Redes de prevenção à violência: da utopia à ação

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Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=63013510020 Redalyc Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Njaine, Kathie; Gonçalves de Assis, Simone; Gomes, Romeu; Souza Minayo, Maria Cecília de Redes de prevenção à violência: da utopia à ação Ciência e Saúde Coletiva, Vol. 11, 2006, pp. 1313-1322 Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Brasil ¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista Ciência e Saúde Coletiva ISSN (Versión impresa): 1413-8123 [email protected] Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Brasil www.redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

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RedalycSistema de Información Científica

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Njaine, Kathie; Gonçalves de Assis, Simone; Gomes, Romeu; Souza Minayo, Maria

Cecília de

Redes de prevenção à violência: da utopia à ação

Ciência e Saúde Coletiva, Vol. 11, 2006, pp. 1313-1322

Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

Brasil

¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista

Ciência e Saúde Coletiva

ISSN (Versión impresa): 1413-8123

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www.redalyc.orgProyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

Abstract This article aims to discuss the experienceof networks for the protection of people exposed tosituations of violence or prevention networks. It isbased on the concept created by Castells, who definesthe information age. This study is part of the inves-tigation Successful Experiences in the Prevention ofViolence, carried out by the Latin-American Centerfor Studies on Violence Jorge Careli/ENSP-IFF/Fiocruz,in cooperation with the Secretariat for Health Surveyof the Ministry of Health. The article analyzes the pos-sibilities and limitations in the construction of net-works for the prevention of violence, seeking to under-stand the sense of actions and movements carried outin networks. The method we used is a case study oftwo network initiatives in the southern region ofthe country. In terms of results, in face of the diffi-culties of working in networks, we found it to benecessary: to break with sectorial and vertical actions;to promote constant communication and interchangeof information; to permanently train the profes-sionals and persons involved in the network, incorpo-rating them into the protective and preventive actions;and to promote the participation of wide social sec-tors. In conclusion, one can affirm that the construc-tion of a protection network involves complex steps,looking to the same problem with new eyes and a newvision for planting solutions.Key words Network, Prevention, Violence, Child,Adolescent

Resumo Este artigo objetiva discutir a experiên-cia de redes de proteção a pessoas em situação de vio-lência ou redes de prevenção. Baseia-se no conceitode rede de Castells, que define a sociedade da infor-mação. O estudo é parte da pesquisa Experiênciasexitosas em prevenção da violência, realizada peloCentro Latino-Americano de Estudos de Violênciae Saúde Jorge Careli/ENSP-IFF/Fiocruz, junto coma Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministérioda Saúde. O presente artigo analisa as potenciali-dades e os limites para a construção de redes de pre-venção à violência, buscando apreender o sentido dasações e do movimento em rede. O método utilizadoé o estudo de caso de duas iniciativas em rede da RegiãoSul do País. Os resultados evidenciam que, diante dasdificuldades para a atuação em rede, faz-se necessário:romper com a lógica do trabalho setorizado e verti-calizado; promover o exercício constante de comuni-cação e de troca de informações; capacitar perma-nentemente profissionais e pessoas que se envolvemna rede; incorporar a família nas ações de proteção ede prevenção e promover a participação de amplossetores sociais. Concluindo, pode-se afirmar que aconstrução de uma rede de proteção demanda etapascomplexas, um novo olhar para o mesmo problemae a utopia para plantar soluções.Palavras-chave Rede, Prevenção, Violência, Cri-ança, Adolescente

1 Claves, ENSP, Fiocruz;Uniplac. Av. Brasil 4036,sala 700, Manguinhos.21040-361 Rio de JaneiroRJ. [email protected] Claves, ENSP, Fiocruz.3 Instituto FernandesFigueira, Claves, ENSP,Fiocruz.

Kathie Njaine 1

Simone Gonçalves de Assis 2Romeu Gomes 3Maria Cecília de Souza Minayo 2

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Redes de prevenção à violência: da utopia à ação

Networks for prevention of violence: from utopia to action

Introdução

Este artigo propõe-se a discutir a experiência deredes de proteção a pessoas em situação de vio-lência ou redes de prevenção à violência. Parte-sedo conceito de "rede", amplamente utilizado nasociedade de informação, definido por Castells1

como um conjunto de nós que se encontram in-terconectados.Esses nós configuram e determinamos fluxos de informação e comunicação existentesentre essas conexões.Abordar o fenômeno da vio-lência e as experiências de rede de proteção ou redede prevenção significa investigar menos sua con-figuração e muito mais o quanto ela oferece depotencial de intervir, interromper, tratar ou su-perar a violência a que estão submetidas milharesde crianças, adolescentes, mulheres, idosos e de-mais grupos de risco. Sem deixar de abstrair o de-senho dessas redes sob o prisma de sua institu-cionalidade e efetividade, é necessário, em umprimeiro momento, tentar assimilar o quantoelas incorporam de parcerias e interconexões quepossam viabilizar o encaminhamento, o atendi-mento e a proteção às vítimas da violência e suasfamílias. Em um segundo momento, investigaras diversas possibilidades de desenvolvimento deações de prevenção.

