Ascensão contra-hegemônica do Sul: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais VICTOR CARNEIRO CORRÊA VIEIRA ASCENSÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO SUL: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI RIO DE JANEIRO 2015

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais

VICTOR CARNEIRO CORRÊA VIEIRA

ASCENSÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO SUL: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

RIO DE JANEIRO 2015

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VICTOR CARNEIRO CORRÊA VIEIRA

ASCENSÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO SUL: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

Dissertação apresentada do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais. Área de Concentração: Globalização, Integração Regional e Política Comparada.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva

RIO DE JANEIRO 2015

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VICTOR CARNEIRO CORRÊA VIEIRA

ASCENSÃO CONTRA-HEGEMÔNICA DO SUL: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI

__________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira da Silva Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM __________________________________________________ Profª. Drª. Cristina Buarque de Hollanda Instituto de Estudos Sociais e Políticos/UERJ __________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM

RIO DE JANEIRO 2015

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto

Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro como

parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em Ciência Política e Relações

Internacionais.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de expressar minha profunda admiração ao professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, um dos intelectuais mais brilhantes e com conhecimento mais abrangente que tive o prazer de conhecer. Devo, contudo, acrescentar minha gratidão incondicional por toda a atenção e paciência que demonstrou durante todo o processo de orientação, e mesmo antes de ter se tornado meu orientador pela ação do destino. Com uma solicitude inigualável, seus ensinamentos não se direcionavam unicamente ao tema deste trabalho ou às aulas ministradas por ele, estando constantemente a par de todas as minhas iniciativas acadêmicas ao longo desse período. Ter o Chico como mentor durante esse percurso alterou, definitivamente, a minha percepção da relação entre orientador e orientando, ultrapassando a relação formal de mestre e aprendiz para desenvolver uma relação de amizade, que espero que se estenda por muitos anos.

Meu segundo agradecimento é destinado para outra professora que, infelizmente, não pode presenciar a obtenção do meu título de mestre. Como minha primeira orientadora, foi a Nanci Valadares de Carvalho que me ajudou a escolher o tema de pesquisa para as relações entre Brasil e China, e encorajou a aprofundar-me em uma área completamente nova para mim, que até então pesquisava somente a América Latina. Lembrarei-me carinhosamente para sempre de seu jeito gentil, mas ao mesmo tempo corajoso com que defendia o que acreditava, marcando com certeza a minha história acadêmica e expandido meus horizontes profissionais.

Estendo minha gratidão a todos os professores do PPGPRI, com os quais aprendi muito ao longo desses pouco mais de 2 anos decorridos desde meu ingresso. Em especial aos professores Paulo Afonso Monteiro Velasco Júnior e Erica Simone Almeida Resende, pelos ensinamentos sobre política externa brasileira e estadunidense, respectivamente, extremamente úteis para a compreensão do meu tema de pesquisa como um todo.

Aproveito para destacar o carinho de toda equipe de funcionários do IUPERJ, que sempre desempenharam suas funções com extremo zelo e atenção aos alunos. Dentre todos destaco o empenho, disposição e amizade principalmente da Graziela Miranda-Pando, na atenção e busca de soluções de demandas dos alunos da forma mais eficiente e rápida possível, juntamente com Nerilene Moreira (ou simplesmente Lene) e Ellen Nicácio, igualmente atenciosas, solícitas e extremamente prestativas.

Agradeço ainda à CAPES e ao CNPq, pela concessão da bolsa que me possibilitou a dedicação exclusiva aos estudos da pós-graduação, assim como o auxílio nas minhas participações em congressos nacionais e internacionais neste período, tão importantes para minha carreira.

Dentro de casa, sempre tive três pilares sólidos que sempre me ajudaram em toda a caminhada acadêmica, desde a graduação em Direito, até o ingresso no Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, onde me aproximei muito da política, até a decisão pelo aprofundamento nas áreas de Ciência Política e, mais especificadamente, de Relações Internacionais. Tenho orgulho de ter pais tão presentes e carinhosos como os meus, os quais tenho certeza que não poderia escolher melhores. Espelho-me nos dois em cada decisão tomada na vida. Em meu pai, Lierce Vieira, admiro a determinação que fez com que, apesar de todos os obstáculos na vida, alcançasse seus objetivos de forma admirável em ser o primeiro de sua família a obter um título de graduação. Já em minha mãe, Eliane Vieira, me inspiro em sua impavidez para entregar-se inteiramente no que ela acredita ser certo, na sua garra e luta diária em disseminar seu conhecimento visando o bem estar de todos ao seu alcance. O amor e os ensinamentos de vocês foram imprescindíveis para que eu me tornasse a pessoa que sou hoje.

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O terceiro pilar represente a minha avó Laurinette Carneiro, sem a qual jamais estaria concluindo mais essa etapa do meu périplo acadêmico. Desde pequeno, foi ela quem teve a paciência e a firmeza necessárias para estudar e repassar todas as lições comigo, dando “cascudos” para que eu prestasse atenção e ouvindo desaforos de um moleque de dez anos que ameaçava entregá-la para a polícia por maus tratos a menores. Na faculdade, foi ela que me deu apoio para continuar a faculdade nos dias mais difíceis. No mestrado, como não poderia ser diferente, foi ela que fez a revisão de todos os meus artigos apresentados, ônus de ter sido professora de português, sempre questionando o meu posicionamento por fugir ao senso comum e me dando a certeza de que por isso mesmo eu estava no caminho certo. Mais do que isso, seu pragmatismo, que influencia cada decisão da sua vida e, por diversas vezes, dos outros, me inspira, ainda que nem sempre a minha teimosia permita que eu o siga. É por isso e por todo o carinho, consideração e amor que dedico a ela essa dissertação.

Não seria possível concluir esse trabalho se não fosse o apoio de amigos e familiares, que sempre estiveram presentes, desde o processo de preparação para o processo seletivo, passando pelas noites em claro lendo livros intermináveis até a entrega desta dissertação. A lista seria tão extensa que optei por suprimí-la com o receio de esquecer de mencionar alguém entre amigos da pós-graduação, de antes dela, e do exterior, assim como tios e primos. Abro apenas duas excessões aqui para o meu irmão Eric Vieira, que apesar de não termos mais a convivência diária, nunca deixará de ser meu parceiro de momentos tão importantes como este; e para a minha afilhada, Antonella, que teve seu tempo comigo reduzido em razão da necessidade de me aprofundar no estudos, mas que sempre esteve presente com carinho em meus pensamentos.

Por fim, e não menos importante, gostaria de agradecer à minha companheira Marcelli Valle, que me demonstrou em todos os momentos presentes, todo o apoio que eu podia esperar, sendo compreensiva quando tive que me ausentar, companheira quando precisei que ela renunciasse às suas vontades em razão do meu trabalho e amorosa como sempre. Certamente, seu apoio foi indispensável para a conclusão dessa dissertação, assim como o foi em diversos outros momentos nesse período desde que estamos juntos. Espero continuar merecedor de seu carinho, atenção e companheirismo, tão importantes na minha vida.

A todos que fizeram parte desse processo, muito obrigado.

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Para a minha avó Lali, por todo o amor e inspiração que ela representa.

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RESUMO

VIEIRA, V. C. C. Ascensão contra-hegemônica do Sul: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI. 2015. 159 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, 2015

O governo Luiz Inácio Lula da Silva representou uma ruptura no modelo previamente estabelecido para a inserção internacional brasileira, ao alterar seu viés exclusivamente economicista e comercial, por uma atuação que também priorize relações políticas e sociais. O Brasil, enquanto potência média, orientou, em um primeiro momento, sua política externa com o objetivo de ampliar a sua projeção por meio de uma divisão em três áreas de atuação, como em um xadrez tridimensional com: um tabuleiro regional, o qual serviria como base para sua projeção global, um tabuleiro intermediário, no qual se observam as relações do país com outros do “Sul Global”; e um superior, onde se relaciona com os países desenvolvidos. Entretanto, a partir da eleição de Dilma Rousseff, passou-se a observar uma deterioração desse modelo em favor de uma gestão mais orientada para os afazeres domésticos. O crescimento econômico chinês ampliou a participação do Império do Meio nos centros de decisão globais, nos quais se apresenta hora como aliada essencial, hora como desafiante do poder hegemônico dos Estados Unidos. Com países do “Sul Global”, a China apresenta-se como uma alternativa à hegemonia estadunidense e um mercado consumidor para as commodities, ao mesmo tempo que é uma ameaça para as indústrias de países que não conseguem competir com sua alta competitividade. O presente trabalho tem o objetivo de analisar as estratégias de inserção internacional de Brasil e China, enquanto potências emergentes, assim como as oportunidades e desafios para o primeiro a partir de uma aproximação com a segunda no sistema internacional. Para concretizar os objetivos almejados, a pesquisa faz uma análise das relações de ambos os países com os Estados Unidos e instituições Ocidentais, assim como com países em desenvolvimento, em especial da América do Sul, para em seguida analisar a atuação em conjunto no cenário internacional, as relações entre eles e o impacto que exercem na política externa do outro. Para isso, utiliza-se a análise qualitativa baseada em uma investigação teórica de Ciência Política, Relações Internacionais, História e Economia Política Internacional e o referencial teórico fundado na Teoria Crítica das Relações Internacionais. Em linhas gerais, foi concluído que a aliança entre os dois países representa uma perspectiva de ampliação do poder de barganha internacional, inclusive na promoção de um revisionismo brando da ordem internacional, ainda que o ingresso de produtos manufaturados chineses no mercado latino-americano e os acordos bilaterais do gigante asiático com países da região, somados ao distanciamento por parte do governo brasileiro, que passou a priorizar a agenda doméstica desde 2011, possam representar um desafio para o Brasil enquanto líder regional. Palavras-chave: Brasil, China, Política externa, Sul Global, América Latina.

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ABSTRACT

VIEIRA, V. C. C. Ascensão contra-hegemônica do Sul: Brasil e China, parceria e desafio no início do século XXI. 2015. 159 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro, 2015

The government Luiz Inácio Lula da Silva symbolized a rupture with the previously established model for the Brazilian international insertion, when it changed the exclusively economistic and commercial bias, for a performance that also prioritize social and political relations. As a middle power, Brazil guided, during a first period, its foreign policy by the objective of increasing its projection through a division into three areas, like a three-dimensional chess with: a regional board, which would be the basis for its global projection, an intermediate board, in which are observed the country's relations with others from the “Global South”; and an upper board, in which it negotiates with developed countries. However, since Dilma Rousseff’s election, this model started to deteriorate in favor of a management more focused on domestic affaires. The Chinese economic growth increased the participation of the Middle Kingdom in the centers of global decision, in which sometimes it presents itself as an essential ally, and other times as a challenger of the hegemonic power of the United States. On the other side, with “Global South” countries, China presents itself as an alternative to US hegemony and as a consumer market for commodities, while it is a threat to the industries of other developing countries. This paper aims to analyze the international insertion strategies of Brazil and China, as emerging powers, as well as the opportunities and challenges brought to Brazil by the partnership in the international order. To achieve the intended objectives, the research analyzes the relations of both countries with the United States and Western institutions, as well as with developing countries, particularly in Latin America, so then it’s possible to analyze their performance together in the international arena, and the relationships between them and their impact on foreign policy on the other. It uses a qualitative analysis based on a theoretical investigation of Political Science, International Relations, History and International Political Economy and a theoretical framework based on the Critical Theory of International Relations. Broadly, as it was concluded, the alliance between the two countries represents a perspective of expanding their power of international bargain, inclusively claiming a soft revisionism in the international order, even though the inflow of Chinese manufactured products in the Latin American market and the bilateral agreements between the Asian giant and the countries of the region, added to the Brazilian government’s absence, which began to prioritize the domestic agenda over the foreign policy, since 2011, may pose a challenge for Brazil as a regional leader. Keywords: Brazil, China, Foreign policy, Global South, Latin America.

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LISTA DE MAPAS

MAPA 1 - Separação político-econômico-ideológica entre “Norte Global” e “Sul Global” 37

MAPA 2 - Mapa político da China 50

MAPA 3 - Principais rios do Plateau Tibetano 51

MAPA 4 - “Iniciativa da Rota da Seda” e “Rota da Seda Marítima do Século XXI” 71

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Capacidades materiais brasileiras 2002-2004 20

Tabela 2 Capacidades materiais brasileiras 2005-2007 21

Tabela 3 Capacidades materiais brasileiras 2008-2010. 22

Tabela 4 Capacidades materiais brasileiras 2011-2013 23

Tabela 5 Comércio do Brasil com a Argentina em US$ milhões(anos selecionados) 101

Tabela 6 Comércio da Argentina com o Brasil em US$ milhões (anos selecionados) 101

Tabela 7 Comércio do Brasil com a China em US$ milhões(anos selecionados) 108

Tabela 8 Comércio da Argentina com a China em US$ milhões(anos selecionados) 108

Tabela 9 Principais produtos exportados por Brasil e Argentina para China (2013) 109

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LISTA DE SIGLAS

ABC Agência Brasileira de Cooperação

AD Acción Democrática

ADB Banco Asiático de Desenvolvimento (Asian Development Bank)

ADM Armas de destruição em massa

AFIP Administração Federal de Receitas Públicas

AIEA Agência Internacional de Energia Atômica

AIIB Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura (Asian Infrastructure Investment Bank)

ALBA Aliança Bolivariana para as Américas

ALCA Área de Livre-comércio das Américas

AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas

APEC Associação de Cooperação Econômica de Países da Ásia Pacífico

ASEAN Associação das Nações do Sudeste Asiático

ASU Associação de Supermercados Unidos

BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social

BRIC Conceito elaborado pelo economista Jim O’Neil com as iniciais dos quatro países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China, que teriam grande impacto na formulação da nova ordem mundial

BRICS Arranjo político entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CASA Comunidade Sul-Americana de Nações

CALC Cúpula da América Latina e Caribe

CAN Comunidade Andina de Nações

CBERS Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres

CCPCC Comitê Central do Partido Comunista Chinês

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CDB Banco de Desenvolvimento da China (China Development Bank)

CNP Congresso Nacional do Povo

Celac Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe

CEPAL Comissão Econômica para América Latina e Caribe

COPEI Comité de Organización Política Electoral Independiente

CRA Arranjo Contingente de Reservas (Contingent Reserve Arrangement)

CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas

CO2 Dióxido de carbono

DPI Direito de Propriedade Intelectual

E3 Initiative US-ASEAN Expanded Economic Engagement

EUA Estados Unidos da América

FAB Força Aérea Brasileira

FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

FARC Forças Armadas Revolucionárias Colombianas

FMI Fundo Monetário Internacional

FOCEM Fundo de Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul

FTAAP Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico (Free Trade Area of the Asia-Pacific)

GATT Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio

IBAS Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBSAMAR India-Brazil-South Africa Maritime

IED Investimento direto estrangeiro

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

Indec Instituto Nacional de Estatística e Censo

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IPCA Índice de Preços ao Consumidor Amplo

ISI Industrialização por substituição de importação

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MITL Movimento Islâmico do Turquestão Leste

MNA Movimento dos Países Não-Alinhados

NAFTA Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement)

NDB Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank)

NSA Agência Nacional de Segurança

OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

OCS Organização para Cooperação de Shanghai

OEA Organização dos Estados Americanos

OMC Organização Mundial do Comércio

ONU Organização das Nações Unidas

OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

P5 Cinco membros permanentes do CSNU

PAFTA Área de Livre-Comércio do Pacífico (Pacific Free Trade Area)

PCC Partido Comunista Chinês

PDVSA Petróleos de Venezuela

PGT Petrobras Global Trading

PIB Produto Interno Bruto

PLA Exército de Libertação Popular (People’s Liberation Army)

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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PP Partido Progressista

PPP Paridade poder de compra (power purchase parity)

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

RC República da China (Taiwan)

RIC Interação trilateral entre Rússia, Índia e China

RPC República Popular da China

SD Solidariedade (Partido)

TINA There is no alternative

TNP Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares

TPP Parceria Trans-Pacífico (Trans-Pacific Partnership)

UE União Europeia

UNASUL União das Nações Sul-Americanas

UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

ZEE Zonas Econômicas Especiais

ZOPACAS Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO  ..................................................................................................................................  1  

2. A INSERÇÃO BRASILEIRA A PARTIR DO “NOVO PROTAGONISMO MUNDIAL”  ..............  8  

2.1. HEGEMONIA, CONTRA-HEGEMONIA E O PAPEL DOS ESTADOS NO SISTEMA INTERNACIONAL  .................................................................................................................  10  

2.2. QUALIFICANDO UMA POTÊNCIA MÉDIA  .........................................................................  16  

2.3. O BRASIL ENQUANTO POTÊNCIA MÉDIA  ........................................................................  19  

2.4. O XADREZ TRIDIMENSIONAL DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA  .......................  29  

2.4.1.  O  tabuleiro  regional  ............................................................................................................  30  

2.4.2.  O  tabuleiro  intermediário  ...................................................................................................  36  

2.4.3.  O  tabuleiro  superior  ............................................................................................................  41  

OBSERVAÇÕES FINAIS  ................................................................................................................  44  

3.  CHINA:  ENTRE  AGENTE  CONTRA-­‐HEGEMÔNICO  E  POTÊNCIA  NEO-­‐IMPERIALISTA  ..........................  46  

3.1. A TRAJETÓRIA DO DRAGÃO  ...............................................................................................  47  

3.2. A CHINA DIANTE DA HEGEMONIA  ...................................................................................  54  

3.2.1.  Da  "Guerra  ao  Terror"  à  Crise  de  2008:  a  trajetória  sinuosa  de  uma  hegemonia  decadente  ............................................................................................................................................  56  

3.2.2.  A  política  externa  de  “Desenvolvimento  Pacífico  da  China”  e  promoção  do  “Mundo  

Harmônico”  .........................................................................................................................  60  

3.2.3.  O  jogo  de  soma  zero  de  Obama  e  a  estratégia  de  “Ásia  para  os  asiáticos”  de  Xi  ...............  67  

3.3. CHINA E AMÉRICA DO SUL: FLAMA DE INDEPENDÊNCIA OU UMA NOVA FORMA DE DOMINAÇÃO?  .................................................................................................................  75  

OBSERVAÇÕES FINAIS  ................................................................................................................  80  

4.  BRASIL  E  CHINA:  ALIANÇA  PROMISSORA  COM  INTERESSES  CONFLITANTES  ....................................  83  

4.1. “ONE CANNOT MAKE ‘BRICS’ WITHOUT STRAW”  ........................................................  83  

4.2. “PODERES CÓSMICOS E FENOMENAIS DENTRO DE UMA LAMPADAZINHA”  .........  92  

4.3. UM INTRUSO NO NINHO  ....................................................................................................  102  

4.3.1.  Um  rei  dividido  entre  duas  rainhas  ...................................................................................  107  

4.3.2.  Verde  ou  Maduro?  Ideologia  e  pragmatismo  nas  relações  entre  a  Venezuela  e  a  China  .  111  

OBSERVAÇÕES FINAIS  ..............................................................................................................  116  

CONCLUSÃO  ........................................................................................................................................  118  

BIBLIOGRAFIA  ......................................................................................................................................  128  

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1. INTRODUÇÃO

Nos últimos vinte anos o interesse pelo estudo da China tem crescido

vertiginosamente entre acadêmicos de diversas áreas, interessadas na sua política, economia,

relações sociais, história, cultura, linguagem, literatura, medicina, tecnologia, enfim, curiosos

que buscam compreender a ascensão de um país que muitos afirmam ser a próxima potência

mundial. Outros, céticos, mantém-se afastados, esperando por um “novo Japão”, o país que ia

desbancar os Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990 e, após comprar cidades

estadunidenses em filmes de Hollywood1, observou sua moeda, o iene, disparar, suas

indústrias transferirem-se para o exterior e a bolsa de valores de Tóquio ser vítima de um

surto especulativo que levaram o país a uma crise política e econômica que minou as

expectativas japonesas de se tornar a próxima potência hegemônica (TORRES FILHO, 1997).

A curiosidade pelo Oriente foi certamente um dos fatores que atraíram esta pesquisa

para a China, porém, esse interesse em nada se aproxima do fascínio que a inserção

internacional das potências emergentes desperta. A realidade desses atores internacionais, sua

busca por um reformismo, ainda que brando (soft reformism), das estruturas de poder que

definem o sistema internacional, suas estratégias de ampliação de sua participação nos

organismos internacionais por meio do multilateralismo e suas concertações políticas

despertam um grande interesse. Somado a isso, a expectativa de acompanhar um processo que

pode vir a originar uma nova sucessão hegemônica completou a lista de razões pelas quais o

Império do Meio2 merece um estudo aprofundado.

Por outro lado, a América do Sul destaca-se por sua história coletiva de luta por

emancipação, sua diversidade política e sua cultura vibrante que a particularizam. Dentre seus

países, o Brasil vem ampliando sua influência à medida que seu desempenho econômico

surpreendente e sua estratégia de inserção internacional foram combinadas com o carisma de

um líder que soube promover a imagem do país entre os diversos atores e foros do sistema

internacional. Assim como a China, o país é uma potência regional, com capacidades

materiais, poder militar e liderança incontestável no continente, o que faz com que uma

                                                                                                                         1 Como se pode observar no filme ROBOCOP 3. Direção: Fred Dekker. Produção: Andrew Eaton. Atlanta: Orion Pictures, 1993. 1 DVD (105 min), NTSC, color., estéreo, linguagem original: inglês. 2 Desde o século III a. C., a dinastia Qin logrou em unificar o território que receberia o nome de Zhōngguó (中国) em mandarim, cuja tradução para o português pode ser identificada como: Império do Meio, Reino do Meio ou País do Meio (GELBER, 2012). Ao longo deste trabalho, o leitor poderá observar que optou-se em diversos momentos por substituir a referência à China pelo termo Império do Meio, assim como pelo nome de sua capital, Beijing, para que a repetição do nome não impactasse na fluidez da leitura.

2

análise aprofundada de seu papel no sistema internacional seja primordial para a compreensão

de toda a região.

A parceria estratégica firmada em 1993 por Brasil e China já sinalizava o interesse dos

dois países em aprofundar a cooperação. Com o passar do tempo, a aproximação dos dois

países emergentes deixou de ser restrita a um comércio casual, passando a ser observada tanto

por meio de suas atuações políticas conjuntas, como por suas interações econômicas.

Contudo, foi a partir da popularização do relatório de Jim O’Neil, ex-diretor do Goldman

Sachs, que os países passaram a ser vistos como parte de um grupo de países que, num

período de 30 anos, ampliariam suas capacidades materiais, tornando-se capazes de construir

uma nova ordem mundial. O que começou como um anagrama formado pelas iniciais desses

países, BRIC, em alusão à palavra brick, tijolo em inglês, logo desenvolveria-se para

constituir um foro de concertação que, junto aos dois, incluiria Índia e Rússia em um primeiro

momento e posteriormente adicionaria a África do Sul para completar a formação do que hoje

é o grupo dos BRICS.

Esses países assumiram um protagonismo entre os países emergentes, em

desenvolvimento e subdesenvolvidos, aprofundaram os laços de cooperação Sul-Sul e a

repercussão de seus pleitos de reforma. Contudo, a descrença em uma reforma capaz de

alterar as estruturas de poder do sistema internacional fez com que a China adotasse, muitas

vezes, uma estratégia de atuação unilateral ou bilateral, esvaziando foros multilaterais. A

consolidação dos BRICS representou para o país asiático uma ampliação do alcance de seus

pleitos entre os países do “Sul Global”, uma vez que a associação com outras potências

regionais possibilita que o eco de suas posições atinja diversas áreas do globo. Assim como

ocorreu para a China, a diplomacia “ativa e altiva” do governo Lula da Silva encontrou no

agrupamento um ambiente propício para defender o interesse nacional e diversificar suas

parcerias políticas e econômicas.

Sob a chancelaria de Celso Amorim, o governo brasileiro alterou seu padrão de

inserção internacional, abandonando o foco exclusivo nos interesses econômicos e comerciais

para direcionar suas políticas de modo a incluir as relações políticas e sociais. Essa mudança

na sua orientação tornou possível a estratégia que o governo chamou de “novo protagonismo

mundial”, cujo objetivo era o de consolidar o Brasil como um ator influente no cenário

internacional e como uma liderança entre os países do “Sul Global”. Para isso, o governo

brasileiro estruturou sua política externa de modo a dividir sua atuação como em um xadrez

tridimensional. A estratégia teorizada por Joseph Nye Jr. (2002) para explicar a política

externa estadunidense seria adaptada para a realidade brasileira para compreender três

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tabuleiros de atuação que se sobrepõe, formando uma pirâmide, de modo que cada tabuleiro

serve como apoio para o seu superior.

Dentre os três tabuleiros, o relativo às relações promovidas na região em que o país se

encontra e exerce liderança, a América do Sul, pode ser considerado a base capaz de sustentar

toda a sua política externa, legitimando-o como representante de uma área relevante do

sistema internacional. O tabuleiro que se segue imediatamente a esse é o intermediário,

referente às interações do país junto com outros países do “Sul Global”, coordenando

estratégias de desenvolvimento, de cooperação Sul-Sul e o objetivo de reformar as

instituições internacionais para democratizar o sistema internacional. Por fim, o terceiro

refere-se às relações do Brasil com os países do “Norte Global”, em especial os Estados

Unidos e os países da União Europeia (UE), encerrando o tabuleiro superior.

Após oito anos de governo Lula da Silva, o Partido dos Trabalhadores (PT), logrou em

eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, a qual havia sido Ministra de Minas e Energia e

Ministra da Casa Civil do antecessor. Seu estilo de gestão impactaria diretamente a política

externa do governo brasileiro. Ainda que não tenha havido uma ruptura intencional das

estratégias de inserção internacional desenvolvidas na gestão anterior, a preferência da

mandatária pelo gerenciamento doméstico fez com que o Itamaraty fosse relegado a um

segundo plano. Dentre todas as áreas geográficas a que presenciou uma perda de prestígio

mais sensível foi a região estabelecida como base para a política externa prévia, a América do

Sul, a qual foi deixada com a sensação de abandono por parte de sua potência regional.

No que diz respeito à China, compreender o momento pelo qual o país asiático está

vivendo hoje requer um regresso ao passado, ainda que não seja necessário voltar à época em

que o Império do Meio era considerado o “centro do mundo”. As reformas pelas quais o

Estado passou a partir da década de 1970 alteraram profundamente a natureza exclusivamente

agrária do país, possibilitando a modernização da agricultura, da indústria, da ciência e

tecnologia, e do setor militar, com o objetivo de acelerar seu crescimento econômico e seu

desenvolvimento social. A abertura econômica que viabilizou a implantação da “economia de

mercado com características chinesas” reformulou a forma como a China era percebida pelo

mundo, atraindo empresas e investimento estrangeiro que possibilitaram três décadas de

crescimento de 10% ao ano.

Junto com seu novo poder econômico, Beijing passou a pleitear uma maior

participação política no sistema internacional, evitando ao máximo uma confrontação direta

com a potência hegemônica. Com o objetivo de sinalizar que o seu crescimento não deveria

ser confundido como uma pretensão hegemônica conflituosa, o Império do Meio anunciou

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sua política de “Desenvolvimento Pacífico”, segundo a qual a paz mundial e o

desenvolvimento comum seriam fundamentais para estabelecer um “Mundo Harmonioso”.

Entretanto, o diálogo com os Estados Unidos não pode ser confundido com uma inércia

chinesa, principalmente no que diz respeito ao seu entorno regional. A constituição da

Parceria Trans-Pacífico (TPP), patrocinada pelos EUA, com regras de propriedade intelectual

extremamente restritivas, que impediriam o ingresso chinês, pode ser considerada um retrato

da tentativa estadunidense de afirmar-se na Ásia Pacífico à revelia da China.

Beijing não tardaria a apresentar a sua proposta de integração regional fundada no

“Sonho Ásia-Pacífico”, com o objetivo de recriar uma “Rota da Seda”. Porém, diferentemente

da proposta estadunidense, a Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico (FTAAP), apresentada

em novembro de 2014, contrastou um projeto inclusivo, que abarcaria todos os acordos de

livre comércio existentes na região, com um excludente, como o TPP e a rigidez de suas

regras. Alijada de ampliar sua participação no sistema financeiro internacional, a China

começou a construir, em 2014, um novo complexo financeiro que contrasta com os

tradicionais Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial por dar maiores poderes

aos países emergentes. Conjuntamente aos outros BRICS, apresentou o Novo Banco de

Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA) e, independente do

agrupamento, lidera o processo de criação do Banco Asiático para Investimento em

Infraestrutura (AIIB).

A ampliação da influência chinesa não se restringe ao seu imediato entorno regional,

tendo crescido também na América do Sul, região sobre a qual o Brasil exerce liderança. O

aprofundamento da cooperação política, econômica e financeira de países vizinhos com

Beijing tem alterado a configuração de poder na região, impactando diretamente no

posicionamento desses países diante do Brasil. Ao mesmo tempo, uma aliança com a China

pode garantir ao Brasil uma ampliação do alcance de seus pleitos em foros multilaterais. A

partir dessa constatação, a pergunta que se faz é: de que forma a ampliação do poder e da

participação chinesa no sistema internacional impactam na inserção internacional brasileira e

na sua condição de potência regional?

A partir desse questionamento, esta pesquisa faz uma análise das estratégias de

política externa de Brasil e China no período de 2003 a 2014 para, posteriormente avaliar a

interação promovida por meio do foro de concertação dos BRICS e o impacto de sua inserção

política e econômica na América do Sul, em especial nos países do Mercado Comum do Sul

(Mercosul). O corte temporal ocorre a partir do ano de 2003, ano em que ambos os países

vivenciaram uma mudança de governo, que viria a estabelecer novos padrões de inserção

5

internacional. O período abarcará os governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e de

Dilma Rousseff (2011-atual), no caso brasileiro, e os de Hu Jintao (2003-2013) e de Xi

Jinping (2013-atual). Contudo, este trabalho também abordará eventos prévios, quando estes

forem considerados essenciais para a compreensão do período analisado.

Nas próximas páginas será feita uma análise da inserção internacional dos dois países

no período selecionado para, posteriormente, avaliar as oportunidades e os desafios para o

Brasil de um maior protagonismo chinês no sistema internacional e na América Latina. Para

realizar esta tarefa, o trabalho foi dividido em três capítulos de desenvolvimento.

Considerando a introdução o primeiro capítulo, por razões de forma, o segundo abordará os

fundamentos da Teoria Crítica das Relações Internacionais, com base nos estudos de Robert

Cox, e qualificará o conceito de potência média, constituindo a maior parte da base teórica

deste trabalho. Completa a parte anterior, o capítulo tratará também de estabelecer um

paralelo entre o conceito de potência média e a condição brasileira no sistema internacional,

assim como estudará sua estratégia de inserção internacional com base em um xadrez

tridimensional.

O capítulo 3 direciona-se para uma análise da China e sua condição de potência

emergente. Será apresentada a forma como o Estado posiciona-se diante da atual potência

hegemônica pleiteando um revisionismo brando do sistema internacional capaz de acomodar

uma maior participação dos países emergentes. Também avaliará a forma como os Estados

Unidos respondem aos estímulos chineses e a inserção do Império do Meio na América do

Sul, delimitando os interesses de ambos os lados na cooperação. Esses dois capítulos

pretendem elucidar de que forma os dois países posicionam-se no sistema internacional

independentemente de suas interações e, portanto, servem como base para o objeto de

pesquisa, qual seja compreender as estratégias de inserção internacional dos dois países e as

oportunidades e os desafios para o Brasil a partir de um maior protagonismo chinês no

sistema internacional e na América Latina.

O último capítulo de desenvolvimento apresentará a parceria estratégica entre os dois

países, principalmente a partir da consolidação do grupo dos BRICS, como uma perspectiva

de ampliação do seu poder de barganha internacional, inclusive na promoção de um

revisionismo brando da ordem internacional. Posteriormente, será feita uma diferenciação da

forma como o governo Dilma Rousseff percebe sua política externa, afastando-se do modelo

anterior, de Lula, reduzindo o protagonismo internacional brasileiro, que pode ser sentido

pelos próprios vizinhos sul-americanos. Por fim, será abordada a aproximação chinesa dos

6

parceiros brasileiros do Mercosul, em especial a Argentina e a Venezuela, definindo os

interesses que levam ambos os lados a desejar um aprofundamento das relações bilaterais.

Ao final do trabalho, após concluir que grande parte das ameaças ao protagonismo

brasileiro no sistema internacional emanam do próprio afastamento de seu governo, serão

feitas considerações sobre os desafios que o governo Dilma enfrentará a partir de seu segundo

mandato, iniciado em 2015. Da mesma forma, a partir de uma observação dos esforços

chineses de ampliação de sua participação no sistema internacional e associação à iniciativas

recentes estadunidenses é possível observar a adoção de uma política de contenção por parte

dos Estados Unidos, em especial a partir do discurso State of the Union, proferido pelo

presidente Barack Obama (2009-atual), em 20 de janeiro de 2015, e da tentativa de esvaziar a

adesão internacional ao projeto de banco de desenvolvimento liderado pela China, o AIIB. O

objetivo é o de possibilitar ao leitor a compreensão das estratégias dos dois países e

demonstrar os campos em que podem ser alinhados para um benefício mútuo e aqueles em

que podem ser considerados concorrentes.

Para realizar este trabalho, foi realizada uma análise teórica da literatura de Relações

Internacionais, com o objetivo de fornecer as bases necessárias para a sua confecção. Durante

a redação foram necessários diversos dados para ilustrar a evolução das capacidades materiais

brasileiras durante o período analisado, assim como para avaliar o desenvolvimento do

comércio do Brasil e de seu maior parceiro comercial na região, a Argentina, entre si e com a

China, definindo, ainda os cinco principais produtos exportados pelos dois países ao Império

do Meio, dados que podem ser consultados nas tabelas anexadas ao longo da obra. Para

confeccioná-las, utilizou-se a fonte de diversos bancos de dados, em especial o Banco

Mundial, o COMTRADE e a CEPAL.

Ainda no que diz respeito às fontes, utilizou-se pronunciamentos, declarações e

discursos de agentes do governo chinês, brasileiro e estadunidense disponíveis em sítios

eletrônicos fomentados pelos governos dos respectivos países. Foram utilizadas, ainda,

diversas fontes jornalísticas durante a pesquisa, no caso da mídia brasileira, optou-se por

utilizar uma pluralidade de agências, tais como O Globo, Folha de São Paulo, Valor

Econômico, BBC Brasil e Estado de São Paulo. Já para notícias referentes à China, utilizou-se

prioritariamente o China Daily, fomentado por notícias produzidas pela agência oficial do

governo chinês, Xinhua, e, devido a esse fato, pode-se considerar que suas opiniões como

"semi-oficiosas", por representarem as diversas posições concorrentes, ainda que autorizadas,

dentro do Partido Comunista Chinês (PCC).

7

Em termos de estética, optou-se por diferenciar fontes da bibliografia não só nas listas

pós-textuais, mas também no corpo do texto, onde as fontes recebem notas de rodapé,

enquanto as referências bibliográficas utilizam o padrão (SOBRENOME, ano, página),

determinado pela ABNT. O objetivo ao fazer essa separação é o de facilitar para que o leitor

que deseje verificar os dados, documentos, discursos, declarações e matérias jornalísticas

tenha acesso rápido ao material consultado. O mesmo não foi feito com o material

bibliográfico para que não houvesse uma contaminação do texto por um excesso de notas de

rodapé, atrapalhando a fluidez da leitura.

8

2. A INSERÇÃO BRASILEIRA A PARTIR DO “NOVO PROTAGONISMO

MUNDIAL”

O modelo de inserção internacional brasileira a partir do governo Luiz Inácio Lula da

Silva é um assunto que suscitou um grande interesse por parte de acadêmicos ao longo dos

anos, sejam críticos ou entusiastas, é incontestável que o Brasil passou por profundas

alterações na forma como se relaciona com seus pares. A retomada do crescimento econômico

combinada com distribuição de renda e inclusão social ajudaram a projetar o Brasil

internacionalmente como um representante legítimo entre os países em desenvolvimento,

estratégia que viria a ser chamada de “novo protagonismo mundial”.

A partir de então, o Brasil passa a almejar um espaço de destaque no tabuleiro

internacional de decisões, pleiteando uma democratização do sistema internacional para que

este passe a considerar os interesses de atores não centrais. O primeiro sinal de mudança na

política externa brasileira no sentido de atuar mais proativamente em organismos

internacionais ocorreu na Conferência da OMC em Cancún, em 2003. Nas palavras de Cervo

e Bueno: “desde Cancún, no entender da diplomacia brasileira, ou os emergentes tomam parte

na confecção das regras, que se tornariam legítimas e justas, ou a produção das mesmas seria

paralisada” (2011, p. 528).

A política interna e externa volta a ser focada na promoção do desenvolvimento, com

um Estado ativo com autonomia política e econômica, abandonando a cartilha do

neoliberalismo que almejava um Estado unicamente regulador. Esse Estado é nomeado de

Estado logístico por Cervo e Bueno: Logístico é aquele Estado que não se reduz a prestar serviço, como fazia à época do desenvolvimentismo, nem a assistir passivamente às forças do mercado e do poder hegemônico, como se portava à época do neoliberalismo. Logístico porque recupera o planejamento estratégico do desenvolvimento e exerce a função de apoio e legitimação das iniciativas dos outros atores econômicos e sociais, aos quais repassa responsabilidades e poder (2011, p. 529).

A política externa que estabelecia como parceiros prioritários os Estados Unidos e

seus aliados do Atlântico Norte, na qual o Brasil tentava apresentar-se como um aliado

estratégico de seus interesses no Atlântico Sul passa por uma reorientação sob o comando de

Celso Amorim. O Itamaraty passou a priorizar a ampliação de parcerias comerciais e a

posicionar-se como um representante do Sul, defendendo os interesses de países em

9

desenvolvimento em foros multilaterais e pleiteando a democratização dos espaços de decisão

e das instituições internacionais para que refletissem uma maior pluralidade de atores

internacionais.

Para Teixeira da Silva, a política externa do governo Lula teve como princípios: 1. A diversidade mundial e a multiplicação de centros de poder como o melhor caminho para a paz e a democratização das relações políticas e econômicas internacionais. A defesa do princípio de respeito à soberania, à não agressão e à não ingerência nos assuntos de outros países. 2. A política externa como instrumento de promoção da paz, no plano externo, e de geração de desenvolvimento sustentável, renda e empregos, no plano interno, com ênfase nas negociações e recusa ao recurso da guerra. 3. A defesa e a articulação da reforma dos organismos internacionais para dar-lhes maior representatividade na gestão das questões globais, em especial do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 4. A prioridade para as relações externas com a Argentina, demais países do Mercosul e países da América Central, culminando no fortalecimento do Mercosul e na criação da Unasul (União das Nações da América do Sul) e do Conselho Regional de Defesa. 5. A expansão do interçâmbio político, cultural e comercial com países da África e do Oriente Médio, buscando a diversificação e desconcentração da política externa do país. 6. A defesa mundial do combate à fome e à pobreza, pondo em prática vastos programas de cooperação com a África e a América Latina. 7. A consolidação da vocação de multilateralidade no comércio externo por meio da diversificação dos mercados, do fortalecimento do Mercosul e do estabelecimento de cooperação econômica e tecnológica com os países emergentes. 8. A reorientação seletiva do investimento direto externo para aumentar as exportações, substituir importações, expandir e integrar a indústria de bens de capital, bem como fortalecer a capacidade endógena de desenvolvimento tecnológico (2014, p. 163).

Essa mudança na atuação brasileira no exterior resulta, em grande medida, do auto-

reconhecimento do país como uma potência média, categoria que será explicada a seguir e

que ganha interesse dos acadêmicos a partir da atuação do Movimento dos Países Não-

Alinhados (MNA) e da industrialização de países em desenvolvimento, ainda nos anos 1960.

A seguir, serão apresentadas as diversas categorias de Estados no sistema internacional

divididos de acordo com seu poder e seu papel sistêmico, assim como avaliados os requisitos

necessários para que um Estado seja classificado como potência média e a forma com que o

Brasil preenche cada um desses requisitos. Porém, antes disso é necessário explicar alguns

conceitos simples que ajudarão a compreender melhor a inserção dos Estados no sistema

internacional, tais como hegemonia, contra-hegemonia e ciclos hegemônicos.

10

2.1. HEGEMONIA, CONTRA-HEGEMONIA E O PAPEL DOS ESTADOS NO SISTEMA INTERNACIONAL

A disputa pelo poder tem sido uma constante no cenário internacional desde a

formação dos Estados Nacionais, seja no cenário regional ou global, países avaliam sua

capacidade de influenciar e de controlar o sistema e outros atores. Dessa forma, a capacidade

de poder varia entre os Estados, assim como no lapso de tempo em que são observados. Cox

afirma que “no nível exclusivo da política externa, as grandes potências têm uma liberdade

relativa de determinar suas políticas externas em resposta a interesses nacionais; as potências

menores têm menos autonomia” (2007, p. 114). Ao afirmar que pequenas potências possuem

uma menor autonomia em sua política externa, Cox deixa implícito o fato de grandes

potências influenciarem não só a própria política externa, como também todo o sistema em

seus aspectos econômico, político e social.

Esse pensamento é herdeiro dos estudos de Antônio Gramsci, feitos durante o período

que esteve preso no regime fascista italiano, que tratavam do Estado, da relevância e

capacidade da sociedade civil para a transformação dele e da atuação da política, ética e

ideologia e seu impacto nos meios de produção. O principal conceito, tratado por ele, e

importado pelos estudos de Relações Internacionais foi o de hegemonia, o qual se refere à

dominação de uma classe social sobre as outras por meios políticos e ideológicos, moldando o

Estado e a sociedade civil de acordo com seus interesses, combinando estratégias de consenso

e coerção. A construção do consenso seria utilizado para angariar aliados entre outras classes

da sociedade civil, exercendo uma liderança intelectual e moral, enquanto, nas palavras de

Gramsci, o recurso às armas e à coerção é pura hipótese de método e a única possibilidade concreta é o compromisso já que a força pode ser empregada contra os inimigos, não contra uma parte de si mesmo que se quer assimilar rapidamente e do qual se requer o entusiasmo e a boa vontade (1978a, p. 33).

Nesse sentido, a partir do poder ideológico, cultural e político, um grupo dominante

consegue imbuir às classes subordinadas a sua concepção de mundo, contrariando seus

interesses e sua própria ação. Para reverter esse quadro, Gramsci estabelece que a consciência

crítica só pode ser adquirida por meio do contato direto entre os intelectuais e a sociedade,

tornando-a capaz de contrastar perspectivas de mundo distintas e, a partir de então, orientar-se

de acordo com seus interesses. Para ele,

11

a posição da filosofia da práxis não busca manter os “simplórios” na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e os simplórios não é para limitar a atividade científica e para manter a unidade no nível inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais (GRAMSCI, 1978b, p. 20).

Somente a partir de sua conscientização, as classes subordinadas se tornam capazes de

criar o que Gramsci chama de Bloco Histórico, ou seja, uma articulação interna, composta por

uma estrutura e uma superestrutura, sendo a primeira as relações materiais e a segunda as

ideológico-culturais, e orientado por intelectuais orgânicos3, sendo capaz de romper com o

monopólio ideológico e o sistema hegemônico da classe dominante. A própria criação de um

Bloco Histórico indica o declínio da hegemonia da classe dominante, em razão de uma falha

cometida ou de conscientização de grande parte da população, que passa a se organizar e a

reivindicar melhorias (GRAMSCI, 1978a). Dessa forma, é importante que o primeiro embate

contra a classe dominante seja ideológico, na perspectiva de atrair os intelectuais responsáveis

pela elaboração de seu sistema hegemônico e sua estrutura econômica.

