Os “subalternos” e os projetos de democracia popular nas organizações da sociedade civil...

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Semiedu 2010 Educação, Formação de Professores e suas Dimensões Sócio- Históricas: Desafios e Perspectivas 21 a 24 de novembro GT 11 – Movimentos Sociais e Educação Os “subalternos” e os projetos de democracia popular nas organizações da sociedade civil brasileira: a formação de sujeitos político-pedagógicos em Nova Iguaçu/ Baixada Fluminense Leonardo de Abreu Voigt Graduando de bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense, membro do Núcleo de estudos e pesquisas em Filosofia, Política e Educação (Nufipe/FE) e do Observatório Fundiário Fluminense (OBFF/ICHF) [email protected] Michel Serpa Graduando em Pedagogia na Universidade Federal Fluminense, membro do núcleo de estudos e pesquisas em Filosofia, Política e Educação (Nufipe/FE) [email protected] Resumo Tendo como base de referência o projeto de pesquisa em andamento “A construção da democracia popular nas organizações da sociedade civil da Baixada Fluminense”, sob orientação dos professores Giovanni Semeraro e Percival Tavares, buscamos aproximar as experiências vividas tanto pela Federação das Associações de Moradores de Nova Iguaçu (MAB), o qual começa a se delinear na primeira metade da década de 70 e a ganhar força com o abrandamento gradual da

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Semiedu 2010Educação, Formação de Professores e suas Dimensões Sócio-

Históricas: Desafios e Perspectivas21 a 24 de novembro

GT 11 – Movimentos Sociais e Educação

Os “subalternos” e os projetos de democracia popular nas

organizações da sociedade civil brasileira: a formação de

sujeitos político-pedagógicos em Nova Iguaçu/ Baixada

Fluminense

Leonardo de Abreu VoigtGraduando de bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais na

Universidade Federal Fluminense, membro do Núcleo de estudos e

pesquisas em Filosofia, Política e Educação (Nufipe/FE) e do

Observatório Fundiário Fluminense (OBFF/ICHF)

[email protected]

Michel SerpaGraduando em Pedagogia na Universidade Federal Fluminense, membro do

núcleo de estudos e pesquisas em Filosofia, Política e Educação

(Nufipe/FE)

[email protected]

Resumo

Tendo como base de referência o projeto de pesquisa em

andamento “A construção da democracia popular nas

organizações da sociedade civil da Baixada Fluminense”, sob

orientação dos professores Giovanni Semeraro e Percival

Tavares, buscamos aproximar as experiências vividas tanto

pela Federação das Associações de Moradores de Nova Iguaçu

(MAB), o qual começa a se delinear na primeira metade da

década de 70 e a ganhar força com o abrandamento gradual da

repressão da ditadura militar (1964-1985), especialmente

após 1978, como pelo Sindicato Estadual dos Profissionais

da Educação (SEPE), surgido legalmente como sindicato

apenas após a Constituição Federal de 1988, começando a

tomar forma a partir da Sociedade Estadual dos Professores

do Rio de Janeiro (SEP/RJ), fundada em 1977, também em Nova

Iguaçu, com as contribuições teóricas de Antonio Gramsci

acerca do conceito de “subalternidade”, onde buscamos

caracterizar esses movimentos, divulgar e explicitar

algumas de suas mobilizações, inciativas e estratégias

programáticas de ação mais contundentes, através das quais

os “subalternos”, como nos ajudará a conceituar Simionato

(2009), se sublevaram e lograram avanços significativos

tanto no que concerne demandas específicas, ganhos

materiais em infraestrutura e equipamentos urbanos como no

sentido da formação de novos sujeitos sociais político-

pedagógicos, dedicados à construção de um projeto de

sociedade aberto à participação de todos. Contudo, cabe

também ressaltar que apesar do notável histórico de

mobilizações demonstrado através da bibliografia trabalhada

bem como pelos relatos cedidos por integrantes das

organizações observadas, contamos hoje com um difícil

quadro de mobilização, porém, atuante, foco de contínuas

cooptações e armadilhas por parte dos quadros burocráticos

estatais, partidos políticos em geral, assim como

representantes da classe dominante em diversos campos de

atuação.

