Fazer Justiça em um Contexto de Mudança Política é Olhar para o Passado mas Também para o...
Transcript of Fazer Justiça em um Contexto de Mudança Política é Olhar para o Passado mas Também para o...
DOSSIÊ: REPARAÇÃO Pablo de Greiff * Claudio Nash * Paulo Abrão * Marcelo D. Torelly * Cristián Correa ENTREVISTA Ruti G. Teitel ESPECIAL IDEJUST ARTIGOS ACADÊMICOS Marcelo Cattoni de Oliveira * Marcelo Mattos Araújo * Kátia Felipini Neves * Caroline Grassi de Menezes * Roberta Camineiro Baggio * Lara Miranda * Gabriel Merheb Petrus * Inês Virgínia Prado Soares * Lucia Elena Ferreira Bastos * João Baptista Rosito * Benjamim Cuéllar DOCUMENTOS Relatório van Boven sobre direito à reparação (ONU) * Conjunto de princípios para a proteção dos direitos humanos mediante a luta contra a impunidade (ONU) * Princípios básicos e diretrizes sobre o direito à reparação para vítimas de violações graves aos direitos humanos (ONU) * Contestação do Estado brasileiro junto à CIDH: caso 11.552 (Guerrilha do Araguaia) ISSN 2175-5329 Nº 3 Janeiro/Junho 2010
nº
3 *
Janeir
o/J
unho
20
10
JOFFILY * ORLANDO MARETI SOBRINHO * OSCAVU JOSÉ COELHO * PAULO FRATESCHI * PAULO FREIRE * PAULO SARACENI * PAULO WRIGHT * PEDRO DE CAMARGO * PERCY VARGAS * PERI DE ARAÚJO COTTA * PERLY CIPRIANO * PETER JOHN MCCARTHY * RAUL JORGE ANGLADA PONT * REGENIS BADING PROCHMANN * RENATA FERRAZ GUERRA DE ANDRADE * REYNALDO JARDIM SILVEIRA * RICARDO DE MORAES MONTEIRO * ROBERTO FARIA MENDES * ROGÉRIO LUSTOSA * RÔMULO DANIEL BARRETO DE FARIAS * ROSE MARIE MURARO * ROSEMARY NOGUEIRA * RUY FRASÃO SOARES * SEBASTIANA CORREIA BITTENCOURT * SELMA LAIZ VIANA MONTARROYOS * SÉRGIO DE MAGALHÃES GOMES JAGUARIBE * SILVIA LÚCIA VIANA MONTARROYOS * SINVAL DE ITACARAMBI LEÃO * SOLANGE LOURENÇO GOMES * SONIA HIPÓLITO * SONIA LINS * STUART ANGEL JONES * ULYSSES DE MENEZES FREITAS * VICENTE CARLOS Y PLA TREVAS * VITOR BORGES DE MELO * VLADIMIR HERZOG * WALMIR ANDRA DE OLIVEIRA * ZIRALDO ALVES PINTO * ZULEIDE APARECIDA DO NASCIMENTO
AFRANIO MARCILIANO AZEVEDO * ALANIR CARDOSO * ALDO SILVA ARANTES * ALÍPIO CRISTIANO DE FREITAS * AMARO ALEXANDRINO DA ROCHA * AMÉRICO ANTÔNIO FLORES NICOLATTI * ANA MARIA RIBAS BEZZE * ANA MARIA SANTOS ROCHA * ANA WILMA OLIVEIRA MORAES * ANGELA TELMA OLIVEIRA LUCENA * ANTONIA MARA VIEIRA LOGUERCIO * ANTONIO CARLOS FON * ANTONIO CECHIN * ANTÔNIO JOSÉ MESSIAS * ANTÔNIO APOITIA NETTO * ANTONIO RIBEIRO PENNA * APARECIDA ALVES DOS SANTOS * APOLÔNIO DE CARVALHO * ARI CÂNDIDO FERNANDES * ARMANDO BORTOLO * ATON FON FILHO * AUGUSTO BOAL * AURÉLIO PERES * BEATRIZ ARRUDA * BELARMINO BARBOSA SIQUEIRA * BENITO PEREIRA DAMASCENO * BERGSON GURJÃO FARIAS * BOLÍVAR NASCIMENTO PRESTES * CAIO BOUCINHAS * CARLOS AUGUSTO MARIGUELLA * CARLOS EUGÊNIO SARMENTO COÊLHO DA PAZ * CARLOS GUILHERME DE M. PENAFIEL * CARLOS LAMARCA * CARLOS LICHTISZTEJN * CECÍLIA VIEIRA FERNANDES * CELESTE FON * CELSO ANTUNES HORTA * CHICO MENDES * CLARA CHARF * CLEY DE BARROS LOYOLA * CRISTINA MARIA BUARQUE * DANIEL AARÃO REIS FILHO * DARCI GIL DE OLIVEIRA BOSCHIERO * DARCY RODRIGUES DE FREITAS * DAVID CAPISTRANO * DENISE FRAENKEL KOSE * DENISE OLIVEIRA LUCENA * DENIZE FONTELLA GOULART * DENIZE PERES CRISPIM * DEUSDANTE FERREIRA DE FREITAS * DIMAS FLORIANI * DINALVA OLIVEIRA TEIXEIRA * DOM MARCELO PINTO CARVALHEIRA * EDGARD DE ALMEIDA MARTINS * EDSON MENEZES DA SILVA * EDUARDA CRISPIM LEITE * EDUARDO DIAS CAMPOS SOBRINHO * ELIA MENEZES ROLA * ELIANA BELLINI ROLEMBERG * ELIESER VAZ COELHO * ELÍRIO BRANCO DE CAMARGO * ELISEU GABRIEL DE PIERI * ELIZABETH TEIXEIRA * ELZA MONNERAT * EMÍLIO RUBENS CHASSEREUX * EPAMINONDAS JACOME RODRIGUES * ESTRELLA DALVA BOHADANA * EULER FERREIRA DA SILVA * EULER IVO VIEIRA * FÉLIX AUGUSTO DE ATHAYDE * FLÁVIO KOUTZII * FRANCISCO DE ASSIS LEMOS * FRANCISCO DERLI * FRANCISCO MARTINELLI * FRANCISCO PINTO MONTENEGRO * FRANCISCO ROBERTO DALLI'IGNA * FREDERICK BIRTEN MORRIS * FREI FERNANDO * FREI JOÃO * GEORGE DE BARROS CABRAL * GERMANA CORREA LIMA * GILDO SCALCO * GILNEY AMORIM VIANA * GLAUCO AUGUSTO DUQUE PORTO * HALUE YA MAGYTI * HAMILTON PEREIRA DA SILVA * HELDER SUAREZ BEDENDO * HELENA SOARES MELO * HELENA SUMIKO HIRATA * HELENITA MATOS SIPAHI * HONESTINO GUIMARÃES * HORÁCIO MARTINS DE CARVALHO * HUDSON CUNHA * IARA XAVIER * IDIBAL PIVETTA * IGOR GRABOIS OLIMPIO * ILTO VIEIRA * INÁ MEIRELES DE SOUZA * INES ETIENNE ROMEU * IRLES COUTINHO DE CARVALHO * ISOUDE SOMMER * IVAN DE SOUZA ALVES * IVAN SEIXAS * IZABEL MARQUES TAVARES DA CUNHA * JANE VASCONCELOS DANTAS * JEAN MARC VON DER WEID * JEOVÁ FERREIRA * JESUS PAREDES SOTO * JOANA D’ARC BIZOTTO LOPES * JOANA D’ARC VIEIRA NETO * JOÃO AMAZONAS * JOÃO ARTHUR VIEIRA * JOÃO BATISTA FRANCO DRUMOND * JOÃO BELCHIOR MARQUES GOULART * JOÃO CARLOS ALMEIDA GRABOIS * JOÃO CHILE * JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA * JOÃO MAURO BOSCHIERO * JOÃO RICARDO BESSA FREIRE * JOÃO VICENTE FONTELLA GOULART * JOELSON CRISPIM * JOILSON SANTOS DE CARVALHO * JORGE RAIMUNDO NARRAS * JORGE SALDANHA DE ARAUJO * JOSAIL GABRIEL DE SALES * JOSÉ ABADIA BUENO TELES * JOSÉ BURLE DE AGUIAR * JOSÉ CALISTRATO CARDOSO FILHO * JOSÉ CARLOS NOVAIS DA MATTA MACHADO * JOSÉ CELSO MARTINEZ * JOSÉ DALTRO DA SILVA * JOSÉ MACHADO * JOSÉ MIGUEL MARTINS VELOSO * JOSÉ NOLETO * JOSÉ PORFIRIO DE SOUZA * JOSÉ ROGÉRIO LICKS * JOSÉ SERRA * JOSÉ TADEU CARNEIRO CUNHA * JOSÉ VELOSO * JÚLIO PRATA * JURACI MENDES DE OLIVEIRA * JURANDIR BEZERRA DE OLIVEIRA * LANGSTEIN DE ALMEIDA AMORIM * LAURINDO MARTINS JUNQUEIRA FILHO * LENIRA MARIA DE CARVALHO * LEONEL BRIZOLA * LETA VIEIRA DE SOUZA * LINCOLN RAMOS VIANA * LUIS CARLOS PRESTES * LUIZ DE GONZAGA TRAVASSOS DA ROSA * LUIZ FELIPE RATTON MASCARENHAS * LUIZ GONZAGA TRAVASSOS DA ROSA * MAGNÓLIA DE FIGUEIREDO CAVALCANTI * MANOEL CYRILLO DE OLIVEIRA NETTO * MANOEL MOSART MACHADO * MANOEL SERAFIM DOS ANJOS * MARCOS JOSÉ BURLE DE AGUIAR * MARIA ALICE ALBUQUERQUE SABOYA * MARIA DALCE RICAS * MARIA DAS DORES DA SILVA * MARIA DE FÁTIMA MENDES DA ROCHA * MARIA DO PILAR COSTA SANTOS * MARIA DO SOCORRO DE MAGALHÃES * MARIA EMÍLIA LISBOA PACHECO * MARIA FAUSTINO DE ALMEIDA AMARAL * MARIA IGNES DA COSTA D. E. BASTOS * MARIA JOSÉ RIOS P. DA S. LINDOSO * MARIA REGINA P. DA SENNA FIGUEIREDO * MARIA TERESA GOULART * MARIJANE VIEIRA LISBOA * MARILIA DE CARVALHO GUIMARÃES * MARINA VIEIRA * MARIO COVAS * MÁRIO MAGALHÃES LOBO VIANA * MARIO MIRANDA DE ALBUQUERQUE * MARISTELA VILLAR * MAURICE POLITI * MIGUEL ARRAES * MIGUEL DARCY DE OLIVEIRA * MIGUEL PRESSBURGER * NANCY MANGABEIRA UNGER * NARCISA BEATRIZ WHITAKER VERRI * NASAIDY DE ARAUJO BARRET * NAZAREH ANTONIA OLIVEIRA * NELSON CORDEIRO * NELSON REMY GILLET * NELSON RODRIGUES * NESTOR PEREIRA DA MOTA * NILMÁRIO DE MIRANDA * NILSON NOBRE DE ALMEIDA * OCTÁVIO MALTA * OLIVIA RANGEL
SARACENI * PAULO WRIGHT * PEDRO DE CAMARGO * PERCY VARGAS * PERI DE ARAÚJO COTTA * PERLY CIPRIANO * PETER JOHN MCCARTHY * RAUL JORGE ANGLADA PONT * REGENIS BADING PROCHMANN * RENATA FERRAZ GUERRA DE ANDRADE * REYNALDO JARDIM SILVEIRA * RICARDO DE MORAES MONTEIRO * ROBERTO FARIA MENDES * ROGÉRIO LUSTOSA * RÔMULO DANIEL BARRETO DE FARIAS * ROSE MARIE MURARO * ROSEMARY NOGUEIRA * RUY FRASÃO SOARES * SEBASTIANA CORREIA BITTENCOURT * SELMA LAIZ VIANA MONTARROYOS * SÉRGIO DE MAGALHÃES GOMES JAGUARIBE * SILVIA LÚCIA VIANA MONTARROYOS * SINVAL DE ITACARAMBI LEÃO * SOLANGE LOURENÇO GOMES * SONIA HIPÓLITO * SONIA LINS * STUART ANGEL JONES * ULYSSES DE MENEZES FREITAS * VICENTE CARLOS Y PLA TREVAS * VITOR BORGES DE MELO * VLADIMIR HERZOG * WALMIR ANDRA DE OLIVEIRA * ZIRALDO ALVES PINTO * ZULEIDE APARECIDA DO NASCIMENTO
AFRANIO MARCILIANO AZEVEDO * ALANIR CARDOSO * ALDO SILVA ARANTES * ALÍPIO CRISTIANO DE FREITAS * AMARO ALEXANDRINO DA ROCHA * AMÉRICO ANTÔNIO FLORES NICOLATTI * ANA MARIA RIBAS BEZZE * ANA MARIA SANTOS ROCHA * ANA WILMA OLIVEIRA MORAES * ANGELA TELMA OLIVEIRA LUCENA * ANTONIA MARA VIEIRA LOGUERCIO * ANTONIO CARLOS FON * ANTONIO CECHIN * ANTÔNIO JOSÉ MESSIAS * ANTÔNIO APOITIA NETTO * ANTONIO RIBEIRO PENNA * APARECIDA ALVES DOS SANTOS * APOLÔNIO DE CARVALHO * ARI CÂNDIDO FERNANDES * ARMANDO BORTOLO * ATON FON FILHO * AUGUSTO BOAL * AURÉLIO PERES * BEATRIZ ARRUDA * BELARMINO BARBOSA SIQUEIRA * BENITO PEREIRA DAMASCENO * BERGSON GURJÃO FARIAS * BOLÍVAR NASCIMENTO PRESTES * CAIO BOUCINHAS * CARLOS AUGUSTO MARIGUELLA * CARLOS EUGÊNIO SARMENTO COÊLHO DA PAZ * CARLOS GUILHERME DE M. PENAFIEL * CARLOS LAMARCA * CARLOS