UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS UFG POR QUE ENSINAR LÍNGUA INGLESA SOB UMA PERSPECTIVA CRÍTICA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS UFG POR QUE ENSINAR LÍNGUA INGLESA SOB UMA PERSPECTIVA CRÍTICA? Trabalho apresentado à disciplina: Tópicos Avançados de Ensino Crítico. Profª Drª Rosane Pessoa

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

UFG

POR QUE ENSINAR LÍNGUA INGLESA SOB UMA PERSPECTIVACRÍTICA?

Trabalho apresentado àdisciplina: Tópicos Avançadosde Ensino Crítico. Profª DrªRosane Pessoa

ELISA BORGES DE ALCÂNTARA ALENCAR

Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR

NOVEMBRO DE 2013

Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir e discutirsobre a formação de professores sob uma perspectivacrítica. Nesta perspectiva buscamos construir caminhos quelevem em consideração questões relacionadas ao ensino deLíngua Inglesa como uma ação includente, respeitando adiversidade de contextos, as identidades, a questão dahegemonia, e, sobretudo, os mecanismos que nos deixamacríticos quando ensinamos e aprendemos Inglês. O ensinocrítico considera novas formas de pensar, novas formas deconhecimento e a mudança de paradigmas quanto ao ensino delíngua inglesa. A língua que deveria incluir, na maioriadas vezes exclui, dado a elitização e a crença de que elanão pode ser efetiva nas escolas. As classes minoritáriascontinuam a ter a disciplina no currículo sem ter acesso aosaber. As salas de aula são lotadas e muitas pessoas aindatem a visão de que aprender inglês é apenas aprender alíngua, a gramática ou a oralidade. O livro, tão sonhado, eagora em cima da mesa, parece não ter sentido. Em busca deum ensino e aprendizagem de Língua Inglesa, sob o ponto devista libertador e não opressor, o ensino crítico visatransformar a sociedade em que vivemos por meio da

conscientização e formação de seres mais conscientes quecompreendam a diversidade, o respeito e o papel da LínguaInglesa em nosso contexto local e global.

Palavras chaves: Ensino e Aprendizagem de Língua Inglesa;Ensino crítico; Inclusão

Abstract: This article aims to reflect and discuss about

teachers’ education under a critical perspective. In this

perspective we search building ways which take into account

questions related to English language teaching as an

includent action, respecting the diversity of contexts,

identities, and hegemony questions, especially, the

mechanisms that leave us in a non critical status when we

teach and learn English. The critical teaching considers

new ways of thinking, new ways of knowledge and paradigms

changings concerned to English language teaching. The

language that should be to include, most of times excludes

due to the elitism and belief that it can not be effective

at schools. The less favored classes continue to have the

discipline in the curriculum without accessing the

knowledge. The classrooms are crowded and most of people

still have the view that learning a language is only

learning grammar or communication. The book, so dreamed,

and now on the table, seems nonsense. Searching for a non-

oppressive English language teaching and learning, under a

liberating point of view, and not oppressive, the critical

teaching aims trying to change the society where we live by

working on a more critical way, understanding the diversity

and respecting the role of the English language in our

local and global context.

Key words: English learning and teaching; Critical

teaching; Inclusion

1 - Introdução

O Ensino Crítico tem como proposta formar cidadãos

críticos, conscientes de sua identidade e das questões de

poder imbricadas no nosso dia a dia, considerando novas

formas de pensar, novas formas de conhecimento e a mudança

de paradigmas quanto ao ensino de língua inglesa. Para

Morgan (2009), a necessidade de se trazer a tona problemas

sociais e dar voz aos marginalizados é um elemento

importante e contribui para que o ensino vá além do que

concerne ao ensino da estrutura de uma língua, mas atinja

objetivos maiores de transformação social que transcende a

ideia de língua como objeto de estudo.

