Théorie Communiste - Comunização no presente

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[-] Sumário # 11 vol. 1

EDITORIAL 4

OS MOVIMENTOS INDIGNADOS E AS LUTAS DE CLASSES 9

Entrevista de Charles Reeve a Stephane Julien e Marie Xaintrailles

ARTIGOS

ANTICAPITALISMO PARA O SÉCULO XXI 23

Um breve panorama da nova crítica do valor

Joelton Nascimento

ESTAMOS PERDENDO! 51

Do altermundialismo à indignação multitudinária:

balanço da resistência global quinze anos após Seattle

Raphael F. Alvarenga

A CATÁSTROFE COMO MODELO 74 Agronegócio, crise ambiental e movimentos sociais

durante o decênio 2003-2013

André Villar Gomez

Marcos Barreira

SOCIALISMO OU BARBÁRIE? 113 Daniel Cunha

A ESPUMA, A ONDA E O MAR DA REAÇÃO 118

Cruzando o fantasma autoritário brasileiro

Bob Klausen

O OTIMISMO E O PÊNDULO 134

O duro aprendizado de caminhar em terreno movediço

Douglas Anfra

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DESTINOS DO ÓDIO SOCIAL 140

E A ENCRUZILHADA DA ESQUERDA

Bruno Klein

“FOGO AMIGO” 144

A incubadora petista da avalanche conservadora

Paulo Marques

PASSEIO PELAS GREVES PARANAENSES 163

DA EDUCAÇÃO EM ALGUMAS NOTAS

G. Émeutes

SOBRE A MAIORIDADE PENAL 171

Uma ação preventiva do capital

Atanásio Mykonios

GERAÇÃO SARRAZIN 191

Breve esboço da gênese da nova direita alemã

Tomasz Konicz

ESTADO DE PESTE / ESTADO DE SÍTIO 202

Para reler A peste, de Camus

Cláudio R. Duarte

O QUE É UM COLABORADOR? 225

Jean-Paul Sartre

MISÉRIAS DO PRIMITIVISMO 238

Resenha de Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins

Daniel Cunha

COMUNIZAÇÃO NO PRESENTE 247

Théorie Communiste

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COMUNIZAÇÃO NO PRESENTE

Théorie Communiste

No curso da luta revolucionária, a abolição do Estado, da troca, da divisão do

trabalho, de toda forma de propriedade, a extensão da situação onde tudo está

livremente disponível à medida que a unificação da atividade humana – em uma

palavra, a abolição das classes – são ―medidas‖ que abolem o capital, impostas pelas

próprias necessidades da luta contra a classe capitalista. Revolução é comunização; ela

não tem o comunismo como projeto e resultado, mas é o seu próprio conteúdo.

Comunização e comunismo são coisas do futuro, mas é no presente que temos

que falar sobre eles. Esse é o conteúdo da revolução vindoura que essas lutas sinalizam

– nesse ciclo de lutas – cada vez que o próprio fato de agir como classe aparece como

uma restrição externa, um limite a ser superado. Em si mesmo, lutar como classe

tornou-se o problema – ela se tornou o seu próprio limite. Assim, a luta do proletariado

como classe sinaliza e produz a revolução como a sua própria superação, como

comunização.

Crise, reestruturação, ciclo de luta: sobre a luta do proletariado como

classe como o seu próprio limite

O principal resultado do processo de produção capitalista sempre foi a renovação

da relação capitalista entre o trabalho e suas condições: em outras palavras, trata-se de

um processo de auto-pressuposição.

Até a crise do final dos anos 60, a derrota dos trabalhadores e a seguinte

reestruturação, havia de fato a auto-pressuposição do capital, de acordo com o último

conceito, mas a contradição entre proletariado e capital se localizava nesse nível no

interior da produção e confirmava, nessa própria auto-pressuposição, uma identidade

de classe trabalhadora, através da qual o ciclo de lutas foi estruturado como competição

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entre duas hegemonias, dois modos rivais de gerenciar e controlar a reprodução. Essa

identidade era a própria substância do movimento operário.

Essa identidade dos trabalhadores, sob qualquer forma social e política de sua

existência (do Partido Comunista à autonomia; do Estado Socialista aos conselhos

operários), repousava inteiramente na contradição que se desenvolveu nessa fase de

subsunção real do trabalho sob o capital, entre, de um lado, a criação e desenvolvimento

da força de trabalho empregada pelo capital de maneira progressivamente coletiva e

social, e de outro, as formas de apropriação pelo capital dessa força de trabalho no

processo imediato de produção, e no processo de reprodução. Essa é a situação

conflituosa que se desenvolveu nesse ciclo de lutas como identidade dos trabalhadores –

uma identidade que encontrou suas características distintivas e suas modalidades

imediatas de reconhecimento na ―grande fábrica‖, na dicotomia entre emprego e

desemprego, trabalho e treinamento, na submissão do processo de trabalho à

coletividade dos trabalhadores, na relação entre salários, crescimento e produtividade

dentro de uma região nacional, nas representações institucionais e tudo o que isso

implicou, tanto na fábrica quanto no nível do Estado – isto é, na delimitação da

acumulação em uma área nacional.