LICHTISZTEJN * CECÍLIA VIEIRA FERNANDES * CELESTE FON * CELSO ANTUNES HORTA * CHICO MENDES * CLARA CHARF * CLEY DE BARROS LOYOLA * CRISTINA MARIA BUARQUE * DANIEL AARÃO REIS FILHO * DARCI GIL DE OLIVEIRA BOSCHIERO * DARCY RODRIGUES DE FREITAS * DAVID CAPISTRANO * DENISE FRAENKEL KOSE * DENISE OLIVEIRA LUCENA * DENIZE FONTELLA GOULART * DENIZE PERES CRISPIM * DEUSDANTE FERREIRA DE FREITAS * DIMAS FLORIANI * DINALVA OLIVEIRA TEIXEIRA * DOM MARCELO PINTO CARVALHEIRA * EDGARD DE ALMEIDA MARTINS * EDSON MENEZES DA SILVA * EDUARDA CRISPIM LEITE * EDUARDO DIAS CAMPOS SOBRINHO * ELIA MENEZES ROLA * ELIANA BELLINI ROLEMBERG * ELIESER VAZ COELHO * ELÍRIO BRANCO DE CAMARGO * ELISEU GABRIEL DE PIERI * ELIZABETH TEIXEIRA * ELZA MONNERAT * EMÍLIO RUBENS CHASSEREUX * EPAMINONDAS JACOME RODRIGUES * ESTRELLA DALVA BOHADANA * EULER FERREIRA DA SILVA * EULER IVO VIEIRA * FÉLIX AUGUSTO DE ATHAYDE * FLÁVIO KOUTZII * FRANCISCO DE ASSIS LEMOS * FRANCISCO DERLI * FRANCISCO MARTINELLI * FRANCISCO PINTO MONTENEGRO * FRANCISCO ROBERTO DALLI'IGNA * FREDERICK BIRTEN MORRIS * FREI FERNANDO * FREI JOÃO * GEORGE DE BARROS CABRAL * GERMANA CORREA LIMA * GILDO SCALCO * GILNEY AMORIM VIANA * GLAUCO AUGUSTO DUQUE PORTO * HALUE YA MAGYTI * HAMILTON PEREIRA DA SILVA * HELDER SUAREZ BEDENDO * HELENA SOARES MELO * HELENA SUMIKO HIRATA * HELENITA MATOS SIPAHI * HONESTINO GUIMARÃES * HORÁCIO MARTINS DE CARVALHO * HUDSON CUNHA * IARA XAVIER * IDIBAL PIVETTA * IGOR GRABOIS OLIMPIO * ILTO VIEIRA * INÁ MEIRELES DE SOUZA * INES ETIENNE ROMEU * IRLES COUTINHO DE CARVALHO * ISOUDE SOMMER * IVAN DE SOUZA ALVES * IVAN SEIXAS * IZABEL MARQUES TAVARES DA CUNHA * JANE VASCONCELOS DANTAS * JEAN MARC VON DER WEID * JEOVÁ FERREIRA * JESUS PAREDES SOTO * JOANA D’ARC BIZOTTO LOPES * JOANA D’ARC VIEIRA NETO * JOÃO AMAZONAS * JOÃO ARTHUR VIEIRA * JOÃO BATISTA FRANCO DRUMOND * JOÃO BELCHIOR MARQUES GOULART * JOÃO CARLOS ALMEIDA GRABOIS * JOÃO CHILE * JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA * JOÃO MAURO BOSCHIERO * JOÃO RICARDO BESSA FREIRE * JOÃO VICENTE FONTELLA GOULART * JOELSON CRISPIM * JOILSON SANTOS DE CARVALHO * JORGE RAIMUNDO NARRAS * JORGE SALDANHA DE ARAUJO * JOSAIL GABRIEL DE SALES * JOSÉ ABADIA BUENO TELES * JOSÉ BURLE DE AGUIAR * JOSÉ CALISTRATO CARDOSO FILHO * JOSÉ CARLOS NOVAIS DA MATTA MACHADO * JOSÉ CELSO MARTINEZ * JOSÉ DALTRO DA SILVA * JOSÉ MACHADO * JOSÉ MIGUEL MARTINS VELOSO * JOSÉ NOLETO * JOSÉ PORFIRIO DE SOUZA * JOSÉ ROGÉRIO LICKS * JOSÉ SERRA * JOSÉ TADEU CARNEIRO CUNHA * JOSÉ VELOSO * JÚLIO PRATA * JURACI MENDES DE OLIVEIRA * JURANDIR BEZERRA DE OLIVEIRA * LANGSTEIN DE ALMEIDA AMORIM * LAURINDO MARTINS JUNQUEIRA FILHO * LENIRA MARIA DE CARVALHO * LEONEL BRIZOLA * LETA VIEIRA DE SOUZA * LINCOLN RAMOS VIANA * LUIS CARLOS PRESTES * LUIZ DE GONZAGA TRAVASSOS DA ROSA * LUIZ FELIPE RATTON MASCARENHAS * LUIZ GONZAGA TRAVASSOS DA ROSA * MAGNÓLIA DE FIGUEIREDO CAVALCANTI * MANOEL CYRILLO DE OLIVEIRA NETTO * MANOEL MOSART MACHADO * MANOEL SERAFIM DOS ANJOS * MARCOS JOSÉ BURLE DE AGUIAR * MARIA ALICE ALBUQUERQUE SABOYA * MARIA DALCE RICAS * MARIA DAS DORES DA SILVA * MARIA DE FÁTIMA MENDES DA ROCHA * MARIA DO PILAR COSTA SANTOS * MARIA DO SOCORRO DE MAGALHÃES * MARIA EMÍLIA LISBOA PACHECO * MARIA FAUSTINO DE ALMEIDA AMARAL * MARIA IGNES DA COSTA D. E. BASTOS * MARIA JOSÉ RIOS P. DA S. LINDOSO * MARIA REGINA P. DA SENNA FIGUEIREDO * MARIA TERESA GOULART * MARIJANE VIEIRA LISBOA * MARILIA DE CARVALHO GUIMARÃES * MARINA VIEIRA * MARIO COVAS * MÁRIO MAGALHÃES LOBO VIANA * MARIO MIRANDA DE ALBUQUERQUE * MARISTELA VILLAR * MAURICE POLITI * MIGUEL ARRAES * MIGUEL DARCY DE OLIVEIRA * MIGUEL PRESSBURGER * NANCY MANGABEIRA UNGER * NARCISA BEATRIZ WHITAKER VERRI * NASAIDY DE ARAUJO BARRET * NAZAREH ANTONIA OLIVEIRA * NELSON CORDEIRO * NELSON REMY GILLET * NELSON RODRIGUES * NESTOR PEREIRA DA MOTA * NILMÁRIO DE MIRANDA * NILSON NOBRE DE ALMEIDA * OCTÁVIO MALTA * OLIVIA RANGEL JOFFILY * ORLANDO MARETI SOBRINHO * OSCAVU JOSÉ COELHO * PAULO FRATESCHI * PAULO FREIRE * PAULO
DA ESQUERDA PARA A DIREITA:
PICHAÇÃO EM RUA DO RIO DE JANEIRO. 14 DE AGOSTO DE 1979FONTE: ARQUIVO NACIONAL
