REPRESENTAÇÕES PSÍQUICAS DO PACIENTE COM PSORÍASE: DO DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO
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MAGNA GABRIELLA VIGANÓ
REPRESENTAÇÕES PSÍQUICAS DO PACIENTE COM
PSORÍASE: DO DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO
BAURU 2010
PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL
SECRETARIA DE ESTADO DA SAUDE COORDENADORIA DE RECURSOS HUMANOS
FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO - FUNDAP
MAGNA GABRIELLA VIGANÓ
REPRESENTAÇÕES PSÍQUICAS DO PACIENTE COM PSORÍASE: DO DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO
Monografia apresentada ao Programa de Aprimoramento Profissional/CRH/SES-SP e FUNDAP, elaborada no Instituto ―Lauro de Souza Lima‖, Divisão de Reabilitação. Área: Psicologia Clínica. Orientador: Dr. José Ricardo Lopes Garcia. Preceptora: Ms. Mariane da Silva Fonseca
BAURU 2010
FOLHA DE APROVAÇÃO
VIGANÓ, M.G. Representações psíquicas do paciente com psoríase: do diagnóstico ao tratamento
Monografia apresentada ao Programa de Aprimoramento Profissional/CRH/SES-SP e FUNDAP, elaborada no Instituto ―Lauro de Souza Lima‖, Divisão de Reabilitação. Área: Psicologia Clínica. Orientador: Dr. José Ricardo Lopes Garcia.
COMISSÃO EXAMINADORA
Dr. José Ricardo Lopes Garcia (Presidente) Instituto ―Lauro de Souza Lima‖ Daniela Aparecida Alves de Carvalho Psicóloga Instituto ―Lauro de Souza Lima‖ Deise Aparecida dos Santos Godoy Médica Dermatologista Instituto ―Lauro de Souza Lima‖ Rafael Mielli Rodrigues Bibliotecário Instituto ―Lauro de Souza Lima‖
Julgamento: _____________________ Assinatura:______________________ Julgamento: _____________________ Assinatura:______________________ Julgamento: _____________________ Assinatura:______________________ Julgamento: _____________________ Assinatura:______________________
Bauru, 14 de Abril de 2010.
Dedico este trabalho aos pacientes que confiaram
sua vida a mim nesse período de aprendizagem e
descobertas, e especialmente à paciente que se
sujeitou a participar desta pesquisa, pois, em sua
humildade e altruísmo, ofereceu a partilha de seu
sofrimento em busca de algo precioso: o auxílio ao
semelhante.
Agradeço imensamente àqueles que se fizeram
importantes em minha formação pessoal e
profissional, e que abrandaram os percalços desta
caminhada...
O homem não tem um corpo separado da alma.
Aquilo que chamamos de corpo é a parte da alma
que se distingue pelos seus cinco sentidos.
William Blake
RESUMO A maneira como o paciente compreende sua doença é fundamental para que desenvolva maneiras de lidar com seu adoecimento. Este estudo tem como objetivo analisar as representações psíquicas do paciente com psoríase, que compreende seu universo simbólico através do qual ele dá sentido às suas experiências, verificando de que maneira tais concepções influenciam no seu tratamento. Para isso, foi realizado um estudo de caso, e através de uma entrevista semi-estruturada, foram abordadas as percepções da paciente diante dos diferentes momentos do processo de adoecimento e o percurso do seu tratamento, as quais foram analisadas de acordo com a metodologia da pesquisa clínico-qualitativa e com o referencial teórico psicanalítico. Palavras-chave: Representação psíquica, psoríase, diagnóstico, tratamento.
ABSTRACT The manner in which a patient understands his or her illness is fundamental in the development of means of dealing with his sickness. This study aims to analyze the psychological representations of patients with psoriasis, which comprises their symbolic universe through which they give meaning to their experiences, verifying how these conceptions influence their treatment. To accomplish this, a case study was undertaken, and through a semi-structured interview, the patients‘ perceptions about the different stages in his process of illness and the course of his treatment were studied and these were then analyzed according to the clinical-qualitative research methodology and psychoanalysis. Key-words: Psychological representation, psoriasis, diagnosis, treatment.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10
1.1 Considerações sobre a patologia...................................................... 12
1.2 A Psicossomática e a psoríase......................................................... 15
1.3 Justificativa do estudo....................................................................... 18
2 OBJETIVOS ...................................................................................................21
3 METODOLOGIA ............................................................................................ 23
3.1 Sujeitos da pesquisa......................................................................... 23
3.2 Instrumentos de coleta de dados...................................................... 24
3.3 Procedimentos éticos........................................................................ 24
3.4 Procedimento de análise................................................................... 25
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ...................................................... 27
4.1 O surgimento dos sintomas.............................................................. 27
4.2 O diagnóstico.................................................................................... 30
4.3 O tratamento..................................................................................... 32
4.4 A psoríase......................................................................................... 36
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 44
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 47
APÊNDICES E ANEXOS ................................................................................. 51
10
1 INTRODUÇÃO
A Psicologia aplicada à área da saúde, enquanto campo que visa
compreender o fenômeno saúde-doença dentro de uma perspectiva integrativa
do ser humano, considera os aspectos biopsicossociais deste no processo de
adoecimento. No Instituto ―Lauro de Souza Lima‖ (ILSL), o trabalho realizado no
setor de Psicologia tem se pautado dentro desta perspectiva, uma vez que
abarca atendimentos inter e multidiscilpinares, nos âmbitos ambulatorial,
hospitalar e reabilitacional.
Dentro da rotina de trabalho, foca-se o processo de adoecimento do
paciente e seus recursos para enfrentamento, dentro de uma compreensão
integrativa. Assim, não é considerada apenas a doença do paciente, mas
também sua história, suas concepções, suas perspectivas, juntamente com as
conseqüências desse adoecimento para sua vida. É abordado o processo
saúde-doença, dentro de concepção mais ampla, em detrimento do
reducionismo que implicaria manter o foco apenas sobre a doença.
Quando a pele apresenta uma lesão, compreende-se que não é
apenas a pele que adoece, e sim o sujeito, como um todo. Psicodermatologia é
a área que tem como objetivo estudar quadros dermatológicos que advém da
relação do psiquismo com a pele. Em parte, acredita-se que o paralelismo
observado entre a pele e o psiquismo encontra explicação no fato que a
epiderme e o sistema nervoso têm a mesma origem embrionária, a ectoderme
(AZULAY & AZULAY, 2008). Após a diferenciação do sistema nervoso no tecido
ectodérmico, o restante do revestimento torna-se pele e seus derivados;
portanto, podemos considerar a pele como sendo uma parte exposta do
sistema nervoso (MONTAGU, 1988).
Os manuais de Dermatologia, no entanto, ao descreverem a relação
entre pele e psiquismo, o fazem classificando as doenças psicodermatológicas
em basicamente três categorias: psicogênicas (primariamente psíquicas);
psicossomáticas (primariamente orgânicas); e influenciadas por variáveis tanto
psicossomáticas quanto somatopsíquicas (AZULAY & AZULAY, 2008;
11
BECHELLI & CURBAN, 1988; CUCÉ & FESTA NETO, 2001; SAMPAIO &
RIVITI, 2007; WOLFF et al. 2007;). Assim sendo, o fenômeno do adoecimento é
compreendido de maneira unilateral, sendo implícito um modelo dualista de
compreensão da relação mente-corpo. Determina-se uma relação de
causalidade entre eventos, que ora seguem a via mente-corpo, ora a via corpo-
mente.
A proposta da Psicologia aplicada à saúde é justamente a
compreensão integrativa do ser-humano, o que implicaria numa visão monista
desta relação. A aceitação do monismo não implicaria na negação do corpo ou
da mente, mas no entendimento que eles ocorrem epifenomenologicamente.
Isso implicaria na compreensão do adoecimento não de maneira unilateral, mas
sim, multilateral, com fenômenos psíquicos e orgânicos inter-relacionados.
Observando a classificação proposta em tais manuais, a psoríase
está caracterizada ora como doença dermatológica psicossomática (SAMPAIO
& RIVITI, 2007; WOLFF et al. 2007), ora como doença influenciada por
variáveis psicogênicas (AZULAY & AZULAY, 2008; BECHELLI & CURBAN,
1988; CUCÉ & FESTA NETO, 2001). A classificação da psoríase como doença
psicossomática compreende que o processo de adoecimento orgânico é
desencadeado ou agravado por fatores psíquicos; a manifestação dos sintomas
segue a via mente-corpo, e por essa concepção, o papel do psicólogo se
delimitaria à função de ‗curador‘, uma vez que estaria atuando na ‗origem‘ do
adoecimento. Quanto à classificação de doença influenciada por variáveis
psicogênicas, compreende que há um adoecimento orgânico presente,
independente dos processos psíquicos, mas que tais processos podem
influenciar o curso da doença; o papel do psicólogo ficaria restrito ao campo da
possibilidade.