Corroborando esta ideia, penso que a aula de Inglês

deveria propor reflexão, problematização e construção

colaborativa de sujeitos mais conscientes e preparados para

a diversidade. Percebo que o currículo local engessa a

mobilidade do professor que acaba não tratando a aula de

inglês como uma disciplina que também serve para educar

para a complexidade, para a percepção às diferenças e às

questões de poder subjacentes ao processo de formação no

nosso dia a dia. A língua que deveria incluir, na maioria

das vezes exclui, dado a elitização e a crença de que ela

não pode ser efetiva numa escola pública. As classes

minoritárias continuam a ter a disciplina no currículo sem

ter acesso ao saber. O professor não tem formação

suficiente para dar conta do processo de ensino e

aprendizagem, as salas de aula são lotadas e ainda temos a

visão de que aprender inglês é apenas aprender a língua

5

estrutural ou a competência comunicativa. O livro, tão

sonhado e agora em cima da mesa, parece escravizar o

professor(a). Transformar o conteúdo do livro em algo

interessante e problematizado, também parece não estar

presente na formação da maioria dos professores. Os

professores ainda ensinam listas de vocabulário

descontextualizados do mundo real dos alunos, os gêneros

textuais, o trabalho com a imagem, e o que está subjacente

a elas pouco aparece nas aulas, há pouca discussão e pouco

senso crítico. Enfim, a aula de inglês parece ser estéril

em muitas circunstâncias.

Embaso-me na minha dissertação de mestrado para

afirmar o que foi mencionado acima acerca do senso crítico

nas aulas de LI, coloco abaixo um pequeno trecho de minha

dissertação que mostra um aluno questionando a professora

sobre fatos que não faziam parte daquela aula (cassação do

governador), mas, que fazia parte de seu cotidiano e

contexto local, porém, não foi discutido nem mencionado na

aula. O aluno ironicamente pergunta a professora sobre o

fato, parecendo ter o intuito de coloca -lá em uma situação

difícil, pois as escolas parecem ainda viver um processo de

amordaçamento nas questões que envolvem política.

A1: Eita...que a senhora pegou um dia ruim pra vim aqui...

(dirigindo-se à mim)

Eu: por que?

A1: Hoje não tem merenda! A verba não chegou!

(muitos risos na sala)

A1: Professora...vc sabe por que o governador foi cassado?

6

(perguntando para a professora ironicamente com muitos

risos na sala)

A1: ainda bem que aqui tem muito pé de manga pra matar a fome!

(muitos risos dos colegas)

A Professora não responde aos questionamentos do

aluno, continua sua aula, mas o aluno insiste em falar

sobre os problemas políticos dentro da escola:

A1: Professora..tem jeito de me mandar pra secretaria?..é porque lá tem

bolacha...

(A energia acaba, sala está quente e escura)

A1: Agora ficou bom mesmo... nem lanche, nem luz e nem ventilador...

A Professora começa a falar do texto que escreveu noquadro.

Rosa: Vocês sabem o que é “halloween”?

As: É dia das bruxas...

[...]Pág.142 (Dissertação de Mestrado da autora)

Fica claro neste excerto que a aula, apesar de ser de

língua inglesa, pedia uma discussão sobre o que acontecia

na política do Estado. Tratar questões ideológicas na aula

de LI tem sido uma questão difícil e que os professores

ainda não sabem como lidar. A problematização e pensamento

crítico poderiam ter levado a aula a um direcionamento mais

satisfatório caso a professora tivesse formação para

ensinar sob uma perspectiva mais crítica e abrangente. A

questão do poder do Estado estava latente neste momento da

aula, porém não foi mencionada. O silêncio de Rosa também7

diz muito. Rosa me disse que não podia falar sobre

política dentro da escola e também não podia realizar algum

evento de Halloween como muitas escolas fazem. Ela então

explica que em cidades grandes as escolas festejam, mas lá

não. Um dos alunos chega à seguinte conclusão:

A: Já sei professora...é porque eles são ricos e nós pobres!

Mais uma vez, Rosa se cala. E me explica que naquela

pequena cidade o Halloween era visto como satânico, que

envolvia bruxas e fantasmas. Não houve explicação mais

profunda para quebrar este preconceito e explicar para

aqueles alunos (as) o que exatamente seria o Halloween.

