Também Aqui Moram os Deuses

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TAMBÉM AQUI MORAM OS DEUSES Filosofemas sobre a natureza das coisas do ponto de vista da eternidade João Carlos Silva 1

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TAMBÉM AQUI MORAM OS DEUSES

Filosofemas sobre a natureza das coisasdo ponto de vista da eternidade

João Carlos Silva

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Dedicado aos meus pais,por tudo o que me deram- a vida, o amor, os livros e o resto.

À minha mãe,por tudo o que continua a dar-me.

À minha namorada,porque sem o seu exemplo inspiradortalvez este livro repousasse para sempreno limbo que há muito habitava.

Aos meus dois antigos Mestres,C.S. e Z.G.,em sinal de gratidão, reconhecimentoe dívida intelectual e humana.

À Chiado Editora,por ter decidido apostar no livro,arriscando a sua publicação.

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E a todos os meus irmãos em espírito – eles sabem quem são -, porque a irmandade do sangue pode ser menos importante que a irmandade do espírito.

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Que não entre aqui quem não for filósofo, isto é, verdadeiramente um Amante da Sabedoria.

Uma prescrição prévia: o sentido, valor e verdade de tudo oque aqui está escrito devem ser considerados e entendidos no próprio plano absoluto em que foram colocados, isto é, de forma completamente independente de qualquer referência histórico-cultural ou de qualquer sanção legitimadora que os condicione e relativize, assim como inteiramentedesprovidos de qualquer pretensão de inovação ou originalidade.

1 - A boca expele o que a alma repele.

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2 - O espírito é o espelho do mundo - e vice-versa.

3 - Aprender a viver é aprender a morrer.

4 - Isto é tão absurdo e arbitrário como qualquer outra coisa.

5 - Ninguém sabe o suficiente para afirmar ou negar seja o que for - nem mesmo isto.

6 - O sonho cria-se a si próprio.

7 - A carne morre, a alma passa, o espírito fica.

8 - A vida do Homem é o resultado da luta de três princípios, a saber: O Destino, o Acaso e a Necessidade. Tudo o resto é ilusão, ou erro, ou pura maldade.

9 - Aquele que sobe não é o mesmo que desce - ainda que o caminho seja um e o mesmo.

10 - Os fragmentos juntam-se e formam… - o quê?

11 - O conhecimento nasce da dor - e vice-versa. O mesmo se aplica à magia e a tudo o resto.

12 - Um fantasma é um homem descarnado - e vice-versa.

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13 - A mulher ama, o homem depende.

14 - O impossível é o que acontece.

15 - A memória e a consciência são fenómenos contranatura, quer dizer, desdobram-na num plano superior.

16 - Por vezes o fogo purifica mais que a água. Outras vezes não.

17 - A realidade e a imaginação irmanam-se numa coisa: são ambas filhas de algo muito mais profundo e misterioso.

18 - O jogo não carece de jogadores.

19 - O engenho e o talento nem sempre são imediatamente transparentes.

20 - O Universo é suficientemente inteligente para se bastar a si próprio.

21 - Nada do que sucede deixa de ter consequências, as quais, no infinito, são infinitas.

22 - Tudo está necessariamente em toda a parte, ou seja, arbitrariamente.

23 - A realidade de uns é o pesadelo de outros,

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quer dizer, a impotência dos mesmos.

24 - O circo é um modelo epistemológico do mundo.

25 - É evidente que isto não é evidente - ou será?

26 - O uno é também múltiplo - e vice-versa.27 – Só existe linguagem, e ela esconde aquilo mesmo que mostra - e enquanto mostra.

28 – O riso também pode ser uma forma do chorar, mesmo o mais sincero - e vice-versa.

29 – Um Eu dividido é um Eu sem abrigo.

30 – O Amor e o Ódio anulam-se - quando se (des-) encontram.

31 – A Arte recolhe o que a não-arte escolhe.

32 – Mergulhando no mar, o Homem mergulha em si próprio, ou seja, na maternidade universal.

33 – E se o mundo – connosco incluídos – mais não fosse queum outro mundo às avessas? E este, por sua vez, … e assim sucessivamente?

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34 – Esta proposição é tão falsa e/ou tão verdadeira como todas as outras.

35 – O semelhante trai o semelhante - ou repele-o.

36 – Os sentidos ampliam a percepção do espírito, são a ponte entre o visível e o invisível.

37 – A essência de um ser é aquilo que ele é em si mesmo, quer dizer, o que todos os outros não são.

38 – Há quem esconda (tão) bem o seu jogo (1)- até de si próprio. (2)- que já não sabe onde o deixou. (3)- que se esquece até que se trata de um jogo.

39 – Os olhos vêm o que a alma ignora. Por sua vez, a alma recorda o que os olhos nunca viram.

40 – Ocorre perguntar porque é que, no fundo, se fazem perguntas - ou qualquer outra coisa.

41 – Um fim é um meio para um princípio.

42 – Só os seres totais são amáveis, todos os outros são puro lixo estatístico da natureza.

43 – A vida não é um fenómeno local.

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44 – Os números, as letras, os sons, as cores, as formas, combinam-se e correspondem- se até ao infinito, revelando por isso um só número, uma só letra, um só som, uma só cor, uma só forma.

45 – É no Homem que o Universo morde a cauda.

46 – O Homem contém tudo o que o contém.

47 – É o futuro que explica o passado e não o contrário.

48 – É nas montanhas que o Céu e a Terra se tocam.

49 – Ser e não ser, eis a questão.

50 – O esquecimento é, a um tempo, a condição e o limite doprogresso.

51 – Todo o abismo é o extremo de um cume. Todo o cume é o extremo de um abismo. O saber isto e dizê-lo fica a meio caminho entre ambos.

52 – O fundamental não se comunica - comunga-se.

53 – Na realidade, como no sonho, o acordar e o dormir estão (por vezes?) invertidos.

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54 – O Sublime é uma conquista do Espírito ou um dom do mesmo? Ambos.

55 – Um indivíduo ignóbil é um ser que não conhece o seu lugar na hierarquia dos planos de existência.

56 – A Música está para a Poesia como a Matemática para a Natureza: correspondem-se em Harmonia, Ritmo e Melodia.

57 – A Intuição começa onde acaba a Razão, isto é, num nível superior de consciência.

58 – Há coisas que não se explicam, implicam-se.

59 – Definam-se as coisas pelos seus contrários e ter-se-á a justa medida de tudo.

60 – A diferença é o que torna as coisas semelhantes.

61 – A arte de ser memorável é igual à arte da sedução.

62 – Só o Tempo é eterno.

63 – O Homem é o actor e o espectador de um drama universal ou de uma tragicomédia ridícula?

64 – Não há coisas, tudo são relações.

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65 – As perguntas respondem-se a si mesmas. O mesmo não acontece com as respostas.

66 – Um todo é sempre a parte de outro todo maior ainda.

67 – O Infinito é uma ficção do espírito - tal como o finito.

68 – Da Matéria nasceu a Vida e da Vida o Espírito. Mas talvez o recíproco também seja verdadeiro.

69 – O que aqui se diz é prova bastante de si mesmo.

70 – Se tudo é sonho e ilusão, o que veríamos se despertássemos?!

71 – O Real é totalmente irrelevante. O que é importante é a escolha de um ponto de vista.

72 – Não existem leis naturais. Todas as leis são regras deum jogo, e, como tal, substituíveis. Mesmo as leis da Natureza.

73 – Criador é alguém que realiza o que noutros é pura (im-)possibilidade.

74 – O Universo é uma caixinha chinesa de limites duvidosos.

75 – Um contorno é uma separação entre um dentro e um fora. A Vida não tem contornos, tal como o Pensamento.

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76 – Os sonhos são fábricas de desejos.

77 – A matéria dos sonhos são outros sonhos.

78 – A ideia de um deus omnipotente é tão absurda como qualquer outra.

79 – É óbvio que, do nada, nada se retira. Mas, na realidade, é o contrário que sucede.

80 – A contradição, a aporia e o paradoxo são algo mais quemeras dificuldades do espírito.

81 – Na verdade só a experiência conta.

82 – O fácil é o difícil facilitado.

83 – Tudo se passa a N dimensões.

84 – Para que uma coisa aconteça ou um fenómeno se produza,é necessário o concurso de infinitas circunstâncias. Por isso o milagre é regra geral.

85 – Os homens estão para a Verdade como os espermatozóidespara o óvulo: dos muitos que a pretendem, só uns poucos a alcançam, e destes só um lá entra. E isto não é uma metáfora!

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86 – Um imbecil é um indivíduo com absoluta falta de gosto.

87 – Há ratos que parem montanhas.

88 – As aparências também revelam - e muitas vezes desiludem.

89 – Só quem se ilude se desilude.

90 – A loucura nem sempre é o que parece. Por vezes é mesmo o que não parece.

91 – Ferem-nos com as piores verdades.

92 – Não somos nós que temos desejos, mas o contrário.

93 – Se acredito em Deus? Sim e não, mas esse ponto não é importante.

94 – Tudo é relativo, até a relatividade.

95 – A vida do teatro só difere do teatro da vida num ponto: é que ali há os actores e os espectadores, enquantoaqui todos somos actores e espectadores de tudo e de todos, inclusive, e principalmente, de nós próprios. - princípio da simultaneidade.

96 – O Cosmos é uma imagem subtil de outra coisa - um pensamento?

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97 – O Diabo pode ser um bom companheiro. Ou não.

98 – Há mais coisas na minha filosofia do que em todo o Céue toda a Terra.

99 – A sombra de um mundo é a luz de outro.

100 – Só há um desejo fútil: a felicidade. Mas é o único que temos.

101 – Cada coisa é, especificamente, ela própria e todas asoutras.

102 – Um palhaço é um indivíduo que só se ri dos outros.

103 – Deus dá poses a quem não tem dentes - ou a quem os tem rentes (e não me refiro aos dentes)!

104 – Convém saber que o saber não é uma virtude mas uma força!

105 – Só o génio é excessivo.

106 – Um nó não se ata, desata-se.

107 – Não há acções sem paixões.

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108 – Um santo é um sábio e um sábio é um herói.

109 – Há loucuras interessantes, mas nem todas o são.

110 – Nem tudo o que aqui está escrito é mero artifício ou simples exercício de estilo.

111 – Sábio não é aquele que julga saber o que, afinal, nãosabe, nem tampouco o que sabe nada saber, outrossim aquele que sabe que sósabendo já poderá vir a saber alguma vez.

112 – Só há um ser que está todo em cada uma das suas partes, e esse não tem partes nem tampouco é um ser.

113 – O Real é um ideal imperfeito - um anjo caído.

114 – A solidariedade pode ser uma farsa da solidão - e vice-versa.

115 – Não há diferença entre a consciência de um homem e o sono de um deus.

116 – Nem sempre a beleza é um efeito de superfície.

117 – Os extremos tocam-se - nos extremos.

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118 – É aqui que o Universo maximamente se contempla.

119 – É possível que tudo seja possível - até mesmo isto.

120 – A acção é uma forma de não agir.

121 – Há os que vivem e os que sobrevivem.

122 – É justo reconhecer que há valores a recuperar - a Honra, por exemplo.

123 – Para cada problema mil soluções. Para cada solução mil problemas.

124 – Como e porquê os opostos coincidem?

125 – Estar aberto a algo implica ou não estar fechado a tudo o resto?

126 – Existem temas e variações - de temas.

127 – Nem sempre parar é morrer.

128 – Por vezes as coisas simplesmente acontecem - mas não é o que acontece sempre?

129 – Um símbolo é o que separa e une - dois símbolos.

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130 – O Infinito é uma metáfora limitada do que não pode ser pensado, quer dizer, limitado.

131 – Sentir que toda a busca é, ao mesmo tempo, plena e vãem si mesma, eis o segredo da (in-)felicidade - uma (dis-)posição do espírito.

132 – O Homem é o único ser perdido num labirinto de espelhos.

133 – Cada coisa é simultaneamente um ponto de vista e um ponto de fuga sobre todas as outras.

134 – Não é inocente o facto de dizer isto.

135 – Um génio incompreendido é um génio reconhecido.

136 – A modéstia é para os modestos.

137 – Escrever é um acto de Amor e de Guerra.

138 – Há os que sabem isto e os que não sabem.

139 – Em seu nome foi dito: também aqui (e agora) moram os deuses.

140 – De tudo o que atrás foi dito, o inverso é também verdadeiro,

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inclusive o reverso disto. O mesmo para o que se segue.

141 – Cumpre distinguir os riscos úteis dos inúteis - e isto é um risco, mas qual? Talvez um risco necessário.

142 – Há apostas sensatas; outras há que nem tanto - a vida é uma delas.

143 – A mística não é uma saída, é uma entrada.

144 – Nem sempre a esperança é a última a morrer. Frequentemente é mesmo a primeira, e isto quando chega a nascer.

145 – Cada ser, cada ideia, cada sentimento, cada palavra, valem por si. E não só.

146 – Não há carrascos sem vítimas. Não há vítimas sem carrascos. Não há carrascos, só vítimas. Não há vítimas, só carrascos. Não há vítimas nem carrascos, todos o somos por igual, de uma forma ou doutra.

147 – Que ainda possa haver espanto, eis o mais espantoso de tudo.

148 – Devemos exigir de nós próprios total dedicação a uma causa - qualquer que ela seja.

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149 – É porque nos amamos tanto que nos deixamos (que nos odiamos, que nos tememos, que nos desprezamos), não é verdade, caras senhoras?! - para as mulheres.

150 – Há sempre portas. Mas quem sabe o que por detrás delas se esconde?

151 – O absurdo não tem nome.

152 – Há pensamentos ridículos e outros que o não são - e este, como será?

153 – O mesmo é dizer que tudo tem sentido ou que nada o tem. No fundo tudo se reduz a uma só coisa, que não é uma coisa e que não tem nada a ver com o que dela dissermos.

154 – Há homens cuja missão – ou vocação – é terem-nas todas e nenhuma simultaneamente. Por isso eles são os que, de um modo distinto da maioria, conhecem o significado da palavra sofrimento - caso dos filósofos e dos poetas.

155 – A carne é fraca, mas o espírito abusa.

156 – Viver é poder, poder é querer. O resto é convosco.

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157 – A Morte não é uma banalidade, é uma necessidade.

158 – Há máximas verdadeiras, mas banais. Há máximas falsas, mas interessantes. Há ainda outras tão verdadeiramente interessantes quanto falsamente banais. Será este o caso?

159 – São muitos os mistérios, os enigmas e os segredos, bem como os que pretendem tê-los decifrado e desvendado. Mas nem uns nem outros tocam ou tocaram o essencial.

160 – Há instantes em que a eternidade acontece realmente.

161 – O conhecimento é (o resultado de) um processo alquímico, onde participam (ou devem participar), na dose certa, o Amor, o Ódio e o Medo. Caso contrário, a mistura não produz a o efeito desejável.

162 – O ser é um composto instável.

163 – O Medo é o pior inimigo do conhecimento. Mas também pode ser o melhor amigo.

164 – Podem haver caminhos que levem a parte alguma. Ou talvez não.

165 – É possível, e até provável, que eu não seja eu, mas um outro. Mas essa é uma hipótese inútil e desnecessária.

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166 – Existe uma estrutura que inclui todas as outras - e a si própria.

167 – O que passa também fica, o que fica também morre - e vice-versa.

168 – Do Caos nasce a Ordem? Não será antes o contrário?

169 – A Liberdade não existe. Porém, só ela existe. Paradoxo?

170 – A inteligência é uma espada de dois gumes, e bem afiados! Cuidado!

171 – O cruzamento de dois números é ainda um número. Nem sempre acontece o mesmo entre os seres.

172 – Todo o ser é chamado a cumprir a sua função na ordem universal das coisas. Mas nem todos o fazem.

173 – Em certo sentido, a Ciência é um caminho para a Inconsciência, isto é, para a Religião.

174 – Todo o homem que se preze como tal, aspira à divindade. Ainda há homens assim.

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175 – Uma catástrofe é a resolução de um conflito, quer dizer, a passagem a um estado de equilíbrio superior.

176 – A cumplicidade do prazer e da dor não é para desprezar.

177 – Só um deus se pode criar a si próprio.

178 – A Criação foi provavelmente o fenómeno mais improvável da Criação.

179 – O Sofrimento é O Pecado Capital, ou seja, o facto humano (demasiado humano) por excelência.

180 – O único pecado é haver pecado - e para esse não há perdão.

181 – Há histórias que se contam por si - e a si - próprias. Será assim a História?

182 – Tal como o oráculo, trata-se apenas de indicar e sugerir.

183 – À pergunta “qual é o sentido da existência?” responda-se “qual é o sentido dessa pergunta?”, mas não se pense ter avançado muito por isso.

184 – O Tempo, tal como o Espaço, é uma boneca russa.

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185 – A Ciência, a Filosofia, a Religião e a Arte visam um só fim, buscam um só alvo. Só diferem nos respectivos métodos.

186 – O Passado, o Presente e o Futuro autocontêm-se.

187 – Como outrora a Ciência e a Filosofia, a Música e a Poesia revelam-se hoje mulheres ciumentas e possessivas.

188 – Quando nasce o Amor, tudo o resto é esquecido - a menos que haja outro amor.

189 – Há pessoas que não merecem ser aquilo que são. Há outras que o merecem exactamente. - Para ler nos dois sentidos.

190 – O Desespero, o Tédio e o Horror implicam-se mutuamente.

191 – A Angústia não é apenas uma máscara.

192 – O Máximo e o Mínimo precedem-se.

193 – A Lei do Cosmos é a Metamorfose. E qual é a Lei da Metamorfose?

194 – Tudo pode acontecer a qualquer momento.

195 – O Tempo e, consequentemente, a mortalidade, constituem a melhor bênção

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e a pior maldição dirigida ao Homem.

196 – Para que a morte ocorra, uma condição é suficiente: nascer.

197 – Pior do que uma decisão é uma indecisão. Em qualquer dos casos, o que custa é o que fica para além do de…

198 – O sensível é apenas um portal para o Inteligível, assim como o mutável é uma das faces do Imutável.

199 – Existem homens cujo destino consiste em superarem-se infinitamente a si próprios.

200 – Se Deus fosse tão bom como dizem, então certamente existiria. Mas, se existisse, seria por certo um terrível companheiro.

201 – Todas as coisas são símbolos - de todas as coisas.

202 – Os homens são como os astros. Também entre eles existem estrelas, planetas e uma multidão de corpos menores que vivem da luzdos primeiros e à sombra dos segundos.

203 – A Eternidade também passa.

204 – A Verdade é e não é a Totalidade.

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205 – Existe um Vórtice que é Suprema Delícia e Eterno Horror.

206 – A Essência é Energia.

207 – A Liberdade é uma necessidade primária comparável à fome e à sede, embora a realidade demonstre que não o é para todos nem da mesma maneira.

208 – Se os olhos são o espelho da Alma, do que será esta, por sua vez, espelho? De si própria? Do Mundo? De outra Alma? Ou de outros olhos?

209 – A Liberdade é a Divindade.

210 – Cada coisa tem um nome que esconde outra coisa que o não tem. Essa coisa é, por seu turno, talvez o nome de outra, quiçá da primeira.

211 – A imaginação é um fraco substituto da acção, mas, ainda assim, é o principal.

212 – Um mutante é um ser humano transformado, e, eventualmente, superado.

213 – Os homens podem um dia tornar-se deuses, mas para isso é preciso que primeiro se tornem Homens.

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214 – O interior do mundo é o rosto de Deus, a Natureza o seu espelho, e o Homem o rosto e o espelho de ambos e (de) aquilo que os une.

215 – Para se ser quem se é, é necessário saber-se quem se é, e isso muito poucos o sabem, logo…

216 – Os homens não fizeram mais que transformar o mundo. Oque é preciso, porém, é superá-lo, isto é, elevá-lo á infinita potência de si mesmo, divinizá-lo.

217 – Fazer da escrita o motivo da vida? Não! Fazer da vida o motivo da escrita, a sua glória, o seu eterno hino, o seu Alpha e Ómega, a sua divina epifania.

218 – Caminhos impossíveis são os que não têm fim ou princípio. Mas, na verdade, só esses importam percorrer.

219 – Ser, pura e simplesmente, eis o mais difícil de tudo.

220 – Ser consciente de si significa ser a consciência de tudo.

221 – A Libertação não é mais que a tomada de consciência absoluta da ilusão relativa, o despertar radical e luminoso de um sono-sonho de pseudo-segurança primária e temerosa.

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222 – “A Verdade derrete-se como neve nas mãos daquele cujaAlma não se derrete como a neve nas mãos da Verdade”, assim como a Alma se derrete como a neve nas mãos daquele cuja Verdade não se derrete comoa neve nas mãos da Alma, e assim como…

223 – Tudo é insignificante. Nada é insignificante.

224 – Cada indivíduo é livre de escolher o seu próprio caminho. Porém, é sábio que o faça em correspondência à sua vocação íntima - ainda que esta não exista e tenha de ser inventada.

225 – Para uma mente omnisciente nada seria como parece - tudo seria como aparece.

226 – Há amadores de aprendiz, aprendizes de amador, amadores aprendizes e aprendizes amadores, mas nenhum deles é profissional de coisa alguma. Todos os outros o são.

227 – No Homem é tão próprio o falar como o calar. Toda a arte está aí, e aqui e agora - no ponto de tangencia entre ambos.

228 – Tudo o que aqui está escrito é falso - isto incluído. Só isto é verdadeiro.

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229 – Que fazer agora - depois disto?

230 – Há algo em todo o Universo ainda mais próximo de Deusque o silêncio. Todos os criadores o sabem.

231 – Todo o limite deve ser reconhecido, e, como tal, transcendido.

232 – Nem todos os homens desejam naturalmente saber, logo nem todos os homens são filósofos.

233 – Toda a inconsciência é inconsciência de alguma coisa.

234 – A Sabedoria nasce da aliança entre uma vasta experiência e uma funda inteligência, mas só se realiza no puro acto de ser em consciência.

235 – Um dia o Homem começará a compreender que todas as viagens que realiza no espaço e no tempo são, no fundo, viagens em tornode si próprio.

236 – É aquilo que nos faz ser que permanece oculto.

237 – Todos os seres ditos inanimados são apenas manifestações locais e temporárias Da Vida Eterna e Universal.

238 – Tudo no Homem ganha sentido

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- o que não significa que o Homem seja o sentido de tudo.

239 – Que haja uma só verdade, eis a pior das mentiras.

240 – A Natureza envolve o Espírito que envolve a Natureza.

241 – A Virtude está no meio, quer dizer, onde os extremos se tocam e coincidem.

242 – Há coisas que não mudam, mudam-se (ou mudam-nos).

243 – As águas passadas também movem moinhos - por vezes só elas os movem.

244 – É preciso levar à letra a expressão “há homens fora de série” - (mas só) quando for caso disso.

245 – Todas as soluções provisórias e parciais são insatisfatórias. Só uma solução total e definitiva pode realizar oser.

246 – Cumpre saber que o sentido literal é – quase sempre –o mais verdadeiro.

247 – A prudência e a sensatez são as virtudes dos fracos edos tolos.

248 – É entre os deuses que me sinto um homem, pois entre os homens…

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249 – O caminho do conhecimento é um caminho para o abismo, mas é do abismo e da experiência do abismo quenascem as mais altas realizações e os valores mais poderosos.

250 – O modo pelo qual a Vida se projecta e se realiza a simesma, em si mesma e para si mesma, é a errância. - o mesmo para o Espírito.

251 – Eu Sou Aquele que É.

252 – A Perfeição é possível - seja ela qual for.

253 – A Beleza, A Verdade, A Justiça e O Bem são uma e a mesma coisa. O pior é realizar isso.

254 – Se, em verdade, Tudo é Um, Tudo devém e Tudo está em Tudo, então que se faça silêncio, pois nada mais há a dizer e resta apenas a solitária demanda do divino…

255 – Que tudo tenha uma causa, não implica que haja uma sócausa para (o) tudo - mas também não implica o contrário disso.

256 – A evolução é o movimento graduado e/ou abrupto do Espírito em direcção a si

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próprio, da sua periferia exterior ao seu centro interior, do seu nível inferior ao plano superior de si mesmo.

257 – É possível que não existam efeitos sem causas, mas hácausas que, seguramente, não têm efeitos.

258 – É possível extrair conclusões absurdas de premissas razoáveis, bem como derivar resultados consistentes de premissas absurdas.

259 – Nem tudo vale a pena, mesmo - ou sobretudo - quando aalma não é pequena.

260 – O Génio não é somente um entusiasmo, mas um (O) Entusiasmo Genial.

261 – Por vezes há tristezas que pagam dívidas.

262 – O Inconsciente tem razões que a Razão desconhece.

263 – Há poços sem fundo.

264 – Homens de todos os tempos e lugares, uni-vos!

265 – O Homem não é a medida de todas as coisas - a não ser para si mesmo.

266 – O derradeiro combate é o combate contra si mesmo.

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267 – Um outro sentido do Sagrado, uma nova religiosidade: a auto-afirmação e auto-realização da Vida e do Espírito Universais na vida e espírito dos indivíduos singulares.

268 – É o Real que deve conformar-se ao Ideal e não o contrário.

269 – A Plenitude é o Fim.

270 – O Ideal deve ser a projecção da pureza da Vontade em direcção ao mais elevado e profundo de si mesma.

271 – A Via Plena é aquela em que a Interioridade e a Exterioridade se encontram e se fundem, transcendendo em absoluto os limites da sua oposição relativa.

272 – Ter a certeza forte que a Vida é ela própria o projecto e o destino a realizar, eis o segredo por excelência.

273 – A natureza do Poder é essencialmente mágica, isto é, exerce-se por meio de uma acção à distância simultaneamente directa e eficaz.

274 – Os ideais têm de possuir a força necessária e suficiente para elevar os homens acima de si mesmos, para os libertar de si mesmos. Nisso, e só nisso, reside o seu valor.

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275 – As ilusões também curam.

276 – A Vontade é a Força.

277 – O cinismo e o cepticismo podem e devem ser superados por aquela força vital que conduz ao verdadeiro conhecimento e se realiza na lucidez, na serenidade e na elevação do Espírito, enfim purificado e fortalecido na sua afirmação.

278 – É sobre a Morte e as suas máscaras que a Vida deve triunfar.

279 – A Nobreza só pode ser alcançada à custa do sacrifíciode tudo o que é baixo e vil no Homem.

280 – Entre o desespero niilista, a pseudo-segurança cobarde e defensiva e a esperança ilusória e ingénua, existe aquela esperança desesperada e esclarecida que se alimenta da própria fonte da Vida e nela faz residir o seu fim - a Vida como Vontade de Poder…Ser!

281 – Só o Êxtase pode ultrapassar o Desprezo.

282 – Um dia o Homem viajará no Cosmos como o sangue circula no organismo: levando vida e consciência (a Vida e a Consciência, a Vida Consciente) a toda a parte, mediante a criação de uma rede nervosa universal potenciadora

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da experiência auto-consciente e auto-reflexiva também propriamente Universal.

283 – A Elevação, o Aprofundamento, a Expansão, o Desenvolvimento e a Intensificação, são um só e mesmo movimento da Vida (e) do Espírito.

284 – O Espírito da Vida e a Vida do Espírito são uma e a mesma coisa.

285 – O Espírito em tensão cria-se (pare-se) a si mesmo e ao seu futuro. Disso vive a única esperança possível.

286 – A Depressão deve capitular face à Exaltação, assim como a Contenção deve dar lugar à Exuberância - um exorcismo vital da Vontade.

287 – Ao Homem exige-se mais que a simples conservação do seu ser. Cumpre-lhe até aniquilá-lo, se esse for o caminhopara um plano mais elevado.

288 – A finalidade última do conhecimento é a extinção do ser enquanto tal, isto é, a sua transposição em ser-para-nós, em ser-para-si (consciência) - fazer coincidir os limites do Pensamento e do Mundo, do Conhecimento e do Universo.

289 – O grande prodígio é a Inspiração,

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a força da Vida no puro acto da sua afirmação expressiva.

290 – O Indizível não deve ser dito, mas sim revelado – ou realizado.

291 – O Espírito é essencialmente um fenómeno sobrenatural, mas é também a mais alta expressão da Natureza.

292 – A contracção da Alma e o recolhimento do Espírito geram a tensão necessária ao movimento contrário e complementar.

293 – A experiência da graça mística, a descoberta científica revolucionária, a reflexão filosófica fundamental e a criação artística inspirada, partilham um fundo horizonte comum, bebem todas da mesma fonte d’origem.

294 – Nem o progresso científico-tecnológico nem o desenvolvimento económico, o bem-estar social ou a sofisticação cultural podem iludir a decadência, alienação e enfraquecimento do ser-do-homem. Só a transfiguração espiritual redentora pode salvar o Homem.

295 – O Homem do Futuro sobrevirá apesar de… - como tudo o que é decisivo.

296 – Nem sempre a quantidade gera a qualidade. Por vezes, só por casualidade matemática isso acontece.

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297 – A união do Conhecimento, da Vida e do Amor, eis a Aventura Suprema.

298 – O Inacessível é o que deve ser alcançado.

299 – A Omnisciência e Omnipotência de Deus são quase sempre o reflexo directo ou invertido da inconsciência e impotência dos homens.

300 – A Luz não é um fenómeno meramente físico.

301 – A derradeira revolução não é social ou política, mas espiritual.

302 – Há um instinto ainda mais baixo que o instinto de sobrevivência: é o instinto de subserviência.

303 – Quem sai aos seus não regenera.

304 – A Humanidade plenamente realizada é a Divindade plenamente manifestada.

305 – É preciso morrer e renascer muitas vezes até se alcançar a Eternidade.

306 – Em cada coisa reside o segredo de todas as outras.

307 – O limite de uma coisa é o princípio de outra.

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308 – A virtude que dá resulta de um excesso de ser, e não,como geralmente se pensa (e realmente acontece), de uma privação ou distorção do ser.

309 – É altamente improvável que o Homem esteja, em termos de vida, consciência e inteligência, só no Cosmos. Matematicamente, issoseria quase equivalente a um milagre, dada a também quase(?) infinidade de possíveis. Mas, infelizmente, ainda não foi possível provar que a improbabilidade é uma impossibilidade, e que, portanto, não somos todos filhos desse “milagre”, e, logo, que a nossa solidão não é realmente cósmica.

310 – O Eterno Retorno do Mesmo não deve ocultar, a cada instante, a Eterna Diferença do Novo.

311 – Há um excesso de ser na criação que só pode ser resolvido com a criação de ainda mais ser – ou de um outro ser.

312 – O Génio é aquele que encerra em si o Sentido da Criação, e por isso ele é o Homem Trágico por excelência.

313 – A Genialidade não é uma casualidade, mas uma gratuitidade (necessidade) trágica.

314 – Há sérios motivos para suspeitar da existência de umaconspiração universal.

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Mais difícil é saber qual, como, porquê, para quêe por conta de quem, ela existe.

315 – Nem todas as verdades podem ou devem ser ditas. É necessário escolher quais devem sê-lo, em que condições e com que fins. Nisso reside o princípio da pertinência evolutiva.

316 – Toda a afirmação tem de ser negada, a fim de que possa surgir uma afirmação superior. Eis uma afirmação a negar, a fim de que…

317 – Paixões são acções ao contrário.

318 – O Desejo é divino em si mesmo.

319 – Toda a complexidade do Mundo cabe num só pensamento.

320 – A Doutrina da Polaridade Cíclica Universal é absolutamente exacta.

321 – Para cada dez mil inferiores, um superior. Não basta,mas é suficiente.

322 – O parto que a Alma faz do Espírito é muito mais difícil e doloroso que aquele que a mãe faz do filho.

323 – Dá que pensar a estranha afinidade reconhecivelmente existente entre as leis mais

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profundas do Espírito e as leis mais profundas daNatureza.

324 – O Mistério do Destino do Homem não deve ocultar o facto de ele não residir na Humanidade em si mesma, mas naquilo que ela anuncia e prepara.

325 – O Real deve ser transformado no Ideal, e este, por sua vez, realizado.

326 – Mudança não significa desenvolvimento; desenvolvimento não implica progresso.

327 – Só uma crença deve animar a esperança da Humanidade no seu futuro: a de que esse futuro resta a ser criado.

328 – Nem sempre nem todos os extremos se tocam. Por vezes distam mesmo infinitamente.

329 – A tendência para o mais alto, para o mais nobre, parao mais forte e sadio, pode residir num apelo ou impulso natural e/ou espiritual, ou até na relação de correspondência entre ambos, mas não é, infelizmente, inevitável.

330 – Não é numa experiência mental redutora, ilusória e limitada, mas numa experiência espiritual ampla e profunda que a Verdade autenticamente se revela.

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331 – A Angústia é a mãe de todas as coisas… humanas!

332 – Hoje já não bastam reformas parciais facilmente reversíveis. É necessário uma revolução global e definitiva.

333 – Tudo, ou quase tudo, o que o Homem faz e diz e pensa,visa reduzir a sua angústia fundamental.

334 – A Aflição e a Crise são mais que fenómenos temporários e cíclicos: são a própria natureza profunda do humano.

335 – Dois caminhos se opõem: um é dirigido para cima, paraa frente e para dentro; o outro orienta-se para baixo, para trás e para fora.

336 – Todo o equilíbrio carece de um compromisso e todo o compromisso se fundamenta numa concessão, numa cedência ou numa redução. Por isso, o que é verdadeiramente superior e livre rejeita todo o compromisso e vive do seu próprio desequilíbrio essencial.

337 – Tudo o que é belo, forte e sadio tende a aperfeiçoar-se. Tudo o que é baixo, fraco e doente tende a degradar-se.

338 - Quando a consciência se concentra, reconhece a ilusãoque a sustenta.

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339 – 1ª Premissa: Tudo está, de algum modo, directa e/ou indirectamente, ligado a tudo. 2ª Premissa: Existe uma equivalência física entrematéria, energia e informação. 1ª Dedução: Para conhecer o que quer que seja é necessário conhecer tudo o resto. 2ª Dedução: Um conhecimento absoluto do que quer que seja necessita de uma energia infinita. Conclusão trágica: O Conhecimento Absoluto é impossível sem a destruição do Universo no seu todo – estranha e inquietante aliança entre Conhecimento e Morte.

340 – O Poder que percorre o Universo, que faz luzir as estrelas, que gerou a Terra e que anima a Vida, é o mesmo que preside ao destino dos homens.

341 – Dois modos de conhecimento: 1) Extensivo, disperso, progressivo, relativo, racional. 2) Intensivo, integrativo, imediato, absoluto, intuitivo. O primeiro é, enquanto projecto, somente realizável no infinito – limite de im- -possibilidade. O segundo é – e realiza-se – no eterno aqui e agora.

342 – Sendo a divindade o ideal da humanidade, eis o que a move realmente: a satisfação das necessidades primárias, o prazernarcisista ou sexual e o desejo de anular isso tudo, ou seja, de morrer.

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343 – A Verdade e só a verdade, doa o que doer, doa a quem doer - máxima do filósofo.

344 – É a fragilidade humana que gera o desejo contrário - toda a arte, toda a ciência, toda a técnica, toda a religião e toda a filosofia nascem aí.

345 – Um Homem Superior não se contenta com verdades menores. Se necessário deve criar uma verdade à imagem e semelhança da sua grandeza.

346 – A correspondência estrutural e simbólica entre o Homem e o Universo é facilmente verificável.

347 – A unidade de todas as coisas é algo que não carece dedemonstração.

348 – O que é feito de luz não tem naturalmente receio das trevas.

349 – Só quem tem asas pode voar.

350 – Destruir uma mentira para a substituir por outra não é, obviamente, o melhor processo para chegar à Verdade.

351 – A Ousadia! Ah, essa virtude! Como é triste vê-la ser desperdiçada em empresas vãs.

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352 – As operações do Entendimento tendem a confundir-se com a Razão. Mas também a Razão deve ser transcendida para queuma verdade superior se revele.

353 – A História deveria ser simultaneamente vivida e interpretada como um processo de iniciação a algo de supra-histórico, mas que se realiza na História e através dela.

354 – Os limites da Consciência são os limites do Universo - e vice-versa.

355 – Os limites da linguagem não são os limites do Mundo - e vice-versa.

356 – O poder criador da Imaginação ultrapassa em muito o limite natural das coisas.

357 – A Natureza é em si mesma ubíqua, tal como o Espírito.

358 – A Solidão e o Silêncio são absolutamente essenciais àvida filosófica, mas não devem preenchê-la por completo, sob pena de a esgotarem.

359 – O Desespero e o Desprezo são os piores venenos para oEspírito. Paradoxalmente, são também o seu néctar, a fonte da sua eterna juventude.

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360 – A nudez perante si mesmo é uma coisa terrível, que requer muita coragem. Alguns conseguem-no, mas a que preço?!

361 – Um Espírito Livre é um autêntico náufrago, um Vagabundo dos Limbos, um Eterno Errante, um solitário que caminha para além de tudo e de todos, que desconhece donde vem, quem é e para onde vai,mas não desiste ainda assim da sua busca e continua incessantemente à procura. Não é por acaso que a espécie é pouco abundante e se encontra em vias de extinção.

362 – Só quem não teme não deve.

363 – Há homens cuja grandeza e valor podem ser igualados, mas não superados.

364 – Tomemos a Alma como uma espada: deve-se elevá-la ao rubro, para que se submeta à força da Vontade (o martelo) e depois trabalhá-la lentamente, mas com firmeza e engenho (inteligência, astúcia), não cedendo às exigências próprias do material, a fim de o moldar de acordocom a perfeição que idealmente se representa. O processo só deve cessar quando aforma e a consistência (a imaginação) forem as requeridas à sua função específica.

365 – O Criador, o Livre-Espírito é, por natureza, um luciferino.

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O Orgulho (a Soberba) e a inveja da Divindade sãoa sua perdição e a sua expiação, mas também a força da sua inspiração livre e criadora.

366 – Censuramos o Infinito por fora e por dentro.

367 – É fraqueza humana que impede o Homem de deixar de ser– humano.

368 – O Profetismo deve desempenhar um papel fundamental nanova educação: a educação para o futuro.

369 – O ideal do sage é dos que mais convém ao modo própriode ser do Homem.

370 – É possível extrair de toda a cultura contemporânea, de toda a Arte, de toda a Ciência, Filosofia, Tecnologia, Moral ou Religião, alguma lição para o futuro que positivamente o informe? Algum novo, forte e profundo princípio de esplendor que ilumine o devir dos homens? Algum conjunto de valores que os desperte, os liberte e torne mais nobres???

371 – Zombies, sonâmbulos, oportunistas, exploradores, hipócritas, imbecis, falsos, mentirosos, fúteis, amorfos, medíocres, neuróticos, escravos, impotentes, arrogantes, ignorantes, corruptos, cínicos, perversos, fracos, cegos, invejosos, estúpidos, vaidosos: eis a “gloriosa humanidade” do presente! Que tempos estes!

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372 – A História Universal da Infâmia tem na época presenteo seu momento de glória.

373 – Pós-modernismo, neobarroquismo e todos os pós, neos eismos, continuam, embora com novas faces, a iludir e encobrir o velho, gasto e profundo vazio dos tempos presentes. O desespero niilista não encontrou ainda saída à sua altura.

374 – A Sabedoria do futuro talvez se encontre no passado mais longínquo, ou, melhor ainda, na que percorre, una e eterna, todos os tempos e lugares.

375 – A idade da inocência e da ingenuidade passou há muito. Hoje a culpa é generalizada e a responsabilidade partilhada por todos sem excepção.

376 – A actualmente desejada aliança do Homem com a Natureza substitui a antiga aliança do Homem com Deus, que por sua vez substituiu a primordial e originária Unidade Deus-Homem-Natureza – reunir o que foi separado, o eterno complexo, o Édipo antropológico.

377 – As relações entre o Homem, Deus e a Natureza, devem ser compreendidas como o era – e é – a natureza divina pelos teólogos: oMistério da Unitrindade.

378 – Para quando a anunciada nova raça de Homens Superiores? Para quando a raça

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dos Homens Livres, Criadores e Senhores do seu destino? Para quando o dia em que a Força se aliará à Serenidade e a Lucidez à Nobreza de espírito, a fim de constituir A Grande Virtude dos tempos vindouros?Quanto tempo é ainda preciso esperar sem desesperar, sem descrer? É tempo! É tempo!

379 – Que se diga também que os homens podem continuar sendo sempre crianças e recusar-se a crescer no seu ser, na sua consciência e no seu valor; que podem sempre recusar-se a enfrentar a vida hostil, negando-a, invertendo-a, subvertendo-a e transformando-a à imagem e semelhança dos seus desejos, medos, fantasias, ideais, esperanças e valores; eque isso até se pode chamar educação para a idealidade, educação para a irrealidade ou educação para a humanidade, mas nunca de Educação para a Realidade.

380 – A Liberdade é simplesmente a mais alta expressão do Princípio Essencial que criou, anima, governa, orienta e finaliza a totalidade do Universo.

381 – O Inconsciente não é apenas individual, social, histórico-cultural ou Antropológico, mas também, e fundamentalmente, Cósmico e Ontológico.

382 – Em qualquer dos casos, a servidão e a escravatura sãohoje a Lei e a Regra.

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383 – A Força sem a Sabedoria é cega, a Sabedoria sem a Força é impotente.

384 – A Vida pode - e deve - ser vivida e compreendida comoum enigmático e labiríntico percurso em direcção ao Mistério Supremo.

385 – A sublimação espiritual, seja ela artística, intelectual, ética ou religiosa, quando levada às suas últimas consequências, ao seu limite próprio e natural adentro da humana finitude, constitui a forma do Homem se elevar ao sublime estado de Perfeição e Liberdade absolutas.

386 – A Vida é um círculo mágico dividido em quatro secçõessimultaneamente complementares, concorrentes, antagónicas e incertas: a primeira é trágica, a segunda cómica, a terceira é dramática e a quarta uma farsa. O movimento gerado pela tensão conflitual que entre elas se instala provoca uma sensação de vertigem que pode ser fatal.

387 – A Experiência Radical - uma intuição fulgurante do Universo: o Milagre de Ser, Saber e Criar, apesar de tudo, com tudo e para além de tudo - a Vacuidade, a Liberdade, a Divindade.