Isso ocorre pela complexidade do Ocidente, no qual a sociedade civil exerce um papel

central, juntamente ao Estado, diferentemente do Oriente, que possui um Estado forte, mas

uma sociedade frágil, de modo que uma “guerra de movimento”, de curto prazo, baseada na

simples tomada do Estado, é suficiente para romper o sistema hegemônico. Nas sociedades

ocidentais, essa estratégia não teria o mesmo êxito, já que a hegemonia da classe dominante

está arraigada não só no Estado, mas também na sociedade civil. Para isso, seria necessária

uma “guerra de posição”, de longo prazo, na qual a classe dominada travaria uma luta pela

sociedade civil a fim que construir sua hegemonia desmontando a anterior, assim tomar o

Estado seria menos arriscado.

Esses conceitos apresentados por Gramsci para compreender a disputa de forças

políticas e ideológicas travadas no interior de cada Estado podem ser espelhados nas relações

internacionais, uma vez que estes são a base das classes sociais onde, a partir da construção

das hegemonias no plano interno, surge a orientação para sua política externa (COX, 2007).

No entanto, nem todos os Estados possuem, em suas classes dominantes, a habilidade ou o

interesse de planejar uma política externa autônoma vinculada a um interesse nacional.

                                                                                                                         3 Gramsci compreende os intelectuais de forma diferente da clássica, que prestigia a formação acadêmica e o status na sociedade, para ele, o intelectual orgânico é aquele cuja consciência o torna responsável pela elaboração da superestrutura, ou seja, a ideologia da classe que pertence, e orientar o Bloco Histórico.

12

O que ocorre com muitos países menos desenvolvidos tem um paralelo ao que

Gramsci chamava de revolução passiva. São sociedades que não passaram por revoluções

sociais completas, capazes de desenvolver economia e relações sociais próprias, e por isso,

tiveram que importar a ordem social, política e econômica estabelecida por sociedades

externas. Dessa forma, os intelectuais da classe dominante de um país periférico orientam-se

pelos ideais traçados pelos intelectuais da classe dominante do país central, ao invés de tentar

romper com a barreira do subdesenvolvimento, aproveitam-se desta condição para obter

vantagens econômicas e poder. Nessas circunstâncias, o grupo portador de novas ideias não é um grupo social autóctone engajado em construir uma nova base econômica com uma nova estrutura de relações sociais. É um estrato intelectual que aproveita ideias originadas de uma revolução econômica e social ocorrida anteriormente no estrangeiro. Por isso, o pensamento desse grupo assume uma forma idealista, sem raízes nem processo econômico de seu país, e sua concepção de Estado assume a forma de “um racional absoluto” (COX, 2007, p. 115)

A esse fenômeno, dá-se o nome de dependência, uma vez que estes setores da

sociedade associam-se às classes dominantes dos países centrais e condicionam sua economia

ao crescimento e desenvolvimento daquela que desejam espelhar, criando uma estrutura

interna que estabelece metas e limites para cada setor da economia nacional4. Essa

dependência orienta-se por um centro hegemônico e se reorienta sempre que ocorre uma

alteração deste. Vale ressaltar que, diferentemente dos Estados onde ocorrem as revoluções

passivas, a potência hegemônica passou por uma revolução social completa, alterando não só

as estruturas econômicas e políticas internas, por meio de uma nova hegemonia interna, mas

também expandem-se para todo o sistema, dando origem a uma hegemonia mundial (COX,

2007). Dessa forma, a potência hegemônica não influencia somente as pequenas potências,

mas todo o sistema, em processos cíclicos que remontam desde o século XVI, com a crise do

feudalismo.

A análise dos ciclos hegemônicos faz parte de uma análise maior, do sistema mundo,

estudada por diversos autores, como Immanuel Wallerstein (1974, 1980, 2011a, 2011b),

Giovanni Arrighi (1996) e Fernand Braudel (2009), e que toma por base três dimensões de

tempo. O primeiro é o tempo estrutural, de longa duração, referente à estrutura social e

civilizatória que mantém-se por longos períodos, ainda que hajam várias trocas de potência

hegemônica nele. Como expresso antes, o atual tempo estrutural iniciou-se no século XVI,                                                                                                                          4 Para aprofundamento sobre a condição dependente dos países periféricos, ver dos Santos (2000, 2011), Marini (2000, 2012), Bambirra (2012) e Martins (2011).

13

com o fim do feudalismo e o surgimento do capitalismo histórico e do moderno sistema

mundial, no qual o capital associa-se ao Estado com o objetivo de alcançar o superlucro,

ampliando sua área de abrangência e transformando as forças produtivas.

Esse tempo estrutural foi reformulado em dois períodos históricos e,

subsequentemente expandiu-se para todo o mundo. O primeiro foi a revolução industrial, de

1790, que expandiu o sistema mundo da Europa e da América para todo o globo por meio do

imperialismo, da desvalorização, da exploração da força de trabalho e do estabelecimento de

um modelo político estatal a ser seguido. O segundo foi a revolução técnico-científica-

informacional, de 1970, que, ao promover uma automação da produção, substituiu o trabalho

mecânico por um trabalho mais intelectualizado, de modo que, para que os salários não

fossem elevados devido à maior escolaridade demandada dos trabalhadores, foi necessário

aumentar a taxa de desemprego, reduzindo a oferta de emprego, ao mesmo tempo que

aumentava a demanda. Isso realocou grande parte da força de trabalho do setor secundário,

industrial, para o terciário, serviços, e ampliou as margens de lucro do capital, que passou a

ser revertido em investimentos no sistema financeiro e no sistema produtivo de países

periféricos, onde a força de trabalho era mais barata e com a mesma qualificação dos países

centrais5.

A segunda dimensão de tempo é a conjuntural, de média duração, que trata de dois

processos cíclicos: os ciclos de expansão e estagnação da economia mundial, estudados por

Nicolai Kondratiev, e que duram por cerca de cinquenta a sessenta anos; e os ciclos das

potências hegemônicas, que compreendem seu crescimento e depressão (WALLERSTEIN,

2011b). Nesse sentido, podem ser identificados quatro ciclos hegemônicos: espanhol-genovês,

holandês, britânico e estadunidense. Os ciclos iniciam-se quando um determinado Estado

adquire, em comparação com os outros, a capacidade de intervir e de organizar o sistema

inter-estatal de acordo com o seu interesse particular, seguindo para uma fase de desgaste que

vai culminar no colapso.

Neste momento, surgem os candidatos a nova potência hegemônica, normalmente

Estados que se beneficiaram do declínio da potência hegemônica para captar os capitais a

procura de um sucessor. No entanto, quando há uma concorrência entre candidatos a nova

potência hegemônica, ocorre uma bifurcação na sucessão, de modo que cada candidato atrai

outros Estados que compartilham do seu projeto de poder até que a concorrência entre os dois

                                                                                                                         5 Por questões de escopo, não será aprofundado o estudo do tempo estrutural, assim como o das outras dimensões de tempo. Para maior aprofundamento sobre a teoria do sistema-mundo ver Braudel (2008), Wallerstein (1974, 1980, 2011a, 2011b), Arrighi (1996) e Martins (2011).

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projetos hegemônicos entre em conflito, produzindo guerras-mundo, responsáveis por um

caos sistêmico, como experimentado com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), da qual

surge a hegemonia dos Países Baixos, com as Guerras Napoleônicas (1792-1815), da qual sai

vitorioso o projeto hegemônico inglês, e com a Primeira e Segunda Guerra Mundial (1915-

1945), quando se inicia o período hegemônico dos Estados Unidos.

Por fim, a terceira dimensão se refere ao cotidiano, ou seja, aos acontecimentos

diários. Após uma análise das três dimensões de tempo e dos ciclos hegemônicos, é

necessário que seja delimitado o conceito de hegemonia mundial. Esse conceito não é

confundido com o de dominação de um Estado sobre os outros, ou sua simples capacidade de

dominação, nclui também a habilidade de adquirir apoios devido à liderança que um Estado

obtém perante outros, conforme explicado anteriormente do pensamento de Gramsci. Desse

modo, nas palavras de Giovanni Arrighi, (…) refere-se especificamente à capacidade de um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas. Em princípio, esse poder pode implicar apenas a gestão corriqueira desse sistema, tal como instituído num dado momento. Historicamente, entretanto, o governo de um sistema de Estados soberanos sempre implicou algum tipo de ação transformadora, que alterou fundamentalmente o modo de funcionamento do sistema (1996, p. 27).

Engloba, ainda, uma estrutura social, uma estrutura econômica e uma estrutura política, e não pode ser apenas uma dessas estruturas: tem de ser todas as três ao mesmo tempo. Além disso, a hegemonia mundial se expressa em normas, instituições e mecanismos universais que estabelecem regras gerais de comportamento para os Estados e para as forças da sociedade civil que atuam além das fronteiras nacionais - regras que apóiam o modo de produção dominante (COX, 2007, p. 118).

Ao conquistar a hegemonia mundial, os grupos dominantes legitimam e ampliam sua

capacidade de obter lucro a partir da exploração do trabalho em outras áreas a partir de uma

divisão internacional do trabalho. A partir dessa divisão é possível delimitar países centrais,

áreas semi-periféricas e áreas periféricas. Os países centrais são aqueles que recebem maior

vantagem do sistema-mundo, possuem fortes institucionalização estatal e identidade cultural

nacional, modelos que exportam para outros países, e que servem de argumentos de

superioridade para manutenção das disparidades do sistema-mundo. As áreas semi-periféricas

possuem institucionalização estatal, integridade cultural e atividades econômicas complexas,

já foram países centrais ou áreas periféricas, alterando sua condição com as mudanças

geopolíticas do sistema-mundo, e atuam como mediadores entre o centro e a periferia, o que a

15

teoria da dependência chamaria de subimperialismo6. Por fim, as áreas periféricas referem-se

àqueles Estados fracos, que variam entre a inexistência e o baixo grau de autonomia

(WALLERSTEIN, 1974, p. 349).

Em paralelo com os estudos de Gramsci, a ação contra-hegemônica nada mais seria do

que o que ele chama de “guerra de posição”, já que, assim como nos Estados Ocidentais, a

ideologia hegemônica está entranhada por todo o sistema internacional e encontram nas

organizações internacionais suas maiores propagadoras. Ainda que sirvam aos interesses do

Estado hegemônico, as organizações internacionais necessitam do consentimento de outros

atores no sistema internacional e, para isso, cooptam parte da elite intelectual de áreas

periféricas e semi-periféricas. Esses, em sua maioria, acabam incorporando elementos do

discurso hegemônico e transmitindo para seus países, realizando uma “revolução passiva”.

Entretanto, é possível que a existência de um Bloco Histórico de orientação contra-

hegemônica sirva como guia para que o intelectual orgânico mantenha seu ideal e ajude a

transformar uma organização internacional por meio de uma “guerra de posição”. Cox é

cético perante a capacidade de transformação a partir das instituições, por estar a

superestrutura intrinsecamente vinculada à ideologia hegemônica. Acreditando que somente

uma alteração das estruturas políticas internas dos Estados e das relações sociais criariam o

ambiente favorável para o surgimento do Bloco Histórico, ainda que reconheça que “a

economia mundial e as condições políticas globais influenci[a]m substancialmente as

perspectivas de tal empreitada” (2007, p. 122).

A capacidade da estrutura e da superestrutura da ordem mundial influenciar na

formação de um Bloco Histórico contra-hegemônico no âmbito nacional será utilizada como

premissa desta dissertação. Porém, conforme será aprofundado posteriormente, acredita-se

que a atuação internacional de áreas semiperiféricas e periféricas no intuito de alterar a

balança de poder internacional, pode ser caracterizada também como uma forma de

construção de uma consciência contra-hegemônica. Um exemplo deste tipo de atuação foi o

MNA durante a Guerra Fria, que articulou Estados explorados pelos países centrais com o

objetivo apresentar uma alternativa às duas potências hegemônicas da época.

Ainda que seja elucidativa para compreender as relações de dominação e exploração, a

divisão de Estados entre centrais, semiperiferia e periferia não parece retratar toda a

complexidade do sistema internacional e as assimetrias de poder entre os Estados. Para isso,

                                                                                                                         6 Marini (2000, 2012) explica que por meio de lideranças regionais, a potência hegemônica exerce sua influência na região, delegando a elas a responsabilidade pela manutenção dos seus interesses. A essa atuação das potências regionais, chama-se subimperialismo.

16

será aproveitada a divisão apresentada por Robert Keohane, que determina que o sistema

internacional é composto por quatro classes de Estados: as Grades Potências, capazes de

determinar o destino do sistema seja por ações unilaterais ou multilaterais; as Potências

Secundárias, que, apesar de não conseguirem determinar o sistema, são capazes de influenciá-

lo diretamente; as Potências Intermediárias7, são aqueles que necessitam de alianças regionais

e globais para que sejam capazes de influenciar o sistema internacional; e as Pequenas

Potências, referente aos que são tão pequenos que não conseguem influenciar direta ou

indiretamente o sistema (1969, p. 295).

Considerando que o objetivo deste capítulo é a análise do caso brasileiro, cabe

ressaltar que além de ser uma potência intermediária no cenário internacional, o Brasil exerce,

ainda, uma liderança regional na América Latina, o que amplia sua relevância no cenário

internacional. Devido a combinação de capacidades objetivas com as condições de potência

intermediária e potência regional concedem ao Brasil o status de potência média, o que será

melhor explicado a seguir, assim como as estratégias utilizadas pelo país a partir da

conscientização de suas capacidades.

2.2. QUALIFICANDO UMA POTÊNCIA MÉDIA

Conforme explicado anteriormente, a assimetria de poder entre os Estados faz com

que eles estejam divididos em categorias de acordo com suas capacidades. Dentre as quatro

classes, Grandes Potências, Potências Secundárias, Potências Intermediárias e Pequenas

Potências, é possível identificar o Brasil como sendo uma Potência Intermediária, uma vez

que, apesar de não conseguir influenciar o sistema de acordo com os seus interesses, pode

atingir esse objetivo ao aliar-se a outros Estados ou por meio de organizações internacionais.

Além do Brasil, esse grupo engloba ainda países como Argentina, Canadá, Suécia e

Paquistão, porém, ao mesmo tempo que, segundo essa teoria, possuam capacidades

semelhantes, o que se observa na prática é uma maior proatividade brasileira, assim como um

reconhecimento de sua relevância em comparação com os outros países, o que concede ao

país o rótulo de potência média.

                                                                                                                         7 Preferiu-se utilizar a nomenclatura “Potência Intermediária” em contraposição à “Potência Média”, na tradução literal do autor, para que não houvesse ambiguidade de conceitos utilizados neste trabalho.

17

Muitos autores passaram a analisar a categoria de potências médias para compreender

a diferença entre elas e seus pares que pertencem à categoria de Potências Intermediárias.

Nesse sentido, Sennes (1998) faz uma análise de diversos trabalhos que tentaram, justamente

compreender que fatores seriam os responsáveis por essa diferenciação. Entre os autores

analisados, estavam Ronald Schneider (1977) e Wayne Selcher (1981), que fazem uma

“avaliação das capacidades” ou “avaliação do poder percebido” desses países, restringindo

suas análises a estatísticas formais mensuráveis, tais como tamanho do território, da

população, da produção interna, das riquezas minerais, o bem-estar e a integração do país, o

poderio militar, o status diplomático e as taxas de importações e exportações. A partir de

então, estabelecem um ranking de países baseado nessas variáveis, porém, cometem uma

falha ao simplificar sua análise apenas as capacidades objetivas e ignorar a atuação dos

Estados no âmbito regional e em processos decisórios internacionais.

A insuficiência dessa análise em avaliar a conversão de capacidade material em poder

real faz com que alguns autores busquem outros fatores para explicar a fonte diferenciada de

poder desses Estados. Sennes cita Bernard Wood (1987), que avalia o grau de participação

destes países no comércio internacional e, a partir de então, busca semelhanças nas atuações

das potências médias no cenário internacional, partindo da premissa de que esses Estados

buscariam cooperar entre si para defender seus interesses e contrabalançar as grandes

potências no sistema internacional. Novamente, ainda que tenha buscado um comportamento

político, observa-se uma limitação desse enfoque, ao confundir a caracterização do objeto de

análise com “países desenvolvidos de economias de mercado de tamanho médio” (SENNES,

1998, p. 389).

David Myers (1991), por outro lado, considera a importância de portar-se com uma

proeminência regional e a soma ao requisito de ser uma Potência Intermediária, relegando a

segundo plano a atuação internacional. Ainda que sua análise não seja ideal para caracterizar

uma potência média, é extremamente útil pra a compreensão dos sistemas regionais. Segundo

o autor, existem, assim como na ordem mundial, quatro categorias de Estados no sistema

regional, sendo o principal deles o Estado hegemônico ou aspirador, cujo poder provém de

suas capacidades materiais, poder militar e interesse em exercer a liderança. Além dele, são

membros do sistema regional o Estado barganhador, aquele que não está satisfeito com a sua

posição e barganha com a hegemonia regional, almejando um papel central; os dependentes

periféricos, que se conformam com sua condição reduzida; e os desafiadores externos, que

desafia o status quo e não é membro do sistema.

18

Finalmente, Oyving Osterud (1990) diferencia claramente potência regional, e dá o

exemplo de Israel, de potência intermediária, com o exemplo do Canadá, afirmando ser

possível que um país possua os requisitos para ser um e não outro, como é o caso dos dois

citados, e apresenta o conceito de Grande Potência Regional. Para estar incluído nessa

categoria, o Estado deve ser uma potência regional, ao mesmo tempo, ter um grau de poder no

sistema internacional equivalente ou maior ao de Potência Intermediária, ser um agente

influente nas relações econômico-comerciais na região, ter a capacidade de confrontar uma

coalizão de Estados da região e ter uma inserção relevante no sistema internacional, ainda que

sua atuação regional seja a predominante.

Carsten Holbraad (1984) faz um recorte histórico da atuação das potências médias a

fim de buscar padrões desde a Liga das Nações até a atualidade e reafirma a importância da

combinação da atuação regional com a global em um mundo considerado uni, bi, tri ou

multipolar. Por fim, Sennes conclui que a potência média deve combinar as características de

potência intermediária no sistema internacional com as de potência regional. Dessa forma,

refere-se a (…) uma determinada faixa de países que não está compreendida nas classificações tradicionais de Superpotências ou Grandes Potências e tampouco se confunde com o conjunto de países cujo impacto no ordenamento e na dinâmica internacional é pouco expressivo. (…) o traço mais marcante (…) é a característica recorrente das Potências Médias, ocupando, de um lado, uma posição intermediária no sistema internacional global, com sua consequente condição de system-affecting states, e, do outro, participando intensamente dos sistemas regionais e sub-regionais onde se encontram (SENNES, 1998, p. 396).

Diferentemente do que ocorria com potências médias no período de Guerra Fria, no

qual países como Canadá, Suécia e Austrália, orientavam suas políticas externas em função

dos interesses da grande potência, a difusão de poder gerada após o fm da União Soviética

permitiu que as novas potências médias exercessem um maior protagonismo na ordem

mundial. Isso não significa que a potência hegemônica perdeu sua capacidade de determinar

normas e princípios e de alterar a estrutura de acordo com seus interesses, mas que outros

atores, a partir da ampliação de suas capacidades e da distensão da política internacional,

adquiriram a capacidade de influenciar o sistema de uma forma que poucos países eram

19

capazes antes e de protagonizar discussões em regimes internacionais8 de seus interesses.

Segundo Cox, Organizações internacionais são um processo, não uma finalidade, e o direito internacional é um de seus produtos mais importantes. É do interesse das potências médias apoiar esse processo, seja no contexto de uma ordem hegemônica ou (ainda mais vigorosamente) na ausência de hegemonia (COX, 1989, p. 826 - tradução nossa).

Dessa forma, as potências médias querem um revisionismo brando da ordem mundial,

não tão radical como o pleiteado na época da Guerra Fria pelos países do MNA, cuja lógica

era confrontação com o sistema. Esses países viam os organismos internacionais como órgãos

concentradores e desiguais, atuando em conjunto para criticá-los, como foi o G-77, criado em

1964 na primeira reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento (UNCTAD), e do G24, criado em 1971 para o FMI. O próprio Brasil se

recusou de participar do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) entre 1969 e

1988 por acreditar ser ele um instrumento de concentração de poder, além de não assinar o

Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) até 1998, por acreditar que este era

um instrumento de “congelamento do poder mundial”.

A partir dos anos 1990, o cenário internacional se apresenta de forma bastante distinta,

com uma maior difusão de poder entre outros atores além da potência hegemônica. A

estratégia dos países emergentes deixa de ser de ruptura e passa a ser de participação, ao

conscientizar-se da necessidades desta para a defesa dos seus interesses e para a alteração das

bases desiguais nas quais o sistema internacional está estruturado.

2.3. O BRASIL ENQUANTO POTÊNCIA MÉDIA

O Brasil é um país de dimensões continentais seu território é o quinto maior do

mundo, com 8.459420 km2, segundo dados de 2013, sua população ultrapassou a marca de

200 milhões de habitantes, a quinta maior do mundo, seu PIB é de 2.245.673.032.353,76 de

dólares, o sétimo maior do mundo, exportação de bens e serviços de 281.917.585.983,128 de

                                                                                                                         8 Compreende-se por regimes internacionais um conjunto de princípio, normas, regras e processos decisórios pelos quais se pretende regular o comportamento dos Estados sobre determinado tema, por exemplo meio ambiente, Direitos Humanos, proliferação de armas nucleares e outros.

20

dólares (12,55% do PIB), importação de bens e serviços de 337.688.421.247,798 de dólares

(15,03% do PIB) da produção interna e investimentos militares de 67.819.000.000 de reais,

todos dados de 2013, fornecidos pelo Banco Mundial9. O acompanhamento do

desenvolvimento das capacidades materiais brasileiras no período que compreende de 2002 a

201310 pode ser feito nas tabelas que seguem nas próximas páginas. Porém, não basta a

análise de suas capacidades materiais para que seja caracterizado como uma potência média,

como explicado anteriormente, deve-se avaliar sua atuação regional, inserção internacional e

atuação multilateral.

Tabela 1 - Capacidades materiais brasileiras 2002-2004 Capacidade 2002 2003 2004

População, total 179393768 181752951 184010283

População, crescimento (anual %) 1,36131273361399 1,30651418648282 1,23432890464563 PIB (US$) 504221228974,035 552469288267,793 663760341880,342 Crescimento do PIB (anual %) 2,65597426675919 1,14674906432275 5,71391691586116 PIB per capita, PPP (US$) 9184,58084592242 9352,55893452222 10033,3686596087

Exportação bens e serviços (% PIB) 14,0966232739802 14,9868701866175 16,4250921581726 Exportação bens e serviços (US$) 71078167115,903 82797855053,6237 109023247863,248

Importação bens e serviços (% PIB) 12,5829768402419 12,0751928882531 12,5481393500589 Importação bens e serviços (US$) 63446040465,3861 66711732206,6948 83289572649,5726 IED, líquido (US$) .. .. .. IED, entrada líquida (% PIB) 3,29026293217978 1,83603412649308 2,73678505766453 IED, saída líquida (% PIB) .. .. .. Inflação, preços ao consumidor (anual %) 8,45022069641983 14,715325826437 6,59912484724241

Indústria, valor acrescentado (% PIB) 27,0519326792493 27,8457841418618 30,1135838507602

Indústria, valor acrescentado (US$) 117508615101,163 133085472863,178 171545299145,299 Índice GINI 58,62 58,01 56,88 Investimentos militares (% PIB) 1,90983758531136 1,51939941692334 1,47350063018317 Invest. militares (% gastos do governo) 8,37823769571619 6,08981506825021 6,43715874047387 Invest. militares (moeda local) 28224000000 25829000000 28608000000 Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>.

                                                                                                                         9 Dados extraídos de BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>. 10 Os dados de 2014 não foram disponibilizados até a última consulta, em 10 de abril de 2015.

21

Tabela 2 - Capacidades materiais brasileiras 2005-2007 Capacidade 2005 2006 2007

População, total 186142403 188134315 189996976 População, crescimento (anual %) 1,1520346395149 1,0644160915339 0,985200701687338 PIB (US$) 882185702547,247 1088916819852,94 1366823994658,72 Crescimento do PIB (anual %) 3,15635238812408 3,95541526928329 6,09545497675312 PIB per capita, PPP (US$) 10559,6698242807 11195,0084202673 12073,0752240553 Exportação bens e serviços (% PIB) 15,1283508131369 14,3684508392759 13,3643803147509 Exportação bens e serviços (US$) 133460147904,684 156460477941,176 182667556879,462 Importação bens e serviços (% PIB) 11,5199977645722 11,4657923268494 11,8442831307351 Importação bens e serviços (US$) 101627773212,818 124852941176,471 161890503826,203 IED, líquido (US$) -12549590734,979 9420275576,86432 -27518241273,2649 IED, entrada líquida (% PIB) 1,75246340532158 1,77957514430664 3,2615386207618 IED, saída líquida (% PIB) 0,329906828090398 2,64468030248911 1,24824053843367 Inflação, preços ao consumidor (anual %) 6,86734958026696 4,18368053152464 3,63702793370322 Indústria, valor acrescentado (% PIB) 29,272960879966 28,7527649157991 27,8112224671385 Indústria, valor acrescentado (US$) 221562037797,864 268819852941,176 326783935082,944 Índice GINI 56,65 55,93 55,23 Investimentos militares (% PIB) 1,5405823289432 1,5060669352766 1,498754576167 Invest. militares (% gastos do governo) 6,00738245070517 5,53547872503505 5,59465792669352 Invest. militares (moeda local) 33080000000 35686000000 39887000000 Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>.

22

Tabela 3 - Capacidades materiais brasileiras 2008-2010 Capacidade 2008 2009 2010

População, total 191765567 193490922 195210154 População, crescimento (anual %) 0,926546454089764 0,895697585537137 0,884609442807871 PIB (US$) 1653508561457,08 1620188056416,93 2143067871759,89 Crescimento do PIB (anual %) 5,1692990144351 -0,32824803986604 7,53361545286975 PIB per capita, PPP (US$) 12825,816080161 12767,2404445432 13772,8846735976 Exportação bens e serviços (% PIB) 13,6631968033813 10,9789949015313 10,8715851234123 Exportação bens e serviços (US$) 225922128912,64 177880364109,233 232985447930,878 Importação bens e serviços (% PIB) 13,4731370316773 11,1393021679297 11,9029146557704 Importação bens e serviços (US$) 222779474315,629 180477643292,988 255087539790,814 IED, líquido (US$) -24601090273,6125 -36032806300 -36918923577,01 IED, entrada líquida (% PIB) 3,06719928119315 1,94304186327732 2,48917140001372

IED, saída líquida (% PIB) 1,57938779674979 -

0,280947269174823 0,766457711683722 Inflação, preços ao consumidor (anual %) 5,66309851932564 4,88640844429615 5,03831694621171 Indústria, valor acrescentado (% PIB) 27,9016063089771 26,8288327491843 28,0694513260954 Indústria, valor acrescentado (US$) 392620242120,188 374961988596,579 514922692132,788 Índice GINI 54,37 53,87 .. Investimentos militares (% PIB) 1,47882530331073 1,58309985417071 1,58667510148975 Invest. militares (% gastos do governo) 5,51700838819295 6,02437325735844 5,94511117961405 Invest. militares (moeda local) 44841000000 51283000000 59819000000 Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>.

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Tabela 4 - Capacidades materiais brasileiras 2011-2013 Capacidade 2011 2012 2013

População, total 196935134 198656019 200361925 População, crescimento (anual %) 0,879771441280139 0,870037584185466 0,855057482603254 PIB (US$) 2476694763271,16 2248780912395,68 2245673032353,76 Crescimento do PIB (anual %) 2,73250924324444 1,03180364838337 2,49201180265695 PIB per capita, PPP (US$) 14300,7406589422 14573,545144928 15033,7808938686 Exportação bens e serviços (% PIB) 11,8891676713698 12,5872078329835 12,5538126842821 Exportação bens e serviços (US$) 294458393113,343 283058727151,708 281917585983,128 Importação bens e serviços (% PIB) 12,6225466236545 14,0337160361322 15,0372924456352 Importação bens e serviços (US$) 312621951219,512 315587527520,352 337688421247,798 IED, líquido (US$) -67689141256,44 -68093253944,5899 -67,490,979,326.0 IED, entrada líquida (% PIB) 2,88847291439674 3,38452993660852 3,5999451173863 IED, saída líquida (% PIB) 0,15542957533635 0,35652246957392 0,6 Inflação, preços ao consumidor (anual %) 6,63619865693002 5,40196474982338 6,20189961255389 Indústria, valor acrescentado (% PIB) 27,5330208704759 26,0192495763166 24,9763707805878 Indústria, valor acrescentado (US$) 581154949784,792 496254672059,802 475861221841,105 Índice GINI 53,09 52,67 .. Investimentos militares (% PIB) 1,49137765612724 1,51132922018518 1,39982641236043 Invest. militares (% gastos do governo) 5,66913713779588 5,66930632162929 .. Invest. militares (moeda local) 61788000000 66379000000 67819000000 Fonte: Elaboração própria com base no BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>.

Em uma análise do caso brasileiro, Maria Regina Soares de Lima e Monica Hirst

(2009) indicam que o ambiente pacífico no entorno regional, assim como o interesse na

manutenção do status quo na região e sua satisfação com o território levaram o país a optar

por uma política externa pacífica, recusando adotar estratégias de poder robusto (hard power),

em favor de um poder brando (soft power). Na concepção de Joseph Nye Jr, poder “é a

capacidade de obter os resultados desejados e, se necessário, mudar o comportamento dos

24

outros para obtê-los” (2002, p. 30) e pode ser exercido de três formas: por meio da coerção

com o uso da força, indução por pagamento, ou por atração ou cooptação. Os dois primeiros

estão relacionados a formas de poder robusto, enquanto o último refere-se ao poder brando, o

qual utiliza carisma, persuasão e o exemplo para influenciar outros atores. Nas palavras do

autor, Tanto o poder militar como o econômico são exemplos de duro poder de comando que se pode empregar a fim de induzir os demais a mudarem de posição. O poder bruto se apóia tanto em induções (a cenoura) como em ameaças (o porrete). Mas existe um modo indireto de exercer o poder. Na política mundial, é possível que um país obtenha os resultados que quer porque os outros desejam acompanhá-lo, admirando os seus valores, imitando-lhe o exemplo, aspirando ao seu nível de prosperidade e liberdade. A este aspecto do poder - levar os outros a querer o que você quer -, dou o nome de poder brando. Ele coopta as pessoas em vez de coagi-las (NYE JR., 2002, p. 36).

O fato de o Brasil ter solucionado suas questões territoriais e fronteiriças por meio

diplomático e não militar, ainda no início do século XX, e de se perceber como

“geopoliticamente satisfeito”, conforme afirmam Lima e Hirst (2009), fez com que sua

política externa tivesse um foco diverso do padrão entre países de grande porte. Esses países

estiveram constantemente envolvidos em conflitos lindeiros e, por isso, necessitaram

despender altos investimentos nas forças armadas, o que fez com que a questão militar se

tornasse um dos focos centrais de suas políticas externas. O caso estadunidense é icônico, no

qual parte de um território composto apenas pelas treze colônias e expande seu território seja

por meio de pagamento a França (1803), México (1853) e Rússia (1867) e de anexações,

como foi o caso da Flórida (1812-1819) e do Texas (1845-1848), além de intervenções diretas

em Estados da América Central, Caribe e Pacífico, a partir de 1898.

A própria proximidade dos Estados Unidos, combinada à estabilidade regional,

impacta diretamente na formulação da política externa brasileira, que vislumbra uma

fragilidade econômica, e não militar. Isso fez com que a política externa brasileira estivesse

diretamente relacionada à política econômica adotada internamente e às suas conjunturas

críticas. Compreende-se por conjunturas críticas:

25

uma combinação simultânea de transformações sistêmicas e domésticas: são momentos nos quais os padrões dominantes de desenvolvimento econômico interno e a inserção internacional se esgotam e uma nova coalizão sociopolítica emerge, alterando tanto a política econômica externa quanto a política externa. Duas dessas conjunturas críticas podem ser identificadas no século XX: a primeira ocorreu nos anos 1930, com a crise do modelo agro-exportador e a consequente adoção do modelo de industrialização por substituição de importações (ISI); e a segunda nos anos 1990, com o esgotamento do regime de ‘industrialização protegida’ e sua substituição por um modelo de integração competitiva à economia global (LIMA; HIRST, 2009, p. 46).

Considerando a distância dos anos 1930 do período que pretende-se analisar, optou-se

por esclarecer somente as conjunturas críticas da década de 1990, por impactarem diretamente

na política externa brasileira do período imediatamente anterior ao que lançou a estratégia do

“novo protagonismo mundial”. No plano internacional, o fim da Guerra Fria trazia consigo o

fim de um modelo dual no cenário internacional, consolidando, no período imediato, os

Estados Unidos como única potência. Emerge, com isso, a crise do Estado Nacional, com o

discurso de que ele seria um limitador das liberdades ao intervir na economia promovendo um

protecionismo, o que impedia o livre mercado e a autorregulação, ao conceder uma sobrevida

a empresas pouco competitivas no mercado internacional.

Ainda na década de 1980, o mundo se deparou com o ressurgimento de um paradigma

político-ideológico há muito abandonado, o liberalismo econômico. A restrição ao

crescimento econômico promovido pelas políticas keynesianas e social-democratas

recolocaram em evidência os partidos conservadores, elegendo Margaret Thatcher, na

Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos. A partir de então, foram aprofundadas

políticas de desregulamentação financeira, que, com o fim da Guerra Fria, se impuseram ao

mundo como única alternativa viável, como ficou marcado pela expressão de Thatcher “There

is no alternative” (TINA). O capitalismo e a democracia liberal burguesa seriam o ápice da

evolução da sociedade, uma vez que superaram todas as outras formas de governo.

O modelo proposto pelo Consenso de Washington11, de ideologia neoliberal e

supremacia do mercado seria o norte a ser seguido por governos de todo o mundo. Fiori

credita a universalização dessas políticas à:

                                                                                                                         11 Expressão criada por John Willianson relativo ao "mínimo denominador comum de conselhos de políticas econômicas que estavam sendo recomendados pelas instituições financeiras baseadas em Washington D.C. aos países da América Latina, tais como eram em 1989", termo que seria associado ao receituário neoliberal indicado pelo FMI para os países que lhe pediam empréstimos, sob a justificativa de que este receituários lhes garantiria as bases necessárias para o desenvolvimento econômico.

26

Nos países centrais como consequência de sua competição pelos capitais financeiros off shore, e nos países periféricos, como decorrência de sua crise externa e como imposição das políticas de ajuste patrocinadas pelos credores e pelos governos dos países centrais (FIORI, 2007, p. 50).

A limitação de crédito pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países subdesenvolvidos

fazia parte dos planos dos organismos internacionais para desmoralizar o nacional-

desenvolvimentismo, até então em vigor nos países em desenvolvimento, almejando a

abertura de mercados e a desregulamentação das economias. Nesse sentido, Samuel Pinheiro

Guimarães afirma que: As agências internacionais, controladas de fato ou de direito pelas grandes potências, em especial os Estados Unidos, lideram o esforço ideológico de difusão das políticas neoliberais e de cooptação de elites intelectuais e políticas periféricas acompanhada de uma política ativa de promoção de abertura comercial e financeira radical, por meio das negociações comerciais multilaterais da Rodada do Uruguai e das negociações bilaterais das dívidas externas, em que tiveram influência decisiva agências internacionais como o FMI e o Banco Mundial (GUIMARÃES, 2005, p. 380).

Esse conjunto de medidas econômico-financeiras adotadas ao redor do mundo

contribuíram para o aprofundamento do fenômeno da globalização. Passa a observar-se na

maioria dos países em desenvolvimento a adoção de políticas de reforma econômica e

estrutural, que os incluiu na economia global a partir da desregulamentação, abertura

comercial, eliminação de restrições ao investimento estrangeiro direto (IED) e autonomia do

Banco Central, para que este pudesse promover câmbio e juros de mercado.

No caso brasileiro, o governo Fernando Collor de Melo (1990-1992), com o objetivo

de combater a hiperinflação, que alcançava a cifra de 1764% antes de seu governo, segundo

dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), lança um plano econômico de

bases ortodoxas chamado de “Plano Brasil Novo”, também conhecido como “Plano Collor".

Além do bloqueio da liquidez dos haveres financeiros12, pelo qual ficou conhecido, o plano

estabelecia redução dos gastos públicos, com diminuição do número de ministérios e órgãos

públicos, demissão de funcionários públicos e congelamento dos salários e dos preços. Surgia

no governo Collor as bases para a reforma estrutural e a política econômica adotados por toda                                                                                                                          12 Optou-se pela expressão bloqueio de liquidez por tratar-se de uma “suspensão (parcial ou total, temporária ou definitiva) do direito ao exercício da liquidez de ativos financeiros”, que pretendia enfrentar três desafios dos planos de combate à inflação testados nos anos 1980: “a tendência de monetização acelerada e de explosão da demanda agregada em momentos de desinflação abrupta; a elevada liquidez dos haveres financeiros, a chamada ‘moeda indexada’; e a tendência de rápido crescimento da dívida mobiliária interna e a fragilidade do esquema de refinanciamento diário no mercado monetário”. (CARVALHO, 2006, p. 105, 108)

27

a década de 1990, ainda que o impacto do neoliberalismo tenha sido menor no Brasil do que

em outros países latino-americanos, como Argentina e México.

O outro requisito necessário para as conjunturas críticas é a transformação doméstica,

que está intimamente relacionada ao fim do regime militar, em 1985. Com isso, veio o desejo

de abandonar a política externa defensiva em assuntos que o antigo regime via como questões

de soberania nacional, tais como direitos humanos e não proliferação nuclear, passando a

atuar em todos os regimes internacionais, ao promover a estratégia conhecida como

“autonomia pela participação”. Apresentavam-se duas perspectivas de inserção ao Brasil na

época: uma vinculada às grandes potências, as quais deveriam passar a perceber com mais

credibilidade, uma vez que o país não teria excedentes de poder13, “enfatizava a necessidade

de se enxergar o país pela perspectiva de seus potenciais parceiros” (LIMA; HIRST, 2009, p.

49); e outra que tem como objetivo uma maior autonomia, uma diversificação de parcerias e

um engajamento com o multilateralismo.

Ao definir que o Brasil não possui excedentes de poder, a primeira perspectiva

estabelece que o país deveria limitar sua atuação internacional devido a limitações internas, de

modo que só poderia inserir-se internacionalmente nos regimes permitidos pelas grandes

potências. Os defensores dessa corrente têm como premissas os fatos de que por possuir

desigualdades sociais internas, por exemplo, o Brasil não deveria atuar no combate à fome em

países mais pobres, ou que por possuir índices baixos de distribuição de renda e alta dívida

interna, não deveria investir em organismos financeiros internacionais, como o FMI e o

Banco Mundial, ou ainda que por necessitar de investimentos em infraestrutura, o Banco

Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não poderia investir em obras

em outros países do Sul.

A estratégia baseada na autonomia, por outro lado, reconhece as limitações do Estado

e busca na inserção internacional meios de superá-las e de ajudar outros países que passam

pela mesma situação, orientação a qual caracterizou a atuação brasileira no governo Lula da

Silva. Segundo o ex-chanceler Celso Amorim, sua diplomacia foi de encontro “às doutrinas

prevalecentes no passado, que afirmavam que o Brasil não tinha ‘excedente de poder’ e que,

portanto, não podia fazer isso ou aquilo; não podia defender seus interesses de forma

altaneira, muito menos prestar solidariedade aos outros” (AMORIM, 2010, p. 100).

                                                                                                                         13 Tese defendida pelo ex-chanceler brasileiro Ramiro Saraiva Guerreiro, segundo a qual o Brasil, por não dispor de poder em abundância, não poderia cometer erros ou deslizes na condução de sua política externa sob a pena de perder credibilidade.

28

Conforme afirma José Humberto de Brito Cruz, esse conflito de interpretações acerca

do papel que deve exercer o país no cenário internacional é fruto do processo de

transformações pelo qual o Brasil vem passando, em suas palavras: Esse tipo de debate corresponde, precisamente, à situação de um país em transição, um país que ainda tem na memória coletiva a lembrança do nível de dependência e vulnerabilidade conhecido em momentos anteriores de sua história – e, em mais de um setor, ainda enfrenta desafios que reavivam diariamente essa lembrança –, mas que vislumbra, ao mesmo tempo, padrões de interação com o mundo que já se apresentam sob o prisma da interdependência e da possibilidade do ganho recíproco – inclusive nas relações com os países mais desenvolvidos (CRUZ, 2014).

Retomando a análise dos requisitos necessários para que um Estado possa ser

considerado uma potência média, é necessário que este: seja uma potência regional,

posicione-se como potência intermediária no sistema internacional e possua uma

multiplicidade de temas debatidos em sua política externa. Dos requisitos estabelecidos, o

primeiro, de ser potência regional, parece ser incontestável atualmente. O país conquistou

desde a década de 1980 um papel de liderança na América do Sul, quando iniciou, juntamente

com a Argentina, o processo de criação do Mercosul. A partir de então, o bloco econômico

cresceu, foi criada a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), e o Brasil passou a atuar,

cada vez mais, como mediador de conflitos e paymaster na região.

O conceito de paymaster está diretamente ligado à percepção por parte do Estado

economicamente mais forte de que deve assumir a responsabilidade pela integração regional

seja como líder político ou financiador do processo. Isso ocorre devido ao fato de Estados

mais fracos buscarem ganhos relativos, ou seja, atuarem como em um jogo de soma-zero, no

qual receiam cooperar com atores mais fortes sem que tenham a percepção de obter maiores

vantagens desta cooperação do que a outra parte. Por isso, o Estado mais forte acaba tendo

que oferecer ao mais fraco maiores benefícios ao reconhecer a importância da cooperação.

Segundo Snidal, “uma distribuição assimétrica de ganhos absolutos pode ser um requisito

para alcançar acordos de cooperação entre Estados de diferentes tamanhos preocupados com

seus ganhos relativos” (1991, p. 720).

Um exemplo que pode ser citado é o dos desentendimentos entre Equador e Colombia,

em 2008, no qual o Brasil conseguiu impedir que a crise tomasse proporções maiores, melhor

aprofundado posteriormente. Além disso, o Brasil passou a investir no desenvolvimento de

países da região, incluindo a compreensão por parte do governo na nacionalização da

Petrobras na Bolívia, a renegociação dos preços da energia comprada do Paraguai, e a

29

nacionalização do sistema ferroviário argentino, que afetou empresas brasileiras, além de

empréstimos aos países da região que desejassem fazer investimentos em infraestrutura.

