CARNICKE, Sharon Marie. Stanislavsky in Focus – An acting Master for the
Twenty-first Century. 2nd Ed., London/New York: Routledge, 2009. Capítulo
1, pp. 7-15. Traduzido para fins didáticos por Laédio José Martins. Jan./2015.
STANISLÁVSKI EM FOCO – CAPÍTULO 1
Desmitificando Stanislávski
Enquanto o nome de Stanislávski dominou debates sobre a atuação no
mundo Ocidental por quase um século, a maioria dos atores identifica
rotineiramente seu Sistema com o Método, desenvolvido em Nova York
durante a Grande Depressão e popularizado por Strasberg. Processos
dinâmicos deram origem a essa identificação: atores do Teatro de Arte de
Moscou inspiraram uma geração de atores dos E[stados] U[nidos], ao passo
que eles próprios lutavam para sobreviver no clima político da Rússia pós-
revolucionária; atores emigrados ensinaram em uma língua estrangeira a
estudantes cujos pressupostos culturais diferiram dramaticamente de seus
próprios; a simplificação/abreviação/sintetização [abridgement] dos livros de
Stanislávski nos E[stados] U[nidos] e sua censura em Moscou obscureceram
ainda mais o seu rosto; e, finalmente, a própria natureza da prática da atuação
incentiva [as] modificações individuais das técnicas do Sistema.
Um mapa que traça a migração do Sistema de Constantin Sergueievitch
Stanislávski através do mundo, portanto, mostraria dois pontos principais: Nova
York e Moscou. Em ambas as cidades, os atores apreenderam o trabalho de
Stanislávski como primário e essencial. Em ambas, os professores que tinham
estudado com o mestre passaram seu [próprio] entendimento de sua prática
para a próxima geração de professores. Essa geração, à sua vez passou-o
para os nossos professores, e nós para os nossos alunos. Ambos os centros
teatrais criaram abordagens tradicionais ligadas ao Sistema que,
posteriormente, se estenderam pelo globo. A partir de Moscou, as ideias de
Stanislávski se espalharam para a Europa Oriental e [para a] Alemanha; de
Nova York, elas viajaram para a Europa Ocidental, a Grã-Bretanha, a
Escandinávia, e tão longe quanto o Japão. Ambas as tradições, no entanto,
pintaram retratos retocados do Stanislávski histórico.
Nos Estados Unidos, condicionados por um ethos individualmente
orientado, com embasamento Freudiano, [os] atores privilegiaram as técnicas
psicológicas do Sistema de Stanislávski em detrimento da [técnica] física [over
those of the physical]. O Método, como ele se tornou conhecido em Nova York,
definiu-se principalmente através deste aspecto multivariante, holístico [do]
Sistema. Assim, a transmissão das ideias de Stanislávski para os E[stados]
U[nidos], sua tradução linguística e cultural, e sua transformação pelo Método
criaram um véu difuso de suposições através do qual nós, no Ocidente
comumente vemos Stanislávski. Ao passo que esse filtro tem iluminado
algumas das premissas do Sistema (mais notavelmente aquelas que envolvem
o realismo psicológico), ele também tem obscurecido outras (tais como aquelas
esboçadas a partir do Simbolismo, [do] Formalismo, e [do] Yoga).
A tradição Stanislavskiana [Stanislavskian lore], desenvolvida na Rússia
Soviética e reivindicante de uma maior fidelidade ao ensinamento do mestre,
não é menos suspeita do que o Método. Na União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, os ditames do materialismo filosófico Marxista e o imperativo
coletivo da Rússia pós-revolucionária exaltaram o treinamento físico de ator de
Stanislávski como sua mais completa e científica técnica. Assim, a versão
Russa do Sistema passou a ser identificada quase exclusivamente com ainda
outro aspecto da abordagem de Stanislávski – o Método das Ações Físicas.
Novamente algumas questões (ação, psicologia behaviorista, e Realismo entre
elas) são iluminadas, mas outras (aquelas do Simbolismo, [do] Formalismo e
[do] Yoga) [são] obscurecidas.
