Músicas e Letras que cantam e contam

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MICHELLE ALMEIDA FERNANDES COMPOSIÇÕES CARIOCAS: Músicas e Letras que cantam e contam a cidade do Rio de Janeiro e seu Espaço Urbano (1900 a 1960). Niterói 2010

Transcript of Músicas e Letras que cantam e contam

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

MICHELLE ALMEIDA FERNANDES

COMPOSIÇÕES CARIOCAS:

Músicas e Letras que cantam e contam a cidade do Rio de Janeiro e seu Espaço Urbano

(1900 a 1960).

Niterói

2010

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MICHELLE ALMEIDA FERNANDES

COMPOSIÇÕES CARIOCAS:

Músicas e Letras que cantam e contam a cidade do Rio de Janeiro e seu Espaço Urbano

(1900 a 1960).

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal Fluminense, como

requisito parcial para a obtenção do grau de

Mestre

Orientador: Profª. Drª. Fernanda Ester Sánchez García UFF-PPGAU

Niterói

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFF/NDC/BAU

F 363 Fernandes, Michelle Almeida

COMPOSIÇÕES CARIOCAS: Músicas e Letras que cantam e

contam a cidade do Rio de Janeiro e sua Ordem Urbana (1900 a 1960) /

Michelle Almeida Fernandes. – Niterói, 2010.

96f.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade

Federal Fluminense, 2010.

Orientadora: Fernanda Ester Sánchez García

1. Composição (música). 2. Música. 3. Influência da Arte. 4. Rio de Janeiro

(RJ). 5. Urbanização: aspecto histórico. 6. Geografia Humana.

CDD780.9

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RESUMO

Esta dissertação objetiva estudar o processo de produção do espaço urbano carioca, a

sua ordem urbana e através da interpretação das letras de música produzidas nos períodos

analisadas, desvendar algumas das práticas sociais ocorridas na cidade do Rio de Janeiro no

período de 1900 a 1960. Pretende-se através das letras de músicas penetrar no universo das

práticas espaciais e apropriações do espaço urbano por vezes esquecidas durante a caminhada

da cidade rumo a modernização

Utilizando letras de músicas que façam referência aos fatos ocorridos na cidade do Rio

de Janeiro ou a sua ordem urbana – sendo tais músicas sempre contemporâneas aos fatos –,

pretende-se destacar este tipo de registro como importante para o entendimento e análise das

mudanças pelas quais passou a cidade do Rio de Janeiro durante o período objeto de estudo.

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ABSTRACT

The present work intents to analyze the Rio de Janeiro urban space production process,

its urban order and still, through the study and interpretation of lyrics produced at the city

between 1900 and 1960, to solve descriptions and social practices related to the diverse urban

space observations, social imbalance diverted to the city order and the floatable territorialities

caused by urban reforming processes. Through the lyrics it is expected to find records, which

are different of those found in technical literature, aiming to access the spatial practice and

urban space appropriations, to allow new perceptions of the urban modernizing processes.

The research methods and the lyrics choice has considered overall the direct reference

to facts occurred at Rio de Janeiro, related to its urban order, new territory placed by urbanism

actions, as long as the respective resistance practices. The lyrics in question are contemporary

to their described facts, plans or actions. This research primes to valorize these culture

popular expressions as a valid record to understand and analyze Rio de Janeiro’s urban

modifications occurred during the studied period.

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Nem tudo é cosmopolitismo na capital da

República. Enquanto uma cidade dourada se

desfaz em festas, uma outra moureja de sol a

sol. O Rio esconde duas cidades em suas

entranhas. (PECHMAN, 2009: 60)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO 1. Paris, Paris jet’aime, mas eu gosto muito mais do Leme - 1900 a 1920 21

CAPÍTULO 2. E a cidade que tem braços abertos num cartão postal, com os punhos

fechados da vida real, lhes nega oportunidade mostra a face dura do mal - 1920 a 1930

38

CAPÍTULO 3. Dizem as más línguas que ele até trabalha mora lá longe e chacoalha num

trem da Central - 1930 a 1940

51

CAPÍTULO 4. Rio de ladeiras, civilização encruzilhada, cada ribanceira é uma nação -

1940 a 1950

64

CAPÍTULO 5. Minha janela não passa de um quadrado, a gente só vê Sérgio Dourado onde

antes se via o Redentor - 1950 a 1960

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CONSIDERAÇÕES FINAIS – Brasil tua cara ainda é o Rio de Janeiro 86

ANEXO 90

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 92

INTRODUÇÃO

Este trabalho busca uma aproximação ao processo de produção do espaço urbano da

cidade do Rio de Janeiro e sua ordem urbana e desvendar algumas de suas práticas simbólicas

e materiais mediante interpretação das letras de músicas produzidas pelos compositores da

época. Durante o período objeto de estudo - 1900 a 1960 - pretende-se ajudar a compreender

parte das mudanças ocorridas na cidade em seu processo de modernização rumo à

metropolização. Por diversas vezes algumas situações ou acontecimentos sobressaem-se a

outros ocultando importantes processos espaciais e sociais que comungaram durante o

processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de redescobrir, por meio das

letras de músicas, algumas das práticas espaciais e apropriações do espaço urbano

obscurecidas ou esquecidas na história mais recorrente da cidade rumo à modernização,

estudar e analisar processos de lutas, resistências, criação e ação social dentro do espaço

urbano carioca.

O processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro é reconhecido por alguns

autores como um esforço constante de ocupação de um território tido como “improvável”

(ZEIN, 1998). Apesar das feições geográficas e de sua natureza exuberante, o Rio de Janeiro

parecia não combinar com a construção de uma cidade: “... a natureza coalhava aquele lugar

de empecilhos. Morros eram obstáculos, as lagoas focos de mosquitos, tinham as margens

alagadiças e instáveis, a maré impedia a ocupação da estreita faixa litorânea dificultando

caminhos, obrigando a vaus, travessias e pontes” (ZEIN, op.cit.).

Mas contrariando as expectativas, a cidade sempre atraiu moradores, reiterando seu “discurso

fundante” (OLIVEIRA, M., 2002) ligado à idéia do “maravilhoso”. No afã de expansão e

afirmação de vida urbana em sítio improvável, a produção do espaço urbano carioca implicou

em domar a natureza e transformar os terrenos antes inóspitos em habitáveis. Os processos de

domesticação/urbanização do espaço do Rio de Janeiro estão registrados e analisados em

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vasta literatura. Entretanto, parte desses registros pode ser classificada como representativa

de uma narrativa histórica dominante ou oficial, que, de certo modo, reproduz algumas

sínteses associadas às diferentes épocas da evolução urbana. Tais sínteses valorizam as

conquistas territoriais e buscam mostrar os aparentes benefícios associados a cada nova

intervenção urbana, apresentada como necessária para fazer da cidade um lugar melhor para

todos os seus habitantes.

Porém, a história urbana veiculada oficialmente não deve ser entendida como a única,

é apenas uma das formas possíveis de se compreender a realidade. Paralela a ela, transitando

por outros territórios, existem histórias não-oficiais, que precisam ser descortinadas para

ajudar a entender os diversos processos por trás do discurso dominante. Descortinando os

diversos registros, é possível reconhecer os diferentes atores sociais que figuram na cidade e

perceber de que maneira eles vivenciam e representam as mudanças ocorridas durante o

processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro.

Com Lefebvre (2008), podemos pensar que também no caso da cidade do Rio de

Janeiro, por detrás da “cidade concebida”, representada nos planos, nos ideários urbanísticos e

materializada nas grandes intervenções, encontra-se a “cidade vivida”, produto do

desenvolvimento desigual, latente nos dramas da vida cotidiana, nas lutas urbanas, na

resistência e também na festa e na simultaneidade, essência da experiência urbana. Como

aponta o autor: “a cidade constrói, destaca, liberta a essência das relações sociais: a existência

recíproca e a manifestação das diferenças que vêm dos conflitos ou que levam aos conflitos”.

Reconhecendo como um dos traços essenciais do fenômeno urbano a “centralidade”

(LEFEBVRE, 1999), nesse sentido podemos pensar o direito à cidade como próximo ao

direito à centralidade, direito a não ser posto à margem da vida urbana. Quando esse direito é

ameaçado, irrompem manifestações culturais e políticas que evidenciam tensões e conflitos na

luta pelo espaço. Nestes casos, “a separação e a segregação rompem a relação [...] a

segregação complica e destrói a complexidade” (LEFEBVRE, 1999:124).

Efetivamente, a cidade é expressão das lutas sociais e dos pactos político-territoriais.

Tais pactos, de tempos em tempos, são renovados e neles, o urbanismo tem um papel

instrumental. Mas há uma inércia do espaço que retém heranças históricas e culturais. “A

cidade é por excelência território do exercício do poder e o pacto resulta da disputa entre

classes, grupos, corporações e indivíduos em seu interior, delimitando territórios nos quais se

materializa a luta pelo espaço urbano. Desse modo, a cidade e seu território funcionam como

continente para o conteúdo político como uma práxis” (OLIVEIRA, M., 2002:59).

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Segundo Haesbaert (2007:49), “o território pode veicular a articulação de poderes

simbólicos de múltiplas faces, que ora reforçam a segregação e o fechamento e ora

potencializam uma dinâmica de convívio ou de ativação de múltiplas identidades”. Enquanto

alguns territórios são valorizados e chegam até a se tornar imagem-símbolo da cidade,

figurando no imaginário popular como lugares da moda e do status social, outros são

esquecidos pelo poder público, não figuram na cartografia turística da cidade e são relegados

àqueles habitantes da cidade aos quais é negado o direito à centralidade.

O espaço, em sua dimensão ao mesmo tempo material e simbólica, não é apenas um

“instrumento de manipulação” no livre jogo da “invenção” identitária, mas um referencial

que, uma vez “eleito”, passa a interferir na própria identidade e longevidade da dinâmica

identitária. Paisagem-símbolo: Trata-se de uma paisagem específica que é transposta como

símbolo de toda uma área. No caso da cidade do Rio de Janeiro, que está repleta dessas

paisagens-símbolo em sua maioria associadas à exuberância de sua natureza, podemos tomar

como forma de exemplo dois pontos turísticos, Pão de Açúcar e Corcovado, muito presentes

nos versos de diversos compositores, reforçam a idéia de que no imaginário popular estas

paisagens-símbolo possuem tamanha força simbólica que, acabam por se tornar sínteses da

própria cidade (HAESBAERT, 2007: 45), com um grande poder evocador.

O poder simbólico (BOURDIEU, 1989: 7) é, com efeito, esse poder invisível o qual só

pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos

ou mesmo que o exercem. Sendo assim, podemos dizer que o poder está por toda a parte, seja

na construção das territorialidades por meio de práticas políticas e simbólicas de afirmação

identitária de um grupo social em relação aos outros grupos sociais, ou na exposição de idéias,

associadas a valores, visões de mundo e percepções da cidade. Neste âmbito, os autores

deixam entrever seu repertório de referências, o seu pertencimento a um determinado grupo

social. No caso dessa dissertação ao analisar as letras das músicas escolhidas aqui como

significativas para entender o caleidoscópio de representações e imagens – justapostas,

complementares, conflitantes, diversas, associadas à urbanização da cidade do Rio de Janeiro,

é possível percebê-las como formas sociais, produtos culturais que por vezes impregnam de

simbolismos alguns locais da cidade, como é o caso de diversos bairros cariocas, facilmente

identificados pelos ritmos musicas que neles se originaram ou que lhes deram notoriedade

nacional e internacional.

Definir música pode ser uma tarefa um tanto quanto difícil,

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Quer dizer, embora estejamos o tempo todo imersos num mundo povoado por

músicas de todas as espécies, a nossa relação com a música é algo extremamente

difícil de ser formalizado e cuja compreensão se dá na esfera do sensível e do

intuitivo. Qualquer definição de música representaria, quando muito, a definição de

uma música em particular, ou ainda, apenas o ponto de visita restrito e particular

sobre o assunto. Embora possamos falar de música com muita propriedade, esse

discurso não se baseia necessariamente em dados precisos ou formalizáveis, embora

possam ser objetivos e não-arbitrários.

Essa já é na verdade uma forma de começar a compreender a natureza da música e

seus desdobramentos enquanto produto cultural e, portanto, jamais

compreenderemos a música se não pudermos compreender sua relação com os

outros contextos - sociais, culturais, biológicos, físicos - a que ela se une.

(IAZZETTA, 2001:5-6)

Conforme o pensamento acima exposto, tal perspectiva para o entendimento da música

enquanto produto cultural contribui para a produção deste trabalho: que ela pode e deve ser

analisada como uma arte de caráter social, uma vez que os compositores podem transmitir por

meio das letras de suas canções elogios, questionamentos ou indignações a partir de suas

experiências no mundo, mas ela também não pode ser dissociada do contexto cultural, uma

vez que a cultura de um grupo social irá definir o papel da música naquele contexto. Das

mãos dos músicos e compositores surgem as composições que transmitem experiências

pessoais ou experiências perceptivas transformadas em lírica. Cada um, com sua perspectiva

singular, expõe, pela música, sua visão de mundo, por sua vez ligada ao grupo social ao qual

pertence e, muitas vezes, em nome do qual fala.

Amores, medos, alegrias, perdas, frustrações, manifestações, encontros, festas,

tensões, resistências, vividos na “urbe” carioca, caracterizam as simultaneidades e conflitos

existentes na sociedade urbana e sua ordem urbana. Desta forma, o espaço urbano é

produzido também pela cultura, e esta por sua vez também produz a cidade.

A cultura pode ser entendida através de diversos prismas. Antropologicamente pode

ser entendida como características de comportamento aprendido e ensinado, exclusivas do ser

humano. Para muitos estudiosos, tais comportamentos estão enraizados nas relações sociais e

em outras características da sociedade. E o resultado desses processos comportamentais pode

ser observado nas culturas humanas, quando percebemos identidades isoladas de sociedades

humanas distintas caracterizadas por tradições culturais específicas. Sendo assim, podemos

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concluir que os povos se unem ao redor de uma tradição social e que sua visão de mundo está

intimamente ligada à experiência cultural à qual é submetido. A interpretação das culturas

passa pelo entendimento dos diversos sistemas de signos e significados criados pelos distintos

grupos sociais – seus símbolos, ritos e mitos (cf. SANTOS, 2005).

Se um determinado grupo social é capaz de criar símbolos e ritos próprios através dos

quais os laços de pertencimento ao grupo são estreitados, podemos pensar que a cultura de um

determinado grupo social trabalha algumas vezes como contestadora da ordem dominante,

como parece ser o caso de algumas das minorias sociais. Quando excluídos de atuação na

cidade pelos grupos dominantes, as minorias voltam-se às suas raízes culturais em busca de

identidade, do sentimento de pertencimento a um grupo.

No caso do Rio de Janeiro do início do século XX até a década de 1960 (período

objeto de estudo desta dissertação), é possível identificarmos algumas dessas minorias sociais

e como sua cultura particular propiciou a sobrevivência dentro de uma cidade excludente,

algumas vezes atuando como fonte de resistência da ordem dominante, exemplificados pelos

casos da Pequena África atuante com a inserção do negro na sociedade carioca, do bairro

judeu e a rede de ajuda mútua aos imigrantes conterrâneos, dos grupos de capoeira que em

diferentes épocas atuaram contra e a favor da ordem dominante, entre tantos outros.

A utilização de letras de músicas que façam referência aos fatos acontecidos na cidade

do Rio de Janeiro ou a sua ordem urbana e que sejam contemporâneas a tais fatos, como

expressão cultural marcante da vida urbana carioca em diferentes épocas, é aqui destacada

como possível caminho para descortinar os diversos registros identitários que relacionam

territórios, vínculos afetivos com lugares urbanos e, muitas vezes, resistência às próprias

transformações urbanas. Esses registros podem ser reconhecidos como parte dos processos de

luta simbólica (BOURDIEU, 1989) mediante os quais as composições e seus autores revelam

as diferentes e contraditórias formas de viver a condição urbana, de exercitar o direito à

cidade, de produzir e afirmar os diferentes espaços da vida social.

A música popular da qual trata esta dissertação representa aquela que se opõe à música

clássica, erudita. Existem inúmeros significados pra a expressão “música popular”. Para

alguns autores ela seria apenas a oposição com a música erudita, para outros a música que

emanava espontaneamente das camadas populares, em outra época achou-se necessário

diferenciar a música popular produzida nas cidades daquela que era produzida nos campos, no

interior (cf. ANDRADE, 2004). Outros tantos significados existem para o conceito de música

popular, não pretendendo entrar neste mérito que fugiria em muito dos objetivos desta

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dissertação. Para efeitos deste trabalho entende-se que a música popular se trata daquela

música que por oposição difere da música erudita, não importando se é produzida por

compositores pertencentes às camadas populares da população ou por compositores de

camadas superiores falando em nome da primeira. É indiferente aqui, para análise das letras

das músicas selecionadas, se elas foram ou não taxadas em algum momento como músicas de

propósito puramente comercial, pois esta discussão também extrapola os limites desta

dissertação. Sendo assim, para efeitos deste estudo, entenderemos como música popular

aquela que difere por oposição da música erudita, que emana ou não das camadas populares,

que é produzida nas cidades, sendo que as aqui analisadas tratarão exclusivamente do Rio de

Janeiro. O termo MPB – Música Popular Brasileira – não será utilizado por não ser uma

expressão de todo o sempre, e ter sido forjado na década de 1960, período de surgimento da

bossa nova, portanto fora de nosso recorte temporal e por trazer em seu bojo inúmeras

discussões sobre o que poderia ou não ser considerado como música popular brasileira, sendo

assim, a não ser quando presente em alguma citação necessária para o entendimento deste

trabalho, o termo MPB não constará desta dissertação.