Segundo Castells1, as redes são estruturas aber-tas que podem se expandir infinitamente, forman-do novos nós. Para integrar uma rede como umaestrutura dinâmica, é imprescindível que seus in-tegrantes estabeleçam uma ligação entre si, com-partilhem valores e objetivos comuns, decodi-ficáveis em um processo de comunicação.Castells1,no entanto, alerta que no âmbito da sociedade deinformação, a rede também pode ser um instru-mento de concentração de poder, como a detençãode conhecimentos tecnológicos com finalidadesmercadológicas e relações de trabalho dependentes.Como afirma: Esse é o significado concreto da ar-ticulação entre o modo capitalista de produção e omodo informacional de desenvolvimento.

Partindo desta concepção, Frey2 incorpora oconceito de capital social, discutindo o uso das no-vas tecnologias de informação e comunicação parapotencializar a participação comunitária na gestãopública local e para promover o desenvolvimentosustentável na emergente sociedade em rede. Semdúvida, o uso de redes eletrônicas favorece a trans-missão de informação em tempo real, estreita a co-municação e a dissemina amplamente. Entre-tanto, ressalta o autor, essas experiências em redeseletrônicas vêm mostrando a necessidade de pro-jetos que democratizem o acesso a essas novas tec-nologias, como a internet.

A "rede" teria esse papel de democratizar a in-formação, partilhar o poder e a tomada de de-cisões. Porém, Frey2 atenta para o fato de que ascomunidades têm que estar preparadas para o usodessas novas tecnologias, habilitando-se, forman-do-se do ponto de vista cívico (referindo-se a umaparticipação política mais efetiva das comunidadesna gestão pública) e tornando-se mais autônomas.Esse autor coloca que os desafios de democratiza-ção da informação são grandes em uma sociedadecom profundas desigualdades. No entanto, apon-ta que alguns movimentos sociais que hoje dirigemações específicas voltadas para a inclusão na eradigital podem beneficiar comunidades, ajudando-as a enfrentar seus problemas locais. Neste senti-do, redes comunitárias, fazendo uso de espaços vir-tuais de livre acesso, podem ajudar a criação decapital social.

A "rede social" assume então um papel funda-mental de aquisição desse capital. A experiênciade rede social aponta para as possibilidades e paraa importância do desenvolvimento social de deter-minadas comunidades, do estabelecimento da con-fiança entre seus membros, do comprometimen-to, do acesso à informação, às instituições e aopoder de decisão. Alguns estudos de redes soci-ais têm demonstrado sua relevância para proteçãoa pessoas ou a grupos que enfrentam problemasde saúde3, 4.

Na sociedade de informação não é a mera den-sidade de organizações cívicas que determina acapacidade para ação coletiva. Muito mais impor-tante é a efetividade das redes sociais que unem essasorganizações e capacitam-nas a agir de maneiracoordenada2.

Essas são algumas das possibilidades de usodo conceito de "rede" que servem para fundamen-tar a compreensão do significado das que aqui sãoanalisadas. Outra perspectiva é a que parte dosprocessos comunicacionais e da forma como asredes sob essa ótica atendem as pessoas excluí-das da atenção. Nesse caso, a comunicação é o fatorde agregação e de promoção da igualdade5.

Neste texto as organizações sociais, governa-mentais ou não, se configuram como "nós" de pro-teção ou de prevenção de violência ou de risconuma rede interconectada. A constituição de umarede de prevenção à violência exige, quase sem-pre, um movimento mais intenso, mais contínuo,para integrar diferentes atores e equipamentossociais (seja através de uma rede informatizadaou não). Além da necessidade de compartilharemum mesmo código de comunicação, o que signifi-ca ter a mesma compreensão das diferentes for-mas de violência, suas causas e conseqüências, é

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preciso que os participantes ajam em sincroniafrente à urgente demanda de intervenção.

Não é possível, nesse sentido, formular umconceito único e fechado para "redes de pre-venção" ou "de proteção". Essa impossibilidadevem do fato de que são muitas as formas de vio-lência com dinâmicas específicas, e também sãomúltiplas as experiências dos movimentos soci-ais que atuam no tema, atendendo à defesa dosdireitos da criança, do adolescente e de outrosgrupos vulneráveis. Visando a contemplar o di-namismo e a pluralidade das iniciativas, investe-se na atitude profissional e pessoal e na forma deabordar a questão da violência. Por tratar-se deuma questão humana profundamente tocante,tem sido papel dessas redes propiciar o rompi-mento de silêncios e tabus e a superação de me-dos e formas de opressão.

Metodologia

O presente artigo contempla parte de uma pesquisasobre experiências exitosas de prevenção à violên-cia, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisada Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arou-ca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).Para o estudo especifico, duas redes de promoçãoe de proteção às vítimas de violência foram visi-tadas, em Curitiba e em Florianópolis. A primeiradelas tem como principal foco ações nas áreas dasaúde, educação e assistência social, e a segunda,as atuações do Ministério Público, concatenan-do vários setores governamentais e não governa-mentais.Ambas as experiências foram selecionadasa partir de indicações do Conselho Nacional dosDireitos da Criança e do Adolescente.

Foi realizado "estudo de caso"6 para com-preender de que forma se constitui uma rede deprevenção da violência e para discutir, de formamais específica, as potencialidades e limites dessaexperiência.