Palavras Chave: Filosofia, Política, Democracia, Educação

Introdução

No sentido de identificar os nexos entre as

trajetórias e transformações de importantes modelos de

organizações populares desenvolvidos nas regiões da Baixada

Fluminense e, especificamente, em Nova Iguaçu, bem como o

surgimento e o perfil de novos sujeitos políticos engajados

a estas organizações a partir dos anos 60/70 e ao longo do

processo de democratização levado a cabo no Brasil a partir

dos anos 80, com as contribuições teóricas de Antonio

Gramsci acerca do conceito de “subalternidade”, buscamos

recuperar a história político-pedagógica desses movimentos

populares, visando delinear a evolução política destas

organizações da sociedade civil na luta pela democratização

dos processos decisórios em sua região.

Nova Iguaçu – História e Números

Tendo o território geográfico e político de Nova

Iguaçu como palco dessas expressivas mobilizações

históricas ora apresentadas, nos cabe situar esta região

apontando algumas significativas transformações vividas

pela mesma desde suas origens até a atualidade.

Localizando-se aproximadamente a 32 quilômetros ao

norte da cidade do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense,

Nova Iguaçu, antiga Vila de Iguassú, possui 1.344 km²

quando da sua fundação em 1833.

Como nos informa Silva (2004), trata-se de uma região

caracterizada ao longo de sua história pela deficiência

infra-estrutural, populações carentes e abandono do poder

público, passando de zona intermediária nos períodos

colonial e imperial, especialmente de escoamento de café,

para uma zona de passagem rápida a partir do assoreamento

de seus rios e a construção das ferrovias por Mauá, no ano

de 1854 em diante.

Se em 1833 a antiga Vila de Iguassú possuía 1.344km²,

já em 2000, segundo IBGE, o município de Nova Iguaçu fica

reduzido a 524 km² em decorrência das consecutivas

emancipações ocorridas na Baixada Fluminense durante todo o

século 20, começando por Duque de Caxias (1944), tendo em

seguida São João de Meriti (1947), Nilópolis (1947),

Belford Roxo (1993), Japeri (1993), Queimados (1993), Nova

Iguaçu (1993) e, finalmente, Mesquita (2000).

No que tange seu contingente populacional, segundo

Silva (2004) e dados do IBGE, entre 1929 e 1940, sua

população quadruplica: de 33.396 salta para 140.606. Em

1950 é de 145.649 habitantes; em 1960 é de 359.364 e em

1970 é de 727.140. Se em 1950 sua população rural

corresponde a 46,60% do total, em 1980 se vê reduzida a

0,29%. Finalizando, apesar de tudo, com um inchamento

urbano mais lento, Nova Iguaçu transforma-se então, segundo

o último censo demográfico (2000), na sétima cidade do País

com 1.094.805 habitantes.

E é nesse enorme aglomerado urbano, em geral composto

de mão-de-obra não qualificada disposta a vender sua força

de trabalho na grande metrópole sedenta por estes tipos de

serviços a baixos custos, que começa a se manifestar nos

inícios dos anos 60 uma crescente insatisfação popular

expressa no voto mais a esquerda, na mobilização camponesa

das ocupações de terras e na “revolta popular” (Alves, 2003

apud Silva, 2004).

Os Subalternos

E a esses sujeitos em condição, no mínimo, degradante,

imposta através do regime de manipulação hierárquica e

desigual do poder e da produção, Antonio Gramsci chamará de

“subalternos”, alternativa teórica essa que faz fugir da

armadilha lógica imposta pelo suposto “messianismo”

proletário-operário presente em grande medida na teoria

marxista positivista, abarcando todo um conjunto de

categorias em um recorte classista que antes se via

impossibilitado pela idéia da “ditadura do proletariado”.

