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Preâmbulo

"Em boa verdade, mercê do poder prodigioso do microscópio, Anímula aparecia-me à

escala humana. Em vez de ter o aspecto repugnante das criaturas rudimentares facilmente

observáveis, que vivem, lutam e morrem nas partículas duma gota de água, era loura e

delicada de uma beleza sobrenatural. Mas de que valia tudo isso? Cada vez que tirava os

olhos do instrumento, eles iam fixar-se numa pobre gota de água e a minha única satisfação

era saber que ela encerrava tudo o que pode dar felicidade à minha existência"1

Porque falamos de imagens e contudo as imagens também são corpo, sem dúvida

um corpo fantasma (como no caso da fotografia) mas também um corpo matéria,

telúrico (caso da pintura).

A imagem da coisa não é portanto desligada da coisa, uma imagem não é

indissociável do objecto, nem consegue desprender-se dele. As imagens possuem

as qualidades das coisas reais. Apesar disso temos tendência a inverter os papéis

declarando que são as coisas reais que tem os atributos de uma imagem. Quando a

realidade nos aparece absurda ou burlesca dizemos que ‘parece um filme’.

Possivelmente essa inversão tem a ver, como refere Susan Sontag, com uma

reacção "às formas como a noção de real progressivamente se complicou e debilitou

através de uma crítica à realidade como fachada reduzindo vastas zonas do que era

até então considerado real a mera fantasia (...) ou elevar detalhes triviais e fortuitos

do quotidiano à importância de chave para compreensão de forças históricas e

psicológicas ocultas (…) que são formas de perceber a realidade como uma

imagem"2

A substituição da tradição da oralidade vencida pelo domínio da imagem, daquilo que

é puramente visual operou uma mudança ao nível dos sentidos: Da audição para a

vista, do sonoro para o visual. O que a escrita, sobretudo após a invenção da

1 O'Brien, F. J. "A Lente de Diamante" Lisboa 1981, p.50. 2 Sontag, S. “Ensaios sobre Fotografia”, Lisboa, 1986, p.141.

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imprensa acelerou foi essa predominância da visão em relação a outros sentidos. A

concretização daquilo que é dito, ouvido ou pensado numa simbólica descritiva ou

expressiva marca o tempo e o lugar, estabelece limites e parece apoiar-se no peso

da sua aparente irreversabilidade.

É verdade que a imagem fotográfica tem uma aura especial. Ela tenta possuir o

objecto, quer agarrá-lo, paralisá-lo naquele instante e, nesse sentido, assemelha-se

ao carácter mágico das pinturas primitivas.

É curioso que tanto Virilio como Merleu-Ponty citam uma mesma frase de Rodin:

"C'est l'artiste qui est véridique et c'est la photo qui est menteuse, car, dans la réalité,

le temps ne s'arrête pas."3

Ver o mundo não é somente vê-lo diante dos olhos. O conhecimento vem de fora

para dentro mas também no sentido inverso. O conhecimento que fica dentro (o da

memória) facilmente se conceptualiza e dá lugar a um logos.

A memória como conjunto de imagens mentais organizadas (numa sequência não

necessariamente cronológica) também vê. "Podemos considerar qualquer corpo

como um espírito instantâneo se bem que privado de memória" contudo é a duração,

a memória que ilumina o olhar, "o verdadeiro espírito é a memória e anamese, tempo

contínuo. No entanto, esta memória permanece local, limitada a um ponto de vista

(…)."4

"Só se vê aquilo para que se olha (…) tudo o que vejo está, por princípio, ao meu

alcance, pelo menos ao alcance do meu olhar"5. Perceber é já a acção do corpo no

mundo e é através dessa praxis corpórea que constituímos o nosso espaço

existencial. Numa outra perspectiva Bertilon, denunciando as limitações do olho

humano e a sua subjectividade utiliza mais ou menos as mesmas palavras: "Só

vemos aquilo que olhamos e só olhamos aquilo que queremos ver"6 o que implica

que a leitura do objecto possa ter mais a ver com a projecção daquilo que queremos

ver, do que com aquilo que de facto é. Mas o que é a realidade? Já Cézanne se

3 Merleau-Ponty, M. "L'0eil et l'Esprit", Paris, 1992, p.80. 4 Leibniz in Lyotard, Jean François “O Inumano” Lisboa, 1997 2º edição, p.48. 5 Ver Merleau-Ponty, M. "l´oeil et l'Esprit", Paris, 1992 6 Ver Virilio, P. "The Vision Machine", Londres, 1994.

3

interrogava: "Que há de comum (…) entre um pinheiro tal como me aparece e um

pinheiro tal como é na realidade?"7 O real existe sem testemunhas?

No olhar desligado de uma conceptualização, no ver sem opinião, o conhecimento-

instante (sem o lastro da memória) dissocia-se do conhecimento-experiência. A

consciência do eu manifesta-se na experiência concreta e modificadora de cada

momento que passa. O que em cada momento está dentro do olho é o que o olho

em cada momento é, ser (ver) é apreender e ser apreendido.

Esta teoria rejeita o modo de ver intelectualizado que associa e interpreta à priori,

para favorecer uma visão que dissocia "forma perspectiva e actos, significando a

instabilidade e multiplicidade do ser real no mundo."8

A visão cubista do real funda-se nessa descrença de uma objectividade, o sujeito,

liberto do desejo conceptual de interpretar, não procura objectivar através do logos,

não procura apropriar-se abstractamente do objecto, mas pelo contrário deixar-se

penetrar por ele.

Numa outra perspectiva enquadram-se a produção que vai desde a fotografia

instrumental ao cinema que Virilio designa "sem ponto de vista".

No filme do alemão Michael Klier a intervenção do cineasta limita-se à montagem de

imagens captadas por câmaras de vigilância automática em aeroportos estradas e

supermercados. Segundo Virilio com a interceptação do olhar por um “mecanismo de

visão” o processo que emerge já não tem nada a ver com simulação (como nas artes

tradicionais) mas com substituição

Quanto a wiseman, cineasta documentarista das instituições (microcosmos sociais)

norte-americanas, a objectividade não existe: "Há sempre escolhas que são feitas.

Poderíamos filmar para sempre com 360 câmaras, de 360 ângulos, e não seria mais

objectivo do que uma câmara isolada a filmar durante dois dias"9

Pondo o ênfase no domínio das escolhas que são sempre feitas (e uma montagem é

uma selecção logo implica exclusões) a substituição que Virilio preconiza não é tão

efectiva, mas coloca o cineasta numa posição de alguma maneira extrínseca ao

processo: focalizando o seu olhar nas imagens que a máquina ‘olhou’, não são as

7 Ver Merleau-Ponty, M. "l´oeil et l'Esprit", Paris, 1992 8 Pimenta, Alberto “O Silêncio dos Poetas” Lisboa, 1978, p.128. 9 In revista do Expresso entrevista por João Lopes, p.60.

4

coisas que o impressionam mas sim o modo como aparecem através de outrém, da

‘visão da máquina’. Ora é nesta inversão que reside a alteração; a intenção das

imagens não é dirigida no momento de filmagem (já que não é o realizador que filma,

que olha) e só pode ser direccionada, à posteriori no momento de montagem.

Na opinião de Rosselini "o realizador deve juntar o maior número de factos possíveis

de modo a criar uma imagem total: ele deve filmar friamente para que todos sejam

iguais perante a imagem"10

A democratização da imagem é inteiramente justificável numa lógica capitalista: "uma

sociedade torna-se ‘moderna’ quando uma das suas principais actividades é produzir

e consumir imagens."11 Necessita para isso não só de uma vasta produção de

imagens como também lhe é favorável, do ponto de vista da eficácia, que a imagem

deixe de ser "solitária (subjectiva, elitista, artesanal ) e passe a ser solidária

(objectiva, democrática, industrial )."12

Para que todos sejamos iguais perante a imagem ela deve perder a sua unicidade, o

seu único objectivo deve ser o da emancipação que, segundo Adam Smith é a única

"justificação aceitável para a expansão e inovação sem limites do capitalismo."

É suposto que nessa anulação do ponto de vista, na negação de um topos particular

referente a uma espacialidade, o confronto imagem do objecto/ objecto real se

esfume na afirmação de uma objectividade que terá como efeito a ‘verdade’ da

imagem.

O conhecer desafectado, sem envolvimento socorre-se de uma distância que

podendo ser constituída por uma intelectualização crescente do processo, vai mais

longe e remete para o automatismo ‘objectivo’ da máquina a função de captação de

dados do real.

O meu corpo já não é o meu ponto de vista sobre o mundo, a ele se substitui a

máquina de visão "comandada por um computador que tem a responsabilidade de

fornecer à máquina a capacidade de analisar o ambiente e automaticamente

interpretar o significado do evento".

10 Virilio, P. “The Vision Machine” Londres, 1994. 11 Sontag, S. “Ensaios sobre Fotografia” Lisboa, 1986 12 Paul Strand in “The Vision Machine” Londres, 1994

5

Se assim não acontecer apenas resta ao espectador o esforço de descodificação, se

essas imagens (da máquina de visão) não tem intenção subjacente, o signo só

poderá existir na medida em que o sujeito lho atribuir convocando para isso a

memória, a sua colecção pessoal de imagens mentais, caso contrário terá

simplesmente desistido de decifrar e fica só com as imagens.

Neste contexto de esvaziamento de significados a visão do artista não é mais que um

processo, entre outros, de produzir imagens, privilegiando a visão única subjectiva

quando parece prevalecente a visão industrial.

Quando o próprio conceito de matéria se altera, o visível não é só aquilo que se vê é,

principalmente, aquilo que é invisível ao nosso olhar. A partícula de matéria mais

pequena, pura velocidade onde conceito e matéria se confundem.

A estratégia da aparente não existência a que Paul Virilio se refere como forma de

transferência da guerra do actual para o virtual é mais uma causa/consequência

dessa alteração. A noção de real que se desloca daquilo que é percebido na sua

visibilidade para o potencial, isto é para a sua visibilidade latente mas não aparente.

É talvez mais uma acção latente na medida que a sua visibilidade só é efectiva se

contiver a eminência do acto. Contém um passado um presente mediatizável e um

futuro ameaça.

Do ponto de vista da física actual é a teoria quântica, talvez mais que a relatividade

que impede o acesso a uma realidade mais profunda de acordo com a nossa

experiência quotidiana.

A mecânica quântica diz-nos que nada é real, e que não podemos fazer qualquer

afirmação sobre os fenómenos excepto quando os vemos.

O exemplo do gato de Schordinger é uma hipótese, por absurdo, que demonstra

claramente as implicações da teoria: "numa sala fechada estão um gato e um frasco

de gás venenoso disposto de modo a que se a desintegração radioactiva se desse o

frasco seria quebrado e o gato morreria. No mundo quotidiano a morte do gato teria

50% de probabilidade de ocorrer, e, sem olhar para o interior da sala poderíamos

afirmar que o gato ou está vivo ou está morto. No mundo quântico nenhuma dessas

6

possibilidades ocorre se não for observável. O gato não morre nem sobrevive,

permanece num estado indeterminado que não é vida nem morte."13

Estas evoluções da noção de matéria que se têm vindo a operar com maior relevo do

ponto de vista da física e numa perspectiva de operacionalidade imediata dos

conceitos contribui para uma irrealidade que se funda na possibilidade de ubiquidade

da matéria e portanto do estado indeterminado da mesma; atestando por último a

vulnerabilidade da experiência quotidiana enquanto fundadora de conhecimento.

O domínio da visão como sentido que melhor apreende se não o real a aparência do

real terá originado todas as metáforas que associam a visão à luz. Temos uma

linguagem impregnada de metáforas ‘iluministas’ mas é mais a velocidade das

partículas (quanta) que nos permite conhecer. É no tempo de exposição que se

revela aquilo que nos aparece como objecto. "O absoluto mudou da matéria para a

luz e especialmente para a velocidade finita da luz".

"Deus é a figura de eternidade do tempo extensivo, absoluto, mas no tempo intensivo

de duração infinitamente pequena afigura-se a eternidade redescoberta fora do

imaginário do tempo extensivo"14

No tempo percepcionado nos media o espaço é eclipsado, só a imagem do tempo

real é absorvente. Numa instantaneidade que se sobrepõe ao espaço o único lugar

existente é o do tempo de visualização (portanto o lugar da acção torna-se

irrelevante).

A realidade à distância, mas que se visualiza em tempo real, põe de parte o valor do

lugar. A fronteira desenhada entre passado presente e futuro, entre o aqui e o ali

torna-se sem significado.

"O tempo real prevalece sobre o espaço real, a imagem sobre o objecto presente, o

virtual sobre o real". Se na idade do tempo extensivo ainda se permite a uma

distinção entre potencial e real, no tempo intensivo essa distinção esbate-se até se

tornar indistinta. Aquilo que é potencial não só tem a possibilidade de se tornar real

como também já se constitui como realidade.

13 Gribbin, John “À procura do gato de Schrodinger” Lisboa, 1986, p.12. 14 Virilio, Paul “The vision machine” Londres, 1994.

7

Tudo é presente, tempo-instante, o mundo das redes digitais é quase tão leve quanto

as cidades invisíveis de Calvino: Sustêm-se nessa realidade volátil, do sistema

binário de combinações, na realidade imaterial do software, dos bits sem peso, do

fluxo de informação que corre em circuitos sob a forma de impulsos electrónicos.

Introdução

Há uma personagem de um filme de David Lynch15 que, justificando a sua repulsa à

visualização de imagens captadas por câmaras de vídeo, afirma preferir recordar-se

das coisas não necessariamente da forma como realmente aconteceram.

Isto vem a propósito da percepção e da impossibilidade de evocar experiências

arquitectónicas significativas sem a memória ou a capacidade de imaginar. Como

refere Calvino16 "o cinema mental" da imaginação funciona sempre em todos nós- e

sempre funcionou, já antes da invenção do cinema- e nunca deixa de projectar

imagens na nossa visão interior."

Essa capacidade de evocar imagens em ausência era limitada, de certo modo, pelo

património das nossas experiências do corpo; contudo, este processo tem sido

frequentemente substituído pela experiência mediada das coisas, através de meios

15 "Lost Highway" 1997 16 Ver Calvino, I. "Lições Americanas" Lisboa, 1990.

8

tecnológicos de suporte essencialmente imagético, onde a percepção da coisa e a

percepção do espaço não são distintas.

O cinema, desde as primeiras projecções que animavam o espaço urbano, até hoje

não cessou de exercer sobre as artes tradicionais, na qual se inclui a arquitectura, um

imenso fascínio. Porque o cinema se parece com a magia, é um ilusionismo da

imagem: anima todos os objectos que expõe em 24 frames por segundo (essa

velocidade é variável) é uma quase vida enquadrada pela câmara, um campo onde

se cruzam fragmentos de espaço e de tempos magnetizados por um eixo não linear,

que de repente se distorce dispersando as forças, essas imagens alheias à lógica do

maestro, mas que por algum motivo obedecem ao seu diapasão.

Já se adivinham as razões que conduziram este projecto, a convicção de uma

intimidade construída entre estas duas disciplinas: cinema e arquitectura.

O que é que a dinâmica da cidade trouxe ao cinema e às suas imagens e o que é

que o cinema fez pela imagem e imaginário da cidade? O problema que se levanta é

o modo como essa simbiose opera, pois na realidade é possível descrever vários

caminhos, legitimados essencialmente por uma praxis.

A selecção da cinematografia na qual se apoia este trabalho logra estabelecer um

perfil: as origens e as realizações imateriais de certas utopias arquitectónicas e

urbanas e o modo como o próprio cinema terá contaminado as expressões da

arquitectura, principalmente no domínio da percepção.

Quando Aldo Rossi, no seu ensaio "Uma Arquitectura para os Museus", fala dos

processos de projectação arquitectónica não deixa de mencionar que os princípios

fundamentais da arquitectura são imutáveis e fixos, o que muda continuamente são

as respostas dos arquitectos às questões concretas da cidade. São nessas respostas

a questões especifícas de um tempo que podemos encontrar o grau de liberdade

necessário para podermos comparar a arquitectura e o cinema. Uma outra

morfologia da cidade de percepção mediatizada em que os referentes, os cânones

físicos e outros arquétipos arquitecturais são deformados.

Os filmes escolhidos para além de se integrarem nos objectivos expostos, são como

qualquer selecção, resultado de contingências várias, alheias às intenções do "autor",

9

a dificuldade em arranjar filmografia tanto no circuito comercial, como nas instituições

públicas que, embora facilitem o visionamento, sobretudo no âmbito de trabalhos

académicos, não possibilitam a cópia integral dos exemplares situação que limita a

escolha possível de filmografia apropriada ao tema.

Não é o critério cronológico que sustenta a escolha da filmografia, antes um tempo,

uma duração que se inscreve numa série onde cada obra de arte é uma (entre

outras) soluções para um problema. É a sequência de soluções que desvenda o

problema. Esta forma de classificação dos objectos realça o contexto preterindo a

sua individualidade, uma vez que as soluções aparecem enquadradas num largo

espectro de respostas ao mesmo problema.

A partir de um campo relativamente vasto de respostas à questão enunciada,

seleccionei entre os objectos possíveis, aqueles que se afiguravam como

paradigmas, os pontos clássicos das sequências formais.

Durante o século XX podemos distinguir, grosseiramente dois momentos que

correspondem a rupturas com as séries anteriores e que instalam instrumentos

operativos distintos.

A modernidade vem-se construindo desde o século XVI, mas é no século XX que "a

cultura mundial do modernismo em desenvolvimento atinge espectaculares triunfos

na arte e no pensamento"17. É contudo um modernismo que não conhece meios

termos, a radicalidade das vanguardas históricas polariza o universo do moderno: de

um lado o entusiasmo acrítico, do outro a distanciação, não há um universo ambíguo,

as vanguardas oscilam entre a plena aceitação da modernidade e a rejeição liminar.

Eis os cânticos futuristas, radicais apelos à fusão da tecnologia com o homem, eis a

estética da máquina sublimada por um distanciamento de recorte clássico de Le

Corbusier, Mies, a Bauhaus ou Behrens. E num outro extremo a asserção anti-

moderna do expressionismo.

O projecto moderno sempre se guiou, especialmente a partir do final do século XVIII

pela ideia de emancipação- "o progresso das ciências, das artes e da liberdade

17 Berman, M. "Tudo o que é Sólido se Dissolve no Ar" Lisboa, 1989, p.17.

10

política emancipam a humanidade inteira da ignorância, da pobreza, da incultura

(…)"18. Ao contrário, o pós-moderno contrapõe à fé no progresso tecnológico ilimitado

uma visão nostálgica do passado mitificado pelos valores de consumo, retraindo-se

da heroicidade do modernismo sabe que quando se validam todas as regras (e essa

foi uma das consequências das avant-garde), já não há espaço para fazer sobressair

o indivíduo.

Estes dois momentos- o ideal moderno projectado nas vanguardas históricas e a

crítica a esse modelo, especialmente a partir dos anos setenta, representam pontos

de viragem no modo de ver/construir a cidade. Os instrumentos de trabalho com que

operam conduzem a registos que se distanciam formalmente. Os exemplares

filmícos seleccionados observam esses saltos ideológicos, se por um lado "O

Homem da Câmara de Filmar" (1929) de Dziga Vertov representa um modo

particular de ver a cidade que se fixa na estética maquinista, num extremo oposto

está a cidade de "Fuga de L.A." (1996) de John Carpenter ou Blade Runner (1982)

de Ridley Scott.

Uma abordagem que primeiro sustenta os objectos em enquadramentos teóricos

possíveis para depois se deter na sua qualidade particular; método aliás que se

repete mesmo na lógica interna de cada capítulo. As considerações sobre a cidade,

evoluções, mutações, modos de produção do espaço urbano e a análise da

filmografia, procedentes nos capítulo IV e V, respectivamente, pode-se dizer, revelam

o tema. Os capítulos anteriores -I,II,III- constituem-se como o tronco e ramos, se me

é permitida a metáfora vegetal: I-Tempo e Tempos- um enquadramento temporal dos

objectos, onde se confrontam o tempo/experiência da percepção e o tempo "técnico"

do cinema. O tempo da obra -seu modo de existência. Uma dialéctica entre tempo

vivido e tempo mecânico II- Expressão e Linguagens- a semiologia como instrumento

de análise da imagem e do significado. O modo como o signo expressa o plano do

conteúdo. Este capítulo coloca como hipótese de análise das imagens no domínio da

semântica. III- O Lugar- a ideia de lugar na contemporainidade e o lugar do cinema

como imagem retínia. O cenário é de luz/sombra, mais de obscuridade, daquilo que

não é visível, o fora-de campo que se preenche pela imaginação.

18 Lyotard, J-F. "O Pós-Moderno Explicado às Crianças" Lisboa, 1987, p.101.

11

O que se pretendeu foi ensaiar, não esquecendo a especificidade de cada disciplina, um

percurso feito de afinidades: tanto a arquitectura como o cinema trabalham na linguagem

visual, na analogia, na metáfora, colagem e montagem

Mas em termos formais, excluindo os conteúdos da narrativa que se dirigem aos

problemas da contemporâneidade o cinema estabelece-se como novo paradigma da

arte na "era da sua reprodutibilidade técnica", simulando a experiência de choque

perceptivo do transeunte da grande metrópole.

As novas estruturas espaço-temporais reveladas pela ciência, desmembram a imagem

física do mundo. A teoria da relatividade restrita (1905) de Einstein anuncia que a

relatividade dos comprimentos e das durações não são propriedades das coisas mas

relações entre estes e um observador determinado.

A arte do século XX, procurando dar resposta ao novo quadro referencial utiliza

técnicas de concepção e representação próximas das técnicas cinematográficas

indiciando o cinema como modelo do novo paradigma e criando registos de mútua

partilha.

12

I- Tempo e Tempos.

a) Introdução.

"Teria gostado de me aperceber, que, no momento de falar, uma voz sem nome me precedia

há muito: ter-me-ia sido suficiente então encadear, prosseguir a frase, alojar-me sem ser

percebido, nos seus interstícios, como se ele me tivesse feito sinal mantendo-se, por um

instante; em suspensão. Começos nenhum haveria portanto; em vez de ser aquele de quem

parte o discurso, eu seria, antes, ao acaso do seu desenrolar, uma estreita lacuna, a parte do

seu desaparecimento possível."19

O tempo da ciência: tempo físico, mensurável, aparece como um modo de mediar a

natureza num sistema de relações espacio-temporais. O tempo do relógio mantem-

se constante e não depende de acontecimentos exteriores revela-se como sistema

de relações mensuráveis e sem espessura (a do tempo vivido).

O tempo afigura-se assaz diverso se o observarmos de um ponto de vista objectivo

ou como experiência subjectiva. O tempo mecânico medido através de instrumentos

de precisão é homogéneo, e contudo, para o sujeito não existe tal continuidade e

estabilidade no tempo, embora tome como dado a sua (objectiva) irreversibilidade.

Torna-se efectivamente difícil, ao tentar definir o tempo, desenhar uma fronteira: se

por um lado todo o ser humano tem a percepção da sua finitude, da acção do tempo

sobre o corpo, é claro que essa acepção pessoal é uma condição geral da vida

orgânica. Não serve para descrever o tempo, ela é uma consequência e não uma

causa, assim como a história também só pode revelar as formas do tempo de modo

indirecto, como construção que simula (num tempo indirecto) as sequências de longa

duração, organizando os vestígios materiais do tempo (inscritos nas acções do

homem); afinal o tempo mostra-se na alteridade das coisas.

Há duas direcções que, por ora, poderemos seguir; uma relacionada com o tempo

19 Foucault, M. "A Ordem do Discurso", Lisboa, 1997, p.7.

13

histórico como enquadramento geral dos acontecimentos, dos eventos; outra o

tempo inscrito na obra de arte, como é que o tempo se manifesta na obra, e,

consequentemente o tempo da experiência estética, da recepção da obra pelo

sujeito.

Parece-me evidente que o tempo é indissociável da memória, e por isso o tempo do

passado, aparece-nos geralmente como mais estável, sequenciado e idealizado

pelos mecanismos da mneme; no caso da História passa a ter o alcance quase

mitológico do imaginário colectivo, da memória partilhada.

A memória é um oceano que toma várias formas, é assim em "Solaris" de Tarkovski.

As memórias que tomam corpo em imagens-símbolo reconhecíveis. Essas imagens

não são meros clones do passado, há uma alteração, uma distorção que procede do

carácter idealizante da memória.

Entre o tempo de longa duração da história e o tempo dos objectos que ligações se

firmam? Uma malha entre um tempo que se tenta organizar e sistematizar e o tempo

que explode das coisas, o tempo específico de cada obra, um silêncio entre os

acontecimentos que se imiscui no fluxo do tempo, "interrompendo"

momentaneamente a sua torrente. A obra de arte provoca descontinuidades

intencionais, cortes no tempo real que descobrem um tempo heterotópico.

b) A Obra de Arte no Tempo Histórico.

Quando o historiador quer descobrir a forma do tempo, age portanto de modo

indirecto. Através dos objectos, dos testemunhos materiais de épocas passadas o

historiador de arte, no presente momento (se tal existe) interpreta esses sinais

outrora emitidos. Para Kubler essa recepção dos sinais antigos é comparável à

actividade do astrónomo que guia o seu trabalho por sinais cuja emissão já cessou.

Esta comparação enfatiza uma ausência: a actualidade. Pode-se dizer que tanto o

historiador como o astrónomo trabalham na actualidade, aliás o seu único ponto de

vista possível. Mas desse lugar-tempo em que não conseguimos distinguir a própria

14

existência do turbilhão do tempo. Não há distância suficiente que nos permita

resolver este paradoxo: o que é a actualidade, ao fim ao cabo o que é o tempo. Algo

fugidio a que muitos tentaram desenhar a forma.

Para o historiador narrativo a definição e a separação de continuidades é decisão dos

próprios. Mas quando o objecto está para além da narração histórica então é

necessário encontrar cortes e clivagens na história que separem diferentes tipos de

acontecimentos. O primeiro passo na ordenação dos objectos foi a sua inventariação,

quer do ponto de vista do uso- arqueólogos e antropólogos- quer do seu valor

estético classificado segundo os tipos, escolas e estilos- tarefa dos historiadores de

arte-.

Mas há todavia uma desadequação dos critérios de classificação dos objectos da

qual a banalização do sentido dos termos é um sintoma. O que é estilo? A que

características se refere? Aplica-se a um grupo de objectos ou a um artista

considerado individualmente? Eis algumas interrogações críticas de Kubler.

Este autor nota que embora sejam os objectos inanimados que constituem a maior

parte das provas tangíveis do passado são as metáforas biológicas que são usadas

para descrever o tempo e as acções que nele decorrem (ex. nascimento de uma arte,

maturidade, decadência, etc) resultando numa realidade biográfica que se baseia em

formas de classificação retiradas da biologia- tipologia, morfologia e distribuição-. Na

série biográfica são importantes as entradas individuais numa sequência e a função

do talento ou do génio.

O binómio entrada individual/momento da sequência são provalmente mais

importantes que o próprio talento que é subordinado aos acontecimentos anteriores.

Se o objectivo do historiador é retratar o tempo- a descrição e detecção de formas do

tempo, não mais de um tempo biológico mas de um tempo indirecto medido através

das mudanças ou das permanências da sucessão dos acontecimentos entre quadros

estáveis. As formas do tempo não se resgatam no tempo biológico que consiste em

durações interruptas entre dois momentos, o nascimento e a morte; mas num tempo

histórico intermitente e variável. Os intervalos entre as acções são variáveis em

15

duração e conteúdo com fim e príncipios indetermináveis, mas é possível marcar

esses inícios e fins porque as acções se intensificam ou esbatem nesses períodos.

No tempo biológico não há consideração pelos intervalos do tempo entre os

acontecimentos enquanto no tempo histórico esse "vazio" é "fecundo".

No estudos dos objectos deve-se considerar um facto importante: a consciência que

se está a lidar com aparências assinaladas no presente mas ocorridas no passado.

Esse espaço de tempo entre o acontecimento original (primeira transmissão) e o

presente implica uma interpretação que significa mais um "estádio na perturbação do

impulso original"20

Uma relé é um instrumento eléctrico que serve para demonstrar que um fenómeno

eléctrico pode controlar ou a interrupção ou o ínicio de outro fenómeno eléctrico

independente. Na asserção de Kubler a palavra adquire um sentido similar: o

receptor de um sinal é simultaneamente um emissor do sinal que "descobre".

Emissor e receptor são relés, implicando cada relé a deformação do sinal original.

Cada relé é influenciada pelo seu temperamento (enfatizando este ou aquele aspecto

do sinal) e ocorrências contemporâneas da relé, deformando voluntariamente ou não,

o sinal.

Esses sinais podem ser divididos (do ponto de vista interpretativo) em auto-sinais-

revelando o ser das coisas- e sinais aderentes- presença do sentido, significado

simbólico )

A análise dos objectos ora previlegia os auto-sinais ora os sinais aderentes provando

a existência de sentido.

