latour (2014) destaca, em sua análise, dois tipos de pessoas presentes nesses eventos: os

41 Consideramos que o raciocínio aplicado para se discutir a relação entre indústria farmacêutica e classe médica

em conferências internacionais seja similar ao pensarmos nos congressos científicos. No entanto, optamos

por não trocar as palavras durante a tradução.

51

ouvintes, que ele chama de congressistas e os oradores, denominados congrologistes.42 O autor

reconhece que essa divisão é artificial, porque ouvintes podem ir a congressos com objetivos

que vão além do “apenas ouvir”. O representante de venda seria um exemplo desse tipo de

ouvinte, já que, provavelmente, prefere manter um estande durante os congressos a ouvir o que

os palestrantes teriam a dizer em suas apresentações. Da mesma forma, um orador pode estar

presente em outras sessões do evento como ouvinte. Essa divisão proposta por Larocque-Latour

é utilizada como ferramenta a fim de ilustrar características significativas atreladas à

organização de um congresso.

Assim como Giami (2009b), Larocque-Latour (2014) acredita que o espaço físico

escolhido para cada momento do congresso é estratégico e tem relação com o prestígio de cada

orador no seu campo de atuação profissional. Por exemplo, as sessões plenárias dos congressos

seriam, geralmente, outorgadas a “oradores convidados”, que ocupariam, neste caso, uma

posição importante na associação43 ou no campo da sexologia e/ou saúde sexual. Tais sessões

atrairiam um número maior de participantes quando comparadas aos simpósios, cuja

organização é, geralmente, confiada a membros de associação ou associação satélite. Já as

“apresentações livres” e as sessões de pôsteres seriam geridas, diretamente, pelas comissões

científicas. As oficinas de formação (workshops) aconteceriam antes da cerimônia de abertura,

seriam pagas “por fora” da inscrição no congresso e organizadas por profissionais. (Giami,

2009b).

Seguindo o modelo proposto por Giami (2009b) − que se refere a um congresso

internacional − Larocque-Latour (2014) divide as áreas de intervenção, ou seja, de divulgação

de conhecimento em três níveis, que correspondem a diferentes possibilidades de visibilidade

para os oradores. O primeiro nível é localizado em um auditório, usualmente denominado “sala

de conferências”. Nesses espaços é realizada uma série de atividades como debates,

apresentação de pesquisas, resumos de outras sessões ou plenárias, encerramento de congresso,

entre outras. Uma apresentação ou intervenção nesse local dá o máximo de visibilidade vis-à-

vis entre orador e ouvintes e a oportunidade de o orador interagir com o público durante o

debate que encerra a sessão.

O segundo nível de visibilidade caracteriza-se por intervenções realizadas em salas,

como cursos e oficinas de trabalho. Aqui, o público presente seria mais restrito e selecionado.

O nível de visibilidade na sala, dada a audiência mais limitada, seria, obviamente, menor

42 Não encontramos, até o momento, tradução na língua portuguesa para essa palavra.

43 O autor não explicita no texto qual associação seria essa.

52

quando comparado a um anfiteatro, a uma sala de conferências. Contudo, a dinâmica da

intervenção nesse lugar de menor dimensão aumentaria a possibilidade de interação com o

especialista no final da sessão.

O terceiro nível de visibilidade localiza-se onde estão dispostos os pôsteres, no corredor

central, entre os espaços ocupados por estandes de laboratórios farmacêuticos e de associações

médico-científicas, e onde ocorrem os coffee breaks. O nível de visibilidade ligado aos pôsteres

é, obviamente, baixo, mas pode ser compensado com a presença de seus autores no espaço,

possibilitando, assim, uma troca direta com o público interessado (LAROCQUE-LATOUR,

2014). No entanto, muitas vezes, os autores dos pôsteres não estão presentes durante todos os

dias de um congresso. Pude observar isso nos três congressos analisados neste trabalho.

Seguindo essa perspectiva interacional entre participantes de congressos, acreditamos

que, nesses espaços, é possível perceber a articulação entre indústria farmacêutica e classe

médica, principalmente quando pensamos em propagandas de medicamentos dirigidas aos

médicos (AZIZE 2010a; 2010b) e nos meios pelos quais a classe médica acaba promovendo e

divulgando − direta ou indiretamente − os medicamentos vendidos pelas empresas

farmacêuticas.

Segundo Giami (2009b), congressos que recebem apoio financeiro ou patrocínio de

indústrias são geridos pelos Professional Congress Organizers (PCO) 44. Pesquisadores

convidados para esses eventos têm, muitas vezes, sua participação totalmente financiada, desde

o transporte utilizado para deslocamento até o local do evento, até mesmo a estadia e a taxa de

inscrição. Além disso, podem receber pagamentos pelos serviços prestados aos organizadores.

O autor argumenta que, atualmente, conferências internacionais na área da saúde e da

biomedicina, não podem ser organizadas de forma “tradicional” e “autogeridas” com taxas de

inscrição pagas pelos participantes ou com pequena subvenção de autoridades acadêmicas

locais, sem o apoio da indústria farmacêutica. Isso ocorreria, segundo ele, por conta dos custos

envolvidos na organização desses eventos (aluguel de instalações, viagens aéreas, alojamento,

promoção de eventos sociais, convite de oradores proeminentes, entre outras coisas). Mas,

certamente, essa dinâmica teria o efeito de influenciar a construção, a orientação, o conteúdo e

a organização dos programas apresentados (GIAMI, 2009b).

44 O autor aponta que não se sabe muito bem sobre esses profissionais e nem como suas atividades são

desenvolvidas. Ele cita como exemplo de PCOs, que se apresentam como empresas “globais”, responsáveis

pela organização de congressos e workshops internacionais no campo da saúde, a Regimedia

(http://www.regimedia.com/index2.htm. Acesso: 10 de janeiro de 2018) e a Kenes International (Disponível

em: http://www.kenes.com. Acesso em: 10 de jan. 2018).

53

Para Giami (2009b), a participação da indústria farmacêutica no financiamento de

eventos científicos gerou um grande afluxo de recursos financeiros. Isso fez com que eles

passassem a ser organizados em locais mais interessantes, funcionais, bem equipados e mais

agradáveis, mas também voltados para benefícios financeiros substanciais. Neste contexto, a

relação entre ciência e dinheiro mudou, pois este, necessário para realizar conferências

científicas, tornou-se um meio de gerar benefícios financeiros significativos e não,

essencialmente, de promover o desenvolvimento “científico”.

Azize (2010a; 2010b), ao fazer uma pesquisa etnográfica em um congresso de psiquiatria,

aponta questões interessantes referentes à dinâmica de interação entre médicos e empresas

farmacêuticas, no que diz respeito às propagandas de medicamentos dirigidas aos médicos.

Essa dinâmica de interação começaria pelo reconhecimento de um possível prescritor de

medicamentos, que se daria através do crachá de identificação dos participantes do congresso.

Segundo Azize (2010a), a distribuição desses crachás parecia marcar, através das diferentes

cores, certa hierarquia de prestígio, em que a posição mais alta era ocupada pelos médicos, neste

caso os psiquiatras.

Além disso, o autor chama atenção para a maneira como os propagandistas de laboratórios

e funcionários dos estandes se dirigiam aos profissionais não prescritores:

Independentemente da minha vontade, naquele ambiente eu seria chamado

repetidamente de 'doutor', já que, em caso de dúvida, os propagandistas dos

laboratórios e funcionários dos estandes partem do pressuposto de que os participantes

do congresso são médicos ou estudantes de medicina. (AZIZE, 2010a, p. 66).

Isso pode evidenciar, dentre outras coisas, a preocupação dos propagandistas

farmacêuticos com a possibilidade de perderem o contato de algum prescritor, já que, às vezes,

não é possível, de imediato, conferir tal informação através do crachá de identificação dos

participantes.

Vale lembrar também que, nos congressos médicos, os laboratórios farmacêuticos lançam

mão da estratégia que consiste em cadastrar profissionais desejosos de receberem,

posteriormente, a visita de propagandistas farmacêuticos em seus consultórios (AZIZE, 2010a).

Ou seja, quanto mais médicos cadastrados no congresso, maior a possibilidade de prescrições

de medicamentos e, como já dito antes, maior a possibilidade de lucro para as empresas

farmacêuticas.

Ainda sobre a divulgação de medicamentos à classe médica em congressos científicos,

Azize (2010a; 2010b) −assim como Giami (2009b) − destaca que tais espaços acabam

54

funcionando como áreas de lazer, em que os congressistas ganham alimentação, recebem

brindes diversos, participam de sorteios e ainda podem socializar. Além disso, é possível

observar, nesses eventos, um local singular de divulgação farmacêutica dirigida aos médicos,

os chamados "Simpósios da Indústria":

Alguns simpósios, chamados justamente de 'Simpósios da Indústria', são organizados

pelos laboratórios farmacêuticos com objetivos específicos de divulgação. Em alguns

casos, é possível encontrar o mesmo profissional apresentando trabalhos em

atividades diversas, como por exemplo, em uma conferência especial e em um

simpósio da indústria, o que demostrava haver trânsito entre as áreas científicas e

comercial do congresso. (AZIZE, 2010b, p. 370).

Desta forma, além de indicar peculiar interação entre a classe médica e as empresas

farmacêuticas, a existência de tais simpósios faz dos congressos científicos potentes espaços de

divulgação e promoção de medicamentos entre os médicos, juntamente com a promoção e

divulgação de "novas" categorias diagnósticas.

Assim como Azize (2010a; 2010b) e Giami (2009b), Ravelli (2012) discute a dinâmica

de interação entre empresas farmacêuticas e classe médica nos eventos científicos, ressaltando

a importância desses espaços na construção de articulações marcadas por interesses diversos,

que podem ser mais ou menos explícitos dentro desses locais, dependendo do tipo de contato

estabelecido entre médicos e indústria farmacêutica.

Ele procurou, em seu trabalho, analisar a “biografia social” de um antibiótico muito

prescrito na França, traçando um caminho de pesquisa desde a investigação até a

comercialização do medicamento, passando pela produção industrial. O autor propõe a

apresentação de uma cadeia de interações entre os atores envolvidos nesse longo processo. Ao

abordar os mecanismos estratégicos utilizados pela indústria farmacêutica a fim de influenciar

médicos prescritores e líderes de opinião (médicos renomados, especialistas bem reconhecidos

em sua área de atuação) a terem uma conduta médica favorável a seus produtos, Ravelli destaca

o congresso médico como um local em que o marketing farmacêutico e o saber médico, embora

considerados pertencentes a dimensões separadas são, na realidade, inseparáveis.

Nesse sentido, Giami (2009b) afirma que a prática da comunicação e a discussão

científica, bem como a divulgação de trabalhos científicos são atividades “não-imunes” a

ajustes sociais, econômicos, políticos e até psicológicos. Segundo o autor, a participação da

indústria farmacêutica, com suas estratégias e mecanismos de promoção e divulgação de

produtos e medicamentos toma uma “forma visível” nos estandes de laboratórios e na

distribuição de folhetos no hall de entrada dos eventos científicos, por exemplo.

55

No entanto, a influência da indústria em tais espaços vai além e pode se mostrar de

forma ainda mais explícita. Por exemplo, cada trabalho apresentado em um simpósio apoiado

pela indústria farmacêutica deve ser aprovado pela seção de regulamentação da empresa

financiadora. Além disso, as apresentações preparadas pelos pesquisadores são,

obrigatoriamente, equipadas com serviços de comunicação dessas mesmas empresas e contêm

logotipos farmacêuticos (GIAMI, 2009b). Desta forma, uma apresentação sobre algum tipo de

problema médico realizada nesses espaços pode conter, além de informações sobre causas,

sintomas e tratamento, a indicação de qual medicamento seria mais eficaz para cura ou controle

de tal problema, mesmo de maneira não tão direta, através da presença do logotipo do

laboratório produtor do medicamento nos slides da apresentação.

Assim, os eventos científicos consistem em espaços nos quais a promoção e a

divulgação concomitante de categorias diagnósticas e medicamentos − bem como mecanismos

de interação entre a classe médica e a indústria farmacêutica durante esse processo − podem ser

observados de maneira efetiva e concreta.

1.2.4 A classe médica na promoção e divulgação de categorias diagnósticas e medicamentos

1.2.4.1 Classe médica: ética e conflitos de interesse

Segundo Ravelli (2012), em períodos de crise, grandes empresas lutam em muitas frentes

para superar as ameaças que se acumulam, por meio do emprego de diversas estratégias a fim

de manter o controle de seus mercados. Neste cenário, a indústria farmacêutica se mantém

garantindo seu poder, apesar da diminuição de lucros, repetidos escândalos, esgotamento do

modelo de pesquisa para desenvolvimento de novos medicamentos e questionamentos nas áreas

médica, política e jornalística que enfrente. Tal capacidade de adaptação e reorganização

constante permite que o setor, em plena “tempestade” econômica, continue a ser considerado

um "refúgio seguro" nas bolsas de valores e alvo de críticas ferrenhas.

O autor argumenta que os escândalos envolvendo a indústria farmacêutica

impulsionaram os discursos críticos a se concentrarem em excessos, práticas abertamente

condenadas pela moral pública, com a questão do conflito de interesses presente nas etapas de

produção, promoção e divulgação de medicamentos vista como exceção e não como regra. Em

56

suma, apontavam as disfunções de um sistema sem descrever as engrenagens usuais e normais,

que também poderiam ser escandalosas.

A maioria dessas análises, portanto, teria em comum o fato de separar o curso “normal”

de andamento da indústria farmacêutica de suas “aberrações” periódicas − como se houvesse

de um lado o excepcional, o erro dramático, a falha nos sistemas de segurança e, de outro, a

“marcha” usual de uma indústria bem assistida. Logo a culpa seria do cientista corrupto, da

ganância ou da perversidade de um laboratório isolado, por exemplo.

Segundo Ravelli, encontramos nessas representações resultantes de escândalos, a

mesma ideia subjacente, que consiste em criticar os conflitos de interesses: os indivíduos

responsáveis pela “defesa de um bem público”, como o da saúde, não podem, ao mesmo tempo,

trabalhar para seus interesses pessoais ou privados, porque essa “mistura” seria prejudicial aos

interesses da sociedade. Desta forma, médicos, cientistas, experts ou líderes empresariais

seriam culpados pelos conflitos de interesse que eclodem, de tempos em tempos, na mídia. Tal

concepção, para o autor, seria baseada em uma idealização da objetividade da ciência e da

expertise.

Ravelli (2012) aponta que o código de deontologia médica francês45 contém uma série

de referências ao tema. Lá, segundo o autor, está escrito, por exemplo, que o médico, ao prestar

serviço à saúde individual e pública, “não pode alienar sua independência profissional”, deve

se “proteger” de “qualquer publicidade de interesse geral”, porque “a medicina não deve ser

praticada como um negócio”.

Assim, o conflito de interesse, que se revela ao grande público durante os escândalos,

não é somente um problema de ética profissional ou disposição política pessoal, é o sintoma de

um estado econômico e social mais profundo, que mistura, constantemente, o requisito de lucro

com as necessidades de saúde. Os textos examinados a seguir tratam do tema “conflitos de

interesse” em periódicos médicos, como um problema a ser resolvido. Consideramos

importante levar em conta esse ponto de vista em nossas reflexões.

Segundo Relman (1985), foi na década de 1980 que o tema conflitos de interesse passou

a receber mais atenção na literatura médica46. A partir daí diversos estudos que descrevem uma

45 Ordre National des Médecins. Code de déontologie médicale: décret n°95-1000 du 6 septembre 1995 portant

code déontologie médicale, articles 1, 5, 13 et 19, p. 3, 5 et 7.

46 Segundo Chamon et al. (2010), a indústria farmacêutica e a classe médica mantêm um relacionamento que se

iniciou nas primeiras décadas do século XX e acabou se expandindo, progressivamente, para diversas

atividades profissionais e médicas. Por conta disso, situações com enorme potencial de conflitos de interesse

começaram a surgir. Neste contexto, a “Declaração de Conflito de Interesse” “faz parte da transparência

científica, possibilitando ao leitor ou ouvinte avaliar se o comportamento do apresentador pode ter sido

57

ampla gama de conflitos envolvendo médicos, pesquisadores e instituições médicas foram

desenvolvidos (THOMPSON, 1993). O autor define conflitos de interesse como uma

associação de condições em que o julgamento profissional, referente a certo interesse primário,

tende a ser influenciado, de maneira indevida, por um interesse secundário. Dentre os interesses

primários, estão o bem-estar do paciente ou a validade da pesquisa, por exemplo; já o ganho

financeiro consiste em um exemplo de interesse secundário.

Goldim (2002) afirma que situações envolvendo possíveis conflitos de interesse têm

recebido atenção crescente na atualidade, principalmente quanto aos aspectos éticos e

bioéticos47 implicados nessa questão. Para ele, o tema “conflito de interesse” abarca situações

que vão além dos aspectos econômicos. Interesses pessoais, científicos, assistenciais,

educacionais, religiosos e sociais também podem estar presentes. Os conflitos de interesse têm

chances de ocorrer entre um profissional e uma instituição com a qual se relaciona ou entre um

profissional e outra pessoa. Assim, os interesses de um profissional de saúde e de seu paciente,

por exemplo, podem não ser coincidentes, da mesma forma que os de um professor e seu aluno,

ou ainda, os de um pesquisador e do sujeito da pesquisa na qual trabalha.

Reyes et al. (2007), ao se basearem em textos específicos e de diferentes associações e

comitês de pesquisa científica48, destacam que os conflitos de interesse mais comuns se

relacionam ao apoio financeiro de determinadas instituições ou entidades. Concordando com

Reyes e colegas, Thompsom (1993) destaca que as “regras” de conflitos de interesse,

geralmente, concentram-se no ganho financeiro, não porque este seja mais pernicioso quando

comparado aos outros interesses, mas por conta do dinheiro ser mais objetivo, fungível, fácil

de regularizar regras imparciais e também útil para a realização de diferentes propósitos.

Esse tipo de conflito pode existir porque o patrocinador condicionou sua ajuda à

abordagem direta ou exclusiva de uma questão específica de seu interesse, tem autoridade para

aprovar ou não a bibliografia sobre a qual a pesquisa se baseia, julga se os resultados concordam

influenciado por esses interesses privados.” (CHAMON et al., 2010, p. 107). Ou seja, é por meio dessa

declaração que o pesquisador médico informará aos leitores de seu texto científico se recebeu algum

financiamento da indústria farmacêutica para a realização da pesquisa.

47 Para Oliveira (2005), a expressão “ética médica” se define, habitualmente pelos médicos, como “o

cumprimento ao determinado pelo código de ética: deveres e direitos dos médicos” (OLIVEIRA, 2005, p.

26). Já a bioética consistiria em uma dimensão do conhecimento, por meio da qual se relaciona os valores

éticos com questões da biologia, principalmente os aspectos envolvendo a vida e saúde de seres humanos,

dentro de um meio ambiente.

48 Para mais detalhes ver Reyes et al. (2007).

58

com seus interesses, é responsável pela análise estatística do trabalho, participa da interpretação

dos resultados, da preparação do manuscrito ou da escolha da revista à qual o texto foi enviado

(REYES et al., 2007)49.

Em alguns casos, segundo os autores, a entidade patrocinadora determina que um dos

autores do texto científico seja alguém com dependência laboral ou vínculos comerciais com

ela. A declaração de existência ou inexistência de conflitos de interesse deve ser ratificada com

a assinatura de cada um dos autores do manuscrito. No entanto, na maioria dos textos

submetidos a revistas que exigem tal procedimento, os autores declaram que o apoio recebido

não comprometeu sua “independência” científica.

Nesse sentido, Chamon et al. (2010), ao indicar o trabalho de Bodenheimer (2000) como

uma referência, aponta que apesar da maioria dos pesquisadores médicos negarem que sua

relação com a indústria comprometa a suposta objetividade de suas pesquisas, existem cada vez

mais evidências sobre a maior probabilidade de pesquisadores ligados a empresas farmacêuticas

relatarem e interpretarem resultados favoráveis a determinado medicamento. Já os

pesquisadores independentes, ou seja, sem vínculo com a indústria, tendem a ser mais críticos50.

Segundo Thompsom (1993), os conflitos são mais ou menos problemáticos dependendo

da probabilidade de o julgamento profissional ser (ou parecer) influenciado por um interesse

secundário e da gravidade do dano que essa influência possa (ou pareça) causar a algo ou

alguém. Assim, quanto maior for o interesse secundário, mais provável será sua influência

sobre a postura do profissional diante de determinada questão. Outro fator que pode afetar a

probabilidade de alcance do conflito consiste na natureza do relacionamento estabelecido entre

as partes envolvidas no processo. Quanto mais longas e mais próximas as relações, maiores são

as chances de tal tipo de influência ocorrrer. Um relacionamento contínuo como membro do

conselho ou parceiro de um patrocinador industrial, por exemplo, pode gerar mais problemas

envolvendo conflitos de interesse do que uma única concessão ou presente (THOMPSOM,

1993).

Para Filho (2010), no entanto, o maior problema, na maioria das vezes, não consiste na

existência de conflitos de interesse, mas sim na ausência da declaração destes. Como afirma

Chamon et al. (2010): “A caracterização de conflito de interesse não necessariamente significa

49 Goldim (2002) destaca que o conflito de interesses pode ser exemplificado também pelo estabelecimento de

cláusulas de não-divulgação de resultados negativos da pesquisa ou pelo adiamento desta divulgação, com a

finalidade de resguardar o potencial mercado de determinado produto ou serviço.

50 Para Chamon et al. (2010), outro aspecto que deve ser discutido é a participação da indústria na elaboração

de diretrizes que padronizam tratamentos de doenças. Segundo os autores, isso consistiria, possivelmente, em

uma das causas de maior impacto em relação às prescrições de medicamentos.

59

que os envolvidos não mereçam credibilidade. Permite sim, que se tenha ideia dos personagens

envolvidos no processo e suas motivações.” (CHAMON, et al. 2010, p. 107). Nesse sentido,

Reyes et al. (2007) enfatizam que a publicação da declaração de conflitos de interesse melhora

a transparência de um documento, estimula a confiança em seus autores, nos periódicos que

publicam suas obras e na maneira como determinada profissão se apropria de uma informação

que afirma ter utilidade coletiva.

No Brasil, O Código de Ética Médica (17 de setembro de 2009), a Resolução 196/96 do

Conselho Nacional de Saúde, a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 96/2008 da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária e a Resolução 1.595/2000 do Conselho Federal de Medicina

fazem menção aos conflitos de interesse. De acordo com este Código, no seu artigo 104, “é

vedado ao médico deixar de manter independência profissional e científica em relação a

financiadores de pesquisa médica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens

pessoais”. Já no artigo 109, afirma-se que “é vedado ao médico deixar de zelar, quando docente

ou autor de publicações científicas, pela veracidade, clareza e imparcialidade das informações

apresentadas, bem como deixar de declarar relações com a indústria de medicamentos, órteses,

próteses, equipamentos, implantes de qualquer natureza e outras que possam configurar

conflitos de interesses, ainda que em potencial”.

A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (alínea b do item III.3) declara que

“a pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá assegurar a

inexistência de conflito de interesses entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa ou

patrocinador do projeto”. A resolução RDC 96/2008 da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária, no parágrafo segundo do artigo 42, afirma que “os palestrantes de qualquer sessão

científica que estabeleçam relações com laboratórios farmacêuticos ou tenham qualquer outro

interesse financeiro ou comercial devem informar potencial conflito de interesses aos

organizadores dos congressos, com a devida indicação na programação oficial do evento e no

início de sua palestra, bem como, nos anais, quando estes existirem”.

A Resolução 1.595/2000 do Conselho Federal de Medicina ( artigo 2) determina “que os

médicos, ao proferirem palestras ou escreverem artigos divulgando ou promovendo produtos

farmacêuticos ou equipamentos para uso na medicina, declarem os agentes financeiros que

patrocinam suas pesquisas e/ou apresentações, cabendo-lhes ainda indicar a metodologia

empregada em suas pesquisas – quando for o caso – ou referir a literatura e bibliografia que

serviram de base à apresentação, quando essa tiver por natureza a transmissão de conhecimento

proveniente de fontes alheias”.

60

Internacionalmente, o International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE), o

American Medical Association Manual of Style e o Council of Science Editors (CSE) fazem

recomendações referentes à necessidade de que os envolvidos no processo de publicação

(autores, revisores e editores) exponham seus conflitos de interesse, sejam eles realmente

existentes ou simplesmente potenciais, a fim de prevenir ambiguidades (CHAMON et al.,

2010).

Para os autores, a área de educação médica consiste em outra fonte constante de

questionamentos acerca dos conflitos de interesse envolvendo a classe médica e a indústria

farmacêutica. Desta forma, quando há participação da indústria nesse tipo de atividade, ainda

que seja somente na programação, isso deve ser caracterizado. Tal atitude permite ao público

assistir a um evento sabendo dos interesses envolvidos. Por conta de tudo que já foi discutido,

podemos pensar na posição peculiar ocupada pelos profissionais de marketing farmacêutico ao

promoverem seus produtos para uma classe inserida num contexto de legislação de saúde que,

muitas vezes, pode restringir suas ações promocionais de venda.

Os médicos, como já foi dito anteriormente, são os principais alvos da publicidade

farmacêutica, por conta da prescrição médica. A “arte” do marketing farmacêutico consiste,

portanto, em transformar as disposições prescritivas, ou seja, mudar os hábitos dos médicos,

convencendo-os a prescreverem medicamentos em maior quantidade ou aumentarem o espectro

de prescrição dos medicamentos (RAVELLI, 2012).

Segundo o autor, a indústria farmacêutica é um dos setores que mais gasta em publicidade

e informações médicas, cujos serviços de marketing são os mais consistentes. No entanto, o

marketing farmacêutico está sujeito a uma dupla restrição particularmente forte, é necessário

vender, mas é necessário respeitar a rigorosa legislação de Saúde Pública que vigora no país.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que os propagandistas são estimulados a usarem toda

criatividade e estratégias de influência para convencerem os médicos a prescreverem os

produtos que promovem, deparam-se com a constante exigência de se referirem aos

regulamentos vigentes. A legislação francesa, similarmente à brasileira, proíbe a publicidade

de medicamentos direta aos pacientes, com exceção dos que possam ser comprados sem receita

médica.

Assim, a ética, envolvendo a relação médico/indústria farmacêutica, parece não ser

definida com base em princípios morais, mas pragmaticamente, de acordo com os regulamentos

em vigor, ou seja, é “ético” aquele que, entre as propostas de marketing, respeita a lei. É ético

o que permanece circunscrito no quadro regulamentar do Código de Saúde Pública vigente no

país, por exemplo. É aqui, para Ravelli, (2012), que a medicina, traduzida em forma regulatória,

61

desempenha um papel de lembrete para a ordem das fronteiras do marketing, ou seja, impõe,

teoricamente, por meio de práticas e códigos desenvolvidos na área biomédica um limite às

empresas farmacêuticas no que diz respeito ao conteúdo das propagandas de medicamentos

dirigidas tanto ao público leigo quanto aos médicos.

1.2.4.2 Publicações, palestras e “aulas” médicas em eventos científicos

Miguelote e Camargo Jr. (2010) discutem as articulações existentes entre a indústria

farmacêutica e a “indústria do conhecimento”, expressão proposta por Camargo Jr. (2009)51

para definir “a configuração contemporânea dos processos de negociação da produção

científica, que envolve a construção do conhecimento médico e a produção de artigos

científicos.” (MIGUELOTE; CAMARGO Jr., 2010, p. 191). Para a indústria farmacêutica é

importante a associação entre o medicamento lançado no mercado e o conhecimento científico,

pois é por meio da caracterização do produto como “evidência científica” que a sua promoção

e divulgação é direcionada. Desta forma, a indústria farmacêutica se utiliza da legitimação

científica como estratégia de marketing para a venda de seus produtos.

Sismondo (2009) aponta diversas estratégias utilizadas pela indústria farmacêutica

visando promover seus produtos por meio de publicações científicas. Ele aponta a existência

do “planejamento de publicação” de pesquisas patrocinadas pela indústria farmacêutica, em que

as publicações seriam cuidadosamente construídas e apresentadas. Publicar apenas a parte do

estudo que seja favorável; financiar várias pesquisas e apresentar somente as que possuam

resultados favoráveis; publicar o mesmo estudo em várias revistas científicas a fim de sugerir

a existência de diversas pesquisas com os mesmos resultados positivos; minimizar ou “criar”

incerteza em relação ao risco do uso de determinado medicamento são exemplos de estratégias

de publicação utilizadas pela indústria farmacêutica com o objetivo de atingir seus interesses

de comercialização. (MICHAELS, 2008).

Além disso, estudos clínicos são enviados para aprovação e edição acadêmica, em que

pesquisadores exercem o papel de “endossadores” da pesquisa, pois emprestam apenas seus

nomes aos trabalhos, sem qualquer outro tipo de participação. O fato de pesquisadores

51 CAMARGO JR., K. R. Public health and the knowledge industry. Rev Saude Publica, v.43, n.6, p.1078-83,

2009.

62

acadêmicos aparecerem como autores de tais estudos colaboraria para a imagem de uma

“pesquisa independente”, realizada sem a interferência de interesses específicos. (HEALY,

2006; LAKOFF, 2006; SISMONDO, 2009).

Nesse sentido, Angell (2008) aponta que os médicos recebem dinheiro ou presentes das

empresas farmacêuticas quando atuam como palestrantes em encontros patrocinados pela

indústria farmacêutica, como “ghostwriters”52 de artigos sobre pesquisas também patrocinadas

pela indústria e como pesquisadores de estudos, que medicam seus pacientes com uma droga

para, posteriormente, repassarem os resultados ao laboratório farmacêutico. Vale ressaltar que

a prática envolvendo produção de textos científicos não ocorre somente em revistas periféricas

e artigos de revisão. Ela acontece também nos mais prestigiados jornais e revistas científicas53

e, na maioria das vezes, em estudos clínicos randomizados. (HEALY, 2006).

Após essa etapa, a estratégia consiste na certificação de que as informações publicadas e

os artigos científicos sejam amplamente disseminados na esfera médica. (ANGELL, 2010). Já

destacamos, anteriormente, que os médicos, por serem os responsáveis legais pela prescrição,

são, geralmente, o alvo preferencial da publicidade farmacêutica (BARROS, 2004). Tal

publicidade se utiliza de estratégias diversas a fim de influenciar o maior número de prescrições

possíveis. Conferências, congressos e outros tipos de eventos científicos são utilizados para que

tal objetivo seja atingido. Nesses encontros, os “autores” dos trabalhos e outros especialistas

descreveriam o sucesso dos medicamentos para os usos aprovados.

Laguardia (2013) defende a divulgação de resultados envolvendo os ensaios clínicos,

apontado tal ação como de suma importância para a divulgação de informações científicas de

qualidade:

O compromisso com a divulgação dos resultados de todos os pacientes envolvidos em

ensaios clínicos baseia-se nas noções de altruísmo e bem público comum, nos esforços

de reduzir o viés de publicação e a duplicação desnecessária de esforços de pesquisa,

na agregação de maior valor aos resultados da pesquisa ao prover uma fonte de

informação confiável e não enviesada para revisões sistemáticas, metanálises e

diretrizes baseadas em evidências (LAGUARDIA, 2013, p. 1053)

52 Escritores pagos para escreverem textos científicos que serão assinados, posteriormente, por outros autores,

cientistas proeminentes. Desta forma, o nome do verdadeiro escritor do artigo fica no anonimato. Essa prática

tem sido utilizada na esfera médico-científica com o objetivo de “mascarar” possíveis conflitos de interesse

nas pesquisas, como o patrocínio da indústria farmacêutica.

53 Reyes et al. (2007) apontam que a opinião de avaliadores externos, os esclarecimentos e as modificações

feitas pelos autores em uma versão corrigida, bem como a decisão adotada pelos editores podem fazer parte

desse processo tendencioso.

63

Ele destaca que, no decorrer da última década, diversas iniciativas visando tornar as

informações de pesquisas clínicas transparentes e de acesso aberto se desenvolveram e

acabaram impulsionando a criação do International Clinical Trials Registry Platform, da

Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2007. Segundo o site da OMS, a missão dessa

plataforma seria a de garantir que dados de pesquisas científicas sejam acessíveis a todos os

atores envolvidos em tomadas de decisões na área da saúde, melhorando, assim, a transparência

da pesquisa e, consequentemente, fortalecendo a validade e o valor das informações

científicas54.

Ao mencionar a revisão da Declaração de Helsinque55 ,de 2008, o autor frisa que, no seu

artigo 30, constam as obrigações éticas de autores e editores ao publicarem e divulgarem

resultados de pesquisas. Eles devem tornar público os resultados negativos, inconclusivos e

positivos, as fontes de financiamento, afiliações institucionais e conflitos de interesse.

Quanto à América Latina, Laguardia destaca recomendações nesse sentido do Centro

Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) aos editores

de revistas científicas da área da saúde, indexadas na Scientific Electronic Library Online

(SciELO) e na LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências

da Saúde). Em relação ao Brasil, menciona a criação do Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos

(ReBEC)56 e a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA; RDC nº 36,

de 27 de junho de 2012), documentos que fomentam o registro e a disseminação das

informações, na língua portuguesa, de pesquisas clínicas realizadas no Brasil.

Voltando à questão das prescrições médicas, conforme observa Ravelli (2012), com o

objetivo de aumentar as prescrições, a indústria farmacêutica “corteja” as personalidades mais

influentes no meio médico, de alta notoriedade científica e “crédito científico” sólido. O papel

desses médicos seria o de “influenciar os influenciadores” construindo redes de opiniões

favoráveis aos seus produtos, que serão “absorvidas” pela “massa” de prescritores. Cada um

desses líderes de opinião, ao participar de seminários, simpósios e ser autor de artigos

54 Disponívem em: http://www.who.int. Acesso em: 10 abr. 2018.

55 Documento desenvolvido pela Associação Médica Mundial, em 1964, contendo um conjunto de princípios

éticos que regem a pesquisa com seres humanos. Já foi revisado diversas vezes.

56 De acordo com site do governo, O ReBEC consiste em “uma plataforma virtual de acesso livre para registro

de estudos experimentais e não-experimentais realizados em seres humanos e conduzidos em território

brasileiro, por pesquisadores brasileiros e estrangeiros [...] é um projeto conjunto do Ministério da Saúde

(DECIT\MS), da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)”

(Disponível em: http://www. ensaiosclinicos.gov.br/. Acesso em: 10 abr.2018).

64

científicos amplamente distribuídos, promove uma determinada marca, ainda que, muitas

vezes, possa fazer o mesmo com várias marcas de empresas farmacêuticas (LAKOFF, 2008).

Tal dinâmica concretizar-se-ia pela participação dessas personalidades médicas tanto na

colaboração de ensaios clínicos relativos aos produtos farmacêuticos, quanto na organização de

simpósios, em que a marca em questão é apresentada de maneira favorável, nos congressos

médicos. Além disso, é mantido um diálogo suficientemente habilidoso com os especialistas,

que fazem parte das instituições oficiais de regulamentação e controle de questões referentes à

saúde, com o objetivo de estes trabalharem a favor dos produtos farmacêuticos. Tudo isso

ocorre devido à necessidade de se fornecer fórum e credibilidade para esses estudiosos

influentes, também conhecidos como KOLs, ou Key Opinion Leaders que, muitas vezes, são

ouvidos por centenas ou milhares de médicos (RAVELLI, 2012).

Assim, segundo o autor, o discurso desses médicos, de grande status nacional e

internacional, possuem um peso de autoridade perante a “massa de prescritores”. A função

daqueles é muito mais transversal do que a dos médicos prescritores, já que lidam com os

ensaios clínicos e, como tal, têm um conhecimento muito mais profundo dos detalhes científicos

dos medicamentos. Pode-se, então, perceber que a “cadeia de medicamentos” não é de forma

alguma uma linha direta, mas um conjunto de loops, cujo controle de interseções é importante

(RAVELLI, 2012), em que participam atores importantes para sua promoção e divulgação, os

líderes de opinião e os médicos prescritores57.

Ao participar de um congresso de infectologia, realizado na França58, Ravelli descreveu o

que chamou de “espaço das marcas” e “espaço das moléculas”. O primeiro era constituído por

cinquenta e seis estandes de laboratórios farmacêuticos, dispostos em sete fileiras, de acordo

com uma lógica de blocos escalonados, que impunha, segundo ele, um deslocamento em

ziguezague para os mil e quinhentos médicos registrados no evento. O segundo, composto por

dois auditórios, denominados “Einstein” e “Pasteur”, foi o espaço no qual os colóquios

científicos ocorreram. Tais eventos foram organizados por empresas farmacêuticas.

De acordo com o autor, os simpósios − acompanhados por gerentes de produtos, médicos

e alguns visitantes de cada laboratório −foram comentados, analisados, criticados nos estandes

57 Fishman (2004), ao discutir a comodificação da disfunção sexual feminina, em um cenário que envolve a

participação de diferentes atores, como cientistas, médicos clínicos, governo e mercado, aponta o papel

fundamental dos cientistas no processo de promoção de novos medicamentos. Tais atores seriam, neste caso,

médicos e psicólogos renomados, com cargos em instituições médicas de ensino e portadores de um “capital

simbólico”, traduzido pela função de mediadores entre os produtores de medicamentos (empresas

farmacêuticas) e os consumidores (médicos e pacientes).

58 Congresso realizado em Montpellier, no ano de 2010.

65

e corredores, construindo uma arena de competição entre as empresas, em que as “regras do

jogo” eram, principalmente, “científicas”. Aqui, quanto menos a marca aparecia, mais a

molécula se beneficiava. A exigência dessa separação, paradoxalmente, garantiria uma melhor

credibilidade.

Segundo o autor, a “disputa” entre os laboratórios não foi direta, porque nenhum dos

falantes era um empregado assalariado de uma empresa farmacêutica. Tal batalha funcionou

através da voz de vários líderes vistos como independentes, que apresentaram seus próprios

resultados de pesquisa, mas sob a tutela da indústria farmacêutica. Cada uma das apresentações

do simpósio incluiu tabelas estatísticas, em que eram mencionadas fontes, margens de erro e a

metodologia.

Ravelli observou que, durante as apresentações, havia, constantemente, a suspeita ou a

realidade de conflitos de interesse. Antes de cada apresentação do simpósio, o médico deveria

comunicar legalmente suas colaborações com os laboratórios. Isso foi feito muito rapidamente,

às vezes, com humor: “Não tenho conflitos de interesses, pelo menos não é do meu

conhecimento”, “Transmito meus conflitos de interesse que não têm interesse”, ou “Aqui estão

meus conflitos de interesses”, esta última pronunciada com um sotaque francês

deliberadamente exagerado e irônico, como se quisesse enfatizar a artificialidade da declaração,

segundo o autor.

Para Ravelli, se, por um lado, a organização do congresso foi espacialmente binária,

socialmente foi ternária. Entre o espaço das marcas, controlado pelos laboratórios e o espaço

das moléculas, realizado pelos especialistas sob a influência dos laboratórios, circulavam os

médicos “comuns” e os especialistas que não faziam parte da elite científica. Essa organização

socioespacial funcionou como um “mercado fantasma”, no sentido de que os bens estavam

fisicamente ausentes, mas onipresentes visualmente e verbalmente. Desta forma, foi expresso

nesse congresso, como ocorre em tantos outros, que, para aumentar o seu volume de negócios,

os grandes grupos industriais organizam, controlam e orientam as ideias científicas

transformando em mercado os espaços de debate de medicina e ciência.

No entanto, apesar de serem necessários para a estratégia comercial, os congressos

médicos são, fundamentalmente, insuficientes, isto é, há a necessidade de convencer,

individualmente, cada médico prescritor por meio da visita médica, que permanece o

instrumento essencial de promoção e divulgação de medicamentos (RAVELLI, 2012). É aí que

o propagandista farmacêutico tem um papel fundamental.

66

2 SAÚDE MASCULINA: HORMÔNIOS, SEXUALIDADE E ENVELHECIMENTO

2.1 Promoção e divulgação de categorias diagnósticas: declínio hormonal masculino

relacionado ao envelhecimento

Ao compararem a visibilidade da saúde feminina com a visibilidade da saúde masculina

pela biomedicina, ao longo do tempo, diversos autores afirmam que a saúde masculina não foi

visada pelo saber médico na mesma intensidade que a saúde feminina: “[...] uma ciência sobre

o homem, como sujeito generificado e não como representante universal da espécie humana,

encontrou e ainda encontra grandes dificuldades para se implantar.” (CARRARA; RUSSO;

FARO, 2009, p. 661)59

No entanto, os autores apontam que mudanças ocorreram, na primeira década do século

XXI. O processo de objetificação dos homens e de seus corpos, por meio de diversas disciplinas

científicas, pareceu ganhar um novo impulso. Uma conformação de fenômenos econômicos,

políticos, culturais e tecnológicos contribuíram para essa nova abordagem de intervenção sobre

os corpos masculinos:

De um lado, o aprofundamento da crítica dos movimentos feminista e LGBT ao

machismo tem feito com que os homens percam progressivamente a posição de

representantes universais da espécie humana e a relativa invisibilidade epistemológica

que tal posição lhes proporcionava. De outro, a transformação das estruturas

familiares e de padrões de masculinidade tem permitido aos homens emergirem como

consumidores de bens e serviços - entre eles os serviços de saúde- antes voltados às

mulheres ou vistos como intrinsecamente femininos. Além disso, a constatação de que

a resolução de graves problemas de saúde (como a disseminação da Aids, a

reprodução não-planejada ou o recrudescimento da violência urbana) passa

necessariamente pela mobilização da população masculina e o desenvolvimento de

tratamentos específicos e relativamente eficazes para a “impotência”, rebatizada nesse

novo contexto de “disfunção erétil”, precipitam a medicalização dos corpos

masculinos (CARRARA; RUSSO; FARO, 2009, p.661).

59 Para Carrara (1996), a luta contra a sífilis, no Brasil, especialmente no final do século XIX e início da década

de 1940, impulsionou uma grande mobilização médica e estatal. Intervenções sociais foram propostas e/ou

implementadas a fim de se combater tal doença que, juntamente com o alcoolismo e a tuberculose, era

identificada como flagelo social. Nesta conjuntura, a sexualidade e o corpo masculino passaram a ser alvos

de grandes preocupações. Porém, as campanhas de combate ao alcoolismo, à tuberculose e às doenças

sexualmente transmissíveis não foram suficientes para que se formulassem políticas públicas voltadas

especificamente à população masculina, pelo menos não como ocorrera com a população feminina.

(CARRARA; RUSSO; FARO, 2009).

67

Desta forma, a temática da saúde do homem vem sendo incorporada em debates no

campo médico-científico, assim como na saúde pública em geral, em que questões de políticas

de saúde, prevenção de doenças, busca e organização de serviços de saúde abordam, de maneira

direta ou indireta, aspectos considerados específicos do corpo masculino (GOMES et al., 2014).

O lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem60 (PNAISH) pelo

governo brasileiro, em 2009, consiste em um exemplo dessa incorporação, que tem na saúde

sexual masculina um de seus principais eixos61.

A construção e a emergência da categoria disfunção erétil, situada na dimensão da

sexualidade masculina, é considera por diversos autores62 um marco no que diz respeito à

medicalização do corpo masculino. Giami (2009a), por exemplo, ao retratar a recente

transformação do conceito de impotência, considerada desordem psicossocial, em disfunção

erétil, de etiologia principalmente orgânica, destaca como a construção dessa nova entidade

clínica foi associada, em certo momento, ao desenvolvimento e promoção de uma nova classe

de drogas, os inibidores da fosfodiesterase, dentre eles o medicamento Viagra®, o primeiro a

ser lançado no mercado, em 2008.

Já Faro e colegas (2010) apontam o lançamento do Viagra®, utilizado no tratamento da

disfunção erétil, como fator fundamental no processo de consolidação da disfunção erétil em

fenômeno fisiológico. Para as autoras, esse medicamento, considerado de fácil administração,

não invasivo e bem tolerado pelo organismo, impulsionou uma série de reconfigurações da

sexualidade masculina e da masculinidade, o que contribuiu para a ampliação gradual do

conceito de disfunção erétil, com consequente expansão do mercado consumidor.

Ao mesmo tempo em que o Viagra e as outras drogas utilizadas para garantir ou

“melhorar” a performance sexual masculina prometem uma masculinidade “otimizada” e

“confiante”, também produzem uma variada gama de ansiedades em relação à qualidade e ao

60 Segundo o Ministério da Saúde, essa política foi desenvolvida, principalmente, a fim de promover ações de

saúde, contribuindo, de maneira significativa, para a compreensão da ímpar realidade masculina, nos

diferentes contextos socioculturais e econômicos, respeitando os diversos níveis de desenvolvimento e

organização dos sistemas locais de saúde e tipos de gestão (BRASIL, 2009).

61 Vale ressaltar a efetiva participação da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) na implantação dessa

política, tendo como objetivo principal a caracterização da disfunção erétil como problema de saúde pública

(CARRARA; RUSSO; FARO, 2009). A SBU também promoveu o Movimento pela Saúde Masculina,

campanha voltada para a orientação da população masculina, realizada em 2010, focando sua ação em torno

da disfunção erétil, doenças da próstata e andropausa (ROHDEN, 2014). Para a autora, o Movimento pela

Saúde Masculina consiste em um evento estratégico para se compreender o fenômeno caracterizado por uma

maior medicalização da sexualidade masculina, nas duas últimas décadas.

62 Carrara, Russo e Faro (2009), Giami (2009a), Faro et al. (2013), Russo (2013), Azize (2011), Marshall

(2007; 2006; 2002), Marshall e Katz (2002).

68

tempo de duração da ereção. Assim, a implícita concepção de que a sexualidade masculina

centrada na ereção é instável e a noção de que sem o fármaco toda sexualidade masculina seria

incerta contribuem para a normatização e racionalização da sexualidade masculina,

tradicionalmente representada como “selvagem”, “instintiva” e “incontrolável”:

Paradoxalmente, é por meio da tecnologia farmacológica que se oferece aos homens

o resgate de suas características “primordiais”, da sua “verdadeira natureza sexual”.

Assim renovado, o homem sexualmente potente, confiante, rígido e eficaz é um

produto hibrido corpo-tecnologia, “super-natural”, na fronteira cada vez mais

esfumaçada entre natureza e cultura. (FARO et al., 2010, p. 15).

Além da disfunção erétil, Azize (2011) aponta também que a andropausa e os

tratamentos por meio da terapia de reposição hormonal com testosterona ocupam uma posição

de vanguarda quanto à medicalização de aspectos considerados pertencentes à esfera masculina:

“Após o fenômeno da disfunção erétil, de ampla visibilidade, a andropausa63 e os tratamentos

de reposição hormonal à base de testosterona parecem abrir uma nova frente de medicalização

da masculinidade” (AZIZE, 2011, p. 191).

Desta forma, nessa nova conjuntura de medicalização do corpo masculino, em que a

saúde masculina vem sendo abordada principalmente por meio de questões associadas, direta

ou indiretamente, à dimensão da sexualidade (disfunção erétil, libido, virilidade, entre outras)

podemos notar, nos discursos médicos, uma associação entre declínio hormonal masculino

relacionado ao envelhecimento e aspectos da saúde sexual masculina. O que indica, neste caso,

não só uma medicalização do envelhecimento masculino, mas também uma medicalização da

sexualidade masculina. Como sugere Azize (2011):

O que, afinal, é medicalizado no corpo masculino? Possivelmente queixas

relacionadas ao envelhecimento, afinal essa é a relação com a reposição com

testosterona. Mas não seria ainda a principal queixa o item virilidade, que faz parte,

sim, dos critérios diagnósticos da andropausa? (AZIZE, 2011, p. 194).

O declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento é identificado, no meio

médico, por meio dos níveis do hormônio testosterona no sangue, em homens a partir da meia-

idade (em torno dos 40 anos). Tal declínio caracteriza-se por sintomas como fadiga, depressão,

perda da libido, disfunção erétil, diminuição do tecido muscular, entre outros (BONACCORSI,

63 O autor usa o termo “andropausa” em seu texto quando se refere ao declínio hormonal masculino relacionado

ao envelhecimento. Mais adiante, discutiremos as diferentes terminologias utilizadas para caracterizar esse

declínio.

69

2001). A terapia de reposição hormonal com testosterona (TRH) é apresentada como tratamento

eficaz para a resolução desse problema médico. Ele pode ser feito via oral, tópica (adesivos

transdérmicos), subcutânea (implantes) e intramuscular. Porém, devido ao seu longo tempo de

ação e maior segurança quanto aos efeitos hepáticos adversos, a injeção intramuscular é a mais

indicada pelos médicos. (BARBOZA; SILVA; DAMIÃO, 2010)64.

Há diferentes categorias/terminologias diagnósticas empregadas entre os médicos para

caracterizar tal declínio como uma perturbação, um distúrbio ou uma deficiência, isto é, algo a

ser reparado: andropausa, climatério masculino, menopausa masculina, late-onset

hypogonadism (LOH) ou hipogonadismo masculino tardio, DAEM ou ADAM (Distúrbio ou

Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino ou Androgen Deficiency of the Aging

Male), PADAM (Partial Androgen Deficiency of Aging Male) e, mais recentemente, TDS ou

SDT (Testosterone Deficiency Syndrome ou Síndrome da Deficiencia de Testosterona)

(MORALES et al., 2006)

Em minha pesquisa de mestrado verifiquei que apesar de tais categorias e terminologias

apresentarem vários pontos em comum − como a similaridade na descrição de sintomas

referentes ao declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento − não era possível

considerá-las sinônimos, isto é, crer que a única diferença entre elas estaria em suas

nomenclaturas. Existem diferenças observadas tanto no processo de construção dessas

terminologias e categorias diagnósticas, quanto no modo pelo qual elas apresentam o declínio

hormonal masculino relacionado ao envelhecimento.65

Nos últimos anos, observamos, no Brasil, a promoção e a divulgação da categoria

diagnóstica DAEM (Distúrbio ou Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino)66

pela urologia, tanto na esfera leiga quanto na esfera médico-científica (ROHDEN, 2011). A

urologia vem se afirmando como especialidade médica responsável por tratar problemas

relacionados à saúde masculina, especialmente os da esfera sexual, em que o declínio hormonal

masculino relacionado ao envelhecimento é incluído.

64 Foram lançados, mais recentemente, as formas farmacêuticas de testosterona em gel e roll on. Voltaremos a

esse assunto em outra parte do trabalho.

65 Para saber mais ver Thiago (2012).

66 O termo DAEM (Distúrbio Androgênico do Envelhecimento Masculino) é o equivalente em português ao

termo ADAM (Androgen Deficiency of Aging Male), proposto por Morley e Perry, em 1999.

(FERNÁNDEZ e ACOSTA, 2008). Segundo Morley e Perry (1999), estudos sugerem que essa deficiência

androgênica ocorre, predominantemente, devido a uma “falha” bioquímica, resultando na diminuição dos

níveis de testosterona sanguíneos em homens mais velhos.

70

Rohden (2012) chama atenção para características envolvidas no discurso sobre o

DAEM:

Por meio do discurso em torno do DAEM, os homens também passam a ser alvos

desse tipo de investimento que privilegia a associação entre hormônios, juventude,

sexualidade e saúde. No caso específico da conjunção entre envelhecimento e

sexualidade, há que se notar que a promoção das novas drogas e recursos caminha

lado a lado com a promoção de modelos de comportamento centrados na valorização

do corpo jovem, saudável e sexualmente ativo. E no que se refere ao caso masculino,

é necessário observar a criação de novas narrativas que aproximariam os homens de

mais idade de um modelo mais feminino, no sentido de mais vulneráveis e mais

sujeitos às intervenções médicas, em um processo constante de “vigilância da

virilidade”. (RODHEN, 2012, p. 197).

Pode-se concluir, então, segundo a autora, que o diagnóstico de DAEM, no Brasil,

vincula-se a uma nova concepção sobre o envelhecimento masculino, agora mais vulnerável à

intervenção tecnológica a fim de se atingir e/ou manter o ideal de um corpo saudável, jovem e

sexualmente ativo. A terminologia/categoria DAEM também pode ser entendida como uma

forma de conceber a velhice como uma fase caracterizada pela deficiência, pela falta de algo

que deve ser suprido por meio de tratamento medicamentoso.

Apesar de o termo DAEM ter sido promovido, tanto no meio médico-científico quanto

no leigo, nos anos 2000, como a terminologia mais adequada para tratar o declínio hormonal

masculino relacionado ao envelhecimento, nota-se que outras terminologias, por exemplo, o

hipogonadismo, continuam sendo utilizadas em discursos médico-científicos de especialidades

envolvidas no diagnóstico e tratamento dessa categoria médica, principalmente a

endocrinologia e a urologia.

A urologia vem se consolidando como a especialidade médica responsável pela saúde

sexual masculina, juntamente com a promoção e a divulgação de um conjunto de diagnósticos

referentes a transtornos sexuais masculinos, como a disfunção erétil e o DAEM. Esse fenômeno

tem coincidido com o lançamento de um número considerável de fármacos voltados para o

tratamento de tais transtornos67 .

Tramontano (2011) discute as controvérsias existentes entre os médicos acerca do

diagnóstico do DAEM. Elas vão desde a pertinência do uso dessa terminologia para caracterizar

uma deficiência, até a utilização dos sintomas clínicos em conjunto com o exame laboratorial

67 O medicamento, citrato de sildenafila, de nome comercial Viagra, lançado, no Brasil, entre 1998 e 1999

(BRIGUEIRO e MAKSUD, 2009) para o tratamento da disfunção erétil e a injeção intramuscular de

testosterona, de nome comercial Nebido, lançado, no Brasil, nos anos 2000 (ROHDEN, 2011), para o

tratamento do DAEM são exemplos desse fenômeno.

71

para fins de diagnóstico. Quanto aos exames laboratoriais, o autor aponta a dificuldade de se

mensurar a concentração de testosterona na corrente sanguínea e a ausência de um teste

confiável, fazendo com que seja utilizado um método indireto de mensuração do hormônio.

Além disso, a concentração de testosterona no sangue, considerada indício do DAEM

não é consensual: “Mas o valor considerado preocupante não é consensual, como quase tudo

acerca do DAEM.” (TRAMONTANO, 2011, p. 93). A despeito de o DAEM ser uma

terminologia, dentre outras existentes, utilizadas para caracterizar o declínio hormonal

masculino relacionado ao envelhecimento, podemos associar essas controvérsias às demais

terminologias. Dentre eles, a similaridade na descrição da maioria dos sintomas referentes à

baixa hormonal. No entanto, há diferenças no processo de construção do modo pelo qual o

declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento é apresentado. No caso do

DAEM, por exemplo, a sintomatologia é a mesma da andropausa, porém, os sintomas referentes

à área sexual, como perda da libido e disfunção erétil parecem receber ainda mais destaque.

Segundo Rohden (2011), a promoção e a divulgação do DAEM, tanto na mídia em geral

quanto na área médico-científica, têm estreita relação com o lançamento da injeção

intramuscular de testosterona (Nebido) da Bayer Schering Pharma, nos anos 2000, para o

tratamento dos sintomas do DAEM. De maneira similar, parece que a promoção e a divulgação

da categoria disfunção erétil ocorreram, juntamente, com o medicamento citrato de sildenafil,

lançado, na forma farmacêutica de comprimido, em 1998, com o nome comercial Viagra, para

o tratamento da disfunção erétil (FARO et al., 2010; GIAMI, 2009a; RUSSO, 2013). É

interessante observar a proximidade cronológica de promoção e de divulgação dos dois

medicamentos e, principalmente, seus lançamentos, juntamente, com a promoção e divulgação

de supostas categorias diagnósticas “novas”.

Além disso, quanto ao DAEM, são lançados, em âmbito internacional, instrumentos de

reconhecimento e medição, considerados importantes referências no meio médico: a Escala de

Sintomas do Envelhecimento Masculino (Aging Male’s Symptoms Scale - AMS)

(HEINEMANN et al., 2003) e o ADAM Questionnarie. Tais instrumentos são utilizados, no

Brasil, principalmente pelos urologistas, como ferramentas para auxílio no diagnóstico dessa

deficiência hormonal.

A Escala de Sintomas do Envelhecimento Masculino foi desenvolvida na Alemanha,

em 1999. A ideia sobre a qual se basearam para construí-la é a de que os homens desenvolvem,

assim como as mulheres, no período da menopausa, queixas e sintomas semelhantes. Consiste

em uma ferramenta de avaliação dos sintomas de envelhecimento (independentemente daqueles

que são relacionados ao DAEM) entre grupos de homens em diferentes condições, da gravidade

72

dos sintomas ao longo do tempo e das mudanças pré e pós-terapia de reposição com

testosterona. (HEINEMANN et al., 2003).

O segundo instrumento de avaliação consiste em um questionário padronizado, o ADAM

Questionnarie, desenvolvido por Morley68, em 1999. É utilizado como uma ferramenta de

autodiagnostico para homens mais velhos, a fim de ajudá-los a reconhecerem sintomas

possivelmente relacionados a um “problema” que necessita do tratamento de reposição

hormonal com testosterona69. Ao mesmo tempo, funciona como instrumento de auxílio aos

médicos para o diagnóstico da deficiência androgênica. A construção de tal questionário foi

baseada na sintomatologia clínica do DAEM (BARBOZA; SILVA; DAMIÃO, 2010) e

apresenta perguntas genéricas como: “Você está sem energia?” / “Você está triste e/ou mal-

humorado?” 70

O argumento utilizado para justificar o uso de tais instrumentos de diagnóstico é que o

DAEM apresenta sintomas não-específicos desse distúrbio, presentes no envelhecimento

natural do homem. Portanto, a avaliação clínica necessita de instrumentos de auxílio. Além

desta, também deve ser feita a avaliação laboratorial da testosterona sanguínea dos pacientes.

(BARBOZA; SILVA; DAMIÃO, 2010).

Rohden (2011) destaca a escala AMS como uma ferramenta fundamental para a

construção dos primeiros dados referentes ao diagnóstico de DAEM, bem como para sua

promoção e divulgação. Segundo a autora, por meio do autodiagnostico essa escala proporciona

a mediação entre o possível paciente e a procura por atendimento médico e tratamento. Na

esfera médica, exerce a função de facilitadora e viabilizadora de um novo diagnóstico,

impulsionando a prescrição de um medicamento específico. Podemos seguir o mesmo

raciocínio em relação ao ADAM Questionnarie.

No caso do DAEM, notamos que a testosterona é peça-chave no processo de

reconhecimento desse distúrbio ou deficiência, como também na promoção do seu diagnóstico

e tratamento. Trata-se de um hormônio quase sempre relacionado, diretamente, à masculinidade

e à virilidade, em sintonia com o discurso hormonal, utilizado como uma das principais fontes

de explicação na medicina, desde o século XX. Além disso, é atrelada à ideia de aprimoramento,

68 John Morley, mesmo pesquisador que propôs o termo ADAM, também em 1999. É médico, professor de

gerontologia, diretor dos departamentos de Medicina Geriátrica e Endocrinologia da Faculdade de Medicina

de Saint Louis (EUA). Atua ainda como diretor do Centro Clínico de Pesquisa e Educação Geriátrica dessa

mesma universidade ( https://www.slu.edu. Acesso: 04 de março de 2018).

