13 OUT 2014 - Exército Brasileiro

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13 OUT 2014

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13 OUT 2014

Elaborado pelo Centro de Comunicação Social do Exército

EDIÇÃO Nº 224 – JULHO 2014

http://pt.calameo.com/read/001238206df2cef9c6223

RABDOMIÓLISE – MEDIDAS DE SEGURANÇA – AMAN Com o intuito de prevenir e combater os efeitos da rabdomiólise induzida por esforço físico e pelo calor, a

Academia Militar das Agulhas Negras, assim como todas as organizações militares do Exército Brasileiro, intensifica e amplia as medidas de segurança na instrução da tropa.

As altas demandas físicas e psicológicas do combate moderno exigem que o soldado seja atualmente submetido a

intensos treinamentos. Em consequência, tal cenário, aliado à tendência atual de consumo de substâncias ergogênicas entre os jovens,

tem contribuído para o aumento do risco de incidência de acidentes térmicos e da rabdomiólise. Esta última tem provocado modificações nos padrões de hidratação e de preparo em vários exércitos do mundo, a fim de reduzir sua ocorrência. Cabe ressaltar que essa mudança teve início nos Estados Unidos da América, a partir do ano de 1991, quando do crescente índice de rabdomiólise derivado do treinamento específico para a Operação Tempestade no Deserto.

MINISTÉRIO DA DEFESA

EXÉRCITO BRASILEIRO

GABINETE DO COMANDANTE

CCOMSEX

Resenha Semanal

das Revistas

13 OUT 14

Segunda-feira

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Assim, alinhada com a Portaria do Comandante do Exército nº 129, de 11 de março de 2010, que trata da Diretriz para a Implantação do Programa de Prevenção e Controle da Rabdomiólise Induzida por Esforço Físico e pelo Calor, e de acordo com o Caderno de Prevenção de Acidentes de Instrução do Exército Brasileiro, a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) vem intensificando suas medidas de segurança na instrução, tendo os principais pontos sido destacados nas próximas linhas.

Treinamento funcional

Com o intuito de melhor preparar os cadetes para os exercícios no terreno, a AMAN vem adotando com sucesso a prática do treinamento funcional.

Antes dos exercícios de longa duração, os cadetes executam atividades que visam preparar os grupos musculares que serão mais exigidos, fortalecendo suas fibras e células, a fim de minimizar a ocorrência de acidentes relacionados à rabdomiólise. Tais atividades consistem de marchas, pistas de obstáculos, corridas com armas e com equipamentos.

Apoio do IPCFEx em exercícios de longa duração Por ocasião de exercícios em que os cadetes venham a ser submetidos a esforços físicos intensos e prolongados,

como os estágios da Seção de Instrução Especial (SIEsp), o Instituto de Pesquisa da Capacitação Física do Exército (IPCFEx) vem apoiando a AMAN na realização de exames de sangue e urina. Amostras são coletadas antes e durante as atividades, diagnosticando os militares que não estejam em condições de participar ou prosseguir nas instruções.

Utilização do cartão de urina e controle da hidratação

Em complemento aos exames laboratoriais, os cadetes fazem uso de um cartão de urina, que permite, por meio de um sistema de cores, o monitoramento diário dos níveis de desidratação, a qual é controlada e combatida pela

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hidratação obrigatória, não havendo qualquer tipo de restrição para a reposição hídrica. Em experiência bem sucedida no Estágio de Patrulha de Longo Alcance da SIEsp, em 2013, os cadetes que, durante o exercício, tiveram alteração de coloração da urina, enquadrando-se em grupos de risco, realizaram exames de sangue adicionais durante as atividades, a fim de detectar indicadores da presença da mioglobina. Os cadetes aptos neste último exame retornaram às tarefas, enquanto os que apresentaram sinais da presença da mioglobina foram afastados do Estágio. Atualmente, a hidratação a comando foi incorporada no rol de atribuições do cadete na função de Adjunto de PELOPES dos estágios da SIEsp, sendo objeto de avaliação e contribuindo para o controle da hidratação.

Controle antropométrico dos cadetes

A Seção de Educação Física realiza, duas vezes por ano, a medida das dobras cutâneas e cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) de todos os cadetes. Dessa forma, pode-se prever a ocorrência de possíveis dificuldades nas atividades de treinamento físico militar, identificando, orientando e acompanhando os militares que apresentem sobrepeso. Além disso, esse procedimento permite apontar possíveis indícios de ingestão de substâncias ergogênicas, contribuindo para um controle adequado de seu consumo, dentro da normatização existente no âmbito da Academia. Adicionalmente, os cadetes são rotineiramente submetidos a inspeções de saúde após o retorno do período de férias.

Análise de questionários epidemiológicos dos cadetes

Além do acompanhamento das informações pessoais constantes de suas pastas, antes da realização de exercícios no terreno, os cadetes preenchem um questionário epidemiológico. Por meio deste instrumento, o militar tem a oportunidade de informar ou atualizar seu estado de saúde, podendo ser submetido a exames mais detalhados e até mesmo ser impedido de participar de atividades que demandem qualquer tipo de desgaste que possa vir a contribuir para provocar danos a sua condição física.

Capacitação de recursos humanos

Anualmente, por ocasião de seu Estágio de Atualização Pedagógica, a AMAN capacita seus instrutores e monitores no tocante à prevenção de acidentes na instrução, rabdomiólise e medidas profiláticas em exercícios no terreno. Esse conhecimento também é repassado para todo o corpo permanente da Academia, bem como para os próprios cadetes, por meio de palestras que visam à capacitação e à atualização de todos os militares sobre estes assuntos.

Equipe de Análise de Acidentes Multidisciplinar

Com o intuito de incrementar as medidas de segurança futuras, a AMAN criou neste ano uma Equipe de Análise de Acidentes Multidisciplinar. Esta equipe, composta por cinco oficiais de diversas especialidades, tem por finalidade realizar um levantamento de informações detalhado, minucioso e imediato após a ocorrência de acidentes na instrução e no treinamento físico militar. Dessa forma, permite-se a atualização dos bancos de dados, a adoção de melhores práticas, bem como a proposta de protocolos para a prevenção de acidentes, da rabdomiólise ou de outros julgados necessários.

Se, por um lado a Academia Militar das Agulhas Negras não pode prescindir de prover um treinamento intenso e realista para seus cadetes, sob pena de prejudicar, por um longo prazo, todo o Exército Brasileiro; por outro não pode expor desnecessariamente seu corpo discente aos riscos além daqueles inerentes à formação de um Soldado Profissional.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 5 Nesse sentido, essas e muitas outras medidas em vigor na Academia têm por objetivo permitir que a instrução

militar e o treinamento físico sejam alvo do tradicional rigor, permitindo que as demandas da guerra moderna sejam atendidas.

EDIÇÃO Nº 854 – 13 OUT 2014

Entrevista – Aécio Neves

"Não me sinto obrigado a disputar um segundo mandato" O candidato do PSDB diz que, se vencer a eleição, terá uma Presidência voltada para os mais pobres, prejudicados hoje, segundo ele, pela ineficiência econômica do governo Dilma Leopoldo Mateus

Pela primeira vez, desde a redemocratização, um candidato à Presidência da República termina o primeiro turno em segundo lugar e entra, numericamente, na dianteira da segunda fase da campanha. O autor da façanha é o candidato do PSDB, o senador Aécio Neves. No primeiro turno, a dez dias da votação, ele deu uma arrancada que tirou da disputa a ex-senadora Marina Silva (PSB). Nas pesquisas, Marina aparecia 10 pontos à frente de Aécio. Terminou, nas urnas, com 12% a menos de votos que ele. Aécio sabe agora que repetir a proeza no segundo turno exigirá superar obstáculos. "Farei uma campanha propositiva, mas obviamente enfrentarei todo tipo de calúnia, difamação, injúria, prática corriqueira do PT", diz.

Após uma semana em que recebeu o apoio de diversas lideranças de partidos da base aliada do governo e de outros que com ele concorreram no primeiro turno, como PSB, PPS, PSC e PV, Aécio recebeu ÉPOCA para uma entrevista no comitê de sua campanha no Rio de Janeiro, no Leblon, na última sexta-feira. O apoio mais esperado ainda não saiu. Questionado sobre uma das principais exigências de Marina para lhe dar apoio, Aécio, pela primeira vez, deu indícios de que poderá fazer concessões. Marina propõe o fim da reeleição em 2018. Isso tornaria inviável um possível segundo mandato dele. Aécio é a favor da medida, mas apenas para 2022. "Não me sinto obrigado, se vencer a eleição, a disputar um segundo mandato", diz. "Temos de construir é a coincidência dos mandatos. Isso só será possível a partir dos próximos candidatos que vierem a ser eleitos no novo sistema. É isso que proporei ao Congresso. Mas nada impede que eu possa fazer um gesto adiante", diz ele, abrindo a possibilidade de não se candidatar à reeleição.

Na estreia da propaganda eleitoral do segundo turno, o PT atacou Aécio por um dos flancos deixados pelo PSDB ao final do primeiro turno. Seu candidato ao governo de Minas Gerais, o ex-ministro Pimenta da Veiga, perdeu as eleições para o petista Fernando Pimentel, e encerrou o comando tucano no Estado após 12 anos. "Sou um democrata. Respeito essa decisão por mais que pudesse preferir a outra", disse. "Mas, em relação à eleição nacional, vencerei em Minas Gerais", disse. Faltam ainda duas semanas para o segundo turno. Caso vença, Aécio antecipou para ÉPOCA como quer ser lembrado como presidente da República. "Quero ser o presidente que revolucionou a educação no Brasil".

ÉPOCA - Há pouco mais de um mês, o senhor estava 20 pontos atrás da ex-senadora Marina Silva. Hoje, aparece

na frente da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas do segundo turno. Já encontrou explicações para a volatilidade do eleitorado?

Aécio Neves - Tivemos duas eleições absolutamente distintas numa só. Uma quando Eduardo Campos ainda estava vivo. Outra após o acidente que vitimou Eduardo. Mesmo com essa volatilidade, jamais deixei de acreditar. Mesmo nos momentos em que alguns companheiros deixaram de acreditar e o telefone parou de tocar. Sabia que era

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uma eleição dura, mas temos as melhores propostas para o Brasil. Sabia que viria a onda da razão. Sempre acreditei também que esse governo perderia! Pelo conjunto da obra. Desde lá de trás, há mais de ano, já dizia: "Este ciclo de governo do PT vai se encerrar, nacionalmente, neste ano. E vamos nos preparar para estarmos em condições de substituí-lo". Na economia, ele nos deixa como herança uma inflação, que saiu do controle mesmo com preços represados, e uma recessão, com os empregos de maior qualidade indo embora do Brasil. Lega uma incapacidade de melhorar nossos indicadores sociais. A permear tudo isso, o descompromisso com a ética e os valores. Olhava para isso e perguntava: "Quem tem as melhores condições de enfrentar as dificuldades que temos pela frente? Somos nós!". Essa confiança me ajudou muito a enfrentar esses momentos mais difíceis.

ÉPOCA - O senhor recebeu apoio de diversos políticos e partidos, até mesmo de antigos aliados do governo. O

presidente do PSB, Roberto Amaral, antes do apoio, disse que "às vezes, um reacionário serve de avanço", numa alusão ao senhor. Como vê esse comentário?

Aécio - Num segundo turno, você não encontrará convergência em todas as questões. Busca a convergência no essencial. Fui espectador privilegiado da Aliança Democrática, liderada por Tancredo Neves para encerrar o ciclo autoritário no país. No mesmo palanque, encontrava gente do PCB e do PCdoB com o Aureliano Chaves (vice-presidente de João Figueiredo, último presidente do regime militar). Ali existia um objetivo em comum: encerrar o ciclo autoritário. Hoje temos um desafio parecido. Temos de barrar as verdadeiras forças reacionárias, que ocuparam o Estado nacional em proveito próprio e carregam um forte viés autoritário. Elas impedem o Brasil de crescer, desqualificam nossa educação, desmoralizam os valores éticos no país e podem impactar conquistas muito importantes, como a liberdade de imprensa. A possibilidade de encerrar esse ciclo de governo permite que eu tenha em meu palanque lideranças do PSC, do PV e do próprio PSB. Não posso almejar ter a unanimidade do pensamento desses partidos. Mas a forma como a decisão do PSB foi tomada, amplamente majoritária, me permite, a partir de agora, deixar de ser apenas o candidato de um partido ou de uma coligação. Sou o candidato da mudança para o início de um novo ciclo.

ÉPOCA - A eleição deverá ser decidida por eleitores que recebem entre dois e cinco salários mínimos. É uma fatia

do eleitorado com que o PSDB sempre teve dificuldades de dialogar. Qual será a estratégia para conquistar a classe C? Aécio - Falar a verdade. A presidente Dilma Rousseff começa o segundo turno com enorme desonestidade

intelectual. Ela assusta e atemoriza aqueles a quem deveria dar tranquilidade e esperança. Diz que somos contra os programas sociais ou contra os mais pobres, mas sabe que isso não é verdade. Sabe que a maior ação de inserção social da nossa história contemporânea, o Plano Real, foi feita pelo PSDB. O PT foi contra. Ela sabe que os programas sociais, em especial o Bolsa Família, são definitivos. Tenho um projeto que o transforma em política de Estado. O PT é contra porque prefere ter um projeto para chamar de seu e usá-lo irresponsavelmente durante os processos eleitorais. Dilma começa o segundo turno derrotada. Primeiro, porque sempre lutou para vencer no primeiro. Segundo, porque o discurso do medo, de quem quer comparar com o passado, é o discurso de quem não tem nada para apresentar para o presente e teme a discussão sobre o futuro. Me orgulho muito da trajetória do PSDB. Fomos fundamentais para que Brasil chegasse até aqui, mas agora os desafios são outros. Vou falar sempre de futuro. Isso vai me distanciar, daqui até o final da eleição. A presidente tentará fazer comparações com o passado, e eu pedirei aos brasileiros um voto de confiança para construir um novo futuro.

ÉPOCA - Em Minas Gerais, seu candidato perdeu para o petista Fernando Pimentel após 12 anos de PSDB no

governo. O PT se prepara para dizer que quem o conhece o rejeita. Qual sua resposta para isso? Aécio - Terminei meu oitavo ano de mandato em Minas Gerais com 92% de aprovação do eleitorado mineiro, e

elegemos nosso sucessor. O eleitorado mineiro fez uma opção agora pelo candidato do PT. Sou um democrata. Respeito essa decisão, por mais que pudesse preferir a outra. Na eleição nacional, vou vencer em Minas Gerais. Os mineiros não perderão a oportunidade de votar a favor do Estado. Até porque o governo federal do PT governou de costas para Minas durante todos estes anos.

ÉPOCA - O senhor venceu em São Paulo por larga margem. Existe a possibilidade de um racionamento de água

agora no segundo turno. Teme que isso prejudique sua votação no Estado? Aécio - Espero ampliar essa votação, como em todas as regiões do Brasil. A presença do governador Geraldo

Alckmin a meu lado é confortadora. Ninguém governará o Brasil solitariamente. Quem achar que, como Salvador da Pátria, resolverá nossos problemas se frustrará ou frustrará quem acreditar nisso. Serei um grande parceiro do governador Alckmin, para que possamos enfrentar, preventivamente, a gravidade da questão da água em São Paulo. Tivemos a maior seca em São Paulo dos últimos 80 anos.

ÉPOCA - No Nordeste, o senhor teve apenas 15% dos votos no primeiro turno. Como mudar esse cenário? Aécio - Mais uma vez, falando a verdade, combatendo a mentira, o discurso do ódio e sectário do PT. O

governante precisa governar, sobretudo, para as populações que mais precisam das políticas sociais. Meu será o governo dos pobres. Na educação, na mobilidade, na busca do capital privado como parceiro de investimentos. O meu governo resgatará a gestão na saúde pública brasileira para atender os mais pobres. É isso que vamos dizer até o final da campanha. Podemos surpreender também no Nordeste. O sentimento de mudança foi o grande vitorioso nesse primeiro turno. Meu grande desafio é encarnar essa mudança e mostrar ao Nordeste e a outras regiões menos desenvolvidas do país que o grande risco é o atual governo continuar. Não há políticas de reajuste real do salário mínimo sem crescimento. Em 2016, o ganho real do salário mínimo já está precificado: é o crescimento da economia

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neste ano, praticamente nulo. Nem para aqueles que recebem Bolsa Família, a manutenção do poder aquisitivo estará garantida, se a inflação continuar sem controle. Os mais prejudicados pela ineficiência da gestão deste governo na economia são os mais pobres. Vou livrar os mais pobres brasileiros do perverso governo do PT, que tenta, de forma sectária, dividir o Brasil entre "nós" e "eles".

ÉPOCA - Essa deve ser uma campanha muito pesada. O senhor se considera pronto para enfrentar acusações

até do ponto de vista pessoal? Aécio - Disputo com o PT minha vida inteira. Para mim, isso não é novidade. Farei uma campanha propositiva,

mas obviamente enfrentarei todo tipo de calúnia, difamação, injúria, prática corriqueira do PT. Nada disso me abala. Não sou candidato para colocar um retrato na parede do Palácio do Planalto. Não sou candidato sequer para dar ao PSDB uma vitória. Sou candidato para livrar o Brasil de um governo que se apequenou, porque abandonou um projeto de país para se contentar hoje única e exclusivamente com um projeto de poder. É isso que me dá força. Vou enfrentá-los e vencê-los.

ÉPOCA - O senhor disse, numa reunião com empresários, que está preparado para tomar as decisões

necessárias, por mais que elas sejam impopulares. Que medidas seriam essas? Aécio - Do cardápio das medidas impopulares, o PT usou todas. Não deixou nenhuma para mim. É inflação de

volta, recessão, baixa qualidade da saúde, da segurança, da educação. Farei o que for necessário para retomar o crescimento da economia, para controlar a inflação, para que as pessoas possam voltar a ter esperança no futuro.

ÉPOCA - Aumentar o preço da gasolina e das tarifas de energia são essas as medidas impopulares? Aécio - Em meu governo, haverá previsibilidade. Não farei o governo dos pacotes, o governo do marketing. Não

posso antecipar cenários específicos, porque não tenho em mãos ainda o conjunto das informações do impacto fiscal de cada uma dessas questões. Mas haverá regras claras, a recuperação das agências reguladoras, transparência fiscal absoluta. As pessoas saberão claramente o superávit, de onde ele vem e como será no ano seguinte. Tudo isso nos permitirá ter já na largada um ambiente oposto àquele que tivemos em 2002 na eleição do Lula, com disparada do dólar e pique inflacionário. Minha eleição proporcionará um cenário oposto a esse, até com diminuição da taxa de juros de longo prazo. Minha ousadia de indicar o nome do futuro ministro da Fazenda (o economista Armínio Fraga) ajuda na construção desse ambiente, necessário para que a gente possa tomar medidas que permitam ao Brasil voltar a crescer.

ÉPOCA - O senhor afirmou ser a favor do fim da reeleição e de um mandato de cinco anos, mas a partir de 2022.

Marina Silva gostaria que isso já ocorresse em 2018. O senhor está disposto a incorporar o pleito de Marina para ter o apoio dela?

Aécio - Em primeiro lugar, não me sinto obrigado, se vencer a eleição, a disputar um segundo mandato. Defendo a coincidência das eleições, que não pode ser obtida por um ato unilateral do presidente da República. Isso envolve eleições de governadores e prefeitos, eleitos com uma regra que dá a possibilidade da reeleição. Você não pode usurpar esse direito sem uma gravíssima contestação, até jurídica. Temos de construir a coincidência dos mandatos. Isso será possível a partir dos próximos candidatos que vierem a ser eleitos no novo sistema. É o que proporei ao Congresso. Mas nada impede que eu possa fazer um gesto adiante.

ÉPOCA - O senhor disse, em entrevista a ÉPOCA no ano passado, que diminuiria o número de ministérios para

22. Seus adversários têm dito que o senhor cortará ministérios da área social. Quais ministérios cortará? Aécio - Vou cortar as boquinhas dos cargos DAS (Direção e Assessoramento Superior) que se multiplicaram no

governo do PT. Terei uma política social efetiva. O Ministério da Pesca terá uma ação melhor quando o sujeito que for colocado para tomar conta da área souber pelo menos colocar a isca no anzol, entender um pouco do ramo, em vez de ter um carro preto com a chapa verde-amarela e 50 DAS distribuídos pelos companheiros.

ÉPOCA - O senhor cortará quantos cargos públicos? Aécio - No momento em que anunciar o novo desenho da máquina pública, todos saberão exatamente quais

serão as pessoas e onde estará a responsabilidade de cada uma sobre a condução dessas políticas. Elas serão muito mais eficazes com a desburocratização e até a simplificação de sua ação. Vamos cortar na medida em que considerarmos dispensáveis ao Estado nacional. É possível cortarmos alguma coisa em torno de um terço dos cargos comissionados. O objetivo não é apenas a economia pontual, mas dar um sinal claro de que, em primeiro lugar, a máquina pública não pode ser o destino dos companheiros que não se qualificaram para outras atividades na vida.

ÉPOCA - O senhor disse que revisará o fator previdenciário. Revisar significa acabar com ele, mesmo com todo o

prejuízo que isso pode trazer para as contas da Previdência? Aécio - Assumi um compromisso, num diálogo franco e aberto com os trabalhadores e aposentados brasileiros, de

encontrar uma fórmula que não puna as aposentadorias de forma tão rigorosa como o fator previdenciário vem punindo. Sentarei à mesa e ouvirei quais são as alternativas. Não faremos isso, obviamente, do dia para a noite. Vamos encontrar o caminho de uma alternativa que permita à Previdência se sustentar e que alivie o peso do fator previdenciário nas costas dos aposentados.

ÉPOCA - No primeiro turno, o candidato Levy Fidelix (PRTB) foi acusado de homofobia durante um debate

eleitoral. O senhor se comprometeria a sancionar uma lei para transformar a homofobia em crime?

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 8 Aécio - Qualquer tipo de discriminação - a homofobia, entre elas - deve ser tratada como crime. Encontraremos o

mecanismo legal adequado para que ela seja, definitivamente, considerada crime. ÉPOCA - O senhor pretende manter a atual política de reajuste do salário mínimo? Aécio - Não apenas pretendo, como já tomei a iniciativa de garanti-la para os próximos quatro anos. A política de

reajuste do salário mínimo termina neste ano. Foram o líder do PSDB e o presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, que apresentaram conjuntamente o projeto que estende até 2019 o reajuste do salário mínimo. Agora, ou fazemos o Brasil crescer, ou esse reajuste real não acontecerá.

ÉPOCA - Qual sua opinião sobre a independência formal do Banco Central? Aécio - Olha, respeito a opinião da candidata Marina. Não acho, como o PT, que isso tirará a comida da mesa do

trabalhador. Em nosso caso, ao Banco Central será garantida sua absoluta autonomia operacional, para ser o grande guardião da moeda e atacar vigorosamente a inflação para levá-la ao centro da meta.

ÉPOCA - Qual a opinião do senhor sobre a proposta de regulação da imprensa, apresentada pela executiva do PT

em maio? Aécio - Absolutamente contrária. É um atentado à democracia, à liberdade. Me oporei violentamente a qualquer

tipo de cerceamento de liberdade, seja coletiva, seja individual - em especial a liberdade de imprensa. ÉPOCA - Como governador, o senhor construiu um aeroporto numa área que pertenceu a seu tio-avô e é próxima

a uma fazenda de sua família. Dadas as circunstâncias, não era melhor ter feito o aeroporto em outro terreno? Aécio - Não, de forma alguma. O Ministério Público concordou comigo, porque arquivou uma ação do PT em

relação a essa questão. Houve ali um prejudicado, o dono do terreno, que por coincidência era meu tio. Até hoje ele está na Justiça tentando receber os R$ 9 milhões a que acha que faz jus, porque o Estado pagou apenas R$ 1 milhão. Fiz inúmeras obras em Minas. E todas as minhas obras tiveram como objetivo o interesse coletivo.

ÉPOCA - Como governar com um Congresso Nacional com 28 partidos? Aécio - Tenho experiência como parlamentar, como líder, como presidente da Câmara, agora como senador. E

impossível ter uma relação com o Congresso que permita avanços estruturais, sem que haja uma redução no número de partidos. Tive a coragem de defender o retorno da cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais, porque elas permitirão o enxugamento do quadro partidário. Não sou contra criar um partido político e registrá-lo na Justiça Eleitoral. Sou contra esses partidos se beneficiarem do fundo partidário, do tempo de televisão, sem ter representatividade na sociedade brasileira. Muitos deles acabaram virando microempresas. Em minha reforma política, pretendo propor ao Congresso Nacional, além do mandato de cinco anos sem reeleição, o voto distrital misto e o retorno da cláusula de desempenho.

ÉPOCA – Há um grande escândalo de corrupção na Petrobras. Caso eleito, o senhor não teme que a repercussão

do Congresso possa paralisar seu governo? Aécio - Paralisará o atual governo, se ele vencer as eleições, porque estamos vivendo a ponta do iceberg. Quero

que todos os responsáveis sejam conhecidos, investigados e exemplarmente punidos, se comprovada a culpa. ÉPOCA - Caso eleito presidente, que marca o senhor gostaria de deixar para o país? Aécio - Quero ser conhecido como o presidente da educação. Da educação de qualidade, que permita aos jovens

brasileiros enxergar um futuro melhor. Todo o resto é secundário se não tratarmos do essencial. Quero fundar a nova escola brasileira, com professores valorizados, escolas qualificadas, escolas que ensinem e, até, botando o dedo numa caixa de marimbondo que nunca foi enfrentada, com a regionalização dos currículos do ensino médio. Vamos qualificar as pessoas para o mercado que existe em sua região. Não daremos ao ensino médio uma qualificação que não esteja sintonizada com uma vida real. Por isso, a evasão escolar no ensino médio ainda é muito grande. Se eu puder escolher uma marca, quero ser o presidente que revolucionou a educação no Brasil.

O filtro Os Laureados do Nobel

O mundo conheceu, na semana passada, os ganhadores de cinco prêmios Nobel. O prêmio da Paz foi dividido entre o indiano Kailash Satyarthi, um militante contra o trabalho infantil, e a paquistanesa Malala Yousafzai (leia mais na página 16). Satyarthi fundou a Marcha Global contra o Trabalho Infantil e a Coalizão contra a Escravidão Infantil do Sul da Ásia (SACCS, na sigla em inglês). Seus atos beneficiaram milhares de crianças em 140 países. A França reforçou sua posição como país com maior número de laureados com o Nobel de Literatura. À tradição de Anatole France e Henri Bergson, somou-se a obra de Patrick Modiano. Seus livros abraçam o tema da "memória", especialmente na ocupação nazista da França.

O Nobel de Medicina foi para cientistas que pesquisaram como memorizamos caminhos. A resposta revelou a existência de uma espécie de "GPS" dentro do cérebro. O casal norueguês May-Britt Moser e Edvard Moser, ao lado de seu colega americano John O"Keefe, descobriram "células de localização". Elas formam na mente uma espécie de mapa do ambiente.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 9 O Nobel de Física foi para três japoneses que criaram dispositivos luminosos mais econômicos e eficientes. Shuji

Nakamura, Hiroshi Amano e Isamu Akasaki criaram um LED azul, o primeiro a emitir luz branca, capaz de iluminar mais e gastar menos energia elétrica. Em química, os americanos William E. Moerner e Eric Betzig, ao lado do alemão Stefan W. Hell, foram laureados pela descoberta da nanoscopia. Eles mostraram como usar o fenômeno da fluorescência para observar interações moleculares dentro das células de um organismo.

Procura-se Kim desesperadamente

Há algo de podre no reino de Kim Jong-un. Há semanas, não se vê sinal do líder supremo da Coreia do Norte. A última aparição pública de Kim ocorreu em setembro. Desde então, ele faltou à celebração do dia da fundação da República Popular da Coreia do Norte e à Suprema Assembleia Popular. Os jornais da inimiga Coreia do Sul especulam: terá Kim se ferido num exercício militar? Estaria se recuperando de uma crise de gota? Ou foi mesmo deposto? Não se sabe se alguém ocupa o cargo máximo no governo atualmente. Há quem acredite que a irmã caçula dele, Kim Yo-jong, de 27 anos, tomou seu lugar.

Curdos encurralados

Os ataques americanos e das forças da Otan contra militantes do grupo terrorista Estado Islâmico (El) afastaram os jihadistas do Iraque, mas os levaram para a fronteira entre Síria e Turquia. Osjihadistas tomaram parte da cidade curda de Kobani. Os curdos pediram ajuda internacional. Se o El tomar Kobani, terá nas mãos um vasto trecho da fronteira síria e colocará em risco a Turquia - e também a estratégia americana na região.

Enxurrada de críticas

Continuam as críticas à gestão da crise da água em São Paulo. Os Ministérios Públicos federal e estadual de Piracicaba moveram uma ação civil para denunciar a captação irregular da água do volume morto do Sistema Cantareira. A água chegou ao nível mais baixo de sua história na terça-feira, dia 7. Promotores pedem que a Sabesp perca seu poder de decisão sobre o uso de água de reservatórios e sugerem que ele fique a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE).

Primeiro Plano

O COMBATE AO EBOLA NÃO TOLERA A DISPLICÊNCIA O Brasil não pode repetir a barbeiragem cometida nos EUA. Deve reforçar os controles para impedir a propagação da doença

O primeiro caso suspeito de infecção pelo vírus ebola foi identificado na semana passada no Brasil. O guineano

Souleymane Bah, de 47 anos, está internado desde a sexta-feira, dia 10, no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, no Rio de Janeiro. Proveniente da Guiné, um dos três países da África mais atingidos pela epidemia de ebola, Bah passou pelo Marrocos e pela Argentina antes de entrar no Brasil. Em Cascavel, no Paraná, sentiu um quadro febril e foi levado a uma unidade de pronto atendimento, antes de ser transferido para o Instituto Evandro Chagas, um dos dois hospitais de referência no Brasil equipados para detectar e controlar o ebola. O outro é o Emílio Ribas, em São Paulo.

A possível presença de um paciente infectado com o ebola em território brasileiro mostra o risco de expansão do vírus pelo mundo. Na semana passada, foi revelado que uma auxiliar de enfermagem espanhola, Teresa Romero, contraiu o vírus ao cuidar de dois religiosos infectados, repatriados de Serra Leoa e Libéria. Mesmo os países mais ricos estão mal aparelhados para lidar com o ebola. Um liberiano recém-chegado de seu país procurou um hospital em Dallas, nos Estados Unidos, com sintomas de infecção pelo vírus. Recebeu uma simples receita de antibiótico. Foi liberado, mesmo depois de contar que vinha de uma região altamente afetada pelo ebola. Thomas Duncan, o paciente, morreu na semana passada - depois de ter mantido contato com dezenas de pessoas em solo americano. É difícil acreditar que tamanha negligência médica tenha ocorrido nos Estados Unidos, um dos países mais apavorados com a possibilidade de disseminação de vírus e bactérias.

Diante do ebola, uma praga que matou quase metade dos 8 mil infectados na África, todo cuidado excessivo ainda seria pouco. Para conter a disseminação do vírus, a temperatura de todos os passageiros provenientes da Libéria, de Serra Leoa e da Guiné passará a ser medida nos aeroportos americanos. Quem tiver febre entrará em quarentena. No Brasil, o Ministério da Saúde anunciou medidas de controle de passageiros nos portos e aeroportos e de treinamento nos hospitais escolhidos para receber casos suspeitos em diversos Estados. A melhor forma de evitar que o vírus se torne uma tragédia global é somar esforços para conter o surto na África. O Brasil ofereceu ajuda humanitária. Os Estados Unidos destinaram US$ 500 milhões e aprovaram o envio de 4 mil soldados para combater o ebola. Não basta. E preciso acelerar os estudos de duas vacinas que, em testes no Reino Unido e nos Estados Unidos, foram 100% eficazes em macacos. Não se deve disseminar pânico, mas o urgente combate ao ebola não pode mais tolerar a displicência.

A BALCANIZAÇÃO DO CONGRESSO

As eleições para o Congresso Nacional produziram um quadro de fragmentação partidária inédito na história da representação legislativa no país. Vinte e oito partidos passarão a ter representantes na Câmara dos Deputados. Essa pulverização tornará ainda mais difíceis as condições para formar maiorias na próxima legislatura, sem o recurso aos

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tradicionais expedientes fisiológicos, em que apoio no Congresso é trocado por cargos no governo ou por liberação de verbas orçamentárias.

Ainda que respeitáveis cientistas políticos insistam que nosso sistema político-partidário é funcional e garante a governabilidade do país, é difícil acreditar que a presença de 28 partidos na Câmara não seja uma porta aberta para a irracionalidade. Boa parte dessas legendas, nanicas, não tem nenhuma representatividade na sociedade. Viraram moeda num negócio altamente rentável. Em temporadas eleitorais, cada segundo de propaganda na televisão vira mercadoria valiosa, barganhada por pequenos oligarcas partidários, que vivem à custa dos recursos públicos do fundo partidário. Essa distorção gera uma "partidocracia" à margem dos cidadãos, na definição do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Dias Toffoli.

Em respeito à pluralidade da sociedade brasileira, não se devem impor limites à criação de partidos. Mas é preciso criar filtros de acesso ao fundo partidário e mecanismos de proteção contra a invasão dessas legendas de aluguel. Um filtro é instituir uma cláusula de desempenho, que estabeleça um percentual mínimo de votos para que um partido tenha representação no Congresso. Outro mecanismo é o fim das coligações nas eleições proporcionais. Tais restrições aumentariam, por si sós, a representatividade do sistema político-partidário.

