O acordo de leniência como corolário do princípio da consensualidade no processo antitruste...

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ano 12 - n. 45 | janeiro/março - 2014 Belo Horizonte | p. 1-238 | ISSN 1678-7102 R. de Dir. Público da Economia – RDPE Revista de Direito PÚBLICO DA ECONOMIA RDPE RDPE_45_MIOLO.indd 1 10/04/2014 10:31:45

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ano 12 - n. 45 | janeiro/março - 2014Belo Horizonte | p. 1-238 | ISSN 1678-7102

R. de Dir. Público da Economia – RDPE

Revista de Direito

PÚBLICO DA ECONOMIA

RDPE

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R454 Revista de Direito Público da Economia : RDPE. – ano 1, n. 1, (jan./mar. 2003)- . – Belo Horizonte: Fórum, 2003-

TrimestralISSN: 1678-71021. Direito público. 2. Direito econômico. I. Fórum.

CDD: 341CDU: 342

REVISTA DE DIREITO PÚBLICO DA ECONOMIA – RDPE

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Sumário

DOUTRINA

ARTIGOS

A responsabilidade civil dos administradores de companhias abertas e a proteção dos acionistas minoritáriosAna Carolina Rodrigues ........................................................................................................... 9

1 Introdução ................................................................................................................. 92 Responsabilidade dos administradores (art. 158 da Lei nº 6.404/76) ......................... 133 Ação de responsabilidade civil .................................................................................. 153.1 Ações sociais de responsabilidade civil ..................................................................... 153.2 Dificuldades atinentes às ações sociais ut universi ................................................... 183.3 Dificuldades atinentes às ações sociais ut singuli ...................................................... 193.4 Ação individual de responsabilidade civil .................................................................... 234 Exoneração de responsabilidade dos administradores em razão da aprovação das demonstrações financeiras ....................................................................................... 245 Exoneração de responsabilidade dos administradores em razão da boa-fé .................... 266 Evidências empíricas sobre as ações de responsabilidade civil .................................... 267 Conclusão ............................................................................................................... 28 Referências ............................................................................................................. 29

Os projetos de infraestrutura com participação minoritária de empresa estatal e o problema da concessão de garantiasCarlos Ari Sundfeld, Rodrigo Pagani de Souza, Vera Monteiro ................................................. 33

1 Introdução ............................................................................................................... 332 O art. 40, §6º da LRF não alcança as empresas estatais não dependentes .................. 353 A interpretação oficial do art. 40, §6º da LRF ............................................................. 38 Referências ............................................................................................................. 45

O Complexo Industrial da Saúde e as Parcerias de Desenvolvimento Produtivo – O caso brasileiroFlavio Garcia ....................................................................................................................... 47

1 Introdução ............................................................................................................... 472 O direito à saúde e o dever estatal na viabilização do acesso dos medicamentos ......... 483 O Complexo Industrial da Saúde – Objetivos e fundamento constitucional .................... 524 As Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) ..................................................... 555 A natureza jurídica das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) ....................... 586 A utilização do poder de compra estatal e a sua função regulatória no Complexo Industrial da Saúde .................................................................................................. 607 As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e a sua conciliação com a proteção patentária ................................................................................................. 658 Os desafios e riscos na implementação das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) ......................................................................................................... 689 Conclusões ............................................................................................................ 71 Referências ............................................................................................................. 74

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Reformando marcos regulatórios de infraestrutura – Primeiras notas ao caso das ferroviasLeonardo Coelho Ribeiro ....................................................................................................... 77

Introdução ............................................................................................................... 771 O modelo atual de delegação do serviço público de transporte ferroviário de cargas ...... 792 Colocação preliminar – Reformando marcos regulatórios de infraestrutura .................... 832.1 Reforma regulatória e estabilidade institucional .......................................................... 832.2 Reforma de marcos regulatórios de infraestrutura – Peculiaridades e o caso do setor ferroviário ................................................................................................... 853 O novo modelo regulatório das ferrovias .................................................................... 893.1 A Empresa de Planejamento e Logística e o Programa de Investimentos em Logística .... 903.2 Panorama do novo modelo regulatório de delegação das ferrovias ............................... 924 Fragilidades jurídicas das inovações do modelo de delegação proposto para o setor de ferrovias ............................................................................................................. 934.1 Ausência de marco legal prevendo o novo modelo e seu regime de coexistência com o modelo atual ................................................................................................. 944.2 A desverticalização das ferrovias e suas limitações .................................................... 964.3 Repartição de riscos – A assunção do risco da demanda pela VALEC ......................... 1004.4 A falta de garantias institucionalizadas da delegação e o risco VALEC ........................ 1064.5 A antecipação de receitas sem previsão legal .......................................................... 1085 Conclusão ............................................................................................................. 109

A contratação integrada no Regime Diferenciado de Contratação – Inadequação da teoria da imprevisão como critério para o reequilíbrio econômico-financeiro do contratoMarcos Nóbrega ................................................................................................................ 111

1 Introdução ............................................................................................................. 1112 Execução indireta de obras e serviços de engenharia ................................................ 1123 Contratação integrada ............................................................................................ 1154 Vantagens da contratação integrada ........................................................................ 1184.1 Concentração de responsabilidade .......................................................................... 1184.2 Economia de tempo ............................................................................................... 1194.3 Diminuição do preço final ....................................................................................... 1195 Desvantagens da contratação integrada ................................................................... 1205.1 Difícil comparação de propostas ............................................................................. 1205.2 Risco de diminuição do número de participantes na licitação ..................................... 1215.3 O risco do design down .......................................................................................... 1216 Teoria da imprevisão e reequilíbrio econômico-financeiro ........................................... 1256.1 Insuficiência da teoria da imprevisão como substrato teórico para o Reequilíbrio Financeiro do contrato administrativo ....................................................................... 1276.2 Incompletude contratual e reequilíbrio econômico-financeiro (discernindo entre bons contratos e más instituições) .......................................................................... 1367 Conclusão ............................................................................................................. 140