É nessa direcção que vão os estudos iconográficos em que se estudam as formas

"assumidas pelo sentido aderente a três níveis: natural, convencional e intrinseco."21

O sentido natural tem a ver com a identificação primária de coisas e pessoas. O

sentido convencional ocorre quando são descritas determinadas acções ou alegorias

que podem ser explicadas por referência a fontes literárias e o sentido intrinseco-

iconológico -dedica-se à explicação de símbolos culturais.

20 Kubler, G. "A Forma do Tempo" 2ª edição, Lisboa, 1991, p.35. 21 idem, p.43.

16

Na opinião de Kubler sendo as formas do tempo a presa que queremos capturar será

necessário o recurso a instrumentos- noções, concepções e normas-. Enquanto a

noção de estilo é demasiado grosseira, a biografia "corta e rasga uma substância

histórica congelada"22.

A análise através do sentido, a iconografia, está demasiado arreigada a uma tradição

literária investigando não tanto as rupturas mas as continuidades de um tema.

Ao estilo e à biografia, propõe-se uma alternativa- a sequência formal- Consciente

todavia das limitações deste método, Kubler opera com a noção de esquema, em

que cada obra de arte é uma (entre outras) soluções para um problema. É a

sequência de soluções que desvenda o problema. Esta forma de classificação dos

objectos realça o contexto preterindo a sua individualidade, uma vez que as soluções

apareçem enquadradas num largo grupo de respostas ao mesmo problema.

A recorrência desse problema (se bem que colocado noutros termos) determinará se

a sequência é aberta ou fechada. O autor conclui que, potencialmente, todas as

séries são abertas.

No domínio da série surgem algumas questões que dizem respeito às suas

características e funcionamento interno.

No interior duma série podem classificar-se os objectos do ínicio da série- promorfo-

que se revelam mais simples do que os do fim da série-neomorfos- mais díficeis e

intrincados devendo ter sempre em vista que se referência a uma série para evitar

que o que é considerado neomorfo numa série se assemelhe ilusoriamente às

formas iniciais de uma outra série.

Pode existir simultaneidade de séries, que embora ocorram no mesmo tempo

cronológico pertencem a idades sistemáticas distintas. A obra de Picasso e de Renoir

são disso exemplo: a primeira começa uma série a segunda faz parte de uma série

mais antiga que finaliza.

Uma das séries é mais ligada à tradição –guiada- outra expressa a revolta- série

auto-determinada- Num movimento circular a revolta liga-se à tradição e as classes

auto-determinadas tornam-se classes guiadas quando são aceites ou substituidas

por outras séries revoltosas.

22 idem, p.53.

17

A nossa tradição cultural herdada dos rituais da civilização agrária favorece os

valores de permanência, contudo as condições de existência actuais exigem uma

aceitação da mudança continua.23

Embora cada invenção seja uma nova posição serial qualquer invenção anterior é

também parte da invenção já que é a partir dessa sequencia posicional que uma

invenção transcende as precedentes. Por outro lado é necessário uma simbiose

entre a invenção e o corpo de conhecimentos anteriores "para que se possa

descobrir todo o âmbito operativo da invenção"24, reconhecendo contudo que a

invenção se afasta sempre da precedente feita convenção.

Na distinção entre invenção artística e invenção útil, Kubler salienta que se a primeira

transforma o quadro mental, a segunda pode faze-lo mas está sempre dependente

das emoções que suscita (veja-se o caso da clonagem).

Apesar dos acontecimentos e objectos serem únicos e infinitos para os poder

compreender assimilamo-os num sistema finito de similitudes, criando uma rede de

identidades.

Cada invenção é um sistema único dependente de normas que o inventor postula e

que servem apenas para aquele "jogo".

Dos dois tipos de invenção relatados por Kubler (invenção por intersecção no sistema

prévio- invenção menos radical- e invenção de um novo sistema- invenção mais

radical-. A invenção artística conta-se entre a mais radical ocorrendo quando uma

linguagem formal cai em desuso e é substituida por um sistema formal novo (uma

linguagem até aí desconhecida com novas regras).

Para Kubler "o tempo é o enquadramento regular para os caprichos da história". O

tempo depende da regularidade de recorrências de acontecimentos enquanto a

história é feita de mudanças. Do mesmo modo estão relacionados réplica e invenção:

Se a réplica traduz a regularidade do tempo, a sua constância com pequenas

variações imperceptiveis, a invenção é um corte, uma ruptura na regularidade dos

acontecimentos.

23 Ver p.92. 24 idem, p.94.

18

A cópia (de objectos, acções) mantém o elo com os objectos/acções passadas. Uma

ligação entre passado e presente mantendo familiar a forma original.

Todavia, Kubler admite que a mudança pequena registada em intervalos curtos

(alterações mínimas) é idêntica, às operadas por grandes saltos já que estas últimas

podem ser relativizadas se vistas no seu contexto global. Adianta ainda que a

diferença entre a pequena e a grande mudança pode ser mais de grau do que de tipo

e dá o exemplo do historiador que colige matéria de outros, correspondendo este

processo a pequenos saltos, re-interpretando esse campo de conhecimento

acumulado numa nova resposta -grande salto-.

Na sociedade industrial é fácil rejeitar um objecto já que os custos de produção são

mais baixos que a sua manutenção. Ao contrário nas sociedades pré-industriais é

mais fácil reparar um objecto que rejeitá-lo; pelo que o ritmo de mudança funciona a

duas velocidades.

Dado que o quadro simbólico muda menos rapidamente que as exigências utilitárias,

os utensilios são, em regra, menos duradouros (mais facilmente desajustados e por

isso rejeitáveis) que as produções artísticas.

Mesmo se falamos de um único objecto podemos detectar várias idades sistemáticas

diferentes "traços ou aspectos cada um dos quais com a sua idade"25 - Uma parte do

objecto pode revelar-se inovadora dentro do quadro de soluções contemporâneas, e

extremamente convencional em outros aspectos. A duração é então medida não só

pela idade absoluta (cronológica) como pelas várias idades sistemáticas que um

objecto pode conter.

Kubler propõe um módulo: duas durações de 60 anos para certas séries

correspondente a primeira ao ínicio e a segunda a uma fase clássica (aceitação

geral). Os primeiros 60 anos correspondem portanto a uma formulação experimental

e os últimos anos a um período de rápida exploração. Esses 120 anos (60+60) após

os quais se segue um prolongamento sistemático é uma duração de encontro entre o

tempo histórico e o biográfico.

Retomando as sequências formais, Kubler distingue entre classes contínuas e

intermitantes. As primeiras envolvem a manufactura que nunca cessa enquanto as

25 idem, p.136.

19

classes intermitentes são classes de formas que interrompidas são retomadas mais

tarde- como é o caso das abobadas nervuradas (do Gótico a Gaudi e Nervi).

Essas classes intermitentes tem uma grande distância temporal a separá-las e são

invenções distintas embora decorrentes das anteriores. As classes suspensas

constituem-se por descobertas, invenções que foram esquecidas durante vários anos

até terem de novo contiunação.

Uma das ideias que Kubler se esforça por explicar embora não encontre definição

precisa é a de "actualidade". Intriga-se sobre este paradoxo. Algo nem passado nem

presente. Arrisca algumas definições: "um vazio entre os acontecimentos, a ruptura

entre passado e futuro e, no entanto o único tempo que podemos conhecer

directamente".

Um outro autor, de formação diferente, Marc Augé26, assegura que percebemos a

actualidade apenas por fragmentos sem qualquer principio organizador que nos

permita dar um sentido à dispersão dos sinais que formam a realidade. Mas se o

trabalho do etnólogo parece definitivamente assente sobre esse turbilhão da

actualidade, o historiador paira sobre esse instante único e previlegiado ponto de

vista para coligir os sinais de emissão remota. A essa distância temporal interpõem-

se interferências várias. O sinal, interpretado agora mas emitido algures. Assim a

dificuldade reside numa classificação desses sinais do passado filtrados pela

sensibilidade actual. Que critérios avaliam a sua importância?. Constituem-se como

rupturas ou continuidades? Será a biografia ou o estilo, ou a escola (aparentemente

opostos a biografia procura as particularidades, enquanto a escola ou o estilo as

continuidades da obra). critérios válidos de legimitação? E será esse o papel destes

instrumentos ordenadores ?

É a malha tecida ao longo de séculos pelos sinais, objectos ou ideias que o

historiador quer recriar. O historiador como cerzidor-mor, restituindo à actualidade os

sinais há muito transmitidos, cujo impulso inicial, agora resgatado, surge deformado

pela distância temporal que os separa .É essa deformação do tempo que o

historiador tenta purgar , limpar o sinal da sua pátine.

26 Ver Augé, Marc “A Guerra dos Sonhos- Exercicios de Etnoficção”, Lisboa, 1998.

20

c) O Tempo Inscrito na Obra de Arte- Modos de Existência.

Em primeiro lugar o que é uma obra de arte? Genette não faz esta pergunta

casualmente, o que lhe interessa são os modos de existência da obra, para tal exigir-

se-á uma definição: Uma obra de arte é um artefacto (ou produto humano) de função

estética? Ou um objecto estético intencional?; veremos que estas definições se

cruzam, na verdade, um objecto estético intencional só pode ser um artefacto

humano- a intersecção destas duas premissas alia-se na obra de arte.

Mas não é claro que a função (mesmo a função estética) seja uma característica

constante. A função de um objecto é variável, ainda que a sua aparência seja mais

ou menos estável. As propriedades físicas das coisas são, regra geral, mais

permanentes do que a componente "informativa", que, como exterior à obra, é um

dado comutável entre a obra e o sujeito.

Um objecto útil, Genette dá o exemplo de um martelo, pode ser observado sob o

ponto de vista funcional ou simplesmente descritivo (descrição fisica do objecto)

obliterando a sua função. Será que a mera descrição constitui a justa medida do

objecto? Poderemos aplicar o mesmo método para a obra de arte?

Actualmente o Partenón já não tem a função de templo, mudou a sua função prática

ou talvez subjectiva, assim como o Centro Georges Pompidou já não é um manifesto,

ou os ready-made de Duchamp uma provocação. Repare-se que não se fala

concretamente de uma função objectiva apenas, trata-se da mutação das funções

práticas ou estéticas dos objectos, estabelecendo-se como invariável o seu modo de

existência fisíca. Qualquer obra poderá ser descrita sob o seu aspecto, mas a

percepção não é um olhar desafectado sobre as coisas, já tem um lastro, não existe

percepção pura, o olhar transfere para a coisa propriedades alheias à sua aparência.

Há características que não se revelam na materialidade do objecto mas somente na

obra, naquilo que ela expressa para além do carácter físico. As obras de Mies

possuindo a qualidade da leveza não são feitas de materiais leves; a pala do

21

Pavilhão de Portugal de Álvaro Siza é aparentemente uma estrutura muito leve

suspensa no espaço, e contudo sabemos que é constituida por betão e armaduras

sujeitas a enorme esforço estático. Dois exemplos de "leveza" numa disciplina que

quer, por vezes, libertar-se da gravidade, da inelutável solidez dos materiais de

construção.

Parece então mais correcto afirmar que "les oeuvres sont physiquement incarnées

(physically embodied) dans des objets, comme une personne s'incarne dans un

corps"27

Mas esta hipótese compromete a classificação das obras musicais e efémeras cuja

incarnação não é possível na ausência de um corpo (no sentido de objecto físico). Só

pode incarnar nas manifestações físicas, nas várias ocorrências, desses objectos

ideais.

Mas a existência da obra não está limitada ao corpo: na percepção indirecta, num

tempo que não o real, pode ser evocada através da memória quer por meios

mnemotécnicos artificiais, constitui-se um outro modo de existência, pelo que a obra

não está somente no objecto mas exerce a sua influência indirectamente e á

distância.

As obras transcendem o objecto que habitam, dir-se-ia que transbordam a limitação

do corpo quer porque incarnam em vários objectos (múltiplos) quer porque a sua

recepção se dá para além da sua presença e pode sobreviver ao seu

desaparecimento físico.

A partir destas premissas observam-se dois modos de existência: imanência e

transcendência das obras. Imanência como qualidade de permanência da imagem,

transcendência como sublimação da matéria.

Há duas teses mais correntes sobre o estatuto da obra, a primeira diz que a obra é

antes de tudo o objecto físico (o que colocará problemas em relação à musica ou à

literatura) e a segunda que a obra de arte se desprende do corpo é espiritual, pelo

que a incarnação num objecto é sempre redutora e meramente aproximativa. Esta

última liga a obra ao seu produtor (ao conceito, à ideia, como algo que transcende a

própria obra), um tempo fugaz, opondo-se à duração da obra; negando a

27 Genette, G. "L'Oeuvre de L'Art- Immanence et Transcendence" Paris, 1994, pp. 15-16.

22

intersubjectividade.

Segundo Genette, ambas as teses concorrem no mesmo erro, não se detêm na

importante distinção entre a obra que possui um corpo e as outras (as obras de

imanência ideal) onde qualquer inscrição no tempo ou execução é uma ocorrência

original.

Entre os objectos de existência física (imanência física) e os objectos de existência

fenomenal (imanência ideal) , uns tem um corpo único e definitivo outros manifestam-

se fisicamente em corpos múltiplos e provisórios.

Partindo da classificação de Goodman em "Languages of Art" (1968), Genette adopta

os termos de autográfico e alográfico, o primeiro referindo-se aos objectos cuja noção

de autenticidade está na própria história de produção da obra, e no segundo aos

objectos que admitem a cópia como sistema legítimo, constituindo-se como

exemplares registos vários da mesma obra. Esta distinção coincide com a

anteriormente descrita entre obras de imanência físicas e obras de imanência ideais.

Embora a música e a literatura se possam considerar obras alográficas, o acto de

inscrever essa obra no tempo (escrever, executar uma partitura) revela-se uma arte

autográfica.

Mas as artes não se podem qualificar previamente em autográficas ou alográficas, a

esse respeito veja-se a escultura de objecto único e a escultura destinada à

reprodução por múltiplos, ou mesmo a arquitectura que à partida se poderia pensar

como arte autográfica mas tem uma vertente alográfica nos planos, projectos

potencialmente reproduziveis.

A arquitectura pode ilustrar os dois regimes inclusivé na mesma obra, como define

Goodman "les pratiques allographiques se caractérisent par l'emploi d'un système,

plus ou moins rigoreux, de notation, tel que la langue, la notation musicale ou les

diagrammes d'architecture"28

Nos objectos de imanência ideal não há uma mesma obra mas pode haver a mesma

partitura ou um outro exemplar da mesma partitura, escreve Genette, pois os traços

da identidade especifica definidos pela partitura ideal estão lá. Já nos objectos físicos

existe uma identidade específica distinta da identidade numérica.

28 Idem, p.26.

23

Uma obra alográfica pode ser identificada pelo conjunto dos traços que contêm a sua

notação. A esse conjunto de traços chamamos a sua identidade específica ou

qualitativa (não a sua individualidade). Daí que nos objectos autográficos "L'absence

d'identité numérique, le fait qu'un partage de tous les traits pertinants d'identité

specifique entraîne une identité absolue…"29

Dois textos ou duas partituras porque são objectos ideais, não estão no espaço logo

dois textos ou duas partituras que tenham a mesma identidade específica são o

mesmo, donde a diferença de posição se constitui como um traço particular.

Podemos então afirmar que um objecto físico pode ser transformado na sua

identidade específica, no seu traço, sem que mude a sua identidade numérica. Mas

um objecto ideal não pode mudar de identidade específica sem que se torne num

outro objecto ideal.

Há um carácter mutável das obras autográficas, mas um objecto ideal (porque não

está inscrito num espaço-tempo especifico) não se pode transformar sem alteridade.

A transformação dos objectos físicos é sempre auto-referencial: presente na sua

corporeidade, é aquele objecto ali (naquela posição).

Embora não haja coisas, se por coisas entendermos uma aparência estável da

matéria, Genette manterá a designação de coisa referindo-se aos objectos estáveis-

corpos com qualidades fisicas relativamente imutáveis.

A arquitectura, como já foi referido, encontra-se entre os dois regimes: autográfico e

alográfico. Já foi dito que um projecto pode ser reproduzivel, mas na opnião de

Genette o regime alográfico da arquitectura evolui num sentido mais radical:

(l'architecture évoluant, comme peut-être tous les arts, d'un régime autográphique

originel vers un régime totalment allographique (…).30

A arquitectura, seguindo a classificação de Goodman, como um regime transitivo e

misto, transitivo porque evolui de um regime autográfico para a alográfico, misto

porque se apresenta ainda com formas totalmente autográficas e outras totalmente

alográficas.

Outro modo de existência encontramos nas obras de imanência factual ou

29 Idem, p.28. 30 Idem, p.44.

24

perfomativa como o teatro ou o cinema. Desde já anotamos as diferenças de

superfície no que diz respeito aos modos de produção da obra que pelo carácter

colectivo acolhem a figura de um coordenador ou director, a recepção também é

dirigida, organizada para um público/audiência.

O tempo da obra, quer seja múltipla ou única, caracteriza-se pela duração ou

persistência: "depuis le moment de sa production jusq'à celui de son éventuelle

destruction totale (…), un tel objet d'immanence se maintient dans son identité

numerique immuable, qui survit à tous ses inévitables changements d'identité

spécifique"31

É o sujeito que escolhe o tempo de contemplação de uma pintura, mas se está a

assistir a uma projecção de um filme, mesmo que escolha sair a meio, não é a

mesma coisa. As durações podem até ser numericamente identicas mas de tipo

inteiramente distinto: a recepção de um acontecimento está no tempo, um

acontecimento não dura no nosso olhar como um objecto imóvel e idêntico a si

próprio (pelo menos numa duração mais longa), mas desenrola-se, processa-se com

ou sem movimento aparente.

Não é então a duração de persistência como nos objectos físicos, mas de processo,

não pode ser quebrada porque é intrinseca à obra. É nesse sentido que as artes

performativas são objectos temporais, onde a duração do processo faz parte da sua

identidade, uma temporalidade que se manifesta na sua ocorrência física.

A temporalidade da obra performativa como processo, não se conta apenas como

tempo objectivo. Um filme pode desenrolar-se em uma hora mas é o tempo contido

nos planos que se revela ao público. A imagem cinematográfica é atravessada por

um ritmo que expressa o tempo contido nos fotogramas, escreve Tarkovski que "O

tempo específico que flui através da tomada cria o ritmo do filme, e o ritmo não é

determinado pela extensão das peças montadas, mas sim, pela pressão do tempo

que passa através delas"32

Um ritmo de que voltaremos a falar mais adiante, explorando a dimensão simbiótica

dos tempos fílmicos que se misturam com os ritmos da cidade moderna.

31 Idem, p.27. 32 Tarkovski, A. "Esculpir o Tempo" 2ª edição, São Paulo, 1998, p.139.

25

Se a montagem junta pedaços de tempo impressos nos segmentos da película,

combinando planos maiores com planos menores cada qual com o seu tempo

especifico, é manifesto que a montagem não gera uma nova qualidade (como

pretenderia Eiseistein) mas evidencia essa qualidade: uma temporalidade impressa

nos planos através da sequenciação.

E contudo o cinema, pode-se dizer, sendo o registo de uma impressão do tempo,

reproduz esse tempo indirectamente, funciona como uma matriz desse tempo real,

impressa na fita através do "falso movimento".

No cinema o espectador ocupa um lugar fixo mas só fisicamente: "non come

soggetto di un'esperienza estetica (…) esticamente è in continuo movimento in

quanto il suo occhio s'identifica con l'obiettivo della macchina da presa, che si sposta

di continuo in distanza e direzione"33

Partindo das teses de Bergson sobre o movimento, Deleuze34, dirá que o movimento

não é espaço percorrido (passado) mas presente- o acto de percorrer.

O espaço percorrido pode ser indefinidamente dividido, mas o movimento é alterado

se for segmentado. A adição dos espaços e tempos não resulta no movimento, que

não é re-constituível através de cortes imóveis. O movimento real tem uma duração

concreta enquanto o movimento resultante dos cortes imóveis consecutam um tempo

abstracto.

O cinema reproduz a ilusão da percepção natural do movimento dado por cortes

imóveis, através das imagens- cortes instantâneos-; mas enquanto na percepção

natural a ilusão é corrigida pelas próprias condições que tornam a pecepção possível,

no cinema a correção é simultânea com a imagem que aparece dirigida ao

espectador.

Deste modo o cinema origina a imagem em movimento, um corte móvel e não cortes

imóveis (a 24 frames por segundo)- imagem- onde se adiciona o movimento. O corte

móvel de um todo em que o movimento exprime uma mudança na duração.

O que é que liga um tempo histórico, já nos interrogamos anteriormente, que se

constitui abstractamente como um "corte imóvel" sobre os objectos, sobre as

33 Panofsky, E. "Tre Saggi Sullo Stile- Il Barocco, Il Cinema, La Rolls-Royce" Milão, 1996, p.94. 34 Ver Deleuze, G. "Cinéma I- L'Image-Mouvement" Paris, 1983, I Cap.

26

memórias, tentando reconstituir um movimento, uma duração animada; e o tempo

que está na obra, na identidade das formas que se transformam? Não é também a

forma de um tempo que emerge nos modos de existência do objecto? Nas suas

manifestações no espaço e no tempo (seja por meio de um corpo físico ou por

ocorrências de um objecto ideal). Como é que se concretiza o Dasein da obra?

"Nothing had any lasting shape, but everthing got in a way of everthing else; for, within that

one body, cold warred with hot, moist with dry, soft with hard,and light with heavy."35

O modo de ser dos objectos só é perceptivel na sua alteridade, "Só é possível

apreender a forma pela transformação: a essência de uma coisa apreende-se na

medida em que conseguimos recolher uma imagem sinóptica das formas

manifestadas (…)"36

Uma teoria, um método descritivo, atento aos pormenores das formas concretas que

se transformam, Goethe inicia assim a procura do modelo original, a Urpflanze, como

génese ideal de todas as formas ( o todo pode ser encontrado no uno e o uno no

todo). O caminho que leva ao encontro daquilo que aparece. Uma heurística da regra

geral da forma a partir de um modelo e das metamorfoses ocorridas.

Num sentido poético, tenta encontrar a essência das coisas assumindo a

intencionalidade da coisa (natureza) que aparece, mostra-se e transforma-se

revelando cada forma como sinal de uma outra.

A forma não é aqui entendida no seu sentido estritamente material, mas como uma

dinâmica (um fluir do processo) que se revela numa história (numa duração), na

passagem de uma manifestação a outra.37

Não é presunção a evocação deste "A Metamorfose das Plantas" de Goethe, apenas

a intuição que na ideia de metamorfose encontramos a estrutura comum aos tempos

que tentámos descrever sob a forma sinóptica da História (longa duração) ou no

modo de existência das obras de arte: a parábola de um tempo que constroi, um

tempo-forma, algo em movimento sem nunca chegar a ser, sempre em vias de- uma

35 Ovid "Metamorphoses" Londres, 1977, p.29. 36 Molder, M. F. Introdução a Goethe, "A Metamorfose das Plantas", Lisboa 1993, pp. 17-18. 37 Ver Molder, M. F. Introdução a Goethe, "A Metamorfose das Plantas", Lisboa 1993. P.27.

27

forma-formação.

II- Expressão e Linguagens.

a) Introdução.

A partir do sec. XVIII, opõem-se duas atitudes distintas na arquitectura como resposta

ao óbvio convencionalismo da mesma.

A primeira tenta encontrar uma forma de expressão apriorística que acredita

esconder-se atrás das convenções instaladas pela tratadística clássica. Do outro lado

a ideia de que a estética é um apoio da ideologia e por consequência a negação de

valores apriorísticos.38

É em meados do século XVII que surge uma estranheza em relação às ordens e

toda a estrutura gramatical nela assente. Estas primeiras inquietações sobre a

"auténtica naturaleza de los órdenes y sobre el modo en que debian utilizarse en los

edificios modernos"39 já prefiguram uma preocupação pela autenticidade, um

regresso às origens, libertando as ordens de todas as distorções e acrescentos.

Esta atitude muito racional do século XVII não teve impacto senão um século depois

formalizada nas reflexões de Laugier. No livro "Essai sur l’Architecture" de 1753

38 Ver Colquhoun, Alan "El Historicismo y los Limites de la Semiologia” Arquitectura, História y Teoria

de los Signos.

28

expõe a ideia de primitivismo, de regresso às formas autênticas não corrompidas

herdeiro de um ideal platonista.

No século XIX a filologia substitui a gramática geral e na arquitectura, ao modelo

platónico, procede o eclectismo.

Se o século XIX não tem (ainda) uma linguagem arquitectónica própria do seu tempo

então deve eleger formas dentro de um determinado sistema, formas essas plenas

de significado, carregadas de simbolismo dentro do sistema do qual são retiradas.

Eleger uma forma é então escolher uma ideologia.

Segundo Nietzche o Homem do século XIX tem excesso de consciência histórica,

isto é a consciência de que participa num ciclo histórico e isso impedia-o de produzir

verdadeira novidade histórica e sobretudo de ter um estilo próprio especifico. Mas

Alan Colqhoun crê que se vão procurar modelos à tradição histórica não tanto como

imitação mas como tentativa de reconstituir uma linguagem normativa, usando os

estilos como linguagens equivalentes.

Admite-se que é possível retirar elementos (elementos mínimos) de um programa

estético e dessa decontextualização reconstituir um linguagem por analogia

ideológica.

O Movimento Moderno oscila entre duas sensibilidades. Uma muito pragmática,

herdeira do materialismo dialéctico e dos ideais socialistas em que a arquitectura

deve descobrir novos significados nas novas condições e exigências da disciplina- e

nos programas sociais; funcionando quer como índice das suas funções quer como

uma reflexão sobre essas mesmas funções e sobre a sociedade.

Ao funcionalismo opõem-se o simbolismo arte nova e o expressionismo na esteira da

teoria psicológica da empatia de Worringer. São estas duas tendências que informam

a cultura arquitectónica do início do século XX. Numa clara oposição de sensibilidade

a teoria funcionalista remete para o índice e a corrente expressionista para o signo

natural com maior valor como ordem receptiva, como expressão, evocando as leis da

natureza por ressonância.

Summerson, John 39 El Lenguage Clássico de la Arquitectura” p. 111.

29

b) A Arquitectura é uma Linguagem?

Quando Saussure no "Cours de Linguistique Générale" (1962) indica que "le lien

unisant le signifiant au signifié est arbitraire" coloca um dos primeiros entraves à

análise semiótica das artes visuais. Esse obstáculo não é contudo evidente: não

podemos atribuir ao tipo de relação entre significante e significado a qualidade de

arbitrário se daí entendermos uma relação casual, não sujeita a leis. Convencional

será mas nem por isso inteiramente imotivada- na construção da própria convenção

encontra o seu fundamento. Pensando em convenção como uma regra, algo

admitido como norma é evidente que poderemos encontrar numerosos exemplos nas

artes visuais, nomeadamente na pintura em que se verifica o uso da convenção.

Bastaria pensar na representação de assuntos religiosos e teriamos certamente uma

série de normas quer respeitantes à composição até ao uso da cor. Mas também a

arquitectura é uma arte extremamente convencional e, à falta de “assunto” onde se

possa utilizar a convenção esta instala-se, geralmente, no seu equivalente- as

tipologias-

Num artigo de Malcom Bull40 foca-se as teses de Gombrich e Goodman sobre o

assunto. Concordam ambos que não existe um olhar inocente sobre as coisas. O

artista necessita de um vocabulário antes de "copiar" a realidade- representar.

Mas ao completo relativismo de Goodman, Gombrich contrapõe um cada vez menor

uso de elementos convencionais da parte do artista.

Há também uma pista sobre o mesmo tema no artigo de Jencks e de Baird41 sobre o

significado em arquitectura em que se segue uma ideia de Armhein, defendendo que

desde o momento em que constituímos parte do mundo é provável que o nosso

sistema nervoso forme uma estrutura análoga (ou isomorfa) das formas. Assim uma

linha quebrada significa intrinsecamente actividade, ou uma linha recta repouso. Esta

teoria é rebatida pela teoria extrínseca, na qual são os estímulos que provêm do meio

40” Bull, Malcom “Scheming Schemata ”Britihs Journal of Aesthetics, vol 34 nº 3 Julho 1994. 41 Jencks, C.; Baird, G. “El Significado en Arquitectura” Madrid, 1975.

30

ambiente que determinam o significado. Deste modo a forma apercebida é

condicionada pelos conceitos que possuímos ou, para utilizar o termos de Gombrich,

os esquemas -fórmula visual que denota o objecto e ajuda ao reconhecimento e

reprodução da imagem42

Segundo o exposto na primeira tese as formas tem um significado apriorístico e

portanto admitem a existência de convenções motivadas ou de uma convenção

natural das formas. A segunda hipótese incide sobre o olhar não "inocente", da visão

que se socorre dos esquemas de modo a penetrar no código visual subjacente

apoiando-se inevitavelmente na convenção.

Em Arquitectura é possível questionarmo-nos sobre a relação entre as formas e o

seu significado. Gillo Dorfles43 argumenta que ao longo do tempo a arquitectura

manteve a existência de formas simbólicas que exibem a sua original função,

aderindo à tese que defende a existência de certos significados pré- estabelecidos e

institucionalizados baseados por sua vez num código iconológico44.

