a produção poética de Cora Coralina em sala de aul - UFG

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO (CEPAE) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA (PPGEEB) EDINA FARIA DE ALMEIDA Leitura de poesia e formação do leitor literário na educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula GOIÂNIA 2022

Transcript of a produção poética de Cora Coralina em sala de aul - UFG

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO (CEPAE)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA (PPGEEB)

EDINA FARIA DE ALMEIDA

Leitura de poesia e formação do leitor literário na educação

básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

GOIÂNIA

2022

EDINA FARIA DE ALMEIDA

Leitura de poesia e formação do leitor literário na educação

básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da

Universidade Federal de Goiás, para obtenção do título de

Mestre em Ensino na Educação Básica.

Área de Concentração: Ensino na Educação Básica.

Linha de Pesquisa: Concepções-metodológicas e práticas

docentes.

Orientadora: Profa. Dra. Célia Sebastiana Silva.

GOIÂNIA

2022

Dedico este trabalho a todos que concebem a literatura como força

humanizadora e que acreditam na contribuição da leitura literária - em

específico, da leitura de poesia - para a formação do leitor nas escolas.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida e pela oportunidade de ampliar meus conhecimentos.

Aos participantes desta pesquisa, pela disponibilidade e contribuição.

À professora Dra. Célia Sebastiana Silva, que fez diferença em minha formação

acadêmica, especialmente por me mostrar novas possibilidades de trabalhar com a leitura

literária para jovens leitores na educação básica.

Aos docentes do Programa de Pós-Graduação do CEPAE-UFG, que deixaram

contribuições muito ricas ao longo desta caminhada de estudo e pesquisa.

Aos meus pais (in memoriam), que sempre me ensinaram a caminhar com coragem e

determinação.

Aos meus irmãos, pelo incentivo e apoio.

Aos amigos Alencar e Lázaro, pela amizade e trocas de saberes.

E, em especial, à unidade escolar onde realizei a coleta dos dados, pela confiança em

mim depositada.

Sinto que sou a abelha no seu artesanato.

Meus versos têm cheiro dos matos, dos bois e dos

currais.

[...]

Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,

sou graveto, sou mato, sou paiol

e sou a velha tulha de barro

[...]

Minha identificação com a gleba e com a sua

gente.

Mulher da roça eu o sou. Mulher operária,

doceira,

abelha no seu artesanato, boa cozinheira, boa

lavadeira.

A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra.

Pela minha voz cantam todos os pássaros do

mundo.

Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se

chama Vida.

Sou a formiga incansável, diligente, compondo

seus abastos.

Em mim a planta renasce e floresce, sementeia e

sobrevive.

[...]

A gleba me transfigura, em Vintém de Cobre. Cora Coralina

ALMEIDA, Edina Faria de. Leitura de poesia e formação do leitor literário na educação

básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula. 2022. 165f. Dissertação

(Mestrado em Ensino na Educação Básica) – Programa de Pós-Graduação em Ensino na

Educação Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, Universidade Federal de

Goiás, Goiânia, GO.

RESUMO

Esta dissertação encerra uma investigação do processo de formação do leitor de poesia na

escola e como se constitui a relação leitor, texto e autor, com ênfase especial no jovem

adolescente leitor da poesia da escritora Cora Coralina. O corpus de análise é composto pelo

livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, pelo conjunto da obra da poeta e pelos

dados amostrais obtidos a partir da intervenção pedagógico-metodológica feita em uma turma

de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de Goiás.

Objetivou-se investigar como a leitura da poesia de Cora Coralina, sob a perspectiva da

memória e da identidade, pode contribuir para a formação leitora do jovem aluno dos anos

finais do ensino fundamental e despertar nele o gosto pela poesia. O estudo teve como

fundamento teórico, entre outros autores, Antonio Candido (1965), Annie Rouxel et. al.

(2013), Zilberman e Magalhães (1987), Rildo Cosson (2019), Tzvetan Todorov (2010),

Vicent Jouve (2012) e Maria Tereza Andruetto (2017). Para a consecução do objetivo

proposto, realizaram-se a pesquisa bibliográfica e a pesquisa-ação com intervenção

pedagógica. A mediação direta com o jovem estudante e leitor visou, como resultado, ao final

do processo, a um produto educacional – um documentário - intitulado Cora Coralina: entre

poemas e memórias, que buscou mesclar as linguagens acadêmica, pedagógica e poética, com

vistas a evidenciar a composição dos poemas e vivências de Cora Coralina na criação e na

perspectiva subjetiva do aluno em meio a lugares poetizados da cidade de Goiás. O produto

educacional foi desenvolvido durante o Mestrado Profissional em Ensino na Educação Básica

do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do CEPAE/UFG, a partir dos registros feitos

durante a aplicação das sequências didáticas. O produto está disponível nos apêndices e no

canal do You Tube, no seguinte endereço: https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. Durante a

aplicação das Sequências Didáticas (SD), com a mediação e intervenção da pesquisadora, os

alunos aprimoraram a leitura e a escrita poéticas. Produziram vídeos com a leitura dos poemas

dos Becos de Goiás e Estórias Mais, que foram motivadores do produto final. Os vídeos que

mediaram a constituição do produto estão disponíveis em https://youtu.be/80YNMdv5bcU.

Dessa maneira, os resultados foram expressivos quanto ao processo de desenvolvimento da

leitura da poesia de Cora Coralina em sala de aula.

Palavras-chave: Ensino. Literatura. Leitura de poesia. Formação de leitor.

ALMEIDA, Edina Faria de. Poetry Reading and Literary Reader Training in Basic

Education: Cora Coralina's Poetic Production in the Classroom. 2022. 135f. Dissertation

(Masters in Teaching in Basic Education) – Postgraduate Program in Teaching in Basic

Education, Center for Teaching and Research Applied to Education, Federal University of

Goiás, Goiânia, GO.

ABSTRACT

This dissertation concludes an investigation of the process of formation of the poetry reader at

school and how the reader, text and author relationship is constituted, with special emphasis

on the young adolescent reader of the poetry of the writer Cora Coralina. The corpus of

analysis is composed of the book Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, the set of the

poet's work and the sample data obtained from the pedagogical-methodological intervention

carried out in a group of students from the 8th year of Elementary School of a school public in

the city of Goiás. The objective was to investigate how the reading of Cora Coralina's poetry,

from the perspective of memory and identity, can contribute to the reading formation of

young students in the final years of elementary school and awaken in them a taste for poetry.

The study was based on, among other authors, Antônio Cândido (1965), Annie Rouxel et. al.

(2013), Regina Zilberman and Magalhães (1987), Rildo Cosson (2019), Tzvetan Todorov

(2010), Vicent Jouve (2012) and Maria Tereza Andruetto (2017). To achieve the proposed

objective, bibliographic research and action research with pedagogical intervention were

carried out. Direct mediation with the young student and reader aimed, as a result, at the end

of the process, at an educational product - a documentary - entitled Cora Coralina: between

poems and memories, which sought to merge academic, pedagogical and poetic languages,

with a view to to evidence the composition of the poems and experiences of Cora Coralina in

the creation and in the subjective perspective of the student in the midst of poetized places in

the city of Goiás. The educational product was developed during the Professional Master's in

Teaching in Basic Education of the Stricto Sensu Postgraduate Program at CEPAE/UFG,

based on the records made during the application of the didactic sequences. The product is

available in the appendices and on the You Tube channel at the following address

https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. During the application of the Didactic Sequences (DS), with

the mediation and intervention of the researcher, the students improved their poetic reading

and writing. They produced videos with the reading of poems from Becos de Goiás and

Estórias Mais, which motivated the final product. The videos that mediated the constitution of

the product are available at https://youtu.be/80YNMdv5bcU. In this way, the results were

expressive regarding the development process of reading Cora Coralina's poetry in the

classroom.

Keywords: Teaching. Literature. Poetry reading. Reader training.

LISTA DE FIGURAS, QUADROS E GRÁFICOS

Figura 1 – Criação poética de participantes da pesquisa ……................................................38

Figura 2 – Texto de Carlos Drummond de Andrade ao Jornal do Brasil ...............................88

Figura 3 – Fragmento do livro Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio E. Braz ..............88

Figura 4 – Mensagens trocadas entre os participantes da pesquisa ...................................89-90

Quadro 1 – Atividade e encontros realizados .........................................................................62

Quadro 2 – Questionário respondido de acordo com a vivência e experiência diária dos

alunos .......................................................................................................................................92

Quadro 3 – Questionário respondido de acordo com as vivências e experiências, após a

leitura do livro de Cora Coralina Poemas dos becos e estórias mais .......................................93

Gráfico 1 – Primeiro questionário do 8º ano ...........................................................................94

Gráfico 2 – Segundo questionário do 8º ano ...........................................................................94

Gráfico 3 – Você lê poesia na escola? ....................................................................................96

Gráfico 4 – Você gosta de poesia? ..........................................................................................96

Gráfico 5 – A leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma

formação leitora mais consciente e significativa? ....................................................................98

Gráfico 6 – Comparativo entre os questionários .....................................................................98

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DC-GO Documento Curricular para Goiás.

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.

CEPMG Colégio Estadual da Polícia Militar de Goiás.

TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

CEPAE Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação.

COVID-19 É a junção de letras que se referem a (co)rona (vi)rus (d)isease, o que na

tradução para o português seria "doença do coronavírus". Já o número 19 está ligado a 2019,

quando os primeiros casos foram publicamente divulgados.

SARS-CoV-2 Sigla do inglês que significa coronavirus 2 da síndrome respiratória aguda

grave, cuja doença recebeu a denominação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de

COVID-19 (do inglês coronavirus disease 19).

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13

1 LEITURA, LEITOR LITERÁRIO E POESIA NA ESCOLA ..............................18

1.1 Formação do leitor literário na educação básica: reflexões teóricas .....................18

1.2 A leitura literária e a construção da subjetividade .................................................24

1.3 A poesia na escola: função e processo humanizador ...............................................28

1.4 A Poesia e o jovem aluno: ler para melhor perguntar e melhor se entender

...................................................................................................................................................34

2 CORA CORALINA: POESIA, CIDADE, BECOS E ESTÓRIAS MAIS ............42

2.1 Cora Coralina: considerações sobre a autora e sua obra .......................................42

2.2 Apontamentos sobre o corpus da pesquisa: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias

Mais .........................................................................................................................................47

2.3 A poesia de Cora no contexto da cidade de Goiás ...................................................52

3 A POESIA NA SALA DE AULA: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E

ANÁLISE DE DADOS ..........................................................................................................59

3.1 Mediação entre leitor, texto e autora: as metodologias, intervenções e análise de

dados ........................................................................................................................................59

3.2 Leitura de poesia na escola antes e depois: os dados dos questionários ...............92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................101

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................103

APÊNDICES .........................................................................................................................109

13

INTRODUÇÃO

Cada palavra uma folha no lugar certo.

Uma flor de vez em quando no ramo aberto.

Um pássaro parecia pousado e perto.

Mas não: que ia e vinha o verso pelo universo.

Cecília Meireles

A literatura, como aportado por Candido (2004, p. 174), “aparece claramente como

manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há

homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma

espécie de fabulação”. Por isso, a preocupação acerca da inserção da literatura na formação

dos jovens leitores, em específico no ensino fundamental. Em comunhão com Candido,

Bachelard (1978, p. 188), ao analisar a importância do gênero poesia, considera:

Assim a imagem que a leitura do poema nos oferece faz-se verdadeiramente nossa.

Enraíza-se em nós mesmos. Recebemo-la, mas nascemos para a impressão de que

poderíamos criá-la, de que deveríamos criá-la. A imagem se transforma num ser

novo de nossa linguagem, exprime-nos fazendo-nos o que ela exprime, ou seja, ela é

ao mesmo tempo um devir de expressão e um devir de nosso ser. No caso, ela é a

expressão criada do ser.

Então, esta pesquisa pretende mostrar a relevância de se trabalhar com poesia na sala

de aula com ênfase na relação leitor, texto e autor, destacando o leitor – sujeito em formação.

Pensar na importância da leitura, numa sociedade em constante transformação, principalmente

com o avanço tecnológico invadindo e ocupando todos os seus setores, é um desafio para o

professor.

Segundo Vicent Jouve, “a leitura se apresenta como parte interessada de uma cultura.

Recebido fora de seu contexto de origem, o livro se abre para uma pluralidade de

interpretações: cada leitor novo traz consigo sua experiência, sua cultura e os valores de sua

época” (JOUVE, 2002, p. 24).

Para tanto, a obra Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina

(2014), será uma possibilidade de o jovem leitor perceber que a leitura está em tudo quanto há

vida e que é inerente às relações humanas, como também ressalta Jouve: “a leitura é, portanto,

ao mesmo tempo, uma experiência de libertação (“desengaja-se” da realidade) e de

preenchimento (suscita-se, imaginariamente, a partir dos signos do texto, um universo

marcado por seu próprio imaginário)” (JOUVE, 2002, p. 107). Aqui, então, se fundamenta a

necessidade de realçar o trabalho de leitura nas escolas de educação básica, quando os

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adolescentes, que trazem em si várias interrogações, demonstram o interesse pelo percurso

traçado pelo texto poético, confrontando-o com situações inéditas que poderão modificar seu

olhar sobre coisas e lugares.

Se anuirmos que uma obra literária é sempre inacabada e que sua completude advém

da presença do leitor, perceberemos que este lhe empresta elementos de seu universo pessoal,

formando uma conexão entre texto, autor e leitor. Para Bartolomeu Campos Queirós,

A escola não percebe que a literatura exige do leitor uma mudança, uma

transferência movida pela emoção. Não importa o que o autor diz mas o que o leitor

ultrapassa. E a literatura é feita de palavras, e é necessário um projeto de educação

capaz de despertar o sujeito para o encanto das palavras (QUEIRÓS, 2012, p. 160).

Isso reforça a importância de se levar a poesia para a sala de aula. No caso desta

pesquisa, a poesia que se propõe é a de uma poeta – Cora Coralina – que ocupa o imaginário

dos jovens alunos como a “poeta da cidade”, aquela que projeta a cidade de Goiás para o

cenário da cultura nacional. Em Minha cidade, por exemplo, a poeta Cora Coralina aponta

para uma imbricação entre poesia, memória e identificação com as próprias raízes, numa

personificação poética.

Eu sou a dureza desses morros,

revestidos,

enflorados,

lascados a machado.

lanhados, lacerados,

Queimados pelo fogo.

Pastados.

Calcinados

e renascidos.

Minha vida,

meus sentidos,

minha estética,

todas as vibrações

de minha sensibilidade de mulher,

têm, aqui, suas raízes.

Eu sou a menina feia

da ponte da Lapa.

Eu sou Aninha. (CORALINA, 2014, p. 36).

Como vimos, a ênfase principal desta pesquisa está na mediação da leitura literária e,

em específico, na leitura de poesia na escola. A partir desse enfoque, há algumas hipóteses a

serem analisadas: De que forma a leitura da poesia de Cora Coralina em uma turma de oitavo

ano do ensino fundamental pode contribuir para a formação do leitor de poesia na escola? Em

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que medida ler uma poeta, cujo cenário poético seja familiar e próximo dos alunos, pode

contribuir para uma identificação entre texto, autor e leitor?

Estudos realizados acerca da leitura da poesia e formação do leitor demonstram que a

compreensão do leitor, nesse universo de linguagens, remonta ao entendimento de que o texto

literário é a figura do homem em si e “é resultado de práticas sociais, portanto, práticas

históricas” (SILVA; COSTA, 2012, p. 32).

Segundo Anne Rouxel et. al. (2013, p. 208), “a identidade do leitor é desconstruída e

reconstruída a cada leitura e, no entanto, ela é, da parte do leitor, objeto de uma busca

infinita”. A escolha dessa autora e de seus poemas como possibilidade de formação do leitor e

o papel significativo que a poesia representa nesse processo se deram devido à própria

identificação da autora com seus poemas. É difícil separar Cora-mulher e Cora Coralina

escritora – é uma construção interna e constante. Essa identificação é um aspecto importante

na formação do adolescente-leitor: encontrar-se no texto.

Esta pesquisa tem como objetivo geral investigar como o diálogo entre o leitor, a

poesia e o autor pode contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação

Básica por meio da leitura da obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora

Coralina.

Dentro dessa proposta, os objetivos centram-se, especificamente, em investigar a

possibilidade metodológica da leitura de poemas que instigue a relação leitor-poesia; conhecer

e apreciar os textos poéticos de Cora Coralina; descobrir, na leitura dos poemas, o ritmo e a

entonação sonora adequada; contextualizar os poemas Dos Becos de Goiás e Estórias Mais à

realidade do aluno, com maior enfoque na memória e identidade; finalmente, relatar a

experiência desenvolvida em sala de aula e analisar os resultados obtidos durante a pesquisa.

Esta dissertação consiste em uma pesquisa–ação, de cunho qualitativo, com a

intervenção da leitura dos poemas de Cora Coralina em turmas de alunos do oitavo ano do

ensino fundamental. Segundo Cosson (2019, p. 120), “o ensino de literatura passa a ser o

processo de formação de leitor capaz de dialogar no tempo e no espaço com sua cultura,

identificando, adaptando ou construindo um lugar para si mesmo”.

Na esteira de David Tripp (2005, p. 445-446) sobre a utilização da pesquisa-ação na

condição de uma investigação autorreflexiva, temos:

É importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de

investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um

ciclo no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da

prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-

se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do

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processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação.

Além disso, serão usados métodos de observação do desenvolvimento dos alunos ao

longo da aplicação da sequência didática, aplicação de questionários inicial e final,

depoimentos, entrevistas, exposição de textos, visita ao Museu Cora Coralina.

As atividades consistem na leitura do corpus de trabalho – a obra Poemas dos Becos

de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina -, atividades em sala de aula e um vídeo

documental com gravações de alguns poemas pelos alunos leitores em locais específicos da

cidade.

O lócus da pesquisa é o CEPMG – João Augusto Perillo, uma escola pública estadual

da cidade de Goiás, localizada à rua Marechal Abrantes, s/n. Trata-se de uma escola militar,

com nove anos de funcionamento. Os participantes da pesquisa são, em média, 35

adolescentes de uma turma de oitavo ano do ensino fundamental com idade entre 12 e 14

anos.

O projeto de pesquisa se desenvolveu durante um trimestre, a começar com aulas

semanais, enfocando a leitura literária e as experiências dos adolescentes com os textos, já

direcionados à leitura do livro literário. Para tanto, o trabalho percorreu vários poemas,

oportunizando ao leitor se identificar com algum texto para posterior trabalho mais subjetivo.

Quanto a benefícios, a pesquisa buscou a aproximação do aluno com o texto poético

com vistas a contribuir para uma formação leitora mais consistente e efetiva, propiciando

maior autonomia, criticidade e criatividade. Os riscos da pesquisa foram e são mínimos. No

máximo, um ou outro aluno se sentiu constrangido quando instado a fazer a leitura em voz

alta ou quando foi gravar algum videopoema.

A dissertação é organizada em três capítulos, mais apêndices. O primeiro capítulo se

subdivide em quatro partes e aborda a leitura, o leitor literário e a poesia na escola,

pressupondo que a literatura amplia o conhecimento do homem, sua relação consigo mesmo e

com o mundo e sua relação com os outros. E que o acesso à literatura através da escola é um

componente essencial para a formação do leitor literário, segundo Antonio Candido (2004),

Rildo Cosson (2019) e Annie Rouxel et. al. (2013), com reflexões acerca da formação do

leitor literário na educação básica, sustentadas, sobretudo, por Tzevan Todorov (2010),

Regina Zilberman e Ligia Cademartori Magalhães (1987) e María Tereza Andruetto (2017).

Foram feitas reflexões teóricas acerca da formação do leitor literário na educação

básica, o alcance da leitura literária como contribuição na construção da subjetividade do

17

aluno e a função do texto poético no contexto escolar, ressaltando-se o poder humanizador da

poesia.

A última análise desse primeiro capítulo é a poesia como aporte para o jovem leitor ler

para melhor perguntar e melhor se entender. Nesse sentido, para Andruetto (2017, p. 9): “A

literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos lugares comuns, ser o

contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas gerar perguntas’”.

O segundo capítulo destina-se à apresentação da poetisa Cora Coralina, sua vida e sua

obra, ressaltando sua ligação com a cidade de Goiás, cidade que foi inspiração para muitos de

seus poemas. Também, apresenta apontamentos sobre o corpus da pesquisa Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais, uma das obras de Cora Coralina, seguidos de considerações

sobre a poesia de Cora no contexto da cidade de Goiás.

O terceiro e último capítulo descreve a pesquisa: uma pesquisa-ação, de trato

qualitativo, que propõe a discussão da formação leitora do jovem na escola a partir da leitura

de poesia, conceituando-a e delimitando o seu lócus. Da mesma forma, descreve os 35

participantes desta investigação. Os procedimentos metodológicos são minuciosamente

relatados e é feita a análise de dados com base no material aplicado em sala de aula e

recolhido.

Finalmente, nos apêndices, encontram-se: TCLE (Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido) e TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido); a sequência didática,

com a descrição das aulas executadas neste estudo e os questionários aplicados.

18

1 LEITURA, LEITOR LITERÁRIO E POESIA NA ESCOLA

1.1 Formação do leitor literário na educação básica: reflexões teóricas

A literatura nos proporciona sensações

insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar

mais pleno de sentido e mais belo.

Todorov

A literatura pressupõe diálogos entre vozes diferentes, estabelecendo relações: consigo

mesmo e com o mundo, e sua relação com os outros. O acesso à literatura através da escola é

um componente essencial para a formação do leitor literário. A leitura literária pode ser vista

como uma atividade humana que proporciona ao leitor a capacidade de perceber que, no

texto, há mais do que o que se diz explicitamente. Segundo Andruetto (2017, p. 87-88),

Para que um jovem se converta em leitor inovador, capaz de ir além do consumo de

um relato, mais do que livros de qualidade, ele necessita de ajuda. Para muitas

crianças e muitos jovens, a escola é o único espaço onde se pode encontrar essa

ajuda, o único espaço possível de contato com a cultura literária. Por isso, a escola

precisa garantir a presença de determinados livros e ajudar sua leitura no contexto,

reconhecê-los como introduzidos numa tradição, imersos num sistema literário, no

marco de uma cultura e de uma língua.

Dessa forma, para Coelho (2002, p. 17): “hoje, esse espaço deve ser, ao mesmo tempo,

libertário e orientador para permitir ao ser em formação chegar ao seu autoconhecimento e a

ter acesso ao mundo da cultura que caracteriza a sociedade a que ele pertence”. Portanto,

quanto mais explícito ficar para o professor-mediador a importância da leitura literária como

poderosa fonte de formação de sensibilidades, de alargamento e criticidade de nossa visão de

mundo mais significante será nossa contribuição na formação do jovem leitor. Andruetto

(2017, p. 10), aprofunda esse argumento, enfatizando que a escola é uma igualadora social,

pois reduz a brecha entre as crianças que provêm de lares onde o livro está presente e de lares

onde o livro está ausente. Nesse sentido, reforça a urgência da leitura literária na sala de aula e

que toda criança tenha acesso e condições de permanência na escola.

Destarte, Andruetto (2017, p. 35) recorre a Candido para ressaltar que:

A literatura deve ser equitativa e acessível a todos, um bem que não pode ser negado

a ninguém, pois corresponde a necessidades profundas do ser humano. A literatura

não só é instrumento poderoso de instrução e de educação, mas ainda é fator de

19

perturbação e de risco, um caminho que não corrompe nem edifica, mas humaniza

em sentido profundo, porque faz viver.1

Sendo assim, o ponto de partida da escola para um trabalho sólido de leitura literária é a

escolha de obras adequadas à idade e aos interesses dos alunos, o que acrescenta muito ao seu

repertório de leituras e à sua capacidade de análise crítica dos textos. Assim, as escolhas que

fizermos dos livros de literatura a serem apresentados aos estudantes e a forma de leitura que

propusermos são o que vão determinar a nossa contribuição para um processo de leitura

literária, com chances de durar para além da escolarização.

Segundo Cosson (2019, p. 40), “aprender a ler é mais do que adquirir uma habilidade, e

ser leitor vai além de possuir um hábito ou atividade regular. Aprender a ler e ser leitor são

práticas sociais que medeiam e transformam as relações humanas”. Então, a leitura é uma

construção contínua. Nesse sentido, reitera Todorov (2010, p. 8), “o perigo que hoje ronda a

literatura é o de não ter poder algum, o de não mais participar da formação cultural do

indivíduo, do cidadão”. Para o autor, o perigo está na forma como a literatura tem sido

oferecida aos jovens, desde a escola primária até a faculdade, com a falta de contato com a

literatura propriamente dita e com o fato de ser ela mais uma matéria escolar a ser aprendida

em sua periodização do que um agente de conhecimento sobre o mundo, os homens, as

paixões, enfim, sobre a vida íntima e a pública.

Dessa maneira, para a escritora Annie Rouxel et. al. (2013, p. 62), “a leitura não é

somente a ocasião de enriquecer o saber sobre o mundo; ela permite também aprofundar o

saber sobre si”. Pois cada um possui sua história de vida, seu repertório de leituras, uma

trajetória cultural e social, e se insere em determinada comunidade. O contato direto com o

texto literário, partindo do diálogo texto, leitor e autor pode levar o estudante a construir

autonomia e visão crítica, tendo a leitura como a maior aliada.

O processo de formação de leitor supracitado, que abarca leitor, texto e autor, é uma

afirmativa de que a literatura é necessária nas escolas por oportunizar aos estudantes inúmeros

conhecimentos, tornando-os leitores críticos. A partir do contato significativo com o texto, o

aluno consegue atribuir sentido ao que leu, começa a despertar interesse por outros textos e

leituras de maiores complexidades.

A diretriz atual do ensino de literatura, nas séries finais do ensino fundamental, aborda

uma orientação centrada no texto, considerando os gêneros textuais em uma perspectiva

1 In: ANDRUETTO, Maria Tereza. A leitura, outra revolução. Trad. Newton Cunha. São Paulo: Sesc, 2017, p.

35.

20

enunciativo-discursiva da linguagem, conforme a proposta do DC-GO Ampliado/2020

(Documento Curricular do Estado de Goiás):

O texto não pode ser concebido somente como uma unidade de estudo gramatical, é

necessário, primeiramente, que ele seja estudado, analisado e compreendido, em sua

totalidade e em suas partes, envolvendo os eixos da Língua Portuguesa, ou seja, as

práticas de linguagem de leitura, oralidade, análise linguística/semiótica e produção

de textos (GOIÁS. DC-GO, 2020, p. 562).

Ligado, portanto, a todo esse processo, segundo Andruetto (2017), os livros nos

colocam diante de nós mesmos e diante do mundo do qual fazemos parte e nos convidam a

trabalhar arduamente para tornar efetivas as possibilidades que teremos. Assim,

A literatura nos propõe inquietação, insatisfação, intempérie. Como sabemos, seu

território não é o geral, mas o particular. Nela, não está a palavra infalível nem a

palavra uniforme que suprime a indecisão e a dúvida; muito pelo contrário, em seu

mundo vivem a dúvida, as indecisões, as dificuldades de compreensão, que são

todas estratégias necessárias para pensarmos por nós mesmos, coisa sempre tão

difícil. Enfim, a literatura não nos leva à simplificação da vida, e sim à sua

complexidade, evitando o pensamento global, uniforme, para ir em busca da

construção de um pensamento próprio (ANDRUETTO, 2017, p. 79-80).

Na sala de aula, cabe ao professor ser o mediador, adotar estratégias e metodologias de

ensino que conduzam o aluno a perceber os sentidos que o texto literário pode proporcionar,

interagindo substancialmente com o texto.

Segundo Zilberman e Magalhães, (1987, p. 7), “a literatura se vê assolada pela crise de

ensino, somada agora a uma crise particular – a da leitura que extravasa o espaço da escola, na

medida em que se depara com a concorrência dos meios de comunicação de massa”. Isso,

continua ela, justifica “uma reflexão coletiva a respeito tanto do significado quanto da

finalidade do incentivo à leitura na escola, com o propósito de inventar as estratégias de que o

professor pode se valer se tem em vista estimular a frequência do aluno à obra literária”.

Nesse sentido, Todorov (2010, p. 11), reivindica:

Que o texto literário volte a ocupar o centro e não a periferia do processo

educacional (e, por conseguinte, da nossa formação como cidadãos), em especial nos

cursos de literatura. A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando

estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros

seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar

a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma;

porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a

cada um de nós a partir de dentro.

21

A literatura é o caminho das indagações, da liberdade e da construção subjetiva. Nesse

contexto de abstração, conforme Andruetto (2017, p. 29), “o direito à literatura não está

garantido para todos e, por isso, ganha maior relevância a concepção da leitura como bem

público, como um direito que deve ser de todos”. A autora não vê formação de leitores

distante da literatura:

Não creio em livros nem em literatura fora dos leitores; para que um livro não seja,

para uma criança ou para um adulto, um objeto inerte, mas um artefato que

interroga, interpela e se aprofunda em nossa condição de vida, essa criança ou esse

adulto deve se converter em leitor. Onde houver um leitor, houve antes outros

leitores, uma família, um professor, um bibliotecário, uma escola, outros que

estenderam pontes. Nossos esforços devem se voltar à construção e à qualidade

dessas pontes (ANDRUETTO, 2017, p. 29).

Consequentemente, o professor de literatura age junto ao jovem leitor, como mediador,

um agente capaz de contribuir para a construção dessas pontes em que o leitor permite que o

texto o afete em seu próprio ser, em seu íntimo, e o leve por novos caminhos do

conhecimento.

Mas, para que um jovem caminhe por essa ponte construída e se converta em leitor

crítico, inovador, perspicaz, capaz de ir além das páginas de um livro, ele precisa de ajuda. A

sala de aula pode, muitas vezes, ser o único espaço em que o aluno tem acesso à leitura

literária. Então, a leitura não deve ficar reduzida aos textos do livro didático, muitas vezes,

fragmentados.

Complementar a essa ideia da leitura literária na escola e sua contribuição na formação

do leitor jovem, Bartolomeu Campos Queirós (2012, p. 81) acrescenta uma outra preocupação

muito pertinente ao trabalho com a leitura literária nas escolas que “A escola é servil. Ela está

a serviço de determinadas causas e ideologias. A literatura (arte) não é servil. Ela só existe em

liberdade, e seu compromisso é para com a revelação. Para tanto persegue a beleza”.

A literatura na escola, hoje, precisa ter função emancipatória, criar leitores capazes de

traçar suas próprias trilhas e segui-las com criticidade. Ainda, de acordo com Queirós, é

preciso pensar na contribuição de criar leitores para, independentes, inteirarem-se da cultura

existente. Vai saber do mundo e do sentimento do homem diante dele.

Segundo Todorov (2010, p. 12), o texto literário tem grande contribuição na formação

do jovem leitor como sujeito em construção:

Para que o próprio leitor não morra como leitor, a arte poética e ficcional deve ser

apresentada em primeiro lugar em seu estranho poder imprevisto, encantador,

emocionante, de forma a criar raízes profundas o suficiente para que nenhum corte

analítico ou metodológico venha a podar sua presença criadora, para que nenhuma

22

de suas partes essenciais seja amputada antes que ela aprenda a se mover e nos

acompanhe pelos sentidos que damos à vida à medida que vivemos.

Assim, o escritor enfatiza que o texto literário tem o poder de mostrar ao leitor outros

mundos e outras vidas e, se a ficção ou a poesia não tiverem mais o poder de enriquecer a

vida e o pensamento, então, a literatura está em perigo. Sobre esse papel construtor e

humanizador da literatura, especificamente sobre a humanização, Candido (2004, p. 180) diz:

Entendo por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo que confirma

no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a

aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das

emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a

percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor.

Além disso, a leitura literária estimula o crescimento do ser humano em seu todo, pois,

além de desenvolver aspectos cognitivos, também impulsiona o imaginário, aprimora as

emoções, conscientiza sobre a diversidade histórica e cultural e abre possibilidades de

entendimento de valores tradicionais, subjacentes e novos da sociedade. Ela nos auxilia na

capacidade de ver e ler situações de modo mais compreensível. Uma visão que vai além do

visível, que consegue adentrar a subjetividade, perceber algo que não se mostra de imediato,

mas que é essencial.

Para essa mesma conjuntura, Jouve (2002, p. 119) enfatiza que ler é uma entrada

insólita em outra dimensão que, na maioria das vezes, enriquece a experiência: o leitor que,

num primeiro tempo, deixa a realidade para o universo fictício, num segundo tempo, volta ao

real nutrido da ficção. Entretanto, o leitor não é um indivíduo isolado na sociedade, é parte de

um conjunto que vive, constantemente, em relação com o outro. A experiência transmitida

pela leitura desenvolve um papel na evolução global da sociedade.

A obra literária é um objeto inacabado, pois sua construção depende daquilo que cada

leitor projeta de si próprio - é uma construção coletiva. Portanto, essa construção depende da

ponte (comparação feita por Andruetto), a fim de despertar no jovem o interesse pela leitura.

Nesse intento, o poeta usa as palavras no sentido de transportar o leitor de um lado a outro e

retornar ao anterior modificado. Jouve (2002, p. 127) acrescenta:

Existem sempre, portanto, duas dimensões na leitura: uma comum a todo leitor

porque determinada pelo texto; a outra, infinitamente variável, porque dependente

daquilo que cada um projeta de si próprio.

O leitor só pode extrair uma experiência de sua leitura confrontando sua visão de

mundo com que a obra implica. A recepção subjetiva do leitor é condicionada pelo

efeito objetivo do texto.

23

Nesse contexto, é possível afirmar que a leitura leva o leitor a integrar a visão do texto à

sua própria visão, isto é, o que acontece é uma atitude ativa entre texto, autor e leitor. O leitor,

através da leitura, estabelece uma compreensão significativa. Jouve (2002) conclui que existe,

de um lado, uma simples compreensão do texto e, de outro, o modo como cada leitor reage

pessoalmente a essa compreensão. A significação é o momento da retomada do sentido pelo

leitor, de sua efetuação na existência.

Nesse mesmo sentido, Cecília Meireles (2002) acrescenta que a literatura não é como

tantos supõem, um passatempo. É uma nutrição. Podemos dizer que nutre e abre caminhos

para um olhar profundo e significativo. Portanto, torna-se inegável e necessário que a leitura

literária ocupe o centro das aulas de Língua Portuguesa na educação básica e, em relevo, a

poesia. Carlos Drummond de Andrade, em A educação do ser poético, inicia com uma

interrogativa que pode ser entendida como uma provocação em relação à leitura poética:

Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de

sê-lo?

Será a poesia um estado de infância relacionada com a necessidade de jogo, a

ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos

de viver – estado de pureza da mente, em suma?

Acho que é um pouco de tudo isso, se ela encontra expressão cândida na meninice,

pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada com a experiência, o senso crítico, a

consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia (DRUMMOND, 1974,

s/p).

É uma indagação pertinente a do poeta: se, na meninice, a poesia aflora; no adulto, na

maioria dos casos, há a ausência da poesia. Terá a escola contribuído na supressão poética que

é possível evidenciar na formação do jovem estudante?

Adorno et. al., em conferência sobre lírica e sociedade, iniciam seu texto enfatizando

que uma poesia parte necessariamente de uma subjetividade: ela expressa algo fundamental

da experiência vivida por uma pessoa, seja um pensamento, uma imaginação ou uma ação.

Mas essa experiência deve conter algo de sua relação com a sociedade. Só entende o que diz o

poema aquele que divisa na solidão deste a voz da humanidade” (ADORNO et. al., 1975, p.

202).

Essa supressão entre meninice, poesia e vida adulta não deve ser permissiva na escola,

pelo contrário. Drummond, ainda em A educação do ser poético, segue afirmando que a

escola precisa reparar em seu ser poético (do aluno), atendê-lo em sua capacidade de viver

poeticamente o conhecimento e o mundo. Não dar ênfase somente aos conteúdos sistemáticos

de matemática, gramática, geografia e outras disciplinas, mas cultivar o núcleo poético da

pessoa humana.

24

Jouve (2002) também comunga dessa ideia e enfatiza a valoração da leitura literária na

escola, acrescentando que a leitura, ao levar o leitor a integrar a visão do texto à sua própria

visão, não pode ser encarada como uma atitude passiva. O leitor vai tirar de sua relação com o

texto não somente um “sentido”, mas também uma “significação” (JOUVE, 2002, p. 128).

Jouve continua refletindo que a simples compreensão do texto dialoga com o modo

como cada leitor reage a essa compreensão. A significação é o momento da retomada do

sentido pelo leitor, de sua efetuação na existência. Essa ideia, segundo Roland Barthes (1971),

é de um prolongamento concreto da leitura, quando ele evoca a transmigração do texto para a

vida do sujeito:

Às vezes, o prazer do Texto cumpre-se de forma mais profunda (e é nesse momento

que se pode dizer realmente que há Texto): quando o texto “literário” (o livro)

transmigra para nossa vida, quando uma outra escrita (a escrita do Outro) consegue

escrever fragmentos de nossa própria cotidianidade, enfim, quando se produz uma

coexistência (BARTHES, 1971, p. 128).

A implicação da leitura literária na vida do jovem leitor é mais real do que podemos

imaginar. Muitas vezes, pode levar à criticidade, à transformação do sujeito e até dar coragem

para enfrentar alguns paradigmas impostos pela sociedade.

1.2 A leitura literária e a construção da subjetividade

Mas a vida, a vida, a vida,

a vida só é possível

reinventada.

Cecília Meireles

Na contemporaneidade, com a urgência de trabalhar, em sala de aula, com novos

gêneros textuais que atendam à demanda de uma sociedade digital, como hipertexto, e-mails,

blogs, sites, homepages..., o trabalho com a leitura literária na escola passou a ser um

exercício de reinvenção, tomando de empréstimo o termo de Cecília Meireles (2002). E é

preciso também reinventar, com criatividade, entusiasmo e significação, a leitura literária na

escola; reinventar para contribuir para a construção da subjetividade do aluno como leitor.

Isso demanda uma mediação eficaz e persistente por parte da equipe escolar e, especialmente,

do professor.

Para Andruetto (2017, p. 16), “a literatura nos propõe uma das mais profundas imersões

em nós mesmos e na sociedade da qual somos parte”. É uma consciência dialogando com o

mundo. Então, para a autora, ler recebeu uma nova roupagem: “nunca mais li de outra

25

maneira, a não ser entendendo que as subjetividades de quem escreve e de quem lê são

sempre caixas de ressonância do social, e que toda palavra individual é um concerto de ecos e

de dissidências com a palavra social” (ibidem, p. 21). Assim, o mundo que o autor e o leitor

habitam não é restrito à rua onde moram, mas extravasam esse ambiente particular.

Intrínseco a esse ato de leitura, como aliada na contribuição da autonomia e da visão

crítica do jovem leitor, é primordial que o professor seja um leitor com vivência nesse tipo de

formação e a escola tenha espaço e disposição para efetivar a leitura literária com

receptividade. E isso demanda tempo para o aluno familiarizar com texto literário e

estabelecer um diálogo expressivo com o que o texto diz. Para Jouve (2012, p. 53), a leitura é

um retorno a si:

Toda leitura tem em si, como se sabe, uma parte constitutiva de subjetividade. Para

muitos, trata-se de uma realidade negativa a implicação pessoal do leitor no texto, a

qual contém em germe todos os desvios possíveis, indo do simples erro de leitura ao

contrassenso mais flagrante.

