A influência da Organização das Nações Unidas nas políticas públicas brasileiras
dirigidas às famílias: o Programa Bolsa Família.
Geisa Cunha Franco1
Palavras-chave: Organizações Internacionais- ONU- Bolsa Família –
Desenvolvimento Humano
Introdução
Neste artigo se pretende investigar a relação entre as políticas públicas do governo
brasileiro voltadas às famílias em situação de vulnerabilidade na última década (2003-2012) e
as concepções presentes na Organização das Nações Unidas a respeito do desenvolvimento.
Parte-se do pressuposto de que, inserido no sistema internacional de forma atuante, e sendo
membro fundador da ONU, o Estado brasileiro sofre influências desse organismo na
concepção, elaboração e execução de suas políticas públicas, dentre as quais, aquelas
voltadas às famílias. Busca-se, então, identificar a evolução de tais concepções nas Nações
Unidas e verificar como elas se manifestam no âmbito doméstico do Brasil.
Na primeira parte, procura-se esclarecer a importância das organizações internacionais
governamentais e se apresentam os conceitos de desenvolvimento que nortearam suas ações
nesse sentido, com especial ênfase ao conceito de desenvolvimento humano. A partir de
então, busca-se analisar, dentre as políticas públicas brasileiras direcionadas às famílias
vulneráveis, aquela que vem tendo maior destaque em âmbito nacional e internacional: o
programa Bolsa Família. A partir de então, buscam-se identificar as relações e as influências
da ONU nesse programa, bem como alguns de seus resultados já perceptíveis.
A importância das Organizações internacionais no cenário atual
As organizações internacionais governamentais (OIGs) vêm adquirindo, desde o final da
Segunda Guerra Mundial, um peso crescente no sistema internacional. É quase impossível
referir-se a algum tema da agenda mundial sem que tais instituições estejam profundamente
envolvidas, seja o tema da segurança, do meio ambiente, dos direitos humanos ou, o que nos
interessa especialmente, o tema do desenvolvimento humano e sua relação com as famílias.
Ricardo Seitenfus (2003, p.116) define organização internacional governamental como
uma “Associação voluntária entre Estados, [...] constituída através de um tratado que prevê um
1 Doutora em Relações Internacionais pela UnB, professora da UFG.
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aparelhamento institucional permanente com o objetivo de buscar interesses comuns, através
da cooperação entre seus membros”.
Surgidas na segunda metade do século XIX, na Europa, tais instituições não eram
vistas, de início, como atores relevantes na arena internacional (HOFFMANN e HERZ, 2004).
Tampouco, sob o enfoque jurídico, eram consideradas sujeitos do Direito Internacional.
O surgimento das organizações internacionais representa, até o momento, conforme
Hoffmann e Herz (2004), o ápice do processo de institucionalização do sistema internacional.
Evidentemente, a arraigada concepção de soberania, cunhada em Westfália, seria muito difícil
de ser transposta em nome de um organismo intergovernamental. O horror das duas guerras
do século XX e, dentre outros fatores, as garantias de respeito à soberania contidas nos
tratados da ONU convenceram os estadistas (ou a maioria deles) de sua necessidade.
Abriram-se, então, os caminhos para a sistematização de trabalhos conjuntos entre os
governos dos Estados,e desenhou-se, cada vez com mais força, o caminho da cooperação.
A partir de sua criação, a ONU e demais instituições a ela ligadas adquiriram uma
relevância incontestável. Evidentemente que sua ação é limitada, em última instância, pela
concordância e apoio dos Estados membros, já que não têm autonomia para agir fora das
finalidades para as quais foram criadas. É legítimo argumentar, também, que as nações
hegemônicas têm uma influência consideravelmente maior sobre a atuação das mesmas e
que, muitas vezes, a falta de apoio se traduz em ineficiência, lentidão ou omissão.
No entanto, em que pesem inúmeras críticas, muitas delas legítimas, as OIGs tornaram-
se um espaço institucional e físico de encontro, diálogo, discussão e solução de conflitos pelas
nações, o que contribuiu para promover maior estabilidade e previsibilidade ao sistema
internacional Além disso, a ajuda humanitária, a criação de mecanismos de cooperação e a
socialização de informações entre os estados são tarefas, hoje, de inestimável valor para a
sociedade internacional. Conforme as autoras mencionadas anteriormente:
As OIGs são ao mesmo tempo atores centrais do sistema internacional, fóruns onde idéias circularm, se legitimam, adquirem raízes e também desaparecem, e mecanismos de cooperação entre Estados e outros atores. (...) No âmbito das organizações internacionais, está em curso um processo social complexo em que normas são criadas. Conhecimento é formado, tarefas que cabem à comunidade internacional são definidas, tais como gerar desenvolvimento. (HOFFMANN e HERZ, op. cit. p 23).
Como se viu, as preocupações da ONU concentraram-se, por muito tempo, na questão
da segurança,característica agravada, logo após sua criação, pelo surgimento da Guerra Fria
(1945-1985), conflito político, ideológico, militar e econômico entre os países do bloco
capitalista e do bloco socialista. Isto porque a corrida armamentista nuclear fez com que o tema
da segurança ofuscasse as demais áreas de cooperação. Portanto, o fim desse conflito
favoreceu a valorização do tema do desenvolvimento.
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Surgimento e evolução do tema do desenvolvimento nas Nações Unidas
Ainda que prevalecesse o tema da segurança, alguns fatores fizeram com que a ONU,
algumas décadas depois de sua criação, abrisse espaço em sua agenda para tratar de outros
temas. O fato de que a discussão sobre segurança ficou praticamente restrita às potências
nuclearmente armadas levou os demais membros da ONU (a grande maioria) a pressionar, na
Assembléia Geral, para que a organização se ocupasse de outras questões que mais lhes
interessavam, tais como a fome, a miséria, a cooperação e a ajuda ao desenvolvimento.
A entrada de novos estados nos quadros da instituição, sobretudo aqueles oriundos do
processo de descolonização na África e na Ásia, aliada a um processo de articulação entre os
países que se negavam a perfilar em um dos dois lados da Guerra Fria _ o movimento dos
“Não Alinhados”, mobilizados a partir da Conferência de Bandung, na Indonésia, em 1955 _ fez
emergir um discurso com o seguinte conteúdo: não há paz na miséria; no há segurança em
meio à fome e ao subdesenvolvimento; a discussão sobre armas nucleares só diz respeito às
grandes potências; a paz não deve ser pensada como um conceito negativo (ausência de
guerra), mas, sim, como um conceito positivo (presença de bem-estar e desenvolvimento). O
Brasil apoiou esse movimento, ainda que tenha participado das reuniões dos Não Alinhados
apenas como observador. Como conseqüência, surgiu, poucos anos depois, a proposta de
criação, pela ONU, de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), o Brasil foi um
membro muito presente nesse debate. De acordo com Amado Cervo: “Concentraram-se os
povos atrasados num objetivo-síntese, que se identificou com a luta travada na arena mundial
pela implantação e uma Ordem Econômica Internacional, destinada à superação da injustiça e
da desigualdade”. E mais à frente conclui que os resultados, “após três décadas de
negociações, revelam que o diálogo foi efetivamente instituído, não a nova ordem“ (2011, p.