388 – A erotização da violência e a diabólica aliança do primitivismo bárbaro à sofisticação tecnológica são, sem dúvida, sinais inequívocos do fim de uma época: a presente.

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389 – A interpelação que o Homem faz ao Universo é a mesma que o Universo faz ao Homem: Quem sou? Donde venho? Para onde vou? Ondeestou? O que faço aqui?

390 – A íntima correlação existente entre a estrutura profunda do psiquismo humano e a Ordem Cósmica, bem como a convergência assinalável entre o fundo comum às tradições sapienciais de todos os tempos e lugares e as teorias e hipóteses mais ousadas da Ciência actual, são fenómenos que denotam algo mais que uma coincidência casual. Pelo contrário, são indubitavelmente reveladores de uma coincidência extremamente significativa que se impõe quase imediatamente a uma consciência iluminada ou a qualquer espírito desperto capaz de reflectir algo mais que a sua própria ipseidade em imagem distorcida.

391 – O Lugar do Homem no Cosmos é, ao mesmo tempo, infinitamente insignificante e ridículo e absolutamente significante e essencial.

392 – A experiência autoconsciente e autoreflexiva que o Ser-Universo opera e realiza no Homem e através dele dá-nos a verdadeira dimensão da sua grandeza e/ou nulidade.

393 – O impulso para corresponder ao apelo fundamental que eleva a um nível superior

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de ser, de consciência e de valor, não é comum a todos os homens: uns não escutam o apelo, outros não sentem o impulso, e ainda existem aqueles que, embora escutando e sentindo, os não seguem e os ignoram por fraqueza ou debilidade vital e espiritual – caso dos “cegos”,“surdos”, “coxos” e de toda a panóplia de deficientes e aleijados (os verdadeiros, os da alma) que infestam e pululam por esse mundo.

394 – A perversa aliança e cumplicidade do prazer e do interesse: essa terrível peste que torna os homens vital e espiritualmente doentes e incapazes.

395 – O Homem é o único ser conhecido que participa conscientemente do Jogo Divino.

396 – Há seres para quem o suicídio deveria constituir, nãouma opção, mas uma obsessão e um dever – o Imperativo Categórico da mediocridade (da maldade, da estupidez e da ignorância crónicas).

397 – O Orgulho e o Preconceito constituem, respectivamente, o narcótico e a ciência dos medíocres.

398 – A ordem é tão necessária à Vida e ao Espírito como a desordem.

399 – Desenganemo-nos! Tanto o optimismo como o pessimismo,o dogmatismo ou o

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cepticismo, o romantismo, o niilismo ou qualquer outro ismo, não passam de disposições humanas, demasiado humanas, que em nada afectam a realidade do Ser. A natureza das coisas é-lhes completamente indiferente.

400 – Ah, a Coerência – do tempo, da vida, das paixões, dospensamentos e das acções -, esse magnífico delírio lógico-moral.

401 – A primeira e última tentação é a existência totalmente liberta de quaisquer condicionamentos.

402 – É impossível que Deus não exista, porque se não existisse tudo seria contingente e absurdo e a vida não teria qualquer sentido! Seria a Angústia, o Vazio e o Desespero mortal! - Como pode um argumento destes valer?!

403 – Entre a humildade do espectador e a magnificência do actor: a situação do homem no Cosmos.

404 – Porquê o Ser e não o Nada? Pergunta absurda! – dirão uns. Resposta absurda! – dirão outros.

405 – Nem Deus, nem a Natureza, nem o Ser, nem o Sistema, aSociedade, a História, o Inconsciente, o Destino ou o Acaso, nos podem desculpar, redimir ou salvar. Na realidade, nem nós mesmos o podemos fazer, já que tudo isso faz ainda parte

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da Grande Ilusão e do Grande Sonho em que o ilusionista e o sonhador são, não só o Iludido e o Sonhado, como o próprio Sonho-Ilusão.

406 – O Cosmopolitismo: solução e consciência política do futuro.

407 – O Eternamente Problemático, o Eternamente Insatisfeito, o Eternamente Angustiado, eis a definição do que há de melhor ede pior no Homem.

408 – A degradação e poluição do Espírito e das almas é hoje tão ou mais grave que a da Natureza e dos corpos, até porque é aquela a causa desta e não o contrário.

409 – A Eterna Busca terá um fim? Será ela, de per si, um sinal evidente de que o fim existe? Esgotar-se-á o fim na própria busca? Seráela, enfim, apenas o sinal da nossa precariedade fundamental, da nossa finitude?

410 – Saber que a Verdade existe, não saber – não ter ao menos esse consolo – se ela é ou será alguma vez alcançável, e, mesmo assim, não desistir de a procurar infatigavelmente, eis a verdadeira dor do Filósofo.

411 – Numa Era em que os Povos e Estados parecem finalmentecomeçar a convergir, tentando ultrapassar, ao menos parcialmente, os limites dos seus míseros e

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mesquinhos interesses particulares, bem como a raiz paranóide e delirante das fantasias ideológicas que os opunham, a diáspora autista dos indivíduos acentua-se.

412 – Até o Amor, para voltar a ser puro, para poder ser maduro (nem inocente nem ingénuo), tem de ser destilado, ou seja, purificado pelo filtro do Ódio e do Desprezo.

413 – Até uma alma de mil tormentos sofredora pode ser de si senhora!?

414 – O Inferno não é apenas um mito, é a realidade viva demuito boa gente.

415 – A Serenidade, a majestosa e lúcida serenidade, a Grande Virtude do Sábio, do Espírito Livre, do Homem Forte e Sadio que atingiu o domínio de si mesmo.

416 – A Excentricidade pressupõe a existência de Um Centro.Quando este não existe ou é arbitrário, quer dizer, fictício, a questão deixa de fazer qualquer sentido.

417 – A excessiva lucidez nem sempre é compatível com (nem sinal de) saúde mental. Provam-no os grandes espíritos visionários.

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418 – Um Grande Espírito deve ser fecundado por todos aqueles que o foram igualmente, a fim de que os seus frutos sejam ainda engrandecidos e enobrecidos através do contacto com os seus Irmãos.

419 – A Fraternidade dos Irmãos do Livre-Espírito é invisível, mas profundamente real.

420 – Para Além do Bem e do Mal, para Além do Amor e do Ódio, para Além do Desprezo e da Indiferença: a Alegre Solidão

Natural, o Silêncio Sereno, a Amizade e Solidariedade Universais, a Majestosa

Sinfonia do Cosmos, a Escuta Verdadeira, a Visão Clarividente, a Presença Pura, o Esplendor Infinito…

421 - Cair e afundar-se sob o peso das suas próprias fantasias, sob o peso de si próprio: a Loucura! Que triste espectáculo!

422 – O autismo, enquanto experiência esquizofrénica limite, constitui o equivalente psíquico de um buraco negro estelar: resultam ambos de um colapso fatal do ser, por vezes demasiado grande, demasiado denso e demasiado pesado para se suportar a si próprio.

423 – Só existe um meio de saber se a vida vale a pena ser vivida: é vivê-la integral e plenamente sem quaisquer reservas, levá-la até às suas últimas consequências. Mas então já será tarde para arrependimentos.

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424 – O estar aqui é mal de uma só cura. Quem estiver mal, mude-se.

425 – Um dia o Universo não terá segredos para si próprio.

426 – Será ou não o Homem o instrumento dessa completude narcísica final do Universo e/ou do Ser, do Em-Si originário ao Para-Si final? - auto-contemplação cósmica e/ou auto-realização ontológica?!

427 – O Ser É e não É. O Não-Ser É e não É.

428 – É inacreditável a ignorância e a indiferença que a Humanidade revela possuir acerca das coisas verdadeiramente belas e valiosas.

429 – A insensibilidade demonstrada relativamente ao divinoencantamento que a Natureza produz nos espíritos despertos é, sem dúvida, sinal inequívoco de que a Humanidade permanece nas trevas e profundamente adormecida.

430 – A assim chamada “Justiça dos Humilhados e Ofendidos” muitas vezes não passa de ressentimento e desejo de vingança, vontade dehumilhar e ofender. É um facto. Mas também é verdade que, não raras vezes, existem sérios motivos e razões objectivas para se desejar algo mais do que a mera “satisfação das necessidades básicas” ou qualquer pseudo-aumento do “bem-estar” ou da “qualidade de vida”.

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Daqui se infere facilmente que toda e qualquer posição unilateral sobre o problema da Justiça social e política, seja de direita ou de esquerda, é ideológica e fantasista, na medida em que assenta numa redução – interessada e, logo, enviesada – da complexidade real a uma simplicidade ilusória supostamente elementar que oculta e distorce a verdade e que nada tem a ver com a Justiça.

431 – A Verdade é una, mas desdobra-se infinitamente.

432 – A Verdade é infinitamente mais simples e complexa do que imaginar se possa.

433 – É absurdo perguntar se o Infinito é Uno ou Múltiplo, Eternidade ou Devir.

434 – A eterna luta entre Eros e Thanatos conduzirá o Homemà destruição total ou à Beatitude Suprema? Provavelmente, a nenhum deles.

435 – O facto de se ser humano deveria constituir motivo desincero orgulho, uma autêntica Herança de Honra, e não uma vergonhosa desculpa para toda e qualquer miserável fraqueza.

436 – Tudo aquilo que constitui a vida de um homem, como tudo aquilo que representa a trajectória de um ser ao longo da sua existência, desenham um complexo sistema de relações cuja intuição global figura osentido do Universo.

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437 – A verdade de um homem é o seu destino com relação a si próprio e a tudo o que existe.

438 – Um dia a Verdade será dita do único modo que pode ser, a saber: “Eu Sou Aquele que É”. Ou ainda: “Eu Sou A Verdade”.

439 – A Dignidade do Homem não é uma verdade axiomática ou um dado a priori.

440 – Os novos valores deverão conduzir o Homem à realização do seu Fim, isto é, à sua reunião e reconciliação consigo próprio e com o Todo.

441 – Verdade seja dita: de Génio e de Louco nem todos têm pouco!

442 – Nem todas as perguntas merecem ser respondidas; nem todas as questões carecem de colocação; nem todos os problemas devem ser resolvidos. Só um ser imortal se pode dar ao luxo de perder tempo com coisas vãs.

443 – Aquilo que se sabe mas não se vive é porque não se sabe verdadeiramente – a Verdade deve ser vivida e não apenas “sabida”. (É obviamente desnecessário referir que não se encontra aqui qualquer sombra

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de intelectualismo primário ou qualquer pseudo-contradição dialéctica entre ser e dever-ser).

444 – Uma confusão fácil e frequente: que acção racional e egoísta são uma e a mesma coisa, como se agir segundo a Razão fosse apenas tentar satisfazer os nossos interesses pessoais pelos meios mais eficazes (racionalidade económica) e não autodeterminar-se a agir segundo princípios e fins que aquela reconhece como universalmente válidos (racionalidade moral). Se racionalidade prática significasse tão somente acção movida pelo instinto egoísta e pelo mero cálculo de interesses ou vantagens pessoais, então muitasoutras espécies animais - quiçá todas - seriam racionais como nós, embora não talvez tão astuciosas.

445 – O desenvolvimento Ontológico, Ético, Axiológico, Antropológico, Estético, Gnoseológico ou Político, são apenas aspectos de um mesmo processo evolutivo.

446 – Toda a reflexão crítica que não principie e termine em si própria acaba, mais tarde ou mais cedo, por soçobrar ou se transformar numa versão negativa e perigosa de si mesma, quer dizer, no seu contrário.

447 – As virtudes devem ser exemplares, ou não serão virtudes. Essa é a condição da sua reunião e simplificação na Virtude Única e Suprema.

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448 – Como é sabido, a Virtude Suprema é a Sabedoria do Amor. Mas sem o Amor da Sabedoria aquela é, na sua verdadeira acepção, praticamente inalcançável - embora esta sem aquela outra o seja igualmente.

449 – O Amor, enquanto realidade divina por excelência, constitui para o Homem o limite extremo da sua humanidade – da sua humildade.

450 – A verdadeira Consciência Transcendental surgirá quando nem o Espaço nem o Tempo limitarem a experiência humana.

451 – O Absoluto é e não é a totalidade infinita dos relativos.

452 – O Absoluto não tem nome – apesar de ser conhecido pormuitos nomes.

453 – A Medida de uma vida é a sua Autenticidade.

454 – A Verdade é a Realidade.

455 – O Sujeito e o Objecto são, em última instância, Um.

456 – Piedade e compaixão – sentimentos nobres e terríveis! Urge saber como, quando e onde aplicá-los.

457 – Uma forma só importa na medida em que nela e através dela se exprime algo tão

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mais perfeitamente quão mais perfeita ela for.

458 – O ser de um homem é tudo aquilo que ele pensa, faz, quer, sente e diz, mais tudo aquilo que, directa ou indirectamente, mediata ou imediatamente, condiciona e determina isso mesmo que se é. Deriva daí a complexidade que tantas vezes nos assusta e nos impede de ver o essencial.

459 – Aquilo que o Homem é não é nada comparado ao que podeser – e será?!

460 – Todas as experiências da verdade que ao Homem são dadas viver não passam, no fundo, de amostras imperfeitas da experiência radical e última da Verdade.

461 – A Grandeza não deve intimidar-nos, mas sim guiar-nos e inspirar-nos.

462 – O verdadeiro Amante da Sabedoria aprende até com os rios, com as montanhas, com as árvores, com o vento, com as flores, com as rochas ou com os animais. Com tudo ele fala e de tudo colhe ensinamentos.

463 – É possível e até provável que parte das questões que ocuparam a Humanidade nos últimos dois ou três mil anos não passem de mal-entendidos lógico- -linguísticos e/ou de equívocos psicológicos. Mastambém não é impossível nem

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improvável que precisamente nessas questões se jogue o que de essencial cumpre ao Homem saber, ser e realizar de acordo com a sua natureza e destino próprios.

464 – A terrível consciência do Mistério Tremendo pode conduzir a Razão ao colapso e o Homem à Loucura.

465 – A Perfeição e a Pureza são uma e a mesma coisa.

466 – O Ser diz-se de todos os modos. Todos os modos dizem o Ser.

467 – A Grandeza é atingida quando o Homem cumpre o seu destino essencial.

468 - Quem sabe por experiência sabe com ciência.

469 – No Homem tudo se faz Espírito.

470 – A estratégia de dissimulação, ocultação e desvelamento que o Inconsciente opera em relação ao Consciente é a mesma que o Ser realiza em relação às Aparências, Deus em relação à Natureza e o Cosmos relativamente ao Homem: a Verdade Revelada.

471 – No vulgo tudo o que é sagrado tende a ser banalizado,isto é, vulgarizado.

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472 – A redução da Diferença, da Multiplicidade e do Devir à Mesmidade Unívoca e Perene é um dos grandes vícios do espírito humano. Por sua vez, a redução inversa não é menos frequente nem de menor gravidade.

473 – O Absolutamente Diferente é incognoscível. O Absolutamente Igual não existe.

474 – A Luta dos Contrários ganha no Homem uma expressão superior, não em força ou intensidade, mas sim em (e um) Valor e Sentido.

475 – A terrível experiência do dilaceramento da Alma em dois ou mais campos antagónicos em tensão possui a priori um valor indeterminado e ambíguo: a sua resolução negativa pode conduzir ao niilismo céptico-cínico, à loucura e/ou suicídio; a sua resolução positiva significagenialidade, heroísmo ou santidade. As soluções mistas não são impossíveis.

476 – É sábia a ignorância que se reconhece como tal, mas também é sábia a sabedoria que como tal se reconhece – ignorante!

477 – Será necessária esperança para que esta se cumpra?

478 – Aquilo que é comum aos Grandes ocupa o Lugar de Honrana Tribuna de Deus.

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479 – Nem tudo o que pode ser deve sê-lo.

480 – Nem Tudo é Um; nem Tudo está em Tudo; nem Tudo devém.

481 – A Unidade do Ser, do Saber e do Agir, eis a experiência a realizar.

482 – A verdade da origem é, muitas vezes, mais irónica e prosaica do que se possa imaginar.

483 – Os homens de hoje já preferem o Nada da Vontade à Vontade do Nada, mas nem por isso estão melhores, bem pelo contrário!

484 – A corrupção generalizada de tudo e de todos é hoje umfacto aceite, partilhado e valorizado como sinal distintivo dos bem sucedidos e dos bem adaptados.

485 – O relativismo e o subjectivismo radicais – e o que é este último senão a variante individual e egocêntrica do primeiro?! – servem os interesses de quem, por meio dessa ideologia da inconsciência, do conformismo e da indiferença, garante, não só a sua própria segurança moral, intelectuale emocional – a sua e nossa infalibilidade papal ou divina -, como também, e talvez fundamentalmente, a sua subsistência e crescimento como entidade parasitae interesseira que se alimenta do vazio e da confusão reinantes, posto que, se tudo é relativo e subjectivo, se não

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existem quaisquer verdades ou valores universais e objectivos, tudo depende daquilo em que se acredita individual ou colectivamente e “cada cabeça sua sentença”, então vale tudo, salve-se (safe-se) quem puder e viva a lei do mais forte, pois nada nos impede de fazer o que quisermos ou nos obriga a fazer o que não quisermos, pelo menos com um fundamento racional válido - esta é, para lá de qualquer ilusão piedosa, a dolorosa verdade absoluta e objectiva sobre o relativismo e o subjectivismo, e vale tanto para os indivíduos como para grupos, classes, povos, nações ou para a espécie em relação ao planeta e a si mesma, a parte de si mesma.

486 – A Simpatia Universal é a Consciência Amorosa vivida da nossa Unidade Cósmica.

487 – O comportamento de predação, exploração, manipulação,instrumentalização e destruição que o Homem tem desenvolvido em relação à Natureza e a si mesmo, são bem reveladores do seu estado de ânimo, bem como dos móbeis, princípios e fins que o norteiam.

488 – Talvez que no Homem só se faça presente e manifesto oque em tudo está oculto e latente.

489 – Não o Desprezo, mas o Desprendimento em relação a tudo o que oprima, restrinja, limite ou condicione a faculdade humana de ser, sentir, conhecer e criar com

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tudo aquilo que a liga e faz participar natural, religiosa e/ou misticamente à essência de todas as coisas.

490 – A Contemplação Pura, activa e criativa, da Natureza e/ou do Ser em si mesmo(s) por si mesmo(s) e para si mesmo(s), eis o DestinoSupremo do Homem - a Ciência, a Filosofia, a Arte e a Religião verdadeiras apenas o realizam diversamente.

491 – Para além das palavras e dos seus jogos; para além dos pensamentos e dos seus gozos; para além dos conhecimentos e dos seus produtos; para além dos sentimentos-emoções e dos seus efeitos; para alémdos actos e seus resultados: o Acto Puro de Se Ser.

492 – A vacuidade e trivialidade da experiência da experiência intelectual e/ou estética contemporânea apenas substitui ilusória e falsamente, numa experiência imaginária, a profundidade e intensidade da experiência espiritual d’outrora.

493 – O sentido dos valores consiste precisamente em atribuir um sentido e um valor, uma orientação e uma motivação à acção humana, aos poderes e desejos do Homem.

494 – Os valores devem conduzir o Homem ao crescimento, desenvolvimento e realização de si próprio e não à sua limitação, empobrecimento ou redução ao nível mais baixo de si mesmo.

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495 – Quando os valores que nos guiam e inspiram são objectivamente bons, justos, belos e verdadeiros, então traí-los é a pior traição que o Homem pode cometer em relação a si próprio. O mesmo não acontece quando não é aquele o caso.

496 – Eis aqui, sem novidade, as três virtudes que compõem uma fórmula possível para a Sabedoria: Força, para lutar por aquilo que vale a pena e pode ser alcançado; Coragem, para aceitar o que é inevitável e não pode ser mudado; Inteligência, para saber distinguir uma coisa da outra.

497 – Não fazer aos outros o que não gostaríamos que eles nos fizessem, ou, pela positiva, fazer aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem, parece uma boa ideia e um bom princípio de vida. Não é à toaque, sob formas diferentes, mas de fundo unânime, é quase universalmente reconhecida como A Regra de Ouro da vida moral. Só não se pergunte é porquê aquem a aceita como válida, isto é, porque devemos nós, no fundo, adoptar e seguir essa regra, porque aí as ilusões morais de respeito pelo outro - como próximo e nosso igual - rapidamente se desvanecem para dar lugar às habituais motivações egoístas do interesse próprio: devemos fazê-lo para que nos façam o mesmo, respeitar para sermos respeitados, fazer o bem para que nos façam e nãofazer o mal para que não nos façam igual – “pequena” diferença entre o ideal moral e o real psicológico.

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498 – O Mal não é nem um problema mal colocado nem um falsoproblema nem tampouco um valor arbitrariamente atribuído a realidades dolorosas ou insuportáveis. O Mal é o problema humano por excelência.

499 - A via pela qual a Humanidade se eleva e se liberta a si mesma acima de si mesma - da sua animalidade, da sua moralidade, da sua racionalidade – é a da consciência espiritual em qualquer das suas manifestações. Nãoé a simples negação de um património herdado, mas a sua potencialização e superação mediante a conquista e actualização de um bem adquirido.

500 – Todo o ser, quando levado ao seu limite, quando reconduzido ao seu princípio essencial, o mesmo é dizer, quando atinge a plenarealização de si mesmo, transforma-se num outro ser completamente diferente.

501 – À Filosofia nada mais resta que a análise da linguagem!? Quanta certeza, quanta ilusão! Mais uma vez o feitiço se virou contra o feiticeiro.

502 – As questões “Quem sou?”, “Onde estou?”, “De onde venho?”, “Para onde vou?” e “O que faço aqui?”, não perderam hoje o seu sentido e actualidade. Ao contrário, colocam-se agora com uma urgência e uma premênciacomo só o que é eterno adquire ao longo dos tempos.

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503 – Na Filosofia, como nas ciências, ou em qualquer outraforma ou dimensão do pensamento e conhecimento humanos, trata-se hoje de redescobrir/recriar novas respostas para velhos enigmas, atribuir outras e diferentes soluções a antigos e longínquos problemas, sempre presentes, sempre interpelantes.

504 – A ânsia do Novo e do Diferente muitas vezes não é mais que uma fuga ao essencial. Em contrapartida, o apego ao Velho e ao Mesmo não passa também frequentemente de medo e fraqueza.

505 – Toda a ruptura possui uma continuidade. Toda a continuidade contém uma ruptura. Toda a identidade inclui diferença. Toda a diferença supõe identidade.

506 – O Ponto de Vista Supremo é aquele que corresponde à dimensão Suprema das coisas, ou seja, aquele que se coloca em relação com tudo, e que, por isso, exprime também A Realidade Suprema do Todo Cósmico.

507 – O Universo é essencialmente uno e simples ou fundamentalmente múltiplo e complexo?

508 – Tudo devém, excepto o Devir. Esse É (eterno).

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508 – Todos os estados reversíveis e evitáveis preludiam – e convergem para – o irreversível e inevitável.

509 – A previsível futura unidade da Ciência não significará um retorno do reducionismo; não será provavelmente uma unidade de método ou de linguagem, antes resultará de uma unidade de experiência, deatitude e de ideal, reflexo especular (depurado) da unidade real do Universo.

510 – Importa reconhecer que a alienação já não é um derivado psíquico ou social circunstancial, nem sequer uma exigência estruturalmente inevitável da cultura ou da civilização, mas sim, e cada vez mais (e, oque é mais grave, reconhecida e assumidamente, quando não valorizada) o modo próprio de ser do Homem.

511 – Uma teoria unificada, coerente e precisa do Universo não é um sonho desprezível, outrossim uma aposta na divindade possível do Homem.

512 – A interdependência recíproca e não discriminativa (emtermos de hierarquia ou dominância por grau de fundamentalidade) entre a Física (ciências da Natureza), a Biologia (ciências da Vida) e a Antropologia (ciências do Homem), é um facto a assumir como tal, com todas as suas condições, pressupostos e implicações.

513 – A preferência que alguns demonstram em optar pela Consciência e pelo

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Conhecimento relativamente à Inconsciência e à Ignorância tem o seu quê de irredutivelmente irracional e indemonstrável, como se, afinal, assentasse pura e simplesmente num acto de fé, de esperança e, porque não dizer, de amor.

514 – Será que tudo aquilo que somos e fazemos e dizemos remete necessária e exclusivamente para nós próprios – aos nossos temores e angústias, aos nossos desejos e ideais, aos nossos protestos e esperanças? Será assim tão grande a nossa solidão? Será a revolta uma solução?

515 – O que o Homem deseja como Fim já foi no Princípio.

516 – Os Dez Mandamentos do Niilismo Contemporâneo são: 1 – Deves preocupar-te acima de tudo contigo mesmo – pois é o que todos fazem. 2 – Não deves olhar a meios para atingir os teus fins – o sucesso acima de tudo. 3 – Esta vida é Gozo ou Morte. Goza enquanto puderes – mesmo às custas da própria Morte. 4 – É tudo igualmente vão e vazio, logo deves sertu a criar os teus próprios valores – quaisquer que eles sejam. 5 – Se não fizeres por ti, ninguém o fará – o resto é ilusão ou mentira. 6 – Deve salvar-se (“safar-se”) quem puder - quemnão puder não merece salvar -se e deve afundar. 7 – A salvação está no aqui e no agora – deves viver o presente, pois o passado e o futuro são ilusões desnecessárias e inúteis. 8 – Não há limites para nada – vale tudo o que quiseres e puderes.

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9 – Visto que, no fundo, somos todos iguais e todos queremos o mesmo, deves ser mais rápido e mais forte que os outros – seo Mundo é essencialmente absurdo, então a competição concorrencial livre é a Lei. 10 – Quem não respeitar estes princípios, ou não pertence a este mundo, ou está fora de moda, ou não tem força para os fazer seus – de qualquer modo, não tem hipótese de sobrevivência.

517 – Não o “ama, e faz o que quiseres”, mas sim o “faz o que quiseres, e essa será a Lei” é que constitui a máxima que verdadeiramentegoverna o mundo moderno, o Imperativo Categórico do Homem contemporâneo – não é por acaso que constitui o princípio fundamental e a regra máxima do Satanismo.

518 – A ideia de que, nesta vida, conhecer é recordar, encontra algum apoio no facto de ser lógica e ontologicamente impossível a nostalgia de um estado não vivido.

519 – Um acaso é feito de muitas necessidades, uma necessidade de muitos acasos, por isso é possível não só uma matemática estatística, adequada a leis probabilísticas, mas também uma geometria e uma topologia do irregular, onde se reconhecem autênticas formas e padrões estruturais do aleatório e do instável na Natureza.

520 – Antes de ser aquilo que é hoje o Homem era tudo o resto.

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521 – Conhecer para dominar, eis a atitude que o Homem deveria adoptar, não em relação à Natureza - a não ser na medida do indispensável e no interesse comum -, mas sobretudo em relação a si mesmo e às forças que, normalmente ignotas e inconscientes, o condicionam e determinam como mero produto reflexo de um jogo de factores não (ou mal) assumidos e, por consequência, mal orientados.

522 – O Dom da Liberdade não é um dado a priori, mas uma dura e terrível conquista do Espírito.

523 – A Liberdade corresponde não só à dimensão cósmica mais elevada como ao nível em que a existência atinge a sua plenitude realizada.

524 – O Ponto-Instante da Auto-revelação do Ser é a experiência inefável do Eterno Presente.

525 – A experiência da reintegração (simbólica, religiosa, espiritual) do Homem no Cosmos é não só uma possibilidade, mas uma necessidade – talvez A necessidade.

526 – Devemos ser capazes de interpretar os nossos desejos,sobretudo os mais fortes e profundos, a fim de que possam ser realizados, anulados ou reorientados de de acordo com o que é, pode ser, deve ser, há-de ser ou tem de ser, isto é, em

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consonância com o real, o possível, o ideal e/ou o necessário.

527 – Os revolucionários de hoje são os conservadores de amanhã - tão logo envelheçam, a revolução se faça e/ou aideologia fossilize.

528 – O tédio é uma doença psicossomática que pode ser tão grave e mortal como o cancro ou a sida. Também ele assinala e resulta de uma de uma fraqueza e/ou degenerescência do organismo.

529 – Nem a selecção natural é o único mecanismo da evolução biológica, embora possa ser o principal ou um dos principais, nem aluta de classes é o motor da história dos homens, embora possa ser, e seja, umdeles. Quanto a esta última, seria necessário acrescentar, por exemplo, a lutainter-geracional (ou entre o novo e o velho), a luta dos sexos (ou géneros, como sediz agora), a luta entre o individual e o colectivo, a luta entre os indivíduos e entre diferentes colectivos, ou a luta entre pulsões de vida e pulsões de morte, tudo formas diferentes de luta pelo poder, pela segurança e pelo prazer. Mas, ainda que a luta de classes pudesse ser considerada um dos principais motores da História, seria preciso perguntar qual era, por sua vez, o seu motor. E aí, a interessante resposta seria provavelmente qualquer coisa como a inveja, o ódio, o ressentimento e os sentimentos de inferioridade de quem está, ou se sente, por baixo, e o orgulho, a

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vaidade, o desprezo, o ódio e os sentimentos de superioridade, de quem está ou se

sente por cima. É por isso que uns querem mudar tudo, para terem e poderem o

que não têm nem podem, enquanto os outros não querem mudar nada – ou

querem apenas que alguma coisa mude para que tudofique na mesma - , que é

para não perderem o que têm, tanto material como,sobretudo, simbolicamente

(estatuto, poder, prestígio, riqueza, privilégios, etc).

Por acaso haverá alguém que ainda não tenha percebido isto?

530 – O esquecimento que o homem ocidental operou em relação ao Ser - e, consequentemente, em relação Tradição Primordial -, o mesmo que tem contaminado por contágio o mundo inteiro, não constitui mais que um esquecimento e uma alienação de si mesmo, do seu ser próprio, da sua Condição e Destino essenciais enquanto lugar onde se dá a Verdade, onde esta se revela enquanto tal por si mesma e a si mesma.

531 – A Criatividade não é pertença exclusiva ou específicado Homem, antes constitui uma herança da infinita e exuberante criatividadeda Natureza, através da qual, aliás, o Homem foi gerado.

532 – É no pensamento do Ser que o Ser se revela ao Pensamento.

533 – Não há verdadeira transmutação da Consciência sem umacorrelativa

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transformação do Ser – e vice-versa.

534 – A questão de saber o que é o Universo, por que é comoé, como e por que surgiu, por que apresenta o estado que apresenta e por

que possui as leis que possui, não é uma questãoirrelevante nem resolvida, mas constituiverdadeiramente o problema do destino humano e do seulugar, sentido e valor em relação a tudo o

que existe.

535 – Há seres para quem é suficiente nascer, viver, reproduzir-se e morrer. Há outros para os quais isso é manifestamente insuficiente.

536 – A cessação da existência não é solução para o problema da existência - isto assumindo que a existência é ou se constitui como problema.

537 – O verdadeiro Eu é tão infinito como o Outro, por issosão e não são um e o mesmo.

538 – Na Vida (ou será nesta vida?) só há um facto absolutamente irreversível: a Morte. Ou não será assim?

539 – Toda a consciência é, em última instância, autoconsciência.

540 – Uma explicação não é uma justificação – confusão fácil e frequente.

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541 – Há ou não um pano de fundo universal, um horizonte dereferência uno, único e imutável que preside a toda a singularidade, a toda a pluralidade e a toda a mudança?

542 – O dinamismo evolutivo tem no homem apenas um ponto-momento de passagem, não o fim, mas o princípio de algo a vir a ser nofuturo.

543 – O Amor à Sabedoria, em qualquer uma das suas formas superiores, constitui a manifestação mais pura do Homem Essencial, bem como o Caminho da sua Realização.

544 – Só uma consciência ao mesmo tempo integrativa e diferencial do Real pode dar conta da sua univocidade, plurivocidade e equivocidade, daquilo que o infinitiza e o absolutiza enquanto experiencialmente vivido como tal.

545 – A busca do Absoluto não é uma tarefa vã, mas a Condição-Destino do Humano.

546 – O verdadeiro Eu pessoal é um e coincide absolutamentecom o Eu Universal.

547 – A via da divinização do eu individual, via gémea e complementar da que, aparentemente antagonista, promove o seu esvaziamento e nulificação, torna praticamente inevitável e radical a escolha entreum absoluto positivo e um

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absoluto negativo, ou, se se quiser, entre Deus eo Nada ( ou entre o Ser e o Nada).

548 – A experiência mística, quando autêntica e propriamente vivida, não é uma experiência espácio-temporal confusa e limitada, mas a experiência da transcendência disso mesmo – da Identidade no seio da Diferença, da Diferença no seio da Identidade.

549 – A experiência mística por excelência é a experiência do Eterno Aqui e Agora, do Eterno Novo e Diferente, como da Eterna Repetição do Mesmo.

550 – A estrutura profunda da Natureza e a estrutura profunda do Espírito são uma só, embora diversa no seu desdobramento e manifestação.

551 – Toda a fonte originariamente criativa e expansiva corre o risco de tornar-se, mercê do desenvolvimento excessivo ou desequilibrado – e consequente esgotamento – das suas potencialidades próprias, no inverso meramente reprodutivo e retraído de si mesma.

552 – O Sentido de tudo é o que fica por dizer e saber depois de tudo ser dito e sabido.

553 – Tudo se perde, tudo se cria, nada se transforma.

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554 – O Homem: o Intérprete, o Mensageiro, o Destinatário da Mensagem Cósmica Ou/e Divina!?

555 – Viajar no Espaço do Mundo perfazendo o Tempo do reencontro consigo próprio: eis o sentido iniciático da Errância.

556 – É infinita a distância que separa a nossa essência (virtual, possível) da nossa existência (real, actual).

557 – A restrição do sonho limita e condiciona o desenvolvimento da realidade.

558 – A Velhice, a Doença e a Morte são experiências traumáticas que podem conduzir ora ao Desespero, ora à Iluminação, consoante o Estado de Espírito e o Grau de Consciência do Sujeito.

559 – É nos signos do Presente que o Passado e o Futuro se podem ler.

560 – Muitas vezes, no presente, o futuro não passa de uma nostálgica recordação do passado, um fantasma projectado de um estado idealizado.

561 – Inocência não é sinónimo de ingenuidade, mas de Pureza.

562 – Qual é a origem, o estatuto, a função e o sentido do Mal, do Erro e do Sofrimento na Economia Geral do Mundo?

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563 – A ameaça de Morte e Destruição paira hoje sobre tudo e sobre todos. A simples consciência disso deveria ser suficiente não só para nos alertar e despertar, mas para nos transformar.

564 – Sabemos de antemão que tudo o que somos, fazemos e dizemos ao longo da vida, ainda que insignificante, terá infinitas consequências nos tempos futuros, embora isso também signifique a sua infinita diluição (por implícita interferência).

565 – “Aquele que se conhece a si mesmo conhece o seu Senhor”. Sou e não sou eu quem o diz.

566 – Falar de uma coisa é, muitas vezes, apenas iludi-la, negá-la ou exorcisá-la - ou iludirmo-nos!, ou negarmo-nos!, ou exorcisarmo-nos!

567 – Três regimes de pensamento: 1) Analógico (comparativo, relacional, mágico) 2) Lógico (analítico, atomístico, científico) 3) Dialéctico (sintético, integrativo, reflexivo) O 1º percebe as semelhanças, o 2º as diferenças, e o 3º a unidade e diferença de ambas, perspectivando-os num juízo crítico e valorativo.

568 – A correspondência e isomorfismo estrutural existente entre a Matemática e a Natureza, revelando embora uma harmoniosa inconsistência e incompletude

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características, sugere, no entanto, a existênciae actuação de um mesmo molde formal (topológico e aritmológico) para ambas, umarquétipo originário comum.

569 – Entre o Niilismo e a Santidade: o Estigma do Herói espiritual.

570 – E se, na realidade, tudo aquilo que se fizesse e dissesse e sentisse e pensasse, enfim, tudo aquilo que somos, não significasse absolutamente nada, não houvesse sentido algum e o Abismo absolutamente vazio e infinitamente absurdo espreitasse a cada passo diante da fragilidade ridícula dos nossos sistemas de defesa e dispositivos de segurança emocional-existencial contra a Angústia?!

571 – Haverá ou não um limite para a imaginação e fantasia humana? Será o Homem esse limite? E, nesse caso, como transpô-lo?

572 – Todas as dúvidas e todas as certezas apenas revelam aincerteza da Alma e a fragilidade do Coração humano e nada devem à realidade em si. O mesmo se aplica a esta certeza.

573 – A atitude científica, que procura tudo explicar e compreender, é limitada e insuficiente quando se trata das acções e relações humanas. No que diz respeito aos seres humanos, não basta compreender e explicar aquilo que fazem como se estes fossem causal e legalmente determinados à imagem e semelhança de meros

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fenómenos ou acontecimentos naturais. Tal posturasó seria suficiente na condição de aqueles serem desprovidos de livre-arbítrio (ou vontade livre) e, assim, incapazes por natureza de saber e decidir de forma livre e racional (ao menos potencialmente) o que fazem ou deixam de fazer, sendo, por consequência, moralmente irresponsáveis e juridicamente inimputáveis pelos seus actos. Neste caso deixaria de haver diferença entre explicar um acto e justificá-lo, ou seja, entre psicologia e ética. Mas como as acções humanas são factos ou acontecimentos causados por um sujeito capaz, ao menos em princípio e condicionalmente, de saber e escolher racionalmente o que faz, então a crítica e o julgamento moral são inevitáveis e indispensáveisà vida prática - o que não deixaria de acontecer mesmo que se tratassem apenas de ficções úteis ou ilusões vitais necessárias, como pode muito bem ser o caso.

574 – O problema dos dois pesos e duas medidas é um dos problemas principais, se não o principal, da moralidade humana. A tendência para nos julgarmos e avaliarmos - a nós e/ou aos que são (ou sentimos) nossos ou iguais a nós – de modo

substancialmente diferente daquele que usamos para avaliar os outros – que são (ou sentimos como) estranhos em relação a nós - pareceser tão universal e enraizada na natureza humana, tanto individual como colectivamente, que não é plausível que alguma vez se consiga encontrar solução teórica ou prática para o problema. Mesmo que se conseguisse um acordo formal emtorno de princípios e valores suficientemente

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consensuais, o padrão e critérios da sua aplicação variariam sempre em função dos interesses, conveniências e mecanismos de defesa dos indivíduos, grupos, sociedades, povos ou nações que tivessem

aprovado o acordo.

575 – O Amor que o Homem nutre por Deus é o mesmo que Deus nutre pelo Homem.

576 – O maior obstáculo ao desenvolvimento do Amor é, provavelmente, a exigência desse Amor.

577 – Os sentimentos dão-se ou recebem-se, não se pedem nemse exigem. O contrário disto é absurdo, infantil e primário,ou seja, é humano.

578 – A criação de algo é sempre a revelação de outra coisa, e vice-versa, a revelação de uma coisa é sempre a criação de outra.

579 – Dois inimigos a evitar e fugir como da peste: O Tedium Vitae e o Horror Mortis. Quando atacam juntos e se aliam cúmplices, a sua força é terrível!

580 – Não devemos temer o Medo. Devemos, sim, amar o Amor eodiar o Ódio. Esta é a Guerra da Paz e a Tragédia da Felicidade.

581 – O Espírito é a Sagração da Natureza.

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582 – Todos os pontos de vista são, enquanto tais, igualmente defensáveis, embora nem todos sejam igualmente bons, justos ouverdadeiros.

583 – Só há dois tipos de erros (ou “pecados, ou “vícios”) morais: a Ignorância e a Fraqueza. Quando erramos por não sabermos o que devemos fazer, erramos (ou pecamos) por ignorância; quando erramos sabendo o que devíamos fazer, mas não fazemos, então erramos por fraqueza.

584 – Fazer o que todos fazem, querer o que todos querem, pensar o que todos pensam ou acreditar no que todos acreditam só porque é isso que todos fazem, querem, pensam e acreditam; ou o contrário, não fazer, querer, pensar ou acreditar naquilo em que ninguém acredita, pensa, quer ou faz e poressa mesma razão, eis o instinto de rebanho no seu “melhor”, a psicologiade massas da estupidez humana.

585 – Pode muito bem ser verdade que a religião seja o ópiodo povo (ou da Humanidade), mas alguém deveria perguntar se o povo (ou a Humanidade) consegue viver sem “ópio”, seja ele religioso ou outro qualquer. Nos tempos que correm existem múltiplos “ópios” alternativos à disposição, desde os ideológicos aos químicos, desde a televisão à Internet, as novelas ou o futebol, até ao sexo, os centros comerciais e as compras, as drogas ou o rock and roll, qualquer coisa serve para entreter, ocupar o tempo, preencher o vazio, esquecer o sofrimento e

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dar um sentido e um valor à “vidinha”, a qual é -e sempre foi provavelmente - demasiado confusa, caótica, selvagem e imprevisível para que nos pudéssemos dar ao luxo de dispensar um qualquer paraíso artificial que a torne suportável.

586 – O Medo, a Dor, o Ódio e o Desejo – eis as marcas psíquicas do animal em nós.

587 – Onde estava um eu (o não-Eu), o Eu deve devir. Onde estava uma consciência (a não-Consciência), a Consciência vai emergir. Onde existia um espírito (o não-Espírito), o Espírito tem de surgir. Onde pulsava uma vida (a não-Vida), a Vida irá sobrevir.

588 – O Incondicionado não existe: é e realiza-se no Infinito.

589 – Se a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer, então ou essa necessidade é anulada ou a impossibilidade é assumida. Em qualquer dos casos, visto que se tratam sempre e apenas de ilusões, nada disso deve impedir-nos de viver.

590 – O aparentemente uno, estável e ordenado é, na realidade, multiplicidade caótica em devir. Mas o inverso não é menos verdadeiro.

591 – A Síntese de todas as formas é uma Figura. A Síntese de todas as figuras é um Plano. A Síntese de todos os planos é uma Dimensão. A Síntese de todas as dimensões é o Universo.

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592 – Mudam-se os tempos, mas não – essencialmente e infelizmente – as vontades.

593 – Não ter a certeza de nada a não ser que se existe e que isso dói! Que coisa terrível!

