O animal social - David Brooks.pdf

436

Transcript of O animal social - David Brooks.pdf

©2011byDavidBrooksPublicadomedianteacordocomRandomHouse,umselodaTheRandomHousePublishingGroup,umadivisãodaRandomHouse,Inc.

Todososdireitosreservados.

TodososdireitosdestaediçãoreservadosàEDITORAOBJETIVALTDA.RuaCosmeVelho,103RiodeJaneiro–RJ–CEP:22241-090Tel.:(21)2199 -7824–Fax:(21)2199 -7825www.objetiva.com.br

TítulooriginalTheSocialAnimal

CapaAdaptaçãodeMarcosDavisobredesignoriginaldeLucyStephens

IlustraçõesdecapaFelixSockwell

RevisãoRaquelCorreaAnaKronembergerEduardoRosal

Coordenaçãodee-bookMarceloXavier

Conversãoparae-bookFiligrana

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

B888a

Brooks,DavidOanimalsocial[recursoeletrônico]:ahistóriadecomoosucessoacontece/DavidBrooks;traduçãoCamilaMello.-1.ed.-RiodeJaneiro:Objetiva,2014.recursodigital

Traduçãode:ThesocialanimalFormato:ePubRequisitosdosistema:AdobeDigitalEditions

Mododeacesso:WorldWideWebISBN978-85-390-0568-0(recursoeletrônico)

1.Sucesso.2.Psicologia.3.Livroseletrônicos.I.Título.

14-09472CDD:158.1CDU:159.947

SUMÁRIO

CAPA

FOLHADEROSTO

CRÉDITOS

INTRODUÇÃO

capítulo1–TOMADADEDECISÃO

capítulo2–OAMÁLGAMADEMAPA

capítulo3–VISÃODAMENTE

capítulo4–FABRICAÇÃODEMAPA

capítulo5–APEGO

capítulo6–APRENDENDO

capítulo7–NORMAS

capítulo8–AUTOCONTROLE

capítulo9–CULTURA

capítulo10–INTELIGÊNCIA

capítulo11–ARQUITETURADAESCOLHA

capítulo12–LIBERDADEECOMPROMETIMENTO

capítulo13–LIMERÂNCIA

capítulo14–AGRANDENARRATIVA

capítulo15–MÉTIS

capítulo16–AINSURGÊNCIA

capítulo17–ENVELHECENDO

capítulo18–MORALIDADE

capítulo19–OLÍDER

capítulo20–OLADOMALEÁVEL

capítulo21–AOUTRAEDUCAÇÃO

capítulo22–SIGNIFICADO

POSFÁCIO

AGRADECIMENTOS

NOTAS

INTRODUÇÃO

Esta é a história mais feliz que você já leu. Fala sobre duas pessoascujas vidas foram incrivelmente gratificantes.Tiveram carreirasmaravilhosas,ganharam o respeito dos amigos e fizeram contribuições importantes para obairroondemoravam,opaíseomundo.

Eocuriosoéquenãonasceramgênios.TiverambonsresultadosnoSAT,1emtestesdeQIeessetipodecoisa,masnãoapresentavamumdomfísicooumental extraordinário. Não eram feios, mas também não eram bonitos.Jogavamtênisefaziamcaminhadas,masnemmesmonaescolasedestacaramcomoatletas,eninguémosteriaescolhidoquandojovenseditoqueestavamdestinados ao brilhantismo em alguma esfera. No entanto, alcançaram osucessoetodosqueosconheciamachavamquetinhamvidasabençoadas.

Comofizeramisso?Possuíamoqueoseconomistaschamamdehabilidadesnão cognitivas, categoria geral de qualidades ocultas que não podem serfacilmente contadas oumedidas,mas quena vida real levam à felicidade e àsatisfação.

Em primeiro lugar, tinham bom caráter. Eram enérgicos, honestos econfiáveis.Mantinham-se persistentes após contratempos e reconheciam seuserros.Possuíamconfiançasuficienteparacorrerriscose integridadesuficientepararespeitarcompromissos.Tentavamreconhecersuasfraquezas,arrepender-sedeseuspecadosecontrolarseusimpulsosnegativos.

Igualmente importante era o fato de serem perspicazes. Sabiam decifrarpessoas, situações e ideias. Podia-se colocá-los diante de uma multidão ouenterrá-los no meio de um bando de relatórios, e eles seriam capazes dedesenvolverumapercepçãointuitivadocenárioemquestão—oquepoderiaser agrupado ou o contrário, quais caminhos seriam frutíferos e quais nuncaseriam.Ashabilidades queummarinheiropossui paranavegar pelos oceanoselestinhamparanavegarpelomundo.

Ao longo dos séculos, zilhões de livros foram escritos sobre como obtersucesso.Todavia,essashistóriasgeralmentesãocontadasnonívelsuperficialda

vida. Descrevem para qual universidade as pessoas passam, as habilidadesprofissionais que adquirem, as decisões conscientes que tomam e as dicas etécnicas que adotam para fazer conexões e seguir em frente. Esses livrosfrequentementeseconcentramemdefiniçõesexternasdesucesso,relacionadasaQI,riqueza,prestígioeconquistasmundanas.

Estahistóriaécontadaemumnívelmaisprofundo.Parafalarsobresucesso,enfatiza o papel da mente interior — o reino inconsciente das emoções,intuições,propensões,desejos,predisposiçõesgenéticas,traçosdepersonalidadee normas sociais. É nesse reino que o caráter se forma e a sagacidade sedesenvolve.

Estamos vivendonomeiodeuma revoluçãoda consciência.Nosúltimosanos, geneticistas, neurocientistas, psicólogos, sociólogos, economistas,antropólogos e outros deram grandes passos para o entendimento doscomponentes do florescimento humano. E uma descoberta central de seutrabalhoéquenãosomosprimordialmenteosprodutosdonossopensamentoconsciente. Somos fundamentalmente os produtos do pensamento queaconteceabaixodoníveldaconsciência.

Aspartesinconscientesdamentenãosãovestígiosprimitivosqueprecisamserconquistadospararealizardecisõessábias,nemcavernasobscurasdeímpetossexuais reprimidos. Em vez disso, são a maior parte da mente — onde amaioria das decisões e muitos dos atos de pensamento mais impressionantesacontecem.Essesprocessossubmersossãoassementeirasdarealização.

EmStrangers toOurselves (Estranhosanósmesmos),oprofessorTimothyD.Wilson,daUniversidadedaVirgínia,dizqueamentehumanaécapazdereceber 11milhões de informações em um dado instante. A estimativamaisgenerosaéadequeaspessoaspodemterconsciênciadeapenasquarentadessasinformações.1“Algunspesquisadores”,notaWilson,“chegaramasugerirqueamenteinconscientefazquasetodootrabalhoequeavontadeconscientepodeser uma ilusão”.2Amente consciente apenas confabula histórias que tentamdarsentidoaoqueoinconscientefazporcontaprópria.

Wilson e amaioria dos pesquisadores sobre os quais vou falar neste livronãovãotãolonge.Noentanto,acreditamqueprocessosmentaisinacessíveisàconsciência organizam nosso pensamento, moldam nossos julgamentos,formam nosso caráter e nos fornecem as habilidades que necessitamos parasobreviver.JohnBarghdaYaleargumentaqueassimcomoGalileu“removeuaTerra de seu lugar privilegiado no centro do universo”,3 essa revolução

intelectualremoveamenteconscientedeseu lugarprivilegiadonocentrodocomportamento humano. Esta história a retira do centro da vida cotidiana.Apontaparaumaformamaisprofundadeflorescimentoeparaumadefiniçãodiferentedesucesso.

Oimpériodaemoção

Esse reino interior é iluminado pela ciência, porém não é um lugar árido emecanicista, e sim emocional e encantado. Se o estudo damente conscientedestacaaimportânciadarazãoedaanálise,odamenteinconscientedestacaadaspaixõesedapercepção.Seamenteexteriorressaltaopoderdoindivíduo,amenteinteriorofazcomopoderdasrelaçõeseoslaçosinterpessoaisinvisíveis.Seamenteexteriorcobiça status,dinheiroeaplauso,a interior temfomedeharmonia e conexão — aqueles momentos nos quais a autoconsciênciadesapareceeoindivíduoficaperdidoemumdesafio,emumacausa,noamorpelooutroouporDeus.

Seamenteconscienteécomoumgeneralsobreumaplataforma,quevêomundo a distância e analisa as coisas de forma linear e linguística, ainconsciente é como milhões de pequenas sentinelas, que transitam pelocenário enviando um fluxo constante de sinais e gerando respostasinstantâneas.Nãosedistanciamdoambienteaoseuredor;estãoimersasnele.Corremportodososladoseinterpenetramoutrasmentes,cenárioseideias.

Essas sentinelas revestem as coisas de significado emocional. Deparam-secomumvelhoamigoeemitemumaondadeafeição.Descememumacavernaescura e liberam uma onda de medo. O contato com uma bela paisagemproduzumsentimentodeelevaçãosublime.Jácomumapercepçãobrilhante,satisfação, ao passo que com a injustiça produz ira.Cada percepção tem seuprópriosabor,texturaeforça,ereaçõesgiramdentrodamenteemumfluxodesensações,impulsos,julgamentosedesejos.

Essessinaisnãocontrolamnossasvidas,masmoldamnossainterpretaçãodomundo e nos guiam, como um GPS espiritual, conforme traçamos nossoscaminhos. Se o general pensa em termos de informação e fala em prosa, assentinelas se cristalizam com emoção e seu trabalho se expressa melhor emhistórias,poesia,música,imagem,oraçãoemito.

Não souumapessoa sensível—minha esposa é conhecida por comentarsobre isso. Existe uma história incrível, apesar de apócrifa, sobre umexperimentonoqualhomensdemeia-idadeforamconectadosaumaparelho

de neuroimagem e levados a assistir a um filme de terror. Depois, foramconectadoseinstruídosadescreverseussentimentosemrelaçãoasuasesposas.Asimagensdocérebroforamasmesmas—puroterroremambasasatividades.Compreendo essa reação. Porém, se você ignora os momentos de amor emedo,delealdadeerepulsaquenostomamatodosegundodiariamente,estáignorandooreinomaisessencial.Estáignorandoosprocessosquedeterminamoquequeremos,comopercebemosomundo,oquenos impulsionaeoquenosdetém.Sendoassim,voucontarahistóriadeduaspessoasfelizesdopontodevistadessavidainteriorencantada.

Meusobjetivos

Quero mostrar como é esse sistema inconsciente quando está florescendo,quandoasafeiçõeseasaversõesquenosguiamdiariamenteforamnutridasdeformaapropriada,quandoasemoçõesforameducadasdevidamente.Pormeiodemilharesdeexemplosconcretos,tentareiilustrardequemaneiraasmentesconsciente e inconsciente interagem, de que modo um sábio general podetreinar e escutar as sentinelas. Parafraseando Daniel Patrick Moynihan emoutrocontexto,averdadeevolucionáriacentraldizqueoinconscienteémaisimportante.Averdadeevolucionáriahumanísticadizqueamenteconscientepodeinfluenciaroinconsciente.

Estou escrevendo esta história, em primeiro lugar, porque, ao mesmotempoemquepesquisadoresdediversasáreasapontaramparadiferentespartesda caverna do inconsciente, iluminando cantos e fissuras distintos, a maiorparte de seu trabalho é feito em silos acadêmicos. Tentarei sintetizar suasdescobertasemumaúnicanarrativa.

Em segundo lugar, tentarei descrever de que maneira essa pesquisainfluenciaomodo como entendemos anaturezahumana.Estudos acercadocérebro raramentecriamnovas filosofias,mascertamentedefendemfilosofiasantigas.Osestudosrealizadoshojechamamnossaatençãoparaa importânciada emoção quando comparada à razão pura, das conexões sociais quandocomparadas à escolha individual, do caráter quando comparado ao QI, dossistemas emergentes e orgânicos quando comparados aos sistemas lineares emecânicos,eaideiadequetemoseusmúltiplosquandocomparadaàideiadeque temos um eu único. Se quiserem colocar as implicações filosóficas emtermos simples, o Iluminismo francês, que enfatizou a razão, perde; oIluminismoinglês,quedestacouosentimento,ganha.

Emterceirolugar,tentareidelinearasimplicaçõessociais,políticasemoraisdessas descobertas. Quando Freud surgiu com seu conceito de inconsciente,influencioudemaneira radical a crítica literária, o pensamento social e até aanálise política. Hoje, dispomos de conceitos mais exatos do inconsciente.Todavia, essas descobertas ainda não tiveram um impacto abrangente nopensamentosocial.

Porfim,voutentarajudaraneutralizarumatendênciaemnossacultura.Amente consciente escreve a autobiografia da nossa espécie. Sem saber o queaconteceemcamadasinternasmaisprofundas,atribuiopapeldeprotagonistaasimesma.Elasedácréditopordesempenhartodosostiposdeatividadesquenão controla de fato.Cria visões demundoque ressaltam aqueles elementosqueécapazdeentendereigno raoresto.

Consequentemente, nos acostumamos a certa maneira constrita dedescrever nossas vidas. Platão acreditava que a razão era a parte civilizadadocérebro e que seríamos felizes contanto que a razão superasse as paixõesprimitivas.Ospensadores racionalistasacreditavamquea lógicaeraoapogeuda inteligência e que a espécie humana era libertada quando a razãoconquistavaohábito e a superstição.No séculoXIX, amente consciente erarepresentadapelo científicodr. Jekyll enquantoo inconsciente eraobárbarosr.Hyde.2

Muitas dessas doutrinas se esvaíram, mas as pessoas ainda não veem amaneira como as afeições e aversões inconscientesmoldam a vida cotidiana.AindatemosbancasquejulgamindivíduospormeiodemediçõesdeQIenãoporconhecimentoprático.Aindatemosáreasacadêmicasquefrequentementetratam sereshumanos como indivíduosquemaximizamutilidade racional.Asociedade moderna criou um extenso aparato para o cultivo de habilidadestécnicas,aopassoquefracassouemdesenvolverfaculdadesmoraiseemocionaisprofundas. As crianças são treinadas a passar por mil estágios escolares. Noentanto,asdecisõesmaisimportantesquevãotomarsãocomquemsecasarequem ter como amigo, o que amar e o que desprezar e como controlarimpulsos.Nessas questões, estão quase completamente sozinhas. Somos bonsem falar sobre incentivos materiais, mas péssimos em falar sobre emoções eintuições. Somos bons em ensinar habilidades técnicas, porém quando setratam de coisasmais importantes, como o caráter, não temos quase nada adizer.

Meuoutroobjetivo

Anovapesquisaforneceumavisãomaisabrangentedequemsomos.Todavia,confesso que fui atraído para esse temana esperança de responder perguntasmais restritas e práticas. Meu trabalho principal é escrever sobre políticas ePolítica. Nas últimas gerações, temos visto grandes políticas produziremresultados decepcionantes. Desde 1983, reformamos o sistema educacionalinúmeras vezes, porém mais de 1/4 dos alunos do ensino médio desistem,mesmo que todos os incentivos racionais lhe digam o contrário. Tentamosreduziradisparidadeentreoêxitodealunosbrancosenegros,masfracassamos.Passamos uma geração matriculando mais jovens em universidades sementenderporquetantosnãoseformam.

Pode-se continuar a lista: tentamos, sem sucesso, diminuir a desigualdadecrescente. Tentamos estimular a mobilidade econômica. Tentamos cessar aonda de crianças criadas em lares de pais solteiros. Tentamos reduzir apolarizaçãoquemarcanossapolítica.Tentamosmelhorarociclodeascensãoedeclíniodenossaseconomias.Nasúltimasdécadas,omundotentouexportarocapitalismoparaaRússia,plantarademocracianoOrienteMédioeestimularodesenvolvimento na África. E o resultado desses esforços é em grande partedecepcionante.

Os fracassos foram marcados por uma única característica: confiança emumavisãoexcessivamentesimplistadanaturezahumana.Muitasdessaspolíticasforam baseadas no modelo superficial sociocientífico do comportamentohumano. Muitas das políticas foram propostas por cê-dê-efes que se sentemconfortáveis apenas com traços e correlações passíveis de serem medidos equantificados. Passaram por comitês legislativos que são tão capazes de falarsobreasfontesprofundasdaaçãohumanaquantodefalaremaramaicoantigo.Foramexecutadasporoficiaisquetêmapenasoentendimentomaissuperficialdaquilo que é imutável e tendencioso nos seres humanos. Então é claro quefracassaram.Evãocontinuarfracassando,anãoserqueonovoconhecimentosobrenossaverdadeiracomposiçãosejaintegradodemaneiramaiscompletaaomundodaspolíticaspúblicas, anão serqueahistória encantada seja contadajuntocomahistóriaprosaica.

Oplano

Para ilustrarcomoashabilidades inconscientes realmente trabalhamedequemaneira,nascondiçõesadequadas,levamaoflorescimentohumano,vouandarnospassosdeJean-JacquesRousseauemtermosdeestilo.Em1760,Rousseau

finalizouumlivrochamadoEmílio,oudaEducação,quetratavadecomosereshumanospodiamsereducados.Emvezdeseateraumadescriçãoabstratadanaturezahumana,criouumpersonagemchamadoEmílioedeu-lheumtutor,usandoarelaçãoentreosdoisparaelucidarcomosedáafelicidadeemtermosconcretos.OmodeloinovadordeRousseaupermitiu-lhefazerinúmerascoisas,comoescreverdeumaformaqueeradivertidadelereilustrarcomotendênciasgeraispodiamrealmente influenciarasvidas individuais.AfastouRousseaudoabstratoeaproximou-odoconcreto.

Sem o intuito de rivalizar a genialidade deRousseau, estou tomando seumodelo emprestado. Para ilustrar como as descobertas científicas recentesinfluenciam a vida real, criei dois personagens principais—Harold e Erica.Uso esses personagens para mostrar de que forma a vida realmente sedesenvolve.Ahistóriasepassaperpetuamentenomomentopresente,iníciodoséculoXXI,porquequerodescreverdiferentescaracterísticasdamaneiracomovivemosagora,mastraçooscaminhosdelesdonascimentoàaprendizagem,daamizade ao amor, do trabalho à sabedoria e então à idade avançada.Uso ospersonagens para descrever como genes moldam vidas individuais, como aquímica do cérebro funciona em casos específicos, como estrutura familiar epadrõesculturaispodeminfluenciarodesenvolvimentoemtermosespecíficos.Em suma, uso esses personagens para diminuir a distância entre os tipos depadrões gerais descritos pelos pesquisadores e as experiências individuais quecompõemavidareal.

Companheirismo

HaroldeEricaamadurecerameseaprofundaramaolongodavida.Éumdosmotivos pelos quais esta história é tão feliz. É umanarrativa sobre progressohumanoeumadefesadoprogresso.Conta sobrepessoasqueaprendemcomseuspais ecomospaisdospais, eque,depoisde testese tribulações, acabamcomprometidosumcomooutro.

Por fim, esta é umahistória sobre companheirismo.Porquequando vocêexaminamaisprofundamenteoinconsciente,asseparaçõesentreosindivíduoscomeçam a ficar um pouco confusas. É cada vez mais óbvio que osredemoinhos que formam nossas mentes são compartilhados. Nós nostornamosquemsomosjuntocomoutraspessoastornando-sequemsão.

Herdamos uma imagem de nós mesmos como Homo sapiens, comoindivíduospensantesseparadosdosoutrosanimaisdevidoaopodersuperiorda

razão.EsseéoserhumanotalqualopensadordeRodin—queixonopunho,refletindo sozinho e demaneira profunda.Na verdade, somos diferenciadosdos outros animais porque temos habilidades sociais incríveis que nospossibilitam ensinar, aprender, simpatizar, dramatizar e construir culturas,instituiçõeseoscomplexosandaimesmentaisdecivilizações.Quemsomosnós?Somoscomoestaçõescentraisespirituais.Somosjunçõesnasquaismilharesdesensações,emoçõesesinaisseinterpenetramacadasegundo.Somoscentrosdecomunicação e, pormeio de algumprocesso quenão estamosnemperto decom preender,temosahabilidadedegovernarparcialmenteessetrânsito—dedesviaraatençãodeumacoisaaoutra,deescolheredenoscomprometermos.Sónos tornamoscompletamentenóspormeiodas interaçõesenriquecedorasde nossas redes de relações. Procuramos, acima de tudo, estabelecer ligaçõesmaisprofundasemaiscompletas.

Sendo assim, antes de começar a história de Harold e Erica, queroapresentá-los aoutrocasal,umcasal verdadeiro,Douglas eCarolHof stadter.Douglas é professor na Universidade de Indiana; ele e Carol eram muitoapaixonados.Ofereciamjantaresedepoislavavamalouçajuntos,ereviviameexaminavamasconversasquetinhamacabadodeter.

EntãoCarolmorreudeumtumornocérebroquandoseusfilhostinham5e2anosde idade.Algumas semanasdepois,Hofstadter sedeparoucomumafotodeCarol.EisoqueescreveuemseulivroIAmaStrangeLoop(Souumacurvaestranha):

Olhei para o rosto dela e olhei tão profundamente que senti como se estivesse atrás de seus

olhos e de repenteme peguei dizendo, enquanto as lágrimas corriam: “Sou eu! Sou eu!”4 Eaquelas simples palavras trouxeram de volta vários pensamentos que eu já havia tido sobre afusãodasnossasalmasemumaúnicaentidadedenívelelevado,sobreofatodequenocentrodas nossas almas havia desejos e sonhos idênticos para nossos filhos, sobre a noção de queaqueles desejos não eram separados ou distintos, mas sim um só desejo, algo claro que nosdefinia, que nos soldava em uma unidade, o tipo de unidade que eu havia imaginadovagamenteantesdemecasar ede ter filhos.Percebique, apesardeCarol ter falecido, aquelefragmentocentraldelanãohaviamorrido,mascontinuavavivodemaneiramuitodeterminadanomeucérebro.

Os gregos costumavam dizer que o caminho para a sabedoria é desofrimento.Depoisdamortedesuaesposa,Hofstadtersofreuparachegaraumentendimento,que,nacondiçãodecientista,confirmadiariamente.Aessênciadessa sabedoria é que, abaixo da nossa consciência, há pontos de vista eemoçõesqueajudamanosguiarconformedivagamospelasnossasvidas.Essespontos de vista e emoções podemmudar de forma abrupta dependendo do

amigoedoamante.Oinconscientenãoéapenasumazonaobscuraeprimitivade medo e dor. Também é um lugar onde os estados de espírito nascem edançamde alma em alma.Coleta a sabedoria dos anos.Contém a alma dasespécies.EstelivronãovaitentardiscerniropapeldeDeusnissotudo.Masseháumacriatividadedivina,certamenteestáativanessaesferainternadaalma,ondeamassadocérebroproduzemoção,ondeoamorreligaosneurônios.

O inconsciente é impulsivo, emocional, sensível e imprevisível.Tem suasfalhas. Precisa de supervisão. No entanto, pode ser brilhante. É capaz deprocessartorrentesdeinformaçõesededarsaltosousadosecriativos.Acimadetudo,tambémémaravilhosamentegregário.Oseuinconsciente,oextrovertidointerior, quer que você se projete, se conecte e atinja comunhão com otrabalho,osamigos,afamília,anaçãoeacausa.Oinconscientequerenredá-lonadensateiaderelaçõesquesãoaessênciadoflorescimentohumano.Desejaebuscaoamorvigorosamente,otipodefusãoqueDouglaseCarolHofstadtercompartilharam. De todas as bênçãos que recebemos por estarmos vivos, oinconscienteéopresentemaisincrível.

1SAT:ScholasticAptitudeTest(Testedeaptidãoescolar).ÉumtestedeconhecimentosgeraiscriadonosEstadosUnidoserealizadoporalunosquedesejamingressaremumafaculdade.(N.daT.)

2ProtagonistasdeOmédicoeomonstro,livrodeficçãocientíficaescritopeloautorescocêsRobertLouisStevenson.(N.daT.)

Oanimalsocial

capítulo1

TOMADADEDECISÃO

Apósociclodeexpansãoequedaeconômica,apósoenérgico frenesicausadopelacriseemWallStreet,aClassedaComposturaergueu-semaisumavezàfrente.Aspessoasnessegruponãofizeramdinheiropormeiodebruxariacomfundoshedgeoudeumgrandetalentonomercadofinanceiro.Ganharamdinheiro subindo a escada meritocrática do sucesso. Tiveram boas notas naescola,estabeleceramconexõessociaissólidas,uniram-seaempresas,apráticasmédicaseafirmasdequalidade.Ariquezaostomougradualmentecomoumanevebranda.

VocêveriaumalunoexemplardaClassedaComposturaalmoçandoaoarlivreemumbistrôdiscretoemAspenouJacksonHole.AcaboudevoltardaChinaeparouparaumareuniãodediretorescorporativosantesdeseguirparaumamaratonade800quilômetrosdebicicletapelalutacontraaintolerânciaàlactose.Éassexuadamentebonito,comumpoucomenosdegorduracorporaldoqueoDavideMichelangelo,eseucabeloétãoexuberanteesuntuosamenteonduladoque, se você o visse emLosAngeles, perguntaria: “Quemé aquelecara lindocomoGeorgeClooney?”Quandoele cruzaaspernasvocê reparaque são imensuravelmente longas e esguias. Na verdade, ele não tem coxas.Cadapernaéapenasumapanturrilhaelegantesobreaoutra.

Sua voz é como alguém andando commeias em um tapete persa— tãocalma e comedida que faz com que BarackObama soe como o comedianteLenny Bruce. Conheceu a esposa na Clinton Global Initiative.1 Por acasoestavamusandoomesmobraceletedeapoioaoMédicossemFronteiraselogodescobriramquetinhamomesmoinstrutordeiogaequeganharamsuasbolsasda Comissão Fulbright com apenas dois anos de diferença. São um parmaravilhoso,eaúnicatensãorealentreelesenvolvearotinadeexercícios.Poralgumarazão,oshomensdealtoprestígiohojeemdiafazemmuitacorridaeandamdebicicletaesómalhamametadeinferiordocorpo.Poroutrolado,as

mulheres de status elevadodão atenção feroz ao tronco, bíceps e antebraços,paraquepossamusar vestidos semmangadurante todooverão e estraçalharrochascomasprópriasmãosatéquevirempedrinhas.

Entãoosr.ElegânciaCasualsecasoucomasra.BelezaEsculpidaemumacerimônia oficializada por Bill e Melinda Gates e tiveram três filhosmaravilhosos: Brilhantismo Sem Esforço, Compaixão Global e TalentoArtístico.Assimcomoamaioriadas criançasde classe alta emédia alta, essascrianças se destacam em esportes obscuros. Séculos atrás, membros da classeculta descobriram que não conseguiammais competir no futebol, beisebol ebasquete, então roubaram o lacrosse dos índios americanos a fim de exercerdomíniosobrealgumacoisa.

Todas as crianças se destacaram em escolas particulares homogê neas eorgulhosamenteprogressivas;tinhamocuidadodepassarosverõesestagiandoemlaboratórioscientíficosalemães.Noterceiroanodoensinomédio,ospaissentaram com eles e solenemente lhes informaram que já eram velhos osuficienteparacomeçaraleraTheEconomist.Foramparafaculdadesseletivascom boas equipes esportivas, como Duke e Stanford, e depois iniciaramcarreirasquetrariamreflexospositivosaosseuspais—porexemplo,tornar-seeconomista-chefenoBancoMundialdepoisdealgunsanossatisfatórioscomoJoffreyBallet.2

OsmembrosdaClassedaComposturapassamgrandepartedavidaadultaentrandoemrecintosefazendocomquetodossesintaminferiores.Esseefeitoé magnificado pelo fato de serem sinceros, modestos e gentis. Nada lhes dámais prazer do que convidar você para um fim de semana na sua casa deveraneio. Isso envolve encontrá-los sexta-feira à tarde em algum aeroportoprivado.Eleschegamcomseuspertencesemumabolsa,porquequandosetemumaviãoparticularnãoéprecisousarmalasquefechamdeverdade.

Émelhorestocaralgumasbarrinhasdecerealseembarcaremumaviagemdessas,porqueocódigosuntuosodessanovaaltasociedadeditaquevãofazervocêquasemorrerdefomedurantetodoofimdesemana.Essecódigoenvolvegastoabundanteembensduráveisegastocomedidoembensconsumíveis.Vãolhe dar uma carona em um Gulfstream 53 multimilionário e servir umsanduíchecomumafatiadepeitodeperuempãodormidodoSafeway.Terãouma mansão de veraneio de nove quartos, mas vão se gabar dos móveiscompradosnaIkea.4Nosábado,vãooferecerumdaquelesalmoçosdegreve

defome—quatrofolhasdealfacee3gramasdesaladadeatum—,poisachamquetodomundotemhábitosalimentarestãosaudáveisquantoosseus.

Nessescírculos, tercachorroscom1/3daalturadopé-direitopassouasermoda,portantoosmembrosdaClassedaComposturapossuemessescãestãogigantescos quanto ursos, com nomes de personagens de Jane Austen. Sãocruzamentosdesão-bernardoscomvelociraptores,egentilmentecolocamseufocinhoimensoemcimademesasounotetodeRangeRovers,oqueformaisalto.Ofimdesemanaemsiconsistiráemlongosperíodosdeatividadesár duasinterrompidas por pequenas enquetes sobre a situação econômica global ehistóriasbrilhantessobreseusamigosmaisíntimos—Rupert,Warren,Colin,Sergey, Bono e o Dalai Lama. À noite, vão passear na comunidade de umresortpara tomar sorvete e caminhar.Aplausos espontâneos talvez irrompamnas calçadas enquanto desfilam seus corpos imaculados pelas avenidaslambendosorvetescuriosos.Aspessoasdefatoescolhempassarasfériasnesseslugaressóparasebanharnaauradaperfeiçãohumana.

***

Oencontro

Foiemumdessesdistritosqueumhomemeumamulherseconheceram,emumdiadeverão.Essesjovensdequase30anosseriamospaisdeHarold,umdosheróisdestahistória.Eaprimeiracoisaquevocêsdevemsabersobreessesfuturospaiséqueamboserampessoasbondosas,masumtantosuperficiais—embora o filho deles viesse a ser intelectualmente ambicioso e um tantoprofundo.Foramatraídos a esse resort pela força gravitacional do sucessodaClassedaCompostura,daqualumdiagostariamdefazerparte.Hospedaram-seemresidênciascomoutrosjovensprofissionaisambiciosos,eumamigoemcomumorganizouumalmoçoparaelesseconhecerem.

Seus nomes eramRob e Julia, e se viram pela primeira vez na frente daBarnes&Noble.RobeJuliaderamumsorrisolargoumparaooutroquandoseaproximaram,eumprocessoprofundoeprimitivoteveinício.Cadaumviucoisasdiferentes.Rob,sendocertotipodehomem,assimilouamaiorpartedoquequeriasaberpormeiodosolhos.SeusancestraismasculinosdoPlistocenoforam confrontados com o fato enigmático de que as fêmeas humanas nãoexibem nenhum sinal físico quando estão ovulando, ao contrário de váriosoutrosanimais.Portanto,osprimeiroscaçadores tiveramquesevirarcomosindicativosdefertilidadequeestavamdisponíveis.

Sendo assim, Rob procurou pelos traços que quase todos os homensheterossexuais procuram emumamulher.DavidBuss fez uma pesquisa commaisde10milpessoasem37sociedadesdiferentesedescobriuqueospadrõesdebelezafemininasãobasicamenteosmesmosaoredordomundo.Homensem todos os lugares dão valor à pele clara, lábios grossos, cabelos longos ebrilhosos, feições simétricas, distâncias menores entre boca e queixo e entrenarizequeixo,erelaçãocintura-quadril5deaproximadamente0,7.Umestudosobrepinturasfeitashámilharesdeanosdescobriuqueamaioriadasmulheresrepresentadas tinhamessa relação.AscoelhinhasdaPlayboy tendema ter essarelação,apesardesuasformaspoderemmudardeacordocomasmodas.1AtémesmoTwiggy,amodelofamosaporsermagérrima,tinhaexatamente0,73derelaçãocintura-quadril.2

Robgostoudoqueviu.FoitomadoporumaimpressãovagaesedutoradequeJuliaseportavabem,poisnãohánadaquerealcemaisabelezadoqueaautoconfiança. Gostou do sorriso que se abriu no rosto dela e reparouinconscientemente que as pontas de suas sobrancelhas eram arqueadas parabaixo.Omúsculoorbicularisoculi,quemovimentaessaparteda sobrancelha,não pode ser controlado conscientemente, então quando a ponta dasobrancelha fica arqueadaparabaixo significaqueo sorrisoégenuíno, enãofalso.3

Robregistrouonívelgeraldeatratividadedela, sabendosubliminarmentequepessoasatraentescostumamganharsaláriosbemmaiselevados.

Rob também gostou da curva que logo discerniu sob a blusa de Julia, eseguiuacurvacomumaadmiraçãoquefoiatéocentrodeseuser.Emalgumlugarnasprofundezasdeseucérebro,elesabiaqueumseioémeramenteumórgão,umamassadepeleegordura.Aindaassim,eraincapazdepensardessamaneira. Passava os dias notando constantemente a presença de seios ao seuredor. O contorno de um seio em um pedaço de papel era suficiente paratomar-lheaatenção.Ousodapalavra“teta”erafontesubliminardepesarparaele, pois essa palavra indigna não merecia ser usada em conexão com umaforma tão divina. A impressão que tinha era de que essa palavra era usada,principalmentepormulheres,paradebochardafixaçãoprofundadele.

E é claroqueos seios existememumdeterminado formatoprecisamenteparacausaressareação.Nãoháoutrarazãoparaqueseioshumanossejamtãomaioresdoqueosseiosdeoutrosprimatas.Ossímiostêmpeitoachatado.Osseiosmaioresemhumanosnãoproduzemmais leitedoqueosmenores.Não

servemparanenhumobjetivonutricional,masdefatoservemcomosinaisqueinstigam shows de luzes primitivos no cérebro masculino. Os homensconsistentementeavaliamasmulherescomcorpoatraenteerostofeiodeformamais positiva do quemulheres com rosto atraente e corpo feio.4 A naturezanãoestáinteressadanaartepelaarte,masproduzartemesmoassim.

Juliateveumareaçãomuitomaiscomedidaaoverseueven tualparceirodevida.Não porque não estivesse impressionada com o indiscutível charme dohomemàsuafrente.Asmulheressesentematraídassexualmenteporhomenscom pupilas maiores.5 Mulheres de todos os lugares preferem homens comfeiçõessimétricaseumpoucomaisvelhos,maisaltosemaisfortesdoqueelas.Poressaseoutrasmedidas,ofuturopaideHaroldpassounoteste.

Ofatoéque,pornaturezaeporcriação,Juliaeraprudenteedemoravaaconfiarnosoutros.Assimcomo89%detodasaspessoas,elanãoacreditavaemamoràprimeiravista.Alémdisso,eracompelidaadarmenoscréditoàbelezado que seu futuro marido. As mulheres, em geral, são menos excitadasvisualmente do que os homens, uma característica que dividiu praticamentepelametadeomercadopornográfico.

Issoaconteceporque, aomesmo tempoemqueoshomensdoPlistocenotinhamqueescolher suasparceiras combaseem indicaçõesde fertilidadequeconseguiam discernir com o olhar, as mulheres do Plistoceno tinham umproblema muito mais irritante. Os bebês humanos precisam de anos paratornarem-seautossuficientes,eumamulhersolteiranoambientepré-históriconão conseguia reunir calorias suficientes para sustentar uma família. Eracompelidaaescolherumhomemnãoapenasparaainseminação,mastambémparasercompanheiroedarajudacontínua.Eatéhoje,quandoumamulhervêumparceiroempotencial,seutempoédiferentedodele.

É por isso que os homens vão para a cama com mais rapidez que asmulheres. Várias equipes de pesquisa conduziram um estudo simples. Pagamumamulheratraenteparaconvidarhomensuniversitáriosparairparaacamacom ela. Setenta e cinco por cento dos homens dizem sim a essa propostaestudoapósestudo.Depoispedemqueumhomematraen tefaçaomesmocommulheresuniversitárias.Zeroporcentodizsim.6

Asmulheres têm bonsmotivos para ter cautela. Apesar de amaioria doshomens ser fértil, há uma grande variação entre o sexomais peludo no quetangeàestabilidade.Homenssãomuitomaispropensosaovícioàsdrogaseaoálcool. Sãomais propensos a cometer assassinato do quemulheres, emuito,

muito mais propensos a abandonar seus filhos. Há muito mais indivíduosproblemáticos na população masculina do que na feminina, e as mulheresdescobriram que vale mais a pena trocar algumas características nodepartamento das primeiras impressões por segurança e inteligência social alongoprazo.

Então,enquantoRobestavaolhandoparaodecote,Juliaestavaprocurandopor sinais de confiança. Não precisou fazer isso de forma consciente —milharesdeanosdegenéticaeculturahaviamafiadoseusensordeconfiança.

Marion Eals e Irwin Silverman, da Universidade de York, conduziramestudosquesugeremqueasmulheressãonogeral60%a70%maisproficientesdoqueoshomensemselembrardedetalhesdeumacenaedaslocalizaçõesdeobjetos emuma sala.7Nosúltimos anos, Julia vinhausando seuspoderes deobservação para descartar categorias inteiras de homens como parceiros empotencial, e algumas de suas escolhas eram idiossincráticas. Rejeitava homensque usavam a marca Burberry,6 porque não conseguia se imaginar olhandoparaamesmamalditaestampaemcachecóisecasacosdechuvaparaorestodavida.Dealgumamaneira,conseguiadetectarseumhomemescreviaerradosóde vê-lo, e eles a desanimavam. Via homens perfumados da mesma formacomo Churchill via os alemães — ou estavam aos seus pés, ou estavam lhesufocando. Não queria nada com homens que usavam joias relacionadas aesportes,porqueseunamoradonãodeviaamarDerekJeter7maisdoqueela.Eapesardehaverumamodarecentedehomensquesabemcozinhar,nãoestavadisposta a ter um relacionamento sério com ninguém que soubesse fatiarmelhordoque ela, ouque a surpreendesse com sanduíchespresunçosamentedespretensiososdegruyèregrelhadocomopedidodedesculpasdepoisdeumabriga.Erasimplesmentemuitamanipulação.

Ela olhou furtivamente para Rob enquanto se aproximava pela calçada.JanineWilliseAlexanderTodorov,daPrinceton,descobriramqueaspessoassãocapazesdejulgarinstantaneamenteseumapessoaéconfiável,competente,agressiva e agradável no primeiro décimo de um segundo. Esses tipos deprimeirasimpressõessãoincrivelmenteprecisosnaprevisãodecomoaspessoasvão se sentir em relação às outras meses mais tarde. As pessoas raramenterevisamsuasimpressõesiniciais,apenassetornammaisconfiantesdequeestãocertas.8 Em outra pesquisa, Todorov pediu que seus sujeitos de pesquisaolhassempormicrossegundos rostos de políticos que competiam entre si.Os

sujeitos de pesquisa conseguiram prever com 70% de exatidão qual dos doiscandidatosganhariaaeleição.9

Usandoseusprópriospoderesdeavaliação instantânea,JuliapercebeuqueRob era bonito,masnãodaquele tipodehomemque é tãobonito quenãoprecisa ser interessante. Enquanto Rob a despia mentalmente, ela o vestiamentalmente.Naquelemomento,eleestavausandocalçadeveludomarrom,quedavacréditoàcivilizaçãoocidental,eumpulôvermeioroxo,meiovinho-escuro, demodo que no conjunto ele parecia uma berinjela elegante.Tinhabochechas firmes, mas não como as de um furão, o que sugeria que iaenvelhecer bem e que um dia viria a ser o homem mais bonito da casa derepousoparaaposentados.

Eleeraalto,evistoqueumestudoestimouquecadacentímetrodealturacorresponde a 6 mil dólares de salário anual nos Estados Unidos dacontemporaneidade, isso faz diferença.10 Ele também irradiava um tipo dequietude interna,oque fariacomque fosse irritantediscutir comele.ParaorápidoolharjulgadordeJulia,elepareciaserumadaquelascriaturasabençoadaspelodestinoquenãotêmcalosprofundosemsuapsique,quenãotêmferidasabertasoupreocupantes.

Todavia, assim que as impressões positivas começavam a se acumular, oestado de espírito de Juliamudava. Ela sabia que uma de suas característicasmenos atraentes era ter uma espertinha hipercrítica dentro de si. Podia estarcurtindoa companhiadeumcaranormalqualquer ede repente começavaaanáliseminuciosa.Antesde terminar,elaeraDorothyParker8eocara,umapoçadesanguemetafóriconochão.

AespertinhadentrodeJuliapercebeuqueRoberaumdaquelascarasqueacreditaqueninguémdáamínimaseseussapatosestãolustrados.Asunhasdeleestavammal cortadas.Alémdisso, era solteiro. Julia desconfiava quehomenssolteirosnão eram sérios, e vistoquenuncanamorariaumhomemcasado, aoferta de homens pelos quais podia se apaixonar indiscriminadamente ficavareduzida.

JohnTierney,doNewYorkTimes,argumentouqueváriaspessoassolteirassão afligidas por um Flaw-O-Matic,9 um dispositivo interno que identificaproblemasemparceirosempotencialinstantaneamente.Umhomempodeserbonito e brilhante, observa Tierney, mas vai para a pilha dos descartadosporque tem cotovelos sujos. Uma mulher pode ser sócia em uma grande

empresa de advocacia, mas é vetada como parceira de longo prazo porquepronuncia“Goethe”daformaerrada.11

Juliatinhabonsmotivosparacompartilhardaquiloquecientistaschamamdepropensão“homensnãoprestam”.Asmulherestendemaabordarsituaçõessociaiscomumaestruturainconscientedetomadadedecisãoquepresumequeoshomensestãoprimordialmenteinteressadosemsexocasualenadamais.Sãocomodetectoresde fumaçamuito sensíveis,prontospara soaroalarme falso,poisémaisseguroerraremproldocuidadodoqueconfiardebomgrado.Oshomens,poroutro lado, têmapropensãooposta. Imaginamquehá interessesexualquandonãohá.12

Julia passou por ciclos de esperança e desconfiança em apenas algumaspiscadas de olhos. A maré de opiniões infelizmente estava contra Rob. AespertinhadentrodeJuliaestavafugindodocontrole.Masentão, felizmente,elefoiatéelaedisse“oi”.

Arefeição

Conformeoscaprichosdodestino,RobeJuliaforamfeitosumparaooutro.Apesardoquevocêouviufalarsobreopostosatraindo-se,aspessoasgeralmentese apaixonam por pessoas como elas. Como escreveu Helen Fisher em umcapítulo de The New Psychology of Love (A nova psicologia do amor): “Amaioria dos homens e dasmulheres se apaixonampor indivíduos domesmocontexto étnico, social, religioso, educacional e econômico, aqueles comatratividade física similar, uma inteligência comparável, atitudes, expectativas,valores, interessesparecidos,eaquelescomhabilidadessociaisecomunicativassimilares.”13Há até algumas evidências de que as pessoas tendem a escolherparceiros comnariz domesmo tamanho e olhos afastados emuma distânciamaisoumenosigual.14

Um dos subprodutos desse padrão é que as pessoas tendeminconscientemente a escolher parceiros quemorarampor perto durante pelomenospartedesuasvidas.Umestudonadécadade1950descobriuque54%doscasaisquederamentradaempedidosdecasamentoemColumbus,Ohio,moravam dentro de 16 quarteirões de distância um do outro quandocomeçaramasair,e37%viviamdentrodecincoquarteirões.Nafaculdade,ébem mais provável que as pessoas saiam com quem está hospedado em

dormitórios no mesmo andar ou no mesmo pátio.15 Familiaridade geraconfiança.

Rob e Julia logodescobriramque tinhammuito emcomum.PossuíamomesmopôsterdoEdwardHoppernaparede.Estiveramnomesmo resortdeesqui na mesma época e tinham visões políticas similares. Descobriram queambos amavam A princesa e o plebeu, tinham as mesmas opiniões sobre ospersonagens de Clube dos cinco e compartilhavam da mesma impressãoequivocadadequefalarsobreoquantovocêamaascadeirasEameseaartedeMondrianeraumsinaldesofisticação.

Além disso, ambos gostavam de mostrar conhecimento perspicaz sobrecoisas extremamente prosaicas, como hambúrgueres e chá gelado. Ambosexageravam sua popularidade quando rememoravam os tempos de escola.Frequentavamosmesmosbareseviramasmesmasbandasderocknasmesmasturnês.Eracomomanusearváriaspeçasdequebra-cabeçaqueincrivelmenteseencaixavam. As pessoas geralmente superestimam o quão distintas suas vidassão, então os pontos em comum lhes pareciam uma série de milagres. Ascoincidênciasderamàrelaçãoumaauradealgoescritonasestrelas.

Semperceber,tambémestavammedindoacompatibilidadeintelectualumdo outro. Como Geoffrey Miller aponta em A mente seletiva, as pessoastendema escolher cônjuges de inteligência similar, e amaneiramais fácil demedirainteligênciadeoutrapessoaépormeiodeseuvocabulário.16PessoascomQI80vãosaberpalavrascomo“tecido”,“enorme”e“esconder”,masnãopalavras como“sentença”, “consumir” e “comércio”.Pessoas comQI90vãosaber as últimas três palavras, mas provavelmente não vão saber “designar”,“ponderar” ou “relutante”. Sendo assim, as pessoas que estão se conhecendofazem medições de forma subconsciente para ver se seus vocabulários seengrenam,eelasseadaptamaoníveldooutro.

Agarçoneteveioàmesaeelespediramasbebidasedepoisoalmoço.Éumfatoelementardavidaqueescolhemosoquevamospedir,masnãoescolhemosoquegostamos.Preferênciassãoformadasabaixodoníveldaconsciência,eofato era que Rob amava vinho cabernet, mas não gostava de merlot.Infelizmente, Julia pediu uma taça do primeiro, então Rob teve de escolheruma taça do segundo, só para parecer diferente.A comida do almoço estavaterrível,masoencontrofoimaravilhoso.Robnaverdadenuncahaviaestadonaquelerestaurante,masoescolheuporsugestãodoamigoemcomumqueerabastante confiante em seuspróprios julgamentos.No fimdas contas, eraum

daqueles restaurantes com saladas impossíveis de serem manuseadas. Julia,prevendoisso,escolheuumaperitivofácildesercomidocomgarfoeumpratoprincipal que não exigia perícia com talheres. Todavia, Rob selecionou umasalada que parecia ser boa no cardápio, composta de tentáculos verdesespalhafatososquenãoentravamnabocasemespalharmolhodesaladapor7centímetros em ambos os lados do rosto. Em uma nostalgia retrô por altaculináriadadécadade1990,aentradafoiumamisturadebifedetrêsandares,batataecebolaquesepareciacomaTorredoDiabodeContatosimediatosdeterceirograu.DarumamordidanaquiloeracomoretirarumestratogeológicodomonteRushmore.10

Mas nada disso importava porqueRob e Julia se deram bem.Durante oprato principal, Julia resumiu sua história pessoal — criação, interesseuniversitárioporcomunicação,otrabalhocomopublicitária,asfrustraçõeseavisãoparaaempresaderelaçõespúblicasqueumdiateria,usandomarketingviral.

JuliaseinclinounadireçãodeRobenquantoexplicavasuamissãonavida.Tomou goles bem ligeiros de água, mastigando incrivelmente rápido, comoum esquilo, para que pudesse continuar falando. Sua energia era contagiosa.“Issopodiadarmuitocerto!”,disse,entusiasmada.“Podiamudartudo!”

Noventaporcentodacomunicaçãoemocionalénãoverbal.17Gestossãouma linguagem inconsciente que usamos para expressar não apenas nossossentimentos, mas para constituí-los. Ao fazer um gesto, as pessoas ajudam aproduzirumestadointerno.RobeJulialambiamoslábios,inclinavam-separaafrentenacadeira,olhavamderelanceumparaooutroeexecutavamtodososoutrosartifíciosdacoreografiainconscientequeaspessoasfazemquandoestãoflertando.Semperceber,Juliadeuaviradadecabeçaqueasmulheresdãoparasinalizarexcitação,umapequena inclinaçãodacabeçaqueexpôs seupescoço.Ficaria consternada se pudesse ver seu suposto eu rigoroso no espelho nessemomento,porqueláestavaelacomoqualqueraspiranteaMarilynMonroe—jogandoo cabelo para o lado, levantandoos braços para ajustar os cabelos eestufandoopeitoatéficaràmostra.

Julia aindanãohaviapercebidooquantogostavade conversar comRob.Contudo, a garçonete notou um calor febril em suas faces e ficou satisfeita,vistoquehomensemumprimeiroencontrodãoasmelhoresgorjetasdetodas.A importância da refeição só ficou clara dias depois. Dali a décadas, Julia

lembraria osmenores detalhes desse almoço, e não apenas o fato de que seufuturomaridocomeutodosospãesdacesta.

Eaconversafluiunodecorrerdissotudo.Palavras são o combustível do cortejo. Outras espécies conquistam seus

pares pormeiodeuma série dedanças que se intensificam,porémhumanosusama conversa.GeoffreyMillerobservaque amaioriados adultos temumvocabuláriodemaisoumenos60milpalavras.Paraconstruiressevocabulário,ascriançasdevemaprenderdedezavintepalavraspordiaentre18mesese18anosde idade.Ainda assim, as cempalavrasmais frequentes correspondema60% de todas as conversas. As 4mil palavrasmais comuns correspondem a98%dasconversas.Porqueoshumanosseimportamemaprenderaquelas56milpalavrasextras?

Miller acredita que humanos aprendem as palavras para que possamimpressionareescolherpossíveisparceiroscommaiseficácia.Elecalculaqueseumcasalfaladuranteduashoraspordiaeprofereumamédiadetrêspalavrasporsegundo,efazsexoportrêsmesesantesdeconceberumfilho(oqueseriaanorma na savana pré-histórica), então um casal terá trocado cerca de ummilhão de palavras antes de conceber um filho.18 São muitas palavras, eoportunidadessuficientesparaqueaspessoasseofendam,entediemouirritem.Éumaamplaoportunidadeparabrigar,fazeraspazes,explorarereformar.19Se um casal ainda está junto depois de toda essa tagarelice, há uma chancedecentedeficaremjuntosportemposuficienteparacriaremumfilho.

OspaisdeHaroldestavamapenasnasprimeiraspoucasmilpalavrasdoque,no decorrer de suas vidas, seriam milhões e milhões, e tudo estava indo demaneirafabulosa.Sedesseatençãoaosestereótiposculturais,vocêachariaqueasmulheressãoosexomaisromântico.Naverdade,hábastanteprovadequeos homens se apaixonam mais rápido e adotam mais a convicção de que overdadeiro amordurapara sempre.Portanto, grandeparteda conversanessaprimeira noite e em váriosmeses depois dela seria sobre fazer comque Juliabaixasseaguarda.

Robestariairreconhecívelparaseusamigossepudessemvê-loagora.Estavafalandosobreseusrelacionamentoscompropriedade.Parecianãoternenhumaconsciênciadeseusprópriosatributosfísicos,apesardetersidoconhecidoemoutras circunstâncias por admirar seus próprios antebraços durante minutos.Todotraçodecinismosefoi.Apesardehomensnormalmentepassarem2/3deseutempodeconversafalandosobresimesmo,nessaconversaRobestavana

verdade falando sobre os problemas de Julia.20 As pesquisas de David Busssugerem que a gentileza é a qualidade mais importante desejada em umparceiro sexual por ambos, homens e mulheres.21 O cortejo consiste emgrande parte em demonstrações de simpatia, quando os parceiros tentamprovar um ao outro o quão compassivos podem ser; qualquer pessoa que játenha visto casais perto de crianças e cachorros podemuito bem atestar essefato.

Evidentemente,háoutroscálculosmenosnobresacontecendoenquantoaspessoas escolhem seus parceiros. Como operadores de bolsa de valoresveteranos, as pessoas respondem de maneiras previsíveis, apesar deinconscientes,àsavaliaçõesdomercadosocial.Procuraminstintivamentepelomaiorretornopossívelemcimadeseuprópriovalordemercado.

Quanto mais rico for o homem, mais jovem será a mulher com a qualprovavelmentevaiseunir.Quantomaisbonitaamulher,maisricoohomem.Aatratividadedeumamulheréumexcelenteprevisorda rendaanualde seumarido.22

Homensquesãodeficientesemumacategoriadestatuspodemcompensaremoutra.Váriosestudossobrenamoropela internetmostraramquehomensbaixospodemsertãobem-sucedidosquantohomensmaisaltosnomercadodonamoro,seganhammais.GuenterHitsch,AliHortacsueDanArielycalculamqueumhomemquetem1,50metrodealturapodesesairtãobemquantoumde 1,80metro se ganha 175mil dólares amais por ano.Um homem afro-americanopodesesairtãobemquantoumbranco,seganha154mildólaresamaisdoqueumhomembrancocomatributossimilares.(Asmulheresresistemaonamoroforadeseugrupoétnicomuitomaisdoqueoshomens.)23

Alémde todoo resto,Robe Julia estavam fazendoesses tiposde cálculosinconscientemente — medindo a relação salário-aparência, calculandobalançossociocapitais.Etodosinalsugeriaquehaviamencontradoumpar.

Opasseio

A cultura humana existe em grande parte para limitar os desejos naturais daespécie.A tensão do cortejo é produzida pela necessidade de irmais devagarquando os instintos querem se precipitar. Tanto Rob quanto Julia estavamsentindoumimpulsopoderosonessemomentoeestavamcompavordedizeralgo veemente ou inapropriado. As pessoas que têm sucesso no cortejo são

capazesdeescolheramelodiaeo ritmodeumrelacionamento.Pormeiodeum processo mútuo de leitura um do outro e de moderação de si, orelacionamentodelasvaiounãoestabelecersuaprópriasincronicidade,eépormeiodesseprocessoquevãoestabelecerasregras implícitasque irãogovernarparasempreamaneiracomosecomportamemrelaçãoaooutro.

“Amaiorfelicidadequeoamorpodetrazeréoprimeiroapertodemãodamulherqueamamos”,observoucertavezoescritorfrancêsStendhal.24OspaisdeHaroldnessemomentoestavamentretidosnotipodeinteraçãoverbalqueera mais uma preparação do que uma conversa. Quando se levantaram damesa, Rob quis colocar uma de suas mãos nas costas de Julia para guiá-la àporta,mastemeuqueelapudesse ficar insatisfeitacoma intimidadesugerida.Juliaarrependeu-seemsilêncioportertrazidosuabolsadodiaadia,queeramaisoumenosdotamanhodeumaminivanegrandeosuficientepara levarlivros, telefones, pagers e possivelmente uma lambreta. Teve receio naquelamanhãdequetrazerumabolsapequenapassariaumaideiamuitoesperançosa— muito amorosa —, porém lá estava ela em uma das refeições maisimportantesdesuavidaecomabolsaerrada!

Rob finalmente tocou o braço dela ao saírem e ela olhou para ele comaquele sorriso confiante. Andaram pela calçada passando pelas papelariassofisticadassemperceberquejáestavamfazendoacaminhadadosamantes—corpos próximos, sorrindo ao espaço à frente com alegria radiante. JuliarealmentesesentiaconfortávelcomRob.Durantearefeição,eleolhouparaelaatentamente—nãocomaqueleolharestranhoeobsessivoqueJimmyStewartlançaemKimNovakemVertigem,mascomumolharfirmequeaatraía.

Rob,porsuavez,chegouatremerquandoacompanhouJuliaatéocarro.Seucoraçãoestavapalpitandoea respiração,acelerada.Sentiuquehavia sidoextraordinariamente espirituoso durante o almoço, encorajado pelos olhosfaiscantes dela. Sensações vagas o devastaram, o que ele não compreendeu.Audaciosamente, perguntou se podia vê-la no dia seguinte, e é claro que eladisse“sim”.Elenãoqueriaapenasdarumapertodemão,eumbeijoeramuitoousado.Entãoeleapertouseubraçoeroçouseurostonodela.

Quando Julia e Rob se semiabraçaram, silenciosamente receberam osferomôniosdooutro.Seusníveisdecortisolabaixaram.Oolfatoéumsentidosurpreendentementepoderosonessassituações.Aspessoasqueperdemoolfatosofremdeterioraçãoemocionalmaiordoqueaspessoasqueperdemavisão.25Issoaconteceporqueocheiroéumamaneirapoderosadeleremoções.Emum

experimento conduzido no Centro Monell,11 pesquisadores pediram quehomens e mulheres prendessem pedaços de gaze embaixo dos braços eassistissemaumfilmedehorroroudecomédia.Depois,ossujeitosdapesquisa,supostamentebemrecompensados,cheiraramospedaçosdegaze.Dealgumamaneira, puderam identificar, em níveis mais altos do que o acaso, quaispedaçostinhamocheiroderisoequaistinhamocheirodemedo,emulheressesaírammuitomelhornessetestedoquehomens.26

Emummomentofuturodorelacionamento,RobeJuliaprovariamasalivado outro e coletariam informação genética.De acordo com uma renomadapesquisafeitaporClausWedekind,daUniversidadedeLausanne,mulheressesentem atraídas por homens cujo código genético do antígeno leucocitáriohumanoéomaisdiferentedoseu.27Acredita-sequecódigoscomplementaresdesseantígenoproduzemsistemasimunológicosmaiseficientesnaprole.

Assistidos pela química e levados pela emoção, Rob e Julia sentiram queaquele havia sido o encontro mais importante de suas vidas. Na verdade,aquelas seriamasduashorasmais vitais que cadaumdeles teria, poisnãohádecisãomais importante para a felicidade a longoprazodoque a decisãodecom quem se casar. Durante aquele começo de noite, haviam começado atomarumadecisão.

Arefeiçãotinhasidomaravilhosa.Noentanto,tambémhaviamacabadodepassarporumexameintelectualrigorosoquefezcomqueoSATparecesseojardimde infância.Cadaumdelespassouosúltimos120minutos realizandoatividades sociais delicadas. Demonstraram inteligência, complacência,empatia, tato e ritmo. Obedeceram a um roteiro social que se aplica aosprimeiros encontros em sua cultura. Cada um fez milhares de julgamentosdiscriminatórios.Mediram suas respostas emocionais com discriminações tãoapuradas que nenhum medidor poderia quantificá-los. Decodificaram gestossilenciosos—umsorriso,umolhar,umapiadacompartilhada,umapausacheiade significado. Passaram-se por uma série de telas e filtros, avaliandoconstantemente a performance do outro e a sua. A cada poucos minutos,permitiam que o outro desse um passo em direção à intimidade de seuscorações.

Essas tarefasmentais só pareceram fáceis porque a história inteira da vidaneste planeta os havia preparado para esse momento. Rob e Julia nãoprecisaram fazer um curso sobre a tomada dessas decisões que formam laçossociais da mesma forma que fizeram um curso sobre álgebra, digamos. O

trabalho mental foi quase todo feito inconscientemente. Pareceu fácil. Veionaturalmente.

Atéaqui,nãotinhamcomocolocarsuasconclusõesempalavras,porqueassensaçõesnãohaviamseconectadoaumamensagemconsciente.Masaescolhade se apaixonar cresceria dentro deles. Não parecia que tinham feito umaescolha,massimqueumaescolhaoshaviafeito.Umdesejopelooutrohaviaseformado. Levaria certo tempo para que ambos percebessem que umcomprometimentoferozaooutrojáhaviasidoformado.Ocoração,observouBlaisePascal,temrazõesqueaprópriarazãodesconhece.

Todavia,éassimquefuncionaatomadadedecisão.Éassimquesaberoquequeremos acontece — não apenas em relação ao casamento, mas a muitasoutras partes importantes da vida. Decidir quem amar não é uma formaestranhaealienígenadetomardecisões,uminterlúdioromânticonomeiodavidanormal.Aocontrário,decisõessobrequemamarsãoversõesmaisintensasdos tipos de decisões que tomamos no decorrer da vida, desde qual comidapedir até qual carreira seguir. A tomada de decisões é um negócioessencialmenteemocional.

Opapeldoamor

Revoluções na nossa compreensão de nós mesmos começam de maneirasbastanteestranhas.UmadasdescobertasquenosajudouaentenderainteraçãoentreemoçãoetomadadedecisãocomeçoucomumhomemchamadoElliot,cujahistóriasetornouumadasmaisconhecidasnomundodapesquisasobreocérebro.Elliothavia sofridoumdanonos lobos frontaisdocérebrodevidoaumtumor.Elliotera inteligente,bem-informadoediplomático.Possuíaumavisão de mundo atrativamente sarcástica. Porém, depois da cirurgia, Elliotcomeçouaterproblemaspara lidarcomseudia.Semprequetentavarealizaralguma coisa, ignorava as partes mais importantes da tarefa e perdia aconcentraçãocomdistraçõestriviais.Notrabalho,iaarquivaralgunsrelatórios,masacabavasesentandoelendo-os.Passariaumdiainteirotentandoescolherum sistema de arquivamento. Passaria horas decidindo onde comer e aindaassim não conseguia escolher. Fez investimentos bobos que custaram aseconomiasdavida inteira.Divorciou-sedaesposa,casou-secomumamulherqueafamílianãoaprovava,elogosedivorcioudenovo.Emsuma,eraincapazdefazerescolhassensatas.

ElliotfoiseconsultarcomumcientistachamadoAntónioDamásio,queoavaliou com uma bateria de testes. Eles mostraram que Elliot tinha um QIsuperior.Tinhaumamemóriaexcelenteparanúmerosedesenhosgeométricose era proficiente em fazer estimativas baseadas em informações incompletas.No entanto, nas muitas horas de conversa que Damásio teve com Elliot,percebeu que o homem nunca mostrava nenhuma emoção. Era capaz derecontaratragédiaquehaviaassoladosuavidasemnemumtraçodetristeza.

Damásio mostrou-lhe imagens sangrentas e traumáticas de terremotos,incêndios, acidentes e enchentes. Elliot entendia como devia responderemocionalmente às imagens. Ele simplesmente não sentia nada. Damásiocomeçou a investigar se as emoções reduzidasdeElliot tinhamumpapel emseusfracassosaotomardecisões.

Uma série de outros testes mostrou que Elliot entendia como imaginaropções diferentes quando tomava decisões. Era capaz de entender conflitosentre dois imperativos morais. Em suma, podia se preparar para fazer umaescolhadentreumavariedadecomplexadepossibilidades.

OqueElliotnão conseguia era realmente fazer a escolha.Era incapazdeatribuir valor a opções diferentes. Como disse Damásio: “Seu cenário detomadadedecisão[era]irremediavelmenteplano.”28

OutrossujeitosdaspesquisasdeDamásioilustraramomesmofenômenodeforma categórica.29 Um homem de meia-idade, que também havia perdidosuasfunçõesemocionaisemvirtudedeumdanonocérebro,estavaterminandouma sessão de entrevista no escritório deDamásio e o cientista sugeriu duasdatascomoalternativasparaopróximoencontro.Ohomempegousuaagendaecomeçoua listarosprós e contrasde cadaopção.Porumaboameiahora,continuou falando, listando possíveis conflitos, condições do tempo empotencialnosdoisdiasemquestão,aproximidadecomoutroscompromissos.“Foi preciso termuita disciplina para escutar isso tudo sem bater namesa emandá-loparar”,escreveuDamásio.Maseleeseuscompanheirosdepesquisaapenasassistiram.Finalmente,Damásiointerrompeuasdivagaçõesdohomemesimplesmentemarcouumadataderetorno.Semfazerpausa,ohomemdisse“tudobem”efoiembora.

“Esse comportamentoéumbomexemplodos limitesda razãopura”,dizDamásioemseulivroOerrodeDescartes:emoção,razãoeocérebrohumano.30É um exemplo de como a falta da emoção leva ao comportamentoautodestrutivo e perigoso. Pessoas que carecem de emoção não vivem vidas

bem-planejadas e lógicas àmaneirado sr. Spocks, friamente racional.Vivemvidas tolas. Nos casos extremos, tornam-se sociopatas, intocadas pelobarbarismoeincapazesdesentiradordosoutros.

A partir dessa e de outras experiências,Damásio desenvolveu uma teo ria,que chamou de “hipótese dos marcadores somáticos”, acerca do papel daemoçãonacogniçãohumana.31Partesdateoriasãocontroversas—cientistasdiferememrelaçãoaquantoocérebroeocorpointeragem—,masopontoprincipal é que emoções medem o valor de alguma coisa e ajudaminconscientementeanosguiarenquantonavegamospelavida—paralongedecoisas que provavelmente vão nos causar dor e em direção às coisas queprovavelmentevãonoslevaràsatisfação.“Marcadoressomáticosnãodeliberampornós.Elesauxiliamadeliberaçãodestacandoalgumasopções (perigosasoufavoráveis) e eliminando-as rapidamente de consideração subsequente. Vocêpodeimaginá-loscomoumsistemaparaqualificaçãoautomatizadadeprevisãoque age, quer você queira ou não, na avaliação dos cenários extremamentediversosdo futuroesperadodiantedevocê.Pensenelecomoummecanismodepropensão.”

No dia a dia, somos bombardeados com milhões de estímulos — umaextrema e barulhenta confusão de sons, cenas, cheiros emovimentos. Aindaassim,nomeiodessecaospirotécnico,partesdiferentesdocérebroedocorpointeragem para formar um Sistema de Posicionamento Emocional. Assimcomo o Sistema de Posicionamento Global, o GPS, que pode estar em seucarro, o Sistema de Posicionamento Emocional sente sua situação atual e acompara com o vasto corpo de informações que tem guardado em suamemória.Eleformacertosjulgamentossobreocursoemquevocêestá,sevaiproduzir resultados bons ou ruins, e então reveste cada pessoa, lugar oucircunstância com uma emoção (medo ou excitação, admiração ourepugnância) e uma reação implícita (“sorria” ou “não sorria”, “aproxime-se”ou“afaste-se”)quenosajudamaviver.

Digamos que alguém à sua frente em uma mesa de restaurante toca suamão.Instantaneamente,amenteestápesquisandonosbancosdememóriaporeventos similares. Talvez haja uma cena em Casablanca na qual HumphreyBogart tocava a mão de Ingrid Bergman. Talvez um encontro amoroso nocolégioanosatrás.HaviaumamemóriadistantedemamãeesticandoamãoesegurandoasuaduranteumaidaaoMcDonald’snainfância.

A mente está escolhendo e codificando. O corpo está respondendo. Ocoraçãoacelera.Aadrenalinasobe.Umsorrisoseabre.Sinaisestãofluindodo

corpoaocérebroedevoltaemcurvasrápidaseintricadas.Océrebronãoestáseparadodo corpo—esse foio errodeDescartes.O físico eomental estãoconectados em redes complexas de reação e contrarreação, e a partir de suasrespostas um valor emocional emerge. O toque da mão já foi revestido designificado—algobom,algodelicioso.

Uminstantedepois,umnovoconjuntodecurvasseabre.Esseéoconjuntomais elevado de rotas de respostas entre as partes evolutivasmais antigas docérebroeasmaisnovasemodernas,comoocórtexpré-frontal.Esseconjuntode fluxos de informação é mais lento, porém mais refinado. Pode tomar asreações que já foram realizadas pelo primeiro sistema e fazer distinçõesmaisrefinadas entre elas. (“Essamão queme toca sobre amesa não é como a deminhamãe.Émaiscomoamãodeoutrapessoacomaqualquerofazersexo.”)Também pode lançar alarmes que levam à restrição inteligente. (“Estou tãofelizagoraquequeropegaressamãoecomeçarabeijá-la,masmelembrodeassustarpessoasquandofaçocoisasdessetipo.”)

Mesmo durante grande parte desse estágio ainda não há percepçãoconsciente, argumenta JosephLeDoux, outro pesquisador proeminente nessecampo.O toquedamão foi sentidoe ressentido,ordenadoe reordenado.Ocorpo respondeu, planos foram gerados, reações preparadas, e toda essaatividadecomplexaaconteceuabaixodasuperfíciedaconsciênciaeempoucossegundos.Eesseprocessoacontecenãoapenasemumencontroamoroso,comum toque de mão. Acontece no supermercado quando você examina umavariedadedecaixasdecereais.Aconteceemfeirasdeempregoquandoanalisadiferentes opções de carreira. O Sistema de Posicionamento Emocional estárevestindocadapossibilidadecomvaloremocional.

Mais tarde, ao final desses feedbacks complexos, um desejo vem àconsciência — um desejo de escolher aquele cereal ou procurar por aqueleemprego, ou de apertar a mão, de tocar essa pessoa, de ficar com ela parasempre. A emoção emerge das profundezas. Pode não ser um impulsobrilhante;aemoçãoàsvezesnosfazmaleàsvezesnosconduzsabiamente.Enãocontrola.Pode ser ignorada,mas impulsionaeguia.ComodizLeDoux:“Os estados do cérebro e as respostas corporais são os fatos fundamentais deumaemoção,eos sentimentosconscientes sãoossupérfluosqueadicionaramglacêaoboloemocional.”32

Implicações

Essa compreensão da tomada de decisão leva a algumas verdades essenciais.Razãoeemoçãonãosãoseparadaseopostas.Arazãoéaninhadanaemoçãoedependedela.Aemoçãoatribuivaloràscoisas,earazãosópodefazerescolhascombasenessas avaliações.Amentehumanapode serpragmáticaporquenofundoéromântica.

Ademais,amenteouoeunãosãoumaúnicacoisa.Amenteéumasériedeprocessos paralelos evidentemente complicada. Não há capitão sentado nacabinetomandodecisões.Nãoháteatrocartesiano—umpontoondetodososprocessosepossibilidadesdiferentesseunemparaserclassificadoseondeaçõessãoplanejadas.Emvezdisso,comocolocouGeraldEdelman,laureadocomoNobel, o cérebro se parece com um ecossistema, uma rede associativafantasticamente complexa de disparos, padrões, reações e sensações, todos secomunicando com e respondendo a diferentes partes do cérebro e todoscompetindoporumpedaçodecontrolesobreoorganismo.33

Porfim,somosprimordialmenteandarilhos,nãotomadoresdedecisão.Nodecorrerdoséculopassado,aspessoastenderamaconceberatomadadedecisãocomo um ponto no tempo. Você acumula os fatos, as circunstâncias e asevidências e aí faz uma ligação. Na verdade, é mais exato dizer que somosperegrinosemumcenário social.Vagamosporumambientedepessoasedepossibilidades. Ao vagarmos, a mente realiza um número quase infinito dejulgamentos de valor, que se acumulam para formar objetivos, ambições,sonhos,desejosemaneirasderealizarcoisas.Achaveparaumavidabem-vividaétertreinadoasemoçõesaemitiremossinaiscorretoseaseremsensíveisaosseuschamadossutis.

RobeJulianãoeramaspessoasmaisbem-educadasdomundo,nemasmaisprofundas.Massabiamcomoamar.Enquantoestavamsentadosnorestaurantefocandocadavezmaisatençãoumnooutro,suasemoçõesestavammandandoumacorrenterápidadesinaisdedirecionamentoemoldandosériesinteirasdepequenas decisões, reorientando assim as suas vidas gradualmente. “Todoprocessamento de informação é emocional”, aponta Kenneth Dodge, “vistoqueaemoçãoéaenergiaquedirige,organiza,amplificaeatenuaaatividadecognitivae,porsuavez,éaexperiênciaeaexpressãodessaatividade”.34

RobeJuliaestavamatribuindovalorumaooutro.Sentiram-secarregadosem uma corrente forte e deliciosa que os levava a algum lugar para o qualqueriamirdemododelirante.EssenãoeraotipodeanálisedissecantequeaespertinhadentrodeJuliahaviausadoquandoviuRobpelaprimeiravez.Era

uma apreciação poderosa e holística que seguia um conjunto de regrasinteiramentediferente.Juliaseapaixonariaedepoisinventariarazõesparasuaatração.Naquele dia, ela eRob começaram a vagar juntos por um caminhoqueseriaomaisgratificantedesuasvidas.

1Empresacriadaem2005porBillClinton,cujamissãoéreunirlíderesmundiaisecriarsoluçõesparadesafiosglobais.(N.daT.)

2Renomadacompanhianorte-americanadebaléestabelecidaemChicagodesde1956.(N.daT.)3JatinhoproduzidonosEstadosUnidos.(N.daT.)4EmpresasuecamuitopopularnosEstadosUnidos,quecriaecomercializamóveis,eletrodomésticose

acessóriosparaolarapreçosbaixos.(N.daT.)5Arelaçãocintura-quadril(RCQ)éadivisãodacircunferênciadacinturapeladoquadril;essamedida

éusadanadetecçãoderiscosparadoençasenocontroledopeso.(N.daT.)6Luxuosalojabritânicaquevenderoupas,perfumeseoutrosartigospessoais.Éfamosaporsuaestampa

quadriculada.(N.daT.)7Aclamadojogadornorte-americanodebeiseboldotimeNewYorkYankees.(N.daT.)8DorothyParker(1893-1967):poeta,contista,críticaesatiristaamericana.(N.daT.)9 “O-Matic” indica algo automático. Flaw-O-Matic, portanto, é a falha ou o erro identificados

automaticamente.(N.daT.)10OmonteRushmoreéummemorialcolossalnasmontanhasBlackemDakotadoSul,nosEstados

Unidos. São esculturas das faces dos presidentes George Washington, Thomas Jefferson, TheodoreRoosevelteAbrahamLincoln.(N.daT.)

11Institutonorte-americanomultidisciplinarquedesenvolvepesquisasrelacionandopaladareolfatoaodesenvolvimentohumano.(N.daT.)

capítulo2

OAMÁLGAMADEMAPA

Rob e Julia sentiam-semaravilhosamente felizesnos primeirosmesesdepois do casamento, mas estavam também engajados, como recém-casadosdevemestar,noamálgamademapa.Cadaumdelesentrounocasamentocomcertomapamentalinconscientedecomoavidadiáriafuncionava.Agoraquesuasvidasestavamunidasdeformapermanente,estavamdescobrindoqueseusmapasnãoeramtotalmentecoerentes.Nãoforamasgrandesdiferençasoquenotaram,masospequenospadrõesdeexistênciasobreosquaisnuncahaviamnempensado.

Juliapresumiaqueaslouçasdeviamserlavadasantesdeseremcolocadasnolava-louçasporqueestãosujas.Robpresumiaqueaslouçasdeviamserdeixadasnapiaduranteodiaelavadastodasdeumavezànoite.Juliapresumiaqueopapelhigiênicodeviarolarnosentidohorárioparaqueasfolhassoltassaíssempela frente.Na casadeRob, opapel higiênico sempre foi roladono sentidoanti-horárioparaqueasfolhassaíssemportrás.

ParaRob, ler o jornal demanhã era uma atividade solitária realizada emsilêncioporduaspessoasquepor acaso estavam sentadas juntas.Para Julia,ojornal matinal era uma atividade social e uma ocasião para conversa eobservaçõessobreoestadodomundo.QuandoRobiaaomercado,compravaprodutos distintos para as refeições — um pacote de tortellini, uma pizzacongelada,umquiche.QuandoJuliaiaaomercado,compravaingredientes—ovos, açúcar, farinha —, e Rob ficava surpreso por ela conseguir gastarduzentosdólaresequandovoltavaaindanãotinhanadaparaojantar.

Tais contrastes não os incomodavam, pois estavamnaquele estágio inicialdocasamentonoqualcasaisaindatêmtempodedarumacorridajuntosefazersexodepois.Dessemodo,negociaramlentaesensivelmenteabarganhadesuanovainterdependência.

Primeiro veio a fase da novidade, quando estavam animados pelos novoshábitos interessantesquecadaumtrouxeparaavidadooutro.Porexemplo,Rob ficou fascinado pelo apego feroz que Julia tinha por usar meia. Juliatopava qualquer atividade erótica, sem roupa, que ele conseguisse fantasiar,desde que lhe fosse permitido usar meias enquanto a desempenhava. Podiachegar a um estado de calor suado e ofegante, mas parece que a correntesanguínea não se estendia até suas extremidades inferiores; se realmentequisessemremoveraquelastornozeleirasbrancas,seriacomoarrancarumrifledopresidentedoNRA1—teriaderasgá-lasdeseusdedõesfriosemortos.

Aomesmotempo,Julianuncatinhavistoalguémtãohabituadoacomprarpasta de dente em qualquer ida à farmácia. Rob comprava um tubo porsemana,comosemarcianosestivessemprestesanos invadirparatomarnossaColgate. Também estava encantada pelo padrão de atenção dele. Rob eraintensamente interessado em qualquer evento acontecendo a milhares dequilômetros de distância, em especial se tivesse cobertura da ESPN, masqualquer evento diretamente se impondo às suas próprias emoções e ao seuestadointeriorentravanazonadointeressenegativo.Eraincapazdesefocar.

Gradualmente,entraramnosegundoestágiodoamalgamentodemapa,oestágio do planejamento pré-campanha.Uma casa dividida contra si próprianão consegue ficar em pé. Tanto Rob quanto Julia entenderamsubliminarmente que as peculiaridades que pareciam tão encantadoras eamáveisnosprimeirosestágiosdocasamento—atendênciaqueJuliatinhadeligar o laptop na cama às seis damanhã, oMeninoDesamparado que Robsimulava em face a qualquer tarefa doméstica — faria com que o outroabrigasse impulsos homicidas quando o primeiro rubor de felicidadematrimonialexpirasse.

ComeçaramentãoafazerpequenaslistasmentaisdeCoisasqueTeriamdeMudar. Contudo, eram sensíveis o suficiente para não serem maoistas emrelaçãoaisso.Dealgumamaneira,haviamabsorvidoofatodequerevoluçõesculturais levam a reações raivosas ou a erupções prolongadas de retrocessopassivo-agressivo, e portanto reformar os hábitos da outra pessoa teria de serumprocessogradual.

Principalmentenosprimeirosmeses, JuliaobservouRobdamesmaformaque Jane Goodall2 observava chimpanzés, com total atenção e com umsentimentode surpresa constante em relação aos padrões de comportamentoque ele exibia. O homem não tinha absolutamente nenhum interesse em

queijosartesanaisouemqualquer sabor sutil,noentantoeracolocá-loa130metros de uma loja Brookstone3 no shopping e ele de repente ficavaarrebatado com a ideia de uma pista verde de golfe em casa com retornoautomático de bola. Considerava-se um homem organizado, mas arrumaçãoparaeleconsistiaempegaroqueestavabagunçadonasbancadaseenfiartudoaleatoriamente nas gavetas disponíveis mais próximas. Nunca arrumavapreviamente as peças que precisaria em algum projeto de montagem.Simplesmentemergulhavanoprojeto epassavahorasnomeiodele tentandodiscernir onde estavam as coisas. Pelo visto era mais esperto do que todotreinador de futebol americano conhecido, mas não conseguia prever quedeixarossapatosnocaminhoentreacamaeobanheiropodiacriarproblemasnomeiodanoite.

Depois teve o episódio do ingresso de cinema. Certa noite, Rob estavaandando do trabalho para casa e passou por um cinema que tinha lugaresdisponíveis para o filme que queria ver. Comprou um ingresso no impulso,comohaviafeitováriasvezesquandoerasolteiro,eligouparaJuliaparaavisarquehaviachamadoalgunsamigosequechegariaemcasatardenaquelanoite.Ligoucomestadodeespíritoalegree fortuitoe ficouabsolutamentechocadoquandosentiuqueatemperaturanooutroladodalinhatinhacaídocemgraus.FoipossívelouvirJuliafazendoostiposdeexercíciosderespiraçãoquealguémfariaseestivessetentandocontero impulsodecravarummachadonacabeçade outra pessoa. Logo ficou claro que, na verdade, ele não iria ao cinemanaquela noite, que essas aventuras espontâneas não seriam mais umacaracterística regularde suavida eque casamentonão era simplesmenteumafaseestendidadajuventude,masquetinhalouçasesexoregular.

Robfoiforçadoaentender,comfrases—interrompidasporlongaspausasglaciais—usadas quando tentam explicar alguma coisa para uma criança dopré-escolar especialmente irritante...queavidadali emdiante envolveriaumnível diferente de comprometimento e planejamento compartilhado e quecertopensamentodespreocupadodo tipo “oque euqueroparamimmesmonestemomento”teriadecessar.

Quando essa mudança inconsciente de paradigma ocorreu na cabeça deRob, o relacionamento progrediu de forma relativamente tranquila. Ambosemitiramsuasprópriasdoutrinasdomésticas,partesdavidaqueconsideravamsagradas e onde a intromissão externa seria considerada um ato de guerra.Ambosficaramsatisfeitoscomosatosamorososdecomprometimentoqueumfez em prol do outro. Rob admirava sua nobreza altruísta sempre que se

lembravadeabaixara tampadaprivada. Julia secomparavaemsilênciocommadreTeresasemprequefingiagostardefilmesdeação.

Efoiassimquecomeçouadivisãodetrabalhomarital.Ambosgravitarampara áreas de paixão superior. Por exemplo, de algumamaneira Rob tomoucontroledetodoplanejamentodefériasporquesecretamenteseconsideravaoRobertE.Lee4dasexcursõesdeviagem,oespecialistaemesquemastáticosqueeracapazdese imporperantequalquervoocancelado,caosemaeroportoouproblemaemhotel. Isso significaque Julia tinhadeaturar aprogramaçãodefériasàlaMarchadaMortedeBataan—seisvinhedosantesdoalmoço.Maspara ela isso eramelhor do que se sentar com um agente de viagem e fazerreservas de hotel. Julia, por outro lado, assumiu o comando de todos osaspectos dos arredores materiais. Se Rob não queria se empenhar em fazercomentários criteriosos durante suas idas às lojas de móveis, ele não podiaesperar que fosse dar os julgamentos finais quando as decisões de comprastinhamdesertomadas.

A satisfaçãomarital geralmente segueumacurva em formadeU.1Casaissão loucamente felizes nos primeiros anos do casamento. A satisfaçãocomunicadapelospróprioscasaiscaieatingeofossoquandoseusfilhoschegamàadolescência,depoisvoltaasubirquandoentramnaaposentadoria.Recém-casados,RobeJuliaestavamdefatoincrivelmentefelizesebemassimiladosumcomooutro.Efaziamsexoquasetodososdias.

Procriação

Certo dia, cerca de seis meses depois do casamento, Julia e Rob acordaramtardeefizeramumbrunchemumlugarnavizinhança,commóveisnoestilocountry e mesas de madeira envelhecida. Depois, foram ao shopping ecompraram sanduíches, que comeram em um banco no parque. Estavamalertasasensaçõesdetodosostipos:amaneiracomosentiramopãonasmãos,o toque das pedras que atiraramno lago. Julia observou asmãos deRob deforma distraída enquanto ele usava a pequena faca de plástico para espalharmostarda no sanduíche. Seus pensamentos conscientes estavam focados nahistóriaqueelaestavalhecontando,masinconscientementeelaestavaficandoexcitada.Robescutavaahistória,mas, semnempensarnisso, estavaolhandoparaopequenovincomacionapeledopescoçodela.

No fundo da mente, estava pronto para fazer sexo naquele momento enaquele lugar, se algum arbusto convenientemente grande pudesse ser

encontrado. Costumava-se argumentar que homens e mulheres tinham omesmo desejo por sexo, mas, na média, isso não é verdade.2 O desejomasculino é bem estável e só diminui em resposta a alguma consciênciainvisívelemrelaçãoaosciclosmenstruaisdesuasparceiras.Estudosemclubesdestripdescobriramqueasgorjetasdasdançarinascaemem45%quandoelasestãomenstruadas,emboraaexplicaçãoparaaquedanãosejaclara.3

Naquelediaespecíficonoparque,Robqueria Juliacomtodoseucorpoesuaalma.Nãoeraapenasumreflexodarwiniano.Robtinhatodosostiposdebarreiras internas que tornavam difícil para ele expressar suas emoções. Ossentimentos estavam lá, mas escondidos dentro de um local onde ele nãoconseguiacaptá-loseentendê-los facilmente.Mesmonaquelesmomentosnosquaiseletinhaumaideiadoqueestavasentindo,aspalavrasnãovinhamparaajudá-loaexpressaro sentimento.Duranteo sexo,noentanto, suasbarreirasinternas de comunicação se dissolviam.Nos espasmos da paixão, entrava emuma neblina mental. Não tinha mais consciência dos seus arredores ou decomo ele seria percebido. Suas emoções por Julia vinham à tona com forçatotal. Ele podia sentir suas próprias emoções diretamente e expressá-las deforma inconsciente.Os rápidosatosdecopulaçãoque Juliaàsvezesconcediacomo um favor não lhe despertavam isso. Todavia, quando ambos estavamjuntos nos espasmos da paixão, Rob experimentava a felicidade dacomunicaçãolivredeinibiçõesqueeraoobjetorealdeseudesejo.Háalgumaverdadena velha piada que diz quemulheres precisam se sentir amadas parafazersexoehomensprecisamfazersexoparasesentiremamados.

OdesejodeJuliaeraaindamaiscomplicado.Eracomoumriocommuitosafluentes.Assimcomoamaioriadasmulheres,ointeressedeJuliaporsexoerainfluenciado por quanta testosterona seu corpo produzia em um dadomomentoeporcomoelaprocessavaserotonina;pelacorreriadodia,peloseuhumorgeralepelasconversasquetevecomamigasnoalmoço;pelasimagensesensaçõesdasquaisnemtinhaconsciência—avisãodeumaobradearte,umamelodia, um campo de flores. Julia gostava de observar corpos masculinos,femininos ou qualquer coisa entre um e outro. Assim como a maioria dasmulheres,ficavalubrificadamesmoquandoestavaolhandoparaprogramasdenaturezasobreanimaiscopulando,emboraconscientementeopensamentodeseexcitarporanimaisfosserepulsivo.4

OsgostossexuaisdeJuliaerammaisinfluenciadospelaculturadoqueosdeRob.5Oshomensqueremrealizarosmesmosatossexuaisindependentemente

de seu nível de educação, mas as preferências sexuais femininas diferem deacordo com educação, cultura e status. Mulheres extremamenteintelectualizadas tendem a fazer mais sexo oral, relacionar-se com o mesmosexo e experimentar uma variedade de outras atividades do que mulheresmenos educadas. Mulheres religiosas são menos aventureiras do que as nãoreligiosas,apesardeosdesejosdoshomensreligiososnãoseremtãodiferentesdosdehomensseculares.

Dizemque,paraumamulher,preliminaréqualquercoisaqueaconteça24horas antes do coito. Naquela noite, eles assistiram a um filme, beberamalguma coisa e nãomuito tempo depois estavam fazendo amor com alegria,depoiscompaixão,emdireçãoaoclímaxdesempre.

Um orgasmo não é um reflexo.6 É uma percepção, um evento mental.Começacomumacascatadecircuitosdereaçõesfísicaementalcadavezmaisintensas. Toques e sensações liberam substâncias químicas como dopamina eoxitocina,queporsuavezgerammaisestímulosensorial,culminandoemumshowcomplexoeexplosivodeluznocérebro.7Algumasmulheresconseguemalcançar o orgasmo simplesmente pensando nas coisas certas. Outras, comlesõesnamedulaespinhal,atravésdoestímulodesuasorelhas.Outras,atravésdo estímulodos genitais que, em razãodo acidente paralisante, supõe-se quenãoconseguemsentir.UmamulheremTaiwanconseguiuterconvulsõeslobo-temporais e orgasmos estilhaçantes meramente ao escovar os dentes.8 UmhomemestudadoporV.S.RamachandrannaUniversidadedaCalifórnia,emSanDiego,sentiaorgasmosnopé“fantasma”.9Seupéhaviasidoamputado,earegiãodocérebroquecorrespondiaaomembronãotinhanadaafazer.Vistoque o cérebro é plástico e adaptativo, sensações provenientes do pênis sealastraramnaregiãovaziaeohomemsentiuorgasmossubsequentesemumpéquenãoexistia.

Enquanto faziam amor, Rob e Julia emitiam vibrações rítmicas por suasmentes e corpos. Julia possuía os traços mentais associados ao relaxamentoproporcionado pelo orgasmo — uma vontade de renunciar a seu controlemental, a habilidade de ficar hipnotizada, a inabilidade de controlarpensamentos durante o sexo — e se sentiu novamente indo na direçãocorreta.10 Poucos minutos depois, o córtex frontal de cada um deles sedesligouparcialmente,aopassoqueotatoficouaindamaisaguçado.Perderamtodaaautoconsciênciaquerestava—qualquersentidodetempooudeondeterminavaocorpodooutroeoseucomeçava.Avisãotornou-seumasériede

padrõesabstratosdecor.Oresultadoforammomentosdeclímaxsatisfatóriose,eventualmente,pormeiodamágicadascegonhas,umfilho.

1 NRA: National Rifle Association (Associação Nacional de Rifles). Associação norte-americana,fundadaem1871,comoobjetivodepromovereincentivarapossedearmaeapráticadotirocomoumdireitodocidadão,deacordocomasegundaemendadaConstituiçãodosEstadosUnidos.(N.daT.)

2Primatóloga,etólogaeantropólogabritânicaperitaemchimpanzés.(N.daT.)3Lojaamericanadeartigosvariados.(N.daT.)4 Robert E. Lee (1807-1870): oficial militar norte-americano que comandou as forças armadas da

VirgíniaduranteaGuerraCivildosEstadosUnidos.(N.daT.)

capítulo3

VISÃODAMENTE

É triste informar que, mesmo chegando aos 30, Julia mantinha suapersonalidadedefériasdeverãovivaedeprontidão.Responsáveleambiciosaduranteodia,deixavasuameninaCosmo1interiorsairparaumatravessuranasnoites de sábado. Nesses estados de espírito, ainda achava legal ser ousada.Ainda considerava que era um sinal de valentia social ser uma discípulaveementenaigrejadaLadyGaGa,umadiscípulafesteira,queusabatomrosa,quepuxaaalçadacalcinhapara fazerbarulho,que falaoquepensa,quevaicomtudo.Aindapensavaqueestavatomandoocontroledesuasexualidadeaousardecotesousados;quea tatuagemdearame farpadoemvoltade suacoxaera um sinal de confiança corporal. Era excelente entretenimento nas festas,sempre a primeira na fila para jogos com bebidas e beijos de curiosidadebissexual entre mulheres. Ocultada na multidão da embriaguez em grupo,caminhavaperigosamentepertodalinhadagalinhagemsemnuncarealmentecruzarolimite.

Até a gravidez, é justo dizer que nunca teve um pensamentoverdadeiramentematerno.Harold,queestavaseformandoemseuventrenessemomento,teriadeseesforçarsequisessetransformá-lanotipodemãequeelemerecia.

Ele começou esse trabalho cedo e com afinco. Ainda um feto, Haroldgerava250milcélulascerebraisacadaminutoetinhamaisde20bilhõesdelasquandonasceu.1,2Suaspapilas gustativas logo começarama funcionar e eleconseguiadistinguirquandoo líquidoamnióticoao seu redor ficavadoceoucom sabor de alho, dependendo do que suamãe almoçava.3 Fetos engolemmaisdesselíquidoquandoadoçanteéadicionado.Com17semanaseleestavatateando seu caminho ao redor do útero. Começou tocando seu cordãoumbilical e apertandoosdedosunsnosoutros.4Nessemomento também já

estava desenvolvendo sensibilidademaior em relação aomundo lá fora.Umfetoseafastadadoraos5meses.SealguémcolocasseumaluzclaradiretamentenabarrigadeJulia,Haroldconseguiasentiraluzeseafastar.

Noterceirotrimestre,Haroldestavasonhando,oupelomenosfazendoosmesmostiposdemovimentosdosolhosqueadultos fazemquandosonham.5Foi nesse ponto que o trabalho real da Operação Maternidade começou.Haroldaindaeraumfeto,maltinhaascaracterísticasdoquechamaríamosdeconsciência,masjáestavaescutandoememorizandootomdevozdesuamãe.Depois do nascimento, bebês sugam o mamilo com força para ouvir umagravaçãodavozdamãeecommuitomenosforçaparaouvirumagravaçãodavozdeoutramulher.6

Elenãoestavaouvindoapenasostons,mastambémosritmoseospadrõesque precisaria compreender e comunicar. Bebês franceses choram de formadiferentedosqueouviramalemãonoúteroporqueabsorveramacadênciadofrancês das vozes de suas mães.7 Anthony J. DeCasper e outros, naUniversidadedeNorthCarolinaemGreensboro,pediramquealgumasmãeslessemOgatoladacartolaparaseusfetosdurantealgumassemanas.8Os fetoslembravamopadrão tônicodahistória e, depois denascerem, sugavamcommais calma e ritmo do que quando ouviam outra história com métricadiferente.

Haroldpassouseusnovesmesesnoúterocrescendoesedesenvolvendo,eentão,numbelodia,nasceu.Issonãofoiumeventoimportantenoquetangeseudesenvolvimentocognitivo,masoquepassouavermelhoroumuito.

Agora podia se dedicar à mãe preocupada, eliminando Julia, a meninafesteira, e criando a Supermãe Julia. Primeiro, ele teria de construir umconjunto de laços entre eles que suplantaria todos os outros. Com algunsminutosdeidade,envoltoporumamantaedeitadonocolodamãe,Haroldjáeraumapequenamáquinadecriarlaçosemocionaisetinhaumrepertóriodehabilidadesparaajudá-loaseconectarcomaquelesqueamava.

Em1981,AndrewMeltzoffinaugurouumanovaeradapsicologiainfantilquandomostroua línguaparaumacriançade42minutosdevida.9Obebêmostroualínguadevoltaparaele.Foicomoseobebê,quenuncatinhavistoumalínguaemsuavida,tivesseintuídoqueaestranhacoleçãodeformasàsuafrente fosse um rosto, que a coisinha nomeio dela fosse a língua, que haviaumacriaturaportrásdorosto,quealínguaeraalgumaoutracoisaquenãoela

mesma, e que ela mesma tinha uma pequena aba correspondente que elatambémpodiamover.

Oexperimentofoirepetidocombebêsemidadesdiferentes,edesdeentãopesquisadores se lançaram na busca por outras habilidades infantis. Eles asencontraram. As pessoas um dia acreditaram que bebês eram tábulas rasas.Porém, quanto mais os investigadores observam, mais impressionados ficamcomquantoosbebêssabemnonascimentoequantoaprendemnosprimeirosmeses.

Averdadeéque,mesmoantesdenascermos,herdamosumgranderiodeconhecimento,umagrandecorrentedepadrõesvindosdeváriaserasefontes.A informação que vem das profundezas do passado evolucionário chama-segenética. A informação revelada milhares de anos atrás chama-se religião. Ainformação passada adiante há centenas de anos chama-se cultura. Ainformação passada adiante há décadas chama-se família e a oferecida anos,meses,diasouhorasatráschama-seeducaçãoeconselho.

Noentanto, tudo é informação e tudo fluidosmortosparanós eparaorecém-nascido. O cérebro é adaptado ao rio de conhecimento e suas váriascorrenteseafluentes,eexistecomoumacriaturadaqueleriodamesmaformaqueumatrutaexisteemumcórrego.Nossospensamentossãoprofundamentemoldadosporesse longo fluxohistórico, enenhumdenósexisteealcançaosucessodemaneiraindependentesemele.Sendoassim,atémesmoumrecém-nascido possui esse legado rico e é construído para absorver mais e paracontribuircomessalongacorrente.

Apesar de ainda não ter consciência de si como uma pessoa separada, opequenoHaroldtinhaumrepertóriodehabilidadesparafazercomqueJuliaseapaixonasse por ele. A primeira era sua aparência. Harold tinha todas ascaracterísticasfísicasquenaturalmenteatraíamoamordamãe:olhosgrandes,uma testa larga, boca e queixo pequenos. Esses traços geram respostasprofundasemtodososhumanos,estejamelasembebêsounoMickeyMouseounoE.T.

Ele também tinha a habilidade de encarar. Harold se deitava ao lado deJulia e encarava seu rosto. Depois de alguns meses, desenvolveu um sensosedutordetempo—quandoolharparaatrairoolhardeJulia,quandovirarorostoedepoisquandoolhardenovoparaatraí-lamaisumavez.Eleaencaravae ela retribuía.Quando ainda incrivelmente jovem,10 conseguia distinguir orostodamãedeumagaleriaderostos(eencará-lopormaistempo).Conseguia

diferenciarumrostofelizdeumrostotriste.11Tornou-seextremamentebomem ler rostos, em notar pequenas diferenças em movimentos musculares aoredordosolhosedaboca.Bebêsde6mesesdeidade,porexemplo,conseguempercebertraçosfaciaisdistintosemmacacosdiferentes,apesarde,paraadultos,pareceremosmesmos.12

E havia o toque.Harold tinha um desejo primordial de tocar suamãe oquantoequantasvezesfossepossível.ComosugeremosfamososexperimentosdeHarryHarlowcommacacos,bebêsabdicamdecomidaemtrocadepeleouatémesmo de uma toalha que seja suave e acolhedora. Fazem isso porque ocontatofísicoétãoimportantequantoanutriçãoparaseucrescimentoneuralesua sobrevivência.Esse tipodecontato tambémeraumdeleitequemudouavidadeJulia.Apelehumanatemdoistiposdereceptores.Umtipotransmiteinformação ao córtex somatossensorial para a identificação emanipulaçãodeobjetos. Mas o outro ativa as partes sociais do cérebro. É um tipo decomunicação corpo a corpo que libera cascatas hormonais e químicas,diminuindo a pressão sanguínea e proporcionando um senso de bem-estartranscendente.13HaroldsedeitariaalinocolodeJulia,sugandoseumamilo,forjandoumconjuntodeconexõesíntimasqueestimulavamocrescimentodecélulas em seu cérebro. Julia se veria imbuída de um senso profundo desatisfação que nunca havia imaginado antes. Certa vez, ela de fato seperguntou:“Paraqueprecisodesexo?Istoémuitomaisprazeroso.”Issoveiodamulher que foi eleita “maior candidata a aparecer em um vídeo doGirlsGoneWild”2nafaculdade.

Depois,e talvezcommaispoder,haviaocheiro.Harold tinhaumcheirosimplesmentemaravilhoso.Ocheiro sutilquevinhade sua cabecinhaquentepenetrava profundamente em Julia criando um senso de conexão que elanuncahaviaimaginado.

Finalmente, havia o ritmo. Harold começou a imitar Julia. Com apenasalgunsmesesdeidade,HaroldabriaabocaquandoJuliaabriaadela.Moviaacabeça de um lado para outro quando ela fazia o mesmo. Logo conseguiucopiargestosdasmãos.14

Ao olhar Julia nos olhos, tocar sua pele, imitar seusmovimentos,Haroldestavacomeçandoumaprotoconversa,umatorrenteinconscientedeemoções,estadosdeespíritoerespostas.Juliaseviufazendojogo,encarando-onosolhos,fazendo-oabriraboca,fazendo-omexeracabeça.

Não muito tempo atrás, uma turma de psicologia tirou vantagem dacapacidadehumanaparaessetipodeprotoconversaparafazerumabrincadeiracom o professor. A turma decidiu previamente que olharia para ele comatenção quando falasse no lado esquerdo da sala, mas que não olharia oufingiriaestardistraídaquandoelefosseparaoladodireito.Conformeaturmaprosseguia, o professor inconscientemente ficava cada vez mais no ladoesquerdodasala.Nofinal,eleestavapraticamentedooutroladodaporta.Nãotinha ideia do que seus alunos estavam fazendo,mas simplesmente se sentiumelhornaqueleladodasala.Seucomportamentofoiatraídoporessagravidadesocialinvisível.

É claro que a protoconversa de Julia eHarold eramuitomais profunda.Harold manteve em ação a Operação Maternidade com uma persistênciaconstantee implacável, semanaapós semana,mêsapósmês,pondoabaixoasbarreiras dela, reconectando sua personalidade. Ele se insinuava em todopensamento e sentimento de Julia, transformando gradualmente sua própriaidentidade.

Ainvasão

AantigapersonalidadedeJuliabatalhava.Éprecisolhedarcrédito.Elanãoserendeuaessanovacriaturasemlutar.

Namaiorpartedoprimeiroano,JuliaamamentavaHaroldemumacadeiranocantodoquartodele.Nochádebebê,seusamigos,osquaispouquíssimostinham filhos, deram-lhe coisas que consideraram essenciais para umcrescimentoadequado.Tinhaababáeletrônicadeáudioevídeo,opurificadordear,osmóbilesBebêEinstein,odesumidificador,oporta-retratoseletrônico,o tapete de estímulo visual, os chocalhos para destreza manual e a máquinasonoratranquilizadoraqueemiteosomdeondasdomar.Elasesentavaalinomeio de todas as bugigangas, amamentando-o, parecendo uma capitã KirkleiteiranacadeiradaespaçonaveEnterprise.

Certanoite,quandoHaroldtinhacercade7mesesdevida,JuliaestavanacadeiracomHaroldaoseio.Aluzdaluabrilhavasuavementeetudoaoredorestavaquieto.Nasuperfície,pareciaserumacenamaternalidílica—umamãeamamentando o filho repleta de amor e doces afeições. No entanto, sepudessemterlidoamentedeJulianaquelemomento,eisoqueaencontrariam

dizendo:“Merda!Merda!Merda!Ajudem-me!Ajudem-me!Alguémpor favorpodemeajudar?”

Nesse momento — cansada, oprimida, violada — ela odiava o pequenocanalha.Elehaviaentradoemsuamentecomtruquesdedoceseduçãoe,umavezalidentro,pisouemtudousandooequivalenteinfantilacoturno.

Erametade cupido,metade soldado nazista.O babaca ganancioso queriatudo.Haroldcontrolavaashorasdesonodela,oespaçodesuaatenção,ahoraqueelapodiatomarbanho,descansarouiraobanheiro.Controlavaoqueelapensava,suaaparência,sechorava.Juliaestavainfelizesufocada.

O bebê comumdemanda atenção adulta de um tipo ou de outro a cadavintesegundos.15Novasmãesperdemumamédiadesetecentashorasdesonoduranteoprimeiroano.16Asatisfaçãomaritalcaiem70%,enquantooriscode depressão materna fica maior que o dobro.17 Ao menor sinal dedesconforto, Harold podia soltar um grito lancinante que conseguia deixarJuliachorandodehisteriaeRobirritadoeinfeliz.

Exausta, Julia se sentava na cadeira e amamentava seu pequeno meninoenquanto pensava no navio gigante em que havia se transformado. Seuspensamentos corriam por florestas escuras. Percebeu que nunca mais ficariabememsaias justas.Nuncamais farianadanoimpulso.Emvezdisso, ficariaenterradanasatitudesinsípidasdasguerrasdasmãesburguesas.Jáhaviaentradoemcontato comaspaladinasdevotasda amamentação (asdefensoras radicaisdo leite materno), as moralistas rainhas dos encontros de crianças quecorrigiam as técnicas maternais delas (as mães metidas), e as mães mártirestaciturnasquereclamavamsempararsobrecomosuasvidasestavampodresequão negligentes seus maridos e pais se tornaram. Ela se envolvia nessasconversas paralisantes e chatas em áreas de lazer, e, como notou Jill Leporecerta vez, seriam sempre as mesmas conversas.18 Todas as mães queriamperdãoetodosospaisqueriamaplauso.

Ela podia dizer adeus à vida divertida que lhe dava tanto prazer. Em vezdisso,Juliaviaumfuturosinistroseestendendoàfrente—almoçosescolares,sermõessobrereciclagem,testesdegarganta inflamada, infecçõesdeouvidoehoras e mais horas rezando pelo momento do cochilo. Para melhorar, asmulheresquedãoà luzummeninotêmmenorexpectativadevidaporqueatestosteronadelespodecomprometerosistemaimunológicodasmães.19

Entrelaçados

Depois,talvezumsegundoapósaraivaeadepressãopassarempelamentedeJulia,elaseencostavanacadeirae levavaacabeçadeHaroldaoseunariz.AíHaroldsedeitavanopeitodamãe,pegavaomamilorosadocomamãozinhaecomeçava a sugar de novo. Pequenas lágrimas de alegria e gratidão seformavamnosolhosdela.

KennethKayesugeriuquecriançashumanassãoosúnicosmamíferosquese alimentam de forma intermitente, sugando por alguns segundos depoisparandoenquantoomamiloaindaestánaboca,edepoisvoltandoparaumanovaetapa.20Essapausa,teorizaKaye,induzamãeaembalarobebê.Quandoeletem2diasdeidade,asmãesoembalamporvoltadetrêssegundos.Quandotemalgumassemanasdeidade,oembalocaiparadois.

EssesmovimentoslevaramJuliaeHaroldaumtipodebalécomseuritmopróprio.Haroldpausava,Juliaoembalava;Haroldpausava,Juliaoembalava.Eraumaconversa.EnquantoHaroldcrescia,esseritmocontinuava.Eleolhavaparaela,eelaparaele.Omundodelesestavaestruturadopelodiálogo.

Amaneiracomooritmoentremãeecriançaevolveéquasemusical.Julia,quenãoeraumacantorapornatureza,seviucantandoparaelenosmomentosmaisestranhos—namaioriadasvezes,poralgummotivo,cançõesdeAmor,sublimeamor.LiaoTheWallStreet Journalpara elepelamanhãe sedistraíacontandoqualquerhistóriaquetivesseavercomoBancoCentralamericanoemmamãezês,aentonaçãolenta,exagerada,cantaroladaquemãesemtodasasculturasdomundousamquandofalamcomseuspequenos.

Às vezes, com o passar dos meses, ela fazia o treino de personificação.Moldava o rosto com alguma expressão e fazia comqueHarold imitasse atéqueseparecessecomalgumacelebridade.Franzindoorosto,faziacomqueelese parecesse com Mussolini. Grunhindo, com Churchill. Abrindo a boca efazendoumaexpressãodemedo,comJerryLewis.Àsvezes,quandoelesorria,eradesconcertante.Eledavaumsorrisoentendido,indireto,comoumcanalhadeumaordemsecretaquecolocouumacâmeraescondidanochuveirodela.

Harold estava tão desesperado para criar laços que, se o andamento daconversa deles fosse interrompido, todo seumundo podia se despedaçar.Oscientistasconduzemumtipodeexperimentoquechamamdepesquisa“rostoimpassível” (“still-face” research).21 Pedem que uma mãe interrompa suasinterações com a criança e adotem uma expressão vazia e passiva. Os bebêsacham isso extremamente desconcertante. Ficam tensos, choram e fazem

estardalhaço. Eles fazemum esforço estrênuo para reconquistar a atenção damãe, e se aindanãohá resposta, também se tornampassivos edistantes. Issoocorre porque os bebês organizam seus estados internos vendo suas própriasmentesrefletidasnosrostosdosoutros.

Exceto quando Julia estava completamente exausta, as conversasprosseguiamcomoumasinfonia.AenergiadeHarolderareguladapelaenergiadamãe.Seucérebroeraconstruídopelodela.

No nono mês, Harold ainda não tinha nenhum senso deautoconhecimento. Ainda era limitado emmuitasmaneiras. Contudo, haviafeito o que precisava fazer para sobreviver e florescer.Havia entrelaçado suamenteàmentedeoutro.Suasprópriasfaculdadescresceriamdessarelação.

É tentador pensar que as pessoas crescem como plantas. Você adicionaalimentoàsemente,eplantasindividuaiscrescem.Masnãoéassim.Cérebrosmamíferos crescem corretamente apenas quando são capazes de seinterpenetrarem com outros. Filhotes de ratos que são lambidos e cuidadospelas suasmães têmmais conexões sinápticas do que filhotes quenão são.22Ratos que são separados de suasmães por 24 horas perdem duas vezesmaiscélulascerebraisecórticescerebelaresdoqueratosquenãosãoseparados.Ratoscriados em ambientes interessantes têm25%mais sinapses doqueos criadosem gaiolas comuns.23 Como se algumas profusões emocionais misteriosasproduzissemmudançasfísicas.

Nadécadade1930,H.M.Skeelsestudouórfãoscomdeficiênciasmentaisque estavam vivendo em uma instituição, mas que em seguida foramadotados.24 Depois de quatro anos, o QI deles divergiu incríveis cinquentapontosemrelaçãoaosórfãosquenãoforamadotados.Eoextraordinárioéqueascriançasqueforamadotadasnãomelhorarampormeiodetutelaouaulas.Asmãesqueosadotaramtambémtinhamdeficiênciasmentaiseviviamemumainstituição diferente. Foramo amor e a atenção dasmães que produziramoaumentodeQI.

Nessafase,orostodeHaroldseascendiaquandoJuliaentravanasala.IssoerabomporqueJuliaestavadeteriorando.Nãodormiabemhaviameses.Elajáhaviaseconsideradorelativamenteorganizada,masagorasuacasapareciaumcantodeRomadepoisdavisitadehordasbárbaras.FranklinRooseveltpodialançar oNewDeal3 no tempo que havia passado desde a última observaçãointeligente que ela fez. Mas toda manhã Harold dava um sorriso grande econseguiaviveroutrodia.

Certamanhã, Julia se deu conta de que conheciaHaroldmelhor do quequalquer outra pessoa no mundo. Ela sabia as maneiras como ele precisavadela. Conhecia suas dificuldades em fazer transições de um ambiente paraoutro.Sentia,comtristeza,queelepareciadesejarumtipodeconexãovindadelaqueelanuncaseriacapazdeoferecer.

No entanto, nunca tinham realmente trocado uma palavra. Harold nãofalava. Eles conheceram um ao outro em grande parte pelo toque, pelaslágrimas, pelas aparências, pelo cheiro e pela risada. Julia sempre achou quesignificadoseconceitosvêmpormeiodelinguagem,masagorapercebeuqueerapossívelterumarelaçãohumanacomplexasempalavras.

Neurônios-espelho

Filósofosdiscutirampormuitotemposobreosprocessosqueaspessoasusamparasecompreenderem.Algunsacreditamquesomosteorizadorescuidadosos.Inventamos hipóteses sobre como outras pessoas vão se comportar e depoistestamos essas hipóteses contra as evidências que observamos minuto apósminuto. Nessa teoria, as pessoas aparecem como cientistas racionais,constantemente pesando evidências e testando explicações. E há evidênciasclaras de que esse tipo de testagem de hipótese é parte de comocompreendemosumaooutro.Porém,hojeemdia,amaiorpartedapesquisaaponta para a primazia de uma hipótese rival: a de que automaticamentesimulamosos outros e entendemosoque sentem sentindo, emnósmesmos,uma versão do que estão vivenciando. Nessa visão, as pessoas não são friasformadorasdeteoriasquejulgamoutrascriaturas.SãoatoresinconscientesdoMétodo,atoresquecompreendemcompartilhandooupelomenossimulandoasrespostasqueveemnaspessoasaoredor.Somoscapazesdefuncionaremummundo social porque permeamos em parte as mentes uns dos outros ecompreendemos — algumas pessoas mais, outras menos. Os seres humanosentendem os outros neles próprios e formam a si mesmos reencenando osprocessosinternosquecaptamdeoutraspessoas.

Em 1992, pesquisadores na Universidade de Parma, na Itália, estavamestudando os cérebros de macacos do gênero Macaca quando notaram umfenômeno estranho. Quando um macaco via um pesquisador pegar umamendoimelevá-loàboca,océrebrodomacacodisparavacomoseoprópriomacacoestivessepegandoumamendoimeo levandoàprópriaboca,mesmo

que o bicho não estivesse se movendo de verdade. O macaco estavaautomaticamentesimulandoosprocessosmentaisqueobservava.

Assimnasceuateoriadosneurônios-espelho,aideiadequetemosemnossacabeça neurônios que automaticamente recriam os padrões mentais dos queestão ao nosso redor. Neurônios-espelho não são fisicamente diferentes denenhum outro tipo de neurônio; é a maneira como os primeiros estãoconectados que parece permitir que realizem essa tarefa extraordinária deimitaçãoprofunda.

Ao longo dos últimos anos, os neurônios-espelho se tornaram um dostópicos mais em voga e debatidos em toda a neurociência. Alguns cientistasacreditam que neurônios-espelho são análogos ao DNA e vão revolucionarnossa compreensão de como as pessoas processam experiências exterioresinternamente, como aprendemos dos outros e nos comunicamos com eles.Outros achamque a ideia é um vasto exagero.Rapidamente apontamque aexpressão“neurônios-espelho”éevidentementeenganosaporquesugerequeahabilidadede imitar está contidanosneurônios, enãonas redesno cérebro.Mas de fato parece existir uma visão adotada pormuitos de que cérebros demacacos e de humanos têm uma habilidade automática de realizar imitaçãoprofunda,compartilhandoassimprocessosmentaisatravésdoespaço invisívelentreeles.ComoobservouMarcoIacoboni,aspessoassãocapazesdesentiroqueosoutrosvivenciamcomoseestivesseacontecendocomelas.25

Os macacos em Parma não apenas imitavam as ações que observavam,pareciamavaliarinconscientementeasintençõesportrásdelas.Seusneurôniosdisparavam de forma intensa quando pegavam um copo de vidro em umcontexto que sugeria beber, mas não disparavam da mesma forma quandopegavamumcopovazioemumcontextoquesugerialimpar.Oscérebrosdosmacacosnãodisparavamquandoos cientistaspantomimavamo atodepegaruma uva-passa, mas disparavam quando os cientistas realmente pegavam.26Seus neurônios disparavam em certo padrão característico quando viam umcientista rasgando um pedaço de papel,mas também disparavam nomesmopadrão quando simplesmente ouviam um cientista rasgando papel.27 Emoutras palavras, essas não eram meras imitações de ações físicas no estilo“macacovê,macacofaz”.Amaneiracomooscérebrosreagiamaumaaçãoerainextricavelmente ligada ao objetivo sugerido pela ação. Às vezes, deduzimosqueoprocessomentaldeperceberumaaçãoédistintododeavaliarumaação.Todavia, nesses exemplos, os processos de percepção e de avaliação estão

misturados. Compartilham osmesmos sistemas representacionais, osmesmospadrõesderedenocérebro.28

Desde aqueles experimentosoriginaisna Itália, vários cientistas, incluindoIacoboni, acreditam que encontraram neurônios-espelho em humanos.Neurônios-espelhohumanosajudamaspessoasainterpretaraintençãodeumaação.29 Ao contrário de neurônios-espelho em macacos, no entanto, elesparecem conseguir imitar uma ação mesmo quando nenhum objetivo édetectado. O cérebro de uma mulher vai responder com um determinadopadrãoquandoelaobservaumapessoausandodoisdedosparapegarumataçadevinho,masvairesponderdemaneiradiferentequandoobservaumapessoausardoisdedoseamesmaaçãoparapegarumaescovadedente.Seucérebrovairesponderdeumamaneiraquandoobservaoutrohumanonoatodafala,masdemaneiradiferentequandoobservaummacaconoatodetagarelar.

Quandoaspessoasveemumacenadeperseguiçãoemumfilme,respondemcomo sede fato estivessem sendoperseguidas, sóque em intensidademenor.Quando veem pornografia, seus cérebros respondem como se de fatoestivessem fazendo sexo, só que em intensidade menor. Quando Haroldobservava Julia olhando com amor para ele, supostamente reencenava aatividadedocérebrodelaeaprendiacomoéoamorecomoelefuncionapordentro.

Harold cresceria e se tornariaum imitadorpromíscuo, e issoo ajudoudetodas as maneiras. Carol Eckerman, professora de psicologia da Duke,conduziuumapesquisasugerindoquequantomaisacriançabrincadejogosdeimitação, mais provável que comece a falar de forma fluente mais cedo.30Tanya Chartrand e John Bargh descobriram que quanto mais duas pessoasimitam os movimentos uma da outra, mais se gostam — e quanto mais segostam, mais se imitam.31 Vários cientistas acreditam que a habilidade decompartilharinconscientementeadordooutroéumcomponentedaempatiae,pormeiodessaemoção,damoralidade.

Mesmoqueaciênciadosneurônios-espelhoeventualmentefiquebalançada,ateorianosdáumveículoparaexplicarumfenômenoquevemostododia,ede forma mais intensa na relação entre pais e crianças. As mentes sãointensamente permeáveis. Existem laços entre os cérebros. O mesmopensamento ou sentimento pode surgir em mentes diferentes, com redesinvisíveispreenchendooespaçoentreelas.

Faça-osrir

Certodia,meses emesesmais tarde, Julia,Rob eHarold estavam sentados àmesade jantarquandoRob,distraído,deixouumabolade tênis cair sobre amesa.Haroldcaiunagargalhada.Robadeixoucairdenovo.AbocadeHaroldse escancarou. Seus olhos se enrugaram. Seu corpo sacudiu. Uma pequenaprotuberância de pele surgiu entre suas sobrancelhas e o som de risadaarrebatada tomou a sala. Rob segurou a bola acima da mesa e todospermaneceram ali, imóveis, na expectativa. Então ele deixou a bola quicaralgumas vezes e Harold explodiu de alegria, rindo mais alto do que antes.Estava sentado,depijama,asmãozinhasestranhamenteparadas, transportadopela risada. Havia lágrimas saindo dos olhos de Rob e Julia, eles estavamgargalhando tanto quanto Harold. Rob fez isso várias vezes. Harold ficavaencarando, na expectativa de a bola ser largada, e depois se rasgava comgrunhidos de satisfação quando via a bola quicar, a cabeça para cima e parabaixo,alínguatremendo,osolhossemovendocomdeleitederostoemrosto.RobeJuliaoacompanhavamgrunhidoagrunhido,asvozes semisturandoàdeleemodulando-a.

Esses foramosmelhoresmomentos de seus dias—os pequenos jogos deesconde-esconde, a luta e as cócegas no chão. Às vezes, Julia segurava umpequenopanodepratonabocaaotrocaramesaeHaroldopegavaetentavaenfiá-lode volta.Era a repetiçãoda surpresaprevisível que levavaHarold aoêxtase. Os jogos lhe deram um senso de domínio — de que ele estavacomeçandoaentenderospadrõesdomundo.Eleslhedavamasensação—queparaosbebêsécomoumaalegriapura—deestaremperfeitasincroniacommamãeepapai.

Oriso existeporuma razãoeprovavelmente existia antesdeoshumanosdesenvolverem linguagem. Robert Provine, da Universidade de Maryland,descobriuqueaspessoassãotrintavezesmaispassíveisderirquandoestãocomoutras pessoas doquequando estão sozinhas.32Quando as pessoas estão emsituações de união, o riso flui. Surpreendentemente, as pessoas que estãofalandosão46%maispropensasarirduranteaconversadoqueasqueestãoescutando. E não estão exatamente rindo de frases de efeito hilárias. Apenas15% das frases que provocam riso são engraçadas de alguma maneiradiscernível.33Emvezdisso,orisopareceborbulharde formaespontâneanomeiodaconversaquandoaspessoas se sentemrespondendoparalelamenteàsmesmascircunstânciasemocionalmentepositivas.

Algumas piadas, como trocadilhos, são associais e frequentementesaboreadas por aqueles que sofremde autismo.Mas amaioria das piadas sãointensamentesociaiseborbulhamquandoaspessoasachamumasoluçãoparaalgumaincongruênciasocial.Orisoéalinguagemqueaspessoasusamparaseconectar,paraacobertarumaestranhezasocialouparareforçarumauniãoquejá ocorreu. Isso pode ser bom, como quando um grupo ri junto, ou ruim,como quando um grupo ridiculariza uma vítima, mas riso e solidariedadeandam juntos.ComoescreveuSteven Johnson: “Rirnão éuma reação físicainstintivaaohumor,damaneiracomoumencolher-serespondeàdorouumestremecer ao frio.34 É uma forma instintiva de laço social que o humordestina-seaexplorar.”

Noiteapósnoite,Haroldeseuspaistentavamentraremumritmounscomosoutros.Àsvezesfalhavam.RobeJuliaseriamincapazesdeentrarnamentede Harold e entender o que precisavam fazer para amenizar sua agonia. Àsvezestinhamêxito.Equandotinham,orisoeraoprêmio.

SevocêstivessemdeseafastareperguntardeondeHaroldveio,poderiamdar uma resposta biológica e explicar concepção, gravidez e nascimento.Porém,serealmentequisessemexplicardeondeaessênciadeHarold—ouade qualquer pessoa — vinha, teriam de dizer que primeiro houve umrelacionamento entreHarold e seus pais. E esse relacionamento tinha certasqualidades. E depois, conforme Harold amadureceu e desenvolveuautoconsciência, essas qualidades se tornaram individualizadas e passaram aexistir nele mesmo quando estava longe dos pais. Isto é, as pessoas não sedesenvolvem primeiro e criam relacionamentos. As pessoas nascem emrelacionamentos — com pais, com antepassados — e essas relações criampessoas.Ou,paradizerdeoutraforma,umcérebroéalgocontidodentrodeumúnicocrânio.Umamentesóexistedentrodeumarede.Éoresultadodasinteraçõesentrecérebros,eéimportantenãoconfundircérebroscommentes.

ComoSamuelTaylorColeridgeobservoucertavez:“Antesmesmodeumeuconscienteexistir,oamorseinicia;eoprimeiroamoréoamordeoutrem.Obebêreconheceumeunaformadamãeanosantesdepoderreconhecê-loemsuaprópriaforma.”

Coleridge descreveu como seu próprio filho, então com3 anos de idade,acordouduranteanoiteechamouamãe.35

“Toque-me,apenasmetoquecomseudedo”,suplicouojovemmenino.Amãeficousurpresa.

“Porquê?”,perguntouela.“Nãoestouaqui!”,exclamouofilho.“Toque-me,mamãe,paraqueeupossa

estaraqui”.

1Cosmopolitan:revistaamericanaquefalasobremoda,sexualidadeeatualidades;voltadaparaopúblicofeminino.(N.daT.)

2Marcade entretenimento criadapor JoeFrancis,nosEstadosUnidos,no finaldadécadade1990.Temcomoprodutoprincipal uma série de vídeospornográficos estreladospor alunasuniversitárias.(N.daT.)

3Sériedemedidas implementadasentre1933e1937nosEstadosUnidosapósaGrandeDepressão.(N.daT.)

capítulo4

FABRICAÇÃODEMAPA

Haroldcomeçouavidaolhandoparaamãe,masnãodemorouatéqueomundo sujo domaterialismo entrasse em cena. Ele não começou essa fasedesejandoPorscheseRolexes.Primeiro,ficoumaisatraídoporlistras—listrasequadriculadosempretoebranco.Depois,desenvolveuumaquedaporquinas— de caixas, de prateleiras. Encarava-as da maneira como Charles Mansonencaravaospoliciais.

Então, com o passar dos meses, foram caixas, rodas, chocalhos e coposantirrespingo.Tornou-seumexcelentenivelador—consumidopelaconvicçãode que todamatéria devia ficar namenor altitude possível. Pratos saíam dasmesaseiamparaochão.Livrossaíamdasprateleiraseiamparaochão.Caixasde espaguete usadas pela metade eram liberadas de sua despensa-prisão eretornadasaoseuhabitatnaturalemtodoopisodacozinha.

O incrível sobre Harold nesse estágio era que ele era tanto bacharel empsicologiaquantoemfísica.Suasduasvocaçõesprincipaiseramdescobrircomoaprendercomamãeecomoascoisascaem.Eleolhavaparaelafrequentementeparatercertezadequeestavaprotegendo-o,edepoissaíaembuscadealgoparaderrubar. Possuía o que Alison Gopnik, Andrew Meltzoff e Patricia Kuhlchamam de “impulso explanatório”.1 Harold podia se sentar por um longotempotentandocolocarcaixasdetamanhosdiferentesumasdentrodasoutrase,depois,quandofinalmenteestivessemunidas,algumimpulsoprimordialàlaSandyKoufax1oatingiaeascaixasvoavampelasescadas.

Ele estava explorando e aprendendo, mas nesse ponto de sua vida osprocessosdepensamentodeHarolderamradicalmentediferentesdosnossos.Crianças pequenas parecemnão ter um observador interno autoconsciente.2As áreas de funções executivas na parte frontal do cérebro amadurecem

devagar, portanto Harold tinha pensamento pouco controlado e poucodirigidoporsi.

Issosignificavaqueelenãotinhaumnarradorinternoqueentendessecomosendoelemesmo.Nãoconseguia se lembrarconscientementedopassado,ouconectar conscientemente suas ações passadas às presentes em uma linha dotempocoerente.3Não conseguia se lembrar de pensamentos anteriores e decomoaprendeuqualquercoisa.Até18mesesdeidade,nãoconseguiapassarnotestedoespelho.Secolocaremumadesivonatestadeumchimpanzéadultoouna de um golfinho, o animal entende que o adesivo está em sua própriacabeça.4 Mas Harold não tinha esse nível de autoconsciência. Para ele, oadesivoestavanatestadealgumacriaturanoespelho.Eleeramuitobomemreconhecerosoutros,masnãoconseguiasereconhecer.

Até mesmo aos 3 anos de idade, as crianças parecem não entender oconceitodeatençãoautoconscientementefocada.Presumemqueamenteficavaziaquandonãohácoisaexternapedindoatenção.Quandoseperguntaparaalunos da pré-escola se um adulto que estão observando está focando suaatenção empartedeumacena,parecemnão entender sobreoquevocê estáfalando.5Caso se pergunte se conseguem ficar um longo período de temposempensaremnada,dizemquesim.ComoescreveAlisonGopnikemObebêfilósofo: “Eles não entendem que pensamentos podem simplesmente seguir alógica de sua experiência interna em vez de serem ativados a partir doexterior.”6

Gopnik diz que adultos têm consciência-lanterna.7 Nós direcionamosatençãoparalocalizaçõesespecíficas.Harold,comotodasascriançaspequenas,tinhaoqueGopnikchamade“consciência-lampião”.Elailuminavaparaforaepara todas as direções—uma consciência vívida e panorâmica de tudo. Eracomoestarperdidodeformaexuberanteemumfilmede360graus.Milhõesde coisas chamavam sua atenção em bombardeios aleatórios. Eis aqui umaformainteressante!Outraforma!Eisumaluz!Eisumapessoa!

Atémesmoessadescriçãominimizaaestranheza radicaldaconsciênciadeHarold nesse momento. A metáfora do lampião sugere que Harold estáiluminandoeobservandoomundoequeoobservadorestádealgumamaneiraseparado do que ele vê. Contudo, Harold não estava observando, e simimergindo.Estavaparticipandovividamentedequalquercoisaquecruzassesuamente.

Atarefa

Nessepontodesuavida,Haroldtinhadeaprenderomáximoeomaisrápidopossível. Seu trabalho era discernir em que tipo de ambiente vivia e talharmapasmentaisqueoajudariamanavegá-lo.Oaprendizadoconscienteediretonão podia auxiliá-lo a realizar essa tarefa rapidamente, mas a imersãoinconscientepodia.

Grandepartedainfância—amaiorpartedavida—consisteemintegraros caóticosbilhõesde estímulosqueencontramosamodelos sofisticados,quesão depois usados para antecipar, interpretar e navegar pela vida. ComoescreveuJohnBowlby:“Cadasituaçãoqueencontramosnavidaéinterpretadade acordo comosmodelos representacionais que temos domundo ao nossoredor e de nósmesmos. A informação que chega a nós pormeio de nossosórgãosdesentidoéselecionadaeinterpretadadeacordocomessesmodelos,seusignificadoparanóseparaaquelescomquemnospreocupamoséavaliadodeacordo com eles, e planos de ação são concebidos e executados com taismodelos emmente.”8 Esses mapas internos determinam como enxergamos,quevaloremocionalvamosdesignaràscoisas,oquequeremos,comoreagimoseoquãoeficientessomosempredizeroquevemdepois.

Harold estava no períodomais intenso da fabricação demapa. ElizabethSpelkeacreditaquebebêsjánascemcomumconhecimentodebasedomundo,que lhes fornece uma vantagem inicial nessa tarefa.9 As crianças sabem queuma bola rolando deve continuar rolando e que se rola para trás de algumacoisadeveaparecernooutrolado.Aos6meses,conseguemapontaradiferençaentre oito e 16 pontos em uma página. Têm um senso de proporçãomatemáticaapesardeobviamentenãosaberemcontar.

Embreve,estãorealizandoatosimpressionantesdedecodificação.MeltzoffeKuhlmostraramvídeosdeumrostodizendo“aaa”ou“iii”parabebêsde5mesesde idadeedepois tocaramparaosbebêsasgravaçõesdeáudiodecadasom.10Osbebêsconseguiramrelacionarosomaorostocorretocomsucesso.

Sevocêsleremumafrasecomo“latata”ou“minana”paraumbebêde8meses de idade, emdoisminutos ele vai captar o esquema implícitode rima(ABB). Crianças pequenas também usam técnicas estatísticas incrivelmentesofisticadasparaentenderlinguagem.Quandoadultosfalam,todosossonsdepalavras diferentes caminham juntos. No entanto, crianças pequenas sãocapazesdediscernirqueháumagrandeprobabilidadedequeosom“lin”deve

se alinhar como som“do”, então “lindo” éumapalavra.11Há uma grandeprobabilidade de que “be” também se alinhe com “bê”, então “bebê” é umapalavra. Crianças conseguem fazer esses cálculos complexos de probabilidademesmoquesuascapacidadesconscientesaindanãoestejamligadas.

Apenasconecte

O cérebro de Harold tinha mais de 100 bilhões de células, ou neurônios.Conforme ele começou a compreender omundo, cada umdesses neurôniosgerouramificaçõesparafazerconexõescomoutrosneurônios.Oespaçoondeduas ramificações para neurônios diferentes se encontram é chamado desinapse. Harold estava fazendo essas conexões em ritmo furioso. Algunscientistascalculamquehumanoscriam1,8milhãodesinapsesporsegundodosegundomêsdegestaçãoatéseuaniversáriode2anos.12Océrebrofazsinapsesparaguardarinformações.Cadacoisaquesabemoséincorporadaemumarededeconexõesneurais.

Aos2ou3anosdeidade,cadaumdosneurôniosdeHaroldpodiaterfeitoumamédiade15milconexões,porémosquenãosãousadosserãopodados.13Haroldpodiaficarcomalgonasproximidadesde100trilhõesou500trilhõesou atémesmomil trilhões de sinapses. Se quer ter uma ideia donúmerodeconexõesempotencialentreascélulasdocérebrodeHarold,contempleisso:meros sessenta neurônios são capazes de fazer 1081 conexões possíveis entresi.14 (Éo1com81zerosdepoisdele.)Onúmerodepartículasnouniversoconhecido é cerca de 1/10 desse número. JeffHawkins sugere umamaneiradiferente de pensar sobre o cérebro. Imaginem um estádio de futebolpreenchido com espaguete.15 Agora imaginem esse estádio encolhido aotamanhodeumcrânioemuitomaiscomplicado.

NolivroTheScientistintheCrib(Ocientistanoberço),Gopnik,Meltzoffe Kuhl fazem uma boa descrição do processo que neurônios usam para seconectarem: “É como se, quando você usasse o celular para ligar para seuvizinho,umnúmero suficientede vezes,umcabo crescesse espontaneamenteentresuascasas.16Primeiro,ascélulastentamseconectarcomquantasoutrascélulas conseguirem. Como um vendedor de telemarketing, elas ligam paratodomundo na esperança de que todos vão atender e dizer “sim”.Quando

outrocelularatender,eofazumnúmerosuficientedevezes,umaligaçãomaispermanenteseestabelece.”