420). Os textos então produzidos pela ONU significaram um avanço conceitual, “em grande
parte neutralizado pelo caráter não obrigatório em termos de direito” (op. cit. p. 420). Percebe-
se que o discurso contra-hegemônico, nesse momento, não produziu, na prática, conquistas
relevantes para os países em desenvolvimento.
Ainda assim, a partir da pressão dos países do então denominado “Terceiro Mundo”,
algumas ações começaram a tomar corpo, dentre elas o fortalecimento do Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), que, criado em 1947 para assistir a
Assembléia Geral nos temas de cooperação internacional, tinha débil atuação até então.
Desde a década de 1960, no entanto, esse órgão se constitui em importante fórum
de debates sobre assuntos econômicos e sociais, e atua como formulador de políticas dirigidas
aos Estados Membros buscando promover padrões de vida mais elevados para suas
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populações. Tem, ainda, o poder de iniciar estudos e produzir relatórios, ajudar na preparação
e organização de conferências com o propósito discutir e deliberar, sob a forma de tratados
internacionais, temas ligados ao desenvolvimento.
Outra iniciativa importante da ONU na promoção do desenvolvimento foi a
convocação da UNCTAD, Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento,
em 1964, em Nova Delhi, na Índia, que contou com a participação de 121 Estados membros. A
UNCTAD acabou por se tornar um órgão da Assembléia Geral da ONU (Florêncio, 2008).
Como prova do fortalecimento da atuação das Nações Unidas na questão do
desenvolvimento, por via da resolução 2029 da XX Assembléia Geral da ONU, criou-se, em
1965, um novo marco para a organização, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). As ações que culminaram na criação do PNUD originaram-se da
dificuldade de países subdesenvolvidos em financiar seu próprio desenvolvimento. Assim, o
PNUD atua como um programa de assistência técnica cujo objetivo é oferecer melhores
condições para que investimentos para o desenvolvimento sejam realizados. Presente em 177
países e territórios no mundo, conta com a participação da sociedade civil e da iniciativa
privada.
A atuação da ONU, bem como de seus órgãos (como o ECOSOC) e programas (como o
PNUD), não se restringe, evidentemente, ao financiamento de ações com vistas ao
desenvolvimento de seus estados-membros, mas constituem-se, também, em espaço
fundamental de discussão e formulação de concepções sobre quais os caminhos mais viáveis
para se atingir tal fim. Conforme Sérgio de Abreu Florêncio afirma que a ONU ”ao longo da
maior parte de sua história, teve a virtude de formular ou divulgar conceitos e iniciativas que
exerceram visível influência na evolução das concepções de desenvolvimento e na defesa dos
interesses dos países em desenvolvimento” (2008, p.111).
Porém, depois de estabelecido um consenso de que a Organização deveria atuar
na promoção do desenvolvimento, ficou claro que não havia um consenso preciso em torno do
próprio conceito e, menos ainda, dos caminhos para se atingi-lo. Com efeito, conceituar
desenvolvimento é uma árdua tarefa, tendo em vista os inúmeros sentido atribuídos à palavra.
As concepções a esse respeito variaram ao longo das décadas posteriores à criação da ONU.
Inicialmente, influenciada pela visão de economistas de renome no campo dos neoclássicos, o
desenvolvimento era associado, ou melhor, quase identificado, ao crescimento econômico,
vislumbrado como “elevação do padrão de vida através do aumento sustentado na eficiência
dos fatores de produção. Esse fenômeno se daria por meio da transferência de recursos de
atividades menos produtivas para atividades mais produtivas” (FLORÊNCIO, 2008, p.114). De
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tal forma, recursos das atividades agrícolas, consideradas menos produtivas, deveriam ser
transferidos às atividades industriais, mais produtivas.
Em tal concepção, o desenvolvimento seria medido pelo Produto Interno Bruto (PIB),
que é uma representação do somatório feito em valores monetários, dos bens e serviços
produzidos durante um período temporal. O PIB é um indicador com larga utilização
macroeconômica e objetiva medir a atividade econômica de uma região. Martin Wolf (2009)
define PIB como:
O produto interno bruto é a medida do valor agregado bruto, das despesas com valor agregado bruto ou renda gerada peos fatores de produção dentro de deterinada jurisdição. Produto, despesas com o produto e renda gerada pela produção são sempre iguais, por definição. Em termos simples, o PIB é também igual a consumo do setor privado, mais consumo do setor público mais investimentos bruto do setor privado, mais investimento bruto do setor público mais a balança comercial de bens e serviços não-fatores. As vendas a não-residentes (ou seja, exportações) são contribuição para o produto interno enquanto as compras a não residentes (ou seja importações) são subtraidas do produto interno. (WOLF, p.204, 2009)
A identificação de desenvolvimento com crescimento econômico, e sua conseqüente
medição por meio do PIB, no entanto, mostrou-se insatisfatória, pois ficou claro que o aumento
do PIB de determinado país não resultava, necessariamente, em aumento na qualidade de vida
das famílias, ou seja, no acesso da população aos bens e serviços produzidos nesse país.
Dessa forma, a concepção de desenvolvimento dos primórdios das ONU sofreu mudanças na
década subseqüente, principalmente em virtude dos estudos realizados pelo ECOSOC e,
posteriormente, mais focados na realidade latino-americana, aqueles surgidos no seio da
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL)2.
Nali J. Souza (apud Gilberto Batista de Oliveira 2002) sintetiza o cerne da discussão
em torno do tema:
Souza (1993) aponta a existência de duas correntes de pensamento econômico sobre o tema. A primeira corrente encara o crescimento como sinônimo de desenvolvimento, enquanto na segunda crescimento é condição indispensável para o desenvolvimento, mas não é condição suficiente. Na primeira corrente estão os modelos de crescimento da tradição clássica e neoclássica, como os de Harrod e Domar. Já na segunda corrente estão os economistas de orientação crítica, formados na tradição marxista ou cepalina, que conceitua o crescimento como uma simples variação quantitativa do produto, enquanto desenvolvimento é caracterizado por mudanças qualitativas no modo de vida das pessoas, nas instituições e nas estruturas produtivas.
2 A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) foi criada em 25 de fevereiro de 1948, pelo Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), e tem sua sede em Santiago, Chile. A CEPAL é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU). Foi criada para monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho ampliou-se para os países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social e sustentável. (www,cepal,org)
6 São exemplos dessa última corrente os economistas Raul Prebisch e Celso Furtado. O desenvolvimento deve ser encarado como um processo complexo de mudanças e transformações de ordem econômica, política e, principalmente, humana e social. Desenvolvimento nada mais é que o crescimento – incrementos positivos no produto e na renda – transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser humano, tais como: saúde, educação habitação, transporte, alimentação, lazer, dentre outras.