(MARX, s/d)

Como nos ensina Simionato (2009), apesar do conceito

de subalternidade já aparecer nos escritos pré-carcerários

do autor, somente nos Cadernos do Cárcere este ganha um

significado ampliado, “demarcando seus nexos dialéticos com

o Estado, a sociedade civil, a hegemonia, a ideologia, a

cultura, e a filosofia da práxis.”. Ao invés de isolar os

trabalhadores fabris, em geral, de todos os explorados do

sistema capitalista, o conceito de subalternidade exige uma

série de mediações, como continua a autora, “[...], tais

como suas relações com o “desenvolvimento das

transformações econômicas”; sua “adesão ativa ou passiva às

formações políticas dominantes”; as lutas travadas a fim de

“influir sobre os programas dessas formações para impor

reivindicações próprias”; a formação de “novos partidos dos

grupos dominantes, para manter o consenso e o controle dos

grupos sociais subalternos; a caracterização das

reivindicações dos grupos subalternos e “as formas que

afirmam a autonomia”(GRAMSCI, 2002, p.140 apud SIMIONATO,

2009, p. 42).

Em última análise, como conceitua Simionato de forma

sucinta, “A categoria “subalterno” e o conceito de

“subalternidade” têm sido utilizados, contemporaneamente,

na análise de fenômenos sociopolíticos e culturais,

normalmente para descrever as condições de vida de grupos e

camadas de classe em situações de exploração ou destituídos

dos meios suficientes para uma vida digna.”(SIMIONATO,

2009, p. 42). Contudo, a autora afirma ainda que ao tratar

das classes subalternas não poderíamos parar por aí:

“Trata-se de recuperar os processos de dominação presentes

na sociedade, desvendando “as operações político-culturais

da hegemonia que escondem, suprimem, cancelam ou

marginalizam a história dos subalternos” (BUTTIGIEG, 1999,

p. 30 apud SIMIONATO, 2009, p. 42).

E seguindo esses passos, analisamos mais

detalhadamente as mobilizações urbanas levadas a cabo pelos

sujeitos políticos coletivos investigados no presente

trabalho.

Mobilizações Urbanas

Desde 1945 nota-se a existência de tentativas isoladas

de organizar a população de Nova Iguaçu pela obtenção de

serviços urbanos, contudo, somente por volta de 1950 é que

se formam as primeiras associações de bairro. Os movimentos

gerados por essas primeiras associações – Associações Pró-

Melhoramentos de Bairro e Centros Pró-Melhoramentos de

Bairros – se expandem entre os anos de 1958 e 1964, anos

finais do que se convencionou chamar de ‘populismo’,

chegando a ser realizado em 1960 o I Congresso do Movimento

Amigos de Bairros de Nova Iguaçu, pressionando o poder do

Estado e obtendo, inclusive, algumas concessões junto à

prefeitura, sob a liderança do PCB (Partido Comunista do

Brasil), antes de sua subdivisão em 1962(Silva, 2004).

Após decreto do Ato Institucional nº 5 (AI – 5) de

1968, a eficácia da repressão militar reduz esse movimento

a reivindicações isoladas, desarticulando a coordenação

entre os bairros. Como resposta e alternativa as

perspectivas mobilizatórias e reivindicativas da comunidade

nesse momento, temos a priorização, por parte da Diocese de

Nova Iguaçu, na pessoa de D. Adriano Hipólito, das

Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s), acabando por exercer

um papel subsidiário importantíssimo frente a carência de

movimentos sociais, a falta de espaço e a repressão.