QuerofazerumapausaaquiporqueesseprocessodesinaptogêneseépartedonúcleodequemHaroldera.Durantemilênios, filósofosprocuraramumadefinição do eu humano. O que faz uma pessoa ser ela de modo inefável,apesardasmudançasqueacontecemdiaapósdiaeanoapósano?Oqueunificatodosospensamentos,açõeseemoçõesdiferentesquepassamporcadaumadenossasvidas?Ondeseencontraoverdadeiroeu?

Umapartedarespostaestánopadrãodeconexõessinápticas.Quandonosdeparamos comumamaçã, nossas percepções sensoriais sobre essamaçã (suacor, forma, textura, aroma etc.) são traduzidas para uma rede integrada deneurônios conectados que disparam juntos. Esses disparos, ou impulsoseletroquímicos,nãosãoconcentradosemumasessãodocérebro.Nãoháumasessão para a maçã. A informação da maçã está espalhada em uma redevastamentecomplicada.Emdeterminadoexperimento,umgatofoiensinadoaencontrar comida atrás de uma porta que estava marcada com uma formageométrica específica.17 Essa forma geométrica única aciona respostasrelacionadasaoaprendizadoemmaisde5milhõesdecélulasdistribuídasportodoo cérebrodo gato.Emoutro experimento, ahabilidadededistinguir osomdo“P”dosomdo“B”foirepresentadaem22locaisespalhadosportodoocérebrohumano.18

Quando Harold via um cachorro, uma rede de neurônios disparava.Quantomaisviacachorros,maisdensasemaiseficientes ficavamasconexõesentre os neurônios apropriados. Quanto mais vocês veem cachorros, maisrápidas emais complexas tornam-se suas redes de cachorros, emelhor vocêsficam em perceber qualidades gerais relacionadas a cachorros e às diferençasentreeles.Comesforço,práticaeexperiência,épossívelaperfeiçoarasutilezadesuasredes.Violinistastêmconexõesdensasnaáreadocérebrorelacionadaàmãoesquerda,porqueautilizammuitoquandotocamseuinstrumento.19

Você tem uma assinatura peculiar, um sorriso peculiar e uma maneirapeculiardesesecardepoisdobanhoporquerealizaessasatividadesmuitasvezeseasredescorrespondentesdeneurôniosficam,assim,conectadasnocérebrodeformaespessa.VocêprovavelmentepoderecitaroalfabetodeAaZ,porque,por meio da repetição, construiu essa sequência de padrões na cabeça.Provavelmente teria dificuldade em recitar o alfabeto de Z a A, porque essasequêncianãofoireforçadapelaexperiência.

Dessaforma,cadaumdenóstemredesneuraisúnicas,quesãoformadas,reforçadaseconstantementeatualizadaspelascircunstânciasecléticasdenossasvidas. Uma vez que circuitos são formados, isso aumenta as chances de osmesmos circuitos serem disparados no futuro. As redes neurais incorporamnossas experiências e, por sua vez, guiam ações futuras. Contêm a maneiraúnica com que cada um de nós se conduz no mundo, a maneira comoandamos,falamosereagimos.Sãooscanaispelosquaisnossocomportamentoflui.Umcérebroéoregistrodeumavida.Asredesdeconexõesneuraissãoamanifestação física de nossos hábitos, personalidades e predileções. Você é aentidadeespiritualqueemergedasredesmateriaisdentrodesuacabeça.

Mesclando

Conforme o dia de Harold passava, a visão do sorriso de sua mãe acionavacerto padrão de disparo sináptico, assim como o som de um caminhãoassustador.Aodarosprimeirospassosexplorandoomundo,iaedificandosuamente. Certo dia, quando tinha mais ou menos 5 anos de idade, estavacorrendo pela casa e fez algo incrível. Berrou “Sou um tigre!” e saltoualegrementenocolodeJulia.

Issopodeparecerumacoisasimplesquetodasascriançasfazem.Afinaldecontas, quando pensamos em feitos realmente difíceis relacionados aopensamento,pensamosem,digamos,calculararaizquadradade5.041.(É71).Dizer“Souumtigre”parecefácil.

Todavia,issoéumailusão.Qualquercalculadorabaratapodecalcularraízesquadradas. Nenhuma máquina simples pode desempenhar o constructoimaginativo envolvido na frase “Sou um tigre”. Nenhuma máquina simplesconsegue misturar dois constructos complicados como “eu”, um pequenomenino, e “um tigre”, um animal feroz, em uma única entidade coerente.Porém o cérebro humano é capaz de realizar essa tarefa incrivelmentecomplicadademaneiratãofáciletãoabaixodoníveldaconsciênciaquenemapreciamosoquantoédifícil.

Harold conseguia realizar isso devido àquela habilidade de fazergeneralizações e à de fazer associações entre generalizações— de sobrepor aessênciadeumacoisacomaessênciadeoutra.Sepediremaumcomputadorsofisticadoqueacheaportadeumquarto,eletemdecalculartodososângulosda sala e depois procurar certas formas e proporções de portas passadas queforam programadas dentro de seus bancos de memória. Devido ao fato de

existiremmuitostiposdiferentesdeportas,eletemdificuldadededescobriroquesignifica“porta”.MasparaHarold,ouparaqualquerhumano,issoéfácil.Guardamosemnossacabeçapadrõesvagosdecomosãoassalasesabemosmaisoumenosondeficamasportasnassalas,eencontrá-lasgeralmentenãocustanenhumpensamentoconsciente.20Somos espertosporque somos capazesdepensardeformaconfusa.

Olhamosparaospadrõesvariáveisdomundoe formamosessências.Umavezcriadaaessência,queéumpadrãodedisparos,podemosfazermuitascoisascom ela. Podemos pegar a essência de um cachorro e evocar a de WinstonChurchillquetemosguardadaemnossacabeça,epodemosimaginaravozdeWinston Churchill saindo da boca de um cachorro. (Fica mais fácil se ocachorroforumBuldogueesejáexistiralgumasobreposiçãoentreospadrõesneurais;nessecaso,podemosdizer:“Émaisoumenosassim.”)

Essaatividadedemesclarpadrõesneuraiséchamadadeimaginação.Parecefácil,maséincrivelmentecomplexa.Consisteempegarduasoumaiscoisasquenão existem juntas, misturá-las na mente e depois criar uma terceira coisaemergentequenuncaexistiuantes.ComodescrevemGillesFauconniereMarkTurneremTheWayWeThink(Amaneiracomopensamos):“Construirumarededeintegraçãoenvolvedefinirespaçosmentais,relacionarespaços,projetardeformaseletivaparaumamescla,localizarestruturascompartilhadas,projetardevoltaparaespaçosiniciais,recrutarnovasestruturasparaoestímuloouparaamesclaerealizarváriasoperaçõesnaprópriamescla.”21Eissoésóocomeço.Sevocêgostaderaciocíniosincrivelmenteintricadoseàsvezesimpenetráveis,leia o trabalho de cientistas que estão tentando unir a sequência exata deeventos que fazem parte da imaginação — ou integração de duplo escopo,como às vezes dizem os cientistas naquela maneira encantadora que lhes épeculiar.

Emtodocaso,Harolderaumpequenodemônioemfazerisso.Noespaçode cinco minutos, podia ser um tigre, um trem, um carro, sua mãe, umatempestade,umprédioouumaformiga.Durantesetemeses,quandotinha4anosdeidade,estavaconvencidodequeeraumacriaturasolarnascidanoSol.SeuspaistentaramfazercomqueconfessassequenaverdadeeraumacriaturadaTerranascidaemumhospital,masele ficavasérioeserecusavaaadmitir.Julia e Rob realmente começaram a se perguntar se tinham dado à luz umpsicóticoilusório.

Naverdade,eleestavaapenasperdidoemsuasmesclas.Quandoficouumpoucomaisvelho,criouoMundo-H,umuniversointeiroestabelecidoparaaglorificação de Harold (o que pesquisadores chamam de “paracosmos”). NoMundo-H,todossechamavamHaroldetodosveneravamoreidoMundo-H,queeraopróprioHarold.NoMundo-H,aspessoascomiamcertascomidas—principalmente marshmallows e M&MS — e tinham certas ocupações —principalmente do tipo que atletas profissionais têm.OMundo-H tinha atémesmosuaprópriahistória,eventosdefantasiaspassadasqueestavamgravadasnosbancosdememóriadamesmamaneiraqueahistóriadomundoreal.

Durantesuavida,Haroldfoimuitobomemmesclar,generalizarenarrar.SemedissemashabilidadesqueHaroldtinhaparaprocessarinformaçãobruta,descobririamqueeleestavaumpoucoacimadamédia,masnadaespecial.Noentanto,tinhaumahabilidadeincríveldediscerniressênciasedebrincarcompadrões neurais. Isso significava que era muito bom em criar modelos derealidadeemodelosdepossíveisrealidadesalternativas.

Às vezes, achamos que a imaginação é cognitivamente fácil porque ascriançasconseguemusá-lamelhordoqueadultos.Naverdade,aimaginaçãoéárduaeprática.Aspessoasquepossuemtalentosimaginativospodemdizer“Seeufossevocê, faria isso...”,oupodempensar“Estoufazendoissodessa formaagora, mas se eu tentasse fazer de outra forma as coisas poderiam ser maisrápidas”.Essashabilidadesdeduploescopoecontrafatuaissãobastanteúteisnavidareal.

Contaçãodehistória

Entre 4 e 10 anos de idade, Harold se sentava à mesa de jantar e lançavaalgumapartedeumdiálogodeTVouumamúsicadecomercial,eerasempreexatamenteapropriadaàconversa.Usavapalavrasdifíceisdamaneiraadequada,apesar de que se perguntassem mais tarde o que a palavra significava, nãoconseguiadefini-laconscientemente.Proferiaa letradealgumamúsicaantigado Paul McCartney & Wings e ela era perfeitamente pertinente naquelasituaçãosocial.Aspessoasolhavamparaelecomsurpresaeperguntavam:“Temumpequenovelhinhoaí?”

Narealidade,nãohaviaumadultoescondidonocérebrodeHarold.Haviaapenasumpequenosintetizadordepadrões.RobeJuliaorganizaramsuavida.Dia após dia, tinham as mesmas rotinas e expectativas. Esses hábitosestabeleceram certas estruturas fundamentais em sua mente. E dessa ordem,

regularidade e disciplina, a mente de Harold explodiu em aventurastumultuosasnasquaiscombinavacoisasimprováveisdemaneirasmágicas.

RobeJuliateriamficadoencantadoscomashabilidadesimaginativasdele,mas às vezes ele parecia ter dificuldade com a vida real. Eles viam outrascrianças segurando pacificamente o carrinho do supermercado enquantoandavam pelos corredores. Harold não fazia isso. Estava sempre puxando elutando de um jeito ou de outro e tinha de ser detido ou coibido. Outrascrianças seguiam as instruções da professora na pré-escola, mas Harold nãoconseguiaficarnatarefa;sempresaíacorrendoparafazeroquequeria.RobeJulia ficavam exaustos com seus ataques e escândalos e tentavam impor umpoucodelinearidadeemsuavida.Eleeraumproblemarealemaviõeseumavergonhaemrestaurantes.Nasreuniõesdepais,asprofessorasobservavamquecontrolar Harold tomava tempo demais. Ele parecia não ouvir ou seguirinstruções.Juliacostumavaolharfurtivamenteosguiasdecomoeducarfilhosnaslivrarias,comasensaçãocadavezmaisprofundadequeestavacriandoumprotótipoparacampanhasderemédiosparaTDAH.

Certanoite,quandoHaroldestavanojardimdeinfância,RobpassoupeloseuquartoeHaroldestavaestiradonochãocercadodepequenosbonecosdeplástico.Haviaumgrupodebonecosverdesdeexércitoàesquerda,umamassade piratas de Lego flanqueando-os e um engarrafamento de carrinhos HotWheels ameaçando entrar de frente. Harold estava no meio se mexendo,movendoumbonecodeDarthVader atrás das linhas inimigas e esmagandoumG.I.Joeconfiante.UmesquadrãodehomensdoexércitoconfrontavaumgrupodeHotWheelserecuou.AvozdeHaroldaumentavaediminuíacomomovimento crescente e decrescente da batalha. Manteve uma narrativadetalhada constante, descrevendo eventos conforme ocorriam e,ocasionalmente,elefaziaumtipodeurrosussurradocomoseaplateiaestivesseindoàloucura.

RobficouàportaporcercadedezminutoseobservouHaroldconduzindosuapeça.Haroldolhouparaele,masdepoisretornouàguerra.Fezumdiscursomotivacional furioso para um de seus macacos de pelúcia. Pregou sobrecoragemparaumpedaçodeplásticode5centímetrosdealtura.Tranquilizouossentimentosferidosdeumcarroeralhoucomumatartarugadepelúcia.

Nas histórias dele, havia generais e soldados, mães e pais, dentistas ebombeiros.Aindabemjovem,elepareciaterumsensobastanteclarodequaispadrõesdecomportamentoessespapéissociaisdiferentesimplicavam.Emumjogo, ele seria um guerreiro; em outro, ummédico; em outro, um chefe de

cozinha—imaginandocomoaspessoasnessespapéispensam,representandoteoriassobreasmentesdeoutraspessoas.

MuitasdashistóriasdeHarolderamsobresuavidafuturaesobrecomoeleganhariahonra e fama.Rob, Julia e seus amigos adultos às vezes fantasiavamsobre dinheiro e conforto, mas Harold e seus companheiros de brincadeirafantasiavamsobreglória.

Emumsábadoàtarde,Haroldrecebeualgunsamigosemcasaparabrincar.Estavamnoquartodelecomosbrinquedosdele.Haroldanunciavaqueerambombeiros e logo seocupavam imaginandoum incêndiona casa e reunindoferramentasparacombatê-lo—umamangueira,umcaminhão,ummontedemachados.Cadacriançasedesignavaumpapeldentrodahistóriacentral.Robsubiu sorrateiramente e ficou em pé à porta observando. Para sua decepção,HarolderaumpequenoNapoleãodizendoaos convidadosquem iadirigirocaminhão e quem ia carregar a mangueira. Entravam em negociaçõeselaboradassobreoqueeralegítimofazernomundodementirinha,noespaçomentalcompartilhadoquehaviamconstruído.Atémesmonomundodeformalivre de suas imaginações, parece que ainda era necessário ter regras, e elespassaramtantotempofalandosobreelasqueRobteveaimpressãodequeerammaisimportantesdoqueahistóriaemsi.

Robpercebeuque cadamenino tentava se afirmar equeos jogos tinhamcerto arconarrativo, de calmo a crítico a calmo.Primeiro, faziamuma cenafeliz. Depois, alguma coisa terrível acontecia e eles ficavam excitados e aenfrentavamjuntos.Depois,apósavitória,retornavamaoseuestadoanteriorde tranquilidade emocional.Todahistória terminavaem triunfo,um tipodemomento “está tudo melhor agora”, com fama e glória para todos osenvolvidos.

Depois de cerca de vinte minutos fazendo o Benjamin Spock2 eobservandoas crianças,Rob sentiu vontadede se juntar a elas.Ele se sentoucomosmeninos,pegoualgunsbonequinhoseseuniuaotimedeHarold.

Foiumgrande erro.Foimais oumenoso equivalente aum serhumanocomumpegarumaboladebasquetee seconvidara trocararremessoscomoLosAngelesLakers.

No decorrer de sua vida adulta, Rob havia treinado sua mente para sesobressair em um certo tipo de pensamento. É o tipo de pensamento que opsicólogoJeromeBrunerchamoude“pensamentoparadigmático”.Essemodode pensamento é estruturado por lógica e análise. É a linguagem de umsumário jurídico, um memorando comercial ou um ensaio acadêmico.

Consiste em distanciar-se de uma situação para organizar fatos, para deduzirprincípiosgeraiseparafazerperguntas.

Todavia, o jogoqueHarold e seus amigos estavam jogando contava comumamaneiradiferentedepensar,queBrunerchamade“modonarrativo”.22Harold e seus amigos agora se transformaramemumaequipede fazendeirosem um rancho. Simplesmente começavam a fazer coisas baseadas nisso —cavalgar,lançarcordas,construirebrincar.Conformesuashistóriascresciameevoluíam,oque fazia sentidoeoquenão faziadentrodo roteirodahistóriaficavaclaro.

Os caubóis começaram a trabalhar juntos e a discutir. Perderam-se vacas.Construíram-se cercas. Os caubóis formavam equipes quando os tornadosvinhameseseparavamquandooperigopassava.

EntãovieramosInvasores.Omodonarrativoéummodomítico.Contémoutradimensão,queopensamentoparadigmáticogeralmentenãocontém—adimensãodobemedomal,dosagradoedoprofano.Omodomíticoajudaaspessoasnão só a contarumahistória,mas a entender as emoções e sensaçõesmoraisgeradaspelahistória.

Os meninos reagiram aos Invasores de forma alarmada e com medo.Moveram-se no carpete e alinharam seus cavalos de plástico contra eles,masberravamunscomosoutros:“Sãomuitosdeles!”Tudopareciaestarperdido.EntãoHaroldfezumcavalobrancogigante,dezvezesmaiordoqueosoutrosbrinquedos com os quais estavam brincando. “Quem é esse?” exclamou erespondeusuaprópriapergunta:“ÉoCavaloBranco!”EpartiuparacimadosInvasores.Dois dos outrosmeninosmudaramde time e começaram a atirarInvasoresnoCavaloBranco.Umabatalha apocalíptica irrompeu .OCavaloesmagou os Invasores. Os Invasores dilaceraram o Cavalo Branco. Logo, osInvasores estavam mortos, mas o Cavalo Branco estava morrendo também.Elescolocaramumpanosobreseucorpoetiveramumfuneraltriste,eaalmadoCavalofoiparaocéu.

Roberacomoumjavali emumaalgazarradegazelas.A imaginaçãodelesdançava enquanto a dele caminhava lentamente. Eles viam bem e malenquanto ele via plástico e metal. Depois de cinco minutos, a intensidadeemocionaldelesproduziuumalevedoremsuanuca.Estavaexaustotentandoacompanhá-los.

Presume-sequeumdiaRobteveahabilidadederealizaressaginásticamental.Masdepois, refletiu ele, amaturidadeocupou lugar.Conseguia focarmelhor

sua atenção,masnão conseguiamais unir justaposições estranhas damaneiraqueantesconseguia.Suamentenãoeramaiscapazdepulardeassociaçãoemassociação.Maistarde,quandodisseparaJuliaquenãoeracapazdepensarnamaneiraaleatóriaqueHaroldpensava,elasimplesmenterespondeu:“Talvezelevácrescerepararcomisso.”

Rob tentou concordar.Enquanto isso, pelomenos as histórias deHaroldsempre acabavam bem. Dan P. McAdams argumenta que as criançasdesenvolvem um tom narrativo que influencia suas histórias para o resto desuas vidas.23 As crianças gradualmente adotam uma suposição duradoura dequetudovaiacabarbemoumal(dependendodesuainfância).Elascriamumalicercedehistóriasnasquaisobjetivossãoalcançados,feridassãocuradas,apazérestauradaeomundoécompreendido.

Depoisdahoradedormir,Haroldficavaemseuquartoconversandocomseuspersonagens.Seuspaisficavamnoandardebaixo,exaustoseincapazesdeouvirexatamenteoqueeleestavadizendo.Masconseguiamouviravozdeleaumentar e diminuir conforme as histórias dançavam no ar acima deles.Ouviam-no explicando alguma coisa com calma. Reagindo com alarme.Reunindo seus amigos imaginários. Estava no que Rob e Julia costumavamchamardemodoRainMan,perdidoemseuprópriomundodesonho.ElesseperguntavamquandoexatamenteHaroldiacomeçaraseuniràraçahumana,se é que isso ia acontecer. E, no andar de cima, enquanto ensinava seusmacacos,Haroldcaiunosono.

1ArremessadordebeiseboldoDogders,timedeLosAngeles,nasdécadasde1950e1960.(N.daT.)2Famosopediatranorte-americanoqueinovouocampodapediatriacomideiasdapsicanálise.(N.da

T.)

capítulo5

APEGO

Umdia, quandoHarold estava no segundo ano, Julia o chamou doquartodebrinquedosparaamesadacozinha.Juntouenergiaedisseparaelequeerahoradefazerodeverdecasa.Haroldproclamouseuevangelhousualdeesquiva.Primeiro,dissequenãotinhadeverdecasa.Quandoessapequenamentirasequebrou,dissequejátinhafeitoodevernaescola.Issoveioseguidodeuma série de alegações cada vezmenos plausíveis.Tinha feito o dever noônibus.Tinhadeixadoatarefanaescola.Eramuitodifícileaprofessoradissepara a turma que não precisava fazer. O dever era impossível porque aprofessoranãotinhadadoamatéria.Eraparaentregarsónaoutrasemanaeelefariaamanhã,eporaívai.

Apóscompletarsualiturgianoturna,foiinstruídoasedirigiràsaladafrentee pegar amochila. Ele o fez com a energia de um assassino condenado emdireçãoàcâmaradeexecução.

A mochila de Harold era uma enciclopédia de interesses de menino esugeriaqueHaroldestavacaminhandoparaapromissoracarreirademendigo.Dentro da mochila, se procurassem bem fundo através das várias camadasgeológicas,achariampretzelsvelhos,caixasdesuco,carrosdebrinquedo,cartasdePokémon,jogosdePlayStationportátil,maçãs,pedrinhas,jornais,tesourasetubosdecobre.AmochilapesavaumpoucomenosdoqueumVolkswagen.

JuliapuxouapastadetarefasdeHarolddomeiodosdestroços.Dizemqueahistória semove em ciclos, e isso é verdade quando se trata da filosofia daorganizaçãodapastadetarefasdecasa.Emalgunsanos,oficháriodetrêselosestá em moda. Em outros, a pasta de cartolina de dois lados prevalece. Osmaiores educadores do mundo debatem os méritos de cada sistema e suaspreferênciasparecemalternardeacordocomalgumcicloastrológico.

Juliaencontrouafolhadodevere,comocoraçãomurcho,percebeuqueospróximos65minutos seriamgastoscompletandoumatarefadedezminutos.

Os requerimentos do projeto erammínimos—Harold precisaria apenas deuma caixa de sapatos, seis canetinhas coloridas, cartolina, um painel de 90centímetros,óleodelinhaça,ébano,aunhadodedãodeumbicho-preguiçadetrêsdedoseumpoucodecolacombrilho.

Julia suspeitou levemente, e uma pesquisa de Harris Cooper daUniversidade Duke confirma, que há uma conexão somente tênue entrequantodeverosalunosdoensinofundamentalfazemeosucessoquetêmnostestes sobre amatéria ou em outrasmedições de êxito.1 Também suspeitavaque essa agonia do dever de casa noturno servia a outros propósitos —convencer os pais de que seus filhos estão recebendo uma educaçãopropriamente rigorosa, apresentar às crianças suas vidas futuras como umtrabalhadormonótono espiritualmente inferior; ou, com visãomais positiva,apresentaràscriançasoshábitosdeestudoquenecessitariammaistardenavida.

Emtodocaso,Julia,presanavidaparentaldealtapressãoquetodosemsuaclasse social ridicularizammas à qual poucos renunciam, preparou-se para osuborno e a bajulaçãoque se seguiriam.Nospróximosminutos, presenteariaHarold com incentivos cada vez mais elaborados — estrelas douradas,pequenospedaçosdedoce,BMWs—,tudopara induzi-loafazerodeverdecasa. Quando isso não dava certo, como inevitavelmente acontecia, eladescarregava os desincentivos— ameaças de cortar privilégios relacionados àTV, de tirar todos os jogos de computador e os vídeos, de tirá-lo de seutestamento, de prendê-lo em uma caixa de cartolina com nada para comerexcetopãoeágua.

Haroldconseguiaresistiratodasasameaçaseincentivos,sejaporqueaindanão tinhacapacidadede calculardorde longaduraçãoversus inconveniênciatemporária, seja porque sabia que sua mãe não tinha intenção de cortarprivilégiosrelacionadosàTV,colocando-se,dessaforma,naposiçãodeterdeentretê-loduranteasemanatoda.

De qualquer maneira, Julia fez com que Harold se sentasse à mesa dacozinhacomotrabalhodecasa.Virou-sedecostasparapegarumcopodeáguae7,82segundosdepoisHaroldentregou-lheumafolhadepapeldizendoqueodeverestava feito. Juliaolhouparaa folha,quepareciaconter trêsouquatromarcaçõesindecifráveisquedavamaimpressãodeestaremsânscritoantigo.

Isso marcaria o começo da fase de refazer o dever de casa, quando Juliaexplicavaqueeranecessáriofazerodeverdevagar,comcuidadoeeminglês,sepossível.Haroldfezseusprotestosusuais,caiuemoutrociclodeinfelicidadeecaosinterno,eJuliasabiaqueseriammais15minutosdeagitaçãoedesordem

antes de ele ficar em qualquer estadomental propício ao dever de casa. EracomoseelaeHaroldtivessemdeaturarumafasederevoltainternaeprotestoantesqueHaroldcapitulasseeficasseemumestadopassíveldetrabalhoregular.

UmavisãomodernadessasituaçãoéquealiberdadedeHaroldestavasendoesmagadapelasrestriçõesabsurdasdacivilização.Ainocênciaeacriatividadedainfância estavam sendo impingidas e confinadaspelas conformidadesdeumasociedadeextremamenteagitada.Ohomemnasce livre,masestáacorrentadoemtodososcantos.

Porém,olhandopara seu filho, Julianão sentiade verdadequeoHaroldsem supervisão,oHarolddonãodeverde casa,oHarolddescontrolado, erarealmentelivre.EsseHarold,quealgunsfilósofoscelebramcomooepítomedainocência e da alegria, era na verdade um prisioneiro de seus impulsos.Liberdadesemestruturaésuaprópriaescravidão.

Haroldqueriafazerodeverdecasa.Elequeriaserumbomalunoeagradarasprofessorasesuamãeeseupai.Maserasimplesmente incapaz.Dealgumaforma,nãoconseguiaevitarquesuamochilafosseumabagunçaequesuavidafosse desorganizada. Sentado à mesa, não conseguia controlar sua própriaatenção.Alguma coisa acontecia perto da pia e ele dava uma olhada.Algumpensamento errante o dirigia para a geladeira ou para um envelope que poracasoestavapertodamáquinadecafé.

Longedeestarlivre,agoraHarolderaumavítimadasreminiscênciasdesuaprópria consciência-lanterna, distraído por um lembrete errante, incapaz deregularsuasrespostas.Eraespertoosuficienteparasentirqueestavasaindodocontrole. Não tinha como reverter a turbulência que crescia dentro de si.Então,ficavafrustradoeachavaqueeramau.

Em algumas noites, honestamente, Julia fazia com que esses momentosficassempioresaoperderapaciência.Nessesmomentoscansativos,frustrantes,ela simplesmentemandavaHarold se esforçar e terminar logo. Por que nãoconseguiacompletaressastarefassimples,queelesabiafazer,quedeveriamsertãofáceisparaele?

Issonuncafuncionava.Mas Julia tinhaoutros recursos.Quando eranova, sua família semudava

bastante.Trocavadeescolasedevezemquando tinhadificuldadepara fazernovos amigos.Nessas horas, ela se jogava à própriamãe e contava com suacompanhia. Elas faziam longas caminhadas juntas e saíam para tomar chájuntas, e suamãe,que tambémestava solitáriananovavizinhançaequenãotinha com quem conversar, se abria. Contava para a jovem Julia sobre sua

ansiedadenonovolugar,oquegostavaneleeoquenãogostava,doquesentiafaltaeoqueestavaaguardando.Juliasesentiaprivilegiadaquandosuamãeseabria dessa maneira. Era apenas uma pequena menina na época, mas tinhaacesso a umpontode vista adulto. Sentia que estava sendo admitida emumreinoespecial.

Juliaviviaumavidabemdiferentedaquesuamãeviveu.Eramaisfácilemváriosaspectos.Passavaumaquantidadeinsanadetempocomsuperficialidades— comprando as toalhas de mão certas para o quarto de hóspedes,acompanhando fofoca de celebridade. Porém, ainda tinha um daquelesmodelos internos de trabalho em sua cabeça. Sem pensar nisso, sem nemperceber que estava replicando o comportamento da mãe, às vezes Juliacompartilhava suas próprias experiências especiais com Harold. Ela nempensavanisso,mas várias vezes quando ambos estavamno limite, quandoosmomentoseramdifíceis,elasimplesmenteseviafalandosobrealgumaaventuraquevivenciouquandoerajovem.Davaacessoprivilegiadoaeleparadentrodesuavida.

Nessa noite em especial, Julia viu Harold sozinho de um jeito estranho,lutando com os estímulos e com os impulsos aleatórios dentro de si.Instintivamente,elaopuxoueotrouxeumpoucoparadentrodesuaprópriavida.

Contou uma história para ele. Contou, dentre tantas coisas, sobre umaviagemdecarroquefezatravésdopaíscomalgunsamigosdepoisdafaculdade.Descreveuosritmosdaquelaviagem,ondeficaramnoiteapósnoite,comoosApalaches abriram caminho para as planícies e depois para as MontanhasRochosas.Descreveucomoeraacordardemanhãeverasmontanhasaolongeedepoisdirigirporhoraseaindanãoalcançá-las.DescreveuafiladeCadillacsqueviuplantadosaolongodaestrada.1

Ao fazer isso, os olhos dele ficaram presos nela, arrebatados. Ela o estavatratandocomrespeitoedeixando-oentrarnaquelaregiãomaismisteriosa—azona escondidada vidade suamãeque existiu antes de seunascimento. Seuhorizonte de tempo aumentou sutilmente. Recebeu intimações sutis dajuventude de sua mãe, sua maturidade, a chegada dele, o crescimento dele,momentodeagoraeasaventurasqueeleteriaumdia.

E enquanto Julia falava, estava fazendo uma arrumação. Estava abrindoespaço nas bancadas, removendo caixas e cartas perdidas que se empilhavamdurante o dia.Harold se inclinou na direção dela, como se ela estivesse lheoferecendo água depois de uma caminhada sedenta.Como passar dos anos,

Haroldaprendeuausá-la comouma ferramentapara seorganizar, eduranteessapequenaconversaaleatória,elecomeçouafazerexatamenteisso.

Julia olhou paraHarold e percebeu que o lápis estava pendurado em suaboca. Ele não estava exatamentemordendo o lápis,mas apenasmantendo-opendurado suavemente entre os dentes na maneira automática que faziaquandoestavapensandoemalgumacoisa.Derepente,pareceuestarmaisfelizemaiscomposto.Comsuahistória,Juliaativoualgumacoisa—umamemóriaimplícitadecomosercalmoecontrolado.Elaoenvolveunotipodeconversaqueeleaindaeraincapazderealizarsozinho.Foicomoummilagre,eHaroldlogofezseudeverdecasacomfacilidade.

No entanto, é claro que não foi um milagre. Se tem uma coisa quepsicólogos do desenvolvimento aprenderam ao longo dos anos é que os paisnão precisam ser psicólogos brilhantes para ter sucesso. Não precisam serprofessores de talento supremo. Amaioria das coisas que os pais fazem comfiguraseexercíciosderepetiçãoetutoriaisparaaperfeiçoarseusfilhosparaquesejammáquinas perfeitas de realização não tem absolutamente efeito algum.Em vez disso, os pais têm apenas de ser bons o suficiente.Têmde fornecerritmosestáveiseprevisíveisaosseusfilhos.Precisamsercapazesdesesintonizarcom as necessidades de seus filhos, combinando calor e disciplina. Precisamestabelecer os laços emocionais seguros aos quais as crianças podem voltarperanteoestresse.Precisamestarláparaproverexemplosvivosdecomolidarcom os problemas do mundo para que suas crianças possam desenvolvermodelosinconscientesdentrodesi.

Apegadoscomfirmeza

Cientistassociaisfazemopossívelparachegaraalgumentendimentolimitadodo desenvolvimento humano.Em1944, o psicólogo britânico JohnBowlbyfezumestudochamadoForty-FourJuvenileThieves(Quarentaequatroladrõesjuvenis) sobre um grupo de jovens delinquentes. Ele notou que uma altapercentagem de meninos havia sido abandonada quando jovem e sofria desentimentosderaiva,humilhaçãoeinutilidade.“Elasefoiporqueeunãosoubom”,explicavam.2

Bowlby notou que osmeninos recusavam afeições e desenvolviam outrasestratégiasparalidarcomosensodeabandonoqueosatormentava.Teorizouqueoqueascriançasmaisprecisamédesegurançaedeexploração.Precisamsesentiramadosporaquelesqueosquerembem,mastambémprecisamsairpara

o mundo e cuidar de si mesmos. Bowlby argumentou que essas duasnecessidades, mesmo que por vezes conflitantes, também são conectadas.Quantomaisseguraapessoasesenteemcasa,maisprovávelqueelaseaventuredeformaousadaparaexplorarnovascoisas.Ou,comoBowlbymesmocoloca:“Todos nós, do berço ao túmulo, somos mais felizes quando a vida estáorganizada como uma série de excursões, longas ou curtas, a partir da baseseguraprovidapornossasfigurasdeapego.”3

O trabalho de Bowlby ajudou amudar o pensamento sobre a infância esobre a natureza humana. Até a sua época, psicólogos tendiam a estudar ocomportamento individual, não os relacionamentos. O trabalho de Bowlbyenfatizouque a relação entreumacriança eumamãeoucuidadoraprimáriamolda de maneira poderosa como essa criança vai enxergar ela mesma e omundo.

Antes da era de Bowlby, e até mesmo nos anos que se seguiram, muitaspessoassefocaramnasescolhasconscientesqueaspessoasfaziam.Asuposiçãoeraadequeaspessoasolhamparaomundo,oqueésimples,edepoistomamdecisões, que são complicadas e difíceis. Bowlby focou-se nos modelosinconscientesquecarregamosemnossacabeça,osquaisorganizamapercepçãoemprimeirolugar.

Por exemplo, um bebê nasce com certa característica inata, como airritabilidade.Mas ele é sortudo o suficiente por ter umamãe que conseguedecifrarseusestadosdeespírito.Elaoabraçaquandoelequerabraçoseodeixairquandoelequerserdeixado.Elaoestimulaquandoelequerestimulaçãoesefreiaquandoeleprecisadetranquilidade.Obebêqueéumacriaturaqueexisteem diálogo com outras. Ele começa a ver o mundo como uma coleção dediálogos coerentes. Ele também aprende que, se mandar sinais, elesprovavelmente serão recebidos. Ele vai aprender a obter ajuda quando estáencrencado. Vai desenvolver uma série de suposições sobre como o mundofunciona e vai contar com essas suposições ao se projetar e conhecer outraspessoas(ondeessassuposiçõesserãovalidadasouvioladas).

Crianças quenascem emuma teiade relacionamentosharmônicos sabemcomoparticipardeconversascompessoasnovasecomolersinaissociais.Veemo mundo como um lugar acolhedor. Crianças que nascem em uma teia derelacionamentos ameaçadores podem ser medrosas, retraídas ou muitoagressivas. Percebem ameaças com frequência, mesmo quando não existenenhuma. Talvez não sejam capazes de ler sinais ou de ter um senso de sipróprias como alguém digno de ser escutado. Esse ato de construção

inconscientedarealidadedeterminademaneirapoderosaoquevemoseaqueprestamosatenção.Moldadamesmaformaoquevamosfazer.

Há várias maneiras de definir relações parentais, mas Mary Ainsworth, aprotegidadeBowlby,deduziuqueummomentocrucialaconteciaquandoumacriançaeraseparadadesuafiguradeapegoecompelida,mesmoqueporalgunsminutos, a explorar omundo sozinha. Ainsworth criou o Teste de SituaçãoEstranha para examinar esses momentos de transição entre estar segura eexplorar.Emumapermutaçãotípicadoteste,Ainsworthcolocavaumacriançapequena (geralmente de 9 a 18 meses) e sua mãe em uma sala cheia debrinquedos convidativos à exploração. Então um estranho entrava na sala.Depoisamãedeixavaobebêcomoestranho.Depoisamãeretornava.Depoisamãe e o estranho deixavam o bebê sozinho.Depois o estranho retornava.Ainsworth e seus colegas de trabalho observaram a criança atentamente emcada uma dessas transições: o quanto protestava quando a mãe saía? Comoreagiaquandoamãeretornava?Comoreagiaaoestranho?

Nas décadas subsequentes, o Teste da Situação Estranha foi aplicado emmilhares emilhares de crianças nomundo todo.4Cerca de 2/3 das criançaschoram um pouco quando suas mães as deixam e depois correm para elaquando retorna à sala. Considera-se que essas crianças apresentam apegoseguro. Cerca de 1/5 das crianças não apresenta nenhuma demonstraçãoexterna quando suas mães saem e nem correm para ela quando retorna.Considera-sequeessascriançasapresentamapegoevitativo.Ogrupofinalnãoapresenta reações coerentes. Podem voltar correndo para a mãe quando elaretorna,mas podem tambémdar-lhe um soco de raiva quando se aproxima.Considera-se que essas crianças apresentam estilos de apego ambivalente oudesorganizado.

Essas categorias têmasmesmas falhasde todas as tentativasde categorizarsereshumanos.Nãoobstante,háumamontanhadepesquisa,conhecidacomoteoriadoapego,queexplicacomodiferentestiposdeapegosãorelacionadosadiferentes estilos de comportamento parental, e com que força os apegos dainfância moldam relacionamentos e êxitos no decorrer de uma vida. Oresultadoéqueoapego,atémesmonoprimeiroanodeidade,secorrelacionarazoavelmentebemcomamaneiracomoaspessoassesairãonaescola,comovãoavançarnavida e comomais tardevãodesenvolver relacionamentos.Osresultados de um teste na infância não determinam um curso de vida.Ninguémestápreso aumdestinodurante a infância.Todavia, elesdãouma

ideia dosmodelos internos de trabalho que foram criados pela relação entrepaisecriança,modelosqueserãousadosentãoparanavegarnomundoafora.

Criançasqueapresentamapegosegurotêmpaisquesãoantenadoscomseusdesejoseespelhamseusestadosdeespírito.Suasmãesasacalmamquandoestãoalarmadas e brincam com elas alegremente quando estão em júbilo. Essascriançasnãotêmpaisperfeitosourelacionamentosperfeitos.Criançasnãosãofrágeis.Seuspaispodemfazerbesteira,perderapaciênciaeàsvezesignorarasnecessidades de seus filhos, mas ainda assim se o padrão geral de cuidado éconfiável,entãoosfilhosaindasesentemsegurosemsuapresença.Outraliçãoé que não há um estilo certo de criação. Os pais podem expedir puniçõesinflexíveise,contantoqueacriançaachequeaconversaécoerenteeprevisível,entãooapegoprovavelmenteaindavaiserseguro.

Quando os pais atingem essa sintonia com seus filhos, uma onda deoxitocina inunda seus cérebros. Alguns cientistas, com aquele jeito especialdeles,chamamaoxitocinade“neuropeptídeodaafiliação”.Elaeclodequandoas pessoas estão desfrutando de laços sociais próximos; quando a mãe estádandoàluzoudandodemamar;depoisdeumorgasmo,quandoduaspessoasapaixonadas se olham nos olhos; quando amigos ou parentes se abraçam. Aoxitocina dá às pessoas um sentimento poderoso de satisfação. Em outraspalavras,éamaneiraqueanaturezatemdeentrelaçarosindivíduos.

Criançasqueapresentamapegosegurotendemalidarbemcomsituaçõesdeestresse. Um estudo de Megan Gunnar, da Universidade de Minnesota,descobriuquequandodãoumavacinaemumacriançade15mesesde idadeque apresenta apego seguro, ela vai chorar por causa da dor,mas o nível decortisol em seu corpo não vai aumentar. Crianças que apresentam apegoinseguro podem chorar nomesmo volume,mas talvez não chamempor seucuidadoreseusníveisdecortisolsãomaispassíveisdeseelevarem,porqueestãoacostumadasasentirmaisestresseexistencial.5Criançasqueapresentamapegosegurotendematermaisamigosnaescolaeduranteas férias.Naescola,elassabem como usar professores e outros adultos para obter sucesso. Não sesentemcompelidas a apoiar-se emprofessores ou a ficarpertodeles o tempotodo. Também não ficam distantes deles.6 Vêm e vão — estabelecendocontatoeselibertando.Tendemtambémasermaishonestasduranteavida,asentirmenosnecessidadedementirparacresceraosolhosdosoutros.7

Crianças que apresentam apego evitativo tendem a ter pais que sãoemocionalmente fechados ou psicologicamente indisponíveis. Não se

comunicambemcomseusfilhosnemestabelecemcompatibilidadeemocional.Às vezes, vãodizer a coisa certa,mas suaspalavrasnão são acompanhadasdenenhum gesto físico que comunica afeição. Em resposta, seus filhosdesenvolvem ummodelo interno de trabalho no qual deduzem que têm decuidardesipróprios.Aprendemanãocontarcomosoutroseseretraemcompreempção.NosTestesdaSituaçãoEstranha,elesnãoprotestam(pelomenosnãonoladodefora)quandosuasmãessaemdasala,apesardesuafrequênciacardíaca aumentar e de estarem todos estressados internamente.8 Quandodeixados a sós, tendem a não chorar, mas continuam com seu jogo eexploraçãosolitários.

Conformecrescem,essascriançasparecemser,emumaprimeiraimpressão,incrivelmente independentes e maduras. Durante as primeiras semanas deescola,seusprofessoresasavaliampositivamente.Masaospoucosficaclaroquenãoestãodesenvolvendorelaçõespróximascomamigoseadultos.Sofremdeníveismaiselevadosdeansiedadecrônicae são insegurasemsituações sociais.NolivroTheDevelopmentofthePerson(Odesenvolvimentodapessoa),deL.Alan Sroufe,ByronEgeland,ElizabethA.Carlson eW.AndrewCollins, háumadescriçãodeumacriançaqueapresentaapegoevitativoaoentrarnasaladeaula:“Elecaminhavaemumasériedeângulos,comoumveleiromudandode direção de acordo com o vento. Por aproximação, ele acabava perto daprofessora;depois,virandoascostas,esperavaatéqueelaocontatasse.”9

Adultosqueapresentamapegoevitativotendemanãoselembrarmuitodainfância.10Podemdescreversuainfânciaemtermosgerais,maspoucacoisafoipoderosaosuficienteparasealojarnamemória.Têmproblemasfrequentesemdesenvolvercompromissosíntimos.Podemserexcelentesemdiscussõeslógicas,masreagemcomdesconfortoprofundoquandoaconversaseencaminhaparaasemoções,ouquandopedemqueserevelem.Passamseusdiasdentrodeumaextensãoemocionalestreitaeficammaiscalmosquandoasós.DeacordocomotrabalhofeitoporPascalVrticka,daUniversidadedeGenebra,adultosqueapresentaramapegoevitativomostrammenosativaçãonasáreasderecompensado cérebro durante interação social.11 São três vezes mais propensos a sersolitáriosaos70anosdeidade.12

Ascriançascompadrõesdeapegoambivalenteoudesorganizadotendematerpaisque são inconstantes.13Emumminutoestão lá,nooutro se foram.Podem ser exageradamente intrusos em um momento e depois friamente

distantes. Os filhos têm dificuldade em desenvolver modelos consistentes detrabalho.Sentemumanecessidadesimultâneadecorreraoencontrodamãeedopaiedecorrernadireçãooposta.14Quandosãocolocadosnotopodeumdeclive assustador, ainda bem jovens, como aos 12meses de idade, eles nãobuscam ajuda em suas mães, como bebês seguros fazem. Desviam o olhardelas.15

Mais tarde, essas crianças têm mais medo que outras.16 Têm maispropensão aperceber ameaças edificuldadede controlar seus impulsos.Essestiposdeestressepodemterinfluênciasalongoprazo.Meninasquecrescememumlar sempai tendemamenstruarcedo,mesmodepoisdecontrolaroutrosfatores.Tendem,nogeral,asermaispromíscuasnaadolescência.17Ascriançascom padrões desorganizados de apego tendem a ter maiores índices depsicopatologia aos 17 anos de idade.18 As com lares desorganizados têmcérebromenor,deconexõesmenosdensas,porqueochoquetraumáticodesuainfânciaretardouodesenvolvimentosináptico.19

Novamente, isso tudonãosignificaqueoapego inicialdeterminaocursoda vida. Os resultados na vida adulta não seguem os padrões de apegorigorosamente. Emparte, isso se dá porque algumas pessoas parecem ter umtemperamento bastante resiliente que lhes permite superar desvantagensiniciais.20 (Até mesmo entre as pessoas que sofrem abuso sexual quandocrianças, aproximadamente 1/3 mostra poucas consequências sérias na vidaadulta.) Emparte, isso se dá porque a vida é complicada.Uma criança compadrãopobredeapegocomsuamãepodeencontrarummentorouuma tiaque vai ensinar como se relacionar. Algumas crianças têm a habilidade de“usar”outraspessoas,deatrair figurasdeapegomesmose seuspaisnãoestãofazendooquedevem.Noentanto,essesapegosparentais iniciaisabrem,sim,umcaminho;elespromovemummodeloinconscientedetrabalhorelacionadoàmaneiracomoomundofunciona.

Vários estudosdemonstraramcomopadrões iniciaisdeapego influenciamas pessoas durante o curso de suas vidas. Descobriram, por exemplo, que aAlemanhatemmaisbebêsevitativosdoqueosEstadosUnidos,equeoJapãotemmaisbebêsansiosos.21UmdosestudosmaisimpressionantestembaseemMinnesota e é resumido em The Development of the Person (Odesenvolvimentodapessoa),deSroufe,Egeland,CarlsoneCollins.

Sroufeesuaequipeacompanharam180criançasesuasfamíliaspormaisdetrêsdécadas.Começaramostestescercadetrêsmesesantesdonascimentodascrianças (para avaliar as personalidades dos pais) e as observaram,mediram etestaramdemaneirasincontáveis,emtodososaspectosdesuasvidasesemprecomobservadoresmúltiplosrigorososeindependentes.

Oresultadodesseestudonãoderrubaosensocomum,mas,aocontrário,oreforça demaneira impressionante.A primeira descobertamais impactante équeamaioriadasflechadascasuaisfluemdospaisparaosfilhos.Éobviamenteverdadequecriançasirritadiçasecheiasdecólicasdificultamoapegoeémaisdifícilacalmá-las,equecriançasalegresfacilitamoapego.Entretanto,ofator-chave é a sensibilidade parental. Pais com personalidades comunicativas einterativastendemaproduzircriançasqueapresentamapegoseguro.Paiscommemórias de bons relacionamentos com seus próprios pais também. Paissensíveis conseguem se apegar demaneira segura às crianças difíceis e vencerdesvantagensgenéticas.

Outra descoberta impactante é que as pessoas se desenvolvem coe ‐rentemente.As crianças que foram avaliadas como apegadas de forma seguranoprimeiroanodevidatenderamareceberamesmaavaliaçãoemoutraidade,anãoserquealgumeventohorrívelinterferisse,comoamortedeumpaiouoabusonolar.“Emgeral,nossoestudocorroborafortementeopoderprevisíveldaexperiênciadainfância”,escrevemosautores.22Ocuidado inicial sensívelpreviuacompetênciaemtodaidadesubsequente.

Em terceiro lugar, os padrões de apego se correlacionaram bem com aperformancenaescola.Algunspesquisadoresachamque,semediremoQIdeuma criança, podem prever com facilidade em que medida vai avançaracademicamente. O estudo Sroufe sugere que fatores social e emocionaltambém são incrivelmente poderosos.Medições da segurança do apego e dasensibilidade do cuidador foram relacionadas às notas de leitura e dematemáticaduranteosanosdeescola.23Ascriançasqueapresentavamapegoinseguroouevitativoerammuitomaispropensasadesenvolverproblemasdecomportamentonaescola.Asquetinhamcuidadoresdominadores, intrusoseimprevisíveisaos6mesesdeidadeerammuitomaispropensasaserdesatentasehiperativasnaescola.24

Observando medidas de qualidade de cuidado aos 42 meses, ospesquisadoresdeSroufepuderamprever,com77%deprecisão,quemlargariao ensino médio.25 A inserção de informações sobre QI e de testes de

aproveitamento não permitiu que os pesquisadores aprimorassem a precisãodaquela previsão. As crianças que permaneceram na escola em geral sabiamcomoconstruirrelacionamentoscomseusprofessoresecolegas.Aos19anosdeidade,reportaramterpelomenosumprofessor“especial”queestava“doladodelas”.Aquelasquelargaramaescolanãosabiamcomoconstruirrelaçõescomadultos.Amaioriareportouquenãotinhaumprofessorespeciale“muitasdelasolhavampara o entrevistador como se umapergunta incompreensível tivessesidofeita”.26

Padrões de apego na primeira infância também ajudaram a prever aqualidade (porém não a quantidade) de outras relações mais tarde,especialmente relações amorosas. Predizem com firmeza se a criança vai setornar um líder na escola. Predizem níveis de autoconfiança adolescente,envolvimentosocialecompetênciasocial.

Criançastambémtendemareplicarocomportamentodeseuspaisquandoelas mesmas têm filhos. Quarenta por cento dos pais que sofreram abusoquando jovens abusaramde seus próprios filhos, aopasso que todas asmães,com exceção de uma, com histórias de cuidados compreensivos forneceramcuidadosadequadosparasuasprópriascrianças.27

Sroufe e sua equipe observaram crianças com seus pais, enquantobrincavam, e tentaram resolver alguns enigmas.Depois, passados vinte anos,observaramseussujeitosdepesquisa,agorapais,brincandocomseusprópriosfilhos.Àsvezes,osresultadoseramestranhamenteparecidos,comodescreveramemumdoscasos:

QuandoEllis busca a ajuda damãe ao se debater comumproblema, ela rola os olhos para

cimaeri.28Quando ele finalmente consegue resolveroproblema, suamãediz: “Está vendocomovocêfoiteimoso.”Duasdécadasdepois,conformeEllisobservaseufilhoCarlsedebatercomomesmoproblema,ele sedistanciadacriança, rindoebalançandoacabeça.Depoiselezombadomeninofingindoerguerodoceparaforadacaixaedeixando-ocairquandoacriançavempegá-lo.Nofinal,ele temderesolveroproblemaparaCarlediz:“Vocênãofez isso,eufiz.Vocênãoétãoespertoquantoeu.”

Acomplexidadedavida

Se fosse perguntado aHarold, quando adulto, qual estilo de apego seus paisestabeleceram,eleteriarespondidoquefoioapegoseguro.Eleselembravadasférias felizes e dos laços com amãe e o pai.E é verdade; namaior parte dotempo os pais estavam sintonizados com suas necessidades e Harold

desenvolveumodelosseguros.Haroldsetornouumrapazabertoeconfiante.Sabendo que havia sido amado no passado, presumiu que seria amado nofuturo. Tinha uma fome tremenda por interação social. Quando as coisasdavam errado, quando caía em um de seus estados de espírito deautodepreciação, ele não se retraía (muito) nem se descontrolava (muito).Apoiava-seemoutraspessoaseesperavaquefossemlhereceberemsuasvidaseajudá-loaresolverseusproblemas.Falavacomosoutrosepediaajuda.Entravaemnovosambientesconfiantedequeconseguiriafazeramigos.

Mas a vida realnuncapode ser completamente reduzida auma tipologia.Harold também sofria de certos terrores e sentia certas necessidades que seuspais nunca conseguiram compreender. Eles simplesmente não tinhamexperiênciacomalgumasdascoisaspelasquaiseleestavapassando.Eracomosetivesseumacamadaespiritualescondidaqueelesnãotinham,terroresquenãoconseguiamentendereaspiraçõesdasquaisnãoconseguiamcompartilhar.

Quando Harold tinha 7 anos de idade, começou a temer os sábados.Acordavapelamanhãcientedequeseuspaissairiamnaquelanoite,comoquasesempre faziam.Com o passar das horas, dizia para simesmo que não deviachorar quando fossem embora. Rezava a Deus durante a tarde: “Por favor,Deus,nãomedeixechorar.Porfavor,nãomedeixechorar.”

Ficava no jardim olhando as formigas ou em seu quarto brincando,maspensamentosdeapocalipsenuncaestavamafastados.Sabiaqueospaisdeviamsairànoiteequeosmeninosdeviamaceitarissobravamenteesemchorar.Massabia que era uma regra que não conseguia obedecer, por maisdesesperadamente que tentasse. Semana após semana, se derramava emlágrimasecorrianadireçãodelesquandofechavamaportaesaíam.Duranteanos,babásoagarravamelutavameseesforçavamparasegurá-lo.

Seuspaislhediziamquefossedestemidoecorajoso.Eleconheciaeaceitavao código que devia seguir, e tinha conhecimento extenso sobre sua própriadesgraça.Omundoeradivididoentremeninosquenãochoravamquandoospaissaíameele,sozinho—quenãoconseguiafazeroquedevia.

RobeJuliatentaramváriasestratégiasparaevitaressescolapsos.Lembravamqueeleiaparaaescolatododiasemnenhummedoouansiedade.Masissonãoabrandou a certeza que Harold tinha de que ia chorar e errar mesmo quequisessedesesperadamenteacertar.

Certa tarde, Rob pegou Harold se esgueirando furtivamente pela casa,acendendo todas as luzes e fechando todas as portas de armários. “Você ficacommedoquando saímos?”, perguntou ele.É claroqueHarolddisse “não”,

querendodizer “sim”.Robdecidiu levá-lo emumpequenopasseio pela casaparamostrarquenãohavianadaoquetemer.EntraramemtodososcômodoseRobmostrouqueestavamvazios.Robviuospequenoscômodosvazioscomoprova inquestionável de que tudo era seguro.Harold viu as grandes câmarasdesabitadas como prova inquestionável de que alguma forçamaligna pairavaali.“Viu?Nãohánadacomoquesepreocupar”disseRob.Haroldentendeuque esse era o tipo de coisa que adultos dizem quando olham para algorealmenteaterrorizante.Consentiucommelancolia.

Juliasesentoucomeleparaumaconversaedissequequeriaqueele fossevalente. Ele estava perdendo a mão nessas cenas de sábado, disse ela. E issolevou aumdaquelesmal-entendidos cômicosque sãobordadosno tecidodainfância.Haroldnuncatinhaouvidofalarnaexpressão“perderamão”,eporalgumarazãoeleimaginouquesuapuniçãoporchorarseriaqueelescortariamsuasmãos. Imaginouumhomem alto emagro de casaco cumprido e cabelodesarrumadocompernascomopernasdepauentrandodepressacomtesourasenormes. Algumas semanas antes, ele havia decidido—de novo, por razõesconfusasquesóumacriançapodeter—quechoravaquandoseuspaissaíamporqueelecomiamuitorápido.Eagoraiaperderasmãos.Pensouemsanguejorrandodeseuspunhos.Pensouemtentarjantarcomdoiscotocoseseaindaconseguiria comer rápido demais. Tudo isso estava passando na cabeça deleenquanto Julia conversava pacientemente, e ele assegurou para ela que nãochoraria. Como um assessor de imprensa, ele sabia que havia uma posiçãooficial que ele devia repetir em público. Por dentro, tinha certeza de quechoraria.

Àtarde,eleescutariaosecadordecabelodamãe—umsinaldequeofimestavapróximo.Umapanelasolitáriadeáguafervianofogãoparaomacarrãocomqueijoqueelecomeriasozinho.Ababáchegou.

RobeJuliacolocaramseuscasacoseseguiramparaaporta.Haroldficounocorredor.Ochoroemsicomeçoucomoumasériedepequenostremoresemseu peito e estômago. Depois, ele sentiu o torso movendo ao tentar ficarparado.Apressãodaslágrimasseacumulounosolhoseelefingiuquenãoeramvisíveisaosentironarizcoçareoqueixotremer.Aísuasvíscerasselibertaram.Eleentrouemconvulsõespelochoro, lágrimasrespingandonochãosemqueele tentasse escondê-las ou limpá-las.Dessa vez nãomoveu os pés ou correuparaeles.Apenasficousozinhonocorredortremendodemedocomseuspaisàportaeababáatrásdele.

“Eusoumau.Eu soumau”,pensouele.Suavergonhacresceueo tomoupor inteiro.Ele eraomeninoque chora.Enomeioda agitação entendeu acausalidadedemaneiraerrada.Pareciaqueseuspaisestavamsaindoporqueeleestavachorando.

Algunsminutosapósasaídadospais,Haroldpegouacobertadesuacama,cercou-se de seus animais de pelúcia e construiu uma fortaleza ao seu redor.Crianças projetam almas dentro de seus animais de pelúcia preferidos ecomungamcomelesdaformacomoadultosfazemcomíconesreligiosos.Anosdepois,ele se lembrariadeuma infância feliz,maselaestavaentrelaçadacomseparaçõesdolorosas,confusões,equívocos,traumasemistérios.Éporissoquetodas as biografias são inadequadas; nunca conseguem capturar as correntesinternas. É por isso que o autoconhecimento é limitado. Apenas algumaspessoas notáveis conseguem sentir a maneira como a experiência inicialconstruiumodelosno cérebro.Mais tarde, construímos ficções e teoriasparaesconderomistériodoqueestáacontecendoládentro,masnainfânciaoteorinexplicável do mundo ainda é vívido e novo, e às vezes eclode com forçaaterrorizante.

1Refere-seaoRanchodoCadillacemAmarillo,Texas,umainstalaçãoartísticacriadaem1974.(N.daT.)

capítulo6

APRENDENDO

Crianças populares, bonitas e atléticas são alvode abuso incansável.Quandoaindajovenseimpressionáveis,sãoforçadasaentraremumadietadefábulas sobre patinhos feios com as quais não conseguem se identificar. Sãoobrigadas a aturar filmes intermináveis da Disney que lhes dizem que averdadeira beleza está no interior. No ensino médio, os professores maisinteressantespreferemos alunos inteligentesque são considerados ambiciosospor ressentimentos sociais equenasnoitesde sábado têmtempode ficaremcasa e de se interessarem por Miles Davis ou Lou Reed, agradando adultos.Depois da formatura, os populares e bonitos têmpoucosmodelos a seguir anão ser o homem que apresenta a previsão do tempo ou apresentadores degame-shows, ao passo que os nerds podem emular um número demagnatasmodernos, de Bill Gates a Sergey Brin.1 Conforme está escrito, os últimosserãoosprimeiroseosgeeksvãoherdaraTerra.2

E no entantoHarold, sempre alegre, lidou com o peso da sua aparênciaadolescente e da popularidade de forma leve. Teve seu pico de crescimentocedo e foi um astro nas brincadeiras de criança durante o final do ensinofundamental.Asoutrascriançasoalcançaramemtamanhoeosuperaramemhabilidade,maseleaindajogavacomumaconfiançaqueinspiravadeferênciaerespeito. Juntos, ele e seus amigos de cintura fina e ombros quadrados eramnotáveisporsuahabilidadedeproduzirbarulho.Osomradiavaporseusporos.Eles se cumprimentavamdemaneira explosivapelos corredoresda escola. Sehaviaumagarrafadeáguaàmão,faziamumjogoexuberantedearremessonorefeitórioetodomundotinhadesecurvarquandoagarrafapassavazunindo.Trocavampiadas sobreboquetecomasmeninasbonitas,oque transformavaprofessores do sexo masculino em espectadores excitados e reduzia ossegundanistasapoçasdeveneraçãovoyeurística.Tinhamorgulhodeliciosodo

fato,nuncaexpressadomasentendidouniversalmente,dequeeramosreisdaescola.

As relações de Harold com seus amigos envolviam máximo contatocorporal emínimo contato visual. Estavam sempre lutando, empurrando ouentão fazendo pequenas competições que demandavam destreza. Às vezes,pareciaqueamizadesinteirasnaquelegrupoeramconstruídasemtornodeusoscômicos da palavra “escroto”, e eram desbocados damesmamaneira com asamigas.Haroldsaiucomumasériedemeninasbonitas—sucessivamente,nofinaldascontas,doEgito,doIrã,daItáliaedeumaantigafamíliaprotestante3daInglaterra.DevezemquandopareciaqueestavausandoasérieAhistóriadacivilização,deWilleArielDurant,comomanualdenamoro.

Aindaassim,eraapreciadopelosadultos.Comosamigoserasempre“Eaí!Retardado!”,mas, em companhia dos pais e de adultos educados, usava umalinguagem e um grupo demaneirismos baseados na pretensão de que nuncahavia passadopela puberdade.Ao contrário de vários adolescentes, conseguiasersensívelepolissilábicoe,àsvezes,pareciasinceramentetocadopeloespíritoescolar de conscientização sobre o aquecimento global, tão querida pelosprofessoreseorientadores.

A escoladeHarold era estruturada comoumcérebro.Haviauma funçãoexecutiva—nessecaso,odiretoreorestodosadministradores—queoperavasobailusãodequecomandavaaescola.Masnofundo,nomeiodosarmáriosenoscorredores,aconteciaotrabalhorealdoorganismo—atrocadebilhetes,saliva,paixões,rejeições,amizades,rixasefofocas.Haviacercademilalunose,portanto,aproximadamentemilvezesmilrelacionamentos,asubstânciarealdavidadoensinomédio.

Aspessoasemseusescritóriosdeluxoacreditavamqueaescolaexistiaparacumpriralgumprocesso socialmenteprodutivode transmissãode informação—geralmenteenvolvendoprojetosdeciênciaemcartazes.Masnarealidade,éclaro, o ensinomédio éumamáquinadeordenação social.Oobjetivodessafaseescolarédaraosjovensumsensodeondeseencaixamnaestruturasocial.

Em 1954, Muzafer Sherif conduziu um famoso experimentosociocientífico.1Reuniuumgrupohomogêneode22alunosdeOklahomaeos levou a um acampamento no parque estadual Robbers Cave. Dividiu osmeninos de 11 anos de idade em dois grupos, que se autonomearam osCascavéiseosÁguias.Depoisdeumasemanaseparados,ogrupodepesquisaorganizouumasériedejogoscompetitivosentreosdoisgrupos.Osproblemas

começaram imediatamente.OsCascavéis colocaram sua bandeira na barreiradocampodebeisebol“deles”.OsÁguiasaarrancarameaqueimaram.

Depoisdeumapartidadecabodeguerra,osCascavéisatacaramascabanasdosÁguias,destruíramsuapropriedadeeroubaramalgumasroupas.OsÁguiasse armaram com paus e destruíram a unidade dos Cascavéis. Quandoretornaram,prepararam-se para a retaliação inevitável.Colocarampedras emmeiasparaquepudessemacertarseusinimigosnorosto.

Os dois grupos desenvolveram culturas opostas. Os Cascavéis xingavam,então os Águias baniram o xingamento. Os Cascavéis posavam de durões,entãoosÁguiasorganizaramsessõesdeorações.Oexperimentosugeriuoquedezenas de outros posteriormente confirmaram: pessoas têm tendência aformargrupos,mesmocombasenascaracterísticasmaisarbitráriasimagináveis,equandoosgrupossãoadjacentes,vaiemergirfricção.

Na escola deHarold, ninguém colocava pedras emmeias. Lá, a vida eradominada por uma luta universal por admiração.Os alunos se dividiamnosinevitáveis grupinhos, e cada grupo tinha seu próprio padrão invisível decomportamento. A fofoca era usada para propagar informação sobre comocadapessoaemumgrupodeviasecomportareparaconferiraprovaçãosocialàquelesqueviolavamas regras.A fofoca é a formacomogrupos estabelecemnormassociais.2Apessoaqueaespalhaganhastatusepoderdemonstrandoseuconhecimento superior das normas. A pessoa que ouve recebe informaçãovaliosasobrecomonãosecomportarnofuturo.

Aprincípio, a preocupaçãoprimáriadeHarold era ser umbommembrodessegrupinho.Avidasocialabsorveusuasenergiasmaisintensas.Omedodaexclusãofoisuafonteprimáriadeansiedade.Entenderasregrasmovediçasdogrupoeraseudesafiocognitivomaisexigente.

Os alunos ficariamexaustos se forçados apassarodia inteironomeiodaintensidade social do refeitório e do corredor. Felizmente, as autoridades daescolatambémprogramavamperíodosinativos,chamadosdeaulas,duranteosquais alunos podiam descansar as mentes e dar um tempo das pressões dacategorização social. Alunos entendem corretamente, apesar de adultospareceremnãoentender,queasocializaçãoéacoisamaisexigenteemtermosintelectuais e mais importante em termos morais que vão fazer no ensinomédio.

Oprefeito

Certodianahoradoalmoço,Haroldparouparadarumaolhadanorefeitóriodaescola.Oensinomédioacabariaembreve,eelequeriaabsorveressacena.Ao redor, observou as estruturas primordiais da vida escolar. Alunos emparticulariamevinham,masageografiadorefeitórioeraparasempre.Desdetempos imemoriais, a Realeza da escola, o grupo ao qual agora pertencia,sentava-seàmesanocentrodosalão.OsalunosdeHonrasentavam-seàjanela;as Meninas Dramáticas, à porta, com os Jovens Roqueiros Espinhentospasseando esperançosamente por ali. Os Falsos Hippies tendiam a ficar àestantedetroféus;osNormais,nasmesaspertodosmuraisdeanúncios,logoàdireita de uma mistura de grupos menos favorecidos: os Brigadistas daMaconhaeosBrutamontesPacíficos—osalunosásio-americanosquefingiamnãofazerseudeverdecasa.

HarolderaamigodeFacebookdeduasoutrêspessoasemcadaumdessesgrupos,poissuaqualidadegregáriafaziadeleumaespéciedeembaixadordesdeaNaçãoAtléticaatéorestodaescola,eelepassavaboapartedeseuperíododealmoçonorefeitóriotrocandocumprimentosaolongeeemtodasasdireções.Nocomeçodoensinomédio,andavacomquemquerqueestivesseporperto.Depois, ficou firmemente ligado ao seu grupinho. No terceiro ano, noentanto, encontrou-se livre dele, tanto por tédio com osmesmos amigos desempre,quantoporqueestavasetornandoseguroosuficientecomsuaprópriaidentidadeparavaguearecurtirpessoasdetodosostipos.

Dava praticamente para ver sua mudança de postura conformeperambulavapelo refeitório,cruzandodeumavizinhançacognitivaaoutraesendo incluídonodialetode cada grupo enos seus rituais sociais.Assumiaoestado de espírito da ansiedade quando estava com as alunas deHonra, queeramprostitutasextracurricularesquesempretinhamdeestaremalgumoutrolugar.Colocavaosbraçosemvoltadacinturadolíderdosalunosnegrosefaziaotipodepiadaracistaquedeixatodoadultotenso,mascomaqualosalunosparecemnãoseimportar.Oscalourosatletas,quetinhamdealmoçarnochãoperto dos armários, ficavam tímidos perto dele, e consequentemente ele eragentil. Asmeninas de olhos pintados, que cultivavam uma parede defensorafeitadedesdémhostil,defatopareciamficaralegres,pelomenosumavez.

“Overdadeirograndehomeméaquelequefazcomquetodososhomenssesintam grandes”, escreveu o autor britânico G. K. Chesterton. Harolddistribuía uma pequena gota de bom ânimo onde quer que chegasse. Sehouvesse um grupo de adolescentes sentados em círculo, cabeças baixasenquantosilenciosamentepassavambilhetesunsparaosoutrospelamesa,ede

repenteHaroldaparecessedasalturas,todosolhariamparacima,radiantes.“Eaí,prefeito!”,berraumdelesdemaneirajocosaantesdeHaroldcontinuarseucaminho.Elehaviadesenvolvidoumareputaçãoparaessetipodeangariaçãodevotosderefeitório.

Osensosocial

Harold tinha a habilidade de examinar uma sala e automaticamente captarcentenas de pequenas dinâmicas sociais. Todos nós temos uma determinadamaneiradeexaminarummarderostos.Porexemplo,oolharfixodamaioriadenósvaipairar emumapessoa ruiva emqualquermultidão,porque somosnaturalmenteatraídospelo incomum.Amaioriadaspessoasvaipresumirquequemtemolhosgrandesebochechasfofasémaisfracoemaissubmissodoqueé.3(Talvezemcompensação,soldadoscomrostosinfantisnaPrimeiraGuerraMundial e na Guerra da Coreia tinham muito mais propensão a recebercondecoraçãodoquesoldadoscomfeiçõesmenosfinas.)

Haroldconseguiaintuirquaisgrupospermitiamousodedrogasequaisnãopermitiam. Sabia dizer quais grupos iriam tolerar que escutassem músicacountry no meio deles e os que iriam considerar isso motivo para exclusãosimbólica.Sabiadizer,emcadagrupo,comquantosmeninosumameninaeracapaz de sair por ano sem ser considerada uma vagabunda. Em alguns, onúmeroeratrês;emoutros,sete.

Amaioriadaspessoasdeduzautomaticamentequeosgruposaosquaisnãopertencem são mais homogêneos do que os outros.4 Harold conseguiaenxergarosgrupospordentro.Quandoelesesentavacom,digamos,osjovensdaSimulaçãodasNaçõesUnidasconseguianãoapenassevercomumbandodecrânios,masadivinharqualdelesqueriaemigrardoquadrantegeekparaoquadrante de Honra/Atletismo. Conseguia perceber quem era o líder dequalquergrupo,quemeraopiadistaequemcumpriaospapéisdeapaziguador,fanfarrão,organizadoremembrodaplateiamodesto.

Conseguia discernir quem tinha qual papel em qualquer trio feminino.Comoobservouo romancistaFrankPortman, o trio é aunidadenatural daamizade femininanoensinomédio.5Menina1 é a gostosa;Menina2 é suacompanheira; eMenina 3 é amenos atraente, o objeto da condescendênciacarinhosadasoutrasduas.Porcertotempo,Meninas1e2vãoajudarMenina3 com maquiagem e roupas e tentar aproximá-la de um dos amigos menos

atraentesdeseunamorado.Porém,maiscedooumaistarde,Meninas1e2vãodeixar claro o quão mais gostosas do que Menina 3 elas são, e a amargurasubsequente delas em relação à outra vai ficar cada vez mais óbvia até quefinalmente expulsemMenina3 e a substituamporumanova.AsMeninas3nunca têm consciência de classe suficiente para formar um grupo, conjugarseuspoderesedescartarojugodesuaopressão.

Harold tinha uma consciência social impressionante. E, ainda assim,quandovagueoupelocorredoreentrounasaladeaula,umapequenamudançaveioaele.Haroldsesentiaperfeitamentesobcontrolenocorredor.Seutalentonãopareciaresultaremtalentoacadêmico.Contudo,dealgumamaneira,nãoconseguiaobter talmaestria em sala comomaterialde leitura.E,de fato, aspartesdocérebroqueusamosparacogniçãosocialsãodiferentesdaspartesqueusamosparapensar sobreobjetos, abstraçõeseoutros tiposde fatos.6 Pessoascom síndrome de Williams têm habilidades sociais impressionantes, mas sãoseveramente incapazesquandolidamcomoutrastarefas.ApesquisadeDavidvanRooy sugere que nãomais de 5% da perceptividade emocional de umapessoapodeserexplicadapelotipodeinteligênciacognitivageralquetraçamoscomumamediçãodeQI.7

Sentadonasaladeaula,esperandoqueaaulacomeçasse,Haroldperdiaosensodecomandoquepossuíanocorredor.Olhavaparaoscrâniosnafrenteda sala e decidia que não era umdeles.Conseguia tirar de 7,5 a 8,5 e dizercoisasprodutivasnasdiscussõesde sala,mas raramente eram suas as respostasque faziamos professores irradiarem.Em algummomento,Harold concluiuqueconseguiasesairdecentementebemnaescola,masquenãoerainteligente,apesar de que se lhe fosse perguntado o que significa ser inteligente, ele nãoconseguiriadarumarespostaprecisa.

Tesãopelaprofessora

Harold seajeitounacadeiranaaulade inglês.Verdade sejadita, estavameioapaixonadopelaprofessora,oqueeraconstrangedorporqueelanãofaziaseutipo.

A srta. Taylor ressentia os atletas de sua própria escola. Foi mais o tipoartista sensível nos anos da adolescência. Formou sua identidade adulta deacordocomaregradoopostonoensinomédio,deTomWolfe.Essaregradizque, no ensino médio, todos nos encaixamos em círculos sociais e nostornamosintensamenteconscientesdequaistiposdepersonalidadesãonossos

aliados sociais e quais são nossos opostos sociais. A personalidade adulta —incluindovisõespolíticas—éparasempredefinidaemoposiçãoaosinimigosnaturaisdapessoanoensinomédio.

Asrta.Taylorestava,portanto,destinadaparasempreaficarnocampodasensibilidadeartísticaeopostaaocampodaassertividadeatlética.Estavanaáreadoobservadordistanteeopostaaocampodoenergéticoirracional.Estavanaáreadomais-emocional-que-tuemvezdenocampodomais-popular-que-tu.Isso significava que estava quase sempre primorosamente afinada com suasemoções superiores, e também significava, infelizmente, que se não estivessepassandopornenhumdramaemocionalinteressanteemumdiaqualquer,teriadeinventarum.

Nocomeçodamaioridade,passouporsuasfasesdeAlanisMorissette,JeweleSarahMcLachlan.Participavadepasseatas e reciclavae seuniaaosboicotesdosvirtuosos.Podiamcontarcomelaparaserranzinzaemgrandeseventos—formaturas, casamentos, semana de formatura4 na praia—de umamaneiraque a destacasse das hordas festeiras da juventude imatura. Escrevia recadosvergonhosamente sentimentais nos anuários das pessoas e, de maneiraimpressionante, encontrou seu caminho até Hermann Hesse e CarlosCastaneda,mesmoqueninguémdesuaidadejátivesseouvidofalarneles.Eraumaespéciedeprodígioquandosetratavadeficarconsternada.

No entanto, ela cresceu. Fumou na faculdade, o que lhe permitiu fazeralguma coisa impassível e cínica. Também teve seus anos de Teach forAmerica.5Durante esse período, viu o que é ser realmente ferrado, e isso atornoumenosenamoradaporsuasprópriascrises.

Quando Harold a conheceu, estava perto dos 30 e ensinava inglês. ElaescutavaFeist,YaelNaïmeArcadeFire.LiaDaveEggerseJonathanFranzen.EraviciadaemhigienizadordemãoeCocaZero.Usavaocabelobemlongoebemnaturalparamostrarquenãoestavanacarreiradeentrevistasdetrabalhooudeadvogadaassociada.Amavacachecóiseescreviacartascomletracursiva.Decorava suasparedes,atémesmoacimade suamesaemcasa,commáximasdidáticas, em suamaioria nosmoldes da observação deRichard Livingstone:“Normalmente se pensa no fracasso moral como resultado da fraqueza decaráter:eleémuitomaisresultadodeumidealinadequado.”

Ela podia ter virado uma pessoa normal se não tivesse sido submetida aocurrículo de inglês do ensinomédio.Uma coisa é ter de ler, durante algunsanosdavidadeumapessoa,Umailhadepaz,Oapanhadornocampodecenteio,

Ratosehomens,AsbruxasdeSalém,Acorpúrpura,Aletraescarlate,OSoléparatodos.Outracoisaéterdeensinaresseslivros,semestreapóssemestre,diaapósdia,anoapósano.Nãosesaidissoilesa.

Elesaseduzirameganharamacessoàsuamente.Elogoelasetornouumacasamenteira.Decidiuqueseupapelnavidaeraolharfundonasalmasdeseusalunos,diagnosticarodesejocentraledepoisuniressapessoaàobraliteráriadepretensões intelectuaismedianasquemudaria suavida.Parava seusalunosnocorredor,depositavaumlivroemsuasmãose,comvoztrêmula,dizia:“Vocênãoestásó!”

Nuncahaviaocorridoaessealunosqueestavamsós.Porém,asrta.Taylor,talvezgeneralizandodeformaexageradaapartirdesuaprópriavida,deduziuqueportrásdetodaanimadoradetorcida,portrásdetodomembrodebanda,portrásdetodoestudiosodeméritohaviaumavidadedesesperosilencioso.

Portanto, ela oferecia livros como formade salvação.Enxergava os livroscomoumamaneiradeescapardoisolamentoedesesentiremcomunhãocomOsQueSentem.“Estelivrosalvouminhavida”,diziaaosseusalunos,umporum,emsussurrosapressadosdepoisdaaula.Elaosconvidavaparaaigrejadosquesãoredimidospelaslistasdeleituradoensinomédio.Elaosfazialembrarquequandoosmomentos sãoobscuros,quandoo sofrimentoé insuportável,aindaháHoldenCaulfieldparatrilharessecaminhocomvocê.

Depois, se regozijava. Seus olhos se enchiam. Seu coração era tocado. Àsvezes,sóolharparaelanesseestadomelosoeraosuficienteparacausardiabeteemumadultonormal.Mashaviaumoutro fato sobrea srta.Taylorqueerainegável. Era uma ótima professora. Sua carência emocional era todadirecionada à tarefa de alcançar adolescentes, e nesse assunto sutileza ereticência não têm lugar. Todas as qualidades sentimentais que a faziam serdifícildeaguentaremcompanhiaadultaafaziamserumastronaescola.

Seumétodo

A srta. Taylor era uma daquelas professoras que entendem que escolas sãoestruturadascombaseemumavisãofalsadossereshumanos.Sãoestruturadasna pressuposição de que alunos são tábulas rasas a serem preenchidos cominformação.

Nãoconseguiaesquecerofatodequeasoutraspessoassãomaisestranhasemaiscomplexasdoquejamaispodemosimaginar.Ensinavaparaadolescentes,entãooscérebrosdeseusalunosestavampassandoporumperíododetumulto

que é quase como uma segunda infância. Com o começo da puberdade,humanosentramemumperíododepodasinápticaimpiedosa.Comoresultadodesse tumulto, as capacidadesmentaisdos adolescentesnãoevoluememumalinhareta.Emalgunsestudos,indivíduosde14anosdeidadesãomenoshábeisem reconhecer as emoçõesdeoutraspessoasdoque indivíduosde9 anosdeidade.8 Leva-se mais alguns anos de crescimento e estabilidade antes definalmentealcançaremseusantigoseus.

Depois,éclaro,háosfuracõeshormonais.Asglândulaspituitáriasemsuasalunasestãosedebatendoparaganharvida.9Assimcomonaprimeirainfância,o estrogênio está inundando seus cérebros. Esse dilúvio produz um saltorepentinotantoemhabilidadesdepensamentocríticoquandoemsensibilidadeemocional. Alguns adolescentes de repente ficam sensíveis à luz e ao escuro.Seusestadosdeespíritoepercepçõesmudamdeminutoaminuto,dependendodossurtoshormonais.

Nas primeiras duas semanas do ciclo menstrual de uma adolescente, porexemplo, níveis de estrogênio em explosão tornam o cérebro excitado ealerta.10 Depois, nas semanas finais, uma onda de progesterona seda aatividadedocérebro.Vocêpodedizeraumaadolescentequeseujeanstemocósmuitobaixo,escreveLouannBrizendine,eemumdiaelavaiignorar.“Massurpreenda-anodiaerradodocicloeoqueelaescutaévocêchamando-adevadiaoudizendoqueestámuitogordaparaaquelejeans.Mesmoquevocênãotenhaditoousugeridoisso,écomoseucérebrointerpretaocomentário.”

Como resultado dos surtos hormonais, meninos e meninas começam areagir de maneira diferente ao estresse.11 Elas reagem mais ao estresse dorelacionamento, e eles, comdez vezesmais testosteronabombeando em seuscorpos, reagem a atentados ao seu status. Ambos têm a tendência deenlouqueceremnosperíodosmaisestranhos.Emoutrosmomentos,podemserincrivelmente desajeitados. A srta. Taylor se perguntava por que seus alunoseram, no geral, incapazes de sorrir naturalmente em frente a uma câmera.Incomodadospelainsegurança,vestiamessesmeios-sorrisosdesconfortáveisquefaziamcomqueparecessemqueestavamindoaobanheiro.

Sua percepção geral era a de que, enquanto está tentando ensinar inglês,cadameninona turma está pensando secretamente sobremasturbação.Cadameninaemsuaturmaestásecretamentesesentindosozinhaeisolada.

Asrta.Taylorolhavaparaomarderostosnaturma.Tinhadelembrarasimesmaqueaquelas expressõesplácidas e entediadas eramenganadoras.Havia

caos interno. Quando coloca uma informação na frente de um aluno, océrebrodelenãoapenasaabsorvedeumamaneirafacilmentecompreensível.ComoescreveJohnMedina,oprocessoémais“comoumliquidificadorligadosem a tampa.12A informação é literalmentedilacerada empedaços distintosquando entra no cérebro e é jogada em todas as partes internas da nossamente”.“Nãoexagerenaorganizaçãodeseuspensamentos”,diziaelaparasi.O máximo que podia esperar era mesclar padrões antigos já existentes compadrões novos provenientes daquilo que estava tentando ensinar. Enquantojovemprofessora,elaencontrouumlivrochamadoPeixeépeixe.13Ésobreumpeixeque se torna amigodeum sapo.Opeixepede ao sapoquedescreva ascriaturas que existem na terra. O sapo descreve, mas o peixe não conseguerealmenteapreenderoqueosapoestádizendo.Parapessoas,opeixeimaginapeixesqueandamsobre rabatanas.Parapássaros,opeixe imaginapeixescomasas. Vacas são peixes que têm tetas. Os alunos da srta. Taylor eram assim.Tinham modelos, impostos por sua experiência, que os faziam criar suasprópriasconstruçõesdetudoqueeladizia.

Nãopensemqueosmétodosqueosadolescentesusamparapensarhojesãoos mesmos que usarão amanhã. Alguns pesquisadores costumavam acreditarque as pessoas tinham estilos diferentes de aprendizado— algumas são ladodireitodocérebroeoutrassãoladoesquerdo;algumassãoauditivaseoutrassãoaprendizes visuais.Não há quase nenhuma evidência crível que defenda essavisão. Em vez disso, todos nós oscilamos de um a outro dentre modelosdiferentes,dependendodocontexto.

A srta. Taylor, é claro, queria passar conhecimento, o tipo de coisa queaparecenostestes.Masdentrodesemanas,osalunosacabamesquecendo90%doconhecimentoqueaprendemnaaula.Aúnicarazãoparaserumprofessoréfazermaisdoquepassarfatos;émoldaramaneiracomoosalunospercebemomundo, ajudá-los a absorver as regras de uma disciplina.Os professores quefazemissosãolembrados.

Ela faziamais do que ensinar, ela os transformava em aprendizes.14Umaprendizado muito mais inconsciente acontece por meio da imitação. Elaexibia uma forma de pensar sobre um problema e depois esperava que seusalunosparticipassemcomela.

Ela os forçava a cometer erros.Adorde entenderdamaneira errada e oesforço necessário para superar o erro cria uma experiência emocional queajudaagravarcoisasnamente.

Asrta.Taylortentavafazercomqueosalunosinterrogassemsuasprópriasopiniões inconscientes.Tomardecisões, acreditava ela, não é como construiruma parede. É mais um processo de descobrir a ideia que já existeinconscientemente.Elaqueriaqueexperimentassemfantasiasintelectuaisnovasparaverqualficavamelhor.

Tambémos forçava a trabalhar.Apesarde todo seu sentimentalismo,nãoacreditava na noção de que alunos deviam apenas seguir sua curiosidadenatural. Passava deveres de casa que não queriam fazer. Aplicava testes comfrequência,sentindodemaneiraintuitivaqueoatodereterconhecimentoparaum teste fortalece as redes relevantes no cérebro. Cobrava para valer dosalunos.Estavadispostaaserodiada.

O objetivo da srta. Taylor era transformar seus alunos em autodidatas.Almejavadar-lhesumaamostradoprazeremocionalesen sualqueadescobertatraz—ochoquedeprazerqueacontecequandovocêtrabalhamuito,sofreumpoucoedepoisalgumacoisaestala.Almejavaqueseusalunosficassemviciadosnesseprocesso.Elessetornariam,graçasaela,professoresdesimesmosparaorestodeseusdias.Eracomessagrandiosidadequeasrta.Taylorconcebiaseuofício.

Acaça

Harold achou a srta.Taylor tolanasprimeiras semanas edepois inesquecívelparatodoosempre.OmomentomaisimportantedorelacionamentodelessedeuemumatardequandoHaroldestavaindodaauladeeducaçãofísicaparaoalmoço.Asrta.Tayloresteveespiandonocorredor,camufladaemseustonsdeterraencostadanosarmários.Avistousuapresaseaproximandoemvelocidadenormal. Por alguns segundos, ela o seguiu com uma calma e paciênciaprofissionais, e depois, por um segundo, quando os grupos do corredor sedividirameHaroldficouvulnerávelesozinho,elaatacou.ColocouumvolumefinonamãodeHarold.“Issovaielevá-loàgrandeza!”,dramatizouela,elogoemseguidafoiembora.Haroldolhouparabaixo.Eraumacópiausadadeumlivro chamadoThe Greek Way (A maneira grega), de uma mulher chamadaEdithHamilton.

Haroldselembrariadaquelemomentoparasempre.Maistarde,aprenderiaqueTheGreekWaytemumareputaçãomanchadaentreosclassicistas,masnoensinomédioeleointroduziuaumnovomundo.Eraummundoalienígena,porémfamiliar.NaGréciaclássica,Haroldencontrouummundodecombate,

competição,equipeseglória.Aocontráriodeseuprópriomundo,encontrouumno qual a coragem estava entre as virtudesmais elevadas, a raiva de umguerreiro podia impulsionar a história e as pessoas pareciam viveraudaciosamente. Havia pouca coisa em torno de Harold que o ajudavam aadquirir sua própria masculinidade, mas a Grécia clássica lhe forneceu umalinguagemeumconjuntoderegras.

OlivrodeEdithHamiltontambémoapresentouaumasensaçãoquenãohavia experimentado antes, a de estar conectado a alguma coisa ancestral eprofunda.Hamilton cita umapassagemdeÉsquilo: “Deus, cuja lei é tal queaquele que aprende deve sofrer. Emesmo emnosso sono, a dor que não seesquececaigotaagotasobreocoração,eapesardenósmesmos,contranossavontade, vem a sabedoria a nós pela terrível graça deDeus.”15 Harold nãoentendeuapassagemcompletamente,massentiuque,dealgumamaneira,elacarregavaumpesoimpressionante.

Eledeu continuidade ao livrodeHamilton comoutros, lendopor contaprópriaembuscadaquelasensaçãodeconectar-secomalgomísticoatravésdostempos. Sempre estudou e foi atento como um estudante profissional paraentrarnotipodeuniversidadeque ficariaorgulhosodemencionarnas festas.Porém, começou a ler sobre a Grécia de forma diferente, com um anseioromânticodedescobriralgumacoisaverdadeiraeimportante.ViufilmessobreavidanaGréciaAntiga(amaioriaruim),como300eTroia.Damaneiratípicade um aluno do ensino médio, ele mergulhou em Homero, Sófocles eHeródoto.

Asrta.Taylorobservavatudoissocomatençãoexuberante,eumdiaelesseencontraramnointervaloparatraçarumplanodeestudo.

Começou, é claro, sob luzes fluorescentes, em uma sala de aula normal,quando ela e Harold se sentaram às mesas ligeiramente pequenas para suaspernas.Haroldhaviadecidido,ousidopersuadido,afazerseutrabalhofinaldoensino médio em algum aspecto ainda indeterminado da vida na GréciaAntiga, e a srta. Taylor ia ser sua orientadora. Sendo assim, Harold ficousentadoescutandoenquantoaprofessorafalavacomanimaçãosobreoprojetoadiante. Seu entusiasmo era contagioso. Era divertido falar com ela emparticular. Estudos de aquisição de língua descobriram que a maneira maisrápida de se aprender vem do ensino face a face.O aprendizadomais lentovemdasfitasdevídeooudeáudio.Alémdisso,haviaalgumacoisafascinanteemterumamulhermaisvelhainteligenteeatraentefalandosobreummistériodeintensointeresseparaele.

Na teoria da srta. Taylor sobre Harold, ele era um menino popular eatléticodoensinomédioquetambémmostravalampejosdeidealismo.Notouisso nas discussões de aula— um desejo por exaltação, um desejo por fazerparte de algomais elevado do que a vida normal. A srta.Taylor deu aquelelivro de Hamilton para Harold, porque os gregos antigos oferecem aosmeninos uma visão de grandiosidade que parecia inspirá-los. Quando seencontraram,elasugeriuqueHaroldescrevesseotrabalhofinalligandoavidanaGréciaAntigaaalgunsaspectosdavidanoensinomédio.Asrta.Tayloreragrande partidária da ideia de que a criatividade vem quando dois camposdíspares se encontram em uma mente, como duas galáxias fundindo-se noespaço. Era grande adepta da noção de que todo mundo devia ter duascarreiras, duas perspectivas de olhar para o mundo, cada uma fornecendopercepções sobre a outra. Em seu caso, era professora de dia e, com menossucessomasnãomenosimportante,cantoraeletristaànoite.

Primeiropasso

OprimeiroestágiodoprojetodeHaroldseriaaaquisiçãodeconhecimento.Asrta. Taylor pediu que ele continuasse a ler livros sobre a vida grega e quetrouxesse para ela uma lista de cinco livros que leu. Ela não forneceu umcurrículo organizado; queria que ele encontrasse esses livros da forma queadultos os encontramquando se interessampor um assunto, pesquisandonaAmazon ena livraria—por indicação e por acaso.Queria que ele obtivesseinformaçãodediferentestiposde livrosediferentestiposdeautoresparaqueseuinconscientetrabalhasseativamenteparajuntartudo.

Noprimeiroestágio,nãoimportavaseapesquisadeHarolderaumpoucodiletante. BenjaminBloomdescobriu que o ensino não precisa ser brilhanteimediatamente:“Oefeitodessaprimeira fasedoaprendizadoparecia serodedeixar o aprendiz envolvido, cativado, interessado, e o de fazer com que oaprendizprecisasse,equisesse,demaisinformaçãoeperícia.”16ContantoqueHarold ficasse curioso e desfrutasse sua busca, estaria desenvolvendo umasensibilidadeparaavidagrega,umcertonívelbásicodeconhecimento sobrecomo os atenienses e os espartanos viviam, lutavam e pensavam. Esseconhecimento concreto serviria como o gancho sobre o qual todo oensinamentosubsequenteseprenderia.

O conhecimento humano não é como uma informação armazenada nosbancosdememóriadeumcomputador.Umcomputadornãoseaprimoraem

lembrar as coisas conforme seu banco de dados se torna mais repleto. Oconhecimento humano, por outro lado, é faminto e vivo. As pessoas comconhecimentosobreumtópicotornam-semaisrápidasemelhoresemadquirirmaisconhecimentoeemlembraroqueaprendem.

Emumexperimento, pediramque alunosdo terceiro ano eda faculdadememorizassemumalistadepersonagensdequadrinhos.Osalunosdoterceiroano lembrarammelhor,porqueerammais familiarizadoscomoassunto.Emoutroexperimento,pediramqueumgrupodepessoasde8a12anosdeidadeclassificadas como tendo aprendizado lento e um grupo de adultos cominteligência normal se lembrassem de uma lista de artistas populares.Novamente,osaprendizesmaisnovose“maislentos”sesaírambemmelhor.17Seuconhecimentodebaseaprimorouaperformance.

Asrta.TaylorestavaajudandoHaroldaestabeleceralgumconhecimentodebase.Haroldliasobreosgregossemprequepodia.Emcasa.Noônibus.Depoisdo jantar. Isso fazia diferença. Muitas pessoas acreditam que deveríamosestipular um lugar específico para fazer leituras, mas um grande corpo depesquisamostraqueaspessoasretêminformaçãomelhorquandoalternamdeambiente para ambiente. Os cenários diferentes estimulam a mente e criamteiasdememóriamaisdensas.

Depoisdealgumassemanas,elevoltoucomcincolivrosquetinhalido—históriaspopularesdasbatalhasdeMaratonaedasTermópilas,umabiografiadePéricles,umatraduçãomodernadaOdisseiaeumlivrocomparandoAtenasaEsparta.Esses livros,querqueiraounão, forneceramumaimagemdavida,dosvaloresedomundodaGréciaAntiga.

Segundopasso

Na segunda sessão, a srta. Taylor elogiou Harold pelo trabalho árduo. ApesquisadoraCarolDweckdescobriuquequandovocêelogiaumalunoportertrabalhado arduamente, reforça sua identidade como uma alma diligente.18Umalunonesseestadodeespíritoestádispostoaaceitartarefasdesafiadoraseaperceber erros como parte do processo de trabalho. Por outro lado, quandovocêelogiaumalunoporserinteligente,passaaimpressãodequeoêxitoéumtraçoinato.Alunosnesseestadodeespíritoqueremcontinuaraparecerquesãointeligentes. São menos propensos a tentar coisas desafiadoras, porque nãoqueremcometererroseparecerquesãoburros.

Depois,asrta.TaylormandouHaroldvoltareexaminartudooquetinhalidoatéali,começandocomolivrodeEdithHamilton,quefoisuaprimeiraentrada na vida grega. A srta. Taylor queria que Harold automatizasse seuconhecimento.O cérebro humano é construído para pegar o conhecimentoconscienteetransformá-loemconhecimentoinconsciente.Aprimeiravezquevocê dirige um carro, tem de pensar sobre cadamovimento.Mas depois dealguns meses, ou anos, o ato de dirigir é realizado quase automaticamente.Aprender consiste em tomar coisas que são estranhas e nãonaturais, como aleitura e a álgebra, e absorvê-las de maneira tão constante que se tornamautomáticas.Issolibertaamenteconscienteparaquetrabalheemnovascoisas.AlfredNorthWhiteheadviuesseprocessodeaprendizadocomoumprincípiodo progresso: “A civilização avança por meio da ampliação do número deoperaçõesquepodemosrealizarsemquepensemosnelas.”19

Oautomatismoéalcançadopormeiodarepetição.AprimeirajornadadeHaroldpeloslivrosgregospodetê-lointroduzidoaoassunto,masnasegunda,naterceiraenaquartajornadas,elecomeçariaafixá-loprofundamente.Asrta.Taylor havia dito para seus alunos cem vezes que é muito melhor dar umapequenaolhadanamatériarepetidasvezesporcinconoitesconsecutivasdoqueacumular tudo em uma longa sessão na noite anterior a um teste. (Nãoimportava quantas vezes ela repetisse, essa era uma lição que seus alunospareciamnuncaautomatizar.)

A srta. Taylor queria que Harold entrasse no melhor ritmo deaprendizagem. Uma criança em um quarto de brinquedos entendeinstintivamentecomoexplorar.Começacommamãeedepoisseaventuraembuscadenovosbrinquedos.Volta àmamãepara segurança edepois repete aaventura.Aívoltaàmamãeesainovamenteparaexplorar.

Omesmoprincípioseaplicaaoaprendizadonoensinomédioedepois.Éum processo que RichardOgle, autor de Smart World (Mundo inteligente),chama de abrangência e reciprocidade.20 Comece com o conhecimento debaseemumcampodepoisaventure-seeaprendaalgonovo.Depoisretorneereintegre o dado novo ao que você já sabe. Depois, aventure-se de novo.Depoisretorne.Váevolte.Repetidasvezes.ConformeargumentaOgle,muitareciprocidade e você acaba emuma rotina insular.Muita abrangência e seusesforços ficam dispersos e infrutíferos. A srta. Taylor queria colocar Haroldnesseritmodeexpansãoeintegração.

Haroldresmungouquandoelamandouquelessetudodenovo.Achouquefosseficarcompletamenteentediadovoltandoelendoosmesmoslivrosquejáhavia terminado. Ficou surpreso ao descobrir que na segunda vez eles eramlivros diferentes. Percebeu pontos e argumentos inteiramente distintos. Asfrases que ele havia sublinhado pareciam extremamente supérfluas agora, aopassoqueasqueelehaviaignoradoantespareciamcruciais.Asnotasquehaviaescrito para si nas margens dos livros agora pareciam embaraçosamentesimplórias.Ouelehaviamudado,ouoslivros.

O que aconteceu, é claro, é que, conforme ele lia mais, reor ganizavainconscientemente a informação em seu cérebro. Graças a uma série deconexões internas, novos aspectos do assunto pareceram importantes, easpectosantigos,queumdiapareceramfascinantes,agorapareciammundanos.Elehaviacomeçadoahabitaroconhecimentodemaneiradiferenteeavê-lodeumnovojeito.Elehaviacomeçadoadesenvolverespecializaçãosobreotema.

HaroldnãoeraumespecialistadeverdadeemhistóriadaGréciaAntiga,éclaro,nemestavaprontoparaseusexamesemOxford.Contudo,haviacruzadoa faixa branca da especialidade. Passou a ver que o aprendizado não éinteiramentelinear.Hácertosmomentosderupturanosquaisvocêcomeçaapensareaverocampodeformadiferente.

A maneira mais fácil de entender isso é examinar a perícia que grandesmestres do xadrez possuem. Em um exercício, uma série de jogadoresaltamente habilidosos e uma série de não jogadores foram expostos a váriostabuleirosdexadrezporaproximadamentecincoadezsegundoscada.Emcadatabuleiro, vinte a 25 peças foram arrumadas como se fosse em um jogo deverdade.Pediu-semaistardequeosparticipantesselembrassemdasposiçõesnotabuleiro. Os grandes mestres conseguiam se lembrar de todas as peças emtodosostabuleiros.21Os jogadorescomunsse lembraramdecercadequatrooucincopeçasportabuleiro.

Nãoéqueosgrandesmestresfossemsimplesmentemuitomaisinteligentesque os outros. O QI não é, surpreendentemente, um grande previsor daperformance no xadrez.22 Também não é verdade que os grandes mestrespossuemmemória incrível.Quando omesmo exercício foi repetido de umamaneiraquenãoserelacionavaanenhumasituaçãodejogo,osgrandesmestresnãotinhammemóriamelhordoqueninguém.23

Não, a verdadeira razão de os grandes mestres conseguirem lembrar ostabuleirosdejogotãobeméque,depoisdemuitosanosdeestudo,elesviamos

tabuleirosdemaneiradiferente.Quandojogadorescomunsviamostabuleiros,viam grupos de peças individuais.Quando osmestres olhavamos tabuleiros,viam formações. Em vez de ver um bando de letras em uma página, viampalavras,parágrafosehistórias.Umahistóriaémaisfácildelembrardoqueumbandodeletrasindividuais.Períciatemavercomformarconexõesinternasdemodo que pequenos pedaços de informação se tornem maiores e maisconectados.Oaprendizadonãotemaverapenascomacumularfatos.Temavercominternalizarasrelaçõesentrepedaçosdeinformações.

Cada campo tem sua própria estrutura, seu próprio esquema de grandesideias,princípiosorganizadoresepadrõesrecorrentes—emsuma,seupróprioparadigma. Um especialista absorve essa estrutura e tem um conhecimentotácito de como operar dentro dela. Economistas pensam como economistas.Advogadospensamcomoadvogados.Primeiro,oespecialistadecideentraremum campo de estudo, mas logo o campo entra nele. A linha do crânio, asupostabarreiraentreeleeoobjetodesuaanálise,sedesfaz.

O resultado é que o especialista não pensamais sobre um assunto, pensamenos.Nãotemdecomputarosefeitosdeumagamadepossibilidadesporquetemperíciadedomínio,antecipaamaneiracomoascoisasvãoseencaixar.

Terceiropasso

Oterceiropassoda srta.Taylor foi ajudar a trazero conhecimento tácitodeHaroldsobreavidagregaàsuperfície.Depoisdassemanasdeleitura,edepoisdemaissemanasdereleitura,elapediuqueelefizesseumdiário.Nele,Harolddescreveria tanto seus pensamentos sobre a vida grega quanto seu própriotempo no ensinomédio. Ela pediu que deixasse suamente correr livre, quedeixasse seus pensamentos borbulharem e emergirem desde o inconsciente equenãosepreocupasseporenquantocomoqueestavaescrevendoouseestariabom.

Sua regrabásica eraqueumalunodevia ter75%deum trabalhoprontoantesdesesentarparaescrevê-lo.Antesdeacomposiçãocomeçar,deviahaverumgrandeperíododegestação,quandoenxergaomaterialdemaneiraseemestadosdeespíritodiferentes.Deviadaràmentetempoparaconectarascoisasde maneiras diversas. Devia pensar sobre outras coisas e permitir quepercepções brotassem em sua cabeça. O cérebro na verdade não precisa demuito impulso consciente para fazer isso. Ele é uma tremenda máquina deprevisão,estásempreeautomaticamentetentandoconstruirpadrõesapartirde

informações.Umtelefonetransmiteapenas10%dostonsdeumavoz,eaindaassim, a partir disso, qualquer criança pode construir facilmente umarepresentaçãodapessoanooutroladodalinha.24Éissoqueocérebrofazcomfacilidadeedestreza.

Asrta.TaylorqueriaqueHaroldescrevesseumdiárioporquequeriaqueeleretivesse o conhecimento que estava enterrado no interior da maneira maistranquila possível.Queria que ele entrasse em um devaneio e convertesse asintuiçõesquehaviadesenvolvidoem linguagem.Erauma seguidora tenazdoditadodeJonahLehrer,quediz“Vocêsabemaisdoquesabe”.25Queriadarparaeleumexercícioquelhepermitiriavaguearpeloproblemadeumaformaquepudessepareceraleatóriaenãoeconômica,poisamenteéfrequentementemaisprodutivaquandoestámaisdespreocupada.

Harold guardaria aquele diário para o resto de sua vida, apesar de estarsempre tentado aqueimá-loporquenãoqueriaque seusdescendentes vissemsuas consternadas divagações adolescentes. Primeiro, escrevia apenas umapalavra no centro da página e depois rabiscava ideias ou pensamentos quesurgiam na cabeça em um aglomerado em volta dela, e às vezes umpensamentoperiféricovirariaocentrodeseupróprioaglomerado.

Escreveubastantesobreaspaixõesdosheróisgregos.ComparouaraivadeAquiles à sua própria em várias situações, e em seu conto ele saía como opersonagemumpoucomaisheroicodosdois.EscreveubastantesobrecoragemecopiouapassagemqueEdithHamiltonescreveusobreAquiles:“Avidaparaele era uma aventura, de fato perigosa, mas os homens não são feitos paraparaísosseguros.”26

Escreveu sobre orgulho, copiando a própria passagem de Ésquilo: “Todaarrogânciaceifaráumasafraricaemlágrimas.Deusconvocaoshomensaumapesada prestação de contas por uma soberba presunçosa.”27 Tendia a ser oherói de suas próprias histórias, sentindo mais e vendo melhor do que seusamigos de classe. Porém, quando estava em seus melhores dias, as passagensgregasrealmenteoelevavamedavamumsensodeconexãoprofundacomumaera há muito passada e homens e mulheres há muito mortos. “Faço coisashonráveis serem agradáveis para crianças”, vangloriou-se um professorespartano,eessecontatocomaexcelênciainspirouHarold.Elevivenciouumsentimentode êxtasehistórico emdeterminadanoite lendo e escrevendoumregistronodiáriosobreaoraçãofúnebredePéricles.Começouacompartilhardosentimentogregodedignidadeesignificânciadavida.Começoutambém,

principalmentenasúltimaspassagensdodiário,afazerjulgamentoseconexões.Escreveu uma passagem sobre a diferença entre o guerreiroAquiles e o sutilOdisseu. Começou a notar as maneiras como ele era diferente dos gregos.Haviapassagensdesconfortáveisemqueelespareciamcarecerdetodasimpatia.Eramótimosemexpressarasvirtudescompetitivas—comobuscaraglória—,masnãoeramtãobonsquandosetratavadevirtudesdecompaixão—comoestenderamãosolidáriaaosqueestãosofrendooutêmnecessidade.Pareciamcarecerdeumaconsciênciadagenerosidade,doamordeDeusatémesmoparaaquelesquenãoomereciam.

Depois de algumas semanas, a srta. Taylor pediu para ver o diário deHarold. Ele ficou relutante em compartilhá-lo porque muitos pensamentospessoaisencontraramseucaminhoali.Comumprofessorhomemnuncateriasepermitidoessavulnerabilidade.Masconfiavanela,ecertofimdesemanaadeixoulevarodiárioparacasa.

Elaficousurpresacomsuaqualidadequaseesquizofrênica.Àsvezes,Haroldescreviacomumavoz soleneaosmoldesdeGibbon.6Emcertosmomentos,escrevia comouma criança.Às vezes era cínico, às vezes, literário e às vezes,científico.“Amentegira”,escreveuRobertOrnstein.28“Elagiradecondiçãoacondição,daemergênciaàtranquilidade,daalegriaàpreo cupação.Conformegiraporentreestadosdiferentes,selecionaosvárioscomponentesdamentequeoperamnaqueleestado.”

NãopareciahaverumHaroldrepresentadonessediário,masdezenasdeles,e a srta. Taylor não sabia ao certo qual encontraria ao virar a página. AFaculdadedeEducaçãonãoahaviapreparadoparaamultiplicidadedentroda

mente de um único aluno. “Como dar aula em uma sala de Sybils”,7

perguntou-sea srta.Taylor,“queestãoseesfacelandoese reformandoacadamomento diante de você?”. Ainda assim, estava emocionada. Isso aconteciaapenas uma vez de tantos em tantos anos — ter um aluno que agarra suasugestãoedáumsaltotãograndeparaafrente.

Quartopasso

Depoisde algumas semanas, a srta.TaylordecidiuqueHarold estavaprontopara ir para o quarto e último estágio do exercício.Osmelhores aprendizeslevamtempoparacodificar informaçãoantesdecomeçara trabalharemseus

projetos. E agora Harold havia passado meses codificando e recodificandoinformação.Erahoradecriarumargumentoelevartudoaumpropósito.

Harolddesenhouuma figura chamada “Périclesna formatura” emumdeseus registros no diário. Mostrava um rapaz vestindo uma toga no meio dejovensdeternosebecas.Asrta.Taylorsugeriuqueeleusasseissocomotítulode seu trabalho. Ela notou que o diário de Harold parecia alternar entrepassagens sobre seus estudos daGrécia e passagens sobre sua vida no ensinomédio.Noentanto,acriatividadeconsisteemmesclarduasredesdiscordantesde conhecimento. Ela queria que ele integrasse seus pensamentos sobre aGréciaaosseuspensamentossobresipróprio.

Haroldsesentouemcasacomseuslivrosepáginasdodiárioespalhadosnochãoenacamaàsuafrente.Comotransformaraquilotudoemumtrabalhode12 páginas? Leu, com um pouco de vergonha, alguns registros antigos dodiário.Mergulhouemalgunsdeseuslivros.Nadaestavaseformando.Mandoumensagens para amigos. Jogou algumas partidas de paciência. Entrou noFacebook. Mergulhou novamente em alguns de seus velhos livros. Ficou seinterrompendo e começando de novo. Uma pessoa que é interrompidaenquantorealizaumatarefa leva50%maistempoparacompletá-laecomete50%maiserros.29Océrebronãorealizabemváriastarefasaomesmotempo.Precisa entrar em um fluxo coerente, com uma rede de disparos levandocoerentementeàpróxima.

O problema era que Harold não estava comandando a informação. Elaestava comandando ele. Ele estava pulando de um fato a outro, mas nãoencontrava um esquema geral com o qual pudesse organizá-los. Em menorescala,estavatemporariamentecomoSolomonShereshevskii,ojornalistarussonascido em 1886, que conseguia se lembrar de tudo. Em um experimento,pesquisadoresmostrarampara Shereshevskii uma fórmula complexade trintaletras e números em um pedaço de papel.30Depois, colocaram o papel emumacaixaeaselaramporquinzeanos.Quandotiraramopapel,Shereshevskiiconseguiuselembrardafórmulaexatamente.

Shereshevskii era capaz de lembrar mas não de elaborar. Vivia em umanevasca aleatória de fatos, mas não conseguia organizá-los em padrõesrepetidos.Acertaaltura,nãoconseguianemcompreendermetáforas, símiles,poemasouatéfrasescomplexas.

Emmenor escala,Harold estavanomeiodaquele tipode impasse.Tinhaumcertoparadigmaqueusavaquandopensava sobreoensinomédio.Tinha

outro paradigma que usava quando pensava sobre os gregos. Contudo, nãoestavam se engrenando. Ele não tinha nenhum argumento de base para seutrabalho.Sendoummeninocomumde17anosde idade,eledesistiu,nãoiamaistentarnaquelanoite.

Na noite seguinte, desligou o telefone e fechou o navegador de internet.Resolveu focar a atenção, exilar-se do nevoeiro de informação usual da vidaconectadaaomundocibernéticoefazeralgumacoisa.

Emvezdecomeçarcomsuaprópriaescrita,eleretornouàoraçãofúnebrede Péricles em História da guerra do Peloponeso. A vantagem de ler autoresclássicoséquesãomaispropensosadeixarsuamenteacelerada,edetodasascoisasqueHaroldleu,aquelediscursofoioquemaisdisparousuaimaginação.Em uma passagem, por exemplo, Péricles celebrava a cultura ateniense:“Cultivamos o refinamento sem extravagância, e o conhecimento semefeminação; empregamos a riqueza mais para o uso do que para exibição esituamos adesgraça realdapobrezanãono reconhecimentodo fato,masnarecusadecombatê-la.”31

Haroldestavaconvidativoeanimado.Nãoeranemtantoasubstância,masas cadências altivas e o tom heroico. O espírito do discurso entrou em suamenteeseuestadodeespíritomudou.Elecomeçouapensarsobreheroísmo,sobre homens e mulheres alcançando glória imortal por meio de valor,dedicandosuasvidasaserviçodanação.Périclescelebrouexcelênciaeofereceumodelosparaimitação.

Harold começou a pensar nos diferentes tipos de heróis gregos sobre osquaishavialido:Aquiles,ofuriosodaguerra;Odisseu,olíderastutoquebuscaretornar para sua esposa e família; Leônidas, que entregou a vida nasTermópilas; Temístocles, que salvou seu país por meio de falsidade emanipulação;Sócrates,quedeuavidapelaverdade;ePéricles,umcavalheiroeestadista.

Duranteaspróximashoras,Haroldpensousobreessesdiferentessaboresdegrandiosidade. Intuiu que em algum lugar a chave de seu trabalho estava nacomparaçãodosestilosdelesounadescobertadealgumtraçoemcomum.Dealguma maneira, sua mente inconsciente estava lhe dizendo que estava nocaminhocerto.Teveaquelasensaçãoquetemosquandoumarespostaestánapontadalíngua.

Pelaprimeiravezdesdequecomeçouoestágiodeescrita,suaatençãoestavaverdadeiramenteconcentradanatarefaemquestão.Debruçou-seemseuslivroseregistrosdediárionovamente,procurandoporexemplosdediferentestipos

de heroísmo. Estava possuído pelo que Steven Johnson chama de “palpitelento”. Tinha uma sensação vaga, difícil de explicar, de que estava indo nadireção correta,mas levariamuitas delongas emuitosmovimentos circularesatéqueasoluçãobrotasseemsuamente.

Estamos sempre cercados de pedaços diferentes de informaçõesconcorrendopor atenção.Mas em seu estado excitado,Harold calou tudo oquenãotinhaavercomideiasgregasdeheroísmo.Músicasquepoderiamtê-loatordoadoderepenteficarammudas.Sonsecoresdesapareceram.Oscientistaschamamissode“fasepreparatória”.Quandoocérebroestádevotandoatençãoséria a uma coisa, então outras áreas, como o córtex visual e as regiõessensoriais,ficamescurecidas.

Nodecorrerdaspróximasumaouduashoras,Haroldseesforçou.Procuroupor uma maneira de escrever um trabalho sobre heroísmo, tanto na Gréciaquantonavidacontemporânea.Seufocohaviaseafunilado,maseleaindanãotinha um argumento. Então analisou seus livros e registros de diárionovamenteparaversealgumpropósitoouargumentolhesaltavaaosolhos.

Eraumtrabalhoárduoefrustrante,comoempurrarumasériedeportaseesperar que uma se abra. Ainda assimnenhumdos padrões que surgiramnacabeça de Harold restringiram seus pensamentos. Começou a escrever notasparasi.Tinhaumaideia,depoisviaumpedaçodepapelepercebiaquejáhaviatidoamesmaideiaalgumashorasantese jáhaviaseesquecidodela.Afimdecompensaraslimitaçõesdesuamemóriadecurtoprazo,começouaorganizarsuasnotaseregistrosdediárioempilhasnochão.Tinhaesperançadequeesseprocessodemisturar suasnotas trariaalgumacoerência.Colocounotas sobrecoragememumapilhaenotassobresabedorianaoutra,mascomopassardotempo as pilhas começaram a parecer arbitrárias. Estava soltando suaimaginação.Àsvezes,umarespostapareciapenderapenasaalgunsmilímetrosdeseualcance.Eleseguiaumpalpite,umsinalsutildasregiõesmentaisabaixodaconsciência.Noentanto,aindanãotinhaumconceitogeral.Haroldtinhaabrangências,masnenhumareciprocidade.Estavacansadoenumimpasse.

Maisuma vez, ele parouoque estava fazendo e foi para a cama.Acabousendoacoisamais inteligentequepodiater feito.Háumacontrovérsiaentrecientistas sobreoqueo sonorealiza,masváriospesquisadoresacreditamque,durante o sono, o cérebro consolidamemórias, organiza as coisas que foramaprendidas naquele dia e reforça as mudanças que foram introduzidas pelasatividades do dia anterior.O cientista alemão Jan Born deu a um grupo depessoasumasériedeproblemasdematemáticaepediuquedescobrissemaregra

necessáriapararesolvê-los.32Aspessoasquedormiramporoitohorasentreassessõesdetrabalhoforamduasvezesmaispropensasaresolverosproblemasdoque aquelas que trabalharam sem parar. A pesquisa de Robert Stickgold eoutrossugeriuqueosonomelhoraamemóriaempelomenos15%.33

Haroldficoudeitadonacamadepoisdesuanoitedesonovendoaluzdosol cintilar nas copas das árvores fora da janela. Suamente vagou, pensandosobreseudia, seutrabalho, seusamigoseumasériealeatóriadeoutrascoisas.Nesses tipos de estados matinais, o hemisfério direito das pessoas estãoexcepcionalmenteativos.34Issosignificaqueamentedelevagoupordomíniosremotos,enãodemodofirmementefocadoemumacoisa.Seuestadomentalestavafrouxoecasual.Entãoalgoaconteceu.

Se cientistas nesse momento tivessem o cérebro dele conectado a fios,teriampercebidoumsaltonasondasalfaemanandodohemisfériodireito.JoyBhattacharya, daUniversidade de Londres, descobriu que essas ondas saltamcercadeoitosegundosantesdeapessoaterumestalopararesolverumenigma.Umsegundoantesdeumestalo,de acordo comMark Jung-Beemane JohnKounios, a área que processa informação visual se escurece, impedindo adistração.35Trêsmilhõesdemilissegundosantesdoestaloháumpicoderitmogama, a fre quên cia mais alta produzida pelo cérebro. Há uma erupção deatividadeno lobo temporal direito, logo acimada orelhadireita.Essa é umaárea, argumentamJung-BeemaneKounios,queunepedaçosde informaçõesvindasdeáreasradicalmentediferentesdocérebro.

Haroldvivenciouumaexplosãode ideia, seumomento“eureca!”.Algumacoisa grandiosa havia acabado de estourar de dentro dele. Seus olhos searregalaram.Sentiuumaexplosãodeêxtase intensae instantânea.Sim,é isso!Sua mente pulou através de algum vazio inexplorado e integrou seupensamentodeumanovaforma.Elesoubeemuminstantequehaviaresolvidooproblema,quetinhaumtemaparaseutrabalho,antesmesmodepoderdizerqual era a solução. Padrões que não se encaixaram de repente pareciam seencaixar.Eramaisumasensaçãodoqueumpensamento,umsentimentoquasedecontatoreligioso.36ComoescreveuRobertBurtonemseulivroOnBeingCertain(Sobreestarcerto):“Ossentimentosdesaber,estarcorreto,convicção ecerteza não são conclusões deliberadas e escolhas conscientes. São sensaçõesmentaisqueacontecemconosco.”37

Seuestalocentralenvolviamotivação.PorqueAquilesarriscouavida?PorqueoshomensnasTermópilasderamassuas?OquePériclesbuscavaparasieparaAtenas?OqueHaroldprocuraparasinaescola?Porqueelequerqueseutimeganheoscampeonatosestaduais?

Arespostaparatodasessasperguntaséumapalavragregacomaqualhaviasedeparadoemsuasleituras:thumos.Emtodaavida,Haroldestevecercadodepessoascomumgrupodemotivaçõesaprovadassocialmente:ganhardinheiro,tirar boas notas, entrar em uma boa universidade.Mas nada disso explicavarealmenteporqueHaroldfaziaoquefaziaouporqueosheróisgregosfaziamoquefaziam.

Osgregosantigostinhamumaestruturamotivacionaldiferente.Thumoserao desejo por reconhecimento, o desejo de que as pessoas reconheçam suaexistência, não apenas agoramas para sempre.Thumos incluía o desejo pelachama eterna — atrair e merecer admiração de uma maneira que era maisprofunda do que o mero reconhecimento. A cultura de Harold não tinhaexatamente uma palavra para esse desejo, mas essa palavra grega ajudava aexplicarHaroldparasimesmo.

Por toda a vida, na sua imaginação Harold era um jogador. Havia seimaginadocomoummeninovencendoasériemundialdebeisebol,dandoopasseperfeito,protegendoseusprofessorespreferidosdoperigomortal.Eemcadafantasia, seutriunfoeratestemunhadocomdelírioporfamília,amigosepelo mundo ao seu redor. Esse fantasiar, em sua maneira infantil, era oprodutodo thumos, dodesejopor reconhecimento eunião, que sutentava asoutrasvontadesdeterdinheiroesucesso.

O mundo do thumos era mais heroico do que o mundo burguês eambiciosoqueHaroldviaaoseuredor.Nomundomodernonoqualvivia,asuposiçãocomuméquetodosossereshumanossãoconectadosnonívelmaisinicial e mais baixo. Todos os seres humanos são descendentes de ancestraiscomuns e compartilham certos traços primitivos. Mas os gregos tendiam apressuporooposto,queossereshumanoseramunidosnonívelmaisalto:hácertasessênciasideais,equantomaispertoumapessoachegadetomarpossedaexcelência eterna, mais perto fica dessa humanidade comum. Thumos é amotivaçãoparaerguer-seaessasalturas.Éosonhodosucessoperfeito,quandotudoquehádemelhordentrodeumapessoasemesclaatudoqueéeternonouniversoemperfeitasincronia.

OestalodeHaroldconsistiaempegarovocabuláriodamotivaçãogrega—thumos, arete, Eros — e aplicá-lo à sua vida. Harold estava realmente

combinando dois espaços de ideia, tornando o mundo grego maiscompreensívelparaeleeseuprópriomundomaisheroico.

Começouafazeranotaçõesfuriosamente,anotaçõesqueusarianotrabalho,descrevendo como a motivação do thumos, essa motivação porreconhecimento,explicavatodosostiposdecomportamentonoensinomédio.Fezconexõesquenuncahaviafeitoecombinouantigasinformaçõesdenovasmaneiras.Devezemquando,sentiacomoseotrabalhoestivesseseescrevendosozinho. As palavras simplesmente jorravam dele de forma espontânea.Quandoestava imersonatarefa, sentiuquasecomosenãoexistisse.Apenasatarefaexistia,eelaestavaacontecendocomele,enãoporcausadele.

Editar epoliro trabalho tambémnão foi fácil,mas ele conseguiu.A srta.Taylor ficou satisfeita com o produto. Era um pouco inflamado demais emalguns lugares, e havia partes dolorosamente sérias. Contudo, o êxtase deHarold aparecia em cada parágrafo.O processo de escrever esse trabalho lheensinou como pensar. Sua ideia forneceu uma nova forma de entender a sipróprioeaseumundo.

Presentesdegrego

Asrta.TaylorguiouHaroldporummétodoqueofezsurfarparadentroeparafora de sua inconsciência, fazendo com que processos conscientes einconscientes trabalhassem juntos — controlando o conhecimento de base,deixando esse conhecimento se temperar de forma divertida em sua mente,tentando intencionalmente impor-lhe ordem, permitindo que a menteconsolidasseemesclasseainformação,retornandoatéquealgumestalomágicobrotasseemsuaconsciência,edepoislevandoesseestaloaumprodutofinal.Oprocesso não foi fácil, mas cada grama de esforço e cada momento defrustraçãoelutaimpulsionaramaconstruçãointernadoprojetomaisumpassoàfrente.Nofinal,eleestavavendoomundoaoseuredordeumjeitonovo.Havia, como observou o matemático Henri Poincaré, “um parentescoinsuspeitado... entre fatos há muito conhecidos, porém creditados de formaerradacomoestranhosentresi”.38Haroldnãotinhamaisdeaplicarqualidadescomo thumos ao mundo em torno de si; elas simplesmente se tornaramcategoriasautomáticasemsuamente,amaneiracomopercebianovassituações.

Quandoestavanojardimdeinfânciaenoprimeiroano,Haroldlutouparaaprender a ler,mas depois conseguiu naturalmente.De repente, ler não eramaisumaquestãodejuntarpalavras;podiaseconcentrarnossignificados.No

últimoanodoensinomédio,elehaviainternalizadoalgumpensamentogregode maneira similar, e agora podia aplicá-lo automaticamente à sua vidamomentoamomento.

Podia ir para a faculdade e se sentaria nas aulas, como requerido, masentendiaqueessasaulasseriamapenasoprimeiroestágioparaseuaprendizado.Teria de passar noites escrevendo pensamentos aleatórios em seu diário.Organizaria seus pensamentos no chão.Teria de se debater e lutar e depois,talvezalgumasvezesnavida,enquantotomavabanhoouiaaomercado,algumestaloviriaaeleefariatodaadiferença.Esseseriaseumétodoparaescapardoaprendizadoinstitucionalpassivo.Seriaamaneiracomoconstruiriaparasiumamentequenãoestápresaemumarotinaherdada,masquesaltadeperspectivaemperspectiva,aplicandopadrõesdiferentesanovas situaçõesparaveroquefuncionaeoquenãofunciona,oquevaiseunireoquenãovaiseunir,oqueprovavelmente vai emergir da confusão da realidade e o que provavelmentenãovaiemergir.Esseseriaseucaminhoparaasabedoriaeosucesso.1CofundadordoGoogle.(N.daT.)2Refere-seaolivroThegeeksshallinherittheEarth(OsgeeksvãoherdaraTerra),deAlexandraRobbins.

(N.daT.)3 No original: “a WASP family from England”. WASP: White Anglo-Saxon Protestant (protestante

brancoanglo-saxão).(N.daT.)4Nooriginal,seniorweek,semanadosalunossênior.Eventotradicionalemalgunsestadosdonordeste

dosEstadosUnidos,noqualalunosprestesaterminaroensinomédiopassamumasemanajuntosemumapraia.(N.daT.)

5Programaderecrutamentodeuniversitáriosparalecionarememcomunidadescarentes.(N.daT.)6 Eduard Gibbon, historiador iluminista inglês, autor de Declínio e queda do império romano

(CompanhiadasLetras,SãoPaulo,2003),publicadoentre1776e1788.(N.daT.)7Sybiléumlivroescritopelanorte-americanaFloraRhetaSchreiber,quetratadeumdoscasosmais

famosodepersonalidademúltiplajáregistrado.

capítulo7

NORMAS

Erica, que passaria tanto de sua vida entrelaçada com Harold,

começouemumlugarmuitodiferentedodele.Aos10anosdeidade,quasefoipresa.

Elaesuamãehaviamsemudadoparaoapartamentodeumaamigaemumconjuntohabitacional.Avizinhança tinhaumaescolapública independente1chamada New Hope, que ficava em um prédio novo com novas cestas debasquete com redes e novos estúdios de arte. Os alunos usavam elegantesuniformesmarromecinza.Ericaestavadesesperadaparaentrarlá.

Sua mãe a levou em uma agência da Previdência Social e esperou nocorredor por mais de uma hora. Quando finalmente entraram, a assistentesocial disse que Erica não podia nem entrar no sorteio para ir para a escolaporquenãotinharesidêncialegalnobairro.

Os assistentes sociais passavam seus dias cercados de pedidos impossíveis.Para facilitar suas vidas, desenvolveram uma maneira brusca e imperiosa defalar.Mantinhamosolhosfocadosnospapéiseapressavam-senoatendimentodossuplicantesquetransbordavampelasportas.Falavamemjargãodogovernomunicipal queninguémconseguia entender e desafiar. Seuprimeiro instintoerasempredizernão.

Asmãesnãotinhamconfiançaemlugarescomoesse—emumescritóriocompessoasusando trajes executivos.Nametadedo tempo,nãoconseguiamentenderoqueoassistenteestavafalandoetinhammedoderevelarquesabiampouco sobre as regras.Colocavamumamáscarade apatia emauhumorparadisfarçaronervosismo.Namaiorpartedotempo,aceitavamqualquerparecerque o assistente declarasse e iam embora. Inventavam alguma história paraexplicarahumilhaçãoparaseusamigosmaistarde.

AmãedeEricaestavaseguindoopadrão.Haviamsemudadoparaaquelavizinhançatrêsmesesantes,masaverdadeéquenãotinhamstatuslegalali.Era

oapartamentodeumaamiga,eamãedeEricanãoqueria fazerestardalhaçosobreaescolaearriscarserdespejadadeseular.Quandoaassistentecontinuourepetindoqueela“não tinhaautorização”paraentrarnaescoladodistrito, amãedeEricaselevantouesepreparouparairembora.

Ericaserecusouasemexer.Jáconseguiaimaginarcomosuamãeficarianoônibusdevoltaparacasa—xingandoaassistente,cuspindoairaquedeveriater soltado alimesmono escritório.Alémdisso, a assistente eraumavaca—mascando chiclete, olhando para elas com desdém. Mal tirou os olhos dospapéisparafazeromínimodecontatovisual.Nemtentousorrir.

Erica segurou a cadeira com força enquanto sua mãe se levantou ecaminhouparaasaída.“QueroirparaaNewHope”,dissecomteimosia.

“Vocênãotemresidêncialegalnodistrito”,repetiuaassistente.“Vocênãotemautorização.”

“QueroirparaaNewHope.”Ericanãotinhaargumentooulógica,tinhaapenas um senso furioso de que suamãe não devia aceitar aquelamerda. Amãe, agora alarmada, pediu que ela se levantasse e saísse. Erica não saía.Segurouacadeiracommais força.Amãeapuxou.Ericanão soltava.Amãechioucomfúriabranda,desesperadaparaevitarumacena.Ericanãosemexia.AmãeapuxoucomforçaeacadeiracaiucomEricaaindanela.

“Querqueeuchameosguardas?”,disseaassistente.“Querirparaooutroladodarua?”Ocentrodedetençãoparamenoresficavalá.

Ericasesegurouelogotrêsouquatropessoasestavampuxando-aaomesmotempo,incluindoumtipodevigia.

“QueroirparaaNewHope!”Estava chorando agora, o rosto era uma máscara de lágrimas e raiva.

Acabaram soltando-a da cadeira. O vigia gritou com ela. A mãe levou amenininhafuriosadevoltaparacasa.

Suamãenãobrigou comelanem falouumapalavra.Voltarampara casaem silêncio. Naquela noite, a mãe de Erica lavou seu cabelo na pia e elasconversaramdocementesobreoutrascoisas.

Amãe de Erica, Amy, era omembromais decadente da família. Seus paishaviam emigrado da China e todos os seus parentes estavam indo bem.Todavia, Amy sofria de longas fases recorrentes de euforia e de depressão.Quando estava para cima, tinha energia fenomenal e saía por aí fazendo opapel de minoria-modelo.2 Aos 20 e poucos anos, passou vários meses emfaculdades,escolasdeformaçãooucentrosdeaprendizadodiferentes.Treinou

como técnica da áreamédica.Aprendeu sobre programas de computador naesperançadesetornarumaprofissionaldeTI.Trabalhavaemdoisempregosepersistia com uma determinação que disse ter herdado de seus antecedenteschinesescamponeses.

Nessesmesesprósperos,levavaEricaparaobufêlivreemGoldenCorralelhe comprava roupas e sapatos novos. Tentava também comandar a vida deErica.Diziaoqueelapodiavestirequaisdeseusamigosnãotinhapermissãoparaver(amaioriadeles—tinhamgermes).PassavaaEricaexercíciosextradeleitura para que pudesse “estar na frente” das outras crianças. Amy até lheensinoucaligrafiachinesacompincéisquetinhaguardadonoarmário.HaviaumalevezaeumritmonaspinceladasqueEricanãosabiaquesuamãepossuía.“Quandovocêfazcaligrafia,devepensardeumamaneiradiferente”,diziasuamãeparaela.Porunsdoisanos,Ericafezatéauladepatinação.

Entretanto,haviaosmomentosparabaixo.Amyiadecarrascoànulidadeem questão de dias, deixando que Erica fizesse o papel demãe. Era normalencontrargarrafasdeBacardievinhoManischewitz,maconhaeespelhoscomtraços de cocaína pelo apartamento. Amy não tomava banho ou colocavadesodorante.Nadaerafeitoemcasa.QuandoEricaeraumbebêeadepressãobatia,suamãecolocavaPepsinamamadeirasóparafazê-lacalaraboca.Maistarde,dava-lhecerealparaojantar.Passavamdiasemumadietademortadelado botequim da esquina. Quando tinha 9 anos de idade, Erica aprendeu achamar um táxi para que pudesse levar a mãe à emergência por causa daspalpitações—eraoquediziaparatodomundo.Aprendeuavivernoescuro,porquesuamãelacravaasjanelas.

Nesses momentos, seu pai não aparecia. Ele era mexicano-americano. (Acombinaçãogenética explicava sua aparência impactante.)OpaideErica eraumamistura—charmosoe inteligente,masnãoexatamenteosr.Confiável.Noladonegativo,pareciaserincapazdeapreenderarealidadeemsuamente.Se estava dirigindo bêbado e batia em um hidrante, inventava uma históriaextravagante para explicar que seu carro tinha sido atingido por um ônibusdescontrolado. Para estranhos, contava versões inventadas de sua história devida.ContavamentirastãoóbviasqueatéajovemEricaconseguiaperceber.

Ademais, falava constantemente sobre sua dignidade, que o impedia deaceitarqualquertrabalhoqueenvolvesseservirosoutros.SuadignidadeofaziafugirsemprequeAmyficavadominadora.EledesapareciaporsemanasemesesedepoisapareciacomfraldasPampers,mesmoquandoEricatinha5ou6anos.

EleapareciaedesapareciaeaindareclamavaqueAmyeEricasugavamtodoseudinheiro.

Por outro lado, Erica não o odiava da maneira como algumas de suasamigasodiavamseuspaisquesumiam.Quandoestavaporperto,eraengraçadoe compassivo. Ele continuou próximo dos pais, irmãos e primos efrequentemente incluía Erica em grandes reuniões familiares. Levava Erica eseusváriosmeios-irmãosparapiqueniquesefestas.Tinhamuitoorgulhodela,então, e contava para todomundo o quanto era esperta.Nunca foi preso enunca abusou dela, mas de alguma maneira nunca conseguia manter-secentradona tarefa.Tinhaentusiasmosmomentâneos,masnadanuncaviravaalgo.