Embora ambos os centros utilizem a mesma fonte, suas leituras criativas
do Sistema seguem/avançam [proceeded] ao longo de diferentes linhas,
estabelecendo não só tradições concorrentes, mas concorrentes verdades
sobre a obra do mestre. Nenhuma das duas abordagens encontrou nos
estudos de vanguarda e [das] artes orientais de Stanislávski mais do que um
interesse passageiro. Nem integraram a mente e o corpo do ator, o corporal e o
espiritual, o texto e a performance tão minuciosa ou insistentemente quanto o
fez Stanislávski. Ambas consideraram, em suma, a obra de Stanislávski no
estilo Realista mais convincente, duas doutrinas evoluídas a partir da mesma
fonte, cada uma ganhando a força ou autoridade inequívoca dentro de sua
própria cultura, ao passo que a própria fonte recuava para um passado vago e
nebuloso. O verdadeiro Stanislávski foi relegado a anedotas que assumiram
[uma força] mítica ao invés de uma força histórica.
Quando o Actors Studio em Nova York me convidou para servir de
intérprete para um diretor visitante do Teatro de Arte de Moscou (que tinha
estudado com um dos últimos alunos/pupilos [pupils] de Stanislávski) eu assisti
estas duas tradições colidirem. Por muitos meses em 1978, eu sussurrei
traduções das críticas de Lee Strasberg das cenas e exercícios para Sam
Tsikhotski1, que sussurrava de volta para mim suas próprias críticas. Quando o
Russo dirigiu os protegidos de Strasberg numa oficina de montagem de A
Gaivota, traduzi suas divergentes interpretações sobre as mesmas técnicas.
Com o destaque de Tsikhotski sobre a ação e a preocupação do elenco com a
emoção, seus pontos de vista encarnam/corporificam [embodied] a evolução
das ideias de Stanislávski.
A posição de Moscou no mapa não causa surpresa. Nascido lá,
Stanislávski trabalhou lá até sua morte. Do mesmo modo, o sistema estar de
alguma forma em conformidade com os princípios do Marxismo na Rússia
comunista levanta algumas sobrancelhas. A Rússia sempre produziu artes de
engajamento político, e a difícil relação entre artes e governo depois da
revolução é geralmente conhecida.
Mas a importância da competição de Nova York em desenvolver o
trabalho de Stanislávski comporta um olhar mais de perto. As razões históricas
para a posição de Nova York neste mapa envolvem um relacionamento
apaixonado e mutuamente benéfico entre Stanislávski e seus estudantes
[Norte] Americanos. Apesar da hostilidade política entre os E[stados] U[nidos
da] A[mérica] e a U[nião das] R[epúblicas] S[ocialistas] S[oviéticas], este ator e
diretor Russo deixou uma marca indelével no imaginário [Norte] Americano
[upon the American imagination]. Depois de desfrutar de uma rotina de
sucessos em Paris, Londres, Berlim, e em outros lugares ao longo de toda a
Europa, Stanislávski incitou um impulso especialmente entusiasta e criativo em
jovens profissionais do teatro [Norte] Americano, quando ele e o Teatro de Arte
de Moscou os visitaram em 1923 e 1924. Ao invés de permanecerem
espectadores passivos, contentes por desfrutarem as conquistas do teatro
1 S.V. Tsikhotski trabalhou com M. N. Kedrov, um dos últimos assistentes de Stanislávski
(Capítulos 5 e 9).
Russo da plateia, esses admiradores buscaram ativamente fazer o teatro de
Stanislávski praticar o deles. Sua ávida adoção representa o primeiro passo no
estabelecimento da importância de Nova York.
Em 1965, quando os membros do Teatro de Arte de Moscou visitaram
Nova York de novo, Lee Strasberg atestou este relacionamento especial. Ele
os cumprimentou como mais do que “colegas de honra”, e explicou ao Actors
Studio que:
O teatro do qual eles são uma parte [...] representou um papel de tal
valor em nossas vidas, que dificilmente podemos pensar neles como um
teatro estrangeiro. [...] Eu penso o que muitas pessoas na América [do
Norte] pensam, que Stanislávski deve ser um [Norte] Americano. Caso
contrário, como ele poderia possivelmente ter influenciado o teatro
[Norte] Americano na medida em que ele o fez?
(LS A12: 16 de Fevereiro de 1965)
Ele repete a própria avaliação de Stanislávski de 1924: “Na América [do Norte],
agora, o T. A. M. é considerado um teatro [Norte] Americano” (SS IX 1999:
154).
