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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ELIO QUARESMA NETO O JORNALISMO DE MARCAS COMO ALTERNATIVA DE ATUAÇÃO JORNALÍSTICA: UM MOVIMENTO HÍBRIDO DE JORNALISMO TRADICIONAL, MARKETING E RELAÇÕES PÚBLICAS Palhoça 2018

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

ELIO QUARESMA NETO

O JORNALISMO DE MARCAS COMO ALTERNATIVA DE ATUAÇÃO JORNALÍSTICA:

UM MOVIMENTO HÍBRIDO DE JORNALISMO TRADICIONAL, MARKETING E RELAÇÕES

PÚBLICAS

Palhoça

2018

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ELIO QUARESMA NETO

O JORNALISMO DE MARCAS COMO ALTERNATIVA DE ATUAÇÃO JORNALÍSTICA:

UM MOVIMENTO HÍBRIDO DE JORNALISMO TRADICIONAL, MARKETING E RELAÇÕES

PÚBLICAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Curso de Graduação em Jornalismo, da

Universidade do Sul de Santa Catarina, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Jornalismo.

Orientador: Professor Luciano Gonçalves Bitencourt, Esp.

Palhoça

2018

4

5

ELIO QUARESMA NETO

O JORNALISMO DE MARCAS ENQUANTO COMO ALTERNATIVA DE ATUAÇÃO JORNALÍSTICA:

UM MOVIMENTO HÍBRIDO DE JORNALISMO TRADICIONAL, MARKETING E RELAÇÕES

PÚBLICAS

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi

julgado adequado à obtenção do título de

Bacharel em Comunicação Social - habilitação

em Jornalismo e aprovado em sua forma final

pelo Curso de Comunicação Social - habilitação

em Jornalismo da Universidade do Sul de Santa

Catarina.

Palhoça, de de 201 .

______________________________________________________

Professor e orientador Professor Luciano Gonçalves Bitencourt, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Professora Vanessa Pedro

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________

Prof. Daniel Costa Pompeu

Universidade do Sul de Santa Catarina

6

Para todos aqueles que querem ajudar a aperfeiçoar o mundo através da comunicação.

7

AGRADECIMENTOS

Agradeço e parabenizo a Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, nas pessoas de

seus dirigentes e funcionários, por possibilitarem esta graduação no Curso de Jornalismo,

disponibilizando uma excelente estrutura acadêmica composta de equipamentos e material

humano de qualidade.

À Coordenadora do Curso de Jornalismo, professora Daniela Germann, bem como ao

meu orientador, o professor Luciano Gonçalves Bitencourt e a professora Vanessa Pedro pela

paciência, sabedoria, dedicação e coragem por concordarem com minha ideia de mudança de

tema e ajudarem a tornar possível esse trabalho.

A minha mãe Rita de Cassia, por compartilhar todos os momentos comigo, me

acolhendo, estimulando e apoiando em todos os sentidos. A minha madrinha Ana Lúcia, por

estar presente quando precisei e compreender minha ausência durante a produção, e ao meu pai

Elio Quaresma, que compartilha tudo comigo.

Aos meus amigos e colegas, que compreenderam, ajudaram e estiveram ao meu lado

sempre que possível.

Agradeço especialmente a minha esposa Micheli y Castro, por seu companheirismo, amor

e sabedoria, que muito me ajudou na escolha, produção e apresentação desse trabalho. Agradeço

também aos

Muito obrigado a todos, sem vocês eu não conseguiria.

8

Catar feijão se limita com escrever;

Joga-se os grãos na água do alguidar

e as palavras na folha de papel;

e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,

água congelado, por chumbo seu verbo:

pois para catar esse feijão, soprar nele,

e jogar fora o leve e oco, palha e eco;

(João Cabral de Melo Neto)

9

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Site corporativo da Coca-Cola, em formato de revista digital ......................................... 19

Figura 2: Demonstrativo de adoção do marketing de conteúdo como estratégia ............................. .23

Figura 3: Demonstrativo de perspectiva de adoção do marketing de conteúdo como estratégia ......... 24

Figura 4: Perfil do local de trabalho de produtores de conteúdo .................................................... 24

Figura 5: Funções da equipe de marketing de conteúdo por importância ........................................ 25

Figura 6: O Acta Diurna, considerado o primeiro jornal do mundo ............................................... 27

Figura 7: Edição de Novembro/2018 da revista The Furrow ........................................................ 29

Figura 8: Números do LinkedIn ............................................................................................... 36

Figura 9: Índice de confiança no jornalismo ............................................................................... 38

Figura 10: Números de acessos únicos - plataformas de conteúdo ................................................ 39

Figura 11: Exemplos de textos publicados no LinkedIn ............................................................... 40

10

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Classificação dos gêneros jornalísticos segundo Parrat ................................................. 47

11

RESUMO

O jornalismo de marcas é um movimento caracterizado pela atuação de profissionais jornalistas

e produções jornalísticas para empresas não midiáticas. Originado em 2003 nos Estados Unidos,

a atuação tem sido amplamente difundida e assimilada em países europeus e norte-americanos,

porém ainda é pouco discutida no âmbito acadêmico nacional e incipiente no mercado

brasileiro. O presente trabalho propõe-se discutir o jornalismo de marca como uma potencial

atividade alternativa ao profissional jornalista, que possibilita suprir novas demandas no campo

de atuação e expande a atividade profissional do campo da comunicação. Durante o trabalho

serão discutidas origens do movimento, a relação de marketing e jornalismo, movimentos

comunicacionais semelhantes na história do jornalismo, a perspectiva da narrativa de gêneros

jornalísticos como produto, as diretrizes e competências da formação do profissional jornalista

que respaldam a especialidade em narrativa e mercados em potencial para essa atuação. O

intuito é trazer ao ambiente acadêmico brasileiro, em especial às instituições catarinenses, o

debate já frequente no cenário internacional, sobretudo Europeu, em torno das definições sobre

o que é conteúdo de marca (branded contents), jornalismo de marca (brand journalism) e

marketing de conteúdo (content marketing), as oportunidades que esse mercado oferece, seu

desenvolvimento no âmbito internacional e suas características dentro do espectro de atuação

no jornalismo. Há também a intenção de promover o debate sobre as perspectivas de formação

na área, além de servir como material de apoio para futuras pesquisas sobre o tema, propondo

discussões sobre adaptações às diretrizes formativas do profissional jornalista frente às

mudanças frequentes do mercado da comunicação.

Palavras-chave: Jornalismo de marca; atuação jornalística; marketing de conteúdo; gêneros

jornalísticos; narrativas jornalísticas

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RESUMEN

El periodismo de marcas es un movimiento caracterizado por la actuación de profesionales

periodistas y producciones periodísticas para instituciones no mediáticas. Originado en 2003 en

los Estados Unidos, la actuación ha sido ampliamente difundida y asimilada en países europeos

y norteamericanos, pero todavía es poco desarrollada en el ámbito académico nacional y

incipiente en el mercado brasileño. El presente trabajo se propone discutir el periodismo de

marca como una potencial actividad alternativa al profesional periodista, que posibilita suplir

nuevas demandas en el campo de actuación y expande la actividad profesional del campo de la

comunicación. Durante el trabajo se discutirán orígenes del movimiento, la relación de

marketing y periodismo, movimientos comunicacionales similares en la historia del

periodismo, la perspectiva de la narrativa de géneros periodísticos como producto, las

directrices y competencias de la formación del profesional periodista que respaldan la

especialidad en narrativa, y los mercados potenciales para esa actuación. El objetivo es traer al

ambiente académico brasileño, en especial a las instituciones catarinenses, el debate ya

frecuente en el escenario internacional, sobre todo europeo, en torno a las definiciones sobre lo

que es contenido de marca (branded contents), periodismo de marca (brand journalism) y

marketing de contenido (content marketing), las oportunidades que este mercado ofrece, su

desarrollo en el ámbito internacional y sus características dentro del espectro de actuación en

el periodismo. Hay la intención de promover el debate sobre las perspectivas de formación en

el área y servir como material de apoyo para las futuras investigaciones sobre el tema,

proponiendo discusiones sobre adaptaciones a las directrices formativas del profesional

periodista frente a los cambios frecuentes del mercado de la comunicación.

Palabras clave: Periodismo de marcas. actuación periodística; marketing de contenido;

géneros periodísticos; narrativas periodísticas.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 14

2. O JORNALISMO DE MARCA EM QUATRO ETAPAS .............................................. 18

2.1. Contexto e primeiros passos ..................................................................................... 18

2.2. A fundamentação mercadológica ............................................................................. 21

2.3. Atuação jornalística em empresas não midiáticas .................................................... 23

2.4. A ascensão do jornalista de marca ............................................................................ 28

3. UM MOVIMENTO CONTINUAMENTE RECICLADO .............................................. 34

3.1. A expansão da atuação ............................................................................................. 40

4. A NARRATIVA COMO PRODUTO .............................................................................. 44

5. DIRETRIZES E COMPETÊNCIAS DO JORNALISMO ............................................... 49

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 57

7. REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 62

14

1. INTRODUÇÃO

O jornalismo de marcas é um movimento caracterizado pela demanda de instituições

não midiáticas por profissionais jornalistas para atuarem no planejamento, produção e

publicação de conteúdos de cunho jornalístico nos canais de comunicação da própria

instituição. Originado em 2003 nos Estados Unidos, a atuação tem sido amplamente difundida

e assimilada em países europeus e norte-americanos, chegando a ser considerada em 2015 como

uma das atuações mais promissoras pelos jornalistas britânicos. No entanto, o jornalismo de

marcas ainda é um tema pouco discutido no âmbito acadêmico nacional e incipiente no mercado

brasileiro.

O presente trabalho tem como objetivo principal discutir o jornalismo de marca como

uma potencial atividade alternativa ao profissional jornalista, considerando a relação entre

marketing e jornalismo, que possibilita suprir novas demandas no campo de atuação e expande

a atividade do profissional no campo da comunicação.

Paralelamente, a presente pesquisa busca verificar se há indícios que sustentem o

jornalismo de marcas como uma atuação promissora para o jornalista também no mercado

brasileiro e analisar as diretrizes curriculares do curso de Jornalismo, com ênfase nos

conhecimentos, habilidades, atitudes e valores desenvolvidos durante a graduação, para

compreender se as competências adquiridas favorecem a atuação profissional como jornalista

de marca, inferindo se é conveniente integrar matérias específicas a esse respeito, respondendo

a uma demanda crescente do mercado atual.

Vale lembrar que o presente trabalho não tem intenção de discutir sobre atuações

limítrofes do jornalismo, se há uma subversão de papéis entre o jornalismo e a publicidade, se

atuar como assessor de imprensa ou jornalista de marcas é ou não jornalismo, ou ainda se para

exercer o jornalismo é necessário formação acadêmica, embora tais discussões possuam

indiscutível importância. A pretensão do trabalho com as informações aqui levantadas é

promover o debate sobre as perspectivas de atuação na área, abordando as oportunidades que o

mercado da narrativa oferece, seu desenvolvimento no âmbito internacional e suas

características dentro do espectro de atuação no jornalismo, visando servir como material de

apoio para futuras pesquisas sobre o tema, além de propor discussões sobre adaptações às

diretrizes formativas do profissional jornalista frente às mudanças frequentes do mercado da

comunicação.

A motivação para esta pesquisa surgiu de dois momentos distintos, porém interligados.

O primeiro foi uma curiosidade gerada de uma experiência pessoal. Fui convidado para

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participar de uma entrevista coletiva, para atuar como profissional de marketing de conteúdo,

mesmo sendo estudante de jornalismo. Falando com os outros candidatos, percebi que havia

vendedores e publicitários, todos com experiência e estudos voltados ao marketing.

Durante a entrevista pessoal, perguntei para o entrevistador porque tinha sido

selecionado, visto meu raso conhecimento sobre marketing em comparação com os outros

candidatos. A resposta foi que, além da escrita fluida, jornalistas possuem como características

inerentes à atividade, como investigar, inferir e produzir conteúdo a partir de suas observações,

virtudes consideradas essenciais para trabalhar com marketing de conteúdo. Para quem

contrata, é mais fácil ensinar marketing a quem sabe escrever do que ensinar a escrever. Ao fim

da entrevista, ganhei a vaga.

O segundo momento foi após a entrevista, quando pesquisei sobre a atuação de

jornalistas no marketing de conteúdo e percebi que além da posição do meu entrevistador ser

reforçada por diversos outros profissionais no mercado brasileiro, a ideia de utilizar jornalistas

para produção de conteúdo como forma de marketing indireto é amplamente difundida no

marketing de conteúdo (PULIZZI,2016). No entanto, ao analisar o cenário do mercado

internacional, observei que no jornalismo de marcas o profissional jornalista ultrapassa a linha

de produção de conteúdo, e passa a ter um papel ativo na estratégia de comunicação empresarial,

atuando em sinergia e equiparidade com os profissionais de marketing. Outra característica que

distingue as atuações é a amplitude de produção jornalística, que transcende os textos

padronizados pelo inbound marketing1 e que confere ao profissional jornalista uma liberdade

maior de produção.

Mesmo com a rápida ascensão do jornalista de marca no mercado Europeu e com

migração de profissionais jornalistas para desempenharem outras atividades em empresas não

midiáticas, evidenciadas pela polissemia das denominações das novas funções e atividades do

jornalista na convergência digital (MICK, 2015), ainda existem poucos materiais acadêmicos e

referências literárias sobre o assunto.

A justificativa deste trabalho está sustentada em três alicerces distintos, porém

igualitários em importância: a crise no jornalismo institucionalizado, evidenciada pelas

frequentes demissões em redações tanto no cenário nacional quanto internacional, pela redução

do apelo comercial com perda de rentabilidade e diminuição na distribuição de revistas e jornais

impressos, gerando uma demanda por novos direcionamentos na profissão; o surgimento do

1 Inbound marketing: Forma de publicidade on-line na qual uma empresa se promove através de blogs, podcasts,

vídeo, e-Books, newsletters, whitepapers, SEO e outras formas de marketing de conteúdo (KOTLER, 2003)

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brand journalism ou jornalismo de marca como uma perspectiva de atividade alternativa ao

profissional jornalista, auxiliando em suprir novas demandas de mercado na comunicação e

expandindo a atividade profissional; e o baixo número de materiais acadêmicos sobre o assunto,

principalmente em esfera nacional, mesmo com a atividade profissional já reconhecida e

solidificada no cenário internacional, em especial nos Estados Unidos e na Europa.