594 – Mesmo quem nada tem, ainda tem algo a perder: o ser. Mas ainda que algo se tenha, importa saber o quê e se valerá a pena conservar, se não será precisamente de se perder.

595 – É, sem dúvida, motivo razoável de inquietação e perturbação do espírito o facto de sabermos que todos (ou quase todos?) somos capazes de tudo (ou quase tudo?), seja por que razão for ou em nome do que for.

596 – O Prazer Supremo já não é humano, mas Divino.

597 – Haverá uma entropia do Espírito?

598 – Querer dizer tudo, falar muito e pouco haver a dizer,ou, simplesmente, falar e nada haver a dizer, eis um terrível perigo e uma forte tentação, mesmo para quem disso tem consciência. O que aqui é dito não escapa a essa regra.599 – As Palavras, quando reconduzidas à sua função e destino originários, quando separadas das “impurezas” pragmáticas, utilitárias, expressivas ou comunicativas – ou quando restringidas à pureza e simplicidade de uma dessas funções - quando não forem mais elas a falar, ou quando não as escutarmos a elas, mas ao Logos

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que nelas e por elas fala - o mesmo que não afirma nem nega, que não mostra nem esconde, mas somente sugere e indica, realizando o Caminho e/ou o Sentido (Tao) essencial - então, e só então, revelarão esse estranho e inquietante poder, literalmente mágico e místico, que o Verbo Divinoirradia, ao insuflar o Espírito do Homem em direcção a si mesmo e à Verdade Suprema.

600 – A História não só se repete como passa o tempo a repetir-se no essencial. Desde os ciclos económicos de crescimento e recessão à alternância social entre períodos de estabilidade e de paz e períodos de crise, instabilidade e guerra ou revolução, até à circularidade sucessiva dos regimes políticos entre ditaduras, democracias e anarquias, ou, numa escala mais alargada, os ciclos históricos que vão desde a origem, desenvolvimento, apogeu, decadência e queda de civilizações inteiras, são tudo manifestações da Lei do Eterno Retorno do Mesmo.

601 – Quando há uma ditadura, toda a gente – excepção feitaao(s) ditador(es), claro – quer a liberdade e a democracia e quer acabar coma ditadura. Mas quando há liberdade e democracia, uma vez que esta tende a degenerar, mais tarde ou cedo, em anarquia, dada a natural tendência dos seres humanos para confundirem liberdade com licenciosidade e para abusarem dos direitos que lhes são concedidos - a ponto de esquecerem que liberdade implica responsabilidade e que direitos implicam deveres -, então, aí, toda ou quase toda a gente clama

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novamente por Ordem, Autoridade e Disciplina, isto é, por uma outra ditadura, e assim sucessivamente, ou melhor, ciclicamente, como se viu atrás. É mais uma prova do “Progresso inevitável” e do “fim da História” humana.

602 – Os direitos de uns são os deveres de outros, pelo quenão há, nem pode haver, direitos sem deveres - nem o inverso, uma vez quesão realidades complementares.

603 – Liberdade sem responsabilidade não passa da liberdadeanimal de poder agir por instinto sem limitações, ou seja, de pura inconsciência infantil.

604 – É muito provável que exista um mecanismo não-aleatório de regulação das mutações genéticas nos organismos e que isso explique muito daquilo que a a combinação entre mutações aleatórias e selecçãonatural não consegue explicar satisfatoriamente - ou só o faz de forma incompleta e insuficiente. Não necessariamente um Desígnio Inteligente a operar,mas talvez um mecanismo automático e inconsciente de auto-regulação e auto-organização característico dos sistemas biológicos enquanto sistemas abertos, dinâmicos e complexos que se organizam a si mesmos em interacção adaptativa com o meio ambiente. A existir tal mecanismo virtual, isso implicaria o fim de um dos “dogmas” tabu da biologia moderna, ou seja, o da inviolabilidade, isolamento e fechamento do genoma relativamente ao organismo individual como um todo, quer dizer, do genótipo em

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em relação ao fenótipo. Aquele poderia assim receber informação e influência directa e indirecta do meio, filtrada pelas necessidades de adaptação e sobrevivência dos organismos e espécies, reagindoestes não de forma meramente estocástica, através do aumento da intensidade e frequência das mutações aleatórias, mas sim produzindo-as já orientadas para a criação ou transformação daquelas estruturas, funções ou comportamentos necessários e capazes de contribuir para o aumento daquela mesma adaptaçãoe sobrevivência.

605 – A Natureza é o Inconsciente do Espírito, o Espírito a Consciência-de-si da Natureza.

606 – A Consciência absoluta é a consciência do Absoluto, oAbsoluto totalmente consciente de si mesmo, o Absoluto enquanto plenaconsciência de si próprio.

607 – Não confundir nem dissociar completamente Ética e Estética, e isso tanto em relação à acção e à criação como no que respeita ao juízo e ao valor.

608 – Com relação à Verdade é absolutamente irrelevante o saber quem disse, quem afirmou, quem descobriu ou revelou. Do ponto de vista da Verdade só a Verdade importa e os “direitos de autor” são ridículos e desprezíveis.

609 – Em termos absolutos, expansão, manifestação, desenvolvimento, revelação,

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descoberta e criação constituem um mesmo movimento e significam o mesmo.

610 – No seu todo - ou em relação a qualquer uma das suas partes -, quer quanto à estrutura, quer quanto à sua dinâmica e funcionamento, o Universo comporta-se e revela-se como se, na verdade, se tratasse de um ser-sistema vivo dotado de uma inteligência intrínseca extrema; como se um rasgo de génio absoluto, um clarão, um relâmpago de infinita sabedoria e potência o atravessasse e iluminasse por dentro de uma ponta a outra do espaço-tempo, e o apresentasse a nós e a si mesmo – a si mesmo através de nós – como um ser finalmente ciente e reconciliado de si consigo mesmo.

611 – Quando a boca dos homens reclama Justiça, demasiadas vezes o seu coração clama por Vingança.

612 – É extremamente difícil saber o que, essencialmente, no Homem fala mais alto: se a privação, a falta, a insegurança e o medo, ou se, pelo contrário, o excesso, a força criadora, o poder da vontade e o amor.

613 – Um símbolo perfeito da nobreza inerente à condição humana: a Cavalaria Espiritual em Demanda do Santo Graal.

614 – A Existência precede a Essência que precede a Existência…

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615 – A Mitologia da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, com todo o valor ideal que encerra, não passa ainda disso mesmo: uma mitologia – na acepção negativa e ilusória da palavra – agradável a muitos, útil a uns quantos e, infelizmente, somente para uns poucos espíritos lúcidos e críticos, prospectiva, positivamente utópica e humanizante.

616 – Tudo o que fazemos em vida, toda a música e todo o ruído, não passa de um exorcismo – aliás vão – do silêncio terminal da Morte.

617 – No que toca aos indivíduos, a morte vence sempre. Masem relação ao colectivo e à espécie, pode ser que não.

618 – Tanta vaidade e orgulho, tanta dor e alegria, tanta esperança e amor, tanto ódio, tanto medo, tanto desespero! E tudo isso para quê, se é afinal a morte que sempre triunfa?!

619 – A luta que travamos pelo Bem, pela Beleza, pela Verdade, pela Sabedoria e pela Liberdade, encontra na Morte o seu fim e sentido ou a ausência e negação deste? Ou será ela apenas um artifício ficcional, um paliativo, uma ilusão consoladora?

620 – Ser Livre, saber a Verdade, sentir a Beleza, agir comJustiça e viver com Bondade: este é o ideal do sábio, a perfeição a realizar.

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621 – Nem o Poder, nem a Segurança, nem o Prazer, nem a Posse: a ambição ontológica, a ambição de Ser – mais e melhor -, eis o nobre desejo divino encarnado no Homem.

622 – A grande virtude do espírito missionário: a dedicaçãoabsoluta a uma causa e a um fim, a instauração radical de um fundamento e de um sentido para a vida, a consciência de que tudo o mais é acessório, acidental e transitório, e que só adquire real dimensão à luz desse fundamento, dessa causa e desse fim.

623 – De todas a mais ingrata missão: a busca que faz de simesma o seu motivo, a procura por saber a razão de ser da procura.

624 – A Realidade: um sonho dentro de um sonho? O Sonho: uma realidade no interior de outra realidade?

625 – O Teísmo é a humanização de Deus (ou a humanização da Natureza). O Humanismo é a deificação do Homem. O Panteísmo é a naturalização de Deus. O Naturalismo é a deificação da Natureza. O Deísmo é a des-humanização de Deus. O Agnosticismo é a naturalização do Homem. E o Ateísmo? Medo da verdade de algumas (de todas?) dessas proposições e/ou a coragem da negação e da recusa?

626 – A moderna fé na Ciência funciona como um substituto equivalente da antiga fé religiosa. Ora, como a primeira já conheceu melhores dias, a segunda começa

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novamente a recuperar o prestígio perdido, emborasob novas máscaras - mais plural e “democrática” ou mais extremista e fundamentalista, consoante os locais, gostos, modas e tendências da época, à imagem e semelhança do espírito do tempo. Em todo o caso, aquilo que parece interessar são as respostas e soluções que ambas, de forma mais ou menos eficaz, conseguem fornecer para acalmar as consciências e apaziguar os espíritos inquietos -inspirando-lhes confiança e dando-lhes uma ilusão de certeza através da dose adequada de “fast food espiritual” calmante ou estimulante, conforme as necessidades sentidas como mais preementes. Mas a regra e função básica parece ser a mesma: impedir-nos de pensar, duvidar ou questionar e dizer-nos o que devemos fazer, pensar ou acreditar. Por isso, as teorias científicas do Big Bang ou da Evolução, na sua versão popular, servem e funcionam perfeitamente como substitutos igualmente mitológicos dos velhos mitos da Criação e do Édenbíblicos, uma vez que a sua função psico-social é a mesma e independente de quaisquer factos, provas ou argumentos racionais que os sustentem, os quais são apenas conhecidos de uma pequena minoria de eleitos, e que, portanto, paraefeitos de adesão popular, pouco ou nada contam.

627 – Por que será que a ditadura só nos parece uma “coisa”má, injusta e moralmente errada quando é a dos outros sobre nós e não – ounão tanto – quando é a nossa sobre os outros? E por que será que sucede exactamente o mesmo com a

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arrogância, a mentira, a estupidez, a maldade, a ignorância, a vaidade, etc, etc? Mistério…

628 – Se tudo aquilo que pensamos, sentimos e queremos se transformasse sempre, directa e imediatamente, em actos, gestos e palavras, a nossa violência sobre os outros – e dos outros sobre nós – seria inaudita e a vida em comunidade seria pura e simplesmente uma impossibilidade.

629 – O que já não tem ilusões, mas ainda não consegue viver sem elas: eis o dilema do Último Homem – o actual.

630 – A Facilidade: esperteza e/ou covardia?

631 – O Espírito é como uma estrela: quando sujeito a temperaturas e pressões excessivas, pode colapsar sobre si próprio (implodir) ou rebentar para fora de si mesmo (explodir). Mas enquanto o não faz, pode mostrar-se extremamente exuberante na sua criatividade e produtividade vitais. Pode iluminar, dar vida, aquecer e consolar outros espíritos e outros corpos, ou até destruí-los, tal o seu poder e em consonância com ele.

632 – Nem o passado a recuperar (O Paraíso Perdido), nem o futuro a esperar (A Terra Prometida): o Presente é o vão refúgio dos infiéis.

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633 – Um idiota é alguém a quem é constitutivamente impossível reconhecer-se e assumir-se como tal.

634 – Uma possibilidade não gera por si só uma realidade. Um direito não explica por si mesmo um facto.

635 – Se pensarmos correctamente, sem procurar racionalizar, justificar, legitimar ou tornar necessário seja o que for, atendendo a queo homem é ele mesmo parte e produto da Natureza, tudo aquilo que ele faz é igualmente natural e artificial, e a distinção não faz radicalmente grande sentido, a não ser no quadro também ele natural-artificial dos próprios sistemas e processos de compreensão humana.

636 – O Ser é o Nada… de tudo. O Nada é o Ser… de tudo. Tudo é (o) Ser e (o) Nada.

637 – Traumas, complexos, frustrações, carências e neuroses!? Psicologia de café e de mercearia, é certo, mas éisto que, sob a forma mais ou menos velada das ambições mesquinhas, das invejasressentidas, da violência insana, da competição obsessiva e de todas as modalidades partilhadas e instituídas da Estupidez e da Loucura, que movimenta o Mundo e a Humanidade sobre ele.

638 – A assim denominada queda no (ou tirania do) quotidiano, delimita-se pela sua

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própria impossibilidade (ou extrema dificuldade) em se tomar consciência e libertar-se desse estado.

639 – A alegórica metáfora da caverna não é de todo inadequada. A questão, porém, é saber o que obriga ao regresso após tão difícillibertação: um imperativo ético? Uma necessidade ontológica? Ou uma inevitabilidade trágica devido à incompletude e relatividade da libertação?

640 – Que as condições e constantes que presidiram à origeme evolução do Universo foram as necessárias para nos produzir e, consequentemente, para nos permitir pensar isto mesmo, eis o que prova o próprio facto de aqui estarmos – e a pensar isto! Que essas fossem as únicas condições possíveis e/ou suficientes para que este fenómeno ocorresse e a mais ligeira alteração nas condições iniciais ou nas leis e regras de desenvolvimento do jogo cósmico constituam de per si uma proibição e impossibilitação dos acontecimentos Vida e Consciência/Inteligência, também é argumento verosímil de aceitar. Já não parece tão válida a inferência que indica querer demonstrar, por princípio, a relação contrária e inversa, isto é, que o facto de existirmos e pensarmos constitui confirmação lógica e metafísica da junção do possível e do necessário no ponto-instante da Criação e, por consequência, também ao longo da Evolução Cósmica. E isso porque existe aqui implícito o pressuposto tautológico de que o fim e o princípio se condicionam mutuamente – o que é verdade – e se determinam reciprocamente de forma

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simétrica – o que é falso -, visto que o sentido do presente residiria tanto no passado como o sentido deste residiria naquele, oque é teleologia pura à escala cósmica. A implicação óbvia desta forma mentis é que então somos (nós, humanos) inevitavelmente reconduzidos a ocupar o nosso “lugar natural” tradicional enquanto finalidade pré-programada daúnica constituição possível do Universo, cuja causa eficiente coincidiria com a sua própria causa final, uma vez que o seu sentido último seria também aquele que,desde o início, presidiu à sua criação e desenvolvimento, a saber: a possibilidade e/ou necessidade que o Universo teria de se conhecer e pensar a si mesmo, criando-nos para esse efeito, para que nós, como partes e produtos dele, o possamos pensar e conhecer, cumprindo o nosso desígnio cósmico de consciênciae inteligência do Universo, fazendo assim da auto-referência e da auto-consciência condições de si mesmas e do Cosmos um sistema formal cuja consistência ecompletude depende do – e exige necessariamente o – seu autoconhecimento. - Contra o princípio antrópico entendido como juízo sintético a priori e argumento teleológico – reconhecimento do carácter essencialmente antropomórfico e antropocêntrico do argumento e inclusão do seu fascínio estético-lógico e místico no seio da categoria de uma análise a posteriori que o reduz a uma confusão modal determinada por um interesse vital.

641 – Cada vez menos o Homem se adapta à natureza ou tenta viver em harmonia e

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conformidade com ela. Ao contrário, é a Natureza que cada vez mais tem de adaptar-se ao Homem, visto que este tende também cada vez mais a adaptá-la a si mesmo, a recriá-la e reconstruí-la à imagem e semelhança dos seus desejos, muito para além das suas reais – e progressivamente maiores e mais exigentes – necessidades de sobrevivência.

642 – Como é evidente, só os fins podem justificar os meios. Mas nem todos os fins justificam todos os meios. Provavelmente nenhum fim justifica todos os meios.

643 – A Liberdade, a Consciência e a Responsabilidade implicam-se e condicionam-se mutuamente.

644 – A afirmação do Cogito – Eu penso, logo existo – é umaafirmação ética e ontológica de valorizar.

645 – A alegria genuína do artista é a alegria de participar activamente no processo criativo da Natureza.

646 – O Eterno é o que, a cada instante, simplesmente É. O Uno é o que, em qualquer ponto, plenamente É. A Filosofia é o que, aqui e agora, instala a tensão crítica entre a Vida e a Morte.

647 – É no Homem que o Universo ganha ou começa a fazer sentido, ou quando o perde por completo? Ou não haverá nada a ganhar ou a perder? Ou esta questão carece

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totalmente de sentido? Ou a questão do Sentido não tem em si mesma qualquer sentido? Ou o Sentido não é (só?) um dado, mas (também?) algo a criar e a reinventar indefinidamente, uma tarefa infinita, uma descoberta sempre renovada, uma missão impossível de completar, porque sempretocada de finitude? Algo que se dá e recebe, como um dom, como uma graça, com esperança, com Amor?!

648 – O esforço, o sacrifício, o sofrimento e a luta nem sempre são compensados ou justificados pela causa a defender ou pelo fim a atingir.

649 – A hipótese de um inconsciente colectivo antropológico, composto de formas e/ou conteúdos psíquicos universais – ideias inatas, arquétipos, ou estruturas antropológicas do Imaginário –, isto é, de uma Memória Colectiva Ancestral e Específica partilhada por todos os seres humanos e geneticamente transmitida – filogenética, portanto -, só parece necessária caso a universalidade da natureza e condição bio-psico-social dos seres humanos individuais – e, logo, a sua memória ontogenética – não seja suficiente para explicar a perenidade, constância e repetição de certos esquemas-padrão culturais que se manifestam em sonhos, mitos, símbolos, formas artísticas e outros aspectos da cultura que a influência histórica também não consegue explicar.

650 – A experiência radical – não meramente intelectual e/ou imaginária, mas

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Intelectiva – da suspensão do Mundo, do Tempo, dos Outros, da Linguagem e do Eu, é a experiência necessária ao reencontrodo verdadeiro sentido e valor do Eu, do Mundo, da Linguagem, do Tempo e dos Outros.

651 – O que para uns é Libertação, Verdade e Vida, é para outros Escravidão, Falsidade e Morte - a cada um o que lhe é devido.

652 – O autêntico conhecimento, o genuíno pensamento (a vera Ciência e Filosofia) constituem o supremo risco, a derradeira aposta, o magnífico desafio, A Verdadeira e Suprema Aventura do Espírito no Homem – e do Homem.

653 – Uma comunidade gnóstica, sófica ou transcendental: eis A Verdadeira Comum- -Unidade do Espírito.

654 – A dificuldade de uma tarefa está, por vezes e paradoxalmente, numa relação de proporcionalidade directa com a inteligência e sensibilidade de quem a executa.

655 – Uma reconversão à Inteligência global e profunda da Vida, uma outra inteligência de si mesmo e do Real - eis o que se impõe ao Homem como tarefa.

656 – Só alguém realmente liberto e transformado pode – deve e quer – libertar e transformar.

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657 – Um homem adormecido não consegue despertar outros quetambém durmam - salvo se ostentar demasiado o seu sono, e mesmoassim só para ouvidos sensíveis e delicados que saibam ouvir.

658 – Saber escutar, saber ver, saber pensar, saber compreender, saber ser e viver - pode isto ensinar-se?

659 – A fusão da Possibilidade, do Dever e da Vontade pressupõe a experiência da conversão-realização espiritual em toda a sua plenitude - e a esse estado chamar-se-á, indistintamente, Liberdade e/ou Necessidade.

660 – Um adensamento do ser da Consciência é um adensamentoda consciência do Ser, em todos os graus e intensidades da sua integração real e potencial - Natureza-Homem-Deus.

661 – É da perfeita compreensão da Vida que nasce a humildade sincera.

662 – O divórcio do Pensamento e da Vida custou a vida ao Pensamento.

663 – Reconhecer um (outro?) sentido ao mundo da história pressupõe e implica uma saída do Mundo e da História.

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664 – A virtude iluminativa do Amor não é inferior à virtude iluminativa do Conhecimento. Em última instância, são uma e a mesma.

665 – O Medo de Saber resulta directa e exclusivamente da fraqueza do ser.

666 – A Besta não tem número nem nome – caso contrário seria facilmente reconhecível –, mas pode ser qualquer número (ou todos os números) e possuir qualquer nome (ou todos os nomes).

667 – A Diferenciação e a Repetição constituem os princípios reguladores e coordenadores (das diversas instâncias) do Real.

668 – A Compreensão, o Respeito, a Solidariedade e a Paz são, cada vez mais, os referenciais axiológicos – éticos, sociais e políticos – do futuro.

669 – Se todos os valores fossem relativos e subjectivos, então os Direitos Humanos também o seriam e não teríamos, assim, qualquer razão objectivamente válida para defender a sua universalidade, nem ao nível dos princípios nem da sua aplicabilidade normativa. Estarão os relativistasdispostos a “pagar o preço” de perderem os seus direitos fundamentais ou a verem-nos relativizados por uma questão de coerência, inclusive o direito de defenderem o relativismo?

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670 – Vencido o Ressentimento, superada a Angústia, realizado o Desejo, subsiste o problema: viver como?, porquê?, para quê?

671 – A correlação e correspondência diferencial entre os diversos níveis, graus e/ou intensidades do Ser e da Consciência revelam bem o acerto com o princípio estrutural – e estruturante – que lhes preside.

672 – Qual é o pior inimigo do Espírito Livre? R: O mecanismo determinista do automatismo inconsciente, seja ele simultânea ou separadamente físico, químico, biológico, psíquico, social, cultural ou histórico. Mas, nesse caso, quem é verdadeiramente Livre?

673 – A única fidelidade legítima é a fidelidade à Vida e ao Amor - e essa não conhece regras ou limites, sempre tardias, sempre exteriores.

674 – A Unidade Transcendental de todas as religiões derivadirectamente da Unidade Fundamental do Princípio que exprimem e adaptam.

675 – Todos os obstáculos à realização da Plenitude da Vida(e/ou do Ser) têm de ser removidos. Não há excepções a esta regra.

676 – Todos os Paraísos Artificiais acabam por se revelar, mais tarde ou mais cedo, como verdadeiros Infernos Naturais.

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677 – Se o Homem é um ser e um sistema simultaneamente físico, químico, biológico, psicológico, social, cultural e histórico, sendo tudo isso de forma integrada e, logo, sendo sobredeterminado por factores inerentes a todas essas ordens de realidade, como pode ele ser verdadeiramente livre? Não seráo livre-arbítrio, apenas e de facto, uma ilusão causada pela ignorância das causas que nos determinam e fazem ser, sentir, pensar, querer e agir como acontece?E, se assim for realmente, para onde vão os conceitos morais de responsabilidade e de culpa - e os jurídicos de crime e de castigo -, bem como toda a estrutura moral e jurídica que regula a vida dos indivíduos e o funcionamento das sociedades humanas? Ficções úteis? Ilusões necessárias, sem as quais a vida em sociedade seria pura e simplesmente impossível? Ou princípios e ideais reguladores a seguir e realizar infinitamente?

678 – A Verdade não é democrática – verdade cada vez mais esquecida nos dias de hoje.

679 – A compreensão da verdadeira natureza das coisas não está ao alcance de todos.

680 – A verdadeira alquimia é a alquimia do Espírito – e essa é a única que importa.

681 – O papel organizador do acaso é largamente subestimado - basta pensarmos na nossa existência individual (ou até da espécie).

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682 – Retornar à(s) Fonte(s) d’Origem não deve significar uma tentativa anacrónica para regressar ou recuperar um passado remoto, umqualquer Paraíso Perdido ou uma suposta Idade de Ouro, outrossim o acertar aqui, agora e sempre o Ritmo da Vida com a Fonte de onde ela brota eterna e infinitamente de uma forma sempre renovada.

683 – As oposições categoriais entre Todo e Parte, Finito eInfinito, Sujeito e Objecto, Interior e Exterior, revelam-se meras hipóstases lógico-linguísticas e mentais aquando do alcance e realização de um outro estado de consciência experiencialmente integrativa (intelectiva, intuitiva) do Ser, uma diferente consciência vivida do que É – e de que se é.

684 – Poderemos agora esperar que o Ideal da Fraternidade Universal – no seio da Humanidade, com a Terra, com o Cosmos – se torne real?! Que a Paz seja o estado normal das relações entre indivíduos, povos, raças, religiões, países, culturas, sexos, classes ou gerações?! Que a Humanidade como um todo comece a convergir e a orientar-se rumo a uma Consciência verdadeiramente Cósmica, feita de Amor e re-Conhecimento, e que reúna num amplexo infinito a Uni- Trindade espiritual e divina Homem-Vida-Universo?!

685 – A doença da Humanidade é…a Humanidade – e é por isso que ela não tem cura.

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686 – Toda a manifestação é expressão de algo que não é da ordem da Manifestação.

687 – Só através do reconhecimento da Unidade Essencial do Homem, da Vida e do Mundo se torna possível urdir uma boa estratégia de conspiração Ética e Estética para mudar o Mundo, a Vida e o Homem – para os redescobrir, recriar e fazer diferir no seu dinamismo essencial.

688 – O que fundamentalmente está em causa e importa realizar não é tanto uma mesma consciência de uma outra realidade como uma outraconsciência da mesma realidade.

689 – A diversidade patente nos diferentes regimes de espiritualidade desdobra e reflecte a unidade profunda do Espírito.

690 – Não é impossível que Deus jogue realmente aos dados - e até que faça batota (que os tenha viciados).

691 – A Arte de Viver é a mais difícil e Nobre das artes.

692 – A Humanidade em geral – e cada homem em particular – coloca-se constantemente problemas que não sabe nem pode resolver.

693 – Transmutação de todos os valores não significa nem implica necessariamente inversão de todos os valores, ao contrário do queos inventores de modas parecem

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crer ou fazer crer – ou querer e fazer querer.

694 – Dada a actual confusão reinante em todos os domínios da vida - do ético ao estético, do político ao religioso, do epistémicoao espiritual -, com a inversão de todos os valores e a profanação de tudo o que é sagrado, existe um método praticamente infalível de saber o que tem realmente valor: é só inverter aquilo que regra geral é valorizado.

695 – A Fama, o Poder, o Estatuto, a Riqueza e a Aparência física, eis os valores que efectivamente conduzem e mobilizam a esmagadora maioria da Humanidade tão logo deixe de se ocupar com a mera luta pela sobrevivência. Já aquilo que mais importa, a saber, a Verdade, a Sabedoria, a Beleza, a Justiça, o Bem, a Liberdade, a Virtude, em suma, o aperfeiçoamento e realização espiritual, nunca interessaram verdadeiramente a não ser a uns poucos, sempre excêntricos, sempre em minoria.

696 – É completamente insensato e absurdo o facto de ser necessário recorrer ao argumento da sobrevivência humana para criticar etentar limitar a acção destruidora do homem no seio da Natureza. Como sea exploração, o domínio, a manipulação, a posse, a expropriação e a utilização abusiva dos ditos “recursos naturais” – expressão já de si antropomórfica e antropocêntrica – fossem as únicas, necessárias e, portanto, inevitáveis atitudes possíveis no relacionamento

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do Homem com a Natureza; como se estivéssemos “condenados” a ser Donos e Senhores da Natureza – convicção muito antiga, muito vasta, muito funda; como se a solidariedade, a cooperação, a identificação, a empatia, a amizade, a união, a participação, a responsabilidade, a harmonia, orespeito e o amor se reduzissem e restringissem à esfera humana e tudo o resto não passasse de mero instrumento passivo de valor residual ou neutro, ou, quanto muito, elemento utilitário ao nosso serviço; como se as forças, formas, seres e potências naturais, o vento e o ar, a terra e o mar, o calor e a luz, as plantas e osanimais, enfim, tudo o que é natural, tivesse sido criado e fosse mantido de acordo com a velha e “insuspeita” tradição narcísica e egológica (ocidental ou não,bíblica ou não) que nos faz residir e continuar a ser – ou julgar ser, nem que seja pela força da fé e da acção – o centro e a finalidade do Universo criado.

697 – A moda do trivial, do efémero e do superficial não é um fenómeno – uma moda – nem trivial, nem efémero, nem superficial. Ao contrário, representa um avanço - ou um recuo, consoante o ponto de vista de quemexperimenta – em direcção ao afastamento do Homem relativamente a si próprio, ao Ser e à Tradição sagrada que os comunga.

698 – “Uma esfera cujo centro está em toda a parte e a circunferência em parte alguma”: eis como se deixa simbolizar o dom da ubiquidade paradoxal do Ser e/ou do Universo.

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699 – Tudo aquilo que o Homem pode ser, saber ou fazer, nãoé nada comparado ao que não pode.

700 – Do ponto de vista teológico a Liberdade significa a possibilidade de fazer o Bem e/ou o Mal, o poder de escolher entre um e outro,o que implica um assentimento - ou um consentimento – consciente tanto no acto de pecar como na prática da virtude. Em qualquer caso, e visto que a situaçãohumana é, por natureza, simultaneamente divina e diabólica, essa possibilidade não se converte em realidade a não ser como resultado de uma decisão, de uma opção radical constantemente confrontada com a sua antagonista.Assim, nem o Pecado nem a Virtude, por si sós, eliminam ou anulam a Liberdade, na medida em que constituem expressão tensa e sempre conflitual darelação entre duas instâncias de sinal contrário – ou três, se incluirmos a instância decisora e mediadora da Consciência, onde afinal tudo se joga. De qualquer modo, sendo a Alma do Homem o palco onde se encena o drama e se trava aguerra heróica e trágica de cada homem consigo mesmo, não há aí lugar para uma solução pacífica - ou uma qualquer fórmula neutra de aceitação passiva -, nem tampouco para a ingenuidade, a indiferença, a inconsciência ou a ignorância, sempre desculpabilizantes, sempre desresponsabilizadoras. Só o conhecimento consciente e assumido pode dar origem à Liberdade responsável.

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701 – Mesmo partindo do pressuposto de que só no Homem a Vida adquire consciência de si, será ainda assim de excluir a presença de uma Inteligência Inconsciente, mas genialmente operativa, criativa e funcional na Natureza, tal como existe e se manifesta no Homem?

702 – O Discernimento é a faculdade de distinguir o verdadeiro do falso e o que verdadeiramente importa daquilo que não tem importância alguma. A isso não é também estranho a “ciência” da Oportunidade, do Tempo Oportuno.

703 – Só o Espírito é capaz de contínua e/ou simultaneamente transgredir e transcender os limites físicos do Espaço, do Tempo e da Realidade, bem como todas as Leis e Princípios (lógicos, cognitivos, morais, etc) quea si mesmo impõe, qualquer que seja o sentido desse movimento – evolutivo (supraconsciência), involutivo (inconsciente) ou subversivo(neutro).

704 – Os valores tecno-pragmáticos da competência, da eficácia e dos resultados, inspirados pela (e imbuídos na) nova mentalidade estratégica e calculante, com a sua falsa indiferença e pseudo-independência relativamente a fins e valores não mensuráveis, com a sua ideologia pretensamente não-ideológica das estratégias e objectivos, substituem hoje – da ciência à economia, da política à pedagogia ou às relações pessoais - a velha moraldo esforço, das boas intenções e da boa vontade – demasiado frequentemente hipócrita e perversa, é certo -, assim

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como o também velho imperativo que condicionava os meios à positividade dos fins a que se destinavam.

705 – O antigo imperativo “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” - na sua versão negativa e proibitiva -, mesmo quando convertido na outra versão activa e afirmativa de si mesmo (“faz aos outros o que queres que te façam a ti”), e sem deixar de estar afectado pela relatividade inerente à diferença irredutível e à singularidade individual de cada ser humano eseus respectivos contextos sócio-culturais e históricos, não perde por isso,também, o seu valor universal - e não só abstracta ou simbolicamente, mas a serrealizado por cada um.

706 – É extremamente difícil aprender a viver com a incerteza e a dúvida a título permanente, não como um estado de espírito parcial e transitório, mas como estrutura essencial do ser.

707 – É através dos corpos e das almas, com eles e, por vezes, apesar deles ou contra eles, que se origina o verdadeiro reino do Espírito.

708 – É na disponibilidade, na entrega e na abertura de espírito, na aptidão para dar e receber (sentir sem sentir), para criar (pensar sem pensar), para ser e agir (sem ser nem agir), é nisso que reside a verdadeira essência da liberdade humana.

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709 – É sabido que o niilismo é o mal do século. A questão,porém, é saber se não passa de uma crise de crescimento ou adaptação, ou se, pelo contrário, se trata de uma doença incurável e terminal.

710 – Vender a própria alma, seja como for, pelo que for oupor quem for, é uma empresa que acaba sempre por revelar-se desastrosa, um trágico mau negócio - o Complexo de Fausto.

711 – Mesmo que um dia deixem de existir tiranos e ditadores no plano da realidade política (?), sempre e ainda os haverá no plano do desejo, do ideal ou da realidade da vida privada.

712 – “Todo o homem tem o seu preço”, eis uma tese que ganha cada vez mais o peso de lei – e admite cada vez menos excepções à suaregra

713 – Ainda há quem queira enganar-se – ou enganar-nos – a respeito da verdadeira natureza do mundo e época em que actualmente vivemos, denegando, relativizando, subjectivando ou racionalizando a sua essência intrinsecamente decadente, na ilusão de que o “para além do bem edo mal” signifique ou implique necessariamente uma anulação ou uma confusão do bom e do mau.

714 – Para quem mantém a inteligência crítica em estado de lucidez, nada têm de

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espantoso, estranho ou surpreendente o renascimento e a força renovada dos revivalismos, dos radicalismos, dos extremismos efundamentalismos que invadem o mundo, sejam eles políticos e/ou religiosos, de direita ou de esquerda. Se pensarmos bem, veremos que o espantoso seria que não existissem, pois todos se alimentam da mesma fonte e origem e daí resultam como consequências e manifestações necessárias – até mesmo o ateísmo se tornou, paradoxalmente, uma ideologia político-religiosa ou uma religião política, mimetizando o inimigo que pretende combater! Sinais dos tempos…

715 – Enquanto o nosso relativismo hipócrita nos impede de ver o absolutismo cego em que vivemos, condenando-nos a sentir e julgar quaisquer outros valores ou modos de vida como desprovidos de qualquer interesse vital ou de qualquer sentido de aprendizagem compreensiva – salvo comocuriosidade científica ou exotismo turístico escapista -, é a nossa mísera auto-satisfação narcísica, o prazer reforçado pela nossa própria imagem, pela nossa propriedade privada, que sai vencedor dessa cruzada mentirosa; é a nossa oculta/manifesta arrogância e prepotência ocidental, branca, civilizada, adulta, racional, masculina e burguesa que começa agora a confrontar-se com os seus limites e com o verdadeiro princípio da sua relatividade essencial, da sua insuficiência, o mesmo é dizer, da sua ruína enquanto princípio de ilusória auto-suficiência e superioridade em relação a tudo e a todos os que não sejam, na suadiferença, redutíveis ou recuperáveis àquela sua mesmidade.

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716 – Será possível que apenas o prazer do Poder e o poder do Prazer movam e dominem a vida dos homens?!

717 – É com simulacros e seduções, com jogos de palavras, ideias e imagens, que se pretende hoje ocupar, camuflar e compensar o vazio criado pelos sucessivos traumas narcísicos que abalaram a Humanidade nos últimos 500 anos.

718 – A perda da centralidade imaginária da Terra no Universo; a perda da centralidade ilusória do Homem no sistema e evolução da Vida; a perda da centralidade delirante da Razão e da Consciência no Psiquismo;a perda da centralidade ideológica e prática da Moral e da Religião na vida social e cultural dos homens: todos estes acontecimentos, todas estas perdas, causaram, a princípio, um tal sentimento generalizado de desorientação, uma talangústia de separação, um tal estado de luto e melancolia, que acabou por determinar uma sensação de deriva que tende hoje a ser desesperada e, por irónico eparadoxal contraponto, reactivamente valorizada, não só como princípio de inteligibilidade, mas como modelo referencial de avaliação, orientação e criação, intentando substituir os antigos referenciais absolutos - e a correlativa segurança emocional e existencial aí implícita - por outros só aparentemente novos e diferentes – mas semelhantes do ponto de vista da sua economia simbólica e imaginária -, e, no fim, sempre adiando a necessidade e urgência do propriamente espiritual, que é afinal o que

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está em causa.

719 – Embora não seja um dado óbvio ou um facto imediatamente evidente, a correlação perversa do prazer e do sofrimento faz-se hoje sentir na forma universal de uma busca desesperada e pretensamente amoral – no sentido de ter ultrapassado, de estar aquém ou de se situar foradesse nível, e isso quando nem sequer o atingiu - , até ideologicamente assumida, de tudo o que entretenha, seduza, divirta, inebrie e satisfaça o corpo, os sentidos, a vontade, a imaginação, a consciência ou a inteligência. É essa correlação perversa que explica a tendência actual para se correr todo o tipo de riscos - físicos, emocionais ou intelectuais, tanto faz - à procura da sensação mais forte, do desafio mais intenso, do perigo mais excitante que ponha à prova as capacidades do indivíduo para os suportar e superar, reforçando a sua auto-imagem e auto-estima à custa de uma ilusão de poder que se alimenta a si mesma e se esgota em si mesma, numa combinação potencialmente (e actualmente) mortífera de agressividade e sexualidade deslocadas, de narcisismo de vida e de narcisismode morte.

720 – A vida de uma pessoa reduz-se, por vezes - ou talvez sempre -, no seu essencial, a uma negação, uma fuga, uma perseguição ou uma reafirmação de um estado ou experiência originária.

721 – As ditas hermenêuticas da suspeita e da desmistificação recaíram hoje sob o peso

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da sua própria gravidade, tendendo agora a ser desvalorizadas (“desmistificadas”) em função de critérios mais “leves” e “etéreos”- ou outros ainda mais sérios e graves -, ou seja, começam a ser alvo da mesma entropia que tinham criado junto das suas antecessoras, a qual conduz geralmente não a algo mais autêntico, mais elevado e mais perfeito, mas à desintegração“insuspeita” disso mesmo, isto é, ainda, a uma nova mistificação.

722 – O movimento de elevação, expansão, desenvolvimento e aperfeiçoamento do Espírito resulta do dinamismo intrinsecamente evolutivo e simultaneamente integrador e diferenciador das potências naturais.

723 – É uma inteligência profundamente luminosa e espiritual aquela que impregna a sensibilidade religiosa e mística mais pura, a mesma que abre o Sentido da Verdade à revelação do Ser no coração do Homem e aí faz residir o próprio Segredo da Criação.

724 – A Fatalidade não existe apenas na cabeça dos homens, no sentido meramente ficcional ou fantástico, nem deriva sempre de um estado de ignorância ou fraqueza, outrossim pode ser indício de uma consciência altamente desenvolvida e de um conhecimento depurado e corajoso, como aquele que une a dimensão trágica e heróica da vida.

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725 – Tudo o que existe se precipita para o que ainda não existe mas já é potencialmente, e vice-versa, tudo o que ainda não existe decai continuamente no fluxo eterno do acontecimento-existência.

726 – O Tempo é o acto e a potência de si mesmo.

727 – Como poderia o Espírito conhecer e sentir o Mundo, senão existisse uma conaturalidade implícita, mas essencial – genésica, estrutural e funcional – que simultaneamente os separa e une numa mesma e heterogénea realidade?!

728 – É a correlação (estrutural e dinâmica) entre o físico, o biológico, o psíquico, o social e o cultural que potencia os diversos níveis e registos da experiência sensível, emocional, intelectual e espiritual do Homem

729 – Na vida, tal como no pensamento, na arte tal como na ciência, a atitude de conservação e admiração do já feito e conquistado, não impediu nunca que, qualquer que fosse a perfeição atingida, o que estava para além disso fosse sempre valorizado como o que verdadeiramente importa, mesmo que isso custasse o abandono e a perda de algo estável e seguro.

730 – A transformação do Homem pelo Homem em direcção a umaoutra Humanidade, a uma outra espiritualidade, eis a tarefa própria, a missão específica da Educação.

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731 – Os filósofos hoje não fazem mais que interpretarem-sea si próprios e, consequentemente, a filosofia a si mesma. O que épreciso, porém, é transformá-los, é transformá-la, reorientando-a ereconduzindo-a em direcção à sua plenitude essencial, isto é, à sua virtude iniciática e sapiencial.

732 – A Verdade não pode nem deve ser medida pela Utilidade.

733 – É a obsessão pela originalidade e pela diferença - e a fobia de não o conseguir – que torna agora as pessoas tão monotonamente repetitivas e tristemente iguais.

734 – Diz-se que a competição é saudável; que a concorrência é a lei fundamental da Vida; que a sobrevivência do mais forte e/ou do mais apto vale também para o social e o humano em geral, devendo, por isso, ser valorizada como medida de competência e eficiência funcional em todos os domínios; diz-se que tudo o resto são mentiras e preconceitos humanistas de uma moralidade conservadora e reaccionária: mas então, repare-se no estado actual das coisas e dos homens, veja-se o mundo desapaixonada e realisticamente, e julgue-se o resultado em função dessa suposta “Lei Universal”.

735 – A lei da inércia, em todas as suas ramificações, não é redutível a uma simples regra natural ou lei da física. Também a Vida, o Homem e o Conhecimento

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por ela são afectadas e reguladas.

736 – A única atitude humana e filosoficamente digna é a coragem de viver o risco e o desafio, a aposta e a aventura em busca do caminho que procura saber e realizar a verdade e o sentido dessa vida, ou seja, a Verdade e o Sentido da Vida.

737 – Metafisicamente, em última análise, o Princípio diferencial da Individuação e o Princípio integrativo da Unificação, não apenas se opõem, isto é, se diferenciam, como se identificam um no outro, ou seja, unificam-se e coincidem.

738 – Os critérios estéticos e económicos da elegância e simplicidade fizeram época, tanto nas matemáticas e ciências da natureza, como em todos os campos da arte, do pensamento e da sociedade. Assiste-se agora à inversão disso mesmo, ou seja, ao reconhecimento e valorização da complexidade inesgotável do real em todas as suas dimensões, não significando isto que por aí não se insinuem estratégias de ocultação e dissimulação - montagens complexificantes – directa ou indirectamente motivadas por interesses de vária ordem (psicológicos, sociais, económicos, políticos ou ideológicos), nomeadamente no caso das artes e da sociedade, mas também, e infelizmente, no caso das ciências, e em particular das ciências humanas ou das naturais que tenham implicações nos assuntos humanos. É possível e até provável que a Ciência constituao espaço onde esta luta mítico-

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ideológica menos transparece, o que não implica excepção, pois é o caso de ali se verificarem inúmeras resistências e obstáculos que epistemologicamente denotam aquela tensão crítica e criativa do simples e do complexo.