Ambos os pais de Erica eram desesperadamente apaixonados por ela.Nocomeço, queriam se casar e construir um lar tradicional. Segundo o EstudosobreFamílias Frágeis,390%dos casais quemoram juntos quando seu filhonasceplanejamsecasaralgumdia.Mas,comoétípico,ospaisdeEricanuncarealizaram o feito.De acordo com o Estudo Sobre Famílias Frágeis, apenas15% dos casais solteiros que planejam se casar realmente se casam até oaniversáriodeprimeiroanodeseufilho.1

Houveváriasrazõespelasquaiselesnuncasecasaramdeverdade.Lidavamcommuito pouca pressão social para de fato fazê-lo.Não confiavamumnooutro inteiramente. Nunca podiam bancar o casamento glorioso de seussonhos.Tinhammedodedivórcioedadorqueseespalharia.Maisimportante,ocinturãodetransmissãoculturalhaviaserompido.Porpelomenosalgumasdécadas na vida norte-americana, foi simplesmente deduzido que casais comfilhos se casariam— que isso era parte de entrar na vida adulta. Porém, dealgumamaneira,essesroteirosdevidanãopassarammaisadiante,pelomenosem certas subculturas, portanto uma decisão que um dia foi automática ecanalizadanocérebroagorarequerintençãoconsciente.Ocasamentonãoeramais a opção-padrão.Demandava iniciativa específica. Para os pais de Erica,issonuncaaconteceu.

Qual era o status socioeconômico de Erica? Dependia do mês. Haviamomentosemqueamãeeraprodutivaeopaiestavaporperto;eraquandoelaviviaumavidadeclassemédia.Masemoutrosanos,elesvoltavamàpobrezaepara um meio cultural diferente. Essas descidas os arremessavam de volta abairrosdesorganizados.Ummêsestariammorandoemumbairrocomfamíliasintactasecompoucocrime.Masaínãoconseguiampagaroalugueletinham

delutarparaencontrarumlugaremoutrobairro,comterrenosbaldios,muitocrimeeumlequevariadodeesquemasdevidaquemudavamdeapartamentoparaapartamento.

Ericaselembrariadessascenasavidatoda—aspequenassacolasdeplásticolevando as coisas, dar adeus aos confortos da classemédia, ficar apertada noquartoextradealgumparenteouamigo,edepoisaprimeiravisitaabominávelaoapartamentovaziodecrépitoemalgumavizinhançaquaseabandonadaqueseriaonovolartemporáriodeles.

Havia menos empregos nessas novas vizinhanças. Havia menos dinheiro.Havia menos homens, porque muitos deles estavam na prisão. Havia maiscrime.Todavia, não eram apenas as coisasmateriais que eramdiferentes.Osmodosdepensareoshábitosdecomportamentotambémoeram.

As pessoas em bairros mais pobres queriam as mesmas coisas que todomundo — casamentos estáveis, bons empregos, hábitos organizados. Masviviam em um ciclo de estresse material e psicológico. A falta de dinheiromudava a cultura, e a cultura autodestrutiva levava à falta de dinheiro.Circuitosdereaçãomentalemateriallevavamaestadospsicológicosdistintos.Algumas pessoas nesses lugares tinham poucas aspirações ou aspiraçãonenhuma.Algumas haviamperdido a fé em sua habilidade de controlar seusprópriosdestinos.Outastomavamdecisõesinexplicáveisquesabiamqueteriamconsequênciasterríveisalongoprazo,masastomavamdequalquermaneira.

Muitaspessoasnessesbairrosestavamexaustaso tempo todoporcausadotrabalho e do estresse. Muitas não tinham autoconfiança, mesmo quandofaziam uma ótima encenação de que a tinham de sobra. Muitos viviam nolimite,lidandocomumacriseapósaoutra.Haviamuitashistóriashorrorosas.UmameninaqueErica conhecia esfaqueou ematouumcolegade classe emum momento passional, efetivamente arruinando sua vida aos 15 anos deidade. Erica decidiu que nessas vizinhanças jamais podia mostrar fraqueza.Jamaispodiacederousecomprometer.Nãopodiaaceitarmerdadeninguém.

Para lidar com a desordem, as mães organizavam redes decompartilhamentoeseajudavamcomocuidadodosfilhos,comidaequalqueroutracoisa.Cuidavamumasdasoutrasdentrodasredes,maseramalienadasdequasetudoalémdisso—dogoverno,domundodeempregosdeclassemédia.Radiavamdesconfiança—merecidaemgrandeparte.Presumiamquetodosasestavamboicotando:todovendedorqueriadartrocoamenos;todoassistentesocialtirariaalgumacoisadelas.

Emsuma,cadavizinhançacognitivatinhaumgrupoderegrasdiferentesdeconduta, um grupo diferente de normas inconscientes sobre como devia-seandar,dizeroi,enxergarestranhoseverofuturo.Ericalidoucomasmudançasentre essas duas culturas distintas com calma sur preendente, pelo menos nasuperfície. Era como pular de um país para outro.No país da classemédia,homensemulheresviviamemesquemasrelativamenteestáveis,masnopaísdapobreza,não.Nopaísdaclassemédia,ascriançaseramcriadaspara irparaafaculdade.Nopaísdapobreza,não.

AnnetteLareau,daUniversidadedaPensilvânia,éaprincipalestudiosadasdiferentesnormas culturais queprevalecem emdiferentesníveis da sociedadenorte-americana. Ela e seus assistentes de pesquisa passaram mais de duasdécadassentadosemchãosdesalasepasseandoemassentostraseirosdecarros,observandocomofamíliasfuncionam.Lareaudescobriuquefamíliasdeclassecultaefamíliasdeclassesmaisbaixasnãotêmestilosdecuidadospaternosqueestãoemextremosopostosdeumamesmasequênciacontínua.Emvezdisso,têmteoriasemodeloscompletamentediferentessobrecomocriarseusfilhos.

Ascriançasdeclasseculta,comoHarold,sãocriadasemumaatmosferaqueLareauchamade“cultivoorquestrado”. Issoenvolve inscreveras criançasemumgrandenúmerodeatividadessupervisionadasporadultoselevá-lasdecarrode um lugar a outro. Os pais estão profundamente envolvidos em todos osaspectos da vida de seus filhos. Fazem esforços orquestrados para prover umfluxoconstantedeexpe riênciasdeaprendizado.

Oritmoéexaustivo.Brigasacercadedeverdecasasãonormais.Porém,ascriançascriadasdessaformasabemcomopercorrerpelomundodeinstituiçõesorganizadas. Sabem como conversar casualmente com adultos, como atuardiante de grandes plateias, como olhar as pessoas nos olhos e dar uma boaimpressão.Àsvezes,sabematéconectaraçõesaconsequências.

QuandoLareaumostrouaospaisdeclassesmaisbaixasaprogramaçãoqueuma de suas famílias de classe culta seguia, eles ficaram horrorizados com oritmo e o estresse. Concluíram que crianças de classes educadas deviam serincrivelmente tristes. A educação de filhos em classes mais baixas, descobriuLareau,édiferente.Nesseslares,atendênciaéhaverumlimitemaisdespojadoentreomundoadultoeomundodacriança.Ospais tendemaacharqueaspreocupaçõesdavidaadultavirãoembreveequeascriançasdevemorganizarsozinhas o seupróprio horário de brincar.Quandoumamenina queLareauestavaobservandochamouamãeparaajudá-laaconstruirumacasadebonecascomcaixas,amãedissequenão,“casualmenteesemculpa”—porqueahora

dabrincadeiraeraconsideradainconsequente,umaesferadecriançaenãodeadulto.

Lareaudescobriuquecriançasdeclassesmaisbaixaspareciammaisrelaxadasevibrantes.Tinhammaiscontatocomsuasfamíliasestendidas.Devidoaofatodeseuspaisnãopoderemlevá-lasdecarrodeumaatividadeaoutra,seutempodelazereramenosorganizado.Podiamcorrerláforaebrincarcomqualquergrupo de crianças que achassem pela vizinhança. Eram mais inclinadas abrincarcomcriançasdetodasasidades.Erammenospropensasareclamardeestarem entediadas. Até pediam permissão às mães para pegar comida dageladeira.“Queixar-se,umatodisseminadonoslaresdeclassemédia,erararonoslaresdeclassesoperáriasepobres”,escreveuLareau.2

AinfânciadeHaroldseencaixanaprimeiracategoriadeLareau.AinfânciadeEricaeratãocaóticaqueelameioqueoscilavaentreosestilos—àsvezessuamãedemonstravaamor;àsvezesnãotinhamãe,apenasumapacientedequemtinhadecuidaretratarparaquevoltassedabeiradoabismo.

O modo da classe mais baixa tem várias virtudes, mas não prepara ascrianças tão bempara a economiamoderna.Emprimeiro lugar, não cultivahabilidadesverbaisavançadas.Alinguagem,comoescreveuAlvaNoë,“éumapráticaculturalcompartilhadaquesópodeseraprendidaporumapessoaqueéumanomeiodemuitasoutrasemumtipoespecialdeecossistemacultural”.3OlardeErica,assimcomoosdamaioriadascriançasdeclassesoperárias,erasimplesmentemaissilencioso.“Aquantidadedefalanesseslaresvaria”,escreveuLareau, “mas emgeral é consideravelmentemenordoquenos laresdeclassemédia”.4

OspaisdeHaroldmantinhamumaconversa constantequandoele estavapor perto. Na casa de Erica, era mais provável que a TV estivesse ligada otempo todo. A mãe de Erica estava simplesmente muito exausta para gastarenergia em conversas de criança. Cientistas fizeram cálculos elaborados paramediradiferençaentrefluxosdepalavrasemlaresdaclassemédiaedaclassemaisbaixa.UmestudoclássicodeBettyHarteToddRisley,daUniversidadedo Kansas, descobriu que aos 4 anos de idade, crianças criadas em famíliaspobres ouviram 32milhões de palavras amenos do que crianças criadas emfamíliasdeclassealta.5Acadahora,criançasdenívelelevadoouviamcercade487 “enunciados”.6 Crianças crescendo em lares que recebiam ajuda dogovernoouviamcercade178.

Enão era apenas a quantidade; era o tomemocional.Harold era semprebanhado de aprovação. Cada conquista minúscula era saudada com umpanegírico eufórico para suas habilidades magníficas. Erica escutava quase amesmaquantidadedefrasesdedesencorajamentoedefrasesdeencorajamento.Os pais de Harold o questionavam constantemente. Brincavam de trívia eentravam em duelos elaborados com zombarias. Estavam constantementeexplicando para ele por que tomaram certas decisões e impunham certasrestrições,eHaroldsesentia livreparaargumentarcomeleseoferecerrazõespelas quais estavam errados. Os pais de Harold também corrigiam suagramática, demodoquequando chegou ahorade fazer testes padronizados,não tevedeaprender realmenteas regrasda língua.Simplesmenteoptouporqualquer resposta que soasse melhor. Essas diferenças em ambiente verbalforamconectadas, estudoapós estudo, àsdiferenças emmediçõesdeQI e aoêxitoacadêmico.

Resumidamente, os pais de Harold não lhe deram apenas dinheiro.Passaram adiante hábitos, conhecimentos e traços cognitivos. Harold faziapartedeumaclassemeritocráticahereditáriaquesereforçapormeiodegenesedocultivoestrênuogeraçãoapósgeração.

Erica não tinha a maior parte dessas vantagens invisíveis. Vivia em ummundo muito mais desorganizado. De acordo com Martha Farah, daUniversidadedaPensilvânia,osníveisdehormôniodoestressesãomaioresemcriançaspobresdoqueemcriançasdaclassemédia.Issoafetaumavariedadedesistemas cognitivos, incluindo memória, consciência de padrões, controlecognitivo (a habilidade de resistir a respostas óbviasmas erradas) e facilidadeverbal.7 Crianças pobres são muito menos propensas a viver com dois paisbiológicos em casa. Uma pesquisa com pequenos mamíferos descobriu queanimaiscriadossemumpaipresentesãomaislentosparadesenvolverconexõesneuraisdoqueaquelescriadoscomumpaipresente,econsequentementetêmmenos controle de impulso.8 Não é apenas uma carência de dinheiro e deoportunidade. A pobreza e a falta de estrutura familiar podem alterar oinconsciente—amaneiracomoaspessoaspercebemeentendemofuturoeoseumundo.

Os efeitos cumulativos dessas diferenças estão aí para que todos vejam.Alunosdo1/4maispobredapopulaçãotêm8,6%dechancedeconseguirum

diplomade nível superior.9 Alunos no 1/4 superior têm 75% de chance de

conquistar um diploma de nível superior. Como descobriu o economistavencedor do Prêmio Nobel James J. Heckman, 50% da desigualdade dosganhosao longodeumavidaédeterminadapor fatorespresentesnavidadapessoaatéos18anosde idade.10Amaioriadessasdiferenças temaver comhabilidades inconscientes— isto é, atitudes, percepções e normas.O abismoentreelasseexpanderapidamente.

Emersão

QuandoEricaestavanooitavoano—nãonaescolaNewHope,masemumaescola pública antiquada —, dois jovens alunos do Teach for Americacomeçaram um novo ensino médio público independente nas redondezas,chamadosimplesmentedeAcademy.Seuobjetivoeraaproveitarosalunosquese formavam na New Hope, e tinha um éthos similar — com uniformes,disciplinaeprogramasespeciais.

Osfundadorescomeçaramcomumateoriasobreapobreza:nãosabiamoqueacausava.Deduziramquenasciadealgumamisturadeperdadeempregonaáreademanufatura,discriminaçãoracial,globalização,transmissãocultural,má sorte, políticas governamentais ruins e mil outros fatores. Porém, elestinham, sim, algumas observações úteis.Não achavamque havia alguémquesoubesse o que causava a pobreza.Acreditavamque era fútil tentar descobrirumaalavancapararetirarascriançasdapobreza,porquenãohaviaumaúnicacausaparaela.Acreditavamquesevocêquisesseconfrontarociclodepobrezaentreasgerações,teriadefazertudodeumasóvez.

Quando conceberam a Academy, prepararam uma apresentação paradoadores, que depois descartaram porque quase nenhum dos doadores acompreendeu.Noentanto,apremissaportrásdaapresentaçãoaindalheseraprezada.Apremissaeraqueapobrezaéumsistemaemergente.

Aolongodegrandepartedahistóriahumana,aspessoastentaramentenderseu mundo por meio de um raciocínio redutivo. Isto é, inclinaram-se afragmentaras coisasparavercomo funcionam.ComoescreveuAlbert-LászlóBarabásiemseuinfluenteLinked:

O reducionismo foi a forçamotora por trás de grande parte da pesquisa científica do séculoXX.Paracompreenderanatureza,elenosdiz,devemosdecifrarseuscomponentes.Asuposiçãoé a de que, uma vez que entendamos as partes, será fácil compreender o todo. Divida econquiste;odiaboestánosdetalhes.Portanto,fomosforçadosdurantedécadasaveromundopormeiodeseusconstituintes.Fomostreinadosaestudarátomosesupercordasparaentendero universo; moléculas para compreender a vida; genes individuais para entender

comportamentos complexos; profetas para vislumbrar as origens dasmodas passageiras e das

religiões.11

Essemododepensarinduzaspessoasaacharemquepodementenderumproblemadissecando-oemváriaspartes.Conseguementenderapersonalidadedeumapessoasesimplesmenteextraíremeinvestigaremseustraçosgenéticoseambientais.Essemododedutivoéaespecialidadedacogniçãoconsciente—otipodecogniçãoqueélinearelógico.

O problema com essa abordagem é que tem dificuldade em explicar acomplexidade dinâmica, a característica essencial de um ser humano, umacultura ou uma sociedade. Então recentemente houve umamaior apreciaçãopela estrutura de sistemas emergentes. Eles existem quando diferenteselementos seunemeproduzemalgumacoisaqueémaiordoquea somadesuaspartes.Ou,paradizerdeoutraforma,aspartesdeumsistemainteragem,edesua interaçãoalgumacoisa inteiramentenovaemerge.Porexemplo,coisasbenignascomoareáguaseuneme,àsvezes,pormeiodeumcertopadrãodeinteração,surgeumfuracão.Sonsesílabasseunemeproduzemumahistóriaquetemumpoderemocionalqueéirredutívelàssuaspartesconstituintes.

Sistemas emergentes não contam com um controlador central. Em vezdisso,apartirdomomentoemqueumpadrãodeinteraçãoéestabelecido,eletemumainfluênciadescendentesobreocomportamentodoscomponentes.

Porexemplo,digamosqueumaformigaemumacolôniaesbarreemumanovafontedecomida.Nenhumaformigaditadoratemdemandaracolôniasereorganizarparacolheressafonte.Emvezdisso,umaformiga,nocursodesuabuscanormalporcomida,esbarranela.Aíumaformigaporpertovaiperceberamudançadedireçãodeoutra,eaíumaformigaporpertodestavainotaramudançae,logo,comocolocaStevenJohnson:“Ainformaçãolocalpodelevarà sabedoria global.”12 A colônia inteira vai ter uma enorme estrada deferomônioparacolheranovafontedecomida.Umamudançafoirapidamentecomunicadapelosistema,etodaamentedacolôniasereestruturouparatirarvantagemdessanovacircunstância.Nãohouveumadecisãoconscientedefazeruma mudança. Todavia, um novo grupo de arranjos surgiu e, uma vezestabelecidoocostume,futurasformigasvãoconformar-seautomaticamente.

Sistemasemergentessãomuitobonsparapassarcostumesadianteatravésdecentenasoumilharesdegerações.ConformedescobriuDeborahGordon,daStanford, se colocarem formigas em uma grande bandeja de plástico,construirão uma colônia.13 Vão construir também um cemitério para as

formigasmortas,eelevaificaromaislongepossíveldacolônia.Vãoconstruirtambémumgrandedepósitodelixoquevaificaromais longepossíveltantodacolôniaquantodocemitério.Nãofoiumaúnicaformigaquemmontouageometria.Naverdade,cadaformigaemsipodesercegaemrelaçãoàestruturatoda. Em vez disso, cada formiga seguiu as indicações locais. Outras seajustaram às indicações de algumas formigas, e logo a colônia inteiraestabeleceuumprecedentede comportamento.Umavezque esseprecedentefoiestabelecido,milharesdegeraçõespodemnascereasabedoriavaiperdurar.Umavezestabelecidos,osprecedentesexercemsuaprópriaforçadescendente.

Hásistemasemergentesemtodolugar.Océrebroéumdessessistemas.Umúniconeurônionocérebronãocontémumaideia,digamos,deumamaçã.Noentanto,apartirdopadrãodedisparodemilharesdeneurônios,aideiadeumamaçã emerge. A transmissão genética é um sistema emergente. A partir dainteraçãocomplexadeváriosgeneseambientesdiferentes,certostraçoscomoaagressividadepodememergir.

Umcasamentoéumsistemaemergente.FrancineKlagsbrunobservouquequandoum casal vai para a terapia, há três pacientes na sala—omarido, amulhereocasamentoemsi.Ocasamentoéahistóriavivadetodasascoisasque aconteceram entre marido e mulher. Uma vez que os precedentes sãoestabelecidos e permeiam ambos os cérebros, o casamento em si começa amoldar seus comportamentos individuais. Apesar de existir no espaço entreeles,temumainfluênciaprópria.

Culturassãosistemasemergentes.Nãoháumapessoaúnicaqueincorporaas características da cultura americana ou francesa ou chinesa. Não há umditador determinando os padrões de comportamento que criam a cultura.Contudo, apartirdas ações edos relacionamentosdemilhõesde indivíduos,certasregularidadesdefatoaparecem.Umavezqueesseshábitosafloram,entãoosindivíduosfuturososadotaminconscientemente.

A pobreza, acreditavam os dois fundadores da Academy, também é umsistemaemergente.Aspessoasquevivemnaextremapobrezasãoenredadasemecossistemascomplexosqueninguémconseguevereentenderporcompleto.

Em 2003, Eric Turkheimer, da Universidade da Virgínia, publicou umestudo quemostrava que crescer na pobreza pode levar a umQI baixo.Osjornalistas naturalmente perguntaram para ele o que pode ser feito paraestimularodesenvolvimentodoQIemcriançaspobres.“Arespostahonestaàperguntaéquenãoachoqueexistanadaemparticularnoambienteque sejaresponsável pelos efeitos da pobreza”, escreveumais tarde.14 “Não acho que

haja uma coisa sozinha em um ambiente empobrecido que seja responsávelpelosefeitosdeletériosdapobreza.”

Turkheimer passou anos tentando encontrar quais partes do crescimentoem ambiente pobre produziam os resultados mais negativos. Conseguiamostrarfacilmenteosresultadostotaisdapobreza,masquandotentavamediroimpactodevariáveisespecíficas,descobriaquenãohavianada.Conduziuumameta-análise de 43 estudos que analisavam com cuidado quais elementosespecíficos da experiência da criança moldavam de forma mais poderosa asdeficiências cognitivas. Os estudos não conseguiram demonstrar o poder denenhumavariávelespecífica,apesardeoefeitototaldetodasasvariáveisjuntastersidomuitoclaro.

Issonãosignificaquenadadeveserfeitoparaaliviarosefeitosdapobreza.Significaquenãosedevetentarreduziressesefeitosapartesconstituintes.Éosistemaemergentetotalquetemseusefeitos.ComonotaTurkheimer:

Nenhum comportamento complexo em humanos livres é causado por um grupo linear eaditivo de causas. Qualquer resultado importante, como comportamento adolescentedelinquente,temumamiríadedecausasinter-relacionadas,ecadaumadessascausastemumamiríade de efeitos potenciais, induzindo-a ao quadrado de complexidades ambientais antesmesmodechegar-seàcertezadequeefeitosambientaissecodeterminamentresioudequeo

pacoteinteragecomomesmonúmerodemiríadesdeefeitosdegenes.15

Para cientistas, essa circunstância leva ao que Turkheimer chama de“Prospecto Sombrio”. Não há como definir e esclarecer as causas docomportamento humano ou de traçar as fontes desse ou daquelecomportamento. É possível mostrar de que forma as condições emergentes,como a pobreza ou a monoparentalidade, podem afetar mais ou menos osgruposgrandes.Éobviamentepossívelmostrar correlações entreumacoisa eoutra,eelassãovaliosas.MasédifícilouimpossívelmostrarcomoAcausaB.AcausalidadeficaobscurecidanobreudoProspectoSombrio.

ParaosfundadoresdaAcademy,aliçãoerafixar-seemculturasinteiras,nãoem pedaços específicos de pobreza. Nenhuma intervenção específica vaireverteravidadeumacriançaoudeumadultodenenhumaformaconsistente.Entretanto, se você puder cercar a pessoa com uma nova cultura, uma teiadiferentederelacionamentos,entãovãoabsorvernovoshábitosdepensamentoenovoscomportamentosdemaneirasquenuncapoderãomedirouentender.Esevocêrealmentecercaressapessoacomumaculturanova,enriquecedora,entãoémelhorcontinuarcercando-adessaformaporque,sevoltaremàculturadiferente,amaioriadosganhosvaisedissipar.

Osfundadoresentenderamqueiamcomeçarnãosóumaescola,masumacontracultura.Aescoladelesseriaumambientedeimersãoquedariaacessoauméthosdeêxitoparacriançasdeclassebaixa.Nãopodiasertotalmentehostilàculturanaqualviviam,senãoelasarejeitariam.Porém,insistirianotipodenormas,hábitosemensagensquehaviampermitidoaos fundadores, filhosdemédicoseadvogados,quefossemparaafaculdade.Aescoladelesreconheceriaimediatamente que vivemos em uma sociedade desigual e polarizada.Declarariademaneirafrancaquecriançaspobresprecisamdetiposdiferentesdeapoioinstitucionalcomparadasàscriançasdeclassemédia.

Aescoladelesseria“neutraemrelaçãoaosgenitores”,queeraumamaneiraeducada de dizer que iam apagar a cultura que os pais das crianças pobrespassavam adiante inconscientemente.O soció logo JamesColeman descobriucertavezquepaisecomunidadetêmmaiorefeitonoêxitodoqueaescola.OsfundadoresdaAcademydecidiramquesuaescolanãoseriaapenasumbandode salas de aula nas quais ensinavammatemática e inglês. Seria tambémumbairro e uma família. A escola que os fundadores vislumbraram treinaria ascriançasavera infânciacomoumaescadaparaa faculdade,umaescadaparafora.

O difícil em relação à emersão é que émuito penoso encontrar a “causaraiz”dequalquerproblemaemsistemasemergentes.Oladopositivoéquesevocêtemcascatasnegativasproduzindomausresultados,tambémépossíveltercascatas positivas produzindo bons resultados. Uma vez que você tenha umgrupopositivodeindicaçõessociais,consegueterumaavalanchefeliz,vistoqueinfluênciasprodutivassealimentamumasdasoutrasesereforçam.

Não havia possibilidade deErica não entrar nessa escola.No oitavo ano,Ericaestavamaioremaisbonita,masnãomenosteimosa.Algumainsatisfaçãoprofunda havia entrado em seu sangue. Berrava com a mãe e a amavaferozmente,umcaoscomplexodemaisparaqualquerpessoaentender.Nasruascomsuasamigas,eladiscutia,reagiacomexageroe,àsvezes,brigava.Naescola,era tanto uma aluna excelente quanto um problema.De algumamaneira, aideiadequeavidaéumabatalhaentrouemsuacabeça,eelaviviaempédeguerra,antagonizandoaspessoassemnenhummotivo.

Às vezes, era uma vaca compessoas que estavam tentando ajudá-la. Sabiaque estava sendouma vaca e sabia que era errado,mas não parava.Quandoolhavanoespelho,seulemaera“Souforte”.Elaseconvenceudequeodiavaaescola,masnãoodiava.Ela seconvenceudequeodiavaobairro, e emparteodiava.Aquiestavaseuverdadeirogênio.Dealgumaforma,elaentendiaque

nãotinhacomosemodificar sozinha.Nãopodiacontinuaremseuambienteatual e simplesmente transformar suas perspectivas por força de vontadeindividual.Seriasempresujeitaàsmesmasindicaçõessociais.Elassuperariamaintençãoconsciente.

Todavia, ela podia tomar uma decisão — mudar seu ambiente. E, sepudessemudarseuambiente,estariasujeitaaumgrupodiferentedeindicaçõeseinfluênciasculturaisinconscientes.Émaisfácilmudaromeiodoquemudarointerior.Mudeseuambienteeaídeixequeasnovasindicaçõesfaçamefeito.

Ela passou a primeira parte do oitavo ano aprendendo sobre aAcademy,falandocomalunos,fazendoperguntasparaamãeeinterrogandoprofessores.Certodiaemfevereiro,ouviudizerqueosdiretoresdaescolatinhamchegadopara uma reunião e decidiu, no seu jeito peculiar de guerreira-mirim, queexigiriaqueelesadeixassemingressar.

Entrouescondidanaescolaquandoumgrupodealunossaíapelaportadosfundosparaaauladeeducaçãofísicaefoiatéasaladereuniões.Bateunaportae entrouna sala.Havia umgrupodemesas empurradas para omeio da salacom cerca de 25 adultos sentados ao redor.Osdois fundadores daAcademyestavamsentadosnomeio,noladomaisdistantedasmesas.

“Eugostariade estudarna sua escola”, disse ela altoo suficienteparaquetodomundoouvisse.

“Comovocêentrouaqui?”,bradoualguémdamesa.“Posso,porfavor,estudarnasuaescolanoanoquevem?”Umdosfundadoressorriu.“Sabeoque é, temosumsistemade loteria.Sevocê colocaro seunome,

temumsorteioemabril...”“Eugostariadeentrarparaasuaescola”, interrompeuErica,disparandoo

discursoquehaviaensaiadoemsuacabeçadurantemeses.“EutenteientrarnaNewHopequandoeu tinha10anos,masnãodeixaram.Fui até a agência efaleicomamoça,maselanãodeixou.Precisaramdetrêsguardasparametirarde lá,mas tenho13 agora eme esforceimuito.Tiroboasnotas.Conheçoocomportamentocerto.Sintoquemereçoentrarnasuaescola.Podeperguntarparaqualquerpessoa.Tenhoreferências.”Elamostrouumpedaçodepapeldeficháriocomosnomesdeseusprofessores.

“Qualseunome?”,perguntouofundador.“Erica.”“Sabeoqueé,temosregrasemrelaçãoaisso.Muitaspessoasgostariamde

vir para a Academy, então decidimos que a coisamais justa a se fazer é um

sorteiotodaprimavera.”“Issoésóumamaneiradedizernão.”“Vocêvaiteramesmachancejustaquetodomundo.”“Issoésóumamaneiradedizernão.EuprecisoentrarnaAcademy.Preciso

irparaafaculdade.”Erica não tinha mais nada para falar. Apenas ficou em pé em silêncio.

Precisariamdemaisguardasparalevá-laembora.Sentadodooutroladodosfundadoresestavaumhomemgrandeegordo.

Eragerentedeumfundomultimercadoquehavialucradobilhõesdedólareseemgrandepartefundadoaescola.Erabrilhante,mastinhaasgraçassociaisdeum mosquito. Tirou uma caneta do bolso e escreveu alguma coisa em umpedaçodepapel.OlhouparaEricamaisumavez,dobrouopapeleopassoupela mesa até os fundadores. Eles abriram o papel e leram o recado. Dizia:“Manipuleaporradosorteio.”

Os fundadores ficaram em silêncio por um momento e se olharam.Finalmente,umdeleslevantouacabeçaedisseemvozbaixa.

“Vocêdissequeseunomeéqualmesmo?”“Erica.”“Escute,Erica,naAcademytemosregras.Temosumgrupoderegraspara

todo mundo. Seguimos essas regras ao pé da letra. Exigimos disciplina.Disciplinatotal.Entãosóvoufalarissoparavocêumavez.Sevocêalgumdiacontarpara alguémque invadiu esta sala e falou conoscodessamaneira, vouexpulsarvocêpessoalmentedanossaescola.Estamosentendidos?”

“Sim,senhor.”“Entãoescrevaseunomeeendereçoemumpedaçodepapel.Coloque-ona

mesaevejovocêemsetembro.”OhomemgordoselevantoudacadeiraedeuacanetaeoblocoparaErica.

Ela nunca tinha visto uma caneta como aquela, exceto naTV.Escreveu seunome,endereçoenúmerodosegurosocial,sóparagarantir,esaiu.

Quandojátinhasaído,osmembrosdadiretoriasimplesmenteseolharam.Depois,passadosalgunssegundos,todostinhamcertezadequeelanãopoderiamais ouvi-los. O cara do fundo multimercado soltou uma risada. A salairrompeuemumaondadegargalhadafeliz.

1Nooriginal,charterschool.Umaescolacharterrecebedinheiropúblico,masnãoseguetodasasregrasqueoutrasescolasseguem,poiscompromete-seematingiralgunsresultadosespecíficos.Oprocessodeadmissãodealunosocorrepormeiodesorteiosedelistadeespera.(N.daT.)

2 Componentes de grupos minoritários que se destacam da média normal de seus iguais. Termogeralmenteusadoparasereferiraosimigrantesasiáticos.(N.daT.)

3 “The Fragile Families and Child Wellbeing Study” (Estudo sobre Famílias Frágeis e Criação deFilhos),UniversidadedePrinceton,1998-2000.(N.daT.)

capítulo8

AUTOCONTROLE

AAcademycertamentefoiumchoqueparaErica.Emprimeiro lugar,não tinha fim.As aulas naAcademyduravamde oito damanhã às cinco datarde.Ericatambémtinhadeiraossábadoseduranteváriassemanasnoverão.Alunoscomperformanceabaixodamédiapassavamduasvezesmaistemponaescoladoqueoutrosalunosdopaís,eatémesmoalunoscomperformancenamédiapassavam50%maistempoali.Emsegundolugar,aescolaproviatudo.Haviaasaulasusuaisdematemáticaedeinglês—naverdade,tinhaduasaulasseparadas de inglês por dia. Mas também havia uma clínica de saúde,acompanhamentopsicológico,refeiçõescompletaseatividadesnoturnas.

Noentanto,omaiorchoquefoiaênfaseemcomportamento.AAcademycomeçavadozero.Ensinavaaosseusalunosaolharparaquemestavafalandocom eles, a se sentar na aula, a fazer que sim com a cabeça para mostrarconcordância,aapertarmãoseadizeroinoprimeiroencontro.Ericae seuscolegas de classe passaram a primeira sessão inteira da aula de músicaaprendendo a entrar em fila na sala e a tomar seus lugares. Durante asprimeirassemanasdeescola, foramensinadosaandarnocorredor,acarregarlivros,adizer“comlicença”seesbarrassemunsnosoutros.Osprofessoreslhesdisseram que, se fizessem as pequenas coisas corretamente, as grandes coisasseriammuitomais fáceis de serem conquistadasmais tarde. Alunos da classemédia podem ter aprendido essas lições automaticamente, mas muitos dosalunosdaAcademytinhamdeserensinados.

Outrograndechoqueforamoscânticos.1Tododiaescolarcomeçavacomoquechamavamde“escolaunida,círculounido”.Todososalunossereuniamno ginásio e entoavam raps e canções juntos. Tinha o Canto do Respeito.TinhaoConhecimentoéPoder,umcantonoestilochamadaeresposta.Tinhao Canto da Faculdade, no qual berravam os nomes de universidadesproeminentes e juravam entrar em uma delas. No final de cada reunião, o

professor de educação física lhe fazia as perguntas: por que vocês estão aqui?Para receber educação!Comoa recebem?Commuito trabalho!Oque vocêsfazem?Trabalhamosmuito!Oqueusam?Autodisciplina!Paraondevão?Paraafaculdade!Porquê?Paraserodonodomeuprópriodestino!Comovocêsvãochegarlá?Conquistando!Oqueéconquistado?Tudoéconquistado!

Cada turma tinha seu próprio dia de formatura. Só que o ano não eraaquele em que iam terminar a Academy. Era quando iam se formar nafaculdade,quatroanosdepois.Cadasaladeaulatinhaumaidentidade,masnãoeraSala215ouSala111.Eraonomedauniversidadenaqualoprofessorqueensinava ali havia estudado: Michigan, Claremont, Indiana ou Wellesley. Auniversidade era aTerra Prometida.A universidade era o círculo elevado doqualessesalunosumdiafariamparte.

Naaula,Ericaaprendeucoisassobreasquaisnuncanemtinhaouvidofalar—vidanaTailândia ena antigaBabilônia.Era testada e avaliada a cada seissemanas, e os testes eram usados para marcar seu progresso. Se superasse asexpectativas, ganhava Dólares Escolares, com os quais podia comprarprivilégioscomotempolivreeexcursõesdecampo.Suaaulapreferidaeraadeorquestra,naqual aprendeua lermúsicae começoua tocarosConcertosdeBrandenburgo.Chegouàlistadehonranosegundoperíodo,oquesignificavaquepodiavestirumablusaazulparaaescolaemvezdeablusabrancaqueeraouniforme-padrão.Colocaraquelacamisapelaprimeiravez,emumaassembleianafrentedaescolainteira,foioeventoúnicodemaiororgulhodesuavidaatéaquelemomento.

Depois da escola, jogava tênis. Erica nunca havia jogado um esporteorganizadoantes.Nuncahavianemseguradoumaraquete.Todavia,doisanosantes,duasestrelasdetênisafro-americanasforamàescolaedoaramdinheiropara construirquatroquadrasde tênisnos fundos.Um treinadorvinha tododiaparaensinarojogo.Ericadecidiuquequeriaestarnotime.

EricasetornouumaalunamuitomaissérianaAcademy,mashaviaalgumacoisa feroz namaneira como lidou com o tênis. Ficou obcecada.Durante atarde,passavahoras lançandoumabolacontraaparede.Colocoupôsteresdetênis nas paredes de seu quarto em casa. Aprendeu a geografia do mundopesquisandoondeasestrelasdotênisnascerameondeostorneiosaconteciam.Noprimeiroenosegundoano,emespecial,organizousuavidaemtornodabolinhaamarela.

Otênisestavaservindoparaalgumgrandeobjetivocósmicoemsuamente.WalterLippmannescreveucertavezque“acimadetodasasoutrasnecessidades

danaturezahumana,acimadasatisfaçãodequalqueroutranecessidade,acimada fome, do amor, do prazer, da fama — até da própria vida —, o que ohomemmaisprecisaédaconvicçãodequeestácontidonadisciplinadeumaexistência ordenada”.2 Por alguns anos, o tênis organizou a identidade deErica.

Erica era forte e rápidae, apesardenunca ter admitidoparaninguém, seconvenceu,mesmoqueporaquelesdoisanosapenas,dequeotênispodiaserseucaminhoparaariquezaeparaafama.ElaseviaemWimbledon.ElasevianoRoland-Garros.Ela se via de volta à escola contandopara futuros alunoscomotudohaviacomeçado.

Seu endereço de e-mail era tennisgirl1. Suas senhas on-line tinham a vercom tênis. Os rabiscos em seus cadernos eram sobre tênis. Dia após dia,assimilavadicasdotreinador,liasitessobretêniseassistiaapartidasnaTV.E,dia após dia, seu tênis melhorava. Mas havia uma raiva em seu jogo queassustava todomundo. Ela era uma pessoa determinada e um tanto séria namaioria dos domínios de sua vida, mas não raivosa. Na quadra, eraimpulsionadapor impaciênciapor tudoepor todos.Nunca falavanaquadraou provocava seus parceiros.Quando estava ganhando, as pessoas relaxavampertodela,masquandoestavaperdendo,mantinham-seafastadas.Setinhaumtreinoruimnaquadra,orestododiaestavaarruinadoeelaiaparacasasujaeirritada.

No início, o treinador a chamava de Pequena Mac, pois sua atitude eracomoadeJohnMcEnroe.Noentanto,umdiaacoisaficouassustadora.Eraaprimaveradeseusegundoanoesuaequipeestava jogandoemumaescoladeclasse média alta. Nesse momento, Erica era a segunda melhor da equipe,jogando uma partida individual no final da tarde. Seu treinador assistiu aoprimeiro saque e logo teve uma péssima sensação. O saque foi longo. Osegundosaqueatingiuabasedarede.Quandoestavaperdendoportrêsgamesazero,suaformaestavadesalinhada.Nosvoleios,oombroestavamuitoaberto.Nossaques,obraçoestavamuitobaixoeelaestavapraticamenteservindodelado,atirandoabolaemqualquerlugarmenosnaoutraquadra.

Otreinadorlhedisseparacontaratédez,relaxareretomaracompostura,maselaolhouparaelecomoumanimalselvagem,sobrancelhasfranzidasdeirae frustração. Logo, estava com os dois pés inteiros no chão esperando pelosaque,prestandomaisatençãoemsuaprópriafrustraçãodoquenabola.Suasrebatidasbatiamnarede,erammuitolongasouabertas,edepoisdecadaumadelaselalatiaum“Merda!”parasi.

O treinador começou a bombardeá-la com conselhos. Encaixe o ombro.Mexaospés.Melhoreoarremesso.Corraparaarede.Maselaestavapresaemalguma espiral de desorganização.Batia na bola omais forte possível, e cadaerro parecia vindicar uma onda de ódio por si crescendo dentro dela. Porrazõesquenuncaficariamclaras,começouasabotarseuprópriojogo,atirandovoleiosnofundodacercaatrásdaquadra,semnemtentarrecebersaquesquepodiateracertado.Saiufuriosadaquadranatrocadeladosejogouaraqueteno chão embaixo da cadeira.Depois de um voleio ruim, se virou e jogou araquetecontraacerca.Otreinadornãoperdoou:

“Erica!Viregenteouváembora!”Erica fezumaceno serviço seguinte e encarouo treinador.Seupróximo

saqueentrou,masdisseramquefoifora.“Támaluco,porra?”,berrouErica.Ojogotodoparou.Ericajogouaraquetenochão.“Támaluco,porra?”

Ela bateu na rede e parecia que ia estrangular qualquer pessoa que semetesse.Suaoponente,ojuizdelinha,suascolegasdeequipe—todomundoseretraiufisicamente.Estavatransbordandodeenergiaefúria.

Soubenaqueleexatomomentoqueestavaagindoerrado,masaquilofeztãobem.Queriadarumsocoemalguémeverumrostoexplodiremumraiodesangue.Sentiuumsurtodepoderedominaçãoenquantoolhavaparaaspessoasse afastando com nervosismo ao seu redor. Estava procurando alguém parahumilhar.

Porvárioslongossegundos,ninguémseaproximou.Nofinal,elaseretiroudaquadraesesentounobanco,olhandoparabaixo.Culpoutodosmenosasi.Osbabacasdomundotodo,abola,araquete,suaoponente.Finalmente,seutreinador se aproximou, tão furioso quanto ela. Ele segurou seu braço evociferou:“Vocêestáfora.Vamos.”

Elaoempurrou.“Nãotocaemmim,porra!”Noentanto,elaselevantouecomeçou a andar em direção ao ônibus, três passos na frente dele. Bateu opunho contra o ladometálico do ônibus ao entrar e andou com raiva pelocorredor.Jogouseuequipamentocontraaparedeesejogounobancodetrás.Ficoulásentadaporumahoraemeiaenquantoorestodaspartidasacabavam,edepoisficouemburradaemsilêncioconformetodosvoltavamparaaescola.

Não houve como se comunicar com ela naquela tarde. Ela não sentiaremorso. Nenhum medo de ficar encrencada na Academy ou em casa. Foiteimosa,inflexíveleduraquandoqualquerpessoatentoufalarcomela.

Quando o time voltou à escola, todos estavam falando sobre comoEricatinhaficadoloucanaquadra.Nodiaseguinte,pararamaescola,queéoqueos

administradores faziam quando alguma coisa terrível acontecia. Aulas foramcanceladasetodososalunoseprofessoressereuniramporumahoranoginásioparauma assembleia sobre conduta esportiva.NãomencionaramonomedeErica, mas todos sabiam que ela havia causado aquilo. Professores eadministradores a chamaram para conversar — alguns com firmeza, outroscomdelicadeza—,masnadadoquedisseramsurtiuefeito.

Temperamento

Na noite seguinte, no entanto, o episódio todo estava começando a parecerdiferente. Erica chorou no travesseiro, sentiu uma onda de humilhação e devergonha.

Naquela idade, sua mãe, Amy, não chegava aos pés de Erica. Suapersonalidadenãoeratãoforte.Contudo,elasabiacomoerasecomportardemaneira que era inexplicável para si própria. Ela se perguntou se haviasimplesmente passado esses genes para a filha, e todas as boas qualidades deErica estavam prestes a ser obscurecidas pelas características sombrias queherdoudesuavelhaqueridamãe.

Também se perguntou se eram apenas as tempestades da adolescência deErica ou se essa seria sua vida agora e para sempre.Todos os seres humanosherdaram do passado distante uma habilidade automática de responder asurpresaseaoestresse,achamadareaçãodelutaoufuga.Algumaspessoas,atémesmodesdeamaistenraidade,parecemfugirdoestresseedador.Algumas,comoErica,lutam.

Alguns recém-nascidos seassustamcommais facilidadedoqueoutros.3 Afrequênciacardíacaficamaisaceleradadoqueemoutrosquandoconfrontadoscomsituaçõesestranhas,eapressãoarterialdelesaumenta.Seuscorposreagemdemaneiramais nítida. Em 1979, o psicólogo JeromeKagan e seus colegasapresentaramumasériedeestímulosnãofamiliaresparaquinhentascrianças.4Cercade20%dosbebês choraramvigorosamente e foramdenominados “dealtareatividade”.Outros40%mostrarampoucarespostaeforamdenominados“debaixareatividade”.Orestoestavanomeio-termo.

Porvoltadeumadécadamaistarde,Kagansubmeteuasmesmascriançasaumabateriadeexperiênciasqueforamelaboradasparainduzirperformancedeansiedade. Cerca de 1/5 daquelas que haviam sido denominadas “de altareatividade” ainda respondiamao estressede formaacentuada.Um terçodos“de baixa reatividade” ainda mantinham o senso de calma. A maioria das

criançashaviaamadurecidoeestavaagoranoescopomediano.Muitopoucascriançashaviampuladodealtareatividadeparabaixareatividadeevice-versa.

Emoutraspalavras,ascriançasnascemcomumcertotemperamento.Essetemperamento não é uma trilha que vai guiá-las pela vida. Ele é, comoargumentouE.O.Wilson,umacoleira.Erica, assimcomo todas as crianças,nasceucomumacertadisposição,sejaelatensaouextraordinariamentecalma,sejaelanaturalmentealegreounaturalmentetaciturna.Suadisposiçãoevoluiriadurante o curso da vida, dependendo de como a experiência conectou seucérebro,porémoescopodessaevoluçãoterialimites.Poderiaevoluirdetensapara de temperamentomoderado,mas sua personalidade provavelmente nãomudaria de um extremo a outro. E uma vez que esse estado inicial fosseestabelecido, seusestadosdeespíritooscilariamemtornodessemeio.Poderiaganharna loteriae ficar felizporalgumassemanas,masdepoisdeumtemporetornariaàqueleestadoinicial,esuavidanãoseriamaisfelizdoquesenuncativesseganhado.Poroutrolado,poderiaperderummaridoouumamigo,masvoltaria,depoisdealgumtempodedoreagonia,aoestadoinicial.

Amyestavapreocupada.Ericatinhaumfogoperigosodentrodesi.Mesmoquando pequena, era claro que os estados de espírito de Erica oscilavam demaneira mais extrema que os da maioria. Parecia assustar-se intensamentequando alguma coisa inesperada acontecia (as pessoas que se assustam comfacilidade vivenciam mais ansiedade e medo durante a vida). Algunspesquisadores fazem a distinção entre crianças dente-de-leão e criançasorquídea.5Criançasdente-de-leão têmtemperamentomaishomogêneoe sãomais duronas. Elas se saem bem onde quer que você as coloque. Criançasorquídea sãomais variáveis. Podem florescer demaneira espetacular no localcertooudemaneiradeplorávelnoerrado.Ericaeraumaorquídea, localizadaperigosamenteentresucessoecatástrofe.

Sentada,divagandoinexpressivamentesobreofuturodeErica,Amyestavavivenciandoaprofundidadeimpregnantedapreocupaçãoquetodosospaisdeadolescentes conhecem. Ela mesma havia sido uma dessas jovens que setornaram demasiadamente ofensivas ao primeiro sinal de frustração, queconfundemsituaçõesnormaiscomsituaçõesameaçadoras,quepercebemraivaquandonãohá,sentemofensasquenãoforamintencionais,quesãovítimasdeummundo interno imaginário, ummundomais perigoso do que omundoexternonoqualrealmentehabitam.

Pessoasquevivemcomessetipodeestressecrônicosofremperdadecélulaemseuhipocampoe, com isso,perdadememória,principalmentedas coisas

boasqueaconteceramcomelas.Seusistemaimunológicoficamaisfraco.Têmmenosminerais nos ossos.Acumulam gordura corporal commais facilidade,especialmenteaoredordacintura.Vivemcomdéficitsquecausamdebilitaçõesa longo prazo. Um grupo de engenheiros que trabalhou até noventa horassemanais durante seis meses em um projeto extremamente estressante teveníveis mais elevados de cortisol e epinefrina, duas substâncias químicasassociadas ao estresse, por até 18meses depois, apesar de todos terem tiradoférias de quatro a cinco semanas depois do fim do projeto.6 Os efeitos doestressepodemdurarmuitoesercorrosivos.

Naquela noite, exatas trinta horas depois do ataque de fúria no jogo detênis, Amy ainda não tinha certeza do quanto podia aliviar o estresse e avergonha de sua filha. Então ela apenas se sentou com amão nas costas deEricae,commuitapena,ajudou-aasuperar.Depoisdeuns15minutos,ambasestavamumpoucoinquietas,selevantaramecomeçaramafazerojantar.Ericafezumasalada.Amypegouamassadadespensa.ElaeEricaestavamfazendoalguma coisa juntas. Estavam fazendo algo que acalmava suas mentes erestabeleciao equilíbrio.Dealgummodo,Erica estavavendoomundocomcalma de novo. Enquanto cortava tomates, Erica levantou a cabeça eperguntouparaamãe:“Porquesouumapessoaquenãoconsigocontrolar?”

Essa era, na verdade, uma pergunta bem importante. Uma pesquisa deAngela Duckworth e Martin Seligman descobriu que o autocontrole é duasvezesmaisimportantedoqueoQIempreveraperformancenoensinomédio,aassiduidadenaescolaeasnotasfinais.7OutrospesquisadoresdiscordamqueoautocontrolesejamaisimportantequeoQI,masnãohádúvidadequeéumdosingredientesessenciaisparaumavidagratificante.

“Parece que nem fui eu”, disse Erica para a mãe durante uma de suasconversas sobreo evento. “Foi como se fosseumapessoa estranha com raivaquetivessesequestradomeucorpo.Nãoentendodeondeveioessapessoaouno que estava pensando. Tenho medo que ela volte e faça alguma coisaterrível.”

Ofamosomarshmallow

Porvoltade1970,WalterMischel,emStanfordentãoeagoranaColumbia,lançou um dos experimentos mais famosos e encantadores da psicologiamoderna.Colocouumasériedecriançasde4anosdeidadesentadasemumasala e um marshmallow na mesa. Disse que podiam comer o marshmallow

imediatamente,masqueeleiaemboraeque,seesperassematéqueretornasse,ele lhes daria doismarshmallows.Nos vídeos do experimento, é possível verMischel saindo da sala e depois as crianças se retorcendo, chutando,escondendo os olhos e batendo a cabeça na mesa, tentando não comer omarshmallow na mesa na frente delas. Um dia, Mischel usou um biscoitorecheadoemvezdeummarshmallow.Umacriançapegouobiscoito,comeuorecheiocremosofurtivamenteeocolocoudevoltanolugarcomcuidado.(EssacriançaprovavelmenteéumsenadordosEstadosUnidosagora.)

Contudo,osignificativoéoseguinte:ascriançasqueconseguiramesperarváriosminutos saíram-semuitomelhornaescolae tiverammenosproblemascomportamentais do que as crianças que conseguiram esperar apenas algunsminutos. Apresentaram habilidades sociais melhores no ensino médio. Ascrianças que conseguiram esperar por 15 minutos inteiros receberam, trezeanos depois, notas de SAT210pontosmais altas doque as das crianças queconseguiramesperarapenastrintasegundos.(Otestedomarshmallowacabouvirando umprevisor de notas de SATmais eficiente do que os testes deQIfeitoscomcriançasde4anosdeidade.8)Depoisdevinteanos,apresentarampercentagensdeconclusãodefaculdademaisaltas,etrintaanosdepoistinhamsalários muito melhores. As crianças que não conseguiram esperar nadaapresentarampercentagensmuitomaisaltasdeencarceramento.Forammuitomaispropensasasofrerosproblemasdovícioemdrogaseálcool.

O teste apresentou as crianças ao conflito entre impulso a curto prazo erecompensa a longo prazo. O teste do marshmallow mediu se as criançastinhamaprendidoestratégiasparacontrolarseusimpulsos.Osqueaprenderama fazer isso se saírambemna escola e na vida, os quenão, acharam a escolaeternamentefrustrante.

As crianças que possuíam essas habilidades de controle de impulso naverdade cresceram em lares organizados.9 Em sua criação, ações levaram aconsequências previsíveis. Possuíam um certo nível de autoconfiança, apremissadequepodiamtersucessonoqueselançassemparafazer.Ascriançasque não conseguiram resistir ao marshmallow vinham, em muitos casos, delares desorganizados. Eram menos propensas a ver a conexão entre ações econsequênciasemenospropensasateraprendidoestratégiasqueasajudavamacontrolartentaçõesimediatas.

Porém, a descoberta crucial dizia respeito à natureza das estratégias quefuncionaram. As crianças que se saíram mal direcionaram sua atenção

diretamente ao marshmallow. Acharam que se olhassem para ele, poderiamcomandarsuatentaçãodecomê-lo.Asqueconseguiramesperar,sedistraíramdomarshmallow.Fingiramquenãoerareal,quenãoestavaláouquenãoeraummarshmallowdeverdade.Tinhamtécnicasparaajustarsuaatenção.

Em experimentos posteriores, Mischel pediu que as crianças colocassemumamolduramental emvoltadomarshmallow—para imaginarqueoqueestavam vendo era a foto de um marshmallow. Essas crianças conseguiramesperarcercadetrêsvezesmaistempodoqueasquenãoimaginaramafoto.10As crianças que foram instruídas a imaginar que o marshmallow era umanuvem fofa conseguiram esperar muito mais. Usando a imaginação,codificaram suas percepções do marshmallow de maneira diferente.Distanciaram-sedeleeativarammodelosdistintosemenosimpulsivosemsuascabeças. As crianças que conseguiram controlar seus impulsos acionarammaneirasfrescasdeperceberomarshmallow.Ascriançasquenãoconseguiram,acionarammaneiras quentes: só conseguiam vê-lo como a tentação deliciosaque realmente era. Uma vez que as do último grupo engajassem essas redesquentesemseucérebro,tudoestavaacabado.Nãohaviacomonãocolocaremomarshmallownaboca.

Aimplicaçãodoexperimentodomarshmallowéqueoautocontrolenãoérealmente uma questão de força de vontade de ferro comandando paixõesocultas.Amenteconscientesimplesmentecarecedeforçaedeconscientizaçãopara controlar diretamente processos inconscientes. Em vez disso, é umaquestão de ativação. A qualquer momento, há várias operações diferentesacontecendooucapazesdeaconteceremumnível inconsciente.Pessoascomautocontrole e autodisciplina desenvolvemhábitos e estratégias para ativar osprocessos inconscientes que lhes permitem perceber o mundo de maneirasprodutivaseprudentes.

Caráterreconsiderado

A tomada de decisão humana tem três passos básicos. Primeiro, percebemosumasituação.Segundo,usamosopoderderazãoparacalcularserealizaressaouaquelaaçãoédenossointeressealongoprazo.Terceiro,usamosopoderdevontadeparaexecutarnossadecisão.Nodecorrerdosséculos,teoriasdiferentesdocarátersurgiram,ecomelasnovasformasdeincutircaráternosjovens.NoséculoXIX,amaioriadosmodelosdeconstruçãodocaráterfocavamoPasso3doprocessode tomadadedecisão— forçade vontade.Moralistas vitorianos

tinham uma concepção quase hidráulica do comportamento apropriado. Aspaixõessãoumatorrenteselvagemeaspessoasdeboamoralusamaforçadeferrodavontadeparabarrá-la,reprimi-laecontrolá-la.

NoséculoXX,amaioriadosmodelosdeconstruçãodocaráterfocaramoPasso 2 do processo de tomada de decisão — o uso da razão para calcularinteresses. Moralistas do século XX enfatizaram técnicas de elevação daconsciência para lembrar as pessoas sobre os riscos de longo prazo do maucomportamento. Lembravam que sexo inseguro leva à doença, à gravidezindesejada e a outros resultados negativos. Fumar pode levar ao câncer. Oadultério destrói famílias ementir destrói a confiança. A presunção era a deque,umavezquevocêlembrasseaspessoasdaidioticedeseucomportamento,elasficariammotivadasaparar.

Tanto razão quanto vontade são obviamente importantes para se tomardecisões morais e exercer o autocontrole. Entretanto, nenhum desses doismodelosdecaráterprovaram-semuitoeficazes.Vocêpodedizerparaaspessoasnão comerem batata frita. Pode distribuir panfletos sobre os riscos daobesidade.Podedarsermõesconvocando-asaexercitaroautocontroleeanãocomer batata frita. E no seu estado sem fome, a maioria vai prometer nãocomer.Contudo,quandooeufamintodelasaparece,oeubem-intencionadovaiemboraeelascomemabatatafrita.Amaioriadasdietasfracassaporqueasforças conscientes da razão e da vontade simplesmente não são poderosas osuficienteparasubmetercomconsistênciaacompulsãoinconsciente.

E se isso é verdadepara comerbatata frita, tambéméverdadepara coisasmaissignificativas.Pastorespregamlamentaçõescontraosmalesdoadultério,masissoparecenãoterefeitononúmerodepessoasdorebanhoquecometemo ato— ou no número dos próprios pastores que o cometem.Milhares delivrosforamescritossobreopecadodaavareza,masdeanosemanosaavarezaficadescontroladademaneiraautodestrutiva.Háconcordânciaquaseuniversaldequegastaremcoisasmateriaisnãoproduzalegriaerealização,enoentantomilhõesdepessoasacumulamumadívidaenormenocartãodecrédito.Todomundo sabe que matar é errado, e no entanto o genocídio acontece.Terroristasseconvencemdequeéhonradomataroinocente.

Hádécadasaspessoasvêmtentandodarinformaçãoaosusuáriosdedrogassobre os perigos do vício; aos adolescentes, informação sobre os riscos de seenvolver em sexo sem proteção; aos estudantes, sobre as consequênciasnegativasdeabandonaraescola.E,noentanto,apesquisaéclara:sóprogramasde informação não são muito eficazes em mudar o comportamento. Por

exemplo, uma enquete de 2001 acerca de mais de trezentos programas deeducação sexual descobriu que, em geral, eles não tinham efeito nocomportamentosexualounousodecontraceptivos.11Oensinamentodesalade aula e a criação de consciência de grupo têm pouco efeito direto emimpulsosinconscientes.Sermõestambémnãoajudam.

As evidências sugerem que razão e vontade são como músculos, e nãoparticularmente músculos fortes. Em alguns casos e nas circunstânciaspropícias,podemresistiràtentaçãoecontrolarseusimpulsos.Noentanto,emvários casos, são simplesmentemuito fracas para impor autodisciplina por simesmas.Emvárioscasos,oautoenganotomaocontrole.

Osmodelos de construção do caráter usados nos séculosXIX eXX eramlimitados porque compartilhavam de uma suposição: a de que o Passo 1 noprocesso de tomada de decisão — o ato de percepção — é uma questãorelativamente simples de absorver uma cena. A ação real envolvia o cálculosobreoquefazereaforçadevontadenecessáriapararealmentefazê-lo.

Porém,comodeveestarclaroagora,issoestáerrado.Oprimeiropassoé,naverdade,omaisimportante.Percebernãoéapenasumamaneiratransparentedeabsorver.Éumprocessopensanteehabilidoso.Vereavaliarnão sãodoisprocessos separados, são conectados e basicamente simultâneos. Pesquisas dosúltimos trinta anos sugerem que algumas pessoas ensinaram a si mesmas aperceber com mais habilidade que outras. A pessoa com bom caráter seensinou,ourecebeuensinamentodosqueestãoaoseuredor,aversituaçõesdamaneiracorreta.Quandovêalgumacoisadamaneiracorreta,manipulaojogo.Ativa uma rede inteira de julgamentos inconscientes e de respostas em suamente, que a influenciam a agir de uma determinada forma. Uma vezmanipuladoojogo,arazãoeavontadeterãoumatarefabemmaisfácil.Serãoencarregadasdeguiarocomportamentoapropriado.

Por exemplo, alguns alunos entram em uma sala de aula sem nenhumrespeito inatopeloprofessor quepodem encontrar lá dentro.Quando ficamcomraivaou frustrados,vãoxingaroprofessor, ignorá-lo,humilhá-loouatésocá-lo ou jogaruma cadeiranele.Outros alunos, por outro lado, realmenteentramnasalacomumrespeitoinatopeloprofessor.Sabem,sempensarnisso,que devem ter deferência em relação a ele — que há certas formas de agiraceitáveis perante o professor e certas formas que não são. Podem ficar comraiva ou irritados, mas vão expressar esses sentimentos fora da sala. Berrar,xingaroujogarumacadeiraemumprofessornuncapassariapelacabeçadeles.

Se alguém fizesse isso na sua frente, ficariam boquiabertos, chocados ehorrorizados.

De onde veio esse respeito inato? Como foi que o mero ato de ver oprofessorativoucertosparâmetrosemsuasmentes?Asrespostasestãoperdidasno Prospecto Sombrio. As respostas estão perdidas no rio noturno doinconsciente.Mas,dealgumamaneira,nodecorrerdesuasvidas,elestiveramalgumasexperiências.Talveztenhamcomeçadoarespeitaraautoridadedeseuspaiseagoraestendemessecontextomentalàs figurasdeautoridadeemgeral.Talveztenhamabsorvidocertashistóriasnasquaisobservarampessoastratandoprofessores de um certo modo. Talvez tenham absorvidos certos pequenoshábitosenormassobrecomportamentoemsaladeaulaquecontrolamotipode comportamento que consideram inaceitáveis. Dentre essa miríade deinfluências,umcertopadrãodepercepção surgiu,umacertamaneirade ver.Após aprender a ver um professor de um determinado jeito, nem sequerconsiderariam dar um soco no rosto dele, a não ser no mundo da fantasiadistante,quesabemquenuncavãoestabelecer.

Demaneirasimilar,aspessoashonradasaprendemaverosbensdeoutraspessoasdeumamaneiraquereduzatentaçãoderoubar.Aprendemaverumaarma de uma maneira que reduz a tentação de usá-la da forma errada.Aprendem a ver jovens meninas de uma maneira que reduz a tentação deabusardelas.Aprendemaveraverdadedeumamaneiraquereduzatentaçãodementir.

Esse modelo de aprender a ver enfatiza que não é um único momentocrucial que molda o caráter. O caráter emerge gradualmente da interaçãomisteriosa de milhões de boas influências. Esse modelo enfatiza o poder dacomunidade para moldar o caráter. É muito difícil construir autocontrolesozinho(esevocêestáemumacomunidadedepessoasobesas,émuitodifícilficarmagrosozinho).12Tambémenfatizaopoderdaaçãopequenaerepetitivapararefazerosmecanismosfundamentaisdocérebro.Pequenoshábitoseumaetiquetaapropriadareforçamcertasmaneiraspositivasdeveromundo.Obomcomportamento fortalece certas redes. Aristóteles estava certo quandoobservou: “Adquirimos virtudes quando primeiro as colocamos em ação.”Opessoal do Alcoólicos Anônimos apresenta esse sentimento de maneira maisprática com seu lema “Finja até que consiga fazer”. Timothy Wilson, daUniversidade da Virgínia, coloca de forma mais científica: “Uma das lições

mais duradouras da psicologia social é que a mudança de comportamentogeralmenteprecedeamudançadeatitudesedesentimentos.”13

Revanche

As pessoas olhavam para Erica com estranheza nos dias e semanas depois daexplosão. Erica se olhava com estranheza. Mas meses passaram. A vida naAcademysignificavaseguirmilharesdepequenasregras.Nãocomeceacomerantes que todos namesa do refeitório estejam sentados. Sempre coloque seuguardanaponocoloprimeiro.Sempreselevantequandoumprofessorentrarno recinto.Nuncamasque chiclete quando estiver usandouniforme,mesmoque esteja apenas andando para casa.Não é como os alunos da Academy seportam.

Essasmilhares de regrinhas viraram naturais para Erica, assim como paraquase todos os alunos. Ela viu sua dicçãomudar, principalmente quando sedirigiaaestranhos.Viusuaposturaevoluir,demodoqueadotouumacondutaquasemilitar.

Essas pequenas rotinas eram quase sempre sobre autodisciplina de umaformaoude outra.Eram sobre adiar a gratificação ou sobre exercitar algumpequeno ato de autocontrole. Ela não pensava realmente sobre elas dessaforma.Asregraseramapenasaestruturanormaldavidaparaumalunocomoela.Noentanto, tinhamumefeitopenetrantenamaneira comoela vivianaescola,maistardeemcasaeaténaquadradetênis.

Noterceiroano,Ericanãoestavamaistãoobcecadacomotênis,mashaviadesenvolvidoumaformadeseprepararmentalmenteparacadapartida.Estavausandooque sepode chamardeDoutrinadoAutocontrole Indireto.Estavamanipulando pequenas coisas para acionar as reações corretas relacionadas àsgrandescoisas.

Elasesentavanobancoantesdeumapartidaeevocavaemsilêncioasvozesde pilotos de avião que tinha escutado, namaioria das vezes em filmes. Elessempre tinham umamaneira tão deliberadamente calma quando falavam aosistemadecomunicação.Issoacolocavanoestadomentaladequado.Depois,passavaporcertostruquesehábitos,partidaapóspartida:semprecoloquesuagarrafa de água no mesmo lugar perto da rede. Sempre coloque a capa daraqueteembaixodacadeiracomomesmoladoviradoparacima.Sempreuseasmesmas munhequeiras desparelhadas no pulso. Sempre pise nas linhas acaminho da quadra. Sempre faça uma linha com o tênis direito no local de

ondevaisacar.Semprepenseemfazercincoacesumatrásdooutro.Sevocêrealmente não sentir que vai fazer aces, apenas finja. Se o corpo começa apersonificarumaatitudeportemposuficiente,amentecomeçaaadotá-la.

Quandonaquadra,Ericatinharegrasrigorosasparasi.Haviadois lugaresno seu universo: dentro da quadra e fora da quadra. Fora da quadra é parapensar sobre o passado e o futuro; dentro da quadra é para pensar sobre opresente. Quando Erica estava prestes a servir, pensava em três coisas: giro,localizaçãoevelocidade.Casosepegassepensandoemoutracoisa,andavaparatrás,quicavaabolaalgumasvezesevoltava.

Erica não se permitia formar uma concepção sobre a oponente. Não sepermitia pensar em pedir o tira-teima para ver se a bola foi na linha. Suaperformanceseria julgadapelamaneiracomoaboladeixouaraquete,enadamaisestavasobseucontrole.Suaprópriapersonalidadenãoestavanocentro.Seutalentonãoestavanocentro.Seuegoeautoestimanãoestavamnocentro.Eraatarefaqueestavanocentro.

Colocando a tarefa no centro, Erica conseguia aquietar o eu consciente.Conseguia direcionar sua atenção para longe de suas próprias qualidades —suas expectativas, seu atrevimento, sua reputação— e conseguia se soltar nojogo.Conseguiaevitarquepensassemuito,oqueéamorteparaodesempenhomáximo.Conseguia semisturarcomospadrõesdoofício.Conseguiaconfiarnasváriashorasdetreino,quandohaviafeitoamesmacoisarepetidasvezeseguardadoalgunsmodelosemsuamente.Equandofaziaisso,seuautocontroleerasimplesmenteincrívelenadapodiaperturbá-la.

Ao jogarum jogocomo tênis,beisebolou futebol,os cérebrosdos atletasestãoenvolvidosemcicloscomplicadosdepercepção,re-percepçãoecorreção.A pesquisa de Claudio Del Percio, da Universidade Sapienza, em Roma,descobriuque,quandoestãoengajadosemtarefasdifíceis,oscérebrosdeatletasconsagrados estão na verdade mais calmos do que os de não atletas. Elesprepararam suasmentespara realizar esses tiposde tarefas, então énecessáriomuitomenos trabalhomental para se superarem. Também veem o que estáacontecendocommuitomaisclareza.SalvatoriAglioti, tambémdaSapienza,juntouumgrupode jogadores e denão jogadores debasquetepara assistir avídeosde lançamentos livres.Osvídeosparavamlogoapósabolaser lançadadamão,eosatletastinhamdeadivinharseabolaiaparadentrodacesta.Osjogadores de basquete eram muito melhores na adivinhação. Faziam issoativandoaspartesdeseuscérebrosquecontrolamomovimentodamãoedomúsculo. Reinterpretavam o lançamento livre e o sentiam como se eles

mesmosestivessemrealizandoatarefa.Emsuma, jogadoresperitosvivenciamosesportesdemaneirasdiferentesdosnãoperitos.14

Em95%dasvezes,oregimedeEricafuncionava.Elasepreocupoumenosno terceiro ano e jogou melhor. Havia ocasiões, no entanto, nas quais suacompostura dava uma escorregada. Sentia o demônio da raiva abrindo acorrenteeprestesasairporaí.

Tambémtinhaumritualparaisso.Pensavanaraivaediziaparasimesma:“Essanãoéquemeusou.Issoéumaexperiênciaqueestáacontecendodentrodemim.”Imaginavaumcampodegrama.Deumladoestavaocãoferozdesua raiva.Masdooutro lado estava a jogadorade tênisquehavia vencido asúltimascincopartidas.Elaseimaginavasaindodepertodocãoeindoparaajogadoradetênis.

Estava tentando estabelecer a distância certa entre ela e omundo. Estavapraticando a forma de automonitoramento que Daniel J. Siegel chama de“visão da mente”.15 Estava reforçando para si própria que tinha poder dedecisão no acionamento de qual eu interior dominaria seu comportamento.Tudooque tinhade fazerera focar suaatençãoemumpersonagem internoemvezdeemoutro.Nãoera fácil.Àsvezes,oatode focaratenção requeriaumaexposiçãoenormedeforçamental.Maserapossível.WilliamJamesesteveentre os primeiros a entender os investimentos envolvidos nesses tipos dedecisões:“[O]dramatododavidavoluntáriagiraemtornodaquantidadedeatenção,umpoucomaisouumpoucomenos,queideiasmotoresrivaispodemreceber.16[…] O esforço de atenção é, assim, o fenômeno essencial davontade.” Aqueles que têm hábitos e estratégias para podem controlar suaatençãocontrolaravida.

Conforme Erica envelhecia, se aprimorava em mudar a atenção de umimpulsoaoutroeemacionarmodelosdiferentesemsuacabeça.Tudoindicavaqueamaisprováveladesabrochareraaorquídea.

Inspiração

DepoisdealgunsanosnaAcademy,elaestavadiferente.Adesvantagemeraqueagoraestavaumtantodistanciadadesuasantigasamigasdavizinhançaeatédeseuspais.Achavamqueelatinhaentradoparaumculto.Aboanotíciaeraquetinhadescobertocomotrabalhar.

Certodia,umalatinademeia-idadevisitouaAcademy.Essamulhertinhaabertoumaempresade restaurantes e agora tinhaumacadeiade restaurantesespalhados pelo país. Era magra, bem-vestida em seu terno conservador eextremamentecalma.Ericaficoufascinada.Imaginouocaminhoentreavidaatualquetinhaeotipodevidaelevadaqueamulherlevara.Afinaldecontas,aquelamulherhaviatrilhadoomesmocaminho.

Ericaderepenteficouconsumidaporumdesejoardentedeserumalíderdenegócios. Em pouco tempo, foi de aluna normal e dedicada da Academy amembro do clube dos extremamente ambiciosos. Comprou uma agendaorganizadoraerepartiuseudiaemblocosdecódigoscoloridos.Foimudandoseuguarda-roupagradualmente.Suavestimentaeratãocerimoniosa,precisaearrumadaquecomeçouaseparecercomumaDorisDaydogueto.Conseguiudealgumjeitopegarumsetdeescritóriousadoedividiuseustrabalhosemumacaixa de entrada e uma caixa de saída. Era como se todo seu ser tivesse sidoocupado repentinamente pelo éthos da Suíça. Era meticulosa, disciplinada eprontapara triunfar.Algumacoisaacendeua fornalhadopequenomotordaambição,quedessediaemdiantenuncamaisdescansaria.

capítulo9

CULTURA

Pesquisadores passaram vários anos explorando as selvas da mentehumana à procura da fonte da ambição. Acharam alguns traços que pessoasmuitodeterminadastendemacompartilhar,eEricatinhaváriosdeles.

Pessoasultradeterminadas são frequentemente incomodadasporum sensoprofundo de perigo existencial. Historiadores notaram há tempos que umapercentagemincríveldosgrandesescritores,músicos,artistaselíderesviramumdospaismorrerouabandoná-losquandotinhamentre9e15anosdeidade:alistaincluiWashington,Jefferson,Hamilton,Lincoln,Hitler,GandhieStalin,paranomear alguns.Ericanão tinhaperdidoumdospais.Todavia, suamãedesapareciapsicologicamentedetempoemtempoeseupai,fisicamente.Comotantasoutraspessoasambiciosas,elaeraassombradaporumentendimentodequeavidaéprecária.Casonãodisputassealgumlugarseguronomundo,tudopodiaserdestruídoporumgolperepentino.

Pessoas muito ambiciosas geralmente conheceram alguém como elas queatingiu grande sucesso. Pode ser uma pessoa de sua cidade, de seu contextoétnico ou com alguma outra conexão, alguém que mostrava o caminho eatiçavaseusentidodepossibilidade.

Éimpressionantecomoatiçaroinstintodaimitaçãocustapouco.Háalgunsanos, dois pesquisadores,GeoffCohen eGregWalton, deram aos alunos daYaleumapequenabiografiadeumhomemchamadoNathanJackson,quesetornouummatemáticobem-sucedido.1Contudo,alteraramumdetalhe-chaveemalgumasbiografias.Emmetadedoscasos,ospesquisadores secertificaramdequeadatadonascimentodeJacksoncorrespondiaaodoalunoqueestavalendo a biografia.Depois,Cohen eWalton deram a todos os alunos algunsproblemas dematemática para resolver.Os alunos que leram os textos comdatas de nascimento correspondentes às suas dedicaram-se aos problemas por65%maistempodoqueosalunossemdatasdenascimentocorrespondentes.

Esses alunos tiveramum sentimento repentino de parentesco com Jackson eforammotivadosaimitarseusucesso.

Pessoas altamente ambiciosas muitas vezes possuem algum talento inicialque lhes deramum sensode distinção.Não tinhade ser umgrande talento.Talvezestivessementreosmelhoresinterlocutoresdesuaturmadoquintoano.Talvezestivessementreosmelhoresmatemáticosdesuapequenacidade.Maseraosuficienteparaqueoêxitofosseocernedesuaidentidade.

Pessoasambiciosasgeralmentetêmumavisãodeumcírculoelevadoaoqualpossam se juntar. Há um preconceito comum de que elas são motivadas asuperar seus iguais, a sermelhordoque todomundo.Naverdade,aspessoasmaisambiciosassãomotivadasaconseguirfazerpartedealgumgrupoouclubeexclusivo.

EricahaviaconhecidoadonadaempresaderestaurantesnaAcademy,eesseencontroabriuumaconvicçãodequetudoerapossívelparaela.Elaiaàbancade jornal e comprava cópias da Fast Company, da Wired e da BloombergBusinessweek.Elaseimaginavatrabalhandoemumapequenanovacompanhia,parte de um grupo de irmãos trabalhando juntos por uma causa comum.Recortava anúncios de outras revistas mostrando pessoas em festas emManhattan ou reunidas em uma casa em Santa Mônica ou Saint-Tropez.Prendia os anúncios nas paredes de seu quarto. As imagens se tornaram osobjetoscintilantesdeseudesejo,oslugaresaosquaisumdiapertenceria.

Os professores de Erica a elogiavam por ser dedicada, por ser eficiente emeticulosa. Ela começou a se perceber como uma pessoa que pode realizarcoisas.

Em 1997, Gary McPherson estudou 157 crianças selecionadas alea‐toriamente conforme escolhiam e aprendiam um instrumento musical.Algumas tornaram-se bonsmúsicos e outras hesitaram.McPherson procuroupelos traçosque separavamosqueprogrediramdosquenãoprogrediram.OQI não era um previsor eficiente. Nem a sensitividade aural, as habilidadesmatemáticas,arendaouosensoderitmo.Oúnicoprevisorindividualfoiumapergunta que McPherson fez aos alunos antes de selecionarem seusinstrumentos: Por quanto tempo você acha que vai tocar? Os alunos queplanejaram tocar por pouco tempo não se tornaram muito proficientes. Ascrianças que planejaram tocar por alguns anos tiveram sucesso modesto.Entretanto,haviaalgumascriançasqueefetivamenteresponderam:“Querosermúsico.Vou tocarpelavida inteira.”Essas criançasprosperaram.Osensode

identidadeque trouxeram àprimeira aula foi a fagulha quedispararia toda aevoluçãoqueaconteceriasubsequentemente.2Foiumavisãodoseueufuturo.

Trabalho

Algumaspessoasvivememerasromânticas.Tendemaacreditarqueogênioéprodutodeumafaíscadivina.Acreditamqueexistiram,aolongodostempos,certosmodelosdegrandiosidade—Dante,Mozart,Einstein—,cujostalentosexcediamemmuitoacompreensãonormalequetinhamumacessodeoutromundoàverdadetranscendental;amelhormaneiradeabordá-losécomtemorreverencial.

Nós, é claro, vivemos em uma era científica. Vastas quantidades depesquisasjáforamconduzidasarespeitodosucessoprecoceecolecionadasemvolumes como o Cambridge Handbook of Expertise and Expert Performance(Manual Cambridge sobre perícia e performance especializada). A visão queprevaleceéadequeosgêniossão,principalmente,construídos,enão inatos.Na visão dura e demasiadamente prosaica que é dominante agora, nem ashabilidadesprecocesdeMozartforamprodutosdeumdomsobrenatural.Suasprimeiras composições não eram atos de um gênio, argumentam ospesquisadores.Mozarteraumexcelentemúsicoquandopequeno,masnãosedestacarianomeiodosmelhoresintérpretes-mirinsdehoje.

OqueMozart tinha, emanteve, era amesmacoisaquevários intérpretesextraordinariamenteprecocestêm—muitahabilidadeinata,ahabilidadedeseconcentrarporlongosperíodosdetempo,eumaintençãoadultademelhorarsuashabilidades.Mozarttocavamuitopianoquandomuitopequeno,portantotevecedosuas10milhorasdetreinoedepoiscomeçouasedesenvolvermuitoapartirdaí.

Pesquisas mais recentes sugerem uma visão prosaica, democrática e atépuritanadecomoosucessofantásticoéalcançado.Ofator-chaveseparandoosgêniosdosmeramenterealizadosnãoéumachamadivina.Emvezdisso,oquerealmente importa é ahabilidadede ficar cadavezmelhor,gradualmente, aolongodotempo.ComodemonstrouK.AndersEricsson,daUniversidadedoEstado da Flórida, é a prática deliberada. Intérpretes de ponta passam maishoras (muitomais horas) aprimorando rigorosamente sua arte.ComonotouEricsson, intérpretesdepontadevotamcincovezesmaishoras a se tornaremgrandiososdoqueintérpretesmedianosdevotamasetornaremcompetentes.3

John Hayes, da Carnegie Mellon, estudou quinhentas obras de arte damúsica clássica.4 Apenas três delas foram lançadas dentro dos dez primeirosanosdacarreiradocompositor.Paraorestotodo,foinecessáriaumadécadadetrabalho sólido e constante antes de conseguirem criar algo magnífico. AmesmaregraseaplicaaEinstein,Picasso,T.S.Eliot,FreudeMarthaGraham.

Nãoéapenasaquantidadedehoras,éotipodetrabalhoquesefaznessashoras. Intérpretes medíocres treinam na maneira mais agradável possível.Grandes realizadores treinam na maneira mais deliberada e autocrítica.Frequentemente, quebram sua arte em suas menores partes constituintes edepois trabalham em um pedacinho da atividade inúmeras vezes. NaMeadowmount,1osalunospassamtrêshorasestudandoumapáginademúsica.Tocamamúsicacincovezesmaislentadoqueonormal.Sealguémporpertoconsegueouviramúsicaereconhecê-la,nãoestãotocandolentoosuficiente.5

No clube SpartakTennisClub,2 os alunos jogam sem bola.6 Simplesmentededicam-seapartesdatécnica.

BenjaminFranklinensinouasimesmoaescreverdaseguintemaneira:liaumartigonaSpectator,arevistamaisbem-escritadasuaépoca.7Escrevianotassobrecadafrasedoartigoemumpapelseparado.Depois,embaralhavaasnotasevoltavaaelaspassadasalgumassemanas.Então,tentavaorganizarasnotasnaordem correta e usá-las para recriar o artigo original. Foi assim que ensinouestruturaasimesmo.QuandodescobriaqueseuvocabulárioestavaaquémdodeautoresoriginaisdaSpectator, trocavaatécnica.Traduziacadaartigo,frasepor frase, empoesia.Depois de algumas semanas, tentava converter a poesiaemprosa.

Como observa Daniel Coyle em seu livro O código do talento: “Cadahabilidade é uma forma de memória.” Internalizar essas estruturas demandatrabalhoárduoeesforço.Dessamaneira,apesquisaacercadocérebroreforçaaéticaultrapassadadotrabalho.

Execução

OtrabalhoescolarestruturouavidadeEricaduranteosanosdoensinomédio.Foiaativaçãodealgumanaturezainterna.Elanãoteveumaprofessoraincrívelque mudou sua vida. Em vez disso, a atmosfera da Academy inculcousutilmente certos hábitos de ordem, disciplina e regularidade. Erica amavaorganizar seu livro de tarefas. Amava fazer listas de checagem emarcar cada

tarefa ao terminá-la.Sena formaturado ensinomédio lhepedissempara elalistar um traço marcante que possuía, ela teria dito: “Sou uma pessoaorganizada.”Tinhaumanecessidadedesesperadadefazerascoisasdamaneiracerta.Dessaforma,estavamoldadaparaomundodosnegócios.Pessoasbem-sucedidastendemaencontraressesmeiosemqueostalentosquepossuemtêmvalormaisalto.

Todosnós podemos apontar líderes carismáticos denegócios que lideramcomo heróis a cavalo. Porém, amaioria dos líderes de negócios não é dessetipo. É, ao contrário, do tipo calmo, disciplinado e determinado que Ericaqueriaser.

Em 2009, Steven Kaplan, Mark Klebanov e Morten Sorensoncompletaramum estudo chamado “WhichCEOCharacteristics andAbilitiesMatter?” (Quais características e habilidades de um CEO importam?8)Basearam-se em avaliações detalhadas da personalidade de 316 CEOs emediram o desempenho de suas empresas. Não há um estilo único depersonalidadequelevaaosucessocorporativooudequalqueroutrotipo.Maseles descobriram que os traços que se correlacionavam de maneira maispoderosa com o sucesso eram atenção ao detalhe, persistência, eficiência,meticulosidadeanalíticaeahabilidadedetrabalharpor longashoras.Istoé,ahabilidadedeorganizaredeexecutar.

Esses resultados são coerentes commuitos dos trabalhos que foram feitosnasúltimasdécadas.Em2001,JimCollinspublicouumestudoqueviroubest-sellerchamadoGood toGreat: empresas feitasparavencer.9Eledescobriuquemuitos dos melhores CEOs não eram visionários exibicionistas. Eramhumildes,modestos,diligentesealmasresolutasqueencontraramumacoisanaqualerammuitoboaseafizeramrepetidasvezes.Nãopassavammuitotempoemcampanhasinternasmotivacionais.Demandavamdisciplinaeeficiência.

No mesmo ano, Murray Barrick, Michael Mount e Timothy Judgeanalisaram uma quantidade enorme de pesquisas sobre liderança nosnegócios.10Tambémdescobriram que extroversão, amabilidade e abertura anovas experiênciasnão se correlacionavambemcomo sucessodoCEO.Emvezdisso,oqueimportavaeraestabilidadeemocionalemeticulosidade—serconfiável,fazerplanoseiratéofim.

Essestiposdetraçosobstinadosmastímidosnãosecorrelacionambemcomníveisdeeducação.OsCEOsquecursaramDireitoouquetêmMBAnãosesaemmelhordoqueosCEOsquefizeramcursostécnicos.Essestraçosnãose

correlacionam com salário ou gratificações, muito menos com fama ereconhecimento.Pelocontrário,umestudodeUlrikeMalmendiereGeoffreyTate descobriu que CEOs tornam-se menos eficazes conforme ficam maisfamososerecebemmaisprêmios.11

Erica não sonhava em se tornar chamativa e glamorosa. Ansiava porcontrole.Prezavaapersistência,aordemeaatençãonodetalhe.

Famíliaetribo

Entretanto, hámuitasmentes rodandono inconsciente.Durante seu últimoano,Ericaseviu inesperadamentesugadaporumturbilhão.Deparou-secomoschamadosprimitivosdolar,dafamíliaedatribobuscandoeclamandoporelademaneiraqueelanuncapreviu.

As complicações começaram quando se candidatou à decisão antecipada3para aUniversidade deDenver e foi aceita.Os SATs dela não erambons osuficienteparamereceraadmissão,masseuhistóricoajudou.

QuandoacartadeadmissãochegoudeDenver,Ericaficouanimada,masdeumamaneiradiferentedaquealguémnaclassesocialdeHaroldficaria.Aatitude de Erica foi a de quem veio de uma vizinhança onde os durõessobrevivemeosfracossãoengolidos.Paraela,aadmissãoemDenvernãoeraumsímbolodeméritoemhonraaoseumaravilhosoeu.Nãoeraumadesivodejanelaprestigiosoquesuamãepoderiacolarnocarro.Eraapróximafrentenabatalhadavida.

Ela levouacartadeadmissãoseparadamenteparaamãeeparaopai.Foiquando começou o inferno.É preciso lembrar queErica tinha descendênciamista,metademexicana,metade chinesa.Ela tinhaduas famílias estendidas epassavaumtempocomcadaumadelas.

Decertamaneira,ambasasfamíliaseramasmesmas.Aspessoasemambosos lados eram ferozmente leais aos seus familiares. Quando perguntam parapessoasaoredordomundoseconcordamcomafrase“Independentementedasqualidadesedas falhasdosnossospais, temosdeamá-lose respeitá-los”,95%dos asiáticos e 95% dos latinos concordam, comparados a, digamos, apenas31%derespondentesholandesese36%dedinamarqueses.12

AmbasasfamíliasestendidasdeEricafaziampiqueniqueslongosegrandesnos parques nas tardes de domingo, e apesar de a comida ser diferente, a

atmosfera era similar. Os avós se sentavam nos mesmos tipos de cadeirasdobráveisazuisàsombra.Ascriançasformavampequenosgrupos.

Contudo,haviadiferenças.Eradifícilcolocá-lasempalavras.Todavezqueela tentava explicar os contrastes entre seus parentes mexicanos e chineses,acabavacaindoemclichêsétnicoscaducos.AfamíliaestendidapaternahabitavaummundodeUnivision,4futebol,merengue,arrozefeijão,pésdeporcoeElDieciséisdeSeptiembre.5Afamíliaestendidamaternahabitavaummundodewoks, histórias de antepassados, horários de lojistas, caligrafia e ditadosancestrais.

Masdiferençasimportanteseramtãoprofundasquantoelusivas.Haviatiposdiferentesdebagunçasnacozinha,cheirosdiferentesa saudavamnaportadafrente.Asfamíliascontavamtiposdiferentesdepiadassobreseuprópriopovo.Os parentesmexicanos deErica faziampiadas sobre como estavam atrasadosparatudo.Seusparenteschinesesfaziampiadassobrequalprimobroncocuspiunochão.

Ericaassumiaumapersonalidadedistintadependendodequalcasavisitava.Com os parentes mexicanos do pai, ficava mais perto das pessoas. Era maisespalhafatosa. Os braços ficavam mais soltos ao redor do corpo. Com osparentesdamãe,eramaisdeferente,masquandochegavaahoradepegarumatravessanamesadojantar,eramaisagressiva.Erachataparacomercomseusparentesmexicanos,mas comia as coisasmaisnojentasque sepode imaginarcom seusparentes chineses.Nos contextosdiferentes, tinha idadesdiferentes.Comafamíliapaterna,agiacomoumamulhersexualizadaporcompleto.Coma famíliamaterna,aindaagiacomoumamenina.Anosmais tarde,depoisdeter concluído sua educação e conquistado seu caminho para o mundo, elavoltaria e visitaria esses parentes, e imediatamente retornaria às suas velhaspersonasdainfância.“Umhomemtemtantoseussociaisquantoonúmerodeindivíduos que o reconhecem e que carregam uma imagem dele namente”,escreveuWilliamJamescertavez.13

Acartade admissãodeDenver criouproblemasnosdois gruposde lares.TodomundonasfamíliasdeEricaficou,emcertonível,contenteporelaterentrado em uma instituição tão boa. Mas seu orgulho era um orgulhopossessivo, e, embaixo da felicidade, havia camadas de suspeita, medo eressentimentoquelevaramumbomtempoparasedescompactar.

AAcademyjáhaviaabertofendasentreelaeseusparentes.Aescolahaviacomunicadocertasmensagensinconscientes.Vocêéseupróprioprojeto,eseu

objetivonavidaépreenchersuasprópriascapacidades.Vocêéresponsávelporvocê mesmo. O sucesso é um êxito individual. Os membros das famíliasestendidasdelanãonecessariamentecompartilhavamessaspressuposições.

Seus parentes mexicanos já estavam ressabiados com as mudanças que jáhaviam tomado a personalidade dela. Assim como amaioria dosmexicanos-americanos, os parentes de Erica estavam sendo assimilados na vidaconvencionalamericana.QuandocompletamtrintaanosvivendonosEstadosUnidos,68%doslatinospossuemcasaprópria.Naterceirageração,60%dosimigrantesmexicanos-americanosfalamapenasinglêsemcasa.14Contudo,osparenteslatinosdeEricatinhampoucaexperiênciacomomundodaeducaçãosuperiordeelite.Suspeitavam,provavelmentedemaneiracorreta,queseEricafosseparaDenvernuncamaisseriaumdelesnovamente.

Tinham um senso de barreiras culturais. Dentro de seu próprio mundo,tinham sua herança e cultura, que eram entranhadas, enriquecedoras eprofundas. Fora das barreiras, sentiam que não havia herança. A cultura erafinaeespiritualmenteinerte.Porquealguémiaquerervivernessesoloesparso?

OsparenteschinesesdeEricatambémtemiamqueelaestivesseprestesasedistanciarparaalgummundofrouxoeimoral.Queriamqueelativessesucessomaspormeiodafamília,pertodafamíliaeentreafamília.

Começaram a pressioná-la a ir para uma faculdade perto de casa, parainstituições que fossemmenosprestigiosas doque adeDenver.Erica tentouexplicar a diferença. Tentou explicar como era útil ir para uma instituiçãocompetitiva.Elespareciamnãoentender.Pareciamnãocom preen deraalegriaquesentiucomoprospectodesemudarecomeçarsozinha.Ericacomeçouaperceberque,apesardeseparecercomeleseamá-los,entendiaatopografiadarealidadedemaneirasutilmentediferente.

Acadêmicos como Shinobu Kitayama, da Universidade de Kyoto, HazelMarkus, da Stanford, e Richard Nisbett, da Universidade de Michigan,passaram anos estudando as formas diferentes como asiáticos e ocidentaispensam e percebem o mundo. A lição central do trabalho de Nisbett estácontidaemumexperimentofamosonoqualelemostroufotosdeumaquárioparaamericanosejaponesesepediuqueelesdescrevessemoqueviam.15Emcasoapóscaso,osamericanosdescreviamopeixemaioremaisproeminentenoaquário. Os japoneses fizeram 60% mais referências ao contexto e aoselementosdacena,comoaágua,aspedras,asbolhaseasplantasnoaquário.

A conclusão deNisbett é que, no geral, os ocidentais tendem a focar demaneirarestritaemindivíduosrealizandoações,aopassoqueasiáticossãomaispropensos a focar em contextos e relações. Seu argumento é que desde pelomenos o tempo da Grécia Antiga, o pensamento ocidental enfatizou açãoindividual,traçospermanentesdecaráter,lógicaformalecategoriasclaramentedelineadas.Porumperíodoaindamaislongo,opensamentoasiáticoenfatizoucontexto, relações, harmonia, paradoxo, interdependência e influênciasradiantes.“Portanto,paraosasiáticos”,escreveNisbett,“omundoéumlugarcomplexo,compostoporsubstânciascontínuas,compreensíveisemtermosdogeral emvezde em termosdaspartes, emais sujeito ao controle coletivodoquepessoal”.16

Essa é obviamente uma generalização ampla,masNisbett e vários outrospesquisadores a elaboraram com resultados experimentais e observaçõesconvincentes.Paisnativosdalínguainglesaenfatizamsubstantivosecategoriasquando falam com seus filhos. Pais coreanos enfatizam verbos e relações.17Solicitadosadescrevervideoclipesdeumacenacomplexadeaeroporto,alunosjaponeses escolhiam muito mais detalhes de fundo do que alunosamericanos.18

Quandolheseramostradaafotodeumagalinha,umavacaeumpoucodegrama e solicitados a categorizar os objetos, alunos americanos geralmenteaglutinam a galinha e a vaca porque ambas são animais.Alunos chineses sãomais propensos a aglutinar a vaca e a grama porque vacas comem grama, eportantotêmumarelaçãocomela.19Quandosolicitadosafalarsobreseudia,norte-americanosde6anos fazemtrêsvezesmais referências a simesmosdoquechinesescomamesmaidade.20

Osexperimentosnessalinhadepesquisasãodiversos.Quandoapresentadosaumdiálogodemãeefilhadiscutindo,sujeitosnorte-americanossemostrarampropensosaescolherumlado,odamãeouodafilha,edescreverquemestavacerta. Sujeitos chineses foram mais propensos a ver mérito em ambas asposições.21Quando indagados sobre simesmos, norte-americanos tendem aexageraramaneiracomosãodiferentesemelhoresdoqueoresto,aopassoqueasiáticos exageram os traços que têm em comum e a maneira como sãointerdependentes.22Quandosolicitadosaescolherentretrêscomputadores—umcommaismemória,outrocomprocessadormaisrápidoeoutroqueficavaentre os dois —, consumidores norte-americanos tendem a decidir qual

característica mais valorizam para si e depois escolhem o computador commaior performance nessa característica.23 Consumidores chineses tendem aescolher o computador que tem um desempenho mediano em ambas ascaracterísticas.

Nisbettdescobriuquechinesesenorte-americanosusampadrõesdiferentesna maneira como enxergavam o mundo. Quando olham para algo como aMona Lisa, norte-americanos tendem a passar mais tempo observando seurosto.Osolhos chineses realizammais sacadas,movimentosoculares rápidos,entre o objeto em foco e os objetosde fundo.24 Isso lhes fornece um sensomais holístico da cena. Por outro lado, umapesquisa separada descobriu queasiáticos do Leste têmmais dificuldade em distinguir expressões demedo deexpressões de surpresa e expressões de nojo de expressões de raiva, porquepassammenostempofocadosnessasexpressõesemtornodaboca.25

Os parentes mexicanos e chineses de Erica não conseguiriam lhes dizercomoaculturaosinfluenciou,nãomaisqueosestereótiposvagos,mastinham,sim,umsensodequeaspessoasemseugrupopossuíamumaformadistintadepensar, que sua forma de pensar incorpora certos valores e leva a certasrealizações.Deixarissoparatráséamorteespiritual.

Autenticidade

Parentes de ambos os lados implorarampara queErica ficasse perto de casa.Qualquer jovem na classe social de Harold teria ignorado esses pedidos. Éóbvio, ele iria para a faculdade. Para as pessoas no círculo de Harold, ocrescimentopessoaltinhamaisimportância.MasparaosmembrosdasculturasdeErica,afamíliatinhamaisimportância.Ericadescobriuqueestavaapegadaaessas pessoas de um jeito que precedia a escolha individual. Os preconceitosdelestambémestavamimplantadosnocérebrodela.

Ehaviaseusamigosdeinfância.VáriosdosmaisantigoshaviamrejeitadoosvaloresdaAcademy.Elafoiporumcaminhoculturaleelesforamporoutronadireção de grupos de rap, drogas e joias ostentosas. Decidiram —conscientementeounão—preservarsuaintegridadecomoexcluídos.Emvezdesevenderàculturaconvencional,viviamemoposiçãoaela.Essesjovens—brancos, negros, marrons e amarelos — dividiam seu mundo entre culturabranca, que era chata, repressora e idiota, e cultura negra rapper, que eraglamorosa, sensual, perigosa e maneira. Seu sentido de integridade era mais

importante para eles do que a renda futura (ou então simplesmente nãoqueriam ser inscritos e estavam racionalizando).Emqualquer caso, passavampor uma espiral de oposição contracultural. A maneira como se vestiam,andavam,sesentavam,agiampertodeadultos—todasessascoisasfaziamcomquefossemadmiradospelosseus iguais,porémimpediamosucessonaescola.Porquestõesderespeitopróprio,eramrudescomqualqueradultoquepudessequererajudá-los.DisseramparaEricaqueelaeraumatolaporiremboraparaaquele clubinho, onde todomundoolhariapara ela comdesprezo.Disseramque ela voltaria para a área vestindo os pulôveres rosa da escola e seu shortcáqui.Elesqueriamserricos,masodiavamosricosaomesmotempo.Elasabiaque eles estavam meio que caçoando, mas ela estava mais do que meiochateada.

Nas semanas depois da formatura, Erica pensou sobre sua vida. Malconseguia se lembrar das horas que havia passado estudando. Suasmemóriasmaisvívidasenvolviamficarnaruaenoparque—ficardebobeiracomseusamigos,saircomosmeninospelaprimeiravez,ficarbêbadaatrásdosdepósitos,brincar de pular duas cordas ao mesmo tempo enquanto estava chapada noClube Meninos & Meninas. Havia passado tantas horas tentando sair desselugar,maselaoamavamesmoassim,commaisforçaporqueeratãofeio.

Overãodepoisdaformaturadoensinomédiodeviatersidoummomentoderelaxamentoecelebração,masEricaselembrariadeleparasemprecomooVerão da “Autenticidade”. Seus amigos a chamavam de “Poindexter”6 ouapenasde“Denver”:“LávemaDenver!Elanãoestáatrasadaparaapartidaemdupla?”

Entãoéclaroquefumoumaismaconhanaqueleverãodoqueantes.Éclaroquesaiucommaisgarotos.ÉclaroqueouviumaisLilWayneemaismúsicamexicanaefezdetudopararefutaraimpressãodobairrodequeelaesqueceusuasraízes.Ascoisasficaramruinsemcasacomamãe.Elaficavaforaatéastrêshoras da manhã, dormia na casa de outras pessoas sem avisar e aparecia aomeio-dia do dia seguinte. Sua mãe não sabia nem se tinha o direito decontrolarErica.Ameninatinha18anos.Masestavamaispreocupadadoquenunca.Seus sonhospara a filhade repente estavamemperigo.Algumacoisaterrívelpodia acontecer—um tiroteio,umaprisãopor causadedrogas.Eracomoseaculturadaruativessesaídodotúmuloeestivessepuxandosuafilhadevoltaparalá.

Em uma tarde de domingo, Erica voltou para casa e encontrou a mãearrumada,furiosaeempéàporta.Ericahaviaprometidochegaremcasacedo

paraque fossememumpiquenique familiar juntas,mas tinhaesquecido.Elaficou com raiva quando sua mãe a lembrou do compromisso e subiu compressaedemauhumorparaoquartoparasevestir.

“Muitoocupadaparamim!”, berrou amãe. “Nãomuitoocupadaparaosmanos!”Ericaficouseperguntandoondeamãeaprendeuessapalavra.

Haviacercadevintetias,tios,primoseavósnopiquenique.EstavamfelizesdeverEricaesuamãe.Abraçosemtodos.Umhomemdeu-lheumacerveja,oquenuncatinhaacontecidoantes.Opiqueniquefoidivertido.Osexpansivosfalaram e falaram.Histórias foram contadas. Como sempre, amãe de Ericaficou meio apagada no fundo. Ela era a decepção da família, portanto erarelegada a um canto silencioso da vida familiar. Mas ela parecia estaracompanhandoeassimilandoacompanhia.

Depois de umas três horas, os mais velhos estavam sentados ao redor dealgumas mesas enquanto as crianças ainda corriam. Alguns dos tios e tiascomeçarama falar sobreDenver.Contaramparaela sobreoutros jovensqueiampara faculdades locais.Contaram sobre amaneira chinesa, o negócio dafamília, os empréstimos quepassavamdeparente a parente.Contaram sobresuas próprias realizações e suas próprias vidas e, com o passar dos minutos,aumentavamapressão.NãováparaDenver.Fiqueaqui.Ofuturoépromissoraqui.Não foramnem sutis. Eles discursaram e insistiram. “É hora de voltarparaoseupovo”,disseumtio.

Ericaolhoupara seupratovazio.Família—eles conseguemse entranharsob a pele comoninguémmais consegue. Lágrimas começaram a brotar nosolhosdela.

Aíumavozcalmapôdeserouvidanooutroladodamesa.“Deixemelaempaz”, era suamãe.Amesadopiquenique ficou em silêncio.Oque se seguiunãofoinemsequerumdiscurso.Suamãeestavatãonervosaeaindaassimtãofuriosaqueapenasemitiuumasériedeenunciadosdesconexos.“Elaseesforçoumuito...Éosonhodela...Elaconquistouodireitodeir...Vocêsnãoaveemnoquarto noite após noite. Vocês não veem o quanto ela superou, o queaconteceuemcasa.”Finalmente,elaapenasdeuumaolhadaemseusparentes.“Eununcaquistantoumacoisanaminhavidaquantoqueroqueelaváparaesselugarefaçaessenegócio.”

Opequenodiscursonãoparoutodaadiscussão.Ostiosaindaachavamqueelaestavaerradaeaindadiscursaram.Noentanto,oequilíbriodasforçashaviamudadonacabeçadeErica.Suamãeahaviadefendidonafrentedafamília.O

sensodeconvicçãodeEricavoltou,equandoelasecolocavaemumaposição,nãotinhacomotirá-ladelá.

Oclube

Mesmoassim,iremboranãofoifácil.Deixarolardainfâncianuncaoé.Em1959,quandoaescritoraEvaHoffmantinha13anos,suafamíliaemigroudaPolônia para o Canadá. A Polônia pairou para sempre nos confins de suamente.“Opaísdaminhainfânciavivedentrodemimcomumaprimaziaqueé uma forma de amor”, escreveu anos depois.26 “Ele me alimentou delinguagem,percepções,sons,daraçahumana.Elemedeuascoreseasrugasdarealidade,meusprimeirosamores.Oteorabsolutodessesamoresnuncapodeserrecapturado.Nenhumageometriadapaisagem,nenhumaneblinanoarvaiviver em nós tão intensamente quanto as paisagens que vimos como asprimeiraseaosquaisnosentregamosporinteiro,semreserva.”

Entretanto,Erica realmente foi, eno começode setembro se viu emumdormitórioemDenver.

Universidades de elite são ótimas máquinas de desigualdade. Sãonominalmente abertas a todos os candidatos, independentemente da renda.Têmpacotesexcessivosdefinanciamentoparaosquenãopodempagar.Masarealidadeéqueacompetiçãoeliminaamaioriadaquelesquenãosãodaclassemédiaalta.Parapreencherosrequerimentosdaadmissão,realmenteajudatercrescidonaatmosferadorefinamentoconjunto.Ajudatertidotodootempodeleituraemfamília,ostutores,ostreinadoreseasupervisãoextracurricular.

DenverdeuàEricaa chancedeestarpertodepessoas influentes edevercomo se comportavam umas com as outras. Aprendeu como socializavam,comosecumprimentavam,comodormiamunscomosoutros,oqueumcaranaquela cultura dizia quando queria transar com você e o que umameninanaquelaculturadiziaparamantê-loadistância.Denverfoicomoumprogramade intercâmbio cultural. Ela não conhecia essa expressão quando chegou lá,mas, em Denver, Erica adquiriu o que o grande sociólogo Pierre Bourdieuchamou de “capital cultural”— esses gostos, opiniões, referências culturais eestilosdeconversaquevãolhepermitircrescernasociedadeeducada.

Naverdade,nãofoiariquezadosalunosquechocouEricaeestremeceusuaconfiança. Ela descobriu que tinha facilidade em menosprezar um cara quedestruíasuaBMWumdiaevinhacomoJaguardafamílianodiaseguinte.Foioconhecimento.ElatrabalhouarduamentenaAcademyparaseprepararpara

Denver.Noentanto,algunsdessesalunosvinhamsepreparandoavidatoda.EstiveramnolocalondeaBatalhadeAgincourttevelugar.EstiveramnaChinae passaram um verão durante o ensino médio dando aula para crianças noHaiti. Sabiam quem era Lauren Bacall e em qual escola F. Scott Fitzgeraldtinha estudado. Pareciam entender todas as referências que os professoreslançavam.Umprofessor faziareferênciaaMortSahlouaTomLehrereelesriamindicandoconhecimento.Sabiamestruturarostrabalhosdemaneiraqueelanuncahaviaaprendido.Eladeuumaolhadanaquelesalunosepensouemseusamigosdeseuantigobairroqueaindaestavamtrabalhandonoshoppingoupasseandonarua.SeusamigosemcasanãoestavamdefasadosapenasquatroanosemrelaçãoaessepessoalemDenver.Estavamdefasadosumaeternidade.

Ericateveaulasdeeconomia,ciênciapolíticaecontabilidade.PassavaodianaFaculdadedeAdministraçãoeestavapresentequandopalestrantesvisitantesapareciam. Era muito realista e prática. Porém, alguma coisa a incomodavanessas aulas. Em várias delas, Erica tinha aulas com economistas e cientistaspolíticos que presumiamque seres humanos sãomais oumenos iguais.Vocêcolocaalgunsincentivosnafrentedeles,independentementedesuasdiferençasculturais,evãoresponderdeformasprevisíveis,governadasporleieracionais.

Essapresunçãofazdaciênciasocialumaciência.Secomportamentonãoégovernadoporleiseregulamentaçõesimutáveis,entãomodelosquantitativossetornam impossíveis. A disciplina perde seu valor previsor. É tudo apenassubjetividadeembaçadaemotivadapelocontexto.

E,noentanto,Ericacresceunomeiodeváriaspessoasquenãorespondiamdemaneiraprevisívelaosincentivos.Muitosdeseusamigoslargaramoensinomédio quando todos os incentivos apontavam para a outra direção. Muitosdelestomaramdecisõesqueeramsimplesmenteinexplicáveis,ounãotomaramdecisão alguma porque eram reféns de vícios, doenças mentais ou outrasimpulsões. Ademais, as diferenças culturais simplesmente tinham um papelmuito grande em suas vidas. O que realmente importava, de acordo com aimpressãoqueEricatinha,eraaautointerpretação.Amaneiracomoaspessoassedefiniamtinhaumgrandeimpactoemcomosecomportavamerespondiamasituações.Nadadissopareciaternenhumpapelnoscursosqueestavafazendo.

Então Erica estava voltada, apesar de seus planos bem-estruturados, paraumadireçãoacadêmicadiferente.Nãoabandonoutodososcursosdotipopré-MBA, mas os suplementou. Viu-se atraída, entre tantas opções, pelaantropologia. Queria estudar culturas — o quão diferentes eram e como sechocavam.

À primeira vista, era uma matéria absurdamente impraticável para umaaspiranteamagnataestudar.MasErica,sendoErica,rapidamentetransformouisso em um plano estratégico de negócios. Toda sua vida teve a ver comculturas emchoque—mexicana/chinesa, classemédia/classebaixa,ogueto/aAcademy, a rua/a universidade. Ela já entendia como era mesclar culturasdiferentes. Em um mundo globalizante, esse conhecimento provavelmenteseria útil.Na faculdade, aprenderia como algumas empresas criaram culturascorporativas bem-sucedidas e como algumas fracassaram nessa tarefa.Aprenderiasobrecomocorporaçõesglobais lidavamcomdiversidadecultural.Emummundodenegócios repletodeengenheirosepessoasde finanças,elasaberia de cultura.Essa seria suaproposição ímparde venda. Semprehaveriaummercado para habilidades como essa. Afinal de contas, quantasmulhereschinesas-chicanasviciadasemtrabalhovindasdoguetoaspessoasconhecem?

Amenteestendida

Hámilhõesdeanos,animaisvagavampelaTerra.ComoargumentouMichaelTomasello,animaismaisespertos,comoossímios,sãonaverdademuitobonseminventarsoluçõesinovadorasparaproblemascomuns.27Oquenãofazembem é passar suas descobertas para gerações futuras. Animais não humanosparecem não ter o impulso de ensinar. Você pode ensinar a linguagem dossinaisaumchimpanzé,maselenãovaiensinaralinguagemdossinaisparaseuscompanheirosoufilhosparaquepossamfalarunscomosoutros.28

Os humanos são diferentes. Os humanos começam a vida bem atrás deoutros animais. Eles têm um grupo difuso de instruções genéticas, entãoquandonascem,eporanosdepoisdisso,nãoconseguemsobreviversozinhos.ComocolocouograndeantropólogoCliffordGeertz,ohomeméum“animalincompleto.Oqueodistinguemaisgraficamentedosnãohomens”,continuouGeertz,“émenossuasimpleshabilidadedeaprender(nãoimportaquãograndeseja)doquequantoequeespécieparticulardecoisastemdeaprenderantesdepoderdefatofuncionar”.29

Oshumanostêmêxitoporquepossuemahabilidadededesenvolverculturasavançadas.Aculturaéumacoleçãodehábitos,práticas,crenças,argumentosetensões que regulam e guiam a vida humana. A cultura transmite certassoluções práticas para problemas diários — como evitar plantas venenosas,como formarestruturas familiaresbem-sucedidas.Acultura tambémeducaas

emoções, como observou Roger Scruton. Consiste em narrativas, feriados,símbolos e obras de arte que contêm mensagens implícitas e por vezesdespercebidassobrecomosentir,comoreagir,comopredizersignificado.

Umaúnicamentehumananãoconseguiria lidarcomavastavariedadedeestímulos fugazes que são jogados perante ela. Conseguimos funcionar nomundoapenasporque estamos inseridosnoandaimeda cultura.Absorvemosculturasétnicas,culturasinstitucionais,culturasregionais,queseencarregamdamaiorpartedopensamentoparanós.

A raçahumananão é impressionanteporquegênios eminentesproduzemobras-primas individuais. A raça humana é impressionante porque grupos depessoas criam andaimes mentais que guiam o pensamento futuro. Nenhumindivíduo conseguiria construir um aviãomoderno,mas empresasmodernascontêmoconhecimentoinstitucionalquepermitequegrupososprojetemeosconstruam.

“Construímos‘ambientesdeprojeto’nosquaisarazãohumanaécapazdeultrapassar em muito o âmbito computacional do cérebro biológicodiminuído”,escreveofilósofoAndyClark.30Aocontráriodeoutrosanimais,continua ele, os humanos têm a habilidade de dissipar o raciocínio — deconstruirarranjossociaisquecontêmoscorposdoconhecimento.

Clarkacreditaquecérebroshumanosnãosãotãodiferentesdosórgãosfragmentados,deobjetivoespecial,orientadosparaaaçãoqueoutros animais e robôs autônomos possuem. Mas nos sobressaímos em um ponto crucial:somosmestresemestruturarnossosmundos físicose sociaisa fimdeextraircomportamentoscomplexosecoerentesdessasfontesindisciplinadas.Usamosainteligênciaparaestruturarnossoambienteafimdequepossamostersucessocommenosinteligência.Nossoscérebrosfazemomundoserinteligenteparaquepossamosserburrosempaz!Ou,paraverdeoutraforma,éocérebro humano e mais esses pedaços de andaimes externos que finalmente constituem amáquinadeinferênciaespertaeracionalquechamamosdemente.Vistodessamaneira,nofinalsomos inteligentes—mas nossas fronteiras se estendem paramais longe nomundo do que

pode ríamostersupostoinicialmente.31

Culturasquedãocerto

Erica fez cursos de sociologia, psicologia, história, literatura, marketing eeconomiacomportamental—tudoqueachouquepudesseajudá-laaentenderosandaimescompartilhadosdamentehumana.

Todasasculturascompartilhamcertosatributosemcomumguardadosemnossa herança genética. Os antropólogos nos dizem que todas as culturasdistinguem cores. Ao fazê-lo, todas as culturas começam com palavras parabranco e preto. Se a cultura adiciona uma palavra para uma terceira cor, ésempreovermelho.32Todososhumanos,porexemplo,registramasmesmasexpressões faciaisbásicasparamedo,nojo, felicidade,desprezo, raiva, tristeza,orgulho e vergonha. Crianças que nascem cegas mostram emoção em seusrostosdamesmamaneiraqueascriançasquenasceramcomvisão.33Todososhumanosdividemotempoempassado,presenteefuturo.Quasetodostemem,pelo menos a princípio, aranhas e cobras, criaturas que ameaçavam seusancestrais da Idade da Pedra. Todas as sociedades humanas produzem arte.Todas desaprovam, pelo menos em teoria, o estupro e o assassinato. TodassonhamcomaharmoniaeveneramaDeus.

Emseu livroHumanUniversals (Universais humanos),DonaldE.Brownlistatraçosqueaspessoasdetodososlugarescompartilham.34Alistanãotemfim.Todasascriançastêmmedodeestranhosepreferemsoluçõescomaçúcardoqueáguapuradesdeonascimento.Todososhumanosgostamdehistórias,mitoseprovérbios.Emtodasas sociedades,oshomens seenvolvemmaisemviolênciaemgrupoeviajamparamaislongedecasadoqueasmulheres.Emtodasas sociedades,osmaridos sãoemgeralmaisvelhosdoque suas esposas.Pessoasemtodososlugaresseclassificamdeacordocomoprestígio.Pessoasdetodososlugaresdividemomundoentreaquelesdentrodeseugrupoeaquelesfora.Essastendênciasestãotodasarmazenadasbemabaixodaconsciência.

Contudo, ninguémvive emuma coisa universal chamada cultura.Vivemapenas em culturas específicas, cadaumadas quais se difere das outras. Peçasescritas e produzidas na Alemanha são três vezes mais propensas a ter finaistrágicosouinfelizesdoquepeçasescritaseproduzidasnosEstadosUnidos.35MetadedetodasaspessoasnaÍndiaenoPaquistãodizquesecasariasemamor,mas apenas 2% das pessoas no Japão fariam isso.36 Quase 1/4 dos norte-americanos diz que frequentemente temedizer as coisas erradas em situaçõessociais, ao passo que 65% de todos os japoneses dizem temer isso comfrequência.37 Em seu livro Drunken Comportment (Postura bêbada), CraigMacAndrew e Robert B. Edgerton descobriram que, em algumas culturas,homensbêbadosentramembrigas,masemoutrasquasenuncafazemisso.38

Em algumas culturas, homens bêbados ficammais amorosos,mas em outrasculturasissonãoocorre.

PesquisadoresdaUniversidadedaFlóridaobservaramcasais tomandocaféemcidadesdiferentesdomundo.39EmLondres,oscasaisraramentesetocam.EmParis, 110 toques foramobservadospor café.EmSan Juan,PortoRico,foram180.

ComoreportamNicholasA.ChristakiseJamesH.FowleremOpoderdasconexões, 10%dosnorte-americanos em idade ativa reportam sofrer dedoresnas costas, assim como 45% das pessoas na Dinamarca, que reportam omesmo,e62%daspessoasnaAlemanha.Algumasculturasasiáticastêmíndicesbem baixos de dores nas costas,mas várias pessoas daquela região sofrem dekoro,umacondiçãonaqualhomenssãoatingidospelosentimentodequeseupênisestáseretraindoparadentrodocorpo.Otratamentoenvolvepedirqueummembro confiável da família segure o pênis 24 horas por dia até que aansiedadeváembora.

SevocêesbarrarcomumhomemnaruanonortedosEstadosUnidos,oníveldetestosteronaemseufluxosanguíneonãovaisubirnotavelmente.Masse você esbarrar comumhomemna ruano sul dosEstadosUnidos, onde acultura da honra prevalece mais, provavelmente vai haver um forte pico deproduçãode cortisol ede testosterona.40Cidadesdo sul sãoduas vezesmaispropensas a ter palavras como “gun” (arma) em seus nomes (Gun Point,Flórida),aopassoquecidadesdonortetêmmaisdoqueodobrodepropensãodeterpalavrascomo“joy”(alegria)emseusnomes.41

Umconstructoculturalcomoalinguagempodemudaramaneiracomoaspessoas veem o mundo.42 Guugu Yimithirr, uma língua aborígene naAustrália,éumadaslínguasdereferencialgeográficodomundo.Aspessoasnãodizem“Ergasuamãodireita”ou“Dêumpassoparatrás”.Elasdizem“Ergasuamão norte” ou “Dê umpasso para o leste”. As pessoas que falam línguas dereferencial geográfico têm incrível senso de orientação. Sempre sabem ondeficaonorte,mesmoemcavernas.UmfalantedalínguatzeltaldoMéxicofoivendado e rodado vinte vezes. Ainda assim não teve dificuldade em apontarnorte,sul,lesteeoeste.

Dessa maneira, culturas imprimem alguns padrões em nosso cérebro edissolvemoutros.DevidoaofatodeEricaternascidonosEstadosUnidos,elatinhaumsensonítidodequandoalgumacoisaeracafona,apesardequenãoteria conseguido definir com facilidade o que a tornava cafona. Sua cabeça

estava repleta do que Douglas Hofstadter chama de “padrões abstratosconfortáveismasumtantoimpossíveisdedefinir”,queeramimplantadospelacultura e organizavam seupensamento emconceitos como:desprezível, jogolimpo,sonhos,bobeira,excêntrico,despeito,objetivosevocêeeu.43

Erica aprendeu que uma cultura não é um livro de receitas que criauniformidade. Cada cultura tem seus próprios debates e tensões internas.AlasdairMacIntyreressaltaquecadaculturavitalcontémumacontinuidadedeconflito,oqueabreespaçoparacomportamentosdivergentes.Alémdisso,naera da globalização as culturas não são convergentes. Parecem estar ficandomaisdistantes.44

Também aprendeu que nem todas as culturas são iguais. Sabia que nãodevia achar que são. Estava em Denver há tempo suficiente para saber quedeviaachartodasasculturasmaravilhosasequeeramtodasmaravilhosasnasuamaneira única. Mas ela não era uma menina rica de escola particular. Nãotinhatempoparaessetipodebesteira.Precisavasaberoquelevavaaosucessoeoquelevavaaofracasso.Olhouparaomundoeparaahistóriaprocurandopordicaseliçõesúteisquepudesseusar.

Ela se deparou com um professor da Stanford chamadoThomas Sowell,que escreveu uma série de livros denominados Race and Culture (Raça ecultura), Migrations and Cultures (Migrações e culturas) e Conquests andCultures(Conquistaseculturas).Elefaloualgumasdascoisasqueelaprecisavasaber. Erica tinha noção de que não devia aprovar Sowell.Nenhumde seusprofessoresoaprovava.Porém,suasdescriçõesiamaoencontrodomundonoqualelaseviatodososdias.“Asculturasnãoexistemcomosimples‘diferenças’estáticas, para serem celebradas”, escreveu Sowell.45 Elas “competem umascomasoutrascomoformasmelhoresoupioresdeconseguirmosfazercoisas—melhoresoupioresnãodopontodevistadealgumobservador,masdopontode vista dos povos em si, conforme administram e aspiram em meio àsrealidadesásperasdavida”.

Ericapercebeuquealgunsgrupospareciamsuperarseusvizinhosecolegas.Haitianosedominicanoscompartilhamumailha,masosdominicanostêmumPIB per capita quase quatro vezes maior do que o de seus vizinhos.46 Aexpectativadevidaentreosdominicanospodeira18anosamaiseosíndicesdeleiturachegamaser33pontospercentuaismaiores.JudeuseitalianosambosviviamnoLowerEastSidedeManhattanduranteaprimeirametadedoséculoXX,masosjudeuscrescerammaisrápido.

Elanotouquealgunsgrupossefaziamvitoriosossemprequecolonizavam.Os libaneses e os indianos gujarati tornaram-se mercadores de sucesso emdiferentessociedadescomdiferentescondiçõesaoredordomundo.NoCeilão,em1969,aminoriatâmilforneceu40%detodososuniversitáriosnocampodasciências,incluindo48%detodososalunosdeengenhariae49%detodosos alunos da área médica.47 Na Argentina, 46% dos empresários no Who’sWho7 eram estrangeiros. No Chile, 3/4 dos diretores de grandesempreendimentosindustriaiseramimigrantesoufilhosdeimigrantes.48

Em escolas norte-americanas, crianças sino-americanas disparavam nafrente.Quando entram no jardim de infância, sino-americanos estão quatromeses na frente de crianças latinas no reconhecimento de letras e outrashabilidadesdepré-leitura.49Fazemcursosdeensinomédiomaisexigentesdoqueo alunonorte-americano comum.Fazemmuitomaisdeverde casa todanoite. Sãomais propensas a punições em casa se tiraremnota inferior a 6,5.Aproximadamente 54% dos ásio-americanos entre 25 e 29 anos de idade seformaram em faculdades, comparados a 34% de norte-americanos brancosnascidosnosEstadosUnidos.50

Essas diferenças culturais podem produzir desigualdades incríveis. Ásio-americanos têmumaexpectativadevidade87anoscomparadosaos79anosdosbrancoseaos73anosdosafro-americanos.EmMichigan,umestadocomeconomiaemcrise,aexpectativadevidadoásio-americanoéde90,enquantoqueadobrancocomuméde79eadoafro-americanocomuméde73.Rendaeníveisdeeducaçãotambémsãomuitomaisaltos.Oásio-americanocomumemNovaJerseyviveincríveis26anosamaiseé11vezesmaispropensoaterumdiplomadoqueoindiano-americanocomumemDakotadoSul.51

Erica também percebeu que algumas culturas são mais corruptas do queoutras.No estudoCultures ofCorruption (Culturas da corrupção), RaymondFismaneEdwardMigueltiraramvantagemdeumexperimentonatural.52Até2002, diplomatas na cidade de Nova York podiam evitar multas deestacionamento.FismaneMiguelanalisaramosdadosde1.700trabalhadoresconsulares e suas famíliasparaverquemtiravavantagemde sua imunidadeequemnãotirava.Descobriramquediplomatasdepaísesqueestãonotopodalista de corrupção da Transparência Internacional acumulavam grandesnúmerosdemultasnãopagas, aopassoquediplomatas depaísesno final dalista mal tinham multas. Entre 1997 e 2002, diplomatas do Kuwait

acumularam246 violações de estacionamentopor diplomata.Diplomatas doEgito,Chade,Nigéria,Sudão,Moçambique,Paquistão,EtiópiaeSíriatambémtinhamnúmeros incríveis de violações.Enquanto isso, diplomatas da Suécia,Dinamarca, Japão, Israel, Noruega e Canadá não tinham violação alguma.Mesmo amilhares de quilômetros de casa, os diplomatas ainda levavam suasnormas culturais domésticas dentro da cabeça. Os resultados não eraminfluenciadosporsalário,idadeounenhumoutrodoscontrolesmedidos.

Ericapercebeu,emsuma,quecertasculturassãomaisbem-adaptadasparaodesenvolvimentomodernodoqueoutras.Emumadeterminadaaula,tevedelerumlivrochamadoTheCentralLiberalTruth(Averdadeliberalcentral),deLawrenceE.Harrison.Aspessoasnoqueelechamadeculturascomtendênciasao progresso pressupõem que são capazes de moldar seu próprio destino.53

Pessoas em culturas resistentes ao progresso sãomais fatalistas.54 Pessoas emculturascomtendênciasaoprogressopressupõemqueariquezaéoprodutodacriatividadehumanaeéexpansível.Pessoasemculturasresistentesaoprogressotêm pressuposição de soma zero de que aquilo que existe agora existirá parasempre.

Pessoas em culturas com tendências ao progresso vivem para trabalhar,argumenta ele. Pessoas em culturas resistentes ao progresso trabalham paraviver. Pessoas em culturas com tendências ao progresso compartilhamoutrosvalores:sãomaiscompetitivas;sãomaisotimistas;valorizamaorganizaçãoeapontualidade; depositam ênfase incrível na educação; não veem suas famíliascomouma fortaleza emummundohostil, elas a veem comoumapassagempara a sociedade maior; internalizam a culpa e se responsabilizam pelo queacontece;nãoexternalizamculpanemacusamosoutros.

Ericaestavaconvencidadequeessasubestruturaculturalmoldavadecisõesecomportamentosmaisdoqueamaioriadoseconomistaseamaioriadoslíderesdenegóciospercebiam.Eraaliqueestavaaação.

Memorandoparasimesma

Mais tarde em sua carreira universitária, Erica abriu o laptop e escreveu ummemorando para si mesma. Tentou escrever algumas lições ou regras que aajudariam a resumir o quehavia aprendido estudandodiferenças culturais.Aprimeiramáximaqueescreveufoi“Penseemredes”.

Asociedadenãoédefinidaporclasses,comoacreditavamosmarxistas.Nãoédefinidaporidentidaderacial.Enãoéumacoleçãodeindividualistasrudes,

comoacreditamalgunslibertárioseconômicosesociais.Aocontrário,concluiuErica,asociedadeéumasuperposiçãoderedes.

Quandoestavaentediada,elarealmentesesentavaedesenhavagráficosderedesparasieparaosamigos.Àsvezes,colocavaonomedeumamigonomeiode um pedaço de papel e então desenhava traços para todas as conexõesprincipais na vida daquela pessoa, e depois desenhava traçosmostrando comqueforçaessescentroseramconectadosunsaosoutros.Sesaíacomamigosnanoiteanterior,talvezdesenhasseumgráficomostrandocomotodasaspessoasnogrupoeramconectadassocialmente.

Erica tinha a certeza de que entenderia melhor as pessoas se as visseconectadaseemumcontexto.Queriasetreinarapensarsobreaspessoascomocriaturasinseridas,cujasdecisõesemergiamdeumambientementalespecífico.

“Sejaacola”,escreveuEricaaseguir.Olhavaparaosgráficosdesuasredesese perguntava: “Do que consistem esses traços conectando as pessoas?” Empoucoscasosespecíficos,éoamor.Masnamaioriadoslocaisdetrabalho,enamaioria dos grupos sociais, os laços não eram tão passionais. A maioria dosrelacionamentoséestabelecidapelaconfiança.

Confiança é reciprocidade habitual que se torna revestida de emoção.Cresce quando duas pessoas iniciam voleios de comunicação e coo peração elentamenteaprendemquepodemconfiarumasnasoutras.Logo,membrosdeumarelaçãodeconfiançasetornamdispostosanãosócooperarentresi,masasacrificar-seumpelooutro.

Confiançareduzfricçãoecustosdetransação.Pessoasemempresasrepletasde confiança se movem com flexibilidade e coesão. Pessoas que vivem emculturas confiantes formam mais organizações comunitárias. Pessoas emculturas confiantes achammais fácil organizar e operar grandes corporações.Confiançacriariqueza.

Ericapercebeuqueháníveisdiferentesdetiposdiferentesdeconfiançaemcomunidades diferentes, escolas diferentes, dormitórios diferentes euniversidadesdiferentes.EmseuestudoclássicoTheMoralBasisofaBackwardSociety (A basemoral de uma sociedade atrasada), EdwardBanfield percebeuque camponeses no sul da Itália compartilhavam uma grande parcela deconfiançacommembrosdesuaprópriafamília,maserammuitodesconfiadosde pessoas fora de suas fronteiras familiares. Isso dificultava que formassemgruposcomunitáriosouqueconstruíssemempresasquefossemmaioresdoquea unidade familiar. Alemanha e Japão têm altos níveis de confiança social,permitindo que construam empresas industriais fortemente unidas.55 Os

EstadosUnidos são uma sociedade coletiva que acha que é individualista. Sevocê pedir que um norte-americano descreva seus valores, eles darão asrespostas mais individualistas de todas as nações do mundo. No entanto, sevocês realmente observarem comoosnorte-americanos se comportam, verãoque confiam uns nos outros instintivamente e formam grupos de formaespontânea.

Erica decidiu que nunca trabalharia em um lugar onde as pessoas nãoconfiassem umas nas outras. Assim que arrumasse um emprego, seria a cola.Seria a que organiza saídas, faz conexões, constrói confiança. Levariainformação de uma pessoa a outra.Conectaria um trabalhador ao outro. Setodo mundo ao seu redor desenhasse um gráfico das redes de sua vida, elaestariaemtodos.

A máxima final que Erica escreveu para si naquele dia foi: “Seja umaintegradoradeideiaeespaço.”Ericapercebeuqueosartistasmaisformidáveisfrequentemente combinam o que Richard Ogle chama em seu livro SmartWorld(Mundoesperto)dedoisespaçosmentais.Picassoherdouastradiçõesdaarteocidental,mas tambémrespondeuàsmáscarasdaarteafricana.Amescladessesdoisespaçosde ideiascriouLesDemoisellesd’Avignon eo surtocriativodopintor.56

Erica resolveu que sempre tentaria se posicionar na junção entre doisespaços mentais. Em organizações, tentaria se posicionar na junção de doisdepartamentosoupreencherosvaziosentreeles.RonaldBurt,daUniversidadede Chicago, tem um conceito que chama de buracos estruturais.57 Emqualquer sociedade, há grupos de pessoas fazendo certas tarefas. Todavia, háburacosentreessesgrupos,lugaresintermedíariosondenãohápessoasenãoháestrutura.Essessãooslugaresondeofluxodeideiaspara,osburacosseparandouma parte da empresa da outra. Erica ocuparia espaço nesses buracos. Elaabrangeria a distância de um grupo de pessoas ao outro — buscaria gruposdiscordantes e uniria suas ideias. Em um mundo de redes e culturasdiscordantes,elaencontrariaseudestinoeseupapel.

1Escolademúsicapara instrumentosdecordalocalizadanasmontanhasAdiron dack,emNovaYork.(N.daT.)

2AclamadoclubedetênisnaRússia.(N.daT.)3 Forma de ingresso em universidades dos EstadosUnidos, na qual o aluno pede prioridade e, caso

aceito,recebeumarespostaemumprazomaiscurto.(N.daT.)4RededetelevisãoemespanholnosEstadosUnidos.(N.daT.)5DiadaIndependênciadoMéxico.(N.daT.)6MeninogêniododesenhoanimadoGatoFélix.(N.daT.)7Publicações quemostramdados biográficos sobre um grupo específico de pessoas. É um título em

domíniopúblicoquenomeiacompilaçõesaoredordomundo.(N.daT.)

capítulo10

INTELIGÊNCIA

Erica não teve de achar seu caminho nos negócios. Os negócios aencontraram. Recrutadores a perseguiam desde o terceiro ano até o final daFaculdade de Administração, e ela os evitou como uma herdeira em umromance vitoriano, resguardando-se cuidadosamente para o pretendenteadequado.

Flertoucomfinanças,ficouparavalerporumtempocomumaempresadetecnologia, mas eventualmente decidiu começar sua carreira com uma dasfirmas de consultoria de elite. A empresa lhe ofereceu uma escolha. Podiajuntar-seaoquechamavamde“gruposdecapacidadefuncional”ouaumdosgruposde“setor indústria-clientela”.Nãoeraumaescolhadeverdadeporqueelanãosabiaaocertooquecadaumfazia.

EscolheuumGCF,porquedealgumamaneira soavamais legal, e acaboutrabalhando para um homem chamado Harrison. Três vezes por semana,Harrisonreuniasuaequipeparaumareuniãosobreosprojetosdepesquisanosquaisestavamtrabalhando.Asreuniõesnãoaconteciamaoredordeumamesacom um viva voz no meio como um altar, como nas reuniões normais.Harrison, com suas ideias excêntricas e peculiares, havia contratado algunsdesignersdeinteriorparaconstruirumespaçodeconversadiferente.Aequipesesentavaemcadeirasbaixasacolchoadasemumavastaáreaabertaquepareciaumagrandesaladeestar.

A organização tinha a intenção de ser flexível e permitir que pequenosgrupos se amontoassem, porém permitia que grandes grupos de homens seevitassemmutuamente.Entravamàsdezhorasdamanhãejogavamseuscafésepapéis no chão, sutilmente ajustando-os para que ficassem um poucodesorganizados.Ascadeirasficavamemumcírculoirregular,ecadaumaficavalevemente desalinhada, demodo que um cara estaria olhando para a janela,outrocaraestariaolhandoparaumapeçadeartecorporativanaparede,eum

terceiro estariade frentepara aporta.Osmembrosda equipepodiampassaruma hora inteira sem nunca fazer contato visual, mesmo quando estavamfalandojuntosprazerosaeprodutivamente.