A mudança progressiva em tais concepções resultou, também, na evolução dos
principais índices adotados pelas organizações internacionais e pelos Estados para aferir e
avaliar o desenvolvimento. A utilização do PIB, unicamente, embora útil para determinados fins,
pode camuflar a realidade social, por apresentar os números absolutos da riqueza de um país
sem levar em conta outros dados relevantes, tais como a população, a distribuição dessa
riqueza, dentre outros. Assim, países com o PIB semelhante podem apresentar diferenças
exorbitantes quanto ao tamanho da população e sua distribuição por atividades econômicas,
dentre outras, o que camuflaria a forma como a produção e distribuição dessas riquezas
afetam a vida das pessoas. Então, passou-se a utilizar, nas avaliações, o PIB per capita, que é
obtido pela divisão do PIB pela população de um país, de onde se obtém um valor médio por
habitante.
Embora esse índice permita um avanço na percepção da proporção de riquezas de
um país em relação à população, como toda média, camufla e oblitera as desigualdades na
distribuição de renda.
Assim, aliado aos índices acima (PIB e PIB per capita), utilizou-se, nas avaliações
das agências da ONU e dos Estados, para aferir o grau de desigualdade social, o índice ou
Coeficiente de Gini. Esse índice mede a concentração ou desigualdade de renda, e foi criado
pelo matemático italiano Conrado Gini, que o publicou no ano de 1912 dentro do documento
"Veriabilità e Mutabilità" (Em português: “variabilidade e mutabilidade”).
O coeficiente utilizado para realizar o cálculo da desigualdade na distribuição de
renda possibilita apontar a diferença entre rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. A
variância numérica vai de zero a um (0 a 1), entendendo-se que o zero corresponde à
igualdade plena de renda, e um corresponde à desigualdade completa. Este índice representou
considerável avanço não apenas na medição da desigualdade, mas no próprio fato de chamar
a atenção para a questão. Ainda assim, resultou insuficiente para informar e orientar
apropriadamente os governos e instituições a respeito da questão do desenvolvimento.
Um avanço na compreensão de desenvolvimento: a contribuição de Amartya Sen
O economista indiano Amartya Sen, nascido em 1933, vem prestando uma enorme
contribuição ao estudo do desenvolvimento. Em trabalhos que adquiriram grande notoriedade,
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tais como "Poverty and Famines" (1983), "On Ethics and Economics” (1991), "On Economic
Inequality",(1997); e Desenvolvimento como Liberdade (1999), Sen buscou compreender áreas
como crescimento econômico, economia do bem-estar, pobreza e desigualdade,
desenvolvimento econômico dentre outras. O reconhecimento de sua contribuição resultou na
obtenção, em 1998, do Prêmio Nobel de Economia. Tendo passado boa parte da sua vida no
país natal, Sen não ficou restrito ao conhecimento teórico e acadêmico da pobreza e da
desigualdade, mas a vivenciou amplamente, fato que, evidentemente, o influenciou na
percepção da realidade e na elaboração de sua obra.
Os trabalhos de Sen possuem forte influência do precursor do liberalismo econômico,
Adam Smith, e de John Maynard Keynes, economista que questionou algumas premissas
fundamentais daquela teoria. Talvez por isso consigam conciliar elementos importantes de
teorias e práticas tradicionalmente opostas, tais como, por um lado, a ênfase na liberdade
individual, na liberdade de escolha e na eficiência do mercado e, por outro, a responsabilidade
do Estado em promover as condições concretas ou substantivas para que todos os indivíduos
possam buscar, autonomamente, a realização e o bem estar pessoal, competindo em
condições mais equilibradas. Quando tais condições não são proporcionadas pelo
funcionamento “natural” da economia, cabe ao Estado interferir para que estas se materializem.
Mercado e Estado têm, portanto, um papel essencial, sendo complementares – e não
antagônicos – na promoção do desenvolvimento, e este demanda a remoção das principais
causas da privação de liberdade: “pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e
destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência
excessiva de Estados repressivos (1999, p. 18).. Mais adiante Sen acrescenta que é
improvável pensar em um desenvolvimento substancial que se faça sem “o uso muito amplo de
mercados, mas isso não exclui o papel do custeio social, da regulamentação pública ou da boa
condução dos negócios do Estado quando eles podem enriquecer – ao invés de empobrecer –
a vida humana” (idem p.22).
O desenvolvimento consiste, segundo esse autor, na eliminação das privações de
liberdades que venham a limitar as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer sua
condição de agente. Como formas de privação de liberdade, podem-se citar: as fomes
coletivas, a subnutrição, o pouco acesso aos serviços de saúde, a falta de saneamento básico
ou água tratada, a morbidez prematura, a negação de liberdades políticas e dos direitos civis
básicos, ausência de direitos e liberdades democráticas (idem).
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Segundo Sen, as liberdades essenciais, resumidas em cinco aspectos, a saber:
liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência
e segurança protetora, teriam um papel instrumental e substantivo, ou seja, elas seriam tanto
um fim quanto um meio do desenvolvimento e seriam também complementares, na medida em
que cada uma delas promove o acesso às outras, e estas se reforçam.
Das cinco liberdades acima mencionadas, duas interessam mais de perto a este
trabalho, pois envolvem mais diretamente as famílias fragilizadas e a ação do Estado em
relação às mesmas: a) as oportunidades sociais: a promoção da educação e da saúde evitam
o analfabetismo e a morbidez; e b) segurança protetora: disposições institucionais fixas, como
benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes,
distribuições de alimentos em crises de fome coletiva, evitam que a população afetada seja
reduzida à miséria ou levada à fome e à morte.
Quando o próprio funcionamento do mercado e das relações sociais não permite o
acesso a tais liberdades, cabe ao Estado proporcioná-lo. Assim, o programa brasileiro de
transferência de renda com condicionalidades, que será referido mais adiante, o Bolsa Família,
atua nesse sentido, pois suplementa a renda das famílias em situação de pobreza ou extrema
pobreza e o faz com a condição de que tais famílias promovam o acesso de seus filhos à
educação e à saúde públicas. Esse tema será tratado mais adiante.
Foi fundamental o avanço proporcionado por Amartya Sen à compreensão do
desenvolvimento ao inserir nas discussões acadêmicas e políticas e na agenda internacional,
sobretudo por meio da ONU (via PNUD), o conceito de desenvolvimento humano. Demonstra
isto a realização da Conferência das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável, a
Rio + 20, ocorrida no Rio de Janeiro em junho de 2012, que incluiu a questão do
desenvolvimento e da inclusão social na agenda da sustentabilidade, concebendo-as como
indissociáveis.