69 http://www.slu.edu. Acesso: 23 de maio de 2011.

70 Para maiores informações, ver Thiago (2012).

73

através do consumo de biotecnologias. Assim, a testosterona vai se tornando uma nova forma

de administração bioquímica do corpo masculino, podendo oferecer aos homens a “renovação”

da sua própria masculinidade (ROHDEN, 2011; TRAMONTANO, 2017).

Assim, depois do que foi discutido anteriormente, podemos destacar dois pontos

referentes à promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal (TRH) com testosterona

que acabam influenciando conceitos e representações sobre o binômio saúde/doença, bem como

sobre os possíveis usos e benefícios dessa tecnologia médica.

O primeiro consiste nas disputas pela legitimação de nomenclaturas/categorias

diagnósticas empregadas para caracterizar o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento. Essas disputas envolveriam a ampliação do espectro de indicação do

tratamento com testosterona e a própria legitimação de profissionais da classe médico-científica

(principalmente urologistas e endocrinologistas). O segundo diz respeito às estratégias

empregadas pela indústria farmacêutica para vender seu produto, visando influenciar,

positivamente, a classe médica e o público leigo, no que diz respeito ao consumo de

testosterona.

2.2 Testosterona e o novo envelhecer masculino: performance sexual e rejuvenescimento

Conforme percebemos a partir dos autores discutidos no item anterior, o lançamento do

DAEM como categoria diagnóstica tem como fundamento, de um lado, certas concepções

acerca do envelhecimento masculino – que, como o envelhecimento de modo geral, passa a ser

visto como uma deficiência a ser corrigida – e, de outro, o surgimento dos hormônios sexuais

como substâncias cujo potencial terapêutico deve ser explorado. São essas as duas questões que

iremos explorar neste subcapítulo.

Szymczak e Conrad (2006) chamam atenção para uma crescente preocupação com o

processo de envelhecimento masculino, em que a medicalização da velhice se torna um meio

de controlá-la ou até mesmo adiá-la. Além disso, o “culto” à estética, a constante busca pelo

aperfeiçoamento corporal, a ideia de que é necessária uma “vigilância corporal” permanente

parecem ser questões que, cada vez mais, ocupam debates em torno da saúde masculina.

Rohden (2011) também discute a configuração de novas representações, observada nas

últimas décadas, envolvendo o envelhecimento masculino, em que a dimensão da sexualidade

é privilegiada. Segundo a autora, podemos observar, atualmente, a promoção de

74

comportamentos centrados na valorização do corpo jovem, saudável e sexualmente ativo, tanto

no meio médico quanto no leigo.

Tais concepções estariam em contraste com as que admitiam uma suposta diminuição

do interesse e atividade sexual com o passar dos anos e com as consequentes alterações

corporais. Agora, o que se busca é prolongar a juventude71 ao máximo e desenvolver a melhor

perfomance sexual possível, através de hábitos disciplinares e/ou consumo de tecnologias

disponíveis. Além disso, há certa cobrança em relação ao bom desempenho sexual até o final

da vida e a visão do sexo como uma espécie de “fonte” da juventude e condição para uma vida

saudável (ROHDEN, 2011). Como aponta Lins de Barros:

Construiu-se um conjunto de saberes, de técnicas de intervenção e uma nova

sensibilidade em relação à velhice, que a apresentam como um problema social e,

simultaneamente, indicam uma alternativa positiva de se viver esta fase da vida. A

juventude é eleita como modelo a ser seguido, e não é mais compreendida como um

momento da vida, mas como um modo específico de representação de si, um modelo

de comportamento e de expressão das emoções. A juventude, positivada neste

modelo, apresenta-se como um contraste à velhice e como um padrão de vida que

deve ser estendido a todas as faixas etárias. A velhice estigmatizada, por outro lado,

não desaparece de nossa realidade. Ela é colocada, apenas, em outro lugar e adiada

para outro tempo da vida de cada um de nós. (LINS DE BARROS, 2006, p.124).

Marshall e Katz72 consideram que a expansão e o estabelecimento da categoria médica

“disfunção erétil”, juntamente com seu tratamento farmacológico, associam-se a um processo

caracterizado pela reconfiguração do envelhecimento, especialmente do envelhecimento

masculino, em que, como já mencionado, a dimensão da sexualidade passa a ser considerada

de suma importância. O sucesso clínico e de mercado do Viagra, lançado nos EUA em 1998,

que posteriormente se tornou um campeão de vendas (Marshall, 2002), teve papel fundamental

no desenvolvimento da “indústria de saúde dos homens” (Marshall, 2007) e impulsionou a

construção de estruturas institucionais e discursos sobre saúde em torno da saúde sexual e do

envelhecimento masculino, em que os corpos masculinos são vistos como locais passíveis de

intervenções biomédicas (MARSHALL, 2002, 2007).

71 Bourdieu (1983) argumenta que juventude e velhice são construídas socialmente na luta entre jovens e velhos.

A fronteira entre essas duas etapas consistiria em um objeto de disputa em todas as sociedades. Além disso,

essa fronteira estaria intimamente ligada a outros fatores, como classe social, por exemplo. Desta forma, as

relações entre idade biológica e idade social expressariam certa complexidade e variabilidade. Para o autor,

consiste em manipulação evidente falar de jovens como se eles fizessem parte de um grupo com interesses

comuns e idade biológica bem definida e demarcada.

72 Marshall (2002; 2006; 2007); Marshall e Katz (2002).

75

Como já foi dito, esse processo de medicalização do envelhecimento masculino é

caracterizado pela ideia da necessidade de se ter uma vida sexual plena em todas as idades,

inclusive nas mais avançadas. Assim, uma vida sexual feliz passa a ser vista como um meio de

se prevenir o declínio relacionado à idade, e sua ausência considerada um indício de possíveis

doenças ou desequilíbrios fisiológicos (RUSSO, 2013). Nesse contexto, as intervenções

biomédicas exercem o papel de “reparadoras” do envelhecimento, que passa a ser abordado

como uma espécie de deficiência. No caso dos homens, além da disfunção erétil, o declínio

hormonal relacionado ao envelhecimento também começa a se difundir como uma categoria

médica a ser tratada com terapia farmacológica, a reposição hormonal com testosterona, a fim

de suprir, justamente, uma deficiência desse hormônio no corpo masculino.

Segundo Oudshoorn (1994), a crescente importância dada aos hormônios impulsionou o

surgimento de tratamentos médicos voltados para a reposição hormonal tanto feminina quanto

masculina. No entanto, a terapia de reposição hormonal masculina, ao contrário da feminina,

não teve sucesso imediato73. Ao discutir a construção do “modelo de corpo hormonal”, a autora

aponta a influência de vários atores nesse processo, em que os hormônios são considerados

agentes químicos, específicos ao sexo em sua origem e função, exercendo papel decisivo na

diferenciação entre os sexos.

Dentre os atores estão a indústria farmacêutica, a classe médica (principalmente os

ginecologistas), a sociedade em geral (com os movimentos sociais, como o feminismo, e os

meios de comunicação). Oudshoorn defende que o modelo de corpo hormonal obteve sucesso,

rapidamente, entre as mulheres, já que elas, em todo o mundo, utilizam medicamentos à base

de hormônios para tratar questões referentes à fertilidade, menstruação ou menopausa.

Para Oudshoorn, o processo de desenvolvimento de medicamentos “hormonais”

envolveu três grupos principais de atores: a indústria farmacêutica, os clínicos e os cientistas

de laboratório. O laboratório farmacêutico holandês Organon, que promoveu esse tipo de

medicamento, assumiu uma posição de destaque, na década de 192074, como maior produtor de

73 Segundo Szymczak e Conrad (2006), ela ressurge impulsionada por avanços tecnológicos no campo

farmacêutico e na distribuição de medicamentos para um número crescente de problemas considerados

masculinos. Além disso, a evolução das formas farmacêuticas de apresentação da testosterona, ao longo das

últimas décadas, o que proporciona uma maneira mais eficaz e menos inconveniente de administração,

contribui para tornar os homens mais propensos ao tratamento.

74 A década de 1920 foi um marco em relação à participação da indústria farmacêutica no processo de

isolamento dos hormônios, já que se tornou necessária a coleta de uma grande quantidade de material para

realizá-lo (OUDSHOORN, 1994), algo que só poderia ser feito contando com a estrutura e os recursos dos

laboratórios farmacêuticos. Vale ressaltar que, assim como afirma Rohden (2008): “Este movimento

76

hormônios sexuais femininos. No final desta década, tais hormônios foram promovidos para

uma gama de novas indicações médicas, dentre elas infertilidade, menopausa, problemas de

órgãos genitais, distúrbios menstruais, chegando até a serem indicados para o tratamento de

esquizofrenia e melancolia (OUDSHOORN, 1994).

A autora destaca que a primeira preparação de hormônios sexuais masculinos foi

colocada no mercado pela Organon, em 1931. Ao contrário dos hormônios sexuais femininos,

a comercialização dos hormônios sexuais masculinos não foi caracterizada por altas

expectativas. Oudshoorn (1994) sugere que um dos motivos para as baixas expectativas, tanto

dos cientistas quanto do próprio laboratório Organon, estava ligada ao incidente ocorrido com

o endocrinologista Brown-Sèquard. Ele, em 1889, na tentativa de estabelecer uma ligação entre

o hormônio testosterona com o envelhecimento, injetou-se dez vezes com uma solução

composta por extratos de testículos e fluidos seminais de cães e porcos. (SZYMCZAK;

CONRAD, 2006). Esse acontecimento despertou o interesse nos tratamentos médicos para o

envelhecimento nas comunidades científicas e leigas, mas arruinou a reputação de Sèquard, que

foi denunciado como charlatão75.

Assim, na tentativa de evitar uma associação negativa dos seus produtos com essas

especulações anteriores, a Organon promoveu, inicialmente, a terapia hormonal masculina para

uma indicação totalmente diferente e especificamente descrita, o tratamento da hipertrofia da

próstata. Tal restrição direcionou a promoção da terapia hormonal masculina para os

urologistas, que acabou sendo recebida favoravelmente. (OUDSHOORN, 1994).

No entanto, a autora destaca que a Organon teria sugerido, por meio dos resultados de

suas pesquisas, outras aplicações para a terapia hormonal masculina. Dentre elas, estaria o

tratamento de distúrbios sexuais, particularmente em homens idosos (perda da libido e

impotência sexual) e de desordens psicológicas (depressão, melancolia e esquizofrenia). Desta

forma, a terapia hormonal masculina foi promovida, principalmente, como uma terapia

corresponde também à passagem de um modelo biológico para um modelo bioquímico de entendimento do

corpo humano.” (ROHDEN, 2008, p.146).

75 Segundo Szymczac e Conrad (2006), as discussões envolvendo a “terapia testicular” não se limitaram à

última década do século XIX. Elas continuaram nas primeiras décadas do século XX. Os autores destacam

que o reconhecimento de algum efeito dos testículos sobre o corpo masculino é anterior à “descoberta” da

testosterona. Havia a ideia de que um aumento da função dos testículos ampliaria ou melhoraria os “traços

masculinos”. Muitos cientistas aplicaram essa concepção explorando os testículos de uma variedade de

animais.

77

específica para a hipertrofia da próstata e, mais timidamente, para distúrbios sexuais e

psicológicos.

O isolamento da testosterona, em 1935, a partir de testículos de touro, foi fundamental

para a promoção do olhar médico sobre o envelhecimento masculino (SZYMCZAK;

CONRAD, 2006). O isolamento e a síntese desse hormônio pelas companhias farmacêuticas

foram vistos com crescente otimismo na esfera científica. A partir desse momento, a

testosterona teria ocupado o papel de um medicamento à “procura” de um problema médico

para tratar. (CONRAD, 2007).76

Segundo Hoberman (2005), a concepção de que a testosterona era um medicamento que

melhorava o desempenho ao aumentar, significativamente, a produtividade de pessoas começou

a se desenvolver em 1939, juntamente com a ideia da menopausa masculina. Aqui, a terapia de

reposição hormonal com testosterona ajudaria os homens mais velhos em posições importantes

a cumprirem suas “responsabilidades sociais e econômicas”. O autor discute, também, como o

uso da de anabolizantes à base de testosterona se tornou ferramenta de aprimoramento no meio

esportivo, impulsionando atletas a alcançarem desempenhos recordes.

Além de ter o papel de tônico muscular, aumentando o desempenho atlético, a

testosterona, denominada de “hormônio carismático” por Hoberman, tem sido considerada uma

substância rejuvenescedora, um afrodisíaco ou estimulante sexual. A construção de fantasias

acerca do rejuvenescimento e de uma performance “supernormal” atribuídas ao uso da

testosterona, desde sua síntese, fazem parte de um processo impulsionado por uma competição

entre três equipes de pesquisadores, patrocinadas por empresas farmacêuticas rivais, que

desejavam conquistar o mercado do “hormônio masculino”, assim como o já estabelecido

mercado dos hormônios femininos (HOBERMAN, 2005).

Para o autor, ao longo das décadas seguintes, o uso de testosterona e seus derivados (os

esteroides anabolizantes androgênicos77), sugere o interesse de muitas pessoas no uso de

testosterona para uma variedade de propósitos. Somado a isso, estaria o entusiasmo com a

perspectiva médica e comercial da testosterona, compartilhado por algumas das principais

76 De acordo com Conrad (2007), diversos laboratórios farmacêuticos promoveram o uso de testosterona para a

comunidade médica, por meio de uma variedade de estratégias. Assim, médicos e empresas farmacêuticas

contribuíram para reforçar o conceito de hormônios sexuais como duas entidades separadas: “hormônios

sexuais masculinos”, medicamentos para os homens e “hormônios sexuais femininos”, terapia para as

mulheres. (OUDSHOORN, 1994).

77 Segundo Cunha et al. (2004), os esteróides anabolizantes consistem em um grupo de compostos naturais e

sintéticos formados a partir da testosterona (ou um de seus derivados). A indicação do uso terapêutico

clássico desses fármacos está associada ao hipogonadismo e a quadros de deficiência do metabolismo

protéico.

78

empresas farmacêuticas desse tempo, e a disponibilidade do hormônio em forma de pílula,

“convencendo” pessoas a pensarem que, finalmente, uma maneira prática de se administrar o

hormônio teria sido encontrada.

Hoberman atribui o carisma da testosterona, principalmente, à promessa de uma

estimulação sexual e renovação de energia aos indivíduos, além de uma maior produtividade,

algo considerado relevante na sociedade contemporânea. Outro ponto importante levantado

pelo autor consiste na descrição médica de um dos efeitos da testosterona, a sensação de bem-

estar, um termo que tem sido usado, muitas vezes, ao longo do último meio século, para

caracterizar seu efeito positivo sobre o humor.

Essa questão envolvendo o hormônio testosterona, em que tal substância carrega consigo

características que a colocam numa posição singular, extrapolando a dimensão de tratamento

farmacológico, também é tratada no trabalho de Tramontano (2017). O autor explora a vida

“errante e ambígua” dessa substância, que além de ser considerada um medicamento pode ser

vista, similarmente a outros hormônios chamados sexuais, como “um caso paradigmático, no

sentido de se tratar não de uma molécula estrangeira, mas de uma substância sintetizada pelo

próprio organismo” (TRAMONTANO, 2017, p. 16).

De acordo com o autor, até mesmo o uso médico da testosterona para tratamento de

reposição hormonal é considerado por muitos críticos e parte da classe médica mais como um

tônico do que um medicamento, tendo seu valor terapêutico, muitas vezes, tratado como um

aprimoramento. Podemos pensar, a partir daí, no deslizamento da posição da testosterona em

discursos médicos-científicos. Estes que, a princípio, promovem-na como uma terapia

farmacológica eficaz para o tratamento de uma baixa hormonal, ao mesmo tempo, ainda que de

forma não tão explícita, promovem o uso da TRH com testosterona como um meio para se

atingir objetivos fora do propósito de simplesmente tratar um problema médico.

79

3 CONGRESSOS CIENTÍFICOS

Essa etapa do processo metodológico consiste na exposição, análise e discussão de

questões relacionadas, direta ou indiretamente, ao tema de pesquisa e que foram observadas em

congressos científicos. O objetivo principal foi fazer uma etnografia desses eventos, buscando

identificar e compreender aspectos que expressem características envolvidas na relação entre a

indústria farmacêutica e a classe médica, com enfoque na promoção e divulgação da terapia de

reposição hormonal (TRH) com testosterona relacionada ao envelhecimento masculino, no

contexto brasileiro.

Participei, como ouvinte, dos seguintes congressos científicos relacionados ao tema de

pesquisa:

a) XXXXVIII Congresso Científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto

(HUPE- UERJ), realizado na cidade do Rio de Janeiro, em 2010;

b) XVI Congresso Internacional de Medicina Sexual, realizado na cidade de São

Paulo, em 2014;

c) XXXV Congresso Brasileiro de Urologia, realizado no Rio de Janeiro, em

2015.

A escolha desses eventos foi baseada também na sua localização e nos gastos relativos a

inscrições e deslocamento. Desta forma, não foi possível participar de algum congresso na área

de endocrinologia, porque os que ocorreram no período da coleta de dados se realizaram no

Paraná (2014), no Espírito Santo (2015) e na Bahia (2016)78.

Começaremos a descrição e a análise dos materiais obtidos nos congressos obedecendo a

uma ordem cronológica. Acreditamos que isso facilitará a compreensão de como foi se

desenvolvendo a construção, divulgação e promoção de categoria(s) diagnóstica(s) referente(s)

a um declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, bem como foram se

sofisticando as estratégias de marketing da indústria farmacêutica, visando promover a terapia

de reposição hormonal com testosterona nesses espaços, ao longo dos anos.

Importante destacar que o Congresso do HUPE teve um caráter muito diferente dos outros

congressos analisados, por se tratar de um congresso realizado no âmbito de uma universidade,

dirigido prioritariamente a estudantes. Desse ponto de vista, a relação com a indústria foi

78 Refiro-me aqui ao Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia.

80

bastante diferente, e a própria maneira como o congresso se desenvolveu, de forma muito mais

simplificada, destaca-o dos outros.

3.1 XXXXVIII Congresso científico do Hospital Universitário Pedro Ernesto

(HUPE- UERJ)

3.1.1 Apresentando o congresso79

3.1.1.1 Informações iniciais e impressões gerais

O evento foi realizado no período de 23 a 27 de agosto de 2010. Segundo os

organizadores, o tema central do congresso foi “Saúde do Homem”. O programa final do evento

contemplou 31 cursos, 26 mesas redondas, conferências e outras atividades. Foi objetivo do

congresso contribuir com a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças que mais

frequentemente acometem o homem na faixa etária após 25 anos, assim como discutir, neste

contexto, a formação dos profissionais de saúde. Tratou-se de um congresso de pequeno porte,

com poucos participantes, ao compararmos com os outros dois que participei. Vale destacar

que esse evento ocorreu, aproximadamente, um ano depois do lançamento da Política Nacional

de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), que tem na saúde sexual masculina um de

seus principais eixos, como já mencionado anteriormente.

A fim de conseguir informações sobre o evento das quais não me lembrava, como presença

de estandes de empresas expositoras, especialidades médicas e áreas de saúde envolvidas no

congresso, entrei em contato com a Comissão Organizadora do evento, que me forneceu o email

do coordenador do congresso, o urologista Ronaldo Damião, para que pudesse conseguir tais

informações. Infelizmente, não obtive retorno.

Nos dias em que participei do congresso como ouvinte, procurei apenas assistir a palestras

que, direta ou indiretamente, relacionavam-se ao tema “andropausa”. Pensava continuar

79 Vale ressaltar que as informações apontadas neste trabalho foram obtidas por anotações pessoais, realizadas

durante o congresso, e por buscas na internet, utilizando o site Google, no período de setembro a outubro de

2016, de onde foram retirados dados especificamente sobre nomes de participantes e de comissões.

81

pesquisando sobre ele no mestrado. Não busquei observar características gerais do congresso,

como proporção entre homens e mulheres participantes (plateia e palestrantes) ou presença de

profissionais da minha área, por exemplo. Apenas notei que a maioria, homens e mulheres,

incluindo alguns palestrantes, estavam de jaleco.

Em relação às palestras que abordavam o tema da TRH com testosterona relacionada ao

envelhecimento, foi praticamente impossível não perceber que a grande maioria da plateia era

composta por homens. Em uma delas, eu era a única mulher (e sem jaleco). Tive a impressão

de que grande parte dos presentes era composta por residentes em urologia, pois tais pessoas

faziam perguntas bem específicas da área. Além disso, pareciam conhecer os palestrantes, ter

certa intimidade com eles. Isso, somado ao próprio tema abordado, que envolve questões sobre

sexualidade, pode ter contribuído para o clima irreverente e descontraído, apesar das

apresentações serem técnicas.

Quanto aos pôsteres, havia uma quantidade significativa da área urológica. Dentre os

temas abordados, estavam a disfunção erétil e a reposição hormonal com testosterona

relacionada ao envelhecimento A linguagem da grande maioria desses pôsteres era técnica.

3.1.1.2 Organizadores80

Presidente: Ronaldo Damião

Comissão Científica81

Coordenação: Mario Fritsch Toros Neves

Fabrício Borges Carrerette

Comissão Organizadora

Coordenação: José Roberto Muniz

80 Optamos por colocar, aqui, apenas os membros da comissão científica e organizadora, por conta do número

significativo de membros das outras comissões.

81 Informações sobre os membros da Comissão Científica e Organizadora estão localizadas no apêndice A.

82

Edna Ferreira da Cunha

João Luiz Schiavini

3.1.2 Material

A organização do congresso disponibilizou para todos os participantes o volume 9 (supl.

1) da Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto. De acordo com o editorial desse

suplemento, a Revista HUPE estaria contemplando o tema do XXXXVIII Congresso Científico

do HUPE, a Saúde do Homem, por meio de artigos em que são destacadas doenças relacionadas

à idade e ao sexo masculino, seus aspectos demográficos e epidemiológicos, bem como

diagnósticos e tratamentos disponíveis. O editorial enfatiza a importância da prevenção e

tratamento adequado dessas doenças, visando uma melhoria da qualidade de vida82para o

homem.

Diversos assuntos são abordados nesse volume da revista, como câncer de próstata,

aspectos demográficos e epidemiológicos referentes ao envelhecimento masculino,

incontinência urinária no homem, tratamento não cirúrgico da hiperplasia prostática benigna,

Deficiência Androgênica do Envelhecimento masculino (DAEM), disfunção erétil,

planejamento familiar, diabetes mellitus, pré-hipertensão, AIDS na população masculina e o

comportamento de risco.

Vale ressaltar duas questões acerca do artigo83 sobre DAEM, escrito por três urologistas

do HUPE84. A primeira delas diz respeito à associação do DAEM à disfunção erétil e à síndrome

metabólica85. Isto é, tanto a disfunção erétil quanto a síndrome metabólica podem ser sinais ou

sintomas do DAEM, de acordo com o artigo. A associação do DAEM à disfunção erétil e a

82 Não fica claro, no editorial, o que o urologista Ronaldo Damião define como “qualidade de vida”.

83 Artigo intitulado “Saúde Masculina: DAEM – Deficiência Androgênica do Envelhecimento Masculino”.

84 Rogério A. Barboza; Eloísio Alexandro da Silva; Ronaldo Damião.

85 De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, é definida como um grupo de

doenças cuja base é a resistência à insulina, que, nessa síndrome, age menos nos tecidos, fazendo com que o

pâncreas produza mais insulina, elevando seu nível no sangue. Tal síndrome aumenta as chances de

desenvolvimento de doenças cardíacas, derrames e diabetes. O diagnóstico é feito com base na presença de

fatores como grande quantidade de gordura abdominal (homens- cintura com mais de 102cm e mulheres

maior que 88cm), baixo HDL (homens- menos que 40mg/dl e mulheres -menos do que 50mg/dl),

triglicerídeos elevado (150mg/dl ou superior), pressão sanguínea alta (135/85 mmHg ou superior), glicose

elevada (110mg/dl ou superior) (Disponível em: <http://www.endocrino.org.br. Acesso em 27 mai. 2018).

83

outros problemas relacionados à esfera sexual masculina foi algo que observei nos três

congressos que participei, tanto nas apresentações médicas quanto na propaganda farmacêutica

da TRH com testosterona. No decorrer deste trabalho, discutiremos sobre o assunto.

A segunda questão se refere à estrurura do artigo. Pareceu um texto de apresentação do

DAEM à classe médica, pois continha a definição do DAEM, a apresentação de seus sinais e

sintomas, como é feito o diagnóstico do paciente, os tratamentos com testosterona disponíveis,

o processo de acompanhamento de pacientes, além da menção aos questionários de avaliação

de diagnóstico, citados anteriormente.

O tema do risco na dimensão da saúde foi abordado por dois artigos da revista, um sobre

pré-hipertensão e outro sobre AIDS na população brasileira. Os resumos desses dois artigos,

principalmente o que discute a pré-hipertensão, sugerem uma noção de risco similar à criticada

nos trabalhos de Dumit (2012), Greene (2007) e Crawford (1980), em que hábitos e

comportamentos saudáveis são considerados imprescindíveis para se evitar problemas de saúde

futuros, além de serem passíveis de intervenções tecnológicas.

3.1.3 Atividades

Dentre as atividades assistidas, foram escolhidas para abordarmos, aqui, as duas que mais

se relacionam ao tema desta pesquisa. Vale lembrar que, durante o congresso, não tinha o

objetivo de realizar uma etnografia e nem meu objeto de pesquisa definido. Portanto, questões

relevantes para a pesquisa podem ter sido deixadas de lado.

3.1.3.1 Palestra: Reposição hormonal masculina

Palestra realizada no anfiteatro de Urologia, no dia 23 de agosto de 2010. Teve como

palestrante o médico urologista João Luiz Schiavini86. Segundo ele, a testosterona teria papel

importante no funcionamento adequado de vários órgãos do corpo masculino, como os órgãos

86 Informações sobre os médicos das palestras abordadas aqui se encontram no apêndice A.

84

genitais, a pele, o cérebro, os ossos, os músculos, a medula óssea, entre outros, durante cada

fase da vida do homem. Portanto, o declínio hormonal de testosterona no corpo do homem

poderia trazer repercussões negativas para a saúde masculina87.

Schiavini utilizou a terminologia “síndrome de deficiência da testosterona” (SDT) ao se

referir à baixa hormonal no homem de mais idade. Apresentou a síndrome como bioquímica,

caracterizada pela diminuição dos níveis de testosterona no organismo do idoso, com

probabilidade de ter origem genética, causada por “defeitos” testiculares ou pela incapacidade

dos testículos de produzirem testosterona. Dentre os termos existentes para se referir ao

problema, essa terminologia foi apresentada como a mais adequada.

O argumento utilizado foi o de que o termo “andropausa”, além de ser um termo obsoleto,

remeteria a uma similaridade com a menopausa, o que não seria correto, pois, a menopausa

acometeria todas as mulheres, enquanto a andropausa atingiria cerca de 20% dos homens. De

acordo com o urologista, outro termo utilizado de maneira inadequada seria “hipogonadismo

do idoso”, pois o hipogonadismo pode ocorrer em outras fases da vida e não só na velhice. O

termo DAEM (distúrbio ou deficiência androgênica do envelhecimento masculino) também

seria inadequado, porque o envelhecer ocorreria durante toda a vida.

Interessante pensarmos nesse argumento do envelhecimento durante toda a vida e no

objetivo do congresso, que consistiu em contribuir para a prevenção, diagnóstico e tratamento

de doenças em homens após os 25 anos. Isso sugere uma inclusão de cada vez mais homens na

definição de doença. Quanto ao DAEM, por exemplo, parece que há uma tendência, nos

discursos médicos, de incluir homens cada vez mais jovens dentro da faixa dos possíveis

indivíduos a sofrerem dessa deficiência hormonal.

Voltando à questão da terminologia SDT, Schiavini afirmou que as manifestações clínicas

dessa síndrome seriam nervosismo, cansaço, diminuição da libido e da massa muscular, anemia,

depressão, infertilidade, osteoporose, disfunção erétil. Para se diagnosticar adequadamente a

SDT, seria necessário fazer a dosagem da testosterona sanguínea, levando em consideração o

ciclo circadiano, pois a concentração de testosterona no sangue variaria durante o dia, e o ritmo

circadiano88 dos jovens seria diferente dos mais idosos.

87 Durante a palestra, Schiavini não deixa claro o que chama de “saúde masculina.” 88 Segundo Ferreira e Andriolo (2008), ritmo circadiano é definido como “as variações na concentração de

determinada substância em um período de 24 horas” (FERREIRA; ANDRIOLO, 2008, p.13).

85

Também seriam importantes os exames de SHBG, albumina, prolactina, FSH, LH, PSA,

hemograma e avaliação prostática89. Além desse meio de diagnóstico, Schiavini afirmou utilizar

na sua prática médica os questionários disponibilizados pela ISSM (International Society for

Sexual Medicine) e pelo laboratório BAYER, como também o programa existente no site da

ISSM, que permite o cálculo da testosterona livre90 no computador. Segundo ele, esse cálculo

realizado pelo radioimunensaio91, outro método utilizado, não traria resultados precisos.

Em seguida, apontou que os valores considerados limítrofes para a testosterona total e

para a testosterona livre92 seriam respectivamente 230-345ng/dL e 7,2ng/dL. Importante

destacar, aqui, que tais valores, até hoje, não são consenso no meio médico, até mesmo entre os

urologistas. Isto é, há um consenso no que diz respeito à relevância clínica de valores baixos de

testosterona, mas há controvérsias acerca do estabelecimento dos níveis considerados

limítrofes.

O Consenso Latino-Americano sobre DAEM, cuja primeira edição foi publicada em

2013, contando com a participação de urologistas brasileiros, admite que as dosagens de

testosterona total acima de 346ng/dL possam ser consideradas normais e que as abaixo de

231ng/dL sejam compatíveis com a deficiência hormonal. No entanto, ele destaca que dosagens

de testosterona total maiores que 400ng/dL ou menores que 150ng/dL também poderm ser

valores a partir dos quais se forneça o diagnóstico, de acordo com estudos mais recentes.

Similarmente, aponta o valor de 7,2ng/dL como o de corte, mas indica estudos que consideram

o de 7,0ng/dL mais pertinente para a elaboração do diagnóstico.

No Brasil, de acordo com Schiavini, o tratamento da SDT seria feito por via oral, através

de comprimidos de undecanoato de testosterona e por via intramuscular, através de injeções de

ésteres de testosterona de distribuição rápida (cipionato de testosterona) e de distribuição lenta

89 A relação dessas substâncias com a testosterona e a questão da avaliação prostática serão exploradas na

descrição e análise dos outros dois congressos.

90 Segundo Fernandes et al. (2006), consiste na fração de testosterona que não se encontra ligada a proteínas

carregadoras, ou seja, que circula livre na corrente sanguínea.

91 O radioimunoensaio é uma metodologia de quantificação baseada no princípio de competição antígeno-

anticorpo, em que uma substância não marcada e o traçador competem pelo sítio de interação com o

anticorpo. A partir da observação dos complexos formados pelo anticorpo com a substância não-marcada e

dos complexos formados pelo anticorpo com o traçador é possível medir a quantificação do reagente não

marcado na amostra (Disponível em: http://www.iaea.org. Acesso em 30 jun. 2016).

92 Essa questão será explicada, com mais detalhes, no decorrer do trabalho.

86

(undecilato de testosterona) 93. A reposição hormonal por via oral (120mg -160 mg várias vezes

ao dia) seria a que mais pode provocar efeitos colaterais, pois nela há a passagem do

medicamento pelo fígado. Os ésteres de distribuição rápida não passariam pelo fígado, mas

fariam picos suprafisiológicos, que podem provocar efeitos adversos. Os ésteres de longa

duração (1000mg a cada 3 meses) não fariam esses picos e por isso seriam mais onerosos. Ao

mencionar a questão do câncer de próstata relacionada ao uso do hormônio testosterona,

Schiavini afirmou que existem estudos comprovando a inexistência de tal relação94.

Outros tópicos mencionados na palestra foram as diretrizes em DAEM da Sociedade

Brasileira de Urologia (SBU) e a perspectiva do envelhecimento da população brasileira, o que

enfatizaria a necessidade de estudos sobre a SDT, segundo o urologista.

A segunda apresentação escolhida também abordou a questão da TRH masculina com

testosterona relacionada ao envelhecimento.

3.1.3.2 Teleconferência: Tópicos de terapia de reposição hormonal no homem idoso

Realizada no anfiteatro Rolando Monteiro, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM-

HUPE), no dia 26 de agosto de 2010. Teve como conferencista o médico urologista Ernani Luis

Rhoden, considerado um dos principais especialistas nacionais no diagnóstico e tratamento do

DAEM95. Segundo ele, a prescrição de testosterona para terapia de reposição hormonal

masculina teria crescido, consideravelmente, desde 1990. Um dos principais fatores que

justificaria esse crescimento seria o aumento do número de estudos que comprovariam a

inexistência da relação entre o câncer de próstata e a terapia de reposição hormonal com

testosterona.

Rhoden apresentou o DAEM /hipogonadismo do adulto96 como uma síndrome clínica e

bioquímica, causada pela diminuição da testosterona sanguínea no homem idoso. Os principais

93 Importante ressaltar, aqui, que não foi registrada menção de nomes comerciais de medicamentos ou de

empresas farmacêuticas por Schiavini. No entanto, isso não significa, necessariamente, que ele não tenha

citado tais nomes durante sua apresentação.

94 No estudo dos outros congressos, essas questões serão explicadas com mais detalhes.

95 No decorrer do trabalho, falaremos mais sobre esse médico.

96 Durante sua apresentação, Rhoden alternou o uso das duas terminologias.

87

sintomas de DAEM apontados foram perda da libido, irritabilidade, disfunção erétil, cansaço.

Para o urologista, ao se encarar o DAEM como uma síndrome clínica e bioquímica, o resultado

dos níveis séricos de testosterona (taxa de testosterona no soro sanguíneo), obtido pelo exame

laboratorial, deixa de ser valorizado de forma definitiva para seu diagnóstico. Desta forma, ele

propôs o seguinte esquema de diagnóstico:

Quadro 1. Esquema de diagnóstico do DAEM

Testosterona sérica total97 Sintomas DAEM TRH Testosterona

< 300 ng/Dl Presentes Indicada

> 400 ng/Dl Presentes Não indicada (verificar

outras causas).

Entre 300 e 400ng/Dl Presentes Dependente do resultado

de uma avaliação clínica

mais detalhada.

Fonte: A autora, 2018.

Ou seja, o diagnóstico de DAEM teria como base a observação de sintomas clínicos e certo

nível de concentração de testosterona sanguínea. Se o paciente apresentar sintomas e um nível

de testosterona abaixo de 300ng ng/dL, a terapia com testosterona seria indicada. No caso de o

paciente apresentar uma concentração de testosterona superior a 400 ng/dL, mesmo

apresentando sintomas, o procedimento correto seria a não indicação da TRH e a verificação

de outras causas para tais sintomas. E, por último, se o paciente apresentar sintomas e uma

concentração de testosterona sanguínea, entre 300 e 400ng/dL, o médico deveria fazer uma

avaliação clínica mais detalhada.

Segundo o urologista, a mensuração de testosterona deve ser feita no período da manhã,

em que a mesma se encontra em maior concentração no sangue.98 Rhoden afirmou utilizar a

AMS Scale (The Aging Male's Symptoms Scale) como método auxiliar no diagnóstico do

DAEM. Ao falar sobre os benefícios da reposição hormonal masculina, argumentou que,

antigamente, pensava-se na testosterona como um hormônio que alteraria o colesterol e poderia

causar câncer de próstata. No entanto, hoje já se sabe que os efeitos da reposição hormonal são

97 Valores limitrofes de TT (testosterona sérica total) citados pelo médico durante a apresentação: Endocrine

Society Practice: TT <300ng/dL; International Society for Study of the Aging male: TT< 354ng/dL.

98 Essas questões serão explicadas, detalhada e posteriormente, neste trabalho.

88

“praticamente neutros”. Além dos benefícios relacionados aos sintomas do DAEM, foi citada

também a melhoria da resistência insulínica, dos quadros de inflamação e de síndrome

metabólica com o uso da testosterona.

Quando questionado sobre os possíveis pontos negativos em relação à TRH, Rhoden

apontou a “excessiva” expectativa dos pacientes em relação ao tratamento, em que, muitas

vezes, há a crença em uma espécie de “melhoria contínua”. Ele completou afirmando que, ao

fazer o tratamento hormonal, o paciente passa de um estado “hipogonadal” para um

“eugonadal”, ou seja, no último, os níveis de testosterona se encontram “normais” e, a partir

desse momento, estabiliza-se o quadro clínico do paciente.

Aqui, percebemos a ideia da passagem de um estado de deficiência, o “hipogonadal” para

um de “normalidade”, o “eugonadal”. Também há uma crítica à expectativa dos pacientes em

relação a uma “melhoria contínua”, que remete a uma ideia de aprimoramento.

Encerrando a apresentação, Rhoden apontou a tendência das empresas farmacêuticas em

focarem apenas no diagnóstico laboratorial do DAEM, mesmo quando há ausência de sintomas

nos pacientes. Reforçou a importância de o diagnóstico laboratorial e clínico serem feitos em

conjunto. Em seguida, apresentou os tratamentos de reposição hormonal com testosterona

disponíveis no Brasil, que foram os mesmos apresentados por Schiavini, na palestra “Reposição

Hormonal Masculina.”

3.1.4 Comentários finais

A apresentação de Rhoden intitulada “Distúrbios androgênicos do envelhecimento

masculino” foi praticamente a mesma observada na teleconferência descrita anteriormente, com

o acréscimo da apresentação das funções sexuais masculinas dependentes da testosterona:

libido (mais dependente), orgasmo, ereção (menos dependente) e ejaculação.

Podemos observar nas apresentações de Schiavini e Rhoden certa discordância acerca da

terminologia mais adequada para designar o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento. O primeiro aponta o DAEM como um termo inapropriado, destacando o

“hipogonadismo do idoso” como o mais viável dentre os existentes. Já o segundo utiliza a

terminologia DAEM com naturalidade, alternando-a com “hipogonadismo do adulto”. Isso

pode ser visto como uma tentativa de caracterização de uma doença, cuja definição da própria

terminologia para identificá-la faz parte desse processo.

89

Outra questão que vale a pena ressaltar é que o tema DAEM foi falado na mesa redonda

intitulada “Disfunção Erétil”99. Associou-se a disfunção erétil ao DAEM, em que a existência

de uma deficiência hormonal pode ser investigada, caso não haja uma resposta a medicamentos

para a disfunção erétil. Esse tipo de relação ocorreu em um estudo de caso apresentado no

Congresso Internacional de Medicina Sexual, realizado quatro anos depois do congresso do

HUPE. Mais adiante discutiremos tal estudo.

3.2 XVI World Meeting on Sexual Medicine (XVI Congresso Internacional de Medicina

Sexual)

3.2.1 Apresentando o congresso

3..2.1.1 Informações iniciais

O evento foi realizado na cidade de São Paulo, no período de 8 a 12 de outubro de 2014,

no Hotel Transamérica. A Sociedade Internacional de Medicina Sexual (ISSM) e a Sociedade

Latino-Americana de Medicina Sexual (SLAMS) foram responsáveis pela sua organização. De

acordo com informações disponíveis em um site específico do congresso, a ISSM e a SLAMS

“promovem, incentivam e apoiam os mais altos padrões de prática, pesquisa, educação e ética

no estudo da função sexual humana e disfunção” (tradução nossa) 100. Nesse site, também

consta que, aproximadamente, 900 especialistas na área de medicina sexual, incluindo

cientistas, clínicos e médicos do campo da urologia, andrologia, ginecologia, psicologia e

psiquiatria de todo o mundo participaram do congresso101.

99 Realizada no anfiteatro Ney Palmeiro (HUPE), no dia 26 de agosto de 2010, e teve como participantes o

médico urologista Ronaldo Damião (moderador), a médica psiquiatra Carmita Abdo e os urologistas Celso

Gromatzky, João Luiz Schiavini e Ernani Rhoden.

100 Disponível em: http://www.issmslams2014.org. Acesso em :19 de ago. 2016).

101 Interessante notar, aqui, a separação entre urologia e andrologia, já que a última, segundo médicos do próprio

campo, pode ser considerada uma subespecialidade da urologia. Isso pode sugerir certa hierarquia, em que a

urologia assumiria uma posição mais “científica e objetiva”, pois a cirurgia é tida como função essencial de

90

Vale ressaltar, aqui, a escolha de um hotel luxuoso para a realização do evento e a

descrição desse espaço como privilegiado, pois se localizaria perto do Centro Empresarial de

São Paulo (CENESP), de principais sedes comerciais, excelentes restaurantes, shoppings e

bares. Além disso, o hotel contaria com restaurantes, famosos na cidade por sua gastronomia,

com um campo de golfe, piscina aquecida, quadras de tênis, fitness center, sauna e pista de

corrida

Na mensagem de boas-vindas, também contida no site, Sidney Glina, presidente da

SLAMS, presidente local da comissão organizadora do Congresso e Chris MacMahon,

presidente da ISSM, destacaram que esse seria o terceiro congresso promovido pela ISSM na

América Latina e enfatizaram o sucesso dos dois eventos anteriores, realizados no Rio de

Janeiro (1990) e em Buenos Aires (2004). Além disso, apontaram a troca de conhecimento,

bem como a possibilidade de renovação e desenvolvimento de novas amizades como uma

característica dos congressos científicos promovidos pela ISSM, no campo internacional da

medicina sexual.

Em seguida, há uma breve descrição da cidade de São Paulo. São destacados o clima, a

extensão territorial e as características da população, como origem e descendência. A cidade é

apontada como um centro cultural e aeroportuário, que conta com inúmeros hotéis, restaurantes,

cinemas, teatros, museus, parques, shopping centers, clubes de golfe, estádios de futebol, além

de ser conhecida como um grande centro gastronômico e uma das cidades que sediou a Copa

do Mundo de 2014.

Acreditamos que o empenho dos organizadores em enfatizar características relacionadas

à localização do evento, que ultrapassam o objetivo da discussão e divulgação do conhecimento

científico, consiste em algo comum na promoção de congressos científicos de porte

internacional. Assim, ao mesmo tempo em que destacaram São Paulo como “o centro

comercial, industrial, financeiro, médico e tecnológico do Brasil” (tradução nossa)102, também

apontaram uma gama de possibilidades culturais e de lazer, que poderiam ser exploradas pelos

participantes do evento ao decidirem conhecê-la. O destaque dado à boa localização e à

capacidade do hotel “Transamérica” de oferecer diversas atividades de lazer e descanso − o que

possibilita uma interação social entre os participantes − também ilustra essa preocupação dos

organizadores.

um urologista, enquanto a andrologia, que trataria de problemas relacionados à sexualidade masculina, seria

uma espécie de “ginecologia masculina” (Disponível em: https://www.andrologia.com.br. Acesso em: 01 jun

2017).

102 Disponível em: http://www.issmslams2014.org. Acesso em: 25 ago. 2016).

91

Os assuntos abordados no evento dividiram-se em dois temas principais: sexualidade

masculina e sexualidade feminina − com enfoque nas disfunções sexuais. Tais temas foram

tratados pela medicina sexual. As palestras sobre sexualidade masculina se realizaram, no geral,

em salas e auditórios maiores e mais sofisticados, quando comparados às palestras sobre

sexualidade feminina. Isso sugere uma maior importância dada às disfunções sexuais

masculinas. Uma das causas para isso pode estar ligada ao patrocínio recebido pelos

organizadores do congresso, quase exclusivamente, de empresas produtoras de medicamentos,

serviços e dispositivos médicos relacionados à saúde sexual masculina. Os estandes das

empresas expositoras eram também, em sua maioria, voltados para a saúde sexual masculina,

especialmente, as disfunções sexuais.

Dentre os palestrantes convidados para falar sobre sexualidade feminina, estava o expert

Irwin Goldstein, médico especialista em urologia e ginecologia, diretor do Departamento de

Medicina Sexual do Hospital Alvarado, em San Diego, professor de cirurgia na Universidade

da Califórnia e ex-presidente da International Society for the Study of Women's Sexual Health

(ISSWSH)103. No decorrer da descrição e análise do evento, apontaremos alguns dos principais

especialistas que ministraram palestras relacionadas à sexualidade masculina.

3..2.1.2 Organizadores104

Comissão Organizadora Local105

Presidente: Sidney Glina

Membros: Carmita Abdo

João Afif Abdo

Eduardo Bertero

Fernando Facio

Claudia Faria

103 Disponível em: http://www.isswsh.org. Acesso em: 19 d mar. 2018

104 Devido ao grande número de participantes de cada comissão, comitê e conselho desse congresso, optamos

por colocar, aqui, apenas os membros da comissão organizadora local e do comitê científico.

105 Informações sobre cada membro da comissão organizadora e do comitê científico estão localizadas no

apêndice B.

92

Geraldo Faria

Celso Gromatzky

Gerson Lopes

Archimedes Nardozza

Ralmer Rigoletto

Oswaldo Rodrigues Jr.

Luiz Otavio Torres

Comitê Científico

Co-Presidentes: Edgardo Becher (Argentina)

Sidney Glina (Brasil)

Membros: Carmita Abdo (Brasil)

Stanley Althof, (EUA)

Amado Jose Bechara, (Argentina)

Julio Ferrer Montoya (Colômbia)

Annamaria Giraldi (Dinamarca)

Mario Maggi (Itália)

John Mulhall (EUA)

Sharon Parish (EUA)

Miguel Alfredo Rivero (Argentina)

Eusebio Rubio-Aurioles (México)

Andrea Salonia (Itália)

Luiz Otavio Torres (Brasil)

Ex-officio member106 : Chris McMahon (Australia)

106 O termo ex-officio é uma expressão latina utilizada para descrever uma obrigação ou um privilégio que

determinada pessoa tem, em virtude da sua posição, de servir em um conselho ou comitê. (Disponível em:

http://msue.anr.msu.edu/. Acesso em: 23 set. 2016).

93

3.2.1.3 Impressões gerais

Quando cheguei ao evento, dirigi-me a um dos estandes, localizados bem próximos à

entrada do hotel, onde eram distribuídos materiais aos participantes (certificado de participação,

crachá, programação, bolsa com logotipo do congresso, bloco para anotações, caneta e folhetos

diversos). Percebi que a programação científica seria realizada em salas, diferentes em tamanho

e sofisticação. Funcionários se posicionavam na entrada de cada uma delas, durante a realização

dos simpósios, palestras e mesas, e se colocavam à nossa disposição, caso tivéssemos alguma

dúvida em relação ao evento. Estavam vestidos socialmente, os homens com terno e gravata e

as mulheres com tailleur.

A maior parte do público do evento era constituída por homens brancos vestidos de maneira

formal (terno e gravata ou camisa e calça social). As mulheres presentes, tanto as ouvintes

quanto as oradoras, também eram brancas e se vestiam de modo formal (tailleur ou camisa e

calça social), estavam maquiadas e usavam sapatos de salto alto, em sua maioria. Quase todos

os palestrantes homens estavam de terno e gravata. O número de homens palestrantes era bem

maior do que o de mulheres, cerca de 80%. Considerando todas as pessoas que estavam

presentes naquele espaço, havia cerca de 70% de homens e 30% de mulheres.

A área reservada aos expositores do congresso se localizava em um salão, separado das

demais salas, mas também no primeiro piso, onde todo o congresso se concentrou. Achamos

que eram poucos estandes, principalmente devido ao grande porte do evento. Havia estandes

de associações médicas, empresas farmacêuticas, produtoras de próteses penianas e de

equipamentos de choque para tratamento da disfunção erétil:

a) Associações médicas: International Society for Sexual Medicine (ISSM) e

European Society for Sexual Medicine (ESSM);

b) Empresas produtoras de próteses penianas: Zephyr Surgical Implants,

American Medical Systems (AMS) e Coloplast;

c) Empresas fabricantes de equipamentos de choque para tratamento de DE:

Direx e Medispec;

d) Empresas farmacêuticas: Pfizer, Besins Healthcare e Flukka. A empresa

Menarini Group fazia exposição de seu produto em uma sala separada,

localizada ao lado do “salão dos expositores”.

Como já dito anteriormente, a grande maioria dos estandes era de empresas que divulgavam

produtos referentes à saúde sexual masculina, principalmente as disfunções sexuais. Destes, os

94

estandes de próteses penianas eram os de maior número. A pequena quantidade de estandes da

indústria farmacêutica pode estar associada ao fato de não haver lançamentos recentes de

medicamentos na área, no Brasil, com exceção do Androgel®, gel à base de testosterona, usado

para tratamento do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, de uso tópico.

Os estandes, em geral, eram coloridos, contendo imagens e/ ou desenhos de seus produtos

em destaque. Dois deles ofereceram petiscos (biscoitos, café, água) aos participantes, o da

Besins Healthcare (Androgel®) e da Pfizer (Viagra®). Consegui me deslocar com facilidade

entre os estandes, inclusive conversar com um propagandista do Androgel®, que foi bastante

simpático. Ouviu sobre minha pesquisa e se dispôs a ser entrevistado, posteriormente. Percebi

que tal propagandista interagia de forma bastante íntima com os médicos urologias. Eram

interações que, particularmente, poderiam ser confundidas com comunicações entre amigos ou

conhecidos mais próximos.

O propagandista circulava com bastante desenvoltura e segurança no ambiente. Expunha

informações sobre o Androgel® em linguagem objetiva e técnica, demonstrando conhecer

mecanismo de ação, efeitos colaterais, propriedades farmacológicas e indicações do produto.

Um detalhe que vale a pena ser destacado consiste em sua posição profissional na indústria

farmacêutica. Trata-se de um propagandista gerente, responsável pela supervisão das atividades

de outros propagandistas. Talvez, o modo mais íntimo de interação com os médicos esteja

associado à sua posição hierárquica, pois percebi que os outros não se portavam da mesma

maneira com os médicos, eram menos informais.

Quanto aos folhetos de propaganda farmacêutica, que consegui adquirir nos estandes do

congresso, o do Androgel107 (Figuras 1, 2 e 3) chamou minha atenção. Seu título era “If you

know Testogel or Androgel, you know us”. Achei muito interessante a empresa Besins

Healthcare, produtora do Androgel, citar um medicamento produzido por uma concorrente, a

Bayer, em um material promocional. Talvez tenha sido uma estratégia de marketing

desenvolvida com o objetivo de associar o Androgel ao Testogel, já lançado no mercado.

A Besins destacou o Androgel como um tratamento de reposição hormonal inovador, o

primeiro medicamento à base de testosterona na forma farmacêutica de gel transdérmico. Além

disso, apontou o Androgel como a “testosterona mais vendida no mundo”, registrada em 65

países e aprovada pela FDA e EMA108 . Claramente, uma exaltação ao “novo”, “tecnológico”

107 Além de todas as informações apresentadas no decorrer do texto, havia uma espécie de bula, com dados sobre

dosagens, métodos de administração, efeitos colaterais, contraindicações, precauções e informações de

contato.

108 European Medicines Agency. Agência europeia com funções semelhantes à da FDA.

95

e “científico”. Abaixo da frase “You know you can have confidence in Androgel by Besins

Healthcare”, também contida no folheto, havia os logotipos do Androgel e do Testogel. Isso

reforça a hipótese anterior de que houve a intenção da Besisns de associar o Androgel ao

Testogel.

Outra frase do folheto que me chamou atenção foi “We know Androgel because we invented

it”. Essa frase parece uma tentativa de apropriação de todo conhecimento científico acerca do

produto, ou seja, a promoção da noção de que não há quem saiba mais sobre um medicamento

do que a empresa produtora, nem mesmo médicos especialistas. Além disso, as frases “We know

you want a well-defined safety profile” e “We know your patients want to restore natural

testosterone” sugerem a ideia de que a empresa se preocupa tanto com as demandas dos

médicos, quanto as de seus pacientes, isto é, de que não estaria interessada apenas em vender

um medicamento, mas também em atingir objetivos mais nobres, como o tratamento de um

problema médico de forma segura e eficaz.

Na frase “We know you want a well-defined safety profile”, observamos a ênfase no perfil

de segurança do medicamento. Já na “We know your patients want to restore natural

testosterone”, notamos a promoção da testosterona em gel como uma substância “natural”, que

parece estar relacionada à ideia desse tipo de medicamento ser seguro, causando, praticamente,

nenhum efeito colateral.

Outra questão importante sobre o folheto diz respeito à utilização de gráficos para explicar

cada ponto positivo do medicamento apresentado, seguidos sempre de uma referência

bibliográfica da área biomédica. Acreditamos que isso consistiu em um apelo à objetividade e

à cientificidade, já que o uso de gráficos e tabelas é bastante comum em artigos e textos

biomédicos, possuindo até certo status nesse campo. Dentre os pontos positivos do uso do

medicamento estavam a facilidade e rapidez de aplicação, sua boa tolerância no organismo,

flexibilidade de escolha para o local de aplicação (ombros, braço ou abdômen), secagem rápida

(em torno de cinco minutos), composição inodora, incolor e não pegajosa e ótima

biodisponibilidade.

Somado a esses pontos, estava o fato do Androgel “melhorar” sintomas do declínio

hormonal na área física (melhorar estrutura óssea, aumentar massa e força muscular), sexual

(melhorar função sexual, desejo sexual e atividade sexual) e psicológica (melhorar humor e

reduzir sintomas depressivos). Vimos, aqui, o deslizamento da posição ocupada pelo hormônio

testosterona, que − além de repor uma substância em falta no corpo do homem − “melhoraria”

aspectos físicos, sexuais e psicológicos, ou seja, teria uma função de aprimoramento mental e

corporal.

96

No folheto, havia também a foto de um casal heterossexual, branco, feliz, sorridente,

aparentando ter cerca de 50 anos de idade, e estar ao ar livre. Ao ver essa foto, foi possível

lembrar, imediatamente, as análises feitas na dissertação de mestrado, em que observarmos

imagens vinculadas a frases ou textos relacionados, direta ou indiretamente, a um declínio

hormonal masculino associado à idade e ao seu respectivo tratamento. Tais imagens

apresentavam características que podem ser vinculadas a um perfil de paciente com queixas

referentes ao diagnóstico de DAEM 109, como a presença apenas de pessoas brancas, casais

constituídos por homem e mulher, exclusivamente, faixa etária predominante entre 50 e 60

anos, aparência de “saúde”, “beleza” e “felicidade”.

Ao fazer um paralelo com o trabalho de França (2006), que estuda relações existentes entre

consumo e construção de identidades, numa esfera de mercado direcionada aos homossexuais,

podemos notar certo padrão de apresentação nas imagens encontradas. Elas pareciam se dirigir

a um público específico, ou seja, a pessoas de classe média a média alta, brancas,

heterossexuais, entre 45-65 anos.

Tais características foram observadas tanto em imagens localizadas em sites de empresas

farmacêuticas, quanto em sites de associações médico-científicas. Podemos pensar que, neste

caso, a classe médica e a indústria farmacêutica lançaram mão de estratégias semelhantes de

promoção e divulgação da categoria diagnóstica em questão e de seu respectivo tratamento.

Essas estratégias, transmitidas por meio de imagens, caracterizaram-se por ideias e concepções

sobre saúde e doença, atreladas ao consumo de bens e serviços de saúde. Além disso, pareciam

demarcar classe, faixa etária, orientação sexual e raça para as quais eram dirigidas (THIAGO;

RUSSO; CAMARGO, 2016).

Assim, percebemos o desenrolar do processo de construção de um mercado segmentado, do

qual pessoas seriam incluídas ou excluídas a partir de diferenças sociais, raciais e

comportamentais. Isso impulsionaria a demarcação de um público consumidor, caracterizado

pelo valor que certos hábitos e conceitos referentes à saúde assumem nesse grupo. No entanto,

não podemos deixar de considerar que desejos, ideias, percepções e necessidades transitam no

imaginário de tal grupo e, portanto, as mensagens transmitidas iriam de encontro a supostas

demandas (THIAGO, 2012).

Quanto aos pôsteres apresentados no congresso, eles se dividiram em dois grupos, os

moderados e os não-moderados. Os do primeiro grupo foram expostos numa sala, em que o

autor responsável ia à frente e fazia uma rápida apresentação do trabalho, seguida ou não, por

109 Ou outra categoria diagnóstica utilizada para caracterizar o suposto declínio hormonal masculino relacionado

ao envelhecimento.

97

perguntas da plateia. Já os do segundo, ficaram disponíveis em computadores localizados no

salão de entrada do congresso. A maior parte dos pôsteres era sobre disfunções sexuais, tanto

masculinas quanto femininas.

98

Figura 1. Folheto publicitário da Besins Healthcare (frente). Congresso Internacional de

Medicina Sexual, 2014

Fonte: A autora, 2018

99

Figura 2. Folheto publicitário da Besins Healthcare (interior). Congresso Internacional de

Medicina Sexual, 2014

Fonte: A autora, 2018

100

Figura 3. Folheto publicitário da Besins Healthcare (verso). Congresso Internacional de

Medicina Sexual, 2014

Fonte: A autora, 2018

101

3.2.2 Programa científico

A capa do programa era composta por um fundo verde claro, com círculos de cores rosa,

verde e azul, em diversos tamanhos. Alguns se localizavam na parte superior, à direita. Uma

maior quantidade se distribuía na parte inferior da capa. Acima dos círculos localizados na parte

superior, ficavam os logotipos da International Society for Sexual Medicine (ISSM) e da

Sociedade Latinoamericana de Medicina Sexual (SLAMS), as organizadoras do evento, como

já dito anteriormente. À sua esquerda, encontrava-se o logotipo do congresso, que parecia

assumir o formato de um coração, a partir da junção de duas figuras representando um casal.

Elas se formavam por duas cores sobrepostas (rosa e verde/ verde e rosa). Isso sugere a ideia

de interação, contato íntimo, o que remete à questão da relação sexual.

Acreditamos que o casal representado no logotipo seja um casal heterossexual, pois

durante o congresso, observamos apenas discussões que abordavam a sexualidade e supostos

problemas que dificultariam ou até mesmo impediriam uma vida sexual “plena” e “feliz”

(disfunção erétil, ejaculação precoce e declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento) apenas na dimensão da heterossexualidade. Os relacionamentos homoafetivos

pareciam não fazer parte de tal realidade.

Nas últimas páginas do programa, havia duas propagandas, a de um medicamento para

ejaculação precoce, lançado naquele mesmo ano, e a de uma prótese peniana. Interessante notar

que essas duas empresas, denominadas Priligy e Coloplast, respectivamente, foram as que mais

investiram no patrocínio do congresso. Isso estava contido no próprio programa, por meio de

uma lista de patrocinadores e expositores divididos em três categorias: Platinum Sponsor, Silver

Sponsor e Sponsor & Exhibitors. As informações referentes a esses patrocinadores e

expositores foram pesquisadas no site Google, no período de maio a agosto de 2017.