Obviamente há muito mais para ser discutido em uma

aula de inglês do que listas de vocabulário ou textos que

não promovem a construção de um pensamento crítico.

Deveríamos preparar nossas aulas com um enfoque crítico.

Talvez dessa forma contribuiríamos para a formação de

cidadãos (ãs) mais críticos via Língua Inglesa.

A postura do professor(a) diante de qualquer que seja

o conflito ocorrido em sala de aula em uma situação de

discriminação pode ser definitiva para a preservação ou

transformação de sentimentos e atitudes discriminantes por

parte dos alunos/as. Por muitas vezes, durante minha

prática,como Rosa, acreditei que o silêncio frente a

algumas situações de discriminação não tão graves, poderia

ser a melhor atitude, até mesmo como forma de respeitar

diferentes opiniões. Porém, após conhecer a literatura da

pedagogia crítica e da LAC, percebo que, em primeiro lugar,

não existem atitudes preconceituosas que possam ser

consideradas menos graves que outras, todas são

8

extremamente graves e podem provocar comportamentos

corrompidos tanto por quem discrimina quanto por quem é

discriminado. Em outros momentos, cheguei a reprimir

atitudes preconceituosas de maneira veemente, porém percebo

agora que, em poucas ou nenhuma situação, promovi a

discussão desses temas de forma crítica, podendo ter

provocado uma transformação em meus alunos/as.

2 - A Necessidade de Inovações Curriculares Priorizando o

Ensino Crítico

Inovações Curriculares institucionais podem acontecer

de duas maneiras: bottom-up, no qual a inovação é iniciada

pelos membros da instituição neste caso, segundo Markee

(1997 apud Maciel 2011), os professores podem agir com ou

sem ajuda de um agente externo, ou top-down, lançadas por

meio de uma reforma escolar em grande escala via processo

de decisão hierárquica superior do Ministério da Educação.

Nesse contexto, a autonomia pode ou não ser

desenvolvida (Waters and Vilches 2001, p. 125) porque

professores, escolas e estudantes não são os principais

participantes no planejamento do documento e apenas

participam do processo de adoção e implementação. Assim, a

implementação e adoção dos pressupostos teóricos e

metodológicos propostos pelas orientações curriculares para

o ensino médio tornam se um processo complexo, pois por um

lado é preciso considerar que estamos lidando com um

sistema institucional (escola), Ministério da Educação,

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Secretarias e Diretorias de Ensino, e por outro, com

professor enquanto individuo que requer mudanças de

atitudes e práticas em relação às teorias pessoais (Maciel,

2001, p.11).

Quando falamos de inovações curriculares, é preciso

considerar os vários efeitos, forças e participantes que

operam no sistema (White, 1988, p.114). Além disso, o

documento que norteia os professores da rede pública para o

ensino médio apresenta teorias que podem ser aparentemente

distantes das práticas e recursos disponíveis pelas escolas

públicas, conforme apontado nas discussões dos professores

de prática de ensino através de relatos de alunos

estagiários e nas discussões promovidas pela Associação que

estou envolvida no meu Estado. Embora sejam dados empíricos

que necessitem de aprofundamento de pesquisa podem dar

alguma direção para trabalhos futuros.

No contexto atual da globalização e os novos

paradigmas de ciência, saber e cultura fazem-se importante

reconhecer a relevância de projetos voltados para a

construção de conhecimento e mobilidade social. Segundo

Montemór (2007) a formação de professores precisa ganhar

uma perspectiva educacional mais crítica, mais política e

mais significativa na escola (p.19). A autora enfatiza que

(...)há necessidade de que o professorplaneje um currículo que leve emconsideração as mudanças ocorridas nasociedade, nas concepções de língua elinguagem, nas novas concepções decidadania e trabalho [...] na formaçãode indivíduos cidadãos com mente aberta

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para conhecimentos novos, possibilitandomudanças nas maneiras de pensar e ver omundo. (MonteMor, 2007, p. 23/4)

Apesar das considerações da autora, podemos notar que

os professores ainda não estão tão engajados na construção

de novos conhecimentos. Vejo professores resistentes às

mudanças ocorridas neste novo século e com um foco

centralizado no desinteresse dos alunos, pois consideram o

fracasso de suas aulas apenas aos seus alunos e ao sistema.