A influência de Stanislávski na atuação dos E[stados] U[nidos]
permanece indisputável. Seus ex-alunos emigraram e ensinaram em Nova
York e Hollywood: Richard Boleslavsky, Maria Ouspenskaya, Andrius Jilinsky,
Leo e Barbara Bulgakov, Vera Soloviova, Tamara Daykarhanova, e Michael
Chekhov dentre eles. O Group Theatre e o Actors Studio conscientemente
modelaram-se sobre seu trabalho. Sua inspiração gerou inúmeras escolas e
oficinas de atuação em todo o país, entrando até mesmo nas faculdades e
universidades [Norte] Americanas. Naqueles dias [To this day], profissionais do
teatro tendiam a situarem-se em relação a ele. Alguns, como Stella Adler e
Joshua Logan, fundamentaram suas carreiras em breves períodos de estudo
com ele. Outros, como Lee Strasberg e Sanford Meisner, invocaram seu nome,
mesmo quando argumentando com ele. Adler disse uma vez que “O Group
Theatre contribuiu para um padrão de atuação que transformou o teatro [Norte]
Americano” (Chinoy, 1976: 512). Mais precisamente, essa transformação
ocorreu por intermédio da inspiração de Stanislávski influenciando três
gerações de atores.
Talvez até mesmo mais notável, Stanislávski também capturou o
imaginário popular [Norte] Americana [the popular American imagination]. Sua
relação com o público em geral, também tem durado em nossa própria
geração. A figura de Stanislávski tornou-se a nossa imagem arquetípica do
professor de atuação. No filme de 1987, Outrageous Fortune [Que Sorte
Danada, no Brasil], duas aspirantes a atrizes disputam vagas em uma oficina
de atuação altamente concorrida, dirigida por um professor tirânico do bloco
Oriental cujo nome soa suspeitamente como “Stanislávski” (Dixon, 1987). Em
Tootsie, Dustin Hoffman, ele mesmo um ator do Método, interpreta um ator do
Método que é demitido de uma série de trabalhos comerciais quando ele aplica
as teorias de Stanislávski inadequadamente (Gelbard e Schisgal, 1982). No
musical da Broadway, A Chorus Line, uma das performers do teste expõe sua
humilhação quando ela se sente [um] “nada” em distorcidas versões dos
exercícios de Stanislávski das sensações da memória [Stanislavsky’s sense
memory exercises] (Hamlisch e Kleban, 1975). Até mesmo o personagem
androide Data do [seriado de] televisão Star Trek: The Next Generation [no
Brasil Jornada nas Estrelas: Generations] estuda o Método em suas tentativas
de entender as emoções humanas através da atuação (Lazebnick, 1991).
Essas paródias na mídia popular testemunham o quão completamente
Stanislávski entrou no discurso geral. [As pessoas da] plateia não tem que ser
especialistas de teatro para entender a piada.
Raramente uma cultura foi fascinada por tanto tempo sobre os aspectos
técnicos de uma arte. Durante uma sessão no Actors Studio em 1956,
Strasberg maravilhou-se com o interesse público fenomenal:
No passado [os] atores deviam pensar sobre [atuação]... Duse versus
Bernhardt... Mas penso que essa seja a primeira vez na história do
teatro... que as pessoas em geral – o barbeiro e as atendentes do salão
de beleza – estão discutindo o trabalho do Actors Studio [...] devo dizer
que isso é incomum.
(LS 02:10, Abril 1956)
Strasberg lamentou o preço que ele e os membros do Actors Studio
pagaram por tal atenção. Ele sentiu que essa curiosidade inapropriada forçava
os atores e professores a explicarem-se “desnecessariamente” para aqueles
que nunca poderiam entender a experiência da atuação. “Estou um pouco
irritado, estou um pouco perturbado, e estou um pouco surpreso”, disse ele (LS
02:10 Abril de 1956). Harold Clurman, cofundador do Group Theatre,
concordou: “A verdade da questão é que o sistema nunca deveria ter sido feito
um assunto de conversa, uma questão de publicidade, ou artigos de Domingo,
pois ele não diz respeito ao público, ou, à essa matéria, a crítica” (1957: 39).
A curiosidade do público foi abastecida [fueled] por uma sensação de
mistério que circunda a prática do Sistema de Stanislávski nos Estados Unidos.