Por um lado, é compreensível que essas incongruências ocorram
pelo fato de que ainda não foi possível compreender completamente a psoríase,
como será discutido adiante, mas também se pode concluir que em decorrência
disso, é possível encontrar profissionais que compartilham diferentes visões a
respeito das influências psíquicas no surgimento e desenvolvimento da
psoríase. Essas visões, por sua vez, moldam a sua prática profissional, pois
estabelecem no modo como este profissional compreende o adoecimento do
12
paciente. E é através deste profissional que o paciente adquire informação a
respeito de seu adoecimento que irão formar a sua base de conhecimentos e
representações psíquicas que direcionam seu enfrentamento diante da doença,
e conseqüentemente, nas ações orientadas para seu tratamento.
1.1 Considerações sobre a patologia
A psoríase é uma doença de evolução crônica e recorrente,
inflamatória e multissistêmica, cuja etiologia ainda é desconhecida e cuja
patogênese ainda é pouco esclarecida. É tida como uma afecção cutânea,
caracterizada por lesões róseas ou avermelhadas na pele que, geralmente,
possuem bordas externas delimitadas. Às vezes observa-se também o
comprometimento articular.
A primeira manifestação da psoríase pode ocorrer em qualquer
idade, mas comumente inicia entre a segunda e a terceira década de vida,
tendo distribuição semelhante entre ambos os sexos. O quadro clínico pode
variar muito em cada paciente, no entanto, as características básicas da
psoríase permanecem as mesmas, ocorrendo sempre eritema, escamação e
elevação na área das lesões, seja ela uma única pápula ou uma extensa placa.
O diagnóstico é prioritariamente clínico, uma vez que não há
exame laboratorial que diagnostique o quadro, ou seja, não há um marcador
biológico da psoríase. Alguns exames complementares, como o histopatológico
(biópsia), são úteis para confirmação do diagnóstico clínico, apesar do quadro
histológico não ser específico, é bastante sugestivo pois evidencia a
vasodilatação e o infiltrado inflamatório perivascular (NEVES, 2009).
As formas de apresentação clínica apresentadas pela Sociedade
Brasileira de Dermatologia no Consenso Brasileiro de Psoríase 2009 são as
seguintes:
a) Psoríase Vulgar ou em placas: é encontrada em quase 90% dos
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pacientes, variando a gravidade conforme período de vida em que o quadro se
inicia. A psoríase de início tardio se apresenta com placas típicas, em áreas de
maior trauma da pele e tem evolução crônica e estável. A psoríase de início
precoce, principalmente a que surge antes dos 15 anos de idade costuma
apresentar curso irregular e instável, maior número de lesões, maior dificuldade
terapêutica, histórico familiar de psoríase.
b) Psoríase em gotas ou gutata: ocorre em cerca de 2% dos
pacientes, caracteriza-se por uma erupção aguda, com múltiplas lesões em
pápulas eritematoescamosas no tronco e membros, acometendo adolescentes
e adultos jovens, sendo que 56% a 85% dos doentes apresentam evidências de
infecção estreptocócica de 1 a 2 semanas antes do início do quadro.
c) Psoríase eritrodérmica: é uma forma grave e generalizada da
doença, na qual há eritema generalizado, ocorrendo febre e comprometimento
sistêmico. Esse quadro pode surgir devido à agudização de outras formas de
psoríase, geralmente precipitada por algum fator de piora.
d) Psoríase pustulosa: são formas de manifestação da psoríase onde
as lesões típicas não estão presentes, podendo ser subclassificadas em:
d1) psoríase pustulosa generalizada: sobrevém em pacientes
de psoríase vulgar submetidos a algum fator de piora, caracterizando-se
por febre alta, erupção súbita generalizada posteriormente com pústulas
superficiais e estéreis afetando tronco e membros, além de apresentar
manifestações sistêmicas.
d2) psoríase pustulosa em placas: corresponde à uma forma
localizada de psoríase pustulosa, observando-se lesões anulares com
eritema e pústulas, sem qualquer manifestação sistêmica.
d3) pustulose palmoplantar: é uma manifestação crônica e
recorrente, onde ocorrem surtos de pústulas de 2 a 4 mm que aparecem
sobre a pele de palmas e/ou plantas, acometendo indivíduos adultos, em
sua maioria tabagistas, mais freqüentemente em mulheres, sendo
ausentes manifestações sistêmicas.
d4) acrodermatite contínua de Hallopeau: é uma forma crônica
e rara da psoríase, sem tendência à remissão espontânea; pústulas são
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vistas nas pontas dos dedos, se estendendo aos pododáctilos, formam
lagos de pus, podendo comprometer no leito e matriz ungueal, levando à
perda das unhas.
e) Psoríase artropática: quando a psoríase ocorre em curso com a
artite; a incidência dessa patologia nos psoriáticos é de cerca de 10% a 20%,
mas não há estudos que relacionem uma freqüência conforme a forma clínica
da doença.
Fatores de piora ou agravamento do quadro incluem traumas,
alterações climáticas, infecções estreptocócicas, tabagismo, alcoolismo,
medicamentos (lítio, betabloqueadores, antiinflamatórios não hormonais,
antimaláricos, retirada de corticóides) e estresse (FABRÍCIO, 2009).
Com relação à gênese da patologia, ainda não há consenso sobre
sua etiologia. Foi observado que o ciclo evolutivo das células epidérmicas é
mais rápido no paciente psoriático do que em pessoas normais, o que leva à
grande produção de escamas, decorrentes da imaturidade das células
produzidas. Enquanto uma célula epitelial normal tem um ciclo de
aproximadamente treze dias, a do paciente com psoríase é de apenas cinco
dias (AZULAY & AZULAY, 2008). No entanto, o conceito de que o principal
mecanismo fisiopatológico tenha por base a epidermopoiese acelerada já não
pode ser mais aceito. Devido aos avanços em estudos nas áreas de
imunologia, clínica e terapêutica, acredita-se que a psoríase seja uma doença
imunologicamente mediada (ROMITI, 2009).
O tratamento da psoríase inclui medicação sistêmica e tópica,
apenas para controle da doença. A cura da psoríase ainda não é conhecida,
uma vez que seus mecanismos ainda não foram completamente descritos.
Diante disso, o paciente pode se perceber diante de um impasse,
pois sua cura não será garantida, nem mesmo com o tratamento. Por qual
razão alguém se empenharia em uma série de ações cujos resultados são
incertos? O que o paciente espera do tratamento? São questões que
evidenciam o caráter subjetivo da vivência do processo saúde-doença.
Além do mais, o que o paciente compreende como ―tratamento‖
depende de suas concepções a respeito da doença, sobre suas causas e
15
conseqüências e das implicações disso na sua vida. Novamente, lida-se com a
dimensão subjetiva, que direciona o sujeito na busca da compreensão do que
lhe acomete e do que vai fazer com isso. E o que ele compreende pode estar
sob interferência de diversas variáveis.
A escolha do paciente psoriático para este estudo se justifica pela
alta prevalência da psoríase dentre as demais psicodermatoses, atingindo em
torno de 0.1 a 3% da população mundial (WOLFF et al. 2007). Trata-se de uma
manifestação dermatológica que pode trazer diversas dificuldades no cotidiano
dos pacientes como insatisfação com relação à aparência física, dificuldades
nos relacionamentos interpessoais e na vida social, que geram sentimentos
negativos como discriminação, inadequação e insatisfação frente à aparência
física ( LOUREIRO & OKINO, 2002MINGNORANCE).
1.2 A psicossomática e a psoríase:
Atualmente, devido à influência do movimento psicossomático, é
sabido que a etiologia e desenvolvimento das doenças possam ter influência
multifatorial, onde se observa uma interdependência entre os diferentes
aspectos do ser-humano no processo saúde-doença. Considerou-se, neste
estudo, saúde e doença enquanto processo e não um produto, assim, não é
possível uma análise que aprecie esses aspectos apartadamente.