Diversos atores e grupos sociais contribuem de maneira marcante para a história da

cidade, como parece ser o caso dos compositores da música popular, que por meio da riqueza,

poesia e sensibilidade da sua arte traduzida nas letras de suas canções, tomadas aqui como

objeto de estudo, ajudam a relativizar algumas sínteses recorrentes na história oficial e

revelam novas leituras da cidade e de suas transformações, indicando múltiplos atores sociais

relacionados aos distintos processos da urbanização. É então possível perceber que junto à

cronologia mais conhecida da história urbana do Rio de Janeiro, existe outra, marcada pelos

tempos, ritmos e conteúdos das manifestações musicais e culturais da cidade.

Porém, o processo de investigação permite que estas histórias, em alguns momentos-

chave, se entrelacem e então é possível perceber “nós de relações” “que vão além da zona

iluminada da pesquisa, estas relações se estendem e se ramificam ao infinito” (ARGAN,

1998).

Ao perceber os “nós de relações”, onde a cidade ilumina a cultura (em sua vertente

poética e musical) e vice-versa, torna-se importante, porém, reconhecer a inscrição social dos

diversos atores, uma vez que esta inscrição permite entender os seus discursos acerca da

cidade, inscrevendo-os em territórios relacionais (por oposição, por afinidade, por estratégia

de sobrevivência, por afirmação de um modo de vida, por resistência à ação do “outro”).

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Com referência às diversas formas de inscrição social (de classe, de etnia, de

pertencimento comunitário, dos costumes), e construindo relações com sua inscrição

territorial (o bairro, o morro, a cidade, o centro, a periferia, o próximo e o distante) os grupos

sociais produzem identidades (cf. LEFEBVRE, 1999) externadas por meio da cultura, e no

caso específico deste trabalho, mediante as letras de músicas analisadas. Por sua vez, estas

identidades são portadoras dos sentidos e das representações – desiguais, contraditórias,

superpostas, convergentes ou opostas sobre a cidade.

Esses “nós de relações”, ao serem identificados e classificados, podem, por vezes,

indicar simultaneidades, co-presenças urbanas, tensões. A lírica dos compositores/atores

sociais, associados a diferentes territorialidades, pode ajudar a reconhecer e desvelar, em um

mesmo momento histórico da urbanização, “Rios de Janeiro” distintos e, por vezes,

antagônicos.

A partir da identificação dos pontos em que uma narrativa – histórica ou cultural–

fertiliza e frutifica a outra, é possível mapear histórias não reconhecidas da cidade, aquelas

que emergem nos versos poéticos das canções e que fazem parte dos registros culturais da

cidade, mas que não figuram em suas imagens-síntese (cf. SÁNCHEZ, 2003). Tais imagens,

embora se apresentem relacionadas às figuras públicas, seus planos e projetos, ou a modos de

vida dominantes, associados aos atributos da paisagem natural, operam com uma redução da

complexidade e riqueza da cidade, e promovem uma super-simplificação na interpretação da

vida social. Muitas vezes, estas imagens, e as representações do urbano a elas associada,

ocultam ou revelam os diversos processos de segregação, exclusão, inclusão ou “distinção”

sociais (cf. BOURDIEU, 2007) por meio dos quais os diversos atores sociais operam no

território. E, no entanto, tais processos são percebidos e registrados pela arte dos

compositores.

É necessário lembrar que essas canções operam no campo das representações, no

campo do simbólico, assim como os discursos e imagens mais difundidos sobre a cidade, ou

seja, segundo Bourdieu (1989), cada uma delas representa uma forma possível de experiência,

de percepção da realidade, jamais a única. Pretende-se a partir desta consideração teórica

desnaturalizar as imagens dominantes e investigar, reconhecer, descobrir, propor outras

imagens.

O período objeto de estudo desta dissertação irá compreender os anos entre 1900 e

1960 no território da cidade do Rio de Janeiro. Esta periodização se justifica pelo

reconhecimento da época como definitiva e marcante para o entendimento da atual

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configuração sócio-espacial da cidade do Rio de Janeiro. Efetivamente, o início do século XX

nos remete ao começo da modernização da cidade, antes uma ainda cidade colonial, e após as

primeiras reformas do período iniciadas com o prefeito Pereira Passos (1903-1906), uma

cidade cujas elites econômicas e políticas buscam inserção no contexto internacional, fato que

se configura durante o restante do período. Também pelo reconhecimento da afirmação de

alguns canais de difusão da música popular neste período do século XX, entre eles os

carnavais de rua, a venda de panfletos com letra e partitura pelas ruas da cidade, as festas da

Penha, grande difusora das canções antes do advento do rádio e a emergência da indústria

fonográfica, que em fins da década de 1920 passa a difundir não apenas a música erudita, mas

também a música popular, ajudando a popularizar a produção musical.

A investigação se deterá no ano de 1960, momento em que ocorre a transferência da

capital federal para o interior do país durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek.

Também por reconhecer que a partir deste momento a cidade-metrópole começa a se afirmar,

e sendo assim, novos contextos sociais, políticos e espaciais precisariam ser observados e

analisados. Buscando não perder a consistência da análise (fato que provavelmente

aconteceria se o recorte temporal se estendesse até fins do século XX), optou-se mais uma vez

pelo recorte no ano de 1960, salientando aqui o desejo de que em um futuro próximo este

marco temporal seja ultrapassado por novos trabalhos de investigação e que a cidade-

metrópole venha a se tornar também objeto de estudo.

Assim, esta dissertação tem como objetivo evidenciar a importância das letras de

música e da cultura popular como fontes documentais privilegiadas para o reconhecimento da

história social e da evolução urbana do Rio de Janeiro, suas simultaneidades e tensões,

durante parte do século XX (1900 a 1960), além de promover, utilizando o mesmo recorte

temporal, um diálogo entre as narrativas dominantes, no campo da história da urbanização

carioca, e os registros encontrados nas diversas expressões musicais, reconhecendo assim, as

diversas representações sociais relacionadas à produção das diferentes territorialidades nos

distintos períodos estudados.

Esta pesquisa se justifica pela busca de novas maneiras de entender os processos

sócio-espaciais que aconteceram na cidade do Rio de Janeiro durante parte do século XX,

processos que muitas vezes passaram ao largo dos discursos dominantes da cidade, mas que

podem se tornar material rico para novos entendimentos acerca da vida e ordem urbana e das

diferentes territorialidades na produção do espaço urbano carioca. Ler a cidade por meio das

letras de música implica em reconhecer as tramas da história urbana mediante o resgate de sua

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história/memória musical, iluminando os “nós de relações” produtivos entre uma trama e

outra. A busca é a de encontrar e reconhecer tais “nós de relações” (ARGAN, op.cit.), aqueles

momentos-chave onde a produção musical ajuda a compreender de modo abrangente a

problemática da produção desigual do espaço ou, pensando sob outro viés, os momentos em

que as grandes transformações urbanas suscitaram uma profusão de diferentes manifestações

musicais.

Para desvendar os múltiplos elos entre a música popular e a cidade propõe-se

“discernir um nó de relações” que permita enriquecer o entendimento acerca do processo de

produção do espaço urbano carioca – multifacetado e contraditório - por meio dos registros

das letras de musicas associados a cada período: “O importante é que a pesquisa não leve a

isolar um fato ou grupo de fatos, mas a discernir um nó de relações, e que se tenha

consciência de que, além da zona iluminada da pesquisa, estas relações se estendem e se

ramificam ao infinito” (ARGAN, op. cit.).

O procedimento metodológico adotado foi inicialmente o reconhecimento da literatura

acerca da evolução da urbanização carioca (1900 a 1960), para a construção de uma

cronologia correspondente à história urbana, destacando sempre que se mostrava necessário,

momentos importantes da urbanização carioca durante o período objeto de estudo. Este

reconhecimento foi realizado mediante uma revisão bibliográfica de autores da Geografia

Urbana, do Urbanismo, da História Social (Fânia Fridman, Jane Santucci, Lilian Fessler Vaz,

Márcio Piñon de Oliveira, Maurício de Abreu, Nelson da Nóbrega Fernandes, Rogério

Haesbaert, Robert Pechman, Vera Rezende, entre outros). Paralelo ao reconhecimento acima

citado ocorreu o reconhecimento da produção poético-musical (letras de músicas) com

referências urbanas identificáveis segundo os temas: urbanidade, sociabilidade, conflito

urbano, territorialidades e mudanças urbanas, apropriação do espaço, urbanização, moradia,

identidades, mobilidade, centro, centralidades, periferias e subúrbio. Esta busca aconteceu por

meio da revisão bibliográfica nas obras de diversos autores emblemáticos (João Baptista de

Mello, José Ramos Tinhorão, Monique Augras, Santuza Cambraia Naves, entre outros), que

se dedicaram aos estudos da música popular brasileira como produção cultural nos diversos

períodos de evolução da cidade do Rio de Janeiro.

Após este trabalho de pesquisa acerca da evolução da cidade do Rio de Janeiro e seu

espaço urbano durante parte do século XX e através das letras de música que fizessem

referência à cidade neste mesmo período, foi possível a definição dos momentos-chave que

sinalizavam periodizações nas quais era pertinente associar os temas da urbanização com as

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composições cariocas. Houve então uma definição dos recortes espaciais apropriados: para

cada período foram estudadas expressões musicais e urbanas associadas ao centro ou ao

subúrbio carioca, aos morros/favelas ou às novas centralidades, em diferentes combinações e

tramas de significados.

Dentro do recorte temporal definido, a pesquisa se divide em cinco períodos. O

primeiro é o único que compreende duas décadas de acontecimentos, e assim se fez necessário

por dois motivos, por entender que estes primeiros vinte anos apesar de conterem outros

tantos acontecimentos, têm muito enraizado por parte do governo e da classe dominante, o

desejo de modernização da cidade do Rio de Janeiro, sendo essa talvez a característica mais

marcante do período. Outro motivo indutor da união de duas décadas em um único período foi

a dificuldade de encontrar registros musicais que aludissem a cidade, uma vez que o rádio

ainda não se configurava como difusor da música popular – dado que ele chega na cidade do

Rio de Janeiro durante a Exposição da Independência em 1922 e só em fins desta década

assumirá esta função de propagador da música popular. Os capítulos posteriores tratam cada

um de uma década apenas.

Ao fim de cada capítulo acontece a construção de uma matriz associativa entre tempo

(recortes/períodos), espaço (territórios, territorialidades, vida urbana) e música popular. Neste

momento, é importante uma volta às indagações principais: como tal composição ajuda a

entender melhor determinado momento da urbanização carioca? Como as diferentes

composições revelam distintas e simultâneas territorialidades? Quais disputas pelo espaço

carioca podem ser identificadas/elucidadas por meio das músicas?

Para iniciar cada capítulo foi escolhido um título, parte de uma letra de música não

analisada durante esta dissertação e também não necessariamente contemporânea ao período

em que estará inserida. Esta frase recolhida de canções não pertencentes ao universo de

pesquisa desta dissertação, irá nos remeter ao entendimento de um elemento importante do

período analisado: Paris, Paris jet’aime, mas eu gosto muito mais do Leme – título do

primeiro capítulo – é capaz de nos remeter ao pensamento reinante na época, o querer ser

Paris, o desejo de modernização da cidade, o desejo de apagar o passado colonial e partir

rumo à modernidade.

O segundo capítulo é intitulado E a cidade que tem braços abertos num cartão

postal, com os punhos fechados da vida real, lhes nega oportunidade mostra a face dura

do mal, parte de outra canção não contemporânea à época, mas que transmite muito bem

alguns dos seus conflitos, simultaneidades e tensões, pois enquanto parte da cidade se

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modernizava, criava para si novos símbolos e buscava sua definitiva inserção no cenário

internacional, ignorava ou relegava ao esquecimento aquela parte do Rio de Janeiro que

abrigava trabalhadores de baixa renda.

Dizem as más línguas que ele até trabalha mora lá longe e chacoalha num trem

da Central intitula o terceiro capítulo e alude à figura do antigo malandro avesso ao trabalho

convertido em trabalhador padrão e símbolo nacional – o bom malandro – durante a Era

Vargas.

Porém, mais do que decretar o fim da malandragem, o que [o compositor] Chico

Buarque revela [na letra de Homenagem ao Malandro] são as transformações pelas

quais ela passou. Trata-se de um processo em que a imagem do malandro vai sendo

depurada, ressemantizada. Se o futuro lhe reservou pra valer um destino menos

nobre, o malandro com contrato, com gravata e capital surge [num futuro posterior à

década de 1930, quando o malandro ainda se encontrava no meio do seu processo de

transformação em trabalhador padrão e símbolo nacional] como um novo estilo de

malandragem, senão uma forma mais estilizada e disciplinada. Aos poucos, sua

imagem vai deixando de ser associada à violência ou à valentia, ganhando uma

conotação mais romântica e, até certo ponto, folclórica (ROCHA, 2006: 139).

Rio de ladeiras, civilização encruzilhada, cada ribanceira é uma nação nos remete

no título do capítulo quatro à intensificação do processo de favelização ocorrido na época,

quando as favelas se multiplicam em número e tamanho, configurando verdadeiras nações

dentro da cidade do Rio de Janeiro, em cada ladeira uma nova nação.

O intenso processo de verticalização que toma conta da Zona Sul desde a década de

1940 e que perdura durante a década de 1950 aparece no título do capítulo cinco: Minha

janela não passa de um quadrado, a gente só vê Sérgio Dourado onde antes se via o

Redentor, e apesar de ser uma composição bastante datada pelo uso do nome de um dos

grandes empresários da construção civil da década de 1970 na letra da canção e de fazer

alusão às transformações sofridas no bairro de Ipanema durante seu processo de

verticalização, ela também transmite com maestria o surgimento avassalador de montanhas de

arranha céus no bairro de Copacabana. O horizonte antes vislumbrado através da janela é

agora bloqueado pelos edifícios e a janela se torna apenas uma figura geométrica e não mais

um local de contemplação da cidade.

20

Nas considerações finais, Brasil, tua cara ainda é o Rio de Janeiro, nos faz pensar

que mesmo após a transferência da Capital para o planalto central, a cidade do Rio de Janeiro

ainda é representada como centro de referência do país. As letras das canções das quais foram

retiradas frases para intitular os capítulos deste trabalho poderão ser encontradas na íntegra no

anexo.

CAPÍTULO 1. Paris, Paris Jet’aime, mas eu gosto muito mais do Leme1 - 1900 a

1920

No último quartel do século XIX o território da cidade do Rio de Janeiro, já não

comportava a crescente população carioca. Era necessário expandir a malha da cidade, que já

possuía suas freguesias centrais bastante, e cada vez mais, adensadas. Buscando um maior

afastamento das camadas populares e da zona central conturbada, as classes com maior poder

de mobilidade evadem da tumultuada zona central urbana em busca dos bons ares dos

subúrbios. Importante ressaltar que na época, eram entendidas por áreas suburbanas, todas

aquelas que não pertencessem à zona urbana da chamada “cidade”, entre elas: Copacabana,

Botafogo, Gávea, Tijuca, Andaraí, etc. (cf. FERNANDES, 1995). Até a década de 1930, as

áreas suburbanas da cidade eram ainda bastante prestigiadas e estavam associadas à classe

aristocrática e a uma vida social bastante ativa, eram sinônimos de arredores da cidade e de

uma qualidade de vida superior em relação àquela desfrutada pelos moradores do centro da

cidade.

Segundo Fernandes (1995: 122), “durante o século XIX, o bonde teve um papel muito

mais importante que o trem na produção de um subúrbio residencial no Rio de Janeiro, sendo

o principal fator de adensamento das áreas chamadas suburbanas do sul, do norte e aquelas ao

longo da linha do trem da E. F. D. Pedro II (Central/ Engenho Novo/ Cascadura/

Moxambomba/ Queimados)”. Diversos foram os motivos: inicialmente o serviço de trens não

priorizava o transporte de passageiros para áreas suburbanas e sim o alcance do grande

comércio além da Serra do Mar, os bondes eram mais competitivos por possuírem passagens

mais baratas, além de se instalarem diretamente sobre os leitos das ruas facilitando a

penetração do transporte no interior dos bairros.

Em 1902, durante o Governo Pereira Passos, tem início a transformação da forma

urbana do Rio de Janeiro. Conforme Rocha (1995:27), a atuação dos órgãos municipais na

1 Trecho da música “Paris” composta em 1938 por Alberto Ribeiro e Alcyr Pires Vermelho

21

urbanização da cidade até então é praticamente inexistente. A reforma ocorre, numa parceria

inédita entre Prefeitura (na figura de Francisco Pereira Passos – 1902 a 1906) e o Governo

Federal (a cargo do Presidente Rodrigues Alves – 1902 a 1906), seguindo um modelo adotado

anos antes por Georges Haussmann para a reforma urbana de Paris. Incorporada à reforma

urbana da cidade do Rio de Janeiro, estava uma nova ideologia, que fazia acreditar que a

transformação estética da cidade, traria consigo a transformação das mentalidades e, por

conseguinte, o advento da civilização. “A estética é parte essencial do discurso à época,

designando, mais que novos valores estéticos, uma nova fisionomia arquitetônica para a

cidade, abrigando inclusive outros objetivos como a erradicação da população trabalhadora e

a valorização dos espaços.” (REZENDE, 1998)

Com o advento dos bondes de tração animal, que começaram a circular durante o ano

de 1868, o problema da distância entre o centro da cidade e as novas áreas urbanizadas foi

vencido, e isso aumentou a procura por parte da população com algum poder aquisitivo, pelas

regiões no subúrbio, mais arejadas e afastadas da insalubridade característica do centro da

cidade do Rio de Janeiro de início do século XX, e sendo assim, surgiram novos bairros na

cidade, tais como: Botafogo, Andaraí, Tijuca, Gávea, Laranjeiras, Vila Isabel. Mesmo com a

evasão de parte da população do centro da cidade, este, continuava cada vez mais populoso,

pois as classes com baixo poder de mobilidade permaneceram morando próximas aos seus

locais de trabalho.