Durante a [década de] 1930, quando o Group Theatre criou uma comunidade
de atores que viviam bem como trabalhavam juntos, o público os imaginava
como membros de um culto esotérico do qual os não iniciados [outsiders] eram
excluídos. Consequentemente, a imprensa achou-os fascinantes. Esse
interesse não totalmente simpático e às vezes lascivo chega ao clímax
[climaxed] durante a [década de] 1950, ironicamente despertado por tentativas
inflexíveis de Strasberg para proteger seus atores do olhar dos observadores
enquanto eles experimentavam com sua arte. Ao passo que ele se queixava do
interesse do público, ele parecia involuntariamente estimulá-lo. Em uma
ocasião, por exemplo, ele convidou um jovem escritor para assistir a sessão
dos atores. Quando o convidado ofereceu um comentário, Strasberg explodiu
num ataque de raiva. “Você – do lado de fora – aqui sua presença é um
sofrimento, ela é uma interrupção para nós, é uma interferência com o nosso
trabalho” (LS 101A: 1960).2 Enquanto Strasberg tinha uma questão verdadeira
pra resolver [a real point to make] – que o trabalho cumulativo do Studio
poderia não ser compreendido sem um estudo sério e prolongado – rumores de
tais explosões também serviram para aumentar o interesse [no grupo].
Talvez a adoção de Stanislávski pela comunidade teatral e [a]
curiosidade pública sobre seus métodos teriam sido suficientes para garantir
que Nova York se tornasse um ponto de disseminação central em nosso mapa.
No entanto, o próprio Stanislávski concedeu especial importância ao trabalho
2 Parte desta sessão está transcrita em Hethmon (1991: 47-50), mas esta observação em
particular não aparece.
realizado lá em seu nome. Durante suas turnês de 1923 e 1924, congratulou-se
com [he welcomed] o entusiasmo de seus admiradores [Norte] Americanos. Em
casa, ele foi castigado pelos artistas Russos de vanguarda pelo trabalho
ultrapassado, fora de moda e atacado pelos políticos [de ser] burguês e
[possuir] sentimentos capitalistas. Ele temia que sua criatividade estivesse
debilitada [was flagging]; ele estava perdendo a confiança em seu trabalho. Em
Nova York, ele inesperadamente achou novos estudantes, ansiosos por
estender seu trabalho para o futuro. Ele olhou para eles como salvadores de
sua arte, a qual estava na verdade perecendo no clima artístico e político de
Moscou. Enquanto flertava com a noção de emigração, ele tentou capitalizar as
oportunidades econômicas que os E[stados] U[nidos] ofereceram a ele e a seu
teatro: ele excursionou numa programação exaustiva de apresentações, [foi]
procurado para um contrato de filme, e transformou-se em escritor. A mais
lucrativa dessas oportunidades acabou por ser a escrita; ele publicou seus
primeiros dois principais livros, Minha Vida na Arte [My Life in Art] e A
Preparação do Ator [An Actor Prepares] nos Estados Unidos em Inglês, uma
língua na qual ele não podia nem falar nem ler, antes de publicá-los [issued
them] em sua língua nativa. Não só o dinheiro, no entanto, motivou sua decisão
incomum [Money alone, however, did not prompt his unusual decision.]. Ele
também esperava escapar da censura Soviética, que estava forçando seu
sistema em moldes Marxistas desconfortáveis. Sua decisão de publicar nos
Estados Unidos resultou em livros comercialmente sintetizados/abreviados
[abridged], mas também concedeu a Nova York de forma irrevogável seu lugar
único no mapa da migração, atrás apenas de Moscou.
