O Monte do Tosco 1 (ERA 2/2000)

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33 Intervenções } Monte do Tosco O povoado do Monte do Tosco 1 foi identificado pela EDIA (SILVA, 1996: 151) no âmbito, do plano de minimização de impactes da barragem do Alqueva. Verificando-se que parte da área deste povoado ficava a uma cota submergível, foi proposta a realização de trabalhos arqueológicos, tendo o sítio sido integrado no Bloco 9, cuja execução ficou a cargo da empresa ERA-Arqueologia Lda 2 . Administrativamente, o sítio arqueológico do Monte do Tosco 1 situa-se na exploração agrícola do O Monte do Tosco 1: Uma análise preliminar no contexto do povoamento calcolítico e do início da Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana. ANTÓNIO CARLOS VALERA 1 mesmo nome, pertencente à freguesia da Luz, concelho de Mourão, distrito de Évora. As suas coordenadas são GAUSS M265.5; P148.7 a uma altitude máxima de 162 m (C.M.P., 1:25000, fl. 492). O povoado foi implantado num cabeço alongado, com vertentes de declive bastante acentuado (excepto por Noroeste), terminando em escarpa sobre a Ribeira de Alcarrache. Embora o cabeço não se destaque de forma proeminente na paisagem envolvente, Figura 1 Povoado do Monte do Tosco visto de Oeste. 1 Arqueólogo da ERA-Arqueologia, Lda. Doutorando em Pré- -História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 2 O Bloco 9 corresponde, no plano de minimização, aos períodos da Idade do Bronze e Idade do Ferro na margem esquerda do Guadiana e tem a coordenação científica de João Albergaria, António Carlos Valera e Miguel Lago. As escavações tiveram direcção de António Carlos Valera. Equipa: Pedro Aldana, Elena Moran, Ana Cristina Ramos, Samuel Melro, Maria João Jacinto, Maria Gertrudes Branco, Jaquelina Rosa, Artur Rocha (arqueólogos), Páscoa Perdigão e Paula Maurício (técnicos auxiliares), Pedro Braga (topógrafo), Maria João Valente e Ana Pando (arqueozoólogas), José Pedro Machado e Maria João Sousa (desenhadores).

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O povoado do Monte do Tosco 1foi identificado pela EDIA(SILVA, 1996: 151) no âmbito,

do plano de minimização de impactesda barragem do Alqueva. Verificando-seque parte da área deste povoado ficavaa uma cota submergível, foi proposta arealização de trabalhos arqueológicos,tendo o sítio sido integrado no Bloco 9,cuja execução ficou a cargo da empresaERA-Arqueologia Lda2 .Administrativamente, o sítioarqueológico do Monte do Tosco 1situa-se na exploração agrícola do

O Montedo Tosco 1: Uma análise preliminar no contextodo povoamento calcolítico e do início da Idade do Bronzena margem esquerda do Guadiana.ANTÓNIO CARLOS VALERA 1

mesmo nome, pertencente à freguesiada Luz, concelho de Mourão, distritode Évora. As suas coordenadas sãoGAUSS M265.5; P148.7 a uma altitudemáxima de 162 m (C.M.P., 1:25000,fl. 492).

O povoado foi implantado num cabeçoalongado, com vertentes de declivebastante acentuado (excepto porNoroeste), terminando em escarpasobre a Ribeira de Alcarrache. Emborao cabeço não se destaque de formaproeminente na paisagem envolvente,

Figura 1Povoado do Monte doTosco visto de Oeste.

1 Arqueólogo da ERA-Arqueologia, Lda. Doutorando em Pré--História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

2 O Bloco 9 corresponde, no plano de minimização, aosperíodos da Idade do Bronze e Idade do Ferro na margemesquerda do Guadiana e tem a coordenação científica de JoãoAlbergaria, António Carlos Valera e Miguel Lago. Asescavações tiveram direcção de António Carlos Valera.Equipa: Pedro Aldana, Elena Moran, Ana Cristina Ramos,Samuel Melro, Maria João Jacinto, Maria Gertrudes Branco,Jaquelina Rosa, Artur Rocha (arqueólogos), Páscoa Perdigãoe Paula Maurício (técnicos auxiliares), Pedro Braga(topógrafo), Maria João Valente e Ana Pando(arqueozoólogas), José Pedro Machado e Maria João Sousa(desenhadores).

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composto por troços (UEs 9 e 27) deum muro que delimita a Oeste e aNoroeste a área onde se formaram ossolos de ocupação UE7 e UE30. Estessolos revelaram uma intensa ocupação,expressa pela densidade de materiaisarqueológicos (Quadro 1). O muroidentificado, com cerca de 80 cm delargura, estava reduzido à fiada de base,tendo a sua parte superiordesmoronado para o exterior (Oeste),no sentido da inclinação da vertente,formando um derrube não muitoextenso. Os troços do muroprolongam-se pelos cortes norte e sulda área escavada, não tendo sidopossível perceber exactamente o tipode estrutura em presença e qual a suaconfiguração global.

No sector 2,sector 2,sector 2,sector 2,sector 2, as realidadesestratigráficas relacionadas com estaprimeira fase não foram integralmenteescavadas até ao substrato rochoso. Aíidentificou-se uma estrutura de cabana(Ambiente 2), de tendência circularcom um diâmetro de cerca de 4 m,definida por dois troços (UEs 205 e209) de muro com uma largura médiade 80 cm, que entram pelo corte Este.O solo correspondente à ocupaçãointerior desta estrutura (UE 204), bemcomo os depósitos imediatamenteexteriores (UEs 206, 207 e 208), sóforam parcialmente escavados, tendofornecido um conjunto de materiaisequivalente ao registado no sector 1 ecom uma densidade igualmenteelevada (tomando em conta o carácterparcelar da escavação).

O sector 3sector 3sector 3sector 3sector 3 foi o que forneceu menosinformação, tendo-se identificado, nabase de uma sequência de depósitos deescorrência, um solo de ocupação(UE 303), no qual se registaramfragmentos de argila (revestimento ?) euma série de pedras formando,aparentemente, um pequenoalinhamento interrompido (UEs 304 e305).