Acerca das formas de moradia popular, “numa época em que não existiam favelas

pela cidade, eram os cortiços que ofereciam quartos para aluguel. Havia, porém, várias

modalidades de habitação, por mais precárias que elas fossem em geral – estalagem, cortiço

ou casas de cômodos, avenida e vila operária. Uma delas era o zungu, forma comunitária

popular, misto de abrigo e comércio. Quitandas ou casas de refeições (sobretudo angu)

abrigavam população de baixa renda e serviam como refúgios clandestinos usados por uma

rede de apoio mútuo para escravos fugidos. Atuando também como pontos de manutenção de

costumes africanos que incluíam festas e práticas religiosas, eles se distribuíam pelo domínio

urbano ou mesmo por regiões afastadas, como Irajá e Inhaúma, e eram alvos da repressão

policial.” (SOARES, apud FRIEDMAN, 1998)

De acordo com a nova ideologia, as zonas nobres da cidade deveriam ser saneadas e

com isso, a guerra aos cortiços e às habitações coletivas, ganha um novo e acelerado fôlego

(cf. VAZ, 2002). Desde 1880, portanto ainda durante o Império, existiam relatórios do

Ministério dos Negócios destacando a necessidade de coibir a proliferação das habitações

22

23

coletivas. Desta data em diante era proibida a construção, reconstrução ou remodelamento

desse tipo de habitação, porém, não eram oferecidas, por parte da municipalidade, casas

higiênicas e baratas em número suficiente para abrigar a população trabalhadora que residia

nos cortiços, casas de cômodos, avenidas e estalagens. Esse tipo de moradia aconteceu

inicialmente na parte central da cidade, nos antigos casarões da aristocracia, que aos poucos

abandonara o centro em busca de freguesias menos populosas nos arredores da cidade.

“Barata Ribeiro iniciara uma guerra de picaretas contra os cortiços, acabando com os

casarões infectos onde se vivia em precárias condições de higiene, inaugurando a política de

erradicação dos cortiços que culminaria com a reforma urbanística e sanitária, levada a efeito

pela administração Pereira Passos. Cuidava-se dos aspectos urbanístico e sanitário,

desprezando-se o ângulo social” (CARVALHO, 1995: 162). Com a destruição desses

primeiros cortiços, no ano de 1893, tem início a ocupação do morro da Providência pelos

moradores despejados, que sem poder de mobilidade pela cidade, precisavam habitar nas

proximidades de seus locais de trabalho.

Em 1898, a população do morro da Providência sofre um aumento significante com a

instalação, a princípio provisória, dos ex-combatentes da Guerra de Canudos (responsáveis

por batizar o local como Morro da Favela). Com a reforma de Passos, houve uma grande

valorização da área central da cidade, e a desarticulação das formas de sobrevivência de uma

parcela das camadas trabalhadoras. Sem dinheiro para continuar residindo na área central,

restava a eles procurar por moradia em bairros mais afastados, ou adensar ainda mais o

número de moradores nas habitações coletivas que restaram em freguesias próximas ao

centro, sendo a Cidade Nova um dos locais mais procurados, ou ainda estabelecer moradia

nas áreas pouco valorizadas da cidade, expandindo assim a favela para os morros além da área

central. “É isso que muda com as reformas urbanas, e a favela, sem dúvida alguma, é a

resposta ao que ocorre: uma nova estratégia de sobrevivência” (ROCHA, 1995: 96).

“Realmente, após as obras da Reforma Urbana inaugurava-se nova etapa na vida da

cidade. Finalmente, da pequena cidade mercantil de feição colonial emergia uma cidade

moderna e capitalista, cosmopolita e civilizada. Mesmo que tudo parecesse novo a partir de

então, na verdade o que se observava era que tendências e indícios, antes apenas esboçados,

se explicitavam, culminando um longo processo de concepção e tentativas de implementar a

renovação urbana.”(VAZ, 1998b)

24

“Com a Avenida Central veio a transformação dos hábitos e valores locais:

automóvel, energia elétrica, gás e água encanados, fonógrafo, cinematógrafo e grandes

magazines, contribuindo para a europeização da cultura carioca e uma homogeneização do

comportamento coletivo, com a afirmação dos mesmos hábitos para a maioria de seus

habitantes. A moda feminina é um bom exemplo desse novo comportamento” (ROCHA,

1995:100), como bem expressa a música “Art Nouveau”, de autor desconhecido, cantada por

Baiano no ano de 1904.

Eu ando muito intrigado/ com essas modas de agora/ e ando mesmo embasbacado/ valei-me

Nossa Senhora/ é cada coisa de arrepiar/ que afinal, a mulher nos faz ver/ seja casada, viúva

ou solteira/ a diferença é que não pode haver/ Pega no vestido de uma tal maneira/ como

finalmente eu fazendo estou/ e assim, a sorrir, a mexer, dizem todas/ tudo isso é Art Noveau/

Se acaso está chovendo/ e guarda-chuva não trazem/ as saias vão suspendendo/ e nisso elas

se comprazem/ mostram as meias, mostram as ligas/ e todo o corpo fica desenhado/ podem

ser velhas ou raparigas/ são elas todas iguais no riscado/ Pega no vestido../ Se algumas a

petulância/ de tal ponto disfarçar/ só porque têm abundância/ as saias deixam de usar/

compram nas lojas uns tais coletes/ que para a frente puxando-as está/ uma fivela juto ao

corpete/ usam ainda do lado de cá/ Pega no vestido../ Eu desejava somente/ que me dissessem

agora/ como é que querem que a gente/ respeite qualquer senhora/ pois que já usam o mesmo

decote/ e os chapéus que parecem pitangas/ a mesma coisa já usam as cocottes/ a diferença é

que não pode haver/Disso são culpados os próprios maridos/ os tais parentes e até mesmo o

avô/ em consentir que elas usem tais vestidos/ feitos sempre em Art Nouveau.

Neste início de século, para além da remodelação da cidade e da mudança de hábitos

da população, mostrava-se necessário o saneamento da capital federal. Era preciso erradicar

também a febre amarela, a varíola e a peste bubônica da cidade que se modernizava. A cargo

do Serviço de Saúde Pública do Rio de Janeiro, o médico sanitarista Oswaldo Cruz dá início a

uma audaciosa - e criticada - campanha de saneamento da cidade. A desinfecção dos

domicílios e a vacinação em massa da população foram algumas das estratégias adotadas no

combate às doenças.

Porém, a maioria da população era ainda analfabeta, não conseguia ler os folhetos

explicativos afixados pela cidade e então, não concordava com as medidas sanitaristas.

Quando a vacinação foi decretada como obrigatória, podemos dizer em linhas gerais que,

25

nasceu a Revolta da Vacina2 insuflada pela oposição ao governo de Rodrigues Alves. “Mas o

verdadeiro embate se concentrava de fato em duas concepções que dominavam o cenário

filosófico e científico de final de século: o higienismo e o positivismo. O higienismo foi

fundamentado como instrumento de intervenção: intervenção no espaço público, na habitação,

no indivíduo, a fim de recuperar a salubridade do ambiente com medidas como o saneamento

e a vacinação em prol de uma higiene social. Já para os adeptos do pensamento positivista, o

indivíduo deveria se responsabilizar pela sua saúde, não cabendo ao Estado legislar sobre o

corpo do cidadão” (SANTUCCI, 2008: 106). Nas palavras de Enders (2009 p. 207), “a

Revolta da Vacina evidencia a resistência popular contra a intervenção dos agentes do Estado

dentro dos lares e no corpo dos cidadãos, pois a idéia de deixar-se inocular por uma

substância extraída de animais doentes repugnava a muitos cariocas além da perspectiva de

entregar filhas e esposas à apalpação de desconhecidos, que deixava inúmeros pais de família

indignados”.

Ainda no ano de 1904, além das medidas impostas para o saneamento da cidade, foi

aberta a temporada de caça ao rato, para o combate à peste bubônica transmitida pelas pulgas

que infestavam aqueles roedores. Segundo Santucci (op.cit.), Oswaldo Cruz adotou o sistema

utilizado nas Filipinas de pagar por cada animal capturado, o que acabou por criar um

comércio paralelo de venda de roedores. A polca abaixo, intitulada “Rato, rato” composta por

Casemiro de Abreu e Claudino Costa no mesmo ano, foi sucesso no carnaval da cidade,

satirizava a temporada de caça e o novo tipo de comércio: a venda de roedores ao governo. O

pregão utilizado pelos compradores de ratos em domicílio para chamar a atenção dos

moradores era “rrrrato! rrrrato! rrrrato!”, e segundo Tinhorão (2005: 59), “o pregão revela

uma tendência inapelável para transformar-se em música, uma vez que o apregoador, ao ir

descobrindo aos poucos as amplas possibilidades da modulação de sua voz, acaba

invariavelmente cantando, em bom sentido, os nomes dos artigos que tem para vender ou que

deseja vender”.

Rato, rato, rato/ Porque motivo tu roeste meu baú?/ Rato, rato, rato/ Audacioso e malfazejo

gabiru/ Rato, rato, rato/ Eu hei de ver ainda o teu dia final/ A ratoeira te persiga e consiga/

Satisfazer meu ideal/ Quem te inventou?/ Foi o diabo, não foi outro, podes crer/ Quem te

gerou?/ Foi uma sogra pouco antes de morrer!/ Quem te criou?/ Foi a vingança, penso eu/

2 Não está entre os objetivos deste trabalho o aprofundamento nas contradições sócio-econômico-espaciais que

suscitaram a Revolta da Vacina, cabendo apenas citar a resistência à vacinação obrigatória por uma parcela da

população, na sua maior parte pobre, não esclarecida e negligenciada por parte do Estado. A esse respeito ver:

SANTUCCI, 2008

26

Rato, rato, rato, rato/ Emissário do judeu/ Quando a ratoeira te pegar/ Monstro covarde, não

me venhas/ A gritar, por favor/ Rato velho, descarado, roedor/ Rato velho, como tu faz

horror!/ Nada valerá o teu qüim-qüim/ Tu morrerás e não terá quem chore por ti/ Vou

provar-te que sou mau/ Meu tostão é garantido/ Não te solto nem a pau

É possível nesta composição “politicamente incorreta” percebermos a forte presença

do imigrante na cidade do Rio de Janeiro na estrofe que diz: “rato, emissário do judeu”. Cabe,

portanto esclarecer que fugindo do anti-semitismo, diversos grupos de judeus emigraram da

Europa Ocidental e do Oriente Médio, e se instalaram no Rio de Janeiro a partir do ano de

1880. Existiu então, pelos arredores da Praça Onze, desde fins do século XIX até meados de

1940, o que se pode identificar como bairro judeu. O lugar foi durante esse período, ponto de

convergência de imigrantes judeus de poucos rendimentos, por seus aluguéis mais baratos e

pela centralidade do lugar. Segundo Friedman (1998: 39), havia subdivisões espaciais que

concentravam vários grupos étnicos na Praça Onze e adjacências, como negros ocupando o

arco definido pelo morro da Providência, Saúde, Gamboa e Santo Cristo (constituindo a

chamada Pequena África3), portugueses e espanhóis concentrados nas vizinhanças da Praça da

República e na direção da Gamboa, além de italianos, ciganos, sírios e libaneses.

Nestas primeiras composições analisadas, é possível perceber a irreverência das letras,

com algumas passagens de ironia e de contestação à ordem dominante, aquela que queria

transformar a cidade e dar-lhe os ares glamourosos de Paris. No caso da canção popular a

seguir, chamada “Eu vou beber”, ainda no ano de 1904, podemos perceber a rebeldia por

parte da população em obedecer à nova regra sócio-espacial. A polícia havia começado a

reprimir os excessos de liberação nas ruas da cidade. As ruas novas e limpas já não eram mais

tão democráticas como antes, e nelas não havia mais lugar para a descontração característica

das antigas ruas coloniais. Imperava agora a ordem, com maior controle do uso dos espaços

públicos. Nas entrelinhas de “... a polícia não quer que eu sambe aqui...” é possível perceber

uma relação de conflito ligada à apropriação do espaço, aonde e quando é permitido sambar, o

código desafiado; em seguida, vem a frase que transmite a idéia de usufruto libertário do

espaço da cidade: “eu sambo aqui, sambo acolá”. Necessário esclarecer que, a expressão

“samba” deve ser entendida, neste momento, apenas como uma forma de dança, um

sapateado, ainda não denominando o ritmo que virá a nascer posteriormente.

Eu vou beber/ Eu vou me embriagar/ Eu vou fazer barulho/ Pra polícia me pegar/ A polícia

não quer/ Que eu sambe aqui/ Eu sambo ali/ Sambo acolá

3 Denominação dada por Heitor dos Prazeres, conforme MOURA, 1995.

27

Após a inauguração da Avenida Central, o carnaval carioca que antes acontecia na Rua

do Ouvidor é transferido para lá. É nesta época que, estimulada pela municipalidade, surge em

busca de um carnaval civilizado e livre das velhas usanças (como no caso o popular entrudo),

a versão carioca para a parisiense Batalha das Flores, o Corso Carnavalesco, um folguedo

também destinado às elites, pois mais uma vez era necessário possuir um carro para desfilar,

além de fantasia para todos os integrantes do veículo. Os buquês de flores foram

convenientemente substituídos por confetes, serpentinas e esguichos de lança-perfume.

Obviamente este desfile ocupava todo eixo carnavalesco durante os três dias de folia e abria

espaço somente na noite de segunda-feira para os ranchos populares e na noite de terça-feira

para o desfile das sociedades carnavalescas. Esta nova e moderna cidade, cheia de novas

posturas e proibições que afetavam diretamente as classes mais pobres, também tinha seus

adeptos, uma população satisfeita, que só teve a ganhar com as mudanças. Em oposição aos

protestos irônicos do povo imortalizados em letra e música, surgem também as homenagens e

o reconhecimento ao grande trabalho de saneamento e embelezamento da Capital, onde o

velho citado na canção popular “Ô raio, ô sol” de autor desconhecido, sucesso no carnaval de

1906 pelas ruas da cidade, é ninguém menos que o Prefeito Francisco Pereira Passos, “... que

alarga a rua”.

Ô raio, ô sol/ Suspende a lua/ Bravo ao velho/ Que está na rua / Que alarga a rua

Chega o ano de 1908, a gestão Pereira Passos havia acabado há dois anos, e a cidade

do Rio de Janeiro desfilava pelas avenidas tropicais “à lá Paris”. È neste mesmo ano que, para

comemorar o centenário da Abertura dos Portos ao comércio exterior, acontece no bairro da

Urca, no terreno entre os Morros da Babilônia e Cara de Cão, a Exposição Nacional, que

pretendia transparecer aos olhos do mundo a imagem de uma República recém inaugurada, de

homens livres, numa cidade cartão-postal, de um país dotado de riquezas naturais, em fase de

industrialização e fazendo ciência (HEIZER, 2007: 03/ ANDREATTA, 2009). Este evento

também possuía seus próprios códigos de postura e aparência de freqüentadores, excluindo

assim grande parte da população a quem era mais uma vez negado o direito de participar das

decisões e vivências da cidade, “do bonde desciam homens de terno, gravata e chapéu,

mulheres com seus vestidos compridos [...], luvas, chapéus e sombrinha” (FABIAN, 2007).

No final do ano de 1910, entre os meses de novembro e dezembro, a cidade do Rio de

Janeiro, esteve na mira dos canhões. “A obra de Pereira Passos ficava à mercê dos negros em

comando de poderosíssimos canhões ingleses, contra os quais pouco poderiam fazer as

baterias terrestres. Por uma vez o poder militar fica com os dominados, e esses exigem para

devolvê-lo medidas até bem modestas e setorizadas, mas de enorme dignidade. Os jornais

28

comentam que “é bem doloroso para um país forte e altivo ter que sujeitar-se às imposições

de setecentos ou oitocentos negros e mulatos que, senhores dos canhões, ameaçam à capital

da República” (MOREL apud. MOURA, 1995: 143). A perícia no manejo dos navios impede

tentativas de comandos que se tramam entre os oficiais ansiosos por vingança. À cidade, por

vezes, os ventos trazem alguns compassos de maxixe tocado pela banda da marujada”.

(MOURA, 1995: 143). Era a revolta da Chibata, uma legítima insurreição por parte dos

marinheiros que teve como objetivo abolir os castigos físicos até então praticados contra eles,

“além do castigo físico, os marinheiros eram submetidos à má alimentação e estavam

insatisfeitos com os baixos soldos. Não por coincidência, esse costume brutal repetia as

atrocidades da escravidão, pois cerca de 90% dos marinheiros eram negros” 4. Eles foram

liderados pelo marinheiro de 1ª classe João Cândido o Almirante Negro imortalizado na

música “O Mestre Sala dos Mares5” de João Bosco e Aldir Blanc, composta no ano de 1975,

seis anos após a morte de João Cândido. Essa revolta coloca em evidência a exclusão sofrida

pela parcela negra da população carioca, uma vez que o país desejava visibilidade

internacional e sendo assim, nesta nova sociedade não havia lugar para a enorme quantidade

de negros que procuravam a Capital da República após o fim da escravidão.