REALIZAÇÃO DA 31ª CARAVANA DA ANISTIA INSERIDA NO FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA. PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ANISTIA DECLARA O EDUCADOR PAULO FREIRE ANISTIADO POLÍTICO BRASILEIROCRÉDITO: ISAAC AMORIM
26
ENTREVISTA RUTI G. TEITEL
“FAZER JUSTIÇA E PENSAR MEDIDAS DE JUSTIÇA NUM CONTEXTO DE MUDANÇA POLÍTICA É OLHAR PARA O PASSADO MAS TAMBÉM PARA O FUTURO”
27
Marcelo Torelly – Gostaria de começar
lhe indagando especificamente sobre
a relação entre direito e política na
justiça de transição. Como a política
influência a justiça no contexto
específico de uma transição?
RUTI G. TEITEL
ENTREVISTARUTI G. TEITEL
A professora argentina Ruti G. Teitel é graduada pela Georgetown University e obteve, em 1980, o título de doutora em Direito pela prestigiosa universidade de Cornell, ambas nos Estados Unidos. Atualmente, ocupa a cátedra Ernest C. Stiefel de Direito Comparado da New York Law School e integra o Colóquio Global de Direito e Justiça da London School of Economics, já tendo igualmente lecionado nas universidades de Yale (Estados Unidos), Tel Aviv (Israel) e Siena (Itália). Com inúmeros estudos publicados nas mais importantes revistas de Direito Internacional, Direito Comparado e Direitos Humanos do mundo, é também uma festejada conferencista internacional. Em 2000, publicou pela Oxford University Press uma das mais importantes obras já escritas sobre justiça durantes as transições políticas (Transitional Justice). Em atenção a um convite formulado pelo Ministério da Justiça do Brasil, em 23 de março de 2010, a professora concedeu esta entrevista exclusiva em Nova Iorque, tendo discutido questões contemporâneas sobre o atual estado do campo de estudo da justiça transicional, com especial ênfase ao atual momento brasileiro e latino-americano.
Ruti Teitel – Em minha experiência, desde
que a Argentina começou a tratar de
questões transicionais nos anos 1980 até
as transições no leste europeu, sempre
houve um “contexto político” para a tomada
de decisões relativas à transição, e o que 28
MT– Certamente essa tensão entre direito
e política interfere com o próprio processo
de afirmação de um Estado de Direito, de
um Estado fundado em leis, uma vez que
as leis surgem em um contexto político
de fluxo transicional. Como sua obra trata
dessa questão?
RT– Tomemos o caso do Brasil como
exemplo. É evidente que hoje o Brasil está
em uma situação muito mais fortalecida
do que no passado em relação ao Estado
de Direito, com um governo eleito e uma
democracia estável. Não vive, portanto, um
momento imediatamente pós-autoritário.
Nesse contexto é possível perceber e
afirmar que o sentido que tem “Estado
de Direito” agora é muito diferente
daquele que tinha no passado. Minha
visão sobre o que seja o Estado de Direito,
e aqui está a questão chave da relação
entre direito e política, é que aquilo que
chamamos “Estado de Direito” sempre
depende da cumulação de um conjunto de
fundamentos. Temos como um primeiro
fundamento a igualdade perante a lei e,
consequentemente, o igual tratamento
jurídico entre todos os cidadãos. Esse
princípio do Estado de Direito é que
fundamenta a ideia da necessidade das
persecuções penais aos crimes não
apurados pelo regime repressivo. Mas o
conceito de Estado de Direito também
comporta outros fundamentos, como a
correição dos procedimentos e a devida
arquitetura institucional, que nos levam
a refletir sobre a capacidade dessas
instituições de resistirem aos contextos
políticos que lhes foram impostos pelos
podemos ver agora é que países que fizeram
acordos ou tomaram determinadas decisões
em um dado contexto político – como a
Argentina fez durante o período militar –
chegam a um novo momento político e
passam a rever esses acordos e decisões,
como com a chegada ao poder do Presidente
Alfonsín, reabrindo a discussão pública várias
décadas depois, em função de esforços da
sociedade civil. Vivemos hoje um momento
mundial muito interessante no qual parece
haver uma tensão global por justiças de
transição, não apenas em países que não
se confrontaram com o passado, como o
Afeganistão, mas também naqueles que o
fizeram e o estão reabrindo para discussões
após 20, 30 ou 40 anos, graças a existência
de um novo contexto político.
