Referência: ARAÚJO, Nukácia M. S. A avaliação de objetos de aprendizagem para o ensino de língua
portuguesa: análise de aspectos tecnológicos ou didático-pedagógicos? In: ARAÚJO, Júlio; ARAÚJO, Nukácia.
Ead em tela: docência, ensino e ferramentas digitais. Campinas: Pontes, 2013.
A AVALIAÇÃO DE OBJETOS DE APRENDIZAGEM PARA O ENSINO
DE LÍNGUA PORTUGUESA: ANÁLISE DE ASPECTOS
TECNOLÓGICOS OU DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS?
Nukácia Meyre Silva Araújo (UECE)
Considerações Iniciais
Os objetos de aprendizagem (OA) nos últimos anos têm se difundido como um novo
modelo de recurso digital reutilizável que se presta a servir como ferramenta de ensino em
diversos contextos educacionais, entre os quais estariam tanto a modalidade de ensino
presencial como a modalidade a distância. Devido à importância que vêm ganhando, os
objetos educacionais passaram a ser desenvolvidos e usados como ferramentas potenciais de
apoio ao processo de ensino e aprendizagem de diversas disciplinas. Esse destaque e
disseminação de uso fazem, no entanto, surgir uma preocupação quanto à qualidade e à
pertinência dos objetos educacionais que são publicados em repositórios.
Embora repositórios e pesquisadores proponham vários conjuntos de critérios para
avaliação, não há consenso quanto aos aspectos que determinariam a qualidade de um objeto
de aprendizagem. A própria concepção de OA, que nasceu nas Ciências da Computação,
parece encaminhar a descrição e avaliação dessas ferramentas de ensino para aspectos
técnicos em detrimento de aspectos didático-pedagógicos. É considerando essa discussão a
respeito da avaliação de objetos de aprendizagem que, neste artigo, nos propomos a analisar
dois OAs destinados ao ensino de língua portuguesa publicados no Banco Internacional de
Objetos Educacionais – BIOE1 – um repositório mantido pelo Ministério da Educação em
parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Rede Latino-americana de Portais
Educacionais (RELPE), a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) e outros
organismos/instituições. O objetivo da análise é verificar se os objetos são adequados do
ponto de vista linguístico e do didático-pedagógico.
Para proceder ao relato da pesquisa, dividimos este trabalho em quatro partes. Na
primeira, fazemos uma discussão sobre o conceito de objetos de aprendizagem, mostrando
características dessas ferramentas educacionais digitais. Na segunda, explicamos como
funcionam os repositórios; na terceira fazemos considerações sobre a avaliação de OAs,
estabelecendo uma ligação entre esses recursos e teorias de ensino. Na última seção, fazemos
a análise das animações Noite de almirante e No meio do caminho.
1. A (difícil) definição de objeto de aprendizagem
As novas práticas pedagógicas surgidas a partir do uso das Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs) em salas de aula (presenciais ou virtuais) proporcionaram a criação de
1 Conferir objetoseducacionais2.mec.gov.br/
novas metodologias de ensino e de ferramentas que servem de meio para uma aprendizagem
baseada no interesse, criatividade e autonomia do aluno. Entre outros aspectos, o uso das TICs
tem provocado mudanças na maneira de projetar e de utilizar materiais didáticos.
Dentre os materiais didáticos que surgem a partir da mediação das TICs, estão os
chamados objetos de aprendizagem. Os objetos surgiram em função da necessidade de se
criarem novas estratégias de ensino-aprendizagem para a web e da necessidade de economia
de pessoal e de tempo na elaboração de materiais instrucionais2. Apesar de a discussão sobre
OAs remontar a meados da década de 19903 ainda não há uma definição consensual para
essas entidades digitais. Discutiremos, então, algumas definições de objetos de aprendizagem
a partir de Wiley (2000), uma referência que parece funcionar como uma espécie de “discurso
fundador” quando se trata da definição de OA.
Segundo Wiley (2000), a definição de que partem boa parte dos conceitos de OA é a
do Comitê de Padrões de Tecnologia de Aprendizagem (LTSC - Learning Technology
Standards Committee) do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE)). De acordo
com o LTSC, um objeto de Aprendizagem seria “uma entidade, digital ou não-digital, que
pode ser usada, reusada ou referenciada durante o ensino com suporte tecnológico.” (LOM,
2000 apud Wiley 2000, p. 5).
Como se pode observar, a definição é bastante “larga” e a partir dela, por exemplo, é
possível dizer que seriam OAs conteúdos multimídia, softwares educacionais assim como
pessoas, organizações ou “eventos referenciados durante a aprendizagem apoiada por
tecnologia” (LOM, 2000 apud Wiley 2000, p. 5). Nessa perspectiva, numa atividade em que
um passeio pelo campo é feito por professor e alunos para analisar o clima de um determinado
local, o passeio poderia ser um objeto de aprendizagem, uma vez que poderia ser
“referenciado como suporte tecnológico de ensino”. O problema inicial uma definição tão
ampla diz respeito à consideração de que entidades não-digitais também podem ser OAs.
McGrael (2004) discute definições de objetos de aprendizagem em função da acepção
de “coisa” que comporia um OA. O autor organiza as definições partindo de conceitos mais
gerais para conceitos específicos. Leffa (2006) comenta a análise proposta por McGrael.
Segundo o autor, um OA poderia ser:
a) qualquer coisa (DOWNES, 2003; FRIESEN, 2001; MORTIMER, 2002 apud
LEFFA, 2006, p.6). Segundo essa perspectiva, um livro, um computador ou até uma vassoura,
por exemplo, poderiam ser um OA. Na opinião de Leffa (2006), a definição seria atraente do
ponto de vista teórico, visto que seria o uso que se faz de um objeto que o tornaria ou não um
objeto de aprendizagem; b) qualquer coisa digital (WILEY, 2000). A definição proposta por Wiley é a de que
um OA seria “qualquer recurso digital que pode ser reusado para apoiar a aprendizagem,”.
Sob esse ponto de vista, seriam algumas características do próprio OA que não permitiriam
2 O desenvolvimento de cursos a distância e de materiais didáticos para a web requeria altos custos, em função
das próprias características de implementação desses materiais. A produção envolve, por exemplo, além de
educadores, vários outros profissionais responsáveis por design, programação e pessoal de suporte de hardware e
software entre outros. 3 Segundo Wiley (2000), foi criado em 1996 o Comitê de Padrões de Tecnologia de Aprendizagem (LTSC -
Learning Technology Standards Committee) do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE).