Platinum Sponsor

a) The Menarini Group

102

Grupo farmacêutico italiano, produtor de medicamentos e dispositivos nas áreas de alergologia,

andrologia, cardiologia, entre outras. É fabricante do medicamento Priligy, prescrito para o

tratamento de ejaculação precoce110.

Silver Sponsor:

a) Coloplast

Empresa internacional, com filiais localizadas no Brasil, que desenvolve produtos e

serviços médicos, incluindo cuidados com estomias, urologia, incontinência e tratamento de

feridas111.

Sponsor & Exhibitors:

a) AMS

Empresa internacional que fabrica próteses penianas para pacientes com disfunção erétil112.

b) Bayer

Grupo farmacêutico com empresas localizadas em vários países do mundo. Desenvolve

produtos voltados à saúde dos seres humanos, animais e plantas. Seu portfólio de produtos

farmacêuticos se concentra em produtos sujeitos à prescrição, especialmente para cardiologia e

saúde feminina. É produtor do medicamento Levitra®, comprimido para tratamento da

disfunção erétil (DE) e do Nebido®, injeção intramuscular de testosterona para tratamento do

declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento113 .

110 Disponível em: https://menarini.com. Acesso em: 27 mai. 2017.

111 Disponível em: https:// www.coloplast.com. Acesso em: 26 mai. 2017.

112 Disponível em: http://www.protesespenianas.com.br. Acesso em: 30 ago. 2017.

113 Disponível em: https://www.bayer.com. Acesso em: 31 mai. 2017.

103

c) Besins Healthcare

A Besins Healthcare é uma empresa farmacêutica global, produtora de medicamentos

utilizados no tratamento de condições ginecológicas, de fertilidade e obstétricas, bem como da

deficiência de andrógenos. Comercializa o AndroGel®, gel tópico de testosterona utilizado no

tratamento do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento114

d) Direx Group

Consiste em uma rede de empresas distribuidoras e centros de serviços localizados em

diversos países, incluindo o Brasil. Em 2012, lançou o Renova, primeiro sistema de ondas de

choque para o tratamento da disfunção erétil115

e) Flukka Farmácia de Manipulação

Empresa brasileira, localizada na cidade de São Bernardo do Campo (SP), que atua na área

de medicamentos manipulados, com foco nos segmentos de urologia e hospitalar. Na área de

urologia, desenvolve medicamentos para tratamento da disfunção erétil, “falta” de libido,

ejaculação precoce, anorgasmia e reposição hormonal.116

f) Medispec Ltda

Empresa internacional especializada em sistemas baseados em shockwave para aplicação

nas áreas cardiovascular, de urologia e ortopedia117.

g) Pfizer

114 Disponível em: http://www.besins-healthcare.com. Acesso em: 31 de maio de 2017.

115 Disponível em: http://www.direxgroup.com. Acesso em: 01 de junho de 2017.

116 Disponível em: http://www.lukka.com.br. Acesso em: 31 de maio de 2017.

117 Disponível em: https://www.medispec.com. Acesso em: 30 de maio de 2017.

104

Empresa farmacêutica internacional, com um portfólio que engloba desde vacinas até

medicamentos para dor, câncer, tabagismo, artrite reumatoide, infecção hospitalar, Alzheimer.

É produtora do medicamento Viagra®, utilizado no tratamento da disfunção erétil.118

h) Zephyr Surgical Implants

Fabricante europeu e distribuidor mundial de implantes e próteses para as áreas urinárias,

urológicas, andrológicas, bem como para procedimentos envolvendo identidade de gênero119.

Podemos notar, então, que o congresso em questão recebeu patrocínio de empresas

farmacêuticas, produtoras de materias médicos e fornecedoras de serviços de saúde

relacionados à área sexual, principalmente, à saúde sexual masculina.

3.2.3 Simpósios, cursos, workshops e palestras

Nosso critério de escolha de discussões para análise se baseou nos tópicos que mais se

relacionavam ao tema da pesquisa.

3.2.3.1 Casos clínicos: deficiência androgênica no envelhecimento masculino- disfunções

sexuais masculinas

Esse estudo de caso fez parte do Simpósio SLAMS120, que ocorreu durante o primeiro dia

de congresso, de 8:00 hs às 17:00hs. A duração dessa apresentação foi de uma hora,

aproximadamente (10:10 hs às 11:20hs). Tratou-se de um caso clínico fictício e complexo, que

contemplou diversas queixas/sintomas de um suposto paciente, a fim de se construir um

diagnóstico.

118 Disponível em: http://www.pfizer.com. Acesso em: 31 mai. 2017.

119 Disponível em: https://www.zsimplants.ch/en. Acesso em: 31 mai. 2017.

120 Sociedade LatinoAmericana de Medicina Sexual.

105

Participaram dessa mesa os médicos urologistas Geraldo Eduardo Faria (apresentador do

caso clínico), Carlos da Ros, Archimedes Nardozza e Ernani Luis Rhoden121.

O caso clínico

O caso foi apresentado à platéia por meio de um slide, em que estava escrito o trecho

abaixo:

“Sr, Mário, 63 anos, executivo, sem parceira fixa, relata que anda muito estressado e que

desde há dois anos vem perdendo seu desejo sexual e com dificuldade de manter a ereção, não

conseguindo na maioria das vezes completar a relação. Por inúmeras vezes fez uso de diferentes

medicamentos para ereção, mas a resposta foi inadequada. Nos últimos 3 meses não teve

relações sexuais, não tem se masturbado e não tem observado ereções matinais. Sente-se

cansado, com muito sono e sua memória já não é tão boa como antes”.

A partir da descrição do quadro clínico, consideramos relevante destacar dois pontos:

Sobre a foto do Sr. Mário

Sabemos que se trata de uma foto pequena, tipo 3x4, no entanto, é possível perceber que o

Sr. Mário é um homem branco, de boa aparência, aparentando ser de classe média, talvez média

alta e, acima de tudo, com aspecto saudável. Aqui, podemos pensar em uma contradição, já que

a imagem transmitida da pela foto não corresponde à descrição que a acompanha, ou seja, a

descrição de um homem cansado, com sono e estressado.

Há ainda outra imagem, sobre a qual falaremos mais adiante, que aparece no final da

apresentação do quadro clínico. Ela pode ilustrar a nossa hipótese de que há demarcação de um

público consumidor e um ideário de valores ligados às imagens utilizadas na ilustração do caso,

como a concepção de envelhecimento não associada à decrepitude, a valorização da boa

aparência, de uma vida produtiva e feliz numa idade mais avançada.

Sobre o texto que apresenta o quadro clínico do Sr. Mário

121 Informações sobre os médicos das palestras discutidas aqui se encontram no apêndice B.

106

Na descrição referente ao Sr. Mário “63 anos, executivo, sem parceira fixa”, a palavra

“executivo” sugere a ideia de um profissional bem-sucedido, muito ocupado, cheio de

responsabilidades e que vive situações estressantes no seu dia a dia. Isso parece ser confirmado

na frase seguinte “relata que anda muito estressado”. Achamos interessante questionar se “andar

muito estressado” poderia ser uma condição relacionada ao estilo de vida deste homem de 63

anos e não, necessariamente, a algum problema de saúde específico. Esse mesmo raciocínio

pode ser estabelecido ao pensarmos nas próximas frases: “há dois anos vem perdendo seu desejo

sexual”, “com dificuldades de manter ereção” e “não conseguindo na maioria das vezes

completar a relação”.

Somado a isso, está a ausência de informações sobre sua vida afetiva, há apenas a expressão

“sem parceira fixa” (algo muito vago) que não esclarece os possíveis fatores relacionados à

atual situação vivida pelo Sr. Mário. Não é mencionado, por exemplo, se ele teria sido casado

por um longo tempo e, agora, estaria vivenciando uma separação ou viuvez. Tal questão nos

leva a pensar na irrelevância dada à dimensão afetiva da vida do Sr. Mário. É como se sua

performance sexual independesse do tipo de relação em que esteja envolvido. Não há o “outro”,

não há relacionamento, parceria. As expressões “com dificuldade de manter a ereção” e “não

conseguindo na maioria das vezes completar a relação” são “intransitivas”, não há alguém com

quem se completa a relação. Aqui, é possível pensar na ideia da função sexual masculina

marcada pela biologia, ou seja, pela noção de uma função sexual orgânica e fisiológica,

independente do contexto social, relacional e emocional e, portanto, passível de tratamento

farmacológico − neste caso, a terapia de reposição hormonal com testosterona.

Na descrição do caso clínico apresentado, a esfera sexual é, sem dúvida, a que recebe

maior destaque. Também é vista de forma reducionista e simplista, focada na disfunção erétil.

As expressões “há dois anos vêm perdendo seu desejo sexual”; “com dificuldade de manter

ereção”; “não conseguindo na maioria das vezes completar a relação”; “não teve relações

sexuais”; “não tem se masturbado”; “não tem observado ereções matinais” parecem reiterar

várias vezes dentro do texto que a dimensão mais prejudicada com o declínio hormonal é a

sexual.

De fato, como já dito, a categoria diagnóstica DAEM (deficiência androgênica do

envelhecimento masculino) − que é mencionada no título desse caso clínico − parece enfatizar

a questão sexual na descrição dos sintomas relacionados à queda hormonal, sendo a disfunção

erétil um dos mais destacados. É importante lembrar que a categoria diagnóstica DAEM e a

terapia de reposição hormonal com testosterona começaram a ser divulgadas e promovidas,

tanto pela classe médica quanto pela indústria farmacêutica, no início dos anos 2000

107

(ROHDEN, 2011), pouco tempo depois do lançamento do Viagra®, que ocorreu no final da

década de 1990 (FARO et al., 2010, 2013; GIAMI, 2009a).

Voltando ao caso clínico, a frase “Por inúmeras vezes fez uso de diferentes medicamentos

para ereção, mas a resposta foi inadequada” indica que o problema do Sr. Mário não poderia

ser tratado apenas com o uso de um medicamento para a disfunção erétil. Podemos pensar na

ideia do tratamento de um sintoma, não da causa do problema de ereção. Assim, tal problema

não poderia ser resolvido, sendo imprescindível a terapia de reposição hormonal com

testosterona.

Seguindo esse raciocínio, destacamos algumas características atribuídas ao hormônio

testosterona, observadas tanto no meio médico quanto no meio leigo, que parecem perpassar a

construção do caso clínico apresentado. Uma delas seria a visão da testosterona como o

“hormônio masculino” − a substância poderosa capaz de restaurar ou melhorar aspectos da

masculinidade do homem idoso, como a potência sexual e a libido. Além disso, também

proporcionaria a recuperação da vitalidade e da energia diminuídas ou “perdidas” com o

decorrer dos anos, diretamente relacionadas à produtividade no trabalho. Outra característica

diz respeito ao suposto poder da testosterona de “regular” o corpo masculino (CONRAD, 2007),

ou seja, não adiantaria tratar um problema específico, no caso a disfunção erétil, pois ela seria

apenas o resultado de algo muito mais complexo e profundo que estaria acontecendo no corpo

masculino. Esse corpo só voltaria ao “equilíbrio perdido”, à condição “natural” de

funcionamento por meio da terapia de reposição hormonal com testosterona.

O último trecho da descrição do caso “Sente-se cansado, com muito sono e sua memória já

não é tão boa como antes” coloca em evidência, mais uma vez, queixas que poderiam estar

relacionadas ao estilo de vida do Sr. Mário, bem como à sua faixa etária. O próprio cansaço

poderia levar a um estado de mais sonolência e de uma memória, de certa forma, prejudicada.

No entanto, tais queixas também fazem parte do conjunto de sintomas característicos da baixa

de testosterona no corpo masculino.

As perguntas à plateia

Após a apresentação do quadro clínico, uma série de perguntas foi dirigida à plateia,

constituída, em sua grande maioria, por homens. Tais perguntas se referiam a procedimentos

médicos realizados a fim de se obter um diagnóstico completo e adequado. O ponto de partida

108

para as perguntas foi um slide contendo informações sobre resultados de exames solicitados

pelo médico clínico do sr. Mário, que foram levados para sua consulta com o urologista:

Traz exames solicitados por seu clínico: eletrocardiograma normal, hemograma

normal, glicemia 120, colesterol total 220, HDL 28, LDL 180, triglicérides 250, Gama

GT 23, Ureia 32, PSAT 2,60, PSAL0,47, Rel 0,18, testosterona total de 260 (280 a

880). Tem um ultra- som abdominal com uma próstata de 55 gramas e resíduo pós-

miccional de 40 ml. Refere que o jato urinário não é tão forte como antes, mas não

tem tido dificuldade à micção. Exame físico: PA 140/85, peso 82kg, altura 1, 75, IMC

27kg/m2, circunferência abdominal 100 cm. Avaliação genital normal. Toque:

próstata pouco aumentada de volume com características de HPB.

Em meio às informações bioquímicas referentes aos exames realizados pelo sr. Mário, a

concentração de testosterona total no sangue do paciente (260)122 foi a única acompanhada pela

faixa de concentração considerada “normal” (280 a 880), vista como padrão para se detectar

uma possível baixa hormonal associada a um problema médico.

Sobre essa questão, Tramontano e Russo (2015) destacam a dificuldade de se medir a

testosterona circulante na corrente sanguínea, bem como a ausência de um teste confiável para

mensurá-la. Por conta disso, a medição do hormônio seria feita por meio de um cálculo indireto,

cujo primeiro parâmetro consistiria na dosagem de testosterona total, composta pela

combinação das diferentes formas de testosterona encontradas no corpo humano123.

Ao entrevistar médicos prescritores da terapia de reposição hormonal com testosterona,

Tramontano e Russo (2015) observaram que, independente da confiança ou não nos testes

disponíveis para a medição de tal hormônio, a detecção de uma dosagem de testosterona total

baixa chama atenção desses profissionais e os faz recorrer a outros testes, com o objetivo de se

confirmar o diagnóstico de declínio hormonal. No entanto, os parâmetros utilizados para se

iniciar a reposição hormonal são variáveis entre eles.

Também foi possível observar, nos discursos médicos, essa falta de consenso em relação

à concentração de testosterona sérica considerada preocupante, tanto na pesquisa de mestrado

quanto, agora, na pesquisa de doutorado. Mas, apesar de tais controvérsias e dificuldades

122 Acreditamos que a unidade de medida considerada, aqui, é nanogramas (ng) por decilitro (dl), ou seja, ng/dl.

123 Segundo os autores, a testosterona circularia na corrente sanguínea de três maneiras: ligada não

especificamente à albumina, especificamente à SHBG (sexual hormone globuline ou globulina ligadora de

hormônios) e de forma livre, não-ligada. A soma da fração livre mais a fração ligada à albumina consistiria

na fração biodisponível do hormônio, ou seja, a fração disponível para exercer efeitos fisiológicos. Já a

testosterona total seria composta pela conjunção da testosterona ligada à SHBG e de sua fração biodísponível

(testosterona ligada à albumina e testosterona livre).

109

dmensuração desse hormônio, parece que o diagnóstico do declínio hormonal é ancorado,

basicamente, na medida de testosterona sanguínea no corpo masculino124.

No caso dos discursos médicos sobre o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento, há descrição de sintomas e defesa da realização do diagnóstico clínico

juntamente com o diagnóstico laboratorial, mas, na prática, parece que são nos números em que

a classe médica se apóia para afirmar se um homem precisa ou não fazer TRH com testosterona.

Voltando ao slide do caso clínico, o parâmetro adotado para considerar preocupante o

nível sérico de testosterona foi de 280ng/dL a 880ng/dl. Desta forma, a concentração de

testosterona sanguínea do sr. Mário (260ng/dL) estaria baixa, o que poderia indicar uma

deficiência hormonal associada ao envelhecimento.

Outro ponto que vale ressaltar são as informações relacionadas à próstata contidas no

slide. Acreditamos que tais informações foram colocadas ali devido à discussão existente acerca

da relação entre a terapia de reposição hormonal com testosterona e o desenvolvimento de

câncer de próstata. Dentre as informações exibidas, achamos pertinente destacar as que se

referiam ao PSA (Prostate Specific Antigen ou Antígeno Específico da Próstata), que é uma

glicoproteína produzida, quase exclusivamente, pelas células epiteliais da próstata, mas também

existe no esperma, no sangue periférico e tem a função de tornar o esperma líquido. Através da

mensuração dos níveis de PSA no sangue se pode diferenciar a presença de uma situação de

aumento benigno da próstata ou de um câncer deste órgão.125

Após a exposição do slide contendo os resultados dos exames que o sr. Mário levou para

consulta com o urologista, foi feita a seguinte pergunta à platéia:

124 Podemos, aqui, remeter-nos ao trabalho já mencionado de Greene (2007), que discute o papel dos números

na construção de categorias diagnósticas na atualidade.

125 Apesar de ser um dos melhores marcadores tumorais existentes, o PSA não é específico, ou seja, seu

aumento não corresponde, necessariamente, à existência de um câncer de próstata. Outras situações podem

ser responsáveis pela sua elevação, por exemplo, a presença de prostatite (aguda ou crônica). Classicamente,

um valor de PSA acima de 4,0 ng/ml (nanograma por mililitro) era considerado suspeito, um inferior a 4,0

não precisaria de biópsia, superior a 10 era francamente suspeito e entre 4,0 e 10 se situava na chamada

“zona cinzenta”. Atualmente, existem outros métodos para melhorar a sensibilidade e especificidade desta

análise. A determinação da relação entre o PSA livre (PSAL), que circula livre no sangue e o PSA total

(PSAT), que corresponde à soma do PSA que circula no sangue ligado a proteínas, denominado PSA

complexado (PSAC), com o PSA livre) consiste em um desses métodos. A relação entre o PSAL e o PSAT

fornece mais informações acerca do risco da presença de um câncer de próstata. Quanto mais baixa é essa

relação, maior é o risco. Por exemplo, uma razão inferior a 15% (0,15) seria mais suspeita em relação à

presença de um câncer do que uma razão superior a 20 0u 25% (0,20 ou 0,25). Porém, aqui também não há

um valor consensual que permita uma delimitação fixa entre pacientes com mais ou menos suspeita de vir a

ter um câncer de próstata. Alguns autores consideram como padrão o valor 0,15, outros o valor de 0,20

(Disponível em: http://www.institutodaprostata.com . Acesso em: 14 jul. 2017).

110

Com este quadro clínico e dosagem de testosterona baixa você acha que o sr. Mário é

portador de DAEM?” Havia três opções de escolha para a resposta: 1- Sim; 2- “Não.

A testosterona baixa está relacionada ao seu quadro clínico”; 3- “Talvez. Preciso de

mais informações.

Foi solicitado que as pessoas da plateia levantassem as mãos, conforme o médico que

apresentava o caso fosse falando as alternativas. Observamos que a maioria das pessoas, no

caso, os homens (as poucas mulheres que ali estavam não se manifestaram nesse momento),

levantaram as mãos para a resposta número 1, ou seja, consideraram as informações suficientes

para diagnosticar o sr. Mário. Para elas se tratava de um caso de DAEM. Uma quantidade menor

de homens escolheu a número 3. Ninguém respondeu a número 2.

O apresentador seguiu, então, passando o próximo slide, cujo título era “O que você

faria?”, em que havia cinco alternativas para a plateia escolher. Ao analisá-las, verificamos que

a resposta mais adequada para pergunta anterior seria a de número 3: “Talvez. Preciso de mais

informações”. As cinco alternativas apresentadas foram:

1- Solicitaria nova dosagem de testosterona total;

2- Solicitaria nova dosagem de testosterona total e acrescentaria SHBG, TLC, LH,

prolactina, TSH?126

3- Diria ao paciente que é candidato a uma TRH, porém como sua próstata está

aumentada o tratamento está contraindicado até que se faça uma RTU127;

4- Pelos valores do PSA faria uma biópsia prostática e, caso negativa, iniciaria a

TRH;

5- Iniciaria de imediato a TRH.

A maioria dos presentes respondeu que iniciaria, imediatamente, a TRH com testosterona

(alternativa 5). Um número menor respondeu que solicitaria nova dosagem de testosterona total

e acrescentaria exames para outras substâncias. Um grupo bem pequeno respondeu que faria

uma biópsia da próstata antes de iniciar a TRH. É importante destacar, aqui, que muito

rapidamente e insistentemente apontaram a TRH como melhor solução para os problemas

enfrentados pelo sr. Mário.

O próximo slide mostrou os resultados dos novos exames feitos pelo sr Mário, indicando

que a resposta número 2 seria a mais adequada para a questão anterior:

126 Sexual hormone globuline ou globulina ligadora de hormônios (SHBG), hormônio luteinizante (LH),

hormônio estimulante da tireoide (TSH).

127 Ressecção transuretral de próstata. Procedimento cirúrgico usado para tratamento da hiperplasia prostática

benigna (HPB). Consiste na retirada, via uretral, da porção da próstata que bloqueia a uretra e o

esvaziamento da urina pela bexiga (http://www.uro.com.br. Acesso: 15 de julho de 2017).

111

Os novos exames sanguíneos mostraram uma testosterona total de 240 ng/dl (280-

880), SHBG de 83nmol/l (30-70) e TCL de 41pg/ml (60-312) e LH e prolactina

normais e novo PSAT 2.80, PSAL 0, 42, Rel: 0,15.

Você iniciaria neste momento uma TRH com testosterona para o sr. Mário?

1-Sim.

2- Não.

3- Não. Antes faria uma biópsia prostática.

Novamente, a grande maioria respondeu dizendo que iniciaria imediatamente a TRH. Um

grupo bem pequeno respondeu que, antes de começar o tratamento, faria uma biópsia prostática.

Podemos notar que, nesses novos exames, tanto a concentração sérica de testosterona (passou

de 260ng/dL para 240ng/dL), quanto a relação entre PSAT e PSAL (foi de 0.18 para 0.15)

diminuíram.

Aqui, o apresentador fala que o sr. Mário começou a namorar a secretaria Karla, e aparece

a foto dela. Mas, ele continuava com problemas de ereção, apesar de ter iniciado a TRH com

testosterona. Ou seja, Karla aparece (jovem, branca, muito bonita e sua secretária) para indicar

que a questão relacional não era relevante.

A apresentação seguiu com o seguinte slide:

O que você faria agora?

1-Manteria a TRT e aguardaria mais 3 meses para avaliar a evolução clínica e os níveis

de PSA.

2- Manteria a TRH e associaria uma droga iPDES para tratar a disfunção erétil.

3- Manteria a TRH e associaria um alfa-bloqueador.

4- Manteria a TRT e proporia iniciar tratamento com droga intracavernosa pois o sr.

Mário já havia utilizado anteriormente iPDE5 sem resultado.

5- Interromperia a TRH e solicitaria novo PSA total e livre após 60 dias.

6- Interromperia a TRH e faria uma biópsia prostática.

Ao pensarmos nas alternativas acima, parece que iniciar a TRH com testosterona seria a

resposta mais adequada para a pergunta do slide que questionava a pertinência do início desse

tratamento, já que, agora, só se apresentam duas possibilidades: manter ou interromper a TRH.

Similarmente ao que ocorreu com o sr. Mário, uma foto de Karla foi colocada em um dos

slides. No entanto, era uma foto maior, na qual era possível observar, de forma mais clara, sua

aparência. O namoro de um homem de 63 anos com uma moça bonita, bem mais nova do que

ele e sua secretaria, evidencia a ideia de uma velhice não mais associada à decadência, mas sim

ao prolongamento da juventude e do vigor sexual, ainda que por meios artificiais. Evidencia,

também, a noção tradicional numa sociedade machista, segundo a qual o sonho de todos os

homens de certa idade é conseguir encontrar / namorar uma moça mais jovem, de preferência

bonita, bem-feita de corpo, com pele e cabelos bem tratados e dentes impecáveis.

112

Além disso, demonstra que o problema do sr. Mário não é relacional, ou seja, não tem

relação com Karla. Certamente, a posição subordinada dela, somada à sua juventude e aos seus

atributos físicos, mexe com o imaginário em torno do que deseja um homem de 63, jogando

com estereótipos da masculinidade e da velhice. Desta forma, tornou-se evidente que o

problema do sr. Mário era fisiológico, pois nem o fato de estar namorando uma mulher como a

Karla pôde resolvê-lo.

Nesse momento, duas questões emergiram numa interação entre o apresentador e a plateia:

a relação entre câncer de próstata e TRH com testosterona e o problema de disfunção erétil do

sr. Mário. Além disso, a apresentação passa a ter um novo ritmo, com a plateia se manifestando

verbalmente.

Quanto à relação da TRH com testosterona e o desenvolvimento de câncer de próstata, o

apresentador perguntou se havia alguém na plateia que tratou, ou estava tratando, paciente que

desenvolveu a doença após iniciar tratamento com reposição hormonal. Vários médicos

levantaram as mãos. O apresentador, então, disse que eles poderiam contar no microfone essa

experiência. Dois médicos, urologistas, aceitaram. Outros médicos se manifestaram de forma

verbal, sem o uso do microfone. O que observamos, para nosso espanto, foi certa minimização

dos perigos à saúde do homem associados ao câncer de próstata. Junto a isso, ocorreu também

a defesa da terapia de reposição hormonal com testosterona como algo tão “bom” para a saúde,

o bem-estar e a felicidade do homem, que valeria a pena enfrentar até um câncer, ou seja, os

benefícios atrelados ao uso da testosterona seriam muito maiores quando comparados aos

possíveis problemas trazidos pela doença.

O primeiro urologista disse que um paciente seu começou o tratamento de reposição

hormonal com testosterona e, depois de um período, desenvolveu câncer de próstata. Após a

detecção do tumor maligno, o médico teria suspendido a TRH do paciente, que começou a ser

tratado do câncer. Após esse tratamento, o médico contou que o próprio paciente voltou ao seu

consultório, pedindo pra reiniciar a TRH com testosterona. Ele completou dizendo que, se o

câncer for tratado, não há problema em voltar a fazer uso de testosterona, porque o mais

importante seria o bem-estar e a qualidade de vida dos seus pacientes. O que não poderia ser

feito, segundo ele, é iniciar a TRH estando o paciente com câncer de próstata ou continuar a

reposição hormonal após a detecção do tumor maligno, pois causaria sérios danos à saúde do

paciente.

Desta forma, parece que a deficiência, a baixa de testosterona no corpo masculino foi

vista como algo tão prejudicial, não só à saúde do homem, mas também à sua própria felicidade,

que, quando comparada a um câncer, acabou diminuindo a gravidade deste. Inclusive,

113

observamos que, em outras apresentações sobre declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento e TRH com testosterona, realizadas no XVI Congresso Internacional de

Medicina Sexual, falou-se da não-existência de associação entre TRH com testosterona e câncer

de próstata, o que foi bastante curioso, pois há diversas pesquisas que confirmam tal questão.

O argumento dos que defendiam a não-conexão entre reposição hormonal e câncer de próstata

se baseava na existência de estudos mais recentes, que “desmentiriam” os estudos anteriores.

No entanto, esses trabalhos mais recentes foram apenas citados, ou abordados rapidamente nas

apresentações.

A fala do segundo urologista nos causou um espanto ainda maior, porque a questão que o

preocupava se resumia ao receio de ser processado por pacientes que desenvolveram câncer de

próstata após início do tratamento com testosterona. Isso só seria possível, segundo ele, por

causa das bulas, nas quais o risco de desenvolvimento de câncer de próstata associado à TRH

com testosterona está descrito. Tal médico chegou até mesmo a criticar as empresas

farmacêuticas por colocarem essas informações disponíveis para os leigos.

Após esse debate envolvendo câncer de próstata e TRH com testosterona, o apresentador

chamou a atenção das pessoas para que voltassem aos slides do caso clínico, mas, a partir desse

momento, acabaria a dinâmica caracterizada pela participação da plateia, informando ao

apresentador as opções escolhidas para cada pergunta feita a ela. Além disso, os slides passaram

a ser mostrados rapidamente, o que acabou com a possibilidade de fotografá-los

sequencialmente. Desta forma, achamos melhor seguir apontando as principais questões

discutidas no tempo restante de apresentação do caso clínico.

Quanto à persistência da disfunção erétil do sr. Mário, apesar de já ter sido iniciada a TRH

com testosterona e o namoro com Karla, acreditamos ser importante apontar a discussão sobre

uma suposta conexão existente entre estilo de vida e concentração de testosterona corporal.

Uma das hipóteses levantadas para justificar a persistência da disfunção erétil do sr. Mário foi

seu estilo de vida, provavelmente, não saudável, ou seja, para se ver “livre” de suas queixas e

ter “qualidade de vida”, o paciente precisaria começar a fazer exercícios, a se alimentar de

maneira mais saudável, ter mais tempo para o lazer, deixar hábitos nocivos como fumar ou

beber em excesso, por exemplo.

A ausência de mudança no estilo de vida poderia, então, ter interferido no êxito do

tratamento medicamentoso. Foi mencionado, inclusive, que a concentração de testosterona

sanguínea pode aumentar caso o homem passe a adquirir hábitos saudáveis no seu cotidiano.

Ao serem questionados sobre a possibilidade de aumento da concentração de testosterona

corporal apenas com a mudança de estilo de vida, isto é, sem a necessidade de um tratamento

114

medicamentoso, um dos médicos participantes da mesa que compunha esse estudo de caso

argumentou dizendo que tal processo é demorado, e os homens que procuram ajuda médica

com queixas semelhantes querem resultados rápidos.

Por fim, ao continuar com a TRH com testosterona e ao seguir todas as recomendações

médicas, as queixas do sr. Mário desapareceram. Ele, então, pôde retomar sua vida, ser

produtivo, feliz, e ter uma vida sexual ativa namorando Karla. Assim, confirmou-se que o

problema de saúde do sr. Mário era mesmo o DAEM.

É preciso apontar, aqui, que o fato de o sr. Mário ter começado a namorar sua secretária,

uma moça bem mais jovem do que ele, levou a maioria dos homens presentes ao riso. Notamos,

inclusive, que as poucas mulheres ali ficaram muito constrangidas nesse momento.

Curiosamente, durante a apresentação seguinte (simpósio SBRASH128), um dos palestrantes129,

visivelmente irritado com o acontecido, comentou sobre o que foi, segundo ele, um absurdo,

algo inadmissível em um congresso internacional, enfatizando que um homem começar a

namorar sua secretária é um caso de assédio, algo muito grave. Completou dizendo estar

indignado com a postura dos médicos participantes da mesa que constituiu o caso clínico e com

a atitude condescendente da plateia. Após alguns segundos de silêncio, ele começou sua

apresentação.

3.2.3.2 Terapia de reposição de testosterona no Brasil: como adaptar os diferentes tratamentos

disponíveis

Apresentação que fez parte do Simpósio ABEIS130, ocorrido durante o primeiro dia de

congresso, de 13:30 às 14:30hs, tendo como mediador o urologista Leonardo Eiras Messina.

Além desta, mais duas apresentações foram feitas nesse intervalo de tempo, cujos títulos foram:

- Premature ejaculation: improving adherence to treatment (palestrante Diogo R. Mendes,

urologista- Brasil)

128 Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana.

129 Jorge José Serapião, médico, psicólogo, doutor em Sexologia, professor da Universidade Federal do Rio de

Janeiro - UFRJ (Instituto de Ginecologia) (http://cienciaparaeducacao.org. Acesso: 15 de julho de 2017). 130 Associação Brasileira para o Estudo da Inadequação Sexual.

115

- Female sexuality: efficient pharmacological treatment to stimulate women’s sexual life?

(palestrante José Carlos Riechelmann, ginecologista- Brasil)

Como os objetivos da pesquisa giram em torno de questões sobre a TRH com testosterona

relacionada ao envelhecimento masculino, optamos focar nosso estudo apenas na primeira

palestra do simpósio, em que se discutiu diferentes tratamentos de reposição hormonal com

testosterona. O médico palestrante foi João Luiz Schiavini.

A palestra

Schiavini iniciou sua apresentação falando sobre “eugonadismo” masculino, que definiu

como o estado no qual o funcionamento das gônodas131 é “normal”, garantindo que o hormônio

testosterona132 esteja em níveis fisiológicos, ou seja, em concentrações consideradas “normais”.

Por meio de um esquema e dois gráficos, Schiavini demonstrou como se dá o controle, a

produção e a liberação de testosterona no corpo do homem, desde a estimulação de sua

produção por hormônios secretados pela hipófise133 até sua secreção pelos testículos134.

Em seguida, apontou os efeitos da testosterona no corpo masculino: manutenção da libido

e função erétil, aumento da massa e força muscular, mineralização óssea, eritropoiese135,

manutenção masculina de implante de cabelo, formação de espermatozóides

(espermatogênese). A testosterona também teria efeito na área comportamental, sendo

131 Segundo Costanzo (2014), as gônadas são glândulas endócrinas responsáveis por assegurar o

desenvolvimento e a maturação das células germinativas masculinas (espermatozoides) e femininas (óvulo).

As gônadas masculinas (testículos) têm a função de garantir o desenvolvimento e a maturação dos

espermatozoides, bem como a síntese e secreção do hormônio testosterona. Já as gônadas femininas

(ovários), garantem o desenvolvimento e a maturação do óvulo, assim como a síntese e excreção dos

hormônios estrógeno e progesterona.

132 Vale ressaltar que, similarmente às outras apresentações, o hormônio testosterona foi tratado como “o

hormônio masculino”, mesmo estando presente também no corpo feminino, ainda que em menor quantidade.

133 Glândula situada na base do cérebro, que tem papel na regulação de outras glândulas, como a adrenal, a

tireoide, os testículos e os ovários. Produz a prolactina, hormônio importante na amamentação e o hormônio

do crescimento (GH). Secreta o hormônio antidiurético e a ocitocina, hormônio atuante no trabalho de parto

(Disponível em: https://hospitalsiriolibanes.org.br. Acesso em: 17 jul. 2017).

134 A testosterona também é secretada, em menor quantidade, pelas suprarrenais, glândulas situadas acima dos

rins. No entanto, tal informação não foi mencionada na apresentação.

135 Processo de produção de eritrócitos, também denominados hemácias.

116

responsável pela motivação e pelo bom humor do homem, por exemplo.136 Dentre as 7 ações

da testosterona apontadas no slide, apenas 2 não têm relação direta com características ou

comportamentos considerados pertencentes ao sexo masculino: mineralização óssea e

eritropoiese.

Em relação ao efeito da testosterona no comportamento masculino, podemos pensar na

característica motivação, citada como exemplo no slide, ligada à ideia de instrumentalidade

discutida por Formiga e Camino (2001) ao apontarem que pesquisas sobre masculinidade e

feminilidade têm problematizado a atribuição, desde os aspectos de gênero até os traços de

personalidade, de uma instrumentalidade ao homem (assertividade, independência, etc) e uma

expressividade à mulher (simpatia, carinho, etc).

Desta forma, podemos interpretar essa “motivação” masculina como uma qualidade ligada

à proatividade, à capacidade do homem de tomar decisões, de assumir as “rédeas” de sua vida

com confiança. Em contraste com esse perfil, estaria o da mulher, marcado por características

como passividade e amabilidade.

No slide em questão, ao lado da descrição dos efeitos da testosterona no corpo masculino,

havia a imagem de um homem, representada por uma escultura, na qual eram apontadas as

ações da testosterona em cada parte do corpo masculino, ou seja, além da concepção de atuação

da testosterona no corpo como um todo (ideia de corpo hormonal), podemos notar também a

visão de que tal hormônio age, especificamente, nos órgãos.

Em seguida, Schiavini começou a falar sobre a relação existente entre o ritmo

cicardiano137 da testosterona total e a idade. De acordo com ele, a concentração de testosterona

total no corpo de um homem jovem sofre flutuação durante o dia (ritmo cicardiano). Com o

avançar da idade, além da diminuição da produção da testoterona, ocorre também um aumento

de proteínas sanguíneas transportadoras que se ligam à testosterona, “bloqueando” o hormônio,

ou seja, impedindo que ele fique livre na corrente sanguínea para exercer sua ação biológica.

Assim, a flutuação da concentração de testosterona total (soma da concentração de testosterona

136 Aqui, podemos pensar nos trabalhos já mencionados de Rohden (2008) e Oudshoorn (1994), que discutem a

ideia de um modelo de corpo hormonal, presente tanto nos discursos médicos quanto nos leigos, em que os

hormônios são responsáveis pelo desenvolvimento de características e comportamentos diferenciadores dos

sexos.

137 Ritmo circadiano ou ciclo circadiano consiste no período sobre o qual é baseado o ciclo biológico de quase

todos os seres vivos. Dura, aproximadamente, 24 horas e sofre influência, principalmente, da variação da luz,

temperatura, marés e ventos entre o dia e a noite. O ritmo circadiano influenciaria, por exemplo, a digestão

ou o estado de vigília e sono, a renovação das células e o controle da temperatura do organismo (Disponível

em: http://dicionarioportugues.org/. Acesso em: 05 ago. 2017).

117

livre mais a concentração de testosterona ligada às proteínas) no sangue do homem idoso

diminuiria com o passar dos anos. Sobre essa questão, Schiavini foi enfático: “O ritmo

cicardiano da testosterona total se perde no homem idoso”.

No slide seguinte, foram apresentados sinais e sintomas da deficiência de testosterona. É

interessante notar que aparecem alguns sintomas da menopausa e ,claro, também relacionados

a sinais da velhice:

a) Comprometimento sexual (diminuição da libido e disfunção erétil);

b) Aumento da gordura corporal (obesidade visceral, síndrome metabólica);

c) Perda da massa muscular (diminuição da força muscular, dores musculares e

articulares);

d) Perda da massa óssea (dor lombar, perda da altura, fraturas);

e) Sintomas vegetativos (fogachos, palpitações);

f) Diminuição do bem-estar (depressão, falta de iniciativa, dificuldade de

concentração);

g) Diminuição de pêlos (diminuição da barba, pelos axilares e corporais);

h) Anemia (fadiga crônica, perda de energia).

O próximo assunto abordado por Schiavini foi a TRH com testosterona no Brasil. No

primeiro slide referente a essa questão, estava escrito que o papel verdadeiro da TRH com

testosterona seria tornar o estado hipogonádico em eugonádico e evitar picos suprafisiológicos.

Também havia um gráfico, oriundo de um estudo138, em que se demosntrava a relação entre

níveis suprafisiológicos de testosterona e risco cardiovascular. Mais uma vez, vemos aqui a

ideia da passagem de um estado de deficiência, o “hipogonádico” para um de “normalidade”, o

“eugonádico” com o uso da testosterona.

O slide seguinte enumerava as opções de TRH com testosterona no Brasil: clomifeno139,

ésteres de testosterona parenterais, undecanoato de testosterona oral, gel de testosterona

(manipulado), undecilato de testosterona parenteral, testosterona solução hidroalcoólica axilar.

Em seguida, Schiavini explicou as características de cada uma delas.

O próximo assunto abordado por Schiavini foi o que ele chamou de “situações especiais”

envolvendo o tratamento hormonal com testosterona. Tais situações foram o câncer de próstata,

a hiperplasia prostática, a apnéia do sono e a poliglobulia. Em relação ao câncer, ele argumentou

que só se deve iniciar uma TRH após o tratamento de pacientes diagnosticados com essa doença

138 Blouin K. et al. J. Steroid Biochem Mol Biol, 2008; 108: 272. Essa referência foi copiada exatamente como

estava no slide.

139 Citrato de clomifeno é um medicamento utilizado no tratamento da infertilidade feminina decorrente da

anovulação (Disponível em: http://www.medicinanet.com.br. Acesso em: 06 ago. 2017). No corpo

masculino, atuaria, segundo alguns médicos, estimulando os níveis de testosterona sanguínea (Disponível

em: http://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 20 mar. 2018.

118

e com o resultado do NADIR do PSA, que é o menor PSA medido após o tratamento de câncer.

Caso o PSA se eleve após o início da TRH, esta deve ser suspensa e o paciente encaminhado

para tratamento, novamente. Após mais essa intervenção médica, e com novo resultado do

NADIR do PSA, a TRH com testosterona pode ser reiniciada. Segundo ele, só não se pode

iniciar a TRH se houver evidências de metástase.

Quanto à hiperplasia prostática, Schiavini afirmou que não há possibilidade de piora com

a TRH, mas que ela deve ser tratada antes do início da reposição hormonal. A mesma

recomendação foi feita em relação à apnéia do sono. A poliglobulia, segundo Schiavini, é mais

comum na TRH injetável e deve ser tratada com sangrias crônicas (repetidas a cada 3 meses).

Por fim, Shiavini encerrou sua apresentação dizendo que é objetivo dos urologistas fazer

com que o homem volte “a apreciar as coisas boas da vida”. Logo depois dessa fala, ele passou

um slide que provocou risos na maior parte da platéia, constituída por homens, provavelmente

urologistas, e indignação em uma parte bem menor, composta por mulheres. Foi a imagem dos

glúteos de uma mulher, totalmente descobertos e em movimento. Acima dessa imagem estava

escrito “Resultado esperado: retorno do paciente à normalidade” (Figura 4).

119

Figura 4. Slide ‘Resultado esperado: retorno do paciente à normalidade’, Congresso

Internacional de Medicina Sexual, 2014

Fonte: A autora, 2018

120

3.2.4 Comentários finais

No XVI Congresso Internacional de Medicina Sexual, foram observadas características

que remetem a uma visão mais abrangente sobre congressos científicos. De acordo com tal

visão, eventos científicos não são centrados unicamente em torno do debate médico-científico,

mas também ligados, direta ou indiretamente, a possibilidades de lazer e descanso, bem como

de se conhecer novos lugares e novas pessoas. Isso amplia redes de amizade e/ou parcerias, ou

seja, contribui para uma melhor socialização profissional dos participantes (GIAMI, 2009b).

Dentre as ativividades de socialização, lazer e/ou descanso promovidas em determinados

espaços do congresso, destacamos o oferecimento de coffee breaks e lunch breaks140. O espaço

utilizado para os coffee breaks foi o mesmo salão em que estavam os estandes de empresas

produtoras de medicamentos e materias médicos. Já os lunch breaks foram oferecidos em outros

salões disponíveis do hotel.

Além disso, houve um jantar patrocinado pela empresa farmacêutica Besins Healthcare,

que estava divulgando o lançamento do medicamento Androgel®, no Brasil, e um café da

manhã patrocinado pela empresa farmacêutica Pfizer, em comemoração aos 15 anos de

lançamento do primeiro tratamento oral para disfunção erétil, o Viagra ®. O jantar ocorreu fora

do Hotel Transamérica141, porém foi disponibilizado um ônibus ,saindo de lá, para transportar

os participantes do congresso até o local do jantar e trazê-los de volta ao hotel, posteriormente.

Já o café da manhã aconteceu no mesmo local do congresso.

Consideramos importante destacar que, no jantar promovido pela Besins Healthcare,

houve duas palestras, intituladas “LOH latest update” e “Transdermal TRT: Androgel precision

simplified for you and your patient”, ministradas, respectivamente, pelo médico

endodrinologista Ricardo Meirelles142 e pelo urologista Ernani Rhoden que, tanto nesse

congresso quanto no de urologia, pareceu ocupar posições de destaque nas mesas de discussão.

140 Consta, no programa oficial do congresso, que foram oferecidos coffee breaks e lunch breaks todos os dias

do congresso. No primeiro, foi oferecido almoço em um dos salões do hotel, mas não gratuitamente,

conforme ocorreu no segundo dia. Já no terceiro, o almoço foi substituído por um kit lanche, contendo dois

sanduíches e uma fruta.

141 O evento ocorreu no Blue Tree Verbo Divino, hotel luxuoso localizado no bairro Itaim Bibi, em São Paulo.

142 Presidente da Comissão de Comunicação Social, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

(SBEM) (Disponível em: https://www.linkedin.com. Acesso em: 22 mar de 2018).

121

O jantar e o café da manhã foram oferecidos a todos os participantes, independente de

serem prescritores ou não. Curioso, inclusive, esse fato, já que os dois eventos faziam parte da

programação “Simpósios da Indústria”, sessões organizadas pelas empresas farmacêuticas com

objetivos específicos de divulgação (AZIZE, 2010a).

Talvez, o que mais ilustrou a questão de se agregar lazer e divertimento a um evento

científico, nesse caso a um congresso internacional de medicina sexual, foi a presença de uma

escola de samba, no dia do encerramento do evento (Figura 5). Essa escola interagiu com o

público em diferentes espaços do congresso, inclusive na área reservada aos estandes de

empresas farmacêuticas e de materiais médicos.

Sabemos que, em grande parte dos congressos médico-científicos, há estandes de

empresas que oferecem café e/ou lanches, distribuem brindes ou dispõem de algum instrumento

mais criativo para chamar atenção do público, como jogos interativos. Ao ganhar um brinde,

tomar um café ou participar de um jogo, o congressista está, direta ou indiretamente, sendo

informado sobre o medicamento divulgado naquele estante. Porém, no caso da escola de samba,

podemos pensar em questões mais abrangentes, inseridas no campo das representações de

gênero, principalmente, porque esse não foi um incidente isolado. Observamos vários outros

pontos relacionados a essa questão durante a realização do congresso.

122

Figura 5. Apresentação de escola de samba durante encerramento de evento, Congresso

Internacional de Medicina Sexual, 2014

Fonte: A autora, 2018

Podemos pensar, assim, na exposição do corpo feminino, com pouca roupa, dançando

entre estandes que, nos dias do evento, foram locais “separados” para divulgação de

“informações científicas” e momentos de socialização profissional, como um dos momentos de

objetificação do corpo feminino ocorridos no congresso. Ligada a essa exposição, estaria o

machismo, percebido em comentários deselegantes, piadas e imagens vulgares, inclusive

durante as próprias palestras ditas científicas. O slide final de uma das palestras descritas neste

trabalho, contendo a imagem dos glúteos de uma mulher, totalmente descobertos, em

movimento, e a reação da maioria da plateia, constituída por homens, que começou a rir diante

daquela imagem, consiste, em nossa opinião, na ilustração mais evidente do machismo explícito

do evento.

Além disso, identificamos concepções do senso comum, estereótipos sexuais e de

gênero na construção de argumentos considerados científicos apresentados no evento. Um

exemplo disso foi a definição da mulher como um ser emotivo, possuidor de uma sexualidade

123

subjetiva, psicológica e dependente do estímulo do parceiro, no caso, o homem. Em

contrapartida, o homem teria uma sexualidade mais “biológica”, “independente” de estímulos

externos. Esse argumento serviu de base para a promoção e a divulgação de tratamentos vistos

como “mais adequados” e “mais eficientes” em relação a problemas sexuais masculinos e

femininos.

Voltando à exposição do corpo feminino, houve uma palestra, durante a qual fizeram

uma retrospectiva das cidades que receberam o evento ao longo dos anos. Ao mencionar a

cidade do Rio de Janeiro, o orador disse que apenas se lembrava de uma festa qual tinha

participado. Nesse momento, aparecia um slide com mulheres de biquini, numa praia. E, mais

uma vez, a plateia reagiu rindo. É importante destacar que, em todas as outras cidades

mostradas, as imagens e os comentários que as acompanhavam se referiam às questões

discutidas nos congressos, aos seus pontos turísticos e aos participantes de destaque presentes

em cada evento.

Outro ponto observado foi a diferença de apresentação do corpo masculino, quando

comparada com a do corpo feminino. Além de este ter sido muito mais exposto, as imagens

que representavam tanto o corpo inteiro quanto suas partes fragmentadas, consistiam em

fotografias “reais”. Já o corpo masculino, quando mostrado, foi, quase exclusivamente, por

meio de desenhos ou bonecos (Figura 6). Até mesmo nos estandes que promoviam próteses

penianas e tratamentos para a disfunção erétil, optou-se pelo desenho da genitália masculina.

124

Figura 6. Estande promocional de aparelho (shockwave) para tratamento de

disfunção erétil, Congresso Internacional de Medicina Sexual, 2014

Fonte: A autora, 2018

O estande da empresa farmacêutica Pfizer, produtora de medicamento para disfunção

erétil, continha uma imagem que também pode ser analisada pela perspectiva de gênero. Nela,

havia uma mulher muito bonita, loira, jovem e magra apontando para o número 4, referência ao

grau 4 de rigidez peniana (em que o pênis estaria completamente rígido), critério pelo qual a

biomedicina se baseia para avaliação do diagnóstico de disfunção erétil (GIAMI, 2009a)143.

Uma escada ligava a tal mulher à figura de um homem, representado por uma miniatura, que

olhava para cima, almejando alcançar aquela mulher (Figura 7).

143 Segundo Giami (2009a), o lançamento do citrato de sildenafila (Viagra®), em 1998, representa um divisor de

águas no tratamento da impotência sexual masculina. Até o final da década de 1990, os tratamentos médicos

disponíveis para esse problema (por exemplo, injeções no pênis antes do intercurso ou implantes penianos)

eram considerados invasivos. Com o Viagra, abre-se o caminho de acesso a um tratamento não-invasivo e de

fácil administração. Além disso, ocorre a consolidação do processo de definição da "disfunção erétil" (DE)

como um fenômeno fisiológico, com a ampliação gradual desse conceito, já que os novos critérios se baseiam

na avaliação do grau de rigidez da ereção (GIAMI, 2009a). Isso contribuiu para expansão do mercado

consumidor e para uma série de reconfigurações da sexualidade masculina e da masculinidade (FARO et al.,

2013).

125

Podemos pensar, aqui, na questão da mulher vista como uma espécie de “prêmio” para o

homem que, ao perceber um problema de ereção, busca o tratamento adequado, e consegue

chegar ao “topo”, ou seja, ao nível 4 de ereção. No topo, o “vencedor” conquista, então, a

mulher tão desejada, que é o estereótipo da “mulher dos sonhos” de um homem: linda, magra,

loira e jovem. Além disso, é possível notar, assim como observamos na análise do caso clínico

do sr. Mário, que a sexualidade do homem é restrita à fisiologia de um órgão. Basta estar com

o pênis “completamente” rígido para ser capaz de conquistar a mulher que se deseja.

126

Figura 7. Imagem publicitária de estande da Pfizer, Congresso Internacional de Medicina

Sexual, 2014

Fonte: A autora, 2018

Pensar nas diferentes perspectivas de abordagem da sexualidade masculina e feminina

observadas nesse congresso científico, remete-nos ao já mencionado trabalho de Giami (2007),

que discute a permanência de representações tradicionais de gênero na Sexologia144 ,

juntamente com as mudanças surgidas nesse campo, relacionadas ao desenvolvimento de novos

diagnósticos e tratamentos médicos das disfunções sexuais.

Segundo o autor, pesquisas médico-científicas recentes sobre a função sexual, consideradas

representativas de um “avanço científico inovador”, reforçam representações tradicionais da

144 Segundo Russo et al. (2011), pesquisas apontam que, nas últimas décadas do século XIX, houve uma

explosão de debates em torno da sexualidade. O surgimento da Sexologia, ciência da sexualidade, teria feito

parte de tal explosão. No entanto, o termo “sexologia” não seria um consenso dentro do campo. Haveria uma

tendência atual de utilização dos termos “sexualidade humana”, “saúde sexual” ou “medicina sexual”, o que

indica um cenário de disputas e tensões no território em questão (RUSSO et. al, 2009).

127

sexualidade masculina e feminina, apoiadas na visão dicotômica da sexualidade, ou seja, da

natureza biológica da sexualidade masculina e da natureza espiritual da sexualidade feminina:

Inscrita na natureza biológica e irreprimível da necessidade sexual, a função sexual

masculina será caracterizada pela centralidade do pênis (um órgão) e pela

simplicidade do seu funcionamento. Inversamente, as pesquisas sobre a função sexual

da mulher, fundadas em parte sobre abordagens organicistas - certamente ainda

balbuciantes - enfatizam as representações tradicionais da sexualidade feminina, que

atribuem lugar central às dimensões psicológica, emocional e relacional, e à fraqueza

de intensidade dos desejos e da excitação sexual. (GIAMI, 2007, p. 302)

Desta forma, as noções “inovadoras” da função sexual masculina consistiriam em “um

aggionarmento e um reforço das concepções tradicionais da sexualidade masculina, sob a forma

de uma ancoragem à biologia e à fisiologia.” (GIAMI, 2007, p. 302). A função sexual

masculina, marcada pela “biológica” e “irreprimível” necessidade sexual, seria caracterizada

pela centralidade do pênis, bem como pela simplicidade de seu funcionamento. De maneira

inversa, quando tratam da função sexual da mulher, pesquisas ancoradas em abordagens

organicistas enfatizariam representações tradicionais da sexualidade feminina, destacando as

dimensões psicológica, emocional e relacional, bem como a baixa de intensidade dos desejos e

da excitação sexual da mulher (GIAMI, 2007).

O autor procura mostrar como novas concepções sobre a função sexual permanecem

intrincadas ao que ele denomina de “script cultural tradicional”. Tal script, além de diferenciar,

também coloca a sexualidade masculina e a feminina em oposição. Desta forma, a crescente

promoção (e divulgação) de novos diagnósticos e tratamentos médicos, no campo da

sexualidade e envelhecimento masculinos, parece desempenhar papel fundamental no processo

de (re)afirmação e consolidação de uma visão tradicional da dicotomia sexual.

Ao se privilegiar a ideia de uma função sexual masculina orgânica e fisiológica− vista

como independente do contexto social, relacional e emocional (GIAMI, 2007), sendo passível

de intervenções corporais−contribui-se para a formação de um mercado consumidor de

tecnologias biomédicas variadas e serviços profissionais voltados para o tratamento de "novas"

categorias diagnósticas (FARO et al., 2013). A promoção da terapia de reposição hormonal

com testosterona como tratamento para o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento consiste em um exemplo desse fenômeno.

Podemos questionar, então, a partir desta interpretação, a postura de “autonomia” e

“neutralidade” que caracteriza o discurso médico-científico em relação às categorias do senso

128

comum, às ideologias e aos valores de cada época. Esse questionamento é muito importante,

por exemplo, ao se analisar a promoção e divulgação de “novos” diagnósticos e tratamentos

médicos.

3.3 XXXV Congresso Brasileiro de Urologia

3.3.1 Apresentando o congresso

3..3.1.1 Informações iniciais

O evento foi realizado na cidade do Rio de Janeiro, de 31 de outubro a 4 de novembro de

2015, no Centro de Convenções Sul América. A mensagem do presidente da Sociedade

Brasileira de Urologia (SBU), Carlos Corradi145, contida na primeira página do programa

científico, destacou a presença de renomados convidados nacionais e internacionais, que

trariam as mais recentes “novidades e avanços” no campo de pesquisa, ensino e prática clínica.

Isso ocorreria por meio de tutoriais, cursos e uma plenária de “alto nível científico”. Além

disso, segundo a mensagem, haveria uma parte social “diversificada”, com várias atrações, o

que ofereceria uma oportunidade de “congraçamento” e “ótimos momentos de lazer para

urologistas e seus acompanhantes de todo o Brasil”146.

Já a mensagem do presidente da Comissão Científica, Francisco Horta Bretas, na página

seguinte, começou descrevendo a “boa medicina”, feita pela união de “bons profissionais

médicos, bem treinados no que fazem, embasados por propedêutica bem realizada e confiável,

e praticada em bons hospitais e clínicas, com suporte técnico adequado e pessoal de apoio

competente.”

145 Médico urologista. Chefe do Serviço de Nefrologia e Urologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Professor

do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais

(Disponível em: http://lattes.cnpq.br/. Acesso em: 13 de mar. de 2018).

146 Similarmente ao que foi feito em relação ao Congresso Internacional de Medicina Sexual, tentamos acessar o

site do evento várias vezes após o congresso, mas a página se encontrava sempre fora do ar.

129

Um bom congresso médico, segundo ele, seria o que conta com três pilares: com um

programa científico que privilegie a informação e a discussão construtiva e atualizada dos

assuntos; com um time de organização ímpar, que age em sintonia e focado em seus objetivos

e com o apoio das indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos. Bretas finalizou a

mensagem agradecendo às entidades AUA, EAU, ISSM, SIU147, à equipe de RV148 e,

especialmente, à indústria como um todo, frisando que, sem ela, nada daquilo seria possível.

Notamos, em tais mensagens, uma exaltação à cientificidade, expertise médica e tecnologia

e a ideia da indústria farmacêutica como agente participante do universo médico, ou seja,

propagadora de avanços científicos e tecnológicos que visam o benefício das sociedades. A

parceria da classe médica com a indústria além de declarada sem o menor problema, foi

apontada como fundamental para a realização do evento. Outro ponto que vale ressaltar é a

menção a uma “parte social” do congresso, separada da “parte científica”. A organização dessa

parte social ficou a cargo da comissão social feminina, ou seja, contou apenas com a

participação de mulheres e promoveu atividades voltadas para o público feminino. Talvez, com

o intuito de promover uma programação direcionada às acompanhantes dos médicos

urologistas.

Tal programação contou com palestras intituladas “Sempre linda” e “A vida que vale a pena

ser vivida”, ministradas pela apresentadora de TV Solange Frazão e pelo jornalista Clóvis de

Barros Filho, respectivamente, e com um bingo interativo, no hotel Windsor Atlântica149. Além

disso, houve uma manhã de exercícios físicos em frente a esse hotel, na praia de Copacabana,

e um chá da tarde na Confeitaria Colombo, localizada no centro do Rio.

Percebemos outra questão interessante, aqui. A separação entre a programação social e

científica não se restringiu apenas a uma questão de abordagem de temas diferenciados no

congresso ou a uma brecha na programação para o lazer e interação social dos participantes, ela

consistiu em uma separação feita no nível físico, estrutural do evento150. Isso foi diferente do

que aconteceu no Congresso Internacional de Medicina Sexual, por exemplo, em que houve, a

147 American Urological Association, European Association of Urology, International Society for Sexual

Medicine, Société Internationale d'Urologie.

148 Empresa promotora de eventos ( http://rvmais.com.br. Acesso: 14 de março de 2018).

149 Hotel 5 estrelas, localizado no bairro de Copacabana.

150 As exceções foram o coquetel de abertura e as palestras de entretenimento ministradas por Arnaldo Jabor e o

comediante Rafael Infante, que ocorreram no próprio centro de convenções. A festa de encerramento do

congresso ocorreu no Pier Mauá, um dos pontos turísticos do Rio de Janeiro.

130

apresentação de uma escola de samba entre os estandes de empresas expositoras, como já

comentado.

3.3.1.2 Organizadores151

Comissão Organizadora Local152

Presidente: André Guilherme L. da Cavalcanti

Membros: Alfredo Felix Canalini

Fernando Pires Vaz

José Cocisfran Alves Milfont

Marco Antonio Quesada Ribeiro Fortes

Paulo Roberto Magalhaes Bastos

Rogério de Moraes Mattos

Ronaldo Damião

Samuel Dekermacher

Comissão Científica

- Presidente: Francisco F. Horta Bretas

- Membros: André Guilherme L. da Cavalcanti

Antônio de Moraes Junior

Anuar Ibrahim Mitre

Carlos Alberto Bezerra

Cristiano Mendes Gomes

Fernando Pires Vaz

José Calos Cezas I. Truzzi

José Carlos de Almeida

151 Devido ao grande número de participantes de cada comissão desse congresso, optamos por colocar, aqui,

apenas os membros da comissão organizadora local e da comissão científica.