Sujeitos Políticos Coletivos de Nova Iguaçu – MAB e SEPE

Em meio a esse contexto sócio-político observamos o

surgimento dos dois movimentos sociais tomados como objeto

de pesquisa. O Movimento Amigos de Bairros de Nova Iguaçu

(MAB), o qual começa a se delinear na primeira metade da

década de 70 e a ganhar força com o abrandamento gradual da

repressão, especialmente após 1978; e o Sindicato Estadual

dos Profissionais da Educação (SEPE), este que, desde o

final de 1976, havia começado um movimento de professores

de História, Geografia e Ciências Sociais contra as

tentativas de implantação da disciplina “Estudos Sociais”

nas redes de ensino, tendo como sua associação de origem a

Sociedade Estadual de Professores do Rio de Janeiro

(SEP/RJ), fundada em 1977.

Movimento Amigos de Bairros de Nova Iguaçu (MAB)

Péssimas condições de vida da população associadas à

intervenção da Cáritas Diocesana de Nova Iguaçu e seus

agentes na assistência ambulatorial, aos agentes de

pastorais de uma diocese progressista, intelectuais de

esquerda, líderes das lutas pré-64, bem como a presença de

novos militantes nos bairros vão favorecer o surgimento e

desenvolvimento desse movimento urbano.

Após quase duas décadas de controle bem articulado

pelo Estado, setores sociais locais começam a se

insubordinar contra o aparato de dominação montado pelo

regime militar com o intuito de esfacelar as oposições

montadas pela comunidade e instalar aliados a frente de

cargos burocráticos clientelistas e dos mecanismos ilegais

de obtenção de recursos (Silva, 2004).

Nesse momento, somando-se o apoio de alguns poucos

políticos do MDBi e o da Igreja, principalmente, a entrada

de novos personagens na cena política do movimento através

do seu trabalho de conscientização e de apoio a organização

popular, as declarações públicas de D. Adriano Hipólito

contra políticos da região, a organização de moradores num

crescendo em associações para pressionar o prefeito por

melhorias, a realização de prestação de contas e audiências

públicas por pressão da população, a manifestação de

vereadores, deputados e populares a favor de eleições

diretas, entre outras, faz com que, no entanto, o fantasma

da repressão militar, como nos conta Silva (2004), se

radicalize em práticas de terrorismo e ilegalidade, na

tentativa de segurar a mobilização popular que ganhava

força na época.

Em 22 de setembro de 1976, D. Adriano Hipólito é

seqüestrado por um grupo paramilitar e torturado na Vila

Militar; três igrejas de Nova Iguaçu amanhecem pichadas

contra o “bispo comunista” em 3 de novembro de 1979; uma

bomba explode em dezembro de 1979 sob o altar da Catedral e

i O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi um partido políticobrasileiro que abrigou os opositores do Regime Militar de 1964 ante opoderio governista da Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Organizadoem fins de 1965 e fundado no ano seguinte, o partido se caracterizoupor sua multiplicidade ideológica graças sobretudo aos embates entreos "autênticos" e "moderados" quanto aos rumos a seguir noenfrentamento ao poder militar. Inicialmente raquítico em seudesempenho eleitoral, experimentou grande crescimento no governode Ernesto Geisel obrigando os militares a extinguirem obipartidarismo e assim surgiu o Partido do Movimento DemocráticoBrasileiro em 1980. (Wikipedia, a enciclopédia livre. Acessado em01/10/2009)

em 1981 ocorrem casos de espancamento, violações de

correspondência e visitas com interrogatórios estranhos

atingindo lideranças populares de bairros e da Igreja

Católica.(Silva, 2004)

Contudo, seguindo o quadro da conjuntura nacional em

que os movimentos sociais começam a se reorganizar, as

associações de bairros se tornam o principal instrumento de

organização na Baixada Fluminense, juntamente com os CEB´s,

onde destacamos as atuações do MAB, do Movimento de União

de Bairros de Duque de Caxias (MUB) e da Associação de

Bairros e Moradores de São João de Meriti (ABM), no final

dos anos 70 e no começo dos anos 80.