A reestruturação foi a derrota, no final dos anos 60 e anos 70, de todo esse ciclo

de lutas fundado sobre a identidade de trabalhadores; o conteúdo da reestruturação foi

a destruição de tudo o que se tornou um obstáculo à fluidez da auto-pressuposição do

capital. Esses obstáculos consistiam, de um lado, em todas as separações, proteções e

especificações que foram erguidas para opor-se ao declínio do valor da força de

trabalho, à medida que evitava que a classe trabalhadora como um todo, na

continuidade de sua existência, de sua reprodução e expansão, tivesse que enfrentar a

totalidade do capital como tal. Por outro lado, havia todas as restrições à circulação,

rotatividade e acumulação, que impediam a transformação do produto excedente em

mais-valia e capital adicional. Todo produto excedente deve poder encontrar o seu

mercado em qualquer lugar, toda mais-valia deve poder encontrar a possibilidade de

operar como capital adicional em qualquer lugar, isto é, de ser transformado em meios

de produção e força de trabalho, sem nenhuma formalização do ciclo internacional

(como a divisão em blocos, ocidente e oriente, ou centro e periferia) predeterminando

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essa transformação. O capital financeiro foi o arquiteto dessa reestruturação. Com a

reestruturação que foi completada nos anos 80, a produção de mais-valia e a reprodução

das condições dessa produção coincidiram.

O ciclo de lutas atual é definido fundamentalmente pelo fato de que a contradição

entre as classes ocorre no nível de suas respectivas reproduções, o que significa que o

proletariado encontra e conforta a sua própria constituição e existência como classe na

sua contradição com o capital. Disso resulta o desaparecimento da identidade de

trabalhador, confirmada na reprodução do capital – isto é, o fim do movimento operário

e a falência concomitante da auto-organização e da autonomia como perspectiva

revolucionária. Porque a perspectiva de revolução não é mais questão de afirmação da

classe, ela não pode mais ser uma questão de auto-organização. Abolir o capital é ao

mesmo tempo negar a si mesmo como trabalhador e não se auto-organizar como tal:

trata-se de um movimento de abolição de empresas, de fábricas, do produto, da troca

(sob qualquer forma).

Para o proletariado, agir como classe é atualmente, por um lado, não ter outro

horizonte a não ser o capital e as categorias de sua reprodução, e por outro, pela mesma

razão, é estar em contradição com e colocar em questão a sua própria reprodução como

classe. Esse conflito, essa fissura na ação do proletariado, é o conteúdo da luta de

classes e é o que nela está em jogo. O que agora está em jogo nessas lutas é que, para o

proletariado, agir como classe é o limite de sua ação como classe – essa é agora uma

circunstância objetiva da luta de classes – e que o limite é construído como tal nas lutas

e se torna pertencimento de classe como restrição externa. Isso determina o nível do

conflito com o capital, e gera conflitos internos às próprias lutas. Essa transformação é

uma determinação da atual contradição entre as classes, mas em todos os casos a prática

específica de uma luta em um dado momento e em dadas condições.

Esse ciclo de lutas é a ação de uma classe trabalhadora recomposta. Ela consiste,

nas principais áreas de acumulação, no desaparecimento dos grandes bastiões da

proletarização dos empregados; na terceirização do emprego (especialistas em

manutenção, operadores de equipamentos, caminhoneiros, carregadores, estivadores

etc. – esse tipo de emprego agora perfaz a maior parte dos trabalhadores); no trabalho

em empresas ou locais menores; numa nova divisão do trabalho e da classe trabalhadora

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com a terceirização de processos de pouco valor agregado (envolvendo trabalhadores

jovens, com frequência temporários, sem perspectiva de carreira); na generalização da

―produção enxuta‖; na presença de trabalhadores jovens cuja educação quebrou a

continuidade de gerações que se sucedem e que em sua grande maioria rejeitam o

trabalho de fábrica e as condições da classe trabalhadora em geral; e em offshoring.

Grandes concentrações de trabalhadores na Índia e na China fazem parte de uma

segmentação global da força de trabalho. Elas não podem nem ser consideradas como o

renascimento alhures do que desapareceu no ―Ocidente‖ em termos de sua definição

global, nem em termos da sua própria inscrição no contexto nacional. O que definia a

identidade da classe trabalhadora era um sistema social de existência e reprodução, e

não a mera existência de características quantitativas materiais.1

Das lutas diárias à revolução, só pode haver uma ruptura. Mas essa ruptura é

sinalizada no curso diário da luta de classes cada vez que o pertencimento de classe

aparece, nessas lutas, como uma restrição externa, que é objetivado no capital, no

próprio curso da atividade do proletariado como classe. Atualmente, a revolução se

baseia na superação de uma contradição que é constitutiva da luta de classes: para o

proletariado, ser uma classe é o obstáculo que a sua luta como classe deve ultrapassar.