LANTERNINHA DA ECONOMIA GLOBAL

Por qualquer aspecto que se observe a economia brasileira, está claro que o ritmo desejável de crescimento não será retomado sem que melhore o ambiente de negócios e investimento. O ritmo atual não sustentará o alto nível de emprego que desfrutamos no momento. A produção vem desacelerando de forma incompatível com o resto do mundo. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou seu novo relatório de projeções. As expectativas de crescimento recuaram em comparação com o relatório anterior, de julho. O FMI alertou para a lentidão da recuperação econômica global. Mesmo assim, países de todos os tamanhos e níveis de desenvolvimento exibem taxas de expansão que, para o Brasil atual, parecem coisa de sonho.

Qualquer tentativa de atribuir o desempenho ruim da economia nacional ao cenário global desaba com uma observação humilde do que se passa no resto do planeta. Pelas novas projeções do FMI, o Brasil deverá crescer 1,4% em 2015, bem abaixo dos 3,8% previstos para o mundo e do que se espera tanto para o conjunto dos países em desenvolvimento (5%) como para o conjunto dos países ricos (2,3%).

Não é preciso ir ao FMI para encontrar resultados assustadores. A produção industrial brasileira caiu quase 2%, ao longo de 12 meses até agosto, e mais de 5% só em agosto, na comparação com o mesmo mês em 2013, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O FMI parabeniza alguns países por colher bons efeitos de reformas feitas. Os comentários sobre o Brasil parecem uma lista de todos os problemas possíveis numa economia: pouco investimento, falta de confiança de empresários e consumidores, baixa poupança interna, finanças públicas frouxas, competitividade insuficiente, inflação em alta. A próxima equipe econômica terá dificuldade de escolher por onde começar o conserto.

O SHOW DE ILUSÕES

A julgar pelo tempo que os candidatos à Presidência da República têm à disposição para falar na campanha eleitoral, era de esperar que suas propostas estivessem claríssimas para a população a esta altura. Isso está longe de acontecer. A cada quatro anos, os candidatos à Presidência são cobrados ou se voluntariam a tratar de temas como a legalização do aborto, as drogas, a redução da maioridade penal e as reformas política e tributária. Mas não alertam que alterar as regras que regem temas como esses é uma prerrogativa do Congresso Nacional. Falam como se não existissem outras instâncias de Poder, como Legislativo, Judiciário, Estados e municípios.

Em vez de promessas vazias, os candidatos poderiam tentar explicar "como" pretendem exercer atribuições próprias ao presidente. Um exemplo: como tornar mais eficiente o Sistema Único de Saúde (SUS)? No papel, ele provê atendimento gratuito a todos os 200 milhões de brasileiros. Na prática, atende mal a população. Aos candidatos, porém, é mais conveniente alimentar a ilusão da onipotência da Presidência da República do que se colocar à prova, num debate em que a qualidade de suas propostas seria testada.

A televisão mortífera Eugênio Bucci

No primeiro turno, foi moleza. Com cerca de 11 minutos diários no horário eleitoral, a candidatura de Dilma

Rousseff não teve a menor dificuldade em despedaçar impiedosamente a imagem de Marina Silva. A primeira batia à vontade; a segunda não tinha tempo para revidar. E perdeu. Não que a televisão, sozinha, seja capaz de eleger um candidato a presidente. Hoje, a comunicação das redes sociais também pesa - e bastante. Fora isso, a campanha de rua é indispensável. Mas a TV, que ninguém duvide, ainda é uma máquina mortífera. Quando manuseada com boa dose de competência técnica e determinação de matar, é capaz de destruir uma candidatura. Foi isso que o primeiro turno provou mais uma vez.

O primeiro golpe baixo - letal - surgiu quando a propaganda de Dilma Rousseff acusou Marina Silva de ser uma reencarnação de Fernando Collor, aquele tal que, em 1989, derrotou Lula na primeira eleição direta para presidente após o fim da ditadura militar. A acusação era falsa até não poder mais. Como assim?

Como Marina poderia ser uma nova versão de Collor? Com base em que alguém poderia insinuar uma coisa dessas?

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 11 Aquilo não fazia sentido. Quando Collor derrotou Lula, em 1989, Marina já era filiada ao PT. Militava no Acre, onde

corria risco de ser assassinada. Um ano antes, em 1988, Chico Mendes, também do PT, no mesmo Acre, fora executado numa tocaia. O que Marina tinha de Collor? Depois, quando Collor sofreu impeachment, em 1992, Marina continuava no PT, em oposição a Collor. Era deputada estadual. Em 1994, foi eleita senadora.

Em 2014, Fernando Collor, reeleito senador por Alagoas, seguia no campo oposto a Marina. Integra a base parlamentar do governo Dilma, a quem hipoteca seu apoio aos brados. Quer dizer: há mais Collor no governo Dilma que na imagem de Marina. Mesmo assim, a propaganda de Dilma deu de chamar Marina de Collor e, apesar de a acusação não ter fundamento, conseguiu fazer aí um primeiro estrago.

Depois, a candidatura Dilma, aproveitando a proposta de Marina de dar autonomia ao Banco Central, acusou-a de querer entregar as rédeas da economia aos inimigos do povo. Jogou pesado. Fez um filminho de TV em que um grupo de sujeitos com pinta de canalha, trocando

sorrisos cúmplices uns com os outros, se acomodava em torno de uma mesa-redonda. Eram os banqueiros. A cenografia lembrava os filmes de gângster dos anos 1950, em que mafiosos se entregavam ao carteado em volta de uma mesa parecida. A imagem, bem urdida em sua malignidade, sugeria que, com Marina, as piores quadrilhas de assassinos viciados em pôquer se aboletariam na sede do BC. Uma vez lá, poderiam se entregar ao sadismo de cortar o salário mínimo e o Bolsa Família dos inocentes. Essa peça fez ainda mais estrago.

E verdade que o povo não costuma aprovar ataques do mais forte contra o mais fraco. É o risco de quem parte para a baixaria na TV. O eleitor brasileiro tende a não votar em quem é truculento, todo marqueteiro sabe disso. Desta vez, para êxtase da propaganda petista, Marina se atrapalhou onde não precisava e, com isso, pareceu dar razão a seus acusadores. Quando o comando de sua candidatura manifestou apoio ao casamento gay, Marina mandou voltarem atrás. Passou um recibo de improviso. Depois, quando disse que teria votado a favor da CPMF, foi retumbantemente desmentida pela propaganda dilmista. Marina não se explicou direito. Flagrada numa confusão, passou recibo de mentirosa. Era como se estivesse nocauteada. O eleitor experimentava uma sensação ambígua: de um lado, a propaganda de Dilma era arrogante e cruel, e disso ninguém gosta - de outro, faltavam coerência e firmeza a Marina. Na dúvida, Dilma não foi punida pelo eleitor. Marina derreteu. A candidatura da sustentabilidade não se mostrou sustentável.

Agora, no segundo turno, as coisas não serão tão fáceis para Dilma. Depois de agredir uma adversária tão brutalmente, ela se expôs ao risco de ser vista como violenta. Terá de maneirar se quiser posar de magnânima. Se repetir contra Aécio Neves a mesma estratégia com que destruiu Marina, poderá se isolar. Ao mesmo tempo, terá de atacar. Aécio, até aqui, surfa tranquilamente na imagem de bom moço e político cordial. Se não derreter a imagem de seu oponente, Dilma perderá a eleição. Vem sangue por aí.

O resultado é imprevisível. A televisão mortífera funciona, mas às vezes sai de controle. E pode terminar matando o mandante do crime.

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ESPM e da ECA-USP

Brasil

A plataforma da corrupção afunda As acusações contra o senador Lindberg Farias, as "atas da propina", o dinheiro para o PMDB - e a ameaça de uma terceira delação no esquema que assombra o país Diego Escosteguy, Marcelo Rocha, Flávia Tavares, Filipe Coutinho, Leandro Loyola e Murilo Ramos

O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef - os dois delatores mais famosos do Brasil - começaram a entregar um dos mais vastos, ricos e poderosos esquemas de corrupção já descobertos no país. Nos últimos meses, as provas reunidas pelos investigadores da Operação Lava Jato já revelavam fortes indícios da existência de uma organização criminosa, atuando a mando de patronos políticos do Brasil, nas obras mais caras da maior empresa do país. Eram extratos bancários, anotações apreendidas, e-mails, telefonemas interceptados, contas secretas em paraísos fiscais... Agora, encaixa-se a peça que faltava à investigação: a confissão dos dois principais operadores do esquema. Paulo Roberto e Youssef não só detalharam como funcionava o esquema. Denunciaram a existência de um cartel das maiores empreiteiras do Brasil, acusado de comprar diretores da Petrobras e de pagar propina a partidos como PT, PP e PMDB.

Paulo Roberto disse que, na raiz do esquema, está a mesma prática que levou o país ao trauma do mensalão: o aparelhamento político da máquina pública. A Petrobras, como maior empresa do Brasil, era o principal objeto do desejo do enxame de políticos que acossam o Planalto. Antes do mensalão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro José Dirceu relutavam em dar aos partidos o que eles queriam na Petrobras. Paulo Roberto assumiu o cargo em 2004, por indicação do PP e com a bênção do PT, mas apenas após muita pressão. "Para que Paulo Roberto assumisse a cadeira de diretor, esses agentes políticos trancaram a pauta no Congresso durante 90 dias. Luiz Inácio Lula da Silva, ele ficou louco e teve de ceder", disse Youssef.

"Na Petrobras, desde que me conheço como Petrobras, as diretorias e a presidência foram sempre por indicação política. Ninguém chega a general se não for indicado nas Forças Armadas. Então, as diretorias da Petrobras nos governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, quer seja nos governos do presidente Lula, foram sempre por indicação política. E fui indicado pelo PP para essa diretoria", disse Paulo Roberto no depoimento. "Foi dito que o partido (PP) tinha interesses. É óbvio que nenhum partido indicou algum diretor só pela capacidade técnica dele". Segundo Paulo Roberto e Youssef, os verdadeiros chefes da organização criminosa eram os donos dos partidos - PT, PMDB e PP - que afiançavam as nomeações na Petrobras. Acima deles, o Palácio do Planalto de Lula, de onde partiam as ordens para nomear os afilhados dos partidos.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 12 Paulo Roberto passou a operar com mais liberdade somente após o mensalão, em 2005, à medida que a

Petrobras se tornava a principal fonte de renda dos políticos. O jogo estava combinado. O conjunto de esquemas na Petrobras, que agora se convencionou chamar de petrolão, é o irmão maior do mensalão. Não é fortuito que o primeiro patrono de Paulo Roberto - o deputado e líder do PP José Janene, morto em 2010 - tenha participado tão decisivamente dos dois esquemas. Youssef também foi envolvido no mensalão, como doleiro responsável por lavar dinheiro do operador Marcos Valério. Até o operador João Cláudio Genu, lugar-tenente de Janene e condenado no julgamento do mensalão, participou dos dois esquemas. No segundo mandato de Lula, enquanto o MP e o Supremo trabalhavam no julgamento do mensalão, parte dos acusados continuava a fazer miséria com dinheiro público. Haviam apenas mudado de praça. E estavam mais ricos.

A prosperidade veio com o início da construção de refinarias, no segundo mandato de Lula. Havia anos a Petrobras não investia na área. Subitamente, resolveu erguer muitas: Abreu e Lima, Comperj, Premium I, Premium II. Todas, obras de bilhões. Também comprou a infame refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Segundo Paulo Roberto, foi nesse momento que as grandes empreiteiras se uniram, segundo ele num "cartel", para fazer negócios na área de Abastecimento — encarregada de tocar essas obras (leia o quadro na página 36). "Existia, claramente, isso foi dito pelos presidentes das companhias, de forma muito clara, que havia uma escolha de obras dentro da Petrobras e fora da Petrobras. Ocorreu de eu ter reuniões dentro da companhia, às vezes até reuniões com representante de grupo político, para a inclusão de empresas nas licitações", disse. Paulo Roberto e Youssef afirmaram que a propina, no caso das refinarias, era de 3% do valor do contrato. "Me foi colocado pelas empresas e também pelo partido (PP) que, dessa média de 3%, o que fosse da Diretoria de Abastecimento, 1% seria repassado para o PP, e os 2% restantes ficariam para o PT dentro da diretoria que prestava esse serviço, que era a Diretoria de Serviços. Isso me foi dito com toda a clareza. A Diretoria Internacional tinha indicação do PMDB, então, havia recursos que eram repassados também para o PMDB." Segundo os dois delatores, o então diretor de Serviços, Renato Duque, indicado pelo PT e capitaneado pelo tesoureiro informal do partido, João Vaccari, era cúmplice no esquema. Youssef afirmou ter estado duas vezes com Vaccari para "tratar de Petrobras". Disse, ainda, que cada partido tinha seus operadores e meios de repasse de dinheiro. Respeitavam-se os espaços, para não haver brigas, como a que expôs o mensalão. Nas demais diretorias comandadas pelo PT, Paulo Roberto disse que a propina de 3% também era aplicada, mas o valor não era dividido com mais ninguém. "Não operei em outra diretoria. Mas sei que existiam os mesmos moldes nas outras diretorias. Sei porque os próprios empreiteiros, operadores, eles falavam", disse Youssef. No depoimento da semana passada, Paulo Roberto contou que foi abordado no começo do ano por um candidato ao governo do Rio de Janeiro. Nesse depoimento, ele não mencionou o nome do candidato. Na delação que fez ao procurador-geral da República, contou que se tratava do senador Lindberg Farias, do PT. Dois lobistas que trabalhavam com Paulo Roberto confirmaram a ÉPOCA a proximidade dele com Lindberg. "O objetivo é que eu preparasse para ele um programa de energia e infraestrutura de maneira geral. E participei de umas três reuniões com esse candidato lá no Rio de Janeiro, assim como outras pessoas participaram. Foi listada uma série de empresas que poderiam contribuir para o cargo político a que ele estava concorrendo. Ele me contratou para fazer o programa de energia e infraestrutura do Rio de Janeiro. Listou uma série de empresas com que eu tinha contatos. Outras não. Hope, não conheço. Mendes Júnior, conheço. UTC, conheço. Constran, não. Engevix, conheço. lesa, conheço. Toyo Setal, conheço. E foi solicitado que houvesse a possibilidade de as empresas participarem da campanha. E me foi dito pelo candidato." Aos procuradores, Paulo Roberto afirmou ter pedido as contribuições de campanha, mas disse não saber se houve pagamentos.

No depoimento, Youssef afirmou que as reuniões para tratar da propina repassada a políticos e a outros agentes públicos eram registradas em atas. Desses encontros, disse Youssef ao juiz Sérgio Moro, participavam ele, Paulo Roberto e Genu. Ele disse ainda, durante a audiência, que as reuniões eram feitas com as empreiteiras individualmente. Serviam para discutir valores, andamento das obras e, naturalmente, o pagamento da propina. Youssef afirmou que entregará esses documentos para ser anexados ao processo.

Youssef tem em seu poder 12 ou 13 atas manuscritas em papel no formato A4, sobre reuniões que ocorriam em escritórios, hotéis e restaurantes. Delas participavam políticos e executivos das empreiteiras envolvidas nas principais e mais caras contratações da estatal. Com minúcia de detalhes, as atas ajudam a esclarecer como eram partilhados os contratos superfaturados e o caminho da propina. Uma dessas atas traz até o carimbo de uma das empresas investigadas no escândalo. Existem também anotações sobre os partidos beneficiados pelo desvio de recursos – PT, PP e PMDB. O conjunto de provas de Youssef vai além das atas. Ele dispõe de uma série de notas fiscais, emitidas contra as empreiteiras participantes do esquema com anotações sobre o valor líquido - a propina - a dividir entre os operadores e os chefes de esquema de corrupção. Além disso, ele garantiu aos investigadores acesso a aparelhos telefônicos ponto a ponto, usados somente entre duas pessoas, usados por integrantes do esquema. São pelo menos dez canais exclusivos de comunicação.

Nos depoimentos, Paulo Roberto e Youssef confirmaram que o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, era o operador do esquema com o PMDB, conforme revelou ÉPOCA. O envolvimento do PMDB no esquema, dizem os delatores, é vasto. Segundo Paulo Roberto, o senador Renan Calheiros era beneficiado pelos desvios na Transpetro. Um dos episódios contados por ele envolve o deputado Aníbal Gomes, do PMDB do Ceará. Gomes, segundo o relato, levou um empresário amigo a Paulo Roberto, para que ele o ajudasse a resolver uma pendência judicial na Petrobras. Gomes, disse Paulo Roberto, usou o nome de Renan. Procurado, Gomes confirmou as visitas a Paulo Roberto. "Paulo Roberto é meu amigo. É meu conhecido há 12 anos. Sempre foi uma pessoa muito decente e educada. Era um marqueteiro da Petrobras. Um vibrador (sic) pela empresa". Gomes diz que "pode ter acompanhado empresários" em visitas a Paulo Roberto. "Mas não consigo lembrar quem", diz. Ele afirma que às vezes alguns pediam para agilizar uma audiência com Paulo Roberto. E Paulo Roberto, segundo ele, pedia para formalizar o pedido. "Ele era uma pessoa que todo empresário gostaria de conhecer, por causa da força que tinha." Gomes afirma

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jamais ter usado o nome de Renan nas conversas com Paulo Roberto nem ter atendido a alguma solicitação de Renan relativa à Petrobras. Ele afirma, ainda, que nunca teve relação comercial com Paulo Roberto. Renan também nega relações com Paulo Roberto.

Por meio de amigos, Fernando Baiano, que está na Europa e foi orientado a não voltar por enquanto ao Brasil, mandou recados às empreiteiras, à família de Paulo Roberto e aos políticos do PMDB. Diz que guardou provas sobre alguns dos principais envolvidos no esquema. Baiano assegura que mantém evidências dos pagamentos feitos a ele por empreiteiras, como Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez. Também diz ter guardado provas de quanto repassou a Paulo Roberto - em dinheiro vivo e em contas secretas no exterior. Contas que, segundo Baiano, Paulo Roberto escondeu até agora das autoridades. O mesmo tipo de prova incrimina, segundo o relato de Baiano, deputados e senadores do PMDB, assim como as campanhas do partido em 2010. A interlocutores, Baiano garantiu ter repassado o equivalente a US$ 8 milhões às campanhas do PMDB em 2010. Parlamentares e operadores do PMDB confirmaram a ÉPOCA o papel desempenhado por Baiano, embora não soubessem precisar o montante repassado por ele. Baiano diz que entregará as provas, no momento certo, aos investigadores. Pretende negociar uma delação premiada. Pode estar blefando, mas as evidências colhidas até agora pela PF, pelo MP e pela reportagem sobre o papel de Baiano - e reveladas por ÉPOCA nos últimos meses - conferem verossimilhança a seus relatos.

O PT, em nota, repudiou "com veemência e indignação as declarações caluniosas do réu Paulo Roberto Costa". "O PT desmente a totalidade das ilações de que o partido teria recebido repasses financeiros originados de contratos com a Petrobras", segue o comunicado. O secretário de Finanças do partido, João Vaccari, diz, também por meio de sua assessoria, que "nunca tratou sobre contribuições financeiras do partido, ou de qualquer outro assunto, com o senhor Paulo Roberto Costa". O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu negou ter tido qualquer responsabilidade na indicação do ex-diretor de Serviços Renato Duque.

O Partido Progressista informa que desconhece as denúncias. Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, negou as acusações e afirmou que entrará com uma ação penal por crime contra a honra contra Paulo Roberto. O advogado de Cerveró, ex-diretor da área Internacional, não respondeu às ligações de ÉPOCA. Por meio de nota, Sérgio Machado, presidente da Transpetro, negou as afirmações feitas a seu respeito por Paulo Roberto. Fernando Baiano não respondeu as ligações. Genu não foi localizado. O senador Lindberg Farias enviou nota a ÉPOCA. "Em janeiro de 2014, Paulo Roberto Costa esteve em três reuniões de preparação do programa de governo de Lindberg. Nessas ocasiões, o ex-diretor da Petrobras tão somente discutiu com especialistas propostas para a área em que detinha conhecimento, a de óleo e gás. Ele não participou de nenhuma forma da captação de doações eleitorais. Não se pode confundir isso com as atividades ilícitas do ex-diretor, posteriormente reveladas pela chamada Operação Lava Jato."

A Camargo Corrêa informou, por meio de nota, que repudia as acusações contidas no depoimento. O consórcio CNCC, da qual a Camargo faz parte, informou que "reafirma que não realizou nenhum pagamento a Alberto Youssef nem a qualquer de suas empresas e não pode responder por pagamento de terceiros". A Odebrecht também nega as irregularidades e "repudia especialmente insinuações feitas a partir de menções a nomes de seus integrantes como sendo "contatos" do ex-diretor da Petrobras para supostas operações ilegais". A Odebrecht afirma que "os executivos citados pelo réu confesso tiveram, sim, contatos com ele, com diretores, ex-diretores e também com membros do corpo técnico da Petrobras, mas apenas para tratar de assuntos estritamente profissionais, relacionados à execução de projetos para os quais a empresa foi contratada pela estatal".

A Andrade Gutierrez informou "que as duas citações feitas à empresa nos depoimentos deixam claro que não há qualquer envolvimento da companhia com os assuntos relacionados às investigações". A lesa declarou que firmou contrato com a empresa Costa Global para serviços de consultoria e assessoria no desenvolvimento de negócios, tendo pagado, em 2013, R$ 300 mil. A Engevix informou que se colocou à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos. A Queiroz Galvão informa que desconhece o teor dos depoimentos. A UTC afirmou jamais ter pagado qualquer valor a Paulo Roberto. A Mendes Júnior informou que não se pronuncia sobre inquéritos e processos em andamento. A Sanko Sider diz que os depoimentos corroboram sua versão de que foram equivocadamente acusados. A OAS, a Toyo Setal e a Galvão Engenharia não responderam aos telefonemas de ÉPOCA.

Eleições 2014

A estratégia do PT para derrotar Aécio Neves O partido enfrenta o pleito mais difícil desde que chegou ao poder, em 2002. O objetivo é ampliar a vantagem no Nordeste, para compensar o desempenho fraco em São Paulo Leopoldo Mateus

Durante dois dias na semana passada, a presidente Dilma Rousseff passou em campanha eleitoral por cinco Estados do Nordeste – Piauí, Paraíba, Bahia, Alagoas e Sergipe. Com apoio de governadores aliados recém-eleitos ou favoritos, Dilma expôs novamente seu discurso que louva o baixo índice de desemprego, exalta programas sociais, fala discretamente em ameaças de interrupção desses benefícios se for derrotada e acusa os adversários tucanos de praticar juros altos e de não gostar de pobres. O discurso é muito parecido em qualquer região, desde o início da campanha. Dilma foi ao Nordeste em busca de uma zona de conforto, para recomeçar após uma vitória apertada no primeiro turno. Não existe vitória ruim. Mas a de Dilma expôs uma fraqueza. Sua vantagem foi pequena, seu adversário teve mais votos que o esperado e, mais preocupante, ela perdeu por uma diferença significativa em São Paulo, o maior reduto de eleitores do país.

Há três semanas, a campanha de Dilma sabia que ela perderia no Estado de São Paulo. Não sabiam o tamanho da diferença. Nas urnas, foram cerca de 5 milhões de votos a menos que Aécio Neves, do PSDB. As pesquisas

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qualitativas feitas pela equipe do marqueteiro João Santana revelavam um terreno pedregoso para Dilma em São Paulo. Nesses levantamentos, em que os eleitores falam sobre diversos temas, ficou claro que o problema em São Paulo não é tanto Dilma em pessoa, mas uma certa aversão ao PT. Os eleitores rechaçam o comportamento do PT após o julgamento do mensalão, e o modo como o partido reagiu à prisão de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Em vez de admitir seus erros, o PT defendeu os condenados com estridência, com ataques virulentos à Justiça e ao então presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Nas entrevistas feitas pelos marqueteiros petistas, os eleitores demonstravam desaprovação a isso.

Um fato inusitado - desses que acontecem na política brasileira e, talvez, em mais dois ou três países - prejudicou ainda mais a campanha. Em maio, a maioria dos paulistas ficou sabendo que o deputado estadual petista Luiz Moura era suspeito de participar do esquema de lavagem de dinheiro de uma facção criminosa por meio de cooperativas de transporte público. A história de Moura é de arrepiar: ele é um ex-assaltante, preso por dois roubos à mão armada. Fugiu da cadeia e, anos depois, entrou na política. Moura foi rapidamente expulso pelo PT. Mas sua história ficou na memória dos eleitores, que uniram esse fato à solidariedade histérica aos mensaleiros e passaram a ter uma imagem negativa do PT em relação à corrupção. A equipe de Dilma percebeu nas entrevistas que, na mente de muitos eleitores paulistas, os petistas passaram a habitar o lugar que já foi dos malufistas.

Dilma poderia superar isso, não fosse um problema maior na economia. As previsões de crescimento do PIB do Brasil neste ano estão em apenas 0,3%. A campanha de Dilma desenvolveu um discurso em que culpa a crise internacional por isso. Afirma que, diante de tal adversidade, o governo ainda conseguiu a façanha de preservar o nível de emprego. Esse discurso tem menos efeito em São Paulo, porque os paulistas são os primeiros a sentir os efeitos da desaceleração econômica, ainda menos percebida em regiões como o Nordeste. O emprego na indústria brasileira registrou queda de 3,6% em julho, em relação a julho de 2013, de acordo com o IBGE; em São Paulo, essa queda foi de 5,1%. Depois de anos de prosperidade com Lula, metalúrgicos na capital e na região do ABC já sofrem com demissões - ou, pelo menos, com férias coletivas e jornadas mais curtas, os recursos que antecedem a dispensa. "A crise chegou primeiro a São Paulo", afirma um assessor de Dilma.

Uma das esperanças do PT era a atuação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele permaneceu em São Paulo durante boa parte da campanha, para ajudar seu candidato ao governo, o ex-ministro Alexandre Padilha. As criações de Lula mais atrapalharam que ajudaram Dilma. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, uma invenção de Lula, eleito de forma espetacular, vive um momento de baixa popularidade - como a maioria dos prefeitos, devido à crise financeira. Em parte por culpa dele, Padilha teve o pior desempenho de um candidato petista no Estado desde 1998. A frustração foi tamanha que Lula chegou a dizer que não entendia como alguém votava no tucano Geraldo Alckmin, eleito em meio a uma grave crise de falta d"água no Estado (leia mais na página 52).

Os coordenadores da campanha de Dilma ainda não têm uma solução para um problema eleitoral de tal dimensão. A saída no primeiro momento foi buscar apoio no Nordeste para obter mais votos e, com isso, tentar compensar o mau desempenho paulista. O Nordeste reúne o maior contingente de beneficiados pelo Bolsa Família, os mais sensíveis à ameaça da perda do benefício em caso de derrota de Dilma. O Nordeste também cresceu mais que o resto do país nos últimos anos. Isso facilita a aceitação do discurso econômico de Dilma. A tática para a região inclui atuar no Ceará para neutralizar a aproximação do senador Eunício Oliveira, candidato do PMDB que disputa o governo do Estado, com Aécio. Pernambuco é um Estado considerado perdido pelo PT. Apesar de Lula ser pernambucano, o momento ainda é de nostalgia por Eduardo Campos. Um dos recursos usados pelos petistas em propagandas em Pernambuco é um discurso de Aécio no Senado, quando tentava maneiras de fazer com que uma nova fábrica da montadora Fiat não fosse para lá, mas permanecesse em Minas. Alguns dos Estados visitados por Dilma terão papel fundamental no enfrentamento com o PSDB (leia o quadro ao lado).

Aécio terá dificuldades no Nordeste para superar as vantagens de Dilma. Seu plano inclui o combate ao medo, espalhado na população local, de algum abalo às políticas sociais num governo tucano. Diante da dificuldade de atuar num terreno onde o PT está tão arraigado, a campanha de Aécio fará, no início, o caminho inverso de Dilma. Os tucanos acreditam que podem reforçar a campanha em São Paulo para atingir mais de 60% dos votos. Há uma ofensiva em curso no Rio. No primeiro turno, o candidato do PMDB ao governo, Luiz Fernando Pezão, se dividiu entre Dilma e Aécio. Na semana passada, líderes do PMDB do Rio avisaram a direção nacional que querem ir com Aécio. O principal deles, o deputado Eduardo Cunha, fez um acordo recente com Aécio. No início da campanha, ele combinou com Aécio que, se o PSDB desistisse de ter candidato ao Senado no Espírito Santo, Aécio teria o apoio do candidato do PMDB ao governo, Paulo Hartung. Assim foi feito.

Desde o início, a campanha de Dilma procurou identificar os adversários - num momento Marina Silva, noutro, Aécio - como candidatos dos ricos contra os pobres, defendidos apenas pelo PT. Não é bem assim. Um levantamento feito para ÉPOCA pelo Instituto Paraná Pesquisas mostra que a nova classe média e a população mais pobre estão divididas entre PT e PSDB - em parte, porque as classes D e E sentem o efeito da crise econômica e apostam numa mudança. A divisão agora parece ser regional, não social. Para vencer, o PT terá de vencer de goleada em seu território, e perder de pouco fora dele.

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Política em perfil

O governador que soube entender as ruas de junho Poucos políticos pareciam tão pouco sintonizados com o espírito das manifestações quanto Geraldo Alckmin. Ele agiu com firmeza, contrariou as expectativas - e se reelegeu com 57% dos votos Alberto Bombig

No momento mais tenso das manifestações de junho de 2013, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), chamou seus secretários mais próximos para uma reunião de emergência. O Palácio dos Bandeirantes estava sitiado por "black blocs" enfurecidos, e as principais vias da capital paulista transbordavam insatisfações contra os políticos. Em todo o país, estudiosos de ofício, de plantão e de ocasião tentavam interpretar a revolta. Em meio a esse clima, era natural os presentes ao encontro convocado por Alckmin esperarem dele uma complexa análise da conjuntura política e social. Médico de 61 anos, nascido em Pindamonhangaba, São Paulo, ele dispensou o diagnóstico e foi direto à terapêutica: "De agora em diante, o uso do avião do governo por parte de qualquer um aqui dentro só se dará em caso de in-farto agudo do miocárdio. Quanto ao helicóptero, ele será vendido".

A cena descreve à perfeição a maneira como Alckmin interpretou o sentimento expresso pelas ruas, que derrubou a avaliação de sua gestão de 52% de aprovação para 38% em 30 dias. "Ele percebeu que, antes de qualquer outra coisa, era preciso fazer mudanças concretas e ter postura firme para nos adequarmos ainda mais ao espírito das ruas", afirma Edson Aparecido, secretário da Casa Civil de Alckmin em 2013. Naquele momento, poucos apostariam na reeleição de Alckmin. As manifestações contavam com a simpatia da população, e a polícia de Alckmin se tornou uma espécie de símbolo da truculência. O caso mais comentado foi um tiro de bala de borracha que atingiu o rosto de uma repórter.

No Rio de Janeiro, passeatas pediam a renúncia do governador Sérgio Cabral, e manifestantes acampavam em frente a sua casa. Temia-se que o mesmo acontecesse com Alckmin. O episódio do helicóptero revela a diferença entre os dois governadores. Num sinal de austeridade, Alckmin pôs a propriedade do governo paulista à venda - feita em maio deste ano, para a Assembleia de Deus, por R$ 1,9 milhão. Cabral sofreu forte desgaste ao usar o helicóptero do governo do Rio de Janeiro para finalidades particulares. Alckmin acabou eleito, na semana passada, para o quarto mandato como governador de São Paulo, com 57% dos votos. A vitória levará o PSDB a 24 anos de permanência no Palácio dos Bandeirantes.

Poucos políticos pareciam tão pouco identificados com as manifestações de junho quanto Alckmin. Paradoxalmente, poucos souberam interpretar tão bem o espírito de junho quanto ele. Outro episódio que demonstra isso ocorreu no calor das manifestações. No dia 19 de junho, Alckmin recebeu uma ligação do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, dizendo que estava a caminho do Palácio dos Bandeirantes. Assim que chegou à sede do governo, Haddad disse que não aguentava mais a pressão e estava disposto a reduzir o preço da tarifa do transporte público, de R$ 3,20 para R$ 3,00, a principal reivindicação dos manifestantes. Alckmin respondeu que concordava e que o ajudaria. Para sua surpresa, Haddad disse: "Você poderia, então, chamar a imprensa agora aqui no Bandeirantes para a gente anunciar a redução?". Aparecido ouviu de Alckmin: "Chame o Márcio Aith (secretário de Comunicação). Precisamos fazer essa coletiva logo, antes que o prefeito Haddad mude de ideia". Dessa forma, a medida que serenou os ânimos foi anunciada na sede do governo paulista, com Haddad ao lado de Alckmin. A iniciativa foi de Haddad, mas foi Alckmin quem apareceu com mais destaque no anúncio da bondade.

Em agosto de 2013, Alckmin tomou mais uma medida concreta para conter o desgaste provocado pelas manifestações. Ele demitiu o coronel Cesar Augusto Morelli do comando da PM, após episódios de excesso de violência dos policiais para conter manifestantes em junho e julho, auge dos protestos. Para seu lugar, foi destacado Carlos Savioli, com a instrução de respeitar o direito à manifestação dos cidadãos. Nem sempre, no entanto, "ler as ruas" significa fazer tudo o que os manifestantes querem. Alckmin sabia, por intuição e por pesquisas, que a população queria um governo tolerante com os manifestantes pacíficos, mas duro contra os violentos - em especial, os adeptos da tática black bloc. Assim foi a ação de sua polícia. No auge dos confrontos, Alckmin contou com um pouco de sorte. Não houve nenhuma vítima fatal.

