STANISLÁVSKI EM FOCO – CAPÍTULO 1 – Desmitificando Stanislávski

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CARNICKE, Sharon Marie. Stanislavsky in Focus An acting Master for the Twenty-first Century. 2nd Ed., London/New York: Routledge, 2009. Capítulo 1, pp. 7-15. Traduzido para fins didáticos por Laédio José Martins. Jan./2015. STANISLÁVSKI EM FOCO CAPÍTULO 1 Desmitificando Stanislávski Enquanto o nome de Stanislávski dominou debates sobre a atuação no mundo Ocidental por quase um século, a maioria dos atores identifica rotineiramente seu Sistema com o Método, desenvolvido em Nova York durante a Grande Depressão e popularizado por Strasberg. Processos dinâmicos deram origem a essa identificação: atores do Teatro de Arte de Moscou inspiraram uma geração de atores dos E[stados] U[nidos], ao passo que eles próprios lutavam para sobreviver no clima político da Rússia pós- revolucionária; atores emigrados ensinaram em uma língua estrangeira a estudantes cujos pressupostos culturais diferiram dramaticamente de seus próprios; a simplificação/abreviação/sintetização [abridgement] dos livros de Stanislávski nos E[stados] U[nidos] e sua censura em Moscou obscureceram ainda mais o seu rosto; e, finalmente, a própria natureza da prática da atuação incentiva [as] modificações individuais das técnicas do Sistema. Um mapa que traça a migração do Sistema de Constantin Sergueievitch Stanislávski através do mundo, portanto, mostraria dois pontos principais: Nova York e Moscou. Em ambas as cidades, os atores apreenderam o trabalho de Stanislávski como primário e essencial. Em ambas, os professores que tinham estudado com o mestre passaram seu [próprio] entendimento de sua prática para a próxima geração de professores. Essa geração, à sua vez passou-o para os nossos professores, e nós para os nossos alunos. Ambos os centros teatrais criaram abordagens tradicionais ligadas ao Sistema que, posteriormente, se estenderam pelo globo. A partir de Moscou, as ideias de Stanislávski se espalharam para a Europa Oriental e [para a] Alemanha; de Nova York, elas viajaram para a Europa Ocidental, a Grã-Bretanha, a Escandinávia, e tão longe quanto o Japão. Ambas as tradições, no entanto, pintaram retratos retocados do Stanislávski histórico.

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CARNICKE, Sharon Marie. Stanislavsky in Focus – An acting Master for the

Twenty-first Century. 2nd Ed., London/New York: Routledge, 2009. Capítulo

1, pp. 7-15. Traduzido para fins didáticos por Laédio José Martins. Jan./2015.

STANISLÁVSKI EM FOCO – CAPÍTULO 1

Desmitificando Stanislávski

Enquanto o nome de Stanislávski dominou debates sobre a atuação no

mundo Ocidental por quase um século, a maioria dos atores identifica

rotineiramente seu Sistema com o Método, desenvolvido em Nova York

durante a Grande Depressão e popularizado por Strasberg. Processos

dinâmicos deram origem a essa identificação: atores do Teatro de Arte de

Moscou inspiraram uma geração de atores dos E[stados] U[nidos], ao passo

que eles próprios lutavam para sobreviver no clima político da Rússia pós-

revolucionária; atores emigrados ensinaram em uma língua estrangeira a

estudantes cujos pressupostos culturais diferiram dramaticamente de seus

próprios; a simplificação/abreviação/sintetização [abridgement] dos livros de

Stanislávski nos E[stados] U[nidos] e sua censura em Moscou obscureceram

ainda mais o seu rosto; e, finalmente, a própria natureza da prática da atuação

incentiva [as] modificações individuais das técnicas do Sistema.

Um mapa que traça a migração do Sistema de Constantin Sergueievitch

Stanislávski através do mundo, portanto, mostraria dois pontos principais: Nova

York e Moscou. Em ambas as cidades, os atores apreenderam o trabalho de

Stanislávski como primário e essencial. Em ambas, os professores que tinham

estudado com o mestre passaram seu [próprio] entendimento de sua prática

para a próxima geração de professores. Essa geração, à sua vez passou-o

para os nossos professores, e nós para os nossos alunos. Ambos os centros

teatrais criaram abordagens tradicionais ligadas ao Sistema que,

posteriormente, se estenderam pelo globo. A partir de Moscou, as ideias de

Stanislávski se espalharam para a Europa Oriental e [para a] Alemanha; de

Nova York, elas viajaram para a Europa Ocidental, a Grã-Bretanha, a

Escandinávia, e tão longe quanto o Japão. Ambas as tradições, no entanto,

pintaram retratos retocados do Stanislávski histórico.