Quando o quesito analisado é a inserção internacional, o Brasil tem buscado ampliar

sua lista de parceiros comerciais, forjando alianças com outras potências médias com o

objetivo de impulsionar sua influência no mundo, como é o caso dos BRICS14, do Fórum

IBAS e de sua crescente participação na África. No que diz respeito às relações entre o Brasil

e os Estados Unidos, têm se revelado de balanceamento brando e divergência limitada,

evitando confrontamento direto e utilizando a estratégia, inaugurada no governo de José

Sarney (1985-1990), de “encapsulamento de crises”. Essa política garantiu ao Brasil o

reconhecimento americano de interlocutor estratégico. Além disso, o Brasil tem ampliado sua

participação em foros multilaterais, inclusive pleiteando um assento permanente no CSNU,

uma maior representatividade no sistema financeiro mundial e maior participação em temas

de interesse global, como desenvolvimento e segurança.

2.4. O XADREZ TRIDIMENSIONAL DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Nesse sentido, é possível fazer um paralelo à teoria de Joseph Nye Jr. (2002) que

analisa a política externa estadunidense como um jogo de xadrez tridimensional e, a partir

desta análise, avalia a distribuição de poder no mundo. O primeiro tabuleiro, mais baixo, seria

o das relações transnacionais, as quais estão fora do controle Estatal, como por exemplo as

transferências bancárias de vastas somas de dinheiro, o fluxo de investimentos estrangeiros

entre os Estados, o terrorismo internacional, as ameaças ao sistema internacional de internet

por hackers, entre outros.

Diferente do primeiro tabuleiro, no qual o poder está extremamente disperso, o

segundo tabuleiro é econômico, no qual se pode falar em multipolaridade, entre Estados

Unidos, Europa, Japão e, cada vez mais, a China. Neste tabuleiro, os Estados Unidos devem

barganhar entre os diversos outros polos econômicos de poder. Já no tabuleiro superior, que

trata do poder militar, os Estados Unidos são a única potência em um mundo chamado de

unipolar, por serem os únicos que combinam a tecnologia para produzir armas nucleares de

alcance intercontinental com um amplo poderio militar, principalmente no que diz respeito ao

                                                                                                                         14 Agrupamento de concertação de cinco potências regionais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o qual será explicado posteriormente.

30

exército e a marinha, além de uma poderosa indústria militar, responsável por um dos maiores

lobbies da política norte-americana.

Adaptando a teoria do jogo de xadrez tridimensional para o caso brasileiro é possível

identificar três tabuleiros de atuação da política externa, delimitados pelo próprio presidente

Luiz Inácio Lula da Silva, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em janeiro de 2003. O

primeiro seria regional, no qual apresenta-se como potência regional da América do Sul,

buscando uma maior integração política, econômica e comercial na região. O segundo, que

será chamado de intermediário, é aquele em que o Brasil se relaciona com o “Sul Global”,

principalmente ao se associar a outros países em desenvolvimento com o objetivo de alterar e

democratizar o sistema internacional, como ocorre por meio dos BRICS. O terceiro é o

chamado tabuleiro superior, no qual negocia diretamente com os países desenvolvidos, seja os

Estados Unidos ou a Europa, pleiteando investimentos e vantagens comerciais.

2.4.1. O tabuleiro regional

No primeiro tabuleiro de atuação da política externa brasileira a ser analisado, o

entorno regional apresenta-se como uma área de influência extremamente importante. O

Brasil exerce o papel de liderança não só na América do Sul, mas também por toda a América

Latina e Caribe, para onde tem buscado ampliar sua participação. Esse tabuleiro é de extrema

importância para a pretensão de inserção global brasileira por ser ele que garante as

credenciais e a legitimidade para que o país se porte como representante de um conglomerado

maior de Estados.

A América do Sul tornou-se, ao longo dos anos recentes, uma área de atuação

extremamente importante para a política externa brasileira. O Mercosul surge em março de

1991 como o principal projeto de integração proposto pelo país até a época. Originado de

acordos com a Argentina, logo o bloco incluiria Paraguai e Uruguai e pretendia promover

uma área de livre comércio entre os Estados membros. Essa perspectiva calcada nos ideais

neoliberais da época seria ampliada com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder,

retornando à ideia inicial dos dois principais países de potencializar suas capacidades de

negociação no sistema internacional.

Nesse sentido, conforme afirma Maria Regina Soares de Lima, o Mercosul reorienta

suas prerrogativas, deixando de focar somente no comércio para englobar também "a

31

integração produtiva e os âmbitos políticos, social e da participação da sociedade civil" (2014,

p. 83). É possível observar, no referido período uma mudança de postura do Brasil com

relação aos países menores do grupo, quando passou a reconhecer que estes mereciam um

tratamento diferenciado por serem menos desenvolvidos e mais vulneráveis, pleito histórico

do Brasil nas relações com as grandes potências, mas que nunca havia reproduzido com os

seus parceiros do agrupamento. Para que as assimetrias intra-bloco fossem reduzidas, foi

criado em dezembro de 2004 o Fundo de Convergência Estrutural e Fortalecimento

Institucional do Mercosul (FOCEM).

O Fundo contou com um aporte inicial de US$ 100 milhões não reembolsáveis de

modo que o país que contribui com a maior contribuição é aquele que possui o maior PIB e a

contribuição dos outros é diretamente proporcional às suas economias. Os recursos são

destinados para os Estados-membros, respeitando a lógica inversa do financiamento, para que

sejam feitos investimentos em infra-estrutura, na ampliação da produtividade econômica e no

desenvolvimento social dos menos desenvolvidos. A partir do ingresso da Venezuela, o

Fundo passou a contar com mais US$ 27 milhões15, passando a totalizar US$ 127 milhões.

Dessa forma, o Brasil arca com US$ 70 milhões e pode utilizar US$ 11,5 milhões do total

destinado anualmente ao FOCEM, a Argentina e a Venezuela arcam com US$ 27 milhões e

também podem utilizar US$ 11,5 milhões, o Uruguai, US$ 2 milhões e US$ 36,9 milhões,

respectivamente, e o Paraguai, US$ 1 milhão e US$ 55,4 milhões, respeitando a mesma

lógica.

Outra iniciativa relevante para a ampliação da integração regional foi a Unasul, cujo

embrião surge ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), na I Cúpula de

Presidentes Sul-Americanos, em Brasília, em 2000. Somente em 2004, na III Cúpula Sul-

Americana, em Cuzco, surgiria a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), cujo

objetivo era o de criar um mercado para ampliar a capacidade produtiva da região. O Tratado

Constitutivo da UNASUL foi firmado em 23 de maio de 2008, na III Cúpula de Chefes de

Estado, em Brasília, consolidando um processo de integração multissetorial entre todos os

países sulamericanos, no qual as principais áreas de atuação são as de defesa e segurança

pública, as quais ganharam um enfoque maior a partir da criação do Conselho de Defesa Sul-

Americano.

                                                                                                                         15 Ver MERCOSUL. Decisão 41/12. Participación de la República Bolivariana de Venezuela en el Fondo para la Convergencia Estrutural del Mercosur - FOCEM. Conselho do Mercado Comum, 6 dez. 2012. Disponível em: <http://www.mercosur.int/focem/archivo.php?a=6774757873677a6f7c6726736778807526383637373538363738356a6b6965363a373338363738656b79657667787a6f696f7667696f7574267c6b746b807b6b726734766a6c67006&x=6b6b00a&y=c4c4063>.

32

Somada às duas iniciativas já citadas, a Cúpula da América Latina e Caribe (CALC),

realizada na Costa do Sauípe, em 2008, consolidou-se como a primeira reunião de presidentes

da região que não contou com a presença estadunidense. Observa-se, portanto, nas últimas

décadas, a emergência de um regionalismo pós-liberal, que inclui, além das supracitadas, a

Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA), alternativa venezuelana à proposta da ALCA.

Nas palavras de Soares de Lima, esse regionalismo pós-liberal defende a “primazia da agenda

política, [o] papel do Estado na coordenação econômica, [a] preocupação com questões

sociais, que vão da neutralização das assimetrias estruturais entre os países à inclusão de

amplos segmentos” antes marginalizados (2014, p. 85).

Ainda que a liderança regional seja um elemento que amplie o poder brasileiro nas

estratégias de balanceamento internacional, pode, também, apresentar certo grau de

fragilidade caso haja uma instabilidade regional que leve a conflitos ou ao questionamento de

seu poder de influência. É o que ocorre com a Rússia, que perde, desde o fim da União

Soviética, cada vez mais, sua capacidade de influência, como pode ser observado

recentemente com a Ucrânia, país dividido em um leste com maioria étnica russa e um oeste

de maioria étnica ucraniana, o que se traduz em uma clara oposição política entre as regiões

do país. Quando o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, de etnia russa, foi forçado

pela oposição a deixar o país, em 22 de fevereiro de 2014, sendo substituído por um governo

interino, ampliou-se o confrontamento político entre os grupos pró-Rússia e os pró-UE,

tornando-os cada vez mais violentos.

Com o vácuo de poder, assumiu o governo o partido Svoboda, considerado por muitos

fascista, que até alguns anos atrás atuava com o nome de Partido Nacional-Socialista da

Ucrânia, juntamente ao Pravy Sector (Setor Direita), milícias fascistas armadas, e ao Partido

da Patria. O governo interino foi reconhecido imediatamente pelos Estados Unidos e Europa,

enquanto a Rússia alegava ter ocorrido um golpe de Estado. A repressão contra manifestantes

de etnia russa ampliou drasticamente culminando em um plebiscito que retornou a região da

Crimeia16 à soberania russa, resultado que já era esperado, por possuir uma população de

maioria russa, cerca de 60%. À revelia dos fatos, o apoio ocidental à atuação do novo governo

ucraniano foi total, ajudando no financiamento de suas tropas e ameaçando a Rússia de

retaliações caso não abandonasse os territórios anexados, evidenciando uma clara falta de

habilidade por parte da Rússia de manter a estabilidade em seu entorno regional.

                                                                                                                         16 A Crimeia havia sido transferida para a Ucrânia por meio de um ato burocrático de Nikita Khrushchev, em 1954. A Ucrânia só se tornaria independente da União Soviética em 1991.

33

Diferentemente do caso russo, o Brasil, desde a administração Lula da Silva tem

ampliado sua influência na América Latina e, inclusive, sua capacidade de controlar crises,

como citado anteriormente. O primeiro exemplo de controle de crises regionais ocorreu já no

primeiro mês de governo do presidente Lula, quando é criado, em janeiro de 2003, o Grupo

de Países Amigos da Venezuela, composto por Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos,

México e Portugal. O vizinho vinha sofrendo forte reação da oposição ao governo de Hugo

Chávez (1999-2013) que desde abril do ano anterior vinha tentando derrubar o presidente

eleito. Nesse intuito, em dezembro de 2002 foi iniciada uma greve geral, organizada pela

oposição, conhecida como el paro, que duraria 63 dias. Como impacto, o PIB venezuelano

caiu 17% em 2003 e o bolívar (moeda nacional) desvalorizou-se em 25% com relação ao

dólar, obrigando o governo a controlar os preços e o câmbio (MARINGONI, 2009).

O Grupo, que atuou em conjunto com o secretário-geral da Organização dos Estados

Americanos (OEA), pretendia negociar um fim pacífico para a crise de modo a impactar o

mínimo possível no povo venezuelano, para isso, procurou-se aliar países que apoiavam o

governo a países próximos à oposição. O sucesso na atuação do grupo pode ser observado

pelo abandono das exigências de renúncia ou antecipação da eleições por parte da oposição, e

a aceitação de que se optasse pelo referendo revogatório, previsto na Constituição, segundo o

qual a população teria a oportunidade de avaliar e decidir pela manutenção ou saída do

governo na metade do mandato. O referendo deveria ser acompanhado por algum

representante da OEA e o próprio governo venezuelano sugeriu nome de Valter Pecly,

embaixador brasileiro na OEA, e terminou com a manutenção de Chávez na presidência.

Outro exemplo ocorreu quando, março de 2008, houve uma incursão de tropas

colombianas em território equatoriano para destruir um acampamento das Forças Armadas

Revolucionárias Colombianas (FARC)17 localizada a menos de dois quilômetros da fronteira

                                                                                                                         17 As FARC são o maior e o mais antigo grupo de guerrilha da América Latina. Surgiu em maio de 1964, como resposta política armada à agressão do governo colombiano, que, apoiado pelo governo dos EUA, lançou um ataque contra a região de Marquetalia. Proclamam-se uma organização político-militar marxista-leninista de inspiração bolivariana e têm como objetivo primário conseguir realizar na Colômbia uma mudança no regime, implementando um governo socialista, por meio de revolução armada. Ao longo de mais de quarenta anos de existência das FARC, diferente do que se pode inferir dos discursos oficiais recentes, ocorreram vários acordos de paz entre a guerrilha e o Governo. Entre eles, o mais marcante foi o acordo de cessar-fogo, assinado em 1982, que resultou de um processo de abertura democrática, o que permitiu às FARC a criação de um partido político, para ascender ao poder pelo sufrágio democrático. Com a trégua, as FARC apoiaram a criação da União Patriótica (UP), que ao lançar os candidatos a presidente e outros cargos eletivos, defendeu uma plataforma político-social transformadora e pluralista, recebendo apoio de diversos setores da sociedade. Muitos foram os membros das FARC que desertaram a guerrilha para atuar na legalidade, com a finalidade de mudar o quadro da sociedade colombiana. Apesar da vigência do tratado de trégua entre o governo e as FARC, houve vários atentados contra os membros da UP no ano de sua criação, com a ocorrência de diversas mortes. Com o acordo de paz frustrado, as FARC voltaram a atuar na ilegalidade, a partir de então, importantes instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Human Rights Watch, bem como alguns

34

com a Colômbia. Com um bombardeio aéreo, o exército colombiano logrou matar o segundo

mais importante líder das FARC, Raúl Reyes, e mais 22 supostos guerrilheiros. Devido à

violação da soberania equatoriana e ao desrespeito de normas de Direito Internacional, os

governos da Venezuela e do Equador ordenaram a retirada de seus embaixadores em Bogotá,

além da expulsão do embaixador colombiano em Quito. Em seguida, Rafael Correa,

presidente do Equador solicitou reuniões urgentes da OEA e da Comunidade Andina de

Nações (CAN) para tratar da questão, enquanto Álvaro Uribe, presidente da Colômbia,

acusava os outros dois mandatários de negociarem com as FARC18 (SANTOS, 2010).

Com a escalada das tensões, o Brasil interveio com o objetivo de buscar uma solução

diplomática para a crise na região, evitando uma intervenção militar norte-americana, ameaça

ainda mais eminente com a reativação da IV Frota Naval dos Estados Unidos, a qual será

tratada mais a frente nesta seção. Ainda que Equador e Colômbia tenham rompido relações

diplomáticas, as tensões foram diminuídas após conversas do presidente brasileiro com os

mandatários dos outros três países. O número de exemplos de atuações brasileiras para

solução de conflitos na região é extenso e poderiam ser tema de trabalho próprio, de modo

que não é possível abarcar todos os casos.

Outro fator que pode se tornar um complicador na liderança regional é a ampliação da

projeção internacional da potência regional, almejando uma presença mais ativa no sistema

internacional. A perspectiva de aumento de poder pode gerar, por parte dos vizinhos, um

sentimento de rivalidade ou ameaça, tornando-os reativos a essa maior participação. Um

exemplo é a resistência sofrida pelo Brasil, de parte dos países latino-americanos, quando

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           países, entre eles os EUA e integrantes da União Européia, passaram a considerá-la como uma organização terrorista. Essa adjetivação se deve aos métodos usados por esta organização para atingir seu objetivo, uma vez que, por obterem recursos por meio do narcotráfico, quando este é reprimido, utilizam-se de sequestros, extorsão e assassinatos. Os membros das FARC não produzem nem consomem drogas, contrariamente do que é comentado na imprensa, por determinados elementos da sociedade colombiana. Na realidade, os narcotraficantes pagam uma porcentagem dos lucros e, assim, circulam livremente pelos territórios ocupados pelos guerrilheiros. 18 A fronteira entre Colômbia e Equador é extremamente porosa e, apesar de o Equador não ter um cultivo de coca significativo, tornou-se um importante ponto de escoamento da cocaína colombiana, estimado em 40%, além de insumos químicos, tráfico de armas e refúgio para traficantes. Deste modo, as políticas colombianas de combate ao narcotráfico impactam diretamente no Equador, principalmente na década de 2000, pós-Plano Colômbia. No entanto, ainda que tenham atuado para reforçar a presença militar na fronteira e promover combate ao narcotráfico, com programas de desenvolvimento econômico e social da região, “por entender que o conflito é um problema colombiano e não de segurança regional, o Equador tem-se recusado a adotar a mesma estratégia de segurança dos colombianos. Nessa perspectiva, o país não confere às guerrilhas o status de terroristas, como querem os governos da Colômbia e dos EUA. Além disso, o governo equatoriano alega ser vítima do conflito colombiano, que traz um alto custo ao país, que não conta com os mesmos recursos econômicos e militares disponíveis aos colombianos. Essa posição equatoriana gerou duras críticas da administração colombiana de Álvaro Uribe, que sempre considerou seu conflito armado um tema de segurança regional” (SANTOS, 2010, p. 29).

35

pleiteia uma reforma do CSNU que inclua o seu nome entre os membros permanentes do

órgão, proposta que será abordada mais a frente.

Uma terceira situação capaz de desestabilizar a liderança da potência regional ocorre

quando a potência hegemônica intervém em conflitos ou tensões na região impedindo que

uma solução de controvérsias por parte da potência regional gere um sentimento mais forte de

integração, ameaçando os seus interesses na região. Um exemplo a ser citado foi a reativação

da IV Frota Naval19 dos Estados Unidos, em julho de 2008. Sob a justificativa de promover a

paz nos mares da região e auxiliar em ações humanitárias, a marinha estadunidense

disponibilizou uma frota composta por treze fragatas com mísseis, quatro cruzadores com

mísseis, quatro destróieres com mísseis e um navio-hospital que, apesar que não estar

permanentemente atuante na região, é capaz de locomover-se para qualquer área da América

Latina em pouco tempo.

O ato unilateral dos Estados Unidos foi rechaçado na época por vários presidentes da

região que reclamaram não terem sido comunicados previamente das intenções de

Washington. Por parte do Brasil, o então presidente Lula exigiu um contato formal dos

Estados Unidos de modo a prestar informações sobre a iniciativa. O contato da secretária de

Estado norte-americana, Condoleeza Rice, ao chanceler Celso Amorim ocorreu no dia

seguinte, quando ela afirmou que a Frota seria utilizada somente para a cooperação com

países da região e que transmitiria maiores detalhes ao embaixador brasileiro em Washington,

Antônio Patriota.

Como reflexo, aumentou o engajamento brasileiro para o fortalecimento de uma

concepção de região no Atlântico Sul, que já vinha sendo discutida desde 1986, quando foi

instituída a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). Reativada por iniciativa

angolana, em 2007, viria a se consolidar em estratégia essencial para o Brasil minimizar a

presença de atores externos na área. O protagonismo brasileiro ficaria ainda mais evidente

após a reunião de janeiro de 2013, quando o Brasil propõem um apoio com base em

experiências nacionais para auxiliar os outros membros a fazer um levantamento de suas

plataformas continentais e capacitar suas marinhas para salvamento e resgate no mar e para a

realização de operações de paz e vigilância marítima, com a utilização da tecnologia

denominada long range identification and tracking.

Além da revitalização da ZOPACAS, a Política Nacional de Defesa, de 2005,

Estratégia Nacional de Defesa, de 2008 e o Livro Branco de Defesa Nacional, de 2012

                                                                                                                         19 A IV Frota Naval estadunidense remete à Segunda Guerra Mundial, quando em 1943 foi estabelecida para combater submarinos nazistas no Atlântico Sul, sendo posteriormente anexada à II Frota e desativada em 1950.

36

ajudaram a consolidar a importância do investimento para a modernização militar. Entre eles,

um acordo firmado em dezembro de 2008 com a França para a aquisição de quatro

submarinos Scorpène e para o desenvolvimento de um submarino nuclear nacional. Somado a

esses esforços, o governo definiu a importância da “Amazônia Azul” por toda sua riqueza

natural marinha e pela porosidade das fronteiras marítimas20.

2.4.2. O tabuleiro intermediário

Conforme avaliado por diversos autores, não basta que um país seja uma potência

regional, caso este não exerça um papel relevante no cenário internacional. Nesse sentido, a

atuação brasileira no exterior pode ser analisada por dois prismas diferentes, os quais ocupam

diferentes tabuleiros: um relativo às relações Sul-Sul e outro que trata de seu posicionamento

diante das Grandes Potências. Compreende-se por relações Sul-Sul aquelas promovidas entre

países do chamado “Sul Global”, o qual não se confunde com países do hemisfério sul, mas

países em desenvolvimento, originários da América Latina e Caribe, África e Ásia, e cujo

objetivo principal é a promoção do desenvolvimento. São essas as relações que compõem o

tabuleiro intermediário da política externa brasileira. Para uma visualização mais clara da

divisão política entre “Sul Global” e Norte Global, ver o mapa 1.

                                                                                                                         20 Para aprofundamento no tema, ver ABDENUR; SOUZA NETO, 2014.

37

Mapa 1 - Separação político-econômico-ideológica entre “Norte Global” e “Sul Global”21

Fonte: CAVE, K. ThoughtWorks Interview: Agile Principles & Global South. IDG Connect,27 fev. 2014. Disponível em: < http://www.idgconnect.com/blog-abstract/5830/thoughtworks-interview-agile-principles-global-south>.

A primeira coordenação deste tipo remonta ao período de Guerra Fria, quando 29

países reuniram-se na Conferência Ásia-África, em Bandung, em 1955, para articular as ações

de política externa de países dos dois continentes com o objetivo de manter-se desvinculados

da lógica bipolar predominante no mundo, e de condenar políticas imperialistas e

colonialistas. Surgia, nessa reunião, o embrião do MNA, cuja primeira conferência ocorreu

em setembro de 1961, em Belgrado, e que, posteriormente, consagraria como Estados mais

proativos Índia, África do Sul e Egito. O grupo existe até a presente data, ainda que com uma

atuação tímida e tendo realizado sua conferência mais recente em 2006, em Havana.

Outra iniciativa que remonta ao mesmo período é o Grupo dos 77, dos quais o Brasil é

um dos membros fundadores. Sua origem remonta à Declaração Conjunta dos Setenta e Sete

Países, assinada em junho de 1964, na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio de

                                                                                                                         21  Cabe destacar que apesar da Rússia estar como parte do Norte Global no mapa, esta não é a visão partilhada pelo autor, apesar de compreender a dificuldade de classifica-la como um membro do Sul Global.  

38

Desenvolvimento (UNCTAD). Contudo, ainda que hajam diversas articulações com o foco na

promoção da coordenação Sul-Sul, por razões de escopo, serão tratadas neste capítulo

somente das iniciativas brasileiras para a consolidação do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-

África do Sul (IBAS), dos BRICS, além de algumas outras iniciativas independentes do Brasil

consideradas relevantes para ilustrar a atuação do país no tabuleiro intermediário.

Em junho de 2003, foi firmado o primeiro documento que iniciava as coordenações

entre Índia, Brasil e África do Sul, a Declaração de Brasília. O IBAS agrupa três potências

médias que compartilham entre si o fato de serem democracias multiétnicas, possuírem um

passado colonial e serem países em desenvolvimento, e possui o objetivo de ampliar a

representatividade dos Estados membros em foros multilaterais, de promover a cooperação

Sul-Sul, de ampliar o comércio entre os membros, o desenvolvimento social, a cooperação

técnica e o combate à pobreza. O IBAS diversificaria, posteriormente, suas credenciais, de

modo a passar a admitir pleitos de outros países em desenvolvimento, servindo como um

amplificador para os interesses dos países do Sul na ordem internacional22.

Introduzido pela primeira vez no relatório do economista Jim O’Neil, ex-diretor do

Goldman Sachs, intitulado “Building Better Global Economic BRIC”, o termo BRIC referia-

se a Brasil, Rússia, Índia e China por representarem, segundo o autor, ao final de 2000, as

quatro economias emergentes que, no decorrer de 30 anos, se tornariam as maiores economias

do mundo, ultrapassando o G7. Em sua perspectiva, tratavam-se de economias dinâmicas, que

juntas representavam, em paridade poder de compra (PPP), 23,3% do PIB mundial, cujo

crescimento do PIB, renda per capita e movimentos financeiros tornavam incontestável a

relevância que os países exerceriam no futuro. O que se iniciou com um anagrama, acabou se

tornando um arranjo político, que incluiria posteriormente a África do Sul, alterando o termo

para BRICS o que foi inclusive contestado pelo autor, pelo fato de o país africano não

compartilhar das características econômicas dos outros quatro emergentes (O’NEIL, 2001).

Recentemente, em reunião em Fortaleza, o grupo logrou em fundar um banco de

desenvolvimento, que contou com um aporte inicial de US$ 50 bilhões para formar o capital

do banco e capacidade de empréstimo de US$ 100 bilhões, além da criação de um fundo de

reservas de outros US$100 bilhões, o qual serviria de ajuda a países emergentes em um

contexto de crise de liquidez. Juntas, as duas iniciativas surgem como alternativas ao Banco

Mundial e ao FMI, uma vez que as grandes potências detentoras da maior parte das cotas

resistem a reformar o peso dos votos de forma a refletir a crescente participação dos países

                                                                                                                         22 Para aprofundamento no Fórum de Diálogo IBAS e maiores informações, ver MATTOS, 2014.

39

emergentes na economia global. Além disso, a criação de duas instituições financeiras

coordenadas por países emergentes pode representar um rompimento com o condicionamento

de empréstimo a adoção de medidas econômicas monetárias restritivas, conforme praticado

pelas instituições financeiras tradicionais. Os BRICS serão aprofundados no quarto capítulo.

Outra negociação relevante protagonizada pelo governo brasileiro, em conjunto com a

Turquia, foi a referente ao programa nuclear iraniano, em 2010. A articulação ocorreu como

reflexo da escalada de desconfianças quanto à natureza pacífica do programa de

enriquecimento de urânio do Irã23 e da ameaça de sanções ao país por parte do CSNU e do

Grupo de Viena, formado por Estados Unidos, Rússia, França e a Agência Internacional de

Energia Atômica (AIEA). Nesse contexto, Brasil e Turquia, que eram membros rotativos do

CSNU à época, iniciaram negociações com o governo iraniano em um contexto de ceticismo

e contradição por parte dos Estados Unidos24.

O acordo de Teerã foi assinado em 17 de maio de 2010 e previa que o Irã entregasse,

no prazo de um mês, 1200 quilos de urânio levemente enriquecido para serem guardados na

Turquia, de modo que o depósito poderia ser observado pelo Irã e pela AIEA. O Irã estaria

disposto, ainda a acertar outros detalhes com o Grupo de Viena, desde que houvesse o

comprometimento deste em entregar os 120 quilos de combustível necessários para o Reator

de Pesquisas de Teerã, no prazo máximo de um ano. Contudo, o resultado não foi aprovado

pelos membros permanentes do CSNU, que votaram por aplicar sanções políticas e

econômicas ao Estado árabe. Em análise do chanceler brasileiro à época, (…) quando o Brasil e a Turquia negociaram, por solicitação, entre outros, do Presidente Barack Obama, um acordo de construção de confiança com o Irã, em maio de 2010. Embora os Estados Unidos tenham depois – por motivos outros, que não me cabe questionar, mas aos quais os objetivos de política interna não eram estranhos – se voltado contra a negociação e trabalhado para que ela não prosperasse, o sucesso que esses dois países emergentes tiveram em obter um acordo com o Irã – que nenhuma outra potência havia logrado – demonstrou a efetividade que novos atores podem emprestar ao anacrônico processo político do Conselho de Segurança (mesmo no formato dos cinco membros permanentes mais a Alemanha, o P5+1). Longe de ser um fracasso, o acordo tem sido frequentemente citado – inclusive por uma ex-assessora direta da Secretária Hillary Clinton (que foi contra o acordo), a

                                                                                                                         23 Vale ressaltar que o Irã é signatário do TNP, o qual afirma em seu artigo segundo que “cada Estado não nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não receber a transferência, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos; a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para a fabricação de armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares” (1968). 24 Enquanto a Secretária de Estado, Hilary Clinton, recomendava ao chanceler turco a abandonar as negociações e afirmava diante da imprensa que acreditava no fracasso da empreitada turco-brasileira, o presidente estadunidense, Barack Obama, encorajava a mediação.

40

professora de Princeton Anne-Marie Slaughter – como uma referência útil para a solução dessa controvérsia. Notei, aliás, com agrado que um pesquisador brasileiro tenha percebido a semelhança estrutural entre a Declaração de Teerã, patrocinada por Brasil e Turquia, e as atuais tratativas levadas a cabo pelos Estados Unidos junto ao Irã (AMORIM, 2013, p. 305).

O acordo demonstrou a capacidade de negociação brasileira e a habilidade de países

emergentes de solucionar controvérsias de forma pacífica, ainda que o Grupo de Viena não

viesse a reconhecer sua validade. O Irã viria a aceitar o congelamento de suas atividades de

enriquecimento de urânio a 20%, em novembro de 2013, para que as sanções aplicadas

fossem relativizadas, acordo este que seria provisório até meados de 2014, quando deveria ser

negociado um acordo final. Porém, o que se observou foi a falta de habilidade das grandes

potências de negociar com o país árabe. A exigência atual é que o país reduza o número de

centrífugas para o enriquecimento de urânio de 19 mil, das quais 9 mil estão ativas, para 5

mil, proposta rechaçada pelo governo, que acredita que ela é uma ameaça a sua soberania.

Por fim, vale ressaltar a recente aproximação da Rússia pelo Brasil, em uma

demonstração do senso de oportunidade do país sul-americano no contexto das sanções

praticadas pela União Europeia em razão das anexações russas pós-referendos na Ucrânia. Os

dois países firmaram uma série de acordos no contexto da visita do presidente russo, Vladmir

Putin (2000-2008, 2012-atual), para a final da Copa do Mundo e, em sequência, para a Cúpula

dos BRICS, em julho de 2014. Os acordos englobaram, principalmente a cooperação

científica na área da saúde, com produção de vacinas contra coqueluche, difteria, meningite e

tétano; e de tecnologia, para a instalação de duas estações de sistema de navegação por

satélite no Brasil.

Foi firmada, ainda, uma cooperação técnico-militar entre os dois países, no qual o

Brasil compraria da Rússia um sistema de defesa antiaéreo, inclusive com demonstração do

sistema a representantes brasileiros. Os russos ficariam responsáveis pelo fornecimento de

foguetes e mísseis e planejam substituir a Ucrânia na parceria da base de Alcântara, caso esta

se mantenha sem fazer investimentos até a expiração do prazo. No que diz respeito à

economia, os dois países expressaram o interesse em duplicar suas transações econômicas, de

aproximados 5,6 bilhões de dólares para chegar a 10 bilhões de dólares, além de um acordo

no setor energético, com esforços bilaterais para exploração, extração, armazenamento e

transporte de jazidas de petróleo e gás existentes no Brasil. Afirmava-se, dessa forma, os

interesses brasileiros na diversificação de suas parcerias, não só no comércio, mas em

múltiplos setores.

41

2.4.3. O tabuleiro superior

As relações do Brasil com as Grandes Potências, principalmente com os Estados

Unidos, ainda que tivessem curtos períodos de alinhamento automático, se caracterizam,

desde a década de 1960, por uma maior autonomia, possibilitada por meio de uma

diversificação de parcerias, aprofundada a partir de 2003. Dessa forma, o Brasil evita um

confrontamento direto com as grandes potências e se aproveita da estratégia do

“encapsulamento de crises”, originária do governo José Sarney, para gerenciar crises evitando

a contaminação de sua relação com outros países, o que se pode chamar de divergência

limitada.

A primeira divergência que merece um destaque refere-se ao projeto da Área de Livre-

comércio das Américas (ALCA), de 1994, que propunha um outro tipo de regionalismo,

diferente do pós-liberal citado anteriormente, conhecido como regionalismo aberto, cuja

origem remonta à divisão internacional do trabalho, de modo que a abertura econômica e

comercial dos Estados-membros viabilizaria que a produção fosse dividida entre eles e

distribuída por todos os mercados consumidores. Nesse sentido, a proposta da ALCA

pretendia eliminar progressivamente as barreiras alfandegárias de todos seus membros, os 34

países da América, com excessão de Cuba, devido ao embargo econômico. Ainda que

extremamente nociva aos países da América Latina com industrialização recente, a ALCA foi

recebida acaloradamente por muitos países.

No caso específico brasileiro, a ALCA representava uma ameaça aos projetos

regionais do país, por consolidar a presença da potência hegemônica em toda a região, além

de relegar a segundo plano debates referentes a questões de interesse nacional, como os

subsídios estadunidenses à agricultura. Contudo, Celso Amorim (2014) afirma que na época,

devido ao entusiasmo do presidente argentino, Carlos Menem, e de seu ministro, Domingo

Cavallo, o Brasil encontrava-se impedido de barrar a proposta, sob a ameaça de comprometer

o Mercosul. Diante desse impasse, o Brasil tentou prorrogar os prazos para implementação de

cinco ou seis anos para dez.

Já no início do governo Lula, os vizinhos do Mercosul encontravam-se mais sucetíveis

ao diálogo, o que, combinada à habilidade do ex-chanceler, fez com que aceitassem agir em

conjunto nos pleitos diante dos Estados Unidos. A partir de então, em novembro de 2003, o

Brasil conseguiu vincular a concretização da ALCA à flexibilização das regras de propriedade

42

intelectual e à revisão dos subsídios agrícolas estadunidenses, além de eliminar o binômio que

opunha o investidor ao Estado e conseguir manter a OMC como órgão para a solução de

controvérsias comerciais (AMORIM, 2014, p. 41). O abandono da proposta da ALCA ocorreu

na rodada de Mar del Plata, Argentina, em novembro de 2005, quando os quatro membros do

Mercosul e a Venezuela posicionaram de forma a resistir as pressões dos outros 29 países.

A atuação brasileira na OMC merece um destaque, não só pela quantidade de

contenciosos do Órgão de Solução de Controvérsias em que foi parte, mas também pela

organização, juntamente com seus parceiros do IBAS e do G20 para contrapor os interesses

dos EUA e da UE. Ao disputar seus interesses comerciais por meio de um organismo

internacional, o Brasil reafirma sua tradição diplomática e suas credenciais de participação

dos regimes internacionais, ademais, a atuação em um órgão multilateral, permite ao país,

associar-se a outros Estados com interesses semelhantes, reduzindo os custos da negociação,

sinalizando uma conscientização dos limites de sua atuação enquanto potência média. Seus

pleitos no órgão estão, em sua maioria, relacionados com questões de subsídios agrícolas e

não-agrícolas, de barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, de medidas antidumping e de

propriedade intelectual.

Um dos casos emblemáticos para o Brasil foi o Embraer-Bombardier, iniciado pelo

Canadá contra o Brasil, em 1996, por questionar os subsídios brasileiros à construção de

aeronaves. Observando que a política canadense era a mesma, o país entrou com contencioso

contra o ora demandante, de modo que ambos acabaram sendo condenados. Posteriormente,

as retaliações viriam a ser suspensas após acordos bilaterais e os países entrariam em acordo,

sendo protagonistas na elaboração do “Acordo Setorial sobre Créditos à Exportação para

Aeronaves Civis”, na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

(OCDE), em 2007.

Merece ser citada, ainda, a disputa contra os subsídios estadunidenses para a produção

de algodão para o abastecimento do mercado interno e externo. Após a condenação norte-

americana e a ameaça de o Brasil retaliar em produtos e em propriedade intelectual, em 2009,

os Estados Unidos chegaram em um acordo de pagar US$ 147 milhões por ano, até o ajuste

dos seus programas agrícolas às decisões da OMC ser concluído. Somam-se às outras, a

disputa contra o aumento da tarifa de importação do frango assado brasileiro na Europa, de

2003; o contencioso iniciado pela Comunidade Europeia contra a proibição brasileira de

importação de pneus reformados, de 2005; e a consulta brasileira sobre as medidas

43

antidumping praticadas pelos Estados Unidos contra o suco de laranja brasileiro, de 2008,

entre outras25.

Outro tema relevante é a proposta de reforma da Organização das Nações Unidas

(ONU), que surge, pela primeira vez, no discurso brasileiro na abertura da Assembleia Geral

(AGNU), em setembro de 1989, pronunciado pelo ex-presidente José Sarney. O Brasil havia

passado por um período de ditadura militar no qual acreditava-se que o conselho servia como

um órgão de "congelamento de poder", ou seja, os membros permanentes possuíam todo o

poder e não haveria espaço para uma participação que fosse de encontro aos interesses deles,

de modo que o país decidiu pela abstenção da participação no conselho como membro

rotativo. Ao assumir, Sarney altera a forma como o país via as questões internacionais e passa

a pleitear uma ordem internacional mais representativa, na qual os países em desenvolvimento

tivessem uma participação ampliada nos órgãos deliberativos.

Contudo, a resistência por parte dos cinco membros permanentes era muito grande, até

mesmo outros países que pleiteavam a reforma se mostravam resistentes ao ingresso

brasileiro, como era o caso da Alemanha e do Japão. O primeiro país a expressar-se favorável

a uma reforma foram os Estados Unidos, que logo conseguiram apoio francês e britânico para

o ingresso da Alemanha, com o objetivo de evitar uma outra reforma que colocasse um único

voto para a UE. Em contraposição, China e Rússia resistiam sob a prerrogativa de que o

ingresso alemão ampliaria a participação do ocidente. Logo surgiria a proposta do "ajuste

rápido" (quick fix), que incluiria Alemanha e Japão e, dessa forma, ampliava a participação de

dois Estados cuja relevância no sistema internacional era incontestável.

Nessa perspectiva, o Brasil decide posicionar-se de forma contrária a essa proposta na

AGNU, quando o chanceler Celso Amorim, em 1993, afirma que a reforma não pode

representar uma concentração de poder ainda maior nos países desenvolvidos, de modo que

deveriam constar entre os novos membros permanentes representantes dos países em

desenvolvimento. Com o fracasso da primeira tentativa e a apatia dos cinco permanentes (P5)

em promover a reforma, em 1997, o presidente da AGNU à época, Razali Ismael, propôs a

ampliação dos membros permanentes em cinco e dos rotativos em quatro (5+4), porém esta

sofreu forte resistência tanto do P5, quanto da AGNU, encabeçada pelos “rivais” dos

principais candidatos a permanentes, alterando, inclusive a regra para aprovação da reforma.

Em 2003, Kofi Annan, secretário geral da ONU, instituiu o “Painel de Alto Nível

sobre Ameaças, Desafios e Mudanças” para avaliar os órgãos decisórios da instituição. Em

                                                                                                                         25 Para aprofundamento no tema, ver PEREIRA; COSTA; ARAUJO, 2012.

44

sua conclusão, o painel reconheceu a ineficiência do CSNU e propôs duas possíveis reformas,

a primeira acrescentaria seis membros permanentes sem poder de veto ao órgão, sendo dois

da África, um da América Latina, dois da Ásia e um da Europa e três rotativos; enquanto a

segunda criaria oito assentos novos, cujos membros teriam mandato de quatro anos e

possibilidade de reeleição, e mais um assento rotativo. A criação do G-4, composto por

Alemanha, Brasil, Índia e Japão, somado ao apoio dos países africano para a obtenção de dois

assentos permanentes com poder de veto e o apoio declarado de França e Reino Unido

configuravam sinais de possibilidade da concretização da reforma, porém as expectativas

foram frustradas novamente. Desde então, as negociações estão paralisadas26.

Pode-se citar, ainda, o pleito do Brasil e de outros países emergentes na reforma das

cotas do FMI e do Banco Mundial, que evidenciam, ainda mais, a estratégia de revisionismo

brando do sistema internacional, adotada pelo país, tema que será retomado no quarto

capítulo.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Delimitar os limites de atuação da política externa de um Estado, muitas vezes,

caracteriza-se como um trabalho desafiador por, nem sempre, ser possível observa-la dentro

das amarras de uma teoria. No caso brasileiro, a proatividade nacional em temas, como o

combate a fome fez com que influenciasse diretamente o sistema e as organizações

internacionais, que, a partir de então, passaram a conferir maior destaque para programas que

pretendessem combater o problema.

É possível observar que, nos últimos anos, a expectativa brasileira de expansão de sua

atuação internacional, perpassa a necessidade de ser reconhecido como um líder entre os

países em desenvolvimento. Contudo, para que esse reconhecimento internacional seja

possível, é indispensável a percepção de que o país deve posicionar-se como um elemento

unificador e emancipador de sua região, buscando consolidar as instituições regionais e

dissolver conflitos e instabilidades entre países latino-americanos. Construir eixos de

integração para dentro da região geraria uma coesão, ampliando a capacidade de inserção

internacional brasileira.

                                                                                                                         26 Para aprofundamento no tema da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ver PONTES, 2004.

45

Contudo, o que se observa é um empenho em um primeiro momento, durante o

governo Lula, de aproximação de outros parceiros do “Sul Global”, e posteriormente, no

governo Dilma, buscar parceiros mais tradicionais, apesar de ambos pertencerem ao mesmo

partido, conforme será aprofundado adiante. Entre as relações Sul-Sul praticadas pelo Estado,

cabe ressaltar o caso chinês, que recentemente ultrapassou os Estados Unidos, tornando-se o

principal parceiro comercial do Brasil, impactando diretamente na economia nacional. Para

compreender a natureza da aliança entre os dois países, com suas ameaças e oportunidades

para o líder sul-americano, é necessário fazer uma análise da atuação internacional do gigante

asiático. No segundo capítulo será abordada a estratégia chinesa de crescimento econômico e

inserção internacional, tentando compreender sua atuação ambígua de agente contra-

hegemônico e, ao mesmo tempo, potência neo-imperialista.

46

3. CHINA: ENTRE AGENTE CONTRA-HEGEMÔNICO E POTÊNCIA NEO-

IMPERIALISTA

No capítulo anterior, foram explicitados conceitos essenciais para a compreensão desta

dissertação como um todo. O primeiro conceito importante que merece ser resgatado é o de

hegemonia no sistema internacional, no qual um Estado é capaz de definir e conduzir a ordem

internacional, em suas estruturas política, econômica e social, de acordo com os seus

interesses. O segundo diz respeito à contra-hegemonia, a qual tornaria possível uma alteração

das estruturas por meio de uma atuação proativa dos intelectuais do Bloco Histórico nos foros

multilaterais. Já o terceiro, afirma que as classificações dos Estados de acordo com suas

capacidades diante do sistema internacional, em Grandes Potências, Potências Secundárias,

Potências Intermediárias e Pequenas Potências.

Além disso, foi feita uma qualificação do termo potência média e a avaliação do Brasil

nesta categoria, com suas capacidades materiais, enquanto Potência Intermediária e Potência

Regional, e com uma atuação relevante no sistema internacional. A partir de então, foi

possível fazer um paralelo da teoria do xadrez tridimensional da política externa norte-

americana, apresentada por Joseph Nye Jr. (2002), para a brasileira, estabelecendo um

tabuleiro base, referente às relações regionais, um tabuleiro intermediário, no qual observa-se

a cooperação Sul-Sul e as articulações com outros países em desenvolvimento, e um tabuleiro

superior, onde ocorrem as relações com os países desenvolvidos. Concluída a primeira análise

do Brasil, será iniciada a avaliação da atuação da República Popular da China (RPC) no

sistema internacional.