Lamosa (1987) afirma que:
A psicossomática está apoiada nos mecanismos fisiológicos que servem de intermediários entre os fatores psicológicos e as funções de papéis dos acontecimentos marcantes na vida do individuo e sobre suas reações psicofisiológicas a esses eventos, que, certamente, influenciarão a etiologia, evolução e aparecimento de um grande número de doenças físicas
Mediante tal argumento, sugerindo que os estados psíquicos das
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mais diferentes etiologias favoreçam o desenvolvimento de doenças no sistema
orgânico do homem, é imprescindível que haja parcimônia na constatação de
que todo e qualquer adoecimento seja causado por influência de fatores
psicogênicos. Isso porque corre-se o risco de responsabilizar o próprio paciente
por tudo o que lhe acontece. Como anteposto, a psoríase é multifatorial,
necessariamente precisa estar aliada a outros fatores para manifestar-se, como
os ambientais, genéticos, comportamentais.
Diversos estudos concluem que fatores emocionais estão presentes
na constituição da psoríase, por este motivo, não há questionamentos quanto à
influência de componentes psicológicos no surgimento e evolução da mesma.
Portanto, não se pode atribuir uma relação linear de causa e efeito entre fatores
psicológicos e a emergência dos sintomas, mas é admissível definir o campo
em que essas forças interatuam, podendo tornar-se parte significativa na
constelação de fatores que se relacionam à patologia.
Dentro desta proposta, Chiozza (1997) aponta as dificuldades nas
resoluções afetivas como um dos aspectos envolvidos no surgimento da
psoríase. Segundo o autor é possível que para o doente psoriático exista uma
carência precoce de experiências relacionadas com a pele, que é vivenciada
como uma frustração afetiva, uma ‗fome de carícias‘. Fantasias de abandono,
rejeição e perda do objeto idealizado são observadas em tais pacientes.
A pesquisa de Kathalian e Rosa (1995) sobre manifestação de
psoríase em crianças espancadas constatou que fatores psíquicos estavam
presentes de forma expressiva nas situações de internação e agravamento das
lesões, sendo que a angústia de separação estava presente em todos os casos.
A história prévia traumática foi determinante para o surgimento de lesões na
área submetida ao trauma do espancamento, que foi vivenciado pelos
pacientes como sinal de rejeição. Os autores descrevem as separações, falta
de apego e perdas na gênese da psoríase.
Essas duas pesquisas, portanto, indicam as dificuldades no
estabelecimento e manutenção dos vínculos afetivos como variável relevante
no surgimento e evolução da psoríase. Outros aspectos também foram
considerados, como nas pesquisas sobre características de personalidade na
gênese da psoríase.
17
Patrús e Santos (1993) concluem que as queixas dos pacientes
psoriáticos são significativamente maiores que no grupo controle, e que as
queixas de fundo emocional à época do aparecimento das lesões são menores
que durante seu curso, o que leva a questionar se durante o curso da doença
as dificuldades do controle terapêutico somadas às dificuldades pessoais
decorrentes não resultariam em mais problemas emocionais.
De acordo com Mac Fadden (1993) as características de
personalidade do indivíduo psoriático diferem, significativamente, em relação à
população normal testada, revelando que possuem dinamismos imaturos, com
prevalência de impulsos instintivos primários. Tendem a reagir no plano afetivo
com mudanças bruscas de humor, agressividade, com baixa adequação à
realidade externa.
Em outro estudo (GARTNER, 1998) constata-se que os indivíduos
psoriáticos possuem maiores dificuldades para superar perdas e lidar com
frustrações; mantém atitudes passivas, revelam maior sensibilidade às
dificuldades da vida, evidenciando maior angústia diante dos conflitos. Ademais
possuem dificuldades para assumir atitudes ativas nas relações, como
estivessem sempre à espera de alguém que lhes ajudasse a expressar seus
sentimentos. Apresentam tendência ao sofrimento, ocorrendo maior
interferência dos mecanismos de controle e repressão.
Catropa (1986) em sua pesquisa realizada através do teste de
Rorschach cita que é possível constatar que o psoriático possui estrutura de
ego frágil, caracterizada pela ausência de identidade própria, autonomia e auto-
afirmação. Lipp e Mac Fadden (1995), utilizando-se do mesmo teste,
concluíram que a dinâmica afetivo-emocional do psoriático favorece uma
pobreza de recursos subjetivos, impedindo que esses pacientes ajam de
maneira produtiva. ―A inassertividade, a dificuldade e a inadequação em
mostrar afetos demonstram traço de personalidade: agressividade e tensão‖
(p.414).
Ainda no mesmo estudo, as autoras apontam que algumas
características psicológicas encontradas nesses pacientes tornam-os
vulneráveis ao estresse, o que os leva à somatização. O estresse é uma das
variáveis mais pesquisadas, e tais estudos o apontam como um importante fator
18
para surgimento e agravamento da psoríase.
Lipp et. al. (1996) realizaram uma pesquisa em que a análise prévia
indicou que 87% dos pacientes tinham sintomas de estresse excessivo e que
todos recordavam de um evento altamente estressante durante a primeira
manifestação de psoríase; além disso, possuíam características pessoais
consideradas favoráveis ao estresse.
Em outra pesquisa, Souza et. al. (2005) apontam fatores
mencionados como desencadeantes ou agravantes da psoríase e vitiligo, que
remetem a situações de estresse. Entre os fatores mais freqüentes, estão os
relacionados às perdas (mortes e separações), seguido pelos eventos
estressores imprevisíveis (sinistros, violência) e problemas familiares
(dificuldades de relacionamento).
Estes estudos demonstram alguns dos fatores psicológicos que
interferem no curso da psoríase, mas de maneira alguma, sugerem que tais
processos ocorrem isolados de um contexto mais amplo. Partindo de uma
perspectiva que compreende o ser-humano como uma unidade, descarta-se
qualquer prerrogativa de dissociação entre mente e corpo.
Assim, é pressuposto que não é através de uma relação de causa-
efeito que se observam os fenômenos psicológicos interferindo na evolução da
doença, ainda que as conclusões de tais estudos apontem uma relação entre
os fatores pesquisados e o curso da psoríase, não há sinalização que tal
relação seja de causalidade.
1.3 Justificativa do estudo
A importância deste estudo consiste na análise das representações
dos pacientes, compreendendo a realidade psíquica que possuem a respeito da
doença, focando em sua experiência desde o diagnóstico – e
conseqüentemente, no seu tratamento.
19
A psicologia psicanalítica é a abordagem teórica que visa
descrever e explicar o funcionamento psíquico implícito na formação do
inconsciente, cuja análise mostrava o desdobramento da vida mental em dois
conjuntos, que se referem ao campo da representação ao campo do
pensamento. A psicanálise considera as representações como conteúdos, que
se originam da percepção, e são concebidas como unidades mentais —
fundamentalmente imagens psíquicas de objetos e sensações exteriores ao
aparelho psíquico (THÁ, 2004).
Essas representações psíquicas são responsáveis pela formação
do universo simbólico do indivíduo, através do qual ele interpreta a realidade
que capta pelas experiências sensoriais. Se o sujeito interpreta o mundo de
acordo com seu universo simbólico, suas concepções prévias embasam sua
experiência atual.
A compreensão do psiquismo, através das representações, delimita
um campo de pesquisa amplo, pois dependendo dos objetivos do pesquisador,
é possível atingir diferentes níveis de aprofundamento. Este estudo focalizará
as representações do paciente com psoríase, investigado as suas concepções
prévias a respeito da doença, o processo de adoecimento até o momento do
diagnóstico, o enfrentamento após sua confirmação, e as concepções atuais
que possui a respeito da psoríase, relacionando tais representações ao
engajamento atual em ações voltadas para seu tratamento.
21
2 OBJETIVOS
Analisar as representações psíquicas do paciente com psoríase a
respeito de sua doença, desde o momento do diagnóstico, relacionando essas
concepções ao seu tratamento.
23
3 METODOLOGIA
3.1 Sujeitos da pesquisa
Para a escolha dos sujeitos da pesquisa, foi elaborado um perfil, com
critérios adstritos, de maneira a considerar os objetivos deste estudo. Assim
sendo, a amostra deveria incluir pacientes de ambos os sexos, portadores de
psoríase de qualquer subtipo, com diagnóstico confirmado há no mínimo 1 ano
e no máximo 5 anos, com faixa etária situada entre os 20 e os 40 anos.
Deveriam ser excluídos da pesquisa pacientes fora do perfil desejado, além de
pacientes que sofressem com qualquer outra patologia de curso crônico não
relacionada à psoríase.
