OSVALDO FRANCISCO RIBAS LOBOS FERNANDEZ
A EPIDEMIA CLANDESTINA: AIDS E
USO DE DROGAS ENDOVENOSAS EM SÃO PAULO
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
PUC - SP
1993
OSVALDO FRANCISCO RIBAS LOBOS FERNANDEZ
A EPIDEMIA CLANDESTINA: AIDS E
USO DE DROGAS ENDOVENOSAS EM SÃO PAULO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia universidade católica de São Paulo, como exlgencia parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob orientação do Professor Doutor Edgard Assis Carvalho.
PUC - SP
1993
Resumo
Essa pesquisa procurou desvendar e circunscrever o
universo da prática de injeções e sua inserção na cultura das
drogas, com o objetivo de compreender as complexas relações
entre o uso de drogas endovenosas e a expansão da AIDS em são
Paulo.
A etnografia urbana foi realizada no centro da cidade de
São Paulo, particularmente na chamada 11 boca'1 - no território
da droga e da prostituição. Nas entrevistas procuramos
abordar o histórico de consumo, a vida sexual, as mudanças
comportamentais frente a ameaça da AIDS, assim como os
rituais de injeções e o compartilhar de seringas.
A dissertação começa com a contextualização do
aparecimento da AIDS, dos seus grupos de risco, o impacto
epidemiológico e suas metáforas. o segundo capitulo descreve
a pesquisa de campo, a história de vida dos entrevistados e
seus depoimentos. O terceiro capítulo aborda a genealogia da
prática de injeções, os rituais de preparo e consumo, as
formas de experimentação e os controles informais de use.
Finalmente, a última parte expõe resumidamente as informações
sobre o universo do uso de drogas endovenosas, sistematizando
os resultados dessa pesquisa com dados quantitativos já
conhecidos. Os resultados permitem construir diferentes
padrões de uso da droga endovenosa, que mostram gra'J.S
diferenciados de risco à expansão da AIDS.
Agradecimentos
Esse trabalho foi possível de ser realizado devido ao
financiamento concedido pelo Conselho Nacional de
( CNPq) e pela inúmeras contribuições que recebi
Pesquisa
de várias
pessoas e instituições. Gostaria de agradecer indistintamente
à todos que colaboraram direta ou indiretamente para a
realização e finalização dessa dissertação. E em particular,
aos entrevistados, que se dispuseram a relatar
espontaneamente suas histórias de vida.
Agradeço ao professor Dr. Edgard de Assis Carvalho pela
sua orientação e dedicação, durante esses anos todos,
principalmente pelo incentivo e crítica primorosa em toàas as
etapas de desenvolvimento dessa pesquisa.
Agradeço ao antropólogo Dr. Edward MacRae que me convidou
e incentivou a trabalhar com essa temática no Instit'_lt8 de
Medicina Social e Criminologia (IMESC) da cidade de Sã8
Paulo. Sou grato por seu auxílio nas várias etapas dssse
processo e pela disponibilidade de sua biblioteca part..:..::·J.:::.a:::
na realização dessa pesquisa.
Agradeço aos professores da Pontifícia Univers~dade
Católica de São Paulo. Agradeço também as brilhs.:;.r.es
sugestões e contribuições que recebi do antropólogo 1\'és'L.-:::::
Perlonghuer no exame de qualificação e no decorre:::- do
trabalho de campo. Sou grato a atenção e sugestões rece:::::_aas
do sociólogo Dr. Sérgio Adorno, de. Universidade de São Pc::..l:::.
Agradeço aos profissionais do Centro de Estudos do IMESC,
do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), do Setor da
Vigilância Epidemiológica e do Setor da Educação do Centro de
Referência à AIDS, órgãos da Secretaria de Estado da Saúde de
São Paulo, assim corno, aos profissionais do Ambulatório de
Moléstias Infecciosas (ARMa) do município de santo André. sou
grato aos companheiros do Centro de Estudos Brasileiros e
Informações a Drogadependência (CEBRID), da Associação
Londrinense Interdisciplinar de AIDS, do Grupo Pela Vidda e
do GAPA-SP.
Agradeço aos interlocutores e leitores dos meus textos,
que fizeram importantes apontamentos, críticas e sugestões.
Em particular a Alexandre Custódio Vieira, Ulisses Ferraz de
Oliveira, Marcos Gomes, Júlio Assis Simões e Geraldo
Fernandes: sou grato pela disponibilidade e pelas relevantes
observações, decisivas para a redação final dessa
dissertação.
Agradeço também aos meus familiares, que muit::; r.:e
estimularam para o desenvolvimento dessa pesquisa,
particular meus pais Wilma Ribas e Osvaldo Lobos Fernandez,
meu irmão Orlando R. L. Fernandez, minha avó Irene Rod~igues
e os tios Valderes R. de Aguia~ e Paulo Abu.
Aos meus amigos, agradeço pela compreensão e peia
colaboração durante essa importante fase da minha vida, e:::-.
particular a Mara Selaibe, Dora Lúcia dos Santos, Rica::-:::::
Pimentel, Ney Vieira, João Bosco Dias, Fernando Fula:r..ett:.,
Nivaldo Carneiro, Luiz Zanin, Maria das Graças Cremont, Pedro
de Souza, Mary Pimentel Dummont, José dos Reis, Lucila
Scavone, Catia Della Colleta, Sandra Bistafa, Leandro Cesar
Bizeli, Liége, zeca, Julio Gaspar, Leila Jeolás, Regina
Ventura, Kirnie Tomasino, Adalberto José Caracho, Mario
Scheffer, Nestor Teson, Valter Dias, Ana Maria Dias, Milton
Lauerta e Jorge Beloqui.
Agradeço também aos companheiros que colaboraram no
processo final de digitação e edição do texto: Fernando
Fulanetti, Evariste Colman, André Madureira e Silva e Edilson
M. Utiyama.
Foram muitos os companheiros nessa árdua jornada, com os
quais tenho o prazer e a satisfação em dividir essa
conquista.
'
Índice Geral
Introdução 11
1. Capítulo: Do Desvio Ao Risco 15
2. Capítulo: Urna Etnografia Urbana 44
3. Capítulo: Para uma Genealogia das Práticas de Injeções 80
4. Capítulo: o Fim da Clandestinidade 117
Bibliografia
Essa dissertação tem corno objetivo apontar as complexas relações
entre AIDS e suas vias de transmissão, abordando o uso de drogas
endovenosas, o compartilhar de agulhas e seringas e a trans:;tissão do
HIV. Nos primeiros anos da epidemia, a prevenção centrou-se no
conceito epidemiológico de grupo de risco, e os ho~nossex:..:ais
masculinos forar.1 considerados os mais suscetíveis para a t:::-ans.;. . .:ssão
e infecção do HIV.
A contribuição deste trabalho é circunscrever alguns aspectcs da
epidemia, particularmente os usuários de drogas endovenosas. o
objetivo da pesquisa foi articular suas representações aos histé=icos
do consumo, práticas sexuais, padrões de USO, s:.:.bst§.:-:.::.ias
psicoativas, procurando atingir, sempre que - ' püSSJ.V€..L. 1 um s.::..gr::::.:adc
sócio-cultural mais amplo.
11
A pesquisa parte da premissa que, em torno do consumo de drogas,
desenvolve-se um conjunto de ações, regras, valores e rituais, e que
as diferenças nos grupos de usuários e nas substâncias injetadas
trazem importantes variações na prática de injeções, modificando
graus e situações de risco para a transmissão do HIV. Pôde-se
constatar que os grupos e as diferentes substâncias injetadas pelos
usuários condicionam formas de preparo e uso, modificando a exposição
dos indivíduos às situações de risco que propiciam a infecção pelo
HIV.
Com esse pano de fundo, no primeiro capítulo expomos a emergência
da AIDS e o processo de definição dessa nova patologia, os quadros
epidemiológicos e a propagação do HIV no Estado de São Paulo e um
conjunto de representações que as sociedades humanas elaboraram sobre
as doenças epidêmicas.
No segundo capítulo descrevemos o trabalho de campo, sua
metodologia e os entrevistados da pesquisa, apresentando o seu
histórico de consumo, comportamento sexual e estilos de vida. A
partir da apresentação das entrevistas,
gerais da "cultura c. as drogas"
entrevistados.
e os
delineamos,
históricos
os perfis
de vida
mais
dos
No terceiro capítulo abordamos a dinâmica sócio-cultural ão
consumo de drogas ligado basicamente à prática de injeções. O
material etnográfico das entrevistas constituindo de relatos do uso
de drogas endovenosas, redes de amizades, modos de preparação das
substâncias, formas de consumo e experimentação, territórios 'Jrba01cs,
revela inúmeros padrões de aprendizagem, de rituais de consumo e de
compartilharne:-:to de ag:Jlhas e seringas. Além dessa reconstrt:.çãc d::
universo empírico, procuramos detectar quais foram as mudanças nos
usuários de drogas provocadas pela emergência da prevenção à AIDS,
assim como algumas experiências de programas de prevenção dirigidos
aos usuários no Brasil e em outros países.
Nas considerações finais, retornamos resumidamente as mudanças
comportamentais nos entrevistados e algumas informações quantitativas
sobre o universo do uso de drogas endovenosas. Para finalizar,
abordamos a relação da ilegalidade do uso, a necessidade de mudança
no contexto das situações de risco e como os programas de prevenção a
esses indivíduos estão removendo sua delinqüência e proporcionando
tratamentos mais adequados ao fenômeno droga e ao controle da AIDS.
No começo dos anos 80,
"La.nguage is a virus 8
W. Burroughs
epidemi~logistas americanos
relataram a ocorrência de vinte e seis casos de Sarcoma de
Kaposi e de cinco pnewnonias, causadas pela Pneurnocystis
carinii, em homens jovens de Nova York e Los Angeles.
Anteriormente essas doenças eram encontradas err. indivíduos
com graves deficiências imunológicas e, no caso do Sarcoma
de Kaposi, em indivíduos idosos ou proveniente de certas
regiões do Mediterrâneo e da África.
A característica epidemiológica principal dos pacientes
norte-americanos era o comportamento homossexual e a
diminuição acentuada de linfócitos T-4, funàa:nentais a::::
comando do sistema imunológico humano. Os estudos sobre essa
nova patologia, então denominada de GRID 11 Gay Related
Iminudeficiencyn-, mostravam seus efeitos devastadores no
sistema de defesa do organismo humano, causando a morte por
infecções oportunistas que normalmente não causariam dano em
indivíduos sadios.
A partir de 1982, com o aparecimento de casos entre
pacientes submetidos a transfusões de sangue, usuários de
drogas injetáveis e crianças recém-nascidas, a sigla foi
modificada para AIDS- "Acquired Irnmunodeficiency Syndrome":
sindrome da imunodeficiência adquirida.
Havia, então, um desconhecimento completo sobre essa
nova patologia e sua etiologia, formas de transmissão e
tratamentos adequados. Hoje se sabe que a AIDS é uma doença
infecciosa, causada pelo retrovirus HIV, que inviabiliza o
sistema imunológico e leva os pacientes acometidos a
apresentarem infecções oportunistas, freqüentemente fatais,
sendo a faixa etária mais atingida situada entre 20 e 40
anos.
Até o início de 1983 coexistiam duas hipóteses de
desencadeamento da AIDS, uma biomédica e outra psicossocial,
das quais resultaram modelos etiológico-terapêu~icos
diametralmente opostos. O modelo biomédico, de caráter
exógeno e aditivo, atribui a origem da enfermidade a wn
agente agressivo que,
o equilíbrio. Esse
descoberta de vírus,
juntando- se ao organismo, destrói -lhe
modelo orientou as pesquisas pa~a a
micróbios e bactérias para a elabs~a~ão
de uma vacina e para tratamentos cada vez mais eficie~:es,
capazes de enfrentar a multiplicidade das infecções h
17
hipótese psicossocial remete a modelos relacionais e
endógenos presentes em determinados estilos de vida que
causariam
equilíbrio
naturais.
por desencadear
orgânico, após
a doença
a subtração
pela ruptura do
de suas defesas
Por falta de um modelo etiológico comumente aceito,
houve uma
grupo de
construção estatística em torno do
risco que gerou uma profusão de
conceito de
hipóteses e
interpretações contraditórias. Por volta de 1983-1984, com a
descoberta do vírus e a comprovação de sua participação no
desenvolvimento da doença, foi possível estabelecer as vias
e categorias de transmissão do vírus.
Em 1983, a equipe do Dr Luc Montagnier, do Instituto
Pasteur de Paris, conseguiu identificar a partir da cultura
de células provenientes de linfócitos de paciente com
linfadenopatia a enzima, característica dos retrovírus,
chamada transcriptase reversa. A análise proteica desse novo
vírus apresentou-se distinta daquela observada no HTLV e, de
acordo com sua origem, os pesquisadores chamaram esse ~.ovo
retrovírus de LAV - Lymphadenopathy Associated Vírus.
Em 1984, o Dr Robert Gallo, do Instituto Naciona~ do
Câncer nos EUA, discordou dos resultados da equipe francesa
e continuou seus estudos sobre o vírus da AIDS come urna
variante do HTLV, denominando-o de HTLV-III (Human T-cell
Lymphotropic Virus, tipe III). Houve uma acirrada disDuta
científica entre EUA e França sobre a primazia da descoberta
11'
do vírus, sendo posteriormente a paternidade da descoberta
do vírus reconhecida corno pertencente à e~Jipe francesa.
O mesmo vírus foi isolado em outros laboratórios e
recebeu diferentes nomes, tais como ARV (AIDS Related Vírus)
e AA.V (AIDS Associated Vírus) . Em 1986, o International
Cornittee on the Taxonorny Viruses determinou urna única
denominação: HIV (Human Imunodeficiency Virus).
As descobertas de 1983 a 1985 sobre a origem virótica
reforçaram o discurso médico, especificaram as vias de
transmissão e passaram a orientar as campanhas públicas de
prevenção. A descoberta do vírus não permite, por si só,
estabelecer um modelo prospectivo do desenrolar da doença,
mas reduz o número de interpretações possíveis sobre sua
origem e formas de transmissão.
No aspecto clínico são quatro as fases de
desenvolvimento da doença nos indivíduos infectados. A fase
zero caracteriza- se apenas pela invasão :J.o organismo pelo
HIV, ainda não existindo anticorpos no sangue e nenhum outro
sintoma. A fase 1 é marcada pelo apareci~ento de sinais de
fadiga, febre intermiter:te e dor de cabeça, e os exames
clínicos atestam ser o paciente soropositivo. Na fase 2, que
pode durar anos, surgem ínguas e nódulos em diversas partes
do corpo, mas o paciente ainda não se encontra muito
debilitado. É efetivamente a partir da fase 3 que o sistema
imunológico começa a se r.tostrar seriamente aba.J..ado, pois -=--
HIV adere e penetra nos linfócitos (glóbulos branccs
responsáveis pela defesa do organismo) destruindo- os. Sei.!
19
essa proteção surgem as infecções oportunistas que, levam o
paciente à morte.
o vírus penetra no organismo humano, ataca
principalmente a arma da imunidade celular, os linfócitos-T.
A partir daí a multiplicação do vírus começa a se efetuar e
as defesas imunológicas vão progressivamente se extingUindo.
As células infectadas pelo vírus ativo são incapazes de
efetuar sua própria "missão", e todos os germes
(principalmente os inofensivos) provocam as infecções
generalizadas de onde vem a maioria das doenças relacionadas
à AIDSr1' O organismo perde sua capacidade de defesa
imunológica contra qualquer infecção. É importante notar que
o primeiro contato do virus com o organismo não é
acompanhada de nenhuma manifestação clínica
Desde a descoberta do vírus, pode ser verificado um
aumento de cinco para até dez anos no período de incubação
do vírus até o desenvolvimento da AIDS. Devido a esse longo
período e às incertezas relativas ao desenvolvimento da
infecção, se ampliaram os desfio da prevenção e o controle
de sua propagação na população tornou-se extremamente
difícil. A partir de 1985, com aE realizações dos testes
sorológicos para o HIV, assistimos ao surgimento de uma
população significativa de soropositivos e as estimativas
para o final do século não são nada animadoras.
Grigorieff, Ghéorghiu. Non au SIDA. Bélgica, ed. Marabout, 1986, p.39-42.
o vírus pode ser encontrado em diferentes fluidos
corpóreos que, dependendo da via de transmissão e da carga
viral, possibilitam a infecção. Sua presença pode ser
isolada do sangue, do sêmen, da secreção cérvico-vaginal, do
líquido cefalorraquidiano, do leite materno, da saliva e
da urinar2J Sem sombra de dúvida, o vírus foi encontrado em
maior concentração, respectivamente, no sangue, no sêmen, e
secreções cervical e vaginal.
A AIDS e seus grupos de risco
A expressão grupo de risco está presente na literatura
médica desde os primeiros casos em 1981, antes mesmo da
descoberta do vírus e suas vias de contaminação. A
associação entre grupo de risco e a síndrome precede a
descrição mais elaborada do perfil clínico. Impondo-se como
evidência, essa associação é apresentada às vezes como uma
relação de causalidade.
A construção do grupo de risco da AIDS foi elaborada
pelo CDC {Centers for Diseases Controls:: de Atlanta, nos
EUA, e retomada pela OMS (Organização Mundial da saúde) o
CDC era um órgão do exército norte-americano, tinha como
objetivo controlar a malária entre os soldados na década de
40. Durante a guerra fria, foi chamado de Epidemic
1:'Sion, Fernando S. e Sá, Carlos A.Morais et alii. Transmissão heterossexual do vírus da imunodeficiência Humana {HIV) homem-mulher e mulher-homem. Texto aprese~~ad2 no seminário 11 AIDS no Brasil - avaliando o passado e planejando o futuro" realizado pelo Instituto de Medicina Social (UERJ/Ford), agosto de 1992, Rio de Janeiro. Mimeo, p.8.
21
Intelligence Service e tinha por função defender os EUA de
uma eventual guerra bacteriológica. Depois foi reintegrado
ao serviço de saúde pública e uma de suas divisões ocupam-se
de moléstias infecciosas, entre as quais a AIDS. Sem
conhecer o vírus e suas vias de transmissão, a abordagem
epidemiológica do CDC foi classificar os
nos grupo de risco, denominando-os
casos observados
de quatro H:
homossexuais, hemofílicos, heroinômanos e haitianos .
Os indivíduos desses grupos contestaram o conceito de
grupos de risco, acusaram o CDC de veicular racismo e
preconceitos através do medo de urna nova patologia. A
descoberta do vírus HIV, o aprimoramento do conhecimento
sobre as vias de transmissão e o crescimento de casos
inclassificáveis questionaram a legitimidade do conceito. o
CDC sofreu fortes pressões sócio-culturais, o que levou o
órgão a retirar da lista os haitianos.
os conceitos de ngrupo de risco" e "estilos de vida",
porém não desapareceram da literatura médica. O primeiro
contin'.la a designar o grau variável de exposição ~ de
práticas diferentes que favorecem a transmissão do HI' .. ·. c
segundo sobrevive através do conceito de
surgindo tanto como fenômeno que aumenta o grau de exposição
ao vírus, como fator que desencadeia o desenvolvimenco da
doença após a contaminação, ou ainda, como causa da
àiminuição das defesas imunológicas antes do contato :on c
vírus.
A epidemiologia construiu os padrões de incidência dos
casos de AIDS segundo as regiões. Com as notificações
obrigatórias e compulsórias foram organizadas os padrões
epidemiológicos da AIDS no mundo, apresentando os perfis das
vítimas agrupados em torno do conceito de grupo de risco,
através de uma análise fatorial da realidade. Assim, a
prevenção pode ser elaborada e realizada levando em conta as
características das populações específicas e da população em
geral.
Enquanto não há cura para os infectados pelo HIV, a
prevenção é a única forma de controlar a propagação. A AIDS
conquistou o espaço público, tornou-se alvo de disputas de
diferentes interesses e grupos sociais. Já não se trata
apenas do risco em si, mas de sua gestão, que se torna
objeto de controvérsias entre cientistas e as populações
afetadas.
É nesse contexto que adquirem pleno sentido as
pesquisas sociológicas sobre as populações e a AIDS. Para o
sociólogo francês Michel Pollak, a AIDS difere das doe::ças
que, nos últimos tempos, serviram de ca~po empírico às
pesquisas sociológicas, e isso porque constitui um objete
privilegiado de observação das conexões existentes entre as
ordens biológica, social e moral (1).
'3) Pollak, Michael_Os homossexuais e a AIDS; sociologia de urna epidemia. São Paulo, Estação liberdade, 1990. p.ll.
A epidemia no Brasil
De acordo com os dados fornecidos pela Organização
MUndial da Saúde, o Brasil é um dos países mais atingidos,
com mais trinta mil casos de AIDS confirmados até 31/10/92
. O país mais atingido é o EUA, seguido de Brasil, Uganda e
Tanza'n'a '" E' ' t t 1' t d d ~ 1mpor an e sa 2en ar que esses a os se
referem a indivíduos que efetivamente desenvolveram a AIDS e
não a indivíduos infectados, mas ainda assintornáticos.
Segundo o Boletim Especial da Associação Brasileira
interdisciplinar de AIDS (ABIA) a proporção de adultos
infectados pelo HIV no mundo encontra-se assim distribuída:
heterossexual (71%-}, homossexual (15%), usuários de drogas
endovenosas (7%), transfusão de sangue e hemoderivados (5%),
modo desconhecido (2%) .(5)
O padrão epidemiológico da AIDS no Brasil corresponde
ao padrão I, caracterizado por um grande número de vítimas
homossexuais e usuários de drogas. A proporção de casos de
AIDS entre os sexos está na razão de 7 homens para 1 mulher.
o coeficiente por incidência no país está na taxa de 24, o
casos de AIDS por 100 000 habitantes. A região mais atingida
é o sudeste, com 25.321 casos, sendo a maior notificação no
Estado de São Paulo, com 18.737 casos de AIDS, ou seja, com
·~'Brasil. Ministério da Saúde, boletim Epidemiológico -AIDS. Ano v n.B- semana Epidemiológica- 41 a 44/92. Dados preliminares até 31/10/92. Este é o último informe trimestral de casos de AIDS produzido pelo GPA/OMS. · Brasil. Ministério da Saúde, boletim Especial da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS. 11 l\.IDS no mundo", mês 10/92, Rio de Janeiro, ano 6, figura 1, p.3.
' ' -·
um coeficiente de incidência de 64,7 casos por 100.000
habitanteS161
Nos últimos anos verificamos um aumento no número de
heterossexuais notificados com AIDS e uma "socialização" da
transmissão do vírus para as camadas de baixa renda e com
baixo nível de escolaridade. Esse quadro inverte a relação
nos primeiros anos da epidemia, quando os casos de AIDS
ainda eram estritamente "importados" , relacionados a
pacientes de camadas médias altas urbanas com viagens ao
exterior.