152 Informações sobre cada membro dessas comissões estão localizadas no apêndice C.

131

Lucas Mendes Nogueira

Marcus Vinicius Sadi

Márcio Augusto Averbeck

Reginaldo Martello

Ronaldo Damião

Samuel Dekermacher

Ubirajara de Oliveira Barroso Junior

Ubirajara Ferreira

Wilson Ferreira Aguiar

Ao observamos os nomes acima, percebemos que não há mulheres nas comissões e

ninguém ligado à medicina sexual.

3.3.1.3 Impressões iniciais e gerais

O centro de convenções pareceu bastante adequado a um evento científico,

principalmente por conta de sua estrutura física. Logo na entrada, era possível ver um pavilhão

de 500m2153, completamente ocupado com estandes de empresas farmacêuticas e de materiais

médicos. Impressionava, portanto, e passava a ideia de imponência. À frente dos estandes, havia

uma fileira de recepcionistas, cada uma em sua mesa, responsáveis pela distribuição dos

materiais aos participantes (crachá, programação, mochila com logotipo do congresso, bloco

para anotações, caneta e folhetos diversos).

A planta do local, desenhada no cronograma, era enorme, com vários andares e salas.

Então, para evitar me perder ali, perguntei a uma das recepcionistas onde seria ministrada a

palestra que pretendia assistir. No entanto, conforme caminhava pelo lugar, notei a presença de

funcionários (homens e mulheres) em pontos estratégicos, a fim orientar aos presentes, caso

qualquer dúvida aparecesse. Importante dizer, ainda, que tanto as recepcionistas quanto os

demais funcionários estavam muito bem vestidos; as mulheres de tailleur, maquiadas e de salto

alto, os homens de terno e gravata. Esse padrão de vestuário também se estendia aos

153 Informação fornecida pelos organizadores do evento.

132

participantes e palestrantes, que eram todos brancos, aparentando pertencerem à classe média

ou média- alta154.

A quantidade de mulheres participantes foi mínima, a ponto de me fazer sentir certo

constrangimento, ao notar os olhares de muitos homens, como se questionassem a presença de

uma mulher ali. O número de palestrantes mulheres também foi ínfimo, quando comparado à

maioria esmagadora de homens. É possível afirmar que o número de mulheres participantes do

evento, somando ouvintes e palestrantes, foi inferior a dez por cento (10%) do total de pessoas.

Voltando à estrutura física do congresso, as salas em que ocorreram as palestras tinham,

praticamente, o mesmo padrão de tamanho e sofisticação, contando com poltronas confortáveis

e ambiente de boa acústica e iluminação. Bastante espaçosas, conseguiam comportar um bom

número de ouvintes, talvez torno de 50, 60 pessoas. Pelo que observei no programa, os cursos

foram realizados nestas salas também.

É preciso deixar claro que a questão de gênero interferiu bastante no trabalho de campo.

Senti-me insegura, deslocada e incomodada naquele ambiente. Alguns urologistas me olhavam

com certa desconfiança, outros ficavam tentando ler o meu crachá, acredito que a fim de

tentarem descobrir de qual área eu era. Parecia que jamais seria confundida com uma médica

urologista, por ser mulher. Como já comentado anteriormente, uma característica dessa

especialidade médica consiste na predominância de médicos homens no seu campo de atuação.

Isso, juntamente com a convicção dos próprios urologistas de serem os únicos especialistas

capazes de entender e tratar a saúde do homem, principalmente os aspectos relacionados à

potência sexual masculina, pode explicar o estranhamento dos congressistas ao verem mulheres

ali.

Antes do início de uma das palestras, uma médica urologista, sentada ao meu lado, iniciou

uma conversa comigo, ao me perguntar se eu era urologista. Quando lhe disse o motivo de estar

ali, relatou-me, brevemente, sua dificuldade de trabalhar nessa especialidade, apesar de gostar

muito dela, pois o número de mulheres é mínimo e isso afetaria seu cotidiano profissional. Logo

depois de fazer essa afirmação, olhou a sala onde estávamos e disse “Só tem homem aqui!”

Rimos, comentei o meu mal-estar naquele congresso e o quanto me senti mais à vontade em

outros eventos científicos, que contavam com um maior número de mulheres presentes.

Outro acontecimento marcante relacionado à questão de gênero foi quando, ao fazer

anotações durante uma das palestras, percebi que dois médicos, sentados ao meu lado, tentavam

ler o que estava escrevendo. Obviamente, senti-me invadida e vigiada naquele momento, uma

154 Dentre os funcionários responsáveis por nos fornecerem informações durante o evento, havia negros.

133

“intrusa” em um espaço ocupado por homens. Além da questão de gênero, havia a diferença de

hierarquia profissional e de idade, pois eu era uma farmacêutica, não prescritora, “invadindo”

um evento dirigido, especificamente, para médicos urologistas, na sua maioria, de mais idade.

A linguagem utilizada nas palestras foi bastante técnica, específica e formal. Inclusive,

houve argumentos acerca de mecanismos de ação de alguns medicamentos que não consegui

entender, apesar de ser farmacêutica. Em vários momentos do congresso, tive a impressão de

que apenas os urologistas teriam capacidade de compreender as discussões expostas daquela

maneira excessivamente técnica e complexa. A maioria das apresentações se baseou em

gráficos e cálculos estatísticos, utilizando artigos científicos para corroborar as ideias

desenvolvidas. Outro aspecto que percebi foi a extensa programação científica do evento,

contando com inúmeros tutoriais, cursos teóricos e práticos, além de simpósios, plenárias e

apresentações de trabalhos.

Para uma pessoa fora do meio, como eu, era muito fácil se perder diante de tanta informação

específica oferecida em tão pouco tempo. Além disso, por conta da extensão da programação

científica, as apresentações se caracterizaram pela rapidez e falta de espaço para os debates

finais, o que dificultou, ainda mais, o meu entendimento em relação a algumas questões

expostas. Também não houve oportunidade de interação social entre as sessões científicas, pois

o tempo de intervalo era curto, em média 20 minutos, e como não foi oferecido algum tipo de

refeição155 aos congressistas, caberia a cada participante procurar um lugar para lanchar (ou

almoçar) fora dali, durante os intervalos, ou se dirigir à praça de alimentação, localizada no

fundo do pavilhão, em que se encontravam os estandes das empresas expositoras.

Desta forma, optei por não tirar fotos dos slides apresentados, ao invés disso, procurei me

concentrar em informações importantes para os objetivos do trabalho, como comentários e

posturas de palestrantes e ouvintes durante as apresentações. Isso me ajudou, inclusive, a prestar

mais atenção nos momentos de interação entre médicos e propagandistas farmacêuticos. Notei

que, nesse congresso, havia um número maior de propagandistas, e eles conversavam com os

médicos, tanto na área dos estandes quanto nos corredores, ou até mesmo nas salas em que

ocorriam as palestras. Isto é, pareciam estar bastante envolvidos com os médicos, demonstrando

intimidade, apesar do aparente tom formal presente nas interações. Reconheci alguns

propagandistas que também estavam presentes no Congresso Internacional de Medicina Sexual.

Achei interessante perceber que estavam diferentes. A diferença ia desde o vestuário mais

formal até o modo como se portavam diante dos médicos. Tudo ali parecia ser muito "sério”,

155 A exceção foi uma sacola que recebi durante a realização do Simpósio Satélite da Eurofarma, no segundo dia

do evento. Nela continha um sanduíche, um suco de frutas em caixa, uma maçã e algumas guloseimas.

134

“objetivo”, “científico” e “tecnológico”. Não havia espaço para descontração, era apenas um

local de divulgação científica.

Um ponto importante relacionado à ênfase na cientificidade e na expertise médica

observada nesse evento, diz respeito à utilização de terminologias e categorias diagnósticas

usadas para caracterizar o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. Ao

contrário do que ocorreu no Congresso Internacional de Medicina Sexual e no Congresso

HUPE, o termo DAEM foi muito mais empregado do que “hipogonadismo masculino tardio”

ou “testosterona baixa”, por exemplo, inclusive, por médicos urologistas que participaram

desses três eventos.

Além do uso do termo DAEM ser um meio dos médicos urologistas “falarem entre si”,

essa diferença pode sugerir uma estratégia da urologia para se firmar como única especialidade

médica capaz de diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento. Isto é, a detentora de conhecimentos técnico-científicos necessários para lidar

com tal problema de saúde, que, para os urologistas, parece ser mais bem caracterizado pelo

termo DAEM. O uso de outros termos, fora do círculo da urologia, pode apontar também uma

estratégia dos urologistas para evitar questionamentos de outras especialidades médicas, como

a endocrinologia, ou de outros profissionais de saúde acerca do uso da terminologia DAEM.

Não podemos deixar de comentar a fala de um médico urologista durante uma das

palestras. Ele afirmou, enfaticamente, que todos os profissionais de saúde, com exceção dos

urologistas, que se colocam como capacitados para entender, diagnosticar e/ou tratar o DAEM

seriam “aventureiros”. Obviamente, tal fala me fez sentir constrangida, pois além de estar em

uma das primeiras filas, todos ali pareciam saber ou desconfiar da minha formação não-médica.

Como já dito anteriormente, a área reservada aos expositores156 do congresso se localizava

no térreo, em um grande pavilhão. Havia inúmeros estandes de associações médicas, empresas

farmacêuticas, produtoras de próteses penianas e/ ou materiais médicos, além de um grupo

representante de clínicas oncológicas, o Oncoclínicas, de um instituto de pesquisa desta área, o

Instituto Oncoclínica, da clínica Oncologia D’or e da Siemens:

a) Empresas farmacêuticas: Astellas, Lilly, Aché, AstraZeneca, Bayer,

Eurofarma, Besins Heaalthcare, Flukka, GSK, SEM, Sanofi, Janssen;

b) Empresas produtoras de próteses penianas e / ou materiais médicos: Boston

Scientific, AMS, Alacer Biomédica, Arlan, Biolitec, Bio Prime, Porges

Coloplast Division, Dynamed, Diagnostic Medical, EndoMaster, Engemed,

156 Além dos expositores mencionados acima, havia um estande da empresa vendedora de livros médicos, a Di

Livros⃰⃰⃰⃰⃰⃰⃰⃰⃰ e da Agência de Viagens Activia⃰⃰⃰.

135

Gadali Medical, Handle, Hummer do Brasil, HalexIstar, Medicone, Hospicare,

Strattner, Indovasive, Labor Med, Lofric, Medtronic, Olympus, Rhosse, Russer,

Starmedic, Taimin, TC Técnica Cirúrgica, Zambon, Zodiac, Medical Brasil ⃰⃰⃰157,

Wellspect⃰⃰⃰, H Strattner⃰⃰⃰, Europa Médico⃰⃰⃰, Direx⃰⃰⃰, Biosat⃰⃰⃰, CLB Macedo⃰⃰⃰, Endovisão⃰⃰⃰,

Gimed⃰⃰⃰, Transmai⃰⃰⃰, Intraview⃰⃰⃰;

c) Associações médico-científicas: Sociedade Brasileira de Urologia (SBU),

American Urological Association (AUA), European Association of Urology

(EAU), Sociedade Panameña de Urologia (SPUROL), Urologistas do Estado do

Rio de Janeiro (AURJ).

Notamos grande número de patrocinadores e expositores nesse evento. Algo interessante,

pois sugere que a urologia recebe auxílio financeiro significativo não só de empresas

farmacêuticas, mas de produtoras de materiais médicos também. De fato, não podemos negar

que isso é sinal de certo prestígio no meio médico e pode estar relacionado à própria

característica da especialidade, que inclui cirurgia, clínica médica e crescente campo que vem

ocupando, no âmbito da Saúde Masculina, principalmente na saúde sexual.

A área dos pôsteres se localizava no fundo do pavilhão, contando com inúmeros trabalhos,

cujos temas passavam pelas disfunções sexuais masculinas, problemas urológicos masculinos,

femininos e pediátricos (como problemas de micção, tratamentos de cálculos renais, infecções),

neoplasias, incluindo câncer de próstata, declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento, cirurgias de transgenitalização, saúde do homem, entre outros assuntos. Pelo

que foi possível perceber, eles seguiram o mesmo padrão das apresentações assistidas, ou seja,

discurso técnico, com a utilização de termos específicos e complexos da área de urologia.

3.3.2 Programa científico

A capa do programa era composta por um fundo branco, contendo, na parte de cima, à

esquerda, o desenho de dois rins. O rim esquerdo de cor azul, com a imagem do Pão de Açúcar

no fundo, num tom mais escuro. O do lado direito em tons que iam do verde ao azul, passando

pelo amarelo, continha, no fundo, a imagem do Cristo Redentor, de cor verde escura. Abaixo

do desenho, estava escrito o título e data do congresso, em letras pretas e azuis. Acima e à sua

157 Todas as empresas marcadas com esse símbolo não foram patrocinadoras do evento. Nenhuma associação

médico-científica patrocinou o congresso.

136

direita havia a expressão “Urologia 360 °, em letras pretas e amarelas, seguida, abaixo, por uma

foto, em forma de semicírculo, do Rio de Janeiro. Localizado mais centralmente, existia um

selo da “Comissão Nacional de Acreditação (CNA), “responsável por administrar a pontuação

dos eventos científicos necessários para que o Certificado de Atualização Profissional (CAP)

seja emitido, atestando assim que o médico especialista possui conhecimentos atuais sobre a

prática médica158”

Abaixo e à esquerda do selo, estava escrito, dentro de um círculo de fundo branco de

bordas a zuis, com letras pretas e azuis, “Programa Final”. Abaixo e à esquerda desse círculo

havia um pequeno quadro contendo as pontuações de cada especialidade159, referentes à

participação no congresso. Dentre elas, a da urologia era a mais alta, com 20 pontos; seguida

pela Nefrologia (10 pontos), Cancerologia Clínica, Radiologia, Radioterapia e Ginecologia e

Obstetrícia, todas com 5 pontos. Cirurgia do Trauma e Sexologia constavam como áreas de

atuação, ambas com 5 pontos. No final da capa, ao centro, estava o logotipo da Sociedade

Brasileira de Urologia, realizadora do congresso.

Podemos observar, já na capa do programa, certa preocupação em demonstrar que o evento

seria de grande importância para a formação profissional dos participantes, principalmente os

urologistas. O próprio desenho dos rins chama atenção para a questão da expertise, pois é um

órgão tratado, quase exclusivamente, pela urologia. Apesar de se colocar outras especialidades

e áreas de atuação como possíveis beneficiadoras do conhecimento científico difundido no

evento, não pareceu, em nenhum momento, que houve, realmente, algum empenho dos

organizadores em tornar o congresso menos específico e não voltado apenas para uma

especialidade. Pelo contrário, ao observar a organização do programa científico, já foi possível

notar essa característica.

Dentro das páginas do programa do congresso, havia propagandas de próteses penianas e

materiais médicos produzidos pela empresa Russer, expositora e patrocinadora do evento. A

programação social, ficava logo no começo, e contava com fotos dos palestrantes, imagens e

letras coloridas, o que contrastava com o restante das páginas, dedicadas à programação

científica, compostas de cores mais sóbrias, com o logotipo do congresso, fotos pequenas e

discretas da cidade, localizadas no canto das páginas.

158 Disponível em: https://amb.org.br/comissao-nacional-de-acreditacao/. Acesso em: 15 mar 2018.

159 De acordo com a Associação Médica Brasileira (AMB), todo o conteúdo fornecido pelo seu programa de

educação médica continuada é valido para obtenção do Certificado de Atualização Profissional (CAP). Tal

certificado é conquistado após o profissional atingir uma pontuação determinada pela AMB. O Congresso

Brasileiro de Urologia consiste em um evento que se enquadra no programa de educação médica continuada

da AMB.

137

3.3.3 Simpósios, cursos, workshops e palestras

Similarmente ao que foi feito em relação ao congresso abordado anteriormente,

escolhemos, dentre as apresentações assistidas, as que mais trouxeram questões pertinentes para

o desenvolvimento deste trabalho. Consideramos importante reforçar a informação de que elas

foram muito curtas e técnicas, portanto não foi possível fazer descrições semelhantes às

realizadas na análise do congresso Internacional de Medicina Sexual.

3.3.3.1 Painel: atualização em hipogonadismo e TRT

Esse painel fez parte da Plenária Conjunta entre Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e

International Society for Sexual Medicine (ISSM), que ocorreu durante o segundo dia de

congresso, de 13:40hs às 15:20hs. O painel contou com quatro apresentações, que aconteceram

entre 13:50hs e 14:25hs, cada uma delas durando, aproximadamente, 10 min. Participaram

dessa discussão os urologistas Archimedes Nardozza Júnior e Celso Gromatzky (moderadores)

e os painelistas Abraham Morgentaler, John P. Mulhall, Peter N Schlegel e Wayne Hellstrom160,

também urologistas.

Todos os palestrantes residem nos Estados Unidos, fato que talvez explique o uso das

terminologias “hipogonadismo” e “testosterona baixa”, diferentemente dos urologistas

brasileiros, que utilizaram o termo DAEM, versão portuguesa da sigla ADAM, questão já

comentada anteriormente. Vale ressaltar que John P. Mulhall, Wayne Hellstrom e Celso

Gromatzk atuam na área de medicina sexual.

John P. Mulhall iniciou o painel com a apresentação, intitulada “Terapia de reposição de

testosterona (TRH) nas disfunções sexuais- por que, como, para quem, até quando, quais riscos

(cardiovascular, próstata)”. O médico comentou a relação existente entre a concentração de

testosterona baixa no sangue e as disfunções sexuais masculinas, o que inclui problemas na

produção de sêmen, disfunção erétil e dificuldade de atingir o orgasmo. Também dividiu a

função sexual masculina em duas partes, a biológica, que seria “visceral”, e dependente do

160 Informações sobre os médicos participantes das palestras discutidas aqui se encontram no apêndice C.

138

estado orgânico do homem e a motivacional, pertencente à “dimensão intelectual”, mais ligada

a fatores psicológicos.

Segundo ele, os três principais fatores responsáveis pelo “baixo” desejo sexual masculino

seriam problemas hormonais, efeitos colaterais de medicamentos e causas psicológicas. O

médico também falou da mensuração da testosterona, que, por conta de seu ciclo cicardiano,

deveria ocorrer mais de uma vez ao dia e em dias diferentes, para que o diagnóstico de

hipogonadismo fosse confirmado com precisão, por isso a necessidade de acompanhamento do

paciente. Relacionou a concentração de testosterona sanguínea com outros hormônios, como o

FSH e LH, envolvidos na estimulação da liberação de testosterona e espermatozóides no corpo

masculino. No caso do homem com hipogonadismo, a concentração desses hormônios também

estaria alterada. Finalizou comentando que a terapia de reposição de testosterona exibe

segurança a longo prazo, e sua relação direta com o câncer de próstata tem sido negada, de

acordo com estudos mais recentes. Desta forma, seria necessária cautela apenas em relação a

pacientes já acometidos pela doença, optando pelo início da terapia hormonal após o tratamento

de câncer.

Foram bastante interessantes alguns pontos dessa apresentação. A maioria dos discursos

acerca da sexualidade masculina da área biomédica a que tivemos acesso, tanto em artigos

médicos quanto em apresentações em eventos científicos, girava em torno da disfunção erétil e

de uma visão biológica, anatômica, centrada no órgão sexual. Além disso, geralmente, não

havia a preocupação de se estabelecer uma relação mais detalhada entre a concentração de

testosterona e os demais hormônios. Pareceu, assim, que, pelo menos nesse aspecto, houve uma

visão mais sistêmica do processo envolvendo o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento.

A segunda apresentação foi do médico Peter N Schlegel, intitulada “TRT no paciente

infértil”. Durou apenas 7 minutos e, por não ter relação direta com o tema da pesquisa,

decidimos dar a ela menor atenção. Além disso, não foi possível entender a maior parte dela,

principalmente, qual seria, realmente, o papel da testosterona na questão da infertilidade

masculina. Wayne Hellstrom foi responsável pela terceira apresentação intitulada “TRT pós-

PR: é tempo de mudança de paradigma?” Nela, o médico tratou de mostrar como o pensamento

médico mudou em relação à crença de que a TRH com testosterona causaria câncer de próstata

e de que pacientes acometidos pela doença jamais poderiam ser tratados com terapia hormonal.

Apontou estudos mais antigos, que defendiam tais ideias, e os contrastou com pesquisas mais

novas que demonstram, inclusive, ser a testosterona um fator de proteção contra o câncer de

próstata.

139

A última apresentação foi a de Abraham Morgentaler, intitulada “Recomendações no

diagnóstico, tratamento e acompanhamento do hipogonadismo no homem”. Ela também teve

pontos interessantes, pois foram abordadas questões controversas acerca da TRH com

testosterona. O médico apontou o diagnóstico do hipogonadismo como “confuso”, citando a

questão problemática envolvendo a mensuração da testosterona. Falou sobre a concentração

variável desse hormônio durante as 24hs do dia no corpo masculino e sobre os diferentes tipos

de testosterona existentes no sangue (livre, total e ligada a proteínas). Comentou, ainda, a

própria falta de consenso quanto à concentração de testosterona considerada indicadora de

hipogonadismo e a importância de se observar os sintomas clínicos do paciente. Também

relacionou a concentração de testosterona com a de outros hormônios e substâncias presentes

no corpo do homem, e enfatizou a necessidade de se fazer testes para averiguar a concentração

desses elementos e, assim, fornecer um diagnóstico preciso. Finalizou destacando a necessidade

de monitoramento contínuo dos pacientes, a fim de que os médicos estejam atentos a possíveis

efeitos colaterais.

Conforme o urologista John P. Mulhall, Abraham Morgentaler fez uma apresentação

diferenciada, ao compararmos sua palestra com as de urologistas brasileiros. Ele expôs o

diagnóstico do declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento, neste caso o

hipogonadismo, como “confuso”, por conta da problemática envolvendo a mensuração de

testosterona. Isso não parece fazer parte da discussão entre urologistas brasileiros, que apesar

de concordarem com a inexistência de um consenso em relação aos níveis de testosterona

considerados limítrofes para o diagnóstico do DAEM, não consideram que ele seja confuso de

se determinar.

3.3.3.2 Simpósio satélite Eurofarma

Tal simpósio, intitulado “Novas tendências no tratamento da disfunção erétil”, ocorreu

durante o quarto dia de congresso, de 12:30hs às 13:30hs. Participaram dessa discussão os

médicos John P. Mulhall, Eduardo Berna Bertero e Carmita Helena N. Abdo.

Primeiramente, é preciso esclarecer que, apesar de o tema se referir à disfunção erétil,

houve uma relação estritamente direta entre essa disfunção e o declínio hormonal masculino

relacionado ao envelhecimento, na apresentação de Carmita Abdo, que discutiu questões muitos

pertinentes ao tema deste trabalho.

140

A primeira apresentação foi a do médico John P. Mulhall. Aqui, ele não se concentrou

na relação entre a baixa de testosterona sanguínea e a disfunção erétil. Falou mais sobre a

própria disfunção, destacando os diversos tipos de tratamentos existentes para o problema,

desde os farmacológicos, como os inibidores da fosfodiesterase 5 (PDE-5), apontando o

medicamento Zydena ® (udenafila), produzido pela empresa Eurofarma, como o novo

medicamento dessa classe terapêutica, até a classe de medicamentos inibidores das enzimas

Rho Kinases, em fase de testes em humanos. Também mencionou os medicamentos ativadores

da enzima Guanilato Ciclase, não tão utilizados quanto os inibidores da PDE-5, e o tratamento

com ondas de choque (shock therapy), produzidos por aparelhos que atuam no órgão sexual

masculino. No entanto, enfatizou que esta seria uma alternativa apenas no caso de a terapia

medicamentosa não obter o efeito desejado, e que o teste definitivo sobre tal terapia ainda não

tinha sido feito. Falou, muito rapidamente, sobre a terapia com plasma rico em plaquetas, que

também poderia ser utilizada para o tratamento de DE, da qual nunca tinha ouvido falar até o

momento.

O segundo palestrante, Eduardo Berna Bertero, fixou-se na apresentação do

medicamento Zydena ®, desenvolvido na Coréia, que seria lançado no Brasil naquele ano.

Destacou que tal medicamento teria perfil farmacocinético único, com meia vida de 11hs a 15hs

e excelente perfil de segurança, tendo efeitos adversos praticamente inexistentes. Apontou

ainda que pacientes teriam se “curado” com o uso de udenafila. Completou com o argumento

de que o uso diário de Zydena ® melhora não só a função sexual masculina, mas também todas

as dimensões do sistema sexual. Fiquei curiosa para saber o que ele estava querendo dizer com

essa afirmação, mas, infelizmente, por conta do tempo, sua apresentação foi encerrada.

A última apresentação do simpósio foi a mais intrigante naquele dia. Carmita Abdo

direcionou, praticamente, todo o seu discurso para o DAEM, afirmando ser “a causa

endocrinológica do hipodesejo sexual masculino”, que definiu como a falta de desejo sexual no

homem. Classificou o DAEM como uma síndrome clínica e bioquímica, que acomete cerca de

7% dos homens até 60 anos e chega até 20% dos homens acima de 60 anos. Segundo a

palestrante, há queda dos níveis de testosterona sanguíneos em todos os homens, a partir dos

40 anos, mas ela seria fisiológica. Nos homens com DAEM, essa queda não ocorreria assim,

pois a concentração de testosterona sanguínea estaria abaixo da taxa considerada “normal”.

Carmita destacou a testosterona como a substância responsável pelo humor do homem,

sendo a depressão, juntamente com a falta de desejo sexual e os problemas de ereção, os

principais sintomas do DAEM. Aqui, ressaltou a importância de se tratar também a parceira,

pois ela pode ter relação com o problema apresentado pelo paciente. Foi muito interessante essa

141

colocação, porque também foge à regra do que, geralmente, é discutido nos discursos

biomédicos sobre o DAEM. Neles, a questão da ereção, apontada como um dos sintomas dessa

deficiência, resume-se à fisiologia do órgão sexual masculino. No entanto, é importante

ressaltar que Carmita não é urologista. Trata-se de uma psiquiatra e sexóloga brasileira, com

certo prestígio dentro da Sociedade Brasileira de Urologia. Provavelmente, essa abordagem

diferenciada acerca do DAEM tem relação direta com sua formação.

Ao falar sobre o diagnóstico do DAEM, Abdo enfatizou a importância do teste

laboratorial e de ser feita mais de uma coleta de sangue, observando outras taxas hormonais, a

fim de garantir um diagnóstico preciso161. Também mencionou a importância de se verificar o

uso de outros medicamentos pelos pacientes, pois há os que afetam o desejo masculino e podem

interferir nos resultados do tratamento do DAEM. Após o diagnóstico clínico e bioquímico do

paciente, o tratamento deve buscar o mínimo de efeitos colaterais possíveis, segundo ela.

Nesse momento, ela começou a falar do medicamento Axeron®, cuja forma farmacêutica

consiste em uma solução de testosterona tópica, aplicada nas axilas. Esse medicamento estava

sendo lançado naquele ano, no Brasil. Foi muito intrigante o fato de ela ter o logotipo do

medicamento em seus slides, principalmente por que se tratava de um simpósio da Eurofarma,

e não da Lilly, produtora do medicamento em questão. Carmita também falou sobre o

medicamento Androgel®, testosterona também de uso tópico, só que na forma de gel, como

mencionado anteriormente. Disse que a vantagem deste em relação ao Axeron® seria a

possibilidade de parada no tratamento, no entanto, ressaltou que há maior risco de contaminação

durante sua aplicação quando comparado ao Axeron, por exemplo.

Por fim, ao falar sobre efeitos colaterais relacionados à TRH com testosterona, Carmita

expôs o tema “câncer de próstata” versus “TRH” como polêmico, mas destacou que não há

fundamento científico para se relacionar essas duas coisas, mencionando estudos que

corroboram seu argumento. Destacou, inclusive, a existência de testes que vêm mostrando a

testosterona como fator protetor do câncer de próstata. Assim, a única contraindicação legítima

para o início da TRH com testosterona, ao se pensar nessa questão específica, seria um câncer

de próstata não tratado.

161 Ela fez um breve comentário sobre a relação da testosterona com outros hormônios no corpo masculino.

Segundo ela, o FSH e o LH estimulam a síntese de testosterona.

142

3.3.4 Estandes de empresas expositoras e folders de propaganda farmacêutica

Ao me deslocar entre os estandes das empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos,

percebi que não havia imagens ou fotos chamativas neles, muito diferente do que observei no

Congresso Internacional de Medicina Sexual. Os estandes eram muito sóbrios, contendo apenas

o logotipo de cada empresa, folhetos de propaganda, fotos ou imagens discretas, a maioria em

estandes de próteses penianas. O único que continha petiscos para servir aos participantes

(biscoitos e água) era o da empresa Lilly, que estava lançando, naquele ano, o medicamento

Axeron®, conforme já falado. Tais características podem estar relacionadas ao tom de

cientificidade, objetividade e sobriedade que o congresso quis passar.

O número de urologistas, nos dois dias, foi muito grande. Não consegui conversar com

propagandistas do sexo masculino, inclusive com os quais já havia conversado no Congresso

Internacional de Medicina Sexual, pois estavam sempre rodeados de médicos. Isso, juntamente

ao meu mal-estar já descrito, colaborou para que optasse pela observação à distância daquele

tipo de interação. Quando tentava me aproximar de algum estande, os olhares eram quase,

diretamente, voltados para o meu crachá. Às vezes, notava alguns médicos me observando,

talvez para verem o que pretendia fazer ali, a quem iria me direcionar.

Acho que não foi coincidência o fato de só conseguir conversar com a única propagandista

de testosterona presente naqueles dois dias. A primeira coisa que ela me perguntou, quando me

aproximei do estande, foi se era urologista. Ao ouvir minha resposta negativa, disse ser muito

difícil encontrar urologista mulher. Conversamos, rapidamente, sobre o meu projeto de

pesquisa e acabei conseguindo seu contato para uma entrevista futura.

Dentre os folhetos de propaganda da TRH com testosterona distribuídos pelos

propagandistas no congresso, dois chamaram minha atenção. O primeiro foi o da empresa de

manipulação Flukka, cujo título era “Modulação hormonal- O equilíbrio da vida masculina”

(Figuras 8 e 9). Nele, havia a foto do rosto de um homem bonito, branco, com cerca de 45 anos,

sorrindo. Ao lado direito dela, estavam mencionados os benefícios do uso desse medicamento,

suas indicações e as características positivas referentes ao fato de ser uma fórmula manipulada.

Isso consiste na técnica de propaganda farmacêutica que destaca os pontos positivos do

medicamento, ou seja, no seu marketing positivo. Abaixo da foto, estava a descrição da

categoria diagnóstica Andropausa, os benefícios do uso da testosterona (tido como o “hormônio

masculino”) na “reversão” de dois de seus sintomas (disfunção erétil e falta de libido),

143

destacados em negrito, e a enumeração de quatro outros benefícios ligados ao tratamento com

a TRH:

- Sensação de bem-estar;

- Aumento da massa e força muscular;

- Aumento da densidade mineral óssea;

- Melhora do metabolismo da glicose e de marcadores da síndrome metabólica

A descrição da categoria diagnóstica Andropausa162, juntamente com a promoção da

terapia de TRH com testosterona, consiste em uma ilustração do que podemos considerar uma

co-promoção e co-divulgação de medicamento e categoria diagnóstica, assunto discutido neste

trabalho. Outra questão importante, aqui, diz respeito ao deslizamento da posição ocupada pelo

hormônio testosterona, que vai de uma terapia para tratar um problema médico a uma substância

que provoca uma “melhora” no corpo masculino, ou seja, tem a função de aprimoramento

corporal.

O destaque em negrito do trecho “A terapia de reposição de testosterona (TRT) mostrou-

se eficaz em reverter a disfunção erétil e a falta de libido, além de trazer benefícios não sexuais”

sugere um foco do tratamento com testosterona nos problemas da área sexual masculina.

O verso do folheto consistia em uma espécie de bula, em que estavam contidas sugestão

de formulação, precauções e contraindicações, seguida de informações de contado, logotipo da

empresa e referências bibliográficas da área biomédica.

162 Curiosamente, foi utilizada a terminologia “Andropausa”, considerada obsoleta pelo meio médico,

principalmente pelos urologistas.

144

Figura 8. Folheto publicitário da Flukka (frente). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015

Fonte: A autora, 2018

145

Figura 9. Folheto publicitário da Flukka (verso). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015

Fonte: A autora, 2018

O segundo folheto foi do medicamento Axeron®, produzido pela empresa Lilly, cujo

título era “A primeira e única solução de testosterona aplicada na axila” (Figuras 10 e 11). Nele,

havia a foto de um homem, aparentando ter uns 50 anos de idade, branco, sem camisa,

146

preparando-se para a aplicação da solução de testosterona. Ao lado da foto, estava o logotipo

do medicamento e uma foto dele. Abaixo, havia a descrição de todas as vantagens do uso desse

tipo de forma farmacêutica, ou seja, também uma exposição dos pontos positivos do

medicamento.

O verso do folheto consistia em uma espécie de bula, em que estavam contidas indicações,

advertências, precauções, contraindicações e reações adversas. Além disso, continha a foto163

do site www.testosteronatopica.com.br164, desenvolvido pela empresa com o objetivo de

fornecer informações sobre o medicamento aos médicos e pacientes, referências bibliográficas

da área biomédica e um código QR, por meio do qual poderíamos obter mais informações

acerca do Axeron®.

Percebemos, nesse folheto, características já mencionadas na análise dos outros folhetos de

propaganda da TRH com testosterona associada ao envelhecimento masculino, como a

estratégia de marketing que consiste em destacar os pontos positivos do medicamento. Também

há referências bibliográficas da área biomédica.

163 Na foto, havia um homem branco, aparentando ter cerca de 50 anos, sem camisa, olhando-se no espelho e se

enxugando com uma toalha.

164 Disponível em: http://www.testosteronatopica.com.br. Acesso em: 20 abr. 2018.

147

Figura 10. Folheto publicitário da Lilly (frente). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015

Fonte: A autora, 2018

148

Figura 11. Folheto publicitário da Lilly (verso). Congresso Brasileiro de Urologia, 2015

Fonte: A autora, 2018

149

3.3.5 Comentário geral final: relacionando os três congressos

Consideramos que há algumas questões pertinentes para abordarmos ao compararmos os

três congressos analisados. A primeira delas diz respeito ao prestígio ligado a certas profissões

e ocupações dentro do campo médico-científico, e a como esse prestígio dá legitimidade não só

ao que é pesquisado, promovido e divulgado por elas, mas também ao modo como tal promoção

e divulgação é feita.

No Congresso Internacional de Medicina Sexual, embora a maioria dos participantes

fossem urologistas, havia uma variedade de profissionais da área de Medicina Sexual presentes.

Este ainda não é um campo de especialidade reconhecida, tradicional ou com o prestígio da

Urologia, por exemplo. Trata-se de um campo em construção, talvez, por isso, esteve presente

um clima de maior descontração, irreverência e diversão nesse evento. Além disso, tal clima

pode ter a ver com o próprio tema do congresso, “sexualidade”, pois este consiste em um terreno

ambíguo, em que a jocosidade pode ocorrer. Percebemos, inclusive, que diversas piadas foram

feitas em torno desse tema, durante as palestras médicas.

Já no Congresso Brasileiro de Urologia, as atividades voltadas para lazer e entretenimento

ocorreram fora do espaço destinado à realização do evento. O congresso do HUPE também

organizou atividades, de certa forma, separadas dos locais em que ocorreram as apresentações

científicas. Os cursos sobre temas relacionados à saúde do homem, voltados para o público em

geral, foram realizados num espaço específico denominado “Espaço Cidadão/ Saúde do

Homem – HUPE”.

Outro ponto que deve ser levado em conta na análise desses três congressos é a questão de

gênero, de raça e de classe social. A maioria do público nos três congressos foi constituída por

homens brancos, aparentando pertencerem à classe média ou média-alta. Dentre as mulheres

presentes nos três congressos, a maioria também era branca, aparentando pertencer à classe

média ou média-alta. No Congresso Internacional de Medicina Sexual, houve a presença de

mulheres nas apresentações científicas, nas plateias e nos estandes de medicamentos e materiais

médicos. No congresso do HUPE, também houve presença de mulheres nas sessões científicas

e nas plateias, mais ou menos na mesma quantidade observada no congresso de medicina

sexual. Já no congresso de urologia, notamos que o número de mulheres presentes nas palestras

do congresso era mínimo. Houve, inclusive, uma palestra em que era a única mulher na plateia,

o que, como já mencionado, provocou certo desconforto, uma sensação de estar “invadindo” o

espaço dos urologistas e de não ser bem-vinda ali. Essa postura de especialidade médica

150

importante e diferenciada da urologia pôde ser notada no clima de formalidade presente no

congresso de urologia, reforçado pela exaltação à objetividade e à cientificidade, ilustrada pela

extensa programação científica, com inúmeros tutoriais, cursos teóricos e práticos − além dos

simpósios, plenárias e apresentações de trabalhos.

Ainda falando sobre a questão de gênero nos congressos, vale apontar aqui o modo como

apresentaram o corpo feminino em diversos momentos do congresso de medicina sexual. Ele

foi extremamente exposto, visto como objeto sexual, reforçando, assim, estereótipos de gênero,

como mencionado anteriormente.

Ao compararmos os três congressos, é interessante também notarmos a evolução em

relação à maneira de apresentação do declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento e de seu tratamento pela classe médica. No congresso do HUPE, por exemplo,

o urologista Schiavini criticou o uso da terminologia DAEM, que parece ser utilizada de forma

consensual entre os urologistas brasileiros. No entanto, nos outros dois congressos em que

participou teve postura diferente, ou seja, não fez crítica à terminologia, pelo contrário, chegou

a mencioná-la, naturalmente, em suas apresentações.

Sobre essa questão, vale mencionar que, tanto no congresso do Hospital Pedro Ernesto,

quanto no congresso de medicina sexual, as terminologias empregadas variaram, às vezes, até

numa mesma apresentação. Síndrome da Deficiência de Testosterona (SDT), DAEM e

hipogonadismo do idoso165 foram os termos mais utilizados no primeiro evento.

“Hipogonadismo masculino tardio” e “low tetosterone” (ou testosterona baixa) consistiram nas

nomenclaturas mais utilizadas no congresso internacional de medicina sexual. Já no congresso

de urologia, o termo DAEM166 foi o mais empregado, inclusive por profissionais que também

participaram do congresso de medicina sexual e do HUPE.

Os benefícios em torno da TRH com testosterona também “aumentaram” ao longo do

tempo, se pensarmos nas apresentações médicas desses três congressos. As do HUPE pareceram

mais cautelosas, com a exposição da questão TRH com testosterona versus câncer de próstata

ainda como algo passível de discussão. Também houve as que mencionaram a possibilidade de

risco cardiovascular com o uso de testosterona. No congresso de medicina sexual, além de ser

associada a benefícios como aumento da massa muscular, melhoria do humor, fim da disfunção

erétil, entre outros, notamos que a testosterona foi apresentada como fator protetor para o

165 Acreditamos que os termos “hipogonadismo do idoso” e “hipogonadismo masculino tardio” são considerados

similares no meio médico.

166 Neste caso, consideramos as apresentações feitas por urologistas brasileiros.

151

desenvolvimento de doenças cardiovasculares. A questão do câncer de próstata associado ao

uso de testosterona foi considerada ultrapassada em várias apresentações. Já no congresso da

SBU, além de prevenir doenças cardiovasculares, a testosterona foi apontada como fator

protetor para doenças respiratórias. Também citaram um estudo em que essa substância poderia

prevenir o câncer de próstata. Percebemos, então, o deslocamento do que antes estava na esfera

do risco referente ao uso da testosterona (câncer de próstata, doenças cardiovasculares) para a

dimensão da proteção associada ao uso do hormônio.

Vale ressaltar também a não declaração sobre possíveis conflitos de interesse (ou

declaração extremamente rápida, impossível de ser compreendida), tanto nas próprias

apresentações, quanto nos artigos utilizados para corroborarem os argumentos expostos nelas.

Isso foi observado nos três congressos. No de urologia, houve muita comparação entre estudos

antigos e mais novos sem maior esclarecimento de como foram feitos e se havia alguma

possibilidade de conflitos de interesse, principalmente nos mais recentes, utilizados para

“derrubar” argumentos controversos acerca da TRH com testosterona.

Percebemos em apresentações, tanto no congresso de medicina sexual quanto no

congresso de urologia, certa naturalidade ao se mencionar os nomes comerciais de

medicamentos, inclusive de empresas concorrentes, numa mesma apresentação. Isso associado

ao fato da não-declaração de conflito de interesses parece colocar os médicos numa posição que

sugere a existência de certa noção de “independência” e “imunidade” perante as informações

provenientes da indústria farmacêutica. Ou mesmo, sugere que a questão relativa à

independência não se coloca. Isto é, os médicos consideram-se aliados da indústria e que

trabalham com /para ela. Parece que se sentem capazes de discernir e fazer comentários isentos

e imparciais sobre qualquer terapia farmacológica, mesmo participando de simpósios

organizados por empresas farmacêuticas, com objetivos específicos de divulgação.

152

4 ENTREVISTAS: ENTRADA NO CAMPO, IMPRESSÕES E DISCUSSÃO DE

RESULTADOS

4.1 Entrevista como ferramenta de pesquisa: o modelo semiestruturado

Segundo Boni e Quaresma (2005), a entrevista consiste em uma das formas de coleta de

informações ou dados que não seriam possíveis de se obter somente através da pesquisa

bibliográfica e da observação. Dentre os tipos de entrevistas existentes, escolhemos utilizar,

neste estudo, o modelo de entrevista semiestruturada, em que “a resposta não está condicionada

a uma padronização de alternativas formuladas pelo pesquisador como ocorre na entrevista com

dinâmica rígida” (MANZINI, 1991, p.155). Aqui, foca-se, geralmente, no objetivo sobre o qual

é construído um roteiro com questões principais, complementadas com outras relacionadas às

circunstâncias observadas durante a entrevista. Assim, o pesquisador segue um conjunto de

questões definidas anteriormente, mas a dinâmica da entrevista se assemelha a de uma conversa

informal (BONI; QUARESMA, 2005).

Os autores apontam uma das vantagens da entrevista semiestruturada. Ela diz respeito à

elasticidade de sua duração, permitindo abrangência mais profunda sobre certos assuntos, bem

como proximidade maior entre entrevistador e entrevistado. Isso favorece a abordagem de

assuntos mais complexos e delicados e o aparecimento de respostas espontâneas, ou seja,

contribui para uma interação mais efetiva entre as partes envolvidas. Esse tipo de entrevista é

de grande auxílio para investigação de questões afetivas e valorativas ligadas a atitudes e

comportamentos dos entrevistados.

As desvantagens de tal técnica estariam muito mais relacionadas às próprias limitações do

entrevistador, como a escassez de recursos financeiros e o dispêndio de tempo. Além disso, há

a insegurança167 referente ao anonimato, o que pode levar o entrevistado a reter importantes

informações. Portanto, durante todo o processo da pesquisa, o pesquisador deve estar preparado

para detectar respostas não-explícitas, “ler nas entrelinhas”, ou seja, “ser capaz de reconhecer

167 Acreditamos que essa insegurança pode persistir mesmo com a apresentação do Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da entrevista, em que é garantido o anonimato dos participantes.

Os TCLEs utilizados para a realização das entrevistas com os médicos e os propagandistas farmacêuticos se

encontram nos apêndices D e E, respectivamente.

153

as estruturas invisíveis que organizam o discurso do entrevistado” (BONI; QUARESMA, 2005,

p.77).

Nesse sentido, os autores concebem a entrevista semiestruturada como um processo de

interação verbal e não-verbal, ou seja, ela se insere em um espectro conceitual maior: a interação

propriamente dita. Essa interação ocorreria face a face, no momento da coleta de dados, em que

o pesquisador tem um objetivo previamente definido e o entrevistado detém, supostamente,

informações que possibilitam o estudo do fenômeno estudado. A linguagem seria o meio pelo

qual a mediação da interação entre os dois envolvidos na entrevista ocorre.

Vale ressaltar que há outras formas de coletar dados de natureza verbal que não se realizam

“face a face”, como entrevistas por telefone, internet ou chat. Aqui, apesar da ausência de uma

interação “frente a frente”, outras condições estariam presentes, como perguntas, respostas e

interpretações. Desta forma, as categorias de análise também podem ser utilizadas aqui.

Vislumbram-se, então, dois campos de estudo característicos para tais mediações, neste caso,

da entrevista semiestruturada, o processo de coleta de dados face a face e o que ocorre por meio

de telefone ou de internet (MANZINI, 2004). Ao considerarmos o tema de pesquisa e o perfil

de profissionais a serem entrevistados, acreditamos que o modelo de entrevista semiestruturada

é o mais pertinente a fim de se atingir os objetivos propostos.

4.2 Entrevistas com médicos e propagandistas farmacêuticos: entrada no campo e

impressões gerais

Antes de entrar em contato com os médicos, já sabia que não seria tarefa fácil. Um colega,

que entrevistou endocrinologistas e urologistas durante o mestrado, já havia me alertado sobre

a dificuldade de se conseguir uma entrevista com esses profissionais, principalmente os

urologistas que, fora as atribuições clínicas, também realizam cirurgias. Além disso, tinha

consciência de que, neste caso, algo mais poderia dificultar o contato com esses profissionais:

o próprio tema da pesquisa. Portanto, ao pensarmos na metodologia aplicada neste trabalho,

também consideramos a possibilidade de entrevistar médicos residentes em urologia e

endocrinologia, ampliando, assim, o espectro de entrevistados.

De fato, houve muita dificuldade no processo. Inicialmente, enviamos um e-mail para todos

os médicos cujos contatos conseguimos durante o XVI Congresso Internacional de Medicina

Sexual e o XXXV Congresso Brasileiro de Urologia, e, por meio de conhecimentos anteriores,

154

relacionados a trabalhos168 coordenados pela Profa. Dra. Jane Russo e ao trabalho de

mestrado169 de Lucas Tramontano, o colega mencionado anteriormente. Dentre

aproximadamente vinte médicos convidados, incluindo urologistas e endocrinologistas de todo

o Brasil, apenas seis, duas endocrinologistas e quatro urologistas (homens), responderam que

estavam disponíveis para entrevista. O tempo de resposta variou de poucos dias a semanas.

Não havia pretensão de entrevistar somente médicos líderes de opinião, embora

desejássemos contatar o maior número possível desses profissionais, devido a uma relação mais

estreita que eles têm com a indústria farmacêutica quando comparados aos demais médicos. O

fato de os seis médicos entrevistados ocuparem uma posição de referência em suas áreas de

atuação foi mera coincidência.

Após a resposta positiva desses médicos, o próximo passo foi agendar dias e horários

para a realização das entrevistas, o que, no geral, também levou tempo. Foi preciso ligar várias

vezes para secretárias, insistindo no agendamento das entrevistas assim que possível. As

entrevistas foram realizadas no período de novembro de 2016 a maio de 2017. Quatro das seis

entrevistas foram feitas presencialmente, as outras duas por telefone.

Antes de passarmos para análise das entrevistas, consideramos fundamental descrever

alguns pontos que influenciaram o desenrolar do processo. O primeiro deles, mencionado

anteriormente, diz respeito ao próprio objeto da pesquisa. A relação entre a indústria

farmacêutica e a classe médica é um tema espinhoso, delicado. Nesse sentido, autores como

Oldani (2002, 2004) e Angell (2010), já citados neste trabalho, abordam a dinâmica de interação

entre a classe médico-científica e a indústria farmacêutica, partindo da perspectiva de interesse

mútuo, ou seja, de uma relação que traz vantagens para as duas partes envolvidas. Em tal

interação, muitas vezes, a ética profissional pode ser “deixada de lado” (ANGELL, 2010;

REIDY, 2005 SISMONDO, 2009 ).

Abordar questões ligadas aos possíveis conflitos de interesse presentes nas relações entre

médicos e indústria farmacêutica consistiu em um dos pontos mais delicados das entrevistas,

mas, ao mesmo tempo, também de extrema relevância para a construção do trabalho. Ao

mencionar a questão do desenvolvimento de ensaios clínicos de medicamentos, chefiados por

médicos e financiados pelas próprias empresas farmacêuticas que desejam comercializá-los,

168 RUSSO, Jane et al. Sexualidade, ciência e profissão no Brasil. Rio de Janeiro: Cepesc, 2011.

169 Dissertação intitulada "‘Continue a nadar’: sobre testosterona, envelhecimento e masculinidade”, defendida

no Instituto de Medicina Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), em 2011.

155

percebemos, claramente, que não havia disposição, por parte dos entrevistados, de informar

algo menos superficial sobre o assunto.

Além disso, apesar de concordarem com a necessidade e a importância de se esclarecer a

existência de patrocínio da indústria farmacêutica nas pesquisas clínicas, os médicos pareciam

não enxergar qualquer problema em relação a tal prática, pelo contrário, alguns até defendiam

o apoio financeiro da indústria, alegando que, sem ele, não haveria como fazer pesquisa no

Brasil. Outros simplesmente se esquivaram de responder perguntas sobre o assunto.

A princípio, achei que ser farmacêutica contribuiria para que as respostas a questões

relativas à indústria farmacêutica fossem menos evasivas e superficiais, mas isso não ocorreu.

Questões mais gerais, sobre trajetória profissional e atribuições da profissão, por exemplo,

foram respondidas com detalhes e aparente satisfação. No entanto, à medida que a entrevista

caminhava para aspectos ligados a relações dos médicos com a indústria farmacêutica, ocorria

uma mudança visível no tom das entrevistas. As respostas ficavam mais sucintas, ambíguas e

até mesmo distantes do tema das perguntas. Vale ressaltar que, nesse momento, também foram

percebidas alterações no tom de voz e postura de alguns entrevistados. Uns pareciam irritados

com o direcionamento da entrevista para esse ponto, levantando a voz, gesticulando mais ou

respondendo num tom mais ríspido. Outros começavam a rir entre as respostas evasivas.

O segundo ponto se refere a determinadas características presentes na interação entre

entrevistadora e entrevistados. Acreditamos que tais características influenciaram a conduta dos

médicos durante o processo e causaram desconforto. Isso me impediu de insistir em questões

delicadas não respondidas, bem como de fazer perguntas mais ousadas, porém pertinentes,

referentes a informações inusitadas que apareceram durante as entrevistas.

Uma das características diz respeito à questão de gênero170. Ou seja, o fato de ser mulher e

entrevistar médicos cuja especialidade (urologia) é dominada, quase que exclusivamente, pelo

sexo masculino teve impacto durante o processo. Assim, como ocorreu no XXXV Congresso

Brasileiro de Urologia, senti-me invadindo um “espaço essencialmente masculino”, tanto por

estar à procura de informações referentes a uma “especialidade masculina” quanto pelo fato de

meu tema de pesquisa abarcar um tratamento médico que os próprios urologistas tomam como

sendo de sua “exclusiva” competência. O declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento e seu tratamento com reposição hormonal com testosterona seria, então, um

assunto que caberia ficar “entre homens”, ou seja, um problema de saúde que ocorre em

170 Logicamente, a questão de gênero influenciou somente as entrevistas realizadas com os médicos urologias.

156

homens, que é tratado por homens. Portanto, acredito que me sentir mais à vontade com as

médicas endocrinologistas não foi coincidência.

Outra característica se refere ao maior status profissional da classe médica em relação às

demais profissões da área da saúde. Isso se somou, ainda, ao fato de tais médicos estarem numa

posição hierárquica superior aos demais de sua classe, pois são líderes de opinião e referência

em suas áreas de atuação. Desta forma, fiquei um pouco insegura nas entrevistas,

principalmente nas entrevistas com os urologistas. Vale destacar que os urologistas possuem

maior prestígio na classe médico-científica do que os endocrinologistas, recebendo, inclusive,

muito mais apoio financeiro da indústria farmacêutica. Uma das próprias endocrinologistas

comentou isso durante a entrevista. Esse assunto será abordado mais adiante.

Por mais que me preparasse com antecedência para o momento, havia o receio de que os

médicos percebessem a minha intenção em conseguir informações delicadas e controversas.

Além disso, houve entrevistas em que os médicos se portaram de forma arrogante, piorando

minha sensação de desconforto.

Após a transcrição das entrevistas, decidimos não as estender aos médicos residentes,

tanto por conta do significativo tempo gasto para sua realização171 quanto pela percepção da

dificuldade de abordar assuntos delicados e controversos relacionados ao tema da pesquisa.

Resolvemos, então, focar na análise das seis entrevistas e explorar mais as outras vertentes

metodológicas deste trabalho.

Quanto às entrevistas com os propagandistas farmacêuticos, a dificuldade foi ainda maior.

Antes de convidar os propagandistas contatados durante o XVI Congresso Internacional de

Medicina Sexual, o XXXV Congresso Brasileiro de Urologia e por meio de conhecimentos

pessoais172, marquei uma conversa informal com uma gerente de marketing farmacêutico,

contato que consegui também por meio de conhecimentos pessoais. Tal estratégia foi adotada

não só como forma de conhecer melhor o campo, mas também para buscar a melhor maneira

possível de entrar em contato com os propagandistas farmacêuticos.

Paula173 foi muito solícita quando entrei em contato com ela por email, marcando um

almoço comigo apenas alguns dias depois, que foi bastante proveitoso. Além de Paula, Rebeca,

171 Além do tempo envolvendo espera de resposta aos convites e agendamento de entrevistas, foram realizadas

duas viagens para outro estado a fim de realizar duas entrevistas.

172 Indicações de colegas farmacêuticos.

173 Nome fictício da gerente de marketing farmacêutico. Todos os nomes próprios utilizados nesta parte do

trabalho são fictícios, a fim de garantir o anonimato dos entrevistados.

157

outra gerente de marketing farmacêutico, também estava presente. Elas relataram que os

propagandistas são muito desconfiados e muito “fechados”. Isso ocorre, principalmente,

segundo elas, devido à pressão que as próprias empresas farmacêuticas exercem sobre tais

profissionais, por meio de um monitoramento contínuo174 de suas atividades, exigindo, acima

de tudo, extrema competência, fidelidade e discrição.

Além disso, haveria espionagem por parte de empresas concorrentes, o que também

contribuiria para uma postura sempre “desconfiada” e “defensiva” dos propagandistas. Paula e

Rebeca se ofereceram para tentar fazer uma ponte com propagandistas com quem tinham um

pouco mais de contato para que, por meio deles, pudessem contatar os que trabalhavam com

saúde sexual masculina e terapia de reposição hormonal com testosterona. Infelizmente, isso

não ocorreu. Entrei em contato com Paula e Rebeca diversas vezes depois do referido almoço,

mas não obtive resposta sobre o assunto. Paula alegava estar muito ocupada, por isso não

poderia me ajudar naquele momento. Já de Rebeca não obtive retorno algum. Tempos depois,

tentei marcar outra conversa com Paula por Skype ou por telefone, mas também não foi

possível. Desta forma, resolvi partir para o campo, munida das informações que possuía.

O contato inicial com os propagandistas foi feito por email. Dentre os seis propagandistas

contatados, apenas um retornou, consentindo participar da entrevista. Assim, resolvi ligar para

os demais. Destes, apenas uma propagandista respondeu positivamente ao convite, um

declinou, afirmando que não trabalhava mais na área, outro alegou falta de tempo. Os dois

restantes não atenderam as ligações. Quando entrevistei a propagandista mencionada

anteriormente, consegui conversar com seu colega de trabalho, pois ela o havia chamado para

“ajudá-la nas respostas da entrevista”, segundo suas próprias palavras. Desta forma, foram

realizadas três entrevistas com propagandistas farmacêuticos da terapia de reposição hormonal

com testosterona, entre 2016 e 2017, uma por telefone e duas presencialmente. Sendo que as

últimas ocorreram de forma inusitada. Mais adiante, este ponto será explicado detalhadamente.

174 Tal monitoramento pode, segundo Paula, ser feito sem os propagandistas saberem, por meio de pessoas que

não se identificam como avaliadoras. Por isso, foi dito que, talvez, os propagandistas pudessem desconfiar

que as entrevistas fossem, na realidade, testes para avaliação de seus desempenhos.

158

4.3 Entrevistas com médicos líderes de opinião (urologistas e endocrinologistas)

Como já dito, no total, foram entrevistados seis médicos, quatro urologistas, todos do sexo

masculino, e duas endocrinologistas. Quatro dos seis médicos foram entrevistados

pessoalmente (três urologistas e uma endocrinologista). Os dois restantes, uma endocrinologista

e um urologista por telefone. A faixa etária dos médicos é de 50-70 anos, aproximadamente.

Devido ao fato de serem líderes de opinião, portanto muito conhecidos em suas áreas de

atuação, optamos por não mencionar em quais estados brasileiros tais médicos residem. Assim,

acreditamos colaborar para a garantia do anonimato de seus nomes.

Os médicos entrevistados são líderes de opinião, ou seja, possuem certo prestígio em suas

áreas de atuação, com publicações consideradas referência entre seus pares. Frequentemente,

dão palestras e são membros de Comissões Científicas ou Comissões Organizadoras de

congressos científicos. Também ocupam (ou já ocuparam) posições de destaque em associações

médico-científicas brasileiras, como Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Sociedade

Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Associação Brasileira para o Estudo de

Inadequação Sexual (ABEIS) e Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana

(SBRASH) e internacionais, como a International Society for Sexual Medicine (ISSM),

Sociedad Latinoamericana de Medicina Sexual (SLAMS) e World Association for Sexual

Health (WAS).

Repetindo o que já foi dito, não foi tarefa fácil entrevistá-los, principalmente os urologistas,

mais curtos e diretos em suas respostas. As médicas endocrinologistas foram um pouco menos

superficiais, mas era perceptível o controle de cada palavra dita. Elas falavam como se

estivessem “pisando em ovos”. Uma delas, inclusive, não permitiu que a entrevista fosse

gravada e que eu fizesse anotações, exatamente quando ela respondia questões pertinentes à

pesquisa. Os urologistas não mediram tanto as palavras como as endocrinologistas, porém

utilizaram outros meios de defesa: responder uma pergunta com outra; responder o que não foi

perguntado; usar um tom de voz mais agressivo; voltar a falar de suas competências

profissionais quando essa parte da entrevista já havia encerrado; responder de maneira dúbia.

As entrevistas se iniciaram com perguntas mais gerais175, que se referiam à trajetória

profissional e atribuições referentes à especialidade dos entrevistados, com o objetivo de ir

“quebrando o gelo”. Procurei não fazer perguntas diretas sobre supostas relações médicas com

175 O roteiro utilizado nas entrevistas com os médicos se encontra no apêndice F.

159

a indústria farmacêutica, tema mais importante para a pesquisa, mas introduzir a questão,

indiretamente, a partir de alguma resposta dada. Foi possível observar, desta forma, alguns

pontos em comum no discurso dos entrevistados. Buscaremos fazer uma descrição e análise

deles, ilustrando com alguns trechos das entrevistas.