Há muito tempo nas águas da Guanabara/ O dragão do mar reapareceu/ Na figura de um

bravo marinheiro/ A quem a história não esqueceu/ Conhecido como o almirante negro/

Tinha a dignidade de um mestre sala/ E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas/ Foi

saudado no porto pelas mocinhas francesas/ Jovens polacas e por batalhões de mulatas/

Rubras cascatas jorravam das costas/ Dos negros pelas pontas das chibatas/ Inundando o

coração de toda tripulação/ Que a exemplo do marinheiro gritava então/ Glória aos piratas,

às mulatas, às sereias/ Glória à farofa, à cachaça, às baleias/ Glória a todas as lutas

inglórias/ Que através da nossa história/ Não esquecemos jamais/ Salve o almirante negro/

Que tem por monumento/ As pedras pisadas do cais/ Mas faz muito tempo6

As obras ocorridas durante a gestão do Prefeito Pereira Passos modificaram diversos

pontos da cidade, e a zona portuária situada no bairro da Saúde esteve entre as regiões

4 Trecho retirado do projeto de Lei nº 39 de 2009. Disponível em: http://www.senado.gov.br/PAULOPAIM

/pages/projetos/2009/pls/PLS%20Nº%20039%20de%202009%20-%20institui%20o%20ano%20de%202010%

20como%20centenario % 20revolta%20da%20chibata.pdf 5 Necessário esclarecer que “Mestre sala dos mares” é, dentro desta dissertação, a única composição não

contemporânea aos fatos históricos. Apesar de não ter sido criada no período objeto de análise, a canção foi

incorporada por ilustrar ricamente as tensões sociais da época (prostituição e abusos contra a população negra).

Com isso, datando sua criação da época da ditadura militar, “Mestre sala dos mares” figura no corpo deste

trabalho como uma ilustração do período objeto de estudo, graças a riqueza e sensibilidade de seus versos, e não

como uma das canções cujas letras serão analisadas. 6 Esta é a letra original, antes de passar pelo crivo da censura. As palavras sublinhas tiveram que ser substituídas.

29

bastante afetadas pelas reformas do “Bota-Abaixo”. A região do cais do porto se caracterizava

no início do século XX por abrigar a colônia de negros baianos e sua rede de relações de

apoio aos baianos recém-chegados à cidade, nas palavras de Moura (1995, p.86), “sob a

proteção da bandeira branca de Oxalá, continuam chegando ao Rio de Janeiro, nos porões dos

navios que faziam escala no porto de Salvador, negros baianos livres, principalmente das

nações sudanesas, em busca de uma sociedade mais aberta onde pudessem se afirmar,

superando os traumas da escravatura. Os primeiros que conseguem uma situação na capital,

um lugar para morar e cultuar os orixás e uma forma de trabalho, não hesitam em fornecer

comida e moradia aos que vão chegando, o que permitiu um fluxo migratório regular até a

passagem do século, garantindo uma forte presença dos baianos no Rio de Janeiro”.

As obras para a criação do Novo Porto do Rio de Janeiro acabaram por transferir a

localização da “Pequena África” das imediações da Pedra do Sal, para a região da Cidade

Nova, e por lá a rede de solidariedade grupal continuou a existir, desta vez instalada nos

antigos casarões construídos pela burguesia em meados do século XIX, que com a subdivisão

de cômodos internos acabaram transformados em cortiços ou casas de cômodos. Neste

cenário, todos eram obrigados a participar da luta diária pela sobrevivência. Os homens

procuravam freqüentemente trabalhos na região portuária como estivadores ou catraieiros, ou

aprendiam algum ofício tradicional deste grupo baiano como: operários, pedreiros,

carpinteiros, ferreiros, sapateiros, cocheiros, barbeiros e músicos. Porém como dito antes, a

manutenção da vida exigia que as mulheres também entrassem neste “mercado de trabalho”,

pois os serviços oferecidos aos seus companheiros eram geralmente temporários. Então, para

além de cuidar dos filhos e da casa, essas mulheres procuravam serviço como empregadas

domésticas, costureiras ou quituteiras, estas oferecendo suas iguarias em tabuleiros (o famoso

tabuleiro da baiana) pelas ruas da cidade, e garantiam assim o sustento da casa e às vezes a

própria sobrevivência do homem. A composição “Quem paga a casa pro homem é mulher” de

João da Baiana, data do ano de 1915, e nos mostra uma possível realidade da época.

Se é de mim, podem falar/ Se é de mim, podem falar/ Meu amor não tem dinheiro/ não vai

roubar pra me dar/ Quando a polícia vier, e souber/ Quem paga a casa pro homem é mulher/

No tempo que ele podia/ me tratava muito bem/ Hoje está desempregado/ não me dá porque

não tem/ Quando a polícia vier, e souber/ Quem paga a casa pra homem é mulher/ Quando

eu estava mal de vida/ ele foi meu camarada/ Hoje dou casa, comida/ dinheiro e roupa

lavada/ Quando a polícia vier, e souber/ Quem paga a casa pra homem é mulher.

30

Nestes antigos casarões da Cidade Nova ocupados pelas grandes famílias baianas,

nascidas da rede de solidariedade para com os conterrâneos, nas então chamadas casas das

Tias Baianas, era onde também acontecia a festa: “cantavam muito, pois sempre estavam

dando festas de candomblé, as baianas da época gostavam de dar festas. A Tia Ciata também

dava festas. Agora, o samba era proibido e elas tinham que tirar uma licença com o chefe de

polícia. Era preciso ir até a Chefatura de Polícia e explicar que ia haver um samba, um baile,

uma festa enfim. Daquele samba saía batucada e candomblé porque cada um gostava de

brincar, à sua maneira” (MOURA, 1995: 93).

E foi da casa da Tia Ciata, a “capital” da Pequena África (cf. MOURA, 1995), que

saiu aquele que é reconhecido como o primeiro samba: “Pelo Telefone”7, segundo Fernandes

(2001: 42) antes dele foram gravados dois outros sambas, que não alcançaram o sucesso de

“Pelo Telefone” e sendo assim, este se tornou um dos maiores responsáveis por definir e fixar

o samba como gênero musical, sendo esta a justificativa do seu lugar de destaque na história

da música popular. Mas torna-se importante destacar o contexto de onde emerge a inscrição

territorial de tal composição, bem como os outros territórios dos quais ela fala. “Pelo

Telefone” nasceu no quintal da casa da Tia Ciata como uma criação coletiva de todos os

“bambas” que batiam ponto no berço do samba. Ela descrevia um fato ocorrido , em 1913,

quando os jornalistas do “A Noite” para provar que o chefe da polícia Aurelino Leal era

conivente com os jogos ilegais realizados em cassinos ou nas esquinas da cidade, instalaram

uma roleta na entrada da redação no Largo da Carioca para desmoralizá-lo, e como as

diligências eram avisadas pelo telefone, imediatamente o humor carioca captou a comicidade

do episódio nos versos e nas inúmeras paródias da letra que eram distribuídas em papéis por

meninos, pelas ruas da cidade, ridicularizando a odiada polícia da época. Ainda segundo

Fernandes (op.cit.: 45), esta abaixo, é a versão oficial (datada de 1914, ano posterior à

campanha realizada pelo jornal contra o chefe Aurelino Leal), autocensurada e a que fez

menos sucesso de “Pelo Telefone”, dissimulando as inúmeras paródias que se valeram de sua

melodia.

7 Existem divergências no que tange a autoria de “Pelo Telefone”. Em Miranda (2007 p. 94), podemos perceber

que este dito primeiro samba (que na realidade se configura em um maxixe) trata-se realmente de uma obra

comunal, conforme a tradição das rodas de samba rural da Bahia ainda mantida nas rodas de samba da casa da

Tia Ciata, onde a música percutida na palma da mão e com prato-e-faca, era criada por todos e cantada na forma

responsorial: um solista improvisava seguido por um refrão conhecido, entoado por todos. Os compositores

Donga e Mário de Almeida ao registrarem em 1917 a autoria respectivamente da letra e música de “Pelo

telefone” tomam para si todos os méritos do famoso “primeiro samba”, porém, é certo que os freqüentadores da

casa da tia Ciata deram sua contribuição. Daí a reivindicação de vários (dela participam Tia Ciata, Hilário

Jovino, Sinhô e outros) cada qual reclamando seu quinhão autoral.

31

O chefe da polícia/ Pelo telefone/ Mandou avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/ Para se

jogar/Ai, ai, ai O chefe gosta da roleta/ Ô maninha Ai, ai, ai/ Ninguém mais fica forreta/ É

maninha/ Chefe Aureliano Sinhô, Sinhô/ É bom menino Sinhô, Sinhô/ Prá se jogar Sinhô,

Sinhô/ De todo o jeito Sinhô, Sinhô/ O bacará Sinhô, Sinhô/ O pinguelim Sinhô, Sinhô/ Tudo

é assim.

“Época de pobreza e desemprego. Era difícil encontrar trabalho, e quando aparecia

um, era quase sempre pesado e mal remunerado” (RIBEIRO, 2004). Ainda em 1917, outro

samba é gravado, e nele podemos perceber as dificuldades vividas pela classe trabalhadora

chamada “Zé povo”, esmagada pelo peso dos altos impostos cobrados, onde viver na

clandestinidade “não paga nada o bicheiro... vender bicho é uma mina” era além de rentável,

uma opção segura, pois “protestar eu não me arrisco no Largo de São Francisco” e, reclamar

as autoridades de pouco ou nada adiantava “diz o chefe de polícia não sou eu que o povo

dispo”, deixando claro que fazia vistas grossas às contravenções na cidade “Vão queixar-se à

mãe do bispo”, numa alusão à Dona Ana Teodoro, mãe do Bispo José Joaquim Justino

Mascarenhas Castelo Branco. Ela foi uma figura extremamente respeitada no Rio do século

XVIII, onde exercia muitas vezes a função de "juíza informal", decidindo pendências entre as

pessoas que a procuravam. "Vai se queixar com a mãe do bispo" foi uma expressão que por

mais de um século fez parte do linguajar popular do carioca. A "mãe do bispo", como era

conhecida, era respeitada e temida, ajudava obras de caridade e muitas vezes, exercia a função

do filho. Freire Júnior, apesar de não fazer parte da classe à qual faz alusão, descreve com

bastante irreverência e realismo a verdade sócio-econômica de sua época na letra do samba

“Desabafo carnavalesco”.

Sobe a carne e o feijão/ Desce o brio da nação/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Sobe a carne e o

feijão/ Desce o brio da nação/ E o povo anda casmurro/ Pagando imposto pra burro/ Sim

Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ E o povo anda casmurro/ Pagando imposto pra burro/ Meu

milagroso São Braz/ Não aperte tanto o nó/ Pense o mal que nos faz/ Do Zé Povo tenha dó/

Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Não aperte tanto o nó/ Do Zé Povo tenha dó/ Paga os pobres

funcionários/ Os negócios dos falsários/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Paga os pobres

funcionários/ Os negócios dos falsários/ O comércio virou bicho/ Pôs o Conselho no lixo/ Sim

Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ O comércio virou bicho/ Pôs o Conselho no lixo/ Diz o Chefe de

Polícia/ Não sou eu que o povo dispo/ Aconselho sem malícia/ Vão queixar-se à mãe do

bispo/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Protestar eu não me arrisco/ No Largo de São Francisco/

Paga imposto o açougueiro/ O sapateiro e o vendeiro/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Não paga

32

nada o bicheiro/ Cá do Rio de Janeiro/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Vender bicho é uma

mina/ É um negócio da China

Mediante inúmeras obras de embelezamento realizadas na cidade do Rio de Janeiro

desde o início do mandato do prefeito Pereira Passos, parte da cidade estava “livre” das

habitações populares coletivas. Porém, estas obras não ocorreram em toda a parte, e em

algumas zonas da cidade ainda é possível, neste ano de 1917, encontrar alguns cortiços e

casas de cômodos. Segundo Carvalho (1995: 133), “por habitações coletivas entendia-se

oficialmente aquelas que, dentro do mesmo terreno ou sob o mesmo teto, abrigavam famílias

distintas que se constituíam em unidades sociais independentes.”

As casas de cômodos eram consideradas pela municipalidade como as de piores

condições, pois os pequenos aposentos podiam ser alugados a indivíduos solteiros de ambos

os sexos ou a pequenas famílias, gerando promiscuidade, falta de privacidade e superlotação.

Entretanto, para a parcela da população expulsa do centro urbano pelas obras de

embelezamento da cidade à qual era negada a participação nas decisões da cidade e a vivência

do novo espaço concebido pelas elites, as casas de cômodos estavam longe de representar o

ambiente sombrio e triste divulgado pelas autoridades.

A composição “Casa de cômodos” de João da Baiana nos permite conhecer a história

de um visitante de uma dessas casas de cômodos que presencia as alegres batucadas

reprimidas pela polícia, a movimentação, o flerte, as brigas e a heterogeneidade dos seus

habitantes “mulato”, “branco”, “paraíba do norte do Maranhão” e o agiota “Salomão”,

provavelmente de origem judia.

Não moro em casa de cômodos/ Não é por ter medo não/ na cozinha muita gente/ sempre tem

apelação/Batuque na cozinha sinhá não quer/ Por causa do batuque eu queimei meu pé (bis)/

Então não bula na cumbuca/ Não espante o rato/ se o branco tem ciúmes/ Que dirá o

mulato/Eu fui na cozinha pegar uma cebola/ O branco com ciúmes de uma tal crioula/ Deixei

a cebola/ Peguei na batata/ o branco com ciúmes de uma tal mulata/ Peguei no balaio pra

medir a farinha/ O branco com ciúme de uma tal branquinha/ Eu voltei na cozinha pra tomar

café/ o malandro ta de olho na minha mulher/ Comigo, eu apelei pra desarmonia/ e fomos

direto pra delegacia/ Seu comissário foi dizendo o mal que fez/ é da casa de cômodos de uma

tal Inês/ Revista os dois bota no xadrez/ Malandro comigo não tem vez/ Mas seu comissário,

eu estou com a razão/ eu não moro em casa de habitação/ eu fui apanhar meu violão/ Que

estava empenhado com Salomão/ eu pago a fiança com satisfação/ Mas não me bota no

33

xadrez com esse malandrão/ Que faltou com respeito a um cidadão/ que é paraíba do norte

do Maranhão

Ainda durante as obras de embelezamento da cidade do Rio de Janeiro realizadas pelo

governo de Pereira Passos, teve início o que Nelson da Nóbrega Fernandes caracteriza como

“rapto ideológico da categoria de subúrbio” que se consagra na primeira década do século XX

com a naturalização do conceito carioca de subúrbio. Há de início, uma mudança do

significado da palavra subúrbio, quando esta começa a designar apenas os bairros populares

servidos pela ferrovia e não mais toda a periferia da cidade. Como rapto ideológico da

categoria de subúrbio temos: “a emergêcia da cidade moderna, com seu espaço reformado e

civilizado em moldes franceses, e um novo padrão de segregação sócio-espacial”

(FERNANDES, 1995: 178).

Desde então a palavra subúrbio passa a figurar no mapa da cidade como mais uma

representação do espaço carioca, ele representa então o local destinado à moradia do

proletariado nas áreas servidas pela ferrovia (inicialmente apenas no eixo da E.F. Central do

Barsil e posteriormente também denominando os bairros criados ao longo das E.F. Rio

D’Ouro, E.F. Leopoldina e Linha Auxiliar), formando o conhecido trinômio

trem/ferrovia/subúrbio, síntese do conceito carioca de subúrbio, na verdade, uma

representação sócio-territorial naturalizada.

Localizada no subúrbio da Leopoldina está a Igreja da Penha, onde desde 1728

acontecia durante o mês de outubro, a Festa da Penha, de início foi predominantemente

portuguesa, sendo a partir de 1890 frequentada também pela população negra. Por lá

chegaram as tias baianas e seus tabuleiros, o samba e os capoeiras8. Tornou-se uma festa

popular onde diversos artistas se apresentavam e compositores apresentavam à população suas

criações. Nas palavras de Heitor dos Prazeres: “Naquele tempo não tinha rádio, a gente ia

lançar música na festa da Penha, a gente ficava tranqüilo quando a música era divulgada lá,

que aí estava bem, que era o grande centro. Eu fiquei conhecido a partir da Festa de Penha”

(MOURA, 1995: 112). Era desta maneira que as composições conseguiam atingir maior

público, antes da Era do Rádio a Festa da Penha era a responsável pelo lançamento dos

sucessos de carnaval, podemos perceber então, a importância do subúrbio na formação da

cultura popular.

8 Ver a esse respeito: TRICHES, 2009 e MOURA, 1995.

34

Neste primeiro período analisado, é possível perceber a estética como a palavra de

ordem. A cidade se modernizava, crescia para além da sua área central. O Rio de Janeiro,

cidade capital do país, sede do aparelho político e administrativo, dona do maior porto da

época, é a partir de então, aos olhos do mundo, uma cidade que se moderniza, com novos

usos, costumes e maior controle dos espaços públicos. Obviamente essas mudanças não

aconteceram instantaneamente, porém grande parte da população, aquela que não pertencia às

classes dominantes da época, acabou por não participar dos processos de concepção desses

novos usos e costumes, sendo perceptível nos versos da canção, a sua estranheza e até mesmo

aversão em aderir e aceitar os novos comportamentos. “... essas modas de agora... valei-me

Nossa Senhora, é cada coisa de arrepiar...”.