Harrison tinha cerca de 35 anos, era pálido, grande mas não atlético ecompletamentebrilhante.“Qualéasualeidepotênciapreferida?”,perguntoupara Erica durante uma de suas primeiras reuniões com a unidade. Ericarealmentenãosabiaoqueeraisso.

“Éumpolinômiocominvariânciadeescala.ComoaLeideZipf.”ALeideZipf, Erica foi informada mais tarde, diz que a palavra mais comum emqualquer língua vai aparecer com exatamente duas vezesmais fre quência doqueapróximapalavramaiscomum,eassimpordianteatéamenoscomum.Amaior cidade emqualquer grandenação vai ser duas vezesmais populosadoqueapróximamaiorcidade,eporaívai.

“OuaLeideKleiber!”,concordououtrofuncionário.ALeideKleiberdizqueháumarelaçãoconstanteentremassaemetabolismoemqualqueranimal.Animais pequenos têm metabolismo mais rápido e animais grandes têmmetabolismomaislento,evocêpoderepresentargraficamenteaproporçãodemassaemrelaçãoaometabolismodetodososanimaisemuma linhareta,damenorbactériaaomaiorhipopótamo.

A sala inteira de repente estava em polvorosa com as leis de potência.Todos, menos ela, tinham suas favoritas. Erica se sentiu incrivelmenteretardada perto daqueles caras, mas feliz porque trabalharia com eles. Asreuniões diárias eram outra amostra de grandes exibições intelectuais. Eles sejogavam em suas cadeiras — cada vez mais estirados conforme a reuniãoprosseguiaatéqueestavampraticamentenahorizontalcomabarrigaparacimaeossapatossociaiscruzadosàfrente—ecercadeumavezporreuniãohaveriaalguma intervenção brilhante. Certo dia, passaram uma hora discutindo se“jazz”eraamelhorpalavradetodasparaumjogodaforca.

“Imagine se as peças de Shakespeare tivessem títulos como os livros desuspensedoRobertLudlum?”,perguntou-seumapessoadaequipecertodia.

“AsançãodeRialto”,sugeriualguémimediatamente.“AvacilaçãodeElsinore”,piououtrapessoa,paraHamlet.“OreflorestamentodeDunsinane”,exclamououtra,paraMacbeth.1Essescarasforamdefinidoscomogêniosantesdeandar.Eracomosetodos

tivessem sido especialistas em College Bowl1 ou em debates universitários.Harrison mencionou certa vez que tinha largado a Faculdade de Medicina

porqueeramuitofácil.Sealguémmencionassequeumapessoaemoutropaíserainteligente,perguntavam:“Maséinteligentecomonós?”

Ericafezumaapostacomelamesma.ElasepermitiacomerumM&Mparacada segundoquepassava entreomomento emqueHarrisonmencionavaonomedealguématéomomentoemqueindicavasefoiounãoparaHarvard,YaleouparaoMIT.

E havia os silêncios. Se não estivessem tendo debates ferozes sobremetodologiaseconjuntosdedados,ogrupotodoficavaperfeitamentesatisfeitoem se sentar em silêncio — por segundos e minutos. Para a Erica urbana-étnica, isso era tortura. Ela se sentava ereta em sua própria cadeira, olhandopara os pés, repetindo um mantra silenciosamente: “Não vou quebrar essesilêncio.Nãovouquebraressesilêncio.Nãovouquebraressesilêncio.”

Erica se perguntava como esses gênios conseguiam ficar em silêncio dessejeito.Talvezaquestãofosseapenasqueeleseramhomensemsuamaioriaeaspoucasmulheresnogrupotinhamaprendidoaseadaptaràculturamasculinaaolongodotempo.Erica,éclaro,tinhacrescidocomanoçãopopulardequeos homens sãomenos comunicativos e empáticos do que asmulheres. E hábastanteevidênciacientíficaparasustentarisso.Bebêsdosexomasculinofazemmenoscontatovisualcomsuasmãesdoquebebêsdosexofeminino,equantomaior o nível de testosterona no útero durante o primeiro trimestre degravidez, menor o contato visual.2 Simon Baron-Cohen, de Cambridge,analisoualiteraturadepesquisasobrecomunicaçãoesentimentosmasculinoseconcluiuquehomenssãomaiscuriosossobresistemasemenoscuriosossobreemoções.São,namédia,maisinclinadosaanálisesbaseadasemregrasacercadecomoobjetos inanimados se encaixam.Asmulheres são, namédia,melhoresem sentirem empatia. Saem-se melhor em experimentos nos quais recebemdicas parciais e têm de adivinhar o estado emocional de uma pessoa.3

Geralmente são melhores em memória verbal e fluência verbal.4 Nãonecessariamente falam mais do que os homens, mas parecem se alternaremmaisquando falam,e sãomaispropensasa falar sobreosoutrosenquantooshomenssãomuitomaispropensosafalarsobreelesmesmos.5Asmulheressãomuitomaispropensasaprocuraraajudadealguémquandoestãoemsituaçãodeestresse.

Entretanto,Erica jáhavia estado emgruposdehomens enão foi sempreassim.Essaculturaerapeculiaremoldadadebaixoparacima.Harrisonhavia

transformado estranheza social em uma forma de poder. Quanto mais setornavaenigmático,maistodostinhamdeprestaratençãonele.

Comiaomesmoalmoçotododia:sanduíchedecreamcheesecomazeitona.Quandomenino,desenvolveuumafórmulaparaajudá-loapreverovencedordecorridasdecães,eagorasuafunçãoeraseaterapadrõesocultos.“Vocêleuasnotasderodapénorelatóriodaempresa?”,perguntoumisteriosamenteparaEricadepoisqueogrupoganhouumnovocliente.“Elasestãoprestesapassarpor ummomento de transição.” Ela leu as notas com toda atenção e aindaassimnãofaziaideiadoqueeleestavafalando.

Eleestudavagráficosporhorasehoras—preçosdeações,níveisanuaisdeproduçãodecacau,padrõesdeclimaeproduçãodealgodão.

Podia ser profundamente impressionante. Clientes o respeitavam mesmoque não o amassem. CEOs eram humildes em sua presença. Todo mundoacreditavaqueHarrisonpodiaolharparaumapáginacomnúmerosedizer-lhesseestariamfalidosouemexpansãodaliacincoanos.Harrisoncompartilhavaessa atitude reverencial em relação a sua intelegência.Tinha certezade váriascoisas—detudo,naverdade—,mastinhamaiscertezadeduasproposições:eleeramuitointeligente,eamaioriadaspessoasdomundonãoera.

Poralgunsanos,Ericagostoude trabalharcomessehomem,mesmocomtodaa estranhezaquevinha junto.Gostavadeobservá-lo falar sobre filosofiamoderna.Eleeramuitobomnobridge.Amavaqualquerjogointelectualcomumgrupo fixo de regras.Às vezes, ela o ajudava a converter suas ideias, queeram sempre incrivelmente complexas, para a linguagem da realidadequotidiana. Mas, gradualmente, ela começou a notar uma coisa. Odepartamentonãoestavaindomuitobem.Osrelatórioserambrilhantes,masos negócios estavam péssimos. Clientes novos vinham, mas raramenteduravam. As pessoas usavam os serviços deles para projetos específicos, masnuncalevavamaequipeparaumaempreitadacomoconsultoresconfiáveis.

Erica demorou um tempo surpreendentemente longo para chegar a essaconclusão, mas quando chegou, ela olhou para seu grupo com um olhardiferente e mais crítico. As reuniões se estendiam por toda a eternidade,percebeuela,mashaviapoucodebatedeverdade.Emvezdisso,todomundotraziapequenospedaçosdeinformaçãoqueconfirmavamteoriasqueHarrisonhavia inventado anos antes. Erica sentiu como se estivesse vendo cortesãoslevandobalasparaoreievendo-osaboreá-lasnapresençadetodos.

AlocuçãofavoritadeHarrisonera:“Issoétudooquevocêprecisasaber!”Faziaalgumaobservaçãoprecisae sentenciosasobreumasituaçãocomplexae

depois vociferava: “Isso é tudooque vocêsprecisam saber!”Ocorreu aEricaque às vezes não era tudo o que precisavam saber, mas a conversa tinhaefetivamenteterminado.

E tinhaoModelo.Muitos anos antes,Harrison tiveraumgrande sucessoreestruturando um banco. Era uma lenda na comunidade bancária. Agora,todavezqueumbancoiaatéele,tentavaimplementaroModelo.Tentavaembancos grandes ebancospequenos, bancosurbanos ebancos rurais.Quandotentou implementar essemodelo em nações diferentes, Erica apresentou seuconhecimento cultural. Em uma reunião, tentou explicar a abordagemVarietiesofCapitalism(Variedadesdocapitalismo)desbravadaporPeterHalleDavid Soskice.6 Culturas nacionais diferentes, disse ela, têm sistemasmotivacionais diferentes, relações diferentes com autoridade e com ocapitalismo. A Alemanha, por exemplo, tem fortes instituiçõescomplementares,comoconselhosdetrabalhadores.Tambémtemmercadosdetrabalho que dificultam a contratação e a demissão de pessoal. Esses arranjossignificamqueaAlemanhasesobressaieminovaçãoincremental—ostiposdemelhoriascontínuasquesãocomunsemmetalurgiaemanufatura.OsEstadosUnidos,poroutro lado, têmredes econômicasmais frouxas.É relativamentefácil contratar, demitir e começar novos negócios. Os Estados Unidos,portanto,sesobressaememinovaçãoradical,nostiposdemudançasrápidasdeparadigmaprevalenteemsoftwareetecnologia.

Harrisonaignoroucomumacenodemão.Paísesdiferentessesobressaíamemcoisasdiferentes em razãodediferentes regulamentações governamentais.Mude as regulamentações e vocêmuda as culturas. Erica tentou argumentarque regulamentações emergem de culturas, que sãomais profundas e durammais.Harrisonsevirou.Ericaeraumaboafuncionária,masnãointeligenteosuficienteparaqueeletivesseoincômododeargumentarcomela.

Harrisonnãotratavasomenteeladessaforma.Tratavaclientesdessaformatambém. Ignorava argumentos que não se encaixavam em sua estruturamental. Fazia com que seu grupo preparasse longas apresentações nas quaisousavamdarsermõesparapessoassobreasindústriasquehaviampassadosuasvidascomandando.Faziamapresentaçõesdeliberadamenteopacascomoformadedemonstrarsuaprópriaperícia.Nãoentendiamqueempresasdiferentestêmtolerânciasdiferentes ao risco.Não entendiamqueumCFOespecíficopodeestaremumalutadeforçascomumCEOespecíficoequedeviamtercuidadopara não dificultar ainda mais a vida desse último. Não havia uma políticaóbviadetrabalhoquenãoignorassem,umatentativadeprecisãoempáticaque

conseguissemnãofracassar.ParaErica,nenhumdiaestavacompletoantesqueHarrison e sua equipe tivessem cometido alguma gafe.Ela passou os últimoscincomesesemsuaocupaçãonaempresaindoparacasatodososdiascomumaperguntanamente:Comopessoastãointeligentespodiamsertãoimbecis?

AlémdoQI

Estaacabasendoumaquestãoreveladora.Harrisonhaviaconstruídotodoumestilo de vida e uma carreira em torno da reverência pelo QI. Geralmentecontratavapessoascombasenainteligência;socializavacompessoascombasena inteligência. Impressionava clientes dizendo que libertaria uma equipe daIvyLeague2paralidarcomseusproblemas.

E até certo ponto, a fé de Harrison na inteligência era justificada.Pesquisadores estudaram o QI de maneira bastante extensiva durante váriasdécadasesabemmuitosobreele.OsvaloresdeQIqueumapessoaatingenainfância são razoavelmente previsores dos valores que ele ou ela vão atingirquando adultos. Pessoas que são boas em um tipo de habilidade intelectualtendemaserboasemváriasoutras.7Pessoasquesãomuitoboasemanalogiasverbais tendema ser boas tambémem resolver problemasmatemáticos e emcompreensão de texto, embora possam ser piores em outras habilidadesmentais,comonamemóriadereconhecimento.

Ahabilidadedesesairbemnessestiposdetesteséinfluenciadademaneirasignificante pela hereditariedade.Oprevisormais importante doQI de umapessoaéoQIdesuamãe.8PessoascomQIelevadosesaemmelhornaescolaeem cenários parecidos com o da escola. Como notamDeanHamer e PeterCopeland:“Emestudoapósestudo,oQIéomelhorprevisordaperformanceescolar.”9

Sevocêquerliderarumnegócio,terumQIacimade100provavelmenteajuda. Se você quer trabalhar com física nuclear, ter um QI acima de 120provavelmenteajuda.

Contudo,hátambémalgunsproblemascomaênfasedeHarrisonnoQI.Em primeiro lugar, ele é surpreendentemente maleável. Fatores ambientaispodemexercerumgrandepapelemmoldaroQI.Umestudosobrecriançasnegras em Prince Edward County, na Virgínia, descobriu que elas perdiamumamédiadeseispontosdeQIporcadaanoperdidonaescola.10Aatençãoparental tambémpareceser importante.Osprimeiros filhos tendematerQI

maiselevadodoqueossegundosfilhos,quetendematerQImaiordoqueosterceirosfilhos.Esseefeitodesaparece,noentanto,quandohámaisdetrêsanosdeintervaloentreascrianças.Ateoriaéadequeasmãesfalammaiscomseusprimeiros filhos eusam frasesmais complicadas.Precisamdividir sua atençãoquando têm filhos pequenos que nasceram compouco intervalo entre um eoutro.11

A evidênciamais ampla damaleabilidade doQI é o Efeito Flynn. Entre1947e2002,osníveisdeQIentrepaísesdesenvolvidoscresceramdemaneiraestável emcercade trêspontospercentuaispordécada.12 Isso foi constatadoemváriospaíses,entreváriosgruposetárioseemvárioscenáriosdiferentes,eéevidênciaclaradeumcomponenteambientalnoQI.

Deformacuriosa,osvaloresnãocresceramemtodasassessõesdotestedeQI.Aspessoasem2000nãoforammelhoresnasporçõesdotestereferentesavocabulário e compreensão de texto do que as pessoas em 1950. Todavia,forammuitomelhoresemsessõeselaboradasparamedirraciocíniológico.“Ascrianças de hoje”, escreve JamesR. Flynn, “sãomuitomelhores em resolverproblemas de imediato sem um método previamente aprendido para fazê-lo”.13

A explicação de Flynn é que eras diferentes provocam habilidadesdiferentes. A sociedade do século XIX recompensava e requeria maishabilidadesdepensamentoconcreto.Asociedadecontemporânearecompensae requer mais habilidades de pensamento abstrato. Pessoas que têm umacapacidade genética de raciocinar de maneira abstrata usam essas habilidadescada vez mais e mais, e portanto tornam-se cada vez melhores nelas. Suashabilidades herdadas são multiplicadas por suas experiências sociais, e oresultadoévaloresmuito,muitomaisaltosdeQI.

Entretanto, uma vez fora do ambiente da escola, ele não é um previsormuito confiáveldeperformance.Controlandooutros fatores, aspessoas comQI elevado não têm relacionamentos e casamentos melhores. Não sãomelhoresemcriar seus filhos.14EmumcapítulodeHandbook of Intelligence(Manualda inteligência),RichardK.Wagner,daUniversidadedoEstadodaFlórida, analisa a pesquisa acerca do QI e da performance no trabalho econclui: “O QI prevê apenas cerca de 4% de variância da performance notrabalho.”15Emoutro capítulodomanual, JohnD.Mayer,PeterSalovey eDavidCarusoconcluemque,namelhordashipóteses,oQIcontribuicercade20%parao sucessoda vida.Há grande incerteza em relação a esses tiposde

números.16ComocolocaRichardNisbett:“Oqueanaturezauniu,aregressãomúltiplanãopodeseparar.”17Masaideiageraléque,umavezquevocêpassede algumas correlações bem óbvias (pessoas inteligentes são matemáticosmelhores),háumarelaçãomuitofrouxaentreQIeresultadosnavida.

UmfamosoestudolongitudinalconhecidocomoTermanacompanhouumgrupodealunoscomQIextremamenteelevado(todostiraram135oumais).Os pesquisadores esperavam que esses jovens brilhantes fossem ter carreirasilustres.Eles se saírambem, tornando-se advogados e executivos de empresasem sua maioria. Mas não houve nenhum empreendedor superfamoso nogrupo, nenhum vencedor do Prêmio Pulitzer ou vencedor do PrêmioMacArthur.EmumestudosubsequentedeMelitaOdenem1968,aspessoasdo grupoque pareciam estar se saindomelhor tinhamQI apenas umpoucomais alto.Oque tinhamera éticade trabalho superior.Eramosquehaviammostradomaisambiçãoquandocrianças.18

Umavezqueumapessoa cruzeo limiardoQIde120,hápouca relaçãoentremaisinteligênciaemelhorperformance.UmapessoacomQI150éemteoriamuitomaisinteligentedoqueumapessoacomQI120,masessestrintapontos adicionais produzem pouco benefíciomensurável quando se trata desucesso ao longo da vida.ComodemonstrouMalcolmGladwell emFora desérie:Outliers,osnorte-americanosquereceberamPrêmiosNobelemQuímicae Medicina não foram em sua maioria para Harvard ou para o MIT, asinstituições no topo extremo da escada cognitiva.19 Foi simplesmentesuficienteque fossemparaboas instituições—RollinsCollege,Universidadedo Estado de Washington, Grinnell. Se você é inteligente o suficiente paraentraremumaboa instituição,é inteligenteosuficienteparase sobressair—até mesmo em esferas acadêmicas como química e pesquisa médica. Não éimportantequevocêestejanos0,5%do topo.Umestudocom7.403norte-americanos que participaram da Pesquisa Longitudinal Nacional daJuventude,3 conduzido por Jay Zagorsky do estado deOhio, não descobriunenhumacorrelaçãoentreacúmuloderiquezaeQIelevado.20

OerrodeHarrisonfoiequipararQIcomhabilidademental.Arealidadeéque a inteligência é uma parte de habilidade mental, mas não é a maisimportante. Pessoas que se saem bem em testes de QI são boas em tarefaslógicas, lineares e computacionais. Mas para se sobressair no mundo real, ainteligência tem de estar aninhada em certos traços e disposições de caráter.

Paratraçarumparalelo,umsoldadopodeserfenomenalmenteforte.Sevocêlhederumtesteenvolvendoflexõeseexercíciosdebarra,elevai sesairbem.Porém, a menos que ele possua coragem, disciplina, técnica, imaginação esensibilidade,provavelmentenãovaisobreviveremmeioaocaosdocampodebatalha.Damesmaforma,umapensadorapodesermuitointeligente,masaomenosquepossuavirtudesmoraistaiscomohonestidade,vigoreequidade,elaprovavelmentenãovaitersucessonavidareal.

Em seu livro What Intelligence Tests Miss (O que os testes de QI nãorevelam), Keith E. Stanovich lista algumas das disposições mentais quecontribuemparaaperformancenomundoreal:

Atendênciadecoletar informaçõesantesde tomarumadecisão, a tendênciadeprocurarporváriospontosdevistaantesdechegaraumaconclusão,adisposiçãodepensarextensivamentesobre um problema antes de respondê-lo, a tendência de calibrar o grau de força das suasopiniõesaograudeevidênciasdisponíveis,a tendênciadepensar sobreconsequências futurasantesdetomaratitude,atendênciadepesarexplicitamenteospontospositivosenegativosdeuma situação antes de tomar uma decisão e a tendência de buscar nuance e de evitar o

absolutismo.21

Emoutraspalavras,háumagrandediferençaentre forçamental e carátermental.Carátermentaléanálogoacarátermoral.Éforjadoporexperiênciaeesforço,étalhadonointeriordamente.

***

Relógiosenuvens

O escritor científico Jonah Lehrer às vezes lembra seus leitores sobre asdistinçõesdeKarlPopperacercaderelógiosenuvens.22Relógiossãosistemaslimpos,ordenados,quepodemserdefinidoseavaliadosusandometodologiasredutivas.Vocêpodedesmembrarumrelógio,medirsuaspartesevercomoseencaixam.Nuvenssãoirregulares,dinâmicaseidiossincráticas.Édifícilestudarumanuvemporquemudamacadasegundo.Podemsermaisbem-descritaspormeiodenarrativa,nãodenúmeros.

Como notou Lehrer, uma das maiores tentações da pesquisa moderna éfingir que todo fenômeno é um relógio que pode ser avaliado usandoferramentasmecânicasetécnicasregulares.Issocomcertezaéverdadequantoao estudo da inteligência. Pesquisadores passaram uma boa quantidade detempo estudando oQI, que é relativamente estável e quantificável, e poucotempoestudandoocarátermental,queécomoumanuvem.

Ainteligênciabrutaéútilparaajudararesolverproblemasbem-definidos.O carátermental ajuda a determinar que tipode problema você temna suafrenteequetiposderegrasdeveusarparaabordá-lo.ComonotaStanovich,sevocêderàspessoasasregrasquenecessitamseguirpararesolverumproblemaderaciocínio,asdeQImaiselevadosesaemmelhordoqueasdeQIinferior.Noentanto,sevocênãolhesderasregras,aspessoascomQImaiselevadonãose saemmelhor porque criar uma regra para resolver umproblema e depoisavaliar honestamente a sua performance são atividades mentais poucorelacionadasaoQI.

Aforçamentaleocarátermentalsãoapenasligeiramentecorrelacionados.Como coloca Stanovich: “Vários estudos diferentes envolvendo milhares desujeitosindicaramquemediçõesdeinteligênciamostramcorrelaçõesapenasdemoderadas a fracas (geralmente menos de .30) com algumas disposições depensamento (por exemplo, pensamento ativamente aberto, necessidade dereconhecimento)oucorrelaçõesquasenulascomoutras(comometiculosidade,curiosidade,diligência).”23

Vários investidores, por exemplo, são bastante inteligentes, mas secomportam de maneira autodestrutiva em razão da fé excessiva em suainteligência. Entre 1998 e 2001, o fundo mútuo Firsthand Technology4

produziu um retorno anualizado total de 16%.24 O investidor individualcomumdessefundo,noentanto,perdeu31,6%deseudinheironesseperíodo.Porquê?Porqueosgêniosacharamquepodiamentrare sairdomercadonomomento certo. Perderam os dias de alta importante e pegaram os dias debaixa devastadora. Essas pessoas, que são bem inteligentes, se saíram pior doquesefossemapáticoseburros.

OutraspessoassesaembemnostestesdeQI,masnãoconseguemsemanterem um emprego. James J.Heckman, daUniversidade deChicago, e outroscompararamaperformanceno localde trabalhodepessoasque se formaramno ensino médio com a de pessoas que largaram o ensino médio, mas quefizeram o GED.5 Os que passam no GED são tão inteligentes quanto osgraduadosdoensinomédioquenãovãoparaafaculdade,masrecebemmenosdinheirodoqueessesgraduados.Naverdade,recebemmenosporhoradoqueosquelargaramoensinomédio,porquepossuemmenosdoschamadostraçosnãocognitivos,comomotivaçãoeautodisciplina.OsquepassamnoGEDsãomuitomais propensos a trocar de emprego.25 Suas taxas de participação naforçadetrabalhosãomaisbaixasdoqueosgraduadosdoensinomédio.

No topo máximo do êxito intelectual, inteligência é quase inútil paraseparargêniosquesedestacamdetodooresto.Osmaiorespensadoresparecempossuirhabilidadesmentaisquevãoalémdopensamentoracionaldefinidodemaneira estreita. Suas habilidades são fluidas e como uma nuvem. AlbertEinstein, por exemplo, poderia parecer um perfeito exemplo de inteligênciacientífica ou matemática. Contudo, ele abordava problemas brincando comsensaçõesimaginativas,visuaisefísicas.“Aspalavrasdalíngua,aoseremescritasoufaladas,parecemnãoterpapelalgumnomeumecanismodepensamento”,disseeleparaJacquesHadamard.26Emvezdisso,elefalouquesuasintuiçõesprocedem por meio de “certos sinais e imagens mais ou menos claras” queconseguiamanipularecombinar.“Oselementosmencionadosanteriormentesão,nomeucaso,dotipovisualealgunsdotipomuscular”,observouEinstein.

“Sóconsigopensarporimagens”,declarouofísicoequímicoPeterDebye.“Étudovisual.”Eledissequequandosedebruçavasobreumproblema,sóviaimagens embaçadas, que tentava esclarecer de maneira progressiva em suamente, e então no final, depois de o problema estar amplamente resolvido,esclarecia as figuras na forma de matemática. Outros procedem de maneiraacústica,ensaiandocertossonsassociadosacertasideias.27Outrosofazemdemaneiraemocional:“Vocêtinhadeusarseussentimentos”,explicouDebye,“oqueoátomodocarbonoquerfazer?”.28

Sabedoria não consiste em conhecer fatos específicos ou possuirconhecimentodeumcampo.Consisteemsabercomotrataroconhecimento:ser confiantemas nãomuito; aventureiromas ancorado. É uma vontade deconfrontar contraprovas e de ter tato para os vastos espaços além do que éconhecido. Harrison não se saía muito bem em nenhum desses traços docaráter.

Horadepartir

Ericaestavaemumescritóriorepletodepessoascomcérebrosimpressionantesque,apesardisso,nãoconseguiamfazerascoisasmaisóbvias.Comopassardosmeses, foi ficando cada vez mais impaciente com as fraquezas deles e maisperplexa com sua habilidade de perder oportunidades e de repetir erros. Ali,como em tantas outras vezes em sua vida nova, Erica se sentiu como umasemiexcluída.Talvezfosseporquesuacriaçãotenhasidodiferente,ouporquesua cordepele eradiferente, oupor algumaoutra razão,mas elaparecia ser

maiscientedoladoirracional,maisescuroepassionaldavida.Umdia,quandoestava no auge da irritação, decidiu, meio que brincando, que havia sidocolocada no mundo para cumprir uma Missão de Deus: salvar o homembrancodesimesmo.

DevidoaofatodeoSenhorserumDeusquetesta,Eleenviouaomundocriançasdeclassemédiaaltaqueiamparaescolasconvencionais,faculdadesdemauricinhos e graduações de administração cheias de frescura.Depois, eramcuspidas nomundo corporativo pasteurizado dosEstadosUnidos e nunca seaproximavam da realidade mais do que em ataques ocasionais a paradas dedescansoemestradascompedágio.Suasvisõesdemundoseapoiavamemumasuposiçãodeequilíbrioimaculado.Contantoquetodosfossemcivisegeniais,como eram, então sua maneira de pensar fazia sentido. Contanto que tudofosselimpoeorganizado,podiamserecolhereviverdentrodasfórmulasqueaprenderamnaescola.

Porém,namaioriadotempo,devidoaofatodeomundonãoserlimpoegentil, eles eram os bebês do universo. Apaixonavam-se pelos esquemas deBernie Madoff,6 por hipotecas de alto risco e por derivadas que nãocompreendiam.Eramotáriosqueiamatrásdequalquermodaidiota,qualquerbolha de loucura. Vagavam nas brumas impulsionados por forças maisprofundas,quenãoconseguiamcompreender.

Felizmente,Deus,emsuamisericórdiainfinitaeredentora,tambémenviouumamulhersino-chicanadeabdômendefinidoeossospequenosparalivrarosinocentes.Essa agendaorganizadora em formademulherdebumbumduro,temperamento forte, hiperorganizada, liberaria as massas excessivamenteprotegidas das apresentações de PowerPoint com estrutura de tópicos e asapresentaria ao submundo da realidade. Deus criou sua serva no caos e naimundice para que pudesse estar armada com conhecimento, impulso edesembaraçosuficientesemsuacorrentesanguínea,paraempurraroHomemBranco para fora do conforto de suas categorias e ajudá-lo a ver as forçasocultasquerealmenteimpulsionamamente.DeushaviaequipadoEricacomaforçaeamáatitudequenecessitariaparacarregaropesodamulheramarelada-marromepavimentarocaminhoparaasalvaçãodaTerra.

Comopassardosmeses,elaficoucadavezmaisentediadaefrustradacomopensamento de grupo. Fazia longas caminhadas à noite, fantasiando sobre oque faria se tivesse seu próprio departamento ou sua própria empresa, eenquantocaminhavadigitavafuriosamentesuasideiasnapartedeanotaçõesdeseu iPhone.Durante essas caminhadas, ela se sentia quase eufórica, como se

fossedestinadaafazeralgogrande.Percebeuquesuaimaginaçãotinhaidomaislongedoqueseuempregoatual.Estavaagitada.Nãotinhacomovoltaratrás.

Erica começou a pensar em criar sua própria empresa de consultoria.Decidiu pesar friamente os prós e os contras dessa aventura, mas com suasemoçõesdisparadasadiante,elafraudouoexercíciodesdeocomeço.Exagerouosprós,minimizouoscontrasesuperestimouvastamenteoquãofácilseria.

Erica falou para Harrison que estava indo embora. Organizou as sedescorporativasmundiaisdesuanovaempresanamesadejantaretrabalhoucomumtipodeloucuraqueeraincríveldeassistir.Ligouparacadamentor,clienteecontatoantigo.Quasenãodormia.Estavainundadadeideiassobrecoisasquepoderia fazer com a empresa. Ela se sentava e lembrava a simesma que eranecessárioacharumnichorestrito,masnãoestavaconseguindosecontrolar—aenchentedeideiasdispersassimplesmentecontinuouvindo.Elasesentialivrepornãoterdeseguiroscorrimãosdopensamentodeoutrapessoa.Iacriarumafirma de consultoria que seria diferente de qualquer outra. A empresa seriahumanistanosentidomaisprofundo.Tratariaaspessoasnãocomodados,mascomo as criaturas totalmente formadas e idiossincráticas que são. Estavaabsolutamenteconvencidadequeteriaêxito.1 Programa de perguntas e respostas que começou no rádio e depois foi para a televisão, estrelando

alunosdeuniversidadesnorte-americanas.(N.daT.)2GrupodasoitouniversidadesdemaiorprestígiocientíficononordestedosEstadosUnidos.Sãoelas:

Brown, Columbia, Cornwell, Dartmouth, Harvard, Universidade da Pensilvânia, Princeton e Yale.(N.daT.)

3 Os National Longitudinal Surveys são pesquisas desenvolvidas pelo Department of Labor(DepartamentodeTrabalho)dosEstadosUnidos,comoobjetivodeanalisareventossignificativosnavidadecidadãosdestepaís.(N.daT.)

4 Investimento no setor de energia deliberado pela Firsthand Capital Management, Inc., empresafundadaem1994porveteranosdaindústriadatecnologia.(N.daT.)

5 GED: General Educational Development (Desenvolvimento Educacional Geral). Teste de cincomatériasquecertificaqueoalunotemhabilidadesacadêmicascondizentescomumensinomédionosEstadosUnidosounoCanadá.(N.daT.)

6PresidentedeumdosmaioresgruposdeinvestidoresdeWallStreet.FoipresopeloFBIem2008porfraude.(N.daT.)

capítulo11

ARQUITETURADAESCOLHA

Emalgummomentonostemposdosfaraós,umcomerciantedescobriuque conseguia manipular os pensamentos inconscientes dos seus clientessimplesmentemanipulandooambientedesualoja.Comerciantestêmseguidoos passos dele desde então. Por exemplo, clientes em mercados geralmenteconfrontam a seção de frutas e legumes antes. Os vendedores sabem queclientes que compram produtos mais saudáveis primeiro vão se sentir tãoexaltadosquevãocomprarmais comidasnão saudáveismais tardeduranteascompras.1

Vendedores sabem que o cheiro de produtos assados estimula a compra,entãováriosdelesfazemseuprópriopãocommassacongeladanalojatododiademanhãedepoisliberamocheirodopãonoestabelecimentoduranteodia.2Também sabem quemúsica vende produtos. Pesquisadores naGrã-Bretanhadescobriramquequandomúsicafrancesaeratocadaemumaloja,avendadevinhos franceses disparava.3 Quando música alemã era tocada, a venda devinhosalemãescrescia.

Noshopping,aslojasmenoslucrativasgeralmenteficampertodassaídas.Aspessoas ainda não fizeram a transição do mundo exterior para o mundointeriordascompras,entãomalnotamosprimeirosestabelecimentos.Emlojasdedepartamento,aseçãodesapatosfemininosgeralmenteficapertodaseçãode cosméticos femininos (enquanto o vendedor está indo buscar o tamanhocertodosapato,asclientesentediadassãopropensasavagareencontraralgumamaquiagemquepossamquererexperimentarmaistarde).4

Osconsumidoresgeralmenteacreditamqueosprodutoscolocadosnoladodireitodeummostruáriosãodemelhorqualidadedoqueosdoladoesquerdo.TimothyWilsoneRichardNisbettcolocaramquatroparesidênticosdemeias-

calças em uma mesa e pediram que clientes as classificassem.5 Quanto maisparaadireitaestavaumameia,maioreraaclassificaçãoqueamulheratribuía.Ameiamaisàdireitafoiclassificadanopontomáximopor40%dasclientes;ameiadoladodessa,por31%,adoladopor17%eamaisàesquerdapor12%.Todas as clientes,menos uma (uma estudante de psicologia), negaramque alocalizaçãofezalgumadiferençanaseleçãoenenhumapercebeuqueoprodutoeraexatamenteomesmo.

Em restaurantes, as pessoas comem mais dependendo de quantas pessoasestão comendo comelas.6Pessoas comendo sozinhas comemmenos.Pessoascomendocomapenasumaoutrapessoacomem35%maisdoquecomememcasa. Pessoas jantando emum grupo de quatro comem75%mais, e pessoasjantandocomseteoumaiscomem96%mais.

Profissionais de marketing também perceberam que as pessoas têm doisgruposdegostos,umparacoisasquequeremusaragoraeumparacoisasquequerem usar depois.7 Por exemplo, quando pesquisadores perguntam aosconsumidores que filmes gostariam de alugar para ver depois, eles em geralescolhemfilmesdeartecomoOpiano.Quandoperguntamqualfilmequeremverhojeànoite,escolhemsucessosdebilheteriacomoAvatar.

Até pessoas fazendo compras grandes às vezes não sabem o que querem.Corretores têm a frase “Clientes mentem” porque a casa que várias pessoasdescrevemno começo da procura não temnada a ver com a que realmentepreferem e compram.Construtores sabemque várias decisões domésticas sãofeitas nos primeiros segundos quando se entra pela porta. Uma construtoracaliforniana, a Capital Pacific Homes, estruturou suas casas-modelo maissofisticadasdemaneiraque, ao entrar, o cliente visseooceanoPacíficopelasjanelasdoandarprincipaledepoisapiscinaporumaescadaabertaquelevaaonível mais baixo.8 A visão instantânea da água nos dois andares ajudou avender essas casas de 10milhões de dólares. A cogitação que veio depois foimuitomenosimportante.

Aluta

Ericaamavaessestiposdepadrõesocultos.(Comoamaioriadaspessoas,achavaqueseaplicavamaosoutrose,claro,nãoaela.)Concluiuquepoderiaconstruir

seu negócio de consultoria reunindo informação sobre esses padrõescomportamentais inconscientes, principalmente os ligados a diferençasculturais,edepoispoderiavenderainformaçãodevoltaparaempresas.

Começou a coletar dados sobre compradores afro-americanos, hispânicos,da costa e do centro. Estava intrigada especialmente com a diferença entrecompradores da alta sociedade e da baixa. Durante toda a história dahumanidade, os ricos trabalharam menos horas do que os pobres, mas naúltima geração essa tendência se inverteu.9 Atitudes relacionadas ao lazertambémseinverteram.Enquantocompradoresdaclassemédiabaixaqueriamvideo games e filmes no fim de semana para que pudessem relaxar, os ricosqueriamlivroseregimesdeexercíciosparaquepudessemficarmelhores.

Erica desenvolveu uma coleção de análises sobre essas tendências deconsumoeestavaprontapara lançarseumaterialaclientesempotencial.Deinício, montar esse negócio foi mais difícil do que previu. Escreveu paraempresas que achou que pudessem ajudar, ligou para executivos que haviaconhecido,perseguiuosassistentesdeles.Pouquíssimosretornaram.Duranteosprimeirosmesesporcontaprópria,apersonalidadedeEricamudou.Atéaqui,teve o conjuntousual denecessidades humanas: comida, água, sono, afeição,relaxamentoeassimpordiante.Agora,tinhaapenasumanecessidade:clientes.Cadapensamento,cadaconversanojantarecadaencontrocasualeraavaliadonessabase.Estavaansiosaemrelaçãoaserprodutivacadadia,masquantomaisansiosa ficava,menosprodutiva se tornava.Ademais, caiu emuma espiral deansiedade.Concentrava-seemdormirosuficientecadanoite,masquantomaisseconcentravaemdormir,menosconseguia.Trabalhavaobstinadamenteparaabsorver informações novas, mas quanto mais freneticamente lutava paraabsorveronovoconhecimento,menosconseguiarealmenteselembrar.

Erica sempre foi notívaga. A maioria das pessoas está alerta pela manhã.Cercade10%estãomaisalertasporvoltadomeio-dia.Mascercade20%dapopulaçãoadultaficamaisalertadepoisdasseishorasdatarde,asnotívagas.10Nesse período de sua vida, no entanto, o estado de alerta noturno de Ericavirouinsôniaanoitetoda.Otempotomououtraforma.Elecostumavafluirde um jeito pacífico e uniforme. Agora, era uma corrente furiosa urrando.Quandoencostavaemumpostodegasolina,calculavaemsilêncioquantose-mails podia enviar peloBlackBerry enquanto o tanque enchia.Emqualquerpausadiantedeumelevador,tiravaocelulardobolsoemandavamensagens.Comia na mesa de trabalho para que pudesse mandar e-mails enquanto

mastigava.Televisãoefilmessaíramdesuavida.Seupescoçocomeçouadoeresuas costas estavam doloridas. Pela manhã, ficava olhando para os rabiscosfuriosos que havia feito para si na noite anterior, completamente incapaz dedecifrá-los.

Fez coisas que nunca achou que fosse fazer— ligar demaneira fria paraclientesempotencialedepoisengoliremsilêncioodesdémdesprezivodeles.Começouessenegóciocomsonhosdesucesso,masumavezemandamentoelafoimotivadaprimordialmentepelomedodo fracasso.Oque a impulsionavaeraimaginarosolharesquereceberiadeamigosecolegasseseunegóciodesseerrado.Eraoprospectodeterdedizerparasuamãequeestavafalida.

Ela eraumapessoamotivadadesdeaAcademy,masagora se tornouumafanáticapordetalhe.Apresentavaaclientesempotencialumpequenoficháriocom suas ideias e propostas. Se uma página estivesse desalinhada, se um dosespiraisdeplásticoestivessetorto,oalarmesoava.Orestodomundopodiaserapático,masnãoela.

EEricaacreditavaemseuproduto.Acreditavaquehaviacorrentesocultasdeconhecimentoeque,seaomenosconseguissefazercomqueseusclientesasvissem,elamudariaomundo.Forneceriaàspessoasmaneirasmaisprofundasdeperceberarealidade,novospoderesparaservireparatersucesso.Contudo,havia algumas barreiras em seu caminho. Quando falava sobre cultura, seusclientesempotencialnãofaziamamínimaideiadoqueestavadizendo.Sabiamvagamente que cultura era importante. Usavam a expressão “culturacorporativa”comreverência.Masaindaassimoconceitonãotinhaconcretudeparaeles.Foramtreinadosparadominarplanilhasenúmeros.Nãoconseguiamrealmente levar a sério categorias sociológicas e antropológicas. Para eles, eracomomoldaroar.

Além disso, quando Erica falava sobre culturas étnicas diferentes, elestinhamataquedeurticária.Umacoisaeraumamulhersino-latinafalarsobreaspreferências de compra dos negros e dos brancos, dos judeus urbanos e dosprotestantesrurais.Masamaioriadosexecutivosbrancosforamtreinadosporgeraçõesdeconscientizaçãoanunca,nunca,nuncafalarnessestermos.Nuncafaça uma generalização sobre um grupo de pessoas, nunca faça observaçõessobre um grupo minoritário, e pelo amor de Deus, nunca faça nenhumcomentáriodessetipoempúblico!Erasuicídioprofissional.PodiamrirquandoChris Rock fazia piadas étnicas. Podiam escutar Erica apontando diferençasculturais.Maselesmesmosnunca,jamais,conseguiriamentrarnessaesferasemencarar acusaçõesde racismo,processosdediscriminaçãoeboicotes.Quando

Ericapediaquepensassememtermosétnicoseculturais,sentiamumimpulsoinstantâneodesaircorrendoaterrorizados.

Erica também teve a infelicidade de inaugurar sua empresa no auge dosneuromapeadores.Eleseramneurologistasglamorososqueiamdeconferênciadenegóciosemconferênciadenegócioscomimagenscoloridasderessonânciamagnética funcional (RMf) do cérebro prometendo desvendar a fórmulasinápticasecretaparavenderpapelhigiênicooubarrasenergéticas.

O neuromapeador típico era um acadêmico descolado de 1,80 metro,cabeçaraspada,quepasseavanasconvençõesdemarketingvestindojaquetadecouro,jeansebotas,segurandoumcapacetedemotocomosetivesseacabadode chegar de uma reapresentação de Grease feita por neurocientistas. Vinhaseguido por uma equipe de filmagem para a televisão finlandesa que estavafazendoumdocumentáriosobresuavidaeideias.Sussurravafalsasintimidadesaosseusclientesenquantocobriaomicrofonede lapelaqueestavapresoparasemprenacamiseta.

SuaapresentaçãodePowerPointeralapidadadamesmamaneiraquecromofino.Começavacomumasériedeilusõesdeótica,comoadasduasmesasqueparecemsertotalmentediferentesmasquetêmexatamenteomesmotamanhoe amesma forma, ou a foto da senhora que de repente se torna uma lindamulherdechapéu.Quandoterminavacomasilusõesdeótica,osempresáriosestavam praticamente fazendo xixi nas calças de tão maravilhados. Isso eraainda mais maneiro do que os chaveiros como brinde antes de entrar e assacolasquehaviamrecebido.

A seguir, ele mostrava imagens de RMf e começava a falar sobre asdiferenças entres os lados direito e esquerdo do cérebro e suas teorias sobreimpulsosdocérebroreptiliano.Emalgumlugarnofundodessaretóricahaviaalgumaciênciaséria,masestavasubmergidaemcamadasdeexibicionismo.Asimagens do cérebro eram incríveis. Ele explicava que de cima para baixo océrebroseparececomumaversãomaisarredondadadeOhio.Ficavaanimadoconformeasimagenspassavam.Vejam,umgoledePepsifazcomqueafrentedocérebro—pertodeCleveland,AkroneCanton—seacenda.Vejam!Umabatata chips faz com que a área perto de Mansfield se acenda, com umapequenaatividadeemColumbustambém!VejamoqueacontecequandovocêsmostramumaimagemdoFedExparaaspessoas.Daytonfica laranja!Toledoficavermelha!

Umcerealnocafédamanhãrealmentedeveexcitarocórtexfrontalmedial,declarava ele. Comerciais com LeBron James devem deixar o córtex ventral

pré-motoremchamas!Vocêsqueremalojar suasmarcas,diziaelepara todos,no estriado ventral! Vocês têm de fazer com que o cliente fique envolvidoemocionalmente!

Isso era ciência com sedução! Não era a conversa vaga de Erica sobrecultura. Eram cores em uma tela produzidas por uma maquinariamultimilionária,quevocêpodeveremedir.OsneuromapeadorestinhamseuexclusivoSistemadePercepçãodeFocoNeuralouseusserviçosdeEstratégiadeProdutodeEstruturaNeural.Conseguiam localizarcomprecisãoaspurasessênciasdocérebroquedesvendariamocódigodevenda!Bem,éclaroqueosexecutivosamavamisso.ÉclaroquetodavezqueEricaentravaparaexporseusserviços, batia em uma parede de apatia. Seus clientes em potencial queriamalguém que pudesse pintar sua ativação dorsolateral pré-frontal de verdebrilhante!Ericaestavaforadesintoniacomasmodasdomarketing.

Umdia,EricaestavaexpondosuaperíciaparaoCEOdeumaempresadepeçasdeautomóveis.Eleainterrompeudepoisdecercadedezminutos:“Sabede uma coisa, eu respeito você. Somos iguais”, disse ele, “mas você está meentediando.Simplesmentenãomeidentificocomoquevocêestáoferecendo”.

Ericanãoconseguiupensaremnenhumaréplica.“Porquenão tentaumaabordagemdiferente?Emvezdeme falaroque

você está oferecendo, por que não pergunta o que eu quero?” Erica seperguntouseeleestavadandoemcimadela.Maselecontinuou.“Pergunteoquemedeixatriste.Pergunteoquenãomedeixadormirànoite.Perguntedequal parte domeu trabalho eu gostaria que outra pessoa cuidasse paramim.Nãosetratadevocê.Trata-sedemim.”

Ericapercebeuqueissonãoeraumafrasedeefeito.Eraumaliçãodevida.Elanãofezumavendaparaaquelecara.Saiudoescritórioconfusa,suamenteatordoada. Mas a reunião realmente mudou tudo. Dali em diante, suaabordagemera“Fareioquevocêprecisar”.Encontrariaumamaneiradeusarsuasferramentaspararesolverqualquerproblemaqueosclientesapresentassemparaela.Iriaatéelesediria:“Oquequerqueeufaça?Comopossoserútil?”

Ericafoidarumacaminhadaumdiaepensousobreisso.Estavafracassandoem vender segmentação cultural. Não queria se juntar às filas dosneuromapeadoresporquepercebeuqueasugestãoquederivavadesuaciênciaeranaverdadebembanal.Oqueelapodiaoferecer?

Nunca pensou em desistir. Como argumentou Angela Duckworth, daUniversidadedaPensilvânia,pessoasqueatingemosucessotendemaencontrarum objetivo no futuro distante e depois persegui-lo custe o que custar.11

Pessoasqueoscilamdeuminteresseaoutrosãomuito,muitomenospropensasasesobressaírememumdeles.Aescolapedequeosalunossejambonsemumlequedematérias,masavidapedequeaspessoasencontremumapaixãoquevãoseguirparasempre.

Economiacomportamental

Ericaconcluiuqueprecisavaencontrarumaáreadeespecializaçãoquepudesselevaraosproblemasdeseusclientes.Precisavadeumcorpodeconhecimentoque se relacionasse com seus interesses em cultura e tomada profunda dedecisão,mas que também fosse palatável nomercado de trabalho. Tinha deencontrar uma linguagempara descrever a psicologia do consumidor que osempresários pudessem entender — alguma coisa familiar e científica. E foiassimqueachouaeconomiacomportamental.

Nadécadaanterior,umgrupodeeconomistashaviatrabalhadoparaaplicaras percepções da revolução cognitiva ao seu próprio campo. Seu argumentoprincipal, que muito atraía Erica, era que a economia clássica percebia anatureza humana demaneira parcial ou inteiramente errada.O ser humanoimaginadopelaeconomiaclássicaerasuave,brilhante,calmoeperpetuamenteimpassível aos eventos. Ele inspeciona omundo com uma série demodelosestranhamenteprecisosemsuacabeça,prevendooquevaiaconteceraseguir.Suamemóriaéincrível;écapazdereterumamiríadedeopçõesdetomadadedecisão em sua mente, e de pesar as trocas envolvidas em cada uma. Sabeexatamenteoquequerenuncaoscilaentredoisdesejoscontraditórios.Procuramaximizar sua utilidade (seja lá qual for). Seus relacionamentos são todoscontingentes,contratuaiseefêmeros.Seumrelacionamentonãoestáajudandoa maximizar sua utilidade, então muda para outro. Tem autocontroleimpecável e consegue restringir impulsos que podem evitar que ele compita.Não se envolve em contágios emocionais ou empensamento de grupo,mastomasuasprópriasdecisõescombaseemincentivos.

Economistas clássicos admitem prontamente que esse tipo de pessoa nãoexiste de verdade. Porém, argumentam que essa caricatura é próxima osuficiente da realidade para permitir que construam modelos que predizemcom exatidão o comportamento humano real. Ademais, a caricatura lhespermite construir modelos matemáticos rigorosos, que são as medidas doverdadeiro gênio na carreira de economia. Ela lhes permite transformar aeconomiadeumcampomole,esponjosoeconfusocomoapsicologiaemum

campoduro, rigorosoe resolutocomoa física.Ela lhespermite formular leisque governam o estudo do comportamento e que lidam com as forçaspoderosas dos números.Como colocouM.MitchellWaldrop: “Economistasteóricos usam sua destreza matemática da maneira como grandes veados dafloresta usam suas galhadas: para travar batalhas uns com os outros e paraestabelecerdomínio.12Umveadoquenãousasuagalhadanãoénada.”

Economistascomportamentaisargumentamqueacaricaturanãoéprecisaosuficiente para produzir previsões confiáveis acerca de eventos reais. Doispsicólogos,Daniel Kahneman e AmosTversky, foram os pioneiros.Depois,suaspercepçõesforamtomadaspelospróprioseconomistas:incluindoRichardThaler, Sendhil Mullainathan, Robert Schiller, George Akerlof e ColinCamerer.Essesestudiososinvestigamacogniçãoqueaconteceabaixodonívelda consciência. A racionalidade é restrita pela emoção. As pessoas têm umagrandedificuldadeemexerceroautocontrole.Percebemomundodemaneirastendenciosas.Sãoprofundamente influenciadaspelo contexto.São inclinadasao pensamento de grupo. Acima de tudo, as pessoas descontam o futuro;permitimosasatisfaçãopresenteparaapagaraprosperidadefutura.

Como escreveDanAriely em seu livroPrevisivelmente irracional: “Se eufosse destilar uma lição principal da pesquisa descrita neste livro, seria quesomos peões em um jogo cujas forças fracassamos enormemente emcompreender.13Emgeral nos imaginamos sentados nobancodomotorista,com controle supremo sobre as decisões que tomamos e sobre a direção quenossasvidastomam;maslamentavelmenteessapercepçãotemmaisavercomosnossosdesejos—comamaneiracomoqueremosnosver—doquecomarealidade.”

Os economistas comportamentais argumentam que intuições isoladas,como uma sensação de justiça, têm efeitos econômicos poderosos. Tabelassalariaisnãosãoestipuladasapenasporaquiloqueomercadovaisuportar.Aspessoasdemandamsaláriosqueparecemser justos,eosgerentes têmde levaressasintuiçõesmoraisemconsideraçãoquandoestipulamumatabelasalarial.

Os economistas comportamentais procurampelasmaneiras comoos sereshumanos reaisdesviamdo ideal racional.Hápressãoentrecolegas, confiançademasiada, preguiça e autoilusão. As pessoas às vezes escolhem garantiasestendidasquandocomprameletrodomésticosmesmoqueessasgarantiasquasenunca justifiquemo custo.Agentes de saúde emNovaYork acharamque secolocassem informações calóricas perto dos preços em redes de fast-food, as

pessoaspoderiamcomerdemaneiramais saudável.14Naverdade,osclientespediramumpoucomaisdecaloriasdoqueantesdealeientraremvigor.

Oseconomistasclássicosfrequentementeacreditamqueeconomiasemgeraltendemaoequilíbrio,masoseconomistascomportamentaissãomaispropensosaanalisaramaneiracomoasmudançasnosespíritosanimais—naconfiança,no medo e na cobiça — podem levar a bolhas, quebras de bolsas e crisesglobais. Alguns economistas comportamentais concordam que se os pais daeconomia clássica soubessem o que sabemos agora sobre os funcionamentosinternosdamentehumana,nãohaveriacomoteremestruturadoocampodamaneiraqueestá.

A economia comportamental chegou muito mais perto de explicar arealidade que Erica via ao seu redor todos os dias. Ela também reconheceuimediatamentequeessecampoofereciaumamaneiradedescreverosprocessosocultosdamenteemumalinguagemqueseriafamiliaraosgraduadosdeMBAemcorporaçõesnosEstadosUnidos.

Nofundode seucoração,Ericanãopensavadamaneiraqueeconomistascomportamentaispensavam.Viaculturasprimeiro.Viaasociedadecomoumacriaturaorgânica—umcrescimentocomplexode relacionamentosvivos.Oseconomistas comportamentais podiam ser comportamentais,mas ainda erameconomistas. Isto é, eles reconheciam as complexidades e os erros que oseconomistasclássicosignoravam,masaindaargumentavamqueerroshumanoseramprevisíveis,sistêmicoserepresentáveispormeiodefórmulasmatemáticas.Erica suspeitava que estavam se adaptando às circunstâncias. Se reconheciamqueocomportamentonãoeragovernadoporleis—seeramuitoimprevisívelparasercapturadopelamatemáticaepormodelos—,entãonãoseriammaiseconomistas. Não seriam publicados em periódicos sobre economia ou nãoiriamparaconferênciassobreeconomia.Teriamdemudarseusescritóriosparaos departamentos de psicologia, um grande passo para baixo dentro daestruturaacadêmicadopoder.

Entretanto, assim como os economistas comportamentais tinham umincentivopara fingir queoque estavam fazendo ainda era ciência rigorosa eresoluta,Ericatambémtinha.Seusclientesrespeitavamaciên cia.Elestambémhaviamsidotreinadosapensarsobreasociedadecomoummecanismo.Seelatinha de adotar umpoucodamentalidade deles para que a escutassem, tudobem.

Ericadecidiuqueiaconstruirseunegóciodeconsultorianãocombasenasegmentaçãocultural,umaáreapara aqualomercadonãoestavapreparado,

mas com base na economia comportamental, que estava na moda e tinhademanda.

Heurística

Ericaleuosmaioreseconomistascomportamentais.Atrásdequalquerescolha,diziameles,háumarquitetodeescolhas,umgrupoinconscientedeestruturasque ajuda a emoldurar a decisão. Esse arquiteto de escolhas frequentementeaparecenas formasdaheurística.Amente armazena certosprincípiosbásicos“se...então...”quesãoativadospelocontextoepodemserexpostoseaplicadosemcircunstânciasapropriadasouquaseapropriadas.

Primeiro, por exemplo, há o que chamamos de priming. Uma percepçãoincita uma cadeia de pensamentos corrente abaixo e essa cadeia altera ocomportamento subsequente. Se vocês pedirem que sujeitos sendo testadosleiamumasériedepalavrasqueserelacionemvagamenteaseridoso(“bingo”,“Flórida”,“antigo”),quandosaíremdasalavãosemovermais lentamentedoquequandoentraram.15Sevocêsderemparaelesumgrupodepalavrasqueserelacionamàagressividade(“rude”,“chato”,“irromper”),vãointerromperumapessoamaisrapidamentenaconversadepoisdosupostofimdoexperimento.

Se vocês contarem histórias sobre grandes êxitos imediatamente antes dealgumtesteouexercício,elesvãosesairmelhordoquesevocêsnãotivessemcontado essas histórias para eles. Se vocês meramente usarem as palavras“lograr”,“dominar”e“conquistar”emumafrase,elesvãosesairmelhor.16Sevocês descreverem como é ser um professor universitário, eles vão se sairmelhor em testes de conhecimento.Por outro lado, se vocês brincarem comestereótipos negativos, vão se sair pior. Se vocês lembrarem a alunos afro-americanosqueeles sãoafro-americanos logoantesde fazeremumteste, suasnotasserãobemmaisbaixasdoquesevocêsnãoostivessemlembrado.17Emcertocaso,mulheresásio-americanasforamlembradasdesuaetniaantesdeumteste dematemática.18 Elas se saíram melhor. Depois foram lembradas queerammulheres.Saíram-sepior.

Primingpodefuncionardetodasasformas.Emumexperimento,pediramque alguns alunos escrevessem os três primeiros dígitos de seus telefones edepois pediram para todos que estimassem o ano de morte de GenghisKhan.19 Os alunos que escreveram os dígitos foram mais propensos a

adivinharqueeleviveunoprimeiromilênio,comumanodemortecomtrêsdígitos.

Outraheurísticaenvolveaancoragem.Nenhumainformaçãoéprocessadaem isolamento. Padrões mentais são contagiosos e tudo é julgado emcomparaçãocomalgumaoutracoisa.Umagarrafadevinhode trintadólarespodeparecercaraquandoestácercadadegarrafasdenovedólares,masparecebarataquandocercadadegarrafasde149dólares(poressarazãolojasdevinhovendemaquelesvinhos supercarosquequaseninguémrealmentecompra).OgerentedeumalojademesasBrunswickdesinucatentouumexperimento.20Em uma semana, mostrou aos clientes as mesas de sinuca mais baratasprimeiro, custando 329 dólares, e depois mostrou as mais caras. Os quecompraram qualquer mesa naquela semana gastaram uma média de 550dólares.Na semana seguinte,mostrou aos clientes asmesas de 3mil dólaresprimeiroedepoisasmaisbaratas.Naquelasemana,amédiadevendabateumildólares.

Depois,háoenquadramento.Todadecisãoéoenquadramentodentrodecerto contexto linguístico. Se um cirurgião diz a seus pacientes que oprocedimentopodeterumataxade15%defracasso,elespodemdecidirnãofazê-lo. Se dizem que o procedimento tem uma taxa de 85% de sucesso, ospacientes tendem a optar por fazê-lo. Se um cliente em um mercado vêalgumaslatasdesuasopafavoritaemumaprateleira,provavelmentevaicolocaruma ou duas no carrinho. Se tem um aviso que diz “Limite: 12 latas porpessoa”,écapazdecolocarquatrooucinconocarrinho.DanArielypediuquealunos escrevessem os dois últimos dígitos de seu número do seguro social edepoisfizessemumlanceparaumagarrafadevinhoeoutrosprodutos.Alunoscomnúmerosaltos(entre80e99)ofereceram,emmédia,56dólaresporumteclado sem fio.21 Alunos com números mais baixos (1-20) ofereceram 16dólaresemmédia.Osalunosdedígitoselevadosofereceram216%a346%amais do que os de dígitos baixos, porque estavam usando seus própriosnúmeroscomobase.

Depois,háasexpectativas.Amenteformulamodelosdoqueachaquevaiacontecer,oquecoloresuaspercepçõesdoquerealmenteestáacontecendo.Sevocêderumcremedemãosparaaspessoasedisserqueelevaireduzirador,estáconstruindoumcenáriodeexpectativas.Aspessoasrealmentesentemsuadordiminuir,mesmoqueocremesejaapenasumhidratante.Aspessoasquerecebem um analgésico prescrito que, conforme são informadas, custa 2,50

dólaresporcomprimidovivenciammuitomaisalíviodadordoqueaspessoasque recebem um analgésico e são informadas de que custa dez centavos porcomprimido (apesar de todos os comprimidos serem placebos).22 Comoescreve Jonah Lehrer: “Suas previsões se tornaram profecias que seautorrealizam.”23

Depois, há a inércia. A mente é um avarento cognitivo. Não gosta deexpandir energia mental. Como resultado, as pessoas têm uma propensão amantero statusquo.ATIAA-CREF1oferece aprofessoresuniversitáriosumlequedeopçõesdealocaçãoderecursosparasuascontasdeaposentadoria.Deacordo com um estudo, a maioria dos participantes desses planos faz zeromudanças de alocação durante suas carreiras profissionais inteiras.Simplesmentepermanecemcomqualquerque tenha sido suaprimeiraopçãoquandocontrataramoserviço.24

Depois,háaexcitação.Aspessoaspensamdemaneiradiferentedependendode seu estado de espírito. Um banco da África do Sul trabalhou com oeconomistadeHarvardSendhilMullainathanparaconduzirumexperimentoafimdeverqualtipodecartasdesolicitaçãodeempréstimofuncionavamelhor.Mandaram cartas diferentes com fotos diferentes, e mandaram outras cartasoferecendo taxas diferentes de empréstimo.Descobriram que a carta com asfotografias de umamulher sorrindo se saíram particularmente bem entre oshomens.25 A figura da mulher sorrindo aumentou a demanda porempréstimosentreoshomens,bemcomodiminuiua taxade jurosemcincopontospercentuais.

DanAriely fez um grupo de perguntas para homens tanto em estado deereção (laptops cobertos com filme plástico, sêmen, nem queiram saber)quantoemestadodenãoereção.Noúltimo,53%doshomensdisseramqueconseguiriamgostardosexocomumapessoaqueodeiam.Noestadodeereção,77%disseramque conseguiriam.26No estado de não ereção, 23%disseramque conseguiam se imaginar fazendo sexo com uma menina de 12 anos deidade.Noestadodeereção,46%disseramqueconseguiamimaginarisso.Noestadodenãoereção,20%disseramquetentariamfazersexocomumapessoamesmo depois de ela dizer não. No estado de ereção, 45% disseram quecontinuariamtentando.

Finalmente, tema aversão àperda.Perderdinheiro trazmaisdordoqueganhardinheirotrazalegria.DanielKahnemaneAmosTverskyperguntarama

pessoas seaceitariamcertasapostas.27Descobriramqueaspessoasprecisavamdapossibilidadedeganharquarentadólaresseiamparticipardeumaapostaquepudesse custar-lhes vinte dólares. Em consequência de aversão à perda,investidoressãomaisrápidosemvenderaçõesquelhesderamdinheirodoqueem vender ações que vêm caindo. Estão tomando decisões autodestrutivasporquenãoqueremadmitirsuasperdas.

Renascimento

Aos poucos, Erica adquiriu um novo vocabulário para definir propensõesinconscientes.Porém,otrabalhoqueumeconomistacomportamental faznocampus não se traduz automaticamente no tipo de trabalho que umaconsultorafazemumasaladereuniões.Ericaprecisavaacharumamaneiradetraduzirapesquisaemsugestãoaproveitável.

Poralgumassemanas,enquantosuaseconomiasseesvaíam,Ericaescreveumemorandosparasimesmasobrecomoissopodiaserfeito.Quandoterminou,elaosreleueteveumarealizaçãoprofunda.Essenãoeraotipodecoisanaqualeraboa.Precisariacontrataralguémquepudesserealmentebrincarcomideias,quepudessepegardescobertasacadêmicaseencontrarmaneirasdeaplicá-lasaomundoreal.

Ela saiu perguntando. Perguntou a amigos no mundo da consultoria.Mandou e-mails em massa. Postou um pequeno recado no Facebook.Finalmente,pormeiodoamigodeumamigo,elaouviufalarsobreumjovemrapaz que era bom com ideias, que estava disponível e cujo serviço elaprovavelmentepodiapagar.Onomedessehomem,éclaro,eraHarold.

1 TIAA-CREF: Teachers Insurance and Annuity Association — College Retirement Equities Fund(Fundo de Pensão dos Professores Universitários). Organização norte-americana que provêaposentadoriasaprofessoresuniversitários.(N.daT.)

capítulo12

LIBERDADEECOMPROMETIMENTO

NOSPRIMEIROS18ANOSDEVIDA,HAROLDENVOLVEU-SEEMUMtipodebatalhaaltamenteestruturada.Nainfância,foiextremamentesupervisionado,treinadoe ensinado. Suas missões foram claramente marcadas: tirar boas notas, fazerpartedotimetitular,fazeradultosfelizes.

Asrta.Taylor introduziuumnovométodonavidadele—umamorporgrandes ideias. Harold descobriu que amava teorias históricas do mundo,quantomaisgrandiosasmelhor.Àsvezes,ficavatãotomadoporsuasideiasquevocêtinhadepersegui-locomumarededecaçarborboletas.

Na faculdade,Harold fezoutradescoberta.Elepodia ser interessante.Nafaculdade,haviaduaseconomiasdestatusdiferentes.Haviaaeconomiadiurna,quando os alunos interagiam com adultos e estavam no melhor modo deflorearocurrículoeagradarprofessores.Haroldnãosedestacavanessemundo,onde estava cercado de alunos cujas conversas consistiam principalmente emquantotrabalhotinhamdefazer.

Masentãohaviaaeconomianoturna,umarodadealunossarcásticosedehumornojentorelacionadoaosêmen.Nessaeconomia,êxitosmundanoseramirrelevanteseas recompensas sociais iamparaaquelescomsensibilidadesmaisastuciosas.

Haroldeseusamigoseramginastasdasensibilidade.Conseguiaminventarquadros hilários de ironia, vulgaridade, ridicularização e pseudoescárnioautorreferencial e pós-moderno. Nada do que diziam tinha um significadoliteral, e o truque para entrar no meio social deles consistia em saberexatamentequantascamadasdeironiacercavamcadaconversa.

EleeseusamigossabiamquaiseramosvídeosmaiscruéiseengraçadosdoYouTube antes de todo mundo. Debatiam os filmes dos irmãos Coen e osignificado cultural da série de filmes American Pie. Ficaram brevementeencantadoscomomovimentodesoftwaredecódigoabertocomonovomodo

de organização social. Eles se perguntavamqual é omaior nível de fama—Brad Pitt ou Sebastian Junger? Preferiam o tipo de música que era maisdivertido de discutir do que de escutar — música neo-house intelectual eeletrofunkretrôautoconsciente.Cultivavamostiposdeobsessõesestranhasquesó aparecem ao longo de meses de pesquisa on-line não relacionada aostrabalhosdaescola.CompartilhavamuminteressepeloengenheirodetrânsitoradicalHansMonderman.

Em outras gerações, a vanguarda do campus debatia Pauline Kael e osignificado dos filmes de Ingmar Bergman, mas Harold e seus amigospresumiamqueatecnologiaproduziriamudançassociaismaioresdoquearteeprodutos culturais.Mudaramprimeirodo iPodparao iPhone,depoisparaoiPad, e se Steve Jobs tivesse criado uma iEsposa, teriam se casado no dia dolançamento.Nãoeramapenasadeptosprecoces;eramdescartadoresprecoces,abandonando cada moda assim que chegava ao conhecimento geral.Terminaramafasedocolardetitânionaoitavasérie,enafaculdadejáestavamde saco cheio dos móveis excêntricos. Debochavam dos alunos que tinhammáquina de bolas de chiclete em seus quartos, apesar de Harold ter achadocriativo quando um amigo usou um carrinho de serviço de avião comobarzinho.

Harolderamuitobomnessascompetiçõesdesensibilidade,masnogeraleraobscurecido por seu companheiro de quarto. No formulário oficial paraacomodação,elepediupara ficarcomumalunoquetirassenotasbaixas,masque tivesse uma pontuação alta no SAT. Quando entrou em seu quarto doalojamento, lá estava Mark, suando e vestindo uma daquelas camisetas semmangacomoasqueMarlonBrandousouemUmbondechamadodesejo.

Mark era de Los Angeles. Tinha 1,88 metro de altura, ombros largos emusculososeumrostomorenoebonito.Tinhaumabarbadesgrenhadadetrêsdias sem fazer, e seu cabelo estava sempre bagunçado, como um daquelesescritoresgalãsesensíveisdoIowaWriters’Workshop.1Játinhacolocadoumatábuainclinadanoquarto,paraexercíciosimprovisadostardedanoite,etinhatrazido suaprópria camapara a faculdade—acreditavaque solteirosdeviamsempreinvestiremumaboacama.

Mark estava disposto a passar por uma humilhação para se divertir eorganizou a vida em uma série de aventuras picarescas, formuladas paraproduzir explosõesde adrenalina.Por exemplo,noprimeiroanoeledecidiu,do nada, entrar no torneio de boxe Golden Gloves, inscrevendo-se comoKosherKiller.Decidiuquenãoiatreinarparasuaslutas,iaapenaspostarsobre

boxe em um blog. Foi escoltado por um batalhão de meninas de ringue,vestidascomocoveiras,carregandoumcaixãoenquantoeleentravaparaaluta.Foinocauteadoporumlutadorprofissionalem89segundos,masnãoantesdesuahistóriasercobertaportodososnoticiáriosdacidade.

Certomês,Mark tentou entrar noAmerican Idol.No outro, começou afazerkitesurfingeacabouficandoamigododonodeumtimedebasquetedaNBA.Tinha4milamigosnoFacebookenasnoitesemquesaía,Markpassavametadedanoitemandandomensagensdetexto,fazendomalabarismocomasdiferentes opções de socialização e de encontros amorosos. Vivia no quechamava de “Mundo Intenso”, uma busca constante por adrenalina ememóriasapaixonadas.

Harold nunca sabia ao certo o quanto devia levar seu colega de quarto asério. Mark deixava pequenos bilhetes sarcásticos com Post-it no quarto —“Sigaemfrente!Sejaumgarotodeprograma!”—elaboradosparasuaprópriadiversão.Fazialistasdetudo:mulherescomasquaisdormiu,mulheresqueviupeladas, pessoas que bateram nele, pessoas que fariam serviço comunitáriomesmo que não precisassem. Um dia, Harold pegou uma edição da Men’sHealth, que Mark havia deixado jogada no apartamento, e encontrou umrabisco aparentemente sério ao lado de um artigo sobre esfoliação: “Éverdade!...Exatamente!”

Líder no passado, Harold agora era um seguidor. Mark era Gatsby eHarold,queumdia tinha sido tão assertivo, eraNickCarraway,onarrador.Passavaashorasvagasde sua juventudeadmirando-secomaenergiamaníacadeMarkeindoatrásparacompartilharadiversão.

A escritoraAndreaDonderi argumentaqueomundo édividido entre osPedidores e osConjecturadores.Os pedidores não sentem vergonha quandopedemcoisaseestãodispostosaouvirnãosemsemachucar.Elesseconvidamaserhóspedesporumasemana.Pedemdinheiro,ocarroemprestado,umbarcoouumanamorada.Não têmpudor empedir enão ficamofendidosquandosãorecusados.

Os conjecturadores odeiam pedir favores e se sentem culpados quandodizem não para os pedidos de outras pessoas. Na cultura da Conjecturação,escreveDonderi, você evita colocarumapergunta empalavras anão serquetenha certeza de que a resposta será sim.Na cultura daConjecturação, vocênunca diz não para alguém diretamente.1 Você dá desculpas. Cada pedido,feitoourecebido,écarregadodeperigoemocionalesocial.

MarkvivianaculturadosPedidoreseHarold,nadosConjecturadores.Issoocasionalmentecausavaproblemasentreeles.Àsvezes,Haroldatépensavaemcompraralguns livrosdeautoajuda—umgênero inteirodestinadoaensinarConjecturadores a serem Pedidores. Mas nunca chegou de verdade a esseponto.Alémdisso,paraummeninode19anosdeidade,Markerairresistível.Estava sempre feliz, sempre semovendo e era sempredivertido.Era comoomenino modelo da vitalidade juvenil. Depois de se formar na faculdade,lançou-seemumagrandeturnêpelomundo,alegrementedespreocupadoemcomoorganizariaorestodesuavida.Presumiudesdeocomeçodaadolescênciaque estava destinado a ser um Guardião Onívoro do Bom Gosto. Elecomandaria algum campo— cinema,TV,música, desenho,moda ou outracoisa—eimporiasuasensibilidadeencantadoraaummundoagradecido.

“Ei! Pensamento Elevado!”, chamou ele certo dia um pouco antes dagraduação.PensamentoElevadoeraseuapelidoparaHarold.“Querdividirumapartamento enquanto viajo pelo globo?” E foi assim queHarold passou ospróximosanosdividindoumapartamentocomumhomemquenãoestavalá.O quarto de Mark ficava vazio por meses, e então de vez em quando eleaparecia na cidade trazendo um rastro de herdeiras europeias e histórias deaventura.

Harold prosseguiu com o intuito de receber um diploma em economiaglobal e relações internacionais. Também descobriu como se dar bem ementrevistas de emprego. Em vez de ser educado, deferente e falsamentemodesto nessas entrevistas, ele era o seu eu noturno irreverente. Osentrevistadores entediados inevitavelmente amavam, ou pelo menos aquelesnoslugaresondeelerealmentequeriatrabalharamavam.

Depois da faculdade, ele passou por uma pseudofase Corpo de Paz depesquisa em prol do bem. Trabalhou na Iniciativa de Mudança Social, naFundação de Conscientização Global e no Preocupações Comuns antes deservir comomembro sênior no Compartilhe, umaONG de distribuição deágua limpafundadaporumaestreladerock idosa.Cansadodafilantropiadaalta sociedade, passou para sua fase de editor associado. Candidatou-se aempregosemOinteressepúblico,Ointeressenacional,Ointeresseamericano,Oprospecto americano,Política exterior e Relações exteriores eAssuntos nacionais.Enquanto trabalhava como editor associado, editou ensaios defendendo aextensão completa de grandes estratégias formadas por oximoros: idealismoprático, realismo moral, unilateralismo cooperativo, multilateralismo focado,hegemoniadefensivaunipolar,eporaívai.Essesensaioseramcomissionados

por editores executivos que ficaram insanos porque foram em muitasconferênciasdoFórumEconômicoMundialemDavos.

Os empregos pareciam ser interessantes no todo, mas frequentementeenvolviambastantepesquisadesnecessária.Haroldhaviapassadoosanosantesda formatura emsemináriosdealtoníveldiscutindoTolstoi,Dostoiévski e aquestãodomal.PassouosanosdepoisdagraduaçãooperandoumacopiadoraCanon.

Ficouóbvioparaele,empétentandonãoficarhipnotizadopelaluzverdeoscilantedamáquinadexerox,quehaviasetornadoumaquinquilhariaCanondaeradainformação.Asorganizaçõeseosjornaisparaosquaistrabalhoueramdirigidos por adultos barrigudos de meia-idade que tinham segurança notrabalho eum lugarna sociedade.Aspessoasno grupodele, por outro lado,eram novos objetos transitórios que pareciam estar lá principalmente paraproverchecagemdefatosetensãosexual.

Seus pais estavam cada vezmais ansiosos porque o filho deles, há algunsanos fora da faculdade, parecia estar à deriva. O estado mental do próprioHarold era um pouco mais complicado. De um lado, ainda não sentianenhumapressãoemespecialdeseestabilizarevirarumadulto.Nenhumdeseusamigosestavafazendoisso.Estavamvivendodeumamaneiraaindamaisdescuidadadoqueele—passandoadécadados20anosdandoalgumasaulas,fazendoalgunsbicos,servindoembares.Pareciammudardecidadeparacidadecompromiscuidadeincrível.Ascidadessetornaramcamarinsdecarreiraparajovensadultos.Tornaram-seolugarondeaspessoasvãoaos20epoucosanoseexperimentam identidades diferentes. Depois, quando descobrem quem são,vãoembora.Trinta eoitopor centodos jovensnorte-americanosdizemquegostariam de morar em Los Angeles, mas apenas 8% dos mais velhosmorariam.2OsamigosdeHaroldapareciamemSãoFranciscoemumanoeemWashington,D.C.,nooutro.Tudomudava,menosoendereçodee-mail.

Dooutro,Haroldqueriasaberdesesperadamenteoquedeviafazercomsuavida.Sonhavaemencontrarumchamadoqueiafindarsuaincertezaedar-lheum sentidona vida.Desejava algum temaque conectariaumevento em suavida ao outro e que substituiria a sensação brusca de que cada um de seusmomentosestavadesconectadodoquevinhaantesedepois.Sonhavaqueumdia algum mentor onisciente o colocaria sentado e não apenas diria comoviver,masporqueeleestavaaqui.MasseuMoisésnuncaveio.Éclaroquenãopoderiavirporquevocêsódescobresuavocaçãoexercendo-aevendosevocê

sentequeéacoisacerta.Nãohásubstitutoparaoprocessodeexperimentaçãodevidasdiferenteseparaaesperadeencontrarumaquesirva.

Enquantoisso,Haroldseviuevoluindodemaneirasquenãogostavatanto.Desenvolveu uma personalidade baseada no esnobismo em relação àsensibilidade. Ainda não tinha conquistado nada, mas pelo menos podia sesentir bem com sua sensibilidade superior. Assistia aqueles programas decomédiaqueexploramaobsessãoporstatusempessoasjovensridicularizandoos famosos que são profissionalmente bem-sucedidos, mas pessoalmenteinferiores.

Ao mesmo tempo, conseguia ser um puxa-saco descarado. Ele se pegavapassando no meio de um coquetel para causar uma boa impressão em umsuperior.Descobriuquequantomaisaltoaspessoassobemnomundo,maioréadosedebajulaçãodiáriadequeprecisamparamanteroequilíbriopsíquico.Eleficoumuitobomemfornecê-la.

Haroldtambémaprendeuqueésocialmenteaceitávelbajularseuschefesdediacontantoquevocêsejadebochado,comrequintesdeblasfêmia,emrelaçãoaelesquandoestiverbebendocomoscolegasànoite.Ficavamaravilhadocomosotáriosda faculdadequepassaramquatroanos em isolamento semamigosassistindo séries de TV, e que agora eram jovens produtores promissores equeridinhosdeHollywood.Omundoadultopareciasermisteriosoeperverso.

Osanosdeodisseia

Harold faziapartedeumageraçãoque inaugurouumanova fasede vida,osanos de odisseia. Antes, havia quatro fases de vida— infância, adolescência,maioridade e velhice. Agora, há pelo menos seis — infância, adolescência,odisseia, maioridade, aposentadoria ativa e velhice. Odisseia é a década deespeculaçãoqueocorreentreaadolescênciaeavidaadulta.

Amaioridadepodeserdefinidaporquatroconquistas:sairdecasa,casar-se,começar uma família e tornar-se financeiramente independente. Em 1960,70% dos norte-americanos de 30 anos de idade haviam conquistado essascoisas.Em2000,menosde40%fizeramomesmo.NaEuropaOcidental,quevemliderandoessatendência,osnúmerossãoaindamaisbaixos.3

Aexistênciadessenovoestágiopodeservistaemumasériedenúmeros,queforam reunidos por estudiosos como Jeffrey Jensen Arnett em seu livroEmergingAdulthood (Maioridade emergente),RobertWuthnow emAfter theBabyBoomers (Depoisda geraçãodobabyboom), Joseph eClaudiaAllen em

Escaping Endless Adolescence (Escapando da adolescência sem fim) e WilliamGalstondoBrookingsInstitution.2

Aspessoasaoredordomundoestãoindomorarjuntascommaisfrequênciae adiando o casamento.4 No começo da década de 1970, 28% dos norte-americanoshaviammoradocomparceirosantesdocasamento.Nadécadade1990,65%dosnorte-americanoshaviamfeitoisso.Entre1980e2000,aidademédiaparaoprimeirocasamentocresceuemtornodecincoou seis anosnaFrança,naAlemanha,nosPaísesBaixosenoReinoUnido,umamudançadeestilo de vida incrível para um tempo tão curto. Em 1970, 1/5 dos norte-americanos de 25 anos de idade nunca haviam se casado. Em 2005, 60%nuncahaviamsecasado.

Como demonstra Wuthnow, as pessoas no mundo desenvolvido estãopassando mais anos na escola e levando mais tempo para concluir suaformação.5 O graduando comum em 2000 levou 20% mais tempo paraganharodiplomadoqueoalunocomumem1970.

Asmudanças foram causadas por vários fenômenos inter-relacionados. Aspessoasestãovivendomais,eportantotêmmais tempoparaseestabilizaremum caminho na vida. A economia se tornou mais complicada, com umconjuntomaisamplodepossibilidadesdecarreira,entãolevacertotempoparaque as pessoas encontrem a carreira certa. A sociedade se tornou maissegmentada, então levamais tempoparaqueaspessoas encontremseunichopsicológico. Asmulheres estudammais do que antes e sãomais propensas atrabalhar em tempo integral. Em 1970, apenas 26% das mulheres estavamtrabalhandoforadecasacinquentasemanasporanonosEstadosUnidos.6Em2000,aporcentagemerade45%.Muitasdessasmulheresqueremousesentemcompelidas a adiar casamento e família até que estejam estabelecidasprofissionalmente.

Finalmente, os jovens estão ambivalentes quanto à maioridade. ComoargumentaArnett, elesquerema segurançae a estabilidadequeamaioridadetraz, mas não querem cair em uma labuta diária. Não querem limitar suaespontaneidadeoucolocarlimitesemseussonhos.

Essasmudanças tiveramefeitosprofundosnamaneiracomoHarolde seugrupoimaginavamosrumosdesuasvidas.Porexemplo,geraçõesmaisantigaspresumiamqueumapessoajovemdeviasecasare,depoisdeunidacomalguémenquantocasal,deviasaireseestabelecernomundo.Masaspessoasnaclasse

socialdeHaroldtinhamumaoutravisão.Primeirovocêseestabelecia.Depois,quandoestavaseguroepodiapagarumcasamento,vocêsecasava.

Harold e seus amigos não eram rebeldes.Geralmente, ainda queriamumcasamento estável, dois filhos, uma casa no subúrbio e um salário seguro.Aspessoasdageraçãoatualsãomaispropensasdoqueasdasgeraçõesanterioresadizer que os pais devem sacrificar sua própria felicidade pelos seus filhos.Porém,osprimeirosforamcriadosnapaze(emsuamaioria)naprosperidade,entãotinhamumaconfiançaespetacularemsuahabilidadederealizarsonhos.Cercade96%deamericanosentre18e29anosde idadeconcordamcomafrase“Estoucertodequeumdiavouchegaraondequeronavida”.7Eleserammuito, até loucamente, impressionados com sua própria singularidade. Em1950, um teste de personalidade perguntou para adolescentes se seconsideravamumapessoaimportante.8Dozeporcentodisseramquesim.Nofinaldadécadade1980,80%responderamsim.

Apesardasuposiçãodequetudoacabariabem,Haroldsepegouvivendoemummundosubinstitucionalizado.Devidoaofatodeoestágioodisseiadavidaser tão novo, grupos e costumes ainda não haviam surgido para dar-lheestrutura.Elenãopertenciaanenhumacongregaçãoreligiosa(jovens,hojeemdia, são muito menos propensos a ir à igreja do que jovens da década de1970).9Nãotinhauma identidadeétnicaclara.Suavisãodemundonãoeramoldada por nenhum jornal local ou pela opinião singular de um líder (eleusava internet). Sua visão de mundo não era moldada por nenhum eventohistóricomundialcomoaDepressãoouaSegundaGuerraMundial.Elenãoeranemmesmolimitadoporpressõeseconômicasagudas.Entre18e34anosde idade, o norte-americano comum recebe cerca de 38 mil dólares emsubsídiosdamamãeedopapai,eHaroldtambémcontavacomalgumaajudaparapagaroaluguel.10

Vivia em um cenário social com um número incrivelmente pequeno debarreirasde segurança.Algunsdias, sentia-se como se estivesse esperandoqueumconjuntodeopiniões,hábitoseobjetivosseendurecesseemsuamente.Ocrítico social Michael Barone argumenta que os Estados Unidos produzemjovensde20anosdeidademoderadamenteimpressionantes,maspessoasde30anosde idademuito impressionantes.11Ele diz que as pressões e as escolhasduras que atingem as pessoas durante a década completamente aberta e semsupervisãodos20aos30forjamumtiponovoemelhordepessoa.

Harold não tinha certeza disso, visto que passava uma quantidadepreocupantedetemponosofámaltrapilhodeumamigojogandoCallofDuty:Black Ops. Mas pelo menos ele tinha, sim, momentos de prazer intenso, etinha,sim,umbomgrupodeamigos.

OGrupo

Nosanosentremorarcomseuspaisevivercomaesposa,HaroldviveucomoGrupo.OGrupo era uma ganguede amigos que vivia nomesmo estadodelimboqueele.Tinhamentre22e30anosdeidade.Onúcleohaviacursadoafaculdadejunto,masacumularaumaganguedeamigosseletosnocaminho,demodo que agora eram aproximadamente vinte pessoas transitando em seucírculo.

Amaioriadelesjantavajuntoumavezporsemanaemumrestaurantelocal,incluindo Mark quando estava na cidade. Formaram um time de softball ealguns deles jogavam voleibol juntos também.Tinham jantares de órfãos noDia de Ação de Graças e no Natal para os membros do Grupo que nãoconseguiam ir para casa para ficar com seus parentes. Emprestavamdinheirouns aos outros, levavam-se ao aeroporto de carro, ajudavam-se a fazermudanças e em geral proviam todos os serviços que pessoas de uma famíliaestendidapodemproverunsaosoutrosemumasociedademaistradicional.

Harold tinha certeza de que esse grupo era preenchido pelos protogêniosmaistalentososquejásereuniram.Umdeleseracantoreletrista,outraestavafazendoresidênciamédica,umterceirofaziaarteedesenhográfico.Atéosquetinhamempregoschatostinhamadicionaisinteressantes—balonismo,esportesradicaisouótimopotencialcomofuturoparticipantedoJeopardy!.3Haviaumaproibição não oficial contra o Grupocesto — namorar dentro do grupo.Porém,umaexceçãoerafeitaseocasalenvolvidocomeçasserealmenteagostarumdooutro.

AsconversascomoGrupoeramapartemaisanimadoradavidadeHaroldnessa época. Passavam horas conversando em cafeterias, bares e festas —repetindodiálogosdosepisódiosde30Rock,reclamandodoschefes,treinando-separa entrevistas de emprego edebatendo seriamentequestões importantes,comoporexemplosesedeviaserpermitidoquepessoascommaisde40anosde idadeusassemtênis empúblicoquandonãoestivessemfazendoexercícios.Tinhamconversasnostálgicasenérgicassobrequemtinhavomitadoemquemnafaculdade.Mandavam-sefilosogramas—pequenostextospseudoprofundos

do tipo “Você não acha que meu narcisismo é minha característica maisinteressante?”. Distribuíam Whuffies, uma moeda de reputação em umromancedeCoryDoctorowqueeraatribuídaàspessoasquefaziamcoisasquenão lhes rendia dinheiro,mas que eram criativas e simplesmente agradáveis.Passavambastante tempodiscutindoperguntas cruciais comoquemdeles erainteligenteoucruelosuficienteparadarcertonomundoreal.

Pesquisadorestrabalharammuitonosúltimosanosanalisandoredessociais.Aconclusãoéquequasetudoécontagioso.Seseusamigossãoobesos,vocêtemmaispropensãoaserobeso.Seseusamigossãofelizes,vocêémaispropensoaser feliz. Se seus amigos fumam, você fuma. Se sentem-se sozinhos, você sesentesozinho.Naverdade,NicholasChristakiseJamesH.Fowlerdescobriramqueos amigosdeumapessoa influenciammais se ela vai serobesadoqueocônjugedessapessoa.

No entanto, honestamente, Harold amava passar tempo com o GrupoporquenãoprecisavasepreocuparseoGrupotinhaalgumautilidadeounão.Fazer parte dele era um fim em si mesmo. Mais tempo com seus amigossignificava mais sensação de estar vivo, e não havia um objetivo maiorenvolvido. Ficavam juntos por horas em grandes momentos cíclicos deconversa. Dançavam com muita frequência. A maioria das sociedades temalgumaformadedançaritual.Asociedadenorte-americanamodernadestruiuamaioriadelas(excetoporquadrilhasealgumasoutrasespecialidades).Agora,amaioria das danças é feita em duplas, como uma preparação para o sexo.Todavia,quandooGruposereunia,todosdançavam.Elessereuniamemumbarouemumapartamentoeformavamessegrandeaglomeradodedançarinos— uma nuvem de pessoas sem pares definidos ou formações. Cada um semoviapeloaglomerado,dançandocomumoucomoutro,homemoumulher,edepoisiamparaoutrapartedanuvemmutante.Adançanãoerarelacionadaa nada. Não era um galanteio. Não tinha a ver com sedução. Era apenas aexuberânciafísicadeestaremjuntos.

Destino

Eentãoumdia,ounaverdadenodecorrerde48horas,odestino interveio.Harold estava comMark e alguns amigos doGrupo emumbar de esportesassistindoàCopadoMundo.Apartida estava chegandoao clímax, restavampoucosminutos,quandoMarkocutucounoombrocomocotovelocomuma

ideiaquetinhaacabadodesurgiremsuacabeça:“Cara,vocêquervirparaLosAngelesevirarumprodutordeTVcomigo?”

Haroldolhouparaeleporumsegundoeolhoudevoltaparaojogo.“Vocêpensoudireitonisso?”

“Não preciso. É meu destino. Eu nasci para isso.” A partida ia e vinha.TodomundonobarestavaberrandoeMarkrascunhouavidaque levariam.Produziralgunsshowsprecáriosnocomeço—talvezpropagandaseprogramassobrepoliciais.Então tirarunsanosde folgacomodinheiroque fariame sedivertir.Entãofazeralgumacoisamaislegítima.Entãocompraralgumascasasem várias partes do mundo e se divertir mais. Então fazer grandes sériesdramáticas naHBO emudar omundo.Omelhor, comodescreviaMark, équevocêfariariosdedinheiro,terialiberdadetotalenuncasefixariaemumacoisaouemumprojetoouumaideia.Eraliberdadeperfeita.

OengraçadoéqueHaroldnãoduvidavaqueMarkconquistariatudoquesepropusesseafazer.TinhaoqueHaroldchamoucertavezde“SuperficialidadeUniversalmenteSincronizada”.Istoé,Markeraexatamentetãorasoquantoomercado aguentava.Nunca ficava tentado a sermuito complicado oumuitoexperimental.Ascoisasdasquaisgostava,omundotambémgostava.Ascoisasque odiava, o mundo também odiava — ou pelo menos aquela porção domundoqueviviaemorriapelaTVnofinaldatardeepelosábadoànoitenocinema.

Ainda assim,Harold resistiu. “Issonão émaneirade se viver”, respondeuele.Eentãocomeçouodebateparaoqualestavamcaminhandodesdeaqueledia, anos antes, quando Harold trombou com Mark pela primeira vez nodormitório.Eraodebateentreliberdadeecompromisso,sobreseavidaémaisfelizlivreoufirmementeenraizada.

Markapresentouseusargumentos,depoisHaroldexpôsosseus,enenhumdosdois sugeriunadaque fosse soar especialmenteoriginalpara vocês.Markevocouaimagemdedistraçõeseternamenteexcitantes—viajarpelomundoeexperimentar coisas novas. Ele a contrastou com o mundo da rabugice demeia-idade,irparaomesmotrabalhoeparacasa,paraamesmaesposa,beberatédormirafimdeencobertarsuavidadedesesperosilencioso.

Haroldficounooutrolado.Evocouaimagemderelacionamentosamáveise laços estáveis—velhos amigosno jantar, ver as crianças crescendo, fazer adiferençaemumacidadeoucomunidade.Elecontrastouissocomumavidadeostentaçãosuperficial—sexocasual,pertencessemsentido,luxoschamativoseumavelhicetristeesolitária.

Esseéumdebateantigo—odebateentrePénaestradaeAfelicidadenãosecompra.Atéondeaciênciasocialconsegueresolverdebatescomoesse,osdadosestãonoladodeHarold.

Nos últimos anos, pesquisadores passaram bastante tempo investigando oquetornaaspessoasfelizes.Essapesquisaéfeitaprincipalmenteperguntandoaelas se estão felizes e depois correlacionando suas respostas com outrascaracterísticasdesuasvidas.Ométodopareceserfrágil,masproduzresultadossurpreendentementeestáveiseconfiáveis.

Aprimeiracoisaquedescobriraméquearelaçãoentredinheiroefelicidadeé complexa. Paísesmais ricos tendem a ser paísesmais felizes, e pessoasmaisricastendemasermaisfelizesdoquepessoasmaispobres,masarelaçãonãoétãoforteassim;dependedecomovocêdefinefelicidade,eesseéoassuntodedebatesfervorososentreosperitos.ComoescreveCarolGrahamemseulivroHappiness Around the World (Felicidade ao redor do mundo), nigerianos seconsideramtãofelizesquantojaponeses,apesardeoPIBpercapitaserquase25vezesmaior do que o deles.A percentagemde pessoas deBangladesh que sedizem satisfeitas com suas vidas éduas vezesmaiordoque apercentagemderussos. O padrão de vida nos Estados Unidos cresceu dramaticamente nosúltimos cinquenta anos. Todavia, isso não produziu nenhuma elevaçãomensurávelnafelicidade.Poroutrolado,osEstadosUnidossetornaramumasociedade muito mais desigual. Essa desigualdade parece também não terreduzidoafelicidadenacional,mesmoentreospobres.12

Ganharna loteriaproduzumaexplosãodealegriadecurtoprazo,masosefeitosalongoprazosãoinvisíveis.13Oganhodefelicidadequevocêangariamudando da classe pobre para a média é maior do que mudando da classemédiaparaaalta;acurvadefelicidadeficareta.Aspessoasnãosãomaisfelizesnos anos dameia-idade, quando estão recebendomais promoções. Sãomaisfelizes quanto têm 20 anos e 60 anos, quando suas carreiras estão apenascomeçandoouperdendo força.Aspessoasquedão ênfase tremendaaobem-estarmaterialtendemasermenosfelizesdoqueasquenãoofazem.

Apróximadescobertaclaradapesquisaéqueaspessoassãoumtantoruinsem julgar o que vão lhes fazer felizes. Elas supervalorizam amplamente otrabalho,odinheiroe imóveis.Subestimamamplamenteos laços íntimoseaimportânciadedesafiosárduos.Onorte-americanocomumdizque,sepudesseganharapenas90mildólaresamaisporano,conseguiria“realizartodososseussonhos”.14Noentanto,asevidênciassugeremqueestãoerrados.

Searelaçãoentredinheiroefelicidadeécomplicada,arelaçãoentre laçossociaisefelicidadenãoé.Quantomaisprofundososrelacionamentosqueumapessoa tem, mais feliz ele ou ela serão. Pessoas que estão em casamentosduradourossãomuitomaisfelizesdoquepessoasquenãoestão.15Deacordocomumestudo,estarcasadoproduzomesmoganhopsíquicodoqueganhar100mil dólares ao ano.16De acordo com outro estudo, fazer parte de umgrupoquesereúneatémesmoapenasumavezaomêsproduzomesmoganhodefelicidadedoquedobrarseusalário.17

Pessoasquetêmumparceirosexualrecorrenteemumanosãomaisfelizesdo que pessoas com vários parceiros nomesmo período.18 Pessoas que têmmais amigos têm níveis menores de estresse e vidas mais duradouras.19Extrovertidossãomaisfelizesdoqueintrovertidos.DeacordocomapesquisadeDanielKahneman,AlanB.Krueger,DavidSchkadeeoutros,asatividadesdiárias mais associadas à felicidade são todas sociais — fazer sexo, socializardepoisdotrabalhoejantarcomamigos—,aopassoqueaatividadediáriamaisprejudicialàfelicidade—deslocar-separaotrabalho—tendeasersolitária.20Asprofissõesquesecorrelacionamdemaneiramaispróximacomafelicidadetambém são sociais (ser um gerente corporativo, um cabeleireiro ou umprestadordeserviçosdesaúdeoudecuidados),aopassoqueasprofissõesmaisprejudiciais à felicidade são ou perversamente sociais (ser uma prostituta) oumenossociais(serumoperadordemáquinas).21

Como Roy Baumeister resume as evidências: “O fato de uma pessoa terumarededebonsrelacionamentosoudesersozinhanomundoéumprevisormuitomaisfortedefelicidadedoquequalqueroutroprevisorobjetivo.”22

NoquesetornouumdebatesemfimsobreComoViver,Markcitoufilmesemúsicasderockquecelebravamliberdadeeaestradalivre.Harolddissequetodosessefilmese letrasdemúsicaeramapenasestratégiasdemarketingparaadolescentes.Os adultos deviam querer duas coisas, disse ele, e eram essas asduas coisasque elequeriapara suaprópria vida:primeiro, terumcasamentobem-sucedido.Seestáemumcasamentobem-sucedido,nãoimportaquantosinfortúnios profissionais você suporta, você vai estar razoavelmente feliz. Seestáemumcasamentomalsucedido,nãoimportaquantostriunfosdecarreiravocêregistra,vocêvaipermanecersignificativamentenãorealizado.

Depois,continuouHarold,elequeriaencontraralgumaatividade,sejaumtrabalho ou um hobby, que absorvesse todas as suas habilidades. Ele se

imaginava trabalhando muito com alguma coisa, sofrendo infortúnios efrustrações, e depois vendo esse suor e trabalho levando ao sucesso e aoreconhecimento.

Ele sabia que seusdois objetivos estavamemconflito.O casamentopodesugar tempo de sua vocação, e esta pode roubar o tempo que poderia estarpassandocomseusamigos.Nãotinhaamenorideiadecomoiacontrolaressesproblemas. Mas essas eram as coisas que queria, e nenhuma delas eracompatívelcomotipodevidaitineranteedespreocupadanaqualMarkestavainteressado. Harold cresceu em uma cultura que, durante quarenta anos,celebrouindividualismoexpressivo,autorrealizaçãoeliberaçãopessoal.Maselesentiaqueoqueprecisavaerademaiscomunidade,conexãoeinterpenetração.Nãoconseguiatrazerseumelhoreuàtonasozinho.Sóconseguiafazerissoemconjunçãocomoutraspessoas.

Erica

Avidaé repletadecorrespondências estranhas.Vocêpassamesesprocurandoporumbomtrabalhoeentãodoisaterrissamaosseuspésnomesmodia.Vocêpassa anos procurando por sua alma gêmea e então se vê atraído por duaspessoassimultaneamente.NodiaseguinteemqueHaroldteveseudebatecomMark e efetivamente fechou um rumo de vida para si, ele se viu com outraoferta.Umrumodevidadiferenteseabriunafrentedele.

Eleveionaformadeume-mail.Haviaumconvitedealmoço.EradeumamulherchamadaErica,amigadeumaamiga.Eladiziaqueestavaprocurandopor alguémque a ajudasse amontar seunegócio eouviuque elepodia ser apessoa perfeita para fazer isso. Ele a buscou no Facebook e viu umamulherlatino-asiáticapequenaeatraente.Haroldnãosabiaaocertoseiatrabalharcomela. Mas não se importaria em conhecê-la. Respondeu a Erica e disse queadorariaencontrá-laparaumalmoço.Fingiuestarinteressadonotrabalho,mastodosostiposdefantasiasromânticasjáestavamcorrendoemsuamente.

1CursocomduraçãodedoisanosoferecidopelaUniversidadedeIowa.FornecediplomademestreemBelas-Artes.(N.daT.)

2 Organização sem fins lucrativos localizada em Washington, D.C., onde se desenvolvem pesquisasprincipalmentenaáreadeeconomia.(N.daT.)

3JogotelevisivodeperguntaserespostasmuitotradicionalnosEstadosUnidos.(N.daT.)

capítulo13

LIMERÂNCIA1

Harold e Erica tiveram seu primeiro encontro em uma Starbucks,onde ela organizou uma entrevista de emprego. Ela se certificou de quechegariaprimeiroparaqueassumisseopapeldeanfitriã.Elechegoudeterno,mas carregando uma mochila, o que a desagradou. Ela deixou um caféesperando por ele na mesa, e ele se sentou e se apresentou. Ele parecia seranimadoeagradável,apesarde suasmaneiras seremumpoucocasuaisparaogostodela.

“Vamos bater papo depois”, disse Erica depois de cerca de um minuto,interrompendo-o.“Querocontarquemsoueoqueestouprocurando.”Comdesenvoltura, ela discorreu sobre sua história de vida e fez uma descrição daempresadeconsultoriaquehaviacomeçado.Foicompletamentehonestasobreas dificuldades que tinha vivenciado até então. “Quero alguém que consigamergulhar na economia comportamental e em pesquisas similares e queencontreumaproposição ímparde venda:umconjuntode ferramentasparanosajudaraatenderàsnecessidadesdocliente.”Falourápidoporque,mesmoquenuncafosseadmitirissoparasimesma,estavadesconfortáveleumpouconervosa.

Harolderapraticamenteumentrevistadoprofissional.Jáhaviapassadopordezenasde entrevistas enessa altura já tinha seu truquededesarmamentonapontadalíngua.Nãochegouausá-lodessavez.Emvezdisso,ficourígidoemresposta ao tomabruptoe eficientedela.Elegostoudela,noentanto.Estavaencantado pela sua história e pela atitude rigorosa e compelida. Gostouprincipalmentedofatodeelanãoperguntaroqueeleesperavaestar fazendodaliadezanos,ounenhumadaquelasoutrasperguntasidiotas.

As perguntas dela eram precisas e práticas. Ele sabia quem era DanielKahneman? (Não.)Que tipodeprojetosdepesquisa elehavia conduzidonopassado? (Ele exagerou suas responsabilidades,masnãomuito.) Já havia feito

checagemdefatos?(Sim.)Sónofinalqueelafezalgumasperguntasinusitadas.Pediuqueeledescrevesseaculturanafaculdadedele.Qualeraadiferençaentretrabalharemumarevistasobrepolíticaseparaumnegóciodefinslucrativos?

Aentrevistadurouapenas25minutos.Elaocontratou.Elepediu55mildólares por ano e ela disse que o trabalho pagaria 60 mil, com aumentosconformeonegóciodessecerto.

Elanãotinhaescritório,entãoelesseencontravamcercadetrêsvezesporsemana na cozinha dela e depois ele ia trabalhar em casa. Ela mantinha acozinha livre para que tivesse um pouco de atmosfera profissional e sempremantinhaaportaparaoquartofechada.Nãohaviaímãsnaportadageladeira.Nãohavia fotosde família e amigos,nãoqueHaroldpudessever.Poroutrolado,eleestavaimpressionadocomseustalhereseutensíliosdecozinha.Haroldainda usava os utensílios que tinha adquirido na faculdade— a secadora delouças, as mesmas seis panelas e frigideiras, o abridor de garrafas que tinhaganhado de um distribuidor de cervejas. Erica, que tinha basicamente suaidade,tinhaumacozinhadeadulto.

Havia partes do negócio que ele não via. Ela nunca deixava que eleconhecesseclientesempotencial.Elenãosabiaquantoesforçoeraprecisoparaconseguirumareunião.Elamandavaume-mailcomonomedeumpossívelcliente,anaturezadoproblemaqueestavamesperandoresolvereumalistadecoisasqueelesteriamdefazerparaganharaconta.Haroldmergulhavaemsuapesquisa,dormindodedia,trabalhandoànoite,edepoiscombinavadeiràcasadelaparaapresentaroquetinhadescoberto.Elaorecebiacomdelicadeza,masdemaneirafirme,comcháchinêsecenourasfatiadas.

Onegóciocomeçouaengrenar.Houveumritmovigorosodepropostaseprojetos de pesquisa. Uma empresa queria encontrar maneiras de quebrar abarreira entre seus engenheiros e o pessoal de marketing. Outra queriaencontrarmeiosdefazermarketingbancárioparajovens.EricadavainstruçõesparaHaroldsobreoquequeriaedicassobreondeencontrara informação,eelesesentiaconfortávelcomelaerealmentegostavadotrabalho.Sehaviaumperíodoemquearelaçãodelesdesabrochava,eraduranteaedição.

Ericagarantiaumclienteefaziaumasériedereuniõescomeles.MandavaHaroldfazerumprojetodepesquisa.Eleescreviaummontedememorandoseelaosusavapararascunharumrelatórioqueiriaparaocliente.Cercade2/3dotrabalhodeHarolderafazerapesquisaeescreverosmemorandos,masumbomterçoerarevisarosrascunhosdelaeajudá-laaaperfeiçoá-los.

Naprimeiravezemquesesentaramjuntos,Ericaquasechoroudegratidão.Haroldtinhaahabilidadede leralgumacoisaerealmenteveraondeapessoaestavaquerendochegar.Quandoeleentregousuasreaçõesaosrascunhosdela,Ericateveumasensaçãodevastadoradeestarsendocompletamenteescutadaeprofundamente compreendida.Harold conseguia pegar um fio vago de umaideia e ser cativado por ele. Ele elogiava partes dos rascunhos, fazendo-a sesentircomoumaestrelaemabsoluto.Elesublinhavaalgumaspartestrêsvezeseolhavaparaelaemtotaladmiraçãoportê-lasproduzido.Depois,eletratavadaspartesruinscomominasdeouroqueapenasaindanãotinhamaparecido.Ericatinha uma tendência de empilhar frases vagas e nobres como forma deencobertar umconceitoque ainda estavanebuloso em suamente.Harold asdissipava e cortava seções que simplesmente não funcionavam. Depois, elepreenchiaaslacunas.Desenvolveuumahabilidadedeescrevercomavozdelaedepensarcomoestilodela,e fezcomqueela soassemais inteligentedoquerealmenteera.Eraumeditortremendo.Tinhaprazeremsublimarseupróprioegoeescreversobonomedeoutrapessoa.

Depoisdeseismeses,elessefalavamcomumcódigopróprio,comapenasalgumas letras indicandooqueaindadevia ser feito.Ela se soltouumpouconasanotaçõesdevolta,fazendoalgumaspiadas.“Simplesmentenãoconsegui”,escreveucertavez,oqueparaelaeraumaamostraenormedevulnerabilidade.Se descobrisse algum fato novo, ele ligava para ela cheio de entusiasmo. Àsvezes,saíamparacomerasasdegalinhaeparaeditarosrelatóriosjuntos.Umavez,quandoelaestavaforadacidadecomumcliente,eleterminouume-mailcom“Saudades”.ElarespondeupeloBlackBerry:“Saudadestambém.”

Ela não tinha nenhum interesse consciente em encontrar um homemnaquela época, eHarold não tinha nada do homem como qual ela umdiaqueria se envolver. Ele não era tão durão quanto ela. Não era destinado àgrandezacorporativa.Eraotipodecaraqueelapodiaengolirvivo.Mascomopassar dosmeses, ela descobriu que tinha afeição de verdade por ele. Ele eraumapessoagenuinamenteboa.Dofundodesuaalma,elequeriaqueelativessesucesso.

Umanoite,depoisdeumdiadetrabalhoduro,Haroldsugeriuquefossemandardebicicleta.Ericanãoandavadebicicletahaviaanosenãotinhauma.Harolddissequeelespodiampegaradocolegadequartodele.Elesforamdecarroatéoapartamentodele,ondeEricanuncahaviaestado,encontraramocolega de quarto forte e demasiadamente charmoso, que Erica nunca tinhavisto, e depois foram dar uma volta. Erica vestia sua roupa de ginástica e

Harold, apenas shorts normais, uma camiseta, e foi gentil o suficiente paradeixar que Erica usasse o capacetemenos brega. Pedalaram por cerca de 16quilômetroseéclaroqueEricatevedepassarnafrentedelesubindoascolinas,sóparamostrarqueconseguia.EleschegaramaumacolinaíngremecomvistaparaaáguaeEricacomeçouasedistanciardenovo,rindoconformeodeixavapara trás. Cerca de 30 metros depois, Harold voou na frente dela. Não foisimplesmentepassarna frentedela.Elepassouquenemumfoguetecomoseelaestivessepedalandoparatrás.Tinhaumsorrisoenormeemseurosto,eelemalrespirava.Elanãofaziaideiaqueeletinhaaquelepoderdentrodele.

Harold parou no topo da colina e ficou olhando ela subir bufando. Eleaindatinhaumsorrisoenormenorostoeelaestavagargalhandoporentrecadaarfadaquandoseusolhosseencontraramenquantoparavaaoladodele.EricaolhounosolhosdeHarolddemaneiramaisprofundadoquejáhaviaolhadoeenxergou, através deles, algumas das coisas que ele gostava e estimava: o flagfootball,2suamochilarepletadeGrandesLivros,aexaltaçãoquesentiaporelaepelosprojetosquetinhamjuntos.

Ficaramsobresuasbicicletasnotopodacolinaolhandoparaavista,eEricadeuamãoparaHarold.EleficousurpresocomquãoásperaeduraapalmadeEricapareceuaotoque,equãoadorável.

Sonardestatus

Algumas semanasdepois,Harold estava sentado sozinhoemseuapartamentosentindo que sua vida estava indo tremendamente bem. Todos os sereshumanos vivem com um sonar de status completamente operacional.Enviamos ondas contínuas de medições de status e recebemos um fluxo desinais de respostas positivas e negativas que, demaneira cumulativa, definemnossolugarnasociedade.Haroldolhouparaseuloft.PIM.Umsinalpositivoretornou.Eleadoravaoespaçoabertoeotetoalto.Contemplouseuabdômen.PIM.Umsinalnegativoretornou.Realmentedevia iràacademiamaisvezes.Olhouparaseurostonoespelho.PIM.Umsinalneutroretornou.Nãotinhaamaçãdorostodefinida,maspodiaserpior.

Durantetodoodia,osonardestatusficazumbindo—umfluxodesinaispositivos, negativos e neutros se acumulando na mente, produzindo tantofelicidade quanto ansiedade e dúvida. O sonar de status não é sequer umprocesso consciente namaior parte do tempo; é apenas o tom hedônico daexistência.Grandepartedavida,disseMarkparaHarold,consistiaemtentar

maximizar o número de sinais positivos no fluxo eminimizar o número desinaisnegativos.Grandepartedavidaéumasériedeajustesparatornarofluxomaispositivo.

Oproblemaéqueosonardestatusdeninguémépreciso.Algumaspessoasexageraramnostatus.Inflamlargamentesuaposiçãonaescalasocial.Estãonoseis,masachamqueestãonooito,equandoflertamcomumamulherachamqueestãononove,esesentemperplexosaoserrejeitados.Outraspessoassãominimizadorasdestatus.Essaspessoasnuncavãosecandidataraempregosparaosquais sãoamplamentequalificadas,porquepresumemqueserãoesmagadaspelacompetição.

As pessoas mais bem-sucedidas são amplificadoras de status suavementeiludidas.Maximizamseuspontospositivos,produzindoassimautoconfiança,edecidemqueseuspontosnegativosnãosãotãoimportantes,eliminandoassimadúvidaparalisanteemrelaçãoaelasmesmas.

Depois de milênios de dominação masculina, os homens são grandesamplificadores de status. Uma pesquisa global de Adrian Furnham, daUniversidade College, em Londres, descobriu que os homens em todo omundosuperestimamsuaprópriainteligência.1Outroestudorevelouque95%dos homens norte-americanos acreditam que estão nos primeiros 50% emrelação a habilidades sociais. As mulheres são mais propensas a serminimizadoras de status. Elas subestimam suas pontuações de QI em umamédiadecincopontos.2

OsensordosonardeHarolderacomoumrelógioSwissprimorosamentecriado.Erabalanceado,sensíveleapropriadamentecomplacente.Assimcomoamaioriadaspessoasfelizes,Haroldjulgavaasicombaseemsuasintenções,osamigos combase em seus feitos eos rivais combase em seus erros.OsPIMscontinuavam.Ossinaispositivosfluíam.

E quandoHarold se imaginava comErica, bem, era como uma torrenteavolumadadesinaispositivos.Stendhalobservouqueoprimeirograndeamorde cada pessoa é abastecido pela ambição. Harold não estava simplesmenteanimado com Erica como pessoa, mas com toda a aura de uma meninaagressivamentedeterminadaque foidapobrezaà riqueza.Estavaanimadodepensar nos lugares que iriam juntos. Ele os imaginava trocando deliciososinsultosdementiraemjantares,comoBeatriceeBenedickemMuitobarulhopornada.

Entretanto, havia também alguma coisamais profunda acontecendo. Emtodaasuavida,Haroldtinhavividoemcertonível,masagorahaviadescobertocompulsõesmaisprofundas.Chegaraessapercepçãoeracomovivernamesmacasaavidatodaederepentecairemumalçapãoedescobrirquesempreexistiuum nível abaixo, e depois achar outro nível abaixo desse, e outro e outro.ComocolocouMatthewArnold:

***

Abaixodacorrentedasuperfície,rasaeclara,Doquedizemosesentimos—abaixodacorrenteza,ComoLuz,doqueachamosquesentimos—lácorreComfortecorrentesilenciosa,obscuraeprofunda,Acorrentecentraldoquesentimosdefato.33

HaroldnãoconseguiapassarcincominutossempensaremErica.Seestavaandando sozinho pela rua, achava que via o rosto dela na multidão a cadapoucos quarteirões. Raramente comia, e negligenciava seus amigos. Todo oestadodeespíritodeHaroldestavaelevado.Coisasquecostumavamentediá-lo,ele agora achava maravilhosas. Pessoas que costumavam aborrecê-lo, agorapareciam calorosas e gentis. Quando andorinhas se acasalam, flutuamfreneticamente de galho em galho em um estado de delírio hiperintenso.Agora,Harold tinha energia para ficar acordado a noite toda, para trabalharsemdescanso.

Suamenteretornourapidamenteacertosepisódiospreciososdesdequeelacolocou sua mão na dele pela primeira vez — jantar comida chinesa noapartamentodela,aprimeiravezquefizeramamor.Quandocorria,misturavafantasiaselaboradasnasquaisa salvavadoperigodemaneiraheroica (algumacoisanoatodecorrer,eoselementosquímicosprimitivosquesoltavaemseucérebro,traziaessasdivagaçõesàlaWalterMitty4).

Depois,emoutromomento,talvezficassetomadoporummedodeperdê-la.HáumpoemadoséculoXIXdeumíndioKwakiutlquecaptaochoquedassensaçõesdocesefortesdeHarold:“Ofogoatravessameucorpo…/adordeamarati.4/Adoratravessameucorpocomaschamasdemeuamorporti./Aenfermidade rondameu corpo commeuamorpor ti. / ... /Ador comodeumapústulaprestesaserompercommeuamorporti. /Lembro-medoque

dissesteamim./Estoupensandoemteuamorpormim./Eumedilaceroporteuamorpormim.”5

De acordo com estudos de FabyGagné e John Lydon, 95% das pessoasapaixonadas acreditam que seu parceiro atual está acima da média emaparência,inteligência,cordialidadeesensodehumor(aopassoquedescrevemseus amores anteriores como quadrados, emocionalmente instáveis egeralmentedesagradáveis).5Haroldnãoeradiferente.Praticavaa formamaisdeliciosa de engano de si mesmo e via Erica como perfeita em todos ossentidos.

Harold estava vivenciandooqueStendhal chamoude “cristalização”.EmseuensaioDoamor,StendhaldescreveumaminadesalpertodeSalzburgo,naqualtrabalhadoresjogavamgalhossemfolhasnaspartesabandonadasdamina.Depois, quando retiravam os galhos dois ou três meses mais tarde, eles osencontravamcomcristaisreluzentes,comodiamantes,debelezamaiordoquesepodeimaginar.“Chamodecristalização”,escreveuStendhal,“aoperaçãodoespírito que extrai de tudo o que se apresenta a descoberta de que o objetoamadotemnovasperfeições”.6

É issoqueas sentinelasdo inconsciente fazem: revestempessoas, lugareseobjetos de significado emocional.Revestemos objetos de nosso amor de luzreluzente e irresistível. Induzem Harold a amar Erica cada vez mais. Issosignificava que ele não tinha interesse emoutramulher. Significava que nãotinhasonhosanãoserela.

Motivação

SetivessemperguntadoaHaroldoqueEricaofaziasentir,eleteriarespondidoque se sentia comose alguma força superior externa tivesse tomado suavida.Agora entendia por que os pagãos conceberam o amor como um deus. Asensação eramesmo como se alguma entidade sobrenatural tivesse penetradoemsuamente,reorganizadotudoeoelevadoaalgumreinosuperior.

E o curioso é que se olhássemos para o interior do cérebro de Haroldenquanto estava em seu estado de encantamento, não teria encontrado umaparte separada e mágica em chamas. A pesquisa de Helen Fisher sobre aatividade cerebral de pessoas que estão profundamente e loucamenteapaixonadas revelaque sãoalgumasdaspartesprosaicasdocérebro,parecidascommóveis, que na verdade estãomais ativas emmomentos de sentimento

românticointenso—partescomoonúcleocaudadoeaáreategmentalventral(ATV). O núcleo caudado, por exemplo, nos ajuda a realizar tarefasextremamentemundanas.Preservamemóriamuscularparaquenoslembremosde como digitar ou andar de bicicleta. Integra quantidades enormes deinformação,incluindomemóriasdainfância.

Todavia,onúcleo caudado e aATV também sãopartesdeoutra coisa, osistema de recompensa da mente. Produzem elementos químicos poderosos,comoadopamina,quepodemlevaràatençãofocada,aosdesejosexploratóriose aosdesejos fortes e frenéticos.Anorepinefrina,uma substânciaderivadadadopamina, pode estimular sentimentos como euforia, energia, sonolência eperda de apetite.7 A feniletilamina é uma anfetamina natural que produzsentimentosdeexcitaçãosexualedeexaltaçãoemocional.8

Como escreveuFisher em seu livroPor que amamos: “O núcleo caudadonos ajuda a detectar e perceber uma recompensa, discriminar entrerecompensas, preferir uma recompensa específica, antever e esperar umarecompensa. Ele produz motivação para conseguirmos uma recompensa eplanejar movimentos específicos para obtê-la. O caudado também estáassociadocomosatosdeprestaratençãoeaprender.”9

Emoutraspalavras,oamornãoestáseparadodavidacotidiana.Émembrodeumafamíliamaisabrangentededesejos.ArthurAron,daUniversidadedeStonyBrook, argumentaque, emumamáquinade ressonânciamagnética,océrebrodeumapessoavivenciandoaprimeiraexplosãodoamorseparece,emalguns aspectos, com o cérebro de uma pessoa em meio a uma onda decocaína.10 O neurocientista Jaak Panksepp argumenta que a experiência dadependênciadoópioimitaosprazeresqueamantessentemquandoestãopertoum do outro.11 Em cada caso, as pessoas são atacadas por um desejo quecomandasuasvidas.Inibiçõescessam.Oobjetodedesejosetornaoobjetodeumaobsessão.

Aron argumenta que o amor não é uma emoção como a felicidade ou atristeza. O amor é um estado motivacional, que leva a diversas emoções,variandodeeuforiaàinfelicidade.Umapessoaapaixonadatemaambiçãomaisagudapossívelparaatingirumobjetivo.12Umapessoaapaixonadaestáemumestadodenecessidade.

Haroldnãohaviasidonotavelmenteambiciosoatéentão,masagoraestavanasgarrasdealgumaforçaprofundaemonumental.EmSimpósio,Platãotrata

oamorcomoumatentativadereunirduasmetadesdeumúnicoser.EdefatooamordeHaroldofaziasentir-seincompleto.Mesmoquandobrigavam,eramelhorestarcomEricanatristezadoquesemelanaalegria.Mesmoquenãofizessemaisnada,tinhadeeliminarasfronteirasentreeleseunirsuasalmas.

Odesejopelafusão

Wolfram Schultz é um neurocientista da Universidade de Cambridge e fezpesquisas em macacos na esperança de entender o mal de Parkinson.Esguichavasucodemaçãemsuasbocaseobservavaumpequenoincrementonos neurônios produtores de dopamina em seus cérebros. Depois de algunsesguichos, notou que os neurônios produtores de dopamina começavam adispararimediatamenteantesdeosucochegar.Preparouumexperimentonoqual soava um tom e depois despejava o suco. Depois de apenas algumasrodadas, osmacacos entenderamqueo tomprecedia o suco. Seusneurônioscomeçamadisparar como som,não coma chegadado suco. Schultz e seuscolegas ficaram perplexos. Por que esses neurônios simplesmente nãorespondiamàrecompensaemsi,osuco?

Uma resposta crucial veio de Read Montague, Peter Dayan e TerrenceSejnowski.13 O sistema mental é mais engrenado no sentido de preverrecompensasdoquenosentidodasrecompensasemsi.Amentecriamodelosprevisoresodiatodo—porexemplo,aqueletomvailevaraestesuco.Quandoumdosmodelosprevêarealidadedemaneiraprecisa,entãoamentevivenciaumpequenosurtoderecompensa,oupelomenosumsentimentoasseguradorde tranquilidade.Quandoomodelo contradiz a realidade, entãohá tensão epreocupação.

A principal ocupação do cérebro é formar modelos, argumentaMontague.14 Estamos continuamente construindo pequenos padrões deantecipaçãoemnossocérebroparanosajudarapreverofuturo:seeucolocarminhamãoaqui,entãoissovaiacontecer.Seeusorrir,entãoelavaisorrir.Senosso modelo se enreda com o que realmente acontece, vivenciamos umapequenagotadedoceafirmação.Senão,entãoháumproblemaeocérebrotemdeentenderqualéafalhatécnicaeajustaromodelo.

Essafunçãoéumadasestruturasfundamentaisdodesejo.Conformeosdiaspassam,amentegerapadrõesdeantecipaçãobaseadosemmodelosdetrabalhoguardadosdentrodela.Frenquentemente,hátensãoentremodelosinternoseomundoexterior.Entãotentamoscriarconceitosquevãonosajudaraentender

o mundo, ou mudanças de comportamento que vão nos ajudar a viver emharmonia com ele. Quando compreendemos uma situação ou dominamosalgumatarefa,umaondadeprazerocorre.Nãoéviveremperfeitaharmoniaqueproduzaonda.Sefosseassim,ficaríamosfelizesemficarnapraiaduranteavidainteira.Éomomentoemquealgumatensãoéapagada.Sendoassim,umavida feliz tem seugrupo recorrentede ritmos:dadificuldade àharmonia,dadificuldadeàharmonia.Etudoé impulsionadopelodesejopor limerância,odesejopelomomentoemqueospadrõesinternoseexternosseenredam.

Esse anseioporharmonia, ou limerância, pode semanifestar demaneiraspequenas emundanas. As pessoas vivenciam uma pequena fagulha de prazerquandoresolvemumapalavracruzadaouquandosesentameencontramumamesa perfeitamente arrumada que vai ao encontro de seu padrão de “emperfeitaordem”.

Odesejoporlimerânciatambémpodesemanifestardemaneirasestranhas.As pessoas são instintivamente atraídas pelo familiar. Por exemplo, BrettPelham,daUniversidadedoEstadodeNovaYorkemBuffalo,mostrouqueaspessoaschamadasDenniseDenisesãopropensasdemaneiradesproporcionalasetornardentistas.15AspessoaschamadasLawrenceeLauriesãopropensasdemaneiradesproporcionalasetornarlawyers [advogados].AspessoaschamadasLouissãopropensasdemaneiradesproporcionalasemudarparaSaintLouis,eas pessoas chamadas George mudam-se, de maneira desproporcional, para aGeorgia.Essassãoumasdasescolhasmaisimportantesnavidadeumapessoa,esão influenciadas,mesmo que um pouco, pelo som do nome que por acasorecebemnonascimentoepelaatraçãopelofamiliar.

Odesejopor limerâncianos leva abuscarperfeição emnossosofícios.Àsvezes,quandoestamosabsortosemalgumatarefa,abarreiradocrâniocomeçaadesvanecer.Umaamazonaexperientesesenteumaunidadecomosritmosdocavaloqueestámontando.Umcarpinteirosemesclacomaferramentaemsuasmãos. Uma matemática se perde no problema que está resolvendo. Nessesmomentos sublimes, padrões internos e externos estão se misturando e umfluxoéconquistado.

O desejo por limerância nos impulsiona intelectualmente. Todos nósgostamosdeouvirqueestamoscertos (algunsgurusdorádioedaTVacaboganham milhões reforçando os modelos internos de sua audiência). Todossentimosumaondadeprazerquandoalgumateoriaesclarecedorafazsentido.Todos gostamos de nos sentir em harmonia com nossos arredores. ComoargumentaBruceWexleremBrainandCulture(Cérebroecultura),passamos

boa parte da primeira metade de nossas vidas tentando construir modelosinternosque se encaixamnomundo eboapartedaúltimametade tentandoajustaromundoparaqueseencaixenosmodelosinternos.16Grandepartedaconversa de bar na madrugada envolve alguém tentando fazer com que aspessoasvejamomundocomovemos.Naçõesnãosechocamapenasporcontadeterra,riquezaeinteresses;brigamparacompelirosoutrosaveremomundocomo o veem. Uma das razões de o conflito entre israelenses e palestinospermanecernãoresolvidocomtamanhaobstinaçãoéquecadaladoquerqueooutroaceitesuanarrativahistórica.

Amaioriadaspessoas ficaprofundamenteemocionadaquandoretornaaoseu lar de infância, ao lugar onde seusmodelosmentais foram forjados pelaprimeiravez.Quandoretornamosaolugarnoqualcrescemos,sãoosdetalhesquemais importam— amaneira como a farmácia está nomesmo lugar dequandoéramosnovos,amesmacercaaoredordoparque,oângulodosolnoinverno,afaixadepedestresondecostumávamosatravessar.Nãoamamosessascoisas por seusméritos, porque a faixa de pedestres é amelhor das faixas depedestres.Amente revesteo lar comumacamada especialde afeiçãoporqueesses são os padrões que conhecemos. “A criança pode amar um velhojardineirocarrancudoquequasenãonotasuapresençaeguardardistânciadovisitantequefaztudoparaatraí-la”,observoucertavezC.S.Lewis.17“Maséprecisoquesejaumvelhojardineiro,alguémque‘sempre’esteveali—ocurtomasaparentementeimemorial‘sempre’dainfância.”

O desejo por limerância aparece em seu estado mais profundo duranteaquelesmomentostranscendentesquandoaspessoassesentemfundidascomanaturezaecomDeus,quandoaalmaseelevaeumsentimentodeunidadecomouniversopermeiaseuser.

Mais importante, aspessoasbuscam limerânciaumas comasoutras.Comduassemanasdevida,bebêschoramseouvemoutrobebêemagonia,masnãose escutam em uma gravação de seu próprio choro.18 Em 1945, a médicaclínicaaustríacaRenéSpitzinvestigouumorfanatoamericano.19Oorfanatoemsierameticulosamentelimpo.Haviaumaenfermeiraparacadaoitobebês.Osbebêserambem-alimentados,maseramdeixadossozinhosodiatodoparareduzir,emteoria,aexposiçãoaosgermes.Havialençóispenduradosentreosberçospelomesmomotivo.Apesardetodasasprecauçõessanitárias,37%dosbebêsnoorfanatomorriamantesdos2anosde idade.Sentiam faltadeumacoisaessencialparaviver—contatoempático.

Aspessoasgravitamnadireçãodepessoascomoelas.Quandoconhecemosnovaspessoas,instantaneamentecomeçamosacasarnossocomportamentoaodelas. Muhammad Ali, que era mais rápido que todo mundo, levava 190milissegundos para detectar uma abertura nas defesas de seu oponente ecomeçar a disparar um soco contra essa abertura.Uma universitária comumleva 21 milissegundos para começar a sincronizar inconscientemente seumovimentoaodasamigas.20

Amigos que estão envolvidos em uma conversa começam a replicar ospadrõesderespiraçãoumdooutro.Pessoasquesãoinstruídasaobservarumaconversacomeçamaimitarafisiologiadaspessoasconversando,equantomaispróximaéamímicadalinguagemcorporal,maisperceptivassetornamquantoà relação que estão observando. No nível mais profundo dos feromônios,mulheres que estão vivendo juntas frequentemente compartilham o mesmociclomenstrual.

ComonotaoneurocientistaMarcoIacoboni,“vicário”nãoéumapalavraforteo suficienteparadescreveroefeitodessesprocessosmentais.21Quandopercebemosaalegriadooutro,começamosacompartilharorisodessapessoacomose fossenosso.Quandovemosagonia,mesmoemumateladecinema,essaagoniaérefletidaemnossocérebro,deformamaispálida,comose fossenossa.

“Quandoseuamigosetornaumvelhoamigo,todasaquelascoisasnelequeinicialmentenadatinhamavercomaamizadesetornamfamiliaresequeridascom familiaridade”, escreveC. S. Lewis.22O amor de um amigo, continuaLewis, “livrede todososdeveresmenosdosqueo amor assumiu livremente,quase totalmente livre de inveja, e livre por completo da necessidade de sernecessitado, é eminentemente espiritual. Trata-se da espécie de amor quepodemosimaginarexistirentreanjos”.23

Umavezqueaspessoassesentempartedeumgrupo,háumafortepressãoinstitucionalparaentrarememconformidadecomsuasnormas.SolomonAschconduziuumexperimento famosonoqualmostrava àspessoas três linhasdetamanhosobviamentedistintos.24Depois,rodeavaossujeitosdotestecomumgrupo de pessoas (secretamente trabalhando para Asch) que insistiam que aslinhastinhamtamanhosiguais.Deparadoscomessapressãodegrupo,70%dossujeitos de pesquisa entraram em conformidade pelo menos uma vezreportandoqueaslinhastinhamomesmotamanho.Apenas20%serecusaramaentraremconformidadecomessafalsidadeóbvia.

Felicidade

Não ensinamos essa habilidade na escola — a de harmonizar padrões, a debuscarlimerância,adefazeramigos.Masavidafelizédefinidaporessestiposdeconexões,eavidainfelizédefinidapelafaltadelas.

EmilyDurkheimdemonstrouquepessoascompoucasconexõessociaissãomuito mais propensas a cometer suicídio. Em Amor e sobrevivência, DeanOrnish analisou uma pesquisa sobre longevidade e concluiu que pessoassolitárias são três a cinco vezesmais propensas amorrer prematuramente doquepessoasengajadassocialmente.25

Atingir a limerância, por outro lado, pode produzir um sentimentoimpressionantedeelevação.QuandoohistoriadorWilliamMcNeillestavanoExércitoamericanoem1941,aprendeu,nocampodetreinamento,amarchar.Em pouco tempo, esse ato de marchar com seus companheiros começou aalterarsuaprópriaconsciência:

Palavras são inadequadasparadescreveraemoçãodespertadapelomovimentoprolongadoem

uníssonoquea instruçãoexigia.26Umsentimentopenetrantedebem-estar éoque recordo;umaestranha sensaçãodeengrandecimentopessoal;umtipode inchação,de se tornarmaiordoquetudo,graçasàparticipaçãoemumritualcoletivo.

Milhõesdesoldadosarriscarameentregaramsuasvidasnaguerraporcausadaconexãoprimordialquesentiamemrelaçãoaosseuscompanheiros.Famíliasgeralmente semantêmunidasnos altos e baixos por esse sentimento.A vidasocial se mantém inteira pela versão inferior daquele sentimento quechamamosdeconfiança.Eparaamaioriadenós,anecessidademaisfortedelimerância assume a forma daquele desejo intenso que temos de nosmesclarmoscomooutroespecial—oamor.

Esseimpulso,essedesejoporharmonia,éumprocessosemfim—modelar,ajustar,modelar,ajustar—quenosguiaadiante.

Erosreconsiderado

Hoje,quandoouvimosapalavra“eros”,pensamosemumacoisabemdistintaecompartimentalizada—sexo.Aliteraturaeróticaéseparadadeoutroslivrosnalivraria.Entretanto,esseéosignificadorestritoetalhadodeerosqueherdamosdeumaculturacentradanosexo.Noentendimentogrego,erosnãoéapenasodesejo por orgasmo, sexo ou até transmissão genética. Os gregos viam eroscomoumdesejogeneralizadoporuniãocomobeloeoexcelente.

Pessoas impulsionadas pela luxúria querem ter orgasmos umas com asoutras.Maspessoasimpulsionadasporerosqueremterumafusãomuitomaisabrangente. Querem compartilhar as mesmas emoções, visitar os mesmoslugares, saborearosmesmosprazeres e replicarosmesmospadrõesnamenteumasdasoutras.ComoescreveuAllanBloomemAmoreamizade: “Animaisfazemsexoesereshumanosfazemeros,enenhumaciênciaexataépossívelsenãofizeressadistinção.”

