Rio ou, há 450 anos, São Sebastião

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8067d53c-ede3-47f8-bbc7-69214781d85a Em entrevista, Rui Tavares, dirigente do Livre/Tempo de Avançar, é contra o bloco central e por uma alternativa com o PS p 14 a 16 ‘O nosso papel é tornar mais incertos os resultados eleitorais’ Costa bate com a porta ao bloco central: “Ou nós ou eles” Em resposta ao primeiro-ministro, que admitiu um Governo alargado ao PS, o líder socialista respondeu com a necessidade de uma alternativa. Mas nada disse sobre a dívida que Passos acumulou durante cinco anos à Segurança Social Portugal, 17 RIO FAZ 450 ANOS A CIDADE VISTA POR QUATRO ESCRITORES E UM HISTORIADOR Destaque, 4 a 11 JOÃO MAIO PINTO PUBLICIDADE O terrível assassinato do principal opositor de Putin p28/29 e Opinião DOM 1 MAR 2015 EDIÇÃO PORTO Ano XXV | n.º 9086 | 1,65€ | Directora: Bárbara Reis | Directores adjuntos: Nuno Pacheco, Simone Duarte, Pedro Sousa Carvalho, Áurea Sampaio | Directora de Arte: Sónia Matos ISNN:0872-1556 PRÉMIOS 2014 JORNAL EUROPEU DO ANO JORNAL MAIS BEM DESENHADO ESPANHA&PORTUGAL REPORTAGEM NO HAITI PORT-AU-PRINCE, A CAPITAL MUNDIAL DO RAPTO TEXTO: LUÍS PEDRO NUNES FOTOS: ALFREDO CUNHA

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8067d53c-ede3-47f8-bbc7-69214781d85a

Em entrevista, Rui Tavares, dirigente do Livre/Tempo de Avançar, é contra o bloco central e por uma alternativa com o PS p 14 a 16

‘O nosso papel é tornar mais incertos os resultados eleitorais’

Costa bate com a porta ao bloco central: “Ou nós ou eles”Em resposta ao primeiro-ministro, que admitiu um Governo alargado ao PS, o líder socialista respondeu com a necessidade de uma alternativa. Mas nada disse sobre a dívida que Passos acumulou durante cinco anos à Segurança Social Portugal, 17

RIO FAZ450 ANOSA CIDADE VISTA POR QUATRO ESCRITORES E UM HISTORIADORDestaque, 4 a 11

JOÃO

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INTO

PUBLICIDADE

O terrível assassinato do principal opositor de Putin p28/29 e OpiniãoDOM 1 MAR 2015EDIÇÃO PORTO

Ano XXV | n.º 9086 | 1,65€ | Directora: Bárbara Reis | Directores adjuntos: Nuno Pacheco, Simone Duarte, Pedro Sousa Carvalho, Áurea Sampaio | Directora de Arte: Sónia Matos

ISNN:0872-1556

PRÉMIOS 2014JORNAL EUROPEU DO ANOJORNAL MAIS BEM DESENHADO ESPANHA&PORTUGAL

REPORTAGEM NO HAITI

PORT-AU-PRINCE, A CAPITAL MUNDIAL DO RAPTOTEXTO: LUÍS PEDRO NUNESFOTOS: ALFREDO CUNHA

4 | DESTAQUE | PÚBLICO, DOM 1 MAR 2015

Rio ou, há 450 anos, São SebastiãoRaras são as cidades que têm claro o processo da sua fundação. O Rio tem. Para a maioria das cidades, é óbvia a razão da sua designação. Para o Rio, não. A conjugação dessas duas premissas faz do Rio um paradoxo que a sua realidade confirma a cada passo

“[...] escolhi um sítio que parecia

mais conveniente para edificar

nele a cidade de são sebastião, o

qual sítio era de um grande mato

espesso, cheio de muitas árvores

grossas, em que se levou assaz de

trabalho em as cortar e alimpar

o dito sítio e edificar uma cidade

grande cercada de trasto de vinte

palmos de largo e outros tantos

de altura, toda cercada de muro

por cima com muitos baluartes

e fortes cheio d’artilharia. E fiz a

Igreja dos padres de Jesu [...], e a

sé de três naves também telhada

e bem consertada, fiz a casa da

câmara sobradada, telhada e

grande, a cadeia, as casas dos

armazéns e para a fazenda de sua

alteza sobradadas e telhadas e com

varandas, dei ordem e favor ajuda

com que fizessem outras muitas

casas telhadas e sobradadas.”

in Instrumento dos Serviços Prestados por Mem de Sá, 1570,

Cartório dos Jesuítas, Torre do

Tombo.

