Porto Cidade Saudável: da escala Urbana à escala Humana ...

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Ana Calçada. Porto Cidade Saudável Porto Cidade Saudável: da escala Urbana à escala Humana Ana Maria de Azevedo Calçada M.FAUP 2021 FACULDADE DE ARQUITETURA MESTRADO INTEGRADO ARQUITECTURA Porto Cidade Saudável: da escala Urbana à escala Humana Ana Maria de Azevedo Calçada M 2021

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MESTRADO INTEGRADO

ARQUITECTURA

Porto Cidade Saudável:

da escala Urbana à escala Humana

Ana Maria de Azevedo Calçada

M 2021

PORTO CIDADE SAUDÁVEL

DA ESCALA URBANA À ESCALA HUMANA

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura apresentada à Faculdade de Arquitec-

tura da Universidade do Porto sob a orientação do Professor Doutor Rui Manuel Trindade

Braz Afonso e coorientação da Professora Doutora Daniela Ladiana.

Ana Maria de Azevedo Calçada

Porto, 2021

III

‘O Ritmo da Rua’, Ana Calçada, 2021

V

Para a Clara.

VII

Agradecimentos

A todas as notas que fazem a minha música, com os seus diferentes ritmos e tonalidades,

contribuindo para que esta seja uma bela melodia.

Aos meus pais pelo ritmo constante,

aos meus irmãos pelos alegros no caminho,

aos meus amigos e colegas pelas novas possibilidades tonais,

ao meu namorado pela importância dos silêncios que se fazem música.

Neste percurso de realização da dissertação deixo um agradecimento aos professores

orientadores Rui Braz e Daniela Ladiana que apesar das limitações impostas durante

este período pandémico tiveram a perseverança para trilhar este caminho comigo e dei-

xar as palavras certas nos encontros telemáticos por forma a guiar o meu percurso.

Deixo um agradecimento especial ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Por-

to nas pessoas da Doutora Teresa Leão e do Doutor Henrique Barros que se mostraram

sempre disponíveis para me ajudar transmitindo-me a sua paixão pela Saúde Pública.

Por fim, agradeço a voluntariedade das gentes das Fontaínhas, no gosto por receber e

contar sempre mais uma vez as suas histórias, que são as histórias da cidade.

‘Porto de Encontro’, Ana Calçada, 2021

RESUMO

Construir um novo pensamento de interpretação do que exis-

te para além do mundo das formas, é uma busca consciente

pelas existências sociais e éticas; cada posição formal remete

a uma conceção do mundo, tempo e sujeito1. O desafio do ur-

banismo do século XXI trata-se da construção de sistemas

interpretativos de síntese que saibam conciliar as respostas

formais com a crítica, isto é, que expliquem a arte, a arquite-

tura e a cidade a partir do social e do político, mas que, ao

mesmo tempo, saibam fazer uma análise que rejeite explica-

ções simplistas que pretendam reduzir a complexidade dos

mundos criativos e formais exclusivamente a condições eco-

nómicas e ideológicas.

A propósito do surgimento do vírus SARS-CoV-2, que despo-

letou uma pandemia e inúmeras mortes por todo o mundo,

surgiu, em pleno confinamento, o interesse por estudar a

cidade à luz das questões de saúde. Assistia-se, na primeira

metade de 2020, a um cenário de inversão da vida, em que as

cidades – palco de movimento, atividade, interações sociais

(pelo menos aparentemente) – se encontravam desertas. Por

outro lado, a casa desdobrou-se em todas as funções possíveis

e impossíveis servindo de escritório, atelier, ginásio, escola,

1 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios para

mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P.243

XI

consultório, entre outros, confundindo assim os usos, os es-

paços, a sua simbologia e significação, acarretando graves

problemas sociais, físicos e psicológicos e trazendo à tona

diferenças sociais e económicas que começam no habitat e se

estendem ao acesso ao espaço público e serviços. Cabe ao

espaço público buscar ser esse palco de igualdade de oportu-

nidade de acesso à cidade. Os tempos atuais são marcados

pela necessidade do fim de um ideal único, neutro e univer-

sal, para dar lugar a novas realidades e culturas diversas e à

luta por direitos mais reais, da igualdade na diferença.

A relação entre o urbanismo e a epidemiologia não é novida-

de. Desenvolveram-se em conjunto, sobretudo, ao longo do

século XX, ou seja, o urbanismo vinha dar resposta a pro-

blemas sanitários da dimensão da saúde pública. A busca

pela Cidade Saudável – sustentável, humana e inteligente -

é, em última análise, a saída justa para estes problemas. Por

muita reflexão que esta nova doença possa ter gerado, várias

das questões levantadas não são novas, muito menos no que

toca à busca pela Cidade Saudável. O cerne da questão é co-

mo enfrentar os grandes desafios sociais e ambientais com

uma arquitetura sustentável e com um urbanismo participa-

tivo, de maneira que se evolua em direção à igualdade e ao

reconhecimento da diversidade, a uma sustentabilidade en-

tendida a partir da vertente social. Esta cidade deve procu-

rar a saúde dos seus habitantes buscando a saúde ambiental,

política, económica e social.

Não há uma solução concreta para se atingir a Cidade Sau-

dável, mas existem respostas possíveis. É uma dessas opções

que a seguinte dissertação pretende apresentar usando o

Porto como ponto de partida de uma proposta que engloba a

Cidade, o Bairro e a Rua.

ABSTRACT

To build a new way of interpreting what exists beyond the

world of forms is a conscious search for social and ethical

existences; each formal position refers to a conception of the

world, time and subject2. The challenge of urbanism in the

21st century is to build interpretative systems of synthesis

that know how to reconcile formal responses with criticism,

which means, systems that explain art, architecture and the

city from the social and political perspectives, but that, at

the same time, knows how to make an analysis that rejects

simplistic explanations that intend to reduce the complexity

of the creative and formal worlds exclusively to economic and

ideological conditions.

Regarding the emergence of the SARS-CoV-2 virus, which

triggered a pandemic and countless deaths all over the

world, arose, deep into confinement, an interest in studying

the city in light of it’s health issues. In the first half of 2020,

people witnessed a scenario of inversion of life, in which cit-

ies – stages of movement, activity, social interactions (at

least apparently) – were deserted. On the other hand, the

home unfolded into all possible and impossible functions,

serving as an office, atelier, gym, school, office, among other

2 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios para

mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P.243

XIII

things. Thus, confusing the uses, the spaces, symbology and

meaning, and resulting in serious social, physical and psy-

chological problems, which brought to light social and eco-

nomic differences that start in the habitat and extend to the

access to public spaces and services. It is up to the public

space to seek to be that stage of equal opportunity of access

to the city. Current times are struck by the need to ending a

single, neutral and universal ideal, and to give way to new

realities, diverse cultures and the struggle for more real

rights of equality in difference.

The relation between urbanism and epidemiology is nothing

new, they developed together throughout the 20th century.

In other words, urbanism came to respond to public health

problems. The search for the Healthy City – sustainable,

human and smart – is, in final analysis, the fair way out of

these problems. As much reflection as this new disease may

have generated, many of the issues raised are not new, much

less those regarding the search for the Healthy City. The

crux of the matter is how to face the great social and envi-

ronmental challenges with a sustainable architecture and

participated urbanism, in order to evolve towards equality

and the recognition of diversity, towards sustainability un-

derstood from the social perspective. This city must seek the

health of its inhabitants seeking environmental, political,

economic and social health.

There is no specific solution to reach the Healthy City, but

there are possible answers, it is one of those options that the

following dissertation intends to present, using Porto as the

starting point of a proposal that encompasses the City, the

Neighborhood and the Street.

1

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura apresentada à Faculdade de Arquitec-

tura da Universidade do Porto sob a orientação do Professor Doutor Rui Manuel Trindade

Braz Afonso e coorientação da Professora Doutora Daniela Ladiana.

Ana Maria de Azevedo Calçada

Porto, 2021

Introdução

2

ÍNDICE

Índice 2

INTRODUÇÃO 4

PARTE I 6

A CIDADE NA SIMBIOSE COM A SAÚDE PÚBLICA 7

Momento de Retrospetiva 9

Covid-19 – O Ponto de Rotura 9

A Urgência para a Mudança 10

A Oportunidade Criada pela Pandemia 15

Urbanismo e Saúde Pública 19

Uma Relação Antiga 20

A Saúde Pública no Desenho do Porto 28

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência 43

74

75

PARTE II 76

PENSAR A CIDADE SAUDÁVEL 77

À Procura da Cidade Saudável 79

A Cidade Inteligente 86

A Cidade Sustentável 90

A Cidade Humana 97

Para uma Resposta de Vida Urbana 106

Pretensões 108

Síntese 120

Índice

3

PARTE III 122

CIDADE | BAIRRO | RUA PROPOSTA A 3 ESCALAS 123

Aproximar a Cidade 127

Porto de Encontro 128

A Escala Urbana 133

Integrar o Bairro 141

Da Análise do Lugar 143

A Escala do Bairro 152

Devolver a Rua 173

A Escala da Rua 176

Da Rua ao Habitat 183

Feito de Mãos 188

CONSIDERAÇÕES FINAIS 191

Fontes 196

Periódicos 199

Artigos Científicos 200

Trabalhos Académicos 201

Websites 202

Imagens 205

Introdução

4

INTRODUÇÃO

Ascher1 dá, no início do século XXI, a noção do compromisso

urbano que aponta como condição necessária e imprescindí-

vel para manter a coesão social e a complexidade funcional

entre estruturas mais ou menos concentradas para o início

do novo milénio. Antes de mais, indica a necessidade de pôr

término à imagem nostálgica da cidade europeia devido à

limitação que essa visão traz relativamente aos avanços mo-

dernos, uma vez que a velocidade de deslocações e comunica-

ções gera outras formas de urbanidade. Portanto, terá de ser

a diversidade e o compromisso entre as procuras e as práti-

cas variadas de que ela é objeto, indicando, desta maneira, a

forma comprometida com que todos os intervenientes na vida

urbana têm que olhar e discutir o futuro das cidades desde os

seus habitantes, ao governo local, ao interesse privado e ao

próprio Estado.

A Covid-19 veio reacender o rastilho da questão “Que cidade

queremos construir?”, dando força a esta necessidade de

olhar de forma conjunta e comprometida a cidade que a pan-

demia deixa. A cidade é o espaço de encontro, de convivência,

de socialização e é o fomento de espaços como momentos pro-

1 Ascher, François. (2012) Novos princípios do urbanismo seguido de Novos

compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte. Lisboa.

Índice

5

pícios a estas atividades, que alimenta o estudo do urbanis-

mo. Num tempo em que o espaço da cidade foi praticamente

anulado, restou a questão do que se pretende para o futuro

das ruas, abrindo espaço à reflexão sobre problemas perti-

nentes relativamente à cidade e à organização do território.

Ao mesmo tempo que a arquitetura assume uma dimensão

considerável no mercado e cultura globais, através das suas

formas e funções junto com a crescente importância atribuí-

da aos monumentos como gerador de movimento turístico, a

pandemia veio redirecionar a atenção para a fragilidade da

concretização da criação, em relação ao que realmente alme-

ja. A implementação de medidas drásticas como o confina-

mento fez crescer questões referentes à fragilidade do mundo

crescentemente aespacial e do valor dos lugares2. A socieda-

de, alienada pelas imagens de consumo, esquece-se de olhar

para além da superfície. Um tecido urbano com edifícios e

habitantes falsos é uma cenografia de discursos vazios que

mascara a especulação imobiliária.3

Várias perguntas emergem, de entre as quais a seguinte dis-

sertação se centra:

Que novas contribuições pode o urbanismo trazer pa-

ra a saúde pública?

Quais as epidemias do século XXI que o urbanismo

deve ajudar a mitigar?

Como pode o urbanismo ajudar a melhorar as condi-

ções de habitabilidade ao nível do bairro e contribuir

para o desenvolvimento de toda a cidade?

2Gehl, Jan (2013) Cidades para Pessoas. 2ª edição, Perspectiva. São Paulo

3 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P.209

PARTE I

6

PARTE I

Índice

7

A CIDADE NA SIMBIOSE

COM A SAÚDE PÚBLICA

“[…] nestes dias que vivemos, as dimensões tradicionais de

passado, presente e futuro estão tão entrelaçadas que não

sabemos bem como coordenar o tempo. Podia dizer-se que é

por estarmos confinados […], porque muitos de nós tivemos

de nos dobrar sobre nós próprios e caber num casulo a que

chamamos casa ou família e que tínhamos intimamente ima-

ginado que era bem diferente, um refúgio diferente. Mas não,

não é só por isso também. Nem pelo medo de enfrentar uma

emergência infeciosa, medo de companhia – como um animal

de companhia -, que nos deve ajudar a planear as nossas

ações, a pensar com um quadro de referências preventivas em

mente, a correr os riscos tão conscientes quanto se pode estar

quando o que temos é, como os antigos marinheiros, uma li-

nha do horizonte para lá do qual só nos resta imaginar o que

estará.”4

4 Barros, Henrique. (2020 Abril) Sigularidades de um doença e de uma

cidade. O Tripeiro.7ª Série – Ano XXXIX – Nº4, p. 101

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

8

Momento de Retrospetiva

9

MOMENTO DE RETROSPETIVA

COVID-19 – O PONTO DE ROTURA

Há uma urgência para a mudança de paradigma nas cidades

sobretudo no que toca às questões ambientais, mas também

no que toca à vida humana e à saúde diretamente. A crise

gerada pela Covid-19 trouxe à tona estes problemas já co-

nhecidos na cidade: o trânsito motorizado intensivo, segrega-

ção social e de funções, problemas ambientais, falta de espa-

ço público acessível e de fruição, entre outros. A lógica eco-

nomicista do habitat do século XX foi neste período contra-

posta. O espaço volta a ganhar força. Na habitação as varan-

das e os exteriores voltam a revestir-se de importância. Mas

não será isso reflexo de um espaço público ineficaz, mais do

Figura 1 - Anchored, Amy Chasey, 2020

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

10

que uma habitação insuficiente? Dado que a habitação, a

casa, teve neste tempo uma sobrecarga de funções até agora

impensáveis e que certamente geram discussão sobre o espa-

ço doméstico na habitação do futuro, fica claro que o espaço,

o desenho e a arquitetura são transformadores e essenciais.

A URGÊNCIA PARA A MUDANÇA

A pandemia tornou-se potenciadora de segregação quer de

nível social quer da cidade funcional, deixando a nu vários

problemas. A nível social destaca-se o fosso entre classes

que aumenta com o abandono de trabalhadores precários e

trabalhadores independentes, que desempenham tarefas de

que toda a cidade depende, e que se viram numa situação

limite devido à pandemia; o acesso à educação tornou-se

desigual com o recurso às tecnologias informatizadas que

não estão ao acesso de todos, assim como as diferentes ‘salas

de aula’, improvisadas em casa, que não possuíam as mes-

mas condições físicas; e, por fim, o agravamento de doen-

ças crónicas e falta de diagnósticos trouxe prejuízos a nível

de saúde que ainda estão por contabilizar.

A nível da cidade funcional, o acesso ao espaço público foi um

dos aspetos mais salientados. A consagração do automóvel

como principal ferramenta de organização do espaço

urbano teve efeitos devastadores sobre as áreas centrais das

cidades ao longo de todo o século passado. Através do auto-

móvel iniciou-se um processo de expansão suburbana que

gerou assentamentos residenciais monofuncionais dependen-

tes de equipamentos, serviços e empregos que continuavam

concentrados nos antigos centros. Para viabilizar a pendula-

ridade generalizada que este esquema determina, os auto-

móveis precisavam de chegar e estacionar no centro e um

Figura 2 – espaço necessário para mo-

vimentar uma pessoa de acordo com a

modalidade de transporte

Momento de Retrospetiva

11

intenso processo de adaptação das preexistências provocou a

gradual degradação de enormes porções deste território,

retirando, também, espaço público dedicado a recreio,

passeio, lazer e socialização determinantes para garantir a

vida urbana. O Tempo é, devido ao paradigma da mobilida-

de facilitada que se experiencia no quotidiano, a forma de

medir distância mais utilizada. Viver numa qualquer inter-

cidade, periferia ou subúrbio e trabalhar num centro de

cidade é comum, não pela curta distância física, mas pelo

reduzido tempo gasto no movimento pendular e facilidade de

mobilidade dos veículos motorizados.

A segregação das funções estendeu-se para conceitos que

extrapolam a simples dicotomia Centro-Periferia, uma vez

que o crescimento urbano não se realiza mais de acordo com

o modelo do ovo estrelado5 mas sim de forma rizomática6,

organizando várias centralidades. Vias rápidas; casas iguais

a perder de vista; falsas ampliações sem instalações educati-

vas, sanitárias, culturais, comércio e os restantes serviços de

apoio e concepção da urbanidade; áreas de pavilhões indus-

triais com terrenos extensos que separam do resto; esta é a

paisagem da cidade, às vezes chamada cidade difusa7 para

diminuir o impacto negativo que se causaria se fosse chama-

da não cidade ou subúrbio sem atributos visuais fortes sem

estrutura evidente8 , sofrendo do mesmo sprawl monótono

5 Price, Cedric (1982) The City as an Egg.

6 “qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado com qualquer outro e

deve sê-lo.” p.17 “Todo o rizoma compreende linhas de segmentaridade de

acordo com as quais se estratifica, se territorializa, se organiza, se atribui,

significa, etc.; mas também linhas de desterritorialização pelas quais não

pára de fugir. Há ruptura no rizoma de cada vez que linhas segmentares

explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma.

Estas linhas estão sempre a remeter-se umas para as outras.” P.23 e 24,

Deleuze, Gilles. Guattari, Felix. (2016) Rizoma. 1ª edição (1980), Docu-

menta, Lisboa.

7 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona. P. 209

8Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.

P.94

Figura 3 – Avenida do Aliados, 1968

Figura 4 – Ineficiência do carro

Figura 5 – Caricatura cinematográfica do

urban sprawl, 1990

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

12

que se vem dispersando pelo território, além do modelo não

sustentável de crescimento que depende do veículo privado e

das energias não renováveis e poluidoras. As questões ambi-

entais, decorrentes da mobilidade motorizada e de uma glo-

balização artificial, baseada no consumo e acumulação

sem fim 9 que faz aumentar consistentemente a diferença

entre países ricos e pobres e recai no colapso quer ambien-

tal, quer económico, acabaram por ser desmascaradas pelo

vírus – traduzidas na ausência de uma autêntica consciência

planetária da humanidade10.

A obstinação pela turistificação revelou-se uma aposta

pouco estruturada, num momento em que o turismo foi can-

celado, fragilizando as sociedades mais dependentes dele. O

tecido social na cidade alterou-se completamente trazendo

nova complexidade para a qual não havia preparação - a imi-

gração, com culturas e religiões diferentes e o turismo de

massa, que produz um desgaste da cidade real - que, com os

seus meio económicos vai deslocando a população autóctone e

os jovens, em geral, vítimas da precariedade laboral11. Tudo

isso gera uma situação formada por estratos sociais muito

diversos, aos quais não se pode oferecer uma solução única.

O problema do missing middle – a desertificação dos centros

urbanos – dá-se devido a uma desregulação dos poderes, ape-

sar de aparentemente a cidade ser dominada por forças in-

ternas, como o governo local, na realidade, o território urba-

no acaba por ser alvo dos operadores imobiliários constituí-

dos sobretudo por grandes investidores internacionais que

buscam uma rentabilidade alta e imediata, promovendo as

9 Harvey, David (2020 outubro 22) The Anti-Capitalism Politics in time of

Covid-19. The Anti-Capitalist Chronicles. Pluto Press, Northampton.

10 Morin, Edgar (2020 Abril 11) Vivimos en um mercado planetario que no

ha sabido suscitar fraternidad entre los pueblos, El País.

11 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona.

Figura 7 – Loja turística, R. Sta Catarina,

Porto, 2019

Figura 6 - Eficácia de diferentes meios

de transporte

Figura 8 – Loja turística, Rua dos Cléri-

gos, Porto, 2019

Momento de Retrospetiva

13

novas tipologias da globalização – hotéis, arranha-céus,

shoppings, parques temáticos, condomínios fechados, etc. –

exigindo lugares centrais e acessíveis, livres do património,

memória e inquilinos12. Por isso, torna-se mais difícil um

modelo de cidade feito com previsão, visão pública e com in-

tenções de sustentabilidade.

Além disso, a demora na introdução de mudanças de

ordenamento do território é, muitas vezes, incompatível

com a lógica de mercado e mudanças políticas locais. A busca

pela Cidade Ideal foi repetidamente explorada, projetada,

desenhada ao longo do tempo, sobretudo durante a Era Mo-

derna, partindo geralmente de uma necessidade momentâ-

nea consciente, de pontos de rutura, gerados pelas evoluções

e revoluções do tempo que deram origem a fenómenos não

calculados. Assim se desenvolveram diversos planos, por

norma, assentes na utopia, com um olhar sobre as maravi-

lhas do mundo urbano, mas sem olhar às necessidades reais

e avaliando as vivências humanas no meio urbano de forma

mecânica, na realidade, desprovidas de humanidade. Não

raras vezes, os problemas que exigiam solução foram olhados

12 Muxí, Zaida (2004) La arquitectura de la ciudade global. Gustavo Gili, 2ª

edição (2009), Barcelona

Figura 9 - Rés-do-chão desa-

bilitados em zonas chave do

Porto, uma “doença urbana”,

Coletivo oitoo, 2018

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

14

de forma isolada e resolvidos sem ter em conta todas as di-

nâmicas inerentes à cidade, e, de uma forma ou de outra,

foram trazendo novos obstáculos para a cidade deixando um

custo elevado para o desenvolvimento das sociedades13. A

resiliência das cidades pode ser construída pela exposição a

diferentes fenómenos extremos que vão para além da exposi-

ção a crises sanitárias. O fortalecimento da cidade pressupõe

a resposta a qualquer situação que possa surgir no meio ur-

bano, ou seja, uma solução univocacionada nunca será uma

boa solução, uma vez que não procura a reabilitação da cida-

de tendo em conta a diversidade de acontecimentos previstos

ou imprevistos que possam surgir14. Para além disso, tenden-

cialmente, as intervenções urbanas foram aplicadas em situ-

ações de extrema necessidade, o que revela a falta de estudos

prévios do desenvolvimento urbano e a dificuldade constante

para uma resposta rápida e eficaz. O problema relacionado

com a demora na aplicação de medidas transformadoras veri-

fica-se ainda atualmente, sobretudo no que aos Planos Dire-

tores Municipais (PDM) diz respeito, estendendo-se por perí-

13 Harvey, David (2020 outubro 22) The Anti-Capitalism Politics in time of

Covid-19. The Anti-Capitalist Chronicles. Pluto Press, Northampton.

14 Montaner, Josep M., Múxi, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona.

Figura 10 – A perda da

importância da rua como

espaço de encontro, vida

urbana e recreio

Momento de Retrospetiva

15

odos de tempo incompatíveis com as convulsões sociais tor-

nando-o obsoleto e até constrangedor para a vida urbana.

A urgência e a pertinência atual para a mudança não são

estranhas às múltiplas dimensões do estudo urbano. Os pro-

blemas já conhecidos da segregação socioeconómica e socio-

demográfica, o acesso a equipamentos e zonas verdes, as di-

nâmicas de mobilidade, a qualidade do ar e de saúde, o mer-

cado imobiliário especulativo, entre outros, são aspetos da

cidade intrinsecamente relacionados com a situação atual e

cuja consciência, observação e planeamento serão imprescin-

díveis para abordar saídas justas, seguras e sustentáveis

para um futuro próximo. É necessário definir a médio prazo

novos modelos de planificação urbana e políticas que permi-

tam uma maior proximidade entre a habitação e as ativida-

des económicas, reduzindo as distâncias que diariamente a

população percorre e reequilibrando as áreas urbanas cujo

crescimento se tem baseado na segregação social e funcional

da habitação e da atividade económica. A crise produzida

pela Covid-19 assinala vulnerabilidades das áreas urbanas,

que reincidem numa linha que se vem apontando ao longo do

tempo.

A OPORTUNIDADE CRIADA PELA PANDEMIA

O que a cidade tem de mais importante é a dimensão huma-

na, e os territórios precisam de ser estruturados tendo em

conta essa dimensão para que não se perca. “As cidades não

podem ser pensadas para o carro. O ritmo do encontro é o

ritmo da caminhada.”15. Não esquecendo que a diversidade é

o que traz a riqueza da mistura, do complementar, do diver-

so. A pandemia serviu para reconhecer o significado das for-

mas em que os modos leves capacitam para seguramente e

15 Gehl, Jan (2013) Cidades para Pessoas, 2ª Edição, Perspectiva, São Pau-

lo.

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

16

resilientemente se navegar pelas cidades. No mundo da mo-

bilidade sustentável, um dos resultados da pandemia é o

aumento do ciclismo. Não só há um claro apetite por andar

de bicicleta, comprovado pelo aumento de compra de bicicle-

tas16 e o aumento do tráfego dos modos leves de mobilidade

durante a primeira metade de 2020, como, também, as cida-

des procuraram rapidamente adaptar-se criando ciclovias

temporárias e aumentando a infraestrutura ciclável, usando

a pandemia como catalisador para a mudança. Muitas destas

mudanças temporárias acabaram por adquirir contornos

permanentes.

Em várias cidades do mundo foram aproveitadas as ruas

desertas, partindo de uma oportunidade excecional, para

abrir aso à experimentação no espaço público. Promoveram-

se várias iniciativas inseridas em mecanismos como Urba-

nismo Tático apostando em medidas rápidas, baratas, rever-

síveis e eficazes para alterar e adaptar os usos dos espaços

na cidade. A NACTO – National Association of City Trans-

portation Officials17, desenvolveu o projeto ‘Streets for Pan-

demic’ que tem como princípio continuar a promover a vida

urbana não só cumprindo as orientações de saúde pública,

mas procurando amplificá-las. Uma das preocupações foi

evitar o aumento de outros problemas como o isolamento,

apoiando as pessoas mais vulneráveis, nomeadamente os

idosos, mas também outros grupos em situações de risco,

trazendo a comunidade para o processo de reestruturação

das ruas com a premissa – agir agora, adaptar ao longo do

tempo – fomentando saídas alternativas para o confinamen-

to, sustentáveis economicamente e socialmente. A componen-

te que alia a saúde pública com o urbanismo começa neste

16 https://www.publico.pt/2020/05/18/local/noticia/desconfinados-

portugueses-estao-comprar-bicicletas-

1916823?ref=pesquisa&cx=page__content

17 National Association of City Transportation Officials - https://nacto.org/

Figura 11 – Streets for Pandemic,

NACTO, 2020

Momento de Retrospetiva

17

gesto pela procura eficiente por aliar respostas que não só

constituem alternativa, como são na realidade uma opção

mais completa. Olhando, assim, não só ao problema que o

novo vírus acarreta, mas a outros problemas sociais e de sa-

úde sobretudo mental e também a problemas relacionados

com o sedentarismo. “Se aceitarmos que o exterior pode ser

ocupado, a arquitetura não é, em si, o suficiente. […] Terá de

ser um meio destinado ao ser humano na sua totalidade, que

a poderá reclamar para si, ocupando-o quer estaticamente

quer pelo movimento. Ao homem não bastam as galerias de

pintura; ele necessita de emoção, do dramatismo que é possí-

vel fazer surgir do solo e do céu, das árvores, dos edifícios,

dos desníveis e de tudo o que o rodeia, através da arte do re-

lacionamento.”18 Faz parte da natureza humana a componen-

te social mesmo que se resuma a uma relação indireta de

partilha do mesmo espaço, caminhar na mesma rua, obser-

var o outro passeio ou as crianças a brincar, ver a vida a

acontecer.

Com este propósito desenvolveram-se ações concretas como o

encerramento temporário de ruas, inteira- ou parcialmente,

ao trânsito motorizado, instigando a curiosidade dos habitan-

tes, oferecendo novos espaços de apropriação para caminhar

e andar de bicicleta e espaços de recreio. A criação de ciclovi-

as e a promoção das atividades pedonais ofereceu opções pa-

ra que as pessoas pudessem usufruir do exterior para o pas-

seio higiénico e para que as crianças pudessem ter lugar pa-

ra brincar em zonas em que o espaço público não conseguisse

de outra forma responder a estas necessidades, mantendo a

sensação de segurança quer pela ausência dos carros quer

pela distância de segurança que desta forma é mais fácil

manter. Por outro lado, a criação de parklets permitiu que

restaurantes, cafés e bares tivessem a oportunidade de ocu-

18 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 30

Figura 14 – Parklet iniciativa umundu,

Campolide

Figura 12 - Ciclovia provisória, Burlington,

Reino Unido, 2017

Figura 13 - Parklet - Poço dos Negros, Ate-

lier Rés-do-chão, Lisboa, 2016

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

18

par passeios e lugares de parque automóvel com esplanadas,

uma política que dura até à atualidade em muitos dos casos,

dando oportunidade, não só de alargar a sua capacidade, mas

sobretudo de poderem manter o funcionamento, nos casos

que não possuíam de todo qualquer espaço exterior de serviço

ao público19. Estas mudanças, mostrando várias formas ino-

vadoras destes serviços criarem espaços exteriores agradá-

veis criando uma maior sensação de segurança para os seus

clientes, são sucessos consideráveis. Repropor estradas foi

uma forma de facilitar e tornar mais seguro caminhar e an-

dar de bicicleta e as pessoas acolheram entusiasticamente

estas mudanças. As mudanças temporárias das ruas e estra-

das implementadas como resposta à Covid-19 funcionaram

como experiência no campo do urbanismo, mas também, no

campo social, demonstrando às pessoas que transformações

positivas são possíveis.

