Resenha A Universidade no Século XXI 2

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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO – Prof. José de Souza Herdy Reconhecida pela Portaria MEC 940/94 D.O.U. de 16 de Junho de 1994 PRÓ - REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA – PROPEP RESENHA DO LIVRO: A Universidade no Século XXI: Para uma Universidade Nova Boaventura de Sousa Santos & Naomar de Almeida Filho Coimbra, Outubro 2008.

Transcript of Resenha A Universidade no Século XXI 2

UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO – Prof. José de Souza Herdy

Reconhecida pela Portaria MEC 940/94 D.O.U. de 16 de Junho de 1994PRÓ - REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA – PROPEP

RESENHA DO LIVRO:

A Universidade no Século XXI: Para uma UniversidadeNova

Boaventura de Sousa Santos & Naomar de Almeida FilhoCoimbra, Outubro 2008.

FILOSOFIA DA CIÊNCIA E EPISTEMOLOGIA EMADMINISTRAÇÃOProfessor: MICHEL JEAN MARIE THIOLLENT

Doutorado PPGA / 2013-1Doutoranda: MARIA MADALENA COLETTE

A Universidade no Século XXI: Para uma Universidade NovaBoaventura de Sousa Santos & Naomar de Almeida Filho

Coimbra, Outubro 2008

O livro “A universidade no século XXI: para uma nova

universidade” é composto de textos que buscam contribuir com o

debate da reforma da universidade em contexto mundial, inclusive

textos parcialmente apresentados no âmbito do debate oficial sobre

a Reforma Universitária no Brasil, em 2004, período em que teve

início a parceria sobre o tema entre os autores Boaventura de

Sousa Santos e Naomar de Almeida Filho, este então Reitor da

Universidade Federal da Bahia – UFBA que propunha o projeto

Universidade Nova.

No capítulo 1, o texto de Boaventura A Universidade no Século XXI:

Para uma Reforma Democrática e Emancipatória da Universidade, já publicado em

diversos países1, com foco inicial no contexto latino-americano e

brasileiro em especial, nesta edição ganha novos matizes, após

investigações sobre o contexto africano e o contexto europeu onde

o processo de Bolonha estava em curso. O autor analisa as

transformações recentes no sistema de ensino superior e o impacto

destas na universidade pública, identifica e justifica os

1 Texto publicado anteriormente em diversos países latino americanos e como capítulo do livro The University, State, and Market, The political economy of globalization in the Americas. Stanford: Stanford University Press, 2005.

princípios básicos de uma reforma democrática e emancipatória da

instituição.

No capítulo 2, Universidade Nova no Brasil, Naomar apresenta seu

projeto para a UFB, segundo ele, referenciado em três obras

fundamentais: The Future of the City of Intellect, de Clark Kerr2, seus

conceitos de ‘cidade do intelecto’ e de ‘multiversidade’; A

Universidade e a Vida Atual, de Renato Janine Ribeiro3, com argumentos em

favor das humanidades como eixo da cultura universitária e da

necessidade de abertura da instituição acadêmica para a sociedade

que a abriga e sustenta, indo além do Estado e do mercado,

incluindo família e movimentos sociais; e Pela Mão de Alice, de

Boaventura, lido por Naomar como um manual para reitores.

Em seu conjunto, os textos possibilitam ao leitor um rico

contato com uma visão histórica da universidade no mundo ocidental

e no Brasil, apresentam uma visão crítica do contexto de crise da

universidade no que diz respeito às pressões da globalização

neoliberal das últimas décadas e, também, em relação à suas

origens e atuação. Além de apontar caminhos para uma atualização

que permita à universidade pública respostas criativas e eficazes

aos desafios com que se defronta no limiar do século XXI.

Esta resenha pauta-se no modo de construção do volume,

abordando os dois capítulos separadamente, numa espécie de resumo

dos textos que não lhes sendo fiel deixa de abordar tópicos de um

que já tenham sido abordados de forma similar pelo outro, e que

pretendeu focalizar os principais tópicos e referências

relacionados ao nosso interesse de pesquisa de ambos os textos.

Ressaltamos que se trata de um livro fundamental para se pensar a2 KERR, Clark. Os usos da universidade. Universidade em questão. Brasília: Editora UnB, 2005. Kerr foi reitor da Universidade da Califórnia em Berkeley durante a fase da contracultura.3 RIBEIRO, R. Janine. A Universidade e a Vida Atual. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

universidade e para nela se atuar, rico em referências valiosas

que poderão nortear um aprofundamento sobre o assunto.

Capítulo 1 - A Universidade no Século XXI: Para uma reforma

democrática e emancipatória da Universidade

Sobre a universidade e os desafios que lhe eram feitos no

final do século XX, em texto anterior4, Boaventura identificava

três crises com que se defrontava a universidade: a crise de

hegemonia resultante das contradições entre as funções

tradicionais da universidade - de produção de alta cultura e

formação das elites - e as funções que ao longo do século XX lhe

seriam atribuídas - produção de padrões culturais médios e de

conhecimentos instrumentais e formação de mão de obra qualificada

voltada ao desenvolvimento capitalista. A incapacidade da

universidade para desempenhar funções contraditórias abre espaço

para meios alternativos, perdendo esta o domínio do ensino

superior e da produção de pesquisa; crise de legitimidade gerada

pela contraposição entre hierarquização de saberes especializados

e pressões sociais e políticas por democratização da universidade

e igualdade de oportunidades para as classes populares; e a crise

institucional resultava da contradição entre a busca de manutenção

da autonomia da universidade e crescente pressão por enquadrá-la

em critérios de eficácia e de produtividade de natureza

empresarial ou de responsabilidade social.

O autor analisa que visando superar a crise institucional a

universidade sofre uma descaracterização intelectual - a crise de

hegemonia, através de segmentação do sistema universitário e

4 SANTOS, Boaventura Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade: “Da ideia da universidade a universidade de ideias”. São Paulo: Cortez, 1995.

desvalorização dos diplomas universitários – a crise de

legitimidade. Especificamente sobre a crise da universidade

brasileira e suas especificidades no contexto da crise da

universidade latino-americana, ele sugere a análise de Leonardo

Avritzer 5.