Por carta de 1 de Junho de

1553 ao rei D. João III, o

primeiro governador do

Brasil, Tomé de Souza,

maravilhado com a baía da

Guanabara na visita que ali

fizera meio ano antes, mandou-lhe

“o debuxo dela” e sintetizou o que

viu da forma seguinte: “Tudo e[ra]

graça o que se dela pode dizer, senão

que pinte quem quiser como deseje

um Rio, isso tem este de Janeiro.”

vocado por esse quadro natural

profusamente florestado, que em

finais de quinhentos o padre Fernão

Cardim descreveu como parecendo

“que quem a pintou foi o supremo

pintor e arquitecto do mundo, Deus

Nosso Senhor”, a baía apresentava-

se pois como um local ideal para

instalação humana com fácil defe-

sa, pelo que é óbvia a recomenda-

ção de Tomé de Souza na já referi-

da carta ao rei: “V. A. deve mandar

fazer ali uma povoação honrada e

boa.” Assim aconteceria e Guana-

bara e Rio, que afinal e respectiva-

mente são baía e cidade, continuam

a fazer jus ao maravilhamento de

Pero Lopes e Tomé de Souza, que

a descreveram antes de qualquer

instalação europeia.

A área era fartamente habitada

por população nativa, os tamoios,

que além de um considerável grau

de organização tinham grande

propensão, preparação e pronti-

dão para combater. Desde muito

cedo era também frequentada por

franceses que com eles pactuaram

e comerciavam, pondo em causa a

exclusividade de que os portugue-

ses, baseados no Tratado de Torde-

silhas, se arrogavam detentores. O

combate à presença francesa nas

costas brasileiras desenvolveu-se

nas mais diversas frentes, incluin-

do a diplomática, o que não evitou

que por eles fosse gizado e posto

em execução o projeto colonial de-

signado “França Antártica”, pre-

cisamente destinado à Guanabara

e liderado por Nicolas Durand de

Villegagnon. Este, em 1555, instalou

um forte com uma colónia (Forte

ANIVERSÁRIO DO RIO DE JANEIRO

Walter RossaJá em 1531, Pero Lopes de Souza,

relator da armada de Martim Afon-

so de Souza, escrevera: “este Rio é

mui grande, tem dentro oito ilhas

e assim muitos abrigos”. Ambos os

excertos dão-nos conta não só das

excepcionais qualidades do local,

como do facto de durante as primei-

ras décadas de visitas os portugue-

ses terem tomado a baía como a foz

de um rio, cunhando-lhe assim um

topónimo que acabou designando o

povoado cuja fundação ocorreu há

precisamente 450 anos. Ninguém

sabe ao certo quem instalou esse

equívoco (Américo Vespúcio, Gas-

par Coelho, Cristóvão Pires, Fernão

de Magalhães?), e com ele a invoca-

ção do mês em que é natural que

tal tenha ocorrido.

“Água penetrante”A poente de cabo Frio, no único

trecho da costa brasileira que cor-

re paralelo ao Equador e a meia

centena de quilómetros a norte do

Trópico de Capricórnio, o recorte

e a envolvente da baía da Guana-

bara (“água penetrante” em tupi)

são únicos: 140 quilómetros de pe-

rímetro, 30 de profundidade e 26

de largura máximos contrastam

com o pouco mais de quilómetro

e meio da boca balizada pelos mor-

ros de Santa Cruz a este e do Pão

de Açúcar e de São João (outrora

Cara de Cão) a oeste. O entorno

é de serras e morros com verten-

tes abruptas recortando terrenos

planos e férteis, bem como lagoas

que, tal como a baía, foram ricas

em peixe.