As pessoas às vezes dizem que a neurociência está destruindo a alma e oespírito. Reduz tudo a neurônios, sinapses e reações bioquímicas. Mas naverdade, a neurociência nos fornece um vislumbre de eros em ação.Ela nosajudaaveradançadospadrõesentreamigoseamantes.

HaroldeEricanuncaestiveramtãovivosquantonasprimeirassemanasdeseuamorumpelooutro.Certatarde,estavamsentadosnosofádoapartamentodeHaroldvendoum filmeantigo. “Euconheçovocê”,disseEricadepoisdeumcarinho,apropósitodenada,olhandonosolhosdeHarold.Então,algunsminutosmaistarde,elacaiunosonosobreopeitodeHarold.Elecontinuouvendo o filme e mexeu um pouco na cabeça dela para que ele ficasseconfortável.Elaemitiuumlevesuspiro.

DepoisHaroldpassouamãosobreorostoeocabelodela.Arespiraçãodelaficavamais rápida emais lenta como ritmodo toque,mas seus olhos aindaestavam fechados e ela não semoveu.Harold nunca havia notado como elaconseguia dormir tão profundamente. Perdeu todo o interesse pelo filme eficouapenasobservando-a.

Elepegouobraçodela e o colocou emvoltade seupescoço.Ela fezumdocegestodefranziroslábios,mascontinuoudormindo.Então,colocouseubraçodevoltaparabaixo, ao ladode seu corpo.Ela se aninhoudenovonopeitodele.Depoisdisso,apenasobservouocochilodela,medindoasubidaeadescidadeseupeito,umsentimentodeproteçãotenraseestendendoporele.“Lembre-sedestemomento”,pensou.

Não que tudo estivesse perfeito. Cada um descobriu que ainda tinhaprofundas inibições inconscientes que bloqueavam a união que maisprocuravam.Aindahaviafricçõeseconflitos.

Odesejopor limerâncianãoproduz automaticamente romancesperfeitosou harmonia global fácil. Passamos grandes partes de nossas vidas tentandofazer comque os outros aceitemnossos padrões— e tentando resistir a essetipo de hegemonia dos outros. Em escalamaior, as pessoas não se conectamapenas;elascompetemparaseconectar.Competimosunscomosoutrospara

ganharoprestígio,orespeitoeaatençãoquenosajudarãoaformarlaçosunscomosoutros.Procuramosultrapassarunsaosoutros recebendoaaprovaçãounsdosoutros.Taléalógicadenossojogocomplicado.

No entanto, especialmente naqueles primeiros 18 meses, Harold e Ericavivenciaram um tipo de mágica mundana. Trabalhavam juntos. Comiamjuntos. Dormiam juntos e se encaixavam em quase todos os aspectos.Saboreavamasincroniaqueéaessênciadetodasasgrandesprofissõesdeamor:“Amar você? Eu sou você.”28 “Somos um só, uma só carne; perder a ti eraperder-me!”29

1 Termo cunhado pela psicóloga Dorothy Tennov. É o estado cognitivo e emocional de estarapaixonadoouobcecadoporoutrapessoa;caracteriza-seporumfortedesejoporreciprocidade.(N.daT.)

2 Modalidade de futebol americano com contato limitado, em virtude da não utilização deequipamentosdeproteção.

3Nooriginal:“Belowthesurface-stream,shallowandlight,/Ofwhatwesaywefeel—belowthestream,/AsLight, of thatwe thinkwe feel— there flows /Withnoiseless current strong, obscure anddeep, /Thecentralstreamofwhatwefeelindeed.”(N.daT.)

4PersonagemfictíciodeimaginaçãofartacriadoporJamesThurbernoconto“AvidasecretadeWalterMitty”,de1939.(N.daT.)

5Nooriginal:“Firesrunthroughmybody—/thepainoflovingyou./Painrunsthroughmybodywiththefiresofmyloveforyou./Sicknesswandersmybodywithmyloveforyou./…/Painlikeaboilabouttoburstwithmyloveforyou./Irememberwhatyousaidtome./Iamthinkingofyourloveforme./Iamtornbyyourloveforme.”(N.daT.)

capítulo14

AGRANDENARRATIVA

Conforme a carreira deErica ficavamais brilhante, sua casa ficavamaisescura.ElaeHaroldcomeçaramaempresadeconsultoriaquandoambostinham 28 anos de idade.Nos anos seguintes, tudo foi ótimo. Acumularamclientes. Contrataram novas pessoas — 18 ao todo. Compraram telefonesnovos e impressoras de boa qualidade. O tempo deles era consumido porprojetos de consultoria — durante o dia, à noite e nos fins de semana.Ocasionalmente,arrumavamtempoparaférias,paraamigoseatémesmoparajantares românticosa sós.Contudo,nuncahavia tempoparaas tarefasdo larna casa que compraram. Tudo começou a perder força. Se uma lâmpadaqueimava, ficava no bocal pormeses enquanto Erica eHarold aprendiam atransitarnoescuro.Ocabo saíadaTVdoandardebaixo,masnenhumdosdois tinha tempo de ligar para a companhia de TV a cabo e cuidar disso.Janelas rachavam. Calhas ficavam cheias de folhas.Manchas se alojavam emcarpetes. Eles se adaptavam a cada disfunção periférica, contentes em trocarêxitoprofissionalpordecadênciadoméstica.

Depois de cerca de quatro anos, no entanto, a empresa começou a sedesmantelar.Houveumarecessão.Fisicamente,nadamudou.Osprédioseaspessoas,todosestavamlá.Masapsicologiaestavadiferente.Emummomento,aspessoasfalavamemtomheroicosobreabraçarosriscos;noseguinte,estavamaterrorizadas.Oscontratosdeconsultoria,quehaviamparecidoessenciaisparaocrescimentoa longoprazo,eramvistosagoracomoluxos inúteis.Empresasoscortaram.

DezenasdeamigosdesapareceramdavidadeErica.Eramclientescomosquais havia jogado tênis, viajado, convidado para sua casa. Trabalhavam emempresasqueelaaconselhava,eoslaçosdeconfiançaecamaradagementreeleseramreais.

Mas,quandooscontratosforamanulados,asrelaçõessedissolveram.Ericapercebeuqueseuse-mailsespirituososesarcásticosnãomaisgeravamrespostas.Ligações não tinham retorno.Não que as pessoas tivessem parado de gostardela. Apenas não queriam magoá-la. Estavam rescindindo o contrato e nãoqueriam lhe causar dor falando isso, então simplesmente se retiravam. Ericacomeçouareconheceradesonestidadedasimpatia.Odesejodenãocausardorera apenasumamá vontadede ter uma conversadesagradável.Era covardia,nãoconsideração.

O escritório ficou mais quieto. Era difícil para a equipe de Erica vê-laindefesa dessa maneira. Ela não podia mostrar medo, mas todos o sentiamdentrodela.“Nadaestáacabadoatéqueestejaacabado”,elalhesdizia,calmaefocada.Masodinheironãoestava entrando.Osbancos estavam insatisfeitos.Linhasdecréditosecaram.Elaestavapagandoosempregadoscomocartãodecréditoeimplorandotrabalhoanovosclientes.

Finalmente,omaiorcontratodesapareceu.ElaligouparaoCEOpedindoumarenovação.Eradifícilouvi-lavulneráveldaquelaforma,otrabalhodesuavida dependendo de uma ligação. E o CEO mentiu para ela com simpatia,assim como os outros. Era apenas uma pausa na relação, disse ele. Elesvoltariam em cerca de um ano, blá-blá-blá. Ela não podia dizer que sem ocontratodelesuaempresanãodurariaumasemana.Foiasentençademortee,ainda assim, quandodesligouo telefone, percebeuquenão estava tremendo.Nãoestavacoma respiraçãoofegante. “Entãoesta é a sensaçãode fracassar”,pensou ela.O impacto emocional só veio cerca de umahora depois. Ela foiparaobanheirofeminino,soluçandodetantochorar.Queriairparacasaeseenfiarnacama.

Nofinaldasemana,reuniusuaequipe.Sentaram-senasaladeconferênciastrocandocomentáriosdehumornegrosobreasituação.Ericaolhouparaeles,osindivíduosquelogoestariamdesempregados.HaviaTom,quecarregavaumlaptopatodomomentoedigitavatodasascoisassignificantesqueouviaemumarquivo. Havia Bing, que era tão hiperativa mentalmente que só conseguiachegar àmetade de uma frase antes de começar outra.Havia Elsie, que nãotinha nenhuma autoconfiança; Alison, que dividia a cama de um jeitoplatônicocomocompanheirodequartoparaeconomizardinheiro;eEmilio,que mantinha comprimidos de antiácido em uma fileira em cima docomputador.Aspessoaserammaisestranhasdoquevocêspodemimaginar.

Em momentos de crise, ela ficava misteriosamente calma. Anunciou quenão tinhaescolhaanão ser fechara empresa.Acabou.Falida.Dissepara eles

queaeconomianacionaltinhadadoerradoequenãoeraculpadeninguém,masacaboufalandomuitoesuamentenaturalmentecomeçouaensaiarcoisasque ela podia ter feito de outra forma.Havia alguma coisa dentro dela quetinha problemas com a ideia de “culpa de ninguém”. Queria designar umaculpaconcreta,comousemjustificativa.Começoualançaromantradovelhoempresáriodizendoquenãoexiste fracasso.Ofracassoéapenasumpassonoprocessodeaprendizado.Ninguémsesentiuconsolado.

Poralgumassemanasdepoisdisso,aindahaviacoisasparafazer.Venderosmateriaisdeescritório.Escrevercartas.Masdepois,nãohavianada.Ericaficouchocada com a maneira como aquilo era desorientador. Havia trabalhado avidatoda.Derepente,viviaemumuniversosemcaminho.

Havia pensado que talvez fosse realmente gostar de um pouco detranquilidade. Mas era terrível. “Não existe necessidade ou demanda maisconstante e insaciável na mente humana do que o exercício e a ocupação”,escreveuofilósofoescocêsDavidHume,“eessedesejopareceserafundaçãodamaioriadenossaspaixõesebuscas”.1

Os pensamentos dela começaram a se desintegrar. Depois de algumassemanas, ela tinha dificuldade em organizar um argumento ou compor ummemorando.Estavaexaustaotempotodo,apesardenãofazernada.Desejavaalgumadificuldadeparatranspor.

Eventualmente,começouacriarapoiosparaseusdias.Eramembrodeumaacademiahaviatempos,masquasenuncaiaenquantoestavatentandosalvaraempresa. Agora, malhava fervorosamente. Vestia-se todas as manhãs e ia àStarbucks,ondesesentavacomsuapasta,telefoneelaptop.Estaremmeioaosquetinhamempregoeradifícil—eracomoserumapessoadoentenomundodossaudáveis,umaexiladainterna.Assistiaagrandemassadebebericadoresdecafévoltandoparaseusescritóriosdistraidamente.Elestinhamobrigações;elanão.ElavariavaentreStarbucksdiferentesparaquenãoficassetãoóbvioquenãotinhaparaondeir.

EmumensaioparaaTheAtlantic,DonPeckresumiuasdescobertasacercadoscustospsicológicosdodesemprego.Pessoasquepassamporlongosperíodosdedesemprego ficammuitomaispropensasa sofrerdedepressão,atémesmoanos depois. Para o resto de suas vidas, agarram-se com mais força aos seusempregosedesenvolvemmaisaversãoariscos.Sãomuitomaispropensasasetornar alcoólatras e a bater em seus cônjuges. A saúde física delas deteriora.Pessoasqueperderamseusempregosaos30anosdeidadetêmexpectativasdevida de um ano e meio a menos do que pessoas que nunca perderam um

emprego.Odesempregodelongoprazo,descobriramalgunspesquisadores,éoequivalentepsíquicodamortedeumcônjuge.2

ArelaçãodeEricacomHaroldsofreu.Tendocrescidodamaneiraqueelecresceu, Harold presumia que seu valor depende de quem você é. Ericapresumia que seu valor depende do que você faz. Harold sempre teve essesinteresses aleatórios sobre os quais estava feliz em se debruçar. Passou asprimeiras semanas lendo. Erica precisava da escalada para cima, da missão.Haroldestavadispostoaaceitarqualquerempregoqueparecesseinteressante,elogoarrumouumcomogerentedeassuntoscorporativosparaumasociedadehistórica.Ericaprecisavadeumempregoqueacolocassedenovonocaminhopara o domínio. Ela se sentava na Starbucks ligando para velhos contatos,procurando por uma vaga no nível de vice-presidente ou mais. As ligaçõesquasenuncaeramretornadas,elogosuasexpectativasdiminuíram.Começouapensaremoportunidadesousadas.Podiaabriruma franquiade lojade sucos,um restaurante de comida grelhada, uma agência de babás, uma fornecedoraparaoSpicyPickle.1Podiacomeçarumaempresadecuidadoresdecães.Nãoeramexatamentecarreirasquejáhaviaconsiderado.

Depoisdealgunsmeses,umamigolhedissequeaIntercom,aempresadeTV a cabo, estava procurando alguém para ajudar com planejamentoestratégico.Elasempreodiouessaempresa.Oserviçoerapéssimo,ostécnicoserammaltreinados,oatendimentoaoconsumidorera lento,onarcisismodoCEOerafamoso.Éclaroquenadadissoimportavaagora.Elasecandidatou.

O entrevistador a fez esperar e depois a cumprimentou com afabilidadecondescendente. “Temos as pessoas mais brilhantes do mundo trabalhandoaqui”,disseele.“Éumprazervir trabalhar todososdias.ÉcomooTheBestandtheBrightest[Omelhoreomaisbrilhante].”

EricaficouseperguntandoseorapaznãotinhaentendidoaspartessobreoVietnãdolivro.

Éclaroqueelecomeçouafalardesimesmo.“Devoamimviverdeacordocom padrõesmais altos.Devo amim prover excelência lendária.” Essa frasepareciasero jargãoqueestavacirculandonapropagandadaempresa.Comopassardasessão,elevirouumapequenamáquinade jargões.“Nofimdodia,tentamosnão abraçaromundo comasmãos,mas apenasprocurarmospelasmelhores vitórias”, disse ele. Pelo visto, as pessoas dessa empresa estavamsempre examinando as coisas a fundo e propiciando o diálogo. Estavam

gerandofuncionalidademáximacomcompetênciaindispensáveldocomeçoaofimparaincentivarumamudançadealtonívelnooceanoazul.2

Erica permaneceu sentada com um sorriso estampado no rosto. Pareciaansiosae suplicante.Ela se rebaixou.Quandoeleperguntouoqueelaqueriafazer na empresa, ela se valeu do jargão e lançou tudo de volta para ele.Guardariaarepugnânciaporsimesmaparadepoisqueconseguisseoemprego.

Ele disse que ligaria em uma semana, mas levou duas. Ela mantinha ocelularnomodode vibraçãoo tempo todo, e cadapequeno tremor, real ouimaginado,faziacomqueelapegasseoobjeto.Aligaçãofinalmenteaconteceu.Aspróximasentrevistasforamagendadase,depoisdemaisoumenosummês,estava empregada de novo. Tinha um escritório agradável. Começou a ir areuniõeseseviurodeadapelossenhoresdaautoestima.

Excessodeconfiança

Amente humana é umamáquina de fabricar excesso de confiança.O nívelconsciente atribui crédito a si mesmo por coisas que na verdade não fez econfabulacontosparacriarailusãodequecontrolacoisasquenãodeterminadeverdade.Noventaporcentodosmotoristasachamqueestãoacimadamédiaatrás do volante.3Noventa e quatro por cento dos professores universitáriosacham que são professores acima da média.4 Noventa por cento dosempreendedoresachamqueseusnovosnegóciosvãoserumsucesso.5Noventaeoitopor centodos alunosque fazemoSATdizemque têmhabilidadesdeliderançanamédiaouacimadamédia.6

Universitáriossuperestimamemgrandeescalasuaschancesdeconseguiremumempregodesalárioalto,deviajaremparaoutrospaísesedepermaneceremcasadosquandoatingiremamaioridade.7Quandocompramroupas,pessoasdemeia-idade geralmente escolhem roupas que são muito apertadas com ajustificativadequeestãoprestesaperderalgunsquilos,apesardeavastamaioriadaspessoasnessafaixaetáriaficarcadavezmaislargaanoapósano.Jogadoresde golfe no torneio PGA estimam que 70% de suas tacadas para atingir oburacoa2metrosdedistânciadãocerto,quandonarealidade54%dastacadasnessadistânciarealmentecaemnoburaco.8

Esse excesso de confiança aparece de inúmeras formas. As pessoassuperestimam sua habilidade de controlar suas tendências inconscientes. Se

inscrevememumaacademia,masdepoissãoincapazesdeproduziraforçadevontade para ir. As pessoas superestimam o quanto entendem a si próprias.Metade das alunas naUniversidade doEstado da Pensilvânia disse que dariaum escândalo se alguém tecesse um comentário sexista em sua presença.9Quando pesquisadores fizeram com que isso realmente acontecesse, apenas16%defatodisseramalgumacoisa.

Aspessoassuperestimamoquesabem.PaulJ.H.SchoemakereJ.EdwardRusso deram questionários para executivos a fim demedir o quanto sabiamsobre seu trabalho.Gerentesna indústriadapropagandaderamrespostasqueeles julgavam corretas com 90% de confiança. Na verdade, suas respostasestavam erradas em 61% das vezes. As pessoas na indústria da computaçãoderam respostas que eles achavam que tinham 95% de chance de estaremcertas;naverdade,80%delasestavamerradas.RussoeSchoemakerentregaramseustestesparamaisdeduzentaspessoase99%superestimaramseusucesso.10

Aspessoasnãosósuperestimamoquesabem,superestimamoquepodemsaber.Certasesferasdavida,comoabolsadevalores, sãomuitocomplexasemuito aleatórias para serem capazes de prever eventos de médio prazo comalguma certeza. Isso parece não ter efeito no comportamento em si, comodemonstra toda a indústria da escolha de ações individuais. Brad Barber eTerranceOdeananalisarammaisde66milnegociaçõesdecontasdecorretoresde desconto.11 Os negociantes mais confiantes fizeram o maior número denegociaçõesetiveramperformanceaquémdomercadoemgeral.

Aspessoas ficam intoxicadas com suaprópria sorte.AndrewLo,doMIT,demonstrou que, quando negociantes de ações vivenciam uma série de diaspositivos, a dopamina lançada em seu cérebro cria um surto de excesso deconfiança.12 Acreditam que atingiram essa boa sorte por si próprios;desvendaramomercado.Tornam-secegosaoriscodequeda.

Aspessoassuperestimamsuahabilidadedeentenderporqueestãotomandocertas decisões. Inventam histórias para explicar suas próprias ações, mesmoquando não fazem ideia do que está acontecendo por dentro. Depois detomarem uma decisão,mentem para si sobre por que a tomaram e se foi adecisão correta nas dadas circunstâncias. Daniel Gilbert, de Harvard,argumenta que temos um sistema imunológico psicológico que exagerainformaçõesqueconfirmamnossasboasqualidadeseque ignora informaçõesque as colocam emdúvida.13 Em um estudo, pessoas que foram notificadasque tinhamacabadode se sairmal emum teste deQIpassarammuitomais

tempolendoartigosdejornalsobreasdeficiênciasdostestesdeQI.Pessoasquereceberam um relatório irradiante de um supervisor, desenvolveram uminteressecrescenteemlersobreoquãointeligenteesagazaquelesupervisorera.

Eomaisimpressionanteéqueaautoconfiançatemmuitopoucoavercoma competência de fato. Um grande volume de pesquisa diz que pessoasincompetentesexageramsuasprópriashabilidadesdemaneiramaisgritantedoqueseuscolegasdemelhorperformance.14Umestudodescobriuqueaquelescujas notas se situavam no quartil inferior em testes de lógica, gramática ehumor eramespecialmentepropensos a superestimar suashabilidades.Muitaspessoassãonãoapenasincompetentes,elasnegamoquantosãoincompetentes.

Portanto, é justo dizer que os seres humanos geralmente têm excesso deconfiança. Os colegas de Erica na Intercom, no entanto, não apenasmontavamnocorceldaarrogância, elesdesfilavamcomele.OCEO,BlytheTaggert,nuncasedeparoucomumaorganizaçãoquenãoquisessetransformar.Quandoveioparaaempresa,declarouguerracontraaburocraciaestabelecidaeo “pensamento velho”. O resultado foi que o fervor revolucionário dele àsvezessetransformavaemdesprezoporgerentesexperientesepráticastestadasaolongodotempo.Enviavamemorandosnomeiodanoite,frequentementefeitos sem muita reflexão, que causavam caos de departamento emdepartamento. Era guiado por aforismos e regras que soavam bem emdiscursos,masquegeralmentenãotinhamrelaçãocomsituaçõesdavidareal.Ficava sentado impacientemente durante apresentações que levavam semanaspara serem preparadas, e então observava distraído: “Essas ideias não fazemnemcócegas”,esaíaenquantoseusacólitosgargalhavam.

Desejava tanto ser visto como um inovador heroico que conduziu aempresa por uma série de aquisições em mercados e nichos que ninguémentendia de verdade.A empresa ficoumuito grandepara ser administrada, eem suabuscapelas técnicasmais recentes edeponta, ele toleravapráticasdecontabilidade e gráficos organizacionais que eram muito complexos paracompreender.

Era o primeiro a falar em toda reunião. Tinha visões tão definitivas quepoucos estavam dispostos a desafiá-lo ou questioná-lo depois que terminava.Enquanto isso, a equipe sêniordegerência incentivava essadiversificação emnovos setores. A teoria parecia que, espalhando-se por vários mercados comvários produtos, seria possível diversificar os riscos. A realidade era que, emquantomaissetoresentravam,menossabiamsobrequalquerumdeles.15Essa

estratégiadotavaexecutivosquefaziamacordosemarginalizavaexecutivosquehaviampassadosuasvidasemummercadoespecíficoetinhamconhecimentoconcretodecomofuncionava.

A empresa passava mais tempo gerenciando sua estrutura do queaprimorandoseusprodutos.Naesperançadeencontrarumamedidaúnicaquepudesse ser usada para comparar resultados entre uma grande variedade delinhasdeproduto,osgerentescriaramumcritériopseudo-objetivodesucesso.Essas métricas do sucesso tinham relações apenas tangenciais com ocrescimento a longo prazo. Os gerentes passavam mais tempo tentandoconceber como podiam manejar as métricas do que de fato produzindoresultadossustentáveis.

Os departamentos de finanças e de contabilidade, com a aprovação doCEO,tornaram-seapaixonadospordispositivosenigmáticosdegerenciamentoderiscoquepareciamserbrilhantesaospouquíssimosquediziamentendê-los,masqueturvavamaanálisederisconavidareal.Ericapercebeuqueninguémcoloriao futuronosgráficosdePowerPoint.Emtodasasoutrasempresas,asinformaçõesdopassado erammostradas emum fundobranco e asprojeçõesfuturas eram diferenciadas com um fundo amarelo ou com uma linhapontilhada. Esses caras, a equipe de imbecis, eram tão confiantes em suashabilidadesdeprevisãoquenemsedavamaotrabalho.Estavaminseridosemuma culturamachista na qual admitir que não sabiam alguma coisa não eraumaopção.

Oestranhoeraque,conformeaempresasediversificava,maisconformistastornavam-se os executivos. Havia pessoas em vários setores diferentes emescritórios espalhados pelo mundo. Era de esperar que tal configuraçãoproduziria uma gama de pontos de vista e expectativas que se balanceariam.Entretanto, comunicados instantâneos e julgamentos instantâneos baseadosnesses comunicados criavam repetidamente uma mentalidade de rebanho euma cultura impressionante de homogeneidade intelectual. Várias vezes, aspessoasfaziamasmesmasapostasunilateraisnomesmomomento.Talvezsejaisso que aconteça quando uma empresa inteira (ou uma economia globalinteira)vivedeseusBlackBerriesetomadecisõescomarapidezdoselétrons.

Enquanto tudo isso estava acontecendo, o presidente e o CEO faziamalegações cada vez mais pródigas sobre o sucesso da empresa. Durante asteleconferências, as reuniões de vendas e os retiros corporativos deautofelicitações,haviaumagrandiosademonstraçãoapósoutra—queessaera

amaiorcorporaçãonosEstadosUnidos,queessaeraaempresamaisinovadoradomundo.

Omais frustrantede tudoeraque, reuniãoapós reunião,Ericanão tinhanada a adicionar. Não que não visse grandes problemas na empresa. Haviagrandes monstros cabeludos em todas as direções que você olhava. É que omododeanáliseeraumalinguagemfechada.Ericatinhasuaprópriamaneiradeverascoisaseseuprópriovocabulário,queenfatizavacultura,vidasocialepsicologia. Todos os seus novos colegas de trabalho tinham uma formadiferentedever,baseadaemamontoarpilhasenormesdeinformaçãoedepoiscriarfórmulaseconstruirsistemas.Osdoismodospareciamnãosesobrepor.

Talvez tivesse sidona faculdadedenegócios, talvezemoutro lugar,masaequipe de imbecis havia sido treinada em certas metodologias. Forampreparados para transformar gerenciamento em uma ciência.Não cresceramimersosnascaracterísticasdeumprodutoespecífico.Eramtreinadosaestudarorganizações.AlgunsfaziamTeoriadeSistemasDinâmicos;outros,AnáliseSeisSigma, ou Método Taguchi, ou Análise Campo-Substância. Havia a TRIZ,umatecnologiarussabaseadaemmodelosparaproduzircriatividade.HaviaaReengenharia de Processos de Negócios. Erica consultou esse último naWikipedia. De acordo com um dos livros sobre gerenciamento citados napágina, a RPN “escalona os esforços do JIT [Just In Time] e do GQT[GerenciamentodaQualidadeTotal]parafazerdaorientaçãodoprocessoumaferramentaestratégicaeumacompetênciacentraldaorganização.16ARPNseconcentraemprocessoscentraisdonegócioeutilizatécnicasespecíficasdentroda ‘caixa de ferramenta’ do JIT e do GQT como capacitadores, enquantoalargaavisãodoprocesso”.

Ericaliafrasescomoessa,ouasouviaemreuniões,esimplesmentenãofaziaideia de como se aplicavam aos problemas iminentes. Os sons meio quericocheteavamnocérebrodela.Aspessoasqueosemitiampareciamdarvaloràprecisão e à clareza. Buscavam ser científicas. Mas o jargão parecia apenasflutuarnoar.

Aversãoracionalista

Éclaroqueessesgêniosdogerenciamentonãobrotaramacidentalmente.JohnMaynardKeynes temumafraseque ficoufamosaquediz:“Homenspráticos

que se creem isentos por completo de quaisquer influências intelectuais sãofrequentementeescravosdealgumeconomistadefunto.”17Aspessoascomasquais Erica trabalhava agora eram escravas de uma longa tradição filosófica.Essa tradição, o racionalismo, conta a história da história humana como ahistóriadoprogressodamentelógicaeconsciente.Percebeahistóriahumanacomoumembateentrearazão,amaiselevadafaculdadehumana,eapaixãoeoinstinto,nossasnaturezasanimais.Naversãootimistadessahistória,arazãogradualmentetriunfasobreaemoção.Aciênciagradualmentesubstituiomito.Alógicaderrotaapaixão.

Essa narrativa histórica normalmente começa na Grécia Antiga. Platãoacreditava que a alma era dividida em três partes: racional, irascível econcupiscente.A racional busca a verdade e quer omelhor para a pessoa demodogeral.Airascívelbuscareconhecimentoeglória.Aconcupiscentebuscaprazeresbásicos.ParaPlatão,arazãoécomoumcocheiroquetemdedominarseus dois cavalos selvagens mal-emparelhados. “Se os melhores elementos damente que levam à ordem e à filosofia prevalecerem”, escreveu Platão,“podemos levar uma vida em felicidade e harmonia, mestres de nósmesmos”.18

NaGréciaenaRomaclássicas,deacordocomessanarrativa,opartidodarazãodeupassoslargosimportantes.Noentanto,depoisdaquedadeRoma,aspaixõessereafirmaram.AEuropacaiunaIdadedasTrevas.Aeducaçãosofreu,a ciência ficou dormente, a superstição floresceu. As coisas começaramnovamenteamelhorarduranteoRenascimento,comosdesenvolvimentosnaciência e na contabilidade. Depois, durante o século XVII, cientistas etecnólogos criaram novas formas demaquinaria e novasmaneiras de pensarsobreasociedade.Grandesinvestigadorescomeçaramadissecareentenderseumundo. A metáfora “o mundo é uma máquina” começou a substituir ametáfora “o mundo é um organismo vivo”. A sociedade foi vista comfrequência comoum relógio commilhares de peças emmovimento, eDeuscomooRelojoeiroDivino,oautordeumuniversoprimorosamenteracional.

Grandes figuras como Francis Bacon e René Descartes ajudaram a criaruma forma diferente de pensar—ométodo científico.Descartes objetivavacomeçaroentendimentohumanonovamente.Começariadozeroetrabalharialógica e conscientementepor cadaproposiçãopara verificar, passo a passo, oque era verdadeiro e certo. Reconstruiria o entendimento humano em umafundação lógica.Nessa era científica, amentenãopodia, exortouBacon, ser

“entregueasimesma,maspermanentementeregulada”.19Oqueprecisavaeradeum“planoseguro”edeumanovametodologiaconfiável.

Nessenovomododepensar,ofilósofoecientistadevecomeçarremovendopreconceitos,hábitosecrençasanterioresdesuamente.Deveestabelecerumadistânciacalmae imparcialdoobjetodeseuestudo.Osproblemasdevemserreduzidos em suas partes distintas. Deve proceder de maneira consciente emetódica começando com o elemento mais simples do problema e depoisprocedendo passo a passo em direção ao mais complexo. Deve desenvolverumalinguagemcientíficaquevaievitaraimprecisãoeaconfusãodalinguagemcomum. O objetivo de todo o método é chegar a certas generalizações decaráterlegalsobreocomportamentohumano—chegaràcertezaeàverdade.

Ométodocientíficotrouxerigorparaondeumdiaestiveramasuposiçãoeaintuição.Nodomíniodafísica,daquímica,dabiologiaedeoutrasciênciasnaturais,osresultadosforamincríveisdeobservar.

Inevitavelmente, as técnicas racionalistas foram aplicadas à ciência daorganizaçãodasociedade,demodoqueoprogressonoreinosocialpudessesertão impressionante quanto o progresso no reino científico. As filosofias doIluminismofrancêscompilaramumagrandeenciclopédia,tentandoorganizartodooconhecimentohumanoemumlivrodereferência.ConformedeclarouDumarsaisnaenciclopédia:“Arazãoéparao filósofooqueagraçaéparaocristão.Agraçamoveocristãoaagir,arazãomoveofilósofo.”20

No decorrer do século, cientistas sociais tentaram criar uma ciên cia danatureza humana.Trabalharampara construirmodelos que lhes habilitariamprever e moldar a atividade humana. Cientistas políticos, professores derelações internacionais, entre outros, desenvolveram modelos complexos.Consultores de gerenciamento conduziram experimentos para entendermelhoraciênciadaliderançacorporativa.Apolíticapassouaserorganizadaemtornodeideologiasabstratas,grandessistemasqueconectamtudoaumgrupodecrençaslogicamenteconsistente.

Essemodoracionalistadepensamentoéonipresenteeparecesernaturaleinevitável.Atradiçãoracionalistaprovousersedutora.Prometeu,comcerteza,aliviar as pessoas da ansiedade causada pela nebulosidade e pela dúvida. Aspercepções das pessoas acerca da natureza humana parecem ser influenciadaspelatecnologiadominantedeseutempo.Naeramecânicaedepoisindustrial,foi fácil vê-las como mecanismos e ver a ciência do entendimento humanocomoalgoanálogoàengenhariaouàfísica.

O racionalismo ganhou enorme prestígio durante os séculos XIX e XX.Contudo,elerealmentecontémcertaslimitaçõesepropensões.Essemododepensamentoéreducionista;desmembraproblemasempartespequenaseécegoaossistemasemergentes.Essemodo,comoobservaGuyClaxtonemseulivroTheWaywardMind (Amentedesobediente),valorizaa explicaçãoemvezdaobservação.21Maistempoégastoresolvendooproblemadoqueassimilandoacena.Épremeditadoemvezdehumorado.Valorizao tipodeconhecimentoque pode ser veiculado por palavras e números em vez do tipo deconhecimentoquenãopode.Buscaregraseprincípiosquepodemseraplicadosporentrecontextosesubestimaaimportânciadecontextosespecíficos.

Ademais, o método racionalista foi fundado com base em uma série desuposições. Presume que cientistas sociais podem olhar para a sociedadeobjetivamente por um ângulo externo, livre de paixões e propensõesinconscientes.

Presumequeopensamentopodeestartotalmenteouaomenosquasetodosobocontroleconsciente.

Presumequearazãoémaispoderosadoqueaemoçãoeaconcupiscência,equeéseparáveldelas.

Presumequeapercepçãoéumalenteclara,fornecendoaoobservadorumavisãodiretaeconfiáveldomundo.

Presume que a ação humana entra em conformidade com leis que sãosimilaresàsleisdafísica,seéqueconseguimoscompreendê-las.Umaempresa,uma sociedade, uma nação, um universo — são todos grandes máquinas,operadaspormeiodepadrõesimutáveisdecausaeefeito.Asciênciasnaturaissãoomodeloqueasciênciascomportamentaisdevemreplicar.

Finalmente,oracionalismoproduziusuaprópriaformadeextremismo.Arevoluçãocientíficalevouaocientificismo.IrvingKristoldefiniucientificismocomo“aelefantíaseda razão”.Ocientificismoestá tomandoosprincípiosdainvestigaçãoracional,alongando-ossemlimiteeexcluindoqualquerfatorquenãoseencaixenasfórmulas.

Duranteosséculospassados,váriosgrandeserrosedesastresresultaramdaféexcessivanarazãopura.NofinaldoséculoXVIII,revolucionáriosnaFrançabrutalizarama sociedade emnomede começar omundooutra vez em solosracionais. O darwinismo social imaginou ter descoberto as leis imutáveis daevoluçãohumana, quepoderiam ser usadas para garantir a sobrevivência dosmais ajustados. Líderes corporativos sob a influência de Frederick Taylortentaramtransformaroperáriosdefábricaemengrenagenshipereficientes.No

século XX, comunistas tentaram reconstruir socialmente nações inteiras,tentandocriar,porexemplo,umNovoHomemSoviético.NoOcidente,LeCorbusier e uma geração de urbanistas buscaram transformar cidades emmáquinas racionais — fábricas para trânsito —, liquidando vizinhançasexistentesesubstituindo-asporrodoviasdeváriasfaixaseprojetosdehabitaçõessimétricas semconexão coma cidade anterior.Tecnocratas vindosdenaçõesmaisprósperastentaramplantargrandesesquemasdecrescimentopelomundoemdesenvolvimento semmuitapreocupação como contexto local.Analistasfinanceiros nos grandes bancos e nos bancos centrais acharam que haviamdominadooscicloseconômicosecriadouma“GrandeModeração”.

Emsuma,ométododoracionalismoproduziumuitasgrandesdescobertas,mas quando é usado para explicar ou organizar o mundo humano, de fatopossuiumalimitaçãocentral.Atribuialtovaloràcogniçãoconsciente—quesepode chamar de cognição de Nível 2 — que ele consegue ver, quantificar,formalizareentender.Masécegoàin fluên ciadoinconsciente—quesepodechamardecogniçãodeNível1—,queénebuloso,nãolinear,difícildevereimpossível de formalizar. Os racionalistas têm uma tendência de cortar oudiminuir toda a informação que não é calculável de acordo com suasmetodologias.

Lionel Trilling diagnosticou o problema em The Liberal Imagination (Aimaginação liberal), quando observou que, contanto que a política ou ocomércio “se movimente em direção à organização,22 tende a selecionar asemoções e qualidades que são mais suscetíveis à organização. Conformedesenvolve seus fins ativos e positivos, inconscientemente limita sua visãodomundo ao que conseguemanejar e tende a desenvolver teorias e princípios,especialmente em relação à natureza da mente humana, que justificam sualimitação”.Comoconsequência,“elacaminhaparaumanegaçãodasemoçõeseda imaginação. E no interesse de afirmar sua confiança no poder damente,inclina-separaconstringiremecanizarsuaconcepçãodamente”.

Oracionalismoolhaparaamenteconscienteesupõequeétudoqueexiste.Não consegue reconhecer a importância de processos inconscientes porque,uma vez que enterra seu pé naquela corrente obscura e sem fundo, toda aesperançaderegularidadeeprevisibilidadedesaparece.Osracionalistasganhamprestígio e autoridade porque supostamente dominaram a ciência docomportamentohumano.Assimque a ciência se esvai, todo seuprestígio vaicomela.

Esse cientificismo se expressou de maneira mais poderosa nos últimoscinquentaanosnocampodaeconomia.Aeconomianãocomeçoucomoumempreendimento puramente racionalista. Adam Smith acreditava que sereshumanos sãomotivadospor sentimentosmorais epor seudesejodebuscar emerecer a admiração dos outros. Thorstein Veblen, Joseph Schumpeter eFriedrich Hayek se expressavam por meio de palavras, e não por fórmulas.Enfatizavam que a atividade econômica era conduzida nomeio de incertezadifundida. As ações são guiadas pela imaginação bem como pela razão. Aspessoas podem passar por mudanças não contínuas de paradigma, vendo derepenteamesmasituaçãodemaneirasradicalmentediferentes.JohnMaynardKeynesargumentouqueaeconomiaéumaciênciamoralequearealidadenãopodiasercapturadaemleisuniversaiscalculáveispelamatemática.Aeconomia,escreveu ele, “lida com introspecção e com valores... lida com motivos,expectativas, incertezas psicológicas. É preciso estar sempre atento para nãotrataromaterialcomoconstanteehomogêneo”.23

No entanto, no decorrer do século XX, o espírito racionalista veio adominar a economia. Físicos e outros cientistas exatos estavam conquistandocoisas grandiosas, e cientistas sociais tentaram se equiparar ao rigor e aoprestígio deles. O influente economista Irving Fisher escreveu sua tese dedoutoradosobasupervisãodeumfísico,emaistardeajudouaconstruirumamáquinacomalavancasebombasparailustrarcomoumaeconomiafunciona.Paul Samuelson aplicou os princípios matemáticos da termodinâmica àeconomia.24 No lado das finanças, Emanuel Derman era um físico que setornouumfinancistaequetevepapelcentralemdesenvolverosmodelosparaderivadas.

Por mais que sejam ferramentas valiosas para compreender ocomportamento econômico, os modelos matemáticos também foram comolentesquefiltraramcertosaspectosdanaturezahumana.Dependiamdanoçãodequeosindivíduossãobasicamenteregulareseprevisíveis.Presumem,comoescreveramGeorgeA.AkerlofeRobertShiller,“quevariaçõese sentimentos,impressões e paixões individuais não importam no agregado e que eventoseconômicos são movidos por fatores técnicos inescrutáveis ou por açõesgovernamentaiserráticas”.25

Emmuito pouco tempo, os economistas estavam enfatizandomotivaçõesmonetárias em detrimento de outras. Homo Economicus foi separado deHomoSociologus,HomoPsychologicus,HomoEthicuseHomoRomanticus.

Restouumavisãosimplistadanaturezahumanacomosefosseumdesenhodebonecodepalito.

Odesastre

Taggertesuaequipenãoestudaramhistóriaintelectual.Oracionalismoestavasimplesmenteemtornodelesnoarquerespiravam,moldandosuassuposiçõesemétodosdemaneiraquenãoapreciavam.Amentalidade racionalista estavanoscursosdeeconomiaque fizeramnauniversidade,noscursosdeestratégiaque fizeramnaFaculdadedeNegócios enos livros sobregerenciamentoqueliamtodososdias.Eraamentalidadeque reduzia informaçãoútil ao tipodecoisaquepodiasercapturadaemumaapresentaçãodePowerPoint.

Conforme a recessão se aprofundou e se arrastou, Erica os observavafazendo uma série de movimentos desastrosos que ameaçavam destruir aempresa.Forçadosacortarcustos,cortaramprimeirocadapráticaquepodiaterpromovido laços pessoais. Por exemplo, excluíram o telefone da empresa dapágina da internet, portanto ficou quase impossível que um cliente comumproblemaligassee falassecomumserhumano.Eliminaramtodasasreuniõesdeempresaquecostumavamconstruircamaradagem.Diminuíramoespaçodoescritório. Algumas pessoas que trabalharam durante décadas para ter umescritóriodeverdadeseviramagoraemcubículosdestruidoresdeego.Aplantado escritório parecera tão bem eficiente quando a equipe de gerência aapresentara.

Jim Collins argumenta que o declínio institucional é como uma doençadegenerativa.26 As empresas podem parecer sadias por fora, mas já estãodoentes por dentro e, uma vez doentes, há certa progressão que seguem acaminhodesuaruína.Seissoéverdade,entãoaempresadeTVacabopassouportodasasfasesdeumasóvez.

Primeiro,osexecutivosdaIntercomficaramexcitadoscomadesaceleraçãoda economia. “Na China, a palavra para ‘crise’ também significa‘oportunidade!’”,diziamunsparaosoutros.Viram rendimentos emdeclíniocomo uma chamada para colocarem todos os seus experimentos em prática.Lançaram-se em um processo hiperativo de reorganização e reestruturação.Demitiram chefes de seções e incluíramnovas pessoas. InstalaramumanovaestratégiadelongoprazochamadaCrescimentoemSaltos.Fariamcomqueaempresacrescesseaqualquercusto,investiriamemsetoresqueprometiam10%decrescimentoeselivrariamdeseçõesqueestavamapenassearrastando.“Não

podemosmaissedaraoluxodefazeroquesemprefizemos”,ladravaTaggertemreuniões.“Temosdeestraçalharacartilhadeestratégias.Pensardenovo.”

Em pouco tempo, houve ainda mais aquisições. Taggert, entediado decomandarumaempresadeTVacabo,comprouumarededetelevisão.Agorapodia passear com as estrelas. Podia ir a jantares comemorativos e conversarsobreaprogramaçãodohorárionobre.Nãosedavaaotrabalhodepensarseuma empresa que provia serviço técnico podia mesmo se fundir com umaempresaqueforneciaprodutoartístico.

Houve outras aquisições—uma empresa de biotecnologia, uma loja on-linedeeletrodomésticos.Ericaobservouseuscolegasseenvolvendonaseduçãode fechar um acordo. Depois de cada acordo, um memorando triunfantepassava pelasmesas dos executivos. Esse acordo nos permite “duplicar nossoalcance... transformar nossa empresa... Com apenas uma tacada,revolucionamosocenário...Esseéumdivisorabsolutodeáguas...Temosagoraumproduto devastador que vai anunciar uma nova era... Presenciamos hojeumanovaauroraeumnovocomeço”.Cadaacordodeviaserabaladeprataqueimpulsionariaaempresaasairdesuaqueda,massemanasemesesdepoisaquedaaindaestavalá,sóquecommaisdívida.

Damesmamaneiraqueonovoestavasendopolido,oantigoestavasendoexcluído.Antigosfornecedoresforamexcluídos,prestadoresdeserviçosforamcortados,antigosfuncionáriosforaminstruídosafazermaiscommenos.Umamentalidadedebarcosalva-vidascomeçouaimpregnaraempresa—mêsapósmês,os fracoseramjogadosaomareos sobreviventes seguravamabordadobarco com mais força. O estado de ânimo sofreu. O compromisso com ocliente se afundou. Quando más notícias chegavam, procuravam-se pelosresponsáveis, mas por algum motivo a responsabilidade não recaía sobreninguém.Cadadecisãohaviasidofeitaporcamadasdecomitês.Quandotodomundoeraresponsável,ninguémera.

Erica assistiu ao fracasso com repugnância soturna. Havia suportado amortedesuaprópriaempresa,oqueeramaisoumenosinevitável.Agora,fariaparte de um dos piores fiascos de gerenciamento na história do capitalismo.Quemacontratariadepoisdisso?

Mêsapósmês,osnúmerosficavamcadavezpiores.Certodia,elaestavaemuma reunião quandoumnovo conjunto de números de rendimentos foramanunciados. “Você deve ter calculado isso errado”, respondeu um dosfuncionáriossubmissosdeTaggert.Ericaouviuumgemidoespontâneovindodofundodasala.Ninguémmaispareceuperceberogemido,mas,quandofoi

apropriado,Ericasevirouparaverquemhaviafeitoobarulho.Eraumhomemmais velho com papada embaixo do queixo, cabelo branco, vestindo umacamisetabrancademangacurtaeumagravatadelistrasdiagonaisvermelhaseazuis.Elatinhavistoessehomememváriasdasreuniõesmaiores,masnuncaohavia escutado dizer nada. Ela olhou para ele. Ele olhava para baixo,concentradoemsuasmãoscarnudas.Entãoelelevantouacabeçaeseusolharesseencontraram.Eledeuumsorrisoafetadoeelasevirou.

Depoisdareunião,elaoseguiunocorredoreporfimparouaoladodele.“Oquevocêachou?”,aventurou-seela.Eleapenasolhouparaelacomsuspeita.“Patético”,sussurrouErica,finalmente.

“Patéticopraburro.Inacreditavelmentepatético”,respondeuele.FoientãoquenasceuoProjetoValquíria.OnomedohomemeraRaymond.Trabalhavanaempresahavia32anos.

Nãopodiamselivrardeleporqueninguémmaisconheciaatecnologia,porémo colocaram em uma tarefa bem distante das decisões onde ele acabavalimpandoabagunçadeoutraspessoas.Pormeiodele,Erica soubequehaviaoutros na empresa tão enojados quanto ela — muitos outros, na verdade.Organizaramadissidência.Tinhamumaredeclandestinaemsuascontasdee-mail pessoal. No começo, apenas reclamavam e gemiam, mas depoisplanejaram. Erica os convenceu de que essa ação era uma questão desobrevivência.Seaempresaafundasse,todosestariamdestruídos.Seaempresaafundasse, então uma instituição que eles haviam passado a vida todaconstruindo acabaria. É claro que não ficariam apenas sentados esperando odestino.Éclaroquealgumacoisapodiaserfeita.1Redenorte-americanadelanchonetesespecializadasempaninis,sopas,saladasepizza.(N.daT.)2Nooriginal,“blue-oceanchange”.Oautorserefereàestratégiadooceanoazul, termocunhadopor

W.ChanKimeRenéeMauborgnenolivroAestratégiadooceanoazul.Ooceanoazuléumaanalogiaparamercadosnão explorados que, consequentemente, não apresentamgrande concorrência. (N. daT.)

capítulo15

MÉTIS

EricapassavaseusdiasaterrorizadacomTaggerteseus seguidores.Ànoite,àsvezestardedanoite,elavinhaparacasaedesabafavacomHarold.Elenão tinha como ajudá-la com conselhos concretos sobre negócios. Com opassardos anos ele se afastoudomundocorporativo.Noentanto, realmentetentoulhedaralgumaajudasobrecomopensaremseusproblemas.

Harold estava agora profundamente estabelecido na Sociedade Histórica.Havia começado a escrever catálogos para exposições, mas foi promovido eagoraeracuradoreajudavaaorganizarasexposições.ASociedadeHistóricaerauma instituição sonolenta e antiga, iniciada no séculoXIX, com incontáveisartefatos em seus depósitos. Harold passava as horas livres no subsoloexaminandocaixasearquivosvelhos.Devezemquandoeleentravanacaixa-forteondeostesourosmaispreciososdaSociedadeficavamguardados.

Em destaque entre eles estava um vestido que uma atriz havia usado noFord’sTheatrenodiaemqueLincolnfoibaleado.Logoapósoassassinato,elacorreuparaocamarotepresidencialeacomodouacabeçadeLincolnemseucoloenquantoaspessoastentavamtratarseuferimento.Ovestidotinhaumaestampa florida chamativa e manchas do sangue de Lincoln espalhadas neletodo.

Um dia, no começo de seu exercício no cargo, Harold foi ao subsolosozinho,colocouluvasbrancasetirouovestidodacaixavagarosamente.Eleocolocou em seu colo com cuidado. É difícil descrever o sentimento dereverência que o tomou naquele momento. O historiador John Huizingachegou perto: “Um sentimento de contato íntimo com o passado é umasensaçãotãoprofundaquantoodeleitemaispurodaarte;éumasensaçãoquaseextáticadenãomaissereumesmo,detransbordarnomundoaomeuredor,detocaraessênciadascoisas,oude,pormeiodahistória,vivenciaraverdade.”1

Quando estava perdido em seus artefatos, Harold sentia que haviaatravessado o tempo e adentrado outra era. Quanto mais trabalhava naSociedade, mais imergia no passado. Organizava uma exposição sobre certoperíodo—aEraVitoriana, aRevoluçãoAmericana,oualgumtempomuitoantes—eentravanoeBayecompravapequenasfiguras,jornaisebugigangasdaqueleperíodo.Segurava-osemsuasmãoseimaginavaasmãosqueostinhamsegurado.Eleosanalisavacomumalupaetentavaatravessarosséculos.

Entrarno escritóriodele era comoentrar emuma épocaperdida.Excetopor seu laptop e seus livros,nãohavia absolutamentenada feitona épocadeHarold—osmóveis,ascanetas,asfiguras,osbustoseoscarpetes.Haroldnãogostaria de realmente viver em uma época de guerreiros ou em uma era dearistocratas, mas ficava comovido pelos velhos ideais — a honra da Gréciaclássica,ocavalheirismomedieval,ocódigovitorianodeumcavalheiro.

Depois de uma determinada exposição, um editor notou o catálogo deHarold e pediu que escrevesse um livro sobre Samuel F. B. Morse. Depoisdisso,Haroldproduziulivrosmedianosdehistóriaebiografias,emumamédiadeum livro a cadadois anos.Nunca se tornouumDavidMcCullough.Poralgum motivo, nunca lidou com as grandes figuras — Napoleão, Lincoln,Washington, Franklin Roosevelt. Mas se focou em homens e mulheresadmiráveis, realizados, e, de umamaneiramais discreta, deu aos seus leitoresmodelosdecomoviver.

Na época em que Erica estava lutando com Taggert, Harold estavatrabalhando num livro sobre o Iluminismo britânico. Estava fazendo umretratodegrupodeDavidHume,AdamSmith,EdmundBurkeealgunsdospensadores, políticos, economistas e debatedores que haviam dominado opensamentobritânicodoséculoXVIII.Certanoite,eleexplicouparaEricaadiferençaentreoIluminismofrancêseobritânico,porqueachouquefosseserútilparaseutrabalho.

O Iluminismo francês foi liderado por pensadores como Descartes,Rousseau, Voltaire e Condorcet. Foram filósofos que confrontaram ummundodesuperstiçãoevassalagemeprocuraramexpô-loàluzclarificadoradarazão.Inspiradospelarevoluçãocientífica,tinhamgrandefénopoderdarazãoindividualparadetectarerrosechegarlogicamenteàverdadeuniversal.TaggertesuaequipeeramosfilhosdegradadosdoIluminismofrancês.

Entretanto, contou Harold, havia um Iluminismo diferente acontecendoaproximadamente nomesmomomento.Os líderes do Iluminismo britânicoreconheciam a importância da razão. Não eram irrealistas. Contudo,

acreditavamquearazãoindividualélimitadaedeimportânciasecundária.“Arazão é e deve ser apenas a escrava das paixões, e jamais pode pretenderqualquer outro ofício que não o de servi-las e obedecê-las”, escreveu DavidHume.2 “No geral, somos homens de sentimentos desregrados”, declarouEdmund Burke.3 “Temos medo de fazer os homens viverem e efetuaremtrocascadaumemsuaporçãoparticularderazão,porquesuspeitamosquetalporçãoemcadahomemépequena.”

Enquantoos líderesdo Iluminismo francês falavama línguada lógica,daciência e das regras universais, os líderes do Iluminismo inglês enfatizaramopoder dos sentimentos e das afeições. De fato, os membros do Iluminismobritânico baseavam sua visão da natureza humana na ideia de que ocomportamento é amplamentemoldado pelo inconsciente, pela cognição deNível1.Nocomeçodesuacarreira,EdmundBurkeescreveuumlivrosobreestética chamado A Philosophical Inquiry into Our Ideas of the Sublime andBeautiful(Umainvestigaçãofilosóficasobrenossasideiasdosublimeedobelo).Ele havia percebido que há uma grande similaridade entre o que as pessoasjulgam ser belo.Os seres humanos não são tábuas rasas a serem preenchidaspelaeducação.Nascemecrescemcomcertaspreferências,afeiçõeseaversões.Os “sentidos e a imaginação cativam a alma antes de a compreensão estarpronta,sejaparajuntar-seaelesouparaseoporaeles”,escreveuBurke.4

Enquanto osmembros do Iluminismo francês imaginavamum estado danatureza no qual indivíduos autônomos formavam contratos sociais parabenefício mútuo, os membros do Iluminismo britânico ressaltavam que aspessoasnascemcomumsensosocialquesedáabaixodoníveldaconsciência.As pessoas nascem comum senso de “sentimento de companheirismo”, umasimpatia natural pela dor e pelo prazer de outras pessoas. São guiadas pelodesejo de serem admiradas e de merecerem admiração. A moralidade,argumentaramessesautores,fluidessessentimentossemiconscientes,enãodasdeduçõeslógicasderivadasdeleisabstratas.

EnquantoosfilhosdoIluminismofrancêstendemaverasociedadeesuasinstituições comomáquinas a seremdesmembradas e reor ganizadas, os filhosdo Iluminismo britânico tendem a vê-las como organismos, redesinfinitamentecomplexasderelaçõesdeconvivência.Navisãodeles,geralmenteé um erro dissecar um problema em partes menores porque a verdadeencontra-senanaturezadasconexõesentreascoisasquevocêestáestudando.

Contextoécrucial.Deve-sedesconfiardosuniversaisabstratos.Osprecedenteshistóricossãoguiasmaisúteisdoqueosprincípiosuniversais.

Os membros do Iluminismo britânico fizeram uma distinção entremudança e reforma. Mudança é um processo de engenharia que substitui anatureza fundamental de uma instituição.Reforma é umprocessomedicinalque preserva a essência enquanto cura feridas e reaviva a essência. Haroldtentouexplicardequemaneiraosmétodosdo Iluminismobritânicopodiamajudar Erica a entender os fracassos de Taggert e a pensar sobre formasalternativasdeproceder.

Aperguntaseguinte

E, de fato, esse debate entre razão pura de um lado e intuição e afeição dooutroéumdosmaisantigos.Ahistóriaintelectualoscilouentreracionalismoeperíodosromânticos,ou,comocolocouAlfredNorthWhitehead,entreerasdepensamento simples e eras de mente confusa. Durante os períodos depensamento simples, os pensadores racionalistas reduzem o comportamentohumanoamodelosmatemáticosausteros.Duranteaserasdementeconfusa,oslíderes intuitivos e os artistas guiam o caminho. Às vezes, a imaginação ficamuitoluxuriante.Àsvezes,arazãoficamuitoaustera.

Arevoluçãocognitivadosúltimostrintaanosforneceuumanovaondadepercepção acerca dessas perguntas antigas. As novas descobertas indicamfortementequeavisãodanaturezahumanadoIluminismobritânicoestámaisprecisadoque a visãodo Iluminismo francês.Ospensadoresdo IluminismofrancêsimaginaramquesomosAnimaisRacionais,distintosdeoutrosanimaispelonossopoderdelógica.OsmarxistaseoutrospensadoresdosséculosXIXeXXimaginaramquesomosAnimaisMateriais,moldadospelascondiçõesfísicasdenossasvidas.MasospensadoresdoIluminismobritânicoestavamcorretosemnosretratarcomoAnimaisSociais.

Mas isso gera novas perguntas:Os processos deNível 1 são importantes,masexatamenteoquãointeligenteselessão?Emquemedidadevemosconfiarneles?

Essas não eram questões pertinentes antigamente, quando as paixões e ossentimentoseramvistoscomobrutos,desregradoseprimitivos—Osr.Hydedodr.Jekyll.Porém,agorasabemosqueelessãomaissutisesofisticadosdoqueisso. O que não temos é uma descrição consensual de nossos pontosinconscientesfortesefracos.

Algunspesquisadoresargumentamque, sejam láquais foremseusméritos,aindaémelhorvero inconscientecomoumabestaprimitivaouumacriançaimatura.EmseulivroNudge:oempurrãoparaaescolhacerta,RichardThalereCassSunstein,queeramentãodaUniversidadedeChicago,dizemqueoNível2conscienteécomoosr.Spock—maduro,reflexivoeclarividente.5ONível1inconsciente,dizemeles,écomoHomerSimpson—umbobalhãoimaturoe impulsivo.Quandoodespertador tocaàscincohorasdamanhã,omaduroSpock sabe que é de seu interesse sair da cama,masHomer só quer jogar orelógionooutroladodoquarto.

E há alguma verdade nessa visão doNível 1.O inconsciente é subjetivo.Trata a informação como um fluido, não como um sólido. Quando ainformação é armazenada no cérebro, ela não é simplesmente arquivada.Parecesermovimentada.Oprocessoderecordaçãodeumapessoade70anosdeidadeativapartesdiferentesemaisespalhadasdocérebrodoqueodeumapessoade26anosdeidade.6Amemórianãoretémdefatoinformação.Elaaentrelaça novamente. Coisas que aconteceram posteriormente podemtransformar suamemória de alguma coisa que aconteceu anteriormente. Poressa e muitas outras razões, o sistema inconsciente de armazenamento deinformaçãoénotoriamenteduvidoso.

UmdiadepoisdeaespaçonaveChallenger explodir,UlricNeisserpediuauma turma de 106 alunos que escrevesse exatamente onde cada um estavaquando ouviu a notícia. Dois anos e meio depois, perguntou-lhes a mesmacoisa. Nessa segunda entrevista, 25% dos alunos forneceram relatoscompletamente diferentes sobre onde estavam. Metade apresentou errossignificativos em suas respostas e menos de 10% lembraram com exatidãoreal.7Resultadoscomoessessãopartedomotivopeloqualaspessoascometemerrosnacadeiradetestemunhaquandosãosolicitadas,mesesdepois,arecordarum crime. Entre 1989 e 2007, 201 prisioneiros nos Estados Unidos foramexonerados com base em provas de DNA.8 Setenta e sete por cento dessesprisioneiros haviam sido condenados com base em relatos errôneos detestemunhasoculares.

O inconsciente também é extremamente sensível ao contexto —sentimentospresentes influenciam todosos tiposde atividadesmentais.UmapesquisadeTaylorSchmitz,daUniversidadedeToronto,sugerequequandoas pessoas estão de bom humor, têm melhor visão periférica.9 Em outro

experimento, um grupo de médicos recebeu uma pequena sacola de balas eoutro grupo não recebeu nada. Depois, pediram que todos analisassem ohistóricodeumpacienteefizessemumdiagnóstico.Osmédicosquereceberamasbalasforammaiságeisemdetectaroproblemadefígadodoqueosquenãoreceberam.10

Ospesquisadoresda felicidade ficamporaíperguntandoàspessoas se suasvidas são felizes. Perceberamque quando perguntam emdias ensolarados, aspessoas sãomaispropensas adizerque suas vidas inteiras são felizes, aopassoque em dias de chuva, o tempo chuvoso muda toda a percepção global doestadodesuaexistência.11(Apesardeque,seaspessoassãoinstruídasarefletirconscientementesobreoclimadodia,oefeitosedesfaz.)

Emumexperimentoengenhoso,pesquisadorespediramquehomensjovenscruzassemumapontefrágilemBritishColumbia.Depois,enquantoocoraçãodelesaindaestavaaceleradocomomedodaponteamedrontadora,umajovemmulherseaproximouparaquepreenchessemumquestionário.Elalhesdeuseunúmerodetelefonecomopretextodefazeroutraspesquisas.Sessentaecincopor cento dos homens da ponte ligaram para ela depois e a chamaram parasair.12Apenas30%doshomenscomosquaisela foi falarenquantoestavamsentadosemumbancoligaramdepois.Osrapazesestavamtãoenergizadospelapontefrágilqueatribuíramsuaexcitaçãoàmulherqueosencontrounooutrolado.

Há ainda o problema das recompensas imediatas. O inconsciente éimpulsivo.Quertersentimentosbonsnesteinstante.Afinaldecontas,oNível1evoluiuparanosprotegerdadorimediata,otipodedorquepoderesultardoataquedeumleão.

Comoresultado,podemosterconsciênciadenossodesejofuturodeperderpeso,masqueremosodonutagora.Podemossaberdasvirtudesdaperspectivaobjetiva,masaindaassimamamosouvirumcomentadorafirmarumaposiçãoque já compartilhamos. Durante um jogo, os fãs de beisebol ficamdefinitivamente convencidos de que o jogador do time deles chegou àhomeplate,aopassoqueosfãsdooutrotimeselecionamsuaperspectivademaneiradiferente e chegamàconclusãoagradáveldequeele estava fora. “Ouvimoseapreendemos apenas o que já sabemos em parte”, observou Henry DavidThoreau.13

Há tambémoproblemados estereótipos.Amente inconsciente encontrapadrões.Elaosencontraatémesmoondenãoexistemefaztodosostiposde

generalizações vagas. Por exemplo, a maioria das pessoas acredita quearremessadoresemumjogodebasquetepassampormarésboasemarésruins.Detectamopadrão.Noentanto,umamontanhadepesquisanãodesvendouprovasdetendênciasamarésboaseruinsnaNBA.Umarremessadorquefezdoisarremessosconsecutivosestápropensoaperderaterceiratentativa,comopreveriaapercentagemdesuacarreiradearremessos.14

Aspessoastambémsãorápidasemformarestereótiposumassobreasoutras.Solicitaram que sujeitos de uma pesquisa adivinhassem o peso de umdeterminado homem. Quando foram informados que era um motorista deônibus,chutaramumnúmeromaior.Quandoforaminformadosqueeraumdançarino, chutaram um número menor.15 A maioria das pessoas, nãoimporta o quão bem-intencionadas são, não importa sua raça, abrigapreconceitosraciaisinconscientes.ComopartedoProjectImplicit,1psicólogosnaUniversidade daVirgínia, naUniversidade deWashington e naHarvardadministraram centenas demilhares de testes nos quais existem rapidamenterostos brancos ou negros e pedem que as pessoas que estão fazendo o testefaçam associações implícitas. O trabalho desse projeto indicou que 90% daspessoasmostrarampropensõesinconscientes.16Ospreconceitoscontra idososemestudossimilaresforamaindamaisprofundos.17

Por fim, a mente consciente é realmente ruim em matemática. Porexemplo, consideremesseproblema:digamosquevocêsgastaramumdólar edezcentavosemumacanetaeumblocodepapel.Sevocêpagarumdólaramaispeloblocodoquepelacaneta,quantocustouacaneta?ONível1querlhedizer que a caneta custa dez centavos porque, na suamaneira burra e lerda,quer separar o número na parte do um dólar e na parte dos dez centavos,mesmoquearespostaverdadeirasejaquevocêgastoucincocentavosnacaneta.

Porcausadessatendência,aspessoassãoruinsemcalcularriscos.ONível1desenvolve um medo excessivo de ameaças raras porém espetaculares, masignora ameaças que estão por perto todos os dias. As pessoas têm medo deavião,apesardetodomundosaberqueviajardecarroémaisperigoso.Tememmotosserras,apesardequasedezvezesmaispessoassemachucaremacadaanocombrinquedodeparquinhos.18

Nogeral,amenteinconscientetemsériasfalhasquandosetratadatomadade boas decisões. Portanto, há uma razão para que Tag gert e seu comitê dedeferência tenham ido para a Faculdade de Negócios, uma razão para que

tenhamdominadomaneirasmetódicasde analisar informação.Masháoutroladonessamoeda.HácoisasqueoNível1vêqueoNível2simplesmentenãovê.Hámotivosparaacharmosqueamenteinconscienteédefatobemesperta.

Ooráculooculto

Em primeiro lugar, processos conscientes são acomodados sobre processosinconscientes. Não faz sentido falar sobre pensamento racional sempensamentoinconsciente,porqueoNível2recebeseuestímulo,seusobjetivoseseussinaisdirecionaisdoNível1.Osdoissistemastêmdeseentrelaçarparaqueapessoaprospere.Ademais,oinconscienteésimplesmentemaispoderosodo que a mente consciente. O Nível 1 quer sistemas vastos e implícitos dememória dos quais possa se alimentar, ao passo que o Nível 2 se debruçaprofundamentenosistemadamemóriadetrabalho,ospedaçosdeinformaçãoque estão conscientemente na mente em qualquer dado momento. Oinconscienteconsisteemváriosmódulosdiferentes,cadaumcomsua funçãoprópria, enquanto amente consciente é apenas ummódulo.ONível 1 temcapacidade de processamento muito maior. Medida em seu potencial maiselevado,amenteconscienteaindatemumacapacidadedeprocessamento200milvezesmaisfracadoqueainconsciente.19

Além disso, muitos dos defeitos do Nível 1 são o lado oposto de suasvirtudes. O inconsciente é muito sensível ao contexto. Bem, às vezes érealmente importante ser sensível ao contexto. O inconsciente trata ainformação como um fluido, não um sólido. Bem, às vezes as situações sãoambíguaseéútilserflexível.Oinconscienteérápidoemtecergeneralizaçõeseem projetar estereótipos. Bem, a vida diária seria impossível se não nosbaseássemos em generalizações e estereótipos.Amente inconsciente pode serconfusa.Bem,amaiorpartedavidaéconduzidaemmeioàincerteza,eéútilterprocessosmentaisquepossamlidarcomaincerteza.

Sequiserterumaideiadastarefasdifíceisqueoinconscienterealizatodososdias,comecemcomalgumasdasmaisbásicas.Oinconscientemonitoraondeaspartesdoseucorpoestãoaqualquermomentopormeiodeumsextosentidochamadopropriocepção.OmédicoJonathanColedocumentouocasodeIanWaterman, que sofreu um dano nervoso e perdeu parte do sentidoinconsciente.20Pormeiodeumprocessocuidadosoaolongodeváriosanos,Waterman foi capaz de usar o pensamento consciente para monitorar seucorpo.Laboriosamente,eleseensinouaandardenovo,asevestireatéadirigir

umcarro.Oproblemaaconteceuquandoele estavana cozinha certanoite ehouveumaquedadeenergia.Nãoconseguiaverondeseusmembrosestavameportantonãoconseguiacontrolá-los.Eledesabounochãoemumaconfusãodemembros.

Essahabilidadeinconscientedeseconectarcomassensaçõesdocorponãoétrivial.Ocorpoemitemensagensquesãoumaparte integraldopensamento,emtodosostiposdemaneirasestranhas.Sevocêlerumargumentoepedirqueaspessoasescutandomovamseusbraçosnadireçãode“empurrarparalonge”,vãoficarmaishostisaoargumentodoquesevocêlerparaelasenquantofazemo movimento de “puxar para si”. Um cérebro não poderia funcionar seestivesseparadoemumjarroemalgumlugar,separadodasfunçõesmotoras.

Oinconscientetambémécapazderealizartarefasincrivelmentecomplexassem nenhuma assistência consciente. Aprender a dirigir demanda atençãoconsciente,mas,umavezdominadaatarefa,oconhecimentoéenviadoparaoinconscienteetorna-sepossíveldirigirporquilômetrosequilômetrosouvindoo rádio ou conversando com um passageiro ou tomando café sem prestaratenção consciente à estrada. Sem nem pensar, a maioria das pessoas trataestranhosdemaneiracordial,evitaconfrontosdesnecessáriosesesenteafetadapelainjustiça.

O inconsciente é responsávelpelopicodaperícia.Quandouma inicianteaprendeumatarefa,háumalongamentovastodaatividadecerebral.Quandoumaperitaarealizainconscientemente,háapenasumpequenopulso.Aperitaestá se saindomelhoraopensarmenos.Quandoestáno seuauge,oscentrosautomáticosdocérebroestãocontrolandoseusmovimentos.Umcomentadordiriaqueela é “inconsciente”.Sepensassemais sobrecomomovero tacodegolfeoucomocantar suaária,ela se sairiapior.Estaria,comoobservaJonahLehrer,“engasgadaempensamento”.21

Hátambémapercepção.Conformeabsorveinformação,oinconscienteaomesmotempointerpreta,organizaecriaumacompreensãopreliminar.Colocacada parte separada de informação em contexto. A visão cega é uma dasilustraçõesmaisfortesdaspercepçõesinconscientes.Pessoasquesofreramdanonasáreasvisuaisdocérebro,geralmenteresultantedederrames,nãoenxergamdemaneiraconsciente.Porém,BeatricedeGelder,daUniversidadedeTilburg,pediuaumhomemcomessedanoparaandaremumcorredorlotado.22Eleziguezagueoucomhabilidadepelo corredor,navegandopelosobstáculosparachegar ao outro lado. Quando cientistas mostram cartões com imagens de

formasparaoutrasvítimasdessa“cegueira”,elasacertamasformasnoscartõescom exatidão impressionante.23 O inconsciente atua quando a visãoconscientenãoexiste.

Essas habilidades de percepção podem ser incrivelmente sutis. Váriasfazendasquecriamgalinhasempregamdeterminadoresprofissionaisdesexodegalináceos. Eles analisam pintinhos chocados recentemente e indicam se opintinho émacho ou fêmea,mesmo que, ao olho destreinado, os pintinhospareçam todos iguais. Determinadores experientes conseguem analisar deoitocentosamilpintinhosemumahoraedeterminarogênerocom99%deexatidão.24 Como descobrem? Não sabem dizer. Simplesmente tem algumacoisadiferentenosmachosenasfêmeas,eelessabemquandosedeparamcomela.

Em um teste que foi conduzido por vários pesquisadores, indivíduos sãoinstruídosaseguirumXenquantopuladeumquadranteaoutrodeumateladecomputador.OmovimentodoXégovernadoporumafórmulacomplexana qual a localização do próximo aparecimento do X é governada pelasequência anterior de aparecimentos.25 No entanto, os sujeitos conseguemadivinharondeoXvaiapareceremumapercentagemmaiordoqueadoacaso,e seus palpites melhoram quanto mais tempo jogam o jogo. Quandopesquisadoresmudamafórmulanomeio,aperformancedossujeitosdeteriora,apesardeelesnãoentenderemporquê.

Estudos com soldados norte-americanos no Iraque e no Afeganistão,entretanto,sugeremquealgunssoldadossãomuitomelhoresdoqueoutrosemfazerumavarreduraumacenaedetectarpequenaspistas—umapedraforadolugar,umapilhaestranhadelixo—ondepodehaverumdispositivoexplosivoimprovisadonaárea.Oprimeiro-sargentoEdwardTierneynãoentendecomosoube que umdeterminado carro continha uma bomba, decidindo por umaevasão que salvou sua vida. “Meu corpo de repente ficou gelado; você sabe,aquelasensaçãodeperigo”,contouparaBenedictCareydoNewYorkTimes.26

Em um estudo de referência, António e Hanna Damásio e seus colegaspediramqueossujeitosdepesquisajogassemumjogodecartas.27Receberam2 mil dólares e foram instruídos a escolher cartas de cinco baralhos. Sepegassem boas cartas, ganhariam o dinheiro. Se pegassem cartas ruins,perderiam.Osbaralhosforamempilhados.Duasdaspilhastinhamumnúmeroligeiramentedesproporcionaldecartasmuitoboaseasoutraspilhastinhamum

número desproporcional de cartas ruins. Na quinta rodada, vários sujeitosdeclararamque“gostavam”decertaspilhasmaisdoquedeoutras,emboranãoconseguissemlhedizerporquê.Nadécimarodada,algunscomeçavamasuarumpoucoquandopegavamnapilhaarriscada.

A próxima grande conquista da mente inconsciente é a habilidade deconstruircrençasimplícitas.OmédicosuíçoÉdouardClaparèdeconduziuumpequenoexperimentocomumadesuaspacientes,quesofriadeamnésia.28Eletinhadeseapresentarcadavezqueiavisitá-la.Emumavisita,porém,escondeuumalfineteemsuapalma.Quandoapertaramasmãos,oalfineteaespetou.Napróximavezquefoivisitá-la,elaaindanãooreconhecia.Tevedeseapresentarnovamente.Eraumprazer“conhecê-lo”,mas,quandoeleesticouamãoparaotradicional aperto de mãos, ela se recusou a pegá-la. Inconscientemente, elaaprendeuaassociaramãodelecomdor.

Esse tipodeaprendizado implícitopermeia todososaspectosdavida.Porexemplo, não há computador poderoso o suficiente para pegar uma bolarebatida no ar. Ele teria de calcular muitas trajetórias e pegar a luva paraalcançar o local exato no qual a bola pararia. No entanto, até mesmo umacriançade10anosdeidadeaprendeeventualmenteasregrasimplícitasquelhepermitempegarumabola.Seumabolaérebatidaparavocê,vocêolhaparaabola de um certo ângulo. Você corre para onde a bola é rebatida enquantomantémconstanteoângulodoseuolhar.Seoângulocair,entãoacelere.Seoânguloaumentar,vádevagar.Essaúnicaregraimplícitavailheguiarparaondeabolavaiparar.29

Essahabilidadede acumularheurística implícita se aplica a coisas atémaisimportantesdoqueobeisebol.Oinconscienteparececodificarinformaçõesdeduasmaneiras.Háoqueoscientistaschamamde“codificaçãoverbatim”,quebuscacodificarexatamenteoqueaconteceudurantecertoevento.Hátambémateoriadotraçodifuso,quepostulaqueoinconscientetambémtentaderivarumaessência,umainterpretaçãoimprecisadeumeventoquepodeseracessadaeaplicadanapróximavezquealgumeventovagamentesimilaracontecer.30Setodavezquealguémfosseaumfuneralselembrassedosexatosdetalhesdeseucomportamento em todos os funerais passados, ficaria atolado em detalhesinúteis.Mas se apessoa se lembrada essênciade como se comportar emumfuneral—oquevestir,comoandar,quetomdevozadotar—,entãoteráumaideiageraldaformadecomportamentosocialmenteaceitável.

Crenças implícitaseestereótiposorganizamomundoesãoabsolutamenteessenciaisparaarealizaçãodasatividadesnormaisdavida.Eles lhedizemquetipo de comportamento são propensos a encontrar quando vão a uma festa,quetiposdepessoasprovavelmenteveráseforaumaconvençãodoStarTrekou em um grupo de estudo sobre a Bíblia ou em um show de rock. Oinconscienteentendeomundopormeiodaconstruçãodegeneralizações.

Usandoessasferramentasflexíveis,oinconscienteémuitobomemresolverproblemas complexos. A regra é que processos conscientes são melhores emresolver problemas com poucas variáveis ou escolhas, mas os processosinconscientessãomelhoresemresolverproblemascommuitaspossibilidadesevariáveis.Processosconscientessãomelhoresemresolverproblemasquandoosfatores sãodefinidosde formaconcreta.Processos inconscientes sãomelhoresquandotudoéambíguo.

Em um experimento, Ap Dijksterhuis e Loran F. Nordgren, daUniversidadedeAmsterdã, e seus colegas de trabalho, deram aumgrupodesujeitos uma série complexa de 48 informações sobre quatro apartamentosdiferentes. Um dos apartamentos foi feito para a ser mais conveniente eatraentedoqueosoutros(foidescritodemaneirapositiva,enquantoosoutrosforamdescritos demaneiramista e negativa).Depois, os sujeitos de pesquisaforam divididos em três grupos.Umdos grupos tinha de escolher omelhorapartamento imediatamente. Outro grupo teve alguns minutos para pensar.Umterceirogrupofoiinformadodequefariamaescolhaemalgunsminutos,mas foram distraídos durante o período inteiro com outras tarefas nãorelacionadas.

Cinquenta enovepor centodaspessoasnogrupodistraído escolheramoapartamento favorecido, comparados a 47% no grupo de pensadoresconscientes e 36% daqueles no grupo dos que fizeram escolha imediata.Enquantoestavamdistraídos,seusprocessosdeNível1estavamagindo.Vistoque confiaram no Nível 1 com sua capacidade superior de processamento,fizeramumaescolhaholística,incluindooconjuntocompletodevariáveis.Ospensadoresconscientestenderamaescolherapenasalgumascaracterísticasenãoconseguiramprocessarotodo.Osqueescolheramdeimediatosesaírampior,ilustrandooargumentoimportantedequeopensamentoinconscientenãoéomesmo que o pensamento de julgamento instantâneo.31 O Nível 1 se saimelhorquandotemtempoparapensar,assimcomooNível2.

Timothy Wilson fez um experimento, contestado mais tarde porDijksterhuis, no qual ofereceu a alunos uma escolha entre cinco pôsteres de

artediferentes,edepoispesquisouparaverseaindagostavamdasuaescolha.32As pessoas que receberam a instrução de analisar conscientemente e comcuidado as suas escolhas eram as menos satisfeitas com os pôsteres semanasdepois. As pessoas que olharam rapidamente para os pôsteres e escolheramdepoiseramasmaissatisfeitas.Dijksterhuiseseuscolegasentãoreplicaramosresultados no mundo real com um estudo tendo como foco a Ikea.33Selecionarmóveiséumadasescolhasmaisexigentesemtermoscognitivosquequalquerconsumidorpodefazer.AspessoasquefizeramsuasseleçõesnaIkeadepoisdeumaanálisemenosconscienteficarammaissatisfeitasdoqueaquelasque fizeram sua compra depois de muita análise cuidadosa. Em uma lojapróximachamadaDeBijenkorf,ondeosprodutosemliquidaçãotendemasermais simples, as pessoas que se apoiaram em análise consciente estavammaisfelizes.

O inconsciente é um explorador natural. Enquanto o pensamentoconsciente tende a marchar passo a passo e a convergir em alguns fatos ouprincípioscentrais,opensamentoinconscientetendeaseespalharpormeiodeumprocessodeassociações,aventurando-senaquiloqueDijksterhuischamade“cantosefissurasobscuroseempoeiradosdamente”.34ONível1,portanto,produz mais conexões criativas e paralelos improváveis. O pensamentoinconsciente consegue absorver muito mais fatores. Ele naturalmente pesa aimportânciadeváriosfatoresconformeaparecem.Correparaláeparacásemparar — vários processos paralelos de uma só vez — enquanto a menteconsciente estáocupadacomoutras coisas, tentandoconectarnovas situaçõescommodelos antigos ou tentando reorganizar as partes de umproblema atéformaremumtodoharmonioso.Perseguevibraçõesemetáforas embuscadeconexões, padrões e similaridades. Usa toda a panóplia de ferramentaspsicológicas—tantoemoçõesquantosensaçõesfísicas.

Tendemos a pensar no Nível 1 como a parte precoce do cérebro, quecompartilhamoscomanimais,eoNível2comoaparteevolucionáriarecentedocérebroquenosdistinguecomohumanos.Mas,em1963,UlricNeisserfezuma sugestão intrigante de que talvez seja a sofisticação de nossos processosinconscientesoquenosfazhumanos:

***

Valenotarque,anatomicamente,océrebrohumanopareceserotipodesistemadifusonoqualprocessosmúltiplosestariamemcasa.Nesseâmbito,elesediferedosistemanervosodeanimaisinferiores. Nossa hipótese nos leva à sugestão radical de que a diferença crítica entre o

pensamento dos humanos e o dos animais inferiores encontra-se não na existência de

consciência,masnacapacidadeparaprocessoscomplexosforadela.35

Modéstiaepistemológica

Intuição e lógica existem em parceria. O desafio é organizar essa parceria,sabendo quando confiar no Nível 1, quando confiar no Nível 2 e comoorganizar o intercâmbio entre os dois. As pesquisas ainda não fornecemrespostasclarassobreisso,porémapontamparaumaatitude—quereconheceasfraquezasdamenteenquantoprescreveestratégiasparaação.

QuandoHarold tentouusar suapesquisa sobre o Iluminismopara ajudarEricaapensarsobreseusproblemas,enfatizouumconceitoquefoicentralaopensamento do Iluminismo britânico: a modéstia epistemológica.Epistemologia é o estudo de como sabemos o que sabemos. Modéstiaepistemológicaéoconhecimentodequãopoucosabemosoupodemossaber.

Amodéstiaepistemológicaéumaatitudeemrelaçãoàvida.Essaatitudeéconstruídacombasenanoçãodequenãonosconhecemos.Amaiorpartedoque pensamos e acreditamos está indisponível à revisão consciente. Somos onossoprópriomaiormistério.

Não nos conhecendo também temos dificuldades em entender os outrosporcompleto.EmFelixHolt,GeorgeEliotpediuqueosleitoresimaginassemcomo seria um jogo de xadrez, se todos os jogadores tivessem suas própriaspaixõesepensamentos,senãoficassemincertosapenasemrelaçãoàspeçasdooponente,mastambémemrelaçãoàssuas.Nãoteriamchancesetivessemdeconfiar emestratagemasmatemáticos em tal jogo, escreveu ela, eno entantoesse jogo imaginário é bem mais fácil do que aquele que jogamos na vidareal.36

Incapazesdeentenderosoutroscompletamente,tambémnãoconseguimoschegar de verdade ao fundo das circunstâncias. Nenhum evento pode sercompreendido isolado de seu lugar no fluxo histórico — a infinidade deeventos anteriores, causasmínimas e circunstâncias que tocamumeventodemaneiravisíveleinvisível.

E, no entanto, essa atitude humilde não necessariamente produzpassividade.Amodéstiaepistemológicaéumadisposiçãoparaaação.Aspessoascomessadisposiçãoacreditamqueasabedoriacomeçacomaconsciênciadesuaprópria ignorância.Podemos traçarhábitos,arrumaçõeseprocedimentosquecompensamemparteoslimitesdonossoconhecimento.

A disposiçãomodesta começa com o reconhecimento de que não há umúnico método para resolver problemas. É importante contar com a análisequantitativa e racional. Mas isso fornece parte da verdade, não a verdadeinteira.

Porexemplo,selheperguntarememquediadaprimaveradeve-seplantarmilho, pode consultar um cientista. Pode calcular os padrões do tempo,consultarumarquivohistóricoeencontrarumagamadetemperaturaseumadataotimizada emcada latitude e altitude.Poroutro lado,podeperguntar aumfazendeiro.AsabedoriapopularnaAméricadoNortedecretaqueomilhodeveserplantadoquandoasplantasdecarvalhoestãodotamanhodaorelhadeumesquilo.37Qualquerquesejaoclimaemqualqueranoemparticular,essaregravaiguiarofazendeiroàdatacorreta.

Esseéumtipodiferentedeconhecimento.Nascedosatosdeintegraredesintetizar dinâmicas diversas. É produzido ao longo do tempo por umainteligência que é associativa — observando com atenção, imaginandolivremente, comparando probabilidades com improbabilidades eprobabilidades com probabilidades para encontrar harmonias e ritmos nodesenrolareventos.

Apessoamodestausaambososmétodoseoutrosainda.Elaaprendeanãoconfiaremumparadigma.Amaiorpartedoquesabeseacumulapormeiodeumprocessolongoeárduodedivagação.

Apessoamodestaépaciente.Seumétodoéilustradopelocomportamentodopequenopeixegobiídeo.Opeixegobiídeoéumpequenopeixequeviveemáguas rasas.38 Na maré baixa, seu habitat é reduzido a pequenas piscinas epoças.Noentanto,ospeixesgobiídeospulamcomgrandeexatidãoporcimadepedrasefendassecasdepiscinaempiscina.Comofazemisso?Conseguemavaliaraáreasecaantesdepular,ouverondeapróximapiscinafica.Sevocêscolocaremumpeixegobiídeoemumambientenãofamiliarelenãopula.

O que acontece é que, durante amaré alta, os peixes gobiídeos passeiamabsorvendo a paisagem e armazenando mapas. Depois, quando a maré estábaixa, eles têm ummapamental do lugar e sabem inconscientemente quaisfendasvãoestarsecasnamarébaixaequaisburacosvãoestarcheiosdeágua.

Os seres humanos também são bons em acumular esse tipo deconhecimento de nômade. Por 90mil gerações, nossa raça vem explorandopaisagens, sentindo perigos e oportunidades. Quando vocês exploram uma

novapaisagemouvisitamumnovopaís,suaatençãoestáabertaatudo,comoadeumbebê.Umacoisalheschamaaatenção.Depoisoutra.

Essa receptividade só pode acontecer quando vocês estão fisicamente lá.Nãoquandovocêsestãolendosobreumlugar,masapenasquandovocêsestãona cena, imersos nela. Se não visitam o lugar de fato, não o conhecem deverdade. Se apenas estudam os números, não os conhecem. Se não seacostumamàspessoas,nãoasconhecem.Comodizoprovérbio japonês:nãoestudemumacoisa,acostumem-seaela.

Quando vocês estão lá na cena, são imersos em detalhes. Milhares desensações lhes tomam.Antigamente, um homemnômade via um riacho emumapaisagemnovaeavisãoseriarevestidadeprazer.Viaumaflorestadensaouuma ravina rochosaeumpequenomarcadordemedo se abrigaria comaimagememseucérebro.

A mente quer fazer julgamentos instantâneos sobre todos os detalhessensóriosquerecebe,arquivaralgumainformaçãonovacomalgumateoria.Aspessoas odeiam a incerteza e se precipitam em julgar. A pesquisa de ColinCamererdescobriuquequandoaspessoas jogamcartasemcircunstânciasquenãolhespermitemcalcularasprobabilidadesdesucesso,oscentrosdocérebroque são impulsionados pelomedo se acendem.39 Tentam dar fim aomedochegandoaumaconclusãoqualquersobreopadrãodojogo,sóparadarfimaomedo.

Entretanto,oandarilhoaguentaa incerteza.Oandarilhosábioresisteesemodera, possuindo o que John Keats chamou de capacidade negativa, ahabilidadede estar em“incertezas,mistérios,dúvidas semabusca impacienteporfatoourazão”.

Quantomaiscomplicadoocenário,maisoandarilhoseapoianapaciência.Quanto mais confusa a cena, mais tolerante sua perspectiva. Ele não temapenasumaconsciênciadesuaprópriaignorância,masdesuaprópriafraquezaperanteela.Sabequesuamentevaiabraçaraprimeirainformaçãoqueaparecereconstruirumateoriauniversalemtornodela.Éafaláciadaancoragem.Sabeque suamente vai tomar a experiênciamais recente e tentar impor as liçõesdaquelecasoneste.Éafaláciadadisponibilidade.Sabequeveioparaessacenacom certos estereótipos em suamente sobre o funcionamento da vida e vaitentar fazer com que aquilo que vê entre em conformidade com essesestereótipos.Éafaláciadaatribuição.

Estáatentoàssuasfraquezas.Prestaatençãonassensaçõesquevêmdebaixo.Faz generalizações e análises experimentais e de novo se foca em sensações.

Continuaadivagareabsorver,deixandoainformaçãomarinarnofundo.Estájogando, selecionando isso e aquilo.Vêumapartedapaisageme lentamentesenteseucaminhoparaooutro lado.Conhecepessoasnessanovapaisagemerepetepartesdocomportamentoedopensamentodelasemsuaprópriamente.Começa a andar damaneira que andam e a rir como riem.Vê o padrãodaexperiênciadiáriadelas,padrõesdosquaiselasnãoestãonemmaiscientes.Suamentenaturalmenteoscilaentrea texturaexternade suasvidas—suas joias,roupas e mementos — e o que intui de suas esperanças e seus objetivosinternos.

Enquantoisso,oNível1estáagindo,misturandoinformação,procurandosemelhançaseritmoscomseu jeito incessantepeculiar.Estáformulandoumasensação para esse novo cenário: De que maneira a luz se esvai? Como aspessoas se cumprimentam? Qual é o ritmo de vida? Não são apenas osindivíduos que o inconsciente está tentando discernir, mas os padrões entreeles. Quanta intimidade essas pessoas que trabalham juntas têm? Qual aconcepçãonãoverbal comumdeautoridadee individualidade?A ideianãoéapenasdescreverospeixesdorio,masanaturezadaáguanaqualnadam.

Em algumponto há ummomento de calmaria, e observações díspares seintegramemumtodocoerente.Oandarilhopodecomeçaraprevercomoaspessoas vão terminar suas frases. Possui agora mapas em sua mente. Oscontornos da imagem de seu cérebro se harmonizam com os contornos darealidade desse novo lugar. Às vezes, essa sincronia será alcançadagradualmente.Àsvezes,hásurtosdeinspiraçãoeomapaentraemfocodeumasó vez. Depois desses momentos, a mente vai reinterpretar cada velhainformação de uma maneira radicalmente distinta. O que parecia serincalculavelmentecomplexo,vaiagoraparecerbelamentesimples.

Mais tarde— não em breve, não até depois de váriosmeses ou anos deobservaçãoárdua,comperíodosdesecaetédiosfrustrantes—,oandarilhovaialcançaroqueosgregoschamavamdemétis,umestadodesabedoriaquenascedaconversaentreNível1eNível2.

Métis é difícil de colocar em palavras. Uma pessoa com métis possui ummapamentaldesuarealidadeemparticular.Possuiumacoleçãodemetáforasque organiza uma atividade ou uma situação. Adquiriu um grupo dehabilidadespráticasquelhepermiteprevermudanças.

Ela entende as propriedades gerais de uma situação, mas também asparticulares. Um mecânico pode entender as qualidades gerais de todos oscarros,maslogodesenvolveumapercepçãodecadacarroemparticular.Uma

pessoacommétissabequandoaplicaroprocedimentooperacionalpadrão,mastambém sabe quando burlar as regras. Uma cirurgiã com métis tem umapercepçãoouumtalentoparacertotipodeprocedimento,eelasentequandopode estar prestes a dar errado e em qual estágio. Na culinária asiática, háreceitas que pedem que o chef adicione ingredientes quando o óleo estiverprestesaqueimar.Umchefcommétis sabe aqualidadequeoóleo apresentalogoantesdealgumacoisaestarprestesaacontecer.

Durante sua discussão sobre Tolstoi no famoso ensaio “O ouriço e araposa”,ofilósofoIsaiahBerlinseaproximadeumadescriçãodeumconceitoparamétis.40Éalcançado,escreveele,“nãoporumquestionamentoespecíficoou por uma descoberta específica, mas por uma consciência, nãonecessariamente explícita ou consciente, de certas características da vida e daexperiênciahumana”.

“Nós, humanos”, continua ele, “vivemos a vida no meio de um fluxoespecífico de eventos, o meio no qual estamos. Não absorvemos e nãoconseguimos absorver [esse fluxo] como se viesse de fora; não conseguimosidentificar, medir e tentar manipular; não conseguimos nem ter totalconsciência dele, visto que entra intimamente em toda a nossa experiência”.Eleé

entretecidodemaneiramuitopróximacomtudoquesomosefazemosparaserextraídodessefluxo(eleéofluxo)eobservadocomdistanciamentocientífico,comoumobjeto.Ele—omeionoqualestamos—determinanossascategoriasmaispermanentes,nossospadrõesdeverdadeede falsidade, de realidade e de aparência, do bem e do mal, do central e do periférico, dosubjetivo e do objetivo, do belo e do feio, do movimento e do descanso, do passado, dopresenteedofuturo...Noentanto,apesardenãoconseguirmosanalisaromeio semumpontodevista (impossível)foradele(poisnãohá“fora”),aindaassimalgunssereshumanosestãomaiscientes—apesardenão conseguiremdescrever isso—da textura edadireçãodessasporções “submersas”de suaprópriavidaedadosoutros;maiscientesdissodoqueoutros,queouignoramaexistênciadeummeioquepermeiatudo(o“fluxodavida”)esãochamadosdesuperficiais,comrazão;outentamaplicar-lheinstrumentos—científicos,metafísicosetc.—adaptadosunicamenteparaobjetos acima da superfície, a porção relativamente consciente e manipulável de nossaexperiência,atingindoassimabsurdidadesemsuasteoriasehumilhandofalhasnaprática.

Asabedoria,concluiBerlin,não é conhecimento científico, e sim sensibilidade especial em relação aos contornos dascircunstânciasnasquaisporventuranos encontramos; éumacapacidadedeviver semcolidircom alguma condição ou fator permanente que não pode nem ser alterado nem descrito oucalculado por completo; uma habilidade de ser guiado por regras de bolso — a “sabedoriaimemorial”quedizemresidiremcamponeseseoutros“povossimples”—nasquaisregrasda

ciêncianãoseaplicamemprincípio.Oinexpressávelsensodeorientaçãocósmicaéo“sensodarealidade”,o“conhecimento”decomoviver.

HaroldnaverdadeleuessapassagemdeBerlinparaEricacertanoite,apesarde a passagem ser abstrata e de ela estar cansada, e ele não teve certeza doquantoelarealmenteabsorveu.

1 Organização sem fins lucrativos e rede internacional colaborativa de pesquisadores que investiga acognição social implícita, isto é, os pensamentos e sentimentos aquémdo controle consciente.TemsuabasenaUniversidadeHarvard.(N.daT.)

capítulo16

AINSURGÊNCIA

RaymondeEricacomeçaramaalmoçarjuntosnorefeitórioàs11h45(Raymond acordava cedo,mas concordou em atrasar seu horário normal dealmoçoempelomenos45minutosporcausadeErica).Logo,outraspessoasque pensavam de maneira semelhante estavam almoçando cedo para quepudessemse juntaraeles.Emalgumas semanas,haviavinteou trintapessoasalmoçandojuntasantesdomeio-diaemumcantodorefeitório.

Eraumamisturaestranhadegerações.HaviaumgrupodeamigosdeErica— pessoas na casa dos 30 — e havia um grupo dos velhos camaradas deRaymond, na casa dos 50 ou 60 anos de idade.Namaior parte do tempo,apenas fofocavam sobre a última estupidez de Taggert. Um dia, a empresaanunciouumcongelamentodecontratações.

“Issonuncavaifuncionar”,observouRaymondcomumsorriso.“Elesvãosimplesmente contratar temporários e estagiários e mantê-los lá. Tinhaestagiário trabalhandocomagenteque ficouaquiporcincooudezanos.Sevocê contrata como estagiário, pode manter os salários sem ter de assinarcarteira,entãoocongelamentodecontrataçõesnãoseaplica.”

RaymondnasceuemumranchononortedeMinnesotaeperdeuumavidainteira de tendências da moda. Se fizessem um filme de sua vida, GeneHackmanseriachamadoparainterpretá-lo.

Ele e Erica rapidamente formaram uma divisão de trabalho entre eles.Raymond fazia observações sobre como Taggert e sua equipe estavamestragando tudo, e ela tramava a revolução. Se fizesse o que tinha vontade,Raymond ficaria feliz em fazer comentários sardônicos sobre a cena que sepassava,masEricaqueria tomarumaatitude.Taggert estavadestruindo tudoque outros haviam construído. Ela ainda tinha décadas de vida pela frente enão queria ver sua vida obscurecida tanto pelo fracasso do próprio negócioquanto pelo colapso de uma corporação gigante que a contratou para que a

ajudasseacrescer.Ehaviaoutracoisa incentivando-a.Desdea infância, sabiacomoerasentiraquilo;nãoimportavaolugaremqueelaesuamãeentrassem,eram julgadas comonãomerecedorasdequalquer coisaqueencontrassem.Aideia de ser forçada a ser condescendente por essa equipe de imbecis querecebeuexcessodeeducaçãoproduziaumairaqueafaziaacordarnomeiodanoite.

Diaapósdia,elainsistiacomRaymond:“Temosdefazeralgumacoisa!Nãopodemos simplesmente ficar sentados aqui conversando.” Finalmente eleconcordou,atécertoponto.

Raymondestava comendoo sanduíchede línguaque trazia todososdias,com um refrigerante Dr. Brown. Ele concordou que montariam umaproposta,umconjuntodiferentedeestratégiasqueaempresapudesseexplorar.Mas Raymond tinha algumas exigências: “Em primeiro lugar, nada deoperaçãopordebaixodospanos.Fazemostudodemaneirahonestaeparatodomundover. Segundo,nadade golpe.Não estamosmirandoos funcionários.Estamos oferecendo sugestões sobre políticas. Terceiro, sempre prestativos.Nunca vamos desafiar a habilidade de ninguém. Vamos apenas tentar lhesapresentaralternativasconstrutivas.”

Ericaachouqueeleestavafazendoumadistinçãosempensarnasdiferenças.ErainconcebívelqueTaggertpudessesetornarotipodepessoaqueadotariaapolíticaqueRaymondcriaria.Mudardepolíticasignificariamudardeequipe.MasseRaymondprecisavateressasexigênciasparaquepudessecontinuarfielaalgumantigocódigodelealdade,porEricatudobem.

Começaramareunirumgrupodepropostasparasalvaraempresa.Fizeramisso às claras, no refeitório, comomembros do que começaram a chamar deClube do Brunch, em homenagem ao horário precoce das refeições deRaymond.

Trabalharamnaspropostasdurantevárias semanas,eErica ficoufascinadapela maneira como Raymond liderava o grupo.1 Primeiro, parecia passar amaior parte do tempo falando sobre coisas nas quais não era bom. “Perdão,nãoseilidarmuitobemcomdistrações”,diriaeleenquantodesligavaocelularantesdetodasasdiscussões.Ofatoéquenenhumcérebrohumanolidamuitobem com distrações, mas Raymond era sábio o suficiente para saber disso.“Perdão,nãosoumuitobomcomgeneralizações”,interrompeueleumdia.Ofatoéqueamaioriadasmentessãomaisflexíveisaolidarcomimagensvisuaisdo que com conceitos abstratos,masRaymond era sensível o suficiente parareconhecerisso.“Podemosdetalharumapautaaqui?”,diriaele.“Minhamente

estásimplesmentevagandodeassuntoemassunto.”Ofatoéqueamaioriadaspessoasconseguemanterumpensamentoporapenasdezsegundosdecadavez,mas Raymond era inteligente o suficiente para ver que precisava de umaestrutura externa para se manter operante. No começo de cada almoço,anotavaumalistadecoisassobreassuasfalaseficavachecandoalista.

O conhecimento de Raymond sobre suas próprias dificuldades eraenciclopédico.Sabiaque tinhadificuldadeemcompararmaisdeduasopçõesao mesmo tempo. Se lhe dessem três opções, ficava confuso, então criavaparênteseseiadeumacomparaçãobináriaaoutra.Sabiaquegostavadeouvirprovas que confirmavam suas próprias opiniões, então pedia que Erica e osoutros dessem a contraprova primeiro, e não que a escondessem. Sabia quetinha uma preferência pelo caminho mais cauteloso em qualquer situação,entãosempreseforçavaaresumirocasopelocaminhomaisarriscadoantesdeargumentarafavordocauteloso.

OplanodoClubedoBruncherachegaraoitooudezpropostasdepolíticasquepudessemapresentaraoconselhoeàequipeexecutiva.Elessededicavamaumapropostadecadavez.Sentavam-seduranteoalmoçoeconversavamsobreaquilo. Amaior parte do tempo na verdade não era gasta com a criação denovasideias.ConformeRaymondexplicouparaEricacertanoitedepoisdeumlongodia,amaioriadasreuniõesdenegóciosnãoenvolveacriaçãodenovosplanos,envolveamanipulaçãodeumgrupodegerentesparaqueacreditememumaabordagembásica.

—Alguém está achando que isso aqui é errado?—perguntouRaymondcerta vez enquanto estavam falando sobre um novo procedimento decontratação.Ofatoéqueamenteéboaemdetectarseuspróprioserros.Nocomeço da década de 1990, Michael Falkenstein, da Universidade deDortmund, na Alemanha, percebeu que, quando um sujeito realizando umteste apertava uma tecla errada, os potenciais elétricos no lobo frontal caíamcerca de dez microvolts.2 Patrick Rabbitt, da Universidade de Manchester,descobriuqueerrosdedigitaçãosãofeitoscomumpoucomenosdepressãodoque toques corretos, como se a mente estivesse inconscientemente tentandofrear no último segundo.3 Em outras palavras, por meio de mecanismoscomplexosderesposta,océrebroconseguereconhecererrosmesmoquandoosestamos cometendo. Talvez por isso, em geral, valha a pena mudar suasrespostas em um teste se há um indício de que a resposta que marcou estáerrada. Várias pesquisas descobriram que as pessoas que voltam e mudam

respostasduvidosasmelhoramsuaspontuações.4Raymondestavapedindoqueas pessoas ficassem alertas a esses avisos sutis de emergência que borbulhamdentrodelas.

Àsvezes,Ericaficavaimensamentefrustradacomele.Ogrupogeralmenteacordavaumcronograma.Trêsdiasparacadaproposta.Estariamnomeiodoterceirodiadediscussão,lapidandoumadaspropostas,ederepenteRaymondtrocavadeladoeargumentavaafavordeumaabordagemtotalmentediferentedaquehaviamacabadodeacordar.“Vocêacaboudeargumentarexatamenteocontrário”,exclamavaEricacomirritação.

“Eu sei. Parte demim acredita naquilo. Parte demim acredita nisso. Sóquero que todas as minhas personalidades esquizofrênicas se manifestem”,brincava ele. Na verdade, pesquisadores descobriram que as pessoas que selançam no que chamam de “autoalavancagem dialética” geralmente pensammelhor do que pessoas que não o fazem. Isso significa lançar-se em debatesinternos,opondoumimpulsocontraooutro.

Finalmente,quando todososargumentoshaviamsido formados,oClubedoBrunchfaziaumavotação.Quandoumapropostaeraaprovada,Raymondsempre levantava a folhadepapel e anunciava comum sorriso largo: “Bom,issoéumfracassonobre!”

Na primeira vez que falou isso, Erica não entendeu o que queria dizer,entãoRaymondexplicou:“OgrandemestredosnegóciosPeterDruckerdissequemaisoumenos1/3dasdecisõesqueeleobservouestavacertonofinaldascontas, um outro terço foi minimamente eficaz e o outro era um fracassoabsoluto.5Querdizer,hápelomenos2/3depossibilidadesdissoquefizemosestar errado, e muito errado. Acreditamos que isso é fantástico porquequeremosacreditarquesomosfantásticos.Queremospreservarnossosprópriosegos,entãoficamosnosinfluenciando.Masaverdadeéqueavidasetratadeproduzirfracassos.Sóprogredimospormeiodeumasériedeerrosregulados.Cadamovimentoéumfracassoparcialquetemdesercorrigidopelopróximo.Pense nisso como um caminhar. Você oscila o seu peso para que fique semequilíbrioacadapasso,aídepoisvocêjogaaoutrapernaparacompensar.”

À noite, Erica ia para casa e contava paraHarold sobre o queRaymondhavia feito naquele dia. Harold o tinha visto apenas duas vezes, em umchurrascoenafestadaempresa,masachavaqueRaymondlembravaumrapazque ele conheceu certa vez, que trabalhava como carpinteiro em umacompanhiade teatronocentro.Orapaz semprequisestarno teatro,masna

verdadenuncatevenenhumdesejodeserator.Havia tentadonaescola,masestarnopalcosimplesmenteodeixavadesconfortável.Portanto,tornou-seumassistentedepalco.Gostavadoespíritodegrupodatrupedoteatro.Gostavadecontribuir para a produção toda e do fato de que não raro sabiamais sobreteatro do que os diretores e do que as estrelas que eram cegadas pelos seuspróprios egos. A teoria deHarold era que Raymond era o tipo de cara quesimplesmente amava fazer com que as coisas funcionassem. Mas Haroldsuspeitava que quando chegasse a hora de dar umpasso, ele nunca desafiariaTaggert de fato.Nunca subiria nopalco e interpretaria o papel principal nodramadesalvaraempresa.

Ericanãotinhatantacerteza.Tododia,viacomoaspessoassereuniamemvolta dele no refeitório. Ele era um misto estranho de traços. Eraextremamente modesto, mas também podia ser extremamente voluntarioso.Muitospresumemquepessoashumildes tambémsãoderrotadas,masàsvezeshaviauma teimosia ferozdentrodeRaymond.Eleconstruiu suaperíciacombase na consciência aguda de sua própria ignorância, mas era bastanteautoconfiante.

Areunião

As discussões no Clube do Brunch foram acompanhadas com atenção porpessoas de posição mediana na empresa. Vários funcionários olhavam paraRaymond e Erica ansiosamente, com a esperança de que esses dissidentes ossalvassem do declínio. Taggert e sua equipe olhavam para eles de maneiradesdenhosa,seéqueolhavamparaeles.Eramapenasumaplebedesobedientedeperdedoresefracassados.

O problema principal de Erica nesse momento era que não tinha umaabertura. O grupo havia terminado de construir suas sugestões. Haviamcompostoummemorandode25páginas sintetizando sua sabedoria coletiva.Contudo,nãohaviaumamaneiraboadeapresentá-lo.Elapodiaapenasenviá-lo à cadeiadedecisão,masodocumento seperderia e seria enterrado.Podiavazá-lo para um periódico sobre comércio, mas isso violava a regra “semoperaçãopordebaixodospanos”deRaymond.

Felizmente, o Senhor proveu.Umdia, JimCramer, um apresentador daCNBC,berrouqueaIntercomestavaindodescargaabaixo.Eledefatopegou

umdecodificadordaempresa,quebrou-onoaretentoudardescarga,pedaçoporpedaço,emumaprivadaquetinhanoestúdio.

Esses tipos de demonstrações nem sempre produziam movimentaçõesgigantesnopreçodeações.Masessa tocounoponto fraco.Nodia seguinte,todomundo estava vendendo.O preço da ação, que já havia chegado a 73algunsanosantes,caiude23para14emumdia.

Taggert sentiu que tinha de encarar a tempestade e concluiu, comnaturalidade, que uma apresentação sua em público seria o suficiente pararecuperar a confiança. Anunciou o que chamou de “Convocação daOportunidade”.Convidouocomitêexecutivoeosmembrosdoconselhoefezcom que transmitissem a reunião por webcast para que os analistas de WallStreetpudessemsintonizareouvir.“Queremosfalarmastambémouvir”,disseTaggert enquanto anunciava a reunião. “Queremos apresentarnossosplanos,mas também ouvir suas preocupações e ideias. Esta é uma organização deaprendizado, e vamos caminhar adiante juntos.” Era o convite que Ericaprecisava. Ela disse para Raymond que ele ia se levantar nessa reunião eapresentarsuassugestões.Raymond,queeramedrosoouastuto,dissequefariaissoapenasseelaselevantassetambémeoajudasse.

A reunião aconteceu em um teatro no centro da cidade. Taggert e suaequipesesentarambanhadosdeluznopalcoetodoorestosesentounoescurolá embaixo.Essa era suanoçãodeumdebate interativo. “Queroque saibamque estoumuito animado com o lugar onde esta empresa se encontra nestemomento”,começouTaggert.“Sempretiveumsensomuitobomdecomoocrescimentoacontece,eestouconfiantequeestaempresaestáprestesaterumcrescimento exponencial. Temos a melhor equipe de gerenciamento dosEstados Unidos, os melhores funcionários e a melhor linha de produção!Portanto,tragomuitapaixãoparameutrabalhotodososdias.

“Uma das coisas às quais me propus quando assumi é promover nestaempresaumcrescimentodeponta.Percebiqueosmétodosantigosnãomaisfuncionariam. Tínhamos de rasgar o velho livro de regras, buscarmudançasconstantes e alcançar um crescimento inédito que mudasse o jogo. Issosignificou revolucionar a cadeia de valor e sacudir os procedimentosoperacionais padrão.Não tínhamosmais o luxo de ficar sentado e aprendercomosoutros.

“Quandoembarcamosnessatrajetóriaousada,sabíamosotempotodoquepoderia ser difícil entender a estratégia vista de fora. Sabíamos que haveriamedições externas que seriam enganosas àqueles que não entendiam as

trajetórias que estávamos tomando. Pode haver críticos bem-intencionadosque,emseupontodevista,simplesmentenãoconseguiramverocaminhodelongo prazo.Mas instituímos nossas própriasmedições, e eu estou aqui paradizer para vocês hoje que alcançamos e ultrapassamos cada medição quecriamos.Estamosmudandomaisrápidodoquepensamos.Estamosinovandomelhor.Não deixamos nenhuma pedra intacta. Jogamos tudo que tínhamoscontraosproblemasquedesafiamestaempresa.Experimentamostudoemumaondaintensadeatividade.Estamosàbeiradeumcrescimentoexplosivo.

“Semprefuibomemleroqueasoutraspessoasestãopensando,eseiquealguns de vocês estão preocupados. Mas eu estou aqui para lhes dizer quequandoestarevoluçãoestivercompleta,vocêsverãocomooplanejamentofoicuidadoso.Embreve,estaremostomandoumanovasériedepassosquevainosaprofundarnaprogramação,nosmercadosdecrescimentoenasredessociais.Essasaquisiçõesvãorevolucionarestaempresa.Imediatamentedobramosnossocontatocomespectadoreseclientes.Demosumsaltoporcimada tecnologiarecente e nos colocamos em posição de transformar nossa indústria. Vamosembarcar emum esforçodramático para reestruturar a nossa empresa e pararemodelaranossaidentidade.”

Elepermaneceunessalinhapormaisumtempo,depoisalgunsmembrosdeseu comitê de deferência se levantaram e apresentaram algumas projeções enúmerosdecrescimento.

Quando a apresentação terminou, ninguém sabia o que pensar.Todos jáhaviam escutado essas promessas antes. Haviam sido levados ao topo damontanhaantes.E,aindaassim,nãoaconteceramcoisasboas.E,aindaassim,aspessoasqueriamacreditar.Taggert eracarismático.Osmembrosdaequipedele eram inteligentes. A plateia não se vendeu à visão que ele haviaapresentado,mastambémnãoestavahostil.Estavaincerta.

Raymond se colocou na frente de um dos microfones nos corredores.“Comlicença,podemosfazeralgumassugestões?”

“Éclaro,Ray”,respondeuTaggert.Raymondnuncaerachamadode“Ray”.“Possofalardaídecima?”,Raymondapontouopódionopalco.“Éclaro.”Raymond fez umgesto para queErica se unisse a ele nopalco.Erica foi

tomadaporumaondaterríveldesíndromedoimpostor,masfoicomele.“Comoeuacreditoqueosenhorsaiba,sr.Taggert,algunsdenóscommais

tempo de empresa e alguns dos jovens entusiastas temos nos reunido nasúltimas semanas tentando pensar de que maneira podemos ser úteis ao seu

trabalho.Nãotemosacessoamuitasdasinformaçõesqueosenhortem,entãotalvez nossas ideias sejam tolas e inviáveis. Provavelmente o senhor jáconsideroutodaselas.

“Masumadasideiaséquegostaríamosdeterumanoçãomaisclaradoquese trata esta empresa. Ela costumava ser uma empresa de TV a cabo.Instalávamos cabos.Nós os colocávamosno chão e os conectávamosna casadaspessoas.Éramosumbandodemecânicos.Construíamostecnologiasnovase fazíamos comque as coisas funcionassem.Essa era a nossa identidade. Issonosdeixavaorgulhososdetrabalharaquienosforneciaumcódigodecondutanãoescrito.Nãoseiaocertoseessaidentidadeestátãoclaraagora.Parecemosestar fazendo mil coisas diferentes com mil culturas diferentes. Quando eucomeceiaqui,oobjetivoeraotimizarnossaperformancecomofornecedoresdeTVacabo,enãomaximizaronossocrescimento,comoémedidonoinformederendimento.Tambémnãoestoucertoseissocontinuaassim.

“Euseiquedevoparecerumvelhonostálgico.MascomeceiatrabalharaquiparaJohnKoch.Muitosdevocêsnãooconheceram,maseuoconheci,apesarde eu ser um novato naquela época. Ele veio da empresa em vez de sernomeadoparaotopodela.Ocarroqueeledirigia,amaneiracomoelesevestiaefalava—eramsimilaresaoscarrosquenósdirigíamos,àmaneiracomonosvestíamose falávamos.Eleganhavamaisdoquequalquerum,claro,maserapartedamesmaescaladepagamentonaqualorestodenósestava,enãopartede alguma escala de CEO numa galáxia distante dos funcionários normais.Você tinha a sensação, conversando com Koch, que ele reagia às coisas damaneiraquevocêreagiria seestivessenaposiçãodele.Ele tinhauma ideiadecomoasequipesnasruastrabalhavamecomonãopodiamtrabalhar.

“Kochnãoeradegrandesplanos.6Apenasfaziaajustesconstantes.Sempreusava a palavra comissariado para descrever seu estilo de liderança. Ele tinhaherdadoumacoisaincríveleestavaapenascuidandodela.Queriatercertezadequenãoaarruinasse.EulembroqueelecostumavaseguiravelhasugestãodePeterDrucker.Toda vez que tomava uma decisão, escrevia ummemorandopara si sobre o que esperava que acontecesse.Novemeses depois ele abria omemorando e lia para descobrir como estava errado. Queria aprender omáximoquepudessecomcadaerro.”

Raymondcontinuoudessamaneirareminiscentepormaisalgunsminutos.Nadadoquedisse foiabertamentecríticoemrelaçãoaTaggertesuaequipe.Continuou pedindo desculpas por ser um sentimentalista olhando para trás.Continuou dizendo que é claro que não tem como voltar para casa agora,

voltarparaos velhos tempos,maso contraste entreo espíritoque a empresacostumava tereaatmosferadesnudadaqueagoraprevalecia—bem,essaeraumadiferençamuitodolorosaeintensaparaignorar.

Erica tentou continuar a atmosfera emocional que ele havia estabelecido.Não era seu modo normal. Geralmente, gostava de ser a espevitada na saiabrancaapertada.MasRaymondhaviaestabelecidoumtommaisameno.

Dissequeelaeumgrupodecompanheirosdetrabalhovinhamsereunindoetendoideias,eelaesperavaquetalvezalgumaspudessemserúteisaTaggertesua equipe. Começou pelo viés financeiro. “Uma das coisas sobre as quaisconversamosmuito é a importânciadodinheiro vivo”, disse ela. “Vocêpagacontas com dinheiro. Quando você tem dinheiro no banco, você consegueresistiraumoudoisbaques inesperados.”Masnosúltimosanos—observouela—aempresahaviasecadosuasreservasdedinheiro.Àsvezes,a impressãoera a de que os líderes atuais achavam que dinheiro era para covardes e quedívidaeraumsinaldeousadia.Nosúltimosanos,aempresahaviaacumuladodívidasparafazerumaaquisiçãoatrásdaoutra.

Depois,falousobreestruturacorporativa.Eratãocomplicadaqueeradifícilapontar quem era responsável pelo quê. Era raro que alguém na empresachegasse todo dia demanhã e dissesse “Sou responsável porX”, porque, emcada caso, a responsabilidade estava espalhada por uma cadeia de decisão demúltiplas camadas.OClubedoBrunch, disse ela, tinha algumas ideias sobrecomosimplificarisso.

Depois, falou sobre estratégia. É possível que a empresa tenha sidohiperativa de maneira autodestrutiva, sugeriu ela. As pessoas que ganhamdinheirocomcavalosnãoapostamemtodasascorridas.Naverdade,raramenteapostam,esóofazemquandoachamquetêmumaintuiçãoquelhesforneceumavantagem.WarrenBuffettcostumavadizerqueamaiorpartedodinheiroque ganhou durante sua vida veio de menos de dez decisões. A lição é quelíderes sópodemcontar compoucasboas intuiçõesdurante a carreira, e quenão devem ficar fazendomovimentações quando não têm boas intuições deverdade.

Depois,eladestrinchouasviasde lucrodaempresa.Assinalouqueapartedonegóciorelacionadaàtelevisãoacaboaindaestava indobem.Aquestãoéquehaviatodasessasoutrascoisasacumuladassobreela.Talvezfosseahoradevoltar ao negócio maravilhoso que ainda estava lá no núcleo doempreendimento.

Pode serumaboa ideiadiminuiras teleconferências e trabalharcommaisafincoparafazercomqueaspessoasconversempessoalmente.Amaiorpartedacomunicaçãoéfísica—pormeiodegestos,nãodepalavras.Édifícilentenderosoutrosecompartilharideiaseplanosatravésdeumatela.Podeserumaboaideia,adicionouela,fazercomquemaispessoastrabalhemnoqueelachamoude equipes-multiparadigma. Façam com que diferentes grupos de pessoasanalisemomesmoproblemadediferentesperspectivas.Emprimeirolugar,ossereshumanosevoluíramparatrabalharempequenosbandos.Enaverdadehábastantes evidências que sugerem que, na maioria das vezes, grupos pensammelhor do que indivíduos. Em um estudo, 75% dos grupos resolveramexitosamente um jogo complexo de cartas, chamado de tarefa de seleção deWason, comparados com apenas 9% de indivíduos.7 Em segundo lugar,quando você faz comque as pessoas analisemomesmoproblema, elas usammétodosanalíticosdiferentes.Sevocêsebaseiaapenasemummodo,tendeaamputararealidadeparaqueseencaixeaoseumodelo.

“As pessoas nesta empresa não se conhecem”, adicionou.Mencionou quequandoentrounaempresa,foialmoçarcomumcolegadetrabalho.Perguntouseeleconheciaduasoutraspessoasqueelaconheciadelá.Elerespondeu:

“Não,massóestouaquihádezanos.Aindanãoconheçotantaspessoas.”Ossereshumanosnãodeixamseueusocialemcasaquandovãotrabalhar

todos os dias, disse ela. “Vai soar bobo e cafona, mas muitas pessoas aquigostariam de ter sextas-feiras divertidas com atividades especiais. Podíamostransformar o refeitório em uma praia para um bingo praiano festivo.Podíamosterjogosdesoftballeumaquadradevôlei.Sãotípicoslocaisondeasamizadessãoformadas.”

Erica continuou nessa linha. Falou sobre memorandos da empresa(executivosdeviamsempremencionarporquequeremquealgumacoisa sejafeita, e não apenas o que querem que seja feito). Falou sobre novosprocedimentosdecontrataçãoqueaempresapodiaadotar(talvezaspessoasnaparteinferiordacadeiapudessemparticipardoprocessodeentrevistatambém).Falousobreprogramasdetutoria,vistoqueashabilidadesmaisimportantesemcada trabalho são implícitas, nãopodem ser ensinadas,mas sim comunicadaspelo compartilhamento e pelo exemplo. Sugeriu que os gerentes tivessemorçamento para bônus instantâneos, para que as pessoas pudessem ver osresultadosimediatosdeumtrabalhobem-feito.Descreveualgumasideiaspararenovaraimagemdaempresa.Nodecorrerdosúltimosanos,aempresahaviaselançadocomoumconglomeradomultinacional,comoaGEeoCitigroup.

Noentanto,houveumdeclínionoenvolvimentodocliente.Talvezdevesseserde novo a empresa decididamente fora de moda que foi um dia. Elescostumavam dar ímãs de geladeira. Agora patrocinavam torneios de golfe.Algumacoisahaviamudado.

RaymondeEricanãofalarampormuitotempo—cercade15minutosaotodo. Depois, entregaram a Taggert o memorando que haviam escrito e sesentaram.Outrosfalaramtambém.Algunsestavamexaltadoseforamcríticos.Outros foram bajuladores. A reunião na verdade não resultou em nada. OsanalistasdeaçõesassistiramapenasàapresentaçãodeTaggert,nãoaoqueveiodepois.Reduziramopreçoumpouconaquelatarde.Quantoaosfuncionáriose membros do conselho, não abraçaram imediatamente o que Raymond eEricahaviamdito.Nãoforamlogoaopalco,nomearamosdoisreierainhaebanirameridicularizaramTaggert.Masdefatofizeramquesimcomacabeçaem sinal de aprovação. Realmente internalizaram a mensagem de que aempresaumdiafoialgumacoisanobreequehaviadissipadoessaideiacentral.E, conforme os meses passaram, as ações continuaram a cair, a dívidacontinuouaseacumulareasnovasaquisiçõesfracassaramemlivraraempresadodeclínio,oclimalentamentemudou.

Amassa de funcionários e acionistas um dia pensaram que Taggert fosseumaestrela corporativaquehavia chegadode foraparamudar tudo.Depois,acharam que ele era uma pessoa bem-intencionada que estava tendo algunsproblemasparaseadaptaraumanovaindústria.Masdepois,comopassardotempo,osacionistas-chaveeosmembrosdoconselhocon cluíramqueeleeraumfanfarrãoprepotentequeestavamaispreocupadocomsuaprópriaimagemdo que com a empresa à qual devia servir. Conforme essa conclusão sesolidificou,outraseformou—adequedessavezaempresadeviacontratarumlíderdedentro,alguémqueaentendessenasuaestruturaósseaequepudessetrazerdevoltaaexcelênciaqueumdiapossuiu.Oqueeranecessárioeraumarestauração,nãoumarevolução.

EéclaroqueseviraramparaRaymond,que,quandochegouomomentode interpretar o papel principal, não deu para trás. Ele aceitou o cargo semnunca tê-loaguardadodeverdade.Emaisoumenos teve sucesso.NãoeraotipodeCEOquevaiparaacapadaForbes.Noentanto,restaurouaconfiançae a fé. Ele se livrou das outras divisões que não serviam àsmissões centrais.Promoveualgunsdosrapazesmecânicos—enãoeraumadesgraçaserotipode pessoa que veste camisas brancas de manga curta e óculos fora de modahaviaumadécada.Aempresaseestabilizou.

Depoisdealgunsanos,Raymondseaposentou.OconselhocontratouumCEOdefora.Elesesaiubemedurouseisanosnocargo.Depoisdesseperíodo,oconselhodecidiucontrataralguémdedentrodaempresae,apósumprocessoum tantomaquiavélico, decidiu promoverErica.Ela tinha 47 anos de idadequandoassumiu.FicouaoladodeRaymond,assimcomoestehaviaficadoaolado de Koch anos antes. Não revolucionou a empresa nem fez descobertasousadas.No entanto, ela cresceu e se adaptou aos novos desafios durante osanos de Erica no topo. Ela amava a empresa e a renovou de modoprofundamenteconsistentecomasmaneirasantigas.

capítulo17

ENVELHECENDO

Durante o relacionamento, a maioria dos casais é compelida aministrar a transição entre amor romântico e companheirismo amoroso. Oamor romântico éo tipoque seguraumcasalnaprimeira fase inebriantedorelacionamento.Ocompanheirismoamorosoéoestadomaiscalmoquevemdepois,repletomaisdesatisfaçãosilenciosa,amizadeefelicidademaisbranda.

Alguns casais não fazem a transição. Informações colhidas pelas NaçõesUnidasem58sociedadesdiferentesentre1947e1989sugeremqueastaxasdedivórcio têm seuápiceporvoltadoquartoanode casamento.1No entanto,Harold e Erica aparentemente se saíram bem nesses anos. Erica sucedeuRaymond como CEO da Intercom por volta do 12o ano de casamento,enquanto Harold vivia em séculos passados escrevendo seus livros. Nos dezanos seguintes, passaram mais tempo absortos em suas carreiras do querealmente em seu casamento. Passavam muito tempo no trabalho, cada umtinha suas causas filantrópicas, e a maioria das outras partes de suas vidas sedissipou,incluindoahabilidadedesecomunicaremumcomooutro.

Depois de terem se estabelecido e de poderem relaxar um pouco,descobriram que não tinham mais muita coisa em comum como haviamsuposto. Não que brigassem. Apenas vagaram para interesses e esferasdiferentes.

Depois de anos de ascensão e luta, se cansaram de se submeterem aosoutros. Em seu livro The Female Brain (O cérebro feminino), LouannBrizendine escreve que uma mulher de meia-idade geralmente “fica menospreocupadaemagradarosoutroseagoraquerseagradar...Comseuestrogêniobaixo,aoxitocina tambémficabaixa.Elaestámenos interessadanasnuancesdaemoção;estámenospreocupadaemmanterapaz;eestárecebendomenosondasdedopaminacomascoisasquefaziaantes,atémesmofalarcomamigas.Nãoestárecebendoarecompensacalmantedeoxitocinaaoprotegerecuidar

deseusfilhinhos,entãosente-semenosinclinadaaficaratentaàsnecessidadespessoais dos outros”.2 Os homens, obviamente, também não ficam maiscuidadososecomunicativosquandoelesesuasesposaschegamaos50anosdeidade.

Ericasetornouumapequenaestrelanomundodosnegócios.AIntercomhavia se recuperado e estava registrando ganhos estáveis. Ela viajava deconferênciaemconferência,faziasuasapresentaçõesparapúblicosadmiradoseera sempre um pouco decepcionante voltar para casa e encontrar Haroldusandoshortecamisetamexendonocomputador.Suasvidashaviamtomadoformas distintas. Erica amava ficar na atividade, seus dias eram cheios dereuniões, almoços e compromissos. Harold gostava de ficar sozinho,explorando eras históricas antigas, sem nada no calendário. Erica estavaabsorvidapelosdesafiosdaliderança.Haroldestavacadavezmaisperdidoemseumundodelivros,personagensedocumentos.

ParaErica,os traçoscativantesdeleagoracomeçaramaparecermais comsinaisdefalhasprofundasdecaráter.Atendênciaqueeletinhadedeixarsuasmeias no corredor não era um sinal de profundo egoísmo e narcisismo? Atendênciadenãofazerabarbanãoeraumsinaldeprofundapreguiça?Harold,poroutrolado,àsvezesficavahorrorizadocomanecessidadecompulsivaqueErica tinha de bajular qualquer pessoa que pudesse ser capaz de ajudar nocrescimento de sua empresa.Quando ela o arrastava para recepções e festas,invariavelmente o abandonava em questão de minutos. Ele ficava preso emalguma conversa sem objetivo, e quando ele dava uma olhada no salão, elaestava a metros de distância gargalhando com algum CEO que elaprovavelmente detestava em segredo. Às vezes ficava ofendido com oscompromissos que ela assumia para se projetar. Às vezes ela ficava ofendidacom a passividade essencial de Harold, que ele revestia de presunçãoautocomplacente.

WilliamJamesobservoucertavezque“aartedasabedoriaéaartedesaberoque ignorar”.3 Em anos anteriores, eles poderiam ter ignorado os defeitosum do outro, mas agora Erica e Harold faziam anotações silenciosas edesdenhosas.

Comopassardosanos,perderamohábitodeconversarouatémesmodeolharnosolhosumdooutro.Ànoite,elaestarianotelefoneemumapartedacasaeeleestariaatrásdolaptopemoutra.Assimcomocompartilhartudofoiumhábitono iníciodo casamento, agoranão compartilhar tinha viradoum

hábito.Àsvezes,Ericatinhaalgumpensamentoquequeriaexpressarparaele,mas a relação agora tinha uma constituição não escrita. Agora, não seriaapropriado entrar impulsivamente no escritório dele com alguma ideiaentusiastaoufatocurioso.

Haroldparecianemescutarquandoelafalavacomele.Maisoumenosumavezporsemana,Ericao lembravadealgumafestaoutarefanaqualelatinhaenvolvidoosdois.“Vocênuncamefalousobreisso”,respondiaele,irritado.

“Falei,sim.Nósfalamossobreisso.Vocêsimplesmentenãoescutaoqueeudigo”,respondiaela.

“Vocêdeve ter imaginado.Nósnunca falamos sobre isso.”Osdoisagiamcomo se tivessem certeza de que estavam certos, mas no fundo ambos seperguntavamseestavamficandoloucos.

O especialista em casamentos John Gottman argumenta que em umrelacionamentosaudávelosparceirostrocamcincocomentáriospositivosentresi para cada um negativo.4 Harold e Erica não estavam nem perto dessaestatística.Nem faziamparte dela, visto que não trocavam comentários nempositivosnemnegativos.Ambosmeioquequeriamvoltar aosvelhos tempos,quando eram espontâneos e amáveis entre si, porém tinhammedode seremrepelidossetentassem.Sendoassim,simplesmentederammaisumpassoparalongeumdooutro.Conformeorelacionamentomurchava,ambosculpavamas falhas de caráter do outro. Ambos sonhavam que um dia iriam em umconselheiromatrimonialeelejustificariaporcompletosuavisãodequeooutroparceiroeratotalmenteculpado.

No trabalho e em jantares, ainda eram alegres e achavam que ninguémconseguia perceber o que estava acontecendo em casa.Mas não era verdade.Haroldcontavaumhistóriae,quandoterminava,Ericadeclaravabruscamente:

“Não foibem issoqueaconteceu”, e todomundoconseguia sentiro tomdurodesuavoz.

Ambossetornaramprofundamentetristes.Ericachoravaenquantosecavaocabelo.Elaseperguntavasevaleriaapenatrocartodooseusucessoprofissionalpela felicidade em casa. Harold às vezes via casais de sua própria idadecaminhandodemãosdadas.Issoerainimaginávelparaeleagora.ParaHarold,comoparaErica,afontemaisprofundadesatisfaçãoeraotrabalho,enãoeraosuficiente.Haroldnãoiacometersuicídio,massealguémlhedissessequetinhauma doença fatal, achava que era capaz de encarar o prospecto comtranquilidade.

Solidão

O relacionamento de Harold e Erica era completamente ilógico. Ambosqueriamconsertarocasamento,enoentantoestavampresosemumasériedeciclosnegativos.Haviaociclodasolidão.5Aspessoasque se sentemsozinhastendemasermaiscríticasemrelaçãoàspessoasaoseuredor,eportantojulgamos outros demaneira dura e ficam, consequentemente,mais sozinhas.Haviatambém o ciclo da tristeza. Ambos se sentiam emocionalmente frágeis epercebiam que não era divertido ficar perto umdo outro, então se retraíampara mais longe devido a um instinto emocional de sobrevivência. Haviatambém o ciclo do fatalismo.As pessoas que acham que não há o que fazerficamcadavezmaispassivasedeprimidas.

Haroldganhoupesonesseperíodo,especialmentenacintura,ondeoganhode peso relacionado ao estresse tende a aparecer. Bebia demais como decostume, transformou sua tristeza em umproblema filosófico. Ele se perdeunos filósofos estoicos. Concluiu que as pessoas não foram colocadas nestemundoparaseremfelizes.Avidaésofrimento,disseparasi,ecomexceçãodeseu casamento, sua vida tinha se saído razoavelmente bem. Tentou ficarimpermeável ao que estava acontecendo em casa, imune aos seus própriossentimentos.

Ericaviaseucasamentomancopeloprismadeseusucessomundano.TalvezHaroldtivesseinvejadesuasconquistas.Talvezsesentissehumilhadoequisessedescontar nela.Quando se casaram, ele era omais sofisticado dos dois,masagora ela possuía mais savoir-faire. Era ela quem recebia a maior parte daatenção.Elaeraaestrelaluminosa.Foiumerrosecasarcomalguémtãosemambição, e agora ela estava pagando por sua indiscrição juvenil.Inconscientemente,elaobjetivavaselivrardessaáreaproblemáticadesuavida.Passavamenostempoemcasa,equandoestavaláficavamaisdesvinculadaparaquenãosesentissemachucada.

O estereótipo é que os homens iniciam amaioria dos divórcios demeia-idade. Encontram mulheres-troféu e fogem. Na verdade, mais de 65% dosdivórciosqueafetamoscasaisdepoisdos50anosde idadesão iniciadospelasmulheres.6Muitas delas simplesmente descobrem que não precisammais deseusesposos—osafazeresdolar,asobrigações,ocuidadocomeles—quandonãorecebemnadaemtroca,comoafeiçãooucompanheirismo.Sendoassim,Erica, no seu jeito estratégico de olhar adiante, começou a pensar sobre o

futuro,sobredivórcioesuasconsequênciasparaelaeparaHarold.Erapossívelgerenciarumaseparaçãosemmuitosanguenochão?