Foram aplicados questionários padronizadoscontendo informações gerais de cada rede (assun-tos que compuseram os questionários), e realiza-do um grupo focal com profissionais integrantesde cada uma das redes. Trabalhou-se tambémcom "observação de campo". Os registros dessaobservação não tiveram um tratamento analíticoespecífico. Eles serviram para contextualizar osdepoimentos.

As informações dos questionários, neste tra-balho, não são analisadas em termos quantita-tivos. Figuram no texto, de uma forma descriti-va, para melhor caracterizar as redes.

Os dados provenientes dos grupos focaisforam trabalhados a partir do "método de inter-pretação de sentidos", baseando-se em princípioshermenêuticos-dialéticos para a interpretação docontexto, das razões e das lógicas de falas, ações,conjunto de inter-relações, grupos, instituições,conjunturas, dentre outros corpos analíticos7. Atrajetória analítico-interpretativa partiu de umaleitura compreensiva, passando por recorte dosdepoimentos sobre os temas e pela problematiza-ção das idéias implícitas no texto, para a busca desentidos mais amplos que articulavam modelossubjacentes às idéias.

Os dois modelos de rede apresentados a seguirsão bem distintos, embora ambos tenham comometa proteger e apoiar a criança, o adolescente eo jovem em situação de risco e violência.

Rede com foco na saúde, educação e assistência social

A Rede de Proteção à Criança e ao Adolescenteem Situação de Risco para a Violência, de Curiti-ba, foi criada em 2000 com o objetivo de oferecerum atendimento integral a crianças e adolescentesde 0 a 18 anos (incompletos) de idade, de ambosos sexos, bem como a seus familiares. Atende apessoas de todo o município e encaminha os não-moradores aos conselhos tutelares dos municí-pios de origem. Integram a rede diferentes profis-sionais de várias instituições,apresentadas no quadro1. A estrutura dessa rede, embora não representeuma hierarquia, é baseada em uma coordenaçãomunicipal, coordenações regionais e locais, quedesenvolvem ações articuladas entre si ou autôno-mas. Cada uma das instituições envolvidas atua emparte ou na totalidade do processo de reconheci-mento, notificação e acompanhamento dos maus-tratos e prevenção da violência.

Foram várias as necessidades que motivarama formação da Rede: complexidade do proble-ma, que exige abordagem multiprofissional einterinstitucional; consciência sobre a alta incidên-cia de maus-tratos contra crianças e adolescentes;necessidade de articulação dos recursos e serviçosexistentes para o enfrentamento do problema; pri-orização absoluta da criança e do adolescentenas distintas gestões municipais, cumprindo, as-sim, as metas do Estatuto da Criança e do Adoles-cente (ECA); urgência de produção de informaçõese indicadores que permitissem o conhecimentodo problema e o monitoramento das ações; neces-sidade de elaboração de estratégias de prevençãoe enfrentamento à violência.

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Quadro 1Instituições componentes da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco paraa Violência, de Curitiba.

Secretaria Municipal de Saúde: desenvolve ações nas unidades de saúde e em nove hospitais, integrando a RedeLocal de Proteção.

Secretaria Municipal da Educação: integra a Rede Local de Proteção. Realiza ações preventivas com pais.Desenvolve o Programa Comunidade Escola, que mantém as escolas abertas nos fins de semana para a comu-nidade, com atividades recreativas e educativas.

Secretaria de Estado da Educação: participa da Rede Local de Proteção.

Fundação de Ação Social: oferece ações da Rede de Proteção Social Básica e Especial: serviço de atendimento avitimizados em domicílio; abrigos e albergues; plantão social; centro de referência no enfrentamento à violên-cia sexual infanto-juvenil; ações sócio-educativas com famílias; programa de erradicação do trabalho infantil;programas de protagonismo juvenil; programa para adolescente infrator; assistência social básica. Tambémrecebe apoio de organizações não-governamentais (ONGs) que mantêm abrigos, albergues, serviços de plantãosocial, ações preventivas e outros serviços conveniados.

Secretaria Municipal de Esporte e Lazer: participa com equipamentos, priorizando a inserção de crianças e ado-lescentes vítimas de violência em atividades esportivas. Conta com o apoio das associações de moradores.

Secretaria Municipal de Abastecimento: introduz crianças e adolescentes participantes da Rede em programase ações, como inserção em cursos e projetos de alimentação.

Fundação Cultural de Curitiba: contribui com uma rede de serviços e atividades culturais, priorizando ainserção de crianças e adolescentes vítimas de violência nas atividades culturais.

Conselho Tutelar: cumpre as funções definidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ministério Público: oferece ações das Promotorias da Infância e da Juventude.

Segurança Pública: disponibiliza delegacia estadual especializada na defesa da criança e do adolescente vítimade crime; delegacias, Polícia Militar e Guarda Municipal.

Devido ao fato de envolver grande número deprofissionais de diversos setores, a implantação daRede aconteceu de forma paulatina. Teve inícionuma regional administrativa como projeto-pilo-to, em 1999. A implantação foi concluída nas oitoregionais administrativas em setembro de 2002. Nofim de 2005, eram nove regionais no município, ea Rede passou a ser reconhecida como uma pro-posta criativa de gestão. Encontra-se em processode discussão a possibilidade de formalização legalda Rede, por intermédio de aprovação de lei mu-nicipal ou decreto.