Penso que o sistema contribui muito para todo o despreparo,

mas o professor que é um dos agentes principais, precisa se

mobilizar e alcançar novos saberes, precisa se preparar

para realidades diferentes e estar em constante formação.

3 - O Ensino de Língua Inglesa sob o viés Crítico

O ensino de inglês tem crescido vertiginosamente desde

a segunda metade do século XX, com a intensificação dos

processos de globalização. Hoje, podemos observar no Brasil

uma enorme quantidade de cursos livres de inglês, além da

presença quase unânime da LI nas escolas regulares com a

obrigatoriedade do ensino de LE do 6º ano do ensino

fundamental ao 3º ano do ensino médio. Rajagopalan (2004,

p. 12) discute o contexto brasileiro de ensino de inglês e

afirma que

[...] a língua inglesa é um grande negócio noBrasil, assim como nos demais países da AméricaLatina e, pensando bem, no resto do mundo. Oinglês, pode-se dizer, não é só uma língua; é umamercadoria em torno da qual está sendo construído

11

um poderoso fetichismo, que os demiurgos do mundodo marketing rapidamente passaram a explorar.

A classe média deseja saber inglês para ter ascensão

social e financeira. Nas escolas particulares, nos

cursinhos de inglês e nas regiões mais ricas, é como se “um

certo ar de encantamento e mistério invadisse as aulas de

língua a despeito da prática exclusiva do ensino de

gramática” (LONGARAY, 2009, p. 49). Já as classes mais

pobres repetem o mote de que é importante saber inglês sem,

contudo, perceberem condições materiais para que isso

ocorra ou o que isso poderia proporcionar (ibidem).

A respeito das atividades e técnicas que são

amplamente empregadas no ensino de inglês, Pennycook (1998,

p. 29) alerta para “uma crescente trivialização da

aprendizagem e dos aprendizes de língua”, pois esses

instrumentos, embora tenham funções pedagógicas

importantes, revelam uma visão meramente funcional, a-

política e a-histórica da linguagem e do indivíduo. Como

ressalta Longaray (2009, p. 52-53), “aprender inglês com

cartões coloridos que exigem dos alunos o que eles não

podem dar [...] serve apenas para mostrar a esses

estudantes que eles não são bons o suficiente para estar na

escola”. Ao invés de funcionarem como fóruns de formação de

sujeitos capazes de pensar e falar sobre a realidade (local

e global), as aulas de inglês, nos moldes atuais, “parecem

consistir numa possibilidade a mais de fracasso escolar

[...], uma outra forma de dizer-lhes que há, ainda, mais

uma coisa que eles não sabem” (ibidem, p. 53). O que

podemos perceber claramente é a materialização do que

12

Pennycook (2007) afirma: o ensino de inglês mais deixa de

fora do que deixa entrar.

Sabemos que “a língua é um sistema de significação de

idéias que desempenha um papel central no modo como

concebemos o mundo e a nós mesmos” (PENNYCOOK, 1998 p. 29).

Portanto, o ensino de LI deveria também voltar-se para os

aspectos políticos e culturais da aprendizagem, ressaltando

as complexas relações entre discurso e construção/reflexo

da sociedade e das ideologias que a atravessam.

A esse respeito, Fairclough (2001, p. 94) afirma que

[...] o discurso como prática política estabelece,mantém e transforma as relações de poder e asentidades coletivas (classes, blocos, comunidades,grupos) entre as quais existem relações de poder. Odiscurso como prática ideológica constitui,naturaliza, mantém, e transforma os significados domundo de posições diversas nas relações de poder.[...] Além disso, o discurso como prática políticaé não apenas um local de luta de poder, mas tambémum marco delimitador da luta de poder [...].