No Brasil, de 1980 a 1992, através de dados
preliminares até 31/10/92, a transmissão sexual é a
principal via de transmissão, com 19.358 casos,
correspondendo a 60, 6%- do total de casos notificados. A
transmissão sexual está assim subdividida entre homossexuais
masculinos 9.624 casos (30,1%), bissexuais 4.839 casos
(15,1%) e heterossexuais 4.895 casos (15,3%). A transmissão
sanguínea é a segunda via, com 8.588 casos correspondendo a
26,9% das notificações. O uso de drogas endove~csas
representa 6.629 casos (23%) ' receptores de
sangue/hemoderivados com 1.358 casos (4,3%), hemofílicos com
601 (1,9%). Nos últimos anos verificou-se um crescimento das
notificações por transmissão vertical com 655 casos
correspondendo a 2,1% do total de casos (:)
'""Brasil, Ministério da Saúde, boletim Epidemiológico/AIUS. Dados preliminares até 31/10/92 (semana 44) . 7) Brasil, Ministério da saúde, boletim epidemiológico/AIDS, até a semana 44- até 31/10/92. Tabela
A contaminação através de transfusões de sangue foi
responsável pela propagação do vírus em grande parcela de
hemofílicos e politransfundidos. Essa expansão fez com que
alguns setores da sociedade responsabilizassem os Governos
Federal e Estaduais pela contaminação em hospitais públicos
e pri vades, devido à falta de fiscalização da qualidade do
sangue e de seus hemoderi vados(81
Após dez anos de epidemia, no Brasil o sangue se tornou
a segunda principal via de transmissão do HIV,
correspondendo a 26,9% do total de casos notificados. As
transfusões de sangue foram responsáveis pela propagação do
vírus nos primeiros anos da epidemia, numa grande parcela de
hemofílicos e politransfundidos. Após alguns anos,
heterossexuais, usuários de drogas injetáveis, mulheres e
crianças ampliaram significativamente o leque dos
contaminados, e o conceito de 11 grupo de risco 11 perdeu sua
eficácia classificatória e preconceituosa.
Uma queda no número de casos de AIDS via transfusões
sanguínea em repartições públicas e privadas ocorreu após
fiscalização mais intensa da qualidade dos hemoderivados a
partir de 1985. Embora essa queda tenha sido importante,
verificou-se um rápido e assustador crescimento de casos de
IV: número acumulado e percentual de casos de AIDS, segundo categoria de exposição e sexo- Brasil, 1980-1992, p.ll. '8 'Na mobilização das vítimas e da organização nãogovernamentais (ONGs), cabe lembrar a atuação do cartunista Henfil e seus dois irmãos, que conseguiram mobilizar e alertar a opinião pública e apontando a falta de seriedade do governo quanto à prevenção e à fiscalização dos bancos e comércio do sangue.
AIDS em usuários de drogas injetáveis, diretamente
relacionado à transmissão sanguínea pelo uso comunitário de
agulhas e seringas.
O aumento do número de casos na população tem
humanizado o estereótipo dos pacientes, ampliando as redes
sociais envolvidas com esse grave problema de saúde pública.
com isso, as metáforas da AIDS\9). vão perdendo o sentido de
doença maldita, de doença do outro, rnetaforseando-se numa
cotidianidade, numa fatalidade que atinge a tudo e a todos.
O impacto das drogas na epidemia: o Estado de São Paulo
Com o crescimento da epidemia os 6rgãos de saúde pública
começaram a discutir o uso de drogas injetáveis e a
responder a essa nova demanda com serviços de saúde. A
partir de 1987, a contaminação pelo uso de drogas
endovenosas começou a se tornar uma importante situação de
risco em casos de AIDS no estado de São Paulo, e não parou
de crescer até 1992, transformando-se na p~incipal categoria
de transmissão dos casos confirmados, qu.a:1do cornpa::-ado ao
crescimento proporcional das demais vias.
Nos EUA e na Europa, os serviços de saúde já tratavam
desses indivíduos com serviços especiais para a chamada
drogadependência. No Brasil, foi a partir da epidemia da
AIDS que tivemos maior visibilidade da prática de injeções
de psicotrópicos. o usuário de drogas inje~áveis emergic: de
'9 'Sontag, Susan - A AIDS e suas metáforas. Companhia das Letras, São Paulo, 1989, p.53-71.
27
sua clandestinidade através da vigilância epidemiológica e
das notificações dos casos de AIDS. Essa categoria de
transmissão se tornou uma importante situação de risco, mas
oculta um aspecto da epidemia, a expansão da AIDS entre os
heterossexuais. Dados preliminares até 30/11/92, do Centro
de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo
registraram 21.339 casos. A proporção desses casos entre os
sexos está na razão de 6 homens para 1 mulher do total de
notificações.
Essa proporção de incidência entre os sexos masculino e
feminino vem diminuindo ano a ano, apresentando o seguinte
perfil: 1983 (25:1), 1984 (O)"" 1985 (42:1), 1986 (26:1),
1987 (9:1)' 1988 (7:1)' 1989 (6:1)' 1990 (6:1)' 1991 (5:1)'
1992 {4:1) illl
A faixa etária de 20 a 49 anos é a de maior incidência,
com 18.602 notificações, correspondendo a 87,17% do total. A
maior concentração ocorre na faixa de 2 O a 40 anos, com
15.424, correspondendo a 49, 03% do totald:,
'1'' No ano de 1984 foram notificados 81 casos de AIDS no sexo
masculino e nenhum caso no sexo feminino, não sendo possível estabelecer a razão de incidência entre os sexos para o ano referido. ''
1 'São Paulo, Secretaria da Saúde e C. V. E., boletim epidemiológico/AIDS- janeiro de 1993, tabela 4: "casos notificados de AIDS no Estado de São Paulo e relação masculino/feminino, segundo ano de diagnóstico período de 1980-1992". Dados preliminares sujeitos a revisão mensal, até 30/11/92.
'1
: São Paulo, Secretaria da Saúde e C.V.E., boletim epidemiológico/ AIDS - janeiro de 1993, Tabela 5: Casos notificados de AIDS no Estado de São Paulo segundo a faixa etária, período de 1980-1992. Dados preliminares até 30/11/92.
A principal categoria de transmissão continua sendo a
via sexual, com 11.531 casos, correspondendo a 54, 04% das
notificações. Nos últimos anos, a transmissão sanguínea tem
crescido de forma rápida, com 7.218 casos notificados
{33,81%), devido principalmente ao
endovenosas, com 6.460 casos (30,27%).
uso de drogas
O maior controle dos bancos de sangue, no Estado de São
Paulo, tem diminuído o número de acidentes com hemofílicos
(1, 04%) e politransfundidos (2, 5%). A transmissão vertical
de mãe para o filho também aumentou e hoje atinge 2,46%. As
primeiras notificações desse tipo apareceram em 1987, mas o
número aumentou significativamente, sinalizando um crescente
número dos chamados órfãos da AIDS.
No caso da contaminação por drogas injetáveis enfatiza
se a multifatorialidade da transmissão, pois se relaciona
com várias categorias e segmentos sociais como
heterossexuais masculinos, mulheres e crianças. No último
boletim, o Centro de Vigilância Epidemiológico do Estado de
São Paulo aponr:ou que o quadro organizado em torno de uma
única causalidade subestima o fator uso de drogas
endovenosas. Isso porque há notificações nas categorias
homossexual e bissexual que estão relacionados ao uso de
drogas endovenosas, somando 6,85% do total, distribuídos em
homossexuais masculinos {3,56%) e bissexuais{3,29~) e não na
categoria uso de drogas endovenosas. Quando cruzamos
variáveis de fatores de risco como uso de drogas e
comportamento sexual, verificamos que a maioria das
notificações por via uso de drogas endovenosas é formada por
indivíduos heterossexuais(l 31-
No Estado de São Paulo a vigilância Epidemiológica pôde
verificar que o uso de drogas endovenosas uma importante
situação de risco para as mulheres maiores de 15 anos desde
1987, correspondendo a 46,61% dos casos notificados. Em 1988
e 1989 essa via de transmissão foi responsável por,
respectivamente 54,73% e 51,85% das notificações de mulheres
com AIDS. Somente em 1991 a transmissão heterossexual
(41, 66%)
(38, 02%).
ultrapassou a de uso de drogas endovenosas
Em 1992, cresceram os casos de mulheres
heterossexuais {48, 61\) notificadas com AIDS, apontando uma
tendência de crescimento por essa via, e se verificou uma
diminuição das notificações via uso de drogas endovenosas
(35,33%") dos casos confirrnadosn 41
Os primeiros casos de contaminação por drogas
endovenosas apareceram em 1983 e correspondiam a 3,85%- do
total. Em 1986, 1987 e 1988 o número cresceu e alarmou a
opinião pública com 7, 18%, 17, 16% e 25, 56% do total das
notificações. Em 1989, 1990, 1991 e 1992 a proporção
1;3 'São Paulo, Secretaria da Saúde e C.V.E., Tabela 2a: "casos
notificados de AIDS, Estado de São Paulo, segundo categoria de exposição e sexo, período de 1980-1992". Dados preliminares até 30/11/92. '14
' São Paulo, Secretaria da Saúde e C. V. E. , boletim epidemiológico/AIDS-jan 93,, Tabela 3B: casos notificados d~ AIDS no Estado de São Paulo, para sexo feminino com 15 anos ou mais, segundo categoria de transmissão e ano de diagnóstico, período 1980-1992. Dados preliminares sujeitos a revisão mensal até 30/11/92.
_:;,,
continuou crescendo para 28,91%, 34, 56~, 34, 68~, 33, ?H
respectivamente para o total de cada and15l
O aumento significativo de casos entre esses indivíduos
nos permite sistematizar algumas constatações: 1. A carga
viral do HIV encontrada no sangue é maior quando comparada à
encontrada em fluidos corpóreos corno esperma, secreção
vaginal e leite materno. 2. Outro aspecto é a inoculação
11 eficiente" do vírus, através de injeções, que o insere
diretamente na corrente sanguínea. 3. O uso comunitário de
agulhas e seringas é um hábito e um padrão bastante
difundido na subcultura da droga injetável.
Em algumas cidades do interior do estado de são Paulo
encontramos um quadro epidemiológico diferente do resto do
país, com um maior número de heterossexuais e usuários de
drogas contaminados, quando comparado a outras cidades e
regiões. Em cidades como Santos, São José do Rio Preto,
Ribeirão Preto, Santo André e Bauru o uso de drogas
endovenosas é a principal via de transmissão do HIV,
trazendo conseqUências e impactos diferentes para a
sociedade.
Em Santos, na Baixada Santista, foi verificado um
crescimento assustador da incidência de AIDS. No período de
1987 a 1990 constatou-se uma duplicação dos casos na cidade
do Guarujá e urna triplicação em São Vicente, envolvendo
<~ 5 'São Paulo, Secretaria da Saúde e C. V. E., boletim epiderniológico/jan.93, Tabela 3: "casos nm:ificados de AIDS no Estado de São Paulo, segundo categoria de transmissão e ano de diagnóstico, período de 1980-1992". Dados preliminares até 30/11/92.
31
grande número de heterossexuais e usuários de drogas. Em
Santos delineia-se o quadro mais dramático da epidemia com o
maior coeficiente de incidência da América Latina, com 217,5
casos de AIDS por 100.000 habitantes, no período de 1980-
19921!61 Nessa cidade a proporção de incidência da AIDS entre
homens e mulheres diminuiu, comparado com a proporção do
país: de 8: 1 para aproximadamente 3:1 ( 14) Em Santos, a
proporção de mulheres com AIDS é maior que a média
brasileira, o que pode significar a ampliação da transmissão
por drogas endovenosas e pelo sexo heterossexual, dada a
proximidade de zona portuária, na qual a prostituição e o
tráfico de drogas parecem estar associados.
Esse perfil poderia aproximar o Brasil do padrão
epidemiológico encontrado nos países da África Central, onde
os grupos de risco são os mesmos das outras doenças
sexualmente transmissíveis, numa proporção de incidência
entre os sexos de 1 para 1. Naqueles países, a princina2.
categoria de transmissão é a sexual, atingindo
principalmente os heterossexuais e os grupos de risco das
doenças sexualmenLe transmissíveis.
o crescimento dos casos por essa via delineia novos
contornos da expansão da AIDS no estado de São Paulo e
aponta para a necessidade de programas específ:_cos
destinados à prevenção da transmissão entre os usuários de
ll~'Brasil, Ministério da Saúde, boleLim eoidemiológico AIDS/jan 1993, Tabela XIII: casos de AIDS por período, distribuição proporcional e incidência para 100.000 habitantes segundo município de residência- Brasil 1980-1992. Dados preliminares até 31/10/1992.
drogas. O alarme sobre a transmissão do vírus AIDS através
do uso comunitário de agulhas e seringas está diretamente
relacionado à proibição das drogas e com a rápida
disseminação do HIV nesse grupo. Por ser uma prática ilegal
e clandestina, não é possível prever nem projetar sua
dimensão na sociedade brasileira.
A acumulação de conhecimentos sobre a AIDS vem
contribuindo para a construção das categorias
epidemiológicas da transmissão e o conceito de grupos de
risco, subsidiando a percepção clínica dos sujeitos e
enfatizando a multifatorialidade das vias de transmissão do
HIV, principalmente entre os usuários de drogas endovenosas.
Para que fosse possível circunscrever melhor o universo
empírico da pesquisa, algumas perguntas foram aprofundadas:
1. Quais as condições sócio-econômicas dos usuários de
drogas endovenosas, particularmente os pacientes de AIDS
usuários de drogas injetáveis? 2. Esse grupo seria portador
de uma identidade social particular, ou tratar-se-ia de uma
prática de risco semelhante entre indivíduos soc.:..a: e
culturalmente heterogêneos? 3. o grupo constituiria urr.a
territorialidade particular, uma região com padrões próprios
de comportamentos? 4. Quais as razões e os significados dos
usuários para compartilhar agulhas e seringas? 5. Qual a
relação entre os parceiros da droga e a parceria sexual?
Essas questões nos levaram a fazer uma digressão pela
genealogia das epidemias e pelo papel que desempenha~aTJ na
história da cultura.
" _,_,
A epidemia na história do homem
Nos séculos XVIII e XIX, os países mais avançados
começaram a aplicar regras de higiene e prevenção,
especificamente as vacinas. A revolução industrial foi
acompanhada de uma revolução científica que atingiu todos os
domínios do conhecimento. Louis Pasteur demonstrou a
existência dos micróbios e dos vírus e codificou a
vacinoterapia e a soroterapia. A bacteriologia confirmou
essas individualizações empíricas, nas quais a cada doença
corresponderia um micróbio. As doenças, consideradas antes
urna punição, obedeciam de agora em diante a uma etiologia
precisa, quer fossem infecciosas, degenerativas ou
hereditárias.
O próprio conceito de doença inscreve- se no raciocínio
médico do século XIX e constitui uma abstração
classificatória que reúne sintomas observados em todos os
doentes 11 atacados 11 por um mesmo germe. A doença não é
dissociável da cultura e da idéia que fazem dela o doente e
a civilização do seu país e do seu terr;po. Talvez a
antropologia médica devesse procurar estabelecer as relações
entre doenças, costumes, crenças e mentalidades em função do
tempo e do espaço das sociedades estudadas. Houve urna
progressiva mudança na natureza da resposta dada à série de
desafios que os antepassados tiveram de superar. O homem não
se satisfaz com uma "defesa passiva" e, desde muito cedo,
soube aplicar as regras da profilaxia ::::etiradas da
experiência e da visão que cada povo tinha da doença.
elemento cultural, refletido, adquirido, conservado pela
tradição, melhorado pelo uso, teve tendência para alargar o
seu domínio à custa do elemento inato, genético, inscrito no
patrimônio hereditário. É preciso lembrar que certas
doenças, outrora temíveis, corno a varíola, desapareceram
praticamente do globo após as sucessivas vacinações.
A consolidação da sociedade burguesa foi acompanhada de
um grande desenvolvimento tecnológico e cie:_tífico, assim
como de uma crescente medicalização e urbanização da
sociedade moderna. As cidades do século XIX foram
consideradas fontes de propagação epidêmica, sendo a
população alvo privilegiado das intervenções médicas e
higienistas. O Estado moderno, segundo Michel Foucault,
ocupou- se como nenhum outro de investir e produzir a vida,
modificando o exercício do poder. Segundo esse filósofo,
houve urna articulação nas formas de agenciamentos concretos
que constituem a grande tecnologia do poder no século XIX,
sendo o dispositivo da sexualidade, talvez, o mais
importan.te. Não seria o dispositivo da droga un1 cucrc
agenciamento dessa grande tecnologia do poder no ::inal de
século XX?~-
Michel Foucault ilustra como as disciplinas do corpo e
as regulações da população constituíram os pólos em torno
dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida
na sociedade moderna, poder cuja função mais elevada já ~ãc
' Esse argumento foi sugerido pelo antropólogo Néstor Perlonghuer no artigo nnrogas e êxtase 11 in: Saúde e Loucura. n.3, São Paulo, Ed. Hucitec, p.77-91.
,,
é mais matar, mas investir sobre a vida, mas controlar a
sociedade através da normatização médica. Esse bio-poder
foi o elemento indispensável ao desenvolvimento do
capitalismo, que "só pôde ser garantido à custa da inserção
controlada dos corpos no aparelho de produção e por meio de
ajustamento dos fenômenos da população aos processos
econômicos" (181
O poder sobre a vida desenvolveu-se a partir do século
XVII em duas formas principais, interligadas por um feixe de
relações. A primeira centrou-se no corpo corno máquina, no
seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, no
crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua
integração em sistemas de controle eficazes e econômicos.
A segunda consolidou-se mais tarde, em meados do século
XVIII, e centrou-se na noção de corpo, enquanto espécie
transpassado pela mecânica do ser vivo, e por um conjunto de
processos de controle reguladores da bio-política da
população.
As pressões biológicas sobre os processos histé~~cos
foram, durante milênios, extremamente fortes. A epidemia e a
fome constituíam as duas grandes formas dramáticas dessa
relação, que ficava sob o signo da morte. Nesse processo
ocorreu urna proliferação de tecnologias sócio-bio-políticas
que, a partir de então, iriam investir sobre o corpo, a
saúde, as maneiras de se alimentar, de morar, as condições
r!~'Foucault, Michel. História da sexualidade; a vontade de saber. 5. ed., Rio de Janeiro, Graal, 1984, v.l, p.l32.
de vida e de existência social. Os dispositivos de poder
articulam- se diretamente, no corpo a corpo, a funções, a
processos fisiológicos, sensações e prazeres. Longe do corpo
ser apagado, trata-se de fazê-lo aparecer numa análise em
que o biológico e o histórico não se constituíam em uma
seqUência evolutiva, mas se interligavam, tendo por alvo a
vida. Não uma história que só leve em conta os corpos pela
maneira que foram percebidos ou receberam sentidos de valor,
mas uma história dos corpos e da maneira como se investiu
sobre o que neles há de mais material, de mais vivo.
No fim do século XVIII, nascia uma tecnologia do sexo
inteiramente nova. Nova porque sem ser realmente
independente da temática do pecado, escapava basicamente à
instituição eclesiástica. Através da pedagogia, da medicina
e da economia a sexualidade deixa de ser uma questão laica e
transforma-se numa questão sócio-política, na qual todo o
corpo social e cada indivíduo eram convocados a se porem em
vigilância constante.
É o dispositivo da sexualidade que instaura essa idéia
"do sexo" e o faz aparecer sob quatro grandes formas: a
histeria, o onanismo, o fetichismo e o coito interrompido. o
"sexo" se tornou um ponto imaginário criado pelo dispositivo
da sexualidade, a que
inteligibilidade, à
todos devem ter acesso à sua própria
totalidade, à sua identidade. As
palavras de Foucaul~ sintetizam bem essa nova condição:
"O pacto faustiano cuja tentação o dispositivo da
sexualidade inscreveu em nós é, àoravante, o segui~te:
trocar a vida inteira pelo próprio sexo, pela verdade e a
soberania do sexo. O sexo bem vale morte. É nesse sentido,
estritamente histórico, como se vê, que o sexo hoje em dia é
de fato transpassado pelo instinto da morte. Quando o
ocidente, há muito tempo descobriu o amor, concedeu-lhe
bastante valor para tornar a morte aceitável; é o sexo quem
aspira, hoje, a essa equivalência, a maior de todas. "n 9'
Durante a primeira metade do século XX, a sífilis, com o
seu treponema e as reações sorológicas que se consideravam
específicas, foi considerada a causa de numerosas afecções
para as quais não se tinha explicação clara. A AIDS tem uma
grande identificação com a sífilis, pois estão estritamente
relacionadas com a transmissão pelo sexo e pelo sangue. A
"moda" da sífilis passou porque as investigações
laboratoriais se tornaram mais precisas, porque é menos
frequente e mais possível de cura.
O bacterismo não impediu novas manifestações de um c"J.tro
irracionalismo que é a moralização da doença. A sífilis, a
tuberculose, o câncer, a loucura e a AIDS são 11 doenças~ que
possibilitaram definir modos de ser, funcionando como
"janelas para a alma!!, marcadas per uma certa 11 estéti:::a da
tragédia"
Em As epidemias na história do homem, Jacques Ruf=ie e
Jean-Charles Sournia afirmam desde as épocas
longínquas, podemos opor duas concepções: a doença-punição e
'19
' Foucault, Michel. História da sexualidade; a vontade de saber. 5a. ed., Rio de janeiro, ed. Graal, 1984, p.146.
a doença-acidente; uma religiosa, culpabilizante, quase
metafísica, anterior ao judaico-cristianismo, e a outra
racional e pragmática.
"As doenças estão associados não somente à infração a
uma regra e à ofensa a urna divindade que castiga, mas também
uma mácula, uma imoralidade - a doença é suja - sendo todos
estes termos empregues no seu duplo sentido físico e moral.
A doença apenas será curada com e ao preço de uma
purificação. Mais tarde a palavra latina 'infecçãor evocará
etimologicarnente a mesma idéia. E atualmente os
bacteriologistas, atomistas e ecologistas utilizam estes
termos com a mesma ambiguidade e afetividade. Este conceito
será retomado no essencial pela tradição judaica e depois
cristã, que considera a doença como uma punição do Deus
único, justo e todo poderoso. Os únicos remédios serão o
arrependimento, a penitência e a oração. rr(:::o'
o aparecimento da AIDS restabeleceu uma temática antiga
a da epidemia que ameaça toda a sociedade, a da 11 doença-
catac:lisma coletivo". Os primeiros casos de .Zl.:::Js aparece:-::cr,
no começo dos anos 80. A idéia de castigc àivinc para
interpretar a AIDS reforçou a idéia da doença como punição.
A emergência do risco da AIDS cresceu nos EUA, numa
realidade anglo-saxônica puritana, numa situação política
marcada pelo "reaganismo", num clima cultural de "c:::-dern
moral" que se difundiu na década de 80.