739 – A dimensão lúdica da vida ameaça tornar-se hoje a norma e padrão absolutos da nova moralidade, criando uma também nova normalidade que recalca e denega, defensivamente, a dimensão séria e profunda do próprio jogo.

740 – A ironia é uma grande e valorosa arma do reino do Espírito, mas não é a única, nem deixa de ser, por isso, também um sintoma. Ounão será assim?

741 – A faculdade de estabelecer analogias, de descobrir afinidades, de criar correspondências e de produzir associações simbólicas e imaginárias entre as coisas e os seres, ou entre ordens e planos diferentes do real, não permitirá a legítima suspeita de que existe uma secreta cumplicidade, uma antiga e sempiterna aliança do Espírito com a Natureza, umisomorfismo e uma homologia profunda entre ambos, que seja a condição de possibilidade daquela faculdade?!

742 – Olhar para tudo que é novo com os olhos postos em tudo o que é velho, e/ou reciprocamente, olhar para tudo o que é antigo com os olhos virados só para

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o que se apresenta como novidade, eis dois tipos complementares de cegueira demasiado frequentes no Homem.

743 – Goste-se ou não, é mesmo muito provável que Deus tenha realmente jogado aos dados, e até que continue a jogar, seja connosco ou consigo mesmo.

744 – Nem a simplicidade originada da redução analítica nema complexidade resultante da integração sintética podem ou devem ser escamoteadas das ciências e do pensamento, em conformidade, aliás, com esse duplo movimento cíclico e dialéctico de tensão e polaridade que constitui oMundo e, afinal, a nós mesmos enquanto lhe pertencemos.

745 – Sendo incontestável que na origem das manifestações religiosas se cruzam e combinam uma incrível profusão de elementos, uma mistura ambígua e paradoxal de emoções e sentimentos, que vão do respeito e devoção ao temor, ódio e amor - fenómeno transparente em todos os rituais, cultos e mitos, sejam eles históricos ou espontâneos -, não deixa, por isso, de ser curioso o facto de ser possível extrair conhecimento válido do conteúdo cognitivo inerente ao simbolismo religioso. Essa verdade não toca apenas o lado especificamente humano – as projecções, identificações, etc, -, mas abrange também, e mais radicalmente, os princípios e forças que precedem, originam e presidem ao processo de diferenciação entre os diversos níveis, formas e instâncias da

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estrutura da realidade no seu conjunto. Assim, é esse mesmo movimento generativo (integrativo e diferencial) que cria arealidade no seu todo – e, logo, a nós, enquanto lhe pertencemos e dela participamos – que legitima a perspectiva de uma simbólica transcendental presente nos diversos regimes onde se exprime e se actualiza o sentido e o valor da ideia das correspondências universais, da analogia e participação do Microcosmos humano como Todo Macrocósmico do Universo, num mesmo e único princípio divino simultaneamente imanente e transcendente a todas as coisas.

746 – Como já foi profetizado para a literatura, também na televisão e no cinema vivemos em plena época folhetinesca.

747 – É preciso ressuscitar a experiência-atitude de seriedade, densidade e profundidade na arte de se ser.

748 – Aquilo que sabemos – ou julgamos saber – é absolutamente insignificante em relação ao que ignoramos. Isso é verdade a tal ponto e de tal forma que desconhecemos até a dimensão da nossa própria ignorância, ou não fosse esse re-conhecimento da ignorância já uma forma de sabedoria – e, porventura, a mais difícil de todas.

749 – Nem sempre a distância no espaço e/ou no tempo corresponde à distância do coração. Ao contrário, frequentemente essa relação é mesmo na proporção

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inversa.

750 – O necessário renascimento espiritual do Homem não é uma figura de estilo nem uma expressão meramente simbólica, antes denota aurgência de uma verdadeira transmutação ontológica, de uma transformação absolutamente real no seu ser essencial - a qual não passa, aliás, da plena realização do seu potencial natural.

751 – Assim como o Absoluto – que não tem nome nem forma – adquiriu diversos nomes e formas ao longo da História da Humanidade, também o processo- acontecimento da sua experiência e/ou conhecimento foi diferentemente nomeada, de acordo com as várias tradições específicas que nos procuram re-ligar e re-unir com ele: Iniciação, Conversão,Despertar, Iluminação, Nirvana, Renascimento, Transmutação Alquímica, União ou Experiência Mística, Salvação, Reintegração e Realização Espiritual são apenas algumas dessas designações.

752 – A universal predilecção da Humanidade pela irrelevância e pela trivialidade não deixa de ser espantosa.

753 – Sendo a Ciência a tentativa humana de encurtar a distância - ou mesmo anular a diferença – entre o mundo tal como o vemos e o mundo tal como realmente é, ou seja, por outras palavras, entre a aparência das coisas e a sua essência real, não deixa por isso de ser paradoxalmente surpreendente que a ordem oculta que

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parece governar a realidade ao nível da sua estrutura mais profunda - e que explica a sua aparência sensível - esteja tão afastada desta como o mais abstracto se encontra afastado do mais concreto. No fundo, é como se se pudesse dizer que, quanto mais abstracta for a causa, a lei ou o princípio explicativo, mais real será na sua essência e mais concreta será a sua manifestação sensível, isto é, quanto mais abstracto mais concreto. É isto que explica provavelmente o sucesso e a universal aplicabilidade da matemática a todos os domínios da realidade, uma vez que se trata da mais abstracta das ciências eaquela que mais distante parece estar do real concreto, o que não passa afinal deuma ilusão errónea, uma vez que é a própria estrutura matricial da realidade que se revela de natureza matemática, conforme todas as outras ciências não cessam de odemonstrar à saciedade.

754 – Poderiam as leis da Natureza ser diferentes daquilo que são? Poderiam ser outras? Ou nem sequer haver leis? E porque tem a Naturezaleis? E porquê estas e não outras? Porque é o Universo um Cosmos e não um Caos? Serão as leis da física metafisicamente necessárias ou contingentes? E porquê este Universo e as suas leis? Porque não outro com outras leis? E porquê o Universo – ou o Multiverso – e não o Nada? Porquê tudo isto? Teria isto tudo necessariamente de existir e ser como é? Porquê? Não há dúvida que a resposta a todas estas questões existe. O problema está em saber qual é ela e se alguma vez a conseguiremos alcançar – e para isso não há qualquer garantia (nem positiva nem negativa).

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755 – O vazio nas pessoas, tal como na Natureza, tende a criar uma distorção no “espaço-tempo” do espírito, uma descontinuidade anómala, uma situação de desequilíbrio que só pode ser corrigida mediante o preenchimento desse vazio, qualquer que seja o custo disso e qualquer que seja o “objecto” a atrair, absorver e assimilar a fim de resolver o problema.

756 – Aquando da reconversão de um símbolo à sua dimensão originária (arquetípica), experimenta-se intuitivamente aquela natureza anfibológica e sintética que lhe é constitutiva enquanto índice re-velador da Verdade, isto é, enquanto representa propriamente o que a Verdade pode dar de si, aquilo que mostra e oculta ao mesmo tempo e o que por aí se deixa sugerir e insinuar. Daqui resulta uma inferência necessária, desdobrável em duas definições óbvias: o símbolo é a verdade do Ser e/ou a verdade do Ser é o símbolo.

757 – Nem na Filosofia nem na Ciência existe qualquer incompatibilidade de princípio entre a dimensão da criatividade e da imaginação e a dimensão da objectividade e do rigor. Ao contrário, é da união de ambas quese obtêm geralmente os melhores resultados.

758 – Também hoje e aqui importa realizar a virtude intrínseca à vida contemplativa - como, aliás, em qualquer época ou lugar.

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759 – A consciência da nossa radical interdependência conectiva e participativa relativamente a tudo o que existe, quando alicerçada no sentimento místico da irmandade universal de todos os seres, mostra-se capaz de elevar o Homem a estados de ser e a níveis de conhecimento e valorpotencialmente infinitos, ou seja, àquela perfeição humanamente possível na – e pela – transmutação e realização do Ser.

760 – Tornar-se Deus, ser Deus – ou um deus -, ou tornar-seuno com ele, eis o sonho universal e eterno do Homem – e de cada homem. Mas a forma de o tentar conseguir pode levar tanto à beatitude e à santidade como à hubris satânica, à raiva e frustração da impotência, fonte de quase (?) todo o mal. Tudo depende do que se quer realmente e do caminho que se tomapara lá chegar.

761 – Até que ponto é legítimo extrapolar conteúdos e princípios de uma experiência vital a outros seres cuja experiência seja diversa? Não significará isso sempre a imposição arbitrária de uma vontade? Um julgamento moral pressuposto, forçosa e cegamente autocêntrico, pois que irredutivelmente afectado pelas condições em que ocorre e pelo sujeito individualou colectivo que lhe dá sentido? Não haverá um princípio de irredutibilidade e intransmissibilidade que marca fatalmente como limite o horizonte de possibilidade daquilo que é realmente experienciável por cada ser e, logo, verdadeiramente significante para esse ser,

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e não só, nem tanto, o que é por ele cognoscível,imaginável ou percepcionável? E não será isto verdade ainda e mesmo que implícita esteja uma afinidade universal, uma semelhança fundamental entre os seres humanos, para além – ou aquém – das diferenças contingentes ou circunstanciais que os distinguem, reconhecendo uma unidade transcendental ou uma identidade metafísica comum inerente à natureza e condição humana?

762 – O ideal romântico da Aldeia Global, mesmo quando ética, ecológica ou comunicacionalmente fundado no conceito de inter-relação e no sentimento de solidariedade generalizada de todos os seres e coisas, encontrando assim na realidade objectiva o seu fundamento último e a sua legitimidade política, não deve recalcar e denegar, ou racionalizar para justificar, o processo de globalização forçada e indiscriminada, que mais tende a homogeneizar e simplificar de acordo com um padrão dominante imposto “malgré tout”, doque a respeitar e preservar essa diversidade e complexidade essenciais que constituem a riqueza e valor intrínsecos tanto dos seres e espécies naturais como das culturas e indivíduos humanos.

763 – O Destino é filho do casamento entre o Acaso e a Necessidade.

764 – A verdadeira Elite da Humanidade não é económica, nemsocial, nem política, nem cultural, nem meramente intelectual no sentido corrente da palavra, mas sim

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Espiritual: é a elite dos que São e Sabem realmente – ou querem e podem Ser e Saber -, vivendo e agindo de acordo com aquilo que sabem e são.

765 – Serão todos os Valores Supremos sempre e necessariamente compatíveis entre si? Será sempre possível conciliar a Verdade, o Bem, a Justiça, a Beleza, a Liberdade e o Amor? Não será, por vezes, necessário sacrificar algum (ou alguns) deles para fazer prevalecer outro (ou outros)? Não existirãosituações reais e não serão concebíveis situações imaginárias onde a sua compossibilidade não exista por princípio? Onde seja necessário escolher um ou dois em detrimento de outro ou outros, circunstancialmente considerados de menorrelevância? Onde seja inevitável reconhecer, avaliar e agir hierarquizando-os numa escala adaptada à situação concreta, escala essa que pode não ser rígida nem estática, mas variar de acordo com aquilo que a situação objectivamente exige? Feliz ou infelizmente, a resposta parece ser afirmativa, o que não implicaqualquer tipo de relativismo convencional, mas tão só e apenas o uso apurado da inteligência e do discernimento espiritual para saber e decidir o que é melhor fazer em cada caso respeitando aqueles valores, ao invés da suaaplicação cega e mecânica que dispensaria qualquer deliberação do sujeito ético e o faria funcionar em regime de piloto automático, cumprindo ou executando um programa de regras dogmáticas previamente definido de uma vezpor todas e igualmente válido para todas as situações, como se se tratasse de uma fórmula ou receita universal.

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766 – Com relação ao Homem, os filósofos pouco mais fizeramque interpretá-lo. O que é preciso, porém, é transformá-lo e aperfeiçoá-lo – ou seja, realizá-lo.

767 – A excelência do Amor é um facto evidente por si mesmo– para quem sabe o que é o Amor.

767 – A tese que afirma a interligação e interpenetração deglobal de todos os seres, fenómenos, sistemas e processos terrestres – físicos, químicos, biológicos, psíquicos, sociais e culturais -, admitindo dessaforma a hipótese da inclusão de todos esses elementos num ser, sistema e processo de natureza e complexidade superior a qualquer um deles e que os integra como partes de si mesmo, mais não é, no fundo, que o reconhecimentoe aplicação local da validade dos princípios metafísicos tradicionais do “Tudo está em tudo”, “Tudo é um” e “Tudo vive”. O que importa aqui saber é quais sãoas modalidades e implicações desse facto, bem como determinar-lhe as consequências necessárias no plano da acção e da existência humana.

768 – Só é verdade que o que não nos mata nos pode tornar mais fortes se assim o soubermos converter, à semelhança do que acontececom o próprio aço, que é temperado e adquire a sua perfeição, a plenitude essencial da sua natureza, ao ser submetido a terríveis pressões e temperaturas. Caso esse processo de conversão

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falhe, tanto o corpo como a alma (ou o aço) podemser destruídos no processo.

769 – A conquista da Sabedoria pressupõe, coincide e implica uma transmutação real do ser, uma acréscimo da sua qualidade.

770 – O Sábio sabe ser impossível curar e iluminar todos oscegos, libertar todos os escravos, despertar todos os adormecidos e/ou ressuscitar todos os mortos, mas não desiste por isso de cumprir a missão sagrada a que foi chamado e para a qual se encontra destinado.

771 – Se Eros e Thanatos – quer dizer, as pulsões de Vida eas pulsões de Morte, ou, mais simplesmente, o Amor e a Morte – possuem umadimensão e uma significação não meramente antropológica ou mesmobiológica, mas também, e fundamentalmente, cosmológica e metafísica, entãoexiste uma relação complexa - porque simultaneamente complementar, concorrente, antagónica e incerta - entre ambos, uma espécie de luta universal entre duas forças de polaridade inversa, entre duas instâncias ou princípios dialécticos de transformação, integração e diferenciação cíclica e sucessiva deuma e de outra (e de uma na outra), sendo uma desintegrativa, regressiva, separadora e repulsiva e a outra integrativa, progressiva, unificadora e atractiva- o que é perfeitamente representado no simbolismo ancestral do Yin-Yang.A ser verdade tal pano de fundo, é aí que ao mesmo tempo se joga, encena, dramatiza, projecta e promove –

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no Homem e através dele – a infinita reconciliação e reunião do Ser-Universo consigo mesmo, por meio dessa abertura radical – ontológica e existencial – que a tudo nos irmana e com tudo nos comunga.

772 – A Odisseia da Humanidade é, antes de mais e acima de tudo, uma Odisseia Espiritual (ou do Espírito).

773 – O necessário reconhecimento e a consciência de que, no plano do conhecimento, seja ele científico ou não, a objectividade em estado puro é algo virtualmente impossível de ser atingido, por suposta implicação subjectiva das percepções, representações, crenças, valores e desejos do sujeito cognitivo, que se traduzem em categorizações selectivas e deformações reestruturantes do real ou em pontos de vista e perspectivas sempre e necessariamente relativas e imperfeitas, não autoriza nem legitima, no entanto, o princípio “relativístico” do “vale tudo”, da arbitrariedade total, da ausência de critériosde rigor e objectividade possíveis, do anarquismo ou do irracionalismo epistémico. Pelo contrário, aponta antes o alcance, a descoberta ou a conquista de um outro nível de ser, de consciência e de valor cuja valência e significação não dependadas condições eternamente mutáveis e universalmente plurais que lhes subjazem. Uma vez alcançado esse estado transcendental da consciência, esta torna-se independente, deixando de ser afectada por todos aqueles factores que normalmente a condicionam e que sobredeterminam todo o conhecimento na sua génese, estrutura, função e sentido.

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Este é um problema a resolver pelo sábio, isto é,por aquele que efectivamente procura realizar a Verdade, o Bem e a Justiça na sua indissociabilidade vivida, universal, necessária e objectiva – mesmo que esta seja uma missão impossível de ser cumprida – porque sempre inacabada - e se revele uma tarefa infinita.

774 – Se é verdade que toda a pesquisa, seja ela científica, filosófica, artística, religiosa, técnica ou política, se deixa conduzir e visa alcançar respostas a questões e/ou soluções para problemas, essas questões e problemas ganham superior distinção quando primordialmente articulados com a determinação conjunta das diferentes modalidades lógicas, metodológicas, estratégicas,tácticas ou técnicas que os enquadram e potenciam por aí a sua resolução mediante uma correcta colocação. Urge, pois, antes de mais, determinar com clarezae rigor essas questões e problemas, a fim de que a sua adequada formulaçãoou equacionamento forneça, desde logo, o quadro virtual das possibilidades resolutivas ou de resposta, condição necessária, embora não suficiente, para que esta seja efectivamente encontrada – princípio fundamental de uma Heurística verdadeiramente universal.

775 – Lamentavelmente, dirão uns - inevitavelmente, dirão outros -, o Homem continua a ser A Medida de todas as coisas.

776 – Aquele que sabe fala, aquele que não sabe não fala?!

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Não! Lamentavelmente, a grande verdade continua aser, para qualquer tempo ou lugar: aquele que sabe não fala, aquele que não sabe fala - o primeiro, quanto mais sabe, menos fala, enquanto o segundo, quanto menos sabe, mais fala.

777 – Douto ignorante me confesso, pois também eu só sei que nada sei, sendo essa, portanto, humilde e nada originalmente, a minha única sabedoria – e nada fácil de alcançar, convenhamos, ou talvez mesmo a mais difícil de todas. Mas é precisamente por ter atingido esse conhecimento ou consciência da minha própria ignorância que ela se tornou no motivo e no motorda minha busca incessante, a fonte primeira e última da tensão inquisitiva que gera e orienta o movimento perpétuo da investigação – e não propriamente aquele estado de auto-satisfação niilista, céptica ou cínica de quem julga ter descoberto que nada há para saber porque nada se pode saber a não ser que não se sabe - nem nunca se saberá – nada, como se isso não fosse, não só falso e absurdo, mas uma contradição nos próprios termos.

778 – Se fosse verdade que a verdade não existe, então estaafirmação também não seria verdadeira, logo…; se fosse verdade que, mesmo que a verdade existisse, não poderia ser conhecida, então esta suposta verdadetambém não se poderia conhecer, logo…; se fosse verdade que, mesmo que a verdade existisse e pudesse ser conhecida, não poderia ser transmitida ou ensinada, então também esta

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aparente verdade não poderia sê-lo, a contrário do que, de facto, ocorre, logo… - auto-refutação do relativismo céptico por redução ao absurdo de se contradizer a si mesmo, dispensando assim a apresentação de quaisquer factos empírica ou formalmente verificáveis e incontestáveis (exs: eu existo, o mundo existe, A=A ou 2 + 2 = 4).

779 – Existe uma possibilidade de contacto tangencial passível de ser experiencialmente vivido entre a exteriorização cósmica do psiquismo e a interiorização psíquica do Cosmos: é o estado ou nível da Consciência Cósmica.

780 – A questão de uma filosofia espiritual começa a ganharsentido quando o problema do Espírito é equacionado na sua especificidade, radicalidade e urgência de um modo correcto, ou seja, quando não é erroneamentede-limitado e confundido com o mental, o racional ou o representativo, outrossim vivido e compreendido na sua essência própria e simbólica, quer dizer, na dimensão relacional, unitiva e realizante da inteligibilidade do Todo em todas as coisas e de todas as coisas no Todo, enquanto índice revelador do Absoluto no relativo ou do Infinito no finito.

781 – A dicotomia clássica do Sensível (corporal) e do Inteligível (espiritual) radica provavelmente numa distorção ilusória e errónea do que, a outro nível de ser e de consciência, surge contínua e progressivamente oudescontínua e abruptamente

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como movimento e instante de intensificação infinita onde absolutamente se diluem e confundem os dois planos artificialmenteseparados pelo entendimento mental limitado e receoso. É aí que acontece e serealiza aquela espiritualidade sensível (ou sensibilidade espiritual), sob a figura de uma intuição intelectiva ou experiência contemplativa.

782 – A correlação de pesos e valores atribuídos à identidade e à diferença entre os homens não é uma questão meramente teórica, mas sim, no geral e no particular, uma questão de decisão axiológica cuja relevânciafilosófica, científica, ética e política não é destituída de consequências – humanas, demasiado humanas.

783 – Existe um plano de contacto entre a metapsicologia e a metafísica, isto é, um ponto de encontro entre a essência do Espírito e a substância do Mundo: é o da Realidade Virtual, da Potência Infinita.

784 – Há que reconhecer, para além da óbvia complementaridade, um antagonismo virtual e/ou uma incomensurabilidade entre as duas atitudes que seguir se descrevem: a) Uma estratégia assumida e deliberadamente teórica, científica e crítica que pretende corajosamente conhecer - isto é, compreender, explicar e interpretar de forma integrativa e multidimensional – a complexa rede de factores que sobredeterminam os homens, condicionando, organizando e orientando a

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estrutura e a dinâmica da acção humana na sua totalidade bio-psico-social, e visando apurar a génese dessa estrutura e a função e o sentido dessa dinâmica, referindo-a ao quadro de uma economia simbólica edramática que é afinal o do tecido constitutivo da vida humana, com os seus medos e desejos, angústias e protestos; b) Uma via também ela integrativa, igualmente compreensiva e corajosa, mas já não meramente teórico-explicativa ou científica, outrossim espiritual, pois que visando e potenciando a transmissão de uma influência espiritual de carácter iniciático que procura a conversão da consciência através da busca amorosa da sabedoria, manifestando-se numa atitude meditativa e sapiencial que mais tende a sugerir, por superiorinspiração, um caminho de realização, uma sageza ou sabedoria vivida e da vida, onde se joga a própria questão do Sentido da Existência e a plenitude integral do Ser e do Homem.

785 – Pode o relativo existir sem o Absoluto? Não será o Absoluto condição de possibilidade necessária do relativo? E não será isto verdade tanto do ponto de lógico como metafísico, ou mesmo gnoseológico? Poderá o relativo, não só ser ou existir, mas ser pensável ou conhecível, sem areferência – explícita ou implícita – ao Absoluto? E o contrário, poderá o Absoluto existir e ser pensado ou conhecido sem a presença do relativo? Se, por definição, o Absoluto não depende metafisicamente de nada para ser e/ou existir, jáa sua manifestação parece ser condição necessária tanto da sua pensabilidade como da sua cognoscibilidade,

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embora isso releve unicamente da nossa condição de seres finitos e limitados, isto é, de seres relativos - que podem, ainda assim, aspirar ao Absoluto de que fazem parte integrante, mesmo quando disso andam esquecidos.

786 – A hipótese do Multiverso, ou seja, de um número infinito de Universos paralelos totalmente independentes e fisicamente isolados uns dos outros, com as suas leis e condições específicas, parece ser para a cosmologia uma hipótese tão útil e necessária como a hipótese da reencarnação o é para a psicologia: para além de se colocar potencialmente fora de qualquer possibilidade de prova - seja ela positiva ou negativa - não sendo portanto testável ou verificável, corroborável ou falsificável – o que torna a sua legitimidade epistemológica no mínimo duvidosa -, parece ainda enfermar do vício de multiplicar as entidades desnecessariamente, contrariando deste modo o velho princípio heurístico da navalha, que recomenda exactamente o procedimento contrário, sob pena de se complicar o simples de forma puramente arbitrária e ad hoc. Tal hipótese parece ser artificialmente construída com o único objectivo de evitar uma outra explicação alternativa para o carácter biofílico do nosso Universo – a do Desígnio Inteligente, do Princípio Antrópico ou do Argumento Teleológico -, ou seja, para o facto de as suas leis e constantes físicas fundamentais parecerem, face a uma imensa ou potencialmente infinita possibilidade combinatória, estranhamenteajustadas para permitir a existência de vida e inteligência. O pior é que, por cada problema “resolvido”, a

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hipótese do Multiverso cria vários (infinitos, na verdade) por resolver - tal como acontece com a da reencarnação -, o que a torna, não só epistemologicamente suspeita , mas económica e heuristicamente pouco vantajosa – o que não significa necessariamente falsa, como é óbvio.

787 – Será cientificamente possível uma Teoria de Tudo? Será possível explicar a totalidade dos factos, fenómenos, leis e forças do Universo – ou do Multiverso, o que seria infinitamente pior – unificando-as e reduzindo-as a uma só Fórmula, Lei ou Força, da qual seria possível derivar, de forma consistente e completa, a totalidade do que existe e acontece, ou seja, do conjunto do Universo? Uma vez que a Unidade Fundamental de todas as coisas se encontra tanto física como metafisicamente assegurada a priori a todos os níveis, tanto substancial como sistémica e dinamicamente – quer dizer, na sua origem comum como na sua evolução conjunta, na sua estrutura básica essencial como no seu funcionamento global e destino final -, compondo o espaço e o tempo, a matéria e a energia respectivamente o quadro formal e o conteúdo do Universo físico enquanto Unidade ou Sistema Máximo que constitui a Manifestação, parece difícil resistir à conclusão lógica de que somente as nossas limitações cognitivas e/ou tecnológicas poderão impossibilitar ou adiar indefinidamente o alcance dessa Teoria Total, e isto quer as leis da física sejammetafisicamente necessárias ou contingentes - isto é, quer sejam ou não as únicas possíveis - e seja ou não a

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teoria das super-cordas a teoria final capaz de unificar a física quântica que rege o microcosmos - com as suas três forças básicas, nucleares forte e fraca e electromagnética - com a física relativística queregula o macrocosmos através do campo de força da gravidade.

788 – À contenção da palavra sucede a infinita criatividadedo Verbo silencioso.

789 – A razão discursiva, seja ela crítica, dialéctica, hermenêutica, analítica ou pragmática, não pode, por princípio e natureza extravasar os seus próprios limites, posto que é adentro da sua esfera específica que exerce a sua função, a qual somente quando elevada à sua potência máxima torna sensível a condição essencialmente aporética e circular que a delimita e circunscreve a um determinado nível de realização da Consciência.

790 – O Transcendental, enquanto horizonte de referência e ponto de junção da validade (universalidade e necessidade) e da objectividadegnoseo-epistemológica, corresponde, no plano metafísico-antropológico, àquela transformação radical do ser-do-homem e do Ser-no-Homem, a qual promove, de forma súbita ou graduada (mística ou iniciática), a experiência contemplativa directa daquilo que, simbolicamente, nele se dá, reúne e revela no milagre iluminativo e libertador do absolutamente infinito divino, enquanto Primeira Causa e Primeiro Princípio de

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que tudo deriva o seu ser e existência.

791 – A ideia de um deus pessoal criador e protector não é uma hipótese científica ou tma tese filosófica; não resulta de uma pura curiosidade ou actividade intelectual nem é um sonho racional ou uma mera ilusão transcendental da razão pura: representa, isso sim, o fruto da necessidade humana, do desejo, do medo, do protesto, da angústia do Homem e de cada homem, expressão máxima da ferida narcísica originária e suprema marca simbólica dasua dolorosa e insuportável finitude – uma mitologia vital, no fundo.

792 – O povo é o ópio da religião.

793 – Talvez que um bom signo do símbolo em geral seja a ideia-imagem do holograma, não enquanto projecção tridimensional, mas sim como conjunto de possibilidades significantes, enquanto sistema potencial infinito que diversamente actualiza as suas potencialidades expressivas e significativas(simbólicas) em conformidade relativamente ao quadro determinado das condiçõesreais em que se insere. É que, se apenas num conjunto ou sistema determinado ganha realidade actual e diferencial, já a sua função e sentido globais referem-no sempre à dimensão de símbolo total que contém potencialmente todas as suas possibilidades significativas e, até, todos os outros símbolos. Assim como a luz branca encerra sempre no seu interior, indistinta e sinteticamente, todo o espectro luminoso,

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assim também o holograma contém integrativa e implicitamente, em cada uma suas partes, a totalidade da informação que no todo – ou em cada todo – se encontra disseminada. Ainda que, em qualquer caso, essa informação ou significação se não manifeste, desdobre ou actualize sempre do mesmo modo - uma vez que a variação e a combinatória são virtualmente infinitas -, nem toda de uma vez ou de cada vez - pois a emergência-manifestação de uma(s) implica a potencialização-ocultamento de outra(s) - existe e subsiste, entretanto, um padrão ou modelo subjacente a essa lógica caleidoscópica: é que, mesmo implicando necessariamente um limite ou princípiode incerteza radical no que concerne à actividade hermenêutica descodificadora e explicativa dos símbolos, neste sentido todos os símbolos são - e todo e qualquer símbolo é - não só potencialmente significante de todos os seus significados possíveis, como também cada um deles pode significar – ser significante – de todo e qualquer outro símbolo ou de todos os outros símbolos, numa rede analógica e/ou homológica e isomórfica verdadeiramente universale infinita. - Diga-se, em abono da verdade, que, por extensãode princípio, o mesmo é válido para a realidade em geral ou para cada ser ou fenómeno em particular, uma vez que a Realidade no seu conjunto pode ser compreendida e interpretada como um símbolo ou sistema de símbolos (princípio holístico de uma ontologia semiótica ou semiologia natural).

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794 – O conflito filosófico das interpretações não passa deuma consequência e extensão local do conflito universal e inevitávelresultante da diferença natural e necessária – ou artificial e contingente – entre os indivíduos, os sexos, as classes, as gerações, os povos, as raças, as religiões, asnações, as ideologias, etc. Tratam-se, no fundo e sempre, de vontades e representações que se afirmam e realizam - ou assim julgam fazê-lo – na e pela oposição a outras vontades e representações.

795 – A Verdade, em qualquer uma das suas acepções, seja entendida como adequação, desvelamento ou Realidade ontológica absoluta, pressupõe sempre uma abertura não redutível às esferas física (termodinâmica e informacional), biológica (eco- fisiológica e adaptativa) ou antropológica (sensitiva, afectiva, cognitiva e sócio- cultural e simbólica). Exige, isso sim, uma abertura fundamentalmente espiritual, ética e ontológico-existencial profunda, a qual, ao acontecer e promover-se, dá conta do verdadeiro sentido da vida humana, ou seja, também, da Verdade do Homem.

796 – As técnicas de marketing - seja ele publicitário, político, religioso ou outro, a promoção de produtos ou marcas a consumir, a criação de modas e necessidades artificiais discriminadoras do status sócio-económico, a persuasão das consciências, a sugestão dos pensamentos, a manipulação das vontades e dos afectos e a sedução das emoções, tudo isso concorre para tornar cada vez maior e

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mais generalizado o amoralismo contemporâneo, o seu cinismo implícito ou descarado, o seu perspectivismo convencionalista ou o seu relativismo defensivo e interesseiro, a sua lógica pseudo-racional das estratégias e objectivos, a sua indiferença a tudo que não seja da ordem da eficácia pragmática com vista ao lucro ou à vitória a todo o custo, o culto da mitologia do sucesso e da cúmplice ideologia tecnocrata ou yuppie: enfim, tudo aquilo que caracteriza o terrível retorno em força da mentalidade sofística, da neo-sofística totalitária do mundo pós-moderno, a qual, como num processo entrópico ou cancerígeno, vai devorando tudo e deixando apenas escombros e ruínas atrás de si – ou nem mesmo isso, mas só um vazio infinito em tudo semelhante a um buraco negro espiritual que se alimenta de si próprio quando nada mais houver para consumir.

797 – A Verdade não pode ser julgada em função de critériosextrínsecos à Verdade, como sejam o prazer, o interesse, a segurança, a utilidade, etc, devendo sê-lo única e exclusivamente com relação a si mesma, aograu de consciência a que se adequa e consoante o tipo de experiência em que se revela ou manifesta - sensorial, vital, científica, filosófica, estética ou mística.

798 – Existe uma relação de identidade e de diferença entreo Princípio da Identidade e o da Diferença.

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799 – Aquilo a que se chama normalmente “retorno do reprimido” é um fenómeno e um processo que não ocorre apenas no universo psíquico individual, mas também no domínio da psique colectiva, histórica e cultural. Compreendem-se assim todos movimentos de revolta e de protesto que ciclicamente manifestam e encenam o drama do mal-estar na civilização, sintomaticamente sentido por todos aqueles que, de algum modo, foram ou se sentiram humilhados, ofendidos, oprimidos, subjugados, iludidos, manipulados, enganados, explorados ou simplesmente esquecidos, reivindicando portanto o seu direito a ser e existir e o seu direito à indignação por se sentirem expropriados da sua dignidade própria. Aqui se encontram as mulheres, as crianças, os jovens, osvelhos, os operários, os camponeses, as minorias raciais ou religiosas - no seio de países dominados por outras raças ou credos - ou mesmo povos inteiros, culturas, línguas, religiões, tradições, nações e civilizações que, de uma forma ou de outra, descobrem, criam ou recuperam a consciência da sua identidade própria e da sua diferença específica e/ou, complementarmente, da condição humana degradada e forçadamente alienada a que foram conduzidos ou se deixaram conduzir e em que são mantidos para seu prejuízo em favor do interesse e benefício de outros, daqueles que impõem a sua ordem vitoriosa. - De referir ainda que é também este o caso de forças, tendências, necessidades ou desejos elementares, como a sexualidade e a agressividade, que tenham sido excessivamente reprimidos, inibidos, limitados,condicionados, desviados ou

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controlados para além da medida-limite necessária, o que também é fácil de verificar, bastando para isso olhar para as sociedades e para a História humana.

800 – O Sentido da Verdade do Ser, da Natureza, do Inconsciente e da História constituem o património cada vez mais degradado do ser onde essa experiência acontece, onde essa verdade se abre e esse sentido se revela: o Homem.

801 - Os meios de comunicação veiculam e alargam hoje a todo o planeta, de forma indiscriminada, a miséria e decadência das sociedades e culturas ocidentais ditas desenvolvidas – ditas por si mesmas e, tristemente, pelas outras que aspiram a seguir-lhes as pisadas -, funcionando, assim, como a nova forma pela qual os antigos Impérios tentam desesperadamente recuperare revalidar as suas ficções gloriosas, ao mesmo tempo que se tornaram o novo instrumento de Poder que parece querer continuar a sustentar o papel paternal,” vanguardístico” e de modelo exemplar a imitar pelos menos favorecidos, os ditos países subdesenvolvidos – e, em muitos aspectos, lamentavelmente, sendo-o defacto. Paradoxalmente, é também por seu intermédio que se toma conhecimento global e se adquire uma consciência verdadeiramente planetária dos gravesproblemas que àqueles países, ditos do terceiro mundo, crónica e endemicamente assiste, tais como a fome, a sede, a pobreza, a doença, a indiferença ou o desprezo pelos direitos humanos básicos, etc. Nessa medida, ao potenciarem a formação de uma consciência global

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dos problemas planetários que a humanidade no seuconjunto enfrenta, tornando- nos cientes da unidade e interdependência de tudoe de todos mediante aquela rede informacional a que cada vez mais têm acesso, os meios de comunicação podem funcionar também como um potencial instrumento de mobilização e intervenção eficaz, bem como de correcção e regulação responsável do sistema total – natural e humano – em que vivemos e somoschamados a participar. - A consciência ecológica global e a consciência política cosmopolita inerente à Declaração Universal dos Direitos Humanos são disso bons exemplos: os erros e as injustiças são prontamente Revelados e denunciados, suscitando interesse e induzindo à acção.

802 – Um dos subprodutos emocionais inevitáveis ao uso e abuso dos meios de comunicação de massa é o facto de continuamente nos fazerem oscilar entre, por lado, a descrença, a desilusão e o desespero - que têm como limite de saturação a indiferença relativamente ao que acontece e a uma possível esperança de um futuro melhor para a Humanidade e o planeta no seu todo -, e, por outro, a renovação dessa esperança possível, na crença, porventura ilusória, de que existe um futuro promissor onde os mais nobres sonhos daHumanidade ganharão realidade, engrandecendo e justificando tanto os que apenas sonharam como os que, finalmente, realizaram – espécie de doença bipolar universal que alterna entre o pessimismo realista e o optimismo idealista.

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803 – Onde alguns – “talvez” não inocentemente – querem vero retorno dos valores do Espírito, uma busca sincera, desinteressada e amorosa da Verdade e da Sabedoria, existe apenas, infelizmente, uma reacção confusa de almas desorientadas pela mediocridade, pela pobreza e pelo vazio que reinanos espíritos e impera nos corações dos homens de hoje.

804 – Talvez nunca como hoje, na nossa civilização científica e tecnologicamente avançada, modelo e padrão exemplar para tantas outras que queremos e julgamos inferiores – julgamos porque queremos -, nesta época dita moderna, pós-moderna ou o que seja, nunca houve, provavelmente, tanta necessidade de preencher, de qualquer forma e a qualquer preço, o vazio da existência, de satisfazer aquele desejo tão profundo e desesperado de um sentido para a vida, aquela sede de ilusões e de crenças, da facilidade e simplicidade dos mitos e preconceitos e da segurança das certezas. Tudo parece agora valer econstituir instrumento legítimo para suprir essa deficiência, fraqueza ou insuficiência vital e espiritual, a qual não é, aparentemente, muito selectiva na sua contaminação. A violência e virulência da infecção são de tal ordem, que se fazem sentircomo se uma doença incurável do próprio tecido vivo da civilização se tratasse, como um processo de gradual de decomposição, um apodrecimento progressivo e inexorável dos seus elementos constitutivos fundamentais e da rede cada vez mais deteriorada de relações que os informam e envolvem. É assim que, indistintamente, qualquer crença, qualquer

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causa, ideal, partido, religião, seita, ideologia, grupo musical ou clube de futebol, funcionam ou podem funcionar como substitutos dosantigos ídolos e das antigas ficções. O objectivo central, mas inconfessável, é encontrar qualquer coisa que dê um sentido à busca desesperada e um conteúdo ao vazio avassalador que por toda a parte faz sentir os seus efeitos, ainda e mesmoquando invertidos, denegados, recalcados, deslocados ou sublimados, fenómeno, aliás, detectável até nos seus desmistificadores e críticos, como também aqui é o caso.

805 – Os mecanismos biológicos e psíquicos de defesa – do organismo e do ego – prolongam e implicam a sua acção ao campo do social, do cultural e do político, ou não fossem estes campos compostos essencialmente por pessoas e resultantes das suas acções e relações.

806 – Atente-se nos seguintes sinais: 1) A identificação cada vez maior entre o ser e o parecer, tanto em termos ontológicos como éticos – as pessoas julgam ser o que parecem aos olhos dos outros, ou pelo menos agem como se os outros assim o pensassem -, o que se traduz num estilo de vida que é essencialmente uma estética das aparências, sustentada pela crença de que a realidade se reduz, ela própria, a um conjunto de aparências; 2) A prostituição dos valores espirituais, epistémicos e morais da Verdade, Justiça, Bondadee Autenticidade, tanto no que respeita aos pensamentos e ideias como aossentimentos e acções, e a sua

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substituição por critérios de natureza estética, económica, pragmática, utilitária ou funcional, como a elegância, a fruição, a rentabilidade, a competência, a eficiência ou a “performance”. Verifique-se agorase não é o caso de se encontrar aqui expressa, de forma evidente e significativa,a confirmação do que se designou, precisamente, de “decadência do Ocidente” – agora também Oriente e Norte e Sul -, ou, noutras tradições aqui convergentes, de Kali-Yuga, Idade-das- Trevas ou do Ferro. Nelas se encontra largamente antecipada e profeticamente avisada a realidade de um mundo onde todos os valores do Espírito se inverterão e/ou dissolverão, onde a esperança dos lúcidos decairá em plena agonia e desesperado pessimismo, e onde o Vazio do Nada sedissimulará na ilusória plenitude do Ser. Resta pensar que, tal como naquelas tradições sapienciais se indica, tal estado é ainda transitório, preparando e anunciando uma outra realidade superiormente evoluída em que o espírito-da-época, desta época, mais não seja, afinal, que apenas mais uma época, ainda que decisiva, na histórica caminhada da Vida do Espírito e do Ser no (e do) Homem.

807 – Pode ou não ser um jogo vão aquele jogo que engloba oMundo, a Vida e o Homem?! Será uma aposta ridícula? Um risco absurdo e desnecessário? Um drama aparente que esconde o cómico de uma farsa insignificante, ainda que brilhantemente mascarada com um rosto de grandezae de glória? Ou será que a extraordinária e sublime beleza do Universo e da Vida compensam e justificam,

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tanto em si mesmos como pela magnífica promessa que encerram, todos os erros e deficiências humanas, toda a ignorância, toda a estupidez e todo o mal cometido pela Humanidade ao longo dos tempos passados, presentes e futuros?

808 – Há promessas que simplesmente não são cumpridas - o mesmo vale para os homens.

809 – Não deixa de ser extremamente curioso e irónico – ou triste e lamentável, do ponto de vista do sonho e do ideal acalentado – ofacto de a profecia (“previsão científica”, segundo os seus fiéis) do fim do capitalismo e do advento “inevitável” do comunismo - considerado ao mesmo tempo como movimento de resolução e superação das contradições internas do sistema anterior e como estado económico, social e político superior, resultante de uma necessidade histórica e de uma determinação dialecticamente necessária da realidade natural e social – é curioso e irónico, dizíamos, que tal profecia se tenha cumprido às avessas, pois é exactamente ao processo contrário que hoje nos é dado assistir.

810 – O desanuviamento progressivo da situação política internacional confirma a universalidade e necessidade da lei que determinaa impossibilidade de qualquer estado ou sistema se manter indefinidamente estável ou fechado sobre si mesmo, sob pena de se esgotar, deteriorar-se ou colapsarsobre si próprio, destruindo-se, por maior que tenha sido o equilíbrio atingido; e ainda que, uma vez atingidas as

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condições necessárias e suficientes em que plenamente desenvolvidas estejam todas as potencialidades que a tal estado ou sistema são inerentes, as suas possibilidades de subsistência residem ou numa reforma lenta, parcial e progressiva, ou numa alteração brusca, global e profunda daquelas condições e princípios que regulavam o estado de equilíbrio anterior.