Iniciativa semelhante se deu em 2000 com a criação do consórcio Aliança de Autoria de Aprendizagem a
Distância e Redes de Distribuição na Europa (ARIADNE - Alliance of Remote Instructional Authoring and
Distribution Networks for Europe).
que entidades não-digitais fossem objetos. Seria difícil, por exemplo, editar, adaptar e
incorporar um livro a outros livros, mas, por outro lado, isso seria simples se fosse feito com
uma entidade digital.
Wiley(2000) destaca vantagens no conceito por ele proposto. A delimitação “digital”
atribuída aos OAs e a redução do universo em que estariam esses recursos seriam as primeiras
vantagens. De acordo com o teórico, a delimitação “digital” permitiria que se estabelecesse
uma medida para OAs, os quais teriam 15 terabytes, medida que, em 2000, era aceitável para
informações disponíveis na internet, mas que hoje, em 2010, já foi várias vezes multiplicada.
Ainda segundo o autor, a delimitação entidade “digital reutilizável” também seria positiva
porque, assim, os OAs não seriam qualquer entidade digital, mas apenas aquelas que podem
ser usadas e reusadas. Leffa (2006) chama atenção para o fato de a definição, no entanto, não
tocar no objetivo com que seriam concebidos esses recursos.
Continuando a destacar as vantagens de sua definição, Wiley (2006) ainda assevera
que sua proposição comporta aspectos daquela que foi proposta pelo LTSC, uma vez que
admite atributos essenciais de um objeto de aprendizagem, entre os quais estariam ser um
“recurso” “digital” “reutilizável” e que apóia a “aprendizagem”.
c) qualquer coisa com objetivo educacional (QUINN; HOBBS, 2000, DOORTEN et
al., 2004 apud LEFFA, 2006, p.6). Nessa perspectiva, não existiria a diferença entre recursos
digitais e não-digitais. A única característica a mais em relação a recursos não digitais seria a
possibilidade de separação do conteúdo de ensino em blocos que, por sua vez, poderiam ser
reagrupados em blocos maiores;
d) qualquer coisa digital com objetivo educacional (ALBERTA LEARNING, 2002;
CISCO SYSTEMS, 2001; KOPER, 2001 apud LEFFA, 2006, p.7). Sob esse ponto de vista,
seriam objetos textos, imagens, vídeos, softwares, animações desde que fossem usados para o
ensino. Essa é a definição dominante na área.
Neste trabalho, aceitamos a definição de Wiley (2000) de que OA é um recurso digital
que pode ser usado e reusado para apoiar atividades de ensino-aprendizagem. Admitimos
ainda o ponto de vista de Silveira (2008, p. 44) que afirma que OAs seriam “elementos de
informação que podem ter tamanhos variados, mas que podem ser reutilizados, à medida que
se tornem autocontidos e independentes de mídia.”.
Sobre a definição de objeto de aprendizagem, é preciso ainda comentar as duas
metáforas usadas para explicar o conceito a iniciantes nos estudos da área. A primeira delas é
a que compara um OA e seu comportamento ao jogo LEGO. A metáfora, segundo Wiley
(2000, p.15), serviria para apresentar uma ideia básica e para dar uma interface amigável a
uma nova tecnologia. A partir dela, seria possível explicar a granularidade e a combinação de
OAs. A metáfora explicaria como se fazem e como se comportam os OAs: criam-se pequenos
pedaços de instrução (peças de Lego) que podem ser unidos em uma estrutura instrucional
maior (um castelo) e também reusados em outras estruturas instrucionais (uma astronave). O
autor, entretanto, critica essa metáfora e mostra que, apesar de ela ter se tornado comum
quando se quer explicar como se concebe um OA, ela simplificaria e limitaria bastante o que
se pode pensar sobre objetos de aprendizagem. Para proceder à crítica, Wiley (2000, p.16)
lembra algumas propriedades de um bloco de LEGO, quais sejam:
Qualquer bloco de LEGO é combinável com qualquer outro bloco de LEGO;
Os blocos de LEGO podem ser unidos da maneira que se escolher;
Os blocos de LEGO são tão divertidos e simples que até crianças podem uni-
los.
Quando se define ou se caracteriza algo por intermédio de uma metáfora, atribui-se
analogamente ao objeto que se quer definir propriedades típicas do objeto comparado. Dessa
forma, é possível afirmar que um OA, como uma peça de LEGO, poderia ser combinado,
indefinidamente com qualquer outro OA; que essa combinação, por sua vez, poderia ser feita
de qualquer maneira, independente, por exemplo, de características do próprio OA e, por fim,
que um objeto de aprendizagem é um recurso de criação e manipulação bastante simples.
Wiley propõe a adoção de outra metáfora que, segundo o autor, facilitaria o
entendimento do que são os OAs e de como se configura seu funcionamento. Um OA seria,
então, como um átomo. Como uma peça de LEGO, um átomo seria uma “coisa pequena” que
poderia se combinar, por sua vez, com outros átomos. Entretanto, ainda segundo o teórico
(WILEY, 2000, p.16), as características do átomo seriam contrárias às do LEGO porque:
nem todo átomo é combinável com todos os outros átomos;
os átomos só podem ser unidos em certas estruturas prescritas por sua própria
estrutura interna;
algum treinamento é exigido para ajuntar átomos.
Em relação às características de um OA, a tarefa de criar um objeto que é útil
instrucionalmente é o que deve primeiramente nortear a criação de OAs e não o fato de um
objeto sempre poder ser combinado com outros. Dessa forma, deve haver objetos que se
associam entre si, mas, por outro lado, pode haver outros que não são passíveis de
combinação. Ainda em relação a isso, à ideia de que os OAs poderiam ser combinados em
qualquer situação subjaz o que se costuma chamar de “neutralidade teórica”. Sob esse ponto
de vista, os OAs não deveriam ser embasados em nenhuma teoria de aprendizagem ou
concepção de ensino. Por isso mesmo, eles poderiam ser associados e utilizados nos mais
diferentes ambientes e contextos. O risco dessa possibilidade infinita de combinação seria a
construção de entidades maiores que falhariam em seus objetivos de ensino. Por último, a
ideia de ludicidade absoluta e facilidade de manuseio ligada aos OAs também contribui para
que se vejam esses recursos como algo que do ponto de vista pedagógico pode ser pouco
importante ou pouco útil e que não se teria que ter, por exemplo, graus variados de
conhecimentos para lidar com OAs.