Seria pois admitir que algumas formas estivessem carregadas de significado pronto a

explodir...?

Escreve Garroni em "Projecto de Semiótica" que a arquitectura clássica e a

tratadística dão a ilusão de haver elementos discretos (colunas, entablamentos,

capitel) e como tal codificados na sua pressuposta invariabilidade.

A questão levantada por Garroni tem a ver com uma das condições da semiologia

para a análise da linguagem: a dupla articulação. Nas línguas naturais é possível

distinguir os monemas ( pequenas unidades com significado próprio- ex: mar) e os

fonemas, unidades de 1ª articulação de modo que os monemas se formam a partir

dos fonemas (M, a, r= Mar) e em que a articulação dos monemas propõe unidades

maiores como os sintagmas.

Ora a questão muito discutida é se a arquitectura tem dupla articulação. Eco é um

dos autores que defende essa articulação. O quadrado, o rectângulo e as figuras

42 Gombrich, W. “Art and Illusion” 43 Dorfles, G. “Estructuralismo y Semiologia en Arquitectura” 44 Referência a Panofsky.

31

irregulares são parte da 1ª articulação e dos elementos da 2ª articulação farão parte o

ângulo, a linha recta a curva e o ponto45.

Por seu lado Garroni argumenta que a obra arquitectónica é contínua, não se

fragmenta em unidades discretas (os monemas e os fonemas), mas adivinha que o

convencionalismo da arquitectura clássica da tratadística é um caminho aberto a uma

análise semiológica em termos que se assemelham à análise linguística.

Em "El Lenguage Clássico de la Arquitectura- de L.B. Alberti a Le Corbusier-" John

Summerson define ordem como "la unidad de «columna y superestrutura» de la

columnata de un templo" e ressalta que "los ordénes ofrecen una especie de gama

de caracteres arquitectónicos que van desde el rudo y fuerte a lo delicado y bello (...)

la elección de lo orden es algo vital: es determinar el espiritu de la obra"46.

Define as ordens como a gramática da antiguidade cristalizada na tratadística desde

Vitruvio a Serlio, mas sempre renovada nas obras dos artistas.

A tratadística tratará de estabelecer as cinco ordens como convenções, elementos

codificados sujeitos a uma gramática própria.

Mas o receio de Garroni de que a coluna o entablamento e o capitel se poderiam

constituir facilmente como elementos discretos não parece colher. Cada ordem é

(mais ou menos) invariável na sua unidade, isto é não poderemos combinar uma

coluna dórica com um capitel coríntio do mesmo modo que é possível nas línguas

naturais combinar os monemas de várias unidades sintagmáticas. Se as ordens

constituem uma unidade sintagmática são relativamente impermeáveis, variáveis

apenas na sua lógica interna.

As ordens são quanto muito unidades significativas em si. Um capitel não tem o

significado de um capitel, é um capitel.

Distinguimos duas posições que parecem irreconciliáveis no que diz respeito à

análise da arquitectura. Uma que entende a arquitectura como analisável do ponto de

vista semiótico, tendo para isso que isolar uma série de condições prévias que

permitam essa análise; e outra atitude que que defende que a arquitectura mais do

que representa ou significa algo, expressa, é. Nas palavras de T. Adorno47 "a

45 Eco, U. "A Forma do Conteúdo", São Paulo, 1974. 46 Summerson, J “El Lenguage Clássico de la Arquitectura”, Barcelona 1996 10º edição, p. 13. 47 Adorno, T. “Teoria Estética”, Lisboa, 1982.

32

verdadeira linguagem da arte é sem palavras, o seu momento averbal tem a

prioridade sobre o momento significativo. É mais semelhante a um Eu estou aí ou Eu

sou isso."

E que condições são necessárias para uma análise semiótica na arquitectura?

Em primeiro lugar será necessário especificar o objecto de estudo primeiro da

semiologia: a linguagem.

A linguagem do ponto de vista semiótico emprega-se no sentido geral da linguagem.

A língua natural (Português, Francês) tem a propriedade de imanência, isto é, os

sujeitos não são capazes de a modificar e se todas as outras semióticas (linguagens)

podem ser traduzidas (melhor ou pior) em línguas naturais não quer dizer que todos

os significados sejam verbalizáveis o que se poderia entender como um pretexto

para transformar, por exemplo, a semiótica arquitectónica em análise do discurso

sobre a arquitectura.

Em todo o caso "on peut dire du langage qu’il est objet du savoir, visé par la

semiotique générale" aceitando que "le moins compromettat est peut-être de

substituer au terme de langage l’expression de ensemble signifiant"48

Para Saussure esse ensemble signifiant é constituído pela reunião do significado e

significante, a primeira divisão do signo numa articulação comutativa, isto é a

existência do significante pressupõe a existência do significado e vice-versa.

Como significante tomam-se os elementos que tornam possível o aparecimento da

significação ao nível da percepção e o significado como os conteúdos postos em

evidência pelo significante.

Podemos a partir deste momento resumir as contribuições mais importantes no

sentido da constituição de uma semiótica do espaço, que vão aprofundar

precisamente as noções de significante e significado e colocar o conjunto significante

num outro nível de relações.

O linguista dinamarquês Hjemslev que teorizou a partir do contributo de Saussure

desenvolve as noções de significado e significante. Distingue no plano de Expressão-

significante- a substância do significante e a forma do significante. No plano do

conteúdo faz a mesma distribuição- Substância do conteúdo, Forma do conteúdo.

48 Greimas, Cortés “Semiotique-Dictionnaire Raisonné de la Theórie du Langage” Paris, 1979.

33

Roland Barthes, ao nível do plano do conteúdo inscreve as noções de conotação e

de denotação.

Na senda de Hjemslev, Algirdas Greimas enfatiza a noção de Forma do plano de

expressão e do plano de conteúdo. No plano de Expressão (significantes) procede à

distinção entre formas aparentes da arquitectura (forma do plano de expressão) e a

forma abstracta que permite dar conta da organização de formas aparentes

(substância do plano de expressão?).

Na forma do conteúdo -denotação e conotação- é uma rede de relações abstractas

que permite entender as diferentes unidades constitutivas do conteúdo de uma

mensagem.

Assim se para Hjemslev a forma do conteúdo é a articulação da linguagem a

substância do conteúdo será o eixo semântico (significado) que o sustente sendo que

o eixo semântico é considerado como "unidade de substância do conteúdo articulado

em estrutura". Para Greimas a oposição entre forma e substância encontra-se dentro

da análise do conteúdo mas não na oposição entre significante (forma) e significado

(conteúdo) pois a forma é tão significante como a substância. Defende igualmente

que forma e substância são conceitos meramente operacionais que dependendo do

nível de análise escolhido o que for denominado como substância num determinado

nível pode ser forma num outro.

O que Alain Renier49 propõe no seu artigo é a distinção tal como foi formulada por

Hjemslev da forma e da substância do conteúdo de modo a que seja possível

analisar a forma física "o artefacto físico observado", e a forma abstracta que nos

permite reconhecer e organizar as unidades de expressão manifestadas.

Mas a própria semiologia parece dar-se conta da relativa esterilidade de uma análise

lógica aplicada ao objecto artístico e muitas vezes se socorre de outros métodos de

análise do espaço como a coreografia, a antropologia ou a proxemia (Hall).

No livro "A Construção do Sentido em Arquitectura"50 o autor Coelho Netto, faz eco

desse descontamento criticando não só a ignorância dos arquitectos sobre a matéria

que trabalham- o espaço como também a inoperacionalidade da análise semiótica:

49 "Espace: Construction et Signification” Actes du 2eme Colloque de Semiotique Architecturelle, Paris

1982. 50 Netto, Coelho J. “A Construção do Sentido em Arquitectura” São Paulo, 1975.

34

"não interessa ao arquitecto saber se a arquitectura é língua ou fala ou se tem uma

duas ou mais articulações". Defende como mais úteis os trabalhos pluridisciplinares:

uma abordagem psicológica, sociológica ou histórica, embora o autor situe a sua

análise no padrão fornecido pela teoria da informação baseado na oposição binária

Sim-Não. Imaginando eixos organizadores do sentido do espaço que se constituem

como oposições (Espaço exterior/ espaço interior).

Mas há outros métodos de análise que se constituem como alternativa ao método

semiológico.

c) A Estrutura do Signo Visual e a Imagem.

Na aplicação da análise semiológica à arquitectura Renato de Fusco51 sugere que

se mantenham três condições essenciais comuns ao signo linguístico tal como é

descrito por Saussure. 1) a divisão do signo em significado e significante; 2) a relação

do signo com aquele que o precede numa determinada estrutura - relação

sintagmática- e, por último uma associação mnemónica com outros signos

pertencentes a outras estruturas- relação associativa ou paradigmática- A operação

da associação refere-se à relação evocativa do signo arquitectónico com signos

ausentes na estrutura.

O exemplo de Saussure no qual De Fusco se apoia é exemplar: uma unidade

linguística que equivale a um elemento de um edifício- uma coluna dórica, por

exemplo- evoca (em ausência) outras ordens (relação associativa).

O Groupe µ ligado à herança de Eco no domínio da semiótica da arquitectura,

nomeia três direcções da arquitectura enquanto fenómeno de comunicação- a

primeira diz respeito à comunicação da função, a segunda à comunicação de

eventuais significados plásticos (forma, cor e textura) e a outra de eventuais

51 Fusco, R. “Architettura Come Mass Media-Note per una Semiologia Architettónica”

35

enunciados icónicos, neste caso uma vertente em que se concretizará uma analogia

entre significante e referente.

O signo visual dividido em signo icónico-figurativo- e signo plástico-pictórico -

pretende-se analisar a imagem do ponto de vista semiótico- a imagem enquanto

significado, e o modo como o diz- é então sinónimo de representação visual,

representação porque é sempre uma semelhança, a sua função é de evocar outra

coisa com a qual se parece.

A classificação do signo de Peirce em função da relação entre referente e significante

talvez ajude a clarificar a categoria do signo visual. A sua tese destaca três relações:

A primeira assume uma analogia entre significante e referente- o ícone, quando

existe uma relação de causalidade surge o índice, e este é muita vezes percebido

como signo natural ( por exemplo nuvem como índice de chuva) e por último o

símbolo que estabelece uma relação convencional entre significante e referente. É

preciso salientar que esta classificação não é impermeável. Se pensarmos no

desenho arquitectónico simultaneamente um ícone e um símbolo (o desenho é

sempre convencional). Assim a imagem é simultaneamente ícone, índice e símbolo

ou semelhança traço e convenção, ou ainda como prefere Wollen52, referindo-se ao

cinema, beleza pictórica, verdade documental e significado conceptual.

Na análise semiótica do filme é quase sempre privilegiada a dimensão simbólica (são

as imagens e as suas combinações -montagem- que enformam a narrativa como um

todo, um conjunto simbólico), embora esta se encontre submersa num meio

essencialmente indexal e icónico. Será necessário admitir a estrutura simbólica como

garantia de uma crítica objectiva, tendo em conta o carácter mutável e fugaz do ícone

(imagem)?

A semiologia encontra sempre algumas dificuldades na transposição textual da

estrutura das línguas naturais para outras linguagens (especialmente as visuais)

onde os elementos de segunda articulação são ausentes ou se revelam

inconcludentes para a análise semiótica.

Precavidamente, C. Metz inicia uma análise semiológica do cinema avaliando as

condições em que o cinema é uma linguagem.

52 Wollen, P. "Signos e Significação no Cinema", Lisboa, 1984.

36

Da vocação inicial do cinema como narração de uma história em que o shot consiste

na mais pequena partícula narrativa, Metz escreve que "narration refers to one or

several codes as underlying linguistic determinations from which it flows into the

image in a shape of an evident given"; ao contrário Deleuze pensa que "narration is

only a consequence of the visible (apparent) images themselves and their drect

combination- it's never a given."53

Contudo parece haver acordo na assunção da forma narrativa como figura onde se

instala a linguagem cinematográfica através dos procedimentos que lhe são próprios

-a montagem, os movimentos de câmara, os planos, as relações entre planos, a

escala dos shots.

"The concept of diagesis is as important for the film semiologist as the idea of art",

escreve Metz que "the word is derived from greek (…) and was used particulary to

designate one of the obligatory parts of judiciary discourses, the recital of facts."54

Este conceito é introduzido no cinema no sentido da forma como o filme denota (na

sua linguagem objectiva, primeira) não só a narração, mas também as dimensões

espaciais e temporais implicítas na narrativa (inclusas no tempo de cada tomada).

A "tarefa" dos pioneiros do cinema narrativo foi a de estabilização, ainda que não

totalmente intencional, desses procedimentos específicos, num código que permitiria

"descobrir" um quadro sintático coerente.

Embora se possa tomar como estrutura independente, a imagem revela o seu tempo

através da sequência narrativa, daí que a narrativa não é dada, mas como que

revelada pelo aparente, pelas imagens que a conduzem.

Assim, na existência de elementos codificados, é sempre possível descobrir

invariantes e, mesmo se não existe uma verdadeira analogia entre as imagens, um

filme pode parecer-se com outro pelo uso convencional dos mecanismos

cinematográficos de narração que formam a estrutura sintagmática do filme.

d) Expressão na Arquitectura.

53 Deleuze, G. "Cinema 2- The Time Image" Londres, 1994, p.26. 54 Metz, C. "Some Points in the Semiotic of the Cinema" em "Film Theory and Criticism" ed. G. Mast, M.

Cohen, L. Braudy, Londres, 1992, p. 172.

37

Como refere o Groupe µ a arquitectura não só comunica a sua função (de abrigo)

mas também significados como sentimentos ou atmosferas convergindo com a tese

de Roger Scruton sobre a expressão em arquitectura: "Um edifício não exprime tanto

uma emoção como usa uma certa expressão, tem expressão naquilo que foi

chamado um sentido intransitivo"55.

Para o Groupe µ o signo plástico constituído pelas formas, cores e texturas é contudo

um signo autónomo e não a expressão dos significados icónicos. Escreve Scruton

que a expressão não é passível de alienar a representação porque se instala no

tema para comunicar. É na representação do tema que encontramos a expressão: a

pintura pode-se expressar pelo equilíbrio, a composição, o movimento, a cor, mas

esses caracteres não são algo de abstracto e autónomo, materializam-se na forma

no tema e no tempo da obra. São portanto expressão do signo icónico.

Estas qualidades não são independentes da representação; exemplificando com uma

pintura de Rafael – S.º Jorge- escreve que "só percebemos o equilíbrio entre o

impulso ascendente das pernas traseiras do cavalo e a lança porque vemos as duas

linhas ocupadas com a força das coisa pintadas – com os músculos do cavalo e a

pressão descendente da lança do cavaleiro"56 do mesmo modo se fecharmos o olho

ao cavalo a composição fica destruída.

Bem entendido que se trata de exemplo em que existe uma analogia (uma

semelhança que nos remete ao iconismo) entre o objecto representado (significante)

e o objecto real (referente), corresponde o tema à forma visível, aparente. Mas, do

mesmo modo, também as formas, cores e texturas são veículos para a expressão do

sentimento. Desse modo não se inviabiliza a autonomia do signo plástico. As formas,

cores e texturas (independentemente do tema) funcionam autonomamente do ponto

de vista do significado.

Em termos de doutrina estruturalista a função expressiva da linguagem será aquela

através da qual o emissor se exprime pessoalmente. A expressão anuncia-se no

plano dos significantes (por oposição aos conteúdos) dos aspectos (aparência)

55 Scruton, Roger “Estética da Arquitectura”, Lisboa, 1983, p.195. 56 Scruton, Roger “Estética da Arquitectura”, Lisboa, 1983, p.181.

38

visível, material do fenómeno.

Logo de início emergem duas questões que é necessário clarificar; primeiro se a

expressão representa uma emoção pessoal, actuando consequentemente por

mimese, de que modo opera na obra de arte. Depois, se a expressão está ligada à

aparência de que modo dela se liberta, ou se, pelo contrário se submete à forma no

sentido de representação do tema ou função.

Comecemos por observar a expressão nas artes plásticas. Servimo-nos desta

experiência para, numa analogia metodológica, analisarmos posteriormente a

arquitectura.

Ora a expressão é vista como sendo uma forma de exprimir sentimentos e transmiti-

los comunicando (ligada a uma teoria da empatia). Nesta afirmação a arte toma-se

como sistema de linguagem.

Contudo, na arte a relação casual entre significado e significante não ocorre, bem

como não existe uma construção de frase a partir de unidades previamente

constituídas.

O que quer isto dizer? Que, na realidade não podemos transferir taxativamente as

normas da linguagem para a arte, embora ambas se constituam como sistemas

simbólicos

Respondendo à afirmação de que a obra é um discurso que pressupõe um certo

código e de que através da obra o artista fala diremos apenas que a arte não tem

normas prévias: à medida que se constrói valida as suas próprias regras, por outro

lado não existe uma verdadeira narração, mas uma referência sem descrição- exibe,

apresenta mais do que descreve -.

Temos então que, embora a arte seja uma ordem comunicativa, daí o seu poder de

expressão, não se constitui como linguagem no sentido estrito.

Era necessário que esta clarificação tivesse lugar de modo a poder compreender que

a forma como a emoção pessoal se expressa na fala é diferente na arte, em certa

medida devido ao modo como se constitui o signo.

Expressão pode ser descrita como os meios através dos quais um artista comunica o

partido estético que assume, os seus sentimentos, ideias e visão interior.

A expressão usada para expor reacções emocionais directas, tem na arte um

39

carácter paradoxal. Porque se entendemos a emoção como uma experiência não

estética então a expressão é o meio sob o qual, actuando por mimese, a experiência não

estética entra na obra.

As formas, cores e materiais são veículos para a expressão do sentimento. Já

Richardson no século XVIII dizia que "se o assunto for grave, melancólico ou terrível

a tonalidade geral do colorido deve tender para o castanho, preto ou vermelho, e

para o sombrio, mas deve ser alegre e agradável em temas de júbilo ou triunfo."57

Quando Tápies descreve um quadro seu como uma tela branca com um monte de

palha dividido ao meio por um pedaço de madeira, na verdade quer dizer que "quer

fazer compreender a natureza primeira da dialéctica, a luta de todas as coisas (…) a

oposição o conflito, o reflexo o equilíbrio (…) o masculino e o feminino, o yang e o yin,

a vida e a morte (…)"58.

Isto é: quer expressar através da composição, dos materiais utilizados como

símbolos das suas ideias, pensamentos sobre a relação do homem com o mundo.

Certamente que, e um pouco ironicamente, alguém poderia contestar esta

explicação, dizendo: "Como fantasia este homem! Mas se aqui não há senão um

bocado de crina colada numa tela branca com um vulgar pedaço de madeira a meio"

ao que Tápies anuiria: "Somos obrigados a dar-lhe razão. Ele descobriu o nosso

truque. Todo e qualquer espectáculo, de facto, reduz-se a nada, a menos que

queiramos ver nele mais do que aquilo que existe".

Porque, na realidade tudo na arte é efeito: apresenta-se o movimento pela

imobilidade, a profundidade pela superfície; e deste modo a expressão (porque

aparência) torna-se imagem de tudo o que é fictício na arte. Se os valores

expressivos da obra de arte, inicialmente partindo de uma experiência não estética,

deixam deste modo de pertencer ao artista , ganham uma distância, que é a do

efeito, e tornam-se expressão da própria coisa. A expressão procede da mimese (de

um sentimento) para posteriormente a neutralizar. Deixa então de ser uma imitação,

da linguagem dos acontecimentos íntimos para se tornar efeito, artifício, não existe

uma simples reduplicação do que é subjectivamente sentido.

57 Richardson citado por Gombrich, E.H. em "Arte e Ilusão", São Paulo, 1986, p.327. 58 Tàpies, A. "La Realidade como Arte"

40

A própria disciplina pelo qual o artista consegue a forma já é em si um modo de

expressão o que quer dizer que a expressão se cumpre tanto na função mimética

como de um procedimento técnico ou mesmo metodológico.

Pode-nos parecer que a racionalidade inerente a uma técnica seja contrária á

expressão, contudo não creio que exista um verdadeiro conflito.

Para expressar as suas posições o artista em que dominar os meios de comunicação

(técnica como modo de fazer, modo de operar). A técnica é pois um modo de

exprimir com eficácia.

Na pintura não corresponde a uma duplicação daquilo que é sentido pelo artista pois

se assim o entendêssemos, a arte, enquanto cópia estaria sob o jugo da

objectivação. A arte só é realmente expressiva na medida em que sublima essa

objectivação de sentimentos humanos como a tristeza, a alegria, a dor através da

subjectivação.

Na arquitectura a expressão porque não deriva desse sentimento objectivo, pessoal

ou não, é mais uma exposição de atmosfera. Esse traço é consequência da natureza

pública da arquitectura.

Na arquitectura usa-se a linguagem simbólica permitindo comunicar significados;

utilizam-se os símbolos mediante a percepção (experiência) e a representação

(expressão). A materialização da relação faz-se através de um estado de

representação, que envolve uma estruturação de imagens sinais e símbolos. Como

escreve Kahn o projecto já tem implícito a vontade de ser e o desejo de expressar

essa vontade.

A atribuição de qualidades expressivas a um edifício constitui-se essencialmente por

uma comparação metafórica. O edifício pode ter uma expressão triste ou jovial,

intimidante ou desprendida. Mas não existe uma verosimilhança entre o edifício e os

adjectivos que usamos para descrever a sua expressão. Quer dizer: a expressão não

é necessariamente a mesma que as características físicas do objecto a que se

refere. A expressão de solidez é aparente pois não implica que a construção seja

sólida e firme.

Portanto a linguagem que utilizamos para localizar a expressão depende do modo

como os edifícios nos aparecem. Não tem relação com as emoções do arquitecto ou

41

directamente com a natureza do objecto.

Então como é que podemos atribuir determinada expressão ao edifício?

Digamos que assim como podemos atribuir valores expressivos a certas cores

conforme o carácter da pintura ou mesmo da arquitectura assim, dependendo do

carácter que pretendemos imprimir, pudemos usar a expressão acentuando o

significado pelo significante (aparência).

Usando o exemplo de Gombrich, faz todo o sentido Vitruvio recomendar templos dóricos

para Minerva e corintios para Vénus "dentro do veiculo á disposição do artista, o dórico é

certamente mais viril que o corintio. Dizem que o dórico expressa a severidade do Deus,

ele só o faz porque está na extremidade mais severa da escala e não porque haja nada

em comum entre o Deus da guerra e a ordem dórica" As ordens representam uma

expressão total: proporção, intensidade, escala e valor.

e) Análise da Forma- Elementos.

Para a análise do significado tomou-se em consideração que a forma ( deixamos de

parte a cor e a textura e tomemos a forma abstractamente) se revela em três

direcções: a dimensão a posição e a orientação.

Analisemos estes três vectores, a relação entre eles e a relação entre as formas em

si.

À semelhança do Groupe µ Peter Eisenman59 ao descrever a estrutura sintáctica e

as suas regras de formação e transformação considera as componentes formais- o

tamanho, a escala, a textura a cor e a luz- e as de relação entre os elementos-

sequência, intervalo, localização num contexto especifico ou seja numa determinada

estrutura.

As relações que percepcionamos no espaço têm a ver com a nossa condição psico-

motora. Porque estamos sujeitos à gravidade temos as noções de alto e de baixo-

eixo semiótico da verticalidade, pelo movimento apercebemo-nos daquilo que está

59 “Notas sobre Arquitectura Conceptual,- Estrutura Profunda Dual” comunicação de Peter Eisenman no

simpósio de Castelldefels Arquitectura história y teoria de los signos.

42

atrás ou à frente constituindo o eixo semântico da frontalidade. A simetria- eixo

semiótico da lateralidade -.

Estes eixos (significativos) são essencialmente de posição, o lugar central do eu na

sua relação com os outros.

A dimensão trava-se em relação a um limite (fundo delimitado). Uma relação entre

dimensão da forma e fundo. A orientação pode ser descrita como produto de um

movimento virtual (reversível) no ou sobre o fundo, segundo os movimentos

projectados.

O eixo semântico da posição articula-se, na oposição fundo/posição da forma com

resultados com mais ou menos estáveis. Uma forma centrada é estável e desenvolve

uma tensão fraca ou nula com o fundo.

O eixo semântico da dimensão revela-se pela dominância e o da orientação implica

dois factores- o equilíbrio e a potencialidade de movimento (uma orientação diagonal

em relação ao fundo percebido tem um equilíbrio nulo e uma potencialidade de

movimento máxima, enquanto uma orientação horizontal terá um equilíbrio máximo e

uma potencialidade de movimento nula). Na realidade as relações são bastante mais

complexas e principalmente no campo da arquitectura terá de ser clarificada a

questão do fundo delimitado contra o qual a forma concorre.

Se as formas podem evidenciar qualquer dos seus constituintes são contudo mais do

que a mera adição dos mesmos, ainda que se deixem descrever pelas suas

propriedades e relações.

As relações entre formas implicam uma relação entre os seus elementos ou

propriedades que os descrevem, o ritmo de dimensão- dimensão entre as várias

formas crescente ou decrescente- de posição- onde as distâncias das figuras são

ordenadas através de um eixo e os ritmos de orientação em que se alternam figuras

sujeitas a uma medida reguladora (por exemplo o quadrado apoiado na base

alternadamente com outro apoiado no vértice).

A análise do significado da forma pode assentar nestes princípios, ou propriedades

básicas da forma e das suas relações quer com outras formas quer nas relações

internas dessas características.

43

As formas podem classificar-se segundo as suas características em semelhantes ou

dissemelhantes podendo ser descrita a relação entre as figuras em termos de

transformação embora tendo em conta que transformado e transformante estão co-

presentes. Uma forma pode ser produto de uma transformação geométrica aplicada

sobre a outra segundo quatro operações fundamentais: a adição, a subtracção, a

adição-subtracção e a permutação.

Em relação às operações de adição e de subtracção referem-se as homotetias

positivas (posição de duas figuras geométricas semelhantes que satisfazem certas

condições geométricas) e as homotetias negativas; no quadro da substituição as

projecções e as transformações topológicas.

f) Representações da Arquitectura.

Para o arquitecto P. Eisenman a arquitectura não deve ter pretensões semânticas.

Em 1986 num artigo intitulado Post-funcionalism critica o funcionalismo e o realismo

(iconicismo) apontando três ficções convencionais : A representação seria uma

simulação do significado, a razão enquanto simulação da verdade e a história como

simulação da eternidade. Um manifesto por uma idade não clássica, atópica anti-

humanista (no sentido clássico) e anti-historicista.

Esta pretensão ecoa das teses de Derrida, e de Michel Foucault que, na linha de

Sartre, encontram no humanismo clássico, um inumano, a forma-Deus. É na

correlação de forças do Homem e do de fora que se compõe a forma (as forças por si

só não são formais mas topológicas).

No pensamento clássico essa força do de fora é equivalente à perfeição, sendo

portanto elevável ao infinito. Só no entendimento infinito, divino, mora a perfeição; a

consciência do finito, a sujeição à limitação procura a imperfeição (num sentido

também estético), porque sabe não poder alcançar a perfeição, que é uma medida

do inumano.

Nessa relação entre as forças do homem (finitas) e as forças do de fora (infinitas)

compõem-se a forma-Deus e não a forma humana. A ciência clássica reflecte esse

44

desdobramento ao infinito de cada elemento finito que faz parte de uma série

ilimitada.

Foucault analisa que quando essas forças do de fora são substituídas por razões

finitas (A Vida, o Trabalho e a Linguagem) "tripla raiz de finitude que vai fazer nascer

a biologia a economia política e a linguistica"60 o ideal clássico se dissipa e as forças

do homem e as do de fora compõe a forma humana. Forma humana esta que está

impregnada da sua própria mortalidade porque se instala na dobra de finitude.

Essa oposição à tríade representação/razão e história é uma oposição a uma ficção

maior - a construção de uma ordem visual especifica baseada na imagem especular,

na semelhança- daí a imagem como uma semelhança e por isso como

representação (se ela se parece é porque não é a mesma coisa) como a Imago Dei à

qual o homem seria semelhante.

Para Alain Renaud a visibilidade mudou de regime, já não é tanto um fixar uma vista

mas fixar o real, real esse já não entendido somente como objecto (referente) mas

como uma virtualidade (objecto de pensamento)- o modelo e as suas regras formais

de manipulação- que os interfaces permitam visualizar e manipular no ecrã.

Podemos descobrir semelhanças em Eisenman que parte quase sempre de uma

forma aprioristica, o cubo a que chamaríamos o seu modelo , e de um jogo de

manipulação formal interno e arreferente.

Como salienta Bettetini a expressão humana processa-se por dois modos: 1) a

reprodução por meio de signos materialmente diferentes do objecto o mesmo objecto

destinado à representação. 2) Experimenta as possibilidades de autonomia dos

signos e das linguagens que o estruturam para produzir significados de algum modo

motivados pelos objectos ou inclusivamente independente deles (objecto).