Não é possível determinar o número de profis-sionais que integram a iniciativa, pois esta infor-mação é computada apenas nas estatísticas dasinstituições de origem. Porém, a capacitação paraa implantação da rede abrangeu cada regional.Os componentes recebem capacitação por meiode seminários, cursos, grupos de estudos e par-ticipações em eventos promovidos por diversasentidades.

A Rede conta com a infra-estrutura física doserviço público municipal (telefones, computa-dores, salas, fax, veículos e outros recursos). Nãoexiste verba específica para suas atividades. Namedida do possível, os recursos necessários paraa confecção de material gráfico, capacitação e in-fra-estrutura surgem a partir da solidariedade dediferentes órgãos. A verba referente ao ano de2005 foi considerada insuficiente para o desen-volvimento pleno das ações de proteção/pre-venção pelos gestores da Rede.

O grau de inserção das instituições é freqüen-temente desigual, levando ao comprometimentoda articulação entre elas. A coordenação munici-pal e a regional apresentam uma melhor avaliaçãoem relação aos órgãos da rede local, especialmenteem relação à assiduidade dos responsáveis pelasorganizações nos encontros. Em relação ao apoiomútuo entre os órgãos, à divisão de responsabili-dades e ao fluxo de informação, as redes regionale local mostram-se mais incipientes. A rede local,

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essencial para a execução das ações, mostra-se amais fragilizada e a mais sobrecarregada.

A cooperação de grupos de trabalho de dife-rentes setores locais, que se articulam formal ouinformalmente, vem dando algumas respostas aosproblemas da violência no interior das própriascomunidades. Por estarem atuando mais próxi-mos das situações de violência, muitas vezes de-senvolvem ações autônomas (que podem ficar iso-ladas) e direcionadas a essa problemática. Nestesentido, o papel que a Rede vem desempenhan-do é importantíssimo para fortalecer o nível lo-cal, as comunidades e os pequenos grupos que seengajam nessa tarefa.

A Rede não conta com estatísticas e registroscentralizados que descrevam os tipos de ação emeios de proteção ou de prevenção realizados afavor das crianças e adolescentes e de seus fami-liares. As coordenações regionais, sim, dispõem deregistros em atas ou em memórias de reuniões,embora não sistematizados. A ficha de notificaçãoda violência tem sido utilizada para acompanharos casos e subsidiar a construção de um "banco dedados sobre a situação de violência contra cri-anças e adolescentes" no município.

A prática de avaliação dos resultados das açõesde proteção e de prevenção realizadas na Redeainda não está estabelecida, o que é uma pena,pois impede dimensionar e apreciar devidamenteseus resultados. A percepção dos membros quecompõem a iniciativa é de aumento contínuo dequalidade nas práticas de prevenção e de atendi-mento às vítimas e suas famílias.

A partir das limitações atualmente existentes,os componentes da Rede reconhecem as seguintesnecessidades a serem atendidas no futuro: 1) ca-pacitação permanente e sensibilização das equipesmultiplicadoras, por regional; 2) estruturação deserviço de orientação e apoio a famílias que en-frentam situação de violência domiciliar; 3) melhorintegração com os conselhos tutelares; 4) avanço notrabalho intersetorial e integrado; 5) ampliação dasações da rede para o setor privado da educação esaúde; 6) informatização da ficha de notificaçãoobrigatória; 7) formalização legal da Rede; e 8) em-penho para incluir o atendimento às vítimas de vi-olência no conjunto das prioridades dos serviços.

Uma premissa importante trazida pela Redede Curitiba para essa nova concepção de trabalhointegrado e intersetorial é o entendimento deque essa tarefa é uma "constante construção".A ex-periência mostra que a implantação de uma redede proteção não exige grandes investimentos dosetor público ou privado, mas, acima de tudo, umamudança de olhar e uma visão mais atenta dos

profissionais, familiares e outros responsáveispara as crianças e adolescentes, visando a pre-venir,orientar,diagnosticar e prestar assistência pormeio dos equipamentos legais. Nesse sentido, nãonecessariamente se deve criar novos serviços ouprogramas (a não ser que, por algum motivo,esses precisem ser reorganizados), mas integrar osjá existentes, contando com pessoas sensibilizadase comprometidas.

Rede com enfoque no Ministério Público

Esta rede, em Florianópolis, foi criada em outubrode 2004, liderada pelo Ministério Público Estadual.Nos nove meses seguintes à sua criação, foramincluídas as 16 regionais do estado, totalizando 295municípios envolvidos, incluindo a capital. Suaconstrução foi motivada pela constatação do altoíndice de maus-tratos registrado pelos conselhostutelares. O alvo das ações é a população formadapor crianças e adolescentes até 18 anos, de ambosos sexos.