Mesmo não havendo concordância entre os autores sobre as características dos objetos de
aprendizagem, há aspectos, pautados em padrões internacionais que são admitidos como
propriedades inerentes a qualquer OA. Todo objeto de aprendizagem deve, como uma
atividade de ensino, apresentar propósito específico e estimular a reflexão do aluno. Outra
característica dessa ferramenta é que, normalmente, o OA apresenta um recorte de conteúdo
pouco extenso, dessa forma, é possível construir um objeto para se trabalhar uma
especificidade dentro de um assunto amplo (granularilidade). Mendes, Sousa e Caregnato
(2004) apontam as principais características de um objeto de aprendizagem. Para os autores,
um OA precisa apresentar:
a) reusabilidade: ser reutilizável diversas vezes em diversas situações e ambientes de
aprendizagem;
b) adaptabilidade: ser adaptável a diversas situações de ensino e aprendizagem;
c) granularilidade: apresentar conteúdo atômico, para facilitar a reusabilidade;
d) acessibilidade: ser facilmente acessível facilmente via Internet para ser usado em
diversos locais ou, ainda, ser potencialmente acessível a usuários com necessidades
especiais;
e) durabilidade: apresentar possibilidade de continuar a ser usado independente de
mudança de tecnologia;
f) interoperabilidade: apresentar possibilidade de operar através de variedade de
hardwares, sistemas operacionais e browsers.
Dentre essas propriedades, a granularidade seria central, uma vez que é a partir dela que se
determina a reusabilidade. Um objeto de grande extensão, como um currículo inteiro (algo
previsto na definição do LTSC, já referida nesta seção) é muito difícil de ser reutilizado. A
reutilização, na definição que adotamos aqui, seria a característica central de funcionamento
de um OA. Dela, por seu turno, decorreriam, por exemplo, a adaptabilidade, a acessibilidade.
Tendo empreendido a discussão sobre o que seria um objeto de aprendizagem, passemos
agora a tratar de como se armazenam esses recursos.
2. Os repositórios de objetos de aprendizagem
Depois que se produzem objetos de aprendizagem, uma dificuldade pode surgir e impedir
que eles sejam reusados: os OAs podem ficar atomicamente publicados na web e isso pode
dificultar a busca dos objetos pelo usuário. Como os objetos normalmente fazem parte de um
conjunto maior de ferramentas ou metodologias de ensino (um curso, uma disciplina, um
método específico), eles terminam por se tornar recursos que, por sua granularidade, são
pouco visíveis nesses contextos maiores. Por essa razão, há necessidade de se criarem espaços
organizados como bibliotecas virtuais em que os OAs são organizados e disponibilizados
gratuitamente para os usuários. Esses espaços são chamados repositórios.
O princípio de organização dos repositórios é o mesmo de bibliotecas. Para serem
armazenados, os OAs primeiramente são catalogados. Os dados utilizados nessa organização
são chamados metadados. Literalmente, o termo quer dizer “dados sobre dados”. Metadados
seriam, então, a informação descritiva sobre um recurso. Citando um exemplo de Wiley
(2000), um catálogo de cartões em uma biblioteca pública é uma coleção de metadados. No
caso do catálogo de cartões, os metadados seriam as informações armazenadas nos cartões
sobre o Autor, Título e Data de Publicação do livro ou a fonte (no caso de gravações, etc).
Existem três tipos de categorias de repositórios de objetos, considerando a
entidade/instituição que os mantém: a) públicos, mantidos por governos de diferentes países;
b) universitários, mantidos por uma ou várias universidades; e c) privados, mantidos por
empresas particulares (LEFFA, 2006).
Entre os repositórios mais conhecidos mundialmente está o MERLOT (Multimedia
Educational Resource for Learning and Online Teaching)4, um consórcio mantido por várias
entidades, principalmente dos EEUU e Canadá. Em relação à publicação de OAs, a
alimentação do MERLOT é feita por professores que submetem seus trabalhos a avaliação e
permitem a publicação gratuita no repositório. No MERLOT, além de encontrar OAs, os
usuários podem também participar de comunidades organizadas por disciplinas. É possível
também encontrar no portal informações sobre estratégias de ensino, associações
profissionais, periódicos e eventos científicos. Além do MERLOT, na web há repositórios
organizados a partir de diversos objetivos. Existem, por exemplo, repositórios que se
destinam ao ensino de línguas, tais como o CALL&HULL5, mantido pela University of Hull e
o Dave’s ESL Café6, mantido por Dave Sperling (pessoa física).
No Brasil há também repositórios que têm como objetivo o trabalho com o ensino de
línguas, é o caso do Banco Multidisciplinar de Textos (BMT)7, mantido pela Universidade
4www.merlot.org.
5 www.fredriley.org.uk/call/index.htm
6 www.eslcafe.com
7 http://minerva.ufpel.edu.br/~anne.moor/bmt/index.htm
Federal de Pelotas. O portal, que é administrado por pesquisadores de linguística aplicada,
publica textos em língua materna e em língua estrangeira. De acordo com informações do
próprio portal, o estudo desses textos serviria para desenvolver habilidades de compreensão e
de produção verbais. Existem sugestões de como podem ser trabalhados os textos, os quais,
por sua vez, se organizam de acordo com segmentos de ensino (Ensino Fundamental, Médio e
Superior). As sugestões, no entanto, não vêm em forma de atividades, mas em comentários
que chamam atenção para alguns aspectos do texto.
Considerando a forma (sem nenhum tipo interatividade) como se apresentam os textos e
as sugestões de trabalho do BMT, a caracterização do portal como um repositório objetos de
aprendizagem se daria exclusivamente porque os textos sugeridos migraram do papel para a
tela, tornando-se assim recursos digitais e não porque haveria, como em outros repositórios,
materiais didáticos em que se usem ferramentas multimídia, tais como vídeos, áudios,
simulações, jogos e softwares educativos.
Outro repositório brasileiro é projeto CESTA - Coletânea de Entidades de Suporte ao uso
de Tecnologia na Aprendizagem. O portal foi idealizado a fim de sistematizar e organizar o
registro dos objetos educacionais que vinham sendo desenvolvidos pela equipe da Pós-
Graduação Informática na Educação e do CINTED - Centro Interdisciplinar de Novas
Tecnologias na Educação da UFRGS.
Quanto aos repositórios mantidos por instituições governamentais, no Brasil há o RIVED,
o Portal do Professor e o Banco Internacional de Objetos Educacionais (BIOE). O RIVED8
(Rede Interativa Virtual de Educação) é um projeto do MEC/ Secretaria de Educação a
Distância - SEED em parceria com o Ministério das Ciências e Tecnologias (MCT) e tem
como objetivo a produção de conteúdos pedagógicos digitais, na forma de objetos de
aprendizagem (animações e simulações). A alimentação do portal, que iniciou em 1999, foi
feita até 2003 pela equipe da SEED. A partir de 2004, passou a ser feita por universidades em
um projeto denominado Fábrica Virtual. O RIVED, apesar de ainda estar ativo, não publica
mais novos OAs. O portal governamental que passou a desempenhar essa tarefa foi o BIOE.
