Porto Cidade Saudável: da escala Urbana à escala Humana ...
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MESTRADO INTEGRADO
ARQUITECTURA
Porto Cidade Saudável:
da escala Urbana à escala Humana
Ana Maria de Azevedo Calçada
M 2021
PORTO CIDADE SAUDÁVEL
DA ESCALA URBANA À ESCALA HUMANA
Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura apresentada à Faculdade de Arquitec-
tura da Universidade do Porto sob a orientação do Professor Doutor Rui Manuel Trindade
Braz Afonso e coorientação da Professora Doutora Daniela Ladiana.
Ana Maria de Azevedo Calçada
Porto, 2021
VII
Agradecimentos
A todas as notas que fazem a minha música, com os seus diferentes ritmos e tonalidades,
contribuindo para que esta seja uma bela melodia.
Aos meus pais pelo ritmo constante,
aos meus irmãos pelos alegros no caminho,
aos meus amigos e colegas pelas novas possibilidades tonais,
ao meu namorado pela importância dos silêncios que se fazem música.
Neste percurso de realização da dissertação deixo um agradecimento aos professores
orientadores Rui Braz e Daniela Ladiana que apesar das limitações impostas durante
este período pandémico tiveram a perseverança para trilhar este caminho comigo e dei-
xar as palavras certas nos encontros telemáticos por forma a guiar o meu percurso.
Deixo um agradecimento especial ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Por-
to nas pessoas da Doutora Teresa Leão e do Doutor Henrique Barros que se mostraram
sempre disponíveis para me ajudar transmitindo-me a sua paixão pela Saúde Pública.
Por fim, agradeço a voluntariedade das gentes das Fontaínhas, no gosto por receber e
contar sempre mais uma vez as suas histórias, que são as histórias da cidade.
RESUMO
Construir um novo pensamento de interpretação do que exis-
te para além do mundo das formas, é uma busca consciente
pelas existências sociais e éticas; cada posição formal remete
a uma conceção do mundo, tempo e sujeito1. O desafio do ur-
banismo do século XXI trata-se da construção de sistemas
interpretativos de síntese que saibam conciliar as respostas
formais com a crítica, isto é, que expliquem a arte, a arquite-
tura e a cidade a partir do social e do político, mas que, ao
mesmo tempo, saibam fazer uma análise que rejeite explica-
ções simplistas que pretendam reduzir a complexidade dos
mundos criativos e formais exclusivamente a condições eco-
nómicas e ideológicas.
A propósito do surgimento do vírus SARS-CoV-2, que despo-
letou uma pandemia e inúmeras mortes por todo o mundo,
surgiu, em pleno confinamento, o interesse por estudar a
cidade à luz das questões de saúde. Assistia-se, na primeira
metade de 2020, a um cenário de inversão da vida, em que as
cidades – palco de movimento, atividade, interações sociais
(pelo menos aparentemente) – se encontravam desertas. Por
outro lado, a casa desdobrou-se em todas as funções possíveis
e impossíveis servindo de escritório, atelier, ginásio, escola,
1 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios para
mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P.243
XI
consultório, entre outros, confundindo assim os usos, os es-
paços, a sua simbologia e significação, acarretando graves
problemas sociais, físicos e psicológicos e trazendo à tona
diferenças sociais e económicas que começam no habitat e se
estendem ao acesso ao espaço público e serviços. Cabe ao
espaço público buscar ser esse palco de igualdade de oportu-
nidade de acesso à cidade. Os tempos atuais são marcados
pela necessidade do fim de um ideal único, neutro e univer-
sal, para dar lugar a novas realidades e culturas diversas e à
luta por direitos mais reais, da igualdade na diferença.
A relação entre o urbanismo e a epidemiologia não é novida-
de. Desenvolveram-se em conjunto, sobretudo, ao longo do
século XX, ou seja, o urbanismo vinha dar resposta a pro-
blemas sanitários da dimensão da saúde pública. A busca
pela Cidade Saudável – sustentável, humana e inteligente -
é, em última análise, a saída justa para estes problemas. Por
muita reflexão que esta nova doença possa ter gerado, várias
das questões levantadas não são novas, muito menos no que
toca à busca pela Cidade Saudável. O cerne da questão é co-
mo enfrentar os grandes desafios sociais e ambientais com
uma arquitetura sustentável e com um urbanismo participa-
tivo, de maneira que se evolua em direção à igualdade e ao
reconhecimento da diversidade, a uma sustentabilidade en-
tendida a partir da vertente social. Esta cidade deve procu-
rar a saúde dos seus habitantes buscando a saúde ambiental,
política, económica e social.
Não há uma solução concreta para se atingir a Cidade Sau-
dável, mas existem respostas possíveis. É uma dessas opções
que a seguinte dissertação pretende apresentar usando o
Porto como ponto de partida de uma proposta que engloba a
Cidade, o Bairro e a Rua.
ABSTRACT
To build a new way of interpreting what exists beyond the
world of forms is a conscious search for social and ethical
existences; each formal position refers to a conception of the
world, time and subject2. The challenge of urbanism in the
21st century is to build interpretative systems of synthesis
that know how to reconcile formal responses with criticism,
which means, systems that explain art, architecture and the
city from the social and political perspectives, but that, at
the same time, knows how to make an analysis that rejects
simplistic explanations that intend to reduce the complexity
of the creative and formal worlds exclusively to economic and
ideological conditions.
Regarding the emergence of the SARS-CoV-2 virus, which
triggered a pandemic and countless deaths all over the
world, arose, deep into confinement, an interest in studying
the city in light of it’s health issues. In the first half of 2020,
people witnessed a scenario of inversion of life, in which cit-
ies – stages of movement, activity, social interactions (at
least apparently) – were deserted. On the other hand, the
home unfolded into all possible and impossible functions,
serving as an office, atelier, gym, school, office, among other
2 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios para
mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P.243
XIII
things. Thus, confusing the uses, the spaces, symbology and
meaning, and resulting in serious social, physical and psy-
chological problems, which brought to light social and eco-
nomic differences that start in the habitat and extend to the
access to public spaces and services. It is up to the public
space to seek to be that stage of equal opportunity of access
to the city. Current times are struck by the need to ending a
single, neutral and universal ideal, and to give way to new
realities, diverse cultures and the struggle for more real
rights of equality in difference.
The relation between urbanism and epidemiology is nothing
new, they developed together throughout the 20th century.
In other words, urbanism came to respond to public health
problems. The search for the Healthy City – sustainable,
human and smart – is, in final analysis, the fair way out of
these problems. As much reflection as this new disease may
have generated, many of the issues raised are not new, much
less those regarding the search for the Healthy City. The
crux of the matter is how to face the great social and envi-
ronmental challenges with a sustainable architecture and
participated urbanism, in order to evolve towards equality
and the recognition of diversity, towards sustainability un-
derstood from the social perspective. This city must seek the
health of its inhabitants seeking environmental, political,
economic and social health.
There is no specific solution to reach the Healthy City, but
there are possible answers, it is one of those options that the
following dissertation intends to present, using Porto as the
starting point of a proposal that encompasses the City, the
Neighborhood and the Street.
1
Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura apresentada à Faculdade de Arquitec-
tura da Universidade do Porto sob a orientação do Professor Doutor Rui Manuel Trindade
Braz Afonso e coorientação da Professora Doutora Daniela Ladiana.
Ana Maria de Azevedo Calçada
Porto, 2021
Introdução
2
ÍNDICE
Índice 2
INTRODUÇÃO 4
PARTE I 6
A CIDADE NA SIMBIOSE COM A SAÚDE PÚBLICA 7
Momento de Retrospetiva 9
Covid-19 – O Ponto de Rotura 9
A Urgência para a Mudança 10
A Oportunidade Criada pela Pandemia 15
Urbanismo e Saúde Pública 19
Uma Relação Antiga 20
A Saúde Pública no Desenho do Porto 28
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência 43
74
75
PARTE II 76
PENSAR A CIDADE SAUDÁVEL 77
À Procura da Cidade Saudável 79
A Cidade Inteligente 86
A Cidade Sustentável 90
A Cidade Humana 97
Para uma Resposta de Vida Urbana 106
Pretensões 108
Síntese 120
Índice
3
PARTE III 122
CIDADE | BAIRRO | RUA PROPOSTA A 3 ESCALAS 123
Aproximar a Cidade 127
Porto de Encontro 128
A Escala Urbana 133
Integrar o Bairro 141
Da Análise do Lugar 143
A Escala do Bairro 152
Devolver a Rua 173
A Escala da Rua 176
Da Rua ao Habitat 183
Feito de Mãos 188
CONSIDERAÇÕES FINAIS 191
Fontes 196
Periódicos 199
Artigos Científicos 200
Trabalhos Académicos 201
Websites 202
Imagens 205
Introdução
4
INTRODUÇÃO
Ascher1 dá, no início do século XXI, a noção do compromisso
urbano que aponta como condição necessária e imprescindí-
vel para manter a coesão social e a complexidade funcional
entre estruturas mais ou menos concentradas para o início
do novo milénio. Antes de mais, indica a necessidade de pôr
término à imagem nostálgica da cidade europeia devido à
limitação que essa visão traz relativamente aos avanços mo-
dernos, uma vez que a velocidade de deslocações e comunica-
ções gera outras formas de urbanidade. Portanto, terá de ser
a diversidade e o compromisso entre as procuras e as práti-
cas variadas de que ela é objeto, indicando, desta maneira, a
forma comprometida com que todos os intervenientes na vida
urbana têm que olhar e discutir o futuro das cidades desde os
seus habitantes, ao governo local, ao interesse privado e ao
próprio Estado.
A Covid-19 veio reacender o rastilho da questão “Que cidade
queremos construir?”, dando força a esta necessidade de
olhar de forma conjunta e comprometida a cidade que a pan-
demia deixa. A cidade é o espaço de encontro, de convivência,
de socialização e é o fomento de espaços como momentos pro-
1 Ascher, François. (2012) Novos princípios do urbanismo seguido de Novos
compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte. Lisboa.
Índice
5
pícios a estas atividades, que alimenta o estudo do urbanis-
mo. Num tempo em que o espaço da cidade foi praticamente
anulado, restou a questão do que se pretende para o futuro
das ruas, abrindo espaço à reflexão sobre problemas perti-
nentes relativamente à cidade e à organização do território.
Ao mesmo tempo que a arquitetura assume uma dimensão
considerável no mercado e cultura globais, através das suas
formas e funções junto com a crescente importância atribuí-
da aos monumentos como gerador de movimento turístico, a
pandemia veio redirecionar a atenção para a fragilidade da
concretização da criação, em relação ao que realmente alme-
ja. A implementação de medidas drásticas como o confina-
mento fez crescer questões referentes à fragilidade do mundo
crescentemente aespacial e do valor dos lugares2. A socieda-
de, alienada pelas imagens de consumo, esquece-se de olhar
para além da superfície. Um tecido urbano com edifícios e
habitantes falsos é uma cenografia de discursos vazios que
mascara a especulação imobiliária.3
Várias perguntas emergem, de entre as quais a seguinte dis-
sertação se centra:
Que novas contribuições pode o urbanismo trazer pa-
ra a saúde pública?
Quais as epidemias do século XXI que o urbanismo
deve ajudar a mitigar?
Como pode o urbanismo ajudar a melhorar as condi-
ções de habitabilidade ao nível do bairro e contribuir
para o desenvolvimento de toda a cidade?
2Gehl, Jan (2013) Cidades para Pessoas. 2ª edição, Perspectiva. São Paulo
3 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P.209
Índice
7
A CIDADE NA SIMBIOSE
COM A SAÚDE PÚBLICA
“[…] nestes dias que vivemos, as dimensões tradicionais de
passado, presente e futuro estão tão entrelaçadas que não
sabemos bem como coordenar o tempo. Podia dizer-se que é
por estarmos confinados […], porque muitos de nós tivemos
de nos dobrar sobre nós próprios e caber num casulo a que
chamamos casa ou família e que tínhamos intimamente ima-
ginado que era bem diferente, um refúgio diferente. Mas não,
não é só por isso também. Nem pelo medo de enfrentar uma
emergência infeciosa, medo de companhia – como um animal
de companhia -, que nos deve ajudar a planear as nossas
ações, a pensar com um quadro de referências preventivas em
mente, a correr os riscos tão conscientes quanto se pode estar
quando o que temos é, como os antigos marinheiros, uma li-
nha do horizonte para lá do qual só nos resta imaginar o que
estará.”4
4 Barros, Henrique. (2020 Abril) Sigularidades de um doença e de uma
cidade. O Tripeiro.7ª Série – Ano XXXIX – Nº4, p. 101
Momento de Retrospetiva
9
MOMENTO DE RETROSPETIVA
COVID-19 – O PONTO DE ROTURA
Há uma urgência para a mudança de paradigma nas cidades
sobretudo no que toca às questões ambientais, mas também
no que toca à vida humana e à saúde diretamente. A crise
gerada pela Covid-19 trouxe à tona estes problemas já co-
nhecidos na cidade: o trânsito motorizado intensivo, segrega-
ção social e de funções, problemas ambientais, falta de espa-
ço público acessível e de fruição, entre outros. A lógica eco-
nomicista do habitat do século XX foi neste período contra-
posta. O espaço volta a ganhar força. Na habitação as varan-
das e os exteriores voltam a revestir-se de importância. Mas
não será isso reflexo de um espaço público ineficaz, mais do
Figura 1 - Anchored, Amy Chasey, 2020
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
10
que uma habitação insuficiente? Dado que a habitação, a
casa, teve neste tempo uma sobrecarga de funções até agora
impensáveis e que certamente geram discussão sobre o espa-
ço doméstico na habitação do futuro, fica claro que o espaço,
o desenho e a arquitetura são transformadores e essenciais.
A URGÊNCIA PARA A MUDANÇA
A pandemia tornou-se potenciadora de segregação quer de
nível social quer da cidade funcional, deixando a nu vários
problemas. A nível social destaca-se o fosso entre classes
que aumenta com o abandono de trabalhadores precários e
trabalhadores independentes, que desempenham tarefas de
que toda a cidade depende, e que se viram numa situação
limite devido à pandemia; o acesso à educação tornou-se
desigual com o recurso às tecnologias informatizadas que
não estão ao acesso de todos, assim como as diferentes ‘salas
de aula’, improvisadas em casa, que não possuíam as mes-
mas condições físicas; e, por fim, o agravamento de doen-
ças crónicas e falta de diagnósticos trouxe prejuízos a nível
de saúde que ainda estão por contabilizar.
A nível da cidade funcional, o acesso ao espaço público foi um
dos aspetos mais salientados. A consagração do automóvel
como principal ferramenta de organização do espaço
urbano teve efeitos devastadores sobre as áreas centrais das
cidades ao longo de todo o século passado. Através do auto-
móvel iniciou-se um processo de expansão suburbana que
gerou assentamentos residenciais monofuncionais dependen-
tes de equipamentos, serviços e empregos que continuavam
concentrados nos antigos centros. Para viabilizar a pendula-
ridade generalizada que este esquema determina, os auto-
móveis precisavam de chegar e estacionar no centro e um
Figura 2 – espaço necessário para mo-
vimentar uma pessoa de acordo com a
modalidade de transporte
Momento de Retrospetiva
11
intenso processo de adaptação das preexistências provocou a
gradual degradação de enormes porções deste território,
retirando, também, espaço público dedicado a recreio,
passeio, lazer e socialização determinantes para garantir a
vida urbana. O Tempo é, devido ao paradigma da mobilida-
de facilitada que se experiencia no quotidiano, a forma de
medir distância mais utilizada. Viver numa qualquer inter-
cidade, periferia ou subúrbio e trabalhar num centro de
cidade é comum, não pela curta distância física, mas pelo
reduzido tempo gasto no movimento pendular e facilidade de
mobilidade dos veículos motorizados.
A segregação das funções estendeu-se para conceitos que
extrapolam a simples dicotomia Centro-Periferia, uma vez
que o crescimento urbano não se realiza mais de acordo com
o modelo do ovo estrelado5 mas sim de forma rizomática6,
organizando várias centralidades. Vias rápidas; casas iguais
a perder de vista; falsas ampliações sem instalações educati-
vas, sanitárias, culturais, comércio e os restantes serviços de
apoio e concepção da urbanidade; áreas de pavilhões indus-
triais com terrenos extensos que separam do resto; esta é a
paisagem da cidade, às vezes chamada cidade difusa7 para
diminuir o impacto negativo que se causaria se fosse chama-
da não cidade ou subúrbio sem atributos visuais fortes sem
estrutura evidente8 , sofrendo do mesmo sprawl monótono
5 Price, Cedric (1982) The City as an Egg.
6 “qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado com qualquer outro e
deve sê-lo.” p.17 “Todo o rizoma compreende linhas de segmentaridade de
acordo com as quais se estratifica, se territorializa, se organiza, se atribui,
significa, etc.; mas também linhas de desterritorialização pelas quais não
pára de fugir. Há ruptura no rizoma de cada vez que linhas segmentares
explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma.
Estas linhas estão sempre a remeter-se umas para as outras.” P.23 e 24,
Deleuze, Gilles. Guattari, Felix. (2016) Rizoma. 1ª edição (1980), Docu-
menta, Lisboa.
7 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P. 209
8Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.
P.94
Figura 3 – Avenida do Aliados, 1968
Figura 4 – Ineficiência do carro
Figura 5 – Caricatura cinematográfica do
urban sprawl, 1990
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
12
que se vem dispersando pelo território, além do modelo não
sustentável de crescimento que depende do veículo privado e
das energias não renováveis e poluidoras. As questões ambi-
entais, decorrentes da mobilidade motorizada e de uma glo-
balização artificial, baseada no consumo e acumulação
sem fim 9 que faz aumentar consistentemente a diferença
entre países ricos e pobres e recai no colapso quer ambien-
tal, quer económico, acabaram por ser desmascaradas pelo
vírus – traduzidas na ausência de uma autêntica consciência
planetária da humanidade10.
A obstinação pela turistificação revelou-se uma aposta
pouco estruturada, num momento em que o turismo foi can-
celado, fragilizando as sociedades mais dependentes dele. O
tecido social na cidade alterou-se completamente trazendo
nova complexidade para a qual não havia preparação - a imi-
gração, com culturas e religiões diferentes e o turismo de
massa, que produz um desgaste da cidade real - que, com os
seus meio económicos vai deslocando a população autóctone e
os jovens, em geral, vítimas da precariedade laboral11. Tudo
isso gera uma situação formada por estratos sociais muito
diversos, aos quais não se pode oferecer uma solução única.
O problema do missing middle – a desertificação dos centros
urbanos – dá-se devido a uma desregulação dos poderes, ape-
sar de aparentemente a cidade ser dominada por forças in-
ternas, como o governo local, na realidade, o território urba-
no acaba por ser alvo dos operadores imobiliários constituí-
dos sobretudo por grandes investidores internacionais que
buscam uma rentabilidade alta e imediata, promovendo as
9 Harvey, David (2020 outubro 22) The Anti-Capitalism Politics in time of
Covid-19. The Anti-Capitalist Chronicles. Pluto Press, Northampton.
10 Morin, Edgar (2020 Abril 11) Vivimos en um mercado planetario que no
ha sabido suscitar fraternidad entre los pueblos, El País.
11 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona.
Figura 7 – Loja turística, R. Sta Catarina,
Porto, 2019
Figura 6 - Eficácia de diferentes meios
de transporte
Figura 8 – Loja turística, Rua dos Cléri-
gos, Porto, 2019
Momento de Retrospetiva
13
novas tipologias da globalização – hotéis, arranha-céus,
shoppings, parques temáticos, condomínios fechados, etc. –
exigindo lugares centrais e acessíveis, livres do património,
memória e inquilinos12. Por isso, torna-se mais difícil um
modelo de cidade feito com previsão, visão pública e com in-
tenções de sustentabilidade.
Além disso, a demora na introdução de mudanças de
ordenamento do território é, muitas vezes, incompatível
com a lógica de mercado e mudanças políticas locais. A busca
pela Cidade Ideal foi repetidamente explorada, projetada,
desenhada ao longo do tempo, sobretudo durante a Era Mo-
derna, partindo geralmente de uma necessidade momentâ-
nea consciente, de pontos de rutura, gerados pelas evoluções
e revoluções do tempo que deram origem a fenómenos não
calculados. Assim se desenvolveram diversos planos, por
norma, assentes na utopia, com um olhar sobre as maravi-
lhas do mundo urbano, mas sem olhar às necessidades reais
e avaliando as vivências humanas no meio urbano de forma
mecânica, na realidade, desprovidas de humanidade. Não
raras vezes, os problemas que exigiam solução foram olhados
12 Muxí, Zaida (2004) La arquitectura de la ciudade global. Gustavo Gili, 2ª
edição (2009), Barcelona
Figura 9 - Rés-do-chão desa-
bilitados em zonas chave do
Porto, uma “doença urbana”,
Coletivo oitoo, 2018
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
14
de forma isolada e resolvidos sem ter em conta todas as di-
nâmicas inerentes à cidade, e, de uma forma ou de outra,
foram trazendo novos obstáculos para a cidade deixando um
custo elevado para o desenvolvimento das sociedades13. A
resiliência das cidades pode ser construída pela exposição a
diferentes fenómenos extremos que vão para além da exposi-
ção a crises sanitárias. O fortalecimento da cidade pressupõe
a resposta a qualquer situação que possa surgir no meio ur-
bano, ou seja, uma solução univocacionada nunca será uma
boa solução, uma vez que não procura a reabilitação da cida-
de tendo em conta a diversidade de acontecimentos previstos
ou imprevistos que possam surgir14. Para além disso, tenden-
cialmente, as intervenções urbanas foram aplicadas em situ-
ações de extrema necessidade, o que revela a falta de estudos
prévios do desenvolvimento urbano e a dificuldade constante
para uma resposta rápida e eficaz. O problema relacionado
com a demora na aplicação de medidas transformadoras veri-
fica-se ainda atualmente, sobretudo no que aos Planos Dire-
tores Municipais (PDM) diz respeito, estendendo-se por perí-
13 Harvey, David (2020 outubro 22) The Anti-Capitalism Politics in time of
Covid-19. The Anti-Capitalist Chronicles. Pluto Press, Northampton.
14 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona.
Figura 10 – A perda da
importância da rua como
espaço de encontro, vida
urbana e recreio
Momento de Retrospetiva
15
odos de tempo incompatíveis com as convulsões sociais tor-
nando-o obsoleto e até constrangedor para a vida urbana.
A urgência e a pertinência atual para a mudança não são
estranhas às múltiplas dimensões do estudo urbano. Os pro-
blemas já conhecidos da segregação socioeconómica e socio-
demográfica, o acesso a equipamentos e zonas verdes, as di-
nâmicas de mobilidade, a qualidade do ar e de saúde, o mer-
cado imobiliário especulativo, entre outros, são aspetos da
cidade intrinsecamente relacionados com a situação atual e
cuja consciência, observação e planeamento serão imprescin-
díveis para abordar saídas justas, seguras e sustentáveis
para um futuro próximo. É necessário definir a médio prazo
novos modelos de planificação urbana e políticas que permi-
tam uma maior proximidade entre a habitação e as ativida-
des económicas, reduzindo as distâncias que diariamente a
população percorre e reequilibrando as áreas urbanas cujo
crescimento se tem baseado na segregação social e funcional
da habitação e da atividade económica. A crise produzida
pela Covid-19 assinala vulnerabilidades das áreas urbanas,
que reincidem numa linha que se vem apontando ao longo do
tempo.
A OPORTUNIDADE CRIADA PELA PANDEMIA
O que a cidade tem de mais importante é a dimensão huma-
na, e os territórios precisam de ser estruturados tendo em
conta essa dimensão para que não se perca. “As cidades não
podem ser pensadas para o carro. O ritmo do encontro é o
ritmo da caminhada.”15. Não esquecendo que a diversidade é
o que traz a riqueza da mistura, do complementar, do diver-
so. A pandemia serviu para reconhecer o significado das for-
mas em que os modos leves capacitam para seguramente e
15 Gehl, Jan (2013) Cidades para Pessoas, 2ª Edição, Perspectiva, São Pau-
lo.
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
16
resilientemente se navegar pelas cidades. No mundo da mo-
bilidade sustentável, um dos resultados da pandemia é o
aumento do ciclismo. Não só há um claro apetite por andar
de bicicleta, comprovado pelo aumento de compra de bicicle-
tas16 e o aumento do tráfego dos modos leves de mobilidade
durante a primeira metade de 2020, como, também, as cida-
des procuraram rapidamente adaptar-se criando ciclovias
temporárias e aumentando a infraestrutura ciclável, usando
a pandemia como catalisador para a mudança. Muitas destas
mudanças temporárias acabaram por adquirir contornos
permanentes.
Em várias cidades do mundo foram aproveitadas as ruas
desertas, partindo de uma oportunidade excecional, para
abrir aso à experimentação no espaço público. Promoveram-
se várias iniciativas inseridas em mecanismos como Urba-
nismo Tático apostando em medidas rápidas, baratas, rever-
síveis e eficazes para alterar e adaptar os usos dos espaços
na cidade. A NACTO – National Association of City Trans-
portation Officials17, desenvolveu o projeto ‘Streets for Pan-
demic’ que tem como princípio continuar a promover a vida
urbana não só cumprindo as orientações de saúde pública,
mas procurando amplificá-las. Uma das preocupações foi
evitar o aumento de outros problemas como o isolamento,
apoiando as pessoas mais vulneráveis, nomeadamente os
idosos, mas também outros grupos em situações de risco,
trazendo a comunidade para o processo de reestruturação
das ruas com a premissa – agir agora, adaptar ao longo do
tempo – fomentando saídas alternativas para o confinamen-
to, sustentáveis economicamente e socialmente. A componen-
te que alia a saúde pública com o urbanismo começa neste
16 https://www.publico.pt/2020/05/18/local/noticia/desconfinados-
portugueses-estao-comprar-bicicletas-
1916823?ref=pesquisa&cx=page__content
17 National Association of City Transportation Officials - https://nacto.org/
Figura 11 – Streets for Pandemic,
NACTO, 2020
Momento de Retrospetiva
17
gesto pela procura eficiente por aliar respostas que não só
constituem alternativa, como são na realidade uma opção
mais completa. Olhando, assim, não só ao problema que o
novo vírus acarreta, mas a outros problemas sociais e de sa-
úde sobretudo mental e também a problemas relacionados
com o sedentarismo. “Se aceitarmos que o exterior pode ser
ocupado, a arquitetura não é, em si, o suficiente. […] Terá de
ser um meio destinado ao ser humano na sua totalidade, que
a poderá reclamar para si, ocupando-o quer estaticamente
quer pelo movimento. Ao homem não bastam as galerias de
pintura; ele necessita de emoção, do dramatismo que é possí-
vel fazer surgir do solo e do céu, das árvores, dos edifícios,
dos desníveis e de tudo o que o rodeia, através da arte do re-
lacionamento.”18 Faz parte da natureza humana a componen-
te social mesmo que se resuma a uma relação indireta de
partilha do mesmo espaço, caminhar na mesma rua, obser-
var o outro passeio ou as crianças a brincar, ver a vida a
acontecer.
Com este propósito desenvolveram-se ações concretas como o
encerramento temporário de ruas, inteira- ou parcialmente,
ao trânsito motorizado, instigando a curiosidade dos habitan-
tes, oferecendo novos espaços de apropriação para caminhar
e andar de bicicleta e espaços de recreio. A criação de ciclovi-
as e a promoção das atividades pedonais ofereceu opções pa-
ra que as pessoas pudessem usufruir do exterior para o pas-
seio higiénico e para que as crianças pudessem ter lugar pa-
ra brincar em zonas em que o espaço público não conseguisse
de outra forma responder a estas necessidades, mantendo a
sensação de segurança quer pela ausência dos carros quer
pela distância de segurança que desta forma é mais fácil
manter. Por outro lado, a criação de parklets permitiu que
restaurantes, cafés e bares tivessem a oportunidade de ocu-
18 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 30
Figura 14 – Parklet iniciativa umundu,
Campolide
Figura 12 - Ciclovia provisória, Burlington,
Reino Unido, 2017
Figura 13 - Parklet - Poço dos Negros, Ate-
lier Rés-do-chão, Lisboa, 2016
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
18
par passeios e lugares de parque automóvel com esplanadas,
uma política que dura até à atualidade em muitos dos casos,
dando oportunidade, não só de alargar a sua capacidade, mas
sobretudo de poderem manter o funcionamento, nos casos
que não possuíam de todo qualquer espaço exterior de serviço
ao público19. Estas mudanças, mostrando várias formas ino-
vadoras destes serviços criarem espaços exteriores agradá-
veis criando uma maior sensação de segurança para os seus
clientes, são sucessos consideráveis. Repropor estradas foi
uma forma de facilitar e tornar mais seguro caminhar e an-
dar de bicicleta e as pessoas acolheram entusiasticamente
estas mudanças. As mudanças temporárias das ruas e estra-
das implementadas como resposta à Covid-19 funcionaram
como experiência no campo do urbanismo, mas também, no
campo social, demonstrando às pessoas que transformações
positivas são possíveis.