As relações entre a União Europeia e o Brasil no contexto da internacionalização de contratos públicosNuno Cunha Rodrigues ........................................................................................................ 143

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O acordo de leniência como corolário do princípio da consensualidade no processo antitruste brasileiroShirlei Silmara de Freitas Mello, Patrícia Lopes Maioli, Leandro de Paula Assunção Abati ...... 153

Introdução ............................................................................................................. 1531 Ordem econômica, constituição e intervenção estatal ............................................... 1542 O princípio da consensualidade na Administração Pública ......................................... 1562.1 O princípio da consensualidade ............................................................................... 1562.2 Princípios correlatos ............................................................................................... 1593 O acordo de leniência ............................................................................................. 1623.1 Conceito ................................................................................................................ 1623.2 Requisitos e benefícios .......................................................................................... 1633.3 O acordo de leniência e a consensualidade ............................................................. 164 Conclusão ............................................................................................................. 166

Direitos dos trabalhadores nos acordos comerciais internacionais – O caso da União EuropeiaVital Moreira ...................................................................................................................... 169

1 Introdução ao tema ................................................................................................ 1692 Ausência de “cláusula social” nos tratados da Organização Mundial do Comércio (OMC) ..................................................................................................... 1702.1 Do GATT à “Declaração de Singapura” ..................................................................... 1702.2 O princípio da “nação mais favorecida” (MFN) e a exceção dos acordos de liberalização comercial ....................................................................................... 1732.2.1 O princípio da nação mais favorecida ....................................................................... 1732.2.2 As derrogações do princípio MFN ............................................................................ 1743 Os Tratados da União Europeia e os objetivos extracomerciais da política de comércio externo da União ................................................................................. 1763.1 A “política comercial comum” como competência exclusiva da União ......................... 1763.2 Princípios e objetivos específicos da política de comércio externo da UE .................... 1763.3 Outros princípios e objetivos da ação externa da União ............................................. 1774 Os direitos fundamentais dos trabalhadores no direito internacional e no direito constitucional da União Europeia ............................................................................ 1784.1 A proteção internacional dos direitos fundamentais dos trabalhadores ....................... 1784.2 Os DFT no direito constitucional da União ................................................................ 1815 Os direitos laborais nos acordos de comércio da União Europeia ............................... 1835.1 A progressiva multiplicação de cláusulas laborais em acordos comerciais .................. 1835.2 O precedente dos EUA ............................................................................................ 1845.2.1 As normas laborais nos acordos comerciais norte-americanos ................................... 1845.2.2 Características do modelo norte-americano ............................................................. 1865.3 A cláusula de direitos humanos nos acordos comerciais da UE ................................. 1875.3.1 Objeto e alcance da cláusula .................................................................................. 1875.3.2 Relevância da cláusula para os direitos fundamentais dos trabalhadores .................. 1885.3.3 Legitimidade da cláusula de direitos humanos ......................................................... 1895.4 O capítulo de “desenvolvimento sustentável” nos acordos de comércio da União ........ 1905.5 Legitimidade das cláusulas laborais na política de comércio internacional da UE ........ 1945.6 O “modelo UE” de direitos laborais nos acordos de comércio .................................... 1955.7 Comparação com os Estados Unidos ....................................................................... 1985.8 Como reforçar o modelo europeu ............................................................................ 2006 Balanço e perspetivas ............................................................................................ 2026.1 Luzes e sombras ................................................................................................... 2026.2 Limitações dos instrumentos disponíveis ................................................................. 2036.3 Perspetivas de evolução ......................................................................................... 2056.4 Em jeito de conclusão ............................................................................................ 206 Referências .......................................................................................................... 206

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Regulação do setor elétrico e custos de transação – A comercialização de energia elétrica no BrasilRuy Pereira Camilo Junior.................................................................................................... 213

1 Introdução – A economia de custos de transação ..................................................... 2132 Características do setor elétrico .............................................................................. 2153 Integração vertical, unbundling e o surgimento dos mercados de energia ................... 2174 Histórico da comercialização de energia no Brasil ..................................................... 2215 A inadimplência no mercado de energia de curto prazo e sua recente reforma ............ 226 Conclusão ............................................................................................................. 229 Referências ........................................................................................................... 229

ÍNDICE .............................................................................................................................231

INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES .................................................................................237

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153R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 12, n. 45, p. 153-167, jan./mar. 2014

O acordo de leniência como corolário do princípio da consensualidade no processo antitruste brasileiro

Shirlei Silmara de Freitas MelloDoutora em Direito pela Universidade Federal de Minas de Gerais (UFMG). Professora associada nos cursos de graduação e mestrado em Direito Público na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: <[email protected]>.

Patrícia Lopes MaioliMestranda em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Espe-cialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bacha rela pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Professora Universitária. E-mail: <[email protected]>.

Leandro de Paula Assunção AbatiBacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Especialista em Direito Constitucional Contemporâneo pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania (IDCC) e Faculdades Integradas do Brasil (UNIBRASIL). Membro Pesquisador do Núcleo de Estudos Constitucionais “Prof. Dr. Zulmar Fachin” (NEC-DDP/UEM) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pesquisador no Grupo de Pesquisa-CNPQ “Controle de Constitucionalidade Concentrado e a Defesa da Dignidade da Pessoa Humana” da Universidade Estadual de Maringá. Advogado. E-mail: <[email protected]>.

Resumo: Inicia-se o presente artigo tratando acerca da possibilidade de intervenção do Estado na economia com o fim de equilíbrio do mercado, voltando-se a discussão ao princípio da livre concorrência. Após, realiza-se a análise do princípio da consensualidade, bem como os princípios correlatos a ele. Por fim, analisa-se o instituto do acordo de leniência, seu conceito, benefícios e requisitos e conclui-se ser este importante instrumento de consensualidade no direito brasileiro.

Palavras-chave: Consensualidade. Acordo de leniência. Livre concorrência.

