Revista latinidade- Dossiê imigração

192
Revista do Núcleo de Estudos das Américas Edição Especial 2013 ISSN 1983-5086

Transcript of Revista latinidade- Dossiê imigração

Revista do Núcleo de Estudos das AméricasEdição Especial 2013

ISSN 1983-5086

ReitorRicardo Vieiralves de CastroVice-reitorPaulo Roberto Volpato DiasSub-reitora de Graduação – SR1Lená Medeiros de MenezesSub-reitora de Pós-graduação e Pesquisa – SR2Monica da Costa Pereira Lavalle HeilbronSub-reitora de Extensão e Cultura – SR3Regina Lúcia Monteiro Henriques

Centro de Ciências Sociais - CCSDiretorLéo da Rocha FerreiraInstituto de Filosofia e Ciências Humanas - IFCHDiretoraDirce Eleonora Nigro SolisFaculdade de DireitoDiretorCarlos Eduardo Guerra de MoraesNúcleo de Estudos das Américas - NUCLEASCoordenadoresMaria Teresa Toribio B. LemosAlexis T. DantasPaulo Roberto Gomes Seda

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CATALOGAÇÃO NA FONTEUERJ/REDE SIRIUS/CCS/A

L357 Latinidade. - Edição Especial (2013) - . – Rio de Janeiro : UERJ. IFCH. Nucleas, 2009 - .

v. : il.

180p.

Semestral. Inclui bibliografia. ISSN 1983-5086

1. América Latina - Periódicos. 2. Ciências sociais – Periódicos. I. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Núcleo de Estudos das Américas.

CDU 3(05)

A Revista Latinidade se norteia para os estudos das sociedades americanas,priorizando as linhas de pesquisa política e cultura, política e sociedade eeconomia e relações internacionais. Entende que os estudos sobre culturapolítica atendem aos Gts do Núcleo de Estudos das Américas/Nucleas edos latinoamericanistas do país e do exterior.

A Revista Latinidade é assessorada por parecerista, professores da UERJe colaboradores de outras universidades do estado do Rio de Janeiro e dopais, como professores da USS, UFRJ, UNIRIO, UFSM entre outrasinstituições de ensino superior. Destacam-se entre os parecerista os professoresHelenice Sardenberg (Univ. Maria Thereza/Niterói), Eduardo Parga(UGF),Nilson Moraes (UNIRIO), Luiz Carlos Borges (MAST), Sul Brasil PintoRodrigues (UFRJ), Andre Luis Toribio Dantas (UERJ/FAETEC), entre outrosprofessores. Também devem constar nos artigos entregues para publicaçãoas datas de recebimento e aprovação dos textos.

Os volumes da Revista Latinidade publicados a partir de 2012 apresentamalterações em sua estrutura. Foram acrescentados à publicação: dossiê, resenha,comunicações e estudos de caso, além do Sistema de Editoração Eletrônica.

Linha Editorial

4

Editor Responsável:Maria Teresa Toribio Brittes Lemos

Conselho Editorial:Alexis T.Dantas –UERJCarlos Juárez Centeno-UniversidadNacional de Córdoba/ARDejan Mihailovic –TEC/Monterrey/MéxicoKatarzyna Dembicz – CESLA/Universidad de Varsóvia/PoloniaLená Medeiros de Menezes-UERJMaria Luzia Landim-UESB/JequiéMauricio Mota-UERJNilson Alves de Moraes-UNIRIOTatyana de A. Maia-USSZdzislaw Malczewskis-Scr. – Paraná

Conselho Consultivo:Raimundo Lopes Matos – UESB/JequiéPaulo Roberto Gomes Seda – UERJ

Andre Luis Toribio Dantas – UERJ/FAETECEduardo Antonio Parga – UGFFernando Rodrigues - USSAlexandre Dumans – UCAMMaria Medianeira Padoin – UFSMMarianna Abramova – AcademiaFinanceira /Governo de Moscou/URSergey V. Ryazantsev, Institute Socio-Politic Research RAS, MoscouAdalberto Santana – UNAM/MEIrina Vershinina – Academia Financeira /Governo de Moscou/URHenrique Shaw – Universidad Nacionalde Córdoba/AR

Programação Visual:Ramon Moraes

Revisão:A revisão dos textos é de responsabili-dade dos autores.

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível SuperiorBeneficiário de auxílio financeiro da CAPES – Brasil. Programa de Apoioa Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores (PRODOC)

5

Sumário

Apresentação ................................................................................... 7

DOSSIÊ:Análise da historiografia da imigração espanhola naAmérica Latina a partir dos estudos de caso para aArgentina e o Brasil ....................................................................... 9Érica Sarmiento

RESENHA:A dura vida dos imigrantes .......................................................... 25Alexandre Belmonte

Imigração galega no Rio de Janeiro e em BuenosAires (1890-1930): Breve estudo comparativo do imaginárioe do associativismo étnico ............................................................ 31Érica Sarmiento

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del PensamientoPolítico y Socio-economico en Rusia y América Latina ............. 43Irina M. Vershinina, Johannes Maerk

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas erepresentações (1870-1930) ............................................................ 73Lená Medeiros de Menezes

Migração e território Guarani - espaço ideológico deidentidade e arena de disputas ..................................................... 85Luiz C. Borges

Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio “Salvador” ...... 101Maria Luzia Braga Landim

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante ..................... 111Maria Izilda Santos de Matos

6

Imigração Boliviana no Rio de Janeiro - Cultura e identidade ...... 127Maria Teresa Toribio B. Lemos

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 .............................. 133Mario Oliva Medina

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaiosobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia .................. 147Mauro Marcos Farias da Conceição

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito ............................... 161Raimundo Lopes Matos

Identidades y culturas en procesos migratorios – el casode ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXI .................................... 173Renata Siuda-Ambroziak

Políticas de saúde para o desenvolvimento do Interiorda Bahia: as relações entre o mundo rural e urbano,pistas para o futuro ..................................................................... 183Tiago Landim d´Avila

Normas Editorias ........................................................................ 191

7

Apresentação

A Revista Latinidade Especial de 2013 tem a satisfação publicar ostextos apresentados durante a realização do XVI Congresso de La Fede-ración Internacional de Estúdios Sobre América Latina y El Caribe -FIE-ALC realizado na cidade de Antalya, Turquia.

No Simpósio Processos Migratórios entre América Latina y Europa- Economiae interculturalidad en Debate – El Viejo Mundo y El Nuevo Mundo, coordenadopelos professores Maria Teresa Toribio B. Lemos, Lená Medeiros deMenezes e Alexis T. Dantas Latina. Foram apresentados estudos sobresociedade, economia, cultura, com ênfase nos processos interculturais.

Os textos revelam o empenho dos participantes em reunir novas abor-dagens e novos procedimentos teórico-metodólogicos para a análise críticadas questões abordadas.

Esse Número Especial reúne 14 artigos, incluindo o dossiê Análise daHistoriografia da Imigração Espanhola na América Latina a partir dos estudos decaso para a Argentina e Brasil , de autoria da professora Érica Sarmientoe a resenha do livro A Dura Vida dos Imigrantes , de Ângelo Trento peloprofessor Alexandre Belmonte.

Os textos destacam a profundidade epistemológica e o caráteracadêmico das questões tratadas pelos autores e revelam a complexidadepluricultural das sociedades americanas.

Maria Teresa Toribio Brittes Lemos

9

Dôssie

Análise da historiografia da imigração espanhola naAmérica Latina a partir dos estudos de caso para aArgentina e o BrasilÉrica Sarmiento1

A história dos espanhóis no Rio de Janeiro sobreviveu a um períodode silêncio na historiografia da imigração. Sendo o terceiro grupo de estran-geiros de maior relevância quantitativa na cidade do Rio de Janeiro, depoisdos portugueses e dos italianos, os espanhóis, em sua maioria origináriosda Galiza, constituiram-se em uma presença invisível, ao menos para osestudos migratórios. Antigos moradores do Rio de Janeiro, os galegos jámarcavam presença na cidade, desde, pelo menos, o início da segundametade do século XIX. Sendo assim, por que somente alguns historiadoresse arriscaram a estudar o papel da imigração espanhola e/ou galega no Riode Janeiro? Provavelmente não exista uma única e definitiva resposta. Po-deríamos dizer que a própria inexistência de estudos e a problemática dasfontes poderiam limitar o início de uma investigação que, supostamente,não renderia frutos, ou que, em último caso, levaria muito tempo para seconstituir em uma pesquisa de bases sólidas.

Um fator que sim exerceu forte influência na historiografia da imigraçãourbana e espontânea no Brasil foram os estudos pioneiros de imigraçãorural, dedicados ao contexto histórico do final do século XIX. Importantesna sua contribuição, porém equivocados ao apostar em uma única hipótesepara explicar o fenômeno imigratório urbano, esses primeiros estudos vin-cularam a imigração urbana, primordialmente, à política de imigração sub-vencionada do Estado de São Paulo. Dessa forma, compreendia-se aemigração espontânea, de muitos espanhóis e italianos, dirigidas às cidades,como deslocamentos internos, do interior do Brasil para as grandes cida-des. Isso ocorre principalmente com as bibliografias mais antigas, comoo caso da dissertação de mestrado de Mary Hesler de Mendonça Motta2.Apesar da indiscutível contribuição e inovação da pesquisa no tocante à

10

imigração urbana no Rio de Janeiro (1890-1930), com a utilização de fontesqualitativas como os processos de expulsão, a autora não consegue disso-ciar a imigração urbana dos excedentes derivados das zonas cafeicultoraspaulistas. Um dois fatores explicativos, utilizados na dissertação, é que oBrasil continuava trazendo imigrantes para a lavoura em decorrência doabandono do campo, por parte dos estrangeiros, para se dirigirem àscidades3. Não se nega a veracidade do argumento, uma vez que haveriamuitos imigrantes que, devido às más condições de vida nas zonas rurais,buscariam melhores oportunidades nos centros urbanos. Entretanto, essanão seria a única explicação para analisar as causas da imigração portuguesa,italiana e galega no Rio de Janeiro. Para o caso específico da imigraçãogalega a Rio de Janeiro, as características principais desse coletivo, circuns-crito a uma zona urbana, vinculado ao setor terciário e a uma imigraçãobaseada em cadeias imigratórias, demonstra muito pouco vínculo, ou, di-ríamos, quase nenhum, com a política de passagens subvencionada peloEstado de São Paulo4.

A mesma questão foi desenvolvida por Lúcia Paschoal Guimarães noúnico trabalho que encontramos dedicado exclusivamente à imigração es-panhola no Rio de Janeiro5. As fontes utilizadas limitam-se basicamente àslistas de vapores e aos censos da cidade do Rio de Janeiro dos anos de1906 e 1920. A partir dos dados censitários, a autora faz uma análise dacomunidade espanhola na sociedade carioca, analisando a distribuição es-pacial dos imigrantes e localizando-os principalmente nas freguesias centraise nas áreas portuárias. Entretanto, devido às irregularidades e à precariedadedas fontes, com limitações reconhecidas pela própria autora, não foi pos-sível construir uma tipologia desses espanhóis. Paschoal Guimarães parte dateoria de que existem duas tendências historiográficas para os estudosmigratórios: a primeira baseada na temática relacionada com a política decolonização, tomando como exemplo as colônias do sul do país, e asegunda com o processo de introdução de mão-de-obra escrava. Depara-mo-nos com o mesmo problema: o da associação imediata da imigraçãoespanhola- nesse caso a do Rio de Janeiro- com a imigração subvenciona-da. Apesar de se distanciar do argumento que utilizamos para a imigraçãogalega, que se baseia numa imigração espontânea através de laços de pa-rentesco e de cadeias migratórias, essas bibliografias tiveram grande impor-tância, pois abriram perspectivas e instigaram novas reflexões nos estudosmigratórios, além de contribuir com referências bibliográficas e com aindicação de fontes. É importante ressaltar, que, em ambos os casos, quan-

11

do analisam a procedência dos espanhóis, as autoras enfatizam a presençamajoritária de indivíduos procedentes da Galiza no Rio de Janeiro. Certa-mente, esta foi outra grande contribuição.

Nos últimos anos, apareceram estudos que se preocuparam com aimigração nas áreas urbanas desde uma perspectiva qualitativa, utilizandofontes orais, periódicas e também as atas de associações mutualistas. Foi ocaso de duas bibliografias relacionadas com a imigração espanhola e galegana cidade de São Paulo. A mais antiga, a de Avelina Martínez Gallego,defende a hipótese de que a falta de estudos da imigração espanhola estárelacionada com a ausência de elementos intelectuais dentro da colôniacapazes de registrar os acontecimentos culturais e políticos que envolvessema vida dessa comunidade. A autora reforça ainda mais a sua hipótese,comparando com o caso dos imigrantes italianos. Segundo Gallego, estegrupo possuía maior visibilidade dentro da sociedade paulista devido aoapoio recebido do governo italiano e à participação de uma intelectualidadeorgânica que se encarregou de deixar como herança várias publicações,como os livros e a divulgação da imprensa étnica6.

Uma obra não tão recente, mas que continua sendo a única para o casodos galegos em São Paulo na segunda imigração de massas, é a de ElenaPájaro Peres7. A utilização de fontes orais, atas de associações espanholase de correspondências diplomáticas serviu para construir um perfil daimigração galega que, segundo a autora, estava constantemente associadoaos exilados da Guerra Civil e aos trabalhadores reclamados pela políticadesenvolvimentista brasileira da década de 50. Existe, na obra, uma críticaà forma determinista de enquadrar os imigrantes a certos acontecimentoshistóricos, como pode ser o caso dos italianos de São Paulo com omovimento operário, os negros com a escravidão ou os espanhóis e aimigração subvencionada.

A visão reducionista acerca de alguns temas também contribui a limitaro emprego de novas metodologias. O anarquismo e os movimentos ope-rários, por exemplo, estiveram principalmente associados aos italianos deSão Paulo. Para este caso, em concreto, existe uma tendência a privilegiardeterminados grupos imigratórios e, consequentemente, negar a participa-ção e a construção histórica de outros. Como bem disse Devoto, referin-do-se às emigrações espanholas e italianas à América,

“... estudiar emigración no era funcional a una historia de las élitesdirigentes y tampoco lo era para una historia del movimientoobrero o socialista centrado él también en aquella parte de las

12

clases subalternas que había permanecido y no en aquella quehabía partido8”.

Estudos relacionados com o movimento operário no Rio de Janeiro ereferências bibliográficas sobre a imigração demonstraram que, na socieda-de carioca, existiam vários sindicatos, grupos anarquistas e também líderesespanhóis envolvidos com a causa operária9. A bibliografia sobre o anar-quismo e os movimentos de esquerda, entretanto, não tem a obrigação ouo comprometimento com os estudos migratórios, o que, muitas vezes,impede o pesquisador de identificar, por exemplo, dados tão valiosos paraa imigração, como o lugar de origem do imigrante. Apesar de deixaremlacunas e muitas interrogações, foi essa bibliografia, juntamente com asfontes orais e os processos de expulsão, que nos permitiu constatar aparticipação galega em diversos episódios do movimento anarco-sindica-lista no Rio de Janeiro.

No Rio de Janeiro, no começo do século XX, muitos estrangeirosforam condenados e expulsos por atuarem em movimentos operários eem sindicatos. Segundo as autoridades policiais da época, os imigranteseram os responsáveis por instigar os trabalhadores nacionais a se rebelaremcontra seu próprio país. Segundo Boris Fausto, as diferenças ideológicas domovimento operário do Rio de Janeiro e São Paulo se devem às caracte-rísticas das duas cidades e a composição da classe trabalhadora. O Rio tinhauma estrutura social mais complexa, com setores sociais menos dependen-tes das classes agrárias, como a classe média, os militares e universitários,enquanto que em São Paulo, a classe média girava em torno da burguesiado café e não existiam grupos militares desejosos de unir-se com as cama-das populares em contra do poder estabelecido10. Além disso, outro fatorimportante deve ser destacado: no Rio de Janeiro havia menos operáriosestrangeiros nas fábricas e muitos no setor terciário ou de serviços (ferro-viários, marítimos, portuários) e os movimentos de protesta se distinguiampor apresentar um viés muito mais popular que operário11.

A obra mais destacada em relação aos processos de expulsão, semdúvida, é o livro Os Indesejáveis, de Lená Medeiros de Menezes12. É umareferência recorrente nos estudos migratórios e leitura obrigatória paraquem trabalha com processos de expulsão, criminalidade, anarquismo eimigração urbana. Os Indesejáveis trouxe à tona uma narrativa modernizado-ra, com interpretações únicas e pioneiras dos bastidores do poder, dosrelatórios policiais, dos inquéritos das delegacias. Um submundo se apre-sentava à historiografia da imigração, com uma criteriosa análise dos pro-

13

cessos de expulsão, no período da Belle Epoque carioca. A autora davadestaque às vozes dos excluídos e de todos os que com eles conviviam nocotidiano carioca da Primeira República.

O romantismo da imigração, com a temática abordada pela obra OsIndesejáveis perdia, assim, a sua força. Já não era possível imaginar o “Fazera América”, sem antes pensar nesses milhares de portugueses, italianos,espanhóis, franceses, russos, que foram expulsos do Brasil, acusados decontravenção, de vadiagem, roubo e de crimes políticos. Nessa obra, foipossível encontrar muitas respostas para o entendimento da inserção soci-oprofissional e das estratégias de sobrevivência dos imigrantes galegos noRio de Janeiro. Nos processos de portugueses, de galegos, de italianos,entre outros, encontrava-se a explicação para a existência de muitos precon-ceitos, mitos e estereótipos que rondavam a figura dos estrangeiros.

Contrariamente a alguns trabalhos relacionados à imigração espanhola,Lená Medeiros, em Os Indesejáveis, percebeu a importância dos galegoscomo grupo majoritário dentro do contingente espanhol no Rio de Janeiro.Analisou não só a nacionalidade do estrangeiro, como também o seu lugarde origem e percebeu que alguns indivíduos, oriundos de Portugal e daEspanha, pertenciam à região norte da Península Ibérica. Talvez, na época,os leitores e especialistas não se deram conta, mas a obra introduziu, mesmoque não fosse o seu objetivo, a percepção de cadeias migratórias nosestudos da imigração no Rio de Janeiro.

A partir da análise dos processos de expulsão, rompe-se com a ideia de“flor exótica”, com a tradicional explicação de que o anarquismo “arribou”em terras brasileiras, trazidos pelos imigrantes europeus, especialmente osespanhóis e italianos. Portugueses e galegos, oriundos do Norte da Penín-sula Ibérica, camponeses e pequenos proprietários, desembarcaram no Riode Janeiro na tenra idade, jovens caixeiros, lavadores de prato e garçons,quase meninos, que aprenderam as suas táticas de sobrevivência no cotidi-ano carioca. Como pensar que esses imigrantes foram porta-vozes dasdoutrinas de esquerda no Rio de Janeiro?

Voltando ao recorrido historiográfico da emigração espanhola no Brasil,o que prevalece ainda é a presença de uns poucos estudos que analisemessa imigração ao Brasil como um todo. Algumas bibliografias oferecemdados referentes ao contingente espanhol que entrou no Brasil no perí-odo da imigração de massas13, explicando o processo histórico da imi-gração subvencionada; outras contribuem com alguns aspectos da imigra-ção espanhola e galega na cidade de São Paulo14, de Salvador da Bahia15

14

e Belém do Pará16. Em relação ao predomínio dos galegos como grupomajoritário do Estado espanhol em algumas cidades brasileiras, há oclássico estudo de Jeferson Bacelar para o caso de Salvador da Bahia,intitulado Galegos no paraíso racial, do ano de 1994. Durante muito tempo(e ainda segue), a obra de Bacelar permaneceu como a única, específica,sobre a imigração galega no Brasil. A pesquisa centra-se na integraçãodos galegos na sociedade baiana e as suas relações dentro do ambientefamiliar, concluindo que a família é a unidade básica de reprodução dogrupo galego. Segundo Bacelar, para participar do modelo de trabalhogalego onde o clientelismo faz submergir a condição de classe, é precisose reconhecer, como membro do grupo e criar as bases para a ascensãoda sociedade galega. O autor conclui que os galegos predominam nossetores do comércio de alimentos e bebidas, os chamados secos e mo-lhados, substituindo os portugueses, que até o século XIX representavama maioria neste ramo comercial. Bacelar investigou a origem dos galegosde Salvador e descobriu que procediam, majoritariamente, dos municípi-os pontevedreses de Pontecaldelas, Fornelos de Montes e A Lama17. Outroestudo da comunidade galega na Bahia, o de Maria Albán, caracteriza aprimeira imigração de massas como espontânea e formada por homensprocedentes da província de Pontevedra18. Por último, o trabalho de CéliaMaria Leal Braga analisa a trajetória dos galegos na Bahia através dasfontes orais. As entrevistas e o arquivo do Consulado Espanhol da Bahiaforam as fontes utilizadas por essa autora para analisar a estrutura familiare a adaptação dos galegos em Salvador19.

Nas últimas décadas, apareceram estudos, principalmente em São Paulo,que se preocuparam com a imigração direcionada às áreas urbanas, prio-rizando a análise qualitativa e a utilização de fontes orais, imprensa e atasde associações. A pesquisa de Marília Klaumann para a cidade de Santos(SP), por exemplo, demonstra que a maioria do contingente oriundo doEstado espanhol era de origem galega, diferentemente da Capital e dointerior do Estado paulista, onde estavam em segunda colocação, predo-minando a imigração andaluza. Merece destaque também os estudos deIsmara Izepe de Souza, a respeito dos crimes políticos, com a análise dadocumentação da Delegacia Especializada de Ordem Política e Social deSão Paulo (DEOPS-SP), além das teses que abordam a cultura espanholae galega, desde a perspectiva da gastronomia e sua influência em São Paulo,como o caso das pesquisas de Dolores Martín Corner20. Sem lugar adúvidas, a quantidade de teses e pesquisas desenvolvidas nos últimos anos,

15

para todo o Brasil, é muito mais abrangente do que essas breves observa-ções que realizamos ao longo deste artigo.

Outra problemática do estudo da imigração galega é o que denomina-mos de invisibilidade. A invisibilidade de um coletivo está associada àpresença de outros estrangeiros, à organização da sociedade receptora, suasestruturas hierárquicas e como estava organizado o mercado de trabalho.Temos a existência de uma imigração galega urbana, convivendo nos bair-ros e logradouros centrais carioca, unido com outros estrangeiros numeri-camente mais importantes, como os portugueses, italianos e africanos/afro-brasileiros. Tratamos o problema da invisibilidade galega, desde umponto de vista relativo, já que, a nosso ver, a imigração não deve ser tratadaunicamente desde a construção da história das minorias, daqueles persona-gens que se destacaram pela sua projeção econômica e social. A importân-cia que se dá ao objeto de estudo depende do tipo de fontes utilizadas edo tipo de história que se priorize. Éramos conscientes de que só pode-ríamos conhecer a história da imigração galega através da reconstrução deuma história anônima que incluísse também aqueles que fizeram parte dascamadas populares. Por tanto, era lógico que a presença dessa massa deimigrantes, submersa no cotidiano carioca, tornava-se mais imperceptívelque a daqueles imigrantes que deixaram um grande legado e se tornarampersonalidades de prestígio. Para compreender a invisibilidade foi precisobuscar as origens galegas e a estrutura na sociedade de origem, debruçandosobre as migrações interpeninsulares do período moderno.

A presença dos portugueses é um fator explicativo para entender, emparte, o que chamamos a invisibilidade dos galegos. É importante frisar quequando os galegos chegaram ao Rio de Janeiro havia um grupo migratórioque já predominava, por razões históricas, nos setores terciários e de ser-viços cariocas: os portugueses. A participação ativa da comunidade portu-guesa no Brasil e no Rio de Janeiro, que havia ocupado antes que qualqueroutro grupo migratório determinados setores socioprofissionais, poderiater ofuscado a presença dos galegos.

Antes mesmo da imigração galega adquirir representatividade, o termo“galego” já havia sido adotado pelos brasileiros para ofender os imigrantesportugueses. A semelhança lingüística e comportamental entre os galegos eos portugueses do Norte deram a estes últimos o apelido de “Galegos doMinho”. Portugueses e galegos compartilhavam as freguesias e ruas centraisdo Rio de Janeiro, as zonas de habitações coletivas, convivendo diretamentecom as classes nacionais mais pobres. Representavam, sem dúvida, dois

16

grupos migratórios importantes com características muito parecidas quepodiam confundi-los no cotidiano carioca.

A preferência dos galegos pelas cidades também ocorreu em outraspartes da América Latina, como no caso de Buenos Aires ou La Habana,segundo demonstram os estudos do recente trabalho organizado por RuyGonzalo Farías, intitulado Bos Aires Galega, 2010 e, para o caso de Cuba,a obra de José Antonio Vidal Rodríguez, A Galicia Antillana: formación edestrución da identidade galega en Cuba, 1899-196821.

Se a bibliografia específica para os galegos no Rio de Janeiro erapraticamente inexistente, os estudos migratórios para o caso dos espa-nhóis e dos galegos em outros países americanos, como Cuba, Argentinae Uruguai, apresentavam uma variedade de obras publicadas que contri-buíram como um importante ponto de apoio metodológico para acompreensão acerca do estudo dos galegos no Rio de Janeiro22. A expli-cação das causas estruturais, os estudos a nível micro e macro e a utili-zação de fontes, tanto qualitativas como quantitativas, para casos deimigração galega à América serviram muitas vezes não só como referên-cia teórica, mas também como estudo comparativo acerca das diferençase semelhanças do comportamento migratório entre os galegos do Rio deJaneiro e os que se dirigiram a outros países americanos. Por exemplo,encontramos pontos semelhantes entre a imigração galega na Argentina eno Rio de Janeiro, após a leitura de bibliografias tão emblemáticas comoa tese de doutorado de Alejandro Vázquez. Um grandioso trabalho deduas mil páginas e uma década de estudo que esse pesquisador nosdeixou acerca da ocupação profissional, as cadeias migratórias, a formade financiamento de viagens e outros temas de grande relevância. Damesma forma, merecem referência as publicações de Xosé Manoel NúñezSeixas23 sobre as lideranças étnicas, as sociedades de instrução e as remes-sas dos retornados. Núñez Seixas analisou o papel dos retornados e aimportância dos “americanos” na sociedade de origem, seus empreendi-mentos e o apoio ao desenvolvimento da Galiza. Também pertence aomesmo autor, em co-autoria com o historiador Raul Soutelo, a obra Ascartas do destino. Unha família galega entre dous mundos 1919-1971, do ano de2005. É uma importante contribuição com fontes inéditas e de difícilacesso, como podem ser os arquivos privados24. No Brasil, a utilizaçãodas cartas como importante fonte para os estudos migratórios não temsido negligenciada pelos pesquisadores, que chamam a atenção da impor-tância do acervo privado para a reconstrução da memória25.

17

O estudo das variações regionais, provinciais e até de realidades quaseimperceptíveis nos mapas, como podem ser as paróquias e as aldeias, revelaum amadurecimento dos estudos migratórios nos últimos anos, trazendo àtona uma profunda compreensão e conhecimento da sociedade de origeme de recepção dos imigrantes e das relações que se estabeleceram entre ambasrealidades. A escola de estudos migratórios argentinos, por exemplo, de-monstra habilidades no uso das fontes nominativas e no conhecimento dasociedade de origen do imigrante. É o caso dos trabalhos da historiadoraNádia de Cristóforis, por exemplo, onde percebemos a importância dosarquivos municipais nos estudos microterritoriais e a preservação dessesdocumentos para os estudos migratórios, em particular no caso das associ-ações. A autora analisa a Sociedad de Residentes del Municipio de Vedra, em BuenosAires, a partir do livro de atas e do Padrón de Habitantes, documentos preser-vados pelo Concelho de Vedra. A importante contribuição desses estudosreside no fato da pesquisadora concluir que o catalizador fundamental parao surgimento da associação foi o forte estímulo dado pela Sociedade Agrí-cola de Vedra (o Sindicato Agrícola). A instituição origina-se a partir dodesenvolvimento de um movimiento agrarista galego, capaz de estimular osimigrantes a se mobilizarem em prol de sua sociedade26.

Em contraposição à quantidade de associações micro territoriais emBuenos Aires e à frutífera produção acadêmica voltada para o associativis-mo espanhol e/ou galego na Argentina, nos deparamos com a difícilsituação do associativismo no Brasil, em particular no Rio de Janeiro, decaráter muito mais nacional e regional do que micro territorial. A proble-mática das poucas instituições micro territoriais convive com a dramáticasituação da inexistência de documentação para o desenvolvimento dosestudos, como é o caso das atas das associações. O vazio historiográfico,que Nádia De Cristóforis menciona em seu artigo como um dos objetivosa ser cumprido em suas investigações, no caso brasileiro continua à esperade estudos mais pormenorizados. Por exemplo, é o dramático caso daassociação Aurora del Porvenir, fundada em 1912, no Rio de Janeiro, cujoregistro se encontra no Arquivo Nacional. Cabe aqui perguntar: onde estáo restante da documentação? E as atas? Nada se sabe a respeito dessesimigrantes do Concelho de Tomiño, localizdo no sul da província dePontevedra. Eles resolveram registrar a sua associação no começo do sé-culo XX, com o intuito de fundar uma escola no seu município.

Como bem argumentou Alejandro Fernández, muitas razões levaram ospesquisadores a se interessarem pelas instituições micro territoriais: desde a

18

sua estreita conexão com as histórias locais, o apoio financeiro e instituci-onal por parte dos governos municipais e autonômicos, até o fato dessassociedades terem se convertido em um terreno fértil para a análise e oestudo dos enfoques microanalíticos. Em muitos casos, as questões maisexploradas das entidades micro territoriais pelos estudos migratórios, limi-taram-se às questões das lideranças étnicas, à ação social dos sujeitos ou desuas redes sociais, o que deixa em evidência, o potencial ainda não esgotadoda documentação ligada às associações. Certamente, ainda há muito aconhecer a respeito da dinâmica das entidades micro territoriais no âmbitodas sociedades de destino da imigração27.

Prosseguindo com a imigração galega em Buenos Aires, temos o tra-balho de Ruy Gonzalo Farías, que oferece uma importante contribuiçãoaos estudos migratórios. Os estudos tratam de um período ainda poucoestudado- a segunda imigração de massas, entre os anos de 1946 e 1960,quando a Argentina ressurge como principal destino americano. Perceben-do esse vazio historiográfico, Farías evidencia a necessidade de novas apro-ximações buscando nas fontes quantitativas a construção de tipologias,assim como os indicadores da integração socioprofissional e da mobilidadesocial deste grupo imigratório. Somente através destes novos olhares eabordagens, abrem-se possibilidades de análise do objeto de estudo etambém- fato importante e ressaltado por Farías- permite-se romper comesquemas generalizantes. O grupo analisado pelo pesquisador correspondeaos galegos que residem nos atuais municípios de Avellaneda e Lanús. Nassuas pesquisas, busca-se romper com a generalização da realidade porteña,onde a imagen do imigrante galego está vinculada ao setor terciário e àsetapas de hierarquização que o mesmo proporciona aos recém-chegados.Especialista e conhecedor da imigração galega na Argentina entre os anosde 1890 a 1930, Ruy Farías realiza comparações entre os dois períodosdas grandes migrações, concluindo que a distribuição espacial nos períodosde 1890-1930 e 1939-1960, permitiu constatar como o processo de des-centralização espacial se perpetuou ao longo da década de 20.

Uma das problemáticas do estudo da imigração galega ao Rio deJaneiro certamente era- e continua sendo- a ausência de obras específicassobre o assunto, mas após a descoberta das primeiras fontes, o maiorobstáculo foi a falta de continuidade temporal das documentações e avariedade da natureza das mesmas. Tudo levava a crer, em princípio, quea escassez de documentos e a inovação do tema provocariam dificuldadesde pensá-lo teoricamente e de chegar a uma conclusão a respeito. Por isso,

19

o objetivo inicial, antes de criar tipologias rígidas foi tentar reconstruir ouanalisar os fatos históricos através de uma coexistência pacífica entre fontesde distintas naturezas. Como bem afirmou Gianfausto Rosoli para a análiseda imigração italiana de massas: “los verdaderos protagonistas de la expe-riencia impactan por su silencio, debido a las dificultades, casi insuperables,de documentar y analizar en modo adecuado las reacciones y los compor-tamientos de la masa anónima28”. O estudo dessa massa anônima, quaseimperceptível, nos levou a buscar as dimensões subjetivas do processohistórico e utilizar uma análise micro-histórica para maior percepção daimigração galega.

Diante do desconhecimento, primeiramente, era necessário descobrirquem eram os imigrantes, uni-los em um número consistente e construir osprimeiros traços dos galegos no Rio de Janeiro. Depois de conhecer seuslugares de origem e onde se estabeleceram geograficamente e profissional-mente na sociedade receptora, tentar “dar vida” a esse número, buscando,através de histórias individuais ou familiares a sua participação como co-letivo, como estrangeiros e como sujeitos ativos.

As primeiras fontes que nos ofereceram dados substanciais sobre osgalegos no Rio de Janeiro foram os arquivos privados do Hospital Espa-nhol e do Consulado Espanhol. Essa documentação foi o alicerce, o pontode apoio para as fontes qualitativas que encontramos ao longo dos anosdedicados a pesquisa dos galegos no Rio de Janeiro. A riqueza dessas fontesnominativas serviu não só para reconhecer os galegos como uma comu-nidade representativa numericamente, como também para unir a imigraçãoem torno a umas características comuns. Ter acesso a essas informaçõespossibilitou reconstruir historicamente o nosso objeto de estudo, desde oano de 1850 até o ano de 1939. A partir da amostra formada por maisde 3500 indivíduos, extraímos as primeiras informações do grupo imigra-tório: os municípios de origem, a profissão, o ano de chegada, o númerode repatriados, o estado civil, a alfabetização e a localização espacial dosimigrantes nas ruas do Rio de Janeiro. Por primeira vez, foi possível vin-cular o lugar de origem com a sociedade de destino e encontrar os focosmigratórios.

Já as matrículas dos sócios do Hospital Espanhol, recolhidas em trêslivros correspondentes aos anos de 1859 até a década de 20 do séculopassado, foi a fonte que mais ofereceu informações sobre os pioneiros daimigração massiva. Entre os anos de 1859 e 1880, encontramos 218 gale-gos matriculados no Hospital Espanhol. Essa informação, junto com os

20

dados pessoais de cada sócio, possibilitou a localização geográfica dospioneiros pelos bairros cariocas, a construção das cadeias migratórias eantiguidade da imigração no Rio de Janeiro. Foi possível, por exemplo,distribuir os galegos pelas ruas do Rio de Janeiro, classificar as suas ativi-dades profissionais e a partir daí, formular uma série de perguntas: se asatividades exercidas estavam associadas ou não aos espaços físicos onde sedesenvolviam; se estavam próximos a outros grupos de imigrantes demaior tradição histórica e relevância numérica, e até que ponto isso poderiainterferir na sua visibilidade como grupo étnico; se havia concentrações degalegos em determinadas ruas; se os pioneiros procediam de zonas comtradição migratória a Rio de Janeiro ou se exerciam atividades que foramseguidas pelos fluxos posteriores; se esses pioneiros exerceram de media-dores nas redes de socialização, ajudando os recém-chegados a conseguiro primeiro emprego e a primeira residência, etc.

Sabemos que uma parte da imigração galega não estava representada noHospital Espanhol, já que um dos problemas das associações étnicas eraque sobre-representavam os setores mais prósperos economicamente, dei-xando à margem todos aqueles trabalhadores que não podiam pagar asmensalidades exigidas ou que simplesmente não estavam interessados nosserviços oferecidos. Entretanto, foi a única associação, ainda que a nívelespanhol, que dispunha de uma documentação apropriada ao nosso objetode estudo. Não encontramos nenhum documento, como já mencionamosnos parágrafos acima, das sociedades micro territoriais no Rio de Janeiro,apesar do conhecimento da existência de algumas delas29. As atas do Cen-tro Galego, guardadas no arquivo do Hospital Espanhol, ofereciam osnomes dos membros da diretoria, mas não encontramos nenhuma listagemque enumerasse os sócios. A documentação do Centro Galego desde a suafundação no ano de 1899 até o seu fechamento (na década de 40) nospermitiu fazer uma pequena construção da tipologia da liderança étnica.Além dessa informação, foi possível recuperar as atividades culturais doCentro e as listas dos convidados, que davam a conhecer o tipo de eventoscelebrados, a qual tipo de público estavam direcionadas, as programaçõesculturais e também com quais instituições brasileiras o Centro manteverelações.

Muito ainda está para se investigar, nessa solidão que envolve o estudodos galegos no Rio de Janeiro. Os arquivos relacionados com o períododo governo de Getúlio Vargas, a partir de 1930, e também a imprensaoperária e carioca do começo do século XX, são fontes que, igualmente,

21

oferecem valiosas informações sobre as associações de trabalhadores, ondeos galegos estiveram envolvidos e exerceram liderança. As associações assis-tencialistas e de ócio, que perduram até os dias atuais na sociedade carioca,constituem-se em fontes primordiais para o período da segunda imigração,e ainda completamente carentes de pesquisa. Os estudos comparativostambém são um foco de interesse e se apresentam como uma nova ten-dência para os estudos migratórios, pois, através do método comparativoas sociedades podem ser analisadas desde as suas reciprocidades e diferen-ças, destacando aspectos das transformações históricas que, de outro modo,não seriam passíveis de percepção.

CURRICULO DO AUTOR:

Érica Sarmiento da Silva. Coordenadora-adjunta do Laboratório deEstudos de Imigração (Labimi/UERJ), coordenadora adjunta do Labora-tório de História Ibérica e Imigração (LABIHI/UNIVERSO), professoratitular do curso de mestrado em História da Universidade Salgado deOliveira, professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)e professora tutora de América colonial no curso de Educação a Distância(História), na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).Foi professora visitante na Universidade de Columbia (Nova York), Insti-tuto de Estudos da América Latina (ILAS) e na Universidade de Santiagode Compostela (Espanha). Publicou o livro O outro Río: a emigración Galegaa Río de Xaneiro.Santa Comba/Santiago de Compostela: Editora 3C3, 2006.

NOTAS1 Coordenadora-adjunta do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi/UERJ), coordena-

dora adjunta do Laboratório de História Ibérica e Imigração (LABIHI/UNIVERSO), profes-sora titular do curso de mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira,professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professora tutora deAmérica colonial no curso de Educação a Distância (História), na Universidade Federal doEstado do Rio de Janeiro (Unirio)

2 MOTTA, Mary Hesler de Mendonça. Imigração e trabalho industrial- Rio de Janeiro (1889-1930).Dissertaçao de mestrado apresentada na UFF, Niteroi, 1982.

3 Quando se refere concretamente ao caso dos imigrantes espanhóis no Rio de Janeiro,ademais de relacioná-los com a imigração subvencionada, reconhece que a maioria eraoriginário da Galiza, mas, curiosamente, associa a corrente espanhola com a imigração deexilados anarquistas.

4 Podemos mencionar as tradicionais e específicas bibliografias sobre a imigração espanholaa Brasil, como KLEIN, Herbert. La emigración española en Brasil. Columbres: Arquivo deIndianos, 1996; GONZÁLEZ MARTÍNEZ, Elda. Café e Inmigración: los españoles en São Paulo,1880-1930. Madrid: Cedeal, 1994; SOUZA-MARTINS, José de. “La inmigración española en

22

Brasil y la formación de la fuerza de trabajo en la economía cafetalera, 1880-1930”. In:Nicolas Sánchez-Albornoz (comp.), Españoles hacia América. La emigración en masa, 1880-1930,Madrid: Alianza, 1988, p. 249-269. E a bibliografia mais geral como a de YÁÑEZ GALLARDO,César. La emigración española a América (siglos XIX y XX). Colombres: Archivo de Indianos,1994; ou SÁNCHEZ ALONSO, Blanca. Las causas de la emigración española (1880-1930). Madrid:Alianza, 1995, que abordam os fenômenos migratórios desde a perspectiva macro.

5 GUIMARAES, Maria Lúcia Paschoal. Espanhóis no Rio de Janeiro(1880-1914).Contribuição àhistoriografia brasileira. Tese de concurso à livre docência de Historiografia apresentada aoInstituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Riode Janeiro, 1988.

6 GALLEGO, Avelina Martínez. Espanhóis. São Paulo: CEM, 1995.7 PÉRES, Elena Pájaro. A inexistência da terra firme. A emigração galega em São Paulo 1946-1964.

São Paulo: EDUSP, 2003.8 DEVOTO, Fernando. “En torno a la historiografía reciente sobre las migraciones españolas

e italianas a latinoamérica”. Estudios Migratorios Latinoamericanos, ano 8, n° 25, dezembro de1993, p.441-460( p.445).

9 Entre os autores que estudaram os movimentos operários no começo do século no Riode Janeiro e a conseguinte participação dos estrangeiros está a já citada dissertação deMOTTA, Mary Hesler de Mendonça. Imigração e trabalho industrial- Rio de Janeiro (1889-1930).Dissertação de mestrado apresentada na UFF, Niterói, 1982; MENEZES, Lená Medeiros de.Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na Capital Federal (1890-1930).Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996. CARONE, Edgar. A República Velha. Instituições e classes sociais(1889-1930). Rio de Janeiro-São Paulo: Difel, 1978; ADDOR, Carlos. A insurreição anarquistano Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1986; DIAS, Everardo. Historia das lutas sociaisno Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, 2ªed.; RODRIGUES, Edgar. Os companheiros. Rio deJaneiro: VJR, 1994, vls 1,2,3,4 e 5; MARAM, Sheldom Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimentooperário brasileiro, 1890-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Podemos encontrar ainda emtrabalhos mais recentes como o de FERNÁNDEZ, Eliseo; LOPES, Milton ; RAMOS, Renato.“A Imigração galega e o anarquismo no Brasil”. In: DANIEL AARÃO REIS E RAFAELDEMINICIS. História do Anarquismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Mauad / EDUFF, 1998.Também de interesse são os trabalhos de Claudio Batalha, com referências sobre ossindicatos e associações: BATALHA, Cláudio. Dicionário do Movimento Operário. Rio de Janeirodo século XIX aos anos 1920. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.

10 FAUSTO, Boris. Brasil, de colonia a democracia. Madrid: Alianza América, 1995, p.169.11 Dois exemplos de movimentos populares no Rio de Janeiro, no começo do século XX,

foram a Revolta da Vacina e o movimento do jacobinismo. Os dois temas estão muito bemestudados nas obras de CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. O Rio de Janeiro e aRepública que não foi. São Paulo: Schwarcz, 1987 ou nos trabalhos de RIBEIRO, Gladys Sabina.A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio deJaneiro: Relume Dumará, 2002.

12 MENEZES, Lená Medeiros. Os indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsãona Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996.

10 Os já citados KLEIN, Herbert. La emigración española en Brasil. Columbres: Arquivo deIndianos, 1996; GONZÁLEZ MARTÍNEZ, Elda. Café e Inmigración: los españoles en São Paulo,1880-1930. Madrid: Cedeal, 1994.

13 MARTÍNEZ GALLEGO, Avelina, Espanhóis, São Paulo: CEM, 1995; a já mencionada obra dePÁJARO PERES, Elena. A inexistência da terra firme. A emigração galega em São Paulo 1946-1964.São Paulo: EDUSP, 2003.

14 BACELAR, Jefferson. Galegos no paraíso racial. Salvador: Ianamá, 1994 e BRAGA, Célia M. Leal.Memórias de imigrantes galegos. Bahia: CED, 1995.

15 GONZÁLEZ MARTÍNEZ, Elda E. La inmigración esperada: la política migratoria brasileña desdeJoão VI hasta Getúlio Vargas. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2003.

23

16 BACELAR, Jefferson. Galegos no paraíso racial. Salvador: Ianamá, 1994.17 ALBÁN, Maria del Rosário, “A emigración galega na Bahia”. Revista da comisión galega do quinto

centenário, nº 1, 1989, p.179.18 BRAGA, Célia M. Leal. Memórias de imigrantes galegos. Bahia: CED, 1995.19 Vid. SOUZA, Ismara Izepe. Solidariedade internacional. A comunidade espanhola do Estado de São

Paulo e a polícia política diante da Guerra civil da Espanha (1936-1939). São Paulo: AssociaçãoEditorial Humanitas\Fapesp, 2005. Apesar da obra estar centrada no caso dos espanhóisem São Paulo, a autora também utiliza alguns exemplos do Rio de Janeiro. Também éreferência as obras de CÁNOVAS, Marília Dalva Klaumann. Imigrantes espanhóis na Paulicéia.São Paulo: Edusp, 2009 e, da mesma autora, CÁNOVAS, Marília Dalva Klaumann. Hambre deTierra. Imigrantes espanhóis na cafeicultura paulista. 1880-1930. São Paulo: Lazuli editora, 2005. Porúltimo, a pesquisa de CORNER, Dolores Martín. “A Cozinha dos imigrantes espanhóisgalegos e andaluzes na cidade do Rio de Janeiro”. Vid site www.labimi.uerj.br

20 VIDAL RODRÍGUEZ, José Antonio. A Galicia Antillana: formación e destrucción da identidade galegaen Cuba 1899-1968. La Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2008; FARÍAS, RuyGonzalo. Bos Aires Galega. Noia (A Coruña): Ed. Toxosoutos, 2010.

21 Vid. VÁZQUEZ, Alejandro González. La emigración gallega a América, 1830-1930. Tese dedoutorado. Universidade de Santiago de Compostela, 2 vol., 1999. Sobre a emigração galegaa Uruguai: CAGIAO VILA, Pilar. Participación económico-social de los inmigrantes gallegos en Montevideo(1900-1970). Tese de doutorado. Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 1990; parao caso mexicano: VILLAVERDE GARCÍA, Elixio. La emigración gallega a México, 1876-1936.Tese de doutorado. Santiago de Compostela, USC, 1998. Para o caso cubano, o já citadotrabalho de VIDAL RODRÍGUEZ, José Antonio. A Galicia Antillana: formación e destrucción daidentidade galega en Cuba 1899-1968. La Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2008. Vid.também para o caso da imigração estrangeira na Argentina, aa emblemática obra deDEVOTO, Fernando. Historia de la inmigración en la Argentina. Buenos Aires: EditorialSudamericana, 2003. Para mais estudos sobre a Argentina, o clássico livro de MOYA, JoséC. Primos y extranjeros. La inmigración en Buenos Aires, 1850-1930. Buenos Aires: Emecé, 2004e FERNÁNDEZ, Alejandro E. & MOYA, José C. La inmigración española en la Argentina.Buenos Aires: Biblos, 1999. Na revista de Estudios Migratorios Latinoamericanos, publicada emBuenos Aires, encontram-se diversos artigos sobre imigração galega à América, tratando dediferentes temas, entre eles, podemos citar alguns, como o associativismo galego, a imagemsocial e a questão identitária da imigração dos galegos na Argentina ou as teorias sobre ascadeias migratórias.

22 Dentre a vasta obra deste autor encontram- se as publicações NÚNEZ SEIXAS, XoséManoel. “Las remesas invisibles. Algunas notas sobre la influencia socio-política de laemigración transoceánica en Galicia (1890-1930)”. Estudios migratorios latinoamericano, ano 9, n°27, agosto de 1994, p.301-346; Emigrantes, caciques e indianos. Vigo: Xerais, 1998; O inmigranteimaxinario. Estereotipos, representacións e identidades dos galegos na Argentina (1880-1940). Santiago deCompostela: Universidade de Santiago de Compostela, 2002.

23 NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel; SOUTELO, Raul. As cartas do destino. Unha família galega entredous mundos 1919-1971. Vigo: Galáxia, 2005.

24 É o caso da historiadora Maria Izilda Matos (PUC-SP): “Laços de sangue: Cartas, correspon-dências e mensagens trocadas entre espanhóis”. Comunicação apresentada no SeminárioInternacional Espanha-Brasil Processos de experiência de e-imigração. UERJ, 6 e 7 de dezembro de2012.

25 DE CRISTÓFORIS, Nadia. “El asociacionismo de Vedra (Galicia) en Buenos Aires: tensiones,rupturas y fusiones de sus núcleos constitutivos”. Comunicação apresentada no II CongresoInternacional Ciencias, Tecnologías y Humanidades. Diálogo entre las disciplinas del conocimiento.Mirando al futuro de América Latina y el Caribe. 29 de octubre a 1 de noviembre de 2010,Universidad de Santiago de Chile. Da mesma autora, a obra Bajo la Cruz del Sur : gallegos yasturianos en Buenos Aires (1820-1870). La Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2009.

24

26 Uma obra indispensável para o estudo das associações, de forma geral, no Rio de Janeiroé o livro de FONSECA, Vitor Manoel Marques. No gozo dos direitos civis. Associativismo no Riode Janeiro, 1903-1916. Niterói: Muiraquitã, 2008. O livro funciona como um manual que auxiliao leitor a encontrar os diferentes tipos de associação, além de oferecer uma importantereconstrução histórica do associativismo no Brasil desde os seus primórdios.

27 ROSOLI, Gianfausto.”Las imágenes de América en la emigración italiana de masas”. EstudiosMigratorios Latinoamericano, ano 6, n° 17, abril de 1991, p.3-22.

28 No Boletim do Consejo Superior de Emigración (1927, p.958) aparece a Sociedad Aurora dePorvenir, Sociedad Hijos de la Picoña, Sociedad Hijos del Distrito de Arbo, Sociedad Hijosde Rubiós, Sociedad La Paz de los Tres Rivartemes, Sociedad Pro Santa Bárbara, SociedadProtectora Hijos de la P. de Cabeiras. Fundo do Arquivo da Emigraciõn Galega, Santiagode Compostela.

25

Resenha

Alexandre Belmonte

A dura vida dos imigrantesRESENHA DE TRENTO, ANGELO. DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO UM SÉCULO DE IMIGRAÇÃOITALIANA NO BRASIL. SÃO PAULO: NOBEL, 1988, 574 P.

É sempre prudente revisitar os clássicos. Sobretudo quando se trata deuma obra fundante, como é o caso de Do outro lado do Atlântico – um séculode imigração italiana no Brasil. É uma obra fundamental para se compreenderas peripécias dos italianos em solo brasileiro e sua contribuição para acultura do país.

O livro traz importantes aportes sobre a história da imigração italianano Brasil. O primeiro capítulo estabelece um panorama geral dos antece-dentes da imigração, os fatores de atração e as condições na Itália àsvésperas da emigração em massa. No Brasil, a imigração italiana resolveuuma situação de impasse, num momento em que os fazendeiros tiveramque abandonar gradativamente o antigo sistema baseado em mão-de-obraescrava. Trento chega a considerar a imigração como um dos fatores quelevaram à abolição da escravatura.

Entre 1880 e 1924 chegaram ao Brasil aproximadamente 1.400.000italianos. Vários fatores estimularam essa migração em massa: leis que pre-viam o transporte gratuito, prêmios pagos aos agentes de imigração, escas-síssima densidade demográfica do país, a propaganda do país na Europa,subvenção da imigração pelo Estado brasileiro etc.

O principal fator de expulsão dos italianos foi a miséria, impulsionadapor depressões agrícolas, altas taxas sobre os preços dos alimentos, con-fisco de propriedades por dívidas etc. “A fuga, inclusive a pé em plenoinverno, para chegar ao porto de embarque – Gênova – envolvia aldeiasinteiras e podia assumir aspectos de verdadeira libertação ...”, diz Trento.Claro que por trás da emigração transoceânica, havia também os interessesdas sociedades de navegação italianas.

Eram péssimas as condições nos navios e vapores, e a taxa de morta-lidade era elevada, sobretudo de crianças. As descrições da travessia são

26

sempre terríveis e dramáticas, incluindo casos de mortos de fome ou porasfixia. Uma vez chegados ao destino, os imigrantes eram alojados gratui-tamente por oito dias. Nos anos de grande afluência, a impossibilidade deencontrar emprego imediato levou muitos italianos a mendigar sua susten-tação pelas ruas. As péssimas condições de viagem e permanência dessesimigrantes suscitou uma série de discussões na Itália, num momento em quesurgiam leis que visassem à proteção desses migrantes.

No segundo capítulo, Trento analisa o destino regional da imigraçãoitaliana. As províncias do Sul representaram o destino privilegiado nos pri-meiros anos de imigração. Já em 1848 o governo concedeu a cada província36 léguas quadradas de terras destinadas à colonização. Apesar disso, a ver-dadeira colonização italiana no Sul começa em 1875, e começa a estancar em1892, devido a uma série de fatores, sobretudo à instabilidade política advin-da da revolução federalista e à passagem dos serviços de imigração e colo-nização do governo central para os governos dos estados.

Além do Rio Grande do Sul, outros destinos acolheram esses imigran-tes, como Rio de Janeiro, Espírito Santo e, em maior número, MinasGerais. Mas foi São Paulo o lugar que concentrou mais imigrantes no Brasil:dos 4.100.000 estrangeiros entrados no Brasil entre 1886 e 1934, 56%encontravam-se nesta região, destacando-se os italianos em primeiro lugarem relação a outras nacionalidades, ocupando maciçamente a região cafei-cultora, em plena expansão graças à expansão das ferrovias.

O capítulo 3 versa sobre os misteres e classes sociais nos centros urba-nos. O emprego urbano será particularmente mais evidente em São Paulo,mas, em menor índice, não deixará de caracterizar cidades como o Rio deJaneiro e outras capitais. O aumento de mão-de-obra favoreceu o incre-mento da exportação do café e aumento no número de empregos urbanos– comércio, serviços e indústrias. Muitos colonos deixaram a fazenda etentaram abrir um comércio nos lugarejos e cidades. Quem não dispunhade capital para abrir seu próprio negócio podia empregar-se como assa-lariado. O mascate foi tipicamente italiano. Ao estabelecer-se na cidade,abria uma lojinha. O mercado varejista e o de jornais estavam quase total-mente em mãos dos italianos.

Até 1920, os imigrantes e seus descendentes representavam a maiorparte da classe operária em São Paulo, e uma grande porcentagem dela noRio de Janeiro. Boa parte dos empresários também possuía origem estran-geira. Uma considerável parcela dos bancos de São Paulo estava nas mãosdos italianos.