Além do deslumbramento pro-

PÚBLICO, DOM 1 MAR 2015 | DESTAQUE | 5

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dada no Brasil, 16 anos depois da

fundação de Salvador da Bahia de

Todos-os-Santos. A integração no

topónimo do nome do jovem rei

sob a forma do seu santo patrono

veio adensar a referência ao mês de

Janeiro, pois D. Sebastião nascera

a 20 de Janeiro, precisamente no

dia em que o calendário católico

celebra aquele guerreiro-mártir. A

decisão terá sido tomada em Lis-

boa, pois a imagem do santo de

madeira policromada que perten-

ceu à paroquial primitiva, depois

à catedral e que hoje está na igreja

capuchinha da Tijuca, foi levada

na armada fundacional de Estácio

de Sá, provavelmente posta ao cui-

dado do ainda noviço jesuíta e pri-

meiro cronista da cidade, José de

Anchieta, o “apóstolo do Brasil”.

Junto dela estão também o padrão

de fundação da cidade e a lápide

funerária de Estácio de Sá.

Materialmente, aquela instalação

primitiva da cidade de São Sebas-

tião era pequena, provisória e de

cariz assumidamente militar, num

local exíguo escolhido a preceito

junto à entrada da baía, abrigado

pelos morros do Pão de Açúcar e da

Urca, junto a São João. Se pela reac-

ção concertada dos tamoios e fran-

ceses a preocupação defensiva era

permanente, a verdade é que des-

de logo entrou em funcionamento

o sistema político-administrativo

de um novo município colonial (à

imagem dos da metrópole), incluin-

do instituições, cargos e dação de

chãos e sesmarias de um território

que paulatinamente se foi reconhe-

cendo. O processo foi volun-

Foi a segunda cidade real fundada no Brasil, 16 anos depois da fundação de Salvador da Bahia de Todos-os-Santos. A integração no topónimo do nome do jovem rei sob a forma do seu santo patrono veio adensar a referência ao mês de Janeiro

Coligny), uma verdadeira testa de

ponte francesa na ilha que hoje

conserva o seu nome e que quase

está fundida com o aterro entretan-

to feito para o Aeroporto Santos Du-

mond. Era um avanço intolerável

que os portugueses apenas logra-

ram contrariar cinco anos volvidos

sob o comando do terceiro gover-

nador do Brasil, Mem de Sá. Sem

capacidade imediata para ocupar o

local e perante a forte oposição dos

tamoios industriados pelos france-

ses, os portugueses limitaram-se a

destruir o forte e os franceses dis-

persaram-se pela região, pelo que

a ameaça não cessou. Ajudaram os

tempos difíceis que então se viviam

em França.

Cidade de São SebastiãoEra óbvio que a neutralização do

projecto francês passava pela fi xa-

ção de uma instalação portugue-

sa, uma cidade. Depois de muitos o

pedirem, incluindo os jesuítas, em

1563 D. Catarina, rainha e regente

na menoridade de D. Sebastião, deu

ordens nesse sentido a Estácio de

Sá, sobrinho do governador, dotan-

do-o de uma pequena armada que

seria aumentada já no Brasil. Ao fi m

de dois anos de preparativos, hesi-

tações e difi culdades, a armada por

ele chefi ada e integrando um gru-

po de duas centenas de efectivos

(que incluiu temiminós e tamoios

inimigos dos da Guanabara) entrou

naquela baía e, no dia seguinte, 1

de Março de 1565, fundaram a ci-

dade de São Sebastião no Rio de

Janeiro.

Foi a segunda cidade real fun- c

6 | DESTAQUE | PÚBLICO, DOM 1 MAR 2015

tariamente apoiado por portugue-

ses instalados noutros pontos do

Brasil, designadamente da capita-

nia de São Vicente, que disso foram

sendo recompensados.

Porém, o sucesso da fundação da

cidade e do domínio português da

Guanabara continuava a depender

da anulação da presença dos fran-

ceses e, assim, do apoio em estraté-

gia e armamento que prestavam aos

numerosos e aguerridos tamoios.