Nas primeiras frases da introdução do livro “Adam Smith em Pequim: origens e

fundamentos do século XXI” de Giovanni Arrighi (2008), o autor observa como a história da

primeira metade do século XX, quando analisada à distância dos acontecimentos, ignora a

hegemonia europeia, ainda incontestável no período, grifando as revoltas de independência de

países da África e da Ásia que o marcaram. Da mesma forma, acredita que quando a segunda

metade do mesmo século for observada à distância, o fato mais relevante para a história

mundial será o reerguimento da economia da Ásia Oriental, que fundou as bases para o

redirecionamento do polo de poder mundial, iniciando-se nos anos 1950 com o Japão, seguido

pelo crescimento dos Tigres Asiáticos, até a China, o que ilustra porque o Pacífico substituiu

o Atlântico como o oceano mais dinâmico do mundo.

47

A República Popular da China superou seu histórico agrícola e introspectivo e para se

tornar o centro da indústria mundial, com a maior reserva internacional do mundo,

ultrapassando a marca de 3,88 trilhões de dólares, e o segundo maior produto interno bruto

(PIB) do mundo, totalizando mais de 9,24 trilhões de dólares, em 2013, contrastando com o

pouco mais de 1,198 trilhões de dólares, que possuía em 2000, e menos de 397 bilhões de

dólares, em 1990, segundo dados do Banco Mundial27. Este capítulo irá tratar da forma como

isso foi possível e da forma como o Estado passou a atuar a partir do aumento de sua

participação no sistema internacional em duas frentes: as relações com os Estados Unidos e as

instituições internacionais, e as com os países em desenvolvimento, em especial os da

América Latina.

3.1. A TRAJETÓRIA DO DRAGÃO

A partir de uma análise da evolução das capacidades materiais da China é possível

observar que o país asiático passou por um grande salto na sua história recente. Esse

desenvolvimento não foi fruto do mero acaso, mas de uma série de reformas e planejamentos

feitos pelo governo chinês para a ampliação da competitividade do Estado e para a atração de

investimentos desde a década de 1970.

Deng Xiaoping (1978-1992) assumiu a liderança chinesa em 1978, após a morte de

Mao Zedong (1949-1976), e foi o principal responsável pela evolução e transformação da

China, através de inúmeras reformas econômicas e implantação de uma nova mentalidade

comercial. Entre todas as mudanças é possível destacar quatro modernizações consideradas

estratégicas para a preparação da China para um grande desenvolvimento econômico: a

modernização da agricultura, da indústria, da ciência e tecnologia e do setor militar. O

objetivo era o de acelerar o crescimento da economia nacional, o que foi possível não só pela

abertura do mercado chinês como também pela modernização de equipamentos e tecnologias.

Com as reformas, o país não só acumulou capital, como conquistou tecnologia e mercados,

além de promover seu crescimento econômico em conjunto com o desenvolvimento social.

Sem fazer concessões democráticas e mantendo a centralização do poder na cúpula do

PCC, Deng Xiaoping pretendia superar o histórico de falta de crescimento econômico, que

                                                                                                                         27 Ver BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>.

48

caracterizava o país após dez anos de Revolução Cultural. A China continuava sendo até

então um país imenso, pobre, subdesenvolvido que precisava de grande força para evolução.

Para mudar esse cenário nacional e tornar possível que a China viesse a ocupar o lugar de

destaque no mundo, desejado por suas elites políticas, Deng anteviu que era necessário criar

um enorme e complexo projeto de renovação industrial, técnico, militar e educacional, em

outras palavras, uma nova revolução social.

Entretanto, a reforma industrial significava uma delicada mudança não só econômica,

mas também estrutural, principalmente no que diz respeito à competitividade da indústria

chinesa frente ao mercado global. Maquinarias, produtos, educação e tecnologia precisavam

ser revistos para estarem equivalentes com a modernidade de todo o mercado, ampliando a

capacidade de exportação. A agricultura, por exemplo, precisava não só de incentivo

governamental, mas, principalmente, de uma modernização dos meios de produção, tornando-

a capaz de ampliar sua produção com o fim de atender a nova demanda.

Em 1978, o governo começou uma campanha motivacional sobre a revolução, com

lemas como “Abertura e Reforma”, “Procurar a verdade a partir dos fatos” e “A prática é o

único critério da verdade” (GELBER, 2012, p. 414). As portas do mercado chinês foram

abertas para o comércio exterior, com incentivos fiscais para capitais estrangeiros, com

exceção da zona rural. As chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEE), localizadas no

litoral e cercadas por arames farpados, nada mais eram do que áreas onde as empresas

estrangeiras poderiam instalar-se, desde que houvessem parcerias com empresas chinesas,

conhecidas como joint ventures.

Diferente de Mao, Deng sempre deixou claro seu interesse em ampliar cada vez mais o

comercio internacional do país, com o objetivo de tornar-se uma super potência econômica,

com capacidade de competição em bases iguais com países mais desenvolvidos. Com o novo

posicionamento a partir da reforma industrial, combinada ao advento da globalização,

cogitou-se no Ocidente que a China enfim se inclinaria para um liberalismo Ocidental, o que

não aconteceu, pelo contrário, mesmo com a abertura do mercado para investidores

estrangeiros, a China prezou pela manutenção das bases políticas fundadas desde a revolução

de 1949.

A reforma do sistema econômico chinês, fruto do processo modernizante, iniciado em

1978, transformou o Estado, abandonando um modelo econômico extremamente fechado,

característico do regime socialista, para permitir uma maior penetração do mercado. Segundo

Xing e Shaw, “a intenção por trás do discurso reformista foi de redefinir o conceito de

socialismo com o intuito de justificar a legitimação da marquetização econômica” (2013, p.

49

96). O objetivo não era o de abandonar a ideologia política do socialismo chinês, que

concedia à elite do PCC poder político e econômico, mas de “se transformar em uma nova

classe econômica dominante que poderia continuar a governar por meio das novas relações de

classe” (XING; SHAW, 2013, p. 96).

A abertura econômica trouxe consigo a ameaça da fragmentação de áreas como o

Tibete e a Região Autônoma de Xinjiang, representadas no Mapa 2 para facilitar sua

visualização, que pleiteiam historicamente sua independência. Para conter os movimentos

separatistas e manter a unificação, Deng aliou-se ao exército a fim de garantir a transição,

promovendo uma política de segurança extremamente restritiva e direcionada ao combate de

nacionais chineses. Ampliou-se a repressão em nome da modernização e os investimentos

militares seriam, posteriormente, importantes para a imposição dos interesses nacionais na

região. Em ambos os casos, Tibete e Xinjiang, o pleito separatista embasa-se na segregação

sofrida pela população local, em razão de ser minoria étnica na China e restrição na prática de

sua cultura e religião.

Anexada no século XIX e com maioria étnica uigure, de origem turcomena que

utilizam o alfabeto arábico e não encontram no mandarim sua língua materna, a província de

Xinjiang faz fronteira com Paquistão e Afeganistão e concentra um terço do total de reservas

de petróleo em território chinês. Com a independência das ex-repúblicas soviéticas em 1990,

o movimento separatista foi ampliado. Para inibir o separatismo, o governo incentivou a

migração de chineses de etnia han para região, por meio de um plano para o desenvolvimento

do oeste, que concedeu a eles privilégios perante os uigure, que foram proibidos de praticar

sua religião, ação que ampliou sua insatisfação. Com a prática de atentados terroristas e os

indícios de ligação entre o Movimento Islâmico do Turquestão Leste (MITL) e a Al-Qaeda, o

grupo passou a ocupar a lista de facções terroristas do governo estadunidense em 2002, o que

foi corroborado pela ONU, legitimando a radicalização da violência perpetrada pela polícia

han contra os uigure.28

                                                                                                                         28 Para maior aprofundamento, ver Chung (2002).

50

Mapa 2 - Mapa político da China

É possível destacar as províncias autônomas em verde Fonte: CHALIAND; RAGEAU, 1998, p. 105.

Envolvido em conflitos com a China desde a dinastia chinesa Tang (618-917 d.C.), o

Tibete foi anexado em meados do século XIII pela dinastia Yuan. Com a Revolução Chinesa

de 1949, o governo central, por meio da revolução cultural, pretendia substituir a tradição

budista da região pelos princípios ideológicos do comunismo maoísta. O Tibete é uma região

rica em recursos naturais e hídricos29, conforme representado no Mapa 3, além de ser vital

para a manutenção da unidade territorial chinesa e estar localizada em uma área estratégica

geopoliticamente, no centro da Ásia, com fronteira com Myamar, Butão, Nepal e Índia. O

ponto crítico do conflito entre separatistas e o governo chinês ocorreu em 1959, com a

                                                                                                                         29 O Plateau Tibetano, que se extende pelas províncias do Tibete e parte de Qinghai, de Sichuan e de Yunnan, possui as nascentes de importantes rios para toda a Ásia, tais como o Yangtse (rio Azul), o Hoang ho (rio Amarelo), o Mekong e o Indus.

51

Revolução Tibetana, combatida violentamente pelo Exército de Libertação Popular (PLA) da

China, que levou o líder religioso Dalai Lama e seus seguidores a se exilarem na Índia.30

Mapa 3 - Principais rios do Plateau Tibetano

Fonte: BUCKLEY, M. Major rivers sourced in Tibet. Meltdown in Tibet. Disponível em: < http://www.meltdownintibet.com/images/plateaumap_lg.jpg>.

A reforma econômica entraria em nova fase em meados da década de 1990, quando

observa-se na China a implantação de uma “economia de mercado com características

chinesas” ou “Socialismo de Mercado”, como prefere o governo chinês, ou ainda

“Capitalismo de Estado”, segundo analistas externos. Ao longo dos anos, a China alterou sua

matriz econômica baseada no controle estatal para promover uma abertura capaz de atrair

empresas e IED, cabendo ao Estado a função reguladora do mercado. Para Joshua Cooper

Ramo, o modelo chinês apresentou uma nova perspectiva de desenvolvimento sem a

                                                                                                                         30 Para maior aprofundamento, ver Jian (2006).

52

necessidade de promoção do livre-comércio neoliberal estabelecido pelo Consenso de

Washington, introduzindo o que chamaria de Consenso de Beijing (2004). Para o autor, A nova abordagem de desenvolvimento da China é impulsionada por um desejo de ter um crescimento de alta qualidade equitativo e pacífico, em termos críticos, alterando idéias tradicionais, como a privatização e livre comércio. (…) O Consenso de Beijing é tanto sobre a mudança social como mudança econômica. É sobre o usar a economia e a governança para melhorar a sociedade, uma meta original da economia do desenvolvimento que de alguma forma se perdeu na década de 1990, impulsionada pelo Consenso de Washington (RAMO, 2001, p. 4).

Posteriormente, ao analisar o modelo chinês, autores como Yasheng Huang (2010)

chegaram à conclusão de que o Consenso de Beijing não é válido para todos os setores da

economia do gigante asiático, de modo que é possível observar traços dos dois modelos de

desenvolvimento dentro do Estado chinês. Dessa forma, a China aproveita-se do

experimentalismo do Consenso de Beijing, por acreditar que as condições locais variam em

cada Estado e as normas econômicas internacionais não têm muito valor na orientação das

políticas de desenvolvimento internas. Por isso, afirma que o governo apostou no

fortalecimento do poder do Estado na economia, principalmente após a crise do subprime nos

Estados Unidos, tratada posteriormente, porém, essa estratégia trouxe como consequência a

redução da distribuição de renda nas áreas rurais e a diminuição do consumo interno, ainda

que auxiliasse no crescimento do PIB.

Por outro lado, Huang afirma que as reformas realizadas na China na década de 1980

promoveram uma liberalização financeira e ampliação do empreendedorismo privado. Em

virtude do modelo adotado, a China já se apresentava, nos anos 1990, como um centro de

estabilidade econômica em meio à crise asiática, esboçando sinais de que sua estratégia de

“Capitalismo de Estado” lograria em manter o país na rota do crescimento econômico

concentrado nas empresas estatais, as quais totalizam 80% do valor das ações na bolsa de

valores chinesa31. Kissinger destaca que O país conseguiu controlar um período de inflação perigosamente crescente no início dos anos 1990, implementando controles de capital e um programa de austeridade fiscal que foi mais tarde considerado responsável por poupar a China dos piores efeitos da crises financeira asiática em 1997-1998. Surgindo, pela primeira vez, como uma fortaleza de crescimento econômico e estabilidade em uma época de crise econômica, a China se viu desempenhando um papel inédito: antes objeto de prescrições estrangeiras, geralmente ocidentais, de política econômica, o

                                                                                                                         31 Ver WEBB, B. The visible hand. The Economist, Londres, 21 jan. 2012. Disponível em: <http://www.economist.com/node/21542931>.

53

país era agora cada vez mais um proponente de suas próprias soluções - e uma fonte de auxílio emergencial para outras economias em crise (2011, p. 460).

Após três décadas com uma média de crescimento próxima de 10% ao ano, a China

apresentou em 2012 e 2013 uma considerável redução do crescimento de seu PIB. Logo

apareceram na imprensa comentaristas que previam o fim do crescimento chinês, afirmando,

inclusive, que o gigante asiático seguiria os passos do seu vizinho menor, o Japão. O que

faltou foi uma análise minuciosa, capaz de compreender a mudança da estratégia de

desenvolvimento promovida pelo Comitê Central do Partido Comunista Chinês (CCPCC),

pós-crise de 2008. Aprovado em março de 2011 pela Assembleia Popular Nacional, o 12º

Plano Quinquenal para Desenvolvimento Nacional Econômico e Social32 estabelecia como

meta o “crescimento inclusivo”, tendo como objetivos principais a reestruturação da

economia, a redução da desigualdade social e a proteção do meio ambiente, no período que

compreende de 2011 a 2015.

A partir da análise do Plano Quinquenal é possível compreender a atuação do governo

chinês, ao constatar que a crise econômica reduziu as exportações chinesas, impactando

diretamente na oferta de trabalho. Dessa forma, o crescimento no índice de demissões fez com

que a China decidisse abandonar o modelo de crescimento voltado para as exportações e

investimentos, para buscar uma maior ênfase no consumo interno. Somado a isso, a meta de

inflação anual inferior a 4,5% levou o 12º plano quinquenal a estabelecer políticas de redução

do crescimento do PIB, vinculação do crescimento ao consumo, aprimoramento da indústria e

fortalecimento dos “campeões nacionais”.

Para promover uma maior igualdade social, o plano estabelece um “crescimento

inclusivo”, ao ampliar os benefícios do crescimento econômico a um grupo mais amplo.

Pretende reduzir a diferença econômico-social entre campo e cidade, provendo serviços que

melhorem a vida no campo, como saúde e melhorias na distribuição de terras. Redirecionar o

surgimento de novas indústrias para o oeste do país, com o objetivo de desenvolver a região

por meio de políticas preferenciais, como crédito para a alocação, baixas taxas e subsídios. A

diferença de renda será combatida com um aumento no salário mínimo, expansão do fundo

governamental de bem-estar social e do sistema de saúde.

Em razão da degradação ambiental sofrida devido à rápida industrialização, à

utilização do carvão como principal fonte de energia, a uma indústria manufatureira altamente

                                                                                                                         32 Ver CHINA. China's Twelfth Five Year Plan (2011- 2015). Beijing: Comitê Central do Partido Comunista Chinês, 2011. Disponível em: <http://www.britishchamber.cn/content/chinas-twelfth-five-year-plan-2011-2015-full-english-version>.

54

demandante de energia e à falta de proteção ambiental, o 12º plano quinquenal pretende

reduzir o índice de poluição. Para isso, pretende-se elevar a conservação energética, por meio

do desenvolvimento de tecnologia com eficiência energética e com redução da taxa de

emissão de 20%, estabelecida no 11º plano, para 17%. É, ainda, a primeira vez que um plano

trata da qualidade no meio ambiente, ao propor um desenvolvimento verde, com

estabelecimento de uma porcentagem do PIB para a proteção ambiental, o estabelecimento de

uma taxa de consumo de água por unidade do PIB e a redução das emissões de carbono. Por

fim, propõe o aumento da participação das energias não fósseis no consumo chinês, de 8,3%,

em 2009, para 11%, em 2015.

Cabe ressaltar que essa produção industrial responsável pelas altas taxas de emissão de

carbono sustenta o crescimento econômico chinês e foi, basicamente, voltada para o

abastecimento dos mercados externos, mesmo possuindo o maior mercado interno potencial

do mundo. Uma das razões para este fato está relacionada à cultura e à descrença no sistema

de aposentadoria chinês, que levam um chinês médio a guardar entre 40 e 45 por cento de sua

renda. Desse modo, a China foi obrigada a buscar mercados de consumo no exterior para

sustentar seu crescimento, o que, segundo Ellis (2009, p. 10), levou a China a se tornar o país

com o maior volume de comércio internacional em 2007, quando passou a Alemanha. A

seguir, será analisado o relacionamento entre a China e os Estados Unidos a partir de seu

crescimento econômico e maior influência política no sistema internacional.

3.2. A CHINA DIANTE DA HEGEMONIA

No capítulo prévio, ao analisar a aplicação do conceito de hegemonia no sistema

internacional, observou-se a existência de ciclos hegemônicos que perpassam a história do

sistema mundo, iniciados a partir do colapso da potência hegemônica anterior e da vitória de

seu sucessor nas chamadas guerras-mundo. A partir de então, a nova potência hegemônica

torna-se capaz de determinar o sistema internacional de acordo com suas convicções até que

seu poder entre em uma constante decrescente, impossibilitando que ela mantenha a sua

dominação diante dos outros Estados, quando pode-se observar o surgimento de uma

alternativa.

O marco de início do sistema internacional atual com hegemonia estadunidense pode

ser traçado a partir das conferências de Bretton Woods, de julho de 1944, onde o novo sistema

55

monetário mundial foi estabelecido; das bombas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de

1945, onde se demonstrou a capacidade militar que a nova ordem estabeleceria; e da

assinatura da Carta das Nações Unidas, em San Francisco, em junho de 1945, que definiria as

regras e normas das relações entre Estados a partir de então. Para Eichengreen, Bretton

Woods traz três inovações comparativamente ao padrão ouro-divisas anterior: O câmbio fixo tornou-se ajustável, sujeito a condições especiais (…). Aceitavam-se controles para limitar os fluxos de capital internacionais. E uma nova instituição, o Fundo Monetário Internacional, foi criada para monitorar as políticas econômicas nacionais e oferecer financiamento para equilibrar os balanços de pagamento de países em situações de risco (2012, p. 131).

O sistema monetário baseado no padrão dólar-ouro, em que a moeda estadunidense

tinha paridade com o metal precioso, viria a ruir em razão da concorrência cada vez maior de

Alemanha e Japão, que, reconstruídos do pós-guerra, cresciam muito acima das taxas dos

Estados Unidos, atraindo para si o fluxo de dólares. O temor com a alta da inflação fez com

que a Alemanha abandonasse o câmbio fixo, em 1971, seguido de França e Grã-Bretanha.

Somado ao ataque especulativo contra o dólar, os Estados Unidos acumulavam subsequentes

déficits orçamentários e da balança comercial, intensificados pelos custos da guerra do

Vietnã. A credibilidade da paridade do dólar com o ouro estava abalada e as pressões para

desvalorização da moeda norte-americana se intensificavam. Diante da conjuntura, o governo

Richard Nixon decidiu abandonar a paridade em 15 de novembro de 1971.

Fiori (2007) acrescenta que os fracassos políticos e militares da década de 1970

geraram uma sensação entre a academia e a imprensa de “crise da hegemonia norte-

americana”. Essa perspectiva só seria abandonada na década seguinte a partir da vitória

estadunidense na corrida tecnológico-militar contra a União Soviética, culminando no fim da

Guerra Fria e na consolidação dos Estados Unidos como única potência política, econômica,

militar e cultural, o que levou alguns acadêmicos a decretar o livre mercado e a democracia

liberal ocidental como “o fim da história” (FUKUYAMA, 1992). No entanto, a posição de

única potência dos Estados Unidos só pode ser considerada no que diz respeito ao poderio

militar.

Essa perspectiva encontra eco nos estudos de Joseph Nye Jr. (2002), que afirma que

nas relações econômicas e nas relações transacionais os Estados Unidos não podem mais ser

considerados a única potência mundial, por não serem capazes de sobrepor os seus interesses

de forma unilateral nesses temas. Outro autor que compartilha dessa ideia é Samuel

Huntington (2003), que afirma que o mundo atual não pode ser considerado unipolar, por não

56

ser composto por uma única superpotência dominante, sem que haja outras grandes potências

que dividam o poder com ela; nem multipolar, no qual se observam várias grandes potências

que cooperam e competem entre si, de modo que uma solução para um impasse internacional

deva passar por uma negociação entre elas.

Huntington afirma que o que se observa no sistema internacional atual é a existência

de uma superpotência, mas que, diferente do que se pode esperar, sua atuação depende da

cooperação de outras grandes potências. A esse modelo, o autor nomeia uni-multipolaridade,

no qual, Primeiro, no que diz respeito às grandes questões internacionais, a única superpotência é geralmente capaz de vetar as ações de outras grandes potências combinadas. Segundo, a única superpotência só pode resolver questões internacionais importantes quando em cooperação com alguns dos outros grandes Estados (HUNTINGTON, 2003, p. 8 - tradução nossa).

Para compreender melhor as transformações pelas quais o mundo passa com a redução

da capacidade de determinação do sistema internacional de forma unilateral por parte dos

Estados Unidos de acordo com seus interesses e o papel desempenhado pela China nesse

contexto, é necessário retomar aos fatos que levaram a uma redução do prestígio político e à

fragilização econômica de Washington. Seguida dessa análise, será analisado de que forma a

estratégia de “Desenvolvimento Pacífico” posiciona a política externa chinesa de modo a

ampliar sua influência no sistema internacional.

3.2.1. Da "Guerra ao Terror" à Crise de 2008: a trajetória sinuosa de uma hegemonia

decadente

Recentemente, muito se tem especulado na academia sobre a decadência da

hegemonia estadunidense, principalmente pela percepção coletiva de redução do seu poder

relativo no que diz respeito à política e economia internacionais, ou seja, a diminuição do

excedente de seu poder quando comparado ao de outros Estados. Para Fareed Zakaria (2008),

o que se observa não é uma redução do poder dos Estados Unidos, mas uma ascensão do resto

do mundo, o que pode significar, segundo o autor, o prelúdio de uma era em que não haja

uma superpotência. Contudo, diversas atitudes unilaterais tomadas por Washington levaram a

uma alteração da forma como o mundo interpreta suas escolhas.

57

A atuação unilateral na "Guerra ao Terror", promovida pelo governo George W. Bush

(2001-2009), demonstrou que no que diz respeito à capacidade militar, os Estados Unidos

mantém sua superioridade incontestável, podendo atuar de forma unilateral à revelia da

aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ainda que possa lhe custar a

densidade de seu "poder brando" diante do sistema internacional. Por outro lado, a crise de

2008, possibilitou uma ampliação da capacidade econômica chinesa no que diz respeito à

determinação do sistema internacional e a confirmação da necessidade de atuação conjunta

entre China e Estados Unidos.

A preferência estadunidense pelo recurso ao poder robusto, observada principalmente

no primeiro governo George W. Bush, justamente por perceber sua superioridade militar,

ajudou a erodir seu poder brando. A partir dos atentados terroristas cometidos em 11 de

setembro de 2001 contra símbolos do poder estadunidense, o governo Bush obteve a

legitimação para iniciar o que ele chamaria de “Guerra Global Contra o Terror”. As bases

para essa iniciativa remetem-se ao “Projeto para o Novo Século Americano”, iniciado no

governo de seu pai, George H. W. Bush (1989-1993), cujo objetivo seria o de estabelecer as

metas para manutenção da hegemonia dos Estados Unidos de forma unilateral por meio de

sua indiscutível superioridade militar (ARMSTRONG, 2002).

O projeto, anunciado a partir do fim da União Soviética com o objetivo de intimidar

possíveis inimigos, ficaria na espera até que os atentados contra os símbolos do poder norte-

americano ocorressem. Foi a partir de então que a administração Bush alterou sua política

introspectiva em nome da segurança nacional, estabelecendo um “Eixo do Mal”, composto

por Iraque, Irã e Coreia do Norte, contra os quais deveria investir para prevenir um possível

ataque. A partir de uma análise dessa orientação, Harvey afirma que “a mudança do governo

Bush para o unilateralismo, [para] a coerção, em vez do consentimento, para uma visão

imperial bem mais declarada e para o recurso ao seu poder militar irresistível indica uma

abordagem de alto risco à sustentação do domínio norte-americano” (2012, p. 68).

A Doutrina Bush, como ficou conhecida, levaria os Estados Unidos a iniciarem duas

guerras, uma contra o Afeganistão e outra contra o Iraque, sob o pretexto de combater o

“terror”, de proteger-se contra armas de destruição em massa (ADM), supostamente, em

posse do Iraque, e de "espalhar a democracia e a liberdade para o mundo". Contudo, os custos

dessa estratégia ficariam claros quando, após a reeleição de 2005, os republicanos perderam a

maioria no Legislativo, nas eleições de novembro de 2006. Uma derrota que abalou a visão

que até o momento dominava a política de defesa estadunidense, símbolo da gestão de Donald

Rumsfeld, de que os Estados Unidos iriam “usar todos os meios à sua disposição para derrotar

58

[o inimigo] e que [estariam] preparados para fazer todos os sacrifícios necessários para

alcançar a vitória”, proporcionando “os recursos, as capacidades, e a cultura de inovação não

só para vencer a guerra de hoje, mas para impedir e, se necessário, derrotar os agressores que

[os EUA] irão certamente enfrentar neste perigoso século” (RUMSFELD, 2002 - tradução

nossa).

O tempo comprovou que a “Guerra ao Terror” representava um erro, desde a

concepção semântica de seu conceito, uma vez que não poderia ser chamada de guerra, por

não opor Estados, até a sua concepção política, que sobrepôs o poder robusto ao brando. O

próprio erro semântico culminaria em uma falha política derivada do fato de o “terror” ser

praticado por um grupo que, como tal, não permanece fixo em um determinado local, como

aconteceria com um Estado, dificultando o seu combate. A sucessão de erros, combinada ao

recado das eleições congressuais de 2006 provocaria a saída de Rumsfeld do Departamento de

Defesa e a condução de Condoleezza Rice ao Departamento de Estado. O objetivo era de

abandonar uma política externa unilateral, a partir da percepção da relativização do seu

reconhecimento de líder entre potências regionais clássicas e emergentes, reorientando-se

para um multilateralismo (PECEQUILO, 2008).

A tentativa americana de apagar as marcas deixadas pelo fracasso na Guerra do Vietnã

levaram a potência hegemônica a uma nova guerra à revelia das instituições internacionais,

sob a crença de que teria o aval posterior de grande parte do mundo. Ao contrário, com a

excessão do grupo que Rumsfeld intitulou de “Nova Europa” em detrimento da “Velha

Europa”33, os Estados Unidos observaram uma forte resistência por parte de seus principais

parceiros em todo o mundo. Segundo Arrighi (2008), a guerra que pretendia “disseminar

democracia” e enfraquecer os governos de oposição aos EUA e a Israel, acabou por fortalecer

aquele que seria o próximo a sofrer intervenção militar estadunidense, o Irã, já que, uma vez

derrotado o inimigo, o Iraque passou a ser comandado por xiitas, aliados ao governo iraniano.

Nesse sentido, cabe revisitar o conceito de hegemonia estabelecido por Gramsci aplicado ao

caso, o qual (…) consiste na ‘inflação de poder’, que decorre da capacidade dos grupos dominantes de apresentar seu domínio como se servisse não só aos seus interesses,

                                                                                                                         33 Rumsfeld referia-se por “Nova Europa” aos países que apoiaram a iniciativa estadunidense na “Guerra contra o terror”, entre eles a Grã-Bretanha, a Espanha (ambos viriam a ser vítimas de atentados terroristas em suas capitais nos anos que estavam por vir) e países que pertenceram anteriormente ao bloco soviético e que haviam ingressado recentemente na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Em oposição, encontrava-se a “Velha Europa” de França e Alemanha, que declararam-se contrários à incursão estadunidense, somando suas vozes às de China e Rússia no CSNU. Ver EUROPA e EUA fazem parte da mesma família, diz Rumsfeld. BBC Brasil, 11 jun. 2003. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/030611_rumsfelddtl.shtml>.

59

como também aos dos grupos subordinados. Quando essa credibilidade falta ou míngua, a hegemonia se esvazia na pura dominação (…)” (ARRIGHI, 2008, p. 160).

Arrighi acrescenta que, para financiar sua guerra no Iraque, os Estados Unidos se

tornaram o maior devedor do mundo, ampliando sua lista de credores que hoje não mais se

limita aos aliados do Ocidente, em especial a China, que se tornou sua maior credora por

interesses políticos, muito mais do que econômicos (ARRIGHI, 2008). Contudo, isso não

significa que a estratégia chinesa seja de conflito, ao contrário, o país apresenta-se disposto a

evitar o ônus de uma guerra sistêmica para suplantar a antiga potência hegemônica. Zhao

confirma o objetivo de cooperação bilateral ao analizar que “desde o fim da Guerra Fria, os

três governos chineses de Jiang Zemin (1993-2003) a Hu Jintao (2003-2013) e agora Xi

Jinping (2013-atual) usaram diferentes frases para expressar a mesma intenção de estabelecer

um relacionamento cooperativo e construtivo com os EUA (ZHAO, 2014).

De fato, assim como grande parte do Ocidente, Beijing não tinha muito como se opor

à atuação americana no Oriente Médio, aproveitando para obter vantagens econômicas a

partir do endividamento de Washington com a guerra, seus interesses se limitavam ao acesso

ao petróleo oriundo da região e proteção dos investimentos feitos no Afeganistão para

extração de recursos minerais. O próprio deslocamento das tropas estadunidenses do Leste

Asiático e o combate a grupos terroristas coincidiam com os interesses da China, que

pretendia desencorajar grupos separatistas de Xinjiang. A aliança tecida entre Hu e Bush

representou um enorme senso de oportunidade e cálculo estratégico do gigante asiático, que

se reposicionou a ponto de voltar a ocupar um papel central no sistema internacional e no seu

entorno regional (KISSINGER, 2011).

A crise das hipotecas do subprime de 2008 e o seu impacto nas economias do “Norte

Global” mudaria a forma como a cúpula do PCC percebe a sua relação com os Estados

Unidos. No período pré-crise os EUA haviam se tornado o principal destino para as

exportações, assim como para as reservas chinesas, que buscavam nos títulos do tesouro uma

oportunidade de poupança segura com retornos estáveis34. A crise trouxe consigo a incerteza

com relação à moeda e aos títulos estadunidenses e, diante disso, a China poderia seguir dois

                                                                                                                         34 Isso não significa que a China não tenha tentado formas diversas de investir seus recursos. Antes da crise, a poupança chinesa percorreu diversas oportunidades econômicas, como foi o caso da aquisição de ativos nas bolsas de valores internacionais, o que acabou percebendo ser um erro devido ao alto montante investido, o que impedia a sua liquidez. Outra tentativa foi a de financiar empresas estatais para adquirir companhias internacionais, porém, logo o governo começou a observar o aumento da resistência à China, com atitudes protecionistas por parte dos Estados. Tentou ainda aumentar suas reservas de petróleo e outras matérias primas, com o objetivo de se proteger da instabilidade no seu valor, mas a acabou refém da queda brusca dos preços após a crise global (HO-FUNG, 2011).

60

caminhos, um levaria a um colapso ainda maior da já fragilizada economia dos Estados

Unidos, caso ela decidisse desfazer-se dos seus títulos; a outra injetaria ainda mais dólares na

economia, facilitando a recuperação a partir do financiamento da economia estadunidense,

comprando mais títulos e aumentando a vulnerabilidade chinesa a crises futuras (HO-FUNG,

2011).

A decisão chinesa foi pela segunda opção, ampliando as reservas chinesas destinadas

ao financiamento da dívida e do consumo estadunidenses. Contudo, a incapacidade do Norte

de recuperar-se da crise financeira e a habilidade com que a China enfrentou o

desaquecimento mundial serviu como combustível para setores do PCC contrários a uma

aliança pacífica com os Estados Unidos, defendendo uma atuação mais ativa e defensora dos

interesses nacionais chineses.

A seguir, será analisada a estratégia de inserção internacional nos governos de Hu

Jintao e de Xi Jinping, evidenciando suas diferenças e as razões por trás da reformulação da

sua política externa a partir de percepções sobre oportunidades e desafios no seu

relacionamento com a potência hegemônica vigente.

3.2.2. A política externa de “Desenvolvimento Pacífico da China” e promoção do

“Mundo Harmônico”

O início do século XXI trouxe à China a percepção de que seus primeiros vinte anos

representariam um “período de oportunidade estratégica”, diante dos quais o país poderia

alterar a forma como interage e suas capacidades diante do sistema internacional. A partir

dessa consciência, foram realizadas uma série de conferências, entre 2003 e 2006, nas quais

acadêmicos chineses reuniam-se para analizar os ciclos hegemônicos, que viriam a compor

uma série televisiva nomeada “A Ascensão das Grandes Potências”. Os temas tratados

estavam diretamente ligados aos processos de ascensão de declínio das grandes potências,

abrangendo “os meios dessa ascensão, as causas de suas guerras frequentes; e se, e como, uma

grande potência moderna podia crescer sem recorrer ao conflito militar com os atores

dominantes do sistema internacional” (KISSINGER, 2011, p. 478).

A partir de então, a estratégia de inserção internacional chinesa foi claramente

estabelecida por Hu Jintao na defesa de uma “Ascensão Pacífica” adequada a um “Mundo

Harmônico” na AGNU, em 15 de setembro de 2005, sinalizando ao Ocidente que não

61

pretendia confrontar o sistema vigente. Sua proposta perpassava quatro pontos: (i) o

multilateralismo deve ser reforçado para assegurar, por meio de cooperação internacional, a

de segurança global; (ii) a globalização econômica fez com que a cooperação mutuamente

benéfica se tornasse necessária para alcançar a prosperidade comum; (iii) o espírito de

inclusão é essencial para construir um mundo onde todas as civilizações convivem

harmoniosamente, respeitando suas independências e suas escolhas para o caminho do

desenvolvimento; e (iv) urge uma reforma racional e necessária da ONU para que possa

manter a sua autoridade, melhorar a sua eficácia e dar um melhor escopo para seu papel em

enfrentar novas ameaças e novos desafios, por meio da ampliação da participação de países de

pequeno e médio porte.35

A partir desses princípios, foi publicado, em dezembro de 2005, o “Livro Branco”

(White Paper) sobre “O Caminho de Desenvolvimento Pacífico36 da China” (China’s

Peaceful Development Road)37 que definiria a forma como o país promoveria seu

desenvolvimento de forma pacífica. Beijing pretendia, dessa forma, descolar sua imagem da

memória construída a partir de fatos históricos que conecta a emergência de novas potências a

uma subjugação da anterior por meios conflituosos, como “invasão, colonização, expansão,

ou até mesmo guerras de agressão de larga escala”. O “caminho do desenvolvimento para um

crescimento pacífico” propõe que a emergência chinesa seja fruto do “capital, tecnologia e

recursos adquiridos por meios pacíficos” (BIJIAN, 2005, p. 20 - tradução nossa)

possibilitados por meio da sua inserção no sistema econômico globalizado.

Essa orientação foi mantida com a publicação do “Livro Branco” sobre

“Desenvolvimento Pacífico da China” (China’s Peaceful Development), em 7 de setembro de

2011, de forma, a atrelar seu desenvolvimento e harmonia internos à promoção de cooperação

e paz externamente. Segundo o documento de 2011, o objetivo da política externa chinesa é

de:

                                                                                                                         35 Ver HU Makes 4-point Proposal for Building Harmonious World. China.org, Xinhua, 16 set 2005. Disponível em: <http://www.china.org.cn/english/features/UN/142408.htm>. 36 Segundo Kissinger (2011), a substituição da expressão “Ascensão Pacífica” por “Desenvolvimento Pacífico” demonstra um cuidado do governo chinês na intensão de afastar a possível interpretação do termo “ascensão” como ameaçador e triunfalista. 37 O “Livro Branco” sobre “O Caminho de Desenvolvimento Pacífico da China” está dividido em cinco capítulos que tratam: (i) “Desenvolvimento pacífico é o caminho inevitável para a modernização da China”; (ii) “Promovendo paz mundial e desenvolvimento com o próprio crescimento da China”; (iii) “Desenvolvimento ao acreditar em sia própria força, reforma e inovação”; (iv) “Buscando benefício mútuo e desenvolvimento comum com outros países”; e (v) “Construindo um mundo harmonioso de paz sustentável e prosperidade comum” (CHINA’S […], 2005 - tradução nossa).

62

(…) manter a paz mundial e promover o desenvolvimento comum. A China defende a construção de um mundo harmonioso de paz duradoura e prosperidade comum e trabalha com outros países em busca deste objetivo. Para a China, é tanto um objetivo de longo prazo, como uma tarefa atual.38

Do ponto de visto político, a China defende, a partir do documento, a cooperação e a

igualdade entre os Estados, o fortalecimento da ONU, e reafirma sua soberania e a não

intervenção nos assuntos internos, quando afirma que “os assuntos internos de um país devem

ser decididos pelo seu próprio povo, assuntos internacionais devem ser decididos por todos os

países por meio de consultas em pé de igualdade”39. A partir desse discurso, reafirma sua

jurisdição sobre diversas áreas de seu território que pleiteiam independência, e afasta a

perspectiva de interferência de potências ocidentais em regiões separatistas da China, nas

quais a violação de direitos humanos e a violência por parte da polícia contra a população

local é uma política de governo, como é o caso de Xinjiang e do Tibete.

No que diz respeito à economia, o "Livro Branco" defende a cooperação e a

globalização econômica como “um processo equilibrado e de ganho mútuo (win-win) que

beneficia todos os países”40. A China adota, a partir de então uma postura crítica ao

protecionismo, assumindo a posição defendida pelas potências ocidentais e, por tanto tempo,

criticada por ela. E continua, ao afirmar que “os países também devem procurar estabelecer

um sistema multilateral de comércio internacional, que é justo, aberto, equitativo e não

discriminatório, de modo que o benefício da globalização econômica irá abranger todos os

países”41, demonstrando seu alinhamento ao discurso estadunidense do livre-comércio.

Defende, ainda, o fim do preconceito ideológico e cultural para “fazer a sociedade

humana mais harmoniosa e o mundo mais colorido”42. Sobre segurança, defende a cooperação

e a resolução pacífica de controvérsias, completando que “consulta e diálogo devem ser

realizados para reforçar a confiança mútua, reduzir as diferenças e resolver os litígios”43.

Nessa base, podem ser observados acordos da China com diversos países em questão de

segurança, como a cooperação com o Brasil para o lançamento dos Satélites Sino-Brasileiros

de Recursos Terrestres (CBERS), que será tratado no capítulo quatro, e a recente priorização

                                                                                                                         38 Ver INFORMATION OFFICE OF THE STATE COUNCIL. China's Peaceful Development. Beijing, 2011. Disponível em: <http://www.china.org.cn/government/whitepaper/node_7126562.htm>. 39 Idem. 40 Idem. 41 Idem. 42 Idem. 43 Idem.

63

da cooperação de defesa entre Pequim e Moscou, de 19 de novembro de 2014, a qual já existe

desde 1989.44

No entanto, a principal iniciativa de segurança na qual a China está envolvida é a

Organização para Cooperação de Shanghai (OCS). Formada em 15 de agosto de 2001, a partir

do grupo de “Shanghai Cinco”, seria fundada por Cazaquistão, China, Quirguistão, Rússia,

Tajiquistão e Uzbequistão45, destaca-se por ser um organismo internacional de segurança de

iniciativa chinesa. A OCS possui para a China dois objetivos centrais, o primeiro é o de conter

os movimentos separatistas do oeste46, principalmente o caso de Xinjiang, com o objetivo de

manter seu território e a região estáveis e a fronteira segura; e o segundo é o de promover uma

cooperação econômica capaz de desenvolver seus parceiros por acreditar que dessa forma,

serão ampliados os investimentos em infraestrutura e, consequentemente, o acesso da China

aos recursos energéticos da Ásia Central será facilitado, em uma expectativa de reestabelecer

a “Rota da Seda”47, conforme apresentado por Xi em setembro de 2013, na Universidade de

Nazarbayev em Astana, Cazaquistão.

O surgimento da OCS remonta ao desmembramento da União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS), que levou a China a reaproximar-se dos vizinhos da Ásia

Central, buscando estabilizar a região e definir fronteiras para evitar conflitos. A partir das

subsequentes rodadas de negociação, surgiu o Grupo de Shangai que logrou em firmar

acordos sobre Confiança Mútua, em 1996, e Redução dos Efetivos Militares, em 1997

(LUCENA; SILVA, 2011). Ademais, a China investe diretamente em seus parceiros da OCS,

atuando como um paymaster da região, conceito explicado no capítulo anterior, ao

compreender a necessidade de investir no seu entorno regional para aproximar seus vizinhos e

estabelecer uma cooperação econômica.

A OCS é considerada por muitos como uma alternativa à Organização do Tratado do

Atlântico Norte (OTAN)48, por posicionar-se como um contraponto aos Estados Unidos em

                                                                                                                         44 Ver FONTDEGLÒRIA, X. China e Rússia fazem da cooperação militar “uma prioridade”. El País, Beijing, 19 nov. 2014. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/19/internacional/1416421925_750344.html>. 45 A OCS conta, ainda com Afeganistão, Índia, Irã, Mongólia e Paquistão como Estados observadores, e Bielorussia, Turquia e Sri Lanka como parceiros para diálogo. Índia, Irã e Paquistão estão em processo para se tornarem membros plenos. 46 A ampliação do conceito de terrorismo promovido por Rumsfeld para justificar as incursões no Afeganistão e no Iraque seria adotada por diversos Estados para lidar com movimentos rebeldes internos. O mesmo aconteceria com Rússia e China, que passariam a considerar os movimentos separatistas chechenos e uigure como grupos terroristas a serem combatidos com o exército nacional. 47 A “Rota da Seda” foi uma rota de comércio que ligava o Império Chinês à Europa, transportando a seda, tendo seu auge na dinastia Tang, entre 618 e 917 d.C. 48 A OTAN é uma organização militar firmada em 4 de abril de 1949 pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Islândia, Luxemburgo, Itália, Portugal, Noruega e Países Baixos e que passou por sucessivas ampliações até a configuração atual com 28 membros.

64

questões de intervenções militares, como ocorreu no recente caso da Síria. No caso

supracitado, as razões que levaram Beijing a posicionar-se a favor do governo Bashar al-

Assad são bem mais complexas do que simplesmente provocar Washington. A Síria

costumava ser um dos Estados mais estáveis da região, com uma extensa reserva de gás e uma

histórica aliança comercial com a Rússia. Para a China, a derrubada do governo poderia ser o

estopim para a concretização de um cenário de conflito permanente, como ocorreu no Iraque,

Líbano e Egito, além de fortalecer o Estado Islâmico, grupo radical dissidente da Al Qaeda, a

frente dos movimentos para a derrubada do governo, desestabilizando toda a região, o que

poderia impactar diretamente na sua unidade territorial, funcionando como um estímulo a

movimentos separatistas.