27

Os processos de assimilação e a vida coletiva são abordados no quartocapítulo. Uma preocupação constante da colônia italiana, sobretudo apartir da última década do século XIX, será a recuperação dos laçosidentitários e a defesa da língua e da cultura italiana. A Società di Bene-ficenza Italiana surge em 1854 no Rio de Janeiro, já com 126 sócios. Em1875, funde-se com a Società di Mutuo Soccorso. Em outros estadossurgem outras associações de italianos, como no Rio Grande do Sul em1871 e em São Paulo em 1878. São fundadas escolas e jornais italianos,sobretudo a partir de 1885. As exceções são no Rio de Janeiro, onde em1854 surge o L’Iride Italiana, e logo depois o Monitore Italiano, jornal decaráter patriótico. Trento indica uma série de jornais que são fundadosmais ou menos por todas as grandes cidades brasileiras, muitos estãointimamente ligados ao movimento operário de início do século XX. EmSão Paulo, o primeiro jornal italiano foi o Garibaldi, surgido em 1870. Háa presença de iniciativas jornalísticas mesmo onde a colônia italiana eraescassa, como no Pará, na Bahia e em Pernambuco. Vários jornais pro-fessaram abertamente uma posição apolítica Escolas italianas como aDante Alighieri eram instrumentos para manter vivos o conceito de ita-lianidade e os laços com a Itália.

Sobre o movimento operário é dedicado o quinto capítulo da obra. NoBrasil, como na Europa, as condições do proletariado foram dramáticas,com jornadas de trabalho de até 16 horas em determinados períodos doano. O surgimento de organizações operárias no Brasil foi tardio, como aprópria industrialização. Entretanto, já em 1891 tinha-se notícia de quechegavam ao país trezentos socialistas romanos. O surgimento do movi-mento operário no Brasil dependeu do elemento estrangeiro. Italianos,espanhóis e portugueses formaram a maioria dos quadros dirigentes dasorganizações operárias. Muitos eram socialistas ou anarquistas, e surgem asprimeiras publicações de orientação proletária, como Gli Schiavi Bianchi(“Os escravos brancos”), que já fala de “tirania burguesa”, “escravidão docapital” e “injustiças”. Segundo Trento, “uma parcela mínima de emigraçãocom experiência política chegou de fato ao Brasil, mas seu peso quantita-tivo foi muitas vezes mitificado pelos libelistas da época e pela historiogra-fia posterior” (p. 217). Em 1907 foi aprovada pelo parlamento brasileiroo projeto 1.641, que previa a expulsão do país dos estrangeiros que repre-sentassem perigo para a segurança nacional ou para a tranquilidade pública.Muitos anarquistas italianos foram extraditados, como Gigi Damiani, ex-pulso em 1919.

28

No período entre as duas guerras, conforme aponta o capítulo 6, aporcentagem de italianos que entraram no país caiu drasticamente: poucomais de 89.000 indivíduos, de acordo com as estatísticas italianas, e quase120.000, de acordo com as brasileiras. No mesmo período, entraram naArgentina mais de 610.000 pessoas. A partir dos anos vinte, o Brasil nãoexercerá mais nenhuma atração, ainda que a necessidade de mão-de-obrafosse constante. As repatriações eram cada vez mais crescentes. A partir dosanos 1920, a imigração sofreu mudanças significativas na sua composiçãoprofissional, no momento em que o Brasil conheceu um forte desenvolvi-mento industrial. Os italianos estão maciçamente presentes no comércio,mas também começam a se afirmar nas profissões liberais, sobretudo nacidade de São Paulo. A partir da metade dos anos 1920, começou-se aassistir a uma campanha para que os italianos matriculassem seus filhos emescolas italianas. Algumas polêmicas em relação à orientação fascista dasescolas italianas começaram a surgir, e atingiam inclusive os livros didáticosem uso. Num deles, Le due Patrie, de Sestilio Montanelli, descrevia-se ocaboclo como “preguiçoso, sujo, indolente, capaz de passar dias inteirosdeitado” (p. 295). Para minimizar a influência fascista nessas escolas, criou-se uma lei que determinava que português, história e geografia do Brasildeveriam ser ensinados exclusivamente por professores brasileiros. Além detentar manter viva a italianidade e de inculcar uma ideologia nos descenden-tes dos italianos, o governo italiano do entre-guerras também esforçou-separa garantir uma maior presença intelectual no Brasil, seja enviando pro-fessores universitários, seja na criação de novas escolas. A propagandafascista no seio da comunidade italiana não encontrava muita resistência porparte do governo brasileiro. Tanto os anarquistas quanto os comunistasitalianos se mantiveram à margem do movimento antifascista.

O último capítulo da obra de Trento analisa a situação do pós-guerra.Novamente a emigração aparece para os italianos como solução para osproblemas criados pela escassez de trabalho e capitais. Uma boa partedesse fluxo migratório dirigiu-se para outros países europeus, embora umfluxo consistente tenha se direcionado às Américas. Seguiu-se um períodode assinaturas de acordos entre Itália e Brasil, com a abertura de umEscritório Comercial Brasileiro em Milão e de Câmaras Italianas de Co-mércio no além-mar. Mas nem a presença, em 1947, de 207 empresasitalianas em São Paulo pôde incrementar o aporte maciço de italianos aopaís. Conforme diz Trento, “o estado de espírito de quem emigrava, talvezcom medo de que um novo conflito ainda pudesse sacudir a Europa (...)

29

não podia deixar de refletir o horror pelas devastações e pelos sacrifícioshumanos, os sofrimentos e o desespero que, por tanto tempo, haviamassinalado o destino da pátria” (p. 450). A mentalidade desses italianos eradiferente da dos que haviam imigrado trinta ou quarenta anos antes. Arecusa em submeter-se e em aceitar compromissos humilhantes traduziamnovas exigências dos italianos, o que muitas vezes era visto como vagabun-dagem, indolência etc.

Conforme diz Trento, “fazer a América” foi uma empresa que custoufadiga, humilhação, desespero, até mesmo para quem teve êxito. Passadosos tempos de imigração maciça, “os protagonistas conhecidos e obscurosdesses sacrifícios não devem ser esquecidos” (p. 488). A obra de Trento étestemunho disso.

Imigração galega no Rio de Janeiro e em BuenosAires (1890-1930): Breve estudo comparativo doimaginário e do associativismo étnicoÉrica Sarmiento1

PPGH-mestrado-Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO)/ Universidade do Estado do Riode Janeiro (UERJ)

RESUMO:No presente artigo, pretende-se analisar o imaginário e o associativismo doimigrante galego nas cidades do Rio de Janeiro e Buenos Aires no períododa Grande Imigração. O associativismo, os movimentos operários, ocrescimento do setor terciário foram marcantes nestas duas capitais,principalmente através da presença dos imigrantes. A imigração galega exerceuforte influência nos setores terciários, e, como elemento predominante nopequeno comércio, não passou despercebida diante do olhar crítico da populaçãocarioca e porteña do ínicio do século XX. Por outro lado, o associativismomarcou uma atuação desse grupo imigratório tanto na sociedade de origem,como na sociedade de recepção, recriando identidades e contribuindo, com asremessas, para o desenvolvimento do campo galego.Palavras chave: Rio de Janeiro- Buenos Aires- galegos

A PRESENÇA DO IMIGRANTE GALEGO

Ao longo do período da imigração de massas, entre os anos de 1880e 1930, as cidades do Rio de Janeiro e de Buenos Aires, foram receptorasde um importante fluxo imigratório procedente do Estado espanhol. Apesardas fontes estatísticas indicarem unicamente a nacionalidade do estrangeiro,muitos estudos, direcionados para as origens regionais dos imigrantes,constataram que os espanhóis que desembarcavam nessas duas capitais (naépoca, Rio de Janeiro, então capital do Brasil) eram, majoritariamente, deorigem galega2.

Na sociedade carioca, os espanhóis representavam o terceiro grupoimigratório mais importante, depois dos portugueses e italianos. Já no casoda capital Argentina, segundo as estatísticas, entre os anos de 1878 e 1927,46,2% das entradas de passageiros procediam da Itália e 32,88% da Espanha.

32 LATINIDADE

Durante o primeiro quartel do século XX, os galegos constituíam arredorde 50-55% do contingente de espanhóis residentes em Buenos Aires. Elescompartilhavam espaços sociais e profissionais com outros coletivos eparticipavam do processo de modernização carioca e porteño.

A imigração galega se caracteriza principalmente por sua concentraçãonas áreas urbanas. Apesar de buscar as cidades na experiência imigratória,a imensa maioria dos galegos que se dirigiu a Buenos Aires e Rio de Janeiroera de origem camponesa. Conforme analisa Núñez Seixas, os galegos nãosó eram numerosos em Buenos Aires, como a sua presença se faziam notarna sociedade:

Además de ser el grupo mayoritario entre los españoles residentesem Buenos Aires, los inmigrantes galaicos desempeñaban todauna serie de ocupaciones en el sector terciário urbano de granexposición al público (...) abundan los comerciantes y hoteleros,los almaceneros, los dependientes de comercio (NÚNEZ SEIXAS,2007:35)

A forte presença dos galegos instigou o imaginário argentino. O sentidopejorativo utilizado pela população nativa em relação ao uso da palavragalego parece remontar desde os períodos coloniais, quando a imagem doimigrante já era depreciada nas novelas, literatura e nos teatros castelhanos.No teatro, a figura do mucamo ou criado, associada ao imigrante galego, eraa mais freqüente. No século XX, os estereótipos foram reforçados. Otermo “galego” estava associado a indivíduo preguiçoso, sujo e de inteligênciatosca. Mesmo ocupando posições econômicas importantes, os estereótiposdo galego bruto e sem cultura já estavam enraizados na sociedade argentina(NÚÑEZ SEIXAS, 1999).

Algo similar acontece no Rio de Janeiro. Aqui, os galegos tambémconheciam a imagem que os cariocas tinham deles. Quando a Junta Diretivado Centro Galego do Rio de Janeiro propôs, no ano de 1903, publicar seuprimeiro jornal, titulado El Correo Gallego, uma das preocupações dos diretivosera ilustrar el nombre “gallego” en el Brasil, que mucho lo necesita.

Como sabeis Sres. Directores, en casi todas las localidades en queel elemento gallego es grande, no se limita á tener una sociedadrecreativa, tienen también un periódico que trata no solamente delos intereses gallegos de las respectivas localidades sino de Galiciay e de España en general. Sabeis perfectamente que en Rio deJaneiro la palabra “gallego” es sinónimo de insulto, de

Imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1890-1930) 33

estigma y si bien es verdad que el Centro Gallego ya hademostrado que no puede ser insulto el ser “gallego” al contrarioque sintetiza el trabajo la honradez y la constancia en todos lasacciones justas y nobles, no es menos verdad también que es muynecesario hacer una propaganda firme, perseverante, enérgica parahacer acreditar á este medio adverso que Galicia sabe dar almundo no solamente hombres trabajadores como también cultoresde la ciencia que se han distinguido universalmente en todos losramos del saber humano3.

Essa era a forma como a colônia galega do Rio de Janeiro se sentiaobservada e qualificada pelos brasileiros. Um emigrante trabalhador, massem projeção sócia. Era uma ofensa que a colônia não fosse reconhecidapor qualidades que não fosse somente a de árduos trabalhadores. A imagemé, em certa medida, parecida a dos galegos na Argentina; diferencia-se pelofato de que a emigração majoritária dos oriundos da Galiza sobre a espanholana sociedade argentina foi criando um estereótipo que qualificava osespanhóis de uma forma geral e, no Brasil, houve uma troca de nacionalidade:os portugueses - que eram os emigrantes mais numerosos e mais antigos- é que eram os galegos. Além disso, o português não era visto comopreguiçoso. O conceito de trabalhador podia ter duas interpretações, apositiva - o imigrante símbolo do esforço - e a negativa - o imigrante quese aproveita dos nativos e que faz do trabalho desonesto um meio paraalcançar sua ascensão socioeconômica. Quando os sócios do Centro Galegoutilizam a expressão “ser galego”, não devemos interpretá-la como destinadasomente à coletividade galega. A nacionalidade e a palavra se confundemem diferentes contextos e significados: entre “ser galego” da Galiza, “sergalego” de Portugal.

A construção dos estereótipos não se faz de um dia para o outro, e ,nocomeço do século XX, o grupo imigratório de maior contato com apopulação carioca (em número e em tempo) eram os portugueses. Osportugueses e os galegos representavam, sem dúvida, um importantecontingente imigratório com características muito similares que poderiamperfeitamente homogeneizá-los frente aos olhos dos nacionais.

Analisando desde a perspectiva do mercado profissional e do contingenteemigratório que habitava o Rio de Janeiro do final do século XIX/começodo século XX encontramos os portugueses ocupando majoritariamente oramo do pequeno comércio e de hotelaria e sendo o grupo de emigrante

34 LATINIDADE

mais numeroso da sociedade carioca. Os portugueses residentes na capitaldistribuíam-se pelas paróquias de São José, Santa Rita e Santana, além daCandelária e os espanhóis/galegos também se espalhavam pelas áreas maiscentrais destacando-se nas freguesias de São José, Santa Rita e Santo Antonio.Ambos emigrantes se concentravam nas zonas das habitações coletivas,convivendo diretamente com as classes nacionais mais pobres, formadaspor libertos e migrantes de outras regiões brasileiras. Isso significa que emmuitos aspectos do cotidiano carioca, onde já estavam estabelecidos osportugueses, se aglomeraram também os galegos, e perante os olhos dosnacionais de alguma maneira esse fator deve ter influenciado.

Um exemplo ilustrativo foi o do escritor brasileiro Aluízio de Azevedoque foi cônsul da cidade de Vigo no ano de 1896. Ele refletiu nas suascartas e/ou nos seus relatos de memória de viagem uma imagem doscamponeses galegos que correspondia a de um povo inculto, ignorante esujo, com tendências amorais (abundância de filhos ilegítimos, permissividadeem matéria sexual) imcomprensíveis para o habitante de uma grande cidadecosmopolita (NÚÑEZ SEIXAS, 2002:60) .As mesmas qualificações eramutilizadas no Rio de Janeiro em relação aos emigrantes portugueses. Aocupação profissional dos imigrantes, suas características culturais e suaforma de comportamento, em resumo, a sua inserção sócio-profissional,construiu imagens que estavam vinculadas ao processo de mudanças políticase culturais pelas quais passava a sociedade brasileira e argentina neste períodohistórico.

Quanto ao apoio assistencialista, ele não era nenhuma novidade nospaíses com altos índices de emigração. Uma vez os imigrantes passavam aser um grupo numeroso e conquistavam importantes privilégios na sociedade,tendiam a se unir em associações com fins assistencialistas ou culturais,como uma forma de unir seus valores e tradições, dar apoio econômicotanto no país de origem como no de acolhida.

No caso de Buenos Aires, se bem é certo que o associativismo galegoconta com alguns precedentes desde o período colonial (em 1787 foicriada, com fins religiosos e assistencialistas, a Real Congregación de Naturalesy Originarios del Reino de Galicia), o surgimento das sociedades galegas é umfenômeno que coincide com o início da imigração de massas,correspondendo às últimas décadas do século XIX. Em 1879, foi fundadoem Buenos Aires o primeiro centro galego da Argentina, desaparecendo,precocemente, no ano de 1892. Mais de uma década depois, coincidindocom a Grande Imigração e a Primeira Guerra Mundial, surgiu o Centro

Imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1890-1930) 35

Gallego de Buenos Aires, no ano de 1907. Após se consolidar como umCentro beneficente e mutualista, a instituição cresceu de forma acelerada,incrementando, consideravelmente, o seu número de sócios e passando aser a maior sociedade mutualista da Argentina e da América española4.

O número de associações cresceu na sociedade porteña em ritmo frenético,florescendo as sociedades de tipo regional e, particularmente, as microterritoriais.Estas reproduziam os âmbitos territoriais de relação e interação social deseus lugares de origem, reproduzindo um conjunto de freguesias ou atémesmo uma única freguesia. Calcula-se que, entre 1904 y 1936, existiramao redor de 327 sociedades microterritoriais. O imigrante recém chegadona Argentina procurava os seus patrícios, na tentativa de construir espaçosde sociabilidade e ócio e, assim, fundar ou se associar às instituiçõesmunicipais ou paroquiais (freguesias). Desde os primeiros decênios do séculoXX, estas sociedades não só objetivavam o socorro mútuo, a beneficênciae o ócio, como também levavam a cabo ações no país de origem. Muitasassociações estimularam e financiaram iniciativas voltadas para a educação,recebendo, por isso, o nome de sociedades de instrucción.5Paralelamente àsinstituições de caráter associativo, surgiu a imprensa espanhola, destinada aopúblico peninsular e, posteriormente, o periódico El Gallego, a serviço doCentro Gallego de Buenos Aires. (DE CRISTÓFORIS, 2009)

Conhecido e muito estudado pela historiografia contemporânea, oassociativismo galego em Buenos Aires gerou uma forte rede de solidariedadeque incetivava a circulação de idéias, através dos periódicos, e também oenvio de remessas para a sociedade de origem. Um dos fenômenos quecaracterizaram o associativismo galego em Buenos Aires foi a proliferaçãode associações étnicas a nível microterritorial. Essas associações reproduziamo espaço de sociabilidade de origem e o sentimento de pátria, vinculadoao local de nascimento, que podia ser um município, uma freguesia ou atémesmo unidades tão pequenas como as aldeias Só como exemplo, duranteo primeiro terço do século XX, fundaram-se 225 escolas primárias nasfreguesias e aldeias da Galícia graças ao financiamento das associações. Asobrevivência dessas solidariedades locais e o alto índice de retornos, sejadefinitivo ou por curta estada, foram fatores que ajudaram a manter osimigrantes vinculados ao seu local de origem. Muitos imigrantes exercerampapel fundamental na educação local do campesinato através das sociedadesde instrução. Eles alegavam que a instrução era importante para romper oselos da escravidão da ignorância, fruto de uma Galiza estagnada e poucoinstruída ( NÚÑEZ SEIXAS, 1998).

36 LATINIDADE

Duas décadas depois da fundação do Centro Galego de Buenos Aires,nascia, no ano de 1899, o Centro Galego do Rio de Janeiro. Tal comosucedeu no caso argentino, muitos dos seus líderes já pertenciam aBeneficência Espanhola, fundada em 1859. Notemos que as datas daformação do associativismo galego/espanhol foram bem próximas emambas as cidades.

No caso do Rio de Janeiro, além do Centro Galego, foram confirmadasa existencia de pelo menos 11 sociedades microterritoriais galegas6.Incrivelmente, as atas ou qualquer outro tipo de documentação referente aestas associações desapareceram. Com exceção de uma: Aurora del porvenir.Registrou-se no ano de 1912, com sede na Rua Voluntários da Pátria,bairro de Botafogo, com o fim de “construir patrimonio para fundar emTomiño, provincia de Pontevedra, Espanha, escola prática onde possamgratuitamente receber instrução moral e intelectual7”.

Dessa forma, percebemos que o imigrante, considerado ora como umelemento civilizador, ora a “flor exótica” que contaminava a clasSe operáriabrasileira com teorias anarquistas, passava a ser, na sua sociedade de origem,o elemento modernizador. Os “brasileiros” da Aurora de Porvenir, como sãochamado os imigrantes galegos do Brasil, construíram uma importanteescola que simbolizou a tentativa de modernização e democratização. Noseu programa incluía-se a laicização da educação, a renovação e a inovaçãodo sistema educativo mediante práticas intuitivas que estimulassem aaprendizagem do aluno8.

Ao contrario de Buenos Aires, é muito inferior o número de associaçõesgalegas no Rio de Janeiro, seja qual for o seu âmbito territorial, econsequentemente a imprensa étnica e a contribuição à sociedade de origem.Uma das hipóteses, segundo Avelina Gallego, para a coletividade espanholano Brasil, de forma geral, é que esta, ao contrário dos italianos, não contavacom um intelectual orgânico e com uma política emigratória que via aemigração como um fator positivo, como um mercado nacional no exterior.Seguindo a autora, a emigração espanhola carece de relatórios, crônicas deviagem de autoridades espanholas, artigos na imprensa que relatasse a vidada colônia no Brasil, ademais de contar com uma política que enfatizavaas emigrações para as colônias espanholas (Cuba, Argentina, Uruguai) e queestava impregnada por uma mentalidade anti-emigração (GALLEGO,1995:58). Mesmo que, em parte, essas hipóteses se confirmem, ainda existeuma lacuna sobre o assunto, até mesmo porque, como mencionadoanteriomente, o material das associações desapareceram.

Imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1890-1930) 37

Outra questão que deve ser mencionada é que diferentemente do CentroGalego do de Buenos Aires, o do Rio de Janeiro fechou as suas portasdepois de 40 anos de existência. Um dos problemas enfrentados junto àsautoridades brasileiras, e entre os seus próprios sócios, foi a questão da“diretoria vermelha’. As divergências internas entre seus membros, formadospela ala “azañista” (os de esquerdas) e pela ala dos nacionalistas foramparar nas mãos da polícia de Getúlio Vargas. Era demasiado perigoso emum país estrangeiro, com um regime de ditadura, manter posiçõesdeclaradamente esquerdistas. O final foi trágico: fecharam o Centro Galegoem 1943.

Na Argentina, a liderança étnica, através da projeção social dos líderesnas associações mutualistas, junto com as redes sociais, era a via de entradapara a participação política dos espanhóis nesse país, além de abrirpossibilidades de ascensão social tanto na sociedade receptora como na deorigem (DA ORDEN: 2001:171) . A coletividade galega aí tinha umaparcela significativa de representatividade: era o grupo regional maisrepresentativo na Associación Española de Socorros Mutuos. Pelo menos até 1925estiveram sempre acima de 40% do total de sócios de origem espanhola(FERNÁNDEZ, 2001:144).

Quanto aos discursos da associações étnicas devemos analisá-loscautelosamente. As frases dotadas de patriotismo era algo normal emqualquer associação. Havia que apelar ao sentimento de identidade e decoletividade para unir um grupo em torno de um mesmo ideal. Mas emque medida essas instituições do começo do século XX conseguiram alcançara massa de galegos ambulantes, caixeiros, camareiros, que viviam dispersospelo centro do Rio, buscando dia-a-dia um lugar ao sol? Teriam essesemigrantes realmente conhecimento, dinheiro, ou tempo, depois de longasjornadas de trabalho, para se dedicarem a uma associação como o CentroEspanhol? Sabiam realmente da existência dele? Dentro dos discursos podemestar algumas respostas: “Nuestro nombre, nuestro prestigio y nuestra influencia”,“los que tienen siempre el alma, el esfuerzo, el bolsillo, ¿porque no decirlo? - ya que tantocuenta el bolsillo en estos tiempos- a la disposición de toda obra española”. Primeiramente,está claro, que nessa época já havia uma coletividade galega numerosa eformada por indivíduos que alcançaram um poder econômico e que estavamdesejando um reconhecimento social. Um dos degraus para chegar a essaascensão social era através das associações. Os membros da diretoriaganhavam uma visibilidade tanto dentro do coletivo galego como nasociedade brasileira. Poderiam perfeitamente utilizar as necessidades dos

38 LATINIDADE

seus patrícios em prol de interesses individuais. Como esclarece FernandoDevoto:

El problema del asociacionismo de los inmigrantes no se resuelveindagando solamente las necesidades y aspiraciones de los migrantes.Hay que detenerse también en aquellos de los grupos dirigentes.Éstos fueron los que crearon muchas de las instituciones centralesy al hacerlo perseguían propósitos que en parte eran semejantes yen parte eran diferentes de los mismos anónimos inmigrantes. Elprestigio social que daba el título de presidente de una de estasentidades, o incluso de miembro de su comisión directiva, lasposibilidades de interacción con las autoridades consulares delpaís de origen que brindaban, la visibilidad en los actos públicosque se hacían en el radio de acción de las mismas constituíanreconocimientos ambicionados, aunque nos puedan parecermodestos y a veces un poco patéticos (DEVOTO: 2003:245).

O historiador Núñez Seixas aborda a questão dos tipos de liderançasétnicas utilizadas para os galegos em América, como a liderança interna ea de projeção. A primeira consiste em um tipo de liderança que nascedentro do grupo étnico e se desenvolve dentro dele, a partir de indivíduosque, teoricamente chegam ao continente americano em uma situaçãorelativamente parecida (por exemplo, filhos de camponeses que chegamsem recursos) e que, graças a sua ascensão social e o seu trabalho de porta-vozes do grupo se convertem tanto em seus representantes como em seusdefensores mediante o exterior. A segunda, a liderança de projeção refere–se àqueles indivíduos surgidos do grupo étnico, que adquirem uma audiênciasuperior ao do grupo que são identificados e que, de fato, se movimentamàs margens dele, ou simplesmente mantêm uma vinculação fraca ou umenvolvimento meramente simbólico (NÚÑEZ SEIXAS, 2003: 355-356).

Um caso bastante representativo de indivíduos de projeção dentro dacoletividade espanhola/galega e da brasileira foi o do imigrante galegoJosé Hermida Pazos (Pontecaldelas), dono das fábricas de óticas. Tanto ele,como o seu sócio e chefe, o português José Maria dos Reis, atuaramativamente nos cargos de diretoria nos Hospitais de ambos os seus paísesno Rio de Janeiro, participaram em associações brasileiras ligadas à indústria,além de pertencerem à irmandades religiosas. Os dois foram corretoresjubilados da Ordem Terceira de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte.As suas oficinas, situadas na Rua Buenos Aires nºs 63, 65, 67, 69 e 71

Imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1890-1930) 39

encontravam-se instaladas em prédios pertencentes à referida Ordem. Essasirmandades desempenhavam diversos papéis ligados à execução e fiscalizaçãode ofícios, além de funcionarem como bancos e defenderem os interessesde diversas corporações de ofícios (Pita Freitas, 1986: 49). Outra irmandade,A Nossa Senhora do Monte do Carmo, da qual também fazia parte JoséMaria e José Hermida, acolheu ao xallense Francisco Mouro Castro. Nosseus documentos pessoais, encontramos uma espécie de diploma, do anode 1916, onde um jovem Francisco, aos seus 26 anos de idade, pagava umaquantia de 305$000 réis para poder fazer parte do noviciado. Uma cotaque nem todos podiam ou estavam interessados em pagar9. Quando asituação econômica era favorecedora não bastava somente em se inscrevernas associações espanholas, era necessário integrar-se também na elitebrasileira. No caso de José Hermida Pazos estamos diante de um emigrantede um concelho e uma zona pontevedresa de importante emigração à Riode Janeiro, como pode ser Pontecaldelas e os municípios vizinhos, comoCotobade. A projeção social desse emigrante, um industrial que fazia partedos círculos intelectuais brasileiros, seguramente foi um ponto de apoioimportante para a instituição espanhola que contava com um personagemilustre que transpassava os círculos galegos e que gozava de prestígio nasociedade carioca. Esses imigrantes pioneiros podiam contribuir com recursoseconômicos para a instituição, ademais de ajudar na inserção socioprofissionalde patrícios recém-chegados e apoiar àqueles que haviam conseguidoascender economicamente, mas que buscavam também uma projeção socialna sociedade carioca. A imagem do imigrante não é somente uma percepção,um estereótipo, construído pelos discursos ou pelo imaginário, ela representaa história e a memória dessas cidades.

NOTAS1 Este artigo é resultado do estudo preliminar do projeto financiado pelo CNPQ “A

imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1880-1930): associativismo, trajetóriasocioprofissional e cidade”.

2 Para o caso dos espanhóis na capital argentina, vid. MOYA, José C. Primos y extranjeros. Lainmigración española en Buenos Aires, 1850-1930. Buenos Aires: Emecé, 2004. Para o caso dosgalego, o estudo de NÚÑEZ SEIXAS. Xosé Manoel. Un panorama social da inmigracióngalega en Bos Aires, 1750-1930. In: FARÍAS, Ruy (coord), Bos Aires galega, Gallega Inmigración,pasado y presente. Buenos Aires: Comisión para la Preservación del Patrimonio Cultural dela Ciudad Autónoma de Buenos Aires, 2007, p.47-70. Para o caso dos espanhóis no Riode Janeiro, SARMIENTO, Érica. O outro rio: a emigración galega a Río de Xaneiro. Santa Comba/Santiago de Compostela: 3C3 editores, 2006.ZAMORANO BLANCO, Victor D. De agentes delprogreso a elementos del desorden: inmigrantes españoles y exclusión social en Río de Janeiro (1880-1930.Tese de doutorado apresentada na Faculdade de História, Universidad de Salamanca,

40 LATINIDADE

2010.Alguns trabalhos mais antigos que podem contribuir com dados quantitativos, GUI-MARÃES, Lúcia Paschoal. Espanhóis no Rio de Janeiro(1880-1914).Contribuição à historiografiabrasileira. Tese de concurso à livre docência de Historiografia apresentada ao Instituto deFilosofia e Ciências Humanas da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro,1988. Os imigrantes galegos em Buenos Aires, grupo majoritário do Estado espanhol,também tiveram forte presença no setor terciário. Sobre essa temática há variedade debibliografia, entre as mais recentes FARÍAS, Ruy Gonzalo. Bos Aires galega. A Coruña:Toxosoutos, 2010. Outras informações podemos encontrar em NÚÑEZ SEIXAS, XoséManoel (Ed.) La Galicia austral. La inmigración gallega en la Argentina,.Buenos Aires: EditorialBiblos, 2001.

3 O grifo é da autora. Arquivo do Hospital Espanhol do Rio de Janeiro (AHERJ). Ata dodia 17 de outubro de 1903, Centro Galego, Libro de Actas, aniversário ano de 1902.

4 Os 400 socios de 1910, se transformaron em 27.237 no período de 1929 a 1930. No períodode 1961 a1962, a instituição atingiu o número de 104.855 socios.

5 Calculam-se em 235 o número de escolas financiadas pelas sociedades de instruçãoamericanas. Dentre esse total, 186 foram construídas ou reformadas especificamente parafins acadêmicos. Vid. NÚÑEZ SEIXAS, NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. Emigrantes, caciquese indianos. O influxo sociopolítico da emigración transoceánica en Galicia (1900-1930). Vigo: Xerais, 1998;CAGIAO VILA, Pilar. A vida cotia dos emigrantes galegos em América. In: Pilar Cagiao Vila(Compiladora), Galegos en Amércia e americanos en Galicia. Santiago de Compostela: Xunta deGalicia, 1999, p.115-35.CAGIAO VILA, Pilar & PEÑA SAAVEDRA, Vicente (Comisariado). Nós mesmos. Asociacionismogalego na emigración – Asociacionismo gallego en la emigración, [Santiago de Compostela]: Conselloda Cultura Galega, 2008. Sobre a obra sócio-educativa dos imigrantes galegos na Américae na sociedade de origem, ver o clássico PEÑA SAAVEDRA, Vicente. Éxodo, organizacióncomunitaria e intervención escolar. La impronta socio-educativa de la emigración transoceánica en Galicia.Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1991, 2 vols.

6 Segundo o Boletín del Consejo Superior de Emigración, as sociedades microterritoriais galegas noRio de Janeiro são Sociedad Aurora del Porvenir (concelho de Tomiño), Sociedad Hijosde la Picoña (Salceda de Caselas), Sociedad Hijos del Distrito de Arbo, Sociedad Hijos deRubiós (As Neves), Sociedad La Paz de los Tres Rivartemes (As Neves), Sociedad Pro SantaBárbara, Sociedad Protectora Hijos de la P. de Cabeiras (Arbo) (Fundos do Arquivo daEmigración Galega, Santiago de Compostela). Além dessas sociedades, o Arquivo da Emigraciónde Santiago de Compostela ofereceu-nos outros nomes que não constavam na citada listado Boletin Superior de Emigración, tais como o Centro del Distrito de Caselas (Salcedasde Caselas), Sociedad de Socorros Mútuos, Educación y Progreso Vidense (As Neves) eHijos de Redondela. Infelizmente, só conseguimos encontrar as atas e o resgistro da Auroradel Porvenir.

7 Arquivo Nacional. 1º Ofício de Registro de títulos e documentos do Rio de Janeiro.Registro de Sociedades Civis, n. 563.

8 JORGE, Natalia. As Escolas indianas en Tomiño. Site http://pdf.depontevedra.es/ga/107/zMIzuueJVV.pdf, acesso no dia 21/06/2012.

9 Arquivo pessoal de Francisco Mouro Castro. Doado gentilmente pela neta do imigrante,Albina López (Santa Comba, A Coruña, 2004)

Imigração galega no Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1890-1930) 41

BIBLIOGRAFIA

CAGIAO VILA, Pilar. A vida cotia dos emigrantes galegos em América. In:CAGIAO VILA, Pilar (compiladora). Galegos en América e americanos en Galicia.Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, 1999. p.115-35.

CAGIAO VILA, Pilar & PEÑA SAAVEDRA, Vicente (Comisariado). Nósmesmos. Asociacionismo galego na emigración – Asociacionismo gallego en la emigración.Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, 2008.

DA ORDEN, Maria Liliana. La inmigración gallega en Mar del Plata: trabajo,movilidad y relaciones personales. In: NÚNEZ SEIXAS, Xosé Manoel (ed.). LaGalicia Austral. La inmigración gallega en la Argentina. Buenos Aires: Biblos, 2001.p.87-106.

DE CRISTÓFORIS, Nadia Andrea. Bajo la Cruz del Sur: gallegos y asturianos enBuenos Aires (1820-1870). A Coruña: Fundación Pedro Barrié de La Maza, 2009.

DEVOTO, Fernando. Historia de la inmigración en la Argentina. Buenos Aires:Editorial Sudamericana, 2003.

FARÍAS, Ruy (coord.). Bos Aires Gallega Inmigración, pasado y presente. BuenosAires: Comisión para la Preservación del Patrimonio Cultural de la CiudadAutónoma de Buenos Aires, 2007.

FARÍAS, Ruy Gonzalo (coord.). Bos Aires galega. A Coruña: Toxosoutos, 2010.

FERNÁNDEZ, Alejandro E. “Los gallegos dentro de la colectividad y lasasociaciones españolas en el primer tercio del siglo XX”. In: Xosé ManuelNuñez Seixas (ed)., La Galicia austral. La inmigración gallega en la Argentina.Buenos Aires: Biblos, 2001. p.139-160.

JORGE, Natalia. As Escolas indianas en Tomiño. Site http://pdf.depontevedra.es/ga/107/zMIzuueJVV.pdf, acesso no dia 21/06/2012.

MOYA, José C. Primos y extranjeros. La inmigración española en Buenos Aires, 1850-1930. Buenos Aires: Emecé, 2004.

NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel (Ed.) La Galicia austral. La inmigración gallega enla Argentina.Buenos Aires: Editorial Biblos, 2001.

NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. Algunhas notas sobre la imagen social de losinmigrantes gallegos en la Argentina. Estudios Migratorios Latinoamericanos,Santiago de Compostela, nº 42, p.67-109, ano 14, 1999.

NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. O inmigrante imaxinario. Estereotipos, identidades erepresentacións dos galegos na Arxentina (1880-1940). Santiago de Compostela:Universidade de Santiago de Compostela, 2002.

NÚÑEZ SEIXAS, Xosé Manoel. Emigrantes, caciques e indianos. O influxosociopolítico da emigración transoceánica en Galicia (1900-1930). Vigo: Xerais, 1998.

42 LATINIDADE

NÚNEZ SEIXAS, Xosé Manoel. “Liderazgo étnico en comunidades emigrantes:algunas reflexiones”. In: SÁNCHEZ ALBORNOZ, Nicolás; LLORDÉN, Moisés(comp.). Migraciones iberoamericanas. Reflexiones sobre economía, política y sociedad.Columbres/ Asturias: Fundación Archivo de Indianos, 2003. p.34-56.

NÚNEZ SEIXAS, Xosé Manoel. A parroquia de além mar: Algunhas notassobre o asociacionismo local galego en Bos Aires (1904-1936). In: CAGIOVILA, Pilar (ed.), Galicia nos contextos históricos. Semata, Santiago de Compostela,nº11, p.345-379, 1999.

PEÑA SAAVEDRA, Vicente. Éxodo, organización comunitaria e intervención escolar.La impronta socio-educativa de la emigración transoceánica en Galicia. Santiago deCompostela: Xunta de Galicia, 1991.

SARMIENTO, Érica. O outro rio: a emigración galega a Río de Xaneiro. SantaComba/Santiago de Compostela: 3C3 editores, 2006.

ZAMORANO BLANCO, Victor D. De agentes del progreso a elementos del desorden:inmigrantes españoles y exclusión social en Río de Janeiro (1880-1930. Tese dedoutorado, Faculdade de História, Universidad de Salamanca, 2010.

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo delPensamiento Político y Socio-Economico en Rusiay América LatinaIrina M. Vershinina, Instituto de Latinoamérica de la Academia de Ciencias de Rusia,Moscú, RusiaJohannes Maerk, Ideaz. Instituto de investigaciones interculturales y comparadas,Viena, Austria

RESUMENLa ponencia analiza el pensamiento latinoamericano y ruso, haciendo hincapiéen las similitudes (y en menor grado las diferencias) entre el pensamientopolítico y socio-económico entre dos espacios que son vinculándose cada vezmás a través del espacio de BRICS, el mundo eslavo y el mundolatinoamericano. El debate sobre centro-periferia, la búsqueda de lo autenticoen el pensamiento y corrientes contra la occidentalización, cuestiones clave quetrataban de abordar y que no perdieron su importancia hasta nuestros díasestán en el focus del presente trabajo. Además se va discutir cómo se insertael pensamiento de estos dos espacios en la era de la globalización y en elnuevo escenario internacional más allá del mundo unipolar.Palabras claves: América Latina, Rusia, pensamiento político y socio-económico

INTRODUCCIÓN

Cualquier pensamiento social (en el sentido lato de la palabra, es decirincluso el filosófico, económico, etc.) es un reflejo de los problemas quesurgen en la sociedad, y el enfoque de su resolución se determina por elcomplejo de peculiaridades civilizacionales.

Al recurrir a las teorías, modelos y ideas ajenos a piori nos condenamosa los fracasos, siempre estamos alumnos es decir los que pisan los talonesde los otros.

Estamos en presencia de una crisis que, por su índole y susmanifestaciones, supera aquella otra, también muy grave, de losaños treinta. No me parece que sea posible explicarla a la luz deteorías que surgieron en los centros hace más de un siglo: ni de lasque exaltan las virtudes del capitalismo ni de las que condenan el

44 LATINIDADE

sistema. Son teorías que han quedado a la zaga de los acontecimientosy también del enorme avance de los conocimientos científicos. Elcapitalismo ha evolucionado incesantemente y, conforme sedesenvuelven y propagan las innovaciones técnicas, acontecen grandestransformaciones en la estructura de la sociedad, acompañadas decambios de gran significación en las relaciones de poder que tantoinfluyen en la intensidad del desarrollo y la distribución social de susfrutos. A todo ello se añaden las consecuencias cada vez más notoriasde la ambivalencia de la técnica. El anacronismo de esas teorías esmuy serio en sí mismo y en sus consecuencias, pues son incapacesde interpretar los hechos y son contraproducentes en sus formas deacción. Una y otra vez la realidad rebasa el molde estrecho deconceptos que pretenden circunscribirse a lo económico, eliminandopor asepsia doctrinaria elementos sociales, culturales y políticos queforman parte integrante de la realidad y que, junto con los elementostécnicos y económicos, tienen importancia creciente en las mutacionesestructurales de la sociedad (PREBISCH, 1984, p. 163).

Estas palabras escritas hace 30 años pertenecen a Raul Prebisch, peroparecen muy actuales ahora cuando el mundo está sufriendo la crisis, muchomás grave debido a si multidimensional y multifacética y que no se puedereducir sólo a lo económico, pero que cuya salida están buscándola en víade neoliberalismo económico.

El Mundo tiene necesidad de nuevos proyectos alternativos que, ennuestra opinión, deben ser elaborados a base del pensamiento propio y laexperiencia histórica propia, y los cuales tengan en consideración el arquetipodel pueblo que va a participar en éstos.

Justo por eso nos dirigimos a las diferentes corrientes del pensamientolatinoamericano y ruso en las cuales más que en ningunos otros países sereflejó la busqueda de su propio camino hacia el desarrollo equitativo, justoy sostenido.

En este trabajo tratamos de analizar el pensamiento latinoamericano ensu relación con otro pensamiento situado en los márgenes, el mundo eslavocon especial énfasis en el ruso. Desde luego utilizamos el término “marginal”como una categoría de análisis sin ninguna connotación de orden ético. Nosinteresa como se piensa “desde” estos dos espacios “marginales”. “Marginal”denominamos todo aquello pensamiento que se genera fuera del núcleoprincipal del pensamiento humanístico y social – es decir fuera de Europa

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 45

Occidental y Estados Unidos. Entre este pensamiento “marginal” existenvasos comunicantes es decir tal como en la dinámica de fluidos podemosobservar un fluir de ideas comunes: la originalidad / imitación de las ideas,la problemática relación centro – periferia, la indigenización del saber.

LA BÚSQUEDA DE LO AUTENTICO EN EL PENSAMIENTO - LAS CORRIENTES CONTRA LAOCCIDENTALIZACIÓN EN AMÉRICA LATINA (DE LA CONQUISTA A LA ANTROPOFAGIA)

El pensamiento (filosófico) latinoamericano se inició con la llegada delos primeros sacerdotes y monjes poco después de 1492 con la conquistay la posterior fusión de las Américas de los quechuas, los aztecas, los mayasy otros con España y Portugal. Desde luego estos pueblos ya tenían suspropias formas de pensar, sin embargo con la conquista quedó clausuradoel desarrollo proprio del pensamiento de los pueblos autóctonos.

Por lo tanto, el desarrollo de pensamiento latinoamericano comenzócon la corriente filosófica dominante en la Península Ibérica del siglo 16:la escolástica aristotélica–tomista que obtuvo en las universidades reciénfundadas como Santo Domingo (1505), Lima y México (1553) laprotección y promoción oficial. Las órdenes religiosas (especialmentedominicos, agustinos, y desde la mitad del siglo 16 los jesuitas en particular)eran los más importantes exponentes de esta escolástica quienes eranresponsables de la educación y de la cristianización de los pueblos indígenassubyugados.

El objetivo era formar a los subordinados en el Nuevo Mundo en lasideas y los valores del estado español y de la corona española. Así laescolástica estaba estrechamente asociada con la clase alta criolla y la burocraciacolonial española y dominó el quehacer filosófico durante los siglos 16 y17. En Europa en cambio surgieron ya las corrientes post-escolásticas: elempirismo inglés (Locke, Hume) y el racionalismo francés (Descartes). Asípor ejemplo, el Discurso del método de Descartes, publicado en Europa en1637, fue conocido en el Nuevo Mundo casi un siglo más tarde.

Pero a mediados del siglo 18 en América Latina cada vez más estasideas ilustradas cobran más importancia: en 1771 el virrey del Perú aprobóun plan de estudios que incluyó las ideas de Leibniz, Bacon y Descartes yen 1781 el mexicano Juan Benito Díaz de Gamarra y Dávalos (1745-1783)publicó sus Errores del entendimiento Humano. El libro fue una crítica de laescolástica que se refiere a las ideas de Leibniz y Descartes y se dirigiócontra la doctrina imperante de Tomás de Aquino. Gamarra definió lafilosofía como el conocimiento de la verdad, del bien y del honorable: esto

46 LATINIDADE

podría lograrse sólo a través de la iluminación de la naturaleza y de lasconclusiones extraídas de la razón sin referente religioso.

Una vez consumida la independencia que llegó a casi todos los paísesde América Latina hasta 1830, la cuestión de la autenticidad del pensamientoen América Latina fue una de los enfoques principales de dos pensadoresargentinos: Juan Bautista Alberdi (1810-1884) y Domingo Faustino Sarmiento(1811-1888).

Alberdi formuló como uno de los primeros pensadores hispánicos lapregunta, ¿en qué medida se puede hablar de una filosofía auténticalatinoamericana? Punto de partida son sus

Ideas para presidir a la confección del curso filosofía contemporánea”pronunciadas en el Colegio de Humanidades, Montevideo en 1842 fue lacontradicción entre una filosofía universal y una filosofía particular. ParaAlberdi no existe una solución universal para todas las preguntas de todoslos tiempos, ya que no puede haber una solución universal para todas laspreguntas:

“No hay, pues, una filosofía universal, porque no hay una soluciónuniversal de las cuestiones que la constituyen en el fondo. Cadapaís, cada época, cada filósofo ha tenido su filosofía peculiar, queha cundido más o menos, que ha durado más o menos, porquecada país, cada época y cada escuela han dado soluciones distintasde los problemas del espíritu humano” (GAOS, 1982, p. 302).

En el ya mencionado discurso en cambio el autor afirma que sólo existeuna filosofía particular. “Es así como ha existido una filosofía oriental, unafilosofía griega, una filosofía alemana, una filosofía inglesa, una filosofíafrancesa y como es necesario que exista una filosofía americana. (GAOS,1982, p. 203) En consecuencia, la filosofía iberoamericana sería una propuestade solución para los problemas de la gente en este continente: el problemade la libertad, el problema de la organización social y el problema delprogreso. Alberdi anticipa con estas preguntas una discusión sobre el papelfundamental práctico de la filosofía para el continente latinoamericano: “(...)la discusión de nuestros estudios será mas que en el sentido de la filosofíaen sí; en el de la filosofía de aplicación, de la filosofía positivista y real, dela filosofía aplicada a los intereses sociales, políticos, religiosos y morales deestos países” (GAOS; 1982, p. 205). En un punto desde luego Alberdi esfiel al eurocentrismo de su época: la solución de los problemaslatinoamericanos viene de la adaptación de las ideas europeas en el continente,

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 47

una posible aportación de las ideas autóctonas (americanas) descarta porcompleta.

De manera similar, el segundo autor argentino, Domingo FaustinoSarmiento distingue en su obra principal “Facundo. Civilización y Barbarié”dos formas fundamentalmente diferentes de la sociedad latinoamericana:por un lado, la sociedad bárbara, americana e india y por otro lado, lasociedad civilizada, europea y española. Para Sarmiento España fue el primerpaís que ha civilizado a la América bárbara. Sin embargo, después de laindependencia de América Latina, el progreso de la sociedad no estaríagarantizado por España, sino por los Estados Unidos. Justificó esto con eltremendo auge económico del “hermano mayor en el norte”, y urgió unreplanteamiento de la política de inmigración: se pronunció a favor de unamayor promoción de la inmigración europea, sobre todo anglosajona porqueellos están libres de cualquier mezcla con otras razas (sic) y poseía másenergía física e intelectual.

Las dos propuestas de Alberdi y Sarmiento son la base de una ferozpolítica de modernización basado en el eurocentrismo y a partir de lasegunda mitad del siglo 19 del positivismo. Este último ofrecía las utopíassociales de la libertad y la dignidad humana al mismo tiempo que rechazalas enseñanzas espiritualistas de la Iglesia Católica. La autoridad de la teologíadebe ser sustituida por la autoridad de la ciencia, la religiosidad por elateísmo y el agnosticismo. Al mismo tiempo esta filosofía importada desdeFrancia obtuvo se impacto en las dictaduras del continente (sobre todo enBrasil y México).

A partir del siglo 20, el péndulo de las ideas se volteó al otro lado: Losmexicanos Antonio Caso (1883-1946) y José Vasconcelos (1882-1959)trataron de superar el positivismo. Ellos establecieron en 1907 en la Facultadde Derecho de la Universidad de la Ciudad de México la Sociedad deConferencias que fue posteriormente renombrado Ateneo de México (1909-1914) (PEREIRA, 2004, pp. 38-45). Los miembros eran un grupo dejóvenes intelectuales (por ejemplo Alfonso Reyes, Pedro Henriques o DiegoRivera) que comenzaron a interesarse por la literatura y la agitación socialy política, además de la filosofía. Los atenistas lucharon contra la tesis positivistaque sólo una filosofía basada en la ciencia y la tecnología posee validez yvalor. Se establecen como anti-materialistas, con grandes simpatías para elidealismo y el vitalismo (elementos que no siempre son fáciles de distinguir).Ellos tienen una clara preferencia por el pensamiento intuitivo, al mismotiempo menosprecian las consideraciones lógico-matemáticas. Los atenistas

48 LATINIDADE

persiguen dos objetivos principales: por un lado, trataron de vincularseintelectualmente con el potencial intelectual de Europa y aceptaron casoincondicionalmente el carácter universal de la filosofía europea. Por otrolado, critican de manera tajante el positivismo latinoamericano como proyectoneocolonial. En la obra principal Ética de Vasconcelos, esta crítica quedaclaramente manifiesta:

Pocos son las filosofías válidas universalmente, el platonismo. elaristotelismo, el idealismo y el realismo parecen polos eternos dela conciencia. Al lado de éstos, hay doctrinas de ocasión, hechaspara justificar una política o corolarios de planes y de prejuiciostemporales (...). Por eso, lo más triste de nuestra historia mental esque hayamos podido aceptar como ‘la filosofía` la doctrinapseudocientífica del evolucionismo, armadora del imperio, excusade las violaciones y los atropellos al derecho de gentes. Lo que nopodremos perdonar a nuestros mayores es el habernos puesto derodillas delante de ese fetiche del progreso expansivo de losanglosajones: la evolución (VASCONCELOS, 1987, p. 983).

Vasconcelos, después de haber atacado a la cultura anglosajona, cree quepuede haber un progreso intelectual en América Latina sólo cuando se tratade una formulación propia de ideales: “Cada raza que se levanta necesitaconstituir su propia filosofía (…). Nosotros nos hemos educado bajo lainfluencia humillante de una filosofía ideada por nuestros enemigos, si sequiere de una manera sincera, pero con el propósito de exaltar sus propiosfines y anular los nuestros” (VASCONCELOS, 1966, p. 43).

Vasconcelos anticipa una discusión que se ha discutido sobre todo desdefinales de los sesenta años del siglo XX: América Latina necesita una filosofíaautóctona que abre un nuevo camino intelectual: “Es menester (…) dar unafilosofía a las razas hispánicas, aunque no fuese por otro motivo que eltener ya nuestros rivales una filosofía propia que no nos conviene a nosotrosrepetir como loros en nuestras universidades ni poner en obra en nuestrasacciones” (VASCONCELOS, 1957, p. 681). Estos rivales, que mencionóson en particular la teoría del darwinismo social en su expresión anglosajonay el positivismo.

El desarrollo de una filosofía autóctona de América Latina no sólo esapropiado, sino absolutamente necesario para Vasconcelos, sobre todo porqueteme una pérdida paulatina de la identidad y la prevalencia de la influencianorteamericana en la cultura. El hecho de que se tratara de los pueblos de

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 49

América Latina de pueblos oprimidos, de acuerdo con Vasconcelos noimpide la formulación de una filosofía independiente. La filosofíalatinoamericana no es sólo una simple interpretación de los textos, sino unimportante instrumento de política.

DOS VÍAS AUTÓNOMAS DEL ANÁLISIS DEL PENSAMIENTO SOCIO-ECONÓMICO EN AMÉRICALATINA EN EL SIGLO XX

Consolidando la independencia política durante los intelectualeslatinoamericanos los siglos XIX y XX, trataron de producir un conocimientopropio a partir de la realidad social del continente. Tal es el caso de dosaportaciones origininales que a continuación quiero analizar1: la teoria de ladependencia y la propuesta de un nuevo meridionalismo.

La teoría de la dependencia es a la mayor la aportación intelectual delcontinente latinoamericano al pensamiento socio-económico universal. Estabúsqueda de una vía autóctona de la realidad social de América Latinacobró fuerza con el establecimiento de la Comisión Económica para AméricaLatina y el Caribe (CEPAL) de las Naciones Unidas en Santiago de Chileen 1948. El spirtus rector de esta institución fue el argentino Raúl Prebisch

El alejamiento de esa labor de mera “traducción” de la teoría,precisamente es la base que explica la construcción de los dos grandesparadigmas del pensamiento latinoamericano: la producción de los teóricosde la cepal en los años cincuenta y sesenta, y la teoria de la dependencia.No son, por cierto, las únicas corrientes teóricas latinoamericanas, ni sóloalrededor de sus marcos explicativos se ha producido conocimiento, perosí son ambas las que han logrado, hasta ahora, un mayor grado deestructuración teórica (SANCHEZ SOSA, 2004, p.12).

Aunque la “escuela de la dependencia” nunca fue una doctrina uniforme,se puede identificar algunas ideas que compartían los científicos sociales:

• Los obstáculos más importantes para el desarrollo no son la falta decapital o de habilidades de emprendedor. Ellos eran externos a laeconomía subdesarrollada no internos.

• La división internacional del trabajo se analiza en términos de lasrelaciones entre regiones, de los cuales hay dos tipos - centro yperiferia que asumen particular importancia.

• Hay un intercambio desigual de bienes – el centro exporta a laperiferia bienes manufacturados (caros) y la periferia recibe en cambiopoco dinero por sus exportaciones de materia prima hacia el centro.

50 LATINIDADE

Como estrategia de salir de este círculo vicioso de dependencia, losautores de propusieren como una de las medidas a adoptar laIndustrialización por sustitución de importaciones (ISI). ISI se basa en lapremisa de que un país debe tratar de reducir su dependencia del exteriora través de la producción local de productos industrializados.

El otro enfoque autócono es el llamado “Meridionalismo”. DejanMihailovic, catedrático serbio-mexicano, propone una nueva alianza geopoliticapara hace frente al mundo unipolar existente y que seria capaz de rompercon la dicotomía entre el polo centrico y periferico descrito por la teoriade la dependencia. Al llamado bloque BRICS (Brasil, Rusia, India y China)se sumarán Mexico y Argentina que formarían el “núcleo duro” delnuevo meridionalismo, paises que, segun Mihailovic,

suficientemente flexibles para no desarrollar hábitos imperiales (...)Una vez lograda su consolidación el nuevo meridionalismo rompecon la geopolítica imperial, va más allá de la globalización y laregionalización, promueve la integración interregional y el desarrolloendógeno, autocentrado y, finalmente, crea una nueva configuracióndel poder global (MIHAILOVIC, 2007, p.84).

Como primera evidencia empírica de esta nueva configuración, Mihailovichace referencia al grupo G-20 que hoy comprenden 23 miembros de laOMC: Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, China, Cuba, Ecuador, Egipto, Filipinas,Guatemala, India, Indonesia, México, Nigeria, Pakistán, Paraguay, Perú,Sudáfrica, Tailandia, Tanzanía, Uruguay, Venezuela, Zimbabwe. Esta coaliciónde países emergentes es un grupo de presión en temas agricolas que se formóbajo el liderazgo de Brasil poco antes de la 5ª Conferencia Ministerial de laOrganización Mundial del Comercio (OMC) en Cancún, México, en septiembredel 2003. Durante dicha conferencia el grupo se presentó como un adversarioserio de los miembros dominantes (EE.UU y Union Europea). Dado quelas propuestas de los EE.UU. y la UE para reducir sus subsidios agrícolas yabrir sus mercados a los productos agrícolas de los países del G-20 nocorrespondían con los resultados de la Ronda de Doha, fracasaron lasnegociaciones, sobre todo debido a la unión de los países del grupo.