Também no Porto se tomaram iniciativas semelhantes – Rua
de Miguel Bombarda, Rua dos Almadas, Rua de Passos Ma-
nuel, Rua da Torrinha, Avenida de Rodrigues de Freitas –
que serviram como experiência para a cidade sem carro, sem
emissões de CO2. Nestas ruas foram organizadas atividades
em conjunto com associações locais, associações desportivas e
outras de cariz social, desenvolvendo atividades sobretudo
para o público infantil20. A introdução de parklets, sobretudo
para esplanadas teve uma expressão forte pela cidade, man-
tendo-se ao longo do tempo.
19 Devido ao processo faseado de desconfinamento, as restrições de uso dos
espaços comerciais e de serviços interiores mantiveram-se bastante aper-
tadas durante muitos meses, tornando os espaços exteriores mais atrativos
quer para este setor do comércio como para os próprios clientes.
20 https://www.porto.pt/pt/noticia/bombarda-almada-passos-manuel-ou-av--
de-rodrigues-de-freitas-voltam-a-abrir-se-a-circulacao-pedonal
Figura 17 – Rua Passos Manuel fechada ao
trânsito motorizado com vegetação temporá-
ria e espaços de parklet, Porto, verão 2020
Figura 15 - Avenida de Rodrigues de Freitas
fechada ao trânsito motorizado, Porto, verão
2020
Figura 16 - Avenida de Rodrigues de Freitas
fechada ao trânsito motorizado, Porto, verão
2020
Urbanismo e Saúde Pública
19
URBANISMO E SAÚDE PÚBLICA
“A saúde não é tudo na vida, mas sem saúde a vida não é
nada.”21
Como mundo artificial, a cidade deve ser no melhor sentido:
feita pela arte, modelada para propósitos humanos22. É hábi-
to ancestral as pessoas ajustarem-se ao ambiente circundan-
te, para discriminar e organizar perceptualmente o que quer
que se torne presente aos sentidos. Sobrevivência e domínio
basearam-se nesta sensível adaptabilidade, no entanto, ago-
ra deve-se continuar para uma nova fase desta interação. As
convulsões mais notáveis nas cidades deram-se devido à sua
exposição a fenómenos extremos, sejam eles catástrofes na-
turais ou causadas pelo homem. A fragilização por uma do-
ença que afeta a saúde pública, apesar de não merecer o de-
vido enfoque, sempre foi um fator preponderante para a evo-
lução das sociedades a nível global. A memória das pandemi-
as e epidemias não é tão presente quando se revê a história
mundial, mas os seus efeitos comparam-se aos dos principais
eventos históricos como guerras, revoluções e decisões políti-
cas, desafiando e redefinindo os rumos políticos e económi-
cos. Devido a epidemias e outras situações de insalubridade
foram arrasadas ruas inteiras e desmobilizadas milhares de
habitações, deram-se grandes avanços tecnológicos ao nível
das infraestruturas urbanas originados por intensos estudos
debruçados no urbanismo, que se percebeu ser uma questão
essencial de escrutínio. A saúde pública e o urbanismo são,
assim, disciplinas que se foram desenvolvendo numa relação
de simbiose, o que enaltece a pertinência de voltar a olhar
21 Schopenhauer
22 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York. P.
95
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
20
para ambas de forma a dar uma resposta adequada às neces-
sidades da cidade. O estudo do urbanismo foi desenvolvido ao
longo do tempo de forma algo trôpega, considerada uma ma-
téria secundária entre as restantes ciências sociais e da cons-
trução. Só tendo começado a ser seriamente encarado como
uma disciplina independente a partir do final do século XIX,
altura em que as transformações industriais desenvolvidas
ao longo de mais de um século deixavam a nu o caos em que
se encontravam as cidades, com graves repercussões sanitá-
rias que deram origem a epidemias gerando milhares de
mortes. É nesta altura que a preocupação higienista se inte-
ressou pelo controlo sanitário total da cidade insinuando-se
na rede de relações de poder que protelavam projetos de re-
formas da cidade. Surge então a saúde pública como questão
unificadora dinamizada pela medicina. De facto, esta preo-
cupação deixou perfeitamente latente os graves problemas
habitacionais na cidade.
UMA RELAÇÃO ANTIGA
A Inglaterra, e mais concretamente a cidade de Londres, é o
mais óbvio exemplo ocidental das transformações geradas na
cidade devido a questões sanitárias, pelo facto de ser o berço
das Revoluções Industriais e, portanto, ter apresentado logo
a partir do século XVIII novas realidades que não se enqua-
dravam mais na imagem da cidade nem na imagem do cam-
po, dando origem à emergência do urbano23. O termo cidade
não servia mais para descrever este local de reunião de tanta
gente e funções, surgem novos termos – área metropolitana,
cidade região, cidade-território, território urbanizado24. Os
sinais de uma crescente dificuldade em definir e estudar os
23 Choay, François (1992) O Urbanismo. Perspectiva. São Paulo.
24 Aymonino, Carlo (1972) Origines y Desarrolo de la Ciudad Moderna. 2ª
edição, Gustavo Gilli, Espanha.
Urbanismo e Saúde Pública
21
acontecimentos resultam numa fraca resposta urbana ao
crescimento exponencial do seu número de habitantes. Em
1848, foi publicado o Public Health Act, a primeira iniciativa
de criação de medidas legislativas destinadas a melhorar as
condições de vida e a higiene nas cidades25. Visava a elimina-
ção de bairros de lata e o aproveitamento dos terrenos por
eles ocupados para a construção de blocos residenciais. Tor-
nava-se evidente que a organização e o funcionamento das
cidades conduzia a uma redução de tensões e dava expressão
à compatibilização entre as necessidades económicas e a re-
solução dos problemas sociais.
O projeto Victoria Embankment junto ao rio Tamisa, surge
nos anos 1850, pela necessidade de combate à epidemia de
cólera que assolava a cidade26. A criação de um sistema de
esgotos, separando águas limpas de água poluídas pelos deje-
tos de origem humana e animal e a atividade industrial foi
uma das medidas sanitárias mais importantes para a conti-
nuidade de um desenvolvimento urbano possível no século
XIX e que acabou por ser de alguma forma estudado e adap-
tado para as restantes cidades europeias. Este plano entra
em ação com a criação simultânea de um jardim público jun-
to ao rio, perfazendo a cobertura da plataforma sob a qual
passavam as novas canalizações, enaltecendo a frente ribei-
rinha da cidade e também oferecendo um espaço aberto na-
tural a uma cidade sobrepopulada sem espaços públicos de
qualidade. Nesta altura, a apreciação dos espaços verdes de
fruição na cidade começa a ser crescentemente associado a
um estilo de vida saudável.
25 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilidade:
Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.149
26 Lino Garnel, Maria R. (2009 maio 10) Portugal e as Conferências Sani-
tárias Internacionais: em torno das epidemias oitocentistas de colera-
morbus. Revista de História da Sociedade e da Cultura, 229-251. P. 243
Figura 19 - Jardins Victoria Embankment,
Londres, 1860
Figura 18 - Novo sistema de esgotos, Lon-
dres, 1860
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
22
Também pela mesma altura a cidade de Paris enfrenta gra-
ves problemas sanitários pelo que a intervenção de Haus-
mann na cidade do século XIX tem em grande parte essa
função de higienização. A organização radiocêntrica da cida-
de é revalorizada, partindo de um núcleo que tenderá a es-
tender-se e não a reproduzir-se englobando e transformando
as zonas limítrofes. A localização dos principais equipamen-
tos políticos, administrativos e culturais, com os boulevards
que os unem relacionando-os como pontos de referência de
todo o sistema espacial, transforma a cidade industrial numa
cidade policêntrica, ao mesmo tempo que o crescimento ace-
lerado dos subúrbios a volta a colocar num sistema monocên-
trico27, uma vez que a proporção da escala urbana se vai per-
dendo. Esta estrutura da vida cívica torna-se mais complexa
pressupondo novas arquiteturas, novas tipologias, novos
meios de intercâmbio e de transporte. As reformas profundas
27 Aymonino, Carlo (1972) Origines y Desarrolo de la Ciudad Moderna. 2ª
edição, Gustavo Gilli, Espanha. P.34, 37 e 38
Figura 21 - Plano Geral da
Paris de Haussmann, 1850-
1860
Figura 20 – Boulevard Haussmann, Paris,
1929
Urbanismo e Saúde Pública
23
desenvolvidas em Paris acabam por influenciar as reordena-
ções de várias cidades europeias. Sobretudo no novo desenho
agregador que as boulevards pressupõem – avenidas largas
com arborização, espaço de passeio e espaço para deslocações
por transportes, imagem de uma cidade altamente sofistica-
da e saudável. Este plano não deixa de ser bastante segrega-
dor pelo facto de se focar na construção de uma cidade bur-
guesa separando ainda mais esta classe da classe trabalha-
dora.
Já no final do século surge um dos maiores exemplos de pla-
no urbano global de impacto a nível mundial que teve por
base a resposta a graves problemas sanitários na cidade, as
Garden Cities de Ebenezer Howard. Uma utopia publicada
em 1898 no livro “To-morrow: A Peaceful Path to Real Re-
form”28, que procurava contornar os graves problemas habi-
tacionais e de qualidade do espaço público gerados por um
avassalador aumento demográfico na cidade à beira da rotu-
ra. A sua prescrição era de salvar as pessoas pelo contacto
com a natureza, que associava a saúde, calma e bem-estar.
Não estando longe daquilo que os especialistas de saúde pú-
blica atualmente defendem. De facto, é no século XIX que
surge a medicina do trabalho, em Londres, procurando res-
ponder aos problemas de saúde crescentes gerados pelas
condições laborais e que ajudou a conquistar melhorias nas
condições de trabalho ainda que lentamente. No entanto,
esta especialidade não era suficiente para suprimir os pro-
blemas que atingiam toda a cidade. As pretensões de
Howard incluíam um processo de suburbanização que trouxe
força para o uso futuro do automóvel (que na altura começa-
va ainda a ter expressão na vida urbana) com uma segrega-
ção acentuada das funções. A sua visão, como muitas outras
28 Aymonino, Carlo (1972) Origines y Desarrolo de la Ciudad Moderna. 2ª
edição, Gustavo Gilli, Espanha.
Figura 22 – Publicidade à segunda Cidade-
Jardim construída – Welwyn, 1920
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
24
que esta iria instigar, olhava de forma autómata para o ho-
mem sendo esse o principal aspeto a que se deve a falha das
Cidades Jardim. Apesar de hoje ser clara a incapacidade
deste plano vigorar, todas as cidades modernas foram virtu-
almente planeadas através de adaptações desta matéria (so-
bretudo nos Estados Unidos da América, país que iniciava a
construção das suas primeiras cidades e que assentou o seu
desenvolvimento no carro como unidade básica urbana desfi-
gurando o papel do transporte público que Howard pretendia
implementar), contrariando a vida urbana espontânea: a rua
é considerada perigosa por isso é minimizada a sua presença;
ausência de verde é ausência de saúde; a habitação deve vol-
tar-se para o seu interior; segregação de funções equivale a
organização e equilíbrio; bom planeamento urbano busca
isolamento e privacidade suburbana.
Figura 23 - Diagra-
ma da Garden City,
Ebenezer Howard,
1898
Urbanismo e Saúde Pública
25
Engels fala de utopia não como a contradição do existente, na
busca contínua para abolir a antítese cidade-campo, mas, em
vez disso, deveria partir das condições existentes procurando
resolver contradições na sociedade atual 29 . O plano de
Howard ignora grande parte dos acontecimentos urbanos
afastando-se de forma consciente, centrando-se num projeto
prescritivo, com área de ocupação definida assim como nú-
mero de habitantes. No entanto, depois de todos os planos
desenvolvidos ao longo do século XX – Cité Radieuse, City
Beautiful, Broadacre City, entre outros planos – talvez esteja
na altura de se voltar a olhar a Garden City, não num senti-
do literal, mas da necessidade de introduzir de novo a calma
e o tempo individual na cidade, de responder à falta de espa-
ços verdes e fazê-lo sem perder o sentido do urbano.
A Covid-19 fez novamente questionar o desenho e a finalida-
de da cidade à luz de uma pandemia, mas, o século XXI apre-
senta novas epidemias não transmissíveis que ameaçam a
saúde pública como a obesidade, a diabetes, doenças do foro
respiratório e doenças do foro psíquico. Cabe também ao ur-
banismo procurar condições de combate ao desenvolvimento
destas enfermidades.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a obesidade
quase triplicou desde 1975, em todo o mundo. Em 2016, 39%
dos adultos tinham excesso de peso e 13% eram já obesos30.
De facto, estes valores têm vindo a aumentar e as pessoas
consideram que é cada vez mais difícil manter um peso sau-
dável no atual ambiente obesogénico31. Este ambiente é cria-
do por diversos fatores desde a descida de amamentação ma-
29 Engels, E. (1950) La questione delle abitazione. Editora Rinascita, Ro-
ma. P.129
30 Eurostat - https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/
31 Lake, A., Townshend, T. (2006 novembro) Obesogenic environments:
exploring the built and food environments. National Library of Medicine
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
26
terna nos recém-nascidos, dificuldades quer económica como
geográficas em aceder a ingredientes de uma dieta saudável,
falta de conhecimentos para confecionar a comida, as fortes
estratégias de marketing assim como a abundância de comi-
das ricas em energia e com carências de outros nutrientes, o
planeamento urbano e pressões relacionadas ao estilo de vida
que reduzem a oportunidade de realização de atividade físi-
ca, quer no ambiente laboral como de lazer.
Os fatores que afetam a saúde do sistema respiratório são,
também, merecedores de especial atenção. A maioria estão
ligados ao estilo de vida ou fatores relacionados com o ambi-
ente. A poluição do ar é um importante problema associado à
saúde respiratória: atividades envolvendo a queima de com-
bustíveis fósseis, como algumas atividades industriais, a
produção de energia, as emissões dos veículos e o aquecimen-
to doméstico, assim como fenómenos naturais (como erupções
vulcânicas ou poeiras de tempestades) têm o potencial de
causar doenças respiratórias32. A maioria da poluição atmos-
férica no exterior está para além do controlo individual e exi-
ge ação por parte dos planeamentos urbanos e de políticas
nacionais e internacionais. As cidades que venham a apostar
na redução da poluição atmosférica é mais provável que be-
neficiem de um reduzido fardo de doenças cardíacas, cancro
dos pulmões, doenças respiratórias agudas e crónicas (inclu-
indo asma)33. Políticas que podem potencialmente aliviar a
poluição do ar incluem o apoio a transportes limpos, habita-
ção com eficiência energética elevada ou melhor gestão dos
desperdícios municipais em áreas urbanas, e políticas que
almejam a redução da incineração dos resíduos agrícolas,
32 ISPUP - https://ispup.up.pt/
33 OMS - https://news.un.org/pt/story/2021/09/1762092
Urbanismo e Saúde Pública
27
fogos florestais e de certas atividades agroflorestais em áreas
rurais34.
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte
na Europa. Embora o número de mortes tenha vindo a dimi-
nuir, continua a ser um fator de grande preocupação35. A
Declaração do Luxemburgo de 200536 estabeleceu um acordo
em busca da prevenção das doenças cardiovasculares assegu-
rando que seriam tomadas medidas efetivas, políticas e in-
tervenções por todos os países europeus, dando prioridade ao
estilo de vida saudável incluindo: evitar o consumo de tabaco;
atividade física adequada (30 minutos por dia); escolhas ali-
mentares saudáveis; evitar o excesso de peso; manter a pres-
são arterial dentro dos parâmetros estabelecidos, assim como
o colesterol.
As doenças e distúrbios mentais perfazem também uma das
maiores categorias de doenças na União Europeia37. Além
dos dados existentes, é sabido que esta área específica da
saúde é subvalorizada por grande parte das populações e,
portanto, muitos casos de desordem em estado primário ou
moderado não são diagnosticados ou são mal diagnosticados
e consequentemente não são tratados nem reportados. Da
mesma forma que a saúde mental tem um grande impacto
individual, também o tem no desenvolvimento da sociedade,
quer na produtividade, no desempenho e na criatividade,
como nos vários sistemas que estruturam uma sociedade
como o educacional ou da justiça.
34 Eurostat - https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/
35 ISPUP - https://ispup.up.pt/
36 https://www.dgs.pt/saude-ocupacional/relatorios-e-
publicacoes/internacionais/declaracao-de-luxemburgo.aspx
37 Eurostat - https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/
28
A SAÚDE PÚBLICA NO DESENHO DO PORTO
O Porto não é alheio a uma história que se desenvolveu mar-
cada por doenças como as pestes, ou outras originadas pelas
fomes que eram constantes. O mais antigo registo de epide-
mia no Porto remonta a 134838, altura em que a mortífera
Peste Negra assolava a Europa. Os vestígios pela cidade da
influência destas epidemias centram-se sobretudo no que
toca à Arte e Arquitetura Sacra, várias figuras de santos,
assim como capelas foram erigidas para interceção pelas vi-
das dos que sofriam agudamente, ou como agradecimento dos
devotos curados39. Estas manifestações encontram-se ainda
pela cidade desde Ramalde (uma capela com intervenção
posterior de Nasoni) à Foz, intervenções que remontam ao
século XVI, centúria fustigada por surtos consecutivos. Ape-
sar das tentativas de médicos e curandeiros, só no século XIX
se dão avanços consideráveis no que toca à saúde pública,
quer na medicina quer nas políticas públicas sanitárias.
38 Cleto, Joel (2020 Abril) O Porto das pestes, dos vírus e do património. O
TRIPEIRO. 7ª Série – Ano XXXIX – Nº4, P.103
39 “A reputação de S. Roque como protetor das pestes resultava da sua
hagiografia: médico francês do século XIV, havia-se evidenciado no trata-
mento e em curas milagrosas no contexto da Peste Negra e, desde então, a
sua fama alicerçou-se no mundo católico. E quando no século XVI o Porto
se viu confrontado com um novo surto pestífero, as gentes da cidade fize-
ram uma promessa ao santo: se este os livrasse da peste, mandariam edifi-
car-lhe uma capela, num sítio nobre do burgo, mesmo ao lado da catedral.
A maleita desapareceu e a população cumpriu a promessa.” Cleto, Joel
(2020 Abril) O Porto das pestes, dos vírus e do património. O TRIPEIRO.
7ª Série – Ano XXXIX – Nº4, P.104
Figura 25 - Densidade, população e
área dos distritos do continente (1890)
Figura 24 – Mortalidade nas cidades
europeias (1890-97)
29
Em 1885, é feita uma publicação que dá conta oficialmente
das graves condições sanitárias geradas pela rápida indus-
trialização da cidade, numa altura em que a população esta-
va perto de duplicar em relação a apenas 50 anos atrás40. O
médico Ricardo Jorge acaba por realizar uma visita de campo
às ilhas do Porto, após receber relatos de mortes sucessivas
nestes sítios verificando as condições desumanas dos seus
habitantes.41 Nesta altura a mortalidade no Porto era de tal
forma elevada que o crescimento demográfico se dava pelo
êxodo rural e não por crescimento natural41. Já no final desse
século, em 1899, o Porto volta a registar a presença da peste
bubónica, sendo uma das últimas grandes povoações euro-
peias a contrair a doença e a ser submetida a uma cerca sa-
nitária42.A zona da Sé e Barredo, assim como as ilhas espa-
lhadas pela cidade, revelaram-se como focos de desenvolvi-
mento e proliferação da doença refletindo, mais uma vez, as
condições desumanas de habitação do operariado para as
quais se tornou necessário arranjar solução urgente no prin-
cípio do século XX. Esta epidemia influenciou a programação
da legislação sobre a construção da cidade e promoveu a for-
mação de novos órgãos administrativos relacionados com a
saúde quer do nível do Porto como nacional43. Nas habitações
pobres a economia devia ser conexa com a higiene, a questão
da insalubridade dessas casas era uma questão primordial
da higiene pública.
40 Vázquez, Isabel B., Conceição, Paulo, coord. (2015 janeiro) ‘Ilhas’ do
Porto – Levantamento e Caracterização. Porto.
41 Jorge, Ricardo (1899) Demographia e Hygiene da Cidade do Porto: Cli-
ma, População, Mortalidade. Porto: Repartição de Saúde e Hygiene da
Câmara do Porto.
42 Pontes, David (2020 Abril) O Terrível Verão de 1899. O TRIPEIRO. 7ª
Série – Ano XXXIX – Nº4
43 Gonçalves, Eliseu (2014) Bairros de Habitação Popular no Porto, 1899-
1933: A Prática de uma Arquitectura económica, saudável e cómoda nas
vésperas do moderno. Tese de doutoramento em Arquitectura. Porto:
FAUP
Figura 28 – Interior de fogo numa ilha, com
apenas uma divisão onde se insere a cozi-
nha e 2 camas, Porto, 1960
Figura 26 – Fumigação de ilha, Porto,
1960
Figura 27 - Ilha do Porto, sem sistema de
esgotos e escoamento de águas, acesso em
terra batida, 1960
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
30
A abertura da Avenida dos Aliados, em 1917, e das ruas en-
volventes surge, não só de uma necessidade de afirmação de
poder para o exterior, mas também, no seguimento dos even-
tos anteriores, pela necessidade de salubrização da Baixa,
não fosse esta empreitada projetada por um dos grandes ar-
quitetos ingleses da época, que participou na criação da pri-
meira Cidade-Jardim, Barry Parker. Com a abertura de ruas
mais amplas e de uma Avenida central para passeio. A cria-
ção deste espaço aberto e com vegetação (atualmente apenas
com arborização periférica) começou a ter importância cres-
cente e a ser associada a melhoria das condições de saúde.
Obviamente implicou a razia de inúmeras habitações como
aconteceu em várias cidades europeias devido aos problemas
causados pela sobreocupação que se prendem tanto com a
saúde pública como com fatores sociais e económicos.
No ano seguinte, surge a “gripe espanhola” como é vulgar-
mente conhecida a doença associada ao H1N1, e comparada
muitas vezes ao mais recente vírus da Covid-19, que surge
um século depois. Chega ao Porto trazida da Grande Guerra
pelos soldados. Uma prova de que os problemas epidemioló-
gicos e de saúde pública não têm o mesmo impacto nos rela-
tos históricos como outros acontecimentos é o facto da influ-
enza, como era também conhecida esta enfermidade, ter ori-
ginado mais mortes do que a própria guerra que terminava44.
O Porto foi, também, fustigado continuamente pela tubercu-
lose ‘peste branca’ tendo picos localizados sendo um dos úl-
timos mais agressivos registado nos anos 193045. Este era
também um problema relacionado com as condições de habi-
tabilidade. Atualmente continua a ser registado nas zonas
44 Leitão, Pedro Almeida (2020 Outubro) A gripe pneumónica de 1918. O
TRIPEIRO. 7ª Série – Ano XXXIX – Nº10
45 Câmara Municipal do Porto (1930 - 1939) Inquérito do Gabinete do Pla-
no de Urbanização da Câmara Municipal do Porto. Porto
Figura 29 - Projeto para Avenida dos Alia-
dos - implantação dos novos Paços do Con-
celho, rede de elétrico, novos arruamentos
transversais e quarteirões adjacentes,
Porto, 1915
Urbanismo e Saúde Pública
31
com piores condições de salubridade da cidade. Ainda antes,
em 1902, no segundo congresso da Liga Nacional Contra a
Tuberculose46, são discutidas medidas a implementar como o
“rasgamento de bairros acumulados” através da criação de
novos arruamentos bem orientados com casas higiénicas.
Nos congressos que se dão nos anos seguintes continuam a
alimentar-se a necessidade de medidas governativas relati-
vamente ao planeamento urbano, a abertura de partes so-
brepopuladas e a construção de novos bairros airosos. Toda
esta discussão não impediu que fosse registado o máximo
histórico de mortalidade por tuberculose entre 1924 e 1930
mantendo-se valores elevados de mortalidade durante toda a
década de 30. A criação de bairros sociais nasce desta difi-
culdade crescente em controlar doenças transmissíveis que
se propagam pelas ilhas e pela zona da Sé e Ribeira, onde se
assiste consistentemente a mais mortes prematuras.
46 Gonçalves, Eliseu (2014) Bairros de Habitação Popular no Porto, 1899-
1933: A Prática de uma Arquitectura económica, saudável e cómoda nas
vésperas do moderno. Tese de doutoramento em Arquitectura. Porto:
FAUP
Figura 31 – Principais causas de morte e
seus números no Porto, 1936-38
Figura 30 – Mortes por tuberculose por
freguesia do concelho do Porto, 1936-38
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
32
Ao longo do século XX, verificou-se que apesar da aposta
crescente do governo e de privados na criação de casas eco-
nómicas, bairros camarários, bairros operários, operação
SAAL, e criação de bairros mais recentes, muitas das ques-
tões relacionadas com a saúde permanecem nestas zonas
mais frágeis, além de se agravarem os problemas da susten-
tabilidade social. A crise gerada pela Covid-19 só veio agra-
var a segregação existente na cidade, marginalizando ainda
mais os habitantes em condições vulneráveis.
Se nos séculos passados a cólera, o tifo, a febre tifoide, a pes-
te bubónica ou a tuberculose deram origem a progressos im-
portantíssimos no campo do urbanismo com vista à melhoria
de condições de salubridade e higiene, atualmente as gran-
des preocupações da saúde pública não são doenças trans-
missíveis. Com o desenvolvimento de um estilo de vida cada
vez mais sedentário, alimentado pelo crescimento da tercia-
Figura 32 - Dispersão da tuberculose no
Porto, 1903-1912
Figura 33 - Ilha no Porto, espaço exíguo
entre habitações que serve para as mais
variadas funções, lavar roupa, estendal,
espaço de recreio infantil, 1960
Urbanismo e Saúde Pública
33
rização, o abuso nas comidas rápidas, fracas em nutrientes –
pela falta de tempo e custo apelativo –, o repúdio da vegeta-
ção, muitas vezes associada a sujidade ou a custo de manu-
tenção elevado, deu-se aso ao desenvolvimento de doenças
respiratórias, sensibilidade alérgica crescente, hipertensão,
obesidade, diabetes e distúrbios mentais.
Como é que o urbanismo poderá contribuir ativamente para
a luta contra estas doenças? É sabido que os comportamentos
da população contribuem mais para o desenvolvimento des-
tas doenças do que a própria genética. Vários estudos expli-
caram já como um estilo de vida ativo pode ajudar, se não,
mudar radicalmente o rumo da saúde de uma pessoa. A pro-
pósito disso, várias iniciativas começaram a ser desenvolvi-
das na cidade ao nível dos bairros sobretudo para ajudar a
combater doenças associados a um fraco estilo de vida47.
No Porto, o Instituto de Saúde Pública da Universidade do
Porto - ISPUP estuda já há vários anos de que forma a con-
ceção do espaço público afeta a saúde e a qualidade de vida
dos seus habitantes dando indicações do caminho a seguir
para se desenvolver uma cidade mais saudável. Através das
coortes48 do Porto estudam os determinantes de doenças, a
fim de compreender as consequências de exposição a diversos
fatores como as formas de ocupação, os comportamentos, fa-
tores nutricionais ou infeciosos e muitos mais.
Como foi referido anteriormente, o excesso de peso e a obesi-
dade são focos essenciais de combate. É uma preocupação de
grande escala da saúde pública e pode ser atribuída a deter-
47 Moreira, Maria A., Almeida, Sónia (novembro 2018) Diagnóstico de Sa-
úde do Porto Ocidental. Unidade de Saúde Pública (USP), ACeS Porto
Ocidental Área Funcional do Planeamento. Porto
48 “Um estudo de coorte avalia o risco e a taxa de doença ou de consequên-
cias relacionadas com ela, medindo tudo isso numa população caracteriza-
da em termos de fatores ou exposições de risco relevantes, submetida a
observação e seguida ao longo do tempo.” Henrique Barros em O Tripeiro,
7ª Série, Ano XXXV – Nº7 Julho 2016, p.205
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
34
minantes individuais e do nível do bairro. Tendo isso em con-
ta, é necessário o reconhecimento dos bairros de alto risco e
uma compreensão dos determinantes presentes localmente
para a realização de intervenções locais eficazes. Um dos
estudos realizados pelo ISPUP49 revela que a distribuição
geográfica da obesidade infantil até aos 7 anos não é aleató-
ria. Os bairros com carências socioeconómicas e maior facili-
dade de acesso a fast-food explicam parcialmente a presença
destas áreas de prevalência acrescida de obesidade. Pelo con-
trário, bairros saudáveis tendem a atrair infraestrutura be-
néfica como lojas de comida saudável, espaços culturais e
recreativos e evita danos ambientais como contaminantes do
ar e do solo, que muitas vezes estão desproporcionalmente
concentrados em áreas desfavorecidas.
A qualidade dos espaços exteriores está associada não só a
uma maior ou menor prevalência de obesidade, mas também,
ao risco de sensibilidade alérgica, que diminui significativa-
mente se as crianças estiverem expostas a espaços verdes
desde cedo na infância. O mesmo acontece com a exposição a
espaços azuis (corpos de água)50, aos quais estão associados
fatores de redução de perigos ambientais, aumento da ativi-
dade física e coesão social. A exposição precoce a ambientes
naturais tem vários efeitos importantes na saúde, nomeada-
mente na modulação do sistema imunitário e no desenvolvi-
mento de doenças inflamatórias crónicas51. De uma forma
genérica os espaços verdes em ambientes urbanos podem
49 Ribeiro, A. I., Santos, A. C., Vieira, V. M., Barros, H. (2019, setembro 10)
Hotspots of Childhood Obesity in a Large Metropolitan Area: Does Neigh-
bourhood Social and Built Environment Play a Part?. International Jour-
nal of Epidemiology, 934-943
50 Espaços azuis podem mitigar as temperaturas até 2ªC durante o verão, o
que pode levar à diminuição de poluição atmosférica.