811 – A Consciência possui, em relação ao Universo, à Vida e ao Homem, uma função, um significado e um valor simultaneamente simbólico, sintético, reflexivo e realizante, que projectam num outro espaço-tempo – transcendental – a descontinuidade própria do plano espiritual.

812 – Se, na realidade, a Natureza parece indiferente aos nossos desejos, emoções, sentimentos e pensamentos, inclusive àqueles que por ela são induzidos ou inspirados, o mesmo não acontece relativamente àsnossas acções enquanto exprimem esses mesmos estados de alma.

813 – Se parece óbvio que a complexidade e dificuldade extremas da vida moderna suprimem quase por completo qualquer possibilidade de uma existência saudável, equilibrada e harmoniosa dos seres humanos consigo mesmos, entre si mesmos e com a Natureza, já não parece tão evidente que uma solução simplista e redutoramente facilitante – a exemplo dos sonhados retornos ou delirantes progressos em direcção a uma utópica Idade-de-Ouro, supostamente inocente,

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natural e perfeita – possa dar conta do problema e resolvê-lo de modo conveniente e plenamente satisfatório para todas as partes envolvidas, assim como para o todo em que se integram.

814 – A Consciência não pode continuar a ser um mero efeitode superfície. Deve tornar-se, finalmente, activa e realizante, de acordo com a sua função específica, que é a de desdobrar o Espírito em-si, por-si e para-si mesmo.

815 – Assim como nem sempre o que é válido para um é necessariamente válido para muitos ou para todos, também frequentemente o quevale para muitos ou para todos não se mostra válido para um – relatividadedo imperativo categórico ou subordinação de uma ética racional do Dever a umadiferente experiência de ser consciente?

816 – Sexo, drogas, dinheiro, violência e rock’ n’ roll, eis a fórmula suprema e a equação fatal do segredo de muito sucesso, da fama, da fortuna e da glória de muito boa gente – e justamente, diga-se com alguma ironia!

817 – É possível e talvez provável que os genuínos laços afectivos, isto é, sentimentais e emotivos, que ligam os seres humanos entre si e atodo o real humano e não- humano, venham a criar ou permitir descobrir novas intensidades vitais que legitimem o renovar da esperança de um mundo melhor em que todos possamos

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e queiramos viver e ser na plenitude, ou para lá caminhando – ou talvez não.

818 – Tempos houve em que diversas figuras do Absoluto – diversos absolutismos – deram conta da necessidade, satisfizeram o desejoe preencheram a lacuna que o medo, a angústia, a insegurança e a vontade de poder criaram no Homem e por ele. Foi assim que diferentes regimes de pensamento e acção, de ser, existência e conhecimento foram gerados - fossem eles éticos, estéticos, axiológicos, lógicos, científicos, filosóficos, mitológicos, religiosos, jurídicos, ideológicos ou políticos -, congregando e mantendo a sua unidade e estabilidade em função de um ideal, de um conceito, de um símbolo ou de um valor – o Ser, o Homem, Deus, a Razão, o Espírito, o Bem, a Verdade, a Justiça, o Belo, a Virtude, a Liberdade, a Pátria, o Rei, a Família, o Papa, o Império (ou o Imperador), o Estado, a Igreja, o Partido, a Nação, a Classe, a Revolução ou, “simplesmente”, a Felicidade. Constituiu-se e delimitou-se, assim, um horizonte de absoluta mesmidade que absolutizava também, por necessário contraponto oposicional, oseu Outro, a sua alteridade antagonista, o seu Contrário Absoluto, dando origem a todas as formas esquizo- paranóides da existência humana, aos diversos totalitarismos, fundamentalismos e terrorismos recorrentemente encenados ao longo da história da humanidade. Desde as psico-lógicas identitárias e não contraditórias, ao princípio da exclusão do terceiro; das eternas dicotomias e binarismos entre dois pólos simbólicos fantasmaticamente investidos de cargas opostas - sendo uma absolutamente

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positiva (nós e os nossos) e a outra absolutamente negativa (os outros e os deles), às decorrentes hierarquias delirantes quecontinuam a tentar impor-se à realidade, estruturando-a em referência – defensiva, ofensiva e/ou reactiva – a um modelo imaginário; todas essas vias foram e continuam a ser percorridas de diferentes formas e a todos os níveis: do epistemológico ao político e do ético ao artístico, tudo são campos de tensão e de conflito onde se recriam e actualizam constantemente velhas batalhas e se alarga o sentido das mesmas inventando outras, novas na realidade ou na aparência. Hoje,por exemplo, é sabido que, em geral, os princípios e valores dominantes, qualquer que seja o seu domínio, não são exactamente os mesmos que até há bem pouco tempo conduziam a vida dos homens: exige-se o respeito e reivindica-se o direito à diferença; defende-se o pluralismo; vive-se a morte de deus e a liberdadedos homens; pensa-se perspectivística e relativisticamente; aceita-se a incerteza inerente a todo o juízo, a toda a acção, a todo o sentimento e interpretação; valoriza-se o provisório, o efémero, o superficial, o parcial e o fragmentário, o mutável e o instável, em suma, a multiplicidade, o devir e a desordem das aparências, bem como tudo o que é da ordem do sensível, quando antigamente sevalorizava precisamente o contrário; e assiste-se ao declínio progressivo ou abrupto dos sistemas autocráticos - ditos fechados ou totalitários - intolerantes e patologicamente aberrantes à nossa sensibilidade moderna ou pós-moderna desconstrutora de todos os representantes anacrónicos da velha ordem. Ao mesmo tempo, se reflectirmos

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crítica e objectivamente, veremos que essas mudanças – quantas vezes simples inversões negativas e reactivas -, na sua quase totalidade, não nos tornaram melhores, mais sábios, mais perfeitos ou até maisfelizes, qualquer que seja o critério de referência mediante o qual isso seja julgado e decidido. Face a tudo isto, uma questão se impõe com gravidade e urgência: entre um avanço cego ou uma fuga para a frente potencialmente destrutiva,degradante ou suicida, e um retorno simplista, ilusório e igualmente alienante, que fazer, aqui e agora, quando a nossa liberdade implica uma tão grande responsabilidade para connosco próprios, para com as gerações futuras e para compróprio planeta vivo que habitamos?

819 – É triste constatar que o estado real da intelectualidade contemporânea redunda, quase sempre, numa indigna degenerescência, causada pela ridícula perversão do seu lugar e papel de consciência crítica, hermenêutica e reflexiva de uma época, sociedade e cultura determinadas, aferindo-as e julgando-as à luz de princípios e valores verdadeiramente universais eeternos. Todo o sentido e valor da sua acção recai hoje, demasiado frequentemente, numa de três categorias: a) O pedantismo inconsistente e vaidoso; b) O diletantismo inconsequente e também vaidoso; c) A atrofia cerebral intelectualóide, defensiva e reactiva. Em qualquer dos casos, e salvo honrosas excepções, as quais, como se costuma dizer, só confirmam a regra, a completude deste quadro exclui, por princípio, aquela sábia

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e saudável atitude de seriedade lúcida e lúdica, irónica e esclarecida de distanciamento crítico e compreensivo – comummente designada de atitude filosófica -, a qual se perdeu em detrimento da gravidade espúria e/ou do divertimento imbecil.

820 – A arte de viver, na medida em que se quer estética, subentenda-se, enquanto persegue os ideais do belo e do sublime, e ética,ou seja, procurando o bem e a justiça, tem de ser também elevada à qualidade deciência e de técnica, sob pena de fracassar os seus intentos, já que, idealmente, a verdade do conhecimento e a perfeição eficaz da acção mutuamente se condicionam e complementam.

821 – A normalização geral dos indivíduos, a banalização detodas as experiências e a vulgarização de todos os acontecimentos, eis o que devemos temer acima de tudo.

822 – O Grande Sim, o pleno assentimento de todas as coisase seres, de todos os momentos e acontecimentos da vida, tanto os melhores como os piores, é, na sua forma pura, absoluta e incondicional, virtualmente impossível de ser vivenciado. À nossa escala humana, demasiado humana, subsistea tendência vital de criar dispositivos de segurança e sistemas defensivos que nos protegem da angústia ontológico-existencial, censurando de modo eficaztodo e qualquer vislumbre

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do Infinito, seja enquanto extensão, profundidade, duração e/ou intensidade. - Também este se pode, afinal, revelar apenas como mais uma ficção reguladora da vida e do espírito.

823 – Quando se afirma conjuntamente que “a excepção confirma a regra” e que “não há regra sem excepção”, talvez se devesse explicar que: 1º) A excepção só confirma uma regra no sentido em que a põe em evidência, fazendo-nos tomar consciência de um padrão normal ou habitual que rege os acontecimentos ou comportamentos, ou seja, na medida em que confirma a existência da regra, e não, como é evidente, no sentido literal da expressão,pois aí o seu significado seria obviamente falso, uma vez que a ocorrência de umaexcepção demonstraria, isso sim, a falsidade da regra e não a sua verdade - quer dizer, refutá-la-ia e não a confirmaria -, o que prova que se trata de uma regra relativa e não absoluta. 2º) Só é verdade que não há regra sem excepção quando se trata, tal como no caso anterior, de regras gerais relativas, cuja validade ou âmbito de aplicação é puramente estatístico ou probabilístico, e não deregras universais absolutas que, por definição, não admitem qualquer excepção, sobpena de serem simplesmente falsas regras – tal como acontece com esta mesma regra se aplicada a si mesma.

824 – A condenação ao riso não é necessariamente uma condenação à felicidade. Pode até ser vivida sob a forma trágica de uma infernal fatalidade, de uma horrível danação.

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825 – Haverá uma sabedoria da Eternidade e do Ser que signifique libertação do Tempo e do Devir? Haverá um conhecimento da Unidade Essencial que seja equivalente a uma superação da Multiplicidade Aparente? Será possível inteligir uma Ordem que implique uma erradicação absoluta do Caos?

826 – A Liberdade é a Vacuidade.

827 – A alguns nada mais resta que tentar entediar o tédio,iludindo e/ou diluindo o ego no nada que substancialmente o constitui e envolve - uma fórmula para o suicídio.

828 – A Ignorância, a Estupidez e a Maldade continuam a daras cartas em quase (?) todos os domínios da vida humana – como sempre fizeram, aliás – e de uma forma cada vez mais descarada e descomplexada, posto que livre de quaisquer pudores ou”preconceitos morais” sobre o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, ou o justo e o injusto.

829 – Como se ainda, ou alguma vez, houvesse lugar e margempara dúvidas, a caducidade própria do existir é constantemente confirmada e reforçada, e nem sempre do modo mais subtil, como o atestam as mortes acidentais, os desastres naturais imprevisíveis e incontroláveis – terramotos, tufões, maremotos, tornados, cheias e inundações, incêndios ou erupções vulcânicas -, os atentados terroristas,

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as doenças inesperadas, as guerras, as pragas ou epidemias, e uma infinidade de outras formas simbólicas, mais ou menos cruéis, que não nos permitem esquecer - por muito tempo, pelo menos – a nossa miserávelcondição de seres frágeis e mortais.

830 - Haverá sonho maior que a Aventura do Conhecimento Puro, seja ele filosófico ou científico, físico ou cosmológico, biológico ou antropológico? Talvez só a criação artística genuína - poética, literária, musical, plástica, arquitectural, teatral ou cinematográfica – se lhe possa comparar em nobrezade valor e sentido de grandeza humana.

831 – Quando o sábio pensa sobre o que sabe e sente, ri-se. Quando o sábio sente o que sabe e pensa, frequentemente chora.

832 – A generalização do singular e a particularização do universal são dois vícios cognitivos potencialmente perigosos – porque sempre interessados, visam, porventura necessariamente, um efeito prático na realidade.

833 – O Véu da Ilusão e as Cadeias da Ignorância são algo mais que meras figuras de estilo - mesmo hoje, ou sobretudo hoje.

834 – O esmagamento de um ser pelo conjunto das circunstâncias que lhe estão na origem e o preservam – na medida em que constituem o seu património herdado

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e adquirido -, é um facto (nem) sempre de lamentar.

835 – A promoção de algo em que intimamente se não acreditaou a que se é indiferente, é algo que constitui fenómeno corrente nos vendedores e publicistas de todos os géneros, sejam eles políticos, pregadores, pedagogos (“educadores”) ou comerciantes assumidos. Daí que seja tão fácil“vender” um presidente como uma marca de sabonetes, como dizem orgulhosamente, uma vez que as técnicas de sedução e manipulação mental são basicamente as mesmas e dispensam a crença ou convicção do orador, podendo até ser mais eficazes na ausência desta.

836 – Uma conclusão possível: também o meu reino não é deste mundo - ou será o meu mundo que não é deste reino?!

837 – Quem pode, às vezes não quer. Quem quer, às vezes não pode. Quem quer e pode, às vezes não merece. Quem não quer e não pode, às vezes merece. - Pode não ser justo, mas é assim a vida.

838 – Será possível viver sem ilusões? E, em caso afirmativo, será desejável fazê-lo? Não serão elas parte vital do nosso sistema psíquico de defesa contra a realidade e a angústia e sofrimento que esta nos causa? O que aconteceria, então, se as dispensássemos? Depressão em massa? Suicídio colectivo? Loucura generalizada? Ou revolta homicida de todos contra todos?

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839 – Sabendo nós que os seres humanos são, por natureza, capazes de fazer literalmente tudo – e não apenas potencialmente, mas de facto, como se pode constatar facilmente -, tanto o melhor como o pior, mas mais fácil, frequente e prazenteiramente o pior, não deveria isso ensinar-nos a moderar as nossas expectativas e a sermos um pouco mais humildes quanto a qualquer possibilidade realista de se poder alguma vez criar uma sociedade global ideal, perfeitamente justa, harmoniosa e equilibrada? Não será uma sociedade assim incompatível, por princípio, com a própria natureza profunda e universal do humano, com aquilo que as pessoas essencial e realmente são, foram eserão, pelo menos enquanto forem humanas e não anjos, máquinas ou entidades puramente espirituais?

840 – Existem indivíduos cujo único objectivo na vida consiste em, movidos por uma necessidade compulsiva absolutamente irresistível, tentar a todo o custo provar a todos e, principalmente, a si próprios, que sãoalguém, que são ou têm algo - ou que são capazes de ser, ter ou fazer algo - que os distingue e superioriza, que os torna qualitativamente mais e melhores que todos os outros. Mais ainda, vão ao ponto de, por meio de um subtil mecanismo de defesa psico-lógico que combina identificação projectiva e generalização abusiva,expandir esse mesmo princípio e essa mesma tendência a tudo e a todos, confundindo a sua sórdida e mesquinha necessidade - causada por impotência vital e derivada do medo, da insegurança e de um, por certo terrível, complexo de castração e/ou inferioridade - com a

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suposta motivação universal que a todos moveria igualmente, encontrando assim uma justificação pseudo-racional e pseudo-objectiva para tudo e todos afrontar como se a competição universal fosse de facto a própria lei essencial da Vida.

841 – Vivemos hoje o efeito subtil, mas globalmente perverso e devastador, do que há cerca de um século foi profetizado sob a designação de niilismo. Assim, é sem dúvida sintomático o modo como diferentes estratégias cognitivas e emocionais, simbólicas e existenciais, de pensamento e de acção, conduzem invariavelmente e com indiferença ao perpetuar desse clímax evasivo, dessa situação intolerável, insustentável e insuportável de uma desorientaçãoradical de tudo e de todos face a tudo e a todos. Significativo é ainda, também, o facto de a atitude dominante – consciente e/ou inconscientemente – ser de natureza defensiva, reactiva ou compensatória, intentando assumir a doença como saúde e valorizando-a como se de força e virtude se tratasse - racionalizando-a, intelectualizando-a, recalcando-a, denegando-a, iludindo-a ou mistificando-a - na ilusão mágica de que o verdadeiro problema que há a pensar e resolver – e que não éum simples problema, mas uma complexa e interdependente rede problemática – dessa via milagrosamente se desvanecesse, ou seja, como se a angústia, o vazio, a dissolução de todos os referenciais axiológicos, a desintegração acelerada e exponencial do meio ambiente natural e do tecido social que liga as pessoas uma às outras não fosse aquilo que realmente importa, para além da mascarada dissimulatória do mal-

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estar e aquém da neo-axiologia estetizante e intelectualóide do interessante e do desinteressante, do gratificante e do não gratificante que, com rara destreza, consegue ir escamoteando através de jogos de palavras, ideias e ficções o que profundamente nos dói a todos e que, por isso mesmo, se pretende evitar enfrentar - mesmo que seja só na teoria, reconhecendo a gravidade do problema e tentando percebê-lo na sua natureza e nas suas causas e consequências, a fim de encontrar uma saída à altura e resolvê-lo, como faria qualquer médico digno desse nome.

842 – Talvez nunca como hoje a vida se tenha apresentado, por um lado, tão monótona, repetitiva e entediante, por outro, tão aterradora, imprevisível e insubmissa ao jugo dos desejos, das paixões, da vontade e dointelecto humano; ao mesmo tempo tão indomável, rebelde e caprichosa, e também tão frágil, carente e dependente – daí que oscilemos constantemente entre o tédio e o stress, assim como entre um delirante sentimento de omnipotência divina e o sentimento contrário de real impotência humana, demasiado humana, em relação a tudo.

843 – A tomada de consciência do carácter instrumental da Razão – ou de uma razão, ou das razões -, seja ela técnica, científica, filosófica, estética, moral ou política, seja adaptativa, heurística, estratégica ou argumentativa, não nos autoriza nem nos irresponsabiliza, bem pelo contrário, da radicalidade da decisão que se impõe aquando do seu uso e consequente aplicação, tantoteórica como prática, decisão

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essa que respeita já não tanto ao método, mas simaos valores e fins que a orientam e norteiam - ou que assim deveriam fazê-lo -, os quais não podem nem devem eximir-se à análise crítica da própria razão, sob pena de a decisão se tornar em si mesma irracional – contra a concepção puramente instrumental da razão como meio e defesa do seu papel como potencial definidora de fins e princípios.

844 – A adjectivação estético-psicológica e subjectivante domina hoje o universo conjunto dos juízos de valor, pretensamente substituindo os valores clássicos e as suas dicotomias absolutas, mas, na realidade, apenas criando a ilusão de uma outra categorização tão ou mais arbitrária, inadequada e injustificada que as anteriores. Isso acontece na exacta medida em quese faz depender do gosto (ou desgosto), do prazer (ou desprazer), do interesse(ou desinteresse), da utilidade (ou inutilidade), e portanto do plano da multiplicidade efémera e relativa, o que se inscreve num outro plano completamente diferente e até oposto daquele. Desta forma, troca-se um critério supostamente universal e objectivo pela subjectivação caprichosa ao gosto de cada um ou de vários, mas nunca daquilo que é comum ou partilhável por todos - ainda que somente no plano regulador ideal ou transcendental de uma experiência possível.

845 – A consistência, a completude e a independência podem não ser meras propriedades ideais somente realizáveis em determinados sistemas formais, outrossim a própria ambição suprema do Espírito.

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846 – O prazer da verdade, sendo uma verdade do prazer, nãodiz o porquê desse prazer nem o para quê dessa verdade.

847 – A esteticização generalizada do mundo e da vida assume-se hoje liberta do fantasma do ressentimento ou da figura trágica e dolorosamente verdadeira do niilismo. Mas, na realidade, o actual e pós-moderno hedonismo individualista, o narcisismo culto e cultivado, co-extensivo à novareligião do corpo, do desejo e dos sentidos, mais não faz que, ao mesmo tempo, traduzir e exprimir a inevitável necessidade de revolta e protesto, subvertendo a ordem estabelecida ao longo de séculos de recalcamento, esquecimento e denegaçãodessa dimensão oculta e até agora apenas tolerada na sua vertente amortecida,isto é, sublimada. O que sucede agora é que os novos códigos mitológicos e os novos dispositivos ideológicos não apenas possibilitam, como potenciam e caucionam uma transformação global e radical do sistema de valores e vivências significantes, o que, todavia, não deixa de poder ser reduzida, no caso, a uma simples inversão igualmente mistificadora e alienante, posto que se trata de uma reacção indiscriminada e evasiva contra tudo aquilo que nega ou quer negar; um mero jogo de prazeres acéfalos, por certo “extremamente gratificante” e “cheio de estilo”, mas nunca, na verdade, uma procura pela reconversão profunda do Homem, do Mundo e da Vida, isto é, propriamente, uma autêntica Estética da existência e não uma mera arte erótica.

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848 – A alegoria da caverna é um bom exemplo da relação de correspondência e interdependência que tradicionalmente era reconhecida e assumida entre os diversos planos e dimensões de uma filosofia - e,logo, do pensamento e da vida de um filósofo -, desde o gnoseológico ao ético, do lógico ao ontológico, do estético ao político, do antropológico ao axiológico ou ao pedagógico. Todos esses planos ou dimensões eram, assim, entendidoscomo parcelas constitutivas de um todo e como formando uma indissociável unidade, simultaneamente teórica, prática e existencial, que só artificial e abstractamente podia ser cindida, posto que se tratava, antes de mais, de viver procurando e/ou encarnando essa verdade que teoricamente se visava e que, no seu grau superior de realização, era directamente experienciada na contemplação. Significa isso que o Absoluto era aí atingido mediante a realização da identidade do Ser , do Saber e do Viver, numa sabedoria de vida - ela própria viva porque vivida e vivida porque viva -, numa outra inteligência do sensível ou sensibilidade inteligente, através de um lúcido e sereno discernimento do Real, de uma visão e deuma escuta que pressupunham, implicavam e se manifestavam, ao mesmo tempo, numa atitude de despojamento, abertura e entrega do que de mais fundo e autêntico tem, e é, o Homem.

849 – A plena realização de um ser consiste na exploração de todas as suas possibilidades de desenvolvimento numa dimensão de presente absoluto, de presença absoluta, de eternidade.

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850 - Com relação ao sistema social ou projecto político ideal, parece agora óbvio que, a existir, deverá satisfazer necessária e simultaneamente três condições gerais básicas, sem as quais tenderá, de uma forma ou deoutra e mais tarde ou mais cedo, a ruir e inviabilizar-se irreversivelmente:a) Um dinamismo global interno que garanta a eficácia e funcionalidade da estrutura económica; b) Uma organização social assente em princípios ético-jurídicos de justiça, em que os direitos básicos e as necessidades essenciais dosindivíduos sejam igualmente respeitados e salvaguardados – educação, liberdade, habitação, trabalho, saúde, alimentação, etc; c) Um princípio regulador e de equilibração entre o interior e o exterior do sistema, ou seja, entre o sistema humano e o ecossistema natural que envolve todo o meio ambiente e constitui a biosfera. A estas três condições básicas essenciais, talvez se pudesse e devesse ainda acrescentar uma quarta, que seria a existência de um governo que não só seja tecnicamente competente e eticamente responsável – isto é, que saiba o que faz -, mas, e sobretudo, que governe verdadeiramente para o Bem Comum e não para servir interesses particulares, sejam eles de classe, raça, sexo, religião ou partido. Para que tudo isto passe do sonho à utopia, da utopia se converta em projecto político e deste se transforme em acção gradual ou revolucionária, é sem dúvida indispensável a formação acrescida de uma consciência ético-política e ecológica nova, desenvolvendo-se por meios educativos diversos asatitudes e valores que convêm,

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dão sentido e tornam possível o empreendimento – a compreensão, a tolerância, o respeito, a responsabilidade, a solidariedade, a fraternidade, a consciência crítica, o amor, etc. Só desta forma parece ser idealmente possível garantir e coordenar, ao mesmo tempo, a unidade e a diversidade, a estabilidade e a mudança, a ordem e a desordem, a abertura e o fechamento, a simplicidade e a complexidade, o equilíbrio e o desequilíbrio, cuja tensão dialéctica determina, articula e constitui o sistema dinâmico em projecto.

851 – É mesmo muito provável que a vida para além da morte não passe de um desejo e de uma fantasia – de uma fantasia que realiza um desejo, um wishfulthinking, como dizem os ingleses -, mas quem pode ter a certeza?!

852 – É muito comum a crença que esta vida, a única que, emtodo o caso, sabemos de certeza que é real, só fará algum sentido e sóterá algum valor se a morte não representar o nosso fim absoluto, ou seja, se houver vida depois da morte. Mas será necessariamente assim? Porque não pode a vida, esta vida, ter em si mesma o seu próprio sentido e valor? Porque há-de ser preciso que sejamos de alguma forma imortais, ainda que seja apenas em alma ou espírito, para que a vida possa ter algum significado e valer alguma coisa? Não dependerá isso mais daquilo que fazemos dela ou com ela, aqui e agora, e não tanto do facto de ela se poder ou não prolongar indefinidamente, onde quer que seja? E, já agora, acreditar nisso

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por uma questão de Justiça Cósmica ou Divina, porse pensar que não seria justo viver – com tudo o que isso implica de Angústia, Sofrimento, Injustiça e Mal – e depois “simplesmente” morrer, fará isso algum sentido? Quem nos disse a nós que a vida é, ou tem de ser justa? Só porque nós queremos e precisamos muito? E desde quando a Verdade ou a Realidade é o que, e como nós queremos ou precisamos? Não será isto simplesmente a derradeira expressão da nossa incapacidade crónica para aceitar a vida e a realidade tal qual são e não como gostaríamos que fossem, sendo por isso que as negamos ou inventamos outras à imagem e semelhança dos nossos desejos e necessidades, onde podemos ser deuses imortais e obter finalmente aquilo que queremos e julgamos merecer, conseguindo e realizando aquilo que nesta vida não pudemos ou não soubemos realizar, seja a paz de espírito, o conhecimento,a justiça, a liberdade, o amor, o êxtase ou, simplesmente, a felicidade? E não revelará essa necessidade de acreditar que sobreviveremos à morte muito mais sobre nós próprios do que propriamente sobre a natureza profunda da realidade? Não será ela a marca trágica da nossa finitude essencial que tanto nosdói? Não serão a necessidade de eternidade e o desejo de infinito exactamente a expressão máxima do seu contrário e da nossa dolorosa consciência disso mesmo? O facto de essa crença ser tão generalizada e tão persistente - apesar de isso por si não provar nada sobre a sua verdade ou falsidade, ao contrário do que parecem julgar os seus crentes -, não deveria exactamente pôr-nos de sobreaviso para o seu carácter possivelmente

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ilusório de ficção consoladora e compensadora, emvez de nos convencer inocentemente da sua veracidade?

853 – Normalmente, nem o ser explica ou justifica o dever-ser – por dedução a priori – nem o dever-ser explica ou justifica o ser – por retrodução a posteriori -, salvo se ocorrer a transmutação radical – não lógica ou psicológica, mas ontológica ou metafísica – face à qual essa distinção deixe, pura e simplesmente, de fazer qualquer sentido.

854 – Nem todas as épocas históricas são igualmente importantes ou decisivas. Existem épocas que, mercê de um desenvolvimento acelerado, de uma ampliação, de um aprofundamento, de uma intensificação ou de uma ruptura com o passado, com a época precedente, passam a influenciar, condicionar e determinar de forma crucial o desenho do futuro – isto é, da época procedente– ou dos futuros possíveis. Vivemos actualmente uma dessas épocas.

855 – Onde é que a Ética e a Estética se encontram? Onde o prazer do Belo dá lugar à energia do Sublime.

856 – Se nem mesmo a Verdade, só pelo facto de o ser, pode subtrair-se ou dispensar uma boa estratégia de argumentação, explicitação,demonstração ou fundamentação ao ser apresentada e comunicada, nem por isso tal facto implica necessariamente que se possa ou deva colocar o acento tónico no que permanece

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apenas um meio ou forma de expressão ou comunicação, em detrimento do seu valor intrínseco e do fim superior a atingir com ela.

857 – O efeito de verdade ou de verosimilhança é um efeito estético, retórico ou psicológico que pode ou não ganhar o estatuto de um problema filosófico.

858 – É preciso aprender a distinguir os meios dos fins e saber quais fins justificam quais meios.

859 – Toda a pedagogia que se preze há-de ser também uma psicagogia, isto é, uma condução, uma orientação e uma conversão da alma,uma educação e uma elevação do espírito, não podendo por isso - e para isso – iludir ou escamotear os princípios, valores e fins que a norteiam. Tendo em vista esse plano, há-de utilizar todos os meios, técnicas e processos consideradosnecessários à plena realização do ideal proposto, condicionando-os a este, sem no entanto fazer perigar a diferença de nível hierárquico e a correlativa dimensão de subordinação, sem a qual cairia numa mera sofística – que é, aliás, acondição dominante do ensino e educação actuais. É flagrante o contraste e mesmoa oposição deste modelo em relação ao modelo vigente, onde a obtenção de resultados positivos significa, na realidade, tão somente o alcance de uma percentagem considerada suficiente de sucesso escolar, individual e colectivamente medido em função de pretensos

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critérios objectivos e pragmáticos de competênciae eficiência comportamental, ou seja, conseguido à custa de alunos capazes de reproduzirem mimeticamente por meio de assimilação mnésica o conteúdo da informação transmitida no processo de ensino, a dita “matéria” da aprendizagem, que é assim comerciada como um qualquer valor mercantil, como um objectoou valor de troca e nada mais que isso, e ficando assim o valor formativo e humanizante – quer dizer, propriamente moral e espiritual - da experiênciaeducativa relegado para o campo da pura retórica política.

860 – Se exceptuarmos o amor pela verdade, a honestidade intelectual, a exigência de rigor metodológico e o ideal da objectividade – esão já muitas excepções, é certo -, o conhecimento científico é, em si mesmo, moralmente neutro, não contendo nem devendo conter, seja explícita ou implicitamente, nenhuma moral, sob pena de não passar de uma representação ou interpretação idealizada e, logo, falsa, da realidade. Isso não significa, porém, que não possa servir ou ser servido por uma moral, nem que, desejavelmente, deixe de fazer apelo a uma consciencialização e uma responsabilização morais directamente relacionadas com as decisões e as consequências resultantes do uso do poder inerente ao saber adquirido. Não se trata, portanto, propriamente de uma moral científica, mas sim de uma ciência com consciência – os exemplos negativos, em que este princípio de prudência e de responsabilidade não foi seguido são demasiado óbvios para que valha a pena sequer referi-los.

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861 – É um facto que a Ciência fez de nós deuses antes que merecêssemos ser Homens - ou nós nos fizemos através dela, pelo seu sabere poder! Mas não consistirá então, assim, tarefa obrigatória da Filosofia, daatitude crítica e reflexiva própria da consciência filosófica, o dever imperativo de nos restituir à nossa humanidade e a missão de nos tornar Homens antes que mereçamos ser deuses?

862 – Pouco importa que o ideal seja artístico, filosófico ou religioso! Pouco importa que o herói seja um mártir político, um pintor revolucionário ou um músico, um escritor, um cineasta ou um cientista geniais,um homem santo ou um sábio! Pouco importa que o modelo a seguir seja uma divindade encarnada, um humano divinizado ou um homem dilacerado entre a atracção do abismo e o apelo das alturas! O que importa é que é que a alma cresça e se expanda e se aprofunde! O que importa é que o Espírito se eleve, se desenvolva e se encontre consigo mesmo, realizando a sua perfeição potencial e intrínseca na plenitude!

863 – Torna-se hoje imperativo recuperar aquela convicção clássica e tradicional que justamente reconhecia uma relação necessária entre o ser, o saber e o viver do Homem, aceitando, explicita ou implicitamente, o postulado de que quanto mais sábio fosse o homem - ou quanto mais amasse e buscasse, humilde, sincera e

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corajosamente a sabedoria -, tanto melhor se tornaria e tão mais perfeito e virtuoso seria em si mesmo e, logo, tão mais próximo estaria da sua própria humanidade e da plenitude da vida.

864 – Aquele que realiza a virtude da sua humanidade na excelência da sabedoria atinge a perfeição da vida, participa intimamenteno divino e realiza a parcela possível da sua própria divindade.

865 – Qual é O Desejo Radical, O Ideal Transcendente, O FimSupremo? Já foi formulado: “Não morrer nunca e eternamentebuscar e conseguir a perfeição das coisas”.

866 – Porque será que os mais racionais argumentos a favor da existência de Deus – o ontológico, o cosmológico ou o teleológico, porexemplo – só conseguem convencer quem já está previamente convencido da sua existência? E porque será também que os mais racionais argumentos contra a existência de Deus – o do Mal, por exemplo – só conseguem convencer quem já estápreviamente convencido da sua não existência? Não será isso a prova de que a questão de Deus se joga e decide a um outro nível diferente da Razão, seja ele inferior, superior ou simplesmente exterior, tal como o coração, o inconsciente, o supraconsciente ou a pura fé, seja ela positiva ou negativa? Ou seráapenas a derradeira prova da nossa irracionalidade essencial, da nossa incapacidade para aceitar os argumentos

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da razão pura quando eles são contrários às nossas crenças prévias – sobretudo se elas nos são caras – e da nossa natural predisposição para os aceitar somente se - e quando - eles as confirmam e reforçam?

867 – O ateísmo é a religião dos que acreditam que Deus nãoexiste - ou dos que acreditam na não existência de Deus.

868 – Se porventura existir vida extraterrestre, então podemos dar-nos por felizes por não estarmos sós no Cosmos e por a vida, por muito rara ou excepcional que possa ser (?), não ser única, puramente acidental, altamente improvável ou pura e simplesmente milagrosa - por maioria de razão se alguma dela for inteligente. Isso provaria, possivelmente, que a vida e/ou a inteligência se desenvolvem tão logo estejam criadas todas as condições naturais – físico-químicas – necessárias e suficientes para que isso aconteça,e o Universo será assim um lugar bem mais interessante, rico e complexo. Se, por outro lado, não existir vida fora da Terra, nem inteligente nem outra qualquer maissimples, então também podemos igualmente dar-nos por felizes por ela ter surgido pelo menos uma vez e por nós sermos filhos dessa criação e parte integrante do seu todo, uma vez que, sendo fenómeno único e produto de um acaso quase milagroso, ou mesmo de um milagre, tivemos a sorte de aparecer e poder desfrutar de tudo isto, embora isso também nos confira a enorme responsabilidade de sabermos o que fazer com ela e connosco. A “moral da história” é que, seja qual for o caso, temos sempre boas

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razões para estarmos gratos pela vida, e isso nãoobstante o Universo e a própria vida serem, muito provavelmente ou quase de certeza, completamente indiferentes a esse nosso sentimento de gratidão cósmica.

869 – Ter a certeza de que há vida extraterrestre é relativamente “fácil”: basta descobrir, onde quer que seja, uma sua qualquer forma e conseguirmos perceber que se trata de vida – o que talvez não seja, afinal, assim tão fácil. Mas para termos a certeza do contrário, ou seja, de que não existe qualquerforma de vida fora da Terra, isso será virtual ou mesmo realmente impossível, pois seria necessário conhecermos a totalidade do Universo para sabermos, sem qualquer margem para dúvidas, que é esse verdadeiramente o caso.

870 – Existem duas formas de reducionismo cognitivo igualmente perniciosas, embora diferentes na sua estrutura e consequências: o primeiro, mais vulgar e já amplamente criticado e denunciado, é o que insiste em reduzir uma qualquer totalidade complexa e integrada às suas meras partes ou elementos constituintes: um átomo às suas partículas, uma molécula aos seus átomos, uma célula às suas moléculas, um tecido às suas células, um órgão aos seus tecidos, um organismo aos seus órgãos, um ecossistema aos seus organismos, uma sociedade aos seus indivíduos, uma música aos seus sons, um livro àssuas palavras ou um filme às suas imagens – o mesmo princípio é válido quando se tratam de totalidades

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dinâmicas ou processuais como a História, a evolução da vida ou qualquer processo que implique desenvolvimento e transformação. É a lógica do “nada mais que”, a qual omite ou não compreende as propriedades emergentes das relações e interacções entre os elementos que compõem um qualquer todo e que, efectivamente, o tornam assim mais e “maior” que as suas partes ou a mera soma delas. O fisicalismo na biologia (redução do biológico ao físico), o biologismo na psicologia (redução do mental ao biológico) e o psicologismo na sociologia (redução do social ao individual) são exemplos deste procedimento, ao quererem reduzir um nível superior de complexidade a um nível inferior que é, de facto e em acto, desprovido das características ou propriedades que potencialmente contém, mas só irá manifestar no nível superior. Apesar dessa estratégia cognitiva possuir as suas virtualidades – como o método analítico em Ciência ou em Filosofia sobejamente demonstram - e ainda que o procedimento contrário também não esteja igualmente isento de riscos – como o provam à saciedade todos os holismos, sejam eles epistemológicos, sociológicos, históricos, políticos ou místicos -, não deixa por isso de constituir uma simplificação e, logo, uma deturpação e uma falsificação da realidade que sepretende conhecer. O segundo tipo de reducionismo é mais subtil, mas não menos errado do ponto de vista do conhecimento nem perigoso no que diz respeito aos seus efeitos secundários ou colaterais: é a tendência para reduzir o valor de verdade de uma ideia, tese, hipótese ou teoria – ou a validade de um argumento – ao mero jogo

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das forças e factores que eventualmente presidiram à sua génese e que podem até determinar a sua função e significado, dissolvendo dessa forma todo e qualquer valor cognitivo ou racional que possam ter. A questão deixa assim de ser o saber se a tese ou teoria é verdadeira ou não, ou se o argumento é ou não logicamente válido, para ser deslocada para a questão de saber quem disse ou pensou o quê, em que contexto, com que interesse,com que objectivo, ao serviço de que causa, etc. O psicologismo, o sociologismo, o culturalismo e o historicismo modernos e pós-modernos constituem as diversas formas ou variantes do mesmo movimento ou “método” de desvalorização céptica e relativista do conhecimento, seja ele científico,filosófico ou do senso-comum, ao reduzirem-no a motivações inconscientes ou estruturas psicológicas, a interesses económicos e ideológicos de classe ou de grupo, a padrões culturais determinados e variáveis, ou a condições e formações históricas contingentes. O resultado final – apetece dizer, o objectivo final – é sempre o mesmo: a redução do universal ao particular, do objectivo ao subjectivo, do necessário ao contingente, do absoluto ao relativo, do verdadeiro ao falso, do válido ao inválido e do certo ao errado – ou suspeito e duvidoso. Sepensarmos que este mesmo procedimento se generalizou de tal forma que se tornou senso-comum e é aplicado por todos em relação a tudo ou quase tudo – à ética, à política e até mesmo já à própria ciência, inclusive por quem a pratica -, perceber-se-á a escala e dimensão do problema, bem como as suasconsequências perversas a

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todos os níveis - as quais, aliás, são desde há muito visíveis para quem souber ver.

871 – É verdade, como já foi dito, que ausência de prova não significa prova de ausência. Mas também não significa o contrário, isto é, prova de presença. Na verdade, a única coisa que significa é prova de ignorância – da nossa.

872 – Se pensarmos bem, à luz do que sabemos hoje sobre a evolução da vida, quando esta surgiu na Terra – seja qual for a forma comoisso aconteceu, à excepção da sobrenatural ou divina -, qual seria então a probabilidade de a nossa espécie se vir a desenvolver e a tornar-se naquilo que é hoje? Infinitesimal ou praticamente nula, a não ser que acreditemos que a inteligência se teria necessariamente que desenvolver e assumir a nossa forma particular, oque contraria tudo ou quase tudo o que sabemos da biologia evolutiva. A evolução da vida, com as suas extinções e adaptações, transformações e preservações, parece depender de um tão complexo jogo de factores e da combinação de tantas variáveis, de tantos acasos e de tantas necessidades, que nenhuma predestinação ou programação determinística e/ou teleológica prévia parece serplausível. Mesmo que avancemos uns biliões de anos no tempo e façamos a mesma pergunta aquando da extinção massiva dos dinossauros – tenha ou não ela sido causada pela queda de um cometa ou meteoro -, as probabilidades não parecem ser muito melhores, passando talvez de infinitesimais, ou quase nulas, a mínimas e insignificantes.

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Se estendermos agora este princípio geral da vidae da espécie para a nossa existência individual, para o nosso “querido” eu,e fizermos as mesmas perguntas, começaremos talvez a ter uma noção mais exacta dasorte ou do azar que tivemos por termos nascido, uma vez que era virtualmente uma impossibilidade a priori que tal “coisa” pudesse suceder. E nem é preciso ir tão longe na escala temporal, pois basta pensar na história humana e no que foinecessário ocorrer no passado para que cada um de nós pudesse existir, quantas causas, quantas coincidências, quantos acontecimentos fortuitos. Até mesmo de umponto de vista puramente genético, sabendo nós que somos o resultado da fusão de um determinado espermatozóide e de um determinado óvulo, combinados ou integrados de uma certa forma única e irrepetível, se pensarmos na quantidade total de espermatozóides que um homem produz durante a suavida e a quantidade total de óvulos produzidos por uma mulher, qual seria exactamente a probabilidade daquele espermatozóide específico do nosso pai secruzar com aquele óvulo particular da nossa mãe e fundirem-se daquela maneira singular que nos produziu? E como o mesmo aconteceu com cada um dos pais deles e assim sucessivamente, com todos os nossos antepassados até à origem do Homem, bastaria que apenas um elo dessa cadeia infinita tivesse falhado – que alguns não se tivessem conhecido, ou tivessem morrido antes de se conhecerem, ou nunca sequer tivessem nascido – para que nós já não estivéssemos aqui. Talvez esta seja, afinal, a terrível e fascinanteverdade sobre a nossa origem

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individual e específica, embora alguns - quase todos, na realidade – prefiram continuar a acreditar, antropocêntrica ou/e egocentricamente (é só uma questão de escala) que estávamos destinados a existir e que esse processo de transformação gradual e progressiva de uma quase impossibilidade numa possibilidade, desta numa probabilidade e desta outra numa certeza ou facto, prova precisamente o contrário do que aqui se pretende, ou seja, que as coisas não podiam ter sucedido de outra forma, que tinham de acontecer necessária e exactamente como aconteceram, chamando a isso Desígnio Inteligente, Providência Divina ou, simplesmente, Destino.