Estagnação

Umdia,depoisdeumabrigaporalgo insignificante,EricadisseparaHaroldqueestavaprocurandoumapartamento.Talvez fossehoradesedivorciarem.Falou com ele analiticamente. Estavam caminhando para o divórcio haviaalgumtempo,observouela.Jáfaziaumadécadadesdequeaideiadodivórciopassoupela sua cabeçapelaprimeira vez.Queriaquenão tivessem se casado.Nãohaviaevidênciasquesugerissemqueconseguiriamdaravoltaporcima.

Conformeaspalavrassaíamdesuaboca,elasentiucomoseestivessedandoumpassoemumaribanceira.Certamente,nãohaveriamaisvolta.Suamenteestava lá na frente: como explicar o divórcio para seus primos e colegas detrabalho.Comocomeçaranamorardenovo.Qualseriaahistóriaoficial?

Harold não ficou chocado nem surpreso, mas não deu o próximo passológico. Não começou a falar sobre o que deviam fazer. Não falou sobrearrumaradvogadosparaodivórcio,nemofereceuideiassobrecomodividiriamosbens.Apenasabsorveuaspalavrasdela,começoua falar sobrepreparativospara um reparador de telhados que haviam contratado e foi para a cozinhabeberuísque.

Nosdiasesemanasseguintes,foicomosenadativessesidodito.Voltarampara suas órbitas separadas. Mas Harold sentiu, sim, as placas tectônicas semovendo dentro dele. A perspectiva de uma pessoa podemudar por dentromesmoquandoavidaláforacontinua.

Um dia, semanas depois da explosão de Erica, Harold estava almoçandosozinhoemumapizzaria.Olhoupela janelaparaooutro ladodarua,paraopátio de uma escola.Havia centenas de alunos do ensino fundamental comcamisa preta, no recreio. Estavam fazendo bagunça, correndo, escalando,lutandoebatendopapo.Eraincrível:vocêpodiasoltarcriançasemumespaçoplanoevazioeelasotransformavamemumcarnavaldedesordemalegre.

Quando se casaram,Haroldpresumiuque logicamente ele eErica teriamfilhos.Todas as famílias que conheciam tinham.Entretanto,Erica estava tãoocupada nos primeiros vários anos.Nunca era omomento certo.Uma vez,cercadecincoanosdecasados,elemencionouseudesejodeterfilhos,emtomnormal,deconversa.

“Não,agoranão!”,berrouela.“Nãomevenhacomessaagora!”

Eleficousurpreendidoechocado.Elasaiufuriosaparaoescritório.Aquelaspalavras foramasúnicasquehaviamtrocadosobreoassunto.Era

um dos assuntos mais importantes de suas vidas. Foi a discórdia maisimportanteentreeles,ocâncernocentrodeseurelacionamento.Enuncamaisfalaramsobreisso.

Harold pensava em filhos todos os dias, mas tinha medo de levantar aquestão de novo. Ele evitava conflitos com Erica, sabendo que não tinhachancescomela.Dealgumaforma,achavaquesuapassividadeafizessemudarde ideia.Comcertezaelaveriaqueeledesejava filhos, simpatizariacomeleefariaacoisacertaparaqueambosficassemfelizes.

Ela tinha consciência do lado passivo-agressivo dele, e isso a repelia. Eletinha uma raiva secreta em relação à audácia dela em tomar a decisão sobrefilhossemele.Foraumadasescolhasmaisimportantesdesuasvidaseelanempensouemconsultá-lo.

Ele relembrava, com frequência, a breve e única conversa que tiveramacercadoassunto.EleseperguntavaoquehaviasuscitadoareaçãofuriosadeErica. Talvez sua própria infância tivesse deixado alguma cicatriz. Talvez elativesse feito um voto de nunca trazer crianças ao mundo. Talvez fosse suadevoçãoaotrabalhooualgumafaltadeinstintomaterno.Àsvezes,elequeriaforçá-laaterfilhos,masnãotemcomocolocarumacriançanomundonabasedacoação.

Noentanto,eleaindaolhavafixamenteparacrianças.Nessaestagnaçãodameia-idade, observava bebês em aviões, inspecionando furtivamente suasmãozinhas e pezinhos.Notava crianças pequenas começando a andar na ruacom seus avós — os velhos tentando, sem jeito, alimentá-las e levá-las nocarrinho.Observavabandosde criançasnas calçadasbrincandoumas comasoutras,tãoalegrementeabsortasemsiquenemnotavamocalorouofrioouasferidasemseusjoelhos.Quandoestavademauhumor,viaaesterilidadedesuaesposa como um sinal de crueldade, de sua incapacidade de dar, de seucomprometimento egoísta e raso com o trabalho e a carreira. Nessesmomentos,eleadesprezava.

Desperdiçado

Poralgunsanos,Haroldesteveligeiramentedeprimido.Continuouescrevendolivros eorganizandoexposições,masos elogios ao seu trabalho começarama

deprimi-lo de maneira estranha. A admiração pública colocou sua solidãosecretaemfoco.

Seucasamentoestavadormente.Elenãotinhafilhosnemparticipaçãoativaem nenhuma causa política ou filantrópica nem nada pelo que se sacrificar,nada pelo que subjugar seus próprios interesses. E é claro que Erica estavasempreporperto servindocomoseucontraponto.Começoua sentirdesdémpela monogamia e compulsão dela, e também tristeza, pois parecia carecerdaqueletipodeenergiaededesejo.

Sempretomavaumdrinqueantesdedormir.Masnesseperíodocomeçouabeber mais cedo. O uísque se tornou a cafeína dele. Seu cérebro se sentiacansadoeinertenamaiorpartedodia.Porém,setomavaumcopodeuísque,aconteciaummomentodedespertar,quandoideiassurgiametudoficavaclarode novo.Depois, é óbvio, tudo ficava embaçado e ele caía em um daqueleshumoresmelodramáticos,oqueeramelhordoquenãosentirnada.

Namaioriadosdias,Haroldengolia1/3dagarrafadeuísque.Acordavademanhã prometendo mudar sua vida. No entanto, o vício enfraquece omecanismo de aprendizado do cérebro. Alcoólatras e outros dependentesentendemoqueestãofazendoconsigo,masparecemnãoteracapacidadedeinternalizar o conhecimento como uma lição permanente de vida. Algunspesquisadores acreditam que sofrem dessa inabilidade porque danificaram aplasticidadeneuraldocórtexpré-frontal.Nãoconseguemmaisaprendercomoserros.

Umavez,emumdiacomotantosoutros,Haroldteveuminsight.FoibemparecidocomoqueEricatevenodiaemquetentouentrarnaAcademy,anosantes. Harold percebeu que não conseguia mudar seus hábitos de bebidasozinho,masquepodiasecolocaremumcontextoquepudesseincentivarisso.ResolveuiremumareuniãodoAA.

Issoeradifícilparaumsolitáriocomoele.Masumdiaeleapareceuemumrinquedehóqueiinfantile,nosalãolateral,haviaumgrupodoAAfazendoareuniãodetodasasnoites.Eleentroueseviuemcircunstânciasqueiamcontratodososimpulsosemseucorpo.

Harold passou a maior parte da vida com os bem-sucedidos e bem-educados, e lá estava ele jogado em um salão com balconistas, vendedores emotoristasdeônibus(umaquantidadesurpreendentedemotoristasdeônibus,naverdade).Haroldcresceuacostumadoaviveremseuprópriomundo,masaquieleeraforçadoàcompanhiaprofundadosoutros.Haroldcresceuemumaculturadeautoestimaefortalecimento,masaquieleeraforçadoasesubmetera

tudo,aadmitirfraquezaeperdadepoder.Haroldpassouosúltimosanossemaprender com seus erros, mas os métodos dos 12 passos jogaram seus erroscontra ele. Ele tinha de se revolver neles, repetidas vezes.Nos últimos anos,estavacadavezmaiscético,masumavagareligiosidadepermeavaestegrupo.Aspessoasde lá simplesmentenãomandavamqueeleparassedebeber.Nãoerauma tentativa discreta e lógica de resolver apenas esse problema. Eles oconvocaramapurificaraalma,areligarasreentrânciasdocoraçãoedoseuser.Semudassetodaasuavida,aabstinênciadoálcoolseriaumsubprodutofeliz.

Harold leu os 12 passos. Guardou as moedas. Mas foram os indivíduosnaquelegrupoquede fatoosalvaram.OAlcoólicosAnônimosnãofuncionaparaamaioriadaspessoas.7PesquisadoresnãoforamcapazesdepreverquemvaisebeneficiardoAAequemnãovai.Nãoconseguemnemconcordarseoprograma funcionamelhordoqueoutrosprogramas existentes, ou apenas sefunciona.

Issoocorreporqueocompanheirismodecadagruponãopodeserreduzidoaumafórmulacomparadaentregruposoucapturadaemumexperimentodeciênciasocial,eaqualidadedocompanheirismoéoquerealmenteimporta.Ogrupo de Harold tinha três pessoas em seu núcleo espiritual: uma senhoraenormementeobesaqueamavaópera;ummecânicodemotos;umbanqueiro.Estavam juntos havia quase uma década e davam o tom do lugar. Nãoaceitavampalhaçada.Umadolescentedogrupohaviamorridoportercobertoocorpocomadesivosantidepressivos.Elesajudaramtodomundoapassarpelotrauma. Sempre havia algumas pessoas discutindo entre si. Os líderesimpunham as diretrizes de comportamento. Harold passou a admirá-losimensamenteeabasearseucomportamentonodeles.

Harold ia quase todos os dias durante um mês e depois dissoesporadicamente.Seriaumexagerodizerqueogrupomudou suavida.Seriacorreto dizer que ele o considerou bastante recompensador. Algumas daspessoasdogrupoeramnarcisistas.Muitaseramincrivelmenteimaturas.Muitashaviamprejudicadoseriamentesuasvidas.Porém,osencontrososobrigavamafalardesi.Tevedesetornarmaisconscientedasnecessidadescorrosivasdentrodele.Eseviuinspiradoporpessoasmenossofisticadasemenoseducadasdoqueele. Além disso, despertou algumas faculdades emocionais que estavamadormecidas desde o ensino médio. Tornou-se mais consciente das marésmutantesemsuaprópriapsique.

Não parou de beber, mas agora nunca bebia antes das 23 horas. O querealmentemudoufoiseuinstintodeseencolher.Dealgumamaneiradurante

suavida,ficouhipersensívelàagitaçãoemocional.Eracapazdeserecolheraoprimeiro sinal de dor emocional. Evitava situações que pudessem lhe causarsofrimento interno. Fugia de confrontos que pudessem suscitar raiva, dor edissabor. Agora, estava um pouco menos medroso. Conseguia olhardiretamenteparaessesfantasmasescondidos.Nãoprecisavavivercommedodatristezaedador.Sabiaqueeracapazdeconfrontá-loedesobreviver.

***

Acampamento

Seu comprometimento com o Incarnation Camp1 aconteceu de maneiraacidental. Um amigo estava indo para Connecticut para visitar a filha, umaconselheiradoacampamento,eperguntouaHaroldsegostariadeacompanhá-lo na viagem. Eles viraram em uma estrada na zona rural deConnecticut eseguiramporumalongaviadeterrapassandoportendas,camposelagos.Aolongodavia,encontraramumgrupodemeninasde9anosdeidadedemãosdadas. Harold olhou para elas com uma satisfação terna, da maneira comovinhaolhandoparacriançasrecentemente.Seuamigoestacionoupertodeumacabana.EleeHarolddesceramacolinaparaumapraianasmargensdo lago,que tinha um quilômetro e meio e era cercado de colinas arborizadas. Nãohaviaumacasaouestradaàvista.Oacampamentoeraseuprópriomundo,800acresdeterrenoselvagem.

Oacampamentoserviaaosricoseaospobres.Algumasdascriançaseramdeescolas preparatórias de Manhattan; outras estavam lá com bolsa e eram doBrooklyn e do Bronx. Com o passar do tempo, Harold enxergaria oacampamento como a única instituição verdadeiramente integrada queconheceunavida.

Aprimeiracoisaquenotoufoiqueoequipamentofísicopareciaestargastoe velho.Acampamentos com finalidade geral, como esse, encaravam grandesdesafios durante a era da especialização, na qual a maioria dos pais preferiaestruturas especializadas em fabricar currículos perfeitos— acampamento decomputação,demúsica,debeisebol.

O zeitgeist parecia ser contracultural também. Havia quase um espíritohippie no lugar. Naquele primeiro dia, Harold viu conselheiros e criançascantandovelhasmúsicastradicionaisdosanos1960—PufftheMagicDragoneOne Tin Soldier. Harold também viu alguns jogos incrivelmente bons de

basquete.Nogeral,viucontatofísico.Os jovensqueestavamacampandoeaequipe brincavam como bonobos. Eles se esticavam um por cima do outro.Faziamtrançasnoscabelosunsdosoutrose lutavamembandosbrincalhões.BrincavamdeMarcoPolonolago.

Ele conheceu o diretor do acampamento, que viu o brilho nos olhos deHarolde lheperguntouseele teria tempoparasevoluntariarno lugar.Duasvezes naquele verão, Harold visitou o acampamento e ajudou em algunstrabalhos eventuais, como supervisionar uns adolescentes durante umaquadrilha.Noinverno,juntoudinheiroparaumadocadenatação.Nooutroverão,visitounosfinsdesemanaeajudouaconsertarastrilhasdecaminhada.Um dia, viu um jogo de softball. As crianças eram ótimas no basquete,masabsolutamenteterríveisnosoftball.Algumasdelasnuncaaprenderamalançar.Harold organizou um programa de softball e até instituiu um time detreinadoresparaele.

No começo de agosto, o diretor perguntou se ele podia ceder cinco diaspara ajudar a liderar uma viagem de canoa pelo rioConnecticut.Havia: 15adolescentes; dois conselheiros, que eram alunos de faculdade; eHarold.Eratrês décadas mais velho do que qualquer outra pessoa na viagem, mas seencaixavaperfeitamente.

Conformeremavamrioabaixo,eleorganizavacampeonatosdeperguntas.EnsinoumúsicasparaeleseaprendeusobreKatyPerryeLadyGaga.Duranteas noites, passaram a lhe chamar de Paizão,2 e no jeito sincero, duro masaberto, dos adolescentes, eles contavam sobre seus problemas — sobre suasvidas amorosas, os divórcios dos pais, a confusão em relação ao que eraesperado deles. Harold ficou tão emocionado por confiarem nele. Escutavacomatençãoprofunda.Os jovens pareciam estar desesperados por figuras deautoridade.Elepresumiuqueosprofessoreseoutrosprofissionaissabiamoquedizerquandoosjovenslhescontavamsobreseusproblemasemedos.Elecomcertezanãosabia.

Oúltimodia inteirodaviagemdecanoa foi árduo.Remaramodia todocontra verto forte. Harold disse para os jovens que, quando chegassem aodestino, podiam levar todos os suprimentos restantes e fazer uma guerra decomida.Quandochegaramaoacampamentofinal,pegaramossuprimentoseempoucosminutoscomeçarama jogá-losunsnosoutros.Grandesmassasdepasta de amendoim passaram voando pelo ar. Todo mundo tinha gelatinaesparramadaemsuascamisetas.Massaprontadebolofoitransformadaemumagosmaespessaeenroladaemformadebolasdeneve.Osjovens,osconselheiros

eHaroldseesconderamatrásdeárvores,organizaramemboscadasdebolosdecarnemoídaeseesquivaramdebanhosdenevefeitosdepódesucodelaranja.

Quando a batalha acabou, todos estavam imundos, cobertos dos pés àcabeça de gosma. Deram-se as mãos e correram em uma grande fila paradentro do rio para se limpar.Depois saíram, trocaramde roupa e fizeram aúltimafogueira.Haroldnãolevoubebidaparaaviagemefoiparaasuatendatarde naquela noite, sóbrio e feliz.Deitou-se no saco de dormir, sentindo-seexaustoeafortunado.Éinteressantecomoumestadodeespíritopodemudarrápido.Emuminstante,algumacoisamudoudentrodele.Derepente,sentiuvontadedechorar.

Nunca havia chorado em sua vida adulta, exceto em algumas vezes noescuroaofinaldeumfilmetriste.Enãochoroudeverdadedessavez.Sentiutremores nas entranhas. Sentiu uma pressão no fundo dos olhos. Mas nadarealmente saiu. Em vez disso, ele teve uma sensação estranha de se imaginarchorando.Estavaflutuandoporcimaedeuumaolhadanelemesmo,agachado,sesacudindodetantochorarnosacodedormir.

Masdepoispassou.Pensounavidaquehaviaconstruídoenavidaqueteriaconstruídocasotivessesidoumpoucomaisabertoepossuísseumpoucomaisdecoragememocional.Eventualmente,caiunosono.1Acampamentodeverãoparacriançaseadolescentes.Iniciadoem1886pelaIgrejadaEncarnação,em

Manhattan.(N.daT.)2Nooriginal, “Daddyo”.Termo informalusadopara se referir aumapessoamais velhapelaqual se

tem apreço. Pode ser pejorativo, caso a intenção seja destacar a questão da idade de uma maneiranegativa.OtermotambémérelacionadoàgeraçãobeatnikdosEstadosUnidos.(N.daT.)

capítulo18

MORALIDADE

Erica nunca tinha visto um corredor de hotel com tantos paletósfalantes.ElafoiaotopodoParabolacomvistaparaoCentralPark,emNovaYork, e, ao sairdo elevador, viuguarda-costasplantadosna frentedasportasem todo o corredor, olhando-se com expressão apática e ocasionalmenteconversandocomasmangasdosseuspaletósparaatualizaçõesdehorários.Nassuítes,haviapríncipessauditas,oligarcasrussos,déspotasafricanosebilionárioschineses,ecadaumtinhaumséquitodetiposmilitaresmusculososesperandodoladodeforadoquartoparaprestígioeproteção.

Umconciergedohotel levouEricadoelevadorparasuasuítepresidencialcuriosamentechamadadeSuíteÍndia.Comoumeunucocurvando-seperanteumadivindade,eleaconduziuparaumcomplexodequartosquatrooucincovezesmaiordoqueseusapartamentosdeinfância.EracomooparaísopessoaldeRalphLauren—umavastaáreaanglófilacomrevestimentodemadeiradenogueiras, várias lareiras com acabamento de pedra, poltronas inglesasespalhadas em alcovas, uma grandemesa demármore para xadrez no canto,chuveiro para ele e chuveiro para ela no banheiro, caso você sentissenecessidade de enxaguar o xampu em um e o condicionador no outro. Eladivagou pelo complexo em um tipo de incredulidade de arregalar os olhos,imaginandocoisasdotipo“Comoassim?Nãotemumcórregocomtrutas?”.

O concierge estava no lado errado da curva de Laffer1 dos serviços. Emalgunslocaistopdelinha,osgarçons,osconciergeseafinsestãoemumestadotãoincrementadodeatendimentodasnecessidadesdoclientequequantomaisfazem,menosconvenienteficaavida.Elesreabastecemseucopodecaféacadagole, então você tem de remexer o açúcar e o creme só para mantê-lohomogêneo.Escovamasuajaquetanamesmahoraemquevocêestátentandocolocá-la.Nestecaso,oconciergeinsistiuemtentardesfazeramaladeEricae

iniciaroserviçode internetwirelesspara seucomputador.Ericapraticamentetevededarumchoquenorapazparaqueelefosseembora.

Issotudofoiamandodeseuanfitrião,ohomemqueelachamavadesr.FazdeConta. Ela tinha acompanhado a carreira desse homemdurante anos nascapas das revistas de negócios, e quando se conheceram em um evento decaridadeelepediuqueelafizessepartedeseuconselhodediretores.

O sr. Faz deConta tinha interesse especial emErica, convocando-a comfrequência, consultando-a com seriedade e até colocando-a em sua lista depresentesdeNatal.Todoanoelemandavaumacaixagigantedepresentesparaseus amigos mais próximos, incluindo itens como laptops, biografiaspretenciosas, capasmarroquinas para edredons, gravuras antigas deVeneza equalqueroutrobadulaqueextravagantequeiluminavaseubomgostoeclético.

Osr.FazdeContaoperavaemumaescalamundialhistórica.Começoudozero em um subúrbio disfuncional no sul de Illinois e se transformou noperfeitoexecutivomestredouniverso,grisalhonastêmporas,jogadordepolo,anfitriãodeeventosdecaridade,1,85metrodealtura.

SeumoteeraNuncaPenseComoumFuncionário,edesdeincrivelmentecedo ele simplesmente presumiu que possuiria e comandaria qualquerorganização da qual fizesse parte. Começou sua carreira nos negócios nafaculdade,levandoalunosdeônibusparaasfériasdeverãoemFortLauderdale.Décadas depois, coroando uma longa série de aquisições, ele comprou umagrandecompanhiaaéreae secolocouno topodela.Noentanto,a impressãoquedavaeradequepassavaumbomtempoposandoparacartõesdeNatalnocume doMatterhorn, negociando a compra de times europeus iminentes defutebol,saindonasnotíciassociaisemperformancesdecaridadedoInfernodeDanteemproldapesquisasobreadiabete infantil,eaparecendoemcorridasdeFórmulaIcomseuscincofilhosperfeitos:Chip,Rip,Tip,BipeLip.

O sr.FazdeConta era incapazde ficarparado.Realizavaomenor gestocomo uma pessoa que acredita que está sendo observada por Deus comadmiração.Examinara fotografias de JFK ehaviapassadohorasna frentedoespelho aperfeiçoando o olhar de paisagem, um quilômetro de distância,Homem-do-Destino. Ainda assim, a cada poucos minutos, um tipo degargalhada de arregalar os olhos escapava dele, como se não conseguisseacreditar na vida fantástica que tinha. Era como ver Dennis, o Pimentinha,acordaracadapoucosminutosedescobrirqueéopapa.

EleteveumdiadefolgaemmeioareuniõesdoAspenStrategyGroup2edaTrilateralCommission,3entãoconvidouEricaparaencontrá-loparaumaconsultoria.Todoanoelecolocavaseusobjetivosparaacompanhiaaéreaemapenas uma folha de papel, e queria que Erica o ajudasse a decidir quaisprioridadesdeviamentrarnalistaequaisnãodeviam—melhorarocheck-inon-lineourenovarasopçõesdebenefíciodesaúdedosfuncionários;trocaroCFO ou reduzir as decolagens para o norte doCentro-Oeste. Instalar Ericanessasuíteeraumdeseusatoscaracterísticosdehospitalidadeopressiva.

Almoçaramna suítedelaporqueo sr.FazdeContaachouqueeramuitofamosoparacomersemserinterrompidonorestaurantedohotel.PediuvinhodoRussianRiverValleyebiscoitosobscurosdePortugal,mostrandootipodediscernimentoqueErica achava irritante—era comoum sutiãmeia-taçadobom gosto. Conversaram sobre a missão da empresa, mas também sobrevaloresdamoedachinesa,energiaeólica,ioga,lacrosseeoamordeleporlivrosdeheróisquemorremnofinal—ocânonedeRobertJordan,chamouele.

Ericahaviadeixadoaportadoquartoabertaembora fosseumalmoçodenegócios.Deixouseussapatoscaírememexeucomelesnocarpeteusandoseuspés cobertos com meias. Estava um tanto encantada pelo homem. Ambosbatiamosdedoscomnervosismoenquantoconversavam.Erealmentenãofoia aridez de seu próprio casamento a essa altura ou sua solidão profunda quefizeramcomquedormissecomelenaqueledia.FoimaisanovidadedefazersexocomumgarotocapadaForbeseaexcitaçãodeterumaexperiênciadaqualsempreselembraria.

Sehaviaqualquerdesejomaisprofundoquesentiaemrelaçãoaosr.FazdeConta,erasuavelhafantasiadefazerpartedealgumcasalpoderosoqueviravamanchete — parte de algum dueto dinâmico magnata no qual umcomplementava as habilidades do outro—, o Scott Fitzgerald e a Zelda domundocorporativo.

Oalmoço-reuniãoduroucercadeduashoras.Elefinalmentedeuemcimadelacomsuapiedade.Elaeraaconselheiramaisvaliosaquetinha,disseele,osdois bem perto um do outro na sala de estar. O segundo conselheiro maisvalioso, continuou ele, era o padre que o acompanhava havia 35 anos. Pormeio dele, o sr. Faz de Conta se tornou ativo no Catholic Charities,4 noKnights of Columbus,5 no Papal Foundation6 e em vários outros gruposcatólicosrenomados.Eracaracterísticodesseindivíduofalarsobreseusserviços

aoVaticanoparairparaacamacomumamulhercasada.Elenãoseviacomoumhomemqueagiadeacordocomregrasnormais.

Erica deixou claro por meio de sua linguagem corporal que estavadisponívelparaserdominada,e,porquestãodeprincípios,osr.FazdeContanãopodiadeixarumaoportunidadededominaçãopassarembranco.

Vergonha

Anosdepois,aoverorostodelenacapadaForbes,elasepermitiuumsorrisopeloseuúnicoepisódiodeadultério.Masnanoiteseguintedoacontecido,seussentimentosforamoutros.

O sexo em si não foi nada. Literalmente nada. Apenasmovimentos semreverberaçãonenhuma.Mas, cercadeumahoradepois de ele ir embora, elateve uma sensação estranha. Parecia que suas vísceras estavam entrando emcolapso.A sensaçãoveio lentamente emum jantardenegócios em formadedor secundária e depois um corte afiado, como pontadas de uma lâmina,quandoestavasozinhanasuíte.Ela literalmentesecurvoudedoresesentouemumacadeira.Maistarde,percebeuqueeraódioporsimesma,vergonhaeasco. Naquela noite, sentiu repulsa de todas as maneiras. Pensamentos eimagens invadiram seu cérebro, não apenas do evento daquela noite, mastambémdemomentosterríveisdopassadoassociadosdemaneiraaleatória.Oremorsoebuliuenãohavianadaquepudessefazerparadissipá-lo.

Comocérebroconfuso,nashorasmaisnegrasdanoite,seviuserevirandonacama,socandootravesseiro,sesentandoedepoissejogandodevoltacomforça.Elaseviugemendoaltoemumtipodeagoniadelirante.Elaseviuempé andando pelos cômodos, correndo ao minibar na cozinha e abrindogarrafinhas de uísque, que não tinham efeito tranquilizante por serem tãopequenas.Nãoestavarealmentecommedodeserpega.Nãoestavanemcommedodequalquerpossívelconsequência.Nesseestágiodesuavida,nãosentianem a presença de Deus nem o julgamento de Deus. Nem achava que apalavra “culpa” se aplicava a essa tempestade. Era apenas dor, que seriasubstituídanodiaseguinte,depoisdealgumashorasdesono,porumalassitudetediosa e um sentimento geral de vulnerabilidade.Nos vários dias seguintes,suasemoçõesficaramtodasnasuperfície.EscutavamúsicasdepressivasdeTomWaits.Nãoconseguia seconcentrarno trabalhoduranteovoodevoltaparacasa, mas, em vez disso, leu um romance de Faulkner. Ficou machucada esensível por semanas, e ligeiramente diferente para sempre. Nunca mais

cometeu adultério, e a mera ideia disso a enchia de uma aversão intensa eirracional.

Sentimentosmorais

O tradicional a se dizer sobre esse episódio é que Erica sucumbiu à luxúriaegoístaedevisãolimitada.Emsuapaixão,emsuafraqueza,elatraiuovotoquehaviafeitoaHaroldnodiadocasamento.

Essacompreensão tradicional sebaseiaemcerta sabedoriapopular sobreamentehumana.Essasabedoriapopularpresumequeháumalutanocentrodenossas decisões morais. De um lado, há as paixões egoístas e primitivas. Dooutro,háaforçailuminadadarazão.Arazãousaalógicaparaavaliarsituações,aplicarprincípiosmoraisrelevantes,resolverdilemasmoraisededuzirumcursoadequado de ação. A razão, portanto, usa a força de vontade para tentarcontrolar as paixões.Quando agimos de forma admirável, a razão domina apaixãoecontrolaavontade.NafrasedeNancyReagan,arazãosimplesmentediznão.Quandoagimosdemaneiraegoístaemíopes,entãoounãoaplicamosarazãoouapaixãosimplesmenteasuplantou.

Nessa perspectiva, a consciência de Nível 2 é a heroína. Os instintos deNível 1 são os vilões.O primeiro está do lado da razão e damoralidade; ooutro,doladodapaixão,dopecadoedoegoísmo.

Todavia,essametáforapopularnãoestádeacordodefatocomamaneiracomoEricavivenciousuaescapadacomosr.FazdeConta.QuandoEricasepermitiu fazer sexo com ele e depois sofreu agonia em razão disso, não foiporque ela sucumbiu em um momento de paixão e depois percebeucalmamentequetinhavioladoumdeseusprincípios.Naverdade,elafoimaispassionalnanoiteseguinte,enquantosereviravadedornacama,doquehaviasido durante a sedução e o pecado. E certamente não foi porque raciocinouconscientementemais tarde sobre seu caminho no dilema e depois repensousua decisão friamente. Essa realmente não foi a sensação.O arrependimentosurgiunelatãomisteriosamentequantoaaçãooriginal.

AexperiênciadeEricanãopassouasensaçãodedramaentrerazãoepaixão.Emvezdisso,pareceumaisprecisodizerqueEricahaviaassimiladosuasituaçãocomosr.FazdeContadeumjeito,quandoeleestavanoquartonafrentedelae ela agiu de uma determinada forma, e mais tarde naquela noite umapercepção diferente da situação a dominou. De alguma maneira, uma ondaemocionalhaviasubstituídoaoutra.

Elaquase sentiu como se fosseduaspessoasdistintas: umadasquais viu asedução de maneira suavemente erótica, enquanto a outra a viu como umadesgraça. É como diz o Gênesis depois que Adão e Eva foram expulsos doJardimdoÉden.Seusolhosforamabertoseelesviramqueestavamnus.Maistarde,elaolhouparasiefoiincapazdeexplicarsuasprópriasações:“PeloamordeDeus,oqueeuestavapensando?”

Ademais,oerrocomosr.FazdeContadeixouumtipodecicatrizpsíquica.Quandosituaçõessimilaressurgiramnosanosseguintes,elanemtevedepensarsobresuaresposta.Nãohaviatentaçãoaresistirporqueameraideiadecometeradultériodenovoproduziaumsentimentoinstantâneodedoreaversão—damaneiraqueumagataevitaumfogãonoqualsequeimou.Ericanãosesentiamaisvirtuosaporcausadoquehaviaaprendidosobresimesma,masreagiademaneiradiferenteàqueletipoespecíficodesituação.

A experiência de Erica ilustra muitos dos problemas com a teoriaracionalista popular damoralidade.Emprimeiro lugar, amaioria dosnossosjulgamentosmorais,comoEricaserevirandonaquelanoiteemagonia,nãoéformada por julgamentos calmos e pensados, é formada por respostasprofundas e frequentemente impetuosas. Passamos nossos dias realizandoavaliações morais instantâneas sobre comportamentos sem ter de pensarrealmente no porquê. Vemos injustiça e ficamos furiosos. Vemos caridade enossentimosbem.

Jonathan Haidt, da Universidade da Virgínia, fornece exemplos e maisexemplos desse tipo de intuiçãomoral instantânea em ação.1 Imaginem umhomem que compra uma galinha e consegue chegar a um orgasmopenetrando-a,depois cozinha e come a galinha. Imaginemcomer seu cãodeestimaçãomorto.Imaginemlimparseubanheirocomabandeiradoseupaís.Imaginemumirmãoeuma irmãemumaviagem.Umanoitedecidemfazersexo comproteção um como outro. Eles gostam,mas decidemnuncamaisfazerisso.

ComomostrouHaidtemumasériedepesquisas,amaioriadaspessoastemfortes reações intuitivas (e negativas) a esses cenários, apesar de ninguém serprejudicadoemnenhumdeles.2Geralmente,ossujeitosdaspesquisasdeHaidtnão conseguem dizer por que acharam essas coisas tão repulsivas ouperturbadoras.Apenasacham.Oinconscienteentrouemação.

Alémdisso, se a teoria racionalista popular, com sua ênfase no raciocíniomoraldeNível2,estivessecorreta,entãoeradeseesperarqueaspessoasque

realizam raciocínio moral o dia todo fossem, de fato, mais morais.Pesquisadores também estudaram isso. Descobriram que há relaçãorelativamentepequenaentreteorizaçãomoralecomportamentonobre.ComoMichael Gazzaniga escreveu em seu livro Human [Humano]: “Vem sendodifícilencontrarqualquercorrelaçãoentreraciocíniomoralecomportamentoproativomoral, como ajudar as pessoas.Na verdade, namaioria dos estudosnãoencontrou-senenhuma.”3

Se o raciocínio moral levasse a mais comportamento moral, era de seesperarqueaspessoasquesãomenosemocionaistambémfossemmaismorais.Mas, na ponta oposta, isso é o contrário da verdade. Como apontou JonahLehrer,amaioriadaspessoas,quandotestemunhaalguémsofrendooulêsobreum assassinato ou um estupro, vivencia uma reação emocional visceral. Aspalmasde suasmãos ficam suadas e suapressão sanguínea sobe.No entanto,algumas pessoas nãomostram reação emocional nenhuma. Essas pessoas nãosãomoralistas extremamente racionais; são psicopatas. Estes parecemnão sercapazesdeprocessaremoçãodiantedadordosoutros.4Podemver inúmerascenashorríveisdemorteedesofrimentoenãosecomovem.Podemcausarosofrimentomaishorrendonatentativadeconseguiralgumacoisaquequeremenãovãosentirnenhumadoroudesconfortoemocionais.Umapesquisasobreespancadores de esposasmostra que, conforme esses homens se tornammaisagressivos,suapressãosanguíneaepulsonaverdadecaem.5

Finalmente,seoraciocíniolevasseaocomportamentomoral,entãoaquelesque chegam a conclusõesmorais seriam capazes de aplicar seu conhecimentoemumlequedecircunstâncias,baseadasnessasleismoraisuniversais.Mas,narealidade,temsidodifícilencontraressetipodeconsistência.

Uma quantidade enorme de experimentos sugere que o realcomportamento das pessoas não é impulsionado por traços permanentes decaráter que se aplicam de um contexto a outro. Na década de 1920, ospsicólogos Hugh Hartshorne e Mark May, da Yale, deram 10 miloportunidades a crianças de escolas para que mentissem, trapaceassem eroubassememumavariedadedesituações.Amaioriadosalunostrapaceouemalgumassituaçõesenãoemoutras.Suataxadetrapaçanãotevecorrelaçãocomqualquer traçomensurável de personalidade ou com avaliações de raciocíniomoral. Pesquisasmais recentes encontravam omesmo padrãomoral. Alunosquesãorotineiramentedesonestosemcasanãoosãonaescola.Pessoasquesãocorajosasnotrabalhopodemsercovardesnaigreja.Pessoasquesecomportam

demaneiragentilemumdiadesolpodemsecomportardemaneirainsensívelno dia seguinte, quando está nublado e estão se sentindo melancólicas. Ocomportamento não exibe o que os pesquisadores chamam de “estabilidadetransituacional”.6 Em vez disso, ele parece ser fortemente influenciado pelocontexto.

Avisãointuicionista

As presunções racionalistas sobre nossa arquitetura moral agora estão sendodesafiadasporumavisãomaisintuicionista.Essadescriçãointuicionistacolocaemoção e intuição inconsciente no centro da vida moral, e não a razão;acentuareflexosmorais,emparaleloàescolhaindividual;enfatizaopapelqueapercepçãodesempenhana tomadadedecisãomoral,antesdadedução lógica.Navisãointuicionista,oembateprimárionãoéentrerazãoeaspaixões.Emvezdisso,acompetiçãocrucialacontecedentrodoNível1,naesferadaprópriamenteinconsciente.

Essavisãocomeçacomaobservaçãodequetodosnascemoscomimpulsosegoístas profundos — um impulso de pegarmos o que conseguirmos, deaumentarmosnossostatus,deparecermossuperioresaosoutros,deexercermospoder sobre os outros, de satisfazermos desejos. Esses impulsos distorcem apercepção.Nãoqueosr.FazdeContaestivessedeterminadoconscientementeausarEricaouaatacarseucasamento.Elesimplesmenteaviacomoumobjetoparaserutilizadoemsuatrajetóriadevida.Damesmamaneira,assassinosnãomatam as pessoas que consideram inteiramente humanas como eles. Oinconscienteprimeirotemdedesumanizaravítimaemudaraformacomoévista.

OjornalistafrancêsJeanHatzfeldentrevistouenvolvidosnogenocídioemRuanda para seu livro Uma temporada de facões. Os envolvidos se deixaramlevarporumfrenesi tribal.Começaramaperceber seusvizinhosdemaneirasradicalmenteperversas.UmhomemcomquemHatzfeld falouassassinouumtutsiquemoravapertodele:

Eu acabei com ele rapidamente, sem pensar em nada, apesar de ele ser um vizinho,moravabem perto da minha coluna. Na verdade, só me dei conta mais tarde: tirei a vida de umvizinho.Querodizer,noinstantefataleunãovineleoqueeletinhasidoantes;golpeeialguémque não era mais nem próximo nem estranho, que não era mais exatamente comum, querodizercomoaspessoasquevocêencontratodososdias.Asfeiçõesdelerealmenteeramparecidasàsdaspessoasqueeuconhecia,masnadamelembravacomfirmezadequeeutinhavividoao

ladodelepormuitotempo.7

Esses impulsos profundos tratam a cognição consciente como umbrinquedo. Não apenas distorcem a percepção durante o pecado; inventamjustificativas depois dele. Dizemos para nós mesmos que a vítima de nossacrueldade ou de nossa inação merecia a punição; que as circunstâncias noscompeliramaagircomoagimos;queaculpaédeoutrapessoa.Odesejomoldaaformadenossopensamentopré-conscientemente.

Contudo, nem todos os impulsos profundos são egoístas, reforçam osintuicionistas. Somos todos descendentes de cooperadores bem-sucedidos.Nossosancestraissobreviveramemfamíliasegrupos.

Outrosanimaiseinsetoscompartilhamessatendênciasocial,equandonósos estudamos, observamos que a natureza lhes forneceu faculdades que osajudam a formar laços e a se comprometerem. Emum estudo da década de1950, ratos foram treinados a pressionar uma alavanca para receberemcomida.8Depois,opesquisadorajustouamáquinaparaqueaalavancaàsvezesfornecessecomida,masàsvezesdisparasseumchoqueelétricoemoutroratonacâmaraao lado.Quandoosratosqueestavamsealimentandonotaramadorque estavam causando aos vizinhos, ajustaram seus hábitos alimentares. Nãomorreramde fome.Mas escolheramcomermenospara evitar que causassemdorexcessivaaosoutrosratos.FransdeWaalpassousuacarreiradescrevendoassofisticadas demonstrações de empatia evidentes no comportamento primata.Os chimpanzés se consolam, cuidam dos machucados e parecem gostar decompartilhar.9 Esses não são sinais de que animais têm moralidade, maspossuemoscomponentespsicológicosparatal.

Oshumanostambémpossuemumconjuntodeemoçõesparaajudaracriarlaçoseasecomprometer.Ficamosencabuladosenossentimosconstrangidosquando violamos normas sociais. Sentimos indignação instantânea quandonossa dignidade é desrespeitada. As pessoas bocejam quando veem as outrasbocejando, e aqueles que são mais rápidos em bocejar em sinal de simpatiatambém estão em patamares mais elevados em formas mais complicadas desimpatia.10

Nossa empatia natural em relação aos outros é agradavelmente capturadapor Adam Smith em Teoria dos sentimentos morais, em uma passagem queantecipa a teoria dos neurônios-espelho: “Quando vemos que um golpe estáprestesaserdesferidosobreapernaouobraçodeoutrapessoanaturalmentenosencolhemoseretiramosnossaprópriapernaoubraço;e,quandoogolpeéfinalmentedesferido,dealgummodosentimosesomosporeleatingidostanto

quantoquemdefatosofreu.”11Tambémtemosodesejo,adicionouSmith,desermos estimadospelosnossos companheiros. “Anatureza,quando formouohomemparaasociedade,dotou-odeumdesejooriginaldeagradaredeumaaversãooriginalaofenderosirmãos.Elalheensinouasentirprazerquandooavaliam de maneira favorável, e dor quando o avaliam de maneiradesfavorável.”12

Nos humanos, essas emoções sociais têm um componente moral, atémesmoemumestágiobeminicial.OprofessorPaulBloom,daYale,eoutrosconduziramumexperimentonoqualmostravamparabebêsumacenanaqualuma figura lutava para subir umamontanha, outra figura tentava ajudá-la euma terceira tentava atrapalhá-la. Bem cedo, ainda aos 6meses de idade, osbebêsmostraramumapreferênciapeloqueajudavaemcomparaçãocomoqueatrapalhava. Em algumas mostras, havia um segundo ato. A figura queatrapalhava era punida ou recompensada. Nesse caso, os bebês de 8 mesespreferiamopersonagemqueestavapunindooqueatrapalhavaemvezdeoqueerabomcomele.Essareaçãoilustra,dizBloom,queaspessoastêmumsensorudimentardejustiçadesdemuitocedo.13

Ninguém tem de ensinar a uma criança a exigir tratamento justo; ascrianças protestam contra a injustiça com vigor e logo que conseguem secomunicar.Ninguémtemdenosensinaraadmirarumapessoaquesesacrificapor um grupo; a admiração pelo dever é universal. Ninguém tem de nosensinaradesdenharalguémquetraiumamigoouqueédeslealàfamíliaouàtribo.Ninguémtemdeensinaraumacriançaadiferençaentreregrasquesãomorais — “não bata” — e regras que não são — “não masque chiclete naescola”.Essaspreferênciastambémaparecemdealgumlugarprofundodentrodenós.Damesmamaneiraquetemosumlequenaturaldeemoçõesparanosajudaraamareasermosamados,tambémtemosumlequenaturaldeemoçõesmoraisparanosfazerdesaprovarpessoasqueviolamcomprometimentossociaise aprovar pessoas que os reforçam.Não há sociedade nomundo na qual aspessoassejamglorificadasporfugiremdabatalha.

É verdade que pais e escola reforçam esses entendimentos morais, mas,comoargumenta JamesQ.Wilson em seu livroTheMoral Sense [O sentidomoral],essesensinamentoscaememterrenopreviamentepreparado.14Assimcomo crianças vêm equipadas para aprender linguagem, equipadas para seapegaràmãeeaopai,tambémvêmequipadascomumconjuntoespecíficode

preconceitos morais que pode ser melhorado, moldado, desenvolvido, masnuncasuplantadodefato.

Esses tipos de julgamentosmorais— admiração por alguém que é leal auma causa, desprezo por alguém que trai um cônjuge— são instantâneos eemocionais.Contêmavaliaçõessutis.Sevemosalguémtomadodesofrimentopela perda de um filho, registramos compaixão e pena. Se vemos alguémtomadodesofrimentopelaperdadeumcarroMaserati,registramosdesdém.Asimpatiainstantâneaeojulgamentocomplexoestãointerligados.

Como já vimos com tanta frequêncianestahistória,o atodapercepção éum processo denso. Não é apenas perceber uma cena, mas, quasesimultaneamente,pesarseusentido,avaliá-laegerarumaemoçãosobreela.Naverdade, vários cientistas agora acreditam que as percepções morais sãosemelhantesàsestéticasesensuais,emanandodeváriasdasmesmasregiõesdocérebro.

Pensem no que acontece quando vocês colocam um novo alimento naboca.Vocênãoprecisadecidirseoalimentoénojento.Simplesmentesabe.Ouquandoobservauma cena emumamontanha.Vocênãoprecisadecidir se apaisagemébonita.Simplesmentesabe.Julgamentosmoraissãoassim,decertamaneira. São avaliações intuitivas rápidas. Os pesquisadores no Max PlanckInstitute for Psycholinguistics,7 nos Países Baixos, descobriram que ossentimentos de avaliação, até mesmo em assuntos complicados como aeutanásia,podemserdetectadosdeduzentosa250milissegundosapósaleiturada informação.15 Você não precisa pensar sobre nojo, vergonha ouconstrangimento,ousedeveenrubescerounão.Simplesmenteacontece.

Naverdade,setivéssemosdecontarcomumraciocíniomoraldeliberativopara nossas decisões mais elementares, as sociedades humanas seriam lugaresbemhorríveis, visto que a capacidade de sustento dessa razão émuito baixa.ThomasJeffersonantecipouessepontoháséculos:

Ele que nos fez teria sido um incompetente deplorável se tivesse feito das regras da nossacondutamoralumaquestãodeciência.Paracadahomemdaciênciahámilharesquenãosão.Oqueseteriafeitodeles?Ohomemfoidestinadoparaasociedade.Suamoralidade,portanto,foiadeserformadoparatal.Elefoiim buídodeumsensodecertoeerradomeramenterelativoa isso. Esse senso é tão parte da natureza quanto a audição, a visão, o tato; é o verdadeiro

alicercedamoralidade.16

Sendoassim,nãoémeramentea razãoquenos separadeoutros animais,mas a natureza avançada de nossas emoções, especialmente nossas emoções

sociaisemorais.

Fundamentosmorais

Algunspesquisadoresacreditamquetemosumsensogeneralizadodeempatia,que de alguma maneira flexível nos inclina a cooperar com os outros.Contudo,háumaquantidadegrandedeprovasque sugereque aspessoasnaverdade nascem com fundações morais mais estruturadas, uma coleção desensosmoraisquesãoativadosporsituaçõesdiferentes.

JonathanHaidt,JesseGrahameCraigJosephcompararamessasfundaçõesàspapilasgustativas.Assimcomoalínguadoshumanostemdiferentestiposdereceptores para perceber o doce, o salgado e outros, osmódulosmorais têmreceptores distintos para perceber certas situações clássicas. Assim comodiferentesculturascriaramculináriasdiferentesbaseadasemalgunssaboresemcomum,diferentesculturastambémcriaramdiversascompreensõesdavirtudeedovíciobaseadasemalgunsfundamentosemcomum.17

Os estudiosos discordam quanto à estrutura exata dessesmódulos.Haidt,Graham e Brian Nosek definiram cinco fundamentos morais. Há ofundamentojustiça/reciprocidade,queenvolvequestõesdetratamentoigualedesigual.Háofundamentoprejuízo/cuidado,queincluicoisascomoempatiaepreocupação com o sofrimento dos outros. Há o fundamentoautoridade/respeito. As sociedades humanas têm suas próprias hierarquias ereagemcomultrajemoralquandoaquiloqueveemcomreverência(incluindoelesmesmos)nãoétratadocomodevidorespeito.18

Há o fundamento pureza/nojo. O módulo do nojo pode ter sedesenvolvido em primeiro lugar para nos repelir de comida nociva e nãosegura, mas evoluiu para ter um componente moral — para nos afastar decontaminaçõesdetodosostipos.PerguntaramparaestudantesdaUniversidadedaPensilvâniacomosesentiriamemusarocasacodeHitler.19Disseramqueficariamenojados,comoseasqualidadesmoraisdeHitlerfossemumvírusquepudessepassarparaeles.

Finalmente, e de teor mais problemático, há o fundamento estar nogrupo/lealdade.Oshumanossesegregamemgrupos.Sentemlealdadevisceralaosmembrosdeseugrupo,nãoimportaquãoarbitráriassejamasbasesparaocredenciamento, e sentem nojo visceral daqueles que violam os códigos delealdade.Aspessoasconseguemdistinguirentremembrosdeseuprópriogrupo

emembrosdeoutrogrupoemumtempobemcurto—170milissegundos.20Essasdiferençascategóricasdisparampadrõesdiferentesdeativaçãonocérebro.Ocórtexcinguladoanteriordocérebrodecaucasianosedechinesesseativamquando eles veem membros de seu próprio grupo sentindo dor, mas muitomenosdoquequandoelesveemmembrosdeoutrogruposentindo.21

Amotivaçãomoral

Navisãointuicionista,aesferainconscientedaalmaéumcoliseudeimpulsoscompetindo por supremacia. Há intuições egoístas profundas. Há intuiçõessociaisemoraisprofundas.Impulsossociaiscompetemcomimpulsosassociais.Muitas vezes, os impulsos sociais entram em conflito uns com os outros.Compaixão e pena podem emergir às custas de coragem, rigidez e força. Avirtudeda coragemedoheroísmopode irde encontro àdahumildade edaaceitação. As virtudes cooperativas podem ir de encontro às competitivas.Nossasvirtudesnãoseencaixamperfeitamenteemumsistemacomplementarelógico.Temosváriasmaneirasdeveredepensarsobreumasituação,eelasnãosãocompletamentecompatíveis.

Isso significa que o dilema de estarmos vivos não produz uma respostaverdadeira única. No auge do Iluminismo, filósofos tentaram basear amoralidade em regras lógicas que pudessem se encaixar como peças de umquebra-cabeçalógico.Masissonãoépossívelnacomplexidadeincompatíveldaexistênciahumana.Océrebroéadaptadoaummundodespedaçado,nãoaummundoharmoniosoeperfeito.Osindivíduoscontêmumapluralidadedeeusmoraisquesãoevocadosporcontextosdiferentes.Contemosmultidões.

Entretanto, temos simum forte impulsode sermosomaismoralpossíveloudenosjustificarmosquandonossamoralidadeestáemxeque.Terumsensomoral universal não significa que as pessoas sempre, ou até frequentemente,agem de maneira boa e virtuosa. A questão é mais relacionada a quemadmiramosdoqueoquefazemos,maisaosjulgamentosquetecemosdoqueànossahabilidadedeviverde acordocomeles.Mas somospossuídosporumaprofundamotivaçãodesermos,edesermosvistos,comoumapessoamoral.

Desenvolvimentomoral

A visão racionalista nos sugere filosofar para nos tornarmos mais morais. Avisão intuicionistanos sugere interagir.Édifícilou impossívelnos tornarmosmais morais sozinhos, mas com o passar dos séculos nossos ancestraiselaboraram hábitos e práticas que nos ajudam a reforçar nossas melhoresintuiçõeseinculcarhábitosmorais.

Por exemplo, em sociedades saudáveis a vida diária é estruturada porpequenas regras de etiqueta: as mulheres geralmente saem do elevadorprimeiro. O garfo fica à esquerda. Essas regras de educação podem parecertriviais,mas nos impulsionam a praticar pequenos atos de autocontrole. Elasreligamefortalecemasredesnocérebro.

Hátambémaconversa.Atémesmoduranteconversasrápidas,falamoscomcarinhodaquelesqueseguemnossasintuiçõesmoraisecomfriezadaquelesquenão seguem. Fofocamos uns sobre os outros e instituímos um milhão depequenosmarcadoressobrequalcomportamentodeveserbuscadoequaldeveser evitado. Contamos histórias sobre aqueles que violam as regras do nossogrupo,tantoparareforçarnossasconexõesunscomosoutrosquantoparanoslembrarmosdospadrõesquenosconectam.

Por fim, há os hábitos mentais transmitidos por instituições. Conformevivemos, passamos por instituições — primeiro, família e escola, depois asinstituiçõesdeumaprofissãoouofício.Cadaumdessesvemcomcertasregraseobrigações que nos dizem como fazer o que devemos fazer. São andaimesexternosquepenetramprofundamente emnós.O jornalismo impõehábitosque ajudam os repórteres amanter distânciamental daqueles sobre os quaisfalam.Os cientistas têmobrigações coma comunidadedepesquisadores.Noprocesso de absorver as regras das instituições que habitamos, nos tornamosquemsomos.

As instituições são espaços de ideia que existem antes de nascermos e queainda vão perdurar quando formos embora. A natureza humana podepermaneceramesma,eternidadeapóseternidade,masasinstituiçõesmelhorameprogridemporquesãoosarmazénsdasabedoriaconquistadaaduraspenas.Araçaprogrideporqueasinstituiçõesprogridem.

Omembro de uma instituição tem reverência profunda por aqueles quevieram antes dele e construíram as regras que ele recebeu. “Ao receberem”,escreve o teórico político Hugh Heclo, “os institucionalistas se veem comodevedoresdealgumacoisa,nãocomocredores”.22

Arelaçãodeumaprofessoracomoofíciodeensinar,arelaçãodeumaatletacomseuesporte,arelaçãodeumafazendeiracomsuaterranãoéumaescolha

que pode ser facilmente revertida quando perdas psíquicas excedem ganhospsíquicos. Haverá vários longos períodos nos quais se investe mais nainstituição do que se ganha dela. As instituições são tão valiosas porqueinevitavelmentesemisturamcomquemsomos.

Em2005,RyneSandbergfoiempossadonoBaseballHallofFame.Seudiscursoéumexemplodecomoaspessoas falamquandosãodefinidaspor suadevoçãoauma instituição:“Euficavaem estado de veneração toda vez que entrava em campo. Isso é respeito. Aprendi que vocênunca,nuncadesrespeita seuoponenteou seuscompanheirosde timeou suaorganizaçãoouseu técnicoenunca,nuncadesrespeita seuuniforme.Façaumexcelente jogo, joguecomosenunca tivesse jogado antes; faça uma bela tacada, olhe para o técnico da terceira base e se

prepareparacorrerpelasbases.”23

Sandbergmencionaaquelesqueiniciaramantesdele:Essescarassentadosaquinãopavimentaramocaminhoparaorestodenósparaquejogadorespudessemrebaterabolaomaisaltopossíveleesquecercomomoverumcorredorparaaterceirabase.Édesrespeitosocomeles,vocêseobeisebolquetodosnósjogamosquandocrescíamos.

Respeito.Muitaspessoasdizemqueessahonravalidaaminhacarreira,maseunão trabalheiduro por validação.Não joguei direito porque vi uma recompensa no final do túnel. Jogueidireitoporque éoquedeve ser feito, jogardireito e com respeito. [...] Se isso valida algumacoisa,équeoscarasquemeensinaramojogo.[...]fizeramoquetinhamdefazer,eeufizoqueeutinhadefazer.

Responsabilidade

A visão intuicionista enfatiza a açãomoral que acontece nas profundezas doinconsciente, mas não é uma visão determinista. Em meio ao empurrãoconfusodasforçasinconscientes,ointuicionistaaindadeixaespaçoparaarazãoeareflexão.Aindadeixaespaçoparaaresponsabilidadeindividual.

É verdade que essa nova versão de responsabilidade individual não é amesma que apareceu nas velhas concepções racionalistas damoralidade, comsua forteconfiançana lógicaenavontade.Emvezdisso,a responsabilidade,nessa visão, é mais bem-ilustrada por duas metáforas. A primeira é a domúsculo. Nascemos com certos músculos que podemos desenvolver indo àacademia todos os dias.Demaneira similar, nascemos commúsculosmoraisquepodemosconstruircomoexercíciocontínuodebonshábitos.

A segunda é ametáforada câmera. JoshuaGreene,daHarvard,notaquesuacâmeratemajustesautomáticos(“retrato”,“emmovimento”,“paisagem”),queajustamavelocidadedoobturadoreofoco.Essesajustesautomáticossãorápidos e eficientes. Porém, não são muito flexíveis. Sendo assim, às vezes

Greene ignora os ajustes automáticos emuda para omanual—definindo avelocidadedoobturadoreelemesmoajustarofoco.Omodomanualémaislento, mas lhe permite fazer coisas que pode não conseguir alcançarautomaticamente. Assim como na câmera, argumenta Greene, a mente temfundamentos morais automáticos. Mas em momentos cruciais, podem serignoradosemproldoprocessomaislentodareflexãoconsciente.24

Emoutraspalavras,mesmocom reações automáticasdesempenhandoumpapel tão grande, temos escolhas. Podemos optar por nos colocarmos emambientesondeasfaculdadesmoraisserãofortalecidas.Umapessoaqueescolhepassar temponoserviçomilitarouna igrejavai reagiraomundodemaneiradiferentedoqueumapessoaquepassatempoemboatesouemganguesderua.

Podemosescolherpraticaressespequenosatosdeserviçoquecondicionamamenteparaosmomentosnosquaisgrandesatosdesacrifíciosãoexigidos.

Podemos escrever anarrativaque contamos sobrenossas vidas.Nascemosem culturas, nações e linguagens que não escolhemos.Nascemos com certoselementosquímicosnocérebroepredisposiçõesgenéticasquenãoconseguimoscontrolar.Àsvezes,somos inseridosemcondiçõessociaisquedetestamos.Noentanto, entre todas as coisas que não conseguimos dominar, temos, sim,algumcontrole sobrenossashistórias.Temos, sim,uma influênciaconscientenaseleçãodanarrativaquevamosusarparaorganizarpercepções.

Temos o poder de contar histórias que negam a humanidade de outraspessoas ou histórias que a estendem. Renee Lindenberg foi uma menininhajudianaPolôniadurante aSegundaGuerraMundial.Umdia,umgrupodemoradores de um vilarejo a agarrou para jogá-la em um poço. Mas umacamponesaqueporacasoosescutoufoiatéelesedisse:“Afinal,elanãoéumcachorro.”25Osmoradoresdovilarejoimediatamentepararamoqueestavamfazendo.A vida de Lindenberg foi salva. Essa não foi uma discussão sobre avirtude de matar ou não matar um ser humano ou uma judia. A mulhersimplesmente fez com que os moradores vissem Lindenberg de uma novamaneira.

Temos o poder de escolher as narrativas nas quais nos absolvemos ebotamosaculpaemconspiraçõesenosoutros.Poroutrolado,temosopoderde escolher narrativas nas quais usamos até as piores circunstâncias paraalcançarocrescimentoespiritual.“Estoufelizpelodestinotermeatingidocomtanta força”, disse uma jovem em seu leito de morte para Viktor Frankl,duranteoconfinamentodelesemumcampodeconcentraçãonazista.26“Na

minhavidapassadaeueramimadaenãoleveiasconquistasespirituaisasério”,disseela.Apontouparaumgalhodeumaárvorequeconseguiaverpelajanelade sua beliche e descreveu o que o galho disse para ela em seumomento deinfelicidade. “Elemedisse ‘estouaqui—estouaqui—eu souavida, a vidaeterna’.”—Essa é umanarrativa de transformação de derrotamundana emvitóriaespiritual.Éumanarrativadiferentedasqueoutraspessoaspodemterescolhidonaquelacircunstância.

ComocolocouJonathanHaidt,asemoçõesinconscientestêmsupremacia,masnãodemaneiraditatorial.A razãonãopode fazer adança sozinha,maspodedaroimpulso,cominfluênciaconstanteesutil.Comobrincamalgumaspessoas, podemos não ter livre-arbítrio, mas possuímos livre negação. Nãopodemosgerarreaçõesmorais,maspodemosdesencorajaralgunsimpulsoseatéignoraroutros.Avisão intuicionistacomeçacomacrençaotimistadequeaspessoas têmum impulso inatopara fazerobem.Ébalanceada coma crençapessimistadequeessessentimentosmoraisestãoemconflitounscomosoutroseemcompetiçãocomimpulsosmaisegoístas.

Contudo,avisãointuicionistasecompletacomosensodequesentimentosmoraisestãosujeitosarevisãoeamelhoriaconscientes.AfilósofaJeanBethkeElshtainrecordaque,quandoeraumagarotinhanaescoladominical,elaesuasamigasdesalacantavamumpequenohino:“Jesusamaascriancinhas/Todasascriançasdomundo/Sejamamarelas,negrasoubrancas/Sãopreciosasnavisãodele/Jesusamaascriancinhasdomundo.”27AcançãonãoéotipodefilosofiasofisticadaqueElshtainpraticaagoranaUniversidadedeChicago,maséumaliçãosobreverahumanidade,plantadacedoecomforçareverberante.

Redenção

A família de Erica não era perfeita. Suamãe era assombrada por demônios.Seusparenteseramumsaconamaiorpartedotempo.Noentanto,eleshaviamgravadonelaumsensodequeafamíliaésagrada,opaísésagrado,otrabalhoésagrado.Essasideiaseramcristalizadaspelaemoção.

Porém, conforme Erica envelheceu, entrou em um mundo diferente.Algumasdesuasantigasmaneirasdeserficaramadormecidas—oqueàsvezesera bom e às vezes era ruim. Dia após dia, se tornava um pouco diferente,geralmentedemaneirasuperficial—comosevestiaefalava—,mastambémdemaneiraprofunda.

Setivessemlheperguntadosobreosvelhosvalores,elateriarespondidoqueé claro que ainda aderia a eles. Mas, na verdade, eles ficaram menosconsagrados em sua mente. Uma certa mentalidade estratégica e calculistaenfraqueceu os sentimentos que seus parentes haviam tentado, do jeitoestabanadodeles,incutirnela.

Quandoseviunaquelequartodehotelcomosr.FazdeConta,virouumapessoa diferente sem perceber. A decisão de dormir com ele não foi omomento real de falhamoral. Essemomento nempareceu ser uma decisão.Foi apenas o ápice de uma longa mudança inconsciente. Ela nunca haviarejeitadoconscientementeseusvelhosvalores.Terianegadoferozmenteselheperguntassem. Entretanto, aquelas maneiras antigas de ser ganharam menosproeminêncianacorridainconscienteporsupremaciadentrodela.Ericavirouumapessoamaisrasa,desconectadadopotencialmaisprofundodesuapróprianatureza.

Nas semanas seguintes, quando pensava sobre o episódio, conseguiuperceber que era realmente possível ser uma estranha para simesma, de quevocê temde estar sempre emguarda e encontrarumpontode vistadoqualpossatentarseobservardoladodefora.

Contouparasimesmaumahistóriadesimesma.Eraahistóriadaderivaedaredenção—umamulherquesaiudeseucaminhoinadvertidamenteequeprecisava de âncoras para conectá-la ao que era verdadeiro e admirável.Precisava mudar sua vida, encontrar uma igreja, encontrar algum grupocomunitárioeumacausa,e,acimadetudo,melhorarseucasamento,amarrar-seaumconjuntodecomprometimentosmorais.

Sempre se viu comoumamenina agitada deHoratioAlger,8mas passouporumperíodonoqual foi consumidapor suabusca.Agora, iria seajeitar enavegarparalitoraismelhores.

Anarrativada redençãoajudouEricaaorganizarumavisãode simesma.Ajudou-a a construir integridade — integrando ideais internos com açãoautomática. Ajudou-a a obtermaturidade. Isso significa entender, omáximopossível, os diferentes personagens emódulos que estão ativos dentro da suaprópria cabeça.A pessoamadura é comoum guia emum rio que passa porcorredeirasediz:

“Sim,eujáestivenestelugarantes.”Nos meses seguintes, Erica redescobriu seu amor por Harold e não

conseguiuimaginaroqueestavasepassandoemsuacabeçaantes.Nuncaseriaumtitãquecausatremorescomoosr.FazdeConta.Maseleerahumilde,bom

e curioso. E com suas curiosidades díspares e frenesis de pesquisa, ele estavaenvolvidoemumabuscamaisimportante,adeencontrarsignificadonavida.Valeapenaficarpertodepessoasassim.Dequalquermaneira,eleeradela.Nodecorrer demuitos anos, entrelaçaram-se e o relacionamentodeles podenãoserinspiradorouemocionanteedinâmicootempotodo,maserasuavida,earespostaparaqualquermal-estarconsistiaemseaprofundarneleenão tentarescaparparaotipodeterramíticadofazdeconta.

1Gráficoquerepresentaarelaçãoentrearrecadaçãodeimpostosetaxascobradas.Demonstraquetantoalíquotas de 0% quanto de 100% não geram receita, o que significa que o aumento excessivo dealíquotasnãogeralucro.(N.daT.)

2 Fórum criado em 1984 para discutir relações internacionais, estratégias e segurança internacional.Pertence ao Aspen Institute, organização internacional sem fins lucrativos situada em Washington,D.C.,ecriadaem1950porWalterPaepcke.(N.daT.)

3 Grupo de discussão sem fins lucrativos criado em 1973 por David Rockefeller para incentivar aintegraçãoentreEstadosUnidos,EuropaeJapão.(N.daT.)

4Órgãopresenteemigrejascatólicasnorte-americanascomoobjetivodeprestarserviçosvoluntáriosaosnecessitados.(N.daT.)

5Sociedadefraternalbeneficentecriadaem1882naigrejaSt.Mary,emNewHaven.(N.daT.)6Criadaem1988nosEstadosUnidos,afundaçãotemcomoobjetivodisseminarapalavradeDeuse

ospreceitosdaIgrejacatólicaromanapormeiodereuniõesecolaborações.(N.daT.)7 Instituto da Max Planck Society na Alemanha, cuja missão é desenvolver pesquisa sobre as bases

psicológicas,sociaisebiológicasdalinguagem.(N.daT.)8Horatio Alger foi um escritor norte-americano cujas histórias eram sobre garotos pobres que, com

trabalhoduro,honestidade,perseverançaeumpoucodesorte,ascendiamsocialmenteeobtiamassimsuarecompensa.

capítulo19

OLÍDER

Eles conheceram o homem que SE TORNARIA PRESIDENTE NOs bastidores,antes de um comício. Ele ainda estava fazendo campanha para a nomeaçãopelopartidonaquelemomentoevinhaligandoparaEricahaviasemanaspara“trazê-laparaaequipe”.Aequipedelehaviapassadosemanasprocurandopormulheres, minorias e pessoas com experiência em negócios para posiçõessênior, e Erica era uma trifeta. Grace ligava para conversar por cerca de 45segundos quase todo dia — galanteando, implorando, bajulando com suaintimidade instantânea e persistência lisonjeadora. “Como vai, irmã?Tomouuma decisão?” Então, acabou em uma sala de ensino médio ao lado de umginásio lotado comHarold a reboque.Deviam encontrá-lo agora, assistir aocomícioedepoisconversarnavanacaminhodopróximoevento.

Cercadetrintapessoascirculavamtimidamentepelasaladeaula;nenhumadelastocavaosbiscoitosouaslatasdeCoca.Derepente,escutou-seumritmodepassosapressadoseele irrompeuna sala,banhadodealgummodoemsuaprópriailuminação.Ericaestavatãoacostumadaavê-lonatelevisãoqueagorateveasensaçãodesorientantedequeoestavaassistindoemumasuperHDTV,enãoexatamenteaovivo.

Richard Grace era a projeção de uma grande fantasia nacional — alto,barriga reta, camisa branca reluzente, calças perfeitamente vincadas, cabelohistoricamenteimportante,rostoàlaGregoryPeck.Eraseguidoporsuafilhadefamosareputaçãoselvagem—abelapromíscuacujocomportamentoeraoprodutodeumainfânciamarcadaprimordialmentepelanegligênciapaternal.Atrás deles havia um bando de assistentes com cara de patinho feio. OsassistentestinhamosmesmosinteressesdeGrace,asmesmasambiçõessecretasque ele, mas tinham pança, cabelo ralo, má postura, e portanto eramdestinadosadesempenharopapeldeestrategistassussurrantesenquantoeleera

oAdônisPolítico.Emrazãodessaspequenasdiferençasgenéticas,elespassaramsuasvidascomomonitoresdecorredor1eelepassousuavidasedandobem.

Graceanalisouasalacomumarápidaolhadaeviuimediatamentequeerausadaparaaulasdesaúde,compôsteresdeanatomiadossistemasreprodutivosmasculino e feminino em uma parede. Não havia nem mesmo umapreocupação consciente em sua mente; apenas uma vaga onda dereconhecimentodequenãopodiasepermitirserfotografadocomumúteroeumpênisdispostosatrásdeseusombros.Foiparaooutroladodasala.

Não ficava sozinho havia seis meses. Era o centro das atenções em todolugaronde entravanosúltimos seis anos.Havia sedistanciadoda realidade eagora vivia apenas dos bons frutos da campanha, alimentando-se do contatohumanodaformacomoaspessoassobrevivemcomcomidaesono.

Estavacheiodeenergiaeadrenalinaconformesemoviapela saladeaula.Em uma rápida sucessão, deu seu sorriso de Homem-do-Destino para umquartetodeveteranosdaSegundaGuerraMundial,paradoismelhoresalunoscomcarade intimidados, seisdoadores locais eumcomissáriodomunicípio.Como o corredor de um time de futebol americano, ele sabia manter suaspernas em movimento. Fale, ria, abrace, mas nunca pare de se mover. Milencontrosintimistaspordia.

Aspessoaslhefalavamascoisasmaisincríveis.“Euamovocê.”...“Amovocêtambém.”...“Vácomtudo!”...“Eulheconfiariaavidadomeufilho.”...“Possofalar com você por apenas cinco minutos?”... “Posso trabalhar com você?”Contavamparaeleastragédiasmaishorríveisdosistemadesaúde.Queriamlhedarcoisas—livros,arte,cartas.Algumaspessoasapenasseguravamseubraçoesederretiam.

Elese rendiaa surtosde15segundosdecontato,detectandoerefletindo,com aquele senso cortante como uma lâmina que ele tinha, o jogo demovimentoemtornodoslábiosdecadapessoaeaexpressãoemseusolhos.Erasimpáticocomtodosetodosrecebiamumtoque;eletocavabraços,ombrosecinturas. Emitia esses feixes pulsantes momentâneos de afabilidade oucompaixão enuncamostrava impaciência coma rotinade celebridade.Umacâmera aparecia. Ele colocava os braços sobre cada pessoa quando posavamcom ele. Com o passar dos anos, ele havia desenvolvido um controle sobretodasascâmerasinstantâneasproduzidasdomundo,eseofotógrafotropeçava,elepodiadarconselhospacientessobrequalbotãoapertareporquantotempo;conseguia fazer issocomoumventríloquo,semalterar seusorriso.Conseguiacaptaratençãoetransformá-laemenergia.

Finalmente,elechegouaondeEricaeHaroldestavam.Deuumabraçonelae ofereceu a Harold o sorriso furtivo e conspiratório que reservava paracônjugesanexos,edepoisostrouxeparaoinvólucrodesuagrandeza.Comosoutros na sala, ele foi entusiasmado e barulhento. Com eles, foi como umfamiliar, tranquilo e confidencial. “Nos falamos mais tarde”, sussurrou aoouvidodeErica. “Estou tão feliz por você ter vindo... tão feliz.”Lançou-lheumolharsérioedecumplicidadeecolocouamãoatrásdacabeçadeHaroldenquanto o encarava nos olhos, como se fossem parceiros em algumaconspiração.Depoisfoiembora.

Elesouviramumurroeufóricovindodoginásioeapressaram-separaassistiraoshow.Erammilpessoassorrindoparaseuherói,acenandoparaele,dandopulinhos,berrandodesesperadamenteeapontandoascâmerasdeseustelefones.Eletirousuajaquetaedeleitou-senacomoçãodatorcida.

O discurso tinha uma estrutura simples: 12 minutos de “vocês” e 12minutosde“eu”.Naprimeirametade,ele falousobreosensocomumdesuaplateia, sobreseusótimosvalores, sobrea formamaravilhosacomohaviamseunidoparaconstruiressagrandecausa.Nãoestavaláparaensiná-losnada,ouparadiscutirnada.Estava láparadarvozaosseussentimentos,paraexpressarsuas esperanças, medos e desejos, para mostrar-lhes que era como eles, quepodiamuitobemserumamigoouummembrodafamília,apesardeser tãomaisbonito.

Entãopor12minutoselefalousobreavidadaspessoas.Jáhaviaditotudoaquilo centenas de vezes,mas ainda pausava emmomentos cruciais como seumsentimentotivesseacabadodesurgiremsuamente.Deu-lhesumachancedeaplaudirsuasprópriasideias.“Estemomentosetratadevocêsedoquevocêsestãofazendoporestepaís.”

Grace, como a maioria das mentes de primeira linha em seu negócio,tentavaencontrarummeio-termoentreoqueseuseleitoresqueriamouvireoque ele sentia que precisavam ouvir. Eram pessoas normais que prestavamatençãoapenasesporádicaàpolítica,eeletentavarespeitarsuasvisõesepaixões.Aomesmo tempo, ele sevia comoumverdadeiro fissuradoporpolíticasquesimplesmente amava mergulhar em um assunto com um grupo de peritos.Tentava manter essas duas conversas perto uma da outra em sua cabeça.Ocasionalmente, ele sepermitia satisfazer semrodeiosedizerameiaverdadecrua que conquistava o grande aplauso. Ele era uma marca de mercado emmassa, afinal de contas, e tinha de ganhar votos de milhões. Mas tambémtentavamantersuasvisõesreaisemsuacabeçaparaobemdeseuautorrespeito.

Alimentado pela adulação, o primeiro estava sempre ameaçando sufocar osegundo.

Na metade final do discurso, Grace se voltou para a seção do “Eu”. Eletentoumostrarparaaplateiaquepossuíaascaracterísticasqueopaísprecisavanaquele momento da história. Falou sobre seus pais — era filho de ummotoristadecaminhãocomumabibliotecária.Falousobreafiliaçãodopaiaosindicato. Deixou claro, como todos os candidatos devem deixar, que seucaráter foi formado antes que ele pensasse em política— em seu caso, peloserviçomilitarepelamortedesuairmã.Contoutodososfatosdesuavida,etodoserammaisoumenosverdade,masjáoshaviarepetidotantasvezesquejáhaviaperdidocontatocomaverdadeira realidadedoseventos.Sua infânciaejuventudeeramapenasoroteiroquevinhaapresentandocomocampanhaemtodasuavida.

Adefiniçãodesimesmoéaessênciadetodacampanha,eGracesemantevefiel à sua narrativa de um “Tom Sawyer crescido”, como colocou umconsultor. Descreveu sua criação de cidade pequena no Centro-Oeste, suastravessurascharmosas,asliçõesqueaprendeusobreomundoemumcontextomais amplo e a injustiça contida nele.Mostrava suasmaneiras saudáveis quevinhamdeumtempomaissimples,suavirtudeinocenteeseusensocomum.

A passagem final do discurso era o “Eu e Vocês Juntos”. Contava umahistóriasobreoencontrocomumasenhorasábiaquelhecontouhistóriasqueporacasoconfirmavamcadapontodesuaplataformadecampanha.Contou-lhessobreosacresdediamantesqueconquistariamjuntos,ojardimabundanteque encontrariam no fim da estrada, o lugar no qual conflito interno seriasubstituídoporpazealegria.Ninguémnaplateiaachavadeverdadequeumacampanha política podia produzir tal utopia,mas naquelemomento a visãodelaostransportoueapagouqualquertensãodesuasvidas.AmavamGracepordar-lhesisso.Aoterminarseudiscurso,berrandomaisaltodoqueatorcidaeoaplauso,oginásioveioabaixo.

Odiscursoprivadodacampanha

UmassistenteapareceuelevouEricaeHaroldparaavan—EricanoassentodomeioeHaroldnodetrás.Gracepareciacalmoepragmáticocomosetivesseacabadodesairdeumareuniãochataparaorelatóriotrimestraldelucros.Fezalgumas consultas sobre compromissos comumassistente, fezuma entrevista

detrêsminutosnocelularparaumaestaçãoderádioedepoisvoltouseufeixedelaserparaErica,queestavasentadaaoseulado.

“Primeiro, quero fazer minha oferta”, disse ele. “Eu tenho o pessoal depolíticaeopessoaldepolíticas,masnãotenhoninguémdealtonívelparafazercomqueessaorganizaçãodêcerto.Éissoqueesperoquevocêfaça,quesejaachefe de operações da campanha e que faça a mesma coisa na Casa Brancadepoisqueeuganhar.”

Ericanãoestarianavananãoserqueestivessepreparadaparadizersimàoferta,efoioquefez.

“Fantástico. Agora que você aceitou, quero falar sobre omundo no qualvocêsdoisestãoprestesaentrar.Querofalarespecialmentecomvocê,Harold,porqueliseutrabalhoeachoquevocêvaiseveremumlugarnovoeestranho.

“A primeira coisa a dizer é que ninguém que está neste negócio tem odireitodereclamar.Nósoescolhemoseele temseusprazereserecompensas.Mas cá entre nós, não há arena onde os desafios de caráter sejam maiores.Vocêsnãoconseguemservirsenãovencer.Paravencer,têmdesetransformarem um produto. Têm de fazer coisas que nunca acharam que fossem fazer.Têm de botar seu senso de reserva em suspenso e implorar por dinheiro efavores. Têm de falar sem parar. Entrar em uma sala e falar, entrar em umcomício e falar, encontrar patrocinadores e falar. Chamo isso de demênciaverborrágica—falartantoqueficamloucos.

“Esobreoquevocêsfalam?Vocêstêmdefalarsempararsobrevocês.Tododiscursoésobremim.Cadareuniãoquetenhoésobremim.Cadaartigoqueenfiam na minha cara é sobre mim. Quando começarem a escrever sobrevocês,issovaiacontecercomvocêstambém.

“Aomesmo tempo, isto é um esporte de equipe.Nãodá para fazer nadasozinho, o que significa que às vezes vocês têm de suprimir suas ideiasindividuais edizer e acreditarnas coisasque sãoboasparaopartidoeparaaequipe.Vocês têmde ser como irmãos,debraçosdados compessoas comasquaisprovavelmentenãogostariam,separassemparapensarnelas.Vocêsnãopodem sairmuito na frente do seu partido ou das pessoas que servem.Nãopodemestarcorretosmuitocedonemserinteressantescommuitafrequência.Têmde apoiar iniciativas àsquais vocêsna realidade seopõeme às vezes sercontracoisasqueosoutrosachamserparaobem.Têmdefingirquequandoforemeleitosconseguirãocontrolartudoemudartudo.Têmdefingirqueosmitos de equipe são verdadeiros. Têm de fingir que a outra equipe é

exclusivamentemáequeseriaaruínadosEstadosUnidos.Dizerocontrárioéumaameaçaàsolidariedadedopartido,eéassimqueé.

“Vocêsvivememumcasulo.Euliumavezumensaiolindosobreavidadeum carrapato. Um carrapato aparentemente responde a apenas três tipos deestímulo.Conhecepele.Conhecetemperatura.Conhecepelo.Essastrêscoisasconstituemoumweltinteirodeumcarrapato.‘Umwelt’éumapalavraparaoambienterelevantedequalquercriatura.Quandovocêestánestenegóciooseuumweltvaidiminuireficarlouco.Vocêsterãodeprestartodaatençãoemcadaminuto de histórias sem consequências no noticiário, histórias que terãoesquecido completamente no dia seguinte. Vão se pegar monitorando osbloguesdejovensde22anosdeidadecomwebcamsqueforamenviadosparacobrirestacampanha—jovensquenuncaviramumaeleiçãoantes,quenãotêm senso nenhum de história e que têm o tempo de concentração de umfurão.Porcausadapresençadeles,vocêsnuncapodememitirumpensamentonãoensaiado.Nuncapodemexperimentarumaideiaempúblico.

“Todas essas coisas ameaçam a sua habilidade de ser honesto com vocêsmesmos, de ver o mundo de modo claro, de ter alguma integridade básicacomopessoa.Enoentantonósaguentamosesteteatrodoabsurdoporquenãoháoutra vida tão repletade consequências.Quandovocês estiveremnaCasaBranca comigo, estarão mais ocupados do que nunca e toda decisão seráimportante.UmaveznaCasaBranca,nãoteremosdesatisfazertantoanação.Poderemos liderá-la e educá-la.Quando estivermos lá, vocês não vão querertirarfolga,enãovãotirar.

“UmaveznaCasaBranca,nãovamosdarmerastacadas.Vamosfazerhomeruns.Eumerecusoaserumpresidentetímido.Vouserumgrandepresidente.Tenhoodom.Seimaissobrepolíticadoquequalqueroutronestepaís.Tenhomaiscoragempolíticadoquequalquerumnapolítica.Minhaatitudevaiserdotipo:‘Euseijogar.Mandemabola.’”

Outras pessoas, vendoGrace além do alcance de seu carisma, podem terreaçõesadversasaessepequenodiscurso.MasEricaeHaroldestavamimersosimersosnaforçagravitacionaldesuaaura.Naquelemomento,acharamquefoiodiscursomais impressionantequejátinhamouvido.Acharamquemostravasua incrível autoconsciência, sua sabedoria maravilhosa e seucomprometimento notável com o serviço. Ficaram apenasminutos com ele,mas já estavam atingidos pelo caso de amor fascinante que os consumiria,principalmenteErica,nospróximosoitoanos.

Psicologiapolítica

Haroldnuncahaviaprestadoatençãodeverdadeemumaeleiçãoantes.Nuncahaviatidoacessoàcontageminternadevotoseaosmemorandos internosdeestratégias.Depoisdealgunsdias,Ericaestavamaisoumenos submergidanaorganização, mas Harold podia ficar a distância sem ter muito o que fazer,excetoobservar epensar.Ficou surpresocomadivisão fundamental entreosconselheiros de Grace. Alguns achavam que fazer campanha eraprimordialmente entregar bens aos eleitores.Dê aos eleitores as políticas quevãomelhorarsuasvidas,eelesvãolhepagarporserviçosguarnecidoscomseusvotos.Boaspolíticascombonspreços.

Outros achavam que as campanhas eram primordialmente relacionadas aevocar emoções — forjar um laço básico com grupos e eleitores; inspiraresperançacomumavisãodofuturo;mandaramensagemnoestilo“Soucomovocês.Voureagiraoseventoscomovocêsreagiriam.Sereioquevocêsseriam”.Política não é primordialmente uma questão de defender interesses. Éprimordialmenteumaquestãodeafirmaremoções.

Harold, dado seu contexto e o trabalho de sua vida, ficava do lado doúltimogrupo.GraceestavaemprimáriasdifícilcomumgovernadorinflexíveldeNewEnglandchamadoThomasGalving.Suaspolíticaserambasicamenteasmesmas, então a corrida se tornouumabatalhade símbolos sociais.Graceerafilhodeummotoristadecaminhãoeaindaassimfaziacampanhacomumestilo poético, lírico, portanto ficou sendo o candidato da classe educadaidealista.Eleiçãoprimáriaapóseleiçãoprimária,angarioueleitoresdeeducaçãosuperiorcomvantagemde25pontospercentuaisoumais.Nasprimeirasdezprimárias,pareceurealizarcadacomícioa40metrosdedistânciadoescritóriodeum reitor.Nãooferecia apenas listasdeprogramas.Oferecia experiências.Ofereciaesperançaemvezdemedo,uniãoemvezdediscórdia,inteligênciaemvezdeprecipitação.Amensagemera:“Avidaélinda.Nossaspossibilidadessãoinfinitas.Temos apenasde jogar fora as amarras dopassado e entrar emumamanhãdeouro.”

AfamíliadeGalvingestavanosEstadosUnidoshaviatrezentosanos,enoentantoeleeraumtipobeligeranteecombatente.Eleseposicionavacomoumguerreirolutandopelosinteressesdopovo.Acampanhadeleevocavalealdadede clã, permanecer juntos, lutar juntos e defenderumaooutro até amorte.Comopassardassemanas,Galvingposouparafotosemumbarouemumafábricatodososdias.Foivistotomandoumadosedeuísque,usandocamisade

flanela e sentadonobancodo carona emumapicape.Amensagem era: “Omundo lá fora é podre. Pessoas normais estão sendo passadas para trás.Precisamdealguémquecoloquetenacidadeelealdadeacimadeindependênciaedeideais.”

Osmétodosdoscandidatosnãoeramsutis,mascadaabordagemfuncionavaaté certo ponto. Em primárias após primárias,Galving angariou eleitores daclasse trabalhadora com muita vantagem. Grace conquistou as cidades, ossubúrbios afluentes e as cidades universitárias. Na escala nacional, Graceangariouascostas.GalvingangarioualargafaixadefazendaseantigoscentrosmanufatureirosnoSulenoCentro-Oeste,principalmenteondeosescoceses-irlandeses2 haviam se assentado séculos antes. Em Connecticut, Graceconquistou amaioria das cidades que foram fundadas por ingleses no séculoXVII.Galvingangariouamaioriadascidadesqueforamfundadasporgruposimigratórios dois séculos depois. Eram padrões de séculos de idade mas queaindamoldavamavotação.Comopassardassemanas,fazercampanhaparecianão ter importância. A demografia era o destino. Em estados com grandespopulaçõesdeclasse trabalhadora,Galvingganhava.Emestadoscomgrandespopulaçõesdeclasseseducadas,Graceganhava.

Haroldestavafascinadocomessasprofundascorrentestribaisculturais.Suateoria era a de que o partido político, como várias instituições, havia sesegmentado emdiferentes subculturas.Nãohavia grandehostilidade entre asculturas; elas se uniriam quando um dos candidatos fosse eleito. Entretanto,pessoas em diferentes classes sociais, definidas em grande parte pelo níveleducacional,haviamdesenvolvidodiferentesmapasinconscientesderealidade,bem comodiferentes compreensões em comumdoque constitui umgrandelíder, de que tipo de mundo eles habitam. Haviam desenvolvido, sem nemperceber, diferentes definições de justiça e equidade, liberdade, segurança eoportunidade.

Os eleitores formam mapas mentais infinitamente complexos que sãomalcompreendidosatémesmoporaquelesqueosadotam.Selecionammilhõesde sinais sutis dos candidatos—da linguagem corporal, escolha de palavras,expressões faciais, prioridades políticas e detalhes biográficos. De algumamaneira,oseleitoresformamafiliaçõesemocionaisnessabase.

O que Harold viu durante a campanha certamente não se encaixava nomodelo racional de política, no qual eleitores consideramos programas comcuidadoeescolhemocandidatocomaspolíticasqueservemaseus interesses.Em vez disso, encaixava-se no modelo de identidade social. As pessoas

favorecemopartidoquepareceserrepletodotipodepessoasdasquaisgostameadmiram.

Como argumentam os cientistas políticos Donald Green, BradleyPalmquisteEricSchickleremseulivroPartisanHeartsandMinds[Coraçõesementespartidários],amaioriadaspessoasouherdamsuasafiliaçõespartidáriasdeseuspaisouformamumapegoaumpartidoououtronocomeçodavidaadulta.Poucaspessoasmudamdepartidoquandochegamàmeia-idade.1Atémesmo grandes eventos históricos como guerras mundiais e o escândalo deWatergatenãofazemcomquegrandesnúmerosdepessoasmudem.

Além disso, continuam Green, Palmquist e Schickler, quando as pessoasselecionam suas próprias afiliações partidárias, não escolhem partidoscomparandoplataformasedepoisdefinindoondeseencontramosinteressesdanação.Valendo-sedeumvastolequedeinformações,osautoresargumentamqueoapegoaumpartidoémaiscomoaumadenominaçãoreligiosaouumclube social. As pessoas têm estereótipos em suas cabeças sobre como osdemocratassãoecomoosrepublicanossãoegravitamparaopartidocompostoporpessoascomoelas.2

Umavezformadaaafiliação,aspessoasmoldamsuasfilosofiasepercepçõesdarealidadeparaquefiquemmaisemaisalinhadasaosmembrosdesuatribopolítica. Paul Goren, da Universidade de Minnesota, usou informações depesquisaspara acompanhar eleitores ao longodo tempo.Seguindoomodeloclássico, era de se esperar que as pessoas que valorizam oportunidades iguaisfossemsetornardemocratasequepessoasquevalorizamumgovernolimitadofossemsetornarrepublicanas.Naverdade,émaisfácilqueaspessoassetornemdemocratas primeiro e depois deem cada vez mais valor à igualdade deoportunidades,ouquesetornemrepublicanasprimeiroedepoisdeemcadavezmaisvaloraumgovernolimitado.Aafiliaçãopartidáriamoldafrequentementeosvalores,enãoooposto.3

Aafiliaçãopartidáriadefineatémesmoaspercepçõesqueaspessoastêmdarealidade. Em1960,AngusCampbell e outros pesquisadores publicaramumtextoclássico,TheAmericanVoter[Oeleitoramericano],noqualargumentamqueainclinaçãoaumpartidoservecomoumfiltro.Umpartidáriofiltrafatosque são inconsistentes em relação ao ponto de vista aprovado do partido eexagera fatos que o confirmam.4 Com o passar dos anos, alguns cientistaspolíticoscriticaramessaobservação.Porém,váriospesquisadoresestãovoltando

à conclusão de Campbell: As percepções das pessoas são evidentementeinfluenciadaspelainclinaçãoaumpartido.

Porexemplo,ocientistapolíticoLarryBartels,daPrinceton,apontouparainformações de pesquisas coletadas depois das presidências de Reagan e deClinton.Em1988,perguntaramaoseleitoresseachavamqueataxadeinflaçãodanaçãohaviacaídoduranteogovernoReagan.Naverdade,caiu.Ataxadeinflação caiu de 13,5% para 4,1%.No entanto, apenas 8% dos democratasconvictos disseram que a taxa tinha caído. Mais de 50% dos partidáriosdemocratasacreditavamqueataxatinhasubidocomReagan.Osrepublicanosconvictos tiveramuma impressãomais positiva emais correta das tendênciaseconômicas.Quarentaeseteporcentodisseramqueainflaçãohaviacaído.

Depois, no final da presidência de Clinton, perguntaram aos eleitoresquestõessimilaressobrecomoopaíshaviaprosperadonosoitoanosanteriores.Dessa vez, os republicanos foram inexatos e negativos.Osdemocratas forammuitomais positivos.Bartels conclui que lealdades partidárias têm influênciadisseminadaemcomoaspessoasveemomundo.5Elasreforçameexageramasdiferençasdeopiniãoentrerepublicanosedemocratas.

Algumaspessoasacreditamqueessasfalhascognitivaspodemsererradicadascommaiseducação,masissotambémnãopareceserverdade.DeacordocomapesquisadeCharlesTabereMiltonLodge,daUniversidadedeStonyBrook,oseleitoreseducadospodemrealmenteestarmaiscorretosnamaioriadasvezes,mas ainda estão de fato errados em uma grande quantidade de vezes.6 Naverdade, sãomenos propensos a corrigir suas falsas opiniões do que eleitoresmenosbem-informadosporquesãomuitoconfiantesdequeestãocorretosemrelaçãoatudo.

Aimpressãogeralqueépassadaporessetrabalhoéadequeabuscaporumcandidatoéumabuscaestética—umabuscaporumcandidatoquecombine.Algumas das coisas que influenciam as decisões do eleitor podem serinstantâneas e aparentemente sem importância. Como dito anteriormente,AlexTodorov e outros da Princetonmostraram fotos empreto e branco derostos de candidatos rivais para sujeitos de uma pesquisa. Perguntaram aossujeitos qual dos candidatos parecia ser mais competente. (Os sujeitos nãotinhamfamiliaridadecomnenhumdoscandidatos.)

Ocandidatoquefoipercebidocomoomaiscompetentepelaspessoascombase nas fotografias ganhou 72% das disputas no Senado nas quais estavaparticipandodeverdade,e67%dasdisputasverdadeirasnaCasaBranca.7Os

sujeitos da pesquisa conseguiram prever de maneira impressionante osverdadeirosvencedoresmesmoquesótivessemumsegundoparaolharparaorosto dos candidatos. Esse resultado se repetiu internacionalmente também.Emumestudochamado“LookingLikeaWinner” (Comaaparênciadeumvencedor), Chappell Lawson, Gabriel Lens e outros mostraram rapidamentefotosdepessoasqueestavamsecandidatandoacargosnoMéxicoenoBrasilpara pessoas nos Estados Unidos e na Índia. Apesar de diferenças étnicas eculturais,osnorte-americanoseosindianosconcordaramquantoaocandidatoquequeseriamaiseficaz.Aspreferênciasdosnorte-americanosedosindianostambémpreviramaseleiçõesmexicanaebrasileiracomexatidãosurpreendente.

UmestudodeDanielBenjamin,daUniversidadeCornell,eJesseShapiro,da Universidade de Chicago, descobriu que seus sujeitos de pesquisaconseguiam prever o resultado de eleições para governador com algumaexatidão só de olhar para vídeos mudos de dez segundos dos candidatosfalando.8 A exatidão diminuía se o som fosse ligado. Um estudo de JonahBergereoutrospesquisadoresdaStanforddescobriuquealocalizaçãodeumacabine de votação também pode influenciar nas decisões dos eleitores.9 Oseleitoresqueforamazonaseleitoraisemescolassãomaispropensosaapoiaroaumentodeimpostosparacustearaeducaçãodoqueoseleitoresquevotaramem outras zonas. Os eleitores para os quais mostraram a fotografia de umaescolatambémforammaispropensosaapoiaroaumentodeimpostosdoqueoseleitoresquenãoviramessafotografia.

Alguns desses experimentos são conduzidos em um laboratório. Emcampanhas reais, as disputas prosseguem mês após mês. Os eleitores fazemjulgamentosrápidosatodominuto,hora,dia,semanaemês,esuaspercepçõesinstantâneasseacumulameformamumaredeespessaecomplexadeavaliação.

Dizerquedecisõesdeeleitoressãoemocionaisnãosignificaqueoseleitoressãoburroseirracionais.Vistoqueosprocessosinconscientessãomaisrápidosemais complicados do que os conscientes, essa busca intuitiva pode ser bemsofisticada. Conforme acompanham uma campanha política, os eleitores sãotantoracionaisquantointuitivos.Osdoismodosdecogniçãoseinformamesemoldamentresi.

Osubdebate

No final das contas, Grace simplesmente massacrou Galving. Havia maispessoascomoeledoquecomoGalving.Eleganhouaindicaçãodopartidoe,

dentrodemeses,tudofoiperdoadoquandomembrosdasduasalasdopartidoforamparaabatalhacomooponente.Elesseuniramporumanovadistinçãodotiponós-eles.

A eleição geral foi maior e, pelo menos na superfície, mais idiota. Noprimeiro embate, todomundo se conhecia em todos os lados. Era uma lutadentro da família. Mas a eleição geral era um combate contra um partidodiferenteequaseninguémconheciaalguémnooutrolado.Os“outros”eramcomo criaturas de um sistema solar diferente e era conveniente acreditar nopior.

AvisãogeralnacampanhadeGraceeraadequeaspessoasconcorrendonaoutracampanhaeramexclusivamentemáseperversamenteastutas.Aspessoasna campanha de Grace acreditavam que seu lado estava fragmentado comdisputas internas (por causa de seus intelectos superiores e independênciamental), enquanto que o outro lado marchava com unidade totalitária eprecisão(porcausadesuaconformidadedeclone).Oseuladoeraatentomasfracionado,enquantoooutroladoerainsensatomasdisciplinado.

Nooutono,acampanhaeraapenasumasériedepontesaéreas.GracedavacomíciosemumhangardeaeroportoatrásdooutroemumesforçodealcançaromaiornúmeropossíveldemercadosdeTVemumdia.AmaioriadosdebatesinternosdacampanhapareciasersobreondecolocarostripésparaascâmerasdeTVeemquealtura.

OscandidatostrocavaminsultostransmitidosnavelocidadedoBlackBerry.Amídiaacompanhavaquemestavaganhandoacadasemana,diaehora,apesardenãoestarclaroseessasvitóriassignificavamalgumacoisaparaoeleitoradoemsi.OspartidáriosdeGraceficarambipolares.Umsenadorentravanoaviãodacampanhaumdiaemjúbiloemrazãodavitóriacerta.Nodia seguinte,omesmosenadorvoltavaemdesesperopelapossibilidadedaderrotacerta.

Havia consultores em volta dele afiando a mensagem. “Nunca diga‘famílias’; diga ‘famílias trabalhadoras’. Nunca diga ‘gastar’; diga ‘investir’.”Essas alterações sutis de palavras foram usadas para provocar associaçõescompletamentediferentesnamentedoseleitores.

Apartemaisimportantedacampanhaacontecialongedocandidato,entreosconsultoresqueelaboravamaspropagandaseleitorais.Estavamvoltandooscomerciaisparaeleitoresquenormalmentenãoprestavamatençãoempolíticae que infelizmente eram mal-informados sobre onde cada candidato seposicionavaemrelaçãoaquestões.

Questõesestranhasaparecerameviraramotemadeinsultosfuriososentreasduas campanhas.Grace e seuoponentepassaramuma semana se acusandofuriosamentede causar obesidade infantil, apesar denão estar claro se algumdeles tinha causado isso ou se podia ter alguma coisa a ver com isso. UmapequenacrisenoLíbanovirouumgrandeconfrontodecampanha,comcadaladodemonstrandorigidezeresoluçãoeacusandoooutrodetraição.Pequenosescândalos estouraram. As pessoas na campanha de Grace ficaramgenuinamenterevoltadascomummemorandoquevazoudooutroladocomafrase “Como foder com eles”. Ficavam genuinamente impassíveis commemorandosproduzidosemsuaprópriacampanhacomexatamenteasmesmaspalavras.

Oprocessoparecia idiotaesuperficial.Noentanto,Haroldnãoconseguiaesquecerasmultidões.Haviapaixãodeverdadeemcadaevento—milharesdepessoas, às vezes dezenas demilhares, rugindo sua torcida porGrace emumtipodeesperançaorgíaca.

Dadooquejátinhaaprendidosobreavida,Haroldconcluiuquetodasastrivialidadesdacampanhanaverdadeeramgatilhos.Serviamparaativarredesprofundas de associações namente das pessoas.Grace passava horas posandoparafotografiasemumafábricadebandeiras.Oeventoemsieraidiota,mas,de alguma maneira, a imagem de Grace segurando todas aquelas bandeirasamericanas ativava algumgrupode associações inconscientes.10Outrodia, ocolocaram em um banco e ele fez um comício noMonumentValley, ondetodos aqueles filmes de faroeste de John Wayne foram gravados. Era umdispositivocafona,masativavaoutrogrupodeassociações.

Os gerentes da campanha não faziam a mínima ideia do que estavamfazendo. Viviam em uma nevasca de informações sem significado.Experimentavamvários artifíciosparaveroquecombinava comos eleitores.Experimentavam uma nova frase no discurso e observavam se as pessoasconcordavaminconscientementecomacabeçaquandoGraceaenunciava.Seconcordassem,afraseficava.Senão,eracortada.

De alguma maneira, o eleitorado possuía um ponto G oculto. Osconsultores eram como amantes estabanados tentando alcançá-lo. As duascampanhasdiscutiamalgumdetalhesobreplanode impostos,masadiscussãonão era de fato sobre regulamentações tributárias; era sobre algum conjuntomais profundo de valores que estavam sendo atiçados indiretamente. Oscandidatosdiscutiamsobrecoisasmateriais,queeramfáceisdeseremdiscutidas

e entendidas,mas o assunto real do debate era espiritual e emocional: quemsomosequemdevemosser.

Umdiaemumaviagemdeavião,HaroldtentouexplicarsuateoriasobreacampanhaparaGraceeErica—comocadaposiçãosobrepolíticasdeenergia,digamos, era na verdade uma maneira de iluminar valores de natureza ecomunidade e desenvolvimento humano. As posições eram simplesmentegatilhos para virtudes. Grace estava cansado e não conseguiu de fatoacompanharoqueHaroldestavadizendo.Entreoscomícioselemeioquesefechavaecolocavaocérebroempausa.Ericaestavasentadaporpertodigitandoem seu BlackBerry. Houve silêncio, e depois Grace disse com um ar deexaustão: “Essa merda seria muito interessante se não estivéssemos no meiodela.”

MasHarold continuou observando. Ele era, como sabemos, basicamenteumobservador.Eos que viu sobosnormais ataques e os contra-ataquesdasequipes oponentes foi um bando de subdebates, discussões sobre coisas queeramexpressadasapenasdemaneiraimplícita.Essasdiscussõestocavamfundonaalmadanaçãoedividiameleitoresdemaneiraimportante.

Umsubdebateerasobreanaturezada liderança.OoponentedeGracesegabava por tomar decisões rapidamente, seguindo seu instinto e indo emfrente.Clamava(desonestamente)quenãosedavaaotrabalhodeleroscríticose os jornais. Ele se retratava como um homem direto de ação e de fé queprezavaasvirtudesvigorosas: lealdadeaosamigos, rigidezcontraos inimigos,determinaçãoforteerápida.

Grace, por outro lado, incorporou conspicuamente um grupo de traçosreflexivos de liderança. Passava a imagem do tipo de pessoa que lia muito,discutiaproblemasexaustivamente,entendianuancesepossibilidades.Passavaaimagemdesercauteloso,cerebral,atentoecalmo.Àsvezes,davaentrevistasnasquais deixava a impressãodeque liamais doque realmente lia.Assim,haviaduasdefiniçõesdasvirtudesdeliderançacompetindonofrenesidacampanha.

Outrosubdebatediziarespeitoàmoralidadebásicadopaís.Amaneiramaisfácildepreverquemiavotara favoroucontraGraceeraperguntandosobrepresençanaigreja.Pessoasqueiamumaoumaisvezesporsemanaerammuitopropensasavotarcontraele.Pessoasquenunca iamerammuitopropensasavotar a favordele. Isso independiado fatodeGrace serumapessoa religiosaqueiaàmissaregularmente.

Enoentanto,dealgumamaneira,acompetiçãoentreosdoishomenseosdoispartidoshaviacolocadocadaumdelesemumladodeumadivisãomoral

semiarticulada.PessoasemumladoerammaispropensasaenfatizarqueDeustem um papel ativo em assuntos humanos. Pessoas do outro eram menospropensas a acreditar nisso. Pessoas de um lado erammais propensas a falarsobre submissão à vontade de Deus e regras morais inspiradas divinamente.Pessoasdooutroerammenospropensasafalarsobreessascoisas.

Ainda outro subdebate dizia respeito a geografia, estilo de vida eagrupamentossociais.Pessoasqueviviamemáreasdepopulaçãodensatendiama apoiar Grace. Pessoas que votavam em localidades de população esparsaapoiavamseuoponente.Osgrupospareciamternoçõesdiferentessobreespaçopessoal,liberdadeindividualeresponsabilidadecomunal.

Tododia,ospesquisadoresdeGracevinhamcomnovasmaneirasdefatiaro eleitorado. Pessoas que gostavam de esportes envolvendo motores —motociclismo,lancha,snowmobile—seopunhamaGrace,aopassoquepessoasque gostavam de atividades de lazer sem motores — caminhada, bicicleta esurfe — o apoiavam. Pessoas com mesas arrumadas se opunham a Grace,pessoascommesasbagunçadasoapoiavam.

O interessante era que tudo estava conectado a todo o resto. Escolhas deestilo de vida se correlacionavam com escolhas políticas, que secorrelacionavam com escolhas filosóficas, que se conectavam a escolhasreligiosas emorais, epor aí vai.As campanhasnunca abarcavamas correntesneuraisdiretamente,masde fatomandavampequenaspistas que ativavamasredesmentais.

Umdia,ooponentedeGracefoicaçar.Atoscomoesseativavamredesnasmentes dos eleitores também. Caçar significava armas, que significavamliberdade pessoal, que significava comunidades tradicionais, que significavamvalores socais conservadores, que significavam reverência aDeus e à família.Nodiaseguinte,Graceserviusopaemumrefeitóriocomunitário.Avisitaaorefeitório comunitário significou caridade, que significava compaixão, quesignificavadesejoporjustiçasocial,quesignificavacompreenderosperdedoresnograndejogodavida,quesignificavaumgovernoativistaquegastariamaispara promover igualdade. Os candidatos precisavam apenas dar o primeiropasso nessas cadeias de significados. Os eleitores faziam o resto. Mensagemrecebida.

Em certos dias, Harold observava a campanha e pensava em comorealmentesignificanteelaera.Apesardetodaatrivialidadeedetodooshow,ela de fato marcava, mesmo que apenas de maneira subliminar, as escolhas

fundamentais na vida. A política, concluía ele, em certos dias é uma tarefanobre.Emoutrosdias,éclaro,elesimplesmentequeriavomitar.

Espíritodeequipe

OqueperturbavaHarolderaoseguinte:amaioriadoseleitorestinhapontosdevistacentristaseerammoderadosemdisposição.Masvalorespolíticosnãosão expressos no abstrato. São expressos no contexto de uma campanha queestruturaaformacomovisõespolíticassãoexpressas.

A campanha foi estruturada para tomar uma nação moderada e parapolarizá-la. Os partidos eram organizados em equipes. Os gurus eramorganizados em equipes. Havia dois espaços gigantes de ideia: um, espaçodemocrata de ideia, e outro, republicano de ideia. A competição se dava emcimadequalmodelomentalconseguiriadominaropaíspelospróximosquatroanos. Era uma decisão entre isso ou aquilo e os eleitores que nãocompartilhavam de nenhum dos espaços dominantes de ideia simplesmentetinham de escolher aleatoriamente. A campanha em si pegou uma naçãomoderadaeatransformouemumanaçãoextremamentedividida.

Haroldobservou,semanaapóssemana,Graceserengolidopeloespaçodeideia de seu partido. No fundo, ele tinha pontos de vista excêntricos eidiossincráticos. No entanto, no frenesi da reta final, foi tomado pelasmultidões,peloaparatodopartido,pelosdoadores.SenassemanasfinaisvocêtivessejulgadoGracepeloquedizia,concluiriaqueelenãoerarealmenteumapessoa,apenasapersonificaçãodasposiçõesdopartido,queemergiadahistóriaedopensamentoindividualtranscendido.

AúnicacoisaqueaindasemantevedistintaemGraceemtodoopercursofoiseuequilíbrio.Nuncaperdiaacalma.Nuncaseirritavacomosassistentes.Nuncaentravaempânico.Erasempreapessoamaistranquilaemqualquersalaeatraíaasoutraspelaforçadesuatranquilidade,eissonuncamudou.Haroldcostumava observá-lo nas situações mais difíceis e pensar: “Quem age comgraçaévistocomgraça.”

Graceestevecalmoaténodiadaeleição.Projetavaordemeprevisibilidade.Incitavaconfiança.E isso, juntocomasnovidadeseconômicasqueajudaramsua campanha e alguns outros acidentes históricos, impulsionaram-no para otopo.HaroldviuGracesorrirnodiadaeleição,masnãooviueufórico.Afinaldecontas,elesabiaqueiaganhar.Sabiadesdeoquartoanodaescola.Nuncaduvidoudeseudestino.

OquerealmentesurpreendeuHaroldnaquelanoitefoiErica.Nassemanasfinaiselaficoucompletamenteabsorvidapelotrabalhonacampanha,apontodechegaràexaustão.Maistardenaquelanoite,devoltaemumdosquartosdehotel, longe da festa, ele a encontrou em uma poltrona soluçando de tantochorar.Elefoiatéela,sentou-senobraçodapoltronaecolocouamãoemsuanuca.

Emmomentoscomoesse,Ericapensavaemsuajornada;noavôcruzandoafronteiramexicanailegalmente,nooutrooavôchegandodebarcodaChina;nosapartamentosnosquaistinhavividocomamãe,emqueasportasnãosefechavamporquejátinhamsidopintadaserepintadastantasvezesqueficaramgrandesdemaispara amoldura;nosdesejos e sonhosque suamãe tinha, emquando às vezes se sentia um pequeno nada. Depois, pensava com algumorgulho, mas com mais perplexidade, na Casa Branca, onde em brevetrabalharia, na intensidade incrível da campanha, em seu amor pelas pessoasquecolocaramseuchefenoescritórioondeLincolnumdia se sentou.Haviacentenas de anos de história atrás dela, muitas gerações de antecessores,trabalhadoreseparentes,enenhumadessaspessoastiveramumaoportunidadedeusufruirosprivilégiosqueagoraseapresentavamaela.1Nooriginal,hallmonitors.Alunonorte-americanoresponsávelpormanteraordemnoscorredoresda

escola.(N.daT.)2EscocesesquemigraramparaonortedaIrlanda.(N.daT.)

capítulo20

OLADOMALEÁVEL

ExisteumaruatransversalemWashington,D.C.,comUMTHINK tankem cada esquina. Há um think tank para políticas internacionais, um parapolíticas domésticas, umpara economia internacional e um especializado emassuntos regulatórios.Muitaspessoas consideramesse lugaromais entediantedafacedaterra.

Os assistentesdepesquisa se reúnememcafeteriasplanejando como fazercomqueaC-SPAN1cubraaconferênciaintitulada“Otanparaquê?”,deseuschefes, na primavera seguinte. Os membros júnior dividem o táxi para oCapitolHill e concordamgenerosamente em assistir aos painéis de discussãoumdooutro.Osmembrossênior,osantigossecretáriosdedeputadosdesseoudaquele departamento, fazem parte de uma instituição de Washingtonchamada Almoço Impotente, no qual dois ex-influentes jantam e têmconversas portentosas sem importância alguma.Enquanto isso, todos têmdelidarcomasconse quênciasemocionaisdesuaRaivaLíquidaSublimada,queéaraiva sentida por norte-americanos de classe média alta que ganham saláriosdecentes, mas têm de gastar 60% de seus proventos descartáveis emmensalidades de escolas particulares. Não sobra nada para gastar com elesmesmos,oquecausaumaautocomiseraçãoprofundaenãoreconhecida.

Quando Erica desapareceu na administração como chefe de gabinete,Harold se juntou a esses simposiastas felizes e aceitou um cargo comopesquisador sênior de Robert J. Kolman para estudos de políticas públicas.Kolmaneraumbanqueirodeinvestimentosde1,50metrodealturaqueestavaem sua quinta esposa de 1,80 metro (são 9 metros acumulados de sexofeminino) e que achava que amaioria dos problemas dos EstadosUnidos seresolveriaseelefosseconvidadoparaaCasaBrancamaisvezes.

Assim, Harold se viu na terra dos caras da política. Achava-osemocionalmente evitativos em geral, pessoas que haviam estabelecido suas

credenciais como alunos dedicados de universidade, que construíram suaautoridade em rigor analítico; depois, se congregaram, como andorinhasmigrandoparaCapistrano,emumlugarondeasexualidadeerarigorosamentesuprimida, onde o prazer tinha pouca prioridade e onde, se você fosse emquatro conferências sobre a reforma nos benefícios pagos pelo governo, suavirgindade era magicamente restaurada. Harold percebeu que seus novoscolegasdetrabalhoerammuitogentiseincrivelmenteinteligentes,massofriamdas rivalidadesde statusendêmicasnaclassemédiaalta.ComograduadosemDireito, ressentiam graduados em Administração. Como pessoas deWashington,ressentiampessoasdeNovaYork.Comoespecialistasempolítica,ressentiam pessoas com boa estrutura óssea. Todos tinham máquinas daNordicTrack2 abarrotadas nas áreas de recreação de seus filhos no andar debaixo,mas, não importa o quanto trabalhassem, tinham cuidadoparanuncaficarembonitosporque,seficassem,nuncaseriamlevadosasérionoEscritóriodeOrçamentodoCongresso.

O escritório de Harold era exatamente ao lado do de um homem cujacarreirapolítica tinha acabadopor causadodesequilíbriodos elosdeposiçãosocial.Passouaprimeirapartedavidasedefinindodeacordocomostatusdesua carreira. Desenvolveu as habilidades sociais úteis para se promover: acapacidade de sugerir falsa intimidade; a habilidade de lembrar primeirosnomes;ahabilidadesutildedeferênciaefetiva.FoieleitoaoSenadoepassouacomandar o patoá da globobagem3 — a habilidade de declamar por horasportentosas sobre a revolução nos assuntos mundiais trazida por mudançatecnológica/degradação do meio ambiente/declínio fundamental dos valoresmorais—,atingiuafamaeumlugarcomopresidentedoComitêdeRelaçõesInternacionais do Senado e era regularmente mencionado como umaesperançapresidencial.

Sóque,gradualmente,algumapiadacósmicacruelcaiusobreele.Percebeu,nameia-idade, que sua grandeza no Senado não era suficiente e que ele erasolitário. Alguns senadores conseguem construir amizades quando estão noCongresso. Na verdade, um estudo de Katherine Faust e John Skvoretzdescobriu que as redes de amizade no Senado norte-americano eramconsideravelmente similares em estrutura às redes sociais de lambida entrevacas.Mas esse pobre homemnunca construiu essas amizades. Passou a vidatodaconstruindorelacionamentoscompessoasacimadele;nãoperdeutempoconstruindorelacionamentoshorizontaiscompessoasquepodiamserparceiras

e companhias de verdade. A mediocridade de sua vida íntima ficou maisdolorosacomaeuforiadeseusucessopúblico.

Sendo assim, veio a crise. Talvez os gorilasmachos alfa não acordem nomeio da noite sentindo pena de si mesmos porque “ninguém conhece seuverdadeiro eu”.Mas o vizinho deHarold se pôs a curar a ferida damelhormaneira que sabia. Depois de anos de repressão, tinha as habilidades paraamizadedeumacriançade6anosdeidade.Quandotentavaformarlaços,eracomoverumsão-bernardotentandodarumbeijode língua.Eraautoritário,cheiodesalivaedesesperadamentecarente.Umajovemperfeitamentenormalestaria sentada em um jantar comemorativo e de repente a língua de umsenadorestariaemsuaorelha.Apósdecidir,nameia-idade,quetinha,sim,umaalma, resolveu dar uma voltinha com ela e descobriu que tinha acabado decomprarumapassagemnoexpressodaautoimolação.

Revelações constrangedoras vieram à tona. Garotas de programaapareceram na mídia com histórias interessantes para contar. O Comitê deÉticasereuniu.Programasdecomédianoturnosfizerampiadas.Asdemissõesforam entregues e o ex-aspirante a presidente acabou em um think tankpassandoastardesjogandoconversaforacomHarold.

Oladoduro

Harold também notou que certas ideias na cultura científica em geral maltinhampenetradonomundodaconfecçãodepolíticas.Descobriuque,tantonadireitaquantonaesquerda,aspessoasnestemundocompartilhavamcertassuposições. Ambas tinham visões de mundo individualistas, tendendo apresumirquea sociedadeéumcontratoentre indivíduosautônomos.Ambaspromoviampolíticaselaboradasparaexpandiraescolhaindividual.Nenhumadas duas prestavam muita atenção para laços sociais e comunais, paraassociaçõeslocaisounormasinvisíveis.

Ativistas conservadores abraçaramo individualismodomercado.ReagiamdemaneirafuriosacontraqualqueresforçoqueoEstadofizesseparainterferirna escolha econômica individual. Adotavam prescrições políticas feitas paramaximizar a liberdade econômica: baixos impostos para que as pessoaspudessemguardar eusarmaisde seudinheiro, seguridade social privadaparaquepudessemcontrolarumapartemaiordesuaspensões,bolsasdeestudoparaqueospaispudessemescolherescolasparaosfilhos.

Os liberais abraçavam o individualismo da esfera moral. Reagiam demaneirafuriosacontraqualqueresforçodoEstadoparainterferirnasescolhasde casamento, estrutura familiar, o papel das mulheres e assuntos denascimento e de morte. Abraçavam políticas elaboradas para maximizar aliberdade social. Os indivíduos devem ser livres para tomar suas própriasdecisõessobreaborto,eutanásiaeoutrosassuntos.Gruposativistasdefendiamosdireitosdosindivíduosacusadosdecrimes.Areligião,naformadepresépiose menorás, era rigorosamente separada da esfera pública para que nãoinfluenciasseaconsciênciaindividual.

Oindividualismodeesquerdaededireitaproduziudoismovimentosbem-sucedidos — um na década de 1960 e outro na de 1980.1 Durante umageração,não importavaquemestivessenopoder,osventosqueprevaleceramsopraramnadireçãodaautonomia,doindividualismoedaliberdadepessoal,enãonadireçãodasociedade,dasobrigaçõessociaisedoslaçoscomunais.

Harold também descobriu que seus novos colegas de trabalhocompartilhavam uma mentalidade materialista. Tanto os liberais quanto osconservadoresgravitavamnadireçãodeexplicaçõeseconômicasparaqualquerproblema social e geralmente surgiam com soluções que envolviam dinheiropara esse problema. Alguns conservadores argumentavam a favor de créditosfinanceiros para filhos a fim de restaurar o casamento, zonas com impostosbaixosparaempreendimentosafimdecombaterapobrezaurbanaebolsasdeestudo paramelhorar o sistema educacional.Os liberais enfatizavamo outrolado dos programas de notas fiscais e de gastos. Tentavam direcionar maisdólaresparaconsertarescolasfalidas.Expandiamossubsídiosparaalunosafimdeaumentarastaxasdefinalizaçãodegraduação.Osdoisladospresumiamquehavia uma relação direta entre melhorar condições materiais e resolverproblemas. Os dois lados negligenciavam questões de caráter, cultura emoralidade.

Emoutraspalavras,partiramAdamSmithaomeio.AdamSmithescreveuum livro,A riqueza das nações, no qual descreveu a atividade econômica e amão invisível.No entanto, ele escreveu outro livro, A teoria dos sentimentosmorais,noqualdescreveucomoasimpatiaeodesejoinconscienteporestimamoldavamosindivíduos.EleacreditavaqueaatividadeeconômicadescritaemAriquezadasnaçõesapoiava-senoalicercedescritoemAteoriadossentimentosmorais.Contudo,nasúltimasdécadas,oprimeirolivroficoufamoso,aopassoque o segundo era citado,mas nunca aplicado.Amentalidade que prevalecedavavaloraoprimeiromasnãosabiaoquefazercomosegundo.

HarolddescobriuqueemWashingtonostatusmaiselevadoiaparaaquelesqueestudavamcoisasenvolvendoarmasebancos.Pessoasqueescreviamsobreguerra,orçamento e finançaglobal caminhavamcomo titãs,maspessoasqueescreviamsobrepolíticasdefamília,educaçãonaprimeirainfânciaerelaçõesdecomunidade eram tratadas comonerdsgordos emuma festadosbonitõesdafaculdade.4 Vocês podiam puxar um senador para conversar sobre aimportância do laço maternal para o desenvolvimento humano futuro e osenadorolhariaparavocêcomindulgência,comosevocêestivessearrecadandodinheiro para uma fazenda de terapia em grupo para filhotes solitários decachorros.Depois ele iria emborapara conversar sobre algumacoisa séria—umimpostoouumcontratodedefesa.

Ospolíticos em si eramcriaturas intensamente sociais.Cavaramseu lugarnomundocomessasantenasemocionaisbrilhantes,masquandooassuntoerapensar sobre políticas, ignoravam essa faculdade por inteiro. Pensavam demaneira mecanicista e só levavam a sério aqueles fatores que podiam serrigorosamentequantificadoseincluídosnoorçamento.

Avisãosuperficial

Haroldacreditavaque,nodecorrerdesuavida,essamentalidadelevouaumasérie de políticas desastrosas. Essas políticas produziram efeitos negativos porumarazãoemcomum.Elasreorganizaramascondiçõesmateriaisdemaneirapositiva,mas limaramasrelações sociaisdemaneiraqueeraminvoluntáriasedestrutivas.

Alguns dos erros emanaram da esquerda. Nas décadas de 1950 e 1960,reformadores bem-intencionados viram vizinhanças destruídas com cortiçosdecadentes e prometeram substituí-los por projetos de habitação novos emfolha.Essesantigosbairrospodemtersidodecrépitos,mascontinhamsistemasdeapoiomútuoelaçoscomunitários.Quandoforamdestruídosesubstituídospornovosprojetos,asvidasdaspessoas ficarammaterialmentemelhores,masespiritualmente piores. Os projetos se transformaram em terrenos baldiosfragmentadosextremamentedespreparadosparaahabitaçãohumana.

Aspolíticasdebem-estarsocialdadécadade1970minaramasfamílias.Oschequesdogovernoalavancaramascondiçõesmateriaisdosdestinatários,mas,nomeiodeumperíododerupturacultural,fizeramcomquejovenssolitáriasdessemà luz foradomatrimônio,dizimandoassimoshábitoseosrituaisdasfamíliastradicionais.

Outros fracassos de políticas vieram da direita. Na era dadesregulamentação,grandesredescomooWalmartdizimaramproprietáriosdelojas locais eas redesdeamizadeedecomunidadequeelesajudaramacriar.Mercadosfinanceirosglobaiscompraramosbancospequenos,demodoqueoconhecimento local de um banqueiro da cidade foi substituído por umamanadamaníacadecomerciantesaquilômetrosdedistância.

Noexterior,peritosdomercadolivreinvadiramaRússiadepoisdocolapsodaUnião Soviética.Oferecerammontanhas de conselhos sobre privatização,masquasenenhumconselhosobrecomoreconstruirconfiançacomunaleleieordem, que são os canteiros reais da prosperidade. Os Estados Unidosinvadiram o Iraque acreditando que meramente substituindo o ditador danação e as instituições públicas pudessem refazer a nação com facilidade.Osinvasores ignoraram os efeitos psicológicos que uma geração de tirania haviafundidonaculturairaquiana,osódiosperversosquepairavamlogoabaixodasuperfície—circunstânciasquerapidamenteproduziramumbanhodesangueétnico.

A lista de políticas fracassadas de Harold continuava: desregulamentaçãofinanceiraquepresumiaquecomerciantesglobaisnãoprecisavamdeproteçãocontraseuprópriocontágioemocional;zonasdeempreendimentobaseadasnasuposição de que, se você simplesmente reduzisse impostos nas áreas centraisdas cidades, então as economias locais prosperariam; programas de bolsaselaboradosparareduzirastaxasdeabandonoescolar,fingindoqueoprincipalproblema era a faltade ajuda financeira, quandona verdade apenas cercade8% dos alunos não conseguem completar a faculdade por razões puramentefinanceiras.2 Os problemas mais importantes têm a ver com desconexãoemocionaldaescolaefaltadepreparaçãoacadêmica,fatoresintangíveisqueamentalidadepredominanteachoudifícildedeterminarereconhecer.

Em suma, o governo tentou fortificar o desenvolvimento material, masacabouenfraquecendoodesenvolvimentosocialeemocionalqueosustenta.Ogoverno não foi o único fator no enfraquecimento da sociedade. Umarevolução cultural havia dizimado hábitos antigos e estruturas familiarestradicionais.Umarevoluçãoeconômicahaviasubstituídocentrosurbanoscomgrandes shoppings isolados com redes de lojas. A revolução da informaçãosubstituiuorganizaçõescomunitáriasquesediavamencontrosfaceaface,todasemana,emredessociaison-lineespecializadas,nasquaisosiguaisseachavam.No entanto, as políticas governamentais tiveram um papel em todas essasmudanças.

OresultadofoiadiminuiçãodocapitalsocialqueRobertPutnamdescreveuemBowling Alone (Jogando boliche sozinho) e em outros livros. As pessoasficaram afiliadas de maneira mais frouxa. As teias de relacionamento quehabitavamoautocontrole,orespeitopelosoutroseasimpatiasocialperderamseu poder. Os efeitos às vezes eram liberadores para pessoas educadas, quepossuíamocapital socialparaexploraronovomundotecidocomfrouxidão,masforamdevastadoresparaosquenãotinhamessetipodecapitalhumano.Estruturas familiares começaram a se desintegrar, principalmente para os deeducação inferior. Nascimentos fora do casamento dispararam. O crimecresceu.Aconfiançanasinstituiçõesentrouemcolapso.

O Estado teve de interferir na tentativa de restaurar a ordem. Comoescreveu o filósofo britânico Phillip Blond, as revoluções individualistas nãoacabaram por criar sociedades frouxas e livres. Produziram sociedadesfragmentadasnasquaisoEstadocresceemumatentativadepreencherovácuocriado pela desintegração social. Quanto menos restrições sociais informaisexistirememqualquersociedade,maispoderestatalformaltemdeexistir.NaGrã-Bretanhavocêacabacomastaxascrescentesdecrimeeoresultadosão4milhões de câmeras de segurança.3 Bairros se desintegraram e o Estadointerferiu, absorvendo e deslocando ainda mais as redes de apoio social querestavam.Ummercadooscilante,livredastradiçõesoudospadrõesinformais,demandoupromotores intrusivosparaospoliciarem.ComoobservouBlond:“Olhem para a sociedade que nos tornamos: somos uma nação bipolar, umEstado burocrático centralizado que preside cidadãos cada vez maisfragmentados,enfraquecidoseisolados.”

Sem um tecido social sadio, as políticas se tornaram polarizadas. UmpartidopassouarepresentaroEstado.Ooutropassouarepresentaromercado.Umpartidotentoudirecionaropodereodinheiroparaogoverno;ooutro,direcioná-los para vouchers e outros mecanismos de mercado. Ambosnegligenciarameignoraramasinstituiçõesintermediáriasdavidacivil.

Em nações socialmente escassas,muitas pessoas começaram a formar suasidentidadespessoaisemtornodesuafacçãopolítica.Nãotinhammaisnadaaque se agarrar. Políticos e polemistas da mídia tiraram vantagem do vácuopsíquicoetransformarampartidosemcultos,exigindoepremiandoalealdadecompletaàtribo.

Umvezqueapolíticavirouumacompetiçãoconfrontandoumgrupodeidentidadecontraooutro,nãofoimaispossívelsecomprometer.Tudovirouumaguerradestatusentreomeutipodepessoaseoseutipodepessoas.Até

mesmo uma pequena concessão ficava parecendo capitulaçãomoral. Aquelesque tentavam construir relacionamentos com o outro lado da divisão entrepartidoseramostracizados.Entreospolíticos,alealdadeaopartidoobscureciaalealdadeainstituiçõescomooSenadoeaCâmaradosDeputados.Apolíticanão era mais uma questão de trocas, era uma competição por honra esupremacia territorial. No meio dessa perversidade partidária, a confiançapúblicanogovernoenasinstituiçõespolíticasentrouemcolapso.

Em uma sociedade densamente conectada, as pessoas conseguem ver acorrente gradual de instituiçõesque conectama família aobairro, obairro àcidade, a cidade à associação regional, as associações regionais às associaçõesnacionais e as associações nacionais ao governo federal. Em uma sociedadereduzida,essacorrenteéquebradaeosensodeconexãosequebracomela.OEstadopareceseralienígenaeintrusivoaumsótempo.Aspessoasperdemaféna habilidade de o governo fazer a coisa certa na maior parte do tempo epassamateratitudescínicasecorrosivasemrelaçãoaosseuslíderesnacionais.

Emvezdeserguiadaporlaçosfraternais,edeocasionalmenteresponderaumchamadodesacrifícioconjunto,prevaleceumamentalidadecínicanoestilo“pegue o que puder antes que os outros roubem tudo”. O resultado é umadívidapúblicadisparadaeumamávontadepúblicaemaceitarosacrifíciodoaumento de impostos ou de cortes em gastos, necessários à responsabilidadefiscal.Nenhumdosladosconfianooutroparacumprirsuapartedequalqueracordo. Nenhum partido acredita que o outro participaria honestamente desacrifícioscompartilhadosdeverdade.Semconfiançasocial,osistemapolíticorecaiemumapartidabrutaldeempurrões.

Oladomaleável

Haroldacreditavaquea revoluçãocognitiva tinhaopotencialdeacabarcomessas filosofias políticas individualistas e com as abordagens políticas quenasceram delas. A revolução cognitiva demonstrou que seres humanosemergem das relações. A saúde de uma sociedade é determinada pela saúdedessasrelações,nãopeloquantoelamaximizaaescolhaindividual.

Portanto, a liberdade não deve ser o objetivo final das políticas. O focoprimordial da atividade política é o caráter da sociedade. As instituiçõespolíticas, religiosas e sociais influenciama arquitetura inconscientede escolhaquereforçaocomportamento.Elaspodemcriarcenáriosquenutremescolhasvirtuosas oupodemcriar cenários que as limam.Enquanto a era racionalista

colocouoindivíduodemáximautilidadenocentrodopensamentopolítico,apróximaera,acreditavaHarold,colocariaasaúdedasteiassociaisnocentrodopensamento.Umaerafoicentradanaeconomia.Aoutraseriasociocêntrica.

Ascorrentes intelectuaissociocêntricas,esperavaHarold, iriamrestabelecerconversasacercadocaráteredavirtudenocentrodavidapolítica.Vocêpodeinjetar dinheiro nas áreas pobres, mas sem culturas que alimentam oautocontrole não vai haver mobilidade social. Você pode aumentar oudiminuirosvaloresdosimpostos,massemconfiançaeconfidênciaasempresasnão se formam e as pessoas não vão investir umas nas outras. Você podeestabelecer eleições, mas sem cidadãos responsáveis a democracia não vaiflorescer.Depoisdeumavida inteiraelaborandoeescrevendo sobrepolíticaspúblicas, o criminologista JamesQ.Wilson chegou a essa conclusão central:“Nofundo,emquasetodaáreadeinteressepúblico,estamosbuscandoinduziraspessoasaagircomvirtude,sejamelascriançasnaescola,candidatosàajudadogoverno,transgressoresempotencialoueleitoresefuncionáriospúblicos.”

Harold prendeu outra citação em seu mural, de Benjamin Disraeli: “Anaturezaespiritualdohomemémais fortedoquecódigosouconstituições.6Nenhum governo resiste sem reconhecer isso como seu alicerce, e nenhumalegislaçãoperdurasenãofluiapartirdessealicerce.”

Tudo se resumia ao caráter, e isso significava que tudo se resumia àqualidadedos relacionamentos, porqueos relacionamentos sãoo canteirodocaráter. A razão pela qual a vida e a política são tão árduas é que osrelacionamentos sãoas coisasmais importantes,mas tambémasmaisdifíceis,deseentender.

Em suma,Harold entrou emummundodepolíticas públicasnoqual aspessoas estavam acostumadas a pensar em termos duros e mecanicistas. Eleachou que podia contribuir se jogasse perspectivas emocionais e sociais nessamistura.

Socialismo

Conforme Harold cavou seu caminho no processo de descobrir como suassuposiçõesbásicasseaplicavamaomundodapolíticaedaspolíticas,lamentouofatodeonome“socialismo”játersidousado.OspensadoresdosséculosXIXe XX que se autodenominavam socialistas não eram socialistas de verdade.Eramestadistas.ValorizavamoEstadoemvezdeasociedade.

Porém,overdadeirosocialismopriorizariaavidasocial.Eleimaginouquearevolução cognitiva pudesse promovermais estilos comunitários de políticas.Haveria um focona comunidade econômica.Por acaso as pessoas em classesdiferentes tinham ideia de que estavam unidas em um empreendimentocomumouasdisparidadesentreasclasseserammuitovastos?Haveriaumfocona cultura comum. Os valores centrais da sociedade eram expressados ereforçados de maneira autoconfiante? Eram refletidos nas instituiçõesnacionais? Os novos imigrantes assimilavam com sucesso? Na esfera políticaque Harold imaginava, os conservadores enfatizariam que é difícil para oEstadomudarculturaecaráter.Os liberaisargumentariamquenósainda,demaneirapragmática,temosdetentar.Ambosfalariamalínguadafraternidadeetrariaminspiraçãocomumsensodequeestamostodosjuntos.

Nessaaltura,Haroldnãosabiasedeviasedefinircomoumliberaloucomoumconservador.UmdosprincípiosqueoguiavamfoitiradodeumacitaçãoconhecidadeDanielPatrickMoynihan:“Averdadecentralconservadoraéqueé a cultura, e não a política, que determina o sucesso de uma sociedade.7 Averdadecentralliberaléqueapolíticapodemudarumaculturaeprotegê-ladesi.”

ElerealmentesabiaqueseutrabalhoemWashingtoneramostraraoslocaisqueocarátereaculturarealmentemoldamocomportamentoequeogovernopodia,limitadamente,moldarculturaecaráter.OpoderdoEstadoécomoofogo—aquecequandoécontido,mataquandocrescemuito.Emseupontode vista, o governo não devia comandar as vidas das pessoas. Isso apenasenfraquece a responsabilidade e a virtude dos cidadãos.Contudo, o governopodiainfluenciarocenárioondevidassãovividas.Ogovernopodia,atécertoponto, nutrir cenários que servem como berçários para relações fraternais.Podiainfluenciaroespíritodecidadania.