De junho até outubro, Alckmin e seus auxiliares tiveram de se dedicar à tarefa cotidiana que o governador define como "amassar barro". Em tradução livre: trabalhar. Em análises reservadas, tucanos reconheciam que o governo apresentava desempenho abaixo do esperado, com obras em velocidade reduzida, além de denúncias graves de superfaturamento, cartelização e pagamento de propina nas licitações do sistema de trens metropolitanos e metrô de São Paulo. No caso das denúncias, Alckmin adotou a postura de afirmar que o Estado era uma "vítima" e de que não seria "conivente". "Precisamos investigar, doa a quem doer", disse Alckmin em várias ocasiões. As denúncias continuavam a pipocar na imprensa, embora nenhuma o envolvesse diretamente. O PT se antecipou e começou a trabalhar a candidatura do então ministro Alexandre Padilha ao Palácio dos Bandeirantes. Em todos os encontros petistas, entoava-se um mesmo mantra: chegara a hora de tirar os tucanos do poder em São Paulo.

No final de 2013, a aprovação do governo paulista já estava em 41%. Era a hora de ampliar as costuras políticas para a disputa da reeleição. Alckmin decidiu por uma estratégia arrojada: aproximou-se do então governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), um aliado histórico do PT que, naquele momento, preparava sua candidatura a presidente. As principais conversas tiveram início há quatro anos, quando o deputado federal Márcio França (PSB) foi nomeado secretário estadual. Foi França quem aproximou Alckmin de Campos. O PSB queria ter candidatura própria ao governo de São Paulo. O nome preferido era França, enquanto Walter Feldman trabalhava para indicar Gilberto Kassab (PSD) como vice de Alckmin.

Alckmin estava receoso de que a rejeição a Kassab, expressa em todas as pesquisas, pudesse atrapalhá-lo. Um dos conselheiros que recomendou a ele evitar Kassab foi o cientista político Antonio Lavareda. "Entre ter discurso ou

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tempo de TV, ele preferiu o discurso", diz um aliado que participou das negociações. Numa jogada inteligente, Alckmin trabalhou para ter França como seu vice. Com isso, a candidatura de Alckmin ganhou frescor. A do empresário Paulo Skaf (PMDB) envelheceu, até por causa dos apoios de Kassab e de Paulo Maluf (PP).

Em junho deste ano, com a campanha pronta para ir às ruas, uma greve dos metroviários paralisou a capital às vésperas do início da Copa do Mundo, cuja abertura estava prevista para o estádio do Corinthians, na Zona Leste. O jogo dependia do transporte sobre trilhos para a locomoção dos torcedores. Alckmin, no programa Fantástico, da TV Globo, afirmou que demitiria os funcionários grevistas, porque a paralisação já fora declarada ilegal pela Justiça. A dois dias da abertura da Copa, após o governo ter demitido 42 grevistas, a categoria voltou ao trabalho.

Enquanto isso, o governo federal adotava postura de "negociação" com os movimentos e sindicatos que, naquele momento, usavam a Copa para pressionar autoridades. Na avaliação de seus aliados, Alckmin saiu fortalecido.

A morte de Campos, no dia 13 de agosto, abalou Alckmin. Ele passou a ter até medo de voar de helicóptero e avião. Recebeu de França a notícia, quando já se encaminhava para Santos, onde o avião caíra. A candidatura do aliado Campos deu lugar à de Marina Silva. Desde o início, ela afirmou que não subiria no mesmo palanque de Alckmin. Em conversas privadas, Alckmin disse que ela não seria eleita presidente, porque não tinha a confiança do povo e seria massacrada pela propaganda do PT. Marina ficou fora do segundo turno.

Na reta final da campanha, um novo - e grave - problema passou a preocupar os paulistas: a falta d’água. O longo período de estiagem castiga os reservatórios do Estado e ameaça o abastecimento de cidades importantes, entre elas a capital. Alckmin assumiu pessoalmente o gerenciamento da crise e o acompanhamento dos níveis dos reservatórios. Sem perder tempo, lançou um bônus para quem economizasse água e ordenou a retirada do volume morto do Sistema Cantareira. O problema está longe de resolvido. Alckmin é acusado de negligência -um relatório elaborado há dois anos alertara para o problema -, e os paulistas continuam irritados com a seca. As medidas, no entanto, serviram para garantir o abastecimento ao menos até o primeiro turno da eleição.

O primeiro mandato de Alckmin foi de 2001 a 2002, depois da morte de Mário Covas, de quem era vice. Em 2002, ele se reelegeu para mais quatro anos. Em 2006, perdeu a disputa para a Presidência para Luiz Inácio da Silva. Voltou ao Bandeirantes em 2011. Agora terá o direito de ficar lá até 2018. Quem convive com Alckmin afirma que os últimos quatro anos, com tantos enfrentamentos políticos, serviram para sepultar a fama de "picolé de chuchu". É esse novo Alckmin que voltou a acalentar o sonho de ser presidente do Brasil.

Eleições 2014

As pesquisas eleitorais em xeque Algumas pesquisas eleitorais feitas no primeiro turno chegaram a resultados distantes do que se apurou nas urnas. O que aconteceu? Bruno Ferrari e Aline Imercio

"Hoje é segunda-feira, dia 6 de outubro. Considerando a margem de erro do Ibope, feliz Natal!" Brincadeiras assim se espalharam pelas redes sociais na última semana. A razão foram as divergências entre os resultados de pesquisas eleitorais e das eleições reais. Os erros mais graves ocorreram nas pesquisas do tipo boca de urna. Elas deveriam chegar a números consistentes com a apuração das urnas, mas erraram muito. O problema ocorreu nas disputas pela Presidência da República e pelo governo dos Estados da Bahia, do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e de São Paulo. Pesquisas feitas com eleitores logo após o momento do voto erraram ao estimar os resultados para dez candidatos - entre eles, Dilma Rousseff (PT) e Anthony Garotinho (PR) - para mais -, e Aécio Neves (PSDB), Gerido Alckmin (PSDB) e Rui Costa (PT) - para menos. O que aconteceu? Poderemos contar com pesquisas melhores no futuro?

Fora o prejuízo à imagem de respeitados institutos de pesquisa, as piadas revelam um cenário preocupante. Pesquisas eleitorais servem de ferramenta de decisão para eleitores, partidos e candidatos. É comum que o cidadão use os números para tomar decisões cruciais - escolher entre voto útil e voto de princípios, ou escolher, entre dois candidatos, qual considera com maior chance de bater um terceiro. Se nem a pesquisa de boca de urna reflete a realidade, fica ainda mais difícil confiar nas pesquisas de intenção de voto, feitas antes das eleições.

Algumas pesquisas feitas nos dias anteriores ao pleito chegaram a resultados muito diferentes dos apurados depois. Essa diferença, isoladamente, é até natural. As eleições de 2014 foram marcadas pelo adiamento das escolhas de candidato e por grandes ondas de mudança de opinião ao longo da campanha. "O debate da TV Globo, na quinta-feira antes das eleições, alcançou cerca de 60 milhões de telespectadores", afirma Mauro Paulino, diretor do Datafolha. "Na opinião dos eleitores, Aécio se saiu melhor. Muitos dos que pensavam em votar na Marina passaram a pensar em votar no Aécio." Nenhuma pesquisa feita dias antes das eleições está blindada contra esse tipo de mudança rápida. Quem lê uma pesquisa deve esperar dela apenas o que é justo: refletir a intenção de voto num determinado momento, muito específico. Os erros mais graves e difíceis de justificar ocorreram nas pesquisas do tipo boca de urna, aquela que questiona o eleitor logo após o voto.

Nesse caso, não existe a justificativa das mudanças rápidas de opinião da população. Os profissionais da área buscam outras explicações. "Em comparação com 2010, tivemos 30% a mais de eleitores que disseram ter votado em branco, nulo ou que estavam indecisos até a hora do voto", afirma Márcia Cavallari, diretora do Ibope. "Isso pode gerar distorções." O presidente do comitê de opinião pública da Associação Brasileira de Pesquisa (Abep), João Francisco Meira, afirma que, muitas vezes, o eleitor não informa realmente em quem votou ou não admite que anulou o voto. "Existe uma sanção à escolha de não querer votar. Então ele não confessa que não votou", diz. As explicações, porém, não eliminam uma possibilidade pior. Os erros na boca de urna levantam a possibilidade de haver falhas sistemáticas nas pesquisas.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 17 Entender como elas são feitas é um passo fundamental. Para avaliar um universo grande como a população

brasileira, um recurso corriqueiro em estatística é organizar amostras. E inviável ouvir os 140 milhões de eleitores brasileiros. Por isso, escolhe-se um universo menor, que costuma variar entre 2 mil e 3 mil pessoas. Essa amostra deve representar com a máxima perfeição a diversidade do eleitorado, com critérios como sexo, idade, região de residência e classe socioeconômica. A partir daí, os pesquisadores procuram indivíduos que preencham os critérios. E comum que as pesquisas no Brasil busquem um nível de fidelidade de 95%, que gera um "intervalo de confiança". Assim, a cada 100 pesquisas feitas, em 95 o resultado real deveria ficar dentro da margem de erro. Pode-se aumentar esse indicador com uma amostra maior ou mais refinada. Quanto maior é a fidelidade, porém, mais caro e trabalhoso é aumentá-la. "A desconfiança é compreensível. Uma pesquisa dessa consulta menos de 0,01% da população", diz Dani Gamerman, professor do Departamento de Métodos Estatísticos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do blog Statpop. A ciência estatística prova, porém, que o resultado é extremamente confiável com uma amostra desse tamanho. Com a fidelidade de 95%, as pesquisas costumam embutir margem de erro de 2 pontos percentuais.

Para os críticos mais radicais, as pesquisas eleitorais, como concebidas hoje, nem deveriam ser publicadas. É a opinião do estatístico José Ferreira de Carvalho, professor aposentado da Unicamp e livre-docente pela Universidade de São Paulo. Carvalho defende o uso de amostras aleatórias – isso pode ser feito por meio do sorteio de telefones a ouvir ou endereços a visitar. "A amostragem por cotas, largamente usada em pesquisas de mercado, não deveria ser considerada alternativa válida", afirma. Carvalho também afirma que o conceito de margem de erro, como aplicado hoje pelos institutos, vale para pesquisas probabilísticas, feitas com base em amostras aleatórias, e não para aquelas de amostragem construída. A fim de fazer sua pesquisa de boca de urna à moda tradicional, que deu errado, o Ibope ouviu 64 mil eleitores, um imenso esforço. Uma pesquisa de amostra aleatória não precisaria ouvir tanta gente.

Há outros pontos de divergência entre os estatísticos. Hoje, a prática comum é que uma nova amostra seja organizada a cada nova pesquisa, a fim de obter um retrato atual e fiel da população. Parte dos especialistas afirma que os institutos deveriam usar também dados de pesquisas anteriores, as séries temporais. Ferramentas matemáticas conseguem separar qual parte das amostras anteriores pode ser usada e qual deve ser desprezada. Outra medida, mais simples e conciliadora, é apenas garantir duas atitudes dos pesquisadores em campo. Primeiro, que apresentem as perguntas de forma mais neutra e eficaz, para não induzir os entrevistados. Segundo, que se esforcem para respeitar os critérios que definem a amostragem.

A rápida difusão da tecnologia pode fazer sumir em breve a preocupação com a qualidade das amostras. Nos Estados Unidos, os institutos fazem pesquisa probabilística enviando aleatoriamente mensagens para os celulares dos cidadãos. Assim, têm acesso a 90% dos adultos. No Brasil, estamos perto disso:

83% dos adultos têm celulares, ou 115 milhões de pessoas. Se eles forem capazes de entender perguntas por escrito e respondê-las, contaremos com resultados de pesquisas mais fiéis à realidade. Está aí o caminho para que os institutos deixem de ser motivo de piada – e para que contemos com pesquisas melhores a amparar as decisões.

Carta da Bolívia

O imperador da Bolívia Com controle do Judiciário, perseguições aos adversários, crescimento econômico e ortodoxia fiscal, Evo Morales, beneficiado por migrações internas, tem agora maioria até nas regiões que lhe faziam oposição Raphael Gomide, de Santa Cruz de la Sierra

Às 8 horas do domingo, dia 5, a uma semana das eleições para presidente da Bolívia, 200 pessoas se reuniram na esquina das ruas Ballivián e Oruro, centro de Santa Cruz de la Sierra, coração econômico do país, à espera do candidato favorito à reeleição, Evo Morales. "Somos todos Evo!!!", diziam as camisas e faixas azuis, cor de seu partido, o Movimento ao Socialismo (Mas). Apenas um policial fazia o controle do tráfego. Não havia detectores de metais ou cavaletes para a segurança do presidente da Bolívia e da federação nacional de cocaleros, à frente do país há nove anos. A associação carnavalesca da Rua Ballivián estava pronta para manifestar o recente apoio a Evo em Santa Cruz, onde ele sempre enfrentou forte rejeição política. Um oficial da segurança, com óculos escuros e uma pistola apontando no coldre sob a camisa social, chegou para inspecionar o lugar. Duas bandas se revezavam entre a batucada e um estridente naipe de metais tocando música boliviana. Um homem com uma fantasia de espuma de Evo dançava e entretinha o público, sob o sol de 30 graus. Às 9h35, Evo saltou do carro e caminhou em direção ao grupo, já com 400 pessoas. Foi recebido com festa, assistiu à apresentação de dança e deu a uma menina um par de óculos escuros com a inscrição nas lentes: "Evo". Ele dançou, sorriu e não fez discurso, apenas agradeceu. No fim, entrou de roupa na "tradicional ducha" de água fria da Rua Ballivián, um chuveiro instalado na rua, sob gritos dos presentes.

Dali, seguiu para outro comício com cerca de 1.000 pessoas no bairro dos imigrantes de Oruro, em Santa Cruz. Oruro, uma área indígena e pobre do país, é o departamento natal e reduto eleitoral de Evo, onde obteve 80% dos votos em 2009. Devido ao grande crescimento econômico, Santa Cruz tem recebido milhares de migrantes por ano. O censo de 2012 aponta um crescimento de 37% da população na região entre 2001 e 2012. Eles estão entre os responsáveis por equilibrar as intenções de voto em favor de Evo naquela parte do país, um dos bastiões da oposição ao governo, a ponto de pleitear autonomia em 2008. Ao lado de Evo estava a jovem deputada Jennifer Echeverría, antes uma das vozes mais críticas a Evo - chegou a chamá-lo de "assassino". Ela se uniu a ele na semana passada. Brindou a união com champanhe. "Foi a última a mudar", diz a economista Yenny Soliz, mulher de um dirigente do Mas. "Alguns políticos se dão conta das mudanças que acontecem na Bolívia e se juntam. Outros cuidarão de seus interesses. Se o governo não os apoia, não se mantêm na política."

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 18 A deputada Jennifer, que não atendeu aos pedidos de entrevista a ÉPOCA, é um símbolo da encruzilhada da

oposição boliviana diante do poder e da popularidade de Evo no país mais pobre da América do Sul. Por causa dos avanços econômicos da Bolívia, muitos oposicionistas se viram forçados a aderir ao governo. Quem não seguiu o adesismo, minguou no cenário político, silenciado e sufocado pelo governo com perseguições políticas e judiciais. A oposição remanescente, dividida, não consegue encontrar um caminho. Sem um nome forte e capaz de abalar a imagem de Evo, os adversários têm dificuldades em conquistar a população no momento em que o país, liderado por Evo, passa por um período de prosperidade econômica.

Evo soube içar as velas certas para navegar nos ventos econômicos que empurram a Bolívia. Favorecido pela alta no preço internacional do gás e dos minérios, principais produtos de exportação bolivianos, as receitas do país se multiplicaram por cinco desde 2005. A economia cresceu em média 4,8% ao ano, entre 2007 e 2012. No ano passado, a taxa foi de 6,5%, a mais alta taxa em 38 anos. O dinheiro circula e há mais empregos (leia o quadro na página 66). Até o Fundo Monetário Internacional (FMI), antes contumaz crítico da Bolívia, tem elogiado o manejo da economia. "Já há vários anos, o desempenho macroeconômico da Bolívia tem sido muito bom", afirmou a economista do FMI Ana Corbacho, chefe da missão que, em fevereiro, analisou as contas bolivianas. Segundo a previsão do FMI, a Bolívia crescerá, neste ano, 5,2%, a mais alta taxa da América Latina.

Com dinheiro em caixa, Evo promoveu programas de distribuição de renda para famílias pobres, como bônus para educação, parturientes e terceira idade. Instituiu o 14a salário para empregados do mercado formal, que contempla apenas 30% da força de trabalho. Apesar da arrecadação crescente, Evo não se atirou à gastança a que muitos de seus vizinhos se entregaram. Adotou a ortodoxia fiscal, sem arroubos populistas e com controle das contas públicas. Seu governo reduziu a dívida pública, que caiu de 39% do PIB, em 2009, para 32,5%, no ano passado. Em 2013, a Bolívia acumulou um recorde histórico de reservas em moeda internacional e manteve superavits, tanto nas contas do governo (1,4% do PIB), quanto nas estatais (0,5%).

Esse sucesso é um paradoxo do governo Evo. Depois que assumiu o poder, ele adotou um agressivo programa de nacionalização, que afetou os setores de gás e petróleo, telecomunicações, transportes e mineração. Em 2006, nacionalizou a exploração de gás e atingiu a Petrobras. Também fixou regras rígidas para a produção agrícola. Proibiu a exportação de produtos, como soja, e estabeleceu uma cota mínima para outros, como milho e arroz, vendidos a "preço justo" internamente, em nome da "segurança alimentar" nacional. Apesar das estatizações e dos rígidos controles, o país passou a atrair mais investidores. O investimento estrangeiro direto na Bolívia saltou de US$ 102 bilhões, em 2009, para US$ 678 bilhões, no ano passado. Nos últimos quatro anos, a entrada do investimento estrangeiro ficou, na média, em 3,5% do PIB boliviano.

Com a economia em alta, nada aplaca o favoritismo de Evo. As duas últimas pesquisas revelam que as intenções de voto de Evo Morales são de 59%. O segundo colocado, o industrial Samuel Doria Medina, da Unidade Democrática, tem entre 13% e 18%. Embora a oposição desconfie das pesquisas, poucos duvidam que Evo conquistará seu terceiro mandato consecutivo no próximo domingo, dia 12. Em condições normais, já seria difícil para a oposição fazer frente a Evo. Numa Bolívia em que a máquina do governo controla o Judiciário, a Justiça Eleitoral, o Congresso, a Polícia Nacional e parte da imprensa, a vitória da oposição é uma missão impossível. Evo tem apoio de sete dos nove departamentos bolivianos e conta com dois terços do Legislativo. Seus adversários políticos são perseguidos e alvo de processos judiciais duvidosos. O ex-presidente da empresa de estradas da Bolívia José Maria Bakovic foi um dos alvos do linchamento moral que o governo do Mas impõe aos rivais. Bakovic respondia a 76 ações em sete dos nove departamentos bolivianos. Foi preso duas vezes sem provas. Em 2013, doente, aos 74 anos, morreu, após um infarto, numa viagem para uma audiência em La Paz – uma junta médica recomendara repouso.

De quatro governadores de oposição, só restou um no cargo, Rubén Costas, de Santa Cruz. Ele responde a dezenas de processos. O governador de Pando, Leopoldo Fernández, foi detido em 2008, levado a La Paz sem processo legal e está preso há seis anos, sem sentença. Ernesto Suárez, do Beni, outro reduto oposicionista, renunciou em 2012, por pressão de Evo, após ser acusado de ir-regularidades pelo Ministério da Luta contra a Corrupção. Agora, é candidato a vice de Samuel Doria Medina e está impedido de sair do país. Mario Cossío, de Tarija, foi suspenso do cargo por acusações de corrupção. Fugiu para o Paraguai, onde ganhou asilo político.

Essas ações só são possíveis porque Evo tem as rédeas do Judiciário. Ele nomeou a maior parte dos juízes e promotores no país. Com a nova Constituição de 2009, o Judiciário perdeu o status de poder autônomo. Hoje é um órgão sujeito às pressões do Executivo. Os juízes dos Tribunais Superiores, da Corte Suprema e da Justiça Eleitoral foram substituídos. A Corte Suprema costuma ratificar as decisões de Evo. Uma delas terá impacto direto nas eleições de domingo. A Corte autorizou que ele disputasse o terceiro mandato consecutivo, embora a Constituição da Bolívia só permita uma reeleição. Evo se elegeu pela primeira vez em 2005 e foi reeleito em 2009. No mesmo ano, com apoio total do Congresso, conseguiu refazer

A Constituição e "refundar" a Bolívia como "Estado Plurinacional da Bolívia". Pela interpretação dele, só valem os mandatos a partir da refundação do país. Eles excluem a primeira vitória eleitoral de Evo. "Foi uma violação à Constituição. Mas como fazemos respeitar a lei, se manipulam a Justiça? Evo é o árbitro, o dono do campo e da bola. É ele que cria as regras", afirma Samuel Ruiz, presidente da União da Juventude Cruzenha, uma entidade que reúne jovens oposicionistas de Santa Cruz de la Sierra e da região. "As eleições não têm um árbitro neutro, porque o Tribunal Supremo Eleitoral responde ao presidente. O governo inunda o país com propaganda favorável a Evo, enquanto a propaganda eleitoral de oposição ficou restrita aos últimos 27 dias antes do pleito", disse a ÉPOCA o candidato Samuel Doria Medina, segundo colocado nas pesquisas.

Nesse cenário, Evo não quer saber de debates políticos ou entrevistas. Instado por Medina, disse em julho: "Que vá debater com sua avó! E com a gente que escapou e está fora da Bolívia". "A institucionalidade não funciona. Ele tem controle de absolutamente tudo", afirma a jornalista Maggy Talavera, diretora do Semanario Uno. "Todas as regras estão

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a favor do presidente, que persegue os dissidentes. Não querem oposição nenhuma, querem tudo, porque acham que, se tiverem 95%, os outros 5% incomodarão." Segundo Talavera, Evo também demonstra seu "caráter autoritário" na relação com a imprensa. Ameaça as redes de TV e rádio de lhes retirar a concessão. Jornais e outros meios foram comprados por empresários ligados ao governo, caso do diário La Razón e de duas redes de TV. Outros meios menores são atraídos por verbas publicitárias.

Autor de três livros críticos ao governo, o jornalista político Carlos Valverde diz que perdeu o contrato com uma TV como retaliação por sua atuação profissional. "Me tiraram de dois empregos por causa dos livros e do filme em que fiz denúncias de fraude eleitoral. Quando fui renovar meu contrato, me negaram. Depois, passei dois anos numa outra TV, até que começaram a pressionar a emissora, e decidi sair. Minha produtora de TV sofreu corte de publicidade e não recebe verba pública. Eles me deixam no ar para dizer que há liberdade de imprensa", diz Valverde. "Evo adora o poder. É mussoliniano."

Em seus nove anos no poder, Evo acirrou uma rivalidade histórica dentro da Bolívia. De um lado, está a região ocidental, dos grandes vales e dos Andes, onde estão as cidades de La Paz e Cochabamba. Os habitantes, conhecidos como "collas", são majoritariamente de origem indígena. Na banda oriental, estão os moradores da região conhecida como Meia Lua. Ela inclui Santa Cruz, Beni e Pando. São chamadas de "cambas", de tez mais branca, mestiços e ricos. Motor econômico da Bolívia, Santa Cruz liderou, em 2007 e 2008, o movimento que defendia a autonomia da Meia Lua - com mais poderes e atribuições. Até hoje, os ressentimentos continuam. Até há pouco tempo, Evo não visitava Santa Cruz, onde dizia não ser bem-vindo. Na semana passada, o Mas anunciou que encerraria a campanha presidencial na estátua do Cristo na cidade, símbolo do movimento autonomista, local onde houve a Assembleia do Milhão, evento em que milhares se reuniram para defender a autonomia. Antes que a prefeitura negasse autorização para o uso político do símbolo local, foi convocada uma vigília, que terminou em brigas com um grupo pró-Mas. Governistas quebraram os vidros do carro de Ruiz, o líder estudantil. "Vivo em risco", disse ele a ÉPOCA. "Já disse publicamente que, se algo me acontecer, se for apunhalado, meu carro queimado, os responsáveis são o Mas e o presidente Evo Morales." A intimidação e o temor de retaliação política e econômica são visíveis em Santa Cruz. Quatro grandes empresários da Bolívia ouvidos por ÉPOCA pediram que seu nome não fosse citado, temendo represálias.

Apesar das tensões e desconfianças, nos últimos anos melhorou a relação entre a classe produtora e o governo nacional. Os agropecuaristas de Santa Cruz buscaram conversar. Seu interlocutor é o vice de Evo, Álvaro Garcia Linera, considerado o "cérebro político" do governo. Depois de alegar, por anos, que não era convidado a ir à tradicional feira agropecuária da região, Evo marcou presença neste ano. Com papel fundamental de brasileiros, Santa Cruz é responsável por 80% da produção boliviana - a agropecuária representa 12% do PIB e metade da população ocupada. "Não tinha diálogo, Evo não pisava em Santa Cruz. Havia um discurso agressivo deles e uma resposta agressiva daqui", afirma Julio Roda, presidente da Confederação Agropecuária Nacional e da Câmara Agropecuária do Oriente da Bolívia. "Há quatro anos, começamos a fazer pontes e conseguimos acordar vários pontos. Avançamos muito. Quem disser que não ganhou dinheiro está mentindo."

Os empresários ainda têm muito que reclamar. A lentidão, o excesso de burocracia do governo, a insegurança jurídica atrapalham os negócios. Sem falar nos problemas estruturais. A economia não é diversificada. Os recursos do país estão concentrados no setor de gás. Em 2010, Evo viveu um momento de tensão por causa dessa dependência. Houve queda na produção de petróleo e gás, ao mesmo tempo que entraram em circulação 129 mil novos veículos no país e o consumo aumentou. Quando o governo anunciou o corte à subvenção do preço da gasolina, o diesel aumentou em 82%, e a gasolina, em 78%. Houve o "gasolinazo", uma forte reação popular, e Evo teve de ceder. Os subsídios estatais aumentaram para que a população pudesse comprar gasolina barata. Até hoje, a revolta é lembrada em pichações nos muros de Santa Cruz -"Evo=Gasolinazo" - e usada como arma de propaganda eleitoral contra o Mas.

Mesmo diante da oposição persistente de alguns bolsões a Evo na Meia Lua, é inegável que a Bolívia vem crescendo de forma consistente. A boa fase da economia anima a maioria dos bolivianos a votar novamente em Evo, mesmo em Santa Cruz. Até quem considera tendenciosas as pesquisas eleitorais em favor dele não duvida que conseguirá mais um mandato de cinco anos. A questão agora é quanto tempo o imperador Evo ficará no poder.

Especial

A vocação da Amazônia Como a produção de açaí e essências, o reflorestamento e - acredite - as hidrelétricas podem gerar renda e emprego na região e criar alternativas econômicas que convivem bem com a floresta Tônia Machado, Cíntia Marcucci, de Belém, e Isabella Jaggi, de Porto Velho

O caminho de destruição da riqueza natural da Amazônia é conhecido. Começa com as madeireiras predatórias, que retiram as árvores de valor comercial. Depois vêm os carvoeiros, que queimam a vegetação restante em seus fornos. Por fim, chega o fazendeiro. Ele planta capim, solta o gado e impede a regeneração da floresta. Essa sequência de eventos dura cerca de dez a 15 anos, gera empregos e renda fugazes. Depois, em geral, deixa a região tão pobre quanto começou. O ritmo da devastação caiu 70% nos últimos dez anos, mas continua alto. No ano passado, foi equivalente a quatro vezes o município de São Paulo. Para mudar o rumo da Amazônia, não bastam mais leis severas e fiscalização. É preciso criar alternativas de negócios que gerem mais renda e trabalho com a floresta em pé. Felizmente, essas novas cadeias produtivas já vêm ganhando força. São atividades com potencial para virar vocações sustentáveis para o ambiente e para a população da Amazônia, com benefícios para o resto do país e para o mundo. A seguir, alguns dos negócios mais promissores.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 20 AÇAÍ O verão, estação seca no Pará, vai de julho a dezembro. Nessa época do ano, o entorno da Baía do Guajará, na

região de Belém, já respira açaí mal o dia começa. Nos mercados de rua que suprem o consumo local ou nas áreas ribeirinhas, tudo precisa ser feito antes que o sol esquente demais. Em Igarapé-Miri, a 78 quilômetros de Belém, boa parte da população está envolvida na cultura da palmeira de açaí. Em 2012, segundo dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-PA), a cidade produziu mais de 160.000 toneladas do fruto. Às margens de um igarapé, o agricultor Luiz Correa amanhece coletando açaí com os dois irmãos na pequena propriedade da família. Por volta do meio-dia, já há 20 latas (de 14 quilos cada uma) do fruto na frente da casa. "Hoje, dá para viver do açaí, e aprendemos como fazer a planta produzir sempre", diz. "Cortamos as árvores mais velhas, retiramos o palmito, e o resto vira adubo. Sempre cuidando dos brotos, que nascem sozinhos." Aos 23 anos, ele trabalha desde a adolescência na função. Depois que o açaí se tornou a principal renda da família, eles (Luiz, os pais, quatro irmãos e dois sobrinhos) têm uma casa mais confortável e luz elétrica. Também puderam comprar um barco maior, para que Domingos, pai de Luiz, recolha açaí nas propriedades vizinhas e revenda no porto regional.

A produção depende da floresta saudável. "Como ainda não se obtiveram sucesso e qualidade com a plantação da palmeira em áreas secas, o produto segue extrativista, para ser rentável", afirma o pesquisador Paulo Amaral, do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Com isso, a opção de desmatar as plantações de açaí é desinteressante. "Na monocultura, a planta fica mais sujeita a doenças e fogo. Por isso, a saída é fazer o manejo sustentável dos açaizais", afirma João Meirelles, diretor-geral do Instituto Peabiru, ONG dedicada ao trabalho com comunidades da Amazônia. Mesmo para grandes indústrias, o caminho é o extrativismo sustentável. É o caso da Coca-Cola. No segundo semestre do ano passado, ela lançou uma bebida feita da polpa de açaí misturada com banana, pela marca Del Valle. "A premissa é respeitar o potencial local das comunidades com que trabalhamos. Avaliamos antes a disponibilidade para garantir que o produto não sofrerá quebra de safra, nem precise ser descontinuado, e isso prejudique as comunidades", diz Claudia Lorenzo, diretora de negócios sociais da Coca-Cola.

Nem sempre foi assim. Até os anos 1990, o açaí era apenas consumido pelos paraenses como reforço alimentar, por ser barato e nutritivo. Da palmeira, tiravam o palmito. Os frutos sobravam tanto que eram jogados nos rios. Se aparecesse outra oportunidade que desse mais dinheiro, os ribeirinhos rapidamente colocariam fogo no que estivesse em suas terras, para plantar algo mais rentável. Foi quando o açaí virou queridinho nas academias do Sul e Sudeste, e a demanda cresceu. Hoje, com o açaí cada vez mais apreciado no Brasil e no exterior, é difícil um declínio do consumo que reduza seu valor econômico. O desafio é garantir que a venda de açaí continue pagando bem o produtor, para que ele não desista por algo mais rentável e desmatador.

ESSÊNCIAS A indústria de cosméticos e perfumes sabe, não é de hoje, que a Amazônia está cheia de ingredientes ricos e

rentáveis. Uma das fragrâncias mais famosas do mundo, o Chanel nº 5, usa em sua fórmula a essência do pau-rosa. Antes extraída da madeira, hoje vem de folhas dessa espécie, nativa da floresta. Nomes como andiroba, castanha-do-brasil, buriti, vitória-régia, murumuru, copaíba, cupuaçu e priprioca já são conhecidos do consumidor. Assim como o açaí, são boas alternativas para que a Amazônia dê lucro, gere emprego, renda e permaneça preservada. Essas essências são o principal sustento de lavradores como Antônio dos Santos, de 62 anos, da comunidade de Campo Limpo, no município de Santo Antônio do Tauá, a 56 quilômetros de Belém, no Pará. Ele trabalha numa cooperativa que planta e extrai espécies como priprioca, capitiú e estoraque para a empresa de cosméticos Natura. "Antes, aqui a gente fazia queimada para plantar feijão, arroz, mandioca. Agora, sabe que dá para o sustento da terra sem destruir", diz. "Nossos filhos queriam sair daqui para buscar dinheiro nas cidades grandes. Agora, querem continuar nosso trabalho e preservar a natureza daqui."

O desafio para que mais gente seja beneficiada e para que mais empresas invistam em projetos similares esbarra numa legislação ambiental complicada e não exatamente eficaz. O princípio é correto. Segundo a Convenção da Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário, quando uma empresa decide explorar uma espécie nativa, é preciso que ela pague pelo acesso genético (ao entrar num local para retirar e estudar a planta), pelo conhecimento tradicional (ao aprender com comunidades locais a manipular a planta) e pelo fornecimento da matéria-prima em si. "Da maneira que é hoje, o CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente) tem propostas e normas difíceis de interpretar. Elas acabam sendo um fator de desistência das empresas que pretendem pesquisar a biodiversidade, pois aumentam muito os riscos da iniciativa", diz o economista João Tezza. Outro desafio é a falta de regularização fundiária da Amazônia. É difícil atribuir responsabilidades numa região onde a propriedade da terra é muitas vezes indefinida. "Isso atrapalha as empresas que querem investir nesse negócio", afirma Daniel Sabará, diretor executivo da Beraca, empresa que extrai matérias-primas para diversas indústrias, como a cosmética.