Reforça esta justificativa, a ideia de promover no ambiente acadêmico brasileiro, em

especial às instituições catarinenses, o debate já frequente no cenário internacional, sobretudo

Europeu, em torno das definições sobre o que é conteúdo de marca (branded contents),

jornalismo de marca (brand journalism) e marketing de conteúdo (content marketing), as

oportunidades que esse mercado oferece, seu desenvolvimento no âmbito internacional e suas

características dentro do espectro de atuação no jornalismo (BARROSO e ESTÉVEZ, 2017).

Com o intuito de servir como material de apoio para futuras pesquisas sobre o tema,

serão discutidas durante o trabalho as origens do movimento, a relação de marketing e

jornalismo, movimentos comunicacionais semelhantes na história do jornalismo, a perspectiva

da narrativa de gêneros jornalísticos como produto, as diretrizes e competências da formação

do profissional jornalista que respaldam a especialidade em narrativa e mercados em potencial

para essa atuação.

No primeiro capítulo, é apresentada a gênese do movimento de jornalismo de marcas,

seu contexto de surgimento, seus principais defensores, primeiras aparições de uso público do

termo, conceitos que fundamentam a assimilação mercadológica do movimento, cases de

instituições que adotaram o jornalismo de marcas como estratégia de marketing, exemplos de

conteúdo do jornalismo de marcas, estatísticas e pesquisas que apontam o jornalismo de marcas

como uma potencial atividade alternativa ao profissional jornalista.

No segundo capítulo, o jornalismo de marcas é confrontado com outras transformações

operacionais da atuação jornalística, buscando evidenciar suas similaridades e características

exclusivas, além de discutir a relação histórica entre marketing, publicidade e jornalismo,

exemplos de conteúdos com discursos combinados dessas três áreas, a imprensa como matriz

incubadora (FRAGA, 2016) e semelhanças de jornalismo de marcas com conceitos e

propriedades da atuação de relações públicas e assessoria de imprensa.

São discutidas ainda novas incumbências destinadas ao profissional jornalista, a

exigência por profissionais multitarefas e multimidiáticos, e as distinções entre produtos

ofertados por profissionais de relações públicas, assessores de imprensa e jornalistas de marca,

que são consumidos e assimilados por instituições não midiáticas. Conforme Marshal (2003,

17

p.145), “na sociedade contemporânea, a informação, a notícia, o jornal e a imprensa em geral

são estetizados, marketizados e mercadorizados”.

As narrativas de gênero jornalístico como produto diferencial de mercado são principal

referência no terceiro capítulo, que também traz dados e estatísticas do LinkedIn, a maior

comunidade global de profissionais, para mensurar o crescimento de marcas que apostam na

narrativa como diferencial. Além disso, são apresentados dados como alcance da rede em

comparação com veículos tradicionais de mídia, número de publicações, índices de confiança

no jornalismo e jornalista segundo a pesquisa Trust Barometer 2018, além de exemplos de

produtores de conteúdo que tem se destacado no mercado.

Já no quarto capítulo, as diretrizes e competências da formação jornalística são

evidenciadas com o intuito de observar se, dentre os conhecimentos, habilidades, atitudes e

valores desenvolvidos durante a graduação, há competências adquiridas que favoreçam a

atuação do profissional como jornalista de marca ou respaldam a formação jornalística como

especialidade de produção narrativa. Também será debatido nesse capítulo, diferentes

percepções de gêneros jornalísticos de narrativa, suas particularidades, similaridades e

aplicações ao jornalismo de marcas.

18

2. O JORNALISMO DE MARCA EM QUATRO ETAPAS

O jornalismo de marca, assim como outras transformações operacionais da atuação

jornalística, não nasceu de um fato isolado, mas sim de processos complexos e concomitantes,

que envolvem uma lenta elaboração histórica intimamente ligada à evolução do próprio

jornalismo, representada por fatores objetivos (técnicas de impressão, alfabetização, legislação

jornalística, surgimento de novos meios de publicação) e fatores subjetivos ( crise estrutural

dos jornais, liberdade de imprensa e outros aspectos de caráter profissional, moral, social e

político), além de outros fenômenos sociais que, por sua vez, também são afetados pela

atividade jornalística (BERTOCHI, 2005).

Por isso, a abordagem sobre o surgimento do jornalismo de marca merece ser analisada

em quatro etapas, considerando as primeiras aparições comerciais do uso do termo, ignorando

as semelhanças e proximidades da atuação jornalística no marketing de conteúdo, cuja origem

ultrapassa um século (PULIZZI, 2013). As duas primeiras etapas representam sua origem em

fatos coexistentes e que sofreram influência direta do período de transição da Web 1.0, onde

todo o conteúdo era estático e sem qualquer forma de interatividade com a audiência, para o

formato 2.0, que consistia em uma maior interação dentro de cada página, tendo gerado as

primeiras discussões sobre o assunto. As etapas seguintes abordam a absorção das empresas

quanto ao jornalismo de marcas e a ascensão dessa atuação no mercado de trabalho.

2.1. CONTEXTO E PRIMEIROS PASSOS

Em 2003, o McDonalds era uma multinacional em declínio. A marca que construiu sua

reputação com o simples slogan de que era um lugar feliz para se estar, que tinha democratizado

a ação de comer fora, estava em crise de identidade. Seus restaurantes já não tinham o mesmo

alinhamento e vontade dos anos anteriores. A comida tinha seu foco na economia ao invés da

qualidade, e a equipe se sentia desmoralizada e mal preparada. A comida ficou obsoleta no

mesmo momento em que a consciência sobre boa alimentação e saúde crescia rapidamente. E

a gerência não enxergou o problema.

Toda a situação descrita acima foi confirmada por Michael Quinlan, então presidente e

CEO da maior cadeia mundial de restaurantes de fast food de hambúrguer - O McDonalds, em

19

uma entrevista para a BusinessWeek2, uma revista estadunidense sobre negócios. Quinlan disse

na época: “Precisamos mudar? Não, não precisamos mudar. Nós temos a marca de maior

sucesso no mundo”, e mesmo com as vendas caindo em cada restaurante, O McDonalds tentou

resolver a crise abrindo novos restaurantes. Quando as avaliações mostraram que a experiência

da marca estava diminuindo, o McDonald's abandonou as avaliações. Os investidores

perceberam que só aumentaram a marca, mas não a melhoraram.

Em março de 2003, a BusinessWeek publicou esses problemas, em um artigo

denominado Hamburger Hell. Foram entrevistados repórteres, analistas, observadores,

ativistas, franqueados, funcionários, consultores de marketing, e todos apresentaram pontos

negativos sobre a situação do McDonald's. Havia um consenso de desatualização da marca, que

era grande demais para mudar, e por isso teria se perdido no tempo. Porém, um ano depois, o

McDonald's estava sendo descrito como um incrível caso de negócios de recuperação.

A transformação do McDonald’s foi explicada no livro Seis Regras para Revitalização

de Marcas3 de Larry Light, que ocupou o cargo de diretor de marketing da multinacional.

Quase tudo mudou - desde o treinamento de pessoal até a reforma do restaurante; a

comida que foi vendida e a forma como o McDonald's era anunciado e

comercializado. Esse marketing agora seguiu o que Light disse ser algo muito novo:

uma abordagem de jornalismo de marca. 4 (BULL, 2013, pp. 18-19).

A abordagem do jornalismo de marca citada por Bull e utilizada por Light, se refere à

metodologia de produção de conteúdo considerando as interações dos leitores, que deixam de

ser consumidores passivos e tornam-se interlocutores que provocam e podem estender a

repercussão de um conteúdo. Esse movimento ocorreu principalmente quando a internet deixou

de ser um meio de transmissão unidirecional, na transição da Web 1.0, onde todo o conteúdo

era estático e sem interatividade com os leitores, para o formato 2.0, que consiste em uma maior

interação dentro de cada página. A partir desse novo formato, foi possível a criação de blogs e

outros canais de conteúdo onde o leitor não é passivo em relação ao que está publicado. Este

2 Publicada originalmente na versão impressa da Revista em 3 de março de 2003, com o título McDonald's

Hamburger Hell e autoria de P. Golgoi and M. Arndt. Em 2009, o físico e professor estadunidense Robert Betts

Laughlin compartilhou a matéria no blog da Universidade de Stanford. Versão disponível em inglês

http://large.stanford.edu/publications/power/references/golgoi/ Acesso em 23/10/2018. 3 Tradução livre Six Rules for Brand Revitalisation.

4 Tradução livre: “Just about everything had changed – from staff training to restaurant

refurbishment; the food that was sold and the way McDonald's was advertised and marketed. That

marketing now followed what Light said was something very new: a brand journalism approach.”

20

início de transformação foi a origem da necessidade de reinventar o posicionamento de marca

frente a ineficácia do marketing de massa.

Precisamos reinventar o conceito de posicionamento de marca instituindo o novo

conceito de jornalismo de marca. As grandes marcas são multidimensionais, multi-

segmentadas, multifacetadas. Nenhuma comunicação pode contar toda a história

multifacetada de grandes marcas.[...] não vivemos mais em um mundo onde o

marketing de massa para as massas de consumidores com uma mensagem em massa

transmitida pela mídia de massa gera dinheiro. Na verdade, o marketing de massa

como o conhecemos está morto.5 (LIGHT & KIDDON, 2009, pp. 135-136).

A situação constatada por Light quanto ao marketing de massa pode ser relativizada

com o jornalismo de massa, realizado em canais como jornais, revistas, televisão e rádio, uma

vez que os problemas que ele enfrentava em 2003 frente ao McDonald’s eram comuns aos que

jornais enfrentavam - e ainda enfrentam: reconstruir a confiança do serviço em um mundo cada

vez mais fragmentado, cético e veloz. A reconstrução da confiança aparece com a quinta regra

do livro de Light. Segundo o autor:

Regra 5: Reconstruir a confiança da marca: Neste mundo cético, exigente e incerto, a

confiança é uma obrigação. Como parte da revitalização de uma marca, a reconstrução

da confiança é fundamental. O investimento na reconstrução da confiança é um

imperativo de marketing importante e desafiador. Há demanda por mais abertura, mais

responsabilidade social e mais integridade. Ao longo dos anos, o McDonald's investiu

na construção da confiança - Ronald McDonald House, responsabilidade ambiental,

compromisso com a diversidade de funcionários, atividades da comunidade local.

Como a preocupação com a vida saudável tem crescido, o mesmo acontece com o

compromisso do McDonald's em fornecer escolhas adequadas - por exemplo, saladas,

fatias de maçã, parfait de iogurte, água, sucos e leite6 (LIGHT & KIDDON, 2009, pp.

188-189).

Light percebeu que a marca não deveria mais se basear na divulgação de notícias e

campanhas publicitárias, mas sim no relato de histórias (storytelling), uma forma mais efetiva

5 Tradução livre: “We need to reinvent the concept of brand positioning by instituting the new concept

of brand journalism. Mega brands are multi-dimensional, multisegment, multifaceted brands. No one

communication can tell the whole, multifaceted megabrand story. [...]We no longer live in a world

where mass marketing to masses of consumers with a mass message delivered through mass media

makes money. In fact, mass marketing as we know it is dead."

6 Tradução livre: “Rule 5: Rebuild brand trust: In this skeptical, demanding, uncertain world, trust is a

must. As part of revitalizing a brand, rebuilding trust is critical. Investment in rebuilding trust is an

important, challenging marketing imperative. There is demand for more openness, more social

responsibility and more integrity. Over the years McDonald's invested in building trust -- Ronald

McDonald House, environmental responsibility, commitment to employee diversity, local community

activities. As the concern with healthful living has grown, so has McDonald's commitment to

providing appropriate choices -- for example, salads, apple slices, yogurt parfait, water, juices and

milk.”

21

para a comunicação de valores e emoções. Nessa lógica, o gênero jornalístico mais adequado

não era mais o da informação sucinta e sóbria da nota de imprensa, mas sim o da reportagem

ou da crônica, baseados na narração de eventos com um ponto de vista. Trata-se de evoluir dos

dados e fatos para as histórias e pessoas. Com esses novos conceitos de posicionamento de

marca e experiência do usuário, Light revolucionou o marketing do McDonald's e criou o

conceito de jornalista de marca, indo ao encontro das ideias de Tom Foremsky, um jornalista

que ajudou a fundamentar o jornalismo de marcas.

2.2. A FUNDAMENTAÇÃO MERCADOLÓGICA

Toda companhia é uma companhia de mídia. Foi com essa frase que Tom Foremsky,

então jornalista da revista Financial Times e editor do site syliconvalleywatcher.com, um

observatório sobre tendências, estratégias e as constantes mudanças do mundo da mídia e como

isso afeta as empresas do vale do Silício, resumiu sua ideia de que qualquer companhia, bem

como qualquer pessoa, com as novas tecnologias e as redes sociais, se transformou em um meio

de comunicação. E que as empresas poderiam utilizar técnicas jornalísticas para explorar sua

posição no cenário social e ligações com assuntos de interesse público como forma de

marketing.

A fórmula Every company = Media Company (EC=MC) divulgada em 2005 através de

palestras e consultorias prestadas por Foremsky, defendia uma transição progressiva e

definitiva dos meios de comunicação da mídia tradicional para empresas corporativas, que

teriam que produzir seu próprio conteúdo de uma maneira profissional. Nesse cenário de

pulverização da mídia, as empresas precisavam aprender como publicar, ouvir e conversar em

um mundo fragmentado, abrindo espaço para jornalistas e outros profissionais de mídia

participarem mais ativamente das campanhas de marketing, tanto na produção quanto em

estratégias de ações. Em 2010, ele publicou a ideia em seu site,

everycompanyisamediacompany.com, justificando a fórmula.

Toda empresa é uma empresa de mídia porque toda empresa publica para seus

clientes, seus funcionários, seus vizinhos e suas comunidades. Não importa se é uma

empresa que fabrica fraldas ou vigas de aço, também deve ser uma empresa de mídia

e saber usar todas as tecnologias de mídia à sua disposição. Embora isso sempre tenha

sido verdade até certo ponto, é ainda mais importante hoje porque nossas tecnologias

de mídia se tornaram muito mais poderosas (FOREMSKY, 2010).7

7 Artigo disponível em http://www.everycompanyisamediacompany.com/every-company-is-a-media-

/2010/03/welcome-when-every-company-is-a-media-company.html#more Acesso em 25/09/2018.