:,, Ruffie, Jacques e Sournia, Jean-Charles. As epidemias na hist.ória do homem; perspectiva do Homem, Lisboa, Edições 7C;, 1984, p. 216.
A AIDS conquistou o espaço público, como escrevem as
sociólogas francesas Claudine Herzlich e Janine Pierret no
seu artigo "Ulna doença no espaço público - A AIDS em seis
jornais franceses" . Para as duas sociólogas a mídia foi
responsável pela construção do fenômeno social AIDS,
particularmente a mídia escrita para a vida coletiva e para
o espaço público. Nesses últimos anos a AIDS se tornou um
fenômeno social, o símbolo de todas as ameaças e de todos
opróbrios, o alvo de todos os anátemas. Assim escreve as
duas sociólogas:
"A partir de uma interrogação científica sobre os
doentes cujo número era limitado, desenvolveu-se rapidamente
um discurso no qual se exprime o sentimento de urna ameaça
extrema, de um risco global gue pesa sobre toda
coletividade, questionando os modos de vida e seus valores.
Esse fenômeno, ainda reduzido em relação ao número de
problemas de saúde que afetam diversas populações, torna-se
um problema apreendido em sua antecipação. Freqüentemente
percebido num crescimento potencialmente ilimitado: ele pode
causar a catást.rofe universal. Um novo registro se impõe
então, o da urgência. Diante de um fenômeno que não pára de
crescer, de um perigo gue parece estender-se
indefini ti vamente, é preciso 'fazer alguma coisa' 1: 1'
Os meios de comunicação de massa, principalmente a
televisão, tiveram um papel decisivo na apresentação da
:; Herzlich, Claudine e Pierret, Janine. Uma doença no espaço público; a Aids em seis jornais franceses. In: PHYSISRevista de saúde coletiva. Vol.2, n.r, 1992, p.16
epidemia para a sociedade brasileira. Esse meio de
comunicação apresentou a AIDS corno wna doença restrita aos
homossexuais, pois era tratado então como wn "câncer gay"
que poderia assolar todo o continente americano e falava-se
em retrocesso da revolução sexual e dos costwnes. Em pouco
tempo a população foi alarmada, pelos meios de comunicação,
com a ameaça do terrível mal que assolava os EUA e a Europa,
e incitada a rever os costwnes e a liberação sexual dos anos
60.
Inicialmente apresentada como "peste gay", a AIDS
superou o antigo conceito de grupo de risco, expandindo-se
para outros segmentos da população. Os meios de comunicação
espetacularizaram a AIDS corno um problema restrito ao gueto
homossexual, suscitando arcaicas associações no imaginário
social como a relação entre sexo, sangue e morte, punição e
doença, prazer e culpa.
A AIDS é uma epidemia que ameaça e vitirniza milhares de
indivíduos de várias sociedades e continentes, constituindo
o que poderíamos chamar de uma pandernia. Mas o senso comum
percebe a AIDS como uma enfermidade que atinge grupos de
risco formado por indivíduos estigmatizados e basicamente
marginais.
Essa percepção da AIDS possui um componente perverso,
pois coloca a patolologia corno restrita a grupos
estigmatizados, um "outro" que, acima de tudo, é desviante
da norma social. No imaginário da epidemia, o grupo de risco
surge com o perfil de vítimas e ao mesmo tempo responsáveis
41
e causadores do seu próprio mal. Essa postura, presente no
senso comum, condena os indivíduos ao isolamento, a um tipo
de "morte civil".
Para o ouvinte da língua inglesa, AIDS (eids) se
entrelaça auditivamente com o verbo "to aid"- ajudar. Tal
sonoridade, diz o escritor Bartolomeu Campos Queirós,
convida a acreditar que o sujeito, ao se ver sentenciado
pela palavra AIDS (eids) se faz paciente e implora "aid"
ajuda. O mesmo pode-se dizer do ouvinte da língua francesa
que passou a denominar a AIDS como Syndrome
d 1 Imunodéficience Acquise, "Si da". Remontando ao latim, o
som da "cida 11 é igual a cida, cidium, derivado do verbo
caedere e que significa matar, tombar. O sufixo- c ida nas
línguas derivadas do latim indica morte. Cabe ainda, dizer
que "aid" em francês é a raiz do verbo 11 aider", que também
indica ajuda, apoio, sustento.
Na língua portuguesa continua campos Queirós
intriga o fato de pronunciarmos aids (aides) em vez de Aids
{eids) . Por que isso? Será por lamento, dor, terror?
quando o português se apropria do 11 sida 11 francês, este
"c ida" ganha nova sonoridade e parece que a doença se faz
mais amena. É que "cida" é o hipocorístico daquelas que se
chamam Aparecida. Aparecida é a senhora dos milagres, a mãe
protetora. Mas Aparecida é a sorna do verbo aparecer segt;.idc
do sufixo "cida". É o tempo do particípio passado.
segundo Bartolomeu Campos Queirós, antes mesmo de a
morte se instalar, a palavra já se aninhou no corpo e na
alma E mesmo sem o vírus a palavra acaba por congelar o
desejo:
"Com a AIDS perde- se também a intimidade. Morrer de
AIDS é, vulgarmente, morrer de desvio. É morrer em dívida
com a sociedade que condena o sexo, a droga, a divergência
de desejos .... saber-se 'aidético' é saber-se
irremediavelmente só, por tudo que a palavra devassa e
comporta. '' ~~~~
Desde seu nascimento, o homem sabe que irá morrer, mas
nas sociedades humanas o medo e a ameaça da morte foram
mediadas pelo conceito de doença. O homem, diante da própria
morte, está irremediavelmente só. As doenças epidêmicas
produzem medo, pânico, ameaças e perigos.
Michael Pollak, em seu importante livro Os homossexuais
e a AIDS, sintetiza adequadamente esse problema "A
associação 'AIDS-marginalidade-perigo' limita a compaixão
por suas vítimas, consideradas ao contrário dos cancerosos,
responsáveis pelo que lhes acontece e muitas vezes alvos da
desconfiança de não informare~ se~ ~stado aos parce:~os
sexuais e a seu meio. Essa rep!"esentação da doença e dos
doentes se opõe a uma estratégia de saúde p0blica que se
valha da responsabilidade individual"'=-'
,:: Queirós, Bartolomeu Campos. A palavra AIDS. Conferê:r.cia março de 1992, Belo Horizonte. Quinteto Editorial. :' Pollak, Michel: Os Homossexuais e a A~DS. Soc~ologia Q~ urna epidemia. São Paulo, Estação liberdade, 1990, p.175.
A AIDS conquistou o espaço público, corno escrevem as
sociólogas francesas Claudine Herzlich e Janine Pierret no
seu artigo "Urna doença no espaço público - A AIDS em seis
jornais franceses". Para as duas sociólogas a midia foi
responsável pela construção do fenômeno social AIDS,
particularmente a midia escrita para a vida coletiva e para
A pesquisa etnográfica foi realizada nas áreas centrais
da cidade de São Paulo, entre janeiro de 1989 a dezembro de
1991. O trabalho de campo foi realizado no território
concernente às praças Roosevelt, República, Dom José Gaspar,
Largo do Arouch~, avenidas Ipiranga e São João, e ruas Amaral
Gurgel e Bento Freitas. O espaço urbano da pesquisa de campo
foi delimitado segundo a sobreposição dos territórios do
"mercado do sexo e das drogas", junto às populações de rua
dessa região.
Foi através de contatos realizados durante a noite e das
apresentações dos entrevistados aos parceiros da droga.
injetável que pude desvendar e circunscrever nas redes de
usuários a prática de injeções na cidade. A maioria deles foi_
contatada na rua e o acaso possibilitou um primeiro encontro.
Após esse primeiro contato seguiram-se outros, através da
rede de amizade dos usuários, procurando-se ampliar a malha
da observação e do reconhecimento da identidade desse tipo de
personagem.
Os entrevistados foram selecionados pelo critério de
estar usando ou ter usado droga injetável num período de sua
vida e não segundo a sorologia para o HIV, embora alguns
soubessem serem soropositivos ao HIV.
O universo do uso de drogas injetáveis, que adquiriu
visibilidade maior com a expansão da AIDS, está longe de ser
homogêneo, e a prática de injeções não se restringe a uma
única identidade social. Pelas entrevistas e histórias de
vida percebe-se que o uso de drogas é relatado por indivíduos
com identidades sociais diferenciadas. O uso de drogas
ilícitas, por ser definido como delito, acaba por agenciar os
indivíduos na contravenção, na delinqüência, na marginalidade
e na clandestinidade.
A pesquisa foi desenvolvida
qualitativa em entrevistas e
a partir de :.li11a metodologic.
histórias de vida. Esse
procedimento forneceu urna diversidade de elementos e uma
multiplicidade de padrões de uso da droga injetável e
histórias de consumo que pennitiram circunscrever a prática
de injeções e seus aspectos sócio-culturais.
A observação participante foi realizada ju::to à populaçãc
da chamada "boca": prostitutas, travestis, michês, gays,
traficantes, boêmios, clientes, meninos de rua e usuários d-2
drogas. Foi através dos contatos realizados na boca e das
perambulações na vida noturna paulistana que consegui manter
um caderno de campo com sugestivas anotações sobre o consumo
de drogas ilícitas, comportamento sexual e "agitações
noturnas 11 dos entrevistados.
o trabalho de campo estendeu-se por três anos, devido à
clandestinidade do uso e o segredo que cerca as redes de
usuários de drogas até conquistar sua confiança e, além
disso, ser aceito como pesquisador. Minha principal
preocupação era não permitir que houvesse qualquer dúvida
sobre minha identidade, para não ser confundido com policial,
investigador ou simplesmente um "olheiro" da polícia, o que
poderia pôr em risco a viabilidade da pesquisa.
É importante ressaltar os limites da observação
participante: primeiramente para abordar e conhecer a prática
de injeções, não levei às últimas conseqUências a
radicalidade participativa, transformando-me em mais um
usuário. Em segundo lugar, nunca presenciei urna socialidade
1'in actU 11 do uso comunitário de agulhas e seringas, e todas
as informações baseiam- se em depoimentos e relatos obtidos
durante a pesquisa e no estabelecimento de um vínculo de
longo prazo, emocionalmente estreito, estabelecido com os
entrevistados.
A compreensão da alteridade não reside na simulação da
experiência alheia, mas exige a ap~oximação sensível j&
vivência do outro, sua lógica, suas ações e pontos de vistas.
' -~ experiência física do uso de drogas, o praze~
idiossincrático de um 11 totalmente outro 11 , não pôde ser
apreendido ou registrado sem que houvesse o relato das
experiências dos consumidores, por intermédio da comunicação
oral e gestual. É muito difícil participar das "sessões de
pico" quando não se faz uso da droga injetável. Mesmo assim,
consegui assistir a algumas delas. É importante salientar que
a maioria das entrevistas foi gravada e realizada em locais
"seguros", combinados previamente com os entrevistados, e
tiveram duração mínima de urna hora e meia, dependendo da
empatia e das reações dos sujeitos.
As entrevistas foram realizadas através de um roteiro de
perguntas que abordavam o histórico de consumo, a
aprendizagem, os padrões de aquisição de drogas, as técnicas
de uso e os aspectos jurídicos e penais, objetivando elucidar
a iniciação, o ritual de preparo, o compartilhar de
equipamentos, a freqUência de uso, a sociabilidade e a
dependência.
o pressuposto da pesquisa é o de que o uso de drogas é um
aprendizado social, transmitido dos usuários mais experienr.es
aos iniciados, constituindo gerações de consumidores. Esse
levantamento permitiu uma aproximação com a sociabilidade de
diferentes gerações de consumidores e com a cultura das
drogas.
A dinâmica do consumo de drogas está intrinsecame~te
relacionada ao sistema de percepção Í:ldividual ao
aprendizado corporal dos efeitos das substâncias psicoa~~vas,
reconhecendo prazer, qualidades e dificuldades. Trata-se :J.e
um conhecimento transmissível de geração para geração,
embora sempre haja necessidade de um saber experimental do
usuário sobre cada substância, seus limites físicos e
sociais, o controle informal das dosagens e os níveis de
tolerância.
De todos os entrevistados apenas um não terminou o
diálogo, devido ao medo da infecção pelo HIV associada às
descrições
relatava a
de suas próprias "situações
presença do sangue no uso
de risco", quando
compartilhado de
seringas e recipientes para diluição da droga. Mesmo assim,
um longo contato com esse entrevistado permitiu superar as
expectativas contidas no roteiro de perguntas.
A entrevista com Alemão foi realizada por intermédio de
um informante - policial responsável pelo Sanatório de AIDS
da Penitenciária do Estado de São Paulo- que entregou o
questionário a esse paciente para ser respondido por escrito.
Depois de ter recebido sua entrevista, fui conhecê-lo na
prisão, mas não pude permanecer lá por muito tempo. Consegui
realizar uma outra entrevista, muito rápida, com outro o~esc
{Rato) com AIDS, usuário de drogas injetáveis no sanatório do.
Penitenciária do Estado.
Essas duas entrevistas, embora não rendessem os
resultados das demais, pois o contexto no qual fora..m
realizadas não permitiu uma reconstrução detalhada do
histórico de consumo, acabaram por revelar o lado somb~~8 da
repressão policial e do atendimento médico do sistema pena:.
As respostas de Alemão, traziam muitos símbolos
caligráficos, em forma de cruz. Alemão desenvolve uma "teoria
do viciado", e fornece informações sobre o tráfico e o mundo
do crime. Sua linguagem está permeada pelo jargão policial,
pertencente ao universo do crime, e pela vivência e
sentimentos de um paciente com AIDS ~o presídio.
As redes de consumidores de drogas
Os treze entrevistados, que no texto aparecem com nomes
fictícios, situam-se na faixa etária de 15 a 40 anos. Um
grupo é formado por indivíduos de camadas médias urbanas,
vida profissional organizada, moradia definida, com
remuneração mensal variável entre 3 a 8 salários mínimos, e é
composto por 6 heterossexuais (2 separados, 2 casados, 2
solteiros} e 1 bissexual.
o outro grupo, que poderia ser conceituado corno de
integrantes do lurnpezinato, é formado por 3 travestis, 2
prisioneiros, 1 bissexual. Os travestis trabalham na
prostituição de rua, um deles vende drogas, outro é paciente
de AIDS na Casa de Apoio Brenda Lee, que acolhe travestis e
drogados que não contam com apoio familiar ou institucional.
Os entrevistados constituem duas redes de usuários de
drogas injetáveis, formando diferentes histórias de vida e
padrões de uso. Alguns entrevistados se conheciam: Mae West,
Galo, Manoel, Formiga e Donatelo, sendo que a primeira cedia
sua casa para as práticas de injeções.
No outro grupo, o travesti Duda apresentou o entrevistado
Magda, travesti que morou também em Roma e fez uso de heroína
injetável. O entrevistado veneno conheceu os dois travestis
pois, nas "funções da noite", vendia Hipofagin e maconha para
ambos os travestis. A companhia do entrevistado Veneno, em
suas perambulações de rua, foi importante para a definição do
terreno da droga associado ao território da prostituição
homossexual.
o histórico do consumo dos entrevistados mostra que os
usuários de drogas endovenosas experimentaram uma série de
substâncias psicoativas, podendo esse grupo ser definido como
de "poliintoxicados".
A maioria dos usuários ultrapassa três meses de uso de
injeções, atingindo até quinze anos. Na época de pesquisa
declararam não mais fazer uso de drogas injetáveis, com
exceção de dois. Seus depoimentos marcam suas experiências
com o uso de injeções assim como suas exposições e situações
de risco para o HIV.
Do total dos en~~evistados, a maioria continuava a faze~
uso de cocaína aspirada e de maconha. Os relatos fcrarr.
orientados para fornecer o histórico do consumo, a cultu:::-a. e
a aprendizagem do uso de droga injetável, o compartilhar de
agulhas e seringas, e permitiram reconstruir o contexto
sócio-cultural da prática de injeções, o significado do uso e
o compartilhamento dos equipamentos da cultura das drogas.
Os depoimentos relatam diferentes frequências de uso,
como períodos diferer:tes de inserção na cultura das d:::.-ogas.
De acordo com os relatos, muitas são as substâncias
psicoativas passíveis de serem injetadas, sendo a mais
utilizada a cocaína, considerada a droga hegemônica na
cultura das drogas na década de ao. Alguns depoimentos
descrevem o uso de drogas injetáveis na década de 70, sendo a
substância mais utilizada as anfetaminas, conhecidas corno
ampolas Pervintin e 11 bolasrr de Hipofagin, Desobesi e outras.
Através da história dos sujeitos podemos descrever
algumas mudanças comportamentais nos grupos de entrevistados,
mas o trabalho qualitativo não possibilita generalizações
para toda a sociedade, embora deixe entrever que essas
mudanças poderiam ser creditadas a uma multiplicidade de
fatores, dentre os quais poderiam estar elencados o papel
desenvolvido pelas organizações não-governamentais, pelos
discursos da prevenção e pela própria dinâmica do consumo dos
entrevistados, como veremos a seguir.
os personagens
1. DONATELO (maio de 1991) 36 anos, natural do bairro da
Mooca, Heterossexual separado àa esposa, com um filho, 3.grau
completo, trabalhava como professor em uma faculdade. Na
época da entrevista morava sozinho. Tem um relacionamento
sexual afetivo fixo, mas freqüentemente procura amantes. Não
namora muitas pessoas. Tem interesse por atividades culturais
e políticas, particularmente o impacto
Considera-se ateu. Passa geralmente o
da Perest~oika.
tempo de laze:r-
''chapado", fumando maconha. Tem medo de pegar AIDS e diz que
toma as precauções que o "bom senso indica". Não transa "aos
montes" e atualmente não usa mais drogas injetáveis. Teve
problemas com a polícia, mas conseguiu escapar do processo.
Lê regularmente obras da literatura modernista e jornais
diários como a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo.
"Quando eu comecei, por volta de 1966 para 1967, não
existia entre os meninos, jovens adolescentes de 12 e 13
anos, essa iniciação através de cola ou xarope. Não havia a
identificação, que hoje existe, do jovem se iniciar com cola,
xarope e bolas. Quando o garotão começava a fazer uso de
drogas, a idéia de droga, geralmente começava pela maconha. É
como o sujeito se introduzia nesse universo."
A primeira droga ilícita que consumiu foi a maconha entre
12 e 13 anos, junto com os meninos do parque D. Pedro. Logo
começaram a aparecer as drogas injetáveis com a mesma
molecada, no caso ampolas de Pervintin. Conheceu ácido (LSD),
cocaína e bolinhas de anfetaminas, mas a maconha é até hoje
sua droga
injetáveis
mais frequente
16 e 17
e diária. Foi "tomar" drogas
quando entre anos,
estava fazendo preparatório ao
ampolas de Pervintin e Desbutal
circunstancial e esporádica.
por volta de 1971,
vestibular. Experimentou
injetável com frequência
11 Eu injetei na época de 69 a 73. Doidice! A intensidade
era de acordo com o que pintava, porque eu não era um viciado
em tomar, como toda a moçada que convivia na Mooca e tal. As
pessoas tomavam na medida da oferta. Por exemplo, às vezes se
ficava 1,2,3,6 meses sem tomar, porque não apareciam ampolas
boas, e não tinha Desbutal, nem Dexarnil. Então não se tornava,
a não ser os caras que eram muito fissurados, principalmente
gente mais velha, na faixa dos 35, em 71. Eu tinha 17. Essa
gente mais velha chegava a roubar pronto- socorro para obter
receitas, para ir buscar outras drogas que eles se aplicavam,
até remédio, porque eram pessoas que tinham muita fissura
pela picada. Pessoas que tinham tanta vontade de se picar,
que geralmente quando iam tornar, de tanta ansiedade, antes de
se aplicar se cagava todo."
Donatelo usou drogas injetáveis até 25 anos. As drogas
mais consumidas foram Preludin, Pervintín e Desbutal, sendo
as mais frequentes as "garrafas" (ampolas) de pervíntín, que
já vinham prontas para injetar. Suas palavras demonstram que
há urna associação clara entre droga e sexualidade.
11 Sem dúvida, toda a coisa de se drogar, por via
injetável, e isso era muito forte na minha adolescência,
estava relacionada com essa perspectiva de ser onipotente, de
ser super-homem. Tudo isso tinha a ver com o sair para a
noite, de sair cor.1 mulheres, de transar, de comê-las mui:c.
Enfim isso não e só urna experiência pessoal, mas um pouco
como era vivido esse lance. Drogar fazia sentido, se você
fosse para a boemia. Se não, era coisa de babaca. Era o
espírito da época, não sei hoje.n
Donatelo vivenciou a mudança no mercado das drogas no
período de 70 a 80 e suas palavras se misturam co:;--. as
lembranças dos seus territórios e sua inserção na cidade. Se~
depoimento revive o ponto de vista de um consumidor de uin
:-.'
bairro subcentral da cidade de São Paulo que vivenciou a
metropolitização da cidade e a mudança nas substâncias mais
consumidas e injetadas, em diferentes gerações de tomadores.
2. MANOEL (março de 1991) 38 anos, natural de Jaú (SP),
branco, heterossexual, separado da mulher, com terceiro grau
completo, advogado. Morou muitos anos no interior. Atualmente
mora em São Paulo. Foi casado algumas vezes: um ano e meio
com uma mulher, dois anos com uma outra e dez anos com a
última, mãe de seu filho, também usuária, descrita corno
agressiva na prática da droga injetável.
Manoel como ele próprio diz, tem uma vida sexual "bem
irregularrr. FreqUentemente tem outras parceiras sexuais além
de sua esposa, gosta de freqüentar a boca para sair com
mulheres, particularmente quando está embriagado, fazer farra
e cheirar cocaína com elas. Hoje em dia, "mesmo as minas da
boca pedem para usar camisinhas". Até uns cir1co anos atrás
achava que a "AIDS era coisa de viado". Afirma não ter medo
de "pegar 11 AIDS. Não gosta de u.sar camisinhas, acha q-ue é c
mesmo de 11 chupar bala com papel 11• Já elaborou métodos
contraceptivos com suas mulheres, mas falharam algumas vezes.
Acredita em Deus e foi interno de seminários da Igreja
Católica. Era filiado ao PCB. Gosta de sindicalismo e do
direito trabalhista. Teve problemas com a lei em 1975, devidc
ao porte e consumo de entorpecentes. Ficou preso durante dez
dias, foi processado, j:.:lgado e inocentado por falta de
provas. Fez consulta com psiquiatra levado pela família, onde
teve de provar que o problema era sua família e não ele.
Prefere passar suas horas de lazer rr cheirando cocaína, lendo
e dormindo" . Suas leituras regulares são
Veja, jornais O Estado e Folha de S. Paulo.
A primeira droga que Manoel usou foi
cursava o primeiro ano ginasial, com 12
Naquela época não fumava cigarro nem
revista Playboy,
maconha, quando
anos, em 1964.
usava álcool.