Desse momento em diante, além de lutar para que seja

mantida a audiência pública junto aos Executivos Municipais

que se sucedem, o MAB atua, principalmente, nos Movimentos

dos Conjuntos Habitacionaisii e dos Transportesiii; nas lutas

pelo Saneamento Básicoiv, pela Saúdev e pela Educaçãovi; no

impeachment do Prefeito Paulo Leonevii; na participação nos

conselhos comunitários e municipais entre outros; na Câmara

itinerante e nas Audiências Públicas para elaborar a Lei deii Inícios de 1979. Sem dúvida luta por serviços urbanos de maiordimensão na história de Nova Iguaçu (Silva, 2003).

iii Única luta a merecer destaque em 1982 (ib).

iv Principal problema identificado pela maioria das associações demoradores da baixada fluminense desde 1984 (ib).

v Pauta de lutas desde 1980 (ib).

vi Papel preponderante do SEPE, principalmente nos anos 80 (ib).

vii A partir de 1985, o combate a corrupção municipal torna-se aprincipal luta do MAB (ib).

Diretrizes Orçamentárias, em 2003; na luta pela conclusão

das obras de instalação do CEFET (Centro Federal de

Educação Tecnológica) de Nova Iguaçu e na luta recente por

uma universidade pública na área (Silva, 2004).

De 1992 em diante o MAB praticamente inexiste enquanto

força política no município, abrindo espaço para que o

Partido Democrático Trabalhista (PDT), estando melhor

articulado, interviesse de forma clientelística junto as

Associações de Moradores, enquanto tínhamos as outras

forças trabalhando desarticuladas e sem um norte comum.

Contudo, ao observarmos a entrevista realizada com

Maria de Lourdes em 27/10/2008, diretora de políticas

sociais do movimento à época, percebe-se uma visão crítica

dessas práticas clientelistas, tanto nas relações com o

poder público como nas próprias relações internas do MAB:

“[...] ... porque as vezes, como eu acabei de falar, a

população acha que a associação tem que ser ... é ...

assistencialista, né? Dar alguma coisa, ou cesta básica ou

alguma coisa para eles participarem, e a gente tem uma luta

muito grande para mostrar pro povo que convive conosco lá

no bairro que o papel não é esse, nós temos outras coisas a

[...] praticar, como seja, é... exigir até que é nosso

direito como cidadão a participação que, [...] por exemplo,

na lei, né? Na LDO (Lei das Diretrizes Orçamentárias), na

PPA (Plano Plurianual), enfim, a gente tem que estar lá na

câmara participando, dizendo para os vereadores o que é que

nós queremos, entendeu?” (entrevista Maria de Lourdes,

27/10/2008)

Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de

Janeiro (SEPE/RJ)

O SEPE, assim como o MAB, é uma das inúmeras

organizações políticas que surgem no final dos anos

setenta, ainda no período da ditadura militar, quando esta

já dava sinais de esgotamento. Como já vimos, surgida

legalmente como sindicato apenas após a Constituição

Federal de 1988, começa a tomar forma a partir da Sociedade

Estadual dos Professores do Rio de Janeiro (SEP/RJ),

fundada em 1977, como nos conta Emílio Araújo:”O SEPE surge

de organizações remanescentes de professores, ou seja,

organizações de caráter associativo, recreativo, etc., que

não tinham caráter sindical. Organizações politizadas nesse

processo, ou seja, organizações que foram assumidas por

lideranças do partido comunista, lideranças do PMDB

(Partido do Movimento Democrático Brasileiro)viii,

lideranças de outras organizações de esquerda, inclusive no

enfrentamento com militantes de organizações de extrema

esquerda, como da Convergência Socialista, ou da Democracia

Socialista, entre outras. [...] E que por força desse

viii O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) é o maiorpartido político brasileiro, apesar de não ter elegido nenhumPresidente da República através do voto direto. Fundado em 1980,possui uma orientação política centrista e é sucessor do MovimentoDemocrático Brasileiro, legenda de oposição ao Regime Militar de 1964.O PMDB é o partido político brasileiro que possui o maior número defiliados, bem como de prefeitos, vereadores e governadores de estados,além de ter a maior representação no Congresso Nacional. Seu códigoeleitoral é o 15.(Wikipedia, a enciclopédia livre. Acessado em01/10/2009)