Boaventura diz que nos últimos trinta anos a crise

institucional da universidade na grande maioria dos países foi

induzida pela perda de prioridade do bem público universitário nas

políticas públicas e pela consequente redução dos recursos

financeiros das universidades públicas, abrindo ao setor privado a

produção do bem público da universidade, especialmente a partir da

década de 1980, quando o neoliberalismo se impôs como modelo

global do capitalismo. Até meados da década de 1990, expande-se e

consolida-se o mercado nacional universitário e depois emerge o

mercado transnacional da educação superior e universitária, visto

como solução aos problemas da educação no mundo por organismos

internacionais - Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio,

fenômeno que Boaventura chama de globalização neoliberal da

universidade. Neste contexto a atuação das universidades públicas

se dava de forma reativa, incorporando as pressões de forma

acrítica e imediatista. Enquanto que emergia com força o mercado

transnacional da educação superior e universitária.

Mas, o autor alerta-nos que para se enfrentar a crise e

pensar a universidade no século XXI, além do “desinvestimento” do

Estado na universidade pública, um fenômeno global, e da

consequente “globalização mercantil” da universidade, há que serem

considerados fatores internos, relativos à sua administração, à

sua função e à própria origem da instituição, pautada numa

perspectiva elitista de conhecimento e de educação. E, ainda, que5 AVRITZER, Leonardo. A crise da universidade. Mimeo. Belo Horizonte, 2002.

uma solução nacional não pode prescindir de uma articulação

global, uma “globalização alternativa”, contra hegemônica da

universidade que, como bem público, reflita um projeto de país e

que qualifique a inserção do país no contexto transnacional de

produção e de distribuição do conhecimento, e que seja capaz de

responder às demandas por democratização do ensino superior e de

incluir não só as pessoas, mas, também seus saberes

tradicionalmente excluídos da universidade.

Otimista, Boaventura considera que mesmo no contexto de

globalização neoliberal há espaço para articulações baseadas na

reciprocidade e no benefício mútuo, renovadas e, portanto,

diferentes das articulações interuniversitárias do período

colonial, que serviam como veículo de dominação. A articulação

cooperativa, segundo ele, pode ser inclusive praticada quando

estão envolvidos aspectos de mercado.

Propõe rever o papel da universidade pública em relação aos

problemas sociais locais e nacionais considerando o contexto

global, inclusive buscando compreender que parte da crise deve-se

a cooptação da universidade pela globalização hegemônica. Para ele

a reforma deve centrar-se na busca da legitimidade. Seu projeto

delega à sociedade politicamente organizada - organizações

sociais, organizações não governamentais e governos locais – papel

protagonista na reforma universitária e legitimador da instituição

como caminho para o aprofundamento da responsabilidade social da

universidade pela via do “conhecimento pluriversitário” solidário.

Outros dois protagonistas são: a própria universidade pública

e o estado nacional nesta “globalização alternativa” que deverão

fazer a opção política pela “globalização alternativa”, uma

globalização solidária da universidade. E quanto ao “capital

nacional”, que depende da produção de conhecimento, este poderá

integrar o “contrato social” em torno da reforma da universidade

pública.

As mudanças globais das últimas décadas levaram a uma

transformação da educação superior em mercadoria, mas também a

“transformações no processo de conhecimento e na contextualização

social do conhecimento”. A irreversibilidade destas mudanças

requerem respostas novas, diz Boaventura, a resistência estará em

promover alternativas de pesquisa, de formação, de extensão e de

organização da universidade como bem público, de forma que em sua

especificidade esta contribua na identificação e na solução de

problemas nacionais e globais.

Boaventura traz como pressuposto que no século XXI considere-

se como universidade a instituição que atua de forma articulada no

ensino de graduação e pós-graduação; na pesquisa e na extensão.

Sem alguns destes componentes pode-se falar em ensino superior,

mas não em universidade. Ele apresenta cinco fatores em que se

deve pautar a busca por legitimidade da universidade: i) o acesso

sem discriminação e a garantia da permanência; ii) a extensão como

prestação de serviço à sociedade atendendo diferentes segmentos,

que não sejam pautados por sua rentabilidade mas num apoio

solidário à solução dos problemas, da exclusão e da discriminação

sociais; iii) pesquisa-ação como articulação dos interesses sociais

e dos interesses de pesquisa, para além das demandas de mercado,

numa atuação integrada de ensino, pesquisa e extensão, para

definição e elaboração dos projetos de pesquisa, envolvendo a

participação da comunidade e seu beneficiamento com os resultados

da pesquisa; iv) a ecologia dos saberes é “uma forma de extensão ao

contrário”, de fora para dentro da universidade, trata do diálogo

entre saber popular e conhecimento científico, de perceber a

validade de outros conhecimento, de reverter uma “injustiça

cognitiva”6; v) universidade e escola pública refere-se à relação entre a

produção e a difusão do saber pedagógico, da pesquisa educacional

e da formação de docentes para a escola pública, espaço é ocupado

pela progressiva privatização da formação docente.

Boaventura destaca que a ecologia do saber e a pesquisa ação

colocam-se como estratégias de reorientação solidária da relação

universidade-sociedade. E sinaliza a existência de iniciativas de

pesquisa-ação e ecologias dos saberes na Europa - as “oficinas da

ciência”7, algo próximo nos EUA - a “pesquisa comunitária”, e cita

a rede internacional “living knowledge” que busca de uma reorientação

solidária da universidade confrontada com o tema da “injustiça

cognitiva”.

Mas, a ecologias do saberes é ideia que ele prevê sofrerá

muita resistência no interior da universidade, pois consiste na

promoção da convivência, do diálogo entre diferentes modos de

conhecimento, dentre os quais o conhecimento é um e não o

conhecimento. Volta-se à conversão da universidade em espaço

público de fato, “de interconhecimento onde os grupos sociais

podem intervir sem ser exclusivamente na posição de aprendizes” em

prol de benefícios mútuos. Trata da valorização de conhecimentos

científicos e não científicos cuja “partilha por pesquisadores,

estudantes e grupos de cidadãos possibilitam a criação de

comunidades epistêmicas mais amplas”.

