Nós já fazíamos movimento negro e não sabíamos. Mas, afinal, o que é movimento negro?

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Nós já fazíamos movimento negro e não sabíamos. Mas, afinal, o que é movimento negro? Adomair O. Ogunbiyi militante do Movimento Negro Unificado - MNU Uma pessoa ou grupo de pessoas conscientes de sua condição/origem racial/ étnica não são necessariamente um/a militante e/ou movimento negro. Baba Agba Apresentação O que entendemos, hoje, como movimento negro em seus “aspectos político-ideológicos da conceituação/definição”, está para além daquilo convencionalmente denominado de movimento social, ou seja: “um processo coletivo e comunicativo de protesto, conduzido por indivíduos, contra relações sociais existentes e que afetam um grande número de pessoas”, conforme afirma Karner (1984). Uma definição mais apropriada para mostrar o verdadeiro rosto daquilo que conhecemos como movimento negro no Brasil, pensamos, está em gestação. Nesta exposição visamos apresentar, em duas pequenas histórias e em um curto texto teórico, como víamos e vivíamos o movimento negro na década de 70, e sugerimos como este movimento pode ser pensado para se desenvolver sem as atribulações vividas na atualidade. Muitos setores, certamente, irão contestar, porém, democracia é isto mesmo. Outros dirão, jocosamente, que o movimento negro acabará se se restringir a uma proposta de delimitação de área. No entanto, a história nos mostra que o movimento negro sempre conseguiu superar-se mesmo a despeito das adversidades, ou seja: os obstáculos. Diante da realidade em que vivemos tão tumultuadas, urge uma necessidade de se conceituar, mais corretamente, o que é realmente movimento negro, como um fator protetor, devido ao surgimento de inúmeras formas híbridas de organizações não 1

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Nós já fazíamos movimento negro e não sabíamos. Mas, afinal, o que é movimento negro?

Adomair O. Ogunbiyi

militante do Movimento Negro Unificado - MNU Uma pessoa ou grupo de pessoas conscientes de sua condição/origem racial/ étnica não são necessariamente um/a militante e/ou movimento negro.

Baba Agba

Apresentação

O que entendemos, hoje, como movimento negro em seus “aspectospolítico-ideológicos da conceituação/definição”, está para alémdaquilo convencionalmente denominado de movimento social, ouseja: “um processo coletivo e comunicativo de protesto,conduzido por indivíduos, contra relações sociais existentes eque afetam um grande número de pessoas”, conforme afirma Karner(1984). Uma definição mais apropriada para mostrar overdadeiro rosto daquilo que conhecemos como movimento negro noBrasil, pensamos, está em gestação.Nesta exposição visamos apresentar, em duas pequenas históriase em um curto texto teórico, como víamos e vivíamos o movimentonegro na década de 70, e sugerimos como este movimento pode serpensado para se desenvolver sem as atribulações vividas naatualidade. Muitos setores, certamente, irão contestar, porém, democracia éisto mesmo. Outros dirão, jocosamente, que o movimento negroacabará se se restringir a uma proposta de delimitação de área.No entanto, a história nos mostra que o movimento negro sempreconseguiu superar-se mesmo a despeito das adversidades, ouseja: os obstáculos. Diante da realidade em que vivemos tão tumultuadas, urge umanecessidade de se conceituar, mais corretamente, o que érealmente movimento negro, como um fator protetor, devido aosurgimento de inúmeras formas híbridas de organizações não

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governamentais e, somando-se a estas, aquelas governamentais,de partidos políticos, das igrejas, das mesquitas, sindicais eoutras que lidam com a questão racial, que se autodenominam“movimento negro”, sem nunca terem sido. Ao lado destas, há odescrédito causado por pessoas despreparadas sem nenhumreferencial e/ou representatividade na luta contra o racismoque, em ocasiões especiais, são pinçadas pela mídia – que nãonos respeita - para falar sobre a questão racial, emitindoopiniões do senso comum que nos colocam em situaçõesconstrangedoras, senão ridículas. Estes fatores tem prejudicadosobremaneira a credibilidade conquistada à duras penas pelomovimento negro. Se, contudo, apontamos as mazelas geradas através da falta deuma definição como um fator de risco, e indicamos como fatoresde desenvolvimento a identificação de quem é quem, e o que nãoé movimento negro, não objetivamos tirar o mérito dos trabalhosrealizados, muito menos tentar diminuir a importância destasformas organizativas.A diversidade pode significar riqueza quando a inter-relação éeqüitativa, solidária e respeitosa. Entendemos, sim, que delimitadas as áreas e estabelecidos ospapéis de cada uma, facilitar-se-á as formas e normas para queem futuras alianças se possam implementar, respeitando-se asparticularidades e/ou especificidades próprias, melhor combateao racismo na sociedade brasileira.

Introdução A força da causa negra e o seu poder de abalar a estrutura social da naçãoprovêm do fato de que na luta do negro todas as questões dos direitos humanos erelações entre os seres humanos são levantadas. James Boggs Segundo alguns historiadores, nos navios comandados por

Cabral, em 1500, quando da posse desse país por Portugal, haviaseis negros/as, a bordo. Portanto, mesmo que de maneiradissimulada, pois se encontravam subjugados à condição de

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escravizados, estavam fazendo movimento negro, pois traziamconsigo usos e costumes com quais se contrapunham às relaçõessociais e raciais existentes.

Organizações e formas organizativas negras existiram eresistem ao longo dos tempos, no Brasil, tais como: osquilombos, espraiados de norte a sul, de leste a oeste. E,estão simbolizados no Quilombo de Palmares. Organizaçõessecretas, masculinas, como Ogboni e, femininas, como Gelede,ambas de origem Yoruba. Podemos enumerar, ainda, algumas como:O Clarim d’Alvorada (1924) a Frente Negra Brasileira (1931), oTEN – Teatro Experimental do Negro (1944) 1, AssociaçãoCultural do Negro (1954), nas décadas de 70 e 80: o CECAN –Centro de Cultura e Arte Negra, o Árvore das Palavras - jornaldistribuído no Viaduto do Chá, em S. Paulo, FEABESP – Federaçãode Entidades Afro-brasileiras do Estado de São Paulo, MovimentoNegro Unificado- MNU, Quilombhoje – Grupo Literário, FECONEZU –Festival Comunitário Negro Zumbi, Grupo Negro da PUC, CENESP –Coordenação Estadual de Entidades Negras do Estado de SãoPaulo.

Neste mesmo período, outras formas organizativas, anônimas,caminhavam paralelamente a esta movimentação autonomamente esem ligações político-ideológicas e realizavam, também, suasatividades com as quais resgatavam a identidade étnico-racial econtribuíam para tornar resilientes, ou seja: resistentes àsmazelas geradas pelo racismo e suas manifestaçõespreconceituosas e discriminatórias, as pessoas que ascompunham, assim como de suas famílias.

1 Abdias do Nascimento faz importante relato em “Reflexões sobre o Movimento Negro no Brasil, 1938-97”, texto editado pela Thoth, N.º 3. Set/ dez 1997.

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Itan kini 2

Nos anos 70, do século e milênio passados o Movimento Hippie jáhavia diminuído, mais alguns dos seus ideais ainda viviam paraalém dos partidos ecologistas e nos movimentos New Age.Remanescentes do Movimento Hippie ainda faziam “tipo”espalhados nas concentrações pela Praça da República, em SãoPaulo, principalmente, nos finais de semana de onde saiam rumoao Embú-das-Artes. Misturavam-se artistas plásticos como MoisésFelix Fagundes – conhecido pelos belíssimos quadros com cavalose sua amiga Míriam, que expunham suas obras artísticas, emuma alameda no lado leste da praça. Lá encontrava-se, também,Moacir Samba Paz – desenhista, exótico em seus quase doismetros de altura, esguio, vestido com um jeans surrado, ponchechileno multicolor, sandálias de tiras de couro cru nos pés etendo a bela cabeça encimada por um sombreiro mexicano develudo preto enfeitado com lantejoulas coloridas. Fazia pontona parte sudeste da praça, em banco de cimento, em frente à H.Stern que situava-se do outro lado do seguimento da AvenidaIpiranga, na praça. Ao seu lado, seguindo para a direita epara a esquerda estavam vários/as expositores de obrasartesanais. A praça era um burburinho enorme, com pessoas indode um lado para outro. Múltiplas cores enfeitavam os domingose demais dias da semana, aos sons improvisados de violões,flautas, cantos de pássaros e vozes entremeados aos ruídos dosautomóveis e ônibus. Odores dos mais diversos pairavam pelo ar.Eram odores de gente e perfumes de flores, assim como dosincensos misturados à fuligem expelidas pelos carros, na praçatoda arborizada. Neste clima juntavam-se ao Moacir, o AntônioJorge – mineiro, “lusco-fusco” devido herança da mistura dasraças, meia estatura que “mangava” durante o dia e à noitetentava fazer um bico tocando violão e cantando em boates daGaleria Metrópoles; Beethoven – um jovem negro, altura mediana,cabelo estilo Black Power, muito inteligente, educado no trataras pessoas e muito ativo e, Dobby Doock – um "mix" de sonhadorpretenso responsável, desempregado, com mil coisasdesencontradas na cabeça e à procura de um rumo na vida. Era