Com a produção do pertencimento de classe como uma restrição externa, torna-se

possível entender o ponto de não-retorno da luta de classes – a sua superação – como

uma superação produzida, na base das lutas atuais. Em sua luta contra o capital, a classe

se volta contra si mesma, isto é, ela trata a sua própria existência, tudo o que a define em

sua relação com o capital (e ela é nada mais do que dessa relação), como limite da sua

ação. Os proletários não libertam a sua ―verdadeira individualidade‖, que seria negada

pelo capital: a prática revolucionária é precisamente a coincidência entre a mudança nas

circunstâncias e na atividade humana ou autotransformação.

Essa é a relação pela qual podemos falar atualmente de comunismo, e falar dele

no presente como um movimento real e existente. Hoje é um fato que a revolução é a

1 Para que a Índia e a China possam se constituir como o seu próprio mercado interno deveria haver uma

verdadeira revolução no campo (isto é, a privatização da terra na China e o desparecimento da pequena propriedade e do arrendamento na Índia) mas também e sobretudo uma reconfiguração do ciclo global do capital, suplantando a atual globalização (isto é, isso implicaria a renacionalização das economias, superando e preservando a globalização, e uma desfinancialização do capital produtivo.

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abolição de todas as classes, à medida que a ação como classe do proletariado é, para si

mesma, um limite. Essa abolição não é um objetivo a ser alcançado, uma definição de

revolução como norma a ser atingida, mas um conteúdo atual do que a luta de classe é

em si. Produzir o pertencimento de classe como uma restrição externa é, para o

proletariado, entrar em conflito com a sua situação prévia; isso não é ―liberação‖ e nem

―autonomia‖. Esse é ―o passo mais difícil a ser dado‖ no entendimento teórico e na

prática das lutas contemporâneas.

O proletariado não se torna com isso um ser ―puramente negativo‖. Dizer que o

proletariado existe apenas como classe no e contra o capital, que ela produz todo o seu

ser, a sua organização, sua realidade e constituição como classe no capital e contra ele, é

dizer que ele é a classe do trabalho produtor de mais-valia. O que desapareceu no ciclo

atual de lutas, em seguida à restruturação dos anos 70 e 80, não é essa existência

objetiva da classe, mas sim a confirmação de uma identidade proletária na reprodução

do capital.

O proletariado só pode ser revolucionário ao reconhecer-se como classe; ela se

reconhece como tal em todos os conflitos, e tem de fazê-lo tanto mais na situação na

qual a sua existência como classe é o que ela tem de confrontar na reprodução do

capital. Não podemos nos enganar sobre o conteúdo desse ―reconhecimento‖. O

proletário reconhecendo-se como classe não será um ―retorno a si‖, mas a total

extroversão (uma auto-externalização) quando ele reconhece a si mesmo como uma

categoria do modo capitalista de produção. O que somos como classe é imediatamente

nada mais do que nossa relação com o capital. Para o proletariado, esse

―reconhecimento‖ consistirá de fato numa cognição prática, num conflito, não de si

mesmo para si mesmo, mas do capital – isto é, a sua des-objetivação. A unidade da

classe não pode mais ser baseada na luta por salários e demandas, como um prelúdio

para a sua atividade revolucionária. A unidade do proletariado só pode ser a atividade

pela qual ele abole a si mesmo ao abolir tudo o que o divide.

Das lutas por demandas imediatas à revolução, tem de haver uma ruptura, um

salto qualitativo. Mas essa ruptura não é um milagre, não é uma alternativa; nem é a

simples constatação da parte do proletariado de que não há nada mais a fazer a não ser a

revolução, diante do fracasso de todo o resto. ―A revolução é a única solução‖ é tão

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inepto quanto a fala sobre a dinâmica revolucionária das lutas baseadas em demandas.

Essa ruptura é produzida positivamente pelo desdobramento do ciclo de lutas que a

precede; ela é sinalizada na multiplicação de fissuras no interior da luta de classes.

Como teóricos, somos as sentinelas dessas fissuras, e as promovemos no interior da

luta de classes do proletariado através das quais ele coloca a si mesmo em questão; na

prática, somos atores delas quando estamos diretamente envolvidos. Existimos nessa

ruptura, nessa fissura na atividade do proletariado como classe. Não há mais nenhuma

perspectiva para o proletariado sobre a sua própria base como classe do modo

capitalista de produção, além da capacidade de superar a sua existência de classe na

abolição do capital. Há uma identidade absoluta entre estar em contradição com o

capital e estar em contradição com a sua própria situação e definição como classe.