22

Importante ressaltar que a ideia de Foremsky vai além do uso dos canais de comunicação

da empresa para divulgação do conteúdo da própria empresa. Quando toda empresa é uma

empresa de mídia, alteram-se diversos aspectos de uma organização, desde a forma de

contratação de colaboradores, passando por infraestrutura de TI até o gerenciamento e como

administrar a empresa. É justamente essa mudança de paradigma que diferencia o jornalismo

de marcas de outras estratégias, como o marketing de conteúdo. No cenário abordado por

Foremsky, os meios de comunicação em massa deixam de hospedar as comunicações de mídia,

ficando as próprias empresas responsáveis pela produção, publicação e circulação de seus

conteúdos. Portanto, o jornalista ultrapassa a linha de produção de conteúdo e passa a ter um

papel ativo na estratégia de comunicação empresarial, assim como faria nos meios tradicionais

de comunicação.

Costumávamos ter "meios de comunicação de massa", onde um pequeno conjunto de

empresas e canais de mídia, na TV, rádio, jornais, imprensa comercial, hospedava

grande parte de nossas comunicações de mídia. Esses dias se foram. A realidade é que

agora vivemos em um mundo multimídia, multiplataforma, multicanal, e a tendência

está caminhando para uma fragmentação cada vez maior da mídia - videocasts,

podcasts, blogs, microblogging, Twitter, etc. Não é mais possível operar um negócio

da maneira antiga - como enviar um comunicado à imprensa sobre a Business Wire8 e

informar alguns jornalistas, e sentar-se. Hoje você precisa fazer isso ... e mais, muito

mais. Toda empresa precisa dominar essas tecnologias de mídia e as melhores práticas

de mídia de um mundo de mídia em rápida fragmentação (FOREMSKY, 2010)9.

A fragmentação midiática citada por Foremsky fez as empresas perceberem que o

jornalista poderia ser mais abrangente em suas estratégias de comunicação, já que o objetivo do

jornalismo de marca não é maximizar a conversa sobre a marca, nem aumentar sua visibilidade

na imprensa e redes sociais, mas provocar expressões relevantes a favor da empresa, com ênfase

no valor emocional positivo, para fomentar o caráter de aproximação emocional dos

consumidores com suas lovemarks10 sobre as diferentes dimensões de sua atividade: comercial,

8 Business Wire é uma empresa estadunidense que atua na distribuição de notícias comerciais, permitindo que

companhias afiliadas possam transmitir releases e demais conteúdos multimídias à jornalistas, mídias de notícias,

profissionais financeiros, portais na web e público em geral, nas Américas, Europa, Ásia-Pacífico, Oriente Médio

e África. 9Artigo disponível em http://www.everycompanyisamediacompany.com/every-company-is-a-media-

/2010/03/welcome-when-every-company-is-a-media-company.html#more Acesso em 25/09/2018. 10

Lovemark pode ser definido como um fenômeno relacional e emocional entre uma marca (sua imagem, seu

signo) e o consumidor, que muitas vezes transcende o limite racional. A expressão foi criada por Kevin Roberts e

está conceituada em seu livro Lovemarks: o Futuro Além das Marcas. Segundo Robert, existem marcas que, devido

à profunda ligação emocional que desenvolvem com seus consumidores, transcendem o limite racional, e a partir

do momento em que atingem esse nível, deixam de ter consumidores e passam a ter fãs.

23

laboral, setorial, institucional, social e financeira (ROBERTS, 2004). A finalidade é qualitativa

e não quantitativa.

Além disso, o crescimento de usuários e serviços através das redes sociais, responsável

pela fragmentação das audiências da imprensa de comunicação de massa, causa pelo menos

outra circunstância determinante para adequação da comunicação empresarial: possibilitar que

os grupos de interesse de consumo de conteúdo (clientes, trabalhadores, cidadãos,

investidores...) deixem de ser receptores passivos para se transformar em interlocutores ativos,

aumentando a exigência de comunicação profissional das empresas.

Além dos meios tradicionais de publicação, como white papers, comunicados à

imprensa, etc., as empresas precisam agora também dominar as tecnologias de 'mídias

sociais' que permitem que qualquer um, seus clientes, seus concorrentes, publiquem

também. Não é mais um meio de transmissão unidirecional, todos agora têm acesso a

uma impressora on-line que pode atingir potencialmente dezenas de milhões de

pessoas. A primeira fase da Internet facilitou a publicação de uma página de conteúdo

em qualquer tela de computador - desktop ou mainframe. Agora, qualquer tela de

computador, laptop ou bolso, pode publicar de volta - nós conectamos o outro lado da

Internet! Agora é um meio em dois sentidos. Toda empresa é uma empresa de mídia

que vai além do foco atual nas mídias sociais. A mídia social é apenas um aspecto da

estratégia de mídia de uma empresa. A mídia social não é suficiente, as empresas têm

que se concentrar em toda a sua estratégia de mídia, torna-se parte integrante da sua

estratégia de negócios (FOREMSKY, 2010)11.

Essa transição da produção midiática para empresas não midiáticas mudou a relação

entre instituições e veículos de imprensa. Se antes as empresas serviam como fontes de

informação, agora as próprias empresas têm a possibilidade de publicar diretamente, oferecendo

a seus públicos os conteúdos de interesse. Foi como canal de proposta de ação e conteúdo,

somado ao critério de apuração, levantamento, análise e interpretação de dados, dedicação à

narrativa em suas diferentes apresentações que o jornalismo de marca ganhou força

institucional.

2.3. ATUAÇÃO JORNALÍSTICA EM EMPRESAS NÃO MIDIÁTICAS

A partir da fórmula de Foremsky e da adaptação de Light com o sucesso de recuperação

da marca do McDonald’s, outras empresas multinacionais adotaram o jornalismo de marca

como estratégia de marketing. Um dos casos mais significativos é a de outra multinacional

estadunidense, a Coca-Cola, que em 2012 alterou inclusive o endereço do seu site, de

11

Artigo disponível em http://www.everycompanyisamediacompany.com/every-company-is-a-media-

/2010/03/welcome-when-every-company-is-a-media-company.html#more Acesso em 25/09/2018.

24

cocacolacompany para cocacolajourney. A empresa publicou um comunicado oficial falando

sobre a decisão:

Em 12 de novembro de 2012, a The Coca-Cola Company mergulhou de cabeça nas

águas desconhecidas do jornalismo de marca ao reimaginar nosso site corporativo como

uma revista digital dinâmica e um canal de mídia de propriedade. Inspirada nos

principais editores on-line e com mídia social, a narrativa pioneira traz as histórias

atraentes de nossa empresa e marcas - quem somos, o que fazemos e por que fazemos

- à frente por meio de uma experiência de publicação digital criada para inspirar, educar

e provocar ação. Fizemos essa grande aposta em conteúdo digital porque ainda

acreditamos que histórias autênticas são importantes, que trabalhos e visuais

excepcionais ganham o dia e que construir uma redação digital global e ferramenta de

RP em tempo real pode transformar a forma como nos envolvemos com todos leitores

- fãs, funcionários, stakeholders, críticos e muito mais (ABOUT COCA-COLA

JOURNEY, 201612).

Esse é o primeiro de três parágrafos que contam sobre a decisão da empresa em apostar

no jornalismo de marcas. A Coca-Cola Journey aos poucos se tornou uma outra marca da

organização, que agora também figura como uma empresa de mídia, produzindo reportagens,

entrevistas e documentários, conforme a visão de Foremsky. O próprio jornal estadunidense

The New York Times definiu o portal da Coca-Cola como "uma autêntica página de notícias",

para a qual trabalham 40 jornalistas, desenhistas, fotógrafos e infografistas; uma redação que

muitos veículos de imprensa gostariam de ter.

12

Tradução livre “On Nov. 12, 2012, The Coca-Cola Company dove headfirst into the unchartered waters of

brand journalism by reimagining our corporate website as a dynamic digital magazine and owned media channel.

Inspired by leading online publishers and powered by social media, the pioneering storytelling brings the

compelling stories behind our company and brands – who we are, what we do and why we do it – to the forefront

through a digital publishing experience designed to inspire, educate and provoke action. We made this big bet in

digital content because we believed – and still believe – that authentic stories matter, that exceptional writing and

visuals win the day, and that building a global digital newsroom and real-time PR tool could transform how we

engage with all readers – fans, employees, stakeholders, critics and more”. Disponível em https://www.coca-

colacompany.com/our-company/about-coca-cola-journey Acesso em 01/09/2018

25

Figura 1: Site corporativo da Coca-Cola, em formato de revista digital

Fonte: https://www.cocacolabrasil.com.br/

Acesso em 25/08/2018

Atualmente, a Coca-Cola Journey opera em mais de 20 sites, abrangendo mais de 30

países ao redor do mundo e 14 idiomas, além de empregar mais de 3.000 profissionais

distribuídos pelo globo, em sua maioria, jornalistas.

Além do exemplo mencionado, outras empresas também apostaram no jornalismo de

marcas. O banco global britânico HSBC criou a Businesswithoutborders.org, uma página de

negócios sem fronteiras que inclusive tem serviços de informação de agências. O Banco Bilbao

Vizcaya Argentaria ou BBVA, um grupo bancário espanhol com participação em entidades

financeiras em mais de trinta países, criou o bbva.com (https://www.bbva.com/es/) com o

objetivo de informar sobre a atualidade corporativa e expor seu pensamento sobre determinadas

temáticas que prejudicam a seus interesses em diversas áreas, informou seu investimento em

jornalismo de marcas em 2016, anunciando que “o jornalismo de marca é um conceito recente

que a BBVA tornou real em bbva.com. A web global do grupo é também o novo canal de

26

conteúdos da BBVA para assegurar que a voz, o propósito e as mensagens da BBVA cheguem

sem intermediários aos principais grupos de interesse”13.

Vale ressaltar na mensagem da instituição a afirmação de que “as mensagens cheguem

sem intermediários aos grupos de interesse”, pois, de certa forma, resume com clareza o que o

movimento jornalismo de marcas representa: a supressão do intermediário da informação, que

até então era representado pelos canais de comunicação em massa.

Se na década de 80 o processo de redemocratização do país gerou no mercado brasileiro

a necessidade e o favorecimento para a atuação do jornalista enquanto assessoria de imprensa,

tendo como uma de suas atribuições atuar como uma ponte entre as empresas e os canais de

comunicação em massa, abrindo espaço nas redações para informações relevantes para a

instituição (DUARTE, 2001), no jornalismo de marcas a atuação do jornalista passa a ser a de

produtor de informações, elaborando conteúdos de caráter jornalístico para publicação nos

próprios canais da instituição. Não se trata mais de alimentar as redações dos canais midiáticos

de comunicação em massa, mas sim propor materiais relevantes de acordo com o perfil de

atuação da instituição.

Para Paul Tobin, diretor de comunicação da BBVA, a adoção do jornalismo de marcas,

além de possibilitar que todas as áreas da empresa trabalhem de maneira coordenada para gerar

conteúdo relevante, garante que os conteúdos estejam disponíveis nos canais certos onde seus

clientes buscam a informação.

A diferença entre como o usuário consumia informação há alguns anos, como faz

agora e como o fará no futuro, têm mudado radicalmente. Hoje os usuários buscam

informação e consomem conteúdos diversos e é aí, onde eles buscam, que devemos

colocar nosso conteúdo. Por isto, o que faremos será trabalhar com gêneros

jornalísticos nativamente digitais aos que aplicaremos técnicas de posicionamento e

uma boa estratégia em redes sociais.14

13 El periodismo de marca o periodismo corporativo es un concepto reciente que BBVA ha hecho

realidad en bbva.com. La web global del grupo es también el nuevo canal de contenidos de BBVA para

asegurar que la voz, el propósito y los mensajes de BBVA llegan sin intermediarios a los principales

grupos de interés. Periodismo de marca, iniciativa pionera de BBVA. Acesso em 22/10/2018.

Disponível em https://www.bbva.com/es/periodismo-marca-iniciativa-pionera-bbva/

14 La diferencia entre cómo consumía información el usuario hace unos años respecto a cómo lo hace

ahora y cómo lo hará en el futuro, ha cambiado radicalmente. Hoy los usuarios buscan información y

consumen contenidos muy diversos y es ahí, donde la gente busca, donde debemos colocar nuestro

contenido. Por esto, lo que haremos será trabajar con géneros periodísticos nativos digitales a los que

aplicaremos técnicas de posicionamiento y una buena estrategia en redes sociales”. Periodismo de

marca, iniciativa pionera de BBVA. Acesso em 22/10/2018. Disponível em

https://www.bbva.com/es/periodismo-marca-iniciativa-pionera-bbva/

27

Os gêneros jornalísticos nativamente digitais citados por Tobin possuem relação direta

com outro movimento de reflexão da atuação jornalística bastante difundido na Europa e em

especial nas academias espanholas e lusitanas, o ciberjornalismo15, uma modalidade jornalística

surgida no final do século XX que se apropria do ciberespaço para a construção16 de conteúdos

jornalísticos. As discussões sobre os gêneros próprios do ciberjornalismo influenciam

diretamente na formação do perfil de atuação tanto do Jornalista de Marcas quanto do

Ciberjornalista. No Brasil, outras funções e atividades estão surgindo com o mesmo caráter de

uso ou adaptação de gêneros jornalísticos para sítios virtuais e convergência digital.

Em 2015, o professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da

Universidade Federal de Santa Catarina, Jacques Mick, divulgou na Revista Pauta Geral, o

artigo “Trabalho jornalístico e convergência digital no Brasil: um mapeamento de novas

funções e atividades” que reflete sobre as transformações na profissão de jornalista no Brasil

com o surgimento de novas funções e atividades seja em empresas do setor ou organizações

não midiáticas. Nesse artigo, Mick já trazia a hipótese que os saberes adquiridos durante a

formação jornalística poderiam ser aplicados com desenvoltura em outros domínios, tanto por

empresas de mídia dispostas a experimentar inovações operacionais (em resposta à crise no

setor, por exemplo), quanto por empresas não-midiáticas interessadas em mobilizar, para seus

fins, o tipo de conhecimento que, ao longo do tempo, configurou o jornalismo como uma

profissão17, como os casos já citados da BBVA.COM e Coca-Cola Journey.

Há ainda outras empresas que serviriam como estudo de caso para o presente trabalho.