51 Paciência, I., Moreira, A., Moreira, C., Cavaleiro Rufo, J., Sokhatska, O.,
Rama, T., Hoffimann, E., Santos, A. C., Barros, H., Ribeiro, A. I. (2021
janeiro 27) Neighbourhood Green and Blue Spaces and Allergic sensitiza-
tion in Children: A Longitudinal Study Based on Repeated Measures from
Generation XXI Cohort. Science of the Total Environment – Elsevier B.V.
Urbanismo e Saúde Pública
35
promover a saúde infantil influenciando significativamente a
saúde física e mental assim como o bem-estar. A presença de
espaços verdes bem desenhados pode diminuir os efeitos ad-
versos relacionados com os fatores ambientais como a polui-
ção atmosférica – com a introdução de buffers removendo
poluentes ou limitando a sua dispersão no ar em direção aos
passeios –, ruído ou extremos climáticos o que reduz também
os efeitos negativos na saúde associados à vida urbana.
A presença de espaços verdes em ambientes residenciais po-
de estimular as crianças a passarem mais tempo ao ar livre,
oferecendo oportunidade de vivenciar o contacto com a natu-
reza, o que pode ser associado ao efeito protetor da exposição
ao longo da vida e na infância a espaços verdes sobre a sen-
sibilidade alérgica. Um buffer de maiores dimensões é mais
provável que inclua espaços de deslocamentos e onde as cri-
anças possam passar o tempo, e poderá refletir melhor o po-
tencial efeito da exposição das crianças a espaços verdes.
Adicionalmente, um buffer de pequenas dimensões pode cap-
turar a exposição a espaços verde nas imediações das suas
habitações52.
“A natureza é a melhor sala de aula” 53. Estas descobertas
recentes podem ter implicações importantes para a saúde
pública e para o planeamento urbano, sugerindo que as pro-
visões de espaços verdes nos bairros residenciais de áreas
metropolitanas podem ser uma estratégia efetiva para pro-
mover a saúde infantil. A dependência do carro tornou-se
desastrosa para a saúde, promovendo um estilo de vida se-
52 Paciência, I., Moreira, A., Moreira, C., Cavaleiro Rufo, J., Sokhatska, O.,
Rama, T., Hoffimann, E., Santos, A. C., Barros, H., Ribeiro, A. I. (2021
janeiro 27) Neighbourhood Green and Blue Spaces and Allergic sensitiza-
tion in Children: A Longitudinal Study Based on Repeated Measures from
Generation XXI Cohort. Science of the Total Environment – Elsevier B.V.
53 Ribeiro, A. I., Tavares, C., Guttentag, A., Barros, H. (2019 julho 1) Asso-
ciation between Neighbourhood Green Space and Biological Markers in
Schoolaged Children. Findings from the Generation XXI Birth Cohort.
Environmental International – Elsivier B.V.
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
36
dentário que enfraquece a saúde das populações. Fazer ca-
minhadas diariamente não só previne como ajuda na regres-
são de várias doenças. Mas não é surpresa que andar num
espaço natural, ou numa rua tranquila com uma linha de
árvores, é mais efetivo do que andar junto a quatro faixas de
trânsito automóvel. A presença de um ambiente de vegetação
ajuda a melhorar substancialmente a sensação de bem-estar,
o que quer dizer que o ambiente construído e planeado é ex-
tremamente importante. A melhor forma de pôr as pessoas a
caminhar é dar-lhes algo para onde caminhar, portanto, tor-
nando as ruas atrativas. Observando a mancha de espaços
verdes na cidade constata-se rapidamente que o Porto tem
uma oferta muito reduzida comparativamente com as gran-
des cidades europeias, sobretudo aquelas voltadas para
Figura 34 - Mapa de
verdes do Porto, 2020
Urbanismo e Saúde Pública
37
um desenvolvimento mais sustentável e saudável. A divisão
traçada pela VCI além de dividir incisivamente a cidade,
revela essa diferença de proximidade e acesso a zonas natu-
rais e a sua fragmentação, com muito menos oferta dentro do
que fora do anel. A densidade existente no centro da cidade
não pode ser justificativa para uma aposta tão fraca em es-
paços verdes. Quando comparado o espaço dedicado ao trân-
sito viário com o espaço dedicado a zonas de fruição percebe-
se rapidamente a desproporção de espaço destinado a cada
função, sendo ambas de enorme relevância para a vida urba-
na.
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
38
Para além dos estudos relacionados à ocupação e desenho do
espaço público, o ISPUP realizou um importante estudo que
relaciona os tipos de habitação caraterísticos do Porto com os
índices de mortalidade. A associação entre habitação desfa-
vorecida e mortalidade foi mais forte do que a observada pa-
ra fatores de risco bem estabelecidos como a hipertensão, o
sedentarismo, o alcoolismo, a ocupação manual ou a obesida-
de. Portanto, este aspeto torna-se extremamente relevante
para a melhoria da saúde pública.
Entre 1999 e 2019 morreram em média, devido às condições
habitacionais: 713/100 000 habitantes em habitação conven-
cional, 1019 em habitação acessível, 1200 em habitação soci-
al e 1230 em ilhas.54 Fica patente a necessidade de se conti-
nuar a responder aos problemas associados ao desenho da
habitação e à melhoria das condições sanitárias de determi-
nadas tipologias. Não só as ilhas são novamente apontadas
como um problema de saúde pública como também os bairros
sociais, que embora apresentem resultados ligeiramente me-
lhores, não correspondem à resposta sanitária necessária,
revelando deficiências na sua construção e planeamento que
se refletem na saúde.
Cabe também ao urbanismo providenciar qualidade e o devi-
do equipamento do espaço público para ajudar a suprimir as
necessidades habitacionais diferenciadas. Não se trata de
remediar, mas, pelo contrário, trata-se sobretudo de encon-
trar respostas eficientes e rápidas aos problemas. Torna-se
claro que tanto o urbanismo como a saúde pública acabam
por nunca se desligar dos problemas da habitação, fazendo
com que seja a primeira das matérias do estudo das cidades.
54 Ribeiro, A.I., Barros, H. (2020 julho 1) Affordable, Social, and Substand-
ard Housing and Mortality: The EPiPorto Cohort Study, 1999-2019. Amer-
ican Journal of Public Health, 110(7), 1160-1067
Urbanismo e Saúde Pública
39
Figura 35 - Inquérito do Gabi-
nete do Plano de Urbanização
da Câmara Municipal do Porto,
1930-39
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
40
Olhando à área urbana do Porto interna à VCI, onde o acesso
a espaços verdes é mais reduzido e tendo em conta os núcleos
habitacionais compostos por ilhas, algumas zonas ganham
claro destaque. A área em torno da Rua Pedro Hispano tem
uma concentração de ilhas significativa sendo o núcleo de
maior densidade de alojamentos a oeste da cidade; o entorno
da Rua de Silva Porto é também de salientar, não pela con-
centração mas pela mancha mais dispersa de ocupação que é,
no entanto, bastante homogénea e consistente; a zona de
Noêda e da Lomba, no entorno da estação da Campanhã são
o retrato claro da freguesia da cidade mais fustigada pelo
flagelo da insalubridade das ilhas; e, por fim, a zona de São
Víctor e Fontaínhas que continua a apresentar a maior den-
sidade de ilhas habitadas do concelho num curto espaço. Das
50 ilhas aqui localizadas, 22 concentram-se apenas na Rua
de São Víctor55, indício da forma acidentada de desenvolvi-
mento deste lugar. As Fontaínhas é uma das zonas de maior
carência da cidade, um dos mais antigos focos de insalubri-
dade, logo a seguir à zona da Sé e Ribeira, que, embora pró-
xima ao centro histórico da cidade, parece excluída da vida
urbana. Grande parte dos seus problemas de carências de
saúde devem-se à concentração de ilhas. Apesar de várias
reabilitações, demolições e conversões, ainda se encontram
muitas com graves carências sanitárias e estruturais56 evi-
denciando o défice de equipamentos e infraestruturas nas
Fontaínhas. Tendo em conta a peculiaridade dos aspetos que
envolvem este lugar, foi a área escolhida para estudo de dis-
sertação.
55 Domus Social da CMP http://www.domussocial.pt/ilhas
56 Vázquez, Isabel B., Conceição, Paulo, coord. (2015 janeiro) ‘Ilhas’ do
Porto – Levantamento e Caracterização. Porto.
Urbanismo e Saúde Pública
41
Figura 37 - Distribuição dos números de alojamentos por núcleo (ilha) e sua distribuição territorial, 2015
Figura 36 – Estado de ocupação dos núcleos habitacionais (ilhas) e sua distribuição territorial, 2015
43
FONTAÍNHAS – UM LUGAR DE
SOBREVIVÊNCIA
“Existe, sem dúvida alguma, uma arte do relacionamento, tal
como existe uma arte arquitectónica. O seu objetivo é a reu-
nião dos elementos que concorrem para a criação de um am-
biente, desde os edifícios aos anúncios e ao tráfego, passando
pelas árvores, pela água, por toda a natureza, enfim, e entre-
tecendo esses elementos de maneira a despertarem emoção ou
interesse.”57
57 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 10
Figura 38 - Passeio das Fontaínhas
com vista sobre a escarpa com as
ilhas da Corticeira e a Ponte do
Infante D. Henrique em destaque,
junho 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
44
Se por um lado, a cidade nos exige a observação a uma gran-
de escala, fomentando relações que não são percetíveis à es-
cala humana, por outro lado, foi exatamente esta dimensão
humana que foi perdendo. As Fontaínhas são um dos exem-
plos fortes desta situação no Porto, à beira de perder a iden-
tidade, um lugar sub-repticiamente esventrado, com os seus
habitantes e tradições deslocados, o bairro foi remetido para
segundo plano mesmo estando no centro da cidade. Palco de
urbanização e industrialização no século XVIII, é, ainda hoje,
uma das zonas do Porto que condensa mais ilhas num curto
espaço, a sua área restringe-se ao extremo sul da freguesia
do Bonfim, apanhando ainda o limite nascente da freguesia
de São Nicolau, os seus limites são parcialmente estabeleci-
dos pela Avenida de Rodrigues de Freitas a norte, mantendo
uma forte ligação ao Jardim de São Lázaro, a Rua das Fonta-
ínhas a oeste e o Passeio das Fontaínhas até ao Largo Actor
Dias, o Cemitério Prado do Repouso a poente, e o rio Douro a
sul da escarpa margeado pela Avenida Gustavo Eiffel. Figura 39 - Localização das Fontaínhas
no Porto
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
45
A posição privilegiada das Fontaínhas, num orgulhoso pro-
montório sobre o Douro, ganha dimensão graças à distância
que o rio permite e quando observada do ponto de vista de
Gaia. O seu valor paisagístico está nesta dualidade entre a
altura e a distância que permite, de certa forma, que se en-
tenda a monumentalidade de uma escarpa que se ergue so-
bre o rio como uma catedral empedernida. A proximidade
possível pela Avenida Gustavo Eiffel, de tão próxima que é,
não deixa perceber a dimensão paisagística de um drama-
tismo pitoresco do território tão próximo, o que, por outro
lado, fomenta uma curiosidade pela descoberta.
O primeiro contacto com as Fontaínhas aconteceu em 2014
ainda no primeiro ano na faculdade quando visitei o bairro
de São Víctor num contexto de estudo do SAAL para a disci-
plina de Teoria Geral da Organização do Espaço, dando os
primeiros passos no estudo do direito à habitação. Nessa al-
tura nunca tinha ouvido falar das Fontaínhas, a viagem foi
realizada de carro o que me tirou a dimensão da orientação
ao percorrer um Porto ainda desconhecido. O primeiro con-
tacto foi diretamente com este bairro que me pareceu muito
distante da cidade. Não tinha perceção que ali ao lado estava
o Jardim de São Lázaro e, a poucos minutos a pé, a Batalha.
A sensação era de que estaria já próxima da periferia da ci-
dade. Exploramos apenas o bairro de São Víctor timidamen-
te.
“O SAAL não se trata apenas da reinserção de populações,
além do desenho da habitação está implícito também o pla-
neamento urbano, este projeto abarca a escala da cidade. A
casa, bem como, os seus habitantes têm uma extensão natural
no meio urbano.
Figura 40 - Vista das Fontaínhas a partir
de V.N. Gaia, junho 2021
Figura 41 - SAAL - São Víctor, 2014
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
46
Lefebvre58 afirma que a compreensão do habitante se estende
aos espaços exteriores, sendo a cidade uma projeção da socie-
dade, tratando-se de um sistema em mutação que correspon-
de ao dia-a-dia dos cidadãos e que exige o entendimento de
todas as suas contradições. Ele propõe, então, que a orienta-
ção da arquitetura da habitação deveria ser iniciativa dos
interessados, de modo a desviar a influência dos poderes do-
minantes sobre esta, o envolvimento dos moradores seria
marcadamente importante para a apropriação das suas futu-
ras casas, sobrepondo a ideia do consumo pelo valor do uso.
Segundo o filósofo, o espaço doméstico deveria conjugar a
socialização com a individualização, as qualidades habitaci-
onais advêm da oportunidade de apropriação da casa pelos
habitantes e não propriamente da qualidade formal arquite-
tónica da casa. No caso concreto do bairro de São Vítor en-
contra-se uma espécie de corredor nas traseiras das casas que
configuram uma contiguidade das zonas sociais da casa (co-
zinha e sala de estar) e se torna num espaço de interação en-
tre os habitantes. Na parte da frente cada casa tem uma ex-
tensão da entrada no exterior, que é individualizada e incen-
tiva a caraterização destes espaços por parte do habitante
(com canteiros, bancos, etc) promovendo a apropriação da
habitação. Na busca de melhor comunicação entre os habi-
tantes Siza Vieira insere no projeto mais aspetos afim de
promover o convívio e interação desta comunidade, como por
exemplo, a criação das varandas comuns no piso superior de
ligação aos quartos promovendo a partilha e usufruto do
mesmo lugar. No projeto estariam ainda programas adicio-
nais exteriores à habitação como lavandaria, biblioteca e cre-
che, estas ideias não só estendem publicamente o programa
habitacional como fomentam o uso dos pátios que intercalam
58 Lefebvre, Henri (2008) O Direito à Cidade, 5ª edição, Centauro, Lisboa
Figura 43 - SAAL - São Víctor, espaços
dedicados à entrada de cada fogo, 2014
Figura 42 – SAAL, São Víctor, corredor
comum nas traseiras, 2014
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
47
os edifícios como locais de encontro entre as famílias e de re-
creio para as crianças.”59
Ao longo desse ano foram muitas as vezes que frequentei os
Poveiros, São Lázaro ou mesmo a FBAUP sem saber que era
ali tão próximo o bairro do Siza que tinha visitado e que toda
aquela área que liga estes espaços ao Douro numa topografia
excecionalmente acidentada, se escondia atrás de vias e es-
paços que respondem a uma escala de cidade da qual as Fon-
taínhas foram convenientemente sendo afastadas. Ao longo
do tempo e do estudo da cidade, as Fontaínhas foram apare-
cendo como sinónimo de ilhas e de S. João – aqui eram reali-
zadas as melhores festas da cidade, ou pelo menos, foram em
tempos. Havia agora uma ponte que mudou tudo.
A imagem que criei ligava-se a um lugar hostil de tempera-
mento volátil, talvez perigoso, talvez amigável, orgulhosa-
mente encerrado em si, com riquezas que escondia no regaço
para que não lhe fossem arrancadas, de quem conhecedor se
defende das gravatas emproadas.
Voltei a lá ir, em 2018, à escola dos Salesianos no extremo
oriental das Fontaínhas, em contexto familiar, de onde pude
contemplar a vista que este miradouro, no Largo Padre Bal-
tasar Guedes, expõe sobre o rio, fiquei atónita com aquele
lugar escondido da cidade, muito pacato, longe do ruído dos
automóveis e que vista espetacular! Com uma forte vocação
habitacional e uns poucos serviços sobretudo de reparação
automóvel e de eletrodomésticos ao longo da Rua do Duque
de Saldanha, a única que percorri nessa altura, um ambiente
contrário ao que suponha. Pareceu-me estranho, na altura,
59Calçada, Ana (2015) A Habitação Social Pertinente do Processo SAAL: Os
fenómenos sociológicos nos projetos de habitação. Trabalho realizado no
âmbito da disciplina de TGOE
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
48
que o posicionamento tão privilegiado do Largo do Padre Bal-
tasar Guedes tivesse como função primordial parque de esta-
cionamento. Pelo que percebi servia sobretudo a escola, o
cemitério e uma oficina automóvel. Sendo um espaço de con-
fluência de várias ruas, pareceu-me francamente desperdi-
çado. Anos mais tarde verifiquei a mesma situação.
Figura 47 - Largo do Padre Baltasar Guedes
a partir da Rua de São Víctor, 2021
Figura 46 - Largo do Padre Baltasar Guedes,
cruzamento com a rua do Duque de Salda-
nha, 2021
Figura 45 - Largo do Padre Baltasar Guedes,
cruzamento com a Rua de Gomes Freire e
com a Rua de São Víctor, 2021
Figura 44 - Largo do Padre Baltasar Guedes,
2021
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
49
Foi já em junho de 2021 no contexto da Porto Design Bien-
nalle que voltei às Fontaínhas olhando o espaço com outros
olhos, à procura dos sinais de um Porto esquecido que deve
ser preservado. Neste contexto, as Fontaínhas surgiam como
ponto culminante de um caminho maior que privilegia os
percursos pedonais escondidos da cidade destacando 6 pontos
chave: o miradouro de Santa Catarina em Lordelo; a plata-
forma em frente à Casa cor-de-rosa na FAUP; o Jardim do
Romântico nos Jardins do Palácio de Cristal; o Horto das
Virtudes; o miradouro das Fontaínhas numa plataforma no
extremo oeste do Passeio das Fontaínhas; e, por fim, o Lava-
douro das Fontaínhas. Foi neste último ponto do percurso
que o meu grupo trabalhou. Desta forma, conheci as Fonta-
ínhas começando pela escarpa. Numa fase de reconhecimento
do lugar a descoberta do sítio começou a partir da escadaria
dos Guindais, até ao Largo Actor Dias, seguindo-se uma ro-
tura percetível no percurso pelo atravessamento do parque
de estacionamento sob o viaduto do General Sousa Dias, até
ao Passeio das Fontaínhas, onde tivemos a primeira vista
desafogada do contacto das Fontaínhas com o Douro, com as
ilhas da Corticeira a descer a escarpa em primeiro plano, a
Ponte do Infante a encerrar a vista sobre a Alameda, da qual
apenas se descobrem as copas das árvores e um tímido con-
junto edificado por trás.
“Não é somente a vista que se tem, mas também a noção de
vantagem, a sensação de que se está numa posição de privilé-
gio, uma boa posição independentemente de se olhar ou não
para a vista. Pode ser muito excitante e estimulante. Como
nos miradouros. Haverá seguramente um elemento lúdico e
instintivo em tudo isto”60
60 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 180
Figura 48 - Lavadouro das Fontaínhas, junho
2021
Figura 49 - Passeio das Fontaínhas extre-
mo poente, junho 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
50
O Workshop ‘Petites Folies: outras paisagens sobre o Douro’,
era o desafio que se apresentava. O objetivo centrava-se na
criação de um conjunto de instalações no espaço público, que
procurassem reconfigurar as realidades locais e ao mesmo
tempo redefinindo os percursos urbanos através de uma série
de miradouros e enquadramentos. Propondo uma viagem
através de diferentes áreas da beira-rio do Porto estimulando
um novo olhar sobre as áreas intervencionadas61.
O Lavadouro das Fontaínhas, local de implantação, esconde-
se logo abaixo da Alameda, com um acesso por baixo da Pon-
te do Infante que se bifurca de um lado para os lavadouros e
do outro para a Calçada das Carquejeiras. Este lugar funde-
se com a paisagem, obedecendo a uma escala humana em
contrariedade com a ponte que se agiganta. Desaparece na
61 https://portodesignbiennale.pt/pt/events/petites-folies-other-landscapes-
on-the-douro
Figura 50 - Percurso pedonal de ligação
entre as Folies, Porto Design Biennale,
2021
Figura 51 - Lavadouro das Fontaínhas a
partir da ponte do Infante, junho 2021
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
51
paisagem, quando olhado do outro lado, de Gaia, como se
fundem as pessoas. E, no entanto, espaço de simbologia e
caráter forte, sobreviveu ao tempo, à modernidade, e aos
desmoronamentos das ilhas que cobriam a encosta. Como
resistiu este lugar ao passar do tempo? Uma das respostas
que encontramos tem a ver com os desígnios da água que se
mantém corrente neste sítio. O marulhar da água é percetí-
vel mal se passa o arco, por baixo da ponte em direção aos
lavadouros, conferindo uma atmosfera completamente dis-
tinta da que é vivenciada acima, no Passeio das Fontaínhas.
Parece conferir uma dignidade inabalável a este sítio, um
propósito e um borbulhar por novas significações.
“A água fornece-nos o exemplo mais óbvio de imediaticidade,
porque a transição entre esta e a terra constitui o maior con-
traste psicológico. Cidades à beira-mar deveriam viver sobre
o mar, no sentido em que a presença visível do oceano deveria
ser apreensível do maior número possível de locais na cidade
(o que não significa um horizonte permanentemente coberto
de água, mas talvez o brilho da reminiscência, ou a indicação
do abismo, ao fundo de uma rua).”62
Interessantes questões foram abordadas ao longo do desen-
volvimento do projeto que ajudaram a desvelar não só o sítio
do lavadouro, mas também as Fontaínhas. Desde a impor-
tância da preservação da memória e da identidade, até à re-
adaptação e revitalização dos espaços esquecidos a precisar
de nova vida em pleno centro urbano.
62 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 192
Figura 52 - Passagem para o Lavadouro por
baixo da ponte do Infante, junho 2021
Figura 53 - Lavadouros individuas, 2ª pla-
taforma do lavadouro, junho 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
52
Após as primeiras incursões pelas Fontaínhas e esta experi-
ência decidi fazer uma primeira imagem das Fontaínhas de-
finindo os pontos chaves e divisões de acordo com a diferença
de atmosferas. Desse estudo resultou o seguinte desenho
onde sobressaem os eixos da Avenida Gustavo Eiffel; o Pas-
seio e Alameda das Fontaínhas; e a Rua de São Víctor; que
dividem as Fontaínhas em 3 faixas bastante distintas. Entre
a Avenida Gustavo Eiffel e o Passeio das Fontaínhas encon-
tra-se a escarpa, com dinâmicas significativas e completa-
mente distintas não só do resto das Fontaínhas, mas da pró-
pria cidade que encontrou quase naturalmente uma nova
vocação. Entre o Passeio das Fontaínhas e a Rua de São Víc-
tor encontra-se já uma vida urbana mais ativa: a extensão
maior do território das Fontaínhas desde o Largo Actor Dias
ao Largo do Padre Baltasar Guedes, que presencia momentos
diferentes desta frente da cidade; um conjunto de equipa-
mentos urbanos que contrapõem a escala do bairro na zona
mais a poente e na frente com a Rua das Fontaínhas; e, por
outro lado, a tradição da construção burguesa, e a densidade
das ilhas. A Rua de São Víctor marca o centro e, como cora-
ção de toda esta área, a Praça da Alegria. Nesta rua se re-
sume a vida e alma das Fontaínhas. Entre esta rua e a Ave-
nida de Rodrigues de Freitas encontra-se um ambiente de-
senvolvido no modernismo do século XX, presente nas “Ruas
dos Duques”, Barão de São Cosme e a transversal Rua de
Joaquim António de Aguiar, que as liga, da Praça da Alegria
ao Largo de Soares do Reis, já em plena cidade, num ambien-
te completamente diverso do das Fontaínhas. Esta forma
regrada de olhar o lugar fez-me focar a atenção com vista a
uma proposta de requalificação: na escarpa, no Passeio das
Fontaínhas e na Rua de São Víctor e, nas ligações entre estes
espaços que garantem a unidade final do conjunto.
Figura 55 – Largo de Soares do Reis a
partir da Rua de Joaquim António de
Aguiar, setembro 2021
Figura 54 - Vista para a Rua de São
Víctor a partir da entrada sudeste do
Jardim de São Lázaro, setembro 2021
53
Largo Actor Dias
Batalha Poveiros Jardim de São Lázaro Largo de Soares do Reis Praça da Alegria Rua de São Víctor
Largo do Padre Baltasar Guedes Passeio das Fontaínhas Parque Infantil Lavadouro Escarpa
Figura 56 - Esquisso Interpretativo das Fontaínhas Largo da Rua Nossa Senhora das Dores
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
55
alguma coisa que estragasse as suas alfaces. Enalteceu a
partilha de materiais e ferramentas que há entre todos e o
cuidado comum por manter os espaços limpos.
“A paisagem é produto da modificação humana trabalhando
para propósitos consistentes e com tecnologia comum na es-
trutura básica providenciada por um contínuo processo geo-
lógico. Se bem-sucedida, esta modificação é feita com uma
consciência da interconectividade, e ainda a individualidade,
de ambos, os recursos naturais e os propósitos humanos.”63
A produção de hortícolas pode parecer ‘feio’ mas uma horta
urbana é um centro de convívio social a nível individual e
familiar. Nas Fontaínhas teve o melhor efeito possível, o efei-
to agregador, podendo funcionar como meio ativo de comuni-
cação e ser alargado a outra escala e realmente acabar por
embelezar a escarpa que se encontrava ao abandono carre-
gada de entulho depois das demolições das últimas ilhas aqui
existentes.
63 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York. P.
95
Figura 59 - A linha de comboio, a horta e o rio - re-
sumo de uma escarpa
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
56
Da escarpa tivemos ainda uma réstia do sabor da memória
quando o lavadouro foi visitado, já no início de julho, por
uma senhora, imigrante, que acabara de chegar de França
para passar férias. Ela explicou-nos que era a primeira vez
que trazia o seu filho, de 10 anos, a conhecer as Fontaínhas,
local onde nasceu “na primeira casa aqui, logo à saída dos
tanques”, dizia apontando em direção às escadas descenden-
tes para as hortas, atualmente. Lembrava-se ainda de ir
brincar para a zona dos tanques enquanto a mãe e as outras
mulheres lavavam a roupa e de correr pelos estreitos acessos
às casas. Descrevia aquele sítio como se fosse mágico, como
são os lugares da infância. Não deixou de falar sobre alguns
aspetos que na altura não achava relevantes, como a pouca
luminosidade dentro da minúscula casa e da humidade cons-
tante. Relatou ainda o episódio de um fogo que afetou algu-
mas das casas na escarpa que teve início na sua casa quando
tinha apenas 3 anos. Falou da dificuldade em controlar as
chamas devido ao difícil acesso àquele núcleo habitacional e
às condições topográficas naturais da escarpa, que fizeram
com que o que seria um pequeno incêndio noutro local ali
acabasse por ter maiores dimensões.
Não vimos ninguém lavar roupa além de um casal sem abri-
go que usa ocasionalmente o espaço para tomar banho. O que
nos deu o indício de que, realmente, os lavadouros já não
serão utilizados para a sua função original, apesar da água
corrente. Por ali passavam também vários jovens que costu-
mavam usar aquele espaço livre dos Lavadouros para conví-
vio e festas noturnas, que se mostraram algo desagradados
com a introdução de uma estrutura que ia ocupar a sua pista
de dança. Além deles os habitantes mais antigos do bairro
olhavam curiosamente do ‘alto’ do Passeio perguntando oca-
sionalmente o que estávamos a fazer naquele sítio, alguns
oferecendo ajuda, outros pouco convencidos e outros ainda
dando propostas de projeto.
Figura 60 - As hortas a partir do acesso dos
lavadouros, junho 2021
Figura 61 – Plataformas - banco, interação
com a estrutura do periscópio a partir da
cota alta do Passeio das Fontaínhas, setem-
bro 2021
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
57
“Uma descrição das nossas reações emotivas perante a posi-
ção que ocupamos num determinado espaço deverá, forçosa-
mente, incluir a questão dos níveis. De um modo geral, abaixo
do nível médio do terreno, temos sensações de intimidade,
inferioridade, encerramento ou claustrofobia, enquanto que
acima desse nível podemos ser tomados de grande euforia, ou
por sensações de domínio ou superioridade ou, ainda, senti-
mo-nos expostos ou com vertigens. O acto de descer significa
baixar ao encontro daquilo que conhecemos enquanto subir
implica ascender ao desconhecido. Entre níveis semelhantes
mas separados por uma fenda muito profunda, estabelece-se
uma singular correspondência; a sua proximidade tem um
carácter remoto.”64
Esta relação estabelecida entre as diferentes cotas, que nos
permitiu diferentes contactos com o lugar e com as pessoas
acabou por se tornar tema de projeto junto com o próprio ca-
ráter do bairro que não passou despercebido.
“O Projeto para o Lavadouro das Fontaínhas é uma síntese
da nossa interpretação do sítio. Este ponto, que é o último do
percurso das Petites Folies, não cumpre mais a sua função
original e apresenta-se numa zona privilegiada sobre o Douro
à espera de novas interpretações.