A produção arquitectónica inclui-se nos dois modos: pela produção de signos visuais

ou não que formam o projecto que se destinam a uma representação de um objecto

(ainda) virtual e por outro a produção de significados através de uma linguagem

própria. Parece evidente, neste caso, que a separação entre a produção de uma

imagerie (conjunto de imagens de representação) e a própria coisa- obra construída-

não são processos independentes bem pelo contrário.

60 Deleuze, G. “Foucault”, 2º edição, Lisboa, 1998.

45

Essa representação por meio de signos materialmente diferentes do objecto tem,

através do desenho arquitectónico, que utiliza sistemas codificados de desenho

(basta pensar no sistema ortogonal de projecções, na perspectiva, etc) tem um

carácter não só icónico, por analogia com o objecto, analogia essa sempre mediada

pelo símbolo não fossem os processos de desenho uma convenção.

A arquitectura (obra construída) cuja imagem é constituída pelas formas (signo

plástico), pela sua significação, por outro lado é reproduzida e representada

essencialmente através do signo icónico levantando por isso todo os problemas

referentes à utilização do signo icónico na produção da imagem.

Contudo pode-se dizer que a imagem da arquitectura sob um ponto de vista não

estritamente semiológico é bastante mais extensa incluindo todo o processo

desde a génese da obra aos textos produzidos, à representação bidimensional

incluindo os modelos tridimensionais e os eventuais registos fotográficos ou

fílmicos. Não existe uma imagem única mas um conjunto de signos que

participam no seu modo de produção e de consumação, subordinado sempre

(ou quase sempre, excepto nos casos em que a própria imagem é mais real que

o original, quando a imagem se autonomiza em relação à coisa representada) a

um referente materializado na obra construída.

III- O Lugar.

a) A Ideia de Permanência.

No livro I do tratado de Vitruvio definem-se as competências do arquitecto deste

modo: “There are tree departements of architecture: the art of building, the making of

time-pieces and the construction of machinery”61. Acrescenta ainda que a

arquitectura "must be built whit due reference to durability, convenience and beauty.

Durability will be assured when foundations are carried down to the solid ground and

61 Vitruvius “The Ten Books on Architecture” traduzido por Morris Hicky Morgan, Nova Iorque, pp.16 e

17.

46

materials wisely and liberally selected (…)".

É essa exigência de durabilidade, de solidez que podemos tomar como ponto de

partida. A ideia de permanência; de um lugar.

Quando F. Choay62 afirma o anacronismo do monumento-memória aponta algumas

causas: a primeira relaciona-se com a teorização do belo entendido como perfeição,

substituindo o ideal da memória pelo ideal de beleza; a segunda prende-se com a

difusão de memórias artificiais. A invenção da imprensa simboliza a transição de um

mundo baseado na tradição da oralidade ( e consequentemente na memória) para o

reino da imagem, do puramente visual e desencarnado.

Um lugar cuja memória, como elemento identificativo, é uma ficção dos meios de

comunicação imagéticos?

Segundo Michel Foucault63 o espaço medieval é ainda um sistema de lugares de

oposição: sagrado/profano, protegidos/indefesos, espaços urbanos/espaços rurais.

Mircea Eliade descreve-nos esse espaço de luz e de sombra do homem religioso:

onde o sagrado irrompe manifesta-se um lugar.

Em meados do século XVIII tornam-se visíveis algumas transformações na ordem do

mundo; transformações essas precedidas por dois acontecimentos de maior

importância: o heliocentrismo de Galileu e a Revolução Francesa.

A descoberta (ou re-descoberta) de Galileu "destroyed the integrity of appearance

and being, and helped thereby to institute cartesian doubt as a fundamental cientific

method"64.Foucault sublinha que o factor perturbador na re-descoberta de Galileu

não é tanto o seu enunciado como o pressuposto de que as coisas não são mais do

que movimento num espaço infinitamente aberto onde a dimensão do espaço

medieval se anula. À localização sobrepõe-se a extensão.

Actualmente o "arranjo" ou "combinação" substitui o espaço de extensão como

outrora este substituíra o espaço medieval de localização. O espaço apresenta-se

como um padrão da ordem. A disposição que nas palavras de Vitruvio "includes the

62 Ver Choay, F. “Allégorie du Patrimoine” 63 Ver Foucault, M. “Of Other Spaces: Utopias and Heterotopias” Rethinking Architecture editado por

Neil Leach, Londres, 1997, p. 350.

47

putting of things in their proper places" ( p.13- Livro I) tem agora uma outra escala, a

do território.

Para K. Frampton, na análise das causas da crise oitocentista da arquitectura, a

teoria heliocêntrica tem ainda outra consequência indirecta: a fabricação. Na

necessária mediação de um instrumento óptico que confirmasse a teoria copérnica

destaca-se o processo como meio para um fim.

Como afirmaria Hannah Arendt65 a fabricação que até aqui desaparecia no produto

final torna-se agora um fim em si próprio já que a ciência pura não estava interessada

na aparência dos objectos, mas na capacidade dos objectos revelarem a estrutura

intrínseca para além da aparência.

A falta de confiança no aparente, assim como a tendência para a fabricação começa

a erodir a estrutura tradicional da arquitectura.

Se a arquitectura não pode procurar legitimidade na herança cultural clássica

encontra na arqueologia (fuga ao presente) e no regresso às origens, à pureza,

entretanto desvirtuada, as âncoras necessárias à sua sobrevivência.

Uma arquitectura que se projecta num futuro utópico ou num passado mítico. Uma

arquitectura onde a construção não é uma condição sine qua non da sua existência.

Uma arquitectura de lugares irreais onde a luz que penetra a aparência e a revela,

surge como contraponto à massa de volumes da arquitectura clássica.

A arquitectura firma-se como cenografia, onde o tectónico, o telúrico e o táctil se

volatilizam.

b) Rumo ao Não-Lugar.

Escreve Montaner que a sensibilidade pelo “lugar” é recente. Ao autor, a ideia de

lugar contemporâneo aparece quase sempre com uma aura de efemeridade quer se

trate de espaços mediáticos, quer se traduza nos não-lugares (definição avançada

por Marc Augé) ou ainda nos lugares virtuais.

64 Frampton, K. “Industrialization and the Crisis in Architecture” Oppositions Reader editado por Michael

Hays, E. U. A.,1998, p.40. 65 ibidem

48

Por defeito o lugar antropológico será a "ideia, parcialmente materializada, que

aqueles que o habitam têm da sua relação com o território com os seus próximos e

os outros. É portanto uma ideia mitificada mas que impõe referências (culturais,

sociais) que quando desaparecem são dificilmente."66

"O dispositivo espacial é, simultaneamente o que exprime a identidade do grupo, mas

é a identidade do lugar que as funde, reúne e une, embora nem sempre seja deste

modo: a imagem de um mundo fechado e auto-suficiente é um mito condenado a

falar sempre da última deslocação como se tratasse da primeira fundação"67

O território não é estável, reinventa-se sempre. Ajustam-se as fronteiras, balizam-se

os limites resultantes das tensões e precariedade das relações.

Obviamente que existe a tentação de fixar a território, de reivindicar o lugar como

imutável bem como fazer a identificação do lugar, do genius loci com os homens que

lhe deram forma. Mas essa relação estática do corpo com o lugar é falsa porque se

todo o lugar depende de fronteiras e, por consequência da flutuação dessas

fronteiras assim como da mobilidade dos sujeitos, então o lugar será mais uma

"configuração instantânea de posições".

Onde se fixa então o lugar da modernidade. Será que o paradigma vigente do lugar é

o não lugar como preconiza Augé? Definindo o lugar como dispositivo de identidade,

relacional e histórico então o lugar da modernidade é, de facto um não-lugar. Não-

lugar ou um outro lugar, em todo o caso.

Um não-lugar é o lugar daquele que passa. Não tem um tempo de fixação, uma

duração, é essencialmente um espaço entre um lugar e outro. Mas esses itinerários

já não fazem parte da trama dos lugares, estão fora deles, são limbos, espaços

transitivos.

As tipologias que os povoam são mais inspiradas por uma lógica de distribuição

eficaz do que com a necessidade de se integrar num sitio especifico. A única

referência é em termos de fluxo de trânsito. O sistema dos não-lugares são mais

uma tópica, não há a criação de lugares mas de semelhanças. O não-lugar apenas

66 Augé, Marc “Não Lugares- Para uma antropologia da sobremodernidade” Lisboa, 1994, p.22. 67 Ibidem.

49

cria a identidade partilhada das passagens, isto é do código ao qual os utentes desse

espaço obedecem.

Globalmente é um espaço económico: quer nos encontremos num centro comercial,

num hipermercado, numa estação de serviço, num aeroporto, somos sempre

convidados a consumir. Alguém, parodiando, chamou Eurolândia à Europa. A

diferença é significativa, se Europa é um território delimitado, um local geográfico de

vários lugares, a Eurolândia é um espaço económico indiferenciado, um espaço

unificado sem fronteiras. É a rede de consumo que se alarga e generaliza.

Na opinião de P. Eisenman quando o mundo inteiro se pode considerar uma rede

operativa, a visão singular do mundo (correspondente ao Zeitgeist ) já não é possível.

O espaço que define a cidade: os anúncios, os filmes, a rádio, a fotografia são

mecanismos que interrompem as fronteiras erigidas na oposição dual entre noite e

dia, público e privado, aqui e ali. Uma arquitectura de informação representa de facto

um enorme distanciamento conceptual da ideia de arquitectura como construção do

lugar.

Tendo em conta a mudança do paradigma mecânico para um paradigma electrónico

(da máquina para os chips) como é que a arquitectura se materializa num limite, se

inscreve num território circunscrito. Como é que exerce a gravidade ( o seu peso

próprio) se existe a possibilidade de falta de lugar?.

Como as comunidades dependem da comunicação e esta se torna um sistema

independente de um qualquer lugar especifico, o mesmo acontece com a

comunidade. Pode-se falar em "não lugar" como "cenário" da civilização pós

industrial. Segundo Giddens o local refere-se aos cenários físicos da actividade

social. Nas sociedades pré-modernas o espaço e lugar coincidem largamente dado

que as dimensões espaciais da vida social eram dominadas pela "presença". No

entanto o habitar metropolitano, como descreve Cacciari caracteriza-se precisamente

pela ausência, é um habitar escondido e diversificado e onde a poesia, isto é o

vivificante e fundador não é algo que construa o nosso quotidiano global, mas sim a

experiência da ausência.

A arquitectura como facto tectónico em vez de "cenografias variadas", a luz como

factor em que o volume e o valor tectónico se revelam, o táctil opondo-se à tendência

50

de opor à experiência a informação, numa era dominada pelos meios de

comunicação imagéticos.

Na tese de Frampton alinha-se um incentivo à cultura vernacular indo de encontro à

ideia de Heidegger da habitação como um cuidar de, preservando o ser. Tratar

(cuidar) é o construir no sentido estrito e do lugar como limite. Neste sentido estas

noções de lugar e espaço vem retomar não só o espaço aristotélico do intervalo

corporal e do limite como do lugar hegeliano "de uma união de espaço e tempo em

que o espaço se concretiza num aqui ao mesmo tempo que o tempo se concretiza

num agora". ou se cruza com a ideia de Kaufmann sobre a intercomunicação entre

corpos situados do mesmo lugar que é a essência da arquitectura.68

c) O Outro Lugar do Cinema- Um Duplo.

Se na estratégia do cinema clássico se trabalha para iludir a fenda entre dois planos

consecutivos elaborando a ilusão de continuidade como efeito de discurso, nos filmes

vanguardistas acusa-se a junção entre os planos valorizando as descontinuidades.

O primeiro discurso liga-se a uma perspectiva convergente de centralidade. O olho é

a câmara é uno, é o olho de Deus, herdeira do sistema perspectivo do Quattrocento.

O segundo procedimento assume que câmara não é tanto um olho mas um espelho

(um espelho que pode ser apanhado a reflectir dissemelhanças, simultaneamente

um lugar irreal e contraponto ao lugar que ocupo), dissociando-se do epistema

clássico. O filme torna-se a sucessão de imagens livres de sentido ou de destino (fim)

"cessa de ser imagens encadeadas, uma cadeia interrupta de imagens escravas

umas das outras"69, em que cada elemento é simultaneamente autónomo e

pertencente da unidade.

68 Ver Muntanõla J. “Topogenesis I”. 69 Deleuze, Gilles, "Cinema II- L’image-Temps”, Paris 1983.

51

A sutura entre os dois planos pode então ser dissimulada ou evidenciada, de

qualquer modo é sempre um espaço/tempo em que se estabelece um «Entre».

O todo sofre uma mutação porque cessa de ser um «ser-total» para vir a ser o «e»

constitutivo das coisas.

Escreve P. Virilio que “we are witnessing a paradoxical moment in which the opacity

of building materials is reduced to zero. Whith the invention of the steel skeleton

construction, curtain wall made of light and transparent materials, such as glass or

plastic, repalce stone façades (…)”70

Aparentemente divergente é a posição de Calvino no livro "Seis Propostas Para o

Próximo Milénio". Sobre os apanágios da leveza escreve: "hoje em dia todos os

ramos da ciência parecem querer demonstrar-nos que o mundo assenta em

entidades delicadas: tal como as mensagens do ADN, os impulsos dos neurónios, os

quarks (…) e também a informática (…) bits de um fluxo de informação que corre por

circuitos sob a forma de impulsos electrónicos."71

O arquitecto japonês Toyo Ito aspira, por seu lado, à incorporeidade da arquitectura

que lhe parece adequar-se às condições da era da microelectrónica. Cria uma

arquitectura transparente, onde os limites se esbatem.

Para Virilio é precisamente a arquitectura privada dos seus limites materiais que se

perde: "begin to drift and float in an electronic ether (…)" desde que o registo da

visibilidade se trasladou de uma estética da aparência da imagem estável para a

estética da dissolução da imagem instável. A visibilidade é efémera, tem uma

duração puramente retinal. Virilio como D. Quixote luta contra exércitos invisíveis.

Mas independentemente da apreensão de Virilio, ou do optimismo de Calvino

algumas interrogações espreitam: será que a experiência mediatizada por um

interface substitui a percepção "real"? E qual a natureza do lugar? E que arquitectura

"sem corpo" se desenha?

Quando Michel Foucault traçando um mapa de outros lugares, avança com o

conceito de heterotopia caracteriza-o como um espaço desalinhado da sociedade

mas que se constitui como uma espécie de contra-arranjo. Fora de todos os espaços

70 Virilio, P. “The Overexposed City” in “Rethinking Architecture” editado por K. Leach , 1997 Londres,

p.382 71Calvino, I. “Seis propostas para o próximo milénio” 2º ed. 1990.

52

e contudo localizável. Uma heterotopia implica ainda uma ruptura no tempo

quotidiano e, se por um lado realiza a tarefa de criar um espaço de ilusão que revela

o quanto o espaço real é uma ficção, por outro lado podem formar um novo espaço,

outro espaço oposto ao real. "Se o cinema cria a substância que alimenta os

sonhos", escreve Gorjão Jorge, "e, por via disso marca presença também onde se

reflecte o nosso imaginário e onde ganham existência os nossos duplos ideais. (…)

como numa revelação súbita que anula a percepção do espaço em torno de nós e

suspende o tempo do nosso quotidiano."72

O cinema, uma heterotopia que projecta um espaço tridimensional num ecrã

bidimensional metamorfoseia a arquitectura numa outra. Um espaço de justaposição,

de montagem, de aceleração do tempo, de síntese. Por outro lado a arquitectura

parece ambicionar essa leveza e efemeridade (que não tem apenas a ver com

duração mas com mutabilidade e ligeireza) do cinema; e nesse sentido tornar-se

também um outro lugar. Um espaço "entre". Interpreta os sinais do mundo como um

desafio à sua própria essência: a solidez, a permanência a definição de um limite que

permita constituir a identidade de um lugar.

No entanto, ao mesmo tempo que nega a corporeidade não deixa de a afirmar pela

impossibilidade de a alcançar totalmente. A procura do vazio tropeça nesse

impedimento formal, na futilidade das intenções contra o material que resulta numa

tensão entre os desejos metafísicos de imaterialidade e a substancialidade física do

universo perceptível.

Parece evidente que recentemente, se entende uma paradoxal analogia entre uma

distopia urbana (de que o fenómeno da periferia é um exemplo) e o espaço virtual

enquanto espaços sem centro: redes, circuitos de informação cujo suporte material é

mutável. A energia e a massa como propriedades da matéria revelam-se de menor

importância no confronto com aquilo que a "informa".

O que o cinema revela mas também pode esconder é uma cidade virtual. Uma

cidade que pode ser construída por fragmentos de outros lugares. Através de

72 Jorge, J "Cinema e Arquitectura" in Cinema e Arquitectura , Catálogo da Cinemateca Portuguesa,

Lisboa 1999, p.46.

53

mecanismos próprios como o enquadramento, a mudança de planos, a iluminação, o

tempo/ritmo da imagem, as sobreposições e o processo de edição da imagem

"forma" uma imagem "coerente" do espaço.

Se o cinema pode criar uma imagem de cidade que corresponda às tensões

existentes, que se constitua como modelo da cidade, os urbanistas e em geral quem

reflecte sobre o território construído parecem apropriar-se desses mecanismos

próprios do cinema como instrumentos de trabalho. Há então um processo de

simbiose: a cidade reinventa-se através de procedimentos fora do seu universo

disciplinar e o cinema re-arranja uma outra cidade.

Interessa, por um lado, a cidade vista pelo cinema, como é que aparece

metamorfoseada, por outro essa apropriação dos processos cinematográficos no

construir da cidade.

O fascínio que a ideia de cidade virtual exerce sobre aqueles que de algum modo

criam uma imagem do espaço urbano, é evidente. Por um lado uma clara tentativa de

adequação ao Zeitgeist- do paradigma electrónico? - por outro o receio pelas

consequências que uma alteração da percepção- do experimentado ao simulado-

impõe.

Uma das interrogações de Virilio73 reflecte sobre se é o regime de imagens que cria

uma realidade instável ou é a própria realidade que se tornou mutável dependendo

menos de factores como a materialidade, o lugar ou a solidez e mais da efemeridade

das imagens a partir das quais percebemos e "construímos" a realidade.

Se a matéria constituída por massa e energia está presa a um "corpo", a informação

pode ser traduzida em termos de fluxo transitório. A informação sendo cumulativa

não é estável. São processos electrónicos, a tradução (a informação traduzida de

uma linguagem para outra), a atomização(os objectos são dissecados até perderem

materialidade transformando-se em pura energia e movimento), a logicização

(argumentos reduzidos a padrões lógicos pré-definidos) e a metaforização

(estabelecimento de relações não só entre conteúdos- ex. sons transformados em

73 Ver Virilio, Paul in "Les sSiences de la Forme Aujourd-hui" , Paris, 1994 p. 153

54

imagens) que reduzem o objecto a puras relações formais perdendo a sua

materialidade especifica74.

Um dos arquitectos dos SITE, James Wines, preconiza que as paredes devem ser "a

filter that receives and transmits a weatht of information (…) just like a television"75,

sendo o espaço um mediador, onde se organiza a informação, a arquitectura como

elemento natural estruturado por fluxos de informação. Dir-se-ia que a forma, não

sendo mais do que uma das características do objecto, não é apenas a sua fachada

mas está na natureza (funções) da coisa. Contudo interrogamo-nos se essa

coincidência entre conteúdo e forma não é apenas um fenómeno de tradução em

que a forma surge como um interface plano.

Se o olhar do cinema clássico sob a cidade previligia as vistas aéreas, como

tendência reprodutora do imaginário renascentista do olho de Deus central e elevado,

num outro discurso mais próximo a cidade não é pano de fundo estético mas antes

penetrável "para conhecê-la é preciso consumi-la"

Esta cidade vivida, um agregado de fragmentos, polimorfa, dispersiva, a cidade

virtual das luzes de neón dos écrans electrónicos. A cidade virtual dos

enquadramentos como território de uma sucessiva montagem de fotogramas, que,

no seu conjunto, são perceptíveis como um filme.

A relação entre o cinema e a cidade mede-se nessa alteração, uma metamorfose de

um real cada vez mais fascinado pela fantasmagoria, pelo efémero, pela imagem

transitória. Uma imagem que o cinema ajudou a criar, a da cidade de corpo

dilacerado.

Uma imagem da cidade numa era de saturação visual parece, no entanto, constituir-

se como um verdadeiro anacronismo, considerando que o espaço físico da cidade se

desmaterializa e desaparece.

Como resultado da nova informação digital e tecnologias de comunicação, Paul

Virilio76 argumenta que as cidades estão sobrexpostas donde o sentido do espaço

74 Ver Puglisi, Luigi "Hiper Architecture- Spaces in the Electrinic Age" , 1999. 75 James Wines citado por Puglisi, Luigi "Hiper Architecture- Spaces in the Electronic Age", 1999, p. 56. 76 Ver Virilio, Paul "The Overexposed City" Zone 1/2 1987, citado por Boyer, C. "Cibercities", Nova

Iorque, 1996, pp.14-39.

55

físico é permanentemente ameaçado pelo contínuo fluxo de imagens efémeras e

mutáveis.

As oposições outrora marcadas como sinal de urbanidade- ambiente

urbano/ambiente natural, centro/periferia- deixaram de existir. A cidade "(…)d' un

espaçe perspectif, d'un ordre mis en place à la renaicensse, celui où jouent toutes les

polarités, les rapports de forces, les systèmes représentatifs (langager, politique,

esthétique, scientifique), celui où joue la dialectique sujet/objet, signifiant/signifié,

fins/moyens; cet espaçe, où toutes les differences peuvent se déployer, est ouvert à

une expansion virtuellement infinie (…) cet espaçe perspectif, panoptique, rationnel,

qui est l' espaçe de la production, dela signification, dela représention (…)qui est

aujourd'hui en train de se'effondrer."77

A substituir essa imagem clara da cidade existe "a nonplace (…) in a state of

constant flux and interfaces, becames a new space-time, a contemporary asemblage

of nom material electronic forms78".

Para C. Boyer, o modelo para este urbanismo de passagem, de contínuo movimento

com as suas sobreposições paradoxais é o cinema e a televisão. Resta saber se a

cidade do cinema não é ela própria "real" reflexo de uma atopia característica da

época pós-moderna.

Os processos técnicos que o cinema utiliza são traduzidos para o espaço urbano:

travelling shots, jump-cuts, close-ups e slow motions "exploited experience of shock

and the collisions of these montage effects".

Apesar da (re)apropriação de tipologias e a introdução de valores sinestéticos como

a cor e o tacto (ver p. 48) a cidade pós-moderna aparece desprovida de significado

constituindo-se como um lúdico jogo de signos.

O realizador S. Eisenstein escreve em "Film Sense" que a nova percepção espaço-

tempo se expressa quer na pintura cubista ou na poesia moderna quer na paisagem

urbana: "The modern urban scene, speacially that of a large city at night is clearly the

77 Baudrillard, Jean "La Fin de la Modernité ou l'ere de la Simulation" , Ansay, P. e Schoonbrodt, R.,

Penser la Ville - Choix de Textes Philosophiques, Bruxelas, 1989, p. 213. 78 Boyer, C. "The City of Collective Memory- Its Historical Imagery and Architectural Entertainements"

Londres, 1994, P. 47.

56

plastic equivalent to jazz (…) the nocturnal sea of electric advertising knock at all

sense of perception of realistic depth (..)79".

Da cultura de vanguarda do ínicio do século XX deriva a ideia de montagem e a

estética da temporalidade. É contudo a chamada cidade-espectáculo (cidade pós-

moderna) que utiliza simultaneamente "stage settings, juxtaposing multiple

perspectives and spatialization separate times as intentional compositional

arrangements"

79 Eisenstein, S. "The Film Sense" Nova Iorque, 1942.

57

IV- A Cidade no Século XX.

Das cidades descritas por Marco Polo80 a Kublai Kan é uma ordem invisível que

emerge. Sinais de memória, de movimentos imaginados, de desejos. Entre (ou

apesar) da geometria (da racionalidade) da cidade aparece a sua essência, a sua

eterna sedução que parte do delírio do viajante que caminha no deserto e que sonha

com um oásis para se perder.

Em cada cidade Polo descreve os signos concretos que a definem (a todas as

cidades): os marcos relevantes como as cúpulas, as chaminés, as ruas de lâmpadas

multicores, a cidade sonhada na juventude e a cidade perdida- cidade nostálgica.

a) A Viagem das Imagens.

É propósito deste trabalho explorar as dimensões onde o cinema e a cidade se

encontram. Essa relação será dirigida em termos de imagem e de imaginário.

Imagem como algo que representa outra coisa e a ela se assemelha, imaginário

como construção de um mundo: a ficção e a utopia.

Esta relação que se estabelece é reciproca, isto é, tanto a arquitectura se alimenta

das imagens produzidas pelo cinema como o cinema sintetiza as imagens que

arquitectos, urbanistas, e em geral todos aqueles que pensam sobre espaço urbano

produzem; o que implica dizer que as influências reciprocas entre a arquitectura e o

cinema não estão apenas ao nível da imagem entendida como ícone, mas também

da literatura, da crítica ou da utopia social, traduzida em termos imagéticos.

Na viagem das imagens constituem-se imaginários de vária ordem, embora nesse

domínio seja o cinema o meio mais poderoso na produção de um determinado

imaginário. Aqui emprego a palavra produção no sentido de fabricação. Existe

conscientemente no cinema uma vontade de construir um imaginário colectivo. Essa

capacidade e também esse desejo fazem do cinema o que Foucault denominaria por

80 Ver Calvino, I. "As Cidades Invisíveis"

58

heterotopia, um outro espaço que se estabelece simultaneamente como de ilusão e

de compensação em relação e através do mundo real.

As cidades formam-se por vários estratos cumulativos de necessidades, ideais,

projectos, desejos, utopias, memórias; não é portanto possível fazer um corte em

relação ao período de tempo que queremos "dissecar" mas contudo permanece a

necessidade de enquadrar esse momento.

Uma ideia de cidade em que cabem todas as idealizações e onde é posta em

evidência a relação com a teoria de arte que reflecte sobre os instrumentos de

trabalho, modos de representação e o modo como essas premissas de base se

formalizam tanto no modo de fazer cidade como no cinema. Esses mecanismos

estruturais são uma espécie de rede que liga os componentes aparentemente

dispersos e heterogéneos. Nos "modos de fazer mundos"81 - e aqui não interessa o

que é que surge primeiro, se a teoria se a prática- que surgem no início do século xx:

a colagem/montagem, a sobreposição, a simultaneidade, encontram no cinema um

meio privilegiado de expressão.

Desde finais do século XIX que se descobre uma influência da "América" no

imaginário europeu, que vê na cidade americana- e sobretudo depois da

reconstrução de Chicago- o paradigma da cidade do futuro. Esta é outra das vias

pela qual o cinema se irá estabelecer como "produtor" de cidades; mas como as

imagens se alimentam de outras imagens as fontes que inspiram cineastas são

frequentemente visões utópicas de arquitectos que no filme encontram uma "quase

vida", uma "quase realidade". A impressão de realidade que é característica dos

sonhos e do cinema. Como escreve Baudry "The cinematographic apparatus

reproduces the psychical apparatus during sleep: separation from the outside world,

inhobition of motorcity (…) in cinema, the images perceveid (very likely reinforced by

the setup of the psychical apparatus) will be over catlected and thus acquire a status

which will be the same as that of the sensory images of dreams"82

81 Referência ao título -em português- do livro de Nelson Goodman "Modos de Fazer Mundos", Lisboa,

1995. 82Baudry, J-L "The Apparatus: Metapsychologiacal Approaches to the Impression of Reality in Cinema"

Film Theory and Criticism editado por Mast, Cohen e Braudy, Nova Iorque 1992, p. 706.

59

b) Da Pólis à Metropólis.

Em resumo: esclarecer como a ideia de cidade, entendida como um modo de

organização particular se afasta progressivamente da sua génese: da pólis à

metropólis.

Os textos clássicos que se referem à cidade como "A República" de Platão e "A

Política" de Aristóteles podem ser o ponto de partida para compreender a ideia de

pólis.

No diálogo de Platão, a conversa converge para a definição dos fundamentos da

cidade. É de comum acordo que, aparentemente, a cidade se estabeleça para

satisfazer as necessidades básicas do homem: a alimentação, a habitação, e o

vestuário. A cidade será constituída não só pelos homens que exercem essas

funções como pelos agentes que se encarregam da comercialização, importação e

exportação dos produtos; mas mais importante, a cidade não seria assim designada

se não incluísse todos aqueles que não estão por necessidade como os músicos, os

dançarinos, os actores…

Definidos os alicerces da cidade como organização social e política, Platão refere-se

à sua forma física destacando a ideia de cidade como um todo: a cidade deve ter um

limite de modo a conservar a sua unidade. Não deve ser pequena nem grande na

aparência, mas deve ter as proporções suficientes para preservar uma unidade.