Podemos perceber em Oliveira (2002: 62-63), que durante a Reforma Passos:

O Estado escolhe quem de fato tem direito à cidade, quem são os cidadãos e como

eles devem participar da nova cidade. Deste modo, as conseqüências da Reforma

para a população em geral, com a mudança de comportamentos e hábitos de

convivência em geral no uso do espaço da cidade, apresentar-se-ão muito mais como

deveres e obrigações a serem cumpridas do que como parte do direito à cidade.

Deixar de pendurar roupas na fachada, trajar-se adequadamente para andar de bonde,

impedir a circulação de animais domésticos pelas ruas, ter a regulamentação do

comércio ambulante numa cidade onde as ruas costumavam ser o próprio mercado,

adotar hábitos de higiene exigidos pelo poder público, tudo isso aparecerá sobretudo

como imposição, como uma necessidade criada pelo alto e de difícil compreensão e

execução.

As transformações urbanas aconteceram em uma escala até então, jamais vista na

cidade do Rio de Janeiro, dos escombros das inúmeras demolições emergia a nova cidade aos

moldes de Paris, não apenas em seu urbanismo e prédios ecléticos, a mudança tão necessária à

modernização trazia em seu bojo a europeização da cultura e a conseqüente homogeneização

do comportamento coletivo. Essa homogeneização parece se refletir também no vestuário

feminino. A música “Art Nouveau” nos fala de certas mudanças ocorridas com a moda

feminina, mas cabe aí uma reflexão mais profunda a respeito da mudança de tantos outros

costumes cariocas. Existiam diversos novos códigos de conduta a serem seguidos, a serem

exibidos nas novas e amplas avenidas, pelas calçadas onde as mulheres desfilavam seus novos

vestuários, livres dos antigos padrões sociais e presos aos novos padrões da moda. “... Eu

35

desejava somente, que me dissessem agora, como é que querem que a gente, respeite

qualquer senhora, pois que já usam o mesmo decote, e os chapéus que parecem pitangas, a

mesma coisa já usam as cocottes, a diferença é que não pode haver...”

A erradicação de diversas doenças como a varíola, a febre amarela e a peste bubônica

que assolavam a Capital Federal foi um dos muitos tentáculos da Reforma Urbana de Pereira

Passos, que encontrou por seu caminho diversas barreiras, uma vez que a imposição da

obrigatoriedade da vacinação pode ter sido a gota d’água para o deslanche da Revolta da

Vacina para uma população que já deveria abrir seus domicílios e permitir que as brigadas de

sanitaristas os vasculhassem em busca de focos de doenças. A “limpeza” da cidade acabou

também por estimular o senso de oportunidade carioca, o ganho de alguns tostões com a caça

ao rato promovida pela prefeitura durante a campanha para erradicação da peste bubônica

garantia o parco orçamento de uma camada da população esquecida pelo poder público da

cidade apariseada “... rato, rato, rato... vou provar-te que sou mau, meu tostão é garantido/

não te solto nem a pau”.

Para estimular a matança dos ratos transmissores da peste bubônica, Oswaldo Cruz

determinou a compra de ratos mortos pela saúde pública a um tostão, e a medida

desencadeou uma quase histeria coletiva. Toda a população pobre do Rio de Janeiro

desandou a perseguir os ratos que infestavam a cidade, e em conseqüência, surgiu

um novo tipo de intermediário comercial: o comprador de ratos em domicílio que

depois os revendia ao departamento de saúde pública. (TINHORÃO, 2005b: 68)

É possível entender através de diferentes canções aqui analisadas, simultâneas

territorialidades. A rebeldia em obedecer à nova ordem pode ser reconhecida nos versos das

canções “Eu vou beber”, “Pelo Telefone” e “Desabafo Carnavalesco”. Cada uma delas nos

fala de um descontentamento diferente, de uma reação social distinta, de uma maneira de não

aceitar as imposições dessa nova cidade de modelo elitista. Se o novo centro reformado não

suporta mais antigos hábitos e costumes dos tempos do Império, a população de certa forma

caminha para lugares onde ainda é possível sua manifestação cultural “... a polícia não quer

que eu sambe aqui, eu sambo ali, sambo acolá”. A proibição dos jogos de azar não

necessariamente acarreta a sua extinção, muitas vezes eles ainda acontecem em diversos

cantos da cidade e certas vezes com a conivência das autoridades “... o chefe da polícia pelo

telefone manda avisar, que na Praça Onze tem uma roleta pra se jogar...”. Apesar desta

36

proibição à jogatina que acontecia pelas ruas da cidade, muitas vezes era necessário recorrer à

contravenção para garantir a sobrevivência de uma classe que não era assistida pelo Estado, a

quem era negado por muitas vezes o direito de cidade “... e o povo anda casmurro pagando

imposto pra burro.Paga imposto o açougueiro, o sapateiro e o vendeiro. Não paga nada o

bicheiro cá do Rio de Janeiro... Vender bicho é uma mina, é um negócio da China”.

Sendo um dos objetivos deste trabalho entender as diversas territorialidades e disputas

pelos diferentes territórios na mesma cidade mediante as letras das músicas de composição

popular, podemos, através dos versos de “Ô raio, ô sol” perceber uma manifestação diferente

das anteriores em relação ao Rio de Janeiro “civilizado’ do início do século XX. “... bravo ao

velho que alarga a rua” nesta alusão ao trabalho de intervenção urbana e saneamento da

Capital Federal realizada durante o governo de Pereira Passos - o “velho” que alarga a rua -

podemos perceber em nome de quem se fala, ou seja, de uma elite para quem o Estado é

capaz de oferecer o direito à cidade e ao uso de seus territórios.

Apesar de toda a tentativa de imposição da ordem por parte do Estado delimitando

regras para a ocupação do espaço e uso da cidade pelas camadas populares, as tão mal-quistas

casas de cômodos não desapareceram completamente das áreas da cidade, elas permaneciam

espalhadas pelas ruas das regiões centrais e acabavam por determinar certa demarcação de

territorialidade entre moradores e freqüentadores, como pode ser comprovado na frase “não

moro em casa de cômodos, não é por ter medo não”, indício do preconceito existente a

respeito deste tipo de habitação multifamiliar de camadas populares. Outro fator interessante

ainda neste início do século XX é a notada importância do trabalho feminino dentro das

camadas populares para a manutenção e reprodução da vida “quem paga a casa pra homem é

mulher, hoje dou casa, comida, dinheiro e roupa lavada”. Tanto atuando no desempenho de

tarefas domésticas em casas de famílias abastadas ou vendendo quitutes nos tabuleiros

espalhados pelas ruas no centro da cidade, aumentavam o mercado de trabalho informal e por

vezes garantiam a existência de uma rede de ajuda mútua para os recém chegados na cidade

como no caso das tias baianas que apadrinhavam seus conterrâneos abrigando-os em suas

casas de cômodos, sustentadas também com o dinheiro da venda dos quitutes de seus

tabuleiros.

Música Ano Compositor(es) Tema abordado na composição

01 ART NOUVEAU 1904 Autor desconhecido Homogeneização/ europeização dos costumes/ moda feminina

02 RATO, RATO 1904 Casimiro de Abreu e

Claudino Costa

Programa de incentivo a “caça ao rato”/ erradicação da peste bubônica/ comércio paralelo

de compra de ratos

03 EU VOU BEBER 1904 Autor desconhecido Nova ordem/ controle do uso dos espaços públicos/ Rebeldia em obedecer a nova ordem

sócio-espacial

04 Ô RAIO, Ô SOL 1906 Autor desconhecido Satisfação com o trabalho de embelezamento da cidade do Rio de Janeiro

05 MESTRE SALA DOS MARES 1975 João Bosco e Aldir Blanc Revolta da Chibata/ Castigos corporais impostos aos marinheiros/ exclusão social da

parcela negra da população carioca

06 QUEM PAGA CASA PRO HOMEM

É MULHER 1915 João da Baiana Desemprego/ Importância do trabalho feminino na família de baixa renda

07 PELO TELEFONE 1917 Criação coletiva* Nova ordem/ Proibição de jogos de azar/ Conivência da polícia com a realização dos

jogos clandestinos

08 DESABAFO CARNAVALESCO 1917 Freire Júnior Realidade sócio-econômica/ informalidade/ jogo do bicho

09 CASA DE CÔMODOS 1917 João da Baiana Carência de moradias populares/ Heterogeneidade de habitantes e usos/ opção de moradia

da classe trabalhadora/ fronteiras de classe

* Registrada no ano de 1917 pelos compositores Donga e Mário de Almeida

CAPÍTULO 2. E a cidade que tem braços abertos num cartão postal, com os

punhos fechados da vida real, lhes nega oportunidade mostra a face dura do mal 9 - 1920

a 1930

Conforme visto no capítulo anterior, é no início do século XX que tem origem o uso

do termo favela para denominar as habitações precárias, feitas com restos de material de

demolição, folhas de latas de querosene e zinco no teto, nas encostas dos morros da cidade do

Rio de Janeiro. É necessário esclarecer que inicialmente apenas o Morro da Providência era

conhecido como o Morro da Favela, e com o passar dos anos o termo Favela foi se

generalizando e passou a designar toda e qualquer forma de moradia precária nas encostas de

outros morros ou em áreas de planície. De acordo com Rocha (1995: 90), “não podemos

afirmar que a favela surge no morro da Favela, mas podemos sim, dizer que é a partir da

ocupação do morro da Favela que essa prática se sistematiza. Daí nossa crença de que o termo

favela passa a definir essa forma de habitação, pelo fato de ter apontado uma solução para o

problema da moradia das camadas mais desfavorecidas da população”.

O samba “Cabide de Molambo” de João da Baiana nos remete às favelas do início do

século XX, à necessidade de improvisação dessa gente na confecção da moradia “minha cama

é uma esteira, e é uma lata velha que me serve de cadeira” e no vestuário, composto de peças

usadas, sobras e lixo “camisa encontrada na praia”, “o meu terno branco foi a deixa de um

cadáver”, “a gravata foi achada na ilha da Sapucaia” (depósito de lixo na época e hoje

incorporada à Cidade Universitária da Ilha do Fundão). Tal registro da precariedade mostra

quão longe estava o cidadão comum, o trabalhador pobre da época, daquela cidade

“apariseada”, modernizada. Com efeito, a cidade antes colonial, com ruas apertadas onde se

reuniam ou onde coexistiam todas as diferenças10

, agora modernizada, se tornava

9 Trecho da música “Alagados” composta em 1984 por Herbert Viana e Bi Ribeiro

10 Cf. Lefebvre (2008), a coexistência das diferenças é condição da centralidade e do acesso à cidade.

38

segregadora, excludente. A nova ordem urbana impunha uma apartação social. Em suas largas

avenidas não havia mais espaço para o diferente, para aquele indivíduo a quem fora negado o

direito à cidade que queria ser Paris, por não representar o ideal da modernidade: “quando eu

saio a passeio as damas ficam falando”.

Meu Deus, eu ando/ com o sapato furado/ tenho a mania/ de andar engravatado/ e minha

cama/ é um pedaço de esteira/ e é uma lata velha/ que me serve de cadeira/ Meu Deus, meu

Deus.../ Minha camisa/ foi encontrada na praia/ e a gravata foi achada/ na ilha de Sapucaia/

meu terno branco/ parece casca de alho/foi a deixa de um cadáver/ do acidente no trabalho/

Meu Deus, meu Deus.../ O meu chapéu/ foi de um pobre surdo e mudo/ as botinas foi de um

velho/ da revolta de Canudos/ quando eu saio a passeio/ as damas ficam falando/ -trabalhei

tanto na vida/ pro malandro estar gozando/ Meu Deus, meu Deus.../ A refeição/ é que é

interessante/ na tendinha do Tinoco/ no pedir eu sou constante/ e o português/ meu amigo

sem orgulho/ me sacode o caldo grosso/ carregado no entulho.

Os anos de 1920 e 1922 corresponderam ao Governo Carlos Sampaio. Sua gestão

urbana como Prefeito, teve como principal objetivo preparar a cidade para as comemorações

do 1º Centenário da Independência do Brasil, por meio da realização da Exposição

Internacional em 1922. “A palavra de ordem era o progresso que vinha no bojo da

industrialização, [...] a época era propícia a mudanças, convulsões, quebra dos padrões mais

tradicionais e favorável à introdução e divulgação de novos modelos comportamentais,

oriundos do surgimento dessa nova atividade” (MARTINS, 1998:121).

A estética continuava sendo o ponto relevante dos projetos urbanísticos e

arquitetônicos. O desafio era preparar a cidade para um evento de porte internacional e

arrumar um local para sediá-lo. É neste ínterim que o Morro do Castelo, considerado berço da

cidade sucumbe, pois com a justificativa de que este prejudicava a aeração da zona central,

Carlos Sampaio destrói parte da história da cidade e arruma um local privilegiado para sediar

a Exposição - o enorme terreno ganho ao mar, aterrado com parte do material originário do

desmanche do Morro do Castelo. E assim somem do centro as áreas residenciais de baixa

renda que haviam resistido à Reforma Passos como o bairro da Misericórdia entre o Morro do

Castelo e o mar (ABREU, 1987/ REZENDE, 1998).

Muito importante salientar que o compromisso com a estética e a salubridade da

cidade só existem nos considerados bairros nobres. Mais uma vez os subúrbios são

desprovidos de planejamento e continuam a crescer de forma orgânica e desorganizada, sem

auxílio do Estado na implantação de infra-estrutura, ao longo da linha férrea, adensando-se

39

40

nas proximidades das indústrias e das estações de trem. Começam a ganhar fama de local de

moradia da classe trabalhadora (REZENDE, 1998).

“A Colina histórica era vista por Carlos Sampaio como um grande problema de razões

ligadas à estética, higiene e a engenharia. O morro era comparado a um “quisto” ou uma

“cárie” que precisava ser extraída para por fim às moléstias que infectavam a cidade. Era

necessário, segundo o prefeito, ventilar a área central: “Com a forma de um rim, voltando sua

convexidade para a única entrada da nossa imensa baía e com sua maior dimensão normal à

direção dos ventos reinantes, esse monte agravava por esse motivo inconvenientemente

precedentemente indicado e produzia, por seu aspecto inestético e asqueroso uma má

impressão ao viajante, que, ao entrar na esplendida baía do Rio de Janeiro, tinha a mesma

sensação que se teria ao ver uma linda boca com o dente da frente cariado” (SAMPAIO, apud

BARROS, 2002).

Enquanto um morro desaparece, levando consigo suas ruas tortuosas e cortiços, em

outros pontos da cidade, transitando por outras ruelas e pelas ladeiras dos muitos morros

remanescentes no Rio de Janeiro, está presente a figura do “Bamba”, descendente das antigas

maltas de capoeiras que aterrorizavam as ruas da cidade do Rio de Janeiro desde os tempos do

Império11

. Esses bambas eram figuras temidas e respeitadas em seu meio de convívio, e por

muitas vezes tornaram-se guarda-costas de alguns políticos da República Velha. Em 1922, o

compositor Sinhô, fez alusão a um “Bam-bam-bam” da antiga cidade: o bandido “Sete

Coroas”, que junto com outros iguais, se tornou uma espécie de guardião das áreas centrais da

cidade, como Mangue e Saúde.

É noite escura/ Iaiá acende a vela/ Sete Coroas/ Bam-bam-bam lá da Favela/ E a polícia/ Já

tonteou/ Sete Coroas/ Meia-dúzia já matou/ E o homenzinho/ É perigoso/ Sete Coroas/

Nasceu no Barroso

É importante ressaltar que o Bamba, apesar de prestar eventuais serviços a alguns

políticos, não deixava de ser um sujeito fora-da-lei, uma vez que a capoeiragem (que ele

praticava) havia sido criminalizada desde 1890, assim como a vadiagem e as práticas

religiosas africanas. Importante também destacar o distinto significado que ganhará o termo

“bamba” no universo do samba, onde este servirá para caracterizar o compositor que for capaz

11

Para um maior aprofundamento sobre a história da capoeira na cidade do Rio de Janeiro, ver: DIAS, 2001

41

de aliar em seu repertório respectivamente versatilidade, musicalidade e capacidade

narrativa12

.

Merece atenção também a distinção entre a figura do bamba oriundo da capoeiragem e

a do malandro. Enquanto o bamba ou capoeira “possuía determinados atributos

imprescindíveis, e a sua prática exigia: a habilidade no “jogo”, a disposição para o “rolo” e, na

fase de auge da capoeiragem, a participação organizada em uma “malta”, ou no nível mais

elevado, em uma “nação”, o malandro surge como uma idealização da negação do trabalhador

assalariado em uma sociedade de mercado” (DIAS, 2001). Posterior ao surgimento dos

bambas, o termo “malandro” acabará por incorporar em seu universo diferentes atores, entre

eles: o bamba, herdeiro das antigas maltas que aterrorizavam a cidade, sucedido

provavelmente pela figura “leão-de-chácara” nos bairros boêmios da cidade, o jogador

profissional, o sujeito sem emprego fixo que sobrevivia de virações, conhecido hoje como

biscateiro e, entre outros, também o sambista, aquele que vivia na boemia e cantava as

peripécias da malandragem.