6 Boaventura diz que a injustiça cognitiva está no âmago da injustiça social, contribui para a desqualificação dos saberes locais e para a marginalização social dos grupos que destes dispõem. E que tal injustiça se manifesta inclusive na escala global, onde os paísesperiféricos ricos em saberes não científicos, destituídos de valor e até dizimados em nome de um conhecimento científico considerado como único válido, sofrem os impactos negativos ambientais, sociais e culturais do desenvolvimento científico.7 Uma análise das oficinas de ciência pode ler-se em WACHELDER, Joseph (2003), “Democratizing Science: Various routes and visions of Dutch Science Shops”, Science, Technology & Human Values, 28(2), 244-273.

Neste sentido, a nova universidade precisa sair de sua

posição superior e estabelecer tal diálogo, abrir suas portas aos

diferentes saberes. A pesquisa-ação é instrumento de diálogo e de

construção de novas práticas acadêmicas, de práticas que

pressupõem a concepção de universidade como espaço social, voltado

à construção de conhecimentos que possam alavancar transformações

em prol da sociedade como um todo, quer no campo social,

ambiental, econômico, tecnológico, científico, educacional e

cultural. Inclusive no que tange à relação universidade - escola

pública.

O autor diz que maioria das universidades públicas se

restringe a críticas em relação ao ensino público, sem criar

alternativas, num contra senso que torna mais aguda sua

dissociação com os demais espaços sociais. Mas são comentadas

experiências inovadoras no Brasil8, de universidades federais que

responderam criativamente às novas exigências estabelecidas pela

LDB de 1996 - que estabelece que os professores da educação básica

devem ter nível superior, criando licenciaturas especialmente

desenhadas para atender professores das redes estaduais e

municipais de ensino que não possuem formação profissional

acadêmica.

O autor aborda ainda a relação entre universidade e o setor

privado enquanto consumidor dos “serviços” universitários, como

campo de legitimação e de responsabilização social da

universidade. E analisa:

“A popularidade com que circulam hoje, sobretudo nos países

centrais, os conceitos de “sociedade de conhecimento” e de “economia

baseada no conhecimento” é reveladora da pressão que tem sido exercida

sobre a universidade para produzir o conhecimento necessário ao

8 Uma experiência bem sucedida citada é a da Universidade Federal de Pelotas (comunicação pessoal de Paulino Motter ao autor).

desenvolvimento tecnológico que torne possível os ganhos de produtividade

e de competitividade das empresas. A pressão é tão forte que vai muito

para além das áreas de extensão, já que procura definir à imagem dos seus

interesses, o que conta como pesquisa relevante, o modo como deve ser

conduzida e apropriada. Nesta redefinição colapsa não só a distinção entre

extensão e produção de conhecimento, como a distinção entre pesquisa

fundamental e pesquisa aplicada.” (p.77)

As políticas de pesquisa têm privilegiado áreas de interesse

das empresas e o comércio de resultados de pesquisa, sendo os

cortes de financiamento público visto como incentivo a busca por

financiamento privado. A universidade, neste quadro, se distancia

de outros interesses sociais, inclusive sendo tomada como

mercadoria e até marca a serviço do mercado. Uma reforma da

universidade deve assegurar à comunidade científica o controle

sobre a agenda de pesquisa científica; uma atuação com

intervenções que assegurem múltiplos interesses da sociedade,

equilibrando pesquisa aplicada e pesquisa fundamental;

desenvolvimento livre e criativo de novas áreas de pesquisa pela

garantia de financiamento público.

No âmbito institucional, desenhada para funcionar como

unidade autônoma e independente e, então, marcada pela segmentação

interna da rede de universidades, a instituição deverá passar por

uma mudança de mentalidade, diz o autor. Ele destaca a necessidade

de uma mudança nas relações interuniversitárias e aponta para a

necessidade de articulações nacionais, em redes públicas que

partilham recursos, equipamentos, planos de cursos minimamente

padronizados, mobilidade de docentes e discentes no interior da

rede, sem eliminar as especificidades locais e regionais de cada

integrante da rede universitária pública.

“A passagem, como vimos, é de conhecimento disciplinar para

conhecimento transdisciplinar; de circuitos fechados de produção para

circuitos abertos; de homogeneidade dos lugares e actores para a

heterogeneidade; da descontextualização social para a contextualização; da

aplicação técnica à disjunção entre aplicação comercial e aplicação

edificante ou solidária. [...] Na fase de transição em que nos encontramos

os dois tipos de conhecimento coexistem e o desenho institucional tem de

ser suficientemente dúctil para os albergar a ambos e para possibilitar

que o conhecimento pluriversitário não seja contextualizado apenas pelo

mercado e, pelo contrário, seja posto ao serviço do interesse público, da

cidadania activa e da construção de alternativas solidárias e de longo

prazo.” (p. 88)

Boaventura esclarece que na graduação predomina o modelo

universitário, mas em pós-graduação e pesquisa já há forte

interferência do modelo pluriuniversitário.

A proposta coloca ainda a necessidade de um aprofundamento

democrático interno e externo da instituição. A democracia externa

consiste na abertura da universidade à sociedade, para além da

democratização do acesso, buscando a criação de vínculos políticos

orgânicos entre universidade e sociedade. Não da democracia

externa para uma relação com o mundo dos negócios, negociando a

própria universidade, mas como resposta à pressão dos grupos

historicamente excluídos, por participação como usuários e co-

produtores de conhecimento. A democracia externa potencializa e é

potencializada pela democracia interna entre docentes,

pesquisadores e toda a comunidade acadêmica.

O proposto por Boaventura de Sousa Santos é coerente com uma

perspectiva humanista e transformadora da universidade e da

sociedade. Mas, trata-se de uma teoria que a depender do contexto

nacional histórico, político e cultural pode ter sua viabilização

dificultada, não apenas pela cultura dominante da instituição

universitária, como também pela cronicidade do distanciamento

entre a universidade e a sociedade e pela cultura do imediatismo,

de respostas prontas, acomodação e distanciamento entre a

população e as instituições em geral.