2 Itan kini: significa primeira história, em Yoruba.

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magro, tinha um metro e sessenta e cinco centímetros de altura.Negro, porém, pouco pigmentado. Usava cabelo com corte Black,mas baixinho. Gostava de portar um insignificante e ralocavanhaque adornando o queixo. Vestia-se quase sempre com umacalça de brim listada, toda justa, com boca de sino, camisaazul-clara de manga curta e jaqueta de camurça marrom.Questionava muitos valores, porém conservava alguns outros quejovens da sua idade consideravam-nos que “estavam por fora”,antiquados. Dentre eles, o de ser muito preocupado com afamília. Transitava na Praça, também, após a procura diária porum emprego em recortes de jornais e/ou na Gelre, na rua a 24 deMaio. Levava para lá, para a praça, todas as vicissitudes de umjovem negro da periferia. Os quatro formavam um pequeno grupode amigos que se reuniam, durante a semana, na Praça daRepública pela manhã, e próximo ao meio-dia iam fazer ponto noLargo do Paissandú, junto da estátua da Mãe “Preta”, ao lado daIgreja do Rosário, onde Moacir levantava uma graninhadesenhando pessoas. Moacir apesar de ter preferências pelasjovens negras não resistia às investidas das moçoilas brancasque babavam ao vê-lo, em sua bela estampa, desenhando váriosmotivos, sobressaindo entre eles aqueles onde retratava negrose negras em rodas de samba. Talvez fosse o mais velho da turma,contudo trazia consigo aquela marca da maioria negra: a idadeera indefinida. Sei lá, talvez tivesse uns 23 anos de idade.Era a referência. Os três se reuniam em torno dele,levantando uns trocados para um lanche e a passagem de ônibus,recrutando pessoas para o “Môa” desenhá-las. Quando nãoconseguiam nada, iam mangar, pedir dinheiro, aos transeuntes oumotoristas de carros, nos semáforos Ipiranga com a São João ouda Ipiranga com a Avenida São Luís. Conviviam com pessoas comBélsiva, poeta que os tocava com a pureza de seus versos quandodizia: “Irmão, bate os atabaques. Bate, bate, bate forte. Bate que a arte é nossa”.Todos aplaudiam freneticamente.Se autodenominavam “Mendigos Intelectuais”, pois os chamadoshippies, em sua maioria, filhos da classe média da época,formavam seus grupos totalmente brancos, deixando-os semprefora das suas atividades. Desta forma, procuraram umadenominação que os identificassem e os diferenciasse dos

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chamados “hippies” que os discriminavam. Percebiam que o lema:“Paz e amor”, apregoado pelo movimento hippie, tinha uma cor. Acor da raça/etnia “branca”. Então, a diferença passa “sermanipulada como fator de coesão”. Esta percepção, subjetiva,talvez fosse resultado da origem dos membros do grupo, poistodos eram negros e oriundos de bairros da periferia. Um era dazona norte, outro da zona leste, o terceiro era um nômade queignorávamos onde morava e, por último, havia o que era migradode periferias de Belo Horizonte, Minas Gerais. Tinham as mesmasafinidades no gosto musical, nos/as ídolos, heróis/heroínas,nos livros e mantinham entre suas relações uma maioria negra.O grupo era solidário com artistas negros, indicando suas obraspara as pessoas que visitavam a praça. Se protegiam e protegiamoutras pessoas negras. O grupo surgira da cumplicidade deolhares e, talvez, quem sabe, da história de cada um. Um dia ogrupo se se desfez como a garoa que já não mais existe em SãoPaulo.

Itan kiji3

Dobby Doock, era da zona leste, morava na Vila Carrão, naCapital de São Paulo. Casado, naquele período, pai de trêscrianças que tinham os seguintes nomes: Sidnei – inspirado emno ator Sidney Poitier; Beethoven - devido gostar da 9ªSinfonia de Beethoven, do qual mais tarde vem saber que, ele, ogrande maestro, tinha uma ascendência negra. O outro motivo eraa amizade ao amigo “Mendigo Intelectual”, Beethoven, que tinhao mesmo nome; e, Veruska – referência a uma música de JorgeBen. Freqüentava desde cedo, na rua Astarte, a casa da “Vó”,Dona Maria José, onde eram realizadas negras festas, de SãoJoão e no final do ano. Nestas festas familiares participavam,também, aquelas pessoas que “eram como se fossem da família”.Ele era um desses. E entre tantas pessoas, gente do Jardim SãoLuís em Santo Amaro, na zona sul, Perdizes, zona oeste, VilaCarrão, Vila Dalila, Vila Matilde, Vila Formosa, Santa Isabel,Vila Diva, Vila Rica, da zona leste, e outras que não noslembramos mais. Era muita gente. Gente negra.

3 Itan Kiji: significa segunda história, na língua Yoruba.

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Participava dos famosos bailes da casa do “Seu Ivo”, pai doIvair, lá na Vila Rica. O Ivair se tornaria , nos anos 80, umdos fundadores do Conselho da Comunidade Negra. Dobby Doock crescera ouvindo falar dos bailes do Risca-facaonde se dançava a famosa gafieira e muitas vezes o “pau comia”-literalmente. Observara, junto com seu irmão mais novo,Valdemar, as seções espíritas em sua casa, na rua SantoAntônio, onde “Seu Candinho”, seu pai, incorporava Maria Congae Zé Pilintra e era “camboneado” por Dona Vicentina, sua mãe.Dançara nos bailes do Eduardo ou Amaury, no “Guilherme Giorge”.Ia, às vezes, ao baile do Zóia, no “Brasília”, na Vila SantaIsabel. Nestes bailes rolava som que a negrada adorava. Enfim,sua convivência era circunscrita a sua gente. Nestas festas ebailes o som ia de Jorge Ben até James Brown. Seu círculo deamizade, muitas vezes, se restringia à turma organizada nobairro, formada por negros/as que partilhavam reuniões e asfestas, nas quais raramente entravam os/as “White” e, muitomenos, tocavam-se, nelas, sons de “nonô”, como chamávamos o somdos brancos. Na Vila Carrão, havia um pequeno grupo de jovens formados porFranklin, Jorge, José Luís (apelidado de Ritinha – dizem que aorigem do apelido dá-se porque ele vivia cantando músicas daRita Pavone), José Nicanor – o caçula da turma e nossapersonagem guia. Criaram uma linguagem própria para secomunicar sem serem entendidos por pessoas de fora do seuciclo. Até as gírias da época eram traduzidas para estesubdialeto. Este grupo foi denominado “A Turma Caja”. O nomederivava do apelido que Jorge, tinha: Jacaré. Jorge eracarioca e estava morando com sua Vó, em São Paulo, após a mortede sua mãe, no Rio de Janeiro. Logo “Caja” era o diminutivo de“cajaré”, um anagrama de jacaré. Umas das interpretações dolinguajar adotado pelo grupo. Em torno do grupo que era onúcleo juntavam-se muitos/as outros/as jovens: Rose, Roberto eRonaldo, respectivamente filha e filhos da Dona Terezinha, maisconhecida como Mãe Terezinha. Ela tinha um centro de umbandachamado Pai Xango e Caboclo Pena Verde, na rua Astate naesquina com a rua São José. Rita de Cássia era irmã doNicanor, ambos filhos de Dona Lourdes Marques, Mãe-pequena do