Atualmente, toma bebida alcoólica regularmente. Já
experimentou ácido, cogumelo, lírio, cola, bolinha (calmantes
e anfetaminas), loló, lança-perfume, xaropes, heroína,
morfina e ópio pingado no cigarro e/ou no baseado, Pervintin.
Sua droga preferida é o LSD.
"A droga tem um significado para mim, sempre foi um
caminho, até chegar o LSD, que foi a descoberta de um mundo
novo. Tomei cocaína em 1986. NUnca achei certo tomar cocaína
na veia. Isso é coisa de louco, acho que isso tá acontecendo
porque tem muita, coca é muito misturada. Eu uso óculos e
tenho cara de sério,
seringas na farmácia. "
isso sempre facilitou comprar as
As substâncias psicotrópicas que aplicou foram cocaína,
Pervintin, Desbutal e uma única vez o Artane. Começou
injetando entre 1971 e 1972. Na última fase de "pico" foi a
cocaína, a droga mais "tomada"_ Atualmente, prefere cheirar
do que "tornar 11 , "tomei muito até aparecer o bode e não torno
mais''. Usou droga injetável num período de 15 ar..os. ;_
primeira vez foi em 1972, parou de se injetar em 19 8 7. Faz
três anos que não injeta mais drogas em suas veias, mas
"cheira" cocaína há três anos, semanalmente.
3.
(SP) ,
CANADÁ
branco,
(26/6/2990) 28
heterossexual
anos, natural de Caraguatatuba
solteiro, com segundo grau
completo, comerciante. Morou três anos em São Paulo, um ano
no bairro de São Mlguel Paulista e dois anos em Santa
Cecília. Atualmente mora em Caraguatatuba. Participou da
formação de um ponto de venda de drogas no litoral paulista,
que ainda se mantém. No tempo da entrevista fazia um ano que
não mais consumia drogas injetáveis. Afirmou que estava
afastado da coca, preferindo manter-se longe do "baque" {coca
injetável) 1 mas esporadicamente aspirava algumas carreiras.
Tem vontade de fazer o teste para o HIV.
Freqüentemente usa camisinha nas primeiras relações
sexuais com uma garota, mas com o passar do tempo deixa de
usá-la porque eles se tornam namorados.
Canadá fez psicoterapia grupal, devido a suas relações
com o consumo de drogas. Foi dependente de injeções de coca,
mas conseguiu se afastar. É perceptível sua vontade de volta~
a injetar e seu sofrimento para conseguir deixar de injetar.
Atualmente faz um discurso contra as drogas e não quer mais
se sentir dependente de qualqt:er tipo droga. Prefere
canalizar suas energias para o trabalho e para sua namorada.
Canadá deixa transparecer que, quando usava droga injetáveis.
perdia seu interesse e apetite sexual. A lembrança da amada é
um mecanismo que o ajuda a se manter distante do 11 baque de
coca". Lê regularmente o Estado de S. Paulo.
A primeira droga que conheceu foi a maconha. Conheceu
Hipofagin, Mandrix, ácido, cogumelo, cola, benzina, cocaína e
injetou Arnosterona, Artane, cocaína. Experimentou cogumelos
uma única vez, mas não quer mais beber o chá. As primeiras
drogas que injetou na veia foram Glucoenergan e Hipofagin.
"Já tomei gluco antes de tornar cocaína. Tomava gluco para
segurar a bebida, beber mais, mas não em grandes quantidades;
particularmente em tempo de carnaval, fazia fila na farmácia.
O cara fez a maior grana, o farmacêutico foi candidato a
vereador. Você ia na farmácia, todo mundo tomando urna caixa
de cinqüenta. você ia tomar só vinte? Não vou tomar só vinte,
cinquenta também. Mas não sentia o mesmo efeito que o pó.
Depois que conheci a coca que vi que o gluco não era nada.''
Seu depoimento revela a preferência pela cocaína
injetada, o "baque de coca'1, demonstrando dificuldades para
se manter afastado dessa forma de administração do uso:
nse eu fosse, pudesse, quisesse usar, tomaria de novo. E·~
dispensaria .. {gesticula o aspirar, cortando a carreira sobre
a mesa) . Tá certo que cheirar é mais social, como se diz no
meio dos viciados, mas você tomar um baque (fala bem
baixinho) Você fica caçando jaburu. Chega a madrugada e o
silêncio. você já viu caçar jaburu? Jaburu é um tipo de
ave/macuco, maior que uma galinha, jacu. Chega wn clímax m·-'"
você já tomou urna, duas, três ... seiSi possivelmente você vai
aumentando a carga, querendo um pouco mais forte e dependendc
57
cada vez mais da sorte. Você nunca toma uma forte na
primeira, devido ao risco de overdose, de repente se você
quer mais água você torna.n
Canadá usou drogas injetáveis durante quatro anos
consecutivos, de 1982 a 1986, e a substância psicoativa mais
consumida foi a cocaína. Aplicou Glucoenergan em suas veias
em tempo de carnaval, para "segurar" a bebida, para beber
mais. Também aplicou Hipofagin com o objetivo de permanecer
acordado para suas pescarias. Aplicou outra droga chamada
Amosterona, que vem da Bolívia.
"Tomei um par de tempo, não direto, mas toda semana.
Tomei durante quatro anos, urna vez por semana, que começava
na sexta e terminava na segunda. você não via a hora de sair
do boteco, pegar uma grana, descolar um pó ... e começava na
terça-feira. Guardava no máximo um dia, e já no outro,
começava de novo, e pá, pá.. . (gesticula cortando cocaína) .
Era difícil conter, segurar. Quanto você tin~a era quanto
você consumia."
Nunca teve problemas com a lei, mas seus amigos tiveram,
devido ao tráfico de entorpecentes. Já fez consultas com
psiquiatra, sugestão de sua família. Atualmente não injeta
droga, apenas aspira cocaína e fuma maconha esporadicamente.
Bebe com certa regularidade em sua mercearia, ponto de
encontro de homens no final da tarde, para beber cerveja e
tomar cachaça.
4. MAE WEST 27/1/90) 26 anos, natural de São Paulo,
branca, com terceiro grau de escolaridade, heterossexual
casada, professora de piano, musicista, gosta de cinema.
Aprendeu a tocar piano antes de ler e escrever. MOrou cinco
anos numa cidade do interior de São Paulo para estudar, foi
nessa cidade que usou drogas injetáveis pela primeira vez.
Teve vários paceiros sexuais, atualmente tem um
relacionamento afetivo e sexual estável, "estou casada" .
Simpatizante do PT. Geralmente procura atividades culturais,
mas sempre fica "entre elas e o ócio". Não acredita no Deus
católico, mas acredita em Deus. Em sua opinião, o risco
frente à AIDS advém mais de sua história sexual do que pelo
uso de drogas injetáveis. Não fez o teste anti-HIV, pois
afirma ter medo de receber o resultado. Lê regularmente a
Folha de S. Paulo.
Em seu depoimento descreve suas procuras e experiências
com o uso de drogas, relatando de forma clara o significado
da droga em sua vida:
'"_:::,_ droga para mim é fonte de praze::::-. Eu gosto de :.,... aléP.',
do Q'.l'2 eu posso estar, ser, ir, buscar mais do meu ser. Acho
que a d~oga me traz isso e eu gosto."
Aos 9 anos de idade fez tratamento para emagrecer com um
dos médicos mais famosos da América :.atina, conhecendo as
anfetaminas corno remédio. Dos 12 para 13 anos, conheceu as
anfetaminas corno loucura, desenvolvendo uma dependência:
''Precisava tomar, foi um sufoco. Fiquei quase três meses
sem dormir direito, quase enlouqueci. Eu sou exagerada para
tudo, para beber, comer, dormir, como também para drogas.
Gosto de bebidas alcoólicas, de beber bastante, em grandes
quantidades. "
A primeira droga ilícita que Mae West usou foi a maconha,
que considera "a droga consciente". Na época da entrevista
usava maconha cotidianamente e aspirava cocaína
esporadicamente, considerando-se porém uma 11 grande cheiradora
de cocaína". Em seu histórico de consumo explica que sempre
"cheirou", mais do que "tomou" (injetou) .
"É corno já falei, são fases! Não que isso aconteça, nem
que seja necessariamente uma coisa progressiva. Você primeiro
cheira, daqui a pouco você torna, e toma. . e morre ou f i c a
dependente. Não que seja assim, mas para mim foram fases
distintas. Foi a fase que eu comecei a cheirar, depois passei
a tomar, depois aprendi a conviver com a droga, cheirando só
socialmente. o tempo de uso, eu sempre contabilizando ... eu
sou uma grande cheiradora. Sempre cherei muito, mais do que
tomei. Mas tomei numa fase, foram três meses de tomação e
bastante intenso. 11
Ma e west aplicou-se cocaína injetável em :.986.
Freqüentemente consumia drogas e, em sua "república", cobrava
"pedágio 11 dos meninos da rua que quisessem se drogar em sua
casa. Conseguiu deixar a prática de injeções após vma
infecção que necessitou intervenção cirúrgica. O contexto de
sua prática está estritamente relacionado com o namcradc Ç!...:e
injetava e vendia cocaína na cidade:
"Minha auto-imagem era a de ser o uó do borogodó. Eu era
a Mae West. Era a que tinha de melhor em nível de droga,
porque eu tinha muita droga. Tinha um espaço legal para usar
a droga. Tinha vãrios namorados, mas foi com o meu namorado
marginal que usei coca injetável. Hoje em dia sou uma
transeunte qualquer por essa grande São Paulo. Foi uma época
que fugi muito da minha família, abandonei a universidade e
os trabalhos, e tudo, por causa do meu namoro marginal".
É interessante como ela descreve as n sessões de pico 11 , o
pessoal que freqUentava sua casa e aqueles que sempre
permaneciam juntos no momento de "tomar pico 11•
11 No caso do meu grupo, as pessoas já se conheciam de
muito tempo, de outras histórias. Era uma turma que se
conhecia desde os seus 16, 17 anos, mas estavam na casa dos
30. Mas ainda, nas drogas, nas viagens e em todas as
agitações. E tinha essa questão da consideração para os
amigos que tomam. Eu via isso muito entre a Creuza, o Manoel,
a Ana sapatão e o Dito. Eles eram muito solidários entre si,
porque tinham uma história, um passado já nessa droga. E::1tãc,
podia ter uma barca de 20 1 mas esses quatro se organizava.T:'.
entre eles. A Creuza era enfermeira, o Manoel também, oe
tanto que ele já tomou e toma. Então, tinha uma coisa de um
tá fazendo a vez do outro, nunca gostaram de trocar seringas,
mas chegaram a trocar várias vezes."
Dito, seu namorado "marginal", acusado de roubos ~
assaltos, usava droga injetável há muito tempo. Ele t::.::rJ.c..
inúmeros carocinhos nas veias do braço, que formavam ur,
61
cordão de "picadas 11, devido às injeções de cocaína. Numa
madrugada, após ter 11 cheirado todas", nwn acidente de final
de noite, assassinou seu "irmão de leite" (vendedor de
drogas) e acabou condenado a muitos anos de prisão.
5. MARCEL (19/01/90) 33 anos, natural de São Paulo,
branco, bissexual, separado, dois filhos, segundo grau de
escolaridade incompleto. Trabalha com pesquisa de preços em
supermercados. Gostaria de trabalhar em outra coisa.
Considera que foi bissexual e atualmente "está" homossexual.
Tem um relacionamento afetivo e sexual estável, mas já teve
muitos namorados. Mora numa quitinete no centro da cidade com
seu namorado, um garoto de 14 anos vindo de Belo Horizonte.
Morou alguns meses em Montreal, para ajudar e acompanhar
seu amigo e primo homossexual, que estava com AIDS, em fase
terminal. Já fez o teste anti-HIV, mas não mencionou o
resultado do exame. Revelou ter medo da AIDS. Mas quando
perguntamos o que faz para prevenir, respondeu: 11 Algumas
vezes uso camisinha, mas outras vezes não faço nada; procure
ejacular fora do parceiro{a) sexual, depende da situação".
Marcel já se internou por decisão própria numa clínica
psiquiátrica. Geralmente se automedica com o ansiolitico
Lorax. Nunca teve problemas com a lei. Faz análise desde
1976, com o objetivo de autoconhecimento. Ora acredita em
Deus, ora não. Prefere passar suas horas de lazer com os
amigos. Sua lei~ura regular é o jornal Folha de S.Paulo.
A primeira droga que usou foi maconha, a preferida e '
também a mais frequente. o uso da droga injetável ocorreu em
1984, por quatro meses consecutivos.
"Cherei cocaína em abril de 1984, quando fci em julho já
estava me internando. Eu já estava nesse finalmente, que foi
a picada de coca; o ápice de minha dependência de droga. o
pico foi uma aberração, fruto do desespero, do vício. o
compartilhar de seringas não tem nada a ver com relações de
amizade, tem a ver com a droga, com o vício, com o difícil
acesso às drogas."
O uso da droga injetável coincidiu com a mudança em sua
vida sexual, quando resolveu assumir sua homossexualidade.
Estava separado da mulher e dos dois filhos. Seu depoimento
ilustra a relação entre drogas e sexualidade:
"Eu me injetei com 25 anos. Quando eu assumi minha
sexualidade, e comecei a procurar pessoas do mesmo sexo. Eu
tinha 1lltl grilo que era a sexualidade, um bode desgraçado.
Quando faço uso de drogas fico mais corajoso para viver
minhas emoções."
Foi socorrido e internado após uma ter::ca:iva de suic::.d::.o,
por overdose, injetando cocaína com bebida alcoólica nas
veias. Procurou descrever sua auto-imagem ãe quando consumia
drogas por via injetável:
"Minha auto-imagem é de urna pessoa fisicamente maltrar:ada
por si mesmo, pois é um processo que acaba ::::-m :: organisrr~:J da
gente. Eu percebia isso, eu estava fazendo e percebia isso. O
significado da droga ... cheirar tinha uma :.:..:r.a:..idade, mas c
pico foi fruto do desespero, do vício. Cheirar, eu tirei
proveito disso, e tive prejuízo também, experiências, para c
que sou hoje. Picar foi aberração, a dependência, a
convivência e o contato com traficante. Para ter acesso à
droga, sempre me fiz passar por amigo de um traficante
carioca. 11
Na época da entrevista, afirmou que não usava mais droga
injetável há seis anos, fumava maconha, além de tornar
calmantes, cigarros e bebidas alcoólicas.
6. FORMIGA (julho de 1989) 25 anos, branco, natural de
São Carlos (SP), heterossexual amasiado, músico, segundo grau
completo. Trabalha com consultoria de informática a empresas.
Mora há oito anos em São Paulo, atualmente com a namorada.
Não namora muitas pessoas diferentes, mas freqUentemente tem
outras parceiras sexuais. Tem medo de pegar AIDS e diz ter
consciência do assunto. Nunca fez o teste anti-HIV, mas
gostaria de fazer. Não acredita em Deus. Não tem nenhu.rr_
engajamento político ou sindical. Tem interesse por cinema.'
teatro e principalmente música e regência. Suas leituras
versam sobre informática, música, tecnologia e poesia.
As drogas que conheceu foram maconha, cocaína, ácido,
cogumelo, lírio, cola, Artane, xarope (Panbenil), lança-
perfume, mas a preferida é a maconha, embora a cocaína seja a
mais freqüente. Costuma usar cocaína em seu ambier:.t~
profissional. Gostaria de experimentar crack, e o chá
Santo Daime. Recusaria heroína, alegando não ter "coragem nem
preparo emocional" para conhecer essa droga.
A primeira droga que Formiga consumiu foi rrcola de
sapateiro", quando andava de skate e tinha de 11 para 12
anos. Depois aprendeu a cheirar lança-perfume em baile de
carnaval e aprendeu a fumar tabaco. A primeira droga que
injetou foi Artane, aplicou drogas na veia dos 14 aos 16
anos, sendo a cocaína injetável a preferida pelo "barato 11
proporcionado.
"0 Artane foi uma experiência muito ruim para mim. Hoje
em dia não tenho preferência por nenhuma droga injetável. Mas
no tempo, em que eu tinha interesse por isso, era cocaína
mesmo. Pela excitação, acho que você fica ansioso. Excitação
e ansiedade são as duas coisas, agindo ao mesmo tempo em
você, criando urna sensação de potência. Mas é apenas uma
sensação, porque tenho notícias que sexualmente as pessoas
não viram nada, não ficam excitadas sob o efeito de cocaína,
principalmente se tiver tomado. 11
Atualmente não injeta mais, porém continua a asp~ra~
cocaína e a fumar maconha regularmente.
7. MARIE (18/1/90) 24 anos, loira, natural de Paris/Fr,
heterossexual solteira, com segundo grau. Mora com o irmão e
um amigo na cidade de São Paulo. Trabalha de secretária e
recebe aproximadamente 800 dólares mensais. Adora 1 e::-.
dançar, boate, cinema, praia, bar e amigos. Não terr:
engajamento político, sindical e nem religioso. Gosta de
bebidas alcoólicas e de "encher a cara'1• Não usa camisinhas
com seus parceiros sexuais. Veio ao Brasil com o namorado
para 11 dar um tempo n
bastante freqllência
da heroína injetável, que consumia com
em Paris. No Brasil, substituiu a
abstinência da heroína com a aplicação de cocaína. Gostaria
de fazer o teste anti-HIV. Não acredita nos centros de
desintoxicação de drogados, justamente porque amigos que os
conheceram, ao saírem, continuaram procurando drogas. Lê
regularmente romances.
A primeira droga que Marie experimentou foi haxixe.
Depois consumiu óleo de haxixe, maconha, heroína/ cocaína,
popper, cola, anfetamina, ácido ("sunshine") e cogumelo.
Atualmente recusaria cogumelos e ácidos, por medo. sua droga
preferida é a cocaína, a "show business- a droga da moda". No
entanto, a droga que Marie mais consumiu foi a heroína,
descrita corno um "flash no coração". Experimentou injeções de
heroína com 17 anos, incentivada pelo namorado, cinco anos
mais velho que ela, e que preparava as injeções. Marie nunca
fez ·uma seringa sozinha, para não se viciar. Morou cor:1 c
namorado em Paris, trabalhava numa concessionária de
automóveis; ele não trabalhava. o namorado pagava suas contas
e a droga com roubo de carros e assaltos a pessoas idosas.
Marie e o namorado vieram para o Brasil a fim de "dar um
tempo da heroína'1 mas, com as crises de abstinência,
procuraram substituir com aplicações de cocaína. Ela escrev9
os efeitos da cocaína injetável como 1'mais flash" do que as
injeções de heroína. Não acorda bem quando usa heroína,
sente-se culpada, enquanto com cocaína fica deprimida.
Com 21 anos, quando chegou ao Brasil, conheceu a cocaína.
Na época da entrevista, fazia dois anos e meio que não
consumia heroína. Parou de aplicar-se com cocaína há um ano e
meio, mas continuou a "cheirar pó" até o carnaval de 1989. O
que mais chama a atenção de Marie é o desejo de consumo e as
diferenças de freqU.ência entre as duas substâncias
psicoativas:
MNão é que não sinta vontade de consumir cocaína, mas de
heroína sinto mais vontade de tornar. A cocaína não deixa
dependente, mas a frequência da heroína é todo dia, muitas
aplicações durante um mês. Sinto vontade de tornar heroína. 11
8. GALO (24/8/90) 22 anos, natural do bairro de Perus,
negro, bissexual, casado, com primeiro grau incompleto. Na
época estava desempregado. Conheceu os pontos de venda de
drogas, particularmente a cocaína, na favela do Beija-Flor.
Nunca fe;:; teste ant.i-HIV, pois ;;:em medo de recebe::- c
res...:lt.ado. Teve urr. conhecido que morreu corr: .2>.IDS,
"tomador de baque" (aplicações de cocaína). Vivencio;_:_ os
conflitos na favela pela disputa do ponto de venda entre duas
gangs de traficantes. Relata o uso de crianças de 12 e 13
anos '8ara fazer 11 avião 11 para o tráfico e para a segurança de
pont::: de vendas de cocaína. Atualmente, hlc::-a em cut:ro L.:gc..::-
proc"J.rando não se envolver com as pessoas de se·~ bairro, para
não sofrer pressões àos bandidos, ccnseqüen:emente,
não cair no "movimento" e na "função 11 dessas pessoas, fugindo
da violência e da delinqüência. Já teve problemas com
polícia, mas nunca assinou processos. Nos últimos anos,
depois de um acidente, mudou de vida, casou e despertou para
o misticismo e para as religiões orientais. Suas leituras
regulares são o I Ching, e Folha de S. Paulo.
FOi no período de 1987 a 1989, gue usou drogas
injetáveis, basicamente artane e cocaína, geralmente
compartilhava seringas com seu "amigo-irmão".
9. VENENO (23/1/90) 28 anos, branco, natural da Vilc
Iorio/ S. Paulo, primeiro grau incompleto, homossexual, sem
remuneração fixa. Na época da entrevista, morava sozinho num
porão, nos fundos moravam dois irmãos dele, mas faz questão
de afirmar que é "tudo independente 11 • Já fez dublagens err.
shows de travesti, corno transformista, e gostaria de montar
urna banda de rock. Sobrevive recebendo comida de
restaurante próximo à Avenida Paulista e de pequenos ::1rtc:::
er.l superme:::-cadcs. Atualrner:.::s vi vs das "fur:.ções '' as. :-::c:.::.::.
vendendo d:::-cgas nas ruas de p:::-ost:.t~:ição do ce::c:::-o cidad;::
"A gente trabalha, :;.é? Mas é um truque,
prostituição. Não é um trabalho oficial, rotineiro, lig-adc _
outras partes da noite, corno a mente, caminhadas, curt:..ções,
sem finalidades. Vender bolinhas ( anfecaminas)
pessoas m.;_;::. ::-abalf',a._r, na noite ::oi:'. prostit.:.::..ção: .!:J:.::r-.s.:::
pt::.as, traves~.is e o:;.tros :1as ::-:1as do ce:Q::rc. _-:,_ gent~ qc:.-o:
vive muito na ::0ite precisa de ur:: p:.q-:.le a mais, enersé:::..::::.
veneno tem um relacionamento afetivo fixo, considera "não
sexual", pois geralmente se masturbam a dois. Seu parceiro
também usa drogas injetáveis, sendo que já compartilharam
agulhas e seringas. Não usa camisinha, porque diz que "quase
não faz sexo", apenas se masturba. Foi preso pela polícia
quando se injetava na ruas centrais da cidade. Teve problemas
de saúde decorrentes do uso da droga injetável, o rim parou
de funcionar, necessitando ser internado e passar algumas
horas no hospital.
É portador de sífilis, mas não teve condições de realizar
o tratamento por falta de dinheiro e de estrutura mínima para
comprar os remédios. Foi requisitado para fazer o teste anti-
HIV, pela liga anti-sífilis do Hospital das Clínicas, mas
recusou-se a fazê-lo. FreqUentemente passa o tempo de lazer
dormindo. 11 De certa forma", acredita em Deus. Suas leituras
regulares são "gibis a pampa'1 • Jornais, particularmente o
Caderno 2 e a Ilustrada. Gostou e se identificou com
personagem Junky do livro de W. Burroughs.