Concluindo, o autor reafirma a universidade como um bem

público, a serviço de um projeto de país, que no século XXI deve

incorporar a perspectiva de uma globalização contra hegemônica,

solidária e cooperativa:

“A universidade pública é, pois, um bem público permanentemente ameaçado,

mas não se pense que a ameaça provém apenas do exterior; provém também do interior.

A razão desta inflexão de ênfase deve-se ao facto de os factores da ameaça interna,

antes identificados, estarem hoje a ser potenciados através de uma perversa

interacção, que escapa a muitos, com os factores da ameaça externa. [...] A

conjunção entre factores de ameaça interna e factores de ameaça externa está bem

patente na avaliação da capacidade da universidade pensar o longo prazo, talvez a

sua característica mais distintiva. [...] A universidade é um bem público

intimamente ligado ao projecto de país. O sentido político e cultural deste projecto

e a sua viabilidade dependem da capacidade nacional para negociar de forma

qualificada a inserção da universidade nos contextos de transnacionalização. No caso

da universidade e da educação em geral, essa qualificação é a condição necessária

para não transformar a negociação em acto de rendição e, com ele, o fim da

universidade tal como a conhecemos. Só não haverá rendição se houver condições para

uma globalização solidária e cooperativa da universidade. [...] a universidade

enquanto bem público é hoje um campo de enorme disputa. Mas o mesmo sucede com o

Estado. A direcção em que for a reforma da universidade é a direcção em que está a

ir a reforma do Estado. De facto, a disputa é uma só, algo que os universitários e

os responsáveis políticos devem ter sempre presente.” (p. 102-104)

Capítulo 2 - Universidade Nova no Brasil

Naomar Almeida nos brinda em seu texto com um pouco da

história da Universidade e de suas reformas, passando pelas raízes

históricas da Universidade na era medieval, cuja inauguração no

século XI representou, em si mesma, uma reforma radical.

“Substituíram os monastérios como principal lócus de produção de

conhecimento para uma sociedade feudal em transição,” [...] “como

alternativa da nascente sociedade civil (burgueses, artesãos etc.)

aos centros de formação clerical, que tinham como missão educar a

elite pensante da época.” Além disso, “... toda a educação

universitária nessa fase inicial compreendia formação teológica

avançada, com base na filosofia escolástica. A universidade

escolástica era geradora e guardiã da doxa, ou doutrina, aquela

modalidade de conhecimento que se define pelo completo respeito às

fontes sagradas da autoridade.” (p.112-113)

A arquitetura curricular da universidade medieval era

bastante simples, escreve o autor. Diversos cursos criados até o

século XIII se tornaram faculdades e passaram a integrar

universidades. “A universidade medieval chegava à era moderna com

uma estrutura curricular rígida, composta por duas Faculdades

(Teologia e Direito), a depender da maior ou menor influência da

religião sobre o Estado.” (p.115) Na Europa pós-renascimento com a

emergência do novo modo de produção, hoje conhecido como

capitalismo, um paradigma universitário pós-escolástico surge - a

universidade da arte-cultura, influenciada pela “descoberta” da

diversidade artística e cultural da África e da Ásia, e com base

no enciclopedismo, dotava a nova elite burguesa de habilidades

literárias e artísticas próprias do Iluminismo. (p. 115)

Assim, a produção científica perde terreno para a organização

e sistematização do conhecimento humanístico, artístico ou

tecnológico. E quando explode o mercado editorial, como

consequência da mecanização das tipografias, a publicação em massa

do conhecimento enciclopédico de que a universidade se ocupava,

revigora as tradicionais bibliotecas, que passam a ser vistas como

concorrentes da universidade. “Bastaria o domínio da leitura e o

acesso às bibliotecas para que os cidadãos pudessem se instruir.”

(p.116) O museu também passa a ser valorizado em relação à

universidade na difusão do conhecimento, face aos avanços das

ciências naturais e exatas que além de dados acumulariam acervos.

“Na segunda metade do Século XVIII, a Universidade parecia

superada e dispensável...” (p.117), numa virada que podemos

comparar à que vive a universidade nos tempos atuais, face ao

desenvolvimento tecnológico e científico, em especial às mídias

digitais.

O autor considera que Immanuel Kant, em 1795, ao escrever O

Conflito das Faculdades9 propõe a primeira reforma universitária

moderna. Dirigindo-se ao rei da Prússia, Kant analisa criticamente

a estrutura do ensino superior e os ensinamentos. Vislumbra uma

universidade autônoma, na qual a atividade não precisa de atestado

externo (do magistrado, do soberano, do pontífice), e comprometida

com a criatividade, com o novo, com a experimentação de novas

formas de agir e de pensar.

Em 1810, com o Relatório Humboldt10 a pesquisa científica

ganha relevância como base da verdade e o sistema de cátedra é

instituído na Universidade de Berlim, primeira universidade alemã

moderna, cujo modelo se difundiu por toda a Europa do Norte no

século XIX. “A pesquisa se afirma como eixo de integração do

ensino superior e o credenciamento do que pode ou não ser ensinado

nas universidades se define pela investigação científica.” (p.121)

Nos estados Unidos e na Inglaterra outros modelos surgiram.

Cem anos depois da Reforma Humboldt, outra importante reforma

universitária ocorreu nos EUA, orquestrada e articulada não pelo

9 KANT, Immanuel. Les Conflits des Facultés. In: _____.Opuscules sur l’histoire. Paris: Flammarion, 1990, p. 203-226.

10 O “Estado germânico, ao reestruturar a Alemanha após as guerras napoleônicas, pretendendo reformar o sistema de formação superior integrando-o ao desenvolvimento nacional, encomendou projetos de universidade aos mais renomados filósofos da época. Filósofos da estatura de Fichte, Schelling e Schleiermacher, apresentaram suas contribuições a essa primeira reforma universitária, porém foram os irmãos von Humboldt os vencedores desta espécie de “edital filosófico” da primeira reforma universitária.”(p.120)