A questão relativa ao programa de enriquecimento de urânio do Irã, tratado a partir da

atuação brasileira no capítulo anterior, também suscita embates entre os Estados da OTAN e

os da OCS. Conforme explicado anteriormente, o Irã figura nas listas de espera por

intervenção militar de Washington desde a administração Bush, quando foi incluído no que

ficou conhecido como “Eixo do Mal”. Extremamente rico em petróleo e membro da OPEP, o

país teve seu comércio diretamente impactado pelas sanções impostas pelo Conselho de

Segurança da ONU como forma de pressioná-lo a abandonar seu programa de enriquecimento

de urânio. A partir de então, começou a vender seu petróleo a um preço mais baixo e com

base nas moedas locais para a China, em um comércio extremamente favorável ao gigante

asiático, o que, combinado com o objetivo de evitar conflitos no seu entorno regional para

preservar seu território e com o fato de Teerã ser membro da OCS, influencia Beijing a

posicionar-se contrário a uma intervenção militar.

A oposição entre a OTAN e a OCS surge muito mais em resposta de uma crescente

atuação por parte da primeira em áreas do entorno regional das duas grandes potências da

segunda. De um lado, a crise financeira de 2008 levou os países do Leste Europeu a

aproximarem-se do Ocidente e submeterem-se à sua cartilha para receber auxílio econômico,

por outro, o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 forneceu aos ideólogos do Programa

para o Novo Século Americano a justificativa perfeita para iniciar a “Guerra ao Terror”,

levando as tropas da OTAN para o Oriente Médio e para a Ásia Central. A aliança

econômico-militar entre China e Rússia apresenta-se, dessa forma, como uma subversão da

estratégia estadunidense na Guerra Fria, quando, à partir da ruptura sino-soviética49,

                                                                                                                         49 O abandono da ortodoxia soviética e a aproximação com o Ocidente por parte da URSS, possibilitados pela chegada de Nikita Khrushchev ao poder, somada à insistência de Moscou em tratar da China como satélite ampliavam a insatisfação chinesa com a política soviética. Segundo Kissinger, “a União Soviética encarava o

65

Washington aproximou-se de Beijing, na década de 1970, com o objetivo de isolar Moscou. A

OCS, ao contrário, aparenta ser um pacto entre China e Rússia para neutralizar a ingerência

estadunidense na região.

O último ponto do “Livro Branco” sobre “Desenvolvimento Pacífico da China” diz

respeito ao meio ambiente, com cooperação internacional para a proteção ambiental e

combate às práticas que refletem em alterações climáticas. Ainda que o documento invoque o

princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, segundo o qual os Estados

desenvolvidos devem ter maiores responsabilidades quando estabelecidas metas para a

redução da emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global, por terem contribuído

para esse fenômeno por mais tempo, afirma que “os países devem desenvolver novos modos

de desenvolvimento, tomar o caminho do desenvolvimento sustentável e promover o

desenvolvimento harmonioso do homem e da natureza”.50

O crescimento chinês baseado na indústria e com fonte energética dependente do

carvão e do petróleo fez com que o país se tornasse o maior emissor de dióxido de carbono

(CO2) do mundo. Contudo, incentivos recentes do governo para a alteração dessa

característica tem começado a inserir matrizes energéticas renováveis que, somadas à recente

aprovação, no Congresso Nacional do Povo (CNP), em 24 de abril de 2014, da primeira

emenda em 25 anos da lei de proteção ambiental, demonstram que o governo está tentando

alterar essa realidade, ao aumentar a rigidez contra a poluição.51

A principal surpresa anunciada no que diz respeito ao combate às mudanças climáticas

ocorreu no dia 12 de novembro de 2014, quando, após encontro em Beijing, Barack Obama e

Xi Jimping, líderes dos dois países que juntos são responsáveis por 45% das emissões de CO2

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           mundo comunista como uma entidade estratégica homogênea cuja liderança estava em Moscou. (…) A reivindicação chinesa ao direito de definir a ortodoxia ameaçava a coesão do império de Moscou e abria a porta para outras interpretações essencialmente nacionais do marxismo” (2011, p. 169, 171). O discurso de Khrushchev que denunciava os crimes cometidos por Stalin, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, sinalizou para a China que “a União Soviética começava a se afastar do comunismo para ir em direção ao passado burguês” (idem, p. 173). A segunda crise do Estreito de Taiwan, iniciada em 23 de agosto de 1958, fez uma pressão contra a URSS, que se viu obrigada a escolher entre a coexistência pacífica com os Estados Unidos e a aliança com a China. “Washinton presumiu (…) que Mao estava agindo não apenas com o apoio de Moscou, mas sob suas ordens” (idem, p. 179), no entanto, o verdadeiro “objetivo de Pequim no conflito era a retomada das conversações entre Estados Unidos e China no nível de embaixadores. (…) A única parte nessa relação triangular que não captou o que estava acontecendo foi Khrushchev. Tendo presenciado Mao proclamando sua imunidade à ameaça nuclear (…), ele ficou dividido entre medos contraditórios de guerra atômica e da potencial perda de um importante aliado se deixasse de ficar ao lado da China” (idem, p. 181). Moscou acabaria por fazer a ameaça nuclear, afetando sua relação com Washington. Mao conseguia, assim, conquistar seus dois objetivos, aproximar-se dos EUA e fragilizar a URSS diante do mesmo ator. Como consequência, a URSS suspenderia os acordos de cooperação nuclear com a China (KISSINGER, 2011). 50 Ver INFORMATION OFFICE OF THE STATE COUNCIL. Op. cit. 51 Ver CHINA revises environmental law. China Daily, Beijing, 24 abr 2014. Disponível em: <http://www.chinadaily.com.cn/bizchina/greenchina/2014-04/24/content_17462734.htm>.

66

no mundo, apresentaram um “acordo histórico” que estabeleceu metas de emissão para os

dois Estados. A China estipulou a marca limite de 2030 para que o país alcance o seu pico nas

emissões de gases estufa, somado ao investimento em fontes de energia não-fósseis para que

sustentem 20% do consumo primário de energia até 2030. Já Obama comprometeu-se em

reduzir as emissões dos gases estufa em seu país de 26 a 28% até 2025, com base nas taxas de

2005. Além disso, ambos os países se comprometeram em trabalhar para alcançar um acordo

na Conferência do Clima, que será realizada no final de 2015, em Paris.52

A surpresa para a comunidade internacional ocorreu não porque os dois governos

eram considerados rivais, ou por que existia uma desconfiança entre eles, mas porque ambos

mantinham, até o momento, posições extremamente conservadoras no que diz respeito à

aceitar e estabelecer restrições em razão dos impactos causados pelas mudanças climáticas,

ainda que a China já houvesse sinalizado nesse sentido em seu 12º Plano Quinquenal,

conforme analisado anteriormente. A estratégia de surpreender a opinião pública não

demonstra uma conscientização das lideranças chinesas, e sim uma estratégia de agregação de

poder. Por outro lado, de fato, a China sinaliza um interesse de diálogo com os Estados

Unidos, assim como em democratizar o sistema internacional e suas instituições de modo a

ser mais representativo para as potências que emergem neste início de século XXI. Contudo,

crer que Beijing permanecerá inerte diante da resistência estadunidense em aceitar seu

declínio hegemônico e a ascensão chinesa não parece condizer com a realidade.

 

                                                                                                                         52 Ver OBAMA, Xi agree on climate change plan. China Daily, Beijing, 12 nov 2014. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/china/2014-11/12/content_18902555.htm>.

67

3.2.3. O jogo de soma zero de Obama e a estratégia de “Ásia para os asiáticos” de Xi

A análise feita no capítulo anterior, sobre a sucessão dos ciclos hegemônicos afirma

que o declínio do poder relativo de uma potência somada à ascenção de outra tende a dar

origem a guerras sistêmicas. Segundo Ikenberry, esse conflito ocorre devido ao fato de: Estados emergentes quere[re]m traduzir seu novo poder adquirido em uma maior autoridade no sistema global - para moldar as regras e as instituições de acordo com seus próprios interesses. Estados decadentes, por sua vez, temem sua perda do controle e se preocupam com as implicações de segurança de sua posição enfraquecida (2008, p. 26 - tradução nossa).

Contudo, o próprio autor admite que nem sempre as transições hegemônicas são

conflituosas, podendo ocorrer de forma pacífica se a nova potência se conformar dentro dos

limites da ordem sistêmica estabelecida. A definição da forma de transição que resultará deste

processo depende de dois fatores: a natureza do regime do Estado emergente e o grau de sua insatisfação com a antiga ordem são críticos (…). Mas ainda mais decisiva é a característica da ordem internacional em si - é a natureza da ordem internacional que molda a escolha do Estado emergente de desafiar a ordem ou se integrar a ela (IKENBERRY, 2008, p. 27 - tradução nossa).

Ikenberry credita à ordem internacional vigente a responsabilidade de como a

transição hegemônica será realizada, e, consequentemente, à forma como os Estados Unidos,

enquanto potência hegemônica, irá moldá-la para acomodar as alterações na balança de poder

pela qual o sistema internacional irá passar. Um dos erros cometidos por Washington na

"Guerra ao Terror" foi o de optar pela atuação unilateral, relegando as instituições e seus

aliados a segundo plano. Para o autor, como bom institucionalista, somente o fortalecimento

das instituições e regras da ordem internacional, aproximando seus aliados do Ocidente para

os centros de poder global e democratizando seu acesso a países emergentes, poderão

encorajar a China a integrar a ordem vigente, e não combatê-la. Em suas palavras, “a China se

tornará poderosa: ela já está crescendo, e a arma estratégica mais poderosa dos Estados

Unidos é a habilidade de decidir que tipo de ordem internacional irá recebê-la”

(IKENBERRY, 2008, p. 34 - tradução nossa).

Contudo, diferentemente das expectativas de Ikenberry, a experiência recente indica

que não é da natureza dos Estados Unidos aceitar resignadamente um desafiante, ao menos

68

não foi assim com a União Soviética, nem com o Japão. Ao analisar o passado recente da

atuação americana para a manutenção de seu poder hegemônico, o Coronel Sênior Liu

Mingfu escreve seu livro O sonho chinês: pensamento de grande potência e postura

estratégica em uma era pós-americana (Zhōngguó Meng: Hou Meiguo Shidai de DaGuo

Siwei yu Zhanlüe Dingwei), um tratado de como a China, ainda que mantendo seus ideais de

“crescimento pacífico”, deve preparar-se para uma possível guerra para manter a paz e

conquistar a hegemonia. Nesse sentido, o objetivo de aumentar a capacidade militar chinesa

seria a de constranger os impulsos bélicos estadunidenses (SAUNDERS, 2010).

Kissinger, ao analisar o livro de Liu Mingfu, expõe o pensamento do autor, que prevê

que “o mundo se tornará harmonioso porque a liderança chinesa será mais sábia e mais

moderada do que a dos americanos, e porque a China se absterá da hegemonia e limitará seu

papel a agir como primus inter pares das nações do mundo” (KISSINGER, 2011, p. 486).

Desse modo, Mingfu contrapõe-se às interpretações de grande parte dos autores Ocidentais, e

até mesmo dos discursos pronunciados pelo governo chinês, principalmente no período de Hu

Jintao, que se recusam a acreditar em uma ação mais enfática em direção a uma disputa

hegemônica. Contudo, cada vez tem se tornado mais claro o posicionamento chinês de que

não recuará diante dos Estados Unidos quando o assunto estiver relacionado à defesa de seus

interesses nacionais.

A ampliação do “Sonho Chinês” para abranger um “Sonho Ásia-Pacífico” vai nesse

sentido, com o objetivo de ampliar sua influência e reduzir o impacto do poder estadunidense

na região. Entretanto, desde 2008, a potência hegemônica vem tentando promover sua

inserção política, econômica e militar53 por meio da área de livre comércio da Parceria Trans-

Pacífico (TPP), criada em 2005, com membros signatários Chile, Brunei, Singapura e Nova

Zelândia, e com adesão posterior, ou ainda em andamento, de Estados Unidos, Canadá,

México, Austrália, Japão, Malásia, Peru e Vietnã. Segundo Shiro Armstrong, o TPP é uma

estratégia “necessária para evitar que uma linha seja traçada no Pacífico deixando os Estados

Unidos de fora de um processo de liderança chinesa e de uma Ásia Oriental dominada pela

China” (2011, p. 7).

O interesse estadunidense de ingressar no TPP foi anunciado em setembro de 2009

pelo embaixador Ron Kirk no Congresso norte-americano, vislumbrando a possibilidade de                                                                                                                          53 Cabe ressaltar a importância estadunidense no desenvolvimento da região até a crise financeira que afetou os países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em 1997, e fez com que se voltassem seu desenvolvimento para o ambiente nacional. A partir de então, a reorientação da política externa estadunidense para a contenção do terrorismo no Oriente Médio, abandonando a Ásia Pacífico, somada à ampliação dos investimentos chineses nos países da ASEAN fizeram com que Beijing se tornasse o maior parceiro externo da associação, superando os Estados Unidos em 2007.

69

moldar o acordo segundo os interesses de Washington, uma vez que não havia sido

estabelecidas regras para serviços financeiros e investimentos. Desse modo, foi possível

impor padrões rigorosos de acordo com o interesse dos grupos industriais estadunidenses,

principalmente no que diz respeito à propriedade intelectual. A estratégia é de “tentar criar um

efeito dominó de países que desejam ingressar no TPP” a qual apresenta-se “mais promissora

do que continuar fazendo isso por meio da assinatura de acordos bilaterais individuais com

países asiáticos” (ARMSTRONG, 2011, p. 8).

A exigência de um Direito de Propriedade Intelectual (DPI) extremamente restritivo

foi imperativa para manter não só a China afastada do TPP, mas também todos os seus

parceiros do grupo dos BRICS, revelando a intenção estadunidense de isolar Beijing. O

padrão estabelecido no DPI do TPP foi tão rigoroso que passou a ser um entrave para o

ingresso de países tanto em desenvolvimento quanto desenvolvidos no acordo, reduzindo o

poder de fiscalização dos governos diante do interesse dos grupos industriais, além de afastar

dos países-membros o acesso a medicamentos genéricos. Contudo, Washington já esboça

iniciativas comerciais com o objetivo de atrair membros da Associação das Nações do

Sudeste Asiático (ASEAN) para o TPP, como é o caso da US-ASEAN Expanded Economic

Engagement (E3 Initiative), que conta com auxílio da Agência dos Estados Unidos para o

Desenvolvimento Internacional (USAID) para aprofundar o comércio e os investimentos entre

os membros.

A resposta chinesa viria na Conferência sobre Interação e Medidas de Fortalecimento

da Confiança na Ásia (CICA), em maio de 2014, quando o presidente Xi Jinping, enquanto

tratava do assunto de segurança regional, pronunciou o provérbio cazaque “aquele que tenta

apagar a lâmpada de óleo do outro vai queimar a barba no fogo”. Xi criticou, ainda a

manutenção de um pensamento baseado no jogo de soma zero da Guerra Fria no Século XXI,

utilizando outro provérbio, desta vez chinês, que diz: “um homem sábio muda de acordo com

as mudanças do tempo e das circunstâncias”. Ele conclui ainda que “é para o povo da Ásia

executar os assuntos da Ásia, resolver os problemas da Ásia e manter a segurança da Ásia”,

deixando clara sua estratégia de “Ásia para os asiáticos”.54

Contudo, a principal medida de auto-afirmação do poder chinês na região ocorreu em

novembro, durante uma reunião da Associação de Cooperação Econômica de Países da Ásia

Pacífico (APEC), que reune 21 países, incluindo os Estados Unidos. Antes de tratar a

                                                                                                                         54 Ver JINPING, X. New Asian Security Concept For New Progress in Security Cooperation. Shangai: Fourth Summit of the Conference on Interaction and Confidence Building Measures in Asia, 21 mai 2014. Disponível: <http://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjdt_665385/zyjh_665391/t1159951.shtml>.

70

proposta apresentada por Xi durante o encontro, cabe salientar que a APEC tem um histórico

semelhante ao TPP, como uma tentativa de isolar a China na Ásia-Pacífico, porém, nesse

caso, a iniciativa partiu do Japão. Na década de 1960, em um debate entre a “esquerda”

japonesa, que defendia que o comércio com China, Coreia do Norte e União Soviética seriam

benéficos para acessar seus mercados-consumidores e obter matéria-prima a preços mais

baixos, e a “direita”, que defendia a manutenção da política de alinhamento aos Estados

Unidos, surgiu, por parte da segunda, em 1967, a proposta da Área de Livre-Comércio do

Pacífico (PAFTA), voltada para os Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia.55

A PAFTA viria a fracassar antes de sair do projeto por diversas razões, entre elas o

protecionismo agrícola japonês e a rejeição de Washington a vincular-se a economias

menores da Ásia, enquanto tentava articular-se com o que seria o embrião da União Europeia.

A resistência de outros países asiáticos à liderança japonesa fez com que as diversas propostas

subsequentes fossem recusadas, até que o primeiro ministro australiano, Bob Hawke, lançou a

proposta da APEC, fundada em 1989, que uniria os dois lados do Pacífico, ainda que esta

nunca tenha se tornado uma área de livre comércio, e mantendo a exclusão da China, que só

se tornaria membro em 1991. Contudo, o agrupamento que surgiu com o objetivo de isolar a

China na região viria a tornar-se o foro de discussão em que Xi lançaria sua mais ambiciosa

proposta para o “Sonho Ásia-Pacífico”.

A iniciativa chinesa em direção a um aprofundamento da integração na Ásia passou

por uma intensificação de seus esforços no segundo semestre de 2013, quando foram

apresentadas diversas propostas aos países da região. A primeira ocorreu no dia 7 de setembro

de 2013, quando Xi Jinping propôs a criação do cinturão econômico da “Rota da Seda”56,

cujo objetivo é o de reviver a rota de comércio que ligava a Ásia à Europa entre os séculos

VII e X. O projeto seria financiado pelo “Fundo da Rota da Seda”, apresentado em 6 de

novembro de 2014, com a capitalização inicial de 10 bilhões de dólares que se expandirá

gradualmente até a soma de 50 bilhões de dólares, sendo alimentado em mais de 50% pelas

reservas internacionais da China, pelo Banco Popular da China, pelo Ministério das Finanças

e por bancos de desenvolvimento chineses.57

Não se deve, entretanto, ignorar que uma “Nova Rota da Seda” teria um significado

muito maior do que o estritamente comercial. A ligação da China à Alemanha passando pelo                                                                                                                          55 Ver CLARK, G. TPP: APEC’s anti-China son? The Japan Times, 30 nov 2011. Disponível em: <http://www.japantimes.co.jp/opinion/2011/11/30/commentary/tpp-apecs-anti-china-son/#.VME_hMbCsdI>. 56 Ver DANLU, T. Xi suggests China, C. Asia build Silk Road economic belt. Xinhua, Astana, 7 set. 2013. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/english/china/2013-09/07/c_132700695.htm>. 57 Ver XIANG, L. New fund finances modern Silk Road. China Daily, Beijing, 7 nov. 2014. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/china/2014-11/07/content_18881156.htm>.

71

centro e oeste asiáticos, assim como o segundo percurso marítimo, parte da “Rota da Seda

Marítima do Século XXI”, que parte do Império do Meio em direção ao sudeste asiático, à

África e à Europa poderá representar um instrumento divulgador de ideais assim como a rota

original levou o budismo e o islamismo para a China. Ambos os percursos podem ser

visualizados no Mapa 4. Juntas, as duas iniciativas concluem a estratégia chamada de “Um

cinturão, uma rota”, a qual seria capaz de proteger Beijing de um possível cerco marítimo,

que limitaria seu comércio, assim como ampliaria seu poder brando diante de todos os países

beneficiados pela iniciativa. Porém, uma aproximação entre o país e a principal economia

europeia representaria uma significativa ampliação da capacidade de reflexão de seus ideais

em uma área historicamente aliada e alinhada aos Estados Unidos.

Mapa 4 - “Iniciativa da Rota da Seda” e “Rota da Seda Marítima do Século XXI”

Fonte: SILK Road Initiative takes new route on TV map. China Daily, 14 abr. 2015. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/china/2015-04/14/content_20433368.htm>.

Em reunião da APEC de 11 de novembro de 2014, Xi apresentou o projeto da Área de

Livre Comércio da Ásia Pacífico (FTAAP), que agregaria os acordos de livre comércio já

72

existentes, de modo a aprofundar o processo de integração regional. Somado a isso, com o

objetivo de aperfeiçoar a infraestrutura e a integração econômica da região para formar a nova

“Rota da Seda”, desenvolveu o projeto do Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura

(AIIB), com expectativa de capitalização de US$50 bilhões subscritos e US$ 100 bilhões

comprometidos, que já vinha sendo discutido desde junho de 2014 e que pretende estar em

operação antes do final de 2015 (LAN, 2014). De acordo com o mandatário chinês,

“chegamos a um consenso de que a integração econômica regional é a força motriz por trás do

forte crescimento sustentado na Ásia-Pacífico, e a APEC deve continuar a desempenhar um

papel de liderança e coordenação para fazer avançar este processo”.58

Por meio da estratégia de lançamento do FTAAP, a China conseguiu despertar o

interesse dos países da região sem que, para integrar a área de livre comércio, fosse necessário

abandonar projetos comerciais em curso, em um momento em que crescia o desentendimento

entre Japão e Estados Unidos com relação às tarifas agrícolas no TPP e após demonstrar que,

apesar do interesse e da constante presença estadunidense na região, isso não significaria que

a potência hegemônica tomaria qualquer iniciativa militar contra o gigante asiático em defesa

de qualquer aliado na Ásia Pacífico59. Nas palavras de Tang Guoqiang, presidente do Comitê

Nacional Chinês para a Cooperação Econômica no Pacífico, o objetivo da China é o de

“conter a tendência crescente de fragmentação na região que prejudica diretamente a

integração econômica, e não o TPP ou qualquer outro acordo de livre-comércio específico”.60

Apesar da China não atacar diretamente a proposta estadunidense de área de livre

comércio, ao apresentar a sua proposta, com a promessa de investir 10 milhões de dólares

                                                                                                                         58 Ver XI: APEC economies decide to launch FTAAP process. China Daily, Beijing, 11 nov. 2014. Disponível em: <http://www.chinadaily.com.cn/world/2014apec/2014-11/11/content_18899067.htm>. 59 Essa perspectiva tornou-se evidente após os constantes exercícios chineses nos mares sul e leste do país, próximos às ilhas conhecidas como Diaoyu pelos chineses ou Senkaku pelo Japão, ao longo de 2013 e 2014, territórios próximos a reservas potenciais de petróleo e gás. O episódio suscitou diversas declarações de repúdio por parte tanto do Japão quanto dos Estados Unidos, que mantém bases militares no país em troca de defesa, inclusive com sobrevoos de jatos estadunidenses sobre as ilhas, que passaram a ser consideradas como “Zona de Identificação de Defesa Aérea”. Dessa forma, após comprovar que uma possível ajuda militar estadunidense na região em defesa dos interesses japoneses não passaria de mera retórica, China e Japão assinaram um acordo em 7 de novembro de 2014 com o objetivo de reduzir as tensões na região. Ver PHILIPS, T. Chinese pilots patrol controversial air zone over the disputed Senkaku/Diaoyu islands. The Telegraph, Shanghai, 24 nov. 2013. Disponível em: <http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/china/10470910/Chinese-pilots-patrol-controversial-air-zone-over-the-disputed-SenkakuDiaoyu-islands.html>; Ver PHILIPS, T. China 'monitored' US flights over disputed islands in East China Sea. The Telegraph, Shanghai, 27 nov. 2013. Disponível em: <http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/china/10477271/China-monitored-US-flights-over-disputed-islands-in-East-China-Sea.html>; HENDERSON, B. Japan and China agree to reduce tensions over Senkaku islands. The Telegraph, Shanghai, 7 nov. 2014. Disponível em: <http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/japan/11216844/Japan-and-China-agree-to-reduce-tensions-over-Senkaku-islands.html>. 60 Ver YUNBI, Z.; XIANG, L. APEC agrees to work on FTAAP. China Daily, Beijing, 11 nov. 2014. Disponível em: <http://www.chinadaily.com.cn/beijing/2014-11/12/content_18901193.htm>.

73

para a capacitação institucional e desenvolvimento da APEC, ela proporcionou aos países que

negociam o TPP uma posição mais favorável para pleitear os seus interesses diante da

proposta estadunidense. O estabelecimento do ano de 2015 para a conclusão de um acordo de

livre comércio entre a China e a ASEAN61 evidencia a urgência com que a China quer

concluir a integração, evitando seu isolamento por parte dos Estados Unidos. Xi posicionou-

se como líder regional, demonstrando que a potência hegemônica não pode mais negar o seu

crescimento, muito menos contê-lo, e que qualquer iniciativa de integração da Ásia Pacífico

deve considerar Beijing como principal articulador da região.

Além do posicionamento de liderança, com as propostas do “Fundo da Rota da Seda”,

do AIIB e do FTAAP, a China alterou a forma como se apresenta ao mundo de um país em

desenvolvimento em busca de investimento que sustente seu crescimento para um país capaz

de investir em outros atores menores para viabilizar o crescimento deles. Isso não significa

que a China deixasse de fazer investimentos em outros países ao redor do mundo, porém a

criação de um banco com capital nacional com esse intuito é inédito na política externa

chinesa. A série de iniciativas do governo chinês para demonstrar sua liderança na Ásia

Pacífico reitera seu compromisso com a integração por meio de uma nova “Rota da Seda” e o

posicionamento de que a região está incluída no seu interesse nacional.

Ainda que o governo Obama repita o mantra de aceitar a “ascensão pacífica” da

China, suas ações na Ásia Pacífico com o objetivo de isolar Beijing enviam aos líderes

chineses uma mensagem diferente. Inclusive, logo após a reunião da APEC, na qual a China

lançou a proposta do FTAAP com amplo apoio dos membros do grupo, Estados Unidos,

Japão e Austrália, que estavam em território da última, em razão da reunião do Grupo dos 20

(G20) nos dias 15 e 16 de novembro, realizaram uma reunião trilateral, paralela ao encontro

central, para aprofundar acordos militares com o objetivo de promover estabilidade na Ásia

Pacífico, segundo o Departamento de Estado estadunidense62. Iniciada no final da Segunda

Guerra Mundial e aprofundada na Guerra Fria, quando tornou-se a principal estratégia militar

estadunidense de contenção soviética na região, restabelecer a “aliança militar” como

estratégica para os Estados Unidos na Ásia Pacífico suscita dúvidas quanto à sua disposição

em aceitar a “ascensão pacífica” chinesa.

                                                                                                                         61 Ver YINAN, Z.; NAN, Z. China, ASEAN set 2015 as goal for upgrading free trade agreement. China Daily, Nay Pyi Taw/Beijing, 14 nov. 2014. Disponível em: <http://www.chinadaily.com.cn/cndy/2014-11/14/content_18912114.htm>. 62 Ver HUI, W. Trilateral alliance only shores up tensions. China Daily USA, 26 nov. 2014. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/epaper/2014-11/26/content_18981118.htm>.

74

A China ampliou seu poder relativo no sistema internacional e assumiu o comando do

processo de integração na Ásia Pacífico, apresentando propostas inclusivas para a região,

contrapondo-se nitidamente à proposta excludente dos Estados Unidos, e demonstrando que

esse tipo de iniciativa integradora deve considerar a sua influência para ser bem sucedida.

Contudo, ainda que a China demonstre seu interesse em ampliar seu poder político e

econômico e reformular parte do sistema internacional de modo a obter maior capacidade de

decisão e influência dos organismos internacionais, ela não apresenta qualquer ameaça para a

ordem internacional vigente.

Nesse sentido, é possível afirmar que, ao se contrapor às regras com que o sistema

internacional é gerido, propondo um revisionismo brando capaz de estabelecer uma maior

justiça na forma como as decisões de cúpula dos organismos internacionais são compostas e

uma maior participação dos países em desenvolvimento, a China está fazendo uma política

contra-hegemônica. Cabe ressaltar que, nesse caso, a atuação contra-hegemônica chinesa não

inclui um confrontamento direto da atual potência hegemônica capaz de conduzir o mundo

para uma nova guerra mundo, apenas um balanceamento moderado em questões que julga do

seu interesse nacional. Ademais, não se deve confundir uma estratégia contra-hegemônica

com uma assistêmica, no primeiro caso, o ator pretende apenas alterar a organização do

sistema a fim de inserir os seus interesses nele, no segundo, pretende destruí-lo para construir

um novo que reflita os seus princípios ideológico-culturais.

Em outras palavras, ao imaginar o sistema como um jogo de tabuleiro, o agente

contra-hegemônico deseja alterar as regras do jogo, de modo a torná-lo mais atraente para a

sua participação, enquanto o assitêmico defende que não se pode jogar o jogo, de modo que

só resta a sua destruição para, a partir de então, criar um novo sobre as suas cinzas. A China

não poderia ser um agente assistêmico, uma vez que se beneficia do sistema para promover

seu crescimento e ampliar sua inserção em outros países em desenvolvimento. Os discursos

da redução de barreiras protecionistas e do livre-mercado garantem a ela o conjunto perfeito

de medidas que, caso adotadas pelos países com que ela comercializa, ampliarão a sua

competitividade e os mercados de consumo abastecidos por ela. Contudo, ela precisa ampliar

a sua capacidade de decisão, para que possa participar no estabelecimento das normas que

irão reger o sistema internacional.

O crescimento econômico chinês fez com que, em certo momento, a Ásia deixasse de

ser suficiente como fonte de matéria prima e como mercado consumidor para a sua indústria

manufatureira que sustenta o seu crescimento. Somado a isso o interesse de ampliar o seu

poder político fez com que a China passasse a se interessar por outras áreas do globo que não

75

o seu imediato entorno regional. Devido a isso, ela passou a ampliar investimentos e comércio

com regiões cujo monopólio anterior era de países do “Norte Global”, como pode-se observar

na África e na América do Sul. A seguir, será analisado o interesse chinês na América do Sul

e a forma como se apresenta para os países da região.

3.3. CHINA E AMÉRICA DO SUL: FLAMA DE INDEPENDÊNCIA OU UMA NOVA

FORMA DE DOMINAÇÃO?

A expansão política e econômica chinesa no sistema internacional fez com que o país

ampliasse sua atuação em diversas regiões do globo. No caso da América Latina, as tentativas

de aproximação remontam a década de 1990, com a visita do presidente Yang Shangkun

(1988-1993) a diversos países da região, ainda que o aumento expressivo do comércio só

tenha ocorrido a partir da visita do presidente Hu Jintao, em 2004. A partir de então, as

exportações chinesas para a região saíram de 2,6% do seu total, em 2004, para 5,29% em

2013, enquanto as importações da região passaram de 3,18% para 5,25% do total de

importações no mesmo período.63

A aproximação entre a China e a América Latina, assim como de outros países em

desenvolvimento, faz parte das estratégias de cooperação Sul-Sul para atuação conjunta em

foros multilaterais. Monica Hirst (2008) enfatiza, por exemplo, a atuação da China em

conjunto ao G-77 da UNCTAD no pleito por tratamento especial e diferenciado aos países

menos desenvolvidos. Por considerar os foros multilaterais o principal ambiente para a

negociação dos seus interesses, o gigante asiático vem construindo uma imagem dissociada de

suas capacidades materiais, evitando a associação de seu poder a uma forma de poder robusto.

Utilizando o argumento de semelhança entre países em desenvolvimento, dos quais

apresenta-se como o maior, e do poder brando, que não se reproduz internamente, a RPC

busca uma aproximação dos países menos desenvolvidos de forma menos conflitante do que a

praticada pelos Estados Unidos. Para Foot, “a busca da China pelo que ela descreveu como

‘força nacional compreensiva’ está também ligado ao seu forte desejo de reconhecimento

como uma grande potência; entretanto, ela ainda reivindica ligações, e em um grau se

identifica, com o mundo em desenvolvimento” (2006, p. 80 - tradução nossa).

                                                                                                                         63 Dados extraídos de BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>.

76

Um pronunciamento que ilustra muito bem essa atitude é o proferido por Hu Jintao na

cerimônia de abertura da Quinta Conferência Ministerial do Fórum de Cooperação China-

África, em julho de 2012, no qual afirmava que: [A] China é o maior dos países em desenvolvimento, e [a] África é o continente com o maior número de países em desenvolvimento no mundo. (…) China e África compartilham um destino comum, e a amizade entre China e África é compartilhada por seus povos. Os povos chineses e africanos sempre trataram-se como iguais e com sinceridade e amizade, com apoio mútuo e almejando um desenvolvimento comum.64

Contudo, apesar do seu discurso no qual tenta apresentar-se como semelhante aos

países em desenvolvimento, as capacidades materiais somadas aos poderes político e

econômico exercidos por ela no sistema internacional demonstram uma inconformidade com

a forma como ela quer ser vista e a realidade em que se encontra. Dessa forma, alegar uma

relação entre iguais ao negociar com a África ou com a América do Sul, como é o caso

analisado, caracteriza mais um exercício de retórica do que um retrato da realidade. A

indiscutível diferença entre a China e os países em desenvolvimento faz com que surja o

questionamento sobre qual seria o verdadeiro interesse por trás do ato de afirmar-se membro

de um grupo do qual seu pertencimento é questionável.

A criação de uma identidade entre a China e seus parceiros menores faz parte de uma

estratégia capaz de desvinculá-la do ideário de potência exploradora e dominadora com a qual

os países em desenvolvimento estão acostumados a tratar. Sua influência ocorre mais pelo

poder brando do que pelo poder robusto, em termos de hegemonia, mais pelo consenso do que

pela coerção. Contudo, seria imprudente acreditar que governos e acadêmicos das mais

diversas orientações políticas que compõem esses países deixam-se acreditar no discurso

chinês de promoção de relações igualitárias, principalmente em uma região como a América

do Sul, repleta de experiências em relações de exploração com Europa e Estados Unidos.

Essa seria, justamente, a primeira razão para o interesse de países sulamericanos na

China. Segundo Ellis, “o gigante asiático poder[ia] ajudar a região a compensar a dominação

política, econômica e institucional dos Estados Unidos, concedendo maior liberdade de ação

para perseguir um caminho político mais autônomo” (2009, p. 28). Dessa forma, ao ampliar

suas relações entre o maior número de atores, os países da região aumentam o seu poder de

                                                                                                                         64 Ver JINTAO, H. Open Up New Prospects for A New Type of China-Africa Strategic Partnership. Ministry of Foreign Affair of the People’s Republic of China, Beijing, 19 jul. 2012. Disponível em: <http://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjdt_665385/zyjh_665391/t953166.shtml>.

77

barganha, deixando de ser reféns não só dos interesses estadunidenses, mas também de sua

potência regional, o Brasil, conforme será aprofundado no próximo capítulo.

A segunda razão, diretamente ligada à primeira é justamente a de candidatar-se como

destino ideal para seus investimentos, parte da grande reserva internacional chinesa. Ao longo

de sua história, a região contou com diversos investimentos estadunidenses e de potências

europeias que, na maioria das vezes, acompanhavam exigências de liberalização econômica

ou de reforma política. A China, por outro lado, apresentava-se como uma oportunidade de

obter investimentos em áreas de infraestrutura e de desenvolvimento social, expectativa que,

em parte, foi atendida, excetuando o fato de os investimentos em infraestrutura feitos pela

China terem como objetivo o de controlar as fontes de recursos naturais e o comércio de

commodities (ELLIS, 2009).

Por fim, a terceira razão está voltada para o comércio internacional, no qual os países

da América do Sul vislumbram a possibilidade de ampliar suas exportações para o país mais

populoso e com perspectivas de tornar-se o maior mercado consumidor do mundo em 201565.

O impacto da ampliação da demanda chinesa por commodities fez com que seus preços

aumentassem significativamente desde 2000, iniciando uma desaceleração após a crise

financeira de 2008. Contudo, as exportações sulamericanas, para Beijing, mantém a regra

estabelecida pelos parceiros do “Norte Global” de envio de produtos primários, sendo incapaz

de superar a limitação imposta a eles pela divisão internacional do trabalho, tendo, inclusive,

impactado diretamente no setor industrial de diversos países, incapazes de competir com os

baixos preços das manufaturas chinesas.

Compreendidas as três principais razões pelas quais países da América do Sul vêm a

China como um parceiro importante no sistema internacional, cabe fazer uma análise que

estabeleça uma razão pela qual a China busca parcerias, a princípio, tão distantes e com

culturas extremamente diferentes das suas. A própria heterogeneidade de orientações políticas

na região faz com que a expectativa de cada país seja diferente ao aproximar-se da China,

enquanto alguns vislumbram uma promessa de sustentação das políticas nacionalistas,

afastando-se das amarras da hegemonia estadunidense, como Venezuela, Bolívia e Equador,

outros utilizaram políticas liberais orientadas para o mercado como uma estratégia de atrair

investimentos, como Chile, Colômbia e Peru (ELLIS, 2009). Do ponto de vista chinês o

                                                                                                                         65 Ver CARDOSO, J. China pode ser o maior mercado consumidor do mundo em 2015. Valor Econômico, São Paulo, 24 mai. 2012. Disponível em <http://www.valor.com.br/internacional/2679126/china-pode-ser-maior-mercado-consumidor-do-mundo-em-2015>.

78

interesse na região coincide, em grande parte, com o que ela própria espera e com seu

objetivo de ampliação de seu poder global, expresso anteriormente.

Desse modo, o primeiro objetivo chinês ao buscar novos parceiros está diretamente

relacionado à sua estratégia de “ascensão pacífica” e ao medo de uma política contenciosa por

parte dos Estados Unidos. Sua aproximação a outros países em desenvolvimento está fundada,

justamente, na estratégia de revisionismo brando do sistema internacional, com o objetivo de

construir uma ordem multipolar e um “Mundo Harmônico”. Uma forma utilizada pela China

para demonstrar o reconhecimento perante outro país é o estabelecimento de uma “parceria

estratégica”66, que constitua coordenação entre os Estados e mecanismos de resolução de

disputas. Só na América do Sul a China possui cinco “parceiros estratégicos”: o Brasil, desde

199367; a Venezuela, desde 2001; a Argentina, desde 2004; o Peru, desde 2008; e o Chile,

desde 2012 (ZHONGPING; JING, 2014).

O segundo interesse chinês na América do Sul diz respeito ao fato da região ser

reconhecida internacionalmente por seu caráter de fonte de produtos primários. Esses

produtos servem como a base para a indústria e, consequentemente, para o crescimento do

gigante asiático. Conforme observa Medeiros (2008), a dinâmica do crescimento do país

depende do acesso às matérias-primas e ao petróleo, por isso, o acesso a esses mercados

tornou-se foco estratégico e político do governo chinês. A produção industrial chinesa cresceu

de tal forma e tão rapidamente que nem os recursos naturais dela, nem os de toda a Ásia são

capazes de sustentar a demanda do país. Somado a isso, o desenvolvimento do setor industrial

do litoral serviu como um farol atraindo parte da população rural, o que reduziu a capacidade

de produção da agricultura nacional, ampliando a necessidade de importação de alimentos de

outras áreas do mundo.

Em pouco tempo a América Latina passou a ocupar um importante espaço na

economia chinesa como a principal produtora de produtos estratégicos, que ajudam a

sustentar o crescimento chinês. No setor de alimentos, cada país fornece à China os produtos

em que sua competitividade é maior, como: a soja produzida pelo Brasil, o óleo de girassol

produzido pela Argentina, a farinha de peixe produzida por Chile e Peru e produtos voltados

para a nova classe média chinesa como café colombiano, vinhos chilenos e cerveja mexicana.

Contudo, o principal produto exportado para o país asiático é o petróleo, cujos principais

fornecedores são Venezuela, Brasil e Equador, que apesar de também ser produzido pelos                                                                                                                          66 O termo parceria estratégica é utilizado “para precisar as interações que permitem ganhos substantivos numa cena internacional caracterizada pelos crescentes apertos das margens de decisão” (LESSA, 1998, p. 37) 67 O Brasil foi o primeiro país a estabelecer “parceria estratégica com a China, em 1993, seguido pela Rússia, em 1996, e pelos Estados Unidos, em 1997 (ZHONGPING; JING, 2014).

79

chineses não é suficiente para suprir sua demanda, a segunda maior do mundo. Ademais, os

minérios, como o minério de ferro, o aço, o cobre, o nitrato de potássio e o níquel são outra

commodity fundamental para a indústria chinesa, fornecidos por Brasil, Chile, Peru e

Colômbia (ELLIS, 2009).

Por fim, o terceiro objetivo na aproximação com a América do Sul está diretamente

ligada à busca contínua de mercados potenciais e parceiros comerciais. Desde a crise

financeira de 2008, os principais mercados consumidores da China, ou seja Estados Unidos e

União Europeia, sofreram uma contração, o que impactou diretamente nas suas exportações.

Surgiu a necessidade de ampliar seus mercados a fim de reduzir sua vulnerabilidade e

dependência das grandes potências. A partir de então, a China inicia uma estratégia de

ampliar suas exportações para países em desenvolvimento, notadamente a América do Sul,

com uma população de quase 400 milhões de habitantes, que passa a receber investimentos

em áreas como infraestrutura, telecomunicações e no setor bancário. Segundo dados da

Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), a China, em 2014, é o segundo maior

parceiro comercial de toda a América Latina, tendo a previsão de se tornar o primeiro até

2017.68

Atualmente esse movimento já pode ser observado pela presença cada vez maior de

empresas e investidores chineses nos países da América Latina, com abertura de escritórios,

estabelecimento de filiais e amplos investimentos em segmentos importantes. Somente no

setor automotivo, Chery, Foton, Geely e Yangtze produzirão cerca de 2 milhões de carros

apenas para enviar a países da América do Sul. Seus maiores mercados são Brasil, Colômbia,

Venezuela, Peru e Argentina, e suas vantagens comerciais possibilitam que seus produtos

sejam vendidos por cerca de dois terços ou metade do preço de montadoras americanas,

europeias e japonesas já estabelecidas nesses locais69. O baixo custo de suas mercadorias faz

com que elas se tornem atrativas aos consumidores, porém, isso coloca em risco a

sobrevivência de empresas nacionais e multinacionais instaladas nesses países que precisam

competir com os baixíssimos custos de produção e fabricação do gigante asiático.

Dessa forma, a América do Sul enquanto destino do IED chinês tem sua expectativa

de estabelecer uma complementariedade tecnológica frustrada, sendo obrigada a conformar-se

com investimentos que se limitam a atividades primário extrativas, infraestrutura, setor                                                                                                                          68 Ver PUEYO, S. Interesses da China e da Rússia aumentam na América Latina. Gazeta Russa, 21 ago. 2014. Disponível em: < http://br.rbth.com/internacional/2014/08/21/interesses_da_china_e_da_russia_aumentam_na_america_latina_27015.html>. 69 Ver SALAS, M. Depois da África, China avança sobre América Latina. BBC Brasil, 27 jul. 2014. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140721_chineses_negocios_america_latina_ms_kb>.

80

energético e financeiro70. Observando sob a perspectiva econômico financeiro comercial, a

aproximação com a China não diverge muito daquela feita com as potências no “Norte

Global”, com as quais a deterioração dos termos de troca faz com que, com o passar do

tempo, o preço das commodities tenda a desvalorizar-se frente aos produtos manufaturados, e,

assim, a promover uma transferência da renda de países em desenvolvimento para os

desenvolvidos. Somado a isso, a competitividade chinesa faz com que seus produtos

industrializados possam ser oferecidos ao mercado a um valor inferior ao praticado pelos

outros países em desenvolvimento, colaborando para a “reprimarização”71 de suas economias.