EL PENSAMIENTO RUSO: BÚSQUEDA DE SU PROPIO CAMINO EN LUCHA CONTRA ELEUROCENTRISMO

En la historia rusa hubo dos corrientes del pensamiento social en las quecon gran fuerza se reflejó la búsqueda de Rusia de su propia única vía del

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 51

desarrollo y que desempeñaron un papel fundamental en cobrar Rusia laconciencia de ser una civilización autónoma y original. Estas son eleslavofilismo que surgió en los años 40 del siglo 19, y el eurasianismo, quese originó entre los emigrantes rusos en el primer tercio del siglo 20. Laimportancia de estas corrientes se determina no sólo por su papel en elpasado, sino también por el hecho de que las ideas formuladas por ellossiguen siendo válidas y se vislumbran casi en todas las corrientes científicas,políticas de hoy.

ESLAVOFILISMO

Desde el momento de aparecer el eslavofilismo han pasado casi 150años pero los problemas, que los eslavófilos habían planteado en sus trabajosa mediados del siglo 19, volvieron a surgir en Rusia lo que hace a losinvestigadores acudir de nuevo a la herencia de los fundadores de estacorriente sin reducir su estudio a la esencia de “clase” y tratando de penetrarla idea eslavófila en toda su riqueza y amplitud, tratando de entender el quidde controversias entre los eslavófilos y los occidentalistas.

En el extranjero el eslavofilismo muy a menudo identifican con elpaneslavismo cuyos motivos de alguna manera se puede distinguir en lasopiniones eslavófilas. Pero éste no es la esencia y el sentido de la corriente.Es un pensamiento ruso estrechamente vinculado con Rusia y sus problemasinternos en vísperas de la reforma de 1861 (abolición de la servidumbre)cuando Rusia comenzó la transición del feudalismo al capitalismo, que veníaacompañando por una transformación radical del modo de vida edificadadurante siglos. Los eslavófilos sugerieron su visión de los problemas y susolución de muchas cuestiones importantes de la vida política, social yeconómica rusa planteando serie de cuestiones ante la sociedad.

En los momentos más complejos y cruciales de la historia recaemos ennuestro pasado, buscamos allí un apoyo y soluciones de los problemasactuales tratando de tomar conciencia del presente para crear nuestro futuro.“Cada hito histórico, reflejando su tiempo único y singularidad histórica,tiene un interés particular para los descendientes cuando ellos mismos seponenen en el camino de cambios radicales” (ÄÓÄÇÈÍÑÊÀß, 1994, p. 3).

Uno de los fundadores del eslavofilismo Petr Kiréyevski dijo sobre laimportancia de la memoria: “... una característica distintiva de la barbaridades la desmemoria; ... no hay ni gran labor, ni palabra lógica sin el sentidovivo de dignidad,... el sentido de dignidad no existe sin el orgullo nacional,y el orgullo nacional no puede ser sin la memoria nacional” (ÖÈÌÁÀÅÂ,

52 LATINIDADE

1986, p. 69). En esta era de globalización, que ha afectado todos los paísesy pueblos, que se presenta como objetiva e inevitable pero de hecho es laimposición al mundo la vía y los estándares occidentales, lo que significaunificación total, se necesita volver a sus “principios” (orígenes), comodijeron los eslavófilos, pués sólo en este caso, hay posibilidad de preservarsu propia identidad.

Eslavófilos abordaron, tal vez, el problema más complicado para Rusia,problema de sus relaciones con el Occidente y la actitud rusa hacia elmismo Occidente y sus logros (en aquel entonces éste fue representado porEuropa). En esta discusión como opositores los eslavófilos tenían a los quese llamaban convencionalmente “occidentalistas”. Esta división en loseslavófilos y occidentalistas se produjo en aquella época pero sigue existiendoahora. Aún más, volvió a ponerse de relieve después de caer la UniónSoviética, cuando en Rusia se comenzó otra vez a discutir las vías dedesarrollo. Por supuesto, tanto los eslavófilos como los occidentalistas actualesno son los que fueron antes, pero el quid de la polémica sigue siendo elmismo: ¿Cuál es el camino a seguir Rusia? Su propio, único que respondaa sus “principios” (orígenes), o el occidental, inevitablemente siendo undiscípulo necio al que todos enseñan y traen al buen camino.

Rechazando un enfoque materialista que fue típico en la Unión Soviéticay en mayor medida es inherente al capitalismo actual, nosotros, de unamanera distinta, podemos evaluar la esencia y el significado del eslavofilismo,acudir a aquellas sus razones que antes estuvieron fuera del alcance de loscientíficos, pero que, en nuestra opinión, constituyen sus fundamentos y sonde gran importancia para comprender Rusia y su lugar en el mundo. Antetodo, tenemos en cuenta sus conceptos religiosos y filosóficos.

Hoy en día para nosotros los problemas más importantes que planteronlos eslavófilos, son: la relación entre lo nacional y lo universal, actitud haciael Estado, la personalidad y la sociedad, la relación entre lo individuo y locolectivo, la élite y el pueblo. Ellos fueron tratados en el contexto deantítesis: Rusia - Occidente.

Los oponentes acusaron a los eslavófilos del odio al Occidente (a Europa),de ser retrógrados y de renunciar al progreso. Pero hay que tener en cuentaque el eslavófilismo surgió en un periódo de dominar en Rusia dudas ensí misma, se comparaba constantemente con el Occidente y no a favor deRusia en la mayoría de los casos. Los partidarios del Occidente se orientabana éste y decían que su programa de desarrollo era correcto por que larealidad social y política europea lo comprobó. Ellos quitaron a Rusia

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 53

posibilidad de tener su propia vía distinta de la occidental. Al mismotiempo los eslavófilos en sus argumentos e ideas partieron de la realidadrusa. Para otro fundador de esta corriente, Khomiakov, “los valoressuperiores, principios móviles de existencia no están en un pensamientoabstracto sino en “la vida”, en “un gran organismo” vivaz al que perteneceel ser humano y que para él fue una Rusia ortodoxa. Por eso su idea incitaal desarrollo no por los problemas de teoría sino por las necesidades vitales...” (ÕÎÐÓÆÈÉ, 2002, p. 154). Eslavófilos no negaban logros europeosincluso en el campo de instrucción, filosofía y pensamiento social, en elmaterial (físico). Ellos mismos habían sido educados sobre los mejoresejemplos de éste, conocían bien la filosofía, literatura europea, su pensamientoreligioso, estuvieron al corriente de las obras económicas. Su conocimientoprofundo de Europa y la comprensión de a dónde la llevaría la secularizaciónya comenzada los hicieron ver la distancia entre Europa y Rusia. La posiciónde los eslavófilos hacia el Occidente y por lo tanto su diferencia de los“occidentalistas” rusos expresó A. Kóshelev:

Ellos esperaban la luz sólo desde el Occidente, alababan todo loexistente allí, trataban de copiar todo lo que había en Europa yolvidaron que tenemos nuestro propio ingenio, nuestras propiasparticularidades y necesidades locales, históricas, espirituales y físicas.No rechazamos nada los grandes descubrimientos y mejorasrealizadas en el Occidente, consideramos necesario conocer todolo producido allí, usar lo mucho que tenían, pero vimos la necesidadde dejar pasarlo todo a través de la crítica de nuestra propiamente y desarrollarse con la ayuda y no a través de los copiamientosde los pueblos que nos habían adelantado en el camino deeducación. ...Reconocimos que nuestra primera tarea escencial eraestudiar a nosotros mismos en la historia y en el modo de vidaactual... (ÊÎØÅËÅÂ, 2009, p. 171).

Los eslavófilos contrarrestaban la pura imitación del Occidente, unatransferencia irreflexiva sobre terreno ruso de las instituciones, la educacióny pensamiento occidentales. Ellos dieron por el hecho de que en la personade Europa Rusia había conocido un mundo más instruido, que la superabapor el nivel de desarrollo en muchas áreas, pero estuvieron profundamenteconvencidos de que bajo la Instrucción había que comprender no sólo elmejoramiento de la vida cotidiana, “las mejorías en las Ciencias, Artes yel acondicionamiento visible de la sociedad sino el movimiento común,

54 LATINIDADE

intelectual y moral, que debe liar a los pueblos en una unidad fraterna ...”(Idid., p. 214). Ellos creían que la doctrina sería necesaria y útil para Rusia,y entonces, alzanzaría su destino, sólo cuando despertara sus propias fuerzasy, basandose en éstas, ella consiguería construir su vida independiente, deacuerdo con sus “principios”. Los eslavófilos trataron de hacer llegar hastala sociedad, en aquel entonces calada de ideas occidentales, que la vida rusaera particular, que no tenía nada que ver con la vida del Occidente, queestaba organizada, según leyes completamente otras, y era giada por otrosconceptos de Etica y Moral. Es por eso en sus pensamientos y construccionesteóricas se volvían hacia el pasado, a la historia de Rusia antes de Pedro I,ya que justamente allí veían el ideal de vida rusa. Eslavófilos no estaban encontra de las reformas de Pedro I reconociendo que las reformas habíansido predeterminados por todo el desarrollo histórico del país. Ellos noestaban de acuerdo con los métodos de su realización, pensando que habíandado lugar a la escisión de la sociedad. En la época postpetrina las altascapas de sociedad comenzaron a idolatrar servilmente todo lo europeo, loque vino acompañando de transplantar las instituciones ajenas y introduciren “las cabezas rusas” las ideas ajenas con evidente desprecio de lo suyo:de su historia y modo de vida, tradiciones y costumbres.

Como señaló el historiador ruso del siglo 19, K. Bestúzhev-Ryumin,para los eslavófilos “el retorno a la Rusia prepetrina significa el desarrollode los principios sociales y políticos cuya actividad había sido detenido porlas reformas ...” (ÁÅÑÒÓÆÅÂ-ÐÞÌÈÍ, 2009, p. 337).

Mucho en el pasado histórico ellos idealizaron, muy a menudo dieron porreal lo deseado, y este deseado no correspondía a la realidad pasada. Perono podemos culparselo. ¿Es que no nos lo ocurre cuando nosotros noaceptando lo que está pasando en contorno, y sin tener posibilidad de cambiarnuestra realidad, miramos al pasado, encontrando allí muestras de nuestrosideales. Pero no significa que queremos volver al pasado. Nosotros, al igualque los eslavófilos, entendemos que éste se había ido y no podemos devolverlo.Los eslavófilos buscaban en el pasado, “el principio eterno, el espíritu ruso”.El tiempo antiguo tuvo valor para ellos como una base espiritual del presente,estuvieron buscando en aquella época lo que era lo ruso, que pudiera servirdel fundamento para el desarrollo de pensamiento ruso origina,l determinarala vía nacional de transformación del país correspondiendoa a las tradicionesrusas y a la comprensión rusa del sentido de vida.

De aquí viene como los eslavófilos entendían la libertad. Ellos distinguíanla libertad interna y externa. A diferencia de los occidentalistas que, según

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 55

su opinión, se quillotraban principalmente por la libertad externa política,los eslavófilos hablaban sobre la libertad interna, sobre la independenciaespiritual y moral lo que significaba y la independencia mental, es decir, lalibertad de ideas y opiniones y, por lo tanto, la salida de la dependenciamental (intelectual) del Occidente. Ellos hicieron mucho para que “los rusosreconocieran el derecho del pensamiento ruso de percibir independientementela Verdad sin esperar la autorización previa de Europa Occidental”(ÑÀÌÀÐÈÍ, 2009, p. 496).

La base espiritual para los eslavófilos se hizo la Ortodoxia. La Feortodoxa fue no simplemente el eje en torno al cual se formó sumundividencia, ella penetró en todos sus pensamientos, apoyándose en ella,formaron su enfoque de los problemas más importantes de la existenciahumana en general, y no sólo en Rusia, determinaron su lugar y su importanciaen la historia universal.

De gran importancia es el hecho de que los eslavófilos fueron losprimeros en hablar de la Ortodoxia en nuevo significado, nuevo paraentonces: se referieron a ésta como al principio cultural de Rusia, como auna “gran idea nacional”. Con la Ortodoxia asociaban la originalidad rusa,pero no la limitaban con el marco nacional. El destacado filósofo ruso delsiglo 19, V. Soloviev, quien criticó a los eslavófilos de su “desafección” aEuropa, reconoció que “el eslavofilismo contuvo el germen de unacomprensión verdadera, universal del cristianismo” (ÑÎËÎÂÜÅÂ, 2009, p.640). Por primera vez, trataron de percibir la identidad de Rusia, hablaronde su predestinación dirigiéndose al público, “no en el lenguaje de pequeñatradición popular sino en el lenguaje universal de cristianismo oriental”(ÏÀÍÀÐÈÍ, 2009, p. 917).

Ahora, mucha gente en Rusia de nuevo trata de encontrar una salidavolviéndose a la tradición oriental cristiana - la Ortodoxia. Y he aquí esinteresante que a la tradición rusa religioso-filosófica se vuelvan no sólocreyentes sino también ateos que comprenden la importancia de la Creenciaen la vida humana. El discurso en Rusia se está haciendo cada vez másreligioso.

Y de nuevo, como hace 150 años, se ve la diferencia de Europa: en losmomentos cruciales de su historia Rusia trata de recobrar su predestinaciónreligiosa y la Europa moderna la perdió casi completamente. Podemosdecir que el desarrollo de la idea religioso-nacional es lo más importante enel eslavofilismo. Y es ella la que determinó la actitud de los eslavófilos haciael Occidente.

56 LATINIDADE

Soloviev V. en el siglo 19, hablando de la idea rusa y de la razón deexistencia de Rusia en la historia universal, dijo que “la idea de la nación noes lo que ella piensa de sí misma en el tiempo, sino lo que el Dios piensade ella en la eternidad” (ÑËÀÂßÍÎÔÈËÜÑÒÂÎ. PRO ET CONTRA,2009, p. 734). Y estas palabras se puede atribuir a los eslavófilos quepensaron en la predestinación que el Señor había dado a Rusia.

Gran lugar en las ideas eslavófilas ocupa el problema de las relacionesentre el Estado y la sociedad. Un eslavófilo más - K. Aksákov - considerabael pueblo ruso no estadista en el sentido de que él no había queridogobernar, por lo que había invitado a Rusia a los varegos, es decir laautoridad desde afuera. Pero no todos estaban de acuerdo con su tesis,aludiendo, con razón, a como un pueblo no estadista había logrado crearun estado tan poderoso y fuerte. Pero aceptaron su principio de divisiónen el “Mundo” (“Tierra” en ruso) y el “Estado”. Creían que el pueblopercibía la necesidad de existir el Estado como una institución y reconocíasólo aquella autoridad con la que tenía un contrato y a que encargó protecciónde el Mundo (Tierra) y su gestión. La fórmula de las relaciones entre elEstado (autoridades) y el pueblo expresó K. Aksákov: “Al gobierno se dala fuerza del poder, a la Tierra (al pueblo – nota de la autora) - el poderde la opinión” (ÄÓÄÇÈÍÑÊÀß, 1983, p. 49). El esquema de la “Tierra”y el “Estado” de K. Aksákov más tarde se complementó con la teoría dela “Sociedad” construida por su hermano Iván Aksákov en su base.

La sociedad se encuentra entre “el pueblo en su ser espontáneo” y elEstado que es “la gobernación externa del pueblo”. “La sociedad” surgedel pueblo, es “el mismo pueblo en su avance” (ÖÈÌÁÀÅÂ, 1986, p. 219).De este modo, la sociedad, según su comprensión, es el pueblo educado(el cual para ellos era no sólo capas altas sino también todos los estamentoscon un cierto nivel de educación, desarrollo espiritual y moral). Con esomientras más alto sea nivel intelectual y moral, más fuerte sea la sociedad.

Debido a esto, los eslavófilos conceden gran importancia a la educacióndel pueblo, haciendo hincapié en que debe ser diferente a la de Europaoccidental, y aquí Rusia tiene ventaja porque la gente todavía no está afectadapor las ideas destructivas de educación occidental (europea). Hablando dela instrucción, ellos se basan en un arquetipo ortodoxa de persona rusa,como lo entienden, y no la separan, como un sistema de educación, deldesarrollo espiritual. A. Khomiakov escribe que “la plaga de la pobrezaespiritual es más horrible que la de la pobreza material” (ÕÎÌßÊÎÂ, 1900,I, p. 96). Y sigue, que el edificio sólido de educación rusa debe ser erigido

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 57

sobre la Fe, la Fe Ortodoxa, ya que sólo ella da a la conciencia la sensatezy la integridad (en contraposición al pensamiento occidental en la queprevalece la racionalidad y la dualidad).

En virtud de esto, la sociedad por los eslavófilos “no es más que unamanifestación visible de nuestras relaciones internas con otras personas ynuestra unión con ellos” (Ibid., p. 385). Y este tipo de relaciones en lasociedad puede construirse sólo sobre la Fe, ya que sólo ella es una luzperfectisíma que ilumina todas las concepciones morales de una persona,todos sus criterios respecto a otra gente y las leyes internas que la unen conésta”. (Ibidem). “La sociedad, que busca fuerzas para conservarse fuera desí misma, ya está enferma” (ÕÎÌßÊÎÂ, 1900, III, p. 28). Y “el ser humanoalcanza su objetivo moral sólo en la sociedad en que las fuerzas de cadauno pertenecen a todos, y las fuerzas de todos a cada uno” (Ibid., p. 29).

Las ideas eslavófilas sobre la sociedad civil sana que debe basarse “enla comprensión de sus miembros de la Hermandad, Verdad, Juicio, yMisericordia”, están en sintonía con las opiniones de muchos rusos hoy, lamayoría de los cuales no acepta la comprensión de la sociedad civil comoun conjunto de individuos que defienden principalmente sus derechosmateriales.

Ellos vieron la pena de aquella época en la división de la sociedad encapas altas y bajas que no se entendían, no se confían, que tenían diferentesideales. Gran parte de las capas altas se separó del terreno popular y seorientó al Occidente y a la educación occidental, y las bajas se quedaron ensu “Tierra”, conservando sus costumbres y tradiciones. Veían su tarea enunir la sociedad a través de superar la disociación de la conciencia rusa (ensecular y religiosa, educada y popular).

Sus ideales de la sociedad y vida social los eslavófilos expresaron através de la teoría sobre la comunidad rural (ejido), que para ellos era unamáxima manifestación del principio colectivo en el pueblo ruso. Y laconsideraban no sólo y no tanto como una entidad económica sino comoun organismo social que tenía gran necesidad de “vivir juntos en harmoníay amor” y que “implica un acto supremo de la libertad personal y laconciencia - la abnegación” (ÊÀÏËÈÍ, 2008, p. 166). La historia de Rusiaconfirma la importancia y el valor supremo de lo colectivo en la vida delpueblo ruso. Para su arquetipo es más cercano el ideal de “colectivismoético” que el “individualismo ético-místico” (Ibidem).

La doctrina de comunidad rural fue seguida por la doctrina deSobornost que desarrolló Khomiakov, como muchas otras cosas,

58 LATINIDADE

polemizando con el pensamiento religioso occidental. En este concepto sereflejó la unidad orgánica de lo general y lo particular. “Esto es un gérmende la idea rusa, un concepto central de la filosofía rusa, la palabra muycomplicada para traducir a otros idiomas ... pero la más omnicomprensivaen la terminología filosófica” (ÃÓËÛÃÀ, 2004, p. 16). Sobornost no es unsinónimo del colectivismo o antónimo del individualismo. Hablando deSobornost, el pensamiento ruso pone la conversación en el ámbito ético yreligioso, la presenta como “una evidencia intuitiva creada en el pueblo porla Ortodoxia durante siglos” (Ibid., p. 17). Según Khomiakov, la palabra«soborny» expresa la idea de unicidad en diversidad. Para él, la IglesiaSobornoya es “la Iglesia de unanimidad libre, completa, la Iglesia en la quehabían desaparecido etnias, no hay Griegos ni bárbaros, no hay diferenciasen el estado, no hay esclavistas ni esclavos ...” (ÕÎÌßÊÎÂ, 1886, II, p. 326-ñ.327).

En el siglo XXI la doctrina de Sobornost adquiere un sentido real, sevuelve más importante para nuestro país que durante el período de eslavófilos.El mundo moderno está envuelto en el proceso de descristianización, queno está pasando ya a nivel de violencia externa sino a nivel de destrucciónde integridad de la conciencia. En este contexto la oposición delindividualismo - sobornost característica para el período de eslavófilos,pierde su importancia para la caracterización de las relaciones entre elOccidente y Rusia.

Una persona deja de ser ínterga e indivisible, es decir, deja de serun individuo y se convierte en el dividuo, una personalidadfragmentada de tiempo contemporáneo que no tiene libertadinterna, ni nervio personal (su pérfil), es un punto de aplicar laspoderosas fuerzas sociales y biológicas. Al proceso de dividizaciónpuede enfrentar la Sobornost si la entendemos en el sentido deKhomiakov (ÅÑÀÓËÎÂ, 2007, p. 11-16).

Él entendió bajo ella una unidad, una comunidad en la cual cada unosigue siendo la personalidad, no pierde su “Yo”, es decir, dentro de estaunidad, cada persona se queda con su individualidad y libertad, lo que esposible sólo si se basa en el amor desinteresado, abnegado. Más tarde ellafue desarrollada por otros filósofos y pensadores rusos: por ejemplo, porV. Soloviev en su doctrina sobre la “omniunidad”; por S. Trubetzkoi - enla doctrina de “la naturaleza sobornaya de la conciencia” que, “profundizandolas ideas de los eslavófilos y teniendo en cuenta la doctrina de Soloviev,

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 59

interpreta la Sobornost como la coincidencia de los principios religiosos,morales y sociales, que opone tanto al individualismo como al colectivismosocialista”.

El papel de los eslavófilos en la historia de pensamiento social ruso esdifícil de sobrevalorar. Del pensamiento eslavófilo vino la doctrina decomunidades histórico-culturales de N. Danilevski, quien se considera elseguidor de los eslavófilos. Al unísono con las ideas de ellos está y elconcepto historiosófico euroasiático.

El gran filósofo ruso A. Lósev dijo que el eslavofilismo era “la primerafilosofía orgánicamente rusa”, que se hizo “un modelo para toda la filosofíarusa posterior”. El eslavofilismo fue el que “había llevado hasta la expresiónconsciente, ideológica de la Verdad Eterna del Oriente Ortodoxo y el régimenhistórico de la tierra rusa, al unirlos orgánicamente” (ËÎÑÅÂ, 1990, p. 85-86).

En las ideas socio-políticas de los eslavófilos se vio una tendencia desubordinar las cuestiones políticas a las sociales. Por eso a veces los acusaronde indiferencia política. Sin embargo, la actualidad de hoy nos muestra loimportante que son problemas sociales en la elaboración de cualquierpolítica, incluso la económica porque la resolución o no de las cuestionessociales siempre se convierte en un problema político. Para ellos tal problemasocial fue la reforma agraria relacionada con la abolición de la servidumbre,y el problema de dotar a los campesinos de la tierra. Su participación enpreparar la reforma y la necesidad de dotar de tierras los llevó a reconocerderecho histórico de los campesinos a la tierra. Esta posición teórica sepuso por base de su trabajo práctico. Su actividad en este ámbito nospermite decir que la doctrina de los eslavófilos no fue pura teoría, reflejóproblemas palpitantes de la sociedad rusa y los eslavófilos trataron, segúnsus posibilidades, de facilitar su resolución.

Ellos plantearon muchos problemas de la realidad rusa, que vuelven aponerse en la agenda de hoy día en Rusia, cuando dejó su propia vía dedesarrollo y adoptó un proyecto occidental. Y todo lo que había sidocreado por los eslavófilos en el siglo 19, sigue siendo un factor importanteen la vida nacional y el pensamiento ruso. Y en este sentido el eslavofilismosigue vivendo.

EURASIANISMO

La segunda corriente de importancia en el pensamiento social ruso es eleurasianismo que compartió y desarrolló algunas ideas eslavófilas. Sinembargo, se basó en un concepto diferente. Yo diría que el eurasianismo

60 LATINIDADE

fue una corriente mucho más geopolítica, más práctica que filosófica yreligiosa. Lo más probable se explique por el hecho de que éste fue unareacción a la revolución de 1917 y un intento de comprender no sólo loque había pasado sino, sobre la base de los cambios revolucionarios, trazarun camino para el desarrollo futuro del país. Uno de los fundadores deleurasianismo P.N. Savitski dijo:

el problema de la revolución rusa es un eje en torno al cual semueve su pensamiento y su voluntad (de los eurasianistas – nota dela autora), como el pensamiento y la voluntad de la gente demundo ruso y de portadores de la predestinación rusa en eluniverso ... Los eurasianistas no tienen miedo de las controversias.Saben que la vida está tejida de ellas. Los eurasianistas viven encontraposiciones. En su sistema combinan la tradición y larevolución. Y están muy seguros de que en el futuro no serán ellosque combinan estos principios sino la historia lo hará(ÑÀÂÈÖÊÈÉ, 2007, p. 18).

Según ellos, el eurasianismo... se encuentra en una área común con loseslavófilos. Sin embargo, ellos consideraban el eslavofilismo en cierto sentidouna corriente provincial y local. Pero ahora ante Rusia abren oportunidadesreales de ser un nucleo de nueva cultura Europea-Asiática (Eurasiatica), degran importancia histórica, debido a que las ideas y proyectos euroasiaticosdeben encontrar imágenes y dimensiones correspondientes y sin parangón(ÑÀÂÈÖÊÈÉ, 2004, p. 356).

Los eurasianistas, igual a los eslavófilos, opusieron Rusia a Europa, haciendohincapié en su identidad y originalidad cultural-histórica. Sin embargo, noestuvieron de acuerdo con los eslavófilos en que esta originalidad cultural-histórica estaba determinada por un principio eslavo. Ellos fueron más alláde la Rusia de los eslavófilos, y se referían a la Rusia que se había formadohistóricamente en el espacio de continente euroasiático.

Según V.N. Ivanov, los eurasianistas correctamente hacen cambios en lacausa de los eslavófilos, buscando en el Oriente lo que no había en las ideaseslavófilas cuando éstos argumentaban la diferencia rusa de Europa. “Sóloal revisar completamente toda la historia del Oriente, encontramos anosotros mismos” (IVANOV, 1926, p. XIII).

Eurasianistas fueron los primeros en hablar sobre Rusia como del mundoespecial desde el punto de vista geográfico, político, económico, del mundo- el continente medio - Eurasia, que dio el nombre a su corriente. Al

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 61

estudiar la historia rusa ellos combinaron el enfoque histórico con elgeográfico. Su enfoque geográfico consistió en tratar la historia de Rusiacomo una historia de interacción entre el pueblo del bosque y el de laestepa, creían que “es la interacción de las formaciones históricas de la zonade estepa, por un lado, y la de bosque, por otro, la que determina muchascosas en los destinos político, cultural, económico de Rusia” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ,http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm#spn11text1).

La argumentación geográfica de la unidad de los pueblos que habitabanel territorio del espacio euroasiático, ocupó un lugar importante en suconcepto, según el cual la ubicación de las zonas natural-climáticas, vastasllanuras habían contribuido a una intensa interacción y mestización de loselementos étnicos y culturales del espacio ocupado por Rusia, habíanacostumbrado a vivir juntos, determinado la necesidad de la unión política,cultural y económica. Los eurasianistas pusieron en circulación el término– topogénesis (lugar de desarrollo), que significaba la influencia cualitativade un factor geografico (espacio, paisaje, medio ambiente, etc) en losacontecimientos históricos, cultura, sistemas políticos y sociales de lasetnias.

Este enfoque dio a sus opositores argumento para acusarlos deldeterminismo geográfico. Sin embargo, en nuestra opinión, detrás de estose ocultaba cierto rechazo del elemento “asiático”, que los eurasianistasincluyeron en el tejido historico ruso, y por otro lado, el desacuerdo conun enfoque, supuestamente, demasiado económico y etatista en detrimentodel religioso y cultural. Para los eurasianistas este elemento asiático fue el Estadomongol-tártaro de los tiempos de Genghís Khan que había ejercido graninfluencia en el desarrollo del sistema de Estado ruso en aquel período.Reconociendo, igual a muchos historiadores, que la base ideológica deestado ruso la consitiyeron la Ortodoxia y las tradiciones bizantinas, loseurasianistas, al mismo tiempo, pensaron que uno de los fundamentos delsistema estatal ruso era el tártaro, y que “el milagro de transformación delEstado tártaro en el Ruso había sido realizado gracias al auge religioso-ortodoxo, que tenía lugar en Rusia en la época de yugo tártaro”(ÒÐÓÁÅÖÊÎÉ, 2007, p. 221). Este ardor religioso había permitido a laantigua Rusia ennoblecer el sistema de estado tártaro, dándole un nuevocarácter religioso-ético y hacerlo suyo.

En el concepto del eurasianismo se veía claramente la geopolítica, peroellos mismos no lo negaron, reconociendo que habían sido fundadores delenfoque geopolítico de la historia rusa.

62 LATINIDADE

Los eurasianistas creyeron que “la unión política de este gran territorio esun resultado de los esfuerzos no sólo del pueblo ruso, sino también demuchos pueblos de Eurasia” (Ibid., p. 33). En relación con esto ellospusieron de manifiesto dos hechos importantes: 1) se hizo hincapié en queya a partir del siglo XV Rusia fue un estado multinacional. Una importanciaparticular en el siglo XVI los eurasianistas dieron a la gente tártara que servíaadjunto a la corte rusa: “que, en su opinión, furon fundadores auténticosde la potencia militar del Estado moscovita de aquel tiempo”. Aun más,en el régimen político del Estado ruso vieron ciertos motivos, según loscuales, “a una parte de la población no rusa se habían garantizado susderechos nacionales y religiosos”; 2) se afirmó que “las relaciones con Asiano son menos importantes en la historia de Rusia que las relaciones conEuropa”. Al expresar esta opinión, los eurasianistas creían que era necesariorevisar la historia de las relaciones exteriores de Rusia “destacando más, quelo se había hecho hasta aquel entonces, el papel del Oriente” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ,Http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm). Los eurasianistas supusieronque la historia de Rusia podía ser interpretada como un sistema “basadoen el cambio de formas diferentes de interacciones entre las más grandescomunidades ideológicas, estatales y económicas que habían surgido encada una de las dos zonas de Eurasia” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm#spn11text1). Esta vuelta simultáneay igual hacia el Oriente y el Occidente es una particularidad de la comprensióneuroasiática de la cultura y geopolítica. Con esto ellos percibieron Rusia yEurasia como organismo único, vivo y en desarrollo, como un “concilio delos pueblos”.

En nuestra opinión, un enfoque geopolítico de los eurasianistas puede ydebe ser repensado en el contexto actual de globalización y de mundoglobal. Ellos hablaron que Rusia,

percibiendo esta tradición (eurasiática – nota de autora), deberechazar resuelta- e definitivamente a los viejos métodos de uniónque pertenecían a la época ya sobrevivda y superada - métodosde violencia y guerra. En los tiempos modernos se trata de lasvías de creatividad cultural, de la inspiración, destello, colaboración.A pesar de todos los medios modernos de comunicación, loshabitantes de Europa y Asia siguen estando, en gran medida, cadauno en su propio cuartito, viviendo con los intereses de sucampanario. La “topogénesis” euroasiática en concordancia con

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 63

sus propiedades, acostumbra a una causa común ( ÑÀÂÈÖÊÈÉ,http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn05.htm).

La continuación de las construcciones historiosóficas y geopolíticas delos eurasianistas, el núcleo de su concepto, que sigue conservando suimportancia en la actualidad, fue la teoría de Estado, cuya elaboracón se laencargó N.N. Alexéev. A pesar de existir en la historia diferentes corrientesdel pensamiento político ruso, cada uno de los cuales presentó su ideal delsistema de Estado, todas ellas, según Alexéev, coincidieron en intentarformular un ideal social basado en la “Verdad” (Justicia).

Los eurasianistas consideban una sociedad organizada en el Estado comouna “unidad orgánica viva”, lo que implica la existencia en ella de la “clasedominante especial - un conjunto de personas que definen y orientan la vidapolítica, económica, social y cultural de un todo estatal-social”. En la capagobernante ellos destacaban su núcleo - activo estatal. Para ellos las másimportantes características del estado fueron el principio y el carácter de laselección de clase dominante y de este activo, y no formas de gobernación.Hablando de los principios del sistemas estatales europeos y no estando deacuerdo con éstos, los eurasianistas presentan como un nuevo tipo de selecciónde la clase dominante - ideocracia, y con ella un nuevo tipo de régimen deEstado – sistema ideocrático en que reina una “idea-regla”, cuyo portadores dicha capa gobernante. “La idea-regla debe ser tal que, primero, valgala pena dar su vida por ella y, segundo, que este sacrificio sea consideradopor todos los ciudadanos como un acto moralmente valioso”(ÒÐÓÁÅÖÊÎÉ, 2007, p. 575, 616).

Los eurasianistas (Alexéev) asertaron que:

el derecho de Rusia debe basarse en los principios y requisitosalternativos a las teorías jurídicas liberales occidentales. Ningúnderecho es importante, sino la Verdad, el Estado de la Verdad. Elestado de garantía, “obligatorio” que trata a las personas y no alos individuos, no a los fundadores atómicos de una empresacolectiva arbitraria (ÏÅÒÐÎÂ, 2012).

En el desarrollo del Estado los eurasianistas partieron del sistema soviéticoque, al mismo tiempo, consideraban como una forma de transición alestado de nuevo tipo. Teniendo en cuenta la posible evolución del estadosoviético, Alexéev señaló dos vías de ésta. Para nosotros la más interesantees la primera vía de que habló, y podemos ver hasta qué punto resultó serexacto su pronóstico. Él escribió que esta oportunidad “está basada en la

64 LATINIDADE

hipótesis de que la energía, liberada por la revolución, vaya a extinguirsepoco a poco”, que si se lleva a cabo la primera opción, “¿cómo lo deseany lo presuponen los demócratas, el régimen comunista unipartidista sesustituirá por el multipartidista en sentido occidental o semioccidental de lapalabra. La entrada del Estado soviético en la senda marcada significaríaque la creación de nuevas formas políticas ha terminado, la revolución seha desvanecido, viene el reino de patio trasero de Europa ...” (ÀËÅÊÑÅÅÂ,2003, p. 175, 177). El concepto eurasiático del Estado se basó en un nuevoconcepto que difiere tanto del sistema democrático como del comunista.“El estado eurasiático es una entidad política, como decimos, de la naturalezademótica. Queremos decir que nuestro estado está construido sobre loscimientos profundos de pueblo y corresponde a la “voluntad de pueblo”.Construimos nuestro estado sobre la soberanía del pueblo, pero no sobrela soberanía desorganizada, anárquica en que se basan las democraciasoccidentales (donde “la soberanía de pueblo” = agregado mecánico deopiniones de los ciudadanos alcanzados la madurez política), sino sobre lasoberanía organizada y orgánica. Consideramos como “pueblo” o “nación”no una selección aleatoria de ciudadanos que corresponden a los requisitosdel sufragio universal, sino “la totalidad de generaciones históricas, pasadas,presentes y futuras, que constituyen unicidad de la cultura formalizada porel Estado” (Ibid., p.179).

Los eurasianistas abogaban por la abolición de los partidos políticoscreyendo que éstos sólo organizan un cuerpo de votantes y sustituyen porsu voluntad la supuesta voluntad del cuerpo electoral. “El gobierno debedespertarse de la pasividad silenciosa; debe determinar el principio objetivoy real sobre el cual se puede construir una “representación” auténtica nacionales decir encontrar a los portadores verdaderos de funciones organizativasde estado, verdaderos exponentes de la voluntad nacional. En otras palabras,queremos sustituir el régimen artificial-anárquico de representación de losindividuos y partidos aislados por el régimen orgánico de representación denecesidades, conocimientos e ideas. Así que no necesitamos un partidopolítico, como lo necesita la democracia al estilo occidental” (Ibid., p.180).

En cada estado, a su juicio, hay cierta constante política que garantiza laestabilidad del estado y la continuidad de su curso, pero la que, sin embargo,está escondida “detrás de las decoraciones exuberantes del régimendemocrático y de la fraseología de parlamentarismo”. Los eurasianistas creíanque esta constante debía ser identificada y articulada claramente. Juestamenteen este sentido entendían un carácter ideocrático del Estado, o, en otras

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 65

palabras, “el estado de opinión pública estabilizada” (es decir, la opiniónpública que no parece a una “carrera nerviosa de sentimientos políticos”).

Al no ser partidarios del sistema soviético ellos pudieron ver en ésteelementos “sanos” que podrían desarrollarse en el estado que esperaban veren el futuro (o construir ellos mismos) en Rusia. En general este sistemadebe consistir en la dictadura de un partido (no tuvieron miedo de utilizareste término) y en las instituciones representativas que “da oportunidadcombinar con éxito la opinión pública estabilizada ya existente con sudinámica. La primera plasma el principio de lo constante, las segundas –principios móviles”. Un nuevo tipo de Estado euroasiático requería que elestrato social, portador de esta opinión pública estabilizada, no fuera unpartido político en el sentido europeo de la palabra sino fuera una parteorgánica del Estado. Y estas partes, en su opinión, ya existieron en la UniónSoviética - elementos territoriales, profesionales y nacionales del estado. Elpartido en el poder junto con ellos debe ser portador de una idea orgánica.Pero los eurasianistas no abogaban por la erradicación forzosa de lospartidos políticos, creyendo que la política bien estructurada dirigida aconstruir un estado de nuevo tipo de por sí llevaría a la muerte natural delrégimen de partidos.

Por lo tanto, de acuerdo con Alexéev, en 1917 en Rusia prevalecieron,por lo extraño que parezca a la mentalidad occidental, las ideas de lademocracia, dictadura y justicia social, lo que correspondía a los principiosdel pueblo ruso.

Ellos tienen que quedarse y convertirse en los fundamentosde futura historia rusa. Pero deben ser corregidos ytransformados, quedados exentos de material ismo ytransformados en un sentido religioso ... El futuro perteneceal estado ortodoxo de derecho que puede combinar el fuertepoder (el principio de dictadura), con la democracia popular(el principio de vólnitsa) y el servicio a la justicia social(ÀËÅÊÑÅÅÂ, 2003, p. 115-116).

Vemos, pues, que los eurasianistas no redujieron las cuestiones del régimensocial sólo a los problemas de carácter político y económico. “Siendopersonas creyentes y profesando principios religiosos, ellos corroboraron lafilosofía de política y economía subordinadas a estos principios”(ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn10.htm#spn10text11).

66 LATINIDADE

Sí, a diferencia de los eslavófilos, los eurasianistas prestaron más atención alos temas económicos, a los problemas de organización de la vida social,pero no aceptaban el materialismo que había triunfado en el Occidente. Sufilosofía no es filosofía de materialismo, sino más bien una filosofía de ideasde organización. “Está demarcada del materialismo clásico de forma muyacentuada, al igual que de cualquier idealismo abstracto. El idealismo notiene nada que ver con el materialismo. Los eurasianistas prestan una atenciónexepcional a lo material, hasta tienen una intuición especial a éste. No es deextrañar que muy a menudo son acusados del “materialismo geográfico”,materialismo histórico. Pero lo material que enfrentan es una materia caladade ideas, materia en la que vive el Espíritu” (ÑÀÂÈÖÊÈÉ, http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn05.htm).

Su filosofía tenía coronamento religioso, ellos sentían profundamente lanaturaleza divina del mundo y creían que “el pensamiento filosófico rusoy el pensamiento filosófico de otros pueblos de Eurasia sólo entonces seelevarían a altura nunca vista..., cuando después de las cruces se enciendieraa luces brillantes en los espacios de Eurasia una inspiración religiosa” (Ibidem).Precisamente en esta área se encontró divergencia principal con el comunismoque no reconocía la posibilidad de coexistir los principios religiosos y elnuevo orden social. Los eurasianistas, al contrario, creyeron que “el nuevosistema adqueriría la integridad y estabilidad cuando desde adentro loiluminara la luz religiosa”.

En el Estado eurasiatico un lugar especial pertenece a la noción depersonalidad en la que el papel principal pertenece a la tradición. Y en estose parecen a los eslavófilos que también dan a la tradición un lugar importanteen el proceso de buscar su propia vía de desarrollo. Según P. Savitski, loseurasianistas entienden “la cultura y los mundos histórico-culturales ... comoun tipo especial de “personalidad sinfónica”. La tradición es la base espiritualde tal personalidad. Los eurasianistas incorporan esta base en la cultura ala que pertenecen, pero lo hacen no en el ahinco protector, sino aplicandoesfuerzos creativos cuyo objetivo es incluir en la tradición lo nuevo, en lotradicional plasmar lo nunca visto. No se trata de una tradición muerta,mecánica, sino de una tradición depurada y transformada”. El pueblo nodebe desear “ser como los demás”. Debe desear ser él mismo. El preceptosocrático “de conocerse a sí mismo” sigue vigente aquí. Cada pueblo debeser personalidad. Y cada personalidad es única en su género. Y justamenteen su exclusividad y incomparabilidad está el valor que tiene para otros”(ÑÀÂÈÖÊÈÉ, 2007, p. 23).

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 67

DE MANERA DE CONCLUSIÓN: PUNTOS EN COMÚN Y DIFERENCIAS ENTRE ELPENSAMIENTO RUSO Y LATINOAMERICANO

El pensamiento ruso y latinoamericano no podían ignorar los problemaseconómicos, éstos se encontraban en el focus de atención de losrepresentantes de las corrientes sociales y filosóficas, la necesidad de sucomprender y solucionar llevaban a la elaboración de las teorías económicasy formación de distintas doctrinas económicas. En América Latina, enprimer lugar, es la teoría de la dependencia. En Rusia, las cuestiones dedesarrollo económico de una u otra forma se trataban prácticamentetodas las corrientes del pensamiento social. Pero si vamos a hablar de unaescuela es la escuela de naródniks que, basandose en la realidad de la Rusiadel siglo XIX, argumentó la inadmisibilidad del capitalismo para ella. Elprincipal ideólogo de la corriente V.P. Vorontsov en los años 80 del sigloXIX destacó los problemas que enfrentaban los países que tomaron elcamino de capitalismo tarde y con los que después se encontró AméricaLatina.

Si tratamos de perfilar rasgos comunes del pensamiento económicolatinoamericano y ruso, pués, primero, se distinguen por el rechazo de las“puras” teorías abstractas que no tienen nada que ver con la vida real. Sucredo es: las teorías económicas existen para ayudar a resolver problemasreales (Celso Furtado, Mendeléev, Vorontsov) y la filosofía social tiene queestar al servicio del desarrollo de América Latina (Alberdi).

Segundo, los problemas económicos, la estructura de producción existenteno se estudian de por sí, sino en el contexto histórico al usar los métodoshistórico-estructural (Fernando Cardoso y Enzo Faletto), e histórico-inductivo(Celso Furtado).

Tercero, el reconocimiento de que el sistema capitalista se divide en dospartes - el Centro y la Periferia, como las llamó Raúl Prebisch. Los científicosrusos no usaron esta terminología en aquella época, pero su comprensióndel carácter y problemas de la Periferia, como un conjunto de países quehabían tomado el camino de desarrollo del capitalismo más tarde queotros, està en plena consonancia con la teoría latinoamericana de ladependencia: “estos países son involucrados en el intercambio mundialcomo proveedores en el mercado internacional de los productosprovenientes de sus riquezas naturales”, y los países viejos encuentran enellos nuevos mercados para sus productos manufacturados y nuevoinstrumento para desarrollar su economía” (Vorontsov).

68 LATINIDADE

Cuarto, entre los factores que influyen en el desarrollo económico ydeterminan sus peculiaridades singularizan los que, por lo general, ignoranlos economistas occidentales, pero que son sumamente importantes al hablarsobre ventajas competitivas. Estos son factores climáticos, topográficos,socio-históricos y socio-políticos (los últimos R. Prebisch llamó las relacionesde poder). Es imprescindible también el sistema de valores que deja susrastros en un tipo de comportamiento y percepción de la realidad económica(Fernando Cardoso y Enzo Faletto, V. Vorontsov, V. Riazánov).

Quinto. Se presta mucha atención a las cuestiones sociales, que casisiempre se analizan junto con el desarrollo económico. Esto es, en primerlugar, el problema de distribución desigual de los resultados del desarrollolo que lleva a la desigualdad y la polarización social; la distribución desigualde los gravámenes expresada en fortalecer la explotación del pueblo. Comoseñaló Vorontsov, “la carga principal de todos los pagos caye sobre elTrabajo, y no sobre las Propiedades y la Renta” (VORONTSOV, 2008, p.181) lo que, a su vez, es un limitante para el desarrollo económico debidoa contracción del mercado interno. De eso escribían los pensadoreslatinoamericanos, con este problema los países de la región enfrentan comoantes, y aun más, el problema del acceso desigual al “excedente” producidoa base del crecimiento económico, va mano a mano con el desarrollo delos países que avanzaron con mayor éxito en esta dirección (China, Brasil,India, Rusia). Esto intensifica la polarización de la sociedad y la tensiónsocial.

Sexto. Aceptación de la necesidad del Estado en el proceso socio-económico. Con esto se trata de formas diferentes de ésta: desde laparticipación directa en la producción con crear las empresas estatales hastasu papel regulador, organizativo y social. En este caso, la creación deempresas estatales considera apropiada en las industrias técnológicamentecomplicadas para el sector privado o siendo de importancia estratégicapara el país.

Septimo. En el pensamiento tanto en Rusia como en América Latina hayuna busqueda de nuevas alianzas geopolíticas más allá de Europa Occidentaly Estados Unidos. En el pensamiento ruso (sobre todo la vertienteeurasianismo) hay el reconcimiento que Rusia tiene lazos culturales y historicosfuertes con Asia (que incluso llegan a ser más importantes que los lazosoccidentales). En América Latina, ideas como el meridionalismo proponenuna nueva agenda de las alianzas estratégicas del contintente con las nuevaspotencias emergentes (India, China, Rusia) dejando a un lado los lazos de

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 69

ataño con EE.UU y Europa Occidental.Las diferencias entre el pensamiento socio-económico de América Latina

y Rusia están relacionadas con el hecho de que en Rusia el progreso industrial(económico) de una nación siempre se evaluaba no por la perfección técnicade la producción sino por el bienestar de los trabajadores. La solución deeste problema no se supone en el marco del modo de producción capitalista.Vorontsov, por ejemplo, consideraba el capitalismo una de las formas delprogreso industrial, y no su esencia. Esto lógicamente llevaba a aceptarotras posibles formas de organización de producción y por lo tanto de laeconomía (Ibid., p. 301).

Otro punto importante de diferencia es el papel de la religion – paralos eslavófilos la religion orthodoxa era la base espiritual de todo pensamiento,mientras para los latinoamericanos trataban de ignorar la religion católica (oincluso combatirla como los positivistas) o utilizar la religión en la luchasocial (como la teología de la liberación).

Además, la distinción de todas las corrientes de pensamiento ruso, inclusoel económico, que lo distingue del occidental, y me parece, y dellatinoamericano, es que se da la importancia escencial a lo ideal en la vidahumana. Vorontsov en su obra sobre la economía, escribió que la energíasocial se alimenta con las aspiraciones ideales del hombre y que la mayorinfluencia en el proceso histórico se puede ejercer a través de las motivacionesideales, porque sólo éstas son capaces de inspirarlo para grandes hazañas decarácter social. Sobre la idea-regla en el Estado de los eurasianistas ya se haindicado anteriormente.

Como se puede ver en nuestras conclusiones finales, en el pensamientoruso y latinoamericano hay muchas más ideas en común que ideas opuestas.Muchos intelectuales en los dos espacios proponen un camino autóctonobasado en la herencia cultural de sus pueblos más allá del modelo neoliberaloccidental. Vale la pena de revisar las propuestas y de entrar en un dialogoentre las dos civilizaciones.

NOTAS1 Desde luego soy consciente de que haya mucho más.

70 LATINIDADE

BIBLIOGRAFIA

GAOS, José. Antología del pensamiento de lengua española en la edadcontemporánea, México: UAS, tomo 1,1982.

MIHAILOVIC, Dejan. Geopolítica y orden global: posibilidades para un nuevoMeridionalismo. In: MIHAILOVIC, Dejan ; TORIBIO DANTAS, Alexis.(Orgs.). Desarrollo e integración. La nueva geopolítica de la economía global.México: Miguel Ángel Porrúa, 2007, p. 69-87.

PEREIRA, Armando. Diccionario de la literatura mexicana. México: Siglo XX -Instituto de Investigaciones Filológicas de la Universidad Nacional Autónoma deMéxico, 2004.

PREBISCH, Raúl. La crisis global del capitalismo y su trasfondo teórico. Revistade la CEPAL, Chile, n.22, p. 163-182, abril 1984.

SANCHEZ RAMOS, Irene y SOSA ELIZAGA, Raquel (2004): América Latina:los desafíos del pensamiento crítico. México: Siglo XXI, 2004.

VASCONCELOS, José. Ética, Obras Completas, tomo IIII. México: LibrerosMexicanos Unidos, 1957.

VASCONCELOS, José. La raza cósmica. Misión de la raza iberoamericana.México: Espasa-Calpe Mexicana, 1966.

VASCONCELOS, José: Ética, Obras Completas, tomo IIII. México: LibrerosMexicanos Unidos, 1987.

ÀËÅÊÑÅÅÂ Í.Í. Ðóññêèé íàðîä è ãîñóäàðñòâî. Ì.: Àãðàô, 2003. (Alexéev N.N.El Pueblo ruso y el Estado).

ÁÅÑÒÓÆÅÂ-ÐÞÌÈÍ Ê.Í. Ñëàâÿíîôèëüñêîå òå÷åíèå è åãî ñóäüáà â ðóññêîéëèòåðàòóðå. – Â: Ñëàâÿíîôèëüñòâî. Pro et contra, Ì.: ÐÕÃÔ, 2006, ñ. 333-345.(Bestúzhev-Ryumin K.N. La corriente eslavófila y su destino en la literaturarusa).

ÂÎÐÎÍÖÎÂ, Â.Ï. Ýêîíîìèêà è êàïèòàëèçì. Ì.: Àñòðåëü, 2008. (Vorontzov V.P.Economía y el capitalismo).

ÃÓËÛÃÀ À.Â. Ðóññêàÿ èäåÿ êàê ïîñòñîâðåìåííàÿ ïðîáëåìà. – Â: Ðóññêàÿ èäåÿ. Ì.:ÀÉÐÈÑ ÏÐÅÑÑ, 2004. (Gulyga A.V. Idea rusa como un problemapostmoderna. – En: Idea rusa).

ÄÓÄÇÈÍÑÊÀß Å.À. Ñëàâÿíîôèëû â ïîðåôîðìåííîé Ðîññèè. M.: Èíñòèòóòðîññèéñêîé èñòîðèè ÐÀÍ, 1994. (Dudzínskaya E.A. Eslavòfilos en la Rusia delperìodo de reformas).

ÄÓÄÇÈÍÑÊÀß Å.À. Ñëàâÿíîôèëû â îáùåñòâåííîé áîðüáå. Ì.: Ìûñëü, 1983.(Dudzínskaya E.A. Eslavófilos en la lucha social).

Vasos Comunicantes: Análisis Comparativo del Pensamiento Político y Socio-Economico en Rusia y América Latina 71

ÅÑÀÓËÎÂ È.À. Ñîáîðíîñòü â ôèëîñîôèè À.Ñ. Õîìÿêîâà è ñîâðåìåííàÿ Ðîññèÿ —Ðåæèì äîñòóïà: http://www.jesaulov.narod.ru/Code/articles_homjakov_sobornost.html#_ednref11. Äàòà îáðàùåíèÿ: 12.08.13 (YesaúlovI.A. Sobornost en la filosofía de A.S. Khomiakov y la Rusia de hoy ).

ÈÂÀÍΠÂ. Í. Ïðåäèñëîâèå ê êíèãå: Êóëüòóðíî-èñòîðè÷åñêèå îñíîâû ðóññêîéãîñóäàðñòâåííîñòè. Õàðáèí, 1926, ñ. XIII-XV. (Ivanov V.N. Prefacio del libro: Lasbases cultural-históricas de estatalidad rusa).

ÊÀÏËÈÍ À. Ìèðîâîççðåíèå ñëàâÿíîôèëîâ. Èñòîðèÿ è áóäóùåå Ðîññèè. Ì.: ÈíñòèòóòÐóññêîé Öèâèëèçàöèè, 2008. (Káplin Alexandr. Cosmovisión de los eslavófilos.Historia y el futuro de Rusia).

ÊÎØÅËÅÂ, À.È. Çàïèñêè. <ôðàãìåíò>. - Â: Ñëàâÿíîôèëüñòâî. Pro et contra. Ì.:ÐÕÃÔ, 2006, ñ. 164-172. (Kóshelev, A.I. Notas. <fragmento> - Eslavofilismo.Pro et contra).

ËÎÑÅÂ À.Ô. Ñòðàñòü ê äèàëåêòèêå. Ì.: Ñîâåòñêèé ïèñàòåëü, 1990. (Lósev A.F.La pasión a la dialéctica).

ÏÀÍÀÐÈÍ À.Ñ. Ñïîñîáíà ëè ïîñòðîèòü öàðñòâî õðèñòèàíñêàÿ äóøà? – Â:Ñëàâÿíîôèëüñòâî. Pro et contra. Ì.: ÐÕÃÔ, ñ. 914-920. (Panárin A.S. ¿Es capazconstruir el reino una alma cristiana?).

ÏÅÒÐÎÂ Â. Åâðàçèéñêîå ãîñóäàðñòâî ïðàâäû — Í.Í. Àëåêñååâ. — Ðåæèì äîñòóïà:http://rusgeopolit.com/?p=467#_ftn1. Äàòà îáðàùåíèÿ: 28.08.13. (Petrov V. ElEstado eurasiático de la Verdad — Alexéev N.N.).

ÑÀÌÀÐÈÍ Ä.Ô. Ïîáîðíèêè âñåëåíñêîé ïðàâäû. - Â: Ñëàâÿíîôèëüñòâî. Pro et contra.Ì.: ÐÕÃÔ, 2006, ñ. 477-500. (Samarin D.F. Defensores de la Verdad universal).