Para além do centro da cidade, caminhando em direção ao sul, após atravessar o Túnel

Alaor Prata que parte de Botafogo, alcançava-se Copacabana, até então uma bucólica aldeia

de pescadores. No ano de 1923, é inaugurado o Copacabana Palace Hotel, e assim tem início

o turismo balneário na citada praia. É a partir de então que o termo Zona Sul e sua

representação na cidade começam a ser construídos. Segundo Cardoso (2009), o termo surge

nos anos de 1920 localmente em Copacabana, como uma espécie de zoneamento, e vai se

ampliando ao longo da década de 1950 até se transformar neste topônimo Zona Sul, capaz de

conferir a essa parte da cidade uma identidade própria por muito tempo ligada às

representações do belo, novo, “chic” e saudável.

Com a inauguração do Hotel em Copacabana, tem início o processo de verticalização

de caráter residencial da “zona sul”. A habitação coletiva nos bairros praianos estava

intimamente ligada ao estilo de vida moderno e à higiene, ao contrário dos cortiços da região

central que abrigavam a população pobre da cidade. Aqui podemos pensar na arquitetura e no

urbanismo como linguagens, associadas à ideologia na produção dos espaços. A representação

da Zona Sul como uma nova síntese/símbolo de estilo de vida para a cidade do Rio de Janeiro

está associada inicialmente à constituição de um bairro (Copacabana) chique, moderno e

acessível apenas para determinados grupos sociais, neste início de século, pois na época, as

12

A respeito dos “bambas do samba” ver: Dossiê das matrizes do samba no Rio de Janeiro.

42

praias eram freqüentadas apenas pelos moradores do bairro, uma vez que não era desejável e

tampouco permitido, circular pelos transportes coletivos em trajes de banho.

Para que a população de outros bairros pudesse frequentar as praias, era necessário que

houvesse balneários no local. Necessário esclarecer, balneário como um local para que os

freqüentadores da praia pudessem trocar as suas roupas de passeio pelo traje de banho,

guardá-las e se banhar após o banho de mar.

Porém, antes do turismo balneário fazer sucesso nas areias da zona sul, os banhos de

mar já eram apreciados em outras praias da cidade, como era o caso das praias da zona

central, sendo a extinta praia do Boqueirão a mais famosa. Espalhadas pelas ruas do centro

haviam inúmeras casas de banho (ou balneários), segundo João do Rio, em crônica escrita no

ano de 1911 publicada no jornal “Gazeta de Notícias”, “houve um momento em que todo o

Rio tomou banho de mar. (sic) Nos estabelecimentos era a entrada e saída, o vai e vem febril,

corridas de gente molhada, corridas de gente já vestida, comprimentos, risos, apertos de mão,

a cordialidade dos ajuntamentos, que leva às ligações duradouras, ao amor, ao devaneio

sentimental. ”(Apud CARDOSO, op.cit. p. 61)

Com tanta procura e popularidade dos banhos de mar, começaram a aparecer também

posturas a serem seguidas nessas áreas, códigos e hábitos, ditando o comportamento social.

Tais posturas acabam por colocar armaduras nas práticas espaciais, naquilo que é percebido

(cf. Lefebvre, 2007) na coletividade como resultado dessas práticas. O samba “Ai como é

bom” do compositor Freire Júnior, em 1925 satiriza uma proibição da época “nas salas de

banho não se pode mais namorar” e atenta para a constante vigilância resultante do

aprisionamento das práticas espaciais “viúva de prontidão para os namorados que vão bancar

o tubarão.

Eu lendo "A Noite"/ Vi anunciado uma circular/ Nas salas de banho/ Não se pode mais

namorar/ Ai como é bom/ Antes de nadar/ Na beira da praia/ A gente namorar/ Tem no

Flamengo/ Uma viúva alegre de prontidão/ Para os namorados/ Que vão bancar o tubarão

Após a inauguração de seu Hotel, Copacabana começa a atrair cada vez mais pessoas

interessadas nos banhos de mar, na prática de esportes e na convivência nestas zonas

litorâneas da cidade. E diversos meios de comunicação serviram a esse propósito. De acordo

com Cardoso (op. cit.), os novos hábitos de uma vida à beira mar eram muito difundidos pela

imprensa da época, tanto nos jornais de ampla circulação como nos jornais de bairro e em

diversas revistas, com muitas fotos das praias e seus banhistas, construindo a imagem de

43

modernidade e alto status do bairro de Copacabana. “e a exemplo do que já existe naquelas

costas panorâmicas e admiráveis do Velho Mundo, a linda praia atlântica também se

pontilhará de vários grupos de pavilhões destinados à mudança de roupa, dotados de todos os

requisitos de higiene e conforto, como sejam assento, estrado, cabides, espelhos, chuveiros de

água doce e perfumada, tudo enfim, que seja indispensável para o público aristocrático que

freqüenta as areias de Copacabana” (CARDOSO, op.cit.: 11).

Em 1927, o compositor Francisco A. da Rocha faz ao bairro uma homenagem em

forma de samba com a música “Copacabana”, e assim a música se torna indiretamente,

mediante a percepção de seu autor, outro meio de divulgação do modo de vida à beira mar.

Vamos depressa/ Linda Mariana/ Buscar as águas/ De Copacabana/ Enquanto a maré vai,

vai/ Enquanto a maré vem, vem/ Na beira da praia tem, tem/ Morenas bonitas, meu bem/ Tem

moça "chic"/ Tem almofadinha/ Copacabana, o bairro/ É da pontinha

Nesta época o malandro era o rei, e aqui já se pode pensar na figura do malandro como

aquela pessoa avessa ao trabalho pesado, que leva a vida entre um bico e outro (ou entre uma

viração e outra, para utilizar um termo da época) e freqüenta as noites boêmias da cidade. Era

ele, o malandro, quem acompanhava as serenatas e frequentava os botequins, os cabarés e não

corria de briga mesmo quando era contra a polícia. Quando excluídos de participação na

cidade modernizada, certos grupos sociais criam outros mundos, com suas próprias leis e

códigos e assim constroem suas territorialidades mediante a afirmação de uma identidade, em

busca de um lugar simbólico onde possam exercer o sentimento de pertencimento à cidade

(HAESBAERT, 2008). A malandragem tão característica dos bairros boêmios do Rio de

Janeiro pode ser encarada então como uma dessas estratégias de sobrevivência cultural de

grupos excluídos da cidade formal. Ainda em 1927 o compositor Sinhô nos revela em poucas

linhas, na música “Ora, vejam só”, uma parte dessa contra-cultura, vivida à margem da

sociedade desejada pelas elites. Percebe-se também a ambigüidade e o conflito, expressos

pela súplica da companheira do malandro, de querer fazer parte da cidade formal solicitando

rupturas com a cultura da malandragem: “deixa a malandragem se és capaz”.

Ora vejam só a mulher que eu arranjei/ Ela me faz carinhos até demais/ Chorando ela me

pede: Meu benzinho/ Deixa a malandragem se és capaz/ A malandragem eu não posso

deixar/ Juro por Deus e Nossa Senhora/ É mais certo ela me abandonar/ Meu Deus do Céu!

Que maldita hora!/ A malandragem é um curso primário/ Que a qualquer é bem necessário/

É o arranco da prática da vida/ Somente a morte decide ao contrário

44

Enquanto a cidade se moderniza, as culturas vão mesclando-se umas às outras, e com a

maneira de vestir, não poderia ter sido diferente. No pós-guerra o ideal, o desejado, era uma

vida mais saudável e confortável que no passado; mulheres livres do sofrimento imposto

pelos espartilhos e homens ainda de roupas pretas, porém mais sóbrias e com as gravatas

coloridas, paletós mais curtos que as antigas casacas e calças estreitas, uma silhoueta esguia e

elegante. Era uma moda importada juntamente com o ideal da modernidade, a moda que

deveria ser vestida e desfilada pelas novas e arejadas avenidas da cidade.

Mas no Rio de Janeiro que gingava por entre os becos da malandragem, uma “moda”

diferente era adotada. Terno de preferência branco, caprichosamente engomado, sapato de

salto carrapeta, a calça era do tipo “boca de sino” ou “bombacha” com a boca bem estreita e o

paletó bastante amplo para facilitar os movimentos. Assim é descrita por Lamartine Babo, na

marchinha “Os calças largas” de 1927, a maneira de vestir da malandragem carioca. Podemos

perceber que o compositor não se coloca como um pertencente ao grupo “Acho graça dessa

gente convencida, que turma esquisita e encrencada”. Com irreverência e humor, passeia por

um universo do qual não faz parte, e como a maioria da população, apenas os espreita, e

comenta seus hábitos boêmios “sem vintém, à noite vão dançar” e marginais “minha capa foi

furtada”

Necessário esclarecer que “O malandro seresteiro do Morro é muito diferente do

malandro “alinhado” dos cafés e dos bares, que freqüentam a zona tórrida, que aguardam nos

botequins que as amantes os venham buscar para almoçar, jantar, ceiar e dormir. Não

confundamos uns com os outros” (VAGALUME apud. ROCHA, 2005: 140).

Acho graça dessa gente convencida/ Passeando na Avenida/ Passeando na Avenida/ Quando

passa uma linda criatura/ Ficam todos na secura/ Ficam todos na secura/ Essa gente de

jaquetas bem curtinhas/ Tem a cara bonitinha/ Tem a cara bonitinha/ Oh! Que turma

esquisita e encrencada/ Calça larga bem folgada/ Rastejando na calçada/ Vem, meu bem/

Que os calças largas/ Não te podem sustentar/ Sem vintém/ Almoçam brisas/ E à noite vão

dançar/ Lá na casa de um doutor na Piedade/ Foi uma calamidade/ Foi uma calamidade/ Da

tal gente estava a sala infestada/ Minha capa foi furtada/ Minha capa foi furtada/ Do tal

charleston é bom não se falar/ Faz lembrar peru de água/ Quando a gente o quer matar/ E os

bonecos artificiais são concorrentes/ Lá da Praça Tiradentes/ Lá da Praça Tiradentes

Em fins do ano de 1927, é contratado o urbanista Alfred Agache, que começa a

elaborar um plano de remodelação para a cidade do Rio de Janeiro, durante a gestão do

prefeito Antônio Prado Júnior. O Plano Agache tratou das funções urbanas do Rio de Janeiro

45

e propôs novas configurações ao tecido, abordou, entre outros itens, a legislação e os

regulamentos, as questões viárias, a importância de uma reorganização geral dos transportes,

os elementos funcionais do Plano Diretor (Palácios e Ministérios, Centros de Negócios e de

Comércio, Portos, Indústrias, Zonas Residenciais e Bairros Universitários) bem como os

grandes problemas sanitários (cf. REZENDE, 1982). O Plano é concluído em 1930, ano em

que acontece a Revolução de 1930, que derruba a República Velha e não realiza os seus

projetos. Sendo assim, com a mudança de Governo pouco se usou do plano desenvolvido pelo

urbanista Alfred H. Agache.

O compositor Ary Kerner, no mesmo ano (1927) lança a marchinha “Seu Agache”,

numa espécie de reverência às melhorias propostas “Quem quiser que fale mal”, ou em

homenagem ao próprio Agache “vai fazer dessa cidade uma linda capital” e ao Prefeito Prado

Júnior “o prefeito que é de fato vai o povo embasbacar”. Na visão dominante da época, era

chegada a hora de afastar dos olhos do mundo as “imundas favelas”, e sumir com tudo aquilo

que havia resistido ao período de Pereira Passos, a marchinha ironiza as mudanças com um

alerta aos cidadãos: “quem for feio fuja dele prá não ser remodelado”.

Já chegou o seu Agache/ Quem quiser que fale mal/ Vai fazer dessa cidade/ Uma linda

capital/ Seu Agache/ Seu Agache anda solto e preparado/ Quem for feio fuja dele/ Pra não

ser remodelado/ A cidade está mudando/ Mais mudada vai ficar/ O prefeito que é de fato/ Vai

o povo embasbacar

Aqueles vestígios da cidade colonial e “atrasada”, tais como as antigas e apertadas

ruas que não haviam sido alargadas nos bairros de ocupação mais antiga, os casarões

transformados em habitações populares, as favelas nas encostas dos morros incrustadas nas

áreas mais valorizadas da cidade, além dos antigos hábitos da população, que desde o início

do século eram considerados “feios” pela elite que desejava a modernidade, não

compartilhavam da mesma euforia da cidade que clamava por embelezamentos.

Em outros territórios da mesma cidade, como no alto do Morro da Providência, a

possibilidade da expulsão de seu local de origem não gerava alegrias, apenas lamentos, como

no samba “A favela vai abaixo” gravado por Sinhô em 1928: “ajunta os troço vamo embora

pro Bangu”. Estava previsto, no Plano de Agache, que o Morro da Favela seria derrubado tal

como acontecera com o morro do Castelo anos antes: “minha cabocla, a Favela vai abaixo”.

Aos excluídos, que seriam apartados para os subúrbios, restava a saudade antecipada dos

lugares vividos “Buraco Quente, adeus pra sempre meu buraco” saudade essa amargada até a

morte “Eu só te esqueço no buraco do Cajú”.

46

Diversas suposições são feitas na letra do samba a respeito da possível desapropriação

“Isso deve ser despeito dessa gente, por que o samba não se passa para ela” e das

possibilidades de moradia em locais próximos ao seu mundo vivido: “Vou morar na Cidade

Nova pra voltar meu coração para o morro da Favela”. O projeto de desmanche deste morro

foi amplamente discutido pela imprensa, e segundo o poeta Luis Peixoto, Sinhô chegou a

pedir a intervenção de um Ministro de Estado junto ao prefeito Prado Júnior, valendo-se de

sua popularidade, para evitar a demolição, que acabou não acontecendo, por conta da troca de

governos.

Minha cabocla a Favela vai abaixo/ Quanta saudade tu terás deste torrão/ Da casinha

pequenina de madeira/ Que nos enche de carinho o coração/ Que saudade ao nos

lembrarmos das promessas/ Que fizemos constantemente na capela/ Pra que Deus nunca

deixe de olhar/ Por nós da malandragem e pelo morro da favela/ Vê agora a ingratidão da

humanidade/ O poder da flor sumítica, amarela/ Que sem brilho vive pela cidade/ Impondo o

desabrigo ao nosso povo da favela/ Minha cabocla a Favela vai abaixo/ Ajunta os troço

vamo embora pro Bangu/ Buraco Quente, adeus pra sempre meu buraco/ Eu só te esqueço no

buraco do Cajú/ Isso deve ser despeito dessa gente/ Por que o samba não se passa para ela/

Porque lá o luar é diferente/ Não é como o luar que se vê desta Favela/ No Estácio,

Querosene ou no Salgueiro/ Meu mulato não te espero na janela/ Vou morar na Cidade

Nova/ Pra voltar meu coração para o morro da Favela.

Múltiplos atores e grupos sociais, com suas respectivas identidades de classe, se

encontram em disputa por territórios. Ainda no ano de 1928, segundo o compositor Arthur

Faria, é possível identificar as diferenças sócio-econômicas entre dois grupos sociais, um que

vive nas habitações improvisadas nas encostas dos morros e o outro composto por uma elite

que habita as áreas mais nobres da cidade. Utilizando uma expressão da época o samba “Eu

quero é nota” canta o sonho “eu queria ter dinheiro em grande porção” e a resignação “eu que

sou operário e não posso ser barão”, e nos faz perceber a segregação espacial que demarca os

territórios urbanos ao citar o bairro da elite dotado de moderna infra-estrutura “eu comprava

um automóvel e ia morar no Leblon” em oposição à opção de moradia dos populares nas

encostas dos morros, onde o zelo do Poder Público não persiste, não tem vontade de subir

ladeiras “vou morar lá em Mangueira num modesto barracão”.

Eu quero é nota, carinho e sossego/ Para viver descansado/ Cheio de alegria, meu bem/ Com

uma cabrocha ao meu lado/ Eu queria ter dinheiro/ Que fosse em grande porção/ Eu

47

comprava um automóvel/ E ia morar no Leblon/ Eu, como sou operário/ E não posso ser

barão/ Vou morar lá em Mangueira/ Num modesto barracão

48

Analisando a década de 1920, podemos perceber que a estética ainda figurava como

palavra de ordem no cotidiano da Capital Federal. O poder público se esforçava ao máximo

em dotar de recursos as áreas consideradas nobres, toda a cidade pagava os impostos, mas só

alguns bairros pareciam ter direito às benfeitorias, e assim, as habitações precárias

encarapitadas nas encostas dos morros se reproduziam, abrigavam cidadãos comuns

esquecidos pelo poder público, trabalhadores que precisavam morar próximo ao centro da

cidade onde lhes era possível encontrar algum trabalho ou viração. A falta de moradia

popular, direito não oferecido por parte do governo, empurrava a parcela pobre da população,

para os subúrbios, para os antigos casarões transformados em casas de cômodos dos bairros

vizinhos ao centro moderno (São Cristóvão, Saúde, Gamboa) ou para as encostas dos morros

cariocas.

Tudo aquilo que não tinha lugar na tal cidade civilizada, na dita “cidade formal”, podia

facilmente ser encontrado pelas ruas da “cidade informal”, ou seja, naquelas partes da cidade

que não era freqüentada pelas elites da época, e assim eram os subúrbios ferroviários para

onde a população trabalhadora foi paulatinamente sendo empurrada ao longo dos anos, os

bairros periféricos ao centro onde habitava a população de baixa renda ocupando os antigos

imóveis abandonados pela elite que de lá se retirou a caminho da Zona Sul – onde podiam ser

encontrados a pequena África e o antigo bairro judeu, os bairros portuários não contemplados

com urbanização durante a reforma do porto e que abrigavam a mão de obra necessária aos

trabalhos de embarque e desembarque de mercadorias, sem deixar de mencionar as encostas

dos morros cariocas, outra opção de moradia da parcela pobre da população.