Percebeu-se que os aspetos mais importantes do local são: o
próprio lavadouro, local de implantação e que dialoga dire-
tamente com o objeto proposto; as Fontaínhas, em si um sím-
bolo da identidade do Porto; e esta dicotomia entre ambos –
Cidade/Objeto. A nossa atenção focou-se, então, na formali-
zação de uma proposta que articula estes dois contextos tão
próximos, mas visualmente indiferentes um ao outro.
64 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 40
Figura 62 - Vista sobre a escarpa a partir
da ponte, junho 2021
Figura 63 - Esquisso esquemático do peris-
cópio, junho 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
58
Entendemos a possibilidade de articulação entre a cota alta
do Passeio das Fontaínhas e a cota do próprio lavadouro
(através do objeto a construir), como motivo do projeto. Com
esta premissa, propõe-se o Periscópio das Fontaínhas ofere-
cendo a possibilidade de “ver à distância” abrindo uma vista
para as Fontaínhas a partir do Lavadouro e vice-versa. A
criação do periscópio permite-nos esta evocação de espaços
através de uma troca inesperada de imagens que não só, nos
permite ver espaços em tempo real que, não estão ao alcance
da nossa visão, como de criar perspetivas impossíveis do es-
paço dando-nos uma experiência sensorial diferenciadora.”65
65 Memória descritiva do projeto para a apresentação final (18 junho 2021
– pré-construção)
Figura 68 - Montagem de Fotografias da estrutura,
Lavadouro das Fontaínhas, julho e setembro 2021
Figura 67 – Colocação dos espelhos,
Lavadouro das Fontaínhas, julho 2021
Figura 66 - Ereção dos painéis pré-
montados nos lavadouros, julho 2021
Figura 65 – Pintura dos alçados
montados, ESAD, julho 2021
Figura 64 – Montagem da estrutura por
alçados, ESAD, julho 2021
60
Do Passeio das Fontaínhas
Os dois aspetos que rapidamente assimilei do Passeio das
Fontaínhas e Alameda são: a paisagem, inequivocamente, o
ponto forte deste lugar que se expõe como miradouro sobre o
rio; e a sua capacidade para ser tudo e acabar por não ser
nada. A vontade de deixar o espaço livre de tal forma para
poder “servir para qualquer coisa” acabou por fazer com que
uma certa monotonia constrangedora se instalasse neste es-
paço pela dificuldade em ocupá-lo. Vazio no centro, para dar
para “pôr qualquer coisa” que seja, eventualmente, necessá-
rio, e arborizado no entorno, com um jogo de pavimentos que
permite usá-lo como lugar de sentar e contemplação da vista.
Pavimento este (cubo granítico) que se estende por todo o
Passeio, excetuando a parte junto à Rua do Sol, que é em
asfalto. A arborização é constante ao longo de todo este eixo,
desde o parque de estacionamento junto ao Largo Actor Dias,
para o qual a ligação direta está encerrada, até ao parque
infantil na Alameda das Fontaínhas, onde a secção da rua
diminui significativamente. Apesar de este ser um tipo de
vegetação importantíssima, não se encontra vegetação ao
nível do olhar, mais tangível, que é também necessária, nem
sequer no espaço infantil.
Figura 73 – Rua de Gomes Freire e
final da Alameda das Fontaínhas,
setembro 2021
Figura 72 – Área central do Passeio
das Fontaínhas rasgada pela ponte,
diversões de São João, junho 2021
Figura 71 – Passeio das Fontaínhas a
partir da interseção com a Rua do Sol
Figura 70 – Passeio das Fontaínhas, área
central, setembro 2021
Figura 69 – Calçada das Carquejeiras,
vista sobre a Ponte Luiz I, junho 2021
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
61
“Pavimento – uma vez que existe só como superfície, todo o
seu trabalho é desenvolvido a duas dimensões. Ele convence,
segrega, acentua, reúne e/ou divide através de padrões super-
ficiais. […] Mais do que qualquer outro elemento da paisa-
gem urbana, possui os recursos de expansão e extensão. Esta
qualidade podemos encontrá-la não só na vasta praça pavi-
mentada, como também no pequeno troço ornamentado com
motivos que é possível surpreender no passeio, ao dobrar a
esquina.”66
66 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 130
Figura 76 - Passeio das Fontaínhas, alça-
do norte, 1º plano – fonte, escadarias de
acesso e arborização; 2º plano – Asilo da
Mendicidade e Abrigo dos Pequeninos
(cota alta)
Figura 75
Figura 74
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
62
Esta vontade de deixar o espaço ‘livre’ para as mais diversas
funções, é um tanto ao quanto, contrário ao que realmente
aconteceu nestes espaços nos últimos anos, com a retirada da
Feira da Vandoma, com importância relevante a nível de
toda a cidade e com a inserção da Ponte do Infante que que-
brou a zona central do Passeio, interferindo com as ativida-
des e festejos que aqui havia como o São João.
“Abrigo, sombra, conveniência e um ambiente aprazível são
as causas mais frequentes de apropriação de espaço, as con-
dições que levam à ocupação de determinados locais. O facto
de se assinalarem esses locais com elementos de carácter
permanente pode contribuir para indicar os tipos de ocupação
que existem na cidade e criar um meio-ambiente que não seja
fluído e monótono, mas sim estático e equipado. […] Ainda
que o grau de ocupação do território seja relativamente fraco,
o facto de haver no mobiliário sinais permanentes dessa ocu-
pação confere à cidade um carácter mais humano e diver-
so.”67
67 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 23
Figura 77 - Passeio das Fontaínhas, plata-
forma sobre a escarpa pontuada por árvo-
res, setembro 2021
Figura 78 – Passeio das Fontaínhas sob a
ponte do Infante, junho 2021
Figura 79 - Encontro da ponte com as
Fontaínhas, sob a ponte do lado direito
localizam-se os balneários públicos das
Fontaínhas, setembro 2021
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
63
Além de duas esplanadas no lado poente da ponte do infante,
que se contorcem por entre os carros que ocupam todos os
espaços, encontram-se os Balneários e Sanitários Públicos
das Fontaínhas por baixo da ponte. Adiante, no sentido nas-
cente, entre a nova estátua dedicada às Carquejeiras e a fon-
te que se mantém majestosa ocupando a centralidade deste
espaço que se alarga, encontra-se o Centro de Convívio, onde,
com muita regularidade, se reúnem alguns dos residentes
das Fontaínhas jogando cartas, este espaço funciona tam-
bém, por vezes, de apoio às hortas com alguns utensílios (que
também prontamente nos emprestaram na construção da
estrutura como vassouras, pás e baldes). Este centro de con-
vívio que se entala entre a cota alta da Alameda das Fonta-
ínhas e a cota do Passeio das Fontaínhas, ajuda a dinamizar
um pouco mais este espaço, convidando os habitantes mais
velhos a vir até aqui, estando no centro de convívio ou senta-
dos juntos ao muro sobre a paisagem, intermitentemente. Do
alçado edificado que o Passeio oferece à paisagem, de recorte
burguês, sobressai o antigo Asilo Portuense da Mendicidade
em estado de abandono e um outro muro alto que esconde
um interior abandonado com vegetação livre, mais tarde des-
cobri que era o Abrigo dos Pequeninos. Dois dos edifícios com
maior impacto no valor paisagístico das Fontaínhas encon-
tram-se abandonados e em degradação, o que é um franco
desperdício. No percurso de um extremo a outro, desde o iní-
cio do Passeio até ao Largo do Padre Baltasar Guedes, desta-
quei alguns espaços residuais que poderiam ser melhor apro-
veitados, localizados junto ao acesso às Fontaínhas pela Rua
de Alexandre Herculano e, no outro extremo, no ponto em
que termina a Alameda das Fontaínhas e apenas prossegue a
Rua de Gomes Freire um pequenino largo desqualificado. O
Largo do Padre Baltasar Guedes apresenta-se mais uma vez
como parque de estacionamento pontuado com verde.
Figura 83 - Abrigo dos Pequeninos, Fonta-
ínhas, setembro 2021
Figura 82 – Asilo Portuense da Mendicidade,
setembro 2021
Figura 81 – Centro de Convívio, Passeio das
Fontaínhas, setembro 2021
Figura 80 – Passeio das Fontaínhas repleto
de carros, setembro 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
64
Da Praça da Alegria e Rua de São Víctor
“Uma rua que se prolonga à nossa frente sempre em linha
recta tem um impacto relativamente pequeno, porque o pano-
rama inicial é rapidamente, assimilado, tornando-se monó-
tono. O cérebro humano reage ao contraste, às diferenças en-
tre as coisas, e ao ser estimulado simultaneamente por duas
imagens – a rua e o pátio – apercebe-se da existência de um
contraste bem marcado. Neste caso a cidade torna-se visível
num sentido mais profundo: anima-se de vida pelo vigor e
dramatismo dos seus contrastes.” 68
68 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 11
Figura 84 - Esquisso em visita
de campo
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
65
As ruas das Fontaínhas são tendencialmente muito compac-
tas e opacas relativamente ao espaço público, isto é, sendo
um bairro marcado sobretudo por construção habitacional,
quer nas zonas mais densas definidas pelas ilhas, como nas
zonas mais desafogadas, nas ruas em direção à Avenida de
Rodrigues de Freitas, pode-se perceber que a relação do rés-
do-chão com a rua é bastante incisiva. Não havendo muita
atividade de comércio, de serviços, ou de outra natureza que
ajude a ativar a vida na rua. Assim sendo, ainda se torna
mais visível que as ligações existentes se dão pelos laços de
vizinhança, pelo sentido de interajuda. Este sentimento é
particularmente percetível na Rua de São Víctor, em que
todos os vizinhos se conhecem. O seu local de reunião resu-
me-se ao café que é sede social do Sport Clube de São Vítor,
quase em frente ao acesso para a Travessa de São Víctor.
Não possuindo uma associação de moradores, é aqui que se
discutem os mais diversos assuntos relativos à rua e às suas
necessidades e, sobretudo futebol, ouvindo-se com frequência
a partir da rua os lampejos de entusiasmadas conversas. No
cruzamento para a travessa detenho-me a falar com uma
senhora que acabara o dia de trabalho, a fazer limpezas em
casas por ali, e esperava a sua boleia. Pergunto por uma
mercearia ou supermercado onde possa ir, ao que ela respon-
de que por ali não há nada “só uma merceariazita no cimo da
rua”, mas se quiser “fazer compras a sério aqui não dá”, te-
nho de ir mais longe. Nesta rua há ainda uma casa de fados,
junto ao Largo do Padre Baltasar Guedes, que abre uma vez
por semana, a pequenina mercearia, uma recente lavandaria
self-service na esquina com a travessa e um restaurante co-
reano, logo a seguir do outro lado da rua na direção da praça.
Além disso, já 3 ilhas foram convertidas na totalidade em
alojamento local, mostrando como a disseminação do turismo
chega até aqui. Já a meio caminho para a Praça da Alegria
Figura 86 – Ilha na Rua de São Víctor con-
vertida em alojamento local, setembro 2021
Figura 85 - Rua de São Víctor - acesso sul,
Fontaínhas, setembro 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
66
uma senhora da ilha 182, ajudava a sua vizinha octogenária,
que vive do outro lado da rua, a chamar um táxi para ir a
uma consulta. O caráter fechado e denso desta rua, bem co-
mo o seu perfil extremamente reto, com pouca atividade no
rés do chão, faz com que a sua extensão pareça muito longa,
sem possibilidades de outros percursos além da Travessa de
São Víctor a meio. É uma rua univocacionada para a habita-
ção, até as mais recentes formas de comércio e restauração
têm dificuldade de vingar aqui. Esta rua transporta o caráter
dos seus habitantes, e, apesar de estar tomada pelo carro,
funcionando mais como estacionamento que outra coisa, são
ainda as relações de vizinhança que marcam as dinâmicas da
rua.
Chegando a meio desta linha reta, desemboco na Praça da
Alegria. A praça surge como pulmão deste eixo, quer pela
abertura como pelo facto de ser o único ponto vegetado, com
as suas árvores, que dão sombra e vida ao espaço. Apesar de
ser apelidado de ‘praça’, este espaço que outrora se prolonga-
Figura 87 - Rua de São Víctor,
desfasamento entre 2 ilhas,
setembro 2021
Figura 88 - deficiência na acessibilidade
dentro do bairro, setembro 2021
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
67
va daqui até ao Passeio das Fontaínhas, é agora um pequeno
largo triangular, encerrado entre ruas destinadas à mobili-
dade motorizada, o que lhe retira ainda mais espaço.
“Pontuação – Se compararmos uma perspetiva a uma frase
gramatical com sujeito e predicado, podemos utilizar o termo
pontuação para designar determinadas formas de demarca-
ção do espaço no seio dessa frase.”69
Apesar disso, é claramente o centro agregador de todo o bair-
ro, aqui encontra-se o mercado informal, dispondo de arru-
mos por baixo da via do lado norte da praça e os guarda-sóis
que se recolhem ocupando sempre espaço na praça. Facil-
mente se encontram grupos de crianças jogando à bola ou
noutras brincadeiras, ainda que poucos metros abaixo dispo-
nham de um espaço muito mais amplo no Passeio das Fonta-
69 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 47
Figura 89 - Praça da Alegria a
partir de São Víctor sul, setem-
bro 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
68
ínhas. A diferença é que aqui há “olhos na rua”70, provavel-
mente devido a restrições dos pais até, será o espaço em que
lhes é permitido brincar, mesmo com a presença dos carros a
toda a volta.
“Intimidade – Vegetação exuberante, um recinto, um pequeno
retângulo de céu, e o calor da construção em tijolo, conjugam-
se aqui numa atmosfera de interioridade, íntima e cordial. É
uma imagem transbordante de vitalidade e calor humano.” 71
70 Jacobs, Jane (1961) The Death and Life of Great American Cities. Ran-
dom House, Nova Iorque
71 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 71
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
69
O núcleo que liga a Praça da Alegria ao Passeio das Fonta-
ínhas é definido pela EB1 da Alegria, que não se volta para a
praça mas para um acesso lateral e o Abrigo dos Pequeninos
agora encerrado para o qual a Câmara abriu concurso para a
inserção de um novo Acervo Museológico do Museu Munici-
pal. Este núcleo direcionado para atividades coletivas carece
de um sentido de unidade ou complementaridade, a união
que houve entre a Praça da Alegria e o Passeio deveria man-
ter-se apesar da dificuldade que a diferença de cotas apre-
senta.
A parte da Rua de São Víctor que aponta para noroeste é em
tudo diferente à parte nascente, encontra-se, no lado norte
deste troço da rua, o muro insondável da FBAUP, esta pre-
sença massiva, a uma escala desproporcional, coroada por
copas frondosas como se fosse um friso, um adorno, uma agi-
tação, que vem trazer vida pelo contraste com esta muralha,
mas está muito lá em cima, para se fazer sentir cá de baixo.
Figura 94 – Praça da Alegria a partir da
R. São Víctor norte, setembro 2021
Figura 93 – Rua com o acesso
principal à escola
Figura 92 – Praça da Alegria,
guarda-sóis e arrecadações do
mercado, setembro 2021
Figura 91 – EB1 da Alegria a
partir da praça, setembro 2021
Figura 90 – EB1 da Alegria a
partir da R. São Víctor, setem-
bro 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
70
“Uma superfície vazia oferece uma oportunidade, uma tenta-
ção, aos que têm a construção no sangue, tal como uma folha
virgem de papel representa uma aventura para o artista. O
controlo adequado parece residir no ênfase que se quer dar,
ou na reavaliação que se pretende fazer, de uma função.”72
72 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 174
Figura 95 - Rua de São Víctor,
muro da FBAUP, setembro 2021
Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência
71
No outro alçado, percebe-se a diferença de idades, as diferen-
ças na cércea do edificado, da configuração dos volumes, na
orientação da malha, claramente obedecendo a uma regra
que já não está mais ali, diretamente, em consonância com a
Avenida de Rodrigues de Freitas, com a qual haveria de ter
tido contacto no passado. Apresenta passagens apertadas,
passagens que parecem secretas, que parecem privadas, que
incitam a curiosidade, com alturas variadas e entornos, que
‘dentro’ são mais velhos, do que ‘por fora’ se anunciava.
“O encanto de corpos construídos salientes e reentrantes. O
olhar fica embrenhado numa complexidade e sinuosidade que
ajudam o espírito a deter-se tranquilamente, o que aliás, é
desejável, visto tratar-se de uma rua residencial e não para
tráfego rodoviário.”73
73 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 46
Figura 96 - Rua de São Víctor,
contraste entre os dois alçados,
setembro 2021
Figura 97 - Passagem para os bairros soci-
ais de São Víctor, setembro 2021
A Cidade na simbiose com a Saúde Pública
72
Por trás deste alçado irregular, encontram-se casas velhas,
bairros novos e o SAAL que eu visitara uns anos atrás. Da-
qui destaquei agora não o complexo habitacional, mas os es-
paços que configuram o seu entorno, sobretudo, o grande es-
paço no meio, com imenso potencial, que parece perigosa-
mente desperdiçado. Trata-se do mais claro, expectante, mio-
lo de quarteirão, desde a racionalidade da sua forma, ao con-
junto que o encerra. Este espaço parece apagado da memória
daquilo que podia ser.
“O recinto é uma síntese da polaridade entre pés e pneus, en-
tre a circulação de pessoas e a de veículos. É a unidade base
de uma certa morfologia urbana. Fora dele, o ruído e o ritmo
apressado da comunicação impessoal, vai-vem que não se
sabe para onde vai nem de onde vem; no interior, o sossego e
a tranquilidade de sentir que o largo a praceta, ou o pátio
têm escala humana. O recinto é o objetivo da circulação, o
local para onde o tráfego nos conduz. Sem ele, o tráfego tor-
nar-se-ia absurdo.”74
74 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 27
Figura 100 – Recinto central, miolo do
quarteirão, setembro 2021
Figura 99 - Bairro social, autoria Hélder Casal Ribeiro e SAAL, autoria
Álvaro Siza, setembro 2021
Figura 98 - Passagem para o Largo Cama-
rão a partir do interior do quarteirão, se-
tembro 2021
75
Figura 105 - Mural no Passeio das Fontaínhas, parte 2, setembro 2021
Figura 104 - Mural no Passeio das Fontaínhas, parte 1, setembro 2021
77
PENSAR A CIDADE
SAUDÁVEL
“Há […] que procurar formas mais equilibradas e sustentá-
veis de gestão desta diferença de ritmos, as quais passam,
inevitavelmente, pela recuperação e reconversão funcional de
espaços construídos e pela maior facilidade de movimentação
das pessoas e famílias entre esses espaços, à medida que mu-
dam os seus requisitos.”76
76 Portas, Nuno, coord. 2003. Políticas Urbanas: tendências, estratégias e
oportunidades. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa.
À Procura da Cidade Saudável
79
À PROCURA DA CIDADE
SAUDÁVEL
“De onde vem a ciência que se debruça sobre a saúde? Do cor-
po das pessoas e desse outro corpo vivo que a cidade é.”77
A cidade é feita pelas pessoas para as pessoas78, é uma forma
de resposta às necessidades humanas, e será o que mais se
aproxima de uma floresta humana. A natureza do homem
está gravada na cidade. Aqui as pessoas encontravam pri-
mordialmente o trabalho e daí a necessidade de habitação
próxima e a criação dessa comodidade da proximidade na
mobilidade. No entanto, não é esta a urbanidade orgânica
que se encontra na maioria das cidades do século XXI. A ci-
dade para as pessoas, oferece habitação, emprego e bem-
estar, mas, é uma estrutura demasiado ampla para ser redu-
zida assim simplesmente. Inclui toda a infraestrutura como
hospitais, escolas, administração, comércio, restauração, tea-
tro, cinema, museus, cafés, bares, discotecas, jardins, infra-
estruturas energéticas e de mobilidade que permitem conec-
tar todas as funções e desenvolve e promove sinergias que
fazem a vida girar. O desenvolvimento das técnicas de mobi-
lidade foi a mais impactante convulsão urbana desenvolvida
a partir do final do século XIX79. Não apenas o automóvel,
77 Barros, Henrique. (2016 julho) As Coortes do Porto. O TRIPEIRO, 7ª
Série, Ano XXXV – Nº7, P. 205
78 Gehl, Jan (2013) Cidades para Pessoas. 2ª edição, Perspectiva. São Pau-
lo
79 “A História das cidades foi assim ritmada pela história das técnicas de
transporte e armazenamento de bens (b), informação (i) e pessoas (p). Este
sistema de mobilidade, a que chamamos “sistema bip”, está no centro das
dinâmicas urbanas, da escrita à internet, passando pela roda, a imprensa,
o caminho-de-ferro, o telégrafo, o betão armado, a esterilização, a pasteuri-
zação e a refrigeração, o carro elétrico, o elevador, o telefone, o automóvel,
80
mas ainda antes, o elétrico, assim como, as respetivas infra-
estruturas disseminadas pelo território, que acabam por sur-
gir a propósito da 2ª Revolução Industrial80. Com o rápido
crescimento da indústria automóvel, desde o aparecimento
ainda no final do século XIX81, passa a ser elemento funda-
mental do desenho urbano nos anos 1960. Apesar da existên-
cia dos transportes públicos, para responder aos movimentos
pendulares, estes começaram gradualmente a mostrarem-se
insuficientes ou menos cómodos. Tornou-se necessário intro-
duzir novas estruturas de armazenamento de automóveis -
parques de estacionamento. A referência de escala das obras
infraestruturais que vinham a ser realizadas para a viabili-
zação do uso do automóvel - inserção de vias expressas ele-
vadas, torres de estacionamento, etc. – autorizava os arquite-
tos a “pensar em grande”82. Após a II Guerra Mundial a soci-
edade centrou-se em criar a cidade funcional produtiva83,
abandonando a noção de tempo útil dos cidadãos e deixando
de lado a capacidade de expressão dos habitantes resignan-
do-se à anulação. A cidade serve apenas para ir e vir do local
de habitação para o trabalho e vice-versa.
a telefonia, etc. O crescimento horizontal e vertical das cidades tornou-se
possível pela invenção e aplicação destas técnicas.” Ascher, François.
(2012; edição utilizada) Novos princípios do urbanismo seguido de Novos
compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte. Lisboa.
80 Em meados do século XX, François Ascher viria a defender que a explo-
são do uso do carro marcaria a 2ª Revolução Urbana, tal a sua influência
na dinâmica do território e da vida urbana.
81 O carro moderno é criado e patenteado por Karl Benz em 1886.
82Graça Dias, Manuel (1992) Vida Moderna. João Azevedo Editor, Viseu
83 Ascher, François. (2012) Novos princípios do urbanismo seguido de No-
vos compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte. Lisboa.
À Procura da Cidade Saudável
81
A juntar a estas transformações urbanas radicais dá-se a
revolução das tecnologias da informação e comunicação nos
anos 197084, estas conurbações levaram ao questionamento
da cidade e de que ambientes podiam ser chamados urbanos.
Até a existência futura de ambientes que pudessem ser cha-
mados de “cidade” foi questionada. François Ascher aponta
que até os mais recentes processos de urbanização não esta-
vam necessariamente associados à produção de cidades, ou
ao que se costumava chamar de cidade. O autor propõe a
interpretação do termo “urbanidade” como o ajuste recíproco
entre uma forma de tecido urbano e uma determinada forma
de convivência e defende que a última configuração consoli-
dada e amplamente reconhecida de urbanidade teria sido a
urbanidade metropolitana forjada na segunda metade do
século XIX simbolizada pela boulevard de Haussmann ou
pela Barcelona de Cerdà, que teria sobrevivido sem altera-
ções estruturais até meados do século XX85.
É urgente romper com este ciclo vicioso e criar a cidade mul-
ticêntrica, e dar acessibilidade máxima a serviços de proxi-
midade e em cada um desses serviços implicar, como num
bairro, os habitantes para que criem novos espaços de vida,
de utilização, a partir do que já existe, maximizando a capa-
cidade – “um lugar, muitos usos”86. A criação da cidade sau-
dável, que resiste às adversidades não tem que ver com a
segregação das funções e das pessoas. A compacidade urbana
é a alternativa mais saudável para a cidade. Posto este cená-
rio, algumas iniciativas surgem como possibilidade de res-
84Ascher, François. (2012; edição utilizada) Novos princípios do urbanismo
seguido de Novos compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte.
Lisboa
85 Ascher, François. (2012; edição utilizada) Novos princípios do urbanis-
mo seguido de Novos compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte.
Lisboa
86Carlos Moreno em entrevista à televisão espanhola -
https://www.rfi.fr/es/carlos-moreno-la-ciudad-del-cuarto-de-hora-es-
cambiar-el-paradigma-de-la-ciudad-moderna
82
posta às necessidades levantadas não só pela pandemia,
mas, sobretudo, pela cidade do século XXI, que expõe agora
sem véus, os problemas da segregação, da mobilidade auto-
móvel privilegiada, das grandes distâncias, da velocidade, do
tempo útil perdido em deslocações. Reatribuir qualidade de
vida à escala humana em consonância com a cidade é dar
oportunidade de redescobrir e revitalizar a cidade através da
proximidade geográfica, proximidade familiar e ecologia hu-
mana.
Figura 106 - Teoria de mudança das
cidades da UN-Habitat, Objetivo 11
Comunidades e Cidades Sustentá-
aveis,2019, ONU
84
Figura 107 - Esquema O que é a Cidade Saudável? As 3 Cidades abstratas, suas sinergias e relação com os objetivos para o desenvolvimento sustentável, 2021
85
Várias cidades desenvolvem atualmente diferentes estraté-
gias de procura destes valores. Para descortinar novas for-
mas de redesenho urbano destaca-se aqui casos de estudo
que têm que ver com mudanças urbanas mais recentes e ou-
tros que já vêm apontando o caminho desde o século passado.
Procurou-se enquadrar cada um desses exemplos numa das
‘3 cidades’ apresentadas partindo do ponto forte estratégico
de cada plano que, no entanto, leva a atingir uma resposta
global para as 3 camadas urbanas. As 5 cidades aqui apre-
sentadas demonstram maneiras diferentes de abordar um
desenvolvimento saudável que, no entanto, se acaba por cru-
zar nos objetivos globais que cada uma persegue com respos-
tas adaptadas à sua realidade social, económica e política.
Supermanzanas de Barcelona – iniciativa centrada numa
reorganização hierarquizada do trânsito;
Madrid Central – com uma estratégia de retirada de trânsito
motorizado do centro histórico;
Ambas buscando estratégias de mitigação das mudanças
climáticas e, portanto, assentes em princípios de sustentabi-
lidade ambiental e social sobretudo.
Finger Plan de Copenhaga – com as políticas que permitiram
uma rápida mudança dos padrões de mobilidade do carro
para a bicicleta;
Apesar da aposta na mobilidade como as anteriores o mais
surpreendente neste caso são as políticas ativas e inteligen-
tes que permitiram a rápida adaptação de um sistema que
abrange toda a cidade.
Paris Ville du ¼ d’heur – com fortes medidas de descentrali-
zação da atividade urbana combatendo todos os tipos de se-
gregação;
86
Viena 2025 – que incide num modelo de regeneração urbana
com forte aposta na habitação social;
Estes últimos casos centram-se na escala humana como me-
dida básica para as mudanças da cidade.
A CIDADE INTELIGENTE
Atualmente e a um ritmo cada vez mais frenético a cidade
extravasa os seus limites físicos; outrora ovo estrelado, de-
pois mancha de óleo, perdeu-se até, ou estendeu-se, para lá
da questão do rizoma polinucleado ou da eterna dicotomia do
impossível urbano/rural e os interstícios complexos e, por
último, a mais aproximada, urbanização generalizada englo-
bando várias escalas. No auge da era tecnológica o imaterial
ganhou novo significado, nova importância. Já em meados do
século XX François Ascher89 caraterizava o sistema operativo
urbano pelas redes de serviços materiais e imateriais cuja
manipulação punha em jogo o repertório de imagens e infor-
mação de referência culminando nas relações destas mesmas
referências com o espaço, o tempo e as pessoas. Claro está,
que a imaterialidade começava antes do mundo digital e es-
tende-se para além dele, compreendido no domínio social
sobretudo, mas que, no entanto, se redescobre neste mais
recente significado. A adequação das cidades para figurarem
os objetivos da Smart-City é já peremptório. A cidade digital
é aquela que se encontra conectada, que aposta na inovação
tecnológica e na participação social para o desenvolvimento
criativo e sustentável integrando todas as esferas desde o
público ao privado promovendo parcerias que visam os inte-
resses na construção de uma cidade resiliente focada na me-
lhoria dos serviços, do acesso aos mesmo, fomentando o bem-
89Ascher, François. (2012) Novos princípios do urbanismo seguido de Novos
compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte, 3ª edição, Lisboa.