PROFESSORA RUTI TEITEL
CRÉDITO: ACERVO PESSOAL DA ENTREVISTADA
29
regimes autoritários. Isso é algo que o
Brasil terá de discutir, pois os variados
valores e fundamentos que sustentam a
ideia de Estado de Direito presente num
processo de democratização, como a
igualdade perante a lei, a correição dos
procedimentos, a responsabilidade de cada
um por seus atos e etc, não são valores que
possam ser trocados por outros durante
o processo transicional. Por essa razão
é que sempre devemos atentar, quando
discutimos o restabelecimento do Estado
de Direito, para que a pauta da afirmação
da justiça não se confunda com uma pauta
estritamente política como, por exemplo, a
pauta eleitoral.
MT– Ao questionar esses valores que
fundamentam a ideia de Estado de
Direito, nos deparamos com um novo
problema: como conciliar o novo
ordenamento jurídico e o antigo,
bem como o acervo de decisões nele
baseadas? O presidente Alfonsín, durante
a transição argentina, chegou a afirmar
que apenas naquele momento se iniciava
o Estado de Direito e que, portanto,
estava posta uma descontinuidade no
sistema jurídico, mas outros países,
como o Brasil, viram o Estado de Direito
consubstanciar-se gradualmente, sem
descontinuidades na ordem legal. Essas
situações geram intensos debates, pois,
de um lado, a manutenção da legalidade
do regime anterior – sua legitimação pela
nova ordem constitucional – significa
uma afronta aos princípios substanciais
do Estado de Direito, mas, de outro
lado, sua desconsideração pode macular
o princípio da legalidade formal que
também pauta o Estado de Direito.
RT– Esse é um problema interessantíssimo.
A minha tese é que toda e qualquer
transição envolve uma mistura de
continuidades e descontinuidades, afinal,
uma eleição democrática, como ocorreu
na transição do Brasil, também implica
uma descontinuidade com o sistema
jurídico anterior. Em meu entender, o
processo brasileiro é, a sua maneira, um
espécie de “revolução de veludo”1 latino-
americana, pois se fazia presente um
desejo por continuidade legal à época,
como forma de garantir alguma segurança.
Apenas agora é que parece haver algum
desejo de assumir riscos, de aceitar mais
efetivamente algumas descontinuidades.
É importante que as pessoas estejam
atentas aos desafios e riscos que a
mudança de uma ordem legal implica e
essas questões precisam ser debatidas em
seu próprio tempo, para que esses riscos
sejam manejáveis. Esse tempo político
em que cada sociedade promove suas
mudanças legais relaciona-se diretamente
com a maturidade democrática da própria
sociedade – e eu fico feliz que o Brasil
esteja vivendo estes debates neste
momento –, pois setores robustos da
sociedade precisam estar envolvidos na
discussão para que ela se revista do devido
valor democrático.
1 Nota do entrevistador: “Velvet Revolution” é como foi chamado o processo que tomou lugar na Checoslováquia entre 17 de novem-bro e 29 de dezembro de 1989, produzindo uma transição política pacífica após o final do regime comunista.30
DOSSIÊREPARAÇÃO
ARTIGOSACADÊMICOS
ENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIALIDEJUST
MT– Você mencionou a Revolução de
Veludo, e isso nos remete a uma questão
relevante do processo comparado entre as
transições latino-americanas e as do leste
europeu, que é o papel desempenhado
pelo Poder Judiciário e pelas supremas
cortes. Qual o papel do sistema judiciário
e das cortes superiores nos processos de
justiça de transição?
RT– No leste europeu, o próprio Poder
Judiciário foi um produto transicional, pois,
de fato, eles não possuiam algo análogo a
uma suprema corte. Recentemente, publiquei
um estudo sobre esse tema no Yale Human Rights Journal, chamado Paradox on the Revolution of the Rule of Law, comparando o
número de cortes no leste europeu. São 13
novas cortes como produtos dos processos
transicionais, pois os países precisavam de
novas instituições em que se pudesse confiar.
A criação e atuação dessas cortes mostra a
dificuldade de fixação de um fronteira entre
Direito e política. A corte russa, por exemplo,
é indubitavelmente a mais política entre todas,
porém outras mais antigas, como a corte
húngara, são mais tradicionais e legalistas.
A corte Checa, por sua vez, é uma das
menos politizadas. O grande fato é que todas
elas, em seus variados níveis de politização,
tiveram de desempenhar importantes papéis
nas transições, fosse invalidando leis e
devolvendo-as ao Parlamento, especialmente
quando este tentava impor entendimentos
jurídicos ou definir casos específicos, fosse
– como o fora no caso Russo – indo além
de seu papel legal e tomando decisões que,
do ponto de vista jurídico, não parecem
revestidas de qualquer legalidade.
MT– O tempo é um fator extremamente
relevante nos processos transicionais,
uma vez que, por exemplo, pode
inviabilizar a realização efetiva de
julgamentos. Inobstante, outros
mecanismos como os de promoção da
memória e busca da verdade seguem
sendo alcançáveis em diferentes
momentos históricos. Seria interessante
ouvi-la um pouco mais sobre isso.
RT– A questão da temporalidade, a
pergunta específica sobre “por que isto está
acontecendo agora”, contém um enorme
campo de outros questionamentos. Em muitos
países, a resposta a este “por que agora”
guarda uma relação direta com a maturidade
das instituições, que apenas 20, 30 ou 40
anos depois se tornam suficientemente fortes
para tratar dessas questões. O Judiciário tem
um enorme papel aqui, um novo Judiciário
é fundamental para responder a certas
A questão da temporalidade, a pergunta específica sobre “por que isto está acontecendo agora”, contém um enorme campo de outros questionamentos. Em muitos países, a resposta a este “por que agora” guarda uma relação diretacom a maturidade das instituições
31
questões. Igualmente, é importante existir
uma sociedade civil robusta, capaz de trazer
e manter esses temas na agenda pública.