Portanto a pólis de "A República" é um território organizado e classista de limites bem

definidos. A cidade funciona como um organismo que não deve crescer para além do

necessário. Nesse corpo as relações sociais e a gestão política evidenciam-se como

estruturas que podem ser ameaçadas pelo crescimento da cidade. O todo que é

constituído por essa trama social e o cenário físico da cidade poderá perigar se o

limite da cidade for para além do possível controle político.

Em "A Política", Aristóteles delineia as bases da cidade de um modo pragmático.

Começa por, tal como Platão, definir cidade como uma espécie de comunidade

formada em vista de um certo "bem". Todos os homens que vivem em comunidade

60

visam um bem determinado- Esse bem que engloba todos os outros é a comunidade

política.

Infere que sendo o homem um animal político por natureza, mais político que

qualquer outro animal gregário, porque tem a palavra; a cidade é uma realidade que

existe naturalmente. A propósito da palavra, como princípio gregário, Aristóteles

escreve:" le discours sert à exprimer l'utile et le nuisile, et, par suite aussi, le juste et

l'injuste: car c'est le caractére propre de l'homme par rapport aux autres animaux,

d'etre le seul à avoir le sentiment du bien et du mal, du juste et del'injuste et des

autres notions morales, et c'ést la communauté de ses sentiments qui engedre famille

et cité"83

Ora de que modo a cidade aparece nesta exposição? Em primeiro lugar reafirma-se

a cidade como comunidade, um todo coeso pela organização política. Aqui pólis e

política confundem-se, uma não existe sem a outra. Por outro lado os sentimentos

que estão na génese tanto da família, como unidade mínima da comunidade, como

da cidade são de ordem moral: o bem e a justiça como pilares da sociedade; pois é

nessa distinção, entre bem e mal justiça e injustiça, que o homem exerce o seu poder

político.

Como o todo é necessariamente anterior às partes, a cidade será anterior á família e

a cada um de nós tomado individualmente. Um todo destruído não pode ser tomado

pelas suas partes.

Quando as coisas cessam de poder cumprir a sua "utilidade", não se pode dizer que

são as mesmas coisas mas que tem o mesmo nome.

Assim o indivíduo que é incapaz de se bastar a si próprio, será em relação á cidade

uma parte em relação ao todo. Mas aquele homem que já não é capaz de ser

membro de uma comunidade, não faz parte de uma cidade é "bruto ou um deus".

Para Aristóteles, tal como para Sócrates, a unidade da cidade é essencial: "La cité

est composeé nom seulement de une plurité d'individus, mais encore d'elements

specifiquemet distincts: une cité n'est pas formée de parties semblables, car autre est

une symmachie et autre une cité"84

83 Aristote "La Politique" Paris, 1982 Ansay, P. Schoonbrodt, R. "Penser la Ville- Choix de Textes

Philosophiques-" Bruxelas, 1989, p.138. 84 Ibidem

61

A forma da cidade depende da sua "forma" política, "Quand la forme de

gouvernement devient autre et différente, la cité aussi n'est plus la même(…)"85

referindo-se por exemplo à cidadela como forma ideal para uma oligarquia ou uma

monarquia…

A cidade medieval não faz depender a forma urbana na sua totalidade dos

imperativos pelas quais se organiza.

Como observa Descartes a propósito da cidade medieval, "on y trove (dans la edifie)

souvent autant et plus dárt qu'en ceux des autres; toutfois à voir comme ils sont

arrangés, ici un grand, ici un petit, et comme ils rendent les rues courbées et inégales,

on dirait que c'est plutôt la fortune que la volonté de quelques hommes usant de

raison qui les a ainsi disposées."86

É claro que esta é uma visão racionalista, que privilegia a ideia da cidade

renascentista, que deverá, ao contrário da precedente, ser de leitura clara e ordenada

em relação a um centro.

c) Um Cenário em Mutação.

No livro "A Cidade e o Arquitecto"87 L. Benevolo reúne uma série de ensaios sobre a

cidade. Benevolo inicia com uma distinção que me parece muito importante,

esclarecendo o duplo sentido da palavra cidade: por um lado esta invoca um

85 Ibidem 86 Ansay, P. Schoonbrodt, R. "Penser la Ville- Choix de Textes Philosophiques-" Bruxelas, 1989. 86 Benevolo, L. "A Cidade e o Arquitecto" Lisboa, 1984.

62

determinado tipo de organização política, por outro refere-se ao lugar que materializa

essa organização.

É claro que o corpo da cidade, pode ser, e geralmente é mais duradouro que o

sistema político que o informa. O cenário físico de um determinado tipo organizativo

pode sobreviver-lhe e é nesse desfasamento que se instala a memória da cidade.

Entre os significados que se perdem, e os que se impõem quotidianamente como

pistas para o futuro. Mas como os signos materiais têm uma maior perenidade, a

tendência é a de acumulação de significados diferentes cuja sobreposição é

conflituosa por implicar uma desafectação de memórias que se agarram

teimosamente a fragmentos, vestígios materiais que as enformaram.

Nem sempre há uma correspondência inequívoca entre cenário físico e sistema

político. A partir do renascimento emerge uma nova dimensão de cidade. A

afirmação de autonomia da arte traduz-se também no projecto da cidade como "obra

completa e auto-suficiente"88 que pode ser criada e teorizada autonomamente. No

início esta noção aplicar-se-à à cidade medieval, mas mais tarde desloca-se do plano

real e toma a forma de utopia -a cidade ideal- uma cidade que é a forma visível de

uma utopia social e política, de um modo organizativo idealizado, e de um modo de

pensar que tende à criação de modelos universais.

A cidade burguesa, que se desenvolve com a revolução industrial impõe

transformações importantes que mudam o anterior estatuto da cidade e implicam

novas formas de gestão. Essas transformações podem ser resumidas em quatro

tópicos: 1) A aceleração do ritmo de transformação faz com que a mudança de

cenário físico da cidade, ultrapasse os limites da experiência colectiva (duração na

memória-história) e se imponha na experiência individual (é no tempo de vida do

indivíduo que essa mudanças ocorrem). Esse cenário relativamente fixo passa a ser

sucessivamente transformado em intervalos de tempo cada vez mais curtos,

deixando de se poder considerar como referência exterior, material da memória,

exigindo, por isso um maior esforço de adaptação. 2) Aumento demográfico e

88 Benevolo, L. "A Cidade e o Arquitecto" Lisboa, 1984, p.23.

63

consequente crescimento da procura de habitações, maior mobilidade de bens e

pessoas. 3) diluição da distinção entre campo e cidade. 4) modelo de expansão

democrático (teoricamente este novo tipo de cidade é tendencialmente igualitário nas

oportunidades). É na cidade industrial que se identificam novos modos de gestão que

tentam responder aos problemas emergentes que L. Benevolo agrupa em quatro

modelos: a cidade liberal cuja administração ocorre no período das transformações

impulsionadas pelo desenvolvimento económico, confia no reequilibro das estruturas

privadas para resolver as contradições surgidas - até meados do século XIX- A

cidade pós-liberal oscila entre o completo liberalismo e o completo controle

(Falanstérios de Fourier por exemplo). A gestão da cidade liberal corrigida é atenta

aos excessos da proposta liberal e cria mecanismos de controle intervindo

nomeadamente no mercado imobiliário privado. Por fim a cidade moderna constitui-

se como alternativa à cidade pós-liberal. Através dos elementos mínimos do

programa de pesquisa arquitectónica modernista, a habitação toma um sentido global

de conjunto desde a unidade mínima até ao agrupamento, da habitação à cidade. Na

opinião de Benevolo, não existe, actualmente, uma correlação entre cenário físico e

sociedade, resulta esta desadequação da manutenção de instrumentos de gestão da

cidade que impossibilitam a optimização dos recursos económicos, sociais e

tecnológicos actuais.

d) A Cidade Moderna- A Cidade e os Meios de Produção- As Vanguardas Históricas.

Já as primeiras definições de cidade -pólis grega- dotavam a cidade de um sistema

produtivo, um meio organizativo de produção e consumo de bens essenciais.

A cidade e o modo de vida na cidade estão ligados à ideia de forma urbana como

cenário de uma unidade produtiva e simultaneamente como um meio de

coordenação do ciclo produção-distribuição-consumo89.

A ideologia do consumo é uma forma de usufruir a cidade. As vanguardas do início

do século XX mais não fazem que sistematizar a experiência do choque da

89 Ver Tafuri, Manfredo "Projecto e Utopia" Lisboa, 1985.

64

metrópole contemporânea em códigos visuais e de acção "mutuados pelas

características já consolidadas da metrópole capitalista - velocidade dos tempos de

transformação organização e simultaneidade das comunicações, tempos acelerados

de uso, eclectismo.90-

As vanguardas históricas especialmente o construtivismo empenham-se na área

onde o esforço intelectual teria estado afastado até lá: o trabalho e a planificação do

trabalho; mesmo a própria génese das vanguardas segue, segundo Tafuri "a lei típica

da produção industrial" onde a revolução técnica é alimento para a produção

contínua.

Para a vanguarda a montagem é essencial pois permite passar de um universo

romântico que reflecte a perda de valores à interiorização das leis da produção usada

através da "linguagem de signos puros, compreensível por uma massa que tenha

encaixado completamente o universo sem qualidade da corrente monetária.91"

Através da sublimação esse universo sem valor da produção industrial é retomado

como novo valor.

As vanguardas soviéticas como o construtivismo, ou o De Stijl e a Bauhaus

representam alternativas à política pela ética.

Embora o construtivismo russo esteja ligado à crise artística que resulta da revolução

de Outubro (1917) é um movimento com heranças culturais identificáveis como a

obra de Apolinarig Krasovskig "L'architecture civile" publicado em 1851 ou as

traduções das teses de Viollet-le-Duc e Auguste Choisy92.

A noção de Konstrukciga (construção) é particularmente adequada já que não só faz

referência ao modo de edificação como se aplica também a objectos técnicos

exteriores à construção- máquinas e dispositivos técnicos.

Não há uma colagem às formas da máquina mas uma aprendizagem do método do

Konstruktor: "Plus que d'imiter les formes de silos ou des usines (…) il conviendra de

s'inspirer de la machine elle-même puis du processus productif dans son ensemble93"

90 Ibidem 91 Ibidem 92 Ver Cohen, Jean-Louis "Le Construtuvisme Russe" L'idée Constructive en Architecture, Edição dirigida

por Xavier Malverti, Paris, 1987 p. 163. 93 Ibidem

65

Do debate do "Primeiro grupo de trabalho dos construtivistas" (Alexander Rodchenko

e Varvara Stepanova)

Sai a seguinte declaração de princípios: "La construction est l'organisation effective

des éléments materials.

Les indices de la construction sont: le meilleur usage des materiaux, l'absence

d'elements superflus. La configuration de une construction est la combinaison des

lignes, des plans et des formes qu'ils definissent; c'est un systeme de formes. La

composition est une arrangement conforme à une signification définie et

conventionnelle94"

A construção é a organização de elementos, essa organização pressupõe a lógica da

linha de montagem industrial. Ordenando a criação de estruturas práticas (úteis) em

três disciplinas: a tectónica (um pouco entendida no seu significado geológico, de

explosão, movimento), a faktura e a construção, o construtivismo pretende realizar de

uma forma cientifica e disciplinada o trabalho de montagem da criação.

Segundo Alexei Gan (um dos elementos do grupo produtivista que se opunha ao

mítico-idealista de Malevitch) escreve no manifesto "constructivism": "If the tectonic

unites the ideological and formal, and as a result gives a unity of conception, and the

factura is the condition of the material, then the construction discovers the actual

process of putting togheter."95

Também a cidade moderna se descobre como um verdadeiro sistema de produção:

do elemento mínimo (a célula) ao bairro e à cidade, uma cadeia de montagem onde

cada porção sendo um elemento autónomo tende a diluir-se formalmente na

montagem. É o processo e não os objectos que são apreciados na experiência

estética.

e) Uma Cidade Pós-Moderna?

A arte que renuncia à vanguarda, escreve Tafuri, renuncia também em resolver as

94 Ibidem 95 "Art in Modern Culture- an Anthology of Critical Texts" editado por Francis Frascina e Jonathan Harris

p.392.

66

contradições das cidades capitalista (a desigualdade e a caoticidade) reutilizando

esses desequilíbrios como um valor a explorar.

A cidade moderna, até à revolução industrial era constituída por uma estrutura social

relativamente rígida que resistiu à crescente individualização e fragmentação. Essa

estrutura social distribui as classes menos favorecidas na periferia mantendo o centro

ocupado pela burguesia. Esses laços comunitários, resquícios da organização da

pólis, da cidade enquanto comunidade foi substituída por outra forma de socialização:

o consumo ou a cidade organizada de modo a que os lugares de consumo

substituam a estruturas da vida social.

"El espacio fisico de la ciudad", escreve Léon, desaparece sendo substituido por "un

espacio de geometria variable, donde lo local no tiene la referencia de la historia, la

cultura o las instuticiones que son substituidas por las redes de información (…)96"

A metapólis, ou a cidade da informação é como a cidade Ersilía de Calvino em que

as relações entre os habitantes são estabelecidas através de fios, quando essas

teias de relações se tornam um obstáculo as casa são desmontadas e só restam os

fios e os suportes de fios. "assim viajando no território de Ersilia encontramos as

ruínas das cidade abandonada, sem as muralhas que não duram, sem as ossadas

dos mortos que o vento faz rebolar: teia de relações intrincadas que procuram uma

forma"97. Eis a metáfora perfeita da cidade actual, a cidade em rede que procura uma

forma entre as ruínas do passado.

Numa evolução desde a cidade medieval, desordenada e irregular ao projecto

racional da linearidade geométrica à cidade pós-moderna que recusa a determinação

espacial, numa reacção epidérmica ao racionalismo e determinismo do modernismo;

a arquitectura já não "toma en consideración el entorno, ni el paisage, ni la história,

que se cita a sí misma como lo hace el texto derridiano que no tiene en cuenta lo que

está más allá del margen"98

O animal político que Aristóteles define em "A Política" é aquele que habita a pólis . O

indivíduo não é nada sem a cidade como a parte não o é sem o todo. A cidade

96 Léon, Francisco "Metapolis- La Ciudad Deconstruida" Astragalo -Metapolis la Ciudad Virtual, nº 9

Julho 1998, pp17-41. 97 Calvino, Italo "As Cidades Invisíveis" Lisboa, 1985.

67

contemporânea distancia-se da pólis não só pela ausência de limites ou de uma

comunidade como também na desarticulação dos espaços que enformavam a vida

social da cidade (como as praças). O espaço privilegiado da sociedade de

informação é a estrada onde é o próprio fluxo e não os lugares que liga que são

importantes. A estrada é, num sentido metafórico, um emblema da pós-modernidade

que se vê "em trânsito". Como ironiza Venturi, os americanos não precisam de

praças dado que devem estar nas suas casa a ver televisão(fluxo informativo,

semelhante a uma estrada, o interface substitui a experiência real de pertença a uma

comunidade, mediante a impossibilidade de um controle directo dos acontecimentos

da comunidade a televisão substitui esse espaço social afectivo mas também de

controle).

No final do renascimento, no século XVII á perfeição de Deus sobrepõe-se uma nova

forma de abordar os problemas do pensamento, surgindo um gosto pelo novo e um

desprezo pela tradição. Essa desconfiança poderá em parte ser explicada pela

confirmação da teoria heliocêntrica. Nesse período o homem surge como centro da

reflexão, um humanismo que crê nas possibilidades do ser levadas ao extremo, o

ideal de perfeição.

Mais tarde também esse ideal desaparece substituído pela relação do sujeito com o

mundo, materializada na linguagem. O novo Deus já não é a razão humana mas o

modelo lógico e científico. Léon arrisca que será a "morte" deste "deus" da

linguagem, que já não é capaz de se vincular á realidade e que se transforma em

texto, numa sequência linguistica que já não significa nada, e que, nesse processo

cria uma desrealização que se traduz na desconstrução do espaço.

Questionando o fechamento do sujeito na sua consciência (razão) o pós-

estruturalismo dita a morte do sujeito enquanto também questiona a própria

arquitectura pondo em causa a noção de limite no seu sentido racional de obstáculo.

Para Léon a megapolis já não é organizada por entidades discretas que formam

limites como na cidade tradicional, mas antes trajectórias, percursos traduzidos

geometricamente por vectores que conformam a rede virtual. Esta cidade feita de

98 Léon, Francisco "Metapolis- La Ciudad Deconstruida" Astragalo -Metapolis la Ciudad Virtual" nº 9

Julho 1998, pp. 17-41.

68

fios, de rastos de luz não é capaz de criar (nem deseja) limites rígidos como definidos

por um plano (aliás a cidade pós-moderna recusa desempenhar um papel propulsor

relativamente à cidade e ás estruturas de produção uma vez que a ideologia do plano

(programa das vanguardas históricas) foi substituída pela realidade do plano) antes

se comporta como uma membrana permeável aos fluxos de informação. Esta cidade

já não é sensível à distinção ente espaço interior/exterior, o limite, a haver, deve

funcionar como um interface, um écran que não se constitua como barreira entre

essas duas oposições.

A cidade capitalista desenvolve-se enquanto sistema de signos autónomos "estos

edifícios, que nada tienem que ver salvo con ellos mismos, afirmam su diferencia

inmedista y total de senãles extranas a la diferencia articulada de los signos"99

Esta disposição cria uma cidade autista compensada pela informação, ou seja um

sistema gráfico eloquente que facilita o percurso do transeunte.

Num primeiro momento o monumento é reduzido a um signo icónico-imagem- e

portanto facilmente apreensível pelos meios de reprodução mecânica,

posteriormente tende a fazer coincidir a imagem veiculada pelos media com o próprio

construído; daí a progressiva desmaterialização dos signos urbanos que perdem a

sua dimensão física -gravidade, massa- e simbólica.

Se era tradição europeia desde a tratadística uma prevalência da ideia - do conceito-

sobre a prática; a influência americana inverte este rumo. A prática informa a teoria,

donde as novas teorias sobre a metrópole reflectem essa tendência que se faz sentir

desde o início do século, no fascínio de arquitectos e urbanistas por cidades

americanas desde N.Y., L.A. e Chicago, manifestando-se a exemplaridade da

metrópole americana como síntese prática das teorias sobre a cidade

contemporânea.

Se a pólis grega assentava sob uma estrutura metafísica e naturalista, a cidade

actual reflecte uma ordem económica e técnica (domínio sobre a natureza- já não há

oposição entre natural e artificial)

99 Choay, F. "Hacia un Nuevo Estatuto de los Signos da la Ciudad" Astragalo- Território y Signos de la

Metropolis, Março, 1995, pp. 9-16.

69

É talvez necessário contrapor a uma prática de cidade da era moderna-

renascimento- a cidade pos-modernista, que não se direcciona numa vertente única

de acção antes se fragmenta em vários modos que terão em comum um discurso

anti-moderno.

A propósito do espaço da modernidade Baudrillard escreve: "podemos decir que este

espacio perspectivo, panoptico, racional, que es el espacio de la producción, de la

signification y de la representatión…"100

A arquitectura do humanismo reitera os seus pressupostos: a crença no indivíduo

único, a aura, a ordem do mundo central e indiviso, a ideia de progresso permanente

e a emancipação. Ao contrário do principio da arquitectura gótica, esconde o "modo

de fazer", opera sobre a pele, a fachada autónoma da construção- tectónico-

A cada vez maior especificidade da disciplina implica a codificação dos processos e

instrumentos do projecto. A separação entre a ideia e o seu modo de produção são

áreas distintas, quando antes se agrupavam sob o mesmo denominador.

A cidade renascentista constroi-se por motivos de representação e poder como

outrora se construía por motivos defensivos.

"La modernidad exigia un espacio objectivo y simbolico, un espacio arquitectónico y

teatral concebido desde la perspectiva"101

O projecto moderno, desde o renascimento liberta a economia do território físico. As

cidades ideais, e as cidades coloniais pressupõem a sua fácil reprodução infinita no

espaço. Mas o domínio da racionalidade, é hoje em dia um pensamento unificador e

mecânico donde o projecto de globalização é tão só uma forma de impor a destruição

do espaço finito, substituindo a visão de um total múltiplo e variado pelo fragmento

que representa a totalidade. As cidades tão pouco necessitam de ordenamento, a

velocidade homogeneíza e torna coerente o território urbano desconexo.

As cidades europeias e americanas sempre foram diferentes no modo de habitar: a

habitação colectiva na Europa e os subúrbios americanos de habitação unifamiliar. A

100 Baudrillard, J. "El hipermercado y la Desintegración" Astragalo- la Ciudad y las Palavras" Setembro

1999, p. 127. 101 Trachana, A. "La Representation de la Arquitectura del Humanismo" Astragalo- Território y Signos de

la Metropolis - Março, 1995, p.82.

70

relação a um centro que domina muitas cidades europeias também não existe nos

EUA, onde se pratica um urbanismo de extensão, onde as ruas, muitas vezes

comparadas a desfiladeiros do oeste americano, são ladeadas pelos arranha céus…

A americanização do espaço europeu não passou apenas pela imagética da cidade

moderna, mas mais recentemente pressionando pelas estruturas de mercado

abandona a zona da "baixa" e desloca as grandes infra-estruturas de consumo como

os hipermecados fora do centro da cidade.

Tal como podemos dizer que o sonho americano dos subúrbios não seria possível

sem o automóvel, a Internet, que parte de uma invenção de cariz militar durante a

guerra fria (1969) reitera o modo de vida americano, a ideia de democracia global, e

da autonomia individual.

Será que o ataque do pós-modernismo à hegemonia, ao terrorismo do único acarreta

uma mudança socio- política relevante tal como o projecto da renascença italiana em

relação às estruturas medievais?

Afirma-se questionável a viragem em que o modelo económico post-capitalista da

economia global não se constitui como alternativa.

As divergências quanto ao âmbito do chamado pós-modernismo são várias mas

referem-se geralmente ao conteúdo ideológico: será que o pós-moderno tem um

corpo teórico próprio ou é um dos resultados da crise do modernismo?

Para alguns autores as expressões moderno, modernidade e modernismo são

equivalentes, porém como nos recorda Maldonado102 se as duas primeiras podem ter

um significado aproximado já o termo modernismo se refere exclusivamente aos

movimentos de vanguarda do início do século XX.

Por um lado o pós-modernismo identificando-se com o modelo

de sociedade pós-industrial acolhe dois sentidos distintos: um que se afirma como

anti-industrial pedindo um regresso a um modelo agrário, pré-industrial enquanto por

outro lado se identifica com uma sociedade altamente terciarizada geralmente

102 Maldonado, Tomas "El Futuro de la Modernidad" Madrid 1990

71

dominada pela tecnologia em especial pela telemática (informática e

telecomunicações).

Mas se o prefixo pós aponta para um modelo para além do industrial, a ideia de

expansão tecnológica parece contraditória, facto que terá levado A. Toffler a preferir o

termo super-industrial.

Em todo o caso ambas as visões são, segundo Maldonado, neo conservadoras: uma

nega a modernidade outra tenta supera-la mas opera na mesma direcção ideológica.

Estas posições contraditórias levaram alguns autores, Habermas por exemplo, a

considerarem o pós-moderno não como real alternativa mas sim o resultado da crise

da modernidade cultural "com os seus efeitos românticos característicos; ou no

domínio artístico, a crise do modernismo com os seus movimentos de avant-garde

que não são mais que um prolongamento da revolta romântica."103

Para Vavakova a polémica em torno da ideia de pós-modernidade contrasta com o

"fraco nível do seu desenvolvimento e conceptualização, mesmo no domínio onde

aparece com mais convicção como na arquitectura ou a crítica literária. 104"

Assim é possível distinguir na arquitectura essas duas vertentes aparentemente

antagónicas do pós-moderno: por um lado a tentativa de regresso a um hipotético

passado pré-industrial expresso nos trabalhos Robert e de Léon Krier e por via

historicista e vagamente nostálgica as primeiras obras de Venturi ou de Moore. Na

outra senda a arquitectura tecnológica descendente das experiências dos Archigram

de Peter Cook como Rogers e Foster, ou ainda uma via tecnológica (não industrial)

que deriva da informática onde poderemos incluir Piano, Nouvel, Ito ou Calatrava,

embora trabalhando em níveis de conceptualização diferentes.

Mais do que criar um dispositivo de criação homogénea, a pós-modernidade

caracteriza-se pela multiplicação e pela dispersão, uma arquitectura que parece

procurar através da contradição e do fragmento um novo caminho sem pretensões

de perenidade ou estabilidade e em consonância com o sistema económico vigente.

Contudo estará sempre disponível para uma mudança de sentido, que não sendo,

até hoje, de sinal suficientemente forte, é pacientemente adiada.

103 Vavakova, Blanka "Lógica Cultural da Pós-modernidade" Revista de Comunicação e Linguagens -

Moderno/Pós-Moderno v.6/7 Lisboa 1998, p. 103. 104 Ibidem

72

Se o espaço físico da polis se ergue em consonância com os dispositivos socio-

políticos de representação, os espaços da cidade pré-industrial reflectem essa ordem

que assume a coincidência: os representantes e os representados estão no mesmo

espaço-tempo. Quando as cidades crescem, o contacto em presença torna-se

impossível. Os espaços de representação da cidade são os edifícios públicos que

funcionam mais como símbolos de um poder do que como espaço de encontro

efectivo. Os novos meios de comunicação à distância, como a televisão e mais

recentemente a Internet vão intensificar esse desfasamento. O espaço público da

pólis começa a ter um sentido cada vez mais restrito e anacrónico pela espacialidade

física desconstruida da megapólis.

A globalização pode ser entendida como um projecto económico, mas mais

importante constitui-se rapidamente (daí a sus eficiência económica) como rede de

difusão a nível planetário de modos de vida, "culturas" e organizações socio-políticas.

São os modelos de uma elite intelectual urbana do mundo ocidental que são

exportados enquanto norma da qual qualquer desvio tende a desaparecer ou pelo

contrário acarinhado como exotismo cultural, manifestação profunda de uma cultura

viva que aparece como contraste à globalização ou colonialismo cultural de

tolerância.

Respondendo às solicitações do novo modelo económico o território toma uma forma

onde as tradicionais oposições entre centro e periferia, urbano e rural se esbatem,

pondo em causa o modelo de crescimento urbano do pós-guerra (as periferias,

Levittown…) onde os limites da cidade se confundem com um campo que é cada vez

mais uma periferia da cidade.

Como representar essa experiência de espaço/tempo fragmentada e, sobretudo, em

que sentido é essa experiência diferente da modernidade e qual o seu modo de

representação.

73

As interrogações de Ross King105 intentam confrontar o ideário moderno com o pós-

moderno analisando as distinções em termos de "o quê" e do "como".

Do ponto de vista económico face á dificuldade do modelo fordista assegurar por

mais tempo uma expansão económica sustentada, surge a necessidade de

racionalização das empresas num espaço que implica maior flexibilidade, tendo

como consequência imediata uma centralização do poder de decisão embora, por

outro lado, uma descentralização na transmissão e execução dos trabalhos.

Para Jean Baudrillard, na sociedade de consumo, interessa menos o produto que a

sua imagem- o signo- difundido através dos media como a televisão e os outdoors de

publicidade. As roupas como signo de identidade ou a pintura como signo da cultura.

O mundo reduzido ao espectáculo. Baudrillard acentua o absurdo: se tudo é

espectáculo então nada é espectáculo.

A realidade é um écran sem profundidade com imagens que mudam a cada instante,

absolutamente sem significado rumo ao não lugar, expressão que designa certo tipo

de espaço indiferenciado: entre o deserto e a metrópole não há

distinções.(Baudrillard 1988)

Se J. Derrida chega a proclamar o fim da representação; a verdade é que houve uma

mudança no que é representado: uma nova experiência do espaço indiferenciado, a

diferença sem hierarquia e o tempo sem a ideia de progresso. O modo de

representação também sofre alterações: sem a aura de originalidade que animava as

figuras do modernismo, mas recebendo e assumindo várias influências através da

colagem de imagens e textos preexistentes. Ainda a assinalar uma viragem de para

quem a representação se faz desaparecendo (ou sendo menos expressiva) a

distinção entre cultura de elite e cultura popular.

Os valores da modernidade fixaram-se na procura do efémero e do imutável e por

outro lado no efémero e volátil. Esse equilíbrio entre duas experiências

aparentemente opostas forja-se a partir dos anos cinquenta com a aceleração de

circulação de capital que consequentemente activa a mudança não só nas classes

de curta duração como a moda mas inclusive na chamada "Low culture" como a

105Ver King, Ross "Emancipating Space- Geography, Architecture and Urban Design" Nova Iorque,

Londres, 1996.

74

música pop ou o cinema de entretenimento. Mas fundamentalmente regista-se o

impacto da televisão: a redução do mundo a imagens, o espaço tempo concentrado

num interface.

Aqui se recorda a classificação do território da modernidade- o espaço de extensão-

exposta por M. Foucault: Um espaço sem referências oposições), e de apropriação

da natureza num sentido produtivo.