Nos Estados Unidos, condicionados por um ethos individualmente

orientado, com embasamento Freudiano, [os] atores privilegiaram as técnicas

psicológicas do Sistema de Stanislávski em detrimento da [técnica] física [over

those of the physical]. O Método, como ele se tornou conhecido em Nova York,

definiu-se principalmente através deste aspecto multivariante, holístico [do]

Sistema. Assim, a transmissão das ideias de Stanislávski para os E[stados]

U[nidos], sua tradução linguística e cultural, e sua transformação pelo Método

criaram um véu difuso de suposições através do qual nós, no Ocidente

comumente vemos Stanislávski. Ao passo que esse filtro tem iluminado

algumas das premissas do Sistema (mais notavelmente aquelas que envolvem

o realismo psicológico), ele também tem obscurecido outras (tais como aquelas

esboçadas a partir do Simbolismo, [do] Formalismo, e [do] Yoga).

A tradição Stanislavskiana [Stanislavskian lore], desenvolvida na Rússia

Soviética e reivindicante de uma maior fidelidade ao ensinamento do mestre,

não é menos suspeita do que o Método. Na União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas, os ditames do materialismo filosófico Marxista e o imperativo

coletivo da Rússia pós-revolucionária exaltaram o treinamento físico de ator de

Stanislávski como sua mais completa e científica técnica. Assim, a versão

Russa do Sistema passou a ser identificada quase exclusivamente com ainda

outro aspecto da abordagem de Stanislávski – o Método das Ações Físicas.

Novamente algumas questões (ação, psicologia behaviorista, e Realismo entre

elas) são iluminadas, mas outras (aquelas do Simbolismo, [do] Formalismo e

[do] Yoga) [são] obscurecidas.

Embora ambos os centros utilizem a mesma fonte, suas leituras criativas

do Sistema seguem/avançam [proceeded] ao longo de diferentes linhas,

estabelecendo não só tradições concorrentes, mas concorrentes verdades

sobre a obra do mestre. Nenhuma das duas abordagens encontrou nos

estudos de vanguarda e [das] artes orientais de Stanislávski mais do que um

interesse passageiro. Nem integraram a mente e o corpo do ator, o corporal e o

espiritual, o texto e a performance tão minuciosa ou insistentemente quanto o

fez Stanislávski. Ambas consideraram, em suma, a obra de Stanislávski no

estilo Realista mais convincente, duas doutrinas evoluídas a partir da mesma

fonte, cada uma ganhando a força ou autoridade inequívoca dentro de sua

própria cultura, ao passo que a própria fonte recuava para um passado vago e

nebuloso. O verdadeiro Stanislávski foi relegado a anedotas que assumiram

[uma força] mítica ao invés de uma força histórica.

Quando o Actors Studio em Nova York me convidou para servir de

intérprete para um diretor visitante do Teatro de Arte de Moscou (que tinha

estudado com um dos últimos alunos/pupilos [pupils] de Stanislávski) eu assisti

estas duas tradições colidirem. Por muitos meses em 1978, eu sussurrei

traduções das críticas de Lee Strasberg das cenas e exercícios para Sam

Tsikhotski1, que sussurrava de volta para mim suas próprias críticas. Quando o

Russo dirigiu os protegidos de Strasberg numa oficina de montagem de A

Gaivota, traduzi suas divergentes interpretações sobre as mesmas técnicas.

Com o destaque de Tsikhotski sobre a ação e a preocupação do elenco com a

emoção, seus pontos de vista encarnam/corporificam [embodied] a evolução

das ideias de Stanislávski.

A posição de Moscou no mapa não causa surpresa. Nascido lá,

Stanislávski trabalhou lá até sua morte. Do mesmo modo, o sistema estar de

alguma forma em conformidade com os princípios do Marxismo na Rússia

comunista levanta algumas sobrancelhas. A Rússia sempre produziu artes de

engajamento político, e a difícil relação entre artes e governo depois da

revolução é geralmente conhecida.