O autor defende que uma consciência crítica da

linguagem é fundamental para que o indivíduo seja, de fato,

cidadão, sujeito agente de suas práticas. Essa consciência

crítica possibilita a compreensão das diversas nuances da

vida social e dos discursos que a permeiam, bem como a

reflexão, em vários níveis de profundidade, a respeito

desses discursos, das ideologias que a eles subjazem e das

práticas sociais resultantes de e/ou expressas por esses

discursos. Para o autor, é com base nas reflexões advindas

de uma consciência crítica da linguagem que as pessoas serão

capazes de perceber que papéis exercem no contexto

sociopolítico e o que pretendem e/ou podem fazer acerca da

13

realidade: atuar como mantenedor e intensificador da

organização social ou se posicionar contra a ordem vigente.

Haja vista todas as questões relativas à LI no

cenário atual de globalização, como já discutido, e

assumindo que a língua é o veículo máximo das ideologias,

seria no mínimo ingênuo pensar o ensino e a aprendizagem de

LI sob uma perspectiva de neutralidade. Os próprios

documentos oficiais que deliberam sobre o ensino de LE no

Brasil, sobretudo a LI, deixam claro que

[...] a escola regular tende a concentrar-se noensino apenas lingüístico ou instrumental da LínguaEstrangeira (desconsiderando outros objetivos, comoos educacionais e os culturais). Esse foco retratauma concepção de educação que concentra maisesforços na disciplina/conteúdo que propõe ensinar(no caso, um idioma, como se esse pudesse seraprendido isoladamente de seus valores sociais,culturais, políticos e ideológicos) do que nosaprendizes e na formação desses. (BRASIL, 2006, p.90)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as

Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM),

enfatizam a importância do ensino e da aprendizagem de LE

para a formação de cidadãos, e não somente para a

instrumentalização de mão-de-obra. Trata-se da agência do

aluno na sociedade como sujeito consciente, crítico, capaz

de compreender as situações que enfrenta e encontrar

alternativas de vida. Ou, ainda, como líder e agente de

transformação social.

É essa noção de criticidade que faz com que alunos e

professores deixem de funcionar como objetos/objetivados,

reprodutores/transmissores de discursos, e assumam posições

14

como sujeitos criativos e agentes. Mais do que falar sobre

ensino e aprendizagem de LI, é necessário que a postura

crítica leve de fato à ressignificação identitária de

professores e alunos e, a partir dessa construção de

identidades-sujeitos, mudanças estruturais sejam

empreendidas. É preciso abandonar a perspectiva meramente

interativa, a ideia de que saber LI é se deixar colonizar e

ensinar LI é ser agente colonizador. É preciso se afastar

do lugar passivo de “saber para pertencer” ao grupo

dominante e se aproximar mais do lugar de questionador

desse domínio. E é um dos papéis da escola promover essa

apropriação discursiva, e, por conseguinte, é papel do

professor empreendê-la. Sugiro que a escola passe a

promover senso crítico e educação de um modo geral via

Língua Inglesa.

4- O professor de inglês Crítico

Para muitos autores, tais como Pennycook, Morgan,

Montemór, Pessoa, Moita Lopes, dentre outros, se o objetivo

da educação é a transformação social, cabe ao professor

conduzir o aluno aos níveis mais elevados de reflexão e

autonomia para que ele possa perceber seu lugar perante os

discursos que o cercam e propor saídas. Dessa forma, o

professor de inglês precisa ter consciência do papel da

língua que ensina no cenário social corrente e do seu papel

como professor.

Entendemos que o papel do professor de LE, neste caso

LI, vai muito além do que temos visto nas escolas. Aprender

15

língua envolve, como dito anteriormente, muito mais que

listas de vocabulário, gramática ou aulas

comunicativizadas. Podemos ser críticos em qualquer método.

O professor precisa formar cidadãos do mundo, sujeitos

capazes de lidar com a diferença, dotados de percepção de

quem são como sujeitos da sociedade em que vivem. Segundo

Pessoa (2011, p.10)

[...] o professor de LE pode escolher entreensinar apenas língua ou educar para a vida;entre abordagem de conteúdos triviais, como aprevisão do tempo, ou temas que possamcontribuir para a construção de um mundo menosdesigual [..] (Pessoa, 2011, p.10).