ÖÈÌÁÀÅÂ Í.È. Ñëàâÿíîôèëüñòâî. Ì.: Èçäàòåëüñòâî Ìîñêîâñêîãî óíèâåðñèòåòà,1986. (Citado por: Zymbáev N.I. Eslavofilismo).

ÕÎÐÓÆÈÉ Ñ.Ñ. Õîìÿêîâ: ó÷åíèå î ñîáîðíîñòè è öåðêâè. Èíòåðíåò-èçäàíèå Âåá-Öåíòðà «Îìåãà», 2002. 154. (Khoruzhi S.S. Khomiakov: doctrina de Sobornost yIglesia).

ÑÀÂÈÖÊÈÉ Ï.Í. Åâðàçèéñòâî. - Â ñá.: Ðóññêàÿ èäåÿ. Ì.: ÀÉÐÈÑ ÏÐÅÑÑ,2004, ñ. 352-371. (Savitski P.N. Eurasianismo. – En: La Idea rusa).

ÑÀÂÈÖÊÈÉ Ï.Í. Åâðàçèéñòâî êàê èñòîðè÷åñêèé çàìûñåë — Â: Òðóáåöêîé Í.Íàñëåäèå ×èíãèñõàíà. Ì.: ÝÊÑÌÎ, 2007, ñ. 18-35). (Savitski P.N. Eurasianismocomo un proyecto histórico).

ÑÀÂÈÖÊÈÉ Ï.Í. Â áîðüáå çà åâðàçèéñòâî. Ïîëåìèêà âîêðóã åâðàçèéñòâà â 1920-õãîäàõ. — Ðåæèì äîñòóïà: http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn10.htm. Äàòàîáðàùåíèÿ: 26.08.12. (Savitski P.N. En la lucha por el eurasianismo. La polémica entorno al eurasianismo en los años 20 del siglo XX).

72 LATINIDADE

ÑÀÂÈÖÊÈÉ Ï.Í. Îñíîâû ãåîïîëèòèêè Ðîññèè. — Ðåæèì äîñòóïà: http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm#spn11text1 Äàòà îáðàùåíèÿ: 30.08.13.(Savitski P.N. Fundamentos de la Geopolítica de Rusia).

ÑÀÂÈÖÊÈÉ Ï.Í. Åâðàçèéñêàÿ êîíöåïöèÿ ðóññêîé èñòîðèè. - Ðåæèì äîñòóïà:Http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn11.htm Äàòà îáðàùåíèÿ: 23.08.13.(Savitski P.N. El concepto euroasiático de la historia rusa).

ÑÀÂÈÖÊÈÉ Ï.Í. Ãåîãðàôè÷åñêèå è ãåîïîëèòè÷åñêèå îñíîâû åâðàçèéñòâà - Ðåæèìäîñòóïà: http://gumilevica.kulichki.net/SPN/spn05.htm Äàòà îáðàùåíèÿ:20.08.13. (Savitski P.N. Fundamentos geográficos y geopolíticos del eurasianismo).

ÑÎËÎÂÜÅ Â.Ñ. Çàìå÷àíèÿ íà ëåêöèþ Ï.Í. Ìèëþêîâà. – Â: Ñëàâÿíîôèëüñòâî. Pro etcontra. Ì.: ÀÉÐÈÑ ÏÐÅÑÑ, 2004, ñ. 640-644. (Soloviev V.S. Comentarios a laconferencia de Miliukov P.N.).

ÕÎÌßÊΠÀ.Ñ.. Ïîëí. ñîáð. ñî÷. Ì.: Óíèâåðñèòåòñêàÿ òèïîãðàôèÿ íà Ñòðàñòíîìáóëüâàðå, 1900, òîì I, III. (Obras completas, 1886, vol. I, III).

ÕÎÌßÊΠÀ.Ñ. Ïîëí. ñîáð. ñî÷. Ì.: Óíèâåðñèòåòñêàÿ òèïîãðàôèÿ íà Ñòðàñòíîìáóëüâàðå, 1886, òîì. (Obras completas, 1886, vol. II).

ÒÐÓÁÅÖÊÎÉ Í.Ñ. Íàñëåäèå ×èíãèñõàíà. M.: ÝÊÑÌÎ, 2007. (Trubetskoi N.S. Laherencia de Genghis Khan).

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas erepresentações (1870-1930)Lená Medeiros de Menezes (UERJ)*

RESUMODesde o século XIX dois discursos centrais caracterizaram as polêmicas emtorno da imigração no Brasil. Um deles destacava a imigração como o caminhoa ser seguido em direção ao progresso e à civilização, interditando apossibilidade de esse caminho ser alcançado com a utilização da mão-de-obrade ex escravos. O outro estava baseado na ideia de que o estabelecimento deuma legislação restritiva na entrada e permanência do imigrante em solobrasileiro representaria a defesa da nação frente ao estrangeiro nocivo e perigoso.Tomando essa polarização como ponto de partida, o artigo analisa o impactodo processo imigratório no Brasile as formas pelas quais ideias, interesses ediscursos “em disputa” converteram-se em praxis política, a partir do adventoda República. Nesse sentido, contempla análises sobre as práticas adotadascom relação à entrada e a permanência de estrangeiros no país e a generalizaçãoda expulsão como processo destinado à promoção de seleção a posteriori deimigrantes.Palavras-chave: Imigração – Discursos – Práticas e Representações

Os fluxos migratórios orientados para o Brasil na segunda metade doséculo XIX inseriram o país na dinâmica transnacional de deslocamentosque caracterizou a expansão do capitalismo e a projeção da Europa nomundo, com projeção dos deslocamentos efetuados a partir de Portugal,Itália e Espanha e desembarques efetuados em vários portos do Brasil,1com projeção no porto do Rio de Janeiro e no porto de Santos.

A presença cada vez maior de estrangeiros nas cidades portuárias -principalmente para a capital e para cidades que recebiam refluxos deimigrantes oriundos do campo - ocorreu pari passu com o processo deurbanização e com o aparecimento das chamadas “doenças das grandescidades” e, posteriormente, com os enfrentamentos advindos do aquecimentodas reivindicações operárias. Polarizaram-se, assim, os discursos relativosaos benefícios ou aos malefícios trazidos pela imigração; polarização que seevidenciou nas últimas décadas do Império e ganhou visibilidade a partirdo advento da República, quando o conceito de ‘estrangeiro’ tendeu asubstituir o de ‘imigrante’, trazendo à cena um vocábulo enunciador daideia do exógeno.2

74 LATINIDADE

No contexto dessa polarização, foram concentradas em um poloformações discursivas que defendiam o incentivo à imigração - basicamentea imigração europeia - entendida como único caminho possível para oalcance de patamares de progresso e de civilização.3 Um exemplopode serdado pelas palavras de Rodrigo Augusto da Silva, em relatório, ministro daAgricultura, Comércio e Obras Públicas, em relatório relativo ao ano de1887:

Cumpre considerar a imigração por aspectos menos restritos oumais amplos, frisando-a pelo que realmente vale como fator ativoque poderá tornar-se, do povoamento do nosso vastíssimoterritório, da constituição da pequena propriedade, dodesenvolvimento das indústrias de toda a natureza, como agenteeficaz, enfim, do progressosocial em todas as suas esferas.4

Muito semelhantes seriam as conclusões apresentadas pelo ministro Pedrode Toledo, da Agricultura, Indústria e Comércio, em relatório referente aoano de 1910:”A imigração e colonização são elementos principais eindispensáveis ao progresso das nações novas, tendo merecido de minhaparte excepcionais cuidados”.5

Nas entrelinhas desses discursos era projetada a ideia de que o trabalhodo negro liberto era incapaz de promover o progresso do país, a partir deenquadramentos que opunham habilidades, características e moralidade entreas “raças”, segundo as teorias que então circulavam, que punham os europeusno topo da pirâmide da evolução, formada, em sua base, por povos“primitivos”, dentre os quais se contavam negros e indígenas.

É importante destacar que, no Brasil, os portugueses, antigoscolonizadores, tendiam a não ser incluídos na representação do imigrantepromotor do progresso, principalmente por parte daqueles que tinhamna França e na Inglaterra o modelo a seguir. De alguma forma, essadistinção reproduzia distanciamentos existentes na própria Europa, querelegava os povos mediterrânicos – de origem latina – a um papelsecundário. Por volta de 1850 já era corrente a contraposição entre uma“Europa ativa”, industrializada e civilizada, e uma “Europa passiva”,agrícola e “atrasada”.

Essa diferenciação esteve no cerne de teorias que analisavam odesenvolvimento dos povos americanos segundo a “superioridade” ou“atraso” das nações responsáveis por sua colonização. Os pastores Kiddere Fletcher, por exemplo, atribuíam aos portugueses o “atraso” do Brasil:

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930) 75

As leis, a maneira de fazer negócios, assim como de pensar e agir,que aí prevalecem geralmente são as dos portugueses. Tudo issoestá a exigir decidida renovação, a fim de apropriar-se àscircunstâncias de um novo Império que surge para vida no meiodos progressos do século XIX.6

Imagens que identificavam a influência portuguesa no Brasil com oatraso e o imobilismo, dessa forma, já circulavam na segunda metade doséculo XIX, interna e externamente.7Apesar dessas imagens, porém, osportugueses guardavam com os restantes dos povos europeus umacaracterística fundamental no contexto do discurso do progresso: erambrancos, distanciando-se,por exemplo, dos africanos, chins e coolies,8 sobre osquais pesava a imagem da degeneração, conforme demonstra discursoproferido por Eduardo A. Pereira de Abreu, cafeicultor da cidade deSilveiras em São Paulo:

... uma calamidade para a atual lavoura [é] a introdução dos cooliesem nosso país. A experiência tem demonstrado a negativa maiscompleta e os resultados perigosos, insuficientes e nulos que essaclasse de homens, eivados de maus costumes e corruptos pornatureza e princípios de educação tem acarretado consigo emtodos os lugares em que como colonos se apresentam /.../ Fracose indolentes por natureza, alquebrados pela depravação doscostumes e hábitos que desde o berço adquirem, narcotizadosfísica e moralmente pelo ópio, não poderão nunca no Brasilsuportar o árduo e penoso trabalho da cultura do café. Seria umerro grave introduzir e estabelecer em nosso país uma raça inferior,quando a nossa já se ressente muitíssimo pelos variados efeitosocasionados pelo clima, alimentação e educação ...9

Para o autor, a introdução dos coolies no Brasil representaria um maior“abastardamento” da população brasileira, devido à inoculação de “umsangue pobre e degenerado, tóxico e nocivo às grandes leis do cruzamentode raças”, bastando o clima do país, a educação, a alimentação e,principalmente, “o sangue impuro do africano e a pouca ou acanhadacivilização”.10

No contexto desses discursos discriminatórios contra africanos, cooliese, também, chins, os portugueses acabariam por tornar-se imigrante“desejável”,tanto devido ao ideal de branqueamento que teve seu coroamentona defesa explícita da eugenia na Era Vargas quanto por conta das

76 LATINIDADE

dificuldades existentes em atrair os povos europeus identificados com oprogresso e a civilização.

Dentre os que migravam, no entanto, independentemente de suanacionalidade, muitos não eram - ou viriam a deixar de sê-lo no Brasil -“morigerados”, afastando-se em muito do modelo do trabalhador“superior” idealizado pelas elites brasileiras. Essa constatação explicou osurgimento de um discurso, por vezes agressivo, contra o “estrangeiro”,principalmente por parte das autoridades responsáveis pela manutenção daordem, queclamavam por soluções destinadas a por fim ao crescimento dacriminalidade e dos “males”que afligiam o país, imputando à imigração aresponsabilidade por esse processo.

Esse discurso discriminador já podia ser encontrado décadas antes daproclamação da República, como demonstram palavras do Chefe de Políciada Corte na segunda metade do século XIX, que alertava que devia serlembrado por todos “que a quase totalidade dos crimes contra a pessoa[eram]perpretados por indivíduos da ínfima classe da sociedade – escravos,estrangeiros, proletários e desordeiros, vulgarmente conhecidos comocapoeiras”.11

Na defesa de uma solução para o problema, os chefes de políciareportavam-seàs experiências de sucesso adotadas na França e em Portugalpara defender a expulsão de estrangeiros desordeiros como forma de darsolução ao problema:

Os legisladores portugueses e franceses cogitaram, acertadamente,acerca dos estrangeiros proletários e, por isso, aquele, no art. 259,e este, no art. 212, dos respectivos códigos penais, instatuíram queo estrangeiro legalmente declarado vadio e vagabundo seja postoà disposição do governo para fazê-lo sair do território do Estado.

Algumas evidências empíricas pareciam embasar essas práticas repressivas,como era o caso de estatísticas policiais que demonstravam, por exemplo,a participação majoritária de estrangeiros em determinados tipos de crime(destaque para os crimes contra a propriedade), da maioria das contravençõesprevistas em lei (a vadiagem em especial, em um contexto de imposiçãodo trabalho como valor social) e de “desviostolerados”, como era o casodaprostituição.12

Com a proclamação da República, as discussões sobre a expulsão deestrangeiros voltaram à pauta política e o discurso da manutenção daordem através do combate ao estrangeiro “indesejável” tornou-se corrente,

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930) 77

principalmente a partir do momento no qual o anarquismo irrompeu nopaís, seduzindo as lideranças operárias, grande parte formada por estrangeiros.

A imigração que nos tem procurado, com as vantagensverdadeiramente notáveis, nos tem trazido também, em grandequantidade, o estrangeiro estragado por todos os vícios, o criminosoperseguido pela justiça do seu país, o aventureiro capaz de todasas audácias.

Além disso, o movimento que agora agita as nações europeias,formulando como bandeira de combate a guerra contra o capital,contra os elementos conservadores da sociedade, já nos enviatambém os seus propagandistas, que se encarregam de acumularo combustível entre as classes menos abastadas para fazer as suasexplosões.13

As palavras do Chefe de Polícia da Capital Federal, em 1890, seriamseguidas por seus sucessores, que utilizavam os exemplos dados por paísescomo a Inglaterra (AliewAct de 1848), Bélgica (Leis de 1865, 1871, 1874 e1884), a França (Leis de 1832, 1834, 1839, 1848, 1849a além do CódigoPenal), a Espanha (Lei de 1852), a Dinamarca (Lei de 1875) e a Itália (Leide Segurança Pública), para defender a ineficiência do art. 400 do CódigoPenal Brasileiro14e anecessidade de lei incisiva que autorizasse o governo aexpulsar estrangeiros.

Todos os decretos que regulamentaram a expulsão de estrangeiros aolongo da Primeira República (1889-1930) orientavam-se em uma dupladireção. Em uma delas estabeleciam medidas mais rigorosas para a entradano país(seleção a priori); na outra relacionavam os motivos passíveis deexpulsão (seleção a posteriori).

O primeiro decreto que regulamentou a entrada e a expulsão deestrangeiros entrou em vigor em 1893. A apesar do regime de exceçãoentão vivido (estado de sítio), ele adequou o paísaos postulados do DireitoInternacional, segundo os quais o estrangeiro só podia ser expulso atravésde legislação específica que regulasse a matéria.

De duração efêmera, o decreto entrou em vigor como instrumentocomplementar de repressão durante a Revolta da Armada, da qualparticiparam vários estrangeiros.Ficou então proibida a entrada no Brasil de“estrangeiro mendigo, vagabundo, atacado de moléstia comprometedorada saúde pública” ou daquele que fosse “suspeito de atentado cometidofora do território nacional contra a vida, a saúde, a propriedade ou a fé

78 LATINIDADE

pública”.15 Com relação à expulsão, foram elencados motivos variadospara sua execução, com grande peso de atos de revolta e subversão queameaçassem a República, ainda que atingisse, também, aos que procedessemde forma “a provocar ou aumentar o mal-estar público, ou a criar embaraçosà tranquilidade e regularidade dos negócios e da vida social”.16

Com a volta à normalidade política, o decreto deixou de ter vigência,mas sua dupla funcionalidade e muitas de suas disposições tornaram-sebase para os caminhos nas décadas que se seguiram.No ano de 1902, umprojeto de regulamentação da entrada e expulsão de estrangeirosfoi aprovadona Câmara, mas foi engavetado pelo Senado. Foi necessário esperar mais5 anos para que um novo projeto entrasse em discussão. Com a vitóriadaqueles que defendiam a busca de meios para vigiar e punir os estrangeiros“nocivos” ou “indesejáveis”, foi aprovado o decreto-lei nº 1641, de 07 dejaneiro de 1907, conhecido, posteriormente, como Lei Gordo, que vigiria,com pouquíssimas alterações, até o ano de 1921, quando um novo decreto(nº 4269 de 17 de janeiro de 1921) entrou em vigor.

Considerado por muitos juristas como verdadeiro “arrastão” contra osestrangeiros, o decreto de 1907 propiciou a expulsão de estrangeiros dasmais diferentes nacionalidades e pelos mais variados motivos, que incluíamdas contravenções ao chamado “crime político”.Na capital, consideradatambor de ressonância para o país, foi, efetivamente,um instrumento de“limpeza urbana”.

Pelo decreto nº 1641, podia ser expulso o estrangeiro que, por qualquermotivo, comprometesse”a Segurança Nacional ou a tranquilidadepública”;17podendo, também, ser alvo da expulsão todo aquele contra oqual existisse a condenação ou processo por tribunais estrangeiros ou portribunais brasileiros “por crimes ou delitos de natureza comum” ou, ainda,os que pudessem ser acusados da prática da “vagabundagem, damendicidade ou do lenocínio devidamente comprovados”.18

Observe-se que, embora existisse a lei, muitos estrangeiros foram expulsossem serem processados, conforme comprova documentação inéditaencontrada pela pesquisadora no Arquivo Histórico do Itamarati.Diferentemente dos ofícios usuais nos quais havia a menção do processoque originara a expulsão, outros documentos não deixam margem de dúvidasquanto à prática da expulsão ao total “arrepio da lei”. Nesse caso, trata-sede ofícios sem numeração,que trazem a tarjeta “confidencial” e contêm,como informação, a notícia de que os estrangeiros relacionados serão expulsosdo território nacional.19

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930) 79

Ainda que tenha sido considerado inconstitucional20 durante todo otempo de sua vigência, o decreto foi responsável pela expulsão “legal” decentenas de estrangeiros. As mesmas críticas atingiriam o decreto de 1921,21

responsável pela implantação de práticas seletivas mais apuradas de entradano país no pós Primeira Guerra. Para além do impedimento à entrada deestrangeiro “mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de moléstiaincurável ou moléstia contagiosa grave”; daqueles que procurassem o país“para entregar-se à prostituição” ou dos que tivessem mais de 60 anos, sempossuir renda que lhes permitisse a subsistência, também ficava impedidaa entrada de estrangeiros “perigosos à ordem pública”, em um momentono qual a “propaganda pelo ato” já fizera sua entrada no país, dandovisibilidade às alas radicais do movimento anarquista e deixando um rastrode explosões a dinamite nas ruas.

No tocante à expulsão, o mesmo decreto estabelecia que podiam serexpulsos estrangeiros já deportados por outro país ou considerados elementosperniciosos à ordem pública em seus países de origem; autores de atos deviolência dedicados a “impor qualquer seita religiosa ou política” por meioscriminosos; indivíduos que, por conta de sua conduta, pudessem serconsiderados nocivos à ordem pública ou à segurança nacional; os evadidosde outro país, condenados “por crime de homicídio, furto, roubo, bancarrota,falsidade, contrabando, estelionato, moeda falsa ou lenocínio”; imigrantes jácondenados no Brasil pelos mesmos crimes.

Consagravam-se, dessa forma, dispositivos orientados para a imposição depolíticas restritivas que punham fim efetivo às práticas liberais em termos depolíticas imigratórias. Essas medidas acompanhavam tendências que se consagravampor todo mundo, nos anos de crise que caracterizaram o Entre Guerras, a partirdas novas políticas adotadas pelos Estados Unidos (1921 e 1924 - UnitedStatesImigrationAct de 1924), que proibiram a imigração japonesa para o país.

Para além dos decretos de 1921, outras medidas foram ainda adotadasno sentido do controle e vigilância dos estrangeiros. Dentre elas, o decretodatado de 31 de dezembro de 1924, que tornou obrigatório o transportede todos os passageiros de 2ª e 3ª classes, desembarcados no Rio deJaneiro, para a Hospedaria de Imigrantes da Ilha das Flores.

O fim da Primeira Grande Guerra em 1919 possibilitou não só oaparecimento de novos crimes - caso da criminalização das drogas peloTratado de Versalhes - quanto a consagração de novos discursos e práticasrestritivas relativas à imigração, em um contexto no qual ideologias fortementeautoritárias e nacionalistas ditavam novos caminhos ao mundo.

80 LATINIDADE

Com base nas leis que regulamentavam a entrada e permanência deestrangeiros no Brasil ao longo da Primeira República, centenas de estrangeirosforam impedidos de desembarcar ou foram expulsosdo país. Vários deles,inclusive, estavam amparados pela legislação, servindo de exemplo indivíduosque estavam fixados no país desde a infância e estrangeiroscasados combrasileiras e pais de filhos brasileiros. Na capital brasileira, em especial, aprática da expulsão transformou-se em verdadeira política destinada a livrara cidade - considerada vitrina do Brasil – de todo e qualquer estrangeiroque, por palavras ou ações, pudessem ser considerado “indesejável” e,portanto, passível de ser colocado para fora do país.

A forma encontrada para por fim às polêmicas que acompanharam aexecução dos decretos de 1907 e de 1921 - em um contexto no qual, por todoo mundo, a liberdade de migrar sofria restrições – foi aalteração do artigo 72da Constituição Federal, quegarantiu ao Poder Executivo o direito constitucionalde expulsar o estrangeiro que viesse a se constituir em problema para o país.

Com o fim da Primeira República e a subida de Vargas ao poder emoutubro de 1930, as políticas restritivas foram consagradas com oestabelecimento de cotas de entrada, a exemplo do que já fora adotado emoutros países do mundo. Por outro lado, opções eugênicas marcariam aatuação do Conselho Nacional de Imigração criado pelo novo regime. Emexposição introdutória ao relatório encaminhado à Presidência da Repúblicaem 1936, o ministro da Justiça, Agamennon Magalhães, defendiaexplicitamente a questão étnica como caminho privilegiado para a proposiçãode uma política imigratória que fornecesse contraponto aos caminhosseguidos pela “República Velha” nas questões relativas à imigração:

Sob a influência do liberalismo da Constituição de 1891 e dasnossas leis de imigração e colonização, as preocupaçõesadministrativas se restringiam ao problema do braço, do imigrante-trabalhador, sem nenhuma atenção à sua qualidade como elementode integração étnica.22

Na “nova era” iniciada com o movimento que levara Getúlio Vargas aopoder,uma nova Constituição, promulgada em 16 de julho de 1934,traçariaformalmente os rumos de umapolítica imigratória subordinada aosinteresses da “formação racial” brasileira, através “de largo plano de seleção,distribuição, localização e assimilação do imigrante”.23

Sem menções a raças ou nacionalidades, ao estabelecer cômputos baseadosnos últimos 50 anos de imigração, a medida contemplava as nacionalidades

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930) 81

mais expressivas no país, projetando, portanto, a entrada de indivíduoseuropeus e brancos e, no caso do português, de estrangeiros com maioresproximidades culturais.

O ano de 1934 foi profícuo na adoção de novas práticas imigratórias,datando de então a obrigatoriedade da adoção de formalidades préviaspara a imigração e a exigência de “cartas de chamada” para a entrada nopaís. As medidas adotadas, presentes, com maior ou menor peso, por todoo ocidente, subordinavam o direito individual de busca por melhorescondições de vida aos interesses políticos e econômicos dos governos,tanto nos países de partidaquanto nos países de recepção de imigrantes.

O “largo plano de seleção” estabelecido pela adoção das cotas deentrada em 1934 viria a ser confirmado pela constituição autoritária de 10de novembro de 1937, quando o país vivia o”Estado Novo”, à semelhançados regimes fortes que eram implantados pelo mundo.Já então havia passadoo “perigo anarquista” e os comunistas transformaram-se nos alvosprivilegiados da política de segurança nacional. Sobre esta fase da históriapolítica brasileira, a expulsão de Olga Benário, companheira de Luís CarlosPrestes, enviada para a Alemanha nazista, onde terminou seus dias em umcampo de concentração, transformou-se em exemplo paradigmático dealgumas práticas adotadas com relação aos estrangeiros que pudessem serqualificados como perigosos.

A necessidade de regulamentar a execução dos dispositivos constitucionaisimpôs a necessidade de inúmeras normas complementares e muitos foramos decretos relacionados à política migratória que surgiram entre 1934 e1939. Reproduzindo tendências de época, as atividades relacionadas à políticaimigratória foram centralizadas no Conselho Nacional de Imigração (decreto-lei nº 406 de 4 de maio de 1938), diretamente subordinado à Presidênciada República.

Dentre as inúmeras funções do Conselho, constavam: a determinaçãodas cotas anuais; a apresentação de propostas para promoção da assimilaçãodo imigrante e no sentido de evitar concentrações que se tornassemperigosas;24 o estudo das políticas seletivas a serem adotadas; a proposiçãode interdições de entrada quando fosse necessário; o estudo dos fenômenosda imigração nas diferentes zonas do país e a promoção da permuta detrabalhadores. No âmago de todas estas questões projetavam-se questõesraciais e tendências eugênicas.

Com relação aos portugueses, a colônia estrangeira mais expressiva nacapital, desde cedo foram adotadas medidas de relativização na aplicação

82 LATINIDADE

das novas medidas. Com relação às cotas especificamente, para além derelativizações iniciais, elas deixaram de ser aplicadas a partir de 1939, decisãoque veio a fortalecer a definição de uma nacionalidade brasileira que buscavasuas raízes no passado, levando os portugueses a serem “cidadãos nacionais”,mesmo quando conservavam a nacionalidade de origem.25 Ou seja, segundoFiori, a adoção de um “modelo de nação de raiz lusitana”26 ou de uma“brasilidade concebida no sentido lusitano”, no dizer de Schaartzman,Bomeny e Costa,27 o que consagrava a idéia de que o português era umimigrante “conhecido”.

NOTAS* Professora Titular de História Contemporânea. Departamento de História. Rua São Francisco

Xavier, 524, 9º andar, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil. (20550013). www.uerj.br. Pesquisadesenvolvida com bolsa de Produtividade do CNPq (bolsa de Produtividade em Pesquisa)e apoio da FAPERJ, através de auxílio financeiro do Projeto Cientista do Nosso Estado einscrita no PROCIÊNCIA/UERJ.

1 Para além dos portos do Rio de Janeiro e de Santos, há registros de entrada, também, pelosportos de Belém, Recife, São Salvador, Vitória, Paranaguá, Florianópolis, São Francisco doSul e Rio Grande.

2 Em livro clássico no qual propõe uma teoria para as relações internacionais, J. B. Durosellechama a atenção dos historiadores para a necessidade da reflexão sobre a categoria deestrangeiro, alertando que ela é a única “que permite colocar no mesmo conceito de“relações internacionais” as relações entre Estados, unidades políticas (State as actor approach,de Wolfers) e indivíduos ou grupos de tipos não relacionados com o Estado (Individuialas actor approach)”. Cf. J. B. Duroselle, 2000, p. 50.

3 Para aprofundamento do tema verL. M. de Menezes. In: Hugo Cancino, 2007: 396-414.4 Brasil. Relatório do Ministério de Agricultura, Commercio e Obras Públicas de 1887(grifos

nossos). Disponível em BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd. Consulta em 25 set. 2013.5 Brasil. Relatório do Ministério de Agricultura, Indústria e Commercio de 1911: XXVI(grifos

nossos). Disponível em BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd. Consulta em 25 set. 2013.6 Kidder e Fletcher. O Brasil e os brasileiros. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1941. p 352.7 Sobre esta questão, ver L. M. de Menezes. In: Benzoni,2008: 271-280.8 A discussão sobre a introdução de chineses e indianos, como mão de obra intermediária

teve grande impacto no Congresso Agríciola do Rio de Janeiro, realizado em 1870.9 Congresso Agrícola – Edição fac-similar dos Anais do Congresso Agrícola, realizado no Reio

de Janeiro em 1878. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988. Introdução deJosé Murilo de Carvalho.

10 Id. Ibidem.11 Relatório do Chefe de Polícia da Corte de 1870, anexo ao relatório do Ministério da Justiça

do mesmo ano (grifos nossos). Disponível em BrazilianGovernmentDocumentDigitization Project:www.brazil.crl.edu/bsd/bsd. Consulta realizada em 12 de agosto de 2013.

12 Sobre prostituição estrangeira e lenocínio, ver L. M. de Menezes, 1992; M. Rago, 1991 eL. C. Soares, 1992. Com relação ao lenocínio, este só se tornou crime com o Código Penalde 1890, quando o chamado Tráfico de Brancas já era uma realidade no país.

13 Brasil. Arquivo Nacional. Relatório do Chefe de Polícia da Capital Federal, 1890/91: 3.Anexo ao Relatório do Ministério da Justiça e Negócios Interiores de 1991. Disponível na

Imigração europeia no Brasil: discursos, práticas e representações (1870-1930) 83

internet em emwww.brazil.crl.edu/bsd/bsd (consulta realizada em 15 de agosto de 2013).Observe-se que, segundo conceituação posteriormente adotada pela ONU, expulsão não erasinônimo de deportação, sendo a primeira destinada aos estrangeiros e a segunda aosnacionais.

14 Este previa a deportação por sentença judiciária, quando o estrangeiro reincidisse no crimede vagabundagem, ou, segundo o art. 5º da lei de 04 de agosto de 1875, quando o estrangeirotivesse perpretado crime contra brasileiros em país estrangeiro.

15 Biblioteca Nacional. Coleccção das Leis da República de 1893, Decreto nº 1566, art. 2º.16 Idem, art. 4º.17 Biblioteca Nacional. Colecção das Leis da República de 1893, Decreto nº 1641, art. 1º.18 Idem, art. 2º.19 Ver AHI/SP. Ofícios e Fichas Policiais, Lata 154, Maço 425. É importante dizer que essa

documentação joga por terra a tese de que os anarquistas eram expulsos com outrasacusações, levando à crença, errônea, de que não houve expulsão por crimes e contraven-ções previstas no Código Penal, incluindo crimes internacionais como o tráfico demulheres.

20 Sua inconstitucionalidade repousava no fato da Constituição de 1891, de inspiração liberal,garantir a igualdade de direitos para nacionais e estrangeiros “residentes” (art.72). Dessaforma, a definição do tempo necessário para a caracterização de “estrangeiro residente” foisempre um assunto em pauta.

21 Esse decreto, conjugado a decreto específico de combate ao anarquismo, abateu-se deforma impactante sobre as lideranças operárias.

22 BRASIL, Relatório do MTIC de 1936: 31. Disponível em BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd

23 BRASIL, Relatório do MTIC de 1936: 30. Disponível em BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd

24 Segundo o ministro, o problema da assimilação deveria prevalecer sobre qualquer outro.Cf. Relatório do MTIC de 1936: 32. Disponível em BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd

25 WESTPHALEN e BALHANA in SILVA e outros, 1993.26 FIORI in Congresso Internacional (Açores), 200627 SCHWARTZMAN e outros, 1984.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANCINO, Hugo Cancino y MORA, Rogelio de la (coord.).Ideas, intelectuales yparadigmas en América Latina (1850-2000), VleraCruz/México, UniversidadVeracruzana Lomas del Estadio, 2007.

FIORI, Neide. “Imigração portuguesa e nacionalismo cultural brasileiro: o‘regime de cotas’ de imigrantes”. Actas do II Congresso internacional sobre aimigração em Portugal e na União Européia. Açores, Portugal: Angra doHeroísmo, 2006.

MENEZES, Lená Medeiros de Menezes.Os estrangeiros e o comércio do prazer nasruas do Rio (1890-1930). Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1992.

MENEZES, Lená Medeiros de. Os Indesejáveis. Crime, protesto e expulsão na CapitalFederal (1890-1930). Rio de Janeiro:EdUERJ, 1996.

84 LATINIDADE

RAGO, Margareth. Os prazeres da noite. Prostituição e códigos de sexualidadefeminina em São Paulo (1890-1930). São Paulo: Paz e Terra, 1991.

SOARES, Luiz Carlos Soares. Rameiras, ilhoas, polacas. A prostituição no Riode Janeiro do século XIX. Rio de Janeiro: Ática, 1992.

SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena e RIBEIRO, Vanda. Tempos deCapanema. Rio de Janeiro, Paz e Terra/ São Paulo, Editora da USP, 1994.

WESTPHLEN, Cecília BALHANA, Altiva. “Política e legislação imigratóriabrasileira e a imigração portuguesa”. Actas do Colóquio Internacional sobre Emigraçãoe Imigração Portuguesa – séculos XIX e XX. Maria Beatriz Nizza da Silva e outros(org.). Lisboa: Fragmentos, 1993.

Migração e território Guarani - espaço ideológicode identidade e arena de disputasLuiz C. Borges - Museu de Astronomia e Ciências Afins-MCTI

RESUMO:Tentar compreender as constantes migrações guarani implica levar em contaa cosmovisão desse grupo étnico, a qual lhe impõe um permanentedeslocamento em busca da Terra Sem Males; bem como algunas das tensõesque a territorialidade guarani provoca, a partir de variáveis, tais como ocontatos e as fricções interculturais, o jogo das identidades face a outrosgrupos indígenas e à sociedade nacional. O oguatá porã ou caminar sagradorepresenta um exemplo de migração motivada por um efeito de uma concepçãode mundo. Em geral, essas tensões encontram-se relacionadas a umacontraposição político-ideológica entre os representantes da sociedadeenvolvente e os grupos indígenas. E os Guarani que, muitas vezes mantêmseus aldeamentos na proximidade de núcleos urbanos, exemplificam bemessa situação.Palavras-Chave: Brasil, Guarani, Migração

1 HISTÓRIA, MITO E PROCESSOS SOCIOCULTURAIS

Os Guarani1, um grupo da família lingüística Tupi-Guarani (TroncoTupi), vem mantendo contatos intensos com representantes da sociedadeenvolvente desde o século XVI, tendo passado, tal como ocorreu comoutros grupos indígenas latinoamericanos, por processos de redução econversão ao cristianismo e, por conseguinte, ao modo de produção ecivilização patrocinado pelas nações colonizadoras europeias, notadamentePortugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda. A relevância linguística ecultural dos povos guarani nos países em que habitam (Brasil, Argentina,Uruguai e Paraguai) vem acentuando-se, especialmente devido aoreconhecimento de que eles representam um exemplo de resistência eadaptabilidade física e étnica, além do fato de serem detentores de umcomplexo acervo patrimonial, notadamente no campo filosófico eastronômico.

Inicialmente, é preciso esclarecer que, quando me refiro aos Guarani,reporto-me a uma unidade imaginária do povo Guarani, entendido como

86 LATINIDADE

um conjunto linguístico-cultural que historicamente se constituiu a partir dodesmembramento, e posterior dispersão, de um grupo originário, o Proto-Tupi, do qual se originaram dois subgrupos lingüística e culturalmenteaparentados, mas com diferenças históricas e culturais bem demarcadas: osTupinambá (com diversas denominações e autodenominações, dependendoda região em que se fixaram) e os Guarani. Em particular, refiro-me aosGuarani Mbyá, um dos subgrupos guarani (o qual, junto com os Kayovaou também Pai-Tavyterã, e os Nhandeva ou Xiripá ou, ainda, Ava-Xiripá,formam a grande nação Guarani). Além desses que são encontrados noBrasil, Uruguai, Argentina e Paraguai – todos relacionados ao macro-grupomencionado anteriormente, há, ainda, outros povos Guarani, linguisticamentenão aparentados, e que são encontrados apenas no Paraguai e na Bolívia,como os Guajaki, Tapiete, Guarayo, Chiriguano e Izozeños.

Em relação à historicidade, ou seja, aos fundamentos culturais eideológicos que sustentam e justificam modo de ser desse povo, devemoslevar em conta que, nas sociedades em que a oralidade se institui como aordem dominante, o processo histórico só pode ser equacionado atravésdos enunciados que circulam na sociedade e que, por sua vez, são osresponsáveis pela formação das matrizes de pensamento dessa mesmasociedade. Destarte, como em geral acontece nas sociedades indígenas e,em particular, na dos Guarani Mbyá, o processo enunciativo, a produçãoe a transmissão e manutenção de saberes, de organização e regras sociais,e igualmente dos processos e formas produtivos, se realizam prioritariamenteno domínio do mito que funciona, em suma, como um discurso ou mitofundador (ORLANDI, 2003; BORGES, 1999; CHAUI, 2000), pois seapresenta como aquele em que a voz da imemorialidade, ou da ancestralidade,dimensionada em e por um tempo originário, se faz ouvir/agir através deum narrador (ou de um texto narrado) que, neste caso, representa a vozda instituição ou do imaginário social instituinte.

Entre os Guarani, por exemplo, há a predominância de uma formaçãomítico-utópica que se manifesta na forma-conceito da Terra Sem Mal ouYvy Marã E’ù [yvy: terra; marã e’ù: ‘que não se estraga’, ‘que não se acaba’,‘intocado’: ‘indestrutível’]. Esta forma constitui um dos elementos chavepara a compreensão do pensamento e do modo de ser (teko ou ethos/eidos)guarani, dado o papel simbólico e histórico que essa entidade míticadesempenha na concepção de mundo e no vir-a-ser desse grupo.

Não deve ser negligenciada, na análise, a função política do mito em suarelação com a vontade coletiva. Neste sentido, toda mitocosmologia resulta

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas 87

da “criação de uma fantasia concreta que atua sobre um povo [...] paraorganizar a vontade coletiva” (GRAMSCI, 2000, p. 14). Assim, seconsiderarmos, com Castoriadis (1992), que toda sociedade cria, para simesma e consubstancial ao seu modo próprio de ser, um tempo e ummodo de existência que lhe são próprios e que lhe conferem suaespecificidade (e originalidade) no conjunto das demais sociedades,compreenderemos a razão pela qual os Guarani, em sua autorrepresentação,são o seu passado e, por essa mesma razão, heterônomos. Eles organizamseu modo de ser/viver a partir da recordação das belas palavras e da belamorada de Nhamandu. Esta condição metafísico-existencial pode serdeduzida tanto dos relatos míticos, quanto das declarações atuais dos Guarani,de que é exemplo este excerto: “assim, farei correr o fluxo das BelasPalavras2/para você, que se lembrará de mim”; “eis porque você, que vaimorar sobre a terra,/tenha lembrança da minha bela morada” (CLASTRES,1990, p. 113).

Em virtude disso, encontramos na cosmologia guarani um conjuntomultidimensional de relações antinômicas, a partir das quais é possíveldepreender de que modo se configuram, integrada ou isoladamente, algumasdas relações que eles mantém entre seu modo de ser e o universo. Adicotomia sagrado/profano opera como mito ou discurso fundador, umavez que é sobre essa base que a vida guarani, em sua totalidade, se constituie encontra sua razão de ser. Assim, para esse povo, a terra (ente histórico-geográfico) representa o lugar da infelicidade e das cópias imperfeitas, aopasso que a Terra Sem Males é a sua verdadeira morada. O que leva aconsiderar os Guarani ontologicamente como seres cosmocêntricos, paraos quais o cosmos (a morada dos deuses e homens verdadeiros) é o locusda verdade.

Ao considerar a organização cosmológica e social dos Guarani, ressalta-se a prevalência do sujeito divino sobre o sujeito humano e, portanto, darealidade metafísico-cosmológica sobre a profano-histórica, configurandouma estrutura sócio-ideológica que podemos caracterizar comocosmoteocêntrica. Esta estruturação social e existencial, por sua vez, resultade uma heteronomia radical instituinte, haja visto que constitui e perpassaa totalidade organizacional da sociedade guarani e, por conseguinte, as suasformas de representação e enunciação que, em síntese, pode ser representadapela disjunção entre Terra (onde se encontram os deuses, logo, lugar daverdade e da perfeição) e a terra (onde vivem os homens, sempre sujeitosàs contingências espacio-temporais e, em última instância, da morte)3.

88 LATINIDADE

Assim, o que mais se evidencia da concepção metafísica do mundoguarani é essa marca de uma disjunção tanto geográfica, quanto histórica oque leva a considerar que o espaço vivencial desse grupo resulta de umdescompasso tempo-espacial, ou em um presente fora dos eixos4. A partirdesses elementos culturais, podemos dizer que a sociedade guarani, quantoà estrutura político-ideológica, se assenta em uma forma híbrida de teocracia(quando há a subordinação das leis, da história, aos impulsos ou crençasreligiosas, ou seja, quando a razão ou causa última das coisas é atribuída aentidades deísticas, cf. GRAMSCI, 2000) com hierocracia (quando a direçãogovernamental cabe a líderes religiosos) sendo, portanto, melhor caracterizadacomo uma sociedade hieroteocrática, pois embora os líderes religiosos(masculinos e femininos) influam decisivamente na sociedade guarani, ogoverno, ou melhor, o destino da sociedade é partilhado entre as esferaspolítica e religiosa.

Com base nas considerações acima, o foco deste trabalho consiste emtecer algunas considerações acerca das migrações guarani no territoriobrasileiro, buscando compreender, a partir da cosmovisão guarani - pelaqual esse grupo étnico é induzido a manter-se em permanente deslocamentoterritorial em busca da Terra Sem Males -, algunas das tensões que a suanoção e prática de territorialidade termina por provocar. Para tanto,levaremos em conta variáveis, tais como o contatos e as fricções interculturais,o jogo das identidades face a outros subgrupos guarani e à sociedadeenvolvente; bem como as relações econômico-sociais dissimétricas entre osGuarani e segmentos da sociedade majoritária. Neste aspecto, um conceitode suma importância é o oguatá porã ou caminhar sagrado, e o que ele,impreterivelmente associado ao tape porã e ao arandu porã, representa paraa história dos Guarani no Brasil. Em síntese, o oguata porã encontra-seorganicamente justificado pela concepção de mundo5 guarani, além desustentar-se nos efeitos discursivos da tradição. Em outros termos, representa,discursivamente, a fantasia ideológica (ŽIŽEK, 1996), qual seja, trata-se doresultado de um processo de ideologização desenvolvido pelos Guarani apartir das condições histórico-sociais de sua existência visto que, em últimainstância, a relação homem-deus é apenas uma metáfora abstratizante edesistoricizante da relação constitutiva homem-realidade, sendo esta oresultado da intervenção humana, logo, histórico-cultural, na ordem dascoisas.

A territorialidade guarani também está reportada à dualidade fundantede sua sociedade, pois ela possui uma dimensão aqui-e-agora e uma

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas 89

dimensão cósmico-religiosa que não é isenta de tensões e disputas. Noentanto, a despeito de sua motivação, a territorialidade guarani, especialmentenas condições históricas da contemporaneidade, é uma fonte de constantesconflitos territoriais, debido à intersecção entre seus territórios e os deempreendimentos econômicos. Em geral, essas relações encontram-semediadas e tensionadas, no campo sociopolítico e cultural, por uma redede discursos na qual aos índios – em geral representados como umaentidade genérica e supraétnica – é destinado um papel histórico de figurade fundo. Essa discursividade inscreve-se no imaginário social e contribuipara que se estabeleça entre os índios (em geral, e os Guarani, em particular)e os não índios, uma contraposição para a qual, a médio prazo e nascondições vigentes da política cultural e econômica mundializada, não sãovislumbradas soluções que satisfaçam as partes envolvidas nesse processo.

2 CONVERSÃO, ADAPTABILIDADE E SOBREVIVÊNCIA GUARANI

Tempo, memória e mito. Essa tríade sustenta não só o sistema guaranide produzir conhecimento – teorias e explicações sobre a gênese do mundo,e sobre a razão de existência das coisas – mais igualmente todo o aparatoideológico acerca do seu lugar no ordenamento do mundo.

Contudo, o que implicamos ao falarmos de memória? O termo memóriapode significar: a) locus de armazenamento/recuperação de informações,b) ato ou processo de armazenar/recuperar eventos ou de rememorareventos, c) matéria ou dado armazenado/recuperado por algum processofísico, mecânico, fisiológico. A memória oral (individual ou coletiva) nãoopera na reprodução tal qual daquilo que é armazenado/recuperado. Amemória-rememoração é sempre uma versão, interpretação ou intervençãohistórica e ideológica no arquivo da memória. Isto porque a memória(suposta, processo ou dado) opera sempre e continuamente através de umtrabalho de interpretação e de renovação, seja no processo de organização,codificação, classificação ou armazenamento, seja no ato/processo derecuperação e uso do material armazenado/recuperado. Como tal, amemória é um arquivo, isto é, mais do que um processo de armazenar/recuperar e tratar informações, uma forma peculiar de organização domundo. De acordo com Chauí (2012), a memória é um dos muitos processosou constituintes sociais do nomos.

Devemos lembrar que a relação entre a sociedade guarani e a não-guarani se dá na forma de temporalidades disjuntas e sobre-encaixadas.Disjuntas porque tanto de uma perspectiva endógena, quanto de um ponto

90 LATINIDADE

de vista exógeno, a temporalidade guarani e não guarani não secorrespondem; e sobre-encaixadas porque as diferentes temporalidades co-ocorrem produzindo efeitos de maior ou menor intensidade. Por fim eresumidamente, essa estratégia de adaptabilidade consiste na seguinte fórmula:ressignificar diacríticos, absorver elementos culturais exógenos a fim demanter a identidade de Guarani.

Esse traço peculiar aos Guarani já era percebido no século XVI, comomostram os relatos de Gabriel Soares de Sousa (1987). Isso significa quea partir da separação da horda proto-tupi primitiva – da qual surgiram osdois mais importantes ramos da família Tupi-Guarani, os Tupinambá e osGuarani – o grau de diferenciação entre esses dois subgrupos já se encontravabastante acentuado no início da colonização portuguesa. Dentre os traçospolíticos e culturais que demarcavam as diferenças entre Tupinambá eGuarani, podemos citar: a) para os Tupinambá, expansionismo, arte daguerra, canibalismo ritual, centralismo tribal, sistemática rivalidade intertribale agressiva oposição aos portugueses; b) para os Guarani, abandono docanibalismo (início do movimento em direção à espiritualização?), economiade reciprocidade, aceitação do convívio com os colonizadores, baixo graude agressividade e demonstração de dotes musicais. Tais características foramnotadas e exploradas pelos missionários durante o período de cristianização,o que, afinal, deixou marcas bem profundas na cultura guarani, seja namúsica, seja em sua espiritualidade.

Ao desenvolver um proceder político-cultural distinto do dos Tupinambá,os Guarani utilizaram-se, no período colonial e durante o processo de conversãolevado a cabo especialmente pelos Jesuítas, da tática de resistência passiva, emgeral entendida pelos missionários como conformismo, mas que, em termosgramscianos deve ser, antes, entendida como guerra de posição (GRAMSCI,2000). A expansão do dos impérios coloniais e do cristianismo – este últimolevado a efeito por padres seculares e missionários, particularmente franciscanose jesuítas -, provocou imenso abalo no sistema cultural dos grupos indígenas,em muitos casos desestruturando-o e deculturando-os e, em outros, levandoà extinção grupos não aceitaram submeter-se.

Desse modo, embora tenham “perdido” diversas práticas cerimoniais erituais6 por conta da vivência em reduções, enriqueceram o núcleo duro quesustenta a sua identidade, qual seja, a língua e o sistema cosmológico-religioso, com elementos que adaptaram à sua própria conveniência7. Noque tange ao apelo à religião – seja como fonte de resistência, seja comotraço incorporado à identidade – uma hipótese explicativa considera que:

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas 91

[...] os Guarani escolheram sua religião como afirmação diante dasociedade ocidental, como forma de continuar sendo os mesmose evitar ser reduzidos a cidadãos genéricos. Nessa religião, a ‘palavra’ocupa o centro do sistema. Ela é o conceito-existência que explicacomo o indígena se compreende e compreende sua existência(CHAMORRO, 1999, p. 20).

Neste sentido, a religião guarani instaura-se, ao mesmo tempo, comoespaço de resistência, de adaptação e como um processo de hibridismocultural, especialmente no que respeita à liturgia, no qual se tornaperceptível, segundo Brandão (1990), um movimento de resistência frenteà violência da colonização e, em especial, àquela da conversão, e, aomesmo tempo, um modo criativo de incorporar ao seu acervo culturaltemas e rituais do cristianismo. Este é o caso, por exemplo, da músicaguarani, cuja estrutura musical (instrumental e vocal) se aproxima docantochão e na qual pontificam instrumentos que, claramente, foramtomados de empréstimo aos rel igiosos cristãos: o violão(significativamente chamado de mbaraká, ‘maracá’) e a rabeca (ou ravé,em Guarani). Outra importante instituição da sociedade guarani é a opyou ‘casa de reza’, construção que simboliza o centro identitário de umaaldeia, e onde todas as noites os Guarani se reúnem para cantar/rezar,fazer rituais de cura e discutir sobre os problemas da aldeia. Em termosde função, ela não se diferencia do que, há algum tempo, os templosreligiosos representavam para as cidades. No interior da opy há um“altar”, onde estão dispostos os instrumentos sagrados, velas e cachimbos.Vemos aqui dois exemplos já tradicionais de objetos e elementosintangíveis que, emprestados ao cristianismo, se incorporaram à culturaguarani e, hoje, são partes integrantes e inalienáveis do ethos guarani.Além do vestuário, há três outros aparatos sociais que, vindo do mundodo juruá (denominação usada para indicar os “brancos”), foramincorporados ao seu cotidiano: a escola, a enfermaria e, maisrecentemente, a casa de cultura.

3 HISTÓRIA, MEMÓRIA E TERRITORIALIDADE

Historicamente – o que quer dizer também arqueológica, antropológicae linguisticamente – não há certeza quanto à localização do território originaldo Proto-Tupi, do mesmo modo que não dispomos de elementosinequívocos relativos a quando, onde, como e por que razão se deu o

92 LATINIDADE

êxodo e posterior dispersão desse proto-grupo. Também é controversa adireção que essas levas migratórias tomaram em sua longa caminhada pelosterritórios sulamericanos8.

No caso dos Proto-Tupi e mais tarde, dos ramos Tupinambá e Guaranidele derivados, existe entre os especialistas - considerando-se as evidênciasarqueológicas disponíveis que aventam a hipótese de que seu deslocamentoimplicava a conquista e a manutenção de novos domínios territoriais - umacontrovérsia quanto a utilizar o termo migração ou expansão (cf. LADEIRA,2001). Entretanto, essa controvérsia só tem validade científica se estivermosnos referindo aos deslocamentos Tupinambá e Guarani antes da chegadae do contato com os europeus. A situação pós-contato deve ser vista deforma histórica e politicamente diferente. A pressão colonial exercida sobreos indígenas (em especial sobre os Tupinambá e os Guarani) provocou amigração e a dispersão desses indígenas para áreas que não estivessemocupadas ou em vias de ser ocupadas pelos colonizadores, quando não adesestruturação tribal e a reorganização dos índios com bases nos ideáriocolonial, visto que a nova realidade imposta aos índios “instaura uma novarelação da sociedade com o território, deflagrando transformações emmúltiplos níveis de sua existência sociocultural” (OLIVEIRA, 1998 apudLADEIRA, 2001, p. 88). A partir do momento do contato com os europeus,e com as novas formas de produção, organização social e civilizatória, épossível aplicar o termo diáspora a esses diversos movimentos de dispersãoprovocados pela expansão capitalista.

A questão relativa ao centro de dispersão e aos itinerários das levasmigratórias é controversa e os estudos, nas diversas áreas de interesse –linguística, arqueologia, antropologia e bioantropologia – são, até o momentoinconclusivos. Basicamente, há duas vertentes concorrentes. Uma delas admiteque o centro de dispersão dos Proto-Tupi encontra-se no sul do Brasil, deonde esses índios teriam partido para colonizar as demais regiões. A outraadmite, ao contrário, que o centro de origem e de dispersão tanto doProto-Tupi é a Amazônia. Mais precisamente entre os rios Madeira e Xingu,na área que atualmente corresponde ao sul do Estado de Rondônia. Segundoessa vertente, a datação para a presença os Proto-Tupi na Amazônia remontaa 5000 anos (a datação apontou 3000 aC); já a data de diferenciação entreos Tupinambá e os Guarani, a partir do momento em que o proto-grupose dividiu em dois grandes ramos, remontaria a 2.500 anos atrás (a dataçãoapontou 500 aC). Uma das características dessa dispersão, que é tambémexpansão territorial, é que ela se deu fundamentalmente por via terrestre e

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas 93

por meio de guerra de conquista (NEVES et al, 2011; SANTOS, 1991;RODRIGUES, 2000; LADEIRA, 2001).

A hipótese segundo a qual o centro de dispersão da horda Proto-Tupié amazônico é secundada pelas análises de Neves et al. (2011), cujos resultadosmostraram que existe afinidade não apenas linguístico-cultural, mas igualmentebiológica, entre os atuais Guarani (espalhados pelo centro, leste e sul doBrasil) e os (já extintos) Tupinambá (leste e norte brasileiros) e os atuaispovos de ascendência tupi que se encontram concentrados na Amazônia.Devemos admitir que essas migrações não ocorreram de uma única vez,mas deve ter havido – como, aliás, tem sido visto para as migrações deoutros grupos humanos – diferentes ondas migratórias, dispersando-se notempo e no espaço. A diferenciação dos povos que integram a modernafamília Tupi-Guarani são um bom indicativo desse processo migratório notempo e no espaço9.

Os povos da família tupi-guarani passaram por diferentes ciclosmigratórios, tanto e tempos pré e pós-coloniais. Isto é, embora seja claroque dos encontros (com variados graus de intensidade e conflito) com oscolonizadores tenham resultado pressões variadas sobre os grupos indígenas,às vezes provocando, às vezes acentuando as levas migratórias, por vezesbarrando-as, não se pode atribuir a essa nova realidade geopolítica eeconômica provocada pela colonização a causa das constantes e sucessivasmigrações tupi e guarani. É preciso acrescentar à colonização fatoresintrínsecos ao imaginário instituinte das sociedades tupi e guarani. Umadessas razões refere-se à sua heteronomia fundadora e que remete à suaconcepção de vida verdadeira – aquela que só pode ser vivida no planodo sagrado, do metafísico, portanto. Gera-se daí a disjunção entre o tempomítico-cosmológico e o histórico, referente à vida falsa por ser vivida nomundo tempo terreno. Na sociedade guarani vigora um mitodiscursofundador que se refere à busca da Terra Sem Males, cujo resultado, na vidaprática, é o que os Guarani denominam de oguatá porã, o caminhar sagrado,que os leva periodicamente, seja individual, seja coletivamente, a migrar.Deriva daí, também, a noção expandida que eles têm de sua territorialidade.