Diante da falta de recursos, a palavra de ordem na cidade informal era a improvisação.

Nos versos de “Cabide de molambo” esta prática nos aparece muito óbvia tanto na resolução

da moradia como na preocupação com o vestuário, ou seja, aquilo que não mais podia ter

lugar na cidade formal – esteira, lata velha, sapato furado, etc. – acabava por encontrar

serventia na cidade não desejada e não freqüentada pelas elites.

Improvisação, informalidade, marginalidade. Sem encontrar apoio ou preocupação por

parte do Estado, esses pareciam ser os caminhos para a criação de suas estratégias de

sobrevivência. A cidade do Rio de Janeiro sendo a Capital Federal acabava por atrair

inúmeros migrantes e imigrantes, além de parte do contingente de negros libertados após a Lei

Áurea, sendo que grande parte desses novos habitantes chegava por estes lados em busca de

oportunidades que na maioria das vezes nunca apareciam, e assim a marginalidade aparecia

como possibilidade. “Sete coroas” assim como tantos outros – Madame Satã, Camisa Preta,

49

etc. - fez parte do universo da cidade do Rio de Janeiro, personagem perseguido pela polícia,

estampado nas páginas dos jornais da época, vezes tido como herói e inúmeras outras temido

pelas ruas da cidade formal e nas vielas apertadas da cidade informal.

O malandro era um personagem produto da estrutura econômica incapaz de absorver

toda a mão-de-obra que nessa área urbana crítica se acumulava. Na verdade, sem

condições de emprego condigno após a conquista do rudimento de ensino

representado por três ou quatro anos de escolas primárias, esses filhos de famílias

humildes defrontavam-se na juventude invariavelmente com uma tripla alternativa:

o trabalho braçal (ainda estigmatizado pelo não há muito extinto regime da

escravidão), o aprendizado de alguma atividade artesanal ou especializada

(marceneiro, lustrador, etc.) ou a livre disponibilidade para algum trabalho eventual

englobado na categoria dos “pequenos expedientes” (TINHORÃO, 2005a p. 291-

292)

Neste período, mais duas canções nos falam a respeito da territorialidade do malandro

e da malandragem muito presente na cidade do Rio de Janeiro do início do século XX: “Ora

vejam só” e “Os calças largas”, a primeira nos orienta em direção ao modo de vida, ao viver

na malandragem, ao personagem citado por Tinhorão, aquele não absorvido como mão-de-

obra pela estrutura econômica da cidade e englobado na categoria de trabalhador eventual ou

biscateiro. A segunda composição nos coloca em contato com as práticas espaciais deste

grupo de malandros que desfila pelas ruas da cidade e delas se apropria por meio de seus

costumes, moda e usos próprios.

Dentro da cidade desejada e cosmopolita havia nascido um bairro que iria amalgamar

no carioca o estilo de vida à beira-mar: Copacabana traz em si a tradução de um estilo de vida

chique, novo e saudável e “inaugura” o zoneamento/segregação espacial na cidade opondo

Zona Sul X Zona Norte e subúrbios, seus respectivos estilos de vida e definindo neste

zoneamento, quais áreas seriam mais ou menos privilegiadas pelo Poder Público.

A interiorização dos banhos de mar no estilo de vida carioca passou por inúmeras

regulamentações: horário apropriado para cada classe social se banhar, trajes adequados ao

banho de mar, local adequado para a troca de roupas de banho, comportamento desejado

durante os banhos de mar. Freire Júnior satiriza uma dessas regulamentações em seu samba de

1925, época em que ainda se deveria seguir o “decreto 1.143 de 1917 que apontava entre

outras coisas que era necessário ‘apresentar-se com vestuário apropriado na praia, guardando

50

a necessária decência e compostura’, eram ‘proibidos ruídos e vozerias na areia e no mar’,

com direito a punição a quem transgredisse as regras: ‘multa de 20 mil réis ou cinco dias de

prisão’” (ESQUENAZI, 2009: 57).

Apesar das grandes mudanças sofridas na cidade desde que Pereira Passos iniciou sua

obra, a Capital Federal ainda necessitava de outras tantas intervenções para continuar seu

caminho rumo à modernização e inclusão definitiva no cenário internacional. É sobre esta

perspectiva de uma nova cidade, mais moderna e definitivamente livre de todos os vestígios

de cidade colonial, antiga e atrasada que o compositor Ari Kerner escreve em 1927: “quem

for feio fuja dele, prá não ser remodelado”. Enquanto parte da população anseia por novas

obras e melhoramentos, outros moradores não comungam da idéia e sofrem ante a

possibilidade da futura expulsão de seu lugar de convívio, possibilidade essa bem

exemplificada nos versos de “Favela vai abaixo”.

Lima Barreto escreveu em 1911 uma crônica a respeito da demolição do secular

Convento da Ajuda13

: “Não se pode compreender uma cidade sem esses marcos de sua vida

anterior, sem esses anais de pedra que contam sua história” (apud KESSEL, 2001: 39). Diante

de inúmeras remodelações da cidade e destruições do antigo tecido urbano, a sensação de

perda de referências da paisagem urbana é algo avassalador. De um dia para o outro sumiam

da paisagem cotidiana o Convento da Ajuda, o Morro do Castelo, dezenas de ruas, diversos

quarteirões, incontáveis casarões. É certo que as referências espaciais são relativas a cada

classe social. O Morro de urbanização desordenada, que é querido pelos que vêem poesia em

seus barracões de zinco, por outros é ignorado e temido. Caso o Morro da providência fosse

também derrubado, não deixaria nenhuma saudade na população que por ali não possuísse

uma rede de colaboração, amizade e pertencimento: “Buraco Quente, adeus para sempre meu

buraco”.

A composição “Eu quero é nota” nos mostra a cidade bipartida social, econômica e

territorialmente. As oposições Leblon X Mangueira, barão X operário, automóvel X barracão

indicam distintos territórios da cidade do Rio de Janeiro, territórios segregados, separados da

cidade planejada. No Rio de Janeiro cosmopolita é reiteradamente negado o direito à cidade

para parcelas dos moradores e dos territórios que as elites querem apartar e inviabilizar.

13

Após o desmonte, o Convento da Ajuda foi transferido para o bairro de Vila Isabel onde se encontra até os

dias atuais. O Chafariz das Sacaduras, que ficava no pátio interno do convento, obra do Mestre Valentim datada

do ano de 1795 encontra-se atualmente no bairro de Ipanema.

Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição

10 CABIDE DE

MOLAMBO 192_ João da Baiana

Exclusão social na cidade apariseada/ tentativa de pertencimento a sociedade/ através de sobras é construída a

moradia o vestuário e a alimentação

11 SETE COROAS 1922 Sinhô Grupos sociais/ Estratégia de sobrevivência

12 AI, COMO É BOM 1925 Freire Júnior Nova ordem/ Controle do uso dos espaços públicos/ Turismo balneário

13 COPACABANA 1927 Francisco A. da

Rocha Surgimento do topônimo Zona Sul/ Divulgação do modo de vida á beira-mar

14 ORA, VEJAM SÓ 1927 Sinhô Exclusão social/ Construção de novas territorialidades/ Cultura da malandragem

15 OS CALÇAS LARGAS 1927 Lamartine Babo Progresso/ Estética/ Boemia/ Malandragem

16 SEU AGACHE 1927 Ari Kerner Plano Agache/ Remodelação da cidade/ Modernidade X vestígios da cidade colonial

17 A FAVELA VAI

ABAIXO 1928 Sinhô Plano Agache/ Possibilidade de desmonte do Morro da Providência

18 EU QUERO É NOTA 1928 Arthur Faria Diferenças sócio-econômicas entre grupos sociais/ operário X barão/ Morro da Mangueira X Leblon

CAPÍTULO 3. Dizem as más línguas que ele até trabalha mora lá longe e

chacoalha num trem da Central14

- 1930 a 1940

Tem início o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) que assume o poder após

comandar a Revolução de 1930, derrubando o governo de seu antecessor. Neste ano tem um

fim o ciclo caracterizado pela alternância de presidentes ora paulistas, ora mineiros no poder,

característica marcante durante a chamada República do café-com-leite ou República Velha

(1889-1930). Em 1937 é criado o Estado Novo, um governo de caráter altamente

centralizador e autoritário, onde a indústria é o foco principal em detrimento da agricultura. A

industrialização, acelerada pelo novo governo, acentua o processo de urbanização da cidade

do Rio de Janeiro. De acordo com Spannenberg (2005:144) “a nova ordem pretendia que o

Estado fosse intervencionista e era desejável a industrialização baseada na Organização

Racional do Trabalho, pois o pensamento vigente considerava que a industrialização era o

único caminho para o desenvolvimento, e o nacionalismo sustentava todo esse projeto”.

Desde a inauguração do primeiro trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II a malha

urbana cresceu bastante em direção aos subúrbios, mesmo sem o incentivo inicial do Estado,

alcançando inclusive a Baixada Fluminense que nesta época já se encontra integrada

fisicamente ao espaço urbano carioca. Nesta época vamos encontrar uma cidade bastante

estratificada em “zonas nobres”, caracterizadas pela zona central da cidade onde se

concentrava o movimento financeiro, político e comercial do Rio de Janeiro, pela zona norte,

local preferencial para moradia de parte da classe burguesa e pela “recém inventada”

(CARDOSO, op.cit.) zona sul, difusora do estilo de vida à beira mar, recém incorporado pelas

elites da época, e em “subúrbios”, aqui já utilizando o conceito carioca de subúrbio

(FERNANDES, op.cit.), englobando todos os bairros marginais à linha da estrada de ferro

que serviam de moradia para a classe operária.

14

Trecho do samba “Homenagem ao malandro” de 1978, composto por Chico Buarque.

51

Em ambos os casos, “zona nobre” ou “subúrbio”, podemos perceber seus processos de

desenvolvimento impulsionados pelas mesmas forças antagônicas que originaram suas

respectivas ocupações. Com o crescimento de novas áreas tanto no subúrbio como nas zonas

nobres da cidade, começam a se formar os subcentros e acontece a descentralização dos

setores de comércio e serviços, como é o caso, por exemplo, do Méier e Copacabana.

O crescimento destas áreas, “nobres” e suburbanas em vertentes opostas, acarretou

uma descentralização das fontes de emprego, e junto com as mesmas, moveram-se as favelas,

uma forma barata de moradia para a classe trabalhadora que necessitava estar perto de seus

locais de trabalho. Estas prosseguiram praticamente incólumes durante o Estado Novo, pois

ainda eram fontes de mão-de-obra necessárias para a acumulação do capital pela indústria, o

comércio e a burguesia.

Nesse contexto, no ano de 1930, é gravado o samba “Na Pavuna”, composto em 1929,

por Almirante e Homero Dornellas, louvando um bairro do subúrbio ferroviário da cidade

como importante para a produção e territorialização do samba. A tendência predominante da

música popular é a de lançar luz para outras leituras do urbano, para bairros invisibilizados

pela cultura burguesa, atribuindo-se, como é o caso de vários compositores populares,

identidades bem definidas a certas localidades, como a Pavuna, o bairro de Vila Isabel ou o

morro do Estácio (cf. NAVES, 1998).

A composição exalta as virtudes de um samba feito na Pavuna, onde o malandro

aparece como sujeito por excelência do samba (SANDRONI, 2001: 11). Armado de seu

instrumento, o tamborim, ele transita por um mundo de territorialidades muito díspares

daquelas vivenciadas nas áreas mais urbanizadas da cidade, aquele mundo onde o samba e a

cultura afro-brasileira “cangerê, mandinga, macumba e cancomblé” nos permitem reconhecer

um sentido de pertencimento ao lugar, uma possibilidade de apropriação material e simbólica

do espaço para aqueles excluídos da cidade moderna e industrializada, experimentada por

uma parcela da população do Rio de Janeiro.

Na Pavuna/ Na Pavuna/ Tem um samba, que só dá gente reiúna/ O malandro que só canta

com harmonia/ Quando está metido em samba de arrelia/ Faz batuque assim no seu

tamborim/ Com o seu time enfezando o batedor/ E grita a negrada vem pra batucada/ Que de

samba na Pavuna tem doutor/ Na Pavuna tem escola para o samba/ Quem não passa pela

52

2

escola não é bamba/ Na Pavuna tem canjerê também/ Tem macumba, tem mandinga e

candomblé/ Gente da Pavuna só nasce turuna15

/ É por isso que lá não nasce "mulhé"

No ano seguinte (1931), Noel Rosa compõe “Eu vou pra Vila”, um samba de exaltação

à sua Vila Isabel onde dialoga, em contraponto, com os outros bairros da cidade e com os

outros compositores e sambas que se utilizaram da temática da apresentação dos novos

redutos deste gênero, “Na Pavuna tem turuna” e “na Gamboa gente boa”, contudo, segundo

Fenerick (2007: 04), a Vila leva vantagem em relação aos demais redutos de samba, pelo

menos na canção de Noel, pelo fato de possuir, o bairro, uma “polícia camarada”. O samba

da Vila não possuía o caráter religioso daqueles que aconteciam nos terreiros das casas das

Tias Baianas, nem estava associado ao afamado universo negro, talvez por isso em Vila

Isabel, o samba não fosse reprimido pela polícia “... a polícia em toda a zona reprimiu a

batucada...”, e essa ausência da repressão poderia se tornar um atrativo aos demais sambistas

“... eu vou prá Vila onde a polícia é camarada...”. A letra segue descrevendo as andanças de

Noel pelos guetos do samba “... Já saí de Piedade, já mudei de Cascadura...” que consegue se

mesclar nos redutos desta cultura de boemia e malandragem, e assim captar a musicalidade, as

vivências e as práticas sociais existentes nos múltiplos territórios da cidade e posteriormente

transformá-las em música.

Segundo Lefebvre (2008), as práticas sociais estão ligadas ao emprego do tempo e do

espaço e ao seu uso no cotidiano, sendo assim, quem mais se desloca pela cidade, é quem

mais vivencia o urbano, na percepção tanto das práticas espaciais, aquelas ligadas aos

deslocamentos, como das práticas sociais ligadas às ações políticas e culturais. Nesse sentido,

alguns compositores exercem, nestas vivências de diferentes territórios e práticas sociais, um

“saber circulatório” (TELES, 2006) ao transcender fronteiras simbólicas de classe e espaciais:

“Alguns músicos populares, como Noel Rosa e Lamartine Babo, atualizaram sua forma

musical em função das expressões urbanas criadas no dia-a-dia, no mundo diurno do trabalho

ou no noturno dos bares, ou então apreenderam as gírias trazidas pelos meios de

comunicação” (NAVES, op.cit.).

Não tenho medo de bamba/ Na roda do samba/ Eu sou bacharel/Andando pela batucada/

Onde eu vi gente levada/ Foi lá em Vila Isabel (Entra agora a Embaixada do Sossego)/ Na

Pavuna tem turuna/ Na Gamboa gente boa/ Eu vou pra Vila/ Aonde o samba é da Coroa/ Já

saí de Piedade/ Já mudei de Cascadura/ Eu vou pra Vila/ Pois quem é bom não se mistura/

Quando eu me formei no samba/ Recebi uma medalha/ Eu vou pra Vila/ Pro samba do

15

Turuna: forte, valente, destemido

53

3

chapéu de palha/ A polícia em toda zona/ Proibiu a batucada/ Eu vou pra Vila/ Onde a

polícia é camarada

Segundo Naves (op. cit.), Noel Rosa parecia ter um entendimento muito particular

acerca do estilo de vida carioca, suas composições nos revelam muita sensibilidade na

percepção da realidade urbana da época e um entrosamento natural com as diversas

linguagens da cidade – Noel apesar de possuir boa formação escolar parecia transitar

livremente pelos diversos territórios da cidade e utilizava palavras do vocabulário de camadas

populares em suas músicas. Assim, contribui para a criação de uma linguagem musical

condizente com a Babel que se configura no Rio de Janeiro das décadas de 1920 e 1930.

“Conhecido pela ironia de suas composições, e pela sua habilidade com a linguagem, o

compositor se mostrava extremamente sensível aos temas do cotidiano, como os relacionados

à dureza, ao vestuário, ao samba, à malandragem” (ROCHA, 2006: 122).

Podemos perceber na composição de Noel Rosa, “Com que roupa” do ano de 1930,

uma reunião de todas estas coisas, o compositor retrata ironicamente os problemas da falta de

dinheiro e da manutenção do vestuário do malandro-boêmio – tendo aí a roupa como um fator

cultural, uma condição de pertencimento a um grupo determinado. Mediante o vestuário, há

uma apropriação simbólica da cultura da malandragem. “Andar bem vestido fazia parte do

ethos malandro. A qualidade e a sensibilidade que o caracterizam correspondem à sua

elegância. Mais do que uma questão de vaidade ou gosto pessoal, andar elegantemente vestido

era uma obrigação imposta moralmente ao malandro” (ROCHA, op. cit.: 126).