Os espaços característicos da modernidade são heterotopias, entre a utopia e o

mundo real. Criam um espaço ilusório que denuncia, desmascara o espaço real-

utopia de ilusão- ou são mais reais e perfeitos que os espaço reais- heterotopias de

compensação -. Contudo não são de facto utopias mas espaços reais que se

manifestam como ilhas do espaço normativo- a igreja, o cemitério, o cinema, ou o

jardim são exemplos de heterotopias- Em relação ao cinema parece existir uma

dupla heterotopia tanto "ilusória" como de compensação.

Qualquer projecto emancipativo deve desmascarar o espaço das heterotopias de

ilusão: a prisão e o asilo que criam a ilusão que o resto do espaço é racional e

ordeiro, ou o museu que esconde a alienação da produção estética.

As rupturas e novas combinações entre significados e significantes embora tenham

sido uma constante no re-arranjo dos significados do espaço urbano, aparece

intensificada no discurso pós-moderno, que enfatiza o lado material do objecto em

detrimento do significado (do inglês meaning) através dos processos de

colagem/montagem.

A representação do pastiche (como modo de representação) apoia-se sobretudo em

quatro meios de produção: a colagem/montagem, a alegoria, a mimese e o equívoco.

O primeiro modo não é certamente novo, já Braque, Picasso ou os dadaístas usam a

montagem como modo de transferir materiais de um contexto para outro. Mas o pós-

moderno utiliza preferencialmente a colagem pondo em causa o valor do original; se

tudo pode ser copiado, não há originais, só cópias, simulacros.

75

Segundo Ulmer o pós-modernismo caracteriza-se "precisely by the application of the

devices of modernist art to critical representation"106. A colagem/montagem surge

como um dos dispositivos de representação mais inovadores do século XX. Através

da inscrição de fragmentos do objecto (referente) afasta-se do ilusório trompe d'oeil,

mantendo-se todavia como representação.

Segundo definição do groupe a colagem "lift a certain number of elements from

works, objects, presenting messages and to integrate them in a new creation in order

to produce an original totality manifestating ruptures of diverse sort"107. Se a colagem

pode ser descrita como o processo de tranferência de materiais de um contexto para

outro; a montagem é o seu arranjo, disposição numa nova ordem.

Ao processo de colagem/montagem, o filosofo francês, J. Derrida associa a análise

da linguagem. Contrariando a tese de Saussure segundo a qual um significado se

associa a um significante, Derrida enjeita a combinação fixa entre significado e

significante, substituindo o signo por uma unidade mais básica, o gram ou différence.

Na literatura o par colagem/montagem aparece sob a forma da citação, "wether in the

order of spoken or written discourse no element can function as a sign whitout

refering to another element wich itself is not simply present"108, pelo que, no limite a

gramatologia é a teoria da escrita como citação.

A tarefa do pós-modernismo consistirá em pensar os meios de representação numa

era de meios mecânicos de reprodução como o filme ou a banda magnética que

usam a colagem/montagem como modo compositivo.

No ensaio Plato's Pharmaçy, Derrida assinala que a reprodução mecânica é da

categoria da hipomnésis ou memória artificial concluindo que a hipomnésis apenas

pode mimar o conhecimento (Para Derrida mime=mecanical reproduction). Como

alternativa ao modelo mimético platónico a mímica pode imitar nada, isto é funcionar

sem referências exteriores a si própria, o que equivale a dizer que a representação

sem referente se constitui como a linguagem dos meios de reprodução mecânica.

106 "The Anti-Aesthetics- Essays on Postmodern Culture" editado e com Introdução de Hal Foster, Seattle,

Washington, 1983. 107 Idem p.84 108 Ibidem

76

A alegoria como modo de representação de uma ideia sob a aparência de outra

regista-se na problematização do referente: enquanto o modernismo admite a

suspensão da adequação da imagem ao referente, sendo que esse referente pode

ser substituído (metaforicamente), no pós-modernismo essa relação aparece sob a

forma da alegoria.

Segundo C. Owens "the film is the primary vehicle for modern allegory (…) composes

narrative out of a sucession of sucession of concrete images, which makes it

particullary suited to allegory's essential pictogrammatism"109

A montagem como forma de alegoria é realizada, segundo Benjamim "in the ability to

connect disimilars in such a way as to "shock" people into new recognition and

understandings".

Aceitando a indeterminação e o duplo código ao mesmo tempo que transfere o

sentido para o significante, o lado material do signo, o pós-moderno abre caminho à

transformação da realidade em imagens. À experiência temporal de continuidade

advém a interrupção e a fragmentação do tempo numa série de presentes perpétuos.

O pós- modernismo reclama a aproximação a uma cultura de massas através da

apropriação de códigos locais, onde o moderno teria falhado enquanto as suas

metáforas de progresso e tecnologia não fossem apreensíveis pelas massas.

Contudo, não há de facto um restabelecer de significados e códigos (já que o

moderno também os tinha) mas um novo olhar: uma visão localista, em que a ideia

de progresso é substituída pela memória e por uma certa visão nostálgica do

passado.

Ao contrário da paródia que imita um estilo, uma idiossincrasia para a satirizar,

jogando com a oposição entre a linguagem normativa e uma linguagem particular, o

pastiche é uma ironia neutra onde já não existe um fundo de norma onde possa

sobressair o único, o idiossincrático.

Se o moderno enfatiza o indivíduo, a sua unicidade, o estilo próprio singular, o mito

do original; o pós-moderno caracteriza-se pela perda do sujeito enquanto indivíduo

único e original.

15 Craig Owens citado por Ulmer, Gregory "The Object of Post-Crticism" in The Anti-Aesthetics- Essays

on Postmodern Culture, editado e com introdução de Hal Foster, Seattle, Washington 1983, p.96.

77

Admitindo a existência do indivíduo num contexto de capitalismo competitivo, da

família nuclear e da burguesia como classe social hegemónica; outros há que

afirmam que "the bourgeois individual subject is a mith", que nunca existiu realmente.

Todavia ambas as teses sustentam que a nova era de "corporate capitalism,

organization man, demografic explosion, business and state burocracy" o indivíduo,

hipotético ou real, desapareceu.

Assim num universo onde já não é possível a inovação estilística (já tudo foi

inventado) resta o pastiche.

No ensaio "Learning from Las Vegas" posterior ao "Complexity and Contradiction in

Architecture", Venturi e Scott Brown analisam a cidade de Las Vegas partindo do

pressuposto de que a arquitectura sempre se inspirou em formas exteriores ao seu

próprio universo formal e ideológico, como o fascínio de Le Corbusier por elevadores

e navios ou o de Frank Gehry por peixes.

A partir dessa premissa desenvolvem um olhar sobre Las Vegas numa perspectiva

onde as implicações morais ou éticas estariam ausentes. A "road side architecture"

constituída por signos e estilos diversos num domínio claro da comunicação sobre o

espaço.

Na experiência de cruzar a paisagem de carro é necessário associar uma grande

variedade de estilos e signos. O que os une é a sua componente informativa- a

mensagem comercial-

Como refere Banhnam na auto-estrada ou em grandes estruturas arquitectónicas

como gares ou aeroportos, a comunicação de signos sobrepõe-se, ou pelo menos é

complementar ao espaço. A informação que estes signos contêm é essencial para a

determinação dos percursos do sujeito.

No filme "Fuga de L. A." de John Carpenter são precisamente esses signos que

sobrevivem ao espaço urbano destruído pelo terramoto. Pela ausência dos espaços

a que se referem, esses signos enfatizam essa falta. A informação, o lado

comunicante sobrevive, mas a função, o espaço, o conteúdo (como oposição à forma

enquanto fachada do objecto) desaparece.

78

Outro texto de reacção à banalização da arquitectura moderna foi "Collage City" de

Rowe e Koeter (1975). Propõe uma leitura cinemática da cidade : "a collage

approach, an approach in wich objects are conscripted or seduced from out of their

context, is- at the present day- the only way of dealing whit the ultimate problems of,

either or both, utopia and tradition."110

Desde os anos sessenta que tem surgido críticas frequentes ao estilo internacional,

reagindo contra a sua institucionalização procurada pela adequação aos critérios

fordistas de modernização: racionalização, funcionalidade e eficiência.

Foi contudo nos anos setenta, especialmente na crise energética de 1973-75 que

uma nova ordem económica e social emerge dando espaço efectivo ao pós-

moderno. Segundo Harvey, no contexto urbano, o pós-modernismo caracteriza-se

pela ruptura "(…) whit the idea that planning and development should focus on large

scale, technologically rational, austere and functionally efficient internacional style

design and that vernacular tradition, local history, and specialized spatial designs

ranging from functions of intimaçy to grand spectacle should be approached with a

much great eclectism of style"111

Segundo o autor há uma ligação estreita entre os movimentos culturais e estéticos e

a mudança da experiência urbana.

f)Imaginário da Cidade: Mitos Modernos.

O mito da cidade americana como fonte de inspiração da arquitectura europeia tem

difusão não só através da experiência directa do espaço (é conhecida a admiração

de Loos e de Le Corbusier e mesmo Eisenstein por Nova Iorque) mas

essencialmente através do documento fotográfico determinante no processo de

idealização de uma realidade.

110 Rowe, C., Koette, F. in Broadbent, G. "Emerging Concepts in Urban Space Design" 1990, p.266. 111 Harvey, David "The Urban Experience" 1989, pp.256-279.

79

O olhar da câmara altera-se ao tentar fixar a fisionomia da cidade, "abandonnent la

vue lontaine pour la vertige delicieux de la plongée et de la contre-plongée"112.

Os arquitectos mantêm com as imagens que formam o corpo da cidade uma relação

dupla: são, por um lado, produtores mas também consumidores dessas imagens.

Ao lado dos desenhos de arquitectos, apontamentos de viagem e fotografias de

publicações periódicas, as imagens publicitárias, principalmente nos anos 20, servem

como meios de exportação da imagem da cidade americana, especialmente Nova

Iorque que se apresenta como paradigma da cidade do futuro. Mais tarde os meios

de difusão de imagens estendem-se à banda desenhada e ao cinema que garantem

a perpetuação do mito americano até hoje.

As imagens da América aparecem em livros como o "Grobstadtarchitecktur" de

Hilberseimer ou no "Die neu Baukunst in Europe und Amerika" de Bruno Taut que

apresenta algumas fotografias de silos e fábricas.

Mas durante os anos 20 a visão da América corresponde mais às experiências

directas dos protagonistas da nova cultura Europeia. É um olhar sobre a metropole

americana que não esconde algum cepticismo, a imagem idealizada é corrigida pelo

confronto com a realidade. No caso de Mendelsohn, a visão ideal da cidade industrial

americana presente nos seus projectos é posta em confronto com a visita que

efectua, em 1924 a Nova Iorque donde observa o seguinte: "la rue devient, pour

répondre à la circulation rapide une conduite horizontale qui mene de pôle en pôle. La

ville de l'avenir est elle même une systeme de points (…) Vue de la sorte la grande

ville du monde contemporain est, contrainement aux espaces merveilleux de

meilleurs villes anciennes, un agglomérait inorganique des éléments les plus

contradictoires. Et la forme cubique de gratte-ciel isolés ni change rien (…).113"

Numa outra perspectiva, o arquitecto vienês Richard Neutra num livro de 1927 "wie

baut Amerika" considera superficial a visão de Mendelsohn e, pela primeira vez

desloca o centro do imaginário europeu das cidades de Nova Iorque e Chicago para

a costa leste, elegendo Los Angeles como novo cenário urbano.

112 Cohen, J-L. "Scénes de la Vie Future- L'Architecture Europeéne et la Tentation da l'Amerique 1893-

1960" Paris, 1995, p.16.

80

O texto de Neutra está atravessado pela sua experiência profissional nos E.U.A.,

descrevendo o processo de concepção e construção e a divisão do trabalho de

atelier.

O plano Voisin (1925) de Le Corbusier corresponde a um plano de edificação em

altura onde retoma a ideia de Perret sobre os arranha-céus cruciformes de modo a

haver uma melhor distribuição de luz.

Nos anos sessenta com os projectos do grupo Archigram o imaginário pop da

América tranfere-se para a costa oeste onde "la sphére de consommation se

substitue à celle de la production des épisodes industrieles de premier tiers du

siècle"114

As formas de representação da cidade adaptam-se à verticalidade de N.Y. e

Chicago. À veduta sucede o perfil e a vista aérea bem como o aproveitamento do

subsolo para redes técnicas subterrâneas implica a utilização mais frequente de

cortes verticais sobre o edifício. Embora não seja de desprezar a influência que os

planos cinematográficos - vista aérea da cidade que abre o filme num

enquadramento geográfico no qual se situará a acção, perspectiva em plongée e

contra-plongée- nas formas de representação arquitectónica.

A seguir à segunda guerra mundial, com a nova ordem mundial instaurada pelo plano

Marshall a influência dos EUA mudam de estatuto: "La transformation directe de

l'espaçe européen se substitue à l'accumulation des références idéales à une

amerique don’t la presence est devenue insistante dans la politique et dans la

consomation quotidienne115"

g) Uma cidade cinematográfica.

113 Cohen, J-L. "Scénes de la Vie Future- L'Architecture Europeéne et la Tentation da l'Amerique 1893-

1960" Paris, 1995. 114 Idem, p.203 115 Idem p.283.

81

A percepção do espaço urbano dada pelo cinema é um meio privilegiado de exprimir

os tempos inscritos na cidade.

A cidade que resulta da assemblagem de objectos arquitectónicos e de signos que

necessitam de um tempo - uma duração, para serem percebidos.

A cidade como grande organização estrutural na obra de Griffith -"Intolerância"-. A

cidade real ou a cidade imaginária de Mélies.

O cinema apropria-se da cidade criando novos significados; no filme "O Homem da

Câmara de Filmar" (1929) de Dziga Vertov são enfatizadas as linhas dinâmicas - a

estrada, o trem, o movimento e a repetição e, por contraste a estaticidade. A cidade é

vista como uma série de momentos, de objectos - que nem sempre pertencem ao

mesmo universo espacial e temporal-

O que á que a dinâmica da cidade trouxe ao cinema e às suas imagens e o que é

que o cinema fez pela imagem e imaginário da cidade?

Podemos iniciar por distinguir duas tradições no cinema que poderão sustentar uma

classificação rudimentar da relação entre a cidade e o cinema: a tradição da

"realidade" e a tradição do mise-en-scene ou, se quisermos do preexistente e do

fabricado.

De um lado as experiências fotográficas (fotografias de análise do movimento) de

Muybridge e Marey são o mote do cinema realidade dos irmãos Lumiére e na mesma

senda os filmes do alemão W. Ruttman -Berlim, Sinfonia de uma Capital- e o

"Homem da Câmara de Filmar"(1929) de Dziga Vertov. Por outro lado as invenções

do Kinetoscópio, do Proximoscópio e do Zootropio deixam caminho aberto à

encenação do movimento através de imagens não "naturalistas" dando origem à

tradição da mise-en-scene desde os filmes de Mélies, Griffith ou De Mille, Disney ou

"Things to Come" (1936) de Cameron Menziés.

"As imagens do cinema" escreve Aumont, "não escapam ao destino habitual das

imagens: emigram como elas, são copiadas de filme para filme, retomadas citadas,

desfeitas para serem refeitas, reproduzidas num jogo em que os seus valores de

origem não cessam de ser interpelados116 "

116 Aumont, Jacques "Migrações" Revista de Comunicação e Linguagem - O que é o Cinema, Organização

de João Mário Grilo e Paulo Filipe Monteiro, Lisboa 1996, p.133.

82

Como é que surgem as imagens, e o que é que ganham ou perdem nessa viagem?

Esta interrogação de Aumont referindo-se à migração de imagens no cinema pode

ser facilmente alargada a um contexto mais vasto: o da migração de imagens e

imaginários entre o cinema e a arquitectura da cidade.

V- Análise de Caso.

a) Introdução: da Construção à Imagem- O Tectónico.

O filme transporta as suas imagens num suporte bidimensional que simula o

tridimensional; a arquitectura envolve uma materialidade em que o corpo investe.

A tectónica como valor táctil e telúrico na arquitectura tem vindo a esmorecer mercê

de vários desenvolvimentos conceptuais que se distanciam do discurso clássico.

Numa "civilização da imagem" a arquitectura aspira a leveza e a transitoriedade

concebendo o edifício/cidade como um interface, onde os limites se atenuam em

graduações diversas. A cidade está envolta numa película transparente que

uniformiza os objectos/mercadoria, que os torna "iguais".

No livro "Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in the Nineteent and

Twentieth Century"(1995) publicado em português sob o título "Introdução ao Estudo

da Cultura Tectónica" (1998), Kenneth Frampton confronta o discurso dominante da

arquitectura firmado na concepção espacial com o que denomina por cultura

tectónica, não como mera técnica construtiva mas considerada no seu "potencial

expressivo", ou seja centrado na sua capacidade de revelar significados e não

apenas como resposta mais ou menos eficaz aos problemas estáticos.

Embora para Frampton o tectónico não exclua o carácter espacial, essa

espacialidade não se revela num modelo abstracto e geometrizável mas está mais

próxima do conceito de Heiddeger de habitar, ser no mundo; erigir uma parede

(elemento construtivo) é já definir um limite, uma sombra de protecção. É também a

83

afirmação do tectónico como categoria estética derivando da tese de Semper dos

quatro elementos da habitação primordial: as fundações, o lugar do fogo, - embora

este lugar possa não ter uma materialização concreta é o primeiro sinal de conforto,

de fixação de um lugar- a estrutura e cobertura e a membrana de fecho ou

revestimento. A matriz espacial revela-se nesse tectónico, no valor táctil e telúrico dos

materiais, na sua relação com o corpo.

Mas qual a génese do discurso arquitectónico que privilegia o espaço tomado

abstractamente?

Como relata Roland Recht já a arquitectura gótica, ao contrário das precedentes,

exige "une organisation rationelle du chantier, une division et une économie

particulieres (...) une hierarchie se dessine dans le chantier d’ou se dégage la figure

du architecte que devient le veritable concepteur du project."117

Mas destaca que, na iconografia medieval, a régua e o compasso são instrumentos

de trabalho que figuram tanto como atributos do arquitecto como do maçon,

manifestando a relação próxima entre invenção (abstracção) e execução

(materialização). Essa relação é ainda mais coesa no fim da Idade Média onde há

uma reaproximação entre as artes mecânicas e as artes liberais.

O discurso clássico, no domínio da arquitectura, aparenta uma coincidência entre o

pensar e o fazer. É através da techné que nos apercebemos da lógica do fazer. A

techné é aqui entendida no sentido lato e não na sua estrita relação com a

tecnologia, tal como Michel Foucault sublinha, como arranjo das coisas "a pratical

racionality governed by a conscious goal"118. Já as propostas de Heidegger quando

opõe a língua técnica à língua de tradição reflectem as mesmas preocupações, a

tecnologia como modo de intimar a natureza a produzir, a dar respostas segundo

relações determinadas, ora para Heiddeger o sentido da palavra techné à qual

pertence a technikon não poderia ser mais diverso, é mais um zelar pelas coisas,

compreende-las. "Conhecer-se no acto de produzir". A técnica não é separada do fim

(objecto) que une o sentido do trabalho. Uma identidade entre homem e universo que

117 Recht, Roland “Le Dessin d’Architecture” Paris, 1995, p.6. 118 entrevistado por Paul Rabinow em “Rethinking Architecture- a Reader in Cultural Theory” ed. Neil

Leach , 1999, p. 350.

84

se tornará cada vez mais débil com a progressiva secularização da sociedade

ocidental.

Baseando-se nas categorias definidas na "Poeticas" de Aristóteles para a estrutura

compositiva da arquitectura clássica, Tzonis e Lefaivre consideram três níveis de

dispositivos formais: a taxis que divide o trabalho arquitectónico em partes, a genera-

os elementos individuais que compõem as partes divididas pela taxis e a simetria-

relações entre os elementos individuais.

"Taxis constrains the placing of the architectural elements (...) by establishing

successions of logically organized divisions of space"119

A própria taxis contém dois subníveis a que se chamará schemata: a grelha e o

esquema tripartido. A grelha divide o edifício em dois sets de linhas. No esquema

rectangular que é o mais usado na arquitectura clássica linhas direitas encontram

ângulos rectos. A distância entre essas linhas é igual, dividindo a composição em

partes iguais. Em casos em que essa distância não é igual é regular. Ora é na própria

noção de grelha como espaço abstracto e homogéneo que podemos ver uma

oposição ao tectónico. Mas em que sentido este se manifesta.? É bem claro que a

noção de Frampton de espaço alinha numa perspectiva que ao cenográfico e ao

visual contrapõe a experiência, o táctil o tectónico e o telúrico. Assim o lugar é a

medida do espaço, repudiando um categoria visual e representativa do espaço no

qual se manifesta o modelo matemático e geometrizável.

Parece-me que podemos procurar novamente em Heiddeger, particularmente no

seu "Art and Space"120 essa ordem do espaço expressa nessa oposição entre

mundo e terra ou se quisermos entre região (gedend) e local (ortschaft). Opomos os

espaços: um e outro. O outro está fora dos limites encontra-se no limiar do lugar.

No tratado renascentista "De re aedificatori"121 Alberti afirma que a construção é

composta pelos “alinhamentos” (alignemensts na tradução inglesa) e pela estrutura,

119 Lefaivre, L Tzonis, Alexander “ Classical Architecture- The Poetics of Order”, Londres1994, p. 9. HHeidegger, M. “Art and Space” Rethinking Architecture- a reader in cultural Theory ed. Neil Leach

,1999. 121 Ver “Ontology of Construction” Gevork Hartoonian , Cambridge, 1994.

85

acrescentando que o propósito dos alinhamentos reside em encontrar o modo de

juntar mais correcto as linhas e os ângulos que definem e fecham as superfícies de

um edifício.

Estas considerações de Alberti sobre a estrutura compositiva de um edifício podem

denotar, por um lado a separação entre o "arranjo estético" e a estrutura, ou na linha

oposta revelar uma intimidade entre arte e construção: uma arte universal de

construção que consiste no projecto e na estrutura. Mas aqui a declaração de Alberti

parece referir-se mais a uma união entre desenho e construção, entendendo-se que

esse desenho, a composição, deve consistir em encontrar uma maneira exacta e

correcta de adaptar e unir as linhas e os ângulos que servem para definir o aspecto

do edifício. Ora se essa distinção entre aparência (desenho) e construção (estrutura)

parece evidente, as ideias de apropriado, proporcional e correcto nunca se referem

unicamente à forma. Como escreve Scruton "não podemos fragmentar a tarefa num

conjunto de problemas relacionados, entre os quais os requisitos estéticos são

apenas uns. É dentro da estrutura, dada pela noção de apropriado que todos os

problemas são vistos"122.

É uma ordem estética na qual a construção é inerente, e contudo a aparência tenta

sempre esconder a construção.

Se parece haver um paralelo entre as afirmações e a obra de Alberti (por exemplo

em S. Maria Novella em Florença) e o conceito de clothing de Semper, essa

identificação é superficial. Em Alberti a aparência é distinta da estrutura enquanto que

em Semper esse vestir da arquitectura é um tectónico que inclui a estrutura. A

aparência convive com a estrutura, como pele que reveste aquilo que é natural.

Quando o discurso uno se dissipa a natureza perde o seu carácter metafórico sendo

considerada uma entidade mensurável e quantificável. O racionalismo universalista

de Descartes submete tudo às mesmas regras matemáticas, mesmo o prazer dos

sentidos obedece a leis racionais. A razão está separada dos sentidos existe nas

coisas, de onde se deposita nos nossos espíritos.

122 Scruton, Roger “Estética da Arquitectura” Lisboa 1983, p.73.

86

Leibniz concebe a razão já não como um depósito onde se acumula conhecimento

mas como um sistema de regras formais às quais obedecemos espontaneamente

antes de tomarmos consciência deles. Mas é com Kant que a razão toma um

carácter activo- é laicizada, e, como não se reduz às leis lógicas possui hierarquias.-

A sensibilidade só recebe os dados (do exterior) segundo certas formas de à-priori: o

espaço e o tempo que são o enquadramento dos fenómenos, não existem nas

coisas mas são leis segundo as quais percepcionamos as coisas.

É um espaço euclidiano (o espaço que Kant considera uma forma de à-priori da

intuição sensível)- homogéneo, isotrópico (sem direcção privilegiada), infinito e

contínuo. O espaço absoluto não se relaciona com o exterior, ele é imutável e por

isso pode ser considerado um à-priori.

Num primeiro momento o processo funde-se no produto final de acordo com um fim

ao qual todos os meios concorriam; agora é no modo de fazer que se centra o

trabalho. É o processo que domina o objecto. As partes já não estão submetidas à

totalidade.

Natureza e razão no mesmo plano de valores, directamente mensuráveis.

Escreve M. Tafuri em "Projecto e Utopia"123 que a arquitectura renunciando a um

papel simbólico, no sentido tradicional, descobre a sua vocação científica- a questão

dos tipos de Durand, -uma taxis aristotélica- e a ciência das sensações, a chamada

arquitectura falante de Camus de Mézières. A arquitectura renuncia a formar objectos

para se transformar em técnica de organização de matérias previamente formuladas

pedindo uma verificação fora da arquitectura.

Se o corpo do humanismo reflecte uma ordem do mundo- simétrico proporcional,

central e indiviso, da qual o desenho de Da Vinci é representativo; o corpo

fragmentado, o corpo exterior à mente (res-cogito-res-extensa) reorganiza a

percepção do mundo. O discurso do uno, dá lugar ao fragmento, o detalhe sobre o

todo.

Em meados do século XVIII essa cisão entre arte e ciência, ou arte e técnica toma

corpo na substituição da "Corps de Ponts et Chaussés" na "École des Ponts et

Chaussés" formalizando a separação entre engenheiros e arquitectos. De um lado a

123 Ver Tafuri, M. “Projecto e Utopia” Lisboa, 1985.

87

construção, do outro o desenho, o projecto. Quando a arquitectura se afasta da

construção a medida do tectónico é cada vez mais débil. Mas este acontecimento

também reflecte uma outra realidade, uma mudança que centra o discurso da cidade

sobre três vectores fundamentais: território, comunicação e velocidade. São os

engenheiros que vão desenhar essas variáveis do espaço. A cidade como política é

uma invenção do sec. XVIII, escreve M. Foucault; emergem preocupações de

controlo da população, dos conflitos sociais, de medidas higienistas, etc, que

encontram no urbanismo soluções exemplares.

Para E. Boulez a definição de arquitectura de Vitruvio é insuficiente. Considerar a

arquitectura como arte de construir é tomar o efeito pela causa. É preciso conceber

para efectuar e é essa produção do espirito que constitui a arquitectura.

Visando precisamente os arquitectos da Ilustração, Quatremere de Quinçy, no

"Dictionaire Historique d’ Architecture" afirma que "depuis que l’art s’est divisé, par le

fait et dans la pratique, en invention et en execution; depuis qu’il s’est trouvé des

hommes qui inventent et composant sans savoir construire, et d’autres qui

construisent pour ceux qui ne savent qu’ inventer, il a bien fallu faire des dessins pus

rendus, plus precieux et plus finis." 124

A perfeição do desenho preconiza, segundo Quatremere de Quinçy, uma ruptura

entre arte e técnica . Entre aqueles que inventam e aqueles que constroem.

Contudo se o tectónico, no seu sentido de técnica construtiva parece afastado das

preocupações de Boullez, para Viollet-le-Duc "architecture et la construction doivent

être enseignées ou pratiques simultanement: la construction est le moyen;

l’architectura le resultat (…). Construire, pour l’ Architecte, c’est employer les

materiaux en raison de leurs qualités et de leur nature propre (…)."125

Em Viollet-le-Duc o tectónico é assumido: as formas de apoio estáticas, a articulação

entre os vários elementos são preocupações constantes. Reforçando esse caracter

tectónico Viollet-le-Duc acrescenta que "L’architecture, cette creation humaine, n’est

124 Ver Recht, R. “Le Dessin d’Architecture” Paris 1995, p. 140. 125 Le Duc, Viollet “L’Architecture Raisonnés” Paris, 1990.

88

donc, de fait, qu’un application des principes, qui sont nés dehors de nous et que

nous appropions par l’observation. La force d’atraction terrestre existait, nous avons

déduit le statique (…) donner à l’architecture, c’est à dire à la structure revêtue d’une

forme d’art deproportions établies sur des principes de stabilité (…)."126

O autor do livro "Ontology of Construction"127 Gevork Hartoonian crê que a

montagem e a sua construção espacial são um factor importante na desmitificação

do discurso clássico da construção. Embora seja paralela à arte de construir tem a

ver com o processo de secularização da produção cultural.

Mas se para Hartoonian a montagem dispensa as analogias que o classicismo faz

entre o corpo humano e a arquitectura, Gandelman128 encontra na linguagem fílmica

uma relação com a anatomia nas operações que realiza: desmembramento,

dissecação, cortes ou dècoupages da pele de celulóide (o corpo do filme).

A montagem corta a relação do todo com as partes que é essencial ao discurso

clássico da construção. Esse todo já não é representativo nem sequer o resultado

lógico de uma composição hierarquizada e organizada das partes. É a justaposição

dos elementos não necessariamente sequencial quer do ponto de vista espacial ou

temporal.