Ainda ressalta o autor que, com efeito, cada um projeta um pouco de si na sua leitura.

Por isso a relação com a obra não significa somente sair de si, mas também retornar a si. A

leitura de texto literário também é sempre leitura do sujeito por ele mesmo, constatação que,

longe de afastar o interesse pelo ensino literário, pode – e muito – aproximar dele o jovem

leitor. (JOUVE, 2012, p. 53)

Em concomitância com Jouve, Ricardo Azevedo (2004), em Formação de leitores e

razões para a literatura, realça que a leitura literária com significação e construção da

subjetividade pressupõe treino, capacitação e acumulação. É importante salientar que, para

formar o leitor da leitura literária, é imprescindível que se estabeleça um diálogo entre a

pessoa que lê e o texto. Outrossim, requer do leitor um esforço que se justifica pela

aproximação entre eles, estabelecendo uma ideia de comunhão baseada no prazer, na

identificação, no interesse e na liberdade de interpretação.

Em torno da triangulação leitor, texto e autor, segundo Rouxel et. al. (2013, p. 55),

“aquilo que a leitura faz ressurgir, por meio de uma palavra, de uma frase ou de uma

descrição, não vem do nada, mas do passado do leitor”. O leitor é, então, o cerne dessa

triangulação (a intertextualidade é feita por ele) e não o texto, pois, para a autora, ler é

realizar, sem preocupação com a cronologia, todas as conexões possíveis entre os textos. Para

Rouxel et. al., a reapropriação subjetiva do texto pode ser legítima ou acidental, mas o fato é

que sua importância na leitura é considerável. Ela explica por que a relação com a obra é,

sempre e ao mesmo tempo, exploração do sujeito por ele mesmo. Isso representa sair para o

26

texto e voltar para si, talvez, em uma reconstrução interna. Para tanto, o ato de ler requer

tempo, pausa, retorno para que o encontro texto e autor seja profundo e único. A autora

acrescenta que, quando a subjetividade é acidental, a experiência da volta a si é mais

impactante. O leitor é então levado a refletir sobre o que o conduziu a projetar no texto aquilo

que não estava lá.

A leitura literária é de grande importância na constituição do sujeito em formação,

corroborando a construção da identidade pessoal. Segundo Rouxel et. al. (2013, p. 91),

“nenhuma forma de identidade, nem mesmo a identidade pessoal, é concebida sem uma

relação com o outro e com o mundo”. Em comunhão com Rouxel et. al., Andruetto (2017)

ressalta sempre a importância da construção de pontes, o passar e o retornar para si. Que o

leitor faça pausa, levante a cabeça, reflita e retome a leitura, porque a leitura voraz deixa no ar

muitas interrogações. Então, na constituição do jovem leitor, é preponderante a presença do

mediador, quer na família, na escola, quer entre amigos.

Lídia Jorge, em seu texto Nascidos para ler (2007), também retoma a leitura literária

como contribuição na constituição da subjetividade do aluno leitor. Para ela, a leitura literária

está fortemente associada à construção da identidade.

Em que dia nos transformamos em leitores para sempre? Cada um de nós lembrará a

sua história. Recordará um colo, um abraço, um livro colocado na mão de alguém,

uma estante, um professor, uma certa noite, um certo dia. Aquele momento e aquela

hora em que se associou uma voz humana com a capacidade de multiplicar imagens

infinitas dentro da cabeça, e de permeio estavam folhas escritas. Alguém que depois

nos coloca diante duma estante e nos diz – Aqui tens, tantos seres humanos quanto

as lombadas, tantos filmes quantas as páginas. És um homem livre (JORGE, 2007).

Transformar-se em leitor, libertar-se de si mesmo, tornar-se um outro, desfazer muito

mais do que fazer para depois se encontrar. O que Rouxel et. al. (2013, p. 208) deslinda

assim: “a identidade do leitor é desconstruída e reconstruída a cada leitura e, no entanto, ela é,

da parte do leitor, objeto de uma busca infinita”.

Todorov (2010, p. 61) inteira que “a leitura, de fato, longe de ser uma recepção passiva,

apresenta-se como uma interação produtiva entre o texto e o leitor”. O que Bakthtin

denominou de dialogismo. Fiorin (2008), em seus estudos sobre Bakthin, ressalva que um

enunciado é justamente uma unidade da comunicação em relação dialógica com outros

enunciados, como réplicas dialógicas, e os limites entre enunciados não estão em sua

dimensão, mas na alternância entre os falantes. Um enunciado está pronto quando se abre a

uma resposta de outro enunciado e, por isso, ele não existe fora das relações dialógicas. “Nele

27

estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele

refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante” (FIORIN, 2008, p. 21).

Destarte Yunes (2002, p. 32) também afirma que:

Enquanto o leitor que alcançou a condição comunicante de uma escritura não

reconhecer no interlocutor um outro eu, isto é, não solidarizar-se com seu direito de

dizer, pensar e querer, mesmo diversos dos seus, as práticas de leitura não servirão

para mais que notas e ilustrações, sem efeito transformador da tendência à inercia no

social dominante. Ler é solidarizar-se pela reflexão, pelo diálogo com o outro a

quem altera e que o altera.

Cabe enfatizar, nesse contexto, a necessidade da presença do professor leitor como

mediador do processo de iniciação do jovem leitor, facilitando a construção da relação entre o

livro e o leitor, para que haja uma aproximação mais estreita entre ambos. Dentro desse

escopo, Andruetto (2017, p. 79) acrescenta que a literatura não nos oferece soluções, mas nos

sugere perguntas, porque problematizar o que nos foi naturalizado é uma das funções

fundamentais da arte; questionar o aceito, receber nossas sombras, os riscos da vida que

vivemos e da sociedade na qual transitamos. Para a autora, os livros nos põem diante de nós

mesmos e diante do mundo do qual fazemos parte e nos convidam a trabalhar arduamente

para tornar efetivas as possibilidades que nos são oferecidas.

Dessa forma, o professor precisa ser leitor, conhecedor de algumas obras, não deve se

limitar ao estímulo somente da leitura indicada. Deve proporcionar um leque de

possibilidades de leitura, abertura a demandas de textos e títulos sugeridos pelos alunos,

ofertar leituras posteriores mais complexas e que implicam uma aproximação maior entre o

texto e leitor.

Tereza Colomer (2003, p. 133) releva a importância da leitura literária para secundar a

subjetividade do aluno leitor:

O principal derivado deste enfoque educativo é que a literatura oferece uma maneira

articulada de reconstruir a realidade, de gozar dela esteticamente, de explorar os

pontos de vistas próprios através da apresentação de outras alternativas ou de

reconciliar-se com os conflitos através de uma experiência pessoal e subjetiva, o

papel do professor deveria ser, principalmente, o de questionar e enriquecer as

respostas, o de esclarecer a representação da realidade, que a obra pretendeu

construir, mais do que o de ensinar princípios ou categorias de análise.

Complementar às colocações de Colomer, Annie Rouxel et. al. (2013, p. 70) destaca

que “leitura das obras é, antes de tudo, uma leitura para si da qual o sujeito tira o que lhe é

necessário para formar seu pensamento e sua personalidade”. Aprofunda seus estudos acerca

do que a noção de identidade literária supõe, numa espécie de equivalência entre si e os

textos: textos de que eu gosto, que me representam, que, metaforicamente, falam de mim, que

28

me fizeram ser o que sou, que dizem aquilo que eu gostaria de dizer, que me revelaram a mim

mesmo.

Nesse sentido, a relação mútua entre escritor e leitor é necessária, pois dessa comunhão

surge a possibilidade da reapropriação parcial, que, segundo Jouve (2012), o leitor (aluno) faz

do texto, evidenciando o retorno a si provocado pela leitura. Pensamento similar ao de Sartre

(2015):

Portanto, em que medida a passagem ao conhecimento objetivo se faz por meio da

subjetividade, sendo a subjetividade simplesmente o nosso próprio ser, isto é, a

nossa obrigação de ter-de-ser nosso ser, e não apenas de sê-lo passivamente. O

verdadeiro problema está de fato em saber como, em um conhecimento objetivo do

real, nós nos superamos para ter, nós que existimos subjetivamente, uma relação

com a realidade. Conhecer-se é modificar-se e, sobretudo, passar de um estatuto para

outro (SARTRE, 2015, p. 64-65).

Nesse contexto, Andruetto (2017, p. 127) retoma a importância do mediador: “o

professor é uma ponte indispensável, pois um bom mestre transmite, além de conhecimentos

específicos, um modo de estar no mundo, uma concepção de vida, e pode deixar uma marca

profunda, pode deixar o seu sinal: ensinar, em seu sentido mais essencial”.

E Annie Rouxel et. al. (2013, p. 207) ainda enfatiza que a identidade do leitor é

desconstruída e reconstruída a cada leitura e, no entanto, ela é, da parte do leitor, objeto de

uma busca infinita.

1.3 A poesia na escola: função e processo humanizador

Aprender a ler e ser leitor são práticas sociais que

medeiam e transformam as relações humanas.

Rildo Cosson

A poesia interliga as emoções do leitor consigo mesmo, revela um universo

desconhecido de sentimentos, concebe nova percepção sobre as experiências -

particularidades que se tornam um desafio instigante para o professor trabalhar com poesia em

sala de aula. Para Octavio Paz (1982, p. 138), “a poesia é metamorfose, mudança, operação

alquímica, e por isso confina com a magia, a religião e outras tentativas para transformar o

homem e fazer ‘deste’ ou ‘daquele’ esse ‘outro’ que é ele mesmo”. E continua, emitindo que

poesia coloca o homem fora de si e, simultaneamente, o faz regressar ao ser original: volta-o

para si. O homem é sua imagem: ele mesmo e aquele outro. Através da frase que é ritmo, que

29

é imagem, o homem – esse perpétuo chegar a ser – é. A poesia é entrar no ser. Dessa forma,

Candido (2004, p. 175) reitera que:

Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de

acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas,

a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles.

Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso

de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como

equipamento intelectual e afetivo.

A essência da poesia requer um certo modo de ver as coisas, captar algo que não se

mostra de imediato, que está implícito, mas que carrega a essência do texto. No entanto, o

trabalho com poesia em sala de aula requer que o professor esteja aberto para acolher a leitura

do aluno, retornar ao texto como mediador para o que o texto infere, se colocar em um

caminho inusitado e plural, já que um poema é carregado de significações, o que pode ser um

estranhamento para o aluno. Afinal, o texto poético, por condensado que é, em termos de

linguagem, acaba por concentrar mais os sentidos e desafiar mais o leitor. Conforme

Andruetto (2017, p. 53), “a poesia é algo que excede a escrita”.

Assim sendo, é um olhar mais penetrante que o poema requer, desvendando a magia

da palavra poética, dependendo do olhar do leitor. A valorização da poesia em sala de aula

coincide com um modo de ver o mundo, a autodescoberta do eu em relação ao outro. Também

desenvolve a capacidade de ler e de suscitar o gosto pela leitura de poemas.

Mário Quintana, em Os poemas, compartilha da ideia de Andruetto no sentido de o

poema ir além da escrita:

Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam voo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti... (QUINTANA, 2013, p. 19).

Nos últimos versos, Quintana parece dialogar com Paz (1982), que afirma que “a

linguagem do poema está nele e só nele se revela. A revelação poética pressupõe uma busca

interior”.

Averbuck (1985, p. 64), em A Poesia e a escola, destaca que “a poesia entra na escola

marginalmente e os contatos que as crianças estabelecem com os textos poéticos são tão

30

raros...” Isso, sem dúvida, distancia o aluno do texto poético e reforça o predomínio dos

gêneros narrativos como os mais trabalhados em sala de aula. Outro aspecto salutar é que a

leitura do texto poético em sala de aula se depara com uma aparente ausência de gosto de

alguns alunos pela poesia estabelecendo, às vezes, uma dificuldade de o mediador intervir

junto ao aluno para que ele consiga chegar ao texto. Isso se justifica na pouca afinidade com o

gênero da parte do aluno; ou na formação acadêmica do mediador, para quem não houve

disponibilidade de acesso às obras poéticas e faltou o incentivo da escola no trabalho com a

poesia. Dessa forma, a prosa triunfa, despertando o interesse da maioria dos alunos. O aluno

parece ligar a prosa diretamente à contação de história, que é mais recorrente em grande parte

das práticas culturais de quaisquer grupos sociais. Talvez esteja aí a afinidade. Tudo isso

distancia o aluno do texto poético. Hoje, podemos dizer que o trabalho com poemas em sala

de aula vem com uma nova perspectiva, que Andruetto (2017, p. 92) define como olhar o

mundo com olhos alheios, tentar entrar em outras condições de vida para compreender um

pouco mais a condição humana.

Ressalte-se que a poesia sempre esteve atrelada ao homem, desde o seu nascimento por

meio de canções, mitos ou outras expressões poéticas. Paz (1982, p. 83), nesse sentido,

evidencia:

A prosa é um gênero tardio, filho da desconfiança do pensamento ante as tendências

naturais do idioma. A poesia pertence a todas as épocas: é a forma natural de

expressão dos homens. Não há povos sem poesia, mas existem os que não têm

prosa. Portanto, pode-se dizer que a prosa não é uma forma de expressão inerente à

sociedade, ao passo que é inconcebível a existência de uma sociedade sem canções,

mitos ou outras expressões poéticas.

O escritor Hélder Pinheiro (2012, p. 91), no tecido do texto Diga um verso bem bonito,

complementa Paz, reforçando o elo poesia e história de vida de cada um:

Despertar nas crianças vivências com a poesia oral constitui uma atividade/atitude

da maior importância no sentido de formar leitores de poesia. É necessário, portanto,

refletir sobre o lugar da poesia em nossa vida. Embora a maioria das pessoas não se

torne leitor de poesia, praticamente todos são capazes de lembrar com emoção o

encantamento lírico de certas brincadeiras de infância. Parlendas, trocadilhos,

cantigas de ninar, brincadeiras de roda, brincadeiras com palavras buscando rimas

são partes deste rico arsenal que se modifica de região para região.

Dessa forma, Paz (1982) continua enfatizando como é estreita a ponte entre o leitor e o

poema, dizendo que o poema nos faz recordar o que esquecemos: o que somos realmente.

Depois acrescenta que a linguagem indica, representa e que o poema não explica nem

representa: apresenta. Não alude à realidade; pretende – e, às vezes, consegue – recriá-la.

Portanto, a poesia é um penetrar, um estar ou ser na realidade.

31

Além das reservas existentes em despertar o jovem leitor para a leitura de poemas, nas

escolas de ensino básico deparamos, muitas vezes, com o pouco acervo de obras com poemas

destinados ao público juvenil. As existentes muitas vezes estão distantes do mundo do

adolescente. Também, afirma Cosson (2019, p. 23), que a função essencial da literatura é de

construir e reconstruir a palavra que nos humaniza. Contudo, o poema precisa fazer parte do

cotidiano escolar.

A eficácia do trabalho com poesia em sala de aula passa, primeiramente, em o professor

ter claras as funções sociais da poesia, para que possa despertar o senso poético nos alunos.

Também, é indispensável que o professor seja realmente um leitor, que tenha uma experiência

significativa de leitura. Nesse sentido, o escritor Hélder Pinheiro, em Condições

(indispensáveis) para o trabalho com a poesia, menciona que:

Um professor que não é capaz de se emocionar com uma imagem, com uma

descrição, com o ritmo de um determinado poema, dificilmente revelará na prática,

que a poesia vale a pena, que as experiências simbólicas condensadas naquelas

palavras são essenciais em sua vida. Creio que sem um mínimo de entusiasmo,

dificilmente poderemos sensibilizar nossos alunos para a riqueza semântica da

poesia (PINHEIRO, 2007, p. 26).

A leitura de poesia na sala de aula envolve sentimentos, conteúdo, história de vida e

atividades que proporcionem ao aluno interesse por um texto poético que fale dele próprio;

que desperte a curiosidade; no plano pedagógico, que acrescente o seu conhecimento sobre o

mundo e também um olhar sobre si mesmo. É sair e retornar ao ponto de partida, um tripé

perpassando o estado interior, exterior e interior. O que, para Rolando Barthes (2012, p. 26),

“é ser essa leitura, ao mesmo tempo irrespeitosa, pois que corta o texto, e apaixonada, pois

que a ele volta e dele se nutre”. E, para Antonio Candido (2004, p. 179): “as produções

literárias, de todos os tipos e todos os níveis, satisfazem necessidades básicas do ser humano,

sobretudo através dessa incorporação, que enriquece a nossa percepção e a nossa visão do

mundo”. Nessa perspectiva, o trabalho com o texto poético em sala de aula tem eficácia

insubstituível.

Alargando a visão sobre a importância da leitura literária, em destaque a poética, nas

salas dos anos finais do ensino fundamental, é interessante ressaltar a riqueza progressiva em

relação à leitura de poemas, o que, para Cosson (2019, p. 35), significa que “crescemos como

leitores quando somos desafiados por leituras progressivamente mais complexas”. O que não

podemos deixar de enfocar é que, desse encontro com o texto mais elaborado, pode derivar

uma leitura significativa que é uma forma de prazer.

32

Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque

possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas, sim, e sobretudo,

porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura, os instrumentos necessários para

conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem, como relata Cosson, (2019, p.

30). Acreditamos que devemos levar aos nossos alunos textos novos, no sentido de atuais e no

sentido de novidade (desconhecidos, podendo ser de outra época), que poderão integrar seu

universo de leitura. Contudo, esse alargamento de visão do que está sendo vivido pelo aluno

pode proporcionar uma descoberta de outras possibilidades de vivência afetiva.

Acurada a importância da leitura poética na sala de aula, se fazem necessários alguns

apontamentos agregando a função e o processo humanizador da poesia. Sobre isso, primeiro,

temos dois pontos centrais para reflexão: a função social e o caráter humanizador, que é

preciso estar atento a possíveis interferências ideológicas e particulares que o poeta quer

impelir à sua obra. Segundo Hélder Pinheiro (2007, p. 23), “a função social da poesia, é bom

lembrar, não é mensurável dentre modelos esquemáticos. Trata-se de uma experiência íntima

que muitas vezes captamos pelo brilho do olhar de nosso aluno na hora de uma leitura, pelo

sorriso, pela conversa de corredor”.

É preciso atentar para o fato de a leitura do texto poético ter peculiaridades, requerendo

uma leitura mais minuciosa e cuidadosa. Antonio Candido (2004, p. 173) alerta para o fato de

“que cada época e cada cultura fixam os critérios de incompressibilidade, que estão ligados à

visão da sociedade em classes, pois, inclusive a educação pode ser instrumento para

convencer as pessoas de que o que é indispensável para uma camada social não o é para

outra”. Voltamos ao início das colocações, que, sutilmente, mencionam não usar a poesia, a

literatura como meio instrutivo de interesse particular, isto é, o texto poético não deve servir

de pretexto moralizante. Vale ressaltar sempre a importância de o mediador enfatizar o valor

estético do poema e a sua capacidade de contribuir com o crescimento humano do leitor,

principalmente do jovem em formação.

Além disso, Antonio Candido (2004, p. 176-177) aprofunda a função da literatura:

A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica

inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque

contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é

uma construção de objetos autônomos com estrutura e significado; (2) ela é uma

forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e

dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação

difusa e inconsciente.

Em geral pensamos que a literatura atua sobre nós devido ao terceiro aspecto, isto é,

porque transmite uma espécie de conhecimento, que resulta em aprendizado, como

se ela fosse um tipo de instrução. Mas não é assim. O efeito das produções literárias

é devido à atuação simultânea dos três aspectos, embora costumemos pensar menos

33

no primeiro, que corresponde à maneira pela qual a mensagem é construída; mas

esta maneira é o aspecto, senão mais importante, com certeza crucial, porque é o que

decide se uma comunicação é literária ou não.

Diante das três faces supracitadas, o autor menciona que a produção literária tira as

palavras do nada e as dispõe como um todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador,

ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso

espírito e o leva, primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isso ocorre desde

as formas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos, que sintetizam a

experiência e a reduzem a sugestão, norma, conselho ou simples espetáculo mental

(CANDIDO, 2004, p. 177). Esse “todo articulado” é o que ocorre, por exemplo, no poema

Minha cidade, de Cora Coralina - que faz parte do corpus selecionado para essa pesquisa -,

em que a presença da anáfora, da repetição, dos assíndetos e polissíndetos vão se organizando

de um modo que o leitor vai percebendo a identificação/fusão do sujeito lírico com a cidade

natal da poeta.

Ainda pensando na função social e humanizadora da poesia, Osakabe acrescenta que:

A poesia produz no leitor, como qualquer obra de arte, uma percepção nova sobre

determinada experiência, ou constitui ela própria uma experiência sempre renovada

como se guardasse sempre o frescor de sua criação. Ora, é essa particularidade que a

coloca como um desafio para o leitor, como se fossem inesgotáveis suas

possibilidades significativas (OSAKABE, 2008, p. 49).

Quando o leitor está realizando uma leitura literária com significação, há um amálgama

da mensagem com a organização textual. Se ocorre uma ação de identificação do leitor com o

texto, isso foi a ordenação do autor que a produziu. Essa riqueza expressiva, de acordo com

Candido, é uma ação da forma sobre o conteúdo:

Em palavras usuais: o conteúdo só atua por causa da forma, e a forma traz em si,

virtualmente, uma capacidade de humanizar devido à coerência mental que se

pressupõe e que sugere. O caos originário, isto é, o material bruto a partir do qual o

produtor escolheu uma forma, se torna ordem; por isso, o meu caos interior também

se ordena e a mensagem pode atuar. Toda obra literária pressupõe esta superação do

caos, determinada por um arranjo especial das palavras e fazendo uma proposta de

sentido (CANDIDO, 2004, p. 178).

Podemos perceber essa construção de forma e conteúdo em um dos poemas de Cora

Coralina, O poeta e a poesia, que compõe a obra Vintém de cobre – Meias confissões de

Aninha, de 1983. Temos aqui as primeiras estrofes:

Não é o poeta que cria a poesia.

E sim, a poesia que condiciona o poeta.

34

Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.

Poeta é o operário, o artífice da palavra.

E com ela compõe a ourivesaria de um verso.

Poeta, não somente o que escreve.

É aquele que sente a poesia,

se extasia sensível ao achado

de uma rima, à autenticidade de um verso.

Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,

procurando no jogo das palavras,

no imprevisto texto, atingir a perfeição inalcançável.

(CORALINA, 1983).

Criaram uma ordem definida que serve de padrão para todos e, desse modo, a todos

humaniza, isto é, permite que os sentimentos passem do estado de mera emoção para o da

forma construída, que assegura a generalidade e a permanência (CANDIDO, 2004, p. 179).

O trabalho com o texto poético em sala de aula, para que contribua com a construção

humana do aluno, tem como primeira condição imprescindível que o professor seja realmente

um leitor, que, nos primeiros momentos, a leitura do poema seja feita por ele, dado que ele

tem a familiaridade e a experiência significativas que a leitura requer. Assim, o jovem leitor

sente toda a carga emotiva do texto e esse é o começo da construção de pontes que

contribuem para a constituição humana através do texto poético.

Nesse contexto, reforça Candido acerca do aspecto humanizador da literatura.

Entendo aqui por humanização (já que tenho falado tanto nela) o processo de

confirmar no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da

reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento

das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a

percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura

desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais

compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CANDIDO,

2004, p. 180).

Por isso, é imprescindível efetivar, nas salas de aulas, a leitura literária, principalmente

a da poesia, que pode ser uma poderosa contribuição para a formação humana do leitor

iniciante. A poesia desperta o senso poético do aluno: não qualquer poesia e de qualquer

modo, mas buscando a sensibilidade dos alunos; em contrapartida, a escola perde muito ao

repelir a poesia de seu cotidiano. Cora Coralina escreveu no poema Ressalva (2014, p. 27):

“Este livro:/ Versos...Não./ Poesia...Não./ Um modo diferente de contar velhas estórias”.

1.4 A Poesia e o jovem aluno: ler para melhor perguntar e melhor se entender

35

A leitura é um instrumento de intervenção sobre o

mundo que nos permite pensar, tomar distância,

refletir; a leitura também é uma possibilidade

esplêndida para dar lugar a perguntas, à

discussão, ao intercâmbio de percepção e à

construção de um juízo próprio.

Maria Tereza Andruetto

A literatura se apropria do patrimônio comum que é a linguagem e esse patrimônio

regressa, em algum momento, para nos pedir que voltemos a cabeça para os outros, olhemos e

escutemos com atenção, com imprudência, com desobediência, não para dar respostas, mas

para gerar perguntas (ANDRUETTO, 2017). Assim, a autora evidencia que a leitura tem um

importante papel na construção subjetiva do jovem aluno, que, no período da adolescência e

juventude, acentua a busca do autoconhecimento e das inquietações sobre o cotidiano e sobre

si próprio.

Nesse contexto, a autora Marlèn Lebrun (2013, p. 8), em Um leitor singular fazendo

parte integrante de uma comunidade de leitores em formação, diz que a leitura é uma

aventura textual da qual não se conhece o final, da qual se pode sair transformado ou não. O

leitor singular entra no texto com sua representação do mundo e do outro, e a confronta com

as representações do mundo e do outro trazidas pelo texto. Continua Lebrun, explicitando o

processo de construção do leitor através da leitura que procura um instrumento de construção

de si. Para tal, ela recorre a Michel de Certeau, que diz:

O leitor singular se descobre: a descoberta do mundo e do outro lhe permite

definitivamente ir ao encontro de si. É graças a tudo isso que a leitura se torna

interessante para o adolescente, que procura um instrumento de construção de si e

não uma ocasião de afirmação social. Mas, se ler é também ligar, o leitor tem

necessidade de uma comunidade que favoreça as trocas sobre as leituras comuns e as

que virão (CERTEAU apud LEBRUN, 2013, p. 138).

Dessa forma, a leitura literária, principalmente a do poema, é essencial à vida. É uma

forma de despertar emoções, sentimentos que, muitas vezes, estão quiescentes. Segundo Paz

(1982, p. 234), o “poema é uma obra sempre inacabada, sempre disposta a ser completada e

vivida por um novo leitor”. Assim, a poesia tem grande importância como contribuição

formadora do leitor, proporciona uma leitura crítica e reflexiva, retrata o ser humano

envolvido por conflitos existenciais em meio às transformações e os problemas do cotidiano.

É nessa relação subjetiva que o leitor se constitui, e o cotidiano do jovem pode se modificar

depois de algum contato com a poesia, porque ela dirige sempre o leitor à busca de si. Ligado

a todos esses processos, também Michéle Petit acrescenta que “a leitura tem o poder de

36

despertar em nós regiões que estavam até então adormecidas” (PETIT, 2013, p. 7). Para

Andruetto (2017, p. 9), “a literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro

aos lugares comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas

gerar perguntas’”. As indagações são ricas e geram incômodos no leitor, o que leva à busca

constante por respostas que são contribuições ímpares para o crescimento do leitor jovem em

formação.

Nesse sentido, pensando na poesia e no jovem aluno leitor, que Andruetto assevera:

“quem escreve compreende (e cedo ou tarde compreenderá seu leitor) que o que parecem

verdades incontestáveis são construções sociais, vantajosas para uns e prejudiciais para

outros, e que essas construções podem ser postas em discussão” (ANDRUETTO, 2017, p.

137). À medida que vai descobrindo o texto, o aluno vai construindo, lentamente, condições

para que se comece um diálogo entre texto e autor. É o início da construção que,

posteriormente, retorna a si própria como leitura subjetiva. A leitura de poemas em voz alta,

nesse caso, torna-se muito pertinente, eleva a expressividade e proporciona a descoberta do

texto de forma mais significativa.

O aluno, no primeiro contato com o texto poético, faz uma leitura contemplativa e

despreocupada. Muitas vezes, sente vontade de reler, como se quisesse ter certeza de sua

leitura e, quando o leitor é sensibilizado pelas impressões e emoções trazidas do texto, temos

um processo de leitura e prazer. Isso ficou evidenciado durante a pesquisa, quando o

momento era voltado para a vocalização dos poemas de Cora Coralina.

Nessa trilha, Octavio Paz (1982, p. 231) agrega à leitura de poemas: “não é tanto aquilo

que o poeta diz, mas o que vai implícito em seu dizer, sua dualidade íntima e irredutível, que

outorga às suas palavras um gosto de libertação”. E vai além: acerca da poesia, diz que cada

leitor procura algo no poema. E não é insólito que o encontre, porque já o trazia dentro de si.

A escritora goiana Leodegária de Jesus, em seu poema Ao meu livro predileto,

evidencia a estreita relação entre texto, autor e leitor e a leitura como contribuição subjetiva

na formação do sujeito leitor.

Ao meu livro predileto

Tu, caro livro, que hoje sobre a mesa

Em que trabalho, guardo com cuidado,

Como um tesouro – livro idolatrado,

Dás-me conforto à íntima tristeza.

Não porque em ti, encontre essa beleza

De um fulgurante estilo aprimorado;

És como qualquer livro encadernado

E a qualquer outro igual em singeleza.

37

Se após a luta, à noite te procuro,

Como quem busca um bálsamo seguro,

Se em ti feliz o meu olhar descansa...

É que julgo todo o carinho

Daquele belo coração de arminho

Que te legou a mim, como lembrança.

(DE JESUS, 2014).

A relação estabelecida entre a poesia e o leitor, a ação transformadora através da

literatura e leitura para a descoberta ou para construção de si se destacaram devido às

mudanças ocorridas na sociedade. Cabe ressaltar que, no passado, cada um construía sua

própria identidade, como destaca Michéle Petit:

Nas sociedades tradicionais, para dizer em poucas palavras, os jovens reproduziam,

na maior parte do tempo, a vida de seus pais. As mudanças demográficas, a

urbanização, a expansão do trabalho assalariado, a emancipação das mulheres, a

reestruturação das famílias, a globalização da economia, as evoluções tecnológicas

etc., evidentemente desordenaram tudo isso. Perderam-se muitas referências que, até

então, davam sentido à vida. Acredito que uma grande parte dessa preocupação

venha da impressão da perda de controle, do medo diante do desconhecido. A

juventude simboliza este mundo novo que não controlamos e cujos contornos não

conhecemos bem (PETIT, 2013, p. 16).

Sobre estes tempos novos, com novo jeito de viver, tempos de inquietudes, de

indagações – em todos os setores houve mudanças, porque a sociedade vive com outros

valores: a comunicação, o comércio, as informações chegam, em um curto espaço de tempo, a

todos os lugares, Petit aprofunda dizendo que:

A aceleração das mudanças na época contemporânea fez com que se transformassem

ou desaparecessem todos os moldes nos quais a vida se desenrolava. Muitas pessoas

tiveram suas raízes cortadas sem terem podido adquirir outra cultura. Os modelos

familiares são frequentemente debilitados, às vezes, desestruturados. E o sentido da

vida não decorre mais, em nossa era de fim das ideologias, de um sistema total que

dirá a última palavra, a razão de ser de nossa presença sobre a terra (PETIT, 2013, p.

12).

O ensino da literatura não pode ficar enraizado no tempo. Os jovens de hoje têm outras

perspectivas, angústias, conflitos, sonhos, perguntas e a leitura literária pode acrescentar

muito nesse sentido. São jovens com muita informação obtida através das mídias, que estão

sempre conectados em algum aparelho eletrônico, que é também uma possibilidade de leitura

virtual.

Nesse ambiente, a literatura pode contribuir muito com a formação dos jovens, porque

possui um discurso carregado de situações, emoções, vivência íntima e profunda, que desperta

38

no leitor a vontade de prolongar essas vivências e renová-las, constituindo a junção homem e

mundo.

Por isso, a leitura de poemas na escola precisa ocupar lugar de destaque e está aí um

desafio ao professor mediador, já que esse jovem se apropria de leituras virtuais de interesse

imediato. É necessário despertar o aluno para o livro – a leitura literária – mesmo como um

caminho paralelo às diversas leituras feitas por ele. Petit (2013) ressalta quão importante é o

livro na formação do jovem aluno:

Na adolescência ou na juventude – e durante toda a vida – os livros também são os

companheiros que consolam e às vezes neles encontramos palavras que nos

permitem expressar o que temos de mais secreto, de mais íntimo. Pois a dificuldade

para encontrar um lugar neste mundo não é somente econômica, mas também

afetiva, social, sexual e existencial (PETIT, 2013, p. 74).

É oportuno, nesse momento, apresentar os textos Em busca de encontrar seu lugar, de

A. L. P. S. e Eu mesma, de B. L. N. S., exercício de criação poética dos jovens leitores

participantes dessa pesquisa, em intertextualidade com poemas de Cora Coralina, que

expressam muito da subjetividade das autoras e parecem verdadeiro grito de socorro

existencial e de busca da identidade. Para além de todo o aspecto humanizador, já aqui

referido, fica evidente que a leitura e a escrita têm também esta função: libertar. Como diz

Bartolomeu Campos Queirós (2012, p. 73), a literatura abre porta, mas a paisagem está

aninhada no coração do leitor. “A imaginação é privilégio de todos os indivíduos. Insisto em

construir um texto capaz de possibilitar aos jovens a conquista de maiores alturas. Quero um

texto que tenha ressonância, capaz de provocar ecos, ir além da linha do horizonte”. Em

alguma medida, a leitura da poesia de Cora Coralina, proposta nessa pesquisa, provocou ecos

nos participantes como comprovam as produções a seguir expostas:

Figura 1 – Criação poética de participantes da

pesquisa

Em busca de encontrar seu lugar

Vive dentro de mim

Uma alma feliz

Com seus desejos

E com sua longa história.

Vive dentro de mim

Uma alma com medo

Com seus olhos cheios de lágrimas

Com seus piores pesadelos.

Vive dentro de mim

Uma alma sem direção

Sem identidade de gênero

39

Com seus sonhos e com seus pesadelos.

E se juntar tudo dentro de um corpo

Temos uma pessoa

Que está tentando encontrar seu lugar

A. L. P. S.

Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

A necessidade de transcrever a produção no original advém do fato de ser a primeira

produção da aluna, que se identificou muito com o trabalho literário e cujo texto a retrata de

maneira profunda. É uma estudante introspectiva, que se esconde em seu mundo interior, e

com grande capacidade de produção escrita. É possível vê-la na imagem traçada no poema.

Para Bachelard (1978, p. 243), “toda grande imagem é reveladora de um estado de alma”.

Nesse escopo, é importante ressaltar que cada leitor recebe o mesmo texto de maneira

diferente, como afirma Jouve (2002, p. 61): “a leitura, de fato, longe de ser uma recepção

passiva, apresenta-se como uma interação produtiva entre o texto e o leitor”.

Em Eu mesma, a voz lírica da aluna é corajosa, grita contra essa sociedade

preconceituosa:

Eu mesma

Vive dentro de mim uma pequena criança,

daquelas que não gostam de rosa, porque é "diferente" das outras

- Dane-se o patriarcado!

Que não sonham com príncipe,

Muito menos com filhos...

Daquelas que "ninguém a entende"

e que está sempre brava por isso.

Vive dentro de mim a "adolescente rebelde"

Que está sempre a reclamar de tudo.

A "egoísta", "chata", "nojenta"....

Vê tudo de forma pessimista.

E não sossega nunca!

Vive dentro de mim a pequena artesã empreendedora,

Massa de E.V.A.

Biscuit caseiro.

Corantes e tintas.

Mesinha "bagunçada",

Mas uma bagunça até que bonita...

Com cheirinho, gostinho de "eu amo fazer isto"

Produtos bem feitos...

Cheio de amor e carinho!

Tão lindinhos aos meus olhos.

Mãe de todos eles.

Vive dentro de mim quem eu realmente sou,

escondida dentro de uma crosta.

Fingindo ser quem não é,

40

por agrado público.

Vive dentro de mim a menina sem frescura,

Que não liga se o trabalho é "masculino".

E não quer ajuda.

Apenas quer fazê-lo e se sentir suficiente.

Menina que comemora sozinha cada vitória

E que se entristece a cada derrota.

Sempre sozinha,

Pois estão sempre exigindo cada vez mais dela.

Sem ver tudo o que passa...

Cada lágrima.

Gritos e surtos internos.

E não pede ajuda,

pois não quer ser mais um fardo.

Vive dentro de mim eu mesma

passando por uma de suas piores fases.

B. L. N. S.

Encontrar um lugar neste mundo é importante para todos, principalmente para o jovem,

e o diálogo com a poesia traz, muitas vezes, as dificuldades e os anseios vividos pelos jovens

implícitos em seus versos. É preciso que o jovem compreenda que a constituição do texto

poético condensa o imaginário com a realidade, numa fusão que leva os leitores a serem

observadores de si mesmos. O aluno perceberá que o poema vai além do texto, que significa,

entre outras coisas, novas relações, que é salutar deixar que a poesia invada os seus recônditos

mais íntimos, para poder compreender melhor o mundo que o cerca. A literatura é uma arte

que pode ser vista como atividade humana que transforma o mundo, desperta um novo jeito

de olhar as peculiaridades da relação do homem com o mundo assim como os modos de ser

do homem no mundo - a poesia traz implícita essa capacidade de despertar algo adormecido,

conforme Andruetto:

Quanto a mim, gostaria de chegar ao coração de quem me lê, levá-lo a sentir e a

pensar, porque, contra o puro entretenimento e o adormecimento da consciência, a

literatura nos propõe uma das mais profundas imersões em nós mesmos e na

sociedade da qual somos parte. A escrita se dirige à sociedade da qual viemos

porque se constrói com um bem social e se alimenta dos relatos que essa sociedade

gera (ANDRUETTO, 2017, p. 16).

A poesia é um jeito peculiar de viver o mundo. O poema, além de proporcionar ao leitor

maior capacidade de leitura, de perguntar e melhor se entender, é uma comunicação, por meio

dos sentidos, com os acontecimentos que nos circundam. Nessa época de constante

transformação, de tanta fragmentação e imediatismos a toda prova, viver o estado poético é

um meio de resistência, é uma luta ininterrupta contra a sociedade em que a subjetividade está

em processo de mecanização e coisificação, que destrói a essência do ser humano. Zilberman

41

(1988) ressalta que é exatamente como espaço de resistência, como libertação de

dogmatismos, que a presença dos textos literários pode ser fecunda numa prática escolar que

não se queira autoritária. Para isso, continua, torna-se fundamental que o professor não dilua a

ambiguidade e a abertura do texto na obrigatoriedade de certas atitudes a serem manifestadas

a propósito dele, o texto.

A poesia como gênero torna plausível ao aluno encontrar consigo mesmo e com o outro.