Através de pesquisa no Setor de Arquivo Médico e Estatística
(SAME) foi feito um levantamento intencional de pacientes que preenchessem
os critérios para participação da pesquisa. Esses pacientes foram contatados
através de telefonema, receberam explicações sobre o presente estudo e foram
convidados a comparecer no ILSL em horários agendados. Como poucos
pacientes se disponibilizaram a comparecer no Instituto, amortizou-se a
amostragem inicialmente prevista, optando-se por um estudo de caso
aprofundado sobre a temática investigada, assim, apenas um sujeito foi
selecionado para a realização desta pesquisa.
O sujeito escolhido para a pesquisa é do sexo feminino, possui 27
anos, é do lar, está em seu segundo casamento, não possui filhos. Compareceu
ao ILSL para sua primeira consulta no Ambulatório de Atendimento Médico em
01 de julho de 2008, encaminhada pela Unidade Básica de Saúde da cidade de
Brotas/SP, tendo recebido alta no dia 15 de setembro de 2009. Seu diagnóstico,
desde a primeira consulta, é de psoríase vulgar, tendo evoluído com artrite
psoriática durante período que esteve em acompanhamento no Ambulatório.
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A paciente teve sua identificação mantida sob sigilo, conforme
determinam os preceitos éticos, e neste estudo, recebeu o nome fictício
―Diana‖.
3.2 Instrumentos de coleta de dados
Para a coleta de dados, foi realizada uma entrevista semi-
estruturada, cujo roteiro foi elaborado pelos autores deste estudo. (APÊNDICE
A). O relato foi gravado com o consentimento da participante e posteriormente,
transcrito para a análise.
A entrevista foi realizada individualmente no mês de Dezembro de
2009, nas dependências da Divisão de Reabilitação, em sala de atendimento do
Serviço de Psicologia.
3.3 Procedimentos éticos
A paciente que concordou em participar da pesquisa assinou o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B) que descreve o
projeto no qual o sujeito participa, expondo sua finalidade, procedimentos e
instrumentos aos quais se submeterá. A realização da pesquisa foi orientada
pelos preceitos éticos da Resolução n° 196/96 CNS/CONEP (BRASIL, 1996)
que incorpora os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não
maleficência, beneficência e justiça, e que visa assegurar os direitos e deveres
inerentes à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
Para realização da pesquisa, foi concedida autorização da Comissão
Científica do Instituto Lauro de Souza Lima (ANEXO A) e do Comitê de Ética da
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mesma instituição (ANEXO B).
3.4 Procedimento de análise
Será utilizado o método de pesquisa clínico-qualitativo, que busca
dar interpretações a sentidos e significações trazidos pelos indivíduos a respeito
dos fenômenos investigados (TURATO, 2003), e permite boas condições para
compreensão do conteúdo psíquico e a viabilização de interpretações. Este
método, por sua característica, propicia a atitude clínica no momento da
pesquisa, que implica na aproximação e acolhida do paciente diante do seu
sofrimento.
As falas e depoimentos colocam os indivíduos enquanto agentes de
suas histórias e como participantes de vida social, podendo revelar
representações que têm de si mesmos, bem como as que acreditam que os
outros têm deles.
A entrevista de coleta de dados seguirá um roteiro semi-estruturado,
pois de acordo com o método, é necessária uma postura flexível do
pesquisador, para que possa ampliar a apreensão dos conteúdos no contato
com o entrevistado ao mesmo tempo em que mantém uma atitude clínica com o
mesmo.
A análise do conteúdo, bem como a própria execução da entrevista,
foi orientada pelo referencial teórico psicanalítico, e os dados foram analisados
com o intuito de responder aos objetivos desta pesquisa.
As declarações da participante obtidas na entrevista foram
registradas, transcritas e categorizadas respeitando-se critérios qualitativos na
análise dos dados coletados. Os conteúdos, então, foram organizados de
acordo com os momentos vividos durante o processo de adoecimento:
surgimento dos sintomas, diagnóstico e tratamento.
27
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
O aspecto central deste estudo consiste em compreender as
representações psíquicas do paciente com psoríase, e de que maneiras tais
representações mediam, ainda que no campo subjetivo, a busca e a adesão ao
tratamento. O tratamento dos dados obtidos na entrevista será orientado para
responder aos objetivos desta pesquisa, portanto, trata-se de um fragmento da
totalidade que implicaria a análise de um indivíduo.
Em busca de tal compreensão, a análise será apresentada nos
diferentes momentos que a paciente vivenciou durante o seu adoecimento.
Essa divisão será realizada para melhor clarificar a exposição dos conteúdos
apreendidos durante a coleta de dados, nesse sentido se fez necessário relevar
que os conteúdos psíquicos não se sujeitam a tal temporalidade. Isso porque,
no campo das representações, lida-se com conteúdos nem sempre acessíveis à
consciência, e o inconsciente desconhece o tempo, a negação e a contradição.
4.1 O surgimento dos sintomas
Diana tem 27 anos de idade, vive um segundo relacionamento após
um casamento frustrado, é do lar, não tem filhos. Já realizou alguns trabalhos
temporários, mas atualmente não está buscando emprego por conta dos
sintomas da doença. A psoríase surgiu em sua vida há cerca de três anos, no
entanto, ela relata que já havia notado a presença de alguns sintomas
anteriormente, que foram tratados por outro diagnóstico. Nessa época de sua
vida, morava com seu primeiro esposo, e, segundo suas percepções, vivia um
casamento conturbado. Foi quando suas lesões começaram a evoluir, e ela
procurou ajuda médica.
28
Compreender como os sintomas surgiram e foram apreendidos pela
paciente, bem como sua primeira reação diante da doença torna possível o
desvelamento de conteúdos psíquicos da paciente que a mesma ainda não
havia tomado consciência.
Ao lidar com as lesões na pele, ao alcance de sua visão e de seu
julgamento, Diana busca uma explicação para seus sintomas:
[pensou]1 que era seborréia, que eram as médicas de Brotas que
falavam que era, porque começou na cabeça, como um cascão que foi descendo. Eu fiquei muito tempo com isso, aí quando casei, fui morar junto que espalhou”
A primeira noção que ela apresenta sobre os sintomas iniciais
responde ao parecer do médico que a avaliou, Diana acreditava que se tratava
de seborréia, e convive com este diagnóstico por ‗muito tempo‘. Isso não a
incomoda até que ‗se espalha‘ e ‗desce‘ pelo corpo. Então ela buscou
novamente ajuda médica num outro serviço:
tinha a suspeita, mas os médicos de Brotas já sabiam. Uma dermatologista que eu fui [...] ela falou que era psoríase, mas eu não fazia idéia do que era. Aí ela diagnosticou, não tinha tratamento certo, nenhum remédio tinha dado certo
Com a suspeita de psoríase, a paciente continua se deparando com
problemas para controlar os sintomas. Nesse momento, ela parece se
preocupar mais com os resultados do tratamento do que com o diagnóstico em
si. Ainda tentando lidar com tais sintomas, Diana busca outro médico que lhe
indica um tratamento, no qual ela interfere deliberadamente, pois era o único
capaz de ‗sumir‘ com as lesões.
Aí eu tomei cortisona demais, porque era a única maneira de sumir com a psoríase [...] Um médico receitou cortisona, aí ele receitou um comprimido, só que eu tomei por conta. Aí espalhou pelo meu corpo inteiro, [...] então eu tomava, porque você pensa, você fica desesperada, né?
1 Acréscimo dos autores, o termo está implícito na verbalização da entrevistada.
29
No entanto, Diana ainda não satisfeita, consulta novamente um
médico: ―Eu fui num dermatologista que nem me examinou, falou que não tinha
causa a psoríase, e não adiantava nada, mesma coisa que água‖
Na busca do seu alívio, ela buscou diversos profissionais, cada qual
com atitudes próprias intuídas pela paciente. Estes profissionais apresentaram
a patologia à paciente considerando o entendimento que possuem, e, como
anteposto, isso implica em visões diferentes a respeito do fenômeno
psicossomático. Considerando que o modo como a paciente recebe o
diagnóstico posteriormente subsidia suas representações, trata-se de um
momento crucial, que repercutirá na maneira que a paciente irá lidar com
experiências subseqüentes.
Na tentativa de buscar um sentido, pode se destacar no seu relato,
situações em que isso se torna evidente, como quando um dos médicos
perguntou ―se já tinha resolvido meu problema‖, ou quando ―o dermatologista
nem me examinou‖.
Quando ela reclama da conduta médica por não tê-la examinado, é
possível observar sua reação de indignação diante de tal atitude do médico. O
fato do médico não ter lhe examinado representa para Diana a falta de cuidado
consigo, e a confirmação de que nada poderia ser feito para sua melhora.