Desta vez, a Coroa demorou me-

nos tempo a reagir, enviando uma

armada que foi reforçada na sede

do governo (Salvador da Bahia), in-

cluindo a participação de gente de

outras capitanias e a chefi a do pró-

prio governador, Mem de Sá. Dois

dias depois de chegada à Guana-

bara, uma vez mais a 20 de Janeiro

(o dia de São Sebastião de 1567), a

força portuguesa atacou com su-

cesso a principal posição forte dos

tamoios e franceses, situada no que

é hoje o Morro da Glória, e dias de-

pois conquistou-se a outra posição

na actual ilha do Governador, bem

maior e mais no interior da baía e

onde hoje está o Aeroporto Tom Jo-

bim (ou do Galeão). Estácio de Sá

fi cou gravemente ferido nos com-

bates, acabando por morrer cerca

de um mês depois.

Nesta campanha, os franceses

presentes ou foram mortos ou feitos

prisioneiros, o que descomprimiu

consideravelmente a ameaça que

constituíam aos interesses portu-

gueses, mas sem a qual, como se

viu, não teria havido qualquer pres-

sa para fundar a cidade e dominar a

região. Contudo, o combate prosse-

guiria, pois em toda a região do cabo

Frio a presença francesa continuava

forte, tal como o entendimento co-

mercial e militar com os tamoios, o

que, aliás, levaria ao seu extermínio

(por morte e dispersão) numa acção

cruel levada a cabo em 1575.

É extraordinário constatar em

documentação coeva como logo

no dia 11 de Março seguinte decor-

reu uma cerimónia de juramento

“nas casas do Tesouro d’El-Rei”

no Morro do Castelo, ou seja, no

local para onde a cidade se muda-

ra com carácter defi nitivo. Já hou-

ve quem defendesse, sem provar,

que tal mudança ocorreu no dia 1

de Março, o que não só é simbó-

lico, como não erra por muito. A

verdade é que o treslado ocorreu

entre a derrota dos franceses em

fi nais de Janeiro e o início de Março.

Estamos necessariamente a falar de

instalações e equipamentos mui-

to simples, e de instituições cujo

acervo seria mínimo e por isso fácil

de mudar da, desde então, cidade

velha para a nova e defi nitiva ins-

talação urbana.

O excerto do Instrumento dos Ser-

viços Prestados por Mem de Sá que

serve de epígrafe a este texto relata

bem o ímpeto (re)fundacional com

que o governador do Brasil presidiu

à construção da cidade de São Se-

bastião sobre o Morro do Castelo.

A par das características defensivas

naturais (elevação, fl ancos em es-

carpa, rodeado de pântano e lagoa,

situação penetrante na baía com

boa vista para a barra), área sufi -

ciente para acolher as instituições

do poder civil e religioso, além de

algum casario, e uma boa exposi-

ção às brisas e ao sol (virado a nor-

te no hemisfério sul), o local tinha

no fl anco norte, frente a um bom

varadouro, uma várzea que permi-

tiria ensanchar a cidade e, para o

interior, aceder a terrenos férteis

para o seu sustento agrícola. Bem

próxima estava a foz do pequeno

rio da Carioca, onde desde o início

os portugueses iam fazer aguada, o

que por certo cedo terá criado uma

propensão para a eleição da zona

como local ideal para a implanta-

ção defi nitiva da cidade.

Desceu e espraiou-seA semente urbanística lançada

no Morro do Castelo ou Outeiro

de São Sebastião, como então era

designado, germinou conforme o

previsível. A Igreja de São Sebas-

tião, a câmara, a cadeia, o colégio

dos jesuítas e mais algumas poucas

dependências civis e casas particu-

lares cedo lotaram o espaço dispo-

nível no exíguo morro muralhado

em forma de tridente. Por isso, a

cidade, que cedo prosperou, des-

ceu e espraiou-se ordenadamente

pela várzea drenada e nivelada para Fonte: PÚBLICO

A fundação da cidade do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

Baía de Guanabara

20 km

BRASIL

Rio de Janeiro

A cidade de São Sebastião no Rio de Janeiro foi a segunda cidade real portu-guesa fundada no Brasil, 16 anos depois da fundação de Salvador da Bahia de Todos-os-Santos. A baía de Guanabara, com os seus 140 quilómetros de perímetro, 30 de profundidade e 26 de largura máximas, era um local ideal para instalação humana com fácil defesa.