Sumário: Introdução – 1 Ordem econômica, Constituição e intervenção estatal – 2 O princípio da consensualidade na Administração Pública – 2.1 O princípio da consensualidade – 2.2 Princípios correlatos – 3 O acordo de leniência – 3.1 Conceito – 3.2 Requisitos e benefícios – 3.3 O acordo de leniência e a consensualidade – Conclusão

Introdução

A ordem constitucional econômica brasileira constitui-se num sistema de regras

e princípios regulados pelos arts. 170 a 192 da Constituição Federal, que trazem os

fundamentos informadores de toda atividade econômica.

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SHIRLEI SILMARA DE FREITAS MELLO, PATRÍCIA LOPES MAIOLI, LEANDRO DE PAULA ASSUNÇÃO ABATI

O texto constitucional apresenta princípios que devem ser protegidos com o fim

de garantir equilíbrio no mercado, dentre os quais está a proteção da livre concorrência.

A violação desse dispositivo causa grandes prejuízos para a coletividade.

Ocorre que atores do mercado, em diversas situações, reúnem-se com o obje-

tivo de fraudar esse princípio, instituindo, para si, vantagens e preços melhores que

encontrariam caso o mercado permanecesse em livre concorrência. Tais conluios

prejudicam a economia como um todo, haja vista desequilibrarem as condições de

atuação de fornecedores e consumidores.

Essas condutas são consideradas anticoncorrencias pela legislação brasileira,

cabendo ao Sistema Brasileiro de Defesa Econômica sua investigação e punição.

Todavia, a averiguação desses acordos é de difícil constatação.

Com intuito de facilitar o conhecimento de tais condutas, criou-se o instituto

do acordo de leniência para a defesa da livre concorrência, sistema pelo qual são

fornecidas vantagens, tais como a possibilidade de imunidade administrativa total, ao

primeiro participante do conluio que denunciar a prática e colaborar com as provas.

Ademais, cumpre ressaltar que há tendência, na pós-modernidade, de aproxi-

mação do particular e Administração Pública — busca-se que aquele participe das

decisões tomadas pelo Poder Público. Fala-se aqui do princípio da consensualidade.

O acordo de leniência é um dos principais institutos jurídicos consensuais para

a proteção à concorrência por constituir-se em uma forma de auxílio mútuo entre

Administração e particulares. A importância desse é gigante, razão pela qual o seu

estudo, no âmbito do princípio da consensualidade, se faz necessário.

1 Ordem econômica, Constituição e intervenção estatal

Para Eros Roberto Grau, a ordem econômica, ainda que se oponha à ordem

jurídica, é usada para referir-se a uma parcela da ordem jurídica, que compõe um sis-

tema de princípios e regras, compreendendo uma ordem pública, uma ordem privada,

uma ordem econômica e uma ordem social.1

No Brasil, a ordem econômica possui garantia constitucional, sendo disciplinada

no Título VII da Constituição Federal (CF), entre os arts. 170 e 181. O art. 170 da

Constituição Federal define, com base na valorização do trabalho humano e na livre-

iniciativa, a segurança da existência digna, definindo os princípios a serem observados

para a consecução de tais objetivos, quais sejam: soberania nacional; propriedade

privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor;

defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

1 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 51.

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O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA CONSENSUALIDADE NO PROCESSO ANTITRUSTE BRASILEIRO

prestação; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego;

tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis

brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Tais princípios garantem a estabilidade entre um sistema capitalista e a proteção

dos direitos fundamentais do cidadão. São eles o ponto de equilíbrio da modernidade

líquida,2 na qual nada possui durabilidade, vez que garantem que haja certa solidez

da proteção destes direitos — sua mutabilidade está garantida apenas para maior

abrangência.

Tal estabilidade ocorre devido ao fato de se tratar de uma ordem intervencionista,3

vez que pressupõe a interferência estatal na economia. O objetivo da ordem econômica

brasileira, de cunho intervencionista, é a formação de uma ordem econômica justa,

que forneça a todos os habitantes do país a possibilidade de vida digna. Marinho e

França entendem que a:

[...] intervenção econômica do Estado, prioriza a formação de uma ordem econômica justa, que propicie a existência digna de todos, tendo como base a valorização do trabalho e a livre iniciativa, o que deve ser uma preocupação permanente do Poder Público.4

Neste diapasão, cumpre entender que a intervenção do Estado na economia

pode ser direta, na qual o Estado intervém como proprietário, empresário e fornecedor

de serviços,5 e indireta, na qual “o Estado dirige e controla a economia privada”.6

Ademais, no entender de Eros Roberto Grau,7 ora adotado, três são as inter-

venções estatais na economia, quais sejam, a intervenção por absorção ou por par-

ticipação, na qual o Estado atua como agente econômico; a intervenção por direção

— nesta o Estado intervém na Economia por meio de mecanismos e normas de

comportamento compulsório; e, por fim, a intervenção por indução, na qual “o Estado

manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis

que regem o funcionamento dos mercados”.8

2 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2001. p. 132-135.

3 GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 312.4 MARINHO, Karoline Lins Câmara; FRANÇA, Vladimir da Rocha. Tributação como instrumento de intervenção do

Estado no domínio econômico. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 17., 2008. Brasília. Anais... Brasília/DF 20- 22 nov. 2008. p. 2.

5 MARTINS, Gustavo do Amaral. Mercado e tributação: os tributos, suas relações com a ordem econômica e a necessidade de considerá-la na interpretação e aplicação do sistema tributário. In: DOMINGUES, José Marcos (Coord.). Direito tributário e políticas públicas. São Paulo: MP, 2008. p. 121.

6 MARTINS. Mercado e tributação: os tributos, suas relações com a ordem econômica e a necessidade de considerá-la na interpretação e aplicação do sistema tributário. In: DOMINGUES (Coord.). Direito tributário e políticas públicas, p. 121.

7 GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 132-135.8 GRAU. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 133.