Também no Porto se tomaram iniciativas semelhantes – Rua

de Miguel Bombarda, Rua dos Almadas, Rua de Passos Ma-

nuel, Rua da Torrinha, Avenida de Rodrigues de Freitas –

que serviram como experiência para a cidade sem carro, sem

emissões de CO2. Nestas ruas foram organizadas atividades

em conjunto com associações locais, associações desportivas e

outras de cariz social, desenvolvendo atividades sobretudo

para o público infantil20. A introdução de parklets, sobretudo

para esplanadas teve uma expressão forte pela cidade, man-

tendo-se ao longo do tempo.

19 Devido ao processo faseado de desconfinamento, as restrições de uso dos

espaços comerciais e de serviços interiores mantiveram-se bastante aper-

tadas durante muitos meses, tornando os espaços exteriores mais atrativos

quer para este setor do comércio como para os próprios clientes.

20 https://www.porto.pt/pt/noticia/bombarda-almada-passos-manuel-ou-av--

de-rodrigues-de-freitas-voltam-a-abrir-se-a-circulacao-pedonal

Figura 17 – Rua Passos Manuel fechada ao

trânsito motorizado com vegetação temporá-

ria e espaços de parklet, Porto, verão 2020

Figura 15 - Avenida de Rodrigues de Freitas

fechada ao trânsito motorizado, Porto, verão

2020

Figura 16 - Avenida de Rodrigues de Freitas

fechada ao trânsito motorizado, Porto, verão

2020

Urbanismo e Saúde Pública

19

URBANISMO E SAÚDE PÚBLICA

“A saúde não é tudo na vida, mas sem saúde a vida não é

nada.”21

Como mundo artificial, a cidade deve ser no melhor sentido:

feita pela arte, modelada para propósitos humanos22. É hábi-

to ancestral as pessoas ajustarem-se ao ambiente circundan-

te, para discriminar e organizar perceptualmente o que quer

que se torne presente aos sentidos. Sobrevivência e domínio

basearam-se nesta sensível adaptabilidade, no entanto, ago-

ra deve-se continuar para uma nova fase desta interação. As

convulsões mais notáveis nas cidades deram-se devido à sua

exposição a fenómenos extremos, sejam eles catástrofes na-

turais ou causadas pelo homem. A fragilização por uma do-

ença que afeta a saúde pública, apesar de não merecer o de-

vido enfoque, sempre foi um fator preponderante para a evo-

lução das sociedades a nível global. A memória das pandemi-

as e epidemias não é tão presente quando se revê a história

mundial, mas os seus efeitos comparam-se aos dos principais

eventos históricos como guerras, revoluções e decisões políti-

cas, desafiando e redefinindo os rumos políticos e económi-

cos. Devido a epidemias e outras situações de insalubridade

foram arrasadas ruas inteiras e desmobilizadas milhares de

habitações, deram-se grandes avanços tecnológicos ao nível

das infraestruturas urbanas originados por intensos estudos

debruçados no urbanismo, que se percebeu ser uma questão

essencial de escrutínio. A saúde pública e o urbanismo são,

assim, disciplinas que se foram desenvolvendo numa relação

de simbiose, o que enaltece a pertinência de voltar a olhar

21 Schopenhauer

22 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York. P.

95

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

20

para ambas de forma a dar uma resposta adequada às neces-

sidades da cidade. O estudo do urbanismo foi desenvolvido ao

longo do tempo de forma algo trôpega, considerada uma ma-

téria secundária entre as restantes ciências sociais e da cons-

trução. Só tendo começado a ser seriamente encarado como

uma disciplina independente a partir do final do século XIX,

altura em que as transformações industriais desenvolvidas

ao longo de mais de um século deixavam a nu o caos em que

se encontravam as cidades, com graves repercussões sanitá-

rias que deram origem a epidemias gerando milhares de

mortes. É nesta altura que a preocupação higienista se inte-

ressou pelo controlo sanitário total da cidade insinuando-se

na rede de relações de poder que protelavam projetos de re-

formas da cidade. Surge então a saúde pública como questão

unificadora dinamizada pela medicina. De facto, esta preo-

cupação deixou perfeitamente latente os graves problemas

habitacionais na cidade.

UMA RELAÇÃO ANTIGA

A Inglaterra, e mais concretamente a cidade de Londres, é o

mais óbvio exemplo ocidental das transformações geradas na

cidade devido a questões sanitárias, pelo facto de ser o berço

das Revoluções Industriais e, portanto, ter apresentado logo

a partir do século XVIII novas realidades que não se enqua-

dravam mais na imagem da cidade nem na imagem do cam-

po, dando origem à emergência do urbano23. O termo cidade

não servia mais para descrever este local de reunião de tanta

gente e funções, surgem novos termos – área metropolitana,

cidade região, cidade-território, território urbanizado24. Os

sinais de uma crescente dificuldade em definir e estudar os

23 Choay, François (1992) O Urbanismo. Perspectiva. São Paulo.

24 Aymonino, Carlo (1972) Origines y Desarrolo de la Ciudad Moderna. 2ª

edição, Gustavo Gilli, Espanha.

Urbanismo e Saúde Pública

21

acontecimentos resultam numa fraca resposta urbana ao

crescimento exponencial do seu número de habitantes. Em

1848, foi publicado o Public Health Act, a primeira iniciativa

de criação de medidas legislativas destinadas a melhorar as

condições de vida e a higiene nas cidades25. Visava a elimina-

ção de bairros de lata e o aproveitamento dos terrenos por

eles ocupados para a construção de blocos residenciais. Tor-

nava-se evidente que a organização e o funcionamento das

cidades conduzia a uma redução de tensões e dava expressão

à compatibilização entre as necessidades económicas e a re-

solução dos problemas sociais.

O projeto Victoria Embankment junto ao rio Tamisa, surge

nos anos 1850, pela necessidade de combate à epidemia de

cólera que assolava a cidade26. A criação de um sistema de

esgotos, separando águas limpas de água poluídas pelos deje-

tos de origem humana e animal e a atividade industrial foi

uma das medidas sanitárias mais importantes para a conti-

nuidade de um desenvolvimento urbano possível no século

XIX e que acabou por ser de alguma forma estudado e adap-

tado para as restantes cidades europeias. Este plano entra

em ação com a criação simultânea de um jardim público jun-

to ao rio, perfazendo a cobertura da plataforma sob a qual

passavam as novas canalizações, enaltecendo a frente ribei-

rinha da cidade e também oferecendo um espaço aberto na-

tural a uma cidade sobrepopulada sem espaços públicos de

qualidade. Nesta altura, a apreciação dos espaços verdes de

fruição na cidade começa a ser crescentemente associado a

um estilo de vida saudável.

25 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilidade:

Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.149

26 Lino Garnel, Maria R. (2009 maio 10) Portugal e as Conferências Sani-

tárias Internacionais: em torno das epidemias oitocentistas de colera-

morbus. Revista de História da Sociedade e da Cultura, 229-251. P. 243

Figura 19 - Jardins Victoria Embankment,

Londres, 1860

Figura 18 - Novo sistema de esgotos, Lon-

dres, 1860

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

22

Também pela mesma altura a cidade de Paris enfrenta gra-

ves problemas sanitários pelo que a intervenção de Haus-

mann na cidade do século XIX tem em grande parte essa

função de higienização. A organização radiocêntrica da cida-

de é revalorizada, partindo de um núcleo que tenderá a es-

tender-se e não a reproduzir-se englobando e transformando

as zonas limítrofes. A localização dos principais equipamen-

tos políticos, administrativos e culturais, com os boulevards

que os unem relacionando-os como pontos de referência de

todo o sistema espacial, transforma a cidade industrial numa

cidade policêntrica, ao mesmo tempo que o crescimento ace-

lerado dos subúrbios a volta a colocar num sistema monocên-

trico27, uma vez que a proporção da escala urbana se vai per-

dendo. Esta estrutura da vida cívica torna-se mais complexa

pressupondo novas arquiteturas, novas tipologias, novos

meios de intercâmbio e de transporte. As reformas profundas

27 Aymonino, Carlo (1972) Origines y Desarrolo de la Ciudad Moderna. 2ª

edição, Gustavo Gilli, Espanha. P.34, 37 e 38

Figura 21 - Plano Geral da

Paris de Haussmann, 1850-

1860

Figura 20 – Boulevard Haussmann, Paris,

1929

Urbanismo e Saúde Pública

23

desenvolvidas em Paris acabam por influenciar as reordena-

ções de várias cidades europeias. Sobretudo no novo desenho

agregador que as boulevards pressupõem – avenidas largas

com arborização, espaço de passeio e espaço para deslocações

por transportes, imagem de uma cidade altamente sofistica-

da e saudável. Este plano não deixa de ser bastante segrega-

dor pelo facto de se focar na construção de uma cidade bur-

guesa separando ainda mais esta classe da classe trabalha-

dora.

Já no final do século surge um dos maiores exemplos de pla-

no urbano global de impacto a nível mundial que teve por

base a resposta a graves problemas sanitários na cidade, as

Garden Cities de Ebenezer Howard. Uma utopia publicada

em 1898 no livro “To-morrow: A Peaceful Path to Real Re-

form”28, que procurava contornar os graves problemas habi-

tacionais e de qualidade do espaço público gerados por um

avassalador aumento demográfico na cidade à beira da rotu-

ra. A sua prescrição era de salvar as pessoas pelo contacto

com a natureza, que associava a saúde, calma e bem-estar.

Não estando longe daquilo que os especialistas de saúde pú-

blica atualmente defendem. De facto, é no século XIX que

surge a medicina do trabalho, em Londres, procurando res-

ponder aos problemas de saúde crescentes gerados pelas

condições laborais e que ajudou a conquistar melhorias nas

condições de trabalho ainda que lentamente. No entanto,

esta especialidade não era suficiente para suprimir os pro-

blemas que atingiam toda a cidade. As pretensões de

Howard incluíam um processo de suburbanização que trouxe

força para o uso futuro do automóvel (que na altura começa-

va ainda a ter expressão na vida urbana) com uma segrega-

ção acentuada das funções. A sua visão, como muitas outras

28 Aymonino, Carlo (1972) Origines y Desarrolo de la Ciudad Moderna. 2ª

edição, Gustavo Gilli, Espanha.

Figura 22 – Publicidade à segunda Cidade-

Jardim construída – Welwyn, 1920

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

24

que esta iria instigar, olhava de forma autómata para o ho-

mem sendo esse o principal aspeto a que se deve a falha das

Cidades Jardim. Apesar de hoje ser clara a incapacidade

deste plano vigorar, todas as cidades modernas foram virtu-

almente planeadas através de adaptações desta matéria (so-

bretudo nos Estados Unidos da América, país que iniciava a

construção das suas primeiras cidades e que assentou o seu

desenvolvimento no carro como unidade básica urbana desfi-

gurando o papel do transporte público que Howard pretendia

implementar), contrariando a vida urbana espontânea: a rua

é considerada perigosa por isso é minimizada a sua presença;

ausência de verde é ausência de saúde; a habitação deve vol-

tar-se para o seu interior; segregação de funções equivale a

organização e equilíbrio; bom planeamento urbano busca

isolamento e privacidade suburbana.

Figura 23 - Diagra-

ma da Garden City,

Ebenezer Howard,

1898

Urbanismo e Saúde Pública

25

Engels fala de utopia não como a contradição do existente, na

busca contínua para abolir a antítese cidade-campo, mas, em

vez disso, deveria partir das condições existentes procurando

resolver contradições na sociedade atual 29 . O plano de

Howard ignora grande parte dos acontecimentos urbanos

afastando-se de forma consciente, centrando-se num projeto

prescritivo, com área de ocupação definida assim como nú-

mero de habitantes. No entanto, depois de todos os planos

desenvolvidos ao longo do século XX – Cité Radieuse, City

Beautiful, Broadacre City, entre outros planos – talvez esteja

na altura de se voltar a olhar a Garden City, não num senti-

do literal, mas da necessidade de introduzir de novo a calma

e o tempo individual na cidade, de responder à falta de espa-

ços verdes e fazê-lo sem perder o sentido do urbano.

A Covid-19 fez novamente questionar o desenho e a finalida-

de da cidade à luz de uma pandemia, mas, o século XXI apre-

senta novas epidemias não transmissíveis que ameaçam a

saúde pública como a obesidade, a diabetes, doenças do foro

respiratório e doenças do foro psíquico. Cabe também ao ur-

banismo procurar condições de combate ao desenvolvimento

destas enfermidades.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a obesidade

quase triplicou desde 1975, em todo o mundo. Em 2016, 39%

dos adultos tinham excesso de peso e 13% eram já obesos30.

De facto, estes valores têm vindo a aumentar e as pessoas

consideram que é cada vez mais difícil manter um peso sau-

dável no atual ambiente obesogénico31. Este ambiente é cria-

do por diversos fatores desde a descida de amamentação ma-

29 Engels, E. (1950) La questione delle abitazione. Editora Rinascita, Ro-

ma. P.129

30 Eurostat - https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/

31 Lake, A., Townshend, T. (2006 novembro) Obesogenic environments:

exploring the built and food environments. National Library of Medicine

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

26

terna nos recém-nascidos, dificuldades quer económica como

geográficas em aceder a ingredientes de uma dieta saudável,

falta de conhecimentos para confecionar a comida, as fortes

estratégias de marketing assim como a abundância de comi-

das ricas em energia e com carências de outros nutrientes, o

planeamento urbano e pressões relacionadas ao estilo de vida

que reduzem a oportunidade de realização de atividade físi-

ca, quer no ambiente laboral como de lazer.

Os fatores que afetam a saúde do sistema respiratório são,

também, merecedores de especial atenção. A maioria estão

ligados ao estilo de vida ou fatores relacionados com o ambi-

ente. A poluição do ar é um importante problema associado à

saúde respiratória: atividades envolvendo a queima de com-

bustíveis fósseis, como algumas atividades industriais, a

produção de energia, as emissões dos veículos e o aquecimen-

to doméstico, assim como fenómenos naturais (como erupções

vulcânicas ou poeiras de tempestades) têm o potencial de

causar doenças respiratórias32. A maioria da poluição atmos-

férica no exterior está para além do controlo individual e exi-

ge ação por parte dos planeamentos urbanos e de políticas

nacionais e internacionais. As cidades que venham a apostar

na redução da poluição atmosférica é mais provável que be-

neficiem de um reduzido fardo de doenças cardíacas, cancro

dos pulmões, doenças respiratórias agudas e crónicas (inclu-

indo asma)33. Políticas que podem potencialmente aliviar a

poluição do ar incluem o apoio a transportes limpos, habita-

ção com eficiência energética elevada ou melhor gestão dos

desperdícios municipais em áreas urbanas, e políticas que

almejam a redução da incineração dos resíduos agrícolas,

32 ISPUP - https://ispup.up.pt/

33 OMS - https://news.un.org/pt/story/2021/09/1762092

Urbanismo e Saúde Pública

27

fogos florestais e de certas atividades agroflorestais em áreas

rurais34.

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte

na Europa. Embora o número de mortes tenha vindo a dimi-

nuir, continua a ser um fator de grande preocupação35. A

Declaração do Luxemburgo de 200536 estabeleceu um acordo

em busca da prevenção das doenças cardiovasculares assegu-

rando que seriam tomadas medidas efetivas, políticas e in-

tervenções por todos os países europeus, dando prioridade ao

estilo de vida saudável incluindo: evitar o consumo de tabaco;

atividade física adequada (30 minutos por dia); escolhas ali-

mentares saudáveis; evitar o excesso de peso; manter a pres-

são arterial dentro dos parâmetros estabelecidos, assim como

o colesterol.

As doenças e distúrbios mentais perfazem também uma das

maiores categorias de doenças na União Europeia37. Além

dos dados existentes, é sabido que esta área específica da

saúde é subvalorizada por grande parte das populações e,

portanto, muitos casos de desordem em estado primário ou

moderado não são diagnosticados ou são mal diagnosticados

e consequentemente não são tratados nem reportados. Da

mesma forma que a saúde mental tem um grande impacto

individual, também o tem no desenvolvimento da sociedade,

quer na produtividade, no desempenho e na criatividade,

como nos vários sistemas que estruturam uma sociedade

como o educacional ou da justiça.

34 Eurostat - https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/

35 ISPUP - https://ispup.up.pt/

36 https://www.dgs.pt/saude-ocupacional/relatorios-e-

publicacoes/internacionais/declaracao-de-luxemburgo.aspx

37 Eurostat - https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/

28

A SAÚDE PÚBLICA NO DESENHO DO PORTO

O Porto não é alheio a uma história que se desenvolveu mar-

cada por doenças como as pestes, ou outras originadas pelas

fomes que eram constantes. O mais antigo registo de epide-

mia no Porto remonta a 134838, altura em que a mortífera

Peste Negra assolava a Europa. Os vestígios pela cidade da

influência destas epidemias centram-se sobretudo no que

toca à Arte e Arquitetura Sacra, várias figuras de santos,

assim como capelas foram erigidas para interceção pelas vi-

das dos que sofriam agudamente, ou como agradecimento dos

devotos curados39. Estas manifestações encontram-se ainda

pela cidade desde Ramalde (uma capela com intervenção

posterior de Nasoni) à Foz, intervenções que remontam ao

século XVI, centúria fustigada por surtos consecutivos. Ape-

sar das tentativas de médicos e curandeiros, só no século XIX

se dão avanços consideráveis no que toca à saúde pública,

quer na medicina quer nas políticas públicas sanitárias.

38 Cleto, Joel (2020 Abril) O Porto das pestes, dos vírus e do património. O

TRIPEIRO. 7ª Série – Ano XXXIX – Nº4, P.103

39 “A reputação de S. Roque como protetor das pestes resultava da sua

hagiografia: médico francês do século XIV, havia-se evidenciado no trata-

mento e em curas milagrosas no contexto da Peste Negra e, desde então, a

sua fama alicerçou-se no mundo católico. E quando no século XVI o Porto

se viu confrontado com um novo surto pestífero, as gentes da cidade fize-

ram uma promessa ao santo: se este os livrasse da peste, mandariam edifi-

car-lhe uma capela, num sítio nobre do burgo, mesmo ao lado da catedral.

A maleita desapareceu e a população cumpriu a promessa.” Cleto, Joel

(2020 Abril) O Porto das pestes, dos vírus e do património. O TRIPEIRO.

7ª Série – Ano XXXIX – Nº4, P.104

Figura 25 - Densidade, população e

área dos distritos do continente (1890)

Figura 24 – Mortalidade nas cidades

europeias (1890-97)

29

Em 1885, é feita uma publicação que dá conta oficialmente

das graves condições sanitárias geradas pela rápida indus-

trialização da cidade, numa altura em que a população esta-

va perto de duplicar em relação a apenas 50 anos atrás40. O

médico Ricardo Jorge acaba por realizar uma visita de campo

às ilhas do Porto, após receber relatos de mortes sucessivas

nestes sítios verificando as condições desumanas dos seus

habitantes.41 Nesta altura a mortalidade no Porto era de tal

forma elevada que o crescimento demográfico se dava pelo

êxodo rural e não por crescimento natural41. Já no final desse

século, em 1899, o Porto volta a registar a presença da peste

bubónica, sendo uma das últimas grandes povoações euro-

peias a contrair a doença e a ser submetida a uma cerca sa-

nitária42.A zona da Sé e Barredo, assim como as ilhas espa-

lhadas pela cidade, revelaram-se como focos de desenvolvi-

mento e proliferação da doença refletindo, mais uma vez, as

condições desumanas de habitação do operariado para as

quais se tornou necessário arranjar solução urgente no prin-

cípio do século XX. Esta epidemia influenciou a programação

da legislação sobre a construção da cidade e promoveu a for-

mação de novos órgãos administrativos relacionados com a

saúde quer do nível do Porto como nacional43. Nas habitações

pobres a economia devia ser conexa com a higiene, a questão

da insalubridade dessas casas era uma questão primordial

da higiene pública.

40 Vázquez, Isabel B., Conceição, Paulo, coord. (2015 janeiro) ‘Ilhas’ do

Porto – Levantamento e Caracterização. Porto.

41 Jorge, Ricardo (1899) Demographia e Hygiene da Cidade do Porto: Cli-

ma, População, Mortalidade. Porto: Repartição de Saúde e Hygiene da

Câmara do Porto.

42 Pontes, David (2020 Abril) O Terrível Verão de 1899. O TRIPEIRO. 7ª

Série – Ano XXXIX – Nº4

43 Gonçalves, Eliseu (2014) Bairros de Habitação Popular no Porto, 1899-

1933: A Prática de uma Arquitectura económica, saudável e cómoda nas

vésperas do moderno. Tese de doutoramento em Arquitectura. Porto:

FAUP

Figura 28 – Interior de fogo numa ilha, com

apenas uma divisão onde se insere a cozi-

nha e 2 camas, Porto, 1960

Figura 26 – Fumigação de ilha, Porto,

1960

Figura 27 - Ilha do Porto, sem sistema de

esgotos e escoamento de águas, acesso em

terra batida, 1960

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

30

A abertura da Avenida dos Aliados, em 1917, e das ruas en-

volventes surge, não só de uma necessidade de afirmação de

poder para o exterior, mas também, no seguimento dos even-

tos anteriores, pela necessidade de salubrização da Baixa,

não fosse esta empreitada projetada por um dos grandes ar-

quitetos ingleses da época, que participou na criação da pri-

meira Cidade-Jardim, Barry Parker. Com a abertura de ruas

mais amplas e de uma Avenida central para passeio. A cria-

ção deste espaço aberto e com vegetação (atualmente apenas

com arborização periférica) começou a ter importância cres-

cente e a ser associada a melhoria das condições de saúde.

Obviamente implicou a razia de inúmeras habitações como

aconteceu em várias cidades europeias devido aos problemas

causados pela sobreocupação que se prendem tanto com a

saúde pública como com fatores sociais e económicos.

No ano seguinte, surge a “gripe espanhola” como é vulgar-

mente conhecida a doença associada ao H1N1, e comparada

muitas vezes ao mais recente vírus da Covid-19, que surge

um século depois. Chega ao Porto trazida da Grande Guerra

pelos soldados. Uma prova de que os problemas epidemioló-

gicos e de saúde pública não têm o mesmo impacto nos rela-

tos históricos como outros acontecimentos é o facto da influ-

enza, como era também conhecida esta enfermidade, ter ori-

ginado mais mortes do que a própria guerra que terminava44.

O Porto foi, também, fustigado continuamente pela tubercu-

lose ‘peste branca’ tendo picos localizados sendo um dos úl-

timos mais agressivos registado nos anos 193045. Este era

também um problema relacionado com as condições de habi-

tabilidade. Atualmente continua a ser registado nas zonas

44 Leitão, Pedro Almeida (2020 Outubro) A gripe pneumónica de 1918. O

TRIPEIRO. 7ª Série – Ano XXXIX – Nº10

45 Câmara Municipal do Porto (1930 - 1939) Inquérito do Gabinete do Pla-

no de Urbanização da Câmara Municipal do Porto. Porto

Figura 29 - Projeto para Avenida dos Alia-

dos - implantação dos novos Paços do Con-

celho, rede de elétrico, novos arruamentos

transversais e quarteirões adjacentes,

Porto, 1915

Urbanismo e Saúde Pública

31

com piores condições de salubridade da cidade. Ainda antes,

em 1902, no segundo congresso da Liga Nacional Contra a

Tuberculose46, são discutidas medidas a implementar como o

“rasgamento de bairros acumulados” através da criação de

novos arruamentos bem orientados com casas higiénicas.

Nos congressos que se dão nos anos seguintes continuam a

alimentar-se a necessidade de medidas governativas relati-

vamente ao planeamento urbano, a abertura de partes so-

brepopuladas e a construção de novos bairros airosos. Toda

esta discussão não impediu que fosse registado o máximo

histórico de mortalidade por tuberculose entre 1924 e 1930

mantendo-se valores elevados de mortalidade durante toda a

década de 30. A criação de bairros sociais nasce desta difi-

culdade crescente em controlar doenças transmissíveis que

se propagam pelas ilhas e pela zona da Sé e Ribeira, onde se

assiste consistentemente a mais mortes prematuras.

46 Gonçalves, Eliseu (2014) Bairros de Habitação Popular no Porto, 1899-

1933: A Prática de uma Arquitectura económica, saudável e cómoda nas

vésperas do moderno. Tese de doutoramento em Arquitectura. Porto:

FAUP

Figura 31 – Principais causas de morte e

seus números no Porto, 1936-38

Figura 30 – Mortes por tuberculose por

freguesia do concelho do Porto, 1936-38

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

32

Ao longo do século XX, verificou-se que apesar da aposta

crescente do governo e de privados na criação de casas eco-

nómicas, bairros camarários, bairros operários, operação

SAAL, e criação de bairros mais recentes, muitas das ques-

tões relacionadas com a saúde permanecem nestas zonas

mais frágeis, além de se agravarem os problemas da susten-

tabilidade social. A crise gerada pela Covid-19 só veio agra-

var a segregação existente na cidade, marginalizando ainda

mais os habitantes em condições vulneráveis.

Se nos séculos passados a cólera, o tifo, a febre tifoide, a pes-

te bubónica ou a tuberculose deram origem a progressos im-

portantíssimos no campo do urbanismo com vista à melhoria

de condições de salubridade e higiene, atualmente as gran-

des preocupações da saúde pública não são doenças trans-

missíveis. Com o desenvolvimento de um estilo de vida cada

vez mais sedentário, alimentado pelo crescimento da tercia-

Figura 32 - Dispersão da tuberculose no

Porto, 1903-1912

Figura 33 - Ilha no Porto, espaço exíguo

entre habitações que serve para as mais

variadas funções, lavar roupa, estendal,

espaço de recreio infantil, 1960

Urbanismo e Saúde Pública

33

rização, o abuso nas comidas rápidas, fracas em nutrientes –

pela falta de tempo e custo apelativo –, o repúdio da vegeta-

ção, muitas vezes associada a sujidade ou a custo de manu-

tenção elevado, deu-se aso ao desenvolvimento de doenças

respiratórias, sensibilidade alérgica crescente, hipertensão,

obesidade, diabetes e distúrbios mentais.

Como é que o urbanismo poderá contribuir ativamente para

a luta contra estas doenças? É sabido que os comportamentos

da população contribuem mais para o desenvolvimento des-

tas doenças do que a própria genética. Vários estudos expli-

caram já como um estilo de vida ativo pode ajudar, se não,

mudar radicalmente o rumo da saúde de uma pessoa. A pro-

pósito disso, várias iniciativas começaram a ser desenvolvi-

das na cidade ao nível dos bairros sobretudo para ajudar a

combater doenças associados a um fraco estilo de vida47.

No Porto, o Instituto de Saúde Pública da Universidade do

Porto - ISPUP estuda já há vários anos de que forma a con-

ceção do espaço público afeta a saúde e a qualidade de vida

dos seus habitantes dando indicações do caminho a seguir

para se desenvolver uma cidade mais saudável. Através das

coortes48 do Porto estudam os determinantes de doenças, a

fim de compreender as consequências de exposição a diversos

fatores como as formas de ocupação, os comportamentos, fa-

tores nutricionais ou infeciosos e muitos mais.

Como foi referido anteriormente, o excesso de peso e a obesi-

dade são focos essenciais de combate. É uma preocupação de

grande escala da saúde pública e pode ser atribuída a deter-

47 Moreira, Maria A., Almeida, Sónia (novembro 2018) Diagnóstico de Sa-

úde do Porto Ocidental. Unidade de Saúde Pública (USP), ACeS Porto

Ocidental Área Funcional do Planeamento. Porto

48 “Um estudo de coorte avalia o risco e a taxa de doença ou de consequên-

cias relacionadas com ela, medindo tudo isso numa população caracteriza-

da em termos de fatores ou exposições de risco relevantes, submetida a

observação e seguida ao longo do tempo.” Henrique Barros em O Tripeiro,

7ª Série, Ano XXXV – Nº7 Julho 2016, p.205

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

34

minantes individuais e do nível do bairro. Tendo isso em con-

ta, é necessário o reconhecimento dos bairros de alto risco e

uma compreensão dos determinantes presentes localmente

para a realização de intervenções locais eficazes. Um dos

estudos realizados pelo ISPUP49 revela que a distribuição

geográfica da obesidade infantil até aos 7 anos não é aleató-

ria. Os bairros com carências socioeconómicas e maior facili-

dade de acesso a fast-food explicam parcialmente a presença

destas áreas de prevalência acrescida de obesidade. Pelo con-

trário, bairros saudáveis tendem a atrair infraestrutura be-

néfica como lojas de comida saudável, espaços culturais e

recreativos e evita danos ambientais como contaminantes do

ar e do solo, que muitas vezes estão desproporcionalmente

concentrados em áreas desfavorecidas.

A qualidade dos espaços exteriores está associada não só a

uma maior ou menor prevalência de obesidade, mas também,

ao risco de sensibilidade alérgica, que diminui significativa-

mente se as crianças estiverem expostas a espaços verdes

desde cedo na infância. O mesmo acontece com a exposição a

espaços azuis (corpos de água)50, aos quais estão associados

fatores de redução de perigos ambientais, aumento da ativi-

dade física e coesão social. A exposição precoce a ambientes

naturais tem vários efeitos importantes na saúde, nomeada-

mente na modulação do sistema imunitário e no desenvolvi-

mento de doenças inflamatórias crónicas51. De uma forma

genérica os espaços verdes em ambientes urbanos podem

49 Ribeiro, A. I., Santos, A. C., Vieira, V. M., Barros, H. (2019, setembro 10)

Hotspots of Childhood Obesity in a Large Metropolitan Area: Does Neigh-

bourhood Social and Built Environment Play a Part?. International Jour-

nal of Epidemiology, 934-943

50 Espaços azuis podem mitigar as temperaturas até 2ªC durante o verão, o

que pode levar à diminuição de poluição atmosférica.