Corroboro a autora no sentido de pensar a aula de LI

como elemento que possa contribuir para o crescimento do

aluno em todos os aspectos de sua vida. Via aprendizagem de

uma língua podemos abordar temas e problematizá-los de

forma a promover maior consciência crítica destes sujeitos

alunos e professores. A aula de LI não pode continuar a ser

reproduzida como nos séculos anteriores, é necessário que

os formadores trabalhem colaborativamente com os

professores buscando atuar criticamente, respeitando as

diferenças e cientes de que não há verdades absolutas, mas

que devemos estabelecer um diálogo para amenizar as

diferenças presentes na vida diária. Contreras (2002)

aponta que

[...] a impossibilidade de consenso sobre o querepresentariam valores como igualdade, justiçae liberdade deveria impulsionar suaproblematização, haja vista que não se trata de

16

buscar uma solução única. O desafio passa a sera reconstrução de espaços que comportem asdiferenças, comprometida com valores que seoponham à marginalização, à exclusão social e atudo que cause sofrimento.

O autor parece enxergar a língua inglesa sob uma

perspectiva educacional e que trabalha para diminuir as

diferenças entre os cidadãos, fato que para mim enriquece a

disciplina e dá sentido às aulas de LI.

Cox e Assis-Peterson (2001) apontam que, embora o

professor de LI manipule diretamente o discurso e, assim,

uma série de ideias e ideologias subjacentes, ele quase

nunca reflete sobre isso. Segundo as autoras, em sua

maioria, os professores não conseguem sequer perceber a

extensão da problemática por enxergarem a língua como um

produto, uma mercadoria. Questões maiores como as relações

de poder e o lugar social da LI ainda estão em processo de

percepção pelos professores. Fica evidente, assim, a

importância do professor de inglês ter consciência do

sentido que ele(a) atribui à LI e ao seu próprio fazer

docente.

Esses questionamentos aparentemente distantes do

professor, todavia, fazem parte na vida dos alunos, que

frequentemente interrogam os docentes acerca da relevância,

dos objetivos e da necessidade de estudarem inglês. Por não

refletirem criticamente sobre o assunto, os professores não

têm respostas para as indagações dos estudantes e se

esquivam do confronto, com argumentos de ordem pragmática

ou simplesmente mudando de assunto. Tal postura, além de

reforçar o status quo, instaura e legitima a não reflexão na17

sala de aula, uma vez que é negado ao aluno o direito de

questionar e pensar mais profundamente sobre elementos

importantes da vida social. O professor é, ao mesmo tempo,

vítima e promotor da alienação.

Segundo a proposta da pedagogia crítica (FREIRE, 1996), o

que deveria ser a maior preocupação do professor de LI

seria propor ao aluno instrumentos de resistência, isto é,

capacitá-lo a contestar o discurso dominante pelo próprio

discurso, a refletir e a veicular, assim, uma contra-

proposta ideológica no interior do sistema em si. Se é pela

linguagem que a dominação se efetiva, é pela linguagem que

ela deve ser contra-atacada.

Por outro lado, “isso obriga os professores a ter

claros os referenciais políticos e morais sob os quais

constituem sua autoridade no ensino” (Contreras, 2002, p.

159), e esse compromisso moral e ético exigido do professor

amplia sua atuação e suas responsabilidades. De transmissor

de conhecimento ou facilitador da construção do

conhecimento, o professor de LI passa a ser agente de

conscientização e mudança social. Freire (1996) defende que

o professor deixe de ocupar o lugar de objeto do discurso

institucional, de reprodutor ou transmissor, e assuma seu

lugar como sujeito criativo e agente. Assim, ao se imbuir

do pensamento e do discurso crítico, o professor reformula

sua própria identidade e se torna um intelectual crítico.