É através dessa própria fissura no interior da ação como classe que a

comunização se torna uma questão do presente. Essa fissura no interior da luta de

classes, na qual o proletariado não tem nenhum horizonte além do capital, e portanto

simultaneamente entra em contradição com a sua própria ação como classe, é a

dinâmica desse ciclo de lutas. Atualmente a luta de classes do proletariado tem

elementos ou atividades identificáveis que sinalizam a sua própria superação em seu

próprio curso.

Lutas produzindo teoria2

A teoria desse ciclo de luta, como apresentada acima, não é uma formalização

abstrata que então provará que se conforma à realidade através de exemplos. É a sua

existência prática, ao invés de sua veracidade intelectual, que a prova no concreto. Ela é

um momento particular de lutas que já são elas próprias teóricas (no sentido que elas

são produtoras de teoria), à medida que elas têm uma relação crítica em relação a si

mesmas.

Na maioria das vezes não se trata de declarações bombásticas ou ações ―radicais‖, mas

todas as atividades de saída ou rejeição de sua própria condição por parte do

2 Os exemplos são em sua maioria franceses; a publicação desse texto no exterior fornece a oportunidade

de testar as teses que são aqui defendidas.

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proletariado. Nas lutas atuais em torno de demissões, os trabalhadores frequentemente

não mais demandam manter os seus empregos, mas, ao contrário, cada vez mais lutam

por boas indenizações. Contra o capital, o trabalho não tem futuro. Já era muito

evidente nas assim chamadas lutas ―suicidas‖ na fábrica da Cellatex (França), onde os

trabalhadores ameaçaram lançar ácido no rio e explodir a fábrica, ameaças que não

foram concretizadas mas que foram muito imitadas em outras lutas em torno do

fechamento de fábricas, que o proletariado não é nada se é separado do capital e não

possui nenhum futuro em si mesmo, por sua própria natureza, a não ser pela abolição

daquilo pelo que ele existe. É a desessencialização do trabalho que se torna a própria

atividade do proletariado: tanto tragicamente, em suas lutas sem perspectivas imediatas

(ou seja, suas lutas suicidas), como demanda por essa desessencialização, como nas

lutas dos desempregados e precarizados no inverno de 1998 na França.

O desemprego já não está mais claramente separado do emprego. A segmentação

da força de trabalho; flexibilidade; terceirização; mobilidade; estágios; e empregos

informais borraram todas as separações.

No movimento francês de 1998, e de forma mais geral nas lutas dos

desempregados nesse ciclo de lutas, a definição dos desempregados que foi o ponto de

partida para a reformulação do emprego assalariado. A necessidade do capital de

medir tudo em tempo de trabalho e de colocar para si a exploração do trabalho como

questão de vida ou morte é simultaneamente a desessencialização do trabalho vivo em

relação às forças sociais que o capital concentra em si. Essa contradição, inerente à

acumulação de capital, que é uma contradição no capital-em-processo, toma a forma

muito particular da definição de classe em relação ao capital; o desemprego da classe

chama para si a condição de ser o ponto de partida de tal definição. Nas lutas dos

desempregados e precarizados, as lutas dos proletários contra o capital faz dessa

contradição a sua própria contradição, e a promove. O mesmo ocorre quando

trabalhadores demitidos não pedem empregos, mas indenizações.

No mesmo período, os empregados da Moulinex que se tornaram redundantes

atearam fogo no prédio de uma fábrica, inscrevendo-se assim na dinâmica desse ciclo de

lutas, que faz da existência do proletariado como classe o limite de sua ação de classe.

De maneira semelhante, em 2006, em Savar, 50 quilômetros ao norte de Dhaka, em

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Bangladesh, duas fábricas foram incendiadas e outras centenas foram saqueadas depois

que os trabalhadores ficaram três meses sem pagamento. Na Argélia, pequenas

demandas salariais se transformaram em rebeliões, formas de representação foram

desconstituídas sem que outras fossem formadas, e foi a totalidade das condições de

vida e reprodução do proletariado que entrou em jogo, para além das demandas dos

protagonistas imediatos da greve. Na China e Índia não há perspectiva de formação de

um vasto movimento operário a partir da proliferação de vários tipos de ações baseadas

em demandas afetando todos os aspectos da vida e da reprodução da classe

trabalhadora. Essas ações baseadas em demandas frequentemente se tornam,

paradoxalmente, a destruição das condições de trabalho, isto é, da sua própria raison

d'être.

No caso da Argentina, as pessoas se auto-organizaram como desempregados da

Mosconi, trabalhadores da Bruckman, moradores de cortiços... mas ao se auto-organizar

eles imediatamente se depararam com o que eles eram como um obstáculo, que na luta

tornou-se aquilo que tinha de ser superado, e que foi visto como tal nas modalidades

práticas desses movimentos auto-organizados. O proletariado não pode encontrar em si

mesmo a capacidade de criar outras relações interindividuais, sem inverter e negar o

que ele é nessa sociedade, isto é, sem entrar em contradição com a autonomia e a sua

dinâmica. A auto-organização é talvez o primeiro ato da revolução, mas todos os atos

seguintes são direcionados contra ela (ou seja, contra a auto-organização). Na

Argentina, foram as determinações do proletariado como classe dessa sociedade (ou

seja, propriedade, troca, divisão do trabalho, relação entre homens e mulheres) que

foram efetivamente enfraquecidas pela maneira como as atividades produtivas foram

levadas a cabo, isto é, nas modalidade reais da sua realização.