51 Paciência, I., Moreira, A., Moreira, C., Cavaleiro Rufo, J., Sokhatska, O.,

Rama, T., Hoffimann, E., Santos, A. C., Barros, H., Ribeiro, A. I. (2021

janeiro 27) Neighbourhood Green and Blue Spaces and Allergic sensitiza-

tion in Children: A Longitudinal Study Based on Repeated Measures from

Generation XXI Cohort. Science of the Total Environment – Elsevier B.V.

Urbanismo e Saúde Pública

35

promover a saúde infantil influenciando significativamente a

saúde física e mental assim como o bem-estar. A presença de

espaços verdes bem desenhados pode diminuir os efeitos ad-

versos relacionados com os fatores ambientais como a polui-

ção atmosférica – com a introdução de buffers removendo

poluentes ou limitando a sua dispersão no ar em direção aos

passeios –, ruído ou extremos climáticos o que reduz também

os efeitos negativos na saúde associados à vida urbana.

A presença de espaços verdes em ambientes residenciais po-

de estimular as crianças a passarem mais tempo ao ar livre,

oferecendo oportunidade de vivenciar o contacto com a natu-

reza, o que pode ser associado ao efeito protetor da exposição

ao longo da vida e na infância a espaços verdes sobre a sen-

sibilidade alérgica. Um buffer de maiores dimensões é mais

provável que inclua espaços de deslocamentos e onde as cri-

anças possam passar o tempo, e poderá refletir melhor o po-

tencial efeito da exposição das crianças a espaços verdes.

Adicionalmente, um buffer de pequenas dimensões pode cap-

turar a exposição a espaços verde nas imediações das suas

habitações52.

“A natureza é a melhor sala de aula” 53. Estas descobertas

recentes podem ter implicações importantes para a saúde

pública e para o planeamento urbano, sugerindo que as pro-

visões de espaços verdes nos bairros residenciais de áreas

metropolitanas podem ser uma estratégia efetiva para pro-

mover a saúde infantil. A dependência do carro tornou-se

desastrosa para a saúde, promovendo um estilo de vida se-

52 Paciência, I., Moreira, A., Moreira, C., Cavaleiro Rufo, J., Sokhatska, O.,

Rama, T., Hoffimann, E., Santos, A. C., Barros, H., Ribeiro, A. I. (2021

janeiro 27) Neighbourhood Green and Blue Spaces and Allergic sensitiza-

tion in Children: A Longitudinal Study Based on Repeated Measures from

Generation XXI Cohort. Science of the Total Environment – Elsevier B.V.

53 Ribeiro, A. I., Tavares, C., Guttentag, A., Barros, H. (2019 julho 1) Asso-

ciation between Neighbourhood Green Space and Biological Markers in

Schoolaged Children. Findings from the Generation XXI Birth Cohort.

Environmental International – Elsivier B.V.

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

36

dentário que enfraquece a saúde das populações. Fazer ca-

minhadas diariamente não só previne como ajuda na regres-

são de várias doenças. Mas não é surpresa que andar num

espaço natural, ou numa rua tranquila com uma linha de

árvores, é mais efetivo do que andar junto a quatro faixas de

trânsito automóvel. A presença de um ambiente de vegetação

ajuda a melhorar substancialmente a sensação de bem-estar,

o que quer dizer que o ambiente construído e planeado é ex-

tremamente importante. A melhor forma de pôr as pessoas a

caminhar é dar-lhes algo para onde caminhar, portanto, tor-

nando as ruas atrativas. Observando a mancha de espaços

verdes na cidade constata-se rapidamente que o Porto tem

uma oferta muito reduzida comparativamente com as gran-

des cidades europeias, sobretudo aquelas voltadas para

Figura 34 - Mapa de

verdes do Porto, 2020

Urbanismo e Saúde Pública

37

um desenvolvimento mais sustentável e saudável. A divisão

traçada pela VCI além de dividir incisivamente a cidade,

revela essa diferença de proximidade e acesso a zonas natu-

rais e a sua fragmentação, com muito menos oferta dentro do

que fora do anel. A densidade existente no centro da cidade

não pode ser justificativa para uma aposta tão fraca em es-

paços verdes. Quando comparado o espaço dedicado ao trân-

sito viário com o espaço dedicado a zonas de fruição percebe-

se rapidamente a desproporção de espaço destinado a cada

função, sendo ambas de enorme relevância para a vida urba-

na.

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

38

Para além dos estudos relacionados à ocupação e desenho do

espaço público, o ISPUP realizou um importante estudo que

relaciona os tipos de habitação caraterísticos do Porto com os

índices de mortalidade. A associação entre habitação desfa-

vorecida e mortalidade foi mais forte do que a observada pa-

ra fatores de risco bem estabelecidos como a hipertensão, o

sedentarismo, o alcoolismo, a ocupação manual ou a obesida-

de. Portanto, este aspeto torna-se extremamente relevante

para a melhoria da saúde pública.

Entre 1999 e 2019 morreram em média, devido às condições

habitacionais: 713/100 000 habitantes em habitação conven-

cional, 1019 em habitação acessível, 1200 em habitação soci-

al e 1230 em ilhas.54 Fica patente a necessidade de se conti-

nuar a responder aos problemas associados ao desenho da

habitação e à melhoria das condições sanitárias de determi-

nadas tipologias. Não só as ilhas são novamente apontadas

como um problema de saúde pública como também os bairros

sociais, que embora apresentem resultados ligeiramente me-

lhores, não correspondem à resposta sanitária necessária,

revelando deficiências na sua construção e planeamento que

se refletem na saúde.

Cabe também ao urbanismo providenciar qualidade e o devi-

do equipamento do espaço público para ajudar a suprimir as

necessidades habitacionais diferenciadas. Não se trata de

remediar, mas, pelo contrário, trata-se sobretudo de encon-

trar respostas eficientes e rápidas aos problemas. Torna-se

claro que tanto o urbanismo como a saúde pública acabam

por nunca se desligar dos problemas da habitação, fazendo

com que seja a primeira das matérias do estudo das cidades.

54 Ribeiro, A.I., Barros, H. (2020 julho 1) Affordable, Social, and Substand-

ard Housing and Mortality: The EPiPorto Cohort Study, 1999-2019. Amer-

ican Journal of Public Health, 110(7), 1160-1067

Urbanismo e Saúde Pública

39

Figura 35 - Inquérito do Gabi-

nete do Plano de Urbanização

da Câmara Municipal do Porto,

1930-39

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

40

Olhando à área urbana do Porto interna à VCI, onde o acesso

a espaços verdes é mais reduzido e tendo em conta os núcleos

habitacionais compostos por ilhas, algumas zonas ganham

claro destaque. A área em torno da Rua Pedro Hispano tem

uma concentração de ilhas significativa sendo o núcleo de

maior densidade de alojamentos a oeste da cidade; o entorno

da Rua de Silva Porto é também de salientar, não pela con-

centração mas pela mancha mais dispersa de ocupação que é,

no entanto, bastante homogénea e consistente; a zona de

Noêda e da Lomba, no entorno da estação da Campanhã são

o retrato claro da freguesia da cidade mais fustigada pelo

flagelo da insalubridade das ilhas; e, por fim, a zona de São

Víctor e Fontaínhas que continua a apresentar a maior den-

sidade de ilhas habitadas do concelho num curto espaço. Das

50 ilhas aqui localizadas, 22 concentram-se apenas na Rua

de São Víctor55, indício da forma acidentada de desenvolvi-

mento deste lugar. As Fontaínhas é uma das zonas de maior

carência da cidade, um dos mais antigos focos de insalubri-

dade, logo a seguir à zona da Sé e Ribeira, que, embora pró-

xima ao centro histórico da cidade, parece excluída da vida

urbana. Grande parte dos seus problemas de carências de

saúde devem-se à concentração de ilhas. Apesar de várias

reabilitações, demolições e conversões, ainda se encontram

muitas com graves carências sanitárias e estruturais56 evi-

denciando o défice de equipamentos e infraestruturas nas

Fontaínhas. Tendo em conta a peculiaridade dos aspetos que

envolvem este lugar, foi a área escolhida para estudo de dis-

sertação.

55 Domus Social da CMP http://www.domussocial.pt/ilhas

56 Vázquez, Isabel B., Conceição, Paulo, coord. (2015 janeiro) ‘Ilhas’ do

Porto – Levantamento e Caracterização. Porto.

Urbanismo e Saúde Pública

41

Figura 37 - Distribuição dos números de alojamentos por núcleo (ilha) e sua distribuição territorial, 2015

Figura 36 – Estado de ocupação dos núcleos habitacionais (ilhas) e sua distribuição territorial, 2015

43

FONTAÍNHAS – UM LUGAR DE

SOBREVIVÊNCIA

“Existe, sem dúvida alguma, uma arte do relacionamento, tal

como existe uma arte arquitectónica. O seu objetivo é a reu-

nião dos elementos que concorrem para a criação de um am-

biente, desde os edifícios aos anúncios e ao tráfego, passando

pelas árvores, pela água, por toda a natureza, enfim, e entre-

tecendo esses elementos de maneira a despertarem emoção ou

interesse.”57

57 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 10

Figura 38 - Passeio das Fontaínhas

com vista sobre a escarpa com as

ilhas da Corticeira e a Ponte do

Infante D. Henrique em destaque,

junho 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

44

Se por um lado, a cidade nos exige a observação a uma gran-

de escala, fomentando relações que não são percetíveis à es-

cala humana, por outro lado, foi exatamente esta dimensão

humana que foi perdendo. As Fontaínhas são um dos exem-

plos fortes desta situação no Porto, à beira de perder a iden-

tidade, um lugar sub-repticiamente esventrado, com os seus

habitantes e tradições deslocados, o bairro foi remetido para

segundo plano mesmo estando no centro da cidade. Palco de

urbanização e industrialização no século XVIII, é, ainda hoje,

uma das zonas do Porto que condensa mais ilhas num curto

espaço, a sua área restringe-se ao extremo sul da freguesia

do Bonfim, apanhando ainda o limite nascente da freguesia

de São Nicolau, os seus limites são parcialmente estabeleci-

dos pela Avenida de Rodrigues de Freitas a norte, mantendo

uma forte ligação ao Jardim de São Lázaro, a Rua das Fonta-

ínhas a oeste e o Passeio das Fontaínhas até ao Largo Actor

Dias, o Cemitério Prado do Repouso a poente, e o rio Douro a

sul da escarpa margeado pela Avenida Gustavo Eiffel. Figura 39 - Localização das Fontaínhas

no Porto

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

45

A posição privilegiada das Fontaínhas, num orgulhoso pro-

montório sobre o Douro, ganha dimensão graças à distância

que o rio permite e quando observada do ponto de vista de

Gaia. O seu valor paisagístico está nesta dualidade entre a

altura e a distância que permite, de certa forma, que se en-

tenda a monumentalidade de uma escarpa que se ergue so-

bre o rio como uma catedral empedernida. A proximidade

possível pela Avenida Gustavo Eiffel, de tão próxima que é,

não deixa perceber a dimensão paisagística de um drama-

tismo pitoresco do território tão próximo, o que, por outro

lado, fomenta uma curiosidade pela descoberta.

O primeiro contacto com as Fontaínhas aconteceu em 2014

ainda no primeiro ano na faculdade quando visitei o bairro

de São Víctor num contexto de estudo do SAAL para a disci-

plina de Teoria Geral da Organização do Espaço, dando os

primeiros passos no estudo do direito à habitação. Nessa al-

tura nunca tinha ouvido falar das Fontaínhas, a viagem foi

realizada de carro o que me tirou a dimensão da orientação

ao percorrer um Porto ainda desconhecido. O primeiro con-

tacto foi diretamente com este bairro que me pareceu muito

distante da cidade. Não tinha perceção que ali ao lado estava

o Jardim de São Lázaro e, a poucos minutos a pé, a Batalha.

A sensação era de que estaria já próxima da periferia da ci-

dade. Exploramos apenas o bairro de São Víctor timidamen-

te.

“O SAAL não se trata apenas da reinserção de populações,

além do desenho da habitação está implícito também o pla-

neamento urbano, este projeto abarca a escala da cidade. A

casa, bem como, os seus habitantes têm uma extensão natural

no meio urbano.

Figura 40 - Vista das Fontaínhas a partir

de V.N. Gaia, junho 2021

Figura 41 - SAAL - São Víctor, 2014

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

46

Lefebvre58 afirma que a compreensão do habitante se estende

aos espaços exteriores, sendo a cidade uma projeção da socie-

dade, tratando-se de um sistema em mutação que correspon-

de ao dia-a-dia dos cidadãos e que exige o entendimento de

todas as suas contradições. Ele propõe, então, que a orienta-

ção da arquitetura da habitação deveria ser iniciativa dos

interessados, de modo a desviar a influência dos poderes do-

minantes sobre esta, o envolvimento dos moradores seria

marcadamente importante para a apropriação das suas futu-

ras casas, sobrepondo a ideia do consumo pelo valor do uso.

Segundo o filósofo, o espaço doméstico deveria conjugar a

socialização com a individualização, as qualidades habitaci-

onais advêm da oportunidade de apropriação da casa pelos

habitantes e não propriamente da qualidade formal arquite-

tónica da casa. No caso concreto do bairro de São Vítor en-

contra-se uma espécie de corredor nas traseiras das casas que

configuram uma contiguidade das zonas sociais da casa (co-

zinha e sala de estar) e se torna num espaço de interação en-

tre os habitantes. Na parte da frente cada casa tem uma ex-

tensão da entrada no exterior, que é individualizada e incen-

tiva a caraterização destes espaços por parte do habitante

(com canteiros, bancos, etc) promovendo a apropriação da

habitação. Na busca de melhor comunicação entre os habi-

tantes Siza Vieira insere no projeto mais aspetos afim de

promover o convívio e interação desta comunidade, como por

exemplo, a criação das varandas comuns no piso superior de

ligação aos quartos promovendo a partilha e usufruto do

mesmo lugar. No projeto estariam ainda programas adicio-

nais exteriores à habitação como lavandaria, biblioteca e cre-

che, estas ideias não só estendem publicamente o programa

habitacional como fomentam o uso dos pátios que intercalam

58 Lefebvre, Henri (2008) O Direito à Cidade, 5ª edição, Centauro, Lisboa

Figura 43 - SAAL - São Víctor, espaços

dedicados à entrada de cada fogo, 2014

Figura 42 – SAAL, São Víctor, corredor

comum nas traseiras, 2014

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

47

os edifícios como locais de encontro entre as famílias e de re-

creio para as crianças.”59

Ao longo desse ano foram muitas as vezes que frequentei os

Poveiros, São Lázaro ou mesmo a FBAUP sem saber que era

ali tão próximo o bairro do Siza que tinha visitado e que toda

aquela área que liga estes espaços ao Douro numa topografia

excecionalmente acidentada, se escondia atrás de vias e es-

paços que respondem a uma escala de cidade da qual as Fon-

taínhas foram convenientemente sendo afastadas. Ao longo

do tempo e do estudo da cidade, as Fontaínhas foram apare-

cendo como sinónimo de ilhas e de S. João – aqui eram reali-

zadas as melhores festas da cidade, ou pelo menos, foram em

tempos. Havia agora uma ponte que mudou tudo.

A imagem que criei ligava-se a um lugar hostil de tempera-

mento volátil, talvez perigoso, talvez amigável, orgulhosa-

mente encerrado em si, com riquezas que escondia no regaço

para que não lhe fossem arrancadas, de quem conhecedor se

defende das gravatas emproadas.

Voltei a lá ir, em 2018, à escola dos Salesianos no extremo

oriental das Fontaínhas, em contexto familiar, de onde pude

contemplar a vista que este miradouro, no Largo Padre Bal-

tasar Guedes, expõe sobre o rio, fiquei atónita com aquele

lugar escondido da cidade, muito pacato, longe do ruído dos

automóveis e que vista espetacular! Com uma forte vocação

habitacional e uns poucos serviços sobretudo de reparação

automóvel e de eletrodomésticos ao longo da Rua do Duque

de Saldanha, a única que percorri nessa altura, um ambiente

contrário ao que suponha. Pareceu-me estranho, na altura,

59Calçada, Ana (2015) A Habitação Social Pertinente do Processo SAAL: Os

fenómenos sociológicos nos projetos de habitação. Trabalho realizado no

âmbito da disciplina de TGOE

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

48

que o posicionamento tão privilegiado do Largo do Padre Bal-

tasar Guedes tivesse como função primordial parque de esta-

cionamento. Pelo que percebi servia sobretudo a escola, o

cemitério e uma oficina automóvel. Sendo um espaço de con-

fluência de várias ruas, pareceu-me francamente desperdi-

çado. Anos mais tarde verifiquei a mesma situação.

Figura 47 - Largo do Padre Baltasar Guedes

a partir da Rua de São Víctor, 2021

Figura 46 - Largo do Padre Baltasar Guedes,

cruzamento com a rua do Duque de Salda-

nha, 2021

Figura 45 - Largo do Padre Baltasar Guedes,

cruzamento com a Rua de Gomes Freire e

com a Rua de São Víctor, 2021

Figura 44 - Largo do Padre Baltasar Guedes,

2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

49

Foi já em junho de 2021 no contexto da Porto Design Bien-

nalle que voltei às Fontaínhas olhando o espaço com outros

olhos, à procura dos sinais de um Porto esquecido que deve

ser preservado. Neste contexto, as Fontaínhas surgiam como

ponto culminante de um caminho maior que privilegia os

percursos pedonais escondidos da cidade destacando 6 pontos

chave: o miradouro de Santa Catarina em Lordelo; a plata-

forma em frente à Casa cor-de-rosa na FAUP; o Jardim do

Romântico nos Jardins do Palácio de Cristal; o Horto das

Virtudes; o miradouro das Fontaínhas numa plataforma no

extremo oeste do Passeio das Fontaínhas; e, por fim, o Lava-

douro das Fontaínhas. Foi neste último ponto do percurso

que o meu grupo trabalhou. Desta forma, conheci as Fonta-

ínhas começando pela escarpa. Numa fase de reconhecimento

do lugar a descoberta do sítio começou a partir da escadaria

dos Guindais, até ao Largo Actor Dias, seguindo-se uma ro-

tura percetível no percurso pelo atravessamento do parque

de estacionamento sob o viaduto do General Sousa Dias, até

ao Passeio das Fontaínhas, onde tivemos a primeira vista

desafogada do contacto das Fontaínhas com o Douro, com as

ilhas da Corticeira a descer a escarpa em primeiro plano, a

Ponte do Infante a encerrar a vista sobre a Alameda, da qual

apenas se descobrem as copas das árvores e um tímido con-

junto edificado por trás.

“Não é somente a vista que se tem, mas também a noção de

vantagem, a sensação de que se está numa posição de privilé-

gio, uma boa posição independentemente de se olhar ou não

para a vista. Pode ser muito excitante e estimulante. Como

nos miradouros. Haverá seguramente um elemento lúdico e

instintivo em tudo isto”60

60 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 180

Figura 48 - Lavadouro das Fontaínhas, junho

2021

Figura 49 - Passeio das Fontaínhas extre-

mo poente, junho 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

50

O Workshop ‘Petites Folies: outras paisagens sobre o Douro’,

era o desafio que se apresentava. O objetivo centrava-se na

criação de um conjunto de instalações no espaço público, que

procurassem reconfigurar as realidades locais e ao mesmo

tempo redefinindo os percursos urbanos através de uma série

de miradouros e enquadramentos. Propondo uma viagem

através de diferentes áreas da beira-rio do Porto estimulando

um novo olhar sobre as áreas intervencionadas61.

O Lavadouro das Fontaínhas, local de implantação, esconde-

se logo abaixo da Alameda, com um acesso por baixo da Pon-

te do Infante que se bifurca de um lado para os lavadouros e

do outro para a Calçada das Carquejeiras. Este lugar funde-

se com a paisagem, obedecendo a uma escala humana em

contrariedade com a ponte que se agiganta. Desaparece na

61 https://portodesignbiennale.pt/pt/events/petites-folies-other-landscapes-

on-the-douro

Figura 50 - Percurso pedonal de ligação

entre as Folies, Porto Design Biennale,

2021

Figura 51 - Lavadouro das Fontaínhas a

partir da ponte do Infante, junho 2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

51

paisagem, quando olhado do outro lado, de Gaia, como se

fundem as pessoas. E, no entanto, espaço de simbologia e

caráter forte, sobreviveu ao tempo, à modernidade, e aos

desmoronamentos das ilhas que cobriam a encosta. Como

resistiu este lugar ao passar do tempo? Uma das respostas

que encontramos tem a ver com os desígnios da água que se

mantém corrente neste sítio. O marulhar da água é percetí-

vel mal se passa o arco, por baixo da ponte em direção aos

lavadouros, conferindo uma atmosfera completamente dis-

tinta da que é vivenciada acima, no Passeio das Fontaínhas.

Parece conferir uma dignidade inabalável a este sítio, um

propósito e um borbulhar por novas significações.

“A água fornece-nos o exemplo mais óbvio de imediaticidade,

porque a transição entre esta e a terra constitui o maior con-

traste psicológico. Cidades à beira-mar deveriam viver sobre

o mar, no sentido em que a presença visível do oceano deveria

ser apreensível do maior número possível de locais na cidade

(o que não significa um horizonte permanentemente coberto

de água, mas talvez o brilho da reminiscência, ou a indicação

do abismo, ao fundo de uma rua).”62

Interessantes questões foram abordadas ao longo do desen-

volvimento do projeto que ajudaram a desvelar não só o sítio

do lavadouro, mas também as Fontaínhas. Desde a impor-

tância da preservação da memória e da identidade, até à re-

adaptação e revitalização dos espaços esquecidos a precisar

de nova vida em pleno centro urbano.

62 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 192

Figura 52 - Passagem para o Lavadouro por

baixo da ponte do Infante, junho 2021

Figura 53 - Lavadouros individuas, 2ª pla-

taforma do lavadouro, junho 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

52

Após as primeiras incursões pelas Fontaínhas e esta experi-

ência decidi fazer uma primeira imagem das Fontaínhas de-

finindo os pontos chaves e divisões de acordo com a diferença

de atmosferas. Desse estudo resultou o seguinte desenho

onde sobressaem os eixos da Avenida Gustavo Eiffel; o Pas-

seio e Alameda das Fontaínhas; e a Rua de São Víctor; que

dividem as Fontaínhas em 3 faixas bastante distintas. Entre

a Avenida Gustavo Eiffel e o Passeio das Fontaínhas encon-

tra-se a escarpa, com dinâmicas significativas e completa-

mente distintas não só do resto das Fontaínhas, mas da pró-

pria cidade que encontrou quase naturalmente uma nova

vocação. Entre o Passeio das Fontaínhas e a Rua de São Víc-

tor encontra-se já uma vida urbana mais ativa: a extensão

maior do território das Fontaínhas desde o Largo Actor Dias

ao Largo do Padre Baltasar Guedes, que presencia momentos

diferentes desta frente da cidade; um conjunto de equipa-

mentos urbanos que contrapõem a escala do bairro na zona

mais a poente e na frente com a Rua das Fontaínhas; e, por

outro lado, a tradição da construção burguesa, e a densidade

das ilhas. A Rua de São Víctor marca o centro e, como cora-

ção de toda esta área, a Praça da Alegria. Nesta rua se re-

sume a vida e alma das Fontaínhas. Entre esta rua e a Ave-

nida de Rodrigues de Freitas encontra-se um ambiente de-

senvolvido no modernismo do século XX, presente nas “Ruas

dos Duques”, Barão de São Cosme e a transversal Rua de

Joaquim António de Aguiar, que as liga, da Praça da Alegria

ao Largo de Soares do Reis, já em plena cidade, num ambien-

te completamente diverso do das Fontaínhas. Esta forma

regrada de olhar o lugar fez-me focar a atenção com vista a

uma proposta de requalificação: na escarpa, no Passeio das

Fontaínhas e na Rua de São Víctor e, nas ligações entre estes

espaços que garantem a unidade final do conjunto.

Figura 55 – Largo de Soares do Reis a

partir da Rua de Joaquim António de

Aguiar, setembro 2021

Figura 54 - Vista para a Rua de São

Víctor a partir da entrada sudeste do

Jardim de São Lázaro, setembro 2021

53

Largo Actor Dias

Batalha Poveiros Jardim de São Lázaro Largo de Soares do Reis Praça da Alegria Rua de São Víctor

Largo do Padre Baltasar Guedes Passeio das Fontaínhas Parque Infantil Lavadouro Escarpa

Figura 56 - Esquisso Interpretativo das Fontaínhas Largo da Rua Nossa Senhora das Dores

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

55

alguma coisa que estragasse as suas alfaces. Enalteceu a

partilha de materiais e ferramentas que há entre todos e o

cuidado comum por manter os espaços limpos.

“A paisagem é produto da modificação humana trabalhando

para propósitos consistentes e com tecnologia comum na es-

trutura básica providenciada por um contínuo processo geo-

lógico. Se bem-sucedida, esta modificação é feita com uma

consciência da interconectividade, e ainda a individualidade,

de ambos, os recursos naturais e os propósitos humanos.”63

A produção de hortícolas pode parecer ‘feio’ mas uma horta

urbana é um centro de convívio social a nível individual e

familiar. Nas Fontaínhas teve o melhor efeito possível, o efei-

to agregador, podendo funcionar como meio ativo de comuni-

cação e ser alargado a outra escala e realmente acabar por

embelezar a escarpa que se encontrava ao abandono carre-

gada de entulho depois das demolições das últimas ilhas aqui

existentes.

63 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York. P.

95

Figura 59 - A linha de comboio, a horta e o rio - re-

sumo de uma escarpa

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

56

Da escarpa tivemos ainda uma réstia do sabor da memória

quando o lavadouro foi visitado, já no início de julho, por

uma senhora, imigrante, que acabara de chegar de França

para passar férias. Ela explicou-nos que era a primeira vez

que trazia o seu filho, de 10 anos, a conhecer as Fontaínhas,

local onde nasceu “na primeira casa aqui, logo à saída dos

tanques”, dizia apontando em direção às escadas descenden-

tes para as hortas, atualmente. Lembrava-se ainda de ir

brincar para a zona dos tanques enquanto a mãe e as outras

mulheres lavavam a roupa e de correr pelos estreitos acessos

às casas. Descrevia aquele sítio como se fosse mágico, como

são os lugares da infância. Não deixou de falar sobre alguns

aspetos que na altura não achava relevantes, como a pouca

luminosidade dentro da minúscula casa e da humidade cons-

tante. Relatou ainda o episódio de um fogo que afetou algu-

mas das casas na escarpa que teve início na sua casa quando

tinha apenas 3 anos. Falou da dificuldade em controlar as

chamas devido ao difícil acesso àquele núcleo habitacional e

às condições topográficas naturais da escarpa, que fizeram

com que o que seria um pequeno incêndio noutro local ali

acabasse por ter maiores dimensões.

Não vimos ninguém lavar roupa além de um casal sem abri-

go que usa ocasionalmente o espaço para tomar banho. O que

nos deu o indício de que, realmente, os lavadouros já não

serão utilizados para a sua função original, apesar da água

corrente. Por ali passavam também vários jovens que costu-

mavam usar aquele espaço livre dos Lavadouros para conví-

vio e festas noturnas, que se mostraram algo desagradados

com a introdução de uma estrutura que ia ocupar a sua pista

de dança. Além deles os habitantes mais antigos do bairro

olhavam curiosamente do ‘alto’ do Passeio perguntando oca-

sionalmente o que estávamos a fazer naquele sítio, alguns

oferecendo ajuda, outros pouco convencidos e outros ainda

dando propostas de projeto.

Figura 60 - As hortas a partir do acesso dos

lavadouros, junho 2021

Figura 61 – Plataformas - banco, interação

com a estrutura do periscópio a partir da

cota alta do Passeio das Fontaínhas, setem-

bro 2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

57

“Uma descrição das nossas reações emotivas perante a posi-

ção que ocupamos num determinado espaço deverá, forçosa-

mente, incluir a questão dos níveis. De um modo geral, abaixo

do nível médio do terreno, temos sensações de intimidade,

inferioridade, encerramento ou claustrofobia, enquanto que

acima desse nível podemos ser tomados de grande euforia, ou

por sensações de domínio ou superioridade ou, ainda, senti-

mo-nos expostos ou com vertigens. O acto de descer significa

baixar ao encontro daquilo que conhecemos enquanto subir

implica ascender ao desconhecido. Entre níveis semelhantes

mas separados por uma fenda muito profunda, estabelece-se

uma singular correspondência; a sua proximidade tem um

carácter remoto.”64

Esta relação estabelecida entre as diferentes cotas, que nos

permitiu diferentes contactos com o lugar e com as pessoas

acabou por se tornar tema de projeto junto com o próprio ca-

ráter do bairro que não passou despercebido.

“O Projeto para o Lavadouro das Fontaínhas é uma síntese

da nossa interpretação do sítio. Este ponto, que é o último do

percurso das Petites Folies, não cumpre mais a sua função

original e apresenta-se numa zona privilegiada sobre o Douro

à espera de novas interpretações.

Percebeu-se que os aspetos mais importantes do local são: o

próprio lavadouro, local de implantação e que dialoga dire-

tamente com o objeto proposto; as Fontaínhas, em si um sím-

bolo da identidade do Porto; e esta dicotomia entre ambos –

Cidade/Objeto. A nossa atenção focou-se, então, na formali-

zação de uma proposta que articula estes dois contextos tão

próximos, mas visualmente indiferentes um ao outro.