PartedissoéfeitosimplesmenterealizandoastarefaselementaresdoEstado,estabelecendo uma estrutura básica de ordem e de segurança— defendendocontra o ataque externo, regulando a atividade econômica para punirpredadores, protegendo os direitos de propriedade, punindo o crime,sustentandooestadodedireito,provendoumnívelbásicodeseguridadesocialedeordemcívica.

Algumasdessascoisassãofeitasreduzindoosprogramasqueenfraquecemaculturaeocaráter.Otecidosocialébaseadonaideiadequeoesforçolevaàrecompensa.Masécommuita frequênciaqueogovernorecompensapessoasquenãocontribuíramcomoesforço.Faz issocomboas intenções (osvelhos

programasdebem-estar socialquedesencorajavamo trabalho)e faz issocomintençõesvenais(oslobistasasseguramreservas,isençãodeimpostosesubsídiosparaquesuasempresaspossamassegurarrendimentossemterdeganhá-losnomercado). Esses programas enfraquecem a confiança social e pública.Separando o esforço da recompensa, eles poluem a atmosfera. Mandam amensagemdequeosistemaestáfraudadoequeasociedadeécorrupta.

MasHaroldachavaqueogovernolideradoapropriadamentetambémpodiaterumpapelmaisconstrutivo.Assimcomoopoderremotoecentralizadocriacidadãos servis, o poder descentralizado e o autogoverno comunitário criamcidadãosativosecooperativos.Osprojetosdeinfraestruturaquecriamnúcleosnos centros das cidades fortalecem os relacionamentos e estimulam odesenvolvimento. As escolas públicas independentes unem os pais. Asuniversidadesquesãoativasalémdocampusviramlocaiscívicoseempresariaisagitados.Osprogramasdeserviçonacionalunemaspessoasalémdasdivisõesde classe. Os fundos de empreendimento social com incentivo público eadministração local encorajam o ativismo cívico e os programas de serviçocomunitário. As políticas de impostos simples e justas criam energias,aumentam o dinamismo, elevam o espírito animal e encorajam a destruiçãocriativa.

Aristóteles escreveu que legisladores habituam cidadãos. Intencionalmenteounão,legisladoresencorajamcertasmaneirasdeviveredesencorajamoutras.OofíciodeliderarumEstadoéinevitavelmenteoofíciodaalma.

Experimentosacercadopensamento

Harold começou a escreveruma sériede ensaiosparaperiódicosdepolíticas,descrevendooquesuaabordagemdoladomaleávelpodesignificarnomundoreal.Todososensaiostinhamumtemaemcomum:comoafraturadoslaçosinconscientes estava na raiz de vários problemas sociais e como o governopodiaagirpararepararesserasgonotecidosocial.

Começouemáreasomaisdistantepossíveisdomundoefusivodaemoçãoedosrelacionamentos.Seuprimeiroensaiofoisobreterrorismoglobal.Muitoscomentaristaspresumiramoriginalmentequeoterrorismoeraumprodutodapobrezaeumafaltadeoportunidadeeconômica.Eraumproblemacomraízesmateriais.Maspesquisassobreobackgrounddosterroristasestabeleceramque,deacordocomcertabasededados,75%dosterroristasantiocidentevinhamdelares de classemédia e incríveis 63% tinham cursado alguma faculdade.8 O

problema não é material, mas social. Os terroristas são, como argumentaOlivier Roy, desapegados de qualquer país ou cultura específicos.9 Comfrequência, estãopresosna terradeninguémentreo ancestral eomoderno.Inventamumapurezaancestralde fazdecontaparadar sentidoa suasvidas.Começamumjihadviolentoporque issoosuneaalgo.Geralmente,nãosãoativos politicamente antes de se unir aos grupos terroristas, mas estãoprocurando por alguma crença maior para dar forma e propósito à suaexistência.Essaescolhasópodeserprevenidaseexistiremoutrascausasquelhesforneçamoutrasrotasàrealização.

Depois,Harold escreveu sobre estratégiamilitar, a essência domachismodas armas e do caos. Harold descreveu como os soldados no Iraque e noAfeganistãoachavamimpossívelderrotarumainsurgêncianocampodebatalhasimplesmentematandoomáximodecarasmauspossível.10Elesaprenderamque a única rota para a vitória era por meio de uma estratégia decontrainsurgênciachamadaCOIN,quecomeçavapelaconquistadaconfiançada população. Os soldados e fuzileiros navais descobriram que não erasuficiente assegurar um vilarejo; tinham de mantê-lo para que as pessoas sesentissem seguras; tinhamde construir escolas, instalaçõesmédicas, quadras esistemasdeirrigação;tinhamdereagruparosconselhosdacidadeedarpoderaosmaisvelhos.Apenasquandoessa atividadedeconstruirumanaçãoestavaindobeméque as sociedades locais estariam fortes e coesas o suficienteparaajudá-losadarinformaçõessobreoinimigoearechaçá-lo.Haroldcomentouqueaatividadepolíticamaisdifícil—adeguerra—dependiadashabilidadessociais mais maleáveis — escutar, entender e construir confiança. A vitórianesse tipo de guerra não tem a ver com empilhar corpos; tem a ver comconstruircomunidades.

Seu próximo ensaio foi sobre políticas globais relacionadas à Aids. OOcidente havia usado um vasto conhecimento tecnológico nesse problema eproduzidoremédiosquepodiamajudaratrataressapraga.Masaeficáciadessesremédiosficavalimitadaseaspessoascontinuavamaseteroscomportamentosquelevaramàdoença.

Harold assinalou que o conhecimento técnico sozinho não era capaz demudar o comportamento. Conscientizar é necessário mas insuficiente. Aspesquisasmostramque a imensamaioria das pessoasnospaíses afetadosmaisseveramente entende os perigos do HIV, porém se comporta de modoarriscadomesmo assim. Prover preservativos é necessáriomas insuficiente. A

maioria das pessoas nesses países tem acesso a preservativos. Mas isso nãosignifica que elas os usam de fato, como demonstram as taxas crescentes ouestabilizadasdeinfecção.Odesenvolvimentoeconômicotambéménecessáriomasinsuficiente.Aspessoasqueespalhamadoençademodomaisagressivo—geralmente mineradores e motoristas de caminhão — são relativamenteprósperas. Prover instalações de assistência médica também é necessário masinsuficiente. Harold descreve um hospital na Namíbia onde 858 mulheresestavamrecebendotratamento.11Depoisdeumanodeesforço,conseguiramfazercomqueapenascincodeseusparceirosdosexomasculinofossemfazeroteste. Apesar de significar uma sentença de morte, os homens não iam aohospital.Emsuacultura,homensnãochegavampertodehospitais.

Harold visitou um vilarejo naNamíbia onde não havia pessoas demeia-idade.ElashaviammorridoporcausadaAids.Ascriançashaviamcuidadodeseuspaisatéotúmulo.E,noentanto,contratodososinstintosmaisprimitivosdesobrevivência,osfilhosestavamrepetindoosmesmoscomportamentosquehaviam levado à morte de seus pais. Ressaltou que a causa dessecomportamento desafiava toda a lógica, assim como o princípio doautointeresse racional conforme entendido comumente. Os programas querealmentemudavamocomportamentonãofocavamprimeiramentenalógicaenoautointeresse.Nãotentavammeramentemudarasdecisões sobreo sexoseguro, mas criar pessoas virtuosas que não se colocariam no caminho datentação. Tais programas eram frequentemente conduzidos por líderesreligiosos.Esseshomensemulheresfalavamnalínguadocertoedoerrado,dovícioedavirtude.Aspessoas liderandoessesprogramas falavamna línguado“ter de fazer”. Falavam sobre salvação e verdade bíblica, e a atividade sexualmais segura era consequência de uma mudança muito mais abrangente naperspectiva.

Essa é uma linguagem não abordada pelo conhecimento técnico. É umalinguagemquetemdeser faladaporalguémmaisvelho,umvizinho,pessoasquesabemseusnomes.HaroldressaltouqueoOcidentejogouumaquantidadetremendadeconhecimentomédicoetécniconoproblemadoHIV/Aids,masnãooconhecimentomoralecultural suficiente,otipodeconhecimentoquemudavidas,pontosdevistaemoralidades,eque,pormeiodessespadrõesmaisabrangentes,alteraabaseinconscientedocomportamento.

Depois, Harold se aproximou do lar. Descreveu como o subúrbio haviareforçadooslaçoscomunitáriosportodososEstadosUnidos.Apontouquenadécada de 1990, foram projetadas vastas áreas habitacionais planejadas nos

arredoresdossubúrbios.Naquelesdias,sevocêperguntasseaoscompradoresoque queriam que fosse incluído no planejamento, eles responderiam umaquadra de golfe — um sinal de status. Contudo, se você perguntasse umadécada mais tarde o que as pessoas queriam, teriam respondido um centrocomunitário, uma lanchonete, uma trilha para caminhadas e um clube. Essepessoalerroufeio.Mudaram-separasubúrbiosdistantesparaterumpedaçodosonho americano, que igualaram à grande propriedade, mas perderam asconexões sociaisque resultamdoviver emáreasdepopulaçãomaisdensa.Omercado,então,respondeuparcialmentecomcenáriosderuaspseudourbanasnomeiodolocaldeexpansão—densasáreascentraisondeaspessoaspodiamcaminharesesentaràsmesasdascalçadasparatomarumcafé.12

Mobilidadesocial

O maior projeto de pesquisa de Harold foi sobre mobilidade social. Suapremissa básica era que, nas últimas décadas, os estudiosos passaram muitotempopensandoemglobalização,omovimentodeprodutosedeideiasalémdas fronteiras. Harold achava que a globalização não era o processo centrallevando à mudança. Por exemplo, de acordo com o Departamento deEstatísticas doTrabalhodosEstadosUnidos, a terceirização emoutros paísesera responsávelpor apenas1,9%dasdemissõesnaprimeiradécadado séculoXXI, apesar de todo o falatório e atenção.13 De acordo com PankajGhemawat, da Faculdade de Negócios da Harvard, 90% dos investimentosfixosaoredordomundosãodomésticos.14

Omotorrealdamudança,acreditavaHarold,eraumamudançanacargacognitiva. Nas últimas décadas, a revolução tecnológica e social depositoudemandas cada vez maiores na cognição humana. As pessoas agora sãocompelidasaabsorvereprocessarumlequemuitomaiscomplicadodefluxosde informação. São compelidas a navegar por ambientes sociais muito maiscomplicados. Isso está acontecendo em setores tanto localizados quantoglobalizados, e estaria acontecendo se dilacerassem todos os acordos decomérciolivrejáescritos.

O paradigma da globalização enfatiza o fato de que a informação podeviajar25milquilômetrosemuminstante.Masoparadigmadecargacognitivadizqueapartemaisimportantedajornadasãoosúltimospoucoscentímetros— o espaço entre os olhos e ouvidos de uma pessoa e as várias regiões do

cérebro.Pormeiodequetipode lenteo indivíduopercebea informação?Oindivíduotemcapacidadedeentendera informação?Eleouela temotreinonecessário para explorá-la? Quais emoções e ideias a informação ativa? Hápresunções culturais que distorcem ou acentuam a maneira como écompreendida?

Essamudançanacargacognitivatevemuitosefeitosabrangentes.Mudouopapel das mulheres, que são capazes de competir igualmente na arena dahabilidade mental. Mudou a natureza do casamento, visto que homens emulheres procuram parceiros que podem conectar e complementar ashabilidadesmentais um do outro. Levou ao acasalamento seletivo, visto quepessoas commaiornível de educação casam-se entre si e pessoas commenosnível de educação casam-se entre si. Produziu também uma desigualdadecrescente,demodoqueassociedadessedividememduasnações—umacomaquelesquepossuemashabilidadesinconscientesdenavegarporesseterrenoeoutracomaquelesquenãotêmaoportunidadedeadquiriressashabilidades.

Nas últimas décadas, houve um crescimento constante no retorno daeducação,asrecompensaseconômicasquevãoparapessoascommaiseducação.Na década de 1970, argumentava-se que mal fazia sentido ir para umafaculdade. Não havia uma grande diferença entre os níveis de renda dosformados e dos não formados. Contudo, no começo da década de 1980, oretorno da educação começou a crescer e não paroumais.Hoje, o dinheirosegueasideias.Onorte-americanocomumcombachareladofazpartedeumafamília que ganha 93mil dólares ao ano.A pessoa comum comdiplomadecurso técnico fazpartedeuma famíliaqueganha75mildólares.15Apessoacomumcomensinomédio completo fazpartedeuma famíliaqueganha42mil dólares e, namédia, o que largou a escola faz parte de uma família queganha28mildólares.

Ademais,háumefeitoestrela,atémesmonotopo.Aspessoasquepossuemhabilidades mentais únicas são premiadas; seus salários disparam. As pessoascomeducaçãodecente,mascomtraçosmentaisfungíveis,virammercadorias.Seussalárioscaminhamlentamenteparaotopoouatéseestagnam.

Essas habilidades mentais tendem a ser passadas adiante nas famílias,portantorecebemosumameritocraciaherdada.Nãoimporta,tantoquantonadécada de 1950, se você nasceu em uma família protestante cujos ancestraischegaram no Mayflower. Mas ainda importa muito em qual família vocênasceu, talvezmais doquenunca.Uma criançanascida emuma família queganha 90 mil dólares ao ano tem 50% a mais de chance de se formar na

faculdade aos24 anosde idade.16Uma criançanascida emuma família queganha 70mil dólares temuma emquatro chances.Uma criança nascida emumafamíliaqueganha45miltemumaemdez.Umacriançanascidaemumafamíliaqueganha30miltemumaem17.

As universidades de elite se tornam bastiões do privilégio. AnthonyCarnevale e Stephen Rose fizeram uma enquete nas 146 melhoresuniversidades dos Estados Unidos e descobriram que apenas 3% dos alunosnessas instituições vinham de famílias no quartil inferior da economia.17Setentaequatroporcentodosalunosvinhamdefamíliasnoquartilsuperior.

Umasociedade saudável éuma sociedadecommobilidade,uma sociedadenaqualtodostêmumachancedeterumavidaboa,naqualtodostêmrazãopara prosseguir, na qual as pessoas se erguem e caem de acordo com o quemerecem.Masas sociedadesnaeradacogniçãoproduzemsuaprópria formade desigualdade, alojada profundamente nos cérebros dos cidadãos— isso émaissutildoqueasdistinçõesancestraisdeclassesnofeudalismo,porémquasetãocrueleinjusto.

Harold comentou que a maioria das nações tentou lutar contra esseproblema,gastandomuitodinheironoprocesso.OsEstadosUnidosgastarammaisdeumtrilhãodedólarestentandoreduziradiferençaderealizaçõesentrealunosbrancosenegros.Ogastodaeducaçãopúblicaporpupilocresceuem240% em termos reais entre 1960 e 2000.18 As maiores universidadesoferecem pacotes estrondosos de auxílio e algumas das mais ricas, como aHarvard, suspendemamensalidadeporcompletoparaosalunosquevêmdefamílias que ganhammenos de 60mil dólares por ano.Os EstadosUnidosgastaram dinheiro suficiente em programas contra a pobreza para dar umchequede15mildólaresporanoparacadapessoapobre.Amãededoisfilhosganharia um cheque de 45 mil dólares por ano se os programas fossemconvertidosemumasimplestransferência.19

No entanto, o dinheiro não pode resolver o problema da desigualdadeporque não é a fonte crucial da questão. O problema está no reino dodesenvolvimentoconscienteeinconsciente.HaroldprecisavaapenascompararsuacriaçãocomadeEricaparaverisso.Algumascriançassãocercadasdeumaatmosfera que encoraja o desenvolvimento do capital humano — livros,discussão,leitura,perguntas,conversassobreoquequeremsernofuturo—eoutrassãocercadasdeumaatmosfera fragmentada.20,21Sevocê lêpartedeumahistóriaparacriançasdojardimdeinfânciaemumavizinhançapróspera,

cercademetadedelasvaiconseguirpreveroqueacontecenahistória.Sevocêlê omesmo fragmentopara crianças em vizinhanças pobres, cerca de apenas10%delasvaisercapazdepreverofluxodeeventos.Ahabilidadedeconstruirmoldessobreofuturotemimportânciavitalparaosucesso.

Em1964,antesdeaeracognitivaterrealmentecomeçado,famíliasricasefamílias pobres eram demograficamente similares, o que significava quecrianças no topo e na base da escala de renda entravamnamaioridade comperspectivas e capacidades similares.Porém, conformemais emais demandasforamdelegadasaoprocessamentomental,fissurasseabrirameascriançascomeducação melhor crescem em cenários diferentes das crianças com educaçãoinferior. As crianças com educação melhor vivem no meio de feedbacksvirtuosos. Habilidades superiores e famílias estáveis levam ao sucessoeconômico,oquefacilitaavidadafamíliaestável,oquefacilitaaaquisiçãodehabilidade e o sucesso econômico futuro. As crianças com educação inferiorvivem no meio de feedbacks perversos. Habilidades inferiores e a queda dafamílialevamaoestresseeconômico,oquetornaaquedadafamíliaaindamaispossível, o que dificulta ainda mais a aquisição de habilidade e a segurançaeconômica.

Hoje, pessoas com educação superior e pessoas sem educação superiorhabitamcenáriosdistintos.Maisde2/3dascriançasdeclassemédiasãocriadasemfamíliasintactascomosdoispais,aopassoquemenosde1/3dascriançaspobres são criadas nelas. Cerca de metade dos alunos em cursos técnicoscomunitáriosengravidououengravidoualguém.IsabelSawhillcalculouque,seasestruturasfamiliareshojefossemasmesmasde1970,ataxadepobrezaseriaaproximadamente1/4maisbaixa.22

Vastas fissuras de atitudes também se abriram. Como mostrou RobertPutnam,aspessoascomeducaçãosuperiorsãomuitomaispropensasaconfiarnos outros ao seu redor. São muito mais propensas a acreditar que podemcontrolarseusprópriosdestinoseaagirparaatingirseusobjetivos.

Aspessoasemambososladosdadivisãotendemaquererasmesmascoisas.Osde educação elevada e os de educação inferior tendem a querer viver emlaresestáveiscompaiemãe.Tendemaquererseformarefazercomqueseusfilhos os superem. O que acontece é que os de educação melhor têm maisrecursosemocionaisparadefatoexecutaremessasvisões.Sevocêcasaantesdeter filhos; se você se forma no ensino médio; e se você trabalha em tempo

integral,há98%dechancedenãovivernapobreza.23Masmuitaspessoassãoincapazesdeconseguirfazeressascoisas.

Conforme Harold conduzia sua pesquisa sobre pobreza, fragmentaçãofamiliar e outros assuntos relacionados à mobilidade social, às vezes tinhavontade de simplesmente sacudir as pessoas e mandar se organizarem. Vá àentrevistadeemprego.FaçaoSATnoqualvocêse inscreveu.Estudeparaasprovasparaqueconsigaseformar.Nãosedemitasóporqueotrabalhoéchatoou porque tem uma pequena crise acontecendo em casa. Ele sabia que, emalgumnível,nãoháumsubstitutoparaaresponsabilidadeindividualenãoháprospectodesucessoanãoserqueapessoaseresponsabilizeporsuasdecisõesetrabalheimplacavelmenteparaatingirseusobjetivos.

Poroutrolado,elesabiaquenãoadiantavaficardandosermõessobreforçainterior.Oflorescimentodependedehabilidadesinconscientesqueservemdepré-requisitopararealizaçõesconscientes.Aspessoasquenãoadquiriramessashabilidades inconscientes têm muito mais dificuldade de seguir uma rotinadiáriadetrabalhoedeirparaotrabalhotododiademanhãmesmoquenãotenhamvontade.Vaisermaisdifícilparaelassereducadascomumchefequeasenlouquece, dar um sorriso aberto quando conhecem uma pessoa nova,apresentar uma face consistente ao mundo, até mesmo quando estão emestados de espírito diferentes e em crises pessoais. Vão ter dificuldade emdesenvolverumaféfundamentalnasuaprópriaeficácia—umacrençadequesãocapazesdemoldarocursodesuasvidas.Serãomenospropensasaacreditarnaproposiçãodequecausageraefeito,deque, se sacrificandoagora, algumacoisaboavaiaparecercomoresultado.

Há tambémos efeitos psíquicos da desigualdade em si. Em seu livroTheSpirit Level (O nível do espírito), Richard Wilkinson e Kate Pickettargumentamqueomerofatodeestarnaparteinferiordacadeiatrazconsigoseu próprio estresse profundo e impõe seus próprios custos psíquicos. Adesigualdadeeumsentimentodeexclusãocausamdorsocial,oquegeramaisobesidade,pioresproblemasdesaúde,menosconexõessociais,maisdepressãoeansiedade. Wilkinson e Pickett apontam, por exemplo, um estudo sobrefuncionáriospúblicosbritânicos.24Algunstinhamempregosdealtostatusedealta pressão. Outros tinham empregos de baixo status e de baixa pressão.Presumiria-sequeaspessoasnosempregosdealtapressãoteriamtaxasmaioresde problemas cardíacos, doenças gastrointestinais e doenças em geral. Na

verdade, eram as pessoas nos empregos de pressão menor. O status inferiorimpõeseuspróprioscustos.

Comessaabordagemdoladomaleável,Haroldtinhafénosprogramasquereformavamosmodelos internosnasmentes das pessoas. Se vocês sentissem,assimcomoHarold,queemalgumascomunidadesdebaixarendaosvaloresderealizaçãonãoestavamsendotransmitidosdeumageraçãoparaaoutra,entãonãoteriamoutraescolhaanãoser tentar incuti-los.25Isso significaquevocêteria de ser um tanto paternalistas. Se os pais não estavam incutindo essesvaloresderealização,entãoasigrejaseosgruposdecaridadedeviamtentar.Seessas instituições estivessem sobrecarregadas, então o governo tinha de tentarinterferir para ajudar as pessoas a atingir as três coisas que necessitam paraentrarnaclassemédia:casamento,diplomadoensinomédioeemprego.

“Todos nós precisamos ser incentivados a fazer coisas que vão melhorarnosso bem-estar a longo prazo, sejam elas comer a comida certa ou fazerfundosdeaposentadoria”,escrevemRonHaskinseIsabelSawhillnoCreatinganOpportunitySociety(Criandoumasociedadedeoportunidade).“Asfamíliasdebaixa rendanão sãodiferentes.”Nãohavianenhumapolíticaquepudesseconstruir essas habilidades inconscientes. As políticas de capital humano sãocomoanutrição.Vocêtemdeinstigá-lasconstantemente.Noentanto,Harolddefatoviaumasequênciadepolíticasquepoderiaajudaraquelesqueestavamforadaescadadamobilidadesocial.

O maior impacto vem do foco na juventude. Como argumenta JamesHeckman, aprendizes aprendem e habilidade engendra habilidade, portantoinvestimentosemcriançastêmmuitomaisrecompensasdoqueinvestimentosnos mais velhos.26 Os cursos de educação parental ensinam as mãesadolescentesacuidardeseusfilhos.Asvisitasdomiciliaresdecuidadoresajudamadarestruturaparafamíliasdesorganizadasefornecemindicaçõesdeempregoparaasmãesjovens.Osprogramasdequalidadeparaaprimeiraeducaçãotêmefeitosduradourosnodesenvolvimentona infância.Àsvezes,oganhodeQIcaiconformeascriançasdepré-escolasdequalidadeingressamnapopulaçãodaescolaregular.Masashabilidadessociaiseemocionaisparecemnãosedissipar,eelasproduzemganhosduradouros—maiorestaxasdegraduaçãoemelhoresresultadosemtermosdecarreira.27

Asabordagenscomunitáriasquesãointegradas,comooHarlemChildren’sZone,5 produzem os resultados mais impressionantes. Esses programasoferecemumdilúviodeprogramasdiferentes,todoselaboradosparacolocaros

jovensemumacontraculturaderealizaçãoelevada.AsacademiasdaKIPP6edeoutrasescolas“seminsensatez”melhoramsignificantementeasperspectivasde seus alunos. Essas escolas, como a que Erica cursou, dão aos alunos umanova maneira de viver, muito mais disciplinada e rigorosa do que estãoacostumados.

A coisa mais importante em qualquer sala de aula é a relação entre oprofessor eoaluno.Turmasmenorespodemsermelhores,mas émelhor teruma boa professora em uma turma grande do que uma professora ruim emuma turma pequena.28 As bonificações de mérito para professores podemajudar amanterprofessores talentososnas salasde aula.Os alunos aprendemmelhor com alguém que amam.Os programas demonitoria também criamrelacionamentos.Os alunos sãobemmenospropensos a sairda escolaoudafaculdade se têm uma pessoa importante em sua vida guiando-os eencorajando-ostodososdias.AUniversidadedaCidadedeNovaYorktemumprogramachamadoASAP,7quetemumcomponenteintensodemonitoriaequepareceaumentarastaxasdegraduação.29

Aprimeira geraçãodepolíticasde capitalhumanodeu àspessoas acesso aescolas, faculdades e instituições de treinamentos. As políticas da segundageração teriam de ajudá-las a desenvolver os hábitos, o conhecimento e ostraços mentais que necessitam para ter sucesso. Não é suficiente dar a umaalunaaoportunidadedeirparaumafaculdadepúblicase,quandochegalá,elaacha os requerimentos confusos, os conselheiros rudes e indisponíveis, oprocesso de inscrição desnorteante, os cursos importantes lotados, osrequerimentos de graduaçãomisteriosos. Esses obstáculos derrotamos alunosquecarecemdecapital social.Aspolíticasdecapitalhumanoemsua segundageração têmdeprestar atenção tantono currículo ocultoda vida quantonovisível.

Umanaçãodeafiadores

QuantomaistempoHaroldpassavapensandoempolíticasetentandoformaruma filosofia de governo, mais percebia que o desenvolvimento pessoal e amobilidadesocialestavamnocoraçãodesuavisãodeumagrandesociedade.Amobilidade social abre horizontes porque as pessoas conseguem veroportunidadesmaisvastas evidas transformadas.Amobilidade social reduzoconflitodeclasseporqueninguémésentenciadoapassarseusdiasnacastana

qual nasceram. A mobilidade social libera energias criativas. Mitiga adesigualdadeporquenenhumaestaçãoprecisaserpermanente.

Haroldseviuemumanaçãocomdoismovimentospolíticosdominantes.Haviaummovimentoliberalqueacreditavanousodogovernoparapromoveraigualdade.Haviaummovimentoconservadorqueacreditavanalimitaçãodogoverno para promover liberdade. Contudo, historicamente, já houve ummovimento que acreditava em um governo limitado, porém enérgico, parapromover a mobilidade social. Esse movimento teve seu início em umapequenailhacaribenhaalgumascentenasdeanosatrás.

No séculoXVIII, havia ummeninoque vivia na ilha de SantaCruz, noCaribe. Seu pai o abandonou quando ele tinha 10 anos de idade. Sua mãemorreuna camaao seu ladoquandoele tinha12anos.Foi adotadoporumprimo,queprontamentecometeusuicídio.Orestantedesuafamíliaconsistiadeumatia,umtioeumaavó.Todosmorreramempoucosanos.Umtribunalde justiça veio e confiscou a pequena propriedade que ele havia herdado damãe.Eleeseuirmãoforamdeixadossembens,órfãosesozinhos.

Aos 17 anos de idade, Alexander Hamilton estava gerenciando umaempresadecomércio.Aos24,eraochefedeequipedeGeorgeWashingtoneumheróidaguerra.Aos34,haviaescrito41ensaiosemOfederalista eeraoadvogado mais bem-sucedido de Nova York. Aos 40, era o secretário doTesouromaisfamosodahistóriadosEstadosUnidos.

Hamilton criou uma tradição política elaborada para ajudar jovenslutadores como ele. Desejava criar uma nação onde jovens ambiciosospudessem usar seus talentos de forma plena, e onde seu trabalho construiriauma grande nação. “Todo novo cenário que se abre à natureza ocupada dohomemparadespertareexercerasimesmaéaadiçãodeumanovaenergiaaoestoquegeraldeesforço.”30

“Despertar”... “exercer”... “energia”. São palavras hamiltonianas. Elepromoveupolíticaselaboradasparanutriressedinamismo.Emumaépocaemque muitas pessoas suspeitavam da manufatura e acreditavam que apenas aagricultura produzia virtude e riqueza, Hamilton defendeu a mudança naindústria e na tecnologia. Em uma época em que comerciantes e mercadosfinanceiros eram desdenhados pela oligarquia da plantação, Hamiltonpromoveumercadosvibrantesdecapitalparaestimularanação.Emumaépocaem que a economia estava fragmentada em feudos locais comandados porgrandeslatifundiários,Hamiltonbuscouacabarcommonopólioslocaisecriaroportunidades. Ele nacionalizou a dívida da Guerra da Independência dos

EstadosUnidos,criandomercadoscapitaiseunindoaeconomianacionalemmaisuma troca competitiva.Acreditavanousodogovernopara aumentarodinamismocriandocompetição.31

A tradição hamiltoniana foi perpetuada no começo do século XIX porHenryClayepelopartidodosWhigs,quedefenderamcanais,estradasdeferroeoutrasmelhoriasinternasparacriaroportunidadeeuniranação.Essacausafoi abraçada por um jovem Whig, Abraham Lincoln. Como Hamilton,Lincoln cresceu emuma família pobre e foi instigadoporuma ambiçãoquenão tinha descanso. Mas Lincoln fez mais discursos sobre o trabalho e aeconomiadoque sobreaescravidão,ebuscoucriarumanaçãoquereceberiasuaprópriatransformaçãoequeabraçariaoevangelhodotrabalho.

“Acredito que o valor da vida émelhorar a condição de um indivíduo”,disse ele para uma plateia de imigrantes em 1861.32 Sob sua liderança, ogovernodaeradaGuerraCivilunificouamoeda,passouaLeideTerras,aLeiMorrillealegislaçãodeestradasdeferro.Essaspolíticasforamelaboradasparadaraosnorte-americanosumcampoabertodeoportunidadejustadeespalharoespírito do empreendimento, de aumentar a mobilidade social e, assim, deconstruiranação.

A próxima grande figura nessa tradição foi Theodore Roosevelt. Eletambém acreditava na força construtora de caráter que a competição gerava,emsuahabilidadedeproduzirpessoasquepossuíssemasvirtudesvigorosasqueeleglorificouemseudiscurso inauguralde1905—energia, autoconfiança einiciativa.

Roosevelt também acreditava que o governo às vezes deve ter um papelativoencorajandoavidaestrênuaedandoatodosumachancejustanacorrida.“A verdadeira função do Estado, ao interferir na vida social”, escreveu ele,“deviaseradetornarasoportunidadesdecompetiçãomaishomogêneas,enãoadeaboli-las”.33

Essa tradição hamiltoniana dominou as políticas dos Estados Unidos pormuitasdécadas.MasnoséculoXX,elaenfraqueceu.OgrandedebatedoséculoXXerasobreotamanhodogoverno.Atradiçãohamiltonianaseposicionavanooutroladodessedebate.

Todavia, Harold acreditava que era a hora de reavivar essa tradiçãogovernamental limitada mas enérgica — com duas atualizações. Oshamiltonianosdopassadoviveramantesdachegadadaeracognitiva,quandoasdemandas mentais sobre jovens lutadores eram relativamente baixas. Essa

situação havia mudado, portanto um movimento que visava aumentar amobilidade social teria de lidar com ambientes sociais e de informaçãomaiscomplicados. Além disso, Hamilton, Lincoln e Roosevelt puderam presumirum nível de capital social e moral. Presumiam que os cidadãos viviam empequenas comunidades definidas por normas bem-compreendidas, umconsensomoralecostumesrestritivos.Oslíderesdehojenãopodiamfazeressasuposição. O capital moral e social presente durante aqueles anos havia secorroídoeprecisavaserreconstruído.

Harold passou seus anos em Washington defendendo uma abordagemhamiltonianaqueofereciapolíticasdecapitalhumanodasegundageração.Elenuncadesenvolveuoquesepoderiachamardeumaideologia,umsistemaquetemtodasasexplicaçõesparaumbomgoverno.Omundoeraumorganismomuitocomplexoparaisso,demasiadamenterepletodeumemaranhadoocultodefunçõeslatentesparaalgumgovernohiperconfiantechegareremodelardeacordocomalgumplanopré-fabricado.

Tãopoucotinhaumavisãoheroicadaliderançapolítica.Haroldtinhaumavisãomaisconstritadoqueogovernopodeedevefazer.OfilósofobritânicoMichael Oakeshott estava emitindo um alerta útil contra o excesso deconfiança quando escreveu que “na atividade política, então, os homensvelejamemummarsemlimiteesemfundo;nãohácaisparaabrigonemchãoparaancoragem,nempontodepartidaoudestinodeterminado.Aempreitadaémanter-seflutuandoemumaquilhahomogênea;omaréamigoeinimigo;ea navegação consiste em usar os recursos de uma forma tradicional decomportamentoafimdetransformarcadaocasiãohostilemumaamiga”.34

Quando pensava no governo,Harold tentava se lembrar do quão poucosabemos e podemos saber, do quanto nosso próprio desejo por poder e porfazerobemnoscegaemrelaçãoàsnossaslimitações.

Mas, como a maioria dos norte-americanos, ele de fato acreditava noprogresso.Sendoassim,aomesmotempoemquetinhaumaaversãoinstintivaàmudançaque alterao caráter fundamentalda sociedade, tinhauma afeiçãopelareformaqueaconserta.

Passou aqueles anos escrevendo seus artigos, apimentando omundo comsuaspropostaspolíticas.Nãoerammuitasaspessoasqueconcordavamcomele.Havia um colunista no New York Times cujas visões eram incrivelmentesimilaresàsdele,ealgunsoutros.Mesmoassim,elepersistiu,sentindoquenogeral estava certo sobre as coisas e que algum dia outros iriam chegar àsconclusões às quais ele tinha chegado.KarlMarx disse certa vez queMilton

escreveuParaísoperdidodamaneiraqueumbicho-da-sedaproduziaseda,comoumdesdobrardesuapróprianatureza.35Haroldsesentiugratificadoemseusanos no think tank. Nem sempre ficava feliz quando Erica desaparecia porsemanas,massentiaqueestavadandoalgumacontribuiçãoaomundo.Estavaconfiantequesuaabordagem“socialista”,deumamaneiraoudeoutra,umdiateriaumgrandeimpactonomundo.

1C-SPAN:Cable-SatellitePublicAffairsNetwork (emissora a cabopara assuntospúblicos).Empresaprivadanorte-americana,semfinslucrativos,criadaem1979paracobrirassuntosgovernamentais.(N.daT.)

2Produtoradeaparelhosdeginástica,comoesteirasebicicletasergométricas.(N.daT.)3Nooriginal, globaloney.Baloney significa besteira ou bobagem.O termo globaloney foi cunhado no

livrohomônimodeMichaelVesethcomoumacríticaàscontradiçõesdaglobalização.(N.daT.)4 No original, frat party. As festas da fraternidade acontecem nas casas onde rapazes de uma

universidademoramjuntos.Hásempremuitabebida,músicaaltaeaventurassexuais,eosconvidadossãoselecionadospeloseustatussocialnainstituição.(N.daT.)

5 Programa sem fins lucrativos que ajuda crianças e famílias de baixa renda. Oferece palestras,direcionamentosaospaiseàsescolaspúblicasindependentes.(N.daT.)

6 KIPP: “Knowledge is Power Program” (Programa conhecimento é poder). Escolas preparatóriasgratuitasemcomunidadescarentesemtodososEstadosUnidos.(N.daT.)

7ASAP,abreviaturadeassoonaspossible,omaisrápidopossível.(N.daT.)

capítulo21

AOUTRAEDUCAÇÃO

Todoinverno,osgrandeseosbonsseencontravamemDavos,Suíça,paraoFórumEconômicoMundial.EtodanoitenessasemanaemDavos,háconstelações de festas. As pessoas nas festas dos anéis exteriores invejam aspessoasnasfestasdosanéismedianos,easpessoasnosanéismedianosgostariamde ter sido convidadas para as festas nos anéis internos.Cada anel apresentaumalistadeconvidadosumtantomaiselevadadoqueadoanterior—comeconomistaseentendidosnoexterioreníveisascendentesdepoder,famaedefaltadeperíciaemdireçãoaocentro.

No núcleo liquefeito da constelação de festas, há sempre uma festa queforma a Divindade das Divindades da sociedade — na qual ex-presidentes,secretáriosdegabinete,banqueiroscentrais,magnatasglobaiseAngelinaJoliesereúnemparasocializarebaterpapo.Eessafesta,semdúvida,éamaischatadetodaaconstelação.OuniversosocialdeDavos,comoosuniversossociaisdetodososlugares,consisteemanéisdepessoasinseguraseinteressantesbuscandodesesperadamenteentrarnoreinodosplácidoseconvencidos.

Depoisdealgumasdécadasdesucessoempresarialedeoitoanosdeserviçopúblico ainda mais proeminente — como chefe de gabinete durante oprimeirogovernoecomosecretáriadeComércionosegundo—,EricaganhouentradanoepicentrodeDavos.Elaeraotipodepessoaqueéconvidadaparaasfestasmaisexclusivaseentediantes.

Aposentada, ela agora servia em comissões valiosas acerca de problemasintratáveis—déficitdegastos,proliferaçãonuclear,aaliançatransatlânticaeofuturodos acordos globais de comércio.Não era umadaquelas pessoas cujosrostos se iluminam ao som das palavras “sessão plenária”, mas havia setransformadoemumaparticipante, endurecidapelasbatalhas,de reuniõesdecúpula—eracapazdesuportarbarragensdetédioeminente.Haviasetornadoamigaouconhecidadosex-líderesdomundoquetambémparticipavamdessas

comissõesequeviajavamduranteoanodeDavosaJacksonHole,aTóquioeaoutroslugaresparaexpressargravespreocupaçõessobreacrisecrescentequeaspessoasnopodernãotinhamcapacidadederesolver.

No início, Erica se sentiu ansiosa e insegura quando conversava com ex-presidentesecelebridadesglobais.Porém,areverênciaseesvaiurapidamenteeagora era como se fosse o mesmo grupinho reunido mais uma vez em umresort diferente no mundo. Um ex-ministro havia renunciado em situaçãoruim; um presidente havia sido um fracasso completo no cargo; um ex-secretário de Estado foi desagradavelmente afastado do poder. As questõesembaraçosas de todos eram evitadas e tudo foi perdoadonomundode lutasdesleaisnoqualhaviampadecido.

Equantoàconversadeles...bem,eraopiorpesadelodeumconspirador.Ficaevidentequequandoaspessoasnocomandodasmaiores instituiçõesdomundosejuntam,aconversaquerealmentequeremterésobregolfe,remédiopara o jet lag e pedras na vesícula. Os dias eram consumidos por umapreocupaçãoportentosasobreaameaçadoprotecionismocrescenteeasnoitespor intensas histórias sobre próstatas. As reuniões aconteciam sob a chamadaRegradeChathamHouse,1oquesignificavaqueninguémtinhapermissãodedizernadainteressante.Oaugedasconversasnoturnaseraanarrativaocasionalsobreidioticesdebastidores.

Ex-líderes mundiais inevitavelmente têm um repertório de histórias debastidores que usam para entreter as pessoas nos jantares. Um ex-presidentecontou a história de quando cometeu o erro de se gabar sobre seu cachorroparaolíderrussoVladimirPutin.NapróximareuniãodecúpulaemMoscou,Putinchegouaoalmoçocomquatrorottweilersesegaboudizendo:“Maiores,mais rápidos emais fortes do que os seus.” Isso levou um ex-conselheiro deDefesa Nacional a contar a história de quando Putin roubou seu anel. EleestavausandoseuaneldeformaturadafaculdademilitarWestPointemumareunião. Putin pediu para vê-lo e o colocou no dedo, e depois colocou-ohabilmente no bolso enquanto conversavam. O Departamento de Estadocausou uma comoção tentando conseguir o anel de volta, mas Putin não odevolvia.Outroprimeiro-ministrocontousobrequandofugiudeumafestanoPaláciodeBuckinghamparadarumaolhadanasalasprivadasefoipegopelarainha, que berrou com ele. Histórias como essas eram sempre deliciosas edeixavam a impressão de que os negócios mundiais são controlados poradolescentes.

Noentanto,Ericagostavadessaconfusão.Achavaqueascomissõesfaziamalgumbem, apesar da insipidez.E ela apreciava suas olhadelas contínuas nosfuncionamentos internos dos negócios mundiais. Frequentemente, ela sesentava no fundo de alguma reunião longa e se perguntava como aqueleshomensemulhereshaviamsubidoaotopodaeliteglobal.Nãoerammarcadospor um gênio excepcional. Não tinham um conhecimentoextraordinariamenteprofundoouopiniõescriativas.Sehaviaumacaracterísticaque os melhores deles possuía, era o talento da simplificação. Tinham ahabilidadedetomarumasituaçãocomplexaecapturarocoraçãodaquestãoemtermossimples.Umsegundodepoisdelocalizaremofatocentraldequalquerproblema, suaobservaçãoparecia cegamente óbvia,mas, de algumamaneira,ninguémhaviasimplificadooproblemanaquelestermosantes.Elespegavamarealidadeeatornavamviávelparapessoasocupadas.

Quanto a si mesma, Erica havia alcançado um platô de status. Haviaalcançadoumacertaeminência.Eratratadacomoumapessoasignificanteporondeia.Desconhecidosseaproximavamediziamquesentiam-sehonradosemconhecê-la.Essefatoemsinãoafaziasesentirfeliz,masrealmentesignificavaque ela não estava mais corroída pelo tipo de ansiedade de ambição que aimpulsionouemgrandepartedavida.Elaaprendeuqueoreconhecimentoeariquezanãoproduzemfelicidade,masqueliberamvocêdaspreocupaçõesquecontaminamaspessoasquenãopossuemessascoisas,masqueasdesejam.

Em termos de aparência, Erica ainda se considerava uma jovem meninaagressiva.Passavapor aquelesmomentosde choque emque sedeparava comseurosto inesperadamentenoespelhoe ficava surpresaemverquenãoeraorostodeumamulherde22 anosde idade.Erao rostodeumamulhermaisvelha.

Agora, ela tinha dificuldade em escutarmulheres com vozes altas e tinhadificuldade em ouvir qualquer pessoa em festas barulhentas. Às vezes, nãoconseguia se levantardecadeirasbaixas semdar impulsocomosbraços.Seusdentes estavam mais escuros do que antes e sua gengiva havia encolhido,deixando seus dentes mais expostos. Havia passado a comer alimentos maismacios (os músculos em torno da mandíbula perdem 40% de sua massaduranteumavidanormal).1

Além disso, ela tinha começado a segurar em corrimãos quando desciaescadas.Tinhaescutadohistóriasdeamigasmaisvelhasquecaíramequebraramoquadril(detodasaspessoasquecaemassim,40%acabamemumasiloe20%

nunca mais andam).2 Também tinha começado a tomar uma variedade decomprimidos todos os dias, e tinha dado o braço a torcer e comprado umdaquelesorganizadoresdecomprimidos.

Culturalmente,Ericasesentiaumtantodeslocada.Agora,existiamcercadeduas gerações de estrelas de cinema que ela não conseguia distinguir. Astendênciasdamúsicapopforamevieramsematrairsuaatençãodeverdade.

Por outro lado, em seus últimos anos,Erica sentia que havia alcançado aapreciaçãomaisrealistadesimesma.Eracomosetivessechegadoaumníveltaldesegurançaexperientequeagorapodiaolhardemodorealistaparaseuserros.Dessamaneira,o sucesso trouxeumahumildadequeelanunca tinha sentidoantes.

Leu livros e peças que tratavam a velhice comoumaqueda impiedosa nadecrepitude. Em Como gostais, o personagem rabugento de Shakespeare,Jaques, chamaavelhicede“a segunda infânciaeomeroesquecimento”.Emmeados do século XX, psicólogos do desenvolvimento, quando chegavam afalardavelhice,geralmenteaconsideravamumperíododeretiro.Acreditava-seque os idosos lentamente se separavam do mundo em um preparo para amorte.Nãosepodeesperarquerealizemnovastransformações.“Aos50anosde idade”, escreveu Freud, “a elasticidade dos processos mentais dos quaisdependeotratamentoviaderegradesaparece.Aspessoasmaisvelhasnãosãomaiseducáveis”.

Entretanto,Ericanãosentianadadisso,edefatoaspesquisasmaisrecentesmostraramqueosidosossãocompletamentecapazesdeaprenderedecrescer.Océrebroécapazdecriarnovasconexõeseaténovosneurôniosdurantetodaavida.Aomesmotempoemquealgunsprocessosmentais—comoamemóriade trabalho, a habilidade de ignorar distrações e a habilidade de resolverproblemasmatemáticosrapidamente—claramentesedeterioram,outrosnão.Ao passo que muitos neurônios morrem e várias conexões entre diferentesregiõesdocérebromurcham,oscérebrosdepessoasmaisvelhassereorganizampara ajudar a compensar os efeitos do envelhecimento.3 Os cérebros maisvelhos podem levar mais tempo para produzir os mesmos resultados, mastendemaresolveroproblema.Umestudosobrecontroladoresdotráfegoaéreodescobriu que as pessoas de 30 anos de idade tinhammemóriasmelhores doqueseuscolegasmaisvelhos,masosde60anosagiamtãobemquantoelesemsituaçõesdeemergência.4

Uma série de estudos longitudinais, iniciada há décadas, está produzindoum retrato mais alegre da vida depois da aposentadoria. Esses estudos nãomostram a velhice como uma entrega ou atémesmo como uma serenidade.Mostram-na como um período de desenvolvimento — e não estão nemfalando sobre os radicais da velhice que recebem sua mortalidade como umsinaldequedevemcomeçarasejogardeaviõescomumparaquedas.

Amaioriadaspessoas relataque ficammais felizes conformeenvelhecem.Issopodeacontecerporque,conformeaspessoasenvelhecem,prestammenosatenção aos estímulos emocionais negativos. Laura Carstensen, da Stanford,descobriuqueaspessoasmaisvelhassãomaiscapazesdemantersuasemoçõesemequilíbrioedeserecuperardeeventosnegativosmaisrapidamente.5JohnGabrieli, do MIT, descobriu que, no cérebro dos mais idosos, a amígdalapermanece ativa quando as pessoas estão vendo imagens positivas, mas nãoativa quando as pessoas estão vendo imagens negativas.6 Elas aprenderaminconscientementeopoderdapercepçãopositiva.

Papéis de gênero começam a semesclar conforme as pessoas envelhecem.Muitas mulheres ficam mais assertivas enquanto muitos homens ficam maisafinados emocionalmente. As personalidades geralmente ficam mais vívidasconformeaspessoassetornammaisoquejásão.NormaHaan,daBerkeley,conduziuumestudodeacompanhamentocompessoasde50anosdeidadequehaviamsidoestudadasquando jovens e concluiuqueos sujeitos ficarammaisextrovertidos,autoconfianteseternoscomaidade.7

Não há provas para sugerir que as pessoas ficam automaticamente maissábias conforme envelhecem. Os testes, da maneira que são aplicados, quetentam investigar a “sabedoria” (uma combinação de conhecimento social,emocionaleinformacional),sugeremumtipodeplatô.Aspessoasatingemumníveldecompetêncianesses testesduranteameia-idade,oquepermanecedemaneiraestávelatéporvoltados75anosdeidade.8

Porém, a sabedoria é o tipo de qualidade que escapa aos testes escritos, eErica sentia que possuía habilidades na pseudoaposentadoria que não possuíanem na meia-idade. Sentia que tinha uma habilidade melhor de olhar paraproblemas de perspectivas diferentes. Sentia que estava melhor em observaruma situação sem tirar conclusões precipitadas. Sentia que estavamelhor emconseguir distinguir crenças experimentais de conclusões firmes. Isto é, tinhauma melhor capacidade de ver de forma precisa o oceano de sua própriamente.

Havia uma coisa que ela não vivenciava tanto — uma sensação de estarintensamenteviva.Nosprimeirosanosdesuacarreira,amandavamdeaviãopara algum hotel de Los Angeles, um cliente a colocava em uma suíte e elacaminhava pelos cômodos dando risadas diante da grandiosidade de tudoaquilo. Naqueles dias, ela reservava um dia extra em quase toda cidade quevisitavapara aproveitarosmuseus eos sítioshistóricos.Lembrava-sedaquelascaminhadassolitáriasnoGettyounoFrickedosentimentodesertransportadapelaarte.Lembrava-sedaenergiaespecialdeseusestadosexaltadosdeespírito—umanoite quepassouperdida emVeneza comum romance embaixodobraço,ouumaturnêpelasvelhasmansõesemCharleston.Poralgummotivo,issonãoaconteciamais.Elanãoreservavamaisodiadefolganofinaldesuasviagens—nãohaviatempo.

Conforme sua carreira foi ficandomais exigente, suas atividades culturaisdiminuíram.Seusgostospoéticos,artísticoseteatraiscaíramdoaltonívelparaomédioebaixo.“Quandochegamosaos50anosdeidade”,escreveuAndrewB. Newberg, neurocientista da Universidade da Pensilvânia, “somos menospropensos a evocar os tipos de cume ou experiências transcendentais quepodemocorrerquandosomosjovens.Emvezdisso,estamosmaisinclinadosaterexperiênciasespirituaissutiserefinamentosdenossascrençasbásicas”.9

Ademais,otrabalhodeEricaaarrastouparaumadireçãoprosaica.Elatinhaumgrande talentoparaorganização e execução. Isso a impulsionou,durantesuavida,avirarCEOefuncionáriadogoverno.Issoaimpulsionouaomundodoprocesso.

Onúmerodeseusconhecidossemultiplicouduranteosanos,aopassoqueonúmerodeamigosdeverdadediminuiu.OEstudoGrant2descobriuqueaspessoasqueforamnegligenciadasnainfânciasãomuitomaispropensasaficarsem amigos na maioridade (dessa maneira, os modelos de trabalho sesubmergemedepoisvêmàtonaduranteavida).10Ericanãoerasolitária.Masàs vezes sentia que vivia em uma solidão povoada. Vivia por perto de umamassamutantedesemiamigos,masnãotinhaumpequenocírculodepessoasíntimas.

No decorrer dos anos, em outras palavras, ela ficoumais superficial. Foiativanaesferapública,masnegligentenaprivada.Nodecorrerdesuacarreira,haviareorganizadoocérebrodemaneirasquetalvezfossemnecessáriasaoêxitoprofissional, mas que não eram satisfatórias agora que sua gana por êxitomundanohaviasidorealizada.

Elaentrounaaposentadoriaincomodadaporumsentimentodedormênciageral. Era como se existisse uma grande batalha que ela não tinha percebidoantes,umabatalhaentreasforçasdasuperficialidadeeasforçasdaprofundeza.Comopassar dos anos, as forças da superficialidade emplacaramum avançocontínuo.

Eentãoé claroqueo rioStyx estava ficandovisível—morte, colapso, afronteirafinal.EricanãoacreditavaqueissofosseacontecercomelaouHaroldtãocedo.(Comcerteza,não.Eramsaudáveisdemais.Osdoispodiamnomearparentesquetinhamvividoatémaisde90anos,embora,éclaro,taisrelaçõesconfortantesnãosignificassemquasenada.)

No entanto, seus velhos conhecidos estavam morrendo em uma taxaregular.Sequisesse,podiaentrarna internetedescobrirsuaprobabilidadedemorbidade—umaemcadacincomulheresdaidadedelatemcâncer;umaemseistemproblemacardíaco;umaemsete,diabetes.Eraumpoucocomoviveremépocadeguerra;acadasemana,outromembrodeseupelotãosocialfalecia.

O efeito era tanto aterrorizante quanto energizante. (Ela parecia viverpermanentementeemumestadodeemoçõesmistas.)Apresençagalopantedamortemudousuapercepçãodetempo.Lentamente,umdesafioseformounamentedeErica.Aaposentadoriaa liberariadas forçasdasuperficialidade.Elapoderia elaborar sua própria dieta neural, as influências e coisas que fluiriamparadentrodeseucérebro.Poderiasevoltarparacoisasmaisprofundas.Agora,poderiaembarcaremumaaventuragloriosa.

Sendo Erica, ela tinha de escrever um plano de negócios para si. Nocapítulofinaldesuavida,queriavivermaisintensamente.Pegouumblocodeanotações e escreveu uma lista de esferas diferentes de sua vida: reflexão,criatividade, comunidade, intimidade e serviço. Em cada categoria, escreveuumalistadeatividadesqueseguiria.

Gostaria de escrever um pequeno livro de memórias. Gostaria de seapoderar de alguma forma artística nova, de fazer alguma coisa difícil e deconquistar alguma competência. Gostaria de ser membro de um círculo deamigasqueseencontrariamtodoanopararir,beberecompartilhar.Gostariadeencontraralgumamaneiradeensinarosmaisnovos.Gostariadeaprenderosnomesdasárvoresparaque,quandocaminhasseemumafloresta,soubesseoqueestavavendo.GostariadeselivrardopapofuradoedescobrirseacreditavaemDeusounão.

Atençãoplena

Nosprimeirosmesesdeaposentadoria,elasentiuvontadedesereconectarcomvelhosamigos.NãomantevecontatocomninguémdaAcademyequasetodosos seus amigos de faculdade também tinham desaparecido. Mas o Facebookpermitiu que ela remediasse tudo isso, e dentro de semanas ela estavaalegrementetrocandoe-mailscomamigosdedécadaspassadas.

Renovar essas amizades antigas lhe deu um prazer sem tamanho. Essescontatos acordarampartes de suapróprianaturezaque estavamadormecidas.Descobriuqueumadesuasantigascolegasdequartonafaculdade,umasulistachamada Missy, vivia a menos de 40 quilômetros dela, e um dia elascombinaram de almoçar. Erica e Missy moraram juntas no começo dafaculdadee,apesardedividiremumquarto,nãoficarammuitopróximas.Ericaestava freneticamente ocupada naqueles dias e Missy, aluna de Medicina,passavatodooseutemponabiblioteca.

Missy ainda eramagra e pequena. Seu cabelo estava grisalho,mas a peleainda era lisa. Havia se tornado uma oftalmologista cirurgiã, tinha família,recuperou-sedeumamastectomiadupla e se aposentou alguns anos antes deErica.

Durante o almoço, Missy descreveu com animação a paixão que haviatransformadosuavidanosúltimosanos:ameditaçãodaatençãoplena.Ericasentiu o estômago pesado esperando escutar histórias sobre iogues, retirosespirituais em ashrams na Índia, e Missy entrando em contato com seu euinterior de maneira resplandecente — a lenga-lenga normal da Nova Era.Missyfoiacientistaduronanafaculdadeeagoraparecequetinhaamolecido.Noentanto,Missycontousobresuasmeditaçõesdamaneiracomocostumavacontarsobreseustrabalhosparacasa,comomesmorigor.

“Eumesentodepernascruzadaseretanochão”,disseMissy.“Primeiro,eume concentro na respiração, prevendo a expiração e a inspiração, e depoissentindomeucorporealizandoasprevisões.Sintoasminhasnarinasabrindoefechando e meu peito subindo e descendo. Depois eu centro os meuspensamentos em uma palavra ou frase. Não repito várias vezes, apenasmantenho a frase na frente da minha mente, e se perceber que meuspensamentosestãosoltos,euostragodevolta.Algumaspessoasescolhem‘Jesus’ou‘Deus’ou‘Buda’ou‘Adonai’,maseusimplesmenteescolhi ‘Mergulhandonoeuinterior’.

“Depois, vejo quais sentimentos e percepções e imagens fluem no meucérebro e deixo a experiência se desdobrar naturalmente. É que nem ficarsentadaenquantováriospensamentosaparecemnaconsciência.Eugeralmente

percoo focono começo.Acabopensandonas tarefasde casaounos e-mailsque tenho de responder. É quando repito a minha frase. Depois de algumtempo, namaioria das vezes, omundo lá fora começa a cair empenumbra.Nãoprecisomais repetir a frase.Não sei comodescrever.Eu começo a ficarconscientedaconsciência.

“A minha identidade, a minha si-ência [I-ness], se dissipa e entro nassensações e nos sentimentos que estão borbulhando bem lá no fundo. Oobjetivo é recebê-los sem realizar julgamentos, sem interpretá-los. Apenasrecebê-loscomoamigos.Recebê-loscomumsorriso.Umdosmeusprofessorescompara isso a observar nuvens vagando em um vale.11 Esses tufos deconsciênciasaemflutuandoesãosubstituídosporoutrostufoseoutrosestadosmentais. É como ter acesso a processos que estão lá o tempo todo, masgeralmentesemseremvistos.

“Não estou conseguindo colocarmuito bem em palavras porque o lancetodoéoque sepassa sobaspalavras.Quandoeu tentodescrever,parece tãodesinteressante e conceitual. Mas quando estou naquele estado não hánarrador.Nãoháintérprete.Nãohápalavras.Nãoficoconscientedotempo.Nãoestoucontandoumahistóriasobremim—acomentaristasome.Sãosósensaçõesacontecendo.Issofazalgumsentido?”

Pelo visto Missy encontrou uma maneira de perceber o Nível 1diretamente.

“Quandosaiodoestado,estoumudada.Vejoomundodeformadiferente.DanielSiegeldizqueécomosevocêtivessepassadoporumaflorestaànoiteapontando uma lanterna para iluminar o seu caminho. De repente, vocêdesliga a lanterna. Perde o feixe claro de luz em um ponto limitado. Masgradualmenteosseusolhoscomeçamaseajustaràescuridãoederepentevocêconsegueverocenáriotodo.12

“Eu costumava presumir que asminhas emoções eram eu.Mas agora eumeioqueasobservosurgindoeflutuandoatravésdemim.Vocêpercebequeascoisasqueachouqueeramasuaidentidadenaverdadesãoapenasexperiências.São sensações que fluem através de você. Começa a ver que os seus modosnormais de perceber são só alguns pontos de vista entre vários. Há outrasmaneirasdeenxergar.Vocêdesenvolveoqueosbudistaschamamdementedeprincipiante. Enxerga o mundo como um bebê, ciente de tudo ao mesmotempo,semseleçãoeinterpretaçãoconsciente.”

Missy disse tudo isso rapidamente enquanto comia uma salada, cortandoaspargos.Suadescriçãosobreameditaçãodaatençãoplenasugeriaquedefatoera possível, com o treinamento certo, observar abaixo da marca daconsciência,oreinooculto.Amenteconscientenormalpodeverapenascoresemumapequena fatia do espectro eletromagnético,mas talvez fosse possívelexpandiravisãoederepenteconseguirverorestodomundodefato.

Na verdade, os neurocientistas — que geralmente formam um grupopragmático—têmprofundorespeitoporessestiposdepráticasdemeditação.Eles receberamoDalaiLamaemsuasconferênciasealgunsdeles foramparamonastérios no Tibete precisamente porque há uma interseção entre asdescobertasdaciênciaeaspráticasdosmonges.

Hoje está claro que as visões e experiências transcendentais que o êxtasereligiosodescrevehátemposnãosãoapenasfantasias.Nãosãoapenasdisparoserrôneos causados por uma convulsão epiléptica. Ao contrário, os humanosparecem ser equipadospara vivenciar o sagrado,para termomentos elevadosquandotranscendemasfronteirascomunsdapercepção.

Andrew Newberg descobriu que quando monges tibetanos ou freirascatólicasentramemumperíododemeditaçãoprofundaoudeoração,seuloboparietal,aregiãodocérebroqueajudaadefinirasfronteirasdosnossoscorpos,ficamenosativo.13Elesvivenciamumasensaçãodeespaçoinfinito.Pesquisassubsequentes descobriram que os pentecostalistas passam por umatransformação cerebral diferente, porém não menos notável, quandobalbuciam orações. Os pentecostalistas não têm a sensação de se perder nouniverso.Oloboparietaldelesnãoseescurece.Poroutrolado,elesvivenciam,sim, uma diminuição das funções da memória e um aumento da ativaçãoemocional e sensória. Como escreve Newberg: “Na tradição pentecostal, oobjetivo é ser transformado pela experiência.14 Em vez de fortalecer velhascrenças, o indivíduo está abrindo a mente para fazer das novas experiênciasalgomaisreal.”Aspráticasreligiosasdiferentesproduzemestadosdiferentesdocérebro,cadaumaconsistentecomasteologiasdistintas.

TomografiasnãodefinemseDeusexisteounão,porquenãocontamquemelaborouessasestruturas.Nãoresolvemograndemistério,queéomistériodaconsciência—comoaemoçãoremodelaoobjetonocérebroecomooobjetono cérebro cria espírito e emoção. Porém, mostram que as pessoas que setornam peritas em meditação ou oração reconectam o cérebro. É possível,mudando o foco de atenção para o interior, olhar profundamente para o

tráfegodoinconsciente,atingindoumaintegraçãodosprocessosconscienteseinconscientes,oquealgumaspessoaschamamdesabedoria.

MissylevantavaacabeçadevezemquandosóparatercertezadequeEricanãoestavaolhandopara ela comose fosse louca.Ela foidireta,mas tambémdeixou claro o quanto essas experiências significavam para ela. Desculpou-serepetidas vezes pelas inadequações de suas descrições, sua incapacidade derealmente verbalizar como era perceber as coisas holisticamente em vez dededutivamente, e o sentimento de consciência expandida. Ela não estavabebendosucodecenouraorgânicaenquantofalavasobretudoisso.NãotinhaviradoumaYokoOno.Eraumacirurgiãaindanaativa,emhorárioreduzido,quedirigiaumaSUVquedevoravagásequebebiavinhobranconoalmoço.Aquestãoéqueelahaviaencontradoumamaneiracientificamenteplausíveldeacessarumnívelmaisprofundodecognição.

No final do almoço,perguntouparaErica se ela gostaria de ir comela àpróximasessãoedetentaressenegóciodemeditaçãodaatençãoplena.Ericaseouviurespondendo:“Não,obrigada,issonãoéparamim.”

Elanão entendeuporque respondeu assim.A ideia de olhar diretamenteparadentrodesimesmaaencheudeumaaversãoprofunda.Durante todaavida,olhouparaforaetentouobservaromundo.Suavidafoidemovimento,nãodetranquilidade.Ofatoéqueestavacommedodeolhardiretamenteparaointerior.Eraumapiscinadeáguasnegrasnaqualelanãoqueriamergulhar.Seiavivermaisintensamente,teriadeacharoutramaneira.

Asegundaeducação

Nos próximos vários meses, Erica virou um tipo de urubu da cultura —mergulhando no mundo das artes com uma fome voraz e com sua forçacaracterística.Leualgunslivrossobreahistóriadapinturaocidental.Comproualgumas antologiaspoéticas e se viu lendo-asna cama antesde cairno sono.ComprouumcursodemúsicaclássicaemCDeoescutavaenquantodirigia.Voltouairamuseuscomamigos.

Comoacontececomamaioriadaspessoas,avidahavialhedadoumtipodeeducação. Ela foi para a escola. Fez esse e aquele curso de gerenciamento,trabalhou em vários cargos e aprendeu essa e aquela habilidade. Passou a tercertaperíciaprofissional.

Contudo, agora ela estava começando sua segunda educação, que eraemocional, era sobre como e o quê sentir. Essa segunda educação não

funcionava como a primeira. Na primeira, a informação a ser controladaentravapelaportada frentee seapresentavaemplena luzdodia.Eradireta.Haviaprofessoresparaexplicaromaterialaserestudado,edepoistodomundodavaseujeito.

Nasegundaeducação,nãohaviaumcurrículodefinidoouumconjuntodehabilidades a ser estudado. Erica simplesmente vagava procurando por coisasdasquaisgostava.Aprendereraumaconsequênciadesuabuscaporprazer.Ainformação vinha até ela indiretamente, deslizando por entre as fissuras nasjanelas,doassoalhoemdireçãoaosistemadeventilaçãodesuamente.

Erica leuRazão e sensibilidade,Obom soldado ouAnna Karenina e se viacaminhando com os personagens, imitando seus estados de espírito edescobrindo novos sabores emocionais. Os romances, poemas, pinturas esinfonias que ela consumiu nunca se aplicaram diretamente à sua vida.Ninguém escrevia poemas sobre CEOs aposentadas. Porém o que maisimportavameramassensaçõesemocionaisretratadasneles.

Em seu livro Culture Counts (A cultura faz diferença), o filósofo RogerScruton escreve que “o leitor do Prelúdio de Wordsworth aprende comoanimaromundonaturalcomsuasprópriasesperançaspuras.Oespectadordo“Arondadanoite”deRembrandtaprendesobreoorgulhodascorporaçõesesobre a tristeza benigna da vida cívica; o ouvinte da sinfonia “Júpiter” deMozart é presenteado com as comportas abertas da alegria e da criatividadehumana;oleitordeProustéconduzidopelomundoencantadodainfânciaelevadoaentenderaprofeciamisteriosadasnossaslamentaçõesposterioresqueaquelesdiasdealegriacontêm”.15

Mesmoemsuaidade,Ericaestavaaprendendoaperceberdeoutromodo.Assim como viver em Nova York, na China ou na África lhe dá umaperspectivadaqualveromundo,passartemponomundodeumromancistatambéminculcaseuprópriopontodevistapré-consciente.

Pormeiodetentativaeerro,Ericadescobriuseusgostos.Achavaqueamavaos impressionistas, mas agora, estranhamente, eles não a tocavam. Talvezfossem muito familiares. Por outro lado, ficou fascinada pelos esquemas decoresdaRenascença florentinaepelos rostoscaseirose sábiosdeRembrandt.Cadaumdelesafinavasuamente,oinstrumentodemilhõesdecordas.Tinhamomentosdepuroprazernosquaissentiaocoraçãobatendomaisrápidoeumcalafrio no estômago — diante de uma pintura, descobrindo uma novainstalação ou poema.Houve uma vez, lendoAnthonyTrollope entre tantosoutros, em que ela conseguiu sentir as emoções da história em seu próprio

corpo e estava viva para as sensações produzidas ali. “Minha concha não édura”, escreveuWaltWhitman sobre seu corpo, eErica estava começando aapreciaroqueelequisdizer.16

Assentinelasdançantes

AexperiênciadeEricacomarteéummicrocosmodetodosostiposdiferentesdepercepçãoque vimosnestahistória.Ver eouvir foramprocessos sólidos ecriativos,nãoapenasumarecepçãopassiva.

Quandovocêescutaumamúsica,porexemplo,ondasdesomviajampeloar a350metrospor segundoe colidemcomseus tímpanos,disparandoumacadeia de vibrações pelosminúsculos ossos da orelha, contra amembranadacóclea, produzindo descargas elétricas que reverberam por todo o cérebro.Talvez vocês não saibamnada sobremúsica no sentido formal,mas durantetodaavida—desdequandoestavamembaladosemritmocomsuasmães—,vocêsvêmconstruindomodelosdetrabalhosobreofuncionamentodamúsicainconscientemente. Vocês vêm aprendendo sobre como detectar padrões detempomarcadoecomopreveroquevemdepois.

Escutar música envolve fazer uma série de cálculos sofisticados sobre ofuturo. Se as últimas notas tiveram o padrão Y, então as próximas notasprovavelmenteterãoopadrãoZ.ComodizJonahLehreremseulivroProustWas a Neuroscientist (Proust foi um neurocientista): “Enquanto a naturezahumanadeterminaemgrandepartecomovamosouvirasnotas, éoestímuloquenos permite ouvir amúsica.Damúsica pop de trêsminutos à ópera decinco horas deWagner, as criações da nossa cultura nos ensinam a aguardarcertospadrõesmusicais,quecomotemposãoligadosaonossocérebro.”17

Quando a música adapta-se às nossas previsões, sentimos uma ondatranquilizadoradeprazer.Algunscientistasacreditamquequantomaisapessoaconsegueprocessaruma informação fluentemente,maisprazer elaproduz.18Quando uma música, uma história ou um argumento atingem a limerânciacomosmodelosinternosdocérebro,entãoessasincroniaproduzuminchaçocalorosodefelicidade.

Masamentetambémexisteemumestadodetensãoentrefamiliaridadeenovidade.Océrebroevoluiuparadetectarmudançaconstante e sedelicia aocompreender o inesperado. Sendo assim, somos atraídos àmúsica que flertacomnossasexpectativasedepoisbrincamcomelasgentilmente.Comoobserva

DanielLevitinemAmúsicanoseucérebro,asduasprimeirasnotasde“OvertheRainbow”capturamnossa atençãocomo intervalo estridentedeumaoitava,depois o resto da música nos leva para uma batida mais convencional etranquilizadora.19 Em seu livro Emotion and Meaning in Music (Emoção esignificadoemmúsica),LeonardMeyermostroucomoBeethovenestabeleciaum padrão rítmico e harmônico claro e depois omanipulava sem nunca defato repeti-lo.20 A vida é mudança, e a vida feliz é uma série de mudançassuaves,estimulantesemelódicas.

Perceberumapinturasegueumprocessosimilar.Primeiro,amentecriaapintura. Istoé,cadaolhorealizaumasériede sacadascomplexasao longodasuperfíciedapintura,queporsuavezsemisturaeérecriadadentrodocórtex,produzindoumaúnicaimagem.Hápartesdecadavisãoqueamentenãopodever por causa do ponto cego nomeio de cada olho onde o nervo óptico seconectacomaretina.Océrebropreencheosburacosbaseadoemsuasprópriasprevisões.Simultaneamente,amenteimpõeseusconceitossobreapintura.Porexemplo, ela impõe cor.Dependendo da iluminação e de outros fatores, hágrandes flutuações no escopo da onda de energia da luz sendo emitida pelapintura,eaindaassimamenteusamodelos internosparadara impressãodeque a cor na superfície permanece constante.21 Se a mente não pudesseatribuircorconstanteàscoisas,omundoseriaumfluxocaóticoeseriadifícildeduzirqualquerinformaçãoútildoambiente.

De que maneira ela cria essa ilusão de cor constante não é bemcompreendido, mas parece que isso envolve proporções. Imaginem umasuperfícieverdecercadaporamarelos,azuiseroxos.Océrebroentendequeháumaproporção constante entre as ondas sendo emitidasdo verde e as ondassendoemitidasdoamarelo.Consegueatribuirqualidadesconstantesparacadaummesmonomeio de condiçõesmutantes.Como escreveuChris Frith, daUniversityCollege,Londres:“Nossapercepçãodomundoéumafantasiaquecoincidecomarealidade.”22

Conformeestácriandoapintura,amentetambémaestáavaliando.Umagrandequantidadedepesquisadescobriuquehácertosgostosqueamaioriadaspessoas tem. Como argumenta Denis Dutton em The Art Instinct (Arte einstinto),aspessoasdetodoomundogravitamnadireçãodeumtiposimilardepintura—paisagenscomespaçosabertos,água,estradas,animaisealgumaspessoas. Uma indústria caseira cresceu para investigar essa preferência.Psicólogosevolucionistasargumentamqueaspessoasdomundotodopreferem

pinturas de paisagens que correspondem à savana africana, onde surgiu ahumanidade.Aspessoasgeralmentenãogostamdeolharparavegetaçãodensa,que é ameaçadora, ouparadesertos vazios, quenão têmcomida.Gostamdegramadosverdesabertoscommatasdeárvoresearbustos,umafontedeágua,diversidadede vegetação incluindoplantas florescendo edando frutos eumavistadevassadaparaohorizontepelomenosemumadireção.23Algunscríticoscomentaramque quenianos preferem fotos daHudsonRiver School do quefotosdesuaterranatal.Issoaconteceporque,comoargumentamoscríticos,apaisagempertodoHudsonRiveremNovaYorklembramaisasavanaafricanadoPleistocenodoqueoQuêniadehoje,muitomaisseco.

De maneira mais geral, as pessoas gostam de fractais, padrões quereaparecememgrausmaioresdegrandiosidade.Anaturezaécheiadefractais:cordilheiras cujos picos se repetem delicadamente, as folhas e galhos de umaárvore, um pequeno bosque de álamos, rios com seus afluentes. As pessoasgostam de fractais que fluem gentilmente mas que não são muitocomplicados.24 Cientistas têm até uma maneira de medir a densidade dofractal. Michael Gazzaniga ilustra o processo neste exemplo: imaginem quepediramquevocêsdesenhassemumaárvoreemumpapel.Sedeixaremopapelinteiramente branco, isso teria a D (densidade fractal) igual a um. Sedesenhassemumaárvorecomtantosgalhosqueafolhaficassecompletamentepreta, isso teriaumaDde2.Oshumanosgeralmentepreferempadrõescomdensidadefractalde1,3—algumacomplexidade,masnãotanta.25

Erica não precisava pensar em fractais quando estava olhando para umVermeer, um Van Eyck ou um Botticelli. A ideia é essa; sua ação erainconsciente.Elasimplesmenteficavalásaboreandooprazer.

Criatividade

Depois de certo tempo, Erica decidiu criar sua própria arte. Experimentoufotografia e aquarela, mas descobriu que não tinha comprometimento etalento.Umdiaencontrouumlindopedaçodemadeiraeotransformouemumapequenatábuadecortaralimentos.Teroobjetoemcasaeusá-lotodososdiasdeu-lheumasatisfaçãoimensa,enospróximosanos,enquantosuasmãosconseguiamrealizaratarefa,elafezutensíliosdemadeiracaseirossimples.

Ela se exercitava na piscina pela manhã e caminhava, e depois, à tarde,voltavaaopequenoateliêquehaviaconstruído.GeneCohen,chefefundador

do Centro de Envelhecimento do Instituto Nacional de Saúde Mental,3argumentou que a duração de uma atividade é mais importante do que aatividade em si: “Em outras palavras, um clube de leitura que se encontraregularmentedurantemesesouanoscontribuimuitomaisparaobem-estardoindivíduo do que o mesmo número de atividades isoladas, como cinema,palestrasesaídas.”26

Conformecontinuouatalhar,Ericadescobriuqueestavaconstruindoumrepertório de conhecimento e habilidades. Tinha de observar o pedaço demadeira em sua frente — não o conceito geral da madeira, mas o pedaçoespecífico.Tinhadepredizerqualitemdoméstico—suporteparaguardanapo,estantedelivrosouatémesmoumpedaçodeumamesa—estavaadormecidoemsuatextura.

Primeiro, elaprosseguiudesastradamente.Porém, andoupor lojas e feirasde artesanato observando como os artesãos trabalhavam. Não gostava daatmosfera de “autenticidade” do movimento do artesanato. Mas gostava dosobjetosemsiedecomosecombinavam.Conformeobservavaetrabalhava,elamelhorava. Desenvolveu um conjunto de palpites que a guiavam, umrepertório de sensações e gestos. Ficou surpresa ao descobrir que tinha seupróprioestilo.Nãosabiacomootinhaadquirido.Apenasmanuseavaascoisasatéqueparecessemcorretas.

Váriaseváriasvezes,Ericatentoufazercoisasdemais.Jáeraumasenhoraeainda subestimavao tempoquequalquerprojetoprovavelmente lhe tomaria.Contudo, ela se viu agradavelmente descontente com seu trabalho. Previaalgumacoisaidealquequeriacriar,edepoisbrincavacomelaváriasvezes,semnuncaconseguireliminaratensãoentrearealidadeeaperfeiçãoquesentiapordentro.Ainda assim, ela a perseguia.Entendia o queMarcel Proust deve tersentidoquandoditounovaspassagensdeumromanceemseuleitodemorte.Queriamudar uma parte na qual um personagem estavamorrendo, porqueagorarealmenteconheciaessasensação.27

As inspirações iam e vinham.Depois de trabalhar por algumas horas, elasentiaseucérebrosecar,comosepequenasbolhasdecarbonoemseucérebrotivessem se esgotado e tudo tivesse ficado plano. Ela ficava desastrada,preguiçosa e insípida. Em outras vezes, acordava no meio da noiteabsolutamente certa do que devia fazer para solucionar um problema. Omatemático Henri Poincaré resolveu um dos problemas mais difíceis de suavida enquanto subia em um ônibus. A resposta simplesmente veio a ele.

“Continueiaconversaquejáhaviacomeçado,massentiumacertezaperfeita”,escreveumaistarde.28Àsvezes,Ericatambémtinhapequenasrevelaçõescomoessa,enquantoestacionavaocarrooufaziaumaxícaradechá.

Como todos os artistas e artesãos, ela era um joguete da inspiração. Acriatividadeparecia acontecer emummundooculto alémde seu controle.Apoeta Amy Lowell escreveu: “Uma ideia vem àminha cabeça por nenhumarazãoaparente;TheBronzeHorses (Cavalosdebronze),por exemplo.29 Euanoto os cavalos como um bom assunto para um poema e depois de tê-losanotadoeunãopenseimaisnesseassuntodeformaconsciente.Masoqueeurealmente fiz foi colocar o assunto no meu subconsciente, assim comocolocamos uma carta na caixa de correio. Seis meses depois, as palavras dopoema começaram a vir na minha cabeça, o poema — para usar o meuvocabulárioparticular—estava‘lá’.”

Ericaaprendeupequenostruquesparaatiçarafornalhainatingível.Aarte,comodisseWordsworth,éaemoçãorecolhidanatranquilidade.Ericatinhadesecolocaremumestadonoqualasemoçõesborbulhassemàsuperfície.Tinhadeverumapeçaemocionante,escalarumamontanhaoulerumatragédia.Daí,comseucoraçãoformigando,tinhadeestarrelaxadaosuficienteparaexpressarossentimentosemergindodedentro.

Conforme envelheceu, descobriu que precisava de longos períodos desolidão ininterrupta para que suamente consciente relaxasse lentamente e seentregasse aos pulsos gerados internamente.Uma interrupção podia arruinarsuadisposiçãomentalporumdiainteiro.

Descobriuqueessamentalidadecriativaeramaispropensadeacontecernofim damanhã ou no começo da noite. Trabalhava com os fones de ouvidoescutandomúsicaclássicatranquilapararalaxarospensamentos.Precisavaficarperto de janelas, com vista para o horizonte distante. Por algum motivo,trabalhavamelhornasaladejantar,queolhavaparaosul,enãoemseuateliê.

Também aprendeu que, quando você está experimentando alguma coisanova, émelhor fazer isso rápido e demaneira errada e depois voltar e fazerváriasvezesdenovo.Eemmomentosrarosepreciosos,chegavaaterumaideiadoqueatletaseartistasdevemquererdizerquando falamsobreestaremumfluxo.Avoznarrativaemsuacabeçasecalava.Elaperdiaanoçãodotempo.Aferramentapareciaguiá-la.Elaseintegravaàtarefa.

Oquetiravadetudoisso?Issoaperfeiçoavaseucérebro?Bem,háalgumasevidênciasdequecriançasqueparticipamdeeducaçãoartísticavivenciamum

pequenoaumentodoQI,assimcomoháalgumasevidênciasdequeparticiparde aulas de música e de teatro parece melhorar habilidades sociais. Todavia,essesresultadossãoumesboçoenãoéverdadequeapenasescutarMozartouiremummuseuvailhedeixarmaisinteligente.

A criatividade de Erica a ajudou a vivermais?Um pouco.Há evidênciassubstanciaisquesugeremqueestímulosmentaisaprimorama longevidade.Aspessoascomdiplomasdefaculdadevivemmaisdoqueaspessoassemdiploma,mesmo depois de manterem controle de outros fatores.30 Freiras comdiplomasvivemmais,apesardeseusestilosdevidaduranteamaioridadeseremos mesmos dos de freiras sem diploma. Pessoas com mais vocabulário naadolescência são menos propensas a sofrer de demência na velhice.31 DeacordocomumestudodaCalifórnia,os idososqueparticipamdeprogramasde artes necessitam de menos visitas médicas, usam menos medicamentos egeralmentetêmumasaúdemelhordoqueidososquenãoparticipam.32

Entretanto, as recompensas reais foram espirituais. Dizem que as pessoasque fazem terapia precisam ou de restrição (seu comportamento é muitoerrático) ou de afrouxamento (são muito reprimidas). Erica precisava deafrouxamento.Lerpoesia,visitarmuseuseentalharpareciaajudá-laafazerisso.

Ao relaxar, tornou-semaispaciente,mais comoumaexploradora errante.Ao resumir um corpo de pesquisa recente, Malcolm Gladwell escreveu queartistas que têm sucesso na juventude tendem a ser conceituais.33 ComoPicasso,começamcomumconceitodoquequerematingireentãoexecutam-no.Aquelesquelutampertodofinaldavidatendemaserexploratórios.ComoCézanne,nãocomeçamcomconcepçõesclaras,maspassamporumprocessodetentativaeerroqueeventualmenteoslevaaumdestino.

Esse não é sempre um processo passivo e gentil. Em 1972, o grandehistoriadordearteKennethClarkescreveuumensaiosobreoquechamoude“estilo da velhice”. Analisando as artes, e principalmente Michelangelo,Ticiano, Rembrandt, Donatello, Turner e Cézanne, acreditava que podiadetectar um padrão comum que vários grandes artistas mais velhoscompartilhavam: “Umsensode isolamento,um sentimentode raiva sagrada,desenvolvendo-se naquilo que chamei de pessimismo transcendental; umadesconfiança na razão, uma crença no instinto... Se considerarmos a arte davelhice de um ponto de vista estritamente estilístico, encontramos umafastamento do realismo, uma impaciência com a técnica estabelecida e um

desejo por unidade completa de tratamento, como se a figura fosse umorganismo,noqualcadamembrocompartilhavanavidadotodo.”34

Erica obviamente não tinha o gênio dessesmestres, nem sua turbulênciainterna.Mastinha,sim,umdesejoderealizarmuitacoisaemseusanosfinaisedecriarsurpresasparasimesma.Ericadescobriuqueasarteslhedavamacessoaregiõesmaisprofundas.Osartistastomamossentimentosqueestãoenterradosemformasincipientesemváriasmenteseostrazemàsuperfícieparaquetodosvejam. Expressam a sabedoria emocional coletiva da raça. Mantêm vivos etransmitem estadosmentais de uma geração para a outra. “Passamos culturaadiante, portanto”, escreveuRoger Scruton, “assim como passamos ciência ehabilidadeadiante:nãoparabeneficiaroindivíduo,masparabeneficiarnossaespécie, conservando uma forma de conhecimento que caso contráriodesapareceriadomundo”.35

Vocêestálá

Emumdeterminadoverão,unsdoisanosdepoisdaaposentadoria,HaroldeEricativeramasmelhores fériasdesuasvidas.ViajarampelaFrançavisitandocatedrais. Harold se preparou para a viagem por alguns meses, lendo sobreconstrução de catedrais e históriamedieval, exatamente como havia feito naescola.Colocou citaçõesdiferentes dos livros que estava lendo em seu tablet,paralevarconsigo,planejouoitinerárioedefiniuumanarrativaparaaviagemtoda.Suanarrativaseriacomoasvelhasapresentaçõesquecostumavafazernotrabalho,masdessavezele estaria falando sobrearquiteturaecavalheirismoeelesestariamandandoporcidadeseigrejasenquantoelefalava.

Harold não gastou muito tempo memorizando os nomes dos reis e assucessõesdebatalhas.Operoucombasenapresunçãodequecadagrupoecadaera produzem seu próprio sistema simbólico inadvertidamente — prédios,organizações,ensinamentos,práticasehistórias—,edepoisaspessoasvivemnaestrutura moral e intelectual daqueles símbolos sem realmente pensar sobreeles.Então,quandoHaroldfalousobreavidamedieval,estavaapenastentandocapturar a sensaçãode ser o tipodepessoaque viveunaquele tempo.Comodisseele,nãoestavatentandodescreverospeixes;estavadescrevendoaáguanaqualnadavam.

Harold amava esse tipo de viagem educacional. Podia tocar e sentir opassado — a escuridão de uma velha construção durante o dia, o mofo dafortalezadeumcastelo,ovislumbredeumaflorestaatravésdeumafendaem

umponto de observação de um castelo.Com essas sugestões inundando suamente, ele conseguia se imaginar entrando em outras eras de formaimaginativa.

Viajaram por Caen, Reims e Chartres. Andavam lado a lado, Haroldsussurrando informações dos livros que havia lido, falando tanto para seudeleitequantoparaodela.“Avidaeramaisextremanaquelaépoca”,disseemcertomomento. “Haviapicosde calorde verão epicosde friode inverno epoucas conveniências para suavizá-los.Havia picos de luz e de escuridão, desaúde ededoença.As fronteiraspolíticas eramarbitrárias emudavamcomamorte de um rei ou de um senhor. O governo era uma confusão comdiferentes misturas de costumes e leis de Roma e da Igreja. Um ano podiaproduzir farturaeo seguinte, fome, e erapossível ir apédeumacidadequepassavaporumbommomentoparaoutraondeaspessoasestavammorrendode fome. Uma em cada três pessoas tinha menos de 14 anos de idade e aexpectativa de vida era de 40 anos, então não tinha um grupo grande depessoasnacasados40,50ou60anosparameioqueacalmarascoisas.

“Oresultadoéqueavidadeleseramaisemocionalmenteintensadoqueanossa.Nosdias de festival, celebravamcomuma alegria embriagadaquenósmalconhecemos.Poroutrolado,podiamsucumbiraumterrorcativantequesónoslembramosdequandoéramoscrianças.Eleseramcapazesdeviverdoceshistórias de amor em um momento e de vibrar quando um mendigo eradesmembrado no outro. A percepção deles sobre lágrimas, sofrimento e corparece ter sidomaisvívida.Haviacertasnoçõesmoduladorasqueparanós jápareceinataqueelesnãotinhamnacaixadeferramentasmentais.Nãotinhamumconceitoparacapacidadereduzida,aideiadequeumapessoamentalmenteincapaz pode não ser inteiramente responsável pelas suas ações.Não tinhamum conceito para falibilidade judicial ou para a ideia de que os criminososdevem ser reabilitados em vez de simplesmente forçados a sofrer. Para eles,tudoeraextremo—culpaouinocência,salvaçãooudanação.”

HaroldeEricaestavamandandonaviladeChartresenquantoelediziaisso,eindoemdireçãoàcatedral.PassaramporumapraçacomcafeteriaseHarolddescreveu comoos francesesmedievais do séculoXII viviamnanojeira e naimundice,enoentantoansiavamporummundoideal.Construíramcódigoselaboradosdecavalheirismoeamorcortês.Eledescreveuasregrasconfusasdecortesiaquegovernavamocotidianodavidanacorte,aprofusãoderituais,asvárias organizaçõesque exigiam juramentos e outros ritos sagrados, o cortejo

imponentenoqualcadaparticipantedaordemsocialtinhaseuprópriotecido,esquemadecorelugaraprovadossocialmente.

“Eraquasecomoseestivessemfazendoumapeçateatralparaelesmesmos.Eraquase como se estivessem transformando as suas vidas curtas e esquálidasemumsonho”, continuouHarold.Disseque torneiosdeviamser estilizados,apesar de na realidade serem quase sempre rixas caóticas. O amor devia serestilizado, apesar de quase sempre ser apenas um estupro brutal. Naimaginação,tudofoitransformadoemumaversãomíticaeidealdesi,apesardenarealidadehaverdegradaçãoefedorportodososlados.

“ElestinhamumgrandedesejoporbelezaeumagrandeféemDeusenomundo ideal. E, de alguma maneira, essa grande fé produziu isto”, disseHarold,fazendoumgestoparaacatedraldeChartres.Descreveucomonobrese camponeses ofereceram seu trabalho voluntário para construir a grandeigreja,comovilarejosinteirossemoveramparapertodacidadedacatedralparaquepudessemajudaracriaressesgrandesedifíciospairandoacimadoscasebresdemadeiraepasto.

Ele descreveu os padrões intricados e recorrentes dos adereços, o ritmorecursivo dos arcos, os desenhos de pedra incontáveis e replicadas, cada umarepetindoeaumentandooúltimo.Passaramumahoradiantedafachadaoestedelineandoos símbolos daTrindade esculpidosnoportão central, amaneiracomoocorpodeCristoestáconectadoaossignosdozodíacoeaostrabalhosdomês na porta. Harold descreveu, o máximo que foi capaz, o grandebombardeiro de símbolos e significados que teria caído sobre os camponesesanalfabetos,disparandocadeiasdeassociaçõesedeslumbreemsuasmentes.

Lá dentro, descreveu o esplendor revolucionário do projeto. Durante amaiorpartedahistóriaatéoséculoXII,oshomenshaviamconstruídoedifíciospara que fossem pesados e formidáveis. Aqui, construíram edifícios para quefossem claros e leves. Usavam pedras para criar um sentimento para oespiritual.“Ohomempodeseergueràcontemplaçãododivinopormeiodossentidos”,escreveuoabadeSuger.36

Haroldamavaensinar.Amavaserumguiaturísticomaisdoquetudoquejáhaviafeito.Emocasiõesestranhas,falandosobreestaouaquelacenahistórica,ele se via estranhamente emocionado. Passou a acreditar que as pessoas emséculos passados dedicavam mais energia ao sagrado. Passavam mais tempoconstruindo espaços sagrados e praticando rituais sagrados. Construírampassagensparaummodomaispurodeexistência.Haroldestavafascinadoporesses lugares e passagens sagrados — por ruínas, catedrais, palácios e sítios

divinos — mais do que por qualquer lugar moderno ou cidade viva.EspecialmentenaEuropa,eledividiaascidadesentreaquelasqueeramvivas,comoFrankfurt,eaquelasqueerammortas,comoBrugeseVeneza.Gostavamaisdascidadesmortas.

Depois de cerca de uma hora dentro da catedral, Harold e Erica foramemboraecaminharamparao jantar.Nocaminho,passarampelosportaisdooeste e viramum conjunto de estátuas agrupadas perto das entradas.Haroldnão sabia nada sobre elas. Eram algum tipo de anciãos da igreja. Ou talvezdoadores, estudiosos ou heróis do passado distante. Erica parouinesperadamente para observá-las. Seus corpos eram cilindros alongados commantas drapeadas graciosamente esculpidas. Seus gestos imitavam-se entre si,uma das mãos em torno da cintura e a outra segurando alguma coisa pelopescoço.MasforamosrostosqueatraíramaatençãodeHarold.

Algumas das estátuas que tinham visto na viagem eram genéricas eimpessoais.Osartistashaviamtentadosimbolizarorostodeumapessoaemvezderepresentarumrostoemparticular.Noentanto,essasesculturasretratavampessoas reais, idiossincráticas e dotadas de alma. Seus rostos carregavamexpressões diferentes de desprendimento, distanciamento, paciência eaquiescência. Eram o produto de um conjunto específico de experiênciaspessoaiserefletiamumconjuntoúnicodeesperançaseideais.Apesardeestarcansadodepoisdeumdialongo,Haroldrealmentesentiuumcalafrioolhandopara aqueles rostos e olhos. Teve a sensação de que o viram; de quesimpatizaramcomeleeoobservaramobservando-as.Oshistoriadoresàsvezesfalamsobremomentosdeêxtasehistórico,osentimentoquemagicamenteostomaquandoadistânciadosséculosdesapareceeelestêmasensaçãoincríveldecontatodiretocomopassado.Harold sentiualgoparecidocom issoagora, eEricaviuobrilhoemsuasbochechas.

Foi um dia maravilhoso, e exaustivo. No anoitecer, foram em umrestauranteefizeramumarefeiçãolongaefeliz.EricaestavasurpresacomquãoencantadoomundodaspessoasdaIdadeMédiapareciaser.Paranós,océudanoiteérepletodebolasdefogodistantesevastosespaçosvazios.Masparaeles,era vivo comcriaturas emágica.Aspedrasda igreja e as árvoresdas florestasressoavamcomespíritos, fantasmasepresençasdivinas.Ascatedraisnãoeramapenasconstruções—eramcomocasasespirituaisdeenergia,lugaresondecéueterraseencontravam.37Elaobservouqueaspessoasdaquelaépocapareciamser vorazes por mitologia. Misturavam mitos gregos, romanos, cristãos epagãos,independentementedalógicainterna,ederamvidaatudo.Atéosossos

dos santos tinham poderes mágicos. Era como se todas as coisas materiaisfossemcristalizadascomumapresençaespiritual;cadacoisaestéticatambémerauma coisa sagrada.Nossomundoparecenão ter encanto se comparado comisso,pensouEricacomumsuspiro.

Haroldmencionouoquanto estava se divertindo.De algumamaneira, oconhecimentosósetornavavivoparaelequandoestavaensinandoaalguém,enofinaleleponderouquetalveztivesseperdidoaoportunidadedeserumguiaturístico.Ericalançou-lheumolharenergizado.“Vocêgostariadeser?”

Naquela noite, elaboraram um plano. Harold lideraria passeios parapequenos grupos de viajantes cultos. Talvez conduzissem três por ano. Eleestudariaumperíodoporalgunsmeses,assimcomoofezcomaIdadeMédia,edepois levaria um grupo para a França ou Turquia e para a Terra Sagrada.Fariamumcontratocomumaempresadeturismoparaquenãoprecisassemsepreocuparmuitocompreparativosdeviagem.Ericapoderiaseresponsabilizarpelorestodaoperação.Seriaapequenaempresapós-aposentadoriadeles.Ericasentiuquepoderiamcompetir comosgruposdegraduadosqueorganizavamesse tipo de passeios, porque o deles seria mais íntimo. Contariamprincipalmentecomamigos,entãoosviajantesbasicamentejáseconheceriamantesdeseinscreverem.

E foi isso mesmo que aconteceu nos oito anos seguintes. Criaram umaempresa chamadaVocêEstáLáTurismo, que era comoum curso itinerantesobrecivilizaçãohumana,combonshotéisevinho.Ficavamalgunsmesesemcasa e Harold se enterrava nos livros, preparando-se. Depois tiravam duassemanascomumgrupoemfériaseducacionaiscomtudoincluídonaGréciaouemalgumoutrolugarnoitineráriodarealizaçãohumana.Haroldamava.ParaHarold,apreparaçãoparaasviagenseranaverdademelhordoqueasviagensemsi.Trêsvezesaoano,Ericaexperimentavasurtosintensosdeaprendizado.Quando estavanessas viagens, o tempopassavamaisdevagar.Elanotavamilcoisasnovas.Eracomosesentisseosporosdesuapeleseabrindo.

Erica nunca chegou aomomento de sua vida no qual pudesse real menterelaxar.Tinha semprede estar semovendo, fazendoe alcançando.Contudo,esse era um tipo delicioso de esforço. Para alguém que havia passado a vidalutandoeescalando,essasviagenserampuraalegria.

1 A Chatham House é uma organização sem fins lucrativos sediada em Londres, cujo objetivo épromover o debate de assuntos internacionais. A “Chatham House Rule” é o princípio deconfidencialidadeque rege todas as discussões da organização, e diz quequalquer participante podedizeroquequiser,contantoquesuaidentidadeesuasafiliaçõespermaneçamemsigilo.(N.daT.)

2Nooriginal,“TheGrantLongitudinalStudy”.ConduzidopelaHarvardepublicadoemdoislivrosdeGeorge Vaillant, esse estudo analisou alunos de contextos diferentes no decorrer de sessenta e oitoanos.ÉpartedoEstudodoDesenvolvimentoHumano.(N.daT.)

3No original, “Center onAging at theNational Institute ofMentalHealth”. Parte do governo dosEstadosUnidos,oNIMHéomaiorcentrodeestudosdesaúdementaldomundo.(N.daT.)

capítulo22

SIGNIFICADO

É difícil saber quando os imortais começaram a aparecer nasmontanhas.Vocêsestariamfazendotrilha,andandodebicicletaoupraticandoesquidefundonasredondezasdeAspen,Colorado,eouviriamatrásdevocêsum zumbido parecido com o de um avião F-18 se aproximando. Vocês sevirariameveriamumapequenamassadelycra.Eraumdaquelessenhoressuperem formaquedecidiram fazerum jihaddaboa formana aposentadoria.Eleencolheudepoisdos70anosdeidade,portantoseriam1,50metroe43quilosdecartilagemenrigecidaenvolvidosporumtrajeesportivofeitodelycra.Viriaaté vocês com velocidade feroz usando pesos nos punhos e nos tornozelos euma expressão de determinação selvagem em seu pequeno rosto enrugado.Vocês estariam tendo dificuldade para respirar namontanha, e esse idoso delycra, superemforma, rasgariaumcaminhoao seu ladocomoumapequenauva-passadeaço.

Esses senhores tiveramsucesso em tudomaisque tentaramnavida, entãosimplesmentedecidiramdizerumgrande“Foda-se”paraamorte.Nocomeçoda vida, foram aquele tipo de jovem trabalhador ambicioso que iniciou suaprimeiraentregade jornaisaos6anosde idade,ganhouseuprimeiromilhãoaos22 e se casou comuma listadebeldades, demodoque conseguiramumestranho fenômeno genético no qual suas avós se pareciam com GertrudeStein,massuasnetassepareciamcomUmaThurman.

Emsuasagapós-aposentadoriaembuscadajuventudeeterna,contratarampersonaltrainersgraduadosemcamposdetreinointensivoepassavamamaiorparte do tempo em suas casas-resort criando estratégias sobre shakesenergéticos, culinária centrada em vegetais e preservação da medula óssea.Podia-se contar com eles para aulas de windsurfing aos 70 anos de idade,expedições aoK2 aos 75, e aos 90 estariam tomandoCialis como se fossem

balas e malhando tão furiosamente que os treinadores estariam tendoproblemascardíacossóparatentaracompanhá-los.

Tinhamo tempo, osmeios e a concentração para fazer tudo isso porquehaviamentradonaplutoadolescência.Quandohomens altamente ambiciososganham muito dinheiro e depois se aposentam e vão para comunidadessofisticadas de veraneio, entram em uma fase da vida na qual têm dinheiro,tempoeamentalidadeparatransformartodasascoisaspuerisquecurtiramaos18anosdeidadeemumaprofissão.Defato,nãotêmosníveisdeenergiaquecostumavam ter, mas, durante breves surtos, eles são libido enfurecida comcartõesAmexplatinum.Andamcomcelebridadesdacidade-resort—GeorgeHamilton,KevinCostnereJimmyBuffett.Flertam,semsucesso,comjovensgarçonetes, depois vão para casa ao encontro das produtoras de eventos, asesposas-troféucomquemsecasaramhaviaalgumasdécadasequeagora,aos50anosdeidade,viraramcentaurosmodernosnorte-americanos.Devidoaofatodeascirurgiascosméticasseremaparentementemaisproficientesquantomaisparabaixonocorpo são feitas, essasmulheres têmpernas comoasdeSerenaWilliams, mas bochechas gravitacionais superesticadas e os lábios comotravesseiroscheios.

Tornou-se ummodismo interessar-se por educação; vários desses homenstêm três casas, seis carros, quatro amantes e cinco escolas públicasindependentes.Passamtambémmuitotempotecendolaçosunscomosoutros.Sevocêsforememumacomunidadedeveraneio,deBridgehamptonaAspenou Malibu, poderão ver matilhas desses senhores exageradamente em formaencontrando-senacalçadanocomeçodanoiteacaminhodeumrestaurantedetapas.

Nenhumdelesquerde verdade ir ao restaurantede tapas, que é cheiodepratos que eles não entendem. Entretanto, estão na onda de alguma forçaprimordial do Novo Urbanismo1 e, como seres sofisticados, modernos ecosmopolitas, são sentenciados a agonias eternas com tapas. Eles e todos osoutrosemseugruposerãocondenadosapassarnoventaminutoslutandocombolinhosfritostradicionaisdetâmaras,lulacommolhoaioli,arrozdeaçafrãocompeixe chocoepimentasgrelhadasdiretodas ilhasCanárias,osquais elesnãodesejavamenemsaboreavam,masquesimplesmentedeviamaturarcomoumdosmistériosdacivilização.

Conformecaminhaporaquele longoquilômetrocinzentoemdireçãoaospetiscosdamaldição,ogrupovai irradiarcertotipodefutilidademasculinaeuma estranha transformação vai ocorrer, pois é uma lei danatureza humana

quequantomaishomensvocêconcentraemumamatilhafeliz,maiscadaumdelesvaificarparecidocomDonaldTrump.Paracomeçar,possuemumtipode fotossíntese masculina — a habilidade de transformar luz solar emadmiraçãoporsi.Pelaleidoegotismocomposto,criamessevórticebaseadonoreforçodoeu,umvórticedepresunçãoquetrazàtonaosaspectosmais“eumeamo”desuaspersonalidades.

Esses homens são, em outras circunstâncias, avós amáveis, sedentos parafalarsobresuaprolequeestánaStanfordequeparticipadeprogramasdeumanodeduraçãonoCamboja.Masquandosãosugadospelapsicodinâmicadeuma gangue de meninos burgueses elegantes, que andam sem meias comsandáliasdefazertrilha,viramversõesimaturasdesi.Seusdecibéisaumentam.Seus peitos inflam. Suas risadas explodem. Viram gângsters geriátricostemporários e se gabam e desfilam em um espírito de histeria masculinacrescente.ContraemumtipodeAlzheimerdetitãmilionário;esquecemtudomenossuasereções.

Avidacontemplativa

Depoisde se aposentarem,Erica eHarold compraramuma segunda casa emAspen, onde viviamdurante o verão e por algumas semanas pertodoNatal.ViamosImortaissussurrandoefarreandoquandoiamparaocentrodacidade,porém suas próprias vidas tinham tomado um rumo diferente. Tambémtinhamalcançadooqueéchamadodesucesso,masotipodesucessodeleseradiferente. Sem pensar sobre isso de fato, haviam criado uma contracultura.Nãorejeitavamconscientementeoestilodevidadomainstreamafluente;meioqueoignoravam.Viviamepensavamdemaneiradiferenteesuasvidashaviamtomadoumaformadiferenteemaisprofunda.Tinhamciênciamaiorsobreafonte do coração humano, e quando vocês os conheciam, ficavamimpressionadoscomsuasubstânciaeprofundidade.

Nastardesdeverão,sentavam-seemcadeirasdeAdirondacknavarandadafrente e contemplavam o rio Roaring Fork e acenavam para um grupoocasionalquepassavafazendorafting.HaroldliaseuslivrossériosdenãoficçãoeEricaliaromancesetiravacochilos.Haroldolhavaparaelaenquantodormia.Seustraçoschineseshaviamficadomaispronunciadosconformeenvelheceueestava mais magra e menor. Harold se lembrava de uma história de MarkSaltzman que leu certa vez. Era sobre um homem na China que estavaaprendendo inglês. Um dia, a professora lhe perguntou qual tinha sido o

momentomaisfelizdesuavida.Ochinêsfezumalongapausa.Depois,sorriucomvergonhaedissequeumavezsuaesposafoiparaPequimecomeupato,eelacontavaparaelefrequentementesobreodeliciosopato.Eassim,concluíaahistória,“eleteriadedizerqueomomentomaisfelizdesuavidafoiaviagemdelaearefeiçãodopato”.1

Harold refletia sobre sua própria vida e tentava comprimi-la no formatodaquelahistória.EselembravadeumacamisaazulqueEricahaviaganhadonoensino médio quando por fazer parte da lista de honra, que a deixara tãoorgulhosa, a camisa sobre a qual falava quando recebia jovens estagiários naempresa ou quando era convidada a falar emuma empresa ou formatura defaculdade.Eleahaviaescutadocontarahistóriadacamisacentenasdevezesnodecorrer dos anos, primeiro quando era novo, iniciando a vida, quando elacontouahistóriaparaeleduranteumjantar;depoisquandoelaeraconfiante,demeia-idade,sendoentrevistadaecelebrada;eagoraquandoelaestavamaisvelha, mais inteligente e mais enrugada. Ele refletiu; não seria totalmenteerradodizerqueomomentomaisfelizdesuavidafoiquandoentrounalistadehonradocolégioantesdeconhecê-loeterganhadoacamisa.

Nessas tardes, eles conversavam sobre as coisas, às vezes comuma taçadevinho—ouduasoutrêsparaHarold.Nofinaldastardes,Ericaselevantava,pegavaum suéterparaHarold e entravapara cozinharum jantar vespertino.Haroldficavalásentadoobservandoassombrasdosoldatarde.

Tocaramaempresadeturismoporcercadeoitoanos,maseventualmentetiveramdedesistir.OsjoelhosdeHaroldcomeçaramaficarfracos,depoisseuquadril e tornozelos, que foram propensos à tendinite a vida toda. Estavaimóvelemgrandeparteagora,andandodeformaestranhaevagarosacomduasbengalas.Nuncamais jogaria tênis, nuncamais jogaria golfe, nuncamais selevantariaeandariasemcuidadopelasaladenovo.

Seucorpoestavasequebrando.Iaaohospitalquaseumavezporanonosúltimos anos por uma coisa ou por outra. Alguns homens ficam magros efrágeis quando envelhecem, mas ele, imóvel, ficou pesado e redondo. Nosprimeirosanosdesuaidadebemavançada,eledescobriuqueprecisavacadavezmaisdeajudaparapequenastarefassobreasquaiselenuncahaviapensadocomcuidadoemtodasuavida—àsvezesatémesmoparasairdacamaoudeumacadeira.Ericaseguravasuasmãoseseinclinavaparatrás,comoumavelejadorainclinando-se no sentido contrário ao do impulso do veleiro, e o alavancavaparacima.

Depois, quando a decadência ficou pior, ele precisava de ajuda o tempotodo. Harold estava aprisionado em sua cadeira. Passou por três crises dedepressão quando percebeu que não seria mais um participante na vida doplaneta, e sim apenas um observador decadente. Por vários meses, ficouacordado à noite em um tipo de loucura imaginando horrores por vir —cirurgiõesabrindoseupeito,suagargantatransbordandodesangueetapandoosuprimento de ar, perdendo a fala e pedaços da mente, membros, visão eaudição.

Não conseguia mais participar de festas e ocasiões sociais. Ficava apenassentado contra a parede. Por outro lado, sua esposa e suas enfermeiras oserviam com um cuidado, uma paciência e uma devoção que superavamqualquer expectativa. Seus esforços erammais valiosos para ele porque sabiaquenuncapoderiaretribuí-los.Tevederenunciaraseuorgulhomasculino,seuegoísmo,seusensodemaestriadesiedependerprofundamentedoserviçoedaafeição delas. No começo, foi difícil simplesmente cair no amor delas. Nocomeço, a atenção delas o deixou ranzinza e irritado. Mas o amor pacientedelasoacalmou.Comotempo,acondiçãofísicadeleseestabilizoueseuestadodeespíritoseergueu.

Sentava-se na varanda e podia olhar para os elementos da natureza: céu,montanhas, árvores, água e sol. Pesquisadores descobriram que, nãosurpreendentemente,a luzdosolecenasnaturaispodemterefeitoprofundonamenteenoestadodeespírito.2AspessoasnaslatitudesaoNorte,ondeosolémenosintenso,têmtaxasmaioresdedepressãodoqueaspessoasnaslatitudesbaixas.Aspessoasnasextremidadesocidentaisdosfusoshoráriostambém,ondeoSolnascemaistardenoperíododamanhã.Aspessoasquepassaramamaiorpartedesuasvidastrabalhandoemescalasnoturnastêmmaischancesdesofrerde câncer de mama do que as que trabalharam de dia. Pesquisadoresdescobriram que pacientes de hospital em quartos com vista para a naturezaparecemserecuperarumpoucomaisrápidodoquepacientesemquartossemvista.Emumestudo feitoemMilão,ospacientescomdepressãobipolarqueficavamnosquartosdaala lestedeumhospitalrecebiamaltatrêsdiasemeioantesdospacientesalojadosnosquartosdaalaoeste.3

Harold descobriu que conseguia jogar umpequeno jogo consigomesmo.Sentava-se na varanda olhando para uma pequena flor no gramado abaixo.Concentrava-senaspétalaseemsuabelezafrágil.Depois,levantandoacabeça,olhavaparaospicosdamontanhacobertosdegeloaquilômetrosequilômetros

de distância. De repente, era tomado por um conjunto completamentediferente de sensações, sentimentos de deslumbre, veneração, submissão egrandiosidade.Sódeestarsentadoali,podiatransitardobeloaosublimeedevoltaaobelo.

Ele amava essas grandes paisagens. Elas lhe davam um sentimento deelevação,de estar conectadocomumaordemsagradaede total abrangência,uma parte de um todo estupendo. As pessoas que estão em contato com anaturezasesaemmelhoremtestesdememóriadetrabalhoedeatençãodoqueas pessoas que estão em localizações urbanas. Seus estados de espírito sãomelhores. Como escreve o filósofo Charles Taylor: “A natureza nos atraiporque, de alguma maneira, está em sintonia com nossos sentimentos, demodoquepoderefletireintensificarosquejásentimosouatédespertarosqueestão adormecidos. A natureza é como um grande teclado no qual nossossentimentosmaiselevadossãotocados.Nosvoltamosparaela,comopodemosnosvoltarparaamúsica,afimdeevocarefortaleceroquehádemelhoremnós.”4

Asimagensdasmontanhasedasárvoresoacalmavameorevigoravam.Noentanto,elasnãoosatisfaziamdeverdade.Comojápon tuaram,anaturezaéumapreparaçãoparaareligião,masnãoéareligião.

Harold ainda sentia dor na maioria das vezes. Durante essas horashorrorosas, a dor enchia sua mente assim como um gás preenche o espaçodisponívelemumcontêiner.Elemalconseguialembraroqueeranãoterdor.Entretanto,quandopassava,elenãoconseguiaselembrardadoremsi.Tinhaapenasumconceitofrioeintelectualdela.

Namaioriadasvezes,Haroldpensavanaspessoas.Lembrava-sedeimagensvisuaisrápidas—umaamiguinhaeseucarrinhodebrinquedoestacionadonaneve; seus pais pedindo que ele olhasse para uma nova casa; um colega detrabalho em um dia muito ruim lavando o rosto vermelho em uma pia dobanheiro —, mas também havia lacunas misteriosas em sua memória.Descobriu que não conseguia nunca se lembrar de ter se sentado àmesa dojantarcomseuspais,apesardequeissodeviaacontecerotempotodo.

Haroldpercebeuquesuasmemóriasvinhamemcadeias.Eleselembravadepegarumabolaemumjogodequeimadonoquartoano.Issoo faziapensarsobre suaprofessoranaquele ano,porquemele tinhaumaqueda.Sentia suapresença, mas não conseguia distinguir seu rosto de fato. Ela tinha cabeloescurocomprido.Eraalta,ouparecia ser.Nadamais eradistintoanão ser aauradesuabelezaeadoçuradossentimentosdeleporelanaquelaépoca.

Harold pedia que Erica trouxesse as caixas das coisas velhas deles —fotografias, papéis e documentos de décadas passadas que eles acumularam.Entãoeleinspecionavaascaixas.Atémesmoquandoeramaisjovemeleteveapresençadeespíritodeguardarapenasoslembretesfelizes,paraqueostemposruinsseapagassem.

Eleficavaligeiramenteloucoenquantoinspecionavaessascoisasantigas.Oubêbado,poisvoltouabeberduranteodia.Emoçõesesentimentosotomavam.Descobriuqueconseguia se lembrardevelhospoe masporcompleto.PossuíaimagensdeOlimpíadaseeleiçõeseeventosnacionaispercorrendosuacabeça.Eracapazdereviveraatmosferadeumadécada—amaneiracomoaspessoasusavamocabelo,ostiposdepiadasquecontavam.

Sentava-sealiebrincavafrivolamentecomotempo.Ospsicólogostêmumtermo para idosos que têm dificuldade de inibir seus pensamentos e cujasconversassedesviamemdireçõesaleatórias.Chamamissode“verbosidadeforade tópico”. Harold sofria desse tipo de enfermidade, sendo que estavaacontecendo por dentro. Em um segundo, lembrava-se de pegar jacaré nasondas quando era um menino e, no seguinte, de um passeio de carro nasemanapassada.

Existeumavelhafábulasobreummongequefoicaminharnaflorestaefezuma pausa para ouvir o doce garganteio de um pequeno pássaro. Quandovoltou ao mosteiro, deparou-se apenas com estranhos. Esteve fora durantecinquenta anos. Em algumas tardes, Harold sentia que sua escala pessoal detempoestavacomamarchaemperrada.

Haroldse sentiarejuvenescidopelas suasmemórias.Em1979,apsicólogaEllenLangerconduziuumexperimentonoqualequipouumvelhomosteiroem Petersborough, New Hampshire, com objetos da década de 1950.5Convidouhomensnacasados70e80anosde idadepara sehospedaremaliporumasemana.ElesassistiamaosprogramasdeEdSullivan,escutavamNatKing Cole no rádio e conversavam sobre o campeonato de 1959 entre oBaltimoreColtseoNewYorkGiants.Nofinaldasemana,oshomenshaviamganhadoumamédiadeumquiloemeioepareciammaisjovens.Elessesaírammelhoremtestesdeaudiçãoedememória.Suasjuntasestavammaisflexíveise63% se saírammelhor emum testede inteligência.Experimentos comoessesãomais sugestivos do que científicos,masHarold se sentiamelhor quandoestavavivendonopassado.Asdoresdiminuíam.Asalegriasaumentavam.

Buscaporsignificado

Haroldpassavamuito tempopensando sobre sua adolescência, quando tinhacercade16anos.Esseéoperíodoqueospesquisadoreschamamde“explosãomnésica”, porque as memórias do final da adolescência e do começo damaioridade tendema sermaisvívidasdoqueasdeoutrosperíodosdavida.6Haroldseperguntouoquãocorretasestariamsuaslembranças.

Quando George Vaillant do Grant Longitudinal Study enviou relatóriospara um idoso sobre sua juventude para checagem de fatos, ele retornou osrelatóriose insistiuque“vocêdeve terenviado issoparaapessoaerrada”.Elesimplesmentenãoconseguiaselembrardenenhumdoseventosdesuaprópriavidaque tinhamsidoregistradosnaquelaépoca.7O sujeitodeoutrapesquisalongitudinalsofreuumainfânciabrutal,bem-documentadanaépoca,nasmãosde pais abusivos. No entanto, aos 70 anos de idade, ele se lembrava do paicomoum“bomhomemdefamília”edamãecomo“amulhermaisdocedomundo”.8

Haroldtambémvivenciouumtipodeprazernegativo.Depoisdeumavidainteirapreparando-seeconstruindo,finalmenteestavalivredopesodofuturo.“Quão prazeroso é o dia”, observou William James certa vez, “quandodesistimosdelutarparasermosjovens—ouesbeltos”.9

Apesar de velho e falecendo, Harold estava contaminado por umdescontentamentointelectual.Semnempensarsobreisso,ele,comoamaioriade nós, considerava a vida não apenas como um grupo de eventos a seremvividos,mascomoumaperguntaaserrespondida.Paraqueservetudoisso?Lá,sentado naquela varanda com suas bengalas erguidas contra uma cadeira,Harold pôs-se, no crepúsculo de sua vida, a entender o sentido de suaexistência,achegaraumaconclusão.

EmseufamosolivroEmbuscadesentido,ViktorFranklescreve:“Abuscado homem por sentido é a motivação primária de sua vida.”10 Ele cita aspalavras de Nietzsche: “Aquele provido de um porquê para viver é capaz desuportarquasequalquercomo.”11Todavia,Franklapresentouumargumentocrucialeútil:éinfrutíferotentarpensarnoabstratosobreoqueavidaemgeralsignifica. O sentido da vida de uma pessoa só é discernível dentro decircunstâncias específicas da vida específica de um indivíduo. No campo deconcentração,escreveele:“Tivemosdeaprendersozinhose,ademais,tivemosde ensinar aos homens desesperados que não importava exatamente o que

esperávamosdavida,massimoqueavidaesperavadenós.Tínhamosdeparardeperguntar sobre o sentido da vida e, em vez disso, nos entendermos comoaqueles que estavam sendo indagados pela vida— a cada dia e a cada hora.Nossa resposta deve consistir não em fala ou em meditação, mas em açãocorretaeemcondutacorreta.”12

Harold pensou retrospectivamente sobre sua vida como um filho, ummarido, um consultor de negócios e um historiador e se perguntou qualindagaçãoavidatinhafeitoparaele.Procuravaporalgumacoisaquepudesseserdefinidacomoochamadoouamissãodavida.Achouqueoprojetofosseserfácil,masquantomaisprocuravapelocernedesuavida,maisdifícilficavadeencontrá-lo.Quandoestudavahonestaecorretamente, suavidatinhasidouma série de eventos fragmentados. Às vezes, foi muito orientado pelodinheiro, mas em outras vezes esquecia-se dele. Foi ambicioso em algumasvezes,masemoutrasfases,não.Durantealgunsanos,vestiuamáscaradeumestudioso,aopassoqueemoutrosanoselevestiuamáscaradeumempresário;quemeraoverdadeiroeuportrásdasmáscaras?EmArepresentaçãodoeunavidacotidiana,ErvingGoffmanargumentaquesãosómáscarasatéofim.13

Cientistaseescritorestentaramimporcertoesquemaparadescrevercomoavidasedá.AbrahamMaslowdefiniusuahierarquiadenecessidades—dofísicoà segurança, ao amor, à estima e à autorrealização. No entanto, muitaspesquisas recentes questionarama ideiadeque as vidashumanas encaixam-senessestiposdeesquemaspuros—nãoháprogressõessimplesdotipodescritoporMaslow.14Em alguns dias,Harold se sentia derrotado e concluía que avidaé incognoscível.Pensememalgotãosimplesquantocomprarumcarro.Seráqueeleescolheuseuúltimocarroporcausado formato,daavaliaçãonaConsumerReports,2dealgumaimagemvagaquetinhasobreapersonalidadedamarca,decomosesentiunotestededireção,dealgumsensodestatusquelhedariaoutalvezporcausadodescontodovendedor?Todasessascoisasdevemter influenciado,mas ele não conseguia de fato definir as proporções.Haviaumazonanebulosaeindefinidaentreosfatoresquedevemterinfluenciadosuaescolhaeaescolhaemsiconformesedeunaloja.

“Nuncapodemos,nemmesmomedianteomaisrigorosoexame,penetrarinteiramenteemnossosmaissecretosimpulsos”,escreveuImmanuelKant.15Ese isso é verdade em relação a comprar um carro, deve ser muito maisverdadeiro em relação a ir em busca dos grandes objetivos de uma vida. Se

Harold tivesse um entendimento verdadeiro de si mesmo seria capaz dedescrevercertasqualidadesquepossuía,maselenãoachavaquepodiafazerissodemaneira confiável.Aspessoas superestimammuito e compreendemmuitomal suashabilidades.Váriosestudosmostraramquehábaixacorrelaçãoentrecomo as pessoas avaliam sua própria personalidade e como as pessoas ao seuredoraavaliam.16

Harold ficavasentadotentandopensar sobresi,masemsegundosacabavapensandosobreaspessoasqueconheceuouascoisasquevivenciou.Àsvezes,pensavaemalgumprojetoque tinha feitono trabalhoouemumabrigaqueteve comum colega de trabalho.Tinha a sensação de que foi uma presençacoerentenessesmomentosdramáticos.Contudo,quandotentavapensarsobreele mesmo isoladamente — o que era e para que tinha vivido —, nãoconseguia conjurar nenhum conceito claro em sua mente. Era como se elefosse uma ilusão de óptica, visível quando você não olhava diretamente,invisívelquandovocêotomavacomoobjetodesuaatenção.

Alguns de seus amigos tinham histórias padronizadas sobre eles próprios.Umeraummeninopobrequehaviaseerguidodolixoaoluxo.Outroeraumpecador que foi salvo por Deus em certo instante. Outro tinha mudado deideiasobretudonodecorrerdavida—começounaflorestadoerroeveioparaaluzdaverdade.

EmseulivroTheRedemptiveSelf (Oeuredentor),DanMcAdamsescrevequenorte-americanossãoespecialmentepropensosaorganizaremsuasvidasemhistórias de redenção.17 Era uma vez um povo errante no caminho datribulação,maseisqueseushabitantesconheceramummentorouumaesposa,ouforamtrabalharemumafundaçãooufizeramalgumaoutracoisae foramredimidos. Foram eximidos do erro e inseridos emumcaminho apropriado.Suasvidastiveramumsentidodaquelemomentoemdiante.

Conformerevisavasuaprópriavida,Haroldnãoconseguiavercomoelaseencaixavaemnenhumdessesmoldesnarrativos.Econformeesseprocessodeanálisedesicontinuava,Haroldficouintensamentetriste—contaminadoporum sentimentodequehaviaumprazo finaldefinitivoque elenão satisfaria.Algunspsicólogospedemquepacientessesentememumacadeiraeolhemparadentro de si. Entretanto, há bastante evidência para sugerir que esse tipo deruminação muitas das vezes é nociva. Quando as pessoas estão deprimidas,tomamos eventos e as emoções negativas de suas vidas e, fixando a atençãoneles,fazemcomqueessasredesneuraisfiquemmaisfortesemaisdominantes.

Em seu livro Strangers to Ourselves (Estranhos a nós mesmos), TimothyWilson,daUniversidadedaVirgínia,resumiaváriosexperimentosnosquaisaruminaçãofezcomquepessoasdeprimidasficassemaindamaisdeprimidas,aopasso que a distração as deixou menos deprimidas.18 Os que ruminavamcaíramempadrõesautodestrutivosepadrõesnegativosdepensamento,saíram-sepioremtarefasnasquais tinhamderesolverproblemase tinhamprevisõesmuitomaisobscurassobreseuprópriofuturo.

Em algumas vezes, todo o exercício de autoexame parecia ser fútil paraHarold.“Quãopateticamenteescassoémeuautoconhecimentosecomparadocom, digamos, o conhecimento que tenho demeu quarto”, observou FranzKafka certa vez.19 “Não existe observação do mundo interno da maneiracomoexistedomundoexterno.”

Odiafinal

Um dia no final do verão, Harold estava na varanda de sua casa de Aspenobservandooriopassar.PodiaescutarEricaemseuescritórionoandardecimadigitando. Havia uma caixa de metal arranhado em seu colo e ele estavamexendoemalgunspapéisefotografias.

Deparou-secomumafotobemantigadesimesmo.Tinhacercade6anosde idade quando a foto foi tirada. Vestia um casaco no estilo marinheiro eestavanotopodeumescorregademetalemumparquinho,prestesadescer,olhandocomconcentraçãointensaparaainclinaçãoabaixo.

“Oquetenhoemcomumcomessemenino?”,perguntou-seHarold.Nada,anãoserqueeraelemesmo.Oconhecimento,ascircunstâncias,aexperiênciae a aparência eram todos diferentes, mas havia alguma coisa viva naquelemeninoqueaindaestavavivaneleagora.Haviaumacertaessênciaquetinhamudadoconformeeleenvelhecia,massemsetornaralgumacoisadiferentedesifundamentalmente,eessaessênciaHaroldchamoudealma.

Supôs que essa essência estava manifestada em neurônios e sinapses. Elenasceucomcertasconexõese,vistoqueocérebroéoregistrodossentimentosdeumavida,elelentamenteacrescentounovasconexõesneuraisemsuacabeça.E,noentanto,Haroldnãoconseguiaevitardepensaremcomotudoissoeraencantado. As conexões foram formadas pela emoção. O cérebro era carnefísica, porém, dos milhões de pulsos de energia, espírito e alma emergiram.Deveexistiralgumaenergiacriativasuprema,pensouele,queconseguepegaro

amoretransformá-loemsinapsesedepoispegarumapopulaçãodesinapsesetransformá-laemamor.AmãedeDeusdeveestarlá.

Haroldolhouparaasmãosdomenininhosegurandoosladosdoescorregaepara a expressão no rosto dele.Harold não tinha de imaginar quais eram asafeiçõeseosmedosdomeninoporque,emalgumnível,eleaindaeracapazdevivenciá-los diretamente. Não tinha de reconstruir a maneira como aquelemeninoviaomundoporqueaindaera,emalgumnível,suaprópriamaneira.Aquelemenininhotinhamedodealtura.Aquelemenininhosesentiatontoaover sangue. Aquele menininho estava apaixonado, mas frequentemente sesentia sozinho.Aquelemenininho já possuíaum reinooculto, umelencodepersonagens e respostas que cresceriam, se amadureceriam, se afirmariam, seretrairiam e regressariam emmomentos diferentes de sua vida. Aquele reinoocultoeraele,tantonaquelaépocaquantoagora.

Partedaquelereinoveiodosseusrelacionamentoscomseuspais.Elesnãoeramaspessoasmaisprofundasdomundo.Passarammuitotemponomundodo comércio, focando-se em aparências e vaidades. Não foram realmentecapazes de responder às necessidades mais profundas de Harold, mas forampessoasboasqueoamavam.Umdelesprovavelmenteolevouparaesseparqueecolocou-seatrásdacâmeraparatiraressafotoeaarquivouemalgumlugarparaqueHaroldpudesse vê-la agora.Houveuma emoçãoquando a foto foitirada e uma emoção quando foi arquivada, e houve uma emoção quandoHaroldaolhouagoraeimaginousuamãeouseupaiatrásdacâmeraapertandoo botão. As curvas ainda reverberavam através das décadas, de geração emgeração.

A alma surgia dessas curvas de afeição. Essas curvas erammomentâneas efrágeis,etambémpermanenteseduradouras.Atémesmohoje,haviapequenascélulasdorminhocasacomodadasnamentedele—afeiçõesemedosplantadoshaviatemposquepodiamficaradormecidospordécadasederepentevoltaràvidanascircunstânciascertas.Amaneiracomoseuspaisreagiramàspequenasconquistas dele — aquele sentimento delicioso o motivou a vida inteira. Amaneira como seus avós da classe trabalhadora nunca se sentiram realmenteaceitos nos Estados Unidos da classe média, como se a presença deles fossecontingenteeperiférica—essa insegurançapairousobreeleavida inteira.Amaneiracomoseusamigosnaescolajogavamseusbraçosnosombrosdeleeseencostavam nele no refeitório — esse sentimento de camaradagem que ofortaleceu até seu último dia. Conexões sociais no início da vida predizemlongevidadeeboasaúdenofim.

Harold tentou, sem sucesso, enxergar o conjunto de conexões, a regiãoinconscientequeelepassouapercebercomooGrandeEmaranhado.Aúnicaatitude apropriada em relação a essa região era o encanto, a gratidão, aveneraçãoeahumildade.Algumaspessoasachamquesãoosditadoresde suaprópria vida.Alguns acreditamqueo eu éumbarco inertedemadeira a serguiadoporumcapitãonoleme.MasHaroldpassouaverqueseueuconsciente—avozemsuacabeça—eramaisserviçaldoquemestre.Emergiadoreinoocultoeexistiaparanutrir,editar,restringir,zelar,refinareaprofundaraalmaládentro.

Portodaasuavidaatéesteperíodo,perguntou-secomoavidasedaria.Masagoraahistóriaestavacompleta.Sabiaseudestino.Estavaaliviadodopesodofuturo.Omedogeladodamorteestavaláemsuamente,porémacompanhadopelaciênciadequeelefoiextraordinariamentesortudo.

Deuumpassoparatrásefezalgumasperguntassobresi,avaliaçõessobreavida que viveu. E cada pergunta gerou seu próprio sentimento instantâneo,portantoelenemtevedeverbalizararesposta.Seráqueeleseaprofundou?Emuma cultura de comunicação instantânea na qual era tão fácil viversuperficialmente, gastou tempo nas coisas importantes, desenvolvendo seustalentosmaissignificativos?Eraumaperguntaboadesefazer,porquemesmoque não tivesse se tornado um profeta ou um sábio, ele tinha lido os livrossérios, engajado-se nas questões sérias e tentado da melhor forma que pôdecultivarumreinointernoluxuriante.

Seráquecontribuiuparaoriodoconhecimento,deixouumlegadoparaasgerações futuras?Quantoa essapergunta,nãopôde se sentir tãobem.Haviatentadodescobrircoisasnovas.Haviaescritoensaiosefeitopalestras.Contudo,foimaisumobservadordoqueumator.Vagouduranteumtempoexcessivo,borboleteandodeum interesse a outro.Emoutrosmomentos, freou-se, semdisposiçãoparasearriscaresofreraslufadasprovenientesdavidanaarena.Nãofeztudooquepoderiater feitoparaoferecerpresentesaosquecontinuariamvivendo.

Transcendeu este reino mundano? Não. Ele sempre sentiu que haviaalguma coisa além da vida, conforme a ciência a compreende. SempreacreditouemDeusdealgumamaneira,umDeusqueexistiaalémdotempoedo espaço. Mas nunca teve uma religião. Viveu uma vida mundana e,infelizmente,nuncaprovouatranscendênciadivina.

Amou?Sim.Aconstanteúnicaemsuavidaadultafoiaadmiraçãoeoamorpelaboamulherqueerasuaesposa.Elesabiaqueelanãoretornavaseuamor

com a mesma força e devoção. Sabia que ela o tinha ofuscado e que oscaminhosdesuasvidasseguiramosêxitosdela.Sabiaqueelahaviaperdidoointeresseporelealgumasvezesehouveanossolitáriosnomeiodocasamento.Masissonãoimportavaparaeleagora.Nofinal,asuahabilidadedeestarcomelaedesesacrificarporelafoioutropresentedavida.Eagora,emseusanosfinaisevulneráveis,elaestavaoferecendodevoltatudooqueelehaviadado.Mesmo se tivessem sido casados apenas neste mês, estando ele imóvel e elacuidandodeleemmilharesde formas,aindaassimavida teriavalidoapena.Conformeashorasadianteseencurtavam,oamorporelaapenascrescia.

Nessemomento,Ericaveioàvarandaeperguntou-lheseelequeriaqueelatrouxessejantar.“Ah,jáéhoradejantar?”,perguntouele.

Ela disse que sim e que tinha um frango frio na geladeira que ela podiatrazer para ele com algumas batatas fritas. Ela voltou para dentro da casa eHaroldfoideixado,voltandoaoseudevaneio.E,aorevercenasdiferentesdesuavida,asperguntasqueavidalhehaviafeito—esuasavaliaçõessobreelas—sedissolveram,esólhesobraramsensações.Foicomoestaremumshowouno cinema. Seu senso de eu se dissipou. Foi como estar em seu quartoenquantomenino,movendo caminhões pelo chão, perdido em uma grandeaventura.

Ericavoltouàvaranda,deixouabandejacair,berrou,correuparaHaroldepegousuamão.Seucorpotinhasecurvadoeestava inerte.Suacabeçaestavaapoiadanoqueixoehaviababasaindodesuaboca.Elaolhouparaseusolhos,os olhos que havia se acostumado a ver durante todas essas décadas, e nãoconseguiavernenhumareaçãoneles,apesardeeleaindaestarrespirando.Elafezcomosefossecorrerparaotelefone,masamãodeHaroldsegurouadelacommaisfirmeza.Elasesentou,olhandoparaorostodeleechorando.

Harold perdeu a consciência, mas não a vida. Imagens fluíram em suacabeça, como acontece segundos antes de alguém cair no sono. Vieram emuma sucessão caótica. Em sua não consciência de si, ele não as apreciou damaneira que as teria estimado anteriormente. Ele as apreciou de uma formaqueestavaalémdaspalavras.Diríamosqueeleasapreciouholisticamente,dealgumamaneira sentindo tudo a um só tempo.Diríamos que ele participoudelasdemaneiraimpressionistaemvezdeanalítica.Elesentiupresenças.