873 – É extremamente curioso verificar como uma mesma ideia, um mesmo valor, um mesmo símbolo, um mesmo sentimento ou emoção, podem desencadear atitudes e reacções tão diversas e até antagónicas, não sóentre indivíduos, grupos, povos, ou épocas diferentes, como até dentro do mesmo indivíduo, grupo, povo ou época. Tal fenómeno resulta, provavelmente, do facto de tais atitudes e reacções serem atravessadas por um sistema de diferenças potenciais, do qual dependem e em função do qual variam, em consonância com um complexo jogo de factores “nem sempre” submetidos à jurisdição da razão crítica,antes ditados por uma outra lógica não contraditória, não racional e não realista, cujas leis são as do desejo, do prazer e do inconsciente – como praticamente tudo o que é humano, aliás.

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874 – Mesmo que toda ou quase toda (?) a História da Humanidade se tenha processado com base em erros, mentiras, mal-entendidos, ilusões e equívocos, quem será o juiz suficientemente conhecedor, imparcial e isento capaz de avaliar e de julgar essa totalidade já infinitamente complexa? De saber se encerra algum sentido, de compreender o seu movimento interno, global e profundo? De ponderar se valeu a pena, se se justifica ou não? De analisar friamente se houve compensações suficientes para equilibrar o juízo e garantir a Harmonia Mundi? E quem ou o quê nos poderia garantir a verdade e validade de tal julgamento? Deus? Mas não é esse exactamente o problema? Ou será a solução?

875 – Ninguém pode estar seguro de nada a não ser disso mesmo.

876 – A mitologia do ideal revolucionário foi o romantismo e a mística – o romantismo místico ou a mística romântica – do século xx. O novo romantismo místico fin de siécle é o ecológico – do vermelho do sangue ao verde da seiva /versus/ do negro industrial ao cinzento tecnocrático.

877 – Aos pedantes e diletantes deste mundo, bem como aos seus irmãos às avessas, os intelectuais académicos e especialistas profissionais, não é dado sentir o íntimo desassossego, o profundo desgosto, a suprema inquietação das almas lutadoras, sempre autenticamente dilaceradas e consumidas entre o sentimento trágico da vida – a aceitação heroicamente resignada do Destino – e a experiência arriscada

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e aventurosa da criação no vazio do espírito – o salto no abismo da Liberdade. - Ou será esta também já uma afirmação pedante deum diletante?

878 – Inverteram-se hoje as relações clássicas entre a Artee a Vida, ou, pelo menos, a concepção clássica dessas relações. Agora é a vida que imita a arte e não o contrário. Infelizmente, como a arte imitada é depéssima qualidade, imagine-se então o produto da imitação: só pode ser uma verdadeira aberração, uma disforme monstruosidade, o que aliás é visível e notório –e isto quando não funcionam ambas como num jogo de espelhos de feira, o que écada vez mais o caso.

879 – Talvez nunca como no nosso tempo o sentido de humor ea ironia se tenham revelado tão essenciais à preservação da integridade do Espírito. Mais do que isso, constituem, sem grande margem para dúvidas, dois dispositivos fundamentais de adaptação, saúde e mesmo de sobrevivência às novas e adversas condições do meio em que, precariamente, lhe é dado subsistir - quantas vezes dissimulando-se e ocultando-se sob essa máscara, a fim de não aumentar o perigo real que sobre si paira qual sombra maligna.

880 – As atitudes céptica e dogmática relevam ambas do mesmo esquema de segurança - pertencente ao sistema defensivo da psique - contra a perturbação desequilibrante da dúvida e da incerteza. Seja a ilusão das certezas absolutas que

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se afirmam dogmaticamente como evidentes e indiscutíveis - quer dizer, a ilusão de que já se sabe -, seja a ilusão de que nada sepode saber verdadeiramente porque tudo é relativo e subjectivo, funcionam ambas como formas de fuga e compensação defensiva em relação à verdadeira dúvida e ao desassossego espiritual que esta instala, tentando controlar os estragos que a mesma causa mediante um artifício intelectual e emocionalmente equilibrante e tranquilizante que permite deixar de pensar, de questionar e de investigar. Se já “sabemos” algo e temos a certeza absoluta disso - mesmo que ela seja puramente subjectiva e/ou ilusória – ou se “sabemos” que nada podemos sabere que não há certezas possíveis em relação a nada – excepto esta, contraditoriamente, claro -, então podemos ficar descansados da vida porque o conhecimento é como as uvas da fábula da raposa: ou bem que “já cá canta” - porque já o comemos – ou bem que “está verde, não presta”.

881 – É por contraposição ao absolutamente infinito que o Homem – cada homem – experiencia e toma consciência da finitude e relatividade da sua condição, natureza e destino. Paradoxalmente, é também no ponto-instante em que realiza isso no espaço-tempo de um movimento real - e nãoapenas virtual – que se abre à dimensão cósmica e ontológica (física e metafísica) de uma integração e participação totais na plenitude do Ser. Face a essa experiência radical e logicamente paradoxal, toda a aparência de finitude ganha, simultaneamente, um

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estatuto ilusório e uma verdadeira realidade.

882 – Não há nenhuma oposição inconciliável de fundo entre o sentido adequacional da Verdade (descoberta) e a verdade revelada do Sentido (criação).

883 – O sentimento de inteligibilidade é dado e construído na própria experiência vivida da significação.

884 – Não deve opor-se absolutamente - isto é, metafisicamente – a dimensão da multiplicidade caótica, complexa e em devir, à dimensão da unidade simples, estável e ordenada. Tratam-se, na realidade, de duas dimensões complementares, embora também concorrentes e antagónicas ou até incertas na sua delimitação.

885 – A determinação das condições de validade objectiva doconhecimento não impossibilita, antes supõe e implica o limite conferido pelo assentimento compreensivo da consciência e da inteligência.

886 – Não é verdade que exista uma disjunção irredutível entre o Amor e o Conhecimento, entre a Verdade e a Justiça e entreo Bem e a Beleza. Na realidade, ao movimento da alma que procura realizar a unidade sintética e profunda de todas essas dimensões enquanto MetaSuprema que à Humanidade é dada aceder, é tradicionalmente conferido o nome de Filosofia.

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887 – A descoberta de um isomorfismo estrutural e de uma homologia funcional entre os sistemas e processos psíquicos (cognitivos e emocionais), neurológicos e linguísticos e destes com a própria organização dinâmica do mundo natural exterior, representaria um salto considerável no conhecimento – do conhecimento.

888 – Assim como na Física se procura descrever as relaçõesentre as quatro forças fundamentais conhecidas na Natureza – gravidade, electromagnetismo, forças nucleares forte e fraca – numa teoria que as unifique, e tal como em Biologia se constroem modelos de inteligibilidade que expliquem a articulação entre as instâncias morfológica, genética, etológica e ecológica, assim também em Antropologia se procuram compreender e interpretar as complexas interacções que sobredeterminam as dimensões pulsional, cognitivo-emocional e fantasmática (bio-psíquica) e a dimensão mítico-simbólica e ideológica, isto é, sócio-cultural e histórica – assim se investigam em Ciência as relações micro e macrocósmicas.

889 – Se nenhum sistema filosófico, teoria científica ou doutrina religiosa pôde alguma vez conter ou, sequer, simplesmente representar toda a verdade, não é pelo facto óbvio de a realidade sempre lhe permanecer exterior ou por aquele(a) não poder implicar-se e/ou explicar-se a si mesmo(a). Não éde uma condenação aos paradoxos lógicos da auto-referência que aqui se trata, mas sim do facto incontornável de a realidade ser, por princípio enatureza, infinitamente mais rica

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e complexa, na sua imprevisibilidade caótica e nasua pluralidade e devir, do que qualquer modelo de inteligibilidade e significação que a vise.

890 – Na livre meditação espiritual procura-se (pensa-se) osentido da verdade objectiva, rigorosamente investigada a outro nível.

891 – A diferença entre uma profecia e um plano de acção nem sempre é muito clara.

892 – No plano individual é de capital importância o manter-se um equilíbrio dinâmico - ou desequilíbrio dialéctico – entre a pulsão realista e socializante e a sua oposta, complementar e concorrente pulsão idealista e interiorizante, sob pena de qualquer uma delas vampirizar a outra e se afirmar tiranicamente dominante, constituindo assim factor de alienação.

893 – Serão sempre a ironia e a dúvida sinais de força, lucidez e saúde? Não será vital a conquista de um estado de espírito despojado e descomprometido da irrisão, da corrosão e da inibição que aqueles facilitam e promovem? Não será necessário, para se poder avançar, proceder simplesmente comose…? Não serão elas sinais exactamente do contrário daquilo que pretendem ser ou parecer? Ou dependerá a sua função e significado dos casos e das circunstâncias? E como avaliá-las em absoluto sem a automática eliminação do seu próprio princípio fundador?

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894 – Ao associarmos o Sublime à pulsação energética do Real na psique e o Belo à impressão causada pela harmoniosa proporção do mesmo, resulta que, na Arte como na Natureza, os dois princípios se topem sempre juntos, pois não há força que não gere e sustente alguma forma ordenada nemestrutura organizada que não contenha uma dinâmica própria.

895 – Será absolutamente indefensável, sob qualquer ponto de vista, que a vida seja em si mesma completamente desprovida de sentido ou finalidade? Ou, na medida em que aparenta absoluta necessidade de os criar – pelo menos à escala humana -, tais artifícios relevam da sua própria natureza edisposição profundas, inscrevendo-se, por conseguinte, no seu próprio projecto fundamental e sendo assim, a um só tempo, imanentes e transcendentes?

896 – Não chega a ser avaliativo o enunciado que afirma queuma (ou a) multidão não tem espírito, só instintos – e dos piores. Tal enunciado é simplesmente descritivo.

897 – A miséria do quotidiano instaura uma tirania de mesquinhez que leva ao esgotamento da vida e ao apodrecimento do espírito.

898 – Quem se perde, encontra-se. Quem se encontra, perde-se. - o paradoxo do místico.

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899 – A essência do Espírito é energia pura, livre e criadora. Mesmo quando, ao concretizar-se, assume provisoriamente uma configuração determinada – na Arte, na Ciência, na Filosofia ou na Religião -, o seu potencial é, ainda assim, fundamentalmente inovador, transformador, subversivo e libertador. - O mesmo acontece com a Vida.

900 – É importante e urgente reavaliar o sentido crítico deuma reflexão ética e política que enfrente de forma alternativa, isto é, desconstrutivamente, outra das grandes confusões e perversões da contemporaneidade: a identificação fantástica e delirante do ego empírico individual, mero autómato superficial da regulação do organismo psicofísico com o mundo externo, com o Eu profundo, que é o verdadeiro centro unificador da identidade pessoal e universal e autêntico referencial transcendental ou metafísico da diferença e relação com os outros e com tudo.

901 – Um homem por natureza atormentado é um homem por destino condenado.

902 – Se a nossa necessidade de consolo – aparentemente universal e eterna – é impossível de satisfazer, o que devemos fazer com ela?! Tentar aniquilá-la? Tentar satisfazê-la de alguma forma, mesmo sabendo de antemão que nenhuma será plenamente satisfatória e definitiva? Ou simplesmente aceitá-la como tal e continuar a viver ainda assim? – claro que o suicídio é sempre uma opção, mas

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não parece ser a melhor nem a mais digna ou corajosa.

903 – Ideologias diferentes – e até contrárias – podem legitimar práticas semelhantes.

904 – A unidade fundamental do género humano encontra-se salvaguardada a um nível muito mais profundo do que o das diferenças culturais (de hábitos, costumes e valores), sociais, históricas, geográficas, raciais, sexuais, etárias, linguísticas ou religiosas: é ao nível da origem e evolução comumda espécie, da identidade estrutural dos seus sistemas biopsíquicos – morfofisiológico, genético, comportamental e de disposições e competências cognitivo-afectivas e simbólicas -, assim como no padrão básico que preside à diferenciação histórico-cultural e individual, o esquema ontológico-existencial comum – nascer, crescer, aprender, falar, conviver, sentir, sofrer, pensar, amar, morrer.

905 – Sabedoria não é igual a conhecimento. Conhecimento não é igual a informação. - contra a “cultura geral” como suprema imbecilidade do espírito. - contra o “equívoco” tecno-informático das máquinas autogestionárias.

906 – O Espírito morreu. Foi assassinado. Eis aqui a lista, porventura incompleta, dos seusassassinos (responsáveis directos) e respectivos cúmplices (responsáveis indirectos), apresentada indistintamente e

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sem qualquer consideração pelo diferente envolvimento ou desigual participação no crime em questão: o Corpo, o Desejo, o Imaginário, o Prazer, o Interesse, o Útil, a Acção, o Poder, o Dinheiro, a Aparência. Filosoficamente: o Estético, o Lúdico, o Lógico, o Físico, o Erótico, o Pragmático, o Económico e o Político. Na perspectiva gnóstica tudo isto faz um e significa o mesmo: a vitória da Matéria enquanto símbolo incarnacional do Mal Radical – em Física dir-se-ia degradação entrópica.

907 – O mar de contradições, diferendos e incompatibilidades que separa a Vida da sua expressão e realização pensante ou inteligente (oPensamento e/ou o Conhecimento) criou um fundo abismo que parece dar razão aos mais cépticos quanto ao valor da vida teorética ou contemplativa, isto é, aos dogmáticos da vida prática ou activa. No entanto, tal razão é somente aparente e fundamenta-se no equívoco de que é possível existir uma proporção ou medida comum entre o que é naturalmente superior e o que manifestamente lhe é inferior, sem respeitar a hierarquia na qual encontra justificação absoluta. É que, se de um ponto de vista relativo – ou relativista -, qualquer um dos modelos apresenta e valida as suas próprias provas, assistindo-lhe, por conseguinte,razões internas que em si mesmo encontra, tal perspectiva de “respeitosa” e horizontal incomunicabilidade é verticalmente superada no plano de uma consciência que experimenta em si mesma o absoluto da vibração harmónica que une o Homem e o Cosmos a partir

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da estrutura do fluxo mais vasto e profundo que em cada instante eternamente a origina, conserva e desenvolve, e onde ela se reconhece realizando plenamente toda a sua essência num estado de perfeita sintonia entrexpressiva.

908 – A solidão natural do filósofo (clássico ou verdadeiro), sendo expressão da sua máxima solidariedade com todos os seres e coisas e com o todo que os une, é um dado inerente e incontornável da sua própria natureza, condição e destino. Na verdade, essa é a dimensão da sua diferença em relação ao que é comum e mundano ao nível da pseudo-sociabilidade instintiva, com os seus gostos e caprichos, hábitos, costumes e valores mais ou menos partilhados e padronizados, bem como da ingenuidade e insensatez da consciência natural.

909 – A Virtude da Sabedoria é a Sabedoria da Virtude, a qual é uma, única e universal.

910 – A Eternidade é a imagem imobilizada do Tempo.

911 – A Unidade da Ordem Eterna do Ser é Inteligível na Pluralidade Caótica do Devir do Mundo Sensível.

912 – Nem todos os juízos de valor são necessariamente delirantes. A sua verdade ou validade objectiva só dependem do grau de ser, consciência e conhecimento alcançados pelo sujeito que os profere, ou seja, do nível de sabedoria atingido

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pelo mesmo – o mesmo é dizer, do grau do seu acordo com o Logos.

913 – Talvez só o Amor por uma mulher, pela Mulher Absolutae Ideal – logo, não existente – ou por uma das suas figurações simbólicas e imaginárias – A Verdade, A Sabedoria, A Justiça, A Bondade, A Beleza, A Natureza, etc –, ou a Guerra por uma Justa Causa, possam justificar a existência humana, dando-lhe um sentido, um valor e uma finalidade, libertando-a e elevando-a a uma grandeza e dignidade que o mero instinto de autopreservação ou de sobrevivência individual e específica – relevam do mesmo – parece decidido acontrariar. A solução ideal, a resposta perfeita, sabe-se ou suspeita-se que consistirá na união sublimada de ambos, quer dizer, do Amor e da Guerra, em prol de algo que superiormente os compatibilize e transcenda, num entendimento ou acordo de princípio cuja consumação os – e nos - fortaleça e enobreça.

914 – A grandeza de um homem é medida pela grandeza das questões que se coloca e pelos problemas que intenta resolver, ou, o queé o mesmo, pela grandeza do seu espírito – mesmo que fracasse miseravelmente naquele empreendimento, o que só faria de si um herói trágico do Espíritoe não uma alma miseravelmente pequena.

915 – Quanto maior for a nossa convicção de que já nada de humano nos é estranho, tanto maior será a nossa perplexidade ao descobrirmos, com surpresa, que afinal

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o inverso é que é verdadeiro, ou seja, que afinaltudo aquilo que é humano nos é irremediavelmente estranho.

916 – Não há nada que um homem faça que a natureza humana, ao menos virtualmente, não permita.

917 – A vida humana é a síntese perfeita do trágico, do épico, do dramático e do patético, merecendo, por isso, verdadeiramente, oepíteto de Obra de Arte Total.

918 – Sendo inegável que a matriz básica do conhecimento científico é composta tanto por factos, fenómenos, dados e experiências, comopela sua articulação metódica aos conceitos, hipóteses e teorias que os enquadram, descrevem, explicam ou interpretam, também parece uma evidência que a componente dinâmica ou a força motriz que assiste ao seu desenvolvimento - originada pela tensão dialéctica entre aqueles dois planos cruzados – assenta principalmente na produção contínua de um conjunto de ficções heurísticas que regulem o processo, o estruturem e orientem em acordo ou desacordo com o paradigma vigente, isto é, confirmando-o ou infirmando-o.

919 – O princípio cosmológico-metafísico que postula a unidade universal e a comunidade participativa ou solidariedade relacional de tudo com tudo e em tudo, encontra o seu contraponto complementar naquele outro que refere a radical e

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generalizada diferenciação e individuação solitária de todas as coisas, seres e acontecimentos.

920 – O princípio da relatividade generalizada é e não é o princípio da arbitrariedade generalizada.

921 – O princípio da dependência sensível das condições iniciais, ou Efeito Borboleta, é uma lei geral do Universo, regendo-o desde sempre - ou desde o seu início.

922 – O núcleo válido do princípio antrópico é redutível aoefeito borboleta, e este, por sua vez, pode ser derivado do, ou derivar o, princípio da sincronicidade e, por inerência, também o princípio da incerteza, o qual é dedutível do princípio da relatividade, de onde se pode validamente inferiro princípio antrópico, denominando-se este anel Cadeia do Mundo. - Só para Iniciados.

923 – Como assegurar simultaneamente a validade universal enecessária de uma questão ou problema, a sua autonomia, especificidade e irredutibilidade relativamente às condições do seu universo generativo ou afim, a adequação, razoabilidade e/ou correcção da sua colocação, e,portanto, implicitamente, também a impossibilidade de um recuo dissolvente ou de uma suspensão fundada na sua dependência e relatividade? R: Mediante a partilha da objectividade transcendental da respectiva questão ou

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problema, isto é, através da tomada de consciência da estrutura essencialmente não-subjectiva e não-relativa do objecto, ou seja, através do reconhecimento superiormente compreensivo de um espaço próprio irredutível ao meramente psicológico ou ao histórico-empírico, o qual, sendo não-contingente, é, por isso, incompatível com qualquer outra formulação, permitindo e potenciando, deste modo, o esgotamento virtual de todas as possibilidades de resposta e/ou solução para o dito. - O assim denominado consenso intersubjectivo resulta daqui, e não o contrário.

924 – Diversões modais: Se nada é necessário, nada é impossível, logo tudo é real. Se tudo é necessário, nada é possível, logo o necessário é o real. Se tudo é possível, nada é necessário, logo o possível é o real. Se nada é possível, nada é necessário, logo o real não existe. Compreenda-se cada proposição individualmente e depois tente-se conciliá-las logicamente, respeitando os três princípios da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído, e observando o resultado.

925 – A História é a chave do Eterno.

926 – A vida suficiente é a suficiência da Vida.

927 – É o conjunto das afinidades electivas do Espírito quepotencia a criação e a

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permanência da comunidade gnóstica dos sábios de todos os tempos e lugares.

928 – Tudo o que aqui se diz só faz sentido relativamente atudo o que aqui se (não) diz.

929 – Uma prova irrefutável é uma prova verificável.

930 – Deduzir consequências necessárias de princípios óbvios não é somente característica de uma ciência – a lógica formal ou matemática -, é também uma arte que, enquanto tal, carece de engenho e talento – a imaginação criadora do processo heurístico de invenção e descoberta.

931 – O sentimento de jubilosa alegria que acompanha o actoe processo do conhecimento é o mesmo sentimento que dá força e paixão à criação artística ou entusiasmo e fogosidade ao amor.

932 – É humanamente necessário confiar e acreditar, ter fé e esperança que o desassossego e a inquietação espiritual gratuitaspossam ter (um) fim - para que o possam ter de facto!?

933 – Nem tudo o que se faz por amor está para além do bem e do mal.

934 – O Ser é a essência imutável do Devir. O Devir é a aparência mutável do Ser. O Uno é a essência oculta do Múltiplice. O Múltiplice é a aparência manifesta do Uno.

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- o mesmo se aplica às relações Ordem/Caos e Simples/Complexo.

935 – Um ponto de vista - ou perspectiva - institui uma relação que não remete parcial ou exclusivamente a um sujeito nem a um objecto, mas sim à dimensão possível ou real do seu encontro, ao ponto de tangencia e adequação entre a posição revelada do objecto e a disposição afectada - ou afectante - do sujeito.

936 – A carga de desejo e o subsequente prazer inerente à valorização e culto do niilismo, nas suas diferentes modalidades e manifestações, constituem, não só a sua mais perversa contradição, como o seu mais alto expoente, a expressão máxima da sua totalitária e irrevogável realidade.

937 – Quem espera nem sempre alcança.

938 – No reino do Espírito, o Amor, o Conhecimento e a Vidasão um e o mesmo.

939 – O mesmo, por outras palavras: Conhecimento (Vida) espiritual é Amor, Amor (Vida) espiritual é Conhecimento.

940 – Afirmando os seus valores próprios verdadeiramente universais, a Aristocracia do Espírito é uma necessidade absoluta e um programade acção – contra a plebe materialista.

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941 – É de uma lógica implacável – porque fundada no verdadeiro conhecimento – a tese que sustenta a exclusiva e inviolável capacidade/qualidade política do sábio- filósofo. Tal ideia não é apenas facilmente compreensível como é mesmo a única racional e legitimamente defensável, pois só aquele que tendo-se iniciado e alcançado a sabedoria do que É – A Verdade, A Justiça, O Bem, O Homem -, tendo nesse processo sido libertado do estado condicionado da sua ignorância e inconsciência, convertendo-se integralmente, istoé, realizando em si o que verdadeiramente É e transformando-se através desse conhecimento dos princípios universais do Ser, só esse está em condições de governar, porque só ele reúne as condições necessárias e suficientes de ser, pensar, sentir, querer, conhecer e agir plenamente com a Virtude necessária – a Pureza, aExcelência, a Sabedoria, a Perfeição -, sendo o mesmo válido para à Educaçãoe ensino, tal como para a vida em geral – o princípio não é invalidado pelo facto de poder não passar de um ideal ou ficção reguladora virtualmente impossível de ser perfeitamente realizado.

942 – Pensar, falar e escrever apenas o que nos é dado sentir, com os sentidos e o coração, eis um bom princípio de honestidade, nãosó intelectual mas também moral, espiritual e existencial profundo, ou não fosse a alma ela mesma um sentido para a vida.

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943 – É absolutamente essencial que a doutrina das afinidades electivas do Espírito encontre a sua expressão e realização no seio do que, propriamente, poderá ser designado de comunidade gnóstica ou sófica, cuja unidentidade, desde logo e por princípio, naquela estaria assegurada.

944 – Uma comunidade livre de investigadores cujo único objectivo consista na sua total dedicação e integral devoção à vida contemplativa, eis a essência da comunidade filosófica plena.

945 – Uma decisão fundamental que implica um juízo de valorcategórico: que a questão fundamental da Filosofia – da perene e, portanto, também da contemporânea – não reside tanto na dimensão gnoseológica, embora lhe seja indissociável; consiste isso sim na relação ético-ontológica do Pensamento e da Vida, da Consciência e do Ser, relação absoluta de co-pertença, de identidade e diferença.

946 – A acupunctura do espírito é uma forma de medicina preventiva – antes de ser curativa – da saúde mental.

947 – O conjunto das proposições lúdicas é apenas um exemplo possível do universo jogos de linguagem.

948 – A Paixão e a Serenidade: a dupla polaridade do pathosfilosófico, o qual é, ao

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mesmo tempo, obra-síntese de Apolo e Dionísio, deEros e de Thanatos.

949 – Contemplação e Acção: não é fácil conciliá-las numa só virtude. O Monge e o Guerreiro: não é fácil encontrá-los num só homem.

950 – Qual é o arquétipo do Homem? Deus. Qual é o arquétipo de Deus? O Homem.

951 – O Homem, um pequeno deus protésico? Sim, mas um deus insano, um deus cuja demência virtualmente incontrolável o pode arrastar irreversivelmente para o abismo da destruição total de si mesmo e do planeta vivo que o gerou e mantém; um deus esquizo-paranóide em guerra permanente consigo mesmo e com o meio ambiente em que vive, e que talvez só tardiamenteganhe a consciência e a maturidade espiritual necessárias ao uso responsável do poder que de facto, mas ainda não de direito, exerce sobre o mundo, o mesmo que, na sua loucura narcísica, considera e age como se fosse seu.

952 – Impõe-se hoje a formulação – ou reformulação – de umaética que respeite e se fundamente nos princípios absolutos (metafísicos)da Ordem Universal e Eterna, adaptando-os concretamente, isto é, aplicando-os às contingências espácio- temporais do mundo moderno. Dessa via, emerge o que talvez pudesse denominar-se uma ética ecológica ou ontológica, porque fundada na qualidade de

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ser, saber e viver em relação com, experiência decomunicação ou/e comunhão, consciência vivida de participar na Unidade do Ser no Universo, sentimento amoroso de co-pertença à totalidade antropobiocósmica, ao Grande Todo a que diferenciadamente estamos ligados e onde nos integramos. A essa nova-velha ética não seria ainda impróprio designar como ética cosmológica, visto ser esse o horizonte e o fundamento do “novo” Ethos, do Oykos humano do futuro – como o foi já do passado -, legitimando e sendo legitimada no reconhecimento e na consciente reassumpção do elo perdido, da SagradaAliança entre o Logos e a Physis, entre o Homem e o Cosmos, na sua infinitaabertura ao divino que em tudo se oculta e revela.

953 – É no amor desinteressado e no conhecimento conscientede si que a Humanidade atinge a sua perfeição e a sua divindade.

954 – Sabedoria é Virtude; Virtude é Simplicidade; Simplicidade é Humildade; Humildade é Pobreza; Pobreza é Liberdade; Liberdade é Vida; Vida é Plenitude; Plenitude é Perfeição; Perfeição é Felicidade: este é o princípio de identidade a recuperar, conservar, desenvolver e realizar.

955 – O princípio (o preconceito) pseudo-democrático do igualitarismo impede hoje o reconhecimento de padrões axiológicos e ontológicos verdadeiramente distintivos entre as pessoas, aqueles padrões que são verdadeiramente absolutos porque

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subtraídos aos absolutismos relativistas da contingência sócio-económica e histórico-cultural. Ao contrário, como consequência inevitável daquele princípio jurídico-ideológico homogeneizador, é o status social, o poder económico ou o prestígio cultural em senso lato que imperam, diferenciando, ordenando, hierarquizando e funcionando como referenciais absolutos de valoração. É o domínio absoluto e incontestado dos engenheiros, dos médicos, dos advogados, dos gestores, homens de negócios, estrelas da TV,do cinema ou da música, o que é compreensível, na medida em que são eles que têm o que os outros não têm e gostariam de ter, constituindo desse modo os ideais, os objectos de desejo, inveja e ambição, os heróis e modelos de julgamento, valorização e hierarquização entre os indivíduos, personificando pelo seu exemplo o akmê das públicas virtudes (fama, fortuna, poder, estatuto, sucesso, beleza,etc), bem como dos respectivos e igualmente desejados e invejados vícios privados.

956 – Uma ruptura na comunhão com a Vida é uma ruptura no tecido da Vida.

957 – O amor da Sabedoria é uma forma da sabedoria do Amor. Mas a sabedoria do Amor é o segredo do amor à Sabedoria.

958 – Tal como a Filosofia veio sendo progressivamente substituída pela Ciência, assim também Deus veio sendo reduzido no seu papel e lugar – como princípio de inteligibilidade e significação –, mercê da Natureza e do Homem. Na verdade, o

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domínio hoje reservado a ambos é, cada vez mais, o do puro e absoluto Mistério.

959 – A substituição real da Natureza pelo Homem, ao consumir a Natureza, determinará a substituição do Homem pelos resíduos de ambos.

960 – A verdadeira Filosofia não é mística nem exotérica, mas iniciática e esotérica, o mesmo é dizer, matéria de conversão íntima e integral da alma no seu aparente percurso ascencional, na realidade imóvel movimento, em direcção ao centro absoluto de si mesma.

961 – Uma lamentável verificação: que agora o critério aferidor do pensar consiste na sua competência para manipular e dominar conceitos, proposições e/ou argumentos; que a verdade reside no valor de persuasão consensual da multidão; que a validade da acção está na sua eficácia operativa ou funcional; que o ser importa apenas enquanto ostentação da uma aparência (imagem); que o sentido da vida é uma questão sem sentido porque patológica e/ou inútil. - “pequenas” confusões dos tempos que correm.

962 – O poema supremo é a ficção.

963 – Todo o processo criador aspira a tornar-se padrão de estabilidade e repetição, assim como contém sempre já em si - por suposiçãoprecedente e implicação consequente - um gérmen paralelo de destruição.

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964 – Sofrer e abster-se (suportar e aceitar): sábia atitude de humildade - quando nenhuma outra é possível.

965 – Um dos equívocos maiores – ou paradoxos – da democracia consiste na permissão que confere legitimidade, por princípio, até aos movimentos que manifestamente são contrários ao seu regime de funcionamento, isto é, àqueles que directamente a colocam em causa ou dela se servem, utilizando-a no seu próprio interesse a fim de subverter as regras dojogo que, em última instância, se recusam a aceitar – por serem óbvios, os exemplossão perfeitamente dispensáveis.

966 – A redução da diferença à mesmidade assenta no prazer do “dejá vu”. A redução da mesmidade à diferença assenta no prazer do “jamais vu”.

967 – A Humanidade tem necessidade de acreditar naquilo queignora – naquilo em que acredita -, tem necessidade de acreditar que acredita naquilo em que (não) acredita e tem necessidade de não acreditar que ignora e no que ignora.

968 – A equação profunda do senso-comum, a sua fórmula lógico-mágica, é: querer implica acreditar, acreditar implica saber, saber implica dizer, dizer implica ser, isto é, qualquer que seja x, Q(x) implica A(x), que implica S(x), que implica D(x), que implica V(x), o que, traduzido em linguagem corrente, dá: se eu

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quero, então eu acredito; se eu acredito, então eu sei; se eu sei, então eu digo; se eu digo, então é porque é verdade. É claro que, frequentemente, se assiste à inversão desta ordem sequencial, mas isso não altera o esquema básico, que permanece o mesmo, apenas obriga a mudar o sinal de implicação para o de equivalência, o que é ainda mais curioso – lei daomnipotência do desejo (ou do pensamento mágico) ou o Mundo como Vontade e Representação (representação da vontade do eu – da nossa vontade).

969 – Se toda a verdade se tornasse literalmente falsa a partir do momento em que nos contentamos com ela, poderia esta verdade subtrair-se à sua própria regra, à sua própria verdade?!

970 – Esta proposição é falsa.

971 – A proposição seguinte é verdadeira. A proposição anterior é falsa.

972 – Podem, em verdade e com legitimidade, deduzir-se regras práticas de uma teoria, qualquer que ela seja? Terá esta que satisfazer determinadas condições para poder ser “aplicada”? E, nesse caso, quais são elas? Não será o seu valor ideal e regulador a única condição a satisfazer? Ou terá ela que ser construída e constantemente testada no confronto empírico-prático com o real, o qual pode ser tanto o seu ponto de partida como um seu derivado? E não será isso uma

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limitação à sua validade, à sua universalidade e necessidade, as quais nunca se encontram ao nível da experiência particular da contingência?! E será assim para Ciência como para a Ética? Ou falamos aqui de coisas completamente diversas? Poderão colocar-se no mesmo plano teorias científicas - isto é, descritivas e explicativas do real ou do ser - e teorias moraisou políticas - quer dizer, prescritivas ou normativas do ideal ou dever-ser?Teorizar e deduzir consequências lógicas ou prováveis sobre factos será equivalente a teorizar e deduzir consequências lógicas ou prováveis sobre valores? Serão as afirmações sobre estes últimos passíveis de serem objectivamente verdadeiras ou falsas, tal como acontece com as afirmações sobre os primeiros? E, a ser esse o caso, não serão os seus critérios de verdade e de validade exactamente opostos, na medida em que umas são aferidas pelo seu grau de concordância com o que existe e acontece e pela sua capacidade de explicar isso mesmo (as científicas e descritivas em geral), enquanto as outras o são, ao invés, pela capacidade que os factos e acontecimentos (as acções) demonstrem deexemplificar os princípios gerais definidos a priori (as éticas, políticas enormativas em geral), invertendo-se deste modo, completamente, o ónus da prova em ambos os tipos de teoria, na sua relação com a realidade? E não poderá assim dizer-se que, enquanto nas primeiras a realidade nunca se engana e só a teoria pode estar enganada, já nas segundas pode mesmo ser a realidade que se engana e não a teoria, na condição de que esta seja racionalmente válida, justa, verdadeira nos seus princípios e humanamente

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viável?!

973 – Só o Espírito se pode compreender (realizar) a si mesmo, pois só ele é simultaneamente sujeito e objecto de si mesmo, domundo e da Vida.

974 – É triste e vergonhoso constatar que até mesmo os últimos redutos do idealismo romântico – o científico, o filosófico, o artístico – se encontram já contaminados pelo realismo pragmático da pós-modernidade e pelo espírito tacanho do materialismo capitalista, ao serviço do qual se colocam como instrumentos passivos e activos de exploração e de dominação, perfeitamente integrados no “Sistema” que deveriam precisamente denunciar e combater, ou, pelo menos, resistir à sua instrumentalização, atendendo à suasuperior responsabilidade ético-política e espiritual. No entanto, uma consolação é sempre possível e até susceptível de ser verdadeira: talvez tudo tenha de ser assim, em obediência a secretos desígnios; talvez seja necessário que hoje tudo faça parte do mesmo.

975 – O interesse cosmológico, isto é, aquele que diz respeito à origem, estrutura e evolução do Universo , assim como o interesse biológico, que concerne à origem, natureza e evolução da Vida, são ambos reversíveis ao interesse antropológico, ou seja, à questão de saber quem somos, onde estamos, de onde vimos e para onde vamos, embora a reversão inversa não seja menos verdadeira,

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uma vez que, mesmo quando qualquer uma destas questões fundamentais é colocada na primeira pessoa do singular e não no plural, a sua resposta supõe, envolve e implica sempre, directa e/ou indirectamente, mediata ou/e imediatamente, não só todas as outras questões como a totalidade das outras dimensões ou níveis da realidade onde estamos inseridos e de que fazemos parte. Para qualquer um de nós saber radicalmente quem é, tem necessariamente de saber onde está, de onde vem e para onde vai, nãosomente como indivíduo, mas como membro da espécie humana, como ser vivo e como parte integrante do Todo Cósmico.

976 – Os ritmos e flutuações cíclicas são padrões vibratórios universais que afectam tanto a Natureza como a Mente e a História.

977 - Todo o conjunto de caracteres, herdados ou adquiridos, que definem um organismo vivo, sejam eles morfofisiológicos, ecológicos, genéticos ou etológicos, inscrevem-se simultaneamente no complexo sistema-rede de inter-relações lógico-estruturais e funcionais com os seres de que dependem – com relações de semelhança e diferença, complementaridade, concorrência e antagonismo -, bem como no feixe do processo evolucionário de onde derivam e que organizam.

978 – É verdade que a tese clássica que fazia da Arte uma forma de imitação da Vida, da Natureza ou da Realidade em geral, foi hoje invertida, já que agora é

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precisamente o contrário disso que acontece e sãoa Vida e a Realidade que imitam agora a Arte - e até a Natureza se vê obrigada a adaptar-se a tal mudança de estatuto e de papel; também é verdade que nadadisso constituiria problema ou motivo de preocupação caso essa mesma arte pudesse ser considerada Bela e Boa (Excelente), ou, ao menos, alargando o critério, se fosse esteticamente Sublime, o que, infelizmente, como muito bem sabemos, não é de todo o caso. Mas o pior nem é isso. O pior é que as relações entre a artee a vida são hoje tão complexas e indeterminadas, com cada uma reflectindo, influenciando, condicionando e determinando a outra, a ponto de se identificareme se tornarem virtual ou mesmo realmente indistinguíveis, tal é o grau da sua mútua contaminação e confusão. Nos tempos que correm, toda a arte aspira à condição de vida e toda a vida pretende ser arte, o que, dado o estado actual das coisas (da arte e da vida), não pode ser senão de lamentar e deplorar.

979 – Há pessoas cujos preconceitos são preferíveis às suasideias explícitas e assumidas, perdendo completamente a graça e o interesse quando procuram explicar ou justificar aqueles na forma de um pensamento ou de um argumento. - um juízo auto-referencial?

980 – Ser, viver e agir em harmonia e conformidade com a Natureza é ser, viver e agir natural e espontaneamente, é deixar ser, viver e agir a própria Natureza em nós e através de nós. Mas isso é propriamente não ser, não viver e não agir – enquanto

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sujeito autónomo isolado -, pelo que se conclui que a verdadeira acção, o verdadeiro ser e verdadeira vida retiram a sua essência dos seus contrários, ou seja, da não-acção, da não-vida e do não-ser.

981 – A disposição compreensiva, simultaneamente tranquila e exaltada, para experienciar tanto as consonâncias como as dissonâncias, tanto a ordem como a desordem, a constância tal como o fluxo da mudança, a idêntica unidade assim como a diferencial pluralidade do Mundo e da Vida: eis a Beatitude do Homem, a sua felicidade possível.

982 – O difícil já foi fácil. O complexo já foi simples. O grande já foi pequeno. - esta é a verdade da origem, e é aí que o sábio se situa.

983 – Amores e ódios, crenças e descrenças, esperanças e desesperos, aflições e angústias, medos e desejos: tudo sinais de que o essencial não foi ainda alcançado - se é que alguma vez o será.

984 – Ouvir sem escutar, olhar sem ver, sentir sem perceber, pensar sem compreender, eis o estado de consciência normal da pessoa vulgar. Pode o contrário disso ensinar-se? Provavelmente não! Isso não pode ser ensinado, a menos que exista já um dom a ser trabalhado e uma predisposição para o desenvolver e realizar, uma vontade de aprender e a capacidade para o fazer. E mesmo nesse caso tem de

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ser conquistado e merecido, produto de uma esforço pessoal e/ou de uma graça concedida – mas não é o que acontece afinal com todo o ensino e aprendizagem?

985 – Todo aquele que se contenta e satisfaz com a pluralidade caótica, fragmentária e desconexa da vida ou da realidade, sem sentir necessidade de integrar esse fluxo mutável de acontecimentos e experiências contingentes numa unidade sintética e harmónica de inteligibilidade e significação, esse não passa de um ser inferior que existe mais próximo da sua animalidade do que da humanidade potencial que o habita – claro que aquilo que é aqui especificamente humano não passa ainda de uma reacção defensiva, e também estruturante e ofensiva, contra a confusão estuporada e a violência gratuita da realidade eda vida, a sua ausência de sentido.

986 – A intuição suprema continua a ser (É) a da unidade detoda a multiplicidade, da eternidade em todo o devir, da essência em toda a aparência.

987 – O Espírito é o sangue da Vida que circula entre o Coração e a Alma, sendo por isso aí que reside o jardim dos caminhos que se bifurcam.

988 – A natureza profunda do ser, do saber, do agir e do viver são uma e a mesma, logo, os seus conceitos são sinónimos e permutáveis entre si.

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989 – Os caminhos que levam a lugares inexistentes são, porventura, os mais perigosos de todos.

990 – A participação absoluta no Real é a experiência religiosa por excelência.

991 – É a excepção que faz a regra e não o contrário.

992 – O poeta, o filósofo, o santo e o cientista, partilhamuma mesma intensa paixão, a mesma lucidez no pensar, a mesma coragem no agir, a mesma densidade no ser, a mesma inteligência no sentir e no viver, mas sóquando o são autenticamente, pois caso contrário não passam de simulacros ilusórios que simplesmente macaqueiam aquele ideal de vida superior, o que écada vez mais frequente.

993 – Até certo ponto da experiência prática da meditação, o Um é a Verdade, o Dois a Ilusão, o Três a ilusão da Ilusão, e assim sucessivamente. Transcendido esse ponto (de mutação), a Verdade emerge como una e única, e a cadeia da Ilusão revela-se pura e simplesmente como inexistente, sendo toda ela reabsorvida na esfera pura da Verdade – esta é a experiência da Compreensão Perfeita ou Iluminação.

994 – Uma vez superados e transcendidos todos os estados ouníveis de consciência relativos e contingentes que caracterizam todo o ser finito e condicionado – caso

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isso seja humanamente possível -, importa saber que experiência cumpre realizar em seguida.

995 – A necessidade de legitimar um desejo ou de justificarum acto pode alguma vez legitimar esse desejo ou justificar esse acto?

996 – Será a Verdade redutível à ilusão (à crença) da verdade? Seria esta verdade suportável?

997 – Existem crenças verdadeiras justificadas que não são conhecimento - o segredo está na verdade e validade da justificação, isto é, na sua infalibilidade.

998 – Toda a vida humana é, consciente ou inconscientemente, vivida no fino fio da navalha entre a vertigem do abismo e o apelo das alturas. Todas as nossas ficções e fantasias, toda a nossa ânsia de acção, visam aplacar essa tensão vital por vezes insustentável.