Os professores precisam se conscientizar de que trabalhar com o gênero poema é uma

possibilidade de desenvolver a sensibilidade poética no jovem aluno. Andruetto (2017, p. 86)

acrescenta que o leitor é como um detetive que fareja entre as frases, nos interstícios entre

uma palavra e outra, retirando camadas e camadas, em busca de um certo grau de revelação,

para que apareça o que está ali, mas escondido, reconstruindo o edifício que é a obra. E,

segundo Paz (1982, p. 47), a “linguagem que sustenta o poema possui duas características: é

viva e comum. Isto é, usada por um grupo de homens para comunicar e perpetuar suas

experiências, paixões, esperanças e crenças”.

Entretanto, para o professor desenvolver um trabalho construtivo com o gênero poema é

preciso acreditar que a poesia é essencial à vida. E que, como diz Antonio Candido,

A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob

pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à

visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza

(CANDIDO, 2004, p. 186).

Se o acesso a ela é uma necessidade universal, só isso já fundamenta um motivo de se

trabalhar com poemas em sala de aula com os jovens leitores. Se depois o jovem aluno irá se

tornar um leitor de poesia não podemos determinar, mas, como educadores, temos o dever de

levá-lo a ter contato com textos poéticos. A poesia consegue amainar os anseios e as dúvidas

do jovem leitor, tão intensa nessa fase da vida. Nesse sentido, Osakabe (2008, p. 44) enfatiza

que “a arte é a única das produções humanas capaz de aproximar o homem dele mesmo”. Essa

aproximação de si próprio já fermenta a necessidade de trabalhar a poesia com os

adolescentes na escola.

42

2 CORA CORALINA: POESIA, CIDADE, BECOS E ESTÓRIAS MAIS

2.1 Cora Coralina: considerações sobre a autora e sua obra

Vive dentro de mim

uma cabocla velha

de mau-olhado,

acocorada ao pé do borralho,

olhando pra o fogo.

CORA CORALINA

Ler é um ato operatório. Por meio da leitura toda a nossa intimidade, mesmo a mais

secreta, vem à tona – em liberdade – para desvendar o que as palavras nos reservam. Pela

leitura, nossa liberdade mais profunda é buscada para participar dessa prosa. Diante do texto

literário, nos revelamos e nos abrimos para paisagens até então insuspeitadas. É assim que o

escritor Bartolomeu Campos de Queirós descreve a leitura em O ato de ler (2012, p. 86). A

leitura também fez parte da vida da poeta Cora Coralina: como leitora, foi prosadora como

muitos escritores; como escritora, cantou sua cidade em sua poesia - como podemos ver em

seu poema Minha cidade (2014, p. 34): “Goiás, minha cidade.../Eu sou aquela amorosa/De

tuas ruas estreitas,/curtas,/indecisas /entrando,/saindo/uma das outras./Eu sou aquela menina

feia da ponte da Lapa./Eu sou Aninha”. A cidade como símbolo exerce uma espécie de

magnetismo não só na poesia goiana, comumente, mas também na literatura brasileira.

Com esse jeito peculiar de contar estórias, como escreveu em Poemas dos becos de

Goiás (2014, p. 27) - “Este livro:/Versos...Não./Poesia...Não./Um modo diferente de contar

velhas estórias” – nesse limiar entre contar e cantar as coisas simples do cotidiano com

sensibilidade se tece a poesia de Cora Coralina, nascida em 1889 como Ana Lins dos

Guimarães Peixoto, mais tarde Bretas, e falecida em 1986, na Cidade de Goiás. O conjunto de

sua obra é composto dos livros Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965), Meu livro

de cordel (1976), Vintém de cobre – Meias confissões de Aninha (1983), Estórias da casa

velha da ponte (1985), Meninos verdes (1986), Tesouros da casa velha da ponte (1989),

sendo A moeda que o pato engoliu (1997), Villa Boa de Goyaz (2001) e O prato azul

pombinho (2002) de publicação póstuma.

A autora também publicou crônicas em jornais, como escreveram Clóvis Carvalho

Britto e Rita Elisa Seda (2009):

43

Seus primeiros escritos foram publicados no jornal “O Paiz” e elaborados em suas

temporadas na fazenda Paraíso. A partir de 1905, quando regressou à Casa Velha da

Ponte, Cora Coralina integrou de corpo inteiro a vida literária goiana. Frequentava o

Gabinete Literário Goiano, dirigiu “A Rosa2” e enviou colaborações para jornais da

cidade e do país. Um dos acontecimentos que impulsionou sua produção literária no

período foi a criação do Grêmio (Clube) Literário Goiano, em 1906, cuja sede

funcionava no Sobrado dos Vieiras, nas imediações da Ponte da Lapa. Sobre o

clube, o que se sabia até o momento era o que a própria Cora Coralina havia

publicado em Poemas dos becos de Goiás, no poema “Velho Sobrado” (BRITTO;

SEDA, 2009, p. 79).

Apesar de ter iniciado sua literatura ainda na juventude com publicações em jornais, sua

obra só se concretizou, publicamente, no tardar da sua vida, como podemos ver em seu poema

Ressalva: “Este livro foi escrito/ por uma mulher/ que no tarde da Vida/ recria e poetiza sua

própria/ Vida” (2014, p. 27). A autora publicou o seu primeiro livro com 76 anos pela editora

Olympio e já trazia consigo sua história de vida, suas dificuldades, seus filhos crescidos.

Antiga moradora da casa velha da Ponte, onde nasceu, a ela retornou depois de 45 anos, o que

emociona os visitantes que vêm em busca de sua literatura e se encantam com sua história de

doceira e poetisa.

Cora Coralina se tornou “a poeta da cidade de Goiás”, sua representante expressiva,

aquela que projetou a cidade de Goiás para o cenário da cultura nacional. A autora, que, em

suas produções, utilizou o verso livre e o tom da prosa, cantou a infância, a solidão, os becos,

a noite, a cidade e reverenciou o meio ambiente. Nesse sentido, Britto e Seda (2009, p. 44)

escrevem que o mundo da autora se expandiu para o grande quintal que atravessava todo o

terreno até se encontrar com o beco da Vila Rica. O quintal, com seus muros divisórios

entreabrindo jardins, horta, pomar e a biquinha de aroeira, constituía um oásis, onde a

pequena Ana Lins dava asas à sua imaginação: entrava em contato com a terra, brincava com

as formigas, com os pássaros e plantas.

Também, a autora pode ser vista como poeta das minorias, dos excluídos, dos

renegados, dos relegados, dos solitários, pois sua criação poética abarca muitas vozes -

podemos dizer que sua poesia é irmã da prosa, i.e., um modo diferente de contar estórias – e

também é um texto polifônico.

Goiandira Ortiz (1999), em seu artigo Poesia e memória em Cora Coralina3, recorre a

Emil Staiger (1969) para enfatizar que o recordar em sua poesia é apenas um instante de

recolhimento subjetivo de outras vozes, às quais, para melhor serem acolhidas e acomodadas

no reduto da sua própria voz lírica, Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas cria a poetisa

2 A Rosa, jornal literário considerado pela crítica como veículo das ideias da intelectualidade goiana da época. 3Artigo apresentado originalmente como comunicação no VIII Seminário Nacional Mulher e Literatura,

realizado em Salvador, no ano de 1999, por Goiandira de F. Ortiz de Camargo.

44

Cora Coralina. Esta, por sua vez, concede voz à Aninha, a menina feia da Ponte da Lapa que

assina um dos seus principais livros, Vintém de cobre – meias confissões de Aninha. Cora

Coralina e Aninha são refúgios de criação, de ficcionalização e de tentativa de afastamento do

puramente biográfico e da historicidade circunstancial e privada. Nesse sentido, essa

aproximação entre Ana Lins, Cora Coralina e Aninha se estendeu em vários “eus” no sentido

de dar voz àqueles que são silenciados pela sociedade.

Segundo Yi-Fu Tuan (2012, p. 144), “A consciência do passado é um elemento

importante no amor pelo lugar. A retórica patriótica sempre tem dado ênfase às raízes de um

povo”. Concomitantemente, Britto e Seda (2009) enfatizam que:

Um dos seus maiores insights foi a eleição dos becos como lugares privilegiados de

sua lírica, locais periféricos, marginalizados e, ao mesmo tempo, indispensáveis à

vida na cidade. Tão importantes que os escolheu para intitular seu primeiro livro. A

vida na cidade é traduzida pela vida nos becos, nos personagens que ali residem e

circulam. O beco se contrapunha ao largo e aos monumentos. Enquanto os largos

eram ligados pelas ruas principais, onde viviam as famílias da sociedade

reconhecida, os becos eram construções para facilitar o acesso às ruas, geralmente

surgindo na confluência dos quintais e funcionando como depósito daquilo que a

sociedade desejava evitar. O beco se tornou o espaço das vidas obscuras

privilegiadas em sua poesia (BRITTO; SEDA, 2009, p. 267).

A criação poética de Cora Coralina foi escrita, praticamente toda, na casa velha da

Ponte: a autora colocava no papel todas as inspirações sem se preocupar com sua estrutura

poética; depois, voltava fazendo os acertos necessários. A infância sofrida adquiriu

centralidade em suas reminiscências poéticas: a mestra Silvina - sua única professora e quem

lhe apresentou o mundo da leitura; a fazenda Paraíso – fazenda dos sonhos de infância e

adolescência, uma grande contribuição imagética para os seus primeiros escritos. Yokozawa,

em seu artigo Confissões de Aninha e Memórias dos Becos, realça que Cora Coralina tornou-

se herdeira mnemônicas de três velhas matriarcas:

Só o que merece ser amado entra no país da saudade, de modo que, em Coralina, são

dignas desses sentimentos, sobretudo: Mãe Didi, a ex-escrava que a amamentou e

lhe contava estórias de encantamento, a quem a poeta dedica um poema em Meu

Livro de Cordel; a bisavó, uma das principais fontes memoriais e afetivas de sua

poesia; e mestra Silvina, presença constante na poesia coralineana, a quem a autora

dedica Vintém de Cobre... Silvina Ermelinda Xavier de Brito foi a única professora

de Aninha, a menina que sentava no banco das mais atrasadas, aquela que,

aprendendo a ler e a escrever através da dedicação da velha mestra, um dia se

desencantaria em Cora Coralina (YOKOZAWA, 2005, p. 4).

Para Ecléa Bosi (1994, p. 47), pela memória, o passado não só vem à tona das águas

presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra, “desloca”

estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece como força

45

subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora. Continua

Bosi (1994, p. 418): “cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que

permanecem como pontos de demarcação em sua história”. Retornando à criação poética de

Cora Coralina, a memória retratada em suas obras vai além do eu lírico de Ana Lins, antes

atinge a coletividade, refere-se a acontecimentos históricos, pessoas, lugares que fazem parte

da história da cidade de Goiás. No poema Antiguidades, a autora faz referência a muitos

moradores da cidade que frequentavam a casa velha da Ponte:

Até os nomes, que não se percam: /D. Aninha com Seu Quinquim. /D. Milécia,

sempre às voltas/ com receitas de bolo, assuntos/ de licores e pudins./ D. Benedita

com sua filha Lili./ D. Benedita – alta, magrinha./ Lili – baixota, gordinha./ Puxava

de uma perna e fazia crochê./ E, diziam dela línguas visperinas:/ ‘- Lili é a bengala

de D. Benedita’./ Mestra Quina, D. Luisalves,/ Saninha de Bili, Sá Mônica. /Gente

do Cônego Padre Pio...” (CORALINA, 2014, p. 38).

Para a poetisa, o fundamental era buscar inspiração na realidade. Portanto, são vozes

que ecoam seus versos e seus escritos. Contudo, sua produção é carregada de linguagem

ideológica, em que as situações do cotidiano ganham um limiar poético. Cora Coralina

evidencia também o contato do homem com a terra, como em seu poema Ode a Londrina

(2014, p. 197-199): “Homens pioneiros /chegaram de longe/ cheios de Fé. /Na terra

vermelha,/ no seio da mata,/ na cova profunda/ plantaram café/.../O trigo dourando a terra/

padrão”/. No período em que foi moradora de Andradina, publicou a crônica O homem e a

terra, em 19 de março de 1944, um cântico pelos mais necessitados.

Para Britto e Seda (2009), Cora Coralina, além de poetisa, era uma cidadã ativa:

Dona Cora estabeleceu-se como agricultora. Conseguiu, com muita luta, vencer as

dificuldades. Jacyntha e Vicência visitavam a mãe e passeavam em Alfredo

Castilho, encontros que lhe renderam muitas lembranças: “passando por um local

onde se realizava uma reunião política, resolveu entrar no momento em que um

deputado influente da época pedia votos. Ela (Cora) pediu licença e tomou a

palavra para afirmar que o povo não queria só votar, queria principalmente

enxadas, foices, arados, pás e demais utensílios para suas lavouras, objetos que

faltavam no mercado”. Fato que a marcou ao ponto de décadas depois, escrever o

poema “A Enxada” (BRITTO; SEDA, 2009, p. 208).

Cora Coralina tinha um olhar peculiar e a sensibilidade para transformar o cotidiano e

situações inaceitáveis em poesia-denúncia. Há uma forma de grito por meio de seus poemas -

uma denúncia silenciosa, o eu lírico como a voz da minoria. Recebeu inúmeras homenagens,

diplomas, honrarias e prêmios. Seu nome identifica várias ruas, escolas, biblioteca, creche e

praças.

Ao ler os poemas de Cora Coralina, é visível a presença do eu lírico ora criança, ora

anciã, ambos trazendo para o cenário poético sujeitos de posições sociais periféricas. A

46

criança, em sua infância, lenta, inzoneira, molenga – papel de pouca relevância na sociedade;

a anciã, retrato da velhice centrada na capacidade. Esse sujeito criança ou anciã retratado a

partir da casa (morada) e fora da casa (mundo), com o seu olhar para o passado e para os

valores culturais e sociais. Para Britto e Seda (2009), Anna Lins criou duas máscaras líricas de

tons confessionais: Aninha e Cora Coralina. Cora é a voz da maturidade, aquela que revive o

passado e reencontra a infância, ao reinventar liricamente suas memórias, entre a

multiplicidade de eus de sua tessitura poética. Aninha é um dos personagens centrais. De

raízes notadamente biográficas, a escritura de Anna Lins dá vida à Aninha e, ao mesmo

tempo, oferece pistas para que possamos espreitar sua vida nos reinos da Ponte da Lapa

(BRITTO; SEDA, 2009, p. 31).

Segundo Bachelard (1978, p. 201), abordando as imagens da casa com o cuidado de

não romper a solidariedade da memória e da imaginação, esperamos fazer sentir toda a

elasticidade psicológica de uma imagem que nos comove a graus insuspeitos de profundidade.

Pelos poemas, talvez mais do que pelas lembranças, tocamos o fundo poético do espaço da

casa. Assim, segue Bachelard:

Assim, a casa não vive somente o dia-a-dia, no fio de uma história, na narrativa de

nossa história. Pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e

guardam os tesouros dos dias antigos. Quando, na nova casa, voltam as lembranças

das antigas moradias, viajamos até o país da Infância Imóvel, imóvel como

Imemorial. Vivemos fixações, fixações de felicidade. Reconfortamo-nos revivendo

lembranças de proteção. Alguma coisa fechada deve guardar as lembranças

deixando-lhes seus valores de imagens. As lembranças do mundo exterior nunca

terão a mesma tonalidade das lembranças da casa. Evocando as lembranças da casa,

acrescentamos valores de sonho; nunca somos verdadeiros historiadores, somos

sempre um pouco poetas e nossa emoção traduz apenas, quem sabe, a poesia perdida

(BACHELARD, 1978, p. 201).

A casa velha da Ponte representa o passado, o presente e o futuro. As memórias da

poetisa são verdadeiros tesouros da casa e, hoje, são possibilidades de leitura aos visitantes

para, amanhã, serem legado aos jovens, recebendo a casa dinamismos diferentes.

Segundo Todorov (2010, p. 24), “a literatura nos proporciona sensações insubstituíveis

que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo”. Cora Coralina, em suas

produções poéticas, deposita esperanças na geração futura - dos jovens. Nesse sentido, não

podemos deixar de mencionar as várias cartas que a autora recebeu de grandes escritores e

que muito contribuíram para suas posteriores publicações. Carlos Drummond de Andrade

(2013, p. 239), com admiração pela poesia de Cora, escreveu uma carta à Editora

Universitária, já que não possuía o endereço da autora:

47

Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as

deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de

graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza

das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá

alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora

Coralina.

Todo o carinho, toda a admiração do seu Carlos Drummond de Andrade.

Em 10 de abril de 1985, Anna Lins do Guimarães Peixoto Brêtas faleceu. E a sua casa,

nascida das águas do rio, permaneceu com seus filhos que a venderam para a municipalidade

sob o compromisso de que a doaria para um grupo de amigos e vizinhos da escritora munidos

de um ideal: manterem vivos os espaços, compartilhar e divulgar a poesia, sonhos e as

propostas de sua última moradora. Em 20 de agosto de 1989, no dia do centenário de

nascimento da poetisa, o Museu Casa de Cora Coralina abriu suas portas e, até hoje, recebe,

diariamente, dezenas de pessoas dispostas a conhecerem a herança de Cora Coralina, que

também é a herança de toda uma cidade: os significados se entrelaçam. E, assim, a casa foi

devolvida à gente dos reinos de Goiás (BRITTO; SEDA, 2009).

Para Cora Coralina (2014), existir é uma maneira de resistir, coexistir, transistir.

2.2 Apontamentos sobre o corpus da pesquisa: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias

Mais

Vive dentro de mim

a lavadeira do Rio Vermelho.

Seu cheiro gostoso

d’água e sabão.

Cora Coralina

Cora Coralina, aos 76 anos, escreve o seu primeiro livro publicado em 1965 pela José

Olympio, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, uma criação artística de cunho

documental, retratando o cotidiano peculiar da cidade de Goiás, de seus moradores – e de sua

infância, também revendo os costumes da época.

O escritor Alexandre Pilati, no livro Poesia na sala de aula (2018, p. 93), acentua que

uma das funções da poesia é a de criar “autonomia” por meio das palavras ordenadas na

tensão entre o particular do texto e a tradição consolidada do gênero. Nesse gesto, o poema

concretiza um abandono do mundo exterior que, na verdade, é um reencontro intenso com a

densidade da dinâmica histórica. Assim, o grande desafio e o grande prazer da leitura estão

em fruir essa multiplicidade de mundos que o pequeno mundo do poema nos entrega. Ler a

48

poesia de Cora Coralina na sala de aula de uma turma do ensino básico, na cidade natal da

poeta, é, em certa medida, resgatar um pouco da própria vivência da memória e da história de

cada aluno na memória e história que a poeta apresenta em seus poemas, o que parece tornar

bem mais significativa a experiência leitora de uma poesia, ao mesmo tempo lida e

vivenciada.

Para Oswaldino Marques (2014, p. 15), as produções reunidas em Poemas dos becos de

Goiás e estórias mais podem ser classificadas, grosso modo, sob duas rubricas: documentos e

criações líricas. São documentos à medida que funcionam como traslado dos gestos e dos

vínculos ritualizados do grupo social, no seu frontear intersubjetivo.

Nesse sentido, a produção poética de Cora mantém um diálogo bem próximo com a

prosa, com poemas bastante longos, muitos deles em tom narrativo, versos ora muito longos,

ora muito curtos, mas sempre secos, em tom prosaico, entrecortados por períodos curtos,

formados por uma, duas palavras, ou por um período longo, marcados também por anáforas,

assíndetos e polissíndetos. É considerável salientar, em relação à produção literária, como

Cora vê a poesia. Na transcrição de Clóvis Britto e Rita Seda:

Eu só me libertei da dificuldade poética depois do modernismo de 22, mas não

acompanhei o movimento. Não sei como – não posso explicar como - me achei

dentro daquela mudança. Em primeiro lugar, poesia para mim é comunicação: em

segundo lugar é invenção, porque só o gênio cria. Hoje nós temos que achar a poesia

na realidade da vida e a vida toda é poesia. Porque onde há vida, há poesia. Poesia

para mim é um ato visceral. É um impulso que vem de dentro e, se eu não obedecê-

lo [sic], me sinto angustiada (BRITTO; SEDA, 2009, p. 143).

De acordo com a poetisa, onde há vida, há poesia. Assim, para Antonio Candido (2004,

p. 175), “se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e

da poesia, a literatura concebida no sentido universal a que me referi parece corresponder a

uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito”.

Segundo Britto e Seda (2009, p. 88), a literatura goiana teve de aguardar muitas décadas

para ver o primeiro livro de Cora Coralina publicado. Quando regressou à sua terra e viu o

abandono em que se encontrava o sobrado onde funcionou o Grêmio Literário, escreveu um

canto de amor e o publicou em seu primeiro livro. Hoje, sabemos que o poema Velho Sobrado

extrapola a preocupação com um imóvel destruído pela ação do tempo. Com ele se foi

também um pedaço da história de Cora Coralina e da vida literária goiana, de um tempo de

sonhos e rosas, de mulheres e livros, que merece ser devidamente reencontrado. Aqui uma

estrofe do poema Velho Sobrado (2014, p. 84):

Abandono. Silêncio. Desordem.

49

Ausência, sobretudo.

O avanço vegetal acoberta o quadro.

Carrapateiras cacheadas.

São-caetano com seu verde planejamento,

pendurado de frutinhas ouro-rosa.

Uma bucha de cordoalha enfolhada,

Berrante de flores amarelas

Cingindo tudo.

Dá guarda, perfilado, um pé de mamão-macho.

No alto, instala-se, dominadora,

Uma jovem gameleira, dona do futuro.

Cortina vulgar de decência urbana

Defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado

- um muro.

O poema compõe a obra Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, entre tantos que

esboçam a vida e a cidade da autora. Para Michael Pollak (1992, p. 201), “a memória parece

ser um fenômeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa”. Ele recorre a

Maurice Halbwachs, que, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser

entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um

fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças

constantes (POLLAK, 1992, p. 201), tal como Cora faz nesse poema Velho sobrado, ao

resgatar parte da memória cultural e intelectual da Cidade de Goiás, retirando-se de uma

memória de âmbito íntimo e colocando-a no coletivo.

Em 1978, saiu a segunda edição de seu livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais

pela imprensa da Universidade Federal de Goiás; a terceira, em 1980, desta vez pela editora

da UFG, dentro da Coleção Documentos Goianos. Segundo Britto e Seda (2009), após o

lançamento de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, Cora Coralina enfrentou grandes

dificuldades para promover seus textos no campo literário. Nesse momento, muitos jornalistas

e críticos, principalmente no estado de Goiás, silenciaram sobre ou menosprezaram o legado

da poetisa goiana, obscurecendo sua obra e focalizando a idade da escritora.

Do período em que a autora se dedicou de corpo inteiro à fabricação de doces, podemos

ler em Britto e Seda (2009):

Doces eu não faço mais porque me falta destreza para trabalhar com o tacho de

cobre. Preciso de duas mãos para segurá-lo, e outra para segurar minha muleta. Mas

a doceira continua tão viva quanto a literata. Não sou uma ex-doceira, sou uma

doceira e considero melhores meus doces do que os meus versos. Sou poeta por

acaso e doceira por convicção e necessidade.

Em Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, Cora escreve aos leitores e tem um

olhar especial para os jovens – a nova geração. Assim,

50

Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe

tudo a raso. É o que procuro fazer para a geração nova, sempre atenta e enlevada nas

estórias, lendas, tradições, sociologia e folclore de nossa terra. Para gente moça, pois

escrevi este livro de estórias. Sei que serei lida e entendida (CORALINA, 2014, p.

25).

A autora, em sua poesia, traz para o eu lírico todas as vidas obscuras e silenciadas,

como evidencia seu poema Todas as vidas (2014): “Vive dentro de mim uma cabocla velha de

mau olhado,../ Vive dentro de mim/ a lavadeira do Rio Vermelho... / Vive dentro de mim/ a

mulher cozinheira../Vive dentro de mim/ a mulher do povo... /Vive dentro de mim/ a mulher

roceira.../ Vive dentro de mim/ a mulher da vida... /Todas as vidas dentro de mim:/ Na minha

vida –/ a vida mera das obscuras”. Segundo Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), a poesia de

Cora Coralina aspira ao lírico, modela as coisas, o sentimento e o mundo a partir dela própria,

nos recônditos de sua subjetividade e individualidade. E, para Goiandira Ortiz de Camargo

(2016), Cora Coralina tem dificuldade de se desgarrar de si mesma. Assim, é o lírico que dá o

tom de sua voz.

Cora Coralina acredita em um mundo melhor, diferente deste em que vivemos e, com

sabedoria, deposita nas gerações futuras mudanças advindas da criatividade, do trabalho para

além do óbvio. Em Ode às Muletas, que também compõe sua obra Poemas dos becos de

Goiás e estórias mais, Cora, em uma de suas estrofes, faz referência às mudanças que ainda

virão: “A sala de cirurgia inapelavelmente branca. / Mesa estreita operatória./ Até o dia muito

breve /da cirurgia eletrônica”.

Para Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), por todos os fatos implicados na sua biografia,

a poeta tem a necessidade e o propósito de contar a história de sua vida e de sua cidade na

primeira pessoa, com a escrita recebendo todas as vibrações desse lugar de escrita, que é o seu

eu.

A segunda edição de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais foi acrescida de uma

parte com 11 poemas: “As tranças da Maria”, “Ode às muletas”, “Ode a Londrina”. “Mulher

da vida”, “A lavadeira”, “O cântico da terra”, “A enxada”, “A outra face”, “Menor

abandonado”, “Oração do pequeno delinquente” e “Oração do presidiário” e foi decorrência

do Departamento de Práticas Educacionais e da ilustre Diretora da Faculdade de Educação,

Professora Nancy Ribeiro de Araújo e Silva, que, percebendo a significativa mensagem

contida nas obras da consagrada escritora Cora Coralina, houve por bem solicitar ao então

Magnífico Reitor da UFG, Prof. Paulo de Bastos Perillo, a reedição de um de seus livros –

Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. A iniciativa, prontamente atendida pela

compreensão do Prof. Paulo de Bastos Perillo e do atual Reitor, Prof. José Cruciano de

51

Araújo, culminou na solenidade em que o público recebeu a segunda edição ilustrada pelo

engenho artístico de Maria Guilhermina (BRITTO; SEDA, 2009, p. 339).

Segundo Oswaldino Marques (2014), é necessário destacar no livro o Poema do Milho e

a Oração do Milho, a mais pura poesia.

Merece referência à parte o magnífico “Poema do Milho”, precedido de “Oração do

Milho”, ambos de esplêndida concepção e fatura, a reter em sua unida teia imagética

alto teor de poesia. A “Oração” é, como convém, devocional repassada de um toque

bíblico. Inscreve-se em sua textura um lapidar verso: “Não me pertence a hierarquia

tradicional do trigo”. O “Poema do Milho” é antológico, indiscutivelmente a obra-

prima de Cora Coralina (MARQUES, 2014, p. 17).

E continua dizendo que só uma mulher encharcada da labuta das roças, mas

conservando intacta a sua feminilidade, poderia, num passe de mágica, descerrar a nossos

olhos o desenvolvimento gestatório do milho. A poetisa, além da exaltação à terra como mãe

universal, dá vida aos becos, que, por muito tempo, foi referência dos marginalizados. Assim,

em O beco da escola (2014, p. 110): “Poetas e pintores/românticos, surrealistas, concretistas,

cubistas,/eu vos conclamo./ Vinde todos cantar, rimar em versos,/ bizarros coloridos,/ os

becos da minha terra”.

A literatura de Cora Coralina volta-se também para o sistema penitenciário brasileiro.

“Na década de 1970, além da situação do menor e das escolas de ofício, outra preocupação de

Cora Coralina era com o sistema penitenciário brasileiro. No natal de 1977, escreveu e

publicou um folheto com a “Oração do Presidiário”, enviando-o para vários presídios como

um apelo de regeneração e fraternidade humana” (BRITTO; SEDA, 2009, p. 335). Isso

porque, sob essa perspectiva, para Pilati (2018), toda grande poesia é uma crítica do mundo

como ele está posto diante do poeta.

Segundo Britto e Seda (2009, p. 341), a reedição de Poemas dos becos de Goiás e

estórias mais ocorreu dois anos após a publicação de Meu livro de cordel, fator que

possibilitou à poeta uma maior interação na vida literária de Goiás. A partir da década de

1970, e após a edição dos livros, além das homenagens promovidas pela Academia Feminina

de Letras e Artes de Goiás, Cora começou a receber algumas homenagens.

Foi nesse ínterim, em 14 de julho em 1979, após conhecer os escritos literários da poeta,

que o escritor Carlos Drummond de Andrade, impressionado com seu lirismo, enviou uma

carta (já mencionada) à Editora Universitária, destinada a Cora Coralina, na expectativa de

chegar às mãos da escritora.

Segundo Pilati (2018), o texto literário é uma interpretação do mundo, lê-lo não deve

ser iludir-se, mas entregar-se, conscientemente, a um processo de conhecimento do mundo

52

através do conhecimento íntimo da arquitetura do texto. Logo, na próxima sessão, se fará um

recorte cuidadoso da poesia de Cora Coralina no contexto da cidade de Goiás, apontando

como muito de sua poesia tem raízes na casa velha da Ponte.

2.3 A poesia de Cora Coralina no contexto da cidade de Goiás

Todas as vidas dentro de mim:

Na minha vida –

A vida mera das obscuras.

Cora Coralina

Para o escritor Carlos Drummond de Andrade (2001), “o mundo é grande e cabe nesta

janela sobre o mar”; quem sabe se, para Cora Coralina, o mundo era grande e cabia na janela

sobre o rio Vermelho, rio que lhe foi espectador e inspiração poética. Assim, temos:

Rio Vermelho – meu rio.

Rio que atravessei um dia

(Altas horas. Mortas horas.)

há cem anos...

Em busca do meu destino.

Da janela da casa velha

todo dia, de manhã,

tomo a bênção do rio:

- “Rio Vermelho, meu avozinho,

Dá sua bença pra mim...”.

(CORALINA, 2014).

Para Ebe Maria de Lima Siqueira (2018), “a poeta tem como principal propósito contar

a história de sua cidade. Contudo, embora não se conte uma história em um poema lírico, é

possível a uma voz lírica se constituir em narrativa”. E, nos escritos poéticos da autora, o

leitor se depara com um eu lírico conhecedor das nuanças da antiga Vila Boa. Como a própria

escritora registrou: “Todas as vidas dentro de mim:/ na minha vida - / A vida mera das

obscuras” (CORALINA, 2014, p. 33). Nesse sentido, Clóvis Britto e Rita Seda escreveram

em Raízes de Aninha:

Afinal ela era Aninha, Anna Lins, Cora Coralina, Cora Brêtas, dona Cora...todas em

uma só. Aquela que superou vários obstáculos, lutou e venceu. Aninha que vivia

conversando com as formigas, com as rolinhas e com o rio Vermelho. A menina feia

da Ponte da Lapa transformou-se em uma sitiante que via a terra com um místico

amor consagrado (BRITTO; SEDA, 2009, p. 230).

53

A cidade de Goiás, antiga Vila Boa de Goiás, foi seiva primordial para a poesia da

escritora, principalmente seus becos - matéria que transformaram em imagem-poema as

memórias de Cora Coralina. As pedras da cidade, enquanto permanecem, sustentam a

memória. Cora trouxe, em seus versos sobre a sua cidade, a terra como mãe universal. Nesse

sentido, Pilati (2018, p. 30) enfatiza que poemas, ao falarem do eu, da natureza e da fantasia,

falam também do mundo social. O mundo social é o que reconhecemos como o mundo das

relações humanas, o mundo construído pelo trabalho dos homens, o tecido comunitário onde a

vida humana se desenvolve.

É necessário ressaltar que a história de Cora Coralina com a cidade, principalmente com

a casa velha da Ponte, vem desde tempos muito idos. Além de ter nascido e vivido sua

juventude nesse lugar, segundo Britto e Seda:

Casa da Ponte é uma das primeiras construções da cidade. Morada que se debruça

no Rio Vermelho espreita o largo onde os bandeirantes construíram a Igreja de

Nossa Senhora da Lapa, protetora dos caminhantes, destruída na enchente de 19 de

fevereiro de 1839. Rio volumoso ao ponto de comportar pequenas embarcações,

seria margeado por um cais e costurado por uma ponte que, devido à proximidade

com a extinta igreja, ficou alcunhada de Ponte da Lapa. Foi nessa região que

Bartolomeu Bueno da Silva Filho implantou a célula da cidade, legando vasta

descendência. Dentre os descendentes do Anhanguera Filho figura Vicência Pereira

de Abreu (Goiás, 17 de julho de 1823 – 19 de maio de 1923), uma de suas

tataranetas e bisavó de Cora Coralina (BRITTO; SEDA, 2009, p. 17).

Nessa casa, Aninha nasceu e cresceu, passou a infância entre seus cômodos e quintal, ao

lado do Rio Vermelho. Além da casa natal, a ponte interligava dois outros ambientes em seus

primeiros anos: a Igreja do Rosário e a Escola da Mestra Silvina. Assim, nesse contexto,

seguem Britto e Seda (2009, p. 46):

A Mestra Silvina tinha sido professora da mãe de Aninha. Já aposentada, continuou

lecionando para os filhos de suas ex-alunas em sua residência à rua Direita, número

13, atual Moretti Foggia. Não se sabe ao certo se Aninha cursou dois ou três anos da

escola primária. As informações existentes são as registradas em sua lírica e nos

informam que foi levada à casa-escola, do outro lado da Ponte da Lapa, quando

completou 5 anos de idade. Aninha estudava em dois períodos, das 8 às 11 e das 13

às 16 horas, na escola onde não existiam recreio, férias, exames e merenda, mas em

que a palmatória sempre comparecia.

A poesia de Cora Coralina possui um fio narrativo devido à imbricação existente entre

Ana Lins e a poetisa Cora, a vida da menina da casa da Ponte como a fonte geradora dos seus

escritos poéticos.

Nesse sentido, a cidade de Goiás e suas histórias têm visibilidade em seus poemas.

Britto e Seda (2009) comentam a volta da poetisa à sua terra natal em um paralelismo com seu

ancestral Bartolomeu Bueno:

54

Como seu ancestral Bartolomeu Bueno, que demorou 40 anos para retornar a Villa

Boa de Goyaz, Cora Coralina voltou 45 anos depois. Bartolomeu voltou à procura

do ouro – seu tesouro; Cora voltou por causa da Casa Velha da Ponte, esse era seu

maior tesouro. Durante sua permanência no estado de São Paulo, em sua lembrança,

manteve aceso o fogo do fogão à lenha, o porão cheio de antiguidades, conversa

com as formigas do quintal, sonora a biquinha d’água e a porta da rua sempre aberta

(BRITTO; SEDA, 2009, p. 237).

Esse estreitamento entre sua poesia, lugares e elementos que constituem a cidade em

que nasceu, dando vozes aos eus imperceptíveis à sociedade, conforma o que Marc Augé

(2003, p. 52) assevera dos lugares, que podem ser definidos levando-se em consideração três

fatores. Eles se “pretendem identitários”, relacionais e históricos. Ao se referir ao lugar

identitário, o autor francês confirma a importância do ambiente de nascimento, pois o lugar de

nascimento constitui a identidade individual. A segunda característica alude à teoria de

Michel de Certeau, para quem o lugar apresenta uma ordem pela qual os elementos são

distribuídos em relações de coexistência, numa configuração instantânea de posições. Dessa

forma, comenta Augé, “num mesmo lugar, podem coexistir elementos distintos e singulares,

sem dúvida, mas sobre os quais se proíbe pensar nem as relações nem a identidade partilhada

que lhes confere a ocupação do lugar comum”. Por fim, o lugar é histórico porque conjuga

identidade e relação e obtém uma estabilidade mínima. O lugar antropológico é histórico na

exata proporção que escapa à ciência. É histórico para aqueles que o habitam, que têm algum

contato com o passado. É o lugar que os antepassados construíram e que os mortos “povoam

de signos que é preciso saber conjurar ou interpretar”.

Em vários recortes da poesia da escritora, percebemos essa fusão entre identidade,

relação e história. Em seu poema O Prato Azul-Pombinho4, um de seus mais importantes

escritos, é possível identificar um pouco do que comenta Augé: Minha bisavó – que Deus a

tenha em glória - sempre contava e recontava em sentidas recordações de outros tempos a

estória de saudade daquele prato azul-pombinho.

Era uma estória minuciosa.

Comprida, detalhada.

Sentimental.

Puxada em suspiros saudosistas

e ais presentes.

E terminava invariavelmente,

depois do caso esmiuçado:

” – Nem gosto de lembrar disso…”

É que a estória se prendia

4 CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. 23ed. São Paulo: Global, 2014. p. 66.

55

aos tempos idos em que vivia

minha bisavó

que fizera deles seu presente e seu futuro.

Voltando ao prato azul- pombinho

que conheci quando menina

e que deixou em mim

lembrança imperecível.

Era um prato sozinho,

último remanescente, sobrevivente,

sobra mesmo, de uma coleção,

de um aparelho antigo

de 92 peças.

Isto contava com emoção, minha bisavó,

que Deus haja.

[...]

A poesia de Cora Coralina realmente tem sua raiz geradora no contexto da cidade de

Goiás: enquanto menina, seus primeiros escritos; depois, suas crônicas para os jornais;

finalmente. Seu retorno à cidade – já com seus poemas com a cidade em seus versos. Em

Raízes de Aninha, Britto e Seda (2009, p. 246) registraram um escrito em que ela dizia ter

saído da cidade de Goiás cheia de vida, a face brilhante, os olhos de paz, os cabelos lisos,

negros. E, quando voltou, vinha vestida já da média dos anos, mas trazia dentro de si uma

soma, um depósito enorme, de coisas da sua terra e alguma coisa, muito pouca, de fora,

porque ela nunca se apaulistou e se ausentou. Que sua ida para São Paulo, em 1911, demorou

16 dias a cavalo de Goiás a Araguari, dois dias de trem de Araguari a São Paulo e a sua volta

demorou 45 anos. E, quando ia, já voltava. Voltava nas patas do caranguejo: um passo para

frente e dois para trás.

E Cora trouxe para sua poesia não apenas os encantos da cidade, mas, como enfocam

Britto e Seda (2009, p. 268): “optou por cantar não apenas as belezas de sua terra natal.

Descreveu o cheiro nojento das baratas, a galinha morta nos becos, a vida mera das mulheres

pobres. Efetuou um canto solidário com os excluídos ao ponto de dizer que todas essas vidas

viviam dentro de si”. Não podemos deixar de ressaltar que esse canto do não belo traz a

fealdade com beleza poética e, em sua poesia, desenha a vida obscura dos becos. Lemos em

Becos de Goiás5:

Beco da minha terra...

Amo tua paisagem triste, ausente e suja.

Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.

Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.

E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia,

e semeia polmes dourados no teu lixo pobre,

5 Ibidem. p. 92-93.

56

calçando de ouro a sandália velha,

jogada no teu monturo.

Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,

descendo de quintais escusos

sem pressa,

e se sumindo depressa na brecha de um velho cano.

Amo a avenca delicada que renasce

na frincha de teus muros empenados,

e a plantinha desvalida, de caule mole

que se defende, viceja e floresce

no agasalho de tua sombra úmida e calada.

[...]

Amo e canto com ternura

todo o errado da minha terra.