No entanto, além do conceito, foi de extrema importância prática avançar do âmbito
teórico para o âmbito da aferição, ainda que aproximada, dos níveis de desenvolvimento das
sociedades de cada país, o que foi feito, juntamente com o paquistanês Mahbub ul Haq, por
meio da criação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)3, Isto permitiu aos governos
3 Cabe esclarecer que o IDH, como disse seu próprio criador, Amartya Sen, não tem a pretensão de abarcar de
forma absoluta e definitiva a avaliação do desenvolvimento. Ele pode e deve ser aprimorado no sentido de incorporar novos elementos, como, por exemplo, indicadores de sustentabilidade ambiental e igualdade de gênero. Com efeito, esse aprimoramento vem acontecendo de fato, visto que, recentemente, em 2010, para evitar as distorções típicas das médias gerais, foi criado o IDHAD (IDH ajustado à desigualdade), e o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) e o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG). Esses índices, entretanto, não serão utilizados neste trabalho, tendo em vista ainda não existirem aferições dos mesmos e dados em quantidade significativa.
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conhecer melhor as realidades nacionais, regionais e locais para elaborar e direcionar com
mais eficiência as políticas públicas.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado em 1990 e usado desde 1993 nos
relatórios da ONU, é uma medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação
e expectativa de vida ao nascer. Na explicação do próprio PNUD:
O objetivo da criação do Índice de Desenvolvimento Humano foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. [...} o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, o IDH não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das pessoas, nem indica "o melhor lugar no mundo para se viver". Democracia, participação, equidade, sustentabilidade são outros dos muitos aspectos do desenvolvimento humano que não são contemplados no IDH. O IDH tem o grande mérito de sintetizar a compreensão do tema e ampliar e fomentar o debate. (PNUD, online).
Os aspectos levados em consideração são:
Atualmente, os três pilares que constituem o IDH (saúde, educação e renda) são mensurados da seguinte forma:
Uma vida longa e saudável (saúde) é medida pela expectativa de vida;
O acesso ao conhecimento (educação) é medido por: i) média de anos de educação de adultos, que é o número médio de anos de educação recebidos durante a vida por pessoas a partir de 25 anos; e ii) a expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar, que é o número total de anos de escolaridade que uma criança na idade de iniciar a vida escolar pode esperar receber se os padrões prevalecentes de taxas de matrículas específicas por idade permanecerem os mesmos durante a vida da criança;
E o padrão de vida (renda) é medido pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita expressa em poder de paridade de compra (PPP) constante, em dólar, tendo 2005 como ano de referência. (PNUD).
A variância numérica vai de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1 (desenvolvimento
humano total), sendo que, evidentemente, não é possível que nenhum país se situe nos
extremos absolutos (zero ou um).
O Brasil, no ano de 2011, apresentou o IDH de 0, 718, o que permite considerá-lo um
país de desenvolvimento entre médio e alto, mas não totalmente desenvolvido. No entanto, as
médias sempre obscurecem dados importantes, tais como as diferenças regionais.Se forem
observados os dados do IDH para diferentes regiões brasileiras, percebe-se nitidamente a
diversidade no acesso aos bens e serviços pelas famílias, com uma nítida clivagem Norte-Sul.
Felizmente, a observação de tais diferenças permitiu ao governo focalizar suas ações em
regiões com padrões mais críticos, como o Norte e o Nordeste.
O Brasil vem demonstrando um avanço constante no IDH, tendo passado, segundo
dados da própria ONU, de 0,549 em 1990, para 0,692 em 2005 e para 0,718 em 2011, o que o
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aloca na 84ª posição no mundo (undp.org/em/data/map). Conforme avaliação divulgada pela
ONU, tal evolução se decompõe da seguinte forma:
A série histórica do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para o Brasil revela uma retrospectiva positiva também a médio e a longo prazos. Entre 1980 e 2011, o valor do IDH subiu 31%, saltando de 0,549 para 0,718. Este desempenho foi puxado pelo aumento na expectativa de vida no país (11 anos no período), pela melhora na média de anos de escolaridade (4,6 anos a mais) e pelo crescimento também da renda nacional bruta (RNB) per capita (quase 40% entre 1980 e 2011). (onu.org.br/rdh)
O IDH, desde sua criação, no seio do PNUD, vem sendo utilizado pela ONU e pelos países que
a compõem como um referencial essencial ao direcionamento das ações governamentais.
Esse índice é a base de elaboração do RDH (relatório de desenvolvimento humano), publicado
anualmente por essa organização.
No Brasil, não apenas o IDH e os RDHs anuais são largamente utilizados pelo governo,
como serviram de referência para se criar um índice mais específico para as famílias: o IDF
(Índice de Desenvolvimento Familiar), como será visto adiante, e estabelecer metas para as
políticas públicas, como se detecta pela associação de várias dessas políticas aos Objetivos do
Milênio, estabelecidos pela ONU.
As políticas públicas brasileiras voltadas às famílias em situação de
vulnerabilidade na última década (2003-2012).
Tendo em vista o longo histórico de desigualdades sociais no Brasil, as várias esferas de
governo (municipal, estadual e federal) têm desempenhado, de alguma forma, um papel
constante na assistência às famílias desprovidas de recursos. Com maior ou menor
regularidade, com maior ou menor eficiência, utilizando-se de abordagens ora mais
assistencialistas ora mais participativas, o poder público no Brasil sempre assumiu uma parcela
de responsabilidade pela mitigação da miséria de famílias de baixa renda.
A exclusão e a desigualdade social no Brasil têm raízes na forma de colonização e na
adoção da escravidão como força de trabalho predominante. No entanto, desde o fim da
colonização e, posteriormente, da escravidão, o Estado pouco fez para reduzir esse traço
marcante da sociedade nacional.
Desde a década de 1930, diferentes governos adotaram políticas econômicas que
perseguem a modernização e a industrialização pela via da substituição de importações. Tal
opção, em que pesem os vários benefícios trazidos à economia brasileira, acabou por gerar o
efeito quase permanente da inflação, já que, na ausência de recursos próprios, vários governos
lançaram mão da emissão de moeda para financiar tais políticas. A inflação teve como
conseqüência social, ao longo de várias décadas, o empobrecimento de várias famílias,
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promovendo a exclusão. Além disso, a legislação social e as políticas públicas voltadas às
classes mais baixas sempre se dirigiram aos trabalhadores inseridos no mercado formal de
trabalho urbano, o que reforçou a exclusão social, ao longo do século XX, tanto da população
rural quanto da população urbana não inserida no mercado formal de trabalho.
À época do regime militar (1964-1985), as políticas voltadas à modernização e
industrialização da economia elevaram o Brasil à condição de oitava potência econômica
mundial, mas o custo social foi altíssimo, tendo em vista que a concentração de renda se
acentuou de forma drástica4.
A situação de extrema vulnerabilidade econômica do Brasil e dos países latino-
americanos na década de 1980, em razão da crise da dívida, resultou na dificuldade dos
governos em definir soberanamente suas políticas públicas, dentre elas, as políticas
assistenciais. Visto que o fundo público não era suficiente para financiá-las, verificou-se a
necessidade de recorrer a empréstimos de instituições internacionais como o FMI (Fundo
Monetário Internacional) e o Banco Mundial que impunham, em contrapartida, a adoção de
medidas de ajuste macroeconômico, como o receituário que ficou conhecido como Consenso
de Washington5, o que se refletiu enormemente na década seguinte.