999 – Uma gota de água num oceano pode ser um oceano numa gota de água.

1000 – O Supremo Mistério do Universo é… o Universo!

1001 – A Vida não é um sonho, nem um jogo, nem tampouco um romance, mas sim um mistério.

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1002 – A vontade que deseja a cessação da vontade é ainda uma figura da vontade; a existência que busca a cessação da existênciaé ainda uma forma de existência; o pensamento que aspira à cessação do pensamento é ainda um tipo de pensamento. Moral: o esforço não compensa na exacta medida em que se duplica, isto é, enquanto peca por uma petição de princípio – tentar outra coisa.

1003 – Uma adivinha filosófica: O que é que não pode deixar de ser, sem ter sido nem vir a ser?

1004 – O que pode isto significar: “O Ser é o nada nadificante do ente”? Nada, seguramente, mas um nada doente. – ou doente é aquele que não percebe?

1005 – O que significa isto? “Isto significa isto” é uma resposta a uma questão? Ou uma meta-questão? Ou uma outra questão?

1006 – A vida não é nem um mar de rosas nem um vale de lágrimas, mas um vale de rosas banhado por um mar de lágrimas. - uma das vantagens das metáforas é poderem cruzar-se e gerar outras metáforas.

1007 – A combinatória dos possíveis é infinita, logo, o Real, como caso particular do Possível, é quase uma impossibilidade.

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1008 – O que é a Iluminação? É estar em condições de não fazer esta pergunta - ou de dar esta resposta.

1009 – P: O que é a Vida? R: É viver. P: E o que é viver? R: É não perder tempo com perguntas absurdas. - Uma lição de vida?

1010 – A distinção, até certo ponto fundamental, entre juízos de facto e juízos de valor nem sempre é respeitada, sobretudo quando factoé valorizado ou o valor se transforma num facto objectivado.

1011 – A Perfeição existe e é alcançável nesta vida - é necessário acreditar nisso para concluir precisamente o oposto (ou não).

1012 – A espontaneidade criativa da Natureza coincide no Homem com a expressão e realização da Verdade na experiência do pensamento – Physis-Logos-Aletheia.

1013 – É virtualmente impossível pensar o que se sente sem se sentir o que se pensa.

1014 – Errar é humano, mas persistir no erro é pura estupidez.

1015 – Assumindo que a Sabedoria constitui o estado harmonioso e unificado do que É com o que, e como, se vive, pensa e diz, ou seja, a comunhão íntima e profunda

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do ser do Homem com o ser do Mundo e da Linguagem, então o re- conhecimento dessa Relação ou Estrutura Absoluta que tudo a tudo une (o Logos), tornaria um e o mesmo o Pensar e o Ser,em perfeita sintonia amorosa não cindida, e, logo, isenta da tensão angustiada do espanto (da inquietante estranheza) que a Filosofia instauraria num plano de diferença ontológica. - O nascimento da Filosofia, seja histórico, individual ou transcendental, representa o nascimento do homem como ser autónomo, simultaneamente consciente da sua identidade e da sua diferença relativamente a tudo o que não é ele próprio, logo, a sua Queda (ou Pecado)Original, Originária ou Metafísica.

1016 – O Sábio é aquele que É plenamente – com o Ser. O Filósofo é aquele que aspira a ser plenamente– com o Ser. Assim, enquanto o primeiro nada busca, pois já é e está-lá - no acordo e na correspondência ou acerto com o Ser -, o segundo procura incessantemente atingir no Devir isso mesmo que ainda não é, por ainda não estar onde o primeiro se encontra.

1017 – A libertação do pensar autónomo e a sua completa afirmação significaram também o início da alienação do Homem em relação à plenitude da Verdade do Ser - com a inevitável decadência consequente -, uma vez que a experiência originária do Ser é a da unidade de tudo o que é, quer dizer, a do sentir e do

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pensar na sua identidade com o ser de tudo o que é – a totalidade dos entes ou Universo.

1018 – A medida de um homem é a dimensão dos problemas que enfrenta, bem como da sua capacidade para os resolver.

1019 – A Filosofia é a tentativa de recuperar no fim, por meio da multiplicidade e devir das aparências, a unidade originária e eterna da essência do ser e do pensar, lá onde o ser do pensar e o pensar do ser coincidem, no plano, ponto e instante onde e quando se podia, pode e poderá sempre dizer, com a propriedade da verdade, que todas as coisas são governadas através de tudo e, logo, que tudo é Um, e que a Sabedoria é nisso que consiste e nada mais.

1020 – O Fim da Filosofia é a Mística - o progresso/regresso ao seu ponto-instante deorigem.

1021 – A experiência mística resolve-se ou no silêncio absoluto do espírito ou na profusão infinita do verbo. Em todo o caso, a diferença é apenas aparente e de efeito, pois o essencial, a esse nível, foi já conseguido.

1022 – Será o Mundo um Cosmos ou um Caos? Não será a ordem apenas a condição da sua inteligibilidade e da nossa tranquilidade, logo do nosso domínio cognitivo,

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emocional e prático sobre ele, seja este real ou ilusório? - da insegurança ontológica da ignorância à ciência da vontade de poder.

1023 – Um programa filosófico: a coalisão da Filosofia transcendental e da Filosofia da Natureza: na primeira determinam-se as condições, possibilidades e limites da validade universal do conhecimento e do sentido- a sua necessidade a priori; na segunda, a génese, estrutura e função natural dos mesmos – a sua objectividade.

1024 – Pensar é sempre colocar (descobrir/criar) questões eproblemas, isto é, interrogar e problematizar, assim como procurarrespostas e soluções. Por isso, a experiência do pensar é já efectiva e simultaneamente uma busca do conhecimento e uma forma de conhecimento – a essência da filosofia.

1025 – A par da falência das grandes narrativas, e com ela directamente relacionada, assiste-se na era moderna – e pós-moderna – à queda e aniquilação das grandes personagens que em si encarnavam, personificando-os, os grandes princípios, ideais, sentimentos e valores que nos inspiravam, orientavam e guiavam, os heróis humanos ou mitológicos, os sábios, os santos, os génios, artistas ou revolucionários políticos. Ao invés disso, temos hoje as pequenas narrativas e as pequenas personagens, tanto na história como naliteratura e na arte em geral, à justa medida, aliás, dos pobres, fracos e medíocres motivos que as geram e,

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desgraçadamente, nos conduzem.

1026 – O Metafísico, o Espiritual e o Transcendental constituem a unidade do plano de fundamentação originária da Filosofia, logo, doseu paradigma perdido.

1027 – Ser, Viver e Agir com Conhecimento de Causa, eis o verdadeiro sentido da Sabedoria, a autêntica Ciência do Homem, a um só tempo universal e necessária - porque dos princípios, valores e fins válidosem geral – e individual e particular – porque discriminador aplicado, critério e padrão de cada caso concreto. No fundo, trata-se de saber não apenas o quê e o como, mas o porquê e o para quê se é, se vive e se age, sem que faça aqui qualquer sentido a distinção entre o conhecimento do Homem (Antropologia) e o de cada homem, nem entre isso e o que corresponde àquilo que lhe é próprio, ao seu modo específico de ser, à sua melhor forma de vida, o seu Ethos (Ética).

1028 – Como qualquer organismo vivo, o Espírito carece de ser continuamente alimentado, a fim de não somente se conservar, mas se expandir e desenvolver - é o trabalho dos sentidos, da imaginação, da vontade, da afectividade e da inteligência.

1029 – Pode o que Vale deduzir-se necessariamente do que É?O Dever-ser do Ser?

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O Ideal do Real? A Ética da Antropologia, da Biologia, da Cosmologia, da Ontologia ou da Metafísica em geral? Sim, mas só se não constituir imposição normativa artificial e exterior, arbitrariamente determinada a priori ou a posteriori, mas se funda, ao contrário, no conhecimento verdadeiro do que É (Gnose) e do seu fundamento essencial, em comunhão com os Princípios Universais e Supremos da Realidade, o que pressupõe evidentemente uma conversão espiritual ou transmutação ontológicado ser-do-homem a partir da qual aquela diferença relativa perde todo o sentido e toda a validade, anulando-se.

1030 – A extrema aceleração dos tempos modernos, adicionadaà concomitante contracção dos espaços, determina uma tal proliferação de coisas, imagens, ideias, acontecimentos, informações, conhecimentos e acções, que se torna praticamente inevitável o predomínio do reino da quantidade, da superfície, do simulacro e da novidade vã, em detrimento daqualidade profunda, autêntica e sem tempo. Por outro lado, tal multiplicação exponencial das ordens de realidade, dos factos e estados-de-coisas, inviabiliza cada vez mais a possibilidade de apreensão padronizada e regular da realidade numa visão global, sintética e totalizante da sua tendencialmente infinita complexidade.

1031 – O anarquismo místico é a doutrina que atribui indistintamente a Deus todos os actos cometidos pelo Homem. Suporta-o a convicção de que a liberdade humana

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se fundamenta numa ilusão causada pela ignorância dos desígnios de Deus – do determinismo divino.

1032 – Entre o idealismo romântico e o realismo pragmático não há apenas uma diferença psicológica de tipos, uma diferença estética de estilos ou uma diferença teórica de conceitos: tratam-se de duas modalidades radicalmente diversas de ser, viver, sentir e pensar, de duas filosofias completamente inconciliáveis, de duas atitudes e formas de vida irredutivelmente antagónicas, mais, de duas categorias absolutamente distintas do ser-se humano.

1033 – A imbecilização e o amesquinhamento são consequências inevitáveis e previsíveis de uma vida espiritualmente nula.

1034 – O desejo de omnipotência do desejo é o maior desejo do Homem – talvez o único.

1035 – Não passa de aparência a ideia de que existe total incompatibilidade entre o determinismo generalizado e o casualismo universal. No fundo, tal ponto de vista é parcial e ilusório, pois a noção de umarealidade onde tudo existe e acontece por acaso, isto é, por intersecção de séries causais independentes, não invalidada nem relativiza sequer o princípio dacausalidade. Na verdade, ao efeito conjunto e combinado de todas de todas as séries causais, directa e/ou

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indirecta, mediata e/ou imediatamente dependentes, pode até, com legitimidade, dar-se o nome de “Fatalidade” ou “Destino”, entendido este como jogo infinito dos acasos necessários e das necessidades casuais.

1036 – Urgente se torna recuperar a justa concepção hierárquica da Realidade, do Ser, da Vida, do Homem, do Conhecimento e dos Valores, aí resolvendo o equívoco de uma realidade horizontalmente homogénea – naverdade, homogeneizada – que não reconhece níveis ou graus de verticalidade na sua ordenação, impossibilitando, por conseguinte, qualquer referência evolutiva e ascencional que não seja redutível ao plano histórico e material. Tudo, ou quase tudo, se decide aqui, e é por isso que talvez não exista, provavelmente, tarefa mais importante para os tempos que correm.

1037 – A génese da consciência reflexiva (ou racionalidade)constitui o momento da cisão separadora do Homem e da Realidade cósmica envolvente, ou seja, da subjectividade em relação ao ser das coisas, emcontraste com o estado unitário e fusional anterior oferecido pelo mito, pela magia e pela religião, o qual a a filosofia, a ciência e a arte procuram, por sua via, restaurar (teoria do elo perdido).

1038 – O Ponto de Vista divino é o da totalidade infinita dos pontos de vista possíveis numa síntese suprema e simultânea - é para lá que devemos tender.

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1039 – O Infinito Actual é possível? É inteligível? É real?

1040 – O absolutamente Infinito É; o relativo e o finito são e não-são. É isto compreensível?

1041 – O Absoluto tem um nome, mas não é possível dizê-lo - a não ser aos que já o conhecem.

1042 – A guerra constitui a prova decisiva da bondade natural do Homem e da perfeita distribuição do bom-senso.

1043 – Às vezes é preciso falarmos das coisas para (não) rebentarmos com elas – ou para não nos rebentarmos com elas. Outras vezesé porque falamos delas que elas nos rebentam – ou não rebentamos nós com elas.

1044 – A identidade lógica do pensar e a identidade ontológica do ser convergem para a - ou derivam da – identidade absoluta do ser e do pensar.

1045 – Uma hipótese interessante: que, para além da possível existência de um paralelismo onto-filogenético, e talvez em articulação necessária com este, exista também uma correspondência paralela entre a História – filosófica, científica e religiosa - do pensamento ocidental e o desenvolvimento psicológico individual,

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tanto do ponto de vista intelectual ou cognitivo como emocional ou afectivo. Se a nível cognitivo já se investigou tal potencial homologia ou isomorfismo entre os dois planos, nomeadamente no que à história das ciências diz respeito, com relação à dimensão emocional o trabalho está por fazer. A hipótese ficará porventura ainda mais interessante - o que não significa necessariamente mais verdadeira - se se aceitarem algumas das premissas teóricas da psicanálise e se encetar uma interpretação psicanalítica do conjunto daquela história à imagem e semelhança da sua descrição do desenvolvimento psico-afectivo e sexual dos indivíduos: desde o narcisismo primário indiferenciado à primeira relação objectal com a Mãe (Natureza), à emergência do Logos como potência do Filho (Homem) que depois advém e se torna Filho do Pai (Cristo) durante o longo período do Édipo civilizacional (Homem-Deus-Natureza) dominado pelo super- ego herdado e imposto pela imago paterna, denegador e recalcante da relação com a Mãe e da sexualidade (Idade Média), que permanecem latentes até ao seu redespertar na puberdade e adolescência simbólica do Renascimento, com a reafirmação “dos direitos” do filho Homem (Humanismo) e dos seus poderes autónomos para “reconquistar” a Mãe Natureza (Naturalismo), retornando à matriz original (Classicismo) e relacionando-secom ela liberto da tutela do Pai-Deus (Filosofia, Ciência, Técnica, em guerra contra a Religião do Pai), identificando-se com ele, criticando-o, ocupando o seu lugar e assumindo para si a independência da Razão paterna (Racionalismo); e assim sucessivamente, até à

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contemporaneidade. Mesmo que tal interpretação psicanalítica da história intelectual do Ocidente não explique tanto a realidade tal como foi efectivamente vista e vivida pelos seus actores, mas mais a visão ou reinterpretação que a posteriori tem vindo a ser feita dessa história desde o Renascimento e da Idade Moderna (e até estes nomes não deixam de ser significativos), será que isso torna esta hipótese meramente interessante, potencialmente heurística e prometedora ou completamente delirante? Quem souber que responda.

1046 – Qual é o significado profundo do “Conhece-te a ti mesmo”? É indubitável que se trata de uma remissão à via da interioridade, da autognose que nos aproxima do que essencialmente somos e nos constitui pordentro, para além - ou aquém - das aparências a que cómoda e convenientemente nos agarramos como medida de segurança. Refere-se simultaneamente àquela dimensão universal do ser- humano que todos e cada um comportam, à nossa condição, natureza e destino comum, bem como àquela outra dimensão diferencial da individuação que nos identifica e distingue, a cada um e a todos, detodos os outros seres humanos e não-humanos. Em última instância, parece enunciar o sentido convergente e até coincidente do universal concreto, ao mesmo tempo idêntico e diferente, que cada um é em-si mesmo, e que, através da consciência, é também para-si mesmo, apontando assim à reapropriação reconciliatóriade cada um consigo próprio no

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ponto em que o fundamento último dessa individualidade é também o da absoluta comunhão com todos os outros seres – da mesma espécie e de todas as espécies e géneros – e com o Ser. Descobre-se então ali um sentido e um valor que já não é apenas, nem fundamentalmente, psicológico ou mesmo antropológico, mas sim cosmológico e metafísico, quer dizer, o sentido e o valor da auto-consciência e/ou do auto-conhecimento como forma(s) de auto- revelação e auto-realização do Absoluto no relativo – e do Universo no Homem e em cada homem -, pela recondução deste últimoao seu fundamento originário, ao centro incondicionado que é cronologicamenteanterior e ontologicamente superior e exterior àquela cisão que o enunciado em questão exprime e intenta resolver – conhece-te a ti mesmo se queres conheceres tudo, pois tudo está em ti e tudo em ti se conhecerá, poderia ser a fórmula explicativa simplificada.

1047 – O que torna possível o desdobramento da Natureza em Consciência? Há ou não um Logos comum entre o Mundo, a Consciência e aLinguagem? Que regra geral de transformações, que estrutura invariante integra e diferencia a linguagem do Mundo e o mundo da Linguagem? É o Mundo uma forma de linguagem - e, logo, de pensamento, ainda que inconsciente -, sendo assim como tal interpretável? As leis da Natureza determinaram (e determinam) necessariamente a eclosão do pensamento consciente e da linguagem, ou apenas condicionalmente a tornaram (e tornam) possível? Serão a Vida e a

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Inteligência, juntamente com a Finalidade e o Significado que ambas implicaram – ou que as implicou –, “simples” propriedades emergentes do mundo físico de forma improvável e contingente, ou encontrarão raiz e explicação na própria estrutura desse mundo? Será que somente uma compreensão integral, simultaneamente sistémica e dinâmica, da génese, estrutura, funcionamento e evolução da totalidade do Universo pode dar conta da absoluta reciprocidade e interdependência de todas essas ordens de realidade, da Natureza, da Vida e do Pensamento? E, se for esse o caso, será ela alcançável na plenitude ou estará definitivamente fora do nosso alcance, restando-nos o seu eventual progresso infinito como consolação para o seu eterno inacabamento e incompletude?

1048 – Qual pode ser na actualidade - hedonista, conformista e/ou belicista - o sentido e o valor de uma reconversão espiritual profunda e integral do Homem, a um tempo filosófica, científica, artística e religiosa, assim como ético-política? E será isso uma possibilidade real ou um mero ideal místico-romântico e utópico?

1049 - É incontestável que qualquer informação recebida proveniente do mundo externo - e também interno – se encontra condicionada pelo aparelho cognitivo que a capta e processa em função dos seus esquemas próprios. No entanto, cumpre reconhecer que o conjunto desses esquemas que constituem a arquitectura estrutural e funcional do sistema de cognição humana (biológica, psicológica e

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cultural) deriva, por sua vez, de um longo e complexo processo evolutivo da própria Natureza, a qual se desenvolveu, diferenciou e auto-organizou em matéria, vida e mente – complexificando-se ao vitalizar-se e espiritualizar-se -, desdobrando-se sobre si mesma e tornando-se assimcapaz de se auto-re-conhecer ao tomar uma parte de si própria sujeito de conhecimento da outra parte ou do todo, que passa deste modo a funcionar como objecto desse conhecimento, sem que, no entanto, essa dualidade ou bipolarizaçãoponha em causa a unidade fundamental (estrutural e dinâmica) que lhe subjaz na raiz, assim como ao sistema total que as integra – ou ainda ao processo global, cósmico e metafísico, que as envolve numa co-naturalidade essencial, tal como num jogo de espelhos em que o mesmo se multiplica infinitamente no outro que o reflecte.

1050 – Quais são os limites da angústia, do medo, da dor, do ódio e do desespero? A alegria, a serenidade, a coragem, a esperançae o amor.

1051 – Instantâneo, pontual e diferencial no seu máximo / Eterno, global e integral no seu mínimo: aqui, e assim, coincidem o pensamento e o ser.

1052 – A Inteligência é a Lei e a Forma.

1053 – O esgotamento de todas as virtualidades inerentes aociclo da Razão discursiva é

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potencialmente geradora de uma perfeição maior,ou seja, ao alcance de um nível de consciência e conhecimento que dialecticamente supere e resolva a crise que inevitavelmente lhe sucede.

1054 – Todos os nossos deuses e demónios, todos os nossos hábitos e costumes, crenças e opiniões, valores e superstições, normas e ideais, conhecimentos e instituições, enfim, toda a cintura cultural que criámos à nossa volta, visa, no fundo e em última instância, aplacar e resolver de formas diversas – defensivas, ofensivas, reactivas, estruturantes – a nossa inquietude ou insegurança ontológica fundamental, a nossa fragilidade e debilidade essenciais, compensando a ferida narcísica (física e metafísica) da finitude, isto é, da carência, do sofrimento, da incompletude e da morte, numa fuga virtualmenteinfinita para a frente, para fora e para cima.

1055 – Se as conquistas da Ciência e da Técnica tivessem sido acompanhadas e igualadas pelo progresso da Consciência e do Espírito, viveríamos hoje a mais perfeita Era da Humanidade. Como isso não aconteceu, nem parece, segundo tudo indica, prestes a acontecer, espera-nos com certeza ainda um longo e espinhoso caminho até esse anseio se consumar (?) e a utopia se realizar (?).

1056 – Todo o pensamento, ainda que meditação essencial, quedar-se-á sempre, para além de determinado ponto, quando reconhecer enfim a futilidade do esforço da

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recolha do sentido por meio da linguagem, na experiência inefável do silêncio.

1057 – Se existe uma resposta para todas as questões e uma solução para todos os problemas, eis um problema provavelmente sem solução e uma questão possivelmente sem resposta, embora seja essa probabilidade ou essa possibilidade que alimentam toda a busca, inclusive desta resposta e/ou solução.

1058 – Nenhum obstáculo deve limitar o movimento de expansão-contracção da alma em direcção a si própria. É esse movimento progressivo-regressivo que realiza no (e pelo) conhecimento-amor a reconversão da sua finitude aparente à sua infinitude essencial, operando no humano a coincidência da identidade e diferença da sua identidade e diferença com o princípio divino que o funda, redescobrindo-o-se e desvelando-o-se assim comoo que verdadeiramente É.

1059 – Uma certa qualidade de ser é o que, antes de mais, se exige ao Homem.

1060 – Hesitamos continuamente entre o que queremos, o que podemos e o que devemos fazer.

1061 – Porque é que é preciso impedir a todo o custo aqueles que têm demasiada boa consciência de viver e morrer em paz? Porquê iniciar uma campanha para

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desmascarar e desiludir os “salvos-vivos” e os pseudo-libertos?

1062 – É por causa do nosso estilo de vida ou por culpa da nossa humanidade que nos encontramos impossibilitados de alcançar a Sabedoria e a Libertação da Eternidade?

1063 – A Realidade não é o conjunto das aparências, isto é,da manifestação, nem tampouco do que por detrás delas se dissimula eoculta revelando-se, mas sim o conjunto total definido por aqueles elementos epelo seu jogo.

1064 – Nem tudo o que é Real é Racional. Nem tudo o que é Racional é Real.

1065 – Em última instância, é provável que o derradeiro esforço da Humanidade – e de cada homem – consista afinal na tentativa de descobrir e/ou criar ordem no caos, unidade na multiplicidade e eternidade no devir– a ciência, a arte, a religião ou a metafísica apenas o realizam diversamente, como é também aqui o caso.

1066 – O sentido evolutivo do Espírito é algo superiormenteimportante em relação a qualquer estado pacificado do mesmo (tal como aquietude da felicidade), mesmo que isso implique inevitavelmente um outro grau – também superior – de sofrimento sob a forma de angústia e desespero virtualmente insuportáveis.

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1067 – É o nosso eu pessoal - o qual, em certo sentido, é uma pura superstição -, é ele que praticamente regula e dirige toda a nossa vida. Compreende-se assim a dimensão da nossa miséria e mesquinhez, a medida do nosso vazio, a nossa insignificância face à vastidão e dureza da realidade e à inexorabilidade do tempo e da vida - da mesma forma que se compreende a nossa radical frustração e revolta ontológica contra tudo isso, a começar e/ou a acabar no próprio eu.

1068 – O espírito da Vida é a vida do Espírito.

1069 – Enquanto acreditarmos que o único progresso possíveldo homem é exclusivamente do domínio cognitivo ou praxeológico (científico ou tecnológico) e não fundamentalmente atinente à própria natureza profunda do humano, então tal crença parecerá legitimar e validar, simultaneamente e por princípio, a arbitrariedade generalizada e o relativismo axiológico, tomado este como causa e consequência da busca desenfreada por mais prazer, mais conforto, mais comodidade, mais segurança e mais poder, como se fosse aí, nisso, que se jogasse e decidisse a humanidade do homem e nãoapenas a sua animalidade.

1070 – Que todas as limitações, erros, deficiências, insuficiências ou dificuldades do pensar, do sentir, do agir e do viver humano radiquem, em última análise, na finitude essencial e virtualmente – se não realmente – insuperável do seu ser,

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eis que nem a todos é dado reconhecer e aceitar.

1071 – Quantas desculpas e justificações para um mero instinto de sobrevivência! Quantos pretextos e explicações para a mais elementar pulsão de morte!

1072 – A auto-reflexão da mente e a auto-organização da matéria e da vida constituem as várias expressões e formas superiores do Narcisismo Cósmico.

1073 – O espírito da Gravidade passou. Ficou o espírito da vacuidade.

1074 – Esta proposição é verdadeira.

1075 – O único problema que aos homens - na sua qualidade de homens - se coloca são as mulheres – e vice-versa.

1076 – A verdadeira religião não é assunto de fé, mas de sabedoria recebida e/ou conquistada numa experiência absoluta.

1077 – Igualdade de direitos e oportunidades não implicou ou significou nunca, bem entendidos, qualquer crença mítico-ideológica acerca de uma pretensa igualdade ontológica ou axiológica essencial de todos os seres humanos, nem tampouco o vergonhoso dever moral de o ser, mas tão somente a possibilidade que a cada um é dada, por princípio, de ser e vir-a-ser o que efectiva ou potencialmente é

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- como o sabem tanto os defensores como os detractores do dito princípio, o qual não pretende mais que repor a verdade original de cada ser ao permiti-lo viver e realizar-se de acordo com aquilo que lhe é devido por sua própria natureza, como manda a Justiça.

1078 – O niilismo é o estado-de-coisas que urge combater, pois é o inimigo mais poderoso de todos. Tal como o Diabo – cujo nome, como se sabe, é Legião –, mascara-se, mente e metamorfoseia-se, iludindo e negando até a sua própria existência, a fim de conseguir os seus intentos. - Será o niilismo que é diabólico, o Diabo que é niilista, ou serão um e o mesmo, apenas com nomes diferentes?

1079 – A cisão fundamental do Homem e do Mundo, ou melhor, da instância subjectiva e objectiva, tanto é potenciada a actualizada no próprio processo do conhecimento – inevitavelmente reflexivo – comopela acção e afectividade humanas; por outro lado, é também por meio de cada uma dessas dimensões, e através do seu cruzamento, que emerge o correlativo “sentimento” de reconhecimento da co-pertença e unidade de ambos os planos ou instâncias, que é a condição de possibilidade de uma acção eficaz e concertada com a Natureza.

1080 – Todas as dimensões inerentes à proximidade do Mistério da Origem, sempre

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parciais e transitórias, sejam elas físicas ou metafísicas, cosmológicas, biológicas ou antropológicas, remetem sempre para uma outra, já total e infinita, de uma radicalidade essencial, de uma singularidade universal e absoluta, em que o ser e o destino do Cosmos, da Vida e do Homem se jogam no mesmo plano e em sintonia com aquilo que é, ao invés,uma aproximação à Origem do Mistério - donde se infere que o Mistério da Origem e a Origem do Mistério são uma e a mesma coisa.

1081 – A radical contaminação e a mútua infiltração das forças criativas da Vida (Eros) e das potências destrutivas da Morte (Thanatos)geram um espaço de potencial ambiguidade e incerteza cuja equação nem sempreé fácil e simplesmente bipolarizável, logo, solucionável - como é o caso do narcisismo de vida e de morte, quer ele seja individual, colectivo ou da espécie como um todo.

1082 – O sadomasoquismo foi “elevado” de perversão psicológica particular e relativa à categoria de estrutura ontológico-existencial universal. É ele que preside à cisão interna que o Homem - e cada homem – faz em relação a si próprio, ao mundo, à vida e aos outros - o mesmo vale para a esquizofrenia.

1083 – Aquele que se conhece verdadeiramente a si mesmo sabe que, no fundo, não é diferente de Deus, sabe que também É Deus, poisele é O-Ser-que-é-uno-com-

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tudo, o absolutamente Tanscendente-Imanente, o Fundamento sem fundo, o universalmente presente, ciente e potente, o Uno, o Único, o Necessário, o Infinito, o Absoluto, aquele cuja auto-definição só pode consistir nessa aparentemente paradoxal tautologia lógico-metafísica que é o “Eu sou aquele que sou” ou “Eu sou aquele que é”, perfeita coincidência dos opostos, da pura objectividade do Ser à pura subjectividade do Saber (o) que é, Todo em tudo, Eterno sempre - e por isso nada lhe é exterior ou existe fora de Si mesmo, inclusive o eu que aqui fala ou o eu que agora lê.

1084 – Tudo o que afirma, nega-se; tudo o que nega, afirma-se - princípio da relatividade dialéctica do positivo e do negativo, o qual é igualmente válido para todos os pares de opostos quando assim considerados.

1085 – A questão hoje em Filosofia, como sempre, aliás, nãoé tanto saber o que pensam os outros filósofos (da tradição histórica), mas sim o que pensamos nós, o que podemos ou devemos pensar nós depois deles, com eles, sem eles, contra eles ou apesar deles, tal como eles próprios fizeram em relação aos seus antecessores. Essa é não só a verdadeira medidada nossa criatividade e fecundidade filosóficas, mas sobretudo o sentido vital e perene da própria Filosofia enquanto busca racional e amorosa da sabedoria, e portanto a sua condição e destino essenciais, o seu projecto fundamental, logo, o seu futuro

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possível.

1086 – Os filósofos, ou pelo menos alguns, agora não fazem mais que interpretar os textos. O que é preciso, porém, é analisá-los, criticá-los e transcendê-los, ou, talvez mais radical e violentamente ainda, desvalorizá-los e esquecê-los metodicamente, regressando à sua fonte e origemeterna, quer dizer, às questões e problemas a que eles pretenderam dar respostae resolver. - uma suspensão necessária da hermenêutica e dahistória, uma redução ou purificação espiritual por motivos de higiene, uma dieta de emagrecimento intelectual por razões de saúde (e para não matar o paciente).

1087 – O exercício académico da filosofia é mais do que umapseudo-filosofia: é a sua Morte, mal dissimulada no jogo conceptual ou retórico, histórico ou comparativo, analítico ou interpretativo, que não passam afinal de puro malabarismo intelectual, para alguns certamenteinteressante e divertido, mas para outros um triste e trágico espectáculo de lastimar.

1088 – Fazer filosofia não é associar mecânica ou arbitrariamente ideias ou conceitos, textos ou autores, numa combinatória de referências e citações; tampouco a sua mais ou menos talentosa relacionação e comparação explicativa ou justificativa; nem é o domínio de uma linguagem técnica exteriorizada e instrumentalizada;

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embora possa supor, de passagem e como simples meios, todos estes elementos, aquilo de que verdadeiramente se trata é de uma experiência espiritual profunda e intensamente sentida do pensar reflexivo, crítico e interrogativo que corresponde autenticamente ao apelo da Sabedoria com um impulso forte e sincero de amor e de vontade de saber - os quais procuram realizar-se atingindo-a -, nunca a vácua erudição estéril, o diletantismo superficial e pedante ou a mera sofisticação técnica do “profissional”, por muito competente que este possa ser.

1089 – Se há uma intuição lógica do Ser, a lógica dessa intuição só pode ser ou paradoxal e contraditória, como o provam todas as místicas filosóficas ou religiosas, ou então é de tal forma simples, pura e absoluta, que impossibilita qualquer lógica, visto transcender toda a formade expressão ou representação, qualquer que ela seja.

1090 – Enquanto há vida há desesperança.

1091 – A união de uma paixão, de uma vocação e de uma missão justifica seguramente a escolha de uma profissão.

1092 – Há aqueles a quem, por natureza, é virtualmente possível atingir a Excelência e os outros a quem, pela mesma razão, tal perfeição é virtualmente inacessível. - a não ser, eventualmente, a da sua própria natureza, e mesmo assim…

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1093 – Existem quatro categorias de homens: A) Os que toda a vida só conheceram respostas ecertezas B) Os que só conheceram a dúvida e a incerteza das questões C) Os que começaram com dúvidas e questões e acabaram certos das respostas D) Os que de início julgavam ter respostas certas e terminaram com questões duvidosas - o filósofo pertence a uma dessas categorias.

1094 – Será verdade que toda a arte aspira à condição de música, assim como toda a ciência ao estatuto da matemática? Serão o rigor e pureza da arte dos sons e da ciência dos números e formas o padrão reguladorideal? Será ele real? Será ele desejável? Será ele realizável? E que estranha afinidade existirá entre as formas e proporções da matemática e a melodia, o ritmoe a harmonia da música? Será a música a matemática dos sons e a matemática a música dos números e formas geométricas? E que conexão haverá, por seu turno, entre a arte dos sons e a das palavras, entre a música e a poesia? Será a música a poesia dos sons e a poesia a música das palavras? E em relação às artes visuais e plásticas, das formas, das imagens e dos movimentos? E as artes dos odorese sabores? Será possível reportar todas essas afinidades a um plano fundamentador comum, a uma raiz única, donde brotassem por derivação, desdobramento e especificação todos esses ramos? E de que natureza poderia ela ser,essa raiz comum? Matemática? Musical? Poética? Outra? Todas? Nenhuma delas? Será física? Será psíquica?

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Ambas? Metafísica? Metapsíquica?

1095 – O caminho da Verdade Eterna é o caminho da Unidade, e esse é o caminho do Amor – o que não tem objecto nem leva a parte alguma.

1096 – A Divindade é uma questão de experiência pessoal. A essa experiência directa ou indirecta, mediata ou imediata, dá-se o nome de Iluminação, Libertação, Salvação, União ou Realização (da Identidade Suprema).

1097 – Deus é o Nada que é Tudo.

1098 – Muito mais difícil do que a suspensão da descrença éa suspensão da crença.

1099 – Todos sabemos tudo desde que ninguém nos pergunte nada – ou nós nos perguntemos, pois logo que isso acontece deixamos de saber o que quer que seja.

1100 – É espantoso verificar que tudo o que interior e superiormente constitui um ser humano, a sua sensibilidade, a sua vontade, a sua imaginação, a sua memória, razão ou intelecto, tudo isso pode, de um momento para o outro, quando não progressivamente e de forma concertada, esboroar-se por completo, abater-se de forma inexorável e irreversível, sem deixar o menor rasto, a não ser o sentimento amargurado da perda e a angústia extrema que resulta da percepção

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desse facto, como um resíduo vestigial da humanidade perdida. O próprio corpo e as suas funções biológicas básicas podem até,não somente ressentir-se, como tornarem-se o epifenómeno secundário, a manifestação sintomática e o ecrã de projecção da trágica ruína do espírito. Curiosamente, ou talvez não, esta fenomenologia é em tudo idêntica, embora num plano meramente exterior, ao alcance de estados de ser e de níveis de consciência superiores ao humano, quase como se existisse uma secreta simetria invertida entre o colapso da loucura, a queda simbólica e real no inferno da sub-humanidade, e a superação do humano, a ascensão ao céu supra-humano.

1101 – Poderá existir uma correlação essencial entre o que se poderia designar por geografia simbólica e uma história também ela simbólica, não tanto para inteligir o sentido global e profundo da vida humana em geral, mas sim a significação possível de uma metafísica individual do percurso vital-existencial de cada ser humano no espaço-tempo, do modo próprio como cada um actualiza as múltiplas potências dadas, como trabalha e realiza a dimensão virtual do ser?!

1102 – Quem espera nem sempre alcança. Quem espera nem sempre desespera. - por vezes, é mesmo o contrário que sucede.

1103 – A fome abrasadora do Tempo tudo consome e reduz à inexistência, em conformidade à legislação eterna e universal que é a sua. É assim que se

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encontra reconduzida à vã e insignificante vaidade qualquer pretensão à eternidade que não seja aquela tiranicamente ditada e imposta por si próprio.

1104 – A doutrina do narcisismo cósmico, auto-comprovada pela própria existência humana, não carece de confirmação objectivamente sustentada por um processo teleológico e/ou por uma determinação divina.

1105 – Tudo o que aqui está escrito, não sendo talvez filosoficamente irrelevante, será, no entanto, desprovido de qualquer efeito significativo, logo, culturalmente inconsequente – profecia que prova que é simultaneamente possível já não ter ilusões e (mas) conseguir viver (e criar) sem elas.

1106 – O problema ético-político não é um problema meramente teórico ou intelectual, na acepção moderna destas palavras. Não se trata de saber que discurso é possível produzir sobre a acção, como justificá-la ou legitimá-la, ou ainda de que forma interpretar a vida, mas sim de saber verdadeiramente como, porquê e para quê agir e viver. Mas, uma vez que as pessoas vivem e agem em função daquilo que pensam e acreditam, a dimensão crítico-reflexiva torna-se absolutamente crucial para responder teórica e praticamente àquelas questões fundamentais.

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1107 – É absolutamente fundamental escolher-se um modo de vida que corresponda, tanto quanto possível, ao conjunto das nossas potencialidades, anseios, angústias e ideais, sob pena de o nosso ser ficar por cumprir se não o fizermos.

1108 – À ameaça do conflito global sucede-se agora a realidade dos conflitos locais: do geral ao particular, pequenas mudanças de escala e insignificantes diferenças de nível num padrão estrutural invariante, cujadinâmica catastroficamente involutiva ou diluviana é por demais evidente.

1109 – Ao Homem Superior somente restará a paixão da Glória?!

1110 – A diferença entre o Absoluto e o relativo não é uma diferença relativa, mas sim absoluta, embora a inversa também seja verdadeira.

1111 – O universo infinito das realidades virtuais alternativas, exploradas no imaginário da ficção científica, contribui objectivamente na construção do futuro, o qual, convém não esquecer, antes de se tornar realidade actual, foi já sonhado como possibilidade ou ficção heurística por meio da imaginação criadora.

1112 – O Universo assemelha-se cada vez menos a uma coisa inerte ou uma máquina e cada vez mais a um organismo vivo e, até, inteligente, como se de uma mente

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pensante e racional se tratasse – mas não será exactamente este o caso, como o sabiam os Antigos e nós “esquecemos”?!

1113 – O que distingue os verdadeiros filósofos dos falsos é que enquanto nos primeiros a dúvida nasce em presença e por interpelação directa da própria realidade, nos segundos ela nasce simplesmente por ocasião duma obra, dum sistema ou de um texto, em relação ao qual se encontram identificados ou em oposição.

1114 – Há homens a quem a vida parece favorecer de tal modo, reunindo todas as condições necessárias capazes de proporcionar felicidade e realização, mas que, no entanto, por paradoxal comportamento, tomam por atitude constante a recusa do acerto entre talentos e oportunidades – por indolência, por preguiça, por arrogância, ou simplesmente por tédio.

1115 – Nem toda a verdade se torna falsa a partir do momento em que nos contentamos com ela.

1116 – Um pensamento simultaneamente livre, radical e rigoroso, assim como uma consciência crítica que se afirme na interrogação reflexiva, no questionamento e problematização virtualmente insaciáveis em absoluto, eis o máximo e o mínimo que se pode e se deve exigir à filosofia e, consequentemente, ao filósofo, enquanto aquele que encarna dialecticamente o ideal de um movimento incessante de busca da sabedoria.

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1117 – Quando dizemos que ninguém é perfeito, quer isso seja dito em nossa defesa ou defesa alheia, deveria ser claramente distinto que, para além da aparentemente óbvia veracidade da expressão – também ela discutível -, a sua função real reduz-se, no fundo, a uma desculpa cómoda cuja finalidade é manifestamente a de justificar todo e qualquer erro ou defeito mediante o recurso à nossa suposta imperfeição essencial, reduzindo ao absurdo qualquer desejo de aperfeiçoamento.

1118 – É o aparato técnico-erudito da filosofia e o seu ensimesmamento narcísico, ou seja, no fundo, o apego quase religioso aos seus “bens e conquistas” e a incapacidade para deles se despojar, que impedea filosofia de criar e progredir, tal como é esse movimento lúdico e hermenêuticoem torno das referências históricas da “tradição” filosófica que constitui o modelo defensivo-reactivo do seu auto-fechamento thanatocrático, da sua decadência mórbida e da sua impotência vital e espiritual.

1119 – O narcisismo (ou amor-próprio) é a força afirmativa fundamental do humano e o principal factor estruturante de diferenciação criativa entre os homens - ainda que o génio o não inspire, ainda que o saber não o ilumine ou que a arte não o sagre.

1120 – Uma verdade revelada a um não-iniciado é potencialmente mais perigosa nos

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seus efeitos que uma mentira contada a um iniciado.

1121 – Na verdade, a poesia e a música são irmãs gémeas, uma vez que a poesia é a música das palavras enquanto a música é a poesia dos sons, ideia que é ainda fisicamente reforçada pelo facto de toda a palavra se poder converter sempre num som, e reciprocamente, todo o som numa palavra.

1122 – A realização absoluta da divina proporção entre o Homem e o Cosmos, entre o Logos e a Physis, é o motivo convergente que assiste, duma forma diferenciada, tanto à ciência e à filosofia, como à arte e à religião.

1123 – A medida absoluta do valor de um homem reside na verdade que descobre, no bem que pratica, na beleza que cria ou na justiça que proporciona. Idealmente, a solução perfeita consiste na união sintética e vivida de todas essas dimensões.

1124 – A linguagem é estruturada como o inconsciente.

1125 – No que à vida diz respeito, o “saber de experiência feito” é o único que verdadeiramente importa, porque, tal como na filosofia, o saber da experiência e a experiência do saber são uma e a mesma coisa.

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1126 – A liberdade corajosa de um deus criador, eis o que se exige ao homem que quer - e ousa – realizar o seu destino em conformidade à sua natureza-própria.

1127 – Não faz sentido afirmar que os gostos não se discutem. Tudo na vida é uma questão de gosto, bom ou mau. A própria vida é uma questão de gosto. É por isso que se pode dizer, com muito mais propriedade, que só os gostos verdadeiramente se discutem (de facto e de direito).

1128 – A vontade sem o discernimento é cega. O discernimento sem a vontade é impotente.

1129 – Um estilo depurado é um estilo encontrado.

1130 – A ascensio mentis, isto é, o itinerário da alma da ignorância ao conhecimento é, ao mesmo tempo, um movimento de expansão, intensificação, envolvimento, desenvolvimento, elevação, aprofundamento, interiorização e manifestação.

1131 – É na água que o Amor resiste. É no fogo que o Ódio subsiste.