REFLORESTAMENTO Em todo o Brasil, 90% da madeira produzida vêm de florestas plantadas. São quase 7 milhões de hectares das

espécies exóticas eucalipto e pínus. A maior parte da plantação está nas regiões Sul e Sudeste. Nos últimos anos, as terras já desmatadas da Amazônia surgiram como oportunidade para esse negócio. O maior polo de refloresta-mento da região é o município de Paragominas, no Pará. Após entrar para a lista dos mais desmatadores divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2008, a cidade mudou sua trajetória. O governo local assinou um pacto de desmatamento zero com os produtores rurais e a sociedade civil. O programa, chamado Município Verde, incentivou a regularização dos produtores, o licenciamento de atividades rurais e também aumentou o monitoramento sobre o desmate. Em 2010, veio o resultado. Paragominas foi o primeiro município brasileiro a deixar a lista de desmatadores. No ano seguinte, o programa passou para a esfera estadual e, desde então, 104 dos 144 municípios paraenses aderiram. "Com o

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programa, assumimos o compromisso da produção rural sustentável", afirma Justiniano Netto, secretário de Estado do Programa Municípios Verdes. Uma das estratégias de Paragominas foi substituir atividades predatórias ou alternativas sustentáveis, como o reflorestamento.

A empresa de reflorestamento Floraplac foi uma das primeiras na região. Segundo Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon, ela gera mais renda que as centenas de madeireiras ilegais juntas do passado. Ela fabrica placas de MDF com madeira de florestas próprias plantadas. São 29.000 hectares de eucalipto e de paricá, espécie nativa da Amazônia. Foram plantados em áreas antes degradadas pelo desmatamento. "Encontramos aqui terras excelentes", diz Silvano D"Agnoluzzo, sócio diretor do Grupo Concrem. A madeira é vendida a empresas do setor moveleiro nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Além de MDF e celulose, as florestas plantadas também podem produzir madeira para a geração de energia. Esse é um dos negócios da Floresteca, instalada no sul do Pará e em Mato Grosso. A empresa é a maior plantadora de teca (espécie asiática) do mundo. Tem 40.000 hectares no Brasil. Por produzir uma madeira nobre, as toras e a madeira serrada são destinadas à marcenaria e à decoração. O resto - cerca de 30% -vai para caldeiras de grandes indústrias, que não precisam mais tirar carvão de matas nativas. "Vimos no plantio de florestas uma oportunidade sustentável de abastecimento de madeira. Assim, freamos a devastação", diz Sylvio Coutinho, presidente da Floresteca. O uso de carvão vegetal de reflorestamento ainda é pequeno na Amazônia. De acordo com o IBGE, em 2010, apenas 17% de toda a madeira plantada na região virou carvão vegetal.

Essas empresas contam com incentivos. O BNDES Florestal financia o plantio para fins comerciais e a recuperação de áreas degradadas. De 2004 a 2013, destinou R$ 3,7 bilhões ao financiamento de florestas plantadas em todo o país. O Fundo Amazônia, também gerido pelo BNDES, dá crédito a pequenos produtores rurais da região. O programa Municípios Verdes, do governo do Pará, é o maior projeto apoiado pelo fundo. Ainda é pouco diante das facilidades oferecidas a atividades de mais impacto, como a pecuária. Só em 2008, o mesmo BNDES ofereceu R$ 5,7 bilhões a pecuaristas e frigoríficos em expansão na Amazônia. "O Brasil incentivou muito o gado, que pressiona a floresta. Parte desse esforço poderia ir para uma atividade econômica florestal mais competitiva e rentável. Com os incentivos, a indústria em larga escala cresce, e os compradores aparecem", afirma Veríssimo, do Imazon.

Os ganhos gerados pelo plantio de florestas vão além dos econômicos. Antes de tudo, elas prestam serviços ambientais essenciais para o mundo. As árvores são como bombas hidráulicas. Puxam água profunda do solo e jogam para a atmosfera. Quanto mais cobertura arbórea, mais carbono será retido, e mais biomassa será produzida. "Quanto mais árvore na paisagem, melhor. Mesmo que os biólogos queiram a maior diversidade biológica possível, sempre prefiro que, no lugar de um pasto degradado, haja uma floresta. Ainda que seja relativamente homogênea, como as plantadas", diz Veríssimo.

HIDRELÉTRICAS Pode parecer surpreendente a produção de energia hidrelétrica constar numa lista de atividades sustentáveis na

Amazônia. A construção das usinas é considerada um dos grandes fatores de desmatamento e destruição ambiental na região. Mas isso pode mudar. Parte dos impactos estão ligados à obra, como o desmatamento no local de instalação das usinas e a inundação de áreas da floresta para formar reservatórios. A maior parte da devastação ocorre fora da área de ação de quem constrói a usina. O Imazon fez uma projeção do impacto gerado por 12 empreendimentos projetados para a bacia do Rio Tapajós. O aumento populacional provocado pelas obras poderá causar, em 20 anos, 950.000 hectares de desmatamento. A falta de planejamento das obras agrava deficiências sociais históricas da Amazônia. No caso da usina de Belo Monte, os índices de violência na região aumentaram depois do início das obras. O município mais próximo da hidrelétrica, Altamira, no Pará, registrou aumento de 62% no número de prisões e de 379% na quantidade de armas apreendidas, entre os anos de 2010 e 2011.

Para atenuar o impacto das hidrelétricas, o Brasil apostou nas usinas a fio d"água. Elas contam com lagos pequenos ou inexistentes. As turbinas geram energia apenas com a pressão hidráulica do rio. Essas usinas geram outro problema ambiental. Os reservatórios são fundamentais para garantir a geração de eletricidade em períodos de estiagem. Mesmo quando o país conta com outras fontes de energia limpa, como solar e eólica, precisa de uma fonte segura, quando não há vento nem sol forte. Como o Brasil constrói poucas hidrelétricas com lagos, a capacidade de estocagem caiu. Nos anos 1970, o país tinha água para gerar energia durante um ano sem chuva. Agora, não tem reservas para cinco meses. A alternativa tem sido acionar usinas termelétricas, cuja emissão de gás carbônico é a principal responsável pelas mudanças climáticas. E contar com as centrais nucleares. A presença de reservatório faz pouca diferença nos efeitos indiretos do empreendimento, os maiores. Em 2010, o Estado de Rondônia foi campeão nacional de desmatamento, e a devastação estava justamente na área de influência das usinas (a fio d"água) do Rio Madeira.

Não deveria ser assim. A produção de eletricidade a partir da força hidráulica dos rios precisa da floresta sadia. Cada árvore amazônica, pela transpiração das folhas, bombeia em média 500 litros de água por dia. Sem elas, o ciclo das chuvas se rompe. O prejuízo é nacional. O Sudeste vive a pior seca dos últimos anos em parte por causa do desmatamento na Amazônia, que reduziu o fluxo de umidade na atmosfera do norte para o sul do Brasil. Por isso, deve ser do interesse de quem vive de eletricidade que as árvores, as fábricas de chuva, continuem lá e prestem esse serviço. Em vez de estimular a destruição, os investimentos em hidrelétricas poderiam servir para incentivar a conservação das áreas do entorno e para estimular atividades não predatórias, como a extração sustentável de madeira, o turismo e alguns dos outros negócios citados nesta reportagem. Os recursos também podem ser usados para regularização fundiária na região e para criar unidades de conservação, como parques nacionais, reservas extrativistas (que geram frutos da mata em pé) ou florestas nacionais (em que madeireiras produzem sob concessão, num ritmo que deixa as árvores se regenerar). "A região se sacrifica pelo resto do Brasil, e, para que isso seja mais positivo, uma parte do

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recurso arrecadado precisa ficar na região, em forma de investimento", afirma Veríssimo, do Imazon. No caso do Tapajós, um estudo do Imazon mostra que a região deveria receber até R$ 4,9 bilhões por ano para compensar o impacto socioambiental das usinas hidrelétricas.

A Santo Antônio Energia, responsável pela hidrelétrica de mesmo nome no Rio Madeira, fez investimentos para compensar seus impactos. Em três anos, replantou 1.600 hectares e gastou R$ 664 milhões para realocar a população atingida. Alguns se adaptaram. O agricultor Domingos Mendes da Silva foi transferido para o reassentamento de Santa Rita, a 60 quilômetros do centro de Porto Velho. Recebeu cursos técnicos e aprendeu a criar o peixe pirarucu, espécie típica do Madeira, com valor comercial. Hoje, ele já tem sete tanques em sua propriedade e, além de vender os peixes, aproveita a água usada na criação para irrigar suas plantações com frutas também típicas da região, como o açaí. Histórias assim ainda são exceção na Amazônia. Aproveitar os empreendimentos para incentivar a conservação é a única forma de garantir que a Floresta Amazônica continuará a ser a maior usina de chuvas do Brasil.

Especial

Eles precisam de terras e documentos Por que o maior programa para reduzir o caos fundiário da Amazônia - e evitar mortes e desmatamento - só cumpriu 15% do objetivo Andrea Vialli

Uma das maiores tragédias da Amazônia é o caos fundiário na região. A floresta poderia gerar muita riqueza de forma sustentável, com a produção de madeira, de essências ou frutos, com turismo ou até com energia e mineração. Mas nada disso pode ocorrer de forma organizada e controlada quando não há segurança sobre quem é o dono e responsável pela terra. Um estudo de 2008 do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostrou que 32% das terras na região não tinham propriedade definida.

A confusão fundiária na Amazônia é uma herança histórica. São quatro séculos de ocupação territorial desordenada. Desde a política de distribuição das sesmarias do século XIX, a aquisição de terras na Amazônia tem sido feita por meio de posses. Os ciclos da borracha, a colonização do governo militar, a corrida do ouro nos anos 1980 e agora a expansão da pecuária envolveram apropriação irregular de terra pública.

O roubo de terra, batizado de grilagem, começa com a ação de madeireiras clandestinas. Elas retiram da floresta as árvores de maior valor comercial. Essa exploração, sozinha, não destrói a floresta, mas deixa a mata mais pobre. A terra sem dono atrai especuladores, que usam o dinheiro da madeira e do carvão para derrubar a mata, plantar capim e colocar gado na área desmatada. A pecuária cria uma aparência de terra produtiva e permite a falsificação de documentos de posse. Sem propriedade definida, são fadadas ao fracasso as tentativas de criar um modelo de economia sustentável na Amazônia.

Colocar ordem na floresta não tem sido tarefa fácil. Uma das esperanças é o programa Terra Legal, lançado em 2009 pelo governo federal. Quando surgiu, ele estava concentrado em 43 municípios amazônicos. Tinha como meta inicial entregar títulos de terra a 150 mil posseiros que ocuparam áreas públicas federais não destinadas a eles. Diferentemente dos grileiros, os posseiros são pequenos produtores, extrativistas, que usam a terra para plantar, sem intenção especulativa. O Terra Legal vem sendo executado em fases. Elas começam com identificação nos cartórios das glebas públicas, seguida pela medição com satélites (georreferenciamento) das terras, pela identificação dos ocupantes e pela definição do que fazer com a área. Em consulta a órgãos como a Funai, o Incra e o Ministério do Meio Ambiente, os agentes do programa determinam se é possível dar o título a quem lá cultiva ou faz extrativismo.

De um total de 113 milhões de hectares de glebas federais na Amazônia, há 55 milhões de hectares em situação indefinida. É o equivalente a Minas Gerais. Eles podem ser destinados a particulares ou a uso público, como assentamentos de reforma agrária, áreas urbanas, terras indígenas e unidades de conservação. Qualquer destino desses é melhor que o limbo legal, com a terra vulnerável à grilagem.

Desde o lançamento do Terra Legal, foram destinados à regularização 8 milhões de hectares. "Esses títulos beneficiaram 13 mil famílias na área rural e outros milhares em áreas urbanas, além de garantir áreas de preservação ambiental e proteção a populações tradicionais", afirma o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), executor do programa, em nota a ÉPOCA. Os resultados ficaram aquém da expectativa. O programa deveria ter regularizado tudo em cinco anos. Agora, o prazo foi prorrogado para mais cinco. "O programa avançou na identificação das terras nos cartórios e no mapeamento por satélite. Mas a titulação ainda é lenta", diz Brenda Brito, pesquisadora da Imazon.

Os problemas começam já na identificação das terras públicas federais nos cartórios. Muitos registros de imóveis rurais são imprecisos. Outro problema é o número de títulos falsos emitidos na Amazônia. É comum encontrar dois ou três títulos emitidos para uma mesma terra. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou o cancelamento de mais de 5 mil títulos falsos de terras, registrados em cartório, só no Pará.

Enquanto a terra não é regularizada, a indefinição causa conflitos e estimula o desmatamento. O Pará é o campeão de mortes por conflitos agrários no Brasil. Foram seis assassinatos em 2013, de um total de 34 casos em todo o Brasil. Em 2010,18 mortes no Pará, de 34 no país. Brenda estima que 71% da área desmatada no Pará até 2011, um total de 175.000 quilômetros quadrados, estava sem definição fundiária. E 0 equivalente a quatro vezes o Estado do Rio de Janeiro. "É difícil pensar em política ambiental sem regularizar essas áreas", diz ela.

Entre os Estados da Amazônia Legal, o Pará também vive o maior caos fundiário. Um estudo do Imazon, de 2012, mostrou que a titularidade é indefinida em 39% do território, embora haja processos em andamento para regularização, tanto no âmbito do Terra Legal quanto no programa estadual de regularização fundiária, do Instituto de Terras do Pará

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(Iterpa). "O sistema de controle de terras ainda é deficiente no Brasil. No Pará, a maioria dos títulos de posse nunca foi legitimada, nem pelo Estado, nem pela União", diz José Heder Benatti, da Universidade Federal do Pará.

O mais recente relatório do programa Terra Legal afirma que 43% das glebas públicas no Estado foram mapeadas por satélites. Apenas 4% dos títulos correspondentes já foram emitidos. Para cumprir sua meta nos próximos cinco anos, o Terra Legal precisaria emitir nada menos que 68.414 títulos de propriedade no Pará. O último relatório do Iterpa, referente ao ano de 2013, mostra que o Pará reuniu 535.826 hectares de terras para regularização fundiária e emitiu 778 títulos de propriedade, a maioria (663) para pequenos e médios produtores. "Os resultados dos dois programas são tímidos, pois não há articulação e cruzamento de dados entre os órgãos fundiários estadual e federal. Isso contribui para que a grilagem não tenha fim. Ainda mais diante da especulação imobiliária, gerada pelas grandes obras de infraestrutura", afirma Benatti.

O programa precisa correr. A Amazônia vive hoje uma repetição da década de 1970, quando o incentivo à ocupação com base na migração e na abertura de grandes estradas estimulou a especulação e a falsificação de títulos. Na ocasião, o objetivo dos grileiros era usar os papéis falsos para obter financiamentos bancários do governo federal. "Hoje, isso se repete, com obras como hidrelétricas e estradas e na expansão da pecuária", diz Ricardo Mello, coordenador adjunto do Programa Amazônia da ONG WWF Brasil. O WWF tem trabalhado com programas de desenvolvimento sustentável de cadeias extrativistas, justamente em torno dessas áreas de risco, como na área de influência da BR-364, no Acre, e em torno do Parque Nacional do Juruena, na divisa entre Amazonas e Mato Grosso. A região poderá receber as barragens da hidrelétrica de São Simão Alto, na bacia do Rio Tapajós. Se o anúncio das obras também viesse com a regularização das terras, o impacto seria menor.

Especial

Os candidatos e o futuro da floresta Na última década, o Brasil foi o país que mais reduziu o desmatamento - mas outros problemas graves esperam solução na Amazônia Alexandre Mansur e Juliana Arini

Emprego, educação, inflação, saúde e até privatização são temas que ganham amplo espaço nas campanhas dos candidatos à Presidência que chegam ao segundo turno. A Amazônia não. Embora ocupe 61% do território nacional, o futuro da região praticamente não aparece nos discursos de campanha da presidente Dilma Rousseff nem de Aécio Neves. É possível traçar uma perspectiva do que cada um deles pode oferecer à Amazônia a partir do que fizeram em suas gestões: Dilma nos quase quatro anos de Presidência e Aécio na área ambiental durante seus dois mandatos como governador de Minas Gerais (janeiro de 2003 a março de 2010). A seguir, o que esperar de cada candidato nas principais áreas de interesse para a Amazônia.

DESMATAMENTO

A taxa de desmatamento na Amazônia é a medida usada nacional e internacionalmente para avaliar o sucesso de política ambiental no Brasil. Nos últimos dez anos, ela caiu 70%. É a maior queda já registrada no mundo. A ênfase excessiva nesse índice pode ser enganosa. Primeiro, ele camufla outros problemas da região, como a degradação da floresta. Quando as madeireiras exploram a floresta de forma predatória, constroem estradas e derrubam árvores de valor comercial. A cobertura vegetal continua lá, mas a biodiversidade e parte da fauna foram afetadas. A taxa também não conta a devastação de outros ecossistemas, como a Mata Atlântica e o Cerrado, mais ameaçados que a Floresta Amazônica. Na última década, o desmatamento no Cerrado dobrou. Em 2012, já era quase duas vezes, em quilômetros quadrados, o da Floresta Amazônica. Parte dessa devastação ocorre nas áreas de cerrado da Amazônia Legal. Como o Cerrado é a fronteira agrícola do país, esse é um problema que os governantes se recusam a enxergar.

DILMA: Herdou a política bem-sucedida do presidente Lula. Durante a gestão de Marina Silva no Ministério do

Meio Ambiente, ele realizou a maior derrubada nas taxas de desmatamento da região (leia o gráfico na página 108). Lula fez o índice cair de quase 28.000 quilômetros quadrados, em 2004, para 7.000 quilômetros quadrados, em 2010. As principais ações envolveram mais eficiência na fiscalização e a suspensão de crédito agrícola nos municípios campeões de devastação. Dilma deu continuidade às políticas de Lula e aproveitou seus efeitos positivos, mas não adotou nenhuma medida nova. Foi durante o mandato de Dilma que o desmatamento apresentou os menores números desde que passou a ser medido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 1989. Seu desafio é segurar os bons índices conquistados na gestão do PT. Segundo os últimos dados do Inpe, houve um aumento de 29% no desmatamento no último ano. Na conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada em Nova York no mês de setembro, Dilma se recusou a assinar um compromisso internacional pelo fim do desmatamento até 2020.

AÉCIO: Nunca foi responsável pela Amazônia. É possível avaliar seu desempenho quando governou Minas Gerais. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica e o Inpe, o Estado foi um dos campeões nas derrubadas no Cerrado. A queima de Mata Atlântica para a produção de carvão, principalmente na região do Vale do Jequitinhonha, uma das áreas mais pobres do país, é apontada como o principal problema. Para tentar mudar a situação, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Estado criou uma força-tarefa de fiscalização. Aécio também assinou uma moratória proibindo novas licenças de desflorestamento em Minas Gerais. Segundo a SOS Mata Atlântica, as medidas já desencadearam uma redução de 22% nos índices.

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AÇÕES SOCIAIS A Amazônia guarda algumas das áreas mais pobres e desassistidas do país. A falta de perspectivas econômicas é

um dos fatores que levam a população local a se envolver em atividades predatórias, como a derrubada da mata para fazer carvão. O desmata-mento também não gerou benefícios para o povo da Amazônia. O PIB per capita é metade da média brasileira. A Amazônia está atrás do Brasil no cumprimento das metas do milênio da ONU e no índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Quase 99% dos 772 municípios da região têm pontuação de progresso social inferior à média nacional. Os habitantes convivem com saneamento precário, acesso limitado à internet, educação básica de baixa qualidade, educação superior insuficiente e insegurança. Alguns de seus municípios estão entre os mais violentos do Brasil. Em 2009, 42% da população vivia em situação de pobreza.

DILMA: Os investimentos sociais executados pelos governos Lula e Dilma nos últimos 12 anos, como o Minha

Casa Minha Vida, e os programas de transferência de renda Bolsa Família e o Bolsa Floresta explicam parte dos bons resultados no combate ao desmatamento. Na gestão de Dilma, a região contou com os menores índices históricos de derrubadas. A ampliação do Bolsa Verde é uma das metas já definidas por Dilma para continuar o combate ao desmatamento. O benefício, criado em 2011, une conservação ambiental à proteção social, por meio de um repasse trimestral de R$ 300 aos beneficiários do Bolsa Família que desenvolvem atividades de uso sustentável. Atualmente, 55 mil famílias da Amazônia Legal estão no projeto. Ao todo, os programas sociais do governo federal na Amazônia beneficiam 265 mil famílias.

AÉCIO: Assim como Dilma, afirma que investirá em oportunidades para os moradores da Amazônia. Durante a campanha, o tema foi tratado com destaque. Aécio prometeu implantar uma vigorosa política de pagamento por serviços ambientais. Representantes da equipe de Aécio foram avaliar o Bolsa Floresta, executado desde 2007 pela Fundação Amazonas Sustentável, do governo do Estado do Amazonas. O programa paga R$ 50 por mês a mães de famílias residentes em unidades de conservação. Também oferece educação profissionalizante a 40 mil pessoas que protegem uma área de 10 milhões de hectares.

ÁREAS PROTEGIDAS

As unidades de conservação, como parques nacionais (que atraem turistas) ou florestas nacionais (que permitem a exploração de madeira) são essenciais para proteger a região. Apesar de sua importância, essas unidades têm sido degradadas por atividades ilegais como desmatamento e exploração de madeira. Por conflitos fundiários em 5% do território (cerca de 3 milhões de hectares de unidades federais), algumas áreas estão vulneráveis a tentativas de revogação.

DILMA: Faltando apenas três dias para o primeiro turno das eleições, Dilma anunciou a criação de três novas

unidades de conservação, com um total de 42.700 hectares. A área protegida por Dilma é pouco maior que a região a ser alagada pela usina de Belo Monte. Dilma pode se tornar a presidente que menos criou unidades de conservação desde Collor. "Houve um decréscimo no ritmo de criação concreta nos últimos três anos, a despeito de continuarmos a realizar estudos para propor novas unidades", afirma Marcelo Cavallini, da coordenação de criação de unidades de conservação do Instituto Chico Mendes, órgão do Ministério do Meio Ambiente. Dilma também reduziu as áreas de conservação existentes em 164.000 hectares. Só numa medida provisória de 2012, Dilma tirou pedaços de cinco áreas preservadas para construir hidrelétricas no Pará e em Rondônia.

AÉCIO: Foram criadas 138 unidades de conservação durante a gestão de Aécio em Minas, num total de 237 unidades e 2 milhões de hectares protegidos. Algumas sáo administradas pelo órgão ambiental com empresas, como os parques Estaduais da Lapa Grande e da Serra do Rola-Moça.

ÍNDIOS

Além de guardar parte importante da cultura ancestral do país, os povos indígenas ajudam a preservar o ambiente. Salvo exceções, a taxa de desmatamento em terras indígenas é menor que em propriedades privadas.

DILMA: Segundo um estudo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o governo Dilma foi o que menos

homologou terras indígenas desde a redemocratização. Foram 11 homologações de Dilma, ante 79 de Lula e 145 de FHC.

AÉCIO: Em seu plano de governo, Aécio reconhece o papel das populações tradicionais na conservação da biodiversidade. Promete valorizar o conhecimento dessas populações mediante política e legislação específicas. Numa sabatina recente na Conferência Nacional da Agricultura, disse que a Funai perderá a hegemonia para definir a demarcação das terras indígenas. Ele propõe incluir em lei as 19 condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal, em 2008, para definir a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Entre as medidas mais controversas está a possibilidade de explorar os recursos hídricos e minerais dessas áreas. As terras indígenas ianomâmis, em Roraima, e o território Cinta Larga, em Rondônia, que resguardam grandes porções de floresta, podem ser os primeiros a ser explorados pelas reservas de ouro e diamantes.

EDIÇÃO Nº 2395 – 15 OUT 2014

Especial – Eleições 2014

A virada de Aécio Depois de amargar o terceiro lugar nas pesquisas para o primeiro turno, ser abandonado por aliados e pressionado a renunciar, o tucano chega à segunda fase com 2,8 milhões de votos a mais que Dilma Bela Megale e Mariana Barros

Já era mais de 1 da manhã da sexta-feira 3 quando Aécio Neves conseguiu se livrar da multidão de políticos e jornalistas que o seguia na saída dos estúdios da Rede Globo, onde ele participou do último debate entre os candidatos a presidente antes do primeiro turno das eleições. Com o rosto suado, sob o calor dos holofotes, o paletó amarfanhado pelos abraços recebidos, o candidato do PSDB finalmente entrou no carro que o levaria para casa. Acomodado no banco, virou-se para um assessor e disse, abrindo um sorriso: "É... Acho que sobrevivi". Madrugada adentro, seu celular não parou de tocar. Eram cumprimentos pelo desempenho no encontro, comentários eufóricos sobre uma ou outra fala e promessas de reiterado apoio num segundo turno no qual, dias atrás, quase ninguém acreditava que ele estaria.

Um mês antes, em outra saída de debate na TV, o clima era totalmente diferente. O ex-governador havia terminado sua participação no debate do SBT praticamente como um nanico. Dezenove pontos atrás de Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB) e ainda desfavorecido no sorteio que definiu quem faria perguntas a quem, teve de assistir ao duelo das favoritas, enquanto se conformava em debater com Levy Fidelix (PR-TB) formas de diminuir os congestionamentos nas grandes cidades. No fim do encontro, observou o batalhão de repórteres dividir-se em dois grupos. Um cercou Marina. O outro rodeou Dilma. Ao encontro dele foram apenas quatro constrangidos jornalistas, rapidamente satisfeitos em sua curiosidade pelas respostas curtas e protocolares de Aécio. Ele voltou para o hotel de carro na companhia de apenas um assessor e um segurança. Não pronunciou nem uma palavra no trajeto. Seu celular não tocou uma única vez.

Naquela semana, até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais entusiastas da candidatura do senador mineiro, pareceu ter entregado os pontos. Em um jantar com amigos na sua casa, antes de embarcar para uma palestra em Nova York, chegou a discutir a necessidade de fazer um pacto de não agressão com Marina, já resignado com a possibilidade de o PSDB vir a apoiá-la no segundo turno. Os comitês de campanha do tucano no Rio e em São Paulo estavam praticamente às moscas. Um jornal de São Paulo chegou a defender em editorial a tese de que ele renunciasse à candidatura. Na propaganda eleitoral, aliados escondiam seu nome — alguns chegaram mesmo a incluir o de adversários no lugar. Aécio estava no fundo do poço.

Existem apenas dois tipos de situação para um candidato quando ele está em um buraco. A primeira é a do obstinado e lutador, mas cujo esforço o enterra ainda mais, pois ele próprio está cavando o buraco. A segunda é a do político que foi jogado no poço por circunstâncias externas, fora de seu controle. A situação de Aécio era desse segundo tipo. A morte trágica de Eduardo CamposPASSANDO A BOLA O PSB e parte da Rede já embarcaram na campanha tucana, mas Marina não. Até sexta-feira, ela aguardava a resposta do PSDB à lista de exigências que apresentou para fechar um acordo de apoio produziu um turbilhão de emoções que projetaram sua vice, Marina Silva, para o topo das pesquisas. Ela deixou Dilma e Aécio na poeira. Aécio contrariou todos os conselhos que recebia para subordinar sua campanha à de Marina e pegar carona no que parecia a vitória certa dela. Ele intuiu que a tática correta era atacar Marina e ligá-la ao PT. Nos dias seguintes, começou a subir ponto a ponto, enquanto a candidata do PSB se desidratava. Dois dias depois do debate da Globo e um antes do primeiro turno, apareceu pela primeira vez à frente de Marina. O resto é história: numa eleição marcada até ali por uma morte trágica e três viradas estonteantes, o candidato do PSDB produziu a quarta, derrotando Marina, e a quinta, abrindo os trabalhos do segundo turno à frente de Dilma. Na quinta-feira passada, os institutos de pesquisa Datafolha e Ibope apontaram curiosamente o mesmo resultado: Aécio Neves tinha 46% das intenções de voto e Dilma, 44%. Pelo grau de precisão das pesquisas, que não conseguem captar diferenças menores do que 2 pontos porcentuais, os dois contendores estariam, então, empatados.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 26 Desde o domingo passado, seis novos partidos já aderiram à sua candidatura, entre eles o PV de Eduardo Jorge,

o PSC de Pastor Everaldo e o PSB de Marina Silva — mas, nesse caso, veio o partido e faltou sua candidata. Quando mesmo o presidente da sigla, Roberto Amaral, governista até a última célula socialista, teve de anunciar o apoio a Aécio por decisão de seus correligionários, esperava-se que Marina fosse declarai" o seu também. A expectativa ganhou força na última quarta, quando a ambientalista se encontrou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na casa dele, em São Paulo. Tucanos esperavam que a reunião servisse apenas para ajustar os últimos pontos em torno de uma sinalização de apoio. Mas, no dia seguinte, a ex-senadora fez uma longa lista de exigências, que incluem um ponto nevrálgico e de difícil neutralização: a retirada, do programa do PSDB, da proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no caso de crimes hediondos. Marina sabe que Aécio dificilmente recuará da proposta — vinda de seu vice, Aloysio Nunes Ferreira, e apoiada por 90% dos eleitores do PSDB. Até alguns de seus aliados acreditam que a demora de Marina em se decidir pode torná-la uma força insignificante na disputa, já que seus eleitores estão fazendo sua escolha mesmo sem a palavra final da líder. Mas, em uma eleição que se anuncia apertadíssima, o apoio inequívoco e caloroso de Marina a Aécio pode ser decisivo.

Aécio quer muito, mas não pode esperar por Marina. Ele atraiu em apenas uma semana 30 milhões de eleitores, que, somados aos 35 milhões que votaram nele no primeiro turno, lhe deram os 46% que aparecem nas pesquisas do Datafolha e do Ibope. Em outras palavras, para cada dez eleitores que votaram em Aécio no primeiro turno, apareceram mais nove dispostos a fazê-lo no segundo. Uma candidatura dobrar de tamanho em uma semana é fenômeno raríssimo. Metade desse crescimento veio dos eleitores de Marina (15 milhões de votos) — 66% do total dela. Aécio conseguiu também atrair o voto antipetista, pulverizado entre vários candidatos no primeiro turno. Segundo Mauro Paulino, diretor do Datafolha, o candidato do PSDB vem avançando sobre a nova classe média: "Parte dos eleitores dos segmentos médios migrou para Aécio por acreditar que ele consegue representar os anseios por uma melhor qualidade de vida sem comprometer as conquistas do passado", afirma. Essa parcela do eleitorado melhorou de vida nos últimos anos, mas tem dúvidas sobre como avançar e medo de regredir. Avalia Paulino: "Quem conquistar esse segmento sairá vencedor". Aécio Neves sobreviveu às ondas que fizeram seu barco quase soçobrar no primeiro turno. Navegou com maestria por entre as pedras e evitou a arrebentação. Agora é ele o tsunami.

Entrevista

O Nordeste não é do PT Entrevista com Marcus André Melo O cientista político diz que o eleitor mais desfavorecido sempre tende a votar a favor do governo e que a educação é fator essencial para aumentar a qualidade da política

No primeiro turno das eleições, a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff se manteve na liderança em todos os estados nordestinos, à exceção de Pernambuco. No Piauí, Dilma levou 70% dos votos, o seu melhor desempenho estadual. Segundo o cientista político pernambucano Marcus André Melo, contudo, não se pode definir a região como petista. Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com Ph.D. na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Melo observa que, nas áreas economicamente desfavorecidas, não há uma fidelidade mecânica ao partido. O que existe é um comportamento de adesão a qualquer governo vigente, justamente devido à dependência que a população dos grotões do Brasil guarda em relação às políticas públicas. Qualunquismo é a expressão usada por Melo para descrever esse fenômeno. Isso significa que o eleitor não está fechado a novas propostas que, nas palavras do acadêmico, "maximizem o seu bem-estar".

Como explicar o comportamento do eleitor que, neste primeiro turno, levou Marina Silva a liderar as

intenções de voto, e depois se voltou para Aécio Neves, permitindo que ele arrancasse e chegasse ao segundo turno?

O que marcou esta eleição foi mesmo a desconstrução da imagem de Marina Silva pelo marketing agressivo do PT. Esse marketing atingiu em cheio a parcela volúvel do eleitorado. São os indecisos ou neutros, sujeitos a mudar de voto. Depois da morte de Eduardo Campos, esse eleitorado se voltou para Marina. Quando os ataques petistas, que miravam sobretudo a credibilidade da ex-senadora, se avolumaram, o grupo se dividiu e migrou para Aécio e para a própria Dilma. Mas este é o fato curioso: o marketing do PT beneficiou sobretudo o candidato tucano, pois devolveu-lhe os eleitores que haviam aderido momentaneamente a Marina, por achar que estavam com ela as chances de vencer o PT. Observemos que, descontados os volúveis, o eleitorado de Marina se manteve basicamente o mesmo de 2010. Esse eleitorado esposa uma combinação de valores que os cientistas políticos têm chamado de "pós-materialistas". São jovens preocupados com o meio ambiente, com novos padrões de consumo e que estão em crise com a representação política. Causa perplexidade ao eleitor de Marina, por exemplo, o modelo de coalizão no Brasil, que permite que partidos de extrema direita e de extrema esquerda se aliem sem nenhum receio. É um eleitor que não vota olhando o próprio bolso. Ele está insatisfeito com os serviços públicos, o modelo político e sua representação. Ele personifica um mal-estar institucional muito evidente nos protestos do ano passado.

Que outros grupos se destacam no eleitorado brasileiro? O grupo mais numeroso, não só no Brasil, é sempre o do "ignorante racional". O termo foi criado pelo economista

americano Anthony Downs, no clássico Uma Teoria Econômica da Democracia. Ele descreve o eleitor médio que por meio do voto, tenta antes de mais nada maximizar seu bem-estar. Seu voto é coerente e racional. Mas ele não entende os indicadores econômicos, não sabe como as políticas se relacionam umas com as outras e se desdobram a médio e

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longos prazos. Só sente que as coisas vão mal quando a crise atinge o emprego ou a renda. Esse eleitor olha ao seu redor e decide se quer ou não mudança de status quo.