E é uma coisa que você toma um remédio, não funciona, toma outro, não funciona... Se tivesse algo que dependesse de você, porque tem médico que fala que depende de você, mas não depende! Tem coisas que você não consegue controlar.
Quando ela afirma que o controle da doença não dependia de suas
ações, acaba excluindo sua responsabilidade no controle da mesma. Falta-lhe
um objeto no qual investir; a falta de clareza do objeto cria uma reação de
defesa, ou seja, ela não sabia qual rumo tomar no que diz respeito aos
cuidados, mesmo porque não conseguia identificar o que estava acontecendo
consigo. A doença a fez entrar em contato com o desconhecido, ou melhor,
com o inacessível ao seu consciente.
30
A falta de definição do diagnóstico gerou uma busca contínua da
paciente com o objetivo de explicar o que estava acontecendo consigo. A busca
pela identificação caracteriza um desejo de ser reconhecida, especialmente
diante do que é não é conhecido. O desconhecido resvalava entre a informação
médica à qual teve acesso e a representação que lhe era familiar. A dúvida
parece ter sido o parâmetro inicial de identificação, pois a paciente continuava
buscando um diagnóstico no qual se apoiar.
4.2 O diagnóstico
Quando o paciente recebe a confirmação do diagnóstico, se
questiona sobre o impacto em sua qualidade de vida. Os indivíduos que são
informados sobre a sua condição alteram a percepção subjetiva sobre sua
saúde, que acabam interferindo no modo como lidam com sua vida de maneira
geral.
O diagnóstico é o momento da revelação que leva a paciente a reagir
de uma determinada maneira. Nessa investigação pudemos observar que ela
exprime uma reação na qual estão impregnados conteúdos que expõem seu
imaginário sobre a doença. No caso de Diana, não houve uma reação
específica diante do diagnóstico de psoríase, mas emergiram preocupações
relacionadas às fantasias que possuía a respeito da doença.
Minha preocupação era assim, se eu tivesse um filho, se iria nascer com psoríase, porque é uma doença muito difícil, dá pra controlar, mas é triste. Eu pensava ‘se meu filho nascer com complicação?
Nessa frase, Diana verbalizou a angústia de poder causar no outro o
sofrimento que lhe foi causado, medo de perpetuar a doença em um filho que
sequer estava planejando gerar. Ademais, ela declara que sentiu ―alívio dela
não ser uma doença contagiosa, dela não passar se a pessoa relar em você‖.
31
Nesse momento, Diana expõe aquilo que dizia desconhecer. O
‗alívio‘ é sentido como resposta a algo que angustia, portanto, existe uma
representação prévia, manifesta quando Diana relata sua preocupação de
transmissão genética ou por contato. Suas fantasias remetiam à doença como
contagiosa ou hereditária, algo que se pode repassar, mas também algo que se
possa adquirir. Eis que ela encontra uma justificativa para sua patologia: algo
que lhe foi transmitido, que alguém lhe causou.
Eu era casada legalmente, sabe aquele casamento que briga todo dia, passa muito estresse? Foi daí que eu comecei com a psoríase, não tinha nada [...] Era assim, eu voltava pra casa
2, sumia. Eu voltava pro
casamento, ela voltava.
Diana se apóia nessa explicação para compreender a psoríase.
Em certo momento, ela fala que ―aquele casamento era psoríase‖. Na busca de
entender o que passava consigo, atribui ao casamento a causa de seu
adoecimento. E, além disso, afirma que seu casamento é a sua doença,
confundindo a causa com o efeito.
O casamento é uma relação, em que ela se apóia no outro, o marido,
para projetar aquilo que lhe é abjeto, ou seja, refere a uma ausência de
separação entre o que é seu e do outro. Essa pode ser compreendida como
uma representação sobre a doença em que associa o mal-estar causado pelos
sintomas a seu sofrimento. Assim podemos observar que ela se apóia nessa
relação para refutar aquele conteúdo que não consegue lidar como sendo
próprio dela mesma.
Conforme discorre Freud, no texto ―O sentido dos sintomas‖
(1916-17), um sintoma é considerado uma formação do inconsciente que tenta
romper e retornar ao consciente. O sintoma se manifesta, então, como algo
reprimido que retornou, através de uma linguagem cifrada e não acessível, mas
que ao mesmo tempo remete ao desejo inicial que foi reprimido, ou seja, ele
revela e esconde simultaneamente sua própria origem. Considera-se que esse
2 Nesse caso, quando ela relata que voltava para casa, se refere à casa da mãe, em detrimento da casa
onde vivia com o marido.
32
processo de repressão ocorre por serem tais conteúdos representações
inaceitáveis ao consciente.
Assim, compreende-se que, um sintoma revela algo que possui um
sentido próprio do psiquismo da pessoa que adoece. A angústia que a paciente
expressava com a manifestação dos sintomas é a mesma de ter que lidar com
tais conteúdos reprimidos que são expressos na doença. O desejo de ―sumir
com a psoríase‖ era uma tentativa de sumir com aquilo que ela significava.
Dessa maneira, quando a paciente recebe, finalmente, um diagnóstico
nosológico, encontra explicação para seu adoecimento, e um objeto onde
investir, com isso, se esquiva de entrar em contato com a linguagem do
psiquismo. O diagnóstico confere uma justificativa que oculta o sentido dos
sintomas.
4.3 O tratamento
Sucedido ao diagnóstico, há a proposição de tratamento. Há de se
convir também que o paciente, quando em relação com a equipe ou com a
Instituição, nutre expectativas, que de alguma maneira, representam suas
fantasias a respeito de todo o processo, desde quando surgem as lesões até o
momento da intervenção. Tais expectativas são constituídas a partir das
representações que ela apresentava previamente ao diagnóstico. Para Diana, o
tratamento proposto inicialmente frustrou suas expectativas.
Quando eu vim aqui também, passou só um creme pra mim, eu queria um remédio de tomar, achava que o creme não ia funcionar... porque você já usou tanto remédio, e voltou, aí pensa que não vai funcionar.
Ela questionou a proposta terapêutica sugerida pelo médico, no
entanto ela não apresentou essa postura durante a consulta. 'Engoliu' as
palavras, assim como desejava ‗engolir‘ algo que aliviasse seus sintomas.
33
Queria um ―remédio de tomar‖, pois não havia mais nada que pudesse curá-la
de fora para dentro. Ela parece buscar um tratamento que caminhe num sentido
contrário, como a direção da manifestação da psoríase, ou seja, algo que
incorporado viesse a ser externalizado, como dizia ela, curar de dentro para
fora. Procurava a incorporação de sua melhora quando simbolicamente deseja
engolir ao invés de revestir-se. No entanto, não deixa de seguir o tratamento
receitado pelo médico:
Cheguei em casa e falei ‘ah, um creme? Pra quem já tomou tanto remédio, um creme?’ Mas passei o creme, o xampu
A alteração da auto-imagem em pacientes com dermatoses é
extensamente discutida, principalmente em estudos que relatam sobre o
impacto do diagnóstico na qualidade de vida dos indivíduos portadores dessas
patologias (MINGNORANCE, LOUREIRO & OKINO, 2002)
Para Diana, lidar com o as lesões não era seu único sofrimento, mas
lidar com as conseqüências do tratamento que interferiam negativamente na
sua auto-imagem e na sua vida social.
eu tinha medo, porque sempre fui uma pessoa vaidosa, tipo, pintar unha, pintar cabelo do jeito que eu queria. Aí deu tanta psoríase que eu não podia mais raspar a perna... O cabelo ficou um bagaço, porque aqueles remédios são fortes, acaba com o cabelo
Ela expressa sentimentos ambigüidade em relação ao tratamento,
pois, por um lado, ele suscita a expectativa de alívio do seu mal-estar, mas
também provoca outro tipo de sofrimento, relacionado à dificuldade de vivenciar
sua feminilidade. Para ela o espelho reflete característica que não gosta de ver,
que lhe parece desagradável, como o monstro que se refere na fala a seguir.
Não era pela dor, era pelo sentimento, sei lá, acho que as pessoas gostam de se sentir bonitas. Com a psoríase, você se olha no espelho e não se conhece, se pergunta ‘nossa, mas o que aconteceu comigo?’ Você se olha no espelho e fala: ‘eu sou um monstro
34
Você tem medo de arrumar namorado... Eu falava em casa, quando uma pessoa te vê, vai ver o físico seu, depois que vai ver a característica por dentro.