Portanto, a década de 1990, no continente, caracterizou-se, em termos de políticas
públicas, pela adoção quase generalizada das teses liberais do referido “consenso”, tais como
a disciplina fiscal e a redução dos gastos públicos, o que afetou significativamente a destinação
de verbas públicas para políticas sociais.
No entanto, antes do fim dessa década, percebeu-se que tais medidas, embora
eficientes em alguns países e em alguns aspectos no sentido de promover crescimento
econômico, pouco efeito, ou mesmo efeitos negativos, apresentavam no que se referia à
redução da pobreza e à mitigação das desigualdades sociais. Conforme bem resume Tatiana
Oliveira:
4 Em 1960, antes do regime militar, portanto, o Coeficiente de Gini, no Brasil, era de 0,537. Ao longo do regime militar, terminado em 1985, esse índice subiu para 0,5828 em 1970, para 0,590 em 1979, e atingiu seu pico em 1989 (0,637) e 1990 (0,609), quando começou a cair, atingindo 0,53 em 2010, e 0,527, em 2011,retornando, portanto, aos patamares anteriores ao regime instaurado em 1964.Fonte: IPEA.ipeadata. www.ipea.gov.br. Acesso em 20/02/2011.
5 Consenso de Washington: termo cunhado por John Williamson para designar o conjunto de medidas de ajustes
macroeconômicos traçadas após reuniões dos membros do BIRD, FMI e do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos, em novembro de 1989. As medidas buscavam orientar os governos a realizarem reformas de caráter neoliberal. Dez recomendações resultaram do consenso e posteriormente foram incorporadas às exigências para empréstimos do Fundo Monetário Internacional, a saber: Disciplina fiscal, Redução dos gastos públicos, Reforma tributária, Juros de mercado, Câmbio de mercado, Abertura comercial, Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições, Privatização das estatais, Desregulamentação de legislação econômica e trabalhista, Direito à propriedade intelectual.
12 A tese do Estado mínimo, segundo a qual o mercado constitui um mecanismo para a eficiência alocativa de recursos, rejeitando, portanto, a intervenção governamental na economia, se eficaz nos países do norte desenvolvido, encontra fortes desafios no sul em desenvolvimento. Isto porque, ao contrário do pensamento liberal, de forma geral, nesta região do planeta, a assimetria de oportunidades é regra, não exceção. Nestes casos, onde há ausência de uma estrutura social igualitária, a não interferência do governo na tentativa de reparar tais desigualdades, acaba no mais das vezes, por reforçá-las. O mesmo acontece com os programas de auxílio à pobreza que se negam a reconhecer as necessidades de grupos específicos, sob o argumento de que uma política focalizada provocaria discriminação e distorções de mercado. (OLIVEIRA, s.d.)
As seguidas crises econômicas da década de 1980 e o recuo do Estado da assistência
social na década seguinte acentuaram enormemente a vulnerabilidade das famílias de baixa
renda, contribuindo para a desestruturação familiar e “repercutindo diretamente e de forma vil
nos mais vulneráveis desse grupo: os filhos, (...), se vêem ameaçados e violados em seus
direitos fundamentais” como sintetizam Gomes e Pereira (2005, p. 4):
É interessante observar que organizações e agências internacionais do sistema das
Nações Unidas apresentavam, nesse momento, visões muito distintas sobre o
desenvolvimento. Enquanto o FMI e o Banco Mundial se apegavam à ortodoxia liberal, o
ECOSOC, por meio do PNUD, embasava suas proposições na teoria do desenvolvimento
humano. O poder econômico das primeiras fez com que prevalecessem, nos primeiros anos da
década de 1990, suas posições. Percebe-se, nesse caso, que no seio do mesmo sistema,
convivem e disputam a hegemonia concepções divergentes, havendo, portanto, espaço para a
pluralidade e para o dissenso.
Ainda durante a década de 1990, no Brasil, desviando-se um pouco da ortodoxia liberal,
o governo de Itamar Franco promulgou a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS, Lei n.
8742/1993), que, já em seu artigo 1º, atribui ao Estado o dever de prestar assistência social:
“Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade
Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às
necessidades básicas” (BRASIL, 1993). E, No artigo 5º, III, reforça essa idéia ao afirmar a
“primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em
cada esfera de governo” (idem).
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) implantou algumas políticas de
assistência social bem sucedidas, como o “vale-gás” e o “bolsa escola”, que foram aprimoradas
pelos governos posteriores. Além disso, o fim da espiral inflacionária, provocado pelo Plano
Real, teve efeitos redistributivos de grande importância na redução da pobreza e da
desigualdade social no Brasil. Além disso, a opção por uma política externa denominada
13
“Autonomia pela Integração”, que se caracterizava pela participação mais ativa nos
organismos e regimes internacionais, abriu espaço a um maior diálogo e mesmo à
aquiescência de várias recomendações deles oriundas.
Outro aspecto significativo nesse período foi que as próprias instituições internacionais,
na década de 1990, passam a recomendar que a família (e não os indivíduos) fosse eleita
como principal destinatária dos programas e políticas públicas de assistência social.
Não é objeto deste estudo o histórico das políticas sociais governamentais no Brasil,
mas apenas investigar, na última década (2003-2012), em que medida as recomendações e
concepções presentes nas organizações internacionais, sobretudo na ONU, estiveram
presentes ou influenciaram tais políticas, sobretudo aquelas voltadas às famílias.
O programa Bolsa-Família
Dentre as políticas públicas voltadas às famílias de baixa renda na última década, amplo
destaque se dá ao Programa Bolsa Família, visto que sua influência transcendeu a esfera
nacional, passou a servir de exemplo para governos de outros países que apresentam
problemas semelhantes e vem sendo elogiado por vários organismos internacionais6.
Este programa foi instituído em 2004, no início do segundo ano do governo de Luís
Inácio Lula da Silva, pela lei 10.836/2004, e se caracteriza como um programa de transferência
de renda com condicionalidades.
Criado pelo governo federal, o programa articula, em todas as fases de sua execução e
avaliação, as esferas federal, estadual e municipal. Conforme definição do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), órgão do Executivo Federal brasileiro
encarregado do programa:
O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), que tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. (www.mds.gov.br)7
A definição de família presente na lei que institui o programa não se apresenta de forma
rígida ou tradicional, e parece incorporar a evolução da sociedade nas últimas décadas no que
se refere ao desenho familiar: “§ 1o Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: I - família,
6 Várias notícias atestando o apoio e o reconhecimento do programa foram veiculadas nos meios de comunicação. Destaca-se a declaração do diretor do Banco Mundial no Brasil, publicada no site G1, pertencente à Rede Globo: “ ‘Desde 2003, o país fez progressos significativos na redução da pobreza, da desigualdade e para melhorar as oportunidades de desenvolvimento de sua população vulnerável’, disse o diretor do Banco Mundial para o Brasil, Makhtar Diop” (publicado em 17/09/2010). O Banco Mundial aportou ao BF, nessa ocasião, U$ 200 milhões, além dos U$ 572 milhões aportados em 2004, no início do programa. 7 Os valores da renda das famílias elegíveis são atualizados periodicamente e passaram de R$ 50,00 em 2004 para R$ 60,00 em 2006 e chegaram a R$ 70,00 em 2009, valor atual (2012).