Na França, em novembro de 2005, nos banlieus, os amotinados não

demandaram nada, eles atacaram a sua própria condição, eles tornaram seus alvos tudo

aquilo que os produz e define. Os amotinados revelaram e atacaram a atual condição

proletária: a precarização mundial da força de trabalho. Ao fazê-lo, tornaram

imediatamente obsoleto, no momento mesmo no qual tal demanda poderia ser

articulada, qualquer desejo de ser um ―proletário normal‖.

Três meses mais tarde, na primavera de 2006, ainda na França, como um

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movimento baseado em demandas, o movimento estudantil contra o contrat première

embauche (CPE [primeiro contrato de emprego]) só podia compreender a si mesmo

tornando-se o movimento geral dos precarizados; mas ao fazê-lo ele iria ou negar a sua

própria especificidade ou seria inevitavelmente obrigado a colidir mais ou menos

violentamente contra todos aqueles que mostraram nos motins de novembro de 2005

que a demanda por ser um ―proletário normal‖ se tornou obsoleta. Alcançar a demanda

através da sua expansão seria, com efeito, sabotá-la. Que credibilidade havia numa

ligação com os amotinados de novembro baseada no ―emprego estável para todos‖? Por

um lado, essa ligação estava objetivamente inscrita no código genético do movimento;

por outro, a própria necessidade dessa ligação induziu uma dinâmica interna de amor e

ódio, igualmente objetiva, no interior do movimento. A luta contra o CPE foi um

movimento de demandas cuja satisfação teria sido inaceitável a si mesma como

movimento de demandas.

Nas rebeliões gregas, os proletários não demandaram nada, e não consideraram a

si mesmos como opositores do capital como fundamento de nenhuma alternativa. Mas

se esses motins foram um movimento da classe, eles não constituíram uma luta naquilo

que é a própria matriz da classe: a produção. Foi dessa maneira que esses motins

tiveram a conquista chave de produzir e mirar o pertencimento de classe como uma

restrição, mas eles só puderam alcançar esse ponto ao confrontar o piso de vidro da

produção como o seu limite.3 E as maneiras pelas quais esse movimento produziu essa

restrição externa (os objetivos, os desdobramento dos motins, a composição dos

amotinados) foram intrinsecamente definidos por esse limite: a relação de exploração

como coerção pura e simples. Atacar instituições e formas de reprodução social,

tomadas em si mesmas, por um lado, foi o que constituiu o movimento e o que

constituiu a sua força, mas isso foi também a expressão dos seus limites.

Estudantes sem futuro, jovens imigrantes, trabalhadores precarizados, são todos

proletários que vivem todos os dias a reprodução da relações sociais capitalistas como

coerção; a coerção é incluída nessa reprodução porque eles são proletários, mas eles a

experimentam diariamente como separada e aleatória (acidental e não-necessária) em

3 ―Piso de vidro‖, em oposição a ―teto de vidro‖ (barreiras para a ascensão na carreira profissional das

mulheres, restringindo suas oportunidades e influência nos locais de trabalho) [N. do T.]

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relação à produção em si. Ao mesmo tempo que lutam nesse movimento de coerção que

eles experimentam como separado, eles apenas concebem e vivem essa separação como

uma lacuna em sua própria luta contra esse modo de produção.

É dessa maneira que esse movimento produziu o pertencimento de classe como

uma restrição externa, mas apenas dessa maneira. É dessa maneira que ele se localiza

nesse ciclo de lutas e é um dos seus momentos históricos determinantes.

Em sua própria prática e em sua luta, os proletários se colocaram em questão

enquanto proletários, mas apenas autonomizando os momentos e instâncias da

reprodução social em seus ataques e em seus alvos. A reprodução e a produção de

capital permaneceram estranhas uma à outra.

Em Guadalupe, a importância do desemprego, e da parte da população que vive

de benefícios e/ou da economia informal, implicam que as demandas salariais são uma

contradição em termos. Essa contradição estruturou o curso dos eventos entre, de um

lado, o Liyannaj Kont Pwofitasyon (LKP), que se centrava nos trabalhadores

permanentes (essencialmente nos serviços públicos), mas tentou manter unidos os

termos dessa contradição através da multiplicação e da infinita variedade de demandas

e, por outro lado, o absurdo das demandas salariais centrais para a maioria das pessoas

que participavam das barricadas, da pilhagem e dos ataques aos prédios públicos. A

demanda foi desestabilizada no próprio curso da luta; ela foi contestada, assim como a

sua forma de organização, mas as formas específicas de exploração da população inteira,

herdadas de sua história colonial, conseguiram evitar que essa contradição explodisse

mais violentamente no coração do movimento (é importante notar que a única morte foi

a de um sindicalista morto numa barricada). Desse ponto de vista, a produção do

pertencimento de classe como uma restrição externa foi mais um estado sociológico,

mais uma espécie de esquizofrenia, do que algo em jogo na luta.