Na maioria dos países em que a justiça
transicional passa a se desenvolver ou segue
se desenvolvendo mesmo após uma longa
passagem de tempo, percebemos claramente
que a motivação para tanto é a necessidade
do Estado democrático em responder a uma
demanda persistente vinda da sociedade civil
organizada. Esse é o caso das mães da Praça de Maio e de toda a rede relacionada aos
direitos humanos que se formou em torno
desse tema na Argentina – eles foram capazes
de manter o tema vivo até que diferentes
respostas democráticas pudessem ser dadas.
MT– Um sistema de reparação econômica
para as vítimas pode, de alguma maneira,
encerrar esse processo?
RT– Eu não sei se esse é o caso brasileiro,
pois o contexto histórico é diferente
do de outros países que estudei, como
a Argentina, mas preocupa-me que a
questão econômica, especialmente em
governos de centro-esquerda, possa acabar
se separando da questão do repensar o
passado. A justiça de transicão sempre
assume dimensões políticas, e pode acabar
se conectando igualmente a questões de
justiça social, adotando um formato de
justiça distributiva – como me parece ser
o caso do Brasil. Neste caso, o perigo é
que a teoria que fundamenta a reparação –
destacando mais uma vez que falo “desde
fora” do processo – funda-se a juízos
distributivos de matiz eminentemente
econômica, criando um processo de justiça
social que separa-se da própria ideia de uma
justiça de transição.
MT– Nesse sentido, é fundamental manter
vivo o tema na sociedade civil?
RT– Eu creio que em uma sociedade liberal
existem sempre muitos atores envolvidos
no processo de questionar e responder
as questões sobre os períodos em que se
cometeram atrocidades e foram perpetradas
injustiças políticas. Seria surpreendente se
apenas uma autoridade central concentrasse
todas as ações e esforços, isso seria
reflexo de uma democracia imatura, que
possivelmente não foi capaz de efetivamente
se liberalizar. Em minha visão, quanto maior o
número de diferentes atores se envolvendo,
estabelecendo suas demandas e procurando
encontrar justiças históricas que façam
sentido para eles e para a sociedade, melhor
será. Numa democracia madura não há a
necessidade de uma “história oficial” nas
mãos de um governo. Nesse sentido, não
é surpreendente que exista um debate tão
grande no Brasil sobre o papel do Estado e
sobre como o Estado controlou a transição
após o período da repressão. A sociedade
tinha todas as razões para se manter cética em
relação a este Estado que se vê como “dono”
de todos os processos na medida em que, até
bem pouco, não era um Estado democrático.
MT– E como se equacionam Estado
e sociedade civil nas políticas para
a memória?
RT– As políticas de memória são sempre
muito complexas, pois não necessariamente
envolvem uma visão compartilhada na 32
DOSSIÊREPARAÇÃO
ARTIGOSACADÊMICOS
ENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIALIDEJUST
sociedade, já que alguns indivíduos
podem entender que a importância da
memória foca-se na monumentalização
pública enquanto outros darão uma maior
valoração às memórias individuais, às
biografias, aos romances históricos e aos
relatórios técnicos que buscam esclarecem
o período como os que são produzidos
pelos grupos de defesa dos direitos
humanos, como o “nunca mais”. Avaliar
uma política de memória é, portanto, difícil,
uma vez que cada política foca-se nos
valores e objetivos de uma comunidade
em particular, nas demandas que a própria
sociedade formula e no modo como essa
sociedade se visualiza no processo. Os
julgamentos podem, certamente, contribuir
de modo decisivo para a formação de
uma memória histórica sobre os fatos,
esse é um benefício oriundo do uso da
justiça criminal, pois ela fixa parcialmente
a verdade estabelecendo limites aos
processos de revisão histórica, e é esse
o modo como as sociedades liberais
lidam com questões complexas que não
permitem consensos sociais imediatos:
elas são levadas aos tribunais. Ainda, outra
alternativa importante para a formação de
memória são as comissões de verdade.
As comissões de verdade também atuam
definindo uma narrativa histórica a partir
de um determinado padrão de produção
de verdades. Em todos os casos são as
demandas da sociedade que estimulam as
respostas do Estado.
MT– Para além da atuação local da
sociedade civil, os contextos políticos
regionais e globais vêm adquirindo
enorme importância nos debates
transicionais. Como a senhora avalia
essa inflexão da política internacional no
Direito Interno?
RT– Esse é um debate muito rico sobre as
relações entre Direito e política.
O exemplo espanhol é muito interessante
para analisarmos isso, pois o contexto
político em que o debate espanhol vem
ocorrendo não é mais eminentemente local,
mas sim europeu. Atualmente podemos
perceber muitas mudanças nos processos
transicionais tomarem lugar mesmo em
LIVRO TRANSITIONAL JUSTICE, PUBLICADO EM 2000 POR RUTI G. TEITEL
CRÉDITO: OXFORD UNIVERSITY PRESS 33
países como a Espanha, em função da
criação de novos contextos institucionais,
como a União Europeia. A Espanha hoje vive
em um contexto regional em que a Turquia
também debate questões transicionais e no
qual a Europa institucionalmente reconhece
fatos históricos que demandaram justiça
transicional, como o holocausto.
No mesmo sentido, temos na América
Latina a Convenção Interamericana e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, que
vêm promovendo decisões que alteram
radicalmente o cenário das medidas
transicionais, inclusive invalidando leis de
anistia, como no caso Barrios Altos do
Peru, e é nesse contexto que qualquer
novo debate sobre justiça transicional no
continente ocorrerá. Essas alterações
não geram mudanças apenas no cenário
político, mas também – e especialmente –
mudanças no cenário jurídico. Eu acredito
que o Brasil historicamente teve alguns
benefícios similares aos tidos pelos Estados
Unidos para a fixação de sua agenda
política, uma vez que por serem países
de grandes proporções, com grandes
economias e, portanto, com capacidade
para definir suas próprias pautas, tornaram-
se parcialmente independentes de alguns
processos regionais, mas, como ocorreu
em outros países que tinham uma agenda
independente no debate dos direitos
humanos, como no referido caso da
Espanha, em dado momento ocorre uma
abertura para outros precedentes, que não
são mais exclusivamente locais ou regionais,
mas sim globais, pois hoje é inegável que
os sistemas jurídicos transnacionais afetam
os debates locais mesmo em países cuja
tradição seja de uma menor abertura.