Do ponto de vista político, por outro lado, a China propõe uma reformulação da ordem

internacional a fim de torná-la mais inclusiva para os países em desenvolvimento,

abandonando o antigo padrão em que as potências do “Norte Global” são as únicas com o

poder e representatividade nos organismos internacionais. Porém, ainda que para os países

sulamericanos a aproximação com a China possa ser interessante do ponto de vista político,

muitas vezes não só pelo maior protagonismo de seus pleitos no sistema internacional, como

também como forma de legitimar governos de orientação contrária aos Estados Unidos, o

caso do Brasil possui uma especificidade única que o diferencia do resto do sub-continente. O

Brasil, enquanto potência regional, passou a observar negociações entre vizinhos e a China,

ocupando, muitas vezes o lugar que antes era brasileiro, além de servir como fonte de

barganha em suas negociações com o maior país sulamericano. No próximo capítulo serão

analisados os desafios e oportunidades para o Brasil a partir da ampliação do poder político e

econômico no sistema internacional, abrangendo o impacto da mudança de orientação do

governo brasileiro, a partir da gestão Dilma Rousseff, nos três tabuleiros do xadrez

tridimensional que compunham a política externa brasileira do governo Lula.

OBSERVAÇÕES FINAIS

A China busca exercer um papel mais central na ordem mundial a partir de um

reconhecimento do seu poder por parte dos países emergentes a ponto de legitimar sua

condição de grande potência sem a necessidade de romper com a aliança com os Estados                                                                                                                          70 Ver CEPAL. Promoción del comercio y la inversión con China: Desafíos y oportunidades en la experiencia de las cámaras empresariales latinoamericanas. Santiago: Nações Unidas, 2013. 56 p. Disponível em: <http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/3204/S2013959_es.pdf?sequence=1>. 71 Conceito que será trabalhado no próximo capítulo.

81

Unidos e com o sistema Ocidental estabelecido. A constante reafirmação da sua condição de

país emergente, mesmo que ela não corresponda a sua atuação, é uma estratégia utilizada para

a construção de identidade comum com aqueles Estados.

Ao analisar a ampliação do poder chinês e a possibilidade de uma nova era

hegemônica cujo centro volte a ser a Ásia Central, o estímulo inicial é imaginar uma sucessão

pelo prisma da Guerra Fria, em que duas super-potências disputavam a superioridade do seu

modelo perante o outro e visavam destruir o seu antagonista. Porém, Beijing não pensa dentro

dessa lógica, ela vislumbra na ordem sistêmica ocidental a base para a manutenção do seu

desenvolvimento econômico e, por isso, não busca desconstruí-la, mas reformulá-la de modo

a combinar interesses ocidentais e chineses.

Contudo, afirmar o interesse chinês em ampliação do seu poder político dentro da

ordem sistêmica pré-estabelecida pelo ocidente não significa dizer que a China se submeteria

às determinações da potência hegemônica. Desde o início do governo Xi Jinping, a estratégia

de “Desenvolvimento pacífico” para a promoção de um “Mundo Harmônico”, estabelecida

por governos anteriores, passou a observar uma limitação clara no que diz respeito aos

interesses nacionais chineses. Isso significa que, agora, Beijing deixou de atuar como um

simples observador para ter um papel mais proativo no cenário internacional.

A proatividade chinesa na tentativa de ampliar seu poder brando e de promover um

revisionismo brando do sistema internacional, posicionando-se como liderança entre os países

em desenvolvimento fez com que o país conseguisse ampliar o mercado de consumo e a fonte

de matérias primas para a sua indústria. Dessa forma, a China deixou de limitar-se à Ásia,

onde ampliou seus investimentos, o que tornou possível a superação dos Estados Unidos

como o maior investidor na região, para ampliar sua participação em outras áreas do globo

com países em desenvolvimento, como a América Latina e África.

Com o objetivo de manter sua posição central na região da Ásia-Pacífico os Estados

Unidos iniciaram uma estratégia de contenção da China, a partir do seu ingresso no TPP e o

estabelecimento neste de normas de propriedade intelectual extremamente rígidas de modo

que fossem impeditivas à adesão por parte de Beijing. A percepção da política estadunidense

para a região fez com que Xi Jinping adotasse uma política externa cujo objetivo principal

fosse afastar da Ásia-Pacífico qualquer tipo de ingerência externa, propondo uma área de livre

comércio que contou com amplo apoio dos países vizinhos.

Com a ampliação da presença chinesa entre países em desenvolvimento, a América

Latina tornou-se o segundo destino de investimentos chineses no mundo, sendo o maior na

área de hidrocarbonetos. O interesse chinês na América do Sul pode ser analisado com base

82

em três justificativas: ser uma fonte de matérias primas para abastecer sua indústria, possuir

um grande mercado consumidor para seus produtos e firmar alianças estratégicas que

facilitem o seu caminho para tornar-se uma grande potência. Contudo, cabe avaliar quais os

desafios e as oportunidades de uma aliança com Beijing para os países sulamericanos, em

especial, o caso do Brasil, enquanto potência regional e ator proeminente no sistema

internacional, tema que será aprofundado no próximo capítulo.

83

4. BRASIL E CHINA: ALIANÇA PROMISSORA COM INTERESSES

CONFLITANTES

Uma das regiões em que a participação político, econômico e comercial da China

ampliou-se significativamente foi a América do Sul, que passou a receber as maiores quantias

de investimento chinês destinadas a hidrocarbonetos no mundo. Somado a isso, a busca por

novos mercados consumidores fez com que seus produtos manufaturados inundassem as

prateleiras de lojas sulamericanas representando uma ameaça à sobrevivência da indústria

local. Por outro lado, as exportações de caráter exclusivamente primário extrativista repetem

nas relações com a China a lógica da deterioração dos termos de troca que caracteriza as

relações dos países em desenvolvimento com os do “Norte Global”.

Este capítulo tratará da aproximação do Brasil e da China no âmbito dos BRICS,

avaliando os interesses de cada um dos dois atores, as expectativas internacionais e seus

resultados até o ano de 2014. Concluída a primeira parte, será feita uma análise sobre a

política externa do governo Dilma Rousseff no que diz respeito à sua atuação no âmbito

regional e a forma como a presidente prioriza a política doméstica à internacional, frustrando

a expectativa dos países vizinhos sobre o Brasil. A partir do ponto de vista regional, é possível

observar de que forma a inserção chinesa em sua região de influência direta, a América do

Sul, representa um desafio a ser enfrentado pelo Brasil.

4.1. “ONE CANNOT MAKE ‘BRICS’ WITHOUT STRAW”

Desde o ano de 2001, economistas e cientistas políticos de todas as partes do mundo

direcionaram sua atenção para um grupo de países que, segundo avaliações, seriam atores

centrais na nova ordem mundial. O termo BRIC, acrônimo formado pelas iniciais de Brasil,

Rússia, Índia e China, foi introduzido pela primeira vez no relatório do economista Jim

O’Neil, intitulado “Building Better Global Economic BRIC” (2001), conforme citado no

segundo capítulo.

O’Neil explica que o engajamento desses atores no sistema internacional foi um fator

que definiria o papel que iriam desempenhar em um futuro globalizado, no qual seriam os

tijolos (bricks) para a construção de uma economia moderna e plural. O caminho para chegar

84

a esses países passou pela observação de cada um deles. A abertura econômica da China

somada à sua densidade demográfica e à habilidade de seus líderes sinalizava no final da

década de 1990 que o país possuía todos os requisitos para tornar-se relevante no cenário

global. A Índia, por outro lado, soube aproveitar-se da globalização, de sua demografia e da

língua inglesa para utilizar a internet como meio de ampliar sua participação na terceirização

de serviços e o mercado consumidor para seus produtos. A Rússia, após o fim da URSS, havia

sido convidada a ingressar no G7, em 1997, para compor o G8 como sinalização de apoio às

reformas para promover o livre mercado e a democratização (O’NEIL, 2012).

A observação de que uma aliança entre esses três atores poderia ser promissora para a

constituição de uma nova ordem mundial já havia sido feita antes do relatório de O’Neil. Em

dezembro de 1998, Yevgeny Primakov, primeiro ministro russo em exercício de setembro de

1998 a maio de 1999, propôs, em viagem oficial à Índia, a criação de uma interação trilateral

estratégica entre Rússia, Índia e China (RIC). Apesar de ter sido recebida em um primeiro

momento com reservas pelos outros dois atores, logo o RIC aprofundaria-se para englobar

interações econômica e políticas que incluíam coordenações para as reuniões da AGNU entre

2003 e 2005 (PRIMAKOV, 2002). A partir de então, aprofundou-se a institucionalização,

com reuniões entre ministros de relações exteriores e reuniões de alto nível entre seus líderes,

até que, em outubro de 2007, foram definidas direções de interação, cada uma supervisionada

por um dos membros, cujas principais são: agricultura (China), prevenção e eliminação de

impactos de desastres naturais (Rússia) e sistema público de saúde (Índia) (LUKIN, 2013).

A última peça do quebra-cabeça seria o Brasil, que, ainda que sua adição ao grupo não

tenha sido uma decisão automática de O’Neil, ao final dos anos 1990 já apresentava uma

estabilidade econômica e uma ampliação de sua participação internacional, que o

distanciavam da instabilidade que assolava a América Latina (O’NEIL, 2013). De fato, a

década de 1990 havia alterado a forma como o Brasil planejava sua política internacional,

enquanto tentava afirmar-se como um global trader, reforçou as relações com seus parceiros

tradicionais72, estimulou a integração regional, buscou o multilateralismo como fonte de

legitimidade e promoveu uma renovação de credenciais, cujo objetivo era de desvincular a

imagem do país daquela construída durante os regimes militares, buscando uma atuação mais

cooperativa e participativa em temas como Direitos Humanos, meio ambiente e não

proliferação de armas nucleares.

                                                                                                                         72 São considerados parceiros tradicionais brasileiros Estados Unidos, Europa e Argentina não só pelo histórico de trocas comerciais, mas também pela prioridade que temas que envolvam estes atores recebem historicamente na política externa brasileira.

85

Apesar da maxi-desvalorização do Real e da instabilidade interna em 2002 causadas

pelo medo de que Lula pudesse afetar a estabilidade macroeconômica alcançada, o início dos

anos 2000 trouxeram novas bases para a política externa, com uma diversificação de

parcerias, como, por exemplo, quando o país engajou-se na aproximação daqueles que

futuramente formariam, junto com ele, os BRICS. De fato, a redução de embaixadas

brasileiras no exterior fez com que, ainda nos anos 1990, o país passasse a focar sua atuação

em áreas que acreditava ser vitais para a ampliação de seu reconhecimento internacional,

estabelecendo cinco eixos prioritários. Os três eixos tradicionais, correspondentes às parcerias

históricas brasileiras, dizem respeito ao Mercosul, aos Estados Unidos e à Europa, além

desses, o governo estabelece outros dois eixos prioritários para a política internacional

brasileira, o primeiro é o do Pacífico, centrado no Japão, e o segundo é o das potências

regionais, que engloba justamente os países que posteriormente se agrupariam nos BRICS,

Rússia, Índia, China e África do Sul (LESSA, 1998).

Aproximar-se de outros grandes atores regionais sinalizava para o Brasil uma

perspectiva de ampliação de sua visibilidade no cenário internacional, considerando a

percepção da limitação do seu poder, imposta por sua posição de potência média no sistema

internacional. Aproximar-se de outros países que se encontrassem no mesmo patamar

consistia na estratégia ideal para ampliar seu protagonismo e, ao mesmo tempo, defender seus

interesses nacionais. A China já vinha aprofundando sua relação com o Brasil desde a década

de 1980, em artigo de 1998 Lessa destaca “a cooperação em setores de infra-estrutura,

energia, matérias primas, indústria pesada, e, mais recentemente, na área espacial” (1998, p.

38). Essa última, fruto de um acordo de parceria para a construção de dois satélites avançados

de sensoriamento remoto, firmado em 1988, daria origem ao Programa CBERS (Satélite Sino-

Brasileiro de Recursos Terrestres) e lançaria o primeiro satélite sino-brasileiro, CBERS-1, em

14 de outubro de 1999.73

As articulações com a Rússia para o estabelecimento de uma parceria estratégica

vinham sendo aprofundadas desde 1994, por intermédio do então chanceler, Celso Amorim,

contudo, somente em outubro de 1997, com a vinda de Primakov, chanceler russo na época,

ao Brasil, os dois países aprofundaram sua aproximação e firmaram acordo para a

constituição da Comissão Brasileiro-Russa de Alto Nível de Cooperação. Segundo

Bacigalupo, Primakov “ponderava que o reinício das relações com Brasil era importante não

somente por causa da posição ‘preponderante’ que o país ocupa na América Latina, mas

                                                                                                                         73 Para maiores informações sobre o projeto, acessar <http://www.cbers.inpe.br>.

86

também pelas condições atuais de globalização depois de muitos anos de Guerra Fria” (2000,

p. 66).

No mesmo período, a Índia havia se tornado uma importante aliada nos fóruns

multilaterais, principalmente no que diz respeito à regulação do comércio internacional.

Liderança histórica do Movimento dos Países Não Alinhados (MNA), a Índia estabeleceu

desde a década de 1960 uma estratégia de política externa pautada pelos ideais de

desenvolvimento econômico, combate à pobreza e luta pela descolonização. Durante o início

das negociações sobre agricultura no âmbito da Rodada Doha da OMC, iniciada em

novembro de 2001, Brasil e Índia foram habilidosos ao articular os países em

desenvolvimento em torno de uma única coalizão, o G20, com o objetivo de conter a proposta

oriunda dos Estados Unidos e da Europa, ainda que dois países discordem com relação à

liberalização dos mercados para produtos agrícolas (MIRANDA, 2000). A atuação conjunta

dos países do “Sul Global” fez com que o Programa de Trabalho de Doha apresentasse uma

dimensão social do comércio, evidenciando sua insatisfação com a forma como o comércio

internacional refletia os interesses dos países desenvolvidos.

Por fim, a África do Sul tornaria-se um importante aliado do Brasil no continente

africano com o fim do apartheid e a redemocratização do país. Sua importância é ampliada a

partir da percepção do Atlântico Sul como uma área estratégica aos interesses brasileiros,

passando a fazer parte da sua estratégia de segurança. A África passa a ser a fronteira oeste da

América do Sul e a preocupação crescente com a presença de atores externos da região fez

com que surgisse, ainda em 1986, a ZOPACAS. Mais recentemente, no âmbito do Fórum de

Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), os três países deram início em 2008 a uma série

de operações navais IBSAMAR (India-Brazil-South Africa Maritime) para monitorar cargas

perigosas transportadas no Atlântico Sul.

Contudo, a interação com esses países seria ampliada com a consolidação do arranjo

político inspirado nas predições de que os quatro países, que posteriormente adicionariam o

membro africano, seriam os tijolos para a construção da nova ordem mundial. A primeira

Cúpula do BRIC ocorreu em 16 de junho de 2009, suscitando ceticismo por parte de alguns

analistas internacionais que viam o arranjo como artificial e desigual, que se aproveitou de um

conceito criado por um banco de investimentos para obter visibilidade, enquanto outros

acreditavam na possibilidade de “reequilibrar e democratizar a ordem internacional”,

conforme expressava o próprio governo brasileiro74. A cúpula planejava tratar de temas

                                                                                                                         74 Ver SALEK, S. Líderes dos BRICs fazem primeira reunião. BBC Brasil, Ecaterimburgo, 16 jun. 2009. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/06/090616_bricsreuniao_ss.shtml>.

87

relacionados à crise econômica internacional, pleiteando uma reforma das instituições

financeiras internacionais e, inclusive, incluindo na pauta a proposta chinesa de busca por

uma alternativa ao dólar75. A declaração conjunta restringiu-se a almejar um “sistema

monetário internacional estável, previsível e diversificado”.76

Apesar do engajamento brasileiro ao propor a introdução da utilização das moedas

locais nas trocas comerciais bilaterais77, a declaração evidenciou o receio chinês em

comprometer-se com alterações mais bruscas que impactassem no dólar e, consequentemente

no valor de suas reservas depositadas em títulos do tesouro estadunidense. Entretanto o grupo

já demonstrava em sua primeira cúpula um direcionamento na busca por um revisionismo

brando de instituições internacionais, citando o FMI78, o Banco Mundial e a ONU entre

aquelas que necessitavam de uma adequação a fim de refletir em seus processos de decisão a

importância que novos atores haviam adquirido no cenário internacional.

Tornava-se evidente que o protagonismo no sistema internacional tinha como pano de

fundo os interesses econômicos de cada país. Segundo Monica Hirst, “as expectativas

econômicas que levaram à criação do bloco [BRIC] são a razão central porque China e Brasil

compartilham interesses em foros multilaterais específicos, reforçando a ideia de que ambos

são percebidos pelo Norte como jogadores importantes na agenda econômica global” (2008,

p. 93 - tradução nossa). A emergência dos países do BRIC trouxe consigo a expectativa do

surgimento de uma nova ordem mundial mais igualitária e plural, refletida, inclusive, na

pluralidade de orientações políticas observadas entre os Estados do grupo, indo de encontro à

lógica chamada de “unipolar” que estabelece regras político-econômicas a serem seguidas.

A busca por uma maior pluralidade por parte do grupo levou ao ingresso de um país

africano na III Cúpula dos BRICS, em 14 de abril de 2011, agora com um S no final, referente

à África do Sul. A adição fez com que Jim O’Neil afirmasse que “no que diz respeito aos

critérios econômicos é difícil para [ele] pensar na África do Sul como um genuíno BRIC. É

até mesmo difícil considerar a África do Sul um Mercado em Crescimento” (2013, p. 118),

                                                                                                                         75 Ver PEIXOTO, F. Tema da reunião dos BRIC, substituição do dólar é vista com ceticismo. BBC Brasil, Brasília, 16 jun. 2009. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/06/090616_bricsdolarml.shtml>. 76 Ver SALEK, S. BRICs vão discutir proposta brasileira de comércio sem dólar. BBC Brasil, Astana, 17 jun. 2009. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/06/090617_bricscomerciodolar_ss>. 77 Idem. 78 Cabe ressaltar que a reforma de cotas e governança do FMI foi aprovada desde 2010, contudo, para que seja implementada, é necessário que sua aprovação atinha 85% dos votos. Esse total é inviabilizado devido à inatividade do Congresso dos Estados Unidos em apreciar a matéria, considerando que o país é responsável por quase 17% do poder de voto. Ver LAMUCCI, S. Reforma de cotas do FMI é “necessidade absoluta” diz Lagarde. Valor Econômico, Washington, 9 out. 2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/financas/3728994/reforma-de-cotas-do-fmi-e-necessidade-absoluta-diz-lagarde>.

88

porém, o próprio autor reconhece a relevância política do ato, devido à sua importância

regional. A escolha de um país africano é simbólica para ampliar a representatividade do

bloco, considerando-o como uma liderança regional capaz de unificar as demandas de seus

vizinhos. O debate sobre o pertencimento da África do Sul viria a ser ampliado quando uma

revisão nos cálculos para medição do PIB da Nigéria fez com que ele quase dobrasse em

2013, passando a possuir, não só 20% da população do continente, mas também a maior

economia.79

Somado ao peso político que o continente possui internacionalmente, a disputa por sua

matéria-prima, que desencadeou uma “nova partilha da África”, seria mais fácil com um

aliado interno. A África do Sul não só é um dos principais destinos de investimento no

continente, como também investe em diversos países vizinhos, além de possuir laços

comerciais e políticos prévios com os países do grupo, argumentos que, por si só justificam a

escolha e a inclusão do país nos BRICS. O ingresso da África do Sul, a revelia das

recomendações de O’Neil somada à imobilidade do grupo no que diz respeito à sua

institucionalização, à desaceleração das economias do arranjo, em especial a brasileira, que

começaram a sofrer impacto direto das políticas expansionistas dos países desenvolvidos com

o objetivo de desvalorizar suas moedas para baratear seus produtos exportados, causando o

que o governo chamaria de “tsunami monetário”80, e à paralisia política indiana começavam a

suscitar dúvidas sobre se a heterogeneidade entre seus membros impediria que o grupo

exercesse a relevância esperada.

Porém, as novidades apresentadas na Cúpula de 2011 não se limitaram ao ingresso da

África do Sul, uma vez que os quatro países defenderam, pela primeira vez em conjunto, a

reforma do CSNU e a ampliação da participação de Brasil, Índia e África do Sul81. A

declaração custou uma grande habilidade de negociação com a China, resistente ao ingresso

da Índia no CSNU, por ser uma concorrente na liderança regional, assim como por ser

contrária ao ingresso do Japão, que compõe juntamente com Brasil, Índia e Alemanha um

grupo que pleiteia uma inclusão entre as cadeiras permanentes. Por outro lado, ampliar o

número de cadeiras permanentes no órgão significa para China e Rússia que haverá uma

                                                                                                                         79 Ver NIGÉRIA ultrapassa África do Sul como maior economia africana. Folha de São Paulo, São Paulo, 6 jun. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/04/1436757-nigeria-ultrapassa-africa-do-sul-como-maior-economia-africana.shtml>. 80 Ver SODRÉ, I. Dilma retoma críticas a países ricos, mas evita citar 'tsunami monetário’. BBC Brasil, Nova Déli, 28 mar. 2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120328_dilma_india_is_rc>. 81 Ver SCOFIELD JR. G. BRICS pedem mudanças no Conselho de Segurança da ONU. O Globo, Sanya, 14 abr. 2011. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/mundo/brics-pedem-mudancas-no-conselho-de-seguranca-da-onu-2796113>.

89

diluição do seu poder dos atuais permanentes. Isso pode significar que o poder relativo dos

dois países pode vir a diminuir, caso os países ingressantes venham a contrapor suas posições,

ou aumentar, caso consigam articular uma coalisão forte quando os interesses coincidirem.

Uma institucionalização mais aprofundada do grupo só ocorreria na VI Cúpula, em 15

de julho de 2014, em Fortaleza, com a constituição do Arranjo Contingente de Reservas

(CRA) e do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). A proposta de criação de um Banco de

Desenvolvimento dos BRICS já havia surgido na IV Cúpula, em 29 de março de 2012, em

Nova Déli, na época, com uma previsão de implantação de três anos82. A percepção de que o

pleito de revisão do sistema financeiro internacional não seria contemplado, devido à recusa

do Congresso estadunidense em aprovar a reforma de cotas e governança do FMI, fez com

que os países decidissem acelerar o processo e criar suas próprias instituições financeiras, em

contraposição às instituições que ainda refletem a lógica de Bretton Woods. A primeira

diferença da estrutura criada pelos BRICS da já representada no FMI e no Banco Mundial

estaria relacionada à falta de uma condicionalidade atrelada à concessão de crédito, assim

como o interesse expresso pelos países membros de reduzir a dependência do dólar.83

Com um capital inicial de US$100 bilhões, o CRA será um suporte para as economias

dos países membros e de outros emergentes que enfrentam períodos de crises. A Declaração

de Fortaleza, em seu artigo 20, acrescenta que ele “terá efeito positivo em termos de

precaução, ajudará países a contrapor-se a pressões por liquidez de curto prazo, promoverá

maior cooperação entre os BRICS, fortalecerá a rede de segurança financeira mundial e

complementará arranjos internacionais existentes”84. A defesa de uma estabilidade financeira

mundial está diretamente relacionada à estratégia utilizada pelos países desenvolvidos em um

primeiro momento de aumentar a liquidez de suas moedas no mercado internacional,

depreciando o seu câmbio e tornando seus produtos mais competitivos do que os produzidos

em países emergentes, prática que ameaça a saúde econômica de países do “Sul Global”.

De acordo com o 11º ponto da Declaração de Fortaleza, o propósito do NDB é de

“mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos BRICS

                                                                                                                         82 Ver SODRÉ, I. Brics discutem criação de Banco de Desenvolvimento em cúpula da Índia. BBC Brasil, Nova Déli, 27 mar. 2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120327_india_dilma_is.shtml>. 83 Uma ação tomada em direção à redução da necessidade do dólar ocorreu na IV Cúpula dos BRICS, de Nova Déli, quando os países aboliram a necessidade da moeda estadunidense para financiamento de comércio e investimento em suas relações. Ver SODRÉ, I. Brics assinam acordo de investimento e comércio em moedas locais. BBC Brasil, Nova Déli, 29 mar. 2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/120329_cupula_acordo_is_ac>. 84 Ver BRICS. Declaração e Plano de Ação de Fortaleza (2014). Fortaleza: VI Cúpula do BRICS, 15 jul. 2014. Disponível em: <http://brics6.itamaraty.gov.br/pt_br/categoria-portugues/20-documentos/224-vi-cupula-declaracao-e-plano-de-acao-de-fortaleza>.

90

e em outras economias emergentes e em desenvolvimento”85. A partir dessa afirmação os

países membros reafirmam seu compromisso com a cooperação Sul-Sul e ampliam para todos

os países do “Sul Global” a possibilidade de adquirir crédito do NDB para impulsionar suas

economias. O artigo acrescenta: “Com fundamento em princípios bancários sólidos, o Banco fortalecerá a cooperação entre nossos países e complementará os esforços de instituições financeiras multilaterais e regionais para o desenvolvimento global, contribuindo, assim, para nossos compromissos coletivos na consecução da meta de crescimento forte, sustentável e equilibrado.”86

A partir dessa afirmação, o grupo associa o NDB às instituições do atual sistema

financeiro internacional, nominalmente FMI e Banco Mundial, os quais são alvos de críticas

constantes dos BRICS em razão de sua lentidão no processo de reforma de suas cotas.

Juntamente ao CRA, o NDB apresenta-se como uma alternativa aos países emergentes que

buscam crédito mas que não estão dispostos a submeter-se aos requisitos exigidos pelas

instituições tradicionais. Na América do Sul, a Argentina seria uma forte candidata a pedir um

empréstimo com o objetivo de equilibrar sua economia e saldar sua dívida, que já gerou uma

prolongada disputa com os “fundos abutres” pela renegociação do pagamento dos títulos,

tema que será aprofundado posteriormente.

Contudo, ao observar os movimentos orquestrados ao longo de 2014 pela maior das

economias dos BRICS e responsável por 40% do aporte de US$ 100 bilhões do capital inicial

subscrito do NDB, surge o questionamento quanto à relevância que o órgão alcançará e, até

mesmo, ceticismo quanto à sua concretização. As dúvidas quanto ao Banco dos BRICS

surgem antes mesmo de sua criação, após a China apresentar, em junho de 2014, a sua

iniciativa de criação do AIIB, tratado no terceiro capítulo. Apesar de focado exclusivamente

na Ásia, o AIIB e o NDB possuem os mesmos objetivos, de aprofundar a cooperação Sul-Sul,

financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento, o que a primeiro momento pode soar

como dois projetos concorrentes. Surge então o questionamento sobre qual a razão da China

investir em um novo banco de investimento em desenvolvimento se já havia uma iniciativa

apresentada previamente e que suscita questionamentos sobre a concorrência entre os dois

projetos?

A apresentação de uma instituição cujo objetivo é o de contrapor-se ao sistema

financeiro estabelecido pela hegemonia estadunidense simboliza o desacordo chinês com as

                                                                                                                         85 Idem. 86 Ibidem.

91

regras impostas pelas instituições hegemônicas e que, após tentar alterá-las, desistiu de

esperar um reconhecimento legítimo de sua nova posição na economia internacional e optou

por lançar a sua própria instituição. Porém, por ser uma iniciativa exclusiva da China, o AIIB

assumia o risco de sofrer uma retaliação da comunidade internacional caso essa não se

apresentasse disposta a contrariar os interesses da potência hegemônica ao ingressar na nova

instituição. Lançar o NDB, que já vinha sendo esboçado pelos BRICS desde 2012, se

apresentaria como uma iniciativa mais abrangente e que, por ser parte de uma instituição de

coordenação e cooperação, teria a sua responsabilidade diluída entre os outros membros,

ainda que tivesse sua sede fixada em Shanghai.

Entretanto, a diluição da responsabilidade sobre o NDB não significa apenas maior

respaldo no sistema internacional, por estar fundado com base nas quatro maiores economias

emergentes do mundo, também significa divisão do poder político emanado pelo Banco dos

BRICS. Apesar de ser o maior ator dentro dos BRICS e ser percebido como tal, isso não

significa para a China que será ela a emanar a maior influência política a partir do banco.

Somado a isso, a eleição do nacionalista Manmohan Singh, em maio de 2014, na Índia, pode

vir a significar uma alteração na forma como o vizinho asiático relaciona-se com a maior

economia da região. Caso bem sucedido, um banco de fomento ao desenvolvimento de

iniciativa exclusiva chinesa apresenta-se como muito mais atraente para Beijing do que outro

no qual faz-se necessário negociar o direcionamento político e econômico da instituição com

Brasília, Moscou, Nova Déli e Pretória.

Por outro lado, isso não significa que uma possível redução do interesse da China pelo

NDB possa levar ao seu fracasso. Apesar do AIIB possuir uma maior possibilidade de

ingerência por parte do governo chinês, a maior abrangência do Banco dos BRICS faz com

que suas possibilidades de atuação sejam maiores, assim como sua visibilidade. Além disso, o

interesse dos outros BRICS na promoção da cooperação Sul-Sul, como é possível observar a

partir de iniciativas unilaterais de cada um deles, demonstra que a criação do NDB não é uma

iniciativa de interesse exclusivo chinês. No caso brasileiro, por exemplo, cabe ressaltar sua

influência não só na América do Sul, mas também na África, institucionalizada por meio da

Agência Brasileira de Cooperação (ABC), parte do Ministério das Relações Exteriores, e do

BNDES (CABRAL; WEINSTOCK, 2010).

Inspirada pela iniciativa da África do Sul que realizou uma reunião dos líderes

africanos com os BRICS na V Cúpula, Dilma convocou uma reunião da UNASUL junto ao

grupo, marcada para o dia 16 de julho de 2014. Associando os objetivos buscados pelos dois

agrupamentos para “um desenvolvimento justo e equilibrado e uma projeção global autônoma

92

e soberana”87, a presidente soube utilizar do interesse dos BRICS na cooperação Sul-Sul para

reafirmar o seu papel de liderança entre os vizinhos e, ao mesmo tempo, apresentar-se como

ponte para o acesso de China, Índia e Rússia à América do Sul. Contudo, apesar da atitude de

liderança apresentada pelo governo brasileiro durante a VI Cúpula dos BRICS, o governo

Dilma vem tendo uma papel aquém do esperado no que diz respeito à sua política externa, em

especial às relações regionais, tema que será aprofundado a seguir.

4.2. “PODERES CÓSMICOS E FENOMENAIS DENTRO DE UMA LAMPADAZINHA”

Conforme apresentado no segundo capítulo, a estratégia utilizada pelo Brasil a partir

do primeiro governo Lula da Silva e que serviu como norteadora de sua política externa foi o

“novo protagonismo mundial”, com o que o ex-chanceler Celso Amorim chamou de política

externa ativa e altiva. Este capítulo, porém, será focado nos quatro anos posteriores à saída de

Lula do governo, uma vez que, com a chegada de Dilma Rousseff à presidência, mudaram-se

as prioridades e o estilo de governar, ainda que se mantivesse o PT no poder. Desde que

assumiu o governo, Dilma imprimiu na política nacional o seu modo próprio de governar e

suas preferências pessoais. Isso fez com que áreas destinadas a programas sociais ganhassem

um maior destaque, enquanto a política externa foi relegada a segundo plano. A análise partirá

da política regional, a qual, no modelo anterior de xadrez tridimencional projetado por Lula,

servia como base para toda a política externa.

Os primeiros sinais de que a comunicação do governo Dilma com o Itamaraty não

estava bem ocorreram em junho de 2012, em razão do episódio em que o Senado paraguaio

decidiu em menos de 24 horas pelo impedimento do então presidente do país, Fernando Lugo

(2008-2012) em um julgamento rápido e repleto de questionamentos sobre sua

constitucionalidade. A situação começou a tomar forma no dia 15 de junho, após um conflito

na desocupação de uma fazenda na cidade de Curuguaty que terminou com a morte de 11

sem-terras e seis policiais. O governo, que vinha observando a redução de sua base de apoio

no legislativo, teve seu destino decidido quando o vice-presidente, Frederico Franco Gómez, e

o seu partido, o Partido Liberal Radical Autêntico, retiraram o apoio a Lugo. O processo de

                                                                                                                         87 Ver MATOSO, F. Dilma defende relação 'permanente' entre Brics e países sul-americanos. Globo, Brasília, 16 jul. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/07/dilma-defende-relacao-permanente-entre-brics-e-paises-sul-americanos.html>.

93

deposição, que chegaria ao seu ápice no dia 22 de junho, surpreendeu a presidente brasileira,

quando em uma reunião da Rio+20 ela foi alertada sobre a situação paraguaia pela mandatária

argentina, Cristina Kirchner.

O fato que gerou profundas críticas por parte da mídia nacional, como foi o caso do

editorial de O Globo de 29 de junho de 2012, que chamou de “sério equívoco diplomático” o

fato de “o Brasil aceit[ar] ser terceirizado no contra-ataque ao [Senado do] Paraguai”88. Um

pouco menos agressivo, mas igualmente crítico ao desconhecimento por parte da presidente, o

editorial do Estadão de 2 de agosto de 2012 que culpou o “estilo centralizador de Dilma” e

suas “famosas reações intempestivas” a assuntos que ela não julgue relevantes pelo fato do

Itamaraty e da Agência Brasileira de Informação (Abin) não terem levado os relatórios

produzidos ao conhecimento da presidente89. A deposição culminaria na suspensão do

Paraguai do Mercosul, definida na 43ª Cúpula do bloco, em 29 de junho, com base na

cláusula democrática, o qual duraria até que ocorressem novas eleições democráticas no país,

uma sanção exclusivamente política, sem impactos econômicos que pudessem afetar a

sociedade paraguaia.

O episódio desencadearia na incorporação da Venezuela ao Mercosul, ainda na 43ª

Cúpula. A inclusão à revelia da aprovação do Congresso paraguaio foi possível por esta já ter

sido aprovada anteriormente nos legislativos dos outros membros, restando apenas o Paraguai

para consolidar a ampliação do bloco. Não só o contexto do ingresso, assim como a própria

entrada da Venezuela foram extremamente criticadas pela imprensa nacional e internacional

que questionou a legitimidade do ato, aludindo que ela teria natureza exclusivamente

ideológica e desconsiderando os ganhos econômicos que os 30 milhões de consumidores e as

reservas de petróleo venezuelanas trariam para o bloco. Apesar de autorizado o retorno do

Paraguai ao Mercosul após a eleição de Horacio Cartes, em agosto de 2012, o presidente

preferiu aguardar que o Congresso do país apreciasse o ingresso antes, evitando o

alongamento da crise diplomática, o que ocorreu em 18 de dezembro de 2013.90

Todo o processo envolvendo o Paraguai já seria o primeiro sinal de que a atenção do

governo brasileiro para a política externa estava reduzida. Porém o episódio não foi o único

que evidenciou a redução da atenção dispendida pelo governo brasileiro à política regional.                                                                                                                          88 Ver NOBLAT, R. O Mercosul sob influência chavista. O Globo, Rio de Janeiro, 29 jun. 2012. Disponível em: <http://noblat.oglobo.globo.com/editoriais/noticia/2012/06/o-mercosul-sob-influencia-chavista-editorial-452875.html>. 89 Ver DILMA no escuro. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2 ago. 2012. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-no-escuro-imp-,909688>. 90 Ver CONGRESSO paraguaio aprova entrada plena da Venezuela no Mercosul. Globo, 18 dez. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/12/congresso-paraguaio-aprova-entrada-plena-da-venezuela-no-mercosul.html>.

94

Abreu e Florêncio (2015) destacaram que a estratégia brasileira a partir do Mercosul é de

“promover o regionalismo aberto no plano comercial e de investimento, bem como ampliar a

influência político-estratégica regional e internacional do país”, contudo, esses dois objetivos

ficaram longe de serem alcançados no primeiro mandato de Dilma. Antes mesmo do

impeachment de Lugo, o mês de junho de 2012 trouxe uma amarga derrota à política externa

brasileira e ao Mercosul como um todo, com a formalização da Aliança do Pacífico entre

Chile, Colômbia, México e Peru.

Firmada em 6 de junho de 2012, a Aliança do Pacífico representou um profundo

fracasso do projeto brasileiro de integração sul-americana, contrapondo um projeto

liberalizante, exclusivamente comercial, ao do Mercosul, institucionalizante, com integração

produtiva, interação política, consciência social e participação da sociedade civil. O próprio

governo chileno declarou-se insatisfeito com o afastamento do governo brasileiro da política

sul-americana, após recusa da presidente a um convite para uma visita bilateral91. Contudo, a

associação do Peru à Aliança do Pacífico é o principal fator que evidencia o enfraquecimento

do poder brasileiro na região, após o país ter passado por uma eleição presidencial, em 2011,

em que o candidato vitorioso, Ollanta Humala (2011-atual) , tentou vincular sua imagem à do

ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.92

Somado a isso, a decisão peruana de comprar aeronaves militares KT-1P da Coreia do

Sul, em detrimento da Embraer, com quem vinha negociando a compra de aviões Super

Tucano desde 200993 e tendo, inclusive assinado, em fevereiro de 2012, dois memorandos de

cooperação em programas de desenvolvimento industrial nas áreas aeronáutica e naval94,

surpreendeu o governo brasileiro, abalando a relação entre os dois países. A decisão veio após

Peru e Coreia do Sul firmarem um acordo de livre comércio em agosto de 201195 e inclui a

transferência de tecnologia necessária para que o país comece a produzir aviões de instrução

                                                                                                                         91 Ver CARMO, M. Sul-americanos se queixam de estilo 'distante' de Dilma. BBC Brasil, Buenos Aires, 6 dez. 2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/12/121206_dilma_estilo_bg.shtml>. 92 Ver GUALDONI, F. Ollanta Humala, la transformación del Lula peruano. El País, Lima, 4 jun. 2011. Disponível em: <http://internacional.elpais.com/internacional/2011/06/04/actualidad/1307138408_850215.html>.  93 Ver SILVEIRA, V. Peru negocia tanques da China e aviões da Embraer. Valor Econômico, São Paulo, 10 dez. 2009. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2009/12/10/peru-negocia-tanques-da-china-e-avioes-da-embraer.jhtm>. 94 Ver LAGUNA, E. Força aérea do Peru pode comprar dez aviões da Embraer, diz Amorim. Valor Econômico, São Paulo, 14 fev. 2012. Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/2530956/forca-aerea-do-peru-pode-comprar-dez-avioes-da-embraer-diz-amorim>. 95 Ver WESTPHALEN, A. L. Coreia do Sul e Peru anunciam acordo bilateral de livre comércio. Valor Econômico, São Paulo, 31 ago. 2011. Disponível em: <http://www.valor.com.br/arquivo/676523/coreia-do-sul-e-peru-anunciam-acordo-bilateral-de-livre-comercio>.

95

básica96. A decisão peruana de trocar a proposta brasileira pela sul-coreana pode ter sido a

razão por trás da ausência da presidente Dilma Rousseff na reunião da Unasul, de 30 de

novembro de 201297.

A ausência de Dilma em uma reunião da Unasul, um processo de integração proposto

pelo próprio governo brasileiro e que inclui todos os países do continente, evidencia a redução

da relevância da política de integração regional dentro das políticas governamentais.

Entretanto, seja pela percepção da importância da integração regional, pela resistência

internacional que o ingresso da Venezuela trouxe ao Mercosul, ou pela redução da influência

brasileira em controvérsias sul-americanas, o Brasil começou a apresentar sinais de interesse

pelo arranjo que, inicialmente, era visto como concorrente ao seu projeto para a América do

Sul. Uma evidência disso foi a iniciativa brasileira, em agosto de 2014, de propor aos países

da associação que se antecipasse a implementação da tarifa de imposto zero para o comércio

do bloco com Chile, Colômbia e Peru, prevista inicialmente para 2019.98

O próprio retorno de Michelle Bachelet à presidência chilena, em 11 de março de

2014, após os quatro anos de governo de orientação político-econômica mais liberal de

Sebastián Piñera (2010-2014), simbolizou o regresso do governo a uma orientação mais

progressista. A reaproximação do Chile com o Brasil ultrapassa o argumento simplista da

afinidade ideológica entre as duas presidentes, retomando uma aproximação histórica com um

país que possui o maior mercado consumidor, a maior economia e o maior destino de IED de

toda a América Latina, e o quarto maior do mundo99. O principal sinal da intenção de

reaproximação por parte do governo chileno foi dado em 24 de novembro de 2014, quando

Bachelet promoveu uma reunião inédita entre Ministros das Relações Exteriores e do

Comércio do Mercosul e da Aliança do Pacífico em Santiago100. As iniciativas conjuntas de

Brasil e Chile podem vir a simbolizar uma esperança de reunificação das estratégias de

                                                                                                                         96 Ver PERÚ iniciará industria aeronáutica con apoyo de Corea del Sur. El Comercio, Lima, 11 nov. 2012. Disponível em: <http://elcomercio.pe/politica/gobierno/peru-iniciara-industria-aeronautica-apoyo-corea-sur-noticia-1495079>. 97 Ver CARMO, M. Op. cit. 98 Ver MATOSO, F. Brasil quer que Mercosul antecipe tarifa zero para Chile, Peru e Colômbia. Globo, Brasília, 24 ago. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/07/brasil-quer-que-mercosul-antecipe-tarifa-zero-para-chile-peru-e-colombia.html>. 99 Diferentemente da matéria apresentada pelo jornal O Estado de São Paulo, o Brasil pode ser considerado o quarto destino de IEDs no mundo devido ao fato de Hong Kong, listada como um país pelo jornal, ser uma região administrativa especial, devolvida à China em 1997. Sobre os maiores destinos de investimento de 2014, ver CHADE, J. Pela 1ª vez, China supera EUA como maior destino de investimentos. O Estado de São Paulo, Genebra, 29 jan. 2015. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pela-1-vez-china-supera-eua-como-maior-destino-de-investimentos,1626546>. 100 Ver MERCOSUL e Aliança do Pacífico buscam pontos de convergência. Globo, 24 nov. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/11/mercosul-e-alianca-do-pacifico-buscam-pontos-de-convergencia.html>.

96

integração da região, basta que, para isso, a política regional volte a desempenhar um papel de

destaque nas políticas do governo Dilma.

Entretanto, a perspectiva de aproximação entre duas iniciativas de integração regional,

Mercosul e Aliança do Pacífico, suscita um importante questionamento sobre qual seria o

papel desempenhado pelo México nesse cenário. Incluir o país norte-americano nas

negociações significaria para o Brasil aceitar um livre-comércio indireto com os Estados

Unidos, uma vez que o México faz parte do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio

(NAFTA)101. A crítica não está direcionada a um possível acordo de comércio que envolva

Brasília e Washington, o próprio governo brasileiro já apresentou interesse na aproximação,

com assinatura de acordos de cooperação, dos quais podem ser citadas as áreas aeroespacial,

biocombustíveis e educação102. Contudo, um acordo indireto, via México, abriria o mercado

brasileiro a produtos estadunidenses de forma unilateral, sem uma negociação prévia capaz de

contemplar a entrada de produtos do primeiro no segundo, principalmente em setores em que

o governo Obama limita o ingresso por meio de políticas protecionistas.