Podemos citar o grupo Eroski, uma cadeia de supermercados espanhola com quase 1.000 lojas

espalhadas por toda a Espanha, que desenvolveu a revista Eroski Consumer nos formatos de

portal de notícias (http://www.consumer.es/) e também como versão impressa com tiragem

mensal; a revista The Red Bulletin da Red Bull pertencente a companhia austríaca Red Bull

GmbH que comercializa bebida energética Red Bull, e apresenta histórias de esportes, cultura,

música, vida noturna, empreendedorismo e estilo de vida mensalmente nas edições impressas e

diariamente na versão portal de notícias online (https://www.redbull.com/br-pt/). Além do

portal de notícia e da revista, a Red Bull utilizou técnicas do ciberjonalismo para divulgação e

15 Foi escolhido o uso do termo “ciberjornalismo” ao invés de outras expressões como “jornalismo

online” e “webjornalismo”, neste trabalho por ser a forma que, ao lado de “ciberjornalista”, está sendo

cada vez mais utilizada em obras acadêmicas, além de ter a vantagem de ser linguisticamente econômica

(Saad, 2004; Díaz Noci & Salaverría, 2003:17) 16 Optamos por “construção” de conteúdo, e não “difusão”, porque nosso objetivo é ressaltar o caráter

de coletividade desta construção muito mais do que o caráter difusionista da comunicação massiva. 17 Ver Revista Pauta Geral-Estudos em Jornalismo, Ponta Grossa, vol.2, n.1 p. 15-37, Jan/Jun, 2015.

28

produção do documentário sobre o projeto Red Bull Stratos, realizado no dia 14 de outubro de

2012, que envolveu o paraquedista e base jumper austríaco Felix Baumgartner. O projeto que

tinha como objetivo contribuir em pesquisas científica quebrou diversos recordes e marcos,

entre eles o da primeira pessoa a romper a barreira do som em queda livre. A transmissão ao

vivo do salto da estratosfera tornou-se o vídeo ao vivo com maior número de visualizações

simultânea ao atingir 8 milhões de espectadores.

2.4. A ASCENSÃO DO JORNALISTA DE MARCA

A demanda crescente dos conceitos dos gêneros textuais e técnicas jornalísticas liderado

por grandes empresas não midiáticas como a Coca-Cola e BBVA gerou uma migração dos

jornalistas das redações das empresas midiáticas para outras organizações fora da mídia. Em

2012, a revista estadunidense de negócios e economia Forbes, uma das mais respeitadas na área,

reconheceu o nascimento do jornalismo de marca e sua importância para os negócios depois de

perceber que os conteúdos produzidos por empresas como SAP e SalesForce.Com estavam

sempre entre os mais lidos em seu portal de notícias.

Esse movimento levou a empresa inglesa NewsCred, especializada em marketing de

conteúdo, a fazer um estudo que resultou no relatório chamado Rise of the UK Brand Journalist,

ou a Ascensão do Jornalista de Marca no Reino Unido divulgado em 2015. Foram entrevistados

50 jornalistas e 50 profissionais de marketing, que responderam questões sobre os desafios da

criação de conteúdo, incluindo entender as necessidades da marca; técnicas para contar histórias

e habilidades de escrita; retorno de investimento e a imprescindibilidade constante de ser

criativo e informativo. O relatório mostrou que 82% dos profissionais de marketing atualmente

têm em sua equipe profissionais especializados em conteúdo, mas apenas 38% responderam

que o que foi produzido realmente foi eficaz. Já os jornalistas revelaram estar descobrindo

oportunidades em relação a produção de conteúdo para marcas e 51% acreditam que desta

forma terão mais satisfação do que com o jornalismo tradicional.

O relatório também questionou sobre previsões para a produção de conteúdo até 2020.

Nesse quesito, 73% dos entrevistados apostaram no jornalismo de marca como uma das

escolhas de carreira mais promissoras dos próximos cinco anos e 66% acreditam que a maioria

das marcas terão uma equipe de conteúdo in-house. Além disso, 60% dos entrevistados

estimaram um aumento no número de jornalistas que considerarão o brand journalism como

uma carreira viável.

29

No Brasil, o relatório Content Trends 2018 produzido pela startup Rock Content

confirmou previsões do relatório da NewsCreed três anos depois. A pesquisa foi realizada entre

os dias 10 de abril a 6 de maio por meio de um questionário online, e contou com a participação

de mais de 3.000 respondentes de todo o país. Segundo a pesquisa, o mercado de produção de

conteúdo continua em crescimento.

O perfil dos respondentes apresentou agências de publicidade e marketing, analistas de

mercado, mídias sociais, jornalistas, publicitários, designers e outros produtores de conteúdo,

com foco em estratégias de modelos de negócios B2B - Business-to-business, expressão que

denomina o comércio estabelecido entre empresas (KOTLER, 2003) - e B2C - Business-to-

consumer, o comércio efetuado diretamente entre a empresa produtora, vendedora ou

prestadora de serviços e o consumidor final (KOTLER, 2003). Além disso, os profissionais e

empresas apresentavam um caráter misto de inbound marketing18 e outbound marketing19

A pesquisa mostrou que o volume de empresas que adotam o marketing de conteúdo

como estratégia chegou a 73% dos entrevistados e continua em ascensão, apresentando um

crescimento de 5,8% em relação ao ano de 2015 (Fig. 2). Entre as empresas que não adotam o

marketing de conteúdo, 61% demonstraram interesse em adotar e 13% dessa parcela já

iniciaram o processo de implantação (Fig. 3).

Figura 2: Demonstrativo de adoção do marketing de conteúdo como estratégia

18

Inbound marketing: Forma de publicidade on-line na qual uma empresa se promove através de blogs, podcasts,

vídeo, e-Books, newsletters, whitepapers, SEO e outras formas de marketing de conteúdo (KOTLER, 2003) 19

Outbound marketing: estratégia tradicional de marketing, em que a marca é ativa no processo de prospecção

de clientes. (KOTLER, 2003)

30

Fonte: Pesquisa Content Trends 2018

Figura 3: Demonstrativo de perspectiva de adoção do marketing de conteúdo como estratégia

Fonte: Pesquisa Content Trends 2018

Já sobre o perfil dos produtores de conteúdo (Fig. 4), a pesquisa mostrou que o índice

de profissionais que trabalham sob registro profissional tradicional supera os 80%, afastando a

hipótese de que a maioria de produtores de conteúdo atua como freelancer20.

20

Freelancer: Que ou aquele que trabalha por conta própria, sem vínculo empregatício, geralmente para agências

de publicidade, empresas jornalísticas etc., e recebe pagamento pelo trabalho executado; freelancer, frila.

(Michaelis, 2004)

31

Figura 4: Perfil do local de trabalho de produtores de conteúdo

Fonte: Pesquisa Content Trends 2018

Comparando os resultados das pesquisas, confirma-se, pelo menos em território

nacional, uma das tendências apontadas pela NewsCreed: as empresas ampliarem seu valor de

investimentos em equipes de marketing de conteúdo e, por consequência, sua produção. Dentro

dessa perspectiva, a pesquisa Content Trends procurou saber as principais funções de uma

eventual equipe de content marketing, classificadas de acordo com seu grau de importância

(Fig. 4). O relatório traz oito funções/atividades principais, e mostra o produtor de conteúdo em

terceiro lugar na lista de classificação, atrás dos analistas de marketing e redes sociais, e acima

do gerente/coordenador de marketing.

32

Figura 5: Funções da equipe de marketing de conteúdo por importância

Fonte: Pesquisa Content Trends 2018

No entanto, é importante ressaltar o risco de relacionar a figura do jornalista somente

como “produtor de conteúdo”, uma vez que Mick (2015) nos alerta sobre a polissemia das

denominações das novas funções e atividades do jornalista na convergência digital. O

pesquisador aponta que das 465 respostas à pesquisa “Perfil profissional do jornalismo

brasileiro”, realizada em 2012, 288 descreviam novas funções e 177 novas atividades.

Dentre as atividades descritas estavam “analista de mídias sociais”, “pesquisador de

conteúdo”, “assistente de conteúdo”, “coordenador de mídias digitais e estratégia”, “analista de

conteúdo digital”, “gestão de mídias sociais”, “produtor de conteúdos” e “gerente de conteúdo

em mídias digitais”, atividades semelhantes às apresentadas na pesquisa da Rock Content.

Portanto, a atuação do jornalista de marca ultrapassa as limitações do produtor de conteúdo e

pode estar presente em diversas funções do time de marketing de conteúdo, o que torna o

jornalismo de marcas ainda mais promissor.

O fato é que a constante necessidade de adaptação do jornalista ao mercado atua como

fator de expansão e redesenha os limites da profissão. A falta de identidade constitutiva que

caracteriza o grupo dos jornalistas e a dispersão que caracteriza a produção jornalística tornam

essa identidade profissional complexa, constantemente reconstruída (MICK, 2015).

O mercado, neste momento, parece perder aos poucos a dominância dos veículos

hegemônicos que outrora detinham as publicações jornalísticas e a própria imprensa tradicional

perde importância relativa como arena pública e mensageira. Em um mundo onde toda empresa

33

é uma empresa de mídia, o jornalista voltou a ter fundamental importância para a sociedade e a

própria narrativa ganha relevância, sendo ela de marca ou não.

34

3. UM MOVIMENTO CONTINUAMENTE RECICLADO

Mesmo que recente, seria inadequado afirmar que o jornalismo de marca é um

movimento totalmente novo, afinal o jornalismo sempre foi uma atividade profissional que se

adaptou às circunstâncias sociais e econômicas de cada época.

O jornalismo como conhecemos hoje na sociedade democrática tem suas raízes no

século XIX. Foi durante o século XIX que se verificou o desenvolvimento do primeiro

mass media, a imprensa. A vertiginosa expansão dos jornais no século XIX permitiu

a criação de novos empregos neles; um número crescente de pessoas dedica-se

integralmente a uma atividade que, durante as décadas do século XIX, ganhou um

novo objetivo – fornecer informação e não propaganda (Traquina, 2005, p. 34).

Ademais, as correntes do marketing e do jornalismo sempre dividiram espaço na

comunicação, diluindo muitas vezes seus limites. O Acta Diurna, considerado o primeiro jornal

do mundo, pode servir como exemplo histórico dessa relação.

Criado em 131 a.C, o Acta Diurna pode ser apontado como um antepassado dos diários

oficiais, sendo considerado precursor do jornalismo devido à sua periodicidade e atualidade das

informações (CAMPANARIO, 2012). Tratava-se de uma publicação oficial do Império

Romano que foi popularizada pelo Imperador Júlio César no ano de 59 a.C., para informar o

povo sobre a expansão do Império. Trazia diariamente notícias para a população, tanto do

Império quanto de fora dele, abordando principalmente conquistas militares, ciência, política e

utilizando os mecanismos de divulgação da informação para obter o assentimento da opinião

pública, sendo proibida a publicação de notícias negativas, como derrotas do Exército Romano

ou escândalos envolvendo pessoas públicas e aliados do Imperador.

Surgiram aí os primeiros profissionais que atuavam em similaridade com a atuação

jornalística no sentido de dedicação à narrativa, chamados de Correspondentes Imperiais. Eles

foram enviados para todas as regiões e províncias romanas, com a incumbência de acompanhar,

registrar e escrever notícias. O Acta Diurna era publicado em grandes placas brancas de papel

e madeira, que ficavam expostas nas principais praças das grandes cidades, para que as pessoas

lessem de graça. Evidencia-se nesse exemplo, mesmo que incipiente, a relação do jornalista

com o marketing, caracterizada pela manutenção da informação como meio de propaganda

política.

35

Figura 6: O Acta Diurna, considerado o primeiro jornal do mundo

Fonte: Google Imagens

Apropriar-se dos meios de comunicação para servirem como meio de chancela popular

é um modus operandi comum às grandes figuras de poder da nossa História. Em seu livro La

Propagande Politique publicado em 1950 pela editora Puf, o escritor francês Jean-Marie

Domenach observou alguns desses movimentos históricos e interpretou-os como atos de

propaganda:

Assaz consciente dos processos que tornam amados os chefes e divinizam os grandes

homens, Napoleão compreendeu perfeitamente que um governo deve preocupar-se

em obter o assentimento da opinião pública (...). Políticos, estadistas e ditadores, de

todos os tempos, procuraram estimular o apego às suas pessoas e aos seus sistemas de

governo. (DOMENACH, 1950, p 8-9).

A relação dos meios de comunicação com a propaganda política ganhou maior escala

na primeira metade do século XX, resultante de sociedades com ideologias sociais, políticas,

econômicas e religiosas muito diferentes, e, portanto, conflituosas. A multiplicação dos jornais,

numa sociedade de massas, ajudou a difundir fenômenos políticos e servir como forma de

manipulação opinião pública. O estudo Propaganda technique in the world war do sociólogo,

36

cientista político e teórico da comunicação estadunidense Harold Lasswell exemplifica como a

campanha governamental contribuiu para inverter a opinião pública americana, que deixou de

ser contrária a 1ª Guerra Mundial e passou a ser a favor.

Todavia, a relação do jornalismo e seus profissionais com a publicidade vai além da

propaganda política. Ainda no século XVII, começaram a circular na Europa os primeiros

jornais com as mesmas características de periódicos contemporâneos. Segundo Kunczik (2002),

as quatro características dos jornais modernos são: 1. Publicidade; 2. Atualidade (informação

que tem relação com o presente e o influencia); 3. Universalidade (não exclui tema algum); 4.

Periodicidade (possuir uma distribuição regular).

As primeiras publicações na Alemanha são de 1609, seguidas de Holanda em 1618,

França e Inglaterra em 1620 e Itália em 1636. Estima-se que em 1680 a circulação de um jornal

alemão já ultrapassava 1.500 exemplares. Com esse crescimento, o texto com viés publicitário

ganhava importância na mesma proporção, estreitando novamente a relação entre jornalismo,

aqui representado pela veiculação de informação, e da publicidade. Segundo o autor:

A publicidade tornou-se cada vez mais importante para a imprensa. À medida que

progredia a divisão do trabalho e os mercados cresciam mais e mais, tornou-se

necessário anunciar os produtos publicamente. Desenvolveu-se a chamada imprensa

de inteligência (de intellegere - tomar conhecimento), especialmente em Paris e

Londres de meados do Século XVII, que consistia em páginas especiais de

publicidade, com uma parte editorial adjunta (KUNCZIK, 2002).

Vale lembrar que tanto o jornalismo quanto a publicidade possuem a mesma matriz

incubadora, a imprensa. Por isso a relação de proximidade é de duas vias. Enquanto aumentava

a importância e presença do texto publicitário nos jornais, alguns materiais com viés publicitário

utilizavam técnicas jornalísticas para contar histórias e envolver seus clientes, com o intuito de

ajudar seus leitores a torná-los mais prósperos e consequentemente aumentar o retorno de

investimento (ROI), fidelizando a relação entre cliente-instituição. Essa foi a ideia do ferreiro

estadunidense John Deere, precursor do uso do marketing de conteúdo e fundador da

corporação Deere & Company que hoje é líder mundial na fabricação de equipamentos

agrícolas (PULIZZI, 2016).