Segundo Brandão (1990), antes da chegada de portugueses e espanhóis,a área de domínio guarani, com cerca de 350.000km2, delimitava-se, aOeste, pelo rio Paraguai e, ao Sul, pela confluência deste com o Paraná; aleste, seu limite era o oceano Atlântico, entre Paranaguá, no litoral brasileiroe a fronteira entre o Brasil e o Uruguai de hoje. Essa situação alterou-sedrasticamente a partir da colonização e, em especial, pelo regime de

94 LATINIDADE

aldeamentos e de missões ou reduções, em geral controlado pelos jesuítas10.Ao longo do tempo e na atualidade, devido ao avanço das cidades e, emespecial, do agronegócio, as condições para a manutenção de terras indígenastornaram-se ainda mais graves.

Com relação a território, os Guarani, sustentando-se em suamitocosmologia, concebem um território que associa os limites físicos dasaldeias e trilhas. E embora a constituição territorial guarani possa ser concebidacomo aberta e descontínua (GARLET, 1997), se considerarmos que ocentro simbólico-territorial dos Guarani é a aldeia, notaremos que, conquantogeograficamente descontínuo, o território guarani, cuja isomorfia é dadapela presença das aldeias, apresenta continuidade.

O que caracteriza politicamente dos Guarani (como de resto a maioriados grupos indígenas, cujo centro político e de existência ou vivência é aaldeia) é o reconhecimento do território com espaço expandido, o qualsustenta um conjunto de unidades tribais autônomas (isto é, lugar e modode vida e território independente) e, potencialmente, inimigas entre si. Poroutro lado, há entre eles uma identidade que os unifica em torno de destino,concepção de mundo e deveres que são herança comum. Desse modo,usam como estratégia de sobrevivência e, simultaneamente, de expansão eocupação territorial, separarem-se em unidades sociais pequenas (gruposfamiliares) que se deslocam e, assim, formam novos aldeamentos, formandoredes de parentesco11 e, em consequência, expandindo, com isso, o territóriosimbólico e efetivo guarani, o qual é chamado por eles de “yvy rupá” ouleito da terra ou onde se assenta o mundo, isto é, em suma, o espaçogeográfico e cultural do mundo guarani.

Diante disso, uma pergunta se impõe: por que os Guarani, dentre osgrupos indígenas brasileiros, são os que mais se encontram em permanentedispersão? Com base na bibliografia especializada e nos relatos dos Guarani,essas migrações são atribuídas primariamente a razões de ordem mítico-cosmológicos e, secundariamente, a motivos histórico-políticos. Essas duasmotivações encontram-se totalmente interligadas e, embora seja possível,analiticamente, separá-las, dissociá-las implicaria negligenciar a relaçãoinstituinte homem-realidade ou homem e história.

É certo que a mito-religiosa busca da Terra Sem Males (tomada aquicomo síntese do pensamento guarani e como télos e não apenas como atopônimo de um lugar efetivamente, isto é, geohistórica e socialmenteexistente, mostra-se, em termos discursivos, como uma forma ideologizadadas condições históricas, traduzida para a esfera do religioso. Entretanto, na

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas 95

concepção guarani essa busca (expressa no oguata porã e no tape porã ‘caminhosagrado ou verdadeiro’) aparece como um dos principais motivos de suascaminhadas, seja geográfica, seja espiritualmente. Assim, dentre as causasmíticas e históricas para o contínuo êxodo guarani, podemos listar: conflitosinterétnicos, redimensionamento do território (reterritorialização comoreelaboração da memória tribal), projeção mítica do território, associado aodiscurso fundador da Terra Sem Males; a necessidade de ter um lugar ondelhes seja possível viver e, segurança seu antigo modo de ser; a intensificaçãode ocupação de terras produtivas produzindo um choque entre os interessesdo Estado e os dos povos indígenas, ocasionando a perda de territóriostradicionais (BRANDÃO, 1990; CHAMORRO, 1999, OLIVEIRA, 2002).No deslocamento territorial guarani há, ainda, uma particularidade. Entreos homens, os solteiros são os que mais se locomovem entre as aldeias;entre as mulheres, as idosas são as que mais se deslocam, para visitarparentes (MAINÕ’I, 2009).

Em tempos mais recentes, a última grande leva migratória guarani, emterritório brasileiro, iniciou-se no Rio Grande do Sul em 1940, quando umafamília extensa e aderentes, liderados pela kunhã karai (mulher sagrada)Tatatin (D. Maria), após terem caminhado a pé e atravessado os estados deSanta Catarina, Paraná e Rio de Janeiro, estabeleceram-se no Espírito Santoem 1970 (COMUNIDADE, 1996), onde fundaram a Tekoa Porã (AldeiaBoa Esperança, ou aldeia sagrada) da qual, mais tarde e em datas distintas,desmembraram-se duas novas aldeias. De acordo com relatos de pessoasque fizeram parte dessa migração, havia duas razões convergentes quelevaram Tatatin a persuadir seu povo a sair da terra que ocupavam no RioGrande do Sul, uma de natureza mítico-religiosa, e outra derivada dasituação de tensão agrária entre os Guarani e representantes da sociedadeenvolvente. Segundo Aurora da Silva Carvalho, Kerexu Mirin, filha Tatatin,sua mãe sonhava e ouvia os conselhos divinos e então dizia aos demais“agora vamos andar porque Nhanderu [...] é deus, o pai do céu, então,vamos andar e continuar rezando a Nhanderu”. A divindade alertava contrao que poderia se tornar um conflito sangrento, ao mesmo tempo em quea recordava da herança sagrada: “[...] para a tribo Guarani dei toda a terrapara morar, para viver, não para brigar com branco nem com ninguém”(COMUNIDADE, 1996, p. 24, 25).

As terras recém-ocupadas pelos Guarani, tanto no Rio de Janeiro,quanto no Espírito Santo, foram reconhecidas e homologadas nos anos1990. Afora essa grande onda migratória, há relatos de que migrações de

96 LATINIDADE

menor porte continuam ocorrendo através das fronteiras entre Argentina,Uruguai, Paraguai e Brasil. Esses deslocamentos podem ser de indivíduos,de famílias (nucleares ou extensas) ou mesmo de grupos familiares maiores,podendo, neste último caso, envolver centenas ou milhares de pessoas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, além de continuarem celebrando o oguatá porã, do qualderiva a expansão de seus aldeamentos, os Guarani justificam esse constantealargamento de fronteiras por meio de uma hermenêutica consolidada porseu aparato ideológico (seus AIS). De acordo com essa hermenêutica, emparte histórica, em parte cosmológica, o caminhar sagrado se justificaduplamente. De uma parte, pelos vestígios que encontram ao se deslocare aos quais atribuem valor arqueológico, isto é, como remanescentes eindicativos da passagem de seus antepassados. De outra, tais achados sãointerpretados como desígnios divinos e que confirmam não apenas a verdadee o vaticínio das palavras sagradas, como igualmente o seu indisputáveldireito à terra. Com isso, o território guarani não apenas é vasto, comoentrelaça-se (com maior ou menor grau de tensão) com outros territórios,tanto de grupos indígenas, quanto de nacionais.

O território, simbólica e ideologicamente, configura-se como um lugarque assegura, na memória e na identidade, uma ligação com o passadofundador comum e assegurador, portanto, da unidade e da identidadetribal. Considero, igualmente, que o passado comum e seus signos, seussignificantes sendo significados em diferentes tempos e espaços, bem comoseus efeitos de sentido sócio-historicamente motivados, constituem, emsíntese, um mito ou discurso fundador e, enquanto tal, sendo elementopedagógico para a formação dos sujeitos da sociedade guarani, participade modo integral e totalizante dos processos de produção e reproduçãosócio-cultural.

As migrações também fazem parte da ideologização das condiçõeshistórico-sociais, ou fantasia ideológica como o denomina Žizek, da qualresultou o desenvolvimento de uma disjunção entre uma terra (histórico-social) e uma Terra (entidade mitocosmológica), como elemento constitutivode seu aparato hegemônico. Essa estrutura hegemônica se multiplica ereplica-se nas diversas instâncias educativo-formativas da sociedade guarani,ainda que apresentando variações locais, como se depreende das relaçõesdiferenciadas entre as aldeias, ou entre elas e a sociedade envolvente.

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas 97

Nesta acepção, a noção e a posse de território são fundamentais nãosomente para a manutenção e reprodução da vida, mas especialmente,como dizem os próprios Guarani e que se expressa nos termos tekoa eoreretama12 (nossa terra), do seu modo de ser (orereko). A expressão modode ser vale por uma afirmação totalizante que abrange tanto a dimensãoespacial (território, aldeia etc.), quanto a político-ideológica (língua, costumes,relações sociais, cosmovisão, modo de organização, religião, rituais etc.).Logo, garantir o modo de viver ou modo de ser constitui uma das condiçõesimprescindíveis do território e que, no caso específico, condição queimpulsiona a expansão territorial.

Além dos movimentos migratórios intermitentes em busca de novosterritórios, os Guarani também mantêm um intenso deslocamento intertribal,em geral, de cunho individual, ou, no máximo, de pequenos gruposformados por unidade familiar. Esses deslocamentos consistem em: visitaa familiares, mudança de aldeamento, e busca de esposa (no caso doshomens solteiros). De certa maneira e ainda que de forma transfigurada, asmigrações ou deslocamentos guarani continuam a reproduzir as tensasrelações entre sistemas sociais e culturais que, além de econômica epoliticamente assimétricos, fundam-se em concepções e perspectivasfilosóficas diametralmente opostas.

NOTAS1 O termo genérico Guarani refere-se a uma diversidade de aldeamentos que se espalham

pela América do Sul (Argentina, Brasil, Paraguai), com exo e autodenominações específicas.A população geral é estimada em cerca de 98.000 indivíduos, sendo que, no Brasil, totalizamperto de 51.000 (em dados de 2008, de acordo com a Funasa/Funai, disponíveis emwww.pib.socioambiental.org/pt/c/quadro-geral, acessado em 23 fev. 2012) e encontram-sedivididos em subgrupos: os Nhandeva, os Mbyá e os Kayová. Contudo, se a essa populaçãoindígena forem adicionados os falantes de Guarani Jopara ou Paraguaio (uma língua geral),os número de falantes de Guarani acende a cerca de 8 milhões. No Brasil, aldeias guaranisão encontradas em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro,Espírito Santo, Tocantins e Pará.Escrevo Guarani (substantivo) quando me refiro ao povo, assim, os Guarani; e guarani(adjetivo) quando me refiro a uma característica, traço cultural ou produto desse povo,assim, modo de vida guarani, artesanato.

2 A tradução “belas palavras” para a expressão guarani ayvu porã não corresponde exatamenteao campo semântico e discursivo da palavra porã, que expressa o mais alto grau derelevância por serem aquelas proferidas pelos pais e mães verdadeiros, os deuses, e,portanto, sendo aquelas que deram origem às coisas e as justificam, essas palavras sagradasnão podem deixar de ser escutadas e seguidas. Nesta acepção, porã significa não só o maisalto ideal de beleza, o belo, como também o ético-político, o bem, e o cognitivo, overdadeiro. É nessa acepção que aparece em locuções como: oguata porã, tape porã (‘caminhosagrado’), arandu ou kua’a porã (‘saber sagrado’), porãkuery (‘seres sagrados ou divinos = osdeuses’).

98 LATINIDADE

3 As aldeias guarani se caracterizam, em geral, pela falta de um modelo urbano. Entretanto,se nos lembrarmos da relação instituinte e estruturante entre as condições materiais deexistência e o arranjo geral da sociedade guarani, veremos que a des-ordem do espaçourbano de suas aldeias corresponde à disjunção fundadora entre a vida verdadeira (o não-aqui, mas o lá) e a vida temporária e mera cópia imperfeita daquela.

4 Essa mesma disjunção temporal e sócio-cultural opera na relação que os Guarani estabe-lecem com os outros (os diferentes ou não-guarani).

5 O relativizado significa que, do ponto de vista da ideologia Guarani, seu deslocamentoterritorial não é motivado por razões histórica e/ou econômicas, mas religiosas. Obviamenteque, ainda que o componente metafísico esteja presente, o elemento histórico e as pressõesrelativas às forças produtivas exercem, como substrato, sua influência no oguatá porã.

6 Um dos poucos rituais formais mantidos até hoje pelos Guarani é o ritual de nominação,quando as crianças com cerca de 1 ano ou mais (quando já podem manter-se em posiçãovertical) recebem seus nomes. Os Guarani dispõem de 5 classes de nomes masculinos efemininos, cada classe relativa ao domínio celeste de uma divindade. Essas classes oufamílias cosmológicas de nomes aproximam-se de uma estrutura clânica. Desse modo, oúnico resquício de clã que encontramos entre os Guarani refere-se à origem de seus nomes.Cabe ao oficiante da cerimônia escutar qual é o nome e de que região do céu, ou ambá,este nome procede. Podemos, rapidamente, arrolar algumas outras perdas: a casa comunal,a cerâmica, o uso do arco-e-flecha, a pintura corporal, as habilidades marítimas, a plumária.Há atualmente várias tentativas de recuperar, por exemplo, a pintura corporal, o uso dotembetá, e rituais de iniciação. O artesanato, no qual se destaca a cestaria, é modernamenteuma atividade bastante desenvolvida entre os Guarani e uma de suas fontes de renda.

7 O maracá tradicional (que passou a chamar-se mbaraká mirim, ‘maracá pequeno’) não foiabandonado, continua com a mesma função, sendo usado junto com o violão, ou isola-damente, em cerimônias religiosas e/ou xamânicas.

8 Além das diferentes interpretações encontradas em autores brasileiros, os estudos guaranisrealizados em outros países também apresentam, em relação aos brasileiros, disparidadesnão apenas interpretativas, mas também classificatórias, como, por exemplo, a linguística.Fora do Brasil, a língua guarani é classificada como integrando o grupo tupi-guarani dafamília equatorial-andina. No que tange à história das migrações, algumas datações elocalizações, a partir de material arqueológico e histórico, dão-nos conta que: são encon-trados registros de povos proto-tupi no alto curso dos rios Paraná e Uruguai que datamdo século I dC, e que, entre os séculos VI e VII, esses povos deslocam-se em direção aosul e alcançam o rio de la Plata no século XIV.

9 Obviamente, estou supondo que, ao falar no êxodo Proto-Tupi, estou considerando aprobabilidade de: a) alguns terem decidido ficar no território original; b) que, durante amarcha, muitos, e em diversos tempos, tenham-se estabelecido nos novos territóriosconquistados; c) que outros tenham resolvido seguir rumos diferentes da horda principal.Essas hipóteses se baseiam: a) na própria dispersão territorial de Tupinambá e Guarani (talcomo se encontra nos registros coloniais e na atualidade), o que pode ser extrapolado paraos Proto-Tupi; b) no fato de terem existido e existirem ainda inúmeros grupos que culturale linguisticamente são “geneticamente” aparentados aos Tupinambá e aos Guarani, e c) queo choque entre os Tupi e as frentes coloniais, no passado, e as frentes de expansão dasociedade envolvente, no presente, levou vários grupos a se dispersarem em busca de novosterritórios.

10 Havia, entre os séculos XVII-XVIII, 30 reduções: 7 no Brasil, 8 no Paraguai e 15 na Argentina.11 Existem, atualmente, no Rio de Janeiro, 6 aldeamentos guarani: em Paraty: Tekoa Itatin, área

de 79 hectares e população de 109 pessoas, Tekoa Arandu Mirim, com população de 25pessoas, Tekoa Guyraytapu (Arapongas), em Paraty, 213 hectares e população de 28 pessoas;Tekoa Jahape (Rio Pequeno), com população de 25 pessoas; em Angra dos Reis: TekoaSapukai, 2100 hectares e população de 330 pessoas; em Niteroi: Tekoa Itarypu, compopulação de 35 pessoas (www.museudoindio.org,br, 2013).

Migração e território Guarani - espaço ideológico de identidade e arena de disputas 99

12 As línguas tupi distinguem um nós inclusivo, nhande (que abrange falante e ouvinte, istoé, de algo que abrange a todos) de um nós exclusivo, ore (que marca uma separação entreo falante e seu ouvinte, no sentido de que o que é indicado por ore não se estende aoouvinte, excluindo-o).

REFERÊNCIAS

BORGES, Luiz C. A fala instituinte do discurso mítico guarani mbyá. 1999. (Tese dedoutorado). Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 1999.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os Guarani: índios do sul – religião, resistência eadaptação. Estudos Avançados, v. 4, n. 10, 1990, p. 53-90. Disponível emwww.scielo.br/scielo.php?pid=s0103-40141990000300004&script-sci_arttext. Acessoem 23 fev. 2012.

CASTORIADIS, Cornelius. Tempo e criação. In. ---______. As encruzilhadas dolabirinto. Vol. III- O mundo fragmentado. São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 261-94.

CHAMORRO, Graciela. Os Guarani: sua trajetória e seu modo de ser. SãoLeopoldo: Cadernos do Comin, v. 8, p. 1-30, 1999.

CHAUI, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2012. (Série Novo Ensino Médio).

________. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: EditoraFundação Perseu Abramo, 2000. (História do Povo Brasileiro).

CLASTRES, Pierre. A fala sagrada. Mitos e cantos sagrados dos índios Guarani.Campinas: Papirus, 1990.

COMUNIDADE INDÍGENA GUARANI TEKOHA PORÃ (ES). Revelaçõessobre a terra. A memória viva dos Guarani. Vitória: UFES, 1996.

GARLET, Ivori José. Mobilidade Mbyá: história e significação. 1997. Dissertação(Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História-Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 3 – Maquiavel. Notas sobre oEstado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

LADEIRA, Maria Inês. Espaço geográfico Guarani-Mbyá: significado, constituição euso. Tese (Doutorado-Geografia Humana)-Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas/Departamento de Geografia/Programa de Pós-Graduação emGeografia Humana/Universidade de São Paulo. 236 fls. São Paulo: USP, 2001.

MAINO’I RAPÉ. O Caminho da sabedoria.Rio de Janeiro: IPHAN/CentroNacional de Folclore e Cultura Popular, 2009.

NEVES, Walter Alves; BERNARDO, Danilo Vicensotto; OKUMURA, Mercedes;ALMEIDA, Tatiana Ferreira de; STRAUSS, André Menezes. Origem e dispersãoods Tupiguarani: o que diz a morfologia craniana? Boletim do Museu ParaenseEmílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n.1, p. 95-122, jan.-abr. 2011.

100 LATINIDADE

OLIVEIRA, Vera Lúcia. Mba’evyky: o que a gente faz. Cotidiano e cosmologiaGuarani Mbyá. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em Sociologiae Antropologia, 2002. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro,2002.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Vão surgindo os sentidos. In: ORLANDI, EniPuccinelli (Org.). Discurso fundador. A formação do país e a construção daidentidade nacional. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. p. 11-25.

RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Hipótese sobre as migrações dos trêssubconjuntos meridionais da família tupí-guaraní. II Congresso Nacional daABRALIN e XIV Instituto Linguístico, 2000, Anais Eletrônicos..., 2000, p. 1596-1605.

SANTOS, Claristella Alves dos. Rotas de migração Tupiguarani. Análise dashipóteses. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em História. 1991.Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1991.

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1585. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1987. (Brasiliana, v. 117).

Ž IŽEK, Slavoj. Como Marx inventou o sintoma. In: _______. (Org.). Ummapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 297-331.

Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio“Salvador”Maria Luzia Braga Landim1

RESUMOEste artigo trata dos galegos fixados em Salvador a partir do movimentoimigratório espanhol que se intensificou entre 1873 e 1965. Provocado pelodesenvolvimento industrial tardio da Espanha e por problemas econômicosdecorrentes da manutenção de uma estrutura fundiária arcaica,aproximadamente 13 mil espanhóis imigraram para a cidade. Atualmente aBahia possui a terceira maior colônia espanhola do Brasil provenienteprincipalmente de Galícia. Os imigrantes enfrentaram barreiras para vivernuma sociedade ocidental e multicultural onde as diferenças econômicas,culturais e linguísticas discriminavam o “outro”. Mas, os imigrantesprosperaram em diversos setores de atividade econômica no estado da Bahia.Os produtos alimentícios superaram os de sapataria, alfaiataria, hospedageme ourivesaria. O grupo se autodefendia concentrando o comércio mercantilnum único lugar como forma de proteção: as imediações do atual MercadoModelo, próximo às docas, onde as mercadorias eram escoadas pelos naviosprovenientes de diversos lugares. As firmas celebravam transações nos ramosde atacado e varejo numa escala progressiva que impulsionava odesenvolvimento da cidade baixa. Nossa intenção é discutir uma das formasde integração social por meio da coesão da colônia espanhola e para tal,utilizamos o conceito de colônia como rede de relações pessoais para fornecerinformalmente elementos econômicos e não econômicos. A memória usadacomo fonte impulsionou o uso dos procedimentos da história oral(Thompson, 1978) e permitiu transformar a memória em análise. Um estudopreliminar acurado sobre as primeiras famílias espanholas na cidade de SãoSalvador revela que se integraram aos soteropolitanos comercialmente e asrelações sociais estabelecidas pela formação de laços mercantis incorporaramas noções desenvolvidas por Manuel Castells (1997) sobre a configuração deidentidades sociais.Palavras-chave: Imigração espanhola em Salvador-séc. XIX-XX, IdentidadeSocial, Comércio mercantil-Bahia.

INTRODUÇÃO

A cidade de São Salvador capital do Estado da Bahia, primeira capitaldo Brasil, cenário de tradições mescladas de culturas indígenas e africanas,também foi berço de imigrações europeias que ocuparam espaços, mudaramvalores e transformaram comportamentos.

102 LATINIDADE

Os imigrantes que atravessaram o Atlântico em busca de melhorescondições de vida - provocada pelo desenvolvimento industrial tardio daEspanha e por problemas econômicos decorrentes da manutenção de umaestrutura fundiária arcaica - enfrentaram todo o tipo de barreiras para vivernuma sociedade ocidental e multicultural. Impulsionados pela perseverançae força de trabalho, características peculiares dos desbravadores, enfrentaramdesafios sociais, econômicos, culturais e linguísticos que os discriminaramcomo o “outro”, o outsider2.

Afetados pela presença e os significados do “outro”, os soteropolitanosse depararam com uma mão de obra qualificada que introduzia novospadrões às técnicas de comercialização, e estabelecia alterações significativasno cotidiano soteropolitano. Para fundamentarmos essas reflexões usamosZygmunt Bauman:

[...] as incertezas provindas de uma sociedade de risco chamada porele de modernidade líquida, são responsáveis pelas mudanças nosparadigmas identitários. Para ele, a identidade é algo a ser inventado,e não descoberto. O recurso à identidade deveria ser consideradocomo um processo contínuo de redefinição da invenção e reinvençãoda sua própria história [...] (BAUMAN, 2005, p.23).

As alterações introduzidas no ambiente comercial da cidade deram aosgalegos, prestígio e poder para ocuparem os espaços financeiros. Usaramo saber-poder que a comunidade baiana lhes conferiu, e pautaram asmudanças na tradição antepassada de convivência com os negócios. Osinstrumentos de conquista e luta política também foram utilizados paraascender economicamente.

Bourdieu afirma que:

[...] A história de vida das sociedades europeias está relacionadacom a história das transformações e da função do sistema deprodução de bens simbólicos e da própria estrutura desses bens.Ao longo das mudanças, formou-se um campo social, intelectual,cultural e financeiro, que almejava a autonomia progressiva dosistema de relações de produção, circulação e consumo do mercadode bens simbólicos que ampliavam os sistemas de poder. [...](BOURDIEU, 1989, p.99)

As reflexões de Bourdieu sobre a constituição dos campos de saber epoder podem ser entendidas como representações sociais e não se abstém

Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio “Salvador” 103

da neutralidade e da relação com a experiência vivida. A sociedade modernabusca o objetivismo funcional, para analisar cada sujeito com sua função edom.

É nos grupos que a memória coletiva é criada, a partir da vivênciacomum. É neles que as várias memórias carregadas de subjetividade,fortalecem a identidade do indivíduo e do próprio grupo, pois seus membrosse sentem parte dele, e compartilham o passado que não pode ser esquecido.Essa cumplicidade é formada através da história, e do relato de vida.

Assim, consideramos que as novas identidades surgem nos espaçossociais, e apesar das resistências culturais e da memória coletiva que mantémo imaginário das crenças e culturas antepassadas, as questões relacionadasà alteridade e à diversidade podem ser apoiadas nas práticas e representaçõesdo “outro”. Esse entrelaçamento ocorre porque a memória é a operadoradas representações e, consequentemente, as representações são construçõessociais da memória coletiva.

A tradição, entendida como o [...] conjunto de práticas culturais quesão reproduzidas por indivíduos ou grupos sociais que através derepresentações e da memória coletiva se ocupa da manutenção daspráticas culturais com intenção de preservá-las. [...]3. (PÁGINA 91)

A opção pela representação social está ligada ao surgimento das estratégiasutilizadas pelos estrangeiros e foram fundamentais para motivar os novoshabitantes a enfrentar as diversidades geográficas, climáticas e culturais daBahia.

As representações são avassaladoras sob o ponto de vista do significadoque elas contêm. Destacam-se na religião, na moral, no espaço, e no tempo.Já as representações coletivas traduzem a maneira como o coletivo ou ogrupo pensam suas relações e objetos que o afetam.

Para compreender a sociedade que trabalhamos e como ela se representoua si mesma no espaço distinto e no mundo que a rodeava, consideramosprimeiramente a natureza da sociedade e não a dos indivíduos.

Os símbolos são mostras explícitas de como a sociedade pensa e comomudam de acordo com a sua natureza. Atingem a realidade que elesfiguram e dão sua verdadeira significação para o qual foi construído.Constituem objeto de estudo tanto as estruturas modificadas quanto asinstituições criadas para efetivar as maneiras de agir, pensar e sentir.

O estudo das estratégias inseridas como forma de integração à sociedadebrasileira, os indícios apontam que, apesar de participarem ativamente da

104 LATINIDADE

vida da cidade, se mantiveram fiéis ao país de origem, no uso da língua,na preservação dos costumes e tradições, durante gerações.

Pela capacidade de armazenar fatos e relembrar eventos passados commais frequência, os sujeitos podem dar uma enorme contribuição à sociedade,uma vez que o registro das histórias de vida é um meio de contribuir como entendimento das ressignificações culturais.

O valor da lembrança no estabelecimento do vínculo do que se passoucom o presente e com o que está por vir, o plano individual, tem umsignificado especial. A lembrança ou o esquecimento de que estão imbuídosos descendentes de imigrantes se torna um exercício de autoconhecimento,e ao mesmo tempo essa prática de lembrar ou esquecer fortalece e restituio senso de identidade.

UMA HISTÓRIA SUCINTA DA TERRA DE SÃO SALVADOR

No decorrer do século XIX, o Brasil entrou em uma fase acelerada demudanças que determinaram as transformações sociais, políticas eeconômicas. No campo econômico, começou a estruturar-se como naçãomoderna a partir da chegada de D. João VI em 1808, e abandonou ostatus de colônia na primeira metade do século. Aquele processo deverialibertar o Brasil da dependência europeia e impulsionar a economia que,durante séculos, se manteve estagnada em torno de propriedades fundiáriasde grandes dimensões e cidadãos do reino português, que trabalhavam,sobretudo, com escravos trazidos da África.

Finda a era do açúcar – que por três séculos consecutivos fizera doNordeste, em especial a Bahia, o coração econômico do país uma complexasérie de acontecimentos históricos impulsionou a destruição das maioreszonas açucareira baianas. O preço do produto na primeira metade doséculo XIX declinou vertiginosamente.

Alguns estudiosos brasileiros afirmam que a Bahia viveu um longoséculo XIX, por causa do declínio econômico e da persistência de umamentalidade ancorada nas glórias e mitos da grandeza de um passado.

Mas, é verdade também que a Bahia continuava a ter um espaçoprofícuo para os negócios e para os comerciantes, em boa parteestrangeiro. Aqueles imigrantes exportavam açúcar, algodão, tabaco e cacau,conferindo à cidade de Salvador, no século XIX, certo ar cosmopolita.Outra parte dos estudiosos contesta integralmente a ideia de decadênciade Salvador e do Estado da Bahia no mesmo período.4

Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio “Salvador” 105

Desde a deliberação real espanhola em 1853, autorizando a imigraçãode seus compatriotas, a cidade de São Salvador recebe imigrantes galegos.A partir do movimento imigratório espanhol que se intensificou entre 1873e 1965, as estratégias de ocupação dos espaços comerciais na cidade baixaonde fixaram seus trapiches, armazéns e padarias, foi o ponto de partidapara grandes negociações.

Com o crescimento do comércio na cidade baixa, a partir de 1878, osplanos para a construção de um moderno centro de abastecimento nacidade e os projetos para a ampliação do porto, previam que os antigoscais e mercados perderiam o acesso marítimo motivando o deslocamentodas firmas comerciais.

Diante dos conceitos de modernização do espaço urbano e da higienepública trazida pela República, a concentração de armazéns, trapiches e docomércio de gêneros alimentícios deveria concentrar as feiras livres, tidascomo ameaças à higiene e à segurança da cidade em 1911, quando iniciou-se a construção do Mercado Modelo.

O Mercado Modelo construído próximo às docas de Salvador, abrigouvários estabelecimentos comerciais que negociavam gêneros alimentícios,entre outros produtos comerciais, onde os espanhóis colocavam em práticaas teorias de sucesso e ascensão social trazidos no projeto idealizado durantea travessia do Atlântico para o Brasil.

As estratégias de integração determinavam que os grupos seautodefendessem e concentrassem o comércio mercantil num único lugarcomo forma de proteção e união: as imediações do atual Mercado Modelo,próximo às docas, onde as mercadorias eram escoadas pelos naviosprovenientes de diversos lugares.

[...] O Mercado Modelo é um mundo. Sua população não seconfunde com nenhuma outra, seus interesses são próprios [..]dominados inteiramente pelas crenças dos negros, sua religião,suas histórias e lendas, suas lutas e suas festas. Aqui São Jorgechama-se Oxóssi e Senhor do Bonfim Oxolufâ. [...]. 5

No final do século XIX, o litoral do bairro do Comércio de Salvador,área do porto da cidade, era composto por um mosaico de cais e pontosde atracação, os cais do Pedroso, do Ramos, do Gaspar, de Santa Bárbara,do São João, do Ouro e do Bulcão, entre outros que além de uma infinidadede trapiches e armazéns, se misturavam ao embarque e desembarque deprodutos de importação e exportação. O cenário do comércio de

106 LATINIDADE

abastecimento era feito pelos mercados municipais de São João e SantaBarbara e o comércio informal nas feiras livres e tradicionais, mantidos porvendedores ambulantes.

O desenvolvimento da Bahia naquele período foi marcado pela fundaçãodo comércio, pelo desenvolvimento de firmas estrangeiras que se sobressaíamno mercado de gêneros alimentícios, e aglomerava na cidade baixa osnegócios de atacado e varejo, gerados e extraídos.

Com o passar dos anos os galegos prosperaram em outros setores deatividade econômica no estado da Bahia, mas, os produtos alimentíciossuperaram os de hospedagem, ourivesaria, sapataria, e alfaiataria.

O Mercado Modelo possui comércio de produtos artesanais provenientesdo recôncavo baiano e de várias cidades nordestinas, constituindo uma dasprincipais atividades do mercado na atualidade. As rodas de capoeira, oscantadores, os cordelistas, a presença das figuras típicas, dos boêmios, dospoetas, fazem do Mercado, além de um ponto de venda de produtostípicos, um centro de cultura popular nordestina.

OS GALEGOS COMO AGENTES TRANSFORMADORES DO ESPAÇO COMERCIAL

Um dos fatores que determinou o fluxo de imigrantes, a Lei nº 581promulgada no ano de 1850, determinou a suspensão do tráfico de escravosafricanos, gerando consideráveis dificuldades para a economia soteropolitanae do Recôncavo dependentes da mão-de-obra trazida da África. A situaçãomotivou interesse do imperial brasileiro em promover a imigraçãoestrangeira, em especial da Europa.

Nesse período, a economia de base rural tornava Salvador a beneficiariada riqueza agrícola açucareira produzida no recôncavo baiano e mantinhao atual estado no patamar de franca abundância. Em contraposto, odesenvolvimento industrial tardio da Espanha e os problemas econômicosdecorrentes da manutenção de uma estrutura fundiária arcaica, imigraramaproximadamente 13 mil espanhóis para a cidade de Salvador.

Os fatores que condicionaram a imigração em massa estão relacionadosá superpopulação, ás crises agrícolas e às alterações observadas no regimede produção, responsáveis por uma desorganização na economia e nosetor social, que implica num elevado número de desempregados edesocupados nas cidades e no campo dos países de origem.6

Os fatores multiculturais e a possibilidade de ocupação na cidade deSão Salvador influenciaram os diversos grupos de imigrantes a ocuparem

Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio “Salvador” 107

espaços da cidade baixa onde o comércio era promissor e facilitado pelasituação geográfica local. Se considerarmos a cidade como espaço deintegração, podemos afirmar que a aculturação dos imigrantes galegosincorporou ao elemento cultural do cotidiano baiano, práticas e representaçõeseuropeias que transformaram as culturas originárias em outras, inclusive notrato com os processos econômicos.

As citações de Afonso Costa no livro7 Estudos de economia nacionalde 1911, o fenômeno da imigração têm papel fundamental tanto para aeconomia dos estados brasileiros durante o êxodo de milhares de imigrantesna segunda metade do século XIX, quanto para o crescimento daspopulações. Sobre o êxodo de imigrantes, o autor se refere em particularà análise sob o ponto de vista da ciência econômica, sem se ater a conceitosde economia, ou mesmo das leis que constituem essa ciência. Ratifica ovalor sociológico da imigração na formação da economia social dos paísesreceptores, e assinala o impulso das pesquisas nos aspectos da teoria dapopulação.

[...] Para nós a economia social é a ciência que estuda os fatos sociaisrelativos ao sustento e a reparação das sociedades humanas,formulando leis que regem ou devem reger a preparação, a circulaçãoe o emprego das utilidades a isso destinado. Assim, todo oestudoda ciência econômica deve basear-se no conhecimento das sociedadeshumanas, não só na sua composição e desenvolvimento geral, masprincipalmente nos seus movimentos intrínsecos e extrínsecos, istoé, na sua estática e na sua dinâmica. [...]. (COSTA, 1911, 196p)

Portanto, ao considerarmos a imigração como fenômeno significativopara as transformações humanas, a partir do deslocamento temporário oupermanente de homens que provêm de culturas distintas e origens diversas,os fins econômicos justificam as continuas renovações sociais, culturais, epolíticas, ocorridas durante o movimento de construção das identidadesnesses processos.

Os imigrantes agentes de transformação social e econômico produzirammarcas identitárias que foram impressas no espaço comercial e se converteramem símbolos representacionais de desenvolvimento e progresso, em sintoniacom seus próprios projetos de vida. O grande sonho do imigrante significavaa perspectiva de acesso à propriedade, às oportunidades de trabalho e aonegócio economicamente rentável.

108 LATINIDADE

CONCLUSÃO

Na segunda metade do século XIX, as crises político-econômicas e asuperpopulação na Europa, aliada à demanda de povoamento e a mão-de-obra necessária ao incremento das economias americanas, representarammarcos conjunturais do fenômeno imigratório que caracterizarammarcadamente os meados do século XIX e parte da primeira metade doXX.

A memória utilizada como fonte, impulsionou o uso dos procedimentosda história oral possibilitou transformar a memória em análise, e revelouas estratégias de integração e assimilação utilizadas no processo. Os galegosse integraram aos soteropolitanos comercialmente, suas relações sociais foramestabelecidas pela formação de laços mercantis e incorporaram normas evalores que promoveram a construção de novas identidades sociais.

Dizer que o Mercado Modelo é uma espécie de “monumento dabaianidade” não seria exagero segundo alguns célebres admiradores daqueleespaço eclético. Ele traz, em sua história, laços estreitos com um númeroexpressivo de pessoas notáveis que fizeram parte da trajetória social ecultural da Bahia no século XIX, entre eles os imigrantes galegos que chegaramdepois de 1873. Uma gama de escritores, artistas e políticos como JorgeAmado, Edison Carneiro, Pierre Verger, Glauber Rocha, Carybé, MestreBimba, Cuíca de Santo Amaro, Riachão, Maria de São Pedro, GlauberRocha, Antônio Carlos Magalhães, Mário Cravo e tantos outros, que seinebriavam com aquele universo multicultural.

Esse conjunto ilustre e diverso de personalidades inclui os galegos,importantes personagens do crescimento e desenvolvimento da área comercialno entorno do Mercado Modelo. O espaço guarda em si as essências dodesenvolvimento social, cultural, e artístico da Bahia promovido pelacapacidade de integração de povos distintos.

A integração social como fator de coesão da colônia espanhola, e aintegração com os soteropolitanos transformou os laços comerciais emuma rede social que determinou fatores de progresso, desenvolvimento,transformação econômica, e não econômica, como suportes imprescindíveisà análise, configuração e construção de novas identidades sociais.

Os Galegos do Mercado Modelo: O Comércio “Salvador” 109

NOTAS1 Doutora em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, Mestre em

Memória Social e Documento pela Universidade do Rio de Janeiro, Bibliotecária, Professorado Departamento de Ciências Humanas e Letras e Coordenadora do Centro de Documen-tação e Informação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Pesquisadora dosGrupos de Pesquisa CNPq História, Memória e Relações Interculturais, e Núcleo de Estudosdas Américas - UERJ.

2 ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das relaçõesde poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro, Zahar 2000.

3 H OBSBAWN, E. & RANGER, T. A invenção das tradições. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,2002. p.9.

4 MIGUEZ DE OLIVEIRA, Paulo César. A organização da cultura na Cidade da Bahia. Tese(Doutorado em Comunicação e Culturas Contemporâneas) – Faculdade de Comunicação,Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, 2002.p. 109-157.

5 Jorge Amado, escritor baiano consagrado pelos inúmeros romances que retratam a Bahiacomo centro de culturas e tradições, revela em algum desses escritos o fascício peloMercado Modelo como espaço de encontro e inspiração nas letras de sambas, poemas decordel, músicas de capoeira, e na literatura, plenamente integrado à memória da cidade.

6 NOGUEIRA,A.R. A imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908 -1922). SãoPaulo, Instituto de Estudos Brasileiros,1973.p.16

7 COSTA, Afonso. Estudos de economia nacional. Lisboa: Imprensa Nacional, 1911. 196p

REFERÊNCIAS

AMADO, Jorge. (junho 1959). “A morte e a morte de Quincas Berro d’Água”.SR.: uma revista para o senhor: 50-66.

AZEVEDO, Thales de. Italianos e gaúchos: os anos pioneiros da colonizaçãoitaliana no Rio Grande do Sul. Pref. Guilermino César. Porto Alegre: A. Nação,1975. 8 v. il. fac-sim. Brochura. (Biênio da Colonização e Imigração, v. 3).

AZEVEDO, Thales de. Italianos na Bahia e outros temas. Pref. Vivaldo daCosta Lima. Salvador: Empresa Gráf. da Bahia, Secretaria da Cultura, 1989. 8 v.Brochura. (Terra Primaz).

AZEVEDO, Thales de. Os italianos no Rio Grande do Sul: cadernos depesquisa. Caxias do Sul: EDUCS, 1994. 8 v. Brochura.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa:Difel, 1989.

COSTA, Afonso. Estudos de economia nacional. Lisboa: Imprensa Nacional,1911.

HALBWACHS, Maurice. Memória coletiva e memória histórica. In: _______. Amemória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

http://www.portalmercadomodelo.com.br/historia-do-mercado-modelo-de-salvador/.

110 LATINIDADE

MIGUEZ DE OLIVEIRA, Paulo César. A organização da cultura na Cidade daBahia. Tese (Doutorado em Comunicação e Culturas Contemporâneas) –Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador,2002.

NOGUEIRA, A.R. A imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908 -1922). São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros, 1973.

SCHETTINI, Pasquale. Quatro séculos de história da Bahia. Salvador: RevistaFiscal da Bahia, 1949.

TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia. São Paulo: EdUFBa, UNESP,2001.

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 111

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigranteMaria Izilda Santos de Matos - PUC/SP

RESUMO:Os deslocamentos incluíram uma diversidade de trajetórias e multiplicidadede experiências, processos diferentes e simultâneos que compõem a tramahistórica. Incorporando a perspectiva cultural, esta investigação pretende discutira presença dos imigrantes portugueses em São Paulo (1890 e 1950), recuperandoas referências aos preparativos da viagem, travessia e mala do imigrante. Apesquisa baseia-se na análise das cartas e correspondências localizadas noMemorial do Imigrante de São Paulo (antiga Hospedaria dos Imigrantes) eem arquivos portugueses.Palavras chave: cartas, imigrantes portugueses, viagem, mala

Os deslocamentos incluíram uma diversidade de trajetórias emultiplicidade de experiências, processos diferentes e simultâneos quecompõem a trama histórica. Incorporando a perspectiva cultural, estainvestigação pretende discutir a presença dos imigrantes portugueses emSão Paulo (1890-1950), recuperando as referências aos preparativos daviagem, travessia e mala do imigrante. A pesquisa baseia-se na análise dascartas e correspondências localizadas no Memorial do Imigrante de SãoPaulo (antiga Hospedaria dos Imigrantes) e em arquivos portugueses.

DESLOCAMENTOS: PRESENTE E PASSADO

Os processos migratórios recentes vislumbram o estabelecimento denovas ordens demográficas, não se pode prever todo o seu desencadeamentoe amplitude, contudo, se constituem outros pontos de partida e polos deatração. As facilidades e agilidades das viagens, somadas as múltiplaspossibilidades comunicação dinamizam os deslocamentos, tornando-os um“fenômeno” perceptível e provocando tensões, hostilidades, rejeições,conflitos e xenofobia nas sociedades receptoras. Estas tensões atuais levamao reconhecimento da importância da temática das mobilidades, ampliam-se os estudos com diferenciadas perspectivas de análise, iluminandointerpretações, enriquecendo abordagens e contribuindo para reverestereótipos.

As análises sobre os deslocamentos precisam ser ampliadas além doscondicionamentos demográfico-econômico-sociais e do paradigma

112 LATINIDADE

mecanicista da miserabilidade, assim, não podem ser visto apenas comoresposta às condições excepcionais de pobreza1, fruto das pressões docrescimento da população (modelo malthusiano) ou de mecanismosimpessoais do push-pull dos mercados internacionais. Estes processossuperaram os limites das necessidades estritamente econômicas, sendoimportante observar questões políticas (refugiados, perseguidos e expulsos),étnico-raciais, culturais, religiosas, geracionais e de gênero.

Os deslocamentos aparecem como alternativas adotadas por uma gamaabrangente de sujeitos históricos, alguns inseridos em fluxo de massa, grupos,familiares ou em percursos individuais; através de processos de migraçãoengajada ou voluntária, abarcando diversos extratos sociais, levas e gerações;envolvendo agentes inspirados por estratégias e motivações diferenciadas,inclusive culturais e existenciais. Entre as múltiplas motivações que levaramàs mobilidades encontra-se a procura da realização de sonhos, abertura denovas perspectivas, fugas das pressões cotidianas e a busca do “fazer aAmérica”, em variadas representações construídas e vitalizadas neste universo.

Cabe ressaltar nos mecanismos que viabilizaram estes processos aconstituição de redes, com o estabelecimento de relações interpessoais einstitucionais (agenciadores, aliciadores, aparatos de propaganda, meios decomunicação), além da organização do sistema de navegação comercial,que viabilizou o transporte transoceânico em massa. Assim, pretende-sediscutir vínculos estabelecidos, circuitos de sustentação nas regiões de saídae de acolhimento, expectativas e sonhos construídos no processo, tensõese frustrações, possibilidades de reencontros e reconstituição familiar.

O SONHO AMERICANO: HISTÓRIAS E HISTORIOGRAFIA

No Brasil, a temática da imigração vem sendo privilegiada pelahistoriografia, tendo produção ampla, diversificada e enriquecida porabo-rdagens que analisam aspectos diferenciados da questão. Osdeslocamentos ibéricos só mais recentemente têm instigado aospesquisadores, contudo, parte significativa dos trabalhos se volta para o Riode Janeiro, aonde a presença portuguesa foi significativa e marcante.

Os estudos sobre imigração em São Paulo privilegiou certos grupos, emparticular, os italianos e japoneses. Só contemporaneamente que apareceramtrabalhos que analisam os ibéricos e em particular os portugueses, sendoalgumas destas investigações sobre a perspectiva cultural.

A chegada dos trilhos da ferrovia Santos-Jundiaí (1863) conectou acidade de São Paulo com o porto exportador-Santos e a com a zona

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 113

produtora de café (no interior do Estado). Os trilhos não só transportavamrápida e eficientemente o café, também traziam de várias partes do mundo,particularmente, da Europa, uma ampla gama de imigrantes, além de todauma variedade de produtos e influências, gerando e dinamizando um “vetormodernizador”.

Neste período, a expansão urbana de São Paulo esteve vinculadadiretamente aos sucessos e/ou dificuldades da economia cafeeira, a cidadeconsolidou-se como centro econômico e político, polo de desenvolvimentoindustrial, mercado distribuidor e receptor de produtos e serviços. No anode 1872, a população de São Paulo era de 31.385 pessoas; segundo o censode 1890, elevou-se para 64.934 habitantes; já em 1900, eram 239.820moradores. Em 1920, a população da cidade mais do que dobrou, atingindoa cifra de 579.033 pessoas.

O “sonho americano” e a atração exercida pela cidade prosseguiam,concentrando um significativo contingente de trabalhadores. Enquanto unsdirigiam-se para o comércio, outros ficavam nas atividades por conta própriaou foram impelidos para o trabalho assalariado em vários ramos: indústria,comércio, obras públicas e serviços.

Entre 1920 e 1940, a população da cidade mais que duplicou, saltandopara 1.326.261 habitantes. Em 1934, totalizavam 287.690 estrangeiros (destes79.465 eram portugueses), que formavam um mosaico diversificado degrupos étnicos com seus descendentes, que juntamente com os migrantesconstituíam-se numa multiplicidade de culturas, tradições e sotaques.

PORTUGUESES: MOBILIDADES, POLÍTICAS E AÇÕES

A imigração portuguesa para o Brasil foi um processo contínuo, queenvolveu experiências múltiplas e diversificadas, abarcando várias levas, dediferentes regiões do continente e das ilhas; alguns vieram subsidiados,outros por conta própria; alguns chegaram ao começo do processo (nosanos finais do século XIX e nos inícios do XX), outros após a PrimeiraGrande Guerra ou durante o período salazarista.

Entre 1887 e 1900, os portugueses representaram 10% do total de entradasem São Paulo, proporção que entre 1900 e 1920 subiu para mais de 29%.Em termos de período, os anos de 1910 a 1914 marcaram a vinda do maiorcontingente luso (111.491), em função da crise econômico-social e dasdificuldades políticas com o fim do regime monárquico português, tambémpela preferência dos imigrantistas paulistas por esse grupo.

114 LATINIDADE

Os portugueses emigravam por vários motivos: dificuldades econômicas,sociais e familiares, fugas ao recrutamento militar, poucas oportunidade detraba-lho, baixos salários, tipo de propried-ade e sua exploração, tensõespolíticas, atraso tecnológico, além do desejo de “fazer a América”. Assim,as partidas foram contínuas e frequentes, vinculadas aos descontentamentos,estratégias de sobrevivência, buscas de outras possibilidades e realizações desonhos.

Para o recrutamento de imigrantes portugueses foi organizada toda umarede regular de propaganda, divulgação de informações (notícias naimprensa, panfletos, cartas), agenciamento e transporte, com a participaçãode companhias e engajadores, alguns recebiam subsídios do governobrasileiro e/ou paulista ou trabalhavam para eles. Constituiu-se uma cadeiaque tinha como elos moradores das aldeias e freguesias, religiosos, autoridadese empresários. Estas redes funcionaram entre Portugal continental, as Ilhase o Brasil e foram intensificadas em destino ao porto de Santos, nos anosiniciais do século XX.

Quanto à política portuguesa de emigração, em seu processo pode serconsiderada ambígua, ora repressiva (especificamente em relação aos jovens,mulheres sós e saídas clandestinas) ora permis-siva. A emigração sofria aoposição dos grandes proprietários rurais, para os quais significava a evasãode braços, estes pressionavam o governo para conter as saídas; mas, ogoverno via na emigração uma possibilidade de limitar as tensões no campo,além de sustentar as remessas, que adquiriram importância nas finançasportuguesas, estimulando investimentos e sendo decisiva na balança depagamentos.

Os deslocamentos eram uma possibilidade frente aos problemas sociaisno campo e nas cidades portuguesas. Os emigrantes eram majoritariamentedo Norte de Portugal, áreas de predominância da pequena propriedade; osque vinham do Noroeste eram maior parte homens sozinhos (solteiros ecasados); já entre os do Nordeste predominava a emigração familiar. Nosul, o interesse nas saídas tornou-se mais expressivo a partir das crisesadvindas com a Primeira Grande Guerra.

Uma análise sobre os emigrados permite observar tendências: numaprimeira notam-se os que vinham por conta própria, destacando-se osjovens solteiros, alfabetizados, com algum capital, em busca de constituiruma trajetória profissional, geralmente possuíam contatos já estabelecidosno Brasil. Um segundo grupo de homens adultos, muitas vezes casados,artesãos de profissão, que se fixavam nas grandes cidades (preferencialmente

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 115

São Paulo e Rio de Janeiro), muitos destes buscavam retornar a Portugal,depois de juntar algum pecúlio. Outro grupo era dos que vinhamsubsidiados, embarcavam em família, motivados pelas dificuldadeseconômicas, sem entrever possibilidades efetivas de regresso.

A emigração masculina continuamente ultrapassou a familiar. As saídasde família eram o centro das preocupações das autoridades portuguesas,pois além de provocar a desaceleração do crescimento demográfico (como envelhecimento da população e a falta de perspectivas matrimoniais),afetava as remessas de recursos para Portugal.

A prática dos homens saírem primeiro visava criar condições para chamaros familiares, podendo ser identificada como uma ação preventiva frenteaos possíveis infortúnios. Contudo, estas saídas afetaram a estrutura familiar,ampliando a responsabilidade das mulheres que passaram a arcar com oscuidados e sustento dos filhos, a manutenção da propriedade e negócios,além das atividades domésticas.

Se a emigração portuguesa foi a princípio prioritariamente masculina, ocontingente feminino cresceu gradualmente, podendo-se verificar um aumentono número de mulheres casadas, ampliando a emigração familiar de acordocom os parâmetros da política imigrantista paulista. Na primeira década doséculo XX, a porcentagem de mulheres alcançava mais de 25% do total deentradas e no início da segunda oscilou entre 35% e 40%. Assim, a imigraçãolusa até então caracterizada como individual, masculina e temporária, tornou-se, tendencialmente, familiar e permanente.

Apesar dos estímulos a imigração, ações governamentais, particularmente,durante o Governo Vargas (1930-45) foram criadas medidas restritivas asentradas, ampliaram-se as preocupações em filtrar os imigrantes que melhorse adaptassem ao país. Apesar da política anti-imigratória, os deslocamentosportugueses foram defendidos por autoridades brasileiras e portuguesas -que apregoavam a exclusão do sistema de cotas, concretizando-se nas leisque favoreceram os lusos em detrimento de outros estrangeiros.

Cabe destacar que não houve um único padrão de deslocamento, muitosimigrantes eram chefes de família, vieram antes de seus familiares queficaram aguardando as chamadas; outros chegaram crianças ou jovens, sema família nuclear; em outros casos, a família veio junta, algumas delas nãopermaneceram unidas no novo contexto ou nunca se encontraram e/ounão voltaram a se constituir, gerando toda uma complexidade de situaçõesvivenciadas.

116 LATINIDADE

LAÇOS DE UNIÃO: DISCUTINDO A DOCUMENTAÇÃO

Esta investigação se insere numa corrente que pretende estabelecer asarticulações entre relações sociais, étnicas, de gêneros, gerações, práticase modos de vida, numa perspectiva de incorporar os imigrantesportugueses (homens, mulheres e crianças) á história, cessando deconsiderá-los como objeto dado, para conhecê-los como sujeitoshistóricos que se constroem na e pela experiência cotidiana, procurandointegrar as tensões sociais de um processo permeado de resistências,conflitos e confrontos.

Reconhece-se a pesquisa empírica como elemento indispensável e nestesentido, valoriza-se o uso de uma diversidade de fontes, que constituem ummosaico de referências do passado, com destaque para as cartas. A dificuldadeenfrentada pelo investigador está mais na fragmentação do que na ausênciadocumental, requerendo uma paciente busca de indícios, sinais e sintomas,acrescida da análise detalhada para esmiuçar o implícito e oculto, atentandopara os múltiplos significados da documentação.

Os estudos das cartas e correspondências têm privilegiado as escriturasde figuras de destaque intelectual e político. Na atual pesquisa, as missivasendereçadas e recebidas envolveram sujeitos históricos populares e anônimos– e/imigrantes lusos-, tornando a análise mais complexa, porém com grandepotencial para descobertas.

As cartas dos e/imigrantes se caracterizam como um testemunho preciosode fragmentos de diálogos entre dois mundos, mas, ainda são fontes poucoexploradas nos estudos dos deslocamentos. Deve-se advertir que as missivasse constituem num corpo documental irregular, apesar de serem dirigidasa um destinatário (com o qual se deseja estabelecer uma prática interativa),muitas vezes não se obtinha respostas, foram extraviadas ou então nãoforam preservadas. Nestes acervos foram encontradas missivas variadas:cartas oficiais e de chamada, correspondência familiar e de negócios, algumasprestando contas, outras só informativas.

Os escritos epistolares encontram-se marcados pelos desejos damanutenção dos vínculos com as origens, possibilitando perceber trocas denotícias. Elas privilegiaram questões da vida doméstica e do cotidiano,faziam referências às remessas e seus aplicativos; já outros escritos erampessoais e até íntimos, relações e tensões de família e de gênero, expondorelações afetivas de amor, rancor, ruptura e saudades, desabafos econfidencias, possibilitando captar as sensibilidades.