Com a criação do Banco, [...] os recursos, antes publicados no Rived, migraram para este outro repositório,
que muito mais amplo e com mais possibilidades de formatos, além daqueles do
Rived. [...] Com o tempo somente o Banco Internacional deverá disponbilizar todos
os recursos , centralizando tudo num único local. (PRATA, 2009, não paginado)
O Portal do Professor9, por sua vez, foi lançado em 2008 e, assim como o RIVED, é fruto de
parceria entre o MEC e o Ministério das Ciências e Tecnologias (MCT). O portal se destina a
apoiar processos de formação dos professores brasileiros e a fornecer subsídios para a prática
pedagógica desses profissionais. O espaço é público e pode ser acessado por qualquer pessoa.
Nele é possível, interagir em fóruns, compartilhar material e acessar objetos educacionais.
O Banco Internacional de Objetos Educacionais (BIOE)10
, repositório de onde
retiramos os OAs para análise, foi criado em 2008 e é um consórcio realizado entre o
Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Rede
Latino-americana de Portais Educacionais (RELPE), a Organização dos Estados Ibero-
americanos (OEI) e outras entidades/instituições. O BIOE tem o propósito de manter e
compartilhar recursos educacionais digitais de livre acesso, mais elaborados e em diferentes
formatos: áudio, vídeo, animação, simulação, software educacional, imagem, mapa,
hipertexto considerados relevantes e adequados à realidade da comunidade educacional local.
8 http://rived.proinfo.mec.gov.br/projeto.php
9 http://portaldoprofessor.mec.gov.br/sobre.html
10 http://objetoseducacionais.mec.gov.br
O Banco é interligado ao Portal do Professor. Participam do projeto BIOE a
Universidade Federal do Ceará, a Universidade Estadual Paulista de Presidente Prudente, a
Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade de Brasília, a Universidade Federal de
São Carlos e a Universidade Federal Fluminense.
No portal, são publicados OAs em diversas línguas. A rigor, qualquer pessoa pode
publicar um OA no Banco desde que o recurso passe por uma avaliação. Para isso, submete o
recurso a um comitê que o avalia e decide pela sua publicação ou não.
A avaliação de objetos para o BIOE é feita por dois Comitês Editoriais. O primeiro
deles (Universidades brasileiras participantes) é composto por professores e alunos da
graduação e de pós-graduação de universidades públicas. Essa equipe é responsável pela
localização, liberação de uso (direito autoral), avaliação e catalogação dos recursos. O
segundo é formado por especialistas do MEC que validam a publicação feita pelo primeiro
comitê. No caso da disciplina Língua Portuguesa(LP), na página do BIOE em que há os
membros dos dois comitês, não há avaliador para a disciplina no primeiro comitê e, no
segundo, há apenas um profissional. Esse dado sugere que os OAs de LP não são avaliados
por especialistas, uma vez que apenas um avaliador não conseguiria analisar o grande volume
de objetos submetidos para essa disciplina. A título de ilustração, existem no BIOE, até a data
de escrita deste artigo11
, 706 objetos de aprendizagem de Língua Portuguesa.
Tendo apresentado o repositório em que se encontram os OAs a serem analisados,
faremos agora uma breve discussão sobre a orientação teórica seguida no desenvolvimento e
produção de OAs no que diz respeito a teorias de ensino-aprendizagem e teorias de ensino de
línguas.
3. Teorias de ensino e objetos de aprendizagem
Neste estudo, interessa-nos discutir especialmente os critérios didático-pedagógicos
utilizados para avaliação de OAs pelo Banco. No próprio portal, no entanto, não é possível
obter essas informações. Sob o ponto de vista de umas das universidades participantes do
primeiro Comitês, Melques et al (online), embora não exponha exaustivamente os critérios de
avaliação do BIOE, dão-nos uma visão geral sobre eles: Entre os critérios utilizados para a seleção dos objetos está a credibilidade da fonte,
o fácil funcionamento do recurso, a interatividade, a interface de navegação
adequada à compreensão do conteúdo, a interdisciplinaridade, o conteúdo
contextualizado e coerente, a contribuição para construção do conhecimento, entre
outros.
Além dos aspectos de avaliação, faz-se necessário discutirmos, antes de passar à
análise dos OAs, algumas características que advêm do próprio âmbito de criação de objetos
de aprendizagem e que terminam, muitas vezes, por comprometê-los no que diz respeito à
teoria da aprendizagem e, no caso específico do OAs destinados ao ensino de línguas, à
concepção de língua e ao tipo de ensino subjacentes ao objeto.
Na seção 2, já discutimos a metáfora dos blocos de LEGO e do átomo propostas no
âmbito dos estudos sobre OA. Nas duas metáforas, tem-se como objetivo explicar como se
comporiam a granularidade e a reusabilidade do recurso didático digital. Essas duas
características, segundo as quais é possível se terem e se combinarem pequenos blocos de
conteúdo que podem ser usados e reusados, proporcionariam o surgimento de outra
característica, a adaptabilidade. Um objeto tem adaptabilidade quando pode ser utilizado em
diversas situações de ensino aprendizagem. Sendo assim, por exemplo, um OA que se
destinasse ao ensino de ortografia e em que a tarefa principal fosse preencher mecanicamente
11
Agosto de 2010.
lacunas em palavras com letras que faltam poderia indistintamente ser aplicado em uma sala
em que se tem uma visão tradicional de ensino de língua e em uma outra em que se tem uma
perspectiva interacional.
Uma das grandes premissas de produção de objetos de aprendizagem é a possibilidade
de combinar e usar objetos de qualquer maneira (metáfora do LEGO). Isso seria possível
porque teoricamente um OA não deveria estar ligado a nenhuma corrente teórica da disciplina
a que pertença ou a nenhuma a teoria de ensino-aprendizagem. Chama-se essa visão na
literatura da área de “hipótese da neutralidade teórica”.
Vários são os autores que defendem a ideia de objetos teoricamente neutros assim
como vários outros também rechaçam essa característica. Entre os que defendem, por
exemplo, está Friezem (2004, apud TEIXEIRA, 2008) que sugere que as questões
pedagógicas não devem influenciar os desenvolvedores de OAs. Afirma o autor que um bom
objeto seria não aquele que se baseia em uma teoria pedagógica, mas aquele que estimula uma
boa pedagogia.
Kooper (2003, apud TEIXEIRA, 2008), assevera que um objeto neutro teoricamente
em relação à pedagogia, contexto e formato facilitaria a interoperabilidade e o reuso, mas, por
outro lado, traria dificuldades para o professor. Segundo o autor, mesmo os objetos ditos
teoricamente neutros, apresentam uma teoria de aprendizagem, uma vez que ou veem o
processo de ensino como transferência de conhecimento ou como aprendizado ativo.