64 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 40

Figura 62 - Vista sobre a escarpa a partir

da ponte, junho 2021

Figura 63 - Esquisso esquemático do peris-

cópio, junho 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

58

Entendemos a possibilidade de articulação entre a cota alta

do Passeio das Fontaínhas e a cota do próprio lavadouro

(através do objeto a construir), como motivo do projeto. Com

esta premissa, propõe-se o Periscópio das Fontaínhas ofere-

cendo a possibilidade de “ver à distância” abrindo uma vista

para as Fontaínhas a partir do Lavadouro e vice-versa. A

criação do periscópio permite-nos esta evocação de espaços

através de uma troca inesperada de imagens que não só, nos

permite ver espaços em tempo real que, não estão ao alcance

da nossa visão, como de criar perspetivas impossíveis do es-

paço dando-nos uma experiência sensorial diferenciadora.”65

65 Memória descritiva do projeto para a apresentação final (18 junho 2021

– pré-construção)

Figura 68 - Montagem de Fotografias da estrutura,

Lavadouro das Fontaínhas, julho e setembro 2021

Figura 67 – Colocação dos espelhos,

Lavadouro das Fontaínhas, julho 2021

Figura 66 - Ereção dos painéis pré-

montados nos lavadouros, julho 2021

Figura 65 – Pintura dos alçados

montados, ESAD, julho 2021

Figura 64 – Montagem da estrutura por

alçados, ESAD, julho 2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

59

60

Do Passeio das Fontaínhas

Os dois aspetos que rapidamente assimilei do Passeio das

Fontaínhas e Alameda são: a paisagem, inequivocamente, o

ponto forte deste lugar que se expõe como miradouro sobre o

rio; e a sua capacidade para ser tudo e acabar por não ser

nada. A vontade de deixar o espaço livre de tal forma para

poder “servir para qualquer coisa” acabou por fazer com que

uma certa monotonia constrangedora se instalasse neste es-

paço pela dificuldade em ocupá-lo. Vazio no centro, para dar

para “pôr qualquer coisa” que seja, eventualmente, necessá-

rio, e arborizado no entorno, com um jogo de pavimentos que

permite usá-lo como lugar de sentar e contemplação da vista.

Pavimento este (cubo granítico) que se estende por todo o

Passeio, excetuando a parte junto à Rua do Sol, que é em

asfalto. A arborização é constante ao longo de todo este eixo,

desde o parque de estacionamento junto ao Largo Actor Dias,

para o qual a ligação direta está encerrada, até ao parque

infantil na Alameda das Fontaínhas, onde a secção da rua

diminui significativamente. Apesar de este ser um tipo de

vegetação importantíssima, não se encontra vegetação ao

nível do olhar, mais tangível, que é também necessária, nem

sequer no espaço infantil.

Figura 73 – Rua de Gomes Freire e

final da Alameda das Fontaínhas,

setembro 2021

Figura 72 – Área central do Passeio

das Fontaínhas rasgada pela ponte,

diversões de São João, junho 2021

Figura 71 – Passeio das Fontaínhas a

partir da interseção com a Rua do Sol

Figura 70 – Passeio das Fontaínhas, área

central, setembro 2021

Figura 69 – Calçada das Carquejeiras,

vista sobre a Ponte Luiz I, junho 2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

61

“Pavimento – uma vez que existe só como superfície, todo o

seu trabalho é desenvolvido a duas dimensões. Ele convence,

segrega, acentua, reúne e/ou divide através de padrões super-

ficiais. […] Mais do que qualquer outro elemento da paisa-

gem urbana, possui os recursos de expansão e extensão. Esta

qualidade podemos encontrá-la não só na vasta praça pavi-

mentada, como também no pequeno troço ornamentado com

motivos que é possível surpreender no passeio, ao dobrar a

esquina.”66

66 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 130

Figura 76 - Passeio das Fontaínhas, alça-

do norte, 1º plano – fonte, escadarias de

acesso e arborização; 2º plano – Asilo da

Mendicidade e Abrigo dos Pequeninos

(cota alta)

Figura 75

Figura 74

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

62

Esta vontade de deixar o espaço ‘livre’ para as mais diversas

funções, é um tanto ao quanto, contrário ao que realmente

aconteceu nestes espaços nos últimos anos, com a retirada da

Feira da Vandoma, com importância relevante a nível de

toda a cidade e com a inserção da Ponte do Infante que que-

brou a zona central do Passeio, interferindo com as ativida-

des e festejos que aqui havia como o São João.

“Abrigo, sombra, conveniência e um ambiente aprazível são

as causas mais frequentes de apropriação de espaço, as con-

dições que levam à ocupação de determinados locais. O facto

de se assinalarem esses locais com elementos de carácter

permanente pode contribuir para indicar os tipos de ocupação

que existem na cidade e criar um meio-ambiente que não seja

fluído e monótono, mas sim estático e equipado. […] Ainda

que o grau de ocupação do território seja relativamente fraco,

o facto de haver no mobiliário sinais permanentes dessa ocu-

pação confere à cidade um carácter mais humano e diver-

so.”67

67 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 23

Figura 77 - Passeio das Fontaínhas, plata-

forma sobre a escarpa pontuada por árvo-

res, setembro 2021

Figura 78 – Passeio das Fontaínhas sob a

ponte do Infante, junho 2021

Figura 79 - Encontro da ponte com as

Fontaínhas, sob a ponte do lado direito

localizam-se os balneários públicos das

Fontaínhas, setembro 2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

63

Além de duas esplanadas no lado poente da ponte do infante,

que se contorcem por entre os carros que ocupam todos os

espaços, encontram-se os Balneários e Sanitários Públicos

das Fontaínhas por baixo da ponte. Adiante, no sentido nas-

cente, entre a nova estátua dedicada às Carquejeiras e a fon-

te que se mantém majestosa ocupando a centralidade deste

espaço que se alarga, encontra-se o Centro de Convívio, onde,

com muita regularidade, se reúnem alguns dos residentes

das Fontaínhas jogando cartas, este espaço funciona tam-

bém, por vezes, de apoio às hortas com alguns utensílios (que

também prontamente nos emprestaram na construção da

estrutura como vassouras, pás e baldes). Este centro de con-

vívio que se entala entre a cota alta da Alameda das Fonta-

ínhas e a cota do Passeio das Fontaínhas, ajuda a dinamizar

um pouco mais este espaço, convidando os habitantes mais

velhos a vir até aqui, estando no centro de convívio ou senta-

dos juntos ao muro sobre a paisagem, intermitentemente. Do

alçado edificado que o Passeio oferece à paisagem, de recorte

burguês, sobressai o antigo Asilo Portuense da Mendicidade

em estado de abandono e um outro muro alto que esconde

um interior abandonado com vegetação livre, mais tarde des-

cobri que era o Abrigo dos Pequeninos. Dois dos edifícios com

maior impacto no valor paisagístico das Fontaínhas encon-

tram-se abandonados e em degradação, o que é um franco

desperdício. No percurso de um extremo a outro, desde o iní-

cio do Passeio até ao Largo do Padre Baltasar Guedes, desta-

quei alguns espaços residuais que poderiam ser melhor apro-

veitados, localizados junto ao acesso às Fontaínhas pela Rua

de Alexandre Herculano e, no outro extremo, no ponto em

que termina a Alameda das Fontaínhas e apenas prossegue a

Rua de Gomes Freire um pequenino largo desqualificado. O

Largo do Padre Baltasar Guedes apresenta-se mais uma vez

como parque de estacionamento pontuado com verde.

Figura 83 - Abrigo dos Pequeninos, Fonta-

ínhas, setembro 2021

Figura 82 – Asilo Portuense da Mendicidade,

setembro 2021

Figura 81 – Centro de Convívio, Passeio das

Fontaínhas, setembro 2021

Figura 80 – Passeio das Fontaínhas repleto

de carros, setembro 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

64

Da Praça da Alegria e Rua de São Víctor

“Uma rua que se prolonga à nossa frente sempre em linha

recta tem um impacto relativamente pequeno, porque o pano-

rama inicial é rapidamente, assimilado, tornando-se monó-

tono. O cérebro humano reage ao contraste, às diferenças en-

tre as coisas, e ao ser estimulado simultaneamente por duas

imagens – a rua e o pátio – apercebe-se da existência de um

contraste bem marcado. Neste caso a cidade torna-se visível

num sentido mais profundo: anima-se de vida pelo vigor e

dramatismo dos seus contrastes.” 68

68 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 11

Figura 84 - Esquisso em visita

de campo

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

65

As ruas das Fontaínhas são tendencialmente muito compac-

tas e opacas relativamente ao espaço público, isto é, sendo

um bairro marcado sobretudo por construção habitacional,

quer nas zonas mais densas definidas pelas ilhas, como nas

zonas mais desafogadas, nas ruas em direção à Avenida de

Rodrigues de Freitas, pode-se perceber que a relação do rés-

do-chão com a rua é bastante incisiva. Não havendo muita

atividade de comércio, de serviços, ou de outra natureza que

ajude a ativar a vida na rua. Assim sendo, ainda se torna

mais visível que as ligações existentes se dão pelos laços de

vizinhança, pelo sentido de interajuda. Este sentimento é

particularmente percetível na Rua de São Víctor, em que

todos os vizinhos se conhecem. O seu local de reunião resu-

me-se ao café que é sede social do Sport Clube de São Vítor,

quase em frente ao acesso para a Travessa de São Víctor.

Não possuindo uma associação de moradores, é aqui que se

discutem os mais diversos assuntos relativos à rua e às suas

necessidades e, sobretudo futebol, ouvindo-se com frequência

a partir da rua os lampejos de entusiasmadas conversas. No

cruzamento para a travessa detenho-me a falar com uma

senhora que acabara o dia de trabalho, a fazer limpezas em

casas por ali, e esperava a sua boleia. Pergunto por uma

mercearia ou supermercado onde possa ir, ao que ela respon-

de que por ali não há nada “só uma merceariazita no cimo da

rua”, mas se quiser “fazer compras a sério aqui não dá”, te-

nho de ir mais longe. Nesta rua há ainda uma casa de fados,

junto ao Largo do Padre Baltasar Guedes, que abre uma vez

por semana, a pequenina mercearia, uma recente lavandaria

self-service na esquina com a travessa e um restaurante co-

reano, logo a seguir do outro lado da rua na direção da praça.

Além disso, já 3 ilhas foram convertidas na totalidade em

alojamento local, mostrando como a disseminação do turismo

chega até aqui. Já a meio caminho para a Praça da Alegria

Figura 86 – Ilha na Rua de São Víctor con-

vertida em alojamento local, setembro 2021

Figura 85 - Rua de São Víctor - acesso sul,

Fontaínhas, setembro 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

66

uma senhora da ilha 182, ajudava a sua vizinha octogenária,

que vive do outro lado da rua, a chamar um táxi para ir a

uma consulta. O caráter fechado e denso desta rua, bem co-

mo o seu perfil extremamente reto, com pouca atividade no

rés do chão, faz com que a sua extensão pareça muito longa,

sem possibilidades de outros percursos além da Travessa de

São Víctor a meio. É uma rua univocacionada para a habita-

ção, até as mais recentes formas de comércio e restauração

têm dificuldade de vingar aqui. Esta rua transporta o caráter

dos seus habitantes, e, apesar de estar tomada pelo carro,

funcionando mais como estacionamento que outra coisa, são

ainda as relações de vizinhança que marcam as dinâmicas da

rua.

Chegando a meio desta linha reta, desemboco na Praça da

Alegria. A praça surge como pulmão deste eixo, quer pela

abertura como pelo facto de ser o único ponto vegetado, com

as suas árvores, que dão sombra e vida ao espaço. Apesar de

ser apelidado de ‘praça’, este espaço que outrora se prolonga-

Figura 87 - Rua de São Víctor,

desfasamento entre 2 ilhas,

setembro 2021

Figura 88 - deficiência na acessibilidade

dentro do bairro, setembro 2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

67

va daqui até ao Passeio das Fontaínhas, é agora um pequeno

largo triangular, encerrado entre ruas destinadas à mobili-

dade motorizada, o que lhe retira ainda mais espaço.

“Pontuação – Se compararmos uma perspetiva a uma frase

gramatical com sujeito e predicado, podemos utilizar o termo

pontuação para designar determinadas formas de demarca-

ção do espaço no seio dessa frase.”69

Apesar disso, é claramente o centro agregador de todo o bair-

ro, aqui encontra-se o mercado informal, dispondo de arru-

mos por baixo da via do lado norte da praça e os guarda-sóis

que se recolhem ocupando sempre espaço na praça. Facil-

mente se encontram grupos de crianças jogando à bola ou

noutras brincadeiras, ainda que poucos metros abaixo dispo-

nham de um espaço muito mais amplo no Passeio das Fonta-

69 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 47

Figura 89 - Praça da Alegria a

partir de São Víctor sul, setem-

bro 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

68

ínhas. A diferença é que aqui há “olhos na rua”70, provavel-

mente devido a restrições dos pais até, será o espaço em que

lhes é permitido brincar, mesmo com a presença dos carros a

toda a volta.

“Intimidade – Vegetação exuberante, um recinto, um pequeno

retângulo de céu, e o calor da construção em tijolo, conjugam-

se aqui numa atmosfera de interioridade, íntima e cordial. É

uma imagem transbordante de vitalidade e calor humano.” 71

70 Jacobs, Jane (1961) The Death and Life of Great American Cities. Ran-

dom House, Nova Iorque

71 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 71

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

69

O núcleo que liga a Praça da Alegria ao Passeio das Fonta-

ínhas é definido pela EB1 da Alegria, que não se volta para a

praça mas para um acesso lateral e o Abrigo dos Pequeninos

agora encerrado para o qual a Câmara abriu concurso para a

inserção de um novo Acervo Museológico do Museu Munici-

pal. Este núcleo direcionado para atividades coletivas carece

de um sentido de unidade ou complementaridade, a união

que houve entre a Praça da Alegria e o Passeio deveria man-

ter-se apesar da dificuldade que a diferença de cotas apre-

senta.

A parte da Rua de São Víctor que aponta para noroeste é em

tudo diferente à parte nascente, encontra-se, no lado norte

deste troço da rua, o muro insondável da FBAUP, esta pre-

sença massiva, a uma escala desproporcional, coroada por

copas frondosas como se fosse um friso, um adorno, uma agi-

tação, que vem trazer vida pelo contraste com esta muralha,

mas está muito lá em cima, para se fazer sentir cá de baixo.

Figura 94 – Praça da Alegria a partir da

R. São Víctor norte, setembro 2021

Figura 93 – Rua com o acesso

principal à escola

Figura 92 – Praça da Alegria,

guarda-sóis e arrecadações do

mercado, setembro 2021

Figura 91 – EB1 da Alegria a

partir da praça, setembro 2021

Figura 90 – EB1 da Alegria a

partir da R. São Víctor, setem-

bro 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

70

“Uma superfície vazia oferece uma oportunidade, uma tenta-

ção, aos que têm a construção no sangue, tal como uma folha

virgem de papel representa uma aventura para o artista. O

controlo adequado parece residir no ênfase que se quer dar,

ou na reavaliação que se pretende fazer, de uma função.”72

72 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 174

Figura 95 - Rua de São Víctor,

muro da FBAUP, setembro 2021

Fontaínhas – um Lugar de Sobrevivência

71

No outro alçado, percebe-se a diferença de idades, as diferen-

ças na cércea do edificado, da configuração dos volumes, na

orientação da malha, claramente obedecendo a uma regra

que já não está mais ali, diretamente, em consonância com a

Avenida de Rodrigues de Freitas, com a qual haveria de ter

tido contacto no passado. Apresenta passagens apertadas,

passagens que parecem secretas, que parecem privadas, que

incitam a curiosidade, com alturas variadas e entornos, que

‘dentro’ são mais velhos, do que ‘por fora’ se anunciava.

“O encanto de corpos construídos salientes e reentrantes. O

olhar fica embrenhado numa complexidade e sinuosidade que

ajudam o espírito a deter-se tranquilamente, o que aliás, é

desejável, visto tratar-se de uma rua residencial e não para

tráfego rodoviário.”73

73 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 46

Figura 96 - Rua de São Víctor,

contraste entre os dois alçados,

setembro 2021

Figura 97 - Passagem para os bairros soci-

ais de São Víctor, setembro 2021

A Cidade na simbiose com a Saúde Pública

72

Por trás deste alçado irregular, encontram-se casas velhas,

bairros novos e o SAAL que eu visitara uns anos atrás. Da-

qui destaquei agora não o complexo habitacional, mas os es-

paços que configuram o seu entorno, sobretudo, o grande es-

paço no meio, com imenso potencial, que parece perigosa-

mente desperdiçado. Trata-se do mais claro, expectante, mio-

lo de quarteirão, desde a racionalidade da sua forma, ao con-

junto que o encerra. Este espaço parece apagado da memória

daquilo que podia ser.

“O recinto é uma síntese da polaridade entre pés e pneus, en-

tre a circulação de pessoas e a de veículos. É a unidade base

de uma certa morfologia urbana. Fora dele, o ruído e o ritmo

apressado da comunicação impessoal, vai-vem que não se

sabe para onde vai nem de onde vem; no interior, o sossego e

a tranquilidade de sentir que o largo a praceta, ou o pátio

têm escala humana. O recinto é o objetivo da circulação, o

local para onde o tráfego nos conduz. Sem ele, o tráfego tor-

nar-se-ia absurdo.”74

74 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 27

Figura 100 – Recinto central, miolo do

quarteirão, setembro 2021

Figura 99 - Bairro social, autoria Hélder Casal Ribeiro e SAAL, autoria

Álvaro Siza, setembro 2021

Figura 98 - Passagem para o Largo Cama-

rão a partir do interior do quarteirão, se-

tembro 2021

74

75

Figura 105 - Mural no Passeio das Fontaínhas, parte 2, setembro 2021

Figura 104 - Mural no Passeio das Fontaínhas, parte 1, setembro 2021

PARTE II

76

PARTE II

77

PENSAR A CIDADE

SAUDÁVEL

“Há […] que procurar formas mais equilibradas e sustentá-

veis de gestão desta diferença de ritmos, as quais passam,

inevitavelmente, pela recuperação e reconversão funcional de

espaços construídos e pela maior facilidade de movimentação

das pessoas e famílias entre esses espaços, à medida que mu-

dam os seus requisitos.”76

76 Portas, Nuno, coord. 2003. Políticas Urbanas: tendências, estratégias e

oportunidades. Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa.

78

À Procura da Cidade Saudável

79

À PROCURA DA CIDADE

SAUDÁVEL

“De onde vem a ciência que se debruça sobre a saúde? Do cor-

po das pessoas e desse outro corpo vivo que a cidade é.”77

A cidade é feita pelas pessoas para as pessoas78, é uma forma

de resposta às necessidades humanas, e será o que mais se

aproxima de uma floresta humana. A natureza do homem

está gravada na cidade. Aqui as pessoas encontravam pri-

mordialmente o trabalho e daí a necessidade de habitação

próxima e a criação dessa comodidade da proximidade na

mobilidade. No entanto, não é esta a urbanidade orgânica

que se encontra na maioria das cidades do século XXI. A ci-

dade para as pessoas, oferece habitação, emprego e bem-

estar, mas, é uma estrutura demasiado ampla para ser redu-

zida assim simplesmente. Inclui toda a infraestrutura como

hospitais, escolas, administração, comércio, restauração, tea-

tro, cinema, museus, cafés, bares, discotecas, jardins, infra-

estruturas energéticas e de mobilidade que permitem conec-

tar todas as funções e desenvolve e promove sinergias que

fazem a vida girar. O desenvolvimento das técnicas de mobi-

lidade foi a mais impactante convulsão urbana desenvolvida

a partir do final do século XIX79. Não apenas o automóvel,

77 Barros, Henrique. (2016 julho) As Coortes do Porto. O TRIPEIRO, 7ª

Série, Ano XXXV – Nº7, P. 205

78 Gehl, Jan (2013) Cidades para Pessoas. 2ª edição, Perspectiva. São Pau-

lo

79 “A História das cidades foi assim ritmada pela história das técnicas de

transporte e armazenamento de bens (b), informação (i) e pessoas (p). Este

sistema de mobilidade, a que chamamos “sistema bip”, está no centro das

dinâmicas urbanas, da escrita à internet, passando pela roda, a imprensa,

o caminho-de-ferro, o telégrafo, o betão armado, a esterilização, a pasteuri-

zação e a refrigeração, o carro elétrico, o elevador, o telefone, o automóvel,

80

mas ainda antes, o elétrico, assim como, as respetivas infra-

estruturas disseminadas pelo território, que acabam por sur-

gir a propósito da 2ª Revolução Industrial80. Com o rápido

crescimento da indústria automóvel, desde o aparecimento

ainda no final do século XIX81, passa a ser elemento funda-

mental do desenho urbano nos anos 1960. Apesar da existên-

cia dos transportes públicos, para responder aos movimentos

pendulares, estes começaram gradualmente a mostrarem-se

insuficientes ou menos cómodos. Tornou-se necessário intro-

duzir novas estruturas de armazenamento de automóveis -

parques de estacionamento. A referência de escala das obras

infraestruturais que vinham a ser realizadas para a viabili-

zação do uso do automóvel - inserção de vias expressas ele-

vadas, torres de estacionamento, etc. – autorizava os arquite-

tos a “pensar em grande”82. Após a II Guerra Mundial a soci-

edade centrou-se em criar a cidade funcional produtiva83,

abandonando a noção de tempo útil dos cidadãos e deixando

de lado a capacidade de expressão dos habitantes resignan-

do-se à anulação. A cidade serve apenas para ir e vir do local

de habitação para o trabalho e vice-versa.

a telefonia, etc. O crescimento horizontal e vertical das cidades tornou-se

possível pela invenção e aplicação destas técnicas.” Ascher, François.

(2012; edição utilizada) Novos princípios do urbanismo seguido de Novos

compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte. Lisboa.

80 Em meados do século XX, François Ascher viria a defender que a explo-

são do uso do carro marcaria a 2ª Revolução Urbana, tal a sua influência

na dinâmica do território e da vida urbana.

81 O carro moderno é criado e patenteado por Karl Benz em 1886.

82Graça Dias, Manuel (1992) Vida Moderna. João Azevedo Editor, Viseu

83 Ascher, François. (2012) Novos princípios do urbanismo seguido de No-

vos compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte. Lisboa.

À Procura da Cidade Saudável

81

A juntar a estas transformações urbanas radicais dá-se a

revolução das tecnologias da informação e comunicação nos

anos 197084, estas conurbações levaram ao questionamento

da cidade e de que ambientes podiam ser chamados urbanos.

Até a existência futura de ambientes que pudessem ser cha-

mados de “cidade” foi questionada. François Ascher aponta

que até os mais recentes processos de urbanização não esta-

vam necessariamente associados à produção de cidades, ou

ao que se costumava chamar de cidade. O autor propõe a

interpretação do termo “urbanidade” como o ajuste recíproco

entre uma forma de tecido urbano e uma determinada forma

de convivência e defende que a última configuração consoli-

dada e amplamente reconhecida de urbanidade teria sido a

urbanidade metropolitana forjada na segunda metade do

século XIX simbolizada pela boulevard de Haussmann ou

pela Barcelona de Cerdà, que teria sobrevivido sem altera-

ções estruturais até meados do século XX85.

É urgente romper com este ciclo vicioso e criar a cidade mul-

ticêntrica, e dar acessibilidade máxima a serviços de proxi-

midade e em cada um desses serviços implicar, como num

bairro, os habitantes para que criem novos espaços de vida,

de utilização, a partir do que já existe, maximizando a capa-

cidade – “um lugar, muitos usos”86. A criação da cidade sau-

dável, que resiste às adversidades não tem que ver com a

segregação das funções e das pessoas. A compacidade urbana

é a alternativa mais saudável para a cidade. Posto este cená-

rio, algumas iniciativas surgem como possibilidade de res-

84Ascher, François. (2012; edição utilizada) Novos princípios do urbanismo

seguido de Novos compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte.

Lisboa

85 Ascher, François. (2012; edição utilizada) Novos princípios do urbanis-

mo seguido de Novos compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte.

Lisboa

86Carlos Moreno em entrevista à televisão espanhola -

https://www.rfi.fr/es/carlos-moreno-la-ciudad-del-cuarto-de-hora-es-

cambiar-el-paradigma-de-la-ciudad-moderna

82

posta às necessidades levantadas não só pela pandemia,

mas, sobretudo, pela cidade do século XXI, que expõe agora

sem véus, os problemas da segregação, da mobilidade auto-

móvel privilegiada, das grandes distâncias, da velocidade, do

tempo útil perdido em deslocações. Reatribuir qualidade de

vida à escala humana em consonância com a cidade é dar

oportunidade de redescobrir e revitalizar a cidade através da

proximidade geográfica, proximidade familiar e ecologia hu-

mana.

Figura 106 - Teoria de mudança das

cidades da UN-Habitat, Objetivo 11

Comunidades e Cidades Sustentá-

aveis,2019, ONU

84

Figura 107 - Esquema O que é a Cidade Saudável? As 3 Cidades abstratas, suas sinergias e relação com os objetivos para o desenvolvimento sustentável, 2021

85

Várias cidades desenvolvem atualmente diferentes estraté-

gias de procura destes valores. Para descortinar novas for-

mas de redesenho urbano destaca-se aqui casos de estudo

que têm que ver com mudanças urbanas mais recentes e ou-

tros que já vêm apontando o caminho desde o século passado.

Procurou-se enquadrar cada um desses exemplos numa das

‘3 cidades’ apresentadas partindo do ponto forte estratégico

de cada plano que, no entanto, leva a atingir uma resposta

global para as 3 camadas urbanas. As 5 cidades aqui apre-

sentadas demonstram maneiras diferentes de abordar um

desenvolvimento saudável que, no entanto, se acaba por cru-

zar nos objetivos globais que cada uma persegue com respos-

tas adaptadas à sua realidade social, económica e política.

Supermanzanas de Barcelona – iniciativa centrada numa

reorganização hierarquizada do trânsito;

Madrid Central – com uma estratégia de retirada de trânsito

motorizado do centro histórico;

Ambas buscando estratégias de mitigação das mudanças

climáticas e, portanto, assentes em princípios de sustentabi-

lidade ambiental e social sobretudo.

Finger Plan de Copenhaga – com as políticas que permitiram

uma rápida mudança dos padrões de mobilidade do carro

para a bicicleta;

Apesar da aposta na mobilidade como as anteriores o mais

surpreendente neste caso são as políticas ativas e inteligen-

tes que permitiram a rápida adaptação de um sistema que

abrange toda a cidade.

Paris Ville du ¼ d’heur – com fortes medidas de descentrali-

zação da atividade urbana combatendo todos os tipos de se-

gregação;

86

Viena 2025 – que incide num modelo de regeneração urbana

com forte aposta na habitação social;

Estes últimos casos centram-se na escala humana como me-

dida básica para as mudanças da cidade.

A CIDADE INTELIGENTE

Atualmente e a um ritmo cada vez mais frenético a cidade

extravasa os seus limites físicos; outrora ovo estrelado, de-

pois mancha de óleo, perdeu-se até, ou estendeu-se, para lá

da questão do rizoma polinucleado ou da eterna dicotomia do

impossível urbano/rural e os interstícios complexos e, por

último, a mais aproximada, urbanização generalizada englo-

bando várias escalas. No auge da era tecnológica o imaterial

ganhou novo significado, nova importância. Já em meados do

século XX François Ascher89 caraterizava o sistema operativo

urbano pelas redes de serviços materiais e imateriais cuja

manipulação punha em jogo o repertório de imagens e infor-

mação de referência culminando nas relações destas mesmas

referências com o espaço, o tempo e as pessoas. Claro está,

que a imaterialidade começava antes do mundo digital e es-

tende-se para além dele, compreendido no domínio social

sobretudo, mas que, no entanto, se redescobre neste mais

recente significado. A adequação das cidades para figurarem

os objetivos da Smart-City é já peremptório. A cidade digital

é aquela que se encontra conectada, que aposta na inovação

tecnológica e na participação social para o desenvolvimento

criativo e sustentável integrando todas as esferas desde o

público ao privado promovendo parcerias que visam os inte-

resses na construção de uma cidade resiliente focada na me-

lhoria dos serviços, do acesso aos mesmo, fomentando o bem-

89Ascher, François. (2012) Novos princípios do urbanismo seguido de Novos

compromissos urbanos. Um léxico. Livros Horizonte, 3ª edição, Lisboa.

Figura 108 - SmartCity, sinergia urbana

À Procura da Cidade Saudável

87

estar dos seus habitantes e dos cidadãos em geral. Um dos

objetivos da cidade inteligente é a obtenção do máximo de

informação sobre a população (Big Data), como os seus pa-

drões de mobilidade ou os padrões de consumo, permitindo

desta forma fomentar mudanças adequadas às necessidades

e conforto de determinada população além de ajudar a erra-

dicar comportamentos desviantes no que toca às questões

ambientais para uma sociedade mais sustentável em todos os

aspetos. Outros exemplos de contributos para a Cidade Inte-

ligente são os radares e sensores que controlam o trânsito

automóvel; o 5G; entregas por drone solicitadas pelo telemó-

vel; tudo no sentido de criar mais segurança e conforto. Estas

possibilidades apenas são permitidas pela disponibilidade

das tecnologias informatizadas. No entanto, estes mecanis-

mos inteligentes que vão crescendo em vista a facilitar o usu-

fruto da cidade apresentam falhas importantes, como a ten-

dência a representar o território do ponto de vista da mobili-

dade do carro como é o exemplo do Google Earth ou de um

qualquer sistema de GPS, excluindo a realidade de quem vai

a pé, com pouca ou nenhuma informação topográfica ou hu-

mana. Este é um exemplo de como a informação facilitada na

ponta do dedo pode, ao contrário do esperado, ser bastante

limitativa e conduzir a comportamentos condicionados e mo-

duladores em vista a um facilitismo generalizado e opressor

– vai toda a gente acabar a fazer os mesmos percursos das

mesmas formas e ver as mesmas coisas.