A Rede foi formalizada por meio de termode cooperação assinado por várias instituições,criando, no Estado de Santa Catarina, o instru-mento "Aviso Por Maus-Tratos Contra Criançaou Adolescente" (APOMT), que se encontra emfase de instalação. Diferentemente do municípiode Curitiba, onde o setor saúde teve um papelfundamental de disseminador, em Florianópoliso Ministério Público tem sido o agregador deoutras instituições na discussão da Rede.

A concepção central que norteia a construçãoda Rede de Santa Catarina é a do sistema de infor-mação capaz de contribuir com dados estratégi-cos para todas as instituições envolvidas sobre aviolência que acomete crianças e adolescentes. Osistema de informação é considerado instrumen-to potencializador na definição de ações de pre-venção, uma vez que o acesso a informações orga-nizadas e fidedignas pode subsidiar políticaspúblicas direcionadas aos problemas locais.

Uma campanha – desenvolvida por uma em-presa de comunicação na mídia eletrônica e veicu-lada ao longo de dois anos, abordando o tema daviolência contra crianças e adolescentes e sua pre-venção – promoveu a sensibilização para o tema.Apartir dessa campanha, o Ministério Público vemmobilizando parceiros para o trabalho em rede.Asinstituições envolvidas nas atividades de proteçãoe de prevenção encontram-se no quadro 2.

Além dessas instituições parceiras, a gestãoda APOMT também menciona a participação dosseguintes órgãos na Rede: Fundação Mauricio

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Sirotsky Sobrinho, Conselho Estadual da Criançae Adolescente, Sindicato dos EstabelecimentosParticulares de Ensino; Sociedade Catarinense dePediatria, entre outros. Entretanto, não são especi-ficadas as ações desenvolvidas por esses órgãos, naparceria com a Rede.

A Rede possui uma comissão gestora e técnicacomposta por funcionários públicos dos diferentesórgãos. A capacitação sobre o tema da violência ea sensibilização para a necessidade do atendimentoem rede é oferecida a todos os profissionais que par-ticipam do lançamento do programa em cadaregional.

À Rede são disponibilizados telefones, fax,computadores, salas e viaturas das instituições queparticipam do convênio. Não existe verba especí-fica para manter as atividades dessa iniciativa, oque a torna dependente dos recursos existentesnos órgãos conveniados.

A articulação entre as instituições parceiras foiavaliada de forma positiva pelo grupo gestor daRede no que concerne a: freqüência a reuniões, as-siduidade dos responsáveis pelas atividades, apoiomútuo entre os programas, divisão de responsabili-dades e referência e contratransferência de infor-mações.

Dentre as limitações apontadas pela gerênciada Rede em relação ao desenvolvimento das açõesde prevenção destacam-se: a publicação ainda in-suficiente do material de apoio pedagógico; escassadivulgação da iniciativa pela mídia; falta de umaequipe permanente especializada no atendimentoaos casos de maus-tratos em cada município parao oferecimento de suporte técnico aos demaisprofissionais.

A Rede ainda conta com muitas possibilidadesde ação a serem exploradas. Estão previstos, porexemplo, lançamento da proposta nos 293 mu-nicípios: em cada escola, em cada posto de saúde,nas delegacias, nos conselhos tutelares, nas pro-motorias de Justiça, nos programas de atendi-mento, no Conselho Municipal dos Direitos daCriança e do Adolescente de cada um dos municí-pios. Até o momento em que a avaliação se encer-rou, as atividades de capacitação e os lançamen-tos da proposta haviam sido realizados apenas emnível regional.

Os resultados das ações de proteção e de pre-venção coordenadas pela Rede ainda não sãopassíveis de serem avaliados, pois o programa seencontra em fase de implantação. Ainda não exis-tem estatísticas de crianças e adolescentes que rece-beram ações de proteção ou de prevenção patroci-nadas pela Rede.Embora haja a proposta de atendi-mento às famílias das crianças e adolescentes víti-

mas de violência,não existem dados a esse respeito.Estão em fase de implementação vários formuláriosque foram criados com a finalidade de sistemati-zar as informações em cada uma das instituições par-ticipantes: segurança pública, sistema de saúde, es-cola, conselho tutelar, programas de atendimento.

No futuro, todos os profissionais que partici-pam da Rede, nos casos de suspeita ou confir-mação de maus-tratos, utilizarão estes formuláriosque serão remetidos ao Conselho Tutelar. Por suavez, essa entidade os remeterá ao promotor deJustiça, que os lançará no banco de dados. Os pro-motores de Justiça da Infância e Juventude alimen-tam um banco de dados online que proporcionarelatórios periódicos. Estes serão disponibilizadosno site do Ministério Público do Estado de SantaCatarina. Os componentes da rede pretendem queesta seja a forma de registro estatístico das açõesefetuadas.

O trabalho em rede que se dá, sobretudo, porintermédio do fluxo de informação da denúncia daviolência ainda tem que se aperfeiçoar, no sentidode o Estado prover condições mais apropriadas parao funcionamento da proposta.São necessários maiorapoio financeiro, menos burocracia no fluxo dainformação, mais integração entre as instituiçõesresponsáveis por crianças e adolescentes, dentreoutras ações que possam fazer crescer a rede noestado.