processo tanto de reconstrução ou de reorganização dessas

associações, dando a elas um caráter mais político e,

conseqüentemente, mais sindical de enfrentamento, também

levou a uma disputa, que era uma disputa pelo poder dessas

organizações, pelo direcionamento que elas teriam. E foram

organizações que, desde o primeiro momento, tiveram uma

associação muito forte, refiro-me aqui especificamente ao

SEPE, com o que era a trajetória do MDB. O PMDB vai existir

a partir de 1982 com a reforma partidária. E portanto são

as organizações de esquerda mais fortes, em particular o

PCB (Partido Comunista Brasileiro)ix, ele e seus militantes

que estavam na clandestinidade, e militavam dentro do MDB.

E o SEPE, ele surge nesse contexto. É evidente que também,

como é uma organização que surge com a contestação muito

forte à burocracia sindical getulista, ao controle do

Estado sobre as organizações sindicais, também tem como

marca a reivindicação da independência em relação ao

Estado, da crítica e questionamento ao imposto sindical, à

obrigatoriedade de contribuição sindical, etc.”

Segundo Alvarenga e Quintanilha (1991, 1997 apud

Najjar, 2004), nesse universo de professores em processo de

organização, dois grupos distintos podiam ser

identificados: um de professores com vasta experiênciaix O Partido Comunista Brasileiro (PCB) é um partido político brasileiro de esquerda, ideologicamente baseado em Karl Marx e Friedrich Engels; e de organização baseada nas teorias de Lênin. E seusímbolo, segundo seus estatutos, "é uma foice e um martelo, cruzados, simbolizando a aliança operário-camponesa, sob os quais está escrita alegenda "Partido Comunista Brasileiro". Também conhecido como Partidão, seu número eleitoral é o 21.(Wikipedia, a enciclopédia livre. Acessadoem 01/10/2009)

profissional que se mobilizavam especialmente em função das

condições precárias de trabalho a que estavam submetidosx;

e outro de jovens professores, recém-saídos da universidade

e que já tinham uma história de vinculação com o também

renascente movimento estudantil, possuindo estes últimos

uma formação, em geral, de esquerda e visavam

principalmente discutir questões políticas mais gerais, em

busca de uma democratização mais radical da sociedade

brasileira.

Apesar do receio de vários desses professores com

relação à institucionalização do movimento e uma possível

burocratização da organização, esta acaba sendo fundada em

meados de 77, em assembléia com cerca de 150 participantes

na Casa do Estudante Universitário, contando com a grande

maioria dos participantes oriundos dos municípios de Rio de

Janeiro, Niterói e Campos. Em 1978 começa suas atividades

realmente, lançando uma campanha salarial com passeatas e

várias manifestações, demandando um aumento salarial de 65%

para esses profissionais(Najjar, 2004).

Daí em diante o movimento segue uma ascendente: 800

participantes no I Encontro Estadual de Professores do

SEP/RJ em 1978; 1000 pessoas em assembléia realizada no

auditório da Associação Brasileira de Imprensa em março de

1979xi culminando com a assembléia do dia 11 de março dox Um dado importante a ser salientado segundo Najjar é o fato da unificação recente do estado do Rio de Janeiro, o que trazia enormes problemas para o funcionalismo(Najjar, 2004)

xi Assembléia em que é organizada pauta de reivindicações ao Governo Faria Lima em contagem regressiva para seu término.

mesmo ano, em Niterói, onde se encontraram cerca de 5.000

participantes, começando então uma greve por tempo

indeterminado, apesar de pressões e tentativas de cooptação

(promessa de uma sede para a entidade) levadas a cabo pelo

governo durante a primeira greve de professores no estado

após o golpe militar de 1964.