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SHIRLEI SILMARA DE FREITAS MELLO, PATRÍCIA LOPES MAIOLI, LEANDRO DE PAULA ASSUNÇÃO ABATI

Dentre os princípios garantidos pelo art. 170, supracitados, encontra-se a livre

concorrência (inciso IV), a qual intenta o controle do mercado (intervenção) com o fim de buscar a maior eficiência possível; almeja-se, com a intervenção do Estado no domínio econômico, evitar prejuízos à coletividade. De acordo com Andrade, Mello e Romanichen:

O princípio da livre concorrência se baseia no pressuposto de que a con-corrência não pode ser restringida ou destruída por agentes econômicos com poder de mercado. Assim, o Estado tem o dever de zelar para que estes sujeitos não a prejudiquem.9

Justifica-se a intervenção na medida em que esta proteja a livre concorrência, evitando que condutas antitruste sejam praticadas contra a econômica popular, pre-judicando não só esta, como também o cidadão.

2 O princípio da consensualidade na Administração Pública

2.1 O princípio da consensualidade

Na realidade pós-moderna atual vivencia-se uma crise10 no papel desenvolvido pelo Estado perante a sociedade. O interesse público, por muito, era entendido como monológico e imperativista,11 a supremacia do interesse público sobre o particular levada ao extremo.

Esta realidade é descrita com primor por Zygmut Bauman12 em seu livro Moder nidade líquida. O autor descreve a Modernidade como pesada, era na qual as instituições são sólidas, época do hardware, das máquinas pesadas. Nesta impera a figura do Estado como detentor de soberania total em seu território, que trás o monopólio de resolução das questões.

Ocorre que a sociedade global vive um momento de modernidade líquida, de software, na qual o espaço territorial perdido seu “valor estratégico” em razão da quase-instantaneidade do tempo, em que não há mais instituições sólidas — tudo é modificável de maneira rápida, não há forma definida.13 A pós-modernidade, deste modo, caracteriza-se tanto por uma instabilidade como por uma velocidade de

transformação muito grande.

9 ANDRADE, Auranda Blumenschein; MELLO, Shirlei Silmara de Freitas; ROMANICHEN, Michelle Malaquias. Processo administrativo antitruste e antidumping: estudo comparativo do aspecto consensual no exercício da função administrativa no acordo de leniência e no compromisso de preços. Revista da Faculdade de Direito da UFG, Goiânia, v. 33, n. 2, p. 199, jul. 2009. Disponível em: <www.revistas.ufg.br/index.php/revfd/article/download/9884/6758>. Acesso em: 16 jun. 2013.

10 A acepção de crise ora utilizada baseia-se no entendimento de Thomas Kuhn para paradigmas. 11 OLIVEIRA, Gustavo Justino; SCHAWANKA, Cristiane. A administração consensual como a nova face da

Administração Pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumento de ação. In: OLIVEIRA, Gustavo Justino. Direito administrativo democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 217.

12 BAUMAN. Modernidade líquida, p. 132-135. 13 BAUMAN. Modernidade líquida.

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O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA CONSENSUALIDADE NO PROCESSO ANTITRUSTE BRASILEIRO

Nesta realidade, o Estado perde a sua principal característica moderna — a

soberania absoluta. Tratados internacionais passam a influir na esfera interna dos

países, bem como o mercado de consumo passa a contar com dimensão global frente

ao constante desenvolvimento da tecnologia. Ricardo Luis Lorenzetti14 está correto ao

descrever certa desordem na fronteira entre o direito público e privado — as decisões

de ambos passam a se misturar e estabelecem uma nova comunicação entre o que

é público e o que é privado.

O aumento das atividades econômicas de maneira global passa a influir nas

decisões que devem ser tomadas pelo Poder Público — tornaram-se, cada vez mais,

complexas. A sociedade pluralista (diversidade de interesses) passa a bater à porta do

Estado, buscando soluções não previamente definidas, mas sim uma administração

de conflitos com o objetivo de atender a todos os seus interesses de forma mais

abrangente possível.

Nesse cenário de constantes mudanças e transformações dos atores principais do direito público — quais sejam, o Estado e a sociedade —, o direito administrativo vem sentindo os efeitos de suas metamorfoses para se adequar à realidade emergente e encontrar novos caminhos, em busca de eficiência e efetividade nas políticas públicas.15

Maior cautela passa a ser requerida na tomada das decisões estatais. O Estado,

que na sociedade moderna impunha as decisões aos particulares — poder de império —,

inclina-se a atuar como mediador e garante16 na atualidade.

A função de garantidor deste novo Estado tem origem em sua “consolidada obri-

gação constitucional de protagonizar a efetivação de um extenso catálogo de direitos

fundamentais”.17

Surge, assim, a necessidade do diálogo e da participação entre Administração

Pública e sociedade — parceria entre o público e o privado. A consensualidade, deste

modo, aparece como um modo de encontrar esta maior eficiência para administração

dos conflitos da pós-modernidade.

Na administração consensual preza-se pela abertura da possibilidade de diálogo

entre Administração e administrados em parceria, razão pela qual Caraçato e Santos

apresentam a seguinte conceituação:

14 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Tradução de Bruno Miragem, Claudia Lima Marques. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 39.

15 CARAÇATO, Gilson; SANTOS, André Luiz Lopes dos. A consensualidade e os canais de democratização da Administração Pública. In: CARDOSO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, José Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos. Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. v. 1, p. 797.

16 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. 14. ed. São Paulo: Guerra e Paz, 2005. p. 26.17 OLIVEIRA; SCHAWANKA. A administração consensual como a nova face da Administração Pública no século

XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumento de ação. In: OLIVEIRA. Direito administrati-vo democrático, p. 212.

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O princípio da consensualidade atua pela substituição, sempre que pos-sível, da imperatividade pelo consenso nas relações Estado/sociedade e pela criação de atrativos aos entes da sociedade civil para atuarem em diversas formas de parceria com as diferentes entidades do Poder Público.18

Esta possibilidade de uma administração consensual vem de encontro aos di-

tames da eficácia, eficiência, responsabilidade, entre outros, gerando o que pode se

denominar de práticas de boa governança na Administração Pública uma vez que sua

utilização facilita e acelera a resolução de possíveis controvérsias.