No sector 4sector 4sector 4sector 4sector 4, aproveitando a presençalocal de sedimentos argilosos,resultado de alterações dos xistos, oudepositando esses sedimentos em áreasem que aflorava o substracto rochoso,criou-se uma superfície (UE 429),ligeiramente inclinada no sentido davertente (para Sul, nesta área), deforma a receber duas estruturas pétreasamuralhadas, de traçado paralelo. Estaconstrução datará do momento defundação do sítio. É impossível dizerqual dos troços foi construídoprimeiro, devendo a sua edificação serconsiderada como simultânea, nosentido de que ambos parecempertencer a um mesmo momento deplaneamento e construção.

A estrutura interior (U E404)apresenta 1,20 metros de espessuramáxima e assenta ora directamentesobre o substrato rochoso ora nacamada de sedimentos argilosos. A suaface exterior apresenta conservadasduas a três fiadas de pedrassobrepostas. Estas são sempre dedimensões maiores que as pedras queconstituem o miolo e a face interna daestrutura. Contudo, as pedras da fiadasuperior do paramento externo sãosempre as de maiores dimensões. Nãoapresentam qualquer tipo de aparelho,sendo aglomeradas por uma matrizargilosa com as características dossedimentos observados na UE429. Estaestrutura apresentava, pelo interior,uma face bastante irregular.

A estrutura exterior (UE 407) assentavatambém na UE 429 ou pontualmenteno afloramento rochoso. Correspondea um muro mais fino (cerca de 1 metrode espessura máxima) e com umaaltura conservada menor. Esta, talcomo sucede com a estrutura UE 404,era maior pelo exterior (atinge os 40cm) do que pelo interior (nãoultrapassa os 20 cm), situação que sefica a dever à necessidade de um maiornúmero de fiadas de pedras peloexterior, como forma de vencer o

de topografia ligeiramente ondulante, acota do topo permite-lhe ter umdomínio visual relativamente extenso.

O substracto rochoso local é compostopor xistos do Silúrico, que seapresentam frequentemente argilosos efinos devido a alteração, o que lhesconfere uma coloração avermelhada ouesbranquiçada. Nas áreas de menoralteração dos xisto,s foram abertaspedreiras que pontuam todo o cabeço eque afectaram contextos arqueológicos.Existem, ainda, algumas intercalaçõesfiloneanas de quartzo.

2. A intervenção arqueológica2. A intervenção arqueológica2. A intervenção arqueológica2. A intervenção arqueológica2. A intervenção arqueológica33333

Foram inicialmente programadasduas campanhas de escavações,tendo a primeira decorrido em

1999 (VALERA, 1999) e a segunda em2000. Os trabalhos abrangeram quatrosectores: os sectores 1 e 2 localizadosna área superior do cabeço (sendo queo sector 1 se estende pela vertenteOeste), apresentando, respectivamenteáreas de 67 m2 e 36 m2, e os sectores 3e 4 situados na plataforma sul,respectivamente, com 12 m2 e 112 m2,sendo a área total escavada de 227 m2.As metodologias utilizadas seguiram aspropostas de P. Barker e E. Harris,processando-se a escavação através dadefinição e registo de UnidadesEstratigráficas (UE), cuja correlaçãopermitiu a leitura e interpretação dasvárias sequências estratigráficas. Osmateriais foram sistematicamenteregistados por UE e coordenadostridimensionalmente (materiais nãosignificativos, como os bojos, foramregistados por UE e por m2). As terrasdos solos de ocupação identificadosforam parcialmente crivadas.

No conjunto dos quatro sectoresintervencionados, foram identificadasvárias sequências de solos, estruturas e

derrubes que documentam duasgrandes fases de ocupação do sítio:uma primeira, correspondente aoCalcolítico, em que a ocupaçãoabrangeria toda a área do povoado; umasegunda, datando já do início da Idadedo Bronze, onde a área efectivamenteocupada parece restringir-se ao topo docabeço.

2.1 A Fase I: o Calcolítico Pleno

O primeiro momento corresponde àfundação e vida plena do povoado e foireconhecido em todos os sectoresescavados. A ele correspondem váriossolos de ocupação (GOMEZFUENTES, 1978) e estruturasarquitectónicas. Entre estas últimasencontra-se uma estrutura amuralhadaplurifuncional registada no Sector 4,que serviu como contenção para acriação de uma plataforma habitável,mas também para delimitar epossivelmente proteger a áreahabitacional. A esta fase pertencemtambém outro tipo de estruturas,constituídas por muros de tendênciacircular associados a ocupações decariz doméstico. Estas últimas foramregistadas nos Sectores 1, 2 e 4.

2.1.1 Estratigrafia e estruturas2.1.1 Estratigrafia e estruturas2.1.1 Estratigrafia e estruturas2.1.1 Estratigrafia e estruturas2.1.1 Estratigrafia e estruturas

No sector 1sector 1sector 1sector 1sector 1, a primeira fase deocupação dá-se directamente sobre osubstrato rochoso ou sobre umdepósito argiloso arqueologicamenteestéril (UE14), que preenchiadepressões e fracturas nos xistos debase. Nesta área do povoado a ocupaçãodo Calcolítico Pleno aparececonsubstanciada no Ambiente 3,

FORAM IDENTIFICADAS DUAS

GRANDES FASES DE OCUPAÇÃO DO

SÍTIO: UMA PRIMEIRA,

CORRESPONDENTE AO CALCOLÍTICO,

UMA SEGUNDA, DATANDO JÁ DO

INÍCIO DA IDADE DO BRONZE

3 Este texto corresponde a um resumo dos aspectos maissignificativos dos relatórios dos trabalhos arqueológicos de1999 e 2000.

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Figura 2Aspecto das estruturas decontenção / delimitação / fortificação no Sector 4.

Figura 3Estruturas registadas no Sector 4(Fase 1 de ocupação).

nivelador do declive do terreno,originando uma plataforma,ligeiramente inclinada a Sul, queserviu de suporte à ocupação desteespaço.