Tal medida faz com que o governador em função, Chagas

Freitas, se comprometa publicamente a atender as

reivindicações do movimento apelando para que fosse

encerrada a greve, pedido este que é atendido pela

categoria na assembléia de 25 de março.

Em junho do mesmo ano temos ainda a fusão do SEP/RJ

com outras duas entidades de professores existentes no Rio

de Janeiro: a União dos Professores do Rio de Janeiro

(UPRJ) e a Associação dos Professores do Estado do Rio de

Janeiro (APERJ), fazendo surgir desta o Centro Estadual de

Professores do Rio de Janeiro (CEP/RJ), valendo lembrar,

ainda, que desse processo não participaram nem o Sindicato

dos Professores (SINPRO) e nem a União dos Professores

Primários do Estado do Rio de Janeiro (UPPE).

Tendo o Governador Chagas Freitas não cumprido a

promessa de acatar as reivindicações do movimento, um pouco

depois da supracitada fusão uma nova greve se instala em

agosto de 1979, não contando, contudo, com o mesmo

potencial de mobilização da anterior. Somando-se a isso,

temos que a reação do governo estadual foi muito mais dura,

prendendo membros da diretoria e se articulando com o

governo federal no sentido de inviabilizar a existência

legal da própria entidade, o que veio a se materializar

através do Decreto nº 8.383 que previa a cassação do

registro civil do CEP e proibia suas atividades. Assim,

depois de 22 dias de greve o movimento foi encerrado

(Najjar, 2004).

Apesar da ilegalidade atribuída pelo Estado, o CEP

continua a funcionar normalmente, não obstante, realizando

em novembro de 1979 suas eleições para a diretoria da

entidade, pondo em movimento 10.000 dos cerca de 12.000

associados.

Em agosto de 1980 temos a realização do II Encontro

Estadual do CEP, palco de organização do que seria, entre

os meses de setembro e novembro desse mesmo ano, a greve de

professoras conveniadas da zona rural, contando com a

participação de cerca de 5.000 professoras. A vitória nesta

greve deu grande visibilidade ao CEP/RJ nos municípios do

interior, sendo as professoras efetivadas e seus salários

quadruplicados, contribuindo assim para o fortalecimento da

entidade em todo estado do Rio de Janeiro.

Em junho de 1981 acontece o III Encontro Estadual de

Professores e em dezembro desse mesmo ano é realizada

assembléia extraordinária, contando com a participação de

130 professores, que, principalmente, deliberou pela

filiação do CEP/RJ a Confederação dos Professores do Brasil

(CPB; entidade que futuramente vem a se chamar Confederação

Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE), contando

ainda nas reivindicações com a pauta de eleições diretas

para diretores de escola, esta que passa a se tornar

recorrente no movimento.

Com a eleição de Brizola para o Governo do Estado em

1983, junto da grande expectativa de mudança,

particularmente, na área da educação, tanto pela sua

atuação como governador do Rio Grande do Sul como pelo teor

da sua campanha, são retirados os entraves jurídicos

existentes desde 1979 e o CEP/RJ volta a legalidade. Esse

movimento permite um grande impulso à entidade, que em 1984

já possuía 32 núcleos, em cerca da metade dos municípios do

estado.

Somando-se a cooptação de vários elementos do

movimento, muito devido ao carisma de Darcy Ribeiro, que

então desenvolvia o projeto dos CIEP´s, junto ao caráter

marcadamente populista do governo Brizola, as relações com

o CEP/RJ começam a se deteriorar, chegando a ser de franca

hostilidade, culminando com mais um período de greve, este

iniciado em 31 de março de 1986, a primeira no governo de

Brizola, contando com uma mobilização massiva da categoria.