Deere costumava conversar com seus vizinhos e colegas produtores, anotando suas

histórias e dificuldades com a intenção de lançar um jornal com as histórias de sucesso da região

de Moline, estado de Illinois. Em 1895 a empresa, que contava com jornalistas entre os

colaboradores, lançou oficialmente a revista The Furrow, que ensinava os fazendeiros as novas

tecnologias e como elas poderiam ser úteis para seu sucesso. Atualmente, a The Furrow é a

37

maior revista de agricultura em circulação do mundo, com tiragem mensal superior à 1,5 milhão

de exemplares, traduzida em 12 idiomas para 40 países diferentes.

Figura 7: Edição de Novembro/2018 da revista The Furrow

Fonte: https://www.johndeerefurrow.com/archives/

Acesso em 10/11/2018

Para Pulizzi (2016), o diferencial de Deere sempre foi a maneira eficiente de contar

histórias, com uso competente da narrativa e tendo o conteúdo como produto principal. Segundo

o autor:

Desde o início, The Furrow não vinha repleta de mensagens promocionais e de

conteúdo em benefício próprio. Ela foi desenvolvida por jornalistas ponderados,

contadores de histórias e designers, e cobria assuntos de grande interesse para os

fazendeiros. O objetivo do conteúdo era ajudar os fazendeiros a se tornar mais

prósperos e, naturalmente, mais lucrativos (PULIZZI, 2016. P 14-15).

Acentua-se nessa conjuntura, o emprego proposital da narrativa literária, comum ao uso

jornalístico, como estratégia comercial no texto publicitário, convergindo as semelhanças de

comunicação e fazendo com que o leitor não percebesse uma alteração significativa em sua

38

experiência no padrão de leitura. "Nos primórdios da imprensa jornalística, não havia ainda

uma distinção clara sobre os limites do que era publicidade e do que era jornalismo, vigorando

assim certa ambiguidade" (MARSHALL, 2003, p.107).

Entre fim do século XIX e início do XX, mesmo período de lançamento da The Furrow,

o financiamento publicitário do jornal, com receitas advindas majoritariamente da venda de

espaço para anúncios aumentou consideravelmente, causando a princípio, desconfiança nos

leitores do jornal, devido à baixa reputação da publicidade.

Isso fazia com que as pessoas pensassem que qualquer empresa que anunciasse ou

vendia artigos de qualidade duvidosa ou tinha estoque encalhado. No início, os

próprios veículos de comunicação começaram a recusar alguns anúncios, zelando pela

sua imagem e receosos de que os consumidores lesados pudessem processá-los

judicialmente (SANTOS, 2005, p.34).

Tal situação gerou nas instituições a necessidade de responder às críticas por meio da

maior publicidade possível, criando um ambiente propício para o surgimento do profissional de

Relações Públicas, uma função híbrida do jornalismo e da publicidade. Embora tenha registro

de uso de uma agência de notícias para tratar um problema de imagem pública de empresa na

Alemanha em 1886, o surgimento da profissão é atribuído aos Estados Unidos.

Concorda-se geralmente em que as RP começaram nos estados Unidos em fins do

século XIX e princípios do século XX. Seu propósito inicial foi o de responder à

crítica aos empresários por parte dos escritores, jornalistas e críticos sociais, já que os

representantes das grandes empresas preferem fazer seus contatos longe da vista do

público. Foram contratados ex-jornalistas com a finalidade de limpar a imagem

negativa das empresas (KUNCZIK, 2002, p. 279).

Assim como o Jornalismo de Marcas, a função do Relações Públicas surgiu para suprir

uma necessidade empresarial de se aproximar - e fazer parte - dos meios de comunicação em

massa, não apenas como patrocinador, mas também como força atuante. Configura-se um

estreitamento ainda maior entre os discursos de jornalismo e marketing. “A ordem é hibridizar

a natureza persuasiva da publicidade, dissolvendo-a no espaço jornalístico, como se fora parte

da própria natureza jornalística” (Marshall, 2003, p.120). Surgia nas instituições não-midiáticas

o desejo de, além do poder de resposta, fazer com que pessoas, associações e autoridades

criassem uma identificação com a empresa, gerando um sentimento de pertencimento aos

objetivos que eram comuns as pessoas e a instituição.

Durante a década de 1920, as RP transformaram-se numa profissão de tempo integral.

Instituições sociais, como igrejas, sindicatos e fundações, também reconheceram a

necessidade de informar o público sobre seus objetivos e atividades. O enfoque das

relações públicas passou de um papel relativamente defensivo para uma atividade

inovadora e permanente (KUNCZIK, 2002, P 280).

39

Esse período também ficou marcado pelo nascimento de grandes multinacionais, o que

possibilitou o surgimento de outras atuações subsequentes a relações públicas, como as

agências de comunicação, que assumiram um papel crucial no desenvolvimento de estratégias

de comunicação mais formais, como assessoria midiática, agências de eventos e ativação de

marca. O caso mais emblemático é o do jornalista e relações-públicas estadunidense Ivy Lee,

que, tendo em vista a noção de que a imagem empresarial era formada pelo conjunto de atributos

que o público associava a alguém ou a alguma instituição, decidiu em 1906, montar em Nova

Iorque o escritório Ivy Lee and T.J. Ross Associates, voltado para trabalhar com a imagem

pública de determinados agentes e personalidades da época, como o empresário John

Rockefeller Jr.

Rockefeller, então dono da Colorado Fuel and Iron C.O, foi acusado de mandar matar

seus empregados durante uma greve. Lee passou a orientar seu cliente a tomar medidas como

dispensar os seus guarda-costas e ajudar nas investigações do sucedido para reverter a crise

através da opinião pública, o que caracterizou a primeira assessoria de imprensa dedicada a

soluções de crise, e não apenas direito de resposta como a função do relações públicas. O

trabalho de Lee visou favorecer a divulgação de uma imagem positiva da empresa e do seu

representante, através da imprensa informativa e espontânea. Chaparro (apud DUARTE, 2003,

p. 36) nos traz a declaração de princípios adotada por Lee que foi publicada nos jornais da

época:

Este não é um serviço de imprensa secreto. Todo o nosso trabalho é feito às claras.

Pretendemos fazer a divulgação de notícias. Isto não é agenciamento de anúncios. Se

acharem que o nosso trabalho ficaria melhor na seção comercial, não o usem. O nosso

assunto é exato. Maiores detalhes, sobre qualquer questão, serão dados prontamente.

E qualquer diretor de jornal interessado será auxiliado, com o maior prazer, na

verificação direta de qualquer declaração de fato. Em resumo, o nosso plano é

divulgar, prontamente, para o bem das empresas e das instituições públicas, com

absoluta franqueza, à imprensa e ao público dos Estados Unidos, informações

relativas a assuntos de valor e interesse para o público.

Embora existam teorias que liguem a origem da assessoria de imprensa ao primeiro

Presidente dos Estados Unidos, George Washington, em 1772, Lee é considerado fundador das

relações públicas modernas e do conceito de assessor de imprensa. Sua declaração serve como

fundamento para atividades modernas dos assessores de imprensa, constituindo as regras ético-

morais, em favor do pressuposto da confiabilidade.

No Brasil, a atuação de jornalistas em divulgação institucional é sabida desde a primeira

metade do século XX, ao distribuir textos para as empresas midiáticas, em uma ação conjunta

40

com o relações públicas, que também exercia a função de porta-voz da empresa. Já a atuação

específica do assessor de imprensa é originada na década de 50, com o advento de empresas

automobilísticas multinacionais. Embora a função do assessor de imprensa tenha sido

desprezada pelos jornalistas até o fim da década de 60, um levantamento da FENAJ (Federação

Nacional dos Jornalistas) nos anos 90 mostrou que 60% dos jornalistas do estado do Ceará

trabalhavam com assessoria de imprensa (DUARTE, 2001).

O processo de redemocratização do Brasil e a ação competente em assessorias de

imprensa nas décadas de 80 e 90 impulsionaram uma migração de jornalistas para áreas

diversificadas, fora do mercado tradicional das redações e empresas midiáticas, com a missão

de abrir espaço nas redações para informações relevantes para a instituição e a responsabilidade

de gerir as interações de uma empresa com editores, repórteres e jornalistas – ou seja, com a

instituições midiáticas em geral, servindo como ponte entre instituições não midiáticas e a

imprensa. A figura do assessor de imprensa com intermediário é compartilhada por Duarte

(2001, p.8), quando diz que "os assessores se tornaram efetivo ponto de apoio de repórteres e

editores (como um tipo de extensão das redações) ao agirem como intermediários qualificados,

estabelecendo aproximação eficiente entre fontes de informação e imprensa".

3.1. A EXPANSÃO DA ATUAÇÃO

Tão importante quanto observar os movimentos de mercado que aproximam o

jornalismo do marketing, é perceber como o acréscimo de novas incumbências intensificou a

exigência dos empregadores quanto a profissionais “multitarefa”, o que resulta na expansão

contínua da amplitude de atuação e, consequentemente, em diferentes produtos e serviços

prestados.

Podemos assumir que a função do relações públicas surgiu para atender a necessidade

de conexão e comunicação através dos vários relacionamentos que uma empresa ou organização

pode formar com seu público, como funcionários, clientes, indústria, entidades governamentais,

investidores, instituições de caridade, fornecedores e a mídia, levando em consideração a

imagem geral de como uma organização se relaciona e é percebida aos olhos de todo o público.

De certa forma, as relações públicas nascem para pensar a comunicação da instituição de forma

estratégica, não existindo, portanto, produtos específicos além do relacionamento institucional.

Já a assessoria de imprensa eclode para aproximar dos meios de comunicação a

realidade das empresas, suas notícias e principalmente informações de interesse público,

embora nem todas as notícias internas da empresa realmente interessem à imprensa. O objetivo

41

é comunicar a mensagem, história ou informação da empresa em uma forma de notícia,

utilizando técnicas jornalísticas e as ferramentas disponíveis e apropriadas.

O assessor de imprensa pode ser definido como aquele profissional que administra a

imagem de um determinado agente, atentando, por exemplo, para a forma através da

qual os atos do assessorado serão cobertos ou oferecendo conselhos acerca de como

reagir a determinada cobertura (MARQUES; MIOLA; SIEBRA, 2014, p 150).

Para a FENAJ, a assessoria de imprensa abrange desde a manutenção do relacionamento

com jornalistas, organização do mailing e do clipping de notícias, até a estratégia de

monitoramento do que é publicado na área de interesse do assessorado. Outras tarefas

vinculadas ao assessor são a elaboração de releases; organização e divulgação de eventos

(coletivas de imprensa); publicação de dados do interesse daquele que é atendido pelo

profissional; e o acompanhamento do assessorado em entrevistas (FENAJ - FEDERAÇÃO

NACIONAL DOS JORNALISTAS, 2007).

Ao analisarmos os formatos dos materiais produzidos por assessorias, percebe-se uma

clara semelhança com os materiais jornalísticos de gênero informativo-noticioso. Como

exemplo, podemos utilizar três orientações de produção, previstos no Manual de Assessoria de

Imprensa - 3º edição, emitido pela FENAJ: 1) Proposta/Sugestão de pauta: informe enviado aos

veículos de comunicação, propondo-lhes a inclusão em suas pautas a realização de matéria; 2)

Release: matéria pronta enviada para os veículos de comunicação. O release deve conter

informação jornalística com objetivo promocional para o assessorado — ou seja, ser ao mesmo

tempo de interesse jornalístico e institucional. Pode ser definido como o material informativo

distribuído aos jornalistas para servir de pauta ou ser veiculado completa ou parcialmente, de

maneira gratuita. É uma proposta de assunto, um roteiro, uma sugestão de pauta, mas do ângulo

de quem o emite.; e 3) Pasta de Imprensa: textos e fotos para municiar os jornalistas de redação

com informações.

O formato dos materiais citados segue a mesma estrutura da pirâmide invertida ou lead

norte-americano, técnica do texto-notícia caracterizada por trazer, logo no primeiro parágrafo,

o ápice do fato, a principal e mais relevante informação. A semelhança fica ainda mais evidente

quando notamos que os elementos constituintes em releases são os mesmo que constituem o

texto-notícia: manchete ou título principal; título auxiliar; Lide ou lead; Corpo da notícia. Ainda

sobre o assessor de imprensa como produtor de materiais de cunho jornalístico, Carvalho e

Viveiros (2007, p.45) nos ensinam que as "assessorias de imprensa, internas ou terceirizadas,

devem ser verdadeiras produtoras de notícias, de artigos, de fundo capazes de promover a

42

reflexão sobre as questões nacionais e mundiais, além de pautas que possam contribuir para a

missão de informar."

Contudo, o contexto contemporâneo de tecnologias e ampliação dos mercados favorece

o comunicador polivalente e demanda do jornalista uma capacidade de olhar mais amplo de

suas funções. Aliado a isso, a relação entre jornalismo, comunicação e ciências sociais aplicadas

em um ambiente de mutação constante, onde as fronteiras profissionais se diluem, faz com que

o corporativismo reduza sua força, e o conhecimento especializado assuma parte importante de

um processo amplo, integrativo, global e sistêmico que exige do profissional jornalista ampliar

suas atribuições. Segundo Bueno (1995, p.25), "pelas novas demandas, o assessor de imprensa

deixou de ser apenas um emissor de releases, despontando, hoje, como um produtor ou mesmo

um executivo de informações e um intérprete do macroambiente".

Portanto, sob o viés do uso do conhecimento de comunicação para posicionamento

estratégico de uma instituição não midiática, ou ainda do emprego de técnicas jornalísticas para

produzir conteúdo midiático de uma corporação, o jornalismo de marcas não traz inovação

alguma. Trata-se, nesse sentido, de um movimento continuamente reciclado, resultante tanto de

mudanças estruturais do próprio jornalismo quanto da utilização de saberes típicos dos

profissionais jornalistas por empresas ou organizações não midiáticas.

A novidade reside na supressão do intermediário da informação, que até então era

representado pelos canais de comunicação em massa. No jornalismo de marcas, torna-se

dispensável a função de ponte entre empresas de mídia e não midiáticas, uma vez que toda

empresa é uma empresa de mídia.