Estado, mas pela sociedade civil, representada pelo grande capital

– barões do petróleo e das ferrovias. A universidade norte-

americana resultante desta reforma desenhada por Abraham Flexner

fomentava a organização de institutos e centros de pesquisa

autônomos dos departamentos, propiciando grande flexibilidade e

autonomia aos pesquisadores individuais ou em grupos. Modelo que

persiste em toda a América do Norte com poucas modificações, sendo

ainda compatível com os modelos de graduação das universidades de

países de língua inglesa. Com os movimentos dos direitos civis dos

anos 1960, multiplicaram-se community colleges por todo o território

norte-americano, massificando o acesso à universidade de segmentos

sociais anteriormente excluídos do ensino superior. “A magistral

obra de Clark Kerr (2005) registra e analisa desdobramentos

recentes e tendências atuais do modelo universitário norte-

americano, tornado cada vez mais dependente de agências de

financiamento de pesquisa e referenciado pelo mercado de

trabalho”. (p.126)

Na Europa conviveram múltiplos modelos de formação superior

até a metade do século XX. Diferentes versões geradas da

universidade elitizada do século XVIII, sem compatibilidade entre

si. A consolidação da União Europeia, levou à necessidade da

padronização dos sistemas de formação profissional entre os países

signatários. Em 1999, ministros de educação dos países da UE

assinaram a Declaração de Bolonha, se comprometendo com a

implantação, até 2010, da compatibilidade plena entre os sistemas

universitários europeus. Deste acordo decorre o chamado Processo

de Bolonha, que desencadeia a reforma universitária em 46 países

signatários, para adoção de princípios e critérios comuns e

compartilhados de creditação, avaliação, estruturas curriculares e

mobilidade estudantil, na esfera da educação superior. (p.127)

Na América Latina, em 1800 existiam 20 universidades ibero-

americanas do México ao Chile. No século XIX, generalizou-se no

continente o padrão francês de “universidade napoleônica”, voltada

para a formação de quadros profissionais, organizadas num complexo

de unidades autárquicas. Na América espanhola a universidade

chegou ao final do século XVI. Em 1918, em Córdoba, num movimento

bem sucedido, estudantes marcam a história da educação no

continente, reivindicando autonomia plena da universidade,

participação discente na sua gestão, adoção de concursos públicos

para ingresso docente, entre outros pontos. (p.128) Já aos países

colonizados por Portugal não era permitido o ensino superior,

aristocratas e a alta hierarquia eram enviados a Coimbra.

A primeira instituição de ensino superior do Brasil foi a

Escola de Cirurgia do Hospital Real Militar, fundada na Bahia em

1808. E cem anos depois os barões da borracha criaram a

Universidade do Amazonas, em 1909, em condições semelhantes à

Universidade do Paraná, criada em 1912, mediante a união de

faculdades isoladas. (p.128 - 129) A Universidade de São Paulo,

instituída em 1934, foi organizada e consolidada com base na

matriz européia, com ajuda de uma missão de jovens acadêmicos

franceses formados pela Sorbonne que incluiu Fernand Braudel,

Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide. No mesmo ano Anísio Teixeira

convocou os maiores nomes da cultura nacional da época para montar

a Universidade do Distrito Federal. Em 1946, foram inauguradas

instituições semelhantes em todo o país, notadamente a

Universidade do Rio de Janeiro, a Universidade da Bahia e a

Universidade de Recife (Santos, 1999). (p.132 – 133)

Mas, só os anos de 1960 o modelo de universidade de pesquisa

científico-tecnológica chegou ao Brasil. Anísio Teixeira e Darcy

Ribeiro conceberam a Universidade de Brasília como o primeiro

centro acadêmico de um novo modelo civilizatório para o Brasil

(Ribeiro, 1986). A UnB foi teve influência forte do modelo

flexneriano de universidade (Teixeira, 2005), criada sem a cátedra

vitalícia, com programas de ensino baseados em ciclos de formação

geral, organizada em centros por grandes áreas do conhecimento.

Com o golpe em 1964, sob intervenção militar a Universidade de

Brasília terminou por acomodar-se à estrutura administrativa e

curricular vigente no país. Um acordo entre o Ministério da

Educação e a USAID foi firmado em 1967, com a finalidade de

introduzir uma “reforma universitária” em nossa estrutura

acadêmica, financiada por empréstimos do FMI e do BID. Houve

resistência por parte da universidade, e reação dos movimentos

estudantis, reprimidos pelo AI-511.

“... a Reforma Universitária de 1968 foi nociva em suaresultante final, pois conseguiu manter o que de pior havia novelho regime e trouxe o que de menos interessante havia no játestado modelo flexneriano estadunidense. O fato de ter sido ummovimento gerado pela ditadura militar, imposto de cima,provavelmente fez com que os pontos positivos da proposta dereforma se perdessem no volume da reação. Assim, a única reformasistêmica que a universidade brasileira experimentou em sua curtahistória criou uma espécie de salada, ou talvez um pequenomonstro, um Frankenstein acadêmico, tanto em termos de modelo deformação quanto de estrutura institucional.” (p. 138)

Contudo, na década de 1970, uma rede institucional de pós-

graduação foi implementada, credenciando programas de treinamento

e pesquisa. O Ministério da Educação estabeleceu um comitê

nacional para credenciamento de programas de pós-graduação

vinculados a CAPES12 e, paralelamente, algumas agências federais de

11 Ato Institucional n. 5, ou AI-5, foi o último de uma série de decretos editados pelo regime militar no Brasil. Assinado pelo General Costa e Silva, em 1968, teve como consequência imediata o fechamento do Congresso Nacional por quase um ano. (nota p. 136)12 A CAPES (Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior), vinculada ao Ministério da Educação, foi criada por Anísio Teixeira em 1956 com a finalidade de formar docentes para o sistema universitário público. Atualmente desempenha o importante papel de agência de avaliação e credenciamento de programas de pós-graduação, além de ser a principal concessora de bolsas de estudo para formação de docentes universitários no País. (Nota 66, p. 138)

apoio à rede universitária de laboratórios de pesquisa foram

criadas, dentre elas o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).