Mas a importância da competição de Nova York em desenvolver o

trabalho de Stanislávski comporta um olhar mais de perto. As razões históricas

para a posição de Nova York neste mapa envolvem um relacionamento

apaixonado e mutuamente benéfico entre Stanislávski e seus estudantes

[Norte] Americanos. Apesar da hostilidade política entre os E[stados] U[nidos

da] A[mérica] e a U[nião das] R[epúblicas] S[ocialistas] S[oviéticas], este ator e

diretor Russo deixou uma marca indelével no imaginário [Norte] Americano

[upon the American imagination]. Depois de desfrutar de uma rotina de

sucessos em Paris, Londres, Berlim, e em outros lugares ao longo de toda a

Europa, Stanislávski incitou um impulso especialmente entusiasta e criativo em

jovens profissionais do teatro [Norte] Americano, quando ele e o Teatro de Arte

de Moscou os visitaram em 1923 e 1924. Ao invés de permanecerem

espectadores passivos, contentes por desfrutarem as conquistas do teatro

1 S.V. Tsikhotski trabalhou com M. N. Kedrov, um dos últimos assistentes de Stanislávski

(Capítulos 5 e 9).

Russo da plateia, esses admiradores buscaram ativamente fazer o teatro de

Stanislávski praticar o deles. Sua ávida adoção representa o primeiro passo no

estabelecimento da importância de Nova York.

Em 1965, quando os membros do Teatro de Arte de Moscou visitaram

Nova York de novo, Lee Strasberg atestou este relacionamento especial. Ele

os cumprimentou como mais do que “colegas de honra”, e explicou ao Actors

Studio que:

O teatro do qual eles são uma parte [...] representou um papel de tal

valor em nossas vidas, que dificilmente podemos pensar neles como um

teatro estrangeiro. [...] Eu penso o que muitas pessoas na América [do

Norte] pensam, que Stanislávski deve ser um [Norte] Americano. Caso

contrário, como ele poderia possivelmente ter influenciado o teatro

[Norte] Americano na medida em que ele o fez?

(LS A12: 16 de Fevereiro de 1965)

Ele repete a própria avaliação de Stanislávski de 1924: “Na América [do Norte],

agora, o T. A. M. é considerado um teatro [Norte] Americano” (SS IX 1999:

154).

A influência de Stanislávski na atuação dos E[stados] U[nidos]

permanece indisputável. Seus ex-alunos emigraram e ensinaram em Nova

York e Hollywood: Richard Boleslavsky, Maria Ouspenskaya, Andrius Jilinsky,

Leo e Barbara Bulgakov, Vera Soloviova, Tamara Daykarhanova, e Michael

Chekhov dentre eles. O Group Theatre e o Actors Studio conscientemente

modelaram-se sobre seu trabalho. Sua inspiração gerou inúmeras escolas e

oficinas de atuação em todo o país, entrando até mesmo nas faculdades e

universidades [Norte] Americanas. Naqueles dias [To this day], profissionais do

teatro tendiam a situarem-se em relação a ele. Alguns, como Stella Adler e

Joshua Logan, fundamentaram suas carreiras em breves períodos de estudo

com ele. Outros, como Lee Strasberg e Sanford Meisner, invocaram seu nome,

mesmo quando argumentando com ele. Adler disse uma vez que “O Group

Theatre contribuiu para um padrão de atuação que transformou o teatro [Norte]

Americano” (Chinoy, 1976: 512). Mais precisamente, essa transformação

ocorreu por intermédio da inspiração de Stanislávski influenciando três

gerações de atores.

Talvez até mesmo mais notável, Stanislávski também capturou o

imaginário popular [Norte] Americana [the popular American imagination]. Sua

relação com o público em geral, também tem durado em nossa própria

geração. A figura de Stanislávski tornou-se a nossa imagem arquetípica do

professor de atuação. No filme de 1987, Outrageous Fortune [Que Sorte

Danada, no Brasil], duas aspirantes a atrizes disputam vagas em uma oficina

de atuação altamente concorrida, dirigida por um professor tirânico do bloco

Oriental cujo nome soa suspeitamente como “Stanislávski” (Dixon, 1987). Em

Tootsie, Dustin Hoffman, ele mesmo um ator do Método, interpreta um ator do

Método que é demitido de uma série de trabalhos comerciais quando ele aplica

as teorias de Stanislávski inadequadamente (Gelbard e Schisgal, 1982). No

musical da Broadway, A Chorus Line, uma das performers do teste expõe sua

humilhação quando ela se sente [um] “nada” em distorcidas versões dos

exercícios de Stanislávski das sensações da memória [Stanislavsky’s sense

memory exercises] (Hamlisch e Kleban, 1975). Até mesmo o personagem

androide Data do [seriado de] televisão Star Trek: The Next Generation [no

Brasil Jornada nas Estrelas: Generations] estuda o Método em suas tentativas

de entender as emoções humanas através da atuação (Lazebnick, 1991).

Essas paródias na mídia popular testemunham o quão completamente

Stanislávski entrou no discurso geral. [As pessoas da] plateia não tem que ser

especialistas de teatro para entender a piada.