O último e principal desafio para a política regional brasileira está relacionada à

Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil e segunda maior economia da América

do Sul, que passaria nesses quatro primeiros anos de governo Dilma por uma das piores crises

econômicas de sua história. Para uma compreensão da atual crise do país platino faz-se

necessário regressar às políticas econômicas praticadas pelo governo Carlos Menem (1989-

1999) e, subsequentemente, Fernando de la Rúa (1999-2001). O final da década de 1990

trouxe consigo uma série de choques econômicos à países em desenvolvimento que adotaram

para si as políticas econômicas neoliberais recomendadas pelo Consenso de Washington.

Iniciada com a crise mexicana, de 1994, o “efeito tequila” espalhou-se atingindo os tigres

asiáticos em 1997, a Rússia, em 1998, e, até mesmo, a maxi-desvalorização do Real, a qual

teria forte influência na economia argentina. Com o objetivo de promover “relações

carnais”103 com os Estados Unidos, e orientado pelos preceitos neoliberais, o governo Menem

promoveu a desregulamentação da economia, a privatização de empresas nacionais e a

liberalização comercial e financeira.

O alinhamento incondicional e ideológico a Washington levou o Ministro da

Economia, Domingo Cavallo a anunciar um plano de conversibilidade, em 1991, garantindo a                                                                                                                          101 O NAFTA é um acordo de livre-comércio em vigor desde 1º de janeiro de 1994, do qual fazem parte os Estados Unidos, o México e o Canadá. 102 Ver DUARTE, P.; WEBER, D. Brasil e EUA assinam 10 acordos bilaterais. O Globo, Brasília, 19 mar. 2011. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/politica/brasil-eua-assinam-10-acordos-bilaterais-2809034>. 103 Essa foi a forma como o chanceler argentino do governo Menem, Guido di Tella, caracterizou as relações que desejava ter com os Estados Unidos.

97

paridade do peso argentino com o dólar por lei, inclusive autorizando a circulação do dólar

como moeda corrente, com o objetivo de controlar a inflação. Até então, a economia

argentina contava com o dinheiro das privatizações e com o crédito disponível externamente,

porém, a crise mexicana logo mudaria o ânimo dos credores internacionais com os países

emergentes, levando o país a uma severa recessão, que logo levou à renúncia de Cavallo. As

subsequentes crises em países em desenvolvimento agravariam ainda mais a resistência ao

risco por parte dos credores. No Brasil, o cenário semelhante de esgotamento dos recursos

provenientes das privatizações, combinada às elevadas taxas de juros e a redução do crédito

internacional levaram o governo Fernando Henrique Cardoso a abandonar a estratégia do

câmbio valorizado após a reeleição de 1998.

O abandono da estratégia inaugurada com o plano Real do câmbio semi-fixo, em

janeiro de 1999 fez com que o real sofresse forte desvalorização frente ao dólar, impactando

diretamente no comércio com a Argentina, que mantinha sua moeda atrelada à moeda

estadunidense. A eleição de Fernando de la Rúa, em 1999, em meio a uma crise política e

econômica promove o retorno de Domingo Cavallo para o Ministério da Economia, em 2001,

desta vez com “faculdades especiais ampliadas” pelo Congresso sob o argumento de salvar a

estabilidade. Mantendo a paridade do peso com o dólar, logo, o ministro iniciou uma guerra

contra a desvalorização do real, que ameaçava a indústria argentina, incapaz de concorrer com

os preços reduzidos dos produtos brasileiros. Cavallo chegou a alegar que o desempenho da

moeda brasileira tinha como objetivo afetar o peso e que Buenos Aires devia desvincular sua

imagem da de um país instável como o Brasil (CANDEAS, 2005).

Pressionado pelas crises econômica, política e social pelas quais o país passava, de la

Rúa renuncia, dando início a um período de doze dias em que cinco presidentes passaram pela

Casa Rosada, até que Rodríguez Saá (2001-2001), concluindo que o país seria incapaz de

pagar os títulos de suas dívidas, declarou o calote às dívidas contraídas com credores

privados. Somente em janeiro de 2002 Eduardo Duhalde (2002-2003) é eleito pela

Assembleia Nacional e põe fim à política de paridade do peso ao dólar, fazendo com que o

peso se desvalorizasse em 70% e aumentasse a fuga de capitais. A economia logo voltaria a

prosperar e, em consequência do apoio de Duhalde, Nestor Kirchner (2003-2007) seria eleito

presidente na Argentina e iniciaria a renegociação da dívida em setembro de 2003. Recusada

a primeira proposta, o governo apresenta outra em 2004, em que os títulos em moratória

seriam trocados por novos, com o desconto de 75% e juros mais altos. A renegociação seria

98

aprovada por 76,07% dos credores, reduzindo a dívida de US$ 191 bilhões (113% do PIB

argentino) para US$ 125 bilhões (72% do PIB).104

Já no mandato de Cristina Kirchner (2007-atual), a Argentina lograria aprovar a

segunda etapa da renegociação, ampliando para 93% o número de credores que haviam

concordado com os novos termos. Contudo, permaneciam 7% dos credores que não haviam

aceitado as propostas de renegociação do governo argentino, parte deles optou por vender

seus títulos por uma fração do valor devido para fundos especializados em investimentos de

risco (hedge). Em posse dos títulos, esses fundos deram ingresso na justiça dos Estados

Unidos requerendo o pagamento integral dos títulos, tendo recebido a primeira decisão

favorável em 2012. Com o aumento da fuga de capitais do país, parte da população

recomeçou105, em 2011, a trocar pesos por dólares com o objetivo de acumular poupança. Isso

fez com que o governo, em 24 de maio de 2012, começasse a controlar a compra de dólares

para viagens ao exterior por meio da necessidade de preenchimento de uma declaração no

sítio eletrônico da Administração Federal de Receitas Públicas (AFIP) para que se autorizasse

a compra.106

O controle do governo aos gastos com dólar não parou no câmbio para viajantes, em

dezembro de 2013, a Argentina aumentou o imposto sobre compras feitas em dólar no cartão

de crédito, subindo de 20% para 35%107. Logo depois, em janeiro de 2014, após uma queda de

30% das reservas internacionais do país em 2013, foram as compras online que passaram por

uma reforma nas regras, de modo a limitar cada cidadão à compras de até US$25,00 por ano,

devendo ser paga uma taxa de 50% sobre todo o valor que ultrapassasse esse montante, além

dos produtos deixarem de ser entregues em domicílio, devendo o comprador retirá-los na

alfândega argentina108. Apesar das iniciativas do governo, a estratégia não foi suficiente para

reter reservas em dólar no país, nem para conter a desvalorização do peso. Somado a isso, o

impacto das restrições à compras em dólar não afetou somente a população, atingindo as                                                                                                                          104 Para maiores informações, ver CUCOLO, E. Argentina tem adesão de 76,07% dos credores na renegociação da dívida. Folha de São Paulo, São Paulo, 3 mar. 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u93996.shtml>. 105 A prática de acumular dólares para poupança era muito comum até 2002, quando havia paridade entre peso e dólar. 106 Para maiores informações sobre a restrição à compra de dólares na Argentina ver ARGENTINA amplia controle do dólar para viagens ao exterior. Globo, 24 mai 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/05/argentina-amplia-controle-do-dolar-para-viagens-ao-exterior.html>. 107 Para maiores dados, ver ARGENTINA reforça controles cambiais para conter queda de reservas. Globo, 03 dez 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/12/argentina-reforca-controles-cambiais-para-conter-queda-de-reservas.html>. 108 Para maiores informações, ver COM reservas em queda, Argentina restringe compras online. Globo, 22 jan 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/01/com-reservas-em-queda-argentina-restringe-compras-online.html>.

99

empresas locais. Esse conjunto de fatores fez com que, em 24 de janeiro de 2014, fosse

liberada a compra de dólares para viagem e poupança, além de reduzir o imposto que inside

sobre essas transações e sobre as compras em dólar no cartão de crédito ao patamar anterior,

de 35% para 20%.109

Se a redução das reservas internacionais, necessárias para o país honrar suas dívidas,

não fosse suficientemente grave para a situação econômica do país, o controle do comércio de

dólar fez com que surgisse um mercado paralelo que variava com uma cotação muito acima

da oficial praticada, impactando diretamente nos preços dos produtos. Como consequência, a

inflação medida pelo Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec), órgão oficial do

governo, para 2012 foi de 10,8%, valor que foi criticado por consultorias independentes

argentinas, para quem a inflação anual foi superior a 25,6%. Com o objetivo de conter a

inflação, a Secretaria de Comércio Interior e a Associação de Supermercados Unidos (ASU)

entraram em um acordo, em fevereiro de 2013, para estabelecer uma cesta de 500 produtos

que teriam seus preços congelados110. Somado a isso, a pressão da oposição combinada com a

necessidade da presidente de se ausentar para drenar um hematoma cerebral a 20 dias das

eleições legislativas de 27 de outubro de 2013 levaram o governo a sofrer uma grande derrota,

perdendo nos principais distritos, inviabilizando uma reforma que permitisse uma nova

reeleição em 2015.111

Diante do quadro instaurado, a Argentina encontrou-se diante de um impasse que o

governo era incapaz de resolver sozinho, a crise econômica e política esta fora do controle e a

credibilidade internacional do país encontra-se tão debilitada quanto em 2002. Contudo,

diferentemente de 2002, quando empresas brasileiras foram capazes de investir na economia

argentina em crise, auxiliando em sua reestruturação (CANDEAS, 2005), desta vez, o

subdesempenho econômico do Brasil frusta as expectativas de Buenos Aires por ajuda. Nas

vésperas para o pagamento das dívidas, a solicitação argentina por um posicionamento do

Mercosul em favor de uma reforma do sistema financeiro internacional112, em 28 de julho de

                                                                                                                         109 Ver GOVERNO argentino autoriza compra de dólares após queda do peso. Globo, São Paulo, 24 jan 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/01/governo-argentino-autoriza-compra-de-dolares-apos-queda-do-peso.html>. 110 Ver NA Argentina, 500 produtos terão preços congelados e tabelados. Globo, São Paulo, 28 mai 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/05/na-argentina-500-produtos-terao-precos-congelados-e-tabelados.html>. 111 Ver APÓS afastamento, Cristina Kirchner retoma trabalho na Argentina. Globo, 18 nov 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/11/apos-afastamento-cristina-kirchner-retoma-trabalho-na-argentina.html>. 112 Ver ARGENTINA pede que Mercosul busque reforma para impedir ações de fundos. Globo, 28 jul 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/07/argentina-pede-que-mercosul-busque-reforma-para-impedir-acoes-de-fundos.html>.

100

2014, fez com que o governo brasileiro, em um discurso na cúpula do Mercosul no dia

seguinte, defendesse a eleição de foros imparciais para o julgamento de casos de restruturação

de dívidas soberanas.113

Apesar do apoio retórico brasileiro tanto no Mercosul, como no encontro de líderes

dos BRICS e no G-20, a Argentina não encontrou no vizinho qualquer sinalização de que

pudesse destinar parte de suas reservas internacionais para socorrê-la. Ao contrário, o Brasil

manteve e ampliou suas reservas do tesouro americano, atingindo o patamar de US$256

bilhões, aproximadamente 69% da reserva total de US$ 372 bilhões do país no exterior, em

2014, 4,2% a mais do que o investido em 2013, se tornando o quarto maior credor individual

dos Estados Unidos, atrás somente da China, Japão e Bélgica114. A própria expectativa de que

a ajuda ao vizinho pudesse ocorrer gerou forte especulação na mídia regional, principalmente

após o encontro entre Dilma e Cristina na Cúpula da Comunidade de Estados Latino-

americanos e do Caribe (Celac) em razão da forte desvalorização do peso. Após declarações

do chanceler argentino, Héctor Timerman, em 2 de fevereiro de 2014, de que o pedido não

havia sido feito115, o Ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega reiterou, em 29 de

agosto de 2014, após encontro com seu par argentino, Axel Kicillof, que uma ajuda financeira

ao país não estava planejada.116

Somada à falta de uma ajuda financeira, o comércio argentino com o seu maior

parceiro também foi abalado. Segundo dados do Comtrade, disponível nas tabelas 5 e 6, ainda

que a participação argentina nas importações realizadas pelo Brasil desde 2001 viesse caindo,

os gastos brasileiros com produtos provenientes da Argentina quase triplicaram entre 2001 e

2011, saindo de US$6.206,5 milhões para US$16.906,1 milhões e se mantendo relativamente

estável a partir de então, até que, em 2014, sofreu uma redução para US$14.143,1 milhões.

No que diz respeito à Argentina como destino de exportações brasileira, desde 2008, o valor

tem se mantido relativamente estável entre os US$17.500 milhões e os US$20.000 milhões,

sofrendo uma drástica redução em 2014, quando as compras provenientes do vizinho

totalizaram US$14.282 milhões. Apesar da redução do comércio o Brasil manteve-se como o

                                                                                                                         113 Ver NÉRI, F. Em apoio à Argentina, Dilma critica 'ação de poucos especuladores’. Globo, Brasília, 29 jul 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/07/em-apoio-argentina-dilma-critica-acao-de-poucos-especuladores.html>. 114 Ver BRASIL se torna 4º maior credor dos Estados Unidos. Brasil 247, 21 fev 2015. Disponível em: <http://www.brasil247.com/pt/247/economia/170761/Brasil-se-torna-4º-maior-credor-dos-Estados-Unidos.htm>. 115 Ver ARGENTINA nega ter pedido ajuda ao Brasil. Exame, 2 fev 2012. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/argentina-destaca-excelente-relacao-com-o-brasil-e-nega-pedido-de-ajuda>. 116 Ver PINTO, L.; MOTA, C. V. Mantega: Não há possibilidade de Brasil ajudar Argentina com Dívida. Valor Econômico, São Paulo, 29 ago 2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/3673550/mantega-nao-ha-possibilidade-de-brasil-ajudar-argentina-com-divida>.

101

principal parceiro comercial da Argentina, contudo, ficava claro para Buenos Aires que a

aliança com o Brasil não seria suficiente para resgatar a economia do país, levando o governo

a buscar novas fontes de investimento, tema que será aprofundado mais adiante neste

capítulo.

Tabela 5 - Comércio do Brasil com a Argentina em milhões US$ (anos selecionados)

Ano Importações Participação

como destino de importações

Exportações Participação como destino

de exportações

Saldo da Balança Comercial bilateral

2001 6.206,5 11,16% 5.009,8 8,59% -1.196,7

2006 8.053,6 8,81% 11.739,6 8,51% 3.686

2008 13.257,9 7,65% 17.605,6 8,89% 4.347,7

2010 14.424,8 7,99% 18.437 9,34% 4.012,2

2011 16.906,1 7,47% 22.709,3 8,86% 5.803,2

2012 16.444,1 7,36% 17.997,7 7,41% 1.553,6

2013 16.462,9 6,87% 19.615,4 8,99% 3.152,5

2014 14.143,1 6,17% 14.282 6,33% 138,9

Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: <http://comtrade.un.org/data/>.

Tabela 6 - Comércio da Argentina com o Brasil em milhões US$ (anos selecionados)

Ano Importações Participação como destino

de importações Exportações

Participação como destino

de exportações

Saldo da Balança Comercial bilateral

2001 5.009,8 24,65% 6.206,5 23,32% 1.196,7

2006 11.739,6 34,37% 8.053,6 17,30% -3.686

2008 17.605,6 30,63% 13.257,9 18,93% -4.347,7

2010 18.437 32,46% 14.424,8 21,15% -4.012,2

2011 22.709,3 30,55% 16.906,1 20,11% -5.803,2

2012 17.997,7 26,27% 16.444,1 20,31% -1.553,6

2013 19.615,4 26,63% 16.462,9 21,48% -3.152,5

2014 14.282 * 14.143,1 * -138,9 * Os dados de 2014 do comércio exterior argentino não estavam disponíveis no momento de confecção da tabela. Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: <http://comtrade.un.org/data/>.

102

Em suma, o que se observou ao longo do primeiro mandato de Dilma Rousseff foi

uma retração do apresentado no primeiro capítulo sob o conceito de Estado logístico, de

Amado Cervo e Clodoaldo Bueno (2011), distanciando-se dos setores produtivos, dos

movimentos sociais e, até mesmo, de seus Ministros, em especial o de Relações Exteriores.

Ao não apresentar um planejamento estratégico de desenvolvimento interno, capaz de atrair a

sociedade civil, aumentar o IED no país e suprir os entraves infraestruturais, o governo passou

a observar a deterioração de sua confiança diante da população, que culminaria nas

manifestações críticas à sua gestão nos meses junho e julho de 2013. Na política regional,

como observado, Dilma se ateve a manter as iniciativas tomadas por governos precedentes e

reduziu drasticamente a prioridade dada pelo governo ao Itamaraty, o que gerou uma sensação

de inércia brasileira para assuntos relacionados à América do Sul.

4.3. UM INTRUSO NO NINHO

Como exposto no capítulo anterior, a China, em sua busca por legitimidade e

reconhecimento diante do sistema internacional, prefere utilizar seu poder brando, ou seja, o

carisma, a persuasão e o exemplo, para atrair outros países em desenvolvimento para a sua

área de influência. Sua principal estratégia para isso é a de pronunciar-se como um país em

desenvolvimento, devido ao fato de possuir um PIB per capita muito inferior ao dos países

considerados desenvolvidos, e, por isso, buscar relações igualitárias com outros do mesmo

patamar. Contudo, em outubro de 2014, antecipando as previsões, o FMI anunciou que a

China se tornaria em 2014 a maior economia do mundo por PPP, atingindo a meta de

US$17,632 trilhões (16,479% do total mundial), contra US$17,416 trilhões dos Estados

Unidos (16,277% do total mundial), ainda que mantenha a segunda colocação quando o

parâmetro de análise é o PIB.117

Ainda que seja contestável utilizar a medição por PPP para avaliar o peso de um país

na economia global, por reproduzir apenas a capacidade de consumo do PIB no país em que

foi aferido, a etapa de ultrapassar a economia estadunidense neste quesito demonstra uma

aparente superação da qualidade de vida da potência hegemônica pela China. Para somar-se a

este fato, a China é o maior produtor de manufaturas, o maior exportador e o segundo maior

                                                                                                                         117 Utilizando como base dados apresentados em: FMI. World Economic Outlook Database. Atualizado em out. 2014. Disponível em: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/02/weodata/index.aspx>.

103

importador do mundo, o principal credor do Tesouro dos Estados Unidos, com a maior

reserva internacional e a segunda maior força militar do mundo118. Diante desses dados surge

um questionamento sobre a correspondência da afirmação de ser um país em desenvolvimento

com a realidade observada. Contudo, quando a lente de observação se volta para as conquistas

sociais, apesar do recente avanço, a China permanece muito aquém de um ideal que possa ser

considerado desenvolvido.

A partir de uma análise do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), percebe-se que

o país asiático continua apresentando um cálculo que o classificou, em 2013, como 91º do

ranking entre 187 países, com índice de 0,721119, no qual 1 seria o valor máximo e 0 o

mínimo. Apesar do progresso chinês tanto na alfabetização, quanto na expectativa de vida e

no acesso à saúde, o país permanece com um IDH menor do que o de outros BRICS, como a

Rússia, que é o 57º país do ranking, com valor 0,778 e Brasil, colocado em 79º, com IDH

0,744. Dessa forma, apesar da melhora, é evidente que a qualidade de vida da população

chinesa não pode ser considerada como se estivesse em um mesmo patamar de países

considerados desenvolvidos, demonstrando que, no que diz respeito à análise social, a

despeito da econômica e comercial, a China deve ser considerada um país emergente,

membro do “Sul Global”.

Ainda no capítulo anterior, foram analisados os interesses da América Latina em

aproximar-se da China, assim como os interesses da segunda na primeira. Conforme

apresentado, a demanda exclusiva por produtos primário extrativistas combinada com a alta

competitividade da indústria manufatureira chinesa impactam diretamente nos países

industrializados conduzindo-os a uma “reprimarização” da economia. Entende-se por

“reprimarização” da economia a redução da participação da produção manufatureira de alto

valor agregado em uma economia. Esse processo está diretamente ligado ao que os governos

da América Latina e Caribe tentaram combater na década de 1950 sob recomendação de

especialistas da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL).

Sob o comando de Raul Prebisch, a CEPAL concluiu, a partir da observação da

estratégia usada por alguns estadistas da região na década de 1930, que, para que lograssem

superar o estágio do subdesenvolvimento, os países latino-americanos deveriam abandonar

seu modelo de exportação exclusivo de produtos primários por meio de políticas e

investimentos que possibilitassem uma industrialização por substituição de importação (ISI).

                                                                                                                         118 Ibidem. 119 Ver PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2014. Nova York: Nações Unidas, 2014. 246 p. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014pt.pdf>.

104

Somente por meio da ISI, esses países conseguiriam superar o processo de deterioração dos

termos de troca que promove uma transferência da sua renda para os países desenvolvidos.

Somado à industrialização, a expansão do mercado consumidor em razão do aumento dos

salários dos operários e do lucro da elite local compunha o segundo requisito básico para que

a região alcançasse o desenvolvimento econômico e social almejado.120

Hoje, muitos autores afirmam existir um “processo de reprimarização” da economia, o

qual seguiria um sentido oposto ao proposto pela CEPAL aos governos da região na década

de 1950 como meta para alcançar o desenvolvimento econômico e social. Seria um processo,

pelo fato de não poder ser medido de um ano para o outro, e sim de alongar-se por um

período, no qual deve-se observar diversas variáveis capazes de alterar a estrutura produtiva,

aumentando o peso do setor primário na produção, nas exportações e na contribuição para o

crescimento econômico de um país. Nesse sentido, Nem o peso nas exportações, nem o peso sobre a geração de valor agregado na economia em separado, nos vão indicar que uma atividade seja mais dinâmica. Além da possibilidade de encontrarmos uma economia na qual se incremente o peso do setor primário sobre o total da geração do valor agregado, este fenômeno pode se apresentar em simultâneo com uma maior contribuição do setor industrial ao crescimento econômico. Em outras palavras, o setor manufatureiro pode perder participação em uma economia e ser mais dinâmico simultaneamente (SLIPAK, 2013, p. 7 - tradução nossa).

Dessa forma, seria inexato afirmar que a simples ampliação da participação do setor

primário na pauta exportadora de um país seja suficiente para caracterizar um processo de

reprimarização, sem que sejam analisados o impacto deste setor na produção e no crescimento

econômico em detrimento do secundário e do terciário. Em especial no caso brasileiro, a

própria ampliação do setor primário gera uma série de inovações tecnológicas, impulsionando

a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços, apresentando uma atividade produtiva

integrada chamada de “complexo agroindustrial”. Entenda-se por complexo agroindustrial o conjunto de relações entre indústria e agricultura na fase em que esta mantém intensas conexões para trás, com a indústria para a agricultura, e para frente, com as agroindústrias e outras unidades de intermediação que exercem impactos na dinâmica agrária. O complexo agroindustrial é uma forma de unificação das relações entre os grandes departamentos econômicos com os ciclos e as esferas de produção, distribuição e consumo, relações estas associadas às atividades agrárias (MÜLLER, 1989, p. 130).

                                                                                                                         120 Para um maior aprofundamento nas teorias provenientes da CEPAL nas décadas de 1950 e 1960, ver Prebisch (1964, 1976), Poletto (2000) e Cavalcante (2001).

105

Portanto, não basta que haja uma ampliação da exportação de produtos primários,

como o ocorrido em diversos países da América do Sul121, em razão da ampliação de seu

comércio com a China, para que se caracterize um “processo de reprimarização”. Como

exposto no capítulo anterior, a demanda chinesa por commodities fez com que fosse evidente

o aumento da sua proporção no total de exportações de diversos países da região, como foi o

caso do minério de ferro do Brasil e do Peru, da soja, do Brasil e da Argentina, do petróleo

bruto do Brasil, da Venezuela, da Colômbia e da Argentina e do cobre, do Chile e do Peru.

Por outro lado as importações provenientes da China concentram-se em sua maioria entre

manufaturados com alta e média tecnologia, realidade que não difere das relações comerciais

que caracterizaram as trocas da região com parceiros do “Norte Global” e que geram a

deterioração dos termos de troca.

No plano político, como explicado anteriormente, China e a América do Sul possuem

pretensões de ampliar o poder do “Sul Global” em organismos de governança internacional. A

China busca por legitimidade na América do Sul e as “parcerias estratégicas”, uma declaração

muito mais política do que econômica e comercial firmada com Brasil, Venezuela, Argentina,

Peru e Chile, demonstram esse interesse. Contudo, a China ainda encontra resistência na

região, por parte do Paraguai, em um tema extremamente importante para sua unidade

nacional e constantemente trabalhado em sua política externa: o reconhecimento do governo

de Taiwan como autônomo e a manutenção de relações diplomáticas com o governo que se

autodenomina República da China (RC). O Paraguai é o único país do continente a manter

relações diplomáticas com a ilha, posicionamento que esboçou alterar em 2008, após a vitória

de Fernando Lugo para a presidência, não passou de especulação122.

Taiwan declara-se autônomo desde que os nacionalistas chineses perderam a guerra

civil para os comunistas, em 1949, levando o governo Chiang Kai-shek (1928-1931) a

refugiar-se na ilha, onde proclamou sua autonomia da RPC. Desde então, Taiwan passou a

representar os interesses da China em organismos internacionais, inclusive tendo ocupado a

                                                                                                                         121 Segundo dados da CEPAL, em 2011, as exportações da América Latina e Caribe para a China foram compostas em 69% de matérias primas, enquanto para o resto do mundo essa taxa foi de 42%, enquanto as manufaturas de baixa, média e alta tecnologia representavam 7% do comércio para a China, para o resto do mundo atingiam 38%. Do ponto de vista das importações, por outro lado, 91% do que a América Latina compra da China são manufaturas de baixa, média e alta tecnologia, enquanto as importações desses mesmos produtos pela região do resto mundo representam 68%. Dados mais aprofundados sobre a exportação e importação da região para a China podem ser consultados em: CEPAL. Promoción del comercio y la inversión con China: Desafíos y oportunidades en la experiencia de las cámaras empresariales latinoamericanas. Santiago: Nações Unidas, 2013. 56 p. Disponível em: <http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/3204/S2013959_es.pdf?sequence=1>. 122 Ver VITÓRIA de Lugo no Paraguai coloca à prova relações China-Taiwan. EFE, Taipei, 22 abr. 2008. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2008/04/22/ult1808u117650.jhtm>.

106

cadeira de membro permanente do CSNU até 23 de novembro de 1971, quando a RC foi

substituída pela RPC. Com o fim da Guerra Fria, o governo de Beijing vem tentando

reunificar-se com a ilha sob o princípio de “Uma China”, com “um país, dois sistemas” (yi ge

guo, liang ge zhi). Após anos de resistência por parte do governo de Taipei, os dois países

assinaram um acordo de cooperação econômica, em 2010, normalizando as relações, e em 11

de fevereiro de 2014 iniciaram o primeiro diálogo oficial entre seus governos desde 1949.123

Dessa forma, a proximidade do Paraguai com Taiwan, inclusive com reconhecimento

da legitimidade de seu governo, inviabiliza um acordo de preferencias tarifárias do Mercosul

com a RPC. O posicionamento chinês quanto às relações com Taiwan foram expressadas, em

2004, pelo embaixador Sun Zhenyu, quando afirmou que “aceitamos que países mantenham

relações informais, mas não uma relação formal”124. Contudo, o afastamento do Paraguai após

a deposição do presidente Lugo, em 2012, possibilitou ao bloco concluir acordos além do

ingresso da Venezuela, quando, no dia 25 de junho, o bloco logrou em firmar um “aliança

estratégica global” com a China, inclusive com declarações do primeiro-ministro chinês, Wen

Jiabao, favoráveis ao estabelecimento de uma zona de livre comércio entre os dois.125

A aproximação da China por países do Mercosul tem impactado política e

economicamente as principais economias da região. O comércio chinês com Brasil e

Argentina tem alterado suas exportações e importações e deslocado a importância dada por

cada um ao vizinho em sua política externa. Focado na resolução de problemas internos, o

Brasil relega a segundo plano a sua atuação regional em um momento em que a Argentina,

seu principal aliado, necessita de apoio para superar uma crise política, econômica e social.

Por outro lado, a política externa venezuelana de contraposição aos Estados Unidos vislumbra

na China uma aliada poderosa para pleitear uma alteração no sistema internacional com a

ampliação do poder dos países do “Sul Global”. A seguir serão avaliados esses dois aspectos

da inserção chinesa na América do Sul.

 

                                                                                                                         123 Ver CHINA e Taiwan iniciam histórico primeiro diálogo oficial desde 1949. Globo, 11 fev. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/02/china-e-taiwan-iniciam-historico-primeiro-dialogo-oficial-desde-1949.html>. 124 ACORDO Paraguai-Taiwan impede união Mercosul-China. Estado de São Paulo, 6 jul. 2004. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,acordo-paraguai-taiwan-impede-uniao-mercosul-china,20040706p21143>. 125 FELÍCIO, C. China e Mercosul anunciam ‘aliança estratégica global’. Valor Econômico, Buenos Aires, 25 jun. 2012. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/2727582/china-e-mercosul-anunciam-alianca-estrategica-global>.

107

4.3.1. Um rei dividido entre duas rainhas

Primeiramente, cabe avaliar o impacto do comércio com a China nas duas maiores

economias da América do Sul, medidas de acordo com seu PIB, e no comércio entre si para,

após, focar em questões político-econômicas mais relevantes. Segundo dados do FMI126,

Brasil e Argentina possuem os maiores PIBs da região e atingiram em 2014, respectivamente,

os valores de 2,244 trilhões e 536 bilhões de dólares. Somado a isso, as relações bilaterais são

consideradas historicamente estratégicas para os dois países, de modo que ambos ocupem um

para o outro o lugar de principal parceiro comercial da região. As relações brasileiras com a

Argentina estão na origem da integração regional, tendo em vista que a aproximação entre os

dois países, iniciada na década de 1980 entre José Sarney e Raúl Alfonsín, criou as bases que

possibilitariam a criação posterior do Mercosul a partir da assinatura do Tratado de Assunção,

em 1991.

O crescimento econômico e a ampliação do comércio chinês, que deixou de restringir-

se à Ásia para englobar todos os continentes fez com que houvesse uma reconfiguração do

comércio em ambos os países. No caso brasileiro, as importações provenientes da China

partiram de 1.328,4 milhões de dólares, o equivalente a 2,38% do total importado pelo Brasil

do mundo, em 2001, para atingirem 37.340,7 milhões de dólares, 16,3% do total, em 2014. As

exportações para a China, por outro lado, partiram de 1.902,2 milhões de dólares, 3,26% do

total, em 2001, para 40.616,2 milhões, 18,04% do total, em 2014, ver tabela 7. No caso

argentino, por outro lado, as importações provenientes da China e exportações enviadas para a

China somavam, respectivamente, 1.066,32 e 1.122,6 milhões de dólares, 5,24% e 4,21% do

total, em 2001, e alcançaram 11.312,5 e 5.510,7 milhões de dólares, 15,35% e 7,19% do total,

em 2013, segundo dados da tabela 8. Esses dados consolidaram o Império do Meio como o

maior parceiro comercial do Brasil, superando os Estados Unidos e a Argentina, e como

segundo da Argentina, superando os Estados Unidos, mas ainda abaixo do Brasil.

                                                                                                                         126 Segundo dados retirados do FMI. World Economic Outlook Database. Atualizado em out. 2014. Disponível em: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2014/02/weodata/index.aspx>.

108

Tabela 7 - Comércio do Brasil com a China em milhões US$ (anos selecionados) Ano Importações Participação

como destino de importações

Exportações Participação como destino

de exportações

Saldo da Balança Comercial bilateral

2001 1.328,4 2,38% 1.902,2 3,26% 573,8

2006 7.989,4 8,74% 8.402,4 6,09% 413

2008 20.040,1 11,57% 16.403,1 8,28% -3.637

2010 25.535,7 14,15% 30.725,4 15,56% 5.189,7

2011 32.788,5 14,49% 44.314,6 17,30% 11.526,1

2012 34.248,5 15,34% 41.227,6 16,99% 6.979,1

2013 37.302,2 15,56% 46.026,2 19% 8.724

2014 37.340,7 16,30% 40.616,2 18,04% 3.275,5 Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: <http://comtrade.un.org/data/>.

Tabela 8 - Comércio da Argentina com a China US$ milhões (anos selecionados)

Ano Importações Participação

como destino de importações

Exportações Participação como destino

de exportações

Saldo da Balança Comercial bilateral

2001 1.066,32 5,24% 1.122,6 4,21% 56,28

2006 3.121,7 9,14% 3.475,8 7,46% 354,1

2008 7.103,8 12,36% 6.354,9 9,07% -748,9

2010 7.649,15 13,46% 5.798,6 8,5% -1.850,55

2011 10.572,9 14,22% 6.232,2 7,41% -4.340,7

2012 9.951,8 14,52% 5.021,3 6,20% -4.930,5

2013 11.312,5 15,35% 5.510,7 7,19% -5.801,8

2014 * * * * * Fonte: Elaboração própria com base no COMTRADE. UN Comtrade Database. Disponível em: <http://comtrade.un.org/data/>. * Os dados de 2014 do comércio exterior argentino não estavam disponíveis no momento de confecção da tabela.

Somado a isso, é possível observar, a partir da tabela 9, uma concentração das

exportações dos dois países para a China, na qual os cinco principais

produtos127comercializados por cada um é responsável por mais de 80% do total, além do fato

                                                                                                                         127 Dados sobre os cinco principais produtos comercializados pelo Brasil e pela Argentina com a China podem ser encontrados na tabela 9, com dados da CEPAL. Primer Foro de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (CELAC) y China: Explorando espacios de cooperación en comercio e inversión. Santiago: Nações

109

desses produtos serem compostos exclusivamente por bens primários e manufaturas baseadas

em recursos naturais. Conforme afirmado anteriormente, para o Brasil, somente a semente de

soja e os minerais e concentrados de ferro somados foram responsáveis por 72% das

exportações para a China em 2013, enquanto no caso argentino, a semente de soja sozinha

representava 58% do total128. O que se observa em ambos os casos é uma pauta exportadora

dependente de produtos cujos preços estão sujeitos a uma alta volatilidade no mercado

internacional e cuja relação emprego-produto é extremamente reduzida, um cenário

diretamente oposto ao que se pode observar quando se trata das importações da China,

compostas, quase exclusivamente, de manufaturas, em especial de média e alta tecnologia129.

Tabela 9 - Principais produtos exportados por Brasil e Argentina para China (2013)

País Primeiro Segundo Terceiro Quarto Quinto

Brasil (total 87%)

Semente de soja (37%)

Minerais e concentrados de ferro (35%)

Petróleo bruto (9%)

Açúcar de cana ou beterraba e sacarose pura (3%)

Pasta química de madeira (3%)

Argentina (total 85%)

Semente de soja (58%)

Petróleo bruto (13%)

Azeite de soja (10%)

Tabaco sem elaborar (2%)

Couro (2%)

Fonte: CEPAL. Primer Foro de la Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (CELAC) y China: Explorando espacios de cooperación en comercio e inversión. Santiago: Nações Unidas, 2015. 52 p. Disponível em: <http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/37577/S1421104_es.pdf?sequence=1>.

Superada a análise do impacto comercial desempenhado pela China nas duas maiores

economias da América do Sul, deve-se avaliar de que forma o país asiático vem influenciando

nas relações político-econômicas dos dois Estados. Conforme apresentado anteriormente, a

recusa por parte de alguns detentores de títulos da dívida argentina à renegociação dos termos,

somada com diversos fatores econômicos e políticos mergulharam o país em uma das mais

profundas crises de sua história. Em disputa judicial com fundos americanos e com o Brasil

passando por uma fase de estagnação econômica, Buenos Aires observa a impossibilidade de

obter ajuda financeira por parte de seus principais parceiros tradicionais.

Diante do impasse, a Argentina opta por ressuscitar uma estratégia já praticada

anteriormente em períodos em que o país precisava associar-se a uma economia mais forte                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            Unidas, 2015. 52 p. Disponível em: <http://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/37577/S1421104_es.pdf?sequence=1>. 128 Para maiores dados sobre os cinco principais produtos exportados por Brasil e Argentina para a China, ver tabela 9. 129 Segundo dados da CEPAL, consideradas as importações da América Latina e Caribe oriundas da China, cerca de 40% é composta por manufaturas de alta tecnologia, 30% de média tecnologia, 20% de baixa tecnologia e 10% de manufaturas baseadas em recursos naturais. Ver CEPAL. Op. cit.

110

com o objetivo de obter benefícios. Assim, Cristina reedita a estratégia utilizada por Menem

de perseguir “relações carnais”, desta vez não com os Estados Unidos, mas, com a China. A

necessidade argentina de obter crédito somada ao interesse chinês por ampliar a sua influência

na região levou o país sul-americano a firmar diversos acordos com o asiático. Somente no

dia 18 de julho de 2014, os dois países firmaram acordos para financiamento chinês da

construção de duas barragens para hidrelétricas e de um projeto ferroviário na Argentina, com

investimento de US$6,8 bilhões e para compensação bancária (currency swap) bilateral de

US$10 bilhões entre o Banco Central argentino e o chinês130.

Um acordo de compensação bancária no valor de US$10,2 bilhões já havia sido

firmado entre os dois países em março de 2009131, em razão da escassez de dólares na

Argentina para estabilizar o mercado de câmbio local e possibilitar o comércio entre os dois

países sem a necessidade do dólar. O novo acordo é firmado justamente quando a China

aprofunda sua estratégia para tornar o yuan mais global, após firmar acordos com os países

dos BRICS para investimentos e comércio em moedas locais, reduzindo a necessidade de

realizar comércio baseado no dólar. Somado a isso, o contexto no qual esse acordo foi

firmado é significativo, uma vez que a viagem de Xi Jinping à Argentina ocorreu em 18 de

julho de 2014, imediatamente após a VI Cúpula dos BRICS, em Fortaleza, quando foi

ventilada a possibilidade de ingresso do país ao grupo.

As primeiras especulações com relação à pretenção argentina de fazer parte dos

BRICS ocorreu em 9 de julho de 2014, às vésperas da VI Cúpula, quando a agência de

notícias oficial da Argentina, Télam, afirmou que a China proporia sua inclusão132. Contudo,

a expectativa argentina foi frustrada pelos outros membros que desconfiavam dos benefícios

que uma adesão ao grupo traria, tendo provocado, inclusive, declarações contrárias ao

ingresso por parte do mandatário russo, Vladimir Putin, destacando que o grupo deveria focar

seus esforços no aprofundamento e institucionalização entre os membros já existentes133. A

atitude de Putin surpreendeu grande parte da população argentina, que havia sido informada

                                                                                                                         130 Ver JIAO, W.; SHENGNAN, Z. China Argentina sign deal on dams. China Daily USA, Buenos Aires/Beijing, 19 jul. 2014. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/world/2014-07/19/content_17853121.htm>. 131 Ver ARGENTINE media hails Argentina-China currency swap deal. Xinhua, Buenos Aires, 30 mar. 2009. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/english/2009-03/31/content_11106499.htm>. 132 Ver RAÑA, H. China apoyará el ingreso de la Argentina al grupo del Brics. Télam, 9 jul. 2014. Disponível em: <http://www.telam.com.ar/notas/201407/70470-argentina-brics-china-desarrollo-mercados-emergentes.html>. 133 Ver CARMO, M. Putin vê com cautela ideia de Argentina integrar Brics. BBC Brasil, Buenos Aires, 11 jul. 2014. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140711_putin_argentina_brics_mc_kb>.

111

pela Télam134 de um convite russo para que o país participasse da Cúpula, quando o convite

havia sido para a reunião estendida dos BRICS com os países da Unasul.

A declaração chinesa de apoio ao ingresso nos BRICS somada às suas iniciativas de

financiamento, investimento e comércio com a Argentina serviram como sinalização de

interesse no país em um momento em que o país enfrenta uma crise econômica, política e

social que se soma aos processos movidos pelos “fundos abutres” para a recuperação do valor

referente aos títulos da dívida e à escassez de crédito internacional disponível ao governo

Kirchner. Ao mesmo tempo, a inércia brasileira na região, a incapacidade de ajudar

economicamente a Argentina em crise e a resistência a uma ampliação do BRICS fazem com

que suscite dúvidas por parte do governo argentino quanto ao comprometimento do vizinho

na aliança bilateral que os dois países mantém.

4.3.2. Verde ou Maduro? Ideologia e pragmatismo nas relações entre a Venezuela e a

China

A história política venezuelana sofreu uma brusca correção de rumos em 1999. Com a

eleição de Hugo Chávez, chegava ao fim a política fundada no Pacto de Punto Fijo, de 1957,

o qual promoveu uma alternância entre os partidos da Acción Democrática (AD) e do Comité

de Organización Política Electoral Independiente (COPEI) no poder. Contudo, a guinada na

política venezuelana ocorreria somente após as tentativas de golpe sofridas pelo governo em

2002 e 2003 e que levaram Chávez a direcionar suas políticas para as classes menos

favorecidas135. Desde então, a Venezuela observou sua política externa ser alterada de uma

aliança histórica e incondicional aos Estados Unidos para uma orientação em busca de uma

ordem multipolar, muitas vezes utilizando uma retórica extremamente acalorada e agressiva

ao país que até pouco tempo era seu principal aliado.

Desde o ano de 1875 o petróleo já era extraído na Venezuela, tendo tido sua

exploração iniciada de forma industrial na década de 1910. A partir de então, o petróleo se

tornou o principal produto de exportação da Venezuela, reflexo das enormes jazidas que

fizeram com que o país sofresse uma especialização de sua economia, o que se convencionou                                                                                                                          134 Ver RUSIA invitó a la Argentina a la cumbre de los Brics en julio. Télam, 28 mai. 2014. Disponível em: <http://www.telam.com.ar/notas/201405/64947-rusia-invito-a-la-argentina-a-la-cumbre-de-los-brics.html>. 135 Para maior aprofundamento na ascensão de Chávez ao governo e a política venezuelana, ver VIEIRA (2014) e MARINGONI (2009).

112

chamar de “doença holandesa”136, uma terminologia imprecisa para o caso, uma vez que a

Venezuela nunca teve uma indústria promissora. Essa dependência fez com que o petróleo se

tornasse a principal variável de influência na política e na economia do país, que se encontra

refém da cotação do barril do petróleo no sistema internacional. Somente a termo de

ilustração, em 2014, o petróleo cru foi responsável por 65% e o refinado por 23% do total das

exportações venezuelanas, tendo como principais mercados para as exportações venezuelanas

China (32%), Índia (26%), Singapura (8.5%), Espanha (3.8%), e Estados Unidos (2.5%).137

O direcionamento da política externa venezuelana para fazer um contrapeso aos

Estados Unidos no sistema internacional, somado à sua dependência do petróleo para a

manutenção da estabilidade política e econômica do país fizeram com que vislumbrasse uma

aproximação da China como uma estratégia automática. Conforme explicado anteriormente, o

interesse chinês na América do Sul está relacionado com três fatores: a busca por aliados que

garantam legitimidade ao país em uma eventual estratégia contenciosa orquestrada pelos

Estados Unidos contra a China, a busca por commodities necessárias para a manutenção do

crescimento de sua indústria, e a necessidade de novos mercados consumidores e parceiros

comerciais fora da Ásia.