A influência de Stanislávski nos E[stados] U[nidos] estava longe de ser
coesa ou coerente. No mundo teatral, a obsessão com o seu Sistema conduziu
a [uma] hostilidade aparentemente interminável entre campos de batalha, cada
um proclamando a si mesmo como seus únicos verdadeiros discípulos, como
fanáticos religiosos, transformando ideias dinâmicas em um rígido dogma. Esta
fragmentação da tradição [de] Stanislávski nos E[stados] U[nidos] começou
bem antes de [as early as] 1934. Stella Adler, então membro do Group Theatre,
viajou a Paris em busca do mestre. Ela voltou com novas perspectivas sobre a
atuação e desafiou abertamente a autoridade de Lee Strasberg como o único
professor de atuação do Group [Theatre]. Suas palavras surpreenderam
[amazed] a companhia. Mas ao invés de inspirar [uma] nova experimentação
colaborativa com o Sistema, seu relato os dividiu. Como relembrou a atriz
Phoebe Brand, “Era como ser ou um Republicano ou um Democrata. As
pessoas eram partidários convictos de um lado ou do outro” (Chinoy, 1976:
516). Deste modo, Adler assegurou uma rachadura/ruptura [a rift] no teatro dos
E[stados] U[nidos] que existe até hoje. Outros, como Sanford Meisner, Robert
Lewis, e Elia Kazan, pularam na fissura/rachadura/abertura [fissure].
A confusão chegou a tal grau febril que em 1957, Lewis, também do
Group [Theatre] original, tentou resolver [a questão], proferindo uma série de
palestras para atores profissionais entitulada Método ou Loucura. Ele falava no
Playhouse Theatre em Nova York às segundas-feiras às 23:30 horas [11:30
p.m.], depois que desciam as cortinas da Broadway. Quando a [lotação]
esgotava, os atores sem ingressos tentavam “furar” [“crash”], mas eram
afastados. As palestras tornaram-se “o ingresso mais concorrido [hottest] da
cidade” (Lewis, 1984: 279).3 No entanto, Lewis apenas provia [hardly stemmed]
a maré do debate.
Fora deste tumulto extraordinário, uma revolução teatral e cultural estava
acontecendo. Ao passo que as ideias de Stanislávski desencadeavam algo
muito profundo na psique [Norte] Americana, sua cultura adotada também as
transformava. Conforme Lewis observou, o Sistema Stanislávski “foi
lentamente sendo distorcido no ‘Método’ [Norte] Americano. [...] Nasceu ‘o
Método Actor’.” (Lewis, 1984: 279). Atores estadunidenses estavam traduzindo
e traduzindo mal um sistema Russo para o Inglês, e seu trabalho criativo,
frequentemente não dispunha de clareza. Além disso, enquanto que seus livros
em Língua Inglesa não foram censurados, [o fato de] terem sido
resumidos/sintetizados [their abridgement] aumentava a confusão em
andamento. Como repreendeu Lewis, “Eu nunca fui capaz de descobrir
precisamente o que [‘o Método Actor'] significa mas, dependendo de que lado
você está, você o odeia ou você o trabalha [workship him]” (1984: 279).
Uma vez adotado, adaptado, e em última análise transformado
[ultimately transformed], o Método passou a dominar o palco e a tela nos
E[stados] U[nidos]. Na verdade, o Método impactou forte especificamente
3 As Palestras foram publicadas como Método ou Loucura? [Method or Madness?] (1958).
sobre a [particularly strong impact on] atuação do cinema na [década de] 1950,
ampliando significativamente sua esfera de influência. As ideias de Stanislávski
começaram a voltar [loop back] para a Europa através de um filtro [Norte]
Americano (Bjornage 1989). Atores em todo o mundo aprenderam sobre
Stanislávski a partir dos [Norte] Americanos; até mesmo seus escritos foram
traduzidos a partir das edições sintetizadas/resumidas [abridged] em Inglês.
Desenhando um mapa da migração do Sistema através do mundo chama a
atenção visual esta inesperada, mas altamente carregada [Norte]
Americanização da obra/do trabalho de Stanislávski [Stanislavsky’s work].
Este livro examina a história e as premissas do sistema a fim de levar o
leitor para além do conhecimento comum, ao que o próprio Stanislávski
declarou.
Por um lado, eu exponho/desnudo [lay bare] a transformação do Sistema
no Método. Com a morte de Lee Strasberg, Stella Adler e toda uma geração de
professores estadunidenses que desenvolveram o Método [who set the Method
in motion], chegamos ao fim de uma era no teatro [Norte] Americano. É hora de
dissipar a hegemonia do Método sobre a interpretação do Sistema no
Ocidente. Por outro lado, exponho o condicionamento Soviético do Sistema.