1. Primeira implantação da cidade a 1 de Março de 1565

2. Morro de Santa Cruz

3. Posição forte dos franceses e dos tamoios tomada em 20 de Janeiro de 1567 pelos portugueses (Morro da Glória)

4. Forte Coligny, a colónia francesa fundada em 1555 (Ilha de Villegagnon)

5. Implantação definitiva da cidade portuguesa em Março de 1567 (Morro do Castelo)

6. Conjunto franciscano iniciado em 1608 (Morro de Santo António)

7. Forte da Conceição e antigo paço episcopal (séc. XVII), o último erguido a partir da Ermida da Conceição (Morro da Conceição)

8. Conjunto beneditino iniciado em 1590 (Outeiro de São Bento)

9. Avenida Rio Branco aberta em 1904

10. Avenida Presidente Vargas inaugurada em 1944

Nota: Os números 5, 6, 7 e 8 assinalam morros que balizavam a cidade durante o período colonial

12

3Baía de Guanabara

1 km

7

8

6

5

4

910 Baía de Guanabara

500 m

ANIVERSÁRIO DO RIO DE JANEIRO

Já houve quem defendesse, sem provar, que tal mudança ocorreu no dia 1 de Março, o que não só é simbólico, como não erra por muito

PÚBLICO, DOM 1 MAR 2015 | DESTAQUE | 7

o efeito. Uma “baixa” que chegou

a estar circunscrita num rectân-

gulo balizado, além do Morro do

Castelo, pelos morros interiores de

Santo António (ocupado pelo con-

junto franciscano a partir de 1608)

e da Conceição (ocupado sucessi-

vamente pela ermida, convento,

paço episcopal e forte), e o ribeiri-

nho Outeiro de São Bento (coroado

pelo complexo beneditino a partir

de 1590).

Esse perímetro é hoje o coração

do centro, área que apesar de es-

ventrada por sucessivas operações,

como as aberturas das avenidas Ba-

rão do Rio Branco em 1904 (norte-

sul) e Presidente Vargas em 1944

(este-oeste), não apagou o arrua-

do e o essencial da toponímia co-

loniais. Nessa estrutura urbana, do

edifi cado colonial restam igrejas e

conventos, bem como o Paço Im-

perial, espaços públicos e alguns

monumentos.

Seguindo o que simbolicamen-

te se apresenta como um destino

marcado, o morro e o conjunto de

espaços, sistema defensivo e equi-

pamentos ali construídos entre 1565

e 1570 sob a tutela de Mem de Sá,

que consubstanciaram a instalação

defi nitiva da cidade real de São Se-

bastião da Guanabara ou do Rio de

Janeiro, desapareceram num pro-

cesso encetado na década de 1920,

com o qual se adicionou à Baixa ca-

rioca a zona baixa que foi a base do

próprio morro, e outra do aterro

em que foi processado permitindo a

implantação do aeroporto. Destino

confi rmado pela “substituição na-

tural” do topónimo São Sebastião,

talvez induzida pelo misterioso e

mítico desaparecimento do jovem

rei em nome e com o nome do qual

se fundou a cidade que hoje é, (mis-

teriosa e) maravilhosamente, o Rio

de Janeiro.

Arquitecto, Universidade de Coimbra

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De Barcelos para o Rio de Janeiro

Será difícil começar, para não

dizer impossível, quando

se trata de uma efeméride

como o Rio de Janeiro:

aos 450 anos, já é tanto a

metrópole dos operários

electrocutados em seu nome (uma

das últimas vítimas: Stanley Silva, 35

anos, operário, morreu no estaleiro

do Museu do Amanhã com que a

prefeitura pretendia celebrar mais

o futuro do que o passado do Brasil)

como das escandalosas favelas que só

recentemente começaram a fi gurar

nas telenovelas da Globo. Transversal,

o programa de comemorações posto

em marcha pelo Comité Rio450,

liderado pelo diplomata Marcelo

Calero, quis celebrar todas as vidas

da vida da cidade, e a festa começou

ontem à noite com um megaconcerto

gratuito na Quinta da Boa Vista:

Caetano, Gil, Martinho da Vila, Ana

Carolina e Marcelo D2, entre muitos

outros, cantaram o Rio de Janeiro das

escolas de samba e da bossa-nova,

do hip-hop e da MPB, antes do som

e da fúria de um gigantesco fogo-de-

artifício.