Nos documentos de implantação encontram-se alguns princípios importantes de serem levadosa termo, embora muitos deles ainda estejam longede serem efetivados. Um deles trata da necessidadede se lidar com agressores por meio de tratamen-to e orientação, e não apenas de punição. Nessedocumento, também é indicada a importância dese abordar a família, no sentido de protegê-la. Umterceiro aspecto de extrema relevância que tem tidoprioridade é o de capacitação de profissionais.

Na época em que se desenvolveu a pesquisa decampo, a rede estava no estágio de implantação ede capacitação de seus membros para a notificaçãode maus-tratos cometidos contra crianças e ado-lescentes e para os encaminhamentos de tal tipo denotificação.

A construção de redes de prevenção – outras experiências

Ainda não existe no País um mapeamento consoli-dado das experiências em rede que estão em cursonas diversas regiões, embora se saiba que, mesmoem diferentes níveis de construção, muitas delasvêm conseguindo obter alguns êxitos significativos

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Quadro 2Instituições componentes do Programa Aviso por Maus-Tratos de Santa Catarina.

Secretaria de Estado da Educação e Inovação: comprometeu-se a instituir o programa APOMT no âmbito das esco-las do sistema estadual de ensino, inserindo-o nos projetos político-pedagógicos das unidades escolares; incorporan-do-o à formação de profissionais da educação em geral; organizando processos de multiplicação nas regiões; ofere-cendo apoio técnico aos professores, orientadores e diretores para garantir o cumprimento da determinação legal denotificação; estabelecendo articulação entre todos os demais parceiros no âmbito estadual e municipal.

Secretaria de Estado da Saúde: responsabilizou-se por integrar o programa APOMT e as normas para a sua execuçãoa uma portaria sobre o tema já existente no estado. Comprometeu-se a: encaminhar cópia da portaria e do formuláriodo programa APOMT a todas as unidades de saúde; oferecer apoio técnico e capacitação de funcionários para o cor-reto atendimento e encaminhamento das vítimas de maus-tratos; designar técnicos para compor a equipe técnicaresponsável pela sensibilização e capacitação dos parceiros executores nas regionais. Comprometeu-se também coma Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, propondo-se a garantir a promoçãoda adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis, a sistematização, a ampliação e a consolidação doatendimento pré-hospitalar; a proporcionar a assistência interdisciplinar e intersetorial às vítimas de violência e aestruturar e consolidar o atendimento voltado à recuperação e à reabilitação.

Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão: comprometeu-se a instituir o programa APOMTpor portaria em todas as delegacias de polícia e demais órgãos afins, bem como a inserir normas para sua execução.Também prevê: apoio técnico e capacitação de funcionários; comparecimento de profissional às unidades de saúdepara efetuar registro de ocorrência de crime sexual e de lesões corporais graves, evitando o deslocamento da vítimaà delegacia de polícia; realização de exames de lesão corporal ou de conjunção carnal na unidade de saúde onde oproblema foi diagnosticado, pelo médico legista do IML; adequação das estruturas físicas das delegacias de políciapara garantir privacidade no atendimento às vítimas de crimes sexuais e de maus-tratos; disponibilização de técni-cos para compor a equipe que fará a sensibilização e a capacitação dos parceiros executores nas regionais; inserçãodo tema na carga curricular de direitos humanos nos cursos de formação e de capacitação das instituições policiais.

Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social, Urbano e do Meio Ambiente: responsabilizou-se por socializar oprograma em reunião de gerentes regionais de desenvolvimento social, organizando com eles processos de multipli-cação nas regiões; prever horas/aula sobre essa temática na formação de profissionais que atuam no atendimento acrianças e adolescentes; oferecer apoio técnico aos profissionais com atuação na área; fortalecer os programas já exis-tentes de apoio às crianças e aos adolescentes vítimas de maus-tratos e suas famílias e fomentar a criação dos mes-mos em municípios em que ainda não existem.

União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado de Santa Catarina: responsabilizou-se por repas-sar aos prefeitos uma cópia do APOMT e por conclamar seus associados a apoiar o programa.

Ministério Público do Estado de Santa Catarina: por intermédio do Centro de Apoio Operacional da Infância eJuventude, comprometeu-se a instruir os promotores de Justiça que atuam nas áreas Criminal e da Infância eJuventude de todo o Estado de Santa Catarina; a conclamar sucessivamente os promotores de Justiça criminais e daInfância e Juventude de cada uma das regiões para lançamento e debate do programa na respectiva região; processaras informações recebidas de todos os parceiros relativas aos "avisos por maus-tratos", organizando-as em bancos dedados e divulgando-as em relatórios semestrais.

Fórum Catarinense pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual Infanto-Juvenil: assumiu as seguintes atribuições:ampliar a capacitação; integrar seus membros ao programa; acompanhar o envio de cópia do APOMT aos coorde-nadores regionais e profissionais para que atuem como multiplicadores de ações de prevenção das várias formas deviolência.

Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares: propôs-se a acompanhar o envio de cópia do APOMT a todos osconselhos tutelares; incluir a temática na capacitação de conselheiros; conclamar seus associados a apoiar e a partici-par da divulgação e da avaliação da rede.

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no campo da prevenção da violência em geral e daproteção a pessoas em situação de violência.