Mas a cidade inteligente, embora seja consistentemente as-

sociada a tecnologia de ponta, engloba conceitos muito mais

profundos como a inteligência prática, que não existe atual-

mente e está muito ligada a sistemas “smart”, no sentido

micro para combate ao desperdício, ao excesso. É preciso in-

teligência para reinventar possibilidades. É uma caraterísti-

ca potenciada em zonas altamente carenciadas, mas que é

necessário transitar para os países ricos em que não é neces-

Figura 109 - Resposta do Google Maps

para chegar ao lavadouro das Fontaínhas,

a parte que não é possível realizar de carro

é totalmente ignorada.

Figura 110 - Quando o mesmo percurso é

pedido a pé, a sugestão de percurso é ainda

mais confusa e não resolve o tramo final.

88

sária essa inteligência porque se compra tudo90. A começar

pelas escolas que não fomentam este tipo de destreza mental

e por medidas ambiciosas dos governos locais e nacionais.

Copenhaga Finger Plan

Copenhaga é um dos exemplos de rápida transformação pela

implementação de fortes políticas de planeamento sustentá-

vel que vêm já de uma visão de meados do século XX. Dei-

xando denotar um sentido crítico prático, uma inteligência

fina, que se desvela no crescimento saudável da cidade quer

socialmente como economicamente. O Finger Plan de Cope-

nhaga permitiu que a cidade evitasse com sucesso o urban

sprawl e a sobrepopulação.

90 Sassen, Saskia (2020) Cuando los financieros hablan, muy pocos políti-

cos entienden lo que dicen. Entrevista: El País

Figura 113 – Sistema de mobilidade associado a áreas

urbanas e áreas de verdes de maior impacto, 2015. Figura 112 – Principais zonamentos funcionais, 2015.

Figura 111 – Finger Plan, Copenhaga,

1950-60

À Procura da Cidade Saudável

89

O segredo por trás deste modelo urbano é um planeamento

compreensivo e adaptativo acompanhado de políticas efetivas

eficazes. Este plano, realizado entre 1945 e 194891, no pós-

guerra, criou a combinação acertada entre habitação, espaços

verdes e transportes públicos e mantém até hoje, indepen-

dentemente dos sucessivos governos, os seus ideais originais

na construção e expansão da cidade. A equipa por trás da

elaboração do plano era constituída pelo privado Urban

Planning Lab e implementado pelo grupo semi-privado do

Gabinete Regional de Planeamento. Foi realizado numa polí-

tica “bottom-up”, ou seja, gerido de forma a receber o apoio

dos governos local, regional e nacional, assim como, o inte-

resse de uma ampla variedade de organizações e associações.

O apoio político foi determinante fazendo com que rapida-

mente este se tornasse o Plano Municipal Oficial para toda a

área metropolitana, convertendo neste ponto o plano em “top

down”92.

A estratégia de planeamento em ‘dedos’ não é uma invenção

deste plano, várias cidades pela Europa implementaram esta

estratégia prevendo a sua expansão. Também o Porto apre-

sentou uma organização deste tipo, desde o século XIX, e que

continua a ter impacto formulando as principais vias de

acesso à cidade, com uma grande diferença, os ‘dedos’ da ci-

dade de Copenhaga foram construídos integrando a principal

rede de transportes públicos da cidade, priorizando este tipo

de deslocamento. A questão da mobilidade foi o primeiro as-

peto a ser desenvolvido e a habitação foi crescendo no entor-

no destes canais. Nos últimos anos a ‘palma da mão’ tem

vindo a crescer pela necessidade de novos radiais que res-

91 Sorensen, E., Torfing, J. (2019) The Copenhagen Metropolitan ‘Finger

Plan’: A Robust Urban Planning Success Based on Collaborative Govern-

ance. Great Policy Successes. Oxford University Press. Oxford

92 Sorensen, E., Torfing, J. (2019) The Copenhagen Metropolitan ‘Finger

Plan’: A Robust Urban Planning Success Based on Collaborative Govern-

ance. Great Policy Successes. Oxford University Press. Oxford

Figura 114 - Reserva para rede geral de

ciclovias, 201?

Figura 115 - Reserva para rede geral de

percursos recreativos

90

pondem ao crescimento urbano, o que não põe em causa o

plano, antes demonstram a sua flexibilidade. A integração

dos espaços verdes associados sobretudo a áreas residenciais,

que começaram a ser exigidas pela generalidade dos morado-

res da cidade, acabou por gerar uma certa continuidade entre

espaços verdes na cidade, um dos aspetos que reforçou a per-

tinência do plano.

A CIDADE SUSTENTÁVEL

A introdução das medidas de desenvolvimento da Smart-City

são, sobretudo, essenciais para o crescimento da Cidade Sus-

tentável, preocupação incontornável na atualidade e absolu-

tamente indiscutível para o alcance da Cidade Saudável. As

preocupações climáticas começaram a surgir sobretudo no

virar do século com os visíveis estragos do desenvolvimento

assente no uso e manipulação abusivos dos combustíveis fós-

seis tanto para o desenvolvimento industrial (já desde as

revoluções industriais), para a produção de energia, como

para os meios de mobilidade que cresceram abruptamente ao

longo do último século. O franco crescimento do uso do auto-

móvel contribuiu não só para o aumento das alterações cli-

máticas, com todo o seu ciclo de vida – desde o fabrico até ao

sucateamento - como para um desenvolvimento explosivo de

infraestruturas que romperam com os centros urbanos e re-

talharam cidades. As cidades desenvolveram-se cada vez

mais com segregação de funções fomentando uma urbaniza-

ção extensiva e aumentando a duração dos movimentos pen-

dulares mas, também, de todas as deslocações necessárias à

vida. Além do grande custo ambiental, outro grande desfal-

que é o que se dá na vida das pessoas, aprisionadas em tem-

pos de deslocação, sem usufruírem dos espaços, dos lugares,

uma vida de total anonimato para a cidade onde habitam (ou

orbitam) o que se traduz em problemas de sustentabilidade

social.

À Procura da Cidade Saudável

91

“A integração de elementos naturais nos tecidos urbanos, de

acordo com critérios de articulação entre funções estéticas,

funcionais e ambientais, faz parte dos conceitos, estratégias e

metodologias de planeamento urbano. A forma como aconte-

ce, no entanto, fica quase sempre pelas componentes de quali-

ficação urbana centradas na organização de parques e jar-

dins, nem sempre incorporando a sustentabilidade como

questão central.”93

A sustentabilidade urbana tem a ver com a viabilidade das

cidades para que sejam confortáveis e seguras, não só agora,

mas no seu processo de crescimento e expansão ao longo do

tempo. Nesse sentido, a postura ecológica voltada à arquite-

tura e ao urbanismo não pode ser vista como uma atividade

meramente económica ou tecnológica, mas devem-se conside-

rar essas atividades dentro de sistemas sociais, culturais,

económicos e naturais mais complexos. Por isso, embora seja

suficiente que certas arquiteturas e certos urbanismos cum-

pram condições tecnológicas e energéticas para serem consi-

derados sustentáveis, isso não basta para considerá-los eco-

lógicos, uma vez que o economicismo que determina a sus-

tentabilidade deixa de lado outros valores imprescindíveis da

ecologia.

A consciência do esgotamento dos recursos, do excesso de

resíduos e de poluição que o capitalismo gera ou das mudan-

ças climáticas que vêm ocorrendo exigem tanto uma nova

conceção da economia da mesma forma que reclama uma

transformação total nos processos do urbanismo e das inter-

venções no território. As sociedades não são entidades está-

veis e, como tal, não o são, também, as cidades que as aco-

lhem. Esta já não é uma novidade estrita: a consciência dos

93 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilidade:

Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.12 Figura 116 - Esquematização dos prin-

cípios da economia circular

92

limites do planeta, da sua capacidade de carregamento, das

imensas pegadas ecológicas, de que talvez já se tenha ultra-

passado irreversivelmente o ponto de retorno. O que reforça

a ideia de que a presença de espaços verdes não é, por si,

suficiente para criar condições de sustentabilidade nas cida-

des contemporâneas. O que é novo é a necessidade pela sen-

sibilidade em relação ao meio ambiente que traz consigo a

atenção pelas preexistências ambientais, pelo património,

pela memória e pelos laços sociais existentes. Somente le-

vando isso em consideração é que se pode fazer um urbanis-

mo sustentável94. Tomar o paradigma ambiental como refe-

rência principal do urbanismo e da arquitetura significa par-

tir de uma crítica radical ou de uma desconstrução da mo-

dernidade na medida em que revela a insaciável capacidade

destrutiva da tecnologia e a sua intrínseca necessidade de

gerar resíduos continuamente.

94 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona

Figura 117 – Diagrama de Sankey,

Economia Circular na Europa, 2017

À Procura da Cidade Saudável

93

Segundo Montaner e Muxí95, as condições para um novo ur-

banismo alternativo e sustentável assenta em duas alterna-

tivas complementares – reativação e densificação, a partir do

existente. Implica a opção pelo predomínio da recuperação do

que já está construído sobre as novas construções, refazendo

bairros tradicionais e os bairros do urbanismo moderno, com

um novo paisagismo, consolidando estruturas, melhorando

instalações, aumentando superfícies para a moradia e para

os espaços comunitários e melhorando os sistemas passivos e

ativos de economia energética.

Os desafios que se colocam para a mudança, são de cariz não

só funcional como social e têm impacto nas morfologias e nos

modos de apropriação do espaço. A reposição de novos equilí-

brios funcionais, introduzindo novos usos e formas de apro-

priação, deve privilegiar o reforço da sustentabilidade urba-

na, reduzindo a marginalização funcional e social dos espaços

em regeneração com elevados custos sociais, económicos e

ambientais96.

Madrid Central

À medida que se combate a crise global de saúde pública,

mudanças climáticas e segurança rodoviária, não se pode

perder esta oportunidade de priorizar os transportes leves. É

tempo de as cidades responderem construindo infraestrutura

e fazerem espaço nas ruas para acomodar a micromobilidade

priorizando-a. A popularidade de uso destes meios de deslo-

cação cresceu de tal forma nos últimos anos que redirecionou

a atenção para a necessidade de organização e hierarquiza-

ção da infraestrutura de mobilidade, contemplando faixas

separadas para motorizados; micromobilidade – até 25

95 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona.

96 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilidade:

Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.27

Figura 118 - Madrid Central, 2018

94

km/h97; e passeio, ou implementação de alternativas como

limitação do limite de velocidade generalizado para 30km/h

como foi implementado no centro de Madrid98. A cidade optou

por implementar uma agenda progressiva com políticas com

vista no futuro, não só limitando o tráfego automóvel no cen-

tro, assim como o espaço destinado a estacionamento, como

incentivando a deslocação através dos modos leves e de

transportes públicos com maior facilidade de penetração nes-

ta zona. Nesta área de 472 hectares, apenas é permitido o

acesso de motorizados para fins comerciais, dos habitantes

locais, de automóveis elétricos ou ecológicos, de transportes

públicos e táxis e outros mediante condições excecionais99.

Este plano visa reduzir drasticamente as emissões de gases

poluentes, promover as deslocações em transportes públicos

e trazer segurança para as ruas. Efeitos já reconhecidos com

impacto direto na saúde dos madrilenos100.

97 https://www.itdp.org/

98 https://www.esmadrid.com/pt/conduzir-em-

madrid?utm_referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F

99 https://www.esmadrid.com/pt/conduzir-em-

madrid?utm_referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com%2F

100 Lebrusán I., Toutouh J. (2020) Assessing the Environmental Impact of

Car Restrictions Policies: Madrid Central Case. Nesmachnow S., Hernán-

dez Callejo L. (eds) Smart Cities. ICSC-CITIES 2019. Communications in

Computer and Information Science, vol 1152. Springer, Cham

Figura 119 - Rede de acessos

a Madrid Central, 2018

À Procura da Cidade Saudável

95

Supermanzanas de Barcelona

O plano das Supermanzanas é um exemplo de articulação

entre escalas. O seu principal objetivo está assente na rees-

truturação da mobilidade e acessibilidade urbanas. Tem co-

mo ideia geral unificar quarteirões revitalizando os interstí-

cios e repetir esta fórmula pela cidade, enquanto envolve os

habitantes na requalificação destas áreas redescobertas que

têm como objetivo fundamental criar cidade para as pessoas,

excluindo ou limitando os automóveis, numa lógica de inte-

rior de quarteirão habitável e funcional com comércio e ativi-

dades a acontecer101. Há também uma preocupação em ofere-

cer a possibilidade de acesso a espaços verdes a não mais de

200 metros da habitação102. Assim sendo, o protagonismo da

mobilidade é invertido passando para os percursos pedestres,

seguido dos transportes leves como é o caso da bicicleta e por

último os transportes motorizados. Desta forma, os antigos

quarteirões divididos por vias de trânsito automóvel, estão

atualmente agrupados em mega quarteirões com uma vasta

101 Agència d’Ecologia Urbana de Barcelona (2015) Superilles Pilot al Dis-

tricte de Sant Martì. Informe Diagnòstic Situació Actual. Barcelona

102 Agència d’Ecologia Urbana de Barcelona (2015) Pla de Mobilitat del

Districte de Gràcia Supermançana de la Vila de Gràcia. Desenvolupament

de Propostes. Barcelona

Figura 122 - Plano das Supermanzanas

de Barcelona, 2016

Figura 121 – Quarteirões de Barcelona,

Plano de Cerdà, 1859

Figura 120 – Quarteirões de Barcelona,

atualidade

96

área pública associada, formada pelas ruas agora com acesso

pedonal privilegiado e ocupadas com a vida social de interior

de bairro, integrando novas áreas de estar e de vegetação.

Este modelo foi rapidamente replicado por várias cidades em

todo o mundo pela sua facilidade de implementação partindo

de um Urbanismo Tático low cost e low tech, com a participa-

ção dos habitantes. Além disso o desenho da malha da cida-

de, desenhada por Cerdà, facilita a replicação deste conceito

em cidades que apresentem uma organização ortogonal.

Figura 124 - Modulação do Plano das Su-

permanzanas na planta da cidade, 2016

Figura 123 - Cruzamento interior de uma

Supermanzana requalificado pelos pró-

prios habitantes, 2016

À Procura da Cidade Saudável

97

A CIDADE HUMANA

A procura pela Cidade Humana está, sem dúvida, no centro

das atenções mais do que nunca. As convulsões trazidas pela

pandemia da Covid-19 deixaram as populações vulneráveis a

vários níveis, incluindo no que toca à componente social, im-

prescindível para a condição humana. Veio à superfície o que

já se revelava expectável, que o paradigma urbano tem que

mudar, as cidades têm que se voltar de novo para as pessoas,

para a escala humana perdida, para a cidade de espaço, tem-

po e silêncio. “Parece haver um simples e automático prazer,

uma sensação de satisfação, presença e aconchego, que cresce

com o mero sinal da cidade, ou da possibilidade de andar

pelas ruas.”103 Foram desenvolvidas diversas ações sobretudo

integradas nos modelos do Urbanismo Tático a nível global,

aproveitando os períodos de confinamento para fazer experi-

ências localizadas. A cidade voltou a ser um laboratório ex-

perimental com resultados significativos e positivos. Os pro-

blemas relacionados à perda da dimensão humana nas cida-

des já vêm sendo referidos desde o apogeu automóvel nos

anos 60. Jane Jacobs104 é a mais mediática representação do

ataque direto aos desenvolvimentos urbanos, sobretudo rela-

cionados com a infraestrutura para a mobilidade automóvel

que rompia com a cidade pondo em causa a salutar vida de

bairro com medidas que visavam a fragilização dos sistemas

de vizinhança naturais (laços) que trazem segurança, proxi-

midade entre classes, diversidade de oferta e procura e de

vida nas ruas e que, no fundo, se trata do ecossistema natu-

ral das cidades resilientes.

103 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.

P. 93

104 Jacobs, Jane (1961) The Death and Life of Great American Cities. Ran-

dom House, Nova Iorque

98

Richard Sennett diz, em tempo de pandemia, a propósito das

transformações a que obrigam as questões climáticas que

“Uma das coisas em que temos que nos fixar, quanto à vida

nas cidades, é quão densos podemos viver. Para questões cli-

máticas, a densidade não é má. Interessa que a gente viva

mais compacta, que use o transporte público e não se mova

cada pessoa isolada no seu carro. Mas a densidade, também

pode ser uma ameaça. Assim a questão está em elaborar for-

mas para que as nossas cidades sejam tão verdes como sau-

dáveis.”105

O facto de a densidade continuar a ser vista como fator con-

tributivo para espalhar o vírus, continua a frustrar muitas

iniciativas neste sentido quando a diferença está na infraes-

trutura e planeamento. Os bairros desenvolvidos sem infra-

estrutura governamental ou planeamento tendem a ser asso-

lados com problemas trazidos pela falta de infraestrutura

crítica como falta de água corrente ou eletricidade. Os assen-

tamentos informais são muitas vezes sobrepopulados e têm

falta de infraestrutura para a densidade funcionar bem, es-

tes problemas são exacerbados por uma pandemia respirató-

ria que requer lavagem das mãos e distanciamento físico.

Densidade com o planeamento apropriado pode ser um gran-

de benefício para as pessoas.

105 Sennett, Richard (2020 abril 27) El Liberalismo ha debilitado nuestra

red de salvacion. El País.

Figura 125 - ilustração da "Cidade de 15

minutos" em 10 anos, Paris, 2020

À Procura da Cidade Saudável

99

A densidade deve ser parte do avanço do planeamento de

mobilidade - por exemplo, pessoas a viver a uma distância

caminhável para os cuidados de saúde ou para o trabalho,

beneficiando desta proximidade por não ter de usar o carro

para chegar a serviços essenciais. As cidades estão a reco-

nhecer quão versáteis as ruas/estradas podem ser. A rua po-

de e deve ser usada para mais do que movimento e armaze-

namento de carros. Ruas completas, infraestrutura planeada

é positiva para os residentes. Uma importante caraterística

de tornar a caminhada e andar de bicicleta atrativos e possí-

vel é uma densidade bem desenhada.

Já Cullen observava as vantagens da densidade urbana uma

vez que uma pessoa “no campo não terá muitas hipóteses de

ir ao teatro, ao cinema ou a uma biblioteca, enquanto na ci-

dade tudo isto passará a estar ao seu alcance.”106 Além disso,

maior concentração permite uma economia que aposta mais

na coletividade.

“Efectivamente, uma cidade é algo mais do que o somatório

dos seus habitantes: é uma unidade geradora de um exceden-

te de bem-estar e de facilidades que leva a maioria das pesso-

as a preferirem – independentemente de outras razões – viver

em comunidade a viverem isoladas.”107

106 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P.9

107 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P.9

Figura 126 - Ilustração "Paris do 1/4 de hora", Paris, 2020

100

Paris Ville du ¼ d’heur

A pandemia trouxe também protagonismo a um conceito re-

cente do arquiteto Carlos Moreno que vem a ser desenvolvido

em Paris, a Cidade do 1/4 de hora108. A ideia assenta na pos-

sibilidade de encontrar uma multiplicidade de serviços à dis-

tância de 15 minutos da habitação. Desta forma, qualquer

pessoa pode deslocar-se a pé ou de bicicleta sem necessidade

de recorrer ao carro para satisfazer as suas necessidades

básicas. Um bairro de proximidade coloca a caminhada na

ordem do dia, andar de bicicleta em segundo, carros parti-

lhados em terceiro e carros privados por último.

108 https://www.paris.fr/dossiers/paris-ville-du-quart-d-heure-ou-le-pari-de-

la-proximite-37

Figura 127 - Densidades da área de

Paris, 2021

À Procura da Cidade Saudável

101

A densidade necessária para a cidade de 15 minutos torna-se

impossível se comtemplar o carro. Pelo contrário, a cidade de

15 minutos propõe um reaproveitamento de parques de esta-

cionamento e infraestruturas em espaços sociais úteis. Par-

ques de estacionamento tornam-se serviços públicos e espa-

ços verdes; estacionamento na rua torna-se linhas para árvo-

res e bicicletas, garagens tornam-se apartamentos; mecâni-

cos automóveis e vendedores automóveis tornam-se residên-

cia mista109. Este conceito está a ser aplicado na cidade de

Paris.

109 https://www.paris.fr/pages/la-ville-du-quart-d-heure-en-images-15849

Figura 128 - Ampliação da infraestrutu-

ra de transporte coletivo, Paris, 2021

102

A criação de novas urbanidades, com esta noção de proximi-

dade, que permite descobrir serviços no entorno da habita-

ção, caminhando 15 minutos ou deslocando-se de bicicleta,

acalmando a cidade, porque não são os automóveis que do-

minam o espaço urbano, mas sim a vida, permite desenvolver

a biodiversidade, a natureza, a vegetação, os lugares de lazer

e os lugares de estar. Facilmente se começa a desenvolver

uma relação afetiva com o lugar porque não é meramente

local de passagem é lugar de viver. Este sentimento, que é

despertado pelo empoderamento da população, traduz-se em

melhores condições sanitárias na cidade e maior segurança,

porque cada um faz parte, e quer conservar o seu bairro. Por-

tanto, é este o elemento maior para a construção de novas

urbanidades, o vínculo social110.

110 Chazal, Pauline, Nouaikhat, Vincent (2021) Retour D’Expérience do

Quartier Montorgueil: Un quartier de Paris Centre, Piétonnisé dans les

années 1990. Apur-Atelier Parisienne d’urbanisme. Paris

Figura 129 - Extensão de ciclovias, Paris,

2021

À Procura da Cidade Saudável

103

Viena 2025

A história de Viena associada à habitação social é bem co-

nhecida no campo arquitetónico. Os mais emblemáticos

exemplos serão o Karl-Marx-Hof, Karl-Seitz-Hof e Frederich-

Engels-Hof, construídos no período entre guerras. Destes

bairros destaca-se, não apenas a qualidade dos fogos habita-

cionais, mas todo o projeto do conjunto. Houve um cuidado de

planeamento das áreas comuns, acessos e espaços exteriores,

que permitem tanto o usufruto destes espaços com funções

bem definidas como uma transição agradável entre a escala

da habitação e a escala urbana. Com o decorrer do século,

Viena foi mantendo esta preocupação na resposta à habita-

ção de qualidade, acessível à generalidade da população,

sendo um palco de experimentação de diferentes tipologias

de habitação coletiva111. Desta forma, foi refletindo a sensibi-

lidade do estudo social a que os arquitetos têm que estar

atentos por forma a garantir respostas informadas.

Atualmente, o plano estratégico para a cidade figura medi-

das de aumento da habitação social na cidade para 80% com

construção de novos edifícios e reabilitação de existentes112.

O desenvolvimento da qualidade habitacional e dos espaços

públicos envolventes estendeu-se para lá destes núcleos

através da preocupação em criar uma rede de transportes

públicos que respondesse à necessidade dos habitantes. De

facto, Viena é, ainda hoje, uma das cidades europeias com

melhor infraestrutura de transportes públicos113. Com vista a

111 Matznetter, Walter (1990) What kind of Privatization? The Case of

Social Housing in Vienna, Austria. University of Viena. Viena

112 Friesenecker, M., Kazepov, Y., (2021 maio 13) Housing Vienna: The

Socio-Spatial Effects of Inclusionary and Exclusionary Mechanisms of

Housing Provision. Cogitatio

113 Friesenecker, M., Kazepov, Y., (2021 maio 13) Housing Vienna: The

Socio-Spatial Effects of Inclusionary and Exclusionary Mechanisms of

Housing Provision. Cogitatio

Figura 130 - Karl-Seitz-Hof, Viena, atual-

mente

Figura 131 - Karl-Marx-Hof, Viena, atu-

almente

104

progredir num sentido mais sustentável, a cidade prevê uma

transformação da mobilidade diminuindo para 20% a popu-

lação a deslocar-se em veículo privado motorizado114.

114 Friesenecker, M., Kazepov, Y., (2021 maio 13) Housing Vienna: The

Socio-Spatial Effects of Inclusionary and Exclusionary Mechanisms of

Housing Provision. Cogitatio

Figura 132 - Políticas para valorização

dos espaços públicos de Viena, 2015

À Procura da Cidade Saudável

105

Os valores ambiciosos que a cidade almeja para 2025 são

demonstrativos de um progresso que foi feito ao longo de um

século no sentido de construir cidade para pessoas, respon-

dendo a necessidades reais. O fomento de percursos verdes e

não apenas espaços localizados constitui também atualmente

um dos focos de atuação com a aposta em criar conexões en-

tre os espaços verdes existentes; desenvolver e transformar

quarteirões limitando o tráfego automóvel; desenvolvimento

de áreas urbanas recreativas adicionando-lhes valor; um de-

senvolvimento conjunto das áreas urbanas limite, de transi-

ção rural, florestal ou de outra natureza com os respetivos

governos fronteiriços; atribuir diversidade funcional à infra-

estrutura verde; rotas urbanas e acessibilidade; e o fomento

de uma paisagem azul, integrando corpos de água pela cida-

de115.

115 City of Vienna (2015) Step 2025: Thematic Concept – Green and Open

Space. Viena

Figura 133 - Rede de espaços públicos

de Viena, 2015

106

PARA UMA RESPOSTA DE VIDA

URBANA

“Uma arquitetura verdadeiramente expressiva e viril, só po-

derá florescer quando, na prática, os imperativos de ordem

social se conjugarem com a satisfação pessoal, com o prazer

suscitado pelo próprio processo criativo, para além da consi-

deração do objetivo em vista. Não há qualquer motivo para

que essa alegria espontânea seja tida como perniciosa, já que

sem o prazer sensual a prática da arquitectura degenera ine-

vitavelmente numa rotina sem sentido ou, quando muito,

num exercício de mera agilidade intelectual.”116

116 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 95

Figura 134 - Ilustração, A

rua como equipamento

Urbano, 2020

Para uma Resposta de Vida Urbana

107

A vida na cidade resume-se à rua. A rua é o encontro com a

escala humana e, é essa ligação longínqua que tudo unifica e

confere a escala urbana e até a metropolitana. É a criação

por excelência que começou no rio como caminho, na sua ori-

gem o encontro, e a busca, o sustento e a curiosidade pelo

desconhecido. Na rua, como no caminho, há essa continuida-

de, de um outro destino, de novas possibilidades. Do pé, a

roda, a carroça, o carrinho, o carril, o vapor, o elétrico, o car-

ro. E ao mesmo tempo, a função da rua a mudar, que era de

encontro, de brincar, de estar, de trabalhar. Deixou de ser

cidade para ser passagem, que nem é aqui, nem acolá.

É na revalorização da rua que assentam as teorias que bus-

cam saúde e vitalidade para a cidade. Numa aposta de retor-

no ao valor dos lugares, de reencontro com a cidade e com os

vizinhos!

“Uma vez que uma parte tão considerável da paisagem urba-

na consiste na pequena rua tranquila e na simplicidade do

trivial e do quotidiano, há que aproveitar plenamente todo o

talento local.”117

É sobre a rua como canal urbano de aproximação da cidade e

na rua como pátio coletivo do bairro que aqui se pretende

incidir. Nessa dualidade, partindo do mesmo elemento, en-

contram-se as mais variadas dinâmicas da cidade.

117 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 44

Figura 135 - Inter-relação entre a saúde, o

urbanismo e a higiene, 2020

108

PRETENSÕES

Se se constrói cidade para as pessoas, em vez de se conceber

um plano urbano, a mudança necessária para iniciar o per-

curso da forma certa está em criar um plano para a vida ur-

bana baseado na proximidade, diversidade, densidade e ubi-

quidade. Promover a mobilidade pedonais, expandindo pas-

seios, realizando ciclovias, integrando vegetação e conver-

tendo, quando possível, as ruas em 100% pedonal, é um dos

princípios para o convite à caminhada. Nestes espaços, em

que o protagonista é o cidadão, facilmente se começam a de-

senvolver atividades livremente, formam-se espaços de re-

creio para as crianças, zonas de estar para adultos e crescem

as atividades económicas de comércio e serviços.

Figura 136 - Esquemas do processo –

Como juntar saúde e urbanismo no

desenho da cidade?, 2020

Para uma Resposta de Vida Urbana

109

Cidade vista de cima – escala urbana

Pensar a cidade à escala urbana, pressupõe um impacto à

escala humana. As grandes alterações à grande escala por

norma compreendem alterações no campo da mobilidade.

Assim sendo, questões como: a hierarquia de vias e acessos; a

introdução de novos meios de transportes coletivos; a altera-

ção de fluxos automóveis; acaba por ter um impacto direto na

organização e desenvolvimento de zonas específicas da cida-

de quando olhadas isoladamente. Pelo contrário, a escala

humana pode gerar dinâmicas de tal forma interessantes

para a cidade que acabam por progredir para uma escala

maior, esta é a abordagem em crescimento atualmente para

intervir num território urbano. No entanto, é necessário

manter sempre um olhar atento a toda a cidade – o retalho

em que se intervém, é um órgão vivo deste imenso corpo: é

preciso garantir fluidez nas ligações, promover sinergias,

garantindo a unidade da cidade. A interdependência destas

duas escalas, a necessidade de olhar a cidade sempre à luz de

uma e de outra, faz com que atualmente se justifique um

conhecimento lato do meio urbano em que se atua. Não é

mais possível planear cidade do “alto”, sem conhecer as pe-

quenas dinâmicas internas.