Já não é efectivamente o corpo uno e coeso do humanismo. É o corpo fragmentado,

analisado, dissecado, experimentado como alien a si próprio.

O realizador S. Eisenstein defendia que a montagem não é um processo

especificamente cinematográfico. Afirma que podemos observá-lo sempre que

justapomos dois feitos, dois fenómenos ou dois objectos. Mas é o cinema que

desenvolve a montagem ao ponto de alterar a nossa percepção do espaço-tempo.

No livro "Cybercities", a autora, C. Boyer, nota que se a industrialização e a

urbanização criaram uma crise na percepção por terem acelerado o tempo e

fragmentado o espaço, as técnicas reprodutoras como o cinema, a rádio ou a

fotografia oferecem um paliativo. Podem abrandar o tempo e construírem realidades

126 ibidem. 127 Hartoonian, G. “Ontology of construction- On nihilism of technology in theories of modern

architecture” Cambridge University Press, 1994.

128 Ver “Boyer, C. “Cybercities” Nova Iorque, 1996.

89

sintéticas através da montagem, juntando essas imagens e sons fragmentados sob

uma nova directriz.

Se o corpo da era clássica se esforça por esconder tudo aquilo que evidencie as

junções, o corpo pós-moderno exibe-as, são essas as marcas das articulações de

um corpo diviso e fragmentado.

A perspectiva, tal como é definida por Brunelleschi é o lugar de encontro entre arte e

ciência. O espaço perspectivo é infinito. O ponto de fuga onde todas as linhas

paralelas convergem: espaço racional, infinito, constante e homogéneo que

pressupõe o corpo imóvel.

Mas o espaço multiperspéctico que parte das investigações sobre o modelo espaço-

tempo desenvolvido por Riemann e Einstein129 implica um novo modo perceptivo,

que revela um espaço finito.

As primeiras experiências cinematográficas mimetizam o espaço teatral. Câmara

imóvel centrada sobre o quadro. Por outro lado o chamado cinema clássico de

Hollywood corresponde a uma extensão do ponto de vista teatral e da narrativa

naturalista. O corte entre os planos é subtil de modo a enfatizar a continuidade

espacio-temporal exigível à narrativa clássica. É então a aparência que se sobrepõe

à estrutura construtiva do filme, com as junções a não quebrarem a continuidade do

todo.

O cinema de vanguarda, pelo contrário, vai de encontro à percepção do espaço

fragmentado por um observador cuja mobilidade/velocidade é cada vez maior. Uma

re-invenção do espaço-tempo pela simultaneidade, sobreposição, cortes temporais e

espaciais, enquadramentos, detalhe, textura, cor, luz ou composição das imagens

quer ao nível do plano quer da montagem (edição).

A narração fílmica encontra um espaço-tempo transitório, onde a montagem entre os

planos é assumida por vezes como valor ornamental. A sutura é evidenciada

revelando o corpo material do filme.

A partir da tese de Bergson sobre o tempo, Deleuze escreve em "Cinema I- L’Image-

Mouvement" que a montagem é a composição, o arranjo das imagens-movimento

como constituintes de uma imagem indirecta do tempo. Esse tempo exprime um

129 ver Frampton, K. “Introdução ao Estudo da Cultura Tectónica” Lisboa, 1998.

90

todo, uma duração que só pode ser manifesta indirectamente através da articulação

das imagens-movimento definidas como o conjunto de elementos variáveis que

reagem uns com os outros. O objectivo da montagem é então revelar o todo (uma

duração). O movimento é um corte móvel da duração, portanto sempre que há uma

translação- movimento- no espaço, o todo- que está em permanente mudança, é

aberto- também se modifica.

O tectónico do filme aparece na montagem de imagens-movimento, nas suas

diferentes durações. É o tempo que se transfigura a cada instante que constitui a

matéria do filme. É um tectónico imaterial, uma arquitectura de Sombras130 que

aparece fugazmente nas cidades construídas pelo cinema.

A) Dziga Vertov "O Homem da Câmara de Filmar" (1929).

Observando alguma da iconografia produzida entre as duas grandes guerras

podemos registar um percurso feito de afinidades sobretudo do ponto de vista

ideológico.

Não á que a ideologia se traduzisse em termos imagéticos inequívocos mas

podemos concordar com Tafuri131 quando traça o retrato da ideologia das

vanguardas históricas que, com algumas diferenças de profundidade, manifestam um

fascínio pela estética da máquina (algumas como reacção aos "excessos"

decorativistas da Art Noveau outras, como o futurismo, empenhadas no mito do

homem-máquina com as suas implicações proto-fascistas) onde a arte enquanto

sistema de produção se substitui à política na sua nova função educativa das massas

encabeçada pela propaganda.

Partindo das dinâmicas da metrópole, a aceleração, o movimento, a justaposição de

estratos, o consumismo, o automatismo do comportamento individual; as vanguardas

históricas actuam na lógica da modernidade, o racionalismo e o individualismo e na

130 Referência a um filme de um realizador catalão intitulado “Comboio de Sombras” no qual são

explorados os efeitos do tempo não só como tema, como pelo processo de montagem que ora revela ou

esconde as porções de tempo, como pelos próprios artificios de envelhecimento precoce da fita de

celuloide.

91

ideologia do progresso e ideal de igualdade132 (que a sociedade maquinista parece

prometer).

Do imaginário colectivo onde se escondem as imagens truncadas dos filmes de

Mélies, e a fantasmagoria da lanterna mágica às colagens de Braque e Picasso, a

fotomontagem "permet d'elaborer les formules les plus dialectiques en raison de ses

antogonismes de structure et dimensions, par exemple du rugueux et du lisse, de la

vue arienne et du premier plan"133

Montando os fragmentos de imagens que informam o imaginário do artista a

fotomontagem permite um "cinema estático".

Ao serviço da ideologia, tal como o cinema, a fotomontagem na URSS é uma arte

revolucionária, da propaganda pela imagem.

Dentro da tradição do trompe d'oeil inclui-se a fotografia verdadeira ou seja aquela

que se assemelha à realidade que pretende representar, por outro lado a

fotomontagem afasta-se dessa tradição crendo que a verdade do gesto artístico está

na verosimilhança imaginária da mensagem representada.

O Construtivismo Russo pondo em evidência os materiais utilizados expõe o modo

como as formas são construídas; utilizando estruturas dinâmicas "porter l'attention sur

la logique de l'éxpression et maîtrise du savoir-faire: il s'est inspireé pour y parvenir

des méthodes et des formes existant en particulier dans le monde scientifique et plus

encore dans celui de la technique et de l'industrie. C'est un art qui s'affirme

"materialiste" et mécanique machiniste en quelque sorte, qui se veut en prise directe

avec la réalité et la vie"134

"Abaixo a arte, viva a técnica" é o mote do manifesto produtivista de Rodchenko e

Stepanova.

Uma fotomontagem de Vertov, não datada, constitui uma síntese do filme "O Homem

da Câmara de Filmar" (1929): Mais do que uma fotomontagem clássica é uma

sobreposição de três imagens que simbolizam a dialéctica da vida - entre o

131 Ver Tafuri "Projecto e Utopia" Lisboa, 1985. 132 Ver Baudrillard 133 "Photomontages- Photografie Experimentale de l'entre Deux-Guerres" Introdução de Michel Frizot,

Paris, 1987. 134 ibidem

92

nascimento e o pulsar da cidade e dos seus habitantes- em que a visão - simbolizada

pela imagem de um olho- se constitui como elemento unificador.

O processo de trabalho de Vertov parte da imagem-verdade e do documentário mas

vai para além dessas abordagens. Para Vertov é na mensagem que reside a

verdade, o significado das imagens é revelado pela visão/verdade do autor.

O filme "O Homem da Câmara de Filmar" (1929) abre com uma sequência rápida de

imagens de lugares: aqui um jardim em Odessa, ali um edifício em Kiev, depois uma

rua de Moscovo. Uma cidade construída ou como o "cinema também é a arte de

imaginar os movimentos das coisas no espaço, respondendo aos imperativos da

ciência (…) ele permite realizar, graças ao Kinokismo, o que era irrealizável na

vida"135.

Aqui aparece uma cidade virtual, uma cidade imaginada feita de fragmentos, unidos

pela montagem, tornados significantes pelo olhar da câmara.

No manifesto de 1923 "KINOCS-revolução" Vertov exemplifica a montagem dos

KINO-EYE: "(…) tu caminhas por uma rua de Chicago, hoje em 1923, mas eu faço-te

saudar o falecido camarada Volodarsky que, em 1918, caminha por uma rua de

Petrogrado e responde ao teu cumprimento (…) elementos que se combinam uns

com os outros (…) sem ter sido filmado expressamente para o efeito."136

"Eu sou o cine-olho, Eu sou o construtor (…) Esta sala tem doze paredes que fui

buscar a diferentes partes do mundo."137 Numa imagem ainda inicial do filme (é de

notar que existe uma sequência cronológica da vida da cidade desde o amanhecer

até final da tarde que faz lembrar o filme de W. Ruttman "Berlim- Sinfonia de uma

Capital" (1927)), uma mulher lava-se ao acordar (Fig. 9), cena que encontra um

paralelo nas ruas da cidade (Fig. 10). Dialéctica interior/exterior ou a demonstração da

efectiva cumplicidade entre o individual e o colectivo. O indivíduo projectado no

espaço público.

As imagens da cidade sucedem-se com um ritmo intenso, em que os intervalos entre

os planos são extremamente curtos resultando num ritmo que temporaliza o espaço

135 Granja, Vasco "Dziga Vertov" Do manifesto Nós de Dziga Vertov , Lisboa 1981, p.39.

136 Granja, Vasco "Dziga Vertov" Do manifesto kinoks-revolução de Dziga Vertov, Lisboa, 1981, p.43 137 ibidem

93

da metrópole moderna acelerado e com dinâmicas que se descobrem no movimento

contínuo dos transeuntes ou nos eléctricos que parecem não cessar de cruzar o

olhar da câmara em linhas oblíquas, ascendentes ou em planos plongée à maneira

de Rodchenko (Fig. 4).

A imagem da cidade à qual se sobrepõe o homem da câmara de filmar (Fig. 7),

metáfora do homem-novo que vê o mundo através do olho da câmara. A

sobreposição e o split da imagem. Vertov desafia a simetria clássica: um edifício de

linguagem classizante é separado segundo um eixo de simetria e uma rotação que

justapõe as duas metades (Fig.8). A ordem da académica composição clássica,

estática e simétrica, representam um poder ultrapassado.?

A imagem é a forma precária do conteúdo (significado) forte e permanente. Aqui

ainda se joga na oposição forma/conteúdo, onde a imagem, mesmo que medíocre,

pode ser construída "forçando" um sentido, uma mensagem, re-arranjando as

imagens numa lógica exterior a elas próprias (lógica narrativa?).

Aqui o objecto cidade só existe enquanto vinculado a uma ideologia re-unificadora

(arte e vida). O cinema re-liga os acontecimentos que já não se constituindo como

epifanias necessitam de uma justificação exterior. "Utilizar a câmara de filmar como

um cine-olho muito mais perfeito que o olho humano para explorar o caos dos

fenómenos visíveis que enchem o espaço"138

A consciência moderna de fazer cidade é também devedora dessa lógica. A cidade

como linha de montagem, a parte não é nada sem o todo, mas esse todo deixou de

ser a cidade entendida como comunidade e passou a traduzir-se na ideologia do

plano.

Os filmes de Vertov são construídos segundo a dialéctica marxista e os princípios do

construtivismo, acrescenta Parkinson, que "(…) in is later work including "The Man

with the Movie Camera" (1929), Vertov and is co-editor Elizaveta Svilonova, used

prismatic lenses, dissolves, multiple superimpositions, split screens, tints, animation,

micro cinematography and staccato editing, thus disregarding reality and entering in

138 idem, p.40.

94

the realm of ciné-poetry in order to show both the spirit of revolution and the vital role

of cinema within it"139

A ideia da cidade moderna (leia-se modernista), especialmente a do futurismo italiano

(que parte da observação das condições da metrópole actual) é traduzida pela

linguagem cinematográfica através dos processos que lhe são específicos; não

formalmente, como no filme de Cameron Menzies "A Vida Futura" (1936), mas na

própria estrutura fílmica.

Se a defesa da estética maquinista é por vezes superficial e reactiva, no manifesto

futurista de Marinetti (1909) assume um tom provocatório comparando a escultura

"Victória de Samotrace" a um carro em corrida. É um contraponto à estética

maquinista selectiva e classizante presente, por exemplo, na fábrica AEG de P.

Berhens (1914).

O futurismo arquitectónico do manifesto "Messagio" de Sant'Elia expressa uma visão

dinâmica, activa e móvel, povoada de elementos potencialmente dinâmicos:

ascensores, passadeiras, estradas carros; uma qualidade que nem sempre se

encontra nos seus desenhos.

A cidade de Vertov embora conceptualmente próxima da cidade futurista

metamorfoseia-se em outra coisa menos palpável, é o sentido quiçá mais intelectual,

a visão, (desta feita o olho da câmara, mais flexível que o olho humano) que se

mistura com o turbilhão citadino: o movimento das pessoas dos carros, os

ascensores, os autómatos das montras, a fábrica, a linha de montagem, a série

repetida indefinidamente, metáfora do constante devir da cidade agora tornado

perceptível (visível) pelo olho da câmara.

Um espaço urbano, imagem da me trópole moderna, acelerada, feita de fragmentos,

montada e unida por uma mensagem que implícita nas imagens, é reforçada pelo

olho da câmara.

O olho-construtor, o olho-planeador que realiza um projecto de cidade.

B) Camerón Menzies "A Vida Futura" (1936).

139 Parkinson, D. "History of Film", Italy, 1995, p.72.

95

Após a exibição do filme "Metropolis" (1927) de Fritz Lang, o escritor H. G. Wells

reage negativamente àquilo que reconhece como uma colagem de "fragmentos

decrépitos"140 do seu romance "When the Slepers Awakes" (livro que Weels não

considera totalmente conseguido) onde imagina Londres como uma monstruosa

fortaleza de arranha-céus com sombrias fábricas subterrâneas e os apartamentos

dos privilegiados nas partes mais altas e claras. Para Wells a ideia de cidade de

hierarquia vertical está ultrapassada e, como argumentista de "A Vida Futura" (1936)

(baseado no seu livro "The Shape of Things to Come" (1935)), escreve uma nota

distribuída à equipa de filmagem onde se lê: "As a general rule you may take it

whatever long did in Metropolis in the exact contrary of what we want done here"141

O filme pretende ser uma resposta a "Metropolis" na dicotomia entre a cidade dos

arranha-céus e as catacumbas onde vivem os homens semi-prisioneiros (como

metáfora do homem-máquina, do automatismo dos gestos quotidianos na grande

cidade). Se essa verticalidade se estende aos subterrâneos é porque Lang põe em

debate os conflitos sociais da grande cidade, tal como Sebastião Salgado fotografa a

mão de obra invisível aos olhos do citadino, do labor que não pode aparecer

reflectido nos produtos acabados postos ao consumo; também em "Metropolis" o

mundo subterrâneo é um mundo escondido, que sustenta os jardins da Babilónia.

A utopia literária de Wells situa a cidade do futuro no subsolo: "Everytown of the year

2054 will be dug into the hills. It will not be a skyscrapper city (…) there are unfamiliar

architectural forms, grass slopes and formal trees (…)"142

A visão de Wells embora não seja anti-urbana enjeita decididamente a cidade

vertical; (à superfície) como de um bunker se tratasse a cidade do futuro é contudo

luminosa, estruturalmente leve, sem paredes (envidraçadas) onde prevalecem os

valores da transparência. Um gigantesco subterrâneo inundado de luz, transparência

e sofisticação (Fig. 17 e 18) onde aparece o skyline de Nova Iorque como exemplo

anacrónico: "What a funny place New York was, all sticking up and full of windows"143

140 Ver Neuman, Dietrich "Antes e Depois de Metroplois: o Cinema e a Arquitectura em Busca da Cidade

Moderna" Catálogo da Cinemateca portuguesa Cinema e Arquitectura, Lisboa, 1999. 141 " Film architecture: Set Designs from Metropolis to Blade Runner" editado por Dietrich Neuman,

Munich, N.Y. 1996, p.118. 142 Ibidem. 143 Ibidem

96

(Fig. 21), comenta uma rapariga ao olhar para uma imagem da cidade.

O designer de cena Vicent Korda, teria inicialmente convidado F. Léger para o

desenho da nova cidade de Everytown (os desenhos que apresentou eram baseados

nos de "Ballet Mecanique"(1921)) mas Wells terá rejeitado essa colaboração pelo

que, após a recusa de Le Corbusier, o próprio Korda se encarregaria do desenho dos

cenários adoptando algumas ideias formais desenvolvidas em "Towards a New

Architecture" (1927) de Le Corbusier.

Apesar de ter sido retirado muito material na fase de montagem, Moholy-Nagy

também colabora na sequência onde se mostra a construção da nova Everytown no

ano de 2036. Como recorda Sybil Moholy-Nagy a intenção seria eliminar as formas

sólidas: "houses were no longer obstacles but receptacles of man’s natural life force,

light. There where no walls, but skeletons of steel, screened whit glass and plastic

sheets"144

São os efeitos do movimento e da luz que interessam a Moholy-Nagy criando

sequências abstractas de padrões geométricos em movimento. Uma visão da cidade

transparente de torres de metal e vidro reminescente do arranha-céus (1922) de Mies

van der Rohe, seu colega da Bauhaus.

No ano de 1914, o poeta Paul Scheebart dita a direcção programática da nova

arquitectura da luz, em homenagem ao pavilhão de vidro de Bruno Taut, construído

para a exposição de 1914 da Deutscher Werkbund, escrevendo que "una

arquitectura de vidrio que admita la luz del sol (...) no sólo a través de unas cuantas

ventanas, sino a través de tantas paredes como sea possible, sustentado por entero

en vidrio(…)."145

Mais tarde, em 1922, sob influência da avant-garde germânica, Mies van der Rohe

projectará um arranha-céus em que a forma é reduzida à exibição dos seus

componentes "its form coinciding with them because glass is transparency, structural

structural simplifications, mirror of the surrounding" escreve Tafuri, refutando a tese

de Jonshon segundo a qual as origens do desenho de Mies teriam de ser procuradas

nas formas elementares de Jean Arp e sugerindo antes uma aproximação de Mies

144 Ibidem 145 Frampton, K "História Critica de la Arquitectura Moderna" Barcelona, 1991, p.118.

97

ao uso de "advanced constructional techniques applied to suggestion of form

common to the utopias of Taut and the ecumenical crystal of Luckhardt"146

aproximando-se das ideias de Scheebart mas sem a aura utópico-mistíca.

Mies terá pretendido jogar com os reflexos e não se limitar aos efeitos vulgares de luz

e sombra, obtendo uma ondulação cinemática, o que levará Tafuri a estabelecer um

paralelo entre a distorção da luz conseguida e as técnicas utilizadas nos filmes da

avant-garde "constructed of deformations and isolations como no "Diagonal

Symphony"147 de Vikking Eggling, cineasta pelo qual também Moholy-Nagy exprime

admiração pela forma como a partir de uma sequência "built up from the simplest

linear elements and by correctly estimating developmental relationships in size, time,

repetition and discontinuity etc, tried to render the complexity which forms out of

simplicity"148

Esse desejo de transformação através do efeito da luz e do movimento toma diversas

formas nas obras da avant-garde embora derivem da mesma aspiração da

"suspensão entre espaço e matéria, do sonho da imaterialidade e da ilusão de

ligeireza que se investe em termos sociais e ideológicos na purificação cósmica, a

transparência da democracia" (também Benjamim era um adepto da arquitectura de

vidro como única arte verdadeiramente revolucionária; recorde-se igualmente a

experiência de choque, descrita pelo autor, que afecta o cidadão da grande

metrópole. O choque, ao impedir que o olho se fixe numa imagem assemelha-se a

uma sequência cinematográfica. Veja-se como os filmes experimentais de Moholy-

Nagy, jogos de luz na modulação do espaço, reflexos em movimento, volumes

transparentes se modelam sobre este princípio).

Uma visibilidade ilimitada que toma forma na arquitectura de vidro, nos reflexos da

luz, onde a independência da estrutura em relação à forma impõe uma aparência

atectónica.

No filme "A Vida Futura" a transparência simboliza um mundo de plena democracia:

a luz circula sem estar condicionada à geometria singular das janelas, mais do que

uma visão mística da luz, apresenta-se um mundo desrealizado, de superfícies e

146 Tafuri, M, Dal Co, Francesco "Modern Architecture/1, Milão, 1976, p.132 147 Ibidem 148 Moholy-Nagy "Painting, Photography, Film" Mit Press, 1987.

98

interfaces onde se projectam as imagens de uma cidade do passado (Nova Iorque)

ou um dos presentes discursa, ausente, mas pairando como figura fantasmagórica

no àgora do futuro (Fig. 22).

Do ponto de vista estrutural é verdade que "A Vida Futura" não utiliza os mecanismos

da nova visão, (expressão de Moholy-Nagy) como faz Vertov no seu cine-olho que

recorre a processos cinematográficos para acolher imagens sobrepostas (imagens

em transparência) como exemplo de autoreferência não já ao autor mas à estrutura

da obra e à sua implicação no tema; antes usa o cinema para ilustrar uma narrativa,

sem deixar contagiar o olho da câmara pela visão profética (?)de Wells.

Assumindo-se como oposição estética à cidade de Metropolis, o próprio filme encerra

uma visão dialéctica entre dois espaços que se sobrepõem: a cidade de Everytown

antes da guerra, e a nova Everytown do ano de 2036.

Uma pequena cidade onde a arquitectura do passado convive com a presente, os

edifícios clássicos representam ainda o poder político (e mesmo na Everytown em

ruínas assim se manterá) enquanto os edifícios modernistas representam as novas

tipologias da cidade como o cinema. (Fig. 13 a 16).

A Everytown de 2036 é, como cidade ideal, organizada coetaneamente. É uma

cidade de utopia social, de igualdade num espaço uniformemente projectado. Se por

um lado o filme reflecte as incertezas deixadas pela I Guerra Mundial, parece

antecipar a destruição massiva da II Grande Guerra.

Há quem louve as virtudes da guerra, enquanto outros se assustam perante a

destruição eminente. "Wells começa por mostrar-nos os terrores do futuro imediato,

visitado por pragas e bombardeamentos, e essa exposição é eficacíssima (Recordo

um céu aberto que é enegrecido e manchado por aviões, obscenos e daninhos como

gafanhotos)"149

Sem dúvida que o cenário da Everytown após a guerra, dizimada pela peste é o

cenário do Apocalipse. A destruição pela guerra é sintoma de barbárie, por isso a

reestruturação do tecido social da cidade implica um início de tabula rasa. Aqui se

evocam as conotações negativas da ruína; fora do universo normativo a ruína é uma

ameaça à ideia clássica de perfeição, pela privação da forma arquitectónica e

149 Cozaringsky, E. "Do cinema" textos críticos de J.L. Borges, Lisboa, 1983, p.41.

99

dissolução dos valores clássicos de atemporalidade, perenidade, monumentalidade e

perfeição. "A aura negativa das ruínas também deriva da associação com o mundo

clássico pagão e a sua presença em muitas cenas religiosas, geralmente em pano de

fundo, que faz uma alusão à queda do mundo dos deuses do paganismo, dos seus

templos e das suas imagens"150. Uma transferência de poder que se ergue sob os

escombros de uma estrutura decadente, novos templos e novas imagens serão

lembradas.

É talvez num plano quase mitológico que as ruínas de Everytown (Fig. 23 e 24)

manifestam a queda de um mundo conduzido à barbárie (por oposição ao conceito

grego de bárbaro como aquele que se opõe ao homem culto- o cidadão).

Aparentemente é importante afirmar "A Vida Futura" como um filme "anti-Metropolis".

Mas em que sentido se desenvolve essa oposição? No filme "A vida Futura" não

existe a dialéctica vertical de Metropolis, já o dissemos, contudo existem tensões

dentro do próprio tecido social que o filme forma. A insatisfação dos habitantes da

nova Everytown parte da mesma inquietude que terá levado ao "desejo da guerra"

que destruiu a primeira Everytown. A utopia é sempre posta em causa pois a perfeição

só existe na acomodação do homem à realidade, onde há dúvida a perfeição

desaparece; e esse parece ser o mote de toda a narrativa, a eternamente repetida

expulsão do paraíso sob formas de tentação diferentes: primeiro o elogio romântico da

guerra, como estímulo ao progresso, depois o receio de um futuro cujo modelo

encontra resistências na sociedade.

C) Fritz Lang “Metropolis” (1927).

Este filme de Fritz Lang é um espelho multifacetado onde se reflectem várias

influências. A cidade de Metropolis tanto se identifica com a imagem mitológica dos

jardins suspensos de babilónia (Fig. 31) como na impressão que a cidade de Nova

Iorque terá deixado em Lang, o efeito das "(...)ruas varridas por luzes em movimento,

150 Saldanha, N. "G. B. Piranesi e a Poética da Ruína do Século XVIII" Giovanni Battista Piranesi-

Iinvenções, Caprichos, Arquitectura 1720/1778 , SEC, Lisboa 1993, p. 92.

100

que giram em espiral e muito acima dos carros e dos comboios suspensos, os

arranha-céus surgem azuis e dourados (...) e mais alto ainda há anúncios luminosos

que brilham mais do as estrelas"151. Lang é um observador atento dos temas da

arquitectura contemporânea e das tensões da cidade metropolitana, pelo que o

espaço urbano que reinventa está impregnado desse background, onde também se

prefiguram os desenhos de Hugh Ferriss para a "Metrópole do Futuro" (1929) ou o

debate entre a cidade idealizada pelas vanguardas operativas e a visão

expressionista (frequentemente representada como anti-progressista).

Entre a cidade moderna e as catacumbas há uma tensão só superada pela

destruição. Esse conflito é representado pela oposição ideológica entre a força motriz

de Metropolis e o grande capitalista, mentor da cidade, formalmente materializada no

choque entre a avant-garde tecnológica (modernismo, futurismo, construtivismo) e a

avant-garde romântica do expressionismo alemão.

Os expressionistas não estavam somente convencidos do poder da expressão como

também tinham em conta o efeito psicológico do seu edifício, tentando transportar

para a criação artística a manifestação do sentimento e da vivência íntima do artista

acerca do ser e do mundo.

Cultivando a ideia de génio solitário e o carácter sagrado do mundo da percepção

sensorial, o expressionismo está na senda da tradição romântica alemã.

A avant-garde de cariz materialista da vertente funcional e operativa representada

pelo futurismo e construtivismo e, em oposição, a atitude de relutância em relação às

novas tecnologias, uma sensibilidade romântica em que se tomam como modelos

operativos a intuição e o irracional, tentando estabelecer uma identidade de

continuidade.

De um lado Bruno Taut com o manifesto de desurbanização, a utopia da cidade

povoada por quintas, por outro a "machine à habiter" de Le Corbusier.

Não será por acaso que a primeira versão de cenário para "Metropolis" pelo designer

de cena Kettelhut enfatiza a presença de "A gothic cathedral stand in the background

as the focal point of the city, surrounded by the narrow old houses of the weathy

151 Neuman, Dietrich "Antes e Depois de Metropolis: O Cinema e a Arquitectura em Busca da Cidade

Moderna" Catálogo da Cinemateca portuguesa Cinema e Arquitectura, Lisboa, 1999, p.110.

101

middle class"152 cuja descrição nos remete para o universo de filmes inscritos na

tradição do expressionismo, como "O Gabinete do Dr. Caligari" de Robert Wiene.

Mas aqui não está tanto em evidência essa "vontade da forma" expressionista, mas

antes os lugares atribuídos ao género, a gruta, a catedral gótica como símbolos de

uma ideologia conservadora e arreigada identificada com o "espírito alemão".

Esta primeira versão do cenário resulta de uma leitura directa do argumento de Thea

van Harbour onde "A small gothic sect resists the assault of new machine idols". Ao

aparato tecnológico resiste a mística gótica.

É a discussão contemporânea em torno do planeamento urbano que interessa ao

realizador pelo que acaba por rejeitar as primeiras versões de Metropolis para

privilegiar uma visão da nova cidade dominada não pelas torres de igreja mas pelos

novos templos do trabalho i.e. os arranha-céus. Assim a catedral que Kettelhut

projectara desaparece dos desenhos de cena (embora a cena da reconciliação se dê

no átrio de uma catedral) e começa a desenvolver-se uma cidade que exprima

eficazmente a ideia de opressão e exploração, baseada em "photos of canyon-like

streets in N. Y. (...)on a scale that exceeded anything that existed in America at that

time"153

Idêntica referência também encontra expressão nas palavras de Ferriss: É a natureza

que o inspira, preferindo "chercher l'inspiration dans le masses du Grand Canyon ou

dans le pics et les espaces du sud californien plutôt que dans le passé européen

(…)"154

A analogia entre os desfiladeiros do Grand Canyon e a verticalidade da cidade de

Nova Iorque requer outras formas de representação da cidade: À veduta que se

entende como "representação verosímil, perspectivamente ordenada de um lugar,

uma terra ou parte dela, um monumento ou um conjunto mais complexo de

agrupamento urbano" utilizando a perspectiva para ordenar o mundo, uma janela

cujo fora de campo se pressupõe igualmente ordenado; sucedem o perfil a vista

aérea e nos enquadramentos cinematográficos a perspectiva em plongée e contra-

152" Film Architecture: Set Designs from Metropolis to Blade Runner" edited by Dietrich Neuman, Munich,

N.Y. 1996, p.94. 153 ibidem

102

plongée enfatiza o abismo das ruas-desfiladeiros.