Não tem nada de ideologia. Ora, apesar de o mercado de trabalho não ser o mesmo de dois ou três anos atrás no Brasil, o desemprego ainda não aumentou. E, mesmo que a inflação esteja no teto da meta, não se pode dizer que ela tenha afetado de maneira contundente a renda. Isso explica, em parte, a expressiva votação de Dilma.

Qual é o horizonte de tempo no raciocínio político desse eleitor? A educação, é muito mais que a informação, é fundamental para torná-lo mais consciente e ampliar o horizonte

temporal de seu cálculo político. Sem educação, ele não consegue entender a sustentabilidade das políticas públicas e dispõe de menos subsídios para avaliar um governo. A educação melhora o debate público, que tem se mostrado tão deficiente no Brasil.

Existe um momento específico em que o eleitor que o senhor descreveu como "ignorante racional"

começa a pensar a longo prazo? Há estudos que fazem essa análise, mas nenhum consegue definir um padrão específico. O que acontece é um

movimento contínuo de busca por melhoria de vida e bem-estar. Quando se está inserido em um processo de mobilidade social, é esperado que as pessoas queiram sempre mais. As expectativas aumentam. Quando determinado estrato da sociedade percebe que a capacidade de avançar estancou, ou não é suficiente para suprir suas ambições, há um movimento de insatisfação muito grande, como o que foi visto, de certa forma, nos protestos do ano passado. Isso ocorre quando um indivíduo se dá conta de que suas demandas vão além do que a velocidade da transformação da sociedade pode lhe proporcionar. Essa é a origem das grandes frustrações que, se não racionalizadas, explodem nas ruas, como aconteceu no ano passado nas maiores cidades brasileiras.

O voto do brasileiro é fundamentalmente pautado pela economia, então? Em boa parte, sim. Em última instância, o eleitor sempre opta pela mudança ou manutenção de um governo

olhando para a sua realidade e satisfação como cidadão. É uma percepção bem individualista tanto para o pobre quanto para o rico. Quando um eleitor se decide pela mudança, a credibilidade do novo candidato escolhido é o aspecto mais relevante. Isso explica por que a estratégia do PT foi desconstruir a credibilidade de Marina Silva, usando informações completamente irrelevantes para associá-la à imagem de mentirosa. Isso prejudicou a confiança na candidata e fez com que os eleitores neutros ou indecisos desistissem de votar nela.

Tanto Marina Silva quanto Aécio Neves usaram os episódios de corrupção na Petrobras para atacar Dilma.

Até que ponto isso funcionou? As denúncias afetaram mais o rótulo partidário, o PT. do que a própria Dilma Rousseff. Além disso, é preciso

lembrar que nem Aécio nem Marina foram assim tão incisivos nos questionamentos a Dilma sobre a corrupção em seu governo. De forma alguma eles chegaram perto em intensidade e frequência dos ataques do PT no processo de desconstrução de Marina.

Por que razão, na opinião do senhor, Aécio e Marina falharam em jogar a corrupção do PT no colo de

Dilma? Primeiro, porque os candidatos de oposição tiveram muito pouco tempo de TV em comparação com o tempo dado

à candidatura oficial. A informação que ficou gravada é que o PT está associado à corrupção, mas não Dilma. A redução das bancadas petistas no Senado e na Câmara pode ter sido resultado dessa associação do partido com a corrupção. Com tantos escândalos tendo o PT como centro, algo estaria muito errado com a nossa democracia se não tivesse havido uma repercussão disso nas urnas. Mas houve.

O bolso pesa mais na hora do voto do que a corrupção em que circunstâncias? As pesquisas sobre corrupção mostram um cenário clássico de dependência do ambiente econômico. Um

escândalo tem maior potencial de afetar o voto quando a situação econômica de um país não está boa. Se tudo estiver relativamente bem, a população estará menos propensa a se indignar e exigir a punição dos corruptos.

O mapa eleitoral brasileiro sugere um país dividido em regiões tucanas e regiões petistas. Os partidos são

donos de certas áreas do país? Quando se opõe o voto concentrado do PT no Nordeste e no Norte ao voto do PSDB no Sudeste, muitos analistas

políticos se esquecem de algo fundamental, que eu chamo de qualunquismo. Essa expressão vem da palavra italiana qualunque, que significa "qualquer um", e está associada a certo cinismo muito comum no sul da Itália no século passado, que consiste no voto ao governante que está no poder, seja ele quem for. Não se pode dizer que há um fenômeno de adesão ao petismo nos grotões do Brasil. Não houve uma "marcha ao Nordeste" que fez com que, de repente, essas pessoas tivessem adquirido consciência de classe. O que se observa é que, nas áreas desfavorecidas e mais dependentes de políticas de inclusão, se vota em quem está no governo.

Qualquer governo? Desde que o PT chegou ao poder, essas áreas dependem muito de transferência de renda. Por isso, seus

prefeitos e deputados têm muitos incentivos para apoiar o mandatário da vez. E é isso que o eleitor vê. Sua fidelidade não é com o partido. Não à toa, esse mesmo eleitor elegeu Fernando Henrique Cardoso em 1994 e o reelegeu em 1998.

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Na reeleição, o único estado do Norte e Nordeste em que FHC perdeu foi o Ceará, que votou em Ciro Gomes. FHC ganhou porque estabilizou a economia e eliminou a inflação, o que tornou a vida do pobre muito melhor. Por isso, ele foi premiado nas urnas. É preciso entender melhor esse eleitor desfavorecido: eleitor opta pela mudança, a credibilidade do novo candidato é o ponto mais relevante. Isso explica por que a estratégia do PT foi dizer que Marina era mentirosa ele vai se aliar a quem o beneficiar. Isso acontece no interior do Piauí ou na periferia de São Paulo.

O que explica a clara preferência da maioria dos eleitores de São Paulo ao PSDB? Meu próximo livro, que deve ser lançado no ano que vem pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos,

analisa justamente os dois valores primordiais na política atual: a inclusão e a estabilidade econômica. No Piauí, a preocupação é a inclusão. No Sudeste, há mais empresas, o setor privado é mais forte. É um cenário em que as questões macroeconômicas ganham mais peso, e o PSDB tem reputação mais sólida nesse aspecto. Não estou dizendo que todo eleitor do PSDB seja um exímio conhecedor de contas públicas. Mas a agenda de preocupações já é outra. Tenho muitas ressalvas ao pensamento que associa comportamento eleitoral a classe so-cioeconômica de forma mecânica. Isso simplifica o debate. Mas aqui é útil pensar na classe C, não só paulista, mas como um todo. Essa classe se beneficiou da expansão do crédito e do crescimento econômico de 2002 a 2009. Para ela, a questão fundamental são os serviços.

A classe C está satisfeita, então? A classe C saiu do SUS e teve acesso a planos de saúde privados, mas, como a regulação desses planos é

deficiente, está muito insatisfeita. Com a educação, acontece o mesmo. A classe C comprou carro, mas agora fica parada no trânsito. Agora, ela começa a captar os indícios de que a economia vai mal. Não é preciso saber o que é superávit primário para sentir os sinais de enfraquecimento da economia. Quem trabalha em construtoras, por exemplo, percebe que a quantidade de empreendimentos entregues em 2014 é menor que em outros anos. Em todas as empresas, os funcionários estão vendo que projetos são abortados ou adiados.

Como os eleitores que vivem agora um embate entre o cansaço com a atual gestão e o medo de perder

suas conquistas podem resolver essa contradição? A classe C não é o alvo primordial das políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, mas se

beneficiou de cotas na universidade, crédito e outras políticas de inclusão. Ela tem mais informação que aquele eleitor dos grotões do Brasil e sabe que a inflação está alta e que as coisas não estão bem. Isso a faz oscilar entre o governo e a oposição. O PSDB lucra com isso, porque tem credibilidade quando se trata de estabilidade econômica.

Existe uma escolha certa para esse eleitor? É complicado. Mas poderia ser mais simples se os partidos tivessem um papel diferente na sociedade. Em muitos

países europeus, os partidos políticos fazem a intermediação entre os formadores de opinião e a população. Há uma identificação partidária forte na Inglaterra, na França e na Alemanha. Os partidos funcionam como atalhos cognitivos para o "ignorante racional". Eles ajudam a educar. No Brasil, essa identificação é mínima. Há, inclusive, cada vez mais aversão a partidos. Não há debate de políticas, mas acusações e uso deslavado de mentiras, como as usadas pelo PT nos ataques a Marina.

"Vou ganhar esta eleição" Bela Megale e Silvio Navarro

Tido como derrotado até meados de setembro, o senador Aécio Neves afirma que, mesmo nos momentos mais desanimadores, nunca desistiu. Ele atribui sua chegada ao segundo turno à decisão de abandonar os conselhos de marqueteiros e assessores: "Se hoje avancei, não foi porque mudei a estratégia ou incorporei outras propostas, mas porque comecei a olhar nos olhos das pessoas, deixando de lado o teleprompter, os textos feitos e as sugestões". Ele acusa o PT de "terrorismo eleitoral", reafirma que vai manter e aprimorar o Bolsa Família e se permite ser otimista: "Vou ganhar esta eleição". Abaixo, a entrevista que ele concedeu a VEJA na manhã de sexta, em seu comitê no Rio de Janeiro.

Como o senhor se sente, à frente nas pesquisas, depois de ter chegado a ser considerado uma carta fora

do baralho? As pesquisas não vão me tirar do chão. Sei que vamos ter dificuldades lá na frente. Sempre acreditei na vitória,

mesmo nos momentos de maior dificuldade. Nós tivemos duas eleições. Uma antes e a outra depois da trágica morte do Eduardo Campos. Naquele momento, minha candidatura se

fragilizou, porque o emocional prevaleceu sobre o racional. Minha candidatura é baseada na razão. O meu desafio agora é deixar a emoção aflorar também.

O senhor perdeu da presidente Dilma Rousseff em Minas Gerais, e o seu candidato a governador não se

elegeu. O que deu errado? Quando saí do governo, minha aprovação era de 92%. Mas isso já faz algum tempo. Claro que gostaria de ter tido

um resultado melhor lá, mas é preciso saber distinguir as coisas. A maioria dos eleitores optou pelo candidato do PT.

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Tenho que, democraticamente, aceitar essa opção. Agora, pode ter certeza de que vou chegar bem na frente no segundo turno em Minas Gerais.

Como pretende explicar aos mais pobres que sua política também os beneficiaria, já que o o PT afirma que

o PSDB só governa para os ricos? Esse discurso do governo é de perdedor. O governo sabe que a vida das pessoas só vai melhorar se voltarmos a crescer, a gerar empregos com maior qualidade e se avançarmos em investimentos na área social. Um país que não cresce e não controla a inflação não vai melhorar a vida das pessoas.

O governo quer blindar uma parcela do eleitorado que ele acha que lhe é cativa, que ele acha que domina em razão dos benefícios que distribui.

É uma deslealdade para com os brasileiros usar essa tática do terror. Porque não é a mim que eles aterrorizam, mas aos cidadãos mais humildes, que dependem desse benefício. É a eles que a inflação pune mais. Quem ganha dois salários mínimos vê 35% de sua renda ir embora com alimentos. A inflação de alimentos no governo Dilma foi de 34%.

O senhor é favorável ao décimo terceiro salário do Bolsa Família que Marina Silva propôs? Não fiz essa

conta do ponto de vista orçamentário. Mas pelo custo atual do Bolsa Família não seria algo que impactasse as finanças públicas. Acho que é uma proposta para ser avaliada nesse conjunto de entendimentos que estamos tendo. Bolsa Família não é favor de partido político, é dever do Estado. No meu governo, ela será mantida, melhorada e, se preciso, ampliada. Vamos elevar a qualidade de vida dessas famílias, analisar as carências de cada uma delas e ajudá-las a se preparar para ter uma porta de saída.

Uma das condições de Marina Silva para apoiá-lo é que o senhor desista da proposta de redução da

maioridade penal. O senhor cogita recuar? Eu não toco na questão do fim da maioria penal. A proposta com que a Marina não concorda, e eu respeito, é que,

no caso de crimes hediondos, o promotor avalie se os autores são perigosos e o juiz possa processá-los com base no Código Penal. Isso vale para os Chapinhas da vida (adolescente que estuprou e matou uma jovem em 2003 e está preso até hoje), não é relevante do ponto de vista estatístico, representa menos de 1% dos jovens infratores. Ocorre que hoje há uma indústria cooptação de menores para cometer crimes. A quadrilha pega, leva um homem junto, mata alguém no meio de um assalto, e quem assume o crime mais grave? É o menino de 16 anos, isso está claro nas estatísticas. Eu tenho um projeto que duplica as penas de qualquer criminoso que usou um menor de idade para cometer um delito.

Marina foi alvo de uma das campanhas mais violentas da história das eleições por parte do PT. O senhor

está preparado para os ataques do mesmo calibre? Disputo contra o PT a vida inteira, sempre enfrentei. E quem disputa uma eleição contra o PT tem que estar

preparado para tudo, inclusive para calúnia e mentira. Estou sereno. Minha vitória não é boa para mim, é boa para o Brasil. Vou fazer uma campanha propositiva, mas vou responder à alturaa todo tipo de ataque e leviano e irresponsável e ele está acontecendo no submundo e nas redes. Porque senão vai prevalecer a lógica covarde de que não dá para enfrentar o PT porque ele usa truques sujos contra seus adversários. A sociedade está madura para diferenciar aquilo que é verdadeiro ou difamação. Vou ganhar esta eleição.

O senhor disse que andou muito pelo país ouvindo as pessoas. Qual o maior problema do Brasil? Se eu quisesse dar uma resposta marqueteira, diria que é corrupção. Mas o que mais ouvi mesmo forma queixas

sobre a baixa qualidade do serviço público, com destaque para a saúde e a educação. São muito ruins. Uma coisa me incomoda muito: esse discurso do governo de que "nós mudamos sua vida, o governo federal fez essa obra". Quem muda a vida das pessoas é o próprio cidadão, o sujeito que rala, que acorda cedo e vai trabalhar, que estuda à noite, que chacoalha nesse transporte público horroroso. Não temos governo, mas um transatlântico à deriva. Não temos uma presidente, mas uma candidata "full time" cuidando apenas da campanha e ninguém cuidando do Brasil. Para esse grupo que está ai, o poder é muito mais importante que um projeto de país.

Porque o senhor já anunciou Armínio Fraga como seu ministro? Vou adiantar outros nomes. Anunciei Armínio porque um dos ativos mais valiosos que nós temos é a qualidade do

nosso time. Campanha não é ação solitária de um salvador da pátria. Com a escolha dele, eu sinalizei a qualidade e a direção de uma política econômica transparente, que vai nos permitir o resgate da credibilidade. Com ele, mostro um nível de ministério bem mais elevado do que esse que está aí. Eu anunciei meu futuro ministro da Fazenda, a Dilma anunciou o ex-ministro da Fazenda dela. Quero sinalizar previsibilidade, respeito a contratos, valorização das agências reguladoras, transparência fiscal. O Armínio representa um rumo.

Fernando Henrique foi o presidente da estabilização econômica e da modernização. Lula, o da inclusão

social. Que presidente o senhor quer ser? Quero ser lembrado como o presidente que preservou a sanidade econômica, acelerou a modernização,

aumentou a inclusão social, mas que deixou seu maior legado na universalização da educação de qualidade. Quero deixar implantada uma nova escola brasileira – um ensino médio altamente qualificado, com a revisão e a regionalização dos currículos e a qualificação dos professores. Daqui a 50, 100 anos, quando se falar no governo de Aécio, a primeira coisa que virá à lembrança será o presidente que revolucionou a educação e abriu caminho do futuro para o Brasil.

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Especial - Eleições 2014 – Governo

Página Virada Com uma democracia que não tem mais nada de "imatura", o Brasil não comprou as teses sonháticas nas urnas e, agora, volta a prestigiar o que há de mais funcional num regime consolidado — a política André Petry

O leitor já deve ter ouvido alguém dizer que a democracia brasileira é "imatura" ou está em "processo de amadurecimento". Dificilmente, porém, ouviu alguém enumerar as razões de nossa democracia ser "imatura" ou "incipiente" — talvez porque não seja nem uma coisa nem outra. Comparado aos mais de dois séculos da democracia dos Estados Unidos, o regime democrático brasileiro, em vigor desde 1985, é um bebê recém-nascido de tão jovem, mas não existe especialista ou estudioso que defina a solidez de uma democracia com base na sua idade.

O cientista político austríaco Andreas Schedler, que atualmente dá aulas no México, diz que há inúmeros critérios para avaliar a consolidação democrática, mas três são fundamentais. Não será democrático o país em que as forças políticas fazem uso da violência para atingir seus objetivos. Ou desprezam o processo eleitoral: não participam de eleições, impedem que outros o façam, rejeitam o resultado das urnas ou fraudam o voto. O terceiro critério é a repetitiva violação de leis pela autoridade central. Por exemplo: um presidente que não cumpre lei aprovada no Congresso ou não respeita uma sentença judicial do Supremo Tribunal.

Como se sabe, o Brasil é aprovado nos três critérios — com honra. O americano Samuel Huntington, especialista em estudos internacionais falecido em

2008, aos 81 anos, dizia que o melhor teste de uma democracia era a dupla alternância, ou seja, duas mudanças do partido no poder sem rupturas. O Brasil passou nesse teste em 2003, quando o PSDB de Fernando Henrique entregou o poder ao PT de Lula, a terceira força política a chegar lá desde a eleição de Fernando Collor, em 1989. O critério é especialmente relevante em países com o instituto da reeleição. A dupla alternância de Huntington mostra se os partidos aprenderam que a democracia é caminho para ganhar — e também para perder — o poder.

Desde que Clístenes, cinco séculos antes da era cristã, aproveitou uma crise para ampliar o poder da assembleia de Atenas, conquistando a posição de pai da democracia ateniense, discute-se o que é, de fato, uma democracia. De lá para cá, o conceito evoluiu tanto que seria irreconhecível para um grego clássico. Tal como a concebemos hoje, a democracia só começou a germinar coreografia. A passagem da faixa em 2003 foi atabalhoada, mas essencial: a democracia serve para ganhar — e perder — o poder na guerra civil da Inglaterra (1642-1651), mas se materializou mesmo com a independência dos Estados Unidos, mais de um século depois. Ali, em terras americanas, nasceu o regime em que representantes eleitos pelo povo em seu nome exercem o poder — sistema que ganharia mais tarde o título de "democracia representativa".

O Brasil chegou tarde à festa democrática (1946), saiu cedo (1964) e demorou a voltar (1985), mas a evolução que experimentou desde a redemocratização é extraordinária. Nesta eleição, há vários indicadores de solidez. Um deles é a ausência de denúncias de fraude. Outro é a civilidade com que se comportou Marina Silva, do PSB, telefonando a Dilma Rousseff e Aécio Neves para cumprimentá-los pela vitória. O próprio esforço de Dilma para chegar ao segundo turno é sinal de vigor democrático. Ao contrário de regimes em que o incumbente concorre apenas para cumprir um ritual protocolar, a presidente precisou remar para chegar lá — e ainda arrisca perder. Mesmo a nova composição da Câmara dos Deputados, tão criticada pela presença de 28 partidos, informa que a diversidade brasileira não carece de representação. No carrossel partidário, há bancada de sem-terra, ruralistas, gays, agricultores, policiais, evangélicos, banqueiros...

A própria disputa entre PT e PSDB, em vez de ser um desconsolo bipartidário que se repete pela sexta rodada consecutiva, revela a maturidade democrática. São dois partidos de verdade, com presença nacional e identidade clara. Os candidatos, Dilma e Aécio, não são agentes políticos enigmáticos e representam visões de mundo bem definidas, concorde-se com elas ou não. Seja qual for o resultado do segundo turno, o país não vai cair em experimentalismos novidadeiros ou aventuras sonháticas. É segundo turno de país sério, entre o partido do governo e a principal legenda de oposição. No pano de fundo, é a volta da política.

Eleitores apaixonados talvez vejam diferenças abissais entre PT e PSDB, mas, com distanciamento, constata-se que parte das divergências decorre mais de intensidade do que de natureza. De boa-fé, não se dirá que o PSDB é o pelotão avançado dos ideais de direita ou que o PT é a culminância partidária do ideário de esquerda. Basta ver que fizeram governos sem radicalismos. Será tão injusto dizer que o PT não liga para a estabilidade macroeconômica quanto afirmar que o PSDB não está nem aí para os avanços sociais. O espectro ideológico em que os dois partidos se situam, ainda que com convicções distintas, é garantia de estabilidade democrática — a menos que se acredite em caracterizações histéricas e eleitoreiras, nas quais o PSDB é apresentado como a gazua do barbarismo capitalista e o PT é acusado de querer implantar a ditadura comunista no país.

A democracia brasileira patrocina alianças malucas? Paulo Maluf passeia de mãos dadas com o PCdoB. Temos políticos caricatos? Tiririca foi eleito com mais de 1 milhão de votos. Temos dinastias quadrilheiras? Examine-se a bancada de parentes na Câmara. Partidos quadrilheiros? Dos 32 existentes, quase metade vive atrás de favores do governo, do fundo partidário e da venda de espaço. Corrupção? Pode parecer inacreditável, mas é numa democracia como a nossa, e não na sua ausência, que se desossam os corruptos. Apesar desses defeitos, a consolidação democrática é uma página virada. De todos os critérios usados para avaliar uma democracia — institucionais, constitucionais, civis, políticos, jurídicos, culturais, econômicos, sociais, partidários, eleitorais, territoriais ou de representatividade —, o Brasil não tropeça em nenhum. Uma democracia assim atingiu a maioridade há tempos.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 31

Especial – Eleições 2014 – Poder

O teatro de operações Pela primeira vez nos últimos doze anos, o PT começa em desvantagem a disputa no segundo turno. Para recuperar-se do atraso, a campanha de Dilma Rousseff vai se concentrar no Nordeste e aprofundar a tática do medo Daniel Pereira

Desde a redemocratização do país, na década de 80, o candidato que venceu o primeiro turno se sagrou presidente da República. FHC não conta, pois precisou apenas do primeiro turno para vencer Lula duas vezes — em 1994 e 1998. Mas foi assim com Lula em 2002 e 2006 e com Dilma Rousseff em 2010. Essa tendência nunca teve sua continuidade tão ameaçada quanto agora. Pela primeira vez nos últimos doze anos, o PT inicia o segundo turno em situação de desvantagem em relação aos adversários. E que desvantagem. As pesquisas do Ibope e do Datafolha divulgadas na quinta-feira passada mostraram o senador Aécio Neves à frente de Dilma. Aécio subiu 10 pontos porcentuais nas pesquisas quase que de um dia para o outro e abriu o segundo turno com 30 milhões de votos a mais do que recebeu no primeiro. O tucano também fechou o apoio de partidos que disputaram a Presidência. O PSB de Marina Silva e o PV de Eduardo Jorge aderiram. A própria Marina negocia uma adesão pessoal à chapa oposicionista. As eleições presidenciais deste ano serão lembradas pela volatilidade. Ocorreram nada menos do que cinco viradas espetaculares. A morte trágica de Eduardo Campos, em agosto, projetou sua vice, Marina, para o topo. Ela ultrapassou Aécio e Dilma em apenas uma semana. O fenômeno Marina foi perdendo força, e ela foi superada primeiro por Dilma e, depois, por Aécio já na boca da urna da votação em primeiro turno. Agora, Aécio é quem lidera as intenções de voto.

O PT sentiu o golpe. Logo depois do anúncio do resultado no domingo passado, Dilma reapareceu em modo de combate. Falando a militantes em Brasília, não passou recibo da subida de Aécio, comemorou sua "vitória" no primeiro turno e cuidou de reagrupar os aliados sob suas asas, elogiando o vice-presidente Michel Temer, chamado de "companheiro". Depois de passar quatro anos como peça figurativa, Temer foi convocado pela presidente para evitar que seu partido, o PMDB, troque a nau da reeleição pela barca oposicionista. "Ela me procurou por necessidade", disse a aliados o vice, que, até então, vinha sendo solenemente ignorado. Dilma também se reuniu com ministros, senadores e governadores eleitos. Ela ainda estendeu o tapete vermelho aos aliados que disputarão o segundo turno nos estados. Publicamente, exala-se otimismo, mas abaixo da linha d’água o clima atual entre os aliados é o da "Nau Catarineta", na versão do paraibano Ariano Suassuna, morto em julho passado, que Dilma tanto admirava: "Lá vem a Nau Catarineta que tem muito o que contar. Há mais de um ano e um dia que vagavam pelo mar. Já não tinham o que comer já não tinham o que manjar. Deitam sortes à ventura a quem se havia de matar. Logo foi cair a sorte do Capitão-General".

Os coordenadores da campanha à reeleição preveem um segundo turno acirrado, decidido por estreita margem de votos, como nas disputas entre republicanos e democratas nos Estados Unidos. Para conquistar um novo mandato, Dilma considera fundamental aumentar os 60% de votos conseguidos no Nordeste no primeiro turno para 75%. Esses votos seriam suficientes para contrabalançar a vantagem que Aécio deve abrir em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Na semana passada, a presidente fez campanha no Piauí, Paraíba, Bahia e Alagoas. Lula dará sequência a esse trabalho, dedicando-se prioritariamente aos eleitores nordestinos. Os petistas também esperam ganhar do PSDB em Minas e no Rio, mesmo que por diferença mínima. Isso compensaria derrotas esperadas, como, por exemplo, no Paraná. "Será no olho mecânico", repetem, como mantra, os dilmistas. Eles tentarão reduzir a abstenção em bases eleitorais do PT e levar às urnas eleitores "esquecidos" de assentamentos rurais e municípios com até 50 000 habitantes.

A presidente apostará na comparação entre os resultados econômicos e sociais dos governos do PT e de Fernando Henrique Cardoso. Resta combinar a versão com a realidade. Um secretáriograduado do Ministério da Fazenda sugeriu aos brasileiros, diante da carestia da carne bovina, que comessem ovos. O burocrata fez, sem querer, uma insólita releitura no socialismo tropical da lendária recomendação da rainha Maria Antonieta aos franceses famintos de pão para que comessem brioches. O PT vai precisar também de muita verve para afastar de Dilma as revelações novas que estão surgindo sobre o escândalo da Petrobras. "Meu governo não varre a corrupção para debaixo do tapete", disse a candidata em Maceió. Teria sido boa ideia tentar mostrar que a corrupção não aumentou em seu governo, mas simplesmente foi mais combatida e por isso os casos ficaram visíveis. No entanto, Dilma tinha a seu lado aquele belo tipo faceiro do senador Fernando Collor, o mesmo que o PT ajudou a pôr para fora da Presidência em 1992 por corrupção. Collor tomou jeito ou o PT tomou o jeito de Collor? A resposta pode ter chegado de avião. A Polícia Federal apreendeu 116 000 reais em um bimotor que tinha como passageiros Marcier Trombiere Moreira e Benedito de Oliveira Neto. Assessor especial do ministro das Cidades até julho, Moreira trabalhou na área de comunicação da campanha do petista Fernando Pimentel, eleito governador em Minas. Oliveira Neto tem contratos milionários com o governo federal e custeou, em 2010, despesas de campanha de Dilma.

João Santana, o mestre-marqueteiro da nau de Dilma, tem acalmado a tripulação com a lembrança de que ela obteve 8 milhões de votos a mais do que Aécio no primeiro turno e só um fenômeno político seria capaz de reverter essa vantagem. Diz Santana: "O Aécio não tem força política nem carisma para tirar essa diferença". Pode ser que Santana, mais uma vez, faça aparecer nesta dura campanha da presidente Dilma o anjo que no cancioneiro de Suassuna salva o Capitão-General — "tomou nos braços /não o deixou se afogar".

Os poderes do voto

As manifestações populares de junho de 2013, a prisão de mensaleiros e a aplicação da Lei da Ficha Limpa semearam a sensação de que a mudança seria a tônica destas eleições. Na corrida presidencial, chegou-se a cogitar o fim da polarização entre PT e PSDB. Na disputa pelas vagas no Congresso, a aposta inicial era de uma renovação em

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larga escala. Nada disso ocorreu. Na Câmara. PT e PMDB até perderam cadeiras, mas continuaram com as maiores bancadas. No Senado, os dois partidos mantiveram a liderança, com os peemedebistas à frente. No varejo, houve aumento do número de partidos com parlamentares eleitos, de 22 para 28, o que obrigará o próximo presidente da República a negociar com mais interlocutores para formar maiorias. No atacado, no entanto, o cenário segue igual: o grosso dos congressistas e das legendas estará à disposição para integrar o novo governo, seja ele comandado por Dilma Rousseff, seja por Aécio Neves. Dos 513 deputados eleitos, 304 são filiados a siglas que apoiam a presidente. A maioria deles, devido ao governismo atávico da clássica política brasileira, não terá problemas para se juntar aos 128 colegas eleitos sob a aliança tucana.

Diz o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília: "Se o Aécio for eleito, haverá um rearranjo de forças que permitirá a ele construir uma base de sustentação". Esse rearranjo, obviamente, não passa por mudanças profundas nas relações do Planalto com o Legislativo. Pelo contrário. Sob Dilma ou Aécio, a tendência é que os peemedebistas Renan Calheiros e Eduardo Cunha, ambos retratados como símbolos do fisiologismo, sejam escolhidos para presidir, respectivamente, o Senado e a Câmara. O bom e velho PMDB continuará com cadeira cativa no balcão. Apesar dos sucessivos escândalos de corrupção e de corporativismo no Legislativo, o eleitor não fez da punição a práticas daninhas uma regra. Protagonistas de episódios desabonadores, o senador Fernando Collor (PTB) e o deputado Paulo Maluf (PP), por exemplo, foram reeleitos. Maluf corre o risco de não assumir por ter sido enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Já o ex-líder do governo Cândido Vaccarezza (PT), citado pelo ex-diretor da Petrobras como beneficiário das propinas surrupiadas dos cofres da guiu renovar o mandato. Na Câmara, 43,5% dos deputados não foram reeleitos.

No Senado, veteranos conhecidos pela defesa da ética e da boa política também ficaram pelo caminho, como Eduardo Suplicy (PT) e Pedro Simon (PMDB). As eleições de outubro confirmaram outra tendência dos últimos pleitos: a votação em massa em candidatos que não têm afinidade com seus respectivos partidos. Caso de Jair Bolsonaro, no Rio, e de Tiririca, em São Paulo. Ex-presidente da Câmara, Ulysses Guimarães costumava dizer que uma nova legislatura é sempre pior do que a anterior. Pode até ser verdade, mas o certo é que o Congresso reflete as vontades e as angústias dos eleitores, para o bem ou para o mal. Eis a beleza da democracia.

Brasil

Revelações de estarrecer O ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef expõem as entranhas do esquema de corrupção na Petrobras. A companhia foi transformada num monumental centro de prospecção de propina para subornar políticos e financiar campanhas eleitorais aliados dos governos Lula e Dilma. O PT foi o partido que mais se beneficiou dos desvios.

A Petrobras é a maior empresa brasileira, a maior da América Latina e a décima petroleira do planeta. Se existir um ranking mundial de corrupção, ela também passará a ocupar um indecoroso lugar de destaque. Em setembro, VEJA revelou o conteúdo devastador das informações que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa prestara em depoimento à polícia e ao Ministério Público. Preso, Paulo Roberto fez um acordo de delação premiada e confessou sua participação no esquema de corrupção na estatal do qual também faziam parte grandes empreiteiras, políticos influentes e os principais partidos do governo — PT, PMDB e PP. A engrenagem, segundo ele montada durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, funcionava assim: as empresas que prestavam serviços à Petrobras eram convidadas a ceder um porcentual de seus ganhos, dinheiro que era repassado a deputados, senadores, governadores, ministros e campanhas eleitorais. Paulo Roberto forneceu uma lista com o nome de mais de trinta autoridades beneficiadas, identificou as empresas corruptoras e forneceu números de contas secretas no exterior. O volume dos desvios, a dimensão dos personagens envolvidos e o grau de contaminação das instituições eram surpreendentes. Parecia que a Petrobras havia sido tomada de assalto por uma quadrilha investida de poderes excepcionais. Não há mais nenhuma dúvida sobre isso.

Intimado a prestar depoimento no processo sobre a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, na semana passada Paulo Roberto Costa contou outra vez como funcionava o esquema de arrecadação de propina na estatal. A diferença é que esse processo não está protegido por segredo de Justiça, e as declarações do ex-diretor, gravadas em áudio, foram tornadas públicas. O doleiro Alberto Youssef, administrador de parte do dinheiro desviado pela quadrilha, também foi ouvido no mesmo dia. Ao todo, são mais de três horas de perguntas e respostas. Ouvi-las é uma empreitada que exige uma boa dose de resistência de quem tem algum apreço pela honestidade. Com a naturalidade de quem parece revelar algo corriqueiro, Paulo Roberto contou conio milhões de reais foram desviados dos cofres da Petrobras nos últimos anos. A partir dos testemunhos. fica evidente que. há muito tempo, a maior estatal brasileira escapou das mãos dos contribuintes e acionistas e foi capturada por um bando de saqueadores sem nenhum escrúpulo. Imaginava-se que o mensalão era o ápice da corrupção no país. O escândalo da Petrobras, mesmo diante do pouco que se conhece, mostra que a engenharia do crime é capaz de se reinventar — e rapidamente.

Paulo Roberto Costa contou que o esquema começou a funcionar em 2006, um ano depois de o mensalão ter sido debelado. Em linhas gerais, o golpe seguia a mesma lógica. O PT montou uma estrutura clandestina para desviar dinheiro público, subornar parlamentares e financiar campanhas eleitorais. Trocou o cofre dos Correios, a gênese do mensalão, pelo da Petrobras, maior e mais difícil de ser descoberto. De resto, era tudo igual. Para ganharem os contratos bilionários, as empreiteiras pagavam comissões. O dinheiro, então, seguia para os políticos, os partidos, as campanhas, os diretores que faziam a engrenagem girar.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 33 Uma das consequências dessa parceria criminosa, segundo Paulo Roberto, é que a Petrobras está hoje

subjugada a um cartel de empreiteiras, entre elas Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Mendes Júnior, que dividem entre si os grandes contratos da companhia.