A inexistência de derrubessignificativos associados à estruturaUE 404 sugere que a mesma não teriaum desenvolvimento em altura, pelomenos em pedra. Esta situação parecereforçada pelo facto de sedimentoscorrespondentes a solos de ocupaçãochegarem a sobrepor parcialmentepartes desta estrutura. Assim, a suaprincipal função seria a de contenção eestruturação de uma plataformaartificial. A possibilidade de existiralgum desenvolvimento verticalrealizado em terra não é de excluir natotalidade, sendo de salientar, contudo,a inexistência de vestígios destessedimentos sobre a estrutura, ou devestígios de derrubes a eladirectamente associados.

Pelo contrário, ao muro UE 407encontram-se associados, pelo exterior,dois momentos de derrube: um de

elementos pétreos (UE 417) e, sob este,um outro constituído por sedimentosargilosos e algumas pedras (UE 419).Estes derrubes e o seu posicionamentoestratigráfico sugerem que o muro UE407 se desenvolveria mais em altura;em pedra até determinado ponto e, apartir daí, em terra.

No seu conjunto, estas estruturasparecem ter desempenhado funçõesmúltiplas. Para além dos simbolismose efeitos psicológicos inerentes aqualquer estrutura positiva, estasconstruções delimitam o espaçohabitado (note-se que fora delas não sedetectaram vestígios de ocupação),estabelecendo uma compartimentaçãofísica, funcionando como estruturas decontenção para a criação de umaplataforma aplanada, mas ao mesmotempo como estruturas de delimitaçãoe como barreira protectora.

Na área escavada pelo interior destasestruturas de contenção/delimitação//fortificação, identificaram-se váriosmomentos de ocupação, todos elesintegráveis numa fase plena do

declive da vertente. Este muro exteriorutiliza pedras de médias dimensões,igualmente sem aparelho eaglomeradas com o recurso ao mesmotipo de sedimento argiloso.

As matérias-primas utilizadas naconstrução de ambas as estruturas sãolocais, sendo maioritariamenteconstituídas por rochas xistosas. Orecurso ao quartzo, que existelocalmente em filão, é pontual.

O “corredor”, definido por estas duasestruturas subparalelas, apresentava-sepreenchido por sedimentos argilososalaranjados (UE 409), idênticos aos daUE 429. Esta unidade, que forneceuapenas alguns fragmentos de cerâmicae unicamente na sua parte superior,preenchia o espaço intermuros,encostando a Norte a meio da faceexterna do muro UE 404 e a Sul aotopo conservado do muro UE 407.

Sensivelmente a meio da metade Oestedo muro exterior definiu-se umaabertura (UE 431) que apresenta umalargura de cerca de 60 cm. Esta

abertura permitiria a entrada doexterior para o “corredor” intermuros.Nessa zona de entrada foramdetectados restos de carvõesconcentrados e argila queimada. Estapossível entrada viria, em determinadomomento da vida do povoado, a serencerrada com a colocação de lajes epedras de xisto.

A construção do muro interior UE 404teve, em grande medida, comofinalidade o servir de estrutura decontenção para a criação de umaplataforma aplanada artificial sobre aqual se desenvolveram as ocupações decarácter residencial. Pelo interior sãodepositados e compactados ossedimentos argilosos alaranjados e nocontacto com a estrutura UE 404 sãocolocados empedrados (UEs 431 e432), interpretados como estruturas dedrenagem das águas que escorreriampela superfície dos depósitos argilosos,que apresentam características poucopermeáveis. Este nivelamento atinge otopo da estrutura UE 404 do lado Leste,fincando alguns centímetros abaixo nolado Oeste. Criou-se, assim, um socalco

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Figura 4Materiais representativosda Fase 1 de ocupação.

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Solos deocupação do

Sector 1

Área:cerca

de25m2 517 1 2 1 4 2 927 7 1 2 2 4 1

Solos deocupação do

Sector 2

Área:cerca

de22m2 164 1 4 1 918 1 1 1

Solos deocupação do

Sector 3

Área:cerca

de16m2 53 508

Solos deocupação do

Sector 4

Área:cerca

de32m2 348 1 3 8 2 225 3 2 1 1

Totais 95 m2 1 082 3 5 13 5 6 578 8 5 2 3 6 1 1 1

2000, contudo, foi registado umrecipiente globular com pega mamilar.A decoração é rara, estando registadosalguns fragmentos com decoraçãoincisa e impressa/incisa. A decoração“simbólica” está presente: um possívelmotivo solar no interior de um prato;um recipiente carenado decorado comtriângulos preenchidos por impressõesa punção a topo (os triângulos sãoobtidos através do desenho de umafaixa central em zig-zag, definida porduas linhas quebradas incisas). Para

além disso surgem decorações à base decaneluras incisas, isoladas ou váriasem paralelo, tanto com uma disposiçãohorizontal como vertical. Em doiscasos apresentam preenchimento apasta branca. Existe ainda umfragmento com decoração incisapenteada.[Quadro1]

Igualmente em cerâmica, registaram-sepesos de tear (dominantementecrescentes), cinchos, contas tubulares,malhas, cadinhos e um possível molde.

Quadro 1–Materiais cerâmicos registados nos solos de ocupação da Fase 1*

* Não se contabilizaram aqui materiais recolhidos em unidades de escorrência ou derrubes

Calcolítico regional, mantendo-se umaelevada densidade de materiais.

Um primeiro momento surgeconsubstanciado nos solos de ocupaçãoUEs 422 e 425 e por vestígios de duasestruturas muito degradadas: UEs 424(lareira ?) e 433 (muro ?). Um segundomomento corresponde à edificação deum muro de uma estrutura detendência circular (UE 412), àocupação interior dessa estrutura(Ambiente 4) e à formação de depósitosexteriores. Na ocupação interna daestrutura definiram-se ainda dois sub-- momentos: um, inicial,consubstanciado nos depósitos UEs421 e 420 e outro, posterior,relacionado com o solo UE 413 e como que parece ser uma estrutura de tipolajeado (UE 435). Pelo exterior desteambiente, mas com ele directamenterelacionados, formaram-se uma sériede depósitos (UEs 418, 414, 423 e 427),que proporcionaram numerososregistos artefactuais.