Em geral, com a explosão da atual crise, a demanda salarial é atualmente

caracterizada por uma dinâmica que não era anteriormente possível. É uma dinâmica

interna que surge como resultado da totalidade da relação entre o proletariado e o

capital no modo de capitalista de produção, tal como ela emergiu da reestruturação e tal

como está agora entrando em crise. A demanda salarial mudou de significado.

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Na sucessão de crises financeiras que nos últimos vinte anos ou mais regularam o

modo atual de valorização do capital, a crise do sub-prime é a primeira que tomou como

seu ponto de partida não os ativos financeiros que correspondem a investimentos de

capital, mas ao consumo de residências, e mais precisamente das residências mais

pobres. Nesse aspecto, ela inaugura uma crise específica da relação salarial do

capitalismo reestruturado, no qual a contínua diminuição da fração dos salários sobre a

riqueza produzida, tanto nos países do centro quanto nos emergentes, permanece como

definitiva.

A ―distribuição de riqueza‖ deixou de ser essencialmente conflituosa no modo

capitalista de produção para tornar-se tabu, como foi confirmado no movimento recente

de greves e bloqueios (outubro-novembro de 2010) que sucederam a reforma do sistema

de previdência na França. No capitalismo reestruturado (dos quais estamos

experimentando o começo da crise), a reprodução da força de trabalho foi submetida a

um duplo desacoplamento. Por um lado, um desacoplamento entre a valorização do

capital e a reprodução da força de trabalho e, de outro, o desacoplamento entre o

consumo e o salário como renda.

Evidentemente, a divisão da jornada de trabalho entre trabalho necessário e

mais-trabalho sempre definiu a luta de classes. Mas agora, na luta em torno dessa

divisão, é paradoxalmente na definição do proletariado até o âmago do seu ser como

classe deste modo de produção, e como nada mais, que se torna evidente na prática, e

de maneira conflituosa, que a sua existência como classe é o limite da sua própria luta

como classe. Esse é atualmente o caráter central da demanda salarial na luta de classes.

No curso mais trivial da demanda salarial, o proletário vê a sua própria existência como

classe objetivar-se como algo estranho a ele, ao ponto que a própria relação capitalista a

coloca em seu coração como algo estranho.

A crise atual estourou porque os proletários não puderam mais pagar as suas

dívidas. Ela estourou na própria base da relação salarial que levou à financialização da

economia capitalista: cortes de salário como requisitos para a ―criação de valor‖ e

competição global no seio da força de trabalho. Foi essa necessidade funcional que

retornou, mas de maneira negativa, no modo histórico de acumulação de capital com a

detonação da crise dos sub-prime. Agora é a relação salarial que está no núcleo da crise

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atual.4 A crise atual é o começo da fase de reversão das determinações e da dinâmica do

capitalismo como ele emergiu da reestruturação dos anos 70 e 80.

Duas ou três coisas que sabemos

É porque o proletariado é não-capital, porque ele é a dissolução de todas as

condições existentes (trabalho, troca, divisão do trabalho, propriedade) que ele encontra

aqui o conteúdo de sua ação revolucionária como medidas comunistas: a abolição da

propriedade, da divisão do trabalho, da troca e do valor. O pertencimento de classe

como restrição externa é portanto em si um conteúdo, o que quer dizer uma prática, que

se supera em medidas comunizantes quando o limite da luta como classe se manifesta.

Comunização não é nada mais do que medidas comunistas tomadas como simples

medidas de luta pelo proletariado contra o capital.

É a escassez de mais-valia em relação ao capital acumulado que está no coração

da crise da exploração: se, no coração da contradição entre o proletariado e o capital

não houvesse a questão do trabalho que é produtor de mais-valia; se houvesse apenas

um problema de distribuição, isto é, se a contradição entre proletariado e capital não

fosse uma contradição pela própria coisa, nomeadamente o modo capitalista de

produção, cuja dinâmica ela constitui; isto é, se ela não fosse ―um jogo que produz a

abolição das suas próprias regras‖, a revolução seria apenas um desejo piedoso. O ódio

ao capital e o desejo de outra vida são apenas as expressões ideológicas necessárias

dessa contradição para-si que é a exploração.