Com a dissolução da U[nião das] R[epúblicas] S[ocialistas] S[oviéticas] e da
abertura dos arquivos mofados que foram selados durante a época de Stalin,
novas informações significativas sobre a vida de Stanislávski e [seu] esforço
artístico estão vindo à luz. Na última década do Século XX e na primeira
década do Século XXI, a quantidade [the rate] de publicações em Russo sobre
Stanislávski têm aumentado inacreditavelmente. Estes materiais nos permitem
entender pela primeira vez o impacto global [full impact] da censura Soviética
sobre Stanislávski.
Um novo olhar para as duas tradições que verteram [sprang] da mesma
fonte revela aspectos ocultos do Sistema que contêm germes para novas e
revitalizadas leituras de Stanislávski pelas próximas gerações de atores.
Experimentei pela primeira vez a importância de tal investigação quando
comparei os livros de Stanislávski em Inglês com seus homólogos Russos. Eu
estava estudando com um professor de atuação em Nova York, que se
considerava apaixonadamente “anti-Stanislávski”. Uma vez que eu podia falar
Russo, ele me mandou verificar a terminologia original. Deste modo, eu
descobri o quão amplamente os livros [em] Russo de Stanislávski variavam de
suas versões padrão em Inglês. À primeira vista, A Preparação do Ator [An
Actor Prepares], A Construção da Personagem [Building a Character], e A
Criação do Papel [Creating a Role] aparentam a metade do tamanho [em
comparação] a suas versões Russas. Os posicionamentos de Stanislávski em
relação a seu trabalho e a seus alunos pareceu mudar diante de mim. Sua
persona Russa tinha um brilho nos olhos. Ele não era apenas o ditador tirânico
que exigia disciplina de ferro, mas também um comentarista engraçado sobre
as manias/vícios de atuação [foibles of acting], treinando divertidamente
[sparring playfully] com seus alunos fictícios em debates socráticos
intermináveis.
Em leituras mais atentas [closer readings], encontrei [nas] ideias e
técnicas, as quais meu professor rotulou como “anti-Stanislávski”, uma parte
muito importante da [versão em] Russo. Notei que a lógica de um argumento
(difícil de acompanhar em Inglês) tornava-se clara se prolixa. Enquanto que os
livros frequentemente soam como meditações obscuras sobre a arte da
atuação [na versão] em Inglês, eles me pareceram altamente lógicos, práticos
e diretos na língua nativa de Stanislávski. Além disso, a [versão em] Inglês
tende para uma terminologia mais técnica (promovendo/fomentando [fostering]
o jargão profissional), ao invés de uma descrição direta e simples do processo
do ator, que era o objetivo declarado de Stanislávski. Conforme ele escreveu
no prefácio à edição Russa, excluído da [versão em] Inglês, “Sobre a arte deve-
se falar e escrever de forma simples e clara” (SS ll 1989: 42). Joshua Logan
inadvertidamente testemunhou a estas diferenças quando disse que, “os livros
que o próprio Stanislávski escreveu são difíceis de entender nas traduções em
Inglês. Sua escrita em nenhum lugar é tão vívida quanto seu discurso”
(Senelick 1981: 209).
Em suma, ler Stanislávski [na versão] em Inglês acabou por se tornar
uma experiência muito diferente de lê-lo [na versão] em Russo. Vi uma grande
[e] irônica lacuna entre o que meu professor considerava serem os
ensinamentos de Stanislávski e o que eles pareciam ser [na versão] em Russo.
Meu trabalho com Tsikhotski só confirmou a existência dessa lacuna. Nossas
fontes em Inglês, juntamente com nosso conhecimento comum sobre
Stanislávski divergem dramaticamente das fontes em sua língua nativa. Como
podia o meu professor de atuação, que refletia tão perfeitamente as ideias de
Stanislávski, considerar-se um oponente? Na sala de aula, tínhamos
aparentemente confundido [mistaken] o Método pelo Sistema. Por que, de fato,
os livros Russos parecem tão diferentes [na versão] em Inglês? A censura
Soviética por si só não pode explicá-lo. Afinal, por que os livros censurados tem
o dobro do tamanho? Será que eles não seriam menos extensos [shorter]?
Aparentemente, a transformação do Sistema de Stanislávski no Método
ocorreu não só metaforicamente, mas também literalmente.