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centro de umbanda de Dona Terezinha, sua irmã. Deyse, irmãmais nova do Jorge e o flutuante Antonio Carlos (cujo apelido éMakiba – alusivo à cantora Miriam Makiba). Isto só para citaralguns nomes. A “Vó” mudou-se, com a família, da Vila Carrão para a PonteRasa. Foi morar na avenida Ermelindo Matarazzo, uma travessada Estrada de São Miguel, próxima ponto final do ônibus PonteRasa. À distância, no entanto, ao invés de afastá-los,proporcionou maior aproximação entre os amigos e ampliou-semais o leque de pessoas que partilhavam, subliminarmente,daquela cumplicidade negra. Configurava-se aí a famíliaextensa. Este grupo passara a organizar festas e a ir a festas onde um/ados/as membros/as eram convidados/as e a editar um jornalzinhochamado “A turma do Caja”. Dentre os assuntos abordados nojornal tinha-se “fofocas”, informação, acontecimentos, caça-palavras e gozações de todos os tipos inspirados no Giba Um eDe Carlos, articulistas de jornais da época. Alguns assuntosabordados eram como alfinetadas naqueles/as que saiam da linhae/ou tinham comportamentos que eram reprovados pelo grupo.Todos os assuntos enfocavam os feitos e/ou coisas queaconteciam no mundo negro: músicas, personagens, artistas decinema e televisão. Esportes tais como: boxe e futebol.Cantores e cantoras nacionais e internacionais, etc. Adistribuição do Jornal da Turma do Caja se dava nos bailes quea turma realizava. Sua produção era realizada de forma tosca,porém laboriosa, por José Luís, Franklin, Dobby Doock e Jorgejuntamente com os mais novos membros da turma, que eram daPonte Rasa, os irmãos Carlão e Matias. Contavam com acolaboração de artigos das Meninas do Brás: Sonia, Lúcia, Verae Ilma. O Jornal “A Turma do Caja” teve somente três edições.As festas, agora, eram realizadas na Ponte Rasa, Vila Rica,Jardim São Luís, no Alto da Previdência e no Brás entremeado,logicamente, com os bailes das equipes Zimbabwe (em várioslugares, tais como Maison Suisse, Sindicato, etc.), Musilália(no Club Homs) Os Carlos (em locais diversos), Chic Show (naCasa de Portugal e Palmeiras), Black Mad (no Blum), entreoutros. Sem contar com as sextas-feiras onde se encontravam,

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no Viaduto do Chá – no Mappim - para saber dos inúmeros bailesque seriam realizados, através das circulares distribuídaspelas diversas equipes existentes. Havia aí, também, o contatofortuito com a rapaziada que distribuía o “Árvore dasPalavras”. Neste período, também, começa a agudizar a repressãopolicial sobre quem freqüentava o Viaduto do Chá.Às segundas-feiras o passeio era na Liberdade. Onde a paquerarolava solta da Praça João Mendes, atrás Praça da Sé, até aIgreja dos Enforcados. Na calçada da avenidaLiberdade era realizado um verdadeiro desfile afro com pessoasde todas as alturas, de todas as formas. Lindas. Quando não,eram exóticas. Coisa linda de se ver.O movimento Black soul envolveu todos, porém, o som era soul,funk, samba, rock samba, funk samba, samba de partido alto, orock, etc. No etc. entravam aquelas músicas lentas (rhythm andblues) para as paqueras. E, como dizia o Amaury, ao anunciar aúltima sequência com músicas lentas: - “[...] quem se colocou,se colocou. Quem não se colocou não se coloca mais”. E ao seouvir a introdução dos acordes da música “Que negra é essa”, deJorge Ben, era um salve-se quem puder. Pois ninguém queria sairdo baile “dando tapa no sereno”, ou seja: sair sozinho/a. A relação de respeito entre jovens, adultos e crianças, asocialização de valores estéticos, morais, éticos, religiosos,identidade étnico-racial e cultural entre as famílias, sãoalguns dos saldos positivos daquele período. Os assuntos dasrodas de amigos/as giravam em torno dos acontecimentosrelacionados ao mundo negro. Éramos cobrados pelas pessoasmais velhas e cobrávamos de nós mesmos uma postura que seriadigna para toda/o o negro/a. Lá estava sempre a Tia Ana, calmae carinhosa. A Tia Dita, a mais severa, ninguém saia do sérioperto dela. Tia Carminha a mais jovial e amiga. E a Mutchá quese enturmava conosco e ficava a espreita para escolher quemiria deixar de “fogo”, bêbado/a, nas festas. Sempre maisreservada e observando nos cantos ficava a Tia Manoela. OsTios, também, não deixavam por menos. O Tio Luiz, o Itinho comoera chamado, era observador e conselheiro junto ao Tonhoestavam constantemente nos acompanhando. O Assis era o maisextrovertido, sempre brincalhão fazia par com o Nelsão. Tanto

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as “tias” como os “tios” eram filhas/os da Vó. Nelsão eramarido da Tia Manoela e o Assis, marido da Tia Carminha.Tinham prazer em nos ver reunidos. A Vó era um “pé de valsa”,na valsa e fazia questão de nos ensinar. Divertíamo-nos,aprendíamos os novos passos de danças. Contudo, havia entre osmais jovens, preocupações que iam desde o comportamento até acobrança para a não descaracterização com alisamentos decabelo, o que era comum tanto entre homens quanto entre asmulheres. Mesmo sendo um grupo urbano esta “resistênciainformalmente organizada”, era “mediada por conteúdos culturaisselecionados pela comunidade como definidores de suaetnicidade”. A identidade étnico-racial, neste caso, “cimentaa coesão interna e os suportes da resistência externa”. Traçosde solidariedade era uma riqueza, pois se poderia recorrer ousolicitar apoio que sempre haveria alguém para ajudá-lo/a. Casotípico foi o do José Luís – o Ritinha, que expulso da casa desua tia e madrinha onde vivia - por conta das dificuldadesfinanceiras dela que tinha dois filhos desempregados e mais elepara criar. Sua mãe Dona Benedita, trabalhava como empregadadoméstica e tinha de morar no emprego. Neste emprego sua mãenão podia acolhê-lo por que os empregadores não permitiam.Logo, ao ficar sem morada, pois não tinha casa, foi acolhidopor Dona Lourdes, viúva, também empregada doméstica, mãe doFranklin. José Luís morou na casa de Dona Lourdes até quase secasar. Havia muitos casos em que uma pessoa arrumava ouindicava outra para emprego. Apesar das dificuldadeseconômicas, salários minguados quando conseguiam emprego e daviolência policial todos conseguiram sobreviveri. Não fizeram ojogo do sistema. Neste grupo as pessoas se tornaram resilientes uma vez queaprendiam expressar as suas habilidades e limites, suasqualidades e tinham confiança em suas capacidades, demonstrandoalguns dos principais indicadores da autoestima, externavam suaautonomia através da iniciativa voluntária de ações, escolhendoo que lhes interessava, o que fazer, com quem fazer e quandofazer; exibiam sua criatividade ao inventar brincadeiras,passos de danças, palavras, na sugestão de soluções aproblemas, etc.; e, criavam situações que provocavam risos, um

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indicador da variável humor. Como era cultura do grupo os/ascomponentes tinham preferência em se relacionar com negros/asii.Não importava o grau de pigmentação. Dos namoros surgidosformaram-se novas famílias com casais negros dos bairros daPrevidência e Ponte Rasa, a Ponte Rasa e Jardim América, daPrevidência e Jardim Bonfiglioli, do Brás e Pinheiros, do Bráse Ponte Rasa, do Carrão e Vila Dalila, do São Cristóvão (Rio deJaneiro) e Ponte Rasa (São Paulo), da Ponte Rasa e Cangaíba esem contar os vários casamentos entre pessoas do mesmo bairro.Isto, no entanto, foi um dos motivos que causou a dissolução dogrupo. Esta era uma maneira singela e inocente de se fazermovimento negro naquele período. Nós fazíamos movimento negro e não sabíamos. Seus membros se espalharam. Muitos resolveram parar para cuidarsomente de suas próprias vidas. No entanto, há os/asrecalcitrantes que continuaram e aderiram, após passarem pordiversas experiências militantes, ao movimento negroreivindicativo. Os tempos são outros. Neste contexto, uma organização se sobressai às demais: oMovimento Negro Unificado – MNU. Fundado, em 18.06.1978, com adenominação de Movimento Unificado Contra a DiscriminaçãoRacial, isto em pleno período da ditadura militar. Lançado, em07 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal, em atopúblico, no centro da Capital paulista, com a presença de“cerca de duas mil pessoas”, conforme noticiou a Folha de SãoPaulo, no dia 8 de julho de 1978. “Os negros estão nas ruas”era a manchete de capa do Jornal “Versus – Afro-AméricaLatina”, n.º 23, de julho/Agosto de 1978. Nas páginas 32, 33 e34 são registradas impressões, fotos e os nomes dos/asprincipais atores e atrizes que marcam o surgimento do DiaNacional de Luta Contra o Racismo. São, posteriormente,lançadas seções em Minas Gerais e Rio de Janeiro e Bahia. Hojeo MNU tem representação em 14 estados brasileiros. A místicado MNU estimulou nestes 24 anos, o surgimento de inúmerasorganizações, do movimento negro, no Brasil. Esta mística,ainda tem tanta força que, por vezes, o MNU, que surgiupretendendo ser uma confederação de entidades e/ou organizações