Gustavo Justino de Oliveira e Cristiane Schwanka19 apresentam a expressão

governar por contratos, através da qual há a necessidade de a Administração esta-

belecer vínculos para obtenção de melhores resultados em suas ações. Os autores

explicam estes vínculos:

Convém ressaltar que vínculos são criados mediante um prévio e neces-sário processo de negociação, em que são discutidas as bases sobre as quais eventualmente serão firmados acordos e contratos. O conteúdo desses ajustes será o objeto do entendimento, do possível consenso entre as partes; será o resultado das concessões e dos intercâmbios realizados no transcurso do processo de negociação que antecedeu ao compromisso.20

A consensualidade sinaliza uma nova perspectiva para a Administração, na qual

ela busca contato com a sociedade para o fim da resolução das questões que surgem

ao longo do tempo.

Aduzem Andrade, Mello e Romanichen21 que “é importante considerar que o consen-

sualismo deve preponderar sobre o formalismo exacerbado, sendo preferível a solução

do conflito pacificamente à formalidade despida de razão”. Deste modo, a administra-

ção consensual apresenta vantagem sobre a tradicional ao facilitar os procedimentos,

atingindo melhores resultados que os apresentados na forma impositiva de administrar.

Como forma de expressão dessa consensualidade, apresentam-se a concertação

administrativa e a contratualização administrativa. Para Vital Moreira:

18 CARAÇATO; SANTOS. A consensualidade e os canais de democratização da Administração Pública. In: CARDOSO; QUEIROZ; SANTOS. Curso de direito administrativo econômico, v. 1, p. 804.

19 OLIVEIRA; SCHAWANKA. A administração consensual como a nova face da Administração Pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumento de ação. In: OLIVEIRA. Direito administrati-vo democrático, p. 217.

20 OLIVEIRA; SCHAWANKA. A administração consensual como a nova face da Administração Pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumento de ação. In: OLIVEIRA. Direito administrati-vo democrático, p. 218.

21 ANDRADE; MELLO; ROMANICHEN. Processo administrativo antitruste e antidumping: estudo comparativo do aspecto consensual no exercício da função administrativa no acordo de leniência e no compromisso de preços. Revista da Faculdade de Direito da UFG, p. 203.

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[...] concertação é o esquema que consiste em as decisões serem apuradas como resultado de negociações e do consenso estabelecido entre o Estado e as forças sociais interessadas, limitando-se o Governo e a Administração a dar força oficial às conclusões alcançadas.22

A contratualização administrativa consiste na substituição de ações unilaterais

por relações que se fundamentam em um diálogo e negociações entre as partes.

Como instrumento da administração consensual tem-se o “acordo”, que se subdivide

em conciliação e transação administrativa. A primeira busca promover o entendimento

entre as partes, enquanto a transação administrativa:

[...] representa uma estratégia de negociação por meio da qual as partes envolvidas na relação jurídica administrativa controvertida, mediante con-cessões recíprocas, previnem ou terminam litígio. Assim, para ocorrer a transação é essencial a existência de uma relação controvertida, na qual a solução é estabelecida pelas próprias partes, devendo resultar, não da vontade unilateral, mas da vontade das partes litigantes de estabelece-rem, de comum acordo, a solução para o conflito.23

Interessa, para o presente estudo, a transação administrativa. Dentre os muitos

exemplos que se poderiam citar, o acordo de leniência, instituído, atualmente, pela

Lei nº 12.529/12, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica;

e a Lei nº 12.846/13, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil

de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional

ou estrangeira, é o estudo do presente texto. Esse visa a resolução de um conflito

(conduta antitruste), por meio de concessões recíprocas.

2.2 Princípios correlatos

A utilização do consensualismo no âmbito público trata-se de um meio inovador

de participação popular, haja vista que o cidadão é chamado a participar, juntamente

com os órgãos, da Administração Pública. A Administração deixa de decidir unilateral-

mente, procurando envolver o cidadão em suas decisões.

Essa autonomia decisória proporcionada pela administração consensual

relaciona-se com os princípios que regem a Administração Pública, tais como a

22 MOREIRA, Vital, 1991 apud OLIVEIRA; SCHAWANKA. A administração consensual como a nova face da Administração Pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumento de ação. In: OLIVEIRA. Direito administrativo democrático.

23 OLIVEIRA; SCHAWANKA. A administração consensual como a nova face da Administração Pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumento de ação. In: OLIVEIRA. Direito administrati-vo democrático, p. 227.

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moralidade, eficiência, razoabilidade, dentre outros, para a garantia da segurança

jurídica das decisões.

Ressalta-se a importância da observação de dois princípios em especial, quais

sejam, a razoabilidade (rule of reason) e da verdade material. Ambos apresentam

relevância ímpar para a administração consensual.

A verdade material exprime a necessidade de o processo administrativo reve-

lar a realidade dos fatos, e não o que foi apresentado pelas partes. Tal conceito

contrasta com a ideia de verdade processual, presente no âmbito judicial. Neste, a

verdade a ser encarada pelo juiz é a apresentada pelas partes, enquanto no processo

administrativo buscam-se todos os meios possíveis para que a realidade dos fatos

seja obtida. Nesse diapasão, segue o conceito apresentado por Hely Lopes Meirelles:

Verdade material: o princípio da verdade material, também denominado de liberdade na prova, autoriza a Administração a valer-se de qualquer prova lícita de que a autoridade processante ou julgadora tenha conhecimento, desde que a faça trasladar para o processo. É a busca da verdade material em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o juiz deve-se cingir às provas indicadas no devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade processante ou julgadora pode, até final julgamento, conhecer de novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem as alegações em tela.24

No mesmo sentido entende Patoni, ao dissertar sobre o tema, aduz que há uma

otimização da investigação:

Ao ceder à Administração informações sobre a infração investigada, o de-lator do cartel colabora com aquela para uma otimização da investigação para que se consiga perquirir a “verdade real” — princípio da verdade real, sobre os fatos apurados, com vistas à instauração de futuro proces-so contra os demais participantes do ilícito.25

No âmbito do processo administrativo antitruste, a busca de verdade material

exerce papel singular, pois, apenas com a realidade dos fatos pode-se compreender

a gravidade da situação e seus resultados, tomando-se, a partir daí, as providências

cabíveis. O acordo de leniência é um dos principais meios para que toda a verdade

real seja alcançada, vez que proporciona a um envolvido na conduta desleal vantagens

se expuser os fatos como ocorreram e prová-los.