Discordando da hipótese da neutralidade, Wiley (2000) critica os
desenvolvedores/vendedores de OAs e ironiza afirmando que “teoricamente neutro” pode
significar “teoricamente agnóstico” e sugere que a ausência de teoria poderia, na verdade,
estaria mais ligada a desconhecimento de teorias e do que a uma opção consciente de não usar
teoria alguma.
Admitindo que todo OA deve apresentar uma teoria de base e que, no caso do ensino
de línguas, a perspectiva de ensino é influenciada pela concepção de linguagem que subjaz à
abordagem do fenômeno linguístico estudado, tratamos brevemente das concepções de
linguagem que podem embasar um OA destinado ao ensino de língua portuguesa12
.
a) Lingua(gem) como expressão do pensamento
Na perspectiva de linguagem como expressão do pensamento, a expressão é produzida
no interior da mente dos indivíduos. Sendo assim, uma linguagem lógica e articulada é
expressão de um pensamento também lógico e articulado. De acordo com esse ponto de vista,
enunciação constituiria um ato monológico que não é afetado pelo outro nem pela situação em que a
própria enunciação se configura. Em relação ao ensino de língua, dessa perspectiva emerge o ensino
prescritivo, em que se admite como base a dicotomia certo/errado. O texto, nessa concepção, é visto
como um “produto – lógico – do pensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao
leitor/ouvinte senão ‘captar’ essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do
produtor” (KOCH, 2002, p. 16). O ensino, nesse caso, pauta-se especialmente em regras do bem falar
e do bem escrever.
b) Lingua(gem) como instrumento de comunicação
12
As concepções de linguagem perpassam qualquer abordagem que se faz da língua. A delimitação aos objetos
de aprendizagem é puramente metodológica.
Sob o ponto de vista da linguagem como instrumento de comunicação, vê-se a língua
como uma estrutura em que regras se combinam para que se possa estabelecer comunicação
entre falantes. Dessa perspectiva, emerge a visão de texto como “um simples produto da
codificação de um emissor a ser decodificado por um ouvinte/ leitor, bastando a este, para
tanto, o conhecimento do código” (KOCH, 2002, p. 16). Isso se daria porque o texto depois
de codificado seria totalmente explícito.
A teoria de aprendizagem behaviorista é o que embasa essa concepção, assim, a
aprendizagem da língua passa por estímulo-resposta-reforço. A ênfase em sala de aula é dada
aos exercícios de gramática que, por sua vez, se pautariam na repetição de estruturas.
c) Lingua(gem) como forma de interação
Na perspectiva da linguagem como interação, a atividade verbal é vista como um
lugar de troca e de negociação de sentidos, através de que os falantes realizam ações, agem e
atuam sobre o interlocutor. A interação é, então, um trabalho coletivo sócio-historicamente
situado. O texto é considerado o próprio lócus da interação e nele os interlocutores, como
sujeitos dialogicamente ativos se constroem e são construídos (KOCH, 2002). A leitura e a
escrita são vistas como processos em que, em constante negociação, entra um vasto conjunto
de saberes dos interlocutores (linguísticos, enciclopédicos, sociais) que, por sua vez, se
reconstroem no interior da interação verbal. O ensino sob essa perspectiva é baseado na
reflexão e análise de fenômenos linguístico-textuais-discursivos.
Tendo comentado as concepções de linguagem que podem embasar o ensino de línguas e a
hipótese da neutralidade teórica, passamos agora à análise dos OAs.
4. Analisando objetos de aprendizagem publicados no BIOE
Nesta seção procedemos à análise de dois objetos de aprendizagem para o ensino de língua
portuguesa publicados no BIOE. Nosso objetivo é verificar se os objetos são adequados do ponto
de vista linguístico e do didático-pedagógico. Comecemos pelos aspectos metodológicos da
análise.
a) A escolha dos OAs
O BIOE divide os objetos publicados por nível/tipos de ensino: educação infantil, ensino
fundamental (EF): séries iniciais e séries finais; ensino médio (EM), educação superior,
educação profissional e modalidades de ensino: educação de jovens e adultos e educação
escolar indígena. Quanto aos tipos de OAs, os recursos são classificados em
animação/simulação, áudio, experimento prático, hipertexto, imagem, mapa, software
educacional e vídeo.
Seguindo a classificação do próprio BIOE, escolhemos examinar animações. A escolha se
deu por esses tipos de objetos permitirem maior utilização de recursos multimídia, o que não
deixaria dúvidas quanto ao seu caráter digital. A fim de delimitar a amostra, elegemos as
séries finais do ensino fundamental.
No repositório estão publicados, para o ensino de língua portuguesa nas séries finais do
EF, três animações. Nossa amostra, no entanto, limita-se a dois OAs. Descartamos a animação
intitulada Desarrollar, destinada ao ensino de espanhol e de português como língua
estrangeira, uma vez que a análise se limita exclusivamente a OAs para o ensino de LP como
língua materna. Compõem a amostra, então as animações Noite de almirante e No meio do
caminho.
b) Descrição e análise dos OAs
A animação Noite de almirante apresenta uma retextualização do conto homônimo de
Machado de Assis. O enredo de Machado conta a decepção amorosa do marujo Deolindo, que
se apaixona por Genoveva, que, por sua vez, lhe jura amor eterno, mas troca o amor do
marinheiro pelo amor de um mascate. O título do conto “Uma noite de almirante” − expressão
usada por marinheiros para nomear uma noite de prazeres mundanos – alude à noite que
Deolindo passaria com Genoveva, depois de voltar de um período de dez meses no mar. A
noite de almirante, no entanto, não acontece, uma vez que Genoveva caíra de amores por
outro. Deolindo, entretanto, conta a história do encontro amoroso aos companheiros de barco
como se tivesse vivido realmente uma “noite de almirante”. Na narrativa machadiana, a noite
(real ou irreal) de almirante é fio que costura o conflito. Vejamos agora como se apresenta a
história retextualizada.
A retextualização é uma das obras publicadas originalmente no site Livro Clip13
. O site é
espaço virtual em que obras literárias completas ou parte de obras são apresentadas em forma
de animação ou de jogos. O conteúdo do site pode ser acessado gratuitamente. Nele,
acompanham cada obra retextualizada informações sobre o autor e algumas indicações de
conteúdo a ser trabalhado. No BIOE, entretanto, apenas a animação está publicada.
A animação Noite de almirante lembra um pequeno filme do cinema mudo. No reconto,
aparecem cenários e personagens que se movimentam mecanicamente ao som de um tango. O
tempo da narrativa, sugerido pelo cenário e pelas roupas dos personagens, é um tempo
passado. No entanto, alguns comentários do narrador remetem a um registro linguístico atual.