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negras, é confundido e/ou visto como sinônimo de MovimentoNegro.A força política do MNU, como uma organização do movimentonegro, é indubitável, e ratificada pelos avanços e conquistas -os atrasos e derrotas também não foram poucas – no entanto, aolongo da sua existência podemos enumerar algumas vitórias: - Instituição do Dia 20 de Novembro – Dia Nacional daConsciência Negra4, na 3ª Assembleia Nacional, realizada em 04de novembro de 1978, na Bahia. Esta data foi criada pelo GrupoPalmares, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1971; - Desmistificação da tese gilbertofreireana da existência deuma democracia racial com a instituição do Dia 13 de maio comoDia Nacional de Denúncia contra Racismo; - Enterro simbólico da Lei Afonso Arinos, dada suainiquidade, em São Paulo com Ato Público em 1979; - Articulação para formulação da criminalização do racismo,desde os municípios, passando pelos estados e chegado até aConvenção Nacional do Negro pela Constituinte, em 1986, emBrasília; - Contribuição com manifestações pela a libertação de NelsonMandela; - Idealização e construção, juntamente com outrasorganizações, da Marcha Zumbi dos Palmares, que reuniu mais de30 mil participantes em Brasília, em 1995; - Contribuição no processo de organização da ComissãoNacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil;e, - Articulação para o Estado criar mecanismos de coibição doracismo através de implementação de ações políticas e/oupolíticas públicas. Mesmo a despeito dos períodos de alta e baixas que envolvem omovimento social e o movimento negro, particularmente, o MNUmantém certa hegemonia que incomoda determinados setores. Daío surgimento de formulações organizativas para tentar suplantá-lo/ eclipsá-lo. Como exemplo temos:

4 O “Arvore das Palavras”, de dezembro de 1974, trazia uma matéria abordando a realização de uma “Homenagem a Zumbi”, no Coimbra, na Av. SãoJoão, em São Paulo, organizada pelo Centro de Cultura e Arte Negra.

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1) A criação da FRENAPO – Frente Negra Para Ação Política deOposição, em 1979; 2) A criação da CENESP – Coordenação de Entidades Negras doEstado de São Paulo, em Piracicaba 1983, proposta quecontrariava a tirada no II Encontro, que defendia a CENESP comocoordenadora somente de bandeiras de lutas e não como uma “NovaEntidade” coordenadora de tantas outra; 3) A criação do Fórum de Entidades Negras;4) A realização do ENEN – Encontro Nacional de EntidadesNegras, em 1995, onde alguns setores do movimento negropretendiam tirar “um programa, plano de ação e criação nacionalde uma entidade negra nacional”.Outros fatores conjunturais, também, proporcionaram osurgimento de inúmeras formas organizativas quando da“descoberta” de apoios financeiros de instituições nacionais einternacionais para ações políticas de combate ao racismo. Daísurgem as “ONGs”- Organizações não-Governamentais; ainstituição dos Conselhos do Negro, Coordenações, Assessoriaspor parte de alguns governos municipais e estaduais e aFundação Palmares, pelo governo federal; Núcleos e “movimentosnegros” dos partidos políticos; Pastoral Negra nas igrejas; epor fim os grupos e núcleos em setores do movimento sindicalligados à CUT e até a CGT. Todas estas se postulando comomovimento negro.Neste mar de denominações carecemos de uma definição paraentendermos o que realmente é movimento negro.

O que é movimento negro?Definindo para não errar.

i “A resiliência ou a faculdade de recuperação designa a capacidade de umapessoa para fazer as coisas bem apesar das condições de adversas da vida.Isto implica uma capacidade de resistência e uma faculdade de construção positiva”, conforme assevera Stefan Vanistendael (1995).ii O conceito de identidade étnico-racial é evidenciado na formação do grupo, como ele se vê e é visto por outros assim como através da valorização dos traços fisionômicos, cabelo, etc. ligados a sua origem, da identificação com, outros/as negros/as dos mais diversos tipos e da busca de heróis/ heroínas, ídolos negras/os.

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Os negros começaram a perceber que também terão que combater os negrosantes de conquistarem a sua liberdade [...]

James Boggs

Entendemos que a definição ideal para movimento negro é“[...] uma pessoa ou grupo de pessoas filiadas a entidadese/ou organizações negras que trabalham no sentido de encetarações políticas e/ou políticas públicas objetivando:combater o racismo e suas manifestações preconceituosas ediscriminatórias; resgatar e preservar valores culturaisafricanos com todas suas evoluções, desde África até todasua diáspora”. Enfatizamos, ainda, que “Movimento Negro éuma exclusividade negra e/ou afro-brasileiraiii reivindicaçãoé ratificada por Abdias do Nascimento (1998:106) quandoobserva que: “Cuidar de organizar nossa luta por nós mesmosé um imperativo de nossa sobrevivência”,as demais organizações são de Direitos Humanos e de DireitosCivis, pois comportam negros e não-negros no seu interior,gerindo e organizando-as e podem não ter, necessariamente,nenhum compromisso/comprometimento maior com a questãoracial. Ser movimento negro é lutar contra o racismo e suasmanifestações através de denúncias, manifestos, passeatas,

iii Segundo Frantz Fanon (20.07.1925 + 06.02.1961) “existem dois doentes nesta sociedade; um é o negro com complexo de inferioridade o outro é o branco com complexo de superioridade. Ambos estão doentes, portanto, precisam se curar”. Logo, têm de em separado, superar seus complexos historicamente assimilados.Um, o negro, tem de resgatar sua identidade étnico-racial e autoestima para, dentro dos princípios de isonomia, ver-se em pé de igualdade com o outro, o branco, que historicamente não chegam “as coisas de negro” para carregar ou ajudar carregar o “piano”, mas sim para ordenar/dirigir.Movimento Negro é uma exclusividade negra, assim como o Movimento Feminista, também, tem de ser exclusividade das mulheres. Entendemos que a/o não-negra/o tem o dever moral e ético de se solidarizar com as lutas pela eliminação do racismo contra a população negra. Podem e devem participar dos atos públicos, passeatas, seminários,etc. – abertos – porém há aquelas atividades – fechadas - que devem ser de exclusividade negra. Por outro lado, seria um grande avanço quando os/as não-negros/as conseguissem se organizar, em seu próprio meio, e entre si, para combater o racismo que atinge a população negra.

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atos públicos, decretos, leis, decretos-lei, resoluções,portarias, produções literárias ou teóricas, etc. de formaautônoma e independente, ou seja, desvinculada/o, sem “rabo-preso” a partidos políticos, igrejas, centrais sindicais esindicatos, ao Estado (governos: municipais, estaduais efederais) e demais instituições cujo controle esteja fora doalcance da população negra. É, ainda, trabalhar em estreitointercâmbio com as demais organizações e, principalmente,com a população negra e/ou afro-brasileirarepassando/socializando todo o conhecimento adquiridoatravés de pesquisas, estudos e trabalhos relativos àquestão racial. Por fim, respeitar a população negra no queconcerne a prestação de contas quanto à origem e o empregode recursos financeiros e materiais quandoconseguidos/auferidos em seu nome. Dentre as organizações do movimento negro que se enquadramneste contexto que poderíamos destacar, abaixo, situamosalguns exemplos: a) Sócio/culturais/beneficentes/recreativas/religiosasiv: iv Tal classificação tem como propósito facilitar a compreensão do que é Movimento Negro, pois é complexo o significado. Existem muitas ambigüidades e/ou dualidades no interior do MN. , não necessariamente entidades, grupos, organizações, etc. são ou fazem um trabalho num só âmbito, ou seja: do sócio/cultural/beneficente/recreativo/religioso ou político/ideológico/reivindicativo.Por isto não utilizamos o conceito: “culturalista”, uma vez que o entendemos como rançoso, portanto, defasado e inadequado.Nos anos ‘80’ na visão dos adeptos da chamada “ação político-ideológica” as organizações “culturalistas” não eram consideradas movimento negro, pois eram vistas com “filhas da cultura do racismo” uma vez que “folclorizariam formas culturais autênticas e reproduziriam tanto na relação com a sociedade global quanto na sua estrutura interna, o padrão racista do universo brasileiro”.Aquele olhar/entendimento gerou o afastamento de lideranças negras não sódas escolas de samba, assim como dos terreiros/roças das religiões afro-brasileiras – religiões de matriz africana, como preferem alguns- e de outras formas de manifestações culturais. Neste sentido, o conceito é rançoso e defasado, uma vez que traz no seu bojo um prisma já superado, inclusive em certas áreas onde apreendemos tal postura, e, inadequado, pois é demasiado tênue a linha que delimitaria as formas organizativas sócio/as/beneficentes/recreativas/religiosas das político/ideológicas/reivindicativas.