Raramente uma cultura foi fascinada por tanto tempo sobre os aspectos

técnicos de uma arte. Durante uma sessão no Actors Studio em 1956,

Strasberg maravilhou-se com o interesse público fenomenal:

No passado [os] atores deviam pensar sobre [atuação]... Duse versus

Bernhardt... Mas penso que essa seja a primeira vez na história do

teatro... que as pessoas em geral – o barbeiro e as atendentes do salão

de beleza – estão discutindo o trabalho do Actors Studio [...] devo dizer

que isso é incomum.

(LS 02:10, Abril 1956)

Strasberg lamentou o preço que ele e os membros do Actors Studio

pagaram por tal atenção. Ele sentiu que essa curiosidade inapropriada forçava

os atores e professores a explicarem-se “desnecessariamente” para aqueles

que nunca poderiam entender a experiência da atuação. “Estou um pouco

irritado, estou um pouco perturbado, e estou um pouco surpreso”, disse ele (LS

02:10 Abril de 1956). Harold Clurman, cofundador do Group Theatre,

concordou: “A verdade da questão é que o sistema nunca deveria ter sido feito

um assunto de conversa, uma questão de publicidade, ou artigos de Domingo,

pois ele não diz respeito ao público, ou, à essa matéria, a crítica” (1957: 39).

A curiosidade do público foi abastecida [fueled] por uma sensação de

mistério que circunda a prática do Sistema de Stanislávski nos Estados Unidos.

Durante a [década de] 1930, quando o Group Theatre criou uma comunidade

de atores que viviam bem como trabalhavam juntos, o público os imaginava

como membros de um culto esotérico do qual os não iniciados [outsiders] eram

excluídos. Consequentemente, a imprensa achou-os fascinantes. Esse

interesse não totalmente simpático e às vezes lascivo chega ao clímax

[climaxed] durante a [década de] 1950, ironicamente despertado por tentativas

inflexíveis de Strasberg para proteger seus atores do olhar dos observadores

enquanto eles experimentavam com sua arte. Ao passo que ele se queixava do

interesse do público, ele parecia involuntariamente estimulá-lo. Em uma

ocasião, por exemplo, ele convidou um jovem escritor para assistir a sessão

dos atores. Quando o convidado ofereceu um comentário, Strasberg explodiu

num ataque de raiva. “Você – do lado de fora – aqui sua presença é um

sofrimento, ela é uma interrupção para nós, é uma interferência com o nosso

trabalho” (LS 101A: 1960).2 Enquanto Strasberg tinha uma questão verdadeira

pra resolver [a real point to make] – que o trabalho cumulativo do Studio

poderia não ser compreendido sem um estudo sério e prolongado – rumores de

tais explosões também serviram para aumentar o interesse [no grupo].

Talvez a adoção de Stanislávski pela comunidade teatral e [a]

curiosidade pública sobre seus métodos teriam sido suficientes para garantir

que Nova York se tornasse um ponto de disseminação central em nosso mapa.

No entanto, o próprio Stanislávski concedeu especial importância ao trabalho

2 Parte desta sessão está transcrita em Hethmon (1991: 47-50), mas esta observação em

particular não aparece.

realizado lá em seu nome. Durante suas turnês de 1923 e 1924, congratulou-se

com [he welcomed] o entusiasmo de seus admiradores [Norte] Americanos. Em

casa, ele foi castigado pelos artistas Russos de vanguarda pelo trabalho

ultrapassado, fora de moda e atacado pelos políticos [de ser] burguês e

[possuir] sentimentos capitalistas. Ele temia que sua criatividade estivesse

debilitada [was flagging]; ele estava perdendo a confiança em seu trabalho. Em

Nova York, ele inesperadamente achou novos estudantes, ansiosos por

estender seu trabalho para o futuro. Ele olhou para eles como salvadores de

sua arte, a qual estava na verdade perecendo no clima artístico e político de

Moscou. Enquanto flertava com a noção de emigração, ele tentou capitalizar as

oportunidades econômicas que os E[stados] U[nidos] ofereceram a ele e a seu

teatro: ele excursionou numa programação exaustiva de apresentações, [foi]

procurado para um contrato de filme, e transformou-se em escritor. A mais

lucrativa dessas oportunidades acabou por ser a escrita; ele publicou seus

primeiros dois principais livros, Minha Vida na Arte [My Life in Art] e A

Preparação do Ator [An Actor Prepares] nos Estados Unidos em Inglês, uma

língua na qual ele não podia nem falar nem ler, antes de publicá-los [issued

them] em sua língua nativa. Não só o dinheiro, no entanto, motivou sua decisão

incomum [Money alone, however, did not prompt his unusual decision.]. Ele

também esperava escapar da censura Soviética, que estava forçando seu

sistema em moldes Marxistas desconfortáveis. Sua decisão de publicar nos

Estados Unidos resultou em livros comercialmente sintetizados/abreviados

[abridged], mas também concedeu a Nova York de forma irrevogável seu lugar

único no mapa da migração, atrás apenas de Moscou.