A reabertura do debate sobre as anistias na
América Latina é um exemplo privilegiado
desse fenômeno em que fatores locais,
regionais e globais interagem, e esses
processos, que ocorreram tanto nas cortes
locais quanto na Corte Internamericana,
guardam relação com outros, como as
quebras de imunidade de chefes de Estado
por crimes contra a humanidade declaradas
pelo Tribunal Penal Internacional.
MT– Isso nos conduz a outro debate
interessante do Direito Internacional
no que toca a assuntos de justiça de
transição, uma vez que, especialmente
na década de 1990, discutiu-se muito a
existência de um “dever de punir” por
parte dos estados perante a comunidade
internacional. Diversas decisões de cortes
internacionais vieram a corroborar essa
tese. Assim, pergunto primeiramente
qual é o papel do Direito Internacional
para a afirmação do Estado de Direito e,
num segundo momento, como o Direito
Internacional influencia o Direito interno
no processo de tomada de decisões.
RT– Atualmente existe uma grande fluidez
entre Direito interno e Internacional, não
sendo mais possível estabelecer um corte
entre ambos como há algumas décadas.
Uma corte nacional hoje interpreta
decisões internacionais quando toma
as suas de modo que a normatividade
dessas decisões ultrapasse a esfera do
Direito Internacional puro e simples. Veja
o exemplo dos precedentes gerados no 34
DOSSIÊREPARAÇÃO
ARTIGOSACADÊMICOS
ENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIALIDEJUST
sistema interamericano de proteção aos
direitos humanos, como no caso Velasquez Rodríguez, em que a Corte ordenou ao
Estado de Honduras que procedesse
investigações, processos e reparações
no caso dos crimes de desaparecimento
de pessoas, ou o caso Barrios Altos,
envolvendo imunidades no Peru. Esses
casos influenciaram o processo político
e jurídico de tomada de decisões em
diversos países da região. Hoje, em países
como a Argentina, o Direito Internacional
faz parte da Constituição, o país considera
uma questão de relevância constitucional
o seguimento das normas de Direito
Internacional e as decisões proferidas
pelos tribunais, de tal modo que o Direito
internacional penetra o Direito nacional por
meio da própria Constituição. Assim, temos
que a ordem constitucional diz muito sobre
a possibilidade de estabelecimento dessas
relações. De toda forma, é indubitável que
o debate sobre justiça de transição hoje não
é mais um debate local, mas sim global.
O tempo em que essas questões eram
suscitadas e podiam ser controladas, como
durante o governo Alfonsín, na Argentina,
acabou. Nós temos muitas evidências disso,
como o caso Fujimori no Peru, Al Bashir
no Sudão, Estados Unidos e Alemanha,
no Afeganistão... As questões sobre a
responsabilização (“accountability”) não
mais se limitam às fronteiras geográficas.
O debate hoje é muito mais sobre “como os
Estados operam” essas responsabilizações.
Quanto ao “dever de punir”, o que é
interessante é que as cortes, nessas
decisões que comentei, falam de um
dever de punir, mas obviamente elas não
possuem o poder de punir, elas precisam
mandar os órgãos nacionais efetivarem a
investigação e procederem a punição.
Dessa feita, as cortes reconhecem que, em
muitas instâncias, o cumprimento dessas
obrigações não será efetivado. Assim, o
mínimo que se exige é, propriamente, a
investigação dos fatos. Esse é para mim
um dos aspectos mais interessantes desse
debate sobre a busca da verdade no Brasil,
uma vez que, ao final de tudo, o país terá
de enfrentar o conteúdo das decisões
da Corte Interamericana, já que desde
Velasquez Rodríguez está estabelecido
que mesmo em países onde optou-se pela
não realização de julgamentos o crime de
desaparecimento é considerado um crime
Quando ao “dever de punir”, o que é interessante é que as cortes, nessas decisões que comentei, falam de um dever de punir, mas obviamente elas não possuem o poder de punir, elas precisam mandar os órgãos nacionais efetivarem a investigação e procederem a punição
3535
em andamento, permanente, uma vez que o
resultado do crime segue encoberto apesar
do passar dos anos. O reconhecimento
disso implica na necessidade de
investigação, o que, de certa feita, conduz
ao debate sobre a busca da verdade.
MT– Muitas vezes se imputa ao debate
sobre a justiça de transição a pecha
de “revanchista”, por querer voltar ao
passado. Na sua concepção, a busca
por justiça e prestação de contas é um
processo que enfoca o passado ou o
futuro? Trata-se apenas de reconhecer
e reparar ou há uma contribuição
substancial para a democracia e o Estado
de Direito?
RT– Quando eu escrevi o livro Transitional Justice (Oxford, 2000), esse era um de meus
pontos centrais. Esse olhar para o futuro
foi a razão para que eu escrevesse sobre
“justiça de transição” e não sobre “justiça
retributiva” ou “justiça política” ou, ainda,
simplesmente “justiça”. A ideia é levar a sério
o período da transição, e isso me parece
especialmente importante na América Latina,
uma vez que o que se buscava era, mais
uma vez, uma justiça de transição, e não,
por exemplo, uma justiça revolucionária.
O que isso significa é que fazer justiça e
pensar medidas de justiça num contexto de
mudança política é olhar para o passado, mas
também para o futuro, mas prioritariamente
olhar para o futuro, se questionar “para onde
vamos?”, “qual o propósito de mudarmos?”,
“por que estamos fazendo justiça?”. Realizar
eleições não é o suficiente para termos
democracia no século XXI, hoje vivemos
num mundo em que muitos países realizam
eleições, mas não são democracias, como,
por exemplo, o Quênia, onde as eleições
foram acompanhadas de muita violência e
não traduziram um resultado propriamente
democrático. A ideia de justiça de transição é
produzir uma reflexão mais substancial sobre
o que torna o “direito formal” em “direito”,
isso é o que nos garante, por exemplo, o
respeito aos direitos humanos, que não são
simples direitos formais. É isso que nos
ensinam os processos de responsabilização
contra os regimes militares, uma vez que
esses regimes possuíam leis formais que
não eram propriamente “direitos”.