É muito, é pouco, é o que é: até ao

fi nal de ano, largas dezenas de acon-

tecimentos marcarão mensalmente

o aniversário do Rio de Janeiro, do

desporto aos seminários, da música

aos festivais, das grandes exposições

nas comemorações, razão que trou-

xe Marcelo Calero a Lisboa para três

dias de contactos institucionais no

fi nal do ano passado. Com os seus

sete metros de altura, o Pop Galo de

Joana Vasconcelos, que simbolica-

mente chegará à Praia do Leme no

próximo 10 de Junho, será a manifes-

tação mais visível do “engajamento”

português na grande festa carioca.

A peça de fi bra de vidro, que entra-

rá esta semana em produção numa

unidade de Torres Vedras, será de-

pois revestida com azulejos Viúva

Lamego especialmente desenha-

dos pela artista e electrifi cada com

LED: uma luz no escuro da noite do

Inês Nadais

DR

O Pop Galo da artista plástica tem sete metros de altura e chega à Praia do Leme no dia 10 de Junho

Rio, pelo menos até ao fi nal do ano.

“Todo o material do Pop Galo é

português e foi concebido de pro-

pósito para esta peça. Quando esti-

ver pronta, será transportada por via

aérea ou marítima até ao lugar onde

fi cará instalada, não sabemos ainda

até quando. O destino do Pop Galo

dependerá muito da receptividade

da cidade e dos habitantes, e da sua

capacidade para criar um discurso

com a envolvente”, diz Joana Vascon-

celos ao PÚBLICO. Mas ela, que es-

tará lá para o receber quando o Pop

Galo desembarcar do outro lado do

Atlântico, gostaria que fi casse ali para

sempre.

O gigantesco Galo de Barcelos de Joana Vasconcelos iluminará o Rio de Janeiro. A festa começou ontem à noite

como aquela que o Instituto Moreira

Salles organizará em Dezembro em

torno do acervo de Millôr Fernan-

des, um dos seus mais infatigáveis

cronistas, à edição especial da Bie-

nal do Livro, do 30.º aniversário do

Rock In Rio, enorme manifestação

de rua, aos pequenos actos de teatro

e performance que ocuparão várias

casas da cidade, do Leblon a Santa

Cruz, das favelas aos condomínios

da classe A.

Fundado por Estácio de Sá a 1 de

Março de 1565, o Rio de Janeiro já

foi a maior cidade portuguesa do

mundo. Justamente por isso, o Co-

mité Rio450 quis integrar Portugal

8 | DESTAQUE | PÚBLICO, DOM 1 MAR 2015

ANIVERSÁRIO DO RIO DE JANEIRO

1695 São Sebastião do Rio de JaneiroGravura que ilustra o livro de François Froger Relation d’un voyage... As igrejas e os conventos são mostrados com grandes proporções. São Bento aparece com duas torres, como a velha Sé. O Colégio dos Jesuítas é detalhado com minúcias. Aparecem uns trechos de muros no Morro do Castelo e uma parte do perfil das fortificações ali instaladas. Em alguns pontos, junto à praia, estão indicadas as gruas para desembarque de mercadorias

1579 O Verdadeiro Retrato do Rio de Janeiro e do Cabo FrioJacques de Van de ClayeEsta é a primeira representação conhecida do Rio de Janeiro. O detalhe mostra-nos a cidade instalada sobre o Morro do Castelo, com as suas igrejas e a fortaleza. A igreja central seria a dos jesuítas. À sua esquerda, vem a fortaleza, tendo a seu lado a forca e, ao fundo, a Igreja de São Sebastião. No primeiro plano, um pequeno forte, ao pé do Morro do Castelo 1855 Vista do Morro do Castelo