Durante a redemocratização do Brasil (1981-1988), o sistema

universitário público do país sofreu muito com a crise econômica

na América Latina. Em 1985, o governo Sarney instituiu a Comissão

Nacional para Reformulação da Educação Superior, incorporando segmentos

outrora excluídos do debate político- institucional. Mas a única

consequência prática da iniciativa foi uma modificação substancial

da composição do Conselho Federal de Educação, realizada no

governo de Itamar Franco. Nos anos 1990, a rede de ensino superior

é aberta a investimentos privados locais, surge um grande número

de instituições de ensino superior privadas. Com a nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação, lei n° 9394/96, só organizações

que oferecem programas de pós-graduação credenciados e desenvolvem

atividades de pesquisa institucionalizadas são classificadas como

universidades. Em 2008 apenas 10% dos jovens entre 18 e 24 anos

cursavam ensino superior. O setor privado é responsável por mais

de 80% da oferta de vagas, mas com altas taxas de ociosidade e

inadimplência. A política do governo FHC, de aumento de vagas em

instituições privadas, não aproximou o Brasil dos níveis de

educação superior dos países industrializados. (p. 141-142)

Após traçar um panorama histórico do ensino superior no

Brasil e no mundo ocidental, o autor trata dos modelos hegemônicos

do ensino superior contemporâneo. Focaliza o modelo norte-

americano de college mais graduate schools suas origens e expansão,

referência importante para a “arquitetura curricular” de sua

Universidade Nova; e o modelo europeu unificado pelo Processo de

Bolonha, em fase de implantação, voltado à mobilidade acadêmica

internacional e adoção de “arquitetura curricular” comum.

Apresenta de forma sintética a estrutura do sistema universitário

do Brasil, que segundo ele resulta de “... concepção linear e

fragmentadora do conhecimento, alienada da complexidade dos

problemas da natureza, da sociedade, da história e da

subjetividade humanas” que, do ponto de vista curricular, ainda

pratica modelos superados de formação das universidades europeias

do século XIX. (p. 150)

Na sequência Naomar identifica problemas a serem superados

nesta matriz do ensino universitário brasileiro: i) precocidade na

escolha de carreira profissional; ii) seleção limitada, pontual e

“traumática” para ingresso na graduação; iii) currículos estreitos

e bitolados na graduação; iv) separação entre graduação e pós-

graduação; v) submissão ao mercado, perda de autonomia; vi)

incompatibilidade quase completa com modelos de outras realidades

universitárias; vii) formação tecnológico-profissional

culturalmente empobrecida; viii) dissonância da formação

universitária com a conjuntura contemporânea. (p. 157)

Reflete que os paradigmas da informação e do conhecimento

estão mudando, mas que nós continuamos na formação da graduação

especializada, mantendo tudo o que é velho, desatualizado. E

contrapõe ao emergente “internacionalismo acadêmico de base

mercantil” um novo modelo de universidade internacionalizada “...

a emergir do intercâmbio entre a rede universitária brasileira e a

matriz intelectual e cultural do continente europeu.”

Na mesma lógica de Boaventura, ele analisa questões críticas

relativas ao internacionalismo acadêmico e à onda de privatização

dos sistemas universitários de muitos países, acalentando a

esperança de que pela internacionalização do ensino superior haja

um caminho para o desenvolvimento social justo em vez de

instrumento político e ideológico para abrir novos mercados

econômicos. (p. 175) Retoma o tema da reforma Universitária e seu

significado necessário “... de transformação profunda, radical,

geral e completa, a fim de dotá-la de plena sustentabilidade

pedagógica e operacional, capacitando-a a cumprir sua missão

intelectual, cultural e social (Santos, 1995, 2005).”13

Destaca aspectos centrais desta revisão e atualização da

instituição: i) arquitetura acadêmica; ii) estrutura

organizacional; iii) modelo de política institucional

(governança); iv) modelo de gestão. (P.187) E ressalta boas

alternativas que têm sido propostas, nos planos locais, como o

projeto do Bacharelado em Humanidades, apresentado por Renato

Janine Ribeiro à Universidade de São Paulo, instituição

universitária de maior prestígio nacional, que rechaça a ideia

(RIBEIRO, 2003)14; a experiência do Curso de Administração de

Empresas da Faculdade Pitágoras, do setor privado, composto de um

ciclo básico, concentrado em estudos clássicos inspirados no liberal

arts colleges dos EUA, com um núcleo propedêutico antecedendo o ciclo

profissional (MOURA CASTRO, 2002); e no setor público, a inovadora

arquitetura curricular da Universidade Federal do ABC, inaugurada

em 2005, uma universidade tecnológica, com um programa inicial de

Bacharelado em Ciência e Tecnologia, pré-requisito que antecede a

formação de Licenciatura em áreas básicas (Biologia, Física,

Matemática, Química e Computação) e Engenharias.

Mas, afirma a necessidade de maior abrangência e radicalidade

na transformação de todo o sistema de educação universitária no

Brasil e apresenta seu modelo da Universidade Nova. Segundo

Boaventura (2008), uma proposta de reforma inovadora enraizada em

experiências e ideias universitárias brasileiras de ponta,

comprometida com a sociedade local, também, atenta às experiências

13 O autor também referencia o geógrafo Milton Santos, ao sustentar a necessidade de contribuição da universidade para uma globalização alternativa.14 RIBEIRO, Renato Janine. A Universidade e a Vida Atual. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

internacionais e a uma perspectiva de “globalização solidária do

saber universitário”.

Na Reitoria da UFBA, em 2006, a proposta da UFBA Nova15 voltava-se para:

Abertura de programas de cursos experimentais einterdisciplinares de graduação, que poderiam ser nãoprofissionalizantes ou não temáticos, com projetospedagógicos inovadores, em grandes áreas do conhecimento:Humanidades, Ciências Moleculares, Tecnologias, Saúde,Meio Ambiente, Artes;

Renovação do ensino de graduação, por meio de projetosacadêmico-pedagógicos criativos e consistentes, reduzindoas barreiras entre os níveis de ensino como, por exemplo,oferta de currículos integrados de graduação e pós-graduação;

Incentivo a reformas curriculares naqueles cursos queainda não apresentaram propostas de atualização do ensinode graduação. (p.197)

A partir de 2009, uma nova opção de formação universitária de

graduação, com base em regime de ciclos e módulos, é oferecida na

UFBA, apontando para uma transformação radical da atual

arquitetura acadêmica da universidade brasileira, visando

introduzir na educação superior temas relevantes da cultura

contemporânea, considerando a diversidade multicultural e maiormobilidade, flexibilidade, eficiência e qualidade, visando

compatibilidade com demandas e modelos de educação superior do mundo

contemporâneo. (p.200)