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 117

Nesta investigação, as cartas se destacam, não só pela sua quantidade,mas, pela riqueza de seus relatos, permitindo maior compreensão doprocesso de deslocamento dos portugueses para São Paulo-Brasil. Ascorrespondências foram localizadas na Hospedaria do Imigrante de SãoPaulo e em arquivos portugueses.

CRUZANDO MARES: DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCRITURA

Apesar da sua ancestralidade, a escrita epistolar se alargou com aampliação das comunicações e intensificação das mobilidades. Facilitadospelo desenvolvimento dos transportes a vapor (trens e navios), osdeslocamentos se tornaram “fenômenos” de massa, o que se denominade a grande e-imigração. Esta experiência histórica ampliou as distânciasentre pessoas, dilatando a sensação de ausência, suscitando sentimentos desaudades que geraram a necessidade de comunicação e esforços deaproximação. Como bálsamos á separação, a escrita de cartas foi difundida,incorporando os populares, num desafio para uma massa pouco letradaque com grande esforço procurava manter os vínculos. Assim,disseminaram-se novas experiências da prática epistolar, democratizandoa escritura.

Dessa forma, as cartas podem ser consideradas como paradigmas dosdeslocamentos. Os vapores cruzavam os mares transportando pessoas,mercadorias, ideias e também carregavam a mala postal, repleta demensagens. As missivas traziam boas e más notícias, comunicavamalegremente nascimentos e casamentos, também, doenças e mortes, enviavamdeclarações de amor e fidelidade, fotos de família, encaminhavam conselhosde velhos, pedidos de ajuda e de dinheiro, expediam cartas bancárias e dechamada. Pelos correios, múltiplas histórias escritas atravessavam o oceanobuscando por notícias de filhos e pais, irmãos, maridos e esposas, noivose noivas, estas correspondências encontrando-se plenamente marcadas pormúltiplos sentimentos: saudades, esperanças, amor, ódio, rancor, sonhos emedos, ilusões e desilusões.

Constituindo um movimento entre a ausência e a busca da presença,quem escrevia buscava manter contatos, laços afetivos, esperava por notíciase/ou comunicava novidades. Escrever cartas atenuava a solidão e as saudades,entretanto exigia tempo, dedicação e reflexão; porém, grande parte dospopulares estava pouco familiarizada com o texto, que para eles era umdesafio, um verdadeiro fardo escrever. Para enfrentar estes obstáculos criavam-

118 LATINIDADE

se estratégias, quando não se sabia ou se escrevia mal, apelava-se para queoutra pessoa o fizesse.

A composição das cartas segue um protocolo estabelecido e difundidopelos manuais epistolares, que disseminavam os dispositivos que regulavamas práticas que passaram a ser reconhecidas e aprendidas. Instituiu-se umaestrutura, certa fórmula de uso continuado, caracterizada por elementoscomo: datação, tratamento, saudações, cumprimentos e abertura, desejos desaúde, despedidas, finalização, assinatura, envelope e identificação dodestinatário, no caso das missivas analisadas as fortes marcas de religiosidadecom bênçãos, graças e referências de proteção (graças a Deus, com asbênçãos de Deus, que Deus abençoe).

Assim, as práticas de trocar cartas difundiram novos indicadores decomunicação e expressão, permitindo rediscutir as fronteiras entre a oralidadee o registro escrito. Apesar dos populares não dominarem estes códigos,passaram a exercitar certo “direito a escrita”, mesmo que fosse se utilizandode um escrevente.

Na maioria das vezes, o papel escrevente/leitores foi assumido pelo mestreescola, pároco ou um letrado da aldeia, que podia fazer a leitura/escritura “arogo”, em troca de um agrado ou por pagamento. Eles foram protagonistasestratégicos para preenchem as necessidades tanto da correspondência burocrática,como das cartas particulares. Em várias missivas justificam-se a demora emmandar notícias pela dificuldade em encontrar alguém que se dispusesse aescrever, merecendo menção aos esforços das mulheres, frente ao maior graude analfabetismo feminino. Desta forma, foi criada toda uma comunidade deescreventes/leitores, destacando-se que muitas vezes essa leitura era compartilhadacom outras pessoas, realizada em voz alta e em público.

Na análise das correspondências, não se pode separar o conteúdo daforma da escritura. Cabe observar que as missivas pesquisadas apresentamum português fonético, marcado pela oralidade, uso aleatório das maiúsculase minúsculas, problemas ou falta de pontuação, separação e/ou articulaçãoindevida de palavras, troca de consoantes (v pelo b), expressões em desuso,o que dificulta a leitura e demonstra as dificuldades destes sujeitos históricosem manter a prática da escritura.

Quanto à caligrafia, em algumas cartas se observa a letra bem desenhadae clara, sendo muito poucas as datilografadas; outras, devido ao baixoletramento, a letra é rústica e muito difícil de ser compreendida.

Cabe também atentar para o tipo de papel utilizado. A escolha do papelfoi mais ocasional do que proposital, quando havia falta escrevia-se nas

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 119

margens e bordas da folha. Aparecem nas correspondências diversos tiposde papel como os de borda preta das missivas de luto. O uso de papeltimbrado (em geral no ângulo superior esquerdo) era considerado prestigioso,podendo demonstrar vínculo profissional, prosperidade nos negócios. Emalguns poucos casos encontram-se timbres de hotéis ou companhias denavegação, que também demonstrava status - o de viajante.

TRAVESSIA: AÇÕES, CUIDADOS E RECOMENDAÇÕES

As correspondências permitem recuperar diversas questões que envolvemos deslocamentos dos portugueses, cabendo destacar um sentido maiorobservado na documentação - o desejo de reunificação familiar, atravésdas chamadas de esposas, filhos, parentes e conterrâneos.

Nas missivas aparecem constantemente orientações sobre a viagem. Oconhecimento contraído pelos imigrantes durante a travessia transatlântica,somado ás experiências adquiridas no Brasil, levam-nos a orientar seusparentes sobre procedimentos nos preparativos da partida, como: comprasde passagem, providências com a documentação, embarque, cuidados epostura durante viagem, também, o que trazer e deixar.

Algumas vezes as passagens eram remetidas do Brasil, para evitaroportunistas e falsos agentes que ludibriavam os poucos experientes. Emoutros casos, era cuidadosamente explicitado aonde e como comprar osbilhetes, para tanto eram enviados os valores necessários.

eu lhe remeto o dinheiro para as duas passage, e mais dispezas,é precizo tirar os passaporte ahi e apresentar-se e Lisboa nogoverno civil que é para poder tirar as passagens e vir para aqui,é nessesario ter muito cuidado com as compras das passages comos correctos costumam roubar de que não conhesse E nessesariodeixar uma pessoa conhecida para tomar conta das ou vender ouarrendar ou deixar um procurador de confiança ahi as passagesé para tirar ate Santos que eu vou lhe esperar lá peço mandardizer mais ou menos quanto preciza para as dispezas todas epassages.2

Incluía-se, também, a indicação da companhia de navegação avaliadapela credibilidade e segurança, ou que pudesse possibilitar maior conforto.Conjuntamente, detalhavam-se os tramites para a solicitação e obtenção dopassaporte.

120 LATINIDADE

Vais nu padre tiras as assertidões i bens a Guimaraes naademenistração corres folha i dipoes bens para Braga nu gobernosivil tiras u pasaporte. Cando sahir vapor du porto tu vens i la numesmo dia compras a paçagem não te e preçizo encommudarpeço alguma. Eu quero que tu venhas na mala Real Egleza quee de muito respeito não temas de vir que nu Vapor tomas muitoconheçimento com familias.3

Orientavam-se sobre vários outros preparativos, como os deslocamentosaté o porto de embarque e cuidados antes de tomar o vapor. Mulheres,crianças e velhos deveriam vir acompanhados, com apoio de conhecidos,familiares, vizinhos, pessoas de confiança, honestas e respeitadoras; depreferência experientes e que soubessem ler; nesse sentido, eram feitas asindicações.

Não venhas como a ovelha sem pastor. Fala com o filho doMeco das Porreiras, que eu já lhe escrevi, pedindo-lhe para tuvires na companhia dele e da senhora dele, porque ele parece quedeve vir logo e eu faço gosto que tu venhas com ele.4

Eram frequentes as preocupações em regrar os comportamentos, normasde conduta e regras de sociabilidade durante a viagem, especialmente, para comas mulheres. As orientações eram expressas, para se ter cuidado com ocomportamento, sendo conveniente evitar exposições, assédios e promiscuidades.

... fas por te dar ao respeito para nenguem meixer con tigo omais podes enbarcar sen medo so som 12 dias de biaje. 5

No vapor porta-te bem, sempre séria com toda a gente. Quandoeu vim, vim com a cabeça perdida com umas mulheres ...6

Acautelava-se sobre possíveis acidentes á bordo, apontando os cuidadosa tomar com as crianças e os mais idosos.

Emquanto a viagem peço te que tenhas todo cuidadoprincipalmente no vapor principalmente com a mãe que não dealgum tombo nas escadas do vapor so depois de estares dentroexamina bem o cuidado que deves ter cuidado au pinchar dalancha para o vapor. 7

Nas cidades e aldeias circulavam relatos de viagem que alimentavam osmedos de enfrentar a expedição transatlântica. Mesmo com o estabelecimento

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 121

de linhas regulares de vapores que garantiam percursos mais seguros erápidos, ainda persistiam as histórias de trajetórias difíceis e naufrágios. Nasmissivas as palavras de alento e estimulo visavam tranquilizar o/a viajantepara enfrentar a longa travessia, lembrava-se de ações de solidariedade ecooperação no percurso, com a possibilidade de se estabelecer vínculos deamizade.

Tenha muita coragem para atravessar o mar: lembre-se que vemabraçar todos os seus filhos para ganhar mais animo. 8

Desde os meados do século XIX (1855), que devido as constantesdenúncias sobre as condições de viagem, implementaram-se açõesregulamentadoras do controle de excesso de passageiros e bagagens, medidasde proteção e assistência aos viajantes em situação de adoecimento a bordo(as naus necessitariam ter uma botica e apoio médico). O regulamento de07 de Março de 1863 determinava que os vapores devessem garantiralojamentos salubres e higiênicos, alimentação de boa qualidade e emquantidade, além de água bem acondicionada.

Contudo, apesar destes procedimentos legais persistiam os problemas,que eram constantemente denunciados pela imprensa, que apontava que osimigrantes, em sua maioria, marcados pela ignorância, pobreza eanalfabetismo, encontravam-se numa situação subalternidade e de desamparodurante a travessia.

As irregularidades tornavam a viagem precária, frente à falta de higiene,más acomodações, alimentação mal preparada e em pouca quantidade.Nas cartas aparecem várias recomendações, visando evitar privações eamenizar desconfortos, como levar alimentos para consumir durante atravessia, indicava-se ações para diminuir o mal-estar e enjoos (trazer limõese açúcar, frente às questões com água).

Trás também um pouco de bacalhau, ia sim como também meiadúzia de chouriços para vosses comer em viaje ia sim comotambém comora um pouco de queijo que a sim te é perciso e oque mais te a petesser.9

Alertava-se para os cuidados com dinheiro e objetos de valor,precavendo-se de roubos, aconselhava-se que os bens deveriam serguardados, disfarçadamente escondidos, tendo-se como alternativa:

Méte no bolso que te fáz fáta na viajem o seu cordão e as argólasguarda elas com sigo de módo que lhe não sêja tirado.10

122 LATINIDADE

Dever-se-ia prevenir perdas ou extravios de malas, sugeriam-se marcasde identificação na bagagem (faça três cruzes negras no baú). Indicava-secolocar numa mala de mão os acessórios e roupas para de uso á bordoou no momento do desembarque.

... compra uma mala de mão para trazeres alguma roupa melhorpara saltar em terra para não parsseres uma Patricia i não tragaslensso na cabessa que nesta terra não se uza i paresse Mal.11

A chegada era uma ocasião especial de reencontro, para tanto deviaapresentar-se bem, com o que tivesse de melhor, roupa nova ou trajedomingueiro. Nas correspondências aparecem as recomendações de vestir-se “a brasileira” e não aparentar “costumes da aldeia”, buscando demonstrarconhecimento sobre a cultura no país de acolhimento.

Algumas missivas apresentavam maiores preocupações frente aodesconhecimento dos hábitos na sociedade de acolhimento, arrolandodetalhadamente todo vestuário a ser comprado e trazido. José Franciscosugeria á mulher que

... quando tu fores comprar a Refina que va contigo que maes oumenos ja save como se uza. (...) o Agustinho que escôlha o calçadotudo prêto para ti 2 pares de sapatos para a Maria Amelia 2 parespara a Carulina 1 par para o Joaquim 2 pares para o Jose 1 par.Manda fazer um vestido para a Maria Amelia e outro para aCarulina para o Joaquim um terno a marujo para o Jose na mesma...12

Sobre as vestimentas masculinas, nas missivas pedia-se que trouxessempaletós, ternos, casacos, camisas, ceroulas, meias, chinelos, sapatos, chapéuse guarda-chuvas; alguns recomendavam que as roupas fossem de qualidadenos tecidos e modelagem.

Alguns imigrantes que conheciam os trâmites alfandegários aconselhavamcuidados com o porte de armas e com as próprias mercadorias,especificando para trazer os tecidos cortados e as solas dos sapatos sujas,evitando assim que fossem confiscados na entrada.

Nas epístolas pedia-se a confirmação da data de chegada e nome dovapor, garantindo a presença no desembarque, mesmo que significasseenfrentar um longo deslocamento do interior até o porto. Porém, quandoisso era inviável, cuidava-se para que no porto ou na estação ferroviáriativesse alguém para recepcionar o recém-chegado, ajuda-lo com as bagagens,tramites na alfândega e Inspetoria de Imigração.

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 123

Se eu não estiber em Santos e a Snra. não puder tirar as caixasou bagagem que troxer a Snra. bai na estação do caminho deterra e compra bilhete para Pirituba ali eu tenho dado probidençiasleve o conhecimento de bagagem que no dia seguinte eu benhobuscar as ditas. 13

A DESPEDIDA: O QUE TRAZER E DEIXAR

Nas missivas analisadas, em sua maioria cartas de chamada, as referênciasao regresso são praticamente inexistentes. Os remetentes eram imigrantesque encontraram possibilidades e se fixaram na sociedade receptora,possivelmente estas experiências contribuíram para o fim do projeto deretorno, o que aparece explicitado.

Nas correspondências observam-se as preocupações com o cotidianoem Portugal, tanto nas lidas rurais como nos negócios. As cartas deixamtestemunhos das orientações trocadas entre os familiares e cônjuges.Ressaltam-se as diversas estratégias femininas desenvolvidas diante da ausênciados homens que emigraram primeiro, as mulheres enfrentavam um cotidianoárduo e envolto em muito trabalho, trato da lavoura e dos animais,responsabilidades dos negócios, administração das remessas, somados aoscuidados com a casa e os filhos.

... mais senhoras de si, livres da gravidez não desejada. Muitasdelas retornam a casa dos pais... a economia camponesa do Minhogirava em torno da mulher. O governo da casa pertencia-lhes...estava habituada a lidar com dinheiros e pequenos negócios...com a emigração masculina, e na ausência prolongada dos maridos,o seu papel de gestora dos assuntos familiares mais se evidencia.(Cunha, 1997)

Nas epistolas, juntamente com os planos para a reunificação familiar,nota-se as especificações da partida, com todas as orientações do quedeveria ser deixado ou trazido, doado ou vendido, que objetos, utensílios,animais e propriedades se desfazer e como

Minha querida mãe, venda tudo oque puder i o que não pudervender deia dismola aus pobres nada disso lhe ade fazer falta aquise ganha para comer i para bestir i sempre se tem 50 ou semmilreis nalzibeira purisso querendo bir ista na sua bontade...14

124 LATINIDADE

Os objetos que apresentavam possibilidade de uso no Brasil eramtransportados, como ferramentas de ofícios (lápis de carpintar, esquadro,martelo, serrote, prima, lima, cinzel), utensílios para a prática agrícola (foice,pá, enxada, machado), incluindo instrumentos musicais (violão, violino,guitarra, pandeiro, adufe, castanholas, concertina, flauta e gaita).

Eram vários os utensílios e maquinário considerados de serventia, porcarta Antonio Fernandes pedia à esposa que trouxesse sua máquina decostura “bem encaixotada”, dessa forma, ela poderia trabalhar comocostureira, contribuindo na renda familiar. Igualmente, aparecem referênciasa fusos, teares e materiais de costura.

Olha se trazes um novelo de linho e agulhas para me consertaresuma porção de coturnos que cá tenho. 15

Entre os objetos trazidos na mala do imigrante, encontravam-se váriosapetrechos de uso doméstico, como: louças, talheres, roupas de cama emesa, travesseiros, cobertores, mantas, colchões e móveis, o apego a estescomponentes sugere a manutenção de hábitos da terra.

Em várias mensagens aparecem pedidos para que se trouxessem objetosde valor, joias, cordões, medalhas, brincos, broches e anéis de ouro, alémde relógios; todavia, se alertava para guardá-los com cuidados durante aviagem. Estes valores poderiam significar uma forma de transportar umcapital, ou simples desejo de possuir o bem ou presentear.

Eram constantes os pedidos de produtos alimentícios da terra comopresunto, embutidos, amêndoas, noz, azeites, vinhos, salpicões, pinhões,entre outros. Era a oportunidade de matar a saudades dos sabores dealém-mar; já que na experiência de deslocamento a alimentação é consideradao último costume abandonado, podendo ser considerado como um fatorde resistência.

Eu espero que a senhora venha antes do Natal para poder passal-o comnosco, se a senhora me poder trazer um Presunto, nãoprecisa que seja muito grande mas isto é conversa minha.16

A necessidade de se comunicar e manter vínculos foram impulsionadaspelos deslocamentos, que fomentaram a troca de cartas pelo Atlântico,possibilitando o estabelecimento de redes. Estas redes propagaraminformações e possibilitaram chamadas, as cartas constituem registro emote deste processo funcionando como veículos de divulgação da imigraçãoao favorecem as saídas, criando circuitos que envolviam parentes, amigos,

Travessias e Cartas: Viagem e Mala do imigrante 125

conterrâneos, estabelecendo bases de apoio que ajudavam a enfrentar asdificuldades e agruras do cotidiano na sociedade de acolhimento.

Para o pesquisador as correspondências provocam muitas inquietaçõessobre os desdobramentos destas trajetórias, se a reunificação familiar foipossível ou não... , infelizmente, é impraticável responder a estas inquietações.Se a missão do historiador é questionar o passado contando suas histórias,cabe encerrar esta narrativa, com uma adaptação do dito popular... “Entreuma carta e outra, quem quiser que conte outra...”

NOTAS1 Não basta que existam dificuldades econômicas para que os deslocamentos ocorram, estas

dificuldades têm que estar vinculadas a percepção de que a emigração é uma alternativaaceitável e os canais necessários têm que estar constituídos para viabilizar as saídas.(BAGANHA, 2009).

2 Carta de 10/08/1921. n.896. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.3 Carta de Jerónimo Fernandes á esposa Maria das Dores Fernandes, 03/1904, (CUNHA, 1997,

p. 35).4 Carta do Processo do Passaporte n. 715, 31/10/1896.5 Carta de Chamada de Manuel Novais Rodrigues á Maria da Silva, (CUNHA, 1997, p. 35).6 Carta do Processo do Passaporte n.516, 22/05/1893.7 Carta de 03/06/1913, n. 205. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.8 Carta de 10/05/1919. n. 438. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.9 Carta de 01/08/1912. n. 255. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.10 Processo n.389, 10/08/1912. Arquivo Distrital do Porto.11 Processo n.599, 09/04/1912. Arquivo Distrital do Porto.12 Carta de José Francisco á mulher Maria Mendes, apud (CUNHA, 1997, p.33).13 Carta de 22/07/1912, n. 126. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.14 Carta de 26/08/1915, n. 763. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.15 Carta do Processo do Passaporte n. 93, 19/07/1865.16 Carta de 20/08/1919, n. 439. Fundo Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, APESP.

BIBLIOGRAFIA

- BAGANHA (2009), Maria Ioannis. Migração transatlântica: uma síntesehistórica, in: Desenvolvimento econômico e mudança social. Lisboa, Imprensa deCiências Sociais.

- CUNHA, (1997), Carmen Alice Aguiar de Morais Sarmento. Emigração familiarpara o Brasil-Concelho de Guimarães 1890-1914, (Uma perspectiva microanalítica),Mestrado, ICS, Universidade do Minho.

- MATOS, (2013), Maria Izilda Santos de. Portugueses: deslocamentos, cotidianoe luta, Bauru, EDUSC.

126 LATINIDADE

- RODRIGUES, (2011), Henrique. Escrita de Emigrantes: Abordagem àCorrespondência Oitocentista. In: Escritas das Mobilidades, Centro de Estudosde História do Atlântico. Funchal, Madeira.

ABSTRACT:The displacements included a diversity of trajectories and multiplicity ofexperiences, and different processes simultaneously. Incorporating culturalperspective, this research aims to discuss the presence of portugueseimmigrants in São Paulo (1890-1950), retrieving references to preparations forthe trip, crossing and the immigrant’s bag. The research is based on analysisof letters and correspondences located in Immigrant Memorial - São Pauloand the portuguese archives.Key words: letters, portuguese immigrants, travel, bag.

Imigração Boliviana no Rio de Janeiro - Cultura eidentidadeProfa. Maria Teresa Toribio B. Lemos UERJ

INTRODUÇÃO

A presença de imigrantes rurais bolivianos no Brasil iniciou-se após aGuerra do Chaco1 em 1935. Após a Guerra, milhares de camponesespreferiram se fixar nas cidades em vez de voltar para o campo. Além damudança na forma de viver, a maioria tinha perdido suas terras, confiscadaspelos grandes proprietários.

O inchamento das cidades desestabilizou a sociedade, fragilizada pelosconflitos com os países vizinhos e ainda com dívidas acentuadas. As perdashumanas, financeiras e a crise agrícola provocada pelo abandono dos campos.Outros fatores também contribuíram para a imigração, como as crisessociais causadas pelo avanço capitalista no campo e os movimentos desublevação política. A conjuntura socioeconômica da nação acentuou osmovimentos revolucionários das décadas seguintes, culminando com aRevolução de 1952.

A imigração para a Argentina, Chile e Brasil que se realizava lentamentedesde o século XIX aumentou consideravelmente, acelerando adesestruturação da comunidade rural boliviana tradicionalmente assentadano “ayllu”, organizada por laços comunitários.

Atraídos por melhores condições de vida e salários e pela ideia deprogresso de outras cidades latinoamericanas , os bolivianos procuraramreorganizar suas vidas em países vizinhos. A modernização dos grandescentros, associada à forte propaganda de imigração, serviu de instrumentospara mobilizar expressivos contingentes rurais para a força de trabalho dasnascentes indústrias. Dados oficiais do Serviço de Imigração2 dão conta deque cerca de 20 mil imigrantes bolivianos entraram legalmente no Brasil.

CONSTRUÇÃO DE NOVA IDENTIDADE

A reestruturação dessas comunidades camponesas no Brasil ,especialmente em São Paulo, se fez sob duras penas. A maioria, clandestinose acostumados a uma vida comunitária, tiveram seus laços culturais

128 LATINIDADE

desestruturados e tornaram-se presas fáceis da exploração dos gruposindustriais 3, submetendo-se à uma vida de servidão.

A crise social também acelerou o êxodo de técnicos e profissionaisqualificados, não absorvidos pelos processos de modernização do país,além dos exilados e perseguidos políticos.

Os governos brasileiro e boliviano manifestaram grande preocupaçãocom esse problema social. No Brasil, a entrada ilegal de estrangeiros nãolhes garantia direitos sociais e trabalhistas. A ilegalidade permitia que setornassem vítimas da exploração industrial que prossegue até os dias atuais.

Apesar das denúncias veiculadas pela imprensa, apenas em 1992 ogoverno brasileiro tentou coibir aquela exploração e impedir a imigraçãoilegal daqueles camponeses. Muitos deles, vinham para encontrar familiaresque se encontravam em São Paulo e atraídos pelos anúncios dos jornaisbolivianos que informavam a possibilidade de grandes salários em S.Paulo.

SINGULARIDADE DA IMIGRAÇÃO – PRESENÇA BOLIVIANA NO RIO DE JANEIRO

No Rio de Janeiro a imigração foi diferente devido à especificidade daCidade que manteve, apesar da mudança da capital, de centralidadeadministrativa do país e não possuir a estrutura industrial semelhante apaulista.

Apesar do Rio de Janeiro receber maciçamente migrantes do Nordestee Minas Gerais, não se notabilizou pela grande presença de estrangeiros.Assim, presença boliviana e de outros países sulamericanos foi singular.A cidade atraia por ter sido a capital federal e pelo prestígio socioculturalque permanece cultivado pelas universidades, além da expressiva redeeducacional e de saúde que a capacitam oferecer melhor atendimento àpopulação que outras cidades do pais.

Na década de 1950, devido à instabilidade política em vários países daAmérica do Sul, o governo brasileiro apoiou a vinda de imigrantes bolivianosem sua maioria composta de exilados, opositores da Revolução de 1952 eadmiradores da Falange Socialista Boliviana (FSB), grupo conservador,considerado de direita em seu país. Eram políticos ou filhos de políticos,profissionais liberais e estudantes. Aqueles imigrantes se fixaram nos bairrosda Zona Sul e Niterói onde instalaram consultórios médicos, odontológicose clinicas em geral. Grande número deles possuía bens e propriedades naBolívia e desfrutavam de uma situação social considerável. Outros procuraramos subúrbios e também se dedicaram à profissão liberal e burocrática.

Imigração Boliviana no Rio de Janeiro - Cultura e identidade 129

Diferiam dos camponeses e trabalhadores de áreas rurais, pobres eexcluídos em seu pais que tiveram, por força das circunstâncias, se instalarem S. Paulo e se sujeitar à exploração nas oficinas de costura e indústrias,em sua maioria dominadas pelos coreanos.

A partir das décadas de 1960/1970, também com apoio do governobrasileiro, chegou o segundo fluxo formado basicamente por estudantes,atraídos pelo Intercâmbio Cultural Brasil-Bolívia que oferecia condiçõespara cursarem as Faculdades de Medicina, Odontologia e Engenharia, entreos demais cursos, dispensados das provas de Vestibular, exigidas para osestudantes brasileiros. Eles deveriam retornar ao seu país, após a conclusãodos cursos universitários, o que de fato não aconteceu. Grande númerodeles preferiu ficar no Rio de Janeiro, onde se casaram e constituíramfamílias, recebendo a cidadania brasileira.

O terceiro fluxo migratório, mais recente teve início na década de 1990com o grande desenvolvimento econômico do país e continua até os diasatuais. Envolve profissionais liberais, técnicos e artistas à procura demelhores condições de vida. Muitos são especialistas e trabalham emrefinarias, empresas de petróleo e são contratados pelos Programas de Pós-graduação para assumir cargos importantes nas empresas locais devido àespecialização que possuem nas áreas de Engenharia. Trabalham nosgasodutos e empresas da Petrobras.

Também chegaram outros imigrantes, sem formação acadêmica ouespecialização, que foram para a periferia e subúrbios do Estado. Realizamtrabalhos burocráticos e se inseriram no mercado de trabalho local.

Essas características tornam a imigração para o Rio de Janeiro singulare diferem da imigração dos grupos de bolivianos saídos do Altiplano e deáreas rurais da Bolívia país que foram atraídos para São Paulo e outrosestados do Brasil.

Ao chegarem à cidade do Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 a 1970,os bolivianos receberam o apoio do governo brasileiro e do ConsuladoGeral da Bolívia. Apesar de bem recebidos, sentiam-se estrangeiros. Nãochegavam a ser tratados como outsiders, discutido por Norbert Elias, massentiam que eram tratados como estrangeiro e muitas vezes percebia-se opreconceito. Era como se houvesse uma parede virtual separando as duasculturas.

Em 1969, famílias bolivianas se reuniram e criaram Círculo de AmigosBolivianos, com a finalidade de organizarem eventos, homenagearam amigos,convidarem artistas dessa forma, lembravam da pátria longínqua, suas

130 LATINIDADE

famílias e tradições. Durante os encontros convidavam amigos brasileirose se confraternizavam. As reuniões eram realizadas nas casas dos amigos,que se alternavam com música, dança e comida. Juntos reviviam o passadoe traçavam planos para maior integração no novo país. Dessa forma,mantinham os laços identitários e reproduziam as práticas culturais erepresentações de seu pais.

Em 1974, foi criado por um grupo mulheres bolivianas, o ComitêBeneficente de Damas Bolivianas. Esse Comitê tinha dupla função. Havia grandepreocupação dos imigrantes em manter os laços identitários vinculados àsua ancestralidade e , ao mesmo tempo, apoiar os demais bolivianos quenão usufruíam de boa situação financeira ou mesmo que se encontrassemem situação desfavorável diante das leis brasileiras. Em sua maioria, asmulheres eram esposas de funcionários e de profissionais liberais quedesfrutavam de prestígio junto à sociedade carioca. Esse grupo realizava,além das atividades culturais que remetessem às suas tradições, tambémações beneficentes. Preocupavam-se com as famílias bolivianas pobres, comas mulheres presas acusadas de tráfico de drogas ( na maioria inocentes,serviam de mulas para os traficantes), com as pessoas idosas e doentes.

Os bolivianos que chegavam para cursar universidade frequentavam oantigo restaurante universitário do Rio de Janeiro, conhecido como OCalabouço, localizado no Aterro, perto do Aeroporto Santos Dumont. Lá,todos os estudantes brasileiros ou estrangeiros se reuniam para discutir asituação política do país e organizarem manifestações sociais contra ou afavor dos governos. Nesse espaço pluricultural, em 14 de julho de 1975,os estudantes bolivianos resolveram fundar o Centro Cultural y SocialBoliviano.

O Centro Cultural tinha a finalidade de ampliar a integração entre osimigrados, organizar encontros, debates e realizar eventos comocomemorações e festas típicas de seu país. Recebia apoio do Consulado daBolívia e dos grupos de imigrantes. Realizava festas em homenagem àdata da Independência do seu país, no início do mês de agosto queprosseguem até os dias atuais. Embora, sem sede fixa, os encontros sefaziam inicialmente nos apartamentos da direção e, posteriormente, emuma das salas do Consulado da Bolívia, no bairro do Flamengo. Além dosencontros entre eles, também promovia conferências, debates , apresentaçõesteatrais e musicais, envolvendo convidados brasileiros. Da direção fazemparte bolivianos e descendentes dos imigrantes, além de brasileiros deprestígio, com a responsabilidade de reproduzir a cultura boliviana-brasileira.

Imigração Boliviana no Rio de Janeiro - Cultura e identidade 131

Outro fator de difusão da cultura andina e integração daqueles imigrantesfoi a Rádio Eldorado, do Grupo O Globo. Os bolivianos, usando afrequência da Bolívia difundiam a música de seu país. Criaram o programaO Mosaico Boliviano, dirigido por Antonio Martinez. Assim, tradição, símbolose memória coletiva eram mantidos como resistência cultural e laços deidentidade. Esse programa, em espanhol e português, era levado ao artodos os domingos pela manhã.

As festividades repetem os rituais celebrados na Bolívia. Há dançastípicas como Morenada, Diablada e Tinkus, entre outras manifestações. Osdançarinos usam trajes coloridos de acordo com a representação simbólicada dança. Também a saltenha, pastel recheado faz parte das iguarias da festa.São feitos pelas mulheres bolivianas que repetem as receitas locais da culináriaboliviana. Participam daquelas festividades as autoridades consulares,bolivianos imigrantes e todos os convidados do Rio de Janeiro e de outrosestados do Brasil.

O grupo de imigrante mais recente chegou após a década de 1990 econtinua até os dias atuais. Envolve músicos, mecânicos e profissionaisliberais à procura de melhores condições de vida. Muitos são especialistase trabalham em refinarias, empresas de petróleo e programa de Pós-graduação. Essas características diferem da imigração dos grupos debolivianos saídos do Altiplano e de áreas rurais da Bolívia país que foramatraídos para São Paulo e outros estados do Brasil.

NOTAS1 A Guerra começou em 1932, e somente em 1938 foi firmado o Tratado de Paz, em

Buenos Aires.2 Serviço de Imigração –S.P., 1992.3 Os imigrantes bolivianos foram para a cidade de S.Paulo, grande pólo industrial brasileiro.

BIBLIOGRAFIA

(1986) - Guerra y Conflitos Sociales. El caso rural de Bolivia en la Campaña delChaco. Lima, IEP

CACERES ROMERO( 1993), Cristobal e Emigdio - Politica Agropecuaria. LaPaz.

CARDOSO, Eliana e Helwege, Ann ( 1993) - A Economia da América Latina.Rio de Janeiro, Editora Atica.

DELER, J.P. e Saint-Geours, Y.1986) - Estados y Naciones en los Andes. Lima,IEP.

132 LATINIDADE

FARRAGUT, Castro(1963) - La reforma agraria boliviana. OEA.

GARCIA, Antonio (1965)- La reforma agraria y el desarrollo social. México, FCE.

MEJÍA FERNANDEZ, M.( s/d) -El problema del trabajo forzado en Américalatina. México, UNAM.

NEISWANGER, W.A. e Nelson, J. (1995) - Problemas económicos de AméricaLatina. México, FCE.

PLA, Alberto (1980) - América Latina - Siglo XX. Caracas, Universidad Centralde Venezuela.

PERIODICOS

A Voz Tiwanacota - Año 3 n. 8 - Febrero - San Pablo -1993

• O GLOBO - Artigos

- Coreanos exploram bolivianos em São Paulo - 13 de dezembro de 1992.

- Trabalhadores se oferecem na praça, como escravos - 13 de dezembro de 1992.

- Governo Paulista investigará coreanos - 14 de dezembro de 1992.

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948Mario Oliva Medina - Universidad Nacional de Costa Rica.

RESUMENEn este trabajo se pretende mostrar las características más sobresalientes deuna literatura que no aparece en el canon, sobre todo por ser escrita en sumayoría por poetas no profesionales y cuando lo son estos escritos no sonconsiderados como tales.El trabajo abarca el estudios de la poesía proletaria urbano producida durantela primera mitad del siglo XX. Se pone énfasis en la producción, circulacióny recepción de esta literatura, junto a los soportes culturales que hicieronposible su sustento, fundamentalmente periódicos, revistas, y pequeños folletoso libros donde se publicaban junto a la oralidad que fue una forma muyextendida para difundir esta literatura.Palabras claves: poesía proletaria, ideología, soportes culturales.

Con este trabajo, pretendo aproximarme y mostrar las característicasmás destacables de una literatura, hasta ahora, marginada por la críticaliteraria e histórica en el país: la musa proletaria. En concreto, me referiréa la poesía proletaria costarricense, esencialmente urbana, de la primeramitad del siglo XX.

Aunque el concepto de poesía proletaria podría parecer poco preciso,lo considero particularmente útil para signar un tipo de producción literariasingular que surgió en los primeros años del siglo XX. Dicha producciónliteraria, primero, estuvo ligada a un movimiento artesanal-obrero de carácterurbano que le imprimió su sello; más tarde, al iniciar el decenio de 1920,encontramos una serie de poemas entrelazados con el movimiento políticodel Partido Reformista, liderado por el general Jorge Volio Jiménez, y apartir de los años treinta, hasta el final del período de estudio, en 1948, seidentificó un tercer momento con la poesía de orientación comunista quetuvo en Carlos Luis Sáenz a su más importante cultor.

Se trata de una creación literaria que fue posible a partir de un campoliterario escindido, diverso y contrapuesto; la cual se expresó en un mismoespacio histórico, se subordinó o no, o simplemente se entrecruzó paraaparecer, en forma definitiva, como marginal en tanto eco del proceso realy social en el que se desenvuelven nuestras sociedades” (Gonzalo, 1984, p. 13).

134 LATINIDADE

Tanto por su temática, como por sus productores, los cuales en sumayoría pueden calificarse como pertenecientes a la clase trabajadora, juntocon algunos consagrados de las letras nacionales, como José María Zeledón,Carlos Luis Sáenz, Lisímaco Chavarría o Luis Flores, le conceden esacaracterización de proletaria. Mi pretensión se orienta a no esterilizar loproletario-popular por cuanto el desprecio y la admiración, en dadosacercamientos, paralizan, sino que procuro reconstruirlo en su dinamismoy en permitirle reunirse, libremente, con la cultura.

En el 2008, la Editorial de la Universidad Estatal a Distancia publicó,en tres tomos, Cien años de poesía popular en Costa Rica: 1850-1950. El tomosegundo está dedicado a La musa proletaria. Dicha antología tiene el méritode ser la primera sistematización acerca del tema aunque no está completa,nos proporciona una mirada a dichas producciones. Quiero ahora, a partirde esos textos y de otros más que he localizado, acercarme a los aspectosideológicos y de sistema productivo que dicha literatura implica.

En primer lugar, “la ciudad siempre se ha considerado como una torrede Babel con voces e intereses en conflicto” (Fritzsche, 2008, p. 17). Unode los fenómenos más frecuentes en la ciudad de San José, durante losprimeros cincuenta años del siglo XX, fue la creación de soportes culturalesrelacionados con la cultura urbana de los trabajadores: organizaciones, prensa,revistas, salones o lugares de reunión, incluidas las bibliotecas populares ola lectura en voz alta. Todos ellos se conformaron como instituciones degran importancia para el desarrollo y la sociabilidad de los trabajadores yde intelectuales que se solidarizaron con dichas manifestaciones y procesossociales.

Uno de los mayores puntos de encuentro entre la poesía proletaria y lavida cultural se encuentra, ineludiblemente, construido alrededor del libro ydel periodismo.

El impacto de este último es, incluso, mucho mayor en relación con elprimero. No es de extrañar: el gran medio de difusión de esta creaciónpoética y de sus contenidos, ligados a proyectos políticos e idearios socialistas,fue, en general, el periódico junto con otros empeños editoriales que incluíanrevistas y venta de libros baratos con contenidos de carácter social.

En uno de los periódicos más emblemáticos del período, Hoja Obrera,el 4 de marzo de 1913, quedó constancia del poder atribuido a esasmanifestaciones culturales en un poema titulado La prensa obrera (1913, p.3),en el cual se lee en dos de sus estrofas:

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 135

Voz potente del pueblo soberanoque su ideal a conquistar se lanzacon la pluma y la callosa manoque da fuerza al derecho y la esperanzaCopie la pluma el pensamiento noblepredicando contra todos la armoníasin desmayar jamás el fuerte roblelos fulgores de viento desafían.

El hablante lírico reconoce en el periódico un espacio de representacióndel pueblo, independiente de los poderes políticos, construido con las manosy el esfuerzo de los trabajadores. Si bien se puede apreciar que no sonversos abiertamente confrontativos, sí denotan una visión de mundo y laapropiación de ideas sociales o socialistas reelaboradas desde sus propiaslecturas y por ellas. Comparto plenamente con Edward Said (2004, p.54)cuando establece que: “la cuestión es que los textos tienen modos deexistencia que hasta en sus formas más sublimadas están siempre enredadoscon la circunstancia, el tiempo, el lugar y la sociedad; dicho brevemente,están en el mundo y de ahí que sean mundanos”.

Si nos atenemos a los títulos de los poemas de la primera etapa, saltaa la vista, de inmediato, la recurrencia a referentes de la temática obrera:

El andamio, Canto del Hulero, El obrero, En la inauguración delos lavaderos Carit, El artesano, Trabajo y unión, Jesús, En sueño,Al amigo violinista, El carpintero, Junto al yunque, La proclamajornalera, Himno a los hambrientos (Quesada,2008).1

Muchos de estos versos están dedicados a un oficio, a las herramientasu objetos de trabajo y, asimismo, los mismos poemas se van contextualizando.También hay otros poemas más conceptuales con respecto al idearioemancipatorio de corte anarquista. Se debe tener presente lo que señala LilyLitvak (1981, p.XV):

Es difícil delimitar sus contenidos, es decir dónde termina la obraideológica y empieza la narración o el lirismo, donde acaba lapropaganda y comienza la obra de arte. Las fronteras se pierdenal plantear estos temas, ya que los anarquistas formularon sus obrasy sus teorías estéticas como instrumentos de revolución social.

Los versos de agitación violenta, escritos por José López Doñes (1912, p.2¿), que aparecieron en Hoja Obrera, el 5 de noviembre de 1912, con el título

136 LATINIDADE

¡Grito de redención!, son una marca de impacto hacia el lector que abrieron el canalde comunicación; asimismo, el título funciona como interrelación con el texto:

Con las pupilas clavadas en la cima misteriosa de laredención obrera descubre guiñapos y tinieblas.Soy: el obrero soy el empuje de todas las riquezas.Al aliento de todos mis alientos debe el potentado laresolución violenta de cuantos problemas agitan a laHumanidad.Yo mismo soy la humanidad,No hay luchas sin las sacudidas de mi lucha.Yo soy el eslabón de la cadena universal.Vibro con ráfagas de luz en los cerebros de los sabios.Yo doy el alma a los talleres en que se materializael intelecto humano.Soy el corazón del mundo.Nadie vive en el soplo de mi voluntad.Las voluntades supremamente hermosas, supremamentecolosales seis divinas yo las engendro aun antes de laaparición del protoplasma.Soy el grito de redención de Adán.Soy el germen todopoderoso que se agita en lapenumbra, en la luz y en la maravilla espléndida delprogreso habido y por haber de todas las edades.Nadie vive sin mi vida: nadie alienta sin mi aliento.Yo caliento la pesadilla del imbécil, del idiota y delgenuinamente miserable.En mi corazón está el santuario de la religión obrera; soyla aspiración del avaro.En los altares de mi patria jamás oficia el sacerdoteexplotador de la debilidad humana.Los míseros se revuelcan ante el golpe furioso de mi maza.Soy el pavor del holgazán.Soy el impulso vengador de la negligencia que se arrastra.Soy el fiat luz del progreso humano.Soy el obrero, soy la conciencia laboriosa siempresublime, siempre dominadora y por los siglos de los sigloseternamente implacable…

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 137

Muerto ya, miserable hundido bajo montoneshúmedos de tierra, mi silueta, mi esqueleto maldecidopor déspotas, mi sombra tenebrosa, sigue como fantasmacaprichudo [sic] la conciencia pecadora de los diosesterrenales del placer.Y es que mi poderío sobrevive al silencio del sepulcro.Yo fui el miedo de las generaciones pretéritas.Soy la amenaza de las edades que palpitan.Y, quiéralo o no, seré el pánico mortal de lasomnipotencias futuras.

La voz poética construye una visión altruista y protagonista del sujetoobrero, fuente de todo lo que ocurre en el mundo: empuje de todas lasriquezas/yo mismo soy la humanidad/yo soy el eslabón de la humanidad/soy el corazón del mundo/soy la aspiración del avaro/en los altares de mipatria jamás oficia el sacerdote/explotador de la debilidad humana/soy laamenaza de las edades que palpitan/y, quiéranlo o no, seré el pánico mortalde las omnipotencias futuras/.

Por su parte, el poeta herediano Luis Flores (1912. p.2) compuso unpoema titulado El Nihilista, donde describió la mísera existencia del trabajadory su familia que cerró con estos versos, si acaso de solución:

“Y al ver frente a tu hogar hambriento el hambre,contra el cielo y la tierra se sublevany te salva una luz: la dinamita”.

Así podríamos continuar atisbando este ideario anarquista en la poesíade comienzos del siglo XX y en los himnos y cantos que se produjeron enaquellos años. Sin embargo, correspondería a José María Zeledón ser elexponente más importante de la musa libertaria costarricense.

En la antología José María Zeledón, poesía y prosa preparada por AlfonsoChase (1979), se recoge la dimensión creativa de este autor, particularmentesu poesía, la cual tiene rasgos propios de la estética anarquista. Dicha antologíaacopia la mayor parte de los poemas de Zeledón de los primeros años delsiglo XX, pero tiene el inconveniente de que la datación está incompleta. Lamayoría de las veces no se registran el lugar ni la fecha de producción,cuestión que resulta clave para nuestros propósitos partiendo de la advertenciade Francois Dusse: (2007.p.128-179) “la marcha de las ideas no solo debemosseguirla a través del gran sabio sino por todos los rincones donde se desplazaincluidos los actos de producción, circulación, lectura y lectores”. Es,

138 LATINIDADE

precisamente, esta última exhortación la que renueva, desde hace unos veinteaños, los estudios de historia cultural e intelectual. Por su parte, Roger Chartier(2008, p.10) propone “asociar en un mismo análisis los papeles atribuidos alo escrito, las formas y los soportes de la escritura y las maneras de leer”.

Luego de hacer esta salvedad, vuelvo a Zeledón quien, entre 1911 y1914, inició, junto con uno de los anarquistas de mayor reconocimientointernacional, el español, Anselmo Lorenzo, un emprendimiento editorial sinprecedente en la historia literaria e intelectual costarricense: la fundación dela revista Renovación.

El objetivo de la revista fue el de difundir el ideal emancipador delproletariado a ambos lados del océano. La revista Renovación se nos presentacomo un lugar privilegiado de la vida intelectual de un grupo de jóvenesescritores y educadores costarricenses, atraídos por las teorías políticas yestéticas del anarquismo y articulados alrededor del poeta y escritor JoséMaría Billo Zeledón. Entre los jóvenes más representativos del grupo seencontraban: Elías Jiménez, José Fabio Garnier, Rubén Coto, José Albertazzi,Salomón Castro, Omar Dengo y Carmen Lyra.

Las páginas de Renovación fueron un espacio de encuentro para los poemasy para la prosa anarquista que publicó el grupo y, de manera especial, parala obra poética de Billo Zeledón. El registro, hasta ahora localizado, incluyelos siguientes poemas: Cartel, Los elefantes, El patrón, Diálogo, Humanidad nueva,La Patria, Hermanos, Dos de noviembre, Noche Buena, Salmo al nuevo año, Welcome!Aknox, La elegía de Gray, Primer amor, Homenaje al doctor Valeriano FernándezFerraz, Fraternidad, En guardia, Nosotros saludos a Manuel Ugarte. Todosaparecieron entre 1911 y mediados de 1913, junto a una treintena depoemas de carácter anarquista de autores principalmente del Cono Sur yalgunos otros de Centroamérica. Se destacan: Diego Uribe, Isaías Gamboa,colombianos; Alberto Ghiraldo, Manuel Ugarte, argentinos; MagallanesMoure, Antonio Bohórquez Solar, chilenos; Jorge Zepeda, hondureño yJosé Albertazzi, costarricense.

En el primer número de Renovación, José María Zeledón, mediante lapoesía, expresó los objetivos del impreso y delineó en su poema Cartel, supostura política concreta:

Es esta una parcelaque roturó un anhelo,y sembrarán de rosas y de espigaslos brazos del esfuerzo.

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 139

Sin dioses tutelares,sin guías, sin maestros,sin nada de lo que ata y esclavizalos humanos empeños;a pleno sol cantandoal compás de las gaitas de los vientos,será nuestra labor libre y fecundacomo es libre y fecundo el pensamientoque azota con sus alaslos pórticos del cielo(Zeledón, 1911, p.1).

La poesía de Zeledón está empapada por su carácter social desde unaperspectiva redentora ácrata. Aquí, la voz lírica nos habla del nuevo espacioque se abre para expresar las ideas, sin límites, sin tutelajes, sin ataduras paradesplegar el pensamiento libre.

Muchos de los poemas de este autor lograron vuelos sin mayor dificultady alcanzaron la altura de las mejores composiciones anarquistas producidasinternacionalmente, como con sus poemas Los elefantes, Musa nueva, “Manifiesto”,El patrón, Humanidad nueva y Hermanos, solo por señalar algunos. En Renovaciónpublicó la mayoría de sus poemas “que tratan sobre el tema de la liberacióndel hombre mediante la destrucción de la sociedad imperante, del nacienteindustrialismo y del capitalismo clerical” (Zeledón, 1979, p.16).

El segundo momento de la lira obrera costarricense se ubica entre losaños 1923 y 1924, en estrecha relación con el movimiento político reformistaliderado por Jorge Volio Jiménez y que surgió a la vida política a comienzosde 1923.Volio definió el ámbito ideológico del nuevo partido con estaspalabras:

aceptamos el principio de la propiedad privada, pero limitadapor el bien común, y como precisamente el Estado tiene porfinalidad proponer al Bien Común, tenemos por legítima y necesariala intervención del Estado en los conflictos sociales del capital ydel trabajo. Pedimos que el Estado intervenga a favor de lospobres y de los débiles con toda su fuerza, para evitar la explotacióny la expoliación de que independientemente serían víctimas dejadassolas con el capital” (Acuña, 1979, p.63).

Esta prédica estaba imbuida de los principios cristianos y era frecuenteque en sus intervenciones se encontrara la cita bíblica o la mención a lasencíclicas papales que hablaban de la bienaventuranza de los pobres, al

140 LATINIDADE

punto de que sus propuestas pueden ser calificadas como un socialismocristiano, más conceptual que práctico.

Las alocuciones de Volio atrajeron a una parte importante de la clasetrabajadora costarricense, sobre todo aquella ligada a la ConfederaciónGeneral de Trabajadores y al grupo de intelectuales que participabanactivamente en la fundación y el diseño de dicha agrupación política, entreellos, estaba, por supuesto, José María Zeledón. Pero ¿cuáles son lascaracterísticas más relevantes de esta lira obrera reformista? ¿Acaso sediferencia de la anterior?

El corpus de esta manifestación poética está conformado por dieciochocreaciones. Todos los poemas tienen títulos; algunos de ellos se compusieroncomo himnos reformistas de ciudades, tales como los de Limón, Herediay San Ramón. En su mayoría fueron poesías dedicadas a Jorge Volio y asus atributos como dirigente del nuevo movimiento político, como sedemuestra en los epígrafes: “Al jefe del partido reformista”, “El generalJorge Volio”, “Adelante General”, “Al general Volio”, “Jorge Volio”.

En cuanto a la temática, ciñéndonos a la distinción propuesta por ÁngelLuis Luján Atienza quien advierte que “el tema es aquello de lo que hablael poema, y no exactamente lo que dice, ya que lo que dice es el significadoglobal que surge de la colaboración de todos los elementosdiscursivos”(Luján,2000, p.41), se comprueba que esta es una serie de poemasen concordancia con una coyuntura histórica, social y cultural muy específica,cuyo tema es el Partido Reformista y su líder, Jorge Volio, con significadosvariados y complejos.

En un largo poema titulado La aurora de redención, compuesto por MoisésAlpirez, la voz poética hace un recorrido alegórico de la figura política delgeneral Volio en el que se entremezclan proposiciones del pensamientocristiano y los derechos del hombre afincados en la tradición ilustrada y lasbatallas literarias y sociales de figuras como Máximo Gorki y León Tolstoi,de amplia difusión y recepción entre escritores y trabajadores urbanoscostarricenses durante, al menos, los primeros treinta años del siglo XX.

En la última parte, el hablante lírico se dirige a un destinatario muyparticular y emplaza a la acción:

Poetas, cantad la igualdad del hombreante el imperio de todas las leyes,que al impío se le nombre;descienda de mendigos o reyes.

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 141

Que el mérito legal del hombre seala honradez de los actos de su vida,y no, el oro que eleve centelleasobre tanta conciencia corrompiday a la noche de trágicos vampirostermina su fatídica agonía,y una alborada de pujantes giroscelebra al despuntar de un nuevo día (Alpirez,1923,p.4).

Una de las características más destacables de estos versos, es suapelación constante al sujeto pueblo, a la masa, como en este Himnoreformista limonense:

De las manos del pueblo un caudillolos anhelos hicieron surgir,y hoy su verbo de mágico brillocompañeros, marchemos a oír.

Vamos pues al insigne guerrero,prueba demos de amor y lealtad;y el destello seguir de su acero,demandando justicia…igualdad.

Vamos pues a sellar el foliodonde está nuestro rojo idealy a decir balas ¡viva Volio!y el trabajo triunfante, inmortal.De las masas del pueblo,los anhelos hicieron surgiry hoy su verbo de mágico brilloCompañeros, marchamos a oír (Villa, 1923, p.2).

Quiero enunciar aquí una posible hipótesis de trabajo para referirme aeste momento reformista en la historia costarricense por la importancia dela categoría pueblo: “Es una manera de decir para hacer progresar a lasociedad, es necesario saber que la palabra ‘pueblo’ no es una palabraordinaria y que hace falta pensarla, enunciarla como ‘síntesisviviente’”(Bolleme, 1990, p.149). Considero que ello es, precisamente, lo

142 LATINIDADE

que hacen estos versos reformistas creados por un puñado de poetas,algunos ocasionales y otros en vías de consagración.

En tercera instancia, la poesía comunista se desarrolló en estrecha relacióncon la presencia del Partido Comunista de Costa Rica, fundado en 1931,hasta el año 1948.

Es probable que sea la expresión creativa mayoritaria de las muestrasque hemos pretendido abordar. Ello se debe a varias razones. En primertérmino, el movimiento obrero costarricense, luego de 1931, adquiriócaracterísticas mucho más definidas. Desde el punto de vista clasista ypolítico contaba con una institucionalidad y con soportes culturales cada vezmás densos y extensos, con organización sindical y política y una cantidadde organizaciones culturales, como fue la existencia de una prensa estable,entre otras.

De igual forma, contó con un poeta de oficio cuya creación dejó unaprofunda huella de carácter proletario: Carlos Luis Sáenz. En 1940, elPartido Comunista publicó su libro de poemas Raíces de esperanza, como unaforma de hacer llegar la poesía de Carlos Luis Sáenz a los más ampliossectores ligados a la organización política. En su presentación, CarmenLyra (1940, p.3), destacó varios aspectos de esta poesía:

“…desde ese momento su verso deja de ser de luna y de brisay se echa al campo a pelear por los derechos del pueblo…, sunueva poesía no pinta ya solamente la gracia del pájaro de labrizna de hierba y de la gota de rocío, sino que prefiere la actitudhumana”.

Este libro, que puede ser considerado como el primero de literaturaproletaria publicado por un costarricense, debía transformarse, según lapresentadora, en un libro que llegaría a muchas manos e hiciera meditar amucha gente: “Las ideas se meterán cantando en más de una conciencia,cantando con su son amargo; se alistarán de soldados para la gran batalladel lado del pueblo” (Lyra, 1940, p.4), y preveía un futuro halagador delespacio de lectura y de sus diversos lectores. Vale la pena revisar la citacompleta:

…me conmuevo desde ahora, al imaginar esta colección de versosde Carlos Luis Sáenz, ajada ya, entre las manos toscas y callosasde mis compañeros que trabajan, en los bananales del Pacífico, losque labran las tierras fértiles de Cartago, los marineros que hacenel servicio de cabotaje en el Golfo de Nicoya, los zapateros, los

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 143

sastres y demás obreros del país y también los maestros que notengan miedo a las ideas nuevas de redención social y nuestrosintelectuales. Pasará las fronteras y llegará adonde nuestros hermanoslos nicaragüenses, e irá más allá y será lazo de unión… (Lyra,1940, p.4).