As múltiplas e muitas vezes improváveis pos-sibilidades de parceria são características dasredes, principalmente entre Estado, setor priva-do e sociedade. Um exemplo de ação integradaencontra-se em São Paulo: o Centro de Referên-cia às Vítimas de Violência (CNRVW) do Insti-tuto Sedes Sapientiae, que tem como um dos seusobjetivos a criação de redes de proteção a pes-soas em situação de violência doméstica. Paraisso, a equipe do CNRVV, com recursos finan-ciados pelo setor público ou privado, vem for-mando pólos em diversas comunidades da cidade,onde se reúnem pais, educadores, crianças ejovens. Nesses ambientes, há oficinas de drama-tização, palestras e jogos de interação. Neles, osparticipantes têm oportunidade de refletir sobrea violência, suas causas e danos, integrando profis-sionais responsáveis por crianças e adolescentescomo diretores de escolas, conselheiros tutelarese agentes de saúde. Também o trabalho e as difi-culdades de cada um se tornam conhecidos ecompartilhados.

O princípio de ação nesses pólos é o desper-tar da consciência dos direitos e das responsabili-dades dos cidadãos, sobretudo em relação à mu-dança de realidade de violência que marca a vivên-cia de muitas famílias. Para tal, a sensibilização, apromoção da auto-estima, a capacitação para quese tornem agentes dessa mudança, a otimização dosrecursos locais e o fortalecimento de uma redede atendimento são ações prioritárias que dãovisibilidade às pessoas que crescem em conjunto.

O CNRVV desenvolveu uma metodologia paraa criação de pólos, sistematizando essa importanteiniciativa. A rede atua em diversas etapas de pre-venção: identificação e reconhecimento dos sinaisde risco, notificação, acompanhamento da criança,do adolescente e da família, apoio legal para quemnecessita. E quando é possível, atende também oagressor.

O Projeto Resgate Cidadão, também criadopelo CNRVV, voltado para a potencialização dos re-cursos locais – ainda que escassos –, Trabalha coma inclusão social de crianças e adolescentes quevivem em comunidades pobres. Esse projeto criauma rede de prevenção à violência num dos bair-ros de São Paulo. Ele mobiliza recursos locais desaúde, de assistência social, comunitários, es-portivos e educacionais. Sua meta principal é for-mar os adolescentes para serem agentes multipli-cadores de ações de prevenção da violência e pro-moção da cidadania8.

Conclusões

Pretendeu-se com este trabalho apresentar ummovimento promissor e crescente de atuação em"redes" voltadas especificamente para promovera proteção e prevenir a violência contra a criançae o adolescente, tornando este problema uma causapública e compartilhada pelos mais diferentesatores governamentais, ONGs e empresas privadas.Tais iniciativas fazem uma inflexão positiva, que-brando a invisibilidade, a conivência e o silêncioque permeiam a maioria das formas de violênciadesde a infância. O trabalho de desnaturalizar aprática da violência implica em causar "rachaduras"ou tombar muitos pilares que sustentam valoresculturais arcaicos, entranhados na história brasileirae que perpetuam mitos prejudiciais à infância e aadolescência. Esses mitos, preconceitos e trata-mentos discriminatórios tendem a se reproduzir,se não houver uma intervenção civilizatória, apre-sentada, no caso brasileiro, pelo ECA. As redes,como forma de atuação, não só têm a tarefa deproteger em larga escala, mas também de fazercom que a violência, suas causas e conseqüênciassejam reconhecidas como um problema que afe-ta os indivíduos e a coletividade.Ainda contribuempara mostrar que o mal da violência contra cri-anças e adolescentes é abominável, mas tem cura.

Importante ressaltar que a estratégia de "rede"se coaduna com a forma gerencial mais atual dassociedades pós-industriais, como evidencia Castells1.Ao cuidar do saudável crescimento e desenvolvi-mento desses pequenos cidadãos, o trabalho emrede torna pública e politizada uma problemáticatípica da sociedade patriarcal e adultocêntrica, quesó pode ser vencida pela solidariedade e comple-mentaridade de parcerias, de forma que cada partecumpra seu papel e se conecte com as outras.

A análise realizada evidencia que para a eficá-cia da ação em rede são necessários alguns requi-sitos que se constroem no processo: horizontali-dade dos setores; representação de diversas insti-tuições por intermédio de seus líderes; correspon-sabilidade de trabalho; divisão de recursos e infor-mações; autonomia das instituições parceiras paradecidir, planejar, executar ações que visem à cole-tividade; capacidade de incorporar novas parceriase permitir a saída de instituições ou pessoas; e sus-tentabilidade. Estes aspectos por si sós não garan-tem um movimento exitoso, mas são ao mesmotempo pré-requisitos e parâmetros de ação.

Os problemas que mais prejudicam o trabalhoem rede são: disparidade de compreensão; divergên-cias políticas; vaidades pessoais; conflitos de pa-

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péis entre as entidades participantes; rotatividadedos profissionais que atuam nas instituições par-ceiras; diferentes ritmos de trabalho; e incompati-bilidade de quadros referenciais de vida.