20.000 professores, reunidos no Maracanãzinho, paralisam

praticamente toda a rede de ensino.

Em 1987 ocorre o III Congresso do CEP/RJ. Como conta

Najjar (2004), o congresso é a instância máxima de

deliberação na estrutura dessa entidade, se situando acima

das Conferências Estaduais, das Assembléias Gerais, do

Conselho Deliberativo e da Diretoria, sendo as decisões

nele tomadas só passíveis de mudança em outro Congresso.

Nestes Congressos as questões políticas, educacionais e

organizativas são discutidas por delegados especialmente

eleitos nas escolas para esse fim, e são neles que se

expressam com maior intensidade as diversas concepções que

compõem o interior do movimento.

Em 11 de julho de 1988 mais uma greve, esta e suas

manifestações são acompanhadas fortemente de aparatos

policiais, que em diversos momentos vem a fazer uso de

violência contra os grevistas. Entre 24 e 26 de junho, em

meio à greve, é realizado Congresso Extraordinário, que

dentre outras coisas, mudou o nome da entidade de Centro

Estadual de Professores do Rio de Janeiro (CEP/RJ) para

Centro Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de

Janeiro (CEPE/RJ), sacramentando no nome as mudanças

ocorridas na base de sustentação da entidade.

Em função da nova Constituição Federal, de 12 de

novembro desse mesmo ano, estende-se o direito de

sindicalização aos funcionários públicos, passando o

CEPE/RJ a se tornar oficialmente um sindicato, mudando seu

nome para SEPE/RJ (Sindicato Estadual dos Profissionais da

Educação do Rio de Janeiro), nome esse que se mantém até

hoje.

Já em agosto de 1992 temos o I Congresso de Educação e

Unificação, onde se dá a incorporação da Associação dos

Supervisores Educacionais do Rio de Janeiro (ASSERJ) e da

Associação de Orientadores Educacionais do Estado do Rio de

Janeiro (AOERJ), fazendo com que essa entidade passasse a

representar todos os diferentes profissionais de educação

do estado.

Todavia, histórica é a luta levada adiante durante o

governo Altamir Gomes, aprofundada em 1996, com uma greve

de cerca de 8 meses de duração por conta de 7 meses de

salários atrasados dos profissionais da educação do

Município, vivendo uma grave crise administrativo-

financeira. Nesse momento, o espólio dos professores chega

ao ponto de sequer disporem de dinheiro para se deslocarem

para seus locais de trabalho. Visando solucionar a situação

da carga horária das aulas na rede municipal de ensino

acarretada pela paralisação, o prefeito Nelson Bornier, que

assume em 1997, dispõe sobre o Sistema de Avaliação Especial dos

alunos da rede municipal para o ano de 1996: “devido à

greve geral dos professores ficam automaticamente aprovados

todos os alunos (...) regularmente matriculados na rede

municipal” (Decreto 5.785, Atos Oficiais JH 02/01/1997 apud

Najjar, 2004)

Atualmente, em pleno governo Lindberg Farias (mesmo

com a saída do mesmo para disputa pelo senado), luta por

legislação que efetive os processos de eleição de diretores

das escolas e creches da rede municipal de Nova Iguaçu,

tendo sua primeira eleição desse tipo realizada em 1987 e

seu novo imbróglio jurídico para tais eleições a partir do

governo Rosinha Garotinho (2003 – 2007).

Conclusão

À guisa de conclusão, apesar do notável histórico de

mobilizações demonstrado através da bibliografia trabalhada

bem como pelos relatos cedidos pelos sujeitos políticos,

hoje encontramos um difícil quadro de mobilização, porém,

atuante, foco de contínuas cooptações e armadilhas por

parte dos quadros burocráticos estatais, partidos políticos

em geral, assim como representantes da classe dominante em

diversos campos de atuação.

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