A função do jornalista de marca torna-se, enquanto produção, atuar de forma semelhante

a uma redação de jornal, investigando, apurando e editando informações, e produzindo

conteúdos de caráter jornalístico. Contudo, vai além da figura de produtor e assume a gestão da

comunicação estratégica da instituição até chegar na seleção e publicação nos próprios canais

da corporação. Não se trata mais de alimentar as redações dos canais midiáticos de comunicação

em massa, mas propor, editar e publicar por conta própria materiais relevantes de acordo com

o perfil de atuação da instituição.

O jornalista de marcas continua, desse modo, atuando como facilitador de comunicação

entre diferentes atores sociais, aqui representados por instituição não midiática e seu público.

Para Langenbucher (apud KUNCZIK, 2012, p. 100), essa "mediação é a principal função do

jornalista em uma sociedade democrática, sua tarefa é facilitar a mútua comunicação entre os

diferentes grupos da sociedade".

43

De toda forma, o cenário de transformações na profissão de jornalista, com o surgimento

de novas funções e atividades, criou dois fatores no mercado de comunicação que o jornalista

de marcas tende a assumir. O primeiro é a necessidade de um profissional que compreenda a

comunicação como um todo, assumindo a parte de comunicação estratégica, relacionamentos

institucionais e produção e publicação de materiais comunicacionais. Conforme Torquato

(1995, p.16): “Ainda não temos no mercado profissionais de qualidade que entendam a

comunicação organizacional no sentido sistêmico. Temos, na realidade, profissionais de RP

com visão muito limitada, jornalistas bons de texto, mas com visão também limitada”.

O jornalista de marca se credencia a assumir essa posição devido às suas características

originais, pois segundo Bull (2013, p. 9), o "jornalismo de marcas é um híbrido entre jornalismo

tradicional, marketing e relações públicas". Portanto, conseguiria atender às demandas desse

profissional multifacetado, tendo um alto grau de importância para as instituições.

Os repórteres, redatores, diagramadores e coordenadores de eventos continuam sendo

imprescindíveis [...], mas certamente a cabeça do negócio da comunicação estará, cada

vez mais, no profissional que concilia competência técnica com uma visão gerencial

moderna e que sabe vislumbrar, com lucidez, a íntima relação entre comunicação e

negócios. A esse profissional está reservado o comando. Pensando bem, ele merece o

cargo (BUENO, 1995, p. 25).

O outro ensejo gerado pela conjuntura transformativa do mercado da comunicação é a

narrativa como produto diferencial. As instituições não-midiáticas já tinham assimilado

formatos jornalísticos, como texto-notícia e vídeos institucionais, na forma de produtos,

comercializados principalmente através das assessorias de imprensa. Contudo, o movimento

EC=MC vai além desses serviços e demanda produções de cunho jornalístico que são mais

elaboradas, como documentários, utilizada por exemplo pela Coca-Cola, entrevistas, como na

campanha “emoções do primeiro encontro”21 das máquinas de lavar da corporação

transnacional Samsung, e de textos longos como grande reportagem ou mesmo com viés

literário, utilizada por diversas corporações e profissionais. É uma demanda com uma vertente

de crescimento muito alta e ainda pouco explorada por jornalistas.

21

Campanha produzida e veiculada exclusivamente em vídeo, que foi publicado em 29 de julho de 2014 pelo

canal Meio & Mensagem, no YouTube. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=xipOQHEDvpc

Acesso em 01/11/2018

44

4. A NARRATIVA COMO PRODUTO

Podemos utilizar o LinkedIn, a maior comunidade global de profissionais, para

mensurar o crescimento de pessoas e instituições que apostam na narrativa como diferencial

comunicacional de mercado. A rede social conta com uma equipe de 60 editores distribuídos

em nove países, que definem quais conteúdos serão impulsionados pela rede social. O LinkedIn

vai na contramão de outras redes sociais ao optar por não utilizar algoritmos computacionais

para destacar publicações. Segundo dados disponibilizados pela rede social, seus usuários, que

ultrapassam 500 milhões, passam até 15 vezes mais tempo consumindo conteúdo do que

procurando emprego.

Outros dados interessantes são o número de artigos escritos na rede social: 13 mil por

semana apenas em português; e o número de leituras diárias, que ultrapassam 9 milhões,

mostrando que a demanda pela narrativa escrita é atual, crescente e não apenas no Brasil, mas

também no mundo. Outros dados do LinkedIn:

Figura 8: Números do LinkedIn

Fonte: https://about.linkedin.com/pt-br

Acesso em 15/09/2018

Um fato a ser considerado no LinkedIn é que as company pages não podem publicar

artigos. Ou seja, todo conteúdo publicado na rede social é vinculado a uma conta de pessoa

física, o que aumenta a credibilidade da informação. O Trust Barometer 2018, uma pesquisa

global que mede anualmente atitudes sobre o estado da confiança de países com relação às suas

quatro instituições regentes (negócios, governo, ONGs e mídia), mostrou que pela primeira vez

na história a mídia tornou-se a instituição menos confiável globalmente, presente no território

da desconfiança em 22 dos 28 países pesquisados22.

22

A pesquisa foi realizada pela Edelman, uma agência global de Relações Públicas, e ouviu mais de 33 mil pessoas

em 28 países, com o trabalho de campo realizado entre 28 de outubro e 20 de novembro de 2017. Todo conteúdo

45

A propagação epidêmica de notícias falsas ou distorcidas representa um papel crucial

na queda da confiança tanto da mídia quanto nas outras instituições (governo, empresas e

ONGs). Como reflexo, a pesquisa aponta que, embora 75% da população brasileira têm medo

que fake news sejam usadas como armas, 58% dos brasileiros não sabem diferenciar o que é

verdade do que é mentira; 68% não sabem em quais políticos confiar e 48% não sabem em

quais companhias ou marcas confiar.

Em contrapartida, a busca por fontes de informação seguras fez com que a confiança na

profissão de jornalismo seja renovada, com 20 dos 28 países demonstrando um aumento de dois

dígitos na credibilidade dos jornalistas profissionais. No Brasil, a figura de especialistas

recuperou a credibilidade: o sentimento em relação aos jornalistas aumentou 12 pontos, indo

para 47%; Aa confiança em oficiais do governo subiu seis pontos, indo para 28%; já os CEO’s

subiram quatro pontos, alcançando 52%. A credibilidade da pessoa comum, por sua vez,

despencou oito pontos, chegando aos 70% de confiança.

Figura 9: Índice de confiança no jornalismo

Fonte: Trust Barometer 2018

Embora tenha apresentado redução, a pessoa comum que representa um especialista

continua sendo o porta-voz mais confiável na opinião dos respondentes. Por isso, construir

está disponível em https://cms.edelman.com/sites/default/files/2018-

01/2018%20Edelman%20Trust%20Barometer%20Global%20Report.pdf Acesso em 04/11/2018

46

confiança é agora o foco de 69% dos CEO’s entrevistados, superando a produção de produtos

e serviços de alta qualidade que ficaram em segundo lugar, com 68%. A preocupação das

instituições é sustentada pelos números de consumo de informação do LinkedIn, que

nacionalmente já superou em acessos as principais revistas e sites de negócios.

Figura 10: Números de acessos únicos - plataformas de conteúdo

Fonte: https://about.linkedin.com/pt-br

Acesso em 15/09/2018

Para Richard Edelman, presidente e CEO global da Edelman, as instituições devem estar

atentas ao clamor público por checagem, análise e aprofundamento das informações antes da

publicação, características inerentes a profissão jornalística. Segundo o CEO, a confiança só

será recuperada quando a verdade voltar para o centro do palco. As instituições devem atender

ao apelo do público para fornecer informações precisas e oportunas e se juntarem ao debate

público23.

As instituições não midiáticas aparentam já ter absorvido a demanda apontada por

Edelman e estão cada dia mais presentes no LinkedIn, publicando em sua maioria textos com

enfoque de marketing de conteúdo, embora textos de gênero interpretativo-reflexivos, como

crônicas e contos, geralmente escritos em primeira pessoa, apresentarem um maior número de

interações.

23

Entrevista concedida à agência de Relações Públicas Edelman. Disponível em

https://edelman.com.br/propriedades/trust-barometer-2018/ Acesso em 01/11/2018.

47

Figura 11: Exemplos de textos publicados no LinkedIn

Fonte: https://linkedin.com.br

Acesso em 15/09/2018

A exploração da demanda por narrativa de qualidade ainda é incipiente no Brasil,

principalmente quando se trata de gêneros jornalísticos, o que torna ainda mais promissora a

atuação do jornalista de marca. Há outros profissionais da comunicação que preenchem o

espaço da produção de conteúdo relevante. Como exemplo, podemos citar Flávia Gamonar,

professora, escritora e instrutora oficial LinkedIn Learning, que possui mais 400 artigos escritos

na plataforma que superam 8 milhões de visualizações na rede social.

Flávia que escreveu os livros "Disruptalks: carreira, empreendedorismo e inovação em

uma época de mudanças rápidas" e "Me dê seu crachá, eu te acompanho até a porta: uma

conversa sobre carreira, do você está demitido, ao pedi demissão", começou sua trajetória de

empreendedora escrevendo artigos semanais sobre inovação, marketing, empreendedorismo e

carreira em 2015. Em 2016, pediu demissão da empresa onde trabalhava devido às crescentes

demandas por conta da presença ativa no LinkedIn. No fim de 2016 foi premiada como Top

Voice, figurando em quarto lugar dos 15 brasileiros que mais se destacaram produzindo

conteúdos no LinkedIn. Depois disso, começou a ministrar palestras, aulas e cursos em eventos

e empresas. Em 2017 e 2018 ganhou o prêmio Digitalks em marketing de conteúdo.

Os artigos de Flávia se destacam pelo conteúdo relevante, geralmente escrito em

primeira pessoa e baseados em experiências pessoais. Seus textos causam alto grau de

identificação com seus leitores e alunos, que estimulados por Flávia, também escrevem na rede

48

social. Atualmente, Flávia trabalha com grandes marcas, criando conteúdo humano e relevante,

por meio de artigos, vídeos, entrevistas e cobertura de eventos24.

O formato de escrita adotado por Flávia se assemelha ao gênero interpretativo-reflexivo,

como crônicas e contos, devido à extensão. Há espaço ainda para materiais como grande

reportagem e jornalismo literário. De fato, há demanda por materiais narrativos de qualidade,

incluindo o produzido por jornalistas, de marca ou não. Conforme Stephen Kehoe, presidente

de Reputação Global da Edelman, há problemas de credibilidade para plataformas e fontes. A

confiança das pessoas em ambos está em colapso, deixando um vácuo e uma oportunidade para

os especialistas de boa-fé preencherem25.

Para compreender melhor os aspectos profissionais que diferenciam o jornalista no

mercado da narrativa, devemos observar dentre as diretrizes e competências que compõem os

preceitos teóricos-metodológico da formação acadêmica, quais favorecem a atuação como

jornalista de marca.

24

Descrição retirada do perfil público de Flávia Gamonar. Disponível em

https://www.linkedin.com/in/flaviagamonar/ Acesso em 11/11/2018; 25

Entrevista concedida à agência de Relações Públicas Edelman. Disponível em

https://edelman.com.br/propriedades/trust-barometer-2018/ Acesso em 01/11/2018.

49

5. DIRETRIZES E COMPETÊNCIAS DO JORNALISMO

A formação acadêmica do jornalista é um desafio da sociedade brasileira há mais de

um século, devido à amplitude do território nacional e sua contínua transformação cultural,

industrialização da imprensa e pluralidade de perspectivas conceituais sobre a atividade, a

profissão e a ideologia do próprio jornalismo.

Estima-se que atualmente existam mais de 300 cursos superiores de jornalismo em

universidades e outras instituições de ensino superior em todo o país26. Contudo, desde

setembro de 2013 os Cursos de Jornalismo são referenciados pelas “Novas Diretrizes

Curriculares para o Curso de Jornalismo”, que será, portanto, objeto de estudo do presente

trabalho.

Embora não seja o foco, vale lembrar aqui as importantes discussões sobre as diretrizes

no âmbito acadêmico, que debateram sobre a inadequação de considerar o jornalismo como

habilitação da comunicação, uma vez que a comunicação não é considerada profissão em

nenhum país. Ressalta-se ainda, com influência direta no jornalismo de marca, que no cenário

atual de transformações tecnológicas e novo hábitos cognitivos de formas tradicionais de

produzir e consumir informação, o profissional jornalista trabalha muito mais com a

comunicação em sentido integrado, do que dentro de habilitações específicas e isoladas. Em

outras palavras, para atuar como jornalista de marca, é inviável que a formação aborde apenas

aspectos do jornalismo tradicional, devendo possibilitar também o estudo de conceitos de

marketing e publicidade, refletindo a atuação integrada que vivemos hoje.

Não faz sentido, portanto, restringir a atividade jornalística quando o campo da

comunicação é tão amplo. Justifica-se trazer a discussão da restrição das diretrizes quanto à

profissão, e também o contraponto dos estudiosos que se opõem a essa vertente. A cidade

federal de Bonn, então centro político da Alemanha Ocidental em 1985, já trazia uma posição

oposta a restrição da atividade jornalística em seu Relatório sobre os Meios de Comunicação

(Medienbericth), que defendia que o jornalismo deveria ser considerado como uma “ocupação

aberta, baseada no talento”, não sendo possível aprendê-la com normas obrigatórias de acesso,

afinal, a multiplicidade de opinião, além de importante é desejável (KUNCZIK, 2002)

Por conseguinte, os centros superiores de ensino, enquanto espaços de produção de

conhecimento, devem acolher a diversidade de concepções e a abertura que a Comunicação

26

Número apresentado no documento “Novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Jornalismo” do Ministério

da Educação. Disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/documento_final_cursos_jornalismo.pdf

Acesso em 01/11/2018

50

oferece, e exige dinamismo e pluralidade da atuação do jornalista no contexto de globalização

e de grandes transformações tecnológicas que vivemos.

No fim do século XX e à passagem para o século XXI, verificamos que o processo de

identidade profissional do jornalista continua em mudança. Com o desenvolvimento

da Internet surgiram claros desafios para os órgãos de comunicação social, mas

sobretudo surgiram necessidades novas para os jornalistas de adaptação a novas

linguagens (GUIMARÃES e FERNANDES, 2012, p. 33).

Castells (1999, p. 424) reforça a necessidade de adaptar a formação jornalística face às

mudanças no grau de importância dos atores sociais, ao observar que na “era da Informação

(...) os meios de comunicação não são os detentores do poder”. Este emana

contemporaneamente das “redes de troca de informações e de manipulação de símbolos que

estabelecem relações entre atores sociais, instituições e movimentos culturais.”