Vitor MeirellesÉ um dos vários estudos realizados por Meirelles que restam do seu projeto Panorama do Rio de Janeiro. Aqui o Morro do Castelo é visto de poente, provavelmente num posto de observação localizado no Morro de Santo António, também ele entretanto desmontado. É um ponto de vista inusitado, em que se vê a relação entre o morro fundacional da cidade com o seu desenvolvimento pela várzea, o chão que hoje constitui o centro

1755 Perspectiva da Cidade de S. Sebastião do Rio de JaneiroA perspectiva mostra, a partir da esquerda, a área conhecida como Ponta do Calabouço, tendo à sua direita o hospital e a Igreja da Misericórdia. Segue-se o Morro do Castelo, no qual se vê o Colégio dos Jesuítas, tendo à frente o seu monta-cargas (guindaste), algumas casas e o Forte do Castelo. Ao fundo, a Igreja de Santa Teresa (8). Na mesma direcção, junto à praia, o Palácio dos Governadores (11), tendo ao fundo o convento e a Igreja do Carmo (12). À sua direita, e mais ao fundo (16 e 17), o convento e a Igreja de Santo António, com a capela da Ordem Terceira. A seguir, vemos a igreja e o mosteiro de São Bento (27) e, à sua frente, mais afastado, o Forte da Conceição (26) e o Palácio do Bispo (25). Os morros ao fundo não correspondem à topografia real, mas os edifícios são correctamente representados, dando-nos uma imagem muito exacta da cidade

Esta é uma cronologia do Rio de Janeiro colonial feita a partir do livro Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonialde Nestor Goulart Reis Filho

PÚBLICO, DOM 1 MAR 2015 | DESTAQUE | 9

1714 Planta da Cidade de São Sebastião do Rio de JaneiroJoão MasséO desenho mostra-nos a primeira planta da cidade do Rio de Janeiro já com padrões de representação correspondentes às técnicas actuais. O casario amplo avança após a praia, em direção a Santo António. A cidade aparece murada pela parte dos fundos, entre os morros do Castelo e da Conceição, nos limites da área urbana. Pelo lado da praia, são indicadas algumas linhas de fortificação. No alto dos morros, as duas grandes fortalezas do Castelo e de Conceição parecem constituir a base da defesa da cidade, juntamente com os fortes da Ilha das Cobras e de Santiago, no limite leste da cidade. A Casa do Governador não ficava no local em que depois foi construído o novo palácio pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim. Nessa época, o local ainda era ocupado pela Casa da Moeda, indicada com a letra H, e pelos armazéns reais, indicados com a letra G. A Casa do Governador ficava pouco adiante, indicada com a letra L, junto à praia

1750 Carta Topográfica da Cidade de S. Sebastião do Rio de JaneiroAndré Vaz FigueiraDurante o governo de Gomes Freire de Andrade (1733-1763) foi realizado um levantamento, que resultou na planta elaborada pelo capitão André Vaz Figueira, que nos mostra a cidade com sua área construída muito ampliada, ultrapassando, pela parte dos fundos, os limites dos muros que haviam sido construídos segundo os planos do brigadeiro João Massé

1760 Perspectiva da Cidade do Rio de JanneiroMiguel Angelo BlascoO desenho mostra a cidade em perspectiva, a partir do mar, tendo à sua direita a Igreja de São Bento e à esquerda a entrada da baía. Vemos a Ilha das Cobras e, sobre o Morro do Castelo, a igreja dos jesuítas. O trabalho mostra em detalhes as edificações mais simples, como os sobrados e armazéns junto ao porto, com as suas urupemas (esteiras de sombreamento) sobre as janelas e balcões de madeira, bem como o plano inclinado do Mosteiro de São Bento, as instalações portuárias com seus monta-cargas accionados por escravos, um estaleiro e, ao centro, o Palácio dos Governadores

1711 Planta representando a baía, as fortalezas e o dispositivo do ataque ao Rio de JaneiroDe La GrangeA cidade é vista à esquerda, acima do quadro da legenda. Entre a massa verde do Morro do Castelo, onde a cidade foi fundada, uns poucos quarteirões edificados. A seguir, a Fortaleza do Castelo e a Igreja de São Sebastião. Mais acima, os quarteirões da cidade junto à praia, com forma geométrica mais regular, tendo aos fundos as áreas alagadas e, no outro extremo da praia, o Morro de São Bento