A influência de Stanislávski nos E[stados] U[nidos] estava longe de ser

coesa ou coerente. No mundo teatral, a obsessão com o seu Sistema conduziu

a [uma] hostilidade aparentemente interminável entre campos de batalha, cada

um proclamando a si mesmo como seus únicos verdadeiros discípulos, como

fanáticos religiosos, transformando ideias dinâmicas em um rígido dogma. Esta

fragmentação da tradição [de] Stanislávski nos E[stados] U[nidos] começou

bem antes de [as early as] 1934. Stella Adler, então membro do Group Theatre,

viajou a Paris em busca do mestre. Ela voltou com novas perspectivas sobre a

atuação e desafiou abertamente a autoridade de Lee Strasberg como o único

professor de atuação do Group [Theatre]. Suas palavras surpreenderam

[amazed] a companhia. Mas ao invés de inspirar [uma] nova experimentação

colaborativa com o Sistema, seu relato os dividiu. Como relembrou a atriz

Phoebe Brand, “Era como ser ou um Republicano ou um Democrata. As

pessoas eram partidários convictos de um lado ou do outro” (Chinoy, 1976:

516). Deste modo, Adler assegurou uma rachadura/ruptura [a rift] no teatro dos

E[stados] U[nidos] que existe até hoje. Outros, como Sanford Meisner, Robert

Lewis, e Elia Kazan, pularam na fissura/rachadura/abertura [fissure].

A confusão chegou a tal grau febril que em 1957, Lewis, também do

Group [Theatre] original, tentou resolver [a questão], proferindo uma série de

palestras para atores profissionais entitulada Método ou Loucura. Ele falava no

Playhouse Theatre em Nova York às segundas-feiras às 23:30 horas [11:30

p.m.], depois que desciam as cortinas da Broadway. Quando a [lotação]

esgotava, os atores sem ingressos tentavam “furar” [“crash”], mas eram

afastados. As palestras tornaram-se “o ingresso mais concorrido [hottest] da

cidade” (Lewis, 1984: 279).3 No entanto, Lewis apenas provia [hardly stemmed]

a maré do debate.

Fora deste tumulto extraordinário, uma revolução teatral e cultural estava

acontecendo. Ao passo que as ideias de Stanislávski desencadeavam algo

muito profundo na psique [Norte] Americana, sua cultura adotada também as

transformava. Conforme Lewis observou, o Sistema Stanislávski “foi

lentamente sendo distorcido no ‘Método’ [Norte] Americano. [...] Nasceu ‘o

Método Actor’.” (Lewis, 1984: 279). Atores estadunidenses estavam traduzindo

e traduzindo mal um sistema Russo para o Inglês, e seu trabalho criativo,

frequentemente não dispunha de clareza. Além disso, enquanto que seus livros

em Língua Inglesa não foram censurados, [o fato de] terem sido

resumidos/sintetizados [their abridgement] aumentava a confusão em

andamento. Como repreendeu Lewis, “Eu nunca fui capaz de descobrir

precisamente o que [‘o Método Actor'] significa mas, dependendo de que lado

você está, você o odeia ou você o trabalha [workship him]” (1984: 279).

Uma vez adotado, adaptado, e em última análise transformado

[ultimately transformed], o Método passou a dominar o palco e a tela nos

E[stados] U[nidos]. Na verdade, o Método impactou forte especificamente

3 As Palestras foram publicadas como Método ou Loucura? [Method or Madness?] (1958).

sobre a [particularly strong impact on] atuação do cinema na [década de] 1950,

ampliando significativamente sua esfera de influência. As ideias de Stanislávski

começaram a voltar [loop back] para a Europa através de um filtro [Norte]

Americano (Bjornage 1989). Atores em todo o mundo aprenderam sobre

Stanislávski a partir dos [Norte] Americanos; até mesmo seus escritos foram

traduzidos a partir das edições sintetizadas/resumidas [abridged] em Inglês.

Desenhando um mapa da migração do Sistema através do mundo chama a

atenção visual esta inesperada, mas altamente carregada [Norte]

Americanização da obra/do trabalho de Stanislávski [Stanislavsky’s work].

Este livro examina a história e as premissas do sistema a fim de levar o

leitor para além do conhecimento comum, ao que o próprio Stanislávski

declarou.