Ainda sobre a necessidade constante de repensar o jornalismo em suas múltiplas

possibilidades, seja na academia, na formação profissional e na própria atuação do jornalista,

Meditsch (2007, pp. 48-49) contribui nesse sentido quando faz recomendações à formação do

jornalista:

[...] criar uma cultura jornalística; entender e usar as novas tecnologias sem perder o

foco jornalístico; afirmar o jornalismo como atividade intelectual e os jornalistas

como educadores; reconhecer os melhores jornalistas como presença necessária na

comunidade acadêmica; motivar seus professores para pesquisar, escrever e publicar

sobre jornalismo; desenvolver escolas de pensamento e prática; criar programas de

pós-graduação focados no jornalismo; educar estudantes para pensar criticamente;

preparar estudantes para serem profissionais de vanguarda.

No mesmo sentido, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), sugere um norte

para manter o processo contínuo de renovação das diretrizes curriculares de jornalismo,

observando as formações teórica, cultural e técnica. No item 14 do tópico I, “premissas para

conceber a formação dos jornalistas”, percebemos uma preocupação para que a formação

profissional atinja objetivos determinados:

Diante da constatação da amplitude das decorrências da atuação profissional dos

jornalistas e da existência de condicionamentos para o exercício de sua função social,

decorre a necessidade de, através da formação destes profissionais, se alcançar

compreensão e identificação: a) dos fundamentos éticos prescritos para a conduta dos

jornalistas profissionais; b) da atitude de cidadania adequada ao exercício profissional

dos jornalistas, a partir do reconhecimento das expectativas e necessidades da

sociedade em relação ao seu papel social e ao produto da sua atividade; c) do inter-

relacionamento entre as funções profissionais dos jornalistas com as demais funções

profissionais ou empresariais existentes na área das comunicações (FENAJ -

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS, 2004, p.8).

51

Destaca-se, portanto a criticidade, pluralidade de informações, abordagem narrativa e

diferentes perspectivas sobre novas oportunidades de atuação jornalística como elementos

essenciais na formação profissional, em acordo com o previsto nas Novas Diretrizes

Curriculares para o Curso de Jornalismo:

Em tal cenário, urge clarear conceitos plurais - éticos, técnicos, estéticos - para uma

nova compreensão do Jornalismo, que terá de assumir uma linguagem narrativa e uma

eficácia argumentativa, no espaço público. Na medida em que esteja à altura das

complexidades do mundo em que vivemos, o Jornalismo torna-se confiável para a

expressão, a viabilização e a elucidação dos confrontos discursivos das ações

humanas, na nova dinâmica da atualidade (MELO et al., p 6).

É importante observar alguns pontos desse enunciado. O primeiro é a obrigatoriedade

de assumir uma linguagem narrativa e eficácia argumentativa no espaço público, que

convergem diretamente com a tendência de mercado do movimento EC=MC. Primeiro, as

instituições não-midiáticas já assimilaram formatos jornalísticos, como texto-notícia e vídeos

institucionais, na forma de produtos, comercializados principalmente através das assessorias de

imprensa. Agora, esses produtos não são mais suficientes. É preciso aprofundar novamente a

investigação jornalística, checagem dos fatos e produção de conteúdo com esmero da narrativa,

para que mantenha o aumento da confiabilidade do profissional jornalista, conforme

evidenciado pela pesquisa Trust Barometer 2018. O escritor e professor da Universidade de

Minnesota Sid Bedingfield, traz uma visão mercadológica sobre a abordagem jornalística no

cenário de produção digital. Segundo o autor:

A produção digital e a comunicação em rede permitem a criação e a disseminação de

conteúdo por qualquer um. Nesse cenário, devíamos considerar o jornalismo como

uma abordagem à criação de conteúdo. Quem adota a abordagem jornalística se

esforça para produzir um conteúdo que ajude o usuário a entender e a se situar em sua

comunidade. Essa abordagem é caracterizada por rigorosa investigação e verificação,

apresentação justa de ideias conflitantes e o compromisso com uma apuração

independente que siga os fatos, questione o fácil e saiba lidar com a complexidade e

a ambiguidade. A abordagem jornalística não se limita àqueles que se identificam

como jornalistas. É o ato de informar e esclarecer que define o conteúdo como

jornalismo, não o ator que o criou (BEDINGFIELD, 2013, p. 62).

Interessante observar que a colocação de Bedingfield enfatiza a abordagem jornalística

como um grupo de competências que qualificam a produção de conteúdo, mas que pode não

ser exclusiva do profissional jornalista. Há outros estudiosos que corroboram com Bedingfield

no sentido do jornalismo enquanto competência extrapolar os limites da formação. Kunczik

(2002) defende, por exemplo, que o jornalismo exige de todos os profissionais o âmbito mais

52

amplo de inteligência, conhecimento e experiência, assim como poderes de observação, embora

argumente que o nível de educação deve ser proporcional à alta responsabilidade do jornalista.

No entanto, mesmo assumindo o jornalismo como um grupo de competências, ainda

existem normativas que caracterizam a atuação profissional jornalística. Para Kunczik (2002, p

37), tais normativas podem ser divididas em dois grupos: “normas técnicas, que englobam a

obtenção rápida de informações, habilidade de redação e edição, etc.; e normas éticas, referentes

a obrigação do jornalista com seus leitores, imparcialidade, cuidado, justiça e objetividade,

entre outros valores.”

Já quando voltamos o olhar à formação jornalística brasileira, é preciso lembrar do

artigo 5º da Resolução Nº1 de 27 de setembro de 2013 do Conselho Nacional de Educação, que

institui as diretrizes curriculares para o curso de Jornalismo e aborda sucintamente o que o

formando de jornalismo deve possuir como competência para sua atuação:

Estar apto para o desempenho profissional de jornalista, com formação acadêmica

generalista, humanista, crítica, ética e reflexiva, capacitando-o, dessa forma, a atuar

como produtor intelectual e agente da cidadania, capaz de responder, por um lado, à

complexidade e ao pluralismo característicos da sociedade e da cultura

contemporâneas, e, por outro, possuir os fundamentos teóricos e técnicos

especializados, o que lhe proporcionará clareza e segurança para o exercício de sua

função social específica, de identidade profissional singular e diferenciada em relação

ao campo maior da comunicação social (CNE BRASIL, 2013, p. 2).

Ganham destaque para a atuação no jornalismo de marcas os fragmentos que se referem

à qualidade de produtor intelectual e identidade profissional diferenciada em relação ao campo

maior da comunicação social, pois fundamenta as qualidades necessárias para atuar como figura

gerencial e estratégica de comunicação em qualquer instituição, midiática ou não.

Já para respaldar a atuação do jornalista de marcas como especialista em narrativa, se

faz necessário uma observação voltada às competências específicas do Novas Diretrizes

Curriculares para o Curso de Jornalismo, em especial as competências pragmáticas:

Competências pragmáticas - Contextualizar, interpretar e explicar informações

relevantes da atualidade, agregando-lhes elementos de elucidação necessários à

compreensão da realidade; Perseguir elevado grau de precisão no registro e na

interpretação dos fatos noticiáveis; Propor, planejar, executar e avaliar projetos na

área de jornalismo; Organizar pautas e planejar coberturas jornalísticas; Formular

questões e conduzir entrevistas; Adotar critérios de rigor e independência na seleção

das fontes e no relacionamento profissional com elas, tendo em vista o princípio da

pluralidade, o favorecimento do debate, o aprofundamento da investigação e a

garantia social da veracidade; Dominar metodologias jornalísticas de apuração,

depuração, aferição, produção, edição e difusão; Conhecer conceitos e dominar

técnicas dos gêneros jornalísticos; Produzir enunciados jornalísticos com clareza,

rigor e correção, e ser capaz de editá-los em espaços e períodos de tempo limitados;

Traduzir em linguagem jornalística, preservando-os, conteúdos originalmente

formulados em linguagens técnico-científicas, mas cuja relevância social justifique

53

e/ou exija disseminação não especializada; Elaborar, coordenar e executar projetos

editoriais de cunho jornalístico para diferentes tipos de instituições e públicos;

Elaborar, coordenar e executar projetos de assessoria jornalística a instituições

legalmente constituídas de qualquer natureza, assim como projetos de jornalismo em

comunicação comunitária, estratégica ou corporativa; Compreender, dominar e gerir

processos de produção jornalística, e ser capaz de aperfeiçoá-los pela inovação e pelo

exercício do raciocínio crítico; Dominar linguagens midiáticas e formatos discursivos

utilizados nos processos de produção jornalística nos diferentes meios e modalidades

tecnológicas de comunicação; Dominar o instrumental tecnológico – hardware e

software – utilizado na produção jornalística; Avaliar criticamente produtos e práticas

jornalísticas. (CNE BRASIL, 2013, p. 3).

As competências que legitimam o jornalista como estudioso da narrativa dentre as

citadas são: Dominar metodologias jornalísticas de apuração, depuração, aferição, produção,

edição e difusão, pois assim qualificam o conteúdo produzido pelo profissional como confiável

e relevante; Elaborar, coordenar e executar projetos editoriais de cunho jornalístico para

diferentes tipos de instituições e públicos confere ao jornalista a capacidade de editar, planejar

e aplicar seus conhecimentos para atender demandas tanto de pessoas quanto de instituições,

midiáticas ou não; Compreender, dominar e gerir processos de produção jornalística, e ser

capaz de aperfeiçoá-los pela inovação e pelo exercício do raciocínio crítico proporciona

melhorar continuamente suas produções e atuação, qualidade essencial em um mundo

constantemente atualizado; Dominar linguagens midiáticas e formatos discursivos utilizados

nos processos de produção jornalística nos diferentes meios e modalidades tecnológicas de

comunicação como diferencial para o profissional jornalista de outros produtores de conteúdo,

uma vez que o uso da linguagem adequada para seu meio proporciona uma comunicação mais

eficaz; e Conhecer conceitos e dominar técnicas dos gêneros jornalísticos que outorga ao

jornalista a especialidade da narrativa e o permite atuar como referência na produção textual.

Os gêneros jornalísticos exigem uma análise à parte das demais diretrizes, visto a

crescente demanda de consumo evidenciada na busca de empresas não midiáticas ou no

LinkedIn, pela proximidade com a literatura.

Os gêneros jornalísticos nascem como herdeiros dos literários, mas a necessidade de

gêneros no jornalismo é mais imediata e urgente que na literatura. Na literatura, há a

assinatura de um autor, enquanto que num jornal ou telejornal é combinado o trabalho

de muitas pessoas (...) Um texto é elaborado por várias mãos que permanecem

anônimas (...) A informação que um preparou, o outro tem que editá-la e ajustá-la ao

espaço e ao tempo (...) É preciso saber, portanto, não somente o que está se dizendo,

mas o que se está fazendo: se trata­-se de uma notícia, uma reportagem, uma crônica,

um editorial (GOMIS, 1991, p 44).

Mesmo que tenha sua origem na literatura, a classificação dos gêneros ocorre de maneira

distinta quando nos referimos aos gêneros jornalísticos, que são entendidos como modalidades

históricas específicas e particulares da criação literária concebidas para alcançar fins sociais

54

pré-determinados. Para Medina (2001), a grande maioria dos jornais brasileiros dividem os

gêneros jornalísticos em três grandes grupos: Informativo, quando o relato dos fatos ocorre da

maneira mais objetiva possível; interpretativo, quando além da informação há interpretação dos

fatos; e opinativo, quando há expressão de um ponto de vista a respeito de um ou mais fatos.

"A classificação dos gêneros decorre das necessidades e das exigências dos leitores e, ao mesmo

tempo, da organização e do desenvolvimento das empresas jornalísticas (não esqueçamos que,

até bem pouco tempo, o jornalismo era considerado um gênero literário)" (MEDINA, J. 2001,

p.51).

Já para Bertochi (2005), há quatro espécies de jornalismo que originam quatro gêneros

de textos jornalísticos. Há o Jornalismo ideológico, consolidado em 1850, de caráter doutrinante

e moralizador, com muitas opiniões e poucas informações; o Jornalismo informativo, originado

em 1870 concomitantemente com o jornalismo ideológico. Os textos predominantes são

“relato” ou “informação”, como, por exemplo, a notícia ou a crônica; há também o Jornalismo

de explicação ou de profundidade, consolidado a partir de 1945, quando o tipo reportagem entra

em destaque e a crônica revela se como uma espécie marcadamente híbrida entre literatura e

jornalismo; e o Jornalismo social ou de serviços, caracterizado pela consolidação de ideias

profissionais universalistas e pela busca por assuntos de interesse humano e da vida cotidiana,

gerando novas espécies de gêneros jornalísticos como a análise, o informe, a notícia de situação

e o infográfico. Sobre os gêneros, a autora classifica:

a) Gêneros informativos: notícias, reportagem, entrevista;

b) Gêneros interpretativos: análise, perfil, enquete, cronologia;

c) Gêneros argumentativos: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, caricatura,

crônica, cartas;

d) Gêneros instrumentais: indicadores, cotações, roteiros, obituários, previsão do

tempo, agendamentos, carta ­consulta. (BERTOCCHI, 2005, p. 1292)

Considerando essa classificação, podemos assumir que o gênero informativo foi o

consumido por empresas não midiáticas através das assessorias de imprensa e plataformas de

conteúdo. Cabe ao jornalista de marcas adaptar os conhecimentos sobre os demais gêneros para

produção de conteúdo dessas marcas.

Parrat (2008), professora da Universidad Complutense de Madrid, é outro exemplo de

abordagem da revisão da literatura existente sobre o tema, buscando construir uma classificação

para a questão dos gêneros jornalísticos na imprensa, um assunto de grande controvérsia entre

estudiosos. A autora se propõe a debater não somente os produtos textuais jornalísticos, mas

também a atitude comunicativa dos jornalistas. As contrariedades apontadas por ela são

55

vinculadas a três grandes fatores: o fato de o Jornalismo não ser uma ciência exata, o fato de o

jornalismo enquanto prática profissional permanecer em constante mudança, e o fato de haver,

em todas as classificações, um componente subjetivo. Contudo, a autora classifica os gêneros

de acordo com a implicação ou a intenção na produção:

Tabela 1: Classificação dos gêneros jornalísticos segundo Parrat (2008)

Fonte: Parrat (2008:110) - Tradução Livre

Seguindo essa lógica, o gênero do texto jornalístico é definido de acordo com a intenção

de comunicação do jornalista. Essa posição converge com o movimento do jornalismo de marca

adotado pelas instituições não midiáticas, que ultrapassam a função de apenas informar para

produzir materiais que causem interpretação de seu público.