Diante do juiz, Paulo Roberto e Alberto Youssef confirmaram o que VEJA já havia antecipado em setembro e acrescentaram outros detalhes:

- Os diretores da Petrobras eram indicados pelos partidos já sabendo da missão de arrecadar propina. - As empreiteiras eram instadas a recolher 3% do valor dos contratos para um caixa clandestino. - As empreiteiras superfaturavam o preço dos contratos, o que significa que era a Petrobras que pagava de fato a

propina. - A propina arrecadada em pelo menos cinco diretorias era destinada aos três maiores partidos do governo: PT,

PMDB e PP. - O esquema, montado durante o governo Lula e que continuou operando no governo Dilma, abasteceu

campanhas eleitorais, inclusive a de 2010. - O PT ficava com a maior fatia do dinheiro, que era administrado pelo tesoureiro do partido, João Vaccari. A diretoria comandada durante oito anos por Paulo Roberto, a de Abastecimento, funcionava a mando de um

consórcio de partidos. Dona de um orçamento bilionário, ela inicialmente, pertencia ao PP. A cobiça, porém, levou os aliados do governo a um acordo de redistribuição dos royalties do crime. "Me foi colocado lá pelas empresas e também pelo partido que dessa média de 3% o que fosse diretoria de Abastecimento 1% seria repassado para o PP. E os 2% restantes ficariam para o PT. Isso me foi dito com toda a clareza", revelou o ex-diretor. Nas diretorias controladas pelo PT, a propina seguia integralmente para o caixa petista. Ou seja, o partido embolsava sozinho a comissão de 3%. Além da área de serviços, comandada por Renato Duque, o ex-diretor citou a diretoria de Exploração e Produção e a de Gás e Energia como nichos de negócio que serviam exclusivamente aos petistas.

Cada partido tinha seu operador. A cota do PP era administrada por Alberto Youssef, encarregado de fazer a distribuição aos políticos. Já a parte que cabia ao PT era gerenciada por João Vaccari. O ex-diretor citou ainda um terceiro personagem, o lobista Fernando Soares, o "Fernando Baiano", como responsável pelo recolhimento da propina que cabia ao PMDB. Além de ser o "dono" da Diretoria Internacional e da Transpetro, uma subsidiária da Petrobras, o PMDB se associou à Diretoria de Abastecimento, junto com o PT e o PP, por ter ajudado a chancelar a permanência de Paulo Roberto no cargo. Na delação premiada, o ex-diretor contou que de vez em quando tinha de tirar uma parcela da cota de propina de sua diretoria para atender a pedidos de peemedebistas.

No rol de beneficiários do propinoduto, como se sabe, há deputados, senadores, governadores, um ministro e um ex-ministro de Estado, mas Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef não puderam nominá-los no depoimento à Justiça. Como têm foro privilegiado, essas autoridades só podem ser investigadas nos tribunais superiores, em Brasília. Por enquanto, a lista que assombra a República faz parte apenas dos depoimentos da delação, que permanecem sob segredo. Os acusados até o momento negam participação no esquema. Paulo Roberto já concluiu a primeira etapa de sua colaboração. Agora é Alberto Youssef quem está falando aos investigadores. A estrutura da quadrilha já foi desmontada. O maior desafio, no momento, é elucidar quem estava no topo da cadeia de comando. Em seu depoimento, Youssef deu pistas de onde procurá-lo: "Tinha gente muito mais elevada acima disso, inclusive acima de Paulo Roberto Costa. No caso, agentes públicos", afirmou o doleiro. A VEJA, autoridades ligadas à investigação disseram não ter dúvidas de que a cúpula do governo, no mínimo, tinha conhecimento do esquema. São muitas as indicações nesse sentido. A principal delas está justamente no fato de que era o próprio governo quem nomeava os diretores corruptos, indicados pelos partidos corruptos — e todos se beneficiavam do esquema corrupto, já que a distribuição de dinheiro mantinha a base aliada unida e fiel aos interesses do Palácio do Planalto. Assim como no mensalão, evidências não faltam.

Artigo

A hora da liberdade J.R. Guzzo

O Brasil tem em sua frente, pelos próximos quinze dias, uma escolha bem séria — junto com a opção entre Aécio Neves e Dilma Rousseff, precisará decidir entre democracia e alguma coisa chamada "projeto do PT". Ninguém explicou bem, até agora, o que poderia ser isso. Mas democracia com certeza não é. Não é democracia por um motivo simples: ou um país vive com liberdades individuais e públicas por inteiro, dentro do desenho que todos conhecem e pode ser explicado em menos de cinco minutos, ou vive numa ditadura. Exagero? Não, não é — não quando se quer lidar com ideias descomplicadas. Naturalmente, essa ditadura não requer um general de quepe, bigode preto e óculos escuros na Presidência da República; também não precisa seguir os moldes de Cuba ou da Coreia do Norte. Ela pode ser disfarçada. Pode fingir que é um novo modelo de justiça, no qual ficam dispensados direitos obsoletos que só atrapalham a tarefa superior de salvar os bons e punir os pecadores, missão que seria privativa da trinca Lula, PT e Dilma Rousseff. Ou, ainda, pode ser um desses regimes que dividem a liberdade em dois tipos, a boa e a ruim — cabendo a quem manda no governo decidir qual é uma e qual é a outra. O problema é que só existe um tipo de democracia: essa aí que temos, com todos os seus vícios, mas melhor que qualquer outro sistema já tentado até hoje na história. Se não é assim, é tirania, aberta ou oculta. Infelizmente, não há "terceira via7". Ou é produto legítimo, ou é produto falso.

A nuvem de gás totalitário que se espalha hoje pelo Brasil não é uma questão de palavras ou de opinião; pode ser detectada e medida pela observação direta dos fatos. Os fatos comprovam em alta definição, logo de saída, que o

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sermão oficial da campanha para a reeleição da presidente tem como alicerce o principal mandamento das ditaduras: "Os únicos votos legítimos são os nossos; todos os demais são viciados, desonestos e vêm de inimigos da vontade popular". A votação do primeiro turno mal tinha terminado e esse bumbo já estava sendo batido por

Dilma. "O povo não quer de volta os fantasmas do passado", disse ela. Como assim? O povo tinha acabado de dar 57 milhões de votos a Aécio e Marina Silva, dois candidatos absolutamente de oposição; bem mais, por sinal, do que os 43 milhões dados à candidata oficial. Não é possível, simplesmente, que milhões de brasileiros tenham sentido, justo no dia da eleição, uma súbita vontade de sofrer com a volta de fantasmas. Além disso, considerando que o eleitorado total do país é de 143 milhões de cidadãos, a aritmética mostra que 100 milhões de eleitores, no fim das contas, não votaram em Dilma.

Eis aí uma dificuldade e tanto para a doutrina do governo. Segundo o evangelho do PT e dos seus subúrbios, o Brasil de hoje está dividido entre dois lados. Um deles, o lado de Dilma, é o dos pobres, da esquerda e de todos os que querem justiça e progresso; o outro lado. onde ficam os que estão contra a sua candidatura, é o dos ricos, da direita e dos senhores de engenho que querem voltar aos tempos da escravidão. É uma divisão impossível. Pelo que as urnas do dia 5 de outubro acabam de mostrar, 100 milhões de brasileiros — ou no mínimo os 57 milhões que votaram em Aécio e Marina — seriam ricos etc. Que nexo faz uma coisa dessas? Nenhum, mas as ideias totalitárias são exatamente isto: dane-se o nexo, o que interessa é intimidar, agredir e calar a voz de quem discorda delas. Ou "desconstruir" os adversários, como o PT fez com Marina — desconstruiu tão bem, aliás, que acabou construindo Aécio para o segundo turno.

Ninguém melhor que Lula para provar que a candidatura oficial não admite pontos de vista contrários. "Eu não entendo como tanta gente quer votar no Alckmin aqui em São Paulo", disse o ex-presidente, num surto de sinceridade, já no fim da campanha. É exatamente isto: Lula não admite que alguém tenha o direito de preferir um candidato diferente do seu. No caso, Geraldo Alckmin foi eleito pela terceira vez como governador do Estado de São Paulo com quase 60% dos votos: só perdeu em um dos 645 municípios paulistas e só em quatro das zonas eleitorais da capital, enquanto o "poste" que Lula inventou para a disputa foi rejeitado por mais de 80% dos cidadãos que formam o maior eleitorado do Brasil. O que mais seria preciso para provar livremente a existência de uma maioria? Nada, é óbvio — mas o ex-presidente Lula diz que "não entende". Fica-se com a impressão, assim, de que ele acredita num fenômeno fabuloso: 644 municípios de São Paulo seriam controlados pelas elites que não se conformam com o bem-estar dos pobres etc. Ou, então, a imensa maioria da população paulista seria composta de idiotas incapazes de votar direito ou entender os próprios interesses.

A campanha de Dilma deixou mais do que claro, também, seu maciço empenho em aproveitar todas as oportunidades de falsificar a realidade — outra instrução-chave do manual de regras das ditaduras. Não se trata apenas de inventar que durante o governo Fernando Henrique o Brasil quebrou "três vezes", catástrofe que pelo menos 60% da população nacional não chegou a perceber, ou que Aécio levará o país ao racionamento de energia elétrica. A marca da maldade, na vida real, está na negação de fatos visíveis para todos, dentro da doutrina segundo a qual qualquer barbaridade acabará ignorada pelo "povão" se os responsáveis disserem, o tempo todo, que não aconteceu nada. É exatamente o procedimento adotado por Dilma e sua tropa de apoio diante dos crimes de corrupção cometidos na Petrobras durante os últimos anos. Os dois principais acusados admitiram oficialmente os delitos que praticaram, tanto que recorreram ao benefício da "delação premiada"; a Justiça ainda tem um demorado caminho a seguir até uma avaliação completa do caso, mas a roubalheira está provada acima de qualquer dúvida. A única resposta do governo, até agora, tem sido a falsificação dos fatos e a recusa intransigente em aceitar as verdades mais elementares.

Dilma, no caso da Petrobras, parece estar tendo um severo acesso da conhecida doença ocupacional dos governantes totalitários — a fé exagerada na própria capacidade de controlar os acontecimentos. A presidente chegou a dizer, em público, que foi ela quem demitiu da empresa o principal envolvido na ladroagem, o altíssimo diretor que hoje vive equipado com uma tornozeleira eletrônica para não fugir da cadeia. É falso. Está comprovado que o homem pediu demissão, e foi brindado ao sair com uma salva de elogios oficiais. Dilma sustenta que é praxe permitir que funcionários demitidos do serviço público por justa causa saiam "a pedido". Trata-se de uma desculpa desesperada; se o que a presidente afirmou fosse verdadeiro, não dá para entender por que raios o demitido recebeu tantos elogios na saída e menos ainda por qual motivo não foi imediatamente denunciado à polícia e ao Ministério Público. O DNA das tiranias está presente, também, numa das alegações em que Dilma mais insiste: a de que é ela, por seus méritos pessoais, que tem permitido à Polícia Federal e aos promotores de Justiça investigar atos de corrupção em seu governo. Só em regimes de força o chefe do governo permite ou proíbe que a polícia faça isso ou aquilo. Numa democracia, a autoridade policial e judiciária não tem de pedir licença a ninguém para apurar violações ao Código Penal; ao contrário, fazer isso é a sua obrigação legal.

As liberdades, como se sabe, raramente se dão bem com a fraude. Mais informações a respeito no dia 26 de outubro.

Internacional

À nossa custa A venda do gás natural e de cocaína ao Brasil e o controle da Justiça Eleitoral fizeram Evo Morales o favorito nas eleições

Não é preciso jogar folhas de coca no ar para arriscar um palpite sobre o resultado da eleição presidencial na Bolívia, marcada para o domingo 12. O presidente Evo Morales, que tem 59% das intenções de voto, já afastou os seus adversários políticos do caminho. Os juízes ligados a seu partido inventaram dezenas de acusações contra os seus

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rivais. Muitos, ameaçados de ser presos, fugiram do país. Só no Brasil há 1000 exilados bolivianos, todos perseguidos por razões políticas. Vários dos nomes que poderiam enfrentá-lo nas urnas estão por aqui, como o senador Roger Pinto Molina e o empresário Branko Marinkovic. Manfred Reyes Villa, que concorreu com Morales em 2009, foi ameaçado de prisão pelo presidente e teve a prefeitura onde trabalhava incendiada por governistas. Terminou fugindo para os Estados Unidos. Morales também acabou com a independência do Poder Judiciário. "Desde 2011, os juízes bolivianos são eleitos diretamente pelo povo, mas a lista de candidatos é elaborada pela Assembleia, dominada pelo governo", diz a cientista política boliviana Maria Zegada, da Universidade Mayor de San Simón. Foi esse estratagema que permitiu a Evo disputar um terceiro mandato, algo proibido pela Constituição aprovada em 2009. A Justiça, leal aos interesses pessoais do presidente, considerou que a primeira eleição não conta, porque a Constituição era outra.

Evo Morales provavelmente nem precisaria ter perseguido a oposição para garantir a continuidade no poder, já que o PIB do país cresceu mais de 6% no ano passado. Um dos principais motores da economia é a exportação de minérios e de gás natural, do qual uma terça parte é consumida no Brasil. O pagamento é feito de maneira generosa pela Petrobras, que em 2006 teve refinarias expropriadas por Evo Morales. Em agosto deste ano, a estatal decidiu mandar um valor extra por componentes nobres, propano e etano, transportados com o gás natural mas que não são aproveitados. O presentão para Evo, de 434 milhões de dólares, não era sequer uma exigência do contrato inicial. Outro produto que movimenta a economia local é a coca. Enquanto a indústria da construção cresce 6% ao ano na média nacional, em Cochabamba, região cocaleira, o aumento é duas vezes maior. Sob o governo de Evo Morales, a exportação de cocaína para o Brasil dobrou. Em sua defesa, o governo afirma que as plantações de coca são para uso tradicional, como em chás, remédios, e para o acullico, a prática de mascar as folhas. Na realidade, há regiões de cultivo em que 95% da produção abastece o narcotráfico.

O governo boliviano também segue a receita de distribuir dinheiro para aumentar a dependência do povo em relação ao Estado e garantir a fidelidade eleitoral. Todos os idosos, por exemplo, ganham o equivalente a 50 reais por mês, o que na Bolívia faz uma diferença e tanto. O problema é que, à exceção do gás natural e da coca, nada brota do chão. As estatizações dos últimos anos afugentaram os investidores. Um tratado bilateral que permitia a exportação de produtos isentos de taxas para os Estados Unidos foi cancelado em 2012. "A indústria foi o setor mais afetado e confiscaram-se muitas empresas, sem nenhum pagamento", diz Eduardo Bracamonte, presidente da Câmara Nacional de Exportadores da Bolívia. Já que outras atividades econômicas não prosperam, os bolivianos continuam sem empregos decentes. Seis de cada dez trabalham no setor informal. "Há uma felicidade momentânea, mas esse modelo não se sustenta", diz o economista Otto Nogami, do Insper, em São Paulo. Para Evo Morales, o que importa é manter-se no poder.

Saúde

O medo chegou A suspeita de um caso de ebola no Brasil provocou pavor exagerado — o risco de disseminação do vírus é pequeno

De Conacri, capital da Guiné, o comerciante Souleymane Bah, 47 anos, desembarcou em São Paulo em 19 de

setembro. Veio na condição de refugiado. De São Paulo, foi para Cascavel, no Paraná. Na quarta-feira passada, com febre, tosse e dor de garganta, procurou ajuda médica. Foi posto em isolamento e, vindo de onde veio, tratado como o primeiro caso suspeito de ebola no Brasil. O período de incubação do vírus varia de dois a 21 dias. Bah começou a passar mal no vigésimo dia depois de sair da Guiné, o que é atípico nas infecções por ebola — em 95% dos pacientes, a doença dá sinais em até dez dias.

Na madrugada de sexta-feira, o guineano foi transferido para uma área de segurança máxima do Instituto de Infectologia Evandro Chagas, no Rio. Até o fim da semana, o paciente mantinha-se estável, subfebril e não apresentava vômito nem diarreia, reações características da infecção por ebola. O resultado do primeiro exame que atestaria ou não a contaminação estava prevista para sábado. Um segundo exame de confirmação seria realizado 48 horas depois. Ainda que Bah não esteja contaminado pelo ebola, a notícia da existência de um possível infectado em território brasileiro provocou pânico. Um dos vírus mais letais de que se tem notícia, o ebola é um inimigo invisível, voraz, contra o qual não temos defesa — a não ser a estreita vigilância.

Qual é o risco de o ebola disseminar-se no Brasil, como aconteceu na África Ocidental? Baixíssimo. Na Guiné, Serra Leoa e Libéria, o epicentro da atual epidemia, faltam saneamento básico,

profissionais de saúde e leitos. Além disso, a população ou desdenha da existência do vírus ou, com medo dos médicos e enfermeiros, por ignorância, esconde a doença. Na pior epidemia de ebola desde a sua descoberta, em 1976, até a sexta-feira passada, 8376 pessoas foram contaminadas e 4 024 morreram.

Há tratamento para o ebola? Não. Alguns pacientes receberam medicamentos experimentais, como o anticorpo monoclonal ZMapp e a

transfusão do sangue de pacientes curados. Nenhum remédio ou terapia contra o ebola passou por estudos clínicos seguros.

Quão contagioso é o ebola? O ebola não é um vírus de fácil transmissão, como o da gripe. A contaminação ocorre pelo contato com fluidos

corporais do doente. E uma pessoa contaminada só transmite o vírus depois do aparecimento dos sintomas. A auxiliar de enfermagem espanhola Teresa Romero, internada em Madri, foi contaminada ao tocar o rosto com a mão enluvada,

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quando tirava um dos dois macacões cirúrgicos de proteção. Ela ajudou a cuidar de um missionário contaminado na África e transferido para a Espanha, onde morreu. Até sexta-feira, o estado de saúde de Teresa era grave. Em epidemias anteriores, a taxa de letalidade chegou a 90%. Hoje, está em 52%.

É difícil conter o ebola? O vírus exige uma vigilância rigorosíssima. Uma pessoa vinda do oeste africano que apresente qualquer alteração

de saúde associada ao ebola deve ser monitorada. Alguém que manifeste os sintomas deve comunicar isso imediatamente aos especialistas. Só assim será possível quebrar a cadeia de transmissão do vírus. Não pode haver falhas nesse sistema. O paciente guineano viajou do Paraná para o Rio fora da bolha de proteção. Segundo o ministro Arthur Chioro, a medida era desnecessária porque Bah "apresentava boas condições clínicas". Houve erro, por exemplo, no atendimento do liberiano Thomas Duncan, morto em Dallas, na semana passada. Cinco dias antes de receber o diagnóstico de contaminação pelo ebola, ele procurou um hospital com febre e dor abdominal. Disse que acabara de chegar da Libéria e, mesmo assim, foi liberado. Morreu.

Justiça

Segurança mínima Relatórios oficiais mostram que as penitenciárias federais que abrigam os criminosos mais perigosos do país estão funcionando em situação precária e alertam para riscos Rodrigo Rangel

Em campanha pela reeleição, a presidente Dilma Rousseff tem prometido priorizar a segurança pública. Embora hoje seja atribuição dos estados zelar pela área, a petista afirma que pretende, se reeleita, mudar a legislação para que a União possa ampliar as suas responsabilidades e atuar mais diretamente no combate ao crime. No pouco que cabe atualmente ao governo federal, porém, os resultados não são nada animadores. Um exemplo está nos presídios federais de segurança máxima, administrados pelo Ministério da Justiça. As penitenciárias, que abrigam alguns dos presos mais perigosos do país, como o traficante Fernandinho Beira-Mar, passam por uma situação de penúria, conforme relatórios produzidos pelos juízes encarregados de fiscalizar as unidades. A gestão centralizada em Brasília tem se mostrado caótica. Falta dinheiro para comprar até mesmo itens básicos de higiene. Sistemas de vigilância não funcionam. A segurança dos quatro presídios, segundo os próprios juízes, está em risco. No início do ano, os magistrados enviaram um documento ao ministro da Justiça. José Eduardo Cardozo, alertando sobre os riscos e pedindo providências urgentes, mas nada foi feito.

Os relatórios, obtidos por VEJA, traçam um panorama da precariedade no sistema, que deveria ser exemplo para o país. "Vários dos apontamentos (...) refletem diretamente nas questões de segurança dos estabelecimentos e merecem atenção especial, pois estamos lidando com os presos mais perigosos do país e é preciso garantir a contínua eficácia do sistema", dizem os juízes no ofício encaminhado ao ministro. Para continuarem funcionando, os presídios têm recorrido a doações. O de Catanduvas, no interior do Paraná, estava com o sistema de iluminação prejudicado até o mês passado: as lâmpadas em torno do presidio, onde ficam as torres de vigilância, queimaram e não havia dinheiro para substituí-las. Foi preciso que a Justiça Federal liberasse uma verba de 100 000 reais para que o entorno da prisão não permanecesse às escuras. Uma parte das câmeras do sistema de segurança também está inativa. "Estamos trabalhando em total precariedade e extrema vulnerabilidade", escreveu o então diretor da penitenciária, Jessé de Almeida. No presídio de segurança máxima de Porto Velho (RO), os problemas se repetem. "Do jeito que está, estamos pondo em risco a segurança pública e do corpo funcional que atua diretamente com os presos mais perigosos do país", escreveu a juíza Juliana Paixão.

Por falta de estrutura, os juízes chegaram a negar autorização para a entrada de novos detentos. Os contratos com empresas encarregadas de tarefas como limpeza e conservação acabaram e, em alguns estabelecimentos, o Ministério da Justiça não fez novas licitações para reativar os serviços. Na penitenciária federal de segurança máxima de Mossoró (RN), o ambiente ficou insalubre, na definição do juiz Walter Nunes. Num despacho, ele anotou, após uma visita: "Foram constatados problemas de muita sujeira nos ambientes dessa unidade penitenciária, com presença de áreas empoçadas, fedentinas, mosquitos, moscas, sanitários imundos". Uma situação que, segundo o magistrado, põe em risco a estabilidade do sistema, já que é motivo de frequentes animosidades entre os detentos e os agentes carcerários. No fim de agosto, o caos no sistema provocou um pedido de demissão coletivo da cúpula do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o órgão do Ministério da Justiça que tem a incumbência de administrar os presídios federais. A VEJA, a pasta negou que estejam faltando recursos para a manutenção das penitenciárias e afirmou que os problemas são apenas "pontuais". O ministério garante que a segurança das unidades nunca esteve em risco.

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EDIÇÃO Nº 2342 – 15 OUT 2014

Escândalo na Petrobras

Delator da Petrobras diz que a campanha de Dilma em 2010 foi beneficiada por dinheiro desviado da estatal. O geverno atual manteve o esquema da operação O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef afirmam que o PT foi o partido mais contemplado pela propina. As revelações estarrecedoras escancaram a falência moral do Estado nos últimos anos Josie Jerônimo

Na quarta-feira 8, vieram à tona áudios de depoimentos feitos em regime de delação premiada na Justiça Federal em Curitiba por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e pelo doleiro Alberto Youssef – considerados hoje dois dos maiores arquivos vivos da República e detentores dos segredos mais explosivos da maior estatal do País. As declarações dos delatores descrevem uma gigantesca rede de corrupção formada por dirigentes da Petrobras, empreiteiras e partidos políticos integrantes da base de sustentação do governo Dilma Rousseff. As revelações são estarrecedoras. A corrupção estatal poucas vezes foi exposta de maneira tão crua e direta narrada abertamente por seus executores a serviço do Estado. Nos áudios, os depoentes apontam PT, PMDB e PP como as legendas beneficiadas pelo propinoduto e colocam sob suspeição a campanha de 2010 da presidenta Dilma Rousseff. "Dos 3% da Diretoria de Abastecimento, 1% seria repassado para o PP e os 2% restantes ficariam para o PT. Isso me foi dito com toda a clareza", afirmou o ex-diretor da Petrobras. "Outras diretorias também eram PT. O comentário que pautava dentro da companhia era que em alguns casos os 3% ficavam para o PT", acrescentou. Um dos operadores dos desvios na Petrobras, de acordo com os depoimentos, era João Vaccari Neto, tesoureiro do PT. Indicado para o cargo pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-diretor de Serviços Renato Duque e Nestor Cerveró, ex-dirigente da Área Internacional da Petrobras da cota do PMDB, também recebiam propina. "Bom, era conversado dentro da companhia e isso era claro que sim. Sim. A resposta é sim", afirmou Paulo Roberto Costa, questionado sobre o pagamento de suborno aos dois. As movimentações irregulares, segundo disseram, continuaram até 2012, quando Costa deixou a estatal, e pode ter contaminado a atual campanha de Dilma à reeleição.

É fato que se a sociedade brasileira encarar como natural esse assalto à coisa pública terá de estar preparada para aceitar todo e qualquer tipo de desmando de seus governantes. Os limites estarão rompidos indissoluvelmente. Mas, sabe-se, não é da índole do brasileiro compactuar com malfeitos. Neste caso, malfeitos perpetrados no coração da maior estatal do País, motor do desenvolvimento e outrora símbolo da soberania nacional. O dinheiro desviado tinha origem no superfaturamento dos contratos da Petrobras. A taxa média do sobrepreço, além da boa margem de lucro, girava em torno de 3%. Paulo Roberto Costa explicou como funcionava a fábrica de dinheiro para as campanhas políticas e o bolso dos corruptos. Costa confessou que atuava como guardião dos numerários da corrupção. Ele intermediava contatos políticos, gerenciava o pagamento de propina das empreiteiras e cuidava dos critérios da distribuição dos lucros aos partidos envolvidos. O ex-diretor foi assertivo ao apontar o PT como o maior beneficiário dos desvios. Cada partido tinha seus próprios operadores. De acordo com os depoimentos, o ex-deputado José Janene (PR), que faleceu em 2010, e Youssef eram os responsáveis por distribuir o dinheiro da propina no PP. Eles também entregavam a parte que cabia ao ex-diretor da Petrobras por sua atuação nas irregularidades. Costa não detalhou como era feita a divisão dos recursos no PT, tarefa do tesoureiro João Vaccari. No organograma do crime, o delator aponta o ex-diretor de Serviços Renato Duque, apadrinhado de José Dirceu, como o contato do tesoureiro do PT na estatal.

Resenha Semanal das Revistas 13/10/14 38 A farra da base aliada na estatal se iniciou, de fato, em 2007, quando a Petrobras direcionou o orçamento para

grandes projetos, como a construção de refinarias. Mas a idealização e a montagem da rede de corrupção remetem a 2004, com a nomeação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento. Na cúpula da estatal, ele teve grande importância na ampliação do poder do cartel das empreiteiras e na geração de mais divisas para a ala de políticos da quadrilha. Por isso, contou com o lobby de fortes lideranças do cenário nacional para chegar ao posto, com o aval do Palácio do Planalto. Nesse ponto, o doleiro Youssef fez uma das revelações mais importantes de seu depoimento. "Para que Paulo Roberto Costa assumisse a cadeira de diretor da Diretoria de Abastecimento, esses agentes políticos trancaram a pauta no Congresso durante 90 dias. Na época o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou louco, teve que ceder e realmente empossar o Paulo Roberto Costa", contou Youssef no interrogatório.

Ao afirmar que Lula se curvou aos interesses de um bando especializado em drenar dinheiro dos cofres da Petrobras, o doleiro pode ter fornecido um dos fios da meada para se entender como os governos petistas contemplaram as práticas ilícitas. Registros do Congresso trazem indícios de que o doleiro, realmente, tinha razão. Na primeira quinzena de abril de 2004, um mês antes de Costa ser nomeado diretor da Petrobras, o governo Lula sofreu com uma rebelião da base, capitaneada pelo PMDB. À época, o presidente mandou ao Congresso uma medida provisória que reajustava o salário mínimo para R$ 260. Para retaliar o governo, a base passou a exigir o cumprimento de uma promessa de campanha de Lula, que previa o salário mínimo a US$ 100, o equivalente a R$ 289. O PT trabalhava, ainda, para aprovar um projeto que criava 2.800 cargos de confiança no governo. O PP de José Janene passou algumas semanas sem sequer registrar presença no plenário, com o único objetivo de prejudicar o governo do Planalto. Renan Calheiros (PMDB-AL), hoje presidente do Congresso e também citado nas investigações da Lava Jato, comandou a rebelião no Senado.

Presos no início do ano durante a Operação Lava Jato da Polícia Federal, Costa e Youssef aceitaram contribuir com as investigações em troca do abrandamento de suas penas. Nos depoimentos em Curitiba, eles não tinham autorização para explicitar os nomes das autoridades com direito a foro especial, caso de parlamentares, por se tratar de Justiça de primeira instância. Esses casos são apurados somente no Supremo Tribunal Federal (STF).

Mesmo sem poder citar nomes, o ex-diretor forneceu informações que, de forma indireta, tiram o sono de muitas autoridades. O delator descreveu, por exemplo, uma consultoria prestada a um político fluminense candidato a cargo majoritário, que queria fazer um plano de governo direcionado ao setor de energia para captar recursos de financiamento de campanha das empresas da área. Costa também envolveu o PMDB ao citar a Diretoria Internacional da Petrobras como feudo da sigla. Segundo o ex-diretor, o responsável por fazer o serviço sujo do recolhimento da propina junto às empreiteiras seria Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano. "Na Diretoria Internacional, o Nestor Cerveró foi indicado por um político e tinha ligação forte com o PMDB", disse o delator. Nos bastidores do Congresso, atribui-se a indicação de Cerveró a Renan Calheiros.

Chamou a atenção dos investigadores o tom de deboche muitas vezes adotado nas conversas dos envolvidos nas práticas corruptas. Nesse contexto, uma das expressões mais usadas pelos interlocutores era um trecho da Oração de São Francisco de Assis, aquele que prega "é dando que se recebe". "Nós tínhamos reuniões, com certa periodicidade, com esse grupo político e nesses encontros comentava-se, recebemos isso, recebemos aquilo", afirmou o ex-diretor, sobre os acertos de propina. As cifras astronômicas que abasteciam o esquema são tratadas com naturalidade pelo ex-diretor, mas deixam confusos até mesmo os experientes investigadores do caso. Ao narrar episódio em que recebeu R$ 500 mil das mãos do presidente da Transpetro, Sérgio Machado, por ter ajudado a intermediar contratação de empresas de navios, os interrogadores não esconderam o espanto e questionaram Costa sobre a forma de pagamento da propina. "Uma parcela", respondeu.

Meio milhão de reais é uma cifra desprezível no universo de dígitos dos contratos firmados entre as empreiteiras que compunham o cartel que dominou a Petrobras. Relatório da Polícia Federal estima que, de R$ 5,8 bilhões em transações firmadas, R$ 1,4 bilhão escoou pelo ralo graças a obras superfaturadas para abastecer a quadrilha. Paulo Roberto Costa apontou 11 empresas envolvidas nos desvios. Ele detalhou a ação orquestrada das companhias, mas faz questão de dizer que nem todos os contratos da estatal estão contaminados. Como exemplo, ele cita a Refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco. De acordo com Costa, o empreendimento reúne aproximadamente 50 empresas, mas o cartel não encampa todas as contratadas. A máquina de irregularidades era tocada pelas empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, UTC, Engevix, Iesa, Toyo Setal, Galvão Engenharia, OAS e Queiroz Galvão. O delator listou, também, o nome de diretores responsáveis por negociar as condições especiais proporcionadas às firmas. As empreiteiras repudiaram publicamente as denúncias. O ex-diretor envolveu os altos escalões das empresas: "Os presidentes das companhias tinham conhecimento do esquema". As empresas agiam como se fossem donas da Petrobras, segundo relato do delator. Rateavam os contratos conforme a disponibilidade de suas equipes e determinavam a taxa de lucro que queriam. Quando uma firma fora do grupo conseguia romper a barreira do cartel, as empreiteiras protestavam. "Às vezes participaram empresas que não eram do cartel, ganhavam a licitação e isso deixava as empresas do cartel muito zangadas", afirmou.

O cartel formado pelas empreiteiras para sangrar as contas da Petrobras, segundo Paulo Roberto Costa, agia também em alguns ministérios. A rede de pagamento de propina da estatal funcionaria para abrir portas em pastas com gordos orçamentos para obras de infraestrutura. "Empresas que tinham interesses em outros ministérios, capitaneados por partidos, participaram de obras de rodovias, saneamento básico, do Minha Casa Minha Vida. No meu tempo na Petrobras, nenhuma empresa deixou de pagar propina. Se você cria um problema de um lado, pode gerar de outro", afirmou.

Ao fim do trabalho de análise e recolhimento de provas, os empresários atrelados à fraude responderão a processo criminal. Além dos relatos do ex-diretor, os investigadores da Lava Jato conseguiram obter de uma das companhias um tipo de colaboração no formato de um acordo de leniência. A empresa está ajudando a reunir provas

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financeiras para demonstrar a atuação do cartel. A ajuda garantirá a essa empreiteira a possibilidade de evitar sanções, como firmar novos contratos com o poder público. Seus diretores, no entanto, terão de responder penalmente pela participação nas negociatas.