Assim, a Venezuela representa tudo que a China deseja na região, possui a maior

reserva de petróleo do mundo, tendo ultrapassado a Arábia Saudita em 2010138, sendo uma

valiosa fonte de energia fóssil. Com uma população de 30,405 milhões139, em 2013, possui o

quarto maior mercado consumidor da América do Sul, representando para a China um

mercado potencial onde teve a oportunidade de ampliar suas vendas, partindo da décima

oitava fonte de importações para segunda, sendo hoje responsável por 19% das importações

venezuelanas, só perdendo para os Estados Unidos140. Ambos os fatores anteriores coincidem

os interesses de Beijing com a expectativa de Caracas de reduzir sua dependência comercial

                                                                                                                         136 O conceito de “doença holandesa” refere-se à situação em que um país possui commodities em abundância e, devido a isso, especializa suas exportações em função delas, não se industrializando, ou, até mesmo, causando a desindustrialização. Nas palavras de Bresser-Pereira (2010, p. 121), “É uma falha de mercado decorrente da existência de recursos naturais baratos e abundantes usados para produzir commodities (e da possível elevação dos preços destas) que são compatíveis com uma taxa de câmbio mais apreciada do que aquela necessária para tornar competitivos os demais bens comercializáveis”. 137 Dados obtidos por meio do OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY. Disponível em: <http://atlas.media.mit.edu/en/profile/country/ven/>. 138 Ver VENEZUELA ultrapassa Arábia Saudita em reservas de petróleo, diz Opep. Globo, 18 jul. 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/07/venezuela-ultrapassa-arabia-saudita-em-reservas-de-petroleo-diz-opep.html>. 139 Segundo dados do BANCO MUNDIAL. World Development Indicators. Atualizado em 17 out. 2014. Disponível em: <http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators>. 140 Dados obtidos por meio do OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY. Disponível em: <http://atlas.media.mit.edu/en/profile/country/ven/>.

113

de Washington ampliando suas trocas com outros países, aliando, dessa forma, os três

objetivos chineses, apresentados no capítulo anterior, com os venezuelanos.

A China representa para a Venezuela exatamente o aliado que Chávez e Nicolás

Maduro (2013-atual) buscam, não por ter um posicionamento revolucionário, de confrontação

direta com os Estados Unidos ou antissistêmico, o que não possui, mas por suas capacidades

materiais e seu poder brando, que lhe permitem assumir uma posição crítica caso seja

provocada. O próprio pleito chinês por uma reforma nos órgãos de governança do sistema

internacional com o objetivo de torná-los mais plurais à medida que novos atores emergentes

sejam capazes de ingressar nos círculos de decisão já apresenta para a Venezuela um

interessante avanço de democratização do sistema internacional, deixando de centrar-se nos

EUA para tornar-se multipolar.

O desabastecimento de produtos da cesta básica para o consumo da população desde

2013, como foi o caso do papel higiênico, da farinha de milho, da manteiga e do sabonete,

amplamente divulgados pela imprensa brasileira, tem ampliado a insatisfação de setores da

população contrários ao governo141. A disputa de versões sobre o desabastecimento passou a

dividir a população entre aqueles que culpavam os empresários por querrerem desestabilizar o

governo para promover um golpe e aqueles que culpavam o governo por afugentar

investidores estrangeiros com suas políticas de congelamento de preções e limitação da oferta

para controlar a inflação. A queda do preço do barril de petróleo, responsável por 96% das

receitas venezuelanas, aprofundaria a recessão do país e serviria como combustível para a

oposição. Para cortar gastos, o governo do país com as maiores reservas do mundo decidiu,

em outubro de 2014, importar petróleo cru da Argélia, que, por ser mais leve, teria o refino

mais barato.142

A aproximação com a China tem se tornado cada vez mais importante para o governo

venezuelano à medida que o país vem sofrendo com a imposição de sanções por parte dos

Estados Unidos a oficiais venezuelanos sob a justificativa de violação de direitos humanos

contra membros da oposição, principalmente seus líderes, Leopoldo López e María Corina

Machado143. As violações teriam ocorrido durante os violentos protestos que se proliferaram

                                                                                                                         141 Ver VENEZUELA vai importar 50 milhões de rolos de papel higiênico. O Globo/El País, Caracas, 15 mai. 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/mundo/venezuela-vai-importar-50-milhoes-de-rolos-de-papel-higienico-8393547>; CONSUMIDORES esperam horas para comprar papel higiênico na Venezuela. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 mai 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/05/1284216-consumidores-esperam-horas-para-comprar-papel-higienico-na-venezuela.shtml>. 142 Ver MEZA, A. Queda do preço do petróleo agrava a crise econômica da Venezuela. El país, Caracas, 17 out. 2014. Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2014/10/17/economia/1413502704_182767.html>. 143 Ver SENADO dos EUA aprova novas sanções contra Venezuela. Globo, 9 dez. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/12/senado-dos-eua-aprova-novas-sancoes-contra-venezuela.html>.

114

no país durante o ano de 2014, em razão da crise econômica que o país está passando devido à

queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, chamando a atenção de

instituições internacionais para a agressividade de grupos favoráveis e contrários ao governo.

Diante das sanções, os quatro outros membros plenos do Mercosul pronunciaram-se em

defesa da Venezuela e contrários à atitude estadunidense144, assim como fizeram os membros

da ALBA.145

O auxílio econômico chinês, tem sido promovido desde 2007 por meio do Fundo de

Financiamento China-Venezuela, cujo objetivo era o de dar apoio a projetos de cooperação

mútua, com o valor inicial de US$ 6 bilhões (ROMERO, 2013). O investimento seria

ampliado subsequentemente até ultrapassar o total de US$ 40 bilhões no início de 2014,

quando em outubro recebeu USS$ 6 bilhões, dos quais US$ 4 bilhões são do Banco de

Desenvolvimento da China e US$ 2 bilhões do Fundo de Desenvolvimento Nacional da

Venezuela. A capitalização do fundo, responsável por financiar mais de 200 projetos de

desenvolvimento na Venezuela, não foi o único acordo firmado entre os dois países, o

Exibank da China assinou um memorando de entendimento e cooperação financeira com a

Petróleos de Venezuela (PDVSA), prevendo um investimento de US$ 1 bilhão "para a

compra de bens e serviços para a indústria, assim como a promoção de novos projetos

petroleiros”, além de US$ 691 milhões para a exploração de reservas minerais no sul da

Venezuela.146

Entretanto, as relações bilaterais não restringem-se à obtenção de matéria prima por

parte da China. As forças armadas dos dois países têm realizado exercícios de treinamento em

conjunto e a Venezuela vem adquirindo equipamentos militares chineses. Podem ser

destacados três radares 3-D JYL para monitorar o espaço aéreo, 18 aeronaves Hongdu K-8W,

8 aviões de transporte Shaanxi Y-8, além da especulação acerca da compra dos jatos Hongdu

L15 Falcon, oferecidos pela China desde 2013147. Outrossim, existem iniciativas bilaterais na

área de telecomunicações, com cooperação para produção de fibra ótica e celulares na                                                                                                                          144 Ver MERCOSUL condena sanções dos EUA à Venezuela. Globo, 17 dez. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/12/mercosul-condena-sancoes-dos-eua-venezuela.html>. 145 Ver CÚPULA da Alba condena sanções impostas pelos EUA à Venezuela. Correio Brasiliense, Havana, 14 dez. 2014. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2014/12/14/interna_mundo,462002/cupula-da-alba-condena-sancoes-impostas-pelos-eua-a-venezuela.shtml>. 146 Ver CHINA investirá mais US$ 5,691 bilhões na Venezuela. Exame, Caracas, 21 jul. 2014. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/geral/noticias/china-investira-mais-us-5-691-bilhoes-na-venezuela>. 147 Ver VENEZUELA habría cerrado la compra de aviones de entrenamiento chino L15 "Falcon", también la evaluación de más Sukhoi. Defensa.com, 15 abr. 2014. Disponível em: <http://www.defensa.com/index.php?option=com_content&view=article&id=12039:venezuela-teria-fechado-a-compra-do-aviao-de-treinamento-chines-l15-falcon-tambem-avaliando-mais-sukhoi&catid=160:noticias-em-portugues&Itemid=497>.

115

Venezuela, e para o lançamento, em outubro de 2008, de um satélite de telecomunicações, o

Venesat I - Simón Bolívar (ROMERO, 2013), e um satélite para sensoriamento remoto, o

VRSS-1, em setembro de 2012.148

Não é possível, portanto, confundir os investimentos chineses com uma identificação

ideológica do PCC com os governos de Chávez e de Maduro, algo que já foi, inclusive,

afirmado pelo Ministério das Relações Exteriores chinês em uma conferência, em 2008,

quando questionado sobre as relações de Beijing com o governo venezuelano e sobre as

relações do segundo com os Estados Unidos: China e Venezuela possuem relações interestaduais normais. China está pronta para continuar sua cooperação amigável com todos os países latino-americanos, incluindo a Venezuela, em uma base de benefício mútuo. As relações chino-venezuelanas não são baseadas em ideologia, nem contra qualquer terceiro, desse modo, não irá afetar as relações da Venezuela com outros países. Sobre as relações da Venezuela com os EUA, nós mantemos que os diferentes países devem respeitar-se, respeitar-se em bases iguais, e não interferir em seus assuntos internos.149

A Venezuela, por outro lado, desde 2002, passou a indicar uma orientação anti-

Ocidente em suas relações internacionais, não só na sua tentativa de contrabalançar o poder

dos Estados Unidos, mas também na pressão exercida para que o país passasse a ocupar uma

maior liderança na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a estratégia de

consolidar uma aliança com outros países de orientação de esquerda da América Latina para

fundar a ALBA, e a aproximação de atores que o governo identifica como estratégicos para a

formação de um bloco contra hegemônico, como China, Rússia, Cuba e Irã. Porém, isso não

significa que as relações bilaterais com a China não tenha evoluído para adquirir uma

orientação mais pragmática, obtendo investimentos não só para a exploração e refino do

petróleo, como também estabelecendo uma cooperação militar e tecnológica.

                                                                                                                         148 Ver CHINA delivers remote sensing satellite to Venezuela. China Daily, Jiuquan, 29 set. 2012. Disponível em: <http://europe.chinadaily.com.cn/china/2012-09/29/content_15793371.htm>. 149 Traduzido de YU, J. Foreign Ministry Spokesperson Jiang Yu's Regular Press Conference on September 23, 2008. 23 set. 2008. Disponível em: <http://www.china-un.ch/eng/fyrth/t514582.htm>.

116

OBSERVAÇÕES FINAIS

Quando as quatro economias emergentes mais poderosas do mundo resolveram aderir

ao acrônimo formado pelas suas iniciais e fundar os BRIC, grande parte dos analistas de

relações internacionais e da imprensa foram céticos quanto à viabilidade do projeto. Entre

seus argumentos, questionava-se a distância, a diferença cultural, política, religiosa e, em

alguns casos, o histórico de conflito. Em 2011, o grupo chegou à sua III Cúpula, adicionando

um novo membro para compor os BRICS e pleiteando reformas nas instituições

internacionais com o objetivo de torná-las mais plurais e democráticas.

Na VI Cúpula dos BRICS, em 2014, o grupo aprofundaria sua institucionalização na

medida em que percebeu a inviabilidade de promover reformas no sistema financeiro

internacional, devido à recusa do Congresso estadunidense em votar a reforma das cotas do

FMI. Em razão disso, anunciam a criação de um banco de desenvolvimento, o NDB, e de um

fundo de reservas, o CRA, próprios, indicando que não ficariam reféns de reformas no Banco

Mundial e no FMI para alinhar sua representatividade no sistema financeiro ao seu poder

econômico.

Contudo, apesar de uma análise superficial poder indicar que as relações

internacionais brasileiras estão avançando, devido às iniciativas promovidas pelos BRICS, o

que se observou nos primeiros quatro anos de governo Dilma Rousseff foi uma deterioração

do poder adquirido pela chancelaria brasileira nos oito anos de governo Lula da Silva. Essa

redução da participação internacional brasileira ocorreu em grande parte devido ao estilo

centralizador de governar e preferências por temas domésticos da nova presidente.

A alteração não se restringiu à relação com os países do “Norte Global”, mas em

especial à própria região em que o Brasil está inserido, a América do Sul. Ao longo desses

anos, Dilma soube de um golpe que depôs o presidente paraguaio pela mandatária argentina,

Cristina Kirchner, assistiu à criação de um novo bloco na região, a Aliança do Pacífico,

ameaçando o projeto brasileiro de integração para toda a América do Sul, foi criticada pelo

seu afastamento pelo governo chileno e permaneceu inerte ao observar seu principal aliado

regional, a Argentina, enfrentar a pior crise econômica, política e social de sua história.

Ao afastar-se da América do Sul, o governo observa Beijing demonstrar na prática um

provérbio extremamente repetido na área de política que afirma que “não existe vácuo de

poder”, inserindo-se na região por meio de investimentos em infraestrutura, aprofundamento

do comércio e disponibilização de crédito. A ampliação da participação da China nos assuntos

117

internos da região passou a ser observada, inclusive, entre os membros do Mercosul, apesar

da impossibilidade do bloco de negociar diretamente um acordo com a China, já que o

Paraguai mantém relações diplomáticas com Taiwan.

A Argentina, engolfada nas crises e pressionada pelos “fundos abutres” que exigem o

pagamento integral dos títulos da dívida, passou a ver a China como uma esperança de

salvação para a sua economia. Logo, essa expectativa seria transferida para os BRICS, após

uma divulgação na agência de notícias oficial, Télam, de que a China havia sinalizado um

apoio ao ingresso argentino no arranjo. Logo, as pretenções argentinas seriam frustradas pelos

outros membros que negariam o seu ingresso sob a justificativas de que o grupo ainda estava

em processo de estruturação e que, por isso, não pretendia uma expansão.

A Venezuela, por outro lado, iniciou sua aproximação da China com uma orientação

ideológica, ao interpretar que o país asiático faria uma oposição hegemônica aos Estados

Unidos. Contudo, com o desenvolvimento das relações bilaterais, Caracas passou a avaliá-la

com um maior pragmatismo, buscando, não só substituir a dependência estadunidense, mas

também novos investimentos para o desenvolvimento da indústria petroleira, empréstimos

para a reestruturação de sua economia, impactada pela queda nos preços do barril de petróleo,

coordenação de exercícios de treinamento militar e desenvolvimento tecnológico.

A aproximação brasileira da China pode trazer muitas vantagens para o país, caso ele

retome o seu posicionamento protagonista no sistema internacional e utilize a relação

bilateral, assim como os BRICS como um holofote para a defesa dos interesses nacionais.

Entretanto, a política introspectiva praticada pelo governo Dilma tem afetado diretamente as

relações do Brasil com outros atores internacionais e, nesse sentido, contribuído para que a

inserção chinesa na América do Sul trouxesse uma ameaça, ao invés de consolidar o país

como liderança regional e interlocutor dos vizinhos com o país asiático.

Após uma análise aprofundada, permanece a impressão de que a maior ameaça para o

protagonismo do Brasil no sistema internacional não é a China, nem outros países do “Norte

Global” e do “Sul Global”, mas sim, ele mesmo. Caberá ao governo Dilma reverter, no

segundo mandato, o declínio no qual se encontra a política externa brasileira, reposicionando

o país como um ator relevante na defesa dos interesses do “Sul Global” e como um líder

regional capaz de integrar a América do Sul e unificá-la, ampliando a legitimidade de seus

pleitos nos organismos internacionais.

118

CONCLUSÃO

Ao longo dos capítulos que compõem este trabalho, buscou-se compreender as

estratégias de inserção internacional do Brasil e da China com o objetivo de avaliar de que

forma a segunda impactava de forma a oferecer oportunidades e desafios para as pretenções

do primeiro. Para realizar esta tarefa, optou-se por adotar o referencial teórico da Teoria

Crítica das Relações Internacionais, fundado nos estudos de Robert Cox sobre a aplicação do

conceito gramsciano de hegemonia nas relações entre Estados. Em seguida, com o objetivo de

compreender as limitações pelas quais o Brasil enfrenta, em razão de suas capacidades e

protagonismo, foi possível definir sua condição com base no conceito de potência média para,

posteriormente estudar a estratégia adotada pela diplomacia ativa e altiva de particionar a

política externa brasileira como em um xadrez tridimensional.

Compreendida e estratégia que tornou possível a ampliação do poder brando brasileiro

durante o governo Lula da Silva, passou-se a uma análise do comportamento chinês no

sistema internacional. Para isso, foi necessário diferenciar conceitos constantemente

confundidos, como contra-hegemônico e assistêmico, demonstrando que o fato de a China

tentar aumentar sua presença dentro das instituições do sistema instituído pela potência

hegemônica não são garantias de que o país não possua uma política contra-hegemônica. Para

compreender o apresentado, foi feita uma análise de sua política externa fundada no pleito de

que seja feita uma reforma das cúpulas de decisão das instituições com o objetivo de

democratizá-las, espelhando a realidade de um novo período em que países emergentes detém

capacidades materiais e poder brando maiores do que grande parte dos países desenvolvidos.

A perspectiva de rápido desenvolvimento chinês, somada à ampliação de sua

influência na Ásia fez com que o governo estadunidense se tornasse receoso de que fosse

excluído dos processos de integração e comércio da região. Orientado por esse temor, os EUA

passaram a investir na promoção de uma área de livre-comércio com regras de DPI

extremamente restritivas na Ásia Oriental, provocando o Império do Meio em sua própria

região. Como resposta, Xi Jinping apresentaria em reunião da APEC de novembro de 2014 a

sua proposta da FTAAP, diferenciando-se dos Estados Unidos por ser uma proposta inclusiva.

Porém, a vertente comercial não é a única na qual a China vem se sentindo constrangida pelo

posicionamento estadunidense em sua região. A ampliação das ações da OTAN no seu

entorno regional fez com que Beijing se aproximasse de Moscou na OCS, especializando a

atuação da organização para a área de defesa. Por fim, a principal iniciativa de Beijing para

119

ampliar sua participação no sistema internacional foi na área das finanças com a criação de

instituições financeiras não é em conjunto com os outros BRICS, mas também de forma

unilateral, como o Fundo da Rota da Seda e do AIIB.

A própria instituição dos BRICS apresentou oportunidades para todos os países

envolvidos ampliarem seu poder brando entre os países do “Sul Global”. Inicialmente

composto por Brasil, Rússia, India e China, o grupo acolheria a África do Sul, em 2011, com

o objetivo de ampliar seu respaldo no continente africano. O foro de concertação focado no

pleito de reforma das instituições internacionais e na cooperação entre países do “Sul Global”

superaria o ceticismo em razão das disparidades entre seus membros e passaria a ser visto

como um exemplo de coordenação política de sucesso entre países emergentes, ampliando o

poder de barganha entre seus membros, em especial a China e o Brasil. Contudo, a presença

internacional brasileira, que poderia ser vista até 2010 como uma crescente, passou a uma fase

de declínio a partir da eleição de Dilma. A preferência da mandatária por assuntos domésticos

relegou a política externa para um segundo plano.

A orientação mais introspectiva por parte do governo brasileiro que antes era

observada por opção da mandatária, passaria a ser uma necessidade para a manutenção da

governabilidade. O início de 2015 mostrou-se um período conturbado para a presidente Dilma

Rousseff, que foi reeleita em 26 de outubro de 2014 no processo eleitoral mais apertado da

história brasileira150, no qual enfrentou Aécio Neves, candidato pelo Partido da Social

Democracia Brasileira (PSDB). O primeiro fator que já demonstrava as dificuldades a serem

enfrentadas no novo mandato seria a natureza da nova composição do Congresso, considerado

o mais conservador desde 1964. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria

Parlamentar (Diap), com o aumento de religiosos, militares, empresários e ruralistas e a

redução de políticos voltados para causas sociais e sindicais, o país encontra-se sujeito a um

possível retrocesso nas conquistas de direitos civis e trabalhistas.151

Com o enfraquecimento de seu apoio no Congresso, o PT sofreria uma nova derrota,

quando a oposição mostrou-se dividida entre o deputado Julio Delgado, do Partido Socialista

Brasileiro (PSB), e Eduardo Cunha, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro

(PMDB), em oposição ao petista Arlindo Chinaglia, nas eleições para a presidência da

Câmara. A vitória de Cunha com 267 votos contra os 136 de Chinaglia imporia não só uma                                                                                                                          150 Ver RESULTADO da eleição é o mais apertado já visto no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 out. 2014. Disponível: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/10/1538782-resultado-da-eleicao-e-o-mais-apertado-ja-visto-no-brasil.shtml>. 151 Ver PASSOS, N. Congresso eleito é o mais conservador desde o fim da ditadura, diz Diap. Carta Maior, Brasília, 7 out. 2014. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Congresso-eleito-e-o-mais-conservador-desde-o-fim-da-ditadura-diz-Diap/4/31948>.

120

derrota ao PT no legislativo, mas também ao executivo, com um membro da bancada

evangélica e desafeto público da presidente, que dificilmente deixará que temas progressistas,

como a descriminalização do aborto, a regulamentação da canabis, a criminalização da

homofobia e a democratização dos meios de comunicação, sejam aprovados na Casa.

No campo econômico, a redução do crescimento do PIB somado ao aumento do Índice

de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) com relação a 2013, atingindo 6,41%, pouco abaixo

do teto da meta de inflação estabelecido pelo Banco Central, de 6,5%152, suscitavam

questionamentos quanto às estrtatégias econômicas traçadas pelo governo que, até pouco

tempo, dava lições de como superar a crise na Europa e nos EUA. A escolha de Joaquim Levy

para o Ministério da Fazenda, conhecido pela sua preferência pela austeridade fiscal,

simbolizou uma clara reorientação do governo Dilma, abandonando as políticas

desenvolvimentistas e heterodoxas de Guido Mantega para abraçar a ortodoxia e o

monetarismo para “dar maior eficiência” aos gastos do governo. A escolha sinaliza a

possibilidade de uma redução dos investimentos em projetos sociais, na educação, na saúde,

fim das políticas de desoneração da indústria e retrocesso nos direitos trabalhistas,

perspectivas que provocaram resistência de sindicatos, movimentos sociais e outros setores

progressistas da sociedade.

As investigações de corrupção na Petrobras somariam-se aos outros dois fatores para

impactar diretamente na popularidade do governo Dilma. A operação da polícia federal que

viria a ficar conhecida como Lava Jato, por ter sido descoberta em um posto de gasolina em

março de 2014, investiga denúncias de lavagem de dinheiro e desvio de verba pública com

participação de grandes empreiteiras, como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht, e de políticos,

entre os quais foi criada uma lista com 50 investigados entre membros dos partidos: PMDB,

Partido Progressista (PP), PSDB, PT, Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Solidariedade

(SD)153. Para completar o impacto negativo contra o governo, a imprensa brasileira utiliza,

novamente, sua estratégia de difamação, atacando o governo constantemente com rumores e

vazamentos de declarações de delatores, utilizando-se do jornalismo declaratório em

detrimento do investigativo.

A crise hídrica e energética, causada pela escassez de chuvas que reduziu os níveis dos

principais reservatórios de hidrelétricas, provocou falta de água, principalmente no estado de                                                                                                                          152 Ver CURY, A.; QUAINO, L. Inflação fecha 2014 em 6,41%, abaixo do teto da meta. Globo, São Paulo/Rio de Janeiro, 9 jan. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/01/inflacao-fecha-2014-em-641.html>. 153 Para maiores detalhes, ver ENTENDA a Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 nov. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml>.

121

São Paulo, e apagões em 11 estados, forçando o governo a estabelecer novas regras para a

tarifação da conta de luz. O aumento do preço da energia elétrica impactaria em toda a

economia, pressionando o IPCA a subir e gerando profundas insatisfações na classe média, já

bombardeada pelos ataques constantes da imprensa ao governo. O resultado logo seria sentido

com a divulgação, em fevereiro de 2015, da pesquisa sobre a avaliação do governo realizada

pelo Instituto de Pesquisas Datafolha. De acordo com o apurado, a aprovação do mandato de

Dilma atingiu o nível mais baixo desde sua posse, em 2011. Em uma comparação com a

pesquisa de dezembro de 2014, a aprovação do governo (porcentagem que o considera bom

ou ótimo) caiu de 42% para 23%, enquanto a reprovação (que o considera ruim ou péssimo)

subiu de 24% para 44%.154

O reflexo desse declínio da popularidade da presidente pode ser observado nas

manifestações de 15 de março de 2015, que se espalharam por diversos estados,

impulsionadas pela massiva divulgação feita pela imprensa nacional. As manifestações que

tiveram como foco central o repúdio à corrupção e o pedido de impeachment da presidente

Dilma reuniram pouco menos de 1 milhão de pessoas nas ruas de todo o país155, agrupando

conservadores e partidários do retorno da ditadura militar. O impacto na aprovação do

governo foi divulgado pelo Datafolha, que no dia 18 de março ampliou a taxa de reprovação

do governo para 62%156, e reafirmado na declaração de Eduardo Cunha157, preocupando o

governo. A resposta do executivo à manifestações também viria no dia 18, com a

apresentação de um pacote com sete medidas para prevenir e punir atos de corrupção.158

Diante do exposto, é compreensível que o governo tenda a focar esforços para retomar

a confiança perdida em meio aos escândalos de corrupção, dados econômicos ruins e crises

hídrica e elétrica, contudo, revisar a política externa, retomando uma estratégia de

protagonismo poderia facilitar seu trabalho, ao menos no que diz respeito à economia. A

retomada das negociações de comércio com seus parceiros comerciais tradicionais do “Norte

                                                                                                                         154 Para maiores dados, ver DATAFOLHA. Avaliação da presidente Dilma Rousseff. São Paulo: Datafolha, 6 fev. 2015. 243 p. Disponível em: <http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2015/02/09/arquivo-brasil.pdf>. 155 Ver PROTESTOS contra o governo reúnem quase 1 milhão pelo país. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 mar. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1603286-protestos-contra-o-governo-reune-quase-1-milhao-pelo-pais.shtml>. 156 Ver MENDONÇA, R. No 3º mês do novo mandato, 62% desaprovam Dilma. Datafolha, 18 mar. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604420-no-3-mes-do-novo-mandato-62-ja-desaprovam-dilma.shtml>. 157 Ver HAUBERT, M.; TALENTO, A. Cunha diz que Datafolha constatou o que as ruas já mostraram. Folha de São Paulo, Brasília, 18 mar. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604599-cunha-diz-que-datafolha-constatou-o-que-as-ruas-ja-mostraram.shtml>. 158 Ver EM meio a crise, Dilma anuncia medidas de combate à corrupção. Folha de São Paulo, Brasília, 18 mar. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1604553-em-meio-a-crise-dilma-anuncia-medidas-de-combate-a-corrupcao.shtml>.

122

Global” poderia ampliar a capacidade de barganha do país, não só com eles, mas também com

a China, estratégia recorrente no passado, em que países do MNA, ditos do “Terceiro

Mundo”, que negociavam seu apoio em temas específicos em troca de investimentos e

maiores vantagens comerciais por parte dos Estados Unidos e da União Soviética.

Uma das iniciativas que o governo poderia retomar seriam as negociações com os

Estados Unidos para expansão comercial e de ações diplomáticas, interrompidas após as

denúncias, feitas por Edward Snowden, de espionagem praticada pela Agência Nacional de

Segurança (NSA) contra diversos chefes de Estado, entre eles a presidente Dilma Rousseff159

e, também, à Petrobras. Em razão do ocorrido, o governo brasileiro decidiu por cancelar a

visita de Estado aos Estados Unidos160 e substituir a compra dos 36 caças Boeing F/A-18

americanos, pelos Saab Gripen NG suecos, para a Força Aérea Brasileira (FAB), compra que

vinha sendo negociada desde 2001161. Inclusive, o episódio contou com um enfático discurso

da presidente na abertura da 68ª AGNU repudiando “um caso grave de violação dos direitos

humanos e das liberdades civis; da invasão e captura de informações sigilosas relativas as

atividades empresariais e, sobretudo, de desrespeito à soberania nacional do meu país”.162

A perspectiva de retomada das relações, ou pelo menos do interesse estadunidense

para isso, aconteceria com a vinda do vice-presidente Joe Biden para a posse de Dilma, em 1º

de janeiro de 2015163. A visita, que contou com um encontro bilateral, foi significativa pelo

fato de ser raro o envio de uma autoridade como o vice-presidente estadunidense para

participar da posse de um presidente brasileiro, algo que ocorreu pela última vez na posse de

Fernando Collor de Mello, em 1990, em razão de ser um episódio histórico para a

redemocratização. Posteriormente, no dia 13 de março, os dois conversaram por telefone com

o objetivo de retomar as negociações bilaterais, com uma possível viagem de Dilma aos

                                                                                                                         159 Ver DOCUMENTOS da NSA apontam Dilma Rousseff como alvo de espionagem. Globo, 1 set. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/09/documentos-da-nsa-apontam-dilma-rousseff-como-alvo-de-espionagem.html>. 160 Ver SADI, A. Dilma decide cancelar viagem aos EUA em outubro. Folha de São Paulo, Brasília, 17 set. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/09/1343146-dilma-decide-cancelar-viagem-aos-eua-em-outubro.shtml>. 161 Ver SADI, A.; NERY, N.; GIELOW, I. Após mais de dez anos, Dilma escolhe caças suecos para a FAB. Folha de São Paulo, Brasília, 18 dez. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/12/1387333-dilma-decidiu-pela-aquisicao-de-cacas-suecos-para-a-fab.shtml>. 162 Ver ROUSSEFF, D. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura do Debate Geral da 68ª Assembleia-Geral das Nações Unidas. Nova York: Assembleia-Geral das Nações Unida, 24 set. 2013. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-presidenta/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-geral-da-68a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-iorque-eua>. 163 Ver DILMA e Joe Biden falam sobre relações bilaterais. Portal Brasil, 2 jan. 2015. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2015/01/dilma-e-joe-biden-falam-sobre-relacoes-bilaterais>.

123

Estados Unidos em setembro164. Se bem sucedida, a aproximação entre Washington e Brasília

pode auxiliar o primeiro em duas frentes na América Latina, a primeira é a rebelde Venezuela

de Maduro, e a segunda é Cuba, de Castro, com quem recentemente retomou as relações

diplomáticas, dando um primeiro passo para o fim do embargo econômico, comercial e

financeiro.

Outra aproximação que poderia contar com um maior esforço do governo brasileiro é

o prometido acordo entre Mercosul e UE. Desde 1995, os dois blocos possuem um Acordo-

Quadro de Cooperação Interregional e, desde 1998, iniciaram as negociações para um acordo

de livre comércio, que abarcasse também o diálogo político e a cooperação (FLÔRES JR.,

2013). Após suspensas em 2004, por impossibilidade de atingir um consenso entre as partes,

as negociações foram retomadas em 2010165. O acordo seria extremamente importante para o

país, que perdeu o acesso preferencial ao mercado europeu pelo Sistema Geral de Preferências

desde janeiro de 2014166. Contudo, após um longo período de resistência argentina, que travou

as negociações para um possível acordo de livre-comércio com a União Europeia, hoje, reside

em Bruxelas, cidade sede da UE, a necessidade de concluir suas consultas internas para que,

finalmente, ambos os blocos apresentem suas propostas.167

A consolidação de acordos tanto com os Estados Unidos como com a União Europeia,

assim como o fortalecimento da cooperação Sul-Sul contribuiriam para a consolidação da

natureza universalista de sua política externa, diversificando parcerias entre “Norte Global” e

“Sul Global”. A partir dessas estratégias, o Brasil aprofundaria seus acordos com importantes

mercados consumidores, ampliando, indiretamente o poder do país, uma vez que passaria a

contar com um número maior de países com os quais poderia negociar e, dessa forma,

barganhar melhores condições para o comércio, assim como outros interesses políticos

independentes.

                                                                                                                         164 Ver LAMUCCI, S. Biden fala com Dilma e reforça parceria entre Brasil e Estados Unidos. Valor Econômico, Washington, 13 mar. 2015. Disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/3953422/biden-fala-com-dilma-e-reforca-parceria-entre-brasil-e-estados-unidos>. 165 Ver COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION. IV EU-Mercosur Summit Joint Communiqué. Madrid: IV EU-Mercosur Summit, 17 mai. 2010. Disponível em: <http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/er/114486.pdf>. 166 Ver BIZZOTTO, M. Fim de vantagens comerciais com UE pode afetar 12% de exportações brasileiras. BBC Brasil, Bruxelas, 12 out. 2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/10/121031_brasil_comercio_ue_mb.shtml>. 167 Ver MERCOSUL aguarda reação da UE para fechar acordo, diz ministro. Valor Econômico, São Paulo, 13 fev. 2015. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/3911648/mercosul-aguarda-reacao-da-ue-para-fechar-acordo-diz-ministro>.

124

No que diz respeito à cooperação Sul-Sul, a maior empresa brasileira168, a Petrobras,

tem participado ativamente de diversas parcerias em países da África e da América Latina,

contudo, vale ressaltar a atuação da empresa com relação à China. O gigante asiático tornou-

se o maior comprador da petroleira, aumentando sua participação nas importações de petróleo

da empresa de 5% em 2004 para 45% em 2014169. Com as denúncias de corrupção que

envolveram a Petrobras e a dificuldade em auditar seu balanço, vieram a crise de confiança de

acionistas, o que fez o valor de suas ações despencarem, o processo movido por acionistas

minoritários nos EUA por sentirem-se lesados diante da falta de conhecimento dos esquemas

que envolviam a petroleira e a perda do grau de investimento dos seus títulos da dívida,

dificultando a obtenção de crédito.

Para capitar recursos a fim de manter seus projetos de investimento, principalmente

para o pré-sal, a Petrobras adotou a estratégia de reduzir sua participação em outros mercados

que não o brasileiro, um exemplo foi a venda de ativos de exploração e de produção de

petróleo argentino no valor de US$ 101 milhões, no dia 31 de março de 2015. No dia seguinte

ao anúncio da redução de seu posicionamento no mercado argentino, uma subsidiária da

Petrobras no exterior, a Petrobras Global Trading (PGT) logrou firmar um contrato com o

CDB para um financiamento de US$ 3,5 bilhões. Apesar de nenhuma das duas partes

comentar as bases nas quais foi firmado o contrato, é provável que tenha sido negociado o

fornecimento de petróleo da estatal para a China, repetindo a estratégia utilizada em outros

países, e também em um acordo anterior da empresa com o CDB de 2009, que previa o

empréstimo de US$ 10 bilhões por dez anos em troca do petróleo, além de compras de bens

de capital e de serviços prestados por empresas chinesas.170

O investimento brasileiro na cooperação Sul-Sul resultaria na vitória da candidatura

brasileira ao cargo de diretor-geral na OMC, eleição que evidenciou a queda de braço entre o

                                                                                                                         168 Segundo dados disponíveis de 2013, a Petrobras é a maior empresa brasileira em vendas líquidas e lucro, ainda que tenha reduzido seu valor na Bolsa de Valores de São Paulo, em razão dos escândalos de corrupção envolvendo a empresa e da quedas do preço do barril de petróleo no mercado internacional. Descarta-se o valor de mercado como método para apuração do tamanho de uma empresa por considerar-se que as ações estão sujeitas a práticas especulativas, capazes de aumentar ou diminuir drasticamente seu preço sem que haja uma real motivo para tal variação. Ver AS 100 maiores empresas do Brasil em 2013. Exame. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/100-maiores-empresas-do-brasil/2013/>. Ver também PETROBRAS cai para 3º entre as mais valiosas do Brasil. Terra, 8 dez. 2014. Disponível em: <http://economia.terra.com.br/petrobras-cai-para-3-entre-as-mais-valiosas-do-brasil,6f99ba6d85b2a410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. 169 Ver NINIO, M. Petrobras tem sido tímida em relação à China, diz representante da estatal. Folha de São Paulo, Beijing, 24 mai. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/05/1459401-petrobras-tem-sido-timida-em-relacao-a-china-diz-representante-da-estatal.shtml>. 170 Ver ORDOÑEZ, R.; ROSA, B. Petrobras fecha empréstimo de US$ 3,5 bilhões com banco chinês. O Globo, Rio de Janeiro, 1 ar. 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/petrobras-fecha-emprestimo-de-us-35-bilhoes-com-banco-chines-15752009>.

125

“Norte Global” e o “Sul Global”. Roberto Azevedo recebeu apoio massivo da América

Latina, da África e uma articulação favorável intensa por parte da China contra o mexicano

Hermínio Blanco, apoiado massivamente pela UE e pelos EUA. O resultado histórico daria a

vitória por 93 dos 159 votos ao brasileiro, em 8 de maio de 2013171, garantindo, pela primeira

vez, a vitória de um candidato contrário aos interesses europeus e americanos. O movimento

se soma à vitória de outro brasileiro, José Graziano da Silva, que se tornou diretor-geral da

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 1º de janeiro de

2012, sinalizando com uma ampliação do poder do “Sul Global” nas instituições

internacionais que não privilegiam o Norte com condições preferenciais de decisão.

Contudo, ainda que a participação de países emergentes e a promoção da cooperação

Sul-Sul tenham contribuído para ampliar seu poder de voto em algumas instituições, isso não

significa que as reformas pleiteadas no sistema financeiro internacional e na ONU tenham

deixado de ser apenas uma pretenção longínqua. Como apresentado ao longo desse trabalho,

os BRICS representaram um grande avanço em direção à institucionalização dos países

emergentes para a coordenação com o objetivo de definir estratégias conjuntas para fortalecer

suas posições. Contudo, a frustração em conquistar uma reforma capaz de democratizar o

FMI e o Banco Mundial, ampliando a participação do “Sul Global”, levou o grupo da instituir

o seu próprio banco de desenvolvimento, o NDB, e fundo de reservas, o CRA, demonstrando

claramente uma insatisfação desses países.

A percepção da incapacidade de adaptação, por parte das instituições financeiras

tradicionais, à nova realidade de poder no mundo começou a demonstrar uma redução de sua

relevância entre os países emergentes. A evidência disso é a iniciativa liderada pela China de

estabelecer um novo sistema financeiro mundial, composto não só pelas instituições

implementadas pelos BRICS, mas também pelo Fundo Rota da Seda e, principalmente pelo

AIIB, que surge como opção, não só frente ao FMI e Banco Mundial, mas também diante do

Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), sob influência japonesa. A própria perspectiva

de criação do AIIB suscitou declarações contrárias por parte dos Estados Unidos,

pressionando aliados para não aderirem ao Banco sob a justificativa de ausência de

transparência e governança.172

Contudo, essa não foi a primeira evidência de que o governo estadunidense agiria de

forma a conter as pretensões de ampliação do poder brando chinês. No discurso State of the                                                                                                                          171 Ver BONIS, G. "Escolha de Azevedo mostra confiança na liderança do Brasil", diz analista. Carta Capital, 8 mai. 2013. Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/economia/omc>. 172 Ver AIIB: US urges allies to think twice before joining. China Daily, Berlim/Washington, 18 mar. 2015. Disponível em: <http://www.chinadailyasia.com/business/2015-03/18/content_15240333.html>.

126

Union, proferido em 20 de janeiro de 2015, o presidente estadunidense Barack Obama não só

provocou a China no que diz respeito à sua suposta pretenção de estabelecer as regras para a

sua região geográfica, como reafirmou seu compromisso com a proposta de tratado de livre-

comércio com a Ásia, como transcrito a seguir: Hoje, nossas empresas exportam mais do que nunca, e os exportadores tendem a pagar aos seus trabalhadores salários mais altos. Mas, enquanto falamos, China quer escrever as regras para a região que possui o crescimento mais rápido do mundo. Isso colocaria nossos trabalhadores e as nossas empresas em desvantagem. Por que deveríamos deixar que isso aconteça? Nós devemos escrever essas regras. Devemos nivelar o campo de jogo. É por isso que eu estou pedindo ambas as partes para me dar autoridade de promoção comercial para proteger os trabalhadores americanos com fortes novos acordos comerciais desde a Ásia até a Europa ... que não são apenas livres, mas também são justos. (…) Na Ásia-Pacífico, estamos modernizando alianças enquanto assegurando que outras nações sigam as regras do jogo no modo como comercializam, como eles resolvem disputas marítimas, como eles participam no enfrentamento de desafios internacionais comuns, como a não-proliferação e auxílio de desastres.173

No discurso, Obama reafirmou seu compromisso com o processo de abertura

econômica da Parceria Trans-Pacífico (TPP), de liderança estadunidense e que excluiria a

China e a Rússia devido ao estabelecimento de normas extremamente rígidas de propriedade

intelectual, em oposição à proposta chinesa de Área de Livre-Comércio da Ásia Pacífico, que

abrangeria toda a região, sem invalidar os acordos de livre-comércio firmados previamente.

Entretanto, apesar da tentativa estadunidense de esvaziar a adesão internacional ao

AIIB, o que se pode observar foi o interesse de vários de seus aliados em ingressar como

membros fundadores do banco174, entre eles o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Itália, a

Nova Zelândia, a Austrália, a Coréia do Sul e, até mesmo, Taiwan, que apresentou sua carta

de ingresso ao escritório do Estado chinês localizado dentro do seu território, sinalizando com

o princípio de "Uma China”175. Dessa forma, apesar da atuação estadunidense, 46 Estados

haviam enviado pedido para constar entre os membros fundadores até o dia 1º de abril de

2015176, entre eles as quatro principais economias do BRICS, China (fundadora), Brasil,

Rússia e Índia, evidenciando o reconhecimento da capacidade de agregação das novas

potências emergentes.                                                                                                                          173 Transcrito e traduzido de OBAMA, B. H. 2015 State of the Union Address. 2015. Discurso. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cse5cCGuHmE>. 174 Ver WEIHUA, C. US losing by pressuring nations not to join Asia bank. China Daily, 16 mar. 2015. Disponível em: <http://www.chinadaily.com.cn/world/2015-03/16/content_19824559.htm>. 175 Ver TAIWAN files application to join AIIB. China Daily, Taipei, 31 mar. 2015. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/china/2015-03/31/content_19966426.htm>. 176 Ver CHUNYAN, Z.; YINAN, Z.; WEIHUA, C. 46 countries apply to AIIB. China Daily, Beijing/Washington, 1 abr. 2015. Disponível em: <http://usa.chinadaily.com.cn/world/2015-04/01/content_19965536.htm>.

127

A partir dessas observações, é possível constatar algumas das oportunidades de

ampliação da capacidade de barganha brasileira no sistema internacional a partir da

associação com a China, seja a conquista de cargos de grande visibilidade em instituições do

sistema internacional, ou seja pelo estabelecimento de instituições alternativas às tradicionais,

como o NDB, o CRA e o AIIB, ainda que não tenha sido publicizada até o presente momento

como será a estrutura de poder dentro do último. Por outro lado, a alteração do grau de

prioridade dado à política externa brasileira pelo governo Dilma fez com que o país perdesse

parte da influência que exercia na própria região em que é lider, a América do Sul. Diante da

inércia brasileira, e confirmando o provérbio de diz que “não existe vácuo de poder”, a China

aprofundou sua cooperação política, econômica e comercial com países sul-americanos.

Dessa forma, é possível concluir que a maior ameaça à inserção internacional brasileira reside

em sua própria introspecção, priorizando a política doméstica às relações internacionais.

128

BIBLIOGRAFIA

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