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- Oriashe, Banda Ala, GRES Nenê da Vila Matilde, GRES CamisaVerde, Alas dasda GRES. Vai-Vai e GRES. Peruche, e demais ala de Blocos eEscolas de Samba, em São Paulo, coordenadas por negros/as;- Quilombhoje Literatura;- Aché Ile Oba; e inúmeros Terreiros, Ile, Roças, Tendas deUmbanda e Candomblé, cujos/as iyalorisa, babalorisa, Tata,etc sejam negros/as;- Bandas de Rappers e Posses dirigidas e compostas pornegros/as;- Associações e academias de capoeira cujos mestres sejamnegros;- Posse Hausa – ABC-SP.

b) Político/ideológicas/reivindicativasv:- Movimento Negro Unificado – MNU, Coletivo de MulheresNegras, Soweto, CECAB- Centro de Estudos Comunitários Cultura Afro-brasileira(Tatuapé), Congada (S. Carlos). Nestes âmbitos cabem muitas outras organizações e/ouentidades não apresentadas. O que ora listamos é uma pequena mostra do universo do movimentonegro, portanto, mantendo-se as características a relação esta aberta.

O que não é movimento negro?

Não devemos combater as instituições. Sim as mentes que as criaram.Porque se derrubamos as instituições as mesmas mentes se encarregarão dereconstruí-las v Ao caráter político: “porque a mobilização é, ao mesmo tempo, uma condição necessária para a transformação de nossa sociedade”;Ao caráter ideológico: “porque ao colocar o fato de ser negro/a como valor, questiona, na raiz, os valores dominantes de nossa sociedade; e, quanto ao caráter reivindicativo: “Porque toma para si enquanto” segmentorepresentativo da população afro-brasileira as responsabilidades de exigir do Estado e demais setores da sociedade civil ações políticas e políticas públicas para a eliminação das mazelas advindas do racismo e suas manifestações preconceituosas e discriminatórias.

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Maulana Ron Karenga

Na década de ‘70’, em pleno cenário da ditadura militar, surgemorganizações e/ou entidades negras com posturas político-reivindicativas permeadas por viés ideológico.Neste contexto, situam-se o IPCN – Instituto de Pesquisa dasCulturas Negras (1975), no Rio de Janeiro, o Movimento NegroUnificado – MNU (1978), em São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro eMinas Gerais e, o Grupo de Mulheres Negras Maria Felipa (1979),no Rio deJaneiro.A próxima década, a de ‘80’, vamos localizar uma enormequantidade de entidades e/ou órgãos ligados ao Estado, àsIgrejas e Mesquitas, Partidos Políticos, etc. Ao mesmo tempo,são criadas as “ONGs” e as Comissões que lidam com a questãoracial nos Sindicatos. Dentre as quais destacamos:

I - Órgão do governo,em nível federal.- Fundação Cultural Palmares (1988). Ligada ao Ministério daCultura, em Brasília, DF.

II - Órgãos do governo,em nível estadual.- Assessoria para Assuntos Afro-brasileiros (1983).Posteriormente, em 1987, teve a denominação mudada paraAssessoria de Cultura Afro-brasileira, ligada à Secretária deEstado da Cultura do Estado de S. Paulo.- Conselho de Participação e Desenvolvimento da ComunidadeNegra, criado pelo Decreto 22.194, de 11.05.1984, que articuloua criação do: . GTAAB – Grupo de Trabalho para Assuntos Afro-brasileiros, naSecretaria de Estado da Educação, através da Resolução 267, de 1986. Encontra-sedesativado.. GOISDRT – Grupo de Orientação e Interferência em Situações deDiscriminação

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Racial no Trabalho, junto à Secretaria de Estado das Relaçõesdo Trabalho, conforme Resolução SRT 02, de 16.01.1986. Desativado.. Grupo de Orientação e Interferência para Assuntos deDiscriminação Racial, na Secretaria de Segurança Pública, conforme Resolução SSP 107,de 24.07.1986. Desativado.. Constitui-se Delegacias Regionais do Conselho em Araras, LinsSantos e Barretos.. Delegacia de Crimes Raciais (1993). Extinta.

- Núcleo de Negros da Secretaria do Meio Ambiente (1994).- Conselho Estadual da Condição Feminina (1983), introduziurepresentantes negras, em 1985, após reivindicação de mulheresnegras e criou uma Comissão de Mulheres Negras, em 1986.- Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, tem umdepartamento para a questão racial, em 1992.

III –Órgãos do Governo, em nível municipal - Conselho Municipal do Negro, criado através do Decreto24.984, de 20.11.1987, e transformado em Coordenadoria doNegro.- Eco Museu do Negro (decreto 25.891 de 11/05/88), transformadoem Casa de Cultura Chico Mendes.- Acervo da Memória e do Viver Afrobrasileiro, criado nogoverno de Luiza Erundina para compensar a extinção do EcoMuseu.

Acima relacionamos alguns órgãos criados, nos anos ‘80’ e ‘90’,a partir de reivindicações do movimento negro no que concerneàs políticas de governo para eliminação do racismo no Estado deSão Paulo. São, até certo ponto, conquistas do movimento negro.Nestes órgãos encontramos uma composição de membros formadospor pessoas oriundas ou não de organizações do movimento negro.Em muitos casos a composição dos cargos é feita de acordo com avontade político-partidária de quem está mais próximo do poder

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governamental do momento. E, dada sua dependência, por maiscorretas que sejam as ações políticas e/ou políticas públicas,estes órgãos e seus membros não podem ser consideradosmovimento negro. São e continuarão sendo órgãos do governo umavez que só sobrevivem sob sua égide. Por outro lado, além dascrises de solução de continuidade quando das mudanças de umgoverno para outro, não mantêm uma política perene de inter-relação respeitosa com as organizações e/ou entidades domovimento negro tentam, sim, muitas vezes substituí-las.

IV –IGREJAS Quando os missionários chegaram, os africanos tinha a terra e os missionáriostinha a bíblia. Eles nos ensinaram a orar com os olhos fechados. Quando abrimosos olhos, eles possuíam a terra e nós tínhamos a bíblia.

Jomo Kenyatta

Nos ano ‘80’, o movimento negro, ainda em sua fase de denúnciae desmascaramento da farsa da “democracia racial”apontava/acusava de racistas as igrejas, principalmente, aigreja católica apostólica romana, pois não tinha uma pastoralnegra. Consequentemente, aqueles mais próximos: seminaristas,diáconos, padres, madres, freis e freiras começaram a seorganizar e constituíram junto com leigos/as o GRUCON – GrupoUnião e Consciência Negra. Este grupo sofreu um racha, com oadvento da C.F – Campanha da Fraternidade denominada: “Ouvi oclamor deste povo”...”, em 1988, tendo com uma das causas asupressão do termo: “ negro”, do título da campanha. Daísurgem os/as APNs - Agentes de Pastoral Negra. O GRUCON, emalguns estados, encontra-se desvinculado da igreja, em outrosnão. As/os APNs continuam mantendo uma postura dedependência, ou seja, se limitam a efetuar aquelas açõespermitidas pela igreja, contudo realizam trabalhos de grandeimportância junto à população negra. Em São Paulo há, também, oInstituto do Negro – Padre Batista, uma espécie de ONG ligada aigreja, que atua implementando cursos pré-vestibulares.

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Atualmente, as igrejas estão organizadas através da ComissãoEcumênica Nacional de Combate ao Racismo do CONIC – ConselhoNacional das Igrejas Cristãs do Brasil. São membros doCENACORA – Comissão Ecumênica de Combate ao Racismo asseguintes igrejas:

- Igreja Metodista do Brasil;- Igreja Independente Presbiteriana Unida do Brasil;- Igreja Episcopal Anglicana do Brasil;- Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil;- Igreja Ortodoxa Siriana do Brasil; e- Igreja Católica Apostólica Romana.

Têm como objetivo combater o racismo no seu âmbito. Apesar dascontribuições no tocante à questão racial junto ao grandecontingente populacional negro, sabemos das limitaçõesenfrentadas por estes grupos, institutos, etc., haja vista queas igrejas são instituições de secular comprometimento comracismo, dadas a visão étno-eurocêntrica e judáco-cristã que aspermeia. Portanto, estes órgãos, grupos, etc. são como “braçosmarrons” das igrejas, às quais devem/devotam, devido à ligaçãoreligiosa, total obediência.