La descripción detallada del posible espacio de recepción, con sus posibleslectores, es uno de los aspectos que reclama nuestra investigación. Debemosponer atención, al mismo tiempo, a la materialidad de los textos y a lacorporalidad de los lectores.

El cambio en la poesía de Sáenz parece producirse desde temprano enla década de 1930, cuando hizo poemas dedicados al palero, al peónagrícola y al proletariado; cuando alzó su verso a favor de la RepúblicaEspañola y produjo una decena de poemas sobre esta temática, entre ellos,uno de los más hermosos creados en Centroamérica, dedicado al poetagranadino, Federico García Lorca.

En la otra vertiente temática, Carlos Luis Sáenz fue el poeta de lascelebraciones de los Primeros de Mayo, en Costa Rica” (Oliva, 1989)2.Durante muchos años, sobre todo en los decenios del treinta y del cuarenta,escribió poemas relacionados con esos acontecimientos. Algunos eran leídospor él mismo; otros, declamados por algún aficionado o alguna aficionada.Compuso el que tituló, simplemente, “1· de Mayo”, en el cual destiló lashieles de la experiencia colectiva que la Segunda Guerra Mundial y estabaprovocando en el espíritu de la época. Así lo testimonian las dos últimasestrofas que reproducimos, las cuales eran cantadas, a viva voz, por losmanifestantes:

Arriba todos los que trabajan,los holgazanes no pasaránsomos el eje más vigorososobre el que pisa la humanidad!¡Día del trabajo! Trabajadoresvivamos todos la libertad!y en su nombre clamemos todosque el fascismo no pasará!(Oliva, 1989.p.31).

Eran los años de la política de alianza entre Gran Bretaña, EstadosUnidos y la Unión Soviética, frente común contra el avance del fascismo

144 LATINIDADE

en Europa, cuyo contexto parece ser de mayor importancia para que elpoeta comunista escribiera un inflamado y largo poema, nada menos que,a la “bandera de las barras y las estrellas”, signo de libertad por aquellosdías. Es una compleja, por no decir paradójica, muestra de una creación,donde el poeta está investido por las circunstancias políticas del Partido.

Uno de los aspectos que se debe mencionar en esta expresión literaria,es la influencia del realismo socialista en Carlos Luis Sáenz y en algunosotros poetas esporádicos.

Si bien es cierto que las fórmulas y propuestas sobre literatura proletariade aquella época no circulaban en Costa Rica, más bien fueron bastantetardías. Hay que recordar que las primeras elaboraciones datan de 1913,cuando se fundó en Rusia el Círculo de Cultura Proletaria, por Anatoly V.Lunacharsky. Luego se multiplicaron estas experiencias a partir de laRevolución Bolchevique, de la institucionalización del problema, de lapolémica y las discrepancias que tocaron a su fin en 1932, cuando el PartidoComunista Soviético emitió la resolución de su Comité Central sobre lareestructuración de las organizaciones literarias y artísticas, y puso el énfasisen una nueva tendencia: el realismo socialista.

Prácticamente, todos los poemas escritos por Sáenz tienen la orientacióndel realismo socialista y la influencia de las tesis stalinistas, con respecto ala cultura que se hacía circular en estos lugares; es lo que hoy llamaríamosideas fuera de lugar. Es por esta razón que encontramos esos pesadospoemas escritos a El ejército rojo, ¡Oh llameante y heroica Stalingrado!, o Stalin,títulos a los que se unían otros de diversos poetas ocasionales: Manos proletarias,Amapolas soviéticas, Yo creo en ti (URSS) o Nikolai Lunin.

Todos estos poemas, marcados por una glorificación, mistificación ydogmatismo ilimitado de la República Soviética, con el culto a la personalidadcomo emblema, elevaban a una persona hasta transformarla en superhombre,dotado de características sobrenaturales y al cual se le supone apto, poseedorde un conocimiento inagotable, de una visión extraordinaria, de un poderde pensamiento que le permite prever todo, y también de uncomportamiento infalible.

Considero oportuno cerrar con estas líneas, que en mi caso, es un modode abrir mis aproximaciones:

En el proceso, siempre activo y creativo, mediante el cual uncuerpo de ideas producidas en y para otros contextos es leído,traducido e interpretado, apropiado, usado y discutido, supone

La musa proletaria en Costa Rica 1900-1948 145

siempre un problema teórico, pero fundamentalmente crítico-práctico (XXXX,2009.p.1).

Por el momento, deseo poner de relieve la problemática de la historicidady renunciar a cualquier afán normativo que pretenda abordar los fenómenosde recepción en términos de traiciones, desvíos, lecturas malas o incorrectas.Como acertadamente propone Elías Palti, siguiendo al semiólogo ruso-estonio Iuri Lotman:

si bien todo código (una cultura nacional, una tradición disciplinar,una escuela artística o bien una ideología política) se encuentra enconstante interacción con aquellos otros que forman su entorno,tiende siempre, sin embargo, a su propia clausura a fin de preservarsu equilibrio interno u homeostasis. El mismo genera, así, unaautodescripción o metalenguaje con el cual legitima su régimen dediscursividad particular, recortando su esfera de acción y delimitandointernamente los usos posibles del material simbólico disponibledentro de sus contornos. Y de este modo fija también lascondiciones de apropiación de aquellos elementos simbólicos‘extrasistémicos’: una ‘idea’ correspondiente a un código que le esextraño no puede introducirse en él, sin antes sufrir un proceso deasimilación al mismo (Palti, 2004. P.37-38).

NOTAS1 Véase el libro de Mario Oliva y Rodrigo Quesada. La musa proletaria. EUNED, San José, 2008.2 Véase Mario Oliva Medina. 1 de mayo en Costa Rica 1913-1986. Servicios Litográficos

COMARFIL S.A. San José, 1989.

REFERENCIAS

ACUÑA, Miguel. Jorge Volio, el tribuno de la plebe. San José, Costa Rica: ImprentaLehmann, 1972.

ALPIREZ, Moisés. La aurora de redención. La Prensa Libre, 25 de julio de 1923.

ANÓNIMO. La prensa obrera. Hoja Obrera, Costa Rica 4 de marzo de 1913.

BOLLEME, Genevieve. El pueblo por escrito. México: Grijalbo, 1990.

CHARTIER, Roger. Escuchar a los muertos con los ojos. España: Katz Editores,2008.

DUSSE, Francois. La marcha de las ideas. Valencia: Universitat de Valencia, 2007.

146 LATINIDADE

FLORES, Luis. El Nihilista. La aurora social, San José: 30 de julio de 1912.

FRITZSCHE, Peter. Berlín 1900, prensa, lectores y vida moderna. Argentina:Ediciones XXI, 2008.

GONZALO Espino Relucé. La lira rebelde proletaria. Lima, Perú: Tarea, 1984.

LITVAK, Lily. La musa libertaria. Barcelona. España: Antoni Bich, editor, 1981.

LYRA, Carmen. Raíces de esperanza. Costa Rica: Sin pie de imprenta, 1940.

LUJÁN Atienza, Luis. Cómo se comenta un poema. Madrid: Editorial Síntesis, 2000.

LÓPEZ Doñes, José. Grito de redención. Hoja Obrera, Costa Rica, 5 denoviembre de 1912.

OLIVA Medina, Mario. 1 de mayo en Costa Rica 1913-1986.San José, Costa Rica:Servicios Litográficos COMARFIL S.A, 1989

PALTÍ, Elías En: Convocatoria Jornadas de Historia de las Izquierdas, ¿Lasideas fuera de lugar? Número V, 2009 noviembre 11.12.13, Buenos Aires,2009.

PALTI, Elías. El problema de “las ideas fuera de lugar” revisitado. México: Cuadernosde los seminarios permanentes, CCYDEL, UNAM, 2004.

QUESADA, Rodrigo; Oliva Mario. La musa proletaria Tomo II. San José, CostaRica: EUNED, 2008.

SAID, Edward. El mundo, el texto y el crítico. Barcelona, España: Debate, 2004.

VILLA Brazo, Miguel. Himno reformista limonense. La Prensa, 4 de junio de1923.

ZELEDÓN, José María. Cartel, En Renovación, n.1, p.1, 15 de enero, 1911.

ZELEDÓN José María. Poesía y prosa escogida. En: Chase, Alfonso, José MaríaZeledón, poesía y prosa. San José, Costa Rica: Editorial Costa Rica, San José,1979.

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: UmEnsaio sobre as Motivações da Exclusão Social naBolíviaMauro Marcos Farias da Conceição – Prof. Dr. IBC/RJ

RESUMOTerra e racismo – temas atinentes e reafirmados, sobretudo, quanto aosestudos dos povos originários – necessitam de exames e designaçõesconceituais, que explicite particularidades – econômicas e políticas – e indicaçõesquanto às causas e desdobramentos aos quais se referem ambos os termos.Pretende-se examinar as transformações observadas nos motivos explicativose nas modalidades de enfrentamentos verificados, a partir da década de 1930,por esses povos originários.Palavras-Chave: Indígenas; Terra; Racismo.

RESUMENTierra y el racismo - temas involucrados y reafirmaron, especialmente enrelación con el estudio de los pueblos indígenas - necesitan trabajos y exámenesconceptuales, que explica las particularidades - económicas y políticas - y lasindicaciones con respecto a las causas y consecuencias que se refieren a ambostérminos. Tiene como objetivo analizar los cambios observados en laexposición de motivos y de las modalidades de enfrentamientos controladasdesde la década de 1930, por estos pueblos originarios.Palabras clave: Indígena; Tierra; Racismo.

Después del problema pedagógico, viene el problema étnico, decapital importancia en Bolivia. Por desgracia, las fatalidades deraza bien que se las niegue, parece ser un hecho, o, por lo menos,se imponen con carácter dominador en cierta clase demanifestaciones.1

PROBLEMAS E ABORDAGENS ÀS QUESTÕES ÉTNICAS: UM ENSAIO SOBRE AS MOTIVAÇÕESDA EXCLUSÃO SOCIAL NA BOLÍVIA

Conhecer as razões e motivos dos conflitos envolvendo etnias, efundamentalmente os indígenas, à ocorrência dos inúmeros e intermináveis

148 LATINIDADE

conflitos étnicos e os desdobramentos que vem sendo realizados na Bolívia,apresenta-se como um procedimento preliminar à compreensão dos fatossociais e/ou ainda, se for o caso, à contraposição das interpretaçõesdivulgadas, concebidas e aceitas, que envolvem esta temática. Questões quecompreendem a população indígena, fundamentalmente a aceitação econvivência social destes com os não indígenas configuraram-se, no passadohistórico, e ainda a se manifestar no presente – em todo continente –, umcomponente político repleto de confrontos, crises, violência e procedimentosde aculturação. Imprimindo e expondo arquétipos que se buscam viabilizar,em países e regiões onde esta presença é significativa, aos espaços políticos,culturais, sociais e étnicos.

O continente americano, desde o momento que os europeus pisaramnestas terras, encontra-se imerso em litígios que envolvem os antagônicosinteresses entre os índios e os indivíduos de culturas diversas à indígena.Para esta breve exposição, iremos apresentar uma sinalização sobre as relaçõese os procedimentos que manifestam ‘o estranhamento étnico’ que seestabelecem na Bolívia.

Há por se estabelecer, inicialmente, o reconhecimento de que esta naçãonão é a única referência a indicar os níveis e formas que adquiriram oproblema étnico. Fundamentalmente podemos indicar o envolvimento dosEstados, face às demandas que se constituem e a participação que senecessita, em razão dos interesses supostamente coletivos e sociais e acontraposição, que se concebe, aos interesses das comunidades indígenas.Esta menção a uma argüição, que se diria comum, ocorre em razão dacomposição populacional, dos referenciais culturais e sociais e dasrepresentações que, esta expressiva e concorrida parcela da populaçãoboliviana – os indígenas e descendentes – estabeleceram no país; “en todala extensión de la Republica se vem rachos de indios diseminados por los campos, por losmontes, por los valles y quebradas, em terrenos pertenecientes, em su mayor parte, a losseñores propietarios.”2

Entretanto há que se observar que os procedimentos históricos, a formae os objetivos como se descreviam e apresentava-se o passado, eramconstruções teóricas e ideológicas que então capacitavam e, de certa maneira,reforçavam as políticas e as orientações, conferidas a grupos e instituições,que efetivavam, na sociedade, os espaços de distinção e exclusão social doindígena. Há que se compreender, principalmente, as relações que os indígenasconstituem com os espaços territoriais. O território não se configuravaenquanto um objeto de especulação e comercialização para os povos índios.

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia 149

Esta perspectiva, em determinada ocasião histórica, não fazia parte dasrelações telúricas destes povos. A terra possibilita além do simples cultivoo meio de concepção e de cria aos indígenas; mesmos as mais conservadorasdas teorias convergem quanto as tradicionais relações que os povos índiosestabelecem com o solo; “de modo, entoces, que la vida del indio, sus hábitos, sucarácter, su mismo atavismo le señalan el campo como el sitio de sus proezas, o sea laagricultura.”3

Esta conexão de impossível separação e distinção – índio/terra – tornou-se a mais forte razão, e estabelecimento de motivos, aos confrontos e àsagressões que sofreram, por séculos, os indígenas na Bolívia e em todocontinente latino-americano. Indicar agressões não deve levar-nos a constituira figura da vítima – com sua versão de passividade e ausência de reação.As resistências e as ações indígenas, que apinharam esta nação andina, porémnão foram, inicialmente, capazes em reduzir as intensas e distintasmarginalizações que o estado e a sociedade promoviam aos indígenas.

Os comentários e alusões que apresentaremos neste texto abordam aquestão étnica menos pelos problemas da pura e simples – embora semprereforçada e teoricamente justificada – exclusão. Manifestamente, por séculos,presente em todo continente americano, aludimos à existência dos problemasétnicos fundamentalmente em razão dos interesses econômicos. Contudo,os atos realizados nesta direção, necessitavam compor-se com determinadasformas de explicação, modelos teóricos que concebiam aceite a toda sortede ação. Assim tencionamos demonstrar – e reforçar um diálogo que seencontra em curso – que as origens dos interesses materiais, e dos conceitosa fundamentar comportamentos dos segmentos sociais não índios, residemna aquisição e na posse da terra e a conseqüente exclusão dos indivíduos– indígenas – que nela se localizam. Estes interesses, assim como as açõesdemandadas, tornaram-se basilar e garantidor à presença dos europeus nocontinente americano.

Os povos índios, que habitavam as regiões retiravam e constituíam asobrevivência da própria terra, desenvolveram uma peculiar modalidade,social e cultural, que se contrapunham, intensamente, aos interesses e objetivosmanifestos nas movimentações européias. Todas as ordens de peculiaridades,intrínsecas às populações nativas, despertavam estranhamentos e, porconseqüência, a repulsa do forasteiro que, logo, transformou-se nos motivosaos confrontos que se realizaram. Por esta razão, e dos imediatos interesses,a presença européia, em busca de riquezas – nos metais e nos espaçosterritoriais – foi acompanhada de intensas e freqüentes ações violentas e

150 LATINIDADE

excludentes; “os invasores espanhóis não eram soldados, mas aventureirosindisciplinados em busca de fortunas pessoais.”4

Portanto os métodos utilizados à ‘conquista’ foram estimulados pelaspossibilidades de se obter ‘fortunas’ – terras e produtos exóticos. Entretantoessas perspectivas de aquisição, que necessitam ser compreendidas em face daspossibilidades e das formas de ascensão – social, econômica e política – destaépoca, tangenciavam em preceitos morais e religiosos que demandavam, decerta forma, relativização dos limites à sua realização e, ainda, às consideraçõesque venhamos desenvolver quanto às usuais práticas. Em Chasteen encontramosalguma indicação quanto aos motivos destas percepções;

Eles vieram a América em busca de sucesso nos padrões impostospor sua sociedade: riquezas, o privilégio de ser servido por outrose uma pretensão à retidão religiosa. Não faz muito sentidojulgarmos sua qualidade moral como seres humanos, porque elessimplesmente viviam a lógica do mundo conforme acompreendiam (...)5

O solo tornou-se, com a descoberta dos metais, de capital interesse ena principal razão aos procedimentos adotados pelos novos aventureirosque percorriam o extenso continente. A veemência de europeus, às riquezasque poderiam extrair do solo, colidiam às representações e relações que aterra manifestava aos indígenas, causa e razão dos inevitáveis e intermináveisconfrontos; “por todo o continente a população extraía o sustento da terrae se considerava parte dela.”6

Estabelecer espaços que tornasse possível a realização de atividades –comerciais e econômicas – que originassem bens ao estado espanhol, e aparticulares, tornou-se objetivo das expedições que se voltava a explorar ocontinente. Indubitavelmente, tais realizações e procedimentos contribuíramsobremaneira aos negócios e ao reforço econômico que foram propiciadosao Império espanhol.

Esta nova e beligerante realidade – ações que impulsionaram a conquistana obtenção e extração de riqueza, e a posse dos espaços – confrontava-se às sólidas percepções existentes entre indígenas e a natureza. Não somentelhes arrebatavam a terra, ainda na ausência de trabalhadores, as comunidadesnativas eram escravizadas em beneficio, unicamente, dos interesses privadose do Estado Imperial.

Portanto, desde a chegada das expedições marítimas, os interesses opostosconfrontaram europeus e índios. Esta oposição de interesses não se

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia 151

manifestava no campo das disputas pelos espaços – pela caça, pela água,pelos produtos que a natureza oferece – como sempre ocorrera entre ospovos indígenas; não houve uma disputa que considerasse, tão somente, asobrevivência humana. Procurava-se, e projetavam-se, as riquezas que aposse da terra possibilitaria.

Em razão desta possibilidade e das apreciações sociais que se realizavados povos encontrados na América, as ações que se realizavam forameconomicamente necessárias, moralmente justificadas e, em muitas ocasiões,religiosamente imprescindíveis; “o pecado original residia na lógica, justificadaem termos religiosos, que pressupunha um direito de conquistar e colonizar”7

Portanto, aos europeus, todas as medidas – capazes de serem utilizadas– que afirmassem seu domínio e hegemonia sobre o espaço encontrado,foram aplicadas. A violência física não foi o único método empregado apossibilitar e justificar a presença e a autoridade espanhola. Para além daagressão realizada era necessário que seus pares a concebessem como própriae imprescindível à consumação da empreitada que tinham por desígnio realizar.

Tornar – o índio e, posteriormente, o negro – distintos, destacados eindivíduos inferiores em sua condição e representação humana, configurou-se uma eficaz tática aos objetivos táticos e estratégicos delineados pelaspropostas de dominação. As funções sociais e atribuições que foramimpressas, a estes segmentos étnicos, definiram o sentido e a determinaçãoda presença europeia nas terras às quais se realizavam os procedimentos de‘conquista’ e de subordinação. Ainda que em certas regiões do continenteamericano os índios tenham sido observados, por parte do cristianismo, deforma diferenciada, esta percepção não afastou ou mesmo restringiu osinteresses dos europeus. O cristianismo foi, como se observa nas análiseshistoriográficas, um eficaz instrumento à inclusão e imposição dos modelosde cultura e de sociabilidade ‘à europeia’.

As regiões andinas apresentam-se, historicamente, como um espaçodensamente povoado por comunidades indígenas. Comunidades que sefazem fortemente presentes, ainda hoje, nas nações que abrigam todo oespaço geográfico dos Andes. Esta densa presença na região estabeleceuuma peculiar característica em relação ao solo e ao amparo que entãopromoveu. As relações telúricas que os indígenas configuraram, dotava-osde peculiaridade distintas àquelas realizadas por diferentes povos nativosem outras áreas americanas. As associações que conceberam – ayllus, markas– por ensejo das formas de ocupação indígena8, tornaram-se barreiras aimpedir a presença e uso do solo por não-indigenas.

152 LATINIDADE

Esta breve perspectiva histórica possibilita-nos observar quais foramos fundamentos práticos, não únicos, constituidor de uma diversa modalidadede relação, no continente americano, entre indígenas e os povos europeus.A questão étnica, neste caso, absorve componentes que, inicialmente, não seconfiguram apenas em face das distintas peculiaridades. Ainda que essasdiferenças saltem-se ao olhar do forasteiro europeu, possibilitarão,posteriormente, constituir-se em motivos aos procedimentos adotados.

Em face das peculiaridades – segundo a região, ao tipo étnico e oquantitativo numérico – alguns desses descritos acontecimentos contribuíramà exclusão e ao afastamento do índio à sociedade. Certamente essas medidasconfirmam-se como parte dos procedimentos a ancorar as açõesdesenvolvidas e os conceitos, de superioridade, estabelecidos pelos europeus;“...mais do que meramente um domínio estrangeiro, a colonização foi umprocesso social e cultural, até psicológico. Os padrões de dominaçãoresultantes – intricados e onipresentes – constituem o produto mais tristedo cadinho colonial.”9

Parcela territorial da região andina, a Bolívia foi, por essa razão,densamente povoada por indígenas. Neste espaço territorial havia, em seusubsolo – ainda hoje existente –, grande reserva de minérios. Fato este quedesde o início da colonização despertara o interesse europeu por essasterras. Ao final do século XIX e inicio do XX, este interesse ampliou-se –por causas que todos conhecemos – despertando um grande interessepelos metais que reforçavam as reservas bolivianas; o lítio, potássio, boro,magnésio além do estanho.

-Os pleitos que violentamente se desenvolviam, entre indígenas e nãoindígenas, quanto aos interesses territoriais, acentuam-se consideravelmentediante dos nobres metais e produtos minerais que então foram encontrados.Por estas razões a terra passou a ser agressivamente disputada à populaçãoque nela vivia, e dela tiravam sua sobrevivência. Entretanto a presença doíndio no campo, os significados e representações que a terra exercia paraestes indivíduos configurou e consagrou, neste país, a forte resistência àpresença e ocupação por aqueles personagens afastados das realidadesindígenas.

Portanto ao despertar interesses e objetivos opostos – de índios e nãoíndios – o solo, diante da presença e/ou da ocupação observada, propicioudistintas reações. Aos indígenas coube prover-se dos meios que eramempregados, usualmente, nas conquistas e na defesa de seus espaços; enquantoaos não indígenas o raciocínio financeiro e econômico determinou os meios,

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia 153

mecanismos e instrumentos que foram utilizados nos litígios. Em razão dosinteresses que estavam postos nessas contendas, a imparcialidade não foium componente utilizado na intermediação desses acontecimentos.

Neste contexto histórico o raciocínio econômico – fundamento dosprocedimentos sociais e políticos predominantes – ao desconsiderar aspeculiaridades das manifestações indígenas, incitou a ação e desempenhodaqueles mecanismos capazes em dar solidez aos domínios e certificar amanutenção dos interesses que estavam postos. Por conseguinte a ideologiae o estado tomam parte deste arsenal de combate e de legitimação dasações que seriam propiciadas para afastar-se e excluir, da terra, as comunidadesindígenas. Alcides Arguedas, no livro ‘Pueblo Enfermo’, assim analisou asrelações entre indígenas e a modernidade capitalista;

Esta idea de grandeza es común a todos los países indoamericanosy la difunden precisamente quienes por su educación, su cultura,su modo de ser y hasta de vivir, son los menos aptos paraenunciarla (…) y, una de dos: o esos países de la América Latinano son tan prodigiosamente ricos como se pregona siempre, o laraza que los puebla es raza en decadencia e inhábil para aceptarel progreso moderno porque casi todos esos Nuestro países,unos más que otros, son pobres, carecen de grandes industrias, nodisponen de capitales, ni hacen lujo de iniciativa y de espirituemprendedor.10

Na passagem do século os interesses financeiros – pautados na possedo solo e das provenientes riquezas minerais – estimularam governos e oestado a atuar mais determinado em ações que impulsionassem a exclusão,social e política, desta significativa parcela humana que fortemente habitavamos campos – e durante o século XX as cidades. Os indígenas estabelecem– os processos históricos ajudam-nos a compreender este movimento –outro espaço de vivencia e de presença.

Os componentes sociais de diferenciação que se observam, aos índios,nas cidades, agregam-se à intensificação das violentas agressões àscomunidades indígenas. Estes procedimentos associam-se às ideologias econceitos, propagavam e estimulavam a exclusão social e uma perspectivaque dotavam de atributos, com afastado apelo humano, que os assemelhavama indivíduos desqualificados – irracionais - e impedidos de manifestarqualquer capacidade racional.

154 LATINIDADE

(...) el rostro del indio es impasible y mudo, no revela todo lo queen el interior de su alma se agita (…) resignada víctima de todasuerte de fatalidades, lo es desde que nace, pues muchas veces,como las bestias, nace en el campo, porque el ser que lo lleva ensus entrañas labora las de la tierra dura (…)11

Para que possamos demonstrar a interpretação e a força de algumasdessas idéias optamos por Indicar dois destacados, e conhecidos, autoresbolivianos e as apreciações que constituíram. Em suas teorias reduziam-sea capacidade humana, prática e racional, do indígena. Muitos dos intelectuais,deste período, encontravam-se a serviço do Estado, constituindo conceitose teorias que fundamentassem ações a possibilitar o ‘progresso moderno’e a afastar aqueles que, sobre esta corrente de pensamente, seriam sinônimodo atraso. Gabriel René Moreno e Alcides Arguedas foram os maisdestacados teóricos desta geração. Moreno, afirma-nos Julio Chiavenato,foi ‘o primeiro intelectual importante a sofisticar, com pretensões “cientificas”,a tese da “inferioridade racial” do índio’12 Reforçou, Moreno, esta concepçãodesenvolvendo a seguinte análise quanto as atribuições racionais do índio;

(...) o cérebro do índio e o cérebro do mestiço são celularmenteincapazes de conferir a liberdade republicana (...) estes cérebrospesam entre cinco, sete e dez onças menos que o cérebro de umbranco de raça pura. Na evolução da espécie humana tal massacorresponde, fisiologicamente, a um período psíquico de ditaespécie hoje já decrépito, a um organismo mental raquítico pararesistir ao confronto e choque das forças intelectuais, econômicase políticas, com que a civilização moderna atua dentro dademocracia. 13

Esta percepção jamais se afastou dos personagens e dos segmentosdominantes desta nação andina. Projetou-se este pensar sobre regiões eparcelas sociais, que assim como a geração de Moreno, também poderiamtomar parte desta relação – e, por conseguinte, desta rejeição – a sedesenvolver com os povos originários da Bolívia. Por este motivo estaconcepção voltou a se configurar em um seguidor de Moreno, AlcidesArguedas, que se nutria dos mesmos sentimentos e opinião a respeito dosindígenas. Entretanto, para este autor, a formação social, majoritária, de seupaís foi, também, motivo e causa do pessimismo que sustentou.

As razões deste sentimento pautavam-se nas percepções que sedesenvolvera – e com as quais concordava – sobre uma determinada

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia 155

incapacidade laborativa e intelectual do indígena. Para indivíduos que partiamdos mesmos pressupostos e da mesma concepção excludente, os indígenaspouco poderiam acrescentar ao país. Esta a razão da seguinte afirmação;“su vida vegetativa los reduce a la pobre y lamentable condicion de brutos,empujados unicamente por necesidades orgânicas: comer, beber,moverse,engendrar.”14

As considerações até aqui expostas, resultado de alguns estudos eindagações, indica-nos que as estimuladas diferenciações sociais não sedesenvolveram tão somente em face das diferenças culturais, sociais, étnicas.Ainda que consideremos que em toda aparição preconceituosa tais elementosencontram-se presentes; a despeito destes componentes, na Bolívia – assimcomo em toda região densamente povoada por indígenas –, questões quedemandam perspectivas econômicas, às quais atribuímos razão aosprocedimentos excludentes, fornecem uma consistente explicação aosacontecimentos litigiosos que se verificam. Em tais contendas ao se privilegiara propriedade da terra e as formas, conseqüentes, de uso e o devidoenquadramento nas esferas econômicas, deste bem, reforçam, sobremaneira,esta perspectiva;

Por mucho tiempo se ha considerado al norte del departamentode Potosí (antes provincia de Chayanta), como una de las regionesmás ‘tradicionales’ de la Bolivia cordillerana, subsistiendo,presumiblemente, al márgen tanto del mercado como de un controlefectivo por parte del Estado. Esta aparente marginalidad de laeconomía campesina regional contrasta con los grandes complejosmineros que se han desarrollado en el seno de la región:Colquechaca y Aullugas en la era de la plata del período colonial(en el siglo diecinueve), y más recientemente el gigantesco centroestannífero de Catavi-Siglo XX-Uncía.15

Nas indicações supracitadas podemos verificar que às concepções racistasagregavam-se, em certa medida, às percepções econômicas dominante nosrespectivos períodos. E estas concepções induziam uma modalidade em seapreender à existência e presença indígena. As exclusões sociais e políticadestes personagens e os intermináveis confrontos deu mostras das inferênciasdeste pensar. Portanto, as abordagens realizadas reforçam que esta formade se conceber, e de se abordar, estes indivíduos não surgiu, tão somente,em decorrência ou em associação às idéias – racistas e excludentes – emcurso neste período.

156 LATINIDADE

Esta afirmação, entretanto, não tem por objetivo ofuscar os negativosdesdobramentos patrocinados por tais formas de pensar. Procuramosavigorar o fato de que, tais movimentos raciais, pautavam-se não somenteem influencias teóricas – com pujantes defensores e teóricos na Bolívia –, mas, sobretudo, nas imperiosas necessidades do capital, em suas etapas deexpansão.

Buscou-se projetar teorias que fundamentavam procedimentos – a partirdas percepções conceituais – que já vinham sendo realizados em algumasoutras regiões do planeta. Justificar a busca pelo domínio e pelo controledas áreas que poderiam propiciar riqueza tornou-se a razão, ao que nosparece, da motivação e do reforço teórico nas ações que a muito já serealizavam;

(...) nos anos de 1870 (...) a elite fundiária foi estimuladaeconomicamente a empreender um ataque em escala total.Justificaram esses ataques com os clássicos argumentos liberais doséculo XIX, segundo os quais as comunidades eram um sistemaanacrônico de propriedade de terra e constituíam um empecilhoà integração social.16

Confirmam-se, em muitos dos autores que estudaram a formação sociale econômica da Bolívia, as resistências e representações políticas desenvolvidaspela majoritária população rural desta nação andina. Esta configuraçãopopulacional, e as conformações que estabeleciam com a terra, solicitaram,dos não índios, modalidades de atuação que afastasse a presença física destesignificativo espaço de realização, plena, de sua condição indígena. Estasseriam as formas em assegurar a realização dos interesses e objetivoseconômicos do não indígena sobre a terra.

Conhece-se, na Bolívia, a composição étnica de sua população e quaisperfis, social, político e cultural, definiram-se em face desta peculiarcomposição. A iniciativa em afastar este povo da terra, em destituir-lhesdos significados – culturalmente manifestados – e dos objetivos – que aposse do solo lhes proporciona – encontrou em muitas ocasiões argumentosque reforçassem e fundamentassem as ações empregadas.

Inicialmente a colonização apropriou-se das questões religiosas a justificaro confronto que se estabeleceu. Nesta ocasião este foi o principal argumentoa dar contornos teóricos que viessem a sustentar as ações tomadas. Objetivava-se, então, afastar o índio daquele espaço – e deixa-lo vago às aspiraçõeseuropéias;

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia 157

Os europeus do século XVI acreditavam nos ensinamentos de sua religiãocomo algo natural (...) mas, em suma, a grande maioria da população tinhamotivações mundanas, com a busca do sucesso terreno constantemente seevidenciando em seus atos. A idéia de disseminar o cristianismo era, acima detudo, uma justificativa convincente para reivindicar enormes porções do mundo“não descoberto”. Assim, as idéias religiosas, tornaram-se particularmenteinfluentes no nível da racionalização formal. 1717 Op. Cit. nota 2 p.35/36

Diante desta breve leitura, e análise, que desenvolvemos quanto à questãoétnica na Bolívia, inclinamo-nos em afirmar no muito que há por se pesquisara este respeito. Desta forma defendemos que se amplie o campo deobservação deste aspecto. Não tivemos por meta reduzir os reforços – eas imprescindíveis contribuições das idéias – que as diversas visões sobreo mundo – transformadas em conceitos e teorias – possam ter fornecido.Mas dotá-las, também, de substancia que elucide sua essência e que propiciedebate quanto aos problemas étnicos na Bolívia, ponderando outras enovas bases conceituais e materiais. Neste trabalho destacamos que essasmodalidades de abordagens requisitadas, em seu tempo histórico – há porse observar com mais perspicácia o presente –, adquirem materialidade ereagem frente ao elemento estimulador dos confrontos; a terra.

Deparam-se então dois propósitos extremamente diferenciados eantagônicos – indígenas e não indígenas – possuidores de manifestaçõessócio-culturais e objetivos a se atingir do solo e, para o qual, disponibiliza-se das ‘armas’ e mecanismos capazes em lhes dar a garantia e a possedeste bem. Além da violência, europeus, municiam-se de concepções quetorne factível convencer-se e à sua população da propriedade dos atosque cometem; já aos indígenas restavam as formas mais comuns dedefender-se, atacando, para proteger e restituir os espaços que lhespertenciam.

Assim entendemos que estes problemas étnicos, ainda hoje presente naBolívia, manifestam-se não somente em razão do outro ser ou não umindígena, das diferenças ou dos distintos procedimentos – que efetivamentese estabelecem –, mas, em razão dos interesses que se apresentam. E nesteponto as idéias propiciam amparo às necessidades objetivas. Há também,ainda por se considerar, as atribuições e desígnios que as elites políticas eeconômicas – à frente do Estado ou das grandes corporações – tomampara si diante dos confrontos que se desenvolvem e dos interesses e disputasque foram postos.

158 LATINIDADE

NOTAS1 ARGUEDAS, Alcides. La Danza de las Sombras. Barcelona. 1934, p. 344.2 ARGUEDAS, Alcides. Pueblo Enfermo .La Paz/Bolívia. Ediciones Isla. 1979. p. 43.3 Op. Cit. nota 1, p. 345;4 CHASTEEN, J.C. América Latina: Uma história de sangue e fogo. Rio de Janeiro. Campus. 2001.

pág. 43.5 Op. Cit. p.276 Op. Cit. p.277 Op. cit. p. 278 Op. Cit. p. 28 a 30.9 Op. Cit. p. 5510 Op. Cit. nota 02 . p. 136/13711 Op. Nota 02 p. 42/43.12 CHIAVENATO, J. ‘Bolívia – com a pólvora na boca’. São Paulo. Brasiliense. 1981. p. 158.13 Op. Cit. p. 158.14 ARGUEDAS, A. La Danza de las sombras’. Barcelona. Espanha. Ed. Sobrinos de Lopez Robert.

1934. p.347.15 PLATT, Tristan Identidades andinas y lógicas del campesinado. In. PLATT,Tristan & autores. “El rol

del ayllu andino em la reproducción del regimen mercantil simple en el norte de Potosí.Genebra/Suíça. Mosca Azul editores.1982. p.25/26.

16 KLEIN, H. A Bolívia da Guerra do Pacífico à guerra do Chaco, 1880-1930. In. BETHELL, Leslie.História da América Latina: de 1870 a 1930. Volume V..São Paulo. Edusp 2002. p. 381.

17 Op. Cit. nota 2 p.35/36.

BIBLIOGRAFIA

ARGUEDAS, A. La Danza de las sombras’. Barcelona. Espanha. Ed. Sobrinos deLopez Robert. 1934

____________ Pueblo Enfermo .La Paz/Bolívia. Ediciones Isla. 1979. p. 43.

BOBBIO, Noberto, MATTEUCCI, N. e PASQUINO,G. Dicionário de Política.Brasília. Ed. Universidade de Brasília. 2007. p. 1060.

CHASTEEN, J.C. América Latina: Uma história de sangue e fogo. Rio de Janeiro.Campus. 2001.

CHIAVENATO, J. ‘Bolívia – com a pólvora na boca’. São Paulo. Brasiliense. 1981.p. 158.

KLEIN, H. A Bolívia da Guerra do Pacífico à guerra do Chaco, 1880-1930. In.BETHELL, Leslie. História da América Latina: de 1870 a 1930. Volume V..SãoPaulo. Edusp 2002.

PLATT, Tristan. Identidades andinas y lógicas del campesinado. In. PLATT,Tristan &autores. “El rol del ayllu andino em la reproducción del regimen mercantilsimple en el norte de Potosí. Genebra / Suíça. Mosca Azul Editores.1982.

Problemas e Abordagens às Questões Étnicas: Um Ensaio sobre as Motivações da Exclusão Social na Bolívia 159

PRADO, M.L. A formação das nações latino-americana. Campinas. São Paulo. AtualEditora. 1986.

MERCADO, R.Z. Considerações gerais sobre a história da Bolívia (1932-1971). InCASANOVA, P.G.(org.) América Latina – História de Meio século. Vol. 2. Brasília.Editora UnB. 1988.

ABSTRACT:Earth and racism - issues involved and reaffirmed, especially regarding thestudy of indigenous peoples - need to assignments and exams conceptual,that explains particularities - economic and political - and indications regardingthe causes and consequences which refer to both terms. The perspective thatwill be held in this research plan, enjoy these requests printed, the Indiansand whites, controversial and violent forms of manifestation. It is intended,from this theoretical methodology, examine and elucidate the changes, as themethod employed, the observed explanatory reasons and modalities ofclashes checked, from the 1930s, by these native peoples.Keywords: Indigenous, Land, Racism.

As Mortes de Deus, do Autor e do SujeitoRaimundo Lopes Matos*

RESUMOUma leitura sobre as três mortes em epígrafe que causaram fissuras conceituaisno Ocidente. O tema é importante porque retoma as mortes que contribuírampara a desconstrução de conceitos em diversas áreas do saber, influenciandoaté o processo de construção de identidade. O trabalho objetiva relacionarNietzsche, Barthes e Foucault quanto às mortes referidas; ressuscitar essesmortos com uma nova roupagem.Palavras-chave: Deus; Autor; Sujeito.

INTRODUÇÃO

Considerando-se que o mundo ocidental é fortemente afetado e, por que nãodizer, norteado pela visão e crenças judaica e cristã, é inegável que as três “mortes”- de Deus, nos termos de Friedrich Nietzsche; do Autor, segundo RolandBarthes; e do Sujeito, na concepção de Michel Foucault -, causaram fissuras emmuitos domínios conceituais no Ocidente. Essas três “mortes” reunidas numamesma abordagem, por conseguinte, constituem o objeto deste texto.

O tema se pretende relevante e se reveste de importância porque retomauma discussão - as “mortes” supramencionadas - que contribuiu para adesconstrução de conceitos cristalizados em diversas áreas do saber,influenciando maneiras de pensar, de agir e de ser, de modo, tãoacentuadamente marcante, que motivaram, fortaleceram e/ou enfraqueceramprocessos identitários nos mais distintos domínios.

O trabalho vem motivado pelos seguintes objetivos: relacionar Nietzsche,Barthes e Foucault numa linha de influência histórica e cronologicamentedescendente – Deus, Barthes, Foucault -, além disso, ressuscitar esses“mortos” com novos formatos e modos de agir.

Quanto ao embasamento teórico, são utilizados textos sobre a “morte”de Deus (Nietzsche); a morte do Autor (Barthes); e a função-autor (Foucault);partir-se-á também de textos da nova versão, revista e ampliada, da Bíbliade Jerusalém, da PAULUS Editora.

Concernente à metodologia, parte-se, primeiro: do conceito nietzschianoda “morte” de Deus pelos vieses judaico e cristão, ventilando a influência

162 LATINIDADE

cultural oriunda da figura de um Deus vivo, para muitos, e da figura deum Deus “morto”, (inexistente) para outros tantos. Segundo: do conceitobarthesiano da “morte” do Autor; e, terceiro: do conceito foucaultiano da“morte” do Sujeito. Utiliza-se o raciocínio dedutivo com uma leitura geralsobre os autores em estudo no tocante ao assunto e, finalmente, as abordagensconvergirão para o tema supra.

Este estudo, ainda que não tenha toda a amplitude e profundidadereclamadas pelo tema, pretende ser um oportuno contributo a diversasáreas do saber humano e, especialmente, ao processo criativo nas artes noque se relacionado diretamente com a questão da Autoria.

O DEUS MORTO DE FRIEDRICH NIETZSCHE E SEUS MOTIVOS (OS TEXTOS DE NIETZSCHEE O NIETZSCHE DOS TEXTOS)

Nietzsche, em A Gaia Ciência, escreve: “Para onde foi Deus? (...) Nóso matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemosisso? (...) Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! (...)“O que, são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?”1.

Por que uma abordagem do homem Nietzsche e seus textos? Por quenão somente abordar sua escritura como um sendo imune às influênciasexternas, comunicando uma filosofia personificada? O filósofo insinua issoquando escreve: “Eu sou uma coisa; outra é minha obra2. Com isso ele quedizer, salvo melhor juízo, que sua obra pode e deve ser estudadaindependentemente dele. Neste caso, seria prescindível mencionar qualquercontribuição extratextual que tenha buscado e aplicado ao seu discursofilosófico; só interessaria o que escrevera, e não o que fora, como fora ecom quem interagira. Porém, isso só seria possível e menos prejudicial emdomínios outros como, por exemplo, na área de teoria literária e literatura,onde um texto pode ser lido e trabalhado com múltiplos enfoques sem asparticularidades biográficas relevantes da vida de seu autor. Em se tratandodos textos filosóficos de Nietzsche, no tocante à “morte” de Deus, nãodeve, salvo melhor juízo, haver separação entre ele e sua obra; é mister quese faça uma leitura relacional, a fim de que se obtenha uma visão ampla doautor/escritor e de seus escritos.

Não é sem razão que Pierre Lévy, ao falar de texto e hipertexto, registra:“Nós somos o texto”.3

Nietzsche, ao se projetar com sua tese, a “morte de Deus”4, vê-se semlimite, solto para agir, pensar e voar, defende o advento de um “homem

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito 163

novo”5; de “espírito livre”6; que seja “forte”7; esteja “além do bem e domal”8; que seja um “super homem”9. Esses postulados norteadores dodiscurso de Nietzsche motivam a busca das diversas vozes que lhes foraminfluenciadoras. Aqui, mais desperta interesse a influência que o levou a esse“assassinato” do Deus cristão.

Nietzsche é sobremodo influenciado por Sidarta Gautama, conhecidoquer no Oriente, quer no Ocidente, pelo título de Buda. Mantinha contatoe diálogo com a Grécia, com a Índia e com a Alemanha dos séculos XVIa XIX. Assim, com essas influências – “deglutição” e “devoração” –procedimentos metafórica e culturalmente antropofágico, constrói umdiscurso que é, ao mesmo tempo, artístico, cultural, educacional, metafísico,filosófico, multidisciplinar, interdisciplinar, transversal, polifônico erevolucionário.

Mais voltando às influências, salienta-se que, dos expoentes que influenciamo discurso de Nietzsche, Buda é o mais cintilante. Dele é absorvida a maiorcontribuição no que tange ao seu ensino. Vale ressaltar que Schopenhauere Wagner são norteados, também, pelos ensinos de Buda; e Nietzsche foigrande admirador de ambos, morou, inclusive, na casa de Wagner, espaçochamado, por ele, de paraíso. Ressalte-se que muitos filósofos europeus,motivados pelas grandes navegações ao Oriente, no século XVI, passam adialogar com a Índia, sua religião, sua cultura e sua filosofia, além demanterem o acervo grego que não era indiferente à cultura e à filosofia doAntigo Oriente. Com isso se processa a antropofagia cultural, demonstradanas várias maneiras de pensar e agir, em uma clara demonstração dos inter-relacionamentos culturais e dos saberes humanos.

São oportunos alguns exemplos que provam a grande simpatia nutrida pelosacervos religioso e filosófico do Oriente e pelo budismo. Isso não causa espanto,pois como diz Challaye, tomando dois exemplos, budismo e confucionismo: “...filosofia e religião se aproximam singularmente. Grandes religiões começarampor ser a concepção filosófica de uma alta personalidade ...”10.

É relevante lembrar-se de que Nietzsche foi filho e neto de pastoresprotestantes e por isso lhe é ensinada, desde a sua mais tenra infância, adoutrina do cristianismo. Este foi abandonado por ele depois da morteprematura do pai e de suas mais amplas leituras de textos gregos e indianos.Com isso, opõe-se, radicalmente, aos ensinos cristãos e se apega a ensinospré-socráticos e budistas. Demonstra isso ao escrever sobe as consequênciasdrásticas da ira, ressentimento, desejo e sede de vingança:

164 LATINIDADE

“Aquele profundo filósofo que foi Buda, bem o compreendeu. Asua “religião”, que se poderia melhor chamar de higiene (para nãoconfundir com coisas compadecedoras do Cristianismo), faziadepender a sua eficácia da vitória sobe o ressentimento: libertara alma disto, era o primeiro passo para a cura”11.

E continua citando Buda, ao registrar que “Não é pela inimizade queacaba a inimizade; pela amizade termina a inimizade”: estas palavras seencontram logo no começo da doutrina de Buda12.

Ora, quem conhece os ensinamentos cristãos, percebe que o teólogo/filósofo está falando sem isenção, pois o faz do lugar de um admiradorde Gautama. Afinal, qualquer catecúmeno de religião cristã sabe que o Rabi,Cristo ensinou: “... amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem;desse modo vos torneis filho do vosso Pai que está nos céus...”13. Essefilósofo aprendera, certamente, com seu pai e seu avô, rudimentos teológicose conhecera, seguramente, esse texto elementar da Bíblia. Mas não omencionou por quê? Porque abdicara do cristianismo e se aproximara dobudismo, ainda que somente por matizes de simpatia filosófica.

Diz Nietzsche não ter nenhum desejo: “Querer alguma coisa, aspirarqualquer coisa, ter um escopo ou um desejo são coisas que eu não conheçopraticamente (...) Nunca tive nenhum desejo”14. E com ar de vanglória,escreve: “Quem que aos quarenta e quatro anos feitos pode dizer quenunca se preocupou com honrarias, mulheres, dinheiro!”15.

No seu Aurora – Pensamento sobre a moral como preconceito – usaa epígrafe: “Há tantas auroras que ainda não resplandeceram”. Esta inscriçãoindiana se encontra no umbral do meu livro”16. Buda ensina que a ignorâncialeva ao desejo e este ao sofrimento. Por isso deve-se romper com aignorância e, desse modo, acabar-se-á com o sofrimento. Em sua segundanobre verdade afirma “que o sofrimento é causado pelo desejo do serhumano”17.

No seu trabalho, Interpretação do budismo em Nietzsche, GuillermoGoicochea afirma:

“O interesse de Nietzsche pela filosofia oriental, em especial, pelobudismo, tem sua origem, como é sabido, na herança deixada porseu “mestre” Schopenhauer, por seu amigo Paul Deussen (tradutorpara o Alemão dos Sutras do Vedanta), e pelas leituras de váriasobras especializadas, entre as quais figura Buda, sua vida e suaobra, sua comunidade, de H. Oldemberg”18.

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito 165

E ainda diz: “Em quase todas as obras de Nietzsche há referências aosVedas e ao budismo, com uma profundidade e um poder de síntesesurpreendente”19.

Mais demonstração da preferência nietzschiana pelo Budismo aoCristianismo está nos capítulos 20, 21, 22 e 23 de seu livro O Anticristo20,onde o filósofo deixa patente seu acatamento à doutrina de Buda. Nãose pode esquecer de que a Grécia e a Índia se intercomunicavam e seusensinamentos mitológico, metafísico e filosófico têm seus pontos decontato. E Nietzsche tem, com as duas, efetivo diálogo filosófico. Comoexemplos, podem ser citados: o fluxo perpétuo de Heráclito – “Não podemosbanhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são asmesmas e nós nunca somos os mesmos”21; a metempsicose – comum naMagna Grécia e na Índia -: “uma mesma alma pode animar vários corposdiferentes passando sucessivamente de um para o outro”22; e o eternoretorno – tema caro a Heráclito, Zenão e Nietzsche – “O mundo passae repassará pelas mesmas fases: e cada homem, então, recomeçaráexatamente a mesma existência”23.

Como pode perceber-se, estão claras as contribuições que Nietzschebuscou e as plataformas de onde lançou os seus torpedos. Por isso, podeafirmar-se que a “morte” de Deus não é meramente filosófica e/ouconceitual, mas é, acima de tudo, passional.

O AUTOR MORTO DE ROLAND BARTHES

Depois do teocídio (matar deus ou deuses), nietzschiano, torna-serelativamente fácil a tarefa de Barthes de matar-se o Autor. Na sua obra,O rumor da língua, o capítulo que se inicia na página 57, traz o seguintetítulo: A Morte do Autor. Ao concluir o capítulo, afirma: “o nascimentodo leitor deve pagar-se com a morte do Autor”24.

Como Nietzsche é o ‘assassino’ de Deus, o ilustre sociólogo, semiólogo,filósofo crítico literário e escritor francês, Roland Barthes, é o ‘assassino’ doAutor. Para Barthes, o Autor, assim mesmo com o “A” maiúsculo, nãoexiste. Segundo ele,

“O autor é uma personagem moderna, produzida sem dúvidapor nossa sociedade na medida em que, ao sair da Idade Média,com o empirismo inglês, o racionalismo francês e a fé pessoal daReforma, ela descobriu o prestígio do indivíduo ou como se dizmais nobremente, da ‘pessoa humana’”25.

166 LATINIDADE

Continuando a sua saga contra a importância dada ao Autor, o semiólogofrancês, declara: “Então é lógico que, em matéria de literatura, seja o positivismo,resumo e ponto de chegada da ideologia capitalista, que tenha concedido a maiorimportância à “pessoa” do autor”. Caso esse Autor esteja em voga, ele é colocadono mesmo patamar da obra, mas a obra dependendo dele. Ele é sempre anteriorà obra. Barthes escreve: “considera-se que o autor ‘nutre’ o livro, quer dizer querexiste antes dele, pensa, sofre, vive por ele”26. Se o Autor estiver em evidência,a obra vai depender tanto dele em termos de anterioridade, que o mesmoteórico afirma que o Autor “está para a sua obra na mesma relação de antecedênciaque um pai para com um filho”27. Assim, o ‘pai’ da obra estará sempre emdestaque histórico, em relação a ela, pelo fato de ser-lhe anterior.

Barthes, ao eliminar o Autor, põe em seu lugar o escritor. Para ele, oescritor moderno não tem origem, não tem passado, por isso não temhistória, nem identidade cristalizada. Ele afirma: “o escriptor modernonasce ao mesmo tempo que seu texto; não é de forma alguma, dotado deum ser que precedesse ou excedesse a sua escritura...”28.

Com a morte do Autor, o escritor francês põe em destaque a figura doescritor, já referido.

“Sabemos agora que um texto não é feito de uma linha depalavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológico(que seria a ‘mensagem” do Autor-Deus), mas um espaço dedimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escriturasvariadas, das quais nenhuma é original: um texto é um tecido decitações, oriunda dos mil focos da cultura”29.

Depois de pôr em destaque o escritor em substituição ao Autor, Barthesvai, agora, evidenciar a escritura e o leitor. Esses, a depreender-se das ideiasbarthesianas, não mais dependem do Autor. A propósito, Barthes escreve:

Assim se desvenda o ser total da escritura: um texto é feito de escriturasmúltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras emdiálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar onde essamultiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até opresente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem quenenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidadedo texto não está na sua origem, mas no seu destino, mas esse destino jánão pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história. sem biografia,sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém que reunidos em ummesmo campo todos os traços de que é constituído o escrito30.

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito 167

O SUJEITO MORTO DE MICHEL FOUCAULT

A discussão sobre sujeito não vem da antiguidade ocidental. É sabidoque, na Antiga Grécia, não havia preocupação em estudar o sujeito. Osgregos estavam interessados nos estudos sobre o universo, a physis, isto é,a natureza. Assim como o Autor, nos termos de Barthes - já citado -, écriado, depois da Idade Média, pelo empirismo inglês, racionalismo francêse fé da Reforma Protestante, o Sujeito também. Desse modo, ambos -Autor e Sujeito - são contemporâneos e criação da modernidade. EsseSujeito, como bem asseverou Stuart Hall:

“... estava baseado numa concepção da pessoa humana como umindivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades de razão,de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleointerior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia ecom ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmenteo mesmo – contínuo ou “idêntico” a ele - ao longo da existênciado indivíduo”31.

No artigo “O nascimento e a morte do sujeito moderno”, Michel Airesde Souza afirma:

É a partir do mundo moderno que o sujeito ganha certascapacidades humanas fixas e um sentimento estável de seu próprioeu. Ele ganha consciência que é uma identidade racional, moral epsicológica. Ele torna-se um ser soberano, autônomo, fixo, estável,compreendendo que é um ser que pensa, sente, reflete e age einterage com o mundo objetivo. É a partir da modernidade queele ganha consciência de sua vida interior como transparente a simesmo, como ator de suas idéias e de seus atos. Esse contato dohomem consigo mesmo só foi possível graças aos movimentosmodernos, como renascimento, protestantismo e iluminismo, quelibertaram a consciência individual das instituições religiosasmedievais32.

No livro, Foucault e a autoria, Maria Marta Furlanetto e Osmar deSouza afirmam, respondendo os questionamentos: Por que escrever sobreautoria? Por que a partir de Foucault? “A filosofia moderna tem o sujeitocomo o centro do conhecimento...”33.

As citações confirmam que o Sujeito ocidental não nasceu na Macedônia,nem em Éfeso, muito menos em Atenas; é, porém, consequência e produto

168 LATINIDADE

da modernidade iluminista. E, como essa modernidade marcha nos trilhosdas mudanças, das transformações, do movimento, da velocidade, esseSujeito enfrentará, em sua trajetória, contextos diversos, os quais vão fragilizá-lo e levá-lo à aterosclerose e à “morte”. Fulanetto e Souza, anterior eimediatamente citados, escrevem: “Ao problematizar este conceito, desdelogo Foucault declarou “a morte do sujeito...”34. Aires de Souza, na mesmalinha de raciocínio, escreve:

... esta noção de um sujeito fixo, estável, soberano não duroumuito. Com o avanço do progresso do pensamento e dodesenvolvimento técnico e científico, noções como verdade, justiça,razão, bem, mal, virtude, Deus, foram relativizados. O progressodo conhecimento colocou em dúvida e levou à perda deconsistência dos valores absolutos da modernidade. Emconseqüência disso, o sujeito racional e autônomo foiproblematizado, uma vez que se colocava como uma entidademetafísica dada a priori, como algo absoluto35.