Persegui ainda mais essas questões frequentando aulas na Escola de
Artes Teatrais de Moscou [Moscow Art Theatre School] e [no] GITIS (agora
Academia Russa para Artes Teatrais [Russian Academy for Theatre Arts]),
onde comecei a desvendar o mistério de seu último estúdio através de
professores como Natalia Zverova e diretores como Leonid Kheifets. Banquei [I
played] a detetive em arquivos localizados em Nova York e Moscou. As
respostas surgiram por meio de uma história complicada que envolve a
transmissão e [a] tradução das ideias de Stanislávski. Nos E[stados] U[nidos],
os professores de atuação e a comercial indústria editorial tiveram participação
[took part] na história; na U[nião das] R[epúblicas] S[ocialistas] S[oviéticas], a
política representou [played] o papel principal. Estas são as
categorias/classificações [categories] da minha investigação.
A primeira parte do meu livro se concentra sobre a transmissão das
ideias de Stanislávski para os Estados Unidos: as turnês do Teatro de Arte de
Moscou para os E[stados] U[nidos] e a consequente adoção do Sistema pelo
Group Theatre e [pelo] Actors Studio. Nela, examino o caso de amor que
começou na [década de] 1920 entre Stanislávski e seus admiradores [Norte]
Americanos. Esta seção estabelece por que precisamos dar uma segunda
olhada no que podem parecer histórias familiares.
A segunda parte diz respeito às traduções culturais e linguísticas da obra
de Stanislávski: como suas ideias foram tratadas nas salas de aula dos
professores emigrados, que ensinaram os fundadores do Método; como a
abreviação/sintetização/o resumo [abridgement] e as escolhas de tradução
alteraram seus livros [na versão] em Inglês; e como a censura Soviética forçou
muitas de suas ideias mais interessantes para os subtextos de seus livros [na
versão em] Língua Russa. Essas informações fornecem os contextos culturais
necessárias para [se] dar uma nova olhada para Stanislávski. Os capítulos
nesta seção atentam [account] para os modos nos quais as práticas de atuação
impactaram nas teorias escritas; fazem face/lidam com [cope with] o que foi
excluído das traduções sintetizadas/resumidas [abridged] em Inglês; e buscam
pelo que permanece entre as linhas em seus mais completos, porém
censurados livros em Língua Russa.
Dedico a terceira parte à prática da atuação examinando quatro
conceitos definidores do Sistema e suas transformações em Russo e [em]
Inglês:
1 A Performance em si. O Sistema, no seu melhor, induz um estado de
espírito e [de] ser/estar [being] no ator o qual Stanislávski chama
excentricamente “vivência” [“experiencing”], e que melhor define seu
entendimento pessoal da arte teatral.
2 “Memória Afetiva”, também chamada [de] “Memória Emocional”, uma
técnica muito debatida que fala diretamente da adoção [Norte]
Americana de Stanislávski. Aqui examino a concepção psicofísica de
Stanislávski da emoção através da ciência da psicologia.
3 Adaptações para a atuação a partir do Yoga. A prática oriental permite
a Stanislávski ir além da propensão ocidental de ver a mente e o
corpo como dois reinos separados e estabelecer um continuum
mente-corpo-espírito para os atores que procuram comunicar a
globalidade do escopo da experiência humana através de sua arte.
4 O conceito de ação. Stanislávski explora em profundidade os modos
nos quais o drama fala através da ação em seu último Estúdio de
Ópera Dramática [Opera-Dramatic Studio]. Seus experimentos,
escondidos no interior de sua casa, ramificaram-se em duas técnicas
de ensaio: O Método das Ações Físicas, tal como interpretado pelos
Marxistas Soviéticos, foi posicionado como o ponto final em sua busca
ao longo da vida por um Sistema científico embasado no corpo
material; [e] a mais holística e não finalizada/em aberto [open-ended]
“Análise Ativa” transformou em prática seu profundo compromisso
com o estado de espírito improvisatório necessário à performance,
sua promoção da atuação como uma arte discreta, e seu respeito
pelo ator como artista.
Restam, é claro, muitos mais aspectos do Sistema (movimento e
treinamento vocal para citar apenas dois) que imploram por uma investigação
mais aprofundada, mas os quatro [aspectos] examinados nos capítulos deste
livro fornecem ambos, uma base conceitual e [uma base] prática para estudos
posteriores/adicionais [further studies].