Becos da minha terra,

discriminados e humildes,

lembrando passadas eras...

[...]

Segundo Ecléa Bosi (1994, p. 56), “o instrumento decisivamente socializador da

memória é a linguagem. Ela reduz, unifica e aproxima, no mesmo espaço histórico e cultural,

a imagem do sonho, a imagem lembrada e as imagens da vigília atual”. Nesse sentido, os

poemas de Cora Coralina podem ser vistos como uma prosa sobre o seu cotidiano, resgatado

pela memória na forma de poesia. Um acréscimo cultural. Para Yi-Fu Tuan (2013, p. 355), “a

cultura é desenvolvida unicamente pelos seres humanos. Ela influencia intensamente o

comportamento e os valores humanos”.

No poema Palácio dos Arcos, um entre tantos da coletânea Becos de Goiás e estórias

mais, o eu lírico volta à sua terra nativa, e, segundo Britto e Seda (2009, p. 298), esse poema

pode ser concebido como uma metáfora da vida de Cora Coralina, que deixou sua cidade,

viveu novas experiências em São Paulo e, sentindo o chamado ancestral, refez a marcha para

o oeste, atraída pela força da terra.

Nesse contexto de escritos poéticos que evidenciam sua cidade, o seu cotidiano, dar

vozes aos que vivem na periferia da sociedade, quase invisíveis a muitos olhos, é válido

ressaltar a presença de uma Maria, entre tantas moradoras da cidade: a Maria da Purificação –

Maria Grampinho, como ficou conhecida, e que não foi apenas criação poética da casa velha

da Ponte. Britto e Seda (2009) dizem, em suas pesquisas, que Maria era uma andarilha negra,

pobre que dormiu todas as noites, durante 29 anos, no quintal da casa da Ponte. Maria ganhou

espaço não só na casa da Ponte, mas também na poesia de Cora e nela se imortalizou.

57

A cidade de Goiás, desde 2001, foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela

UNESCO, devido à importância do seu conjunto arquitetônico formado por casas, igrejas e

monumentos históricos da antiga capital do estado de Goiás. O museu Casa de Cora Coralina,

que guarda todo o acervo da poetisa, é o que atrai muitos turistas para a cidade. Além de

visitar a casa velha da Ponte, o turista tem a oportunidade de estar mais próximo da terra, da

natureza e da vida simples de uma cidade do interior. Segundo Yi- Fu Tuan (2012, p. 139): “a

vida moderna, o contato físico com o próprio meio ambiente natural é cada vez mais indireto

e limitado a ocasiões especiais. Fora da decrescente população rural, o envolvimento do

homem tecnológico com a natureza é mais recreacional do que vocacional”. E a poesia de

Cora celebra o amor à terra, exalta a beleza da natureza e permite resgatar um pouco do

primitivismo na relação do homem com a natureza. Em O cântico da Terra (2014, p. 210),

temos:

Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

E certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

E a mim voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

[...]

Segundo Britto e Seda (2009), entre 1973 e 1974, Cora escreveu o seu epitáfio,

explicitando sua ligação com a Grande Mãe, e mandou confeccionar, ainda em vida, sua pedra

tumular. Não apenas nos versos do poema “Meu Epitáfio”, publicado em jornais e acomodado

em livro por ocasião do lançamento de Meu livro de cordel, em 1976, mas, em outros poemas

e entrevistas, manifestou sua alquimia com a terra.

Epitáfio6:

Morta… serei árvore

Serei tronco, serei fronde

E minhas raízes

Enlaçadas às pedras de meu berço

6 CORALINA, Cora. Meu livro de Cordel, 1976, p. 95.

58

são as cordas que brotam de uma lira.

Enfeitei de folhas verdes

A pedra de meu túmulo

num simbolismo

de vida vegetal.

Não morre aquele

que deixou na terra

a melodia de seu cântico

na música de seus versos.

Após estudo e considerações sobre a poeta goiana, suas obras, especificamente Poemas

dos becos de Goiás e estórias mais, realçando a sua poesia no contexto da cidade de Goiás,

passaremos, no capítulo seguinte, à descrição dos procedimentos metodológicos com ênfase

no leitor, texto e autor e, por conseguinte, às intervenções e análise de dados do material

coletado durante o processo da leitura de poesia na sala de aula.

3 A POESIA NA SALA DE AULA: PROCEDIMENTOS

METODOLÓGICOS E ANÁLISE DE DADOS DA PESQUISA

3.1 Mediação entre leitor, texto e autora: as metodologias, intervenções e a análise de

dados

59

Este livro pertence mais aos leitores do que a

quem o escreveu.

(...)

Que possa ultrapassar as cidades e alcançar a

alma sertaneja, levando minha presença-terra aos

enxadeiros e boiadeiros que tanto me ensinaram.

(...)

Possa valer pelo seu conteúdo, sempre encontrado

em bancas populares e em balcões de livrarias –

seu preço ao alcance de um leitor modesto.

(...)

Vai, meu pequeno livro. Que possa sobreviver à

autora e ter a glória de ser lido por gerações que

hão de vir de gerações que vão nascer.

Cora Coralina – Este livro

A pesquisa proposta neste estudo elenca a leitura literária de poesia na sala de aula

como contribuição para a formação do jovem leitor e tem como corpus de análise a obra

Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina. A escolha desse objeto surgiu

de uma afinidade pessoal em trabalhar a leitura de poemas em sala de aula e por acreditar que

a poesia pode contribuir para a construção da subjetividade e a identidade do jovem aluno e

levá-lo a melhor perguntar e melhor se entender. Logo, o trabalho desenvolvido em sala de

aula com a poesia de uma escritora goiana teve o intuito de familiarizar o jovem leitor com a

cultura, a poesia produzida em sua própria cidade, ressaltando que, grande parte das vezes,

essa geração desconhece essa produção e até mesmo a sua conterrânea famosa. Tem o intuito

também de promover aos participantes da pesquisa uma maior proximidade entre texto, leitor

e autora, visando a uma formação leitora ativa, crítica e significante. Os poemas da obra

escolhida, uma das mais importantes da poetisa - Poemas dos becos de Goiás e estórias mais

-, ao mesmo tempo em que apresentam uma visão muito particular sobre a cidade de Goiás

com seus becos, casas encostadas umas nas outras e figuras simples do mundo do trabalho,

pessoas marginalizadas, excluídas (como a lavadeira, a prostituta, as benzedeiras) circulando

pela cidade, também levam o leitor a penetrar nas tessituras significantes dos seus versos, por

meio de uma identificação com a memória e o cunho autobiográfico dos versos. A poesia de

Cora Coralina desvenda o cotidiano, proporciona possibilidades de reviver memórias

adormecidas ou perdidas pelo tempo e suscita anseios e dúvidas no jovem leitor, melhor

dizendo, adolescente. A busca da identidade pessoal é angústia inerente à adolescência e é um

tema que desperta o interesse dos jovens. Os poemas de Cora são verdadeiras reminiscências

que favorecem essa identificação.

60

Quanto à metodologia de investigação, o estudo se pauta em uma pesquisa-ação de

cunho qualitativo. Nesse escopo, segundo Thiollent (2011, p. 30), a pesquisa-ação, do ponto

de vista científico, é uma proposta metodológica e técnica que oferece subsídios para

organizar a pesquisa social aplicada sem os excessos da postura convencional ao nível da

observação, processamento de dados, experimentação etc. Com ela se introduz uma maior

flexibilidade na concepção e na aplicação dos meios de investigação concreta. O autor ressalta

que:

O planejamento de uma pesquisa-ação é muito flexível. Contrariamente a outros

tipos de pesquisa, não se segue uma série de fases rigidamente ordenadas. Há

sempre um vaivém entre várias preocupações a serem adaptadas em função das

circunstâncias e da dinâmica interna do grupo de pesquisadores no seu

relacionamento com a situação investigada (THIOLLENT, 2011, p. 55).

Na pesquisa-ação, mediada por uma visão reconstrutiva, a concepção das atividades

pedagógicas e educacionais não é vista como transmissão ou aplicação de informação. A

concepção possui uma dimensão conscientizadora. Na investigação associada ao processo de

reconstrução, elementos de tomada de consciência são levados em consideração nas próprias

situações investigadas, em particular entre os professores e na relação professores/alunos

(THIOLLENT, 2011, p. 86).

Assim, a pesquisa-ação, de acordo com o autor, é uma estratégia metodológica da

pesquisa social com aspectos específicos, como:

a. há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na

situação investigada;

b. desta interação resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados

e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta;

c. o objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela situação social

e pelos problemas de diferentes naturezas encontrados nesta situação;

d. o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, em esclarecer os

problemas da situação observada;

e. há, durante o processo, acompanhamento das decisões, das ações e de toda a

atividade intencional dos atores da situação;

f. a pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo): pretende-se

aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou o “nível de

consciência” das pessoas e grupos considerados (THIOLLENT, 2011, p. 23).

Ao levarmos algum tipo de investigação problematizada para a sala de aula, ofertamos

aos estudantes a oportunidade de desenvolver habilidades e competências do fazer e pensar,

como se propõe neste trabalho com a leitura da poesia de Cora Coralina.

No Brasil, o termo problematização ganhou dimensões socioeducacionais a partir de

Paulo Freire, cujos propósitos de alfabetização de adultos se solidificaram em seu livro

Pedagogia do oprimido e hoje são conhecidos como método Paulo Freire. Nesse sentido,

61

olhando para a sala de aula, problematizar consiste em abordar questões reconhecidamente

conflitantes da vida e do meio do estudante e investigar, para entender melhor a situação e

desencadear uma análise crítica e reflexiva para que ele perceba a necessidade de mudanças.

A leitura literária de poemas, a priori, faz com que o leitor pare e reflita sobre determinadas

situações. A escritora Maria Tereza Andruetto (2017, p. 90-91), em seu texto Elogio da

dificuldade: formar um leitor de literatura, faz a seguinte afirmativa:

Por isso, a pergunta hoje não é se se lê mais ou menos do que antes: a pergunta e o

desafio são como fazer para ler melhor e como fazer com que outros leiam melhor,

ou seja, mais seletiva e profundamente. O que podemos fazer para melhorar a

qualidade dos leitores? A escola não é um bloco monolítico, em seu interior

convivem todas as contradições que habitam a sociedade.

Após situar e caracterizar teoricamente a pesquisa deste estudo, vamos à descrição

estrutural do trabalho. A pesquisa compreende 35 alunos participantes do oitavo ano A, turno

vespertino, do Ensino Fundamental II, do CEPMG- Unidade João Augusto Perillo – uma

escola militar localizada na cidade de Goiás, hoje sob a direção do Capitão Adinan José

Santana.

Os critérios de inclusão dos participantes na pesquisa foram: estar regularmente

matriculado na escola, ser do oitavo ano, turma A, ter idade entre doze e quatorze anos e ser

signatário do TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido) e os pais do TCLE (Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido). A pesquisa teve como benefícios a promoção da

leitura de poesia de uma poeta goiana – Cora Coralina – e, consequentemente, pelo menos em

tese, mais próxima da realidade dos alunos, já que foi uma moradora da cidade de Goiás e sua

antiga residência, a casa velha da Ponte, é hoje um museu de visitação aos turistas.

Houve o cuidado de inserir o livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora

Coralina, escolhido como corpus de análise deste trabalho, à lista de materiais dos estudantes

entregue no início do ano letivo, como a leitura literária do terceiro bimestre de 2021, já que o

gênero poemas contempla o corte temporal do oitavo ano. Posteriormente, foi feita a

apresentação do projeto à coordenadora da escola, no intuito de esclarecê-la quanto à

pesquisa, deixá-la ciente das etapas que seriam percorridas, da duração até então prevista para

a execução do projeto, e de sua aplicação, que ocorreria nas aulas de Literatura, as quais,

comumente, acontecem durante todo o bimestre com a leitura literária indicada.

Os encontros foram realizados no período de 02 de setembro a 01 de outubro de 2021.

As sequências didáticas encontram-se no Apêndice 2. O Quadro 1 a seguir faz uma síntese

dessas atividades realizadas e suas respectivas datas.

62

Quadro 1 - Atividades e encontros realizados

Datas Sequência

didática

Procedimentos metodológicos

02/09/2022

1º encontro

Duas aulas

Conversa informal sobre o projeto de pesquisa; informações contidas no

TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido) e TCLE (Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido); comentário sobre o produto educacional;

entrega do 1º questionário; leitura do texto As tranças de Maria, de Cora

Coralina (primeiro contato com o texto da autora em estudo).

11/09/2022

2º encontro

Duas aulas

Verificação de dúvidas sobre o preenchimento e assinatura do TALE e TCLE

e também sobre o questionário e a produção do documentário, devido à

modalidade do ensino híbrido; comentários sobre o corpus Poemas dos becos

de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina; contextualização da autora; vídeo

Museu Casa de Cora Coralina; trailer oficial Caminhos de Pedras e leitura

dos poemas Todas as vidas e Minha cidade, de Cora Coralina, estabelecendo

relações leitor, autor e texto.

14/09/2022

3º encontro

Duas aulas

Comentário sobre o cineasta Lázaro Ribeiro; documentário Maria Macaca de

sua autoria; leitura dos textos Poemas de Mário Quintana e Ressalva de Cora

Coralina; produção de texto poético, retratando a cidade, memórias e

identidades.

21/09/2022

4º encontro

Duas aulas

Leitura do poema O Palácio dos arcos e A lavadeira, de Cora Coralina; filme

A infância de Aninha, de Rosa Berardo; orientação da gravação de um vídeo –

atividade extraclasse.

28/09/2022

5º encontro

Duas aulas

Leitura dos poemas Escola da Mestra Silvina e O Prato Azul-Pombinho,

ambos da poetisa Cora Coralina; produção textual: carta; leitura da carta que

Carlos Drummond de Andrade escreveu a Cora Coralina; comentários sobre a

gravação do vídeo, os sentimentos, as dificuldades e a interação; entrega do

segundo questionário.

01/10/2022 6º encontro

Duas aulas

Questionário respondido; leitura dos textos Cora Coralina, de Goiás, de

Carlos Drummond de Andrade e Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio

Emílio Braz; produção de texto: e-mails; conclusão e apreciação do projeto.

11/10/2022

15/10/2022

Semana de

gravação do

documentário

Leitura do roteiro do curta-metragem; gravação das cenas com os alunos

participantes do projeto.

Fonte: Dados coletados durante a pesquisa, 2021.

Após as sequências didáticas executadas e a produção do roteiro do documentário como

produto educacional desta pesquisa, a sua gravação ocorreu no período de 11a15 de outubro.

É válido ressaltar que 2021 foi um ano peculiar. Em 26 de fevereiro de 2020, teve início

a pandemia de COVID-197 no Brasil, após a confirmação de que um homem de São Paulo, de

61 anos, que retornara da Itália, testara positivo para o SARS-CoV-2, causador da COVID-19.

Desde então, até 11 de maio de 2022, confirmaram-se 30.594.388 casos, segundo o Ministério

da Saúde, causando 664.390 mortes. O número de pessoas recuperadas da doença é de

29.681.120. A transmissão comunitária foi confirmada para todo o território nacional8.

7 A pandemia de COVID-19, também conhecida como pandemia de coronavírus, é uma pandemia em curso de

COVID-19, uma doença respiratória causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-

CoV-2). O vírus tem origem zoonótica e o primeiro caso conhecido da doença remonta a dezembro de 2019, em

Wuhan, na China. 8 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandemia_de_COVID-19

63

Então, o período de execução do projeto foi ainda com algumas medidas preventivas

recomendadas, incluindo distanciamento social, uso de máscaras faciais em público,

ventilação, lavagem das mãos, cobertura da boca... Assim, respeitando as recomendações,

demos início à aplicação do projeto.

O primeiro momento de exposição do projeto Leitura de poesia e formação do leitor

literário na educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula aos

alunos do oitavo ano foi por meio do ensino híbrido. Nesse encontro, foram comentadas as

ações da pesquisa, a importância dos instrumentos TALE e TCLE, os questionários e as

atividades escritas. Também comentamos que, ao concluir o projeto, faríamos um produto

educacional: um vídeo documental, cuja base seria o tripé leitor, texto e autora. [É importante

salientar que, em razão da imbricação entre a pesquisadora e o objeto (por ser uma pesquisa-

ação), usaremos, daqui para frente, a primeira pessoa do plural para descrever o estudo

realizado].

Em seguida, houve um diálogo sobre a escritora Cora Coralina e seus poemas para

perceber a aceitação da turma. Já fazendo a intervenção pedagógica, inserimos os dados

biográficos da autora, perpassando alguns dados relevantes do contexto social da época. Foi o

momento de reforçar a importância do conhecimento sobre literatura goiana e de Cora

Coralina como parte do cenário vilaboense. Também porque sentíamos a necessidade de

incluir a cultura local na leitura literária, especialmente a poesia, na sala de aula. Nesse

momento, alguns alunos leitores que conheciam poemas da autora livremente, falaram alguns

versos e estrofes que lembravam.

Nesse contexto, e, segundo David Tripp (2005, p. 448-449), a pesquisa-ação é pró-ativa,

então vale ressaltar que:

Como a pesquisa-ação ocorre em cenários sociais não manipulados, ela não segue os

cânones de variáveis controladas comuns à pesquisa científica, de modo que pode

ser chamada mais geralmente de intervencionista do que mais estritamente

experimental.

Outra característica do relacionamento recíproco entre pesquisa e prática aprimorada

é que não apenas se compreende a prática de modo a melhorá-la na pesquisa-ação,

mas também se ganhe uma melhor compreensão da prática rotineira por meio de sua

melhora, de modo que a melhora é o contexto, e meio e a finalidade principal da

compreensão.

Após o momento de apresentação do projeto aos alunos, passamos para o diagnóstico

do estudo realizado. Inicialmente, analisamos as observações das aulas de literatura

concernentes à exploração da poesia de Cora Coralina e à recepção por parte dos alunos no

decorrer de cada sequência didática, instante em que verificamos os diferentes olhares acerca

da poetisa em estudo e sua produção literária. Dessa forma, apresentamos alguns recortes de

64

atividades executadas em sala de aula, tecendo considerações e análise das percepções dos

alunos sobre o trabalho com a poesia de Cora em sala de aula e como isso pode contribuir

com as aulas de literatura, criando um ambiente de aprendizagem propício ao despertar do

interesse da leitura literária.

Esse primeiro contato com os alunos do oitavo ano A, do turno vespertino, concernente

à execução do projeto, se deu no dia 02/09/2021, com duas aulas consecutivas de literatura,

vez que somos a professora regente da turma, o que favoreceu a execução da sequência

didática.

No geral, os alunos se mostraram entusiasmados com a participação no estudo,

sobretudo pelo fato de que as atividades desenvolvidas e produzidas seriam utilizadas na

produção de um documentário. Foi feito o repasse quanto ao questionário semiestruturado

(Apêndice 3) que seria respondido pelos alunos participantes em casa, devido ao formato das

aulas, e que estaria disponível para retirada na recepção do colégio e, também, ao final do

processo. Em seguida, houve explicação sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

– TCLE para a assinatura dos pais, que, no documento, contém as explicações necessárias

para preenchimento e esclarecimento da necessidade da autorização dos responsáveis para o

bom desenvolvimento do trabalho. Na oportunidade, também houve esclarecimento da

importância do TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido). Ambos -TCLE e TALE-

e o primeiro questionário foram inseridos em envelopes e disponibilizados aos alunos.

Após a conversa informal sobre o projeto de pesquisa, as informações contidas no

TALE e TCLE e sobre o primeiro questionário, foi feita a leitura do texto As tranças da

Maria, de Cora Coralina, como primeiro contato com o texto da autora em estudo. A escolha

desse poema deveu-se ao fato de ser um poema de cunho narrativo, instigante e imagético, e

também pouco trabalhado nas escolas. Segundo Maria Tereza Andruetto, o texto leva o leitor

a expandir os limites de sua existência.

Os leitores (adultos ou crianças) valem-se da ficção para expandir os limites de sua

existência, pois necessitamos ter acesso a outras vidas e outros mundos, e as ficções

são uma construção de mundos, uma instalação de outro tempo e de outro espaço no

qual vivemos. Esses mundos construídos são artifícios cuja leitura ou escuta

interrompem nossas vidas e nos obrigam a perceber outras (ANDRUETTO, 2017, p.

137).

E As tranças da Maria foi uma leitura assertiva. Os alunos leitores encantaram-se com a

saga de Izé da Badia, teceram comentários apreciativos ao poema e escritora. Um aluno

comentou não saber que Cora Coralina escrevia poemas interessantes assim. Nesse sentido,

em Caminhos para a formação de leitores, Renata Junqueira (2004, p. 81) reitera que o gosto

65

pela leitura se constrói por meio de um longo processo em que sujeitos desejantes encontram

nela uma possibilidade de interlocução com o mundo. Por isso, espera-se que o professor seja

um agente fundamental na mediação entre alunos e suportes textuais, um impulsionador e

guia no sentido de um contato cada vez mais intenso e desafiador entre o leitor e a obra a ser

lida.

Vejamos o poema As tranças da Maria, de Cora Coralina:

AS TRANÇAS DA MARIA

O caso do Izé da Badia...

Era do que a gente falava

Era só o que se ouvia.

O Izé ficou leso, atoado pelos campos..

Perdeu sua fé de vaqueiro

Consagrado nas vaquejadas.

Não mais seu canto violeiro,

seu chamado boiadeiro.

O aboio do seu berrante

que a gente ouvindo distante

dava a pinta do ponteiro:

lá evai o Izé da Badia,

o rei dos vaqueiros.

Chamava, o boi escutava.

Falava, o zaino entendia.

Cantava, as moças sorriam.

E agora... Tanta moça pelo mundo

e ele à procura de Maria.

Maria que sumiu

buscando seu pote d’água

no corgo de vista a casa.

O pote cheio, já no barranco.

A rodilha posta de lado.

A cuia se balançando.

E Maria...Aonde foi Maria?

Na garupa de um vaqueiro

desconhecido dali

buscando boi de arribada.

Falavam rindo as comadres

pelas portas, conversando.

Moça não tem pensar...

Noiva do Izé da Badia.

Memória já no dedo.

Bragal bordado na arca.

Vestido branco rendado.

Vestido de damacê.

Banhos já recorridos.

Casamento certo, marcado

no dia da Santa assunção,

sendo padrinho o patrão

dono de campos e gado.

E agora...aquela armada.

A moça no seu sumiço.

O Izé leso sem mais ideias

pelos campos sem destino

à procura de Maria.

Galhofa dos companheiros...

“Cadê o sedém da Maria, Izé?”...

Os sedenhos da Maria...

Seus cabelos ondulados.

Manto solto se penteava.

Nua, encobria as formas.

Basta cabeleira negra

dos joelhos vinham abaixo.

Dos tornozelos passavam.

Duas tranças bem trançadas

- rédea dos corações.

Izé da Badia, moço, vaqueiro de fama

amarrado para sempre

no sedenho de Maria.

A mãe de Maria

novenou a Santo Antônio.

Reza nova emprazou:

Menino de Jesus de Praga.

Foi no Centro de Kardec,

fez grandes inovações.

Baixou o Espírito Guia:

- Maria desencarnada,

Espírito limpo no espaço.

Fizessem suas boas preces.

Não mais chorassem por ela.

Sinalassem, pediu a Mãe.

Sinais, teriam a seu tempo.

Resumiu o Guia pela boca do aparelho.

Maria com seu pote de barro

buscando água no riachinho.

O pote cheio já no barranco.

A rodilha posta de lado.

A cuia se balançando.

E Maria nunca mais voltou.

Ninguém viu nada.

Ninguém ouviu nada.

O mato guardou seus segredos escuros.

Maria se foi na garupa

de um vaqueiro, desconhecido dali,

buscando boi na arribada.

Tagarelavam as comadres

nos fuxicos de terreiro

pelas portas conversando.

Falou a velha Ambrosina:

- No mato tem bicho ruim..

A triste sorte da moça

fora dessas conversas...

Tia s’tá caducando..

um corguinho desses nada

tem bicho fera nenhum...

Isso sim cabeceiras altas,

volumes de água lagoas...pode sê.

Não esse Corguinho, coisinha

tão à toa!...

Tem brecho nas cabeceiras...

Catando lenha eu vi

o espojeiro da bicha,

faz tempo, ninguém me tira...

Voltei lá mais não.

Ao demais, seu Malaquias

viu o sujo dela detrás do toco do

embiruçu

e lá no embrejado, tejuco amassado,

e a porca de seu Ricardino

que deixou as crias...

Conversas. Seu Malaquias

é caçador, conta estórias...

metê medo a menino.

A porca de seu Ricardino

era varadeira de cerca.

levou tiro, urubu comeu.

A velha calou. Invocou Nossa Senhora,

São Marcos. Almas Benditas...

Hão de mostrar, mais dia menos dia.

O pai de Maria bateu estradas,

vizinhança, corrutela.

Indagou de sua filha.

Ninguém deu sinal dela.

Entrou em cidade grande

com juiz, delegado e praças.

Procurou a autoridade

E fez a queixa no usual

dando todos os sinais.

Maria das Graças de nome.

Registrada no Civil.

batizada no Cristã.

Moça feita. Igualdada de bons dentes

sem falha nem ponto de ouro.

Nem alta nem baixa.

Meiã de altura.

Cintura fina de duas mãos abarcar.

Boas cores de sadia. Moça da roça

assinando o nome,

lendo por cima.

Seu sinal maior:

duas tranças bem fornidas

alcançando a barra da saia,

barrendo o chão.

O escrivão anotou em livro e prometeu no vago: providenciar.

O pai seguiu seu destino.

Andou em ruas de arrabaldes.

encarou com tanta moça

pensando ser sua filha.

Entrou em “Casa de Mulheres”

marcadas de luz vermelhas.

Deu todos os seus sinais

sem esquecer as tranças negras.

Na sua angústia de Pai,

mesmo que fosse ali

queria encontrar sua filha.

66

As mulheres assanhadas

ouviam compenetradas,

penalizadas do Pai.

Uma ria, outra chorava.

Ninguém tinha visto Maria.

Foi na cartomante

acreditada.

Contou seus pesares, suas penas.

O escuro daquele caso

pediu para clarear.

A verdade as cartas podiam contar.

O baralho baralhado.

Cortado e recortado em cruz.

Veio o naipe de espada.

Valete de paus.

A dama de luto, o rei do agouro.

A cartomante fechada, cerrada,

atuada, invocava as fontes

da Cabala...

Pouca esperança. Luto presente...

Se consolasse com o destino de sua

filha.

Sinais?...Teriam a seu tempo.

O Pai voltou. Aquietou.

Lavrou tosca cruz de aroeira.

Fincou no barranco ao lado do pote.

Acendeu lamparina-dia-e-noite

rogando os avisos do destino de sua

filha.

Izé da Badia se refez.

Voltou a vaquejar.

Levar e trazer boiadas,

sertão adentro, estradas afora.

O aboio de seu berrante

que se ouvia distante

era um chamado constante

da sua noiva Maria.

Já o cego desvalido

pedinte das romarias

tinha posto moda,

rimado versos e traçado na viola

a romança da Maria.

Juntava gente nas feiras,

abria uma grande roda.

Trovadores no desafio

violeiros na viola.

Sempre a triste e chorada estória

do sumiço da Maria.

Até crianças de sítio

nos folguedos de terreiro,

nos seus brinquedos de roda,

uma ou outra se escondia.

Iam todas procurar

no faz de conta Maria.

O tempo fez o seu giro.

As estações se trocaram.

Passou o rolo compressor

nas estradas consertando.

Também nos corações.

o compressor do tempo apagando.

Foi depois de tudo isso passado,

contado e recontado que vieram

os caçadores e suas matilhas de caça.

Pararam na porteira do sítio.

Tomaram chegada.

Sentaram, conversaram.

- Caçadores de onça.

Pediram suas carecidas informações,

gente de longe...

Ouviram pela milésima vez a estória

do sumiço da Maria.

- Que havia de voltar – disseram –

compadecidos

e filhos para os velhos apadrinhar.

Provera a Deus, responderam

consabidos na sua magra esperança.

Tomado o café da hospitalidade

sertaneja

voltaram às suas montadas.

- Caçadores de onça...

Suas trelas ansiosas, vivas,

saltitantes, alçadas, sentindo

e pressentindo a caça em todos

os cheiros novos da terra, dos ares

e das matas.

Tinham que atravessar o corguinho

com sua água de prata correndo em

areia

branca e lajedo claro.

No barranco, a cruz, o pote, a

lamparina.

Luz pequenina,

mal divulgada na grande luz do dia.

Lume, vago, pisca-piscando,

invocando as Almas no escuro da noite.

Na corrente os animais bebiam em

sorvos

pelas cambas dos freios.

Os cães sedentos, arfantes,

respingantes,

refrigerados.,

conversavam do ouvido avivado

à vista do pote e da cruz.

Uma trela onceira farejou

seguindo o curso d’água.

Levantou pouco distante.

Caça grossa!...Ali!...

Paca, anta, capivara, seria...

Decidido, a trela perdia o faro.

Os caçadores meio atentos,

displicentes,

queimavam seus palheiros.

Do mato vinha o acuo resguardado.

Um caçador chamou na trompa.

Respondeu o ganido desesperado do

cão ferido.

O uivo agoniado da matilha atacada.

Os caçadores desmontaram.

Engatilhadas suas armas embaladas,

seguiram no rumo certo.

No fundo do mato, na trama

verde da ramaria cipoal, samambaias,

no escuro do embrejado uma cena

inesperada.

Rolo negro, movediço, assanhado,

enlaçado ao pastor onceiro, quebrava

os ossos ao primeiro.

O outro, preso à trela, gania

em ânsias de escapar.

Um, dois tiros. E o rolo negro,

compressor,

cedeu nos seus volteios se rebolcando

pelos troncos.

O caçador cortou a trela.

Um pastor morto, quebrado.

O pastor vivo em tremuras de pavor,

arrepiado, vertendo inconsciente se

arrastando, acovardado.

A gente do sítio correu no rumo dos

tiros.

Viram a fera morta em contorções

reflexas.

Falou o caçador: vocês daí, salvem o

couro p’ra nós.

Na volta apanhamos, aproveitem o

resumo p’ra sabão

que essa bicha tem graxa.

E se foram. Caçadores de onça...

O dia se fazia alto. Campos e matas

eram todo um alagado de sol.

A gente do sítio arrastou o tronco rola-

rolando

para o descampado. Estiraram,

palmearam.

Dezoito palmos bem medidos!

Por que razão obscura teria aquela

besta-fera

se desgarrado do seu grupo longínquo e

vencendo

as sombras do dia e o escuro da noite

vindo se aninhar naquelas cabeceiras

inocentes?...

Os homens na esfola em conversas,

pilhérias e risadas.

Estaquearam o couro como sabe fazer a

gente da roça.

Viraram o debulho. Arrancaram os

pulmões,

enormes, desconformes.

Cortaram, espostejaram.

Já as mulheres vinham com seus

baldes, bacias e gamelas,

recolher os pedaços daquela carne

branca e gordurosa

para o sabão caseiro. Os cães

disputavam, rosnando,

agressivos, pedaços de bofe.

Findo o trabalho alguém se lembrou de

romper o

[bucho

alongado.

E o que estava ali, senhor?

Numa barrela escura, repulsiva

espumosa – as

[tranças de

Maria

-Bem falou a velha Ambrosina.

A cartomante do baralho. O Guia do

centro de Kardec...

Haviam de ter a seu tempo o destino de

Maria.

Epílogo como nas estórias bem

contadas:

E o que foi feito das tranças?

Deram ao Izé da Badia.

E o que fez delas o Izé?

Mandou trançar duas rédeas bem

trançadas para seu cavalo

libuno, crinudo, espadas romanas

cruzadas, cabo negro,

cavalo de vaquejadas.

67

Duas tranças primazia. Macias de luva-

mão,

presas às cambas de seu freio

niquelado.

em prata fina banhado. E o Izé tinha

nas mãos,

todos os dias, o sedenho da sua noiva

Maria.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.

São Paulo: Global, 2014. p.179-190.

No momento da leitura, foi oportuna a intervenção, no sentido de ler o texto de forma

receptiva para acolher o que o texto traz em seu contexto semântico. Vale ressaltar que o texto

poético foi projetado em data show e sua leitura realizada pela professora mediadora. A

leitura, com sua carga de emoção, também faz a diferença. Assim, finalizamos as duas

primeiras aulas com os alunos percebendo que ler com significado requer um mergulho no

interior do texto. Para Bordini e Aguiar (1993, p. 15), em Literatura: a formação do leitor –

alternativas metodológicas: “ao ler o texto, o leitor entra nesse jogo, pondo de lado a sua

realidade momentânea, e passa a viver, imaginativamente, todas as vicissitudes das

personagens da ficção. Dessa forma, aceita o mundo criado como um mundo possível para

si”.

Na segunda reunião, que se deu em 11/09/2021, também com duas aulas seguidas de

literatura, retomamos o projeto de leitura. Novamente, verificando se havia alguma dúvida em

relação ao preenchimento dos documentos TALE e TCLE, o questionário e a produção do

documentário, ressaltamos o dia da entrega de todos à recepção do colégio. Nesse encontro, já

estávamos com um número maior de alunos nas aulas presenciais. Começamos relembrando o

poema As tranças da Maria e, de acordo com os comentários, foi possível perceber a boa

aceitação da leitura literária de Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, de Cora Coralina.

Indagamos se algum estudante havia realizado a leitura de algum poema da obra em casa, vez

que, em sala de aula, não seria possível a leitura de todo o livro. Para o momento, foi

solicitado que continuassem lendo os poemas da coletânea e, dentre eles, escolhessem o de

maior identificação pessoal para um posterior trabalho mais subjetivo.

No sentido de contextualizar os alunos sobre a autora Cora Coralina e suas produções

poéticas, propusemos assistir aos vídeos Conhecendo Museus - Ep. 02: Museu Casa de Cora

Coralina, https://www.youtube.com/watch?v=xkqA_TIPqm4 e o trailer oficial Caminho de

Pedras https://www.youtube.com/watch?v=bFGZmlV5YCQ, pois, com a pandemia COVID-

19 e com os cuidados que o momento requeria, a visita presencial ao museu tornara-se

inviável. O documentário supracitado é muito interessante e foi um jeito diferente de visitar o

museu. Os alunos gostaram, mencionaram já terem feito a visitação presencial em séries

anteriores com seus colegas e professores. Essa oportunidade de conhecer o universo de

criação da autora, seus escritos, sua moradia, sua inspiração contribuiu para uma leitura mais

68

significativa. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não é constituída apenas pela

ação ou pela participação. Com ela é necessário produzir conhecimentos, adquirir experiência,

contribuir para a discussão ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas.

Então, depois da visitação virtual, foram elencadas as leituras dos poemas Todas as

vidas e Minha cidade, de Cora Coralina, estabelecendo relações entre leitor, autor e texto, e

buscando a interação dos estudantes. Ambos os textos compõem a coletânea de poemas da

autora em estudo.

A partir do momento em que o estudante conheceu a casa da Ponte, a vivência dessa

parte biográfica de Cora Coralina estabeleceu uma maior aproximação entre o leitor e a autora

e todos puderam fruir com maior familiaridade os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de

Cora Coralina, a seguir transcritos:

TODAS AS VIDAS

Vive dentro de mim

uma cabocla velha

de mau-olhado,

acocorada ao pé do borralho, olhando pra o fogo.

Benze quebranto.

Bota feitiço...

Ogum. Orixá. Macumba, terreiro.

Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim a lavadeira do Rio Vermelho.

Seu cheiro gostoso

d'água e sabão.

Rodilha de pano. Trouxa de roupa,

pedra de anil.

Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim

a mulher cozinheira.

Pimenta e cebola.

Quitute bem feito. Panela de barro.

Taipa de lenha.

Cozinha antiga

toda pretinha. Bem cacheada de picumã.

Pedra pontuda.

Cumbuco de coco.

Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim

a mulher do povo.

Bem proletária. Bem linguaruda,

desabusada, sem preconceitos,

de casca-grossa,

de chinelinha, e filharada.

Vive dentro de mim

a mulher roceira. — Enxerto da terra,

meio casmurra.

Trabalhadeira.

Madrugadeira. Analfabeta.

De pé no chão.

Bem parideira.

Bem criadeira. Seus doze filhos,

Seus vinte netos.

Vive dentro de mim a mulher da vida.

Minha irmãzinha...

tão desprezada,

tão murmurada... Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:

Na minha vida — a vida mera das obscuras.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de

Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:

Global, 2014. p.31-33.

MINHA CIDADE

Goiás, minha cidade...

Eu sou aquela amorosa

de tuas ruas estreitas, curtas,

indecisas,

entrando,

saindo

uma das outras.

Eu sou aquela menina feia da

ponte da Lapa.

Eu sou Aninha.

Eu sou aquela mulher

que ficou velha, esquecida,

nos teus larguinhos e nos teus

becos tristes, contando estórias,

fazendo adivinhação.

Cantando teu passado.

Cantando teu futuro.

Eu vivo nas tuas igrejas

e sobrados

e telhados e paredes.

Eu sou aquele teu velho muro verde de avencas

onde se debruça

um antigo jasmineiro, cheiroso

na ruinha pobre e suja.

Eu sou estas casas

encostadas

cochichando umas com as outras,

Eu sou a ramada

dessas árvores, sem nome e sem valia,

69

sem flores e sem frutos,

de que gostam a gente cansada e os pássaros

vadios.

Eu sou o caule

dessas trepadeiras sem classe, nascidas na frincha das pedras

Bravias.

Renitentes.

Indomáveis. Cortadas.

Maltratadas.

Pisadas.

E renascendo.

Eu sou a dureza desses morros,

revestidos,

enflorados,

lascados a machado, lanhados, lacerados.

Queimados pelo fogo.

Pastados.

Calcinados e renascidos.

Minha vida,

meus sentidos,

minha estética,

todas as vibrações de minha sensibilidade de mulher,

têm, aqui, suas raízes.

Eu sou a menina feia da ponte da Lapa.

Eu sou Aninha.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.

São Paulo: Global, 2014. p.33.

Nesse escopo, para Andruetto (2017, p. 29-30), “escrever (e ler) é olhar intensamente e

seguir uma personagem em sua transformação, num caminho que não sabemos aonde nos

levará”. Em As tranças da Maria, ficou evidente, nas atitudes dos alunos, a ação de seguirem

atentos toda a trajetória da personagem Izé da Badia com empatia e curiosidade. Como os

alunos gostaram muito desse texto e perceberam o viés narrativo da autora no poema, foi

possível perceber uma recepção mais entusiasmada para os demais textos. Então, Todas as

vidas e Minha cidade, que também foram lidos pela professora mediadora, tiveram um

enfoque significativo para os estudantes, pois eles estavam estabelecendo seu diálogo com o

texto.

No terceiro encontro, que se deu em 14/09/2021, também com duas aulas de literatura

ainda no processo de ensino híbrido devido a pandemia de COVID-19, foi o momento de

conhecer um pouco do cineasta Lázaro Ribeiro, pesquisador e estudioso da literatura goiana,

também morador da cidade de Goiás, que participa do projeto em descrição como editor do

documentário preparado para ser o produto educacional desta pesquisa. Nesse primeiro

momento, as informações foram emitidas pela professora, pois o cineasta não estava presente.