Esse professor ético leva o aluno a questionar esses mesmos

fatores sociopolíticos, bem como seu papel na sociedade. É

através do questionamento que um discurso e uma postura de

18

insujeição são criados e, a partir destes, a mudança que

tanto se almeja na educação pode começar a ser construída.

Giroux aponta a necessidade do professor de se tornar

um intelectual crítico, onde a docência passa a ir além do

trabalho tecnicista ou instrumental e atinge um nível de

transformação social, mostrando aos alunos a necessidade de

lutar para que se possa alterar a sociedade e as relações

de poder nela contidas.

5 - Conclusão

As aulas de língua estrangeira podem e devem ser

ambiente para que as questões sociais sejam analisadas,

discutidas e, até mesmo, transformadas. Mesmo que o nível

de proficiência dos alunos seja baixo, utilizando-se

vocabulários, textos e atividades na língua-

alvo,independente do método, os debates podem ser

realizados. Em língua materna, inicialmente, promovendo um

crescimento na visão crítica dos alunos sobre a sociedade,

sobre o mundo em que vivem e como poderiam agenciar

mudanças através de ações conscientes e politicamente

engajadas. Professores/as de línguas parecem silenciar-se

no que se concerne aos assuntos polêmicos, de cunho

político e social. No entanto, quem melhor que os

professores de línguas estrangeiras poderiam debater

assuntos sobre divergência cultural, interação entre os

diferentes, respeito ao próximo, ao outro, àquele que não nos

é conhecido. A visão do/a professor/a no que se refere à

19

raça ou etnia pode refletir de maneira importante na

concepção dos/as alunos/as. Conforme Freire (1996),

trabalhamos com gente, pessoas que estão se formando,

mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando, mas também

capaz de negar valores arraigados, distorcer-se, recuar,

transformar, transgredir.

Se tais discussões puderem ser realizadas na língua-

alvo, melhor. Mas caso não seja possível, devido ao baixo

nível linguístico dos alunos, isso não significa que elas

devam ser evitadas ou esquecidas. Mesmo realizadas em

língua materna elas são de grande importância para os

alunos, são pertinentes e fazem parte da rotina de

professores/as e alunos/as que promovem uma pedagogia

crítica e que buscam um ensino/aprendizado completo e

transformador.

Acredito que a educação pode ser um instrumento na

promoção da igualdade social, mas pode também atuar de modo

significativo na manutenção e no reforço das desigualdades.

E o inglês, ao mesmo tempo em que abre portas para uns,

impõe barreiras a outros. É preciso ter conhecimento e

consciência da realidade material e discursiva na qual

estamos inseridos e a qual, por outro lado, ajudamos a

instituir, manter ou refutar. Como defende Pennycook (1998,

p. 46), “é hora de começarmos a assumir projetos políticos

e morais para mudar as circunstâncias”. A sala de aula pode

ser um ambiente onde aconteça uma “prática fortalecedora”

ao invés da simples instrumentalização. Esse ambiente,

antes limitado a reforçar categorias e transmitir uma visão20

unilateral eurocentrista, passa a ser local de construção

de identidades e de transformação social, através da

reflexão crítica e colaborativa entre professores e alunos.

Pessoa (2010) salienta também a importância da dissolução

entre os construtos de teoria e prática e mostra que a

simples reflexão sobre a prática não levaria ao

desenvolvimento de uma ideologia crítica sobre a mesma.

Através de pesquisas que têm como interesse a

problematização de teorias e temas críticos, a autora e

seus colaboradores perceberam que as maiores dificuldades a

serem enfrentadas são a visão que os professores têm de

língua, restringindo-a a objeto a ser estudado e o baixo

nível de competência linguística dos alunos. Porém, os

estudos mostram que mesmo com baixo nível de competência

dos alunos é possível desenvolver atividades que ajudem os

alunos a perceber e refletir sobre a posição que ocupamos

nos diversos contextos sociais e como resistir a essas

posições, deixando claro que elas não têm que ser fixas e

imutáveis, utilizando a língua como instrumento de luta e

reforçando a importância da responsabilidade com a

solidariedade e com o respeito ao outro.

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6 - Referencial Bibliográfico

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