Figura 108 - SmartCity, sinergia urbana
À Procura da Cidade Saudável
87
estar dos seus habitantes e dos cidadãos em geral. Um dos
objetivos da cidade inteligente é a obtenção do máximo de
informação sobre a população (Big Data), como os seus pa-
drões de mobilidade ou os padrões de consumo, permitindo
desta forma fomentar mudanças adequadas às necessidades
e conforto de determinada população além de ajudar a erra-
dicar comportamentos desviantes no que toca às questões
ambientais para uma sociedade mais sustentável em todos os
aspetos. Outros exemplos de contributos para a Cidade Inte-
ligente são os radares e sensores que controlam o trânsito
automóvel; o 5G; entregas por drone solicitadas pelo telemó-
vel; tudo no sentido de criar mais segurança e conforto. Estas
possibilidades apenas são permitidas pela disponibilidade
das tecnologias informatizadas. No entanto, estes mecanis-
mos inteligentes que vão crescendo em vista a facilitar o usu-
fruto da cidade apresentam falhas importantes, como a ten-
dência a representar o território do ponto de vista da mobili-
dade do carro como é o exemplo do Google Earth ou de um
qualquer sistema de GPS, excluindo a realidade de quem vai
a pé, com pouca ou nenhuma informação topográfica ou hu-
mana. Este é um exemplo de como a informação facilitada na
ponta do dedo pode, ao contrário do esperado, ser bastante
limitativa e conduzir a comportamentos condicionados e mo-
duladores em vista a um facilitismo generalizado e opressor
– vai toda a gente acabar a fazer os mesmos percursos das
mesmas formas e ver as mesmas coisas.
Mas a cidade inteligente, embora seja consistentemente as-
sociada a tecnologia de ponta, engloba conceitos muito mais
profundos como a inteligência prática, que não existe atual-
mente e está muito ligada a sistemas “smart”, no sentido
micro para combate ao desperdício, ao excesso. É preciso in-
teligência para reinventar possibilidades. É uma caraterísti-
ca potenciada em zonas altamente carenciadas, mas que é
necessário transitar para os países ricos em que não é neces-
Figura 109 - Resposta do Google Maps
para chegar ao lavadouro das Fontaínhas,
a parte que não é possível realizar de carro
é totalmente ignorada.
Figura 110 - Quando o mesmo percurso é
pedido a pé, a sugestão de percurso é ainda
mais confusa e não resolve o tramo final.
88
sária essa inteligência porque se compra tudo90. A começar
pelas escolas que não fomentam este tipo de destreza mental
e por medidas ambiciosas dos governos locais e nacionais.
Copenhaga Finger Plan
Copenhaga é um dos exemplos de rápida transformação pela
implementação de fortes políticas de planeamento sustentá-
vel que vêm já de uma visão de meados do século XX. Dei-
xando denotar um sentido crítico prático, uma inteligência
fina, que se desvela no crescimento saudável da cidade quer
socialmente como economicamente. O Finger Plan de Cope-
nhaga permitiu que a cidade evitasse com sucesso o urban
sprawl e a sobrepopulação.
90 Sassen, Saskia (2020) Cuando los financieros hablan, muy pocos políti-
cos entienden lo que dicen. Entrevista: El País
Figura 113 – Sistema de mobilidade associado a áreas
urbanas e áreas de verdes de maior impacto, 2015. Figura 112 – Principais zonamentos funcionais, 2015.
Figura 111 – Finger Plan, Copenhaga,
1950-60
À Procura da Cidade Saudável
89
O segredo por trás deste modelo urbano é um planeamento
compreensivo e adaptativo acompanhado de políticas efetivas
eficazes. Este plano, realizado entre 1945 e 194891, no pós-
guerra, criou a combinação acertada entre habitação, espaços
verdes e transportes públicos e mantém até hoje, indepen-
dentemente dos sucessivos governos, os seus ideais originais
na construção e expansão da cidade. A equipa por trás da
elaboração do plano era constituída pelo privado Urban
Planning Lab e implementado pelo grupo semi-privado do
Gabinete Regional de Planeamento. Foi realizado numa polí-
tica “bottom-up”, ou seja, gerido de forma a receber o apoio
dos governos local, regional e nacional, assim como, o inte-
resse de uma ampla variedade de organizações e associações.
O apoio político foi determinante fazendo com que rapida-
mente este se tornasse o Plano Municipal Oficial para toda a
área metropolitana, convertendo neste ponto o plano em “top
down”92.
A estratégia de planeamento em ‘dedos’ não é uma invenção
deste plano, várias cidades pela Europa implementaram esta
estratégia prevendo a sua expansão. Também o Porto apre-
sentou uma organização deste tipo, desde o século XIX, e que
continua a ter impacto formulando as principais vias de
acesso à cidade, com uma grande diferença, os ‘dedos’ da ci-
dade de Copenhaga foram construídos integrando a principal
rede de transportes públicos da cidade, priorizando este tipo
de deslocamento. A questão da mobilidade foi o primeiro as-
peto a ser desenvolvido e a habitação foi crescendo no entor-
no destes canais. Nos últimos anos a ‘palma da mão’ tem
vindo a crescer pela necessidade de novos radiais que res-
91 Sorensen, E., Torfing, J. (2019) The Copenhagen Metropolitan ‘Finger
Plan’: A Robust Urban Planning Success Based on Collaborative Govern-
ance. Great Policy Successes. Oxford University Press. Oxford
92 Sorensen, E., Torfing, J. (2019) The Copenhagen Metropolitan ‘Finger
Plan’: A Robust Urban Planning Success Based on Collaborative Govern-
ance. Great Policy Successes. Oxford University Press. Oxford
Figura 114 - Reserva para rede geral de
ciclovias, 201?
Figura 115 - Reserva para rede geral de
percursos recreativos
90
pondem ao crescimento urbano, o que não põe em causa o
plano, antes demonstram a sua flexibilidade. A integração
dos espaços verdes associados sobretudo a áreas residenciais,
que começaram a ser exigidas pela generalidade dos morado-
res da cidade, acabou por gerar uma certa continuidade entre
espaços verdes na cidade, um dos aspetos que reforçou a per-
tinência do plano.
A CIDADE SUSTENTÁVEL
A introdução das medidas de desenvolvimento da Smart-City
são, sobretudo, essenciais para o crescimento da Cidade Sus-
tentável, preocupação incontornável na atualidade e absolu-
tamente indiscutível para o alcance da Cidade Saudável. As
preocupações climáticas começaram a surgir sobretudo no
virar do século com os visíveis estragos do desenvolvimento
assente no uso e manipulação abusivos dos combustíveis fós-
seis tanto para o desenvolvimento industrial (já desde as
revoluções industriais), para a produção de energia, como
para os meios de mobilidade que cresceram abruptamente ao
longo do último século. O franco crescimento do uso do auto-
móvel contribuiu não só para o aumento das alterações cli-
máticas, com todo o seu ciclo de vida – desde o fabrico até ao
sucateamento - como para um desenvolvimento explosivo de
infraestruturas que romperam com os centros urbanos e re-
talharam cidades. As cidades desenvolveram-se cada vez
mais com segregação de funções fomentando uma urbaniza-
ção extensiva e aumentando a duração dos movimentos pen-
dulares mas, também, de todas as deslocações necessárias à
vida. Além do grande custo ambiental, outro grande desfal-
que é o que se dá na vida das pessoas, aprisionadas em tem-
pos de deslocação, sem usufruírem dos espaços, dos lugares,
uma vida de total anonimato para a cidade onde habitam (ou
orbitam) o que se traduz em problemas de sustentabilidade
social.
À Procura da Cidade Saudável
91
“A integração de elementos naturais nos tecidos urbanos, de
acordo com critérios de articulação entre funções estéticas,
funcionais e ambientais, faz parte dos conceitos, estratégias e
metodologias de planeamento urbano. A forma como aconte-
ce, no entanto, fica quase sempre pelas componentes de quali-
ficação urbana centradas na organização de parques e jar-
dins, nem sempre incorporando a sustentabilidade como
questão central.”93
A sustentabilidade urbana tem a ver com a viabilidade das
cidades para que sejam confortáveis e seguras, não só agora,
mas no seu processo de crescimento e expansão ao longo do
tempo. Nesse sentido, a postura ecológica voltada à arquite-
tura e ao urbanismo não pode ser vista como uma atividade
meramente económica ou tecnológica, mas devem-se conside-
rar essas atividades dentro de sistemas sociais, culturais,
económicos e naturais mais complexos. Por isso, embora seja
suficiente que certas arquiteturas e certos urbanismos cum-
pram condições tecnológicas e energéticas para serem consi-
derados sustentáveis, isso não basta para considerá-los eco-
lógicos, uma vez que o economicismo que determina a sus-
tentabilidade deixa de lado outros valores imprescindíveis da
ecologia.
A consciência do esgotamento dos recursos, do excesso de
resíduos e de poluição que o capitalismo gera ou das mudan-
ças climáticas que vêm ocorrendo exigem tanto uma nova
conceção da economia da mesma forma que reclama uma
transformação total nos processos do urbanismo e das inter-
venções no território. As sociedades não são entidades está-
veis e, como tal, não o são, também, as cidades que as aco-
lhem. Esta já não é uma novidade estrita: a consciência dos
93 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilidade:
Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.12 Figura 116 - Esquematização dos prin-
cípios da economia circular
92
limites do planeta, da sua capacidade de carregamento, das
imensas pegadas ecológicas, de que talvez já se tenha ultra-
passado irreversivelmente o ponto de retorno. O que reforça
a ideia de que a presença de espaços verdes não é, por si,
suficiente para criar condições de sustentabilidade nas cida-
des contemporâneas. O que é novo é a necessidade pela sen-
sibilidade em relação ao meio ambiente que traz consigo a
atenção pelas preexistências ambientais, pelo património,
pela memória e pelos laços sociais existentes. Somente le-
vando isso em consideração é que se pode fazer um urbanis-
mo sustentável94. Tomar o paradigma ambiental como refe-
rência principal do urbanismo e da arquitetura significa par-
tir de uma crítica radical ou de uma desconstrução da mo-
dernidade na medida em que revela a insaciável capacidade
destrutiva da tecnologia e a sua intrínseca necessidade de
gerar resíduos continuamente.
94 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona
Figura 117 – Diagrama de Sankey,
Economia Circular na Europa, 2017
À Procura da Cidade Saudável
93
Segundo Montaner e Muxí95, as condições para um novo ur-
banismo alternativo e sustentável assenta em duas alterna-
tivas complementares – reativação e densificação, a partir do
existente. Implica a opção pelo predomínio da recuperação do
que já está construído sobre as novas construções, refazendo
bairros tradicionais e os bairros do urbanismo moderno, com
um novo paisagismo, consolidando estruturas, melhorando
instalações, aumentando superfícies para a moradia e para
os espaços comunitários e melhorando os sistemas passivos e
ativos de economia energética.
Os desafios que se colocam para a mudança, são de cariz não
só funcional como social e têm impacto nas morfologias e nos
modos de apropriação do espaço. A reposição de novos equilí-
brios funcionais, introduzindo novos usos e formas de apro-
priação, deve privilegiar o reforço da sustentabilidade urba-
na, reduzindo a marginalização funcional e social dos espaços
em regeneração com elevados custos sociais, económicos e
ambientais96.
Madrid Central
À medida que se combate a crise global de saúde pública,
mudanças climáticas e segurança rodoviária, não se pode
perder esta oportunidade de priorizar os transportes leves. É
tempo de as cidades responderem construindo infraestrutura
e fazerem espaço nas ruas para acomodar a micromobilidade
priorizando-a. A popularidade de uso destes meios de deslo-
cação cresceu de tal forma nos últimos anos que redirecionou
a atenção para a necessidade de organização e hierarquiza-
ção da infraestrutura de mobilidade, contemplando faixas
separadas para motorizados; micromobilidade – até 25
95 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona.
96 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilidade:
Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.27
Figura 118 - Madrid Central, 2018
94
km/h97; e passeio, ou implementação de alternativas como
limitação do limite de velocidade generalizado para 30km/h
como foi implementado no centro de Madrid98. A cidade optou
por implementar uma agenda progressiva com políticas com
vista no futuro, não só limitando o tráfego automóvel no cen-
tro, assim como o espaço destinado a estacionamento, como
incentivando a deslocação através dos modos leves e de
transportes públicos com maior facilidade de penetração nes-
ta zona. Nesta área de 472 hectares, apenas é permitido o
acesso de motorizados para fins comerciais, dos habitantes
locais, de automóveis elétricos ou ecológicos, de transportes
públicos e táxis e outros mediante condições excecionais99.
Este plano visa reduzir drasticamente as emissões de gases
poluentes, promover as deslocações em transportes públicos
e trazer segurança para as ruas. Efeitos já reconhecidos com
impacto direto na saúde dos madrilenos100.
97 https://www.itdp.org/
98 https://www.esmadrid.com/pt/conduzir-em-
madrid?utm_referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F
99 https://www.esmadrid.com/pt/conduzir-em-
madrid?utm_referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F
100 Lebrusán I., Toutouh J. (2020) Assessing the Environmental Impact of
Car Restrictions Policies: Madrid Central Case. Nesmachnow S., Hernán-
dez Callejo L. (eds) Smart Cities. ICSC-CITIES 2019. Communications in
Computer and Information Science, vol 1152. Springer, Cham
Figura 119 - Rede de acessos
a Madrid Central, 2018
À Procura da Cidade Saudável
95
Supermanzanas de Barcelona
O plano das Supermanzanas é um exemplo de articulação
entre escalas. O seu principal objetivo está assente na rees-
truturação da mobilidade e acessibilidade urbanas. Tem co-
mo ideia geral unificar quarteirões revitalizando os interstí-
cios e repetir esta fórmula pela cidade, enquanto envolve os
habitantes na requalificação destas áreas redescobertas que
têm como objetivo fundamental criar cidade para as pessoas,
excluindo ou limitando os automóveis, numa lógica de inte-
rior de quarteirão habitável e funcional com comércio e ativi-
dades a acontecer101. Há também uma preocupação em ofere-
cer a possibilidade de acesso a espaços verdes a não mais de
200 metros da habitação102. Assim sendo, o protagonismo da
mobilidade é invertido passando para os percursos pedestres,
seguido dos transportes leves como é o caso da bicicleta e por
último os transportes motorizados. Desta forma, os antigos
quarteirões divididos por vias de trânsito automóvel, estão
atualmente agrupados em mega quarteirões com uma vasta
101 Agència d’Ecologia Urbana de Barcelona (2015) Superilles Pilot al Dis-
tricte de Sant Martì. Informe Diagnòstic Situació Actual. Barcelona
102 Agència d’Ecologia Urbana de Barcelona (2015) Pla de Mobilitat del
Districte de Gràcia Supermançana de la Vila de Gràcia. Desenvolupament
de Propostes. Barcelona
Figura 122 - Plano das Supermanzanas
de Barcelona, 2016
Figura 121 – Quarteirões de Barcelona,
Plano de Cerdà, 1859
Figura 120 – Quarteirões de Barcelona,
atualidade
96
área pública associada, formada pelas ruas agora com acesso
pedonal privilegiado e ocupadas com a vida social de interior
de bairro, integrando novas áreas de estar e de vegetação.
Este modelo foi rapidamente replicado por várias cidades em
todo o mundo pela sua facilidade de implementação partindo
de um Urbanismo Tático low cost e low tech, com a participa-
ção dos habitantes. Além disso o desenho da malha da cida-
de, desenhada por Cerdà, facilita a replicação deste conceito
em cidades que apresentem uma organização ortogonal.
Figura 124 - Modulação do Plano das Su-
permanzanas na planta da cidade, 2016
Figura 123 - Cruzamento interior de uma
Supermanzana requalificado pelos pró-
prios habitantes, 2016
À Procura da Cidade Saudável
97
A CIDADE HUMANA
A procura pela Cidade Humana está, sem dúvida, no centro
das atenções mais do que nunca. As convulsões trazidas pela
pandemia da Covid-19 deixaram as populações vulneráveis a
vários níveis, incluindo no que toca à componente social, im-
prescindível para a condição humana. Veio à superfície o que
já se revelava expectável, que o paradigma urbano tem que
mudar, as cidades têm que se voltar de novo para as pessoas,
para a escala humana perdida, para a cidade de espaço, tem-
po e silêncio. “Parece haver um simples e automático prazer,
uma sensação de satisfação, presença e aconchego, que cresce
com o mero sinal da cidade, ou da possibilidade de andar
pelas ruas.”103 Foram desenvolvidas diversas ações sobretudo
integradas nos modelos do Urbanismo Tático a nível global,
aproveitando os períodos de confinamento para fazer experi-
ências localizadas. A cidade voltou a ser um laboratório ex-
perimental com resultados significativos e positivos. Os pro-
blemas relacionados à perda da dimensão humana nas cida-
des já vêm sendo referidos desde o apogeu automóvel nos
anos 60. Jane Jacobs104 é a mais mediática representação do
ataque direto aos desenvolvimentos urbanos, sobretudo rela-
cionados com a infraestrutura para a mobilidade automóvel
que rompia com a cidade pondo em causa a salutar vida de
bairro com medidas que visavam a fragilização dos sistemas
de vizinhança naturais (laços) que trazem segurança, proxi-
midade entre classes, diversidade de oferta e procura e de
vida nas ruas e que, no fundo, se trata do ecossistema natu-
ral das cidades resilientes.
103 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.
P. 93
104 Jacobs, Jane (1961) The Death and Life of Great American Cities. Ran-
dom House, Nova Iorque
98
Richard Sennett diz, em tempo de pandemia, a propósito das
transformações a que obrigam as questões climáticas que
“Uma das coisas em que temos que nos fixar, quanto à vida
nas cidades, é quão densos podemos viver. Para questões cli-
máticas, a densidade não é má. Interessa que a gente viva
mais compacta, que use o transporte público e não se mova
cada pessoa isolada no seu carro. Mas a densidade, também
pode ser uma ameaça. Assim a questão está em elaborar for-
mas para que as nossas cidades sejam tão verdes como sau-
dáveis.”105
O facto de a densidade continuar a ser vista como fator con-
tributivo para espalhar o vírus, continua a frustrar muitas
iniciativas neste sentido quando a diferença está na infraes-
trutura e planeamento. Os bairros desenvolvidos sem infra-
estrutura governamental ou planeamento tendem a ser asso-
lados com problemas trazidos pela falta de infraestrutura
crítica como falta de água corrente ou eletricidade. Os assen-
tamentos informais são muitas vezes sobrepopulados e têm
falta de infraestrutura para a densidade funcionar bem, es-
tes problemas são exacerbados por uma pandemia respirató-
ria que requer lavagem das mãos e distanciamento físico.
Densidade com o planeamento apropriado pode ser um gran-
de benefício para as pessoas.
105 Sennett, Richard (2020 abril 27) El Liberalismo ha debilitado nuestra
red de salvacion. El País.
Figura 125 - ilustração da "Cidade de 15
minutos" em 10 anos, Paris, 2020
À Procura da Cidade Saudável
99
A densidade deve ser parte do avanço do planeamento de
mobilidade - por exemplo, pessoas a viver a uma distância
caminhável para os cuidados de saúde ou para o trabalho,
beneficiando desta proximidade por não ter de usar o carro
para chegar a serviços essenciais. As cidades estão a reco-
nhecer quão versáteis as ruas/estradas podem ser. A rua po-
de e deve ser usada para mais do que movimento e armaze-
namento de carros. Ruas completas, infraestrutura planeada
é positiva para os residentes. Uma importante caraterística
de tornar a caminhada e andar de bicicleta atrativos e possí-
vel é uma densidade bem desenhada.
Já Cullen observava as vantagens da densidade urbana uma
vez que uma pessoa “no campo não terá muitas hipóteses de
ir ao teatro, ao cinema ou a uma biblioteca, enquanto na ci-
dade tudo isto passará a estar ao seu alcance.”106 Além disso,
maior concentração permite uma economia que aposta mais
na coletividade.
“Efectivamente, uma cidade é algo mais do que o somatório
dos seus habitantes: é uma unidade geradora de um exceden-
te de bem-estar e de facilidades que leva a maioria das pesso-
as a preferirem – independentemente de outras razões – viver
em comunidade a viverem isoladas.”107
106 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P.9
107 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P.9
Figura 126 - Ilustração "Paris do 1/4 de hora", Paris, 2020
100
Paris Ville du ¼ d’heur
A pandemia trouxe também protagonismo a um conceito re-
cente do arquiteto Carlos Moreno que vem a ser desenvolvido
em Paris, a Cidade do 1/4 de hora108. A ideia assenta na pos-
sibilidade de encontrar uma multiplicidade de serviços à dis-
tância de 15 minutos da habitação. Desta forma, qualquer
pessoa pode deslocar-se a pé ou de bicicleta sem necessidade
de recorrer ao carro para satisfazer as suas necessidades
básicas. Um bairro de proximidade coloca a caminhada na
ordem do dia, andar de bicicleta em segundo, carros parti-
lhados em terceiro e carros privados por último.
108 https://www.paris.fr/dossiers/paris-ville-du-quart-d-heure-ou-le-pari-de-
la-proximite-37
Figura 127 - Densidades da área de
Paris, 2021
À Procura da Cidade Saudável
101
A densidade necessária para a cidade de 15 minutos torna-se
impossível se comtemplar o carro. Pelo contrário, a cidade de
15 minutos propõe um reaproveitamento de parques de esta-
cionamento e infraestruturas em espaços sociais úteis. Par-
ques de estacionamento tornam-se serviços públicos e espa-
ços verdes; estacionamento na rua torna-se linhas para árvo-
res e bicicletas, garagens tornam-se apartamentos; mecâni-
cos automóveis e vendedores automóveis tornam-se residên-
cia mista109. Este conceito está a ser aplicado na cidade de
Paris.
109 https://www.paris.fr/pages/la-ville-du-quart-d-heure-en-images-15849
Figura 128 - Ampliação da infraestrutu-
ra de transporte coletivo, Paris, 2021
102
A criação de novas urbanidades, com esta noção de proximi-
dade, que permite descobrir serviços no entorno da habita-
ção, caminhando 15 minutos ou deslocando-se de bicicleta,
acalmando a cidade, porque não são os automóveis que do-
minam o espaço urbano, mas sim a vida, permite desenvolver
a biodiversidade, a natureza, a vegetação, os lugares de lazer
e os lugares de estar. Facilmente se começa a desenvolver
uma relação afetiva com o lugar porque não é meramente
local de passagem é lugar de viver. Este sentimento, que é
despertado pelo empoderamento da população, traduz-se em
melhores condições sanitárias na cidade e maior segurança,
porque cada um faz parte, e quer conservar o seu bairro. Por-
tanto, é este o elemento maior para a construção de novas
urbanidades, o vínculo social110.
110 Chazal, Pauline, Nouaikhat, Vincent (2021) Retour D’Expérience do
Quartier Montorgueil: Un quartier de Paris Centre, Piétonnisé dans les
années 1990. Apur-Atelier Parisienne d’urbanisme. Paris
Figura 129 - Extensão de ciclovias, Paris,
2021
À Procura da Cidade Saudável
103
Viena 2025
A história de Viena associada à habitação social é bem co-
nhecida no campo arquitetónico. Os mais emblemáticos
exemplos serão o Karl-Marx-Hof, Karl-Seitz-Hof e Frederich-
Engels-Hof, construídos no período entre guerras. Destes
bairros destaca-se, não apenas a qualidade dos fogos habita-
cionais, mas todo o projeto do conjunto. Houve um cuidado de
planeamento das áreas comuns, acessos e espaços exteriores,
que permitem tanto o usufruto destes espaços com funções
bem definidas como uma transição agradável entre a escala
da habitação e a escala urbana. Com o decorrer do século,
Viena foi mantendo esta preocupação na resposta à habita-
ção de qualidade, acessível à generalidade da população,
sendo um palco de experimentação de diferentes tipologias
de habitação coletiva111. Desta forma, foi refletindo a sensibi-
lidade do estudo social a que os arquitetos têm que estar
atentos por forma a garantir respostas informadas.
Atualmente, o plano estratégico para a cidade figura medi-
das de aumento da habitação social na cidade para 80% com
construção de novos edifícios e reabilitação de existentes112.
O desenvolvimento da qualidade habitacional e dos espaços
públicos envolventes estendeu-se para lá destes núcleos
através da preocupação em criar uma rede de transportes
públicos que respondesse à necessidade dos habitantes. De
facto, Viena é, ainda hoje, uma das cidades europeias com
melhor infraestrutura de transportes públicos113. Com vista a
111 Matznetter, Walter (1990) What kind of Privatization? The Case of
Social Housing in Vienna, Austria. University of Viena. Viena
112 Friesenecker, M., Kazepov, Y., (2021 maio 13) Housing Vienna: The
Socio-Spatial Effects of Inclusionary and Exclusionary Mechanisms of
Housing Provision. Cogitatio
113 Friesenecker, M., Kazepov, Y., (2021 maio 13) Housing Vienna: The
Socio-Spatial Effects of Inclusionary and Exclusionary Mechanisms of
Housing Provision. Cogitatio
Figura 130 - Karl-Seitz-Hof, Viena, atual-
mente
Figura 131 - Karl-Marx-Hof, Viena, atu-
almente
104
progredir num sentido mais sustentável, a cidade prevê uma
transformação da mobilidade diminuindo para 20% a popu-
lação a deslocar-se em veículo privado motorizado114.
114 Friesenecker, M., Kazepov, Y., (2021 maio 13) Housing Vienna: The
Socio-Spatial Effects of Inclusionary and Exclusionary Mechanisms of
Housing Provision. Cogitatio
Figura 132 - Políticas para valorização
dos espaços públicos de Viena, 2015
À Procura da Cidade Saudável
105
Os valores ambiciosos que a cidade almeja para 2025 são
demonstrativos de um progresso que foi feito ao longo de um
século no sentido de construir cidade para pessoas, respon-
dendo a necessidades reais. O fomento de percursos verdes e
não apenas espaços localizados constitui também atualmente
um dos focos de atuação com a aposta em criar conexões en-
tre os espaços verdes existentes; desenvolver e transformar
quarteirões limitando o tráfego automóvel; desenvolvimento
de áreas urbanas recreativas adicionando-lhes valor; um de-
senvolvimento conjunto das áreas urbanas limite, de transi-
ção rural, florestal ou de outra natureza com os respetivos
governos fronteiriços; atribuir diversidade funcional à infra-
estrutura verde; rotas urbanas e acessibilidade; e o fomento
de uma paisagem azul, integrando corpos de água pela cida-
de115.
115 City of Vienna (2015) Step 2025: Thematic Concept – Green and Open
Space. Viena
Figura 133 - Rede de espaços públicos
de Viena, 2015
106
PARA UMA RESPOSTA DE VIDA
URBANA
“Uma arquitetura verdadeiramente expressiva e viril, só po-
derá florescer quando, na prática, os imperativos de ordem
social se conjugarem com a satisfação pessoal, com o prazer
suscitado pelo próprio processo criativo, para além da consi-
deração do objetivo em vista. Não há qualquer motivo para
que essa alegria espontânea seja tida como perniciosa, já que
sem o prazer sensual a prática da arquitectura degenera ine-
vitavelmente numa rotina sem sentido ou, quando muito,
num exercício de mera agilidade intelectual.”116
116 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 95
Figura 134 - Ilustração, A
rua como equipamento
Urbano, 2020
Para uma Resposta de Vida Urbana
107
A vida na cidade resume-se à rua. A rua é o encontro com a
escala humana e, é essa ligação longínqua que tudo unifica e
confere a escala urbana e até a metropolitana. É a criação
por excelência que começou no rio como caminho, na sua ori-
gem o encontro, e a busca, o sustento e a curiosidade pelo
desconhecido. Na rua, como no caminho, há essa continuida-
de, de um outro destino, de novas possibilidades. Do pé, a
roda, a carroça, o carrinho, o carril, o vapor, o elétrico, o car-
ro. E ao mesmo tempo, a função da rua a mudar, que era de
encontro, de brincar, de estar, de trabalhar. Deixou de ser
cidade para ser passagem, que nem é aqui, nem acolá.
É na revalorização da rua que assentam as teorias que bus-
cam saúde e vitalidade para a cidade. Numa aposta de retor-
no ao valor dos lugares, de reencontro com a cidade e com os
vizinhos!
“Uma vez que uma parte tão considerável da paisagem urba-
na consiste na pequena rua tranquila e na simplicidade do
trivial e do quotidiano, há que aproveitar plenamente todo o
talento local.”117
É sobre a rua como canal urbano de aproximação da cidade e
na rua como pátio coletivo do bairro que aqui se pretende
incidir. Nessa dualidade, partindo do mesmo elemento, en-
contram-se as mais variadas dinâmicas da cidade.
117 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 44
Figura 135 - Inter-relação entre a saúde, o
urbanismo e a higiene, 2020
108
PRETENSÕES
Se se constrói cidade para as pessoas, em vez de se conceber
um plano urbano, a mudança necessária para iniciar o per-
curso da forma certa está em criar um plano para a vida ur-
bana baseado na proximidade, diversidade, densidade e ubi-
quidade. Promover a mobilidade pedonais, expandindo pas-
seios, realizando ciclovias, integrando vegetação e conver-
tendo, quando possível, as ruas em 100% pedonal, é um dos
princípios para o convite à caminhada. Nestes espaços, em
que o protagonista é o cidadão, facilmente se começam a de-
senvolver atividades livremente, formam-se espaços de re-
creio para as crianças, zonas de estar para adultos e crescem
as atividades económicas de comércio e serviços.
Figura 136 - Esquemas do processo –
Como juntar saúde e urbanismo no
desenho da cidade?, 2020
Para uma Resposta de Vida Urbana
109
Cidade vista de cima – escala urbana
Pensar a cidade à escala urbana, pressupõe um impacto à
escala humana. As grandes alterações à grande escala por
norma compreendem alterações no campo da mobilidade.