Figura 137 - Esquisso de processo –

Como ligar a cidade e o bairro?, 2021

110

Figura 138 - Esquisso de processo - Qual o objetivo para o Porto?, 2020

Para uma Resposta de Vida Urbana

111

Figura 139 - Brainstorming sobre o Porto, 2021

112

Cidade vista de dentro – escala humana

Para a Cidade Saudável é essencial mudar a nossa relação

com o tempo e o espaço, incidindo sobretudo nas questões de

mobilidade, dotação de serviços e áreas verdes. O conceito de

“cidade do quarto de hora” é, também, sinónimo de smart city

– produz a ideia da cidade viva – a vida em certas zonas, por

vezes menos valorizadas, é muito mais diversa, segura e en-

volvente para os habitantes118. Em espaços mais restritos, à

volta do mundo, pode observar-se este tipo de vida, que, na

sua maioria, nasce de uma vontade espontânea da população

da necessidade de apropriação, de tornar humano. Existem

diversos exemplos sobretudo nos países mais desfavorecidos

de bairros em que os habitantes desenvolvem laços afetivos

com o lugar e revelam um certo orgulho coletivo. Também no

Porto se encontram as ilhas, como imagem coletiva identitá-

ria de uma população desfavorecida, trabalhadora e sobre a

qual a cidade se desenvolveu. Nelas se reconhece a vida pe-

culiar levada pelos habitantes nos espaços de encontro e pas-

sagem ou nas funções habitacionais que necessariamente

têm de partilhar. No entanto, o que se pretende agora, e que

este modelo baseado no cronos indica, é uma densidade bem

desenhada. Aliando este plano ao das Supermanzanas come-

ça-se a entrar num plano que visa a proximidade e a escala

humana como base de desenvolvimento, que aliado a políti-

cas eficazes habitacionais, como acontece em Viena, garante

a distribuição adequada das funções.

Partindo do corpo como unidade básica da cidade, interessa

descortinar o que faz as pessoas ‘usar’ a cidade. Jan Gehl dá-

nos um retrato disso pela sua apreciação contínua da ativi-

dade humana na apropriação do espaço público.

118 Jacobs, Jane (1961) The Death and Life of Great American Cities. Ran-

dom House, Nova Iorque

113

Figura 140 - Pessoas a pé, Jan Gehl, 1968

Para uma Resposta de Vida Urbana

115

rios, com diferentes funções, maximizando o seu uso e poten-

cial – é o caminho a seguir.

Os problemas relacionados com a sustentabilidade urbana

estendem-se para além das questões ambientais. Para uma

resposta efetiva é necessário olhar a uma sustentabilidade

em todos os setores chave: económica, política e social. Do

ponto de vista social, é necessário criar resiliência nas socie-

dades dando a garantia de participação dos cidadãos ativa-

mente na construção da sua cidade e garantir uma melhoria

generalizada do seu bem-estar. É com este objetivo que é

importante garantir o acesso à cidade por todos. Isto quer

dizer que, é de extrema importância dar oportunidade de

usufruto do espaço público por todos. A cidade não pode dar

respostas com base no poder económico de cada um, aí come-

Figura 141 - À Procura da Cidade Sau-

dável, 2021

116

ça a segregação. As atividades no espaço público não podem

todas implicar “gastar dinheiro”, a partir desse momento

está a condicionar o acesso de uma grande franja dos seus

habitantes. É, portanto, uma das respostas que a cidade resi-

liente tem necessariamente que dar. Ter uma cidade que

oferece espaços para todos é, por exemplo, uma das formas

de combater a gentrificação e turistificação de zonas centrais,

que por norma atraem atividades económicas desproporcio-

nalmente caras afastando os habitantes autóctones, não só

das habitações, mas também, dos espaços públicos uma vez

que começam a perder a atratividade. Se, no entanto, houver

uma resposta adequada do espaço público, que o torne atra-

tivo, quer por caraterísticas naturais associadas a vegetação,

quer pela implementação de atividades culturais de livre

acesso, e algum comércio que possa responder às necessida-

des dos locais, a vida na rua é garantida, mesmo quando o

turismo sofre uma baixa.

Uma cidade centrada na cultura será uma cidade de resis-

tência e com espaço para todos. A cultura não corresponde a

um nicho, é, muito pelo contrário, o fator unificador de uma

sociedade, são os costumes, conhecimentos, língua e hábitos

comuns a todos os estratos sociais que se traduz de várias

formas, nomeadamente na arquitetura. Apostar na cultura

tem a ver com a salvaguarda da identidade das cidades e a

inclusão social. A promoção da criatividade e inovação no

desenvolvimento urbano através da cultura deveria ser aco-

lhida como recurso para o desenvolvimento sustentável e até

para promoção de estratégias relacionadas com a ação ambi-

ental.

Para aumentar as possibilidades de atrair as pessoas para a

rua e induzir aos bons hábitos de saúde da caminhada exis-

tem, de facto, vários fatores a considerar no desenho da rua.

Para uma Resposta de Vida Urbana

117

Enquanto os atributos físicos têm diretamente a ver com o

desenho da rua, o nível de conforto, as proporções e espaços

disponíveis para as pessoas de uma forma muito racional, a

qualidade do desenho urbano implica a complexidade da di-

mensão social. A criação dessa atratividade do espaço que

fica patente na sua oferta diversificada de acontecimentos

aliada aos aspetos físicos induzem às sensações individuais.

Com a continuidade, ou seja, com a resistência e confiabili-

dade nesta imagem da cidade desenvolvem-se os comporta-

mentos de caminhada. Este comportamento tem a ver com

um padrão e não uma ação momentânea, é a construção de

um novo modelo de mobilidade urbana assente nos pés.

Figura 142 - O que ajuda a definir o

"grau" de caminhabilidade da rua,

Ewing e Handy, 2009

118

Partindo deste ideal é necessário, antes de mais, estabelecer

uma hierarquia para o desenho das ruas do futuro, exigindo

um novo olhar sobre os valores da cidade coletiva. Dessa

forma, os novos princípios orientadores deveriam inscrever-

se numa ordem que orienta o corpo humano como primeiro

veículo de mobilidade.

1. Retirar os espaços de estacionamento e devolvê-los ao usu-

fruto das pessoas com jardins ou outros programas coletivos.

2. Reduzir o volume de tráfego motorizado.

3. Reduzir a velocidade de circulação motorizada.

4. Tratar interseções e gerir tráfego.

5. Redistribuir o espaço afeto à circulação motorizada.

6. Implementar pistas cicláveis.

7. Converter passeios em espaços partilhados entre peões e

ciclistas.

Esta forma de definição de medidas a tomar, deve ser inseri-

da quase como cuidados primários a qualquer rua, adaptan-

do a situação a cada caso. Da mesma forma que se realizam

os primeiros socorros descartando cada possibilidade de sal-

vação até às mais drásticas, o mesmo é necessário, com ur-

gência para as cidades. Então, se não for pertinente retirar o

carro, é importante descer nesta lista e perceber qual o passo

a seguir possível.

Para uma Resposta de Vida Urbana

119

Como já foi referido em capítulos anteriores, a mobilidade

pedonal não é a única resposta, nem pode ser, para os pro-

blemas de mobilidade. Além dos transportes coletivos, um

dos mais óbvios meios de transporte são as bicicletas, porém

existem outros modos de mobilidade leve ou micromobilida-

de, que não chegam a exigir esforço físico por serem movidos

a energia elétrica.

Contando com os efeitos diretos no desenho da cidade, as

vantagens de uma cidade caminhável e ciclável vai para

além da eficiência redobrada dos espaços públicos e transpor-

tes coletivos. Ajuda à redução da desigualdade social, uma

vez que o transporte individual deixa de ser visto como um

fator de elitismo, reduz o risco de acidentes graves pela cal-

ma do trânsito e ainda implica custos muito mais reduzidos

de infraestruturação e manutenção das vias119.

119 MUBi - https://mubi.pt/

Figura 143 - Aspetos chave a ter em

conta para a rua caminhável, Webi-

nar The Future Design of Streets,

julho 2020

120

SÍNTESE

Procura-se para a cidade do Porto:

Aproximar a Cidade do ideal de Cidade Saudável com a

pretensão de melhoria generalizada das condições de vida do

ponto de vista da saúde e do ponto de vista da vitalidade ur-

bana. Pressupondo a expansão dos percursos com vegetação

para formar uma rede de verde urbano associado a transpor-

te público e a espaços de fruição com serviços, fomentando o

crescimento económico ao mesmo tempo que oferece opções

de usufruto do espaço público por todos. O objetivo será tam-

bém o contágio e ativação das envolventes para a construção

efetiva e fortificada dessa rede de verde por toda a cidade.

Integrar o Bairro na cidade através da rede de verde, ante-

riormente mencionada, que penetra no bairro com o objetivo

de desenvolver a sustentabilidade social e ambiental local.

Esta contribui, ainda, para a melhoria das condições de saú-

de dos habitantes locais com carências tanto socioeconómicas

como de acesso a boas condições de saúde; ativar as qualida-

des identitárias das Fontaínhas (fomentar espaços culturais,

de convívio, lazer, recriação e discussão; tornar o espaço pú-

blico acessível a todos e complementar à habitação; O espaço

comunitário deve ser projetado com critérios sustentáveis,

prevendo espaços para diferentes idades, adequando aos usos

e aos diferentes usuários: para adolescentes, lugares de jogo

próximos aos acessos; para as crianças, espaços mais res-

guardados; e para as pessoas mais velhas, áreas mais tran-

quilas.

Para uma Resposta de Vida Urbana

121

Devolver a Rua aos habitantes, diminuindo a presença do

carro e tornando a rua atrativa, com a intensão de criar ruas

e espaços seguros, livres de poluição do ar e sonora e diminu-

ir a desconfortável sinalética para o trânsito motorizado que

ocupa, sobretudo, os passeios. É necessário reforçar as áreas

de pedestres como uma política urbana integrada para de-

senvolver cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis.

Igualmente urgente é reforçar a função social do espaço da

cidade como local de encontro que contribui para os objetivos

da sustentabilidade social e para uma sociedade democrática

e aberta. A cidade deve deixar o convite a caminhar, andar

de bicicleta, sentar, permanecer. A rua é o espaço e o cami-

nho, é o ficar e o circular, é nesta dupla funcionalidade que

reside a sua singularidade, nenhuma deve ser deixada em

detrimento da outra. Uma grande parte da vida urbana re-

sume-se nos espaços de articulação entre a rua e o edificado

envolvente. As fachadas cegas são um problema de saúde

urbana, o rés-do-chão desativado dá origem a uma rua doen-

te. Melhorar as infraestruturas de mobilidade como anteri-

ormente abordado e reabilitar os espaços que definem a rua é

urgente.

Não é aqui apresentado um projeto finalizado e detalhado

por dois motivos fundamentais: o primeiro relacionado com a

dimensão programática e problemática que engloba um pro-

jeto nestas 3 escalas que, no fundo, se trataria de 3 projetos

distintos; e o segundo ponto tem a ver com a defesa da Parti-

cipação como estratégia base para construção da cidade. A

realização de um projeto na íntegra anularia este aspeto.

Trata-se, portanto, de uma proposta geral de intervenção

com um nível de detalhe adequado a cada escala, que funcio-

na como indicador de práticas de ativação do potencial urba-

no.

122

PARTE III

Para uma Resposta de Vida Urbana

123

CIDADE | BAIRRO | RUA

PROPOSTA A 3 ESCALAS

“E se todo o mundo é composto de mudança,

troquemos-lhe as voltas, que inda o dia é uma criança.”120

120 “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, José Mário Branco

[Poema original de Luís Vaz de Camões]

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

124

Figura 144 - A Cidade Saudável - agregando as

Supermanzanas, Madrid Central, Copenhaga

Finger Plan, Viena Green City e Paris cidade de 15

minutos, da autora, 2021

125

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

126

Aproximar a Cidade

127

APROXIMAR A CIDADE

“Se a cidade mudou, parece ter mudado muito mais a forma

de ser vivida. O que mais chama a atenção relativamente ao

que se passava há 15 ou 20 anos, é o elevado número de pes-

soas que estão presentes no espaço público, em circulação ou

paradas a conversar, por exemplo numa das muitas esplana-

das, observando e sendo vistas a todas as horas do dia, seja

no percurso para o trabalho, a fazer compras, procurando

serviços, ou em lazer, motivo este que cresce de importância e

se prolonga noite dentro.” 121

121 Pinto, Jorge (2020 Junho) A retoma no Porto depois da Pandemia. O

TRIPEIRO. 7ª Série – Ano XXXIX – Nº6

Figura 145 - Princípio orientador da pro-

posta - aproximar os extremos da cidade

(sobretudo este e oeste), 2021

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

128

PORTO DE ENCONTRO

O que mudou no Porto do século XXI? Por um lado, a cidade

ganhou uma maior visibilidade internacional graças, não só

ao impulso gerado pelo turismo, mas também graças ao con-

texto académico cada vez mais reconhecido. O movimento

nas ruas aumentou, portanto. Turistas, imigrantes e estu-

dantes, contribuem para esta vida ativa das ruas, aumen-

tando o movimento nas zonas naturalmente mais atrativas

da cidade, junto às linhas de água e junto aos espaços verdes.

Por outro lado, estes movimentos geraram maiores desigual-

dades entre o centro histórico e a envolvente, assim como,

entre ocidente e oriente. No centro, a cidade voltou-se para o

turismo com a promoção do alojamento local massivo e com o

comércio cada vez mais direcionado neste sentido. Ao mesmo

tempo que isto acontece, o comércio e habitação que não con-

segue subsistir neste sistema no centro dá origem a edificado

devoluto ao lado de grandes empreendimentos turísticos.

Denota-se ainda uma ineficiência nos modos de circulação,

quer de resposta local, como de resposta às vagas turísticas.

A mudança do paradigma de mobilidade é necessária tendo

também em vista a melhoria da qualidade ambiental urbana.

Esta mudança só é possível com uma cooperação efetiva en-

tre os municípios da área metropolitana do Porto para res-

postas eficientes, sobretudo no que toca aos transportes pú-

blicos. As visões sectoriais deste território numa visão de

competitividade não ajudam a um desenvolvimento forte de

toda a área norte e ao crescimento harmonioso de novas po-

laridades urbanas na contiguidade do município central do

Porto.

Apesar destas conturbações, foram resilientemente resistin-

do os bairros tradicionais e a paisagem da cidade garantindo

o caráter e identidade da cidade. São estes aspetos que a ci-

dade precisa preservar e ampliar, o valor dos lugares atribu-

Aproximar a Cidade

129

indo renovada vitalidade nos casos necessários, não deixando

que os espaços verdes e de socialização sejam tomados pelo

carro, pela sua valorização e expansão e pela mudança dos

padrões de circulação.

Figura 146 - Parque Ocidental e Par-

que Oriental, 2021

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

130

A CMP apresenta no novo PDM de 2021 fortes intenções de

implementação de medidas para o incremento dos modos

suaves; com a ambição de pedonalizar a baixa e o centro his-

tórico e vários dos tecidos adjacentes e desenvolver uma su-

perestrutura de ciclovias intermunicipais, aliando a estas

medidas a melhoria dos transportes públicos na sua forma,

quantidade e qualidade, nomeadamente da infraestrutura

disponível para mobilidade do autocarro e do metro com a

inserção prevista de novas linhas. No entanto, estas medidas

ainda se mostram incipientes, por trás do discurso dissuasi-

vo. Os acessos internos de ligação este-oeste da cidade, além

de não oferecer muitas opções, não se coadunam com as ci-

clovias existentes e apenas na Avenida da Boavista, no per-

curso ribeirinho e na rua da Constituição é prevista a sua

implementação, comprovando a dificuldade de realização de

percursos no sentido longitudinal da cidade.

Figura 147 - Ciclovias do Porto, dados do

PDM provisório, outubro 2020

Aproximar a Cidade

131

A pedonalização da baixa poderia ser extremamente vantajo-

sa para uma saída confiante do período pandémico, com uma

forte aposta renovada no comércio local dirigido também pa-

ra as necessidades da cidade e para o usufruto dos habitan-

tes e não apenas dos turistas. A zona central ficou deserta,

sem turistas nem habitantes durante o período pandémico e

de confinamentos, vulnerabilizando o centro icónico da cida-

de. Mas estas medidas de reestruturação profunda da mobi-

lidade no centro não foram postas em prática antes da “rea-

bertura” da cidade e, portanto, é mais uma vez atrasado este

ideal de proximidade ao plano de Madrid Central ou das Su-

permanzanas. É de realçar que as áreas de vegetação na ci-

dade destinadas à fruição coletiva são escassas mesmo tendo

em conta o tamanho moderado da cidade e uma parte delas

não são convidativas à realização de atividades no exterior

ou simplesmente como área de estar, muitas delas atraves-

sadas ou rodeadas por vias de grande tráfego automóvel não

são capazes de oferecer a calma e segurança desejados para o

uso destes espaços. Por se terem convertido em “ilhas verdes”

torna-se difícil que atividades comerciais se fixem no entorno

inibindo assim mais uma vez o potencial atrativo do espaço.

Figura 148 - Espaços Verdes do Porto,

dados do PDM provisório, outubro 2020

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

132

O intuito desta intervenção não será introduzir demasiados

elementos e infraestruturas novos à cidade mas sim reabili-

tar ruas, estradas, largos, jardins e áreas em especulação

incidindo nas pequenas intervenções com base na participa-

ção local fixando urbanismo tático como suporte de toda a

intervenção para aplicar a esta proposta geral o ideal conce-

bido com “cidade de 15 minutos” e as Supermanzanas com os

interstícios dos quarteirões renovados pelos habitantes, com

vista à redução do trânsito motorizado como em Madrid Cen-

tral, criando percursos de vegetação contínua com medidas à

semelhança de Copenhaga e Viena baseando os seus circui-

tos de mobilidade em percursos de verde urbano e não dei-

xando de parte medidas no que toca a uma habitação de res-

posta mais ampla e diversificada para uma população dife-

renciada de acordo com o modelo de Viena.

Figura 149 - Aproximar as polaridades

geográficas da cidade, 2021

Aproximar a Cidade

133

A ESCALA URBANA

Tendo em conta os conceitos e referências apresentados a

proposta para o Porto é que se realize um conjunto de corre-

dores saudáveis através de métodos participativos invocando

as metodologias do Urbanismo Tático para que a sua imple-

mentação seja efetiva e rápida podendo partir de inquéritos,

workshops ou outras atividades para auferir as dificuldades

locais dos habitantes da cidade e também, com a ajuda dos

métodos vanguardistas de recolha de dados, perceber exata-

mente como atuar. Tendo em vista a premissa de criar pro-

ximidade e densidade na cidade através de gestos integrado-

res e equalizadores, esta proposta visa a aproximação dos

extremos ocidental e oriental da cidade, beneficiando três

percursos principais dedicados preferencialmente à mobili-

dade suave com vista a favorecer o sistema de verde urbano

conectando os dois parques da cidade.

“Uma cidade é uma organização multifuncional e mutável,

uma tenda para muitas funções, levantadas por muitas mãos

e com velocidades relativas. A especialização completa, a ma-

lha final, é improvável e indesejável. A forma deve ser, de

alguma maneira, não comprometedora, plástica para os obje-

tivos e percepções dos seus cidadãos. No entanto, há funções

fundamentais das quais as formas da cidade devem ser ex-

pressivas: circulação, principais usos do território, pontos

chave focais.” 122

Além disso, com o fomento do uso dos espaços públicos, re-

qualificação de espaços existentes no caminho e integração

de novos, é expectável o revigoramento e aparecimento do

comércio local, a reabilitação e reabitação de zonas mais de-

gradadas e o contacto próximo com bairros mais isolados ofe-

122 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.

P.91

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

134

recendo a cidade a todos os seus habitantes e desta forma

fomentando a diversidade que cria sistemas de resiliência.

Trata-se de uma proposta de Sistema de Verde à escala da

cidade para promoção de um estilo de vida mais ativo, com

incentivo ao uso dos transportes públicos (com uma rede for-

tificada de transportes e nódulos intermodais) e de apoio a

maior sustentabilidade económica através do fomento de ati-

vidades e comércio ao longo dos eixos principais (preferenci-

almente de resposta aos habitantes da cidade, não uni-

vocacionado para as tendências turísticas). Os 3 eixos são

definidos, sobretudo, pela Circunvalação; pela Avenida da

Boavista; e pelo contacto com o rio Douro.

Figura 150 - As zonas afetas a cada per-

curso, 2021

Aproximar a Cidade

135

Ao mesmo tempo oferecendo finalmente à cidade as Boule-

vards que nunca passaram do papel (Circunvalação e Boavis-

ta) à semelhança da Haussmann em Paris ou do anel de ver-

de em Viena. A cidade encontra-se dividida sobretudo pelas

infraestruturas viárias que a corta em fragmentos dificul-

tando acessos. Se, por um lado, se quer chegar mais rápido a

todo o lado, por outro, vê-se impedida a possibilidade de rea-

lizar distâncias tão curtas como a travessia de uma rua, quer

transversalmente quer longitudinalmente. É o exemplo das

autoestradas e vias rápidas e outras vias que acabam por

limitar fortemente a circulação pedonal. Este tipo de circula-

ções facilmente acabam por dar origem a espaços residuais,

muitas vezes abandonados, impulsionadores de comporta-

mentos marginais e com difícil projeção de uso. Ao focar em

vias tão movimentadas como a Circunvalação, a Avenida da

Boavista, a zona da Constituição, a Avenida 25 de Abril, e

toda a frente ribeirinha, busca-se exatamente devolver a es-

tes grandes eixos a dimensão humana, em algumas zonas

constrangedoramente perigosos para a vida que continua a

resistir - é o caso dos cruzamentos na Circunvalação; outras

vezes perigosamente isolados – como acontece em alguns

tramos da frente ribeirinha e na Avenida 25 de Abril em cer-

tos horários.

A proposta assenta na redefinição dos padrões de mobilidade

do Porto, assim como na criação concreta de um sistema de

verde para a cidade ao mesmo tempo que cria proximidade

para uma cidade assente na mobilidade sustentável e na au-

tonomia de cada um para as suas deslocações. Desta forma, o

projeto pretende beneficiar um grande gesto de ligação

transversal da cidade tendo como pontos A e B deste cami-

nho: A – O Parque Ocidental da Cidade e; B – O Parque Ori-

ental da Cidade. Este traço atravessa toda a cidade, rasgan-

do através das várias camadas existentes de tecido urbano e

percorrendo todas as épocas que perfazem a cidade do Porto.

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

136

Na sua génese não está a separação da cidade, mas, muito

pelo contrário, criar espaços de continuidade, comunicação e

trocas, através de estratégias de proximidade, renovando,

reabilitando e, pontualmente, edificando. A criação destes

canais pressupõe assim a contaminação positiva das ruas e

espaços envolventes no decorrer do processo.

“Uma estrutura de percursos deve ter uma certa simplicidade

na forma para criar uma imagem prezada. Simplicidade

num sentido topológico, em vez de um sentido geométrico, é

requerida.” 123

123 Lynch, Kevin (1990) The Image of the City. The MIT Press, New York.

P.98

Figura 151 - Esquissos de estudo dos

3 percursos, 2021

137

1 – Caminho de contacto com a água, de compreensão da frente marítima e

da frente ribeirinha da cidade. Passa pelo Castelo do Queijo, Avenida de

Montevideu e Avenida Brasil na frente marítima, o Jardim do Passeio Ale-

gre na foz, a Rua de Sobreiras, Rua do Ouro, a zona da Alfândega seguida

da Ribeira, com continuidade pela Avenida Gustavo Eiffel e por Campa-

nhã, pela frente do rio das fábricas antigas.

2- Caminho central é o mais curto, que atravessa diferentes períodos histó-

ricos, que se mistura com a malha urbana, passando por importantes pon-

tos da cidade, Boavista, Praça Mouzinho de Albuquerque, Ramada Alta,

Constituição, Marquês, Avenida e Ponte 25 de Abril, Corujeira e Monte da

Bela integrando estes bairros periféricos da cidade para lhes facultar faci-

lidade de acesso à cidade.

“Entrelaçamento – Serve, tal como o processo de truncagem, para interligar o

espaço próximo e o espaço remoto. Assim como uma rede de borboletas manejada

com destreza apanha a borboleta distante, também o entrelaçamento aproxima

de nós a distância, insere no nosso espaço próximo uma cena longínqua, particu-

larizando-a, obrigando-nos a uma observação detalhada daquilo que, através da

sua trama, coloca mais perto de nós. As suas aplicações são evidentes; aproxima

de nós a paisagem ou a cidade longínquas e permite selecionar ou rejeitar ima-

gens com uma determinada finalidade.”124

124 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 41

Figura 153 - Percursos principais, percursos secundários, espaços coletivos de relevo e localização das Fontaínhas, 2021

Figura 152 – 3 canais principais a beneficiar e velocidades de realização em modalidades diferentes, 2021

Aproximar a Cidade

139

sais. Desta forma, são sugeridos também percursos transver-

sais de contágio positivo e da ação contínua de regeneração

desta proposta. O objetivo é de integrar mais áreas verdes já

existentes neste Sistema de Verde urbano por forma a valo-

rizá-las. Além da conexão em pontos nodais estratégicos com

os 3 canais de verde principais. Na circunvalação no Viso, em

Montes Burgos, no Amial e na Areosa; no percurso central

em Fonte da Moura, Ramada Alta, R. Constituição com R.

Antero de Quental e o Marquês; no percurso de contacto com

a água no Bairro Rainha D. Leonor, na Alfândega, na Ribeira

e nas Fontaínhas. Estes percursos ainda deixam de lado

muitos bairros e zonas da cidade, mas uma mudança destas

implica uma atuação progressiva e persistente ao longo de

vários anos.

141

INTEGRAR O BAIRRO

“A vita activa, ou seja, a vida humana na medida em que se

empenha ativamente em fazer algo, tem raízes permanentes

num mundo de homens ou de coisas feitas pelos homens, um

mundo que ela jamais abandona ou chega a transcender

completamente.”126

As Fontaínhas acabaram por surgir como ponto de enfoque a

partir da proposta à escala urbana de Boulevardização do

Porto. Estas duas propostas de intervenção não surgem se-

paradamente, mas de forma complementar. A base ideológica

para a construção da Cidade Saudável, resulta tanto quanto

for capaz de se adaptar e inserir ao nível do bairro. Daí tor-

nou-se pertinente reconhecer os problemas de saúde mais

relevantes atualmente e onde potencialmente poderão mos-

trar-se mais debilitantes devido a vários fatores e, portanto,

dificultar uma vivência saudável do bairro. As Fontaínhas

mostraram ser um desses pontos de fragilidade, mas também

de enorme potencial.

126 Arendt, Hannah (1957) A Condição Humana. The University of Chica-

go, 10ª edição (2007), Rio de Janeiro

Figura 154 - Centro Histórico, Baixa e

localização das Fontaínhas - ainda na

área considerada histórica, na parte

nascente, PDM, 2021

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

142

Figura 155 - Fontaínhas

144

Figura 156 - Levantamento fotográfico de problemas de desenho urbano

145

Levantamento de problemas de desenho urbano

01 – Passeio das Fontaínhas – apresenta passeios muito es-

treitos com menos de 1m de largura, praticamente todo o

espaço é pavimentado com asfalto. Nem as árvores têm can-

teiros adequados e tem sempre carros estacionados.

02 – Passeio das Fontaínhas junto à ponte – continua a ser-

vir de estacionamento. Existem duas esplanadas que são

diariamente montadas no espaço que for deixado livre pelos

carros.

03 – Asilo Portuense da Mendicidade em estado de abando-

no.

04 – Muro do Abrigo dos Pequeninos - edifício em estado de

abandono.

05 – Alameda/ Passeio das Fontaínhas, zona central, onde se

insere a fonte com falta de clareza funcional e servindo tam-

bém de estacionamento.

06 – Pequeno largo na Rua de Gomes Freire sem qualifica-

ção.

07 – Largo do Padre Baltasar Guedes – com função primor-

dial de estacionamento.

08 – As ilhas que ainda apresentam problemas de várias

ordens: acessibilidade, qualidade construtiva, isolamento,

iluminação, necessidades sanitárias.

09 – Os rés-do-chão de acesso público (que não são muitos)

mortos.

10 – Largo do cruzamento da Rua do Barão de São Cosme

com a Rua de Joaquim António de Aguiar que poderia ofere-

cer maior funcionalidade ao bairro estando numa zona cen-

tral e não apenas embelezar.

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

146

11 – Praça da Alegria – a precisar de revitalização através de

um olhar para as funções primordiais.

12 – Largo Camarão – à entrada da Rua de São Víctor – ser-

ve apenas como estacionamento.

13 – Recinto da Rua Nossa Senhora das Dores pobremente

aproveitado e com a maioria do espaço dispensado para esta-

cionamento

14 – Largo elevado na Rua de São Dionísio com acesso por

escadaria à Praça da Alegria (em frente à entrada para a

Escola da Alegria) dedicado ao estacionamento automóvel.

Como já foi referido anteriormente, apesar das Fontaínhas se

localizarem no centro da cidade, é uma área maioritariamen-

te dedicada à habitação com algum equipamento coletivo,

sobretudo no seu limite oeste, na Rua das Fontaínhas, fugin-

do à escala do bairro. Este equipamento, além de um hospital

e lar da Misericórdia, agrega sobretudo complexos escolares.

Figura 157 - Equipamentos Coletivos,

Fontaínhas, PDM, 2021

147

Figura 158 - Levantamento das tipologias habitacionais não convencionais, equipamentos coletivos, rés-do-chão acessíveis e atividades de exterior

149

A rua de São Victor é um parque de estacionamento uma vez

que basicamente é usada pelos habitantes para deixar o carro,

não é um eixo de passagem essencial para chegar do ponto A ao

B. Esta rua foi originalmente feita pedonal para interação soci-

al partilha e desenvolvimento de uma vida comum de bairro

entre os moradores. Mas esta visão, acaba por ser generalizada

por todo o bairro. Em nenhum sítio há exigência de pagamento

de parque, portanto, toda esta área é usada como estaciona-

mento, não só pelos moradores, mas por pessoas que trabalham

na área central da cidade. Este cenário acaba por relegar para

o carro uma presença esmagadora. Os passeios são extrema-

mente curtos como é comum no Porto, fazendo com que seja

desconfortável caminhar. Além disso, todos os espaços com al-

guma amplitude, se não possuem qualquer tipo de qualificação,

são ocupados pelo carro. Noutros casos, como na Praça da Ale-

gria, os espaços isolam-se em autênticas ilhas, com a circulação

rodoviária e os muros feitos de carros no entorno.