As diretrizes abordadas no presente trabalho respaldam a atuação do jornalista de marca,

embora existam ainda outros aspectos que servem como base de conhecimento e alicerce para

essa função, como o eixo de Fundamentação contextual, que tem por objetivo embasar o

conhecimento das teorias da comunicação, informação e cibercultura, e o eixo de formação

profissional, que tem por objetivo embasar o conhecimento teórico e prático dos processos de

gestão, produção, métodos e técnicas de apuração, redação e edição jornalística, fomentando a

investigação dos acontecimentos relatados pelas fontes, bem como a crítica e a prática

redacional em língua portuguesa, como os gêneros e os formatos jornalísticos instituídos, as

inovações tecnológicas, retóricas e argumentativas.

56

Contudo, para uma atuação mais segura e efetiva como jornalista de marca, seria

interessante a formação jornalística abordar, seja como parte da formação ou matérias eletivas,

aspectos de marketing e publicidade como conceitos de marca, evolução história, cases de

sucesso, objetivos, missão, visão, valores e cultura corporativa; planejamento estratégico,

medição e controle de estratégias e resultados, entre outras particularidades pertencentes ao

campo da comunicação devido sua vasta abrangência de atuação, uma vez que embora existam

competências que validem a atuação jornalística como uma especialidade de narrativa, as

diretrizes curriculares do curso de graduação em jornalismo ainda não contempla esses

conceitos básicos de compreensão de estratégias de mercado, o que restringe a atuação

jornalística e vai na contramão da amplitude da comunicação e do atual mercado de trabalho

que exige cada vez mais profissionais multitarefas, multifacetados e multimidiáticos. Se

considerarmos o próprio jornalista como uma marca a ser trabalhada, os estudos desses

conceitos ganham ainda mais importância, uma vez que a ausência desses conceitos impacta

diretamente na sua capacidade de ofertar seus serviços em qualquer esfera.

57

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o processo de desenvolvimento de pesquisa sobre jornalismo de marcas foi

possível atender alguns pontos de inquietação sobre essa atuação. A primeira era satisfazer um

desejo pessoal de produzir um material abordando aspectos como origem, conceitos,

desenvolvimento e evolução da atividade nos Estados Unidos, Europa e tendência de

aplicabilidade no mercado nacional, almejando servir como material de apoio e consulta a

estudantes de jornalismo que queiram atuar como jornalista de marcas. Sob essa perspectiva,

considerando as limitações de tempo para pesquisa e aprofundamento, face às demais atividades

e prazos acadêmicos, considero como critério atendido.

Outro resultado buscado pela pesquisa acadêmica era compreender o contexto de

surgimento do jornalismo de marca para discutir se essa atividade pode ser considerada como

uma alternativa viável de atuação ao profissional jornalista, bem como se há evidências que

sustentem essa proposição.

Ao analisarmos os aspectos do surgimento do jornalismo de marcas, evidenciaram-se

três fatores que foram determinantes para criar um cenário favorável a gênese desse movimento:

a ineficiência crescente do discurso publicitário convencional, corroborado pelo fato de a

publicidade já não poder basear-se somente na persuasão, sendo necessário o uso de argumentos

criativos com apelos racionais e emocionais (ROBERTS, 2004); a crise no jornalismo

institucionalizado, evidenciada pelas frequentes demissões em redações tanto no cenário

nacional quanto internacional, pela redução do apelo comercial com perda de rentabilidade e

diminuição na distribuição de revistas e jornais impressos, gerando uma demanda por novos

direcionamentos na profissão e uma oferta de profissionais qualificados no mercado de

trabalho, favorecendo a absorção de jornalistas por empresas não-midiáticas dispostas a

experimentar inovações operacionais e utilizar o tipo de conhecimento que, ao longo do tempo,

caracterizou o jornalismo como uma profissão (MICK,2015); e o advento da internet 2.0,

potencializado pelo o surgimento e proliferação das redes sociais, que além de aproximar ainda

mais a linguagem jornalística da publicitária, permitiu uma interatividade mais ágil do

receptores da mensagem ao deixar de ser uma transmissão unidirecional, gerando desafios e a

necessidade de adaptação aos novos meios e linguagens, tanto para as instituições, midiáticas

ou não, quanto para jornalistas e outros profissionais da comunicação (VERÍSSIMO,2017) .

A resultante desses fatores foi uma demanda por um profissional que atenda a

necessidade de conexão e comunicação da instituição com seus diferentes públicos, através dos

vários relacionamentos que uma empresa ou organização pode formar, domínio de técnicas de

58

produções narrativas com a capacidade de explorar diversos assuntos, e adaptabilidade a

estratégias de marketing. Essas condicionantes forjaram a aparição de um profissional híbrido

de jornalismo tradicional, marketing e relações públicas, o jornalista de marcas (BULL,2013).

Tais elementos formam um ambiente propício para as instituições não midiáticas absorverem

os profissionais jornalistas e, consequentemente, o uso de técnicas jornalísticas como

estratégias de marketing, face a relação entremeada entre as correntes do marketing, publicidade

e do jornalismo, principalmente ao considerarmos a imprensa como matriz histórica comum a

essas áreas, o que culminou na rápida ascensão dessa atuação no mercado.

Ao observamos o atual cenário da relação de imprensa e comunicação de instituições

não midiáticas, é possível perceber que os elementos que constituíram o ambiente propício de

desenvolvimento do jornalismo de marcas na Europa, ainda estão presentes e podem ser

considerados atuais no mercado da comunicação, tanto nacional quanto internacionalmente.

Há ainda outros há indícios que sustentam o jornalismo de marcas como uma atuação

promissora para o jornalista: o aumento no índice de confiança da credibilidade do profissional

jornalista em 20 dos 28 países pesquisados pela pesquisa Trust Barometer 2018 evidencia uma

valorização do trabalho desse profissional; o desejo de CEOS em investir em narrativas para

que suas marcas se tornem referência em suas respectivas áreas de atuação relatados na mesma

pesquisa confirma a demanda por esse tipo de conteúdo; o alcance dos artigos do LinkedIn, que

ultrapassam 9,8 milhões de acessos únicos mensais no Brasil, superando em acessos das

principais revistas e sites de negócios e a visão de narrativa de gênero jornalístico como produto

diferencial sugerem um aumento na busca por produções de cunho jornalístico mais elaboradas,

como documentários, entrevistas e textos longos como grande reportagem ou mesmo com viés

literário, já utilizadas por diversas corporações e profissionais, além de formatos jornalísticos

já assimilados como produtos por instituições não midiáticas, como texto-notícia e vídeos

institucionais. Tais indicadores formam uma demanda de alto potencial de crescimento e ainda

pouco explorada por jornalistas.

Diante do exposto, podemos assumir o jornalismo de marca como uma alternativa viável

de atuação do profissional, tanto no âmbito nacional quanto internacional, em face à crescente

demanda das marcas por conteúdos narrativos e a adoção do jornalismo de marcas por grandes

instituições, como Coca-Cola e BBVA, que por serem referência em seus mercados específicos

de atuação, tendem a influenciar a tomada de decisão de outras marcas.

Outra questão a ser atendida durante a pesquisa foi perceber se o jornalismo de marcas

pode ser considerado um movimento totalmente inovador como atuação jornalística. Ficou

evidenciado durante a pesquisa, a clara relação do jornalismo de marcas com outras

59

transformações operacionais históricas da atuação jornalística, como o surgimento da atividade

de relações públicas, onde há atuação de profissionais jornalistas, e assessoria de imprensa,

movimento que suscitou diversas discussões sobre sua relação com jornalismo e também

caracterizou um processo de migração de jornalistas de instituições midiáticas tradicionais para

empresas não midiáticas, em similaridade com o movimento jornalismo de marcas.

Além disso, o jornalismo sempre foi uma atividade profissional que se adaptou às

circunstâncias sociais e econômicas de cada época, tendo somente no século XIX, durante o

desenvolvimento da imprensa, tomado a forma como conhecemos na sociedade democrática

atual (TRAQUINA,2005). Mesmo atualmente, o processo de identidade profissional do

jornalista continua em mudança (GUIMARÃES e FERNANDES, 2012). A aproximação entre

publicidade e jornalismo já era tema discutido por Marshall (2003), quando dizia que “o

exercício da catequização ideológica compulsória da publicidade sobre o jornalismo pode

estabelecer a transformação radical da linguagem jornalística no terceiro milênio”.

A visão de Marshall (2003) já pedia uma reflexão diante de uma lógica publicitária que

se materializa no espaço jornalístico através de estratégias de comunicação patentes e latentes.

Essa aproximação de discursos apontava para uma comunicação intermediária entre o social e

o comercial, fundindo os discursos publicitários e jornalísticos num mesmo universo.

Portanto, mostrou-se inadequado considerar o jornalismo de marcas como um

movimento inovador, o que mudou minha perspectiva de abordagem do assunto no âmbito

acadêmico, uma vez que mesmo que não tenham sido encontradas referências diretas ao

jornalismo de marcas enquanto denominação, o conceito de transformação ou adaptação da

atuação jornalística a outras áreas que permeiam a comunicação é amplamente discutida na

esfera acadêmica. Por conseguinte, de certa forma, torna-se inapropriado declarar como baixo

o número de materiais ou discussões acadêmicas sobre o assunto, o que não desmerece o pleito

da presente pesquisa.

Além de suas similaridades, a pesquisa também permitiu perceber as principais

diferenças entre o jornalismo de marcas e outros movimentos de adaptação da atuação

jornalística, com ênfase nas atividades de relações públicas e assessoria de imprensa.

Enquanto a função do relações públicas surgiu para atender a necessidade de conexão e

comunicação através dos vários relacionamentos que uma empresa ou organização pode formar

com seu público, levando em consideração a imagem geral de como uma organização se

relaciona e é percebida aos olhos de todo o público, a assessoria de imprensa eclodiu para

aproximar das instituições midiáticas a realidade das empresas, suas notícias e principalmente

informações de interesse público, embora nem todas as notícias internas da empresa realmente

60

interessem à imprensa. No jornalismo de marcas, torna-se dispensável a função de ponte entre

empresas de mídia e não midiáticas, uma vez que toda empresa é uma empresa de mídia.

Em outras palavras, as principais diferenças do jornalismo de marcas residem na

supressão do intermediário da informação, que até então era representado pelos canais de

comunicação em massa e na percepção das técnicas e produções jornalísticas como produto de

consumo, preterindo a uma lógica cronológica de produção para possuir uma lógica emocional

e de engajamento. Nesse cenário, as marcas podem tornar-se comunidades tribais, que

representam grupos unidos pela preferência por uma determinada marca em detrimento a outra

concorrente, como Nike vs. Adidas.

Um quarto ponto a ser analisado pela pesquisa era se dentre os conhecimentos,

habilidades, atitudes e valores desenvolvidos durante a graduação do jornalista, há

competências adquiridas que favoreçam a atuação do profissional como jornalista de marca ou

respaldam a formação jornalística como especialidade de produção narrativa. Para atender a

essa demanda, foi realizada uma análise das Diretrizes Curriculares para o Curso de Jornalismo

de que passaram a vigorar em 2013 e permanece vigente nos cursos superiores de graduação

em jornalismo em universidades e outras instituições de ensino superior em todo o país.

A análise constatou a existência de competências que legitimam o jornalista como

estudioso da narrativa, tais como Dominar metodologias jornalísticas de apuração, depuração,

aferição, produção, edição e difusão, pois assim qualificam o conteúdo produzido pelo

profissional como confiável e relevante; Elaborar, coordenar e executar projetos editoriais de

cunho jornalístico para diferentes tipos de instituições e públicos confere ao jornalista a

capacidade de editar, planejar e aplicar seus conhecimentos para atender demandas tanto de

pessoas quanto de instituições, midiáticas ou não; Compreender, dominar e gerir processos de

produção jornalística, e ser capaz de aperfeiçoá-los pela inovação e pelo exercício do

raciocínio crítico proporciona melhorar continuamente suas produções e atuação, qualidade

essencial em um mundo constantemente atualizado; Dominar linguagens midiáticas e formatos

discursivos utilizados nos processos de produção jornalística nos diferentes meios e

modalidades tecnológicas de comunicação como diferencial para o profissional jornalista de

outros produtores de conteúdo, uma vez que o uso da linguagem adequada para seu meio

proporciona uma comunicação mais eficaz; e Conhecer conceitos e dominar técnicas dos

gêneros jornalísticos que outorga ao jornalista a especialidade da narrativa e o permite atuar

como referência na produção textual (CNE BRASIL, 2013).

61

Tais competências favorecem também a atuação profissional no jornalismo de marcas,

uma vez que as narrativas jornalísticas são o principal material de trabalho dessa atividade,

atendendo, portanto, a indagação levantada.

Há ainda outras proposições levantadas durante a pesquisa que demandam

aprofundamento e amplitude de discussão para uma maior assertividade conclusiva, mas são

passíveis de menção, como a percepção de que apesar do jornalista de marcas não ser

independente, concorrendo com outras fontes de informação típicas de sítios digitais - digital

influencers, bloggers e outro produtores de conteúdo -, transpassa maior credibilidade na

narrativa devido ao uso de técnicas jornalísticas, da diretriz de pesquisar e apurar a informação,

a habilidade encontrar o foco da comunicação, percebendo o que é mais importante para o texto

e quais assuntos podem render uma boa história - tanto jornalística quanto publicitária -,

capacidade de abordar assuntos diversos, como medicina, economia, política, sociedade, etc.

(VERÍSSIMO,2017)

Em termos de escrita, o jornalismo procura clareza, objetividade, concisão. Já a

publicidade joga com a língua e a linguagem, com o duplo sentido das palavras, a

ambiguidade. O jornalismo usa essencialmente frases de construção simples, a

publicidade pode usar frases complexas ou até literárias, figuras de estilo,

onomatopeias, etc., porque tem toda a liberdade. A diferença é a criatividade. O

jornalista pode ser criativo a contar a sua história jornalística, mas não é um “criativo”

no sentido publicitário do termo – que não é um adjetivo, mas uma profissão, um

modo de pensar. (VERÍSSIMO, 2017, p. 55)

Mais estudos são necessários para compreender demais aspectos do jornalismo de

marcas, sendo fundamental o debate de questões relacionadas à ética em comunicação e

marketing, as novas configurações de atuação que impactam nas profissões e a relação entre

as instituições midiáticas ou não, os profissionais envolvidos e o público-leitor, agora mais

impactado pelo advento da internet, as novas mídias e proliferação das redes sociais.

62

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