Alguns alunos disseram conhecê-lo na cidade e estavam receptivos com a possibilidade de

gravação do documentário - algo novo, que ultrapassava as paredes da sala de aula. Segundo

Todorov (2010, p. 29),

Em sua aula, na maior parte do tempo, o professor de literatura não pode se resumir

a ensinar, como lhe pedem as instruções oficiais, os gêneros e os registros, as

modalidades de significação e os efeitos da argumentação, a metáfora e a

metonímia, a focalização interna e externa etc. Ele estuda também as obras.

A produção do documentário é uma forma de leitura para além da sala de aula e pode

ser considerada uma produção artística com o compromisso de explorar a realidade. Não tem

o objetivo de reproduzi-la; é uma performance parcial e subjetiva da realidade. O fato de essa

aula enfocar a produção do documentário como produto educacional resultante da leitura

literária dos Poemas dos becos de Goiás e estórias mais e de o aluno perceber que ele, como

70

leitor, o texto e a autora seriam a base desse produto, foi um estímulo para o trabalho, pois é

uma forma de sair de si para o texto e o retorno para si depois do texto. O que para Todorov,

em regra geral,

O leitor não profissional, tanto hoje quanto ontem, lê essas obras não para melhor

dominar um método de ensino, tampouco para retirar informações sobre as

sociedades a partir das quais foram criadas, mas para nelas encontrar um sentido que

lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma

beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo.

O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das vias régias que

conduzem à realização pessoal de cada um (TODOROV, 2010, p. 33).

Nesse sentido, os estudantes queriam entender como esse trabalho de leitura literária

resultaria em um documentário que partiria de suas leituras e produções. Primeiramente,

assistimos ao documentário Maria Macaca (cujo link de acesso é

https://www.youtube.com/watch?v=Kn9X_qMq7WA.), que também foi uma moradora da

cidade de Goiás em tempos idos e produzido pelo cineasta Lázaro Ribeiro. Os alunos

perceberam que, para a construção de um documentário que transita entre leitor, poesia e

autora, a leitura literária com significação funcionaria como intertexto e foi oportuno reforçar

que os poemas do livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais precisariam de leitura

aprofundada.

Para os adolescentes, conhecer Maria Macaca, que foi moradora da cidade e que

projetava um pouco dos hábitos, costumes e crenças goianas – uma das tantas mulheres

coralinas da cidade de Goiás –, foi motivador.

Nesse ambiente de futura produção cultural, a partir da leitura da poesia de Cora e para

entender mais os seus poemas, já que ela possui um jeito peculiar de escrever, foram

projetados em data show dois textos: Poemas, de Mário Quintana, e Ressalva, de Cora

Coralina, um dos poemas que compõem Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Vejamos

os poemas.

Poemas

Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês,

Quando fechas o livro, eles alçam voo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes

71

que o alimento deles já estava em ti...

In: QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. p. 19.

Ressalva

Este livro foi escrito

por uma mulher

que no tarde da Vida

recria e poetiza sua própria

Vida.

Este livro

foi escrito por uma mulher

que fez a escalada da

Montanha da Vida

removendo pedras

e plantando flores.

Este livro:

Versos...Não.

Poesia...Não.

Um modo diferente de contar velhas estórias.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:

Global, 2014. p.27.

Os dois textos foram lidos por dois alunos voluntários, já no sentido de trabalhar a

entonação que os poemas pedem e para enfatizar que a leitura vocalizada requer ritmo,

entonação, pausas e produção de sentido pela própria voz e que todos podem e conseguem ler

com proficiência, desde que haja exercício, repetições, ensaio e erro.

A escolha de Mário Quintana com o texto Poemas veio da simplicidade de sua lírica

poética: temas simples, versos livres, irregulares e sem preocupação com a existência de

rimas, mas com ritmo bem demarcado. Ele define com poucas palavras que os poemas não

têm pouso nem porto, alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. Para Cora

Coralina, é um modo diferente de contar velhas estórias e, como os alunos já tinham

observado em As tranças da Maria que a autora contava uma história, não teria como não

fazer tal ressalva. Ebe Maria de Lima (2018, p. 109) já apontava a poesia de Cora Coralina

como uma poesia da oralidade. Seus poemas são longos, caudalosos, parecendo mais uma

conversação, pelos protocolos da fala, do que uma escrita.

Finalmente, foi feita uma nova leitura dos poemas depois dos comentários, percebendo

realmente o que os textos dizem, e associando-os ao que Vincent Jouve (2002, p. 15) disse a

partir de M. Otten, que propõe apreender a atividade de leitura por meio de três campos

nitidamente circunscritos: o do texto para ler, o texto do leitor, a relação do texto com o leitor.

Seguidamente, passamos à indagação sobre a ligação do poema Ressalva, de Cora Coralina,

72

com o próprio título da obra – o que anteriormente já fora comentado devido aos temas e o

seu modo de escrever bem próximos da prosa.

Posteriormente, solicitamos aos estudantes uma primeira produção. Como comando, foi

passado na lousa para todos o seguinte: “Produzir um texto poético retratando sua cidade,

memórias, identidades, enfim, como você a vê e se vê como morador de uma cidade histórica,

cheia de história e poesia. Para isso, retomar os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de

Cora Coralina”.

Destarte, leitura e escrita se complementariam. Andruetto, no artigo denominado Elogio

da dificuldade: formar um leitor de literatura, diz que bons livros são construções de

mundos:

Os bons livros são construções de mundos, artifícios que nos obrigam a perceber

outras vidas, imaginar outros caminhos humanos; essa é uma das razões mais

fascinantes de escrever e de ler: olhar o mundo com olhos alheios, tentar entrar em

outras condições de vida para compreender um pouco mais a condição humana.

Uma das razões mais poderosas de escrever e de ler é, sem dúvida, o desejo de

compreender os demais, espelho, por sua vez, do desejo de compreendermos a nós

próprios. Leitura e escrita como caminho de conhecimento (ANDRUETTO, 2017, p.

92).

Nesse contexto, como pesquisadora e mediadora do projeto de leitura literária com

adolescente, o ler e o escrever sobre o seu mundo e outros mundos são uma contribuição para

o autoconhecimento. Todorov (2010, p. 92-93), em A Literatura em perigo, reforça que,

sendo o objeto da literatura a própria condição humana, aquele que a lê e a compreende se

tornará não um especialista em análise literária, mas um conhecedor do ser humano.

Conhecer um pouco mais de si: essa é uma busca de todo adolescente. Portanto, a

proposta de produção de texto após a leitura dos primeiros textos de Poemas dos becos de

Goiás trazia intrínseca essa visão de outros mundos.

Nesse panorama, vejamos então poemas e fragmentos das percepções descritas pelos

participantes, com ênfase em memórias, identidades: como se vê e também como se percebe

como morador de uma cidade histórica, cheia de história e poesia.

Várias vidas em uma só

Há várias versões de mim

Muitas partes de uma só

Vários sentidos em uma única pessoa

Traços da formação de alguém.

Eu sou a menina sorridente

Calma,

Sensível,

73

Flexível.

Eu sou a força do meu pai

A determinação de minha mãe

O carinho de meu irmão

O cuidado dos meus avós.

Sou muitas vidas

Todas as vidas em minha vida

E minha vida em todas as vidas

Eu sou uma em várias vidas.

A. E. de F.

De todas as outras

Eu sou a presente

No cheiro da serra

Sozinha e protetora

Cheia de marcas

Cicatrizes e memórias.

Eu sou as ruas de pedras

Valorizadas e esquecidas

Trago em minha pele

O saber e o falar.

Eu sou o cheiro e o sabor

Do pequi colhido na época

Certamente, também sou

A música e o canto das araras.

H. K. R. S.

O poema Várias vidas em uma só, de A.E. de F. possui um tom ancestral. O eu lírico é

enfático em sua formação, que vem de traços de outras vidas, como nas duas últimas estrofes

e em destaque no último verso: “Eu sou uma em várias vidas”, que fundamenta quem se é:

parte das vidas de sua família. É possível perceber que a aluna trabalhou seu poema tendo

como referência Todas as vidas, de Cora Coralina. É uma adolescente com maturidade leitora

e que consegue se colocar no texto também em formação. A estudante H.K.R.S. também

conseguiu se esboçar no poema, usando o tempo presente e recorrendo a elementos da

natureza e da cidade onde mora – um artifício muito usado pela poeta em estudo.

A proposta de produção sintetiza o autoconhecimento e a capacidade de criação

artística. Segundo Andruetto, em seu artigo Em busca de uma língua ainda não ouvida,

“literatura e construção de leitores são duas faces da mesma moeda, cuja dialética alimenta e

sustenta o desenvolvimento subjetivo de um povo”. Isso é possível perceber nas produções

supracitadas (ANDRUETTO, 2017, p. 41).

74

Nessa atividade de produção, a subjetividade dos leitores ficou evidenciada em vários

textos. No poema Quem sou?, o eu lírico está em busca incessante do seu próprio mundo

interior. Começa se colocando como a nossa poetisa Cora Coralina em suas produções: “Eu

sou a curiosa destes morros/ as casas que cochicham/ os becos que se encontram...”; não se

esquece de dar vozes àqueles que a sociedade insiste em não enxergar: “Nos becos que se

encontram estão/ Todas as gentes desse mundo/As mulheres abusadas/As crianças órfãs e

desamparadas/Os idosos abandonados à própria sorte/Os loucos e deficientes excluídos pela

normalidade...”. Segue o poema,

Quem sou eu?

Eu sou a cacheada destas ruas de pedra

Eu sou a curiosa destes morros

As casas que cochicham

Os becos que se encontram.

Em meus cachos vivem

As águas que correm sob a ponte

O vento que balança as árvores

Os pássaros que cantam ao fim da tarde.

Nas curvas dos meus morros estão

Os índios Goyazes sacrificados pelo ouro

Os escravos trabalhadores forçados

E as vidas exploradas

que se tornaram histórias de forças e resistências.

Nos becos que se encontram estão

Todas as gentes desse mundo

As mulheres abusadas

As crianças órfãs e desamparadas

Os idosos abandonados à própria sorte

Os loucos e deficientes excluídos pela normalidade.

Mas nas casas que cochicham

Há reza e oração

Há esperança e identidade

Todos se tornam um

E se mantém de pé diante da vida.

C. O. S.

A literatura é imprescindível na vida do adolescente, segundo Andruetto (2017, p. 88).

Por isso, a escola precisa garantir a presença de determinados livros e ajudar a sua leitura no

contexto, reconhecê-los como introduzidos numa tradição, imersos num sistema literário, no

marco de uma cultura e de uma língua. Em Vidas, de M.S.F.O., e Goiás, minha cidade, de L.

75

L. F. D., as estudantes valorizaram as gerações passadas, colecionaram sonhos na cidade

pequena em que vivem e dão vida à beleza da cidade.

Vidas

Vive dentro de mim uma garota apaixonada

por novos mundos,

uma pequena leitora que ama a fantasia

e as histórias tradicionais contadas pela avó.

Vive dentro de mim uma menina sonhadora,

que não costuma criar expectativas,

mas coleciona sonhos.

Vive dentro de mim o amor pela natureza,

pelas flores e pelo vento que vem das árvores de manhã,

pelos campos e os animais

e pelo belo pôr do sol de cada entardecer.

Vive dentro de mim a criança que ama a cidade,

que com olhos sinceros percebe

que a cidade é pequena

mas que está te vendo crescer

e por isso sempre irá guardá-la no coração.

M. S. F. O.

Goiás, minha cidade

A minha cidade é aquela das ruas de pedras

Que carrega uma história em cada esquina

Em seus escuros becos e verdes morros.

A minha cidade é aquela com coloridos ipês

Que dão cor a Serra Dourada e ao cerrado seco

Aquela em que o céu a noite brilha

Como os dourados fios de ouro nos rios.

A minha cidade é repleta de lendas e histórias admiráveis

Daqueles que sempre regressaram

Após saciarem suas sedes nas luminosas fontes da Carioca

Até os que creem na presença de uma deslumbrante indígena

Sobre o morro.

Tenho pena daqueles que não conhecem a minha cidade

A cidade que amparou a nossa pátria

E carrega consigo muitas histórias

A minha cidade, Goiás.

L. L. F. D.

O encontro seguinte aconteceu no dia 21/09/2021, referente à quarta sequência didática.

O trabalho começou como sempre, retomando o trabalho anterior com comentários feitos pela

professora mediadora, incentivando os estudantes na linha de que ler faz a diferença e que os

textos produzidos no encontro anterior ficaram belos e profundos.

76

Em seguida, foram projetados os poemas O palácio dos arcos e A lavadeira, ambos de

Cora Coralina. Leitura intercalada feita pela professora mediadora e os estudantes, sempre

direcionando para o que o texto está dizendo. Segundo Anne Rouxel et. al. (2013, p. 70), a

noção de identidade literária supõe, pois, uma espécie de equivalência entre si e os textos:

textos de que eu gosto, que me representam, que, metaforicamente, falam de mim, que me

fizeram ser o que sou, que dizem aquilo que eu gostaria de dizer, que me revelaram a mim

mesmo. Continua a autora enfatizando que o desejo de ler nasce de mediações cuja natureza,

às vezes, é imponderável. Rouxel et. al. recorre a Michèle Petit para apontar que a leitura é

uma arte que se transmite mais do que se ensina. Nesse contexto de leitura, alguns alunos

comentaram a estrofe de que mais gostaram e de qual poema. Houve uma identificação maior

com o poema O Palácio dos arcos, em que o índio Carajá se enche de saudade e desejo de

voltar para o seu povo. Esse atavismo emocionou muitos alunos.

O texto A lavadeira, um dos poemas mais conhecido da autora, foi lido por uma aluna

que solicitou a sua leitura, dizendo que, até o momento, era o seu texto predileto.

Nesse contexto de possibilidades de leituras, foi projetado o filme de animação A

infância de Aninha, de Rosa Berardo, ganhador do prêmio Goiano de Cinema e Vídeo de

Curta Metragem – Edital de concurso 002/2012. Momento de percepção de como Rosa

Berardo leu a obra de Cora Coralina. Pilati (2018, p. 57) salienta que, em uma sala de aula

criadora, não poderia haver separação rígida entre “atores” e “espectadores”. Todos deveriam

estar comprometidos com um processo no qual, agindo e observando, constroem, ativa e

criativamente, leituras de textos literários. E continua afirmando que não cabe ao professor

entregar leituras; cabe a ele estimular a inquietação, a curiosidade, a formulação de

interrogações, convidando os alunos a partilharem de uma imersão em um “jogo”, que é o

texto literário (PILATI, 2018, p. 59).

A leitura não deve chegar à sala de aula pronta e moldada pela professora; é necessário

proporcionar abertura para a leitura partilhada dos alunos, que pode ser uma leitura oposta à

do professor e que não deixa de ser um momento de aprofundar no que o texto está dizendo.

Como atividade extraclasse, solicitou-se o término da leitura Poemas dos Becos de

Goiás e Estórias Mais, pedindo atenção à escolha de um poema ou estrofe com que mais se

identificassem, e gravar um vídeo (som e imagem) de uma situação pensada que representasse

o encontro do aluno (leitor) com o texto. Algo simples, curto e original. Uma oportunidade de

ser criativo, pensar no texto e em sua vivência literária. O vídeo gravado deveria ser enviado

pelo WhatsApp para a professora e pesquisadora, antes do encontro seguinte. Caso

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preferissem, poderia ser feito em dupla ou trio, desde que atendesse a todos os cuidados

relevantes à pandemia COVID-19.

Vejamos os poemas da leitura literária:

O SOLDADO CARAJÁ

O palácio dos Arcos

tem estórias de valor

que não quero aqui contar.

Vou contar a estória do soldado carajá.

Era uma vez em Goiás

um soldado, carajá civilizado.

Sabia ler e contar.

Estimado no quartel.

Tinha boa disciplina,

divisas de furriel.

Um dia...era o mês de outubro.

A cidade estava baça

de fumaça das queimadas.

Fazia calor medonho.

O povo clamava chuva.

O soldado carajá

dava guarda no Palácio

aquele dia.

De repente, ouviu um trovão surdo

rolar

do lado da Santa Bárbara.

Rolou outro atrás do primeiro.

Levantou-se um pé de vento,

redemoinho.

Um cheiro forte de terra.

Um cheiro agreste de mato.

Um cheiro de aguada distante.

O soldado carajá,

ninguém sabe o que sentiu.

Acordou dentro de si

uma dura rebeldia.

Uma rude nostalgia.

O grito de sua raça.

Chamados de sua taba.

Aquela mudança de tempo

despertou os seus heredos.

Acordou seus atavismos.

Certo foi...

O bugrinho carajá,

de uma tribo muito mansa do Araguaia,

tinha vindo pequenino pra Goiás.

Foi criado bem-criado

numa casa de família.

Ninguém nunca contou

dondé que ele tinha vindo.

Era mesmo filho de família.

Era igual aos meninos da cidade.

Andou na escola. Aprendeu leitura.

Subiu nos morros, apanhou pequi.

Nadou no rio, fisgou cascudo.

Pinchou pedra. Quebrou vidraça.

Vendeu tabuleiro de bolo de arroz.

Jogou bete na rua.

Empinou arraia.

Lançou corsário.

Brigou na regra. Embolou no aloite.

Escreveu indecência nas paredes.

Cresceu. Se fez homem de bem.

Sentou praça na Polícia.

Vestiu fardão escuro, botão dourado,

daquele tempo.

Calçou bota reiuna-canguru legítima,

ringideira.

Botou correame, quepe, mochila,

cinturão, refle-baioneta.

Encostou fuzil no ombro.

Fazia sentinela. Dava ronda.

Rendia guarda, marchava, desfilava.

Era estimado no quartel.

Tinha boa disciplina,

divisas de furriel.

Um dia (era no mês de outubro)

andavam de noite fogaréus vermelhos

queimando os morros.

A cidade estava baça de fumaça

das queimadas.

Fazia um calor medonho.

O povo clamava chuva.

O soldado carajá dava guarda no

Palácio.

De repente, ouviu um trovão surdo

rolar

do lado da Santa Bárbara.

Rolou outro atrás do primeiro.

Levantou-se um pé de vento,

redemoinho.

Um cheiro forte de terra.

Um cheiro agreste de mato.

Um cheiro de aguada distante.

O soldado carajá, sabe lá o que sentiu.

Acordou dentro de si

uma grande nostalgia.

Uma dura rebeldia.

O grito da sua raça.

Chamados da sua taba.

Aquela mudança de tempo

despertou os seus heredos.

Acordou seus atavismos.

Certo foi que o soldado carajá

(bugre civilizado, sabendo ler e contar)

encostou sua comblém (era no tempo

das combléns).

Descalçou a reiuna-canguru

legítima, ringideira.

Baixou o quepe, correame,

mochila, refle-baioneta.

Sacou da túnica.

Desceu as calças e o mais que havia,

Saiu correndo pelas ruas,

Nu?

Vestido com seus atavismos.

Coberto com seus heredos.

Alcançou a Barreira do Norte

e sumiu-se no rumo do Araguaia...

Na poeira do bárbaro

atuado pelas forças cósmicas e

ancestrais,

ouvia-se o grito selvagem:

...uirerê!...uirerê!...uirerê!...

E era uma vez em Goiás

um soldado de guarda,

civilizado carajá!

In: CORALINA, Cora. Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.

São Paulo: Global, 2014. p. 120-124.

A LAVADEIRA

Essa Mulher... Tosca. Sentada. Alheada...

Braços cansados

descansando nos joelhos...

olhar parado, vago, perdida no seu mundo

de trouxas e espuma de sabão

- é a lavadeira.

Mãos rudes, deformadas.

Roupa molhada.

Dedos curtos.

Unhas enrugadas.

Córneas.

Unheiros doloridos passaram, marcaram.

No anular, um círculo metálico

barato, memorial.

Seu olhar distante, parado no tempo.

À sua volta

- uma espumarada branca de sabão

Inda o dia vem longe na casa de Deus Nosso Senhor

o primeiro varal de roupa

festeja o sol que vai subindo

vestindo o quaradouro

de cores multicores.

Essa mulher

tem quarentanos de lavadeira.

Doze filhos

crescidos e crescendo.

Viúva, naturalmente.

Tranqüila, exata, corajosa.

Temente dos castigos do céu.

Enrodilhada no seu mundo pobre.

Madrugadeira.

78

Salva a aurora.

Espera pelo sol. Abre os portais do dia

entre trouxas e barrelas.

Sonha calada. Enquanto a filharada cresce

trabalham suas mãos pesadas.

Seu mundo se resume

na vasca, no gramado.

No arame e prendedores. Na tina d’água.

De noite – o ferro de engomar.

Vai lavando. Vai levando. Levantando doze filhos

Crescendo devagar,

enrodilhada no seu mundo pobre,

dentro de uma espumarada

branca de sabão.

Às lavadeiras do Rio Vermelho da minha terra,

faço deste pequeno poema

meu altar de ofertas.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.

São Paulo: Global, 2014. p. 205-207.

O encontro seguinte aconteceu no dia 28/09/2021 referente à quinta sequência didática.

Momento de leitura dos Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais concluída, os vídeos

gravados e enviados. O início foi meio tenso, devido à expectativa dos alunos para assistir a

alguns vídeos e ouvir o comentário sobre sua produção. É válido ressaltar que foi o momento

de dialogar com os leitores sobre como foi a gravação, os sentimentos, as dificuldades e a

interação. Comentários dos aspectos percebidos nos vídeos, as escolhas, a criação artística, a

identificação e as memórias retratadas.

Como sempre, predominou o cuidado e o zelo pela leitura do outro, principalmente na

produção do vídeo. O modo particular de cada aluno ver o mundo e o texto. Segundo Pilati

(2018, p. 67),

Nosso dever de educadores é não apenas o de propiciar o contato dos alunos com a

leitura da literatura, mas o de fazer o possível para que a qualidade desse contato

seja complexificada a cada nova leitura, a cada novo texto trabalhado, num processo

que faça o aluno desvencilhar-se da reprodução de leituras pasteurizadas dos textos.

E foi assim, pensando nessa complexidade positiva, no sentido de incomodar o leitor,

instigá-lo à produção que foi pensada, à ação de compartilhar alguns vídeos em sala,

respeitando a permissão do produtor, que realizamos as audições. [Os vídeos aqui elencados

estão nomeados como Vídeos: produção dos alunos e disponíveis no seguinte endereço

https://youtu.be/80YNMdv5bcU, sendo eles a base do produto educacional].

O primeiro vídeo de A.L.P.S. é uma leitura com animação do poema O Palácio dos

Arcos (2014, p. 120), de Cora Coralina. Começa aos 0:15"até 0:57". Que se ressalte as várias

possibilidades de leitura, no caso, a estudante é muito criativa e seu vídeo fala por si. O

trabalho com uma dinâmica que foge do tradicional pode até trazer mais significado e valor à

literatura na escola. É também uma atividade que desperta o interesse do leitor: os jovens têm

muita familiaridade com a tecnologia, pode-se dizer que possibilita uma aproximação literária

dos alunos com os textos.

O segundo é uma leitura encenada do poema As lavadeiras, de Cora Coralina (2014, p.

205), que se inicia em 0:59" e segue até 1':56", da aluna leitora H.K.R.S.: momento de

empatia com o texto, é visível o dialogismo do leitor, texto e autora. Diante de leituras tão

79

distintas e desenvolvidas por jovens estudantes ainda em formação, Petit (2013, p. 26)

assevera que, na realidade, os leitores apropriam-se dos textos, lhes dão outro significado,

mudam-lhes o sentido, interpretam-nos à sua maneira, introduzindo seus desejos entre as

linhas: é toda a alquimia da recepção. Não se pode jamais controlar o modo como um texto

será lido, compreendido e interpretado.

A estudante E.R.C. contou com a beleza inigualável da cultura rural, lendo o poema

Evém boiada!, de Cora Coralina (2014, p. 130), que se inicia em 2':00" indo até 2':49". É uma

projeção do cotidiano do vaqueiro, como se o mundo da fazenda passasse diante de seus

olhos. Posteriormente, a leitora C. O. S. também retratou o lugar onde vivia, o eu lírico dando

vida ao poema Minha cidade, de Cora Coralina (2014, p. 34). O seu canto da cidade se inicia

em 2':50" até 3':13". A leitura depende muito da subjetividade do leitor – um mesmo poema

pode manifestar-se diferentemente em vários leitores. Para Petit (2013), os escritores nos

ajudam a nomear os estados pelos quais passamos, a distingui-los, a acalmá-los, a conhecê-los

melhor e a compartilhá-los. Graças às suas histórias, escrevemos a nossa, por entre as linhas

A cidade de Goiás é um reduto de estórias e lendas. Nesse sentido, as alunas L. L. F. D.,

L.M.S. e B.L.N.S. trouxeram A Procissão das Almas, uma história que se agrega ao folclore

goiano e também aparece nas criações de Cora Coralina. O vídeo produzido começa em 3':16"

até 3':47". Depois, a estudante L. S.T. se senta no cais do Rio Vermelho, invade com sua

leitura a casa velha da Ponte. O poema Rio Vermelho compõe a coletânea Becos de Goiás

(CORALINA, 2014, p. 79) e a produção da aluna começa em 3':48" até 4':28". Finalmente, o

estudante H.M.F. estabelece um diálogo com o texto poético As tranças da Maria, também de

Cora Coralina (2014, p. 179). Foi o texto que introduziu o projeto de formação de leitores de

poesia na sala de aula. O estudante ficou encantado com o texto. Não poderia ser diferente:

seu vídeo é uma contação de história, leitura literária, diálogo e desenho, que começa em

4':28" até 6':14". É notável a percepção dos alunos de que a literatura de Cora Coralina traz

muito da cultura goiana. Bakhtin assevera:

A literatura, inseparável da cultura, não pode ser entendida fora do contexto pleno de

toda a cultura de uma época. É inaceitável separá-la do restante da cultura e, como

se faz constantemente, ligá-la imediatamente a fatores socioeconômicos, por assim

dizer, passando por cima da cultura. Esses fatores agem sobre a cultura no seu todo e

só através dela e juntamente com ela influenciam a literatura (BAKHTIN, 2011, p.

360).

Bakhtin ainda acrescenta que uma obra não pode viver nos séculos futuros se não reúne

em si, de certo modo, os séculos passados. Se ela nascesse toda e integralmente hoje (isto é,

em sua atualidade) e não desse continuidade ao passado ou não mantivesse com ele um

80

vínculo substancial, não poderia viver no futuro. Tudo o que pertence apenas ao presente

morre juntamente com ele.

Diante disso, a obra Poemas dos Becos de Goiás pode ser lida como atemporal, pois

traz o passado e, com ele, o leitor compreende melhor o presente com suas nuanças. Pensando

assim, o documentário foi construído a partir da leitura e realidade dos estudantes, dialogando

com o texto não para oferecer respostas, mas para instigar perguntas, o que, para Andruetto, é

tarefa do texto: “A literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos

lugares comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, “não dar respostas, mas gerar

perguntas” (ANDRUETTO, 2017, p. 9).

Depois dos vídeos, foram projetados os poemas A Escola da Mestra Silvina e O Prato

Azul-Pombinho, ambos da poetisa Cora Coralina. A leitura foi intercalada entre os alunos e a

mediadora, juntamente com uma análise oral compartilhada. Foi a oportunidade de despertar a

atenção dos leitores para os recursos expressivos e linguísticos utilizados pela autora. Foram

dois textos trabalhados com muita receptividade. A leitura intercalada, com pausas para

comentários, foi também muito positiva nesses encontros. É perceptível o interesse do aluno

para o que o texto está dizendo, principalmente no caso dos poemas de Cora Coralina, que

trazem um forte viés narrativo.

Seguem os poemas:

A ESCOLA DA MESTRA

SILVINA

Minha escola primária... Escola antiga de antiga mestra.

Repartida em dois períodos

para a mesma meninada,

das 8 às 11, da 1 às 4. Nem recreio, nem exames.

Nem notas, nem férias.

Sem cânticos, sem merenda...

Digo mal — sempre havia distribuídos

alguns bolos de palmatória...

A granel?

Não, que a Mestra era boa, velha, cansada,

aposentada.

Tinha já ensinado a uma geração antes da minha.

A gente chegava "— Bença,

Mestra." Sentava em bancos compridos,

escorridos, sem encosto.

Lia alto lições de rotina:

o velho abecedário, lição salteada.

Aprendia a soletrar.

Vinham depois:

Primeiro, segundo,

terceiro e quarto livros do erudito pedagogo

Abílio César Borges —

Barão de Macaúbas.

E as máximas sapientes do Marquês de Maricá.

Não se usava quadro-negro.

As contas se faziam em pequenas lousas

individuais.

Não havia chamada e sim o ritual

de entradas, compassadas.

“-Bença, Mestra...”

Banco dos meninos.

Banco das meninas.

Tudo muito sério. Não se brincava.

Muito respeito.

Leitura alta.

Soletrava-se. Cobria-se o debuxo.

Dava-se a lição.

Tinha dia certo de argumento

com a palmatória pedagógica

em cena.

Cantava-se em coro a velha tabuada.

Velhos colegas daquele tempo...

Onde andam vocês?

A casa da escola inda é a mesma.

-Quanta saudade quando passo ali?

Rua Direita, nº 13. Porta da rua pesada,

escorada com a mesma pedra

da nossa infância.

Porta do meio, sempre fechada.

Corredor de lajes

e um cheirinho de rabugem dos cachorros de Samélia.

À direita – sala de aulas.

Janelas de rótulas.

Mesorra escura toda manchada de tinta

das escritas.

Altos na parede, dois retratos:

Deodoro, Floriano.

Num prego de forja, saliente na

81

parede, estirava-se a palmatória.

Porta de dentro abrindo numa alcova escura.

Um velhíssimo armário.

Canastras tacheadas.

Um pote d'água. Um prato de ferro.

Uma velha caneca, coletiva,

enferrujada.

Minha escola da Mestra Silvina... Silvina Ermelinda Xavier de Brito.

Era todo o nome dela.

Velhos colegas daquele tempo, onde andam vocês?

Sempre que passo pela casa

me parece ver a Mestra, nas rótulas.

Mentalmente beijo-lhe a mão.

“-Bença, Mestra.”

E faço a chamada de saudade dos colegas:

Juca Albernaz, Antônio,

João de Araújo, Rufo.

Apulcro de Alencastro, Vítor de Carvalho Ramos.

Hugo das Tropas e Boiadas.

Benjamim Vieira.

Antônio Rizzo. Leão Caiado, Orestes de Carvalho.

Natanael Lafaiete Póvoa.

Marica. Albertina Camargo.

Breno — "Escuto e tua voz vai se apagando com um dolente ciciar

de prece".

Alberico, Plínio e Dante Camargo.

Guigui e Minguito de Totó dos Anjos.

Zoilo Remígio.

Zelma Abrantes.

Joana e Mariquinha Milamexa. Marica. Albertina Camargo.

Zu, Maria Djanira, Adília.

Genoveva, Amintas e Teomília.

Alcides e Magnólia Craveiro. Pequetita e Argentina Remígio.

Olímpia e Clotilde de Bastos.

Luisita e Fani.

Nicoleta e Olga Bonsolhos. Laura Nunes.

Adélia Azeredo.

Minha irmã Helena.

(Eu era Aninha.) Velhos colegas daquele tempo.

Quantos de vocês respondem

esta chamada de saudades

e se lembram da velha escola?

E a Mestra?...

Está no Céu.

Tem nas mãos um grande livro de ouro

e ensina a soletrar

aos anjos.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed.

São Paulo: Global, 2014. p. 61-65.

O PRATO AZUL-POMBINHO

Minha bisavó – que Deus a tenha em glória-

sempre contava e recontava

em sentidas recordações

de outros tempos a estória de saudade

daquele prato azul-pombinho.

Era uma estória minuciosa. Comprida, detalhada.

Sentimental.

Puxada em suspiros saudosistas

e ais presentes. E terminava invariavelmente,

depois do caso esmiuçado:

“– Nem gosto de lembrar disso…”

É que a estória se prendia aos tempos idos em que vivia

minha bisavó

que fizera deles seu presente e seu

futuro.

Voltando ao prato azul- pombinho

que conheci quando menina e que deixou em mim

lembrança imperecível.

Era um prato sozinho

último remanescente, sobrevivente, sobra mesmo, de uma coleção,

de um aparelho antigo

de 92 peças.

Isto contava com emoção, minha bisavó,

que Deus haja.

Era um prato original,

muito grande, fora de tamanho,

um tanto oval. Prato de centro, de antigas mesas

senhoriais

de família numerosa.

De faustos casamentos e dias de batizado.

Pesado. Com duas asas por onde

segurar. Prato de bom-bocado e de mães-

bentas.

De fios de ovos.

De receita dobrada de grandes pudins,

recendendo a cravo,

nadando em calda.

Era, na verdade, um enlevo.

Tinha seus desenhos

em miniaturas delicadas:

Todo azul-forte, em fundo claro

num meio – relevo.

Galhadas de árvores e flores estilizadas.

Um templo enfeitado de lanternas.

Figuras rotundas de entremez.

Uma ilha. Um quiosque rendilhado.

Um braço de mar.

Um pagode e um palácio chinês.

Uma ponte. Um barco com sua coberta de

seda.

Pombos sobrevoando.

Minha bisavó

traduzia com sentimento sem igual,

a lenda oriental

estampada no fundo daquele prato.

Eu era toda ouvidos. Ouvia com os olhos, com o nariz,

com a boca,

com todos os sentidos,

aquela estória da Princesinha Lui, lá da China – muito longe de Goiás

que tinha fugido do palácio, um

dia, com um plebeu do seu agrado

e se refugiado num quiosque muito

lindo

com aquele a quem queria, enquanto o velho mandarim – seu

pai –

concertava, com outro mandarim

de nobre casta, detalhes complicados e

cerimoniosos

de seu casamento com um príncipe todo-poderoso,

chamado Li.

Então, o velho mandarim, que aparecia também no prato,

de rabicho e de quimono,

com gestos de espavento e cercado

de aparato, decretou que os criados do palácio

incendiassem o quiosque

82

onde se encontravam os fugitivos

namorados.

E lá estavam no fundo do prato,

– oh, encanto de minha meninice!

– pintadinhos de azul,

uns atrás dos outros – atravessando

a ponte,

com seus chapeuzinhos de bateia e suas japoninhas largas,

cinco miniaturas de chinês.

Cada qual com sua tocha acesa

– na pintura- para por fogo no quiosque

– da pintura.

Mas ao largo do mar alto balouçava um barco altivo

com sua coberta de prata,

levando longe o casal fugitivo.

Havia, como já disse,

pombos esvoaçando.

E um deles levava, numa argolinha

do pé, mensagem da boa ama,

dando aviso a sua princesa e dama,

da vingança do velho mandarim.

Os namorados então

na calada da noite,

passaram sorrateiros para o barco,

driblando o velho, como se diz hoje.

E era aquele barco que balouçava

no mar alto da velha China,

no fundo do prato.

Eu era curiosa para saber o final da

estória.

Mas o resto, por muito que pedisse,

não contava minha bisavó.

Dali pra frente a estória era

omissa. Dizia ela – que o resto não estava

no prato

nem constava do relato.

Do resto, ela não sabia. E dava o ponto final recomendado.

” -Cuidado com esse prato!

É o último de 92″

Devo dizer – esclarecendo,

esses 92 não foram do meu tempo.

Explicava minha bisavó que os outros – quebrados,

sumidos,

talvez roubados –

traziam outros recados, outras legendas,

prebendas de um tal Confúcio

e baladas de um vate

chamado Hipeng.

Do meu tempo só foi mesmo

aquele último

que, em raros dias de cerimônia ou festas do Divino

figurava na mesa em grande

pompa,

carregado de doces secos, variados,

muito finos,

encimados por uma coroa

alvacenta e macia de cocadas-de-fita.

Às vezes, ia de empréstimo

à casa da boa tia Nhorita. E era certo no centro da mesa

de aniversário, com sua montanha

de empadas, bem tostadas.

No dia seguinte, voltava. conduzido por um portador

que era sempre o Abdênago, preto

de valor,

de alta e mútua confiança.

Voltava com muito-obrigados

e, melhor – cheinho

de doces e salgados. Tornava a relíquia para o relicário

que no caso era um grande e velho

armário,

alto e bem fechado. -“Cuidado com o prato azul-

pombinho”

dizia minha bisavó,

cada vez que o punha de lado.

Um dia, por azar,

sem se saber, sem se esperar,

artes do salta-caminho, partes do capeta,

fora do seu lugar, apareceu

quebrado,

feito em pedaços – sim senhor- o prato azul-pombinho.

Foi um espanto. Um torvelinho.

Exclamações. Histeria coletiva.

Um deus nos acuda. Um rebuliço. Quem foi, quem não foi?…

O pessoal da casa se assanhava.

Cada qual jurava por si. Achava seus bons álibis.

Punia pelos outros.

Se defendia com energia.

Minha bisavó teve “aquela coisa” (Ela sempre tinha “aquela coisa”

em casos tais”)

Sobreveio o flato.

Arrotando alto, por fim, até

chorou…

Eu (emocionada), vendo o pranto

de minha bisavó,

lembrando só

da princesinha Lui- que já tinha passado a viver no

meu inconsciente

como ser presente,

comecei a chorar – que chorona sempre fui.

Foi o bastante para ser apontada e

acusada de ter quebrado o prato.

Chorei mais alto, na maior tristeza,

comprometendo qualquer tentativa

de defesa. De nada valeu minha fraca

negativa.

Fez-se o levantamento de minha

vida pregressa de menina

e a revisão de uns tantos processos

arquivados.

Tinha já quebrado – em tempos alternados,

três pratos, uma compoteira de

estimação,

uma tigela, vários pires e a tampa de uma terrina.

Meus antecedentes, até,

não eram muito bons. Com relação a coisas quebradas

nada me abonava.

E o processo se fez, à revelia da ré,

e com esta agravante: tinha colado no meu ser magricela,

de menina,

vários vocativos

adesivos, pejorativos: inzoneira, buliçosa e malina.

Por indução e conclusiva,

era eu mesma que tinha quebrado o prato azul-pombinho.

Reuniu-se o conselho de família

e veio a condenação à moda do meu tempo:

uma boa tunda de chineladas.

Aí ponderou minha bisavó umas tantas atenuantes a meu

favor.

E o castigo foi comutado

para outro, bem lembrado, que melhor servisse a todos

de escarmento e de lição:

trazer no pescoço por tempo

indeterminado, amarrado de um cordão,

um caco do prato quebrado.

O dito, melhor feito.

Logo se torceu no fuso

um cordão de novelão.

Encerado foi. Amarrou-se a ele um caco, de bom jeito,

em forma de meia-lua.

E a modo de colar, foi posto em

seu lugar, isto é, no meu pescoço.

Ainda mais

83

agravada a penalidade:

proibição de chegar na porta da rua.

Era assim, antigamente.

Dizia-se aquele, um castigo atinente,

de ótima procedência. Boa

coerência.