As paragens de autocarro encontram-se na periferia do bairro,

tratando-se de uma zona de alta acessibilidade dentro dos pa-

drões da cidade. Os lugares de estar centram-se em 3 espaços

dentro do bairro: Praça da Alegria, Passeio das Fontaínhas e

largo da Rua Nossa Senhora das Dores, sendo este último fran-

camente subutilizado por falta de atratividade do espaço.

Figura 159 - Espaços destinados às diferentes mobilidades em circulação e parados

Integrar o Bairro

151

continuam a priorizar os deslocamentos considerados obriga-

tórios (residência-trabalho) não considerando deslocamentos

mais complexos e associados às tarefas domésticas, a maior

parte das vezes deixadas a mulheres, demonstrando mais

uma vez como o urbanismo não comtempla a mulher no seu

desenho.131 A forma do bairro poder ajudar a responder a

estas questões, está na aposta na proximidade de serviços no

seu interior.

Para evitar os conflitos espaciais que surgem em decorrência

da rutura dos domínios tradicionais do homem e da mulher,

e, para conseguir a repartição igualitária do tempo, do traba-

lho e da família, são necessárias estruturas urbanas que

permitam e facilitem que ambos escolham livremente como

organizar suas vidas.

“A segurança e a perceção da cidade são muito diferentes

para as mulheres, para os homens, para as crianças e para os

mais velhos, de maneira que é importante que se conheçam as

suas experiências ao planear espaços públicos. Usos, limites,

transparência, visibilidade e iluminação são variáveis que

devem ser levadas em conta de acordo com as experiências de

todos os intervenientes na vida urbana.” 132

Sendo o espaço deste bairro densamente equipado com esco-

las, faz sentido olhar também, aos percursos realizados pelas

crianças. Muitos dos trajetos para a escola estão repletos de

obstáculos que não tornam o caminho seguro, inibindo a au-

tonomia da criança para realizar o percurso sozinha em ida-

des mais avançadas. E independentemente da sua idade, de

maneira geral, a sua sensação de segurança é diminuída e a

sua vontade de usufruto do espaço público também.

131 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona

132 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

152

A ESCALA DO BAIRRO

A proposta de integração do bairro na cidade, desenvolve-se

na dualidade de garantir a saudável vida de bairro confortá-

vel para os seus habitantes. Longe dos ruídos e azáfama ur-

bana, ao mesmo tempo que se formam vínculos de conexão

com a cidade, fazendo deste bairro um ator participador da

vida ativa urbana. As Fontaínhas poderão, assim, ser o labo-

ratório experimental de observação e exemplo das novas di-

nâmicas de vida urbana a expandir pela cidade.

Esta aproximação ao bairro estabelece-se em 3 níveis que se

interrelacionam com a cidade sustentável, a cidade inteli-

gente e a cidade humana. O nível do subsistema de verdes

assente na valorização de espaços disfuncionais, degradados

ou com funções prejudiciais para a vitalidade do bairro de

forma a oferecer novos espaços de promoção da vida de rua

para que as crianças brinquem no exterior e os mais velhos

possam usufruir do espaço público. Este subsistema conecta-

se com o sistema maior dos 3 canais de verde contínuo urba-

no; O nível de desenvolvimento de novos padrões de mobili-

dade para aumento do espaço público disponível para usufru-

to dos habitantes, melhoria das condições de saúde generali-

zadas e do bem-estar de todos integrando o bairro na cidade

em detrimento da presença massiva do carro (encaminhado

para os locais apropriados), devolvendo a rua aos habitantes.

E por fim, o nível relativo ao desenvolvimento social susten-

tável, assente na aposta cultural e educativa desta área como

bairro de cultura de referência, associado à preservação do

património humano do Porto.

153

Figura 160 - Nova Hierarquia de Rede Viária

Integrar o Bairro

155

portanto, não é permitido o estacionamento nem a sua circu-

lação a velocidades superiores a 30 km/h garantindo a prio-

ridade dos restantes meios de transporte em segurança.

Ao manter a circulação motorizada nestas ruas garante-se a

continuidade de acesso de qualquer tipo de transporte aos

equipamentos dentro do bairro. As escolas continuam a ter

um acesso rodoviário - a escola do Sol pela Avenida do Duque

de Loulé, a Escola da Alegria pela Rua de São Víctor, o Colé-

gio dos Salesianos pela Rua do Duque de Saldanha e as res-

tantes mantêm os mesmos acessos (excluindo o acesso ao

estacionamento privado do Colégio de Nossa Senhora da Es-

perança, que terá que incluir um acesso pela Rua das Fonta-

ínhas, por forma a libertar a zona do largo N. Sra das Dores,

onde se localizam os bairros sociais de São Víctor).

Na restante área apenas poderão circular veículos destinados

à micromobilidade, ou modos leves, de emergência, recolha

de lixo, e cargas e descargas. Do Passeio das Fontaínhas até

à Avenida Gustavo Eiffel é proposto que toda a área se torne

pedonal. Esta transformação não pretende criar um distan-

ciamento entre o passeio e as hortas, mas desenvolver novas

formas de conexão, nomeadamente no que toca à melhoria

dos acessos entre as duas cotas. A ideia é que, à semelhança

do Jardim das Virtudes, as diferenças de cota não se tornem

segregadoras dos espaços, mas, pelo contrário, um motivo de

desenho destes jardins, valorizando a presença das hortas

em consonância com os espaços de recreio, com a segurança e

calma que a ausência do carro permite.

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

156

Na Praça da Alegria o trânsito motorizado apenas passa no

lado norte desta praça triangular, permitindo que toda a

área no entorno direto da escola da Alegria se torne mais

segura e com a possibilidade de desenvolvimento de ativida-

des escolares que se estendam para lá do recreio, para a pra-

ça. Ao mesmo tempo, uma grande parte da área da praça é

devolvida aos usos pedonais permitindo a valorização do es-

paço total, e mais área para a realização do mercado e para

implementação de vegetação de fruição neste ponto tão cen-

tral das Fontaínhas.

O cuidado com a distribuição das funções e serviços, pode ser

a chave para um sistema de mobilidade de sucesso, com a

implementação de serviços de proximidade que não só facili-

tem a mobilidade leve como a tornem a solução perfeita, co-

mo se vê nos esquemas 1 e 2 da figura 159 de um estudo rea-

lizado para um quarteirão dentro de Madrid Central135. São

estas também as premissas da Cidade de 15 minutos – uma

proximidade de todas as funções que convide à caminhada.

Devido à dificuldade de adaptação a diferenças de mobilidade

tão radicais o bairro não deixaria de ter um espaço dedicado

ao estacionamento na Rua das Fontaínhas para servir ape-

nas os moradores do bairro. A mudança dos padrões de mobi-

lidade urbana é absolutamente essencial para uma cidade

realmente saudável. Enquanto no resto da cidade do Porto

apenas se foram encerrando ruas ao longo do tempo e com

uma resposta comercial forte que garantisse a presença de

pessoas nesses espaços (exemplo da Rua de Santa Catarina,

Rua das Flores, Rua de Cedofeita), nunca se deu o passo de

libertar um bairro inteiro do trânsito motorizado. Este é o

desafio que se impõe e que é urgente disseminar. Não só con-

tribui para a saúde pela diminuição da poluição atmosférica

presente no bairro e com a promoção da atividade física pelos

135 http://estudioherreros.com/project/madrid-center-strategic-project/

158

Figura 161 - Revalorização e Expansão da natureza no bairro

159

Revalorização e Expansão da natureza no bairro

Para estimular a vida na cidade são necessários percursos

diretos, lógicos e compactos; espaços de modestas dimensões;

e uma clara hierarquia segundo a qual foram tomadas deci-

sões para a escolha dos espaços mais importantes136. Embora

a introdução de vegetação possa contribuir para uma dignifi-

cação do espaço, sobretudo quando apresenta dimensões re-

duzidas, facilmente se poderá cair na presunção de que uma

cidade sustentável está sobrecarregada de vegetação.

“A importância do sistema de verde tipicamente converge pa-

ra a criação de muitos espaços comuns e para tornar os espa-

ços individuais grandes demais. Ruas, alamedas, avenidas,

passagens, terraços, jardins, terraços-jardins, pátios, praças,

parques e áreas de lazer são generosamente espalhados no

momento do planeamento urbano, mas pensando muito pouco

em consequências naturais, em quais são os espaços impor-

tantes, ou até mesmo em que medida é válido construí-los”137.

Assim sendo, sustentabilidade é saber encontrar a medida

certa para cada elemento necessário à cidade, garantindo a

saúde ambiental do meio. Desta forma, proporciona-se um

funcionamento do meio urbano quase orgânico, que numa

situação limite de provação, como o caso de uma epidemia,

pode ser determinante na ajuda para manter o equilíbrio

económico, por espaços bem organizados e equilíbrio mental,

por permitir facilmente o acesso ao exterior, com mínimo

risco.

O sistema de verde das Fontaínhas é o ponto principal de

conexão com o grande percurso de ligação dos parques da

cidade a realizar na proximidade com a linha de água da ci-

136 Lynch, Kevin. 1990. The Image of the City. The MIT Press, New York

137 Gehl, Jan. 2013. Cidades para Pessoas. 2ª edição, Perspectiva. São

Paulo

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

160

dade. Este sistema atinge o seu apogeu, no contexto do bair-

ro, no Passeio das Fontaínhas, devolvendo-lhe a sua identi-

dade de jardim público de passeio e recreação continuando a

beneficiar das vistas sobre o Douro e V. N. Gaia. O objetivo é

que este espaço responda à necessidade de espaços vegetais

na cidade abrindo-se a todos os públicos, enquanto outros

espaços exteriores se desenvolvem mais para a vivência do

interior do bairro. Esta ligação entre o grande sistema e o

subsistema do bairro acontece precisamente pela escarpa,

conferindo-lhe ainda mais destaque e às atividades aqui rea-

lizadas.

Figura 162 - Novos acessos automatizados

previstos entre as duas cotas, PDM, 2021

Integrar o Bairro

161

Pretende-se para a escarpa o prolongamento da horta urbana

aqui existente por todas as áreas degradadas em que seja

possível intervir do ponto de vista humano. O que quer dizer

que, a transformação de toda a escarpa desde os Guindais

até à ponte D. Maria Pia, convertem esta área na maior área

agrícola urbana da cidade. Dado o facto de a escarpa ter pro-

blemas de instabilidade, não é aconselhável que sejam feitas

novas construções nesta área e, portanto, as hortas são sem

dúvida uma excelente alternativa de uso, ou provavelmente o

uso ideal para estes espaços de topografia acidentada.

A aposta na expansão das hortas, é uma aposta no bairro

todo. O desenvolvimento do bairro seguindo um perfil de sus-

tentabilidade pressupõe, em última análise, uma produção

igual ou superior ao seu consumo. Esta é uma das teorias

defendidas pelo conceito da Cidade de 15 minutos. O traba-

lho já realizado de implementação da horta comunitária do

Bananeiro e os resultados patentes pela adesão, são a porta

aberta para a continuidade deste projeto. Além disso, ajudam

à promoção de estilos alimentares mais saudáveis podendo

ser usadas como instrumento de aprendizagem para as cri-

anças e também para os adultos.

Figura 163 - Instabilidade da Escarpa,

PDM, 2021

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

162

“Nas áreas metropolitanas a agricultura com fins ambientais

e paisagísticos, com estatuto e regime de agricultura a tempo

parcial, em pequenas hortas onde apenas uma parte da pro-

dução se destina ao mercado ou em explorações mais extensas

e tecnologicamente mais evoluídas, pode ser, em muitos casos,

um contributo importante para a manutenção dos equilíbrios

ambientais essenciais à sustentabilidade do território para a

qual é indispensável a manutenção de um mínimo de ativi-

dade humana. A manutenção da agricultura nas áreas me-

tropolitanas e na periferia das cidades é fator de qualificação

ambiental do território e condição de persistência dos valores

materiais que contribuem para a criação de ambientes quali-

ficados nas cidades, nas suas franjas de crescimento e nos

territórios metropolitanos.”138

No que toca ao Passeio das Fontaínhas, o objetivo principal é

o de lhe devolver as caraterísticas de jardim de passeio, ali-

ando esta nova relação com a escarpa e toda a sua extensão

desde o Largo Actor Dias até ao Largo do Padre Baltasar

Guedes. Em ambos os extremos, a ligação está bastante insí-

pida, sendo que o acesso ao Largo Actor Dias apenas é possí-

vel pelo parque de estacionamento por baixo da Avenida do

General Sousa Dias, uma vez que a passagem original está

encerrada. Neste ponto de encontro com o largo localiza-se,

também, uma ligação informal, mais perigosa, pela escarpa

entre a cota baixa e a cota alta. A introdução da nova horta

neste ponto tem também o intuito de beneficiar este acesso,

que culmina no ponto alto na ligação entre os Guindais e as

Fontaínhas, sendo um importante ponto de acesso pedonal.

O Passeio das Fontaínhas, além de beneficiar de áreas mais

amplas ajardinadas, veria a sua função de miradouro valori-

zada e teria ainda um programa excecional de uma praia

138 Fadigas, Leonel (2020) Urbanização, Espaços Verdes e Sustentabilida-

de: Do Jardim à Agricultura Urbana. Edições Sílabo, Lisboa. P.17

Integrar o Bairro

163

urbana, instalada em frente à fonte, com inspiração no dese-

nho dos antigos tanques e com influência do projeto Madrid

Rio139. A introdução deste dispositivo não se trata de um

aparato, muito pelo contrário, sendo a água, que ainda hoje

corre pelo bairro, uma das caraterísticas do desenvolvimento

das Fontaínhas, a presença de um pequeno lago que nas épo-

cas quentes se converte em praia pública acompanhada pelos

espaços verdes para descanso ao sol, é uma ode à vida desta

zona. Além disso, permite trazer para perto essa distância

que nem todos conseguem fazer até ao rio lá em baixo, bem

mais perigoso. Como se viu anteriormente, vários estudos

apontam para a pertinência da presença de corpos de água

para melhoria das condições de saúde.

Na Praça da Alegria, prevê-se também a introdução de um

espelho de água que traga essa qualidade líquida para este

espaço central, fomentando a sua função primordial de agre-

gação. Função esta que é, também, muito associada ao mer-

cado que aqui existe. No entanto, esta zona carece de um

dispositivo que formalize o mercado que o dignifique e lhe dê

valor renovado. Os guarda-sóis e as áreas de arrecadação

aqui existentes têm funções muito racionalizadas, negligen-

ciando o design associado a uma melhor configuração do es-

paço para que possa comodamente albergar o mercado e con-

tinuar ao mesmo tempo a ter disponibilidade de espaço para

organizar outras atividades, ou simplesmente para a circula-

ção das pessoas. Com a beneficiação do mercado e a aposta

na sua revalorização poder-se-á esperar até, um crescimento

do mesmo (com a aposta crescente nas hortas urbanas a aju-

dar) e, portanto, ser necessário mais espaço. Tendo isto em

vista, uma requalificação que proporcionasse o usufruto con-

tínuo do espaço ao mesmo tempo que oferecia dispositivos de

apoio ao mercado, poderiam ser dispostas no espaço ajardi-

139 https://burgos-garrido.com/project/madrid-rio/

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

164

nado entre a Rua do Barão de São Cosme e a Rua António

Joaquim de Aguiar. Num desenho que oferece continuidade,

ao mesmo tempo qualifica este espaço na sua individualida-

de, e atribui-lhe a possibilidade de novas funções. Atualmen-

te, este largo encontra-se ajardinado e arborizado, o que são

pontos positivos, mas não tira partido da sua diferença de

cota, entre o cruzamento e a pequena via mais alta que per-

mite o acesso a habitações e a uma entrada secundária para

a Faculdade de Belas Artes e acaba por ser um espaço me-

ramente decorativo, quase como um contraponto da função

vegetal que a Praça da Alegria neste momento não consegue

englobar.

À semelhança deste largo, encontram-se outros de dimensões

mais modestas, como espaços residuais, em cruzamentos de

ruas, sem toponímia que o reconheça. É o caso de um espaço

sobrante na ligação da Rua de Alexandre Herculano com o

Passeio das Fontaínhas e um espaço na Rua de Gomes Freire

que segue o Parque Infantil existente. Estes espaços apre-

sentam um forte potencial transformador, ainda para mais

associados a pontos opostos do Passeio das Fontaínhas.

Também na ligação da Rua de Gomes Freire e da Rua de São

Víctor com o Largo do Padre Baltasar Guedes há a pretensão

de inclusão de um espaço de vegetação, como um ponto final

ou marcação do início destes dois eixos, criando desta forma,

um afastamento para o trânsito possível no restante largo.

No lado oposto do bairro, no largo da Rua de Nossa Senhora

das Dores, a implementação da rede de verde, passa a estar

intimamente ligada à existência de uma nova entrada no

bairro, pela localização do estacionamento do bairro no ter-

reno adjacente em direção à Rua das Fontaínhas e de um

novo programa incidindo sobretudo na habitação no seu en-

torno. Será, portanto, um espaço misto de interior de quar-

teirão sossegado, com um movimento (apenas pedonal e de

166

Figura 164 – Bairro – Casa

Comum, Casa Cultura, Casa

Conhecimento

167

Bairro - Casa Comum, Casa Cultura, Casa Conheci-

mento

As cidades mais compactas mantêm uma relação íntima com

a natureza, são cidades mais conectadas, cidades onde as

pessoas têm uma vida mais integrada. As cidades mais inte-

gradas são mais justas no sentido em que as pessoas têm

acessibilidade aos espaços, aos equipamentos, às instituições.

Os lugares de socializar parecem ter acabado, tudo implica

investimento económico, sobretudo agora, num período em

que se paga por experiências. Faltam lugares de identidade,

sociais, que não estejam ligados ao consumo - direito a luga-

res de ligação entre pessoas.

A juntar a este fator é preciso reconhecer a crescente separa-

ção entre instituições e a sociedade real. A construção da

cultura crítica é um objetivo prioritário. Qual pode ser o pa-

pel crítico de todas as pessoas que têm acesso às esferas do

poder democrático e representativo e percebem a desconexão

entre estas instituições e a experiência da sociedade real: o

ativismo nos bairros, os diferentes tipos de associação, os

grupos auto-organizados de atendimento aos marginalizados,

os grupos alternativos de saúde pública? É possível que esse

papel seja desempenhado por quem goza de certa confiança

de algumas instituições ou que tem possibilidades de inter-

venção na opinião pública e, ao mesmo tempo, é capaz de

defender honestamente as aspirações dos cidadãos, de adotar

uma atitude ética e justa perante os conflitos, defendendo o

fraco e reclamando justiça? Quais são as margens para reali-

zar uma tarefa pedagógica em prol dos cidadãos a partir de

conhecimentos técnicos e de projeto? Como abrir espaços

além da marginalidade, do voluntarismo e do testemunho-

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

168

nhalismo?141 Todas estas perguntas são cruciais para uma

arquitetura com vontade ética, pois a essência da arquitetura

é a mediação, o projeto de futuro que concilie os objetivos e as

possibilidades das administrações com as necessidades e as-

pirações da sociedade.

As Fontaínhas agrega várias escolas, de todos os graus de

ensino, para além da Faculdade de Belas Artes, faz todo o

sentido que a atividade do bairro se desenvolva em torno da

cultura e da educação passando por todas as faixas etárias

num sentido de regeneração pela cultura, preservando o pa-

trimónio cultural e humano do bairro. A maximização da

dotação dos edifícios surge, por exemplo, na possibilidade de

abrir os espaços exteriores das escolas como espaços públicos

fora do horário de funcionamento. É necessário abrir a escola

ao bairro e trazer o bairro para dentro da escola. Pôr as cri-

anças a atuar no meio urbano é uma forma de fazer crescer a

confiança delas e o gosto pelo espaço de habitam e ajudar a

impulsionar o seu uso dos espaços exteriores.

Os exemplos demonstrados na figura 164, têm um caráter

experimental e demonstram formas de reativação dos espa-

ços públicos através de iniciativas culturais e artísticas, que

servem como ilustração de possibilidades concetuais a im-

plementar nas Fontaínhas. A iniciativa Little Free Library,

consiste na criação de pequeniníssimas bibliotecas em armá-

rios na rua em que se pode levar um livro para casa deixando

outro. É um exemplo de iniciativa que abrange não só crian-

ças, mas adultos, e que ajuda a melhorar o ambiente geral do

bairro 142 . Ao contrário, atividades que guiem de volta os

141 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona

142 https://littlefreelibrary.org/about/

Integrar o Bairro

169

adultos à escola, também ajudam a construir ambientes mais

saudáveis.143

O recinto da Rua N. Sra. Das Dores, associado a um novo

dispositivo multifuncional e à nova residência de estudantes

resultante da reconversão do Asilo da Mendicidade, acaba

por ter uma vida mais ativa como pátio central de toda esta

diversidade e ainda assim resguardado. Este espaço, de liga-

ção à cidade – sendo ponto de intermodalidade (car-

ro/bicicleta, carro/ a pé, …) poderá ser uma zona especial de

confluência de jovens. Aqui são apresentados dois exemplos

de transformação temporária dos espaços com vista a novas

atividades culturais abertas a todos. O Cineroleum144 , foi

uma iniciativa de transformação de um posto de abasteci-

mento de combustível para um cinema para a população da-

quela rua de Londres. Para garantir a adesão e revalorização

de uma rua que se encontrava degrada e com sérios proble-

mas sociais, foi chamada à participação toda a comunidade, o

que resultou num ponto de atratividade de toda a rua e todas

as idades.

A estrutura montada no Horst Festival145, como é tradição do

festival, mostra a facilidade de adaptação do uso de um espa-

ço com uma intervenção bastante simples. Apesar do recinto

da Rua N. Sra das Dores ser interior de quarteirão e exigir

uma certa calma nos usos, sobretudo à noite, a sua adapta-

ção para uma noite de cinema ou uma peça de teatro ou para

programas excecionais como o São João, poderá trazer a este

espaço novas vivências e valorização de criação de laços in-

tergeracionais.

143 Ogilvie, R. S., Zimmerman J. (2010) Opening School Grounds to the

Community after hours: A toolkit to increasing physical activity through

joint use agreements. Planning for Healthy Places - Public Health Law e

Policy, California

144 https://assemblestudio.co.uk/

145 https://www.horstartsandmusic.com/archive/2018

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

170

Este novo edifício com duas frentes, uma para a Rua das

Fontaínhas, por onde acedem os automóveis e outra pela cota

alta da Rua N. Sra das Dores, onde apenas se admite deslo-

cações a pé ou através de modos leves, tem como objetivo

responder a vários problemas do bairro. Este é o único ponto

do bairro em que é permitido o estacionamento automóvel e,

exclusivamente, dos habitantes desta área, por forma a dar

resposta a uma mudança suave dos modos de mobilidade. As

oficinas automóveis do bairro terão prioridade de escolha de

mudança para estas novas instalações uma vez que o carro

não é autorizado a circular ou permanecer em quase todos os

espaços do bairro dificultando a continuidade destes serviços.

Aqui garantem a sua exposição numa artéria privilegiada da

cidade a Rua das Fontaínhas. Os espaços libertos por estas

funções, espalhados pelo bairro, poderão ser ocupados por

habitação ou outras formas de comércio ou serviços dando

vida aos rés-do-chão.

Para além de albergar o estacionamento e possibilidade de

espaços comerciais e de serviços, umas das principais funções

deste edifício será albergar habitação social, acessível e con-

vencional. Desta maneira, experiencia-se um novo modelo de

resposta habitacional que dá resposta a necessidades diversi-

ficadas e que tem por base a agregação dos diferentes estra-

tos sociais, baseando-se no modelo de Viena uma percenta-

gem da oferta habitacional deve ser destinada a cada um

destes tipos de habitação. O exemplo do edifício 1111 Lincoln

Road146, surge aqui, como materialização desta ideia de um

edifício não só multifuncional, mas, também, convertível. Isto

quer dizer que, o parque de estacionamento foi desenhado

por forma a poder albergar outros tipos de funções – galeria

de arte, banquetes, concertos, …. É essa versatilidade de uso

146 https://www.herzogdemeuron.com/index/projects/complete-works/426-

450/437-1111-lincoln-road-extension.html

Integrar o Bairro

171

que se pretende neste novo edifício nas Fontaínhas, um dos

aspetos dessa exigência é a ambição da redução do uso do

automóvel e, portanto, que seja necessário cada vez menos

espaço destinado ao automóvel.

A introdução de uma nova estrutura na Praça da Alegria tem

a ver com esta necessidade de revitalizar as tradições que

vão sobrevivendo. Apesar do mercado neste local já ser bas-

tante insipiente relativamente ao passado, há realmente

possibilidades de restaurar essa função que foi dando e con-

tinua a dar vida a este pequeno largo. Uma das formas está

na valorização do trabalho realizado nas hortas comunitárias

a expandir. Esse trabalho com uma prática tão próxima deve

ser transportado quer para as escolas, como forma didática

das crianças lidarem com a terra e aprenderem de onde vêm

os alimentos e como é produzido pelo fomento de uma consci-

encialização para as questões da produção, do custo ambien-

tal, do desperdício e da alimentação. Como deve, também,

servir para a estimulação do mercado local. Além da forma-

ção para as crianças, uma das iniciativas - escola 24h - pode-

ria ser exatamente a aposta na formação dos adultos para o

rico desenvolvimento da escarpa hortícola. Um dos aspetos a

considerar é a instabilidade da escarpa que deve ser tida em

conta na decisão dos produtos a plantar uma vez que as raí-

zes influenciam positivamente ou negativamente a sua esta-

bilidade, dentre outras questões pertinentes. Esta nova es-

trutura inserida na praça tem como principal objetivo a res-

posta ao mercado dignificando-o, mas a sua disponibilidade

permanente faz deste ponto central, pertinente para outro

tipo de usos, quer para apoiar a Escola da Alegria, podendo

albergar atividades ao ar livre cobertas, como até a FBAUP,

como uma galeria de arte exterior, ou poderão ser ainda con-

siderados outros usos. Por este fator, são aqui apresentados o

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

172

exemplo da estrutura desenvolvida pelo atelier OTTOTTO147

para uma feira e uma outra estrutura do Assemble Studio148,

também de forma circular, usada para performances.

O Playing Field149, surge como caso de estudo concetual, para

este importante ponto da proposta, a Associação de Morado-

res de São Víctor. Este projeto surgiu de um interesse de

apelar ao gosto de um público diverso sobre as iniciativas

culturais artísticas. A sua forma assemelhando-se a um es-

tádio de futebol com as bancadas laterais, além de transmitir

uma imagem reconhecível para o público em geral, transmite

também a sensação de descontração de um jogo, que muitas

vezes é afastada da imagem de um ambiente mais pesado do

contexto artístico elitista. A criação desta associação tem,

portanto, como base desenvolver um espaço reconhecível,

acessível e agradável para todos os moradores, por forma, a

todos participarem nas discussões sobre o futuro da rua e do

bairro e a desenvolverem atividades lúdicas e recreativas ao

acesso de todos neste espaço – casa comum.

A introdução de uma estrutura150, como ponto final, na arti-

culação das 3 ruas que desembocam no Largo do Padre Bal-

tasar Guedes, tem em vista, beneficiar este espaço, que pare-

ce abandonado ao descaso, integrando-o numa imagem global

do bairro, seguindo a linguagem das restantes intervenções.

147 https://www.ottotto.pt/

148 https://assemblestudio.co.uk/

149 https://assemblestudio.co.uk/

150 https://www.ottotto.pt/

173

DEVOLVER A RUA

“A liberdade de se poder parar conversar, de reunião, de se

sentir em liberdade no exterior, podem não parecer muito

importantes ao lado dos imperativos do transporte, mas é

uma das razões porque as pessoas vivem em cidades e não

isoladamente – para poderem gozar os prazeres do social.” 151

151 Cullen, Gordon (1996) Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa. P. 130

Figura 165 - O Ritmo da Rua,

Ana Calçada, 2021

174

Figura 166 - Rua de São Víctor

175

Um dos grandes problemas no uso do espaço público no Porto

começa com o facto de os passeios terem menos de 1m e o

carro ser ainda o grande protagonista. Este fator torna a vi-

da urbana desconfortável na articulação entre a rua e o rés-

do-chão que lhe dá vida, despoletando as ruas doentes. Tra-

ta-se de uma cidade cheia de oportunidades adormecidas.

Existem imensas fachadas desperdiçadas e o problema come-

ça nos regulamentos que dividem incisivamente o público do

privado não permitindo intervenção no passeio. As últimas

gerações não frequentam a rua, não brincam na rua, não

saem e usufruem do rés-do-chão. A ocupação do piso térreo

introduzindo um programa multifuncional que se abre para a

rua e para a cidade implica a recetividade dos usuários da

rua, dos habitantes, assim como dos proprietários para abra-

çarem novos desafios. Aqui impõe-se a necessidade de parti-

cipação, a base para um bom desenvolvimento do contexto

urbano. Não é possível deixar de fora os atores principais da

vida urbana.

Figura 167 - Planta e corte da parte noroeste (muro

da FBAUP) da Rua de São Víctor

Figura 168 - Planta e corte da parte sudeste (mais

antiga) da Rua de São Víctor

176

A ESCALA DA RUA

Na Rua de São Víctor, eixo principal das Fontaínhas, o espa-

ço público e o espaço privado não são opostos, mas antes

complementares. Quem se propõe a trabalhar no espaço pú-

blico deve necessariamente entrar e entender o espaço priva-

do. O privado também revela o público. A rua é extensa, den-

sa como as ilhas que a compõem e introvertida, falta abrir

espaço de respiro.