Utilizaremos o trabalho de Bourdieu (1974) como um dos referenciais de análise. Ao

estudar o mercado das obras de arte, o autor aponta um aparente paradoxo vivido pelos

escritores e artistas. Estes teriam a possibilidade de afirmar, simultaneamente, tanto em suas

práticas quanto nas representações que detêm de tais práticas, “a irredutibilidade da obra de arte

ao estatuto de simples mercadoria, e também, a singularidade da condição intelectual e artística”

(BOURDIEU, 1974, p. 103). Ou seja, embora a obra intelectual e/ou artística esteja inserida

num mercado financeiro competitivo, manteria sua “essência”. A produção intelectual teria

certa “imunidade”, nenhuma pressão mercadológica poderia atingi-la.

Ao fazermos um paralelo com a classe médica, podemos pensar que os médicos também

vivem um paradoxo semelhante. Ao mesmo tempo em que a prática médica pode ser vista como

influenciada ou até mesmo determinada pelo conhecimento baseado em “evidências

científicas” (CAMARGO Jr. 2003)176, utilizado de forma “abnegada e desinteressada” por tais

profissionais, ela também está inserida num mercado competitivo, marcado pela produção de

bens simbólicos. Um trecho de artigo médico destaca:

A MEDICINA é sacerdócio e assim exige acentuada vocação. Vocação significa voz.

A voz interior que solicita e dirige os indivíduos para um determinado mister como se

fossem atraídos pela luz. Na Medicina não há o dilema de quem surgiu primeiro, o

ovo ou a galinha. A Medicina surgiu em função dos doentes. O doente é a razão de

ser da Medicina. Gerou-a a dor, as lágrimas, a angústia dos necessitados, não os

interesses dos médicos. Em Medicina tudo deve ser feito em favor dos doentes, para

seu bem e garantia. A MEDICINA tem por objetivo o bem dos doentes, não o dos

médicos. (PEREIRA, 2002, on-line, grifo do autor)177.

Percebemos, aqui, a visão da medicina como uma profissão exercida por pessoas que

atingiram um tipo de “iluminação interior”, caracterizada pelo sacrifício e pela entrega

profissional. O bem dos doentes consiste no único objetivo a ser alcançado, ou seja, outros

176 Conforme aponta o autor, o conhecimento, baseado em “evidências científicas” muda, substancialmente, ao

longo do tempo. Isto é, o que é considerado evidência segue critérios que selecionam e absorvem o

conhecimento estrategicamente relevante para os médicos. (CAMARGO Jr. 2003).

177 Disponível em: http://www.moreirajr.com.br Acesso em: 20 jan. 2018.

160

interesses seriam irrelevantes e, até mesmo, uma afronta ao “sacerdócio médico”. Essa

simbologia, envolvendo a prática médica, parece fazer parte não só do pensamento leigo, mas,

conforme se lê no trecho acima, também da construção da própria identidade profissional.

Quanto à produção de bens simbólicos, Bourdieu (1974) afirma que, com os progressos da

divisão do trabalho, uma categoria particular de produção, especificamente destinada ao

mercado emergiu. Essa categoria e o estabelecimento da obra de arte como mercadoria

proporcionaram uma conjuntura favorável a uma “teoria pura da arte”, ou seja, da arte quanto

tal, em que se instaura uma dissociação entre a arte vista como mercadoria e a arte considerada

“pura significação”. A cisão fora, então, produzida por um propósito unicamente simbólico e

“destinada à apropriação simbólica, isto é, a fruição desinteressada e irredutível à mera posse

material” (BOURDIEU, 1974, p. 103).

Segundo o autor, isso impulsionou a ruptura de vínculos entre os artistas e seus patrões ou

mecenas, tornando aqueles, de modo geral, independentes em relação às encomendas diretas.

Assim, um mercado impessoal começou a se desenvolver, com o surgimento de um público

numeroso de compradores anônimos de ingressos de teatro ou de concerto, de livros ou quadros.

A liberdade proporcionada aos artistas, no entanto, revelou-se formal, uma condição à

submissão às leis do mercado de bens simbólicos, a uma demanda que surgiria por meio dos

índices de venda e das pressões de editores, diretores de teatro, marchands de quadros.

Como consequência disso, concepções relacionadas ao romantismo, desde a representação

da cultura como “realidade superior e irredutível às necessidades vulgares da economia”

(BOURDIEU, 1974, p. 104) até a ideia de uma “criação artística livre e desinteressada”,

proveniente de uma inspiração inata, emergem como uma espécie de contestação diante das

ameaças que a dinâmica mercadológica faz pesar sobre as produções artísticas, ao substituir as

demandas de clientes selecionados pelas demandas imprevisíveis, provenientes de um público

anônimo.

Aqui, mais uma vez, fazendo um paralelo com a profissão médica, podemos pensar na ideia

que existe, tanto no meio médico quanto no leigo, de que há profissionais médicos

comprometidos com a “ciência pura” e aqueles que se deixam levar pela “sedução do mercado”.

Percebemos, durante as entrevistas, que tal concepção foi representada pela dicotomia do “nós

versus eles”. O “nós” era constituído por médicos comprometidos com a “pureza científica” e

que, mesmo recebendo apoio financeiro da indústria farmacêutica, estariam “protegidos” de

qualquer influência mercadológica. Já os “eles” seriam aqueles que “trairiam os ideais

científicos” por interesses pessoais e não, necessariamente, pertencentes à classe médica,

podendo exercer outras profissões, como farmacêuticos e propagandistas.

161

Notamos isso, por exemplo, quando o dr. Paulo (urologista, 2017) se referiu aos

farmacêuticos que acabam cedendo às pressões da indústria farmacêutica por interesses

pessoais: “Então, tem gente da tua área que trabalha com isso, e que pra não perder o emprego

diz o que a indústria mandou.” Ele chega até mesmo a usar uma palavra forte ao se referir à

classe médica e à classe farmacêutica: “Então, a nossa classe é desgraçada, mas a tua também

não se salva.”

O dr. Ricardo (urologista, 2016) também apontou a existência de médicos que acabam

agindo de acordo com seus interesses: “O que não pode e, às vezes, nem é tão comum, os

médicos... Às vezes, eles têm certo interesse em agradar o laboratório, né?” Já dr. Marcos

(urologista, 2016) atribuiu o ceder ao “viés mercantil” da indústria a uma escolha pessoal: “Vem

gente falar ‘Não, a indústria corrompe’. Ela corrompe quem quer ser corrompido”. Além disso,

afirmou que há corrupção em todas as profissões, não apenas na médica: “O médico tem,

teoricamente, um padrão ético alto a seguir, né? Mas não é todo mundo que segue. Um monte

de fraude, um monte de... De coisa que acontece como toda profissão que é uma …. A nossa

sociedade brasileira ela é muito corrupta.” Também destacou a necessidade de o médico saber

selecionar as informações provenientes das empresas farmacêuticas: “Precisa ter uma, uma...

Um filtro.”

Outro exemplo nesse sentido é o da dra Regina (endocrinologista, 2017) que, por estar

envolvida com pesquisa, numa universidade pública, disse ser capaz de “filtrar” as informações

provenientes das empresas farmacêuticas:

E outra, estando nessa parte hospitalar, de trabalhar com muita pesquisa e tal, a gente,

assim, eu recebo as informações, mas eu filtro. E eu acho que todos os médicos

deveriam fazer isso, mas a gente sabe que não é isso que acontece. (..) então, nós

fazemos alguma coisa pro laboratório, estudo, mas assim... Fui membro do (inaudível)

da A178 quando lançaram o verde, então na época da testosterona eu já participei de

algumas coisas, mas, assim, as aulas que eu dou eu... Não que eu fale do medicamento,

do medicamento em si. Só da patologia e da indicação (Dra. Regina, endocrinologista,

2017)

Observamos, nos trechos acima, certa crença na imparcialidade e na neutralidade da

ciência, bem como na capacidade que um médico teria de “filtrar” informações recebidas de

empresas farmacêuticas. Isso contrasta com o já citado trabalho de Camargo Jr. (2003). Ele

destaca que as informações disponíveis no meio médico são, quase exclusivamente, oriundas

da indústria farmacêutica. Além disso, segundo o autor, a formação acadêmica seria

178 Por questões éticas, nomes de empresas farmacêuticas, instituições de pesquisa/ensino e nomes comerciais de

medicamentos citados nas entrevistas serão substituídos por letras, nome de flores e cores, respectivamente.

162

caracterizada pela ausência de estímulo à avaliação criteriosa de textos científicos, o que

impulsionaria os médicos a ocuparem uma posição similar a dos leigos em relação à prescrição

médica.

Ao realizar minha pesquisa de mestrado, notei uma ilustração dessa questão. Nos sites de

associações médico-científicas e de laboratórios farmacêuticos pesquisados, as áreas de acesso

restritas aos médicos e outros profissionais de saúde, na maioria das vezes, continham

informações que se diferenciavam das áreas destinadas ao público leigo em poucas coisas, como

disponibilidade de acesso a alguns artigos científicos e bulários.

Além disso, como já comentado anteriormente, as imagens contidas nesses sites

possuíam certo padrão de apresentação. Isso sugeria sua direção a um público específico (classe

média alta, branca, heterossexual, entre 45-65 anos). Assim, ideias e concepções sobre saúde

/doença, associadas ao consumo de bens e serviços de saúde, demarcavam, neste caso, classe,

faixa etária, orientação sexual e raça. Tal fenômeno parece fazer parte do processo de

construção de um mercado segmentado, que “inclui” e “exclui” pessoas a partir de diferenças

sociais /raciais e comportamentais, impulsionando a demarcação de um público consumidor.

Vale ressaltar que todas as informações sobre saúde/ doença e medicamentos disponíveis

nos sites de associações médicas eram provenientes de empresas farmacêuticas. Portanto, neste

caso, a internet exerceu a função de um veículo de transmissão de mensagens relacionadas a

problemas de saúde e seus respectivos tratamentos, tanto para a população leiga quanto para a

classe médica, de uma maneira, grosso modo, similar179.

Ao analisarem material publicitário de medicamentos para tratamento da “disfunção

erétil”, Faro et al. (2013) apontam que o discurso do marketing farmacêutico dirigido aos

médicos veiculava novas concepções referentes a categorias diagnósticas, enquanto reforçava

ideias tradicionais de gênero e sexualidade. As imagens contidas nessas propagandas

chamavam atenção por remeterem a pressupostos do senso comum, e que, aparentemente,

poderia fazer pensar que seriam direcionadas ao público leigo, não a médicos especialistas:

Em outras palavras, usa-se com o médico imagens e concepções do senso comum

como se ele fosse um leigo. A impressão que se tem é que se pretende “vender” o

produto ao profissional como se fosse para uso próprio, ou seja, apesar de a

propaganda em princípio ter como objetivo instigar o médico a prescrever, pela

linguagem e imagens utilizadas parece estar vendendo o medicamento em si. (FARO

et al., 2013, p. 314).

179 No entanto, é preciso considerar que essa é uma via de mão dupla, ou seja, as mensagens transmitidas

estavam, de alguma forma, indo ao encontro de ideias, percepções e demandas que transitam no imaginário

desse grupo. Além disso, a formulação de tais imagens, a fim de transmitir determinadas mensagens para um

público específico, estava ancorada em certo entendimento do que se passa nesse imaginário.

163

Assim, a ideia de que tanto a prática quanto o discurso médico sejam “imunes” a qualquer

interferência localizada fora da esfera “científica” contrasta com o exemplo citado, pois este

sugere uma influência significativa da indústria farmacêutica no modo pelo qual os médicos

avaliam e usam os produtos por ela promovidos.

Relacionada à essa noção de “imunidade” está a de “independência profissional”, isto é, a

total liberdade dos médicos em tomar decisões, estando completamente “livres” para decidirem,

por exemplo, o que falar sobre certo medicamento promovido pela indústria farmacêutica ou se

devem prescrevê-lo para seus pacientes.

Podemos constatar isso na fala de dr. Ricardo (urologista, 2016): “E eu falava e eles sabiam

que eu vinha pelo laboratório, que eu estava sendo, inclusive, pago para dar essas palestras e eu

falava sobre essa droga. Eu dizia todos os prós e os contras, entendeu? Dessa droga. Então, eu

tinha independência pra falar.” Ou seja, mesmo sendo pago pela empresa farmacêutica, segundo

dr. Ricardo, ele teria total liberdade para falar sobre o medicamento promovido: “Mas, assim,

eu sempre dizia: eu tô falando porque eu acho, não porque o laboratório quer que eu fale isso,

né?” A frase do dr. Marcos (urologista, 2016) também ilustra essa ideia: “[...] eu nunca prescrevi

uma medicação porque alguém me pediu pra prescrever, eu prescrevi porque eu acho que tá

certo.”

Em contraste com essa ideia de “independência profissional” da classe médica, autores

como Rampton e Stauber (2001) descrevem o expert (perito, especialista) como peça-chave de

um tipo de estratégia de divulgação e promoção de produtos farmacêuticos, utilizada pela

indústria farmacêutica. Por ser detentor de uma suposta “neutralidade” e “imparcialidade”, além

do reconhecimento em sua área de atuação, o especialista emprestaria sua imagem e

credibilidade para que, através de veículos de comunicação, como jornais, revistas, televisão e

internet, promova e/ou divulgue uma ideia, serviço, marca ou produto relacionado a

determinada empresa farmacêutica. O dr. Ricardo comentou uma de suas experiências:

Há duas semanas atrás, a A me convidou pra dar uma palestra, pra gravar uma palestra

que é pra farmacêutico, entendeu? Em que eu ia falar sobre hipertrofia prostática

benigna, que é esse tumor benigno de próstata. E ela tem um produto, quer dizer, não

foi falado na hora, mas eu falei tudo sobre hipertrofia prostática, explicando, né? E

ela tem um produto que é o vermelho, que é tadalafila, que além de facilitar a ereção,

ele relaxa a uretra e tá indicado como sintomático, pra facilitar o indivíduo urinar. [...]

então, por isso que dei uma aula sobre a próstata pra farmacêutico. Mas aí foi ... foi

pela internet (Dr. Ricardo, urologista, 2016).

164

Percebemos aqui que, além de promover e divulgar um determinado medicamento para

outros profissionais da área de saúde180, juntamente com a divulgação e promoção de uma

doença, o entrevistado cita, tranquilamente, o nome comercial do medicamento e a empresa que

o produz. Notamos tal comportamento em todos os entrevistados urologistas. Inclusive, quando

falavam sobre ensaios clínicos financiados pela indústria farmacêutica:

Sim, eu fiz muitos estudos clínicos, desses produzidos181 por laboratório de pesquisa

clínica mesmo, né? No início, quando surgiu o azul, então, foram feitos estudos, já

fase IV, né, que comparava o azul no início com uma droga chamada apomorfina, que

era o tal de amarelo, né, do laboratório C... É.... Se comparou o azul com a... que é a

sildenafila, com o vermelho, que é a tadalafila. Eu fiz estudos também do lançamento

do marrom, que é o vardenafila. (dr. Ricardo, urologista, 2016).

Apenas as duas endocrinologistas entrevistadas expressaram certo receio em relação a isso,

inclusive uma delas me perguntou se era permitido citar tais nomes na entrevista. Respondi que

ela poderia citar, mas que não os colocaria no trabalho, por questões éticas.

Também podemos fazer um paralelo entre a construção da noção de autonomia da classe

artística com a ideia de independência e autonomia profissional médica a partir da obra de

Bourdieu (1974). O autor destaca que a emergência de um público anônimo comprador de

produções eruditas e a explosão do emprego de métodos ligados ao campo econômico e à

comercialização da arte coincidiram com a construção da noção de “autonomia” do criador, que

teria capacidade de reconhecer, exclusivamente, o receptor ideal, expressado por outro

“‘criador’, contemporâneo ou futuro, capaz de mobilizar em sua compreensão das obras a

disposição ‘criadora’ que define o escritor e o artista autônomos” (BOURDIEU, 1974, p. 104).

Pensando na esfera médica, o médico, principalmente o especialista, seria, neste caso, capaz de

diferenciar qualitativamente as informações provenientes da indústria farmacêutica,

reconhecendo as que estariam associadas “apenas a estratégias de marketing” das que seriam,

realmente, “científicas”.

Bourdieu argumenta, ainda, que o grau de autonomia de um criador, no campo de produção

erudita, pode ser medido com base no poder que ele tem de estabelecer as normas de sua

produção e os padrões utilizados para avaliação de seus produtos. Isto é, ser capaz de retraduzir

180 O entrevistado afirmou, durante a entrevista, que ministrou muitas aulas para farmacêuticos, patrocinadas por

uma empresa farmacêutica, em que falava sobre determinado medicamento, recém lançado no mercado, para

tratamento de disfunção erétil. Mencionou, com certa naturalidade, o objetivo dessas aulas/palestras: “[...] ela

queria, assim, educar os farmacêuticos, entendeu? [...] em palestras tipo assim, comerciais mesmo deles. [..]

eles convidavam, vamos supor, 10, 20 farmacêuticos e iam num restaurante, por exemplo, numa churrascaria,

e eu dava palestra e depois eles ofereciam um jantar pra eles” (Dr. Ricardo, urologista,2016). 181 É importante ressaltar que ele usou a palavra “produzidos” ao invés de “financiados” ou “patrocinados”, fato

bastante curioso.

165

e reinterpretar as regras externas conforme seus próprios princípios de funcionamento.

Conforme afirma:

Em outros termos, quanto mais o campo estiver em condições de funcionar como a

arena fechada de uma concorrência pela legitimidade cultural, ou seja, pela

consagração propriamente cultural e pelo poder propriamente cultural de concedê-la,

tanto mais os princípios externos segundo os quais se realizam as demarcações

internas aparecem como irredutíveis a todos os princípios externos de divisão, por

exemplo os fatores de diferenciação econômica, social ou política, como a origem

familiar, a fortuna, o poder (no caso de um poder capaz de exercer sua ação

diretamente sobre o campo), bem como às tomadas de posição políticas.

(BOURDIEU, 1974, p. 106).

Ao observar o discurso dos médicos entrevistados, percebemos a existência da crença no

poder e na liberdade de construir discursos e práticas, bem como de estabelecer padrões de

avaliação sobre informações de medicamentos promovidos pela indústria farmacêutica. Como

comentou dr. Ricardo:

O próprio laboratório B convidou, inclusive, eu, dra. Júlia, dr. Marcos, entendeu? Nós

fomos pra Bélgica, né? Em Bruges, onde eles deram um curso pra nós sobre

hormônios, entendeu? Então, assim, eles fazem isso e a gente até aceita, dentro de

uma ética, quer dizer, não é porque eles aceitaram, eles me convidaram que eu só

receito, por exemplo, o roxo da D ou o verde. Por exemplo, eu receito esses dois, mas

eu receito muito também o medicamento da D que é o branco, né? (Dr. Ricardo, 2016).

Vemos, aqui, dr. Ricardo enfatizando que, independente de fazer um curso sobre hormônios

fora do país, patrocinado por uma empresa produtora desse tipo de substância, tem total

capacidade de discernir, por meio de sua expertise, se determinado medicamento promovido

deve ser prescrito ou não.

É certo que líderes de opinião estão numa posição hierarquicamente acima dos demais

médicos da mesma especialidade, no que diz respeito ao nível de legitimidade atribuído a seus

discursos e práticas médicas. São profissionais consagrados, cuja palavra é altamente respeitada

e influenciadora. Afinal, eles têm anos de experiência na área e são considerados os melhores

entre seus pares. Talvez, isso também explique a forma pela qual se referiram aos

financiamentos recebidos pela indústria farmacêutica.

Ao invés de problematizarem a possibilidade de existir algum conflito de interesse nessa

relação, trataram-na como algo natural, importante para a realização de suas pesquisas, ou até

mesmo como um tipo de identificador de status profissional, já que não é “qualquer médico”

que consegue patrocínio de empresas farmacêuticas tanto para pesquisar quanto para dar aulas,

palestras: “Eu percorri o Brasil todo, inclusive, patrocinado pelo laboratório E, pra falar sobre

166

essa droga.” (dr. Ricardo, urologista, 2016); “A indústria me convida pra dar aula, me

convida.... Assim, eu me lembro, na época que tinha a F, a A, e a do marrom, eu dava aula pra

todas”. (dr. Marcos, urologista, 2016).

No entanto, ao mesmo tempo em que esses médicos afirmaram receber financiamento da

indústria farmacêutica, também fizeram uma crítica ao viés mercantil presente na promoção e

divulgação de medicamentos pelas empresas farmacêuticas, além de apontarem a importância

de deixar claro, em trabalhos e apresentações, se houve financiamento da indústria. É o que

podemos observar nos trechos abaixo:

Quando você vai fazer uma palestra sobre medicamentos é importante que, pra quem

você tá falando, ele saiba da relação que você tem com esse medicamento, entendeu?

[...] eu falo aquilo que eu acho e aquilo que eu considero que deve ser falado, sem

problema nenhum, né? Mas, aí, eu acho importante você deixar bem claro que você...

As ligações que você tem, né? Com o laboratório (Dr. Ricardo, urologista, 2016).

Eu acho isso superimportante. Eu quando dou aula, sempre meu primeiro slide é meu

conflito de interesse. (...) eu acho que é importante você colocar porque a pessoa que

vai analisar o que você tá falando tem que saber se... Qual é a sua relação. É

fundamental. A... É... Acho que é importante você colocar nos trabalhos isso, né? A

indústria força sempre um pouco a barra. Óbvio. A indústria sempre tenta mostrar o

lado bom do remédio. É... Eles têm que ganhar dinheiro. Eles fazem de um jeito que

eles tentam mostrar sempre que, se é um negócio ruim e se eles puderem dar uma

maquiada, eles tentam. Eu acho que cabe à classe médica, cabe aos revisores de revista

entender o que tá acontecendo (dr. Marcos, urologista, 2016).

“[...], mas isso depende da seleção dos indivíduos, porque cada laboratório, por exemplo,

estabelece, tem um viés aí que é um viés mercantil, não é?” (dr. Paulo, urologista, 2017).

Também denunciaram a existência de práticas manipuladoras, que podem fazer parte da

relação entre as empresas farmacêuticas e a classe médico-científica, chegando até à esfera das

publicações científicas, mais uma vez dentro da dinâmica do “nós versus eles”:

Tem muitos ensaios clínicos que foram feitos por decisão da.... da in... Eu fui

coordenador do CEP, do Comitê de Ética em Pesquisa, dez anos, da nossa

universidade, na Rosa. Tem muitos estudos que foram feitos e que tinha uma... Um

item que é a... A publicação ou não, que deveria ser um acordo restrito com o

patrocinador, então tem muitos que não acharam relevantes, não queriam publicar até

por que iam dar um tiro no pé, né? (dr. Paulo, urologista, 2017).

Eles também fazem fraude. Ou o médico faz ou eles também fazem. São... São... São

seres humanos e... E... Tem, você precisa tomar um certo cuidado quando você lê,

quando você … Por exemplo, você vê dos dois lados, por exemplo, a testosterona teve

dois ou três trabalhos que mostraram que testosterona fazia mal pro coração, né... Teve

167

um trabalho é... Que... Eles mostraram... Se você pega os resultados contidos do

trabalho mostra que a testosterona melhorou, favoreceu, é... Protegeu o coração. Os

autores fizeram não sei que cálculo de estatística que eles conseguiram mostrar o

contrário, né? [...] por um lado, você tem o trabalho da indústria dizendo que o

remédio é maravilhoso e não fala os efeitos colaterais, ou pega o... Um jeito de mostrar

que o efeito colateral é menor... Então, você precisa tomar cuidado, precisa olhar

mesmo. Se você for olhar publicação, né? A quantidade de trabalhos com fraude...”

(dr. Marcos, urologista, 2016).

Na entrevista do dr. Ricardo (urologista, 2016) notamos, inclusive, a visão de que o

marketing farmacêutico acaba atingindo o público leigo, impulsionando a procura de

tratamento com reposição hormonal sem necessidade:

Existe uma tendência, coisa muito da indústria, né, que faz reposição hormonal, etc e

tal, então, tem muitos homens que acham que tendo, assim, cinquenta, sessenta anos,

vêm aqui perguntando se precisa fazer reposição hormonal. E, de repente, você faz

uma anamnese e não tem queixa nenhuma, você faz a dosagem hormonal e tá normal

e a gente sempre orienta, né, que não é e não precisa fazer reposição (dr. Ricardo,

urologista, 2016).

O fato desses profissionais se sentirem à vontade para expor suas relações com a indústria

farmacêutica, ao mesmo tempo em que criticam o viés mercantil relacionado à promoção de

medicamentos, pode estar ligado às ideias de independência e autonomia profissional, à crença

numa competência profissional, que apenas os melhores conseguem atingir, por isso a indústria

estaria disposta a investir em pesquisas chefiadas por esses profissionais. A valorização da

expertise esteve presente na fala de todos os médicos entrevistados, e sempre associada à ideia

de “imunidade” em relação a possíveis influências da indústria farmacêutica.

Observamos essa crença em trechos da entrevista do dr. Marcos, ao explicar que, durante

a visita de um propagandista, ele teria o papel de ajudá-lo a levar as informações adequadas

para os “médicos comuns”, que necessitam muito mais receber visita de propagandistas do que

os experts:

Então, às vezes, a gente ajuda mais a controlar do que o representante chegar para o

urologista comum e falar ‘Olha, eles têm uma testosterona injetável e é melhor por

isso’. (...)então, o representante tem uma importância. Então, eles falam ‘Ó, o senhor

quer ver a peça promocional? O senhor acha que ficou bom? A gente pode falar isso

e tal?’ E eles perguntam isso pra mim, perguntam pra quem é especialista, né? (dr.

Marcos, urologista, 2016).

Ele também destacou a importância dos profissionais da indústria na educação desses

médicos comuns:

168

[...] porque quando você não é especialista, representantes têm uma função

importante. Por isso que existem representantes há trezentos anos, né? Eles fazem uma

parte da educação médica. (...)então, o representante tem uma importância.

Principalmente quem tá fora dos grandes centros, quem não tem acesso à tanta

literatura e acaba tendo um papel importante (dr. Marcos, urologista, 2016).

Voltando à questão do financiamento de empresas farmacêuticas no campo médico-

científico, dr. Marcos declarou um ponto muito interessante sobre a relação entre a Sociedade

Brasileira de Urologia e a indústria farmacêutica:

Eu acho essa parceria fantástica, porque você... Dinheiro pra pesquisa eles têm. E eles

ajudam (...) essa relação é uma relação que pode ser muito.... ruim, mas pode ser muito

boa. Por exemplo, antes de 99, 98, quando saiu azul, não tinha nenhum centro de

pesquisa clínica em urologia no Brasil. A Amora colocou dinheiro e hoje nós temos

90 centros que fazem pesquisa clínica pra urologia, que estão aptas pra fazer. Eu fiz

curso de pesquisa clínica. Então, esse dinheiro é um dinheiro que pode ser muito bem

aproveitado. (...) todo dinheiro que vai pra Sociedade de Urologia vem da indústria.

Você pode aproveitar perfeitamente. Você pode treinar os urologistas, fazer educação

continuada... Então, eu acho que é uma parceria boa, só precisa ter limites (dr. Marcos,

urologista, 2018).

Os trechos acima mostram que a especialidade urologia recebe bastante financiamento

da indústria atualmente, e o início disso teve, aparentemente, relação direta com o lançamento

de determinado medicamento prescrito para disfunção erétil. Desta forma, parece que as

empresas farmacêuticas viram no mercado voltado para a saúde sexual masculina uma grande

oportunidade de lucro. Isso pode explicar o persistente marketing farmacêutico em torno da

terapia de reposição hormonal com testosterona como tratamento para um problema de saúde

relacionado ao declínio hormonal, cujo sintoma mais destacado é a disfunção erétil, bem como

a grande quantidade de pesquisas patrocinadas por empresas farmacêuticas nessa área.

Além disso, o dr. Marcos comentou que a indústria farmacêutica não beneficiou apenas os

médicos urologistas, mas também a própria Sociedade Brasileira de Urologia, constituindo sua

única fonte de renda. Isso pode explicar o fato de uma grande quantidade de ensaios clínicos,

patrocinados por empresas farmacêuticas, serem desenvolvidos pela urologia, o que não ocorre

da mesma forma com a endocrinologia. A dra Regina (endocrinologista, 2017) apontou isso em

uma de suas falas: “É.... Eu não sei exatamente por que, mas eles têm mais apoio, na verdade,

da indústria, né? A SBU é uma sociedade que tem (inaudível), é uma sociedade mais antiga

até.”

Assim, foi possível notar diferentes posições hierárquicas dentro do conjunto dos médicos

entrevistados. A primeira se refere à função de líderes de opinião, ocupada tanto por

169

endocrinologistas quanto urologistas, embora numa proporção numérica diferenciada, pois os

médicos que mais pesquisam e dão palestras sobre o declínio hormonal masculino relacionado

ao envelhecimento e seu tratamento são os urologistas. As endocrinologistas e os urologistas

entrevistados ocupam uma posição hierarquicamente superior, no campo de suas

especialidades, em relação aos demais médicos.

No entanto, ao compararmos as endocrinologistas com os urologistas, percebemos que,

embora haja um esforço da endocrinologia em legitimar seu lugar como especialidade mais

habilitada para diagnosticar esse declínio hormonal e prescrever a TRH com testosterona é a

urologia que ocupa uma posição predominante nessa área. Tal especialidade concentra suas

atividades no sistema urológico, que inclui os genitais e trata a sexualidade masculina como

centrada no órgão sexual. Isso coloca a sexualidade masculina na dimensão da visibilidade, pois

tem na fisiologia e anatomia de um órgão a base para a construção de diagnósticos e

desenvolvimento de tratamentos, algo interessante para a indústria farmacêutica e de

equipamentos médicos. Já a endocrinologia tem uma visão mais global da questão hormonal,

bem como da sexualidade masculina, o que coloca a sexualidade na dimensão da invisibilidade

e não centrada em um órgão ou sistema corporal.

Ao falarmos de expertise, consideramos importante apontar o trabalho de Fleck (1979),

no qual se destacam dois conceitos centrais: o coletivo de pensamento e o estilo de pensamento.

O primeiro refere-se a uma comunidade de pessoas que intercambiam ideias mutuamente ou

por meio da manutenção de uma interação intelectual. O segundo diz respeito a uma contrição

definida do pensamento, a um conjunto de preparação ou disponibilidade intelectual para uma

maneira particular de ver e agir em detrimento de qualquer outra. Ou seja, o estilo de

pensamento não é uma característica possível de ser adotada voluntariamente, mas sim imposta

pelo processo de socialização, representado pela integração em um coletivo de pensamento.

Desta forma, o estilo de pensamento determina, por exemplo, “que textos são lidos, como eles

são lidos, e como (ou se) eles são incorporados ao estoque de conhecimento disponível”.

(CAMARGO JR, 2003, p.1165).

Fleck descreve duas dimensões dentro de um coletivo de pensamento na ciência moderna.

A primeira dimensão é chamada de “círculo esotérico”, na qual os experts, ou seja, aqueles que

“produzem” conhecimento científico, inserem-se. Tal dimensão é composta por um círculo

mais interno, em que se situam os experts especializados e por um círculo mais externo, onde

se localizam os experts generalistas. A segunda dimensão, denominada “círculo exotérico” é

constituída pelos “leigos educados”. Essa descrição possibilita a diferenciação entre maneiras

diferentes de comunicação. No círculo esotérico, a “ciência da expertise” se caracteriza pela

170

produção do periódico técnico/científico e do livro de referência. Já o exotérico é configurado

pelos periódicos de ciência popular ou de divulgação.

Nesta perspectiva, os líderes de opinião estariam na parte mais interna do círculo esotérico,

ou seja, seriam os vistos como “produtores do conhecimento científico”, os que possuem

publicações em revistas médicas respeitadas e são convidados para darem aulas e palestras em

eventos científicos. Dentro desse círculo mais interno, ao compararmos os líderes de opinião

urologistas com os endocrinologistas, tomando como base o problema médico declínio

hormonal masculino relacionado ao envelhecimento e seu tratamento, os urologistas teriam um

status profissional maior do que os endocrinologistas. No círculo esotérico mais externo,

estariam os demais médicos urologistas e endocrinologistas. Aqui, também parece haver uma

diferença de status profissional entre eles, na qual os urologistas ocupam uma posição superior

à dos endocrinologistas, no que diz respeito ao status profissional.

Notamos essa percepção quando a dra. Regina (endocrinologista, 2017) criticou a própria

especialidade, que, segundo ela, não se posiciona de forma mais agressiva no campo: “Eu falo

sempre que a endocrinologia, como uma especialidade clínica, ela não é muito agressiva,

digamos assim, em relação a se posicionar, dentro das especialidades.” Ela também comentou

o poder que a Sociedade Brasileira de Urologia tem, quando falei sobre a expansão da urologia

no campo da Saúde do Homem: “A sociedade de urologia é muito forte.”

Ao escrever minha dissertação de mestrado, percebi a existência de conflitos no meio

médico-científico, no que diz respeito à legitimação de categorias e terminologias envolvendo

o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. Para nós, esse fenômeno

consiste em um indicativo do processo de medicalização, que, como já descrito antes, conta

com a participação de vários atores, incluindo a classe médica e a indústria farmacêutica. Desta

forma, “[...] um nome legítimo para uma condição promulga o seu diagnóstico e, ao fazê-lo,

reestrutura e constitui, de certa maneira, a condição nomeada.” (THIAGO, 2012, p. 17).

Não podemos deixar de comentar novamente, aqui, que a promoção e divulgação da

categoria diagnóstica DAEM − utilizada quase exclusivamente pela urologia, tanto na mídia

em geral, quanto na área médico-científica − teve estreita relação com o lançamento da injeção

intramuscular de testosterona (Nebido®) da Bayer Schering Pharma, nos anos 2000, para o

tratamento dos sintomas do DAEM (ROHDEN, 2011). Esse pode ser considerado um exemplo

de co-promoção e co-divulgação de uma categoria diagnóstica (DAEM) e de seu tratamento, a

TRH com testosterona.

Outra questão que abordei em minha dissertação foi o papel da especialidade médica

urologia, juntamente com a indústria farmacêutica, na promoção e divulgação de novas

171

perspectivas de abordagem da Saúde Masculina. Um exemplo disso consistiu na parceria

firmada entre a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e a empresa farmacêutica Lilly, no

lançamento do “Movimento pela Saúde Masculina”, em 2010. O movimento teve como

objetivo orientar os homens quanto aos cuidados de sua saúde, além de oferecer-lhes a

oportunidade de serem examinados por urologistas182. Nesse movimento, o tratamento para o

declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento teve destaque. Além disso, houve

participação efetiva da SBU na formulação e lançamento, no Brasil, da Política de Atenção

Integral à Saúde do Homem, em 2009 (CARRARA; RUSSO; FARO, 2009).183

A urologia, antes considerada um ramo da cirurgia, como já comentamos, vem se

legitimando como especialidade médica masculina. No entanto, ela não trata apenas do homem,

apesar de ser apresentada pela própria Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) desta forma. A

despeito de sua conhecida atuação no tratamento do trato urinário masculino e feminino, essa

especialidade tem priorizado a saúde masculina, com ênfase na área sexual, além de promover

internacionalmente suas propostas aos profissionais da área médica e sexual. (GIAMI, 2009a).

Ou seja, atualmente, ela está se consolidando como especialidade médica responsável por

tratar de problemas relacionados à saúde masculina, especialmente os da esfera sexual, com o

declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento entre eles. Como afirmou dr.

Saulo (urologista, 2017) na entrevista:

[..] dentre os assuntos que a andrologia, como é conhecida a partir da urologia, que

trata da saúde sexual dos homens, dentre os assuntos que ela aborda é... A deficiência

androgênica é um assunto axial. O outro é a disfunção erétil. Têm outras, mas esses

dois são os principais da abordagem andrológica. (...) os dois assuntos mais marcantes,

que são eixo dessa atividade da andrologia, são a deficiência da testosterona e a

disfunção erétil, que em algum momento elas têm a ver uma com a outra né? A falta

da testosterona, lá no final do quadro clínico vai levar a uma disfunção erétil,

originária dela (dr. Saulo, 2017).184

182 Disponível em: http://www.movimentosaudemasculina.com.br. Acesso em: 14 mai. 2011.

183 Segundo os autores, a SBU vem se envolvendo em projetos relacionados à saúde do homem desde, pelo

menos, 2004. No decorrer do ano de 2008, “pressionou” diferentes setores do governo, parlamentares,

conselhos de saúde e outras sociedades médicas no sentido de se elaborar uma política específica envolvendo

homens e saúde. Além do estabelecimento das diretrizes dessa política, havia interesses corporativos, como a

questão do valor dos honorários pagos aos urologistas pelo SUS. A primeira campanha de esclarecimento

destinada à população masculina foi lançada em 2008 e dedicada à disfunção erétil.

184 Aqui, novamente, aparece a questão da centralidade do órgão sexual em si (fica ereto, é capaz de

penetração?), ou seja, é uma visão anatômica e fisiológica da sexualidade.

172

Há um cenário, então, de ampliação do espectro de indicação da TRH com testosterona,

que passa a ser considerada o tratamento mais adequado para um declínio hormonal masculino

relacionado ao envelhecimento, caracterizado e promovido pela urologia como DAEM, e que

coincide com um momento de afirmação dessa especialidade como a mais apta para tratar a

saúde sexual masculina. Além disso, parece se relacionar diretamente à promoção e divulgação

da disfunção erétil, que teve como marco o lançamento do medicamento Viagra®, em 2008,

prescrito paro tratamento dessa disfunção. (FARO et al., 2010).

Bourdieu (1983) define o campo científico como um sistema de relações objetivas, no qual

ocorrem disputas pelo monopólio da autoridade científica. Essa autoridade é definida como

capacidade técnica e poder social, dentro de um contexto de competição por espaço entre

posições adquiridas anteriormente e também por novas posições.

Para o autor, é equivocada a ideia de uma comunidade científica autônoma, “isolada” da

sociedade, auto-reprodutora, composta por cientistas neutros, interessados somente no

progresso científico. Nada disso corresponderia à realidade observada na dinâmica das práticas

científicas, onde há conflitos e disputas de interesses. É introduzido, então, o termo “campo

científico”, definido como “o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial.” (BOURDIEU,

1983, p.1).

Os médicos, assim como os escritores, artistas e eruditos também trabalham para seus

concorrentes, não só para um público, neste caso seus pacientes. Segundo Bourdieu (1974) a

competição entre os produtores de arte se desenvolveria em nome de uma pretensão à ortodoxia

ou “ao monopólio de manipulação legítima de uma classe determinada de bens simbólicos.”

(BOURDIEU, 1974, p. 108).

Ao analisarmos as entrevistas, percebemos argumentos utilizados tanto pelos urologistas

quanto pelos endocrinologistas a fim de se legitimarem como os profissionais mais capacitados

para diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. Os

urologistas argumentaram que o exame da próstata, realizado somente por esses especialistas,

é fundamental para determinar se um paciente deve ou não fazer o tratamento com testosterona

para tratar o declínio hormonal relacionado ao envelhecimento. Como afirmou dr. Paulo

(urologista, 2017):

E tu vês que o tratamento, a reposição hormonal masculina tem que ter uma série de

cuidados, por causa da próstata, não pode... Antes de tu tratar alguém tem que ter

certeza que esse indivíduo não tem um câncer incipiente ou um pré-câncer de próstata,

e quem vai avaliar bem isso é o urologista. O endocrinologista não faz toque retal.

Alguns fazem, mas enquanto a gente faz aí vinte por dia, eles fazem um por mês (dr.

Paulo, urologista, 2017)

173

Isso é interessante, pois, de acordo com o que percebi no XXXV Congresso Brasileiro de

Urologia, a relação entre câncer de próstata e terapia de reposição hormonal masculina foi

considerada uma questão inexistente, até mesmo ultrapassada. O único problema, segundo os

urologistas, seria iniciar a reposição em um paciente já acometido pelo câncer, pois agravaria

seu estado. Mas, após o tratamento, a reposição poderia ser iniciada sem maiores problemas.

Conforme dr. Ricardo (urologista, 2016) comentou: “Olha, a testosterona é o alimento da

próstata, mas não é a testosterona que provoca o câncer. Se, por acaso, parecer um câncer que

a gente não sabe qual é a causa do câncer, então, a testosterona também vai alimentar esse

câncer, mas após o termino do tratamento a reposição poderia ser iniciada.”

Além desse argumento referente ao diagnóstico de câncer de próstata e a TRH com

testosterona, usado pelos outros urologistas, dr. Ricardo utilizou mais um argumento. Trata-se

da própria estrutura corporal masculina: “Porque existe no homem uma intersecção. (...)então,

a próstata, a uretra são dois aparelhos que se misturam, o urinário e o genital. Então, por isso

que o urologista cuida desses dois aparelhos.” Então, de acordo com esse raciocínio, o

urologista seria o médico mais apto para tratar os problemas de saúde envolvendo os aparelhos

urinário e genital masculinos, incluindo a deficiência hormonal relacionada ao envelhecimento.

Já as endocrinologistas mencionaram seu conhecimento mais aprofundado sobre os

hormônios como o que lhes dá maior legitimidade para fornecer o diagnóstico e tratamento

correto para os pacientes com declínio hormonal relacionado ao envelhecimento. É o que

podemos notar na fala da dra Regina (endocrinologista, 2017):

Mesmo porque isso é uma área muito específica dentro da endocrinologia, é... Até da

urologia, uma área bem específica e as pessoas não têm essa vivência do uso de

hormônios, né? E pra você analisar o uso de um hormônio você tem que conhecer

todo eixo que regula esses hormônios (...) por que quem faz reposição? Ginecologista

e endocrinologista. Existem aqueles urologistas, claro, que fazem a parte de

andrologia e aí eles se aprofundam melhor na parte hormonal (dr. Regina,

endocrinologista, 2017).

No entanto, apesar de as duas endocrinologistas entrevistadas afirmarem que sua

especialidade é a mais adequada para prescrever a TRH com testosterona, reconheceram que a

urologia vem crescendo e “ocupando” o espaço de outras profissões como a endocrinologia.

Acreditamos que tal crescimento se relaciona à construção de um novo campo na área da saúde

masculina, a “Saúde Sexual Masculina”, que abrange problemas médicos como disfunção erétil

e declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento.

174

Desta forma, ao analisarmos as entrevistas, pudemos focar em dois pontos envolvendo a

legitimidade do uso da TRH com testosterona. O primeiro está ligado à disputa de campo entre

a urologia e a endocrinologia. O segundo envolve a ciência, a biomedicina, isto é, a dimensão

em que os diagnósticos médicos se situam. Por isso, tanto as endocrinologistas quanto os

urologistas entrevistados buscaram traçar um diferencial entre o uso recreativo de testosterona

por aqueles que não teriam uma “deficiência” para tratar e os pacientes com uma “queda”

hormonal. Os trechos das entrevistas abaixo ilustram esse argumento:

Então, primeiro a gente tem que dividir em dois grupos, né? O grupo que precisa e o

grupo que faz uso recreativo. Então, o grupo que precisa é aquele indivíduo que não

produz testosterona, ou produz de uma forma insuficiente. Então, esse indivíduo, ele

precisa do uso de testosterona. Então, ele faz uso porque ele precisa. O que a gente tá

fazendo é uma reposição. Toda vez que você faz uma terapia de reposição hormonal

você tá fazendo o.... Você tá tendo uma atitude fisiológica, né? (...) então, quando

você tá repondo o que tá faltando.... Claro, que sempre tem risco, é uma droga, né?

É.... Os benefícios são muito maiores que os riscos. Eu tenho pacientes usando

testosterona, com hipogonadismo, né? Mas, assim, usando testosterona há mais de

trinta anos, não tem efeito colateral nenhum (dra. Regina, endocrinologista, 2017).

O problema da testosterona... Assim... Existe uma testosterona mania, né? Que

começou nas academias, e se confunde testosterona com.... Um.... É...

Antienvelhecimento, com ficar forte, com ficar bonito, ficar saudável.... E não tem

esse papel, né? O DAEM, o hipogonadismo do idoso é uma doença. (...) eu vejo um

monte de gente tomando testosterona à toa. Então, isso.... E eu não sei exatamente aí

qual é o papel da indústria nessa história. (...) A testosterona tem um papel muito claro

pra tratar uma determinada doença (dr. Marcos, urologista, 2016).

Porque, na verdade, as pessoas que usassem a testosterona na demanda, na

necessidade, só o que precisa, é que nem encher um copo d´água, né? Não vai é... Não

vai produzir nenhuma lesão no ser humano. Agora, as pessoas jovens, pelo

narcisismo, usam doses bem elevadas e que modificam a estrutura corporal, mas

também o risco é da infertilidade definitiva, perene (dr. Paulo, urologista, 2017).

Notamos, nesses trechos, uma característica singular ligada ao tratamento farmacológico

para o declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. A ideia de “repor” algo

que o corpo masculino “perdeu”. Vimos que a testosterona é ainda caracterizada como “o

hormônio do homem”, tanto nos discursos médicos quanto nos leigos, apesar de já ser sabido

que ela também é encontrada no corpo feminino. Isso pode sugerir que a reposição hormonal

com testosterona não é igual à maioria dos tratamentos farmacológicos, em que os pacientes

“recebem” no seu organismo uma substância alheia a ele. Isto é, no caso da deficiência

hormonal, tais pacientes seriam tratados com uma substância, a princípio, produzida pelo

próprio organismo, responsável pelo seu funcionamento e que afetaria, diretamente, a expressão

da masculinidade, o “ser homem” (THIAGO, 2012).

175

Desta forma, apesar de certa “artificialidade” atribuída à produção química do

medicamento e de, teoricamente, haver possíveis consequências negativas de seu uso, o

discurso médico triunfalista em torno da TRH com testosterona predomina. Nele, essa

substância traz de volta a “essência masculina” sem, praticamente, causar efeito colateral que

provoque a interrupção do tratamento. Os possíveis riscos seriam insignificantes diante dos

inúmeros benefícios atribuídos ao uso de testosterona para o tratamento de uma doença, uma

deficiência.

Por outro lado, seu uso para aprimoramento foi condenado pelos entrevistados de maneira

enfática. O interessante é perceber que nas apresentações médicas sobre o uso da TRH com

testosterona, que ocorreram nos congressos científicos dos quais participei, expressões

associadas à questão do aprimoramento estavam ligadas aos benefícios trazidos com o uso de

testosterona. Por exemplo: “melhora a performance sexual”, “aumenta a autoestima do

homem,” “proporciona uma maior qualidade de vida”, entre outras. Essas expressões, muitas

vezes, nem estavam nos slides das apresentações, mas eram faladas no decorrer delas. Isso

aconteceu, inclusive, em apresentações de alguns entrevistados.

Podemos perceber, então, que, mesmo nos discursos médicos, há certo deslizamento em

torno das atribuições da testosterona. Elas vão desde uma substância que supre uma “falta”

orgânica até um meio tecnológico de melhorar a autoestima e a qualidade de vida dos pacientes,

ou seja, a testosterona ocupa, aqui, um papel de gerenciadora de comportamento e ferramenta

de aprimoramento (enhancement). Isso está de acordo a discussão proposta no trabalho já

comentado de Loe (2001), que destaca o século XXI como o século da biotecnologia sexual,

em que as drogas seriam “drogas de estilo de vida”.

Portanto, a testosterona, assim como outras drogas, ilustra um reposicionamento da função

dos medicamentos, pois é utilizada para se alcançar “qualidade de vida e desempenho

melhores” e, não se trata, neste caso, de se obter a cura para um problema médico, mas sim de

contribuir para uma saúde “melhor”. Desta forma, tal discurso associado à testosterona sugere

uma ampliação do mercado consumidor, em que drogas lançadas para faixa etária e condição

específicas passam a ser utilizadas também por outro segmento de mercado consumidor.

Voltando à questão da hierarquia profissional, podemos pensar nesta perspectiva ao

falarmos sobre a interação entre propagandista farmacêutico e médico especialista. O

funcionário da indústria farmacêutica, por mais que tenha estudado farmacologia e anatomia

durante seu treinamento, não tem a mesma bagagem técnica de um médico especialista. Muitos

propagandistas sequer se formaram na área de saúde. Podem ser administradores ou

profissionais da área de marketing, por exemplo.

176

Desta forma, não teriam a competência técnica necessária para avaliar as informações que

seriam encarregados de transmitir aos médicos. Tal diferença de status profissional pôde ser

percebida na crítica dos médicos aos propagandistas, ao dizerem que estes sofreriam de uma

“lavagem cerebral” feita pela indústria: “As pessoas que visitam os médicos, normalmente....

Normalmente, eles recebem uma lavagem cerebral e eles têm que dizer para os médicos que os

recebem aquilo que a companhia quer” (dr. Paulo, urologista, 2017).

No entanto, não devemos deixar de pensar que a postura aparentemente natural dos

médicos em relação ao apoio financeiro recebido da indústria, as respostas que tenderam a

enaltecer a expertise, autonomia e independência da classe médica, bem como as críticas

referentes às estratégias de marketing das empresas farmacêuticas e aos propagandistas podem

constituir um modo de defesa dos médicos ao se depararem com questões ligadas à sua relação

com a indústria farmacêutica.

Um exemplo pode ser a postura do dr. Paulo que, quando questionado sobre sua relação

com a indústria farmacêutica, passou a falar sobre seu trabalho como coordenador do Comitê

de Ética em Pesquisa de uma universidade brasileira:

Tem muitos ensaios clínicos que foram feitos por decisão da.... Da in... Eu fui

coordenador do CEP, do Comitê de Ética em Pesquisa, dez anos, da nossa

universidade, na Rosa. (...) nós bloqueamos vários estudos quando eu fui coordenador

do CEP e, daí tu arruma [sic] um monte de inimizade, né? Porque, por exemplo, eu

que sou suíço, brancão, assim, os caras diziam: ‘Não, o teu apelido agora é Adolf’. Eu

digo: ‘Bom, meu apelido é Adolf, mas isso aí não é...’. O CEP tem representantes da

comunidade, dos pacientes, e tudo é uma... É.... Tem médico, tem veterinária, tem...

Enfim, e químico... E a... Mas, as pessoas ficavam muito ruim da cara conosco,

porque, na verdade, se tu vai [sic] usar, entre aspas, pacientes que assinaram

consentimento e tal, pra depois não publicar os dados não é uma coisa muito razoável.

‘É, mas nós pagamos lanche, nós pagamos passagem, nós pagamos isso e aquilo...’

Bom, mas não chega, né? Essa história que a gente participou, por exemplo, da

testosterona aplicada na axila masculina, cheia de pelos. A absorção não é, não é...

Dependendo da etnia varia muito, né? A quantidade de pelos axilares varia de acordo

com a etnia do indivíduo, né? (dr. Paulo, urologista, 2017)

Nesses trechos da entrevista, observamos características que sugerem uma tentativa de o dr.

Paulo de deslocar, conscientemente ou não, a entrevista para outro foco. Foi muito intrigante

sua mudança de “identidade profissional” quando insisti em perguntar sobre questões

envolvendo ensaios clínicos e patrocínio da indústria farmacêutica. Com a mudança de

identidade, o entrevistado deixou de se referir a si mesmo como “médico urologista” e passou

a responder as perguntas como o ex-coordenador de Comitê de Ética em Pesquisa de certa

universidade brasileira. Também fez questão de mencionar o tempo de trabalho nessa função

177

e o quão rigoroso era durante a avaliação de pesquisas científicas, ao ponto do ser chamado de

“Adolf”, numa referência ao ditador nazista Adolf Hitler.

Todavia, apesar de ressaltar a importância de um monitoramento mais eficiente em relação

ao que é publicado em revistas científicas, reagiu com certo pessimismo quando pedi que

falasse sobre a obrigatoriedade de se publicar os possíveis conflitos de interesse presentes em

pesquisas científicas:

Não... Não... Eu já vi até do nosso serviço pessoas publicarem e não acontecer nada.

Tem gente que publicou trabalhos sem submeter ao CEP. O que tu vai [sic] fazer, daí,

com a pessoa, né? Vai chamar a polícia? O que tu vai [sic] fazer? [...] O Brasil, nisso

aí, é muito, é.... Por exemplo, eu fiz várias denúncias, eu fiz uma denúncia pra direção

da instituição e a pessoa disse assim, da alta cúpula: ‘Pô, nós vamos dar um tiro no

pé, agora nós vamos expor a nossa instituição por causa de um m.185 que fez isso,

aquilo!’ E o cara continua trabalhando lá, professor, etc e quer ver o seu trabalho

publicado e a revista também não tomou nenhuma atitude. Só instituições, assim,

como onde eu trabalhei, universidade Amarela186, esses caras levam a sério isso aí, e

mesmo assim, parece que não é tanto. Eu, com a experiência do CEP que eu tive de

10 anos, é... É uma coisa que deixa a gente muito triste, é muito comércio metido no

meio da bioética, da ética (dr. Paulo, 2017).

Assim, parece que para o dr. Paulo, o trabalho sério e importante dos Comitês de Ética em

Pesquisa não é capaz de evitar a ação de pessoas inescrupulosas187, que conseguem não só fazer

pesquisas de maneira duvidosa como publicá-las em revistas científicas de renome, mesmo sem

a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa. O que sugere, mais uma vez, a dicotomia do

“nós e eles”, isto é, apesar de existir o “nós”, constituído por pessoas honestas e comprometidas

com a ciência, muitas vezes, o “eles”, caracterizado por um conjunto de pessoas que agem

segundo seus interesses escusos e não a favor da ciência, conseguem agir burlando as normas

éticas do campo.

4.4 Entrevistas com propagandistas farmacêuticos

Como mencionado anteriormente, consegui entrevistar três propagandistas de TRH com

testosterona: dois homens e uma mulher. Optamos por não mencionar seus estados de

185 Tal palavra consistia em um palavrão, por isso foi abreviada.

186 Trata-se de uma universidade estrangeira.

187 Novamente a lógica do “nós” (que temos escrúpulos) versus “eles” (que não têm escrúpulos).

178

residência, pois o número de propagandistas dessa substância é muito pequeno no país. Assim,

contribuímos para a manutenção do anonimato dos participantes. A faixa etária dos

entrevistados é de 30 a 40 anos, aproximadamente. Similarmente ao que ocorreu com os

médicos, as entrevistas se iniciaram com perguntas mais gerais sobre trajetória profissional e

atribuições da profissão, com o objetivo de “quebrar o gelo”188. No decorrer das entrevistas,

tentei introduzir questões mais específicas sobre a relação dos propagandistas com os médicos,

mas percebi muita resistência.

As entrevistas com esses profissionais se caracterizaram por apresentar situações

inusitadas, portanto, resolvi descrevê-las, aqui, com mais detalhes. A primeira foi feita por

telefone. O contato inicial se deu por email, conseguido através de um cartão-de-visita do

entrevistado, em um estande da Empresa Figo, durante o XVI Congresso Internacional de

Medicina Sexual, em 2014.

Vale ressaltar que tal propagandista foi simpático ao responder o email enviado por mim.

Não esperava, inclusive, que isso fosse ocorrer, porque quando me aproximei, durante o

congresso, do estande desta empresa − a fim de obter algumas informações pertinentes para a

pesquisa − não obtive sucesso. Logo de cara, ele me perguntou se era médica. Com minha

resposta negativa, simplesmente, virou-se e começou a conversar com a pessoa que estava ao

meu lado, no caso, um médico.

A entrevista não ocorreu pessoalmente, pois no dia em que entrei em contato com o

entrevistado, para marcar local e horário de encontro, ele mencionou que estava numa região

distante a trabalho. Além disso, disse que, por telefone, seria mais conveniente, porque

otimizaria seu tempo. A entrevista por Skype também foi descartada, já que, segundo ele, não

havia acesso a essa ferramenta de comunicação onde estava. Confesso que fiquei frustrada, pois

tinha expectativa de que a entrevista fosse feita pessoalmente. Inclusive, fiz questão de frisar

isso, durante essa primeira ligação. Como resposta, o propagandista continuou a dizer que era

longe para mim, apesar estarmos no mesmo estado. Nesse momento, lembrei-me da conversa

que tive com as duas gerentes de marketing farmacêutico, mencionadas anteriormente, e percebi

que uma entrevista por telefone poderia ser muito menos intimidadora para o propagandista do

que uma feita pessoalmente ou, até mesmo, por Skype. Combinamos, então, a entrevista para o

dia seguinte, pela manhã.

Logo no início da entrevista, percebi muita cautela do entrevistado ao responder perguntas

mais pessoais. Acabava sempre direcionando suas respostas para questões gerais da empresa.

188 O roteiro utilizado nas entrevistas com os propagandistas se encontra no apêndice G.

179

Assim, decidi deixá-lo à vontade e não interromper sua fala. Tentei pensar nos objetivos da

pesquisa a partir dessas respostas mais gerais. Isso não foi fácil, pois o telefone fixo utilizado

por mim não possuía viva- voz, o que me impediu de gravar a entrevista, e Mateus falava muito

rápido, ininterruptamente.

Ele tinha um vocabulário muito rico, expressava-se bem. Dentre os três entrevistados

pareceu ser o propagandista com mais conhecimento técnico não só sobre a testosterona, mas

também sobre o campo de tratamento farmacológico para a saúde sexual masculina. Isso pode

estar relacionado ao fato de ele trabalhar numa empresa de manipulação, especializada na

produção de medicamentos exclusivamente para tratamento de disfunções sexuais masculinas.

Durante a entrevista afirmou, inclusive, que há muito preconceito das pessoas em relação

à área sexual. Completou dizendo que elas sabem da existência de problemas nessa área, mas

não têm conhecimento sobre como tais problemas podem ser resolvidos. A Figo, de acordo com

Mateus, consiste na única empresa de manipulação voltada para o campo da sexualidade

masculina do estado. Depois da entrevista, fiquei me indagando se essa forma de falar muitos

assuntos tão rapidamente não seria também uma maneira, consciente ou não, do propagandista

evitar perguntas mais delicadas.

As outras duas entrevistas, feitas pessoalmente, foram marcadas por diversos momentos

inusitados. O contato inicial com a entrevistada se deu, inicialmente, por e-mail, também

conseguido através de um cartão-de-visita, em um estande da empresa Abacate, no Congresso

Brasileiro de Urologia, em 2015. Lá, conversei um pouco com Ana sobre o tema da minha

pesquisa. Ela foi bastante solícita e me ofereceu seu cartão para que pudesse entrar em contato

com ela, posteriormente. Como não respondeu ao email enviado por mim, entrei em contato

novamente, ligando diretamente para o número de celular que constava em seu cartão-de- visita.

A tentativa inicial de convidá-la por e-mail consistiu em uma estratégia a fim de evitar

uma sensação de “invasão de espaço” e desconfiança por parte da Ana, pois já havia passado

pela experiência anterior com Mateus e não queria perder a oportunidade de fazer uma

entrevista pessoalmente. Assim, como não houve retorno ao convite feito por e-mail, optei pelo

plano B, ligando para Ana. Ela atendeu prontamente e, quando me identifiquei, mencionou o

email que lhe havia enviado, dizendo que não o respondeu devido à sua falta de disponibilidade

naquele momento. Perguntei-lhe se seria possível me conceder uma entrevista nos próximos

dias e, para minha surpresa, ela foi marcada para três dias depois.