As primeiras drogas que Veneno experimentou fora~. e.s
anfetaminas, a "bola" de Hipofagin. Seu conhecimento sc:Ore a
química dessa substância psicoativa é explicitado da seguir::::.;::
maneira: "Eu tomei a primeira fórmula de Hipofagin, que já
mudou três vezes 11 • A primeira droga que aplicou-se foi
Algafan, em 1983. sua descrição ilustra bem a experiêr:c.:.a.
corporal com essa substância psicoativa:
"A primeira vez foi ótimo, formigamento, turvamen::c c~
vista, e coisa assim ... a algafan vai entrando pelas veias
braço, 'twn'! Quando chega no pescoço, '::mn', aí turva a
visão. O efeito dura mais gue o 'baque' decoca, às vezes,
desmaiava."
As drogas injetáveis mais aplicadas ~ veneno foram
Hipofagin, Desobesi, Algafan, Amosterona e "baque" de coca.
Aplicou uma vez Benzitrate, com o intuito-de substituir a
coca, sem saber qual seria o resultado, relaando que foi bom
e que gostou. Suas drogas preferidas são ccaúna injetada e
anfetarninas, principalmente Desobesi. o erttevistado afirma
não gostar de injetar-se na frente de genteque não aplica,
porque:
"Prefiro tomar sozinho! Porque alguém que não está
tornando interfere no seu 'subconsciente'. Qun não faz o 'zé•
é preferível cair fora. Interfere, po::.-que apessoa que não
está no barato fica impressionada. Inte~fe~até no lance de
se injetar, deixa a gente nervoso."
veneno fez uso de drogas inj eL-e:eis por anos
consecutivos, desde 1983 e continuava se injetando com
cocaína na época da ent~evista. Ele ilustraE forma bastanLe
clara o ambiente e suas representações sobre~ injeções:
"Go!:=to de tomar no meu quarto, que é e·E!E porão aqui. Na
rua eu não tomo mais; às vezes no banheirod.e algwn lugar,
mas é difícil. Quando eu tenho o barato, ";Çefiro guardar e
esperar para tomar em casa. Eu aplico em mim mesmo.
Exatamer:.te! Já nasci sabendo, autodidar:a. ':=In o fascínio da.
injeção, independente do que você vai aplica: O barato maio::
é o lance da prát:.ca, a grinfa, como se faúe urr. ate sext:.a2..
Eu localizo a veia, pois sei quais são as boas. Gosto de
sentir a emoção, de repente, de correr o risco ou fazer um
teste consigo mesmo. 11
o entrevistado fuma maconha "constantemente'' e a
considera uma droga homeopática. As anfetaminas e a maconha
são drogas mais freqüentes, principalmente as primeiras,
porque fazem você rrperder a fome". Portanto, cotidianamente
consome essas rrbolasrr de Hipofagin. Gostaria de experimentar
heroína e recusaria chá de lírio. Sua auto-imagem é a de "um
junky, sem nenhum preconceito contra as drogas sintéticas e
as químicas de laboratório 11 •
10. DUDA (5/10/1989) 19 anos, natural do interior de
Minas Gerais, mulato, homossexual, travesti, com primeiro
grau. Não mora com a família desde os 12 anos. Trabalhou na
prostituição de rua em Roma, Rio de Janeiro e São Paulo. Teve
vár:.cs problemas com a polícia; foi deportado da e
rece~temente foi preso no Rio de Janeiro por assalto e ~cubc
a :::::.ien;:es. conheceu os tracamentos e as
des:.:".toxicação, assim como o uso da Metadona para evica:::- as
crises de abstinência de heroína.
Não tem nenhum relacionamento afetivo-sexual, às sexta-
feiras vai à boate "Val-Showsn e/ou à "Val-Irnp:::-oviso", cnde
se e::1contra com seu "namoradinho", Freqüencemente "emba::.a ., o:::
cos:::..:....'11a aspirar algumas "carreiras" de cocaína. ~esde qu~ .:::::::.
para a Europa, há quatro anos, usa camisinhas co:-:c os clie:::.es
e se.::-ingas indíviduais e descartáveis para injecôes de c:-::::;a.
71
Mas afirma ter compartilhado seringas com seus clientes da
prostituição.
A primeira droga que Duda conheceu foi o Hipofagin,
quando tinha 13 anos. As drogas que injetou foram as nbolas
de anfetaminas" (Hipofagin), cocaína e heroína. Foram três
anos consecutivos em sua vida que injetou drogas. Assim
relata seus primeiros contatos com as injeções, quando ainda
estava aplicando hormônio para "formar seu corpo de mulher":
"Tinha medo das injeções de hormônio, que tomava para os
seios. Mas o drogado, depois que começa a tomar, não tem mais
medo. Enfia o braço e judia mui to do seu próprio corpo.
Ninguém me convence de tomar picada de cocaína, mas de
heroína sim. Não sei explicar o significado da droga para
mim."
Primeiramente, aspirava heroína por um ano e meio. Após
três meses de uso, ao acordar tinha de aspirar novamente,
para conseguir se levantar da cama. Quando a heroína começc.:....
a não fazer o mesmo efeito, passou a aplicá-la
endovenosamente. Depois, . . as outras vezes em que teve ne:::-:::.:-.~
simplesmente injetou a droga. Mas quandc falcava he::::-o::--.:o.,
procurava substituí-la com uma outra 11 bola". Err.
depoimento, relata a circunstância da D~imeira vez que
injetou heroína.
11 A primeira vez foi numa praia perto de Roma .. assim cor:c:::
se foss-::: São ?aula .:. San::os, foi um ~rafica~:e
aplicou. Eu estava ma:., u.i'TLa r.,oleza, com crise àe abs:::.ir..é::::::::..;:.
Piero, Q'.J.e já àroqadc e hoje aoenas vende a d::::-cq~
falou que se eu aplicasse heroína essa moleza passaria.
Perguntei se ele aplicava. Piero respondeu: claro que
aplico. Aplicou e eu fiquei turva, passou a moleza e fiquei
assim na •vovó' {efeito: pálpebras pesadas). Após três meses
retornou o 'manque' {a abstinência) da heroína. n
Quando voltou ao Brasil, Duda tentou compensar a crise
abstinência de heroína pelas "picadasn de cocaína. Na
ocasião da entrevista, aspirava cocaína semanalmente. Tinha
vontade de experimentar crack, "uma droga norte-americana",
como também gostaria de usar novamente heroína. Ao relacionar
o contexto sócio-cultural, sua condição de travesti e o
consumo de drogas, assim Duda se expressa:
nuso drogas porque o Brasil é tão podre, porque aqui você
só pode ficar com os gays. Na alta sociedade as pessoas mexem
com você, no bairro é linchada. o que vou fazer? vou usar
droga. Na Europa, eu usava para ir à prostituição de rua,
agUentar o frio, a neve e a noite."
.1..1.. MAGDA (março/1990'· 21 anos, ::acura_ de PernaiL'.bc.::::~,
branco, segundo grau de escolaridade, homossexual e travest.::'..
Trabalhou na prostituição em sãc ?aula, Rorr,a e Rio C.e
Janeiro. Em São Paulo, fazia trotoir na Avenida Higienópol.::'.s
e na Rua Cesário Motta Júnior das 22 hs até o amanhecer.
Justifica o hábito de beber diariament-e dizendo que quem viYe
~a ::.oite necessita de beb~ alcoó:..l::a. Passa as ::oras c~
lazer dormindo, "como a maioriã pessoas 1'. l1.credita
Deus e sua religião é a católica; lª .:_"eg-:.Jlar a ~evista Ar..iq2
regulares na prisão são o livro sobre a Biotipologia Criminal
e o Código do Direito Penal.
A primeira droga que usou foi maconha, mas a preferida é
a cocaína, sendo também a que mais se aplicou. A droga já
teve lugar importante em sua vida, hoje não mais. Teve
problemas com drogas, tanto de ordem repressiva como da
justiça legal. Seu depoimento revela uma ~teoria" sobre a
escala do consumo de drogas e aponta o uso de droga injetável
como uma necessidade do viciado para conseguir efeitos mais
rápidos com as substâncias psicoativas:
"As primeiras aplicações de pico são esporádicas e, com o
decorrer dos dias, acabam se tornando freqüentes no uso atual
(viciado em potencial). O viciado em apenas cheirar cocaína,
com o decorrer do tempo, ele sente que a droga aspirada pelas
narinas começa a demorar a fazer efeito. Como a ansiedade do
mesmo é se sentir de imediato drogado, ele parte para a
iniciação no uso injetável {pico) Eu me considerava
dependente do vício, pois sem a droga eu me sentia arrasado,
frustrado."
Alemão vive preso há anos, como pacien~e do Sanatório de
AIDS da Peniten(:iária do Estado, e não perdeu a vontade àe
viver e a esperança de curar- se. Suas palavras relatam a
reação frente à descoberta, assim como, descrevem sua fé ~o
progresso e na cura:
H Sinto-me uma pessoa po:!::"taàora de uma doença ter::-- i v-:::._,
mas que urn dia teremos a cura. Portanto, não me sinto um caso
perdido, não sou frustrado, aceito as coisas boas e ruins O"''""
uma quantidade e solitariamente passou a injetar a droga. o
efeito foi muito forte e acabou adormecendo, acordando apenas
no dia seguinte. Após essa primeira experiência, começou a
aplicar-se solitariamente, sem o companheiro descobrir que
estava usando drogas injetáveis.
Quando voltou ao Rio de Janeiro passou a aplicar cocaína,
como forma de substituir a abstinência de heroína. Suas
drogas mais injetadas foram a heroína e a cocaína.
FreqUentemente, aplicava cocaína antes de sair para as ruas
da prostituição, na cidade de São Paulo.
"Cheguei ao Brasil e comecei a aplicar cocaína .... o
efeito era muito ruim, de ver coisas .... ,paranóia brava com
polícia. Era pura alucinação, isso me chocou!"
Na Itália, Mãgda teve problemas com a polícia, passou um
mês na cadeia em Roma e foi deportado. Na época da
entrevista, havia cerca de um mês que não mais usava cocaína,
por saber-se portadora do vírus HIV. Morava na casa de Apoio
à pacientes de AIDS Brenda Lee, no centro da cidade de São
Paulo
12. ALEMÃO ( agosto/91 I 30 anos, branco, presidiáric
reincidente, casado, paciente do "Sanatório de AIDS'' da
Penitenciária do Estado. Crê em Deus. Antigamente ingeria
bebidas alcoólicas, mas hoje não mais. Não se ac.:::omedica. Fez
vários :.:::-ac.a..--nentcs ps~quiát!"icos para parar de cc:-:surr:.:.::-
droga~. A.;':irma estar se preservando, mantém ·u.'T. craC2..."'":1er::r:.c
prolonga:::- 2 vida. Suas
Nunca teve relacionamento sexual-afetivo duradouro,
apenas clientes. Teve muitos clientes mas, com a AIDS, não dá
mais valor ao sexo como antes. Parou de se aplicar, no mês
anterior à entrevista, devido ao aparecimento de sintomas
relacionados à infecção pelo HIV. Em seu depoimento, faz wna
breve relato de sua história de vida, do sofrimento com as
drogas e de sua relação com a família:
11 0 significado da droga para mim é de wn fracasso
horrível. usava por necessidade. Conseguia a droga nos bares
e pelas ruas. A minha família não sabe que uso drogas, se
soubesse seria um choque muito grande, maior do que ser
travesti. Ser travesti não choca, ser drogado sim. Assumi ser
travesti com 9 anos de idade, em Pernambuco. Tomei muitas
injeções de hormônios, com catorze anos, antes de injetar
heroína e cocaína. Eu tenho medo de injeções para fazer
exames, mas para tomar droga, não. A droga era urna vitamina
diária. 11
Magda experimentou, mas não gostou de maconha, xaropes,
a:::::.a.os, cog'JJT'.elo, l:irio, lc.Lo, cola. D.:.z que recusaria :ajas
essas drogas. Foi dependen"Ce de heroína e teve urna série de
crises de abstinência por causa dessa droga. Fc:.. em Roma que
começou a aspirar e a injetar heroína.
A primeira vez que conswniu droga injetável foi ~:T.
dezembro de 1988. Vivia na Itália, amasiado com um senhc:::
casado que ::ão permitia a vis i. ta de seus arn:gos ::::::-aves:.:.s.
Se:r:':ia-se complecarnence só e angustiado. Nu.."':". certo :::.c.,
proct:ro',.".. he:::-oína com os árabes ds. es:::açãc de :Terr:, co:-::;::::-o1..
a vida nos reserva. Quando soube que estava com AIDS, fiquei
chocado, mas em seguida soube aceitar. Hoje me preserv-o ao
máximo, e procuro manter um tratamento mais ou menos adequado
para prolongar minha existência. Acredito que em breve virá
um remédio para a cura, portanto, não sou revoltado. 11
13. RATO (31/8/91) 25 anos, branco, assaltante,
presidiário reincidente, paciente de AIDS do Sanatório de
AIDS da Penitenciária do Estado de São Paulo. Tem dois
processos penais, dois no artigo 155 (furto) e um no artigo
157 (fuga). Fugiu da cadeia em 1989, da Colônia de São José
do Rio Preto. Quando estava em liberdade, perambulava pelo
bairro de Santa Cecília, Barra funda, nas proximidades com o
minhocão. FreqUentemente jogava bilhar na esquina da Alameda
Barros com a Avenida Angélica. Passou a roubar com o objetivo
de comprar ou trocar os objetos furtados por cocaína.
Começou a aplicar drogas nas veias com 14 anos; t:so·..:.
drogas injetáveis num período de 12 anos. As drogas mais
aplicadas po;: ele foram cocaína, Algafar..,
Arnosterona e Glucoenergan. Rato acha que cocaína, qua::::::::· ::.a::::
se tem, mais se quer. Mas se a droga não for de boa
qualidade, diz ele, 11 derrubo o barraco de quem me vendeu".
Rato ouviu falar da AIDS pela TV, por volta de 19 83 e
1986, quando tinha 18 anos. Acha que se cor:camino;_: com ::::
através das drogas e das bichas no presíd:..c. Sua r:arncra:is. =!·-.:e
também aspirava e se aplicava cocaína, está com o ::-!n.~.
77
Nas sociedades humanas o uso de substâncias psicoativas
sempre esteve associado a ritos, através dos quais os grupos e
a sociedade controlava o conswno e a experiência subjetiva de
seus melT'.b~8S.
Esse consumo na sociedade moderna fo:i.. relatado c
por alguns poetas e esc:::itores como Bauàelaire
Michaux, Artaud e muitos outros. Baudelaire, escrev-:: Octá.vic
Paz, inclina-se a descrever com ânimo :ilosófico
haxixe e a produção dos fenômenos espirituais, "inte:::_s:..:ica~d::
e combinar.do as percepções, Se!:.saçôes e sen:=idos ce
1) Baudelaire, Charles, Os paraísos Artificiais; o ópi::. e ·~ poema do haxixe. Porto Alegre, ED. LPM, 198b.
que permitem contemplar a vida em sua totalidade 11 ,:_ Em coàcs
esses ritos transparece a idéia de que o consumo de substâncias
psicoativas modifica as funções fisiológicas do corpo humano, a
percepção interna da relação o tempo/espaço, produzindo os
estados alterados da consciência ordinária.
Por intermédio do ritual, o tempo se detém, sem deixar de
fluir. O rito está fundado na percepção do tempo como
repetição, sendo urna expressão do tempo cíclico. Todavia a
sociedade moderna constitui-se num crescente processo de
esvaziamento do conteúdo dos ritos sagrados e tradicionais,
ocorrendo um paulatino descrédito do rito religioso, da
comunicação e da comunicação interpessoal.
o tempo moderno, linear e histórico, desaloja o rito da
sucessão temporal, tornando o passado irreversível e o futuro
uma incerteza, urna vez que valoriza o presente. O consumo de
drogas pode ser interpretado, segundo Octávio Paz, como uma
nostalgia, uma crítica à essa sensibilidade do tempo lir:ea:::-,
pressentimento de um outro tempo.
c Drocess-:J de medicalização na sociedade
transformou o significado cultural do consumo de substâ~:::ia:::
psicoativas, tornando o uso não medicamentoso urna co~trapa~~i~a
"psico-sócio-patológica". A sociedade industrial ccnseg:liu
produzir e sintetizar em laboratórios substâr..:.:ias
"poderosissimas", além de potencializar seus efeitos co~
:Paz, Octavio. 11 Conhecimento, Drogas y Inspiración". Corriente Alterna, Sigla XXI, México, 1969.
81
métodos invasivos e eficientes de administração de dosagens,
como as injeções.
A prática de injeções de drogas está relacionada com o
prestígio da seringa como instrumento médico e com a descoberta
das injeções de morfina (Alemanha),
prestígio da seringa ultrapassou
em meados do século XIX. o
o domínio das ciências
médicas, tornando-se um equipamento bastante difundido, devido
principalmente às frequentes vacinações em massa e ao uso
indiscriminado de substâncias por essa via endovenosa.
Em 1803, o cientista alemão Frederick Sertuener procurou
isolar em laboratório um cristal alcalóide do ópio, cujos
efeitos eram muito intensos, mesmo em pequenas quantidades.
Sertuerner batizou seu achado de "morfina", derivado de Morfeu,
deus grego do sono e dos sonhos. Essa substância teve ampla
aceitação pela classe médica mundial, justamente com o
desenvol virnento e o aperfeiçoamento da seringa hipodérmica na
década de 1840 a 1850 que, garantia rápida absorção pela
corrente sanguínea.
Em vinte anos, a morfina tornO'.J.-se 0 p:-irneiro ~emédio ::=. se:·
usado em escala mundial, amplamente usada em toda Eu:-ooa e
América,
estar".
como remédio para aliviar qualquer tipo de "rr.al
A venda desse produto tornou-se urna das mais
importantes atividades econômicas mundiais. Nos EUA, em:.re
1830 e 18701 houve uma grande expansãc da indús':.ria
farmacêutica, dos laborató~ios mu2. =:_nacionais, f e::
aumentar vinte vezes a importação àe ópio.
O uso de produtos injetáveis à base de ópio era legalmente
permitido e tornou-se muito popular no mundo anglo-saxão e
germânico do século XIX. Em 1874 o químico inglês C.R. wright
sintetizou a diacetilmorfina, subseqüentemente batizada pela
Bayer corno heroína, e durante 15 anos foi vendida livremente no
mercado como tratamento para a morfinornania1 ~ 1
Em 1897 um catálogo da lojas Sears oferecia estojos de
opiáceos com seringas hipodérmicas que tinham grande aceitação,
principalmente entre velhos e adultos. Só na Inglaterra esses
produtos eram vendidos legalmente em 300 lojas de departamentos
e em todas as farmácias, até serem proibidos na década de 1920,
devido à evidência de que provocavam vício e/ou dependência.
MUito antes da extração da cocaína, as populações indígenas
do altiplano andino já mascavam folhas de coca, sendo seus
efeitos bastante apreciados pelos nativos. A planta era
considerada por esses povos como um presente dos deuses e era
usada nos rituais religiosos, funerais e em certas ocasiões
específicas. o hábito de mascar a folha de coca tem sua
representação nas peças de cerâmica que fornecem evidências
arqueológicas de 3000 a. C., e esse fato indica sua ex::.scêr.cic.
antes da ascensão do Império Inca.
Em 1855, a síntese da cocaína foi possível, após a ex::ração
de um resíduo oleoso das folhas de coca, e com isso produzi~-se
uma substância cristalizada, denominada de Erytthroxylon coca.
Albe::-t Nieman, sete anos mais taràe excraiu àessa subs'.:âY:::i;. a.
·'·zackon, Fred: Heroína. Nova Cultural, 1988, São Paulo, col. Tuão sobre ârogas. p.17-34.
cocaína refinada. Apesar do conhecimento de sua estrutura
química existir desde o fim do século XIX, somente em 1955 ela
foi confirmada. Todavia essa incerteza não impediu o seu
conswno recreativd"l-
Até pouco tempo, a mais completa descrição sobre os efeitos
psicológicos e fisiológicos sobre a cocaína encontrava~ se na
obra de Freud, precisamente no Über Coca. Freud relata suas
experiências minuciosas acerca dos efeitos da cocaína na
energia muscular, do tempo de reação e sua influência na
disposição psicológica. Nesse livro Freud sugeria o uso da
cocaína para uma infinidade de propósitos terapêuticos, mas a
pretensão mais incrível era de que poderia servir de cura para
o vício da morfina e do álcool.
Os primeiros relatos de Freud sobre a cocaína foram
escritos numa carta à amante Martha em outubro de 1883. Nela
relata suas experiências com cocaína, dizendo que por
"evidentes razões 11 tentaria utiliza-la no tratamento de casos
de abstinência de morfina. Na carta conta a história de Ernest
?leishechl von Marxow, assistente no Insti':u':::::: de Fis2.oloqia,
que furara a mão com um bisturi e necessiçara amputar o polegar
direito, sofrendo várias cirurgias, Para que as dores
terríveis p~dessem ser eliminadas, passou a usar morfina,
tornando-se dependente.
No livro um Affair Freudiano - os escritos de Freud sob~e a
::ocaina, Oscar Cesaroto descreve sobre o us~ de cocaína
~Johanson, Chris-Ellyn- Cocaína. São Paulo, ed. Nova Cultural, l988, p.43, col. Tudo sobre drogas.
endovenosa e a deterioração da saúde do companheiro de Freud.
No começo do ano de 1884, Freud ministrou pela primeira vez ao
seu amigo uma pequena dose com a esperança de poder aliviar o
vicio da morfina. De início, a tentativa teve êxito, mas por
curto tempo. Fleischl acreditou e endossou a iniciativa
freudiana, escrevendo uma elogiosa nota de pé de página
contando sua cura, numa tradução abreviada do artigo que Freud
publicara no St. Louis Surgey Journal.
1'No início, os sintomas de Fleischl-desmaios, insônia,
convulsões e tiques- foram aplacados pela cocaína, mas com o
passar do tempo houve a necessidade de doses cada vez maiores
para obter efeitos iguais, no entanto menos duradouros. Foi
assim que acabou se viciando, tornando- se dependente, momento
que passou a consumir mais de um grama diário por via
subcutâneo. A nova quantidade provocou-lhe intoxicação crônica
que/ em seguida, deu lugar ao Deliriurn Tremens e Freud teve que
carregar o peso da deterioração da saúde do seu paciente." '
Os benefícios da cocaína motivaram o surgimento na Europa e
EUA de uma grande variedade de preparados à base :::e c::::cs.,
inclusive tônicos e remédios patenteados. Nos EUA, err. :!.91~, ::::
ato de Narcóticos Harrison proibiu o uso da cocaína em remédios
e em fins recreativos. Como resultado, a fabricação,
distribuição e consumo passaram a ser esr.re.:".tame::.r.e
controlados.