Não é através de um ataque pelo flanco da natureza produtora de mais-valia do

trabalho que a luta baseada em demandas é superada (o que sempre retornaria a um

problema de distribuição), mas através de um ataque pelo flanco dos meios de produção

como capital. O ataque contra a natureza capitalista dos meios de produção é a sua

abolição como trabalho absorvedor de valor para valorizar a si mesmo; é a extensão da

situação na qual tudo é livremente disponível, a destruição (talvez física) de certos meios

de produção, a sua abolição como fábricas onde é definido o que deve ser um produto,

isto é, as matrizes de troca e comércio; é a sua definição e absorção em relações

4 É a crise na qual a identidade de superacumulação e subconsumo se afirmam.

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individuais intersubjetivas; é a abolição da divisão do trabalho tal como ela está inscrita

no zoneamento urbano, na configuração material dos prédios, na separação entre cidade

e campo, na própria existência de algo que pode ser chamado de fábrica ou ponto de

produção. Relações entre indivíduos são fixadas em coisas, porque o valor de troca é por

natureza material.5 A abolição do valor é uma transformação concreta da paisagem na

qual vivemos, é uma nova geografia. A abolição de relações sociais é um tema bastante

material.

No comunismo, a apropriação não possui mais nenhuma moeda, porque é a

própria noção de ―produto‖ que é abolida. Obviamente há objetos que são usados para

produzir, outros que são diretamente consumidos e ainda outros que são usados de

ambas as formas. Mas falar de "produtos" e colocar a questão da sua circulação, sua

distribuição ou ―transferência‖, isto é, conceber um momento de apropriação, é

pressupor pontos de ruptura, de ―coagulação‖ da atividade humana: o mercado em

sociedades de mercado, o de-pósito onde os bens estão livremente disponíveis em certas

formas de comunismo. O ―produto‖ não é uma simples coisa. Falar em ―produto‖ é

supor que um resultado da atividade humana aparece como finito em relação a outro

resultado ou à esfera de outros resultados. Não devemos seguir a partir do ―produto‖,

mas a partir da atividade.

No comunismo, a atividade humana é infinita porque ela é indivisível. Ela tem

resultados concretos ou abstratos, mas esses resultados nunca são ―produtos‖, pois isso

geraria a questão da sua apropriação ou de sua transferência de algum modo. Se

podemos falar em atividade humana infinita no comunismo, é porque o modo

capitalista de produção já nos permite ver – ainda que contraditoriamente e não como

um ―lado bom‖ – a atividade humana como um fluxo social contínuo global, e o

―intelecto geral‖ ou o "trabalhador coletivo" como a força dominante da produção. O

caráter social da produção não prefigura nada: ele apenas torna a base do valor

5 "Aquela coisa [dinheiro] é uma relação coisificada entre pessoas... é valor de troca coisificado, e valor de

troca não é nada mais do que a relação mútua entre as atividades produtivas das pessoas" (Marx, Grundrisse).

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contraditória.

A destruição da troca implica o ataque dos trabalhadores aos bancos que mantêm

as suas contas e as de outros trabalhadores, tornando necessário viver sem eles; implica

os trabalhadores comunicando os seus ―produtos‖ para si mesmos e para a comunidade,

diretamente e sem um mercado, e com isso abolindo a si mesmos como trabalhadores;

implica a obrigação de toda classe de organizar a si mesma e produzir comida nos

setores a ser comunizados, etc. Não há nenhuma medida que, em si mesma, tomada

separadamente, seja o ―comunismo‖. O que é comunista não é a ―violência‖ em si

mesma, nem a ―distribuição‖ da merda que herdamos da sociedade de classes, nem a

―coletivização‖ de máquinas sugadoras de mais-valia: é a natureza do movimento que

conecta essas ações, as sublinha, as tornam os momentos de um processo que só pode

comunizar ainda mais, ou ser esmagado.

Uma revolução não pode ser levada a cabo sem medidas comunistas: dissolver o

trabalho assalariado, comunizar suprimentos, roupas, casas; tomar todas as armas (as

destrutivas, mas também as telecomunicações, comida, etc.); integrar os despossuídos

(incluindo aqueles de nós que tiveram se reduzido a esse estado), os desempregados,

agricultores arruinados, estudantes desenraizados que largaram os estudos.

A partir do momento em que passamos a consumir livremente, é necessário

reproduzir aquilo que é consumido; é portanto necessário tomar os meios de transporte,

de telecomunicação, e entrar em contato com outros setores; ao fazê-lo, encontraremos

a oposição de grupos armados. O confronto com o Estado coloca imediatamente o

problema das armas, que só pode ser resolvido com a configuração de uma rede de

distribuição para apoiar o combate em um infinidade quase infinita de lugares.

Atividades militares e sociais são inseparáveis, simultâneas e mutuamente

interpenetrantes: a constituição de uma frente ou de zonas determinadas de combate é a

morte da revolução. A partir do momento em que os proletários desmantelam as leis das

relações mercantis, não há volta. A profundidade e extensão desse processo social

conferem carne e sangue a novas relações, e permitem a integração de cada vez mais

não-proletários para a classe comunizante, que está no processo de simultaneamente

constituir-se e dissolver-se. Elas permitem a abolição em extensão cada vez maior de

toda competição e divisão entre proletários, fazendo disso o conteúdo e o

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desdobramento de seu confronto armado com aqueles que a classe capitalista ainda

pode mobilizar, integrar e reproduzir em suas relações sociais.