Exemplar e de alta moral.

Chorei sozinha minhas mágoas de criança.

Depois, me acostumei com aquilo.

no fim, até brincava com o caco

pendurado E foi assim que guardei

no armarinho da memória, bem

guardado,

e posso contar aos meus leitores,

direitinho,

a estória, tão singela, do prato azul- pombinho.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias

Mais. 23 ed. São Paulo: Global,

2014. p. 66-74.

A liberdade de expressão referente à leitura realizada extraclasse e também aos

poemas compartilhados em sala foi relevante para que o leitor percebesse diferentes olhares

sobre a mesma obra.

Nesse contexto de leitura dos poemas de Cora Coralina, foi passada na lousa a seguinte

proposta de produção a partir de uma situação discursiva (fictícia), com o objetivo de

perceber, de modo mais crítico-avaliativo, a percepção dos alunos sobre a poesia de Cora

Coralina e, em específico, o ponto de vista sobre o livro lido.

Assim:

Situação discursiva:

PRODUÇÃO TEXTUAL:

A. Suponha que um grupo de brasileiros e estrangeiros pertencentes a um

grande CLUBE DE LEITURA pretende visitar a cidade de Goiás para

conhecer melhor a poesia de Cora Coralina. Você como leitor/a da poeta e

como morador(a) da mesma cidade dela poderá ajudá-lo. Para tal, escreva

uma carta para lhes entregar na Ponte da Lapa (antes de eles entrarem na

Casa Museu).

B. Escrever uma carta para Cora Coralina, como se ela ainda vivesse na casa

velha da Ponte, falando de sua criação poética, sua percepção diante da

leitura do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. Pode citar

alguns versos ou estrofes, usar recursos linguísticos para deixar sua escrita

mais elaborada. É o momento de soltar a imaginação, pois trata-se de uma

carta fictícia e você pode ser criativo ao escrever o seu texto.

Seu texto deve ser convincente, portanto, apresente o seu principal livro, que

é Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais, os poemas importantes que

lhe tenham chamado a atenção, fale de seu sentimento/orgulho em relação ao

fato de morar na mesma cidade dela e das sensações possíveis com a leitura

dos poemas.

Para motivar a produção, a professora mediadora leu a carta que Carlos Drummond de

Andrade escreveu a Cora Coralina:

Rio de Janeiro, 14 de junho,

1979

Cora Coralina

84

Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de

que ele as deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que

vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo

tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você me dá saudades de

Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no

coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.

Todo o carinho, toda a admiração do

seu

Carlos Drummond de Andrade

Como atividade extraclasse, os estudantes levaram o segundo questionário estruturado

para ser respondido e entregue no próximo encontro, para via de análise e comparação com o

primeiro. Alguns alunos estavam em sala presencial e outros on-line. Para estes, o

questionário estava à disposição na recepção do colégio.

É relevante salientar que, segundo Pilati (2018), os parâmetros metodológicos

empregados no trabalho com a poesia em sala de aula podem ser ligados a quatro elementos

essenciais na leitura crítica que são:

1. a mensagem que o poema nos apresenta e a ressonância disso em nossa própria

subjetividade;

2. os elementos propriamente textuais de que o poema se compõe;

3. a relação que se estabelece entre esses elementos;

4. os dados da realidade exterior ao poema que a sua dinâmica interna convoca

(PILATI, 2008, p. 76).

Para o autor, uma leitura completa de um texto literário deveria articular,

dinamicamente, esses quatro componentes essenciais do ato de leitura. Isso, é claro, se a

intenção do leitor é a de respeitar a especificidade estética do texto e de avaliá-lo criticamente

(PILATI, 2018, p. 77).

Nesse ambiente de contato direto com o gênero carta, iniciou-se o sexto encontro (dia

01/10/2021) com a entrega do segundo questionário respondido, disponibilizando tempo para

as possíveis dúvidas obtidas ou comentários a seu respeito, para que, posteriormente, o início

da leitura de algumas cartas e sua apreciação ocorresse num ambiente propício à atividade.

A situação de produção partiu do leitor, morador da cidade de Goiás, para um grupo de

brasileiros e estrangeiros pertencentes a um grande CLUBE DE LEITURA que pretendia

visitar a cidade de Goiás para conhecer melhor a poesia de Cora Coralina. E a outra situação,

a escrita de uma carta à própria escritora como se ela ainda vivesse na casa velha da Ponte.

Os participantes escreveram a carta obedecendo à estrutura textual do gênero, algumas

vezes recorrendo à linguagem mais poética; outras, a uma mais informativa.

Os fragmentos das cartas a seguir confirmam tais considerações:

85

(...) Que bom que vocês vieram visitar a nossa cidade formada por versos da

nossa querida poetisa Cora Coralina. Cada pequeno espaço dessa cidade

canta ao vento seus poemas escritos com tanta beleza e simplicidade... (M. S.

F. O.)

Aos turistas que desejam se aventurar nesse mundo de lembranças (,..) Tudo

contado de maneira tão intrigante, tão interessante, que em um mísero

instante, você se sente da cidade, dessa cidade de mistérios, e cheia de

antiguidades, cidade bem pequena, porém, minha cidade. (H. M. F.)

Querida Cora, que apresentou a cidade de Goiás ao Brasil com seus lindos

poemas. Eu fico feliz por ler o seu livro Poemas dos Becos de Goiás e

Estórias Mais e também fico feliz por morar na mesma cidade que você

morou.... (G. N. F)

(...) Sinto muito orgulho de fazer parte dessa cidade onde a senhora eternizou

a sua história de vida como mulher batalhadora, doceira e poetisa.... (D. S.

F.)

(...) Sinto-me agraciada por poder expressar minha admiração através do

embalo dessas palavras. Após a leitura de sua belíssima obra Poemas dos

Becos de Goiás Estórias Mais me pego pensando e repensando nas palavras

e oceanos de conhecer e vivências... (H. K. R. S.)

(...) Cora Coralina, você soube guardar suas histórias da casa velha da Ponte

como uma parte de você... (H. S. D.)

É oportuno ainda relatar, na íntegra, algumas cartas produzidas pelos participantes

jovens leitores que conseguiram uma junção significativa de leitor, texto e autor, trabalhando

a sua subjetividade no entremeio da carta. Cartas que também contemplam a produção do

documentário. Segundo Ecléa Bosi (1994, p. 426),

Tal como as plantas, que na estação da seca se imobilizam e brotam nas primeiras

chuvas, certas lembranças se renovam e em certos períodos dão uma quantidade

inesperada de folhas novas. Como planta que se fortalece com a enxertia – outros

ramos se nutrem de suas raízes e frutificam com vigor renovado, chamando para si a

seiva dos galhos originais – a enxertia social não deixa que as lembranças se

atrofiem.

Os alunos leitores, ao escrever poemas, cartas ou textos de outros gêneros já começam a

trabalhar esse ato de fertilização. A seguir, são transcritas duas cartas escritas pelos alunos e

que também compuseram o documentário abrindo e fechando-o, respectivamente. Assim diz a

primeira:

Goiás, 29 de setembro de 2021.

Cara Cora Coralina,

86

Hoje me peguei pensando em como é maravilhoso chegar a velha Casa da

Ponte e já de longe avistá-la, admirando as mais lindas cores refletidas nas

águas do Rio Vermelho. Como é mágico lhe encontrar em cada verso, dos

mais diversos poemas por ti criados.

O mundo se encanta com cada detalhe escrito de forma tão apaixonada,

contando tradições de um povo sofrido, de forma a apresentar para o mundo

nossas lavadeiras, nossos becos e a nossa humilde cidade. Dá gosto conhecer

Goiás de sua infância!

"Eu sou aquela mulher que ficou velha, esquecida", através das poesias

conheço o passado tão lindo e por todos os cantos do mundo recontado pela

"menina feia da ponte da Lapa". Através das diversas linhas tenho orgulho

em conhecer tão valiosa mulher e poetisa, a pequena "Aninha", "Contando

teu passado, contando teu futuro". É assim que agradeço, querida Cora

Coralina, por apresentar as simples belezas do nosso Goiás para o mundo.

Com carinho,

L. E. C. B. M. F.

Goiás, 28 de setembro de 2021.

Querida Cora,

Eu escrevo a você essas palavras porque você, mulher, é especiaria entre as

outras, carrega em suas palavras força e atitude de uma mulher guerreira,

trabalhadora e que não se cansa de ver a vida em suas diversas maneiras, me

apaixonei pelos seus olhos, que enxergam tudo com poesia.

Seus poemas dos Becos de Goiás mostram vida, a vida que não vemos e não

valorizamos, vida que você viveu. Cora, de limpar casa e lavar roupa, até

nisso você mostra beleza.

Cora, que graça existe em você? Não posso mais ser a mesma, seus textos

transformam e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces,

viva na cidade e viva em nós.

De sua leitora,

E. R. C.

São duas cartas que demonstram que os alunos leitores escrevem de forma sensível,

expressiva, crítica e madura, trazendo, nas palavras, sentimentos profundos relativos aos

Becos de Goiás e estórias mais, o que, para Carlos Drummond de Andrade (2013, p. 45), em

seu texto Poesia, evidencia essas inquietações do sujeito lírico vinculadas ao caráter

introspectivo.

Poesia

Gastei uma hora pensando um verso

que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro

inquieto, vivo.

Ele está cá dentro

e não quer sair.

Mas a poesia deste momento

87

inunda minha vida inteira.

A estudante e leitora E. R. C., em “Não posso mais ser a mesma, seus textos

transformam e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces, viva na cidade e

viva em nós”, traz esse momento referido por Drummond de inundar a vida inteira.

A produção escrita de carta motivou as mais variadas criações artísticas: de memórias a

poemas todos foram tecidos de maneira criativa. Aqui, temos:

Cora Coralina,

Delineou os traços de sua vida, guardou suas raízes e escreveu sua

história. Por mais inesperado que lhe tenha parecido o seu objetivo, hoje da

forma mais delicada e valiosa seu propósito inspira outras pessoas em forma

de palavras.

Em seu principal livro, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, você

soube preservar os tesouros da humanidade que são nossas raízes, nossa

cidade, não só em poesia, mas em emoções, em histórias, contadas por você

"que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando

flores."

Com muito carinho,

L. M. G. C.

Cora,

Aqui deixo esta carta

Que caminha entre os morros e pisa sobre pedras.

Amo-ti como água que corre no rio

Como a lavadeira usa seu anil.

Tua poesia é de iluminar os olhos

Tu és a mulher à frente de seu tempo

Desejo-te todas as flores da primavera

Todas as sementes que caem, enraizam, crescem e florescem.

Desejo-te o canto dos passarinhos livres,

E o encanto dos enamorados

Desejo que tua poesia seja ouvida

E levante a voz de outras mulheres

Para que elas sejam donas de si e de seus caminhos

Assim como você soube tão bem fazer.

Com a saudade de quem ti conhece pelos versos.

C. O. S.

Posteriormente, foram projetados os textos “Cora Coralina, de Goiás”, de Carlos

Drummond de Andrade, e um trecho do livro Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio

Emílio Braz. Vejamos as Figuras 2 e 3:

88

Figura 2 - Texto de Carlos Drummond de Andrade ao Jornal do Brasil

Fonte: Jornal do Brasil, 1980.9

Figura 3 - Fragmento do livro Só entre nós: Abelardo e Heloisa, de Júlio Emílio Braz

Legenda: A história Só entre nós: Abelardo e Heloísa é, na maioria das vezes, narrada a partir do ponto de

vista de Carlos Abelardo Peçanha Filho, vulgo Abelardo, que tenta suprimir sua solidão e tristeza através de

cyber amizades, vivia viajando em busca de um amigo, até que surge este anúncio.

Fonte: BRAZ, Júlio Emílio. Só entre nós: Abelardo e Heloísa, Saraiva, 2005.

9 Disponível em: https://pt-br.facebook.com/218303838230682/photos/carlos-drummond-de-andrade-

descortinou-o-talento-de-cora-coralina-com-a-cr%C3%B4nica-/551581544902908/

89

Houve também um momento de comentários sobre a possibilidade de estabelecer troca

e-mails/cartas referentes à leitura da poesia de Cora Coralina com outros estudantes de

instituição de ensino e cidade diferentes. Eles acolheram a ideia como interessante, mas

inseguros pelo fato de a mediação ser com uma turma de nono ano. O enunciado que foi

passado na lousa para todos os alunos é o que se segue.

Falar da possibilidade de interagir com outros adolescentes também leitores das obras de Cora

Coralina. Fazer amizades, trocar ideias, sentimentos e impressões acerca de seus poemas. A carta,

por muito tempo, foi portadora de emoções. Hoje, no mundo contemporâneo, temos o e-mail, que

encurtou a distância e o tempo. Então, vamos trocar cartas reais por e-mail com os estudantes-

leitores do nono ano do CEPAE – Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, uma interação

e diálogo através da leitura literária de Cora Coralina.

Nesse escopo, começou a esboçarem-se os e-mails com troca de ideias entre os colegas.

Devido ao tempo, o término da produção textual ficou como atividade extraclasse e que fosse

enviada ao aluno correspondente do CEPAE que também estava lendo uma das obras de Cora

Coralina, Meu livro de Cordel. A mediação foi estabelecida entre as duas turmas leitoras de

Cora Coralina. Nesse sentido, Tereza Colomer (2007, p. 70) acrescenta que é conveniente

propor atividades que mobilizem a capacidade de raciocinar, que permitam aprender enquanto

se realizam os exercícios, de maneira que as crianças/jovens entendam mais a obra quando

terminam a tarefa. Devido às dificuldades advindas do ensino on-line, alguns estudantes não

concretizaram a troca de e-mail de acordo com a proposta. Vejamos algumas mensagens que

foram trocadas:

Figura 4 – Mensagens trocadas entre os participantes da pesquisa

90

Fonte: Dados da pesquisa, 2021.

Os alunos gostaram da experiência de troca de mensagens com jovens de outra cidade,

de outra escola e de outro ano escolar. Os adolescentes vivem conectados às redes sociais,

mas têm pouca experiência com troca de e-mails. Foi uma proposta de criação literária

diferente e ambas as partes pareceram mais espontâneas para expor suas impressões de

leitura. Sem dúvida, a atividade, fundamentada na proposta bakhtiniana de um ensino de

língua que parta de uma prática social, pareceu muito eficaz tanto do ponto de vista

linguístico quanto de formador de opinião sobre a cultura literária e seu espaço social.

O próximo encontro aconteceu do dia 11/10/2021 a 15/10/2022, semana de gravação do

documentário. O início se deu com a explicação sobre o roteiro do curta-metragem, momento

de sanar as dúvidas, familiarizar os alunos com o cenário de gravação. Foram encerrados os

91

trabalhos em sala de aula com os alunos eufóricos e entusiasmados com a nova atividade de

leitura literária e produção do filme.

O primeiro set de filmagem foi na biblioteca e nas dependências do colégio do CEPMG.

Nos dias seguintes, os sets de filmagem passaram pelo Largo da Carioca, Palácio Conde

dos Arcos, ruas e becos da cidade, finalizando na ponte e porta do Museu Casa de Cora

Coralina.

É oportuno ressaltar que o roteiro do documentário foi idealizado a partir das produções

e vídeos gravados pelos estudantes durante as aulas e a execução da sequência didática de

literatura (Apêndice 2).

Todo o trabalho foi planejado e desenvolvido no período da pandemia COVID-19 e,

pois, as dificuldades foram muitas devido aos cuidados necessários para a não contaminação.

Mas o resultado foi muito positivo. Era perceptível a alegria dos alunos nos sets de gravação.

Na oportunidade, enfatizamos que um documentário também é uma forma de leitura, dado

que, conforme Bordini e Aguiar (1993, p. 14-15), constrói-se, na obra literária, um mundo

possível, no qual os objetos e processos nem sempre aparecem totalmente delineados. Esse

mundo, portanto, envolve lacunas que são automaticamente preenchidas pelo leitor de acordo

com sua experiência. O mesmo acontece com os documentários.

Assim, concluiu-se a leitura literária dos Poemas dos becos de Goiás e estórias mais

com os estudantes do oitavo ano do CEPMG-Unidade João Augusto Perillo e alguns

pressupostos estão hoje claros: primeiro, a leitura não pode ser desvinculada da realidade do

aluno; segundo, a figura do mediador é importante na construção da ponte que liga o leitor

iniciante ao texto. Segundo Jouve (2002, p. 109-110), uma das experiências mais

emocionantes da leitura consiste em proferir mentalmente ideias que não são nossas; depois, a

implicação do leitor no universo textual pode adquirir formas muito diferentes. Depende, em

grande parte, da distância histórica que o separa da obra lida; e, quando o leitor está separado

da obra por uma grande distância temporal, o mediador deve cuidar sobretudo de reconstruir a

situação histórica do texto.

Assim, o trabalho do professor mediador com adolescentes inseridos numa sociedade

digital é um grande desafio. A proposta de trabalho com a leitura literária, no caso o poema,

precisa sair da tradicional sala de aula e interagir com a realidade do aluno.

A construção do documentário implicou leituras além dos Poemas dos becos de Goiás:

o texto poético suscitava a direção e o cenário para o set de gravação extrapolava as

informações trazidas pela obra.

92

Como o ano 2021 foi muito peculiar por causa das restrições sanitárias em razão da

pandemia de COVID 19, os alunos tiveram acesso ao documentário pronto em 2022, já como

alunos do nono ano, o que não implicou dificuldades, pois ainda somos a professora

mediadora dos estudantes da série em foco. O produto educacional acabou sendo uma ponte

da leitura literária de 2021 para 2022 e, a partir daí, os alunos foram motivados para novos

textos.

3.2 Leitura de poesia na escola antes e depois: os dados dos questionários

O estudo acerca dos questionários semiestruturados está descrito propositalmente depois

das sequências didáticas para estabelecer um quadro comparativo do acesso dos alunos ao

mundo literário antes e depois do projeto de leitura. A análise de dados requerer antes um

planejamento sério e a avaliação de todos os dados obtidos na pesquisa. Segundo David Tripp

(2005, p. 453), deve-se planejar tanto para a mudança na prática quanto para a avaliação dos

efeitos dessa mudança na prática. Isso é importante na pesquisa-ação, porque o planejamento

de como avaliar esses efeitos é, no geral, mais rigoroso do que em muitos outros tipos de

investigação-ação.

Destarte, Zilberman (1988, p. 53) aponta para a maturidade de leitor, construída ao

longo da intimidade com muitos e muitos textos: leitor maduro é aquele para quem cada nova

leitura desloca e altera o significado de tudo o que já leu, tornando mais profunda sua

compreensão dos livros, das gentes e da vida.

O primeiro questionário foi aplicado no início das sequências didáticas, para perceber a

recepção da leitura de poemas na escola. Foram cinco questões norteadoras. O segundo

questionário foi disponibilizado ao término do projeto de leitura literária. A própria Cora

Coralina esboçou, em um de seus escritos, que a caminhada percorrida é de singular

importância, pois dela se pode despertar, mais tarde, um leitor de poema. Os Quadros 2 e 3

contêm as perguntas dos dois questionários semiestruturados.

Quadro 2 - Questionário respondido de acordo com a vivência e experiência diária dos alunos

Questões:

93

1.Você lê poesia na escola?

2. Você gosta de poesia?

3. Cora Coralina é conhecida como a “poeta da cidade de Goiás”, aquela que projeta a cidade

para um cenário da cultura nacional. Você conhece algum poema da autora? Seria capaz de

lembrar de seu título ou de alguns versos?

4. Como considera importante a leitura de poemas de Cora Coralina nas escolas?

5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, pode contribuir para

uma formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta.

Fonte: Dados coletados da pesquisa, 2021.

Quadro 3 – Questionário respondido de acordo com as vivências e experiências, após a leitura do livro

de Cora Coralina Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais

Questões:

1. Você gosta de poesia?

2. Depois de conhecer um pouco mais da produção de Cora Coralina, como foi a sua

proximidade com os poemas da autora?

3. Trabalhar com poemas de uma autora que faz parte do cenário de sua cidade e de sua história

foi capaz de estimular em você a curiosidade para conhecer outros poetas? Justifique sua

resposta.

4. Na sua opinião, a leitura literária dos poemas de Cora Coralina em sala de aula deve fazer

parte da rotina escolar?

5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma

formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta. Fonte: Dados coletados da pesquisa, 2021.

O trabalho com poesia em sala de aula foi muito significativo e isso foi perceptível

principalmente nas atividades de leitura dos poemas, na gravação dos vídeos e na produção do

documentário. Tivemos, inclusive, alunos incentivando a leitura do colega durante as

gravações no sentido de acrescentar o que o poema dizia. Isso é resultado de ler o que o texto

traz. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não deixa de ser uma forma de

experimentação em situação real, na qual os pesquisadores intervêm conscientemente. Os

participantes não são reduzidos a cobaias e desempenham um papel ativo.

É evidente que, ainda que o projeto tenha mostrado diversas características positivas, é

inquestionável a ausência de um projeto sólido e permanente de incentivo à leitura literária de

poesia nas escolas e, neste caso, de apreciação à poesia de Cora Coralina, de valorização da

literatura goiana e da cultura local. Também é notável que essa ausência cria em alguns

alunos efeitos indesejáveis, como a falta de interesse pela leitura de escritores de tão perto.

Nesse sentido, segue Thiollent:

Uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma

ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação. Além

disso, é preciso que a ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação

problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida

(THIOLLENT, 2011, p. 21).

94

Nessa linha, os primeiros resultados foram satisfatórios: a maioria reconheceu que a

leitura de poemas de Cora Coralina tem muito a acrescentar na formação dos estudantes. A

leitura literária pode nos preparar para uma transformação, e a transformação final tem,

primeiro, caráter subjetivo para, depois, atingir o mundo externo.

Vejamos a representação gráfica dos questionários 1 e 2.

Gráfico 1 - Primeiro questionário do 8º ano

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Gráfico 2 - Segundo questionário do 8º ano

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Ficou relevante que a literatura pode contribuir para a formação leitora dos jovens

estudantes, porque houve unanimidade em relação à importância da leitura dos poemas de

Cora Coralina em sala de aula.

Vejamos como alguns alunos veem essa contribuição de acordo com o questionário 1:

“Eu acredito que sua importância se dá pelas suas raízes, pelo resgate do

conhecimento de um tempo, cultura e vivência, que aos poucos vai se

95

modificando, mas não se perde, pois nunca deixa de ser o que um dia foi.”

(A. E. F.).

“Muito importante, principalmente em nossa cidade, já que Cora é um

símbolo desta e muitos moradores não se interessam por seus poemas.” (B.

L. N. S.),

“A leitura de poemas de Cora é importante não só nas escolas, mas para

todos, pois com eles conhecemos uma infância sofrida dessa “cabocla velha

de mau olhado”, que construiu as histórias da cidade.” (L. M.G. C.).

“Eu considero a leitura dos poemas de Cora Coralina nas escolas importante

tanto pela cultura e também pelo fato dela ter sido uma poetisa da cidade de

Goiás” (M. C. S. O.).

Para Andruetto (2017, p. 29), a poesia é carregada de possibilidades e, no ato de ler,

um livro se recolhe de sua condição de objeto que tem dono para se converter num ser vivo,

capaz de nos interrogar, de nos perturbar e de nos ensinar a olhar zonas ainda não

compreendidas de nós mesmos.

Na oportunidade, vários alunos já conheciam alguns poemas da autora em estudo pelo

fato de ser uma escritora da cidade e a cidade acolher turistas para visitação do Museu Casa

de Cora Coralina. As escolas da cidade de Goiás tentam desenvolver um trabalho de leitura

dos poemas de Cora, apesar de ainda não terem alcançado um trabalho de excelência. Talvez

a inserção nas escolas advenha do fato de a cidade promover o nome da autora em vários

contextos sociais, como “As coralinas”, que são mulheres que divulgam o artesanato local e a

criação literária da autora; e o artesanato “Cabocla criações” - um projeto de mulheres

bordadeiras que se encontram em regime de cárcere na prisão da cidade, que bordam, nas

peças, versos da poetisa Cora Coralina. E a cidade contém o diferencial de ter estudiosos e

pesquisadores da literatura coralineana preocupados com seu alcance à sala de aula. A

pergunta 3 oportuniza o conhecimento e a lembrança de algum poema da autora. É notável

que os alunos conhecem os poemas mais populares da autora:

“Conheço, posso citar o nome de alguns poemas, como: Rio Vermelho e

Becos de Goiás. Também posso citar dois versos de um de seus poemas: ‘Eu

sou aquela menina feia da Ponte da Lapa/Eu sou Aninha’”. (B. L. N. S.);

“Sim, a estória do aparelho azul pombinho”. (H. M. F.); [e somente uma

estudante citou um diferente]

“Conheço muitos poemas da autora, porém tenho um preferido e será dele

que vou falar: “Mulher da vida”; ela vem do fundo imemorial das idades e

carrega a carga pesada dos mais torpes sinônimos; indestrutíveis,

sobreviventes” (L. M. G. C.).

Era esperado que alguns não se lembrassem e que os poemas fossem os mais

conhecidos.

96

Visivelmente, o dado que requer mais atenção é o do predomínio do acesso de leitura

literária na escola, que muitas vezes, o texto poético é pretexto para outros fins, distanciando-

se como obra literária.

A representação gráfica das perguntas “Você lê poesia na escola?” e “Você gosta de

poesia?” – foi como abaixo.

Gráfico 3 - Você lê poesia na escola?

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Gráfico 4 – Você gosta de poesia?

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Ainda referente ao primeiro questionário, na pergunta 2 - “Você gosta de poesia?” -

os 35 alunos disseram que sim, com boa fundamentação:

“Sim. Poesia é um gênero textual que me encanta por ser expressiva e

conseguir passar para o leitor muito mais que um conjunto de palavras

97

bonitas e sim sentimentos e emoções que se adaptam aos pensamentos e

geram transformações.” (H. K. R. S.);

“Sim, porque transmite sentimentos em simples letras, a arte da poesia nos

toca de uma forma transformadora que nos humaniza com singelas

palavras.” (C. O. S.);

“Sim, a poesia é importante para mim, pois percebo que nela é possível

expressar o que sentimos de forma profunda, as palavras em poesia sempre

nos tocam mais.” (L. M. G. C.).

No questionário 2, a mesma pergunta obteve um número menor de alunos que

“gostavam de poesia”. Atribuo isso ao fato de o conhecimento que tinham até o momento ser

atribuído à leitura declamada em datas comemorativas e de, quase sempre, o poema ser usado

como pretexto para um outro conteúdo, sem dele fazer uma leitura significativa. Assim,

alguns estudantes pontuaram:

“Não muito, pois acho a escrita e os textos muito bonitos, mas na maioria

das vezes não consigo entender o que o poema quer dizer ou mostrar.” (M.

S. F. O.);

“Não muito, pois exige mais esforço na interpretação.” ( B. L. N. S.);

“Mais ou menos, depois de ler o livro de Cora Coralina eu comecei a gostar

um pouco mais.” ( M. S. F.O.);

“Antes não, agora sim.” (B. L. N. S.) [mesmo com o resultado mais negativo

não houve a rejeição total do gênero].

Para Paz (1982, p. 29-30), o poema é uma possibilidade aberta a todos os homens,

qualquer que seja seu temperamento, seu ânimo ou sua disposição, e cada leitor procura algo

no poema, sendo que o que procura já está dentro dele mesmo. Nesse sentido, o poema

consegue atingir o âmago do sujeito leitor.

O trabalho de mediação com poemas em sala de aula é contínuo e, se conseguirmos, a

cada ano, despertar mais alunos para a leitura do poético e inseri-lo no cotidiano escolar,

futuramente teremos um número maior de leitores de poesia.

A deficiência de leitura nas escolas vai além do texto poético – pode-se dizer que temos

uma geração acomodada em relação ao que o texto diz. De acordo com Paz (1982, p. 187), a

experiência poética é uma revelação de nossa condição original. E essa revelação é sempre

resolvida numa criação: a de nós mesmos. Só isso já seria um motivo para trabalhar o texto

poético em sala de aula.

De acordo com as produções dos alunos, pela rotina da sala de aula e a recepção dos

textos coralineanos, o resultado do projeto foi positivo, ainda que seja válido sempre ressaltar

as dificuldades inerentes ao formato das aulas on-line quando a leitura se depara com

barreiras até então inexistentes, principalmente relativas à coletânea Becos de Goiás, cujos

textos são longos.

98

Vejamos a representação gráfica comparativa – final do projeto, nos Gráfico 5 e 6.

Gráfico 5 - A leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma formação

leitora mais consciente e significativa?

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Gráfico 6 – Comparativo entre os questionários

Fonte: Dados coletados em sala de aula, 2021.

Diante desse resultado, fica evidente que um trabalho sólido com leitura de poemas em

sala de aula só tem a acrescentar para uma formação leitora mais consistente e significativa.

Também estimula a curiosidade de conhecer outros poetas. Assim, como resposta ao

questionário 2, temos:

99

“Sim, porque além da poesia edificar nossa alma, os poemas desenvolvem

nossa mente.” (L.L.F.D.);

“Não saberia dar uma resposta direta, uma vez, que acredito que uma

formação leitora dependa única e exclusivamente do aluno leitor.” (A.E.F.);

“Sim, a leitura nos ensinou várias coisas importantes, além de nos ajudar a

nos reconhecer através de poemas nos ajuda a conhecer a nossa cidade.”

(M.B.P.);

“Sim, posso dizer pela minha experiência que a leitura desses poemas além

de ajudar na formação leitora mais consistente gerou o desejo de descobrir

mais desse mundo literário.” ( H.K.R.S.);

“Sim, logo depois de ler os poemas de Cora Coralina pude ter a experiência

de ler Carlos Drummond de Andrade.” (O.O.F.).

Para Andruetto (2017), a eficácia do trabalho com a poesia em sala de aula não vem do

fato de o poema nos oferecer soluções, mas porque nos sugere perguntas, porque problematiza

o que nos foi naturalizado, o que é uma das funções fundamentais da arte; questiona o aceito,

recebe nossas sombras, os riscos da vida que vivemos e da sociedade na qual transitamos.

Se o número de alunos que respondeu que gosta de poesia conseguir tornar-se um leitor

emancipado, descobrir novas leituras e dialogar com o texto – sair do texto e retornar para si –

o ganho será enorme. E é isso que descreve o gráfico 4, que reduziu o número de alunos com

afinidades com a leitura poética.

Não podemos esquecer que estamos vivendo numa época em que o leitor é passivo e

não no sentido de buscar informações em livro físico: é um leitor de signos visuais e a rapidez

faz a diferença. A própria literatura já se encontra disponível em plataformas de fácil acesso,

já compartilha textos em pouco espaço de tempo. Para Hélder Pinheiro (2012, p. 129), a

leitura de um poema é muitas vezes escutar a voz da alma, permitir o extravasar das emoções,

desprender-se das contingências limitadoras para experimentar o sentimento de liberdade

impossível, a mesma que o poeta sentiu ao criar o poema.

Andruetto (2017, p. 133) enfatiza que, no que se refere à construção de leitores, estamos

tentando, como sociedade, como país, atravessar um desafio: converter em leitores os que

podem comprar livros e os que não podem; os que vivem nas grandes cidades e os que vivem

nos pequenos povoados, no campo, nas serras e nos montes; os que possuem uma família e os

que estão sozinhos na vida; os protegidos e os abandonados e desgarrados; os que estão livres

e os que estão na cadeia; os obedientes e os que brigam com a lei...Trata-se de um desfio

histórico, um imperativo alimentado pela convicção de que ler, como outros direitos, é um

direito de todos.

Nesse sentido, o texto poético precisa ocupar o centro das aulas de Língua Portuguesa.

100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Elencamos, nesta investigação, a leitura de poesia na sala de aula a partir das

constatações de Candido (2004, p. 180), “A literatura desenvolve em nós a quota de

humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a

101

sociedade, o semelhante” e “o que na literatura age como força humanizadora é a própria

literatura, ou seja, a capacidade de criar formas pertinentes” (ibidem, p. 182).

Outros escritores também fomentam essa contribuição da literatura na formação do ser

humano. Para Todorov (2010, p. 23), por exemplo, a literatura amplia o nosso universo,

incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que

os outros seres humanos nos dão. E, acrescenta Jouve (2012), que a leitura não é somente a

ocasião de enriquecer o saber sobre o mundo; ela permite também aprofundar o saber sobre si.

Inclusive o ápice da pesquisa que circunda a formação do jovem leitor também ressalta a

necessidade do trabalho com a leitura de poesia em sala de aula. O que Pilati (2018, p. 26)

destaca e que é fundamental neste trabalho é que não se pode perder de vista o potencial de

conhecimento humanizador propiciado pelo texto, considerado, é claro, na sua especificidade

estética. Nesse contexto, o autor enfoca que tal contribuição da leitura para a descoberta ou

para a construção de si não é nova, mas ganha destaque particular nestes tempos em que, bem

mais do que no passado, cabe a cada um construir sua própria identidade.

Nossa pesquisa e também Andruetto (2017, p. 39) acentuam que:

Através do discurso poético, abrimos mão da linguagem objetiva, lógica,

sistemática, impessoal, coerente e unívoca dos livros didático-informativos. Não por

acaso, as obras didáticas costumam apresentar um discurso muito semelhante entre

si, pois nelas a voz pessoal do autor praticamente desaparece. A razão é simples:

esse tipo de livro pretende que todos os seus leitores cheguem à mesma e única

interpretação. Para atingir tal objetivo não é possível, evidentemente, recorrer a

discursos que possam resultar em múltiplas leituras.

Infelizmente, a leitura literária de poemas não faz parte de todas as listas de materiais

indicadas pelas instituições de ensino, o dificulta que todos os jovens tenham acesso a ela.

Ainda para Andruetto (2017), o caminho da leitura é o da liberdade, a escola é uma igualadora

social, que reduz a brecha entre as crianças que provêm de lares donde o livro está presente e

de lares donde o livro está ausente. Diante de tais apontamentos, é irrefutável a necessidade de

o texto poético participar ativamente das leituras literárias nas séries finais do ensino

fundamental. O leitor jovem em formação busca, além do conhecimento de outros mundos, o

seu mundo interior, e a literatura não é o lugar de certezas, mas da dúvida.

Assim, finalizamos, por ora, o diálogo acerca da leitura de poemas como contribuição

na formação do jovem leitor. Que as análises tecidas possam despertar nos docentes do ensino

fundamental que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Retomando Andruetto

(2017, p. 145): desde o começo dos tempos, a literatura olha a singularidade humana, a luta de

102

um ser humano entre o que é e o quer ou pode ser. Ela busca uma verdade que nem começa

nem termina nas palavras.

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APÊNDICES

Apêndice 01. TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) e TALE (Termo de

Assentimento Livre e Esclarecido).

109

Apêndice 02. Sequência Didática e questionários

Apêndice 03. Produto Educacional

110

APÊNDICE 01

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA

MESTRADO – PPGEEB

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE - PAIS/RESPONSÁVEIS

Você na qualidade de responsável por ..........................................................................., está sendo

convidado (a) a consentir que o(a) menor participe, como voluntário (a), da pesquisa intitulada “LEITURA DE

POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em

sala de aula”. Meu nome é Edina Faria de Almeida sou a pesquisadora responsável pelo projeto, e minha área

de atuação é Literatura. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, se você consentir na

participação do menos sob sua responsabilidade neste estudo, assine ao final deste documento, que está

impresso em duas vias, sendo que uma delas é sua e a outra ficará comigo. Esclareço que em caso de recusa na

participação, não haverá penalização para nenhuma das partes. Mas se houver o aceite, as dúvidas sobre a

pesquisa poderão ser esclarecidas pela pesquisadora responsável, via e-mail edinafariaalmeida@hotmail ou

através de contato telefônico para o número (62) 9 84722010, inclusive com possibilidade de ligação a cobrar.

Ao persistirem as dúvidas sobre os direitos como participante desta pesquisa, você também poderá fazer

contato com o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Goiás (CEP/UFG)

pelo telefone (62)3521-1215, de segunda a sexta-feira, no período matutino. O CEP-UFG é uma entidade

independente, de caráter consultivo, educativo e deliberativo, no âmbito de suas atribuições, criado para

proteger o bem-estar dos/das participantes de pesquisa, em sua integridade e dignidade, visando contribuir

no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos vigentes.

A presente pesquisa tem como objetivo geral investigar como a arte de dialogar entre o leitor, poesia e

autor podem contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da

obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina. Livro que já consta na lista de leituras

literárias indicada para o terceiro bimestre. A participação do menor sob a sua responsabilidade é importante

para a realização desta pesquisa que tem o título “LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR

LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula”. Caso o menor

se sinta constrangido(a), é garantida a total liberdade de recusar a participar ou retirar seu consentimento a

qualquer momento, sem penalidade alguma.

A participação na pesquisa será voluntária, portanto, não haverá despesas pessoais ou gratificação

financeira decorrente da participação, caso haja despesas, elas serão ressarcidas.

111

Caso ocorra algum dano o direito a pleitear indenização para reparação imediato ou futuro, decorrentes

da cooperação com a pesquisa está garantido em Lei.

O sigilo e anonimato da sua autorização e da participação da criança (ou adolescente) na pesquisa será

preservada.

A divulgação do nome dele(a) somente acontecerá se for permitida por você, solicito que rubrique no parêntese

abaixo a opção de sua preferência:

( ) Permito a identificação do menor sob minha responsabilidade nos resultados publicados da

pesquisa.

( ) Não permito a identificação do menor sob minha responsabilidade nos resultados publicados

da pesquisa.

Eu ………………………………………………………….., abaixo assinado, autorizo

…………………………………………..………………, a participar do projeto intitulado “LEITURA DE

POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de

Cora Coralina em sala de aula”. Informo ter mais de 18 anos de idade e destaco que a participação dele(a)

nesta pesquisa é de caráter voluntário. Fui devidamente informado(a) e esclarecido(a) pela pesquisadora

responsável Edina Faria de Almeida sobre a pesquisa, os procedimentos e métodos nela envolvidos, assim como

os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação no estudo. Foi-me garantido que posso retirar

meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade. Declaro, portanto, que

concordo com a minha participação no projeto de pesquisa acima descrito.

Goiás, ........ de ............................................ de ...............

___________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) participante

__________________________________________________________________

112

Assinatura por extenso do(a) pesquisador(a) responsável

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TALE

Você está sendo convidado(a) a participar, como voluntário(a), da pesquisa intitulada LEITURA DE

POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de

Cora Coralina em sala de aula. Meu nome é Edina Faria de Almeida, sou a pesquisadora responsável e minha

área de atuação é Literatura. Após receber os esclarecimentos e as informações a seguir, se você aceitar fazer

parte do estudo, assine ao final deste documento, que está impresso em duas vias, sendo que uma delas é sua e a

outra ficará comigo. Esclareço que em caso de recusa na participação, em qualquer etapa da pesquisa, você não

será penalizado (a) de forma alguma. Mas se aceitar participar, as dúvidas sobre a pesquisa poderão ser

esclarecidas pela pesquisadora responsável, via e-mail [email protected] e, através do seguinte

contato telefônico: (62) 9 84722010, inclusive com possibilidade de ligação a cobrar. Ao persistirem as dúvidas

sobre os seus direitos como participante desta pesquisa, você também poderá fazer contato com o Comitê de

Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, pelo telefone (62)3521-1215, que é a instância

responsável por dirimir as dúvidas relacionadas ao caráter ético da pesquisa. O Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Federal de Goiás (CEP-UFG) é independente, com função pública, de caráter consultivo, educativo

e deliberativo, criado para proteger o bem-estar dos/das participantes da pesquisa, em sua integridade e

dignidade, visando contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos vigentes.