··'· cesaroto, Oscar. Um affair Freudiano - os escritos de Freud sobre a cocaína, ed. Iluminuras, São Paulo, 1983, p.36 1 Leituras Psicanalíticas
Uma das explicações para a queda no consumo de cocaína, além
da proibição, foi a descoberta das anfetaminas, sintetizada em
1932- As anfetaminas são estimulantes psicomotores poderosos,
com propriedades semelhantes à coca. Em 1972, quando se
percebeu a extensão do abuso, as anfetaminas foram proibidas
pelo Food and Drug Administration (FDA) , que colocou a produção
e a distribuição sob rígido controle.
Apesar das proibições, na década de 60 o consumo de drogas
voltou a crescer, desta vez no bojo dos ~ovimentos da
contracultura jovem. O consumo foi incrementado principalmente
corno forma de contestação, rebeldia e questionamento contra os
rígidos poderes e padrões culturais então vigentes. o uso
drogas foi estandardizado pela nova sensibilidade dos
movimentos de contracultura, contituindo parte de um estilo de
vida que poderia ser resumido pelo trinômio "sexo, drogas e
rock and roll 11 • Nos EUA, desde os anos 60, a heroína é chamada
de "droga das ruas" devido à sua grande difusão urbana. Tanto
nos EUA como na Europa o consumo de drogas inje~áveis revelou-
se crescente r:a década de 70, sendo conhecida como a "doe::-::ça
americana".
No Brasil ainda não foi possível construir ur,, perfi::..
epidemiológico sobre o consumo de drogas. O artigo
epidemiologia do conswno de drogas no Brasil!!, de Naoma:::- õe
Almeida Filho revela após uma revisão bibliográfica
·r· Naomar Almeida et. alii - Epidemiologia do consu1110 de drogas no Brasil. Revisão Bibliográfica, trabalho apresentado no I! Congresso Internacional sobre Toxicomanias, 1987/RJ, mimeo.
dos
trabalhos científicos com ou sem amostragem representativa, que
os estudos empíricos sobre o assunto têm problemas nas técnicas
de seleção da amostragem, na avaliação dos instrumentos de
coleta de dados, precariedade metodológica e pobreza analítica
dos dados coletados.
Almeida constatou que as pesquisas analisadas não alcançam
expressão epidemiológica para fazer prognósticos ou mesmo
generalizações para a população do país. Devido à falta de
dados e de bases científicas dos estudos analisados de 1970 a
1987, não se pode afirmar que houve na sociedade brasileira, no
período, um crescimento da toxicomania caracterizada CJ~O
epidêmica n dada o caráter clandestino e ilegal do consumo de
drogas.
Um dos únicos trabalhos brasileiro sobre o tema é o da
antropóloga Janirza R. C. Lima, Espelho Quebrado: Algafa:1 e
desvio I 1987) . Trata~se de pesquisa qualitativa com dez
entrevistados e com trabalho de observação participa:r.:e
aos dependentes de algafan do Recife. No texto é abcrdadc ::;
processo de rotulação d:: desvia:::e, parti:u~a:rTr.er.:::e _ ::e.::o.:3.:::
do dependente de algafan por via :.njetável e os terape--.:.:as :::s
órgãos da Segurança Pública em Per~ambuco.
O universo da pesquisa é formado por indivíduos região
metropolitana de Recife, usuárics de maconha e denende~:es
físicos de Algafan (ooiáceol - . nor via endovenosa, pert.e::.ce:::::es
às camadas de baixa ::enda d:::: Estado de PernanC:__ ::::.
passagens regulares pela Delegacia de Entc~oecentes. ~ ~~pt:ese
- Naomar Almeida e!: alii- Op. c:_::-_.
87
que norteia o trabalho é que 11 a operacionalização da lei
6.368/76 vem, antes reforçar a condição de desviante, do que ao
contrário, instrumentalizar a recuperação do dependente de
Algafan no Recifen <Sl
Para a autora, a criminalização desses dependente
poliintoxicados produz um alto custo individual e social, pois
amplia a marginalização desses indivíduos, que continuam a
elaborar projetos de vida, na busca da superação de suas
carências afetivas, econômicas e sociais.
Para Martine Xiberras, a modernidade ocidental sintetizou o
saber, o conhecimento e as experiências fundamentais ãa
humanidade com o consumo de drogas, em torno de duas práticas:
as práticas leves (douces) e pesadas (dures) "' A primeira
caracteriza- se por urna moderação no consumo e uma forma leve
nos modos de absorção, associada a um ~ipo de uso, que desperta
a criatividade, a comunicação e a imaginação. A prática pesada,
reforçada na sociedade industria.l., se caracteriza
violência das doses, das frequências e pelos modos de absorção,
levanãc a uma experiência de isolamento,
"cavernosa 11, depressora e agressiva.
Para Xiberras esses dois tipos de práticas pernu .. c.err,
reconstruir a atitude do toxicômano perante seu meio. Essa
cara c ter i zação não se refere aos produtos consumidos I ;nas aos
tipos de consumo de drogas. Em sua opinião, as práti::as 2.eves
·~"Lima, Janirza c. da Rocha: Passageiros da Fantasia. Fundação Joaauim Nabuco, ed. Massangana, l990, Recife, ~.22. ç Xiberras 1 Mârtine: La Societe Intoxiqueé. Sociologies a·c.:: quotidien. ed. Méridiens Klincksieck, i989, Paris, p.l32
são características de um desejo de abertura para o mundo
exterior e, freqüentemente, acoplam laços de afinidade o""J de
amizade já existentes, sendo a droga apenas um reforço nas
relações sociais operantes.
A prática pesada se constrói sobre llitta submissão às
substâncias e não requer grande aprendizado, conduzindo seus
usuários ao isolamento, sendo um traço característico da
toxicomania solitária e individual. Na opinião de Xiberras, a
busca desenfreada de produtos estupefacientes e de modos de
absorção violentos buscam anestesiar corpo e alma, tentando
conciliar a rnaximização do prazer e a minimização da dor. En La
Societê Intoxiquée, afirma enfaticamente que:
"É o princípio do êxtase que pode permitir compreender a
especificidade dos efeitos pesquisados numa prática pesada.
Nessa aritmética complexa, as capacidades sensoriais e
emocionais se emudecem, rapidamente para encontrar um
equilíbrio num estado de indiferença genera::..:..zada com ::::: ;-:-:_:.nc::,
exterior. um sentimento de paz e de harmc~ia interic~ sãc
algt:mas caract.-erísr:::.cas ~z:as-5:,
consumidores descrevem como um ret.crnc be:;.é:.:..co scbre ::=-, :::·_e
os permite ascender à mais pura das quiet.udes.
O aprendizado de outro estado de consciênc:a não àesaparece
com J fi;n dos efeitos dos psicotrópicos. :s:.:..e :;:·erdura at::-avés C.s.
memória b:.ológica e psicológica de sens:..:::.;.:::.:ad~
alternativa que con:inua ":-:a::u:::-:::.:..
aos poucos a experiência tóxica invaàe v:.da c::::::..:::::..ar:.:õ
Xiberras, Marcine- op. c:.:. o 134-:35.
,,,
dos usuários, modificando não só as categorias de percepção mas
até as visões de mundo.
O escritor William Burroughs escreve que quem se vicia em
drogas "não tem motivações fortes que apontem para outra
direção''. Ninguém consegue entender o que significa precisar da
"droga pesada" com urgência do vício, como ninguém decide virar
"viciado". Sua dependência por "drogas pesadas n é assim
equacionado:
" Droga pesada- junk -- é uma equação celular que ensina ao
usuário verdades universais: via a vida sendo medida em conta
gotas com solução de morfina. Senti a privação agônica da
droga- chamada "fissura"- e o alívio prazeroso quando as
células sedentas de junk bebiam da agulha. É possível que
todo prazer seja apenas alívio. Aprendi o estoicismo celular
que a droga ensina ao usuário ... Aprendi a equação junk
Droga pesada não é um meio de aumentar o prazer de viver. Junk
- não é um barato. É um meio de vida. 11 '11
Gilles Deleuze no texto ''Duas questões~~ aborda os
tipos de experimentação COr:'. as
psicoativas, afirmando ser oportuno distingui:- abstra t.ame;-;.ce c
domínio das experimentações vitais e o dos empreendimentos
mortíferos. A experimentação vital ocorre quando "uma tentativa
qualquer agarra em você, e instaura cada vez mais conexões,
Burroughs, William. Junky; drogado. São Paulo. ed. Brasiliense, 2a. edição, l984, p.l6.
:l Deleuze, Gilles. "Duas aues"C.ões". ~exto originalmen:::e publicado na Recherches, n.-39, ?aris, 1979. I!:: Revista Saúde loucura, número 3, ed. Hucitec, p. 63-66, p.64
abrindo- o às conexões: urna tal experimentação pode comportar
uma dose de autodestruição, ela pode passar por drogas de
acompanhamento ou de arrebatamento, o tabaco, o álcool e as
drogas".
A experimentação não é suicidária, na medida em que seu
fluxo destruidor não se rebate sobre si mesmo, mas serve para a
conjunção de outros fluxos, quaisquer que sejam os riscos. o
empreendimento mortífero, ao contrário, ocorre quando tudo é
rebatido unicamente sobre esse fluxo suicidário.
Deleuze problematiza o uso e abuso do consumo de
psicoativos, perguntando-se se é possível conceber uma
causalidade específica da droga, e em que direções? Se tudo
parece negar essa especificidade, resta saber em que momento o
fracasso e a catástrofe tornam-se parte do integrante do plano
droga e como se realiza a transformação de uma experiência,
mesmo auto-destrutiva, porém viva, em empreendimento mortífero
de dependência generalizada, unilinear.
Para tentar refletir sobre essas questões seria ~ecessá~ic,
primeiramente, :raçar um t<=>rr~t-i"-.,..-;,-, ou c ::o!1to:::--:;::: d::: .. _ ---- ~~- -'- -~
conjunt-o- droga, cu e estaria na relação com o interic:::/ ~.'"'-'- '""'· . c:.:=::
diversas espécies de drogas e, com o exterior, com cac.:.se.:idades
mais gerais:
"Na droga há algo de muito particular, que é o in-v~s-cirr,~=---'=::
direto no sistema autônomo desejo-percepção_ Isso se:::-:_;:::., :ç:::_:::,
totalwen~e diferente. Por percepçãc, é preciso e~:e~de::::- ~~
percepções internas, não menos que as exr:ernas, pri:--_::::_;:al::::::::::e
as noções de espaço e temnc. As distinções er.':re espé:::ies ;::e
drogas são secundárias, interiores a este sistema. Parece-me
que, em certo momento, as pesquisas caminhavam nesse sentido:
as de Michaux, na Françai as de geração beat na América, a seu
modo, também as de Castafíeda. Abordava-se, em primeiro lugar,
como todas drogas dizem respeito à velocidade, aos limiares da
percepção, às formas e aos movimentos, às micropercepções, à
percepção tornando- se molecular, aos tempos ou subhumanos etc.
Sim, de que modo o desejo entra diretamente na percepção,
investe diretamente a percepção (daí o fenômeno da
dessexualização na
encontrar a ligação
droga) Um tal ponto de vista permitiria
com causalidades exteriores mais gerais,
sem perder, assim, o papel da percepção nos sistemas sociais".
I 13'
Dada a falta de informações sobre as práticas de injeções na
sociedade brasileira e a necessidade de trabalhos qualitativos
sobre o assunto, procuramos nos aproximar da cultura das drogas
através dos relatos, reconstruindo diferentes padrões de :..::.so
õa droga injetável, os modos de preparo das substâncias, o
~~:ua: de co~sumo, as f~eauênc~as e as dosagens.
A pesquisa através das fontes secundárias,
marginal da década de 60, f:Jrneceü urna diversidade -:::,::.
informações e elementos que possibilitam a aproximação das
"picadas" e da cultura das drogas. Para atingir nosso objetiv::;;
oara a contextualização das 11 oicadas" e sua inserção :1a
•·.::ult"!.lra das drogas", necessir..ainoE- ::~abalhar com os denci:r,e:::.::s
; Deleuze/ Gilles. Op. Cit., o.6~.
orais, o que nos permitiu relatar diferentes fonnas de
experimentação, de aprendizagem, assim como o contexto sócio-
cultural de sua prática.
Portanto, na exposição dos depoimentos encontram-se
sintetizados os três planos da observação: As
experimentações e intensidades corporais, que envolvem as
frequências de uso e seus efeitos; 2. O ritual, que lida com o
modo de preparo, o conswno e sua relação com o com ambiente
físico e social; 3. Os controles infonnais presentes nas redes
de usuários que procuram evitar bad-trips, desprazeres e
overdoses.
A prática de injeções de droga na vida dos indivíduos é
escondida, marginal, sendo o segredo compartilhado por seus
consumidores. A prática é considerada ilegal, por isso também
ela é clandestina. Por intermédio do segredo se cons:itui o
grupo particular bastante fechado e isolado, dessa forma os
indivíduos procuram garantir urn mínimo de segurança c::::-.:~:::. a:=.
possíveis investidas policiais, familiares ou de qualque:- oe1:~:::
tip::; de ameaças ao consumo oc.:.. 2 Yida.
Muitos indivíduos, que têm esse tipc de prá~~:~
. ; recrea:lona ... , conseguem manter segredo sobre seu co:'.s...:...-:-.:::
mesmo dos parceiros sexuais. Esse ~ipo de consumo dis:.::Jgt.:e-ss
do uso compulsivo e freqüente, mais difícil de ser ~=·...:.l::s.G.s.
esse :ipo de prática pelos usuários. Cotidianamen:e e5ses
inc.:._ '.ríduos vivenciaiT. si r·,1ações de send:
valorizado no grupo a experiência do "correr riscos 11 11 ~ através
das freqüentes "intoxicações" por injeções, experimentam seus
limites físicos, desafiam a morte e certificam-se, na vivência
dos limites, que estão vivos.
'" Connors, Margaret - RisK Perception, ~isk Takir_g- ar.à :::~:_:::~:
Managemenr. among Intravenous Drug Users: Imc:_icat.icns fc::.AIDS P:::-evention. Apresentado na V Co:r.:=e.::-êr:cia I:r.te:ênacic:::-:.2..~ sobre AIDS. Mc~trea~, june 3-9, 1989.
•
Para Michel Maffesoli, a modernidade se apóia na lógica
individualista e da identidade social fechada sobre si mesmo,
mas a crescente massificação da sociedade desenvolveu a
formação de microgrupos, denominados de "tribos afetuais", que
estão em uniformidade e conformidade com as relações
econômicas, com o sexo e a linguagem. A proximidade territorial
ou a partilha real ou imaginária faz nascer a idéia de
comunidade e a ética que é seu corolário. De uma perspectiva
sensível e orgânica, o ethos da comunidade não se constitui por
contratos mecânicos, mas por aquilo que é emocionalmente comum
a todos do grupo.
A comunidade caracteriza-se menos por um projeto voltado
para o futuro e mais pela atuação 1 in actu 1 da pulsão de estar
juntos. O que predomina na atitude grupal é o dispêndio, o
acaso e a desinvidualização. A com1:nalização aberta e a emoção
partilhada vão se constituindo as tribos urbanas, o que suscita
uma multiplicidade de grupos e laçss sociais. A perma~e~sla e a
instabilidade são os dois pólos em torno do emocional, qu.e
funda a r.ova socialidade co~ vá~:as lóg~cas o~ga~~za~d~ a5
comunidades afetuais através C.:· proc~sso de ide:>tificaçãc.
Para Maffesoli, devemos observac::- o cotidiano, o ·.'2.vidc:,
considerado como 11 lençol freático" e a vitalidade da cultura.
Em sua opinião, os pequenos 11 :Jadas" cotidianos const:.:uer:l poc::
sedimentação um sistema significa:-.::e, uma exterioridade, a
aparência e o "imaginal 1'. A a:)arer::::.a do co:ic.::.anc es:á :..:;ad.::
ao efêmero, ã repetitividade de ci::..: e ao :rágicc de des::inc.
A ét:.ca compreendida como -· sen:::.:::- e:-:-. co:Trt.l::""., a es::.é:.:'..::a :orr.::
95
laço coletivo, são seguramente fatos culturais nos quais
podemos apreciar a vitalidade da cultura entre as diferentes
tribos urbanas. O sentido da vida social não é uma real idade
psicológica, mas física corno os sentidos do olfato, audição,
visão, gosto e tato. Interpretar o ritual cotidiano em seus
diferentes aspectos do sentido significa concretizar as
"estruturas antropológicas do imaginário".
o sociólogo norte-americano Howard Becker procura
compreender o uso de drogas através da aprendizagem do sujeito
na cultura, mas adverte que a grande heterogeneidade dos
consumidores dificulta o isolamento de fatores psicológicos, de
personalidade, situações de vida que expliquem o suposto desvio
e as motivações para o uso.
A expressão cultura da droga foi sugerida por Becker,
enfatizando essa prática como um aprendizado social constante,
assistemático, de observações cotidianas e às vezes
inconsciente ~~-' o conhecimento sobre as drogas está dis~ribl.:ído
de acordo com o capital cultural de cada grupo de consumidores,
assim como, é adquirido através do saber expe:: i::r.e::-:::.a2.
desenvolvido pelo usuário. A socialização desse conl:"lecir:.errc.:J
orienta as experiências e as maneiras de lidar com os ~iscos,
as formas de evitar uma má "viagem".
No Brasil, o escritor Hiroito relata em Boc3. do lixo gue
as ''picadas" começaram a se introduzir no meio da malandr2ge:r.,
'Becker, Howard: 11 Consciência, Poder e Efeito da dr:Jga·· :::--.. Uma Teoria da Ação Cole~iva. Zahar editores, RJ, 1977 . . - Hiroitc, Joanides de Moraes. Boca do lixo. São Paulo, ~c:.
Populares, 1977.
nos primeiros anos da década de 60. Ele relata seu contato com
as nbolinhas", por volta 58, afirma que essas drogas não eram
mui to difundidas no "submundon e que somente após a descoberta
da "picada" seu consumo cresceu assustadoramente. Essas
"bolas 11, como qualquer outra substância em comprimido, eram
pulverizadas e diluídas em água destilada para serem aplicadas.
No fim de 59, começam a surgir as "picadas", as nampolas de
Pervintin 11 injetável.
"Já com a cocaína mantive um namoro por alguns anos, mas
nada de mais sério. Não chegou a ser uma paixão, apenas uma
simpatia. Tendo~a, eu a cheirava, mas se não a tivesse tampouco
saía por aí à procura de consegui-la, e não raro, passava
meses, até anos, sem dela fazer uso. Quanto às •picadas', penso
que só as tornei durante cinco meses, de outubro de 62 a março
de 1963, já que as mais vezes que vim a 'picar-me' depois disso
foram tão poucas e tão espaçadas, através dos anos, que podem
perfeitamente passar ser serem levadas em conta. Mas
compensação, naqueles cinco meses tornei todas que existia em
Sã c ser.'. exagero S.~gU.iT .. Tome:_ e:-:-: es~a.ds· ó.-2
coma."
Hiroito con:a que nos quinze anos que se seguiram \.r:::::lto'-.:. c.
tomar dezenas de vezes, pois considera mt:ito difícil esta:::.- r.o
melo àe tomadores, conviver corr. eles ~ abster-se de toma:::.- uma
dcse. Em uma o1_;. outra oportunidade, qua:::.quer urr:, "acabará
t.oma~c.c pc.:::.-a faze:::.- compar:hia"
:M:ircicc, Joanià.e.s a e Or:.
O depoimento do entrevistado Donatelo contextualiza o
consumo de Pervintin e nbolas" de Desbutal na década de 70,
sendo o relato bastante esclarecedor a respeito das vantagens e
desprazeres advindas das ampolas de Pervintin e das "bolas" de
desbutal, além do mercado de drogas da época.
"Havia um mercado claro de drogas que passava pelas ampolas
de Pervintin e que vinham dos laboratórios alemães que tinham
sede na Argentina e no Paraguai. Eu preferia tomar Pervintin.
Era a melhor coisa. Era um grande ligativo. Deixava
absolutamente ligado, sem alterar as funções sensitivas, nada
disso. O Desbutal, principalmente se você tomar por via oral,
dava um certo mal estar de estômago. A via injetável, após
certo tempo, dava urna certa depressão. Enquanto você tomar
Pervintin não, é uma droga muito limpa, muito pura. O barato
dela era levantar, bastava você quebrar e tomar, você ficava
ligado por horas. Depois de um certo tempo, a partir de 72, a
qualidade das garrafas começou a piorar. E·.: ac:redit::, dep::ns
que fecharam os laboratórios, quando elas passaram a se~ feitas
cla:J.des':.:.ina..'Tlen-:e. Mas houve
controle da qualidade da Baye::." i:Uo:r~ate::.o:~
A partir dos anos 7C', a cocaína r..o 3:::--asil
geralmente aspirada, passou a ser crescentemente consW";"",ida sob
a forma i:wjetável. No final dos anos 70 e 80, o aumente oco:::.-:::.-e·c.l
e vem se acentuando coincidindo com o aparecimento da ~.IDS.
depoimento d.e Donat.eio poderá i::C-..:s::.rar a ::.::2.se:::.-:;ã::. da :::::::a.:_:--_;C;.
~~ Depirou, Alain e Labrouss-e, A. Coca Coke. P:::odutores, Consumidores, Traficantes e Gove:::.-nantes. Sã::: ?aulc, Bd. Brasiliense, 1988, p.:l-103.
r
universo dos usuários da Mooca, bairro subcentral da cidade de
São Paulo:
11 A cocaína pintava muito raramente nos anos 70. Era t.:..11a
droga que aparecia entre as pessoas que tinha o hábito de usar
drogas, dependendo da circunstância. Era urna droga que não
chegava na faixa da adolescência. Nos anos 60, ela era uma
droga usada pelo pessoal mais velho, da noite. Nos anos 70, ela
continua a ser uma droga dos malandros velhos, dos coroas, de
caras de certa grana, de um certo nível de conhecime!"lto, não
era uma droga popular. Na época de 74, eu já tinha 20 anos. A
cocaína quando aparecia era socialmente numa festinha, ou
quando os malandros mais velhos resolviam fazer urna presença. A
coca não era droga injetável nos anos 60 e nem antes, a minha
convivência com os mais velhos me dizia isso, a cocaina sempre
foi aspirada. Ela passou a ser injetada de 79/80 para fre::1te,
em escala cada vez maior. Primeiro se cria o mercado pela
cheirança. Daí, junto com a cheirança, principalmen::.e cc::-. c
fechamento dos laboratórios das ampolas de Pervi~:in, j 0\'5:15
que tin:t.x-r. c háb:..t.o de se ap:..icar subs::..:'Jírarr: e. a-::-l:.:3.cê.::-
Pervint.in pela cocaína, mas isso só depois qc.1e a c::ai:-~a ~e
tornou mercado. E aí, eu já tinha uma posição mais cr.:::ti::a ""-
relação a esse negócio de cocaína. A dinâmica :;a ::::::a
independente de se tomar ou cheirar, é que ela cuecr~
dimensão comunitarista, introduz um elemento
individualismo. 11 Donatelol
Na cultura da cocaína, a substância poãe se:- :ons·..:.:n:.j~ :::-:::
diÍerer.tes :armas de inges~ão pelo organi srn~,
efeitos variáveis. A cocaína aspirada é muito diferente da
cocaína injetável, os efeitos procurados são diferentes,
constituindo experiências e "baratos" diversos. Muitos
cheiradores, devido à pequena quantidade disponível da
substância a ser aspirada, ou como desculpa para economizar a
droga, procuram injetá-la com o objetivo de maximizar os
efeitos.