A estrutura curricular do projeto implanta um regime de três ciclos

de educação universitária: O Primeiro Ciclo propicia formação

universitária geral em uma nova modalidade de cursos chamada Bacharelado

Interdisciplinar (BI), que se caracteriza por agregar formação geral

humanística, científica e artística a um aprofundamento num dado campo do

saber, constituindo etapa inicial dos estudos superiores como pré-15 A proposta foi apresentada na ANDIFES e à Secretaria de Ensino Superiordo MEC com boa acolhida, tendo sido introduzida na discussão da Universidade do Mercosul e tendo influenciando a proposta de governo que veio a se chamar REUNI – Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais.

requisito para progressão aos ciclos de formação profissional naqueles

cursos que evoluírem para o regime de ciclos. O Segundo Ciclo contempla

formação específica (FE), encurtando a duração dos atuais cursos e

focalizando as etapas curriculares de aprofundamento num dado campo do

saber teórico ou teórico-prático, profissional disciplinar,

multidisciplinar ou interdisciplinar. E o terceiro ciclo contempla a pós-

graduação, numa arquitetura curricular interdisciplinar, flexível e

progressiva, com garantia de mobilidade intra e interinstitucional,

conforme exposto por Naomar.

Interessante notar que na proposta da nova UFBA, além de considerar

a diversidade social e distintas possibilidades e necessidades para

democratizar o acesso e a permanência de egressos do ensino público a

cursos superiores de qualidade, a visão social também é verificada no que

tange à articulação entre ensino, pesquisa e ações voltadas para o

desenvolvimento social. Nas atividades curriculares em comunidade (ACC) é

promovido o diálogo entre universidade e a sociedade, gerando campo de

produção compartilhada de conhecimento sobre a realidade, bem como

soluções para os problemas estudados de forma interdisciplinar e

envolvendo discentes e docentes.

Segundo o autor, os Bacharelados Interdisciplinares representam

alternativa avançada de estudos superiores16, ao reunir em uma única

modalidade de curso de graduação um conjunto de características

requeridas para uma formação universitária profissional e cidadã:

alargamento da base dos estudos superiores, ampliação de conhecimentos e

competências cognitivas; flexibilização curricular, aumento de

componentes optativos, escolha pelo estudante de seus próprios percursos

de aprendizagem; dispositivos curriculares integradores de conteúdos

disciplinares; adiamento de escolhas profissionais precoces; redução das

altas taxas de evasão do ensino público superior. O BI tem terminalidade

própria e pode constituir etapa preliminar aos cursos profissionais ou de

pós-graduação.

16 A Universidade Federal do ABC já adota o Bacharelado Interdisciplinar.

Os princípios do Modelo Universidade Nova tomam como referência

pedagógica competências desenvolvidas no Projeto Tuning - América Latina,

consórcio de 62 universidades latino-americanas, iniciativa que procurou

iniciar um diálogo para melhorar a colaboração entre essas instituições

de educação superior, favorecendo o desenvolvimento da qualidade, da

efetividade e da transparência para identificar competências genéricas

proporcionadas pela educação superior e competências específicas

relacionadas às profissões. A identificação de pontos comuns visava

alargar os canais destinados ao reconhecimento das titulações na região e

com outras regiões do planeta.

Visando oferecer uma formação capaz de atender a este complexo de competências e

habilidades, os currículos dos cursos no Modelo Universidade Nova serão construídos com base

nos seguintes princípios norteadores:

Flexibilidade – Conteúdos de natureza optativa, possibilitando ao aluno definir, em parte,

o seu percurso de aprendizagem.

Autonomia - Autonomia do sujeito quanto ao próprio processo de

aprendizagem, como condição básica para a consolidação da sua

competência.

Articulação – Diálogo interdisciplinar entre os campos de saber que

compõem os cursos e se concretizam em componentes curriculares,

para superação da visão fragmentada do conhecimento.

Atualização – Oferta de componentes curriculares que contemplem os

avanços científicos, tecnológicos, as inovações artísticas e

novidades no campo do conhecimento.

O Autor ressalta que sistema de ciclos é adotado nas

universidades norte-americanas desde 1910 e também na Europa, o

Processo de Bolonha (iniciado em 1999), em que o regime de ciclos

prioriza estudos gerais no primeiro ciclo. No Sudeste Asiático e

na Oceania modelos convergentes também são adotados. Países

latino-americanos com reformas universitárias recentes, como

México e Cuba, começam a implantar cursos de pre-grado como

requisito às carreiras profissionais. (p.222 – 223)

O texto aborda ainda que para além da “...desconstrução de

práticas pedagógicas redutoras, passivas, de baixo impacto e

ineficientes, ainda vigentes na educação superior” e práticas

pedagógicas como “...instrumentos de mobilização e participação

dos sujeitos no seu próprio processo emancipatório e de formação

profissional, política, cultural e acadêmica, as ações afirmativas

devem ser incorporadas à nova universidade. Contudo, ressalta que]

o Modelo Universidade Nova amplia o acesso à universidade e,

modulando a formação profissional e acadêmica com matrizes

culturais artísticas e humanísticas, constitui-se em exemplo de

“ação afirmativa estruturante”, pelo aumento substancial da oferta

de vagas, pela expectativa de redução das taxas de evasão, e pela

seleção para o BI através de exame geral que dilui a enorme

competição concentrada em alguns cursos, em relação aos quais o

vestibular tem sido instrumento de exclusão social.

A seleção para BIs, prioriza “...criatividade e talento,

qualidades intelectuais e humanas mais bem distribuídas

socialmente e menos ligadas à influência da história

socioeconômica das famílias e das pessoas.” (p. 225) Mas, o modelo

proposto não visa tornar a universidade “máquina de inclusão

social pela educação superior”, alerta o autor, citando Anísio

Teixeira, para quem a escola pública seria “a máquina que prepara

as democracias”.