Assim sendo, questões como: a hierarquia de vias e acessos; a
introdução de novos meios de transportes coletivos; a altera-
ção de fluxos automóveis; acaba por ter um impacto direto na
organização e desenvolvimento de zonas específicas da cida-
de quando olhadas isoladamente. Pelo contrário, a escala
humana pode gerar dinâmicas de tal forma interessantes
para a cidade que acabam por progredir para uma escala
maior, esta é a abordagem em crescimento atualmente para
intervir num território urbano. No entanto, é necessário
manter sempre um olhar atento a toda a cidade – o retalho
em que se intervém, é um órgão vivo deste imenso corpo: é
preciso garantir fluidez nas ligações, promover sinergias,
garantindo a unidade da cidade. A interdependência destas
duas escalas, a necessidade de olhar a cidade sempre à luz de
uma e de outra, faz com que atualmente se justifique um
conhecimento lato do meio urbano em que se atua. Não é
mais possível planear cidade do “alto”, sem conhecer as pe-
quenas dinâmicas internas.
Figura 137 - Esquisso de processo –
Como ligar a cidade e o bairro?, 2021
112
Cidade vista de dentro – escala humana
Para a Cidade Saudável é essencial mudar a nossa relação
com o tempo e o espaço, incidindo sobretudo nas questões de
mobilidade, dotação de serviços e áreas verdes. O conceito de
“cidade do quarto de hora” é, também, sinónimo de smart city
– produz a ideia da cidade viva – a vida em certas zonas, por
vezes menos valorizadas, é muito mais diversa, segura e en-
volvente para os habitantes118. Em espaços mais restritos, à
volta do mundo, pode observar-se este tipo de vida, que, na
sua maioria, nasce de uma vontade espontânea da população
da necessidade de apropriação, de tornar humano. Existem
diversos exemplos sobretudo nos países mais desfavorecidos
de bairros em que os habitantes desenvolvem laços afetivos
com o lugar e revelam um certo orgulho coletivo. Também no
Porto se encontram as ilhas, como imagem coletiva identitá-
ria de uma população desfavorecida, trabalhadora e sobre a
qual a cidade se desenvolveu. Nelas se reconhece a vida pe-
culiar levada pelos habitantes nos espaços de encontro e pas-
sagem ou nas funções habitacionais que necessariamente
têm de partilhar. No entanto, o que se pretende agora, e que
este modelo baseado no cronos indica, é uma densidade bem
desenhada. Aliando este plano ao das Supermanzanas come-
ça-se a entrar num plano que visa a proximidade e a escala
humana como base de desenvolvimento, que aliado a políti-
cas eficazes habitacionais, como acontece em Viena, garante
a distribuição adequada das funções.
Partindo do corpo como unidade básica da cidade, interessa
descortinar o que faz as pessoas ‘usar’ a cidade. Jan Gehl dá-
nos um retrato disso pela sua apreciação contínua da ativi-
dade humana na apropriação do espaço público.
118 Jacobs, Jane (1961) The Death and Life of Great American Cities. Ran-
dom House, Nova Iorque
Para uma Resposta de Vida Urbana
115
rios, com diferentes funções, maximizando o seu uso e poten-
cial – é o caminho a seguir.
Os problemas relacionados com a sustentabilidade urbana
estendem-se para além das questões ambientais. Para uma
resposta efetiva é necessário olhar a uma sustentabilidade
em todos os setores chave: económica, política e social. Do
ponto de vista social, é necessário criar resiliência nas socie-
dades dando a garantia de participação dos cidadãos ativa-
mente na construção da sua cidade e garantir uma melhoria
generalizada do seu bem-estar. É com este objetivo que é
importante garantir o acesso à cidade por todos. Isto quer
dizer que, é de extrema importância dar oportunidade de
usufruto do espaço público por todos. A cidade não pode dar
respostas com base no poder económico de cada um, aí come-
Figura 141 - À Procura da Cidade Sau-
dável, 2021
116
ça a segregação. As atividades no espaço público não podem
todas implicar “gastar dinheiro”, a partir desse momento
está a condicionar o acesso de uma grande franja dos seus
habitantes. É, portanto, uma das respostas que a cidade resi-
liente tem necessariamente que dar. Ter uma cidade que
oferece espaços para todos é, por exemplo, uma das formas
de combater a gentrificação e turistificação de zonas centrais,
que por norma atraem atividades económicas desproporcio-
nalmente caras afastando os habitantes autóctones, não só
das habitações, mas também, dos espaços públicos uma vez
que começam a perder a atratividade. Se, no entanto, houver
uma resposta adequada do espaço público, que o torne atra-
tivo, quer por caraterísticas naturais associadas a vegetação,
quer pela implementação de atividades culturais de livre
acesso, e algum comércio que possa responder às necessida-
des dos locais, a vida na rua é garantida, mesmo quando o
turismo sofre uma baixa.
Uma cidade centrada na cultura será uma cidade de resis-
tência e com espaço para todos. A cultura não corresponde a
um nicho, é, muito pelo contrário, o fator unificador de uma
sociedade, são os costumes, conhecimentos, língua e hábitos
comuns a todos os estratos sociais que se traduz de várias
formas, nomeadamente na arquitetura. Apostar na cultura
tem a ver com a salvaguarda da identidade das cidades e a
inclusão social. A promoção da criatividade e inovação no
desenvolvimento urbano através da cultura deveria ser aco-
lhida como recurso para o desenvolvimento sustentável e até
para promoção de estratégias relacionadas com a ação ambi-
ental.
Para aumentar as possibilidades de atrair as pessoas para a
rua e induzir aos bons hábitos de saúde da caminhada exis-
tem, de facto, vários fatores a considerar no desenho da rua.
Para uma Resposta de Vida Urbana
117
Enquanto os atributos físicos têm diretamente a ver com o
desenho da rua, o nível de conforto, as proporções e espaços
disponíveis para as pessoas de uma forma muito racional, a
qualidade do desenho urbano implica a complexidade da di-
mensão social. A criação dessa atratividade do espaço que
fica patente na sua oferta diversificada de acontecimentos
aliada aos aspetos físicos induzem às sensações individuais.
Com a continuidade, ou seja, com a resistência e confiabili-
dade nesta imagem da cidade desenvolvem-se os comporta-
mentos de caminhada. Este comportamento tem a ver com
um padrão e não uma ação momentânea, é a construção de
um novo modelo de mobilidade urbana assente nos pés.
Figura 142 - O que ajuda a definir o
"grau" de caminhabilidade da rua,
Ewing e Handy, 2009
118
Partindo deste ideal é necessário, antes de mais, estabelecer
uma hierarquia para o desenho das ruas do futuro, exigindo
um novo olhar sobre os valores da cidade coletiva. Dessa
forma, os novos princípios orientadores deveriam inscrever-
se numa ordem que orienta o corpo humano como primeiro
veículo de mobilidade.
1. Retirar os espaços de estacionamento e devolvê-los ao usu-
fruto das pessoas com jardins ou outros programas coletivos.
2. Reduzir o volume de tráfego motorizado.
3. Reduzir a velocidade de circulação motorizada.
4. Tratar interseções e gerir tráfego.
5. Redistribuir o espaço afeto à circulação motorizada.
6. Implementar pistas cicláveis.
7. Converter passeios em espaços partilhados entre peões e
ciclistas.
Esta forma de definição de medidas a tomar, deve ser inseri-
da quase como cuidados primários a qualquer rua, adaptan-
do a situação a cada caso. Da mesma forma que se realizam
os primeiros socorros descartando cada possibilidade de sal-
vação até às mais drásticas, o mesmo é necessário, com ur-
gência para as cidades. Então, se não for pertinente retirar o
carro, é importante descer nesta lista e perceber qual o passo
a seguir possível.
Para uma Resposta de Vida Urbana
119
Como já foi referido em capítulos anteriores, a mobilidade
pedonal não é a única resposta, nem pode ser, para os pro-
blemas de mobilidade. Além dos transportes coletivos, um
dos mais óbvios meios de transporte são as bicicletas, porém
existem outros modos de mobilidade leve ou micromobilida-
de, que não chegam a exigir esforço físico por serem movidos
a energia elétrica.
Contando com os efeitos diretos no desenho da cidade, as
vantagens de uma cidade caminhável e ciclável vai para
além da eficiência redobrada dos espaços públicos e transpor-
tes coletivos. Ajuda à redução da desigualdade social, uma
vez que o transporte individual deixa de ser visto como um
fator de elitismo, reduz o risco de acidentes graves pela cal-
ma do trânsito e ainda implica custos muito mais reduzidos
de infraestruturação e manutenção das vias119.
119 MUBi - https://mubi.pt/
Figura 143 - Aspetos chave a ter em
conta para a rua caminhável, Webi-
nar The Future Design of Streets,
julho 2020
120
SÍNTESE
Procura-se para a cidade do Porto:
Aproximar a Cidade do ideal de Cidade Saudável com a
pretensão de melhoria generalizada das condições de vida do
ponto de vista da saúde e do ponto de vista da vitalidade ur-
bana. Pressupondo a expansão dos percursos com vegetação
para formar uma rede de verde urbano associado a transpor-
te público e a espaços de fruição com serviços, fomentando o
crescimento económico ao mesmo tempo que oferece opções
de usufruto do espaço público por todos. O objetivo será tam-
bém o contágio e ativação das envolventes para a construção
efetiva e fortificada dessa rede de verde por toda a cidade.
Integrar o Bairro na cidade através da rede de verde, ante-
riormente mencionada, que penetra no bairro com o objetivo
de desenvolver a sustentabilidade social e ambiental local.
Esta contribui, ainda, para a melhoria das condições de saú-
de dos habitantes locais com carências tanto socioeconómicas
como de acesso a boas condições de saúde; ativar as qualida-
des identitárias das Fontaínhas (fomentar espaços culturais,
de convívio, lazer, recriação e discussão; tornar o espaço pú-
blico acessível a todos e complementar à habitação; O espaço
comunitário deve ser projetado com critérios sustentáveis,
prevendo espaços para diferentes idades, adequando aos usos
e aos diferentes usuários: para adolescentes, lugares de jogo
próximos aos acessos; para as crianças, espaços mais res-
guardados; e para as pessoas mais velhas, áreas mais tran-
quilas.
Para uma Resposta de Vida Urbana
121
Devolver a Rua aos habitantes, diminuindo a presença do
carro e tornando a rua atrativa, com a intensão de criar ruas
e espaços seguros, livres de poluição do ar e sonora e diminu-
ir a desconfortável sinalética para o trânsito motorizado que
ocupa, sobretudo, os passeios. É necessário reforçar as áreas
de pedestres como uma política urbana integrada para de-
senvolver cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis.
Igualmente urgente é reforçar a função social do espaço da
cidade como local de encontro que contribui para os objetivos
da sustentabilidade social e para uma sociedade democrática
e aberta. A cidade deve deixar o convite a caminhar, andar
de bicicleta, sentar, permanecer. A rua é o espaço e o cami-
nho, é o ficar e o circular, é nesta dupla funcionalidade que
reside a sua singularidade, nenhuma deve ser deixada em
detrimento da outra. Uma grande parte da vida urbana re-
sume-se nos espaços de articulação entre a rua e o edificado
envolvente. As fachadas cegas são um problema de saúde
urbana, o rés-do-chão desativado dá origem a uma rua doen-
te. Melhorar as infraestruturas de mobilidade como anteri-
ormente abordado e reabilitar os espaços que definem a rua é
urgente.
Não é aqui apresentado um projeto finalizado e detalhado
por dois motivos fundamentais: o primeiro relacionado com a
dimensão programática e problemática que engloba um pro-
jeto nestas 3 escalas que, no fundo, se trataria de 3 projetos
distintos; e o segundo ponto tem a ver com a defesa da Parti-
cipação como estratégia base para construção da cidade. A
realização de um projeto na íntegra anularia este aspeto.
Trata-se, portanto, de uma proposta geral de intervenção
com um nível de detalhe adequado a cada escala, que funcio-
na como indicador de práticas de ativação do potencial urba-
no.
Para uma Resposta de Vida Urbana
123
CIDADE | BAIRRO | RUA
PROPOSTA A 3 ESCALAS
“E se todo o mundo é composto de mudança,
troquemos-lhe as voltas, que inda o dia é uma criança.”120
120 “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, José Mário Branco
[Poema original de Luís Vaz de Camões]
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
124
Figura 144 - A Cidade Saudável - agregando as
Supermanzanas, Madrid Central, Copenhaga
Finger Plan, Viena Green City e Paris cidade de 15
minutos, da autora, 2021
Aproximar a Cidade
127
APROXIMAR A CIDADE
“Se a cidade mudou, parece ter mudado muito mais a forma
de ser vivida. O que mais chama a atenção relativamente ao
que se passava há 15 ou 20 anos, é o elevado número de pes-
soas que estão presentes no espaço público, em circulação ou
paradas a conversar, por exemplo numa das muitas esplana-
das, observando e sendo vistas a todas as horas do dia, seja
no percurso para o trabalho, a fazer compras, procurando
serviços, ou em lazer, motivo este que cresce de importância e
se prolonga noite dentro.” 121
121 Pinto, Jorge (2020 Junho) A retoma no Porto depois da Pandemia. O
TRIPEIRO. 7ª Série – Ano XXXIX – Nº6
Figura 145 - Princípio orientador da pro-
posta - aproximar os extremos da cidade
(sobretudo este e oeste), 2021
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
128
PORTO DE ENCONTRO
O que mudou no Porto do século XXI? Por um lado, a cidade
ganhou uma maior visibilidade internacional graças, não só
ao impulso gerado pelo turismo, mas também graças ao con-
texto académico cada vez mais reconhecido. O movimento
nas ruas aumentou, portanto. Turistas, imigrantes e estu-
dantes, contribuem para esta vida ativa das ruas, aumen-
tando o movimento nas zonas naturalmente mais atrativas
da cidade, junto às linhas de água e junto aos espaços verdes.
Por outro lado, estes movimentos geraram maiores desigual-
dades entre o centro histórico e a envolvente, assim como,
entre ocidente e oriente. No centro, a cidade voltou-se para o
turismo com a promoção do alojamento local massivo e com o
comércio cada vez mais direcionado neste sentido. Ao mesmo
tempo que isto acontece, o comércio e habitação que não con-
segue subsistir neste sistema no centro dá origem a edificado
devoluto ao lado de grandes empreendimentos turísticos.
Denota-se ainda uma ineficiência nos modos de circulação,
quer de resposta local, como de resposta às vagas turísticas.
A mudança do paradigma de mobilidade é necessária tendo
também em vista a melhoria da qualidade ambiental urbana.
Esta mudança só é possível com uma cooperação efetiva en-
tre os municípios da área metropolitana do Porto para res-
postas eficientes, sobretudo no que toca aos transportes pú-
blicos. As visões sectoriais deste território numa visão de
competitividade não ajudam a um desenvolvimento forte de
toda a área norte e ao crescimento harmonioso de novas po-
laridades urbanas na contiguidade do município central do
Porto.
Apesar destas conturbações, foram resilientemente resistin-
do os bairros tradicionais e a paisagem da cidade garantindo
o caráter e identidade da cidade. São estes aspetos que a ci-
dade precisa preservar e ampliar, o valor dos lugares atribu-
Aproximar a Cidade
129
indo renovada vitalidade nos casos necessários, não deixando
que os espaços verdes e de socialização sejam tomados pelo
carro, pela sua valorização e expansão e pela mudança dos
padrões de circulação.
Figura 146 - Parque Ocidental e Par-
que Oriental, 2021
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
130
A CMP apresenta no novo PDM de 2021 fortes intenções de
implementação de medidas para o incremento dos modos
suaves; com a ambição de pedonalizar a baixa e o centro his-
tórico e vários dos tecidos adjacentes e desenvolver uma su-
perestrutura de ciclovias intermunicipais, aliando a estas
medidas a melhoria dos transportes públicos na sua forma,
quantidade e qualidade, nomeadamente da infraestrutura
disponível para mobilidade do autocarro e do metro com a
inserção prevista de novas linhas. No entanto, estas medidas
ainda se mostram incipientes, por trás do discurso dissuasi-
vo. Os acessos internos de ligação este-oeste da cidade, além
de não oferecer muitas opções, não se coadunam com as ci-
clovias existentes e apenas na Avenida da Boavista, no per-
curso ribeirinho e na rua da Constituição é prevista a sua
implementação, comprovando a dificuldade de realização de
percursos no sentido longitudinal da cidade.
Figura 147 - Ciclovias do Porto, dados do
PDM provisório, outubro 2020
Aproximar a Cidade
131
A pedonalização da baixa poderia ser extremamente vantajo-
sa para uma saída confiante do período pandémico, com uma
forte aposta renovada no comércio local dirigido também pa-
ra as necessidades da cidade e para o usufruto dos habitan-
tes e não apenas dos turistas. A zona central ficou deserta,
sem turistas nem habitantes durante o período pandémico e
de confinamentos, vulnerabilizando o centro icónico da cida-
de. Mas estas medidas de reestruturação profunda da mobi-
lidade no centro não foram postas em prática antes da “rea-
bertura” da cidade e, portanto, é mais uma vez atrasado este
ideal de proximidade ao plano de Madrid Central ou das Su-
permanzanas. É de realçar que as áreas de vegetação na ci-
dade destinadas à fruição coletiva são escassas mesmo tendo
em conta o tamanho moderado da cidade e uma parte delas
não são convidativas à realização de atividades no exterior
ou simplesmente como área de estar, muitas delas atraves-
sadas ou rodeadas por vias de grande tráfego automóvel não
são capazes de oferecer a calma e segurança desejados para o
uso destes espaços. Por se terem convertido em “ilhas verdes”
torna-se difícil que atividades comerciais se fixem no entorno
inibindo assim mais uma vez o potencial atrativo do espaço.
Figura 148 - Espaços Verdes do Porto,
dados do PDM provisório, outubro 2020
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
132
O intuito desta intervenção não será introduzir demasiados
elementos e infraestruturas novos à cidade mas sim reabili-
tar ruas, estradas, largos, jardins e áreas em especulação
incidindo nas pequenas intervenções com base na participa-
ção local fixando urbanismo tático como suporte de toda a
intervenção para aplicar a esta proposta geral o ideal conce-
bido com “cidade de 15 minutos” e as Supermanzanas com os
interstícios dos quarteirões renovados pelos habitantes, com
vista à redução do trânsito motorizado como em Madrid Cen-
tral, criando percursos de vegetação contínua com medidas à
semelhança de Copenhaga e Viena baseando os seus circui-
tos de mobilidade em percursos de verde urbano e não dei-
xando de parte medidas no que toca a uma habitação de res-
posta mais ampla e diversificada para uma população dife-
renciada de acordo com o modelo de Viena.
Figura 149 - Aproximar as polaridades
geográficas da cidade, 2021
Aproximar a Cidade
133
A ESCALA URBANA
Tendo em conta os conceitos e referências apresentados a
proposta para o Porto é que se realize um conjunto de corre-
dores saudáveis através de métodos participativos invocando
as metodologias do Urbanismo Tático para que a sua imple-
mentação seja efetiva e rápida podendo partir de inquéritos,
workshops ou outras atividades para auferir as dificuldades
locais dos habitantes da cidade e também, com a ajuda dos
métodos vanguardistas de recolha de dados, perceber exata-
mente como atuar. Tendo em vista a premissa de criar pro-
ximidade e densidade na cidade através de gestos integrado-
res e equalizadores, esta proposta visa a aproximação dos
extremos ocidental e oriental da cidade, beneficiando três
percursos principais dedicados preferencialmente à mobili-
dade suave com vista a favorecer o sistema de verde urbano
conectando os dois parques da cidade.
“Uma cidade é uma organização multifuncional e mutável,
uma tenda para muitas funções, levantadas por muitas mãos
e com velocidades relativas. A especialização completa, a ma-
lha final, é improvável e indesejável. A forma deve ser, de
alguma maneira, não comprometedora, plástica para os obje-
tivos e percepções dos seus cidadãos. No entanto, há funções
fundamentais das quais as formas da cidade devem ser ex-
pressivas: circulação, principais usos do território, pontos
chave focais.” 122
Além disso, com o fomento do uso dos espaços públicos, re-
qualificação de espaços existentes no caminho e integração
de novos, é expectável o revigoramento e aparecimento do
comércio local, a reabilitação e reabitação de zonas mais de-
gradadas e o contacto próximo com bairros mais isolados ofe-
122 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.
P.91
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
134
recendo a cidade a todos os seus habitantes e desta forma
fomentando a diversidade que cria sistemas de resiliência.
Trata-se de uma proposta de Sistema de Verde à escala da
cidade para promoção de um estilo de vida mais ativo, com
incentivo ao uso dos transportes públicos (com uma rede for-
tificada de transportes e nódulos intermodais) e de apoio a
maior sustentabilidade económica através do fomento de ati-
vidades e comércio ao longo dos eixos principais (preferenci-
almente de resposta aos habitantes da cidade, não uni-
vocacionado para as tendências turísticas). Os 3 eixos são
definidos, sobretudo, pela Circunvalação; pela Avenida da
Boavista; e pelo contacto com o rio Douro.
Figura 150 - As zonas afetas a cada per-
curso, 2021
Aproximar a Cidade
135
Ao mesmo tempo oferecendo finalmente à cidade as Boule-
vards que nunca passaram do papel (Circunvalação e Boavis-
ta) à semelhança da Haussmann em Paris ou do anel de ver-
de em Viena. A cidade encontra-se dividida sobretudo pelas
infraestruturas viárias que a corta em fragmentos dificul-
tando acessos. Se, por um lado, se quer chegar mais rápido a
todo o lado, por outro, vê-se impedida a possibilidade de rea-
lizar distâncias tão curtas como a travessia de uma rua, quer
transversalmente quer longitudinalmente. É o exemplo das
autoestradas e vias rápidas e outras vias que acabam por
limitar fortemente a circulação pedonal. Este tipo de circula-
ções facilmente acabam por dar origem a espaços residuais,
muitas vezes abandonados, impulsionadores de comporta-
mentos marginais e com difícil projeção de uso. Ao focar em
vias tão movimentadas como a Circunvalação, a Avenida da
Boavista, a zona da Constituição, a Avenida 25 de Abril, e
toda a frente ribeirinha, busca-se exatamente devolver a es-
tes grandes eixos a dimensão humana, em algumas zonas
constrangedoramente perigosos para a vida que continua a
resistir - é o caso dos cruzamentos na Circunvalação; outras
vezes perigosamente isolados – como acontece em alguns
tramos da frente ribeirinha e na Avenida 25 de Abril em cer-
tos horários.
A proposta assenta na redefinição dos padrões de mobilidade
do Porto, assim como na criação concreta de um sistema de
verde para a cidade ao mesmo tempo que cria proximidade
para uma cidade assente na mobilidade sustentável e na au-
tonomia de cada um para as suas deslocações. Desta forma, o
projeto pretende beneficiar um grande gesto de ligação
transversal da cidade tendo como pontos A e B deste cami-
nho: A – O Parque Ocidental da Cidade e; B – O Parque Ori-
ental da Cidade. Este traço atravessa toda a cidade, rasgan-
do através das várias camadas existentes de tecido urbano e
percorrendo todas as épocas que perfazem a cidade do Porto.
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
136
Na sua génese não está a separação da cidade, mas, muito
pelo contrário, criar espaços de continuidade, comunicação e
trocas, através de estratégias de proximidade, renovando,
reabilitando e, pontualmente, edificando. A criação destes
canais pressupõe assim a contaminação positiva das ruas e
espaços envolventes no decorrer do processo.
“Uma estrutura de percursos deve ter uma certa simplicidade
na forma para criar uma imagem prezada. Simplicidade
num sentido topológico, em vez de um sentido geométrico, é
requerida.” 123
123 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.
P.98
Figura 151 - Esquissos de estudo dos
3 percursos, 2021
137
1 – Caminho de contacto com a água, de compreensão da frente marítima e
da frente ribeirinha da cidade. Passa pelo Castelo do Queijo, Avenida de
Montevideu e Avenida Brasil na frente marítima, o Jardim do Passeio Ale-
gre na foz, a Rua de Sobreiras, Rua do Ouro, a zona da Alfândega seguida
da Ribeira, com continuidade pela Avenida Gustavo Eiffel e por Campa-
nhã, pela frente do rio das fábricas antigas.
2- Caminho central é o mais curto, que atravessa diferentes períodos histó-
ricos, que se mistura com a malha urbana, passando por importantes pon-
tos da cidade, Boavista, Praça Mouzinho de Albuquerque, Ramada Alta,
Constituição, Marquês, Avenida e Ponte 25 de Abril, Corujeira e Monte da
Bela integrando estes bairros periféricos da cidade para lhes facultar faci-
lidade de acesso à cidade.
“Entrelaçamento – Serve, tal como o processo de truncagem, para interligar o
espaço próximo e o espaço remoto. Assim como uma rede de borboletas manejada
com destreza apanha a borboleta distante, também o entrelaçamento aproxima
de nós a distância, insere no nosso espaço próximo uma cena longínqua, particu-
larizando-a, obrigando-nos a uma observação detalhada daquilo que, através da
sua trama, coloca mais perto de nós. As suas aplicações são evidentes; aproxima
de nós a paisagem ou a cidade longínquas e permite selecionar ou rejeitar ima-
gens com uma determinada finalidade.”124
124 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 41
Figura 153 - Percursos principais, percursos secundários, espaços coletivos de relevo e localização das Fontaínhas, 2021
Figura 152 – 3 canais principais a beneficiar e velocidades de realização em modalidades diferentes, 2021
Aproximar a Cidade
139
sais. Desta forma, são sugeridos também percursos transver-
sais de contágio positivo e da ação contínua de regeneração
desta proposta. O objetivo é de integrar mais áreas verdes já
existentes neste Sistema de Verde urbano por forma a valo-
rizá-las. Além da conexão em pontos nodais estratégicos com
os 3 canais de verde principais. Na circunvalação no Viso, em
Montes Burgos, no Amial e na Areosa; no percurso central
em Fonte da Moura, Ramada Alta, R. Constituição com R.
Antero de Quental e o Marquês; no percurso de contacto com
a água no Bairro Rainha D. Leonor, na Alfândega, na Ribeira
e nas Fontaínhas. Estes percursos ainda deixam de lado
muitos bairros e zonas da cidade, mas uma mudança destas
implica uma atuação progressiva e persistente ao longo de
vários anos.
141
INTEGRAR O BAIRRO
“A vita activa, ou seja, a vida humana na medida em que se
empenha ativamente em fazer algo, tem raízes permanentes
num mundo de homens ou de coisas feitas pelos homens, um
mundo que ela jamais abandona ou chega a transcender
completamente.”126
As Fontaínhas acabaram por surgir como ponto de enfoque a
partir da proposta à escala urbana de Boulevardização do
Porto. Estas duas propostas de intervenção não surgem se-
paradamente, mas de forma complementar. A base ideológica
para a construção da Cidade Saudável, resulta tanto quanto
for capaz de se adaptar e inserir ao nível do bairro. Daí tor-
nou-se pertinente reconhecer os problemas de saúde mais
relevantes atualmente e onde potencialmente poderão mos-
trar-se mais debilitantes devido a vários fatores e, portanto,
dificultar uma vivência saudável do bairro. As Fontaínhas
mostraram ser um desses pontos de fragilidade, mas também
de enorme potencial.
126 Arendt, Hannah (1957) A Condição Humana. The University of Chica-
go, 10ª edição (2007), Rio de Janeiro
Figura 154 - Centro Histórico, Baixa e
localização das Fontaínhas - ainda na
área considerada histórica, na parte
nascente, PDM, 2021
145
Levantamento de problemas de desenho urbano
01 – Passeio das Fontaínhas – apresenta passeios muito es-
treitos com menos de 1m de largura, praticamente todo o
espaço é pavimentado com asfalto. Nem as árvores têm can-
teiros adequados e tem sempre carros estacionados.
02 – Passeio das Fontaínhas junto à ponte – continua a ser-
vir de estacionamento. Existem duas esplanadas que são
diariamente montadas no espaço que for deixado livre pelos
carros.
03 – Asilo Portuense da Mendicidade em estado de abando-
no.
04 – Muro do Abrigo dos Pequeninos - edifício em estado de
abandono.
05 – Alameda/ Passeio das Fontaínhas, zona central, onde se
insere a fonte com falta de clareza funcional e servindo tam-
bém de estacionamento.
06 – Pequeno largo na Rua de Gomes Freire sem qualifica-
ção.
07 – Largo do Padre Baltasar Guedes – com função primor-
dial de estacionamento.
08 – As ilhas que ainda apresentam problemas de várias
ordens: acessibilidade, qualidade construtiva, isolamento,
iluminação, necessidades sanitárias.
09 – Os rés-do-chão de acesso público (que não são muitos)
mortos.
10 – Largo do cruzamento da Rua do Barão de São Cosme
com a Rua de Joaquim António de Aguiar que poderia ofere-
cer maior funcionalidade ao bairro estando numa zona cen-
tral e não apenas embelezar.
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
146
11 – Praça da Alegria – a precisar de revitalização através de
um olhar para as funções primordiais.
12 – Largo Camarão – à entrada da Rua de São Víctor – ser-
ve apenas como estacionamento.
13 – Recinto da Rua Nossa Senhora das Dores pobremente
aproveitado e com a maioria do espaço dispensado para esta-
cionamento
14 – Largo elevado na Rua de São Dionísio com acesso por
escadaria à Praça da Alegria (em frente à entrada para a
Escola da Alegria) dedicado ao estacionamento automóvel.