24 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 31. ed. São Paulo: Malheiros, p. 683. 25 PANTONI, Roberta Alessandra. Consensualidade como instrumento de legitimidade no processo antitruste

sancionador brasileiro: considerações sobre o “Acordo de Leniência”. 2012. 126 f. Dissertação (Mestrado)–Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012. f. 115.

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O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA CONSENSUALIDADE NO PROCESSO ANTITRUSTE BRASILEIRO

Ainda, no que tange à rule of reason, compreende-se que a Administração

Pública deve se primar pela razoabilidade para que seus atos possuam legitimidade.

Sua importância remonta ao fato de a administração consensual trabalhar com base

na discricionariedade, mostrando-se evidente que a decisão a ser tomada, além de

adotar a perspectiva dos administrados, deve aplicar o razoável. Assim, esta discri-

cionariedade não pode resultar em atos incoerentes — deve haver adequação entre

a finalidade dos atos e os meios utilizados.

Com esses elementos, desejamos frisar que o princípio da razoabilidade tem que ser observado pela Administração à medida que sua conduta se apresente dentro dos padrões normais de aceitabilidade. Se atuar fora desses padrões, algum vício estará, sem dúvida, contaminando o comportamento estatal. Significa dizer, por fim, que não pode existir violação ao referido princípio quando a conduta administrativa é intei-ramente revestida de ilicitude.26

Hely Lopes Meirelles27 é claro ao entender que o princípio da razoabilidade

“poder ser chamado de princípio de princípio da proibição do excesso”; esse objetiva

evitar que a Administração Pública cometa abusos ou restrições desnecessárias,

lesionando os direitos fundamentais.28 Calixto Salomão aduz que:

Mesmo sofrendo certas resistências iniciais, a regra da razão acabou cedo por se firmar, restringindo a aplicação do dispositivo apenas àque-les contratos que causassem uma desarrazoada (unreasonable) restri-ção ao comércio. A expressão “desarrazoada” envolve dois aspectos. Em primeiro lugar, é necessário que a restrição seja efetiva, ou seja, que realmente restrinja a competição, ao invés de simplesmente esta-belecer regras para ela. Esse é o aspecto qualitativo. Em segundo lugar, é necessário que a restrição seja substancial, ou seja, analisadas as condições estruturais de cada mercado, promova uma substancial redu-ção da competição. Esse é o aspecto qualitativo. Em segundo lugar, é necessário que a restrição seja substancial, ou seja, analisadas as con-dições estruturais de cada mercado, promova uma substancial redução da competição. Esse é o aspecto quantitativo da regra. A fórmula, assim, elaborada pode ser chamada de ‘regra da razão do sentido clássico.29

É a razoabilidade o princípio que rege a atividade administrativa, uma vez que

impõe standards de racionalidade que os agentes públicos devem seguir ao exercer

a função administrativa.30

26 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev. ampl. e atualizada até a Lei nº 12.587, de 03.01.2012. São Paulo: Atlas, 2012. p. 40.

27 MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro, p. 93.28 MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro, p. 93.29 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 173.30 PANTONI. Consensualidade como instrumento de legitimidade no processo antitruste sancionador brasileiro:

considerações sobre o “Acordo de Leniência”, f. 67.

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Esse padrão de racionalidade exigido aos agentes públicos não objetiva regular

apenas as atividades de cunho puramente estatal, mas deve também veicular toda e

qualquer participação da sociedade nas decisões administrativas. Juntamente com a

ideia de verdade material, formam base estrutural da proteção da concorrência.

3 O acordo de leniência

3.1 Conceito

As condutas anticoncorrenciais dividem-se em práticas horizontais e verticais.

Os “acordos horizontais são aqueles celebrados entre agentes econômicos que atuam

em um mesmo mercado relevante (geográfico e material) e estão, portanto, em

direta relação de concorrência”.31 As condutas verticais, por sua vez, “referem-se

às condutas promovidas na tentativa de se restringir a concorrência em mercados

verticalmente considerados, em mercados relevantes diferentes, mas geralmente

complementares”.32

Independente de sua forma de atuação no mercado, tanto os acordos verticais quan-

to horizontais apresentam um objetivo final: a restrição da concorrência, de forma desleal,

com vistas à obtenção de vantagem econômica. A proteção constitucional do princípio da

livre concorrência, deste modo, motiva a necessidade de coibição dessas práticas.

Ocorre, contudo, que há grande dificuldade na investigação desses acordos; em

decorrência de sua ilicitude, seus participantes o camuflam de maneira extraordinária.

Objetivando facilitar as investigações através da concessão de benefícios ao praticante

de conduta anticoncorrencial, foi criado o programa de leniência no país. Esse foi

introduzido à Lei nº 8.884/94 pela Medida Provisória nº 2.055/00. Atualmente, o

instituto encontra-se na nova lei de proteção à concorrência, Lei nº 12.529/11, sob

a égide dos arts. 86 e 87 desse diploma legal, sendo também regulado pela Portaria

nº 456, de 15 de março de 2010, do Ministério da Justiça.

