O internetês como forma de manifestação na conquista

24
O internetês como forma de manifestação na conquista do presente Leandro Ramires Comassetto (Unipampa) Ana Laura Comassetto (CESJF)

Transcript of O internetês como forma de manifestação na conquista

O internetês como forma de manifestação na conquista

do presente

Leandro Ramires Comassetto (Unipampa)

Ana Laura Comassetto (CESJF) 

Proposta do trabalhoTrata-se de uma reflexão sobre o uso da linguagem na Internet sob perspectiva sociológica, ancorada principalmente nos estudos da Sociologia Compreensiva de Michel Maffesoli.

Vê, acima de tudo, uma forte razão identitária dos usuários da internet (principalmente dos jovens) em relação ao uso da linguagem. Ou seja, a forma de comunicar é própria de um tribalismo comunal, que reforça o sentido de pertencimento e identificação dos internautas em seus grupos ou redes de interação.

Preconceito linguístico Há uma forte corrente condenando o que chama de “desvirtuamento da gramática” e “deturpação da linguagem”.

“Besteirol infanto-juvenil” (Escritor Deonísio da Silva)

“Ataque deformador ao idioma”; “decadência da língua portuguesa” (Cronista Martha Medeiros)

“Descaracterização que põe em jogo a própria sobrevivência do idioma” (Crítico literário Jerônimo Teixeira)

“...Estes textos costumam ser breves. Abusam das abreviaturas, siglas, acrônimos (abreviação das palavras) e emoticons. Às vezes, juntam várias palavras eliminando os espaços, enquanto ignoram os acentos ortográficos e os sinais de pontuação, bem como todas as convenções referidas ao uso de maiúsculas ou minúsculas. O vocabulário também é limitado. Se considerarmos ainda o fato de costumarem praticar uma ortografia lastimosa e uma sintaxe relaxada...” (Paula Sibilia)

“A longo prazo, o resultado pedagógico será dramático” (Escritor Umberto Eco)

“A arte da conversação está morta, e logo estarão mortos quase todos os que sabem falar.” (Guy Debord)

Retomada de uma preocupação parecida com a já manifestada no clássico “Fedro”, de Platão, por ocasião da invenção da escrita, quando se acreditava que o registro pelo alfabeto fosse acabar com a memória.

Características e “defeitos” da escrita na internetPráticas que irritam os puristas da língua:Ausência ou desvirtuamento no uso da pontuação (esquecem completamente do ponto final e de interrogação);

Exagero de sinais (como a exclamação e a própria interrogação, bem como alongamento de letras:

“bjus e muitas saudades!!!!!!!!!!!!!!”

“Eu tava ou não tava redonnnnnnnnnnnnnda?????”

“adoreeeeeeeeeeei”

A substituição de vogais:

“tristi”; “queru”; “amu”

A substituição dos acentos:

“naum”, “jah”, “eh”

A substituição do “qu” por “k” e do “u” por “w”:

“malukinha”; “akela”, “kade”, “falow”, “valew”

Uso de caixa alta (maiúsculas) em lugares “inadequados”:

“tenhu mto resPEITO por vc viu?? E q peito...”

“CaDa dIa q pAsSa eU ReCeBo uMa NoTiCiA PiOr q A oUtRa”

Situações diversas de troca de letras:

“bliguentos”; “te dolu”; “xexy”

Casos de braquissemia (redução das palavras):

“tadinho”; “facul”, “migona”; “miga”; “miguxa”, “vlw”; “vc”, “tc”, “niver”; “bjus”, “bjux”; “blz”; “fds”

Onomatopeias:

“kkkkkkkkkk”, “shuaaaaashuaahasushuaaaa”

- Letras misturadas a números ou emoticons:

“O K vc6s estão fazendo?”

“ de vocês”

As razões do Netspeak (internetês)Oralidade – a língua usada, sobretudo, nas salas de bate-papo, e também nos blogs, é um simulacro da comunicação oral, dinâmica e informal por natureza – Saussure (o pai da linguística moderna) já chamava a atenção para a primazia do discurso oral; Walter Ong (oralidade e cultura escrita), diz que o pensamento está associado ao som e não à escrita.

A linguagem é tão esmagadoramente oral que, de todas as milhares de línguas faladas no curso da história humana, somente 106 estiveram submetidas à escrita num grau suficiente para produzir literatura.

Os internautas não estão preocupados em “fazer literatura”. Sua única preocupação é atender à funcionalidade da conversação; logo, as normas gramaticais (quando existem) são preocupação secundária.