Conformeeuascoloconestapágina,tenhodecolocá-lasemumafraseapósaoutra,masnãofoiassimqueHaroldasvivenciou.Haviaimagensdoslugaresondeelecostumavaandardebicicletaquandogarotoedasmontanhasqueviunaquele dia. Lá estava ele fazendo dever de casa com a mãe, e também

obstruindoum corredor emum jogode futebol americanona escola.Haviadiscursos que ele fez, elogios que recebeu, sexo que fez, livros que leu emomentosemquealgumaideianovaotomoucomoumaonda.

Por alguns instantes, a consciência pareceu ter voltado. Sentiu Ericachorandoporpertoeacompaixãooenvolveu.Pordentro, redemoinhosemsua mente ainda estavam rodando junto com os dela. Eram redemoinhoscompartilhados que saltavam do mundo consciente dela para o mundoinconscientedele.Categoriasdesapareceram.Aternuraficouforadecontrole.Sua habilidade de focar a atenção acabou ao mesmo tempo em que suahabilidadedeinterpenetraraalmadosoutrosaumentou.Suarelaçãocomelanesse momento foi direta. Não havia analítica, reservas, ambições, desejosfuturosoudificuldadespassadas.EraapenasEueTu.Umaunidadedeser.Umestadomaiselevadodeconhecimento.Umafusãodealmas.Nessemomento,suasperguntassobreosentidodavidanãoerammaisfeitas,masrespondidas.

Haroldentrounoreinooculto inteiramenteeentãoperdeuaconsciênciaparasempre.Emseusmomentosfinais,nãohavianemfronteirasnemtraços.Foiincapazdemanejaropoderdaautoconsciência,mastambémselibertoudesuasamarras.Foiabençoadocomaconsciênciaparaquepudessedirecionarsuaprópriavidaenutrir suavida interna,masocustodessaconsciênciaeraumaconsciência de que morreria. Agora, havia perdido essa consciência. Estavaalémdoníveldapercepçãoehaviaentradonoreinodoindizível.

Seria interessantesaberse issosignificavaqueele tambémhaviaadentradonoreinodoparaíso,noreinodeDeus.MasissonãofoiinformadoparaErica.OcoraçãodeHaroldcontinuouabaterporalgunsminutos; seuspulmõesseenchiameseesvaziavamdeareimpulsoseletroquímicosaindapercorriamseucérebro. Fez alguns gestos e contorções, que os médicos chamariam deinvoluntáriosmasque,nestecaso,foramsentidosdemaneiramaisprofundadoquequalqueroutrogesto.Eumdelesfoiumlongoapertodemão,queEricaentendeucomoumadeus.

Oque existiu lá no começo existiu no final, o emaranhadode sensações,percepções,desejos enecessidadesque chamamos,demaneira antisséptica,deinconsciente.Esseemaranhadonãoeraapartemais inferiordeHarold.Nãoeraumtraçosecundárioasersuperado.Eraseucentro—difícildeenxergar,impossíveldeentender,porémsupremo.Haroldatingiuumacoisaimportantena vida. Construiu um ponto de vista. Outras pessoas veem a vidaprimeiramente como uma partida de xadrez jogada por máquinas deraciocínio.Haroldviuavidacomoumainterpenetraçãoinfinitadealmas.

1 Movimento iniciado nos Estados Unidos na década de 1980. É caracterizado pela criação devizinhançascomfunçõesmistasdehabitaçãoetrabalho,masqueprivilegiamospedestres.(N.daT.)

2 Revista norte-americanamensal, que desde 1936 publica opiniões de consumidores sobre diversosprodutos.(N.daT.)

POSFÁCIO

A PESQUISA DESCRITA NESTE LIVRO É TESTEMUNHO DE UM PONTO simples: aexperiênciaquetemosdenósmesmoséenganosa.Sentimosqueháumlocalcentral em nosso cérebro onde informações são processadas, opções sãoconsideradas e decisões são tomadas. Temos uma voz interna que parece serresponsável pelo que fazemos. Sentimos que quando observamos o mundo,estamoscientesdoquevemos.

No entanto, essas proposições não estão completamente corretas.Não háumhomúnculocentral—umeusimples—tomandodecisões.Avozinternapodeacharquetemocontrole,masnaverdadeéumameracoadjuvantequedesconheceosprotagonistasnosníveismaisprofundos.Nãotemosciênciadamaioria das coisas que vemos e sentimos ao redor, nem de como estamosrespondendoaelas.

Nãosomosquempensamosser.Aspessoassempresouberamqueháforçasocultasquenosimpulsionam,é

claro, mas nos últimos trinta anos, pesquisadores começaram a prezar amaneira como esses processos inconscientes são dominantes. Esta é uma dasgrandeshistóriasintelectuaisdonossotempo.

Quando historiadores das ideias olharem em retrospectiva para essa novacompreensãodenósmesmos, suspeitoquevãodestacaro trabalhodeDanielKahnemaneAmosTversky.EmgrandepartedosséculosXIXeXX,uméthossistematizador prevaleceu, defendendo que as pessoas são racionais,maximizadoras de utilidade, autoconscientes, consistentes e previsíveis.Entretanto,noiníciodadécadade1970,KahnemaneTverskycomeçaramamostrar falhas nisso tudo. Detectaram inúmeros tipos de processos ocultosenvolvidosnaformacomoaspessoaspercebemeprocessamomundo.

Em um experimento, Kahneman direcionou uma câmera aos olhos daspessoasepediuqueresolvessemproblemasmatemáticos.Quandocomeçavamase concentrar nos problemas, suas pupilas se dilatavam. Kahneman e seuscolegasconseguiramtrilharosníveisdeconcentraçãodaspessoaspormeiodo

tamanho de suas pupilas. Quando as pupilas se contraíam, Kahnemanperguntava: “Por que parou de trabalhar agora?” Os sujeitos da pesquisaexclamavam: “Como você sabe?” Kahneman respondia: “Temos uma janelaquedáacessoàsuaalma.”

Em pouco tempo, Kahneman e Tversky estavam sistematizando aspropensões inconscientesdaspessoas.Umadaspoderosaséaaversãoàperda.Nósnosesforçamosmaisparaevitarperdasdoqueparaalcançarganhos.Doiseconomistas, Devin Pope e Maurice Schweitzer, criaram uma ilustraçãoelegante disso. Analisaram 2,5 milhões de tacadas leves feitas por jogadoresprofissionaisdegolfe.Descobriramque,detodasasdistâncias,osjogadorestêmmais sucesso quando jogam pelo par do buraco do que quando jogam pelobirdie,umatacadaabaixodopar.Tememfazerumbogeyamaisdoquequerempara obirdie e, consequentemente, amotivaçãodeles para acertar a tacada éumpoucomaisalta.

Nos anos seguintes,Kahneman,Tversky eoutrosdemonstraramcentenasde maneiras pelas quais os processos inconscientes influenciam nossopensamento.Algumassãobastanteperturbadoras.Porexemplo,pesquisadoresestudaram um conselho de liberdade condicional em Israel, em que juízesgastam uma média de seis minutos para decidirem se concedem a liberdadecondicionalaosprisioneiros.Oconselhoconcedea liberdadecondicionalemcercade35%doscasos—excetoosqueforamapresentadospoucodepoisdocafédamanhãedoalmoço.Logoapósasrefeições,oconselhoconcede65%dospedidosdeliberdadecondicional.Aspessoaspensamdemaneirasdistintasdependendodoquãosaciadasoufamintasestão.

KahnemaneTverskytambémestabeleceram—eumaquantidademassivade pesquisas subsequentes confirmaram — que a mente inconsciente querhistórias.Quando vemos dois fenômenos, rapidamente formulamos históriaspara conectá-los e explicá-los. Narrar — podem chamar de construção demodelo—égrandepartedoqueamentefaz.Kahnemanressaltouquemuitodoprazerquesentimoscomumaviagemdefériasvemdaexpectativaantesdeela acontecer, assim como do lembrar-se dela depois que acaba.Aproveitaríamososmomentosdefériasmuitomenossesoubéssemosqueumapílula que provoca amnésia nos faria esquecer tudo quando acabasse.Temosumeuquevivenciaeumeuqueserecorda,eosegundoémaispoderoso.

MichaelGazzanigaéoutroqueprovavelmentevaiterdestaquenashistóriasintelectuaisdestaera.Gazzanigadescobriuquequandopacientescomcérebrodividido recebem sugestões inconscientes para fazerem certas coisas, como

atravessar a sala para pegar um refrigerante, não semostramparticularmenteaflitos com seu próprio comportamento esquisito. Apenas inventam umahistóriafictíciaparaseexplicaremasipróprios.Istoé,emalgunscasos,amenteconscientenãodizoquevocêsdevemfazer;elaobservaoquevocês fazemedepoisconfabulaumahistóriaparadarcontadoquefoifeito.

Isso acontece porque o cérebro é uma coleção vastamente complicada desistemas de pensamento, paralelos e distribuídos, e trilhões deles estão ematividade a todo momento. A mente consciente em geral não consegueacompanharoqueestáacontecendodefato,entãoapenasapreciaosresultadose forma uma interpretação. Inventa uma história. (Alguns pesquisadoresacreditamqueamenteconscientefazapenasisso.Nãotemosvontadeprópria,sóummontantederacionalizaçõesaposteriori.)

Aprendemosmuitosobreessesprocessosocultosnasúltimasdécadas.Aindaassim, é difícil compreender essas verdades porque as evidências que nossasmentesconscientesnosfornecemacadasegundo,todososdias,estãotentandonosdesvirtuar.

Édifícil lembrara simesmocontinuamentequevocênãoéquempareceser.Édifíciltambémobterumavisãoclaraeabrangentedoquantodeveríamosconfiar no inconsciente. Grande parte das pesquisas iniciais mostrarammaneiraspelasquaisosprocessosinconscientesnoslevamadesviardomodeloeconômicodohomemperfeitamenteracional.Concordaremosemfazerumacirurgia se disserem que o procedimento tem 85% de chance de dar certo,porémnãoconcordaremossedisseremquetem15%dechancededarerrado.Osprimeirospesquisadoresenfatizaramessestiposdedeficiênciasinconscientesporque estavam indo de encontro aomodelo de ciência social de homens emulheresperfeitamenteracionais.

Poroutro lado, sevocês se relacionaremcomatletas,artistas,bombeirosesoldadosexperientes,descobrirãoqueelesrealizamfeitosincríveispormeiodaintuição. A experiência lhes forneceu habilidades de reconhecimento depadrões e habilidades criativas fenomenais. Se observarem duas pessoas seapaixonando, ficarão estupefatos com o grande número de avaliações,brilhanteseinconscientes,queosamantesfazemumdooutro.

Algunspesquisadorestraçamumaimagemobscuradoinconsciente.Outrostraçam uma imagem bastante rosada. É difícil dizer por que especialistasdiferentes fazem essas generalizações tão distintas, exceto que alguns delesparecem ser temperamentalmente inclinados a confiar na emoção e naintuição,eoutrossãotemperamentalmentedesconfiados.

Édifícilatédescreveroqueestáacontecendodemaneiraapropriada.Nestemomento, ainda temosdenos apoiar empalavras antigas e enganosas, como“emoção” e “razão”, para tentar descrever esses processos. Tais palavrasprovavelmenteencobremmaisdoquedesvendam.

Estamospresoscommetáforasobsoletas.Porexemplo,parecequeestamospresosàideiadequeemoçãoerazãoestãoemumagangorra—seemoçãoestáno alto, então razão está embaixo —, quando sabemos que nem sempre éassim.Sevocês aprimoraremsua sensibilidade emocional, vãoaprimorar seuspoderes de dedução racional porque serão capazes de realizarmais avaliaçõessutis.

Misturamosemoçãocomexcitação.Imaginamosqueseremocionaléberrare chorar o tempo todo.Não é verdade.Qualquer um de nós afirmaria queEmilyDickinson era emocionalmente astuta, o que não significa que estavaforadecontroleotempotodo.

Emsuma,compreendereaplicarasimplicaçõesdestapesquisademandaumesforçoconstante.Aindaédifícilnosvermoscomorealmentesomos.

Umacoisaquesabemoséque,paraflorescer,precisamosdosdoissistemas— o consciente e o inconsciente, o racional e o emocional. Durante oaprendizado,precisamos trabalhardemaneira conscienteparadominar fatos.Precisamos escrever ensaios ou realizar racionalizações analíticas a fim deorganizar e impulsionar nosso conhecimento. Mas também precisamosmovimentareexcitarasredesinconscientes,permitirquefaçamsuamágica—produzir momentos “eureca!” ou combinar sistemas adjacentes de ideias demaneirasnovasecriativas.

Quandotomamosumadecisão,temosdeusarnossospoderesinconscientesdefabricaçãodemapaparaanalisarocampoedetectarasgradaçõesminúsculasdedeterminadasituação.Poroutrolado,precisamossustentarnossasintuiçõesnãoconfiáveiscomdados.

Uma das implicações constantes desta pesquisa é que temos de sercompletamentemodestosemrelaçãoaoquesabemoseaoquepodemossaber.Não conhecemos nem a nós mesmos, muito menos a outras pessoas. Nemsabemos, de fato, sobre situações, mesmo que nossos cérebros saibam. Nãotemoscomoconfiaremnossasprópriasavaliaçõesdoquantosabemos.Temosumatendênciaconstantedesermosconfiantesemexcesso.

Indústrias inteiras são baseadas no excesso de confiança. Há um grandenúmerodegerentesde fundosqueachaquepodevenceromercadoquandoescolheações.Agrandemaioriaestáerrada.Detemposemtempos,umlivro

de negócios comoFeitas para durar é publicado, celebrando certas empresasporsuaexcelêncialongeva.Emumnúmerosurpreendentedecasos,aempresacelebrada tropeça ou vai à bancarrota nos anos após a publicação. Philip E.Tetlockpublicaestudosexpondooexcessodesegurançadosespecialistas.Emvárias esferas, os peritos predizem o futuro de maneira apenas um poucomelhor do que cidadãos comuns, se é que conseguem fazer isso.Um estudoanalisou o julgamento demédicos que estavam “completamente seguros” dequehaviamdiagnosticadocorretamenteadoençadeumpacienteaflito.Apósofalecimentodospacientes,autópsiasforamrealizadas.Osclínicosqueestavam“completamenteseguros”erraramem40%dasvezes.

Felizmente, a nova pesquisa nos fornece uma ideia das formas em queprovavelmenteestamoserradosemaneirasdeprevernossoserrosmaiscomunse de nos protegermos contra eles. Por exemplo, existe a “dependência docaminhotrilhado”.Ascoisasqueparecemnormaishojecomeçaramcomumaescolhaquefezsentidoemumdeterminadomomentoesobreviveram,apesardetalveznãofazeremmaissentidonenhum.

Existeailusãodofoco.ConformedizKahneman:“Navida,ascoisasnãosão tão importantes quanto parecem no momento em que nos debruçamossobreelas.”Porexemplo,aeducaçãoéumdosdeterminantesmaisimportantesda renda. Todavia, se todo mundo tivesse o mesmo nível de educação, adesigualdade de renda seria reduzida em menos de 10%. Há um zilhão deoutros fatores que ajudam amoldar os níveis de renda, e a influência dessesfatoresémuitomaioremconjunto.

Existe o Princípio de Pareto. Temos a concepção de que a maioria dasdistribuiçõesseguemumacurvasimétrica(amaioriadaspessoasestánaregiãomediana).Mas não é assim que omundo geralmente é organizado.Os 2%superiores de usuários do Twitter enviam 60% das mensagens. Os 20%superiores dos trabalhadores vão contribuir com uma parcela gigante daprodutividaderealdequalquerempresa.

Ferramentas cognitivas como essa ajudam na superação das propensõesnaturais da mente, mas o mais importante é desenvolver uma atitude dehumildadeepistemológica,umaconsciênciadequevocêsprovavelmentesabemmuitopoucoecompreenderãomuitopoucoascoisasqueconhecem.Grandepartedavida temavercomo fracasso,quer reconheçamos issoounão,eosdestinosdevocêssãoprofundamentemoldadospelograudeeficiênciadoseuaprendizadocomofracassoedasuaadaptaçãoaele.

OjornalistaTimHarfordapontaque2milempresasdecarronasceramnaaurora da era do automóvel. Menos de 1% sobreviveu. Mesmo que vocêsobtenhamsucesso,provavelmentenãovãosemanterno topo.Nenhumadasdez maiores empresas norte-americanas em 1912 estava no topo das cemmaioresempresasnorte-americanasem1990.

Éimportantefracassardemaneiraprodutiva.Primeiro,comodizHarford,vocês devem procurar novas ideias e novos produtos. Depois, devemexperimentarcoisasnovasempequenaescalaparaqueconsigamsobreviveraofracasso.Certifiquem-sedequecadaumdeseusprojetoséisoladodosoutros,paraqueofracassodeumnãodestruaotodo.Depois,vocêstêmdeencontrarummecanismo de resposta para que consigam distinguir qual novidade estáfracassandoequalestáobtendosucesso.Lutemcontraa tendêncianaturaldeaversãoàperdaematemosprojetosfracassados.

A parte estimulante desta pesquisa é que guardamos todos esses poderesinconscientesmaravilhososnasprofundezasdenósmesmos.Adesestimulanteéquenãotemosciênciadeváriosdeles,egeralmentevêmcomdesvantagens—propensõesedistorçõesquepodemnosdesvirtuarnascircunstânciaserradas.

Háumconto judeu antigo sobreum rabinoque foi à sinagoga comdoispedaçosdepapel,cadapedaçoemumdosbolsosdafrente.Emumdosbolsos,opapeldizia:“Vocênãoénadaalémdepoeiraecinzas.”Nooutro,dizia:“Omundofoicriadoparavocê.”

Estanovapesquisaincrívelsugereque,quandocombinadas,essasfrasessãoverdadeiras.

AGRADECIMENTOS

Nunca se sabe como as coisas vão acabar acontecendo. Desde afaculdade, tenho interessado por pesquisa sobre a mente e o cérebro. Noentanto, isso constituiu um adicional no meu trabalho normal — escreversobrePolítica e políticas, sociologia e cultura.Mas como passar dos anos, omesmo pensamento insistiu em voltar. As pessoas estudando a mente e océrebroestãoproduzindopercepçõesincríveissobrequemsomos,porémessaspercepçõesnãoestãotendoimpactosuficientenaculturamaisabrangente.

Estelivroéumatentativadefazerisso.Éumatentativadeintegrarciênciaepsicologia com sociologia, política, comentário cultural e literatura sobresucesso.

Ninguémprecisame lembrar de que é um empreendimento perigoso.Oestudodamenteaindaestáemseusestágiosiniciais,emuitasdescobertasestãoemdebate.Quandoumjornalistatentaaplicarasdescobertasdeumadisciplinacomplicadaaomundoemgeral,éfácilsacrificarnuanceseasdistinçõesqueosespecialistasprezam.Alémdisso,háumressentimentonaturaldepessoascomoeu,quetêmplataformascomooNewYorkTimes,aPBSeaRandomHouse,eque frequentemente tentam capturar o fundamento de uma vida inteira depesquisaemumparágrafoouemumapágina.

Entretanto, achei que esse empreendimento valesse a pena, porque aspercepçõesadquiridasnosúltimostrintaanossãorealmenteimportantes.Elasrealmente deviam reformular a maneira como pensamos sobre política,sociologia,economiaesobreavidaemgeral.Tenteidescreveressasdescobertasao mesmo tempo em que evitei grandes riscos na esfera científica. Tenteidescreverasdescobertasquesãorazoavelmentebem-estabelecidas,mesmoqueainda haja alguma discordância sobre elas (sempre haverá). Sei não sou umescritor de ciências. Não tentei descrever como o cérebro funciona. Quasenunca me aventuro nas complexidades de qual região do cérebro estáproduzindo qual comportamento. Apenas me lancei a descrever as vastasimplicaçõesdessetrabalho.

Nãohácomofazerissodeumamaneiraquesatisfaçatodosospesquisadoreso tempo todo. Pelomenos tentei dar crédito aos cientistas originais, semprequepossível.Tenteidirecionarosleitoresàsfontesnasquaispodemlersobreotrabalho original e tirar suas próprias conclusões sobre suas implicações.Tambémadquiridívidascomváriaspessoasquemeajudaramcomsubstânciaeestilo.

JesseGraham,daUniversidadedoSuldaCalifórnia,policiouolivroacercade erros científicos. Sua esposa, Sarah Graham, proveu uma leitura literáriasensível.ApsicólogaMindyGreenstein,autoradeTheHouseonCrashCorner(A casa na esquina da colisão), leu a maior parte do manuscrito, e WalterMischel, da Columbia, leu uma parte. Ambos ofereceram sugestões cruciais.Cheryl Miller, que antes era do New York Times e agora é do AmericanEnterprise Institute, fez um trabalho superlativo de pesquisa, realizando ocopidesqueeachecagemdefatos.Suainteligênciaecompetênciasãolendáriasentre aqueles que tiveram a sorte de trabalhar com ela. Meus pais, Lois eMichaelBrooks,leramolivroeofereceramideiasvastasesugestõescuidadosasde edição. Eles se valeram do alto padrão que lhes é usual. Meu colega noTimesDavidLeonhardttambémofereceufeedbackinestimável.

Eumebeneficieideconversascomváriospesquisadores.Noentanto,devoagradeceraomenosa JonathanHaidt,daUniversidadedaVirgínia;AntónioDamásio, da USC; Michael Gazzaniga, da Universidade da Califórnia emSanta Barbara; Martha Farah, da Universidade da Pensilvânia; TimothyWilson, da Universidade da Virgínia; e outros que me direcionaram aoencontrodepesquisasrelevantes.DevoagradecertambémaoslíderesdaSocialandAffectiveNeuroscienceSociety,daEdge,doTempletonFoundation,doCenterofNeuroscienceandSociety,edeoutrasorganizaçõesquemedeixaramparticipardeconferênciasepainéiscompessoasdocampo.

Meu editor, Will Murphy, foi uma presença infalivelmente sábia eencorajadora. Meus agentes, Glen Hartley e Lynn Chu, foram campeõesardorosos. Meu porta-voz Bill Leigh leu o manuscrito e ofereceu sábiosconselhos.Meus associados noTimes—Reihan Salam, Rita Koganzon, AriSchulmaneAnneSnyder—cativaramminhagratidãoeterna.Consulteicercade24milhõesdepessoasemminhabuscaporumtítuloaceitável,dasquaiseucertamentegostariadeagradeceraLyndaResnickeYossiSiegel.

ÉclaroqueprecisoagradeceraosmeusfilhosJoshua,NaomieAaron.Eéum prazer agradecer à minha esposa, Sarah. Como ela pode atestar, eu sou

capaz de escrever sobre emoções e sentimentos, mas não porque sounaturalmentebomemexpressá-los.Éporquesounaturalmenteruimnisso.

NOTAS

Introdução

1. Timothy D. White, Strangers to Ourselves: Discovering the Adaptive Unconscious (Estranhos a nósmesmos:descobrindooinconscienteadaptativo)(Cambridge,MA:BelknapPress,2002),24.

2.White,5.3. John A. Bargh, “The Automacity of Everyday Life” (A automacidade da vida cotidiana), em The

AutomacityofEverydayLife,org.RobertS.Wyer(Mahwah,NJ:LawrenceErlbaumAssociates,Inc.,1997),52.

4.Douglas R.Hofstadter, I Am a Strange Loop (Sou uma curva estranha) (Nova York: Basic Books,2007),228.

Capítulo1:Tomadadedecisão

1.DavidM.Buss,TheEvolutionofDesire:StrategiesofHumanMating(Aevoluçãododesejo:estratégiasdoacasalamentohumano)(NovaYork:BasicBooks,2003),47-58.

2.DanielAkst,“LooksDoMatter”(Asaparênciasimportamsim),TheWilsonQuaterly,Summer,2005,http://www.wilsonquaterly.com/article.cfm?AID=648&AT=o.

3. Steven Johnson, Mind Wide Open: Your Brain and the Newroscience of Everyday Life (Nova York:Scribner, 2004), 25-26. (De cabeça aberta: conhecendo o cérebro para entender a personalidadehumana.RiodeJaneiro:J.Zahar,2008.)

4.AyalaMalakhPines,FallinginLove:WhyWeChoosetheLoversWeChoose(Apaixonando-se:porqueescolhemososamantesqueescolhemos)(NovaYork:Routledge,2005),33.

5. Peter G. Caryl et al., “Women’s Preference for Male Pupil-Size: Effects of Conception Risk,Sociosexuality and Relationship Status” (A preferência das mulheres pelo tamanho da pupila dohomem:efeitosdoriscodaconcepção,sociossexualidadeestatusderelacionamento),PersonalityandIndividual Differences 46, n. 4 (março, 2009): 503-508, http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6V9F-4VC73V2-2&_user=10&_coverDate=03/31/2009&_rdoc=1&_fmt=high&_orig=search&_origin=search&_sort=d&_docanchor=&view=c&_acct=C000050221&_version=1&_urlVersion=0&_userid=10&md5=3f12f31066917cee6e3fbfdc27ba9386&searchtype=a.

6.DavidM.Buss,“StrategiesofHumanMating”(Estratégiasdoacasalamentohumano),PsychologicalTopics15(2006):250.

7.MattRidley,TheRedQueen:Sexand theEvolution ofHumanNature (NovaYork: PenguinBooks,1995),251.(ArainhadeCopas:osexoeaevoluçãodanaturezahumana.Lisboa:Gradiva,2004.)

8.JanineWillis eAlexanderTodorov, “First Impressions” (Primeiras impressões),Psychological Science17,n.7(2006):592.

9. Charles C. Ballew II e Alexander Todorov, “Predicting Political Elections from Rapid andUnreflective Face Judgments” (Prevendo eleições políticas a partir de julgamentos rápidos eirrefletidos do rosto),Proceedings of theNational Academy of Science of theUnited States of America104,n.46(13denovembrode2007):17948-53.

10.Ridley,298.

11.JohnTierney,“TheBigCity:Picky,Picky,Picky”(Acidadegrande:exigente,exigente,exigente),NewYorkTimes,12defevereirode1995,http://www.nytimes.com/1995/02/12/magazine/the-big-city-picky-picky-picky.html.

12.MartieG.HaseltoneDavidM.Buss,“ErrorManagementTheory:ANewPerspectiveonBiasesinCross-SexMindReading”(Teoriadogerenciamentodoerro:umanovaperspectivasobrepropensõesemleituradementeentresexos),JournalofPersonalityandSocialPsychology78,n.1(2000):81-91.

13.HelenFisher,“TheDrivetoLove:TheNeuralMechanismforMateSelection”(Odesejodeamar:o mecanismo neural de seleção de parceiro), em The New Psycology of Love (A nova psicologia doamor), orgs.Robert J. Sternberg eKarinWeis (Blinghampton,NY:YaleUniversityPress, 2006),102.

14.JudithRichHarris,TheNurtureAssumption:WhyChildrenTurnOuttheWayTheyDo(Asuposiçãodacriação:porqueascriançasficamdojeitoqueficam)(NovaYork:Touchstone,1999),140.

15.MalakhPines,5.16.GeoffreyMiller,TheMatingMind:HowSexualChoiceShapedHumanNature(NovaYork:Anchor

Books, 2000), 373-74. (Amente seletiva: como a escolha sexual influenciou a evolução da naturezahumana.RiodeJaneiro:Campus,2000.)

17.IainMcGilchrist,TheMaster andHis Emissary:TheDividedBrain and theMaking of theWesternWorld(Omestreeseuemissário:océrebrodivididoeacriaçãodomundoOcidental)(NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2009)257.

18.Miller,369-75.19.HelenFisher,WhyWeLove:TheNature andChemistry ofRomanticLove (NovaYork:OwlBooks,

2004),110-12.(Porqueamamos:anaturezaeaquímicadoamorromântico.RiodeJaneiro:Record,2006.)

20.MichaelS.Gazzaniga,Human:TheScienceBehindWhatMakesUsHuman(Humano:aciênciaportrásdaquiloquenostornahumanos)(NovaYork:HarperPerennial,2008),95.

21.Buss,44-45.22.Buss,63-64.23.GuenterJ.Hitsch,AliHortacsueDanAriely,“WhatMakesYouClick?—MatePreferencesand

Matching Outcomes in Online Dating” (O que desperta você? — preferências de parceiro eresultados de encontros em namoro on-line), MIT Sloan Research Paper N. 4603-06,http://papers.ssrn.com/sol3/Papers.cfm?abstract_id=895442.

24. Stendhal.Love, trad.Gilbert Sale e Suzanne Sale (Nova York, Penguin Books, 2004), 104. (Doamor.PortoAlegre:L&PM,2007.)

25. Rachel Herz, The Scent of Desire: Discovering Our Enigmatic Sense of Smell (Nova York:HarperCollins,2008),4-5.(Oaromadodesejo.CruzQuebrada,Oeiras,distritodeLisboa:EstrelaPolar,2008.)

26.EstherM.Sternberg,HealingSpaces:TheScienceofPlaceandWell-Being(Espaçosdecura:aciênciadolugaredobem-estar)(Cambridge,MA:BelknapPress,2009),83-84.

27.ClausWedekindetal.,“MHC-DependentMatePreferencesinHumans”(PreferênciasdependentesdeCPHnaescolhadeparceirosentrehumanos),Proceedings:BiologicalSciences260,n.1359(22dejunho de 1995): 245-49, http://links.jstor.org/sici?sici=0962-8452%2819950622%29260%3A1359%3C245%3AMMPIH%3E2.0.CO%3B2-Y.

28.AntónioR.Damásio,Descartes’Error:Emotion,Reason,andtheHumanBrain(NovaYork:PenguinBooks,2005),51.(OerrodeDescartes:emoção,razãoeocérebrohumano.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1996.)

29.Damásio,193-94.30.Damásio,194.31.Damásio,174.

32.JosephLeDoux,TheEmotional Brain:TheMysteriousUnderpinings of Emotional Life (Nova York:Simon&Schuster,1996),302.(Océrebroemocional:osmisteriososalicercesdavidaemocional.RiodeJaneiro:Objetiva,2001.)

33.GeraldEdelman,BrightAir,BrilliantFire:OntheMatteroftheMind(Arclaro,fogobrilhante:sobreaquestãodamente)(NovaYork:BasicBooks,1992),69.

34.KennethA.Dodge,“EmotionalandSocialInformationProcessing”(Processamentodeinformaçãoemocional e social), em The Development of Emotion Regulation and Dysregulation (Odesenvolvimento da regulamentação e da desregulamentação da emoção), orgs. Judy Garber eKennethA.Dodge(Cambridge:UniversityofCambridgePress,1991),159.

Capítulo2:Oamálgamademapa

1.DanielGilbert, Stumbling on Happiness (Nova York: Alfred A. Knopf, 2006), 221. (Tropeçar nafelicidade.CruzQuebrada,Portugal:EstrelaPolar,2007.)

2. Roy F. Baumeister, The Cultural Animal: Human Nature, Meaning and Social Life (O animalcultural:naturezahumana,significadoevidasocial)(Oxford:OxfordUniversityPress,2005),116.

3.JosephT.Hallinan,WhyWeMakeMistakes:HowWeLookWithoutSeeing,ForgetThingsinSeconds,andAreAllPrettySureWeAreWayAboveAverage(NovaYork:BroadwayBooks,2009),47.(Porquecometemos erros? Como olhamos sem ver, esquecemos as coisas em segundos, e temos absoluta certeza deestarmosbemacimadamédia.SãoPaulo:Globo,2010.)

4.NatalieAngier,“BirdsDoIt.BeesDoIt.PeopleSeektheKeystoIt”(Pássarosfazem.Abelhasfazem.As pessoas buscam o segredo para fazê-lo), New York Times, 10 de abril de 2007,http://www.nytimes.com/2007/04/10/science/10desi.html?_r=1&pagewanted=all.

5.Baumeister,115-16.6.Barry R. Komisaruk, Carlos Beyer-Flores e BeverlyWhipple,The Science of Orgasm (A ciência do

orgasmo)(Baltimore,MD:JohnsHopkinsUniversityPress,2006),72.7.ReginaNuzzo,“ScienceoftheOrgasm”(Ciênciadoorgasmo),LosAngelesTimes,11defevereirode

2008,http://articles.latimes.com/2008/feb/11/health/la-he-orgasm11feb11.8.MaryRoach,Bonk:TheCuriousCouplingofScienceandSex(Trepada:acuriosacópulaentreciênciae

sexo)(NovaYork:W.W.Norton&Co.,2008),237.9.ReginaNuzzo,“ScienceoftheOrgasm”.10. Melvin Konner, The Tangled Wing: Biological Constraints on the Human Spirit (A ala confusa:

restriçõesbiológicasnoespíritohumano)(NovaYork:HenryHolt&Co.,2002),291.

Capítulo3:Visãodamente

1.JosephLeDoux,TheSynapticSelf:HowOurBrainsBecomeWhoWeAre(Oeusináptico:comonossoscérebrossetornamquemsomos)(NovaYork:Viking,2002),67.

2.JeffreyM.SchwartzeSharonBegley,TheMindandtheBrain:NeuroplasticityandthePowerofMentalForce (Mente e cérebro: neuroplasticidade e opoder da forçamental) (NovaYork:HarperCollins,2002),111.

3.KimY.Masibay, “Secrets of theWomb:Life’sMostMind-Blowing Journey: FromSingleCell toBaby in Just 266Days” (Segredos doútero: a jornadamais extraordinária da vida: de umaúnicacélulaaobebêemapenas266dias),ScienceWorld,13desetembrode2002.

4.BetsyBates,“Grimaces,Grins,Yawns,Cries:3D/4DUltrasoundCapturesFetalBehavior”(Caretas,sorrisos,bocejos,choros:oultrassom3D/4Dcapturaocomportamentofetal),Ob.Gyn.News,15deabrilde2004,http://www.obgynnews.com/article/S0029-7437(04)70032-4/fulltext.

5.Janet L.Hopson, “Fetal Psychology” (Psicologia fetal),PsychologyToday, 1o de setembro de 1998,http://www.psychologytoday.com/articles/199809/fetal-psychology.

6.Bruce E.Wexler,Brain and Culture: Neurobiology, Ideology, and Social Change (Cérebro e cultura:neurobiologia,ideologiaemudançasocial)(Cambridge,MA:MITPress,2006),97.

7.BruceBower,“NewbornBabiesMayCryinTheirMotherTongues”(Recém-nascidospodemchorarem sua língua materna), Science News, 5 de dezembro de 2009, http://www.sciencenews.org/view/generic/id/49195/title/Newborn_babies_may_cry_in_their_mother_tongues.

8.JanetL.Hopson,“FetalPsychology”.9.OttoFriedrich,MelissaLudtkeeRuthMehrtensCalvin,“WhatDoBabiesKnow?”(Oqueosbebês

sabem?) Time, 15 de agosto de 1983,http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,949745-1,00.html.

10.FrederickWirth,PrenatalParenting:TheCompletePsychologicalandSpiritualGuide toLovingYourUnbornChild(Parentagempré-natal:oguiapsicológicoeespiritualcompletoparaamarofilhoqueaindanãonasceu)(NovaYork:HarperCollins,2001),14.

11.AlisonGopnik,ThePhilosophicalBaby:WhatChildren’sMindsTellUsAboutTruth,Love, and theMeaningofLife (NovaYork:Farrar,Straus&Giroux,2009),205.(Obebê filósofo: oqueasmentesdascriançasnosdizemsobreaverdade,oamoreosentidodavida.Lisboa:TemaseDebates,2010.)

12.HillaryMayell, “BabiesRecognizeFacesBetterThanAdults, StudySays” (Estudodizquebebêsreconhecem rostos melhor do que adultos), National Geographic, 22 de maio de 2005,http://news.nationalgeographic.com/news/2005/03/0321_050321_babies.html.

13.LouisCozolino,TheNeuroscienceofHumanRelationships:AttachmentandtheDevelopingSocialBrain(Aneurociênciadosrelacionamentoshumanos:apegoeocérebrosocialemdesenvolvimento)(NovaYork:W.W.Norton&Co.,Inc.,2006),103.

14.EdwardO.Wilson,Consilience:TheUnityofKnowledge(NovaYork:AlfredA.Knopf,1998),145.(Consiliência:aunidadedoconhecimento.RiodeJaneiro:Campus,1998.)

15. John Medina, Brain Rules: 12 Principles for Surviving and Thriving at Work, Home and School(Seattle, WA: Pear Press, 2008), 197. (Aumente o poder do seu cérebro: 12 regras para uma vidasaudável,ativaeprodutiva.RiodeJaneiro:Sextante,2010.)

16. Katherine Ellison,The Mommy Brain: How Motherhood Makes You Smarter (Cérebro de mamãe:comoamaternidadenosdeixamaisespertas)(NovaYork:BasicBooks,2005),21.

17.Medina,197.18. Jill Lipore, “Baby Talk” (Conversa de bebê), The New Yorker, 29 de junho de 2009,

http://www.newyorker.com/arts/critics/books/2009/06/29/090629crbo_books_lepore.

19. David Biello, “The Trouble with Men”, Scientific American, 16 de setembro de 2007,http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id-the-trouble-with-men.

20.Wexler,111.21. AlvaNoë,Out of Out Heads: Why You Are Not Your Brain and Other Lessons from the Biology of

Consciousness(Foradenossascabeças:porquevocênãoéoseucérebro,eoutrasliçõesdabiologiadaconsciência)(NovaYork:Hill&Wang,2009),30-31.

22.Wexler,90.23. Robin Karr-Morse e Meredith S. Wiley, Ghosts from the Nursery: Tracing the Roots of Violence

(Fantasmasdoberçário:traçandoasraízesdaviolência)(NovaYork:AtlanticMonthlyPress,1997),27.

24.H.M.SkeelseH.B.Dye,“AStudyoftheEffectsofDifferentStimulationonMentallyRetardedChildren” (Um estudo sobre os efeitos de estímulos diferentes em crianças com retardamentomental),ProceedingsandAddressesoftheAmericanAssociationofMentalDeficiency,44 (1939),114-36.

25.GordySlack,“IFeelYourPain”(Sintosuador),Salon,5deNovembrode2007,http://www.salon.com/news/feature/2007/11/05/mirror_neurons.

26.MarcoIacoboni,MirroringPeople:TheNewScienceofHowWeConnectwithOthers(Espelhandoaspessoas: a nova ciência de como nos conectamos com os outros) (Nova York: Farrar, Straus &Giroux,2008),26.

27.Iacoboni,35-36.28.RichardRestak,TheNakedBrain:HowtheEmergingNeurosocietyIsChangingHowWeLive,Work

andLove (O cérebro nu: como a sociedade neurológica emergente estámudando amaneira comovivemos,trabalhamoseamamos)(NovaYork:ThreeRiversPress,2006),58.

29.MichaelS.Gazzaniga,Human:TheScienceBehindWhatMakesUsHuman(Humano:aciênciaportrásdaquiloquenosfazhumanos)(NovaYork:HarperPerennial,2008),178.

30.Iacoboni,50.31.Iacoboni,112-14.32. Steven Johnson,Mind Wide Open: Your Brain and the Neuroscience of Everyday Life (Nova York:

Scribner,2004),120.(Decabeçaaberta:conhecendoocérebroparaentenderapersonalidadehumana.RiodeJaneiro:J.Zahar,2008.)

33.Johnson,119.34.Johnson,120-21.35.RaymondMartineJohnBarresi,TheRiseandFallofSoulandSelf:AnIntellectualHistoryofPersonal

Identity (Ascençãoequedadaalmaedoeu:umahistória intelectualda identidadepessoal) (NovaYork:ColumbiaUniversityPress,2006),184.

Capítulo4:Fabricaçãodemapa

1.AlisonGopnik,AndrewN.MeltzoffePatriciaK.Kuhl,TheScientistintheCrib:WhatEarlyLearningTellsUsAbouttheMind (Ocientistanoberço:oqueoaprendizado inicialnosdiz sobreamente)(NovaYork:HarperPerennial,1999),85.

2.AlisonGopnik,The Philosophical Baby:WhatChildren’sMindsTellsUs AboutTruth, Love, and theMeaningofLife(NovaYork:Farrar,Straus,&Giroux,2009),17.

3.Gopnik,MeltzoffeKuhl,46.4.Gopnik,145.5.Gopnik,124.6.Gopnik,152.7.Gopnik,129.8.JohnBowlby,Loss: Sadness andDepression (NovaYork:BasicBooks, 1980), 229. (Perda: tristeza e

depressão.SãoPaulo:MartinsFontes,1985.)9.MargaretTalbot,“TheBabyLab” (O laboratóriobebê),TheNewYorker,5de setembrode2006,

http://www.newyorker.com/archive/2006/09/04/060904fa_fact_talbot.

10.Gopnik,MeltzoffeKuhl,69.11.Gopnik,82-83.12. Jeffrey M. Schwartz e Sharon Begley, The Mind and the Brain: Neuroplasticity and the Power of

Mental Force (Mente e cérebro: neuroplasticidade e o poder da força mental) (Nova York:HarperCollins,2002),117.

13.SchwartzeBegley,111.14. Thomas CarlyleDalton e VictorW. Bergenn, Early Experience, the Brain, and Consciousness: An

Historical and Interdisciplinary Synthesis (Experiência inicial, o cérebro e a consciência: uma síntesehistóricaeinterdisciplinar)(NovaYork:LawrenceErlbaumAssociates,2007),34.

15.JeffHawkins eSandraBlakeslee,OnIntelligence (Sobre a inteligência) (NovaYork:TimesBooks,2004),34.

16.Gopnik,MeltzoffeKuhl,185.17.Bruce E.Wexler,Brain andCulture: Neurobiology, Ideology, and Social Change (Cambridge,MA:

MITPress,2006),23.18. James LeFanu,Why Us?: How Science Rediscovered the Mystery of Ourselves (Nova York: Pantheon

Books,2009),23.(Porquenós?:omistériodanossaexistência.Porto:Civilização,2009.)19.SchwartzandBegley,214-15.20. Gilles Fauconnier and Mark Turner, The Way We Think: Conceptual Blending and the Mind’s

HiddenComplexities (Amaneira como pensamos:mescla conceitual e as complexidades ocultas damente)(NovaYork:BasicBooks,2002),12.

21.FauconniereTurner,44.22.JeromeBruner,ActualMinds,PossibleWorlds (Cambridge,MA:HarvardUniversityPress, 1986).

(Realidademental,mundospossíveis.PortoAlegre:ArtesMédicas,2002.)23.DanP.McAdams,TheStoriesWeLiveBy:PersonalMythsandtheMakingoftheSelf(Históriaspelas

quaisvivemos:mitospessoaiseaconstruçãodoeu)(NovaYork:GuilfordPress,1993),48.

Capítulo5—Apego

1.ClaudiaWells, “TheMythAboutHomework” (Omitododeverde casa),Time, 29 de agosto de2006,http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,1376208,00.html.

2. Ann B. Barnet e Richard J. Barnet, The Youngest Minds: Parenting and Genetic Inheritance in theDevelopmentofIntellectandEmotion (Asmentesmais jovens:cuidadosparentaiseherançagenéticanodesenvolvimentodointelectoedaemoção)(NovaYork:Touchstone,1998),197.

3.LouisCozolino,TheNeuroscienceofHumanRelationships:AttachmentandtheDevelopingSocialBrain(Aneurociênciadosrelacionamentoshumanos:apegoeocérebrosocialemdesenvolvimento)(NovaYork:W.W.Norton&Co.,2006),139.

4.L.AlanSroufe,ByronEgeland,ElizabethA.CarlsoneW.AndrewCollins,TheDevelopmentof thePerson:TheMinnesotaStudyofRiskandAdaptation fromBirth toAdulthood (Odesenvolvimentodapessoa: o estudo Minnesota sobre risco e adaptação do nascimento à maioridade) (Nova York:GuilfordPress,2005),59-60.

5.BarneteBarnet,130.6.Sroufeetal.,133-34.7.Sroufeetal.,154.8.Sroufeetal.,60.9.Sroufeetal.,138.10.Daniel J.Siegel,TheDevelopingMind:HowRelationships and theBrain Interact toShapeWhoWe

Are(NovaYork:GuilfordPress,1999),94.(Amenteemdesenvolvimento:paraumaneurobiologiadeexperiênciainterpessoal.Lisboa:InstitutoPiaget,2004.)

11. Kayt Sukel, “Brain Responds Quickly to Faces” (O cérebro responde rapidamente aos rostos),BrainWork, Dana Foundation Newsletter, 1o de novembro de 2008,https://www.dana.org/news/brainwork/detail.aspx?id=13664.

12.GeorgeVaillant,Aging Well: Surprising Guideposts to a Happier Life from the Landmark HarvardStudyofAdultDevelopment (Envelhecendobem: sinais surpreendentes parauma vidamais feliz doestudo crucial da Harvard sobre o desenvolvimento adulto) (Nova York: Little, Brown & Co.,2002),99.

13.AyalaMalakhPines,FallinginLove:WhyWeChoosetheLoversWeChoose(NovaYork:Routledge,2005),110.

14.Cozolino,230.

15.AlisonGopnik,ThePhilosophicalBaby:WhatChildren’sMindsTellUsAboutTruth,Love, and theMeaningofLive(NovaYork:Farrar,Straus,&Giroux,2009),184.

16. Susan D. Calkins, “Early Attachment Processes and the Development of Emotional Self-Regulation” (Processos iniciais de apego e o desenvolvimento da autorregulamentação emocional),emHandbook of Self-Regulation: Research, Theory, and Applications (O manual da autorregulação:pesquisa, teoria e aplicações), org. Roy F. Baumeister e KathleenD. Vohs (Nova York: GuilfordPress,2004),332.

17. David M. Buss, The Evolution of Desire: Strategies of Human Mating (A evolução do desejo:estratégiasdoacasalamentohumano)(NovaYork:BasicBooks,2003),93.

18. Mary Main, Erik Hesse e Nancy Kaplan, “Predictability of Attachment Behavior andRepresentational Processes at 1, 6 and 19 Years of Age: The Berkeley Longitudinal Study”(Previsibilidadedocomportamentodeapegoeprocessos representacionaisnas idadesde1,6e19anos: O Estudo Longitudinal da Berkeley) em Attachment from Infancy to Adulthood: The MajorLongitudinal Studies (Apego da infância à maioridade: os principais estudos longitudinais), orgs.KlausE.Grossmann,KarinGrossmann,eEverettWaters(NovaYork,GuilfordPress,2005),280.

19. Thomas Lewis, Fari Amini e Richard Lannon, A General Theory of Love (Nova York: Vintage,2001),199.(Umateoriageraldoamor.Lisboa:Presença,2002.)

20.KathleenKendall-Tackett,LindaMeyerWilliamseDavidFinkelhorn.21.Gopnik,182.22.Sroufeetal.,268.23.Sroufeetal.,164.24.Sroufeetal.,167.25.Sroufeetal.,210.26.Sroufeetal.,211.27.Sroufeetal.,95.28.Sroufeetal.,287.

Capítulo6—Aprendendo

1. Muzafer Sherif et al., The Robbers Cave Experiment: Intergroup Conflict and Cooperation (Oexperimento da Caverna dos Ladrões: conflito e cooperação entre grupos) (Middletown, CT:WesleyanUniversityPress,1988).

2. Roy F. Baumeister, The Cultural Animal: Human Nature, Meaning, and Social Life (O animalcultural:naturezahumana,significadoevidasocial)(Oxford:OxfordUniversityPress,2005),286-87.

3.GordonB.Moskowitz,SocialCognition:UnderstandingSelfandOthers(Cogniçãosocial:entendendoasieaosoutros)(NovaYork:GuilfordPress,2005),78.

4.AyalaMalakhPines,Falling inLove:WhyWeChoose theLoversWeChoose (NovaYork:Routledge,2005),93.

5.FrankPortman,KingDork(ReiPanaca)(NovaYork:DelacortePress,2006),123.6.StevenW.Andersonetal.,“ImpairmentofSocialandMoralBehaviorRelatedtoEarlyDamagein

HumanPrefrontalCortex”(Deficiêncianocomportamentosocialemoralrelacionadoadanoinicialno córtex pré-frontal humano), em Social Neuroscience: Key Readings in Social Psychology (Leiturasfundamentais em psicologia social), orgs. John T. Cacioppo e Gary G. Bernston (Nova York:PsychologyPress,2005),29.

7.Andersonetal.,34.8. John D. Bransford, Ann L. Brown e Rodney R. Cocking, orgs. How People Learn: Brain, Mind,

Experience, and School (Washington, D.C., National Academies Press), 119. (Como as pessoasaprendem:cérebro,mente,experiênciaeescola.SãoPaulo:EditoraSenac,2007.)

9.LouannBrizendine,TheFemaleBrain(NovaYork:BroadwayBooks,2006),33.(Océrebrofeminino.Lisboa:Alêtheia,2007.)

10.Brizendine,45.11.Brizendine,34.12. John Medina, Brain Rules: 12 Principles for Surviving and Thriving at Work, Home, and School

(Seattle, WA: Pear Press, 2008), 110. (Aumente o poder do seu cérebro: 12 regras para uma vidasaudável,ativaeprodutiva.RiodeJaneiro:Sextante,2010.)

13.Bransford,BrowneCocking,orgs.,11.14. Peter Carruthers, “An Architecture for Dual Reasoning” (Uma arquitetura para a racionalização

dupla),emInTwoMinds:DualProcesses andBeyond, orgs. JonathanEvans eKeithFrankish (Emduasmentes:processosduplosealém)(Cambridge:OxfordUniversityPress,2009),121.

15.EdithHamilton,TheGreekWay(Amaneiragrega)(NovaYork:W.W.Norton&Co.,Inc.,1993),156.

16.DanielCoyle,TheTalentCode:GreatnessIsn’tBorn.It’sGrown.Here’sHow.(Obrilhantismonãoéinato.Écultivado.Vejacomo.)(NovaYork:BantamBooks,2009),175.

17.Bransford,BrowneCocking,orgs.,97.18. Carol S. Dweck “The Secret to Raising Smart Kids” (O segredo para criar crianças espertas),

Scientific American Mind, Dezembro, 2007, http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id-the-secret-to-raising-children.

19.DavidG.Meyers, Intuition: ItsPowers andPerils (Intuição: seus poderes e perigos) (NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2004),17.

20.RichardOgle,SmartWorld:BreakthroughCreativityandtheNewScienceofIdeas(Omundoesperto:criatividade inovadora e a nova ciência das ideias) (Boston, MA: Harvard Business School Press,2007).

21.GeoffColvin,Talent isOverrated:WhatReally SeparatesWorld-ClassPerformers fromEverybodyElse(NovaYork:Portfolio,2008),46-47.(Otalentonão é tudo:oque realmentedistingueosmelhoresdomundodetodososoutros.Alfragide:LuadePapel,2010.)

22.Colvin,44.23.Colvin,46-47.24.RobertE.Ornstein,Multimind:ANewWayofLookingatHumanBehavior(Multimente:umanova

maneiradeanalisarocomportamentohumano)(NovaYork:HoughtonMifflin,1986),105.25.JonahLehrer,HowWeDecide (NovaYork:HoughtonMifflinCo.,2009),248. (Como decidimos:

tomeasmelhoresdecisõesbaseadonaneurociência.Alfragide:LuadePapel,2009.)26.Hamilton,147.27.Hamilton,108.28.Ornstein,23.29.Medina,92.30.Medina,147.31. Thucydides, The History of the Peloponnesian War (Middlesex: Echo Library, 2006), 77-80.

(HistóriadaguerradoPeloponeso.SãoPaulo:EditoradaUnB,1982.)32.NellBoyceeSusanBrink,“TheSecretsofSleep”(Ossegredosdosono),U.S.News&WorldReport,

17demaio2004,http://health.usnews.com/usnews/health/articles/040517/17sleep.htm33.EmmaYoung,“SleepTight:Youspendaroundathirdofyourlifedoingit,sosurelytheremustbe

avitalreasonforsleep,oristhere?”(Durmabem:vocêpassacercade1/3davidafazendoisso,entãocertamenteexisteumarazãovitalparaosono,ounão?)NewScientist,15demarçode2008,30-34.

34.JonahLehrer,“TheEurekaHunt”(Acaçadaporeureca”),TheNewYorker,28dejulhode2008,http://www.newyorker.com/reporting/2008/07/28/080728fa_fact_lehrer.

35.Lehrer,“TheEurekaHunt”.36.RobertBurton,OnBeingCertain:BelievingYouAreRightEvenWhenYou’reNot(Sobretercerteza:

acreditandoquevocêestácertomesmoquandonãoestá)(NovaYork:St.Martin’sPress,2008),23.37.Burton,218.38.Diane Ackerman,An Alchemy of Mind: The Marvel and Mystery of the Brain (Uma alquimia da

mente:omaravilhosoeomistériodocérebro)(NovaYork:Scribner,2004),168.

Capítulo7—Normas

1.“TheRetreatFromMarriagebyLow-IncomeFamilies”(Arecusadocasamentoemfamíliasdebaixarenda), Fragile Family Research Brief n. 17 de junho de 2003,http://www.fragilefamilies.princeton.edu/briefs/ResearchBrief17.pdf.

2.AnnetteLareau,UnequalChildhoods:Class,Race,andFamilyLife (Infânciasdesiguais: classe, raça evidadafamília)(Berkeley,CA:UniversityofCaliforniaPress,2003),107.

3. AlvaNoë,Out Of Our Heads: Why You Are Not Your Brain, and Other Lessons from the Biology ofConsciousness(Foradasnossascabeças:porquevocênãoéoseucérebroeoutrasliçõesdabiologiadaconsciência)(NovaYork:Hill&Wang,2009),52.

4.Lareau,146.5.DavidL.Kirp,“AftertheBellCurve”(Depoisdacurvadosino),NewYorkTimesMagazine,23de

julhode2006,http://www.nytimes.com/2006/07/23/magazine/23wwln_idealab.html.

6.PaulTough,“WhatItTakestoMakeaStudent”(Oqueénecessárioparafazerumaluno),NewYorkTimes Magazine, 26 de dezembro de 2006,http://www.nytimes.com/2006/11/26/magazine/26tough.html?pagewanted=all.

7.MarthaFarahetal., “ChildhoodPoverty:SpecificAssociationswithNeurocognitiveDevelopment”(Pobreza infantil: associações específicas com o desenvolvimento neurocognitivo), Brain Research1110, n. 1 (19 de setembro de 2006): 166-174, http://cogpsy.skku.ac.kr/cwb-bin/CrazyWWWBoard.exe?db-newarticle&mode=download&num=3139&file=farah_2006.pdf.

8.ShirleyS.Wang, “This IsYourBrainWithoutDad” (Este é seucérebro semopapai),Wall StreetJournal, 27 de outubro de 2009,http://online.wsj.com/article/SB10001424052748704754804574491811861197926.html.

9.DavidBrooks, “TheEducationGap” (A fissura educacional),NewYorkTimes, 25 de setembro de2005,http://select.nytimes.com/2005/09/25/opinion/25brooks.html?ref=davidbrooks.

10. Flavio Cunha e James J. Heckman, “The Economics and Psychology of Inequality and HumanDevelopment”(Aeconomiaeapsicologiadadesigualdadeeodesenvolvimentohumano),Journalofthe European Economic Association, 7, n. 2-3 (abril 2009): 320-64,http://www.mitpressjournals.org/doi/abs/10.1162/JEEA.2009.7.2-3.320?journalCode=jeea.

11.Albert-LászlóBarabási,Linked:HowEverything IsConnected to Everything Else andWhat ItMeans(NovaYork:Plume,2003),6.(Linked:anovaciênciadosnetworks—comotudoestáconectadoatudoeoqueissosignificaparaosnegócios,relaçõessociaiseciências.RiodeJaneiro:Leopardo,2009.)

12.Steven Johnson,Emergence: The Connected Lives of Ants, Brains, Cities, and Software (Nova York:Touchstone,2001),79.(Emergência:adinâmicaemredeemformigas,cérebros,cidadesesoftwares.RiodeJaneiro:JorgeZaharEditora,2003.)

13.Johnson,32-33.14. Turkheimer, “Mobiles: A Gloomy View of Research into Complex Human Traits” (Uma visão

sombria da pesquisa sobre as características humanas complexas), em Wrestling with BehavioralGenetics:Science,Ethics,andPublicConversation (Lutandocomagenéticacomportamental:ciência,

ética e conversapública), orgs.ErikParens eAudreyR.Chapman,NancyPress (Baltimore,MD:JohnsHopkinsUniversityPress,2006),100-101.

15.Turkheimer,104.

Capítulo8—Autocontrole

1.DanielCoyle,TheTalentCode:Greatness Isn’t Born. It’sGrown.Here’sHow. (Nova York: BantamBooks,2009),148.

2.WalterLippman,“MenandCitizens”(Homensenquantocidadãos),emTheEssentialLippmann:APolitical Philosophy for Liberal Democracy (Lippmann essencial: uma filosofia política para ademocracialiberal),orgs.ClintonRossitereJamesLare(Cambridge,MA:HarvardUniversityPress,1963),168.

3.DanielJ.Siegel,TheDevelopingMind:HowRelationshipsandtheBrainInteracttoShapeWhoWeAre(Nova York: Guilford Press, 1999), 20. (A mente em desenvolvimento: para uma neurobiologia deexperiênciainterpessoal.Lisboa:InstitutoPiaget,2004.)

4.JohnT.Cacioppo eWilliamPatrick,Loneliness:HumanNature and theNeed for SocialConnection(NovaYork:W.W.Norton&Co.,Inc.,2008),133.(Solidão:anaturezahumanaeanecessidadedevínculosocial.RiodeJaneiro:Record,2011.)

5.David Dobbs, “The Science of Success” (A ciência do sucesso), The Atlantic, Dezembro, 2009,http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2009/12/the-science-of-success/7761/.

6.Blair Justice, “TheWill to StayWell” (A vontade de ficar bem),NewYorkTimes, 17 de abril de1988,http://www.nytimes.com/1988/04/17/magazine/the-will-to-stay-well.html.

7.AngelaL.DuckwortheMartinE.P.Seligman,“Self-DisciplineOutdoesIQinPredictingAcademicPerformance ofAdolescents” (A autodisciplina supera oQIna previsão da performance acadêmicaem adolescents), Psychological Science 16, n. 12 (2005): 939-44,http://www.citeulike.org/user/kericson/article/408060.

8.JonahLehrer,HowWeDecide(NovaYork:HoughtonMifflinCo.,2009),112.9. Jonah Lehrer, “Don’t! The Secret of Self-Control” (Não! O segredo do autocontrole), The New

Yorker, 18 de maio de 2009,http://www.newyorker.com/reporting/2009/05/18/090518fa_fact_lehrer?currentPage=all.

10. Walter Mischel e Ozlem Ayduk, “Willpower in a Cognitive-Affective Processing System: TheDynamics of Delay of Gratification” (A força de vontade em um sistema de processamentocognitivo-afetivo: a dinâmica do atraso da gratificação), em Handbook of Self-Regulation: Research,Theory, andApplications (Omanual da autorregulação: pesquisa, teoria e aplicações), orgs.RoyF.BaumeistereKathleenD.Vohs(NovaYork:GuilfordPress,2004),113.

11.DouglasKirby, “UnderstandingWhatWorks andWhatDoesn’t inReducingAdolescent SexualRisk-Taking” (Compreendendoo que funciona e o quenão funcionana reduçãodo riscono sexoadolescente), Family Planning Perspectives 33, n. 6 (Novembro/Dezembro, 2001):http://www.guttmacher.org/pubs/journals/3327601.html.

12.Clive Thompson, “Are Your FriendsMaking You Fat?” (Seus amigos estão te deixando gordo?),New York Times, 13 de setembro de 2009,http://www.nytimes.com/2009/09/13/magazine/13contagion-t.html?pagewanted=all.

13.TimothyD.Wilson, Strangers toOurselves:Discovering the AdaptiveUnconscious (Estranhos a nósmesmos:descobrindooinconscienteadaptativo)(Cambridge,MA:BelknapPress,2002),212.

14.CarlZimmer,“WhyAthletesAreGeniuses”(Porqueosatletassãogênios),DiscoverMagazine,16deabrilde2010,http://discovermagazine.com/2010/apr/16-the-brain-athletes-are-geniuses.

15.DanielJ.Siegel,Mindsight:TheNewScienceofPersonalTransformation(NovaYork:BantamBooks,2010).(Opoderdavisãomental:ocaminhodobem-estar.RiodeJaneiro:Record,2012.)

16. JeffreyM. Schwartz, e Sharon Begley, The Mind and the Brain: Neuroplasticity and the Power ofMental Force (Mente e cérebro: neuroplasticidade e o poder da força mental) (New York:HarperCollins,2002),262-64.

Capítulo9—Cultura

1.DanielCoyle,TheTalentCode:GreatnessIsn’tBorn.It’sGrown.Here’sHow.(Obrilhantismonãoéinato.Écultivado.Vejacomo.)(NovaYork:BantamBooks,2009),110-11.

2.Coyle,102-104.3.DavidDobbs,“HowtoBeaGenius”(Comoserumgênio),NewScientist,15desetembrode2008,

http://www.newscientist.com/article/mg19125691.300-how-to-be-a-genius.html.4.MellonGeoffColvin,TalentisOverrated:WhatReallySeparatesWorld-ClassPerformersfromEverybody

Else(NovaYork:Portfolio,2008),152.5.Coyle,85.6.Coyle,82.7.Colvin,106.8. Steven N. Kaplan, Mark M. Klebanov, e Morten Sorensen, “Which CEO Characteristics and

AbilitiesMatter?”(QuaiscaracterísticasehabilidadesdeumCEOimportam?)Swedish Institute forFinancial Research Conference on the Economics of the Private Equity Market, julho 2008,faculty.chicagobooth.edu/steven.kaplan/research/kks.pdf.

9.JimCollins,Good toGreat:Why Some CompaniesMake the Leap… andOthersDon’t (Nova York:HarperCollins,2001).(GoodtoGreat:empresasfeitasparavencer.RiodeJaneiro,Campus,2001.)

10.MurrayR.Barrick,MichaelK.Mount,eTimothyA.Judge,“PersonalityandPerformanceattheBeginning of the New Millennium: What Do We Know and Where Do We Go Next?”(Personalidade e performance no começo do novo milênio: o que sabemos e para onde vamos),International Journal of Selection and Assessment 9, n. 1-2 (Março/Junho 2001): 9-30,http://www.uni-graz.at/psy5www/lehre/kaernbach/doko/artikel/bergner_Barrick_Mount_Judge_2001.pdf.

11. Ulrike Malmendier e Geoffrey Tate, “Superstar CEOs” (CEOs famosos), Quarterly Journal ofEconomics, 124, n. 4 (Novembro, 2009): 1593-1638,http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.146.1059&rep=rep1&type=pdf.

12. Tyler Cowen, “Inwhich countries do kids respect their parents themost?” (Em quais países osfilhos respeitam mais os pais?), Marginal Revolution, 5 de dezembro de 2007,http://www.marginalrevolution.com/marginalrevolution/2007/12/in-which-countr.html.

13.JudithRichHarris,TheNurtureAssumption:WhyChildrenTurnOuttheWayTheyDo(NovaYork:Touchstone,1998),56.(Diga-mecomquemanda…:quemrealmentecontanaformação—ospaisouosamigos?Quaisoscaminhosparaodesenvolvimentodeumacriança?RiodeJaneiro:EditoraObjetiva,1999.)

14.DavidBrooks,“TheAmericanoDream”(OsonhoAmericano),NewYorkTimes,24defevereirode2004,http://www.nytimes.com/2004/02/24/opinion/the-americano-dream.html?ref=davidbrooks.

15.RichardNisbett,TheGeographyofThought:HowAsiansandWesternersThinkDifferently…andWhy(Ageografiadopensamento:comoasiáticoseocidentaispensamdiferente…eporquê)(NovaYork:FreePress,2003),90.

16.Nisbett,100.17.AlisonGopnik,AndrewN.Meltzoff,ePatriciaKuhl,TheScientistintheCrib:WhatEarlyLearning

TellsUsAbouttheMind (Ocientistanoberço:oqueoaprendizado inicialnosdiz sobreamente)(NovaYork:HarperPerennial,1999),89.

18.Nisbett,95.

19.Nisbett,140.20.Nisbett,87-88.21.Bruce E.Wexler,Brain andCulture:Neurobiology, Ideology, and Social Change (Cambridge,MA:

MITPress,2006),149.22.TimothyD.Wilson,Strangers toOurselves:Discovering theAdaptiveUnconscious (Cambridge,MA:

BelknapPress,2002),38.23.Nisbett,185.24.JohnRoach, “Chinese,Americans,TrulySeeDifferently,StudySays” (Estudodizquechineses e

americanosrealmenteveemdemaneiradiferente),NationalGeographicNews,22deagustode2005,http://news.nationalgeographic.com/news/2005/08/0822_050822_chinese.html.

25. Rachel E. Jack et al., “Cultural Confusions Show that Facial Expressions Are Not Universal”(Confusões culturaismostramque expressões faciais não são universais),CurrentBiology 19, n. 18(13 de agosto de 2009), 1543-48, http://www.cell.com/current-biology/retrieve/pii/S0960982209014778.

26.Wexler,175.27. Roy F. Baumeister, The Cultural Animal: Human Nature, Meaning, and Social Life (O animal

cultural:naturezahumana,significadoevidasocial)(Oxford:OxfordUniversityPress,2005),31.28.Baumeister,131.29.CliffordGeertz,TheInterpretationofCultures(NovaYork:BasicBooks,1973),46.(Ainterpretação

dasculturas.RiodeJaneiro:LTC,2008.)30.AndyClark,BeingThere:PuttingBrain,Body,andWorldTogetherAgain(Estarlá:juntandocérebro,

corpoeomundodenovo)(Cambridge,MA:MITPress,1998),191.31.Clark,180.32.Baumeister,53.33.Wexler,33.34.DonaldE.Brown,HumanUniversals(Universaishumanos)(NovaYork:McGraw-Hill,1991).35.Wexler,187-88.36. David P. Schmitt, “Evolutionary and Cross-Cultural Perspectives on Love: The Influence of

Gender, Personality, and Local Ecology on Emotional Investment in Romantic Relationships”(Perspectivasevolucionáriaseentreculturassobreoamor:ainfluênciadogênero,dapersonalidadeeda ecologia local no investimento emocional nos relacionamentos românticos), em The NewPsychology ofLove (A nova psicologia do amor), orgs.Robert J. Sternberg eKarin Sternberg (NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2006),252.

37.Elen Fisher,WhyWe Love: TheNature and Chemistry of Romantic Love (Nova York:Owl Books,2004), 5. (Por que amamos: a natureza e a química do amor romântico. Rio de Janeiro: Record,2006.)

38. Craig MacAndrew e Robert B. Edgerton, Drunken Comportment: A Social Explanation (Posturabêbada:umaexplicaçãosocial)(ClintonCorners,NY:PercheronPress,2003).

39.DacherKeltner,BorntoBeGood:TheScienceofaMeaningfulLife(Nascidoparaserbom:aciênciadeumavidasignificativa)(NovaYork:W.W.Norton&Co.,Inc.,2009),195.

40.StevenPinker,TheBlankSlate:TheModernDenialofHumanNature(NovaYork:PenguinBooks,2002),328.(Tábularasa:anegaçãocontemporâneadanaturezahumana.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2004.)

41.MarcD.Hauser,MoralMinds:TheNatureofRightandWrong(Mentesmorais:anaturezadocertoedoerrado)(NovaYork:HarperPerennial,2006),134.

42. Guy Deutscher, “You Are What You Speak” (Você é o que você fala), The New York TimesMagazine,26deagostode2010,44.

43.Douglas Hofstadter, I Am a Strange Loop (Sou uma curva estranha) (Nova York: Basic Books,2007),177.

44.DavidHalpern,TheHiddenWealth of Nations (A riqueza oculta das nações) (Cambridge: PolityPress,2010),76.

45.ThomasSowell,MigrationsandCultures:AWorldView(Migraçõeseculturas:umavisãomundial)(NovaYork:BasicBooks,1996),378.

46.LawrenceE.Harrison,TheCentral LiberalTruth:HowPoliticsCanChange aCulture and Save Itfrom Itself (A verdade central liberal: como a política pode mudar uma cultura e salvá-la de simesma)(Cambridge:OxfordUniversityPress,2006),26.

47.ThomasSowell,RaceandCulture:AWorldView(Raçaecultura:umavisãomundial)(NovaYork:BasicBooks,1994),67.

48.Sowell,RaceandCulture,25.49. Margaret Bridges, Bruce Fuller, Russell Rumberger e Loan Tran, “Preschool for California’s

Children: Unequal Access, Promising Benefits” (Pré-escola para crianças da Califórnia: acessodesigual, benefícios promisores), PACE Child Development Projects, University of CaliforniaLinguistic Minority Research Institute (Setembro 2004): 7,http://gse.berkeley.edu/research/pace/reports/PB.04-3.pdf.

50. Abigail Thernstrom e StephanThernstromNo Excuses: Closing the Racial Gap in Learning (Semdesculpas:fechandoafissuraracialnoaprendizado)(NovaYork:Simon&Schuster,2003),85.

51.DavidBrooks, “The Limits of Policy” (Os limites das políticas),New York Times, 3 demaio de2010,http://www.nytimes.com/2010/05/04/opinion/04brooks.html.

52.Fisman,RaymondeEdwardMiguel,“Corruption,NormsandLegalEnforcement:EvidencefromDiplomatic Parking Tickets” (Normas da corrupção e reforço legal: evidências dos tíquetes deestacionamento dos diplomatas), Journal of Political Economy 115, n. 6 (2007): 1020-48,http://www2.gsb.columbia.edu/faculty/rfisman/parking_20july06_RF.pdf.

53.Harrison,53.54.FrancisFukuyama,Trust:The SocialVirtues and theCreation of Prosperity (New York: Free Press,

1996),338.(Confiança:asvirtudessociaiseacriaçãodaprosperidade.RiodeJaneiro:Rocco,1996.)55. Edward Banfield, The Moral Basis of a Backward Society (As bases morais de uma sociedade

retrógrada)(NovaYork:FreePress,1967).56.RichardOgle,SmartWorld:BreakthroughCreativityandtheNewScienceofIdeas(Omundoesperto:

criatividade inovadora e a nova ciência das ideias) (Boston, MA: Harvard Business School Press,2007),8-10.

57.RonaldBurt,StructuralHoles:TheSocial Structure ofCompetition (Buracos estruturais: a estruturasocialdacompetição)(Cambridge,MA:HarvardUniversityPress,1992).

Capítulo10—Inteligência

1.ChristopherHitchens,Hitch22 (Nova York: Twelve, 2010), 266. (Hitch-22: a história de um dosintelectuaismaisadmiradosecontroversosdenossotempo.RiodeJaneiro:NovaFronteira,2011.)Essediálogo é baseado em uma conversa que o autor testemunhou entreHitchens e SalmanRushdie,doismestresnessetipodejogo.

2.MattRidley,TheAgileGene:HowNatureTurnsonNurture(Ogeneágil:comoanaturezainstigaanutrição)(NovaYork:Perennial,2004),59.

3.DanielGoleman,Social Intelligence: TheNew Science ofHuman Relationships (Nova York: BantamDell,2006)139.(Inteligênciasocial:opoderdasrelaçõeshumanas.RiodeJaneiro:Elsevier,2006.)

4. John Medina, Brain Rules: 12 Principles for Surviving and Thriving at Work, Home, and School(Seattle,WA:PearPress,2008),262.

5.Michael S. Gazzaniga, Human: The Science Behind What Makes Us Human (Nova York: HarperPerennial,2008),96.

6.PeterA.HalleDavidW.Soskice,“AnIntroductiontotheVarietiesofCapitalism”(Umaintroduçãoàsvariedadesdecapitalismo),emVarietiesofCapitalism:TheInstitutionalFoundationsofComparativeAdvantage (Variedades de capitalismo: os fundamentos institucionais da vantagem comparativa),orgs.PeterA.HalleDavidW.Soskice(Oxford:OxfordUniversityPress,2004),1-70.

7.ArthurRobertJensen,TheGFactor:TheScienceofMentalAbility(OfatorG:aciênciadahabilidademental)(Westport,CT:PraegerPublishers,1998),34-35.

8. Robin Karr-Morse e Meredith S. Wiley, Ghosts from the Nursery: Tracing the Roots of Violence(Fantasmasdoberçário:traçandoasraízesdaviolência)(NovaYork:AtlanticMonthlyPress,1997),28.

9.DeanH.HamerePeterCopeland,LivingwithOurGenes:WhyTheyMatterMoreThanYouThink(Vivendo comnossos genes: por que eles importammais doque vocêpensa) (NovaYork:AnchorBooks,1999),217.

10.RichardW.Nisbett,IntelligenceandHowtoGetIt:WhySchoolsandCulturesCount(Inteligênciaecomoalcançá-la:porqueasescolaseaculturaimportam)(NovaYork:W.W.Norton&Co.,Inc.,2009),41.

11.Bruce E.Wexler,Brain and Culture:Neurobiology, Ideology, and Social Change (Cambridge,MA:MITPress,2006),68.

12.Nisbett,44.13.JamesR. Flynn,What Is Intelligence?: Beyond the FlynnEffect (Cambridge: CambridgeUniversity

Press,2007),19.(Oqueéinteligência?:alémdoefeitoFlynn.SãoPaulo:Artmed,2009.)14.DavidG.Myers,Intuition:ItsPowersandPerils(Intuição:seuspodereseperigos)(NewHaven,CT:

YaleUniversityPress,2004),35.15. Richard K. Wagner, “Practical Intelligence” (Inteligência prática), em Handbook of Intelligence

(Manualdainteligência),org.RobertJ.Sternberg(Cambridge:CambridgeUniversityPress,2000),382.

16.JohnD.Mayer, Peter Salovey eDavidCaruso, “Models of Emotional Intelligence” (Modelos deinteligênciaemocional),emRobertJ.Sternberg,op.cit.,403.

17.Nisbett,18.18.DanielGoleman, “75 Years Later, Study Still TrackingGeniuses” (Setenta e cinco anos depois,

estudo ainda acompanha gênios), New York Times, 7 de março de 1995,http://www.nytimes.com/1995/03/07/science/75-years-later-study-still-tracking-geniuses.html?pagewanted=all e Richard C. Paddock, “The Secret IQDiaries” (Os diários secretos doQI), LosAngeles Times, 30 de julho de 1995, http://articles.latimes.com/1995-07-30/magazine/tm-29325_1_lewis-terman.

19.MalcolmGladwell,Outliers:TheStoryofSuccess (NovaYork:Little,Brown&Co.,2008),81-83.(Foradesérie:Outliers.RiodeJaneiro,Sextante,2008.)

20.JohnTierney,“SmartDoesn’tEqualRich”(Inteligentenãoquerdizerrico),NewYorkTimes,25deabrilde2007,http://tierneylab.blogs.nytimes.com/2007/04/25/smart-doesnt-equal-rich/.

21.KeithE.Stanovich,WhatIntelligenceTestsMiss:ThePsychologyofRationalThought(OqueostestesdeQInãorevelam:apsicologiadopensamento racional) (NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2009),31-32.

22.JonahLehrer,“BreakingThingsDowntoParticlesBlindsScientiststoBigPicture”(Reduzirtudoàs partes cegas os cientistas em relação ao todo), Wired, 19 de abril de 2010,http://www.wired.com/magazine/2010/04/st_essay_particles/.

23.Stanovich,34-35.24.Stanovich,60.

25.JamesJ.HeckmaneYonaRubinstein,“TheImportanceofNoncognitiveSkills:Lessons fromtheGEDTestingProgram” (A importânciadashabilidadesnãocognitivas: liçõesdoGED),AmericanEconomic Review 91, n. 2 (Maio, 2001): 145-49, http://www.econ-pol.unisi.it/bowles/Institutions%20of%20capitalism/heckman%20on%20ged.pdf.

26.Robert Scott Root-Bernstein eMichèle Root-Bernstein, Sparks of Genius: The Thirteen ThinkingTools of theWorld’sMostCreativePeople (NovaYork:FirstMarinerBooks,2001),3. (Centelhas degênios:comopensamaspessoasmaiscriativasdomundo.RiodeJaneiro:Nobel,2000.)

27.Root-BernsteineRoot-Bernstein,53-54.28.Root-BernsteineRoot-Bernstein,196.

Capítulo11—Arquiteturadaescolha

1.“6WaysSupermarketsTrickYoutoSpendMoreMoney”(Seistruquesdossupermercadosparaquevocêcompremais),Shine,1odemarçode2010,http://shine.yahoo.com/event/financiallyfit/6-ways-supermarkets-trick-you-to-spend-more-money-974209/?pg=2.

2. Martin Lindstrom e Paco Underhill, Buyology: Truth and Lies About Why We Buy (Nova York:Doubleday,2008),148-49.(Alógicadoconsumo:verdadesementirassobreporquecompramos.RiodeJaneiro:NovaFronteira,2009.)

3.JosephT.Hallinan,WhyWeMakeMistakes:HowWeLookWithoutSeeing,ForgetThingsinSeconds,andAreAllPrettySureWeAreWayAboveAverage(NovaYork:BroadwayBooks,2009),92-93.

4.PacoUnderhill,CalloftheMall:TheGeographyofShoppingbytheAuthorofWhyWeBuy(NovaYork:Simon&Schuster,2004),49-50.(Amagiadosshoppings:comoosshoppingsatraemeseduzem.RiodeJaneiro:Campus,2004.)

5. TimothyD.Wilson, Strangers toOurselves:Discovering the Adaptive Unconscious (Cambridge,MA:BelknapPress,2002),103.

6. Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, andHappiness(AnnArbor,MI:CaravanBooks,2008),64.(Nudge:oempurrãoparaaescolhacerta.RiodeJaneiro,Campus,2008.)

7.Hallinan,99.8.DavidBrooks,“CastleinaBox”(Ocasteloemumacaixa),TheNewYorker,26demarçode2001,

http://www.newyorker.com/archive/2001/03/26/010326fa_fact_brooks.9.Steven E. Landsburg, “TheTheory of the LeisureClass” (A teoria da classe do lazer), Slate, 9 de

marçode2007,http://www.slate.com/id/2161309.10. John Medina, Brain Rules: 12 Principles for Surviving and Thriving at Work, Home, and School

(Seattle,WA:PearPress,2008),163.11.JonahLehrer,“TheTruthaboutGrit”(Averdadesobreadeterminação),BostonGlobe,2deagosto

de2009,http://www.boston.com/bostonglobe/ideas/articles/2009/08/02/the_truth_about_grit/.12. Richard Bronk, The Romantic Economist: Imagination in Economics (O economista romântico:

imaginaçãonaeconomia)(Cambridge:CambridgeUniversityPress,2009),17.13. Dan Ariely, Predictably Irrational: The Hidden Forces That Shape Our Decisions (Nova York:

HarperCollins, 2008) 243. (Previsivelmenteirracional:como as situações do dia a dia influenciam asnossasdecisões.RiodeJaneiro:Campus,2008.)

14.AnemonaHartocollis,“CaloriePostingsDon’tChangeHabits,StudyFinds”(Estudodescobrequeinformativos sobre calorias não mudam hábitos), Nova York Times, 6 de outubro de 2009,http://www.nytimes.com/2009/10/06/nyregion/06calories.html.

15.Ariely,170-71.16. John A. Bargh, “Bypassing the Will: Toward Demystifying the Nonconcious Control of Social

Behavior” (Contornando o desejo: mistificando a falta de controle consciente do comportamento

social), emTheNewUnconscious (Onovo inconsciente), orgs.RanR.Hassin, James S.Uleman eJohnA.Bargh(Oxford:OxfordUniversityPress),40.

17.ClaudeM.Steele,“ThinIce:StereotypeThreatandBlackCollegeStudents”(Gelofino:ameaçadoestereótipo e alunos negros na faculdade), The Atlantic, Agosto, 1999,http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1999/08/thin-ice-stereotype-threat-and-black-college-students/4663/1/.

18.MargaretShih,ToddL.Pittinsky,eNaliniAmbady,“StereotypeSusceptibility:IdentitySalienceand Shifts in Quantitative Performance” (Suscetibilidade do estereótipo: ênfase de identidade emudançasnaperformancequantitativa),PsychologicalScience10,n.1(Janeiro,1999):80-83.

19.Hallinan,102.20.RobertE.Ornstein,Multimind:ANewWayofLookingatHumanBehavior(Multimente:umanova

maneiradeanalisarocomportamentohumano)(NovaYork:HoughtonMifflin,1986),86.21. Dan Ariely, “The Fallacy of Supply and Demand” (A falácia do suprimento e da demanda),

Huffington Post, 20 de março de 2008, http://www.huffingtonpost.com/dan-ariely/the-fallacy-of-supply-and_b_92590.html.

22.Hallinan,50.23.JonahLehrer,HowWeDecide(NovaYork:HoughtonMifflinCo.,2009),146.24.ThalereSunstein,34.25.Hallinan,101.26.Ariely,96e106.27. Jonah Lehrer, “Loss Aversion” (Aversão à perda), The Frontal Cortex, 10 de fevereiro de 2010,

http://scienceblogs.com/cortex/2010/02/loss_aversion.php.

Capítulo12—Liberdadeecomprometimento

1.Oliver Burkerman, “ThisColumnWillChange Your Life” (Esta coluna vaimudar sua vida),TheGuardian, 8 de maio de 2010, http://www.guardian.co.uk/lifeandstyle/2010/may/08/change-life-asker-guesser.

2. “Pew Report on Community Satisfaction” (Relatórios do Pew sobre satisfação comunitária), PewResearch Center (29 de janeiro de 2009): 10, http://pewsocialtrends.org/assets/pdf/Community-Satisfaction.pdf.

3.WilliamA.Galston,“TheOdysseyYears:TheChanging20s”(Osanosdeodisseia:asmudançasdos20 aos 30), Brookings Institution, 7 de novembro de 2007,http://www.brookings.edu/interviews/2007/1107_childrenandfamilies_galston.aspx.

4. William Galston, “The Changing 20s”, Brookings Institution, 4 de outubro de 2007,http://www.brookings.edu/speeches/2007/1004useconomics_galston.aspx.

5.Galston,“TheChanging20s”.6.RobertWuthnow,AftertheBabyBoomers:HowTwenty-andThirty-SomethingsAreShapingtheFuture

ofAmericanReligion(Depoisdageraçãodobabyboom:comoosamericanosde20ou30epoucosanos estão moldando o futuro da religião americana) (Princeton, NJ: Princeton University Press,2007),29.

7.JeffreyJensenArnett,EmergingAdulthood:TheWindingRoadfromtheLateTeensthroughtheTwenties(Adultos emergentes: a estrada tortuosa do fim da adolescência até os 30) (Oxford: OxfordUniversityPress,2004),16.

8.JeanTwenge,GenerationMe:WhyToday’sYoungAmericansAreMoreConfident,Assertive,Entitled—andMoreMiserableThanEverBefore(Geraçãodoeu:porqueosjovensamericanosdehojesãomaisconfiantes,assertivos,qualificados—emaisinfelizesdoquenunca)(NovaYork:FreePress,2006),69.

9.Wuthnow,62.10.Wuthnow,32.11.MichaelBarone,“ATaleofTwoNations”(Umahistóriadeduasnações),USNews&WorldReport,

4demaiode2003,http://www.usnews.com/usnews/opinion/articles/030512/12pol.htm.12.ElizabethKolbert, “EverybodyHaveFun” (Divirtam-se todos),TheNewYorker, 22demarçode

2010,http://www.newyorker.com/arts/critics/books/2010/03/22/100322crbo_books_kolbert.13.ElizabethKolbert,“EverybodyHaveFun”.14.DerekBok,ThePoliticsofHappiness:WhatGovernmentCanLearnfromtheNewResearchonWell-

Being(Políticadafelicidade:oqueogovernopodeaprendercomasnovaspesquisas)(Princeton,NJ:PrincetonUniversityPress,2010),13.

15.Bok,17-18.16.David Blanchflower e AndrewOswald, “Well-BeingOverTime in Britain and theUSA” (Bem-

estar através dos tempos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos), Journal of Public Economics 88(Julho, 2004): 1359-86,http://www2.warwick.ac.uk/fac/soc/economics/staff/faculty/oswald/wellbeingnew.pdf

17. Robert D. Putnam, Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community (Jogandoboliche sozinho: o colapso e a revitalização da comunidade americana) (Nova York: Simon &Schuster,2000),333.

18.DavidHalpern,The Hidden Wealth ofNations (A riqueza oculta das nações) (Cambridge: PolityPress,2010),26.

19.TaraParker-Pope, “WhatAreFriendsFor?ALongerLife” (Paraque servemos amigos?Paraumavida mais longa), New York Times, 21 de abril de 2009,http://www.nytimes.com/2009/04/21/health/21well.html.

20.Bok,28.21.Halpern,28-29.22.RoyF.Baumeister,TheCulturalAnimal:HumanNature,Meaning,andSocialLife(Oxford:Oxford

UniversityPress,2005),109.

Capítulo13—Limerância

1.JoanRaymond,“He’sNotasSmartasHeThinks”(Elenãoétãoespertoquantopensa),Newsweek,23 de janeiro de 2008, http://www.newsweek.com/2008/01/22/he-s-not-as-smart-as-he-thinks.html.

2.JoanRaymond,“He’sNotasSmartasHeThinks”.3.LionelTrilling,SincerityandAuthenticity(Sinceridadeeautenticidade)(Cambridge,MA:University

ofHarvardPress,1972),5.4.HelenFisher,WhyWe Love: The Nature and Chemistry of Romantic Love (Nova York:Owl Books,

2004),1.5.KajaPerina, “Love’s LoopyLogic” (A lógica enrolada do amor),PsychologyToday, 1o de janeiro de

2007,http://www.psychologytoday.com/articles/200612/loves-loopy-logic.6.Stendhal,Love,trad.GilbertSaleeSuzanneSale(NovaYork:PenguinBooks,2004),45.7.Fisher,53.8.AyalaMalakhPines,Falling inLove:WhyWeChoose theLoversWeChoose (NovaYork:Routledge,

2005),154.9.Fisher,69.10.SadieF.Dingfelder,“MoreThanaFeeling”(Maisdoqueumsentimento),Monitor onPsychology

38,n.2(Fevereiro2007):40,http://www.apa.org/monitor/feb07/morethan.aspx.

11.DanielGoleman,Social Intelligence:TheNewScienceofHumanRelationships (NovaYork:BantamDell,2006)192.

12.HelenFisher,“TheDrivetoLove:TheNeuralMechanismforMateSelection”(Odesejodeamar:omecanismo neural de seleção de parceiro), emTheNew Psycology of Love (A nova psicologia doamor),(NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2006),92-93.

13.ReadMontague,PeterDayan,eTerrenceJ.Sejnowski,“AFrameworkforMesencephalicDopanineSystems Based on Predictive Hebbian Learning” (Uma estrutura para sistemas de dopaminamesencefálica no aprendizadoHebiano), Journal ofNeuroscience 16, n. 5 (1o demarço de 1996):1936-47,http://www.jneurosci.org/cgi/reprint/16/5/1936.pdf.

14. Read Montague, Your Brain Is (Almost) Perfect: How We Make Decisions (Seu cérebro é (quase)perfeito:comotomamosdecisões)(NovaYork:Plume,2007),117.

15. Brett W. Pelham, Matthew C. Mirenberg, e John T. Jones, “Why Susie Sells Seashells by theSeashore:ImplicitEgotismeMajorLifeDecisions”(Porquequemamafagafarosmafagafinhosbomamafagafigadorserá:egoísmoimplícitoeasdecisõesmaisimportantesdavida),JournalofPersonalityeSocialPsychology82,n.4(2002):469-87,http://futurama.tistory.com/attachment/ck10.pdf.

16.BruceE.Wexler,Brain e Culture:Neurobiology, Ideology, e Social Change (Cambridge,MA:MITPress,2006),143.

17.C.S.Lewis,TheFourLoves(Orlando,FL:HarcourtBrace&Co.,1988),33.(Osquatroamores.SãoPaulo:MartinsFontes,2005).

18.JamesQ.Wilson,TheMoralSense(Osensomoral)(NovaYork:FreePress,1997),124.19.BruceD.Perry,BornForLove:WhyEmpathyIsEssential—andEndangered(Nascidoparaoamor:

porqueaempatiaéessencial—eemextinção)(NovaYork:HarperCollins,2010),51.20. Elaine Hatfield, Richard L. Rapson, e Yen-Chi L. Le, “Emotional Contagion e Empathy”

(Contágio emocional e empatia), emThe SocialNeuroscience of Empathy (A neurociência social daempatia),org.JeanDecetyeWilliamJohnIckes(Cambridge,MA:MITPress,2009),21.

21.Marco Iacoboni,Mirroring People: TheNew Science ofHowWe Connect withOthers (Nova York:Farrar,Straus&Giroux,2008),4.

22.Lewis,34.23.Lewis,77.24. Andrew Newburg e Mark Robert Waldman, Why We Believe What We Believe: Uncovering Our

Biological Need for Meaning, Spirituality, and Truth (Por que acreditamos no que acreditamos:desvendandonossanecessidadebiológicadesignificado,espiritualidadeeverdade)(NovaYork:FreePress,2006),143-44.

25. Thomas Lewis, Fari Amini, e Richard Lannon, A General Theory of Love (Nova York: Vintage,2001),80.

26.JonathanHaidt,TheHappinessHypothesis:FindingModernTruth inAncientWisdom (Nova York:BasicBooks,2006),237.(Umavidaquevaleapena:elaestámaispertodoquevocêimagina.RiodeJaneiro:Alegro,2006.)

27.AllanBloom,LoveandFriendship(NovaYork:Simon&Schuster,1993),19.(Amoreamizade.SãoPaulo:Madarim,1996.)

28.Lewis,95.29. JohnMilton,Paradise Lost, livro IX, versos 958-59. (Paraíso perdido. São Paulo: Martin Claret,

2003;livroIX,versos958-59.)

Capítulo14—Agrandenarrativa

1.DavidHume,“Of Interest” (Do interesse), emSelectedEssays (Ensaios selecionados), orgs. StephenCopleyeAndrewEdgar(Oxford:OxfordUniversityPress,2008),182.

2.DonPeck,“HowaNewJoblessEraWillTransformAmerica” (Comoumanovaera semempregosvai transformar a América), The Atlantic, Março 2010,http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2010/03/how-a-new-jobless-era-will-transform-america/7919/.

3.RobertH.Frank,TheEconomicNaturalist:InSearchofExplanationsforEverydayEnigmas(NovaYork:BasicBooks,2007),129.(Onaturalistadaeconomia:embuscadeexplicaçãoparaosenigmasdodiaadia.RiodeJaneiro:BestBusiness,2009.)

4. Andrew Newburg e Mark Robert Waldman, Why We Believe What We Believe: Uncovering OurBiologicalNeedforMeaning,Spirituality,andTruth(NovaYork:FreePress,2006),73.

5. Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, andHappiness(AnnArbor,MI:CaravanBooks,2008),32.

6.KeithE.Stanovich,WhatIntelligenceTestsMiss:ThePsychologyofRationalThought(OqueostestesdeQInãorevelam:apsicologiadopensamento racional) (NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2009),109.

7.DanielGilbert,StumblinginHappiness(NovaYork:AlfredA.Knopf,2006),18.8.JosephT.Hallinan,WhyWeMakeMistakes:HowWeLookWithoutSeeing,ForgetThingsinSeconds,

andAreAllPrettySureWeAreWayAboveAverage(NovaYork:BroadwayBooks,2009),170.9.DavidG.Myers,Intuition:ItsPowersandPerils(NovaHaven,CT:YaleUniversityPress,2004),83.10.Hallinan,167.11.Myers,159.12. Stephen J. Dubner, “This Is Your Brain on Prosperity” (Este é seu cérebro quando você está

prosperando), New York Times, 9 de janeiro de 2009,http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2009/01/09/this-is-your-brain-on-prosperity-andrew-lo-on-fear-greed-and-crisis-management/.

13.Gilbert,180.14. Erica Goode, “Among the Inept, Researchers Discover, Ignorance Is Bliss” (Pesquisadores

descobremque, entre os ineptos, a ignorância é uma bênção),New York Times, 18 de janeiro de2000, http://www.nytimes.com/2000/01/18/health/among-the-inept-researchers-discover-ignorance-is-bliss.html.

15. Jerry Z. Muller, “Our Epistemological Depression” (Nossa depressão epistemológica), TheAmerican, 29 de fevereiro de 2009, http://www.american.com/archive/2009/february-2009/our-epistemological-depression.

16. “Business Processing Reengineering” (Reengenharia de Processos de Negócios), Wikipedia,http://en.wikipedia.org/wiki/Business_process_reengineering.

17.JohnMaynardKeynes,TheGeneralTheoryofEmployment,InterestandMoney (NovaYork:ClassicBooksAmerica,2009),331.(Teoriageraldoemprego,dojuroedamoeda.SãoPaulo:EditoraAtlas,1992.)

18.Plato,Phaedrus,trad.AlexanderNehamasePaulWoodruff(NovaYork:Hackett,1995),44.(Fedro.Belém:EDUFPA,2007.)

19.FrancisBacon, “Preface to theNovumOrganum” (Prefácio aoNovum Organum), emPrefaces andPrologues(Prefácioseprólogos),vol.34,org.CharlesWilliamEliot(NovaYork:P.F.Collier&Son,1909-14;Bartleby.com,2001),http://www.bartleby.com/39/22.html.

20.CesarChesneauDumarsais,“Philosophe”(Filosofia),emEncyclopédie (Enciclopédia),vol.22,org.DenisDiderot.

21.GuyClaxton,TheWaywardMind:An IntimateHistory of theUnconscious (Amente desobediente:umahistóriaíntimadoinconsciente)(NovaYork:Little,BrownBookGroup,2006).

22. Lionel Trilling, The Liberal Imagination: Essays on Literature and Society (A imaginação liberal:ensaiossobreliteraturaesociedade)(NovaYork:NewYorkReviewofBooks,2008),ix-xx.

23.RobertSkidelsky,Keynes:TheReturnof theMaster (NovaYork: PublicAffairs, 2009), 81. (Keynes.RiodeJaneiro:Zahar,1999.)

24.CliveCookson,GillianTett, eChrisCook, “OrganicMechanics” (Mecânica orgânica),FinancialTimes, 26 de novembro de 2009, http://www.ft.com/cms/s/0/d0e6abde-dacb-11de-933d-00144feabdc0.html.

25.GeorgeA.AkerlofeRobertJ.Shiller,AnimalSpirits:HowHumanPsychologyDrivestheEconomy,andWhy It Matters (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2010), 1. (O espírito animal: como apsicologiahumanaimpulsionaaeconomiaeasuaimportânciaparaocapitalismoglobal.RiodeJaneiro:Campus,2009.)

26.JimCollins,“HowtheMightyFall:APrimerontheWarningSigns”(Comoosgrandescaem:umacartilha sobre os sinais de aviso), Businessweek, 14 de maio de 2009,http://www.businessweek.com/magazine/content/09_21/b4132026786379.htm.

Capítulo15—MÉTIS

1. John Lukacs,Confessions of an Original Sinner (Confissões de um pecador) (South Bend, IN: St.Augustine’sPress,2000),39.

2.DavidHume,A Treatise of Human Nature, bk. 2, sect. 3 (Ithaca, NY: Cornell University Press,2009),286.(Tratadodanaturezahumana.SãoPaulo:EditoraUnesp,2001;livro2,sessão3.)

3.EdmundBurke,ReflectionsontheRevolutioninFrance(Oxford:OxfordUniversityPress,1999),87.(ReflexõessobrearevoluçãonaFrança.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,1982.)

4.Gertrude Himmelfarb, The Roads to Modernity: The British, French, and American Enlightenments(NovaYork:Vintage,2005),76.(Oscaminhosparaamodernidade:osiluminismosbritânico,francêseamericano.SãoPaulo:ÉRealizações,2011.)

5. Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, andHappiness(AnnArbor,MI:CaravanBooks,2008),22.

6. James Le Fanu, Why Us?: How Science Rediscovered the Mystery of Ourselves (Nova York: PantheonBooks,2009),213.

7.RobertA.Burton,OnBeingCertain:BelievingYouAreRightEvenWhenYou’reNot(NovaYork:St.Martin’sPress,2008),10.

8.JosephT.Hallinan,WhyWeMakeMistakes:HowWeLookWithoutSeeing,ForgetThingsinSeconds,andAreAllPrettySureWeAreWayAboveAverage(NovaYork:BroadwayBooks,2009),41.

9. TaylorW. Schmitz, EveDe Rosa, e AdamK. Anderson, “Opposing Influences of Affective StateValence on Visual Cortical Encoding” (Influências opostas da valência do estado afetivo nacodificação cortical visual), Journal of Neuroscience 29, n. 22 (3 de junho de 2009): 7199-7207,http://www.jneurosci.org/cgi/content/short/29/22/7199.

10.Hallinan,219.11. Norbert Schwarz e Gerald L. Clore, “Mood, Misattribution, and Judgments of Well-Being:

Informative and Directive Functions of Affective States” (Estado de espírito, má atribuição ejulgamentos do bem-estar: funções informativas e direcionais dos estados afetivos), Journal ofPersonality and Social Psychology 45, n. 3 (1983): 513-23,http://sitemaker.umich.edu/norbert.schwarz/files/83_jpsp_schwarz_clore_mood.pdf.

12.TimothyD.Wilson,Strangers toOurselves:Discovering theAdaptiveUnconscious (Cambridge,MA:BelknapPress,2002),101-102.

13.HenryDavidThoreau,IToMyself:AnAnnotatedSelectionfromtheJournalofHenryD.Thoreau(Euparamimmesmo:umaseleçãocomentadadodiáriodeHenryD.Thoreau),org.JeffreyS.Kramer(NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2007),420.

14. JohnHuizinga e SandyWeil, “HotHand orHotHead: TheTruth AboutHeatChecks in theNBA”(Mãoquenteoucabeçaquente:averdadesobretacadasderisconaNBA),MITSloanSportsAnalytics Conference, 7 de março de 2009,http://web.me.com/sandy1729/sportsmetricians_consulting/Hot_Hand_files/HotHandMITConf03.pdf

15. Robert E. Christiaansen, James D. Sweeney, e Kathy Ochalek, “Influencing EyewitnessDescriptions” (Influenciando as descrições de testemunhas), Law and Human Behavior 7, n. 1(Março1983),59-65,http://www.springerlink.com/content/xm1lm15u08w1q10h/.

16. “Roots of Unconscious Prejudice Affect 90 to 95 percent of People” (Raízes do preconceitoinconsciente afetam 90 a 95% das pessoas), ScienceDaily, 30 de setembro de 1998,http://www.sciencedaily.com/releases/1998/09/980930082237.htm.

17.CareyGoldberg,“EvenEldersReflectBroadBiasAgainsttheOld,StudyFinds”(Estudodescobrequeatéos idososrefletemaspropensõesgeraiscontraeles),BostonGlobe,28deoutubrode2002,http://pqasb.pqarchiver.com/boston/access/225621771.html?FMT=ABS&date=Oct%2028,%202002.

18.DavidG.Myers, Intuition: Its Powers andPerils (NewHaven,CT: YaleUniversity Press, 2004),205

19.ApDijksterhuis,HenkAarts, ePamelaK.Smith, “ThePowerof theSubliminal:OnSubliminalPersuasionandOtherPotentialApplications”(Opoderdosubliminar:sobrepersuasãosubliminareoutras aplicações em potencial), em The New Unconscious (O novo inconsciente), orgs. Ran R.Hassim,JamesS.Uleman,eJohnA.Bargh(Oxford:OxfordUniversityPress,2005),82.

20.Wilson,19.21.JonahLehrer,HowWeDecide(NovaYork:HoughtonMifflinCo.,2009),136.22. Benedict Carey, “Blind, Yet Seeing: The Brain’s Subconscious Visual Sense” (Cego, porém

enxergando:o sensovisual subconscientedocérebro),NewYorkTimes, 23dedezembrode2008,http://www.nytimes.com/2008/12/23/health/23blin.html.

23.JonahLehrer,ProustWasaNeuroscientist (NovaYork:HoughtonMifflinCo.,2007),184. (Prousteraumneurocientista.Alfragide,Portugal:Luadepapel,2009.)

24.Myers,55.25.Wilson,26-27.26. Benedict Carey, “In Battle, Hunches Prove to Be Valuable” (Na batalha, palpites se mostram

valiosos), New York Times, 28 de julho de 2009,http://www.nytimes.com/2009/07/28/health/research/28brain.html.

27. Antoine Bechara, Hanna Damasio, Daniel Tranel, e António R. Damásio, “DecidingAdvantageouslyBeforeKnowingtheAdvantageousStrategy”(Decidindodemaneiravantajosaantesde conhecer a estratégia vantajosa), Science 28, n. 5304 (Fevereiro 1997): 1293-95,http://www.sciencemag.org/cgi/content/short/275/5304/1293.

28.Wilson,25.29. Gerd Gigerenzer, Gut Feelings: The Intelligence of the Unconscious (Nova York: Penguin Books,

2007), 9-11. (O poder da intuição: o inconsciente dita as melhores decisões. São Paulo: Best Seller,2009.)

30. Paul A. Klaczynski, “Cognitive and Social Cognitive Development: Dual Process Research andTheory”(Desenvolvimentocognitivoecognitivosocial:pesquisaeteoriadoduploprocesso),emInTwoMinds:DualProcessesandBeyond (Emduasmentes:duplosprocessos ealém),orgs. JonathanEvanseKeithFrankish(Oxford:OxfordUniversityPress,2009),270.

31. Ap Dijksterhuis e Loran F. Nordgren, “A Theory of Unconscious Thought” (Uma teoria dopensamento inconsciente), Perspectives on Psychological Science 1, n. 2 (Junho 2006): 95-109,http://www.unconsciouslab.nl/publications/Dijksterhuis%20Nordgren%20-%20A%20Theory%20of%20Unconscious%20Thought.pdf.

32.DijksterhuiseNordgren,100.33.DijksterhuiseNordgren,104.34.DijksterhuiseNordgren,102.35. John A. Bargh, “Bypassing the Will: Toward Demystifying the Nonconcious Control of Social

Behavior”(Contornandoodesejo:desmistificandoafaltadecontroleconscientedocomportamentosocial),emTheNewUnconsciousop.cit.,53.

36.George Eliot,Felix Holt, the Radical (FelixHolt, o radical) (Nova York: Penguin Books, 1995),279.

37. JamesC. Scott, Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve the Human Condition HaveFailed (Ver como umEstado: como certos esquemas paramelhorar a condição humana falharam)(NewHaven,CT:YaleUniversityPress,1998),311.

38.GuyClaxton,HareBrain,TortoiseMind:HowIntelligenceIncreasesWhenYouThinkLess (Cérebrodelebre,mentedetartaruga:comoainteligênciaaumentaquandovocêpensamenos)(NovaYork:HarperPerennial,2000),18.

39.ColinCamereretal.,“NeuralSystemsRespondingtoDegreesofUncertaintyinHumanDecision-Making” (Sistemas neurais respondendo aos níveis de incerteza da tomada de decisão humana),Science 310, no. 5754 (9 de dezembro de 2005): 1680-83,http://www.sciencemag.org/cgi/content/abstract/310/5754/1680.

40.IsaiahBerlin,“TheHedgehogandtheFox”(Oouriçoearaposa),emRussianThinkers,orgs.HenryHardy e Aileen Kelly (Nova York: Penguin Books, 1978), 71-72. (Pensadores russos. São Paulo:CompanhiadasLetras,1988.)

Capítulo16—Ainsurgência

1.DavidRock,YourBrainatWork:StrategiesforOvercomingDistraction,RegainingFocus,andWorkingSmarterAllDayLong(Seucérebronotrabalho:estratégiasparasuperaradistração,retomarofocoetrabalharmelhorodiatodo)(NovaYork:HarperCollins,2009),49.

2.GeraldTraufetter, “HaveScientistsDiscovered Intuition?” (Os cientistas descobriram a intuição?),Der Spiegel, 21 de setembro de 2007,http://www.spiegel.de/international/world/0,1518,507176,00.html.

3. Patrick Rabbitt, “Detection of Errors by Skilled Typists” (Detecção de erros em digitadoreshabilidosos), Ergonomics 21, n. 11 (Novembro 1978): 945-58,http://www.informaworld.com/smpp/content~db=all~content=a777698565.

4.JosephT.Hallinan,WhyWeMakeMistakes:HowWeLookWithoutSeeing,ForgetThingsinSeconds,andAreAllPrettySureWeAreWayAboveAverage(NovaYork:BroadwayBooks,2009),53.

5. Peter F. Drucker, The Essential Drucker: In One Volume the Best of Sixty Years of Peter Drucker’sEssentialWritingsonManagement (NovaYork:HarperCollins,2001),127. (OessencialdeDrucker:umaseleçãodasmelhoresteoriasdopaidaGestão.Lisboa:ActualEditorial,2008.)

6.Drucker,218.7. David Moshman e Molly Geil, “Collaborative Reasoning, Evidence for Collective Rationality”

(Raciocínio colaborativo, evidência para a racionalidade coletiva),Thinking and Reasoning 4, n. 3(Julho 1998): 231-48, http://digitalcommons.unl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1053&context=edpsychpapers.

Capítulo17—Envelhecendo

1. Helen Fisher, “The Drive to Love: The Neural Mechanism for Mate Selection”, em The NewPsycologyofLove(NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2006),105.

2.LouannBrizendine,TheFemaleBrain(NovaYork:BroadwayBooks,2006),136-37.3.WilliamJames,ThePrinciplesofPsychology(Osprincípiosdapsicologia),vol.2,Chap.22.4. John Gottman, Why Marriages Succeed or Fail: And How You Can Make Yours Last (Nova York:

Fireside, 1995), 57. (Casamentos: por que alguns dão certo e outros não. Rio de Janeiro: Objetiva,1998.)

5.JohnCacioppoeWilliamPatrick,Loneliness:HumanNatureandtheNeedforSocialConnection(NovaYork:W.W.Norton&Company,2008),170.

6.Brizendine,147.7.BrendanL.Koerner,“SecretofAA:After75Years,WeDon’tKnowHowItWorks”(Osegredodo

AA: depois de 75 anos, não sabemos como funciona), Wired, 23 de junho de 2010,http://www.wired.com/magazine/2010/06/ff_alcoholics_anonymous/.

Capítulo18—Moralidade

1.JonathanHaidt, “WhatMakesPeopleVoteRepublican” (Oque fazcomqueaspessoasvotememrepublicanos), Edge, 9 de setembro de 2008,http://www.edge.org/3rd_culture/haidt08/haidt08_index.html.

2. JonathanHaidt,The Happiness Hypothesis: Finding Modern Truth in Ancient Wisdom (Nova York:BasicBooks,2006),20-21.(Umavidaquevaleapena:elaestámaispertodoquevocêimagina.RiodeJaneiro:Alegro,2006.)

3.Michael S. Gazzaniga, Human: The Science Behind What Makes Us Human (Nova York: HarperPerennial,2008),148.

4.JonahLehrer,HowWeDecide(NovaYork:HoughtonMifflinCo.,2009),15.5.Lehrer,170.6.KwameAnthonyAppiah,ExperimentsinEthics(Experimentossobreética)(Cambridge,MA:Harvard

UniversityPress,2008),40-41.7. JeanHatzfield,Machete Season: The Killers in Rwanda Speak, trad. Linda Coverdale (Nova York:

Farrar, Straus&Giroux,2003),24. (Umatemporadade facões. SãoPaulo,CompanhiadasLetras,2003.)

8.PaulBloom,Descartes’Baby:HowtheScienceofChildDevelopmentExplainsWhatMakesUsHuman(OfilhodeDescartes:comoaciênciadodesenvolvimentoinfantilexplicaoquenostornahumanos)(NovaYork:BasicBooks,2004),114.

9.Bloom,122.10.LizSeward,“ContagiousYawn‘SignofEmpathy’”(Ocontagiosobocejo“emsinaldesimpatia”),

BBC,10desetembrode2007,http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/6988155.stm.11.AdamSmith,TheTheoryofMoralSentiments(NovaYork:Cosimo,2007),2.(Teoriadossentimentos

morais.SãoPaulo:MartinsFontes,1999.)12.Smith,118.13.J.KileyHamlin,KarenWynn, ePaulBloom,“SocialEvaluationbyPreverbal Infants” (Avaliação

social por crianças pré-verbais), Nature 450 (22 de novembro de 2007): 557-59,http://www.nature.com/nature/journal/v450/n7169/abs/nature06288.html.

14.JamesQ.Wilson,TheMoralSense(Osensomoral)(NovaYork:FreePress,1997),142.15.J. J.A.VanBerkumet al., “RightorWrong?TheBrain’sFastResponse toMorallyObjectional

Statements” (Certo ou errado? A rápida resposta do cérebro a frases moralmente questionáveis),Psychological Science 20 (2009): 1092-99,http://coreservice.mpdl.mpg.de/ir/item/escidoc:57437/components/component/escidoc:95157/content

16.MarcD.Hauser,MoralMinds:TheNatureofRightandWrong(Mentesmorais:anaturezadocertoedoerrado)(NovaYork:HarperPerennial,2006),60-61.

17.JonathanHaidteCraigJoseph,“TheMoralMind:How5SetsofInnateMoralIntuitionsGuidetheDevelopmentofManyCulture-SpecificVirtues,andPerhapsEvenModules”(Amentemoral:como um conjunto de cinco intuições morais inatas guiam o desenvolvimento de várias virtudesespecíficas a contextos culturais), em The Innate Mind (A mente inata), orgs. P. Carruthers, S.Laurence,eS.Stich(NovaYork:Oxford,2007),367-91,eJonathanHaidteJesseGraham,“WhenMoralityOpposesJustice:ConservativesHaveMoralIntuitionsThatLiberalsMayNotRecognize”(Quandoamoralidadeseopõeàjustiça),SocialScienceResearch20,n.1(Março2007):98-116.

18.JesseGraham, JonathanHaidt, e BrianNosek, “Liberals andConservativesUseDifferent Sets ofMoral Foundations” (Liberais e conservadores usamgrupos diferentes de basesmorais), Journal ofPersonality and Social Psychology 96, n. 5 (Maio 2009): 1029-46,http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19379034.

19.Hauser,199.20. Kyle G. Ratner e David M. Amodio, “N170 Responses to Faces Predict Implicit In-Group

Favoritism:EvidencefromaMinimalGroupStudy”(RespostasdoN170paraexpressõespreveemofavoritismo implícito em grupos: provas de um estudo mínimo de grupo), Social & AffectiveNeuroscience Society Annual Meeting, 10 de outubro de 2009,http://www.wjh.harvard.edu/~scanlab/SANS/docs/SANS_program_2009.pdf.

21.XiaojingXu,XiangyuZuo,XiaoyingWang,eShihuiHan,“DoYouFeelMyPain?RacialGroupMembership Modulates Empathic Neural Responses” (Você sente a minha dor? A filiação a umgruporacialmodulaasrespostasneuraisempáticas),JournalofNeuroscience29,n.26(1odejulhode2009):8525-29,http://www.jneurosci.org/cgi/content/short/29/26/8525.

22. Hugh Helco, On Thinking Institutionally (Sobre pensar institucionalmente) (Boulder, CO:ParadigmPublishers,2008),98.

23. Ryne Sandberg, Induction Speech (Discurso de indução), National Baseball Hall of Fame andMuseum,31dejulhode2005,http://baseballhall.org/node/11299.

24. Joshua D. Greene, “Does Moral Action Depend on Reasoning?” (A ação moral depende doraciocínio?), Big Questions Essay Series, John Templeton Foundation, Abril 2010,http://www.templeton.org/reason/Essays/greene.pdf.

25.Appiah,160.26. Viktor Emil Frankl, Man’s Search for Meaning (A busca do homem por sentido) (Boston, MA:

BeaconPress,1992),78.27.JeanB. Elshtain, “NeitherVictimsNorHeroes: Reflections from a Polio Person” (Nem vítimas,

nem heróis: reflexões de uma pessoa com poliomielite), em Philosophical Reflections on Disability(Reflexões filosóficas sobre a deficiência), orgs. Christopher D. Ralston e Justin Ho (Nova York:Springer,2009),241-50.

Capítulo19—OLÍDER

1.DonaldGreen,BradleyPalmquist,eEricSchickler,PartisanHeartsandMinds:PoliticalPartiesandtheSocialIdentityofVoters(Coraçõesementespartidários:partidospolíticoseaidentidadesocialdoseleitores)(NewHaven,CT:YaleUniversityPress,2002),12.

2.Green,Palmquist,eSchickler,4.3.PaulGoren,ChristopherM.Federico,eMikiCaulKittilson,“SourceCues,PartisanIdentities,and

Political Value Expression” (Exemplos, identidades partidárias e expressão do valor políticos),American Journal of Political Science 53, n. 4 (2009): 805-820,http://www3.interscience.wiley.com/journal/122602945/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0.

4.AngusCampbell,PhilipE.Converse,WarrenE.Miller,eDonaldE.Stokes,TheAmericanVoter(Oeleitoramericano)(Chicago,IL:UniversityofChicagoPress,1980).

5. Larry M. Bartels, “Beyond the Running Tally: Partisan Bias in Political Perceptions” (Além dacompetição:propensãopartidáriaepercepçõespolíticas),PoliticalBehavior24,n.2 (Junho2002):117-150,http://www.uvm.edu/~dguber/POLS234/articles/bartels.pdf.

6.JosephT.Hallinan,WhyWeMakeMistakes:HowWeLookWithoutSeeing,ForgetThingsinSeconds,andAreAllPrettySureWeAreWayAboveAverage(NovaYork:BroadwayBooks,2009),44-45.

7.JoeKeohane,“HowFactsBackfire”(Comoosfatossevoltamcontrasimesmos),BostonGlobe,11dejulho de 2010,http://www.boston.com/bostonglobe/ideas/articles/2010/07/11/how_facts_backfire/.

8. Daniel Benjamin e Jesse Shapiro, “Thin-Slice Forecasts of Gubernatorial Elections” (Previsõesdedutivas sobreeleiçõesparagovernador),ReviewofEconomicsandStatistics91,n.3 (2009):523-26,http://www.arts.cornell.edu/econ/dbenjamin/thinslice022908.pdf.

9. Jonah Berger, Marc Meredith, e S. Christian Wheeler, “Contextual Priming: Where People VoteAffectsHowTheyVote” (Preparaçãocontextual:o localdevotaçãoafetaovoto),Proceedings of theNational Academy of Sciences 105, n. 26 (1o de julho de 2008): 8846-49,http://www.sas.upenn.edu/~marcmere/workingpapers/ContextualPriming.pdf.

10.RanR.Hassin,MelissaJ.Ferguson,DaniellaShidlovski,eTamarGross,“SubliminalExposuretoNationalFlagsAffectsPoliticalThoughtandBehavior”(Exposiçãosubliminarabandeirasnacionaisafetaopensamentoeocomportamentopolítico),ProceedingsoftheNationalAcademyoftheSciences104,n.50(Dezembro2007):19757-61,http://www.pnas.org/content/104/50/19757.abstract.

Capítulo20—OLADOMALEÁVEL

1.MarkLilla, “ATaleofTwoReactions” (Umahistóriadeduas reações),NewYorkReviewofBooks,Maio1998,http://www.nybooks.com/articles/archives/1998/may/14/a-tale-of-two-reactions/.

2.William G. Bowen, Martin Kurzweil, e Eugene Tobin, Equity and Excellence in American HigherEducation(IgualdadeeexcelêncianoensinosuperiorAmericano)(Charlottesville,VA:UniversityofVirginiaPress,2005),91.

3. “Britain is ‘surveillance society’” (A sociedade britânica é a “sociedade da supervisão”), BBC,Novembro2,2006,http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/6108496.stm.

4.PhillipBlond, “Rise of theRedTories” (A ascençãodosRedTories),Prospect, Fevereiro 28, 2009,http://www.prospectmagazine.co.uk/2009/02/riseoftheredtories/.

5. James Q. Wilson, “The Rediscovery of Character: Private Virtue and Public Policy” (Oredescobrimento do caráter: virtude privada e política pública), The Public Interest 81 (Outono1985): 3-16, http://www.nationalaffairs.com/public_interest/detail/the-rediscovery-of-character-private-virtue-and-public-policy.

6.ClintonRossiter,ConservatisminAmerica(ConservadorismonaAmérica)(Cambridge,MA:HarvardUniversityPress,1982),43.

7.LawrenceE.Harrison,TheCentralLiberalTruth:HowPoliticsCanChangeaCultureandSaveItfromItself (A verdade central liberal: como a política podemudar uma cultura e salvá-la de simesma)(Cambridge:OxfordUniversityPress,2006),xvi.

8. Marc Sageman, Understanding Terror Networks (Entendendo as redes de terror) (Filadélfia, PA:UniversityofPennsylvaniaPress,2004),73-75.

9.OlivierRoy,GlobalizedIslam:TheSearchforaNewUmmah(Islãglobalizado:abuscaporumnovoUmmah)(NovaYork:ColumbiaUniversityPress,2004).

10.DavidBrooks, “TheWisdomWeNeed toFightAIDS” (A sabedoriaquenecessitamospara lutarcontra a Aids), New York Times, 12 de junho de 2005,http://www.nytimes.com/2005/06/12/opinion/12brooks.html.

11.DavidBrooks, “InAfrica,LifeAfterAids” (NaÁfrica, a vida após aAids),NewYorkTimes, 9dejunhode2005,http://www.nytimes.com/2005/06/09/opinion/09brooks.html.

12.David Brooks, “This Old House” (Esta velha casa), New York Times, 9 de dezembro de 2008,http://www.nytimes.com/2008/12/09/opinion/09brooks.html.

13.DanielDrezner,“TheBLSWeighsinonOutsourcing”(OgabinetedeestatísticasdotrabalhodosEstados Unidos reflete sobre a terceirização), DanielDrezner.com, 10 de junho de 2004,http://www.danieldrezner.com/archives/001365.html e “Extended Mass Layoffs Associated withDomesticandOverseasRelocations,FirstQuarter2004Summary”(Demissõesemmassaassociadasàsrelocaçõesdomésticaseexteriores,sumáriodoprimeiroquadrimestrede2004),BureauofLaborStatisticsPressRelease,10dejunhode2004,http://www.bls.gov/news.release/reloc.nr0.htm.

14.PankajGhemawat,“WhytheWorldIsn’tFlat”(Porqueomundonãoéplano),ForeignPolicy,14de fevereiro de 2007,http://www.foreignpolicy.com/articles/2007/02/14/why_the_world_isnt_flat?page=full.

15. Ron Haskins e Isabel Sawhill, Creating an Opportunity Society (Criando uma sociedade deoportunidade)(Washington,D.C.:BrookingsInstitutionPress,2009),127.

16. Ross Douthat, “Does Meritocracy Work?” (A meritocracia funciona?), The Atlantic, Novembro2005,http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2005/11/does-meritocracy-work/4305/.

17.Douthat,“DoesMeritocracyWork?”18. Eric Hanushek, “Milton Friedman’s Unfinished Business” (O negócio inacabado de Milton

Friedman), Hoover Digest, Inverno 2007,

http://edpro.stanford.edu/hanushek/admin/pages/files/uploads/friedmanhoover_digest.pdf.19.HaskinseSawhill,46.20. Margaret Bridges, Bruce Fuller, Russell Rumberger, e Loan Tran, “Preschool for California’s

Children: Unequal Access, Promising Benefits,” (Pré-escola para crianças da Califórnia: acessodesigual, benefícios promisores) PACE Child Development Projects, University of CaliforniaLinguistic Minority Research Institute (Setembro 2004): 9,http://gse.berkeley.edu/research/pace/reports/PB.04-3.pdf.

21.HaskinseSawhill,223.22.HaskinseSawhill,42.23.HaskinseSawhill,70.24. RichardWilkinson e Kate Pickett,The Spirit Level:Why Greater EqualityMakes Societies Stronger

(Londres: Bloomsbury Press, 2009), 75. (O espírito de igualdade: por que razão sociedades maisigualitáriasfuncionamquasesempremelhor.Lisboa:Presença,2010.)

25.HaskinseSawhill,101.26. James Heckman e Dimitriy V. Masterov, “The Productivity Argument for Investing in Young

Children” (O argumento da produtividade para investir em crianças pequenas), Invest in KidsWorking Group, Committee for Economic Development, Working Paper 5 (4 de outubro de2004):3,http://jenni.uchicago.edu/Invest/FILES/dugger_2004-12-02_dvm.pdf.

27.HeckmaneMasterov,28-35.28.MalcolmGladwell,“MostLikelytoSucceed”(Maispropensoaobtersucesso),TheNewYorker,15

dedezembrode2008,http://www.newyorker.com/reporting/2008/12/15/081215fa_fact_gladwell.29.MarcSantora,“CUNYPlansNewApproachtoCommunityCollege”(UniversidadedoEstadode

NovaYorkplanejanovaabordagemparafaculdadecomunitária),NewYorkTimes,26dejaneirode2009,http://www.nytimes.com/2009/01/26/education/26college.html?fta=y.

30.AlexanderHamilton,“ReportonManufactures”(Relatóriosobremanufaturas),5dedezembrode1791, University of Chicago Press, The Founders’ Constitution, http://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/v1ch4s31.html.

31.RonChernow,AlexanderHamilton(NovaYork:PenguinPress,2004).32.AbrahamLincoln,Speech toGermans inCincinnati,Ohio (Discurso aos alemães emCincinnati,

Ohio), 12 de fevereiro de 1861, Collected Works of Abraham Lincoln (Trabalhos completos deAbrahamLincoln),vol.4(Piscataway,NJ:RutgersUniversityPress,1990),203.

33. Theodore Roosevelt, “Social Evolution” (Evolução social), em American Ideals, and Other Essays,SocialandPolitical(Ideaisamericanoseoutrosensaios,sociaisepolíticos),vol.2(NovaYork:G.P.Putnam’sSons,1907),154.

34.MichaelOakeshott,“PoliticalEducation”(Educaçãopolítica)emRationalisminPoliticsandOtherEssays(Racionalismonapolíticaeoutrosensaios)(Londres:Methuen,1977),127.

35. Thomas Sowell, Marxism: Philosophy and Economics (Marxismo: filosofia e economia) (Londres:GeorgeAllen&Unwin,Ltd.,1985),14.

Capítulo21—AOUTRAEDUCAÇÃO

1.AtulGawande,“TheWayWeAgeNow”(Amaneiracomoenvelhecemosagora),TheNewYorker,30deabrilde2007,http://www.newyorker.com/reporting/2007/04/30/070430fa_fact_gawande.

2.Gawande,“TheWayWeAgeNow”.3.PatriciaA.Reuter-LorenzeCindyLustig,“BrainAging:ReorganizingDiscoveriesAbouttheAging

Mind” (O envelhecimento do cérebro: reorganizando descobertas sobre a mente envelhecendo),Current Opinion in Neurobiology 15 (2005): 245-51,http://www.bus.umich.edu/neuroacrp/Yoon/ReuterLorenzLustig2005.pdf.

4.LouisCozolino,TheHealthyAgingBrain:SustainingAttachment,AttainingWisdom(Envelhecimentosaudável do cérebro:mantendoo apego, conquistando a sabedoria) (NovaYork:W.W.Norton&Co.,2008),172.

5.Stephen S.Hall, “TheOlder-and-WiserHypothesis” (A hipótese domais velho/mais sábio),NewYork Times, 6 de maio de 2007, http://www.nytimes.com/2007/05/06/magazine/06Wisdom-t.html.

6.Hall,“TheOlder-and-WiserHypothesis”(Ahipótesedomaisvelho/maissábio).7.Norma Haan, Elizabeth Hartka, e Roger Millsap, “As Time Goes By: Change and Stability in

PersonalityOver Fifty Years” (Com o passar do tempo:mudança e estabilidade na personalidadedurante cinquenta anos), Psychology and Aging 1, n. 3 (1986): 220-32,http://www.psych.illinois.edu/~broberts/Haan%20et%20al,%201986.pdf.

8.GeorgeVaillant,AgingWell:SurprisingGuidepoststoaHappierLifefromtheLandmarkHarvardStudyofAdultDevelopment(Envelhecendobem:sinaissurpreendentesparaumavidamaisfelizdoestudocrucialdaHarvardsobreodesenvolvimentoadulto)(NovaYork:Little,Brown&Co.,2002),254.

9. Andrew Newberg e Mark Robert Waldman, Why We Believe What We Believe: Uncovering OurBiological Need for Meaning, Spirituality, and Truth (Por que acreditamos no que acreditamos:desvendandonossanecessidadebiológicaporsignificado,espiritualidadeeverdade)(NewYork:FreePress,2006),211-212.

10.Vaillant,99-100.11.Daniel J.Siegel,TheMindfulBrain:ReflectionandAttunement in theCultivationofWell-Being (A

menteconsciente:reflexãoeharmonianocultivodobem-estar)(NovaYork:W.W.Norton&Co.,Inc.,2007),62.

12.Siegel,159.13.AndrewNewbergeMarkRobertWaldman,BorntoBelieve:God,Science,andtheOriginofOrdinary

and Extraordinary Beliefs (Nascido para acreditar: Deus, ciência e a origem das crenças comuns eextraordinárias)(NovaYork:FreePress,2006),175.

14.NewbergeWaldman,WhyWeBelieveWhatWeBelieve,203-205.15.RogerScruton,CultureCounts:FaithandFeeling inaBesiegedWorld (Acultura fazdiferença: fé e

sentimentoemummundositiado)(NovaYork:EncounterBooks,2007),41.16.WaltWhitman,Leaves ofGrass (NovaYork: PenguinBooks, 1986), 53. (Folhas da relva. Rio de

Janeiro:CivilizaçãoBrasileira,1964.)17.JonahLehrer,ProustWasaNeuroscientist(NovaYork:HoughtonMifflinCo.,2007),140.18.Michael S.Gazzaniga,Human: The Science Behind What Makes Us Human (Nova York: Harper

Perennial,2008),210.19.Daniel J. Levitin, This Is Your Brain on Music: The Science of a Human Obsession (Nova York:

Dutton,2006),116.(Amúsicanoseucérebro.SãoPaulo:CivilizaçãoBrasileira,2010.)20.LeonardMeyer,Emotion andMeaning inMusic (Emoção e significado emmúsica) (Chicago, IL:

UniversityofChicagoPress,1961).21.SemirZeki,SplendorsandMiseriesoftheBrain:Love,Creativity,andtheQuestforHumanHappiness

(Esplendores emisériasdo cérebro: amor, criatividade e abuscapor felicidadehumana) (Malden,MA:Wiley-Blackwell,2009),29.

22.ChrisFrith,MakingUp theMind:How theBrainCreatesOurMentalWorld (Tomando decisões:comoocérebrocrianossomundomental)(Malden,MA:BlackwellPublishing,2007),111.

23.DenisDutton,TheArt Instinct: Beauty, Pleasure, andHumanEvolution (Nova York: BloomsburyPress,2009),17-19.(Arteeinstinto.Lisboa:TemaseDebates,2010.)

24.Gazzaniga,229.25.Gazzaniga,230.

26.GeneD.Cohen,TheMatureMind:ThePositivePoweroftheAgingBrain(Amentemadura:opoderpositivodoenvelhecimentocerebral)(NovaYork:BasicBooks,2005),148.

27.Lehrer,87.28.NancyC.Andreasen,TheCreative Brain: The Science ofGenius (O cérebro criativo: a ciência do

gênio)(NovaYork:Plume,2006),44.29.GuyClaxton,Hare Brain, Tortoise Mind: How Intelligence Increases When You Think Less (Nova

York:HarperPerennial,2000),60.30.Cozolino,28.31.Cozolino,29-30.32.Cohen,178.33.MalcolmGladwell,“LateBloomers”(Osqueflorescemmaistarde),TheNewYorker,20deoutubro

de2008,http://www.newyorker.com/reporting/2008/10/20/081020fa_fact_gladwell.34.KennethClark,“TheArtistGrowsOld”(Oartistaenvelhece),Daedalus135,n.1(Inverno2006):

87,http://mitpress.mit.edu/journals/pdf/Clark_77_90.pdf.35.Scruton,44.36. Kenneth S. Clark, Civilization: A Personal View (Nova York: Harper & Row, 1969), 60.

(Civilização:umavisãopessoal.SãoPaulo:MartinsFontes,1995.)37.MichaelWard,“C.S.LewisandtheStarofBethlehem”(C.S.LewiseaestreladeBelém),Books&

Culture, Janeiro / Fevereiro 2008,http://www.booksandculture.com/articles/2008/janfeb/15.30.html.

Capítulo22—SIGNIFICADO

1.LydiaDavis,“HappiestMoment”(Omomentomaisfeliz),emSamuelJohnsonIsIndignant(SamuelJohnsonestáindignado)(NovaYork:Picador,2002),50.

2.EstherM.Sternberg,HealingSpaces:TheScienceofPlaceandWell-Being(Cambridge,MA:BelknapPress,2009),49.

3.Sternberg,50.4.CharlesTaylor,Sourcesof theSelf:TheMakingof theModernIdentity (As fontesdoeu: a criaçãoda

identidademoderna)(Cambridge:UniversityofCambridgePress,2006),297.5.JenniferRuark,“TheArtofLivingMindfully”(Aartedeviveratentamente),TheChronicleofHigher

Education,3dejaneirode2010,http://chronicle.com/article/The-Art-of-Living-Mindfully/63292/.6.DanielL.Schacter,SearchingForMemory:TheBrain,TheMind,andthePast(Embuscadamemória:

océrebro,amenteeopassado)(NovaYork:BasicBooks,1996),298.7.GeorgeE.Vaillant,AgingWell: SurprisingGuideposts to aHappierLife from theLandmarkHarvard

StudyofAdultDevelopment(NovaYork:Little,Brown&Co.,2002),31.8.Vaillant,10-11.9.LouisCozolino,TheHealthyAgingBrain:SustainingAttachment,AttainingWisdom(Envelhecimento

saudável do cérebro:mantendoo apego, conquistando a sabedoria) (NovaYork:W.W.Norton&Co.,2008),188.

10.ViktorEmilFrankl,Man’sSearchforMeaning(Boston,MA:BeaconPress,1992),105.11.Frankl,84.12.Frankl,85.13.ErvingGoffman,ThePresentationofSelfinEverydayLife(Apresençadoeunavidacotidiana)(Nova

York:AnchorBooks,1962).14. Roy F. Baumeister, The Cultural Animal: Human Nature, Meaning, and Social Life (O animal

cultural:naturezahumana,significadoevidasocial)(Oxford:OxfordUniversityPress,2005),167.

15.ImmanuelKant,“FundamentalPrinciplesoftheMetaphysicsofMorals”(Princípiosfundamentaisdametafísicadamoral),BasicWritings ofKant (EscritosbásicosdeKant),org.AllanWood (NovaYork:RandomHouse,2001),165.

16.TimothyD.Wilson,Strangers toOurselves:Discovering theAdaptiveUnconscious (Cambridge,MA:BelknapPress,2002),84.

17.Dan P. McAdams, The Redemptive Self: Stories Americans Live By (O eu redentor: histórias queguiamosamericanos)(Oxford:OxfordUniversityPress,2006).

18.Wilson,175-76.19. Steven Johnson,Mind Wide Open: Your Brain and the Newroscience of Everyday Life (New York:

Scribner,2004),1.