O termo leniência descreve um sistema que visa uma exoneração parcial ou total

das penalidades aplicáveis a qualquer participante de infração a ordem econômica

que confesse o ilícito e apresente provas que sejam suficientes para a condenação

dos envolvidos na infração,33 conforme dispõe o art. 86 da Lei nº 12.529/11. Sua

conceituação é dada pelo site da antiga SEAE:

31 FORGIONE, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 395.32 PANTONI. Consensualidade como instrumento de legitimidade no processo antitruste sancionador brasileiro:

considerações sobre o “Acordo de Leniência”, f. 45.33 No original: “Leniency is a generic term to describe a system of partial or total exoneration from the penalties

that would otherwise be applicable to a cartel member which reports its cartel membership to a competi-tion enforcement agency” (INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Anti-Cartel Enforcement Manual: Chapter Drafting and implementing an effective leniency policy). Subgroup 2 - Enforcement techniques. May 2009. p. 2. Disponível em: <http://www.internationalcompetitionnetwork.org/uploads/library/doc341.pdf>. Acesso em: 04 set. 2013.

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Acordo de Leniência: programa de redução de penas para os infratores à ordem econômica que se apresentarem espontaneamente às autoridades antitruste, instituído pela Lei nº 10.149/00 e regulamentado pela Portaria MJ nº 849/00. Mediante o programa, aqueles que cooperarem com o Governo, identificando os demais co-autores da infração e apresentando provas concretas, poderão ser poupados de processo administrativo ou ter as suas penas reduzidas de um a dois terços. A Lei nº 10.149/00 garantiu sua extensão à esfera penal, significando que o cumprimento do Acordo de Leniência extingue a punibilidade criminal das infrações à ordem econômica, caso se constituam em crime de ação penal pública.34

Assim, correto desde logo afirmar que esse acordo é um instrumento de política

criminal que alarga o poderio investigatório dos órgãos responsáveis pela fiscalização

da defesa da concorrência, com o objetivo de permitir ao infrator, seja ele pessoa física

ou jurídica, auxiliar nas investigações para prevenir ou reparar a lesão à concorrência

e ter sua penalidade diminuída ou extinta no âmbito administrativo e obter a extinção

da punibilidade de crime contra a ordem econômica, em âmbito penal.35

É o acordo de leniência um dos principais instrumentos de investigação utilizado

pelo sistema de proteção à concorrência com o fim de elucidar as condutas anticon-

correnciais. Tão relevante é sua importância que sua existência é disseminada no

globo, isto é, “um número expressivo de jurisdições adotam programas de leniência

de modo a desvendar tais condutas, tais como África do Sul, Alemanha, Austrália,

Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Hungria, Irlanda, Israel, Japão,

Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e União Europeia”.36

Por fim, cumpre salientar que é esse um sistema aplicável a todas as condutas

anticoncorrenciais coletivas nas quais haja um membro disposto a colaborar com as

investigações do suposto conluio.

3.2 Requisitos e benefícios

Os requisitos para a celebração de um acordo de leniência encontram-se no

art. 86 da Lei nº 12.529/11, bem como no art. 59 e seguintes da Portaria nº 456 do

Ministério da Justiça.

Para que o acordo possa ser firmado, a candidata a este deve colaborar efe-

tivamente com as investigações, colaborando para que essa cooperação resulte na

identificação dos demais envolvidos na infração e na a obtenção de informações e

34 GLOSSÁRIO. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Brasília: SEAE, 2006. Disponível em: <http://www.seae.fazenda.gov.br/central_documentos/glossarios>. Acesso em: 1º set. 2013.

35 ABRÃO, Guilherme Rodrigues. O acordo de leniência no direito penal. IBRAC, 2008. p. 5. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/_imprime.php?jur_id=9724#_ftnref15>. Acesso em: 02 set. 2013.

36 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Cartilha sobre combate a cartéis em licitações. 2. ed. Brasília, 2008. p. 14.

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documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação (art. 86, I e II,

da Lei nº 12.529/11).

O parágrafo primeiro do art. 86 estabelece os requisitos que deverão ser pre-

enchidos pelo candidato, de forma cumulativa, para o fim de celebração do acordo.

Primeiramente, o pretendente ao acordo deve ser o primeiro a se qualificar. Ressalta

Salomi37 que a principal preocupação da lei foi possibilitar que tão somente um infra-

tor pudesse celebrar o acordo e beneficiar-se da imunidade, razão pela qual o acordo

será firmado com o primeiro que buscar o benefício.

Ademais, deve o requerente cessar completamente seu envolvimento com a

infração a partir da data do acordo — no caso do presente requisito, é possível que o

próprio CADE requeira a continuidade do envolvimento, com o fim de atingir a verdade

material.

Salienta-se que o acordo somente pode ser realizado se a Superintendência-

Geral do CADE não possuir provas suficientes para condenar as partes envolvidas

no momento da celebração do acordo; caso contrário, não haveria benefícios à

Administração Pública, injustificando a concessão do acordo.

Por fim, o candidato deve confessar sua participação no ilícito e cooperar plena

e permanentemente com as investigações e o processo administrativo; sempre que

for exigida sua presença, deve comparecer, arcando ele mesmo com as expensas.

Tais requisitos são essenciais para que o infrator possa assinar o acordo de

leniência — é de interesse deste cumprir todas as condições acima em decorrência

da gama de benefícios lhe proporcionada.

O requerente que aderir ao programa pode obter imunidade administrativa, total

ou parcial, a depender se o fato apresentado (confissão) era de conhecimento prévio

ou não do CADE (através da Superintendência-Geral).

Ademais, o acordo de leniência também garante imunidade criminal a dirigentes

e administradores de empresa beneficiária do acordo, desde que eles assinem o

acordo e observem os requisitos acima descritos.

Ressalta-se que os benefícios concedidos ao infrator que assina o acordo

de leniência são imensos, considerando-se, principalmente, as altas penalidades

impostas aos crimes contra a ordem econômica.

3.3 O acordo de leniência e a consensualidade

A proposta do acordo de leniência é trazer, ao auxílio da investigação de conduta

anticoncorrencial, membro desta que pretenda prestar informações que ajudarão na

averiguação dos fatos em troca de benefícios, acima mencionados.

37 SALOMI, Maíra Beauchamp. O acordo de leniência e seus reflexos penais. 2012. 293 f. Dissertação (Mestrado)–Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. f. 132.