Em todas as três partes, o leitor irá encontrar uma interação do familiar e
[do] não familiar. Os acadêmicos/estudiosos [scholars] podem bem reconhecer
muito da informação histórica, enquanto artistas de teatro podem acenar
[negativamente] suas cabeças para muitas questões que dizem respeito à
prática da atuação. Meu projeto reúne histórias pertinentes, fatos, teorias e
suposições de ambos, estudiosos/acadêmicos [scholarship] e práticos, a fim de
compará-las com [weigh them against] as palavras de Stanislávski. No
processo, um pouco do conhecimento comum resiste a um exame minucioso;
outro tanto (quando colocados em novos contextos e contra novas
informações) revela-se como mito. No todo, o livro nos convida a reconsiderar
nossas suposições.
Traçar a transformação conceitual das ideias centrais de Stanislávski
envolve dificuldades especiais. Em primeiro lugar, as próprias ideias resistem à
verbalização. Conforme o próprio Stanislávski reclamou quando falou das
fontes inconscientes de criação, “Eu tenho que falar a vocês sobre algo que eu
sinto, mas não conheço” (1936: 199) Seu sentimento é um tipo de saber
inexprimível. Metáforas, parábolas e analogias devem servir. Em segundo
lugar, as fontes escritas sobre o teatro devem ser temperadas por uma
consciência da prática. Peter Brook divertidamente conta como ele movimentou
pequenas figuras de papelão em torno de uma maquete [model of a set] de
cenários antes do primeiro ensaio de sua primeira grande produção, só para
descobrir que todo o seu trabalho não poderia prepará-lo para a realidade dos
atores tridimensionais sobre um palco real (1968: 96-7). Stanislávski invoca a
mesma realidade teatral quando afirma que seu “método básico” é “ir da prática
ao exemplo gráfico e da minha própria experiência para a teoria” (SS II, 1989:
368).
Estudar a prática apresenta ainda mais dificuldades. Como a
performance, ela é efêmera, e só pode ser inferida a partir de fontes escritas,
memórias, gravações [mecânicas] [tape recordings], reminiscências, etc. Além
disso, muitas vezes é tão pessoal que varia de acordo com a individualidade de
cada artista [each individual artist], criando [uma] multiplicidade infinita, grande
demais para descrever em todas as suas manifestações. Cada um dos
apoiadores(as) de Stanislávski individualiza o sistema de sua própria maneira.
Examinar muitas permutações desse tipo seria apenas confundir
irremediavelmente as principais questões. Finalmente, diferente da teoria, a
prática é funcional e contextual; portanto, ela pode conter princípios
aparentemente contraditórios por serem igualmente verdade. Em um [dado]
momento, Stanislávski escreve: “Não há arte genuína/verdadeira [genuine] sem
verdade e crença” (SS 11, 1989: 226). Em outro momento, “Viver a verdade
sobre o palco não é de modo algum o que ela é na realidade” (SS IV, 1991:
380). Num [dado] contexto, Strasberg vê o “alicerce” [“foundation”] da atuação
no “pensamento real, com sensação real, e portanto, com experiência real
sobre o palco” (LS A9: 2, Fevereiro de 1965). Em outro contexto, ele afirma
que a emoção do ator “nunca deve ser ‘realmente real’” (Munk, 1966: 197).
Tais declarações contraditórias tornam possível apoiar ou refutar praticamente
qualquer ponto de vista do Sistema ou [d]o Método. Sem descartar as
contradições, examino essas ideias que mais consistentemente definem ambas
as suas práticas, [Sistema e Método].
Com estas dificuldades muito reais em mente, entrei no campo minado,
desconstruindo cuidadosamente o Sistema a fim de construí-lo de novo,
comparando [weighing] história com mito, usando palavras para sugerir uma
arte não verbal, e equilibrando a teoria com a prática, nos capítulos a seguir irei
desembaraçar o complicado nó de [algumas] questões, as quais dizem respeito
à transmissão, tradução e transformação do Sistema. Este projeto, ao qual meu
livro está dedicado, é essencial para que o teatro recupere aspectos ocultos do
Sistema de Stanislávski. Tal recuperação necessita: (a) desafiar suposições
difundidas e profundamente fixadas sobre Stanislávski; (b) acessar textos e
cadernos de anotações pessoais [personal notebooks] que nunca tenham sido
impressos ou traduzidos; (c) revisitar seus livros impressos usando novos
óculos.