A sociedade civil joga um grande papel em
manter esse debate vivo, em seguir dizendo
que é necessário mais do que simplesmente
eleições para que uma transição seja
completa. Portanto, existem dezenas de
temas da justiça de transição que olham para
o futuro, e não para o passado, pois dizem
respeito a construção da democracia, do
Estado de Direito, dos processos de paz em
países onde ainda há conflito.
MT– Um conterrâneo seu, Carlos Santiago
Nino, costumava dizer que quando se
discute publicamente a responsabilização
dos agentes do Estado que cometeram
crimes durante a ditadura já se está,
automaticamente, gerando um ganho
democrático, mesmo que a justiça não
ocorra posteriormente nos tribunais.
A ideia-chave dessa afirmação é a de que
o debate público é um procedimento
democrático tão importante, que rompe
inexoravelmente com os mecanismos 36
DOSSIÊREPARAÇÃO
ARTIGOSACADÊMICOS
ENTREVISTA DOCUMENTOSESPECIALIDEJUST
operacionais do autoritarismo e que,
portanto, o simples fato de se viabilizar
a discussão já é, em si, uma forma de
estimular a democracia. O que você pensa
sobre essa afirmação?
RT– Eu sou uma enorme admiradora da
pessoa e da obra de Carlos Nino. Nós nos
conhecemos em Praga há muitos anos,
numa circunstância curiosa, uma vez que
ambos somos de Buenos Aires e estávamos
na Europa para um debate sobre justiça
de transição na antiga Checoslováquia.
Essa questão que ele coloca nos remete
ao início desta entrevista, pois o debate
público é central para a democracia e,
mais especificamente, para a democracia
deliberativa que Nino sempre defendeu.
O que se quer quando se clama por
julgamentos e por comissões de verdade?
Certamente não a retribuição e a punição. Os
grupos de direitos humanos que advogam
a implementação de formas de justiça
transicional costumeiramente são contra o
“punitivismo”, o que se espera é mudar o
futuro, é mandar uma mensagem e fixar
no espaço público, por meio daqueles
processos, o valor da democracia. O que é
fantástico no caso brasileiro é que, mesmo
sem as formalidades dos julgamentos,
foram sendo discutidas e implementadas
inúmeras medidas do “menu” da justiça
transicional, e isso não eliminou o debate
público no tempo. Muito pelo contrário, o
debate foi desenvolvendo-se. O fato de o
Brasil hoje estar debatendo a criação de
uma comissão da verdade ou a possibilidade
de punir certos delitos do regime é, em si,
fantástico, uma vez que demonstra esse
amadurecimento do debate público sobre o
tema. Há alguns anos seria inimaginável que
pessoas com visões absolutamente distintas
do passado e com posições ideológicas
absolutamente diversas pudessem se sentar
à mesa para debater essas questões, e hoje
isso está acontecendo. Isso é um indicador
claro de que a democracia está avançando,
mesmo que esse processo não produza um
resultado material concreto neste momento.
Ao fim e ao cabo, uma transição reflete
também uma mudança de interpretação,
e é por isso que muitas transições podem
ocorrer mesmo sem a mudança das pessoas
na administração pública ou uma grande
reforma das instituições. O que está no
coração de uma transição para a democracia
é a mudança de interpretação sobre o que
uma sociedade é, o que ela quer e qual
seu projeto para o futuro. Se esse debate
puder nascer de forma compartilhada na
sociedade, com uma lembrança clara sobre
o que ocorreu no passado, haverá um
enorme ganho para a democracia e para os
processos deliberativos. De outro lado, se
este debate se ajustar à conjuntura política e
eleitoral, ou voltar a antigas polarizações do
período não democrático, ele poderá marcar
um grande retrocesso, porque seria explorar
o aspecto político da justiça de transição para
que não se reconheçam os fatos ocorridos
no passado e, consequentemente, evitar que
se formem juízos compartilhados sobre os
valores importantes para o futuro.
MT– Acredito que tivemos uma excelente
entrevista e, antes de concluir, gostaria de
abrir a palavra para suas considerações 37
finais, de modo a abordar assuntos sobre
os quais não tenhamos falado.
RT– Algo que eu considero muito
importante para a análise do caso brasileiro
é o papel da Igreja. Quando pensamos
em “sociedade civil”, nos referimos a
um conjunto de atores e grupos com
diferentes visões e capazes de influenciar
processos. Minha impressão é que, no
Brasil, a Igreja desempenhou um papel
determinantemente importante na
transição, enquanto não o fez em países
como a Argentina. Isso para mim é um
aspecto muito importante para a reflexão
social, uma vez que envolve o papel da
religião, a relação entre fé e religião, uma
vez que em muitos países – o que não é
o caso do Brasil – esse tema acaba sendo
a pauta central de uma transição para um
regime liberal.
Outra coisa que eu gostaria de destacar é
o modo como o Brasil contribui ao mundo
como um exemplo no que se refere ao
processo de reparação. Para além do Brasil,
eu só conheço uma experiência que tenha
avançado tanto nessa área, que foi a do
Chile. Certamente existem diferenças
culturais sobre o significado social do
dinheiro, e isso gera controvérsias, mas eu
acho interessante isso ser debatido dentro
de uma perspectiva jurídica. Por essa razão,
não acho estranho o processo de reparação
ser criticado por “monetarizar” o debate
transicional. Hoje há uma tendência global
em outros campos em se monetarizar
conflitos de modo a que reparações de
diversas naturezas possam ser feitas, e não
há razão para se crer que deva ser diferente
aqui. No Estado de Direito, essa é uma
boa alternativa, pois o dinheiro é fungível
e reparar considerando desvantagens
econômicas sofridas permite escapar
da necessidade de valorar o significado
de perdas de natureza essencialmente
subjetivas, como a perda de um familiar cujo
corpo jamais se encontre. Assim, o critério
econômico é algo que pode ser usado
para resolver o problema da reparação e
permitir que a sociedade avance. Acredito
que a opção brasileira pelas reparações
econômicas, em determinada maneira,
exemplifica uma das boas formas do Estado
de Direito lidar com os danos causados aos
indivíduos pelas ditaduras.
Entrevista, tradução do inglês e edição: Marcelo D. Torelly
38