V –ISLAM

O Islamismo tem assumido um papel importante na discussão daquestão racial, tornando-se simpático e sendo assumido,principalmente, pela juventude negra ligada ao “Hip-Hop”. Temcontribuído sobremaneira no processo de conscientizaçãodisciplinar, religiosa e étnico-racial. A existência das LobasMuçulmanas e da Nação do Islam compostas por pessoas negras éprova cabal dessa aproximação. No começo da década de ‘90’, naregião do ABC, o Centro de Divulgação do Islam para AméricaLatina, através de seus membros, participavam de atividades doMNU e intercâmbiavam informações acerca da atuação negraislâmica, no mundo.

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VI –PARTIDOS POLÍTICOS

Eles não têm estado dispostos a sacrificar nenhum destes bens, preferindosacrificar a causa. Entre os bens pessoais e causa, eles têm escolhido os benspessoais [...]. James Boggs

No final dos anos ‘70’ e começo dos ‘80’ com a chamada“abertura” as organizações políticas de esquerda articulavam erearticulavam os partidos políticos, porém, e apesar de teremem suas bases grande contingente de negros/as militantes, seusprogramas não contemplavam, em seus programas, a questãoracial. Mesmo o Brasil sendo um país pluri-racial emulticultural para estas organizações e/ou partidos a questãode classe era a que prevalecia. Entretanto, algumas tinham delidar com contradições internas. O Movimento Negro Unificado –MNU, criado 1978, teve entre seus mentores intelectuais efundadores pessoas ligadas às organizações políticas deesquerda, uma dessas era Convergência Socialista.Neste período surge o PT – Partido dos Trabalhadores, PDT. ePMDB, ressurgem PCB, PC. do B, etc. e muitos/as negros/as foramparar em suas fileiras. Daí nasce a dupla e/ou triplamilitância, ou seja: militar na organização política – mesmoaquelas que insistiam em permanecer na clandestinidade -, nopartido político e por fim, em havendo disponibilidade detempo, no Movimento Negro.O/a negro/a, talvez ainda em dúvidas quanto à validade daquestão de raça, ‘fazia tipo’ no movimento negro e priorizava opartido. Nos partidos políticos, devido às cobranças do movimento negro,começam pipocar as comissões, grupos ou “movimento negro”.Em alguns partidos temos observado trabalhos conseqüentesdestes “braços marrons”, porém, em outros os grupos ou“movimento negro” são meros apêndices sem nenhuma expressão emtermos de ações políticas.

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Enumeramos, abaixo, algumas comissões e “movimentos”:PT – Partidos dos Trabalhadores. Comissão de Negros do PTPDT – Partido Democrático Trabalhista. Movimento Negro do PDTPMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Movimento Negro do PMDB PSDB – Partido Social Democrático Brasileiro. Movimento Negro do PSDBPC do B – Partido Comunista do Brasil. UNEGRO – União de Negros pela IgualdadeCausa Operária. Movimento Negro João Cândido

Em determinados partidos políticos a grande massa negracontinua sendo vista não como sujeito, sim como objeto, pois emsua estrutura organizacional, no comando, raríssimas vezesencontramos negros/as representados/as, condignamente. Poroutro lado, os/as que lá permanecem se submetem as estascondições por conta da “paciência histórica”, na esperança vãde um dia conseguir auferir das mesmas vantagens que os/as não-negros/as têm nos partidos.Lélia Gonzalez (1982) em “Lugar de Negro” dizia que:

“Quanto aos aspectos negativos, deixando de lado o já tradicional “racismo àsavessas” de que somos acusados sempre que nós, negros, partimos para a denunciado racismo e da discriminação, pintaram outras acusações com as de divisionistas,revanchistas etc. e tal, provenientes de certos setores de esquerda, além daquela desubversão, tão cara ao regime”.

Atualmente, muitas coisas mudaram nos partidos políticos, porémhá muito para avançar. Esses grupos, movimento, comissões,etc., no interior dos partidos políticos, não podem serconsiderados como movimento negro, pois como aqueles ligados àsigrejas tem uma disciplina religiosa, têm de obedecer àdisciplina partidária. Alguns partidos políticos cooptaram“quadros” importantíssimos do movimento negro esvaziando-o numprimeiro momento, e num segundo momento não conseguem ampliar,

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nem interna, nem externamente, a luta contra o racismo, nasociedade brasileira.

VII –MOVIMENTO SINDICAL

Àqueles que demoraram décadas para entender a emergência da questão racial:Nunca é tarde para amar! Ogunbiyi

Desde 4 de novembro de 1978, quando da realização da PrimeiraAssembléia Nacional, em Salvador – Bahia, ocasião na qual foramaprovados os documentos básicos (Estatuto, Regimento InternoCarta de Princípios e Programa de Ação), o MNU assumia a tarefade “... na empresa, organizar os negros para exigir melhoressalários...” e “orientar a população para participar dasentidades de classe”. Como palavras de ordem tinham: “Contra aPerseguição Racial no Trabalho, Por mais Oportunidades deTrabalho para o Negro e Contra a Divisão Racial do Trabalho”.O movimento sindical, naquela época, apoiava materialmente omovimento negro, mas não incorporavam a necessidade da lutacontra a discriminação racial no mercado de trabalho. Nãoparticipavam e raras vezes mandavam representantes às nossasatividades, quando convidados. Árdua tarefa. Em 1984 foiorganizado em São Paulo o 1º Seminário Sobre a DiscriminaçãoRacial no Trabalho. Desta atividade surgiram algumas propostaspara a eliminação da discriminação racial no mercado detrabalho que são as seguintes:a) criação de grupo para atendimento dos casos de discriminaçãoracial no mercado de trabalho, junto à Secretaria de Relaçõesdo Trabalho;b) contatar advogados trabalhistas para estudar mecanismos parapunir as discriminações;contatar o movimento sindical para realização de estudos nosentido de coibir a discriminação no mercado de trabalho; e,

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c) contatar profissionais de recursos humanos para estudarações de combate à discriminação racial.No Conselho de Participação e Desenvolvimento da ComunidadeNegra, em São Paulo, em 1985, cria-se o Setor de Relações doTrabalho que articula e cria, em 1986, o GOISDRT – Grupo deOrientação em Situações de Discriminação Racial no Trabalho, naSecretaria de Relações do Trabalho. Neste mesmo ano organiza o1º Encontro Estadual de Sindicalistas Negros, em Embu-Guaçu, emSão Paulo. Para tal encontro foram convidadas todas as centraissindicais existentes naquele período, ou seja: CUT (CentralÚnica dos Trabalhadores), Conclat (Coordenação Nacional daClasse Trabalhadora) e até a USI (União Sindical Independente).Só compareceram ao encontro os(as) sindicalistas ligados àConclat. Nesta ocasião já se propunha a implementação daConvenção 111 da O.I.T. (Organização Internacional do Trabalho)junto às pautas de reivindicações do movimento sindical, a fimde debelar as desigualdades advindas da discriminação racial,no mercado de trabalho. Na década de ‘80’ foram necessáriasvárias reuniões e debates com sindicalistas metalúrgicos, noABC, para que a CUT encampasse a questão racial como uma luta“anti-racista” a ser implementada. Sabemos todos que omovimento sindical tem um grande contingente detrabalhadores/as negros/as. No entanto, devido a enorme cargade tarefas que se lhes é atribuída fica difícil às ou aospoucas/os negras/os que estão nas estruturas sindicaisparticiparem de organizações do movimento negro. Por outrolado, há na estrutura sindical um atrativo estrutural que amaioria das organizações negras não dispõe para oferecer, taiscomo: prédios com vários departamentos, salas, auditórios, fax,telefones, microcomputadores, aparelhos celulares, bipes,automóveis, aparelhos de som, telão, aparelhos de vídeo, etc.Para quem muitas vezes foi alijado dessas benesses fica difícilabdicar desses valores e voltar a pegar no pesado para dar suacota de contribuição naquilo que nos é, também, comum: omovimento negro. Implementar ações políticas e políticaspúblicas para a eliminação do racismo e suas manifestaçõespreconceituosas e discriminatórias é uma tarefa de todomovimento sindical contudo, isto não torna os seus grupos,

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criados especificamente para cuidar da questão racial,movimento negro. É inegável a importância que assume omovimento sindical na luta contra a discriminação racial notrabalho, haja vista , os avanços das significativas ações quevem implementando neste sentido. Por outro lado, estes gruposou comissões, também, sofrem problemas de solução decontinuidade quando das mudanças da direção nos sindicatos,assim como nas centrais sindicais. Foi longo e persistente oassédio político encetado pelo movimento negro ao movimentosindical para que encampassem a luta contra discriminaçãoracial no mercado de trabalho, porém, hoje, quando vemos que aCUT - que criou sua Comissão Nacional de luta contra adiscriminação racial -, e Força Sindical - que tem suaSecretaria Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento da IgualdadeRacial -, e, finalmente, a CGT (Central Geral dosTrabalhadores) juntarem-se para discutirem a implementação daConvenção 111 da O.I.T. podemos mensurar os avançosconquistados. Atualmente o movimento sindical não tem oentendimento de que a questão racial divide a classetrabalhadora, porém, em alguns setores, seus membros, têmdemonstrado que pretendem reservar ao movimento negro somente“as questões sociais e culturais” vi. Quando pontuamos algunsfatos das relações entre o movimento sindicalvii·, o movimentonegro e órgãos do Estado que lidam com a questão racial, nãoestamos esquecendo os apoios recebidos ao longo dos anos, muitomenos generalizamos determinados comportamentos, os quaisabominamos, estamos tentando demonstrar de forma crítica econstrutiva os caminhos ideais a serem trilhados no processo dese construir uma sociedade justa e solidária.