Por um lado, eu exponho/desnudo [lay bare] a transformação do Sistema

no Método. Com a morte de Lee Strasberg, Stella Adler e toda uma geração de

professores estadunidenses que desenvolveram o Método [who set the Method

in motion], chegamos ao fim de uma era no teatro [Norte] Americano. É hora de

dissipar a hegemonia do Método sobre a interpretação do Sistema no

Ocidente. Por outro lado, exponho o condicionamento Soviético do Sistema.

Com a dissolução da U[nião das] R[epúblicas] S[ocialistas] S[oviéticas] e da

abertura dos arquivos mofados que foram selados durante a época de Stalin,

novas informações significativas sobre a vida de Stanislávski e [seu] esforço

artístico estão vindo à luz. Na última década do Século XX e na primeira

década do Século XXI, a quantidade [the rate] de publicações em Russo sobre

Stanislávski têm aumentado inacreditavelmente. Estes materiais nos permitem

entender pela primeira vez o impacto global [full impact] da censura Soviética

sobre Stanislávski.

Um novo olhar para as duas tradições que verteram [sprang] da mesma

fonte revela aspectos ocultos do Sistema que contêm germes para novas e

revitalizadas leituras de Stanislávski pelas próximas gerações de atores.

Experimentei pela primeira vez a importância de tal investigação quando

comparei os livros de Stanislávski em Inglês com seus homólogos Russos. Eu

estava estudando com um professor de atuação em Nova York, que se

considerava apaixonadamente “anti-Stanislávski”. Uma vez que eu podia falar

Russo, ele me mandou verificar a terminologia original. Deste modo, eu

descobri o quão amplamente os livros [em] Russo de Stanislávski variavam de

suas versões padrão em Inglês. À primeira vista, A Preparação do Ator [An

Actor Prepares], A Construção da Personagem [Building a Character], e A

Criação do Papel [Creating a Role] aparentam a metade do tamanho [em

comparação] a suas versões Russas. Os posicionamentos de Stanislávski em

relação a seu trabalho e a seus alunos pareceu mudar diante de mim. Sua

persona Russa tinha um brilho nos olhos. Ele não era apenas o ditador tirânico

que exigia disciplina de ferro, mas também um comentarista engraçado sobre

as manias/vícios de atuação [foibles of acting], treinando divertidamente

[sparring playfully] com seus alunos fictícios em debates socráticos

intermináveis.

Em leituras mais atentas [closer readings], encontrei [nas] ideias e

técnicas, as quais meu professor rotulou como “anti-Stanislávski”, uma parte

muito importante da [versão em] Russo. Notei que a lógica de um argumento

(difícil de acompanhar em Inglês) tornava-se clara se prolixa. Enquanto que os

livros frequentemente soam como meditações obscuras sobre a arte da

atuação [na versão] em Inglês, eles me pareceram altamente lógicos, práticos

e diretos na língua nativa de Stanislávski. Além disso, a [versão em] Inglês

tende para uma terminologia mais técnica (promovendo/fomentando [fostering]

o jargão profissional), ao invés de uma descrição direta e simples do processo

do ator, que era o objetivo declarado de Stanislávski. Conforme ele escreveu

no prefácio à edição Russa, excluído da [versão em] Inglês, “Sobre a arte deve-

se falar e escrever de forma simples e clara” (SS ll 1989: 42). Joshua Logan

inadvertidamente testemunhou a estas diferenças quando disse que, “os livros

que o próprio Stanislávski escreveu são difíceis de entender nas traduções em

Inglês. Sua escrita em nenhum lugar é tão vívida quanto seu discurso”

(Senelick 1981: 209).

Em suma, ler Stanislávski [na versão] em Inglês acabou por se tornar

uma experiência muito diferente de lê-lo [na versão] em Russo. Vi uma grande

[e] irônica lacuna entre o que meu professor considerava serem os

ensinamentos de Stanislávski e o que eles pareciam ser [na versão] em Russo.

Meu trabalho com Tsikhotski só confirmou a existência dessa lacuna. Nossas

fontes em Inglês, juntamente com nosso conhecimento comum sobre

Stanislávski divergem dramaticamente das fontes em sua língua nativa. Como

podia o meu professor de atuação, que refletia tão perfeitamente as ideias de

Stanislávski, considerar-se um oponente? Na sala de aula, tínhamos

aparentemente confundido [mistaken] o Método pelo Sistema. Por que, de fato,

os livros Russos parecem tão diferentes [na versão] em Inglês? A censura

Soviética por si só não pode explicá-lo. Afinal, por que os livros censurados tem

o dobro do tamanho? Será que eles não seriam menos extensos [shorter]?