2.1.2 Conjuntos artefactuais e dadosfaunísticos

A primeira fase do sítio revelou, emtodos os sectores intervencionados,uma considerável intensidade de

ocupação, traduzida em significativasdensidades de materiais.

Entre os vários conjuntos artefactuais,destaca-se o dos recipientes cerâmicos.Tomado na globalidade, o aparelhocerâmico é dominado pelasmorfologias abertas, onde se destacamos pratos (sobretudo de bordoespessado) com elevadas percentagens(acima dos 40%), estando as taças etigelas simples igualmente bemrepresentadas. O esféricos e globularesestão igualmente presentes. Osfragmentos carenados são vestigiais eos que permitiram reconstituição totalou parcial da forma revelaramrecipientes de carena média e colotroncocónico. As tradicionais taçascarenadas, características, sobretudo, doNeolítico Final, não foram registadas.Os elementos de preensão estão quasesempre ausentes. Na campanha de

A PRIMEIRA FASE DO SÍTIO REVELOU,

EM TODOS OS SECTORES

INTERVENCIONADOS, UMA

CONSIDERÁVEL INTENSIDADE DE

OCUPAÇÃO, TRADUZIDA EM

SIGNIFICATIVAS DENSIDADES DE

MATERIAIS

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Figura 5Cabana da Fase 2(Sector 1): a suaocupação revelou umimportante contextocampaniforme.

Figura 6Sector 1, Fase 2:estruturas da Cabana 1.

Espécies NMICervus elaphus 2Bos taurus 1Bos sp. 1Ovis aries / Capra hircus 10Sus scrofa domesticus 5Sus sp. 1Lepus capensis 1

Quadro 2–Espécies Faunísticas da Fase 1

Estes últimos documentam a presença daactividade metalúrgica, embora estapareça ser pouco expressiva. Os metaispresentes nos níveis estratigráficoscorrespondentes a esta fase são escassos:um fragmento de lâmina ou ponta, umfragmento distal de escopro e um punção.

No talhe da pedra destaca-se a indústriasobre seixo, orientada para a produção delascas, utensílios de talhe periféricoremontante e pesos de rede. Autensilagem alongada e perfurante não émuito abundante, sendo as lâminasvestigiais. Apenas as pontas de seta sãoum pouco mais representativas (basescôncavas, rectas, aletas desenvolvidas). Asmatérias-primas, para além dos seixos derio (quartzito, xisto), são o xisto jaspóide,o quartzo, o chert e o sílex (estas duasúltimas pouco representativas).

A pedra polida é vestigial nos níveis destafase, estando registado apenas umfragmento de utensílio. Nas unidadesestratigráficas mais superficiais apenas secontabilizaram mais três peças. Quantoaos elementos de moagem, estes

encontram-se totalmente ausentes(apenas se registou um dormente àsuperfície).

No que concerne a dadospaleoeconómicos, registe-se a presença defauna. O número total de restosprovenientes das UEs da primeira fase é,contudo, escasso, apresentando-se osossos bastante fragmentados, facto quedificultou a sua identificação eclassificação. A amostra é, assim, bastantereduzida, o que obriga a um particularcuidado na valorização e manipulação dosdados quantitativos obtidos para esteconjunto faunístico.

Globalmente, foi identificada a presençade Cervus elaphus, Bos taurus, Bos sp., Ovisaries / Capra hircus, Sus scrofa domesticus,Sus sp. e Lepus capensis.[Quadro 2]

Embora a amostra seja restrita, a análisedo quadro 2 parece sugerir um peso maisacentuado da pastorícia, nomeadamente,de ovicaprinos e suídeos, e uma menorrepresentatividade da caça.

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2.2.2 Componente artefactual

O registo material dos níveis deocupação da Cabana 1 apresentadiferenças assinaláveis relativamenteaos conjuntos artefactuais quecaracterizam a Fase 1 de ocupação.Para além de uma redução do númeroabsoluto de registos, verifica-se adrástica redução da representatividadeestatística dos pratos (apenas 11registos – com uma percentagem poucosuperior a 5%). As pequenas taças emcalote tornam-se mais representativas eobserva-se o aparecimento de formasnovas, como recipientes de base planacom colo estrangulado e bordoexvertido, grandes recipientes de coloestrangulado e cerâmicacampaniforme.

Relativamente às cerâmicascampaniformes, no total das áreasintervencionadas contabilizaram-sealgumas dezenas de fragmentos quecorrespondem a 38 recipientesindividualizáveis, sendo a grandemaioria proveniente das áreas maisaltas do povoado, muito concretamentedo Ambiente 1 do Sector 1.Efectivamente, a grande maioria destascerâmicas provém dos níveis deocupação da Cabana 1, surgindo aindaalguns fragmentos (quatro) integradosnos derrubes resultantes dodesmoronamento de parte daquelaestrutura. No total, os fragmentosregistados no Ambiente 1correspondem a 32 dos 38 recipientescampaniformes individualizáveis.Nos outros sectores intervencionados,o campaniforme ou está ausente (casodo sector 3), ou ocorre vestigialmenteem níveis de derrube ou escorrênciaque cobrem ocupações da primeira fase(caso do sector 2, com nove fragmentosna UE 203, correspondendo a 4recipientes diferenciáveis, e do sector4, com 6 fragmentos, correspondendo aum número mínimo de 2 recipientes,em camadas superficiais (UEs 402,411, 416 e superfície).

Relativamente à sua morfologia, 19permitem uma reconstituição total ouparcial das formas, que se enquadram emtrês grandes tipos: 7 vasos acampanulados(cinco são lisos), 6 caçoilas (uma lisa) e 6pequenas taças em calote.