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Assim, o acordo de leniência trata-se do instrumento de administração consensual

“acordo”, em sua modalidade de transação administrativa, haja vista que consiste em

uma negociação, mediante concessões recíprocas, que visa o encerramento das ativi-

dades ilegais por meio das informações e provas fornecidas pelo envolvido contratante.

As vantagens para o infrator foram mencionadas no tópico anterior. Com relação

à Administração, as vantagens são incalculáveis. A dificuldade de investigação dos

acordos anticoncorrenciais deve-se às artimanhas encontradas para a violação da

concorrência. Sem qualquer evidência concreta dessas ações, o tempo de investigação

para se atingir o conteúdo dos conluios é demasiado elevado ou não se conseguem

provas suficientes de que há qualquer ilegalidade.

Deste modo, quando há o fornecimento de informações e provas por um membro

deste conluio, facilitasse e acelerasse o processo de investigação e desmantelamento

do grupo, bem como a punição dos envolvidos.

Cumpre salientar que, uma vez firmado o acordo, aquele que denuncia a conduta

antitruste deixa de ser considerado infrator, passando a categoria de auxiliar nas

inves tigações, ressaltando-se a característica consensual desse acordo. Segundo

Villares,38 o acordo de leniência possui natureza contratual, objetivando reduzir ou

extinguir as sanções aplicáveis ao envolvido contratante, afastando ou mitigando sua

responsabilidade.

A principal vantagem que o referido instrumento traz é o retorno do mercado à

situação de livre concorrência (o máximo possível), haja vista que, após encerradas

as atividades ilegais, os fornecedores são obrigados a manter-se no mercado através

da qualidade de seus produtos e preço diminutos.

O consumidor, sujeito final da proteção da concorrência, é o maior beneficiado

dos fins de condutas anticoncorrenciais, uma vez que passa a ter maior acesso a

bens de consumo, com preços acessíveis, melhorando sua qualidade de vida.

A título ilustrativo, discute-se o caso do suposto cartel formado por

multinacionais para superfaturar obras do metrô de São Paulo. Interessa entender

que a empresa Siemens procurou o CADE, em meados do mês de maio de 2013,

para denunciar fraudes em licitações públicas para venda e manutenção de metrôs e

trens metropolitanos.39

Até o momento, não foi constado se há veracidade ou não nas acusações. Insta

salientar que, para o presente estudo, importa o fato de a Siemens ter sido a primeira

a procurar o CADE; e cumpridos os requisitos impostos pela Lei nº 12.529/11, será

beneficiada pelo acordo de leniência.

38 VILLARES, Andréa Lúcia Nazário. Instrumentos jurídicos consensuais para a proteção à concorrência. 2009. 260 f Dissertação (Mestrado)–Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009. f. 145.

39 GALLAS, Daniel. Entenda as investigações sobre cartel e propina no metrô de São Paulo. Londres: BBC Brasil, 3 ago. 2013. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/08/130813_entenda_cartel_sp_dg.shtml>. Acesso em: 05 set. 2013.

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O suposto cartel envolveu valores vultosos do metrô de São Paulo e, caso

confirmado, terá causado prejuízos gigantescos — se continuasse, o prejuízo seria

ainda mais devastador. Assim, a denúncia feita pela Siemens, com o fim de obter

os benefícios do acordo de leniência, beneficiou a concorrência ao delatar a conduta

anticoncorrencial em análise.

Conclui-se que o acordo de leniência constitui-se em importante instrumento

de consensualidade no direito brasileiro, haja vista resultar em acordo de vantagens

entre infrator e Administração Pública, os quais, juntos, aumentam a eficiência das

investigações nas concorrências.

Conclusão

Na atual ordem econômica pátria aplica-se a intervenção estatal com o fim de

manter o equilíbrio do mercado. Muitos são os princípios que embasam a esta, den-

tre os quais está o da livre concorrência.

A proteção à livre concorrência, princípio constitucional, apresenta suma impor-

tância para a estabilidade da ordem econômica, vez que possibilita a manutenção dos

menores preços possíveis, bem como incentiva a constante inovação por parte das

empresas.

Ressalta-se que administração consensual é tendência global de aproximar os

administrados das decisões, buscando meios mais eficientes de resolução das ques-

tões conflitantes. Tal busca baseia-se na alta complexidade vivenciada pelos Estados

na pós-modernidade.

A consensualidade aplicada à proteção da livre concorrência é vital para que as

condutas anticoncorrenciais sejam investigadas e punidas uma vez que a complexi-

dade e dificuldade de investigação inviabilizam, por muitas vezes, a verificabilidade

dos casos concretos. Deste modo, a possibilidade de assinatura de um acordo de

leniência entre autoridade antitruste e infrator, com o fim da busca da verdade real

dos fatos, é de importância ímpar para a proteção do mercado.

O acordo de leniência é, pois, corolário do princípio da consensualidade; haja

vista que se trata de uma contratualização administrativa, a qual visa um acordo de

vantagens recíprocas em Administração e infrator, objetivando a maior efetividade.

Uberlândia, 10 de setembro de 2013.

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O ACORDO DE LENIÊNCIA COMO COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA CONSENSUALIDADE NO PROCESSO ANTITRUSTE BRASILEIRO

The Leniency Agreement as a Corollary of the Principle of Consensual in Brazilian Antitrust Proceedings

Abstract: This article begins treating about the possibility of state intervention in the economy for the purpose of economic equilibrium of the market, turning towards the discussion to the principle of free competition. After, an analysis of the consensuality principle is performed, and also the principles related to it. Finally, it is analyzed the institution of leniency agreement, its concept, benefits and requirements and it concludes this is an important instrument consensuality in Brazilian law.

Key words: Consensuality. Leniency Agreement. Free Competition.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

MELLO, Shirlei Silmara de Freitas; MAIOLI, Patrícia Lopes; ABATI, Leandro de Paula Assunção. O acordo de leniência como corolário do princípio da consensualidade no processo antitruste brasileiro. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 12, n. 45, p. 153-167, jan./mar. 2014.

Recebido em: 28.01.2014Aprovado em: 15.03.2014

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