Através de sua imagem, sente que não se encontra, sem saber o que
lhe aconteceu. A aparência física como um atributo era um recurso do qual
evitava se apoiar na conquista do outro. Embora ela tenha reagido ao uso de
uma terapêutica externa, a pomada na pele, Diana compreende que o corpo
exposto pode refletir o psiquismo, ou como ela diz, ―por dentro‖; ela teme que o
outro a veja de maneira fragmentada. No entanto, demonstrou ser capaz de
aceitar as limitações impostas pela doença, em busca da melhora da qualidade
de vida.
Eu acho que na psoríase, você tem que ter calma. É um tratamento lento, tem que ter muita paciência, não é ‘vou passar e vai sarar’. São meses de tratamento, às vezes sara da pele fica na cabeça
3, então
tem que ter calma e força de vontade, e coragem, ‘eu vou conseguir’, pôr na cabeça que você pode, se todo mundo pode, você também pode.”
Tentando encontrar maneiras de lidar com a doença, procura apoio
no outro para enfrentar esse momento. Deixa de ser alguém ‗diferente‘ para
identificar-se com seus semelhantes, com quem teve contato durante seu
tratamento. Diana buscou nas pessoas que via no ambulatório um referencial
motivacional para lidar com seu tratamento.
eu vi que não era só eu que tinha [...] escutava assim, pessoas contando que tinha psoríase, tinha gente que tinha há dez anos, doze anos, gente pequena, já a minha não veio com 25, 26 anos. Então, se elas podiam viver com aquilo, então eu seria agora forte o suficiente pra conviver com isso...
Ela tem consciência da importância da mudança de postura diante da
doença para controle da mesma. Como a paciente relacionava a psoríase ao
seu casamento frustrado, ela também acreditava que sua melhora dependia do
término desse relacionamento.
3 A paciente se refere ao couro cabeludo, durante a entrevista, apontou para o local das lesões que teve
na região da cabeça.
35
Agora o casamento, aquela escravidão dependia de mim sair de casa, foi o que eu fiz, graças à Deus. Aí nunca mais a psoríase atacou daquela forma, já vai fazer dois anos.
Em outro ponto da entrevista, ela afirma que depois da separação,
sua psoríase ―nunca mais voltou daquele jeito‖. Atribui a melhora de sua pele
não apenas à terapêutica indicada, mas também às mudanças que ocorreram
em sua vida, provocadas por si, que incorreu na tentativa de se livrar do
casamento. Diana também percebe a importância de uma mudança de postura
para que seu tratamento lhe trouxesse resultados.
Mas à medida o creme foi passando, foi sumindo, aí eu fui me alegrando e aprendendo a conviver com a psoríase
Não vou ser hipócrita ‘ah, se voltar vou ter força’. Lógico, vou saber que se passar o creme... Uso creme hidratante até hoje, porque a dermatologista falou que era pra usar como terapêutica. E é assim, quando eu esqueço, fico meio relaxadona, já começa a apareceu uma lesãozinha, mas é um remédio que funciona.
O tratamento que no início lhe parecia ineficaz, ou superficial, passou
a ser compreendido, após os resultados favoráveis, como um recurso benéfico.
Porém fica claro em seu discurso que uma das problemáticas não estava na
proposta terapêutica no que tange à sua formulação, mas talvez na implicação
de que exigiria uma participação sua, pois quando negligencia o tratamento, os
sintomas voltam.
Seu receio de assumir a doença, como uma reação proveniente da
maneira como lida com seu corpo e sua vida, fica claro inicialmente como uma
dificuldade de defrontar-se com seu sofrimento. Os conflitos vividos no
casamento pareciam ser superados quando ela procurava se esquivar, ou seja,
não enfrentá-los. Responsabilizar o outro foi, por vezes, utilizado como um
recurso de isentar-se de sua responsabilidade sobre o corpo, e sobre si. Porém,
ela percebeu que precisaria retomar o controle de sua vida se quisesse manter
sua doença sob controle, e assim, foi capaz de tomar atitudes que culminaram
nos resultados positivos que relatou. Diana, de certa forma, se conscientizou de
que tinha importante interferência de suas atitudes na determinação da doença,
36
deixando de responsabilizar terceiros pelo seu sofrimento, e com isso, assumiu
o controle da sua vida e de seu tratamento.
4.4 A psoríase
Analisar o entendimento que Diana relata ter a respeito de sua
doença é imprescindível para compreender suas reações diante dos diferentes
momentos que vivenciou no processo saúde-doença, e principalmente, no
desvelamento de conteúdos representacionais que a mesma possui a respeito
da psoríase. Ao abordar tais concepções, o objetivo é desvelar as
representações psíquicas da paciente sobre a doença, que teriam papel
fundamental sobre o enfrentamento da mesma e conseqüentemente nas ações
empreendidas durante o tratamento.
Inicialmente, a paciente relata que antes de adoecer, não tinha
conhecimento da psoríase. Isto sugere o desconhecimento da paciente não
apenas em relação à doença que lhe acometia, mas também em relação o que
lhe é subjetivo.
Freud, no texto "O estranho" (1919), discorre sobre a noção de estranho
como sendo aquele conteúdo que, embora não pareça familiar, já está presente
na dinâmica psíquica remetendo a algo conhecido, ainda que assustador, aos
processos que o originam. A estranheza se deveria ao retorno em si, e à
familiaridade do fenômeno, indicando, portanto, que este conteúdo apenas teria
sido afastado pela repressão. Em suas palavras:
todo afeto pertencente a um impulso emocional, qualquer que seja a sua espécie, transforma-se, se reprimido, em ansiedade, então, entre os exemplos de coisas assustadoras, deve haver uma categoria em que o elemento que amedronta pode mostrar-se ser algo reprimido que retorna. (1919, p. [ ])
37
o estranho não é nada novo ou alheio, porém algo que é familiar e há muito estabelecido na mente, e que somente se alienou desta através do processo da repressão. (Ibidem, p. [ ])
Retomando a análise, quando a paciente relata que desconhece sua
patologia, podemos interpretar que não se trata de algo desconhecido em sua
totalidade. No modo como lida com o adoecimento, ela experiencia sentimentos
e emoções que não são inéditos em sua vivência; conhece os eventos
psíquicos que sustentam posteriormente sua representação sobre a doença.
Então eu já tinha uma idéia que a psoríase fosse uma doença psicológica. E a reação é assim, no começo você se sente mal, começa a chorar, porque você não sabe se aquilo vai passar.
Embora a caracterização do diagnóstico lhe fosse estranha, ela já
apresentava uma noção sobre a doença na qual associou a eventos psíquicos
quando apresenta reações de mal-estar diante de algo que não sabia como
lidar. A compreensão da participação psicológica como determinante da
manifestação dos sintomas causa a Diana a sensação de falta de controle
apontada anteriormente: ―hoje eu sei que a psoríase é psicológica, e como você
vai controlar o nervoso? Não tem jeito‖.
Podemos salientar nesta discussão o fato de que a doença pode ser
compreendida pelo paciente enquanto uma manifestação simbólica. O que nos
é desconhecido pela razão não necessariamente o é enquanto representação
psíquica. Sabemos claramente que a criança se utiliza da simbolização como
recurso de interpretação do mundo. O adulto não deixa de utilizar esse recurso,
especialmente no que tange a manifestação de fenômenos que lhe parecem
desconhecidos num primeiro momento.
Nesse sentido, ao tentarmos resgatar algumas das representações
associadas à doença, nesse caso a psoríase, podemos ver que seu equivalente
aparece no discurso de Diana quando sente o risco de perder o controle. A
manifestação hiperplásica da psoríase caracteriza uma falta de controle na
reprodução celular, o que demonstra a relação entre descontrole orgânico e
psíquico sentidos pela paciente.
38
Além do mais, correspondendo a esta compreensão, entendemos
que o processo de adoecimento interfere nos processos subjetivos que
caracterizam a identificação. Segundo Chiozza (1997), o paciente psoriático
possui fantasias inconscientes relativas à manifestação de seus sintomas,
sendo uma delas a de que estará mudando sua identidade. De acordo com o
autor, a constante alteração das células da pele pode simbolizar o conflito na
intenção de mudar de identidade, pois criam a fantasia de que, com a mudança
de pele, uma nova identidade possa surgir.
Tal fantasia pode ser desvelada quando a paciente afirma que sua
doença era ‗bem diferente‘ da doença de seu irmão:
meu irmão, ele tinha, até fez tratamento aqui, mas era só na mão e no pé. [...] era alergia mesmo, mas era uma coisa bem diferente. O meu, começou na cabeça, foi se espalhando pelo corpo inteiro, daquela forma nunca tinha visto.