14
a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam
laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo
teto e que se mantém pela contribuição de seus membros” (BRASIL, 2004).
O foco desse programa são as famílias que se situam, conforme definições prévias8,
nas faixas da pobreza e extrema pobreza, e sua operacionalização exigiu a elaboração de um
instrumento para cadastrar tais famílias. Trata-se do Cadastro Único para Programas Sociais
do Governo Federal, ”um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda,
entendidas como aquelas que têm renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou
renda mensal total de até três salários mínimos. (www.mds.gov.br)
Esse programa procura não se limitar ao alívio imediato da pobreza, mas tem como
objetivo romper a perpetuação da falta de oportunidades aos membros das famílias pobres por
meio da imposição de condicionalidades, quais sejam, a promoção do acesso das crianças à
educação básica e à saúde e o acompanhamento das gestantes no período pré e pós-natal.
O Bolsa Família possui três eixos principais focados na transferência de renda, condicionalidades e ações e programas complementares. A transferência de renda promove o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Já as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade (www.mds.gov.br)
Decorridos cerca de oito anos de sua implantação (2004 a 2012), não se podem ainda
avaliar todas as conseqüências de longo e médio prazo, mas já é possível avaliar alguns de
seus resultados, bem como tecer algumas críticas e apontar correções de rumo, o que,
efetivamente, vem sendo feito pela comunidade acadêmica e pelo próprio poder público.
Um fator de grande relevo é a amplitude do programa. Em fevereiro de 2011, foi
divulgado que Bolsa Família atingiu 12,9 milhões de famílias (cerca de 50,6 milhões de
pessoas) (www.mds.gov.br) Isto representa por volta de 26% da população brasileira.
Em trabalho que analisa vários estudos sobre os resultados desse programa de
transferência de renda, André Portela de Souza (in BACHA e SCHWARTZMAN, 2011) aponta
como aspecto positivo primeiramente o alto grau de focalização do programa, ou seja, ele
consegue, de fato, atingir as famílias pobres e extremamente pobres em um percentual
elevado, de forma a não dispersar recursos com um público alvo inadequado (famílias fora
dessas faixas) e a não deixar de fora do programa famílias necessitadas. Em segundo lugar,
houve um considerável impacto de curto prazo sobre a pobreza e a desigualdade, o que se
8 Segundo o Decreto nº 6.917/2009, que regulamenta aspectos da Lei nº 10.836, o foco em particular se dá em dois tipos de famílias: famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, caracterizadas pela renda familiar mensal per capita de até R$ 140,00 e R$ 70,00, respectivamente.
15
refletiu tanto na redução proporcional do número de pobres quanto na intensidade da
pobreza (p. 175). Conforme o autor:
(...) a presença do BF reduz a proporção de pobres de 21,7% para 20%, uma redução de 8% dos pobres. Já a intensidade da pobreza passa de 9,4% para 7,8%. Ou seja, a renda média dos pobres passa a ser 92,2% da linha da pobreza, o que corresponde a uma redução de 18% do hiato (...).(p. 177-8).
Portela aponta também outros estudos que avaliam o período entre 2001 e 2008 e que
apresentam conclusões semelhantes no que se refere à redução da pobreza Segundo ele, tais
estudos levaram a concluir que:
(...) há uma redução consistente ano a ano da desigualdade e da pobreza no Brasil. Em relação à desigualdade, o coeficiente de Gini passa de 0,594 em 2001 para 0,544 em 2008, um declínio de 8,4%. Embora o nível de desigualdade permaneça muito alto, essa redução observada é significativa, haja vista o fato de o Gini ser pouco sensível à variação das rendas dos mais pobres. Por sua vez, a extrema pobreza também declinou ao longo do período. (...). Para se ter uma idéia da magnitude dessa queda, ela corresponde a ter alcançado em cinco anos a meta para redução da extrema pobreza no Brasil estabelecida pelos objetivos do milênio da ONU que deveria ser alcançada em 25 anos (idem, p. 176).
Não se quer aqui afirmar que toda essa redução da desigualdade decorreu do programa
de transferência de renda, mas este teve, como demonstram vários estudos, um grande
impacto em tais resultados. No que diz respeito à educação infantil, Portela afirma que foi
verificado um impacto positivo tanto no que se refere à freqüência das crianças à escola quanto
na diminuição do atraso escolar. Entretanto, alerta para o fato de que tais ganhos foram ainda
bem pequenos (p. 177). No que se refere ao impacto do BF sobre a saúde das crianças, esse
autor afirma que os estudos por ele analisados não permitiram aferir diferenças significativas
entre as famílias beneficiárias e não beneficiárias.
É possível argumentar que o tempo decorrido de implantação do BF ainda é reduzido
para possibilitar estudos conclusivos. Ainda assim, apenas resultados positivos ou neutros (e
não negativos) foram apontados até o momento.
As influências das instituições do sistema das Nações Unidas nas concepções
que norteiam o programa Bolsa-Família
Como membro originário, o Brasil sempre se mostrou presente na discussão e
elaboração de propostas a respeito do desenvolvimento no seio da ONU. O País não figura
apenas como membro passivo, ou seja, “recebedor” da cooperação, mas ao mesmo tempo
influencia e é influenciado por suas concepções, assim como vem migrando, cada vez mais, do
papel de recebedor para o papel de promotor da cooperação (sobretudo com países da África
e da América do Sul)9. Assim, ao se identificar e se apontar as influências dos elementos
9 O próprio Banco Mundial afirma que “O Brasil passou de país receptor de cooperação para o desenvolvimento a promotor e exportador desses conhecimentos (...)” (worldbank, online); Também Lopes (2008) demonstra esse
processo de mudança do papel do Brasil na cooperação internacional..
16
oriundos das agências e programas das Nações Unidas no programa de transferência de
renda brasileiro, não se pretende, neste trabalho, afirmar que tal relação ocorreu de forma
unidirecional, no sentido ONU – Brasil, mas que é um reflexo da dinâmica de interação teórica
e prática entre esses dois atores internacionais.