1132 – As ilusões mais difíceis de vencer são as que nos protegem de nós mesmos.

1133 – Toda a mentira se torna “verdadeira” a partir do momento em que nos

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contentamos com ela.

1134 – Nem o orgulho, nem o medo, nem a culpa, nem a vergonha, nos devem impedir de fazer o que temos de fazer, ou de ser o que devemos ser. Inversamente, também não devemos reconhecer-lhes força, significado ou valor compulsivo.

1135 – Quando o amor é trágico por excelência - quer dizer,por ventura da sua própria natureza, condição e destino -, cumpre que saibamos vivê-lo à sua altura, à medida da sua grandeza épica, e não que o corrompamos querendo-o eterno e feliz.

1136 – Se o amor pode mover montanhas (e pode), então o ódio é capaz de mover planetas inteiros, e o medo até as próprias estrelas moverá.

1137 – Quando o segredo essencial da nossa vida, da nossa verdade, da nossa liberdade e da nossa felicidade parece repousar por inteiro ocultamente encerrado no coração de uma mulher, então, aí sim, o sentidoda existência afigura-se irremediavelmente desconcertante e aflitivo.

1138 – Quando a mulher da nossa vida não é a nossa mulher, então há um problema por resolver e é necessário fazer alguma coisa por isso, como por exemplo colocar os princípios de realidade, de racionalidade e de moralidade todos no mesmo saco e jogá-los num poço sem fundo, a fim de garantir a impossibilidade do seu

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regresso, o mesmo se devendo fazer aos ideais de estabilidade e segurança que os acompanham e nos impedem de partir enfim à conquista (ou reconquista) dominadora da nossa própria condição e destino,assumindo corajosamente a liberdade de um deus criador ou de um herói guerreiro senhor de si mesmo e da sua vida – princípio igualmente válido para todas as situações de inautenticidade e alienação, por muito que custe ou doa pô-lo em prática.

1139 – Numa tabela moral imaginária, todas as virtudes possuem o seu correspondente e simétrico vício, e vice-versa. Ora, nem sempre a fronteira entre ambos os extremos é perfeitamente nítida. Há mesmo certos casos em que os opostos parecem até coincidir, tal é a sua indistinção:é o caso da fronteira que separa a vaidade da coragem ou o medo da humildade. De qualquer forma, enquanto os primeiros devem ser necessariamente objecto de um exercício ou movimento de auto-superação, já os segundos manifestamente revelam, por si sós, pureza de alma e nobreza de espírito.

1140 – Se Deus não existe, então tudo é permitido? E todas as causas se tornam, desse modo, legítimas e defensáveis? Não! A ser verdadeira a sua inexistência, ela só poderá ampliar exponencialmente e a um grau virtualmente infinito a nossa responsabilidade, o peso das nossas escolhas, acções e decisões.

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1141 – Será o mecanismo da selecção natural apenas a extensão local (biológica e terrestre) de um princípio mais geral, de um universal cosmológico? Ou será a generalização desse princípio à escala cósmica uma extrapolação abusiva e injustificada de um processo particular? A ser verdade a primeira hipótese, essa virtual constante estrutural escalarmente invariante permitiria lançar outra inteligibilidade sobre a dinâmica evolutiva e oestado actual do Universo no seu conjunto. Todas as mutações físicas, toda a alquimia da natureza, poderia assim, independentemente da escala considerada – micro, macro ou médio-cósmica -, simultaneamente potenciar e actualizar um sistema de decisão explicativo em última instância da totalidade das forças e formas da Natureza, não tanto em função de um fim pré-existente ou harmoniosamente pré-estabelecido, não como um programa teleologicamente orientado, mas simcomo lei necessária de todo e qualquer sistema dinâmico cujas relações e transformações tendem para o equilíbrio e têm a estabilidade estrutural comoresultado holístico do desenvolvimento das suas potencialidades e propriedades emergentes. Nesta perspectiva, a partir do jogo complexo do acasoe do determinismo, toda a estrutura que preside à evolução do Universo, da Vida e do Homem se tornaria possível mediante esse mecanismo de regulação eequilibração cibernética, o qual operaria também as mudanças de nível que ocorrem aquando da transformação “alquímica” da Matéria em Vida e da Vida em Consciência e Inteligência. Seria também esse hipotético mecanismo de selecção natural

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universal que iria assim determinando e seleccionando todas as coisas, seres, forças e formas com o exclusivo critério da suasobrevivência ou adaptação virtual ao meio envolvente, sendo fatalmente eliminado nesse processo tudo aquilo que se revelar incapaz, efémero, frágil,improdutivo ou inconsistente, e sendo naturalmente favorecido tudo o que resistir à usura do tempo ou às outras condições físicas da existência, mostrando-se rico e fecundo de virtualidades.

1142 – Abdicar da investigação filosófica da verdade, por muito teórica ou abstracta que possa ser ou parecer, em nome da utilidade prática ou de um hipotético consenso social, é sempre tarefa arriscada.

1143 – Não é a verdade que determina ou conduz a vida e acção dos homens, mas sim aquilo que eles acreditam ou julgam ser a verdade.

1144 – O homem moderno está tão habituado a pensar que é ele quem atribui e distribui valor a tudo, ou seja, a colocar-se na posição da divindade, que já não é sequer capaz de conceber que tal ideia possa não passar de um dogma ou de uma ilusão colectiva, pura e simplesmente causada por um erro de perspectiva patológico. – o complexo de deus, seja ele o eu individual (subjectivismo), social ou antropológico (relativismo).

1145 – Nós somos (a) matéria a tentar perceber o que é a Matéria, (a) vida a tentar

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perceber o que é a Vida e (a) mente a tentar perceber o que é a Mente.

1146 – O ser condiciona a consciência, a consciência transforma o ser.

1147 – O Mistério da Vida e de tudo o que existe não é apenas um problema a resolver teórica e abstractamente ou prática e concretamente, mas sim uma realidade a sentir e viver espiritualmente com todas as fibras do ser.

1148 – A Ciência e a Tecnologia criam hoje tantos problemascomo aqueles que resolvem – essa é, ao mesmo tempo, a sua virtude e o seu defeito.

1149 – A Filosofia, enquanto atitude e modo de vida de procura da sabedoria como forma superior da excelência humana, perdeu-se completamente. Resta-lhe a verborreia discursiva, seja ela dialéctica, hermenêutica, desconstrutiva, retórica, analítica ou comunicacional – democratizou-se, portanto, ou seja, adaptou-se.

1150 – Que fazer? Eis a questão central de uma política da existência humana em geral – individual, colectiva e universal.

1151 – É necessário que cada um cumpra o seu destino na - epara com a - Ordem Universal das coisas e dos seres, não obstante tal necessidade frequentemente

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se apresentar invisível e oculta, ou até mesmo poder aparentemente revelar-se uma impossibilidade.

1152 – É o infinito do Desejo que sustenta o desejo de Infinito.

1153 – Tudo o que aqui está escrito pretende basicamente constituir as premissas de uma nova filosofia e de uma nova religião, fundar a filosofia e a religião do futuro, porque assente na Filosofia-Religião Perene, na Sabedoria Eterna e Universal, o mesmo é dizer, na visão e vivênciado Ser, do Mundo e da Vida que releva da sua essência no Homem, determinando-lhe um lugar e uma função (um estatuto e um papel) de acordo com a sua natureza própria e em perfeita correspondência e conformidade com a Verdade.

1154 – Será a nossa aparente finitude ôntico-existencial (anossa humanidade real) que, sendo incapaz de se assumir como tal, produz toda a gama de dispositivos compensatórios que a cultura em geral oferece, ou, pelo contrário, será a nossa infinitude ontológica essencial (a nossa divindade potencial) que, ansiando assumir-se e realizar-se plenamente como tal, tende por isso continuamente a erosionar e superar todas as formas que a negam, limitam e condicionam?

1155 – Existem indivíduos cujo padrão básico de funcionamento é o mesmo em qualquer registo, do fisiológico ao intelectual, e que podem, por isso,

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acertadamente, serem designados de personalidades holísticas ou integrativas, dada a estrutura sintética e invariante globalmente subjacente a todos os seus processos parciais.

1156 – O desejo de completude ou perfeição demonstrado peloHomem demonstra a incompletude e imperfeição do Homem.

1158 – Os princípios básicos que regulam o funcionamento doinconsciente humano (ausência de tempo, contradição e realidade), tornando o desejo a esse nível omnipotente e fundamental o objectivo da busca do prazer, encontra superior equivalente no plano da supra-consciência (ou super-consciência), que igualmente desconhece aqueles princípios (por havê-los transcendido), anula o desejo (por havê-lo satisfeito) e liberta do objectivo (por havê-lo consumado).

1159 – Parece haver uma correspondência estrutural e dinâmica entre o sistema psíquico humano, nos seus diversos planos hierárquicos –inconsciente/pré-consciente/ consciente/supraconsciente -, e a própria realidade natural ou cósmica tal como se encontra representada no Homem.

1160 - Do hipotético, mas necessário, campo quântico fundamental, até às modalidades superiores da acção do Espírito, subsiste a Unidade sintética de uma Força, Forma ou Princípio verdadeiramente universal.

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1161 – Redimensionar a Vida à escala humana do Ser? Não! Redefini-la à escala Supra- Humana do Porvir!

1162 – Os diferentes estados que caracterizam a evolução deum sistema dinâmico – energéticos, informacionais, funcionais ou organizacionais – tendem a desenvolver-se e suceder-se de acordo com uma lógica complementar e/ou alternada de complexidade crescente (neguentropia) ou decrescente (entropia), variando em função da sua estrutura e dinâmica própria, do grau de autonomia e abertura ou fechamento, do estado prévio, dasleis gerais da estabilidade e da mudança típicas dos sistemas que operam fora doequilíbrio, e, finalmente, condicionados pelos diversos factores aleatórios emergentes do determinismo catastrófico específico dos processos morfogenéticos de transformação e transição a outro nível de complexidade ou a outro estado de equilíbrio generativo.

1163 – Será possível conhecer as leis e a finalidade do destino próprio? Ou a tomada de consciência dessa necessidade ou fatalidade implicaria também, por princípio, a liberdade ou possibilidade de a alterar e subverter? Ou ainda, caso seja possível atingir esse conhecimento, não suporá ele, de forma condicional, coincidente ou consequente, uma conversão integral do espírito ao cumprimento do seu desígnio próprio, estando portanto essa auto-iluminação coerentemente

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contida, ou seja, prevista e predeterminada no seio mesmo do processo?

1164 – Do Universo ao Homem, o projecto fundamental do Ser no Devir da Vida e do Espírito consiste em superar-se infinitamente asi mesmo, integrando-se e procurando ascender teleologicamente à harmoniapré-estabelecida da completude originária (estado paradisíaco), recuperando o ponto-instante primordial em que a Eternidade do Uno-Todo Absoluto se auto-cindiu causando o desdobramento espácio-temporal da multiplicidade em partes relativas e efémeras, que é a essência da Criação (ou Manifestação). Ora, sendo o pensamento, nas suas diversas formas e metamorfoses, o principal instrumento responsável por essa operação de reconquista daordem oculta a partir do caos aparente, é no progresso espiritual da Humanidade através do Conhecimento que podemos e devemos legitimamente depositar a Esperança Última de “Salvação” e a derradeira possibilidade de “Redenção” (ou Perfeição) da Existência.

1165 – Podem o significado e o valor de uma vida humana sercompreendidos e avaliados em função exclusiva dos resultados concretos objectivamente alcançados num determinado período do seu ciclovital? Ou apenas no fim do percurso completado tal empreendimento judicativo se pode legitimamente justificar? E não será ainda um procedimento redutor, simplista e, em última análise, erróneo e injusto, entender-se e julgar-se uma vida na sua globalidade

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considerando apenas o que de alguma forma se tornou visível e manifesto, o que aconteceu de facto, revelando efectivamente a essência e permitindo assim ajuizar a existência do indivíduo? Não será essa suposição de que o essencial se vai necessariamente desvelando e realizando ao longo do circuito existencial uma ilusão facilitante e enganadora? Acaso serácomputável o diferencial entre as potencialidades e as realizações, entre as virtualidades imanifestadas e os actos efectivamente desenvolvidos, ou entre estes e os seus resultados objectivos? Algum sistema de cálculo pode resolver o conjunto virtualmente infinito de factores, variáveis e incógnitas que simultâneaou sucessivamente condicionam e sobredeterminam – isto é, indeterminam e infinitizam – toda a complexidade real de uma vida, todas as causas, condições, forças e motivos, internos e externos, naturais e sociais, que interagiram ese combinaram para formarem a rede ou cadeia de acasos e necessidades que a poderiam hipoteticamente explicar e/ou justificar, todos os factos, acontecimentos e experiências que a integram, a identificam e a diferenciam de todas as outras?

1166 – O Projecto Iniciático visa essencialmente realizar aExcelência (a Virtude ou Perfeição) potencial do Homem, ou do Espírito do (ou no) Homem, a partir do conhecimento profundo de si mesmo. Em última instância, e visto que é nele que tudo se reconhece ligado a tudo, tal conhecimento tem o significado e o alcance de um acontecimento cósmico e metafísico, redimensionando a totalidade do

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existente e iluminando-o a partir de dentro numa conexão universalmente participativa e ontologicamente entrexpressiva cuja identidade infinita conhece diferença mas não exterioridade.

1167 – O Princípio é o Fim e o Fim é o Princípio, pois o Mistério é só um.

1168 – A hipótese central de uma antropologia psicanalíticaintegrada poderia talvez consistir no seguinte: todos os actos e produções humanas, todas as formas e todas as instâncias da sociedade e da cultura humanas representam extensões, expansões e expressões físicas ou simbólicas docorpo biológico e do aparelho psíquico do Homem, bem como das suas modalidades de funcionamento. Assim, a instituição militar, a religião estabelecida e toda a super-estrutura jurídica e moral objectivariam simbolicamente o conjunto das necessidades obcessivas e sádico repressivas do super-ego, com os seus códigos normativos absolutos, os seus tabus, rituais e imperativos categóricos que implacavelmente determinam tudo o que se pode ou deve fazer e tudo o que não se pode ou não se deve fazer, vigiando e censurando cruel e impiedosamente segundo a lógica absolutista do “tu és/não és” bom, justo, etc; já o Governo, o Estado e a institutição policial parecem servir a estrutura e função egóica de orientação na realidade e coordenação mediadora e reguladora das tensões e conflitos que percorrem, estruturam e desequilibram o tecido do corpo social, o qual é

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física e simbolicamente defendido contra quaisquer potenciais agressões internas ou externas pela componente de si mesmo que é ocorpo policial e as já referidas forças armadas. Por sua vez, a arte, a filosofia, a ciência, a tecnologia e, em certo sentido, também a religião, parecem articular-se e inscrever-se aqui no processo equilibrador e compensador, simultaneamente ofensivo, defensivo e estruturante, das relações entre o Id, o Ego e o mundo externo, processo esse que, por meio dos seus mecanismo próprios, recria e reflecte os mecanismos de defesa do ego (denegação, sublimação, recalcamento, racionalização, intelectualização, idealização, etc), assim como desdobra e actualiza a dialéctica do processo primário e secundário e dos princípios de realidade e do prazer, bem como de internalização/externalização. Quanto ao sistema das actividades económicas (agricultura, pescas, indústria e comércio) e às infra-estruturas sociais (como a família, etc) parece competir a manutenção da subsistência básica e assegurar a satisfação das necessidades essenciais do organismo pulsional. Se desenvolvermos agora este modelo explicativoaté às suas últimas consequências ele complexifica-se exponencialmente: basta pensarmos que cada uma das dimensões, níveis ou sistemas que o compõem integra parcialmente todos os outros, resultando sempre da acção combinada (sobredeterminada) de todos os factores intervenientes e cujo somatório é obviamente superior ao conjunto das partes, visto estas organizarem-se, coordenaram-se e regularem-se como um todo vivo e, até certo ponto, consciente e inteligente, ou seja, como um

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sistema aberto auto-organizador, como um sujeito global que integra o feixe de relações com o seu meio ambiente, em suma, comoum organismo bio-psico- social total governado pelo eterno combate entre as pulsões de Vida e de Morte.

1169 – O processo psíquico de identificação/projecção constitui para o Homem simultaneamente a condição de possibilidade da compreensão e o limite do conhecimento de outrem – logo, da sua consciência moral ou da falta dela.

1170 – O objectivo do Espírito é a Iluminação.

1171 – Se o que está em cima é como o que está em baixo, e o que está em baixo como o está em cima, para o milagre (e o mistério) de uma só coisa, então uma vez atingido o centro desse milagre (e desse mistério), compreendendo-o, isto é, dissolvendo-o, deixa de haver baixo e cima, e tal maneira de dizer revelar-se-á redutível a isso mesmo, uma maneira de dizer, uma fórmula psico-lógico- linguística de referir, relativa a um determinado estado ou nível de ser, de conhecimento e de consciência.

1172 – A linguagem, em todas as suas formas e manifestaçõesescritas ou faladas, sejam elas poéticas, literárias, filosóficas, científicas, religiosas, míticas, mágicas, morais e práticas ou comunicacionais, funciona como um dos grandes meios de expressão da vontade de poder do Homem, assim como um dos principais

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instrumentos de afirmação e realização da sua necessidade de controlo e domínio, quer do seu mundo interno como externo, e até da relação entre ambos.

1173 – Nem sempre o óbvio é o que deve ser escamoteado. Frequentemente, e a fim de não perder a sua eficácia operativa, é mesmo aquilo que convêm ser lembrado.

1174 – A secreta e harmónica proporção existente entre o Intelecto e o Mundo é a mesma que existe entre ambos e o plano do divino ao qual se correspondem, e do qual, tal como entre si mesmos, representam figurações simbólicas.

1175 – Uma dinâmica irreversível é uma dinâmica imparável, e vice-versa. - Será essa a dinâmica do Universo? E da Vida? E do Homem? E do Conhecimento?

1176 – O Ser Absoluto é, ao mesmo tempo, totalmente imanente e completamente transcendente: totalmente imanente porque integralmente presente e manifesto no aqui-e-agora de cada coisa ou acontecimento,quer dizer, no espaço-tempo relativo de cada ser ou fenómeno contingente que o revela; e, simultaneamente, completamente transcendente porque infinitamente ausente-oculto e diferido em relação a cada ser ou acontecimento, assim como da unidade complexa desse sistema de relações e transformações que compõea totalidade do Universo.

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1177 - Será que a vida tem sentido? E se tiver, qual será ele? E o que significa a vida ter um sentido? E existirá ele objectivamente, podendo por isso ser descoberto por nós, ou será uma criação subjectiva nossa? Dependerá o sentido da vida da existência ou inexistência de deus? Bom, uma vez que não sabemos comcerteza absoluta e sem margem para dúvidas, nem podemos provar de modo seguro que Deus (não) existe, ou qualquer força, ser, entidade ou princípio análogo,independentemente do nome que lhe dermos, e que, por consequência, (não) existe um desígnio inteligente universal que, à escala cósmica, biológica e/ou humanatenha simultaneamente criado a estrutura e oriente a evolução do universo, da vida e do homem para uma (?) qualquer finalidade transcendente que confira valor e significado a tudo o que existe - há factos e argumentos pró e contra esta perspectiva, embora não necessariamente equivalentes e, logo, indecidíveis -, a tese que aqui se propõe e defende é independente disto se verificar ou não, tornando essa questão parcialmente irrelevante para o caso. Assim, a resposta simples e directa à questão de saber se a vida tem ou não um sentido seria simultaneamente sim enão, dependendo da forma como vivemos! Pensando só na vida humana, talvez a vida possa fazer sentido, na tripla acepção de conter um valor, um significado e uma finalidade, quando realizamos aquilo que potencialmente somos como indivíduos e como seres humanos, e não tenha qualquer sentido quando não conseguimos ou sequer tentamos fazê-lo! Assim, a questão do sentido da vida depende directamente daquilo que somos e do conhecimento que temos disso, da nossa natureza e condição! Ora, se aceitarmos, comoos clássicos fizeram, que o Homem é, pelo menos à faceda terra e o único conhecido, um animal racional e o definirmos como homo sapiens sapiens (e quanta pretensão, arrogância e vaidade se escondem nesta “simples” definição científica, não é verdade?!), então aquilo que devemos ser consiste em realizar essepotencial natural, essa diferença específica da nossa espécie (passe a redundância) e tornarmo-nos aquilo

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que somos em potência, isto é, sábios e racionais, conscientes e inteligentes, no pensamento e na acção, no conhecimento e na vida, visando o aperfeiçoamento eo desenvolvimento da nossa natureza, tanto individual como colectiva ou da espécie. “Torna-te naquilo que és”, diziam os antigos; ”conhece-te a ti mesmo”, diziaa inscrição do templo a Apolo em Delfos; “todo aquele que realiza a sua natureza, atinge a perfeição “, diz um livro sagrado hindu. A compreensão e o cruzamento destas três máximas indica o caminho para uma respostaà questão do sentido da vida: devemos conhecer-nos a nós mesmos, não só porque somos os únicos seres conhecidos capazes de o fazer, mas porque só sabendo quem somos e o que somos, donde vimos, para onde vamos, onde estamos e o que fazemos aqui, como indivíduos e como humanidade, poderemos ser verdadeiramente aquilo que somos e quem somos, tornando-nos efectivamente conscientes, inteligentes eracionais, em suma, sábios! Mas como a Sabedoria, a Virtude ou a Perfeição humanas são virtualmente impossíveis de alcançar na plenitude, resta-nos amar, procurar e tentar infinitamente realizar esses ideais reguladores, cada um de nós à sua maneira própria, relativa e diferenciada, atendendo à identidade singular de cada um no seio de humanidade comum a todos, mas orientados pelos únicos princípios e fins absolutos que podem verdadeiramente dar um sentido à vida humana: a Verdade, o Bem, a Justiça, a Beleza e aSabedoria! Para além disso, como somos simultaneamentepartes e produto do universo, parte e produto da vida,partes na estrutura e produtos na evolução, nós somos e representamos a possibilidade e a capacidade que o Universo, a Natureza, a Matéria e a Vida têm de se auto-conhecerem, de se tornarem inteligentes e conscientes de si; nós somos - até prova em contrário,os únicos candidatos - a Consciência e Inteligência doUniverso, no seu processo de auto-descoberta e auto-compreensão! Realizar esta vocação é cumprir o sentidoda nossa vida; não o fazer, desperdiçando-o, é um pecado contra nós próprios e a “ordem natural das coisas”, é falhar o alvo, é não cumprir a nossa funçãoe papel – que derivam da nossa natureza e posição no

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Cosmos - como Mente(s) Consciente(s) do Cosmos, como Alma(s) e Espírito(s) do Universo, e então aí, sim, a vida não faz qualquer sentido!

1178 - Contrariamente ao que alguns pretendem, a consequência lógica da adopção do imperativo categórico como princípio supremo da moralidade não é uma ética deontológica que determine regras específicas ou deveres absolutos e incondicionais independentes das circunstâncias, mas sim uma ética consequencialista que leve em conta os efeitos ou consequências previsíveis e desejáveis das acções concretas. Porquê? Porque aquilo que o imperativo categórico determina não é a absolutização de qualquerdever ou acção particular concreta (por exemplo, não mentir ou não matar), mas sim que, universal e abstractamente, se deve fazer o que todo e qualquer ser racional idealmente faria na mesma situação ("age de acordo com uma máxima tal que possas querer que elase torne lei universal")! Ora, validade universal aquisignifica validade para todos os agentes racionais e não implica de modo algum que se esteja moralmente obrigado a fazer sempre a mesma coisa em concreto, independentemente dos casos, dos contextos e das consequências! Caso contrário, o que fazer quando há conflito entre dois deveres ou duas máximas igualmenteabsolutas e incondicionais? Qual deve prevalecer? Entre não matar e não mentir, por exemplo? Ou entre dizer a verdade e salvar uma vida inocente (um escravonuma sociedade esclavagista ou um judeu na Alemanha nazi, etc…)? Pode alguém de bom senso defender que se deve dizer a verdade em tais circunstâncias? Podemos nós querer que todos sigam tal máxima nestas situações, ou até noutras em que esteja em causa um direito pessoal legítimo? Apenas por fidelidade dogmática a um princípio moral absoluto? É absurdo! Pelo contrário, é necessário escolher aquela máxima, dever ou acção que em geral qualquer sujeito racional moral escolheria face a esse dilema, e parece relativamente óbvio que tal opção só pode ser tomada

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de forma justa avaliando as consequências previsíveis da mesma em termos de benefícios e prejuízos para os envolvidos! Tal escolha implica uma ponderação hierárquica das regras ou acções em termos relativos de mal menor e maior, de bem menor e maior, incompatível com qualquer absolutismo normativo, ou seja, implica que se escolha em função do valor superior e daquilo que é objectivamente melhor na situação concreta, mesmo que isso signifique ou obrigue a uma escolha difícil entre diversos valores superiores (Verdade ou Vida, Dignidade ou Liberdade, etc), o que obriga ao discernimento e exclui qualquer processo automático de decisão. Assim, contra aqueles que julgam que a adopção do imperativo categórico comosuprema máxima da moralidade implica que se estaria obrigado a agir sempre da mesma forma, mas não contra o próprio imperativo categórico - uma vez que este nãosó não implica necessariamente tal coisa como pode mesmo implicar o seu contrário em certos casos, como se argumentou -, pode, na verdade, existir mesmo um direito a mentir - ou até mesmo um dever - por amor à Humanidade!

1179 - Uma vez admitida a possibilidade de uma série infinita na qual cada membro é explicado por outro membro anterior, não só não é logicamente necessário postular uma primeira causa de toda a série como é mesmo necessário o contrário disso, pois a primeira causa seria um limite ao infinito, um princípio daquilo que, por definição, não tem princípio, o que écontraditório e, portanto, absurdo. Assim, se a série causal e/ou temporal fosse retroactivamente infinita, nenhuma primeira causa ou princípio lhe teria dado inicio, constituindo a sua origem absoluta. Claro que resta saber se essa série retroactiva é de facto infinita ou sequer se pode sê-lo, tese que o argumentocosmológico pretende refutar. Pode o infinito actual existir ou somente o potencial? Existirá o infinito narealidade física ou tão só na matemática? Se o passado(e a série das causas passadas) for infinito, como poderíamos ter chegado ao presente? O futuro pode ser

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infinito sem problema porque ainda não existe, mas se o passado o for como é que do infinito passado (ou da série causal infinita passada) se alcançou o estado presente? Tal como não é possível conceber que do presente se percorresse um tempo futuro infinito até ao fim que não existe, também o passado, a ser infinito, não se faria presente. Se é impossível chegar ao fim de um tempo futuro infinito e é impossível chegar ao princípio de um tempo passado infinito, este último não pode ter existido realmente,porque então o presente não existiria e nós sabemos que existe porque estamos nele. Ou haverá aqui algum erro?

1180 - Talvez se devesse distinguir mais claramente entre aquilo que são as leis da natureza tal como são descritas pela ciência actual (leis da ciência) e aquilo que estas são de facto, objectivamente (leis danatureza), sob pena de se confundir os níveis epistémico e ontológico e tomar-se por facto indiscutível o que as teorias mais ou menos consensuais do momento determinam. É provável que a teoria da relatividade esteja certa quando prevê a impossibilidade nomológica de viajar mais depressa quea luz, e todos os testes parecem indicá-lo, mas… pode estar errada! Assim, quer as leis da natureza sejam metafisicamente contingentes ou necessárias, há outra contingência a considerar aqui: a do nosso conhecimento das mesmas!

1181 – Uma moderna solução compatibilista defendida para conciliar a possível existência de Deus e do seu atributo de omnisciência também em relação ao futuro (presciência) com a existência do livre-arbítrio humano, ou seja, da nossa capacidade para escolher livremente esse futuro, depende, para assegurar a sua plausibilidade, de algumas concessões teóricas e arranjos conceptuais que não são propriamente consensuais entre os teístas. Claro que isso, por si só, não constitui grande problema, uma vez que, mesmo

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que Deus exista, tal não significa que as formas teístas de o compreender estejam correctas. Aliás, nempodem estar todas igualmente, pois são várias, diferentes e incompatíveis em certos aspectos. Por isso nada garante que esta forma alternativa de conciliar a omnisciência divina e o livre-arbítrio humano não seja simultaneamente mais racional e verdadeira que as tradicionais. O problema está em queas premissas escolhidas, sendo porventura as necessárias para sustentar o argumento, são em si mesmas discutíveis e carecem, por consequência, de umaoutra fundamentação. Se a concepção restritiva da omnisciência aos limites do que é lógica e metafisicamente possível (à semelhança da omnipotência) não merece grande contestação, já as concepções de livre-arbítrio e da eternidade de Deus justificariam talvez uma defesa mais sólida. Definir olivre-arbítrio como capacidade de fazer escolhas de acordo com a vontade própria nada nos diz sobre se essa vontade é ou não, em si mesma, determinada por outras causas e factores ignorados (internos ou externos, naturais e sociais) e, portanto, não controlados pelo agente, como defendem os deterministas, o que poderia até implicar, no limite, uma conexão necessária entre presciência e predestinação, caso Deus exista e tenha criado o Universo com as suas leis. Quanto à concepção da eternidade de Deus como significando que este existe no, ou com o tempo, subsistindo aí infinitamente e de modo incorruptível, não só é contraditória com a ideiatradicional de um ser transcendente às condições espácio-temporais que limitam o mundo físico, como lheintroduz por aí uma restrição típica deste mundo. Assim, se Deus já está limitado ao que é lógica e metafisicamente possível, tanto no seu poder, como na sua ciência, apetece perguntar, blasfemicamente: que diabo de Deus é esse que também está sujeito aos constrangimentos do mundo que ele próprio criou? Em suma, se a dita “solução” prova de facto a possibilidade teórica de compatibilizar racionalmente um dos atributos essenciais de Deus com a ideia de livre-arbítrio humano, não o faz sem custos e

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concessões filosoficamente significativos, os quais, provavelmente, só Deus saberá se compensam o esforço para o salvar.

1182 – A questão de saber se a degradação natural ou patológica do cérebro, com a consequente perda de faculdades mentais básicas tais como a memória e a consciência, implica ou não uma perda de identidade própria, do próprio eu, é uma questão difícil e delicada que envolve várias outras. Claro que a questão crucial aqui é saber o que é o "eu", ou o que é um "eu"! Em todo o caso, a menos que se defenda uma concepção mística ou sobrenatural do mesmo (e não parece haver boas razões para o fazer, muito pelo contrário), a resposta só pode ser afirmativa. Quer setome o "eu" pela totalidade psicofísica individual, quer apenas se refira ao elemento mental da identidadeprópria, ou até "simplesmente" a uma componente estrutural ou funcional do mesmo, como a consciência, a auto-consciência ou sentimento de si, ou a memória, parece difícil evitar a terrível e trágica conclusão de que se trata efectivamente de uma perda parcial, gradual e progressiva do nosso "eu". Não é necessário subescrever uma posição de monismo materialista ou fisicalista, identificando essencialmente o "eu" com océrebro, e processos fisicos com processos mentais, para aceitar a conclusão. Os dados de que dispomos actualmente, desde os da experiência comum, até aos alcançados nas diversas ciências, como a biologia, a neurologia, a psicologia ou a medicina, sugerem, no mínimo, a íntima conexão e interdependência entre o conjunto das funções e processos mentais e os corporais, quer dizer, entre o "eu" psíquico e o "eu" físico – e é claro que o mesmo argumento serve para estabelecer a plausibilidade da vida após a morte, ou estarei errado?!

1183 – Provavelmente, o único e grande mistério digno dessenome é não haver nenhum mistério digno desse nome.

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1184 – Se a linguagem, para além da sua função pragmática comunicacional, constitui um instrumento expressivo derealização-satisfação simbólica e imaginária da vontade de poder humana, então ela está na directa dependência da economia libidinal, ou melhor, pulsional, visto que o seu influxo elabora sinteticamente impulsos sexuais e agressivos. Deste modo, também exprime e integra sempre as tensões e conflitos que percorrem o campo psíquico com as suas diversas instâncias e níveis diferenciados, bem como toda a dinâmica afectiva que investe a dramática humana em geral.

1185 – Se assistimos outrora ao declínio da mentira e do seu valor estético-artístico e vital em detrimento do valor moral da verdade, é-nos dado hoje observar precisamente o contrário, porquanto são as ilusões e as ficções, os simulacros e simulações, os constructosimaginários que a substituem e se afirmam hoje, renegando a antiga aliança gnosiológico-moral que valorizava a verdade e a realidade, e com plena licença para as reinventarem ou recriarem (liberdade poética?) – do realismo naturalista ao idealismo artificialista.

1186 – Se todo o universo físico é composto de matéria e energia, espaço e tempo; se a própria matéria não passa de uma forma condensada de energia que possui osatributos de massa e dimensão no espaço e no tempo; e se a energia, por sua vez, não passa de capacidade de produzir trabalho, parece que somos forçados a concluir que todo o conteúdo do universo físico é essencialmente constituído de capacidade de produzir trabalho, o que não deixa de ser uma conclusão deverasestranha e espantosa. E o que é verdadeiramente isso, capacidade de produzir trabalho? Força? Poder? Quer isso dizer que tudo o que existe no Universo é essencialmente força e poder? Então e o espaço e o tempo? Será que também são redutíveis a essa entidade

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misteriosa? Ou será que, pelo contrário, é a complexa estrutura do espaço-tempo que explica tudo o resto, sendo a matéria e a energia nada mais que formas ou manifestações diversas de um mesmo campo matricial fundamental que tudo percorre, tudo compõe e de onde tudo deriva?

1187 – O positivismo jurídico – doutrina segundo a qual Leiescrita e Justiça são uma e mesma coisa - enferma dos mesmos defeitos e vícios do positivismo em geral, simplesmente limitados ao âmbito do Direito. A absolutização dos factos significa aqui a absolutização das leis como factos jurídicos por excelência, "resolvendo-se" assim - ou melhor, iludindo-se assim - a diferença e tensão entre factos e valores, entre o ser real e o dever ser ideal, e transformando-se desse modo juízos de facto em juízos de valor e juízos de valor em juízos de facto. Mas identificar o Direito com o conjunto das leis positivas, isto é, escritas, pressupõe quer a completude e consistência das mesmas quer a sua perfeição e justeza. Ora, se a consistência de qualquer sistema legal já é suficientemente problemática e muito mais um ideal regulador de perfeição a atingir do um facto consumado e indiscutível; se a completude é constantemente desmentida pelas revisões, alterações, rectificações, substituições e acrescentos às leis vigentes - fazendo do Direito um sistema aberto e dinâmico, necessariamente histórico e, portanto, sujeito a inevitáveis actualizações que revelam a sua incompletude estrutural; então a questão da perfeição e justeza das leis é verdadeiramente mortal para uma defesa racionalmente sustentável de semelhante concepção, pois como podemos nós saber se as leis existentes são boas ou más, justas ou injustas, válidas ou inválidas, a não ser avaliando-as crítica eracionalmente à luz de critérios e padrões não-escritos? Porque devemos nós aceitar a submissão a leis desprovidas de qualquer fundamento racional? Que direito tem assim o Estado de exigir o respeito e

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obediência à Lei por parte dos cidadãos, se esta assenta única e exclusivamente no seu poder e autoridade - real e formal, mas racionalmente injustificável, logo arbitrária - para legislar e punir? Pior ainda: a eliminação da diferença entre o Direito positivo o Direito natural, que o positivismo jurídico simultaneamente pressupõe e promove através da" pura e simples" anulação do último, impossibilita por princípio a questão fundamental comum à filosofia moral, à filosofia política e à filosofia do Direito, a saber, a questão da Justiça e da ordem justa, tanto moral como jurídica e política, quer entre as pessoas quer no estado ou na sociedade e suas leis normativas.Para além disto (como se fosse pouco), também não se percebe como se poderia de todo criar leis novas, criticar e corrigir as existentes, avaliando-as e propondo alternativas melhores, se não possuímos nem somos capazes de aceder a nenhum padrão moral ideal delegitimidade racional transcendental (isto é, universal e objectivo), a não ser caindo no relativismo, seja ele histórico, sociológico, culturalou político, o que, paradoxalmente (ou nem tanto) aproximaria o positivismo jurídico do seu aparente rival historicista, como formas diferentes de um mesmorelativismo axiológico. Desta forma, se na verdade nada mais houvesse a fazer com as leis a não ser aceitá-las, interpretá-las e aplicá-las aos casos concretos, então a escola da exegese em particular e opositivismo jurídico em geral teriam razão, e a sua teoria explícita ou implícita do Direito seria verdadeira, mas como não parece ser esse o caso, face aos problemas e objecções que foram levantadas, logo...

1188 - Parece óbvio a quem é capaz de exercitar as raras e difíceis virtudes filosóficas da humildade, da corageme da lucidez de pensar de forma clara, racional e objectiva, que o relativismo pós-moderno, em todas as suas formas e manifestações (epistémicas, morais, estéticas, etc), funciona hoje como uma verdadeira praga ou epidemia ideológica que infecta a quase totalidade da sociedade e cultura contemporâneas como uma espécie de cancro psico-social ou de vírus da sida

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cultural de consequências verdadeiramente devastadorasem todos os níveis do pensamento e da vida. E fá-lo deforma tanto mais eficaz quanto se apresenta, paradoxale contraditoriamente, como verdade absoluta e indiscutível em si mesma, como um dogma auto-evidente.Mas como se explica tal sucesso desta doença do espírito contemporâneo? Que causas profundas puderam -e podem - originar tal patologia? A par de outras causas e razões estruturalmente importantes do ponto de vista psicológico e antropológico, poderiam eventualmente juntar-se a ilusão de boa consciência crítica relativamente ao dogmatismo absolutista, de fundo essencialmente religioso e político, que fez história. O relativismo retiraria assim, também, partedo seu fascínio hipnótico universal dessa ilusão colectiva de parecer uma reacção moral e intelectualmente justificada a essa e a todas as outras formas de absolutismo. Mas talvez se possa compreender mais facilmente a força "mágica" do seu apelo se o virmos como expressão e resultado da acção combinada de quatro "demónios" - ou "vícios" - que "assombram" permanentemente o espírito humano na sua busca do conhecimento: o Orgulho, o Medo, a Preguiça eo Hábito. O Orgulho, porque se tudo é relativo e subjectivo - e o subjectivismo não é mais que a variante individualista e egocêntrica do relativismo -, então não existem verdades que sejam independentes de nós, sejam elas factuais ou normativas, concretas ou abstractas, físicas ou metafísicas, e a nossa vontade de poder reina soberana e verdadeiramente omnipotente no universo infinito da nossa imaginação delirante, governado sem quaisquer limites pelo mais puro wishful thinking, com o nosso "egozinho" (individual, colectivo ou de espécie) elevado por si próprio à condição divina e à infalibilidade papal semqualquer hipótese de erro, o que é óptimo e altamente compensador para o ego, seja ele individual, social ouantropológico. O simbólico Lúcifer bíblico, vítima do seu desmedido orgulho e consequente inveja que o fez querer ser Deus, é disso a perfeita ilustração, o que não é surpreendente, visto tratar-se de uma projecção nossa; o Medo, porque se não há verdades absolutas e

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tudo gira à nossa volta, se somos individual ou colectivamente "a medida de todas as coisas", nada há a temer, não havendo verdades terríveis, assustadoras,insuportáveis ou simplesmente desconsoladoras a recear. E assim se vence "magicamente" o medo animal einfantil da realidade hostil ou indiferente; a Preguiça, porque se não há verdades universais e objectivas, e todas são particulares e subjectivas, então estamos automaticamente dispensados - auto-dispensados - de fazer qualquer esforço ou sacrifício para as alcançar e podemos permanecer tranquilamente "à sombra da bananeira" ou "encostados às boxes" "com o piloto automático ligado", "cantando e rindo, levados, levados sim". A fábula da raposa e das uvas exemplifica perfeitamente esse estado de coisas: "Estão verdes, não prestam!", mente a raposa a si mesma para não ter de se esforçar ou admitir que não consegue chegar às uvas; o Hábito, porque a "pura e simples" repetição mecânica, por algum tempo e por quase toda a gente, dos mesmos chavões, frases feitas,estereótipos e preconceitos, transformam a mais estúpida das mentiras numa verdade que ninguém discuteou contesta, mesmo que seja a verdade de que não há verdades - ou talvez sobretudo essa, dada a sua autocontradição, o que parece ir ao encontro daquela característica tão universalmente humana que os nossos"irmãos" transatlânticos correctamente designam por "não se enxergar". Se adicionarmos a isto o "bom e velho" instinto de rebanho que faz de nós perfeitos macaquinhos de imitação uns dos outros, tanto nas acções como nas palavras e ideias, percebemos o peso que um hábito partilhado tem no desejo de segurança e no sentimento de pertença de cada um e de todos. No fim, talvez se pudesse simultaneamente resumir e traduzir todas estas razões numa espécie de "fórmula lógica" ou "equação" típica da psicologia popular, constituindo um raciocínio-padrão da in-consciência "humana, demasiado humana", a qual não passa, aliás, de uma versão menos sofisticada de uma antiga máxima sofística: Se Eu não sei, então ninguém sabe; se ninguém sabe, então não é possível saber; se não é possível saber, então não existe nada ou, pelo menos,

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nada há para saber. Moral da história: e assim vivemosfelizes para sempre - na ignorância, na inconsciência,na estupidez e na loucura, acreditando na ilusão de que basta nascer biologicamente humano para ser um animal racional e um membro de pleno direito da espécie que se define a si mesma como sapiens...

1189 – O agnosticismo relativamente às questões fundamentais – como a questão da existência de Deus, do sentido da vida, da vida para além da morte, do livre-arbítrio ou do porquê da existência de tudo -, quer dizer, a crença de que tais questões não são resolúveis e que a única atitude sensata consiste em suspender o juízo sobre elas, é uma crença psicologicamente tão cómoda e confortável como a crença de que já sabemos a resposta ou a certeza de que a viremos a saber. No fundo, o que é humanamente insuportável é a angústia de não saber nem a resposta às questões nem se elas são verdadeiramente solucionáveis, sabendo-se no entanto que a verdade sobre elas está algures por aí.

1190 – Tudo é mistério.

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