VIII – ONGs –Organizações não-Governamentais

Os intelectuais podem sentir-se lisonjeados pela noção de que estão isentos deobrigação para com as condições e necessidades sociedade e que a sua únicaobrigação é a “ciência pura”. Mas esta ilusão da independência na busca doconhecimento só agrava a sujeição das

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instituições de actividade intelectual aos poderes prático: os interesses da classedominante, que dispõem das idéias que os cientistas e os universitários propõem. James M. Lawler

O conceito: Organização não-Governamental, em sua origem naclassificação dada às organizações, principalmente, nos EstadosUnidos, não vinculados ao governo. No Brasil este conceitocomeça a ser utilizado mais freqüentemente na década de ‘80’.Pela sua amplitude o conceito: “ONG” engloba inúmeras formasorganizativas, entre as quais se localizam os grupos,associações, institutos, coletivos, casas de culturas, etc.envolvidasviii ou não com assuntos atinentes à questão racial.Ao lado, paralelamente, há o movimento negro composto pororganizações que são, também, não governamentais, porémcomprometidas com a luta contra o racismo e suas manifestaçõesdiscriminatórias e preconceituosas. A diferença entre asprimeiras em relação as segundas situa-se na base de cunhopolítico-ideológico, ou seja, aquelas que em sua maioriasurgiram na década de ‘80’ vislumbrando o “apoio financeiro daFundação Ford” ou outras instituições que querem obter umconhecimento sociológico das relações raciais no Brasil,através das ONGs. E segundo, Jennifer Dunjwa Blajberg: “[...]desta forma, entidades e centros de estudos cooptáveis pelareferida fundação recebem condições financeiras desobrevivência quando se submetem a seu ditado ideológico emetodológico”.(1984:35)Não se pode, entretanto, negar a validade e a importância deseus trabalhos, quando se consegue ter contato com osresultados deles. Um dos grandes óbices que se coloca aalgumas “ONGs” é quando seus/as gestores/as não se sentem nodever moral de prestar contas a ninguém, muito menos àpopulação negra e/ou afro-brasileira, em nome da qualconfeccionam seus projetos, exceto, logicamente, àsinstituições financiadoras. O “prestar contas” aqui seexpressa no sentido de haver retorno dos resultados de estudose pesquisas realizadas à população negra, assim como, nasocialização destes conhecimentos ao conjunto do movimento

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negro. A qualificação e classificação de algumas dessas formasorganizativas como “ONGs” (entre aspas, literalmente) se dádevido suas posturas e práticas que são endoparasitária eperniciosa ao MNix, ou seja:” vivem no interior do hospedeiro -o movimento negro – utilizando-o como seu habitat e geralmenteprovocam doenças – o lumpesinato.A maioria das “ONGs” tem o seguinte perfil:Composição – Recursos Humanos:. Assessores/as negros/as e não-negros/as;. Técnicos/as negros/as e não-negros/as; e. Estudiosos/as negros/as e não-negras;

vi Em 30.03.1994, foi realizado o Encontro Estadual de Sindicalistas Negros Cutistas, em São Paulo. O evento, organizado pela Secretaria de Políticas Sociais da CUT-SP, tinha um cartaz onde constava o nome do MNU,como uma das organizações apoiadoras do evento. Entretanto, os membros da coordenação nacional e estadual, do MNU, em S. Paulo, não foram consultados para autorizar a utilização do nome da organização e muito menos foram convidados a participar do evento - nem como observadores. Cobrados, os organizadores, no transcorrer do evento não explicaram os motivos de tal atitude.Contudo, em conversa de botequim, um militante sindical, ligado à organização do evento, disse: “o nome do MNU foi colocado no cartaz por ser a primeira organização a discutir a questão da discriminação racial no mercado de trabalho”. vii Em 1994, também, houve uma reunião de sindicalistas negros, na qual participariam alguns do MNU. O objetivo desta reunião era tirar propostas para um evento, em maio, nos Estados Unidos, e para a Conferência Sindical Interamericana pela Igualdade Racial, que realizar-se-ia entre 19 e 22 de novembro de 1994, em Salvador, Bahia. Tal reuniãohavia sido marcada, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, para às 14 horas, e como um membro do MNU, do Rio de Janeiro, não poderia estar na aludida reunião solicitou, por telefone, à Coordenação da Seção do MNU, no ABC, que participasse dela com o intuito de fazer contatos com os sindicalistas africano-americanos da AFL-CIO (American Federation of Labor and Congress of Industries Organization), e pegar uma cópia do documento que continha às propostas, do movimento sindical, de atuação oupolíticas de ações para combater o racismo no trabalho. Apesar da apresentação de motivos negaram-lhe fornecer a cópia alegando que as decisões eram só para os sindicalistas.Um dos pontos garantidos em discussão, em dia anterior a tal reunião, erajustamente, a inter-relação com organizações do movimento negro, e entre as quais constava o Movimento Negro Unificado – MNU.

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Obs: Alguns negras/os que compõem as ONGs foram militantes doMovimento Negro. Objetivos:. Na luta “antirracista” nem sempre se opõem ostensivamente aoracismo e suas manifestações discriminatórias epreconceituosas; Político-ideológico:. Político-ideológicamente “neutro” ou aparentemente neutros,em atividades de protesto e denúncia. Se envolvem até oponto em que não contrariam ou comprometem interesses políticosdos financiadores, assim como, não comprometam atuais e futurosfinanciamentos.Econômico-financeiro:. Trabalham com verbas de projetos financiados por instituiçõesnacionais e internacionais, através dos quais conseguem mantersuas sedes bem equipadas. Recebem em dólares para trabalhar aquestão racial.

Produção:

viii Quando asseveramos que algumas ONGs tem um envolvimento com a questão racial, estamos colocando isso em questão sua postura de comprometimento na luta contra o racismo. Explicitando: tais ONGs estão como galináceos em um “break-fast”. Seu comprometimento se limita a partilhar os ovos. Já, as organizações do movimento negro são o presunto, ou seja, são próprio prato a ser comido. Nisto sintetizamos, de forma popular, a diferença político-ideológica entre as ONGs e o Movimento Negro. ix Como exemplo, temos a preocupação de algumas ONGs em estar como “movimento negro” quando da constituição da “Rede Continental de Organizações Negras”, nova forma para canalizar/capitalizar financiamentos de instituições internacionais diferentes das quais conseguiam anteriormente suas verbas.A fonte havia secado. Então recorreram ao movimento negro, particularmente, ao Movimento Negro Unificado - MNU, que lhe daria legitimidade necessária para a formação dessa “Rede”, sem, contudo quererem assumir compromissos de estreitar intercâmbio objetivando o fortalecimento do Movimento Negro. Muito menos queriam tomar para si sua própria identidade, ou seja: ONGs, com toda suas implicações.Este acontecimento, esta reunião, ocorrida na FATEC, nos dias 28 e 29 de julho de 1995, em São Paulo, demonstra o oportunismo de algumas ONGs que só procuram o movimento negro quando estão em dificuldades.

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.Produzem textos teóricos, seminários, cursos, palestras, etc.em sua maioria fechados; e.Produzem cartilhas, vídeos, etc.Algumas “ONGs”:I - Gelédes – Instituto da Mulher Negra;II - CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho eDesigualdades; eIII - ABRE-VIDA – Associação Afro-brasileira de Educação ePreservação da Vida.Neste capítulo seria impossível enumerar as dezenas de ONGs eas importantes atividades que este segmento tem realizado e quecontribuem para a eliminação do racismo.No entanto, devido às suas características não podem serconsideradas movimento negro.