Como já foi referido anteriormente, apesar das Fontaínhas se
localizarem no centro da cidade, é uma área maioritariamen-
te dedicada à habitação com algum equipamento coletivo,
sobretudo no seu limite oeste, na Rua das Fontaínhas, fugin-
do à escala do bairro. Este equipamento, além de um hospital
e lar da Misericórdia, agrega sobretudo complexos escolares.
Figura 157 - Equipamentos Coletivos,
Fontaínhas, PDM, 2021
147
Figura 158 - Levantamento das tipologias habitacionais não convencionais, equipamentos coletivos, rés-do-chão acessíveis e atividades de exterior
149
A rua de São Victor é um parque de estacionamento uma vez
que basicamente é usada pelos habitantes para deixar o carro,
não é um eixo de passagem essencial para chegar do ponto A ao
B. Esta rua foi originalmente feita pedonal para interação soci-
al partilha e desenvolvimento de uma vida comum de bairro
entre os moradores. Mas esta visão, acaba por ser generalizada
por todo o bairro. Em nenhum sítio há exigência de pagamento
de parque, portanto, toda esta área é usada como estaciona-
mento, não só pelos moradores, mas por pessoas que trabalham
na área central da cidade. Este cenário acaba por relegar para
o carro uma presença esmagadora. Os passeios são extrema-
mente curtos como é comum no Porto, fazendo com que seja
desconfortável caminhar. Além disso, todos os espaços com al-
guma amplitude, se não possuem qualquer tipo de qualificação,
são ocupados pelo carro. Noutros casos, como na Praça da Ale-
gria, os espaços isolam-se em autênticas ilhas, com a circulação
rodoviária e os muros feitos de carros no entorno.
As paragens de autocarro encontram-se na periferia do bairro,
tratando-se de uma zona de alta acessibilidade dentro dos pa-
drões da cidade. Os lugares de estar centram-se em 3 espaços
dentro do bairro: Praça da Alegria, Passeio das Fontaínhas e
largo da Rua Nossa Senhora das Dores, sendo este último fran-
camente subutilizado por falta de atratividade do espaço.
Figura 159 - Espaços destinados às diferentes mobilidades em circulação e parados
Integrar o Bairro
151
continuam a priorizar os deslocamentos considerados obriga-
tórios (residência-trabalho) não considerando deslocamentos
mais complexos e associados às tarefas domésticas, a maior
parte das vezes deixadas a mulheres, demonstrando mais
uma vez como o urbanismo não comtempla a mulher no seu
desenho.131 A forma do bairro poder ajudar a responder a
estas questões, está na aposta na proximidade de serviços no
seu interior.
Para evitar os conflitos espaciais que surgem em decorrência
da rutura dos domínios tradicionais do homem e da mulher,
e, para conseguir a repartição igualitária do tempo, do traba-
lho e da família, são necessárias estruturas urbanas que
permitam e facilitem que ambos escolham livremente como
organizar suas vidas.
“A segurança e a perceção da cidade são muito diferentes
para as mulheres, para os homens, para as crianças e para os
mais velhos, de maneira que é importante que se conheçam as
suas experiências ao planear espaços públicos. Usos, limites,
transparência, visibilidade e iluminação são variáveis que
devem ser levadas em conta de acordo com as experiências de
todos os intervenientes na vida urbana.” 132
Sendo o espaço deste bairro densamente equipado com esco-
las, faz sentido olhar também, aos percursos realizados pelas
crianças. Muitos dos trajetos para a escola estão repletos de
obstáculos que não tornam o caminho seguro, inibindo a au-
tonomia da criança para realizar o percurso sozinha em ida-
des mais avançadas. E independentemente da sua idade, de
maneira geral, a sua sensação de segurança é diminuída e a
sua vontade de usufruto do espaço público também.
131 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona
132 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
152
A ESCALA DO BAIRRO
A proposta de integração do bairro na cidade, desenvolve-se
na dualidade de garantir a saudável vida de bairro confortá-
vel para os seus habitantes. Longe dos ruídos e azáfama ur-
bana, ao mesmo tempo que se formam vínculos de conexão
com a cidade, fazendo deste bairro um ator participador da
vida ativa urbana. As Fontaínhas poderão, assim, ser o labo-
ratório experimental de observação e exemplo das novas di-
nâmicas de vida urbana a expandir pela cidade.
Esta aproximação ao bairro estabelece-se em 3 níveis que se
interrelacionam com a cidade sustentável, a cidade inteli-
gente e a cidade humana. O nível do subsistema de verdes
assente na valorização de espaços disfuncionais, degradados
ou com funções prejudiciais para a vitalidade do bairro de
forma a oferecer novos espaços de promoção da vida de rua
para que as crianças brinquem no exterior e os mais velhos
possam usufruir do espaço público. Este subsistema conecta-
se com o sistema maior dos 3 canais de verde contínuo urba-
no; O nível de desenvolvimento de novos padrões de mobili-
dade para aumento do espaço público disponível para usufru-
to dos habitantes, melhoria das condições de saúde generali-
zadas e do bem-estar de todos integrando o bairro na cidade
em detrimento da presença massiva do carro (encaminhado
para os locais apropriados), devolvendo a rua aos habitantes.
E por fim, o nível relativo ao desenvolvimento social susten-
tável, assente na aposta cultural e educativa desta área como
bairro de cultura de referência, associado à preservação do
património humano do Porto.
Integrar o Bairro
155
portanto, não é permitido o estacionamento nem a sua circu-
lação a velocidades superiores a 30 km/h garantindo a prio-
ridade dos restantes meios de transporte em segurança.
Ao manter a circulação motorizada nestas ruas garante-se a
continuidade de acesso de qualquer tipo de transporte aos
equipamentos dentro do bairro. As escolas continuam a ter
um acesso rodoviário - a escola do Sol pela Avenida do Duque
de Loulé, a Escola da Alegria pela Rua de São Víctor, o Colé-
gio dos Salesianos pela Rua do Duque de Saldanha e as res-
tantes mantêm os mesmos acessos (excluindo o acesso ao
estacionamento privado do Colégio de Nossa Senhora da Es-
perança, que terá que incluir um acesso pela Rua das Fonta-
ínhas, por forma a libertar a zona do largo N. Sra das Dores,
onde se localizam os bairros sociais de São Víctor).
Na restante área apenas poderão circular veículos destinados
à micromobilidade, ou modos leves, de emergência, recolha
de lixo, e cargas e descargas. Do Passeio das Fontaínhas até
à Avenida Gustavo Eiffel é proposto que toda a área se torne
pedonal. Esta transformação não pretende criar um distan-
ciamento entre o passeio e as hortas, mas desenvolver novas
formas de conexão, nomeadamente no que toca à melhoria
dos acessos entre as duas cotas. A ideia é que, à semelhança
do Jardim das Virtudes, as diferenças de cota não se tornem
segregadoras dos espaços, mas, pelo contrário, um motivo de
desenho destes jardins, valorizando a presença das hortas
em consonância com os espaços de recreio, com a segurança e
calma que a ausência do carro permite.
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
156
Na Praça da Alegria o trânsito motorizado apenas passa no
lado norte desta praça triangular, permitindo que toda a
área no entorno direto da escola da Alegria se torne mais
segura e com a possibilidade de desenvolvimento de ativida-
des escolares que se estendam para lá do recreio, para a pra-
ça. Ao mesmo tempo, uma grande parte da área da praça é
devolvida aos usos pedonais permitindo a valorização do es-
paço total, e mais área para a realização do mercado e para
implementação de vegetação de fruição neste ponto tão cen-
tral das Fontaínhas.
O cuidado com a distribuição das funções e serviços, pode ser
a chave para um sistema de mobilidade de sucesso, com a
implementação de serviços de proximidade que não só facili-
tem a mobilidade leve como a tornem a solução perfeita, co-
mo se vê nos esquemas 1 e 2 da figura 159 de um estudo rea-
lizado para um quarteirão dentro de Madrid Central135. São
estas também as premissas da Cidade de 15 minutos – uma
proximidade de todas as funções que convide à caminhada.
Devido à dificuldade de adaptação a diferenças de mobilidade
tão radicais o bairro não deixaria de ter um espaço dedicado
ao estacionamento na Rua das Fontaínhas para servir ape-
nas os moradores do bairro. A mudança dos padrões de mobi-
lidade urbana é absolutamente essencial para uma cidade
realmente saudável. Enquanto no resto da cidade do Porto
apenas se foram encerrando ruas ao longo do tempo e com
uma resposta comercial forte que garantisse a presença de
pessoas nesses espaços (exemplo da Rua de Santa Catarina,
Rua das Flores, Rua de Cedofeita), nunca se deu o passo de
libertar um bairro inteiro do trânsito motorizado. Este é o
desafio que se impõe e que é urgente disseminar. Não só con-
tribui para a saúde pela diminuição da poluição atmosférica
presente no bairro e com a promoção da atividade física pelos
135 http://estudioherreros.com/project/madrid-center-strategic-project/
159
Revalorização e Expansão da natureza no bairro
Para estimular a vida na cidade são necessários percursos
diretos, lógicos e compactos; espaços de modestas dimensões;
e uma clara hierarquia segundo a qual foram tomadas deci-
sões para a escolha dos espaços mais importantes136. Embora
a introdução de vegetação possa contribuir para uma dignifi-
cação do espaço, sobretudo quando apresenta dimensões re-
duzidas, facilmente se poderá cair na presunção de que uma
cidade sustentável está sobrecarregada de vegetação.
“A importância do sistema de verde tipicamente converge pa-
ra a criação de muitos espaços comuns e para tornar os espa-
ços individuais grandes demais. Ruas, alamedas, avenidas,
passagens, terraços, jardins, terraços-jardins, pátios, praças,
parques e áreas de lazer são generosamente espalhados no
momento do planeamento urbano, mas pensando muito pouco
em consequências naturais, em quais são os espaços impor-
tantes, ou até mesmo em que medida é válido construí-los”137.
Assim sendo, sustentabilidade é saber encontrar a medida
certa para cada elemento necessário à cidade, garantindo a
saúde ambiental do meio. Desta forma, proporciona-se um
funcionamento do meio urbano quase orgânico, que numa
situação limite de provação, como o caso de uma epidemia,
pode ser determinante na ajuda para manter o equilíbrio
económico, por espaços bem organizados e equilíbrio mental,
por permitir facilmente o acesso ao exterior, com mínimo
risco.
O sistema de verde das Fontaínhas é o ponto principal de
conexão com o grande percurso de ligação dos parques da
cidade a realizar na proximidade com a linha de água da ci-
136 Lynch, Kevin. 1990. The Image of the City. The MIT Press, New York
137 Gehl, Jan. 2013. Cidades para Pessoas. 2ª edição, Perspectiva. São
Paulo
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
160
dade. Este sistema atinge o seu apogeu, no contexto do bair-
ro, no Passeio das Fontaínhas, devolvendo-lhe a sua identi-
dade de jardim público de passeio e recreação continuando a
beneficiar das vistas sobre o Douro e V. N. Gaia. O objetivo é
que este espaço responda à necessidade de espaços vegetais
na cidade abrindo-se a todos os públicos, enquanto outros
espaços exteriores se desenvolvem mais para a vivência do
interior do bairro. Esta ligação entre o grande sistema e o
subsistema do bairro acontece precisamente pela escarpa,
conferindo-lhe ainda mais destaque e às atividades aqui rea-
lizadas.
Figura 162 - Novos acessos automatizados
previstos entre as duas cotas, PDM, 2021
Integrar o Bairro
161
Pretende-se para a escarpa o prolongamento da horta urbana
aqui existente por todas as áreas degradadas em que seja
possível intervir do ponto de vista humano. O que quer dizer
que, a transformação de toda a escarpa desde os Guindais
até à ponte D. Maria Pia, convertem esta área na maior área
agrícola urbana da cidade. Dado o facto de a escarpa ter pro-
blemas de instabilidade, não é aconselhável que sejam feitas
novas construções nesta área e, portanto, as hortas são sem
dúvida uma excelente alternativa de uso, ou provavelmente o
uso ideal para estes espaços de topografia acidentada.
A aposta na expansão das hortas, é uma aposta no bairro
todo. O desenvolvimento do bairro seguindo um perfil de sus-
tentabilidade pressupõe, em última análise, uma produção
igual ou superior ao seu consumo. Esta é uma das teorias
defendidas pelo conceito da Cidade de 15 minutos. O traba-
lho já realizado de implementação da horta comunitária do
Bananeiro e os resultados patentes pela adesão, são a porta
aberta para a continuidade deste projeto. Além disso, ajudam
à promoção de estilos alimentares mais saudáveis podendo
ser usadas como instrumento de aprendizagem para as cri-
anças e também para os adultos.
Figura 163 - Instabilidade da Escarpa,
PDM, 2021
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
162
“Nas áreas metropolitanas a agricultura com fins ambientais
e paisagísticos, com estatuto e regime de agricultura a tempo
parcial, em pequenas hortas onde apenas uma parte da pro-
dução se destina ao mercado ou em explorações mais extensas
e tecnologicamente mais evoluídas, pode ser, em muitos casos,
um contributo importante para a manutenção dos equilíbrios
ambientais essenciais à sustentabilidade do território para a
qual é indispensável a manutenção de um mínimo de ativi-
dade humana. A manutenção da agricultura nas áreas me-
tropolitanas e na periferia das cidades é fator de qualificação
ambiental do território e condição de persistência dos valores
materiais que contribuem para a criação de ambientes quali-
ficados nas cidades, nas suas franjas de crescimento e nos
territórios metropolitanos.”138
No que toca ao Passeio das Fontaínhas, o objetivo principal é
o de lhe devolver as caraterísticas de jardim de passeio, ali-
ando esta nova relação com a escarpa e toda a sua extensão
desde o Largo Actor Dias até ao Largo do Padre Baltasar
Guedes. Em ambos os extremos, a ligação está bastante insí-
pida, sendo que o acesso ao Largo Actor Dias apenas é possí-
vel pelo parque de estacionamento por baixo da Avenida do
General Sousa Dias, uma vez que a passagem original está
encerrada. Neste ponto de encontro com o largo localiza-se,
também, uma ligação informal, mais perigosa, pela escarpa
entre a cota baixa e a cota alta. A introdução da nova horta
neste ponto tem também o intuito de beneficiar este acesso,
que culmina no ponto alto na ligação entre os Guindais e as
Fontaínhas, sendo um importante ponto de acesso pedonal.
O Passeio das Fontaínhas, além de beneficiar de áreas mais
amplas ajardinadas, veria a sua função de miradouro valori-
zada e teria ainda um programa excecional de uma praia
138 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilida-
de: Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.17
Integrar o Bairro
163
urbana, instalada em frente à fonte, com inspiração no dese-
nho dos antigos tanques e com influência do projeto Madrid
Rio139. A introdução deste dispositivo não se trata de um
aparato, muito pelo contrário, sendo a água, que ainda hoje
corre pelo bairro, uma das caraterísticas do desenvolvimento
das Fontaínhas, a presença de um pequeno lago que nas épo-
cas quentes se converte em praia pública acompanhada pelos
espaços verdes para descanso ao sol, é uma ode à vida desta
zona. Além disso, permite trazer para perto essa distância
que nem todos conseguem fazer até ao rio lá em baixo, bem
mais perigoso. Como se viu anteriormente, vários estudos
apontam para a pertinência da presença de corpos de água
para melhoria das condições de saúde.
Na Praça da Alegria, prevê-se também a introdução de um
espelho de água que traga essa qualidade líquida para este
espaço central, fomentando a sua função primordial de agre-
gação. Função esta que é, também, muito associada ao mer-
cado que aqui existe. No entanto, esta zona carece de um
dispositivo que formalize o mercado que o dignifique e lhe dê
valor renovado. Os guarda-sóis e as áreas de arrecadação
aqui existentes têm funções muito racionalizadas, negligen-
ciando o design associado a uma melhor configuração do es-
paço para que possa comodamente albergar o mercado e con-
tinuar ao mesmo tempo a ter disponibilidade de espaço para
organizar outras atividades, ou simplesmente para a circula-
ção das pessoas. Com a beneficiação do mercado e a aposta
na sua revalorização poder-se-á esperar até, um crescimento
do mesmo (com a aposta crescente nas hortas urbanas a aju-
dar) e, portanto, ser necessário mais espaço. Tendo isto em
vista, uma requalificação que proporcionasse o usufruto con-
tínuo do espaço ao mesmo tempo que oferecia dispositivos de
apoio ao mercado, poderiam ser dispostas no espaço ajardi-
139 https://burgos-garrido.com/project/madrid-rio/
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
164
nado entre a Rua do Barão de São Cosme e a Rua António
Joaquim de Aguiar. Num desenho que oferece continuidade,
ao mesmo tempo qualifica este espaço na sua individualida-
de, e atribui-lhe a possibilidade de novas funções. Atualmen-
te, este largo encontra-se ajardinado e arborizado, o que são
pontos positivos, mas não tira partido da sua diferença de
cota, entre o cruzamento e a pequena via mais alta que per-
mite o acesso a habitações e a uma entrada secundária para
a Faculdade de Belas Artes e acaba por ser um espaço me-
ramente decorativo, quase como um contraponto da função
vegetal que a Praça da Alegria neste momento não consegue
englobar.
À semelhança deste largo, encontram-se outros de dimensões
mais modestas, como espaços residuais, em cruzamentos de
ruas, sem toponímia que o reconheça. É o caso de um espaço
sobrante na ligação da Rua de Alexandre Herculano com o
Passeio das Fontaínhas e um espaço na Rua de Gomes Freire
que segue o Parque Infantil existente. Estes espaços apre-
sentam um forte potencial transformador, ainda para mais
associados a pontos opostos do Passeio das Fontaínhas.
Também na ligação da Rua de Gomes Freire e da Rua de São
Víctor com o Largo do Padre Baltasar Guedes há a pretensão
de inclusão de um espaço de vegetação, como um ponto final
ou marcação do início destes dois eixos, criando desta forma,
um afastamento para o trânsito possível no restante largo.
No lado oposto do bairro, no largo da Rua de Nossa Senhora
das Dores, a implementação da rede de verde, passa a estar
intimamente ligada à existência de uma nova entrada no
bairro, pela localização do estacionamento do bairro no ter-
reno adjacente em direção à Rua das Fontaínhas e de um
novo programa incidindo sobretudo na habitação no seu en-
torno. Será, portanto, um espaço misto de interior de quar-
teirão sossegado, com um movimento (apenas pedonal e de
167
Bairro - Casa Comum, Casa Cultura, Casa Conheci-
mento
As cidades mais compactas mantêm uma relação íntima com
a natureza, são cidades mais conectadas, cidades onde as
pessoas têm uma vida mais integrada. As cidades mais inte-
gradas são mais justas no sentido em que as pessoas têm
acessibilidade aos espaços, aos equipamentos, às instituições.
Os lugares de socializar parecem ter acabado, tudo implica
investimento económico, sobretudo agora, num período em
que se paga por experiências. Faltam lugares de identidade,
sociais, que não estejam ligados ao consumo - direito a luga-
res de ligação entre pessoas.
A juntar a este fator é preciso reconhecer a crescente separa-
ção entre instituições e a sociedade real. A construção da
cultura crítica é um objetivo prioritário. Qual pode ser o pa-
pel crítico de todas as pessoas que têm acesso às esferas do
poder democrático e representativo e percebem a desconexão
entre estas instituições e a experiência da sociedade real: o
ativismo nos bairros, os diferentes tipos de associação, os
grupos auto-organizados de atendimento aos marginalizados,
os grupos alternativos de saúde pública? É possível que esse
papel seja desempenhado por quem goza de certa confiança
de algumas instituições ou que tem possibilidades de inter-
venção na opinião pública e, ao mesmo tempo, é capaz de
defender honestamente as aspirações dos cidadãos, de adotar
uma atitude ética e justa perante os conflitos, defendendo o
fraco e reclamando justiça? Quais são as margens para reali-
zar uma tarefa pedagógica em prol dos cidadãos a partir de
conhecimentos técnicos e de projeto? Como abrir espaços
além da marginalidade, do voluntarismo e do testemunho-
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
168
nhalismo?141 Todas estas perguntas são cruciais para uma
arquitetura com vontade ética, pois a essência da arquitetura
é a mediação, o projeto de futuro que concilie os objetivos e as
possibilidades das administrações com as necessidades e as-
pirações da sociedade.
As Fontaínhas agrega várias escolas, de todos os graus de
ensino, para além da Faculdade de Belas Artes, faz todo o
sentido que a atividade do bairro se desenvolva em torno da
cultura e da educação passando por todas as faixas etárias
num sentido de regeneração pela cultura, preservando o pa-
trimónio cultural e humano do bairro. A maximização da
dotação dos edifícios surge, por exemplo, na possibilidade de
abrir os espaços exteriores das escolas como espaços públicos
fora do horário de funcionamento. É necessário abrir a escola
ao bairro e trazer o bairro para dentro da escola. Pôr as cri-
anças a atuar no meio urbano é uma forma de fazer crescer a
confiança delas e o gosto pelo espaço de habitam e ajudar a
impulsionar o seu uso dos espaços exteriores.
Os exemplos demonstrados na figura 164, têm um caráter
experimental e demonstram formas de reativação dos espa-
ços públicos através de iniciativas culturais e artísticas, que
servem como ilustração de possibilidades concetuais a im-
plementar nas Fontaínhas. A iniciativa Little Free Library,
consiste na criação de pequeniníssimas bibliotecas em armá-
rios na rua em que se pode levar um livro para casa deixando
outro. É um exemplo de iniciativa que abrange não só crian-
ças, mas adultos, e que ajuda a melhorar o ambiente geral do
bairro 142 . Ao contrário, atividades que guiem de volta os
141 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona
142 https://littlefreelibrary.org/about/
Integrar o Bairro
169
adultos à escola, também ajudam a construir ambientes mais
saudáveis.143
O recinto da Rua N. Sra. Das Dores, associado a um novo
dispositivo multifuncional e à nova residência de estudantes
resultante da reconversão do Asilo da Mendicidade, acaba
por ter uma vida mais ativa como pátio central de toda esta
diversidade e ainda assim resguardado. Este espaço, de liga-
ção à cidade – sendo ponto de intermodalidade (car-
ro/bicicleta, carro/ a pé, …) poderá ser uma zona especial de
confluência de jovens. Aqui são apresentados dois exemplos
de transformação temporária dos espaços com vista a novas
atividades culturais abertas a todos. O Cineroleum144 , foi
uma iniciativa de transformação de um posto de abasteci-
mento de combustível para um cinema para a população da-
quela rua de Londres. Para garantir a adesão e revalorização
de uma rua que se encontrava degrada e com sérios proble-
mas sociais, foi chamada à participação toda a comunidade, o
que resultou num ponto de atratividade de toda a rua e todas
as idades.
A estrutura montada no Horst Festival145, como é tradição do
festival, mostra a facilidade de adaptação do uso de um espa-
ço com uma intervenção bastante simples. Apesar do recinto
da Rua N. Sra das Dores ser interior de quarteirão e exigir
uma certa calma nos usos, sobretudo à noite, a sua adapta-
ção para uma noite de cinema ou uma peça de teatro ou para
programas excecionais como o São João, poderá trazer a este
espaço novas vivências e valorização de criação de laços in-
tergeracionais.
143 Ogilvie, R. S., Zimmerman J. (2010) Opening School Grounds to the
Community after hours: A toolkit to increasing physical activity through
joint use agreements. Planning for Healthy Places - Public Health Law e
Policy, California
144 https://assemblestudio.co.uk/
145 https://www.horstartsandmusic.com/archive/2018
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
170
Este novo edifício com duas frentes, uma para a Rua das
Fontaínhas, por onde acedem os automóveis e outra pela cota
alta da Rua N. Sra das Dores, onde apenas se admite deslo-
cações a pé ou através de modos leves, tem como objetivo
responder a vários problemas do bairro. Este é o único ponto
do bairro em que é permitido o estacionamento automóvel e,
exclusivamente, dos habitantes desta área, por forma a dar
resposta a uma mudança suave dos modos de mobilidade. As
oficinas automóveis do bairro terão prioridade de escolha de
mudança para estas novas instalações uma vez que o carro
não é autorizado a circular ou permanecer em quase todos os
espaços do bairro dificultando a continuidade destes serviços.
Aqui garantem a sua exposição numa artéria privilegiada da
cidade a Rua das Fontaínhas. Os espaços libertos por estas
funções, espalhados pelo bairro, poderão ser ocupados por
habitação ou outras formas de comércio ou serviços dando
vida aos rés-do-chão.
Para além de albergar o estacionamento e possibilidade de
espaços comerciais e de serviços, umas das principais funções
deste edifício será albergar habitação social, acessível e con-
vencional. Desta maneira, experiencia-se um novo modelo de
resposta habitacional que dá resposta a necessidades diversi-
ficadas e que tem por base a agregação dos diferentes estra-
tos sociais, baseando-se no modelo de Viena uma percenta-
gem da oferta habitacional deve ser destinada a cada um
destes tipos de habitação. O exemplo do edifício 1111 Lincoln
Road146, surge aqui, como materialização desta ideia de um
edifício não só multifuncional, mas, também, convertível. Isto
quer dizer que, o parque de estacionamento foi desenhado
por forma a poder albergar outros tipos de funções – galeria
de arte, banquetes, concertos, …. É essa versatilidade de uso
146 https://www.herzogdemeuron.com/index/projects/complete-works/426-
450/437-1111-lincoln-road-extension.html
Integrar o Bairro
171
que se pretende neste novo edifício nas Fontaínhas, um dos
aspetos dessa exigência é a ambição da redução do uso do
automóvel e, portanto, que seja necessário cada vez menos
espaço destinado ao automóvel.
A introdução de uma nova estrutura na Praça da Alegria tem
a ver com esta necessidade de revitalizar as tradições que
vão sobrevivendo. Apesar do mercado neste local já ser bas-
tante insipiente relativamente ao passado, há realmente
possibilidades de restaurar essa função que foi dando e con-
tinua a dar vida a este pequeno largo. Uma das formas está
na valorização do trabalho realizado nas hortas comunitárias
a expandir. Esse trabalho com uma prática tão próxima deve
ser transportado quer para as escolas, como forma didática
das crianças lidarem com a terra e aprenderem de onde vêm
os alimentos e como é produzido pelo fomento de uma consci-
encialização para as questões da produção, do custo ambien-
tal, do desperdício e da alimentação. Como deve, também,
servir para a estimulação do mercado local. Além da forma-
ção para as crianças, uma das iniciativas - escola 24h - pode-
ria ser exatamente a aposta na formação dos adultos para o
rico desenvolvimento da escarpa hortícola. Um dos aspetos a
considerar é a instabilidade da escarpa que deve ser tida em
conta na decisão dos produtos a plantar uma vez que as raí-
zes influenciam positivamente ou negativamente a sua esta-
bilidade, dentre outras questões pertinentes. Esta nova es-
trutura inserida na praça tem como principal objetivo a res-
posta ao mercado dignificando-o, mas a sua disponibilidade
permanente faz deste ponto central, pertinente para outro
tipo de usos, quer para apoiar a Escola da Alegria, podendo
albergar atividades ao ar livre cobertas, como até a FBAUP,
como uma galeria de arte exterior, ou poderão ser ainda con-
siderados outros usos. Por este fator, são aqui apresentados o
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
172
exemplo da estrutura desenvolvida pelo atelier OTTOTTO147
para uma feira e uma outra estrutura do Assemble Studio148,
também de forma circular, usada para performances.
O Playing Field149, surge como caso de estudo concetual, para
este importante ponto da proposta, a Associação de Morado-
res de São Víctor. Este projeto surgiu de um interesse de
apelar ao gosto de um público diverso sobre as iniciativas
culturais artísticas. A sua forma assemelhando-se a um es-
tádio de futebol com as bancadas laterais, além de transmitir
uma imagem reconhecível para o público em geral, transmite
também a sensação de descontração de um jogo, que muitas
vezes é afastada da imagem de um ambiente mais pesado do
contexto artístico elitista. A criação desta associação tem,
portanto, como base desenvolver um espaço reconhecível,
acessível e agradável para todos os moradores, por forma, a
todos participarem nas discussões sobre o futuro da rua e do
bairro e a desenvolverem atividades lúdicas e recreativas ao
acesso de todos neste espaço – casa comum.
A introdução de uma estrutura150, como ponto final, na arti-
culação das 3 ruas que desembocam no Largo do Padre Bal-
tasar Guedes, tem em vista, beneficiar este espaço, que pare-
ce abandonado ao descaso, integrando-o numa imagem global
do bairro, seguindo a linguagem das restantes intervenções.
147 https://www.ottotto.pt/
148 https://assemblestudio.co.uk/
149 https://assemblestudio.co.uk/
150 https://www.ottotto.pt/
173
DEVOLVER A RUA
“A liberdade de se poder parar conversar, de reunião, de se
sentir em liberdade no exterior, podem não parecer muito
importantes ao lado dos imperativos do transporte, mas é
uma das razões porque as pessoas vivem em cidades e não
isoladamente – para poderem gozar os prazeres do social.” 151
151 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 130
Figura 165 - O Ritmo da Rua,
Ana Calçada, 2021
175
Um dos grandes problemas no uso do espaço público no Porto
começa com o facto de os passeios terem menos de 1m e o
carro ser ainda o grande protagonista. Este fator torna a vi-
da urbana desconfortável na articulação entre a rua e o rés-
do-chão que lhe dá vida, despoletando as ruas doentes. Tra-
ta-se de uma cidade cheia de oportunidades adormecidas.