Vejamos a primeira sequência de telas do OA:
Embora a versão animada da história reduza bastante o enredo, é possível a quem assiste
entender o conflito do conto: a perda de um grande amor. No entanto, na animação, corta-se o
fio condutor do conflito: a noite de almirante que Deolindo teria passado com Genoveva. No
reconto, a narrativa termina abruptamente no momento em que Genoveva conta a uma vizinha
que Deolindo teria dito que iria se matar. Esse final sugere para o interlocutor que o
marinheiro teria se matado, o que não acontece no conto.
Tendo comentado aspectos de conteúdo e da apresentação do OA, discutiremos
brevemente o que pode ser inferido sobre a análise do OA no que diz respeito à hipótese da
neutralidade pedagógica e à visão de língua subjacente ao objeto.
A teoria da “neutralidade pedagógica”, embora, como já afirmamos, sofra muitas críticas,
parece ser usada com frequencia para fundamentar as características reusabilidade,
granularidade e adaptabilidade por isso mesmo parece ser uma escolha na formulação de
objetos de aprendizagem.
13
Conferir http://www.livroclip.com.br.
No caso do OA “Noite de almirante”, as três características14
são contempladas. Por outro
lado, a ausência de indicação de como poderia ser usado o reconto assim como a ausência de
qualquer indicação teórica a respeito de habilidades de leitura ou de leitura do texto literário −
aspectos do ensino de língua que poderiam ser destacados no uso do AO − deixa o objeto
numa espécie de “limbo teórico” em que tudo (ou mesmo nada) pode acontecer.
Sendo assim, por exemplo, um professor pode, a partir de uma visão de língua como
expressão do pensamento, pedir que os alunos digam qual a linguagem “mais correta”, a de
Machado de Assis ou a do reconto. Essa atividade que, do ponto de vista de adequação do
conteúdo de ensino, seria absolutamente equivocada, é tão possível quanto uma outra
(adequada) em que sejam exploradas, por exemplo, a diferença entre as linguagens em função
das mídias em que os dois textos circulam, da época de publicação, dos interlocutores
pensados por um e por outro autor etc. A hipótese da neutralidade teórica pode ser inferida a
partir dos objetivos e da descrição do OA. Nos dados de catalogação do recurso, apresentam-
se:
Objetivo: Despertar o interesse do aluno em relação à obra
apresentada, mostrando um pouco do enredo da obra.
Descrição do recurso: O vídeo apresenta a obra Noite de Almirante, de
Machado de Assis, de forma simples, interessante e divertida.
A formulação do objetivo demonstra que do ponto de vista do ensino de língua ou de
literatura não há finalidade específica. O que se pretende é apenas “despertar o interesse do
aluno em relação à obra apresentada”. Não se tem nenhuma orientação a mais sobre o ponto
de vista a partir de que se pode estudar o reconto, da relação que se pode estabelecer entre o
novo texto e o texto original, do tipo de atividade que pode ser feita usando o OA ou mesmo
da visão de aprendizagem subjacente ao recurso15
.
A descrição do recurso sugere que o vídeo traz o conto de Machado de Assis (“O vídeo
apresenta a obra Noite de Almirante, de Machado de Assis..”). Isso leva o interlocutor a
pensar que, apesar de se ter uma versão em outra mídia, as características da obra serão
mantidas. Entretanto, como uma retextualização, o reconto apresenta um outro registro
linguístico, outra extensão, entre outras diferenças. A alusão à forma como a obra é
apresentada: “simples, interessante e divertida” também não sugere orientação teórica
específica.
O objeto No meio do caminho, por sua vez, é outra animação também publicada
originalmente no site Livro Clip. Na animação, é apresentado o poema “No meio do
caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Diferente do objeto Uma noite de almirante,
nesse OA não se anima uma narrativa, mas se enumeram fatos que teriam acontecido na
mesma época em que o poema foi publicado. O poema é apresentado ao final da enumeração.
O objetivo e descrição do recurso são assim delimitados no BIOE:
Objetivo: Despertar o interesse do aluno em relação à poesia de
Drummond, assim como despertar o interesse pelos diversos
acontecimentos da década de 80.
14
Não trataremos aqui das características acessibilidade, durabilidade e interoperabilidade por estas dizerem
respeito especificamente ao aspecto tecnológico dos OAs.
15 No site Livro Clip, é feita a seguinte indicação para o professor: “Em ‘Noite de Almirante’, Machado de Assis
relativiza os juramentos e coloca em dúvida a moral de pobres e ricos. Genoveva jura, e dizia a verdade, mas o
tempo passou e não cumpriu o juramento. O desmascaramento dos personagens no conto é, pois, um bom ponto
de partida para o professor debater com os alunos o significado da palavra "verdade". Existe uma única verdade?
Ela pode mudar? O que é, afinal, a verdade no mundo contemporâneo?”.
Descrição do recurso: O vídeo apresenta uma contextualização da
época em que foi escrita a poesia ‘No meio do Caminho’, de Carlos
Drummond de Andrade, apresentando os fatos mais marcantes
ocorridos nos anos 80, tendo Carlos Drummond de Andrade como
personagem atuante dessa época.
Considerando-se o objetivo do OA, vê-se primeiramente uma inadequação quanto à
finalidade do objeto. Afirma-se que, além de “despertar o interesse do aluno pela poesia de
Drummond”, que se quer também “despertar o interesse pelos diversos acontecimentos da
década de 80.” É exatamente neste ponto que se revela o equívoco. Na animação, são
enumerados fatos de diversas ordens e que aconteceram em 1928, data da publicação do
poema de Drummond, portanto na década de 20 do século XX e não na década de 80. Na
animação, apresentam-se os fatos completando a seguinte afirmação: “Há oitenta anos
nascia...”. Tem-se, então:
“Há oitenta anos nascia...
... a escola de samba estação primeira da Mangueira
... a televisão nos Estados Unidos
... a penicilina
... Che Guevara
... Adam West, o primeiro Batman da TV
... o Aboparu de Tarcila do Amaral
... Mickey Mouse no cinema
... o bolero de Ravel
... e os versos que mudaram a história da poesia no Brasil: No meio do
caminho, de Carlos Drummond de Andrade...”
Vejamos a seguir a tela em que aparece a primeira frase e a tela em que aparece o
poema, no final da animação.