O prazer do 11 baque de coca" é fugaz e violento, levando
muitos jovens a recorrerem a inúmeras aplicações numa só noite.
Os corpos, nos rituais, são marcados e feridos pelas freqüentes
aplicações e, no momento do uso, comportamentos autodestrutivos
e violentos podem vir a ocorrer.
Geralmente o iniciante compartilha do equipamento por uma
série de razões relacionadas com o medo da primeira vez. Os
iniciados freqüentemente são inexperientes na manipulação e
aplicação das injeções e não têm segurança acerca da qualidade
e da quantidade a ser utilizada. Canadá expressa clarame:::::e
esses 11 dilemasn:
"Foi aqui perto, com urn rapaz daqui de Sãc José, ~ a.-:-.::.~=
olha o tipo de amigo. Estava cheirando, eu e ele, conhe:::id.: e
calejado, tal. Já foi aqui pertinha, tinha um copo chei~ àe
escondido no espelho da lâmpada. A paranóia de esconder e
fundamental, de onde deixar o pó. Foi quando houve uma mist·.:::-a
da minha seringa com a dele, devia ter sido a mesma se:::-::.::qs.
ut::.lizada. A seringa deve te~ se perdido. Foi na casa Ce~~.
não sei o que você pode chamar por casa. A casa na::.: <:.:.:-.:::2.
forre, só tinha telhado. Andei pendurado, torne:. uma pc::::-çã:: :'\;:;~
fui procurá-lo, éramos amigos, fumávamos maconha juntos. Ele
tinha e eu fui cheirar, cheiramos um pouquinho. Como ele já
tinha tomado e tal, foi tomar novamente, eu quis experimentar.
Tinha ainda aquele papo, você vai matar o menino. Eu era mais
novo. O barato é o seguinte: a primeira vez não foi eu que me
aplicou, foi ele que me aplicou. Ele conferiu, tava certinho,
foi jogando e foi mandando fazer assim com a boca, para sentir
o paladar, vai amargando e se amargar demais, você fala. Se
não .. (riu). O chamado alcalóide, se ficar muito amargo, tá
muito forte. Eu era um garoto ... " (Canadá)
Formiga também descreve a situação de sua primeira vez, o
ritual cotidiano e as marcas no corpo advindas das aplicações
de drogas:
11 Foi numa tarde, a gente tava tocando na casa de um amigo,
em meio ao som que tava, tava até legal. Tava urna dia muito bom
com esse som, então aí alguém sugeriu, corno urna forma de até
marcar aquilo que a gente tava fazendo, marcar ::om ",.lma. rr.a~cc.
roxa, sabe essa história de marca roxa? Aquela marca roxa do
aue você -:.ama, te ma~ca
Naquele momento, a gente tava vivendo de IT'::J.sica. Ficcc:.. marcad::
desta forma como se fosse aquela marca ~oxa de braço. ?o.::_
guitarrista que me aplicou, era o que menos tremia. Esse ai u~s
15 anos, 16 por aí. Foi de altos e baixos, :1ão boc.
fisicamente e um prejuizo financeiro muito gra!:de, nã:::; ::::essa
fase da iniciaçãc, mas no auge da cur:.i.çã::.
rr.ui_ta influência de drogados, a convivência fazis. TJe ::.c:::::: ::.:..;:::
Ce socializaçãc fosse a=ravés das d::::-ogas _ dos C::::-CJ·gadc:::
j(l]
essa fase foi muito mal, apesar de que várias atividades era um
ritualzinho diário, chegou a esse ponto da variedade, lsso era
bom também. Na melhor fase tinha variedade, você podia escolhar
a substância e trocávamos experiências. Eu já conhecia de
leitura que já tinha procurado ou perguntado, mas as primeiras
instruções não foram de uso, havia um papo intimista, isso
aproximava as pessoas. Tornava e passava uma fase do xilique, é
aquela coisa que inicialmente você fica meio possesso, e lógico
gradativamente até você pedir mais. Po exemplo, em relação ao
fumar é um hábito muito mais sociável, ao nível de escala,
muito mais pessoas fumam juntas, e tornar é uma coisa muito àa
panelinha, sempre rola. No interior principalmente, a panelinha
é fatal, de tomar, onde todo mundo até mesmo combina que
ninguém saiba, é também o lugar da maior comunicação. 11
(Formiga)
Por intermédio do ritual, os indivíduos procuram controlar
suas experiências, evitando sempre que pcss.S>vel os a::_dentes.
FreqUentemente, dividir seringas para os iniciantes e para seus
parceiros come finalidade r,.....__,,..~r--~ ~'-'~---.~. ,__,_<:;._
excessos por vezes fatais. Tais argw~e~cos forarr. cc~e~ados
junto aos principiantes, que ãesej avaro co..,.part.ilhar as serin3as
corno urna forma de ter maior segurança sobre sua primeira
experiência, minimizando os riscos e perdendo o medo.
As diferenças mais significativas na orá:ica de :.:c:.~eçõe5
estão relacionadas com a experiêr..cia de uso,
física e psicológica, escolha ào local aDs parce:.:::-::::s
compare ilhar,
Os entrevistados, usuários de anfetaminas, Algafan, Amosterona,
cocaína e heroína, descrevem sua dependência, conformando
frequências e padrões distintos de consumo:
nJá tornei Hipofagin destilado de sessenta. Depois, você puxa
com uma seringa grande, chuuu, com um algodão na ponta, depois
coloca água na seringa, chiii, aperta, coa e joga nos canos.
Tira mais o sono. Nada melhor que a cocaína para você tornar. É
rapidinho, rápido o efeito, mas a dependência também é muito
mais rápida. Cocaína instiga toda a hora, o efeito é rápido,
você sobe num elevador de cem andares e cai num segundo. você
fica excitado, o coração saindo pela boca. Isso se você não
ti ver ninguém de quem gosta, se realmente gostar de alguém ou
de uma coisa, não vai querer mais. rr (Canadá)
11 Tinha um negócio de ir especializando as etapas de preparo
da droga, para ser melhor que todo mundo. O Desbutal, você rala
a bola, passa pelo algodão, destila o preparado e puxa para a
seringa. Esse ritual de preparo do :Jesbutal necess:._=3.. ::S.e ui7t
tempo maior, comparado com o preparo da cocaína. EnçrJar..t::::: a
:u.aneira de preparar a cocaí::-_a E. r:.3.is rápido,
dissolver na água. o ritual da coca é mais rápidc. c::::s. é
boa quando joga na água e ela dissolve
inteirinha. Isso porque as vezes tem alguma impurezas e não
dissolve, portanto através da água é mais fácil ve2:"2_::i::a::-
qualidade do produto. No entanto, se a coca estive:- :-:-.:._st:c.:rada,
:r:esmo assim acabo tomando. Sempre co:r:;;rei dro9-as cor;. :::a~a::::::.c:. ..
mas já fui enganado algumas vezes, poucas. Mir:hê.. ::-ed-: j-:
informações que garantiam para :r;-,J...:r.,,
qualidade do produto. Você sabe que funciona? Geralmente fica
sabendo quem tem o melhor ou a pior droga. . . Alguns tomavam
bastante, mas de fonna espaçada durante um certo tempo. Tinha
gente que tornava exageradamente." (Manoel)
"Eu consumo da meia noite às oito horas da manhã, umas vinte
gramas de cocaína, enquanto com cinco gramas de heroína, de boa
qualidade, passo o mesmo período do tempo. Por isso prefiro a
heroína, porque não uso muito, só quando aparece, comprar de
jeito nenhum. Não me considero dependente, mas com heroína
deixo emprego, me despeço, peço as contas, que eu quero
cheirar. Parei há um ano de me injetar, não me considero
dependente. Dependente é a pessoa que usa todo dia. Quando
dependia da heroína usava todo dia, para eu me acordar sinto
aquela fraqueza, preciso usar a droga para meu organismo
voltar ao normal. Droga vicia, faz mal e é superprejudicial. 11
(Dudarita)
"Picava assim, ... às vezes dá vontade, a coisa é violer:ta.
Colocava um pouco de pó na colherzinha de café, esquentava e
colocava um pouco de água. Podia ser água de torneira rr:esr:'l::::,
misturava na seringa e injetava. Puxava o sangue na seri_:r:.ga,
que se misturava com a droga e devolvia para a veia. Aí cara!
Foi me dando um negócio na garganta, a mesma coisa que dá na
hora da picada, exatamente quando se está tomando, um goste
amargo. Filtro quando a cocaína está com urna cor diferer.te e
quando estava menos ansioso para aplicar. Não tinha c-~:_::ad::::
nenhum com esterilizar ou limpar a seringa.
descartável, eu usava várias vezes até perder o corte.
de pico é uma sessão pesada, fico tenso, macabro, e as pessoas
se recuam. Aprendi a me picar sozinho, pela vontade. Colocava
um garrote, apertava o braço e pegava a veia, onde elas fossem
mais salientes. Nunca entupiu minha agulha, preparava a dose e
logo tomava. Já tive alguns caroços, e para esconder os
hematomas, passava xylocaína, eu costumava usar camisa de manga
comprida. 11 (Marcel}
A comunicação dos efeitos entre os consumidores organiza as
expectativas dos indivíduos, ajudando-os a reconhecer o efeito
físico, o prazer, o desprazer, conduzindo-os aos "estados
modificados da consciência ordinária". Segundo Becker, os
efeitos subjetivos de uma droga não se restringem ao seu
caráter farmacológico, mas são uma mistura de sensações
fisiológicas, psíquicas, de crenças e representações que o
sujeito e seu grupo reconhecem como "barato 11 '!9
• Na descrição dos
efeitos das substâncias psicoativas podemos aproximar e
compreender as expectativas dos usuários em relação ao consumo
de psicoativos, a construção do seu "barato" e do prazer dos
psicofármacos. .?..... vivência do 11 barato" e o recor..hec:imentc de
prazer são fundamentais nessa experiêr:.c:ia de consumo, assirr.
como, no agenciamento do desejo dos usuários. Os relatos que se
seguem ilustram mais esse aspecto de 11 cultura das drogaS 11•
11 Com a anfe~amina, eu falava uma barbaridade, num período àe
minha vida que quase não falava. Corr, coca, agi mais, de es"Car
,!q'Becke~, Howard: Hystory, Culture and Subj ective expe~:.e:r.c'= an exploration o= the social bases of drug inõuced experience. In: ~ournal Health and Sacia~ 3ehavior, n.B, p.163-176.
10.5
com a razão, de ir fundo no que estou falando, que estou certo.
O certo sou
nuca, bem
legalzinho o
eu e posso
aplicada, a
sangue, o
falar à vontade. É bom o arrepio na
picada é soisa maravilhosa. Tira
filetizinho e injeta dentro. Pode me
largar que dá o coice na cabeça, fico zonzinho. Sair, beber,
falar, gritar, xingar e até perder a razão. Prefiro sair para a
noite e encontrar as pessoas. Quando estava inseguro usava
muita droga. Já tentei usar para trabalhar. Memória, andei
piradão. Com coca, li muito, ia a uma reunião, coisinha pouca
meio grama de pó." (Manoel)
11 Só a maconha que afeta o desempenho no trabalho, deixa a
pessoa calma demais. A cocaína dá um speed e a anfetamina
também, você dá mais conta do recado. O sexo é o barato, o modo
que você usa. você pode pensar por segundos, daí parte para
outro pensamento. A sensibilidade é o barato. A "bolan
Amosterona injetada, você fica com o corpo mentolado. A cocaína
no máximo dá formigamento, um zumbido nos ouvidos e adormece o
local da picada. Fico mais para dentro, aumenta a percepção,
mas não fico com oaranóia. Artane, -_rocê fica sintéticc. Com o
baque de coca, você não quer fazer ::ada, mas até faz. Ba-:e a
fissura e fico na finalidade, mas ::ao passo dias tomando .. ?:....
memória fica fraca, fico concentrado numa outra dimensão,
independente do que está ao redor." (Veneno)
Talvez o contexto sócio-cultural ~enha um peso muito mais
significativo do que se supõe ~ o devoimento do traves~~ Ma~ca
é muito relevante a esse respei~c:
11 Não considero meu consumo adequado, pois consumo
exageradamente. Gostaria de parar de usar. Eu não estava
tomando, quando passei mais ou menos seis meses no Rio de
janeiro. Comecei quando eu vim para São Paulo. No Rio de
Janeiro não gostava de cheirar, tornava somente Hipofagin. Eu me
considero dependente de heroína, porque da cocaína não, isso
porque não tomava todos os dias. Com a heroína tinha
necessidade de consumir diariamente. Eu acredito que quem fica
dependente são aqueles que querem continuar consumindo cocaína,
enquanto a heroína necessitava fisicamente da droga." (Magda)
Norrnan Zinberg (]~I realizou uma grande pesquisa com
heroinômanos, que traz importantes contribuições sobre os
controles informais desenvolvidos pelos consumidores. Essa
investigação mostra que uma parcela significativa de usuários
de heroína consegue manter o equilíbrio entre o consumo e os
cuidados mínimos para preservar a saúde e a autonomia perante a
droga. Essa informação é surpreendente, visto que a heroí:1~ é
considerada o caso mais grave de drogadicção e seus usuá:-ios
são tidos como 'l.J.F.,a minoria que busca o perigo e resiste c:2-da:::
de sua saúde.
Esse fato levou Zinberg a confirmar a hipótese de
fator psicológico e o contexto sócio-cultural são fundame~~ais
na habilidade de controlar a experiência com as drogas. o
contexto social possibilita o desenvolvimento de
valores e padrões estilizados de comportamento que se:::ve:7". :8mc
107
reforço e símbolos da escalas de valores adotados pelos
indivíduos num determinado contexto sócio-cultural.
Veneno e Magda, nos fragmentos de depoimentos que se seguem,
ilustram com o preparo e as técnicas de aplicação, a escolha do
ambiente e na defesa contra o HIV através de uma prática
solitária:
"Eu mesmo preparo a droga para injetar com o mínimo de água
possível. Uso filtro só quando é comprimido destilado, cocaína
não precisa. Para esterilizar fervo ou lavo com cândida. Eu
tiro, puxo e jogo repetidamente. Tirei a conclusão de lavar com
cândida sozinho, pois associei a limpeza do banheiro com
cândida e fervura das seringas corno antigamente, quando não
havia seringa descartável. Prefiro tomar sozinho no meu quarto,
que é esse porão. Na rua não tomo mais, algumas vezes tomo no
banheiro de um bar, mas é difícil. A droga é importante em
minha vida, é um complemento. Ela faz mal fisicamente, mas não
dou importância para isso. Ela causa uma rotina. É: a carência
que leva ao uso de drogas."
(Veneno)
" Eu mesmo preparo rr.i:r..ha dose, preparar cocaína é fácil.
Experimenta com a língua para ver se é boa, depois cclcca ~UMa
colher com água e se dissolver tudo, aí você pode faze:- com o
próprio sangue. A cocaína que na água fica bolotinha é
misturada, então se você colocar dj_reto com o sangue vai
entupir a seringa. Muitas pessoas dissolvem a drog;;;. co::-. ;::
próprio sangue. Não tem sessão de pico, isso é
baseado. Não gosto de usuá:-ios, prefiro to.-nar sozinha, po:::-q;_:e
fico muito neurótica e não gosto de barulho. Com a cocaína não
gosto de ninguém do meu lado, pode até chegar gente, mas que
ninguém abra a boca. Com a cocaína, freqüentemente bebo água ou
conhaque para acompanhar. O baque é uma alucinação, uma
paranóia, acho que tem alguém me perseguindo. Economizo para um
uso futuro somente de heroína." (Magda)
As regras presentes nesse conjunto de usuários podem indicar
como urna substância deve ser consumida, mas isso não significa
que serão necessariamente obedecidas, funcionando como formas
de controles informais não consolidados.
A socialização das informações pelos grupos de usuários
garante um controle informal da experiência, que orienta o
"barato" e ajuda a reconhecer o prazer comunicável. Dessa forma
podemos circunscrever a prática e compreender algumas
motivações para o uso, expectativas de efeito, estados de
espírito, o lado sensível e agressivo dessa prática.
109
( No consumo de drogas há um co~~imento acumulado sobre o
saber experimental dos usuários e atos simbólicos que perrneiam
a prática, um "know how", um conhecimento aprendido sobre
dosagens, modos de preparo, frequências de uso, escolhas de
ambientes, territórios em que essas micro redes encontram suas
condições e visibilidade.
A noção de "quase grupos" proposta por Adrian Mayer (~\
--------- ----ilustra como esses indivíduos estão centrados em um ego, cuja
existência depende de um indivíduo como foco central e
organizador da rede de amigos. Esse critério de associatividade
estimula ações em conjunto e seu funcionamento enquanto "quase
grupo", que circunscreve as redes de consumidores que também
foram detectadas na pesquisa.
O compartilhar de agulhas e seringas ocorre por inúmeros
fatores presentes nessa situação de risco para a transmissão do
HIV. Procuraremos apontar alguns aspectos relatados pelos
entrevistados, sem ter a pretensão de sermos exaustivos ou de
fazermos generalizações.
Um dos fatores, dos compartilhar de seringas, reside na
falta de disponibilidade de equipamentos de injeção para ~odes
os participantes, na impossibilidade de adquirirem uma nova
seringa ou de realizarem a desinfecção dos equipamentos,
principalmente em ambientes como presídios ou lugares serr.
infra-estrutura básica, inóspitos para o desenvolvimento de
':"' Mayer, Adrian. A importância dos quase grupo no estudo das sociedades complexas. In: Feldman-Bianco, B. (org.) Antropologia das Sociedades Contemporâneas - Métodos. São Paulo. ed. Global. 1897. p.127-158. Tradução de Júlio Assis Simões.
\
práticas seguras. Freqüentemente, os usuários acabam por
preparar o pó num mesmo recipiente e esse fato é apontado nas
representações de alguns, de Veneno por exemplo, como uma
situação de risco.
"Tem um fascínio da injeção, independente do que você vai
aplicar. O barato maior é o lance da prática, a grinfa corno se
fosse um ato sexual. Eu localizo a veia, pois já sei qual é a
boa. Entope, coagula, compra água de insulina, diluente é mais
fácil de desentupir rapidinho. Quando não tem jeito mesmo e tem
que jogar fora. você não joga, tira a agulha e injeta na boca.
Reconheço minha seringa porque deixo no truque. Mas isso não é
nada, quando vai destilar numa colher e põe sua agulha lá e
puxa sua dosagem. O outro pega a agulha dele e sua dosagem, se
estiver contaminado tá na agulha também, encostou lá na droga
pode de um jeito ou de outro ter o cçmtato, pode rolar a
contaminação, contrair o virus com cada um com sua seringa. Na
hora .que você está tornando com frequência, quando chega l.L"Tla
determinada hora, você não mede nada, higiene nem nada. Cada um
com sua seringa, pode haver o contato mesmo se todos estiverem
com as próprias seringas." (Veneno)
Nesses rituais a presença do sangue é urna constante.
r~petidas aplicaçôes podem levar o sangue a coagular e acabar
por entupir a agulha. Esse aspecto é bastante relatado pelos
entrevistados, sendo apontado como um dos fatores mais
frequentes no ato do compartilhamento. O uso comun.:i:ár.:ic àe
agulhas e seringas pode funciona::- como um "pacto de sangue",
criando urna relação particular em ~orno das "picadas" d-:: coca.
lll
•
das relações que cercam essa vivências fusionais, expressas no
plano dos corpos através de uma relação simbiótica entre os
parceiros mediatizados pelo uso da droga.
Há relatos de casos nos quais os indivíduos compartilharam
seringas
continuar
impulsionados
os rituais
pela
das
"reciprocidade generalizada".
necessidade imediatista de
aplicações, numa espécie de
A ocorrência do uso comunitário das seringas com estranhos é
mais difícil, mas são inúmeros os relatos que descrevem esse
tipo de situação, comumente justi:icada pelo entupimento da
agulha no momento do uso, embora a "instigação" da cocaína, a
"fissura" por urna nova dose e o "embalo" da noite sejam também
motivações presentes nos relatos.
A probabilidade de ocorrer a situação de risco pode variar
segundo o grau de dependência dos usuários, da !!fissura" no
momento do uso, da confiança e da intimidade entre os
parceiros. Essas constatações mostra que os níveis de
dependência física dos consumidores de cocaína são menores do
que encontrados nos consumido~es de opiáceos. A abordagem
farmacológica e psiquiátrica possibilita compreender a
dependência e pode nos ajudar a perceber as diferenças
fisiológicas e os efeitos farmacológicos A diferença
farmacológica entre a cocaína e os opiáceos ou mesmo as
anfetaminas injetáveis pode traduzir diferentes dinâmicas de
,::.Masur, Jandira e Carlini, E. A .. Drogas - subsídios para uma discussão, São Paulo, ed. Brasiliense, 1990, p.17-31.
propriedade, a aceitação de dores e sofrimentos, a ausência de
classe e as relações sociais de "cornmunitas". A cornmunita
possui uma moral aberta, solidariedade entre seus membros,
espontaneidade e imediaticidade. As comrnunitas buscam uma
experiência transformadora, que vai à raiz de cada um,
encontrando o comunal e o compartilhado. Freqüentemente esse
tipo de relação é carregado de sentimentos prazerosos.
O conceito de ameaça ou de perigo para o grupo é o principal
ingrediente na produção de communitas existencial. Através da
"communita" podemos levantar elementos para conhecer a
estrutura e a sociedade onde está inserida, pois sua condição
passa pela negação da estrutura.
A vivência da liminaridade dos usuários de drogas pode
explicar e atribuir os significados em torno do uso comunitário
e descrever algumas relações envolvidas nessa prática: de
camaradagem, de irmandade 1 de solidariedade, de confiança, de
proximidade e de intimidade.
Muitas vezes o compartilhar do equipamento tem o significado
de uma marca em comum, de um segredo, de uma cumplicidade, um
símbolo de reciprocidade que pode ser perpassado através de
relações intimistas 1 afetivas, amorosas, de amizades, de
irmandade e de proximidade.