É por isso que todas as medidas de comunização terão de ser uma ação vigorosa

pelo desmantelamento das conexões que ligam nossos inimigos e o seu suporte

material: esses terão de ser rapidamente destruídos, sem possibilidade de retorno.

Comunização não é a organização pacífica da situação onde tudo é livremente disponível

e de um modo de vida prazeroso entre proletários. A ditadura do movimento social de

comunização é o processo de integração da humanidade no proletariado que está em

processo de desaparição. A delimitação estrita do proletariado em comparação a outras

classes e a sua luta contra toda produção de mercadorias são ao mesmo tempo um

processo que compele o estrato da pequena-burguesia assalariada, a classe do

gerenciamento (intermediário) social, para se juntar à classe comunizante. Os

proletários não ―são‖ revolucionários como o céu ―é‖ azul, meramente porque eles ―são‖

assalariados e explorados, ou mesmo porque eles são a dissolução das condições

existentes. Em sua autotransformação, que tem como ponto de partida o que eles são,

eles se constituem como classe revolucionária. O movimento no qual o proletariado é

definido na prática como o movimento da constituição da comunidade humana é a

realidade da abolição das classes. O movimento social na Argentina confrontou e

colocou a questão das relações entre o proletariado e o desemprego, e o estrato médio

excluído. Ele forneceu apenas respostas extremamente fragmentadas, das quais a mais

interessante é sem dúvida a da sua organização territorial. A revolução, que nesse ciclo

de lutas não pode ser outra coisa senão comunização, supera o dilema entre as alianças

de classe leninistas ou democráticas e o ―proletários sozinhos‖ de Herman Gorter: dois

tipos diferentes de derrota.

A única maneira de superar os conflitos entre os desempregados e os que

possuem empregos, entre os qualificados e os não qualificados, é levar a cabo medidas

de comunização que removem a própria base dessa divisão, desde o começo, no curso da

luta armada. Isso é algo que as fábricas ocupadas na Argentina, quando confrontadas

com a questão, tentaram apenas marginalmente, geralmente satisfazendo-se (cf. Zanon)

com alguma redistribuição caridosa a grupos de piqueteros. Na ausência disso, o capital

jogará com essa fragmentação ao longo do movimento, e encontrará os seus Noske e

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Scheidemann entre os auto-organizados.6

De fato, como já mostrado pela revolução alemã, trata-se de dissolver os estratos

médios tomando medidas comunistas concretas que os compelem a começar a juntar-se

ao proletariado, isto é, para alcançar a sua ―proletarização‖. Hoje em dia, em países

desenvolvidos, a questão é ao mesmo tempo mais simples e mais perigosa. De um lado,

uma massiva maioria dos estratos médios é assalariada e, logo, não possui mais uma

base material para sua posição social; o seu papel de gerenciamento e direção da

cooperação capitalista é essencial mas sempre tornada precária; a sua posição social

depende do mecanismo muito frágil da subtração de frações de mais-valia. Por outro

lado, porém, e pelas mesmas razões, a sua proximidade formal do proletariado os força

a apresentar, nessas lutas, ―soluções‖ alternativas nacionais ou democráticas que

preservariam as suas próprias posições.

A questão essencial que temos que resolver é entender como podemos estender o

comunismo, antes que ele seja sufocado nas garras da mercadoria; como integramos a

agricultura, para não ter que trocar com agricultores; como nos livramos de relações

baseadas na troca de nosso adversário para impor a lógica da comunização das relações

e da tomada dos bens; como dissolvemos o bloqueio do medo através da revolução.

Para concluir, o capital não é abolido pelo comunismo, mas através do

comunismo, mais precisamente através da produção. De fato, medidas comunistas deve

ser distinguidas do comunismo: elas não são o embrião do comunismo, mas a sua

produção. Não se trata de um período de transição, mas da revolução: comunização é

tão-somente a produção comunista do comunismo. A luta contra o capital é o que

diferencia as medidas comunistas do comunismo. A atividade revolucionária do

proletariado sempre tem como seu conteúdo a mediação da abolição do capital através

da sua relação com o capital: isso não é nem um ramo de uma alternativa em

competição com outro, nem comunismo como imediatismo.

(Título original: ―Communization in the Present Tense‖

6 Gustav Noske e Phillipp Scheidemann, membros da ala moderada do partido social-democrata alemão.

Apoiaram a entrada na Primeira Guerra Mundial como ―medida defensiva‖ [N. do T.]

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Disponível em: https://libcom.org/library/communization-present-tense

Traduzido para o inglês por Endnotes;

Traduzido para o português por Daniel Cunha).