Aparentemente, a transformação do Sistema de Stanislávski no Método

ocorreu não só metaforicamente, mas também literalmente.

Persegui ainda mais essas questões frequentando aulas na Escola de

Artes Teatrais de Moscou [Moscow Art Theatre School] e [no] GITIS (agora

Academia Russa para Artes Teatrais [Russian Academy for Theatre Arts]),

onde comecei a desvendar o mistério de seu último estúdio através de

professores como Natalia Zverova e diretores como Leonid Kheifets. Banquei [I

played] a detetive em arquivos localizados em Nova York e Moscou. As

respostas surgiram por meio de uma história complicada que envolve a

transmissão e [a] tradução das ideias de Stanislávski. Nos E[stados] U[nidos],

os professores de atuação e a comercial indústria editorial tiveram participação

[took part] na história; na U[nião das] R[epúblicas] S[ocialistas] S[oviéticas], a

política representou [played] o papel principal. Estas são as

categorias/classificações [categories] da minha investigação.

A primeira parte do meu livro se concentra sobre a transmissão das

ideias de Stanislávski para os Estados Unidos: as turnês do Teatro de Arte de

Moscou para os E[stados] U[nidos] e a consequente adoção do Sistema pelo

Group Theatre e [pelo] Actors Studio. Nela, examino o caso de amor que

começou na [década de] 1920 entre Stanislávski e seus admiradores [Norte]

Americanos. Esta seção estabelece por que precisamos dar uma segunda

olhada no que podem parecer histórias familiares.

A segunda parte diz respeito às traduções culturais e linguísticas da obra

de Stanislávski: como suas ideias foram tratadas nas salas de aula dos

professores emigrados, que ensinaram os fundadores do Método; como a

abreviação/sintetização/o resumo [abridgement] e as escolhas de tradução

alteraram seus livros [na versão] em Inglês; e como a censura Soviética forçou

muitas de suas ideias mais interessantes para os subtextos de seus livros [na

versão em] Língua Russa. Essas informações fornecem os contextos culturais

necessárias para [se] dar uma nova olhada para Stanislávski. Os capítulos

nesta seção atentam [account] para os modos nos quais as práticas de atuação

impactaram nas teorias escritas; fazem face/lidam com [cope with] o que foi

excluído das traduções sintetizadas/resumidas [abridged] em Inglês; e buscam

pelo que permanece entre as linhas em seus mais completos, porém

censurados livros em Língua Russa.

Dedico a terceira parte à prática da atuação examinando quatro

conceitos definidores do Sistema e suas transformações em Russo e [em]

Inglês:

1 A Performance em si. O Sistema, no seu melhor, induz um estado de

espírito e [de] ser/estar [being] no ator o qual Stanislávski chama

excentricamente “vivência” [“experiencing”], e que melhor define seu

entendimento pessoal da arte teatral.

2 “Memória Afetiva”, também chamada [de] “Memória Emocional”, uma

técnica muito debatida que fala diretamente da adoção [Norte]

Americana de Stanislávski. Aqui examino a concepção psicofísica de

Stanislávski da emoção através da ciência da psicologia.

3 Adaptações para a atuação a partir do Yoga. A prática oriental permite

a Stanislávski ir além da propensão ocidental de ver a mente e o

corpo como dois reinos separados e estabelecer um continuum

mente-corpo-espírito para os atores que procuram comunicar a

globalidade do escopo da experiência humana através de sua arte.

4 O conceito de ação. Stanislávski explora em profundidade os modos

nos quais o drama fala através da ação em seu último Estúdio de

Ópera Dramática [Opera-Dramatic Studio]. Seus experimentos,

escondidos no interior de sua casa, ramificaram-se em duas técnicas

de ensaio: O Método das Ações Físicas, tal como interpretado pelos

Marxistas Soviéticos, foi posicionado como o ponto final em sua busca

ao longo da vida por um Sistema científico embasado no corpo

material; [e] a mais holística e não finalizada/em aberto [open-ended]

“Análise Ativa” transformou em prática seu profundo compromisso

com o estado de espírito improvisatório necessário à performance,

sua promoção da atuação como uma arte discreta, e seu respeito

pelo ator como artista.

Restam, é claro, muitos mais aspectos do Sistema (movimento e

treinamento vocal para citar apenas dois) que imploram por uma investigação

mais aprofundada, mas os quatro [aspectos] examinados nos capítulos deste

livro fornecem ambos, uma base conceitual e [uma base] prática para estudos

posteriores/adicionais [further studies].