Informalidade - (deixa as pessoas mais à vontade na hora de escrever) – o que explica a forte adesão aos chats e redes sociais: No Brasil, quase 90% dos usuários; EUA, quase 80% - Há consenso de que a internet levou as pessoas a ler e escrever mais.

Há mais intimidade e fluência no manuseio da escrita; em outros ambientes, mais regrados, os falantes tendem a apresentar bloqueios.

Simplificação - imediatismo interacional – agilidade no manuseio do teclado (quem tem dificuldade para atender a esse requisito acaba por ser ou se sentir excluído)

- Como diz Citelli, a língua não se abastardou. O que precisa ser levado em conta é que agora se trata de “outros referenciais expressivos, balizados por acordos e protocolos acertados entre enunciadores e enunciatários, destinadores e destinatários, num amplo movimento de negociação de sentidos”

Segundo o autor, tanto o jovem usuário do MSN ou do Orkut quanto médicos, comerciantes, advogados e professores estão conscientes de que a linguagem empregada para as trocas de diálogo na internet assenta-se em protocolos diferentes que os utilizados na redação escolar ou nas respectivas atividades profissionais.

As pessoas ajustam protocolos de entendimento em um ambiente que refuncionaliza palavras, textos e discursos.

A conquista do presenteA INTERNET, muito mais que um mecanismo de comunicação, é um AGENTE RECONFIGURADOR DE PRÁTICAS SOCIAIS

Estilo de comunicar de acordo com a cultura de nosso tempo. Para Maffesoli, a tecnologia digital contemporânea faz emergir novas formas de sociabilidade e de vínculos associativos comunitários, promovendo uma espécie de reencantamento do mundo.

Trata-se de uma manifestação imaginária, não necessariamente consciente, que faz por reforçar o sentido de pertencimento e identificação dos internautas em seus grupos ou redes de interação, em que a transgressão às normas gramaticais, além das peculiaridades encorajadas pelo ambiente, sugere certa rebeldia, ou apatia, própria das gerações, sobretudo mais juvenis da dita sociedade pós-moderna.

Como diz Maffesoli, a socialidade, neste sentido, é o conjunto de práticas cotidianas que escapam ao controle social rígido, insistindo numa perspectiva hedonista, tribal, sem experiências coletivas baseadas não na homogeneização ou na institucionalização e racionalização da vida, mas no ambiente imaginário, passional, erótico e violento do dia a dia. Nesse ambiente, o que conta, sobretudo, são os momentos de despesa improdutiva, de engajamentos efêmeros, de submissão da razão à emoção de viver o “estar junto” que agrega determinado corpo social.

Alheio a engajamentos políticos fixos, pertencimentos a classes sociais definidas e a ideais burgueses ou proletários, o sujeito da atualidade é desprovido de uma lógica de identidade e prefere abster-se e ignorar os valores universalistas, pautando-se pela efemeridade e imediatismo, com ênfase no lúdico. “A vida é um jogo, a vida está em jogo. Essa é a relação com o destino, é o que liga estreitamente a seriedade e o riso”.

O sujeito passa a existir em sua relação com o outro, compartilhando com o outro um pedacinho do mundo, mas criando, a partir disso, uma relação de pertencimento, um sentimento de emoção vivida em comum, mesmo que marcado por ajuntamentos pontuais. Os valores são projetados no coletivo social, prevalecendo uma dominância empática, marcada, no mais das vezes, por uma lógica hedonista, com traços juvenis. O essencial está em reconhecer-se, em ver-se, em fazer parte de uma comunidade presencial ou virtual.

A internet não precisa ser racional. O importante é a partilha de imagens. A comunicação não necessariamente precisa ter um fim.

“A comunicação pode ser, como nas conversas sem razão de ser de todo dia, um ato em si: conversar por conversar, para estar junto, para passar o tempo, para dividir um sentimento, uma emoção, um momento, um pequeno nada de cada dia. Comunicar por comunicar.” (Maffesikum 2008, p. 26)

Se a comunicação não precisa ter um fim, por que a linguagem teria que ter uma forma precisa, definida, rígida, normativa?

O mais importante é a vontade de estar-junto, de compartilhar emoções em comum, em múltiplas identidades, reais ou imaginárias, que permitem se lançar em fantasias criadoras e se arriscar nos excessos que a vida proporciona.

Então, pra que o pânico, pra que o cenário fatalista? Muito melhor se as mudanças que estão se apresentando forem encaradas de forma tranquila ou, para se ater a uma acepção maffesoliana, no espírito de um gozo coletivo.

OBRIGADO