Ainda em relação ao desenvolvimento da sequência de quadros da animação, após a
última frase a ser completada, como um boneco animado, Drummond − que viera
caminhando por todas as telas em que apareceram os fatos −, picha em um muro o poema “No
meio do caminho”. Como se vê pela lista de fatos, não há entre os acontecimentos nada em
comum, a não ser a o ano em que aconteceram16
. A lista parece servir apenas como pretexto
para se apresentar o poema. Observa-se isso quando se compara a relação entre o nascimento
16
A inferência a respeito da época a que se refere a expressão “há 80 anos nascia...” não é simples de se fazer,
uma vez que, dependendo do ano em que se lê a frase, os aludidos 80 anos passados podem se referir a um
tempo diferente. Sendo assim, lendo em 2010, os 80 anos remeteriam a 1930 e não a 1928, ano em que o poema
foi publicado. Na verdade, depois do ano de 2008, o OA passou a exibir informações incorretas sobre o poema
de Drummond e sobre os acontecimentos enumerados.
da escola de samba Mangueira e o do ator Adam West, o primeiro Batman, e destes dois fatos
com a poesia de Carlos Drummond.
Na descrição do recurso, o equívoco se amplia e passa a ser uma inadequação de
conteúdo. Afirma-se que “o vídeo apresenta uma contextualização da época em que foi escrita
a poesia ‘No meio do Caminho’. Assevera-se ainda que a suposta contextualização é feita por
intermédio da apresentação dos “fatos mais marcantes ocorridos nos anos 80, tendo Carlos
Drummond de Andrade como personagem atuante dessa época”. A disparidade de contextos e
de fatos que “contextualizariam” a época dificilmente reconstrói o contexto em que o poema
foi escrito. Na verdade, leva-nos a pensar, como interlocutores cooperativos (GRICE, 1982) o
que a poesia de Drummond teria a ver com a escola de samba Mangueira, com a televisão nos
Estados Unidos e com Mickey Mouse, por exemplo.
Por último, a afirmação de que Drummond seria um “personagem atuante dessa
época” sugere uma espécie de “militância” do poeta em relação aos fatos enumerados e pode
levar o interlocutor menos experiente a achar que de alguma forma o poeta teria a ver com a
criação do Bolero de Ravel, com o nascimento de Che Guevara, para citar apenas alguns
acontecimentos.
Assim como o primeiro objeto analisado, o OA “No meio do caminho” atende aos
requisitos de granularidade e adaptabilidade. Mas não atende ao requisito da reusabilidade,
uma vez que, se usado depois do ano de 2008, o objeto passa a ter uma incorreção de
conteúdo. Vejamos por que: primeiramente, a inferência a respeito da época a que se refere a
expressão “há 80 anos nascia...” não é simples de se fazer, visto que, dependendo do ano em que se
lê a frase, os aludidos 80 anos passados podem se referir a um tempo diferente. Sendo assim, lendo
em 2010, os 80 anos remeteriam a 1930 e não a 1928, ano em que o poema foi publicado. Na verdade,
depois do ano de 2008, o OA passou a exibir informações incorretas sobre o poema de Drummond e
sobre os acontecimentos enumerados.
Quanto à perspectiva de língua subjacente ao OA, a própria apresentação do conteúdo sugere o
texto como produto acabado. Sendo assim, ao leitor/usuário do objeto cabe o lugar de receptor a quem
é dada uma sucessão de informações que “contextualizariam” a publicação do poema de Drummond.
Essa suposta contextualização parece surgir como uma espécie de cenário construído apenas para não
se apresentar o poema simplesmente como um poema, como um texto literário, como uma leitura de
fruição.v Na forma como foi construído o OA, parece não haver espaço para interlocução. Como uma
ferramenta que facilitaria o ensino, o objeto poderia conter alguma pista sobre onde se quer chegar
com a apresentação do poema. No entanto, nada é sugerido ou apontado com relação à participação do
aprendiz no processo de ensino-aprendizagem ou com relação aos objetivos de ensino da ferramenta.
Considerações finais
Como já afirmamos anteriormente, não existe consenso na avaliação da qualidade
objetos de aprendizagem. Neste estudo, analisamos dois OAs publicados em um grande
repositório institucional, o BIOE. A análise nos levou a constatar alguns pontos que merecem
discussão no que diz respeito à avaliação desses recursos digitais. Façamos, então, uma
pequena discussão a respeito deles.
Embora normalmente destaquem-se seis aspectos essenciais: reusabilidade,
adaptabilidade, granularidade, acessibilidade, durabilidade e interoperabilidade − de um OA para
que ele seja visto como adequado, é preciso que se considerem características que ultrapassem
aspectos tecnológicos e aspectos pedagógicos gerais. Com efeito, muitos pesquisadores têm
se dedicado a propor parâmetros de avaliação da qualidade de OAs. Consideram-se
normalmente normas internacionais como a ISO 9126 e acrescentam-se a ela principalmente
características tecnológicas não contempladas.
Bieliukas et al (2010), por exemplo, afirmam que para se desenvolver um modelo de
qualidade integral de um OA é preciso considerar características pedagógicas, tecnológicas e
de interação humano-computador. Na interação humano-computador, ver-se-iam aspectos
como o desenho visual (a interface gráfica do OA deve ativar conhecimentos previamente
adquiridos pelo aprendiz), ajuda à memorização (os objetos, ações e opções devem estar
visíveis e não devem precisar ser memorizados pelo aprendiz) e recuperação diante de falhas
(resolução de erros que podem ocorrer enquanto o aprendiz usa o OA). No que respeita às
características tecnológicas, os autores destacam acessibilidade (possibilidade de ser rotulados
com um padrão que possibilitem fácil localização e catalogação); flexibilidade (possibilidade
de ser usado em diferentes contextos e combinado com outros objetos); adaptabilidade
(possibilidade de ser adaptado a novos contextos); portabilidade (possibilidade de ser usado
em diferentes sistemas operacionais); disponibilidade (capacidade de estar disponível em
repositórios e facilmente encontrável).
Com relação às características pedagógicas, os autores sugerem que sejam observados
a) os estilos de aprendizagem: um OA deve contemplar uma ampla audiência e contemplar
também as diferentes formas de aprendizagem de cada aluno; b) os objetivos de
aprendizagem: um OA deve ter propósitos definidos que respondam à necessidade de
instrução em diversos contextos educativos e que descrevam comportamentos esperados da
audiência sob determinadas condições; e c) os conteúdos: um OA deve ter conteúdos que
correspondam às capacidades cognitivas que devem ser acrescentadas/modificadas pelo
aprendiz como resultado do processo de aprendizagem.