Mesmo com todos os riscos que cercam a posição dualizan~e de
Turner que cinde o social geral em dois compartimentos
"autônomos", parece nítido que no compartilhamento das seringas
é bastante expressiva a relação e a idéia de fusão dos sujeitos
envolvidos. Nessa 11 Comunhão'1 pode- se perceber uma represen::ação
113
Para Vitor TUrner ~~~~. os atributos da lirninaridade, ou de
pessoas liminares são necessariamente ambíguos, exprimem-se por
uma variedade de símbolos, uma vez que, nesta condição, as
pessoas furtam-se ou escapam à rede de classificações que
normalmente determinam a localização e as posições sociais. o
que é interessante com relação aos fenômenos liminares é que
apresentam uma variedade de símbolos corno a mistura de
submissão, santidade, homogeneidade e camaradagem. É como se
houvesse dois modelos de correlacionamento humano, justapostos
e alternantes: o primeiro é o da sociedade como um sistema
estruturado, diferenciado e freqüentemente hierárquico. E o
segundo, que surge no período liminar, é o da sociedade
considerada "comitatos" não estruturado, comunitário entre
iguais.
A experiência de vida de cada indivíduo o faz estar exposto
alternadamente à estrutura e à "corrnnunitasn, aos estados e às
transições. A lirninaridade não é a única manifestação das
"communitas", todas suas manifestações devem aparecer como
pe~igosas e anárquicas e precisam ser rodeadas de presc~ições e
condições. Segundo TUrner, o incremento da especialização da
sociedade e da cultura, com a progressiva divisão socia2. do
trabalho, transformou aquilo que era na sociedade tribal um
conjunto de qualidades transitórias entre estados definidos da
cultura, num estado institucionalizado.
As características desse estado de li~inaridade
transição, a insensatez, a homogeneidade, a ausência ae
,:, Turner, Vitor: The Ritual Process. Pelican. Londres. 197~.
r ~ I
transmissão do HIV e nos impactos na epidemiologia da AIDS em
várias regiões.
A informação sobre abstinência da droga injetável é bastante
relevante, visto que a maioria dos entrevistados era
consumidora de cocaína injetável e alguns deles haviam
conseguido deixar o "vício". Esse dado mostra as diferenças
farmacológicas das substâncias,
da prática de injeções, as
diferenças de impacto da AIDS.
importante para a compreensão
formas "desintoxicação" e as
Os programas específicos de prevenção entre os usuários de
drogas injetáveis na Inglaterra, Suíça, Itália, Espanha e
Holanda enfatizaram a prática de injeções seguras, o que
transformou o significado do consumo e o tratamento da
sociedade em relação a esses indivíduos. A venda de remédios em
farmácias, naqueles países sofre grande fiscalização dos
poderes públicos, e exige por parte dos governos a
liberalização de compra e venda das seringas e a educação para
a mudança no comportamento de risco, o que coloca em cena o
problema da descriminalização a ser enfrentada por :odos
necessidade e urna pedagogia capaz de lidar com a cul:ura dos
psicofármacos.
115
Em nossa pesquisa, a escolha do território da etnografia
urbana e da vida noturna contribuiu para que o universo
empírico fosse constituído em sua maioria por homens. Para
finalizar, p:::-etendemos apresentar resumidamente os resultados
dessa pesquisa qualitativa e cruzar com algumas i~:o~mações
quantitativas sobre o universo do uso de drogas end:Jvenosas,
visando uma compreensão mais detalhada sobre a prá~ica de
injeções.
A pesquisa quantitativa, recentemente divulgada, vem sendo
realizada pelo NEPAD (Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ater..ção
ao Uso de drogas/RJ) e pela organização Mundial da Saúde desCe
1989 deixando claro que há urn número maior de usuários do sexc
masculino fazendo uso de injetáveis. Numa amostra de ~66
117
entrevistados, 406 (87,1%) são homens e 60 (12,9%) mulheres. A
média geral de idades é de 27,7 anos (com desvio de 5,4). A
idade média do primeiro uso foi de 20,2 anos para as mulheres e
de 19,2 anos para os homens. A cocaína foi a droga mais
consumida por via endovenosa, tanto na forma isolada como na
combinação com opiáceos, anfetaminas e benzodiazepínicos. o uso
isolado de opiáceos foi relatado por 5% das mulheres e por
apenas 1 homem (0,2%) e maconha inalada foi relatada por 80,0%
das mulheres e 86,9% dos homens. -~----
Os dados mais significativos, que essa pesquisa conseguiu
levantar, foram aqueles que permitem elucidar diferentes
padrões de uso da droga injetável entre os sexos, tais como a
freqllência e a parceria no compartilhamento:
"Quanto a freqüência do consumo de
observamos que a mulher consome a droga
drogas
com uma
injetávei , _ _../
freqüência
menor. A curva bi-modal aponta como um padrão de consumo entre
as mulheres entrevistadas, a freqüência de um a três vezes ao
mês. Apenas 15 t refere injetar quatro ou cinco vezes por dia.
Isso contrasta com o universo masculino, que aponta \ill,a
freqüência de uso mais alta: 72% refere usar com uma freqüência
igual ou superior a uma vez ao dia." j.
Esses dados fornecem elementos para pensar os diferentes
graus de risco entre homens e mulheres, mostrando que 30,5% do
sexo feminino e 36,6% do sexo masculino compartilha::.-am
:. Aquino, Maria Theresa c. e Dias, Paulo R. T. Pires- "Uso de droga injetável de drogas por mulheres no Município do Rio de Janeiro e risco de infecção por HIV 11
• Seminário Aidsavaliando o passado e planejando o futuro, julho/1992, rnimeo, p.9
equipamentos de injeção nos últimos seis meses anteriores à
entrevista. Essa informação revela dois tipos de relações
constituídos por parceiros sexuais e "amigos íntimos".
" .. a mulher compartilha mais com seu parceiro sexual ( 3 6, 4%
vs 8, 8%), enquanto os homens compartilham significativamente
mais com os amigos mais íntimos (64, 5% vs 27%), do que as
mulheres o fazem... 75% das mulheres referem que nunca usam
preservativos com parceiros ocasionais. Quanto ao parceiro
principal, 85,3% das mulheres referem que suas relações sexuais
são sempre de alto risco, sem preservativos, sendo mais
preocupante ainda que o parceiro principal da mulher em 55, 9%
dos casos, é também usuário de drogas injetáveis. n(:l
A pesquisa qualitativa teve a capacidade de contextualizar
essas informações através das histórias de vida dos
entrevistados, descrevendo a inserção do uso injetável na
cultura das drogas, a dinâmica dessa prática e as mudanças
comportarnentais frente ao risco.
Os depoimentos permitiram caracterizar duas gerações de
' 1 tomadores 11, seu contexto sócio-cultt:ral e o perfi: de: seu
consumo. As variações nas substâncias psicoativas engendram
'Cambém diferenr:es sociabilidades, modos de preparo, ric'Jais e
efeitos subjetivos. Essas modificações podem também propiciar
graus diferenciados de risco, dependendo da tolerância às
substâncias, das freqüências de uso e da dependência dos
us·...:.ários.
,: Aquino, Maria Theresa c. e Dias, Paulo R.T. Pires. Op.Cit. p.lO
119
A procura de certos efeitos subjetivos está relacionada com
a percepção do usuário, com as drogas disponíveis no mercado e,
principalmente, com a experiência ou a vivência do tempo na
metrópole. Pudemos verificar que, dos anos 70 aos 90, houve
transformações das substâncias psicoativas consumidas em cada
geração,
preparo
sendo constatada uma
e consumo, assim
redução no tempo do ritual de
como, dos efeitos subjetivos
proporcionados, produzindo um "barato" com maior velocidade e
fugacidade, podendo-se supor uma analogia entre esses efeitos
e a velocidade e o ritmo da metrópole.
Durante os anos 70, o Pervintin era uma das substâncias mais
injetadas, seus efeitos foram descritos como um grande
"ligativo", proporcionando um "speed" ao consumidor cujo
efeito durava horas. Nos anos 80, a cocaína foi descrita como a
substância hegemônica dos usuários, produzindo "baratos" com um
menor tempo de duração, conhecidos como "baques de coca 11 , que
induziam as novas percepções do tempo/espaço e da sociabilidade
em torno das 11 picadasn. Na década de 90, ainda sob a hegemonia
da cultura da cocaína, estamos constatando um aumento nc
consumo de uma nova substância de:::-ivada dessa droga, o crack.
Quando a cocaína umedece ou fica "molhadan com o calor e/ou com
a umidade do ar, principalmente nos pontos de venda, preparava
se numa seringa para não ser desperdiçada e consumida por via
endovenosa, enquanto hoje acrescenta-se bicabornato de sódio e
faz urna "pedra de crack". Essa subsc:ância é inalada a:.ravés de
um "cachimbou, sendo os efeitos considerados mais fugazes d::::
que o "baque de coca" .
NO que se refere à sexualidade, os entrevistados
heterossexuais relatam um aumento de relações com o uso de
camisinhas, uma sensível redução nos parceiros e o
estabelecimento de relacionamentos mais estáveis. Muitos
reiteram que, após algumas relações com a mesma pessoa, se
sentem confiantes para abolirem o uso de camisinhas. Alguns
descrevem que quando se encontram embriagados freqüentemente
não usam preservativos. Os homossexuais continuaram sem nenhum
relacionamento sexual mais estável, porém afirmam que estão
usando preservativos em suas relações ocasionais e com sua
clientela.
A maioria dos entrevistados relatou não estar mais fazendo
uso da droga injetável no período da entrevista, continuaram,
porém, a consumir álcool, maconha e cocaína. A maioria dos
entrevistados fazia a limpeza de seringas apenas com água ou
fervia os equipamentos antes das aplicações. um dos únicos que
continua injetando drogas é Veneno, gue, embora fazendo
referência
sanitária",
à limpeza das
aponta situações
agulhas
em que
e
f ice.
seringas com "água
claro que ::ontinua
compartilhando equipamentos de injeção com estranhos.
Procurando resumir o histórico da aprendizagem do uso da
droga injetável, seria oportuno dizer que os travestis tiveram
uma familiarização com as seringas anterior aos outros
entrevistados, devido às aplicações de hormônio feminino para
fazer os seios. Os travestis Magda e Duda e a francesa Mar:'._e
começaram a injetar Heroína na Europa e, ao chegarem ao Brasil,
procuraram substituir a heroína por cocaína, devido às crises
121
de abstinência. os dois travestis relataram, que na Europa,
aprenderam a comprar caixas de seringas e freqUentemente
camisinhas com seus clientes.
A farmácia é descrita como o local onde se compram as
seringas e algumas substâncias passíveis de serem injetadas mas
freqüentemente os usuários são discriminados pelos próprios
balconistas. Seria importante que as farmácias deixassem de
discriminá-los
liberalização
facilitando-lhes o acesso ao
da venda das seringas nas
equipamento. A
fannácias seria
fundamental para que os usuários pudessem ter acesso aos meios
necessários para sua segurança, contribuindo para evitar a
propagação da infecção pelo HIV.
Um outro elemento fundamental para o contexto das situações
de risco é o da ilegalidade da prática de injeções, pois
freqüentemente as transgressões à lei produzem nos indivíduos
sentimentos persecutórios, de insegurança, 11 paranóia'1 da
polícia e das instituições que, quando exacerbados, podem
favorecer o contexto das situações de risco. A ilegalidade e o
sistema carcerário especificam a delinqüência, subst.::ui::;d:::: s
infrator pelo delinqüente. Segundo Michel Foucaulc, a
delinqüência é efeito direto de uma penalidade, que para ge~ir
as práticas ilegais, investiria algumas delas num mecanismo
"punição-reprodução" de que o encarceramento seria uma das
peças principais. A organização de uma delinqUência isolada e
fechada não seria possível sem o desenvolvimento dos cont~~les
policiais, da fiscalização geral da população e da vigilânc~a:
"A delinqüência, ilegalidade dominada, é um agente para a
ilegalidade dos grupos dominantes .... os tráficos de annas, os
de álcool nos países de lei seca, ou mais recentemente os de
droga mostrariam da mesma maneira esse funcionamento da
"delinqUência útil", a existência de uma proibição legal cria
em torno dela um campo de práticas ilegais, sobre o qual se
chega a exercer controle e a tirar um lucro ilícito por meio de
elementos ilegais, mas tornados manejáveis por sua organização
em delinqüência. Esta é um instrumento para gerir e explorar as
ilegalidades. ,r31
Atualmente, as autoridades públicas estão criando um
consenso, que AIDS é um problema de saúde pública mais grave
que a droga. Por isso, com o objetivo de contê-la entre os
usuários e seus parceiros sexuais estão sendo implementados
diversos programas e experiências de prevenção, levando muitos
países a discutir ainda que incipientemente, urna política de
descriminalização dos usuários. Nos moldes atuais, a
criminalização confina milhares de dependentes de drogas nas
prisões, aumentando os riscos de infecções nesses individues e
nos presídios, ampliando os custos individuais e sociais de
problema. Edward MacRae em seu artigo sobre ndrogas injetáveis
e AIDS'1 considera que a prevenção a AIDS entre esses
indivíduos pode ser implementada, mas adverte:
' 1 Para que isso se realize é imprescindível que antes de mais
nada seja alterada a abordagem moralista ou policialesce. :::a
Foucault, Michel. Vigiar e Punir; história da violência nas prisões. Petrópolis/ RJ, ed. Vozes, 3.ed., 1984, p.246.
questão droga. Pois esta impede a discussão livre, o acesso à
população em risco, a organização de usuários e a implementação
de certos programas que visam à simples redução de riscos de
contarninação"(4J
A atual legislação brasileira sobre entorpecentes não faz
distinção entre usuários e vendedores de drogas, não penni te a
organização livre dos grupos de usuários e também proíbe o
estabelecimentos de programas de distribuição de seringas.
Dessa forma, essa lei tem impedido a implementação de programas
específicos de prevenção à AIDS entre os usuários, cuja
eficácia de redução dos riscos em outros países pôde ser
comprovada, com resultados bastante animadores como na
diminuição da velocidade da disseminação do HIV, ou no
engajamento dos usuários em programas de tratamento para abuso
de drogas.
o episódio mais representativo no Estado de 5ão Paulo foi o
ocorrido em Santos'''- onde foi organizada wna sólida infra-
estrutura de assistência, tratamento, prevenção e controle da
AIDS. Junto com esses serviços foi também orgar.izado w-r.
programa de trocas de seringas, mas o projeto teve de ser
suspenso devido aos limites lege.is impostos pela legislação.
Como afirmam Don Des Jarlais e sammuel Friedman'b·_ a urgência
de prevenir futuras transmissões do HIV entre os usuários de
'"· MacRae, Bdward- 11 Drogas injetáveis e AIDS" - Jornal Folha de S. Paulo, Saúde, 7/2/89 5 Mesquita, Fabio . AIDS na rota da cocaína; um conto santista, são Paulo, ed. Anita Garibaldi, 1992. '~·Friedman, Samuel e Jarlais, Don Des- The effectiveness c: AIDS education programs for intravenous drug users. Mirr,e::, preparado para National Institute on Drug Abuse/1988.
drogas endovenosas significa que não podemos esperar por um
modelo conceitual completamente testado, mas devemos estar
desenvolvendo esforços para a prevenção. Os dois pesquisadores
sugerem três pontos para a elaboração de uma política
preventiva: 1- A necessidade do conhecimento sobre AIDS e sua
transmissão. 2- A posse de meios disponíveis para a mudança do
comportamento de risco. 3- criação de mecanismos de
socialização e reforço de novos hábitos. Nesse sentido os
usuários precisariam dispor de seringas descartáveis,
camisinhas, recipientes individuais para a diluição das drogas
e substâncias para a esterilização de equipamentos (água
sanitária e álcool) adquiridos livremente em estabelecimentos
públicos ou privados.
Esses programas de prevenção requerem que os usuários sejam
encarados como cidadãos, com direito à integridade física e
mental, e não tratados como seres desprezíveis ou marginais. os
programas de distribuição de seringas são serviços que podem
ser compreendidos como "prevenção terciária" dos modelos de
prevenção às drogas, onde procura- se prevenir as picres
conseqüências do uso em si·- A assimilação das "práticas
seguras 1' necessita tornar- se parte integrante dos "eSq'..lemas" de
preparação e do ritual do consumo. Essas medida não se
Friedrnan, Sarnuel e Jarlais, Don des - "HIV and intravenous drug use". In: IV Conferência Internacional sobre AIDS/1988. Estocolmo/ Suécia, mimeo, p.S-lü
,-,Cotrim, Beatriz Carlini, carlini, E. A. e Fra:1co, A.R.S.sugestões para programas de prevenção ao abuso de drogas no Brasil. São Paulo, CEBRID. departamento de psicobiologia da Escola Paulista de Medicina. sem data.
12:5
restringe apenas à população usuária, mas também aos seus
parceiros sexuais e filhos, que poderiam contribuir para a
mudança de comportamento através de uma visão não repressiva.
Um outro tipo de programa foi implementado em San Francisco,
através de "trabalhadores sociais da saúde"", freqUentemente
pessoas inseridas nesse universo e que procuravam estabelecer
um contato estreito com os usuários em seus territórios,
ensinando-lhes a desinfecção correta das seringas e reforçando
a necessidade de mudança hábito das situações de risco.
Freqüentemente esses programas de prevenção que investem nas
11 práticas segurasn de injeções de drogas são bastante
questionados pelos setores conservadores, sempre repressivos,
que afirmam que esses programas acabam por encorajar o uso de
drogas.
Entre tantos outros prograrras, podemos mencionar a praça em
Zurique, na suíça, onde o consumo de droga era permitido e
tolerado, com postos médicos para atendimento aos
frequentadores. Essa praça forneceu um contexto possível para a
elaboração de práticas mais seguras de injeções e p:::.::-:::. :::.
prevenção à AIDS, agenciando os usuários num mesmo territó::::-io.
Após alguns anos de experiência, a praça foi interditada e a
experiência suspensa.
o programa mais radical e controverso de toda a Europa vem
sendo desenvolvido em Liverpool' na Inglaterra, onde a taxa de
'~'Jauvert, Vicent - "Héroine sur ordonnance". In: Sida Drogue- Ce qu'on n'ose pas vaus dire. Revista Le nouvel Observateur, 26 novembro a 2 de Dezembro de 1992, p. 9-:l, p.9.
jovens desempregados é altíssima, sendo que para cada grupo de
dez desempregados há um usuário de drogas injetáveis. o uso de
drogas injetáveis nessa cidade é conhecido desde o século
passado, mas há um atendimento à drogadependência e tratamentos
de desintoxicação anterior ao aparecimentos da AIDS. Com o
advento da epidemia, a clínica estendeu os seus serviços para
controlar a disseminação do HIV entre os toxicômanos. Nesse
serviço, os psiquiatras prescrevem aos toxicômanos suas
próprias drogas fornecendo metadona, heroína, anfetarnina e
cocaína, além de seringas descartáveis. Essa experiência parte
do pressuposto que é impossível exterminar a droga, mas é
possível sua gestão removendo o delito dos usuários através de
um trabalho educativo sistemático. A prescrição dessas
substâncias segue rígidos horários, dosagens, sendo ensinadas
também formas de administração, desinfecção de seringas, além
de outras informações sobre AIDS.
Com a clínica e a prescrição médica pode se cor:t:!:'ola!:' a
qual idade das substâncias injetadas, prescrevendo freqüências,
evitando excessos e overdoses, além de fornecer re:r.édics e
tratamento para hepatite B e outras doenças infecciosas. Os
resultados do serviço são surpreendentes, visto que a caxa de
soropositividade entre esses indivíduos é menor do que a dos
toxicômanos que não freqüentam o serviço. Esses úl times são
contatados por trabalhadores sociais nas ruas e boates, que
informam sobre AIDS e os convidam a deixa:!:' os trafica:-::.es 2 a
delinqüência, através do atendimento clínica.
127
Nas várias experiências desses países podemos perceber uma
clara política social referente ao fenômeno droga. Na
experiência de San Francisco, projeto de troca de seringas é
tolerado à distância pela polícia, mesmo sendo o uso proibido.
Os programas baseados apenas na estratégia de desinfecção de
seringas talvez não sejam suficientes corno método educativo e
para a mudança no contexto das situações de risco dos usuários.
Isso porque são bastante limitados como intervenção e
tratamento da questão, sendo difícil a incorporação do hábito
da desinfecção, principalmente nos rituais de consumo da
cocaína, onde há inúmeras aplicações numa mesma noite. o
programa de Liverpool fornece vários serviços e,
particularmente, o da prescrição médica aos toxicômanos. Esse
serviço conseguiu importantes resulta dos no controle da
epidemia e nas formas de tratamento, assim corno, uma
interessante política social que possibilita remover a
delinqüência dos usuários e afasta-los dos inúmeros ~iscas
relacionados ao seu universo. Não podemos deixar de mencionar o
caráte= totalmente diferente que tem urr, produt~ quand::
consumido em regime de clandestinidade, ou de quando se usa de
maneira oficial e regulamentada.
Nesses anos de proibicionismo, a vida e a morte dos drogados
estão mais relacionada com a violência, derivada da vida
c~iminal do que com a objetiva incidência do consumo de drogas.
~r:.. droga pode ser um veneno, mas depende das dosagens, da.:::
formas de administração e dos controles do consumo, das formas
de aprendizagem do uso, dos prazeres ·::: dos cuidados c::-rporais.
Não dá para continuarmos nessa política de 11 guerra às drogas 11
promovida pelos EUA e continuar nessa cultura da ignorância
sobre os psicofármacos. O que difere os consumidores das drogas
lícitas das drogas ilícitas? Não seria apenas urna
arbitrariedade fundada no controle útil dos delinqüentes? A
proibição das drogas está fundada numa política pós-colonial
que perpassa as relações internacionais, a segurança nacional,
a indústria farmacêutica, os conflitos "norte-sul" a respeito
da ecologia, assim como,
biodiversidade.
o problema das patentes e da
O fenômeno tem muitas entradas, havendo uma multiplicidade
discursiva das mais diferentes disciplinas e abordagens, porém
não podemos deixar de aborda-la corno uma mercadoria e como uma
das atividades mais lucrativas de todo mundo, além de urna
estreita relação com
legislação brasileira
o comércio de armas.
sobre os entorpecentes,
Modificar
removendo
a
o
delito e sua atividade delitiva, hoje unanimemente fundamen~ada
no tráfico de drogas e de armas, tornou- se uma medida sensata
contra o atual irracicnalismo. Acreditamos que a
descriminalização dos usuários permitirá aos toxicômanos a
entrada no mercado de droga controlada, o alívio psicológico, e
a saída do túnel da delinqüência, da violência, fatores que
poderiam atenuar as atuais taxas de mortalidade, infâmia e
desespero, muito inferiores. Por isso levantamos a bandeira do
direito à vida para cor:cesta~ e dizer não à atual m:::rca::jade
promovida pela 11 guerra às drogas 11 e a atual desinformação e
educação em relação aos psico:ármacos.
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