Uma nova forma de desenhar arranha-céus começa a esboçar-se nos

projectos/desenhos de Ferriss, Hoods ou Corbett. Onde antes se procurava uma

ordem semelhante à coluna composta por base, fuste e capitel e as referências

historicistas na forma de ornamentação, procura-se agora acentuar os valores da

massa e a silhueta, enquanto a ornamentação se limita à superfície rejeitando a

decoração historicista.

Uma síntese do estilo moderno que, segundo Frampton deriva tanto do movimento

moderno como do historicismo do princípio do século XX, encontrando afinidades

com o expressionismo alemão. Ressalve-se embora que a posição dos E.U.A. após

a II Guerra Mundial é de crescente importância face à Europa, pelo que a celebração

do progresso e da democracia se informa cada vez menos do passado europeu ou

das suas vanguardas.

O percurso de Ferriss inicia-se como desenhador de perspectiva - perspectivista- dos

grandes ateliers de arquitectura. Deste oficio afirmará como princípio "de comprende

la nature de l'idée architecturale que son sujet incarne, la demarche de pensée que

l'architecte a mis en ouvre" que distingue a arte da perspectiva do simples desenho

técnico. Enquanto os seus colegas trabalhavam contrastando claramente o preto e o

branco em desenhos de leitura clara, a tinta ou a lápis, Ferriss desenha acentuando

as formas monumentais, suprimindo os detalhes, e tratando a forma como sólida

massa escultórica acentuando um tom dramático nos contraste de sombra.

Por outra via Ferriss é ele próprio um criador ensaiando nos desenhos uma visão da

cidade futura que revela uma confiança na capacidade das utopias arquitectónicas

resolverem as contradições do espaço urbano.

Surgindo como uma síntese das diversas influências dos arquitectos para quem

Ferriss trabalhara (especialmente Raymond Hoods )a exposição dos seus desenhos

organizada pela galeria Andersen em 1925 intitulada "Drawings of a Future City", é

uma visão da metrópole vertical: torres de habitação com jardins sobre os telhados

154 Catálogo da exposição - Hugh Ferriss- La Metropole du Futur, Cente Georges Pompidou, 8Juillet-28

Septembre, Paris 1987, p.?

103

servidas por vários níveis de passarelles, enquanto para os pisos térreos se reserva o

comércio.

As fontes de Ferriss encontram-se também na história, nos conjuntos arquitectónicos

das antigas civilizações do Médio Oriente ou de Roma imperial e principalmente,

Ferriss deixa-se cativar pelas ilustrações de lugares imaginados, míticos das

reconstruções arqueológicas do sec. XIX, os desenhos de Piranesi ou outros artistas

do séc. XVII como , Gandy, Robert e Martin.

O filme "Intolerância" (1919) de D. W. Griffith terá influenciado os desenhos de

Ferriss? É certo que há um sentido dramático, uma grandiosidade e opulência

comuns que denunciam mais do que uma proximidade estética casual. Esta relação

com o universo cinematográfico estende-se também ao filme "Metropolis" (1927)

embora neste caso seja mais plausível uma influência inversa pois a maior parte dos

desenhos de Ferriss que são compilados no livro "The Metropolis of Tomorrow"

(1929) são do início dos anos vinte. Não é de rejeitar, contudo que a projecção de

Metropolis nos EUA em 1927 tenha influenciado posteriores criações de Ferriss

(veja-se vista aérea de uma cidade imaginária, 1930 e compare-se com a torre do

filme "Metropolis" (Fig. 30)).

Também em "Metropolis" existe uma referência a um mundo opaco, de grandes

massas, volumes ameaçadores em que a transparência do vidro é ausente por

contraste. Uma organização de cidade como corpo: nas caves (Fig. 25 e 26) a força

locomotiva, nas torres (Fig. 29, veja-se o paralelo com as torres de Blade Runner nas Fig.

33 e 36) o cerébro da cidade. Um corpo cuja desarticulação gera os conflitos típicos

das grandes cidades. É pois dessa tensão que se alimenta Metropolis, do corpo feito

máquina, robotizado, em que o controle é exterior aos seus movimentos mecânicos,

a cidade entendida como organismo que não consegue resolver as dicotomias entre

o planeador, aquele que projecta a cidade como um sonho, uma abstracção também,

de tal modo se alheia da realidade. Mas que realidade é essa? Uma distância

conceptual separa as utopias da realidade; a primeira não pode ser vivida, por

definição, enquanto a segunda foge a definições que a restrinjam ao campo da

objectividade. Talvez por isso sejam de algum modo irreconciliáveis, enquanto a

utopia tropeça no enquadramento perfeito, excluindo o fora de campo (o

104

enquadramento utópico isola-se na sua geometria de ilha) a realidade é uma arca de

Noé que resgata a multiplicidade da submersão niveladora. Veja-se as cenas finais

de Metropolis inundada pelas águas.

É evidente que F. Lang teria consciência da sua analogia, afinal a cidade de

Metropolis reflecte com justeza esse universo antagónico: por um lado um espaço

interior (as catacumbas), que se constitui como universo cosmicizado em que o

exterior se realiza como estrutura contrastante. A estas dimensões é atribuído o

respectivo carácter, tal como o sótão (ascensão) é um lugar de devaneios

intermináveis, a cave, é o lugar dos medos ancestrais como diria Bachelard; aqui

também o universo de Metropolis oscila entre esses dois pólos, só que inversamente

faz corresponder ao lugar dos sonhos, da utopia o lugar da opressão enquanto a

cave é o topos onde o sonho da superfície se torna pesadelo. Tomando outras

palavras podemos dizer que a cidade de Metropolis é um edifício em corte, daí a

importância das comunicações verticais- escadas, túneis, elevadores- que

asseguram a articulação dos vários níveis. Uma cidade antropomórfica, um mundo

anímico baseado num sistema de semelhanças em que que esboça o sonho da

unidade do corpo: "sou todo eu corpo e nada mais; alma é uma palavra que designa

uma parte do corpo."155

O corpo a que se refere Lang não é todavia o corpo simétrico e indiviso concebido

por Vitruvio mas constitui-se pelas memórias desse corpo que perdeu o unidade mas

ainda a procura, tal como a cidade moderna quer resgatar do caos a ordem e a

hierarquia. O homem-máquina do modernismo está imerso nos ritmos mecânicos, na

velocidade do automóvel, agora o homem da rua é o homem do carro. O urbanismo

do século XX reflecte essa ordem segmentada e compartimentada da cidade: a rua

como «máquina para o tráfego, as torres ligadas por auto-estradas aéreas separadas

por barreiras de erva e betão»156 onde o caos da cidade do século XIX já não têm

lugar.

155 Nietsche, F - "Assim Falava Zaratustra", Lisboa, 1974. 156 Ver Berman, M. "Tudo o Que é Sólido se Dissolve no Ar" Lisboa, 1989.

105

D) Ridley Scott "Blade Runner" (1982).

Este filme de Ridley Scott adaptado de um romance do escritor de ficção científica

Phikip K. Dick (1968), foi aplaudido por alguns como símbolo da cidade do futuro;

resta-nos saber porquê: concretamente a cidade de Blade Runner parte da cidade

real (Los Angeles) mas desloca a acção para um futuro próximo no ano de 2019.

Interrogamo-nos porque é que uma cidade que se constrói a partir de paisagens

reais ou de um passado mais ou menos próximo se afigura como cidade futura?

Creio que essa transferência terá essencialmente a ver com a capacidade do cinema

de transformar os espaços quer através da alteração das proporções, perspectiva do

observador como pela introdução de diferentes velocidades no espaço percebido, um

ritmo se apoia na banda sonora e nos ruídos amplificados da cidade.

A distância que separa os espaços na realidade pode ser encurtada ou alargada

intensificando ou reduzindo a velocidade de montagem dos planos (curtos ou

compridos) ou alternando planos de conjunto com grandes planos. Como escreve

Toyo Ito o cinema submerge na cidade, percorrendo-a como "si recorriera uno el

interior de un laberinto en una montaña rusa"157. É pois um tempo próprio que altera

o semblante da cidade transformando-a numa outra coisa, numa projecção do seu

devir.

Existem em relação ao filme Metropolis (1927) algumas afinidades que interessa

explorar, porque apesar de serem visões distintas de cidade, embora mais distantes

na forma do que ideologicamente, cruzam-se aqui e ali algumas influências. A mais

evidente é no plano narrativo, ou o leitmotiv da história. Se em Metropolis a cidade é

controlada por um homem, em Blade Runner esse poder é mais abstracto e

corporativo. E é nesse sentido que o filme se afasta da ingenuidade de Metropolis: já

não existindo a possibilidade de redenção é o cinismo que cria a distância

organizando as relações. Outra semelhança se define: tanto em Metropolis como em

Blade Runner os criadores dos autómatos (num caso com um aspecto mais

maquinal, noutro um corpo ambíguo entre homem e andróide) habitam espaços do

157 Ito, T. "Escritos", Murcia, 2000, p.195.

106

passado: uma casa medieval e o Bradbury Building (1893), isto é as estruturas da

cidade antiga que sobreviveram à cidade vertical dos arranha-céus.

Já a propósito do filme Metropolis havíamos recordado os desenhos de Ferriss em

"The Metropolis of Tomorrow" (1929) que segundo descrição de Frampton

transformam Manhattan numa "interminable repetición de ziggurats

rascacielos(…)"158. Ora neste momento podemos traçar uma rota que acompanha a

migração das imagens e adivinhar semelhanças entre os arranha-céus de Ferriss e

as pirâmides Maias de Tikal, por exemplo, e alargando o caminho, encontrar essas

pirâmides em Blade Runner como símbolo de poder da Tyrel Corporation (Fig. 34, 35),

a empresa que controla a cidade. Sabemos ainda que a Ennis House (1924) de

Frank Lloyd Wrigth foi filmada em Blade Runner destinando-se à habitação de

Deckard: "Even from a distance of several miles, the appearance of Ennis House

silhoutted against the sky commands attention. A virtual Mayan fortress(…)

overlooking Los Angeles"159

Como detectives seguimos as pistas que são apenas as imagens fugazes que

alimentam o imaginário colectivo, e lançamos uma ponte que não sabemos segura

porque de repente essas imagens se transformam noutras e perdemos o rasto da

sua possível origem. Não que a génese das imagens seja de facto muito importante,

certamente o que se quer perceber são as transformações ocorridas nessa viagem,

que realidades sustentam esses signos que se transmutam; uma vez que o cinema

opera como síntese, um "campo de experimentação virtual das diversas utopias e

contra-utopias arquitectónicas ou urbanísticas."160

Da cidade imaginada de Metropolis, baseada numa hipotética Nova Iorque à cidade

de Los Angeles dos arranha céus, os anúncios-fachadas, uma cidade quase sempre

nocturna de luzes néon e de espaços degradados e sujos (Fig. 32 e 37). Os vestígios

da cidade industrial, docas, armazéns, estaleiros, fábricas e outros lugares outrora

emblemáticos encontram novo alento no cinema que restitui ao espectador um novo

158 Frampton, K. "Historia Crítica de la Arquitectura Moderna" Barcelona, 1991. 159 LeBlanc, S. "20th Century American Architecture-A traveler's guide to 220 key buildings" USA 1996 2nd

edition, p.40.

107

mapa cognitivo161 que lhe permite referenciar espaços que já não experimenta

directamente. Essa representação dos espaços através das imagens do filme

permitiu refazer um imaginário da cidade constituído por elementos marcantes e

articulações cuja sequência não parte da experiência pessoal do espectador é antes

uma combinação sincrética das imagens da cidade enquadradas pela visão do

realizador.

Quando Lynch na sua obra seminal "A Imagem da Cidade"162 se refere ao imaginário

da cidade, baseado em mapas traçados por habitantes, argumenta que são os

elementos marcantes, as vias, as articulações (nós) e a interrelação entre os

elementos que formam uma imagem mental, um mapa cognitivo reduzido ou

ampliado, adicionado, relacional mas quase sempre mantendo uma sequência entre

os elementos que corresponde à realidade; uma continuidade que, segundo o autor

contribui para a legibilidade da imagem/memória da cidade. Mas a relação de

continuidade que parte da vivência dos espaços sofre uma ruptura após a II Guerra

Mundial, na opinião de Boyer163 a relação entre a percepção do espectador e as

estruturas da cidade já não pode ser directa, sendo substituída por outros meios

mnemotécnicos como a fotografia e o filme.

As sequências iniciais de Blade Runner imiscuem-nos numa cidade negra e

decadente mas plena de luzes néon das grandes fachada-anúncio (Fig. 32) que nos

recordam Times Square, lugar de todos os encontros, agora transformado em

arquétipo de uma disneyficação do espaço como lhe chama C. Boyer: "Architecture

no longer determines a city's unique visual identity but is reduced to nostalgic

stereotypes. Borrowing from a ubiquituos series of already determined and

advertisements, signs, and billboards (…)"164

160 Jorge, J. "Cinema e Arquitectura" Cinema e Arquitectura Catálogo da Cinemateca Portuguesa, Lisboa

1999, p.49. 161 Ver Lynch, K. "A imagem da Cidade", Lisboa, 1989. 162 Lynch, K. "A Imagem da Cidade", Lisboa, 1989. 163 Boyer, Christine "Twice-told stories: The Double Erasure of Times Square" in "The Unknown City-

Contesting Architecture and Social Space" ed. Lain Borden, Joe Kerr, Jane Rendell com Alicia Pivaro,

pp.49, 50. 164 Ibidem 164 Estes termos são usados no livro de M. Berman "Tudo o que é Sólido se Dissolve no Ar" Lisboa 1989,

como referência à prosa de Baudelaire que divide em modernismo pastoral e antipastoral distinguindo o

acto de fé na mudança como paradigma da nova arte, ou pelo contrário por uma descrença do progresso e

108

Outra das influências incontornáveis do filme Blade Runner é a contribuição de Syd

Mead, apresentado como "visual futurist", na construção do cenário quer dos

exteriores, quer do apartamento de Deckard. Desde os anos sessenta que Mead

desenvolve um trabalho em torno da ideia de super-estrutura na senda dos projectos

do grupo Archigram. Os desenhos de exteriores que desenvolve para Blade Runner,

embora não assumam a provocação fiel ao espírito dos Archigram, aparecem como

máquinas, tubos, condutas, fios, edifícios monolíticos cuja fachada se parece com

circuitos impressos; a cidade de Blade Runner é uma cidade de mega-estruturas em

que a tecnologia se exibe mas sem a crença que os problemas sociais possam ser

resolvidos por meios tecnológicos. A «modernolatria» foi substituída pelo «desespero

cultural»165, já não se trata de uma fé no progresso, mas da decadência da cidade

moderna embora por outro lado transpareça um amor à cidade como lugar de

mistura, heterogéneo e caótico, espaço de liberdade e de memórias, sedimentos do

passado misturados com visões futuristas nas ruas povoadas pela diversidade étnica

e social.

Tal como o filme Metropolis investe a cidade de uma organização vertical que

hierarquiza as classes sociais, também em Blade Runner os andróides pertencem a

uma classe inferior cuja revolta é interrompida pelo tempo - os andróides só tem

quatro anos de vida -. Se no filme de Lang existe uma possível reconciliação final, o

filme de Ridley Scott, afasta realisticamente essa possibilidade. Não há uma

ascensão (figurada em Metropolis- uma ascensão social e espacial), mas uma fuga

para além do horizonte, o espaço numa extensão de subúrbio, uma estrada para

nenhum lado: não há fuga possível.

E) John Carpenter "Fuga de Los Angeles" (1996).

Este filme é um remake de "Fuga de N.Y" (1981) do mesmo autor. Desta feita o

cenário muda-se para a cidade do "faz de conta": Los Angeles.

seus efeitos sociais perversos.Nesta senda Berman classifica como modernolatra Marinetti, Le Corbusier e

Fuller, para citar alguns, e como "visionários de desespero cultural" Pound, Foucault, Marcuse, entre

outors para quem a vida modena parece oca, estéril (…) e unidimensional" p.185.

109

Esta deslocação não é casual. Carpenter é um realizador que não gosta de

instituições ( ou pelo menos é notória a sua aversão a grupos organizados quer

representem o "bem" ou o "mal", embora, como o próprio refere são as "forças do

mal" as mais organizadas). É dentro dos códigos do chamado cinema comercial

ditado pela industria americana de filmes- Hollywood- que Carpenter opera,

parodiando esses códigos e subvertendo-lhes o sentido.

Em 2013 um forte sismo destroi L.A. (Fig. 38 e 39), separando o território do

continente americano. É para esta ilha que serão enviados todos os indesejáveis

opositores (nem sempre conscientes) ao regime autoritário da América moral. Eis

pois a ilha da Utopia (Thomas More), desta vez uma anti-utopia, um degredo

destruturado, uma ruína fantasmagórica.

A cidade de L.A. de Carpenter é a cidade pós-moderna levada ao absurdo. É a

arquitectura do consumo de Las Vegas, povoada de sinais gráficos, de fachadas

comunicantes, - cuja mensagem é, por acaso, similar- que Venturi "confunde" com

arquitectura popular, que aparece parodiada neste filme: ainda restam os letreiros,

os sinais gráficos, mas desvirtuados da sua função comunicante, vazios, porque os

lugares que referem já não existem, apenas sobrevivem os sinais, signos mudos, que

falam apenas de um passado que se investia de glamour para esconder a sua

fragilidade de papelão (Fig.40 e 41) (há uma referência explicita ao cenário na visível

falsidade dos mesmos).

Para esta ilha foge a filha do presidente, Utopia; já é uma utopia desencantada

porque apesar de ingénua (como quase todas as utopias) parece consciente da

farsa. Afinal o guerrilheiro que promete justiça só se distancia do outro poder (o

institucional, e neste caso também o paternal) para o reivindicar e não por oposição

ideológica. Uma utopia negra que reflecte a estética pós-moderna no limite como "a

dark parody of such representationalism (do modernismo): if art no longer reflets it is

not because it seeks to change the world rather than mimic it, but because there is in

truth nothing there to be refleted, no reality which is not itself already image, spectacle,

simulacrum, gratuitous fiction"166

166 "Art in Modern Culture- an anthology of critical texts" ed. Por Francis Frascina e Jonathan Harris- texto

de Terry Eagleton, Londres 1992.

110

Esta cidade de Carpenter é uma cidade sem comunidade (ao contrário da utopia); os

seus habitantes são seres isolados ou gangs violentos (Fig.44). Entre a América moral

e rural (o presidente governa a nação a partir do seu rancho na Virginia) e a terra

sem lei (ainda urbana contudo) e da dissolução (Los Angeles), recriação do oeste

selvagem tal como é visto pelos filmes do género- os westerns- (e também neste

nível Carpenter joga com os códigos estabelecidos) o realizador escolhe votar as

duas ao mesmo destino: a obscuridade.

O universo de Carpenter questiona-se permanentemente sobre as condições da

visibilidade, de modos diferentes. Em "Memórias de um Homem Invisível", (a partir de

um texto de Wells, que parece ter alimentado boa parte das visões cinematográficas

sobre o homem do futuro) um edifício desaparece parcialmente, mantendo-se num

estado de instabilidade entre o visível e o invisível, já num filme mais recente "Os

Vampiros" a visibilidade aparece enquanto metáfora: uma vez que os vampiros

sucumbem à exposição solar o máximo poder será o da conquista da

visibilidade/exposição. Em outro exemplo na filmografia de Carpenter, "O Nevoeiro" é

a bruma que surge como obstáculo à percepção, tal como em "Eles Vivem" será

necessário colocar óculos escuros para perceber aquilo que de outro modo é

invisível. Estas questões não só se interrogam sobre com uma visibilidade mediática

da cultura pop, como também as condições em que esta se produz, o regime de

exposição extrema ao olhar parece afirmar que não existe nada para além da pura

visibilidade, da imagem como signo puro, pelo que a hiper exposição se revela como

uma forma de invisibilidade enquanto que, para ver para além da superfície, (os

objectos expostos à mesma luz- objectividade?- tornam-se imagens com idêntica

carga semântica) será necessário o uso de "óculos escuros". Mas o que é que existe,

de facto, para além da superfície? Para além das ficções que construímos? Dos

códigos inventados?.

Segundo Virilio a proximidade da comunidade liga os habitantes da cidade. À

proximidade imediata do ágora e do fórum passa-se para a "proximidade metabólica"

com o cavalo; proximidade mecânica com o comboio e finalmente proximidade

111

electromagnética com a mundialização e o tempo real que leva a melhor sobre o

espaço real"167

A televisão instala-se como panóptico, espaço de controle que substitui o espaço

público pelas imagens públicas onde se joga no domínio da visibilidade extrema.

Na cidade de L.A. tudo acontece na escuridão e só nela se consegue perceber as

ruínas fugazes da cidade. Mas essa é uma invisibilidade imposta à cidade das

vaidades, não mais se poder ver ao espelho e auto-contemplar-se na sua vacuidade.

167 Virilio, Paul "Cibermundo: A Política do Pior" Lisboa, 2000, p. 44.

112

VI- Conclusões.

Observando como conjunto a filmografia seleccionada surge-nos o desenho não

muito nítido de uma determinada extensão. Essa extensão, essa porção da

superfície não é de todo um território (re)conhecido e por isso os signos que a

povoam rasgam um sentido nem sempre presente; não existe nenhum código

objectivo, apenas impressões do visível. Este trabalho deixa mais dúvidas que

certezas e, a existirem conclusões, alinharão certamente num estado de permanente

mutabilidade.

As vanguardas transferiram os códigos da arte de construir derivantes do conceito de

beleza clássico, ritmo, simetria, coerência entre forma e conteúdo para os modos de

produção industrial de modo que "la habilidad de construir fue suplantada por la

capacidad de construir com metáforas y alegorias formales el proyecto de la

arquitectura"168

A cidade que aparece nos filmes anteriores à II Guerra Mundial reflecte essa ordem,

mas de forma diversa: Observando o filme de Vertov "O Homem da Câmara de

Filmar" (1929) é a fusão do tempo da cidade com o tempo mecânico do olho da

câmara que interessa ao realizador. A intuição que a percepção do espaço urbano se

aproxima da multiplicidade do olho mecânico. Um olho que, como um diafragma (Fig.

11 e 12)regula as intensidades luminícas, os choques de luz, as velocidades e os

tempos de exposição, inebriado no turbilhão da vida urbana. Imiscui-se na pulsação

da cidade, quer medir-lhe os ritmos que já são também os seus. Tal como Le

Corbusier "depois de abrir caminho através do tráfego, mal tendo conseguido

sobreviver, dá um salto súbito e ousado: identifica-se por inteiro com as forças que o

estavam a pressionar (…) Num momento, é o nosso conhecido homem da rua,

168 Fernandez-Alba, A. "Esplendor y Fragmento, Escritos sobre la Ciudad y Arquitectura Europea",

Madrid, 1997, p. 86.

113

baudelariano, a fugir e lutar contra o tráfego; no momento seguinte, o seu ponto de

vista mudou de uma maneira tão radical que agora vive, anda e fala de dentro do

tráfego"169

Os filmes "Metropolis" (1927) de Fritz Lang e "A Vida Futura" (1936) de Cameron

Menziés ensaiam um caminho diferente, embora questionem do ponto de vista da

estrutura narrativa as tensões subjacentes à cidade metropolitana, constroem a

cidade num sentido menos conceptual, materializando-a numa visão que se

referencia não só em realidades presentes, como a cidade de Nova Iorque, mas nas

utopias arquitectónicas e urbanísticas delineadas pelas vanguardas. É pois outra

cidade que surge, que tem a vontade de fazer uma síntese entre realidade e utopia.

O espaço do cinema como súmula de influências díspares que no suporte

fantasmagórico da fita de celulóide sustentam uma realidade construída de forma

coerente insuflando vida às visões estáticas da utopia.

A ideologia modernista do progresso fica definitivamente comprometida após a II

Guerra Mundial. Na Europa desvastada pela guerra e pela memória de Auschwitz as

propostas radicais das vanguardas históricas esmorecem. O espaço urbano do pós-

guerra já não se entende como uma colagem industrial transitória mas mais como

uma série de fragmentos e objectos autónomos170.

A arquitectura pós-moderna, embora agindo em várias direcções tem em comum o

uso de modos compositivos das avant-garde históricas, como a colagem e

montagem mas utilizados num outro sentido, o da paródia e da alegoria figuras

retóricas do pastiche.

Ao longo de uma rua artificial designada Strada Novissima, na Bienal de Veneza de

1980, alinham-se várias fachadas, cenários representativos da nova arquitectura

onde não faltam as alusões ao símbolos e estereótipos da arquitectura mas

apresentados fora de lugar, propositadamente deslocados. A oposição

169 Berman, M. "Tudo o que é Sólido se Dissolve no Ar" Lisboa, 1989, pp.181/182. 170 Ver Fernandez-Alba, A. "Esplendor y Fragmento, Escritos sobre la Ciudad y Arquitectura Europea,

Madrid, 1997, p. 86.

114

forma/conteúdo válida durante o primeiro modernismo é aqui substituída por uma

outra dialéctica a da forma/mercadoria.

O espaço da cidade é transformado em, escreve Alba, "tiempo acelerado de los

processos informáticos. El espacio de la ciudad tiende a ser tiempo informatizado,

soporte e mensagem son los elementos significativos de su arquitectura, de la misma

manera que la calle se ha transformado en un soporte infinito de signos

telemáticos"171

São analisados neste trabalho dois exemplos de filmografia que se inserem neste

período. Um filme sem dúvida paradigmático- Blade Runner (1982) de Ridley Scott,

aparece como uma colagem de espaços, fragmentos da cidade do passado, de

sedimentos antigos que coexistem com a cidade futura de aparato tecnológico mas,

velada por fumos e chuvas ácidas é já uma cidade corroída e em declínio; signo de

uma pós-modernidade desesperada, Blade Runner recupera os estereótipos do film

noir como estrutura narrativa obrigando a um recuo involuntário pela presença da voz

off que projecta o filme num hiato e instala um espaço/tempo claustrofóbico.

O filme de John Carpenter "Fuga de L.A." contém algumas semelhanças com Blade

Runner; identificando-se com os mecanismos formais do pós-moderno Carpenter

projecta uma cidade negra, de ruínas de cartão que interrogam a solidez da

arquitectura interpelando a memória como dispositivo capaz de resgatar os signos do

passado.

A cidade norte-americana exerceu sem rival, especialmente após a I Guerra Mundial,

o estatuto de cidade do futuro, primeiro Chicago e Nova Iorque mais tarde Los

Angeles. Nos últimos anos, contudo essa tendência esmorece perante o

recrudescimento do Japão donde surge a cidade de Tóquio como centro de

excepcional dinâmica. O arquitecto Toyo Ito descreve-a como um "espacio lleno de

ruidos creado por la tecnología: La atmosfera de esta metrópoli está llena de diversos

ruidos, colores, informaciones, olores (…) cambiando su densidad como si fueran

nubes o niebla flotando en el espacio urbano (…) Un mundo sin sustancia en el que

171 Idem, p. 69.

115

se suceden los acontecimientos entre los innumerables símbolos de consumo que

están allí flotando (…)todo el espacio urbano ha empezado a cambiar

incesantemente como un signo de consumo."172

É interessante verificar que alguns cineastas utilizam o universo metropolitano de

cidades como Taiwan, Hong-Kong e Tóquio de um modo activo: Cenas exteriores da

cidade onde a sucessão de decoupages do espaço e do tempo e os travelling que

percorrem velozmente as ruas recolhem uma impressão de transitoridade (Fig. 47 e

48). Olhando para filmes como "Chungking Express" de Kar-Wai, "Tehuan" ou "Akira"

apercebemo-nos de uma cidade sem contornos, de paisagem relativamente

indiferenciada mas onde "se penetra sin darse uno cuenta, como en un laberinto"173.

Um espaço que flutua por um mundo de imagens imateriais, espaço fictício e

tecnificado. Habitamos num cenário fixo embora procuremos um espaço fugaz, em

trânsito. A arquitectura vive aprisionada entre a imagem e a sua materialidade, entre

a ilusão e a realidade. Entre a ideia e o "desejo de ser da forma". É nesse espaço

heterotópico entre o sonho e a realidade que o cinema opera construindo num

espaço verosímil a cidade impossível.

172 Ito, Toyo "Escritos", Murcia, 2000, p. 196-198. 173 Ito, Toyo "Escritos", Murcia, 2000, p. 191.

116

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