A divulgação do interrogatório do doleiro e do ex-diretor da Petrobras incendiou o ambiente eleitoral e os citados se apressaram em repudiar as acusações. O ex-presidente Lula usou um repertório que já lhe é peculiar ao reagir às novas denúncias. Em discurso em Campo Limpo, São Paulo, bradou como se vítima fosse e como se ele e o seu partido estivessem acima do bem e do mal: "Eu já estou de saco cheio (das denúncias contra o PT). Daqui a pouco eles estarão investigando como nós nos portávamos dentro do ventre da nossa mãe". No governo, intensificam-se as pressões para a demissão de Sérgio Machado, da Transpetro, que teria entregado R$ 500 mil para Paulo Roberto Costa. O objetivo é evitar mais desgastes para o Planalto. O PT, como Lula, também cumpre roteiro conhecido. Pretende procurar o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, para pedir que não ocorram novos vazamentos, durante o segundo turno das eleições, dos depoimentos feitos em sigilo de justiça. Zavascki desempenha papel de protagonista nas investigações. Como ministro do STF, instância responsável por julgar políticos e autoridades com foro privilegiado, coube a ele validar os depoimentos colhidos pelo juiz Sérgio Moro. Na etapa atual, ele analisa as provas colhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal que envolvem parlamentares e ministros do Estado na rede de corrupção. Não são poucas.

Entrevista - Leonidas Donskis

"Os Partidos que não têm programa adotam o discurso do medo" Um dos maiores porta-vozes dos direitos humanos no mundo e membro do Parlamento Europeu, o filósofo lituano diz que antes os políticos debatiam ideias, hoje trocam ameaças Helena Borges

Membro do Parlamento Europeu desde 2009, o filósofo, teórico político e analista social lituano Leonidas Donskis, 52 anos, é famoso pela veemência na defesa dos direitos humanos e da liberdade civil mundo afora. Em entrevista à ISTOÉ, concedida de Kaunas, na Lituânia, ele fala sobre o uso do medo nas práticas eleitorais e da efetividade das manifestações pelo mundo. Donskis passou grande parte de sua vida entre Estados Unidos, Inglaterra e Suécia e estava em Nova York quando atentados terroristas derrubaram as torres do World Trade Center.

Para ele, esse foi o começo do discurso do medo e da intimidação. Casado, sem filhos, ele diz que dedica a vida "inteiramente à mensagem da união dos povos". Critica fortemente o presidente russo Vladimir Putin, a quem considera uma "ameaça à Europa e à humanidade civilizada". No Brasil, o filósofo falará sobre tolerância e preconceitos na Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), que começa no dia 29 de outubro, no Recôncavo Baiano.

ISTOÉ - Quais as consequências do discurso do medo em campanhas eleitorais? LEONIDAS DONSKIS - Muitos acontecimentos políticos hoje em dia são reflexo dessa política do medo, da

ameaça. Não é algo específico de regiões, já se tornou geral. Os partidos que não têm programa, que não têm absolutamente nada concreto, adotam o discurso do medo. Populistas na Europa usam desse jogo político com a imigração, por exemplo. Outros partidos jogam com medos de desastres ecológicos ou sociais. Cria-se o demônio, o fantasma. Fala-se da existência de um grupo secreto muito poderoso que vai controlar a política ou a economia e que você irá viver sob a influência dessa poderosa organização. Quanto mais perigo você tiver à mão, mais popularidade ganha nas eleições.

ISTOÉ - Marina Silva, candidata do PSB derrotada no primeiro turno na disputa presidencial, se disse vítima da

campanha do medo por parte do PT. LEONIDAS DONSKIS - Não acompanho de perto o cenário político brasileiro, seria leviano fazer comentários

mais diretos. Mas sei que a política, de modo geral, está se aproximando de um teatro. Pensava que no Brasil os políticos estivessem mais próximos da realidade do que os europeus, mas pode ser que isso esteja chegando com força também à América Latina. Os candidatos tentam transformar tudo em um tipo de ficção. De certa forma, nossas vidas se transformam em uma extensão do comercial. Essa é a lógica de um programa político de televisão, ter um tipo de promessa sensacional ou partir para a intimidação.

ISTOÉ - A votação da oposição surpreendeu por ser maior do que o esperado. O que isso significa? LEONIDAS DONSKIS - Suspeito que esse movimento esteja relacionado a um desapontamento com o governo.

Há essa crise de representação em todo o mundo, o Brasil não é exceção, e localmente sente-se que alguém precisa ser culpado. Uma guinada significa que a população não está feliz com a visão do governo e com seus instrumentos.

ISTOÉ - De onde surgiu o fenômeno da política do medo? LEONIDAS DONSKIS - Testemunhei o início dessa tendência no 11 de setembro (data do atentado terrorista

contra as torres do World Trade Center, em Nova York, EUA) e pude ver a onda de pânico, medo e ódio. Iniciou-se, ali, uma nova tendência social e política que eu descrevo como multiplicação do medo. Uma linha sensacionalista, pessimista e apocalíptica adotada para que se possa beneficiar politicamente do pânico moral. O medo se tornou uma commodity política muito valiosa, ele vende bem. Se vendido da forma correta, as eleições estão praticamente garantidas. É uma ação de relações públicas, uma manobra. O eleitor é intimidado por um cenário assolador. Mas, então, eis que o candidato aparece como o salvador. Essa narrativa tão simples foi introduzida à política e se tornou

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parte do show convencional. Candidatos estão muito acostumados a dizer "se meu partido não vencer, esse país irá diretamente para o inferno" ou "esse presidente irá arruinar a economia, simplesmente arruinar!".

ISTOÉ - Esse tipo de discurso atrapalha o processo democrático? LEONIDAS DONSKIS - Temo que esse procedimento gere uma atmosfera contra produtiva na política. Antes, os

políticos debatiam ideias, eram responsáveis pela qualidade do debate, hoje trocam ameaças. Cria-se um grande desafio à nossa capacidade de lidar de maneira reflexiva com questões políticas. Surtar toda hora e ficar debatendo o fim do mundo não leva a lugar algum. Os exageros – os gritos, os bate-bocas, a oferta de cenários apocalípticos toda hora e todo dia – podem fazer as coisas ficarem bem perigosas.

ISTOÉ - Por que essa técnica é tão efetiva? LEONIDAS DONSKIS - Estamos perdendo a deliberação política. "Eu não tenho as respostas para todas as suas

perguntas. Por favor, me dê algum tempo para deliberar sobre isso", esse elemento está desaparecendo. O medo estimula nossa obsessão por saber, controlar e responder a tudo. Esperamos que os candidatos digam "eu sei isso e posso explicar tudo porque sei o que está atrás de você e o que o aflige". Por isso, o medo é tão valioso; com ele o candidato pode sair de qualquer situação. Se assustar as pessoas, elas acreditam em você. Esse é o caso de muitos ditadores, que exploraram medos públicos ou particulares. Ou, ainda, desenvolvem outro mecanismo: transformar os pavores particulares em públicos. Pode ser o discurso homofóbico, como a ideia idiota de uma conspiração gay e lésbica para controlar a União Europeia. Ou, num cenário mais antigo, onde os judeus tomariam o poder. Nas duas imaginações, homofóbica ou antissemita, existe o medo.

ISTOÉ - Um dos pontos de desacordo entre as propostas de política externa dos dois candidatos brasileiros é a

relação com a União Europeia, de quem a oposição se aproximaria. Como o sr. avalia isso? LEONIDAS DONSKIS - Qualquer aproximação entre Brasil e União Europeia é positiva, uma das melhores coisas

que podem acontecer aos dois. O País está crescendo econômica e politicamente, é uma grande promessa para o futuro. A União Europeia, por sua vez, deve ser compreendida como um "soft power" (tipo de postura em relações internacionais que usa a persuasão em vez da força) e esperamos ser um exemplo disso. Não acredito na efetividade de blocos hostis. Queremos mostrar que nosso compromisso é com princípios como direitos humanos, transparência e democracia, o resto se conversa. E, se posso dar algum conselho aos candidatos, é: não tente fazer seu projeto desconexo do mundo, não podemos mais nos fechar em políticas nacionais ou locais. Estamos no século XXI, a economia está completamente conectada, decisões de um país afetam o mundo inteiro.

ISTOÉ - As ondas de protestos no Brasil e no mundo, nos últimos dois anos, apontam para uma nova organização

política? LEONIDAS DONSKIS - Posso antecipar mudanças profundas nos partidos políticos se eles não desejam

desaparecer da face da terra. Há indicadores da falência moral da forma que eles existiram e agiram até agora. Em muitos casos, não são sequer verdadeiramente democráticos ou responsáveis para com a sociedade. Se os partidos desejam se tornar sensíveis e representativos para seus eleitorados e para a sociedade civil, terão que se misturar aos movimentos sociais ou, ao menos, interagir com eles. Devido a profundas mudanças na cultura e na tecnologia, como a criação das redes sociais, a sociedade adquiriu novas ferramentas para se envolver e participar da política.

ISTOÉ - Como transformar a energia política que existe na manifestação em algum programa político válido e

sólido? LEONIDAS DONSKIS - Essa é a questão. Foi assim entre os indignados, na Espanha, em Occupy Wall Street,

nos Estados Unidos, e em muitos outros países. Entre as multidões que tomaram as ruas, apenas um pequeno grupo tem ação política de fato para levar à mudança. Sim, é muito bom que se tenha cidadãos expressando sua desilusão e desapontamento, mas isso não diz nada sobre sua habilidade em oferecer uma alternativa.

ISTOÉ - Como avalia o presidente da Rússia, Vladimir Putin? LEONIDAS DONSKIS - O sr. Putin é uma figura sinistra e perigosa, uma ameaça à Europa e à humanidade

civilizada. Se não for parado, ele nos levará ao apocalipse nuclear. Ele é um gângster político e um criminoso de guerra com suas armas nucleares. Além do mais, recebe cobertura e é apoiado por forças na Rússia que são impossíveis de descrever de outra forma que não seja o fascismo aberto.

ISTOÉ - Também o presidente dos EUA, Barack Obama, tem sido atacado pela forma como lida com o grupo

terrorista Estado Islâmico. LEONIDAS DONSKIS - Obama vive um dilema. Ele é o presidente da paz e não da guerra, criticou seu

predecessor por isso e ficaria muito feliz em evitar esse caminho, mas teme um possível genocídio. A intervenção militar se torna importante quando se tenta salvar a vida de milhões de pessoas. Mas os EUA deveriam usar seu poder, sua força e prestígio para tentar criar um Estado viável e normal no Iraque, antes de tudo. Porque o problema vem do fato de que, quando o Estado é muito fraco, disfuncional, que é o que aconteceu no Iraque, gera-se o desastre. Quando não se tem uma organização política viável, é muito difícil contar apenas com o militarismo. Algumas vezes ele ajuda, mas na maioria dos casos não. Não se pode vencer todas as guerras nem levar a guerra a qualquer território. É muito fácil começar uma guerra, mas quase impossível acabar com ela.

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Editorial

A falsa guerra da secessão à brasileira Carlos José Marques, diretor editoria

Ao longo das quatro últimas campanhas presidenciais – incluindo esta na conta –, em um equívoco de raízes históricas nos últimos 12 anos, o conceito de apartheid social e geográfico no Brasil dividindo ricos e pobres, Norte e Sul, vingou como tática de ataque do Partido dos Trabalhadores para arregimentar votos na base da falsa cizânia. Líderes da legenda apelaram para uma espécie de guerra da secessão fantasiosa, ignorando laços sentimentais e pilares federativos que sacramentam a Nação. Tudo em nome da vitória final, do "vale-tudo" a qualquer custo, como se pudessem separar o País em dois brasis. Logo que saiu o resultado das urnas no início da semana passada, Ricardo Berzoini, ministro das Relações Institucionais, licenciado do cargo para engrossar o pelotão de frente da candidata Dilma, voltou a recorrer ao mesmo subterfúgio ao avaliar a batalha do segundo turno: "Vamos para a luta do pobre contra o rico, do bem contra o mal". O antagonismo sem fundamento, que naturalmente desperta reações exacerbadas por alimentar sentimentos bairristas adormecidos, é conveniente às pretensões de perpetuação de poder do partido. Na ausência de um conteúdo programático consistente, de um plano de governo para os desafios que se apresentam, nada melhor que incitar a animosidade de torcidas, o "Fla-Flu" irracional típico nas platitudes dos gramados de futebol, que fora dali apenas desvirtua a realidade e ilude os incautos. Não bastou muito para que a intenção de Berzoini, em forma de profecia, se concretizasse. Tomando por mote um comentário do ex-presidente Fernando Henrique sobre os votos dos menos informados, logo seu arquirrival Lula viu a chance de mais uma vez carimbar o mantra divisionista. "É um absurdo que o Nordeste e os nordestinos sejam caracterizados como ignorantes." Em nenhum momento foi o que disse FHC, mas a deturpação dos fatos em prol da versão preconceituosa servia ao intento. Em resposta o tucano tripudiou: "Ele quer transformar uma categoria do IBGE em insulto. Daqui a pouco ele só será ouvido em programas humorísticos". Não era a primeira vez que Lula apontava tal arma nesse tipo de contenda. Já em 2006, na disputa com o também tucano Geraldo Alckmin, radicalizou. Pregou no adversário a pecha de elitista e se autoproclamou "pai dos pobres" na propaganda eleitoral. Sua pupila Dilma, advogando em causa própria, quer repetir a fórmula. Voltou a endossar Lula, alegando em palanque no Piauí que "tem gente que olha para o Nordeste com olhar de quem governou o País só para outra região". Sabem ambos que a alegação não é condizente com a verdade. O Plano Real, de estabilização da economia, elaborado e levado a campo na gestão tucana, foi o maior motor de resgate social do País ao derrotar a inflação e estabelecer as bases do desenvolvimento sustentável. Desse berço saíram os avanços sociais que, a despeito das lorotas populistas, beneficiaram todos os brasileiros, indistintamente, do Oiapoque ao Chuí, de norte a sul. O resto é discurso eleitoreiro.

A Semana por Antonio Carlos Prado e Elaine Ortiz

"O Nobel da Paz para Malala"

Paquistão e Índia são países vizinhos que vivem historicamente em pé de guerra devido às disputas de territórios e aos conflitos étnicos e religiosos. Portanto, nada mais significativo para uma nova tentativa de pacificação dessa região, e também de demais pontos conflagrados em todo o mundo, que a paquistanesa Malala Yousafzai e o indiano Kailash Satyarthi dividam o Prêmio Nobel da Paz de 2014. O anúncio foi feito na sexta-feira 10. A ativista Malala, baleada na cabeça em 2012 por terroristas do Taleban por defender o direito de as mulheres paquistanesas estudarem, passou a viver na Inglaterra e segue em sua militância. Tornou-se agora a mais jovem ganhadora de um Nobel em mais de um século de existência do prêmio. O indiano Satyarthi tem se notabilizado pela luta contra o trabalho infantil e o direito das crianças ao estudo. Juntos dividirão a dotação de US$ 1,5 milhão.

"O MPF fez a sua parte. A decisão está com o Supremo Tribunal Federal"

Volta à pauta do STF nos próximos dias a questão da abrangência da Lei da Anistia promulgada em 1979, seis anos antes de chegar ao fim a ditadura militar. Essa mesma corte já decidiu que a lei que anistiou presos políticos deletou também, pelo princípio da conexidade, a responsabilidade daqueles que torturaram e assassinaram oponentes do regime. Há, porém, a tese, com respaldo nos mais altos tribunais internacionais, de que tortura é crime permanente, ou seja, não passível de anistia. Com base nesse princípio o MPF chega agora ao STF pedindo a punição penal de militares acusados de terem seviciado, matado e desaparecido com os corpos do então deputado Marcelo Rubens Paiva e do corretor de valores Edgard de Aquino. Entre os denunciados está o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra. O STF tem a derradeira oportunidade de passar a limpo esse obscuro período da nossa história republicana.

Brasil Confidencial por Eumano Silva

As contas em Hong Kong

Depois de rastrearem o dinheiro do petroduto na Suíça, os investigadores da Polícia Federal agora se debruçam sobre remessas feitas para a Ásia. Interceptações nos telefones do doleiro Alberto Youssef detectaram três contas em

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Hong Kong. Uma delas recebeu R$ 23,7 milhões em uma operação de câmbio-importação. Empresas fantasmas criadas no Brasil simulavam operações de compra e venda de produtos para justificar as movimentações internacionais. Os responsáveis pelas investigações do escândalo da Petrobras suspeitam, também, de dez cidadãos de Hong Kong envolvidos nas perigosas transações.

Sonho de aposentados

O STF deve retomar nesta semana o julgamento do processo da desaposentadoria. O recurso terá impacto em 6.831 processos semelhantes e pode permitir que aposentados que continuaram trabalhando tenham seus benefícios reajustados. A maioria dos ministros é simpática à proposta. Um estudo feito por especialistas sobre o prejuízo nas contas públicas vai nortear a decisão.

Escândalo da Petrobras

O tesoureiro do esquema João Vaccari Neto, apontado pelo delator como o operador do PT na corrupção da Petrobras, também é acusado pelo MP de São Paulo de lesar uma cooperativa habitacional Izabelle Torres

O secretário nacional de finanças do PT, João Vaccari Neto, é admirado pelos companheiros pela dedicação ao partido. Dizem que ele não mede esforços para cumprir as missões que recebe. Foram essas características de fidelidade e resignação partidárias que o levaram a substituir Delúbio Soares e a desempenhar o papel de tesoureiro informal das campanhas de Dilma Rousseff. Assim, passou a transitar facilmente entre empresários interessados em estreitar relações com o partido que comanda o País há 12 anos. Homem de confiança de José Dirceu, símbolo maior do mensalão, e do ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, Vaccari é discreto, avesso a badalações e grandes eventos. Mas, segundo as revelações relacionadas ao escândalo da Petrobras, ele tem função destacada no submundo da política, onde atuaria há anos com grande desenvoltura – especialmente com a missão de abastecer o caixa 2 da legenda nas campanhas eleitorais. Na semana passada, o depoimento à Justiça do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa detalhou como o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores agiu na divisão dos recursos desviados de contratos da Petrobras.

Segundo Costa, o PT tinha direito aos 2% dos contratos. As licitações da área de abastecimento seriam conduzidas pela diretoria de serviços, comandada por Renato Duque, indicado pelos petistas para o cargo e amigo de Vaccari. "Todas as licitações da área de abastecimento eram feitas na diretoria de serviços, que escolhe as empresas, coordena a comissão de licitação e faz o orçamento básico", explicou. "Dentro da área de serviços, tinha o diretor Duque, que foi indicado na época pelo ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ele tinha essa ligação com o Vaccari dentro desse processo do PT", relatou Paulo Roberto. De acordo com o depoimento dado pelo ex-diretor, o PT recebia ainda mais das outras diretorias da estatal, que repassavam 3% dos contratos para o PT e ainda pagavam o PMDB e o PP. A cobrança da cota petista seria feita diretamente por Vaccari. Como fizeram todos os mensaleiros, ele nega tudo. Em nota, disse que nunca tratou sobre contribuições financeiras do partido, ou de qualquer outro assunto, com Paulo Roberto Costa. Reclama que não tem acesso ao processo e não consegue exercer o direito à ampla defesa. O secretário insiste ainda que as contribuições financeiras recebidas pelo PT são transparentes e realizadas sempre de acordo com a legislação em vigor.

Não é bem assim. O escândalo do mensalão mostrou que distribuir recursos para partidos da base aliada e, claro, para o próprio PT, não é uma novidade. Vaccari chegou a ser citado no auge das investigações do mensalão, que levou alguns dos seus companheiros mais próximos para a cadeia. Segundo o depoimento do corretor de fundos Lúcio Funaro, dado durante as investigações, em 2004 Vaccari o recebeu na sede da Bancoop – cooperativa de crédito habitacional que à época era presidida por ele – e explicou ao corretor interessado em fazer negócios nos fundos de pensão que era preciso pagar propina ao PT em qualquer contrato fechado. O depoimento consta no processo, mas Vaccari não chegou a ser indiciado porque o ex-ministro Joaquim Barbosa, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, entendeu que não era a Bancoop que irrigava o mensalão.

Como já foi reportado por ISTOÉ, embora não tenha sido envolvida oficialmente na ação penal do mensalão, a cooperativa habitacional é investigada em outro processo, que apura a prática de corrupção durante a gestão de Vaccari. Segundo denúncia feita em 2007 pelo Ministério Público de São Paulo, desde 2002 a Bancoop lesou cerca de três mil mutuários e foi usada pelo PT para desvio de dinheiro para financiamento de campanhas eleitorais, especialmente a do ex-presidente Lula, em 2002. Os desvios eram feitos para empresas fantasmas em nome de laranjas do partido e depois distribuídos oficialmente para o PT. Tudo sob o comando de Vaccari. Como as operações deram resultado e o chefe da Bancoop tem respondido sozinho pelas denúncias, em 2010 Vaccari acabou recompensado pelos companheiros. Deixou a cooperativa para assumir o prestigiado cargo de tesoureiro da legenda. A denúncia do Ministério Público afirma que os desvios causaram um rombo de R$ 170 milhões e pede que os responsáveis paguem a conta com recursos do próprio bolso.

A ação penal protagonizada por Vaccari tramita até hoje na 5a Vara Criminal de São Paulo, ainda sem um desfecho. Em agosto deste ano, o julgamento foi retomado e a expectativa dos mutuários é de que o processo finalmente seja concluído nos próximos meses. De acordo com as acusações, o secretário de finanças do PT cometeu crimes em série, como formação de quadrilha, estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. A gestão do homem forte do partido na Bancoop também deixou para trás cerca de mil processos movidos por associados que alegam terem sido lesados pelas fraudes. Enquanto isso, nos bastidores, Vaccari segue firme e prestigiado dentro da

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legenda que ele ajuda a enriquecer. O problema para ele é que quando o processo da Petrobras chegar ao fim é possível que não seja mais um réu primário.

Brasil

Dinheiro voador PF apreende R$ 116 mil em aeronave cujos passageiros têm ligações com o PT. Os planos de voo fazem a polícia suspeitar que o recurso possa ser caixa 2 de campanha Claudio Dantas Sequeira

No início da noite da terça-feira 7, o turboélice King Air prefixo PR-PEG que havia partido de Belo Horizonte alcançou a cabeceira do aeroporto internacional de Brasília. Ao abordar a aeronave, a Polícia Federal encontrou R$ 116 mil em cédulas de R$ 100 e R$ 50 distribuídos em sacolas e mochilas. Três passageiros foram detidos: o empresário Benedito Oliveira Neto, o Bené, conhecido operador do PT mineiro, o segurança Pedro Medeiros e o jornalista Marcier Trombiere, ex-assessor do Ministério das Cidades, indicado pelo PP. Em depoimentos marcados por lacunas e contradições, alegaram que o dinheiro seria pagamento por serviços à campanha de Fernando Pimentel, eleito governador de Minas Gerais. Mas não apresentaram qualquer recibo ou nota fiscal. A PF abriu inquérito para apurar o caso. Os elementos colhidos até agora indicam que quase nada do que disseram os três ocupantes da aeronave é verdade. E levantam a suspeita de que os valores seriam sobra de caixa 2 destinados à campanha de Dilma Rousseff.

Os investigadores já têm uma pista importante: o King Air não foi fretado pelo grupo. Registrado na Anac na categoria de "serviço aéreo privado", em nome da empresa Bridge Participações, teria como verdadeiro proprietário o próprio Bené. A Bridge tem como presidente Ricardo Santos Guedes, um advogado de 38 anos que se apresenta como "representante" da Gráfica e Editora Brasil, que pertence ao empresário mineiro. Guedes, seu irmão Alexandre e Cleusa Centeno dos Santos, possível parente de ambos, participam da composição acionária de mais sete empresas de diferentes ramos, como publicidade e propaganda, mineração, construção civil e consultorias.

Apesar do "sucesso empresarial", nenhum dos dois irmãos possui sequer um veículo, nem mesmo um carro popular. Cleusa, que tem em seu nome um Gol 1999, um Fiat 2000 e outro Gol 2012, não possui habilitação. Além disso, ela viveria numa casa de baixa renda localizada em Canoas (RS). Alexandre e Ricardo, por sua vez, têm endereço nos bairros Asa Norte e Sudoeste, em Brasília. Mas não foram localizados pela reportagem. Para a PF, eles seriam "laranjas" de Bené. Na opinião de uma autoridade ligada à investigação, registrar a aeronave em nome de uma empresa integrada por pessoas interpostas pode significar tentativa de ocultação de patrimônio.

O caso fica ainda mais complexo quando se analisa o relatório dos planos de voo registrados no prefixo PR-PEG do King Air de Bené. Vê-se que o turboélice cumpriu uma intensa agenda de campanha entre 14 de julho e 7 de outubro, e que cobriu o trecho entre Brasília e Belo Horizonte diversas vezes. O avião também percorreu o interior de Minas, usando pequenas pistas de pouso. Diferentemente dos jatos, o turboélice é uma aeronave versátil por ser capaz de pousar até em estradas de terra.

Alguns voos coincidem com comícios de Pimentel. Em 1º de agosto, por exemplo, o então candidato ao governo de Minas participou de comício em Montes Claros com a presença de Dilma e Lula. Os planos de voo também registram em agosto visitas às cidades mineiras de Juiz de Fora, Uberaba, Tatuí e Divinópolis. A PF agora quer confirmar quais voos de fato ocorreram, se possível saber quem embarcou e se houve transporte de valores em outras oportunidades.

Fontes ligadas à campanha de Pimentel informaram à ISTOÉ que o candidato usou duas aeronaves na eleição, sendo uma delas a de Bené. A assessoria de imprensa de Fernando Pimentel disse que o candidato não contratou serviço de táxi-aéreo de Bené e não utilizou a aeronave citada para nenhum deslocamento. A mesma fonte disse que o King Air também transportou o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto. Por meio da assessoria de imprensa, Okamoto disse que nem ele nem o ex-presidente viajaram no referido avião. Afirmou ainda que nem sequer conhece Bené. O empresário também não foi localizado para comentar o caso.

Não será surpresa se a PF descobrir que a aeronave atendeu caciques do PT e da campanha de Dilma, uma vez que Bené tornou-se uma eminência parda na cúpula petista. Em 2010, o empresário envolveu-se na frustrada montagem de um dossiê contra o candidato tucano José Serra, que concorreu com a petista. Bené também foi quem pagou o aluguel da mansão que serviu como QG da campanha de Dilma no Lago Sul.

O empresário mineiro foi apresentado a Pimentel pelo ex-deputado Virgílio Guimarães, o mesmo que levou o publicitário Marcos Valério ao ex-ministro José Dirceu. Não por acaso, Bené ascendeu empresarialmente justamente após o escândalo do mensalão e a queda de Valério. Seu nome chegou a estar associado a 11 empresas simultaneamente, sendo a principal delas a Gráfica e Editora Brasil. Até 2004, seus rendimentos não superavam R$ 400 mil. Mas essa realidade mudou bastante. De 2005 até hoje, as empresas de Bené faturaram em contratos com o governo do PT cerca de R$ 300 milhões, 70% desse valor só com a gráfica. Para se defender no TCU, o empresário contratou o escritório de Erenice Guerra, ex-ministra da Casa Civil e braço direito de Dilma.

Para administrar tantas frentes de atuação, Bené costuma repassar o controle de suas empresas a terceiros. Isso foi feito com a Projects Brasil, que em 2011 assumiu a digitalização de documentos do Ministério das Cidades, então comandado por Mario Negromonte. Além de emplacar o contrato, Bené ainda conseguiu que Negromonte nomeasse um ex-funcionário seu na função estratégica de coordenador-geral de modernização e informática. Outro aliado nas Cidades era o então chefe da comunicação, Marcier Trombiere, que estava no avião. Trombiere deixou o cargo a convite de Bené. Trombiere, segundo a assessoria de Pimentel, atuou na comunicação da campanha. Já a Gráfica e Editora Brasil prestou serviços gráficos. "As despesas serão declaradas na prestação de contas final", informou em nota. Seja como

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for, nada se falou sobre o empréstimo do avião. Convocados pela PF, piloto e copilotos foram orientados a permanecer em silêncio.

Brasil

O que esperar... dos próximos 4 anos As encruzilhadas em que se meteu o País nas áreas da saúde, educação, segurança e economia, e o que pode acontecer se o cenário não for revertido Izabelle Torres

O Brasil que vai às urnas no dia 26 de outubro, para o segundo turno das eleições presidenciais, viveu mudanças significativas nas últimas décadas. O governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) trouxe a estabilidade da moeda, retirou a inflação dos patamares anuais de três dígitos, que impediam o consumo a prazo e o planejamento das famílias, instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal e criou o embrião de diversos programas sociais. O governo Lula aproveitou os ventos favoráveis da economia para fazer o Brasil deslanchar na área social e virar modelo de combate à extrema pobreza, distribuindo renda e viabilizando a ascensão das classes mais baixas. O sucesso dos oito anos do governo Lula alavancou Dilma Rousseff e a levou para o comando do País sob a expectativa de uma gestão técnica de continuidade. O que se viu, entretanto, foi a construção de um cenário bem diferente do que imaginavam os brasileiros em 2010. O País promissor que despontava como uma potência emergente se meteu em encruzilhadas nos mais importantes setores, estagnando o crescimento e levando a população a níveis de insatisfação, medidos com precisão no resultado do primeiro turno da eleição, quando 58,42% dos eleitores optaram pela oposição ao atual governo. Dessa forma, o PT deixou as urnas mais fragilizado e Dilma seguiu na disputa com o menor índice de um vencedor da primeira fase desde a eleição de 1994.

Um resultado desfavorável não se constrói de uma hora para outra. O governo alterou a política econômica costurada pelos governos anteriores e, em defesa das políticas sociais, descuidou das contas públicas e da inflação e atrapalhou o desempenho da iniciativa privada, inibindo investimentos com medidas intervencionistas. A consequência foi o crescimento médio do PIB de 1,6% ao ano, a inflação superando o teto de 6,5% e o índice de confiança da indústria – que alavanca investimentos – com quedas sucessivas, atingindo redução de 23,8% este ano, segundo cálculo da FGV. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu a previsão de crescimento da economia brasileira para este ano. O diagnóstico do Fundo é que o Brasil freou e vai crescer mero 0,3% em 2014, o que corresponde a 10% da média mundial, de 3,3%. No relatório, o FMI resume o significado desse percentual: "Uma competitividade frágil, baixa confiança dos empresários e condições financeiras mais ajustadas restringem o investimento".

A saúde foi outro nó dos últimos quatro anos. Pesquisas realizadas em junho pelo Instituto Datafolha indicaram que 93% da população está insatisfeita com o setor. Os principais problemas enfrentados incluem filas de espera, falta de acesso aos serviços públicos e má gestão de recursos. De acordo com o estudo, a saúde é apontada como a área de maior importância para 87% dos brasileiros, mas a falta de leitos, de equipamento e de médicos criou situações preocupantes no País. Além das dezenas de demonstrações das falhas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), a pressão de entidades privadas de planos de saúde e indústrias de medicamentos e equipamentos exerce influência cada vez maior nas decisões das instituições públicas. Relação essa, vale lembrar, capitalizada pelos financiamentos de campanhas eleitorais.

Para melhorar os serviços públicos de saúde, o governo do PT lançou o Programa Mais Médicos, com a importação de estrangeiros para áreas isoladas. Essa medida estimulou o debate sobre a qualidade da estrutura pública de saúde nessas localidades, não tendo sido elas beneficiadas pelas tais metas ou promessas de campanha. Em 2010, a presidenta Dilma prometeu, por exemplo, construir 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPA), mas apenas 175 estão funcionando. Apesar das soluções paliativas, o direito universal à saúde ainda é uma realidade distante dos brasileiros. Distância comparável à qualidade da educação pública prometida nos discursos de campanha.

O baixo investimento em educação básica e os salários dos professores, muito aquém das metas pleiteadas pela categoria, são apenas alguns dos ingredientes que tornaram o setor um problema a ser administrado. Em 2010, Dilma prometeu criar seis mil creches e pré-escolas e dez mil quadras esportivas cobertas. No entanto, foram entregues pouco mais de mil creches e 45 quadras. Além disso, embora o acesso às faculdades tenha aumentado durante os governos do PT, 38% dos alunos de nível superior são considerados analfabetos funcionais. O País ocupa ainda a triste posição de líder no ranking de violência contra professores e o penúltimo lugar do mundo na qualidade da educação pública.

A desaprovação ao governo de parte majoritária dos eleitores no primeiro turno pode ser explicada ainda por outros dois problemas cruciais enfrentados pelo País: a corrupção e o aumento da violência. Foi durante os governos petistas que brotaram escândalos como o mensalão e os desvios bilionários de contratos da Petrobras. Diante de cifras desviadas e de caciques partidários condenados à cadeia, ficou difícil desvincular-se dos malfeitos. "Se somarmos a esse cenário um crescimento estagnado e a queda do poder de compra, será possível compreender a falta de apoio ao atual governo", avalia David Fleisher, da UnB.

Na área de segurança pública, existe um outro enrosco. Os números mais recentes sobre o setor mostrados no estudo do Mapa da Violência 2014 apontam que, em 2012, 154 pessoas morreram, em média, por dia no Brasil. No total, foram 56.337 pessoas que perderam a vida assassinadas no ano — 7% a mais do que em 2011. O estudo que analisou a última década registra aumento de 13,4% da violência no período, enquanto o crescimento da população ficou em 11,1%. Os índices brasileiros ultrapassam as mortes registradas nos mais sangrentos conflitos armados do mundo.

Diante da crise de segurança, não faltam contra-argumentos do governo sobre o aumento dos investimentos na área e os esforços com o lançamento de programas voltados a combater a violência. A questão que se apresenta como

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um grande imbróglio na segurança pública são as cifras de investimentos. O governo federal participa com apenas 13% do financiamento da segurança pública, cabendo aos Estados e municípios arcar com os outros 87% do que deveria ser gasto. Sem recursos, os Estados alegam que não há o que fazer e o jogo de empurra faz com que o País ostente índices acima dos países em guerra civil. Nos últimos quatro anos, foram liberados apenas 10,5% dos recursos previstos no Fundo Penitenciário Nacional, que devem ser usados para ampliar a estrutura das penitenciárias.