A Rua de São Vítor é essencialmente definida por 3 partes

diferentes. A parte norte marcada pelo muro da FBAUP, a

parte central definida pela Praça da Alegria e a parte sul das

ilhas. Dadas estas diferenças, o desenho do verde contínuo

desta rua apresenta exigências diferentes. Na parte norte

fará sentido a expansão do passeio para a zona de estacio-

namento do lado do muro para equilibrar a escala e introdu-

ção de arborização pontual sem obstruir a visão, complemen-

tada com ciclovia no espaço atualmente dedicado ao estacio-

namento na margem oposta. Na Praça da Alegria a Rua de

São Víctor encerra-se ao trânsito motorizado e, portanto,

agrega-se ao espaço da praça permitindo a fluidez entre a

escola e a praça, aumentando a sua área útil. Por outro lado,

no troço sul da rua justifica-se o alargamento dos passeios e

introdução de faixas de verde de vegetação mais baixa e que

poderá ser cuidada pelos habitantes que assim o desejarem.

O leito da rua mantém-se mas apenas com as dimensões mí-

nimas para a passagem de veículos de emergência e cargas e

descargas, sendo a sua função principal de circulação de mo-

dos leves e pedonal.

178

Figura 171 - Regeneração da Rua de São Víctor

179

As estruturas de Daniel Buren153 são exemplo de possibilida-

de de criação de uma imagem de continuidade e valorização

dos espaços do bairro, cada um com a sua função. Desta ma-

neira, as 3 estruturas para espaço público apresentadas na

figura 166, apresentam uma unidade pela sua composição e

materialização. A estrutura em Naples154, apresenta-se como

uma cobertura que poderia inspirar a introdução de uma

estrutura de abrigo no largo da Rua de N. Sra das Dores, sob

o qual se poderiam realizar eventos, como os anteriormente

descritos, de encontros interculturais ao ar livre, organização

de noites de cinema ou teatro.

A estrutura para a Praça da Alegria, transporta a ideia do

guarda-sol sempre aberto que aliado a uma estrutura flexível

de sombreamento, serve o mercado conferindo-lhe nova vida

com as cores e luz, sempre com a possibilidade de alternati-

vas de uso. Já no final da rua, na Praça do Padre Baltasar

Guedes, uma outra estrutura pontuando a longitude do per-

curso e a unidade de uma ponta a outra do bairro, poderia

culminar na inserção de uma forma mais didática. Na qual é

possível observar os jogos de luz de perspetivas diferentes,

com elementos verticais e noutras direções, contrapondo as

anteriores que se mantêm num plano horizontal elevado com

as suas funções a realizar sob a cobertura. Esta estrutura

encerra um caráter lúdico de descoberta para crianças e

adultos com lugares de estar e sentar como uma Folie per-

manente.

A associação de moradores na articulação com a Travessa de

São Víctor, insere-se num terreno desocupado, abrindo este

cruzamento, o que proporciona uma área desafogada para os

habitantes da rua. Esta abertura transmite a sensação de

153 https://www.danielburen.com/

154https://danielburen.com/images/artwork/1454?ref=permanent

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

180

ampliação do espaço da própria Rua de São Víctor e traduz-

se num ponto de respiro da forte direção longitudinal da rua.

As linhas dinâmicas do novo edifício contrapõem o edificado

regular da rua atribuindo-lhe o expectável destaque e centra-

lidade com a escala adequada. A ligação à ilha mais próxima

albergando um novo programa, permite uma maior varieda-

de de espacialidades pelo recorte irregular dos limites do

terreno de implantação e pelas diferenças de cotas, o que

permite a organização de espaços de passagem e estar que

enriquecem os exteriores de ligação entre as construções –

nova e velha. A construção do novo edifício pressupõe a cons-

trução e planeamento definitivos com a participação dos ha-

bitantes da rua, com vista ao desenvolvimento de um equi-

pamento que corresponda às suas necessidades reais e, por

forma a promover uma apropriação efetiva por todos, partin-

do de um desenho coerente com o resto das novas estruturas

urbanas no bairro.

A presença de corpos de água aparece de forma pontual nes-

ta proposta em áreas de destaque. A principal o Passeio das

Fontaínhas já abordada, mas também, no largo da Rua N.

Sra das Dores e na Praça da Alegria.

As transformações das Fontaínhas, e ainda mais da Rua de

São Víctor apontam para um urbanismo que é ‘Feito à

Mão’155, é feito de participação local. Responde diretamente

às problemáticas do lugar, é informado na primeira pessoa, e

desenvolve-se em consonância com os ritmos do lugar, fazen-

do-se integrar entranhando-se nos habitantes. É a receita

para a mudança efetiva que se desenvolve em princípios

mais consistentes de sustentabilidade, inclusão e transpa-

rência de meios.

155 Rosa, Marcos L., Weiland, Ute E. (2012) Handmade Urbanism: From

Community Initiatives to Participatory Models. Jovis.

Devolver a Rua

181

Figura 172 – Colagem/Proposta de

regeneração da Rua de São Víctor.

Novos espaços de pontuação da rua:

Largo do Camarão, Praça da Alegria,

Associação de Moradores e Largo do

Padre Baltasar Guedes.

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

182

Para o desenvolvimento do sistema de verde na rua de São

Víctor o plano passa necessariamente por um faseamento

sensível à retirada do carro. O primeiro passo a tomar é a

formalização dos lugares de estacionamento que não estão

assinalados. Além de introduzir ordem no espaço, por haver

uma área destinada a essa função, é mais provável que se

deixe de estacionar em lugares não identificados para esse

efeito (como os passeios). Automaticamente, pela regulação

do espaço a área destinada a estacionamento é, portanto, re-

duzida. Uma vez que o perfil da rua é tão reduzido (entre 8m

e 9,5m), partir para uma opção de segregação dos meios de

deslocação não é viável. A implementação da limitação da ve-

locidade de circulação para 30km/h permite uma maior ver-

satilidade da faixa de circulação para meios de transporte

que necessitam de maiores níveis de segurança, garantindo

que o passeio se destina à deslocação a pé sem interferências.

A este passo segue-se a disponibilização de 1/3 dos lugares de

estacionamento para outros usos. Neste ponto, a participação

local é essencial para uma boa adesão aos novos espaços tipo

parklet que se vão desenvolver ao longo da rua, respondendo

a necessidades e vontades dos habitantes. Esta fase tem um

caráter muito experimental e uma importante componente

social de conexão, entre e, com a população para as trans-

formações a seguir.

Numa segunda fase, é retirado o estacionamento da rua, são

alargadas e fixadas as zonas de atividade no passeio e, inver-

tendo a situação de mobilidade, torna-se menos agradável

que o carro percorra a rua com as curvas que obrigam a cui-

dados redobrados e redução da velocidade. Na proposta da

nova hierarquia viária para o bairro, a Rua de São Víctor é

dividida em dois setores: a parte norte, até à Praça da

Alegria, permitindo o trânsito motorizado, e a parte sul, da

Praça da Alegria até ao Largo do Pe Baltasar Guedes

Figura 174 - Fase 1 - 1/3 dos lugares de

estacionamento à Participação.

Figura 175 - Fase 2 - Redefinição da hie-

rarquia viária priorizando os modos leves

e pedonal.

Figura 173 - Formalização dos lugares de

estacionamento, grelha estruturante.

Devolver a Rua

183

destinada a mobilidade leve e pedonal. Desta forma, a parte

norte não evoluiria para além desta segunda fase. No entan-

to, considerando uma perspetiva futura de pedonalização de

todo o bairro, esta proposta para a rua estende-se para além

desse objetivo primário.

Por fim, uma terceira fase contempla a criação de espaços

modulados pelas dimensões dos estacionamentos, que foram

o ponto de partida, compartimentando a rua em espécies de

salas de diferentes atividades, de verde, de estar, de parque

infantil, de arborização, entre outros. Espaços estes que vão

crescendo e fixando-se a partir das necessidades iniciais e

evoluídas dos habitantes, tendo os mesmo sempre o papel

principal na discussão e implementação das iniciativas.

A rua oferece novos espaços de alargamento que a pontuam e

introduzem uma cadência nova ao seu percurso marcada-

mente longitudinal. Destaca-se o Largo do Camarão, com

uma proposta de um grande espaço de estar que se articula

com a rua em perfeita continuidade espacial, definindo uma

sala de entrada/saída da rua e do bairro na parte norte; a

Praça da Alegria, que além da introdução de vegetação e

novo pavimento, ostenta uma nova estrutura de mercado e;

pontuando o extremo sul da rua, uma parte do Largo Pe

Baltasar Guedes é destinado a uma área de vegetação mais

densa, com arborização, como um novo ponto tranquilo de

miradouro sobre o rio, de interseção de ruas e de afasta-

mento do trânsito que ainda possa existir na Rua do Duque

de Saldanha.

O resultado final aproxima-se da ideia de um percurso linear

que oferece imagens e possibilidades de usufruto diferentes a

cada passo, assim como alternativas de trajetórias, centrado

nos seus habitantes, na importante vida de bairro, na fortifi-

cação e valorização de laços e na sua dignificação.

Figura 176 - Fase 3 - Formalização

das diferentes 'salas' da rua de

acordo com a modulação.

184

DA RUA AO HABITAT

A revitalização a partir de dentro, partindo do princípio que

o interior do quarteirão também é cidade, surge como ideia

para regeneração de ilhas. Trazer a cidade para dentro do

quarteirão organizando a ilha como espaço público atribuin-

do-lhe novas qualidades para além das já conhecidas co-

working ou co-living; formar espaços para todos com possibi-

lidade de comércio (pequenas ruas comerciais); passagens

pedonais de ligação de ruas, ou como uma possibilidade de

‘quintal’ comum como extensão da habitação.

Aproveitar as ilhas para dar possibilidade de uso ao interior

do quarteirão é uma maneira de valorizar esta tipologia na

cidade do Porto e ao mesmo tempo devolver à cidade estes

espaços exteriores que ficam entregues a privados e muitas

das vezes pobremente aproveitados, ainda para mais tendo

em conta a repartição burguesa do quarteirão do Porto com

os lotes muito esguios. A valorização deste espaço interior

vem já sendo aproveitado por vários comerciantes, nomea-

damente no ramo da restauração, oferecendo a possibilidade

deste distanciamento da cidade e do ruído, no interior aco-

lhedor do quarteirão com as suas esplanadas muitas vezes

com decoração vegetal muito agradável. A atratividade des-

tes sítios demonstra mais uma vez como é a atmosfera ambi-

cionada para a cidade. Apesar destas ofertas, a possibilidade

de usufruto de espaços desta natureza não deveria recair na

obrigatoriedade do consumo. A opção de usar as ilhas como

uma nova tipologia que agrega a escala do habitat com a ci-

dade, nestes espaços interiores maioritariamente vegetais,

que poderão continuar a ter atividades comerciais até, ou ser

exclusivamente salas de estar a céu aberto, locais de silêncio

e calma.

185

Figura 177 - Novos programas para ilhas urbanas

Devolver a Rua

187

Um bairro destes deve incluir todos os tipos de habitação –

casas para diferentes níveis de rendimentos, diferentes ida-

des, diferentes fases da vida. O missing middle no que toca a

habitação faz crescer a especulação dos terrenos livres e dos

imóveis presentes nestes territórios diminuindo também a

acessibilidade. Um centro habitado proporciona maior equi-

dade social e vida intergeracional. Uma das formas de apro-

veitamento das ilhas para contexto habitacional por forma a

combater alguns dos problemas que afetam a cidade como a

habitação acessível e social no centro urbano, a oferta de ha-

bitação estudantil e uma regulação mais apertada do aloja-

mento local, poderia ser a tomada de medidas de controle dos

rácios de habitação dedicados a cada tipologia, à semelhança

do que acontece em Viena, e, desta forma, ensaiar-se um mo-

delo a adotar noutras tipologias habitacionais urbanas.

Uma proposta de rácios da distribuição dos fogos nas ilhas

para uma maior diversidade habitacional: > 50% a habitação

social e acessível, >=20% a habitação estudantil e <=20% a

alojamento local, por forma a que a primeira nunca ceda “es-

paço” em função da segunda e nem a segunda em função da

terceira. Sendo que o senhorio/município poderá abdicar do

alojamento local, cumprindo as restantes regras para cada

tipologia. Em ilhas com 4 ou menos fogos não poderá ser in-

tegrado alojamento local. Poderá ainda optar por 100% de

habitação social nos casos em que as ilhas tenham 3 ou me-

nos fogos. Partindo de um exemplo prático, numa ilha com 7

habitações reabilitadas: 4 seriam destinadas a habitação

social (57,14%), 2 a residência estudantil (28,57%) e 1 aloja-

mento local (14,29%). Se o inquilino optasse por excluir o

alojamento local poderia, então, ter 4 fogos como habitação

(57,14%) e 3 como residência estudantil (42,86) ou 5 fogos

como habitação (71,43%) e 2 como residência estudantil

(28,57%). Nesta ilha não haveria a opção de ser unicamente

destinada a habitação social, por ter mais de 3 fogos.

Figura 178 - Exemplos de divisão

habitacional partindo de uma ilha com

19 fogos reabilitada para 9 fogos.

Cidade | Bairro | Rua Proposta a 3 escalas

188

FEITO DE MÃOS

O gesto aqui descrito como proposta de intervenção deixa

ainda em aberto uma série de questões formais, construtivas

e ideológicas. Um dos tipos de participação da população re-

sidente poderia considerar-se numa perspetiva de realização

da proposta em que o passo seguinte seria então a sua apre-

sentação e discussão com os habitantes de modo a ajustar à

sua realidade e avançar para uma proposta real de formali-

zação de projeto. Desta forma, tornavam-se conhecedores das

transformações positivas que o bairro poderia vir a sofrer

para seu benefício, promovendo até a sua participação ativa

na concretização da obra impulsionando o empoderamento

local e a sua aceitação efetiva das transformações. Além dis-

so, o uso efetivo do conhecimento das vivências dos habitan-

tes do bairro permitiria uma adequação maior do programa a

qualificar.

A estratégia para esta regeneração está em dividir o poder

transformador entre a administração da cidade e a popula-

ção, desta maneira também se entrega o poder de decisão a

quem usufrui do espaço. A implementação desta transforma-

ção implica pouco empreendimento monetário porque, o que

se observa nas Fontaínhas como na generalidade do tecido

urbano dentro e fora de Portugal são edifícios, infraestrutu-

ras e espaços exteriores pobremente aproveitados, muitos

abandonados. O que é necessário é inversão de usos. Em vez

de se optar por um urbanismo de infraestruturas, que é mui-

to mais caro e lento, o urbanismo pela diversidade funcional

parte do que já existe, logo a resposta é mais rápida e menos

dispendiosa. O problema passa pelo facto dos edifícios e es-

paços se centrarem na sua verticalidade e monofuncionali-

dade. No entanto, com a possibilidade de abertura e maximi-

zação da capacidade de utilização obtêm-se os resultados

desejados a custo marginal zero ou quase zero. Aqui entra

Figura 179 - Projeto Mierigi Street, Fine

Young Urbanists, Riga, 2015. Projeto

experimental de transformação dos usos

de um troço da rua para criar interações

sociais e questionamento sobre as dinâmi-

cas do espaço público envolvendo as pes-

soas no pensamento crítico.

Figura 180 - Guerrilha Gardens, Berlim,

2020. Urbanismo Tático – pela valorização

do espaço público, das atividades comuni-

tárias e da partilha. A comunidade orga-

niza um desfile de jardins móveis com os

frutos das hortas urbanas de cada pessoa

num ambiente de competição saudável.

Devolver a Rua

189

em ação o papel dos cidadãos que agrupados de maneira as-

sociativa estão aptos a participar na questão dos usos desses

espaços que poderão sofrer convulsões ao longo do tempo.

O UN-Habitat156 desenvolve no Porto, um projeto de requali-

ficação dos espaços exteriores dos bairros do Falcão, do La-

garteiro e da Corujeira com a criação de um percurso de liga-

ção à cidade, uma vez que são bairros mais periféricos. Esta

iniciativa usa metodologias de participação que se desenvol-

vem desde a investigação para o desenvolvimento da propos-

ta de projeto até à fase final de implementação, ainda em

curso. Deste modo, foram desenvolvidas, ao longo dos últimos

anos, diversas atividade e discussões incluindo desde os mais

novos aos mais velhos habitantes destes bairros.

Sendo as Fontaínhas uma zona muito bairrista torna-se mais

fácil juntar a comunidade com um objetivo e mais fácil que

tenha resultados positivos partindo da participação e do co-

nhecimento dos locais. As soluções adotadas atualmente para

transformar os territórios urbanos começam a assentar nu-

ma estratégia de ações a curto prazo para longo prazo, isto é,

traduz-se numa revitalização coletiva usando estratégias

low-cost que podem facilmente escalar e informar para inves-

timentos a longo prazo. É usado por grupos de cidadãos, ne-

gócios, organizações governamentais e não governamentais,

entre outras nonprofit e combina um processo de desenvol-

vimento aberto com a criatividade libertada pelas interações

sociais. Desta forma, as decisões acabam por ser melhor for-

madas económica, social e ambientalmente.

156 https://urbinat.eu/cities/porto/

Figura 181 - UN-Habitat – Fase de dis-

cussão e planeamento, Bairros do Falcão,

Lagarteiro e Corujeira, 2018

191

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“As raízes da mudança radicam na necessária desconstrução

dos processos dominantes para que se chegue a alternativas:

comércio justo, slow food, consumo local e responsável, banco

ético, cooperativas de crédito, cooperativas de moradias, par-

ceria urbana, etc. Esse urbanismo baseado na auto-

organização, no funcionamento de baixo para cima (bottom

up) e na justiça deveria sustentar-se, pelo menos, em quatro

eixos de transformação estreitamente relacionados: igualda-

de, diversidade, participação e sustentabilidade, relacionados

com a vontade de promoção e consolidação de uma democra-

cia realmente participativa e ambientalista.”157

Um projeto à escala urbana mexe inerentemente, com aspe-

tos como o social, o político e o económico. Assim sendo é co-

locada a questão da participação. Que adquire cada vez mais

importância nos estudos realizados ao longo dos últimos anos

por revelar resultados efetivos de melhoria da vida urbana.

Este é um dos importantes aspetos de que esta proposta ca-

rece - a participação. Se a igualdade e a diversidade são valo-

res, a participação é um procedimento, um instrumento. Por

isso, a sua argumentação e protagonismo são a chave para a

transformação de um urbanismo realizado por muito poucos

157 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

para mundo Alternativos. Gustavo Gili, 1ª edição, Barcelona

Considerações Finais

192

planeadores em direção a um urbanismo aberto às demandas

sociais e que têm como objetivo os valores da igualdade e da

diversidade. Os processos de participação não são novidade

alguma nas sociedades democráticas. Constituem um dos

indicadores mais importantes de que cada cidade se esforça

por ser mais sustentável, mais humana e mais atenta à sua

realidade, diversidade e memória; demonstra que se trabalha

com o objetivo de alcançar benefícios comuns e exprime o

desejo da maior parte dos cidadãos de fazer parte explicita-

mente da cidade e de se reconhecer nas suas transformações.

A participação implica uma transparência e uma clareza de

interesses e objetivos, que ajudam a seguir um caminho mais

liberto de interesses paralelos por parte de todos os corpos

intervenientes.

Neste caso a reposta partiu do ponto de vista da autora, de

acordo com as vivências pessoais, a análise histórica e o es-

tudo da saúde pública. A única forma de participação está

nas conversas ocasionais que foram possíveis travar com os

habitantes que deram importantes pistas do caminho a se-

guir. Exemplo disso, é a importância crescente atribuída à

horta urbana “Bananeiro”, muito acarinhada quer pelos ha-

bitantes mais antigos como os mais recentes, artistas e imi-

grantes.

Apesar de se tratar de uma proposta global indicativa de

direções a seguir para a construção de uma cidade e de um

bairro mais saudável, várias questões ficaram por apontar.

Nomeadamente, a ligação do bairro com a cidade. A conexão

com a Avenida Gustavo Eiffel pedonalmente, é um tema de

interesse para o desenvolvimento da escarpa e para a ligação

a esse canal maior. No entanto, as ligações a norte acabam

por ser um assunto não desenvolvido. O desenvolvimento da

mobilidade leve no interior do bairro não se coaduna com as

ofertas atuais da cidade, portanto, dá-se conta de uma rutura

Devolver a Rua

193

destes modos nos limites do bairro, que precisariam de ser

colmatados para que estas mudanças modais fossem efetiva-

das, mesmo dentro dos limites do bairro, uma vez que não se

desenvolve isoladamente dificultando uma boa adesão.

A tarefa de transformação não se traduz apenas em medir

potenciais e apontar desejos, está também na identificação

dos recursos e instrumentos disponíveis, na antecipação de

barreiras existentes no caminho ou de iniciativas de contra-

posição.158 Por isso mesmo, é necessária a validação e ajuste

através de mecanismos de participação. A arquitetura parti-

cipada deve ser a melhor e única opção viável na construção

da cidade saudável. Governabilidade baseada em ouvir, esco-

lher, apontar direções e controlar trajetórias, é a maneira de

responder aos problemas reais uma vez que a cidade se ro-

deia de um sistema dinâmico com múltiplos agentes dotados

de iniciativa e recursos significativos.159

A proposta para o bairro incidindo em três planos: mobilida-

de leve; sistema de verdes; e cultura; proporcionam uma res-

posta que apenas aufere resultados pela sinergia entre estes

três níveis sobrepostos. Se por um lado, a retirada dos auto-

móveis deixa mais espaço disponível, por outro, esta liberta-

ção abre possibilidade de introduzir corpos de vegetação no

espaço e de desenvolver espaços recreativos com atividades

culturais e educativas, com inserção de novas estruturas

pontuais organizadoras dos espaços e tornando-os mais ape-

lativos. O desenvolvimento desta área está ainda, assente na

qualidade da resposta de comércio e serviços que necessita de

incentivo para se desenvolver nesta zona, estimulando os

rés-do-chão, que por sua vez estimulam as ruas. A par desse

desenvolvimento, deve-se dar a transformação das políticas

158 Portas, Nuno, coord. (2003). Políticas urbanas: tendências, estratégias e

oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

159 Portas, Nuno, coord. (2003). Políticas urbanas: tendências, estratégias e

oportunidades, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

Considerações Finais

194

habitacionais que promovem um público mais diverso no

bairro e, portanto, diferentes interesses com diferentes pro-

curas, que permitem uma maior diversidade de atividades

económicas dentro do bairro.

Um bairro que reúne estas caraterísticas, tem à partida, os

ingredientes para um crescimento resiliente. Pressupõe uma

vida ativa e em mutação constante pela oferta diversificada

de espaços públicos, com possibilidade de albergar atividades

e de dar voz a todos os moradores. Trata-se de um contributo

diretamente para a saúde mental dos seus habitantes, pelo

bairro que lhes é devolvido contribuindo para o bem-estar

geral; para a saúde respiratória com a diminuição do trânsito

motorizado e a introdução de espaços vegetados que também

impulsionam à atividade física, contribuindo para a saúde

cardiovascular; e para a saúde alimentar associada a diabe-

tes e obesidade pela forte aposta quer prática quer educativa

nas hortas urbanas.

É premente construir objetivos de valorização da cidade com

eventos e programas bem geridos, suscetíveis de mobilizar

apoios externos, gerar notoriedade e legados internos cons-

truídos de valor duradouro e, por outro lado, detetar e inter-

vir atempadamente no sentido de atenuar as tensões decor-

rentes das perdas de bem-estar emergentes.160 Melhorar e

construir estruturas associadas aos cuidados de saúde apre-

senta custos muito elevados, por outro lado, o custo de incluir

a dimensão humana é realmente modesto. Desenvolver in-

fraestruturas para mobilidade pedonal e impulsionar um

gesto macro de desenvolvimento de zonas verdes tem resul-

tados francamente positivos e rápidos. Aqui entende-se que

cuidar do micro é cuidar da coletividade. A relação entre es-

calas tem esta dualidade simbiótica profunda.

160 Montaner, Josep M., Muxí, Zaida (2014) Arquitetura e Política. Ensaios

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Figura 107 – Da autora

Figura 108 - https://mbamci.com/smart-cities-villes-de-demain/

Figura 109 – 110 – Google Maps

Figura 111 - Sorensen, E., Torfing, J. (2019) The Copenhagen Metropoli-

tan ‘Finger Plan’: A Robust Urban Planning Success Based on Collabora-

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Figura 112 – 115 - Danish Ministry of the Environment (2015) The Finger

Plan. A Strategy for the Development of the Greater Copenhagen Area.

Copenhaga

Figura 116 – Da autora, a partir de dados da Webinar “The Future Design

of Streets” - https://thefuturedesignofstreets.eu/

Figura 117 - https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/-

/ddn-20200311-2

Figura 118 – 119 - http://estudioherreros.com/project/madrid-center-

strategic-project/

Figura 120 https://www.flickr.com/photos/richardsennett/45954615442/

Figura 121 - http://arquitecturaurbanismo-

usaz.blogspot.com/2015/03/desenho-urbano-seculo-xix-barcelona.html

Figura 122 - https://www.theguardian.com/cities/2016/may/17/superblocks-

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Considerações Finais

208

Figura 123 - https://www.vox.com/energy-and-

environment/2019/4/9/18273894/barcelona-urban-planning-superblocks-

poblenou

Figura 124 - https://www.vox.com/2016/8/4/12342806/barcelona-

superblocks

Figura 125 - https://www.moreno-web.net/

Figura 126 - https://www.paris.fr/pages/la-ville-du-quart-d-heure-en-

images-15849

Figura 127 – 129 - https://www.apur.org/en/our-

works?keyword=&sort_bef_combine=score+DESC&f%5B0%5D=bundle%3

Amap

Figura 130 - https://www.flickr.com/photos/hstachel/7106487345

Figura 131 - https://www.flickr.com/photos/hstachel/7106487345

Figura 132 – 133 - City of Vienna (2015) Step 2025: Thematic Concept –

Green and Open Space. Viena

Figura 134 – 139 - Da autora

Figura 140 - Gehl, Jan, Svarre, Birgitte (2013) How to Study Public Life.

Island Press, Washington D.C.

Figura 141 – Da autora

Figura 142 – Adaptado a partir de dados da Webinar “The Future Design

of Streets” - https://thefuturedesignofstreets.eu/

Figura 143 - Adaptado a partir de dados da Webinar “The Future Design of

Streets” - https://thefuturedesignofstreets.eu/

Figura 144 – 146 - Da autora

Figura 147 – Da autora, a partir de dados do PDM - CMP, Porto 2021

Figura 148 – Da autora, a partir de dados do PDM - CMP, Porto 2021

Figura 149 – 153 – Da autora

Figura 154 – Da autora, a partir de dados do PDM - CMP, Porto 2021

Figura 155 - https://snazzymaps.com/

Figura 156 – Da autora

Fontes

209

Figura 157 – PDM - CMP, Porto 2021

Figura 158 – 159 – Da autora

Figura 160 – Da autora

160.1 – 160.2 - http://estudioherreros.com/project/madrid-center-strategic-

project/

160.3 https://www.infobae.com/sociedad/2018/02/04/supermanzanas-el-

futuro-del-espacio-publico-en-la-ciudad/

160.4 - City of Vienna (2015) Step 2025: Thematic Concept – Green and

Open Space. Viena

160.5 - https://www.itdp.org/

Figura 161 – Da autora

161.1 - https://www.greytogreen.org.uk/

161.2 - Da autora

161.3 - https://www.goporto.pt/portfolio/escarpa-das-fontainhas-seccoes-3-

2-e-5-1

161.4 - http://www.manuelcostoya.com/estudio-

arquitectura/proyectos/56/skate-park-formentera.html

161.5 - https://www.pinterest.pt/clive2747/_saved/

161.6 - https://burgos-garrido.com/project/madrid-rio/

161.7 - Cleveland Heights. Compton Road Greenway Study.

161.8 - https://www.pca-stream.com/en/projects/champs-elysees-study-48

Figura 162 – PDM - CMP, Porto 2021

Figura 163 – PDM - CMP, Porto 2021

Figura 164 – Da autora

https://littlefreelibrary.org/about/

https://assemblestudio.co.uk/

https://www.horstartsandmusic.com/archive/2018

https://www.herzogdemeuron.com/index/projects/complete-works/426-

450/437-1111-lincoln-road-extension.html

https://www.ottotto.pt/

Considerações Finais

210

Figura 165 – Da autora

Figura 166 – 170 – Da autora

Figura 171 – Da autora

https://www.danielburen.com/

Rosa, Marcos L., Weiland, Ute E. (2012) Handmade Urbanism: From

Community Initiatives to Participatory Models. Jovis

Cleveland Heights. Compton Road Greenway Study.

Figura 172 – Da autora

https://1til1landskab.dk/en/project/scandiagade

Figura 173 – 176 – Da autora

Figura 177 – Da autora

177.1 Hofjes Amsterdão

https://www.dreamstime.com/editorial-photography-amsterdam-cityscape-

view-morning-narrow-street-flowers-city-image98816522

https://www.pinterest.pt/pin/492510909254284567/

http://www.amsterdamsehofjes.nl/hofje/het-claes-claeszhofje-jordaan-

amsterdam-open-hofje/

177.2 Shikumens

https://studioneleven.wordpress.com/2011/10/10/shanghai-finally-

embraces-adaptive-reuse/

Figura 178 – Da autora

Figura 179 - https://fineyoungurbanists.tumblr.com/

Figura 180 - https://nl.urbangreenbluegrids.com/agriculture/

Figura 181 - https://urbinat.eu/cities/porto/