Ana pediu o número do meu celular a fim de me adicionar no whatsapp e, pouco tempo

depois, perguntou se poderia passar o tema da minha tese para ela, alegando que a empresa

180

tinha um código de conduta ético muito rigoroso e, por isso, precisava passar o tema da pesquisa

para o departamento de compliance189 .

De fato, existe um código de conduta desenvolvido pela Interfarma, entidade que regula as

atividades das indústrias multinacionais e dos propagandistas/ representantes farmacêuticos190.

Segundo informações contidas em seu website191, foi fundada 1990 e consiste em uma entidade

setorial, sem fins lucrativos, que representa empresas e pesquisadores, nacionais ou

estrangeiros, atuantes na área de saúde, no Brasil. Atualmente, é composta por laboratórios

nacionais e internacionais de pesquisa e um start up. No entanto, pesquisadores nacionais,

instituições, fundações, universidades, institutos e até mesmo pessoas físicas também podem se

associar.

A primeira versão do Código de Conduta foi lançada em 2007, com o objetivo de

formalizar a relação entre a indústria farmacêutica e os profissionais da saúde. Isso fez da

Interfarma a entidade precursora do setor farmacêutico a possuir um código de conduta. Em

2012, em função de um acordo inédito, o documento se tornou o primeiro a ser validado pelo

Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela

Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atualmente, a Interfarma é a única associação que possui

um Conselho de Ética independente, Corregedoria e esfera de Conciliação.

Voltando à minha conversa com a propagandista, respondi sua pergunta com certo receio,

devido à grande dificuldade de acesso ao campo que estava experimentando. Ana retornou

apenas com um “ok.” Assim, meu receio permaneceu até o dia da entrevista, que foi marcada

numa sala administrativa de um prédio comercial.

No dia da entrevista, ao fazer um rápido resumo da minha pesquisa, mesmo enfatizando o

fato de ser farmacêutica e explicando que o anonimato seria garantido, notei grande

189 Compliance consiste em “uma expressão que se volta para as ferramentas de concretização da missão, da

visão e dos valores de uma empresa” (RIBEIRO; DINIZ, 2015, p. 88). No entanto, segundo os autores,

confundi-la com um mero cumprimento de regras formais e informais seria um equívoco, pois seu alcance é

bem mais amplo. Ela envolve questão estratégica e pode ser aplicada em qualquer tipo de organização, haja

vista a exigência, cada vez maior, do mercado no que diz respeito a condutas legais e éticas para a

consolidação de um novo comportamento por parte das empresas. Tal comportamento estaria relacionado à

busca de lucratividade de maneira sustentável, com a condução dos negócios das empresas focado no

desenvolvimento econômico e socioambiental.

190 Mais adiante, serão explicadas as diferenças entre propagandista e representante farmacêutico.

191 Disponível em: http://www.interfarma.org.br. Acesso em: 19 mai. 2017. Além desse código, há a RDC Nº

96, de 17 de dezembro de 2008, da ANVISA, que dispõe sobre a propaganda, publicidade e outras práticas

que tenham como objetivo a divulgação ou promoção comercial de medicamentos. Esses dois documentos

foram citados, nas duas últimas entrevistas, como os norteadores do padrão de ética exigido pelas empresas

farmacêuticas.

181

desconfiança por parte de Ana. Então, mostrei-lhe o “termo de consentimento livre

esclarecido”, a fim de deixar claro que toda pesquisa feita na UERJ precisa ser realizada de

modo ético, sendo o anonimato uma das principais questões exigidas para que uma pesquisa

seja aprovada.

Após lê-lo com bastante cuidado, Ana aceitou assiná-lo e me disse que poderíamos

começar a entrevista, ressaltando que estava à espera de um colega. Este, segundo ela, viria

para ajudá-la a responder minhas perguntas. Disse a Ana que seria ótimo se seu colega pudesse

ser entrevistado também. Mencionei o uso de gravador apenas para meu auxílio na hora de

rever a entrevista, garantindo que só seria gravado o que a entrevistada permitisse. Porém, ela

recusou, afirmando que poderia “escapar sem querer” alguma informação sobre a empresa,

voltando a falar do rígido código de conduta que rege as profissões de propagandista e

representante.

O colega de Ana chegou cerca de 10 minutos após o início da entrevista. Sentou-se do meu

lado esquerdo, enquanto Ana estava do meu lado direito. Logo após as apresentações, Ana disse

a Davi que eu havia solicitado a gravação da entrevista, mas ela não tinha aceitado, porque

poderia deixar escapar alguma informação sobre a empresa em que trabalhavam. Enfatizou,

novamente, a forte regulação ética que existe nas empresas farmacêuticas. Davi consentiu com

a cabeça. Achei que era melhor não insistir, pois poderia fazer com que não fossem faladas

questões importantes.

Expliquei a ele, então, rapidamente, o tema da pesquisa e iniciei a entrevista. Novamente,

senti-me “pisando em ovos”, pois, similarmente à Ana, Davi parecia se esforçar para conseguir

ler tudo o que escrevia no meu caderno de anotações. Tal atitude provocou em mim certa

sensação de desconforto. Assim, optei, a partir daquele momento, por anotar somente palavras-

chaves e, logo após a entrevista, tentar recompor os principais pontos abordados.

Ao encerrar a entrevista, pedi que Davi assinasse o termo de consentimento. Ana disse,

nesse momento, que ele poderia assinar, porque ela já havia lido o documento. Então, Davi, em

tom de brincadeira, afirmou: “Ah, se a Ana assinou, eu posso assinar sem ler!” Igualmente ao

ocorrido com as entrevistas médicas, observamos pontos em comum nas entrevistas com os

propagandistas, que pretendemos discutir em seguida.

Os três entrevistados expressaram muita desconfiança, por meio de atitudes defensivas,

como a não permissão para gravação das entrevistas e respostas dadas da maneira mais genérica

possível, evitando passar quaisquer posições ou opiniões pessoais. Logo, as repostas se

iniciavam com expressões como “segundo a empresa”, “a empresa faz”, “é norma da empresa

que”. Outra atitude interessante foi o modo rápido e ininterrupto de falar dos propagandistas,

182

não me dando tempo para pensar e/ou formular perguntas a partir de suas respostas. Tal atitude

foi observada, principalmente, na entrevista realizada por telefone. Houve ainda a aparente

combinação feita entre os dois últimos entrevistados, possivelmente com o propósito de evitar

que a entrevista fosse feita apenas com um participante por vez, e a interferência mútua nas

respostas.

As frases ditas pela propagandista Ana, durante a entrevista, ilustram a desconfiança e o

receio dos propagandistas de que acabassem revelando algo comprometedor: “Prefiro que não

grave, porque posso deixar escapar alguma coisa. [...] Nossa profissão tem um código de

conduta muito rígido” (Ana, propagandista, 2017)

Aqui, vale lembrar que ela voltava ao assunto do código de conduta da empresa toda vez

que eu tentava fazer uma pergunta mais delicada. Mencionou, mais de uma vez, a Interfarma

e a ANVISA como as reguladoras das profissões de propagandista e representante. Também

repetiu que a Interfarma é muito rigorosa nos aspectos éticos, e por isso eles não podem fornecer

“informações diretas” sobre as empresas em que trabalham. Seria exigido sigilo sobre essas

informações. Isso pode explicar a negação dos propagandistas quando lhes perguntei se poderia

gravar as entrevistas e sua resistência a responder a maioria das perguntas.

De fato, os próprios organizadores do código de conduta da Interfarma são enfáticos ao

mencionarem em quais bases éticas e legais ele foi desenvolvido:

Os princípios contidos neste Código de Conduta observam ainda a legalidade e os

padrões éticos, morais e técnicos reconhecidos nacional e internacionalmente, tais

como a legislação sanitária, a Lei de Defesa da Concorrência, a Lei Anticorrupção, o

Código de Conduta da Federação Internacional da Indústria Farmacêutica e

Associações - IFPMA (International Federation of Pharmaceutical Manufacturers &

Associations), os Códigos de Conduta Ética das categorias profissionais e suas

resoluções, a Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), bem como o Pacto Global das Nações Unidas, do qual a

INTERFARMA é signatária desde 2014 (INTERFARMA, 2016, on-line)192.

A questão da ética é bastante mencionada nesse código, inclusive o capítulo 1 intitulado

“Normas gerais e condutas éticas” apresenta, detalhadamente, normas e condutas que devem

ser seguidas pelas empresas produtoras de medicamentos, tanto nas relações com as associações

de pacientes e a classe médica, quanto com agentes públicos e autoridades governamentais.

Talvez, as normas de conduta desse código foram destacadas durante o processo de treinamento

192 Disponível em: http://www.interfarma.org.br. Acesso em: 19 mai. 2017.

183

desses propagandistas e sejam, repetidamente, lembradas como algo de grande importância, no

seu cotidiano.

Quando questionados sobre as atribuições da profissão, os propagandistas afirmaram que

sua função é levar informações aos médicos, “propagar conhecimento científico” que irá

beneficiar médicos e pacientes: “Os propagandistas propagam estudos e benefícios dos

medicamentos para os médicos e os pacientes.” (Ana, propagandista, 2017). Essas

informações, segundo eles, seriam científicas, ou seja, objetivas, imparciais e comprovadas por

meio de extensas pesquisas, realizadas nos mais altos padrões éticos e de segurança: “A função

do propagandista é levar conhecimento científico aos médicos, obedecendo todas as normas

éticas.” (Davi, propagandista, 2017).

De acordo com os entrevistados, há uma diferença entre propagandistas e representantes.

Durante as três entrevistas, percebi que o fato de lidar diretamente com a classe médica dá certo

status e prestígio à profissão de propagandista, que, por isso, é hierarquicamente superior à

profissão de representante. Os primeiros levam informações científicas sobre medicamentos

aos médicos que, consequentemente, passam para seus pacientes. Já os representantes são

responsáveis pela venda de produtos e medicamentos que não necessitam de prescrição médica.

São os profissionais que trabalham visitando as farmácias, que têm seus “pontos de venda” nas

farmácias.

Logo, a testosterona, por necessitar de prescrição médica, é promovida e divulgada pelos

propagandistas. A propagandista Ana fez questão de frisar que “vendas é com representantes”,

como se quisesse separar a questão do lucro e marketing farmacêutico, associada à função dos

representantes, da divulgação “tecnológica e científica”, ligada à atividade profissional dos

propagandistas. Assim, segundo ela, para exercer esta profissão, seria preciso ter conhecimento

do produto a fim de transmitir informações corretas aos médicos. Completou seu raciocínio ao

mencionar que, quando foi contratada, não tinha essa visão, achava que tudo se tratava de

vendas.

Associada à ideia do propagandista “difundir conhecimento científico” pode estar a deste

profissional ser, muitas vezes, a única fonte de conhecimento a qual a classe médica tem acesso.

Assim, segundo essa perspectiva, é possível que médicos desconheçam uma doença e/ou

tratamento correto até que algum propagandista lhe forneça informações sobre o assunto. A fala

de Davi ilustra esse ponto: “Muitas vezes, temos que vender a doença antes do produto. [...]

Muitas vezes, quando vamos falar com os médicos, eles desconhecem a existência daquela

doença, e podem dar até diagnósticos errados, prescrever tratamentos inadequados”.

184

Aqui, apesar de enfatizar a função de difundir conhecimento científico associada ao

propagandista, ele fala, naturalmente, sobre “vender”, tanto as doenças quanto os seus

tratamentos. Podemos pensar, então, que essa declaração ilustra a ideia de mercantilização de

doenças, bem como a de co-promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias

diagnósticas, já discutidas neste trabalho. Logo em seguida, Davi fez uma crítica aos médicos,

afirmando que estes, muitas vezes, não ouvem seus pacientes, o que pode acarretar

consequências graves, inclusive a morte193. Segundo ele, isso, somado ao desconhecimento em

relação a algumas doenças, favorece o fornecimento de diagnósticos errados.

Sobre diagnósticos equivocados, a propagandista Ana afirmou que, no caso dos homens

idosos, por exemplo, eles podem ser diagnosticados com depressão e tratados com

antidepressivos, porém, na realidade, o que teriam é baixa testosterona, hipogonadismo.

Completou dizendo que, no caso do hipogonadismo, o tratamento deve ser feito continuamente,

pois “uma vez hipogonádico sempre hipogonádico”. Segundo ela, apesar dos avanços, o

hipogonadismo seria uma doença subdiagnosticada194.

Muito interessante essa colocação da Ana sobre o diagnóstico do declínio hormonal ser

confundido pelos médicos com a depressão, já que praticamente em todos os discursos médicos

obsevados, tanto nos congressos quanto nas entrevistas, sempre há o destaque da mensuração

da concentração de testosterona sanguínea como peça fundamental para o diagnóstico e início

do tratamento com testosterona. Desta forma, a depressão consiste em um dos sintomas dessa

baixa hormonal, mas não algo definitivo para o diagnóstico.

Outra questão relacionada a diagnósticos médicos comentada foi a falta de tempo e

dinheiro que tais profissionais têm para se atualizarem, já que precisam escolher entre vários

cursos e congressos, que são muito caros. Confesso que fiquei bastante curiosa com essa

afirmação de Davi. Perguntei-lhe se as empresas farmacêuticas oferecem algum tipo de ajuda

de custo para os médicos participarem desses eventos. Davi respondeu, categoricamente, que

não, para minha surpresa. Insisti, perguntando sobre os palestrantes desses eventos, que vão

falar sobre doenças e seus tratamentos farmacológicos. Mais uma vez, Davi negou que existe

esse tipo ajuda por parte da indústria farmacêutica. Impressionou-me a segurança do

propagandista ao responder negativamente essas perguntas. Ao procurar sobre o assunto no

código de conduta da Interfarma, vi que tal apoio financeiro não é proibido, no entanto, ele não

193 Perguntei-lhe quais eram os fatores que, na sua opinião, influenciavam os médicos a agirem dessa forma.

Davi respondeu que a questão da falta de tempo é crucial.

194 Perguntei à Ana se a empresa tinha feito estudos (e se sim quais) para observar essa questão do

subdiagnóstico, mas ela disse que não sabia me dizer naquele momento.

185

pode estar condicionado à prescrição e/ou dispensação, venda ou promoção pela classe médica

de qualquer tipo de produto sujeito à Vigilância Sanitária ou da própria empresa apoiadora. Ou

seja, trata-se de uma questão delicada, mesmo no caso de o médico afirmar que está apenas

expondo uma opinião profissional e imparcial sobre um medicamento e não fazendo sua

promoção, como observamos em algumas falas das entrevistas. Penso que a negação de Davi

pode ter sido uma forma de evitar que entrássemos nesse tópico espinhoso.

Um tema que apareceu em diferentes momentos das entrevistas foi o “marketing positivo

dos medicamentos”, o que me surpreendeu. Mateus disse que propagandistas da empresa na

qual trabalha são responsáveis por não permitirem que médicos contrários à prescrição da TRH

com testosterona “falem mal” desse tratamento. Segundo ele, existem urologistas que são contra

a reposição, principalmente devido a estudos sobre a relação entre câncer de próstata, problemas

vasculares e uso de testosterona. Mencionou que, no último congresso paulista de urologia,

houve uma discussão sobre um estudo internacional (não soube me dizer qual) que apontava

relação entre TRH com testosterona e problemas cardiovasculares.

Tal discussão destacou que o estudo em questão contava com a participação de pacientes

fora do perfil adequado para a realização do ensaio clínico (mulheres, jovens e pessoas de mais

idade) e, por conta disso, não pode ser considerado como um estudo significativo. Isso, segundo

Mateus, está mudando a visão dos urologistas que são contra a TRH, que há três, quatro anos

atrás era significativamente maior.

Já Ana comentou que todos os propagandistas são treinados para passar informações sobre

medicamentos à classe médica, destacando os pontos positivos de cada medicamento, tanto para

o paciente quanto para o médico, pois o objetivo seria tratar a doença corretamente e da “melhor

forma possível”. Isso, segundo ela, é essencial para uma visita médica ter sucesso. Interessante

perceber que Ana fala sobre destacar os pontos positivos de um produto, mas não relaciona esse

procedimento com marketing farmacêutico195. Todo seu argumento gira em torno do

“conhecimento científico”, que beneficia médicos e pacientes. Algo similar à visão dos

médicos, que dizem ser imunes a qualquer viés mercadológico envolvido nessa questão.

Além disso, da mesma forma que os médicos criticam os propagandistas por não estarem,

muitas vezes, comprometidos com a “ciência” e sim com os objetivos de gerar lucro para as

empresas nas quais trabalham, garantindo seus empregos, os propagandistas criticam os

195 Vale ressaltar que essa atitude de Ana parece ser, realmente, autêntica. Há certa naturalidade ao falar sobre

isso, o que sugere crença no que diz. Podemos fazer um paralelo com a postura dos médicos ao se colocarem

totalmente independentes para falarem “bem ou mal” de medicamentos cujas empresas que os produzem

patrocinam suas pesquisas ou participações em eventos científicos.

186

médicos por não estarem atentos a informações científicas, necessitando que propagandistas

lhes apresentem uma doença até então desconhecida por eles.

Um dos pontos referentes ao marketing positivo da testosterona que pareceu interessante

foi sua apresentação pelos propagandistas como “substância natural”, “bioidêntica”196. Davi

argumentou que a testosterona promovida por ele é “a única testosterona do mercado que é

bioidêntica, ou seja, natural, pois é reconhecida pelos receptores de testosterona no organismo.”

Já Mateus, associou a característica “natural” da TRH que promove ao fato dela ser manipulada,

pois “o veículo197 usado na manipulação é mais importante do que a própria testosterona”. Por

isso, toda matéria-prima constituinte do medicamento seria analisada por um laboratório

especializado nesse tipo de análise, segundo ele.

Os argumentos apresentados pelos propagandistas seguem a mesma perspectiva que

observei nas entrevistas com os médicos. Ou seja, a ideia da testosterona como uma “substância

natural”, pois seria um hormônio produzido pelo próprio organismo. Desta forma, mesmo com

certa “artificialidade” associada à sua produção em laboratório, a testosterona não é vista como

uma “substância estranha ao corpo”, característica que muitos outros medicamentos

apresentam. Penso que ao falar “o veículo é mais importante do que a própria testosterona”,

Mateus apontou uma preocupação com o “grau de naturalidade” das outras substâncias da

fórmula, já que com a testosterona presente na fórmula, esse problema não existe, pois seu “grau

de naturalidade” seria “alto”.

Quanto ao tipo de treinamento que os propagandistas recebem, as respostas se fixaram em

dois pontos. O primeiro se refere ao treinamento técnico, no qual adquirem conhecimentos na

área farmacêutica, em cursos de farmacologia e farmacovigilância198, que preparam os

196 De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, “hormônios bioidênticos” são

substâncias que apresentam estruturas química e molecular idênticas aos hormônios produzidos no corpo

humano. No entanto, tal nomenclatura vem sendo utilizada de maneira indevida quando é associada apenas

aos hormônios manipulados, como se estes consistissem em “novas opções” de tratamento. A SBEM critica

essa posição e afirma que, na verdade, há muito tempo hormônios bioidênticos são produzidos por empresas

farmacêuticas e estão disponíveis nas farmácias (https://www.endocrino.org.br/hormonios-bioidenticos.

Acesso 20 de fevereiro de 2018)

197 Segundo Taveira e Guimarães (2014), veículos ou excipientes consistem em substâncias que compõem as

fórmulas farmacêuticas cuja função é dissolver, criar uma suspensão, ou misturar os outros ingredientes para

dar volume, forma e facilitar a administração de tais fórmulas.

198 Sobre essa primeira etapa, Mateus mencionou que consiste, primeiramente, em “quebrar preconceito sobre a

saúde do homem”. Depois disso, recebem informações sobre a fisiologia da ereção e a ação de cada

medicação no corpo masculino. Em seguida, são treinados para o atendimento telefônico e visitas médicas.

Acreditamos que, por se tratar de uma empresa especializada em medicamentos prescritos para a área sexual

masculina e cujos produtos são manipulados, tal empresa apresenta um tipo de treinamento diferenciado.

187

propagandistas para a apresentação dos medicamentos aos médicos, para serem capazes de tirar

quaisquer dúvidas destes. O segundo diz respeito ao relacionamento com a classe médica. Davi

disse que esse treinamento tem o objetivo de fazer o propagandista "saber lidar com cada

médico", o que ele chamou de "técnica de vendas".

Há, então, segundo Davi, médicos "mais fáceis" e outros "menos fáceis" de lidar. Os

primeiros cedem pouco tempo para as visitas dos propagandistas, desejando informações mais

sucintas sobre os medicamentos. Ao comparar os urologistas com os endocrinologistas, ele

disse que estes são mais acessíveis, demoram mais tempo com os propagandistas. Já os

urologistas são mais rápidos, "querem tudo rápido". O entrevistado atribuiu esse

comportamento dos urologistas a uma característica da especialidade, que é a cirurgia, ou seja,

por serem cirurgiões, apreciam informações transmitidas de maneira objetiva e rápida199. Além

disso, normalmente, não fazem muitos questionamentos em relação ao medicamento

apresentado. Desta forma, na maioria das vezes, as visitas aos urologistas são mais curtas

quando comparadas às feitas aos endocrinologistas.

Talvez, esse comportamento dos urologistas esteja relacionado também à questão da

expertise médica e ao status profissional da especialidade. O fato de um dos médicos

entrevistados afirmar que “ensinava” os propagandistas pode ser uma ilustração dessa questão.

Quanto aos endocrinologistas, Ana, ao interferir na resposta de Davi, apontou que eles gostam

mais de falar, são mais acessíveis, perguntam mais sobre os medicamentos. A propagandista

atribuiu essas características à própria formação dos endocrinologistas, pois, segundo ela, tais

profissionais estudam a atuação dos hormônios no corpo inteiro, e isso seria algo mais

complexo, na sua opinião.

Davi completou seu argumento destacando que é preciso saber lidar com todas essas

diferenças, além da própria personalidade de cada médico. Assim, a maneira de apresentação

do produto varia dependendo de qual profissional será visitado. Ele deu o exemplo de uma

visita a consultório de urologista "de nome", muito ocupado. Sabendo disso previamente, vai

vestido de uma forma mais elegante, de terno, por exemplo. Fala de maneira mais objetiva

possível, sendo rápido em suas colocações. Por outro lado, se for visita a um urologista em

hospital, já pode ir vestido de maneira mais simples e expor as informações sobre o

medicamento de forma menos sucinta.

199 Aqui, podemos pensar, novamente, no caráter anatômico da especialidade. A ligação da urologia com a

cirurgia, mencionada pelos entrevistados, corrobora isso. Ou seja, no caso dos urologistas, parece haver uma

preocupação maior com o estado do órgão em si e menor com a pessoa como um todo.

188

No entanto, disse que independente do médico a ser visitado, a primeira visita é sempre

uma “visita de sondagem", feita com o objetivo de conhecer o profissional, perceber suas

características e particularidades. A partir daí é que são feitas visitas a fim de apresentar o

medicamento ao médico. Esse procedimento está de acordo com o ensinado no curso de

formação de propagandistas online, abordado em outra parte deste trabalho.

Quando perguntei qual especialidade eles mais visitavam, os três entrevistados afirmaram

ser a urologia, porque os urologistas prescrevem mais testosterona. Ana usou a expressão

“médicos em potencial” ao se referir a médicos com tal característica, e completou afirmando

que essa informação resultou de uma pesquisa feita pela própria empresa. Perguntei-lhe como

ocorreu a pesquisa e Davi interferiu, novamente, dizendo que o aumento nas prescrições dos

urologistas ocorreu, provavelmente, por conta das políticas de governo sobre a saúde do

homem, das quais a urologia participou. Ele completou dizendo que, com os urologistas, os

pacientes têm mais liberdade para falar sobre seus problemas sexuais: “Antes do Viagra todo

mundo tinha vergonha. Agora não.”

Já com os endocrinologistas, os pacientes não têm essa liberdade, disse Ana. Eles chegam

aos consultórios dos endocrinologistas reclamando de doenças como diabetes, por exemplo, e,

na realidade, seu problema é hipogonadismo. Os que vão aos urologistas podem até chegar aos

consultórios sem saberem que seu problema é de testosterona baixa, mas conseguem conversar

com os médicos com mais liberdade sobre sua sexualidade.

Fiquei curiosa ao perceber que Davi e Ana tinham bastante conhecimento sobre a parceria

entre a indústria farmacêutica e a urologia na formulação da Política Nacional da Saúde do

Homem e também sobre o crescimento do campo de atuação da urologia, que vem se afirmando,

cada vez mais, como especialidade médica responsável pela saúde sexual masculina. Isso

sugere que o envolvimento entre a classe médica e a indústria farmacêutica, inclusive na

formulação de políticas públicas, é de conhecimento dos propagandistas, que enxergam tal

acontecimento com muita naturalidade.

Quanto à avaliação profissional do propagandista, mencionaram a existência de dois tipos

de avaliação, uma qualitativa e outra quantitativa200. A qualitativa diz respeito à avaliação de

cada propagandista, em que é avaliada a maneira pela qual cada profissional transmite

informações aos médicos. São analisadas a capacidade de comunicação, fidelização do médico

e observância das normas éticas. Essa avaliação é feita por um supervisor ou gerente distrital

que, inclusive, pode acompanhar os propagandistas em algumas visitas para observá-los. A

200 São avaliações feitas, geralmente, uma vez por ano, segundo os entrevistados.

189

quantitativa se refere ao número de prescrições médicas que cada visita do propagandista

consegue gerar.

Perguntei-lhes como seria feita essa avaliação quantitativa, mas nenhum dos três soube me

responder de forma clara. Um deles, o Davi, disse apenas que a empresa pesquisa para saber

como anda o número de prescrições médicas, se houve aumento ou diminuição no período que

determinado propagandista trabalhou naquela área

Uma reportagem especial, realizada pela Rádio Câmara201, intitulada “O que é e como

funciona o mercado farmacêutico”, contou com a participação de um ex-propagandista

farmacêutico202 que não quis se identificar, mas comentou sobre um programa que existe nas

farmácias, responsável por escanear as receitas que chegam às farmácias com o nome do

médico visitado e do medicamento promovido pelo propagandista. Depois disso, o resultado é

encaminhado para empresas farmacêuticas:

Existe um programa, hoje eu não seu se mudou, mas eu acho que é isso ainda, que

chama AuditFarma. Esse AuditFarma é um programa que fica em todas as grandes

redes de farmácia, que toda receita que chega com o nome do médico e nome do

produto passa por esse AuditFarma, um escâner, assim, e esse resultado vai pra todos

os laboratórios que fazem o pagamento para ter esse resultado na farmácia.

(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016, on-line)203

Segundo o ex- propagandista entrevistado, o objetivo do uso desse programa é a

confirmação de que o médico visitado pelo propagandista realmente receitou o medicamento

promovido pela indústria farmacêutica204.

Lakoff (2006) destaca em seu estudo sobre as relações entre indústria farmacêutica e

classe médica, na Argentina, a existência de pharmaceutical audits, isto é, de técnicas utilizadas

para monitorar o comportamento dos médicos, no que diz respeito às prescrições médicas.

Segundo ele, esse tipo de “indústria de auditoria farmacêutica” fornece dados que permitem as

empresas farmacêuticas avaliarem os resultados de campanhas de marketing e monitorarem

suas relações com médicos prescritores. Descobriu-se que existem empresas de banco de dados

que microfilmam prescrições médicas em farmácias, coletam os dados e depois vendem a

201 Consiste em uma emissora de rádio brasileira que transmite as sessões da Câmara dos Deputados, no Brasil.

202 Na matéria é usado o termo “representante farmacêutico”, mas como se trata de um profissional que visita

médicos, resolvemos trocá-lo por “propagandista farmacêutico”.

203 Disponível em http://www2.camara.leg.br. Acesso em: 16 mar. 2017.

204 A matéria destaca que tal prática está “no radar” das autoridades.

190

informação para empresas farmacêuticas. Desta forma, para o autor, os números gerados nessa

dinâmica tornam o mercado farmacêutico palpável como uma entidade que pode ser alvo de

uma intervenção de estrategistas e uma fonte de feedback de retificação.

Lakoff menciona dois serviços pelos quais as empresas farmacêuticas pagam caro, com o

objetivo de monitorar a prescrição e a venda de seus produtos. Um deles é o IMS, que consiste

em um tipo de auditoria. Tal serviço é fornecido pela IMS Health, empresa multinacional

sediada na Grã-Bretanha, com uma subsidiária em Buenos Aires. Ela é a principal coletora e

distribuidora de dados de vendas de produtos farmacêuticos no mundo. O "material primário"

da empresa é informação padronizada sobre vendas gerais e classes terapêuticas específicas em

termos de unidades e valor, tanto para os mercados regionais quanto globais.

O outro serviço é o Close Up, fornecido pela empresa de mesmo nome205, que coleta

receitas de farmácias e oferece um conjunto diferente e complementar de dados que são

igualmente difíceis de acessar. Com uma assinatura dos bancos de dados do Close Up, é

possível a empresa farmacêutica procurar quais médicos prescreveram seus produtos e quanto

prescreveu cada um deles. Para obter essa informação, Close Up compra cópias microfilmadas

de prescrições médicas em redes de farmácias.

Além disso, esses dois serviços vêm com um software que propicia o fornecimento de

informações, tais como: para qual doença os médicos, geralmente, prescrevem determinado

medicamento; quem são os líderes em uma determinada classe terapêutica de medicamentos no

último ano; como as vendas se dividem por região − por cidade, vizinhança ou mesmo código

postal. Durante as entrevistas, cheguei a perguntar a Ana e Davi se eles tinham ouvido falar

desses serviços e programas, mas os dois responderam, enfaticamente, que nada sabiam.

Ao falar sobre prescrição médica, Davi a comparou a um meio de pagamento: “A moeda

dos propagandistas é a prescrição", ou seja, a meta do propagandista consiste em conseguir o

maior número de prescrições médicas. Já a moeda dos representantes é o medicamento vendido

nas farmácias. Sua meta consiste em atingir um determinado número de vendas de

medicamentos. Mais uma vez, Davi, ao contrário de Ana, pareceu falar com certa naturalidade

sobre a questão mercadológica envolvida na sua atividade profissional.

Já caminhando para o final das entrevistas, perguntei-lhes quais seriam as principais

qualidades de um bom propagandista farmacêutico. Ter conhecimento científico e ser capaz de

205 O autor se limita a dizer que é uma empresa argentina. No site dela, há a informação de que se trata de uma

empresa internacional (http://www.close-upinternational.com/ Acesso: 10 de março de 2018). Acreditamos

que, ao fazer tal afirmação, Lakoff pode ter se referido à sede da Close Up, na Argentina. No entanto, não

pareceu muito claro.

191

tirar todas as dúvidas dos médicos foi o ponto mais frisado pelos propagandistas. Ana, por

exemplo, repetiu que o conhecimento técnico é fundamental, pois a função do propagandista é

transmitir conhecimento científico aos médicos. Este, segundo ela, deve ser propagado de forma

ética, respeitando as normas que regulam a profissão e o sigilo sobre informações da empresa.

Similarmente à Ana, Davi disse que o conhecimento técnico é fundamental, bem como ser um

profissional ético. No entanto, destacou a habilidade de saber “vender a doença antes do

medicamento”, reafirmando que muitos médicos não conseguem diagnosticar corretamente

determinadas doenças e acabam prescrevendo medicamentos inadequados para tratá-las.

Para os entrevistados, obter conhecimento científico e interagir com a classe médica são

as duas coisas que mais dão prestígio à profissão de propagandista. O bom salário e a

possibilidade de crescimento também foram mencionados, porém não como um diferencial.

Ana, por exemplo, afirmou que gosta muito de ter contato com informações técnicas, fazer

cursos da área de biomedicina e dialogar com médicos: “Acho estimulante aprender coisas

novas, aprender ciência e poder falar com os médicos quase no mesmo nível”. Mateus declarou

que sua profissão é interessante devido “à oportunidade de trabalhar em contato com os

médicos, buscar conhecimento médico, estar no meio científico e ao bom retorno financeiro.”

Podemos nos remeter aqui ao conceito de dádiva, no contexto de promoção e divulgação

de medicamentos e categorias diagnósticas, discutido anteriormente. O sistema de troca de

presentes, envolvendo a classe médica e os propagandistas farmacêuticos, está longe de se

vincular apenas a interesses econômicos. Valores como honra, prestígio, poder e competência

profissional também fazem parte dessa dimensão interacional, que influencia o consumo e

prescrição de medicamentos.

192

5 CURSO PROPAGANDISTA FARMACÊUTICO ONLINE

5.1 Referência metodológica e informações gerais

Consideramos importante indicar, aqui, que a análise de material de curso online se ancorou

em Bardin (1994). A autora define Análise de Conteúdo (AC) como “um conjunto de técnicas

de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição

do conteúdo das mensagens.” (BARDIN, 1994, P.38)206. Segundo ela, apesar de existirem

algumas regras de base nessa técnica, é possível reinventá-la, pois, muitas vezes, sua adequação

ao domínio e aos objetivos pretendidos na pesquisa é necessária.

Sendo assim, para Bardin, o campo de aplicação da AC é bastante vasto, qualquer

transporte de significações de um emissor para um receptor pode ser analisado por ela. Desta

forma, consideramos tal método relevante para a pesquisa, já que, por meio dele, é possível

realizar uma organização sistemática das mensagens contidas nos textos do material coletado.

No entanto, vale ressaltar que o método utilizado serviu apenas como ferramenta de

estruturação de ideias e controle de dados, sem ignorar as subjetividades da pesquisadora e sua

influência na coleta, análise e interpretação de resultados.

Antes de iniciarmos a descrição e análise do curso, consideramos pertinente destacar alguns

pontos. A ideia inicial era a de fazer um curso presencial de formação de propagandistas

farmacêuticos. Foi feita uma extensa pesquisa, tanto por meio do site Google207, quanto por

informações pessoais de colegas farmacêuticos a fim de se encontrar um curso cujo conteúdo

programático fosse pertinente aos objetivos da pesquisa e, ao mesmo tempo, tivesse um custo

razoável. No entanto, todos os cursos encontrados custavam caro, na faixa de mil a dois mil

206 A autora aponta dois objetivos gerais relacionados a esse tipo de análise: a possibilidade de fazer com que a

visão do pesquisador seja compartilhada por outros − o que valida e generaliza determinada leitura − e a

viabilização do enriquecimento da leitura e da exploração do material. Isso se daria por meio do

descobrimento de conteúdos confirmadores ou infirmadores das hipóteses de pesquisa formuladas

anteriormente. A principal característica desse tipo de análise, ao considerarmos a perspectiva qualitativa,

que é a deste estudo, seria a realização da inferência baseada na presença do índice (tema, palavra,

personagem, etc.). Tal inferência pode responder a dois tipos de problema. O primeiro diz respeito às causas

ou antecedentes da mensagem, ou seja, ao que conduziu um determinado enunciado. O segundo refere-se aos

possíveis efeitos da mensagem, às suas consequências, isto é, ao que determinado enunciado vai provocar.

207 Podemos afirmar que a pesquisa começou a ser feita desde o início do doutorado e se intensificou entre abril

de 2016 e março de 2017.

193

reais. Assim, após longa procura de cursos em todo o país e diversas solicitações de desconto

e/ou isenção de pagamento negadas pelas respectivas coordenações, fizemos uma solicitação

de apoio financeiro à UERJ, em março de 2017. Mas, infelizmente, a resposta não chegou em

tempo hábil. Essa dificuldade causou uma mudança na estrutura metodológica do trabalho:

houve, portanto, a substituição da observação participante em curso presencial pela análise de

conteúdo de um curso de formação de propagandista feito online, antes considerado apenas

como possível apoio para a análise do curso que seria realizado presencialmente.

Vale ressaltar que, durante a procura do curso presencial, em 2014, descobri um curso de

formação de propagandista, com carga horária de 4 horas208, que estava fornecendo aula-extra

para uma de suas turmas, intitulada “Workshop de Pesquisa Clínica”. Ela seria aberta e gratuita

para todos os interessados, bastava apresentarem vínculo com alguma instituição de ensino, no

momento da inscrição. Resolvi, então, participar a fim de conseguir mais informações sobre o

curso, incluindo a possibilidade de um desconto na inscrição, ou, até mesmo, um entrevistado

em potencial.

O curso se localizava em um prédio comercial. Logo na entrada do local, havia duas

secretárias bem simpáticas, vestidas com uma espécie de uniforme branco, de crachá, e cabelos

presos. Elas me informaram o caminho para chegar à sala em que estava ocorrendo a aula. A

turma era grande, em torno de sessenta pessoas, com número similar de homens e mulheres.

Havia pessoas de idades e vestimentas variadas. Homens vestidos socialmente, com camisa e

gravata e mais casualmente, até mesmo com jeans e tênis. Dentre as mulheres, umas estavam

de salto alto, calça ou vestido social, enquanto outras estavam sem maquiagem, de sapato de

salto baixo e jeans, por exemplo. Pelo que pude notar, conversando com alguns alunos durante

o intervalo da aula, o grau de escolaridade variava entre nível superior (graduação em marketing

e administração de empresas) e nível médio.

No momento em que entrei na sala, o professor, um ex-propagandista de medicamentos

bem conhecido no meio, percebeu que eu não fazia parte da turma. Pediu que me apresentasse

e dissesse a todos qual seria meu objetivo ao fazer aquela aula. Confesso que fui “pega de

surpresa”, pois não imaginava que isso poderia ocorrer em uma aula-extra e aberta ao público.

Assim, acabei me esquecendo de falar que era farmacêutica, no começo da minha apresentação.

Foi muito curioso, pois ao me colocar como pesquisadora, percebi um olhar meio

desconfiado do professor enquanto falava do meu objeto de pesquisa para a turma, da maneira

mais resumida e superficial possível. Mencionei apenas que “buscava estudar como se dava a

208 Por motivos éticos, optamos por não fornecer a localização do curso, já que isso poderia facilitar sua

identificação.

194

relação entre a classe médica e a indústria farmacêutica”. No entanto, ao finalizar minha fala

dizendo “Ah, sou farmacêutica” ouvi um “Ah...” não só do professor, mas dos alunos também,

fato que achei bastante engraçado. Após a “revelação” da minha profissão, foi evidente a

“quebra de gelo” no ambiente. O professor sorriu e me perguntou “Ah, então você vai falar bem

da gente, né?”, o que me fez sorrir de volta. Em seguida, ele me deu seu cartão de visita, além

de se disponibilizar a ser entrevistado por mim, posteriormente. Isso não ocorreu, pois, ao entrar

em contato com ele, por email e telefone, não obtive retorno.

Achei a aula bastante interessante. Assuntos como ética e judicialização na pesquisa

clínica em geral foram abordados, inclusive com a utilização de trechos de filmes como “A Pele

que Habito” e “Contágio”209, cujas temáticas problematizam os limites éticos e legais da ciência

na vida e saúde das pessoas. Aliás, a ética na pesquisa científica foi um assunto bastante

discutido no curso, o que me surpreendeu. Além disso, noções e conceitos acerca do tema do

curso, como definição de ensaio clínico, as fases que o compõem, bem como a legislação

envolvida nesse tipo de pesquisa foram apresentadas.

Em certo momento da aula, o professor pediu que a turma se dividisse em grupos e

distribuiu a cada um deles um estudo de caso sobre a Disfunção Erétil. Consistia em uma

simulação de um ensaio clínico de uma nova droga desenvolvida para o tratamento desse

problema. Em seguida, havia algumas questões para cada grupo responder. Eram questões

relativamente simples. Por exemplo, uma delas perguntava se seria correto fazer um ensaio

desse tipo com os pesquisadores sabendo de antemão que voluntários receberiam placebo e

quais receberiam o medicamento em questão. A despeito das perguntas serem bem simples,

achei bastante interessante o fato de um problema relacionado à saúde sexual masculina ter sido

escolhido como estudo de caso em uma aula sobre pesquisa clínica.

E não parou por aí. Ao falar sobre as áreas de “maior oportunidade” atualmente para a

indústria farmacêutica e, consequentemente, para os propagandistas, o professor fez duas listas.

Na primeira, deu exemplo de áreas cujas oportunidades estariam decrescendo para a indústria

farmacêutica: fertilidade, câncer, doenças degenerativas, estresse. Na segunda, apresentou as

que ofereceriam oportunidades crescentes: ereção, longevidade, qualidade de vida, libido.

Podemos notar que esses temas citados estão associados ao tema declínio hormonal masculino

relacionado ao envelhecimento, como já comentado neste trabalho. A seguir, será apresentada

a discussão sobre o curso de formação de propagandista online.

209 Para saber mais sobre os filmes acesse http://www.adorocinema.com (Acesso em: 02 abr. 2018)

195

5.2 O curso

O curso foi encontrado por meio de pesquisa realizada no site Google, durante o mês de

julho, no ano de 2015. Na busca, utilizamos a expressão “curso formação de propagandista

online”. Diversos cursos apareceram na página de busca do Google. O critério de escolha se

baseou no preço e no conteúdo programático que mais se ajustasse aos objetivos da pesquisa.

O escolhido faz parte de um portal da internet denominado “Portal Educação210”, em que são

oferecidos diversos cursos livres, profissionalizantes e de pós-graduação à distância como

culinária, direito, farmácia, indústria, marketing e vendas, moda e design. No período da

pesquisa, a faixa de preço do curso era em torno de duzentos reais, mais barato em comparação

aos demais cursos disponíveis, provavelmente devido ao conteúdo programático ser menor.

Como a ideia inicial era apenas mapear o campo para posterior participação em um curso

presencial, resolvi me inscrever no curso, ao notar que, apesar de ter curta duração, abordava

questões pertinentes para a pesquisa.

Logo após a inscrição no curso, recebi um email em que constavam informações

referentes à sua estrutura. Ele foi dividido em quatro módulos. Podíamos acessá-los quando

quiséssemos, até trinta dias após a inscrição, prazo final para a realização de uma prova, cuja

duração era de uma hora, a fim de recebermos o certificado de conclusão do curso.

Ao fazer login e entrar na página do curso, encontrei a estrutura representada nas figuras

a seguir:

210 http://www.portaleducacao.com.br

196

Figura 12. Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte superior) - Portal

Educação, 2015

Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 16 de outubro de 2015

Figura 13. Página do curso online de propagandistas farmacêuticos (parte inferior) - Portal

Educação, 2015

Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 16 de outubro de 2015

197

Como podemos notar, a área “Meu Curso” disponibilizava o download do livro digital,

contendo os 4 módulos do curso. Ao clicar no link “Material”, dentro da área “Aprendizagem”,

houve direcionamento a uma página que continha os 4 módulos do curso, em separado, com

algumas ilustrações a mais do que o livro digital continha. Além disso, em sua parte superior,

havia links para as seguintes áreas: “Página Inicial”, “Fórum café”, “Calendário”,

“Mensagens”, “Opinião”, “Minha Turma,” “Temas” e “Ajuda”. Ao clicar em tais links, com

exceção de “Página Inicial” e “Minha Turma”, houve direcionamento a páginas em branco. O

link “Minha Turma” dava acesso a uma lista com os nomes de todos alunos inscritos (alguns

acompanhados de fotos), com suas cidades de origem. Na lista, havia nomes de alunos de várias

regiões do país, com idades diversas, e numa proporção similar de homens e mulheres O

material didático ficava disponível no site por sessenta dias, prazo para a realização da prova,

cuja nota mínima sete, garantiria o certificado de conclusão de curso.

A “Atividade Reflexiva”, cujo link se encontrava na área “Avaliação”, consistiu no estudo

do artigo intitulado “Análise de correspondência aplicada à avaliação da propaganda

farmacêutica junto à classe médica”211 e posterior atividade discursiva orientada por um tutor,

que seria realizada por meio de videoconferência entre este e o aluno. Para participar de tal

atividade o aluno deveria informar ao curso seu interesse, clicando no link “tutoria” para se

cadastrar. Uma boa avaliação, aqui, garantiria um ponto extra na prova final. Por questão de

tempo, optei por não fazer essa atividade. Apenas baixei o artigo, já que o deixaram disponível

para todos os alunos matriculados no curso.

O artigo tem como objetivo principal “avaliar o papel do propagandista na divulgação dos

produtos farmacêuticos para a classe médica, com intuito de aperfeiçoar o marketing de

relacionamento empregado pelo representante212” (NASCIMENTO et.al, 2010, p.2). Além

disso, busca também indicar o perfil dos médicos entrevistados: gênero, local de trabalho

(cidade), especialidade, número de atendimentos, tanto a pacientes quanto a representantes, por

semana. A fim de atingir esses objetivos, foi aplicado um questionário, composto por treze

questões fechadas, a uma amostra representativa de médicos da região Centro-Oeste e do Vale

do Taquari (RS).

Nessa pesquisa, há a ideia da indústria farmacêutica como sendo a produtora de

tecnologias farmacológicas que podem prevenir e tratar doenças. Além disso, a promoção de

211 NASCIMENTO et.al. Análise de correspondência aplicada à avaliação da propaganda farmacêutica junto à

classe médica. Sistemas & Gestão, v. 5, n. 1, p. 1-16, jan./abr. 2010.

212 Os autores consideram os termos propagandistas e representantes sinônimos.

198

medicamentos é definida como uma forma de expansão do conhecimento científico, ou seja,

desloca-se essa atividade da dimensão comercial, do objetivo principal que as empresas

farmacêuticas têm quando promovem medicamentos, que é a obtenção do maior lucro possível.

Assim, aqui, o propagandista pode ser visto como uma espécie de “parceiro” do profissional de

saúde, pois ambos trabalhariam juntos para garantir os tratamentos farmacológicos mais

adequados para a prevenção e o tratamento de doenças:

A promoção dos medicamentos de prescrição para os profissionais de saúde é uma

extensão vital do processo de busca e desenvolvimento de novos e melhores meios de

prevenir e tratar as doenças. A promoção e difusão da informação educacional

asseguram que os amplos benefícios dos anos de trabalho e o enorme dispêndio de

qualificação e dinheiro estarão prontamente disponíveis para os pacientes do mundo

todo. Em todas as suas atividades, a indústria farmacêutica acredita que devem ser

definidos e respeitados altos padrões e é certo que, no que diz respeito às suas

atividades de marketing, a figura do representante farmacêutico, ou como é

conhecido, o propagandista é o que melhor atende ao interesse dos profissionais de

saúde (NASCIMENTO et al., 2010, p.1)

No trecho acima, percebemos a promoção de medicamentos para a classe médica vista

como parte da busca pelo “novo”, “tecnológico”, ou seja, pelo que é capaz de trazer mais

benefícios à população, no que diz respeito à prevenção e tratamento de doenças. Outrossim,

coloca a indústria no papel de educadora dos profissionais de saúde, o que também contribui

para beneficiar os pacientes em seus tratamentos, segundo os autores. Apenas no final do trecho,

há referência ao marketing farmacêutico, com destaque para o papel do propagandista, aquele

que “melhor atende aos interesses dos profissionais de saúde”, isto é, além de beneficiar os

pacientes, a promoção de medicamentos atende também às demandas dos profissionais de

saúde. Tudo isso põe a atividade promocional farmacêutica numa posição que vai muito além

da simples função de venda de medicamentos para obtenção de lucro.

Nos parágrafos seguintes, questões diretamente relacionadas ao mercado farmacêutico

foram abordadas. Os autores destacam a necessidade de os medicamentos passarem por um

“trabalho promocional forte, devido à grande concorrência e ao conhecimento de poucas

diferenças tangíveis existentes entre esses produtos. Por isso, é objetivo do propagandista fazer

com que o médico, considerado seu público-alvo mais importante, perceba um simples detalhe

no medicamento promovido, como o tamanho de um comprimido, um sabor mais agradável de

um xarope ou uma ação mais prolongada, que possa determinar a adesão do paciente ao

tratamento. Isso estimula o médico a adotar o produto e passar a prescrevê-lo aos seus pacientes

(NASCIMENTO et al., 2010). Desta forma, os autores apontam, aqui, a importância de o

propagandista valorizar cada detalhe acerca do medicamento promovido que possa ser visto

199

como vantajoso em relação aos demais produtos. Isso faz parte do “marketing positivo” dos

medicamentos, já comentado anteriormente.

Em seguida, colocam os propagandistas na posição de “vendedores diferenciados”, pois

não lidam diretamente com o público, e sim com um profissional especializado:

Uma das ferramentas mais utilizadas pelas indústrias farmacêuticas é a venda pessoal,

são vendedores diferenciados que não se relacionam com o consumidor final, mas sim

com um profissional médico, altamente qualificado, que não compra o produto, mas

tem a necessidade de avaliá-lo e prescrevê-lo, ou não, para seus pacientes

(NASCIMENTO et al., 2010, p.2)

Duas definições de propagandista farmacêutico são apontadas no texto. A primeira, uma

citação direta do trabalho de Semenik e Bamossy (1996)213, apresenta o propagandista como o

profissional que “analisa o mercado, prevê vendas, sugere novas apresentações para os

produtos, analisa o comportamento dos clientes, representa o papel de ligação entre a

organização farmacêutica e a classe médica. Vêm do campo as verdadeiras necessidades dos

clientes” (SEMENIK; BAMOSSY, 1996, p. 495). A segunda, também uma citação direta,

afirma que os propagandistas “são os profissionais da propaganda médica que sabem onde os

produtos estão disponíveis, quem os prescreve, quem os consome, enfim, são eles que melhor

visualizam a situação da empresa a nível local” (BREGANTIN, 2000, p. 89)214.

Percebemos, então, a visão do propagandista farmacêutico como o principal elo entre a

indústria farmacêutica e a classe médica, um conhecedor do mercado farmacêutico, das

possíveis necessidades da classe médica, bem como da dinâmica envolvendo prescritores de

medicamentos, locais em que tais produtos são vendidos e pacientes que os compram.

Para os autores, o contato do propagandista farmacêutico com a classe médica é um

exemplo de “Marketing de Relacionamento”, isto é, “[...] uma interação contínua entre os

clientes e vendedor, na qual o vendedor melhora permanentemente sua compreensão das

necessidades do cliente e este se torna mais leal ao vendedor, já que suas necessidades estão

sendo atendidas.” (NASCIMENTO et al., 2010, p.2).

Notamos, então, uma menção direta à venda, ao comércio de medicamentos, embora haja

a afirmação de que seria um tipo diferenciado de venda, na qual o propagandista não se

213 Esse trabalho não estava nas referências contidas no final da apostila. Entrei em contato com o curso por e-

mail a fim de consegui-la, mas não obtive retorno.

214 Trabalho que também não consta nas referências bibliográficas do curso.

200

relaciona com o consumidor final, mas com o profissional médico. Pareceu que a ideia de a

indústria promover o conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico que beneficiam

a sociedade, e a ênfase no emprego de técnicas de marketing, com o objetivo de “convencer um

cliente”, neste caso o médico, a prescrever determinado medicamento, foram postas,

naturalmente, como se não houvesse nenhuma contradição a ser discutida.

Outro ponto do artigo que vale destacar consiste na concepção do médico como profissional

responsável por definir o tipo de relacionamento que pretende ter com a empresa farmacêutica

promotora de determinado produto:

O relacionamento entre a classe médica e a indústria farmacêutica depende muito do

perfil de cada médico, isto é, devem saber definir o tipo de relacionamento que

pretende ter com a indústria farmacêutica, de maneira livre e consciente, e ser coerente

com suas convicções e posicionamentos (NASCIMENTO et al., 2010, p.2).

Na conclusão, os autores apontaram a posição favorável dos entrevistados em relação ao

trabalho mercadológico desenvolvido pelas empresas farmacêuticas e a significativa

participação do propagandista no processo de constante atualização médica. Quanto à

influência do propagandista na prescrição médica, a maioria dos médicos acredita que é

influenciada pelos propagandistas.

Os outros resultados destacados na conclusão foram:

“a. Os laboratórios devem primar pela boa formação técnico-científica de seus

representantes para que seus profissionais conheçam bem os produtos que divulgam;

b. Quanto ao uso dos ‘visual aid’ (ajuda visual) estes devem despertar o interesse nos

médicos. Em razão do pouco tempo que o médico atual dispõe, sugere-se que o ‘visual

aid’ seja objetivo, primando por um bom desing [sic] e informações confiáveis;

c. Relativo ao uso das amostras grátis sugere-se uma maior distribuição deste material,

por seu poder de impulsionar o receituário; d. Ficou constatado o fato que o médico

associa o medicamento ao representante que o visita. Portanto, quanto maior o índice

de permanência deste profissional no seu setor de trabalho, maiores as possibilidades

de o médico indicar seus produtos; e. Com relação às características mais importantes

dos propagandistas, a análise dos dados levantados demonstrou que 50,66% dos

médicos validam o conhecimento técnico/científico dos produtos e 30,92% a empatia.

Sendo assim, destaca-se a importância da melhor formação do setor de treinamento

dos laboratórios farmacêuticos, para um melhor preparo do propagandista, tanto em

termos científicos como na utilização dos preceitos do marketing de relacionamento.”

(NASCIMENTO et al., 2010, p.13).

Por fim, frisaram que os resultados obtidos mostraram a posição favorável da classe média

em relação às ações de mercado desenvolvidas pelas empresas farmacêuticas, o papel

fundamental do propagandista farmacêutico na atualização médica e a dinâmica de

201

comunicação eficaz entre a indústria farmacêutica, representada pelos propagandistas, e a classe

médica215. Além disso, constaram que o marketing de relacionamento é um meio relevante de

se conseguir fidelização do médico aos medicamentos farmacêuticos, por meio da prescrição.

No entanto, segundo os autores, haveria ainda necessidade de uma política de mercado mais

agressiva e inovadora, com investimentos significativos na imagem do propagandista

farmacêutico e foco no cliente prescritor, representado pelo médico, principalmente.

Mais uma vez, vimos a promoção de medicamentos deslizar entre as funções de

formadora /atualizadora da classe médica e a de “influenciadora” de clientes, por meio do

marketing farmacêutico. Tudo colocado de maneira naturalizada. Além disso, vale ressaltar

que, segundo a pesquisa realizada por Nascimento e colegas, os próprios médicos não só

reconhecem a influência dos propagandistas nas prescrições e o suposto papel importante destes

na atualização médica, mas também são favoráveis às ações de mercado desenvolvidas pelas

empresas farmacêuticas a fim de promoverem seus produtos.

Outra questão referente a esse artigo consiste no destaque dado ao “marketing de

relacionamento”, ou seja, às estratégias utilizadas pelos propagandistas que colaboram para a

criação e manutenção de um vínculo do propagandista com o médico visitado e,

consequentemente, aumentam a probabilidade de prescrição do medicamento, já que os

médicos associam o medicamento ao propagandista que os visita, segundo o resultado da

pesquisa em questão. Tal resultado também mostrou que o conhecimento técnico-científico

deste profissional em relação os medicamentos que promove, bem como sua empatia são

características consideradas importantes pelos médicos. Toda essa discussão sugere que a

interação entre médicos e propagandistas farmacêuticos é complexa, envolvendo diversos

aspectos que vão além da simples venda de medicamentos, e de grande importância para a

indústria farmacêutica.

Voltando à página do curso de propagandista, o outro link localizado na área “Avaliação”,

de mesmo nome, dirigia-nos à página em que se encontrava a prova final do curso, já

mencionada anteriormente. O recebimento do certificado de conclusão do curso dependia da

realização de tal prova, que continha 10 questões de múltipla- escolha, com duração máxima

215 No entanto, existem espaços organizados que visam discutir a influência do marketing farmacêutico na

prática médica. Um exemplo é o movimento “No Free Lunch” (www. nofreelunch.org), criado e dirigido

pelo médico Bob Goodman, nos Estados Unidos. Esse movimento visa fornecer informações não só aos

médicos, mas também a outros profissionais de saúde sobre a influência do marketing farmacêutico em suas

práticas profissionais, alertando-os de que até mesmo o ato de receber das empresas farmacêuticas brindes

vistos como “insignificantes” (canetas, canecas, blocos, entre outros) influenciam as prescrições médicas.

202

de 60 minutos para ser respondida. As questões eram simples e diretas216. As demais áreas da

página correspondente ao curso (e seus respectivos links) estavam em branco.

O curso foi dividido em quatro módulos. A seguir, apontaremos os principais tópicos

abordados em cada módulo.

Antes de iniciarem a apresentação do conteúdo de cada módulo do curso, houve uma breve

introdução, em que utilizaram a definição de propagandista oriunda do Portal Carreira e

Sucesso, pertencente à empresa Catho. Nesse portal, o propagandista farmacêutico é definido

como “um pouco marketeiro, matemático, psicólogo, farmacêutico, comunicador e

vendedor”217. Em seguida, enfatizaram a importância desse profissional para a “indústria da

área da saúde”, pois ele seria o responsável pela atualização dos profissionais em relação às

novidades do mercado farmacêutico.

Além disso, foi apontado que os propagandistas visitam, principalmente, os médicos, mas

também trabalham junto a outros profissionais de saúde, como dentistas, veterinários,

fisioterapeutas, esteticistas, nutricionistas e farmacêuticos. Outro profissional que pode ser alvo

do propagandista218 é o balconista vendedor de medicamentos. Justificaram a generalização do

cliente como médico nos tópicos do curso com o argumento de que isso facilitaria a leitura e o

aprendizado.

Logo após, houve uma espécie de declaração de estímulo e dicas gerais para os estudantes

que, a partir daquele momento, iniciariam o curso:

“Aproveite as diversas oportunidades, explore todas as possibilidades que sua formação

como propagandista pode lhe oferecer! Aplique os conhecimentos adquiridos, adaptando-os à

realidade de cada cliente. Afinal, um bom propagandista entende que cada cliente é único, e

dispensa-lhe um tratamento exclusivo e específico às suas necessidades. Em nosso curso

veremos conceitos importantes para a sua formação de propagandista farmacêutico, o

auxiliando a passar informações corretas e com maior credibilidade aos seus clientes.”

216 Eu fiz a prova, e acredito que qualquer aluno empenhado em ler, com atenção, o material do curso foi capaz

de se sair bem.

217 Disponível em: https://www.catho.com.br/carreira-sucesso. Acesso em: 23 nov. 2017.

218 Mais uma vez, notamos, aqui, que não há uma diferenciação entre propagandista e representante.

203

5.2.1 Módulo I- Publicidade e propaganda

Foi iniciado com a proposta de esclarecer a diferença entre Publicidade e Propaganda e de

apresentar alguns conceitos básicos sobre cada um desses campos. De acordo com o texto, a

diferença fundamental entre tais conceitos se baseia na persuasão. Na Publicidade, há a

divulgação de uma ideia, sem que isso esteja associado, necessariamente, à persuasão de quem

a recebe. Já a Propaganda busca divulgar um produto ou serviço com o objetivo de induzir o

consumidor a comprar algum item. Além disso, atua por meio dos veículos de comunicação

(rádio, TV, cinema, imprensa, outdoors, Internet, etc.), que veiculam mensagens sobre produtos

e serviços para diversos nichos do mercado.