Existem imensas fachadas desperdiçadas e o problema come-
ça nos regulamentos que dividem incisivamente o público do
privado não permitindo intervenção no passeio. As últimas
gerações não frequentam a rua, não brincam na rua, não
saem e usufruem do rés-do-chão. A ocupação do piso térreo
introduzindo um programa multifuncional que se abre para a
rua e para a cidade implica a recetividade dos usuários da
rua, dos habitantes, assim como dos proprietários para abra-
çarem novos desafios. Aqui impõe-se a necessidade de parti-
cipação, a base para um bom desenvolvimento do contexto
urbano. Não é possível deixar de fora os atores principais da
vida urbana.
Figura 167 - Planta e corte da parte noroeste (muro
da FBAUP) da Rua de São Víctor
Figura 168 - Planta e corte da parte sudeste (mais
antiga) da Rua de São Víctor
176
A ESCALA DA RUA
Na Rua de São Víctor, eixo principal das Fontaínhas, o espa-
ço público e o espaço privado não são opostos, mas antes
complementares. Quem se propõe a trabalhar no espaço pú-
blico deve necessariamente entrar e entender o espaço priva-
do. O privado também revela o público. A rua é extensa, den-
sa como as ilhas que a compõem e introvertida, falta abrir
espaço de respiro.
A Rua de São Vítor é essencialmente definida por 3 partes
diferentes. A parte norte marcada pelo muro da FBAUP, a
parte central definida pela Praça da Alegria e a parte sul das
ilhas. Dadas estas diferenças, o desenho do verde contínuo
desta rua apresenta exigências diferentes. Na parte norte
fará sentido a expansão do passeio para a zona de estacio-
namento do lado do muro para equilibrar a escala e introdu-
ção de arborização pontual sem obstruir a visão, complemen-
tada com ciclovia no espaço atualmente dedicado ao estacio-
namento na margem oposta. Na Praça da Alegria a Rua de
São Víctor encerra-se ao trânsito motorizado e, portanto,
agrega-se ao espaço da praça permitindo a fluidez entre a
escola e a praça, aumentando a sua área útil. Por outro lado,
no troço sul da rua justifica-se o alargamento dos passeios e
introdução de faixas de verde de vegetação mais baixa e que
poderá ser cuidada pelos habitantes que assim o desejarem.
O leito da rua mantém-se mas apenas com as dimensões mí-
nimas para a passagem de veículos de emergência e cargas e
descargas, sendo a sua função principal de circulação de mo-
dos leves e pedonal.
179
As estruturas de Daniel Buren153 são exemplo de possibilida-
de de criação de uma imagem de continuidade e valorização
dos espaços do bairro, cada um com a sua função. Desta ma-
neira, as 3 estruturas para espaço público apresentadas na
figura 166, apresentam uma unidade pela sua composição e
materialização. A estrutura em Naples154, apresenta-se como
uma cobertura que poderia inspirar a introdução de uma
estrutura de abrigo no largo da Rua de N. Sra das Dores, sob
o qual se poderiam realizar eventos, como os anteriormente
descritos, de encontros interculturais ao ar livre, organização
de noites de cinema ou teatro.
A estrutura para a Praça da Alegria, transporta a ideia do
guarda-sol sempre aberto que aliado a uma estrutura flexível
de sombreamento, serve o mercado conferindo-lhe nova vida
com as cores e luz, sempre com a possibilidade de alternati-
vas de uso. Já no final da rua, na Praça do Padre Baltasar
Guedes, uma outra estrutura pontuando a longitude do per-
curso e a unidade de uma ponta a outra do bairro, poderia
culminar na inserção de uma forma mais didática. Na qual é
possível observar os jogos de luz de perspetivas diferentes,
com elementos verticais e noutras direções, contrapondo as
anteriores que se mantêm num plano horizontal elevado com
as suas funções a realizar sob a cobertura. Esta estrutura
encerra um caráter lúdico de descoberta para crianças e
adultos com lugares de estar e sentar como uma Folie per-
manente.
A associação de moradores na articulação com a Travessa de
São Víctor, insere-se num terreno desocupado, abrindo este
cruzamento, o que proporciona uma área desafogada para os
habitantes da rua. Esta abertura transmite a sensação de
153 https://www.danielburen.com/
154https://danielburen.com/images/artwork/1454?ref=permanent
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
180
ampliação do espaço da própria Rua de São Víctor e traduz-
se num ponto de respiro da forte direção longitudinal da rua.
As linhas dinâmicas do novo edifício contrapõem o edificado
regular da rua atribuindo-lhe o expectável destaque e centra-
lidade com a escala adequada. A ligação à ilha mais próxima
albergando um novo programa, permite uma maior varieda-
de de espacialidades pelo recorte irregular dos limites do
terreno de implantação e pelas diferenças de cotas, o que
permite a organização de espaços de passagem e estar que
enriquecem os exteriores de ligação entre as construções –
nova e velha. A construção do novo edifício pressupõe a cons-
trução e planeamento definitivos com a participação dos ha-
bitantes da rua, com vista ao desenvolvimento de um equi-
pamento que corresponda às suas necessidades reais e, por
forma a promover uma apropriação efetiva por todos, partin-
do de um desenho coerente com o resto das novas estruturas
urbanas no bairro.
A presença de corpos de água aparece de forma pontual nes-
ta proposta em áreas de destaque. A principal o Passeio das
Fontaínhas já abordada, mas também, no largo da Rua N.
Sra das Dores e na Praça da Alegria.
As transformações das Fontaínhas, e ainda mais da Rua de
São Víctor apontam para um urbanismo que é ‘Feito à
Mão’155, é feito de participação local. Responde diretamente
às problemáticas do lugar, é informado na primeira pessoa, e
desenvolve-se em consonância com os ritmos do lugar, fazen-
do-se integrar entranhando-se nos habitantes. É a receita
para a mudança efetiva que se desenvolve em princípios
mais consistentes de sustentabilidade, inclusão e transpa-
rência de meios.
155 Rosa, Marcos L., Weiland, Ute E. (2012) Handmade Urbanism: From
Community Initiatives to Participatory Models. Jovis.
Devolver a Rua
181
Figura 172 – Colagem/Proposta de
regeneração da Rua de São Víctor.
Novos espaços de pontuação da rua:
Largo do Camarão, Praça da Alegria,
Associação de Moradores e Largo do
Padre Baltasar Guedes.
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
182
Para o desenvolvimento do sistema de verde na rua de São
Víctor o plano passa necessariamente por um faseamento
sensível à retirada do carro. O primeiro passo a tomar é a
formalização dos lugares de estacionamento que não estão
assinalados. Além de introduzir ordem no espaço, por haver
uma área destinada a essa função, é mais provável que se
deixe de estacionar em lugares não identificados para esse
efeito (como os passeios). Automaticamente, pela regulação
do espaço a área destinada a estacionamento é, portanto, re-
duzida. Uma vez que o perfil da rua é tão reduzido (entre 8m
e 9,5m), partir para uma opção de segregação dos meios de
deslocação não é viável. A implementação da limitação da ve-
locidade de circulação para 30km/h permite uma maior ver-
satilidade da faixa de circulação para meios de transporte
que necessitam de maiores níveis de segurança, garantindo
que o passeio se destina à deslocação a pé sem interferências.
A este passo segue-se a disponibilização de 1/3 dos lugares de
estacionamento para outros usos. Neste ponto, a participação
local é essencial para uma boa adesão aos novos espaços tipo
parklet que se vão desenvolver ao longo da rua, respondendo
a necessidades e vontades dos habitantes. Esta fase tem um
caráter muito experimental e uma importante componente
social de conexão, entre e, com a população para as trans-
formações a seguir.
Numa segunda fase, é retirado o estacionamento da rua, são
alargadas e fixadas as zonas de atividade no passeio e, inver-
tendo a situação de mobilidade, torna-se menos agradável
que o carro percorra a rua com as curvas que obrigam a cui-
dados redobrados e redução da velocidade. Na proposta da
nova hierarquia viária para o bairro, a Rua de São Víctor é
dividida em dois setores: a parte norte, até à Praça da
Alegria, permitindo o trânsito motorizado, e a parte sul, da
Praça da Alegria até ao Largo do Pe Baltasar Guedes
Figura 174 - Fase 1 - 1/3 dos lugares de
estacionamento à Participação.
Figura 175 - Fase 2 - Redefinição da hie-
rarquia viária priorizando os modos leves
e pedonal.
Figura 173 - Formalização dos lugares de
estacionamento, grelha estruturante.
Devolver a Rua
183
destinada a mobilidade leve e pedonal. Desta forma, a parte
norte não evoluiria para além desta segunda fase. No entan-
to, considerando uma perspetiva futura de pedonalização de
todo o bairro, esta proposta para a rua estende-se para além
desse objetivo primário.
Por fim, uma terceira fase contempla a criação de espaços
modulados pelas dimensões dos estacionamentos, que foram
o ponto de partida, compartimentando a rua em espécies de
salas de diferentes atividades, de verde, de estar, de parque
infantil, de arborização, entre outros. Espaços estes que vão
crescendo e fixando-se a partir das necessidades iniciais e
evoluídas dos habitantes, tendo os mesmo sempre o papel
principal na discussão e implementação das iniciativas.
A rua oferece novos espaços de alargamento que a pontuam e
introduzem uma cadência nova ao seu percurso marcada-
mente longitudinal. Destaca-se o Largo do Camarão, com
uma proposta de um grande espaço de estar que se articula
com a rua em perfeita continuidade espacial, definindo uma
sala de entrada/saída da rua e do bairro na parte norte; a
Praça da Alegria, que além da introdução de vegetação e
novo pavimento, ostenta uma nova estrutura de mercado e;
pontuando o extremo sul da rua, uma parte do Largo Pe
Baltasar Guedes é destinado a uma área de vegetação mais
densa, com arborização, como um novo ponto tranquilo de
miradouro sobre o rio, de interseção de ruas e de afasta-
mento do trânsito que ainda possa existir na Rua do Duque
de Saldanha.
O resultado final aproxima-se da ideia de um percurso linear
que oferece imagens e possibilidades de usufruto diferentes a
cada passo, assim como alternativas de trajetórias, centrado
nos seus habitantes, na importante vida de bairro, na fortifi-
cação e valorização de laços e na sua dignificação.
Figura 176 - Fase 3 - Formalização
das diferentes 'salas' da rua de
acordo com a modulação.
184
DA RUA AO HABITAT
A revitalização a partir de dentro, partindo do princípio que
o interior do quarteirão também é cidade, surge como ideia
para regeneração de ilhas. Trazer a cidade para dentro do
quarteirão organizando a ilha como espaço público atribuin-
do-lhe novas qualidades para além das já conhecidas co-
working ou co-living; formar espaços para todos com possibi-
lidade de comércio (pequenas ruas comerciais); passagens
pedonais de ligação de ruas, ou como uma possibilidade de
‘quintal’ comum como extensão da habitação.
Aproveitar as ilhas para dar possibilidade de uso ao interior
do quarteirão é uma maneira de valorizar esta tipologia na
cidade do Porto e ao mesmo tempo devolver à cidade estes
espaços exteriores que ficam entregues a privados e muitas
das vezes pobremente aproveitados, ainda para mais tendo
em conta a repartição burguesa do quarteirão do Porto com
os lotes muito esguios. A valorização deste espaço interior
vem já sendo aproveitado por vários comerciantes, nomea-
damente no ramo da restauração, oferecendo a possibilidade
deste distanciamento da cidade e do ruído, no interior aco-
lhedor do quarteirão com as suas esplanadas muitas vezes
com decoração vegetal muito agradável. A atratividade des-
tes sítios demonstra mais uma vez como é a atmosfera ambi-
cionada para a cidade. Apesar destas ofertas, a possibilidade
de usufruto de espaços desta natureza não deveria recair na
obrigatoriedade do consumo. A opção de usar as ilhas como
uma nova tipologia que agrega a escala do habitat com a ci-
dade, nestes espaços interiores maioritariamente vegetais,
que poderão continuar a ter atividades comerciais até, ou ser
exclusivamente salas de estar a céu aberto, locais de silêncio
e calma.
Devolver a Rua
187
Um bairro destes deve incluir todos os tipos de habitação –
casas para diferentes níveis de rendimentos, diferentes ida-
des, diferentes fases da vida. O missing middle no que toca a
habitação faz crescer a especulação dos terrenos livres e dos
imóveis presentes nestes territórios diminuindo também a
acessibilidade. Um centro habitado proporciona maior equi-
dade social e vida intergeracional. Uma das formas de apro-
veitamento das ilhas para contexto habitacional por forma a
combater alguns dos problemas que afetam a cidade como a
habitação acessível e social no centro urbano, a oferta de ha-
bitação estudantil e uma regulação mais apertada do aloja-
mento local, poderia ser a tomada de medidas de controle dos
rácios de habitação dedicados a cada tipologia, à semelhança
do que acontece em Viena, e, desta forma, ensaiar-se um mo-
delo a adotar noutras tipologias habitacionais urbanas.
Uma proposta de rácios da distribuição dos fogos nas ilhas
para uma maior diversidade habitacional: > 50% a habitação
social e acessível, >=20% a habitação estudantil e <=20% a
alojamento local, por forma a que a primeira nunca ceda “es-
paço” em função da segunda e nem a segunda em função da
terceira. Sendo que o senhorio/município poderá abdicar do
alojamento local, cumprindo as restantes regras para cada
tipologia. Em ilhas com 4 ou menos fogos não poderá ser in-
tegrado alojamento local. Poderá ainda optar por 100% de
habitação social nos casos em que as ilhas tenham 3 ou me-
nos fogos. Partindo de um exemplo prático, numa ilha com 7
habitações reabilitadas: 4 seriam destinadas a habitação
social (57,14%), 2 a residência estudantil (28,57%) e 1 aloja-
mento local (14,29%). Se o inquilino optasse por excluir o
alojamento local poderia, então, ter 4 fogos como habitação
(57,14%) e 3 como residência estudantil (42,86) ou 5 fogos
como habitação (71,43%) e 2 como residência estudantil
(28,57%). Nesta ilha não haveria a opção de ser unicamente
destinada a habitação social, por ter mais de 3 fogos.
Figura 178 - Exemplos de divisão
habitacional partindo de uma ilha com
19 fogos reabilitada para 9 fogos.
Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas
188
FEITO DE MÃOS
O gesto aqui descrito como proposta de intervenção deixa
ainda em aberto uma série de questões formais, construtivas
e ideológicas. Um dos tipos de participação da população re-
sidente poderia considerar-se numa perspetiva de realização
da proposta em que o passo seguinte seria então a sua apre-
sentação e discussão com os habitantes de modo a ajustar à
sua realidade e avançar para uma proposta real de formali-
zação de projeto. Desta forma, tornavam-se conhecedores das
transformações positivas que o bairro poderia vir a sofrer
para seu benefício, promovendo até a sua participação ativa
na concretização da obra impulsionando o empoderamento
local e a sua aceitação efetiva das transformações. Além dis-
so, o uso efetivo do conhecimento das vivências dos habitan-
tes do bairro permitiria uma adequação maior do programa a
qualificar.
A estratégia para esta regeneração está em dividir o poder
transformador entre a administração da cidade e a popula-
ção, desta maneira também se entrega o poder de decisão a
quem usufrui do espaço. A implementação desta transforma-
ção implica pouco empreendimento monetário porque, o que
se observa nas Fontaínhas como na generalidade do tecido
urbano dentro e fora de Portugal são edifícios, infraestrutu-
ras e espaços exteriores pobremente aproveitados, muitos
abandonados. O que é necessário é inversão de usos. Em vez
de se optar por um urbanismo de infraestruturas, que é mui-
to mais caro e lento, o urbanismo pela diversidade funcional
parte do que já existe, logo a resposta é mais rápida e menos
dispendiosa. O problema passa pelo facto dos edifícios e es-
paços se centrarem na sua verticalidade e monofuncionali-
dade. No entanto, com a possibilidade de abertura e maximi-
zação da capacidade de utilização obtêm-se os resultados
desejados a custo marginal zero ou quase zero. Aqui entra
Figura 179 - Projeto Mierigi Street, Fine
Young Urbanists, Riga, 2015. Projeto
experimental de transformação dos usos
de um troço da rua para criar interações
sociais e questionamento sobre as dinâmi-
cas do espaço público envolvendo as pes-
soas no pensamento crítico.
Figura 180 - Guerrilha Gardens, Berlim,
2020. Urbanismo Tático – pela valorização
do espaço público, das atividades comuni-
tárias e da partilha. A comunidade orga-
niza um desfile de jardins móveis com os
frutos das hortas urbanas de cada pessoa
num ambiente de competição saudável.
Devolver a Rua
189
em ação o papel dos cidadãos que agrupados de maneira as-
sociativa estão aptos a participar na questão dos usos desses
espaços que poderão sofrer convulsões ao longo do tempo.
O UN-Habitat156 desenvolve no Porto, um projeto de requali-
ficação dos espaços exteriores dos bairros do Falcão, do La-
garteiro e da Corujeira com a criação de um percurso de liga-
ção à cidade, uma vez que são bairros mais periféricos. Esta
iniciativa usa metodologias de participação que se desenvol-
vem desde a investigação para o desenvolvimento da propos-
ta de projeto até à fase final de implementação, ainda em
curso. Deste modo, foram desenvolvidas, ao longo dos últimos
anos, diversas atividade e discussões incluindo desde os mais
novos aos mais velhos habitantes destes bairros.
Sendo as Fontaínhas uma zona muito bairrista torna-se mais
fácil juntar a comunidade com um objetivo e mais fácil que
tenha resultados positivos partindo da participação e do co-
nhecimento dos locais. As soluções adotadas atualmente para
transformar os territórios urbanos começam a assentar nu-
ma estratégia de ações a curto prazo para longo prazo, isto é,
traduz-se numa revitalização coletiva usando estratégias
low-cost que podem facilmente escalar e informar para inves-
timentos a longo prazo. É usado por grupos de cidadãos, ne-
gócios, organizações governamentais e não governamentais,
entre outras nonprofit e combina um processo de desenvol-
vimento aberto com a criatividade libertada pelas interações
sociais. Desta forma, as decisões acabam por ser melhor for-
madas económica, social e ambientalmente.
156 https://urbinat.eu/cities/porto/
Figura 181 - UN-Habitat – Fase de dis-
cussão e planeamento, Bairros do Falcão,
Lagarteiro e Corujeira, 2018
191
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“As raízes da mudança radicam na necessária desconstrução
dos processos dominantes para que se chegue a alternativas:
comércio justo, slow food, consumo local e responsável, banco
ético, cooperativas de crédito, cooperativas de moradias, par-
ceria urbana, etc. Esse urbanismo baseado na auto-
organização, no funcionamento de baixo para cima (bottom
up) e na justiça deveria sustentar-se, pelo menos, em quatro
eixos de transformação estreitamente relacionados: igualda-
de, diversidade, participação e sustentabilidade, relacionados
com a vontade de promoção e consolidação de uma democra-
cia realmente participativa e ambientalista.”157
Um projeto à escala urbana mexe inerentemente, com aspe-
tos como o social, o político e o económico. Assim sendo é co-
locada a questão da participação. Que adquire cada vez mais
importância nos estudos realizados ao longo dos últimos anos
por revelar resultados efetivos de melhoria da vida urbana.
Este é um dos importantes aspetos de que esta proposta ca-
rece - a participação. Se a igualdade e a diversidade são valo-
res, a participação é um procedimento, um instrumento. Por
isso, a sua argumentação e protagonismo são a chave para a
transformação de um urbanismo realizado por muito poucos
157 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios
para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona
Considerações Finais
192
planeadores em direção a um urbanismo aberto às demandas
sociais e que têm como objetivo os valores da igualdade e da
diversidade. Os processos de participação não são novidade
alguma nas sociedades democráticas. Constituem um dos
indicadores mais importantes de que cada cidade se esforça
por ser mais sustentável, mais humana e mais atenta à sua
realidade, diversidade e memória; demonstra que se trabalha
com o objetivo de alcançar benefícios comuns e exprime o
desejo da maior parte dos cidadãos de fazer parte explicita-
mente da cidade e de se reconhecer nas suas transformações.
A participação implica uma transparência e uma clareza de
interesses e objetivos, que ajudam a seguir um caminho mais
liberto de interesses paralelos por parte de todos os corpos
intervenientes.
Neste caso a reposta partiu do ponto de vista da autora, de
acordo com as vivências pessoais, a análise histórica e o es-
tudo da saúde pública. A única forma de participação está
nas conversas ocasionais que foram possíveis travar com os
habitantes que deram importantes pistas do caminho a se-
guir. Exemplo disso, é a importância crescente atribuída à
horta urbana “Bananeiro”, muito acarinhada quer pelos ha-
bitantes mais antigos como os mais recentes, artistas e imi-
grantes.
Apesar de se tratar de uma proposta global indicativa de
direções a seguir para a construção de uma cidade e de um
bairro mais saudável, várias questões ficaram por apontar.
Nomeadamente, a ligação do bairro com a cidade. A conexão
com a Avenida Gustavo Eiffel pedonalmente, é um tema de
interesse para o desenvolvimento da escarpa e para a ligação
a esse canal maior. No entanto, as ligações a norte acabam
por ser um assunto não desenvolvido. O desenvolvimento da
mobilidade leve no interior do bairro não se coaduna com as
ofertas atuais da cidade, portanto, dá-se conta de uma rutura
Devolver a Rua
193
destes modos nos limites do bairro, que precisariam de ser
colmatados para que estas mudanças modais fossem efetiva-
das, mesmo dentro dos limites do bairro, uma vez que não se
desenvolve isoladamente dificultando uma boa adesão.
A tarefa de transformação não se traduz apenas em medir
potenciais e apontar desejos, está também na identificação
dos recursos e instrumentos disponíveis, na antecipação de
barreiras existentes no caminho ou de iniciativas de contra-
posição.158 Por isso mesmo, é necessária a validação e ajuste
através de mecanismos de participação. A arquitetura parti-
cipada deve ser a melhor e única opção viável na construção
da cidade saudável. Governabilidade baseada em ouvir, esco-
lher, apontar direções e controlar trajetórias, é a maneira de
responder aos problemas reais uma vez que a cidade se ro-
deia de um sistema dinâmico com múltiplos agentes dotados
de iniciativa e recursos significativos.159
A proposta para o bairro incidindo em três planos: mobilida-
de leve; sistema de verdes; e cultura; proporcionam uma res-
posta que apenas aufere resultados pela sinergia entre estes
três níveis sobrepostos. Se por um lado, a retirada dos auto-
móveis deixa mais espaço disponível, por outro, esta liberta-
ção abre possibilidade de introduzir corpos de vegetação no
espaço e de desenvolver espaços recreativos com atividades
culturais e educativas, com inserção de novas estruturas
pontuais organizadoras dos espaços e tornando-os mais ape-
lativos. O desenvolvimento desta área está ainda, assente na
qualidade da resposta de comércio e serviços que necessita de
incentivo para se desenvolver nesta zona, estimulando os
rés-do-chão, que por sua vez estimulam as ruas. A par desse
desenvolvimento, deve-se dar a transformação das políticas
158 Portas, Nuno, coord. (2003). Políticas urbanas: tendências, estratégias e
oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
159 Portas, Nuno, coord. (2003). Políticas urbanas: tendências, estratégias e
oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
Considerações Finais
194
habitacionais que promovem um público mais diverso no
bairro e, portanto, diferentes interesses com diferentes pro-
curas, que permitem uma maior diversidade de atividades
económicas dentro do bairro.
Um bairro que reúne estas caraterísticas, tem à partida, os
ingredientes para um crescimento resiliente. Pressupõe uma
vida ativa e em mutação constante pela oferta diversificada
de espaços públicos, com possibilidade de albergar atividades
e de dar voz a todos os moradores. Trata-se de um contributo
diretamente para a saúde mental dos seus habitantes, pelo
bairro que lhes é devolvido contribuindo para o bem-estar
geral; para a saúde respiratória com a diminuição do trânsito
motorizado e a introdução de espaços vegetados que também
impulsionam à atividade física, contribuindo para a saúde
cardiovascular; e para a saúde alimentar associada a diabe-
tes e obesidade pela forte aposta quer prática quer educativa
nas hortas urbanas.
É premente construir objetivos de valorização da cidade com
eventos e programas bem geridos, suscetíveis de mobilizar
apoios externos, gerar notoriedade e legados internos cons-
truídos de valor duradouro e, por outro lado, detetar e inter-
vir atempadamente no sentido de atenuar as tensões decor-
rentes das perdas de bem-estar emergentes.160 Melhorar e
construir estruturas associadas aos cuidados de saúde apre-
senta custos muito elevados, por outro lado, o custo de incluir
a dimensão humana é realmente modesto. Desenvolver in-
fraestruturas para mobilidade pedonal e impulsionar um
gesto macro de desenvolvimento de zonas verdes tem resul-
tados francamente positivos e rápidos. Aqui entende-se que
cuidar do micro é cuidar da coletividade. A relação entre es-
calas tem esta dualidade simbiótica profunda.
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Figura 124 - https://www.vox.com/2016/8/4/12342806/barcelona-
superblocks
Figura 125 - https://www.moreno-web.net/
Figura 126 - https://www.paris.fr/pages/la-ville-du-quart-d-heure-en-
images-15849
Figura 127 – 129 - https://www.apur.org/en/our-
works?keyword=&sort_bef_combine=score+DESC&f%5B0%5D=bundle%3
Amap
Figura 130 - https://www.flickr.com/photos/hstachel/7106487345
Figura 131 - https://www.flickr.com/photos/hstachel/7106487345
Figura 132 – 133 - City of Vienna (2015) Step 2025: Thematic Concept –
Green and Open Space. Viena
Figura 134 – 139 - Da autora
Figura 140 - Gehl, Jan, Svarre, Birgitte (2013) How to Study Public Life.
Island Press, Washington D.C.
Figura 141 – Da autora
Figura 142 – Adaptado a partir de dados da Webinar “The Future Design
of Streets” - https://thefuturedesignofstreets.eu/
Figura 143 - Adaptado a partir de dados da Webinar “The Future Design of
Streets” - https://thefuturedesignofstreets.eu/
Figura 144 – 146 - Da autora
Figura 147 – Da autora, a partir de dados do PDM - CMP, Porto 2021
Figura 148 – Da autora, a partir de dados do PDM - CMP, Porto 2021
Figura 149 – 153 – Da autora
Figura 154 – Da autora, a partir de dados do PDM - CMP, Porto 2021
Figura 155 - https://snazzymaps.com/
Figura 156 – Da autora
Fontes
209
Figura 157 – PDM - CMP, Porto 2021
Figura 158 – 159 – Da autora
Figura 160 – Da autora
160.1 – 160.2 - http://estudioherreros.com/project/madrid-center-strategic-
project/
160.3 https://www.infobae.com/sociedad/2018/02/04/supermanzanas-el-
futuro-del-espacio-publico-en-la-ciudad/
160.4 - City of Vienna (2015) Step 2025: Thematic Concept – Green and
Open Space. Viena
160.5 - https://www.itdp.org/
Figura 161 – Da autora
161.1 - https://www.greytogreen.org.uk/
161.2 - Da autora
161.3 - https://www.goporto.pt/portfolio/escarpa-das-fontainhas-seccoes-3-
2-e-5-1
161.4 - http://www.manuelcostoya.com/estudio-
arquitectura/proyectos/56/skate-park-formentera.html
161.5 - https://www.pinterest.pt/clive2747/_saved/
161.6 - https://burgos-garrido.com/project/madrid-rio/
161.7 - Cleveland Heights. Compton Road Greenway Study.
161.8 - https://www.pca-stream.com/en/projects/champs-elysees-study-48
Figura 162 – PDM - CMP, Porto 2021
Figura 163 – PDM - CMP, Porto 2021
Figura 164 – Da autora
https://littlefreelibrary.org/about/
https://assemblestudio.co.uk/
https://www.horstartsandmusic.com/archive/2018
https://www.herzogdemeuron.com/index/projects/complete-works/426-
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https://www.ottotto.pt/
Considerações Finais
210
Figura 165 – Da autora
Figura 166 – 170 – Da autora
Figura 171 – Da autora
https://www.danielburen.com/
Rosa, Marcos L., Weiland, Ute E. (2012) Handmade Urbanism: From
Community Initiatives to Participatory Models. Jovis
Cleveland Heights. Compton Road Greenway Study.
Figura 172 – Da autora
https://1til1landskab.dk/en/project/scandiagade
Figura 173 – 176 – Da autora
Figura 177 – Da autora
177.1 Hofjes Amsterdão
https://www.dreamstime.com/editorial-photography-amsterdam-cityscape-
view-morning-narrow-street-flowers-city-image98816522
https://www.pinterest.pt/pin/492510909254284567/
http://www.amsterdamsehofjes.nl/hofje/het-claes-claeszhofje-jordaan-
amsterdam-open-hofje/
177.2 Shikumens
https://studioneleven.wordpress.com/2011/10/10/shanghai-finally-
embraces-adaptive-reuse/
Figura 178 – Da autora
Figura 179 - https://fineyoungurbanists.tumblr.com/
Figura 180 - https://nl.urbangreenbluegrids.com/agriculture/
Figura 181 - https://urbinat.eu/cities/porto/