Quanto à decoração (que também ocorre,através de linhas ziguezagueantes,no interior dos recipientes, junto aobordo), as técnicas presentes no Montedo Tosco são quase que exclusivamentea incisa e incisa com preenchimento apasta branca. Apenas em doisfragmentos surgem impressõesassociadas à incisão: num caso pontosimpressos a punção no topo, noutropequenos círculos levementeimpressos. O pontilhado está ausente.Tanto ao nível das técnicas e motivosdecorativos, como das associaçõesmorfológicas presentes, a cerâmicacampaniforme do Monte do Toscoenquadra-se no designado complexo deCiempozuelos, grupo onde também éfrequente a ocorrência de recipientes lisos.

Acompanhando a cerâmicacampaniforme no interior da Cabana 1,foi registado um número de artefactosmetálicos (cobre ou cobre arsenical)superior ao proporcionado peloscontextos da primeira fase. Na UE 17registaram-se um punção, uma finafolha metálica enrolada, formando umobjecto circular alongado, umfragmento composto por duas finaslâminas sobrepostas e um fragmentoinclassificável, enquanto que na UE 28se recolheram dois pingos de fundiçãoe um punhal de lingueta, reproduzindouma associação comum a inúmeroscontextos campaniformespeninsulares.

Quanto aos restos faunísticos, foiregistado um número muito escasso deossos, que possibilitaram aidentificação de apenas dois indivíduosde Ovis aries ou Capra hircus, facto quenão permite uma comparação com osdados da primeira fase.

2.2.1 Estratigrafia e estruturas

No sector 1, esta segunda fase deocupação corresponde à edificação daCabana 1 e à sua ocupação (Ambiente1), realidades que assentavam sobresedimentos que correspondiam àprimeira fase (o já descrito Ambiente 3).Esta cabana não foi integralmenteescavada, tendo ficado por intervir a suametade sul. A estrutura é constituídapor um muro de planta circular (UE 10)que apresenta, no quadrante Este, seisfiadas de pedras conservadas em alturaque se vão progressivamente reduzindoaté à fiada de base, tendo todo oquadrante Oeste desmoronado edesaparecido devido à inclinação doterreno. O muro é construído, na suamaioria, por lajes e pedras de xisto,tendencialmente colocadas em duasfiadas concêntricas, mas também foramutilizadas algumas pedras de quartzo.Como matriz aglutinante foi usadaterra, que se apresenta bem compactadae bastante argilosa. A sua espessura é decerca de 60 cm.Pelo interior, a UE 17 corresponde aum solo de ocupação que incorporavauma série de realidades estratigráficas.Na metade Norte da cabana, este soloassentava numa espécie de“pavimento” pouco estruturado,constituído por lajes e cascalho dexisto (UE 21), limitado a Oeste pelaconstrução de um alinhamento delajes de xisto (UE 20) de orientaçãoNorte-Sul.

Na extremidade Este da cabana, juntoao corte Sul da sondagem e encostando

ao muro UE 10, localizam-se duasestruturas geminadas, quecorrespondem a duas “fossas”estruturadas (Ues 19 e 23). Apresentamuma configuração semicircular,ligeiramente escavada nos sedimentos,sendo delimitada por blocos de xistocolocados lateralmente e inclinadospara o interior, cujo fundo é forrado porlajes de xisto ou pelo próprioafloramento. Nos sedimentos que aspreenchiam (UEs 18 e 22) foramrecolhidos alguns (poucos) materiaiscerâmicos, que proporcionaram umnúmero significativo de remontagens.A interpretação destas estruturas éproblemática, podendo aventar-se comohipótese a possibilidade de teremfuncionado como estruturas decombustão (apesar da ausência decarvões, registaram-se seixos rolados ecerâmica queimada), ou como estruturasde apoio à armazenagem (presença defragmentos de grandes recipientes).

No espaço imediatamente a Oeste,penetrando pelo corte sul dasondagem, identificou-se um depósitode sedimentos argilosos (UE 28) quepreenchia uma depressão (fossa ? –UE 31) na camada sobre a qual assentaa ocupação do Ambiente 1.Em determinado momento desedimentação do solo de ocupaçãoUE 17 foi construído um outroalinhamento de lajes de xisto com duasfiadas sobrepostas. Este alinhamento(UE 16), que apresenta uma orientaçãoNO-SE, compartimenta o espaçointerior da cabana, sendo a suafuncionalidade difícil de estabelecer.

Ao final da ocupação da Cabana 1,seguem-se dois momentos de derrube:um primeiro, consubstanciado na UE 13,camada de sedimentos muito argilosos ecom pedras de xisto e que poderá terorigem na ruína da cobertura da cabana;um segundo derrube (UE 6), contendouma grande abundância de pedras e quese relaciona com o desmoronamento daspartes superiores da parede.

2.2 A Fase II: o campaniforme e oinício da Idade do Bronze

A segunda fase de ocupação estádocumentada por contextospreservados na sequência estratigráficado sector 1 e por materiais queocorrem em derrubes e depósitos deescorrência que se sobrepõem aoscontextos da Fase I nos sectores 2 e 4.

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Intervenções } Monte do Tosco

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Figura 7Materiais campaniformesprovenientes da Cabana 1

Figura 8Grandes recipientes de colo estranguladoprovenientes da Cabana 1

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adorno se restringem a algumas contastubulares em cerâmica (cuja exclusivainterpretação como elementos deadorno não está fechada a contestação).

Este quadro, essencialmentedoméstico, observado para a primeirafase da vida do povoado, completa-secom uma imagem de frouxa interacçãoa nível transregional. Efectivamente,mesmo tendo em conta que ainteracção se manifesta de múltiplasformas, muitas das quais nem semprecristalizadas no registo arqueológico (oque dificulta o seu reconhecimento eavaliação), poderemos considerar aquase total ausência de elementos deeventual ou indiscutível proveniênciaalógena à região como um indicador debaixos níveis de interacçãotransregional. O contacto com oexterior distante processar-se-ia, assim,sobretudo através da integração destacomunidade na estrutura de umsistema regional de povoamento, e nãotanto através de formas mais ou menosdirectas.