Após o curso esclarecer a diferença entre Publicidade e Propaganda, o conceito de

Marketing foi abordado. De acordo com o material, Marketing e Propaganda estão

relacionados, mas são áreas separadas de conhecimento. Assim, Marketing é a “arte de planejar

o antes, o durante e o depois do processo de vendas, enquanto a propaganda é uma forma de

estimular o cliente a fazer uma compra. Em poucas palavras: A propaganda é uma parte do

marketing”.

Aqui, o propagandista farmacêutico está inserido na promoção das vendas dos

medicamentos e de outros produtos ou serviços da indústria farmacêutica. Por fazer

propaganda, ele faz parte das estratégias de marketing para a empresa a qual trabalha. Ao

abordar as estratégias de marketing e as definições dos elementos que compõem a estrutura

desse conceito, o curso utiliza como referencial a pirâmide de Maslow219, que representa o

“modelo da pirâmide das necessidades”. Nesse modelo, as necessidades humanas estão

hierarquizadas numa pirâmide, em que as mais básicas se localizam na base e as mais

sofisticadas no topo220. Atualmente, ele é utilizado pelo marketing, pois visa oferecer

alternativas para a satisfação das necessidades humanas, segundo o texto.

Desta forma, um novo produto lançado do mercado, orientado por estratégias de marketing,

relaciona-se, de alguma maneira, à descoberta de uma necessidade221 do consumidor222,

219 De acordo com o exposto no curso, esse modelo foi proposto pelo psicólogo Abraham Maslow, na metade do

século XX, inicialmente aplicado na área de Ciência Humanas.

220 As necessidades expressas na pirâmide são (da base para o topo): básicas, segurança, sociais, auto estima,

auto realização.

221 Aqui, necessidade é definida, resumidamente, como “um estado de privação do indivíduo”.

222 Interessante notar que, aqui, consumidor tanto pode ser o médico quanto o paciente deste.

204

detectada em algum processo de pesquisa. Exemplos de como o marketing se orienta pelas

necessidades são, de acordo com o texto, as pesquisas para o desenvolvimento de novos

medicamentos, que “só ocorrem quando há necessidade de se obter um medicamento para tratar

uma doença”

Após pontuarem sobre a questão das necessidades humanas, o conceito de “desejos” foi

apresentado. Com base no trabalho de Mota (2011), relacionaram o significado dessa palavra à

vontade de realizar satisfações específicas, influenciadas pela cultura e pelas características

individuais. Tais vontades seriam mutáveis e passíveis de modificação, conforme as

transformações ocorridas na sociedade. A ilustração utilizada foi a situação em que duas

pessoas estariam com fome, um brasileiro e um americano. Para acabar com tal necessidade, o

brasileiro desejaria um bom prato de arroz com feijão e bife, já o americano satisfaria seu desejo

com hambúrguer e batatas fritas, por exemplo.

Ainda citando Mota (2011), afirmaram que os profissionais de marketing são especialistas

em induzir e aguçar desejos. As propagandas da área da cosmetologia foram citadas como

exemplo, pois despertam o desejo de “uma melhor estética” nos consumidores. Aqui, fizeram

um comentário sobre a presença de imagens de pessoas “muito bonitas e seguras” nas

campanhas de propagandas de cosméticos. Além disso, apontaram que grande parte dos

consumidores desse tipo de produto, principalmente mulheres, costuma ser influenciada pelas

propagandas “em função do desejo, da necessidade latente de ficar mais bonita”.

Ao fechar essa primeira parte do estudo, foi discutido o conceito de “demandas”,

relacionado ao poder de compra para aquisição de um desejo, ou seja, quando há poder de

compra, os desejos se tornam demandas. De acordo com texto, o problema envolvendo as

demandas é que os desejos são infinitos e os recursos limitados.

Em seguida, foram apresentados os componentes conhecidos como os 4P’s, relacionadas

ao sucesso das empresas no mercado: o produto, o preço, o ponto de distribuição e a promoção.

Ao citarem Freire (2012)223, apontaram que esses 4P’s devem estar em equilíbrio constante,

caso contrário, o sucesso do marketing de uma empresa fica comprometido. O produto224 foi

definido como “qualquer coisa que possa ser oferecida a alguém para satisfazer uma

necessidade ou desejo.” Segundo o texto, o medicamento é o principal produto do setor

farmacêutico, utilizado para “atender necessidades ou desejos de cura, alívio ou prevenção de

223 Outra citação que não está nas referências bibliográficas.

224 Conforme o texto, um produto é chamado de serviço quando consiste em um objeto intangível.

205

alguma doença dos pacientes”, com seu valor diretamente relacionado à satisfação oferecida ao

consumidor.

O preço foi definido como “uma quantidade de dinheiro estabelecida na hora da compra”,

com o objetivo de o consumidor adquirir um produto ou serviço e usufruir de seus benefícios.

Nesse ponto, comentaram a importância de se escolher o preço de um produto ou serviço,

adequadamente, pois para a empresa ser bem-sucedida e rentável, esse valor deve ser

suficientemente alto para proporcionar lucro à empresa que o produz ou comercializa, mas, ao

mesmo tempo, não pode desestimular o consumidor a efetuar a compra. Segundo o texto, o

local onde ocorre a distribuição desse produto ou serviço no mercado é denominado praça ou

ponto de distribuição. Desta forma, as farmácias seriam o ponto de distribuição dos

medicamentos no mercado farmacêutico varejista.

Por fim, apontaram que a promoção diz respeito às tarefas de comunicação que visam

promover o consumo de determinado produto ou serviço. A propaganda, a assessoria de

imprensa, a venda pessoal são exemplos dessas tarefas. O propagandista farmacêutico foi citado

como o profissional que está “incluso nas estratégias de marketing da indústria farmacêutica.”,

pois trabalha na promoção dos produtos farmacêuticos.

O próximo assunto abordado no módulo foi a história da propaganda médica do Brasil.

Imagens de anúncios225 apelativos, com promessas de cura milagrosa e multifuncionalidade dos

produtos serviram de ilustração nessa parte do curso. Outra característica associada aos

anúncios veiculados, no fim do século XIX e começo do século XX, foi a presença de

depoimentos de supostos ex-pacientes, que teriam se curado com o uso de medicamentos

anunciados.

A explicação dada para a constituição dos anúncios dessa época se baseou na falta de

formação especializada dos redatores publicitários, que eram escritores literários ou poetas226.

Desta forma, o tom “exagerado e poético” das propagandas pertencia a redatores da época. Por

volta de 1930, com o surgimento do rádio, houve uma modificação na forma de comunicação

e os anúncios se modernizaram, as propagandas tornaram-se mais rápidas e objetivas. Iniciava-

se o período dos “jingles”, dos “spots” e dos “slogans”.

225 De acordo com o texto, o primeiro anúncio de medicamento ocorreu em 1882, em um jornal denominado

Corsário. Era o anúncio da pomada boro-borácica, considerada o primeiro produto industrializado no Brasil.

226 Muito interessante perceber que todos os problemas referentes aos tipos de propagandas realizadas, naquela

época, são colocados como resultado da má formação técnica de seus autores, ou seja, nada tinham a ver com

uma possível tentativa de influenciar a compra de medicamentos por meio de estratégias de venda.

206

Em seguida, foi citado o trabalho de Custódio e Vargas (2005), que discute a diminuição

do número de anúncios na década de 1960, logo após um período muito produtivo para as

propagandas de medicamentos. Segundo os autores, isso ocorreu devido ao controle de preços

que passou a ser exercido sobre os medicamentos. Apenas na década de 1970 houve uma

retomada dos anúncios, porém de forma mais criteriosa.

De acordo com o texto do curso, a regulamentação de vários aspectos referentes aos

medicamentos, realizada pela Vigilância Sanitária em 1976227, consistiu em um marco

importante na história da propaganda de medicamentos. A partir desse momento, os

medicamentos passaram a ser divididos em dois grupos, os que podiam ser vendidos sem

prescrição médica e os que necessitavam de uma prescrição para sua comercialização. Estes

não podiam mais ser anunciados em veículos de comunicação de massa. O texto destaca que é

neste cenário que a profissão de propagandista farmacêutico começa a tomar forma. Tal

profissional seria o responsável pela promoção dos medicamentos com venda sob prescrição,

cuja propaganda fica restrita aos profissionais prescritores ou a anúncios em publicações

específicas das empresas farmacêuticas. Até hoje, somente os medicamentos de venda livre,

também chamados de OTC (over the counter) podem ser veiculados livremente na mídia.

Em seguida, foi apontada a importância da regulamentação da propaganda de

medicamentos, pois garante que as informações veiculadas pelas propagandas sejam corretas,

equilibradas e acessíveis aos médicos, farmacêuticos e, principalmente, à população: “Com a

regulamentação da propaganda de medicamentos e sua evolução em paralelo com a indústria

farmacêutica, a liberdade de comunicação, do comércio e a proteção da saúde humana são

garantidas”.

No entanto, conforme o texto, apesar de o propagandista ter como objetivo a promoção do

medicamento e, consequentemente, sua venda, é seu dever deixar bem claro quais os riscos

envolvidos na sua utilização228. Para que isso seja possível, ele deve conhecer conceitos

técnicos do medicamento a fim de garantir “o padrão da qualidade das informações” que

fornece aos seus clientes, os profissionais prescritores ou dispensadores.

Finalizando o módulo, foram explicadas, resumidamente, algumas características do

mercado farmacêutico nacional. Ele apresenta muitas peculiaridades e está em ascensão devido

227 Lei de n 6.360 de setembro de 1976.

228 Podemos notar que, aqui, já começa a aparecer o que é específico acerca do medicamento como produto a ser

comercializado.

207

a fatores como o aumento de renda da população e, consequentemente, aumento de poder de

compra, ampliação do acesso a planos de saúde privados e envelhecimento da população.

Observamos que, nesse primeiro módulo, utilizaram a linguagem, essencialmente,

comercial. Palavras como “necessidade”, “consumidor”, “desejos”, “demandas”, “promoção”,

“produtos”, “serviços”, empregadas em discursos gerais sobre consumo e marketing, foram

colocadas, aqui, de forma adaptada para a especificidade da propaganda de medicamentos.

Além disso, aparece, como já mencionado, a preocupação em pôr os propagandistas numa

posição diferenciada em relação aos demais vendedores, ao mesmo tempo em que pareceu

querer mostrar que aqueles fazem parte de uma engrenagem, cujo principal objetivo consiste

na compra do medicamento pelo consumidor. Isso pode ser demonstrado pelo fato de discutirem

questões mais diretas associadas à venda dos medicamentos, como a importância de se

estabelecer preços adequados para os medicamentos, por exemplo. Assim, o propagandista,

cuja função é promover o consumo de medicamentos, faria parte de um processo que resulta na

compra dos produtos que ele promove, de forma “científica” e “diferenciada” dos “outros

vendedores”.

Outra questão que aparece é a importância da regulação da propaganda de medicamentos

feita, no Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). De acordo com o

curso, ela é fundamental para garantir que as informações sobre medicamentos dirigidas à classe

médica, aos farmacêuticos, aos demais profissionais de saúde e à população, no caso dos

medicamentos de venda livre, sejam transmitidas de forma ética, obedecendo à legislação do

país. O desenvolvimento de normas acerca da regulação de medicamentos dependentes de

prescrição estaria, diretamente, ligado ao surgimento da profissão de propagandista. Há também

um enfoque na importância do conhecimento técnico adquirido pelo propagandista, pois ele

seria, justamente, o responsável por garantir que as informações transmitidas para os médicos

e, consequentemente, seus pacientes, estejam enquadradas nessas normas legislativas.

5.2.2 Módulo II- A Base técnica do propagandista

Podemos afirmar que, dos 4 módulos apresentados, esse foi o mais técnico, no que diz

respeito aos conhecimentos específicos da área biomédica, principalmente da Farmacologia.

Iniciou-se destacando a necessidade que o propagandista farmacêutico tem de conhecer o

funcionamento do corpo humano e as interações dos sistemas biológicos com os medicamentos,

208

a fim de fornecer informações de qualidade no atendimento de seus clientes que são,

geralmente, médicos. Conforme o texto, uma boa formação técnica proporciona maior

credibilidade ao propagandista durante a visita médica e promove o uso racional dos

medicamentos, bem como a saúde de quem irá utilizá-los.

Em seguida, discutiram os fundamentos da Anatomia e Fisiologia, em que se estudou as

partes do corpo, as estruturas e os sistemas que o compõem.229 Vale ressaltar que os assuntos

foram abordados de maneira detalhada, com imagens e esquemas ilustrativos. Houve uma

preocupação de se utilizar uma linguagem técnica, mas que, ao mesmo tempo, fosse a mais

acessível e esquemática possível, talvez, com o objetivo de facilitar a memorização de assuntos

densos e complexos.

Após essa primeira parte, passamos para o estudo dos fundamentos de Farmacologia, cuja

definição apresentada no texto foi “a ciência que estuda os efeitos das drogas sobre os sistemas

biológicos, ou seja, sobre os organismos vivos.” Primeiramente, distinguiu-se os conceitos de

drogas, fármacos e medicamentos:

- Uma droga pode ser definida como qualquer substância capaz de promover

alterações fisiológicas ou modificar quadros patológicos, com ou sem a intenção de

beneficiar o indivíduo, podendo até prejudicá-lo;

- Fármacos são os princípios ativos dos medicamentos e são unicamente drogas que

possuem ações preventivas, paliativas ou curativas;

- Medicamentos, por sua vez, são produtos com finalidades preventivas, paliativas ou

de tratamento, constituídos por fármacos e outros compostos inertes, chamados de

excipientes. Os medicamentos apresentam-se sempre sob uma forma farmacêutica,

tais como comprimidos, drágeas, cápsulas, xaropes, soluções, suspensões, colírios,

pomadas, cremes, etc.

Ou seja, segundo o texto, uma droga pode prejudicar, mas fármacos e medicamentos, não.

Quanto a esses conceitos, foi apontado que muitas substâncias, dependendo da finalidade

de uso, podem ser consideradas ou não medicamentos. As vitaminas, por exemplo, são tidas

como nutrientes se forem adquiridas por meio da alimentação, mas se ingeridas para tratamento

de problemas de saúde são vistas como medicamentos.

Em seguida, abordaram os conceitos fundamentais de Farmacologia, como

Farmacocinética e Farmacodinâmica230. Depois, estudamos Farmacologia Clínica, que

229 De acordo com o texto, as partes do corpo são cabeça, pescoço, tronco e membros (superiores e inferiores).

Ele é composto, estruturalmente, pelos sistemas nervoso, esquelético, digestivo, respiratório, circulatório,

excretor e reprodutor.

230 Ancorados no estudo de Wannmacher e Ferreira (1999), argumentaram que a Farmacocinética estuda o

trajeto do medicamento no organismo, desde sua administração até a eliminação. Engloba os processos de

209

consiste, de acordo com o texto, na parte da Farmacologia que analisa a eficácia e segurança

dos medicamentos.

Ao estudarmos Farmacologia Clínica, vimos as principais classes terapêuticas de

medicamentos que, segundo o texto, são importantes para o propagandista farmacêutico231: os

analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios, antialérgicos, antiulcerosos, antiespasmódicos,

descongestionantes nasais e broncodilatadores, antibióticos, antidiabéticos orais, anti-

hipertensivos.

O último tópico do módulo consistiu em uma breve discussão sobre o uso racional de

medicamentos, que enfatizou a importância da ética e da promoção racional do uso de

medicamentos na profissão de propagandista farmacêutico. A definição utilizada foi a da

Organização Mundial de Saúde (OMS)232, que define “uso racional de medicamentos” como a

circunstância na qual os pacientes recebem a medicação adequada às suas necessidades clínicas,

na dose certa, por um período apropriado e pagando um preço acessível por ela. Desta forma,

evita-se o uso incorreto de medicamentos, que pode levar a uma série de efeitos indesejados,

também chamados de reações adversas, ou até mesmo à morte. Tal argumento sugere que

apenas o uso irracional de medicamentos pode trazer danos à saúde, por meio de efeitos

adversos.

Ao encerrar o módulo, destacaram a contribuição do propagandista para a qualidade das

informações que os médicos transmitirão aos seus pacientes, bem como para a escolha dos

medicamentos que serão prescritos. Por isso, conforme o texto, a propaganda dirigida aos

médicos deve ser feita de maneira correta, o que, muitas vezes, não acontece, impulsionando

práticas prescritivas incorretas. Assim, mesmo com o objetivo de promover os produtos que

representa, o propagandista precisa tomar cuidado com as informações dispensadas aos

prescritores que, por sua vez, devem escolher os medicamentos mais adequados para prescrição

com base em evidências clínicas e científicas.

Aqui, observamos que aparece um pouco mais do que no módulo anterior a questão da

especificidade do medicamento como produto comercializado, bem como o papel do

propagandista na transmissão de informações de qualidade aos prescritores, que devem ser

absorção, distribuição, biotransformação e eliminação dos fármacos ou dos seus metabólitos. O conceito de

Farmacodinâmica, baseado na pesquisa de Goodman e Gilman (2005), foi apresentado como o estudo dos

efeitos das drogas ou fármacos nos organismos, bem como seus mecanismos de ação e a relação entre a dose

do fármaco e seus efeitos.

231 O texto não deixa claro o porquê dessas classes terapêuticas serem consideradas as mais importantes para o

propagandista.

232 Referência que também não está na bibliografia do curso.

210

baseadas em “evidências clínicas e científicas”. Isto é, a parte do marketing farmacêutico é

deixada de lado, pois a característica essencial dessas informações seria a “cientificidade”, vista

como importante para a promoção do uso racional de medicamentos.

5.2.3 Módulo III- Aspectos éticos e legais da propaganda de medicamentos

Neste módulo, estudamos os aspectos éticos e legais da propaganda de medicamentos.

Inicialmente, argumentaram que muitas estratégias de marketing desenvolvidas pela indústria

farmacêutica visam, infelizmente, apenas ao aumento dos lucros em detrimento da transmissão

de informações de qualidade. De acordo com o texto, o medicamento é um “produto essencial

à saúde” e não pode ser reduzido à simples mercadoria.

Utilizando a definição da OMS, destacaram que as promoções de medicamentos são

atividades informativas desenvolvidas pelos fabricantes de medicamentos, com o intuito de

persuasão, ou seja, de induzir a prescrição, provisão, aquisição ou utilização de medicamentos.

Ao citarem Barros (1995), apontaram as variadas formas de promoção de medicamentos

existentes, como publicidade em revistas especializadas ou outras publicações, incluindo

jornais, folhetos para o público ou para profissionais da área de saúde, incentivos econômicos,

financiamento de reunião de profissionais e patrocínios de associações de pacientes ou

organizações científicas.

Aqui, também ancorados em Barros (1995), relacionaram o uso racional de medicamentos

a promoções norteadas pela ética, destacando que, nos países em desenvolvimento, como o

Brasil, a promoção de medicamentos é, marcadamente, dirigida ao retorno financeiro, na

prática. Além disso, concordando com o trabalho de Lexchin (1997), afirmaram que a indústria

farmacêutica gasta mais dinheiro em propagandas do que em pesquisa e desenvolvimento de

outros fármacos.

Segundo o texto, a publicação do Código de Comercialização de Produtos Farmacêuticos,

em 1981, pela Federação Intercontinental das Indústrias de Medicamentos, foi um marco legal

na busca da promoção de medicamentos de uma forma mais responsável. Com referências

obtidas da Organização Mundial de Saúde- OMS (1988) e da Sociedade Brasileira de Vigilância

de Medicamentos- SOBRAVIME (2001), falaram sobre a atualização desse código, feita em

1994. Em tal documento, está presente os Critérios Éticos para a Promoção de Medicamentos,

aprovados pela Assembléia Mundial de Saúde, em 1988. Estes consistem em normas sobre

211

aspectos da comercialização de produtos farmacêuticos. Além dessa atualização, destacaram a

RDC N0 96, de 17 de dezembro de 2008233 como um marco importante para o controle da

promoção comercial de medicamentos, pois dispõe sobre propaganda, publicidade, informação

e outras práticas que tenham o objetivo de divulgar ou promover comercialmente os

medicamentos.

O Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária, o CONAR, também foi

citado. Trata-se de um órgão governamental corporativo, responsável por promover a auto-

regulamentação publicitária, estabelecer as regras éticas para a indústria publicitária.

Conforme o texto, foi por causa de propagandas pautadas no desrespeito, na

desonestidade e na mentira que houve a instalação do CONAR e de outras legislações

desenvolvidas pela ANVISA a fim de regulamentar a propaganda de medicamentos. Desta

forma, é fundamental que o propagandista farmacêutico se lembre, assim como é indicado no

artigo 10 do CONAR, de que as informações sobre medicamentos promovidas por ele devem

ser respeitosas, honestas e verdadeiras.

Finalizando esta parte do módulo, apontaram, resumidamente, os quatro pontos-chave

para a promoção comercial de medicamentos no Brasil. Foi comentado que a realização da

propaganda de medicamentos é assegurada pela Constituição Federal brasileira, obedece a

princípios gerais de ética e é registrada no Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária

(CONAR), que dispõe sobre produtos farmacêuticos isentos de prescrição. Este tipo de

propaganda, segundo o texto, é permitido ao público geral, respeitando requisitos da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Já a propaganda de medicamentos de venda sob

prescrição médica é feita exclusivamente para os profissionais prescritores por meio dos

propagandistas farmacêuticos ou por propagandas em meios de comunicação específicos da

área médica.

Na próxima parte do módulo, discutiram a função do propagandista farmacêutico na

formação de opinião dos prescritores. No texto, foram apontados os papéis fundamentais que a

propaganda exerce no cotidiano dos profissionais que prescrevem: o de persuasão e o de fonte

de informação. Citaram o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) como um

exemplo da significativa influência da propaganda de medicamentos sobre a formação de

opinião de diversos profissionais de saúde. Tal dicionário consiste em uma coletânea de bulas,

um veículo de propaganda publicado pela indústria farmacêutica e amplamente utilizado como

fonte de informações terapêuticas pelos prescritores.

233 Essas citações de órgãos ligados à legislação farmacêutica também não estão nas referências bibliográficas

do curso.

212

Citando Barros (2001), destacaram que, particularmente em publicações específicas da área

de saúde, os medicamentos mais prescritos é que são anunciados, frequentemente.

Em seguida, comentaram a existência de estudos234 que identificam fontes de informações

oriundas da publicidade farmacêutica e confirmam sua influência sobre a prescrição, apontando

o lugar de destaque ocupado propagandista farmacêutico, nesse cenário. Desta forma, de acordo

com o texto, mais da metade dos custos com propaganda de medicamentos incidem sobre o

propagandista. Como frisaram, “é por meio do propagandista farmacêutico que chega aos

prescritores, médicos em geral, o conhecimento da presença de um novo medicamento ou

qualquer produto farmacêutico no mercado.”

Além disso, acrescentaram que os produtores de medicamentos investem no propagandista

farmacêutico porque já o identificaram como peça fundamental nas estratégias de marketing.

Para reforçar o argumento anterior, mencionaram o estudo de Peters (1981)235, em que a

preferência dos prescritores pela informação oral é sublinhada. Essa preferência está associada

à possibilidade que tais profissionais têm de otimizar seu escasso tempo.

Aqui, mais uma vez, enfocaram a importância da ética e da responsabilidade do

propagandista farmacêutico no exercício de sua função, a fim de promover os produtos que

representa de forma positiva: “Assim, um bom propagandista farmacêutico pode sim causar um

efeito positivo na prescrição de medicamentos, pois de sua visita provêm informações

importantes a respeito da eficácia dos medicamentos e de possíveis reações adversas”.

O tópico seguinte abordado foi o comércio de medicamentos e a prática da automedicação.

Associaram essa prática aos profissionais dispensadores que trabalham em farmácia ou

drogarias e recebem visitas dos propagandistas farmacêuticos, pois podem receber bonificações

relacionadas à venda de determinado medicamento, o que impulsiona a prática da

automedicação, por exemplo.

Utilizaram a definição de automedicação proposta pela Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (ANVISA), que a conceitua como “o uso de medicamento sem a prescrição,

orientação ou o acompanhamento médico”. Segundo o texto, ela consiste em uma das principais

consequências negativas da propaganda de medicamento, que, pouco a pouco, vem sendo

regulamentada. A quantidade de mensagens persuasivas contidas nos anúncios de

medicamentos somada à questão cultural e à falta de acesso aos médicos e de profissionais

234 Não foram mencionadas as fontes de tais estudos.

235 Novamente, um estudo citado que não aparece nas referências bibliográficas, no final da apostila.

213

habilitados para fornecer instruções corretas em relação ao uso racional de medicamentos torna

a automedicação um caso de saúde pública no Brasil, país que está entre os dez maiores

mercados farmacêuticos do mundo236.

Segundo o texto, as propagandas, muitas vezes, evidenciam os benefícios do uso de

medicamentos, mas ocultam as desvantagens, o que coloca os medicamentos numa posição

similar a “quaisquer outros produtos”: “Isso é bem observado durante as visitações dos

propagandistas aos médicos, quase nunca esses profissionais citam espontaneamente os efeitos

colaterais ou reações adversas que os medicamentos que estão promovendo podem causar.”

Outra definição que usaram foi a de “polimedicação”, que é a automedicação

caracterizada pelo uso abusivo de vários medicamentos. Com a polimedicação é constante o

aparecimento de interações medicamentosas237, que podem se reverter em risco ou prejuízo à

saúde, embora, na maioria das vezes, isso não ocorra, de acordo com o texto. Citaram como

exemplo de automedicação danosa à saúde o caso dos antibióticos. O uso indiscriminado desses

medicamentos pode contribuir para o desenvolvimento do fenômeno chamado resistência

bacteriana, ou seja, as bactérias se tornam resistentes ao uso de antibióticos por desenvolverem

mecanismos específicos de resistência.

Finalizando esta parte, argumentaram que não há uma ação mais incisiva das autoridades

públicas quanto ao combate da automedicação, que, na realidade, consiste em uma prática

impossível de eliminar totalmente, pois testar e arriscar são ações pertencentes à condição

humana.

Seguindo o módulo, abordaram o tópico “empurroterapia”. Utilizaram a definição da

ANVISA, que a descreve como uma prática irregular realizada pelos profissionais

dispensadores, em geral farmacêuticos e balconistas, associada a algum benefício que estes

recebem das empresas produtoras ao “empurrarem” certos medicamentos aos consumidores,

em vendas realizadas em farmácias e drogarias. Um dos exemplos de “empurroterapia” citado

foi o ato de convencer o consumidor a adquirir o medicamento similar ao invés do medicamento

de referência ou do genérico.238 De acordo com o texto, isso acontece, justamente, por conta de

236 Sem citar as fontes, afirmaram que, no mercado varejista de medicamentos, há, em média, uma farmácia ou

drogaria para cada 3 mil habitantes.

237 Definiram “interações medicamentosas” como “um evento clínico em que os efeitos de um medicamento são

alterados pela presença de outro medicamento, alimento ou bebida.”

238 De acordo com definição apresentada pelo Banco de Saúde, em 2008, e tomada como referência aqui,

medicamentos genéricos são produtos farmacêuticos cujas patentes expiraram, o que, consequentemente, faz

com que seus preços baixem. Isso ocorre porque não há mais necessidade de as empresas produtoras

214

comissões que produtores de medicamentos similares239 oferecem a balconistas e/ou

farmacêuticos para que os “empurrem” aos consumidores.

A última parte do módulo consistiu no estudo sobre a regulação e a legislação das

propagandas de medicamentos no Brasil. Segundo o texto, o Estado tem o direito e o dever de

regular o exercício da propaganda no país, na forma que melhor supra os interesses coletivos,

pois ela pode tanto educar quanto deseducar; formar opinião; ser moral ou imoral; sugerir

condutas de ordem ou desordem social; influenciar na busca e nos preços dos medicamentos.

Antes de abordarem as leis de regulação, apresentaram os produtos que estão sob

regulação dessas leis: medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos240 e correlatos (definidos

pela lei 5. 991/73), produtos de higiene, cosméticos e perfumes, saneantes domissanitários241,

produtos destinados à correção estética.

Nesse módulo, notamos uma contradição evidente em relação ao exposto no início do

curso que consideramos pertinente comentar. Enquanto o enfoque anterior foi sobre o

medicamento visto como um “produto”, uma “mercadoria”, ainda que diferenciada, aqui há

uma clara crítica à visão do medicamento como “simples mercadoria.” É destacado, inclusive,

que a própria indústria farmacêutica desenvolve muitas estratégias de marketing visando,

exclusivamente, ao aumento dos lucros.

Ao marcarem os aspectos éticos e legais envolvidos na propaganda de medicamentos,

citaram diversos estudos que criticam a estrutura das propagandas farmacêuticas, induzindo a

prescrição, provisão, aquisição ou utilização de medicamentos, em detrimento da transmissão

de informações de qualidade. Textos de Barros (1995) e Lexchin (1997), que destacam o fato

da indústria farmacêutica investir muito mais em marketing do que em pesquisas para o

investirem em pesquisas ou estudos clínicos, uma vez que já foram realizados para a aprovação dos

respectivos medicamentos de referência, também chamados, popularmente, de “éticos” ou “de marca”. Estes

podem ser substituídos pelos genéricos nas prescrições. Somente o farmacêutico pode fazer tal troca. Já os

similares não são substitutos aprovados pela ANVISA. A referência correspondente a essa definição também

não se encontra no final da apostila.

239 Os medicamentos similares possuem os mesmos princípios ativos dos respectivos medicamentos de referência

e são registrados no Ministério da Saúde. A diferença entre eles está na bioequivalência, que se refere “à

quantidade e à velocidade em que um medicamento será absorvido e estará disponível para produzir efeito no

local de ação.” Um medicamento similar, ao contrário do genérico, não possui comprovação técnica de que

será absorvido na mesma concentração e velocidade no organismo, quando comparado ao seu correspondente

de marca (http://www.procon.sp.gov/. Acesso: 3 de dezembro de 2017).

240 Insumo farmacêutico, também chamado de fármaco ou princípio ativo, é uma substância química ativa ou

matéria-prima que tenha propriedades farmacológicas com finalidade medicamentosa

(http://portal.anvisa.gov.br/. Acesso: 05 de dezembro de 2017).

241 Consistem em substâncias ou preparações utilizadas para higienização, desinfecção ou desinfestação

domiciliar. (http://portal.anvisa.gov.br/. Acesso: 05 de dezembro de 2017).

215

lançamento de novos medicamentos, contradizendo, assim, a visão das empresas farmacêuticas

como importantes produtoras de tecnologias farmacológicas e “disseminadoras” de

conhecimento científico, apontada no primeiro módulo, foram mencionados sem nenhuma

conexão ou, pelo menos, discussão sobre contradições existentes entre o conteúdo desses

módulos.

Da mesma forma, citaram referências de órgãos ligados à legislação farmacêutica

acriticamente, como se a atividade dos propagandistas, que consiste em “persuasão” e

“propagação de conhecimentos científicos”, segundo a própria apostila, não fossem diretamente

afetadas pela legislação vigente do país. Além disso, contrasta com a função da Propaganda

apresentada no curso: “[...] a propaganda busca divulgar um produto ou serviço, com o objetivo

de induzir o consumidor a comprar tais itens”.

Nesse sentido, o já citado trabalho de Ravelli (2012) discute a restrição pela qual o

marketing farmacêutico é submetido, pois os propagandistas necessitam convencer os médicos

a prescreverem os produtos por eles promovidos, mas também respeitar a legislação de saúde

que vigora no país. Desta forma, segundo o autor, a ética envolvendo esse tipo de interação

seria definida a partir do que é possível ser feito dentro dos limites que a legislação estabelece,

e não com base em princípios morais.

Além disso, comentários sobre a importância da ética profissional dos propagandistas,

críticas referentes a questões relacionadas ao uso irracional de medicamentos, como a

automedicação que, de acordo com o texto, seria uma consequência negativa associada a

propagandas inadequadas de medicamentos e um caso de saúde pública no país, coexistiram

com comentários acerca do papel do propagandista no processo de marketing farmacêutico sem

nenhuma menção a possíveis conflitos ou contradições existentes no processo.

Outra questão abordada nesse módulo que vale ressaltar é a crítica em relação à prática

do propagandista de evidenciar os benefícios do uso de medicamentos, ao mesmo tempo em

que omite as desvantagens. O trecho “Isso é bem observado durante as visitações dos

propagandistas aos médicos, quase nunca esses profissionais citam espontaneamente os efeitos

colaterais ou reações adversas que os medicamentos que estão promovendo podem causar” é

muito intrigante, pois jamais imaginaria ler uma crítica tão específica a uma estratégia de

marketing farmacêutico em um curso de formação de propagandistas.

Também é interessante aparecer a ideia de se colocar os interesses coletivos acima dos

interesses das empresas farmacêuticas. Isso foi ilustrado por meio da discussão, na última parte

do módulo, que apontou o direito e dever do Estado de regular o exercício da propaganda no

país, a fim de prover os interesses coletivos, já que esta teria o poder de educar e deseducar; ser

216

moral e imoral; contribuir para a ordem ou desordem social; formar opinião e influenciar na

busca e nos preços dos medicamentos, segundo o texto.

5.2.4 Módulo IV- Propaganda médica na prática

Nesse último módulo do curso, estudamos as etapas envolvidas no processo de visitação

do propagandista aos consultórios ou farmácias de seus clientes. Ao citar Hansen (2004),

afirmaram que tal atividade é uma reunião de negócios, não um encontro social ou conversa

entre amigos. Portanto, na ausência de uma programação clara, a visita do propagandista se

torna uma perda de tempo. Ela é, então, como mencionada no decorrer do curso, uma

oportunidade de comunicar aos clientes as novidades em termos de tratamentos farmacêuticos

e de apresentar novos medicamentos ou novas informações sobre medicamentos já lançados no

mercado.

De acordo com o texto, a falta de preparo do propagandista para as visitas e,

consequentemente, sua ineficácia em transmitir informações pertinentes às necessidades dos

clientes, geralmente os médicos, colabora, provavelmente, para o rápido encerramento da visita:

“Um dos pontos principais para o propagandista farmacêutico alcançar resultados positivos é

entender que a visita médica inclui um conjunto de atividades planejadas, preparadas e feitas

de forma ordenada e sequencial” Desta forma, o prescritor tende a escolher o profissional

baseado em seu proceder durante a visita, ou seja, aquele que lhe forneça algo interessante, que

atenda às necessidades de seus pacientes.

Também foi destacada a importância da habilidade do propagandista em se comunicar e

do conhecimento sobre medicamentos que ele precisa ter para “ser consultor de seus clientes,

médicos ou dispensadores”. Para isso, esse profissional necessita estudar continuamente,

evitando, assim, incoerências durante suas visitas. Ao preencher tais requisitos, o propagandista

garante a respeitabilidade da classe médica: “O diferencial de um bom propagandista

farmacêutico e um simples vendedor de medicamento é ter respeito pelo seu próprio trabalho e

pelos seus clientes.”

As visitas médicas foram caracterizadas como um conjunto de diferentes etapas que se

sucedem. Tudo que ocorre em cada uma delas é fator determinante para a obtenção de

resultados positivos. A seguir, estudamos as etapas envolvidas no processo de visitação.

217

Planejamento das visitas

De acordo com o texto, o propagandista deve sempre planejar com antecedência suas

visitas aos prescritores. Uma visita improvisada pode até ocorrer, em alguns casos, mas,

provavelmente não gerará resultados positivos: “Não se planejar para uma visita é uma aventura

e, com certeza, um risco inadmissível para o propagandista correr.” Logo, o sucesso de tal

profissional está ligado a seu perfil “extremamente metódico e organizado”, capaz de planejar

com antecedência o roteiro e as visitas. Além disso, ele deve ser um bom observador, prestar

atenção em detalhes.

Citaram alguns cuidados que o propagandista deve ter durante essa fase, principalmente,

se estiver começando em uma nova empresa:

- Buscar conhecer a empresa e os produtos que irá representar;

- Reforçar e sempre atualizar os conhecimentos técnicos básicos de Anatomia,

Fisiologia e Farmacologia;

- Ter conhecimento sobre o mercado em que estará inserido;

- Analisar a concorrência e nunca a subestimar;

- Explorar técnicas e ferramentas de vendas para auxiliá-lo durante a visita.

Mais uma vez, notamos aqui o uso dos termos “mercado”, “concorrência” e “vendas”, ou

seja, um foco na dimensão comercial que envolve as atividades dos propagandistas.

Um bom relacionamento do propagandista com as secretárias dos clientes também foi

visto como uma questão relevante durante o processo de visitação: “A secretária é uma peça

fundamental na visitação médica. Ela é capaz de abrir as portas para o visitador ou não, por

isso: consiga a empatia das secretárias de seus clientes.” Desta forma, o propagandista precisa

ter cuidado com o que vai dizer a elas, evitar quaisquer comentários que possam causar algum

tipo de constrangimento, problema ou desconforto. Se um cliente tiver mais de uma secretária,

a mesma atenção precisa ser dada a elas.

O dia a dia da propaganda de medicamentos: como lidar com as adversidades

O segundo tópico do módulo começou com o seguinte trecho:

218

Você fez uma apresentação maravilhosa em sua visita, conseguiu captar a essência

das necessidades não atendidas pelo seu cliente, as quais você pode explorar242.

Posicionou seu produto de forma consistente e segura, mas aí seu cliente faz uma

objeção. Primeiramente, encare as objeções de seu produto como um manifesto de

interesse por parte do cliente.

Logo abaixo desse enunciado, havia a imagem de um propagandista bem vestido, de

terno e gravata, conversando com dois médicos de jaleco, um homem e uma mulher. A imagem

tinha como legenda a frase “Enfrentando objeções com calma e tranquilidade”, e era seguida

por uma frase de efeito, escrita numa fonte de tamanho maior do que a do texto e em letras

maiúsculas: “QUEM DESDENHA QUER COMPRAR.”

Como, segundo o texto, o principal cliente dos propagandistas farmacêuticos é o médico,

houve uma evidente preocupação de demonstrar que este é um cliente diferenciado. A questão

da necessidade de um bom preparo desses profissionais, volta e meia, aparecia no texto:

“Diante dos clientes mais exigentes e esclarecidos, a capacidade de lidar com as

adversidades é uma das qualidades que os propagandistas necessitam desenvolver ao longo de

sua carreira. Durante o processo de visitação médica, será inevitável que o visitador encontre

resistência de alguns médicos. Nem todos aceitarão a proposta na primeira tentativa e

certamente as objeções surgirão. Por isso, é necessário que o visitador esteja psicologicamente

preparado para receber com calma e impessoalidade as críticas e/ou argumentos que possam

vir a ser feitos pelos médicos. É imprescindível que o visitador saiba sair de uma objeção de

maneira educada, convincente e ética, sem demonstrar constrangimento e apatia”.

Seguindo o módulo, listaram uma série de dicas consideradas importantes para o dia a

dia do propagandista, a fim de auxiliar-nos de maneira “mais didática e prática”. No entanto,

pareceu um resumo de questões já abordadas.

Finalizando esta parte do módulo, foi mencionado que, para o propagandista avaliar seu

trabalho, ele deve fazer a seguinte pergunta a si mesmo: “Demonstrei os benefícios dos produtos

que represento?” Para ilustrar essa questão, descreveram o seguinte exemplo:

“Imagine que você está promovendo um laboratório que produz um creme fictício chamado

‘XXINA’, ao término de sua visita você diz ao prescritor:

Finalizo lhe deixando a ‘XXXINA’. Pense se não seria melhor explorar mais esse

final. Que tal assim: Finalizo com a ‘XXXINA’, que apresenta uma tecnologia

exclusiva, em que o creme tem formulação de pomada, podendo ser usado em lesões

secas e úmidas. Resumindo: Saiba vender seu peixe.

242 Acreditamos que o texto se refere às necessidades tendo como base as necessidades expressas na pirâmide de

Maslow (básicas, segurança, sociais, auto estima, auto realização), comentada anteriormente no curso.

219

Técnicas de venda e merchandising

Aqui, inicialmente, foi enfatizada, mais uma vez, a importância de o propagandista ser

capaz de mostrar a seus clientes que suas necessidades podem ser plenamente atendidas pelo

produto que promove. Também lembraram que “um propagandista farmacêutico não promove

apenas seus produtos, promove-se também, ou melhor, promove-se por meio da qualidade de

seu conteúdo informativo”.

Segundo o texto, ao se promover de maneira eficaz, o propagandista vai, então, construindo

e consolidando, progressivamente, um bom relacionamento com seus clientes, pois as visitas

médicas consistem em eventos dinâmicos, que acontecem de forma sucessiva e integrada. Só

assim as técnicas de venda funcionam, ou seja, cultivar um relacionamento, ficando cada vez

mais próximo do cliente, sempre disposto a ouvi-lo, já consiste em uma técnica de venda. O

bom propagandista demonstra a seus clientes que se importa com eles e seus pacientes.

De acordo com o texto, o propagandista deve fazer com que o médico ou o profissional

da dispensação (farmacêutico ou balconista) se sinta a pessoa mais importante do mundo, o que

parece simular, em menor nível, o papel da indústria farmacêutica em relação ao médico. A

cada visita, ele deve se preocupar em levar novas informações de seus produtos (ou novos

produtos), conseguir informações sobre os interesses do cliente, melhorar o ambiente de

relacionamento. Tudo isso deve ser observado, porque “O resultado do trabalho de um

propagandista não é uma simples alternativa em conquistar ou não a prescrição ou a

dispensação.”

Segundo o texto, as técnicas devenda e merchandising podem ser divididas nas seguintes

etapas: abordagem e apresentação.

Abordagem

Um tom de conversa amigável consiste na forma mais eficiente de abordagem a fim de se

conquistar um cliente. Iniciar a conversa de uma maneira mais amena, aparentemente, sem

maiores pretensões e evitar abordar, logo de início, o assunto da venda em si é vista como uma

técnica eficiente, chamada de “quebra-gelo”. O propagandista só precisa ter cuidado para não

ser invasivo e indiscreto.

Apresentação

220

Após conseguir se aproximar do cliente, por meio de uma conversa aparentemente

despretensiosa, estabelecer uma sintonia na comunicação e estar certo das suas necessidades, o

propagandista deve posicionar seu produto de forma convincente, a fim de atingir os objetivos

traçados na pré-visita. É imprescindível que a apresentação institucional seja feita na primeira

visita. Ela precisa incluir a apresentação pessoal (nome do propagandista, nome da empresa que

representa). Caso a visita seja decorrente de uma indicação, a fonte deve ser mencionada.

Depois da apresentação, frequentemente, o propagandista faz um rápido levantamento

sobre as necessidades do cliente, mostra os produtos, serviços e diferenciais da empresa que

representa, evidenciando, de forma ética, os benefícios que esses produtos e/ou serviços possam

oferecer:

Em seguida, foi apresentada uma breve simulação de visita médica, que está descrita no

Apêndice H.

Fechamento e pós-consulta

Neste tópico, foram abordadas as questões relacionadas ao fim da visita médica

propriamente dita. De acordo com o texto, é, aqui, que o propagandista deve avaliar se as

expectativas foram atendidas ou se houve alguma informação pertinente que não foi transmitida

ao cliente. Verificar se ocorreu algum avanço na conquista da confiança do cliente, ou seja, um

progresso no relacionamento entre ele e o cliente. Ao final da visitação, é importante que a

despedida seja feita de maneira educada, porém informal. Deve-se agradecer ao cliente pela

atenção dispensada e pelo tempo cedido para a visita. O propagandista pode, inclusive,

expressar alegria ao notar evolução no relacionamento e pela possibilidade de uma futura

parceria.

Caso consiga fechar negócio, vendendo seu produto a um médico, por exemplo, o

atendimento pós-venda pode ser iniciado no fechamento da visita. Oferecer serviços de

assistência e atendimento que, porventura, o prescritor precise é um dos procedimentos desta

etapa. O bom profissional usa o fechamento da visita para interagir com seu cliente,

conduzindo-o a uma decisão sobre a qual ele se sinta responsável, ou seja, que assume um

compromisso com o propagandista e o produto por ele promovido.

Neste módulo, observamos a ênfase do curso nas características que um bom propagandista

deve ter para se diferenciar de “um simples vendedor de medicamentos” e realizar uma visitação

221

médica eficaz. Primeiramente, é importante ressaltar que, nessa parte do texto, a visitação

médica é definida como uma “reunião de negócio”, ou seja, aparece, aqui, novamente, a

abordagem mais comercial do processo. Interessante notar como tal abordagem vai e vem, no

decorrer do curso, da mesma forma que acontece com a voltada para as questões éticas e sociais.

Dentre as características apontadas, as mais destacadas diziam respeito à habilidade de

comunicação, organização e domínio sobre conhecimentos científicos a serem transmitidos aos

médicos. A importância do estudo contínuo e regular foi bastante enfatizada e diretamente

associada à credibilidade do propagandista perante a classe médica e seus colegas. Segundo o

curso, o propagandista, além de “promover medicamentos”, venderia também “conceitos”. Isso

está de acordo com os argumentos observados nas entrevistas com os propagandistas, em que

o conhecimento técnico-científico desses profissionais foi apontado como fator primordial para

uma visitação médica bem-sucedida, bem como para levar informações de qualidade aos

médicos acerca de determinados problemas de saúde que possam ser até então desconhecidos

pela classe médica.

Outro ponto interessante mencionado nesse módulo, foi a importância dada às secretárias

dos médicos, consideradas peças fundamentais no processo de visitação, capazes de “abrirem

portas” para o visitador. Desta forma, o propagandista deve se empenhar para ter um bom

relacionamento com elas, evitando, ao máximo, constrangimentos, problemas ou desconforto

em sua interação com essas profissionais. Isso nos faz pensar que a visitação médica não se

resume apenas na relação médico-propagandista. Há outras pessoas envolvidas no processo.

A autoconfiança e a persistência do “bom propagandista” também foram discutidas com

certo destaque, nessa parte do curso. Até mesmo uma suposta objeção vinda de um médico, em

relação ao medicamento promovido, foi vista como “sinal de interesse”, que deveria ser

explorado pelo propagandista. A frase “Quem desdenha quer comprar”, destacada no texto, em

letras maiúsculas, pareceu um incentivo direto à perseverança do propagandista em atingir seu

objetivo final de “persuadir” a classe médica nas suas prescrições.

Assim, de acordo com o texto, ter conhecimento das necessidades específicas de cada

médico e seus pacientes, ser capaz de promover o conteúdo informativo referente ao

medicamento de forma “ética”, “correta” e “verdadeira”, sabendo lidar com adversidades, como

objeções iniciais de um médico, são características fundamentais para o propagandista ir

construindo uma boa imagem perante à classe médica. Ao se promover, esse profissional

consolida um bom relacionamento com os médicos, pois as visitas médicas são eventos

dinâmicos, sucessivos e integrados, ou seja, um relacionamento a longo prazo que precisa ser

construído e mantido.

222

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa foi feita com três materiais de qualidade diferente, fato que tornou mais

complexa a descrição e discussão dos resultados obtidos. No entanto, acreditamos que, por meio

deles, foi possível estabelecer conexões entre a indústria farmacêutica e a classe médica, no

contexto da promoção e divulgação de categorias diagnósticas e medicamentos, por diferentes

vertentes, enriquecendo, assim, a discussão sobre o tema.

Observamos a existência de uma rede de interações entre a classe médica e indústria

farmacêutica, hipótese discutida em diversos estudos já mencionados neste trabalho243, que

caracteriza o processo de co-promoção e co-divulgação de medicamentos e categorias

diagnósticas. Nessa rede, discursos e práticas de médicos e profissionais da indústria

farmacêutica, especialmente os propagandistas, influenciam-se mutuamente. O “clímax” dessa

interação seria o momento da prescrição dos medicamentos promovidos pela indústria

farmacêutica.

Nos congressos científicos, as articulações entre a indústria farmacêutica e a classe

médica, apontadas por autores como Azize (2010a, 2010b), Ravelli (2012) e Giami (2009b),

são bastante explícitas. Essa dinâmica de interação entre médicos e empresas pode ser ilustrada

e identificada por meio de diferentes aspectos. O primeiro deles se refere ao patrocínio de

eventos científicos pelas empresas e o financiamento da participação de pesquisadores

convidados para ministrarem palestras em tais eventos, nas quais os medicamentos produzidos

pelas empresas financiadoras são promovidos, direta ou indiretamente. Dois dos congressos

observados (o Internacional de Medicina Sexual e o Brasileiro de Urologia) foram realizados

graças ao apoio de diferentes empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos.

Vale ressaltar que, além do nome e do logotipo das empresas patrocinadoras, os

programas dos eventos também continham propagandas de produtos farmacêuticos e de

materiais médicos produzidos pelos financiadores. No programa do Congresso Internacional de

Medicina Sexual, por exemplo, as duas empresas que mais investiram no evento, a Priligy e a

Coloplast, dado informado no próprio programa, tinham a propaganda de seus produtos em

destaque, sendo que uma delas, a Priligy, contou também com uma sala exclusiva para a

exposição de seu produto durante o congresso.

243 Rohden, 2011; Hoberman, 2005; Oudshoorn, 1994; Oldani, 2004, 2002; Barros, 2008; Dumit, 2012; Healy,

2006; Angell, 2010; Lakoff, 2006.

223

Quanto à promoção de medicamentos durante algumas apresentações médicas,

observamos que nomes comerciais de medicamentos foram citados, naturalmente, pelos

médicos, no congresso de medicina sexual e de urologia. Além disso, percebemos a falta da

indicação ou não de possíveis conflitos de interesse existentes na realização das pesquisas

apresentadas. Nas poucas vezes que mencionaram o assunto foi de uma forma muito rápida,

com apenas a afirmação da não existência de conflitos de interesse.

Também observamos a presença de logotipos de empresas farmacêuticas nas

apresentações, fato que Giami (2009b) comenta em seu trabalho. Os congressos também

contaram com “Simpósios da Indústria”, locais singulares de divulgação farmacêutica dirigida

aos médicos (AZIZE, 2010b). No congresso de urologia houve, inclusive, uma apresentação

desse tipo, em que foram citados nomes comerciais de medicamentos produzidos por empresas

concorrentes, de forma natural.

Outro ponto observado, ressaltado por Azize (2010a) em sua pesquisa, diz respeito ao

reconhecimento de um possível prescritor de medicamentos por meio do crachá de identificação

dos participantes do congresso. Tanto no congresso de medicina sexual, quanto no de urologia,

os crachás de prescritores e não prescritores se diferenciavam e indicavam hierarquia de

prestígio, em que a mais alta posição era ocupada por médicos urologistas. Parecia haver uma

preocupação por parte dos propagandistas de não perderem a possibilidade de contato com

algum prescritor naqueles espaços, ou seja, de não deixarem escapar a oportunidade de marcar

o maior número possível de visitas médicas. O fato de os propagandistas estarem atentos ao

meu crachá, incluindo o incidente em que um deles simplesmente deixou de falar comigo ao

saber que não era prescritora e se dirigiu, em seguida, ao médico localizado ao meu lado, pode

servir de ilustração dessa questão.

A interação entre propagandistas e médicos ocorre preferencialmente na área dos estandes

expositores desse tipo de evento, destacada nos trabalhos de Azize (2010a, 2010b), Giami

(2009b) e Faro (2017), que acabam funcionando como áreas de lazer, em que os congressistas

ganham alimentação, recebem brindes diversos, participam de sorteios e ainda podem

socializar. Pareceu que, no Congresso Internacional de Medicina Sexual, essa concepção de

área de lazer ficou mais evidente, principalmente por conta da presença de uma escola de samba

no último dia de congresso. No entanto, apesar do congresso de urologia ter se apresentado

como mais técnico e formal, houve a distribuição de brindes como canetas, blocos e até mesmo

livros aos participantes, assim como ocorreu no congresso de medicina sexual.

Ao analisarmos os congressos, notamos também que a apresentação do que estamos

chamando declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento não foi homogênea.

224

Essas diferenças estiveram ligadas à especialidade médica, ao próprio tipo de congresso e até

mesmo à nacionalidade dos palestrantes244. Além disso, percebemos que, ao longo do tempo,

algumas questões referentes ao diagnóstico do declínio hormonal masculino e seu tratamento

foram se modificando, principalmente as que discutiam efeitos colaterais e benefícios do uso

da TRH com testosterona.

Essas transformações do discurso podem ser compreendidas a partir da concepção

foucaultiana do discurso como um acontecimento histórico, com sua construção atrelada às

relações de poder que permeiam a sociedade (Silva; Júnior, 2014).245 Foucault aponta o

controle da produção de discursos, que podem ser percebidos como práticas discursivas

definidas pelo status do sujeito que fala, a partir dos lugares em que fala, considerando as

posições sociais assumidas quando fala, por aqueles que seriam “habilitados” para isso.

Podemos analisar os discursos médicos acerca do declínio hormonal masculino

relacionado ao envelhecimento e da TRH com testosterona observados nos congressos

pesquisados a partir dessa perspectiva. A apresentação da categoria diagnóstica em questão foi

feita por meio de diferentes terminologias, cada uma delas com características específicas. Para

nós parece que o termo DAEM é praticamente consenso entre os urologistas brasileiros, sendo

utilizado em suas apresentações como terminologia mais adequada para caracterizar o declínio

hormonal masculino relacionado ao envelhecimento. No entanto, observamos diferenças em

apresentações dos mesmos urologistas, quando participaram do congresso de medicina sexual

e do congresso de urologia.

É importante lembrarmos que, no congresso de urologia, as apresentações tinham um

formato bastante técnico e específico. Houve, inclusive, o episódio em que um dos urologistas

palestrantes chamou todas as outras especialidades envolvidas no diagnóstico e tratamento do

DAEM de “aventureiras”. Tudo isso sugere que tal evento foi, exclusivamente, dirigido aos

urologistas, embora tivesse a proposta de ser destinado a outras especialidades ou áreas. Ou

seja, consistiu em um evento “fechado” para profissionais que falavam entre si, com, dentre

outros objetivos, o de confirmar a legitimidade dessa especialidade médica no que diz respeito

244 Aqui, estamos nos referindo, principalmente, ao caso da terminologia DAEM, que parece ser consensual

entre os urologistas brasileiros, fato observado no Congresso Brasileiro de Urologia. No entanto, neste

mesmo congresso, notamos que entre os urologistas estrangeiros tal fato não parece acontecer da mesma

forma, já que muitos deles não utilizaram o termo ADAM (do qual se originou o equivalente em língua

portuguesa DAEM) em suas apresentações.

245 Apesar de ter tido acesso às obras de Foucault durante meu mestrado e doutorado, baseio-me aqui no trabalho

de Silva e Júnior sobre Foucault. Essa citação em segunda mão deve-se, de um lado à complexidade de

alguns textos do autor que acabaram sendo apresentados em um amplo conjunto de textos que discutem sua

obra de forma mais acessível, e, de outro, pela premência do prazo para terminar esta tese, o que impediu um

mergulho mais consistente nas discussões foucaultianas sobre o discurso.

225

à habilidade de diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento.

Já no congresso internacional de medicina sexual, apesar da maioria do público ser

constituída de urologistas, havia a participação de outras especialidades e profissões, tanto na

plateia quanto entre os palestrantes. Pensamos, então, que o fato de esses urologistas terem

utilizado termos diferentes do DAEM em suas apresentações, aqui, tem a ver com a plateia para

a qual seu discurso era dirigido, que contava com outras especialidades médicas e até mesmo

com outros profissionais da saúde.

Foi interessante perceber o uso frequente da expressão “low T” ou “baixa testosterona” nas

apresentações. É possível que, enquanto a categoria DAEM remete a uma concepção de doença

ou distúrbio, a mera referência à “testosterona baixa”, de algum modo, é mais flexível e passível

de uma leitura generalizante (ou seja, mais propensa a referir-se à noção de aperfeiçoamento ou

enhancement).

O uso do termo “andropausa” em um folheto de propaganda de TRH com testosterona,

distribuído no congresso de urologia, também foi intrigante, pois tal termo remeteria a algo que

acometeria todos os homens (como é o caso da menopausa).

Quanto aos discursos referentes a benefícios e efeitos colaterais associados ao uso de

testosterona, percebemos diferenças nas apresentações dos três congressos. Houve uma

tendência, ao longo do tempo, na ênfase nos benefícios e minimização dos efeitos colaterais

relacionados ao uso da TRH com testosterona, inclusive em apresentações de médicos presentes

nos três diferentes congressos. Essa tendência nos remete à estratégia específica da indústria

farmacêutica, citada durante as entrevistas com os propagandistas e no curso online de

propagandista que consiste em exaltar os pontos positivos do medicamento, minimizando seus

pontos negativos. Vale ressaltar que, em tais apresentações, não houve a menção de uma

literatura médica consistente para corroborar essas possíveis “novas evidências” acerca da TRH

com testosterona. Os médicos se limitavam a dizer que novos estudos indicaram tais evidências,

às vezes citando rapidamente um ou dois estudos.

Há, ainda, outros pontos relativos aos congressos que consideramos pertinentes.

Confirmamos, por meio dos depoimentos de urologistas e endocrinologistas, que a urologia

recebe muito mais apoio financeiro da indústria farmacêutica e de materiais médicos do que a

endocrinologia, tendo, inclusive, um número bem maior de pesquisas e publicações sobre o

problema médico declínio hormonal masculino relacionado ao envelhecimento e seu tratamento

com TRH com testosterona. Conforme já argumentamos, parece que tal apoio está associado

ao fato de a urologia ser uma especialidade cujos diagnósticos são ancorados não só na

226

fisiologia, mas na própria anatomia dos órgãos, ou seja, os resultados dos tratamentos realizados

por essa especialidade seriam mais “palpáveis” quando comparados ao da endocrinologia, que

tem uma visão mais sistêmica e menos localizada acerca dos problemas de saúde. A categoria

diagnóstica DAEM, por exemplo, apresenta como um dos principais sintomas do declínio

hormonal masculino relacionado ao envelhecimento a disfunção erétil, problema de saúde que

pode ser mensurado, segundo a classe médica, por meio da funcionalidade do órgão sexual

masculino, com seu diagnóstico centralizado nesse órgão (FARO et al., 2013; GIAMI 2009a).

Um exemplo disso pôde ser notado, claramente, no estudo de um caso clínico apresentado

por urologistas, em uma das mesas no congresso de medicina sexual, descrita anteriormente. A

questão sexual masculina, focada na disfunção erétil, foi o eixo ao redor do qual o estudo do

quadro clínico girou. O paciente acabou sendo diagnosticado com DAEM, e teve na TRH com

testosterona a oportunidade mais eficaz de resolver os sintomas referentes a essa deficiência,

principalmente a disfunção erétil.

Sabemos que a questão sexual aparece também em apresentações nas quais os médicos

utilizam outras terminologias para caracterizar o declínio hormonal masculino, mas não

podemos esquecer que a terminologia DAEM, apesar de apresentar sintomatologia semelhante

à categoria diagnóstica andropausa, parece ter nos sintomas referentes à área sexual, como

perda da libido e disfunção erétil, um maior destaque (THIAGO, 2012). As propagandas

farmacêuticas da TRH com testosterona também seguem essa ideia, e destacam a “reversão” da

disfunção erétil como um dos principais benefícios alcançados pelo homem com o tratamento

da baixa hormonal masculina.