Numa rápida análise, aplicando a proposta de Bieliukas et al (2010) em relação ao às
características pedagógicas aos OAs No meio do caminho e Uma noite de almirante, teríamos
em relação a) aos estilos de aprendizagem: os dois OAs parecem permitir que a aprendizagem
se dê de maneira diferente, a depender da perspectiva de ensino assumida pelo professor
(talvez seja possível usar o objeto para promover o aprendizado numa perspectiva
sociointeracionista − nesse caso, partir-se-ia dele para fazer a proposta, que extrapolaria o AO
− ou mesmo mecanicista), além disso os OAs atendem a uma grande audiência, cuja
abrangência pode ir desde o aluno de ensino fundamental ao aluno de ensino médio; quanto
b) aos objetivos de aprendizagem: os dois OAs falham. Em nenhum dos dois há a
determinação de objetivos específicos, mas de um objetivo geral, que seria promover o gosto
pela leitura de cada um dos textos (conto e poema). A ausência de objetivos específicos deixa
margem para qualquer enfoque de ensino ( o que é um dos objetivos dos repositórios) e não
auxilia o professor com nenhuma sugestão de trabalho mesmo que implícita) como os textos;
e, por último, quanto c) ao conteúdo: o conteúdo do AO Uma noite de Almirante, é adequado,
uma vez que apresenta uma retextualização de um conto de Machado de Assis, em que se
apresenta em forma de animação o enredo. Uma observação, entretanto, deve ser feita, no que
respeita à combinação entre o registro lingüístico escolhido no reconto e o contexto em que a
história acontece. Nesse caso, o tempo da narrativa é o século XIX(caracterizado pela
indumentária e pela manutenção de ações do texto original), mas em alguns momentos a fala
dos personagens é do século XXI (o marujo ficou maus!). A adaptação deveria ser feita
considerando-se um século ou outro no OA e não os dois ao mesmo tempo. Em relação ao
OA No meio do caminho, o conteúdo configura-se como parcialmente adequado, uma vez que
há dificuldade em se dar coerência à junção do poema de Drummond a alguns
acontecimentos/fatos enumerados no OA.
Essa breve discussão nos aponta outra inquietação a respeito da avaliação de AO: a de
que para avaliar esses conteúdos didáticos digitais é imprescindível a presença de um
especialista na área de que trata o OA. Isso, no entanto, não parece ser uma preocupação de
quem alimenta repositórios. Tem-se, então, como resultado disso uma grande quantidade de
OAs catalogados e disponíveis aos internautas, mas a quantidade nem sempre pode ser
equiparada à qualidade dos Objetos.
Referências
BIELIUKAS, Yosly Hernández et al. Una propuesta para el desarrollo sistemático de un
modelo de calidad integral para los objetos de aprendizaje combinados abierto de tipo
instrucción. In: CONGRESSO LATINOAMERICANO DE OBJETOS DE
APRENDIZAGEM, 5, São Paulo, Anais...São Paulo: Mackenzie, 2010. p. 254-263.
BRASIL. Ministério de Educação. Secretaria de Educação a Distância. Banco Internacional
de Objetos Educacionais: Disponível em: <https://objetoseducacionais.mec.gov.br>.
Acesso em 15 ago. 2010.
BRASIL. Ministério de Educação. Secretaria de Educação a Distância. Portal do Professor.
Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br./index.html >. Acesso em 15 ago. 2010.
BRASIL. Ministério de Educação. Secretaria de Educação a Distância. RIVED. Disponível em:
< http://rived.proinfo.mec.gov.br/projeto.php>. Acesso em: 15 ago. 2010.
GRICE, Paul H. Lógica e conversação.IN: DASCAL, Marcelo. Pragmática - Problemas,
críticas,perspectivas da Lingüística. Campinas: UNICAMP. 1982.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDISATION (ISO) (1991). ISO/IEC:
9126 Information technology-Software Product Evaluation-Quality characteristics and
guidelines for their use –1991.
KOCH, Ingedore V. G. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.
LEFFA, Vilson J. Nem tudo que balança cai: objetos de aprendizagem no ensino de línguas.
Polifonia. Cuiabá, v. 12, n. 2, p. 15-45, 2006. Versão online. Disponível em
<www.leffa.pro.br/textos/trabalhos/obj_aprendizagem.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2010.
McGREAL, R. Learning objects: a practical definition. International Journal of Instructional
Technology and Distance Learning (IJITDL), v. 9, n. 1, 2004. Disponível em
<http://auspace.athabascau.ca/bitstream/2149/227/1/Practical+definition.doc>. Acesso em: 29
ago. 2010.
MELQUES, Paula Mesquita et al. Banco Internacional De Objetos Educacionais: uma
ferramenta para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem por meio do uso das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). ETIC- Encontro de Iniciação Científica
das Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de Toledo. (online). Disponível em
<http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewArticle/2609>. Acesso em:
15 ago. 2010.
MENDES, R.Mara; SOUSA, Vanessa Inácio; CAREGNATO, S. Elisa, A propriedade
intelectual na elaboração de objetos de aprendizagem. In: ENCONTRO NACIONAL DE
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5, 2004, Salvador, Anais do V Encontro Nacional de
Ciência da Informação, Salvador: UFBA, 2004. Disponível em:
<http://dici.ibict.br/archive/00000578/01/propriedade_intelectual.pdf>. Acesso em 29 abr.
2010.
PRATA, Carmem. [Mensagem em resposta a postagem “Objetos de aprendizagem ou
educacionais?” em um blog esclarecendo sobre os projetos Rived e Banco Internacional de
Objetos Educacionais]. In: JARBAS. Boteco escola: ensaios sobre uso de blogs em
educação. Mensagem enviada em 02 fev. 2009. Disponível em:
<jarbas.wordpress.com/2009/01/28/objetos-de-aprendizagem-ou-objetos-educacionais/>.
Acesso em 12 out. 2011.
SILVEIRA, Ismar Frango, Objetos de aprendizagem para ensino de Línguas. In:
MARQUESI, Sueli Cristina; ELIAS, Vanda Ma. da Silva; CABRAL, Ana Lúcia Tinoco
(Org.), Interações virtuais: perspectivas para o ensino de Língua Portuguesa a distância. São
Carlos: Claraluz, 2008.
SKINNER, B. F. Verbal behavior. New Jersey: Prentice-Hall, 1957.
TEIXEIRA, Luciana Amaral. A hipótese da neutralidade teórica e os objetos
de aprendizagem para o ensino da língua inglesa: um estudo de caso. 2008. 134 f.
Dissertação. (Mestrado em Letras) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
2008. Disponível em: < http://www.maxwell.lambda.ele.puc-
rio.br/Busca_etds.php?strSecao=resultado&nrSeq=13424@1>. Acesso em: 29 abr. 2010.
WILEY, D. A. Connecting learning objects to instructional design theory: A definition, a
metaphor, and a taxonomy. In WILEY, D. A. (Org.) The Instructional Use of Learning
Objects: Online Version, 2000. Disponível em
<http://reusability.org./read/chapters/wiley.doc.> Acesso em: 29 ago. 2010.
Top Related