A presente pesquisa tem como objetivo geral investigar como a arte de dialogar entre o leitor, poesia e

autor podem contribuir para o processo de formação do leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da

obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina. Livro que já consta na lista de leituras

literárias indicada para o terceiro bimestre. Portanto, como sou a professora regente da turma, trabalharemos em

nossas aulas, como todos os bimestres fazemos com a leitura literária, que é uma rotina comum nas aulas de

Literatura. Coleta de dados, entrevistas, questionários e realização de atividades acontecerão durante as aulas ou

como atividade extraclasse e para isso deverá reservar um período de uma hora, caso necessário. Você tem

direito ao ressarcimento das despesas decorrentes da cooperação com a pesquisa, inclusive transporte e

alimentação, se for o caso.

Em caso de danos, você tem o direito de pleitear indenização, conforme previsto em Lei.

Se você não quiser que seu nome seja divulgado, está garantido o sigilo que assegure a privacidade e o

anonimato. As informações desta pesquisa serão confidenciais e serão divulgadas apenas em eventos ou

publicações científicas. Quantos a benefícios, essa pesquisa ensejará a aproximação do(a) aluno(a) com o texto

poético com vistas a contribuir para uma formação leitora mais consistente e efetiva, proporcionando maior

autonomia, criticidade e criatividade. Os riscos da pesquisa serão mínimos. No máximo, um ou outro aluno

poderá se sentir constrangido quando instado a fazer a leitura em voz alta ou quando for gravar algum

videopoema. Caso o (a) aluno (a) não sinta confortável durante a realização de alguma atividade, o (a) mesmo

(a) poderá ser apenas ouvinte, e se ocorrer alguma situação mais grave e inesperada o(a) aluno (a) terá todo

atendimento e acompanhamento necessário.

Durante todo o período da pesquisa e na divulgação dos resultados, sua privacidade será respeitada, ou

seja, seu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de alguma forma, identificar-lhe, será mantido em

sigilo. Todo material ficará sob minha guarda por um período mínimo de cinco anos. Para condução da coleta é

necessário o seu consentimento faça uma rubrica entre os parênteses da opção que valida sua decisão.

Será necessário a utilização de um gravador ou filmadora. (somente quando necessário)

( ) Permito a utilização de gravador durante a entrevista.

( ) Não permito a utilização de gravador durante a entrevista.

113

As gravações serão utilizadas na transcrição e análise dos dados, sendo resguardado o seu direito de ler

e aprovar as transcrições.

Pode haver necessidade de utilizarmos sua voz em publicações. Faça uma rubrica entre os parênteses da

opção que valida sua decisão:

( ) Autorizo o uso de minha voz em publicações.

( ) Não autorizo o uso de minha voz em publicações.

Pode haver também a necessidade de utilizarmos sua opinião em publicações, faça uma rubrica entre os

parênteses da opção que valida sua decisão:

( ) Permito a divulgação da minha opinião nos resultados publicados da pesquisa.

( ) Não Permito a divulgação da minha opinião nos resultados publicados da pesquisa.

Pode haver também, a necessidade de utilizarmos sua imagem em publicações, faça uma rubrica entre

os parênteses da opção que valida sua decisão:

( ) Permito a divulgação da minha imagem nos resultados publicados da pesquisa.

( ) Não Permito a divulgação da minha imagem nos resultados publicados da pesquisa.

1.2 Consentimento da Participação da Pessoa como Sujeito da Pesquisa:

Eu, ................................................................................................................., abaixo assinado, concordo em

participar do estudo intitulado LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA

EDUCAÇÃO BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula. Informo ter ________ anos

de idade e destaco que minha participação nesta pesquisa é de caráter voluntário. Fui devidamente esclarecido

(a) pela pesquisadora responsável Edina Faria de Almeida sobre a pesquisa, os procedimentos e métodos

envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação no estudo. Foi-me

garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.

Declaro, portanto, que concordo com a minha participação no projeto de pesquisa acima descrito.

Goiás, ........ de ............................................ de ...............

___________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) participante

__________________________________________________________________

Assinatura por extenso do(a) pesquisador(a) responsável

114

APÊNDICE 02

Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

OBJETIVO GERAL

Este projeto de pesquisa tem como objetivo geral investigar como o

dialogismo entre o leitor, poesia e autor podem contribuir para o processo de formação do

leitor literário na Educação Básica por meio da leitura da obra Poemas dos Becos de Goiás e

Estórias mais, de Cora Coralina.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Investigar possibilidade metodológica de leitura de poemas que instiguem a relação

leitor-poesia;

• Conhecer e apreciar os textos poéticos de Cora Coralina;

• Descobrir na leitura dos poemas o ritmo e a entonação sonora adequada;

• Contextualizar os poemas Dos Becos de Goiás e Estórias Mais à realidade do aluno

com maior enfoque na memória e identidade.

• Relatar a experiência desenvolvida em sala de aula e analisar os resultados obtidos

• durante a pesquisa.

115

1ª Sequência Didática

PRIMEIRO ENCONTRO (DIA 02/09/2021) = 2 AULAS

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

• Conversar informalmente sobre a pesquisa;

• Explicar sobre as informações contidas no TALE (Termo de Assentimento Livre e

Esclarecido) e TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido);

• Comentar sobre o produto educacional: documentário em que mesclem a linguagem

acadêmica/pedagógica e poética.

• Direcionar o primeiro questionário a ser preenchido em casa.

• Orientar sobre a entrega dos documentos a serem assinados e preenchidos, a fim de

evitar aglomeração, devido à pandemia COVID-19.

• Dialogar sobre possíveis dúvidas existentes.

• Ler o texto “As tranças de Maria”, de Cora Coralina, que compõe sua coletânea de

poemas. Leitura intercalada pelos alunos e comentada pela mediadora e pesquisadora,

também, projetada em retroprojetor para que todos tenham acesso mais significativo.

AVALIAÇÃO

• Qualitativa e feita por meio de encontros semanais, os quais permitirão avaliar a

interação, apreensão, motivação e aceitação do trabalho por parte dos estudantes e a

reação dos pais diante da proposta de trabalho, o que possibilitará reavaliar a

metodologia utilizada e, caso necessário, alterá-la para garantir o alcance dos

resultados esperado.

116

As tranças da Maria

O caso do Izé da Badia...

Era do que a gente falava Era só o que se ouvia.

O Izé ficou leso, atoado pelos

campos.. Perdeu sua fé de vaqueiro

Consagrado nas vaquejadas.

Não mais seu canto violeiro,

seu chamado boiadeiro. O aboio do seu berrante

que a gente ouvindo distante

dava a pinta do ponteiro:

lá evai o Izé da Badia, o rei dos vaqueiros.

Chamava, o boi escutava.

Falava, o zaino entendia. Cantava, as moças sorriam.

E agora... Tanta moça pelo mundo

e ele à procura de Maria.

Maria que sumiu buscando seu pote d’água

no corgo de vista a casa.

O pote cheio, já no barranco.

A rodilha posta de lado. A cuia se balançando.

E Maria...Aonde foi Maria?

Na garupa de um vaqueiro desconhecido dali

buscando boi de arribada.

Falavam rindo as comadres

pelas portas, conversando. Moça não tem pensar...

Noiva do Izé da Badia.

Memória já no dedo.

Bragal bordado na arca.

Vestido branco rendado.

Vestido de damacê.

Banhos já recorridos. Casamento certo, marcado

no dia da Santa assunção,

sendo padrinho o patrão

dono de campos e gado.

E agora...aquela armada.

A moça no seu sumiço.

O Izé leso sem mais ideias pelos campos sem destino

à procura de Maria.

Galhofa dos companheiros...

“Cadê o sedém da Maria, Izé?”...

Os sedenhos da Maria...

Seus cabelos ondulados. Manto solto se penteava.

Nua, encobria as formas.

Basta cabeleira negra

dos joelhos vinham abaixo. Dos tornozelos passavam.

Duas tranças bem trançadas

- rédea dos corações. Izé da Badia, moço, vaqueiro de fama

amarrado para sempre

no sedenho de Maria.

A mãe de Maria

novenou a Santo Antônio.

Reza nova emprazou:

Menino de Jesus de Praga. Foi no Centro de Kardec,

fez grandes inovações.

Baixou o Espírito Guia: - Maria desencarnada,

Espírito limpo no espaço.

Fizessem suas boas preces.

Não mais chorassem por ela.

Sinalassem, pediu a Mãe.

Sinais, teriam a seu tempo.

Resumiu o Guia pela boca do aparelho.

Maria com seu pote de barro

buscando água no riachinho. O pote cheio já no barranco.

A rodilha posta de lado.

A cuia se balançando.

E Maria nunca mais voltou. Ninguém viu nada.

Ninguém ouviu nada.

O mato guardou seus segredos

escuros.

Maria se foi na garupa

de um vaqueiro, desconhecido dali,

buscando boi na arribada. Tagarelavam as comadres

nos fuxicos de terreiro

pelas portas conversando.

Falou a velha Ambrosina:

- No mato tem bicho ruim..

A triste sorte da moça

fora dessas conversas...

Tia s’tá caducando..

um corguinho desses nada

tem bicho fera nenhum... Isso sim cabeceiras altas,

volumes de água lagoas...pode sê.

Não esse Corguinho, coisinha

tão à toa!...

Tem brecho nas cabeceiras...

Catando lenha eu vi o espojeiro da bicha,

faz tempo, ninguém me tira...

Voltei lá mais não.

Ao demais, seu Malaquias

viu o sujo dela detrás do toco do

embiruçu e lá no embrejado, tejuco amassado,

e a porca de seu Ricardino

que deixou as crias...

Conversas. Seu Malaquias

é caçador, conta estórias...

metê medo a menino.

A porca de seu Ricardino era varadeira de cerca.

levou tiro, urubu comeu.

A velha calou. Invocou Nossa Senhora,

São Marcos. Almas Benditas...

Hão de mostrar, mais dia menos dia.

O pai de Maria bateu estradas,

vizinhança, corrutela.

Indagou de sua filha.

Ninguém deu sinal dela.

Entrou em cidade grande

com juiz, delegado e praças.

Procurou a autoridade

E fez a queixa no usual

dando todos os sinais.

Maria das Graças de nome. Registrada no Civil.

batizada no Cristã.

Moça feita. Igualdada de bons dentes

sem falha nem ponto de ouro.

Nem alta nem baixa.

Meiã de altura.

Cintura fina de duas mãos abarcar. Boas cores de sadia. Moça da roça

assinando o nome,

lendo por cima.

Seu sinal maior: duas tranças bem fornidas

alcançando a barra da saia,

barrendo o chão.

O escrivão anotou em livro

e prometeu no vago: providenciar.

O pai seguiu seu destino.

Andou em ruas de arrabaldes. encarou com tanta moça

pensando ser sua filha.

Entrou em “Casa de Mulheres”

marcadas de luz vermelhas. Deu todos os seus sinais

sem esquecer as tranças negras.

Na sua angústia de Pai, mesmo que fosse ali

queria encontrar sua filha.

As mulheres assanhadas

ouviam compenetradas, penalizadas do Pai.

Uma ria, outra chorava.

117

Ninguém tinha visto Maria.

Foi na cartomante

acreditada.

Contou seus pesares, suas penas. O escuro daquele caso

pediu para clarear.

A verdade as cartas podiam contar.

O baralho baralhado. Cortado e recortado em cruz.

Veio o naipe de espada.

Valete de paus.

A dama de luto, o rei do agouro.

A cartomante fechada, cerrada,

atuada, invocava as fontes

da Cabala...

Pouca esperança. Luto presente...

Se consolasse com o destino de sua

filha. Sinais?...Teriam a seu tempo.

O Pai voltou. Aquietou.

Lavrou tosca cruz de aroeira. Fincou no barranco ao lado do pote.

Acendeu lamparina-dia-e-noite

rogando os avisos do destino de sua

filha.

Izé da Badia se refez.

Voltou a vaquejar.

Levar e trazer boiadas, sertão adentro, estradas afora.

O aboio de seu berrante

que se ouvia distante

era um chamado constante da sua noiva Maria.

Já o cego desvalido

pedinte das romarias tinha posto moda,

rimado versos e traçado na viola

a romança da Maria.

Juntava gente nas feiras,

abria uma grande roda.

Trovadores no desafio

violeiros na viola. Sempre a triste e chorada estória

do sumiço da Maria.

Até crianças de sítio nos folguedos de terreiro,

nos seus brinquedos de roda,

uma ou outra se escondia. Iam todas procurar

no faz de conta Maria.

O tempo fez o seu giro. As estações se trocaram.

Passou o rolo compressor

nas estradas consertando.

Também nos corações. o compressor do tempo apagando.

Foi depois de tudo isso passado,

contado e recontado que vieram os caçadores e suas matilhas de caça.

Pararam na porteira do sítio.

Tomaram chegada. Sentaram, conversaram.

- Caçadores de onça.

Pediram suas carecidas informações,

gente de longe... Ouviram pela milésima vez a estória

do sumiço da Maria.

- Que havia de voltar – disseram –

compadecidos e filhos para os velhos apadrinhar.

Provera a Deus, responderam

consabidos na sua magra esperança.

Tomado o café da hospitalidade

sertaneja

voltaram às suas montadas. - Caçadores de onça...

Suas trelas ansiosas, vivas,

saltitantes, alçadas, sentindo

e pressentindo a caça em todos os cheiros novos da terra, dos ares

e das matas.

Tinham que atravessar o corguinho com sua água de prata correndo em

areia

branca e lajedo claro.

No barranco, a cruz, o pote, a lamparina.

Luz pequenina,

mal divulgada na grande luz do dia.

Lume, vago, pisca-piscando, invocando as Almas no escuro da

noite.

Na corrente os animais bebiam em

sorvos pelas cambas dos freios.

Os cães sedentos, arfantes,

respingantes,

refrigerados., conversavam do ouvido avivado

à vista do pote e da cruz.

Uma trela onceira farejou seguindo o curso d’água.

Levantou pouco distante.

Caça grossa!...Ali!...

Paca, anta, capivara, seria...

Decidido, a trela perdia o faro.

Os caçadores meio atentos,

displicentes,

queimavam seus palheiros.

Do mato vinha o acuo resguardado.

Um caçador chamou na trompa.

Respondeu o ganido desesperado do

cão ferido. O uivo agoniado da matilha atacada.

Os caçadores desmontaram.

Engatilhadas suas armas embaladas, seguiram no rumo certo.

No fundo do mato, na trama

verde da ramaria cipoal, samambaias, no escuro do embrejado uma cena

inesperada.

Rolo negro, movediço, assanhado,

enlaçado ao pastor onceiro, quebrava os ossos ao primeiro.

O outro, preso à trela, gania

em ânsias de escapar. Um, dois tiros. E o rolo negro,

compressor,

cedeu nos seus volteios se rebolcando

pelos troncos. O caçador cortou a trela.

Um pastor morto, quebrado.

O pastor vivo em tremuras de pavor,

arrepiado, vertendo inconsciente se arrastando, acovardado.

A gente do sítio correu no rumo dos

tiros. Viram a fera morta em contorções

reflexas.

Falou o caçador: vocês daí, salvem o

couro p’ra nós. Na volta apanhamos, aproveitem o

resumo p’ra sabão

que essa bicha tem graxa.

E se foram. Caçadores de onça... O dia se fazia alto. Campos e matas

eram todo um alagado de sol.

A gente do sítio arrastou o tronco rola-rolando

para o descampado. Estiraram,

palmearam.

Dezoito palmos bem medidos!

Por que razão obscura teria aquela

besta-fera

se desgarrado do seu grupo longínquo e vencendo

as sombras do dia e o escuro da noite

vindo se aninhar naquelas cabeceiras

inocentes?...

Os homens na esfola em conversas,

pilhérias e risadas.

Estaquearam o couro como sabe fazer a gente da roça.

Viraram o debulho. Arrancaram os

pulmões, enormes, desconformes.

Cortaram, espostejaram.

Já as mulheres vinham com seus

baldes, bacias e gamelas, recolher os pedaços daquela carne

branca e gordurosa

para o sabão caseiro. Os cães

disputavam, rosnando, agressivos, pedaços de bofe.

118

Findo o trabalho alguém se lembrou

de romper o [bucho

alongado.

E o que estava ali, senhor?

Numa barrela escura, repulsiva espumosa – as

[tranças de

Maria

-Bem falou a velha Ambrosina. A cartomante do baralho. O Guia do

centro de Kardec...

Haviam de ter a seu tempo o destino

de Maria.

Epílogo como nas estórias bem

contadas:

E o que foi feito das tranças?

Deram ao Izé da Badia.

E o que fez delas o Izé? Mandou trançar duas rédeas bem

trançadas para seu cavalo

libuno, crinudo, espadas romanas

cruzadas, cabo negro, cavalo de vaquejadas.

Duas tranças primazia. Macias de

luva-mão, presas às cambas de seu freio

niquelado.

em prata fina banhado. E o Izé tinha

nas mãos, todos os dias, o sedenho da sua noiva

Maria.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014.p.179-190

119

2ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

SEGUNDO ENCONTRO (DIA 11/09/2021) = 2 AULAS

• Verificar se há alguma dúvida sobre o preenchimento e assinatura do TALE e TCLE,

também, sobre o questionário e a produção do documentário. Devido a modalidade do

ensino híbrido é necessário sempre retomar a explicação anterior.

• Receber as autorizações assinadas e o primeiro questionário respondido.

• Dialogar sobre a leitura feita, na aula anterior, do poema “As tranças de Maria”;

• Sentir a recepção do mesmo pelos alunos;

• Observar se algum aluno gostaria de comentar sobre a obra em estudo, Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais, já que todos estão realizando a leitura extraclasse;

• No sentido de contextualizar os alunos sobre a autora Cora Coralina e suas produções

poéticas, assistir aos vídeos: Conhecendo Museus - Ep. 02: Museu Casa de Cora

Coralina, https://www.youtube.com/watch?v=xkqA_TIPqm4 e o trailer oficial

Caminho de Pedras https://www.youtube.com/watch?v=bFGZmlV5YCQ

• Comentar a importância de ler os poemas estabelecendo relação leitor, autor e texto;

• Ler os poemas Todas as vidas e Minha cidade, de Cora Coralina, buscando a interação

dos estudantes. Ambos compõem a coletânea de poemas da autora em estudo.

120

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano – Turno Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG – Unidade João Augusto Perillo

Aluno (a): ________________________________________________________________

PRIMEIRO QUESTIONÁRIO

Leia o questionário abaixo e responda-o de acordo com sua vivência e experiência

diária.

1. Você lê poesia na escola?

( ) Sim ( ) Não

Em caso positivo, com que frequência?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2. Você gosta de poesia?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3. Cora Coralina é conhecida como a “poeta da cidade de Goiás”, aquela que projeta a

cidade para um cenário da cultura nacional. Você conhece algum poema da autora? Seria

capaz de lembrar de seu título ou de alguns versos?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4. Como considera importante a leitura de poemas de Cora Coralina nas escolas?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, pode

contribuir para uma formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

121

Todas as Vidas

Vive dentro de mim

uma cabocla velha

de mau-olhado,

acocorada ao pé do borralho,

olhando pra o fogo.

Benze quebranto.

Bota feitiço...

Ogum. Orixá.

Macumba, terreiro.

Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim

a lavadeira do Rio Vermelho.

Seu cheiro gostoso

d'água e sabão.

Rodilha de pano.

Trouxa de roupa,

pedra de anil.

Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim

a mulher cozinheira.

Pimenta e cebola.

Quitute bem feito.

Panela de barro.

Taipa de lenha.

Cozinha antiga

toda pretinha.

Bem cacheada de picumã.

Pedra pontuda.

Cumbuco de coco.

Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim

a mulher do povo.

Bem proletária.

Bem linguaruda,

desabusada, sem preconceitos,

de casca-grossa,

de chinelinha,

e filharada.

Vive dentro de mim

a mulher roceira.

— Enxerto da terra,

meio casmurra.

Trabalhadeira.

Madrugadeira.

Analfabeta.

De pé no chão.

Bem parideira.

Bem criadeira.

Seus doze filhos,

Seus vinte netos.

Vive dentro de mim

a mulher da vida.

Minha irmãzinha...

tão desprezada,

tão murmurada...

Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:

Na minha vida —

a vida mera das obscuras.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014. p.31-33.

122

Minha cidade

Goiás, minha cidade...

Eu sou aquela amorosa

de tuas ruas estreitas,

curtas,

indecisas,

entrando,

saindo

uma das outras.

Eu sou aquela menina feia da

ponte da Lapa.

Eu sou Aninha.

Eu sou aquela mulher

que ficou velha,

esquecida,

nos teus larguinhos e nos teus

becos tristes,

contando estórias,

fazendo adivinhação.

Cantando teu passado.

Cantando teu futuro.

Eu vivo nas tuas igrejas

e sobrados

e telhados

e paredes.

Eu sou aquele teu velho muro

verde de avencas

onde se debruça

um antigo jasmineiro,

cheiroso

na ruinha pobre e suja.

Eu sou estas casas

encostadas

cochichando umas com as

outras,

Eu sou a ramada

dessas árvores,

sem nome e sem valia,

sem flores e sem frutos,

de que gostam

a gente cansada e os pássaros

vadios.

Eu sou o caule

dessas trepadeiras sem classe,

nascidas na frincha das pedras

Bravias.

Renitentes.

Indomáveis.

Cortadas.

Maltratadas.

Pisadas.

E renascendo.

Eu sou a dureza desses morros,

revestidos,

enflorados,

lascados a machado,

lanhados, lacerados.

Queimados pelo fogo.

Pastados.

Calcinados

e renascidos.

Minha vida,

meus sentidos,

minha estética,

todas as vibrações

de minha sensibilidade de

mulher,

têm, aqui, suas raízes.

Eu sou a menina feia

da ponte da Lapa.

Eu sou Aninha.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo: Global, 2014. p.31-33.

123

3ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

TERCEIRO ENCONTRO (DIA 14/09/2021) = 2 AULAS

• Falar sobre o cineasta Lázaro Ribeiro, que também é pesquisador e estudioso das obras

de Cora Coralina e que irá auxiliar na produção do documentário;

• Assistir ao documentário de sua autoria Maria Macaca

https://www.youtube.com/watch?v=Kn9X_qMq7WA, que também era moradora

vilaboense, que projeta um pouco dos hábitos, costumes e crenças goianas – uma das

tantas mulheres-coralinas da cidade de Goiás;

• Ler os textos “Poemas” de Mário Quintana e “Ressalva” de Cora Coralina,

intercalando leitura e comentários;

• Ver nos textos o que significa para os escritores escrever poemas ou melhor um livro

de poemas;

• Perceber semelhanças entre os dois textos;

• Indagar sobre a ligação do poema “Ressalva”, de Cora Coralina com o próprio título

da obra.

• Produzir um texto poético retratando sua cidade, memórias, identidades, enfim, como

você a vê e se vê como morador de uma cidade histórica, cheia de história e poesia.

Para isso retomar os poemas “Todas as vidas” e “Minha cidade”.

Poemas

Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês,

Quando fechas o livro, eles alçam voo

124

como de um alçapão.

Eles não têm pouso nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti...

In: QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2013.p. 19.

Ressalva

Este livro foi escrito

por uma mulher

que no tarde da Vida

recria e poetiza sua própria

Vida.

Este livro

foi escrito por uma mulher

que fez a escalada da

Montanha da Vida

removendo pedras

e plantando flores.

Este livro:

Versos...Não.

Poesia...Não.

Um modo diferente de contar velhas estórias.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais.

23.ed. São Paulo: Global, 2014.p.2

125

4ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

QUARTO ENCONTRO (DIA 21/09/2021) = 2 AULAS

• Ler o poema “O Palácio dos arcos” e “A lavadeira”, de Cora Coralina. Leitura

intercalada entre alunos e a professora mediadora e pesquisadora, também, momento

de tecer comentários;

• Oportunizar aos alunos leitura de estrofes e/ou do poema que eles mais se

identificaram, juntamente com um comentário sobre a escolha;

• Assistir ao filme de Rosa Berardo, “A infância de Aninha”, ganhador do prêmio

Goiano de Cinema e Vídeo de Curta Metragem – Edital de concurso 002/2012.

• Atividade extraclasse - após o término da leitura literária “Poemas dos Becos de Goiás

e Estórias Mais” de Cora Coralina, escolher uma estrofe do poema que você mais se

identificou, gravar um vídeo (som e imagem) de uma situação pensada por você que

represente o seu encontro com o texto. Seria algo simples e bem rápido, porém

original.

Seja bem criativo, pense em texto e vivência literária!

• Entregar o vídeo gravado antes da próxima sequência didática.

126

O Palácio dos Arcos

O palácio dos Arcos

tem estórias de valor

que não quero aqui contar.

Vou contar a estória do soldado

carajá.

Era uma vez em Goiás

um soldado, carajá civilizado.

Sabia ler e contar.

Estimado no quartel.

Tinha boa disciplina,

divisas de furriel.

Um dia...era o mês de outubro.

A cidade estava baça

de fumaça das queimadas.

Fazia calor medonho.

O povo clamava chuva.

O soldado carajá

dava guarda no Palácio

aquele dia.

De repente, ouviu um trovão

surdo rolar

do lado da Santa Bárbara.

Rolou outro atrás do primeiro.

Levantou-se um pé de vento,

redemoinho.

Um cheiro forte de terra.

Um cheiro agreste de mato.

Um cheiro de aguada distante.

O soldado carajá,

ninguém sabe o que sentiu.

Acordou dentro de si

uma dura rebeldia.

Uma rude nostalgia.

O grito de sua raça.

Chamados de sua taba.

Aquela mudança de tempo

despertou os seus heredos.

Acordou seus atavismos.

Certo foi...

O bugrinho carajá,

de uma tribo muito mansa do

Araguaia,

tinha vindo pequenino pra

Goiás.

Foi criado bem-criado

numa casa de família.

Ninguém nunca contou

dondé que ele tinha vindo.

Era mesmo filho de família.

Era igual aos meninos da cidade.

Andou na escola. Aprendeu

leitura.

Subiu nos morros, apanhou

pequi.

Nadou no rio, fisgou cascudo.

Pinchou pedra. Quebrou vidraça.

Vendeu tabuleiro de bolo de

arroz.

Jogou bete na rua.

Empinou arraia.

Lançou corsário.

Brigou na regra. Embolou no

aloite.

Escreveu indecência nas

paredes.

Cresceu. Se fez homem de bem.

Sentou praça na Polícia.

Vestiu fardão escuro, botão

dourado,

daquele tempo.

Calçou bota reiuna-canguru

legítima,

ringideira.

Botou correame, quepe,

mochila,

cinturão, refle-baioneta.

Encostou fuzil no ombro.

Fazia sentinela. Dava ronda.

Rendia guarda, marchava,

desfilava.

Era estimado no quartel.

Tinha boa disciplina,

divisas de furriel.

Um dia (era no mês de outubro)

andavam de noite fogaréus

vermelhos

queimando os morros.

A cidade estava baça de fumaça

das queimadas.

Fazia um calor medonho.

O povo clamava chuva.

O soldado carajá dava guarda no

Palácio.

De repente, ouviu um trovão

surdo rolar

do lado da Santa Bárbara.

Rolou outro atrás do primeiro.

Levantou-se um pé de vento,

redemoinho.

Um cheiro forte de terra.

Um cheiro agreste de mato.

Um cheiro de aguada distante.

O soldado carajá, sabe lá o que

sentiu.

Acordou dentro de si

uma grande nostalgia.

Uma dura rebeldia.

O grito da sua raça.

Chamados da sua taba.

Aquela mudança de tempo

despertou os seus heredos.

Acordou seus atavismos.

Certo foi que o soldado carajá

(bugre civilizado, sabendo ler e

contar)

encostou sua comblém (era no

tempo das combléns).

Descalçou a reiuna-canguru

legítima, ringideira.

Baixou o quepe, correame,

mochila, refle-baioneta.

Sacou da túnica.

Desceu as calças e o mais que

havia,

Saiu correndo pelas ruas,

Nu?

Vestido com seus atavismos.

Coberto com seus heredos.

Alcançou a Barreira do Norte

e sumiu-se no rumo do

Araguaia...

Na poeira do bárbaro

atuado pelas forças cósmicas e

ancestrais,

ouvia-se o grito selvagem:

...uirerê!...uirerê!...uirerê!...

E era uma vez em Goiás

um soldado de guarda,

civilizado carajá!

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:

Global, 2014.p.120-124.

127

A lavadeira

Essa Mulher...

Tosca. Sentada. Alheada...

Braços cansados

descansando nos joelhos...

olhar parado, vago,

perdida no seu mundo

de trouxas e espuma de sabão

- é a lavadeira.

Mãos rudes, deformadas.

Roupa molhada.

Dedos curtos.

Unhas enrugadas.

Córneas.

Unheiros doloridos

passaram, marcaram.

No anular, um círculo metálico

barato, memorial.

Seu olhar distante,

parado no tempo.

À sua volta

- uma espumarada branca de

sabão

Inda o dia vem longe

na casa de Deus Nosso Senhor

o primeiro varal de roupa

festeja o sol que vai subindo

vestindo o quaradouro

de cores multicores.

Essa mulher

tem quarentanos de lavadeira.

Doze filhos

crescidos e crescendo.

Viúva, naturalmente.

Tranqüila, exata, corajosa.

Temente dos castigos do céu.

Enrodilhada no seu mundo

pobre.

Madrugadeira.

Salva a aurora.

Espera pelo sol.

Abre os portais do dia

entre trouxas e barrelas.

Sonha calada.

Enquanto a filharada cresce

trabalham suas mãos pesadas.

Seu mundo se resume

na vasca, no gramado.

No arame e prendedores.

Na tina d’água.

De noite – o ferro de engomar.

Vai lavando. Vai levando.

Levantando doze filhos

Crescendo devagar,

enrodilhada no seu mundo

pobre,

dentro de uma espumarada

branca de sabão.

Às lavadeiras do Rio Vermelho

da minha terra,

faço deste pequeno poema

meu altar de ofertas.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:

Global, 2014.p.205-207.

128

5ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

QUINTO ENCONTRO (DIA 28/09/2021) = 2 AULAS

• Dialogar com os alunos sentindo como foi a gravação do vídeo, os sentimentos, as

dificuldades e a interação;

• Comentar os aspectos percebidos nos vídeos, as escolhas, a criação artística, a

identificação e memórias retratadas;

• Ler os poemas “Escola da Mestra Silvina” e “O Prato Azul-Pombinho”, ambos da

poetisa Cora Coralina. Leitura intercalada entre os alunos e mediadora, juntamente,

com análise oral compartilhada;

• Despertar a atenção dos leitores para os recursos expressivos e linguísticos utilizados

pela autora;

• Situação discursiva:

PRODUÇÃO TEXTUAL:

• A. Suponha que um grupo de brasileiros e estrangeiros pertencentes a um grande

CLUBE DE LEITURA pretende visitar a cidade de Goiás para conhecer melhor a

poesia de Cora Coralina. Você como leitor/a da poeta e como morador(a) da mesma

cidade dela poderá ajudá-lo. Para tal, escreva uma carta para lhes entregar na Ponte da

Lapa (antes de eles entrarem na Casa Museu).

• B. Escrever uma carta para Cora Coralina, como se ela ainda vivesse na casa velha da

ponte, falando de sua criação poética, sua percepção diante da leitura do livro Poemas

dos Becos de Goiás e Estórias Mais. Pode citar alguns versos ou estrofes, usar

recursos linguísticos para deixar sua escrita mais elaborada. É o momento de soltar a

imaginação, pois trata-se de uma carta fictícia e você pode ser criativo ao escrever o

seu texto.

• Seu texto deve ser convincente, portanto, apresente o seu principal livro, que é Poemas

dos becos de Goiás e Estórias Mais, poemas importantes que lhe tenham chamado a

129

atenção, fale de seu sentimento/orgulho em relação ao fato de morar na mesma cidade

da escritora e das sensações possíveis com a leitura dos poemas.

• Ler a carta que Carlos Drummond de Andrade escreveu a Cora Coralina.

Carlos Drummond de Andrade escreveu a Cora Coralina:

Rio de Janeiro,

14 de junho, 1979

Cora Coralina

Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as deposite

em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com a poesia.

Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais. Ah, você

me dá saudades de Minas, tão irmã do teu Goiás! Dá alegria na gente saber que existe bem no

coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.

Todo o carinho, toda a admiração do seu

Carlos Drummond

de Andrade

• Como atividade extraclasse, aplicar o segundo questionário estruturado para via de

análise e comparação ao primeiro.

A Escola da Mestra Silvina

Minha escola primária... Escola antiga de antiga mestra.

Repartida em dois períodos

para a mesma meninada,

das 8 às 11, da 1 às 4. Nem recreio, nem exames.

Nem notas, nem férias.

Sem cânticos, sem merenda... Digo mal — sempre havia

distribuídos

alguns bolos de palmatória...

A granel? Não, que a Mestra

era boa, velha, cansada, aposentada.

Tinha já ensinado a uma geração

antes da minha.

A gente chegava "— Bença,

Mestra."

Sentava em bancos compridos, escorridos, sem encosto.

Lia alto lições de rotina:

o velho abecedário,

lição salteada. Aprendia a soletrar.

Vinham depois:

Primeiro, segundo,

terceiro e quarto livros

do erudito pedagogo Abílio César Borges —

Barão de Macaúbas.

E as máximas sapientes do Marquês de Maricá.

Não se usava quadro-negro.

As contas se faziam em pequenas lousas

individuais.

Não havia chamada e sim o ritual

de entradas, compassadas.

“-Bença, Mestra...”

Banco dos meninos.

Banco das meninas.

Tudo muito sério.

Não se brincava. Muito respeito.

Leitura alta. Soletrava-se.

Cobria-se o debuxo.

Dava-se a lição.

Tinha dia certo de argumento com a palmatória pedagógica

em cena.

Cantava-se em coro a velha tabuada.

Velhos colegas daquele tempo...

Onde andam vocês?

A casa da escola inda é a mesma.

-Quanta saudade quando passo ali?

Rua Direita, nº 13.

Porta da rua pesada, escorada com a mesma pedra

da nossa infância.

Porta do meio, sempre fechada. Corredor de lajes

e um cheirinho de rabugem

dos cachorros de Samélia.

À direita – sala de aulas. Janelas de rótulas.

130

Mesorra escura

toda manchada de tinta das escritas.

Altos na parede, dois retratos:

Deodoro, Floriano.

Num prego de forja, saliente na

parede,

estirava-se a palmatória.

Porta de dentro abrindo numa alcova escura.

Um velhíssimo armário.

Canastras tacheadas.

Um pote d'água. Um prato de ferro.

Uma velha caneca, coletiva,

enferrujada.

Minha escola da Mestra Silvina... Silvina Ermelinda Xavier de Brito.

Era todo o nome dela.

Velhos colegas daquele tempo, onde andam vocês?

Sempre que passo pela casa

me parece ver a Mestra,

nas rótulas. Mentalmente beijo-lhe a mão.

“-Bença, Mestra.”

E faço a chamada de saudade

dos colegas: Juca Albernaz, Antônio,

João de Araújo, Rufo.

Apulcro de Alencastro,

Vítor de Carvalho Ramos. Hugo das Tropas e Boiadas.

Benjamim Vieira.

Antônio Rizzo.

Leão Caiado, Orestes de Carvalho. Natanael Lafaiete Póvoa.

Marica. Albertina Camargo.

Breno — "Escuto e tua voz vai

se apagando com um dolente ciciar de prece".

Alberico, Plínio e Dante Camargo.

Guigui e Minguito

de Totó dos Anjos. Zoilo Remígio.

Zelma Abrantes.

Joana e Mariquinha Milamexa.

Marica. Albertina Camargo.

Zu, Maria Djanira, Adília. Genoveva, Amintas e Teomília.

Alcides e Magnólia Craveiro.

Pequetita e Argentina Remígio.

Olímpia e Clotilde de Bastos. Luisita e Fani.

Nicoleta e Olga Bonsolhos.

Laura Nunes.

Adélia Azeredo. Minha irmã Helena.

(Eu era Aninha.)

Velhos colegas daquele tempo.

Quantos de vocês respondem esta chamada de saudades

e se lembram da velha escola?

E a Mestra?...

Está no Céu. Tem nas mãos um grande livro de

ouro

e ensina a soletrar

aos anjos.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:

Global, 2014.p.61-65.

O Prato Azul-Pombinho

Minha bisavó – que Deus a tenha

em glória-

sempre contava e recontava em sentidas recordações

de outros tempos

a estória de saudade

daquele prato azul-pombinho.

Era uma estória minuciosa.

Comprida, detalhada.

Sentimental. Puxada em suspiros saudosistas

e ais presentes.

E terminava invariavelmente,

depois do caso esmiuçado: “– Nem gosto de lembrar disso…”

É que a estória se prendia

aos tempos idos em que vivia

minha bisavó que fizera deles seu presente e seu

futuro.

Voltando ao prato azul- pombinho que conheci quando menina

e que deixou em mim

lembrança imperecível. Era um prato sozinho,

último remanescente, sobrevivente,

sobra mesmo, de uma coleção,

de um aparelho antigo de 92 peças.

Isto contava com emoção, minha

bisavó,

que Deus haja. Era um prato original,

muito grande, fora de tamanho,

um tanto oval.

Prato de centro, de antigas mesas senhoriais

de família numerosa.

De faustos casamentos e dias de

batizado.

Pesado. Com duas asas por onde

segurar.

Prato de bom-bocado e de mães-bentas.

De fios de ovos.

De receita dobrada

de grandes pudins, recendendo a cravo,

nadando em calda.

Era, na verdade, um enlevo. Tinha seus desenhos

em miniaturas delicadas:

Todo azul-forte, em fundo claro

num meio – relevo.

Galhadas de árvores e flores

estilizadas. Um templo enfeitado de lanternas.

Figuras rotundas de entremez.

Uma ilha. Um quiosque rendilhado.

Um braço de mar.

Um pagode e um palácio chinês. Uma ponte.

Um barco com sua coberta de seda.

Pombos sobrevoando.

Minha bisavó

traduzia com sentimento sem igual,

a lenda oriental

estampada no fundo daquele prato. Eu era toda ouvidos.

Ouvia com os olhos, com o nariz,

com a boca,

com todos os sentidos, aquela estória da Princesinha Lui,

lá da China – muito longe de Goiás

que tinha fugido do palácio, um dia, com um plebeu do seu agrado

e se refugiado num quiosque muito

lindo

com aquele a quem queria, enquanto o velho mandarim – seu

pai –

concertava, com outro mandarim de nobre casta,

detalhes complicados e

cerimoniosos

de seu casamento com um príncipe todo-poderoso,

chamado Li.