Há ainda uma a questão importante a ser mencionada. Observamos que, especialmente

no congresso de medicina sexual, os argumentos que se pretendiam científicos eram

perpassados por concepções que reforçavam ideias tradicionais de gênero e sexualidade,

conforme é discutido no trabalho de Giami (2007), que aponta a permanência de representações

tradicionais de gênero, durante o surgimento de mudanças no campo da Sexologia, relacionadas

ao desenvolvimento de novos diagnósticos e tratamentos médicos das disfunções sexuais.

Tal fenômeno também pôde ser percebido em propagandas expostas nos estandes de

empresas farmacêuticas e em folhetos distribuídos pelos propagandistas. Isso está de acordo

com o também já apontado estudo de Faro et al. (2013). Este discute características observadas

em discursos de marketing farmacêutico dirigidos aos médicos. Dentre elas, destaca-se o

reforço de ideias tradicionais de gênero e sexualidade enquanto são apontadas novas

concepções referentes a categorias diagnósticas. Segundo as autoras, as imagens contidas

227

nessas propagandas chamavam muita atenção e poderiam ser confundidas com imagens

direcionadas ao público leigo, justamente por remeterem a pressupostos do senso comum.

Quanto às entrevistas, percebemos também algumas questões referentes à relação entre a

indústria farmacêutica e classe médica que consideramos bastante interessantes. Um desses

aspectos foi o modo como os médicos entrevistados percebem a si mesmos como “imunes” às

possíveis estratégias utilizadas pela indústria farmacêutica a fim de promover seus

medicamentos. De acordo com as respostas dadas nas entrevistas, apenas “alguns médicos” se

deixariam levar pelas “seduções” da indústria, movidos por interesses pessoais.

Como já comentado, acreditamos que essa aparente confiança dos médicos em discernir

quais informações trazidas pelos propagandistas seriam “científicas” e quais seriam apenas

“marketing”, esteja ligada à uma crença na imparcialidade e neutralidade da ciência, à

concepção da medicina como uma profissão essencialmente voltada para trazer benefícios aos

doentes, seja com o restabelecimento de sua saúde ou melhor tratamento possível para suas

doenças, e ao fato desses médicos serem considerados experts em suas áreas de atuação.

Tudo isso contrasta com a pesquisa, também já mencionada de Camargo Jr. (2003) que,

ao investigar o modo pelo qual professores renomados de duas faculdades de medicina do Rio

de Janeiro buscavam informação e atualização para suas práticas médicas, percebeu uma

ausência de critérios claros para tal busca, sugerindo que esta funciona por meio de um registro

intuitivo246. Somada a isso, há ainda a agenda sobrecarregada dos médicos, fato citado,

inclusive, nas entrevistas realizadas para o presente estudo, principalmente os considerados

médicos de referência em suas áreas de atuação, dificultando, desta forma, uma atualização

profissional mais eficiente. Assim sendo, a indústria se encarrega da “atualização” dos médicos,

contando com a ajuda “neutra” dos experts formadores de opinião.

Outra questão que também podemos perceber analisando as entrevistas, foi como a

relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica pode ser diferente dependendo da

especialidade médica em questão. A urologia é uma especialidade que recebe extenso

patrocínio de empresas farmacêuticas para a realização de pesquisas, cursos de educação

continuada, eventos científicos. Os urologistas comentaram o fato de forma positiva. O apoio

da indústria parece-lhes não apenas importante, mas até mesmo uma prova de que estariam

numa posição hierárquica superior aos demais, por conseguirem financiamento para suas

pesquisas e serem convidados a darem palestras em eventos científicos.

246 Experiência pessoal, seguida de informações obtidas por meio da leitura de artigos científicos, manuais da

área, textos da internet e de participações em eventos científicos foram as principais fontes de obtenção de

conhecimento citadas nas entrevistas.

228

No entanto, aqui também houve uma crítica dos médicos entrevistados em relação ao

viés mercantil presente na promoção e divulgação de medicamentos pela indústria

farmacêutica. Todos os médicos entrevistados concordaram com a importância de deixarem

claro, em seus trabalhos e apresentações, se receberam apoio de empresas farmacêuticas para

realização de suas pesquisas, embora admitissem ter total “independência profissional”, neste

caso. Vale mencionar, novamente, que, em palestras ministradas nos congressos pesquisados,

inclusive por médicos entrevistados, praticamente não houve menção acerca de conflitos de

interesses.

A bastante mencionada “independência profissional” nas entrevistas se opõe ao discutido

por Rampton e Stauber (2001). Como já dito, os autores descrevem o expert como peça-chave

de um tipo de estratégia de divulgação e promoção de produtos farmacêuticos, utilizada pelas

empresas farmacêuticas e baseada, justamente, na noção de “neutralidade” e “imparcialidade”,

além do prestígio em sua área de atuação, representada pela figura do profissional reconhecido

entre seus pares, e, até mesmo, entre o público leigo, como referência profissional.

Urologistas e endocrinologistas concordam em dois pontos envolvendo a legitimidade do

uso da TRH com testosterona. O primeiro diz respeito ao uso recreativo da testosterona com a

finalidade de aprimoramento, considerado por eles abusivo e causador de efeitos colaterais

graves no organismo dos usuários. O segundo diz respeito à legitimação, por meio de

argumentos apresentados durante as entrevistas, dessas especialidades como as mais

capacitadas para diagnosticar e tratar o declínio hormonal masculino relacionado ao

envelhecimento.

A crítica dos médicos ao consumo de testosterona visando o aprimoramento corporal,

durante as entrevistas, fez-nos pensar nas apresentações médicas e propagandas farmacêuticas

envolvendo o uso da TRH com testosterona, observadas nos congressos pesquisados. Foi

possível perceber, nessas duas situações, palavras e expressões associadas à questão do

aprimoramento, ligadas aos benefícios trazidos com o uso de testosterona, por exemplo,

“melhora” “aumenta”, “proporciona um (a) maior...” Desta forma, nota-se um deslizamento em

torno das atribuições da testosterona, nos discursos médicos e nas propagandas farmacêuticas,

que vão desde uma substância que supre uma “falta” orgânica a um meio tecnológico de

melhorar aspectos do corpo e da vida dos pacientes, ou seja, que tem a finalidade de

aprimoramento. Isso coloca a testosterona numa posição que, no mencionado trabalho de Loe

(2001), é destacada como “droga de estilo de vida”.

Quanto às entrevistas com os propagandistas, um dos fatos que consideramos importante

destacar foi a crítica desses profissionais em relação a algumas práticas médicas, decorrentes

229

de um suposto desconhecimento da classe médica acerca de doenças e medicamentos, o qual

poderia ser suprido por informações fornecidas pelos propagandistas farmacêuticos. Um dos

propagandistas chega a dizer que uma das funções de sua profissão é levar aos médicos

conhecimento sobre doenças que até então poderiam ser desconhecidas por estes. Essa posição

dos propagandistas contrasta com o argumento, dos médicos entrevistados, que diziam faltar

competência técnica aos propagandistas para avaliarem as informações que seriam

encarregados de transmitir aos médicos.

Importante perceber que o deslizamento contínuo entre o discurso puramente

mercadológico e o discurso que enfatiza a contribuição da “divulgação” médica para a ciência

foi observado tanto no curso online quanto nas entrevistas com os propagandistas. É como se a

indústria farmacêutica e os médicos a ela associados estivessem o tempo todo caminhando num

certo fio da navalha em que os interesses mercantis estivessem “temperados” pelo interesse

maior da melhoria das condições da vida humana. A insistência no termo “ética” em todos os

discursos (incluindo o dos médicos) diz respeito aos modos de convivência entre os diversos

tipos de interesse.

Os deslizamentos observados em todos os discursos têm como fundamento a ideia

difundida de uma ciência neutra que visa o bem-estar da humanidade. Essa ideia constrói uma

outra, segunda a qual estaríamos frente a dois polos: de um lado o pesquisador neutro na sua

preocupação eminentemente científica, e de outro a indústria que depende da pesquisa

científica, mas cuja voracidade meramente econômica deve ser controlada (por leis, associações

e agências governamentais). Entre esses dois pólos, mais próximos de um ou de outro,

encontramos os médicos líderes de opinião e os propagandistas. Os médicos valorizam o apoio

que recebem da indústria, realizam pesquisas financiadas por ela e aceitam falar em seu nome,

esquecendo-se de se referir publicamente aos seus possíveis conflitos de interesse. Para tanto,

afirmam sua autonomia enquanto guardiões do discurso científico. Entre os propagandistas (aí

incluídos os cursos de formação e os folders de propaganda) as referências ao conhecimento

técnico e ao saber científico, bem como a “dizer a verdade sobre os medicamentos”, entrelaçam-

se à terminologia francamente mercadológica, e os objetivos de “curar” ou “salvar vidas”

convivem com aqueles de aumentar as vendas de determinado produto e defender as cores da

empresa. É o prestígio da ciência que permite o deslizamento e o entrecruzamento, dissolvendo

possíveis contradições.

Os congressos médicos – além das visitas de propagandistas a consultórios, que ficaram

fora do nosso escopo de observação – parecem ser o local por excelência do encontro desses

dois atores fundamentais. É lá que os formadores de opinião fazem suas conferências (ou

230

“aulas”), utilizando a linguagem esotérica da ciência e dos números (gráficos, tabelas, quadros

comparativos além de imagens explicativas) e nas quais os produtos oferecidos pelos

propagandistas na área dos estandes são avaliados e/ou recomendados.

Na área dos estandes, a linguagem esotérica, presente aqui e ali no rodapé dos anúncios

e dos folders distribuídos, cede lugar às conversas mais amenas e informais, ao cafezinho e aos

brindes. Espaço de lazer (para uns) e trabalho (para outros). Lá relações pessoais são tecidas e

à qualidade científica dos medicamentos são acrescidas as qualidades “humanas” dos

propagandistas. Importante lembrar aqui a pesquisa apresentada no início do curso online,

durante a “atividade reflexiva”, em que os médicos falam da relevância do propagandista no

processo de atualização médica, bem como na dinâmica de comunicação entre a indústria

farmacêutica e a classe médica.

Assim se misturam, de forma maussiana247, gráficos, brindes, financiamento de

pesquisas, jantares, sorrisos e artigos científicos. Nosso objetivo aqui não foi tanto desvendar

algo ainda desconhecido ou provar uma hipótese não comprovada. Ao contrário, as relações

entre a classe médica e a indústria já foram objeto de um sem número de trabalhos, críticos ou

não, aos quais nos referimos no decorrer da tese. Objetivamos tão somente acompanhar, em um

contexto específico, alguns dos mecanismos através dos quais tais relações são tecidas de modo

a serem ocultadas no mesmo momento em que se realizam.

247 Estamos aqui nos referindo ao Ensaio sobre a Dádiva, já citado em momento anterior.

231

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243

APÊNDICE A – Organizadores e palestrantes (Congresso HUPE)248

Organizadores

Presidente

- Ronaldo Damião

Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ (1975).

Doutor em medicina (urologia) pela Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP (1991).

Atualmente é professor titular da disciplina de Urologia, da Faculdade de Ciências Médicas, da

UERJ. Atua na área de Cirurgia Urológica, com ênfase nos seguintes temas: câncer de próstata,

uretra, estereologia, pênis e hipospádia. É coordenador do Serviço de Urologia, do Hospital

Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ). É diretor da 14ª Enfermaria-Urologia, da Santa

Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Professor da disciplina de Urologia, da Faculdade de

Medicina, da Universidade Estácio de Sá.

Comissão Científica

- Mario Frisch Toros Neves

Graduado em Medicina (1986) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),

mestre em Cardiologia (1997) e doutor em Biociências (2003) pela UERJ. Professor titular de

Clínica Médica da UERJ, atualmente diretor da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ. Chefe

do departamento de Clínica Médica (2007-2011, 2015-2016), coordenador da Clínica de

Hipertensão Arterial e Doenças Metabólicas Associadas (CHAMA). Editor setorial da Revista

Brasileira de Hipertensão. Editor líder de Edição Especial (2011 e 2012) para o International

Journal of Hypertension. Membro da diretoria do Departamento de Hipertensão da Sociedade

Brasileira de Cardiologia (2013-2014). Presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão em

(2015-2016). Coordenador da Área de Saúde da FAPERJ (2007-2012, 2015-atual). Atua

248 As informações sobre médicos brasileiros, em todos os apêndices, foram retiradas da Plataforma Lattes

(http://lattes.cnpq.br), da parte que consiste no texto informado pelo autor, durante o mês de abril de 2018, com

exceção dos nomes não encontrados nesse site.

244

principalmente na área de Cardiologia Clínica, com ênfase em hipertensão arterial, diabetes

mellitus, dislipidemia, remodelamento vascular, disfunção endotelial, rigidez arterial, nutrição

em hipertensão e cardiometabolismo.

- Fabrício Borges Carrerette

Professor adjunto de Urologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Doutor em Ciências Médicas (2007) e Mestre em Medicina (Urologia) pela UERJ (1997).

Professor universitário na UERJ, tem experiência nas áreas específicas de Oncologia Urológica,

Vídeo Cirurgia, Vídeo Laparoscopia, Retroperitoneoscopia e Urologia Feminina. Atua em

pesquisas com ênfase em câncer de próstata, disfunções do trato urinário e anatomia humana.

Atua como médico urologista na clínica Uromedic em Petrópolis, Rio de Janeiro.

Comissão Organizadora

- José Roberto Muniz

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ

(1977). Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado

do Rio de Janeiro- UERJ (2007). Atualmente é professor assistente e coordenador do Curso de

Especialização em Psicologia Médica (UERJ) e psiquiatra do Instituto de Assistência do

Servidor do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em

Psiquiatria, Psicologia Médica, Psicanálise e Terapia Familiar Sistêmica, atuando

principalmente nos seguintes temas: psiquiatria, psicanálise, interconsulta, psicologia médica,

terapia familiar sistêmica, educação médica, urologia.

- Edna Ferreira da Cunha

Professora de Pediatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado

do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ)249.

249 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0365-05962013000601011

245

- João Luiz Schiavini

Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ (1980).

Especialista em Urologia, pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ) (1984).

Mestre em Medicina, área de Concentração Nefrologia - UERJ (1992). Doutor em Ciências

Médicas- UERJ (2009). Atualmente é professor adjunto de Urologia da UERJ e tutor de alunos

do Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante de Medicina da Faculdade de Ciências

Médicas (UERJ). Professor do curso de especialização lato sensu em Urologia e do Programa

de Pós-Graduação stricto sensu em Ciências Médicas (UERJ). Responsável pelo setor de

Andrologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ). Professor de Urologia da

Faculdade de Medicina da Universidade Estácio de Sá. Tem experiência na área de Medicina,

com ênfase em Urologia, atuando principalmente nas seguintes áreas: Urologia Geral,

Incontinência Urinária, Andrologia, Sexologia e Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST).

Participação associativa: Membro titular da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), membro

da Confederação Americana de Urologia (CAU), da Sociedade Internacional de Medicina

Sexual (ISSM) e da Sociedade Internacional de Incontinência (ICS).

Palestrantes

- João Luiz Schiavini

Ver informações acima.

- Ernani Luis Rhoden

Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

(UFCSPA-1991). Mestre em Clínica Cirúrgica pela UFCSPA (1996), e em Medicina pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS (1998). Doutor em Clínica Cirúrgica pela

UFCSPA (2000), e em Medicina pela UFRGS (2001). Pós-doutorado na Harvard University

(2003). Atualmente é professor associado 2, livre-docente em Urologia da UFCSPA, professor

do curso de Pós-Graduação em Ciências Médicas da UFCSPA. Foi tesoureiro (2004-2005),

secretário (2006-2007) e presidente (2008-2009) da Associação Brasileira Para Estudos da

246

Inadequação Sexual (ABEIS). Secretário, vice-presidente e delegado da Sociedade Brasileira

de Urologia Seccional Rio Grande do Sul (SBU-RS). Membro do Serviço de Urologia da Santa

Casa de Misericórdia de Porto Alegre (desde 1997) e do Hospital Moinhos de Vento (HMV)

de Porto Alegre. Médico da Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul (desde 1995).

Membro do Conselho Editorial do International Brazilian Journal of Urology, e revisor

convidado de vários periódicos internacionais, incluindo European Urology, International

Journal of Impotence Research, The Journal of Sexual Medicine, JAMA, Urology. Tem

experiência em pesquisa clínica e experimental. Líder do Grupo de Pesquisa em Urologia

(GPU), reconhecido pela UFCSPA, atuando principalmente nos seguintes temas: câncer de

próstata, infertilidade, disfunções sexuais, estresse oxidativo isquemia e reperfusão renal,

terapia de reposição hormonal masculina, oncologia urológica, Saúde Masculina. Palestrante

convidado em eventos nacionais e internacionais.

247

APÊNDICE B – Organizadores e palestrantes (Congresso Internacional de Medicina Sexual)

Comissão Organizadora Local

- Presidente

Sidney Glina

Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

(1977), residência em Cirurgia Geral (1978-1980) e Urologia (1980-1983) no Hospital das

Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina

da Universidade de São Paulo (1991). Professor Titular da Disciplina de Urologia da Faculdade

de Medicina da Fundação do ABC. Editor do International Brazilian Journal of Urology e da

Einstein (São Paulo). Co-chairman do Comitê de Publicações da International Society of Sexual

Medicine. Diretor, membro do corpo clínico e urologista do Instituto H Ellis. Médico do corpo

clínico dos hospitais Israelita Albert Einstein, Sírio-Libanês, Nove de Julho, Alemão Oswaldo

Cruz. Membro do corpo docente da Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre, do

Conselho de Orientação e Administração da Associação Brasileira para o Estudo das

Inadequações Sexuais (ABEIS). Membro do Comitê de Ética da Sociedade Latino-Americana

de Medicina Sexual. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Cirurgia Urológica,

atuando principalmente nos seguintes temas: disfunção erétil, infertilidade masculina,

reprodução assistida, disfunção erétil - tratamento oral e incontinência urinaria.

- Membros

1-Carmita Abdo

Psiquiatra. Doutora e livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São

Paulo (FMUSP). Fundadora e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex)

do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Coordenadora do Núcleo de

Medicina Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo. Coordenou um dos mais abrangentes

248

estudos sobre o comportamento e as dificuldades sexuais do brasileiro, realizado em 2000, e

ampliado/atualizado em 2003. Coordenou ainda, em 2006, amplo estudo nacional sobre

envelhecimento, saúde geral e dificuldades sexuais e em 2008 a pesquisa Mosaico Brasil, que

mapeou o comportamento afetivo-sexual do brasileiro. Membro Honorário da Sociedade

Brasileira de Urologia. Faz parte do corpo editorial de periódicos científicos e colegiados da

FMUSP e de outras instituições. Eleita Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria

(ABP), para o triênio 2017-2019.

2- João Afif Abdo

Possui graduação em Medicina (1973) e mestrado em Urologia (1985) pela Escola

Paulista de Medicina – UNIFESP. Residência Médica em Cirurgia Geral e Urologia no Hospital

do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira - São Paulo (SP). Membro Titular

da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

3- Eduardo Bertero

Possui graduação em Medicina pela Universidade Gama Filho (1986) e mestrado em

Medicina (Clínica Cirúrgica) pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é diretor-

sócio - Clínica Bertero e médico assistente do Instituto de Assistência Médica ao Servidor

Público Estadual. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Cirurgia Urológica

(Medicina Sexual, Disfunção sexual, Impotência sexual, Peyronie, distúrbios da ejaculação,

implante de prótese peniana).

4- Fernando Facio

Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP

(1987), mestrado (1996) e doutorado (2006) em Ciências da Saúde pela FAMERP. Pós-

doutorado no Johns Hopkins Hospital em Baltimore. Atualmente, é professor adjunto dos

cursos de graduação em Medicina e Pós-Graduação em Ciências da Saúde da FAMERP,

coordenador do grupo de pesquisa em Medicina Sexual junto ao CNPq. Tem experiência na

249

área de Urologia com ênfase em Saúde Masculina, atuando principalmente nos seguintes temas:

disfunção erétil, priapismo, doença de Peyronie, ejaculação precoce, distúrbios androgênicos

do envelhecimento masculino e hiperplasia prostática benigna.

5- Claudia Faria

Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia

Universidade Católica de Campinas (2012). Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia

Universidade Católica de Campinas (2000), especialização em Terapia Sexual pela Faculdade

de Medicina do ABC (2003) e especialização em Sexualidade Humana pela Faculdade de

Medicina da USP (2004). Atualmente é analista de promotoria I (psicóloga) do Ministério

Público de São Paulo - MPSP, na área regional de Piracicaba.

6- Geraldo Faria

Graduado em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1969).

Residência Médica em Cirurgia Geral e Urologia no Hospital do Servidor Público do Estado de

São Paulo. Diretor médico do Instituto de Urologia e Nefrologia de Rio Claro e diretor

administrativo da Master Clínica de Rio Claro, atuando principalmente nas áreas de urologia

geral, andrologia e medicina sexual. Membro honorário do CEPCoS - Centro de Estudos e

Pesquisas em Comportamento e Sexualidade e membro emérito da Academia de Medicina de

São Paulo. Membro da diretoria executiva da Sociedade Brasileira de Urologia. Pesquisador

clínico, participou de inúmeros protocolos de estudos internacionais com medicamentos para o

tratamento das disfunções sexuais e outras patologias urológicas. É autor de várias publicações

nacionais e internacionais e frequente colaborador e autor de capítulos de livros de urologia e

medicina sexual.

250

7- Celso Gromatzky

Graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (1982) e doutorado em Urologia

pelo Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1999).

Ex-médico assistente da Clínica Urológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina

da USP. Atualmente médico assistente da disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do

ABC.

8- Gerson Lopes

Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1979). Atualmente

participa efetivamente do Comitê de Organização Local da Sociedade Latino-Americana de

Medicina Sexual (SLAMS), Membro honorário da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

Coordenador do Departamento de Medicina Sexual do Hospital Mater Dei em Belo Horizonte

- MG. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Sexologia Clínica pela

Escola Baiana de Medicina de Saúde Pública. Professor convidado do Curso de Especialização

em Sexologia Clínica da PUC/RS. Membro Honorário de Sociedades Médicas Nacionais e

Internacionais. Ex-consultor em Projetos de Sexualidade do Fundo das Nações Unidas para

População (FNUAP). Seu interesse se concentra nas áreas de Sexologia Médica, Terapia Sexual

e Educação Sexual.

9- Archimedes Nardozza

Possui graduação em Medicina (1984), mestrado em Medicina - Urologia (1993) e

doutorado em Medicina- Urologia pela Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP (1997).

Professor afiliado da disciplina de Urologia da UNIFESP.

10- Ralmer Rigoletto

Possui graduação em Psicologia- Licenciatura Plena (1991) e graduação em Psicologia -

Formação de Psicólogo (1993) pela Universidade São Francisco. Especialização em

251

Psicodrama pela Companhia do Teatro Espontâneo (1994) e em Psicoterapia, com enfoque na

sexualidade pelo Instituto Paulista de Sexualidade (2004). Atualmente é diretor administrativo

e membro pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisa em Comportamento e Sexualidade,

coordenador da Companhia do Teatro Espontâneo e membro associado do Instituto Paulista de

Sexualidade. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia da Sexualidade.

Atuando principalmente nos seguintes temas: Disfunção Erétil, Disfunção Sexual, Sexualidade

Masculina.

11- Oswaldo Rodrigues Jr.

Graduado em Psicologia pela Universidade São Marcos (1984). MestrE em Psicologia Social

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996). Atualmente é conselheiro da

Associação Brasileira para o Estudo da Inadequação Sexual, assessor de publicações da

ALAMOC - Asociación Latinoamericana de Análisis del Comportamiento y Terapia

Cognitivo-comportamental, coordenador do grupo de pesquisas do Instituto Paulista de

Sexualidade, onde é diretor e psicoterapeuta sexual e de casais. Trabalha em Psicologia Clínica

com os temas: disfunções sexuais, terapia sexual, sexologia, sexualidade e disfunção erétil,

terapia de casais.

12- Luiz Otavio Torres

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (1984),

residência médica em Urologia no Hospital Governador Israel Pinheiro (Instituto dos

Servidores do Estado de Minas Gerais) (1985-1988), pós-graduação em Urologia no Centre

médico-chirurgical de la Porte de Choisy. (Paris), na Fondación Puigvert (Barcelona) e na

Cleveland Clinic Foundation (Cleveland) (1988-1989). Mestrado em Urologia pela

Universidade Federal de São Paulo (1995). Membro titular da Sociedade Brasileira de Urologia,

na função de diretor do Departamento de Relações Internacionais. Na American Urological

Association atua como International Member Committee. Na International Society of Sexual

Medicine como Secretário Geral. Atualmente é médico do Instituto de Previdência dos

Servidores de Minas Gerais e professor da disciplina de Urologia do Curso de Medicina do

Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH). É titular de cadeira da Academia

252

Internacional de Sexologia Médica e da Academia Mineira de Medicina. Especializado em

Urologia, com ênfase na área de Medicina Sexual.

Comitê Científico

-Co-Presidentes

1- Edgardo Becher (Argentina)

Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires em

1983. Doutor em Cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, onde

atualmente atua como Professor Adjunto de Urologia. Médico do Centro de Urologia em

Buenos Aires. Chefe da Seção de Disfunções Sexuais no Hospital da Universidade de Buenos

Aires250.

2-Sidney Glina

Ver informações acima.

- Membros

1- Carmita Abdo

Ver informações acima.

2- Stanley Althof (EUA)

250https://eventscribe.com/2018/AUA2018/ajaxcalls/PresenterInfo.asp?efp=Sk1aSkRYUEMzMDQz&PresenterI

D=413400&rnd=0.1503113 Acesso: 21 de abril de 2018.

253

Doutor em Psicologia Clínica da Oklahoma State University em Stillwater, Oklahoma.

Diretor executivo do Centro de Saúde Sexual e Conjugal do Sul da Flórida. Professor emérito

da Faculdade de Medicina da Universidade Case Western Reserve. Sua pesquisa enfoca os

aspectos psicossociais da disfunção sexual e seu impacto sobre homens, mulheres e casais. É

editor associado do Journal of Sexual Medicine e do Conselho Editorial do Journal of Sex and

Marital Therapy251.

3- Amado Jose Bechara (Argentina)

Docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, Argentina252.

4- Julio Ferrer Montoya (Colômbia)

Médico urologista. Trabalha na área de Medicina Sexual253.

5- Annamaria Giraldi (Dinamarca)

Graduação (1992) e doutorado (1997) em Medicina e especialização em Psiquiatria (2011)

pela Universidade de Copenhague. Conselheira sexual autorizada pela Associação Nórdica de

Sexologia Clínica (2007)254.

6- Mario Maggi (Itália)

Graduação em Medicina (1981) e Pós-Graduação em Endocrinologia (1984) pela Escola de

Medicina, da Universidade de Florença. Membro do conselho editorial do Journal of Sexual

251 http://www.issm.info/who-we-are/nominations-board-of-directors1/Stanley-Althof-USA Acesso: 21 de abril

de 2018. 252 https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1743-6109.2006.00223.x Acesso: 22 de abril de 2018. 253 https://medicosdoc.com/perfil-medico/5133/julio-ferrer-montoya/urologo-medellin.Acesso: 25 de abril de

2018. 254 http://www.issm.info/who-we-are/member-profiles/annamaria-giraldi. Acesso: 23 de abril de 2018.

254

Medicine, International Journal of Endocrinology e do Journal of Endocrinological

Investigation255.

7- John Muhall (EUA)

Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Dublin (1985).

Residência em urologia na Universidade de Connecticut. Especialista em Medicina Sexual e

Reprodutiva no Boston University Medical Center. Diretor do Programa de Medicina Sexual e

Reprodutiva Masculina do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York. Professor

adjunto de Urologia no Departamento de Urologia do Centro Médico Weill Cornell256.

8- Sharon Parish (EUA)

Graduada em Medicina pela Albany Medical College, em Nova York. Residência em

Medicina Interna e Atenção Primária no Centro Médico da Universidade George Washington,

Washington, DC. Professora de Medicina Clínica no Weill Cornell Medical College. Diretora

de serviços médicos do Hospital Presbiteriano de Nova York/ Westchester Division. Tem

prática em Medicina Interna, com foco em Medicina Sexual para pacientes masculinos e

femininos na Weill Cornell Medicine, em Nova York257.

9- Miguel Alfredo Rivero (Argentina)

Graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires

(1971). Especialista em Consultoria em Urologia (Sociedade Argentina de Urologia) e em

Andrologia (Sociedade Argentina de Andrologia). Membro do Conselho Editorial - Revista

Internacional de Andrologia - Salud Sexual y Reproductiva. Ex Officio Member (Comitê

Executivo do SLAMS) desde 2007258.

255 https://www.sbsc.unifi.it/vp-234-gruppo-maggi.html Acesso: 23 de abril de 2018. Acesso: 23 de abril de

2018. 256 http://www.issm.info/news/john-mulhall-to-become-editor-in-chief-of-the-jsm Acesso: 23 de abril de 2018. 257 http://www.issm.info/who-we-are/nominations-board-of-directors-2018-portugal/parish Acesso: 23 de abril

de 2018. 258 http://www.issm.info/who-we-are/nominations-board-of-directors1/Miguel-Alfredo-Rivero-Argentina

Acesso: 23 de abril de 2014.

255

10- Eusebio Rubio-Aurioles (México)

Graduado em Medicina pela Universidad La Salle, na Cidade do México (1978).

Doutorado pelo Programa de Sexualidade Humana da New York University. Pós-doutorado

em Terapia Sexual pelo Departamento de Psiquiatria do Mount Sinai Hospital, em Nova York

(1983). Professor no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina

da Universidad Nacional Autonoma de México. Desde 2013 é vice-presidente da Sociedad

Latino Americana de Medicina Sexual (SLAMS). Atualmente é membro do Standards

Committee da International Society of Sexual Medicine259.

11- Andrea Salonia (Itália)

Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Milão. Médico urologista na

Unidade de Urologia da Ospedale San Raffaele, em Milão. Residência em urologia na

Universidade de Trieste e em endocrinologia na Università Vita-Salute San Raffaele.

Membro do Conselho Editorial Oficial da Urologia Europeia260.

12- Luiz Otavio Torres

Ver informações acima.

Ex- officio member

Chris McMahon (Austrália)

Médico em Saúde Sexual. Diretor do Centro Australiano de Saúde Sexual em Sydney.

Presidente do Comitê de Padrões Médicos e de Pesquisa da Sociedade Internacional de

Medicina Sexual (ISSM). Editor associado do Journal of Sexual Medicine e do British Journal

259 http://www.cbpabp.org.br/hotsite/minibio-eusebio-rubio-aurioles-m-d-ph-d/ Acesso: 23 de abril de 2018. 260 http://research.hsr.it/en/institutes/urological-research-institute/andrea-salonia.html Acesso: 23 de abril de

2018.

256

of Urology. Membro do conselho editorial do International Journal of Sexual Health, Current

Sexual Health Reports e do Journal of Men’s Health261.

Palestrantes

- Geraldo Faria

Ver informações acima.

- Carlos da Ros

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Santa Maria (1988).

Mestrado em Farmacologia (1996) e doutor em Clínica Cirúrgica (1999) pela Fundação

Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Fez residência médica de Cirurgia

Geral em 1989-1990 e Urologia em 1991-1992, na Irmandade Santa Casa de Porto Alegre. Foi

Presidente da Sociedade Brasileira de Urologia - Seccional RS, no período de 2004-2005 e

Presidente da ABEIS - Associação Brasileira para Estudo da Inadequação Sexual, no período

de 2006-2007. Atualmente dedica-se a sua clínica de Urologia e faz uma instrutoria voluntária

ao ambulatório de Andrologia do Serviço de Residência Médica de Urologia do Hospital

Conceição262.

- Archimedes Nardozza

Ver informações acima.

-- Ernani Luis Rhoden

Informações contidas no apêndice A.

261 https://www.psychevisual.com/Chris_McMahon.html Acesso: 23 de abril de 2018. 262 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4700855U8

257

- João Luiz Schiavini

Informações contidas no apêndice A.

258

APÊNDICE C – Organizadores e palestrantes (Congresso Brasileiro de Urologia)

Comissão Organizadora Local

- Presidente

André Guilherme L. da Cavalcanti

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (1993). Fez

Residência Médica e Mestrado em Urologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(1993-1999). Pós-doutorado na Universidade da Califórnia, na área de Trauma e Cirurgia

Reconstrutora Urogenital, (2002). Doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(2007), com ênfase em pesquisa básica aplicada a cirurgia reconstrutora urogenital. Cursou

MBA em Gestão de Saúde - Coopead-UFRJ (2009). Tem experiência na área de Medicina-

Urologia, com ênfase em Cirurgia Urológica Reconstrutora, Uro-Oncologia e Infertilidade

Masculina. Atualmente atua com professor adjunto de Urologia da UNIRIO e médico urologista

do Hospital Federal Cardoso Fontes263.

- Membros

1-Alfredo Felix Canalini

Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ

(1979), mestrado em Medicina (Nefrologia) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-

UERJ (1988) e doutorado em Medicina (Cirurgia Geral) pela UFRJ (1991). Atualmente é

professor adjunto da UERJ. Atuando principalmente nos seguintes temas: dura máter, bexiga,

cistoplastia, ampliação, urodinâmica264.

263 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4791462E6 264 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4771116J0

259

2- Fernando Pires Vaz

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UFRJ

(1967). Residência médica em Boston, Massachuttes, entre 1969 e 1974. Especialização em

Urologia pela Sociedade Brasileira de Urologia e pelo Conselho Federal de Medicina. Diretor

de duas clínicas privadas de Urologia, além de urologista do Hospital Samaritano e responsável

por equipes urológicas dos Hospitais Copa D’or, Barra D’or e da Casa de Saúde Santa Lúcia265.

3- José Cocisfran Alves Milfont

Médico urologista, com consultório particular no bairro Leblon- RJ266.

4- Marco Antônio Quesada Ribeiro Fortes

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-

UNIRIO (1979), Mestrado em Medicina - Urologia (1995) e Doutorado em Medicina -Urologia

(2002) pela Universidade Federal de São Paulo Especialização em Endourologia pela Lahey

Clinic, EUA (2000). Tem ampla experiência em Urologia Geral, com ênfase na área de Cirurgia

Minimamente Invasiva (cirurgia robótica e endoscópica). Atualmente é coordenador do curso

de Pós-Graduação em Urologia Minimamente Invasiva do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino

(IDOR)267.

5- Paulo Roberto Magalhães Bastos

Graduado em medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1981).

Residência médica no Hospital Universitário Pedro Ernesto (1985). Organizou o II Encontro

da Universidade Federal Fluminense-Sociedade Brasileira de Urologia (2005)268.

265 http://www.anm.org.br/conteudo_view.asp?id=323 Acesso: 25 de abril de 2018. 266 https://www.doctoralia.com.br/medico/jose+cocisfran+alves+milfont-10599269. Acesso: 25 de abril de 2018. 267 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4244441T6 268 http://acamerj.org/index.php?caminho=academico.php&id=9 Acesso: 25 de abril de 2018.

260

6- Rogério de Moraes Mattos

Graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (1989).

Especialista em Urologia / Residência Médica pelo Hospital dos Servidores do Estado (HSE) –

RJ (1994). Mestre em Urologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (2001).

Doutor em Urologia pela Universidade de São Paulo – USP (2005)269.

7- Ronaldo Damião

Informações contidas no apêndice A.

8- Samuel Dekermacher

Mestre em Medicina (Urologia) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997).

Atualmente é professor titular da Universidade Iguaçu. Tem experiência na área de Medicina,

com ênfase em Urologia270.

Comissão Científica

- Presidente

Francisco F. Horta Bretas

Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (1981).

Especialista em Urologia pela Sociedade Brasileira de Urologia e pela Associação Médica

Brasileira. Pós-doutorado em Urologia pela Baylor College of Medicine,

Houston, EUA. Atua nas áreas de prostatectomia, nefrectomia, ressecção endoscópica da

próstata, implante de prótese peniana, implante de prótese peniana e Câncer urológico271.

269 https://www.catalogo.med.br/doutor/rogerio-de-moraes-mattos-441500.htm. Acesso: 25 de abril de 2018. 270 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4447082A0 271 http://franciscobretas.com.br/areas-de-atuacao/ Acesso: 25 de abril de 2018.

261

-Membros

1- André Guilherme L. da Cavalcanti

Ver informações acima.

2 – Antônio de Morais Junior

Urologista com consultório particular em Goiânia (GO). Tem experiência em câncer de

próstata272.

3- Anuar Ibrahim Mitre

Possui graduação em Medicina (1973), mestrado (1980), doutorado (1987) e livre-

docência (1990) em Urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

É professor titular de Urologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí e professor associado de

Urologia da Faculdade de Medicina da USP. Atua nas áreas de cirurgia urológica laparoscópica,

robótica e endourologia273.

4- Carlos Alberto Bezerra

Possui graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (1986). Mestrado (1997)

e doutorado em Medicina (Urologia) pela Universidade Federal de São Paulo (2001) e Livre

Docência pela Faculdade de Medicina do ABC (2007). Atua principalmente nas seguintes

áreas: incontinência urinária de esforço, bexiga neurogênica, incontinência urinária no homem

e outros distúrbios do trato urinário inferior274.

272 https://www.doctoralia.com.br/medico/antonio+de+moraes+junior-10613071 273 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4767911D9 274 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4290083H6

262

5- Cristiano Mendes Gomes

Graduação em Medicina e doutorado em Urologia pela Universidade de São Paulo

(USP). É professor livre-docente, médico assistente e pesquisador da Faculdade de Medicina

da USP. Tem experiência na área de Urologia, com ênfase em disfunções miccionais, atuando

principalmente nos seguintes temas: incontinência urinária, bexiga neurogênica, cirurgias

reconstrutivas, hiperplasia prostática benigna e disfunções sexuais. Suas áreas de interesse

incluem não somente estas áreas clínicas, como também a pesquisa básica envolvendo os

mecanismos celulares e moleculares da disfunção vesical275.

6- Fernando Pires Vaz

Ver informações acima.

7- José Carlos Cezas I. Truzzi

Possui graduação em Medicina (1990), mestrado em Urologia (1996) e doutorado em

Urologia (1999) pela Universidade Federal de São Paulo- UNIFESP. Professor titular II, da

disciplina de Urologia da Universidade de Santo Amaro (1999 - 2008). Editor do Boletim de

Informações Urológicas da Sociedade Brasileira de Urologia- Seccional São Paulo (2016 -

2017). Coordenador - Escola Superior de Urologia da Sociedade Brasileira de Urologia (2012

- 2017). Chefe do Departamento de Uroneurologia da Sociedade Brasileira de Urologia (2016-

2017). Urologista da Universidade Federal de São Paulo com ênfase na área de Disfunções

Miccionais e Urologia Feminina276.

8- José Carlos de Almeida

Possui graduação em Medicina pela Universidade de Brasília (1980). Pós-Graduação na

Lahey Clinic Medical Center e Harvard Medical School - USA. É doutor pela Universidade de

Brasília com defesa de tese em Patologia Molecular- Câncer de Próstata (2006). Médico

urologista chefe do serviço de urologia, do Hospital das Forças Armadas (Brasília -DF).

275 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4768098U7 276 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4220794A6

263

Professor do Curso de Graduação em Medicina das Faculdades Integradas da União

Educacional do Planalto Central (Faciplac). Tem experiência na área de Medicina / Urologia,

com ênfase em Uro-oncologia e Cirurgia do Trato Urinário277.

9- Lucas Mendes Nogueira

Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Atualmente é membro do Grupo de Uro-Oncologia do Hospital das Clínicas da UFMG, editor

associado do International Brazilian Journal of Urology e coordenador de Câncer Urotelial do

departamento de Uro-Oncologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Presidente eleito

da Escola Superior de Urologia. Tem experiência na área de Urologia e Cirurgia Robótica, com

ênfase em Urologia Oncológica, atuando principalmente nos seguintes temas: câncer de

próstata, bexiga, rim, testículo e pênis278.

10- Marcus Vinicius Sadi.

Graduado em Medicina (1979), mestre (1983) e doutor (1985) em Urologia pela Escola

Paulista de Medicina. Livre-docente em Urologia pela Escola Paulista de Medicina (1991). Pós-

doutorado pelo departamento de Urologia do Johns Hopkins Hospital (1989). Atualmente é

professor adjunto e livre-docente da Escola Paulista de Medicina. Tem experiência na área de

Medicina, atuando principalmente em Cirurgia Urológica, com ênfase nos seguintes temas:

Uro-oncologia, Próstata, Litíase Urinária e Reconstrução Urinária279.

11- Márcio Augusto Averbeck

Graduação em Medicina pela Fundação Universidade Federal de Pelotas (2003). Mestre

e Doutor em Ciências da Saúde pela UFCSPA (2011; 2017). Membro do Comitê de Promoção

da Neurourologia da Sociedade Internacional de Continência (ICS) desde 2012. Médico

urologista da Secretaria de Saúde do Município de Porto Alegre (RS). Preceptor da Residência

277 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4787006U6 278 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4278638Z0 279 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4781360Z7

264

de Ginecologia do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, Porto Alegre/RS. Professor

convidado da Pós-graduação em Estomaterapia da UNISINOS, Porto Alegre (RS).

Coordenador de Neuro-Urologia da Unidade de Video-Urodinâmica do Hospital Moinhos de

Vento, Porto Alegre/RS. Secretário de Relações Internacionais da International Neuro-Urology

Society (desde 2016)280.

12- Reginaldo Martello

Graduação em Medicina pela Universidade Estadual de Londrina (1980). Mestrado

(2000) e doutorado (2013) em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal

de Minas Gerais. Atualmente, é pesquisador da mesma universidade, chefe do departamento de

Reprodução Humana da Sociedade Brasileira de Urologia, médico andrologista da Prefeitura

Municipal de Belo Horizonte, andrologista do Serviço de Urologia e do Setor de Reprodução

Humana do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de MInas Gerais. Tem experiência

na área de Andrologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Infertilidade Masculina e

Disfunções Sexuais Masculinas281.

13- Ronaldo Damião

Informações contidas no apêndice A.

14- Samuel Dekermacher

Ver informações acima.

15- Ubirajara de Oliveira Barroso Júnior

Possui graduação em Medicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (1992),

doutorado em Medicina (Urologia) pela Universidade Federal de São Paulo (2000).

280 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4203703A2 281 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4241511Z8

265

Atualmente, é chefe do serviço de urologia do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos da

Universidade Federal da Bahia, professor do corpo permanente da Pós-Graduação em

Medicina, Livre-Docente/Adjunto, chefe e coordenador da disciplina de Urologia da

Universidade Federal da Bahia e professor adjunto da Escola Bahiana de Medicina. Tem

experiência na área de Medicina, com ênfase em Urologia Pediátrica, atuando principalmente

nos seguintes temas: infecção urinária, refluxo vésico-ureteral, bexiga neurogênica, hipospádia

e cirurgia reconstrutora do aparelho geniturinário282.

16- Ubirajara Ferreira

Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina de Jundiaí (1979). Fez mestrado em

cirurgia (1988), doutorado em cirurgia (1989), livre docência em cirurgia (1995) e tornou-se

Professor Associado em cirurgia (2000), pela UNICAMP. Atualmente é Professor Titular da

Universidade Estadual de Campinas. Atua em todas as áreas da urologia, com especial

dedicação ao ensino, pesquisa clínica e cirurgia em urologia oncológica283.

17- Wilson Ferreira Aguiar

Graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina (1994) e doutorado em

Medicina (Urologia) pela Universidade Federal de São Paulo (2006). Chefe do Grupo de

Transplante Renal da Disciplina de Urologia da UNIFESP - Escola Paulista de Medicina e

Hospital do Rim e Hipertensão. Orientador da Pós-Graduação da Disciplina de Urologia da

Unifesp na área de Transplante Renal284.

Palestrantes285

1-Archimerdes Nardozza Júnior

282 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4130681U2 283 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783618E6 284 http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4495759Y5 285 As informações referentes aos palestrantes internacionais foram retiradas do programa científico do

congresso. Tais informações não foram disponibilizadas dessa forma nos outros dois congressos analisados.

266

Informações contidas no apêndice B.

2- Abraham Morgentaler

Professor associado da clínica urológica da Havard Medical School (Boston- EUA).

3- Celso Gromatzky

Informações contidas no apêndice B.

4- John P. Mulhall

Informações contidas no apêndice B.

5- Peter N. Schlegel

Professor de urologia e presidente do Departamento de Urologia no Weill Cornell Medical

College. Professor Associado visitante do Hospital Universitário Rockefeller. Chefe de

urologista do Hospital Pressbiteriano de Nova York.

6- Wayne J.G. Hellstrom

Professor de Urologia e chefe de Andrologia (infertilidade masculina e disfunção sexual) na

escola Tulane University of Medicine, em Nova Orleans.

7- Eduardo Berna Betero

Informações contidas no apêndice B.

8- Carmita Abdo

Informações contidas no apêndice B.

267

APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (médicos)

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa de doutorado

intitulada “Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe médica: o caso

da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao

envelhecimento”, conduzida por Cristiane da Costa Thiago. Este estudo tem por objetivo

entender como a indústria farmacêutica e a classe médica promovem e divulgam a terapia de

reposição hormonal masculina relacionada ao envelhecimento, no contexto brasileiro.

Você foi selecionado(a) por ser um(a) médico(a) ou médico(a) residente especialista

nessa área de atuação (hormônios e envelhecimento masculino). Sua participação não é

obrigatória. A qualquer momento, você poderá desistir de participar e retirar seu consentimento.

Sua recusa, desistência ou retirada de consentimento não acarretará prejuízo.

A pesquisa não oferece riscos à sua participação, salvo o possível desconforto durante

a entrevista, bem como a preocupação de ser reconhecido(a) no produto final da pesquisa.

Contudo, mesmo essas possibilidades são bastante remotas, já que a entrevista será conduzida

de forma que o(a) participante estará livre para responder as questões da maneira que preferir,

tendo, inclusive, total liberdade para se abster de responder qualquer pergunta que não

considerar pertinente. Além disso, esse estudo não depende dos dados pessoais do(a)

participante e a publicação será apenas de trechos da entrevista, não de seu texto na íntegra.

Não há qualquer incentivo financeiro para a participação, nem despesas previstas.

Sua participação nesta pesquisa consistirá num relato detalhado de como ocorreu seu

ingresso nesse campo de especialidade médica, envolvida na questão hormonal masculina

associada ao envelhecimento e de como vem sendo essa experiência, principalmente no que diz

respeito à indicação do tratamento de reposição hormonal com testosterona a homens de mais

idade, diagnosticados com declínio hormonal.

A entrevista tem duração prevista de uma hora, a ser realizada no local que lhe for mais

conveniente. Apenas o pesquisador responsável estará presente, e o áudio da entrevista será

gravado somente para facilitar a análise, não sendo seu conteúdo na íntegra divulgado em

nenhum meio. O conteúdo da entrevista versa sobre temas relacionados ao papel dos hormônios

(testosterona) na saúde masculina, bem como à indicação do tratamento de reposição hormonal

masculina associada ao envelhecimento.

Os dados obtidos por meio desta pesquisa serão confidenciais e não divulgados em nível

individual, visando assegurar o sigilo de sua participação.

268

O pesquisador responsável se comprometeu a tornar públicos nos meios acadêmicos e

científicos os resultados obtidos de forma consolidada, sem qualquer identificação de

indivíduos participantes.

Caso você concorde em participar desta pesquisa, assine ao final deste documento, que

possui duas vias, sendo uma delas sua, e a outra, do pesquisador responsável / coordenador da

pesquisa. Seguem os telefones e o endereço institucional do pesquisador responsável e do

Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, onde você poderá tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua

participação nele, agora ou a qualquer momento.

Contatos do pesquisador responsável: Cristiane da Costa Thiago, doutoranda no Instituto

de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), residente em

Rua Almirante Calheiros da Graça, 82, Todos os Santos. Email: [email protected].

Telefones: (21) 985302304.

Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da UERJ: Rua São

Francisco Xavier, 524 – sala 7.003-D, Maracanã, Rio de Janeiro, CEP 20559-900, telefone (21)

2334-0235, ramal 108. E-mail: [email protected]

Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa,

e que concordo em participar.

Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____.

Assinatura do(a) participante: ________________________________

Assinatura do pesquisador: ________________________________

269

APÊNDICE E- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (representantes)286

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa de

doutorado intitulada “Um estudo sobre a relação entre a indústria farmacêutica e a classe

médica: o caso da promoção e divulgação da terapia de reposição hormonal masculina

relacionada ao envelhecimento”, conduzida por Cristiane da Costa Thiago. Este estudo tem por

objetivo entender como a indústria farmacêutica e a classe médica promovem e divulgam a

terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao envelhecimento, no contexto

brasileiro.

Você foi selecionado(a) por ser um(a) representante da indústria farmacêutica que

trabalha com a promoção da terapia de reposição hormonal masculina relacionada ao

envelhecimento. Sua participação não é obrigatória. A qualquer momento, você poderá desistir

de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa, desistência ou retirada de consentimento

não acarretará prejuízo.

A pesquisa não oferece riscos à sua participação, salvo o possível desconforto durante

a entrevista, bem como a preocupação de ser reconhecido(a) no produto final da pesquisa.

Contudo, mesmo essas possibilidades são bastante remotas, já que a entrevista será conduzida

de forma que o(a) participante estará livre para responder as questões da maneira que preferir,

tendo, inclusive, total liberdade para se abster de responder qualquer pergunta que não

considerar pertinente. Além disso, esse estudo não depende dos dados pessoais do(a)

participante e a publicação será apenas de trechos da entrevista, não de seu texto na íntegra.

Não há qualquer incentivo financeiro para a participação, nem despesas previstas.

Sua participação nesta pesquisa consistirá num relato detalhado de como ocorreu seu

ingresso na área de representação farmacêutica, envolvendo a promoção da terapia de reposição

hormonal com testosterona e de como vem sendo essa experiência, principalmente no que diz

respeito ao processo de divulgação desse tratamento no meio médico.

A entrevista tem uma duração prevista de uma hora, a ser realizada no local que lhe for

mais conveniente. Apenas o pesquisador responsável estará presente, e o áudio da entrevista

será gravado somente para facilitar a análise, não sendo seu conteúdo na íntegra divulgado em

nenhum meio. O conteúdo da entrevista versa sobre temas relacionados ao papel dos hormônios

286Mantemos, aqui, a terminologia representante, pois foi a utilizada no projeto apresentado ao Comitê de Ética

em Pesquisa.

270

(testosterona) na saúde masculina, bem como à indicação do tratamento de reposição hormonal

masculina relacionada ao envelhecimento.

Os dados obtidos por meio desta pesquisa serão confidenciais e não divulgados em nível

individual, visando assegurar o sigilo de sua participação.

O pesquisador responsável se comprometeu a tornar públicos nos meios acadêmicos e

científicos os resultados obtidos de forma consolidada sem qualquer identificação de indivíduos

participantes.

Caso você concorde em participar desta pesquisa, assine ao final deste documento, que

possui duas vias, sendo uma delas sua, e a outra, do pesquisador responsável / coordenador da

pesquisa. Seguem os telefones e o endereço institucional do pesquisador responsável e do

Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, onde você poderá tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua

participação nele, agora ou a qualquer momento.

Contatos do pesquisador responsável: Cristiane da Costa Thiago, doutoranda no

Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ),

residente em Rua Almirante Calheiros da Graça, 82, Todos os Santos. Email:

[email protected]. Telefones: (21) 985302304.

Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social da UERJ: Rua São

Francisco Xavier, 524 – sala 7.003-D, Maracanã, Rio de Janeiro, CEP 20559-900, telefone (21)

2334-0235, ramal 108. E-mail: [email protected]

Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa,

e que concordo em participar.

Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____.

Assinatura do(a) participante: ________________________________

Assinatura do pesquisador: ________________________________

271

APÊNDICE F - Roteiro de entrevista com médicos

1- Identificação:

- Nome

- Data de nascimento

- Endereço Profissional (consultório/hospital)

- Especialidade médica (urologia/endocrinologia)

2- Trajetória profissional:

- Como escolheu a profissão? Onde cursou a graduação? O que achou do curso?

- Como escolheu a especialidade? Onde cursou (ou está cursando) a especialização? O que

achou (ou está achando) do curso?

- Como foi (ou como está sendo) a transição da fase de estudante para a de profissional?

3- Fale um pouco sobre as atribuições de sua profissão.

4- Faz parte de alguma associação médica? Ocupa algum cargo? Qual? Como isso aconteceu?

5- Como vê a atuação da endocrinologia e da urologia no campo da saúde do homem? Há

diferenças? Quais?

6- Fale um pouco sobre o declínio hormonal relacionado ao envelhecimento masculino e como

sua especialidade médica vem enfrentando essa questão (diagnóstico, tratamento, melhor tipo

de medicação, etc).

7- Que tipo de informações sobre tal declínio os representantes farmacêuticos apresentam numa

visita ao consultório/hospital? Como lida com essas informações?

8- Recebe algum tipo de financiamento (realização de pesquisas, participação em congressos

científicos, etc)? Como se dá isso? O que acha dessa prática?

09- Fale um pouco sobre os valores éticos de sua profissão. Há conflitos de interesse? Quais?

10-Gostaria de comentar mais alguma cois

272

APÊNDICE G - Roteiro de entrevista com representantes

1-Identificação:

- Nome

- Data de nascimento

- Endereço Profissional

2- Fale sobre sua trajetória profissional.

- Como se deu a escolha da profissão?

- Onde fez seu curso/treinamento? Como foi?

- Como foi contratado (a) pela empresa farmacêutica para a qual trabalha?

- Após ser contratado (a) houve algum treinamento específico? Como foi?

3- Quais as principais atribuições de sua profissão?

4- Fale um pouco sobre as visitas aos consultórios médicos e/ou hospitais (quais as principais

preocupações, como se prepara, o que é essencial na apresentação de um novo medicamento

aos médicos).

5- Como seu trabalho é avaliado pela empresa farmacêutica que o(a) contratou? Com que

frequência isso ocorre?

6- Como avalia o seu trabalho? Com que frequência?

7- Fale um pouco sobre os valores éticos de sua profissão.

8-Gostaria de comentar mais alguma coisa?

273

APÊNDICE H- Simulação de visita de propagandista farmacêutico

A figura abaixo consiste no primeiro slide da simulação, em que são apresentados dois

personagens fictícios, o médico dermatologista dr. Júlio e o propagandista Gilberto.

Figura 14. Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 1). Curso propagandista

farmacêutico, Portal Educação, 2015

Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 20 de outubro de 2015

Os slides seguintes apresentam o diálogo entre médico e propagandista, utilizando uma

imagem padrão. Nela havia o desenho do médico, um homem branco, de jaleco, sentado atrás

de sua mesa, com estetoscópio pendurado no pescoço. Já o propagandista, também um homem

branco, estava de pé, vestido com calça, camisa social e gravata. Ele dizia “Bom dia, Dr. Júlio,

meu nome é Gilberto. Eu sou propagandista do laboratório “X”. O Dr. Luís Fonseca, que é

nosso cliente, indicou-me seu consultório.”

274

Figura 15. Simulação de visita de propagandista farmacêutico (slide 2). Curso propagandista

farmacêutico, Portal Educação, 2015

Fonte: http://www.portaleducacao.com.br. Acesso: 20 de outubro de 2015

Para evitar a repetição de imagens praticamente iguais, optei por colocar apenas o diálogo

escrito, a partir desse ponto. A letra J indica que a fala pertence ao dr. Júlio e a letra G ao

Gilberto:

J “ Ah...O Luís. Pois não, como tem passado?”

G- “Ótimo. E o sr?”

J- “Estou bem!”

G- “O Dr. Luís é cliente do laboratório ‘X’ há muito tempo. Ele é muito exigente e nos dá a

preferência porque nossa empresa é lider em tecnologia farmacêutica, sempre temos novidades

que atendem as necessidades dos pacientes. Ele me falou do sucesso de sua clínica. Tenho

acompanhado o bom trabalho que o [sic] estás fazendo na dermatologia.”

J- “É mesmo?”

G- “Parece que essa atividade cresceu muito nos últimos anos, e essa região precisava mesmo

de uma clínica especializada no assunto, não é?”

J- “É verdade. Fizemos um investimento muito grande e estamos muito bem, os pacientes

realmente procuram nossa clínica.”

G- “Formidável! O senhor poderia me contar um pouco mais a respeito?”

J- “Com prazer. A região carecia mesmo de dermatologistas. As pessoas, principalmente as

mulheres, estão cada vez mais preocupadas com sua pele ou com seu cabelo. Minha agenda

sempre é cheia, na maioria dos casos, pelo menos aqui, minhas pacientes procuram cuidados

275

para prevenir os sinais do envelhecimento. Sabe como são vaidosas as mulheres, né? Mas tenho

que ser cauteloso na prescrição, o tratamento muitas vezes não precisa ser agressivo.”

G- “Uh, é verdade sim. E, pelo que entendi, seus pacientes, ou melhor, as pacientes buscam

novidades no combate aos sinais do envelhecimento, produtos para o cuidado da pele devem

ser vitais em seus tratamentos.”

L- “Sem dúvida, as pacientes me procuram justamente para que eu indique e prescreva o melhor

tratamento disponível.”

G- “A utilização de um creme de tratamento com propriedades cosméticas e princípios ativos

naturais, que não agridem tanto a pele, não seria uma boa alternativa para suas pacientes?”

L- “Creio que sim. Você tem algum produto assim?”

G- “‘Creme X’! Conheço bem! É um produto muito bom, feito com tecnologia avançada, além

dos principais ativos, a base do creme foi tecnologicamente desenvolvida.”

L-“É verdade. A pesquisa farmacêutica no campo da dermatologia, ou mesmo com os

dermocosméticos avançou muito.”

G- “Sim, e no caso de nosso produto, basta um tratamento de sete dias para os resultados

aparecerem.”

L- “Uma semana?”

G- “É. Em uma semana o progresso já é reparado. Tenho aqui a monografia do produto e os

artigos científicos da sua eficácia. O senhor já leu algo sobre essa planta que é o princípio ativo

do creme? O Laboratório ‘X’ está concentrando toda a sua tecnologia visando à satisfação dos

seus pacientes. O doutor não gostaria de fazer um teste?”

L- “Um teste? Sim, é uma boa ideia!”

Após esse diálogo é descrito o seguinte: “Como combinado, Francisco deixa algumas

amostras grátis para o teste. Ele sabe que os resultados do teste serão favoráveis. Todavia, terá

que convencer o Dr. Júlio que as vantagens do produto justificam o preço maior que o cobrado

pelos concorrentes. Na data combinada, Gilberto retorna e tem novo encontro com o Dr. Júlio.

Durante o caminho, procura relembrar tudo o que conversou com ele anteriormente, olhando o

seu relatório de visita. A cada visita, ele estreita o relacionamento com o Dr. Júlio e sempre está

atento a lhe transmitir novidades que lhe auxiliem”.