Ela acredita haver uma condição diferenciada da manifestação da
psoríase em seu corpo, especialmente quando compara à de seu irmão. Ao
constatar que sua doença era diferente, era assim que se sentia. Ao mesmo
tempo, assimila o ‗estranho‘ (através do que ele não é), e assume uma forma
‗que nunca tinha visto‘, ‗diferente‘, ou seja, começa a se aproximar de uma nova
identidade.
Segundo Costa (1987), a identidade é resultante de uma série de
sistemas de representações, que são distintos entre si, embora possam
articular-se, por isso, a identidade não é uma experiência uniforme. O processo
identificatório, por essa característica, pode levar a conflitos psicológicos
resultantes de contradições ou incompatibilidades entre tais sistemas, trazendo
para o indivíduo sentimentos de ―ser diferente‖ ou de ―anormalidade‖, expressos
pela paciente.
Por outro lado, as informações e orientações recebidas durante o
processo de diagnóstico da psoríase são de suma importância para que o
paciente tenha a chance de re-significar seu adoecimento. Essas informações
são cruciais para a compreensão da patologia, e conseguintemente, na maneira
39
de enfrentamento da mesma, o que inclui nas ações voltadas para seu
tratamento.
Certamente, há de se considerar que na relação médico-paciente,
estamos lidando com duas subjetividades, que por sua vez possuem
características próprias. Como exposto na justificativa deste estudo, a
compreensão da psoríase enquanto doença psicossomática ou enquanto
influenciada por fatores psicogênicos implica em diferentes compreensões da
relação corpo-mente. E possivelmente, diante de tantas expectativas, o
paciente limita a sua atenção em determinados focos, podendo até distorcer o
conteúdo total que lhe é apresentado.
Dessa maneira, nesse ponto da análise é necessário discorrer
sobre a qualidade das informações bem como a maneira como foram recebidas
pela paciente, pois os dois aspectos são relevantes na compreensão do
processo de re-significação da paciente. Ela relata:
A Dra. P. falou que era uma doença psicoemocional, por causa do estresse, tudo. Mas antes, em Brotas, eu entrei no consultório medico, quando eu era casada com esse cara, aí na porta ele (médico) já falou assim: ‘você já resolveu o seu problema?
Diana se empenhou em buscar compreender sua doença. Precisava
se apropriar de um conteúdo que substituísse suas representações reprimidas,
prévias. Precisava dar novo significado à sua vivência.
O modo como Diana relaciona seu adoecimento ao seu estado
psicológico é subsidiado também pelas explicações que recebeu durante a
busca pelo diagnóstico e tratamento. Não é plausível presumir que essas foram
as únicas explicações que recebeu, mas tiveram um significado importante para
a paciente, pois ao que indica, atenderam à demanda da mesma.
De acordo com Garcia (2002):
A representação da doença aproxima-se do que Costa (1989) discute sobre essa questão. Para o autor, a forma contraditória e fragmentada dos pacientes explicarem o processo de adoecimento, pode significar que eles detêm uma consciência da doença, mesmo que esta não esteja organizada conforme o imaginário científico dos profissionais de
40
saúde. Há de se compreender que o discurso apresentado pelo paciente tem sentido e significado reais, pois expressam sua elaboração ou o que foi possível de ser elaborado sobre sua vida e sua doença. (GARCIA, 2002)
Diana compreendeu, à sua maneira, as explicações que recebeu, e
as incorporou às suas próprias explicações sobre sua doença. Apropriou-se do
conteúdo que respondia as suas próprias necessidades, porque afinal, culpava
o marido pela sua tragédia. Para ela o comportamento do marido lhe trazia
questionamentos instigantes, fazendo se perguntar sobre a interferência dessa
situação, como se sua doença expressasse o que o quanto se sente ferida pelo
outro, o quanto ele a fazia sofrer. Dessa maneira, ela expressa o que conseguiu
elaborar sobre o significado do adoecimento na sua vida, traduzindo a
explicação médica recebida que afirmava haver um componente psíquico em
seu adoecimento.
De acordo com Chiozza (1997), o paciente psoriático apresenta
fantasias de perda do objeto idealizado, vivenciada através dos sentimentos de
rejeição e abandono. Ele propõe que o processo inflamatório na derme do
psoriático deixa a superfície mais exposta, trazendo a fantasia de que o objeto
idealizado o ataca, deixando-o em ―carne viva‖.
Ademais, Diana elabora seu adoecimento questionando o processo
de aceitação de uma nova imagem corporal. Ela discorre sobre isso diversos
momentos da entrevista: ―minha maior preocupação era o que eu pensava e o
que os outros pensavam olhando para mim‖. Percebe-se que ela se apóia não
apenas em si para reformular sua auto-imagem. Utiliza-se da reação das outras
pessoas para fazer uma nova imagem de si, e nesse processo, frustra-se com o
comportamento das pessoas consigo.
Eu acho que a psoríase acaba com sua auto-estima, você perde a vontade de viver, de sair de casa, porque você vai sair de casa para os outros ficarem perguntando ‘o que você tem?’ Me sentia ‘lá embaixo’. Eu não sei se ficava com nojo de mim, com pena, eu me sentia... sentia assim... bom não era!
41
A reação das outras pessoas faz emergir sentimentos de repulsa de
si, e Diana se apropria disso. O auto-estigma é evidente, pois ela repete essa
concepção em outro momento da entrevista:
E a psoríase é evidente, dá pra você ver. As pessoas te olham com preconceito, e você sente esse preconceito porque você tá ali e a pessoa pergunta ‘o que você tem?’. Que nem, a artrite, sente uma dor horrorosa, horrorosa. Mas você que tá sentindo, as pessoas de forma nenhuma vêem. E a psoríase todo mundo tá vendo se ela tiver muito atacada. Só olham você com nojo, com pena. Porque eu tinha pena de mim, sabe?
Esses sentimentos descritos por Diana revelam sua fragilidade diante
da doença e de seu significado. Ao mesmo tempo, evidenciam a fantasia de
―estar escamado‖, descrita por Chiozza (1997). Alguns pacientes apresentam
sentimentos de desproteção e fraqueza, fato que, o processo de hiperqueratose
da psoríase criaria uma ―carapaça protetora que o defende da vivência de estar
sempre exposto a ser ferido‖.
O fato da doença de pele ser explícita é fator determinante no
enfrentamento da paciente durante todo o processo de adoecimento. Diana
tentou esconder as lesões, utilizando-se de roupas de manga comprida e gola
alta, para não ter que lidar com o que sentia diante da reação das pessoas. Ela
considera preconceito o fato das pessoas questionarem a respeito de suas
lesões. No entanto, revela que esse é um preconceito que também lhe é próprio
quando verbaliza:
é mentiroso aquele que disser que não tem [preconceito]4. Eu nunca
fui tanto, porque tem gente que não gosta de ir em banheiro de hospital, não gosta de sentar onde o outro tá sentado... Assim não, nunca tive esse medo, mas é lógico, você vê a pessoa com alguma coisa na pele, você fica meio assim ‘será que pega?
Apesar de todo o sofrimento que vivenciou com a psoríase, Diana
consegue reconhecer aspectos positivos advindos após sua experiência com o
adoecimento. A doença se torna um sacrifício através do qual ela obtém
ganhos.
4 Acréscimo dos autores. Nesse momento da entrevista, a paciente discutia sobre o assunto.
42
apesar de tudo o que eu passei, acho que teve seu lado bom, porque eu aprendi a ser uma pessoa melhor [...] Aprendi a dar valor às coisas da vida. Antes eu queria um cabelo liso, meu cabelo é crespo. Hoje eu to feliz com meu crespo mesmo. A gente aprende, nunca está contente com nada, mas aprende, você vê quem realmente te ama.
Diana, então, incorpora um novo significado para sua doença, esta
passa a representar um momento de transição em sua vida, pois nesse
processo, assumiu a responsabilidade sobre sua vida, aceitando uma nova
imagem corporal. E além de tudo, passa a compreender que a saúde não se
restringe ao aspecto orgânico.
Antes, você tem saúde, você não sente dor, não tem nada na pele, então você tem tudo. Hoje eu aprendi que a saúde é física e mental – porque não adianta você estar com o corpo saudável e com a mente doente
Ela aceita o adoecimento em sua vida, e compreende que a saúde é
resultante de um equilíbrio biopsicossocial. Com isso, adquire aprendizado e o
controle da sua doença, sentindo-se feliz por poder retomar sua vida,
consciente das limitações e possibilidades que terá que enfrentar. A alta do
ambulatório foi um momento que marcou a trajetória de Diana; um momento
onde ela pôde se re-significar através uma nova imagem: a de vitoriosa.