Outra dificuldade comum às redes analisadas éa incorporação da família nas ações de proteção ede prevenção, iniciada no momento do atendimen-to da criança e do adolescente vítimas de violência.Embora, tanto a rede de Curitiba quanto a de Flo-rianópolis informem realizar atendimento àfamília, os gestores e técnicos reconhecem a difi-culdade e as deficiências desse atendimento. Fre-qüentemente, apenas a mãe é inserida na ação e deforma irregular. A inclusão da família nos proces-sos de transformação cultural é um grande desafiopara as redes, da mesma forma como tem semostrado em outros tipos de serviços que atendempessoas em situação de violência9.

Em função dos requisitos e dos problemas con-clui-se que a construção de redes, por ser uma es-tratégia de ação nova, exige investir em capacitaçãoe incentivo dos participantes, para que todos pos-sam se comunicar de forma ágil e clara. Esse é umgrande e permanente desafio a ser enfrentado, querequer a participação de amplos setores sociais co-mo, por exemplo, a mídia, a educação, a saúde e osmovimentos comunitários. Trata-se de prover in-formação que possibilite a transformação, não so-mente por meio da aquisição de conhecimentoformal sobre a violência, mas, principalmente, porintermédio da promoção da cidadania como for-ma de enfrentamento da violência. Os exemplosde capacitação assinalados neste artigo mostramuma iniciativa em processo, em que o conheci-mento e o envolvimento de todos os parceirosfazem a diferença e resolvem o nó da tão propala-da "intersetorialidade".

O estudo evidencia também a necessidade de

investimento em acompanhamento externo e avali-ação, pari passu com a auto-avaliação. Os doisexemplos apresentados mostram redes que têmampla base de recursos governamentais. Váriasoutras iniciativas são calcadas em iniciativas deabrangência local, concatenando ONG e comu-nidades que, unidas, pressionam e demandam a in-clusão dos serviços governamentais. Há tambémpropostas levadas a cabo por empresas privadas, nalinha do ethos da responsabilidade social. Mas o re-conhecimento oficial ou a formalização do tra-balho em rede não são suficientes para manter asinterconexões. Muitos profissionais entrevista-dos na pesquisa citada neste estudo consideram,com Mattelart et al.5, ser importante que as própriascomunidades reconheçam o papel das parcerias emconexão. Nesse sentido, a visibilidade dos equipa-mentos do Estado nas comunidades, fazendo-sepresentes e atuantes, tem sido fundamental paraque as pessoas confiem nas instituições e em suaação. Por sua vez, a influência das instituiçõesque compõem as redes é decisiva no processo deevidenciar para os poderes locais, municipais, es-taduais, federal e internacional10 o quão prejudi-cial é a violência e suas formas de manifestação.

Concluindo, pode-se afirmar que a construçãode uma rede de proteção demanda etapas com-plexas, um novo olhar para o mesmo problema, autopia para plantar soluções e a superação do mo-do de trabalho setorizado e verticalizado. Desafi-ar essas dificuldades estimula o desejo de muitosprofissionais envolvidos na criação dessa iniciati-va, e o resultado, sem dúvida nenhuma, é a trans-formação de todos os que participam em pessoasmais solidárias e mais eficazes nas atividades es-pecíficas que desempenham. O nó que se cria en-tre as várias colaborações as transforma em pes-soas maiores que si mesmas.

Ciên

cia & Saú

de Coletiva,11(Su

p):1313-1322,2007

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Colaboradores

K Njaine, SG Assis, R Gomes e MCS Minayo partici-param igualmente de todas as etapas da elaboraçãodo artigo.

1. Castells M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra;2000.

2. Frey K. Desenvolvimento sustentável local na sociedade emrede: o potencial das novas tecnologias de informação ecomunicação. Rev. Sociol. Polít. 2003; 21:165-85.

3. Andrade GRB, Vaitsman J. Apoio social e redes: conectandosolidariedade e saúde. Rev C S Col 2002; 7(4):925-34.

4. Marteleto RM. Análise das redes sociais: aplicação nos estu-dos de transferência da informação. Ciência da Informação2001; 30(1):71-81.

5. Mattelart A, Mattelart M. História das teorias da comuni-cação. São Paulo: Edições Loyola; 2000.

6. Becker HS. Método de pesquisa em ciências sociais. SãoPaulo: Hucitec; 1993.

7. Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Silva CFR. Organização,processamento, análise e interpretação de dados: o desafioda triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, orga-nizadoras. Avaliação por triangulação de métodos: abor-dagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005.p. 185-221.

8. Fundação Abrinq. O Fim da omissão – A implantação depólos de prevenção à violência doméstica. Prêmio Criança2002. São Paulo: Fundação Abrinq; 2002.

9. Deslandes SF, Assis SG, Njaine K, Ximenes LF, Gomes R,Cabral CA, et al. Famílias: parceiras ou usuárias eventuais?Análise de serviços de atenção a famílias com dinâmica deviolência doméstica contra crianças e adolescentes. Rio deJaneiro: Claves/ENSP/Fiocruz; Brasília: Unicef; 2004.

10. OMS. Relatório mundial sobre violência e saúde. Genebra:Organização Mundial da Saúde; 2002.

Artigo apresentado em 6/03/2006Aprovado em 30/03/2006Versão final apresentada em 7/04/2006

Referências

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