Na realidade, o registo arqueológico doMonte do Tosco 1 documenta-nos umrecurso quase que exclusivo amatérias-primas locais ou de áreaslimítrofes. Na indústria lítica talhada,dominam os seixos de rio, seguidos depeças produzidas em rochas xistosas,enquanto o sílex, inexistente na região,é vestigial. Para a metalurgia, nãoestando cartografadas jazidas de cobreno local, são conhecidas potenciaisfontes de matéria-prima cerca de 20Km para Sul e Sudeste, junto a Mourae a Barrancos (SOARES, ARAÚJO eCABRAL, 1994).

Quanto às morfologias presentes nasvárias categorias artefactuais, estasenquadram-se perfeitamente nosparâmetros regionais e locais, o mesmoacontecendo com as escassasdecorações de recipientes cerâmicos. Aexcepção é a presença de um bordocom decoração incisa penteada, que, na

região, apenas se encontra registado (etambém de forma vestigial) no povoadodos Perdigões (VALERA, 1998a).Ocorrendo também, com maiorrepresentatividade, em contextos doCalcolítico Pleno da Estremaduraespanhola (Las Cabrerizas II, Cerro dela Horca II, La Pijotilla), a presençadestes motivos e técnica decorativa nabacia do Guadiana é vista como umainfluência setentrional (idem), a partirdo Centro/Norte do OcidentePeninsular, onde, apresentandoantecedentes datáveis do NeolíticoAntigo (VALERA, 1998b), têm a suagrande divulgação durante oCalcolítico e Início da Idade doBronze.

Perante a inexistência de dataçõesabsolutas, teremos que, de momento,recorrer a cronologias relativas,baseadas no registo artefactual(sobretudo cerâmico) e estratigráfico,para ancorar no tempo a primeira fasede ocupação do Monte do Tosco 1.

Uma breve análise do aparelhocerâmico desta fase sugere queestaremos perante uma situaçãointegrável naquilo que, no âmbito deperspectivas histórico-culturalistas, foidenominado por horizonte do prato debordo espessado (ENRÍQUEZNAVASCUÉS, 1990) e quecorresponderá a um momento pleno doCalcolítico regional. Este tipo decontextos encontra-se em áreas como aEstremadura espanhola, documentadoem numerosos povoados (La China, C.Calvario, Oliva, Los Olivares, LasViñas, Alagon, Zarza ou Placina), nointerior alentejano em Santa Vitória(DIAS, 1996), Moncarxa (SOARES eSILVA, 1992) ou Estrutura 2 do MonteNovo dos Albardeiros (GONÇALVES,1988/89), ou ainda na própria redelocal de povoamento, em que seintegrará o Monte do Tosco, emcontextos como os Cerros Verdes 3(LAGO, 1998), fase 2 do Moinho deValadares (VALERA, 2000) e

3. O povoado e a rede local de3. O povoado e a rede local de3. O povoado e a rede local de3. O povoado e a rede local de3. O povoado e a rede local depovoamento: algumaspovoamento: algumaspovoamento: algumaspovoamento: algumaspovoamento: algumasconsideraçõesconsideraçõesconsideraçõesconsideraçõesconsiderações

As intervenções de campo járealizadas permitemcaracterizar o Monte do Tosco 1

como um povoado fundado nummomento pleno do Calcolíticoregional, cujas estratégias delocalização parecem vinculadas aosrecursos proporcionados pela Ribeirade Alcarrache e a necessidades deprotecção e controlo visual doterritório e paisagem envolventes.

Apresentando desde o início umacompartimentação espacial físicapositiva, materializada na edificação deestruturas em pedra (e eventualmenteterra) com funcionalidades esimbolismos múltiplos (nãoesqueçamos as repercussões mentais eideológicas de um espaço arquitectadoe compartimentado), este sítioapresenta-se, durante o CalcolíticoPleno, como um contextoeminentemente doméstico, de intensaocupação (expressa por elevadasdensidades de materiais arqueológicos)e onde várias actividades relacionadascom a subsistência e produçãoartesanal estão documentadas.

Ao nível das actividades produtivasrelacionadas com a satisfação dasnecessidades alimentares, é de realçar aescassez de indicadores relativos àactividade agrícola. Sendo certo que aprodução de determinados produtosagrícolas, nomeadamente, hortícolas,dispensa o recurso a mós e a foices,não deixa de ser significativo a quasetotal ausência de elementos demoagem, elementos de foice ou aindade utensilagem de pedra polida passívelde ser usada em tarefas agrícolas depreparação de campos. A componenteagrícola, nomeadamente cerealífera,parece, assim, não deter um pesodeterminante na economia destacomunidade, facto que contrasta com o

domínio, no aparelho cerâmico, deformas tradicionalmente relacionadascom ementas à base de cereais, casodos pratos, o que sugere que estes nemsempre serão um seguro indicador deuma economia produtora de fortependor agrícola cerealífero.

Pelo contrário, apesar da escassa faunapreservada, a actividade pastoril pareceter desempenhado um papel maisrelevante, sobrepondo-se à caça(também documentada). Associada àpastorícia registou-se ainda a produçãode lacticínios (se aceitarmos aclassificação como cinchos dascerâmicas sem fundo e paredesperfuradas). Por outro lado, aimplantação sobre a Ribeira doAlcarrache e a proximidade dopróprio Guadiana (cerca de 2 Km),permitiram que o peixe, cuja pescapode ser inferida a partir dosignificativo conjunto de pesos de rederecuperado, desempenhasseigualmente um papel importante nadieta alimentar.

Entre as actividades artesanais estáatestada a tecelagem, através dapresença de vários fragmentos de pesosde tear, cujo número, contudo, não éparticularmente elevado. Na produçãode utensílios destaca-se, para além dacerâmica, a indústria lítica talhadasobre seixos de rio, perfeitamenteintegrada numa tradição de longa dataque se observa na região. Por seu turno,a metalurgia e a utilização deartefactos metálicos encontram-sedocumentadas pela presença decadinhos, moldes (?), restos defundição e artefactos, embora comreduzida expressão no registoarqueológico.