Primeiramente, e de forma geral, a própria concepção de desenvolvimento humano que
busca não apenas o aumento do PIB, mas a melhoria de vida das pessoas já é visível em
programas de transferência de renda, visto que esses não impactam direta e imediatamente no
aumento do PIB, mas sim na melhoria de vida das famílias atendidas. A adoção do índice
proposto pelo PNUD (o IDH) e a criação, com base neste, do IDF pelo governo brasileiro, já
demonstra a afinidade de concepções. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS) define o IDF “um indicador sintético que mede o grau de desenvolvimento das
famílias, possibilitando apurar o grau de vulnerabilidade de cada família do CADÚNICO [...], e
varia entre 0 e 1 “(www.mdf.gov.br).
Tendo a família como alvo do programa, o MDS explicita a construção desse índice: “A
unidade de análise do IDF é a família e não o indivíduo. No entanto, o indicador de cada família
se constrói a partir dos dados pessoais de seus integrantes” (ibidem). Assim, de forma a
contemplar várias dimensões da pobreza e como elas afetam o desenvolvimento dos
indivíduos de um núcleo familiar, elaborou-se o IDF a partir de seis aspectos quais sejam:
”vulnerabilidade; acesso ao conhecimento; acesso ao trabalho; disponibilidade de recursos;
desenvolvimento infantil e condições habitacionais (ibidem)
Mas, além da concepção geral de desenvolvimento humano e do índice que lhe é próprio
(IDH), outros aspectos mais específicos podem ser encontrados.A idéia de que os indivíduos
devem ser livres e autônomos nas suas escolhas e na busca do bem estar de sua família se
materializa na distribuição dos cartões magnéticos com os quais é permitido o acesso ao
mercado, à escolha dos bens que se deseja comprar (a liberdade substantiva para comprar
alimentos e evitar a privação, ou seja, a fome). Na própria lei que regulamenta o Bolsa-Família
está estabelecida essa forma: “§ 11. Os benefícios a que se referem os incisos I e II do caput
serão pagos, mensalmente, por meio de cartão magnético bancário, fornecido pela Caixa
Econômica Federal, com a respectiva identificação do responsável mediante o Número de
Identificação Social - NIS, de uso do Governo Federal”.(BRASIL. Lei 10.836/2004)
Diferentemente de políticas assistenciais anteriores, não se distribuem produtos, como
cestas básicas, remédios, alimentos ou cobertores, produtos esses necessários, mas
fortemente sujeitos a manipulação e mau uso, como o uso clientelístico (distribuir cestas
básicas em troca de votos) ou a deterioração em armazéns públicos, por falta de cuidado. Além
17
disso, a distribuição de produtos e serviços parte de uma concepção tuteladora, na qual o
sujeito não tem autonomia para definir suas necessidades, pois elas já vêm definidas pelo
Estado.
Um terceiro aspecto, a escolha da mulher como principal destinatária dos benefícios do
Bolsa- Família10, demonstra algo que Amartya Sen já apontava em seus estudos: o papel da
mulher como agente emancipadora da família e da sociedade, tendo em vista, de forma geral,
seu maior envolvimento e compromisso com o bem estar familiar. Conforme vários estudos
analisados por esse autor, o aumento do poder das mulheres nas famílias e na sociedade, o
que pode ocorrer pela educação, pela alfabetização e, como é o caso aqui estudado, pelo
acesso à renda familiar, contribui decisivamente para reduzir a taxa de mortalidade e aumentar
o bem-estar das crianças (1999, p. 227). Quando a mulher tem um poder maior de influir nas
decisões intrafamiliares, dentre elas a destinação dos recursos disponíveis, ocorre, segundo o
autor, mais cuidado com a saúde e a educação das crianças. Além do papel intrafamiliar, o
empoderamento das mulheres contribui para “influenciar a natureza da discussão pública sobre
diversos temas sociais (...)” (p. 225), o que certamente ajuda a promover o desenvolvimento
humano.
Há que se ressaltar ainda o fato de que a transferência de renda pelo Bolsa Família se
faz mediante condicionalidades, quais sejam, a freqüência escolar e a manutenção da
vacinação das crianças e adolescentes, o que contribui, significativamente, para permitir o
acesso das novas gerações a, pelo menos, uma das liberdades instrumentais essenciais ao
pensamento do economista indiano, que a denomina “oportunidades sociais”. Obviamente, o
acesso à educação e aos serviços de saúde evita o analfabetismo e a morbidez, facilita o
acesso às demais liberdades instrumentais e permite a redução da transmissão intergeracional
das privações (desnutrição, morbidez evitável, falta de acesso à educação). Ainda que seja
legítimo levantar a crítica de que a existência de tais condicionalidades não significa que sejam
oferecidos pelo Estado serviços de saúde e educação de qualidade, a oferta é um primeiro
passo no caminho da inclusão social. Com efeito, estudos apontam que o Brasil conseguiu o
êxito de praticamente universalizar o acesso à educação básica, mas o aumento da quantidade
não foi acompanhado, de forma alguma, do aumento da qualidade do ensino oferecido
(VELOSO, in BACHA e SCHWARTZMAN, 2011).
Denota ainda estreita relação entre o governo brasileiro e as organizações internacionais
do sistema ONU, o comprometimento daquele com as metas estabelecidas por estas na
definição dos denominados “Objetivos do Milênio” (ODM).Em setembro de 2000,
representantes de 191 estados membros assinaram a Declaração do Milênio das Nações
10 Conforme a Lei 10.836, “ § 14. O pagamento dos benefícios previstos nesta Lei será feito preferencialmente à
mulher,na forma do regulamento” (BRASIL, Lei 10.836/2004).
18
Unidas, que contem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A partir da análise dos
principais problemas mundiais, e tendo como referencial os vários tratados e convenções
internacionais já existentes, tratados esses resultantes das conferências mundiais promovidas
pela ONU ao longo da década de 1990*, esse documento fixa um conjunto de compromissos
concretos dos Estados, com prazos definidos, indicadores estabelecidos, para alcançar o
desenvolvimento humano das populações mais necessitadas.
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio alcançam vários aspectos da vida social, a
saber: a) acabar com a fome e a miséria; b) educação básica de qualidade para todos;
c)igualdade entre sexos e valorização da mulher; d) reduzir a mortalidade infantil; e) melhorar a
saúde das gestantes; f) combater a malária, a aids e outras doenças; g) qualidade de vida e
respeito ao meio ambiente; h) todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento(www.onu.org.br).
Esses objetivos se dividem em metas mais específicas (dezoito) e quantificáveis (devem
ser monitoradas de acordo com quarenta e oito indicadores). O programa Bolsa Família se
insere no conjunto de iniciativas do governo brasileiro no sentido de atingir tais metas, visto que
se relaciona diretamente a, pelo menos, cinco desses objetivos (do primeiro ao quinto) e a
várias de suas metas. Nos próprios sítios eletrônicos dos órgãos do governo federal há
explícita menção a esses objetivos.
Por fim, há que se registrar que é possível identificar a relação íntima entre as políticas
públicas assistenciais do governo brasileiro e os organismos internacionais do sistema das
Nações Unidas pelo fato de que vários desses, como o Banco Mundial e o PNUD, não apenas
vêm elogiando e apontando o Bolsa Família como um exemplo para outros países, como
também financiando parte dos investimentos a ele destinados, conforme se viu.