131

Então, o velho mandarim, que aparecia também no prato,

de rabicho e de quimono,

com gestos de espavento e cercado

de aparato, decretou que os criados do palácio

incendiassem o quiosque

onde se encontravam os fugitivos

namorados.

E lá estavam no fundo do prato,

– oh, encanto de minha meninice! –

pintadinhos de azul, uns atrás dos outros – atravessando

a ponte,

com seus chapeuzinhos de bateia

e suas japoninhas largas, cinco miniaturas de chinês.

Cada qual com sua tocha acesa

– na pintura-

para por fogo no quiosque – da pintura.

Mas ao largo do mar alto

balouçava um barco altivo com sua coberta de prata,

levando longe o casal fugitivo.

Havia, como já disse, pombos esvoaçando.

E um deles levava, numa argolinha

do pé,

mensagem da boa ama, dando aviso a sua princesa e dama,

da vingança do velho mandarim.

Os namorados então na calada da noite,

passaram sorrateiros para o barco,

driblando o velho, como se diz hoje.

E era aquele barco que balouçava no mar alto da velha China,

no fundo do prato.

Eu era curiosa para saber o final da estória.

Mas o resto, por muito que pedisse,

não contava minha bisavó.

Dali pra frente a estória era omissa. Dizia ela – que o resto não estava no

prato

nem constava do relato.

Do resto, ela não sabia. E dava o ponto final recomendado.

” -Cuidado com esse prato!

É o último de 92″

Devo dizer – esclarecendo,

esses 92 não foram do meu tempo.

Explicava minha bisavó que os outros – quebrados, sumidos,

talvez roubados –

traziam outros recados, outras

legendas, prebendas de um tal Confúcio

e baladas de um vate

chamado Hipeng.

Do meu tempo só foi mesmo

aquele último

que, em raros dias de cerimônia ou festas do Divino

figurava na mesa em grande pompa,

carregado de doces secos, variados,

muito finos, encimados por uma coroa

alvacenta e macia

de cocadas-de-fita.

Às vezes, ia de empréstimo

à casa da boa tia Nhorita.

E era certo no centro da mesa

de aniversário, com sua montanha de empadas, bem tostadas.

No dia seguinte, voltava.

conduzido por um portador

que era sempre o Abdênago, preto de valor,

de alta e mútua confiança.

Voltava com muito-obrigados e, melhor – cheinho

de doces e salgados.

Tornava a relíquia para o relicário

que no caso era um grande e velho armário,

alto e bem fechado.

-“Cuidado com o prato azul-

pombinho” dizia minha bisavó,

cada vez que o punha de lado.

Um dia, por azar, sem se saber, sem se esperar,

artes do salta-caminho,

partes do capeta,

fora do seu lugar, apareceu quebrado,

feito em pedaços – sim senhor-

o prato azul-pombinho.

Foi um espanto. Um torvelinho. Exclamações. Histeria coletiva.

Um deus nos acuda. Um rebuliço.

Quem foi, quem não foi?…

O pessoal da casa se assanhava.

Cada qual jurava por si.

Achava seus bons álibis.

Punia pelos outros. Se defendia com energia.

Minha bisavó teve “aquela coisa”

(Ela sempre tinha “aquela coisa” em casos tais”)

Sobreveio o flato.

Arrotando alto, por fim, até

chorou…

Eu (emocionada), vendo o pranto de

minha bisavó,

lembrando só da princesinha Lui-

que já tinha passado a viver no meu

inconsciente como ser presente,

comecei a chorar

– que chorona sempre fui.

Foi o bastante para ser apontada e

acusada

de ter quebrado o prato.

Chorei mais alto, na maior tristeza, comprometendo qualquer tentativa

de defesa.

De nada valeu minha fraca negativa.

Fez-se o levantamento de minha vida pregressa

de menina

e a revisão de uns tantos processos

arquivados. Tinha já quebrado – em tempos

alternados,

três pratos, uma compoteira de

estimação, uma tigela, vários pires e a tampa de

uma terrina.

Meus antecedentes, até, não eram muito bons.

Com relação a coisas quebradas

nada me abonava.

E o processo se fez, à revelia da ré, e com esta agravante:

tinha colado no meu ser magricela,

de menina,

vários vocativos adesivos, pejorativos:

inzoneira, buliçosa e malina.

Por indução e conclusiva, era eu mesma que tinha quebrado o

prato azul-pombinho.

Reuniu-se o conselho de família e veio a condenação à moda do meu

tempo:

uma boa tunda de chineladas.

Aí ponderou minha bisavó

umas tantas atenuantes a meu favor.

E o castigo foi comutado

para outro, bem lembrado, que melhor servisse a todos

de escarmento e de lição:

trazer no pescoço por tempo

indeterminado, amarrado de um cordão,

um caco do prato quebrado.

O dito, melhor feito.

Logo se torceu no fuso

um cordão de novelão.

Encerado foi. Amarrou-se a ele um caco, de bom jeito,

em forma de meia-lua.

E a modo de colar, foi posto em seu

lugar, isto é, no meu pescoço.

132

Ainda mais

agravada a penalidade: proibição de chegar na porta da rua.

Era assim, antigamente.

Dizia-se aquele, um castigo atinente,

de ótima procedência. Boa

coerência.

Exemplar e de alta moral.

Chorei sozinha minhas mágoas de

criança.

Depois, me acostumei com aquilo.

no fim, até brincava com o caco pendurado

E foi assim que guardei

no armarinho da memória, bem

guardado, e posso contar aos meus leitores,

direitinho,

a estória, tão singela,

do prato azul- pombinho.

In: CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. 23.ed. São Paulo:

Global, 2014.p.66-74.

133

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano – Turno Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG – Unidade João Augusto Perillo

Aluno (a):

___________________________________________________________________

2º QUESTIONÁRIO (final da pesquisa)

Leia o questionário abaixo e responda-o de acordo com suas vivências e experiências, após a

leitura do livro de Cora Coralina Poemas dos becos de Goiás e Estórias Mais.

1. Você gosta de poesia?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

2. Depois de conhecer um pouco mais da produção de Cora Coralina, como foi a sua

proximidade com os poemas da autora?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

3. Trabalhar com poemas de uma autora que faz parte do cenário de sua cidade e de sua

história foi capaz de estimular em você a curiosidade para conhecer outros poetas? Justifique

sua resposta.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

4. Na sua opinião, a leitura literária dos poemas de Cora Coralina em sala de aula deve fazer

parte da rotina escolar?

( ) sim ( ) não

Por quê?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

5. Você acha que a leitura dos poemas de Cora Coralina, em sala de aula, contribuiu para uma

formação leitora mais consistente e significativa? Justifique sua resposta.

___________________________________________________________________________

134

6ª Sequência didática

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

SEXTO ENCONTRO (DIA 01/10/2021) = 2 AULAS

• Receber os questionários respondidos;

• Comentar sobre as cartas escritas na sequência anterior;

• Ler o texto “Cora Coralina, de Goiás”, de Carlos Drummond de Andrade;

• Ler o trecho do livro “Só entre nós: Abelardo e Heloisa” de Júlio Emílio Braz;

• Falar da possibilidade de interagir com outros adolescentes, também, leitores das obras

de Cora Coralina. Fazer amizades, trocar ideias, sentimentos e impressões acerca de

seus poemas. A carta, por muito tempo foi portadora de emoções, hoje, no mundo

contemporâneo, temos o e-mail, que encurtou a distância e o tempo. Então, vamos

trocar cartas reais por e-mail com os estudantes- leitores, do nono ano do CEPAE –

Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação, uma interação e diálogo através da

leitura literária de Cora Coralina.

• Rascunhar o e-mail e lê-lo para os colegas, como interação e troca de ideias.

• Ouvir comentário dos participantes sobre a execução do projeto;

• Agradecimentos e finalização da pesquisa.

SÓ ENTRE NÓS: ABELARDO E HELOÍSA, de Júlio Emílio Braz

A história Só entre nós: Abelardo e Heloísa é narrada a partir, na maioria das vezes, do ponto

de vista de Carlos Abelardo Peçanha Filho, vulgo Abelardo, que tenta suprimir sua solidão e

tristeza através de cyber amizades, vivia viajando em busca de um amigo, até que surge o

seguinte anuncio:

135

136

7ª Sequência didática (DOCUMENTÁRIO)

Mestranda: Edina Faria de Almeida

Orientadora: Profª Drª Célia Sebastiana Silva

Turma: 8º ano A – Vespertino – Ensino Fundamental II

CEPMG- Unidade João Augusto Perillo

LEITURA DE POESIA E FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula

SÉTIMO ENCONTRO (DIA 11/10/2021 a 15/10/2022) = SEMANA DE GRAVAÇÃO

• Leitura e explicação do roteiro do curta metragem;

• Momento de tirar as dúvidas;

• Familiarização com o cenário de gravação;

• Início das gravações nas dependências do Colégio Militar;

• Uma semana de gravação no centro histórico da cidade de Goiás.

137

APÊNDICE 03

EDINA FARIA DE ALMEIDA

CORA CORALINA:

Entre poemas e memórias

GOIÂNIA

2022

138

EDINA FARIA DE ALMEIDA

CORA CORALINA

Entre poemas e memórias

Produto Educacional apresentado ao Programa de

Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica

como requisito para obtenção para o título de

Mestre(a) em Ensino na Educação Básica

Área de Concentração: Ensino na Educação Básica

Linha de Pesquisa: Concepções teórico-

metodológicas e práticas docentes

Orientador (a): Dr(a). Célia Sebastiana Silva

GOIÂNIA

2022

139

140

141

TIPO DE PRODUTO EDUCACIONAL

(De acordo com a Resolução PPGEEB/CEPAE Nº 001/2019)

Desenvolvimento de produto (mídias educacionais, tais como: vídeos, simulações,

animações, vídeo-aulas, experimentos virtuais, áudios, objetos de aprendizagem, ambientes de

aprendizagem, páginas de internet e blogs, jogos educacionais de mesa ou virtuais, e afins;

Especificação: Documentário

DIVULGAÇÃO

( ) Filme

( ) Hipertexto

( ) Impresso

( ) Meio digital

( ) Meio Magnético

(X) Outros. Especificar: Documentário

FINALIDADE PRODUTO EDUCACIONAL

Documentário em que mesclem a linguagem acadêmica/pedagógica, mas também a poética

que visa contribuir de forma significativa para a divulgação e a ampliação do alcance da

poesia de Cora Coralina nas escolas e no ambiente educacional.

PÚBLICO ALVO DO PRODUTO EDUCACIONAL

Estudantes do Ensino Fundamental

IMPACTO DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional apresenta:

( ) Alto impacto – Produto gerado no Programa, aplicado e transferido para um sistema, no

qual seus resultados, consequências ou benefícios são percebidos pela sociedade.

142

( x) Médio impacto – Produto gerado no Programa, aplicado no sistema, mas não foi

transferido para algum segmento da sociedade.

( ) Baixo impacto – Produto gerado apenas no âmbito do Programa e não foi aplicado nem

transferido para algum segmento da sociedade.

Área impactada pelo Produto Educacional:

( x) Ensino

( ) Aprendizagem

( ) Econômico

( ) Saúde

( ) Social

( ) Ambiental

( ) Científico

O impacto do Produto Educacional é:

( x) Real - efeito ou benefício que pode ser medido a partir de uma produção que se encontra

em uso efetivo pela sociedade ou que foi aplicado no sistema (instituição, escola, rede, etc).

Isso é, serão avaliadas as mudanças diretamente atribuíveis à aplicação do produto com o

público-alvo.

( ) Potencial - efeito ou benefício de uma produção previsto pelos pesquisadores antes de esta

ser efetivamente utilizada pelo público-alvo. É o efeito planejado ou esperado.

O Produto Educacional foi vivenciado (aplicado, testado, desenvolvido, trabalhado) em

situação real, seja em ambiente escolar formal ou informal, ou em formação de

professores (inicial, continuada, cursos etc)?

( x) Sim ( ) Não

Em caso afirmativo, descreva essa situação (informe: Nome da Instituição Escolar e rede de

ensino a qual pertence; Nível de Ensino; Ano escolar; Quantidade de Sujeitos Envolvidos;

143

Duração da vivência) (máximo 5 linhas):

O produto educacional foi vivenciado com 35 estudantes, de um 8º ano do Ensino

Fundamental II, do Colégio Militar Unidade João Augusto Perillo, rede pública de ensino,

duração de um bimestre.

REPLICABILIDADE ABRANGÊNCIA DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional pode ser repetido, mesmo com adaptações, em diferentes

contextos daquele em que o mesmo foi produzido.

( x ) Sim ( ) Não

A abrangência territorial do Produto Educacional, que indica uma definição precisa de

sua vocação, é

( x ) Local ( ) Regional ( ) Nacional ( ) Internacional

COMPLEXIDADE DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional possui (marque somente uma alternativa):

( ) Alta complexidade - O produto é concebido a partir da observação e/ou da prática do

profissional e está atrelado à questão de pesquisa da dissertação/tese, apresenta método claro.

Explica de forma objetiva a aplicação e análise do produto, há uma reflexão sobre o produto

com base nos referenciais teórico e teórico-metodológico, apresenta associação de diferentes

tipos de conhecimento e interação de múltiplos atores - segmentos da sociedade, identificável

nas etapas/passos e nas soluções geradas associadas ao produto, e existem apontamentos sobre

os limites de utilização do produto.

( X ) Média complexidade - O produto é concebido a partir da observação e/ou da prática do

profissional e está atrelado à questão de pesquisa da dissertação/tese. Apresenta método claro

e explica de forma objetiva a aplicação e análise do produto, resulta da combinação de

conhecimentos pré-estabelecidos e estáveis nos diferentes atores - segmentos da sociedade.

( ) Baixa complexidade - O produto é concebido a partir da observação e/ou da prática do

profissional e está atrelado à questão de pesquisa da dissertação/tese. Resulta do

144

desenvolvimento baseado em alteração/adaptação de conhecimento existente e estabelecido

sem, necessariamente, a participação de diferentes atores - segmentos da sociedade.

( ) Sem complexidade - Não existe diversidade de atores - segmentos da sociedade. Não

apresenta relações e conhecimentos necessários à elaboração e ao desenvolvimento do

produto.

INOVAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional possui (marque somente uma alternativa):

( ) Alto teor inovativo - desenvolvimento com base em conhecimento inédito.

( X ) Médio teor inovativo - combinação e/ou compilação de conhecimentos pré-

estabelecidos.

( ) Baixo teor inovativo - adaptação de conhecimento existente.

FOMENTO

Houve fomento para elaboração ou desenvolvimento do Produto Educacional?

( ) Sim ( x ) Não

Em caso afirmativo, escolha o tipo de fomento:

( ) Programa de Apoio a Produtos e Materiais Educacionais do PPGEEB

( ) Cooperação com outra instituição

( ) Outro. Especifique: ____

REGISTRO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

Houve registro de depósito de propriedade intelectual

145

(X) Sim ( ) Não

Em caso afirmativo, escolha o tipo:

( ) Licença Creative Comons

(X) Domínio de Internet

( ) Patente

( ) Outro. Especifique: ____

Informe o código de registro: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/704381

Obs: (no caso de creative comons, informe o link do tipo

http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/br/ ) (Esse link está disponível no cadastro do

produto feito no EduCAPES)

TRÂNSFERÊNCIA DO PRODUTO EDUCACIONAL

O Produto Educacional foi transferido e incorporado por outra instituição, organização ou

sistema, passando a compor seus recursos didáticos/pedagógicos?

( ) Sim ( x ) Não

Em caso afirmativo, descreva essa transferência (apresente algum tipo de documento

comprobatório, como declaração do diretor da instituição ou algo similar) (máximo 5 linhas):

DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS SOBRE A TRANSFERÊNCIA DO PRODUTO

EDUCACIONAL

(insira aqui cópia do documento assinado)

146

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DO PRODUTO EDUCACIONAL

(Apresentações ou publicações referentes à dissertação também podem ser consideradas.

Informe pelo menos as publicações e apresentações em no Seminário de Dissertações do

PPGEEB)

O Produto Educacional foi apresentado (relato de experiência, comunicação científica,

palestra, mesa redonda, etc) ou ministrado em forma de oficina, mini-curso, cursos de

extensão ou de qualificação etc. em eventos acadêmicos, científicos ou outros?

( ) Sim ( X ) Não

Em caso afirmativo, descreva o evento e a forma de apresentação:

O Produto Educacional foi publicado em periódicos científicos, anais de evento, livros,

capítulos de livros, jornais ou revistas?

( ) Sim ( x ) Não

Em caso afirmativo, escreva a referência completa de cada publicação:

147

REGISTRO(S) E DISPONIBILIZAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL

Produto Educacional Registrado na Plataforma EduCAPES com acesso disponível no link:

http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/704381

Produto Educacional disponível, como apêndice da Dissertação de Mestrado do qual é fruto,

na Biblioteca de Teses e Dissertações da Universidade Federal de Goiás (UFG)

(https://repositorio.bc.ufg.br/tede/ ).

(ATENÇÃO: apague essa informação sobre a Biblioteca caso você tenha marcado “NÃO” no

TECA)

Outras formas de Registro (informar o tipo de registro, número e forma de acesso, como no

exemplo do EduCAPES).

Outras formas de acesso: (informe links, além dos já informados, ou indique bibliotecas onde

está disponível. Para vídeos no youtube, no vimeo ou outros, indique o link. Caso o produto

esteja na Biblioteca do CEPAE ou em outra, informe o nome completo da biblioteca)

148

ALMEIDA, Edina Faria de. Cora Coralina: entre poemas e memórias. 2022. Produto

Educacional relativo à Dissertação (Mestrado em Ensino na Educação Básica) – Programa de

Pós Graduação em Ensino na Educação Básica, Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à

Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO.

RESUMO

Este Produto Educacional consiste na produção de um documentário em que se mesclem a

linguagem acadêmica/pedagógica, mas também a poética, fundamentado nos poemas da obra

Dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina e na perspectiva subjetiva do aluno em

meio a lugares poetizados da cidade de Goiás. Apresenta os resultados de uma investigação

sobre minha própria prática, desenvolvida durante o Mestrado Profissional em Ensino na

Educação Básica do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do CEPAE/UFG, entre os

anos de 2019 a 2022, cujo produto final é a dissertação “Leitura de poesia e formação do

leitor literário na educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula”.

Dessa forma, compartilho minhas práticas e experiências, ao desenvolver o projeto de leitura

de poesia e formação de leitor literário na educação básica, investigar como a leitura da poesia

de Cora Coralina, sob a perspectiva da memória e da identidade, pode contribuir para a

formação leitora do jovem aluno dos anos finais do ensino fundamental e despertar nele o

gosto pela poesia. O corpus de análise foi o livro Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais,

o conjunto da obra da poeta. O estudo teve como fundamento teórico, entre outros autores,

Antonio Candido (1965), Annie Rouxel (2013), Regina Zilberman (1987), Rildo Cosson

(2006), Tzvetan Todorov (2012),Vicent Jouve (2012) e Maria Tereza Andruetto (2017). A

coleta de dados ocorreu por meio da pesquisa-ação, com intervenção pedagógica em uma

turma de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da Cidade de Goiás.

Palavras-Chave: Ensino. Literatura. Leitura de poesia. Formação de leitor.

149

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO -----------------------------------------------------------------------------------13

1 PLANEJAMENTO DO PRODUTO EDUCACIONAL -------------------------------16

1.1 Roteiro do documentário --------------------------------------------------------------------16

Considerações finais -------------------------------------------------------------------------------22

Referências -------------------------------------------------------------------------------------------23

150

Introdução

Este produto educacional, um documentário, intitulado Cora Coralina: entre poemas

e memórias é fruto da pesquisa “Leitura de poesia e formação do leitor literário na

educação básica: a produção poética de Cora Coralina em sala de aula”, desenvolvido no

mestrado do Programa de Pós Graduação em Ensino na Educação Básica do Centro de Ensino

e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG). O estudo

visou uma investigação acerca da leitura de poesia na escola e como se constitui a relação

leitor, texto e autor, com ênfase especial no leitor, também, foi feita uma pesquisa-ação para

se desenvolver neste trabalho. O corpus de análise foi o livro Poemas dos Becos de Goiás e

Estórias Mais de Cora Coralina, o conjunto da obra da poeta e os dados amostrais obtidos, a

partir da intervenção feita, do ponto de vista pedagógico-metodológico, numa turma de oitavo

ano do Ensino Fundamental. Objetivou-se investigar como a leitura da poesia de Cora

Coralina, sob a perspectiva da memória e da identidade, contribui para a formação leitora do

jovem aluno e despertar nele o gosto pela poesia.

O estudo teve como fundamento teórico, entre outros autores, Antonio Candido

(1965), Annie Rouxel (2013), Regina Zilberman (1987), Rildo Cosson (2006), Tzvetan

Todorov (2012), Vicent Jouve (2012), Maria Tereza Andruetto (2017), Alexandre Pilati

(2018), Hélder Pinheiro (2007) e Averbuck (1985).

Esse documentário busca mesclar a linguagem acadêmica, pedagógica e poética, com

vistas a evidenciar a composição dos poemas e vivências de Cora Coralina na criação e na

perspectiva subjetiva do aluno, em meio a lugares poetizados da cidade de Goiás. Durante a

aplicação das Sequências Didáticas (SD), com a mediação e intervenção da pesquisadora, os

alunos aprimoraram a leitura de poesia e escrita criativa. Produziram vídeos com leitura dos

poemas do livro Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais, que foram motivadores do

produto final. Dessa maneira, os resultados foram expressivos quanto ao processo de

desenvolvimento de leitura da poesia de Cora Coralina em sala de aula.

O ponto inicial de minha prática docente e de partida para esta pesquisa era a

disposição de trazer a poesia de Cora Coralina para o cotidiano da sala de aula. A literatura

goiana muitas vezes fica distante das leituras sugeridas nas séries finais do Ensino

Fundamental. Trazer a criação poética de Cora para a rotina da sala de aula é uma realidade

que ultrapassa a leitura esporádica de seus poemas em situações específicas. Para grande parte

151

dos alunos pesquisados, a sua leitura se resumia aos poemas mais conhecidos da autora. Com

o trabalho de mediação e prática de leitura feita no ambiente escolar estabeleceu-se um

vínculo entre literatura e realidade social e cultural. Os jovens estudantes conseguiram

estreitar o elo leitor, texto e autor indo além dos limites da poesia, expressaram concepções

acerca dos diversos temas trabalhados e se perceberam em alguns versos. A literatura de Cora

Coralina alude a figuras socialmente marginalizadas como a lavadeira, a mulher discriminada,

o menor abandonado, a escola, os becos e vários outros sujeitos e elementos de pouca

valoração para a sociedade. Junto a leitura dos poemas, os estudantes leitores tinham a

liberdade de posicionamentos, de debates, de se identificar com estes personagens, quase

sempre ocultos à sociedade, mas descortinados nos versos coralineanos e depois percebidos

na cidade, nas ruas, becos, em nossas casas e em outros textos.

É preciso entender a leitura literária como uma prática com percursos de tipos e

valores muito variáveis que dependem muito da mediação feita pelo professor. E cabe a esse

mostrar as portas de acesso à poesia, buscando a interação leitor, texto e autor. A recepção e a

travessia de acesso à literatura dependem subjetivamente de cada aluno. Nesse sentido,

Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina, é uma coletânea de poemas

com o cerne narrativo, outrossim a escritora ocupa o imaginário dos jovens alunos como a

“poeta da cidade”, aquela que projeta a cidade de Goiás para um cenário da cultura nacional.

Se anuirmos que uma obra literária é sempre inacabada, e que sua completude advém

da presença do leitor, então, este lhe empresta elementos de seu universo pessoal para o texto,

formando uma conexão entre texto, autor e leitor.

Na constituição do trabalho desenvolvido, primeiramente, são feitas reflexões teóricas

acerca da formação do leitor literário na educação básica, discutido o alcance da leitura

literária como contribuição para a construção da subjetividade do aluno e a função do texto

poético no contexto escolar, ressaltando-se o poder humanizador da poesia.

Em seguida, trabalha-se a concepção de poesia como aporte para o jovem leitor ler

para melhor perguntar e melhor se entender. Nesse sentido, para Andruetto (2017, p. 9) diz

que “A literatura deve exigir de si mesma, sem concessões, ir de encontro aos lugares

comuns, ser o contrário do que dela se espera e, ainda, ‘não dar respostas, mas gerar

perguntas’”.

Na sequência, faz-se uma apresentação da poetisa Cora Coralina, perpassando sua vida

e obra, além de ressaltar sua ligação com a cidade de Goiás, cidade que foi inspiração para

muitos de seus poemas. Também, apontamentos sobre o corpus da pesquisa Poemas dos

Becos de Goiás e Estórias Mais, uma das obras de Cora Coralina. Em seguida, considerações

152

sobre a poesia de Cora no contexto da cidade de Goiás. Importante ressaltar que, embora seja

uma poeta canônica na cidade e no estado de Goiás, Cora Coralina não goza do mesmo

reconhecimento em nível nacional, embora a sua poesia tenha o aplauso e a anuência de um

poeta como Carlos Drummond de Andrade.

Por fim, faz-se a descrição da pesquisa (uma pesquisa-ação, de trato qualitativo, e que

propõe a discussão da formação leitora do jovem leitor, na escola, a partir da leitura de

poesia), conceituando-a e delimitando o seu locus, assim como a discussão sobre a recepção

do projeto, em sala de aula, para os 35 participantes dessa investigação. Os procedimentos

metodológicos são minuciosamente relatados e é feita a análise de dados, com base no

material aplicado em sala de aula e recolhido.

Na intervenção e análise dos dados da pesquisa de campo, procurei dialogar com

estudos de Todorov (2011), de Andruetto (2017), Jouve (2002), Rouxel (2013), de Pilati

(2018) e outros sobre a importância da leitura da leitura de poesia na sala de aula, na

perspectiva da formação e recepção de jovens leitores.

No que diz respeito à pesquisa de campo, é válido realçar que, devido ao contexto da

pandemia da Covid-19, ocorridas nos anos de 2020 e 2021, as aulas foram híbridas, as

atividades realizadas por meio das plataformas Google Meet, WhatsApp e GR8 (sistema de

gerenciamento escolar). Foram organizadas propostas de leitura, diálogo e produção de texto

direcionados para a recepção dos poemas de Cora Coralina, com indagações para investigar o

percurso percorrido pelos jovens leitores participantes da pesquisa. Ao final, a construção do

Produto Educacional foi evidenciou como a leitura da poesia de Cora Coralina, sob a

perspectiva da memória e da identidade, contribuiu para a formação leitora do jovem aluno e

despertou nele o gosto pela poesia.

Por fim, confirmam-se, nos resultados, a importância da leitura de poemas na rotina

escolar e a percepção de que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Confirma-

se, ainda, que não há resistência do jovem à leitura de poesia e, ainda menos, quando essa

poesia apresenta ao leitor marcas linguísticas, temas, vivências, e contextos que lhe são

familiares como ocorreu com a leitura dos poemas de Cora Coralina por alunos (a maioria)

nascidos e criados no mesmo contexto da poetisa.

O produto está disponível no canal do You Tube, no seguinte endereço:

https://youtu.be/fYUQXF4tiVc. Os vídeos que mediaram a constituição do produto estão

disponíveis em https://youtu.be/80YNMdv5bcU.

153

PLANEJAMENTO DO PRODUTO EDUCACIONAL

ROTEIRO DO CURTA METRAGEM

“CORA CORALINA: ENTRE POEMAS E MEMÓRIAS”

CENA 01 (várias imagens ext. dia)

Vista geral da cidade do alto da igreja Santa Bárbara, sons de sinos, passos de alguém que

caminha nas pedras (usamos para título nas pedras) rio vermelho com reflexo da casa de Cora

- trilha sonora.

(Off de várias vozes femininas e masculinas, lendo trechos de cartas para Cora, sobrepondo e

dificultando o entendimento). O áudio é sobreposto pela voz de um menino.

(Hiago, Geovana Stefany, Gabriel, Isabella, Marília, Pedro Henrique, Heitor e Lorena)

GRAVADO

(Off) (Otávio)

Hoje me peguei pensando em como é maravilhoso chegar a velha Casa da Ponte e já de

longe avistá-la admirando as mais lindas cores refletidas nas águas do Rio Vermelho. Como é

mágico lhe encontrar em cada verso, dos mais diversos poemas por ti criados.

Cena 02 (INT/DIA) continua a trilha sonora

Vemos uma mão de um jovem escrevendo em uma folha em branco uma carta. Ao fundo

percebemos uma estante de livros desfocada.

Carta (off)(Otávio)

O mundo se encanta com cada detalhe escrito de forma tão apaixonada, contando

tradições de um povo sofrido, de forma a apresentar para o mundo nossas lavadeiras, nossos

becos e a nossa humilde cidade, dá gosto conhecer Goiás de sua infância.

Por meio das suas poesias posso rever a dureza do passado recontado pela "menina feia

da ponte da Lapa”. “Aninha”, menina, mulher, poeta que nos enche de orgulho: "Contando

teu passado, contando teu futuro".

Fala para câmera (rapaz da biblioteca)(Otávio)

É assim que agradeço, querida Cora Coralina, por apresentar as simples belezas do

nosso Goiás para o mundo.

Cena 03 (EXT/ INT/ DIA) (Todos os alunos)GRAVADO

Imagens escolas, livros, alunos entrando no colégio Militar.

No pátio do Colégio Militar diversos alunos estão sentados, ou de pé lendo ou trocando ideias

a respeito do “livro Poemas dos Becos e Estórias Mais”.

(Edina) (off)GRAVADO

Vocês sabiam que Cora Coralina ganhou projeção nacional por meio de uma carta?

Escrita por Carlos Drummond de Andrade no dia 14 de julho de 1979, que diz:

154

Cora Coralina:

Não tendo o seu endereço, lanço estas palavras ao vento, na esperança de que ele as

deposite em suas mãos. Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com

a poesia. Seu livro é um encanto, seu verso é água corrente, seu lirismo tem a força e a

delicadeza das coisas naturais.

Cena 04 (EXT/DIA) (Várias meninas lavando roupas e cantando)

(Hellen, Sarah, Anna Brysa, Geovanana Borges, Ana Luiza Nascimento, Ana Clara de

Castro, Rafaela, Débora Soares e Bruna)GRAVADO

A câmera percorre por pedras e corredeiras e chega em mãos que enxaguam roupas, o barulho

das águas dão o tom da música cantadas por mulheres que lavam roupa na Carioca. A cantoria

e água são sobrepostas pela voz de uma aluna.

Música: Dodói (Juraildes da Cruz)

Onte eu vi maria no seu jardim

Tá cuiendo flor prá jogar ni mim

Bem que eu tô sabendo que ocê é meu

Tá cuiendo flor pra jogar ni eu

To doidim mode ela, ela doidim mode eu

Tá cuiendo flor pra jogar ni eu

Ei flor, cadê o cheiro que ocê prometeu

Ei flor, não venha me dizer que se esqueceu

Ei flor, será que não se lembra mais deu

Ei flor, daquele cravo dijuntim seu....

(Obs: a música passa a fazer fundo para o poema lido.) (Hellen Kristina)

(...)

Inda o dia vem longe

na casa de Deus Nosso Senhor,

o primeiro varal de roupa

festeja o sol que vai subindo,

vestindo o quaradouro

de cores multicolores.

(...)

Vai lavando. Vai levando.

Levantando doze filhos

Crescendo devagar,

Enrodilhando no seu mundo pobre,

dentro de uma espumarada

branca de sabão.

155

Cena 05 (EXT/ENTARDECER) (beco Ouro Fino)GRAVADO

Em um beco vemos ao longe uma moça na janela que observa o movimento. (Clara Silva)

Um rapaz puxando um burrinho carregado de lenha,(Gutinho) uma moça com uma bacia de

roupas na cabeça,(Juliana Toledo) certamente voltando do rio e dois rapazes vendendo prato

de pequi (Heitor e Alexsander). Após se cruzarem pelo beco a moça da janela comenta

sozinha:

(Clara Silva) GRAVADO

Conto a estória dos becos,

dos becos da minha terra,

suspeitos... mal afamados

onde famílias de conceito não passava.

“Lugar de gentinha” – diziam, virando a cara.

Cena 06 (EXT/ENTARDECER) GRAVADO

Os meninos passam por duas senhoras que estão sentadas conversando na esquina do beco

(Debora Soares e Maria Clara Oliveira). O menino oferece o prato de pequi e as mulheres

que olham, sinalizam que não tem interesse e agradecem. Elas voltam a conversar e a

observar a decida do menino pela rua do fórum. (que grita: “Olha o pequi”)

(Lorena) GRAVADO

Poetas e pintores

românticos, surrealistas, concretistas, cubistas,

eu vos conclamo.

Vinde todos cantar, rimar em versos,

bizarros coloridos,

os becos da minha terra.

Cena 07 (EXT/NOITE)

Cenas de Becos da cidade, vazios, em um silêncio que é rompidos pelas badaladas da igreja

do Rosário. Vemos vultos em uma vidraça de alguém que passa pela rua. (Isabella e Débora)

(Isabella)

De noite... noite de quarto,

a cidade vazia se recolhe

num silêncio avaro, severo.

Horas antigas do passado.

- Concentração

Almas penadas doutro mundo.

Cena 08 (EXT/DIA) GRAVADO

Vemos o reflexo na água de alguém lendo poemas dos Becos. A câmera percorre água e

vemos abaixo a imagem de um indígena.

156

Imagens aleatórias de água e mata.

Sentada em uma pedreira uma menina conta história, com o livro de Cora na mão ela resume

a história do índio Karajá (O Palácio do Arcos).

Aluna (off ou não) (Lana) GRAVADO

Ao ler Cora Coralina nos deparamos com um cotidiano da antiga Vila Boa que nos encanta.

Uma das histórias entre tantas narradas pela poeta é a do soldado Carajá que ela nos conta em

um tom de fabula:

A aluna abre o livro e lê

Era uma vez em Goiás

um soldado, carajá civilizado.

sabia ler e contar.

Estimado no quartel.

Tinha boa disciplina,

Divisas de furriel.

A aluna faz um resumo da história. No final continua a leitura do livro e finaliza lendo:

Na poeira do bárbaro

Atuado pelas forças cósmicas e ancestrais,

ouvia-se o grito selvagem:

...Uirerê! ...Uirerê! ...Uirerê!

E era uma vez em Goiás

um soldado de guarda,

civilizado carajá!

Continuação da Cena 09 (EXT/DIA)GRAVADO

Indígena vestido de soldado andando de um lado para outro na porta do Palácio. Alguns

planos detalhes.

Correndo em uma rua de pedras. Depois correndo em uma estrada de chão entrando no mato.

Detalhe: vulto do índio passando entre árvores. Passando em um rego d’água.

Cortar para:

Cena 10 (EXT/DIA) RIO VERMELHO

Imagens do Rio Vermelho com a casa velha da ponte.

Detalhes de corredeiras, pedras no rio, reflexos.

Off do Poema (Amanda)

157

Rio Vermelho das janelas da casa velha da Ponte...

Rio que se afunda debaixo das pontes.

Que se reparte nas pedras.

Que se alarga nos remansos.

Esteira de lambaris.

Peixe cascudo nas locas.

Cena 11 (EXT/DIA) PONTE DE CORA

Aluna na ponte olhando para o rio com livro na mão, abre e lê:

(Laís)

Goiás, minha Cidade...

Eu sou aquela amorosa

de tuas ruas estreitas,

curtas,

indecisas,

entrando,

saindo

uma das outras.

Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.

Eu sou Aninha.

Cena 12 (EXT/DIA) PONTE DE CORA (participação Elenizia da Mata)

Elenizia passa pela aluna e diz:

Elenizia

Eu sou aninha

Após a fala Elenizia começa a cantar à capela, “Minha cidade” e vai até a estátua de Cora. No

banco ao lado da estátua de Cora temos outra aluna que lê o livro. (Geovana Stefany)

Cena 13 (EXT/DIA) ESTÁTUA DE CORA

(Geovana Stefany)

Aluna fecha o livro e diz:

Versos ... Não

Poesia... Não

Um modo diferente de contar velhas estórias.

Cena 14 (EXT/DIA) BIBLIOTECA GRAVADO

(Amanda – substituição Bheatrys)

Vemos uma aluna escrevendo sob luz de projeção cuja as imagens é de Cora escrevendo,

declamando na Janela, declamando com o livro na mão no beco e na porta do museu das

bandeiras. (Cenas do filme de Vicente Fonseca).

Em off aluna lê uma carta à Cora:

158

Seus poemas Dos Becos de Goiás mostram vida, a vida que não vemos e não

valorizamos, vida que você viveu. Cora, de limpar casa e lavar roupa, até nisso você mostra

beleza.

Cora, que graça existe em você? Não posso mais ser a mesma, seus textos transformam

e inspiram, você é viva, viva em sua casa, viva em seus doces, viva na cidade e viva em nós.

Créditos finais (Heitor)

Vemos mão de aluno desenhando a silhueta de Cora, enquanto os créditos aparecem

A última imagem é a do aluno que escreve em baixo de seu desenho e mostra para a câmera

(O livro é o melhor meio de transporte, leva você ao passado e ao futuro, até mesmo a outro

mundo)

159

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O documentário CORA CORALINA: entre poemas e memórias foi uma experiência

de leitura literária ampliando as paredes da sala de aula. Ficou perceptível que a poesia

ultrapassa as fronteiras dos versos e estrofes. Nesse contexto, Candido (2004) acentua que “A

literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais

compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”. (p.180) e “o que na

literatura age como força humanizadora é a própria literatura, ou seja, a capacidade de criar

formas pertinentes”. (p.182)

Os alunos participantes do documentário vivenciaram os Poemas dos Becos de Goiás e

Estórias Mais, de Cora Coralina num contexto diferente do cotidiano da sala de aula, sendo

que, no set de gravação além da leitura poética do texto alguns jovens leitores liam as cenas

gravadas com acréscimos respaldados na leitura literária. Isso é resultado de ler o que o texto

traz. Segundo Thiollent (2011, p. 28), a pesquisa-ação não deixa de ser uma forma de

experimentação em situação real, na qual os pesquisadores intervêm conscientemente. Os

participantes não são reduzidos a cobaias e desempenham um papel ativo.

A cada cena gravada os estudantes vibravam com elogios e queriam participar de outras.

Diante de tais apontamentos, é irrefutável a necessidade de o texto poético participar

ativamente das leituras literárias nas séries finais do ensino fundamental. O leitor jovem em

formação busca, além do conhecimento de outros mundos, o seu mundo interior, e a literatura

não é o lugar de certezas, mas da dúvida.

Assim, finalizamos, por ora, o diálogo acerca da leitura de poemas como contribuição

na formação do jovem leitor. Que as análises tecidas possam despertar nos docentes do ensino

fundamental que a leitura literária é um direito e uma necessidade vital. Retomando Andruetto

(2017, p. 145): desde o começo dos tempos, a literatura olha a singularidade humana, a luta de

um ser humano entre o que é e o quer ou pode ser. Ela busca uma verdade que nem começa

nem termina nas palavras.

160

REFERÊNCIAS

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