Relativos à vivência mais espiritual, ecom excepção de escassos fragmentoscerâmicos que apresentam decoraçãosimbólica, estão ausentes do registoelementos de inequívoco caráctersagrado, enquanto que os objectos de

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regional no que respeita à ocorrênciadestas cerâmicas, contribuindo para apaulatina alteração da imagem de fracaexpressão deste fenómeno no Sul dePortugal, onde os contextos comcampaniforme se têm vindo amultiplicar. Na parte portuguesa dabacia hidrográfica do Guadiana estão járegistados onze sítios: como povoadostemos Perdigões (ALBERGARIA,1998), Outeiro de S. Bernardo(BUBNER, 1979), Porto das Carretas(informação pessoal de Carlos Tavaresda Silva), Cerros Verdes 3 (LAGO,1998), S. Brás (PARREIRA, 1983), TrêsMoinhos (SOARES, 1992), CasteloVelho de Safara (SOARES, ARAÚJO eCABRAL, 1994), Sala n.º1(GONÇALVES, 1987) e, agora, o Montedo Tosco 1; como contextos funeráriostemos o dólmen 1 da Herdade de ValeCarneiro (BUBNER, 1979) e o tholosdo Monte das Pereiras (idem).

Apresentando uma significativahomogeneidade ao nível das técnicas eorganizações decorativas, o conjuntocampaniforme do Monte do Tosco 1encontra fortes paralelos em algunsdestes contextos da região. É o caso dospovoados dos Perdigões e Outeiro de S.Bernardo, respectivamente a 20 Km aNoroeste e 15 Km a Sul. Ao nível dastécnicas, nos Perdigões, embora comcontextualizações problemáticas, asdecorações incisas, claramentepredominantes, surgem acompanhadasdo pontilhado, nomeadamente estiloInternacional de bandas. No Outeirode S. Bernardo, entre os 11 fragmentosregistados, 10 apresentam decoraçãoincisa e apenas um é impresso(pontilhado geométrico). Em ambos ossítios estão presentes as organizaçõesdecorativas incisas à base de linhashorizontais simples ou quebradas, comou sem incrustação a pasta branca,

padrões predominantes no Monte doTosco. Ausentes nos Perdigões, maspresentes no Outeiro de S. Bernardo,surgem também as organizações à basede triângulos preenchidos por traços efaixas quebradas. Outros elementosque encontram paralelos nestescontextos são a decoração das bases emcruz, através de métopas verticais(normalmente em número de quatro),e a decoração interna junto ao bordo,através de linhas quebradas ou faixasquebradas, esta última tambémrepresentada no povoado dos TrêsMoinhos, onde foi pela primeira vezdetectada na região (SOARES, 1992).

Por outro lado, a cerâmicacampaniforme lisa encontra paralelono povoado dos Cerros Verdes 3,localizado igualmente na margemesquerda do Guadiana, 7 Km a SO doMonte do Tosco, e em vários contextosdo tradicionalmente designado, e hojequestionado, Horizonte de Ferradeira(SCHUBART, 1971).

Estes padrões decorativos incisos sãoigualmente comuns um pouco portodo o Sul peninsular, desde a bacia doGuadalquivir, em sítios comoAcebuchal, Las Arenas, Bélmez(LÓPEZ ALDANA, 1999), até à suaextremidade oriental, emAlmizaraque, Los Millares, Cerro de laVirgem, entre outros (GARRIDOPENA, 1996), ou no Levante (CovaSanta de font la Figuera, Cova delsGats, Camí de l’Alfogàs – BERNEBEU,1984).

De uma maneira geral, o conjunto doMonte do Tosco pode ser inserido nodesignado complexo de Ciempozuelos,quer ao nível das técnicas eorganizações decorativas, quer a nívelmorfológico, estando presentes as trêsformas que normalmente surgemassociadas neste complexo: osrecipientes acampanulados, as caçoilase as taças ou tigelas em calote. Aprópria presença de cerâmicas

A SEGUNDA FASE DE VIDA DO

POVOADO APARECE REPRESENTADA

PELOS CONTEXTOS QUE FORNECERAM

MATERIAIS CAMPANIFORMES

Mercador4 (inédito). Globalmente,nestes contextos verifica-se que apresença abundante de pratos éacompanhada pela ausência ouextrema raridade de morfologiasvulgares no Neolítico Final, como sãoas taças carenadas ou os potesmamilados. Na região, a única dataçãodisponível para contextos com estarecorrência artefactual foi obtida parao Monte Novo dos Albardeiros, sendoenquadrada na primeira metade do 3.ºmilénio AC.

A segunda fase de vida do povoadoaparece representada pelos contextosque forneceram materiaiscampaniformes, sendo ainda difícil dedocumentar a existência de um hiatoentre os dois momentos. Porém, se noSector 1 a ocupação desta segunda faseassenta directamente sobre os níveis daprimeira, nos sectores 2 e 4, osmateriais campaniformes ocorrementre os derrubes e escorrências que sesobrepõem às ocupações do CalcolíticoPleno, sugerindo a existência de umperíodo de abandono do sítio e umaposterior reocupação, o que ascaracterísticas tipológicas tardias dosmateriais da fase 2 parecem confirmar.

Os dados relativos a esta segunda fasede vida do sítio são mais parcelares. Demomento, o quadro que se configura éo de que a ocupação parece agorarestringir-se à área superior do cabeço,tendo o único contexto preservado sidoidentificado no Sector 1 (Cabana 1,Ambiente 1).

Os dados paleoeconómicos são agoramais escassos. Os indicadores deactividades agrícolas continuamausentes e os dados faunísticos sãomais escassos, estando contudodocumentada a pastorícia de

ovicaprinos. É ainda de salientar apresença de grandes recipientes,passíveis de serem utilizados paraarmazenamento.