IX – Outras formas

Há uma pluralidade de instituições que criaram comissões,subcomissões, centro de estudos, núcleos, etc. que empreendematividades de grande importância relacionadas ao negro e/ouafro-brasileiro que, contudo, também, não podem serconsideradas como movimento negro dadas as suascaracterísticas, senão vejamos:- Sub-Comissão do Negro da O.A.B/SP.Tem prestado relevantes trabalhos em assessoria e assistênciajurídica para pessoas e organizações do MN. - Centro de Estudos da Violência da USP.Tem realizado pesquisas de grande utilidade para o combate aoracismo.- Centro de Estudos Africanos da USP.Organiza cursos de interesse do povo negro desde África atétoda sua diáspora.- Associação Cultural Agostinho NetoInativa, porém, contém um acervo de enorme importância para seconhecer as artes, a cultura e povo angolano.- Núcleo de Consciência Negra na USP.

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- Núcleo de Estudos Interdisciplinar do Negro Brasileiro –USP. - Núcleo de Estudos Afro-brasileiro da UFSCar.- Movimento pelas Reparações dos descendentes africanosescravizados no Brasil.x

As formas organizativas apresentadas revelam o quanto seavançou na questão racial, no Brasil. Algumas têm em seu quadroassociativo pessoas, negras e não-negras, de alto valor na lutacontra o racismo. Outras têm, inclusive, ex-militantes que seafastaram do movimento negro quando foram para mundo acadêmico,entidades de classe ou de solidariedade. Anteriormente, através de denúncias, quem apontava ainexistência de ações políticas e políticas públicas quecontemplasse a população negra era somente o movimento negro,

x Originalmente, Reparação tem como objetivo a “autonomia econômica como povo”, segundo a BRC – Black Reparations Comission, o que se contrapõe à “Ação Afirmativa”, a qual considera “uma forma de reparação, mas que não pára a escravidão”.Reparações, nos Estados Unidos, esta baseada em alguns pressupostos básicos que vão desde: 1 – Repatriação, voltar à África; 2 - Mudar para outro país; 3 - Criar um estado, nação separado dentro das fronteiras do país, especialmente, aonde houver maior concentração de negros; e 4 - Cidadania Real, os benefícios com as responsabilidades da plena participação nas correntes políticas e econômicas da sociedade e as concessões que a garantirem.O Triângulo da Autonomia: l (um) Banco Central; 9 (nove) Bancos Regionais; Institutos locais de crédito; Fundações de pesquisas e desenvolvimento; Indústrias de Exportação e Importação; Indústrias alimentícias; Indústria Têxtil, Construção Civil, Transportes, Lazer, Saúde.

- (nove instituições por ano durante 9 anos em 9 regiões).

Acima relacionado encontra-se uma síntese da proposta de Reparações, nos Estados Unidos, que foi deturpada de maneira esdrúxula e implementada de maneira pouco séria, em S. Paulo, provocando, de certa maneira, descrédito nas futuras ações do movimento negro.

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enfrentando a contracorrente que o via como racistaxi.Atualmente, observamos que diversos segmentos começam aimplementa-las entendendo que banir o racismo e suasmanifestações é tarefa e obrigação de toda a sociedadebrasileira.

CONCLUSÃO

[...]. o nosso júri é racional e não falha[...] Racionais MC’s

O pequeno apanhado que apresentamos tem como objetivo suscitaruma profunda reflexão acerca dos caminhos e descaminhostrilhados pelo Movimento Negro, nas últimas três décadas, emSão Pauloxii. Propomos, ainda, a iniciação de um processo deburilação naquilo que chamamos de movimento negro e classificarassim como qualificar, adequadamente, aqueles demais segmentos

xi Em matéria de duas páginas, 10 e 11, do Jornal “O Inimigo do Rei”, de novembro/dezembro de 1979, intitulada “Manifesto Nacional a Zumbi” uma das perguntas expressava este entendimento equivocado que permeou durantedécadas o pensamento, principalmente, da esquerda brasileira, ao ser efetuada da seguinte forma:” IR _ Por que MNUCDR e não MUCDR? O MovimentoNegro Contra a Discriminação Racial é racista?” E, a resposta foi: MN _ “... O MNUCDR não é racista, ele é um movimento de reação a todas as formas de discriminação racial. Uma da formas que se tem utilizado para descaracterizar o MNUCDR é tachá-lo de racista e como tal estará atuando no sentido de dividir as forças de oposição do país, é preciso considera que o MN se coloca junto a outros movimentos que lutam pela transformaçãosocial.”xii Este ensaio foi elaborado, com supressões e acréscimos, porém fiel à finalidade do texto original, de autoria de Adomair O. Ogunbiyi, denominado “O que é movimento negro?”. O texto original foi editado nos“Cadernos Papo Sério”, Ano I – N.º 1 – Dez. 1995, pelo Movimento Negro Unificado – MNU, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Naquela época, foi escrito com propósito de “limpar a área tão tumultuada, principalmente com o advento de atividades em datas importantes como havia sido o “centenário da abolição” e prevendo como seria o Dia Nacional da Consciência Negra, no ano em que se completavam os 300 Anos da Morte de Zumbi dos Palmares”. Esta nossa preocupação nasce, em 1988, quando da publicação da Agenda Afro-brasileira. E, como entendemos que esta questão ainda esta para ser resolvida reaproveitamos o assunto para apresentá-lo neste novo formato.

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que atualmente vêm empreendendo “uma luta antirracista”. Talproposta, no entanto, não tem como intuito diminuir aimportância do trabalho realizado ou a ser efetuado por essasformas organizativas e muito menos desvalorizar seus membros.Tem, sim, a finalidade de situá-los: física, política, moral eideologicamente. Estes “cem números” de formas organizativasde “luta antirracista” são frutos germinados pela luta doMovimento Negro, porém, devido suas especificidades,finalidades e compromissos nem sempre mantém uma relação maisestreita de respeito e fortalecimento daquelas que iniciaram ocombate ao racismo, na atualidade, na sociedade brasileira.Hoje é muito fácil querer ser movimento negro, pois, dá status eaté dinheiro. Nada contra quem queira usufruir dos avançosconquistados pelo movimento negro, contudo há que se respeitá-lo. As regras apregoadas por outros tipos de instituiçõesexistentes na sociedade são respeitadas por todos então porquenão fazer o mesmo com as do movimento negro. As alianças e osapoios não estão e nem deverão estar descartados devido àdelimitação de área, porém, e para tanto, toda e cadaorganização deverá estabelecer em que parâmetros estas serãoefetuados, sem se ferir a autonomia e independência quer sejadas formas organizativas que implementam uma ação“antirracista”, quer seja das organizações do Movimento Negro.Com isto, acreditamos que o combate ao racismo e suasmanifestações discriminatórias e preconceituosasxiii será maiscontundente.

Notas

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xiii Utilizamos as definições compiladas e apresentas nos “Cadernos Papo Sério”, do Movimento Negro Unificado, editado em julho 1996, em S. Bernardo do Campo, que são: “Racismo é a valorização generalizada e definitiva de diferenças reais e imaginárias, em proveito do acusador em detrimento de sua vítima, a fim de justificar uma agressão” (Memmi, 1994); e, Racismo é “Toda teoria que leve a admitir, nos grupos raciais ou étnicos, qualquer superioridade ou inferioridade intrínseca capaz de atribuir a alguns o direito de dominar ou eliminar outros, pretensamente inferiores e que leve a fundamentar julgamentos de valor em alguma diferença racial”. (Declaração sobre Raça e Preconceito Raciais, 1978, adotada na 20ª sessão da Conferência Geral da UNESCO). Discriminação Racial é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor descendência ou origem étnica, que tem por objeto ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condições) de direitos humanos e liberdade fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural, cultural ou em qualqueroutro domínio da vida pública” (Convenção Internacional sobre eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, Resolução 2106 (xx) da Assembléia das Nações Unidas, Parte I, Artigo I, Item 4 de 21.12.1965, aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 23, de 21.06.1967). Preconceito Racial é “Uma atitude negativa adotada por um grupo ou por uma pessoas, em relação a um grupo ou outra pessoa, baseada num processo de comparaçãosocial, segundo o qual o grupo de indivíduos julgador é considerado como ponto positivo de referência” (Jones); e, Preconceito Racial é uma atitude social propagada entre o público por uma classe exploradora com opropósito de estigmatizar algum grupo como inferior, de maneira que a exploração do grupo ou mesmo seus recursos possa justificar” (Cox).

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