Nem Harvard, nem Bolonha, diz Naomar, a intenção é construir

“... um modelo de educação superior compatível, no que for

pertinente para o contexto nacional, com o Modelo Norte-Americano

(de origem flexneriana) e com o Modelo Unificado Europeu (Processo

de Bolonha) sem, no entanto, significar submissão a qualquer um

desses regimes de educação universitária.” E ele não deixa de

citar as resistências previsíveis, por parte do setor privado de

ensino superior e dos próprios docentes das universidades.

Ressalta que o impacto de sua proposta não se destaca por aspectos

financeiros, mas “... nos aspectos filosóficos e conceituais das

funções culturais e sociais da Universidade.” Como “...casa do

talento e da criatividade, o lugar da competência radical (Almeida

Filho, 2007).”17

“O que acontece quando, submissos e enredados nas tramas dasociedade competitiva e do pensamento conservador, deixamossobreviver a universidade da mediocridade e do conformismo? Quantasinteligências sensíveis têm sido rejeitadas, fagocitadas oudesviadas de promissoras carreiras científicas ou artísticas poresta velha universidade? Cada pessoa, rica, negra, índia, de baixarenda, branca, imigrante, classe média, oriental, ou não, tem algumdiferencial de talento e capacidade criativa, que cabe à sociedade,por meio dessa “maravilhosa invenção chamada universidade”, comoescreveu Kant, descobrir e cultivar, para o desenvolvimentoeconômico, social e cultural da própria sociedade.” (p. 235 –236)

Suas maiores referências, são nacionais, encontram-se nas

obras de Anísio Teixeira18 e Milton Santos19 dos quais o projeto de

17 ALMEIDA FILHO, Naomar. Universidade Nova: Textos Críticos e Esperançosos. Brasília: Editora UnB; Salvador: EDUFBA, 2007.

18 Propõe-se uma estrutura nova da formação universitária, para dar-lhe unidade orgânica eeficiência maior. O aluno que vem do curso médio não ingressará diretamente nos cursossuperiores profissionais. Prosseguirá sua preparação científica e cultural em Institutos depesquisa e de ensino, dedicados às ciências fundamentais. Nesses órgãos universitários, quenão pertencem a nenhuma Faculdade, mas servem a todas elas, o aluno buscará, medianteopção, conhecimentos básicos indispensáveis ao curso profissional que tiver em vistaprosseguir. (Exposição de Motivos, Projeto de Lei que institui a Universidade de Brasília,enviado ao Congresso Nacional em 21 de abril de 1960). (p.240) (TEIXEIRA, Anísio. Ensinosuperior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de Janeiro: EDUFRJ,2005.)19 Tocando nos temas globalização e sociedade do conhecimento, o autor nos diz que para“...Milton Santos (2002a), a conjuntura conceitual da sociedade do conhecimento implica umarelação dialética entre os seguintes elementos: Primeiro, a emergência de um novo espaço-tempo, mediada pelo aperfeiçoamento e disponibilização dos meios de transporte; segundo,nesse caso mediada pela ampliação da telemática, estabelece-se uma hiperconectividadeinédita na história humana; terceiro, surgem condições de possibilidade concreta para ahegemonia de um pensamento complexo, em lugar do referencial simplificador cartesiano, paradar conta da complexidade crescente da sociedade contemporânea. (SANTOS, Milton. A natureza doespaço: técnica e tempo; razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002a[1996].)

a Universidade Nova incorpora valores filosóficos, metodológicos e

pedagógicos como: o sistema de três ciclos de formação; estrutura

modular; articulação entre bacharelados curtos, carreiras de média

duração e carreiras longas; articulação de saberes; novo espaço-

tempo, hiperconectividade; pensamento complexo; multi-inter-

transdisciplinaridade; paradigmas alternativos de formação.

Referindo-se a necessidade de uma teoria crítica da sociedade e da

cultura recorre à “sociologia das emergências”, proposta por

Boaventura Santos (2002), que reflete sobre o fenômeno do

multiculturalismo e os desafios em articular globalidade e

especificidade cultural. Cita ainda a “epistemologia dos

conhecimentos ausentes” de Boaventura Santos (1989), como marco

referencial para se construir uma nova universidade e sua

“ecologia dos saberes”.

Cita Janine, Paulo Freire e Coulon, refletindo sobre a

necessidade de práticas pedagógicas inovadores, “...abordagem

integradora que confira

sentido e significado ao conjunto de informações que se apresentamem fragmentos desconexos (Ribeiro, 2003).” [...] “Uma teoria dosprocessos ensino-aprendizagem consistente com projetos de renovação radical como a Universidade Nova poderá certamente articular a Pedagogia da Autonomia (cf. Paulo Freire, 2007) auma Pedagogia da Afiliação (conforme proposta de Alain Coulon, 2008). 20

20 COULON, Alain. A Condição de Estudante. A entrada na vida universitária. Salvador: EDUFBA, 2008.FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2007[1996].

Enfim, o texto de Naomar21 nos enriquece com reflexões e

referências22 marcantes sobre a história, a teoria e a

prática universitária e nos coloca a proposta de uma nova

universidade, inclusiva e integradora, incitando-nos a

conhecer seus desdobramentos na experiência da UFBA, como lá

se desenvolveu, sua situação atual e sua relação com o

contexto universitário nacional. Acompanhar a proposta no que

tange à integração entre universidade e sociedade, em termos

de inclusão social e cultural e da revisão do papel da

instituição universitária, como facilitadora nos processos e

construção e de difusão do conhecimento.

21 Apesar do tom, quase ufanista e um tanto nostálgico, dado pelo autor ao papel dauniversidade, que agora recobro nos trechos seguintes:“ Nesta oportunidade, apresento um ensaio crítico sobre modelos de ensino superior quehistoricamente forjaram a universidade como instituição política e social, fundadora dacultura ocidental.” (p.143)“... cumprimento do mandato humboldtiano da universidade como lugar de concepção construçãoda identidade nacional.” (p.238)22 Outras referências: MOURA CASTRO, Cláudio de. Os dilemas do ensino superior e a resposta da FaculdadePitágoras. Belo Horizonte: Universidade, 2002. OLIVE, Arabela Campos. Histórico da EducaçãoSuperior no Brasil. In: SOARES, Maria Susana (Org.). Educação Superior no Brasil. Brasília:CAPES/Unesco, 2002, p. 31-42.