Considerações finais
As políticas públicas do governo federal brasileiro com vistas ao desenvolvimento
nacional e, especificamente, à redução da pobreza e da desigualdade social, por meio da
transferência direta de renda, não surgiram de repente. Ao contrário, vêm de um vasto histórico
de evolução e mudanças nas relações entre o Estado e a sociedade civil (que oscilam entre
políticas mais ou menos intervencionistas, mais ou menos democráticas, conforme o período
que se analisa), bem como de mudanças no cenário das relações internacionais, que passou
por um redimensionamento da concepção de soberania, resultando em menor autonomia dos
Estados na elaboração de suas políticas públicas e maior influência das instituições e regimes
internacionais sobre os mesmos.
19
As relações internacionais contribuem com seu arcabouço teórico para que sejam
compreendidas as estruturas internacionais do poder, dentre elas, as organizações
internacionais. Essas buscam, dentro das competências estabelecidas pelos Estados
membros, cumprir suas funções não apenas de zelar pela paz e segurança internacional, mas
também de influenciar e cooperar com os Estados para que adotem políticas com vistas ao
desenvolvimento, seja de uma cidade, de uma região ou de um país.
A atuação dos Estados e das organizações internacionais, dentre elas a ONU, não
se faz no vazio de valores e idéias. Ao contrário, é permeada por conceitos, ideologias e
concepções a respeito da economia, do sistema internacional e do desenvolvimento. Ideologias
hegemônicas (como o liberalismo) estruturaram tais organismos e são por eles difundidas. No
entanto, ao contrário do que afirmam teóricos realistas, que vêem as OIGs apenas como mais
um espaço de poder para os países hegemônicos, no seio das mesmas há espaço para a
pluralidade e o conflito, de modo que se gestem e se difundam concepções divergentes,
quando não contra-hegemômicas, em um movimento dialético de oposição entre idéias que
leva ao surgimento de sínteses criativas. Dessa forma, do embate entre concepções liberais
(como a que identifica desenvolvimento com crescimento econômico e aquelas presentes no
“Consenso de Washington”) e concepções que pregam a maior intervenção estatal na
economia (desenvolvimentismo) ou a criação de uma Nova Ordem Econômica Internacional
(típica dos anos 1970), surgiram pensamentos criativos, com viés mais pragmático que
ideológico, que contribuíram para a compreensão do desenvolvimento. É o caso do
pensamento de Amartya Sen.
Assim, estudos econômicos e sociais de diversos pensadores ao longo do tempo,
inclusive aqueles promovidos por essas instituições (vide PNUD e CEPAL, na ONU),
contribuíram na luta para a diminuição da pobreza e da fome e para a promoção do bem estar
das populações. Como se viu, a idéia de desenvolvimento passou, no seio das Nações Unidas,
por várias mudanças. De uma noção que associava desenvolvimento simplesmente ao
crescimento econômico (aferida pelo aumento do PIB), sendo este obtido, sobretudo, pela
alocação de recursos do setor agrícola para o setor industrial, a uma percepção de que o
tamanho da população era também um dado relevante para se analisar o grau de
desenvolvimento (medido pelo PIB per capita) já se verifica uma evolução. No entanto, foi
necessário ainda percorrer um longo caminho para se perceber que as desigualdades na
distribuição de renda (demonstradas pelo índice Gini) eram um obstáculo ao verdadeiro
desenvolvimento. As receitas liberais, que pregavam o Estado mínimo e a conseqüente não
intervenção na economia e nas forças sociais, expressas no denominado “Consenso de
Washington” , na década de 1990, tampouco se mostraram eficientes na redução da pobreza e
20
na melhoria da qualidade de vida das populações dos países mais pobres. O livre jogo das
forças de mercado, tanto no âmbito interno quanto no internacional, expresso pela
globalização, embora tenha promovido crescimento econômico em alguns países, acabou por
aumentar, em muitos outros, as desigualdades entre as classes e as regiões. As próprias
instituições internacionais que promoveram (ou até mesmo impuseram) o referido “consenso”,
depois reconheceram suas limitações.
A percepção de que o desenvolvimento só faria sentido se realmente significasse a
melhoria de vida e do bem estar de cada ser humano no planeta foi um avanço significativo. E
este desenvolvimento deveria conjugar tanto elementos liberais (presentes na valorização da
liberdade como uma necessidade essencial ao ser humano) quanto intervencionistas
(perceptíveis na ação do Estado como agente promotor das liberdades substantivas). Tal
percepção, fortemente influenciada pelo economista e filósofo indiano Amartya Sen, criador do
conceito de desenvolvimento humano (sintetizado pelo IDH, elaborado por Sen e Mahbuq) foi
prontamente adotada pelas Nações Unidas (e, obviamente, pelo PNUD) e influenciou seus
estados membros, sobretudo os países em desenvolvimento.
No Brasil, ficou clara a influência da concepção acima na implantação, pelo governo
federal, do programa Bolsa Família, sobretudo no que se refere aos seguintes aspectos: a) a
adoção, pelo governo, de outro índice sintético inspirado no IDH, o IDF (Índice de
Desenvolvimento Familiar), que permitiu aprofundar a aferição do desenvolvimento humano no
seio das famílias; b) o recebimento de dinheiro e não mais de benefícios diretos (como cestas
básicas), proporcionando maior liberdade de escolha e adequação às necessidades
específicas de cada família c) a mulher como receptora primária do benefício, tendo em vista
os estudos que apontavam o empoderamento das mães como fator de redução da mortalidade
infantil e de aumento do bem estar familiar; d) a atuação do estado para promover a liberdade
substantiva – acabar com a fome, doenças evitáveis, pobreza, promover educação das
crianças; e) o compromisso do governo brasileiro com os ODM (Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio), propostos pela ONU. No entanto, não se pretende afirmar que há uma imposição
unidirecional de tais políticas pelos organismos internacionais, mas que esses se constituem
em um espaço plural de permanente disputa entre concepções e ideologias hegemônicas e
contra-hegemônicas, espaço onde o Brasil se insere não como membro passivo, receptor de
recomendações, mas também como ente que propõe, questiona e reflete sobre tais
concepções.
A redução das desigualdades sociais entre os países, as populações, os gêneros e
as regiões, a melhoria na qualidade de vida das famílias, a redução das doenças e da
mortalidade infantil e a melhoria da educação são atualmente objetivos tão importantes, dentro
21
da ONU, quanto a manutenção da segurança internacional. Esta, por meio de seus estudos
e orientações, consegue, em geral, avançar rumo a resultados satisfatórios quando as
recomendações são seguidas por entes estatais, os influenciando, mas também os
estimulando a desenvolverem estudos próprios de como atingir esses objetivos. Este estudo
aponta a necessidade de se continuar e aprofundar as pesquisas a respeito da eficiência de
tais programas, de forma a aperfeiçoá-los permanentemente.
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