Agora, o Sujeito iluminista se encontra numa realidade em que o fixose torna flexível; o rígido se torna elástico; o restrito se amplia; o imutávelse desloca; o todo se fragmenta; o linear passa a cíclico; os gêneros seconfundem; o absoluto se relativiza; o futuro se torna presente e o eternopassa a provisório. Assim, esse sujeito é desnudado, asfixiado e morto.

CONSIDERAÇÕES

Tendo em mente as culturas religiosas, judaica e cristã, pode concluir-se que essas três “mortes”: de Deus, do Autor e ao Sujeito são sequenciaise as duas últimas derivadas. Por essas culturas, o mundo e todas as coisasnele existentes foram criados por Deus. O Gênesis, livro das origens (AntigoTestamento) começa com a seguinte afirmação: “No princípio, criou Deuso céu e a terra”36. O evangelho de João (Novo Testamento) começatambém com esse princípio, do grego arkhê (arquê): “No princípio era oVerbo e o verbo era Deus. No princípio ele estava com Deus. Tudo foifeito por meio dele e sem ele nada foi feito”37.

Para os cristãos, em princípio, Deus é o Todo-Poderoso Autor dacriação. É ele o Autor do mundo como criação poética. É o Arquiteto quetudo construiu. Enfim, nessa linha, Deus é o grande Autor desse universoque pode ser chamado de livro de páginas infinitas. Todos os demaisautores, em todas e quaisquer áreas, são simplesmente autores derivados,

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito 169

secundários, acessórios. Só existem por que existe o Autor principal. Elessão apenas coadjuvantes e minimamente participantes da onipresença,onipotência e onisciência divinas.

Ocorre que Nietzsche atinge exatamente a figura primordial da adoraçãocristã: esse Deus onipresente, onipotente e onisciente. Se esse Deus, Autorde todos e de todas as coisas, morreu, então não mais existem autor esujeito. Autores e sujeitos morreram à sombra da “morte” daquEle que umdia fora imortal. Por isso, Autor e Sujeito morreram em termos barthesianos,foucaultianos e dos que seguem nesse mesmo diapasão.

Todavia, há de se entender que essas “mortes” foram conceituais efazem parte de um discurso. Desse modo, os três podem ser ressuscitados.Se não são ressurreições definitivas, são, pelo menos, possibilidades deressurgirem no instante em que forem necessárias e exigidas as suas realizações.Portanto, na fé o no imaginário da cristandade, mormente em se tratandode cristãos praticantes que têm a vida cristã como estilo de vida, Deuscontinua vivo e autor e sujeito atuando em todas as esferas de seus domínios.

Porém, os ressurretos são contextualizados. O Deus que fora vistocomo intolerante e cruel, passa ser visto como um Deus Ágape, que ama,chama e acolhe. O Autor ressuscitado não se agasta se for chamada defunção-autor38, pois entende e compreende que é tão importante sua presençaque, foi em vão tentarem eliminá-lo. Criaram a função mas, unido a ela, oautor: função-autor39. Admite-se ser intertextual porque, para construir seutexto, depende de muitos outros textos por não ser detentor deconhecimentos e saberes originais. Percebe-se não ser um autor teologizadoe divinizado, cuja inspiração jorra de um oásis do cume do Olimpo. E oSujeito ressurreto é consciente de sua efemeridade, fragmentação,desterritorialização; descentramento e desunificação; de que perdeu suaestabilidade, sua perenidade e vive a inconstância no hiato entre a saudadeda permanência e a insignificância do ser ad hoc.

NOTAS* Professor Pleno de Literatura Brasileira – Departamento de Ciências Humanas e Letras da

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (DCHL/UESB); Doutor em Comunicação eSemiótica.

1 Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência, p. 147-148.2 Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 67.3 http://caosmose.net/pierrelevy/nossomos.html acessado em 16 jan. 2014.4 Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 50.5 Idem, ibidem, p. 27.

170 LATINIDADE

6 Idem, ibidem, p. 85.7 Idem, ibidem, p. 85.8 Idem, ibidem, p. 20, 27-28 e 106.9 Idem, ibidem, p. 17.10 Félicien Robert Challaye, Pequena História das Grandes Filosofias, Cia. Editora Nacional,

p. 07.11 Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 45.12 Idem, ibidem.13 Bíblia de Jerusalém, Evangelho de Mateus, p. 1712.14 Friedrich Nietzsche, Ecce Homo, Martin Claret, p. 64.15 Idem, ibidem, p. 64.16 Idem, ibidem, p. 91.17 Victor Hellern, Henry Notaker, JosteinGaarder, O Livro das Religiões, Cia. das Letras, p. 56.18 Guillermo Goicochea, http://www.iespana.es/konvergencias/nietzschebud.htm acessado em

5 ago. 2004.19 Idem, Ibidem.20 Friedrich Nietzsche, The Antichrist, cap. 20-23 (texto integral, em espanhol e inglês,

capturado pela internet).21 Heráclito, apud Marilena Chaui, Convite à Filosofia, Ática, p. 110.22 Gérard Durozoi e André Roussel, Dicionário de Filosofia, Papirus, p. 324.23 Nietezsche, apud Félicien Robert Challaye, Pequena História das Grandes Filosofias, Cia.

Editora Nacional, p. 222.24 Roland Barthes, O rumor da língua, p. 64.25 Idem, ibidem, p. 58.26 Idem, ibidem, p. 61.27 Idem, ibidem, p. 61.28 Idem, ibidem, p. 61.29 Idem, ibidem, p. 62.30 Idem, ibidem, p. 64.31 Stuart Hall, A identidade cultural na pós-modernidade, p. 10-11.32 http://filosofonet.wordpress.com/2010/11/01/o-nascimento-e-a-morte-do-sujeito-moderno/

acessado em 16 Jan. 2014.33 Maria Marta Furlanetto e Osmar de Souza, Foucault e a Autoria, p. 10.34 Idem, ibidem, p. 10.35 http://filosofonet.wordpress.com/2010/11/01/o-nascimento-e-a-morte-do-sujeito-moderno/

acessado em 16 Jan. 2014.36 Bíblia de Jerusalém, Evangelho de Mateus, p. 33.37 Bíblia de Jerusalém, Evangelho de Mateus, p. 1842.38 Maria Marta Furlanetto e Osmar de Souza, Foucault e a Autoria, pp. 15/26.39 Maria Marta Furlanetto e Osmar de Souza, Foucault e a Autoria, p. 53/62.

As Mortes de Deus, do Autor e do Sujeito 171

REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. O rumos da língua. 3ª ed., São Paulo, Martins Fontes,2012 (Coleção Roland Barthes) (Trad. Mário Laranjeira).

Bíblia de Jerusalém (Nova edição, revista e ampliada), 7ª impressão,São Paulo,PAULUS, 2011.

CHALLAY, Félicien Robert. Pequena História das Grandes Filosofias. SãoPaulo: Nacional, 1967. (Trad. Luiz D. Penha e J. B. D. Penha).

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

DUROZOI, Gerard e ROUSSEL, André. Dicionário de Filosofia. Campinas(SP), Papirus, 1993. (Trad. Marina Appenzeller).

GOICOCHEA, Guillermo. La interpretacióndel Budismo en Nietzsche.http://www.iespana.es/konvergencias/nietzschebud.htm acesso em 5 ago. 2004.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed. reimp., Riode Janeiro, DP & A, 2011. (Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira LopesLouro).

HELLERN, Victor, NOTAKER, Henry e GAARDER, Jostein. O livro dasReligiões. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. (Trad. Isa Maria Lando).

NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. São Paulo: Martin Claret, 2003. (Trad.Pietro Nasseti).

NIETZSCHE, Friedrich, The Antichrist, cap. 20-23. Acessado em 05 Ago. 2004.

NIETZSCHE, Friedrich, A Gaia Ciência, São Paulo, Cia. das Letras, 2001.(Trad., notas e prefácio Paulo César de Souza).

RESUMENUna lectura sobre las tres muertes en epígrafe que causaron fisuras conceptualesen Occidente. El tema es importante porque retoma las muertes quecontribuyeron para la desconstrucción de conceptos en diversas áreas delsaber, influenciando hasta el proceso de construcción de identidad. El trabajoobjetiva relacionar Nietzsche, Barthes y Foucault cuanto a las muertes referidas;resucitar esas muertas con nuevo ropaje.Palabras clave: Dios; Autor; Sujeto.

Identidades y culturas en procesos migratorios –el caso de ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXIRenata Siuda-Ambroziak - CESLA – Centro de Estudios Latinoamericanos. Universidad deVarsovia, Polonia

RESUMEN:No cabe la menor duda de que la comunidad de ascendencia polaca en elBrasil contemporáneo (llamada por mi adelante ‘la polonia’ brasileña’)1, es untema muy interesante para los estudios de carácter cultural, particularmentepor lo que respecta a sus relaciones con Polonia, a sus ideas sobre el país delos antepasados o a su identidad polaca, real o imaginada. A base de lasexperiencias vividas durante sus trabajos de investigación en las comunidadesde ascendencia polaca en el Brasil, y de las conversaciones mantenidas con losmiembros de ‘la polonia’ brasileña que visitaron Varsóvia, la autora presentasus reflexiones acerca de lo que significa y comporta para un brasileño actualel tener raíces polacas, acerca de la forma en que es interpretada la identidadpolaca por los representante de comunidades polonicas, cómo está consideradaPolonia y los polacos entre las mismas y, por fin, cuáles son, deberían ypueden ser las relaciones de ‘la polonia’ con Polonia, visto todo ello desdela perspectiva polaca y brasileña.Palabras clave – migración, identidad, comunidades de origen polaco,transformaciones culturales

Hace pocos años me visitó con la familia una brasileña de origen polaco.Había venido en búsqueda de sus raíces, que tan solo conocía a través delos relatos de su padre, sin saber una palabra de polaco, sin estar siquierasegura de la corrección, en su forma escrita u oral, de los apellidos de losmiembros de su familia por parte polaca, ni del lugar de su procedencia.Contaba que su padre, al morir, hablaba solo de Polonia y en polaco, apesar de que nadie era capaz de comprenderle, pues con su esposa brasileñae hijos siempre se entendía en portugués. Juntas encontramos el cementerio,donde se había conservado milagrosamente, a despecho de todas lasconmociones bélicas, la tumba familiar de hacía más de 100 años. Labrasileña se postró de rodillas frente a la misma, sacudida por el llanto.Pues, pese a todo, para ella la tierra polaca alberga todavía una fuerzaespecial. Ese pedazo de „corazón polaco”, esos retazos de recuerdo,heredados del padre, que siempre añoró Polonia, de la que siempre hablaba

174 LATINIDADE

con voz temblorosa, se había en aquel viaje materializado en el trozo detierra polaca conservado cuidadosamente y llevado de vuelta a Brasil. Sinembargo, para sus hijos, traídos casi a la fuerza, Polonia ya no resultaba taninteresante, no la anhelaban como la anhelaba su madre. Para ellos el viajeno significaba más que la posibilidad de conseguir la ciudadanía polaca y,por ende, un pasaporte comunitario que les abriría de algun modo „unaotra ventana al mundo”. ¿Con qué se les asocia Polonia? Por ejemplo, comome explicaban, con un país donde las películas extranjeras no son subtituladas,sino que llevan „un lector cuya voz sirve tanto para los actores masculinoscomo femeninos.”

¿Quiénes forman entonces ‘la polonia’ brasileña - los que mantienencontactos con el país de origen o los que no lo conocen y, a veces, nisiquiera sienten la necesidad de conocerlo? ¿Los que conservan sus raíces,se reúnen, fundan asociaciones polacas, crean grupos folclóricos, promuevenlas tradiciones polacas o también aquellos a quienes les resulta todo estoindiferente? ¿Qué pensar de los que ya se han asimilado por completo, hastatal punto que su ‘identidad polaca’ se limita solamente a un apellido quesuena a polaco? ¿Son los hijos de la dicha brasileña ‘la polonia’, aunque nose interesen por sus raíces y el pasaporte polaco solo sea importante pormotivos prácticos?

Además: ¿qué puede significar para esas gentes Polonia y ser polaco?¿Quépuede significar ser polaco-brasileño (o brasileño de origen polaco)? ¿Quéhay de práctico y útil en esa herencia polaca y qué es lo que nunca lo será?

A decir verdad, tan solo un mínimo porcentaje conoce Polonia; lamayoría procede de, al menos, la tercera generación de inmigrantes, porque,tal y como afirma el consenso de historiadores, la mayor parte de lapoblación de origen polaco (las estadísticas de la polonia brasileña sondesgraciadamente altamente imprecisas) llegó a Brasil procedente todavíadel territorio polaco repartido, cuando, no sin motivo, se hablaba a losfinales del siglo XIX de la „fiebre brasileña”. En consecuencia, teniendo encuenta todo ello, la identidad y cultura polacas, el conocimiento de sulengua, la curiosidad por el país de sus antepasados y la actividad culturalde esta comunidad deberían ser, después de más de cien años, prácticamentenulas, y el interés por Polonia y los polacos por parte de ‘la polonia’brasileña - un fenómeno marginal en extremo. Pero pese a todo, no siemprees así. ¿Por qué?

La identidad2 de los núcleos de ‘la polonia’ brasileña es un temaexcepcionalmente interesante por lo que concierne a los estudios culturales.

Identidades y culturas en procesos migratorios – el caso de ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXI 175

Las conversaciones con los descendientes de polacos en su tercera o cuartageneración, que siguen hablando en polaco y que mantienen hacia la patriade sus antepasados el interés y los lazos de unión, constituyen no solo unmaterial empírico de excepción, pero también ofrecen unas vivenciasinolvidables. Es como retroceder en ‘el túnel del tiempo’ hacia un fenómenode aislamiento étnico, provocado por el hecho de que los polacos emigraronde un país, donde su identidad se había visto largamente reprimida yamenazada, lo cual les provocó, que conservaran con celo las costumbres,la lengua (incluso, en la actualidad, las personas mayores hablan másfluentamente en polaco que en portugués, a pesar de que esa generacióndebía, según los Estatutos Nacionalistas del presidente Vargas, ya ser laprimera generación de inmigrantes „brasilizada” por completo), la fe de susantepasados y los ritos con ella relacionados, así como que evitaran losmatrimonios mixtos durante muchos años (la única etnia, aceptadarelativamente pronto en las relaciones familiares, fue la italiana), sin llegar aidentificarse mucho con el nuevo país y su población. Encerrados a lo largode varias generaciones en una fortaleza étnica erigida sobre los familiares,vecinos y amigos, que a menudo procedían de las mismas o cercanaslocalidades de Polonia, crearon de esta manera un sucedáneo de la patriay una ‘normalidad’ particular. Ser descendiente de polacos significaba enprincipio y de modo unívoco ser católico; hasta ahora, la conversión a otrafe es para muchos representantes de la vieja ‘polonia’ una ‘traición’ de lasraíces y siguen habiendo personas que afirman que „Dios solo entiende enpolaco” (lo que refuerza la concepción de la lengua polaca como ‘lengualitúrgica’).

Es seguro que, en este aislamiento en el que vivieron los inmigrantes ysus descendientes, radica la causa del mantenimiento de la lengua y lascostumbres traídas de Polonia a lo largo de varias generaciones, de su fuertesentimiento de unión e identidad étnica, que fue considerada como unaespecie de obligación patriótica con respecto a la patria perdida. No obstante,como es obvio, cada miembro de esta ‘polonia’ constituye un caso aparte,con una historia distinta, unas experiencias diferentes, una visión diversa encuanto a su origen y a los valores asociados al mismo, una imagen diferenteno solo de sí mismo, sino de Polonia y de la identidad polaca, muy alejadade la que tienen los polacos actuales sobre Polonia, sobre sí mismos y sobresu cultura. Sin embargo, puesto que el concepto de ‘cultura’ se utiliza en lasciencias humanas para determinar los caracteres simbólicos de una formade vida y puesto que los estudios acerca de la cultura son ante todo estudios

176 LATINIDADE

acerca del significado de los símbolos empleados en ella y de las estructurassignificativas establecidas socialmente, la existencia de ‘la polonia’ implica laexistencia también de una cultura polónica, de esta ‘polonidad’ que seremitiría a sus propios símbolos conocidos y valorados, tanto patrióticoscomo religiosos. Por lo tanto, la imagen de Polonia entre ‘la polonia’ brasileñase limitará con frecuencia a símbolos como la bandera rojiblanca, el águilablanca, la imagen de la Virgen de Jasna Góra o el retrato y el monumentoa Juan Pablo II. Asimismo, esa ‘polonidad’ se identificará con la miseria yel sufrimiento padecidos por los antepasados, no solo en Polonia, sinotambién por los que llegaron a Brasil, huyendo de la pobreza y del hambrey, no pocas veces, caindo ‘del hoyo al arroyo’.

La percepción de Polonia por ‘la polonia’ brasileña arroja entonces unaimagen de gran complejidad; por una parte, nos encontramos con unvínculo emocional hacia el país, asociado al destino de los, ya distantes,familiares; por otra parte, con una indiferencia natural creciente entre losmiembros de las generaciones más jóvenes. Por una parte, notamos la faltade ideas acerca de lo que hacer con las emociones vinculadas a esa ‘polonidad’;por otra, asistimos a manifestaciones de actividad de esa misma ‘polonidad’y lo que de ello resulta a menudo, es decir, a una política de reclamacionesante la necesidad de que Polonia apoye las iniciativas más o menos logradasde resucitar esas señas de identidad polacas. Pero, ¿es acaso algo sensato yadecuado que esa ‘polonia’ brasileña espere algún tipo de ayuda financierade Polonia? Resultan cuestiones enormemente delicadas si el presupuestopolaco, procedente de los impuestos, debería ser destinado a las sedes delas organizaciones polonicas creadas ahora en Brasil y por los brasileños,aunque sean del origen polaco. En suma, ¿cómo evaluar y estimar si deverdad y en qué y en cuánto está Polonia en deuda con sus emigrantes delsiglo XIX y sus descendientes? Y, de ser la respuesta afirmativa, comodebería ser saldada esa deuda? No nos olvidemos que el objetivo de losinmigrantes polacos del siglo XIX era buscar el pan en otras tierras, „unamejor vida para ellos y sus hijos, y no comprobar cuánto tiempo se mantienela cultura viva en el extranjero”3 y a quién y cuánto puede costar talexperiencia. ¿Debería el ‘sentimiento de ser descendiente polaco’ en Brasilprevalecer sobre la identidad brasileña, sensatez y el cálculo económicocomún y corriente?

En esta versión, de las Casas de Polonia, del folclore, de los huevospintados, de los conjuntos folclóricos o de la arquitectura (a veces, no sesabe por qué considerada como típicamente polaca), la imagen de Polonia

Identidades y culturas en procesos migratorios – el caso de ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXI 177

entre la polonia brasileña será por lo general una imagen tradicional, ya muyficticia y bien alejada de la auténtica realidad polaca de nuestros días. Porotra parte, ¿por qué no habría de alejarse o de limitarse precisamente a esossímbolos antiguos? Al fin y al cabo, la cultura de ‘la polonia’ brasileña noes la cultura polaca, sino una cultura sincrética, e incluso si deseara serlo, losería de una manera diferente, comprensible y aceptada solamente en Brasil.Me permito aquí la libertad de recordar un acontecimiento: en una de laspoblaciones paranaenses, donde además, como soy polaca, me sirvieronuna sopa tradicional, en Polonia llamada „czarnina”, por estar elaboradacon sangre de pato (para desesperación mía, por otra parte), me presentarontambién al maestro local de lengua y cultura polacas. Cuál fue mi asombroal comprobar que apenas podía entenderme con el en el polaco, que hablami generación... Cuando, tras intercambiar unas frases, decidimos pasarnosal portugués y hablar de cultura polaca, de lo que enseñaba y lo que sabía,sentí sorpresa y vergüenza al mismo tiempo, al darme cuenta de lo pocoque yo conocía de muchas tradiciones culturales de mi país. Cuando fuiinvitada a hacer unos recortes de papel para los niños, a la manera de£owicz, y un deseño de traje popular (como modelo) de Kaszuby para elgrupo de canto y baile local, me rendí, embargada en la más atroz de lasvergüenzas... Asimismo fui derrotada por el Grupo de Amas de CasaPolaca del lugar, ya que me pidieron que preparara tres platos típicospolacos y resultó que ellas lo hicieron mucho mejor que yo. Al mismotiempo, me resultó fácil observar en ese mismo lugar rastros fuertes dePolonia y de ‘lo polaco’: una farmacia brasileña llamandose así como elhino nacional polaco „Jeszcze Polska nie zginê³a” (hasta hoy guardo lapegatina-anuncio en casa para mostrarla a los dubitantes contumaces), el‘baluarte’ de los Hamerski en Nova Prata consistiente en una cabañatípicamente montañesa de Polonia, ubicada entre los pinos, en cuya verandaondea la bandera rojiblanca; o el lema de bienvenida al municipio de Áurea4

en polaco - „Wszystko Dobrze!”/”Todo bien!” (etiqueta-recuerdo tambiénpara los incrédulos).

Con todo, la cultura no estriba solo en las experiencias humanas reunidasy aprendidas, acuñadas a través de la socialización y la referencia social5, sinoque también se compone de los „modelos de pensamiento, experimentacióny reacción adquiridos y transmitidos mediante símbolos, que constituyenjunto a su inserción en las elaboraciones humanas logros significativos dedeterminados grupos de personas; el núcleo básico de la cultura estáformado por las llamadas excrecencias históricas y por ideas tradicionales

178 LATINIDADE

seleccionadas, así como por los valores vinculados especialmente a ellas”6.En relación a las afirmaciones acerca de la teoría de la cultura realizadas porHerskovits, podría también añadirse que, como el ser humano aprende lacultura, esta constituye asimismo un potente instrumento de adaptación almedio.7 Y precisamente de ser así, esa imagen de Polonia y de los polacosentre la mayoría de ‘la polonia’ brasileña, no tiene por qué guardar relaciónalguna con la Polonia actual, que esas gentes desconocen y que incluso aveces no necesitan. Recurren a fuentes de fácil acceso para ellos, es decir,al mundo propio, en apariencia fragmentario de la cultura de su propia‘polonia’, escogiendo lo que les es necesario y uniendo, a veces encombinaciones sorprendentemente eclécticas, lo que es conocido eimprescindible en territorio brasileño. Los elementos de la cultura polacasuelen servirles para moverse en el ambiente, en el medio de la comunidadlocal; son fuertes valores integradores, que empujan a la creación deorganizaciones de ‘la polonia’ para reavivar en este marco todo lo polaco.Pero, como conseguirlo? Acaso una identidad polaca que sea polaca almáximo es para la ‘polonia’ del Brasil un estado deseable? Se la puedeconservar en esta forma? Pues al fin y al cabo, como escribe Malinowski,„en un país multicultural, no se puede mantener una cultura étnica originalen una forma invariable durante tantas generaciones. No se puede llevar aengaño, afirmando que la lengua polaca se mantendrá a la misma escala enque fue traída. Naturalmente, la desaparición de lo polaco y la fusión desus propias filas van unidas para ‘la polonia’ brasileña a un sentimiento depérdida, pero eso no cambia el hecho de que se trata de fenómenosinevitables. (…) El ideal de ghetto étnico no constituye un paradigmacoherente para las sociedades actuales de Argentina o Brasil. El rasgopermanente de una sociedad multicultural es la infiltración mutua de modelos,la creación de nuevos, la desaparición de otros. Tales fenómenos son deltodo naturales”.8

Sin embargo, la cultura, de acorde con las definiciones ya citadas, no sonsolo excrecencias históricas, sino también ideas seleccionadas, sometidas,como es natural, a cierta parcialidad y subjetivismo. Esta clase de selecciónes realizada por ‘la polonia’ brasileña desde hace ya varias generaciones, alo que tiene pleno derecho, pues esa es su cultura, no la nuestra. Un polono-brasileño, que no goce de la perspectiva de un viaje a Polonia o de unaestancia en ella más o menos larga, vive lo polaco y Polonia mas bien comoalgo surgido de las leyendas y los encantamientos que de la realidad; algoasí como una “Alicia en el País de las Maravillas”, al otro lado del espejo.

Identidades y culturas en procesos migratorios – el caso de ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXI 179

Pero, ¿hay algo de malo en ello? A veces, podendo confrontarlos con larealidad, como ocurre en el caso de los que viajan a Polonia, ellos semarchan con una mezcla de sentimientos, no siempre enamorados de laPolonia actual, pero siempre amantes de aquella otra ya inexistente, la de lasfábulas de su niñez. Cuando regresan a Brasil, vuelven a sentirse seguros enese „al otro lado del espejo”. Las personas mayores, algunas veces, suelentambién tener miedo de ver la Polonia real, presintiendo, tal vez de unmodo inconsciente, el fin de los mitos y sus consecuencias, de modo queprefieren quedarse con sus viejos esquemas, que conservaron transmitidosoralmente, y no decepcionarse con la visión de un país que no reconoceny no entienden. No pocas veces, las excursiones a Polonia terminan con unshock cultural, dado que este ya no es el mismo país de sus ancestros, esdifícil entenderse en el viejo polaco del siglo XIX y Polonia no les recibesiempre con los brazos abiertos, a despecho de lo que ellos habían imaginado.En Brasil, su idea de Polonia ha sido idealizada hasta lo fantástico, de igualmodo que la imagen de Brasil también fue idealizada en la mente de suspadres y abuelos, que se decidieron a emprender un viaje océano adentro.Para los representantes más ancianos de ‘la polonia”, Polonia es entonces amenudo un sinónimo de paraíso, al que se vuelve después de la muerte.

Las cosas pintan muy diferentes entre los jóvenes: para ellos Poloniasuele ser una ventana al mundo, un pasaporte comunitario, la posibilidadde iniciar unos estudios, que les garantizarán un trabajo bien remuneradoa su regreso al Brasil en sectores profesionales prestigiosos y solicitados.Esta imagen de Polonia parece del todo pragmática: la ciudadanía polacaes algo de lo que hay que sacar provecho. El conocimiento del polacopuede convertirse en un pase para una mañana mejor. Pero es normal quela visión de Polonia se transforme con el cambio generacional, dado quelos modelos de significados sociales y culturales creados sufrenmetamorphosis - así, conceptos como ‘patria’ o ‘identidad’, no sonconstrucciones que gozan de perennidad, más al contrario cobran diversasformas y son sometidas a modificaciones. E.Ha³as explica los fenómenosrelacionados con los cambios culturales como algo natural, ya que „laidentidad no es una estructura en un individuo. Tiene carácter interpersonal,negociable y variable (…) los cambios de identidad son cambios en lamanera de definirse a sí mismo, a su grupo de referencia y a su propiosistema de roles”9. Son estos cambios excepcionalmente importantes y quetienen sus consecuencias, pero, por regla general, ocurren en la vida delindividuo en varias ocasiones.

180 LATINIDADE

Por otra parte, la propia cultura, en todos sus aspectos, también semodifica constantemente de forma intensa; quizás, se debería hablar de ellasiempre en plural, pues una buena muestra de ella son las hibridaciones anivel local, la superposición de fenómenos y de prácticas culturales que dancomo resultado un „mélange” intercultural.10 Precisamente un bello ejemplode esta hibridación cultural lo constituye la cultura de ‘la polonia’ brasileña,que refleja la compleja interinfluencia de lo ajeno y lo local, lo nacional ylo étnico, vinculando los dos países y dos culturas diferentes y traendoconsigo unas preguntas aún sin respuesta. A saber: qué es en ella polaco, québrasileño, qué es propio y qué hibrido, o si es tal vez todo una fabricaciónpolaco-brasileña. E igualmente, qué clase de opción tomará en un futuropróximo ‘la polonia’ brasileña: la liberal, identificada con la preformulaciónde actitudes y normas tradicionales, con el fin de lograr una mejor adaptacióna las exigencias del mundo actual, o la tradicional, que entiende el ser polacosegún unas normas tradicionales, e incluso algo folclóricas. Pero siempre seofrece de un modo más fiel la relación existente entre las culturas, si hablamosde ellas como de algo que se cruza y que se influye mutuamente – así, lafuerza de la cultura polonica puede residir, sobre todo, precisamente en suapertura, en su capacidad de transformación y en su elasticidad, con elobjetivo de ayudar a cultivar la visión brasileña del ser polaco y al mismotiempo ayudar a los brasileños de origen polaca a adaptarse sin mayoresproblemas a la evolución de dicha visión.

Es verdad, que en el seno de la sociedad brasileña, funcionan diversasy numerosas culturas inmigratorias en contacto entre sí de un modo directo,lo cual siempre provoca cambios en sus determinados elementos, laeliminación de unos y su sustitución por otros que han sido tomados enpréstamo de otras culturas en procesos de interculturización (aquí:incorporación de elementos de la cultura a la otra y, al mismo tiempo, laprestación de elementos de esta última que no entren en contradicción conlos valores, normas y modelos propios) o amalgamiento (uniformizaciónde muchos factores de una cultura y creación de una totalidad única conlos mismos, la brasileña). Sin lugar a dudas, es una situación a la que se estáenfrentando ‘la polonia’ actual en Brasil, que ya por mucho tiempo no seconsidera a sí misma como un grupo endogámico y no pone obstáculosa los procesos profundos de ‘brasilianización’, de lo cual es buen testimonioel fuerte e incesante mestizaje étnico-cultural que va surgiendo en lascomunidades de ascendencia polaca cada vez más, caracterizado por unvisible consenso cultural. Este potente sentimiento de ser, ante todo, ‘brasileño’

Identidades y culturas en procesos migratorios – el caso de ‘la polonia’ brasileña en el siglo XXI 181

influye, e influirá sin duda en un futuro próximo, no solo en la situación de‘la polonia’ brasileña, en el número y actividad de sus organizaciones -también lo hará en el cambio de la visión que se tiene de Polonia y de lopolaco en el seno de la misma.

NOTAS1 Las ciencias sociales y humanas siguen tropezando con obstáculos a la hora de definir

conceptos que sirvan para describir la compleja situación de las sociedades inmigratoriasy sus culturas – es también el caso del Brasil contemporáneo. Incluso el intento de precisarel significado del término ‘la polonia’ termina con la presentación de las ambigüedadespolisémicas existentes en su definición, ya que cada cultura y cada sociedad se manifiestande un modo particular, relacionado con el contexto histórico, la religión, las costumbresy las leyes que, de forma notable, forman los valores de la cultura. Sin embargo, comoescribe H. Blumer, (Interakcjonizm symboliczny. Perspektywa i metoda. Kraków 2007, p.133),„resulta ya banal señalar que los conceptos nebulosos, poco claros, constituyen un serioobstáculo en los estudios”, y que resultan ser „destructivos tanto para la teoría abstracta,como para los análisis empíricos”. Por otra parte, el autor advierte de que el intento deelaborar unos conceptos, que puedan elucidar unívocamente la compleja naturaleza de lacultura, está condenado al fracaso, y por lo tanto postula el sustituirlos por los llamados‘conceptos sensibilizadores’, los cuales en situaciones problemáticas muestran no tanto loque podemos mirar, como la dirección en la que hay que mirar (Blumer, H. Interakcjonizmsymboliczny. Perspektywa i metoda. Kraków 2007, p.7). Al parecer, el término ‘la polonia’constituye precisamente un ‘concepto sensibilizador’, que es susceptible de perder algunode sus elementos esenciales en el caso de ser sometido a una precisión excesiva. Noobstante, está estrechamente unido al concepto de etnicidad, en el cual están contenidos,por regla general, componentes imprescindibles, como son: el origen, la conservación deelementos de un estilo de vida, de la tradición y las costumbres de los antepasados, a vecestambién el conocimiento de la lengua y la tradición religiosa dominante (en este caso, elcatolicismo). Asimismo resulta esencial la conciencia misma del origen, el sentimiento delealtad, los nexos sociales con otras personas que tengan las mismas raíces y el reconocimientode valores comunes.

2 „La identidad significa la concepción en sí que cada individuo tiene de sí mismo”, es decir,lo que el individuo piensa de sí mismo, de qué forma se percibe. En el caso de losambientes de inmigrantes antes mencionados, se trata sobre todo de quién cree ser eldescendiente de inmigrantes y de qué forma se define (Bokszañski, Z. To¿samoœæ, interakcja,grupa, £ódŸ 1989, s. 12)

3 Malinowski, M. Ruch polonijny w Argentynie i Brazylii w latach 1989-2000. Warszawa 2005, p.3004 Áurea es un municipio no muy grande en el sur del Brasil, en el estado de Rio Grande

do Sul, en la región del Alto Uruguai, que destaca entre el resto de las poblaciones vecinaspor el alto pocentaje de población de origen polaco, donde sin dificultad alguna se puedeuno entender en la calle en polaco, los nombres de las tiendas resultan familiares y dondela mayoría de los habitantes llevan apellidos que suenan a polaco. En efecto, como indicanlas estadísticas municipales, más de un 90% de la población de Áurea (exactamente un 92%)es de origen polaco, lo que hace que sea una de las localidades mas homogéneas, desdeel punto de vista del origen étnico, de Rio Grande do Sul. En relación a ello, a fin depromocionar turísticamente el municipio, en 1997, Áurea recibió el título oficial de ‘CapitalPolonesa dos Brasileiros’.

5 Keesing, F.M. Cultural Anthropology: a Contemporary Perspective. New York, 1976, p. 266 Kluckhohn, C. „Badanie kultury” en: Elementy teorii socjologicznych. Derczyñski W., Jasiñska-

Kania A., J. Szacki. Warszawa: PWN, 1975, p. 31-45, p. 32.

182 LATINIDADE

ABSTRACT:There are no doubts that the community of Polish descendants incontemporary Brazil (called below Brazilian ‘polonia’), constitutes an interestingtopic for cultural studies, especially in what deals with their relations withPoland, their ideas about the country of their ancestors or with their, genuineor imagined, Polish identity. Basing on the experiences coming from fieldstudies in the communities of Polish descendance conducted in the southof Brazil and conversations with members of those communities visitingWarsaw, the author presents her reflections on the meaning and impact ofPolish roots in Brazil, on the ways Polish identity is interpreted byrepresentatives of Polish communities, on the way Poland is viewed amongthem and on what are and perhaps what should be like relations betweenBrazilian ‘polonia’ and Poland seen from both Brazilian and Polishperspectives.Key words – migration, identity, communities of Polish origins, culturaltranformations

7 Herskovits, M. Men and His Works. The Science of Cultural Anthropology. A. Knopf: New York,1948.

8 Malinowski, M. Ruch polonijny w Argentynie i Brazylii w latach 1989-2000. Warszawa, CESLA: 2005,p. 296.

9 Ha³as, E., Konwersja. Perspektywa socjologiczna, Lublin 1992, p.8610 Kempny, M. „Globalizacja” w: Encyklopedia socjologii. T.1, Warszawa: 1998, s. 243

BIBLIOGRAFIA:

Bokszañski, Z. To¿samoœæ, interakcja, grupa, £ódŸ 1989.

Blumer, H. Interakcjonizm symboliczny. Perspektywa i metoda. Kraków: Nomos,2007.

Burszta, W.J. Antropologia kultury. Tematy, teorie, interpretacje. Poznañ: Zysk i S-ka, 1998.

Ha³as, E. Konwersja. Perspektywa socjologiczna, Lublin 1992.

Herskovits, M. Men and His Works. The Science of Cultural Anthropology. A.Knopf: New York, 1948.

Keesing, F.M. Cultural Anthropology: a Contemporary Perspective. New York, 1976.

Kluckhohn, C. „Badanie kultury” w: Elementy teorii socjologicznych. Derczyñski W.,Jasiñska-Kania A., J. Szacki. Warszawa: PWN, 1975, pp. 31-45.

Malinowski, M. Ruch polonijny w Argentynie i Brazylii w latach 1989-2000.Warszawa, CESLA: 2005.

Políticas de saúde para o desenvolvimento doInterior da Bahia: as relações entre o mundo rurale urbano, pistas para o futuroTiago Landim d´Avila11111

RESUMOEste artigo trata sobre as questões socioeconômicas do mundo rural e urbanonum município do interior da Bahia e tem como objetivo propor medidasque minimizem os efeitos devastadores das epidemias que se disseminampelo interior do Estado. Localizada na região Sudoeste, a cidade tem umapopulação que vive essencialmente da lavoura, distante da região urbana epróxima de povoados que tem modos de vida, valores e comportamentossimples, próprios do seu afastamento. A chegada do vírus HIV nessas áreasconsideradas endêmicas para outras doenças como a leishmaniose,esquistossomose, e hanseníase têm provocado desequilíbrio no meio ambientee na qualidade de vida da população, outrora considerada imune aos apelosmidiáticos. A ideia de que o mundo rural se encontra num processo estruturalde marginalização econômica, social e simbólica, ainda persiste. A mercantilizaçãoda produção agrícola em massa tem deslocado para outras fronteiras asgrandes oposições, mas, os problemas sociais se agigantam no Nordeste doBrasil. Os processos de agonia do “velho” mundo tradicional sempre recobramos sentidos e atemorizam os locais ainda inexplorados pela globalização.Palavras-chave: Políticas de saúde-Bahia, epidemias – urbanas & rurais, questõessociais.

INTRODUÇÃO

A ideia que o mundo rural se encontra num processo estrutural demarginalização econômica, social e simbólica, ainda persiste. A mercantilizaçãoda produção agrícola desloca, para outras fronteiras, as grandes oposições,fazendo com que os problemas sociais se agravem no Nordeste do Brasil.Os processos de decadência da ruralização¹ intimidam as hierarquias político-sociais e chamam atenção para os locais ainda inexplorados pela globalização.

Dentre os problemas enfrentados pela população rural, a disseminação dedoenças sexualmente transmissíveis, em especial o vírus da imunodeficiênciahumana do inglês, Humanimmunodeficiencyvirus - HIV causador da AIDS,sigla que denomina a Acquiredimmunodeficiencysyndrome – é motivo depreocupação na saúde pública.

184 LATINIDADE

Outras enfermidades sexualmente transmissíveis como as hepatites viraise canceres também estão associados a vírus que são negligenciados naspopulações rurais se consideramos os índices de subnotificações, má condutano diagnóstico e/ou tratamento, ou mesmo a falta de conhecimento dapopulação.

Dessa forma, as iniciativas que tenham como objetivo mapear as zonasrurais e estabelecer padrões de conduta que minimizem os efeitos dessasepidemias se torna referencial importante na quantificação e qualificaçãodos serviços e acesso aos meios de saúde.

Localizada na região Sudoeste do Estado, a cidade tem uma populaçãoque vive essencialmente da lavoura, está relativamente distante da regiãourbana, e próxima a povoados que têm valores, comportamentos e modosde vida de extrema simplicidade, próprios do afastamento com as grandescidades. Por ser uma região voltada para preparação da terra e cultivo deplantas, os habitantes tem contato direto com a natureza, fato que criou aacepção do termo Ruralização2.

Ao contrair doenças pelo contato direto com a terra, sem o uso deequipamentos de proteção individual (EPI), doenças simples, podem setransformar em graves, a exemplo das parasitoses intestinais, a amebíase,giardíase, ascaridíase, conhecida vulgarmente na região como “lombriga”, aesquistossomose, ancilostomíase (“amarelão”), enterobíase, (verme “caseira”)e teníase, causando transformações orgânicas prejudiciais à qualidade de vida.

Outro fato importante é a cidade está localizada numa região de valee hidrograficamente favorecida, cujo clima torna propícia à disseminaçãode epidemias, a dengue e as endemias, as leishmanioses.

Na maioria dos municípios do interior do estado da Bahia já houvepelo menos um caso notificado por HIV (CREAIDS-Bahia, 2006), edemonstra que mesmo os municípios de origem rural não estão livres deinfecções. Porém, o fato mais agravante é a tendência estatística que tem osindivíduos em contrair doenças endêmicas unidas a alta proliferação dedoenças sexualmente transmissíveis gerando um risco mais alto decoinfecções3.

O efeito da coinfecção HIV/Leishmania na leishmaniose visceral temsido estudado em estados brasileiros onde foram notificados 61 casos decoinfecção, dentre os quais alguns reportados no estado da Bahia (MS,BRASIL, 2004). Também foi incluída a coinfecção ao vírus linfotrópico dascélulas T humano tipo I (HTLV-I), e em estudo experimental, as amostrasdo banco de sangue apontam a Bahia, como uma das maiores prevalências

Políticas de saúde para o desenvolvimento do Interior da Bahia 185

de infecção no Brasil, segundo Catalan-Soares, Carneiro-Proietti et al.,(2005).O único estudo de base populacional mostra também, a alta prevalência

na cidade de Salvador, sendo a taxa de 1,78%(Dourado, Alcantara et al.,2003), mas não existem dados referentes a outras cidades do estado, ondejá foram reportados casos de doenças associadas ao HTLV-1 (Gomes,Melo et al., 1999; Oliveira Mde, Brites et al., 2005). O mapeamento dasituação destas coinfecções e seus efeitos, assim como o conhecimento dosfatores comportamentais e socioeconômicos da população afetada permitedelinear com maior precisão as medidas de prevenção e controle, na condutado diagnóstico e da terapêutica a serem empregadas.

Este trabalho relata a interseção entre as questões socioeconômicas eculturais dos mundos rural e urbano em um município da Bahia e objetivatambém esclarecer as causas e consequências da contaminação por doençassexualmente transmissíveis em uma cidade do interior do estado.

A RURALIZAÇÃO DAS DOENÇAS

Durante os séculos XVI e XVII o Brasil se tornou o maior produtorde açúcar no mundo. As principais regiões açucareiras brasileiras estavamnos estados de Pernambuco, parte do Rio de Janeiro, São Paulo (SãoVicente) e Bahia. A economia era sustentada pela tríade, monocultura,latifúndio e mão de obra escrava, e assim permaneceu até o século XIXcom a gradativa mudança da economia açucareira para cafeeira e pecuarista,que passou a ser sustentada pela mão de obra imigrante.

Com a implementação da mão de obra assalariada do imigrante surgiua necessidade de criar um sistema de atendimento à saúde para atender asdemandas da população trabalhista. Os primórdios dos sistemas de saúde,inicialmente privados com o avanço da industrialização e urbanização dapopulação nos séculos seguintes, ampliaram o atendimento a toda população.

A urbanização disseminou doenças sexualmente transmissíveis, o HIV, ashepatites e mais recentemente o HLTV. A erradicação ou mesmo adiminuição dos agravantes que causam as doenças devem ser conhecidoscom a finalidade de combater as enfermidades que atingem os fluxosmigratórios da zona urbana para a zona urbana.

Se compararmos a introdução de uma nova espécie, em um ecossistemaem clímax, essa relação pode causar completo desequilíbrio ambiental,onde surgem novos seres ou indivíduos partindo da interação com o novomeio ambiente e do compartilhamento de informações genéticas. A completa

186 LATINIDADE

reorganização da cadeia alimentar aumenta ou diminui o número de habitantese/ou seres de determinadas espécies presentes acima ou abaixo da cadeiaalimentar. Finalmente se usarmos o processo de seleção natural, o maisresistente supera o mais vulnerável, e pode ocorrer a extinção dessas espécies.

Essa analogia pode se assemelhar ao que aconteceu na colonização doBrasil, quando grande parcela da população indígena foi dizimada pordoenças transmitida pela população europeia. No entanto, a interiorizaçãodo vírus HIV em áreas consideradas endêmicas para outras doenças comoa leishmaniose, esquistossomose, e a hanseníase tem provocado um totaldesequilíbrio no meio ambiente. A qualidade de vida da população ruraltornou-se vulnerável e a integração com populações urbanas tem causadoqueda na produtividade pelo fato das pessoas adquirirem com maisfrequência doenças infecciosas.

PROBLEMATIZAÇÃO: URBANO VERSUS RURAL

Até a década de 1930, a Bahia viveu uma inércia econômica e nem osprocessos de industrialização e urbanização característicos do períodoimpulsionaram a sócio economia de Salvador, que viveu em decadentepatamar nesse período. (RUBIM, 2000, p.2).

No sul da Bahia nem a próspera lavoura de cacau foi capaz de promovera movimentação necessária para o crescimento da economia do estado.(OLIVEIRA, 2000, p.140). Esse fenômeno promoveu a formação decentros metropolitanos que refletiam mudanças significativas nos meios desubsistência e culturais das populações rurais. Se analisarmos, entretanto, ocrescimento populacional entre as décadas de 1940 a 1980 verificamos umainversão na distribuição de habitantes das áreas rurais para as urbanas,provocada pelo fluxo desordenado para as grandes cidades consideradasurbanas.

Os comportamentos sociais provenientes da modernização a partir de1965, no entanto, provocaram mudanças nas culturas locais que se perderamou assumiram outras formas. O homem rural procurava outros tipos detrabalho nas zonas urbanas. O processo de modernização urbana vivenciadopela cidade de Salvador, naquele momento, quando são construídas asfamosas avenidas de vale, o novo polo comercial deslocaram a administraçãopública e a cidade passou a crescer na direção norte e prescindir de quantidademaior de mão de obra.

A constituição de novos padrões e formas de trabalho se torna oconjunto de práticas e representações sociais, cujos fatores passam a

Políticas de saúde para o desenvolvimento do Interior da Bahia 187

responder pelas mudanças globais e pelos papéis diversificados demodernidade e modernização.

Nestes termos, Canclini (2000) assinala que a modernidade sugere umaetapa de desenvolvimento, que apesar de histórica permanece na sociedade,mas, para a modernização cujos processos sociais, econômicos, e politico-culturais constroem os programas de renovação, experimentação e críticade práticas simbólicas continuam disponíveis nas sociedades.

CONCLUSÃO

A situação atual das capitais brasileiras e os problemas relacionados coma qualidade de vida, a violência, os elevados tributos e impostos e os custosonerosos de vida nas grandes cidades, estão revertendo o êxodo ruralocorrido no início do século XIX com a industrialização face à procura pormelhores condições de vida disponibilizadas nas cidades interioranas.

Essa inversão da migração urbana-rural provoca a instauração de novasdoenças em populações desfavorecidas, visto que o contato com as novasenfermidades desequilibra o sistema imunológico. Além da falta deconhecimento outro agravante prejudica a prevenção. Os fatores maisagravantes são o atendimento médico-hospitalar deficiente na zona ruralonde faltam médicos, enfermeiros, farmacêuticos, biomédicos, e biólogos.A inexistência de incentivos financeiros para que estes profissionais deixemos centros urbanos e vivam no interior, na maioria das vezes sem condiçõesde trabalho adequadas provocadas pela escassez de recursos, materiaisbásicos de limpeza e higiene, reagentes laboratoriais e/ou cirúrgicos, dentreoutros.

Com a introdução de atividades diversas das produções urbanas apopulação rural passou a ocupar funções que nada tem com os trabalhospraticados anteriormente, e aponta para um novo paradigma sociocultural.Adaptados aos espaços de origem e sem preparo adequado para exercernovas habilidades, os desafios são constantes. A falta de escolarização é umdeles. A maioria das regiões rurais do Nordeste ainda padece com a faltade recursos primários que dificultam a permanência dos alunos na escola.

Até então, o HIV tratado como uma enfermidade de centros urbanossurge em todas as cidades da Bahia onde já foi notificado pelo menos umcaso. A necessidade de aprofundar estes estudos nos setores rurais econfrontar as notificações com os centros urbanos responsáveis em grandeparte pela disseminação do vírus em especial em áreas remotas e comcarência de assistência em saúde.

188 LATINIDADE

A pesquisa em localidades afastadas dos centros urbanos tem outroaspecto relevante para o levantamento sobre a contaminação por HIV eamplia seu raio de ação, devido ao deslocamento de pessoas que procurammelhor qualidade de vida nos grandes centros, onde os episódios de infecçãotêm aumentado. As informações pelo senso comum são distorcidas eminimizam as formas de se contraírem as doenças.

O deslocamento populacional de massa nas áreas rurais para as urbanaspor fatores naturais como a seca, e a falta de oportunidade de trabalho,estimulam o jovem a rumar para outros lugares. Em contrapartida, asmudanças radicais provocam a incorporação de hábitos citadinos prejudiciaisà saúde, como o tabagismo, alcoolismo e outros.

Esses hábitos cotidianos juntamente com o aumento do relacionamentocom as redes sociais implicam na participação e inclusão em grupos dispersosque estão mais propensos a perigos e epidemias urbanas.

Um estudo sobre as culturas regionais e locais tem como finalidadeentender as categorias de pensamento da população local no que se refereà contaminação pelos vírus oportunistas, de forma que a informaçãofidedigna chegue às zonas rurais para prevenir e controla as doenças.

O mapeamento das situações descritas e suas consequências, bem comoos fatores comportamentais e socioeconômicos da população rural/urbanapermitem delinear as medidas de prevenção e controle, que podem minimizarproblemas de saúde pública e considerar a conduta adequada no diagnósticoe na terapêutica.

NOTAS1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde – UFBA / FIOCRUZ,

BAHIA, Mestrado em Medicina Investigativa e Bioteconologia FIOCRUZ-Bahia, ProfessorTitular da Universidade Jorge Amado – UNIJORGE.

2 Por Ruralização, entende-se como a forma de transferência de elementos culturais carac-terísticos de sociedades urbanas, para o meio rural; Incorporação de características ecostumes rurais, nas zonas e interiores dos locais agrícolas.

3 Coinfecção – reinfestação ou ação exercida no organismo por agentes patogênicos: bac-térias, vírus, fungos e protozoários.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, B. B., SANTOS, C. J., et al. Hepatitis B infection is associated withasymptomatic malaria in the Brazilian Amazon. PLoS One, v.6, n.5, p.e19841.

CATALAN-SOARES, B., CARNEIRO-PROIETTI, A. B., et al. Heterogeneousgeographic distribution of human T-cell lymphotropic viruses I and II (HTLV-

Políticas de saúde para o desenvolvimento do Interior da Bahia 189

I/II): serological screening prevalence rates in blood donors from large urbanareas in Brazil. Cad Saude Publica, v.21, n.3, May-Jun, p.926-31. 2005.

DOURADO, I., ALCANTARA, L. C., et al. HTLV-I in the general populationof Salvador, Brazil: a city with African ethnic and sociodemographiccharacteristics. J Acquir Immune Defic Syndr, v.34, n.5, Dec 15, p.527-31. 2003.

GOMES, I., MELO, A., et al. Human T lymphotropic virus type I (HTLV-I)infection in neurological patients in Salvador, Bahia, Brazil. J Neurol Sci, v.165,n.1, May 1, p.84-9. 1999.

MOLINA, R., GRADONI, L., et al. HIV and the transmission of Leishmania.Ann Trop Med Parasitol, v.97 Suppl 1, Oct, p.29-45. 2003.

OLIVEIRA MDE, F., BRITES, C., et al. Infective dermatitis associated with thehuman T cell lymphotropic virus type I in Salvador, Bahia, Brazil. Clin InfectDis, v.40, n.11, Jun 1, p.e90-6. 2005.

MIGUEZ DE OLIVEIRA, Paulo César. Periodizando a cultura baiana nonovecentos: uma tentativa preliminar. Salvador: UNIFACS, 2000. v.1, n.8.

RUBIM, Antonio Albino Canelas. Comunicação, mídia e cultura na Bahiacontemporânea. Bahia Análise e Dados – Revista da Superintendência deEstudos Econômicos e Sociais da Bahia, Salvador, v.9, n.4, p. 74-89, mar. 2000.

Normas 191

Normas Editorias

O autor do trabalho deve indicar seu nome completo, título acadêmicoe vinculação institucional, bem como endereço completo para corres-pondência.

Os trabalhos devem ser enviados em disquete, CD, Pendrive, acompa-nhado de cópia impressa em papel.

O resumo e o abstract devem ter no máximo 10 linhas e vir acompa-nhados de 3 palavras=chaves/keywords.

Os artigos devem ter extensão máxima de 65 mil caracteres, digitadosna fonte Times New Roman 12, com espaço 1,5 e margens de 2,5 cm.

Os destaques feitas no corpo do texto deverão ser feitos com aspassimples.

As palavras e expressões escritas em língua diferente daquela escolhidapelo autor deverão aparecer em itálico, bem como os títulos de livros,revistas, jornais, instituições, etc.

As citações até três (3) linhas deverão ser feitas no corpo do texto, comaspas duplas. As citações que ultrapassarem três (3) linhas deverão sertranscritas com recuo no texto, sem aspas.

Os destaques feitos pelo autor nas citações deverão ser indicados emnegrito.

Os artigos devem ser acompanhados de resumos (em português e in-glês), com, aproximadamente, dez linhas e de cinco (5) palavras-chave(em português e inglês).

Os originais podem ser remetidos em português, inglês, francês, espa-nhol ou italiano.

As resenhas críticas devem ter extensão máxima de 10 mil caracteres,digitados na fonte Times New Roman 12, com espaço 1,5 e margens de 2,5cm. As notas devem ser colocadas ao final da resenha.

Todas as notas devem ser colocadas ao final do texto antes da bibliografia.

192 LATINIDADE

A bibliografia deve ter a seguinte apresentação:

Nome e SOBRENOME. Título do livro em itálico:subtítulo. Tradu-ção, edição, cidade: Editora, ano, p.ou pp.

Nome e SOBRENOME. Título do capítulo ou parte do livro. In:Título do livro em itálico. Tradução, edição, cidade: Editora, ano, p.oupp.

Nome e SOBRENOME. Título do Artigo entre aspas. Título doPeriódico em itálico. Cidade: Editora, vol., fascículo, ano, p.ou pp.

Admitem-se as referências Id.ibidem e Op. cit., segundo as normas emutilização.

Todos os trabalhos serão submetidos a dois pareceristas. Os autoresserão notificados da aceitação ou não dos respectivos trabalhos. Omaterial remetido não será devolvido pela revista. Os trabalhos nãoaceitos estarão à disposição dos autores pelo prazo de seis meses, acontar da emissão do parecer.

Todos os artigos encaminhados fora destas normas serão enviados aoautor para as adaptações necessárias.

São automaticamente cedidos à revista os direitos autorais sobre osoriginais e traduções por ela publicados. Os dados e conceitos aborda-dos nos artigos e resenhas são da exclusiva responsabilidade do autor

Cada autor receberá gratuitamente cinco exemplares do número da re-vista que contenha seu artigo.