Ela me deu alta, então eu acho que sou uma vitoriosa
44
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo surgiu a partir da necessidade de compreender de que
maneiras o entendimento do paciente a respeito de sua patologia interfere no
seu enfrentamento para tratá-la. Assim, a importância desta pesquisa consiste
na análise das representações da paciente com psoríase, o que compreende
seu universo simbólico através do qual significa a sua vivência com a doença.
Abordando as representações psíquicas, mantemos a análise no
campo da subjetividade, e entendemos que a pesquisa clínico-qualitativa
viabilizou de forma satisfatória a sustentação necessária para a realização de
um estudo de caso a fim de desvendar os significados dos conteúdos que
emergiram no contexto da entrevista com a paciente.
A paciente entrevistada descreveu sua experiência com a psoríase,
juntamente com suas respectivas impressões e sentimentos, ou seja,
conteúdos psíquicos que foram relatados por Diana subsidiaram a análise deste
estudo, permitindo a compreensão do seu processo de adoecimento.
Na compreensão de Diana, a psoríase é uma doença
―psicoemocional‖, embora ela apresente seu discurso sustentado no
conhecimento do médico, observa que os sintomas são advindos do estresse
que suportou durante o primeiro casamento, vivenciado negativamente. Para a
melhora da sua saúde, então, a única alternativa, pensada por ela, seria o
término desse casamento; o que Diana fez. Assim, atribuiu sua melhora à
atitude de pedir separação, e também da aceitação de seu papel ativo no
tratamento proposto pelos médicos. Não havia solução mágica, então ela
assumiu a responsabilidade por si, deixando de se apoiar no outro para dar
significado à própria vida.
Nos relatos da entrevista Diana prioriza sua exposição em terceira
pessoa, influenciada pelo contexto da pesquisa, generalizando o que passou e
sentiu aos demais, acreditando que passam pelo mesmo processo e também
pela maneira como observa e procura ligar-se ao objeto. Ou então, por que falar
45
do outro gera menos sofrimento do que falar de si, de expor-se mais do que já
se sentia exposta 'na pele'. Escondia-se à medida que seus sintomas se
manifestavam, na esperança de não enxergar o que estes queriam lhe dizer.
Inicialmente, as representações que possuía da doença lhe
conferiram algo onde podia sustentar-se sem que fosse necessário aprofundar-
se no sentido dos sintomas. Para Diana seu casamento não apenas
representava, mas ‗era‘ psoríase. Sua doença era seu casamento, e assim,
poderia ter uma cura. O fato de a psoríase ser incurável não é de todo ignorado
por ela, mas acreditando que a incontrolabilidade e gravidade do seu quadro
eram associados apenas ao estado de estresse pelo qual passava, Diana
poderia ter negligenciado seu tratamento, mas não o fez. E por que não o fez?
Diana precisava suprimir a angústia gerada pela manifestação dos
sintomas, isto é, dos conteúdos reprimidos que insistiam em tentar tornarem-se
conscientes através do adoecimento. Assim, controlar as lesões, então, passou
a ser a única alternativa de tratamento, e isso implicava assumir a
responsabilidade pela sua vida. Mas o que Diana não imaginava é que, ao
retomar o controle sobre si, pudesse estar também (re)significando-a, e lidando
inconscientemente com a origem de seus conflitos.
Através do adoecimento, conscientizou-se do que desejava para si, e
tomou decisões que culminaram na sua separação. Simultaneamente, aderiu
ao tratamento proposto pela equipe médica, apegando-se a um novo e distante
objeto, e atribui a esses fatos a melhora da psoríase. Em seu discurso, ela
simboliza a doença como uma redenção, através da qual obtém ganhos após
ter atravessado os sofrimentos da psoríase.
Assim, compreendemos que este estudo atendeu aos seus objetivos
ao demonstrar que as representações psíquicas de Diana a respeito da
psoríase influenciaram no modo como ela enfrentou a doença direcionou seu
tratamento. Além do mais, foi possível avaliar algumas reações da paciente nos
diferentes momentos do adoecimento, evidenciando a evolução de seus
mecanismos psíquicos no enfrentamento da psoríase. A doença, e seu
significado, foram combatidos por Diana. E ao fim, a paciente se declara
vitoriosa.
47
REFERÊNCIAS
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APÊNDICE A
Roteiro de Entrevista
Data da Entrevista:____/____/____
1 - Dados Pessoais e Informações Gerais do Entrevistado:
Nome:
N° de Registro no ILSL:
Idade:
Estado civil:
Profissão/Ocupação:
Tempo do diagnóstico:
Tratamentos anteriores:
Tratamento atual:
2 - Concepções prévias a respeito da psoríase
Já sabia o que era psoríase? O que sabia?
Conhecia alguém com esta doença? O que pensava sobre ela?
O que você pensava sobre doenças de pele?
O que você fazia diante de pessoas que apresentavam doenças na pele?
3 - Manifestação dos sintomas e a procura do serviço de saúde
Como surgiram os primeiros sintomas?
O que você pensou que fosse?
Fez alguma coisa para tratar?
Quem/qual local procurou para diagnosticar/tratar?
4 - O diagnóstico e reações diante da confirmação
Quem te disse que você tinha psoríase?
Quando foi? Onde foi?
O que esta pessoa te disse? Detalhar.
Como você reagiu quando ficou sabendo?
O que fez logo depois desse momento?
5 - Informações e orientações recebidas
O que te falaram sobre a psoríase?
Em que momento recebeu informações?
Você buscou informações a respeito? Onde encontrou?
Quais foram estas informações? Detalhar.
Estas informações te ajudaram a compreender a psoríase?
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6 - Concepção atual a respeito da doença e enfrentamento
Hoje, o que você acha da psoríase? Detalhar
Você se considera doente?
Qual a reação das pessoas diante de sua doença?
O que sente diante da reação das pessoas?
O que sente a respeito da sua doença?
Como você lida com a doença?
Como a psoríase mudou sua vida?
7 - Concepções a respeito do tratamento e adesão
O que você já fez para tratar a psoríase?
Qual teve melhor resultado?
Qual teve pior resultado?
Acredita que o tratamento possa auxiliá-lo de que maneira?
O que você ainda não fez e acredita que possa auxiliá-lo?
Qual seu tratamento atual?
Você segue as orientações do médico?
Procura e utiliza formas alternativas de tratamento? Quais resultados?
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APÊNDICE B
CARTA DE INFORMAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO EM UMA PESQUISA
Estamos realizando um estudo intitulado “Representações psíquicas do paciente com
Psoríase: do diagnóstico ao tratamento”, sob a coordenação da Psicóloga Aprimoranda Magna
Gabriella Viganó que tem por objetivo analisar as representações psíquicas do paciente com
psoríase desde o momento do diagnóstico, e suas implicações no tratamento. As representações
psíquicas correspondem ao conteúdo subjetivo (imaginações, crenças, pensamentos) que as
pessoas possuem a respeito de diversos assuntos, e neste estudo, será focalizada as
representações a respeito da psoríase. O (A) senhor (a) tem direito de desistir dessa participação
a qualquer momento. Sua participação é muito importante e só será realizada com o seu
consentimento e após a leitura desse documento. Asseguramos que todas as informações
prestadas serão sigilosas e divulgadas somente nesse estudo, por meio de artigos e em eventos
científicos. A coordenadora do estudo e os demais pesquisadores estão a sua disposição para
esclarecimento no telefone: (14) 3103-5928.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ______________________________________ declaro que entendi as informações
sobre o estudo intitulado “Representações psíquicas do paciente com Psoríase: do
diagnóstico ao tratamento”. Estou ciente que para minha participação será necessário me
submeter a uma entrevista abordando os seguintes aspectos: identificação pessoal, concepções
pessoais a respeito da psoríase, reações diante do diagnóstico, informações recebidas a respeito
da doença e tratamentos realizados anterior e atualmentente. Eu concordo em participar da
pesquisa de livre e espontânea vontade. Foi assegurado o direito de abandonar o estudo a
qualquer momento, desde que anterior à divulgação científica dos resultados. Concordo que
estas informações sejam divulgadas em publicações e eventos científicos.
Bauru,..................../...................../....................
Assinatura do participante:_________________________________________
Telefone do participante para contato:________________________________
Protocolo n° _____________________ -TCLE n° ___________________
Recebi uma via do presente termo para arquivo pessoal