Em todas as três partes, o leitor irá encontrar uma interação do familiar e

[do] não familiar. Os acadêmicos/estudiosos [scholars] podem bem reconhecer

muito da informação histórica, enquanto artistas de teatro podem acenar

[negativamente] suas cabeças para muitas questões que dizem respeito à

prática da atuação. Meu projeto reúne histórias pertinentes, fatos, teorias e

suposições de ambos, estudiosos/acadêmicos [scholarship] e práticos, a fim de

compará-las com [weigh them against] as palavras de Stanislávski. No

processo, um pouco do conhecimento comum resiste a um exame minucioso;

outro tanto (quando colocados em novos contextos e contra novas

informações) revela-se como mito. No todo, o livro nos convida a reconsiderar

nossas suposições.

Traçar a transformação conceitual das ideias centrais de Stanislávski

envolve dificuldades especiais. Em primeiro lugar, as próprias ideias resistem à

verbalização. Conforme o próprio Stanislávski reclamou quando falou das

fontes inconscientes de criação, “Eu tenho que falar a vocês sobre algo que eu

sinto, mas não conheço” (1936: 199) Seu sentimento é um tipo de saber

inexprimível. Metáforas, parábolas e analogias devem servir. Em segundo

lugar, as fontes escritas sobre o teatro devem ser temperadas por uma

consciência da prática. Peter Brook divertidamente conta como ele movimentou

pequenas figuras de papelão em torno de uma maquete [model of a set] de

cenários antes do primeiro ensaio de sua primeira grande produção, só para

descobrir que todo o seu trabalho não poderia prepará-lo para a realidade dos

atores tridimensionais sobre um palco real (1968: 96-7). Stanislávski invoca a

mesma realidade teatral quando afirma que seu “método básico” é “ir da prática

ao exemplo gráfico e da minha própria experiência para a teoria” (SS II, 1989:

368).

Estudar a prática apresenta ainda mais dificuldades. Como a

performance, ela é efêmera, e só pode ser inferida a partir de fontes escritas,

memórias, gravações [mecânicas] [tape recordings], reminiscências, etc. Além

disso, muitas vezes é tão pessoal que varia de acordo com a individualidade de

cada artista [each individual artist], criando [uma] multiplicidade infinita, grande

demais para descrever em todas as suas manifestações. Cada um dos

apoiadores(as) de Stanislávski individualiza o sistema de sua própria maneira.

Examinar muitas permutações desse tipo seria apenas confundir

irremediavelmente as principais questões. Finalmente, diferente da teoria, a

prática é funcional e contextual; portanto, ela pode conter princípios

aparentemente contraditórios por serem igualmente verdade. Em um [dado]

momento, Stanislávski escreve: “Não há arte genuína/verdadeira [genuine] sem

verdade e crença” (SS 11, 1989: 226). Em outro momento, “Viver a verdade

sobre o palco não é de modo algum o que ela é na realidade” (SS IV, 1991:

380). Num [dado] contexto, Strasberg vê o “alicerce” [“foundation”] da atuação

no “pensamento real, com sensação real, e portanto, com experiência real

sobre o palco” (LS A9: 2, Fevereiro de 1965). Em outro contexto, ele afirma

que a emoção do ator “nunca deve ser ‘realmente real’” (Munk, 1966: 197).

Tais declarações contraditórias tornam possível apoiar ou refutar praticamente

qualquer ponto de vista do Sistema ou [d]o Método. Sem descartar as

contradições, examino essas ideias que mais consistentemente definem ambas

as suas práticas, [Sistema e Método].

Com estas dificuldades muito reais em mente, entrei no campo minado,

desconstruindo cuidadosamente o Sistema a fim de construí-lo de novo,

comparando [weighing] história com mito, usando palavras para sugerir uma

arte não verbal, e equilibrando a teoria com a prática, nos capítulos a seguir irei

desembaraçar o complicado nó de [algumas] questões, as quais dizem respeito

à transmissão, tradução e transformação do Sistema. Este projeto, ao qual meu

livro está dedicado, é essencial para que o teatro recupere aspectos ocultos do

Sistema de Stanislávski. Tal recuperação necessita: (a) desafiar suposições

difundidas e profundamente fixadas sobre Stanislávski; (b) acessar textos e

cadernos de anotações pessoais [personal notebooks] que nunca tenham sido

impressos ou traduzidos; (c) revisitar seus livros impressos usando novos

óculos.

Em suma, pintarei um retrato do homem histórico que praticou a

contraditória e intratável arte do teatro. Quero dizer desmitificar Stanislávski, e

dar uma longa e cuidadosa olhada [a long hard look] em seu rosto.