Ao nível da cultura material,observam-se profundos contrastes noaparelho cerâmico. Efectivamente, nocaso do contexto fechado da Cabana 1,juntamente com a presença decampaniforme inciso e recipientes debase plana e colo estrangulado,observa-se a quase total rarefacção dospratos (anteriormente dominantes). Ospoucos fragmentos registados poderãocorresponder a integrações de ordemtafonómica de materiais pré-existentes,ocorridas durante a ocupaçãoconsubstanciada na UE 17, embora asobrevivência desta forma cerâmica emmomentos tardios do Calcolítico e doinício da Idade do Bronze sejaconhecida em vários contextos doSudoeste Peninsular e até em áreasmais setentrionais.

Os metais aparecem agora com umarepresentatividade ligeiramente maisacentuada, encontrando-se a maioriados registos de artefactos e restosmetálicos no contexto da Cabana 1.Esta situação de aparente aumento darepresentatividade de materiaismetálicos em contextos comcampaniforme encontra igualmenteparalelos em áreas vizinhas,nomeadamente na Estremaduraespanhola (Enríquez Navascués, 1990).

É, contudo, a representatividade dacerâmica campaniforme o aspecto maismarcante do registo artefactualproporcionado por esta segunda fase deocupação, destacando-se mesmo a nível

ESTE QUADRO, ESSENCIALMENTE

DOMÉSTICO, OBSERVADO PARA A

PRIMEIRA FASE DA VIDA DO

POVOADO COMPLETA-SE COM UMA

IMAGEM DE FROUXA INTERACÇÃO A

NÍVEL TRANSREGIONAL

4 Sítio inédito, já intervencionado no âmbito do Bloco 5 dasacções minimizadoras do empreendimento do Alqueva e cujosresultados preliminares parecem apontar para uma extensaárea com inúmeras fossas e silos, possivelmente comcontextos habitacionais associados, situada a pouco mais demil metros do povoado fortificado do Porto das Carretas.

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FACE AO EXPOSTO, O MONTE DO

TOSCO 1 APRESENTA-SE COMO UM

CONTEXTO FUNDAMENTAL PARA O

ESTUDO DO POVOAMENTO

CALCOLÍTICO E DO INÍCIO DA IDADE

DO BRONZE NA REGIÃO

campaniformes lisas é frequente noscontextos deste complexo que abrangequase todo o interior peninsular.

Relativamente ao posicionamentocronológico desta segunda fase deocupação do Monte do Tosco 1, érecorrente a atribuição das cerâmicasincisas, tanto do complexo de Palmelacomo do complexo de Ciempozuelos, edas cerâmicas campaniformes lisas amomentos tardios dentro do fenómenocampaniforme, correspondendo acomunidades que se encontram já natransição entre o Calcolítico e a Idadedo Bronze ou mesmo já do BronzeInicial (JORGE, 1990: 186). Demomento, não existem datações deradiocarbono para contextoscampaniformes na bacia do Guadiana.Contudo, na Andaluzia, oscampaniformes incisos estão datadosentre os finais do 3.º / inícios do 2.ºmilénio AC (2020-1980 cal AC e 1910cal AC) em Ronda la Vieja (Málaga)(MEDEROS MARTÍN, 1996),cronologia que provisoriamenteachamos aceitável para a fase final deocupação do Monte do Tosco.

Face ao exposto, o Monte do Tosco 1apresenta-se como um contextofundamental para o estudo dopovoamento Calcolítico e do início daIdade do Bronze na região. Narealidade, praticamente desconhecidaaté ao arranque das acções deminimização do impacte da barragemdo Alqueva, a rede de povoamento daPré-História Recente da margemesquerda do Guadiana, a norte doAlcarrache, começa hoje a serconhecida de forma particularmenteaprofundada, graças a uns quantossítios que têm vindo a revelar umpotencial informativo extremamenterico. No que aos sítios de habitat dizrespeito, dispomos hoje de quatrocontextos fundamentais para ahistoriografia das comunidades quehabitaram aquela área, cobrindo operíodo da 2.ª metade do IV ao início

do II milénio AC: são eles, para alémdo Monte do Tosco 1, o Moinho deValadares, Mercador e Porto dasCarretas. A vertente funerária é piorconhecida, contando apenas com osdados proporcionados pela intervençãono monumento da Fábrica daCelulose. Mas a estes contextos háainda que reunir toda uma série dedados, menos sólidos, proporcionadospelos vestígios de superfície de outrostantos sítios.

Na globalidade, portanto, os trabalhosefectuados e ainda a realizar no âmbitodo empreendimento do Alqueva,seguindo questionários e metodologiasactuais, possibilitarão a construção deum conhecimento aprofundado sobre opovoamento pré-histórico desta área dabacia do Guadiana, constituindo-secomo um case study de referência parafuturos trabalhos na região.

4. A4. A4. A4. A4. Avaliação do impacte e medidasvaliação do impacte e medidasvaliação do impacte e medidasvaliação do impacte e medidasvaliação do impacte e medidasde minimizaçãode minimizaçãode minimizaçãode minimizaçãode minimização

As intervenções arqueológicasrealizadas confirmaram a ideiado grande potencial patrimonial

e científico sugerida pelos dados desuperfície.

Uma parte significativa do sítio, ondese preservam importantes contextosarqueológicos (nomeadamente noSector 1 e 2), situa-se acima da cotamáxima de enchimento, não sendo,por isso, directamente afectada peloregolfo da barragem.

Contudo, o sector 4, onde sedocumentou uma complexa estrutura

de contenção/delimitação/fortificação,à qual surge associada uma área desolos, ocupação com estruturasaparentemente habitacionais (nãototalmente intervencionadas), serádirectamente afectado pelo regolfo. Poroutro lado, outras áreas de limite dopovoado ainda não intervencionadas,concretamente em toda a vertenteLeste, serão igualmente afectadas.

Em face das realidades expostas e daimportância patrimonial e científicaque assumem, foi sublinhada anecessidade de alargar as medidas deminimização inicialmente previstas,procedendo a mais trabalhosarqueológicos nas zonas-limite dopovoado, de forma a completar oregisto das importantes realidadesdetectadas, elaborar e aplicar um planode consolidação e protecção dasestruturas sujeitas a submersão.