Diante de números e fatos que desmentem as mais mirabolantes promessas de campanha eleitoral, o questionamento que se impõe é o que pode acontecer com o Brasil se tudo continuar como está. O próximo presidente assume um país com manobras fiscais evidentes e inegáveis, o que dificulta o desenho do real cenário financeiro das contas públicas. O Brasil acumulou o quarto déficit mensal seguido em agosto. Os gastos superaram a arrecadação em R$ 10 bilhões. Mesmo assim, o governo afirma que as análises sobre os gastos descontrolados são eleitoreiras e que o discurso de que é preciso fazer ajustes no próximo ano, que obrigaria a próxima administração a reduzir despesas, não possui base técnica. A presidenta Dilma diz que não pretende realizar nenhum choque fiscal, embora especialistas digam que, se isso não acontecer, o País pode quebrar de vez.

Na lista dos gastos descontrolados está ainda o déficit da previdência, próximo de 7,5% do PIB. Especialistas concordam que se não houver controle dessa conta poderá faltar recursos para financiar os gastos com setores vitais como saúde e educação. Além disso, reajustes de energia elétrica e gasolina estão represados para não aumentar ainda mais a inflação em ano eleitoral. Essa realidade terá de ser enfrentada no próximo ano. O cientista político brasileiro Bruno Hoepers, da Universidade de Pittsburgh, ressalta que a manutenção das diretrizes do atual governo ainda guardam outro problema: as alianças no Congresso para obter o mínimo de governabilidade. "O grande desafio será gerenciar melhor a coalizão, o que implica distribuir de forma mais equitativa as pastas ministeriais e cargos na burocracia federal entre os partidos aliados", afirma. Na opinião de Hoepers, essa tarefa será mais desafiadora em um eventual segundo mandato de Dilma, uma vez que seu partido, o PT, terá menos cadeiras na Câmara do que tem hoje. A situação ainda será agravada pelas negociações que terão de ser feitas com 28 partidos, número de legendas da próxima legislatura. Atualmente, são 22 partidos na Câmara.

Se Dilma for reeleita, por certo a inflação permanecerá nos atuais patamares, já que a própria presidenta defende que a perseguição de uma meta mais austera pode significar o aumento do desemprego. É justamente o que o PT promete evitar. Embora receba críticas de diversos setores, o atual governo não dá sinais de que pretende mudar sua política econômica. Pelo contrário, integrantes da equipe de reeleição dizem que a orientação em um eventual segundo mandato será o de continuar a perseguir índices inflacionários próximos a 6%, como ocorre desde 2011. Aécio Neves, candidato do PSDB, defende justamente o oposto. Acredita que é preciso trazer a inflação para o centro da meta e que durante seu mandato o ideal seria atingir índice de 3%, que é a meta semelhante a países como o Chile. Na prática, esses números complexos e a discussão de metas e índices representam para os brasileiros os valores do custo de vida. Quanto menor o índice, menos será preciso gastar para consumir.

Para o economista da UnB Flavio Basílio, o Brasil passa por um momento de transição, no qual a estratégia de crescimento sustentado no aumento do crédito e dos salários acima da produtividade, ambos estimulando o consumo, mostra sinais de esgotamento. Isso significa que o crescimento futuro da economia brasileira depende, mais do que nunca, da ampliação dos investimentos produtivos, do aumento da competitividade da indústria de transformação e, por consequência, da retomada da confiança do empresariado.

O risco, segundo o especialista, se as coisas continuarem no mesmo caminho, é de o País perder o grau de investimento nos próximos anos. "Com uma inflação próxima do teto da meta de 6,5% ao ano e com crescente ampliação do déficit em transações correntes, é importante que o próximo governo promova um ajuste fiscal para auxiliar a política monetária no combate à inflação e assegurar a manutenção do poder de compra dos trabalhadores e o grau de investimento do Brasil", diz Basílio. "Sem o ajuste, o risco de o país perder o grau de investimento nos próximos anos é real", afirma. Na opinião do professor, essa perda poderia ocorrer justamente quando o Banco Central americano subisse os juros, o que provocaria fuga de capitais do Brasil com consequências inflacionárias e com repercussões negativas sobre a estabilidade da economia.

Brasil

Onda a favor O candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, larga na frente nas pesquisas e amplia os palanques para o segundo turno, reforçando-se para a derradeira disputa contra Dilma Rousseff Ludmilla Amaral

Nos primeiros dias após o primeiro turno da disputa presidencial, os eleitores parecem ter se movido numa velocidade maior que a de seus líderes. Um exemplo desse descompasso está em Marina Silva, candidata terceira colocada pelo PSB que conquistou mais de 20 milhões de votos. Até o final da semana, ela não havia definido a forma como pretende apoiar a candidatura de Aécio Neves (PSDB) na segunda etapa da eleição, embora já tivesse sinalizado que não irá marchar ao lado de Dilma Rousseff (PT). Mas as pesquisas já mostravam uma migração de seus eleitores para a candidatura de Aécio. Tanto no Ibope, como no Datafolha, o candidato tucano apareceu à frente da concorrente petista: 46% a 44%. No QG de campanha de Aécio, o resultado foi recebido em tom de euforia. A imprevisibilidade que tem marcado esta eleição presidencial recomenda prudência nos prognósticos, mas reza a tradição eleitoral brasileira que quem larga na frente no segundo turno da disputa presidencial, em geral, vence. Desde a redemocratização, a lógica se cumpriu. Essa constatação impregnou a campanha tucana de otimismo, mas as boas-novas não pararam por aí para o candidato que era dado como carta fora do baralho no primeiro turno e protagonizou uma das maiores viradas

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eleitorais da história recente – pulou de 19% para 33,5% em duas semanas. Durante os últimos dias, Aécio ampliou seu o leque de apoios no segundo turno. Em apenas uma semana, os tucanos foram reforçados pelo PSB, PV, PSC e PPS. Não quer dizer que os votos recebidos por essas legendas no primeiro turno serão transferidos automaticamente para Aécio, mas numa disputa parelha como a atual, a abertura de novos palanques pode fazer muita diferença no final.

O gesto mais emblemático foi o do PSB. Aliado histórico do PT, o PSB optou por tomar um caminho oposto ao que vinha seguindo antes de romper com o governo no ano passado. Na quarta-feira 8, o partido declarou apoio à candidatura de Aécio Neves após reunião da executiva nacional, em Brasília. A decisão guarda relação com a campanha eleitoral de Dilma, a qual os dirigentes consideraram "caluniosa" contra a candidatura de Marina e Beto Albuquerque. Dos 29 integrantes que compareceram à reunião, 21 votaram a favor de Aécio, sete indicaram neutralidade e apenas um votou pelo apoio a Dilma Rousseff. Beto Albuquerque, ex-candidato a vice de Marina, já apostava nessa decisão tomada pela legenda. Ele, inclusive, telefonou ao tucano na terça-feira 7, quando Aécio estava em seu primeiro evento de campanha após a apuração dos votos. "Ver defeitos nos outros é um costume do PT. Sua conduta na campanha no primeiro turno foi uma conduta lacerdista de esquerda, que só soube nos ofender, mentir e nos caluniar desde o início", disse.

O PPS, de Roberto Freire, que estava coligado com o PSB, também assegurou presença na campanha de Aécio. "Nós temos que estar juntos com a candidatura de Aécio para combater o lulopetismo", declarou Freire na terça-feira 7. O mesmo caminho foi seguido pelos ex-candidatos Pastor Everaldo (PSC) e Eduardo Jorge (PV). Em Pernambuco, Aécio também ampliou apoios. No Estado em que registrou o pior desempenho (6% dos votos), o tucano reforçará a campanha com os familiares de Eduardo Campos, herdeiros políticos do chamado Eduardismo, novo fenômeno estadual que conduziu Paulo Câmara ao triunfo no primeiro turno na disputa ao governo. No sábado 11, o tucano estará no Recife, onde se encontrará com a viúva de Eduardo, Renata Campos.

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A retomada do terrorismo eleitoral Campanha de Dilma inicia o segundo turno como terminou o primeiro: espalhando o medo para tentar desconstruir seus adversários

No primeiro turno da disputa presidencial, o PT e sua candidata Dilma Rousseff partiram para um aético vale-tudo para desconstruir a candidatura de Marina Silva (PSB). Na última semana, a presidenta e seu partido mostraram que agora a mesma receita será usada contra o tucano Aécio Neves, repetindo nos palanques e em seus programas de rádio e tevê o terrorismo eleitoral que recorre a mentiras e à manipulação dos fatos. Na quarta-feira 8, em comício no Piauí, Dilma disse que a volta do PSDB ao governo representa o fim do Bolsa Família e de todas as conquistas sociais obtidas nos últimos 12 anos. "Nós fizemos o Bolsa Família, construímos o Bolsa Família. Vem uma pessoa agora falar que vão fazer melhor o Bolsa Família, por que não fizeram antes?" No mesmo evento, realizado em um centro de convenções de Teresina, a petista afirmou que os tucanos também pretendem acabar com o Programa Mais Médicos e com o Minha Casa Minha Vida. São temas que amedrontam o eleitor, mas que não encontram respaldo na realidade. Antes mesmo de começar a campanha eleitoral, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) apresentou projeto no Congresso Nacional que torna o Bolsa Família obrigatório por lei, deixando de ser um programa de governo para ser um programa de Estado. Portanto, não é verdadeira a afirmação de que uma provável vitória do tucano irá decretar o final do Bolsa Família. Dilma também esconde que o Bolsa Família, embora com números bem mais acanhados do que os atuais, teve origem no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e foi iniciado com os cadastros elaborados na gestão do PSDB.

Sobre o Mais Médicos e o Minha Casa Minha Vida, Aécio também já se manifestou publicamente. Disse que irá manter o programa habitacional e direcioná-lo para famílias com renda de até três salários mínimos. E quanto ao Mais Médicos, assegurou que irá mantê-lo, porém, com algumas modificações, principalmente em relação ao acordo feito com Cuba, cujo governo fica com boa parte do que deveria ser pago aos médicos. As mentiras disparadas visando atingir o PSDB começaram logo depois de conhecido o resultado do primeiro turno. Em uma sequência de mensagens postadas no Twitter, Dilma faz menção ao governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e afirma que "o povo brasileiro não quer de volta aqueles que trouxeram o racionamento de energia". O que a campanha da presidenta não informa é que um levantamento feito pelo Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) revela que de janeiro de 2011, quando Dilma assumiu o governo, até fevereiro deste ano, o País registrou 181 apagões, sendo dez de grandes proporções. O último deles, em 4 de fevereiro, deixou mais de seis milhões de pessoas sem energia em 11 Estados. "A partir de 2001, já no fim do governo de FHC ficou evidente que o Brasil precisaria expandir o sistema de geração hidroelétrica, mas os governos do PT nada fizeram nesse sentido e estamos atuando sempre no limite", afirma o físico José Goldemberg. Em outra mensagem postada no Twitter, os petistas afirmam que vão "melhorar a economia, mas sem desempregar ou fazer arrocho salarial". O que eles não dizem é que foram nos últimos quatro anos, durante a gestão de Dilma, que a economia brasileira passou a acumular indicadores preocupantes, alta de inflação e crescimento pífio, o que efetivamente ameaça empregos e compromete o futuro. A petista também atenta contra os fatos quando diz que o PSDB "quebrou o País três vezes". Não é verdade. O Brasil só declarou moratória em 1987, quando o ex-presidente José Sarney suspendeu o pagamento de uma dívida que superava os US$ 10 bilhões. Com FHC, em momento de crise internacional, o País recorreu a empréstimos no FMI – um deles feito a pedido do ex-presidente Lula que iria assumir o governo em janeiro de 2003.

"O terrorismo tem o objetivo de suscitar um sentimento de medo permanente na sociedade. Não tem limites ideológicos, religiosos ou étnicos e normalmente é usado para enfraquecer um inimigo político", diz Renato Cancian, mestre em sociologia política. Mesmo no PT, há líderes que condenam fortemente a prática que vem sendo adotada pela

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campanha de Dilma. Um deles é o governador eleito de Minas, Fernando Pimentel. "Acredito que fazer uma campanha de ataques pode trazer um resultado contrário ao desejado", afirmou Pimentel na segunda-feira 6. O mesmo tem dito Jaques Wagner, que conseguiu eleger seu sucessor para o governo da Bahia ainda no primeiro turno.

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O país é um só Por que o discurso do "nós contra eles" que pretende dividir a população brasileira empobrece o debate e representa um retrocesso para a sociedade Josie Jerônimo

Nas últimas campanhas eleitorais, o PT desenvolveu uma prática nem um pouco republicana ao tentar dividir o eleitor brasileiro entre os de primeira e os de segunda categoria, como se poder aquisitivo ou Estado natal pudessem ter pesos diferentes na hora do voto. Essa simplificação grosseira está longe de refletir a complexa organização social do Brasil, empobrece a discussão sobre os problemas nacionais e menospreza um dos principais atributos do País: a sua unidade.

O recrudescimento desse discurso se deu durante o primeiro mandato de Lula, quando os petistas se viram ameaçados pelas denúncias do mensalão. Acuados pelas acusações, os petistas apostaram no discurso divisionista para não perder a eleição. Deu certo. Em 2006, Lula ganhou do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e, quatro anos depois, Dilma despachou o ex-ministro da Saúde José Serra. Nas duas ocasiões, prevaleceu o discurso das "elites" contra o "povo", uma transposição para a realidade atual da velha luta de classes identificada por Karl Marx.

Ao lançar mão dessa estratégia, os petistas tentam carimbar a oposição como inimiga das conquistas da população, como se eles fossem os únicos na história a formular políticas que beneficiaram o povo. A releitura da luta de classes, porém, não corresponde ao conceito concebido por Karl Marx, segundo avaliação do sociólogo e pesquisador da Unicamp Daniel Martins. O estudioso afirma que o PT se apropriou de outro fenômeno para confrontar o PSDB no ambiente político. "No Brasil existe preconceito de classe, de regiões. O PT se apropriou de manifestações de preconceitos e criou esse discurso. Mas existem inconsistências", afirma Martins. Ele lembra, por exemplo, que entre os apoiadores do PT está a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), presidente da CNA. "Não faz sentido essa retórica que distorce o debate", lamenta. De fato, levada para as ruas, essa divisão entre uma legenda dos ricos e outra dos pobres, uma agremiação que defende os interesses do Sul e outra que representa o Norte pouco acrescenta ao eleitor interessado em conhecer as propostas dos candidatos e contribui para um racha inconcebível na sociedade brasileira.

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Muito longe das jornadas de junho Eleição para o Congresso forma bancadas cujas bandeiras estão na contramão das manifestações que tomaram as ruas no ano passado. Nova correlação de forças fortalece figuras e práticas condenadas pela população Alan Rodrigues

As eleições deste ano encerraram o último capítulo de um enredo iniciado a partir das manifestações que levaram

milhares de pessoas às principais avenidas do País, em junho de 2013. O desfecho, no entanto, passou ao largo dos ecos das ruas. Durante as jornadas de junho, se convencionou que a população bradava contra os partidos, a polarização e um sistema político que estimulava o toma lá dá cá por verbas e cargos na administração pública. O alvo da ira dos manifestantes foi tudo o que as urnas chancelaram neste primeiro turno. As eleições presidenciais levaram para o segundo turno os dois partidos hegemônicos da política nacional nos últimos 20 anos, PT e PSDB. No pleito para o Congresso, o eleitor não só manteve a necessidade da negociação no varejo político, fragmentando o Parlamento que a partir do próximo ano terá 28 partidos representados, como impulsionou bancadas cujas bandeiras estão na contramão das manifestações populares de junho, como as chamadas bancadas da bala, a evangélica e a ruralista. "Isso é produto da alienação. Quem foi para a rua, em grande medida, foi pedindo mudanças. Mas sem ter uma liderança capaz de direcionar e coordenar (o movimento). Era "contra tudo o que está aí"", lamenta o diretor do Diap, Antônio Augusto Queiroz. "O novo Congresso é, seguramente, o mais conservador desde a redemocratização", afirma.

No Legislativo que toma posse em fevereiro de 2015, emergem ou ganham força figuras que representam a velha política. Aos 56 anos de idade, 25 deles na política, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi reeleito com 232.708 votos e já tem no horizonte uma nova disputa. Embora não goste de falar no assunto, o líder da bancada do PMDB é a aposta do partido para ocupar a presidência da Câmara em 2015, quando inicia o quarto mandato federal.

Cunha foi o terceiro deputado mais votado do Estado e o campeão de votos do PMDB. Na noite do domingo 5, comemorou: "Aumentou o número dos meus patrões", como se refere aos eleitores. "Tenho um forte eleitorado evangélico, que não me faltou. Mas perdi muitos votos para o Bolsonaro", calcula. Jair Bolsonaro (PP) foi o deputado mais votado do Rio, com 464.572 votos.

Suas principais bandeiras são a luta contra o aborto, contra o casamento gay e contra a legalização das drogas. "Há um segmento conservador que, ao vê-lo combatendo figuras mais progressistas, se identifica", reconhece o cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael. Fiel da igreja Sara Nossa Terra, Cunha mistura, nas redes sociais, a publicação de propostas e salmos na mesma medida. Na mesma toada do proselitismo religioso, o pastor Marcos Feliciano foi reeleito por São Paulo com quase 400 mil votos, o dobro do que ele obteve na eleição anterior. Nas

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manifestações do ano passado, de norte a sul do País, uma das principais bandeiras do protesto era "Fora, Feliciano", o parlamentar que foi acusado de homofobia quando chegou à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara (CDHM). "A cada eleição há uma piora na qualidade da representação. Isso é muito triste, revoltante e acaba comprometendo a própria democracia. Demos um passo inacreditável para trás na representação da Câmara dos Deputados nesta eleição", afirma a deputada federal Luíza Erundina, reeleita.

Dos 513 parlamentares da Câmara, somente 43,58% dos mandatos foram renovados. A contabilidade eleitoral mostra que apenas 198 deputados federais são, de fato, novatos. Esse percentual é menor do que o verificado em 2010, que chegou a 46,4%. "Falta educação política", entende Queiroz. A nova radiografia do Parlamento significa que o próximo presidente, seja Aécio (PSDB), seja Dilma (PT) deverá enfrentar dificuldades para aprovar propostas no Parlamento. A governabilidade ficará mais difícil. As negociações com cada um dos 28 partidos, mais complicadas. E as pressões por espaço num futuro governo, maiores. Mais uma vez, a velha e carcomida estrutura política brasileira se impôs sobre os clamores das ruas.

Chegou a hora da reforma política Será que o abalo sísmico provocado por Youssef e Costa servirá para mudar o nosso sistema? Leonardo Attuch

Eis o Brasil, mais uma vez, diante de um escândalo de financiamento irregular de campanhas políticas. Agora,

tendo como foco a maior empresa do País, a Petrobras. Segundo afirmou o ex-diretor Paulo Roberto Costa, em sua delação premiada, formou-se um cartel de empreiteiras, que, em vez de disputar obras brigando para oferecer o menor preço e o melhor serviço, faziam conluios entre si. Os agentes públicos, que deveriam coibir a prática, a estimulavam. Especialmente porque recolhiam vantagens pessoais e políticas. Segundo afirmou o doleiro Alberto Youssef, a partilha era feita da seguinte forma: 60% para os políticos, 30% para o “dr. Paulo Roberto” e 10% para os operadores, como ele, Youssef, e o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu.

O “cartel das empreiteiras” evoca outro caso recente: o do “cartel do metrô de São Paulo”, onde gigantes internacionais, como Siemens, Alstom e Bombardier, também faziam acertos que tinham como consequência aquisições superfaturadas de trens e propinas políticas. A mesma lógica, mas com personagens diferentes.

De um lado, PT, PP e PMDB. De outro, PSDB e seus aliados. Os dois casos mostram que o sistema político brasileiro apodreceu. As campanhas políticas, dominadas pelo marketing eleitoral, são excessivamente caras e a proliferação de partidos favorece o balcão de negócios. Embora não exista o financiamento público de campanhas, ele predomina, mas de forma velada. No fim das contas, são empresas estatais que acabam arcando com o custo dessa farra. A consequência atinge diretamente a economia. Com licitações arranjadas, o Brasil se afasta de um regime competitivo e se torna refém de um capitalismo de Estado, onde as boas relações se tornam mais importantes para os empresários do que aspectos propriamente qualitativos de suas empresas. E isso está na raiz de obras caras, atrasadas e dos serviços de má qualidade.

Punir os responsáveis pela corrupção, quando descoberta, é apenas parte do problema. A solução definitiva passa por reformas institucionais. Por isso mesmo, é inadiável a reforma política, que deveria ser o compromisso inicial dos dois postulantes à Presidência da República. Uma reforma que contemple o financiamento público de campanhas, que já teria vingado no Supremo Tribunal Federal, não fosse o pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes, e a adoção de medidas para limitar o número de partidos e o custo das campanhas, como a adoção de listas e do voto distrital misto.

Enquanto nada for feito, ficaremos à espera do próximo escândalo.

Comportamento

Estado de violência O que está acontecendo em Santa Catarina, que em apenas três semanas registrou 99 atentados, mesmo com a presença da Força Nacional de Segurança

A onda de violência que tomou conta de Santa Catarina nas últimas semanas aterroriza os moradores do Estado, que estão sitiados. Apesar do reforço da Força Nacional de Segurança desde o sábado 4, que garantiu tranquilidade durante as eleições, novos ataques foram registrados nos dias seguintes à votação. Na madrugada da terça-feira 7, houve cinco ocorrências. Em Blumenau, um coquetel molotov destruiu um caminhão estacionado numa via pública e em Laguna, um veículo de passeio foi incendiado. Já em Chapecó, criminosos atearam fogo a uma sala da creche pública Jardim do Lago, enquanto nos municípios de Monte Alegre e Tubarão casas de policiais foram alvejadas. Ao todo, até a sexta-feira 10, a Polícia Militar catarinense contabilizava 99 ocorrências em 32 cidades. Três pessoas foram mortas durante as ofensivas – dois suspeitos de cometerem crimes e um ex-agente penitenciário, assassinado em Criciúma.

Os ataques a ônibus, escolas, instalações públicas e casas de policiais tiveram início há três semanas, na sexta-feira 26. Segundo investigações da Polícia Militar, a ordem para as ações partiu de líderes de facções criminosas, entre elas o PGC (Primeiro Grupo Catarinense) – organização aos moldes do PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, detidos em penitenciárias de Santa Catarina. Para conter os ataques, a Força Nacional de Segurança deslocou mais de 40 soldados para o Estado e transferiu 21 presidiários identificados como mandantes dos crimes para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Na quarta-feira 8, os militares, em parceria com a Polícia Rodoviária Federal,

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começaram a instalar bloqueios nas divisas de Santa Catarina com o Paraná e o Rio Grande do Sul, com o objetivo de impedir a entrada de armas, drogas e dinheiro ilegal no Estado. Já a Polícia Militar reduziu as escalas de trabalho dos agentes e colocou nas ruas parte do efetivo que trabalhava no setor administrativo. Até a sexta-feira 10, 52 suspeitos haviam sido presos e 17 menores apreendidos.

Essa não é a primeira vez, entretanto, que a população catarinense sofre com a ação em massa de bandidos. Entre 2012 e 2013, houve mais de 182 atentados criminosos em 54 cidades da região. Na época, o PGC reivindicou a autoria dos ataques e justificou as ações como uma forma de cobrar melhorias no sistema prisional do Estado. Eles alegavam sofrer tortura dentro das penitenciárias. Agora, integrantes de facções criminosas declararam, através de bilhetes e mensagens divulgadas em redes sociais, que os novos ataques são uma resposta às operações da polícia catarinense, que se intensificaram neste ano. "Fizemos um trabalho extraordinário na segurança pública e o que está acontecendo é fruto desse enfrentamento", afirmou o governador reeleito de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD), durante encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na terça-feira 7.

Tanto Colombo, quanto a Polícia Militar catarinense, porém, defendem que a onda de violência está arrefecendo. "Desde a transferência dos presos para Rondônia, já notamos uma diminuição no número de ataques", disse à ISTOÉ a tenente-coronel Claudete Lehmkuhl, chefe de comunicação da PM. "Mas a polícia militar continuará enfrentando a situação com mão forte", disse. É o que esperam os mais de seis milhões de habitantes do Estado com o sexto maior PIB do País.

Comportamento

O brasileiro braço direito do Papa Presidente do Sínodo da Família, em Roma, cardeal Damasceno mostra um discurso em sintonia com Francisco e defende a acolhida dos casais gays Rodrigo Cardoso

A reunião de cerca de 200 bispos e cardeais do mundo todo convocada pelo papa Francisco de forma extraordinária, que acontece no Vaticano desde o domingo 5 até sábado 18, é considerada o evento mais importante desse pontificado. Não é para menos. O Sínodo Extraordinário sobre a Família toca em temas até então espinhosos para a Igreja Católica, como segunda união de fiéis divorciados, união homossexual e métodos contraceptivos, entre outros assuntos. Para estar ao seu lado na condução dos grupos de discussão, polêmicos e antagônicos desde antes de a reunião começar, Bergoglio nomeou três cardeais – e chamou-os de "presidentes". Entre eles, o brasileiro dom Raymundo Damasceno de Assis, 77 anos, arcebispo de Aparecida (SP), presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e membro, até então discreto, da hierarquia católica brasileira, cuja divisão entre progressistas e conservadores é histórica.

Desde que foi visto sentado ao lado do recém-escolhido papa, em 13 de março de 2013, no ônibus que levava os cardeais para a residência-dormitório ao fim do conclave que aclamou o cardeal de Buenos Aires, dom Damasceno está cada vez mais próximo do líder dos católicos. Eles estiveram juntos em algumas ocasiões, como em encontros do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam). Mas a relação se estreitou desde o ano passado. Na visita do papa ao Brasil, ele esteve em Aparecida, diocese de Damasceno. Lá, o cardeal pediu para que Francisco olhasse para a causa do beato jesuíta José de Anchieta, canonizado em abril deste ano. Para especialistas, a Igreja não pode deixar de dar projeção ao Brasil, maior país católico do mundo. Era preciso que um cardeal brasileiro ocupasse uma posição de proa dentro da instituição nesse momento delicado. Uma das reconhecidas capacidades de dom Damasceno é a de estar no lugar e na hora certos. "Ele é prudente, moderado, e foi escolhido por ser o presidente da conferência episcopal católica de maior importância hoje", diz o sociólogo Luiz Alberto Gomes de Souza, diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.

Durante o Sínodo da Família, Francisco pediu que os participantes expusessem os pontos de vista e fossem transparentes. Segundo os vaticanistas, o que está em jogo neste encontro não é a doutrina. O argentino pretende abordar as posturas práticas, adotadas nas paróquias, no corpo a corpo com os fiéis que caminham fora da tradição católica, como os divorciados e gays. Para o sociólogo da religião Francisco Borba, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, de nada adianta permitir, por exemplo, que casados em uma segunda união comunguem se, dentro do templo, eles ouvirem um burburinho ao redor ou se o padre os receber com má vontade. "A acolhida, o amor e o perdão têm de se tornar evidentes. E isso não acontece", diz. "Se der respostas satisfatórias a temas relativos à sexualidade e ao matrimônio de modo que elas sejam absorvidas por autoridades católicas e fiéis, esse Sínodo será histórico."

Ainda não dá para prever se esse encontro resultará em alguma abertura da Igreja – até porque as resoluções só serão divulgadas em uma nova reunião, no ano que vem. Certo é que Bergoglio não é um soldado disposto a evangelizar ou condenar alguém a flechadas de evangelho. Diante desse contexto, posições assumidas por importantes autoridades católicas já acenam, aparentemente, para uma boa vontade em alguns assuntos. Cardeal primaz da Hungria, Peter Erdö, relator do Sínodo a quem Francisco tem em alta conta, afirmou que os divorciados em segunda união fazem parte da Igreja e sugeriu avaliar o modelo da Igreja Ortodoxa, que permite um segundo ou terceiro matrimônios. Estuda-se, ainda, a ideia de facilitar o processo de declaração de nulidade do matrimônio, com a criação de tribunais diocesanos. "Pode haver mais amor cristão em uma união irregular do que em um casal casado pela Igreja", diz o padre jesuíta espanhol Adolfo Nicolas, superior-geral da Companhia de Jesus, ordem do argentino Bergoglio.

Ficou evidente que a prática dos cristãos não se prende à cartilha católica. As respostas dadas ao questionário que o Vaticano enviou às dioceses espalhadas pelo mundo no ano passado, como preparação para esse encontro,

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levaram para dentro da Igreja essa realidade. Se antes as percepções da Santa Sé partiam em grande parte de reflexões teológicas e eclesiásticas, agora, com os dados sociológicos e as respostas dos fiéis sobre a mesa, o confronto com a realidade se tornou inadiável.

Mas alguns continuam resistentes a mudanças. Reunido com seus pares, em Roma, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, reforçou que a Igreja deve se manter fiel ao evangelho. "As posições da Igreja nem sempre podem amoldar-se aos costumes correntes, sobretudo quando neles há contradições com o evangelho de Cristo", diz. "Nesses casos, é a Igreja que convida à conversão e a mudar os costumes." Liderando as discussões, e aparentemente mais sintonizado com as posições do papa Francisco, dom Damasceno afirmou, em discurso introdutório da sessão que discutiu situações familiares difíceis, na quarta-feira 8, que "a Igreja é a casa paterna, que deve acolher uniões homossexuais". Não à toa é o brasileiro mais próximo do papa atualmente.

Medicina e Bem-estar

O Ebola rompe fronteiras Depois de chegar aos EUA e à Espanha, o vírus coloca em teste pela primeira vez o esquema de proteção montado no Brasil Cilene Pereira e Mônica Tarantino

O temor que toma conta do mundo com a proliferação do vírus ebola se tornou mais intenso na semana passada no Brasil. Na quinta-feira 9, o País registrou o primeiro caso suspeito da doença. Trata-se de Souleymane Bah, 47 anos, solteiro, que veio da Guiné – um dos países mais atingidos pela epidemia que assola a África. Ele deixou a capital de seu país, Conacre, no dia 18 de setembro, passou pelo Marrocos e, no dia 19 de setembro desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. De lá, seguiu para a Argentina. Depois foi para Dionísio Cerqueira, em Santa Catarina, onde pediu refúgio político à Polícia Federal. Acabou chegando a Cascavel, no interior do Paraná, onde ficou hospedado em uma casa com mais dois casais. Na tarde da quarta-feira 8, teve febre, tosse e dor de garganta. Procurou ajuda no posto de atendimento básico do município paranense, onde permaneceu em isolamento até ser transferido, na madrugada da sexta-feira 10, para o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, no Rio de Janeiro. A instituição é um dos serviços de referência do País preparados para o atendimento de doenças infecciosas. Na sexta-feira 10, Bah não tinha mais febre e uma suspeita de malária havia sido descartada.

A ocorrência que deixou o País em alerta na verdade é parte da evolução de uma epidemia que, sabia-se desde seu início, não ficaria restrita ao continente africano. Há tempos a Organização Mundial de Saúde vem alertando os países para preparem esquemas de contenção do vírus, já que há intenso tráfego internacional de viajantes registrado hoje pelo mundo. A confirmação de que o cuidado se justifica apareceu quando os Estados Unidos registraram seu primeiro caso de ebola. O liberiano Thomas Duncan, 48 anos, chegou ao País para participar da formatura do filho e acabou morrendo na quarta-feira 8, em Dallas. Na semana passada, foi a vez de a Espanha ter seu primeiro caso. O vírus contaminou a enfermeira Teresa Romero, que havia cuidado do padre Manuel Viejo, infectado na África, transferido para um hospital em Madrid e morto dias depois.

Todos esses casos estão servindo para colocar em xeque os esquemas de proteção montados pelas nações. Nos EUA, ficou patente que ele falhou, e por causa de erros grotescos. Ao sentir-se mal, Eric procurou o hospital e relatou que havia chegado da Libéria, outro país que está no epicentro da epidemia, junto com Serra Leoa. Mas a informação não foi repassada ao médico e o liberiano acabou liberado. Voltou três dias depois, quando a doença se agravou. Na Espanha, ao que parece também houve falha preocupante. A enfermeira teria se infectado depois de tocar o rosto com a mão coberta pela luva com a qual havia manuseado o padre. O episódio mexeu com os profissionais de saúde espanhóis, que exigiram a demissão da ministra da Saúde, Ana Mato.

No Brasil, pelo menos à primeira vista, o atendimento de Souleymane Bah seguiu o que ditam as normas de segurança nestes casos. Ao serem informados da procedência do guineense e de que tivera sintomas, apesar de estar assintomático no momento do exame, ele foi prontamente isolado e uma equipe do Evandro Chagas foi enviada imediatamente ao local. Durante o contato com o paciente, os profissionais usaram as vestimentas indicadas, protegendo corpo e rosto. Seu transporte até o aeroporto de onde seguiu para o Rio de Janeiro foi feito em ambulância do Samu preparada especialmente para isso. O mesmo ocorreu no avião da FAB que o transportou para o Rio de Janeiro. Nele, a tripulação também estava protegida. Já na capital fluminense, foi levado para o Evandro Chagas em ambulância especial.

As amostras de sangue só foram coletadas dentro da instituição carioca, onde havia mais segurança no seu manuseio. Como o previsto, elas foram enviadas para o Pará, a uma unidade do Instituto Evandro Chagas que será a responsável pela análise do material coletado de casos suspeitos – trata-se de um laboratório de nível de segurança 3, o que significa que dispõe de um dos mais seguros sistemas de proteção contra eventuais acidentes no manuseio de vírus e bactérias. Até o início da tarde da sexta-feira 10, tinham sido identificadas 64 pessoas que haviam tido contato com Bah após a manifestação da febre. "Antes do aparecimento dos sintomas não há risco de transmissão", disse Jarbas Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde. Elas serão monitoradas durante 21 dias (período de incubação do vírus), mas eram consideradas de baixo risco.