Agora vou mudar minha conduta/ Eu vou pra luta/ Pois eu quero me aprumar/ Vou tratar

você com força bruta/ Pra poder me reabilitar/ Pois esta vida não está sopa/ E eu pergunto

com que roupa?/ Com que roupa que eu vou?/ Pro samba que você me convidou/ Com que

roupa eu vou?/ Pro samba que você me convidou/ Agora eu não ando mais fagueiro/ Pois o

dinheiro/ Não é fácil de ganhar/ Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro/ Não consigo ter nem

pra gastar/ Eu já corri de vento em popa/ Mas agora com que roupa?/ Eu hoje estou pulando

como sapo/ Pra ver se escapo/ Desta praga de urubu/ Já estou coberto de farrapo/ Eu vou

acabar ficando nu/ Meu paletó virou estopa/ Eu nem sei mais com que roupa?/ Com que

roupa que eu vou?/ Pro samba que você me convidou/ Com que roupa eu vou?/ Pro samba

que você me convidou

Valendo-se do rádio que vivia sua época de ouro entre os anos de 1930 e 1950, as

músicas populares ganharam notoriedade e assim os ritmos, antes confinados aos morros e

subúrbios, que dependiam muitas vezes da Festa da Penha para se tornarem conhecidos pelo

54

4

público, conseguem conquistar o país e todas as classes, entrando no cotidiano de consumo

cultural. Aquela ideologia do Estado Novo que pretendia criar símbolos nacionais ocasionou o

reconhecimento do samba, capturado por esta ideologia, como relevante para a construção de

uma cultura brasileira.

Por conta desse projeto, o samba ganha um novo status de manifestação cultural

consentida e acontece a descriminalização da cultura popular. O ritmo samba nasceu, nas

primeiras décadas do século XX, como uma espécie de contra cultura das classes excluídas,

como uma luta simbólica em busca de raízes, de pertencimento a um determinado grupo, e

cresce em meio à industrialização e urbanização da cidade do Rio de Janeiro, convivendo com

miséria, desequilíbrio social e revoltas populares.

Foi ali, nas proximidades da extinta Praça Onze, no lugar hoje conhecido como Cidade

Nova que fervilhou o samba, aonde “negros e mestiços acabaram se impondo culturalmente e

criando o que seria o carnaval das camadas populares do Rio de Janeiro, marcado pelo tom

africano, que se impusera à cultura pequeno-burguesa também aí existente”

(SPANNENBERG, 2005: 146). Sendo assim, podemos atribuir ao samba, desde o seu

nascimento, certo caráter contestatório da ordem dominante caracterizado pelo humor e pela

ironia. No início da década de 1930 o samba também já apresentava diferentes

territorialidades espalhadas pelos diferentes lugares da cidade: havia o samba do Estácio, o

samba dos morros, o samba do subúrbio e o samba de Vila Isabel. Em 1934, o compositor

Noel Rosa escreve “Feitiço da Vila”, que nos permite perceber o bairro com um novo reduto

do samba e da boemia carioca, ele se apresenta como um frequentador do samba de Vila

Isabel, aquele que não aparece ligado a nenhuma manifestação religiosa “sem farofa, sem

vela, sem vintém”, alusão às rodas de samba que aconteciam nos terreiros das casas das tias

baianas.

Quem nasce lá na Vila/ Nem sequer vacila/ Ao abraçar o samba/ Que faz dançar os / galhos/

Do arvoredo e faz a lua/ Nascer mais cedo/ Lá, em Vila Isabel/ Quem é bacharel/ Não tem

medo de bamba/ São Paulo dá café/ Minas dá leite/ E a Vila Isabel dá samba/ A vila tem um

feitiço sem farofa/ Sem vela e sem vintém/ Que nos faz bem/ Tendo nome de princesa/

Transformou o samba/ Num feitiço descente/ Que prende a gente/ O sol da Vila é triste/

Samba não assiste/ Porque a gente implora:/ "Sol, pelo amor de Deus/ não vem agora/ que as

morenas/ vão logo embora/ Eu sei tudo o que faço/ sei por onde passo/ paixao nao me

aniquila/ Mas, tenho que dizer/ modéstia à parte/ meus senhores/ Eu sou da Vila!

55

5

No mesmo ano, o compositor Wilson Batista responde musicalmente a Noel e compõe

“Conversa Fiada”, desafiando essa nova territorialidade do samba com a frase “me

assassinaram o samba”, em contraponto com lugares já tradicionalmente consagrados como

“locais de bambas”, aqueles lugares onde era produzido o que, para ele, constituia o

verdadeiro samba de raiz.

É conversa fiada/ Dizerem que os sambas/ Na Vila têm feitiço/ Eu fui ver para crer/ E não vi

nada disso/ A Vila é tranqüila/ Porém é preciso cuidado:/ Antes de irem dormir/ Dêem duas

voltas no cadeado/ Eu fui lá na Vila ver o arvoredo se mexer/ E conhecer o berço dos

folgados/ A lua nessa noite demorou tanto/ Me assassinaram um samba/ Veio daí o meu

pranto.

Numa atitude talvez pacificadora, em 1935, com a composição “Palpite Infeliz”, Noel

esclarece que não há intenção de monopolizar o samba, que o samba não deve ser restrito a

esse ou aquele bairro da cidade. Louva lugares tradicionais de criação do gênero musical,

mostrando respeito às culturas locais e às suas diversas territorialidades “Salve o Estácio,

Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz” e tenta provar que o samba pode nascer em

novos lugares: “A Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também”

Quem é você, que não sabe o que diz?/ Meu Deus do céu, que palpite infeliz!/ Salve o Estácio,

Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz/ Que sempre souberam muito bem/ Que a Vila

não quer abafar ninguém/ Só quer mostrar que faz samba também/ Fazer poema lá na Vila é

um brinquedo/ Ao som do samba dança até o arvoredo/ Eu já chamei você pra ver/ Você não

viu porque não quis!/ Quem é você que não sabe o que diz?/ A Vila é uma cidade

independente/ Que tira samba/ Mas não quer tirar patente/ Pra que ligar a quem não sabe/

Aonde tem o seu nariz?/ Quem é você que não sabe o que diz?

Afastando um pouco deste processo de “requalificação funcional” do antigo malandro-

boêmio e sua transformação em símbolo nacional, retorna-se à Getúlio Vargas, uma figura

bastante controversa, amado por uns, odiado por outros e auto-intitulado “Pai dos pobres”, um

pai ditador, que pregou o nacionalismo e utilizou-se da cultura e da música popular para

propagar sua ideologia. Efetivamente, “a principal característica do discurso ideológico é

ocultar as contradições, os conflitos, gerados, principalmente, pela luta de classes, sendo um

fenômeno recente, característico das sociedades de massa, ou seja, das sociedades industriais

e urbanas” (ARENDT, apud SPANNENBERG, op. cit.: 143).

56

6

“A tendência nacionalista na música vinha desde o final do século XIX, quando as

nações européias ainda não tinham se constituído efetivamente como Estado Nação.

Precisavam buscar, em suas raízes, algo que as unisse, algo como um espírito nacional”

(ibidem: 144). No caso brasileiro, o ethos nacional passa pelo samba, a cultura popular agora

também representa a cultura nacional, os morros e os subúrbios, por meio da música,

pareciam ganhar um lugar na centralidade.

Atuando no plano da sua ideologia de construção de símbolos nacionais por

intermédio da cultura popular, no ano de 1932 o governo oficializou o Desfile das Escolas de

Samba, e a Praça Onze, o berço do samba, se tornou o palco da criação. O carnaval começa a

ser tratado como incentivador ao turismo, mais uma peculiaridade de uma cidade tão bela. No

ano de 1935, o compositor André Filho lança a marchinha “Cidade Maravilhosa”, uma

exaltação à cidade idílica e utópica, palpitante “coração do meu Brasil”. onde as belezas

servem como anestésico para o sofrimento e contribuem para a concretização da felicidade

coletiva. A cidade do Rio de Janeiro é descrita como um exemplo a ser seguido pelo resto da

nação, lugar central e principal do país, difusor de modas e costumes, local símbolo da cultura

nacional. Contudo, “a alcunha ‘Cidade Maravilhosa’ foi criada por Coelho Neto, em 1908 em

razão da nova aparência da cidade após as reformas de Pereira Passos. “A música reforça a

maravilha de viver nesta cidade que 30 anos após o “bota-abaixo” já tinha sofrido novas

melhorias como a derrubada do Morro do Castelo, o aterro da Urca e a abertura da av. Rui

Barbosa” (cf. MELLO, 1991:202).

Cidade maravilhosa/ Cheia de encantos mil/ Cidade maravilhosa/ Coração do meu Brasil/

Cidade maravilhosa/ Cheia de encantos mil/ Cidade maravilhosa/ Coração do meu Brasil/

Berço do samba e das lindas canções/ Que vivem n’alma da gente/ És o altar dos nossos

corações/ Que cantam alegremente/ Jardim florido de amor e saudade/ Terra que a todos

seduz/ Que Deus te cubra de felicidade/ Ninho de sonho e de luz

Ainda refletindo sobre a nova ordem desejada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas,

aquela que “desejava transfigurar o trabalhador no novo herói da Pátria, no homem superior,

iluminado pelos nobres ideais de elevação moral, intelectual e material” (SPANNENBERG,

op. cit.: 144), podemos perceber que essa ideologia de culto ao trabalho e à produção, inicia

uma severa repressão aos "ociosos". O malandro do Estado Novo ganha “roupa nova”. Se até

os anos 30 esse malandro possuía navalha no bolso, lenço no pescoço, chinelo Charlotte e

camisa de seda, agora ele se torna o bom malandro caracterizado pela camisa listrada, pelo

sapato bicolor e o paletó de linho branco. Esse é o estereótipo do malandro acolhido com bons

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7

olhos pelo governo como divulgador da cultura nacional. Desejava-se agora propagar a

felicidade por meio do elogio do trabalho e das virtudes do lar, procurando banir do

imaginário popular a longa tradição da malandragem, tão tipicamente carioca. O trabalho

agora era o valor básico e implicava diretamente na desejada construção do novo homem. As

três músicas a seguir nos mostram bem esse panorama de um ex-malandro, a contragosto,

convertido em trabalhador.

O tempo da sociedade industrial do chamado “fordismo” (Harvey, 1989) é

cronometrado. O horário a ser cumprido era uma temática corriqueira do cotidiano que

impossibilitava ao sujeito ser ao mesmo tempo malandro e trabalhador. Podemos perceber, na

composição do ano de 1937, escrita por Haroldo Lobo “O bonde do horário já passou”, as

desventuras de um boêmio que não consegue há cinco dias ir trabalhar “já não tenho mais

desculpa para dar ao meu patrão”

O bonde do horário já passou/ E a Rosalina não me acordou/ Fazem cindo dias/ Que eu não

vou trabalhar/ Rosalina me deixa/ Em má situação/ Já não tenho mais desculpa/ Para dar ao

meu patrão/ Na segunda-feira eu disse/ Que onde moro choveu/ Na terça e quarta/ Rosalina

adoeceu/ Já na quinta foi difícil de convencer/ E hoje o que é que eu vou dizer?

Em 1939 é criado o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda “considerando

que havia um excesso de sambas fazendo apologia da malandragem, pressionou os

compositores para que adotassem temas de exaltação ao trabalho e execração da boemia”

(SOIHET, apud SPANNENBERG, op. cit.: 149). Em 1940 é gravada a composição “O bonde

São Januário” de Wilson batista e Ataulfo Alves. “Quem trabalha é que tem razão” este

samba é um retato do antimalandro, aquele regenerado, arrependido das noites de boemia

“antigamente eu não tinha juízo” que se torna um exemplo de trabalhador, ou seja, aquele que

vê o trabalho como única via para a felicidade “a boemia não dá camisa a ninguém” que agora

faz parte do modelo de produção fordista que impera na cidade, demarcando os tempos da

produção e da própria vida.

Quem trabalha é que tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar/ O Bonde São Januário/

Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar/ Antigamente eu não tinha juízo/ Mas

resolvi garantir meu futuro/ Vejam vocês/ Sou feliz e vivo muito bem/ A boemia não dá

camisa a ninguém, é/ E digo bem

O novo ritmo imposto pelo relógio por diversas vezes independe da vontade do

trabalhador. A afirmação deste modelo de produção entra em rota de colisão com um sistema

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8

de transportes públicos que não estava preparado para atender a toda a população, apesar de

ter viabilizado maior mobilidade pelos bairros da cidade, como adaptação logística para

garantir a reprodução da força de trabalho. Com o tempo, a classe trabalhadora foi aos poucos

sendo empurrada para mais distante da cidade, e então o sistema de transportes passou a não

permitir um real deslocamento pelos bairros cariocas.

O samba de 1941, “O trem atrasou” o trio de compositores Arthur Vilarinho,

Estanislau Silva e Paquito nos relata a dificuldade vivida pela parcela pobre da população,

para cumprir horário de trabalho em virtude dos atrasos do trem “o trem atrasou, trago aqui o

memorando da Central”, afastados do centro econômico, onde se concentrava a oferta de

empregos formais, a massa de trabalhadores moradora do subúrbio ferroviário dependia do

bom funcionamento do serviço de trens da cidade para chegar ao trabalho, fato que na maioria

das vezes não se configurava.

Patrão, o trem atrasou/ Por isso estou chegando agora/ Trago aqui o memorando da Central/

O trem atrasou meia hora/ O senhor não tem razão/ Para me mandar embora (patrão)/ O

senhor tem paciência/ É preciso compreender/ Sempre fui obediente/ Reconheço o meu dever/

Um atraso é muito justo/ Quando há explicação/ Sou um chefe de família/ Preciso ganhar o

pão/ E eu tenho razão

Getúlio Vargas, desde os primeiros dias de seu longo governo sobre o País, ocupou-se

com a mídia e com a possibilidade de ter o controle sobre a sociedade por meio do uso da

cultura popular. Ao mesmo tempo em que procura superar a cultura da malandragem,

enraizada na vida urbana do Rio de Janeiro desde os anos 20, em especial na música popular,

mostra um campo adormecido, um gigante a despertar. No lugar do malandro e do bugre

deveria surgir um operário limpo, produtivo, casado e definitivamente incorporado ao

processo produtivo do País. (SILVA, 1998). O samba “É negócio casar” escrito em 1941 por

Ataulfo Alves e Felisberto Martins, é exatamente a narrativa de um malandro convertido

discursando, na tentativa de incorporar em seus ex-companheiros a nova ideologia do Estado

“faça o que eu fiz” descrevendo todas as vantagens obtidas “doce lar... amor... feliz” e a

felicidade por ter um dia o aval do Presidente que “manda premiar” aqueles trabalhadores pais

de famílias com mais de quatro filhos com o salário família.

Veja só/ A minha vida como está mudada/ Não sou mais aquele/ Que entrava em casa alta

madrugada/ Faça o que eu fiz/ Porque a vida é do trabalhador/ Tenho um doce lar/ E sou

feliz com meu amor/ O Estado Novo/ Veio para nos orientar/ No Brasil não falta nada/ Mas

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9

precisa trabalhar/ Tem café, petróleo e ouro/ Ninguém pode duvidar/ E quem for pai de

quatro filhos/ O presidente manda premiar/ É negócio casar! Veja só!

60

10

Durante a década de 1930, a estética cedeu lugar para a industrialização como palavra de

ordem no cotidiano do período. Porém, no Rio de Janeiro dos anos de 1930, já bem dividido

entre classes, o modo de vestir aparece ligado não à estética da cidade, mas à estética pessoal,

unido à criação de uma identidade, à apropriação simbólica de um espaço novo que

determinava por vezes um pertencimento mesmo que mascarado do cidadão a certo território.

Segundo Rocha (2006: 123),

É sabido que o vestuário designa um tipo de linguagem simbólica, um importante

modo de significação cultural. Em particular, o vestuário do malandro pode ser visto

como uma narrativa por meio da qual podemos ler e ver aspectos fundamentais do

processo de construção da sua identidade social.

“Com que roupa” de Noel Rosa nos remete a essa idéia – apesar de não ter sido

composta com tal propósito – de preocupação com o vestuário para assim poder transitar entre

alguns territórios da cidade, desde a burguesa rua do Ouvidor com seus palacetes e cassinos,

até o Rio de Janeiro das favelas, dos quiosques do samba e por vezes da navalha.

A territorialidade do samba aparece presente em cinco composições. “Na Pavuna” traz

em seus versos fortes referências à cultura afro-brasileira e situa o bairro como um pólo na

produção do samba de raiz e na formação de bambas do samba. Em contraponto, “Eu vou prá

Vila” descreve as vantagens do samba feito em um bairro nobre da cidade, um samba

consentido, sem ligações religiosas ou com a malandragem. “Feitiço da Vila” e “Conversa

Fiada” travam um embate musical entre o novo reduto do samba e a tradição dos locais de

bambas e “Palpite Infeliz” termina por tentar uma aceitação acerca das diversas

territorialidades do samba e das diferentes características de cada uma delas – o samba do

Estácio, dos subúrbios, dos morros e da Vila Isabel.

É nesta década que o samba começa ser introduzido na cultura oficial da cidade. Por se

tornar um dos destaques da cultura nacional, passa a retratar por vezes, partes da cidade antes

relegadas ao esquecimento. Porém, “Cidade Maravilhosa” não nos remete a um desses

territórios informais (esquecidos) da cidade, e sim a uma exaltação utópica do viver-bem no

Rio de Janeiro, a cidade remodelada anos antes, com ruas largas e palacetes afrancesados, o

coração do Brasil, a cidade difusora de modas e costumes, centro financeiro, político,

administrativo e agora também turístico do país.

61

11

O mundo da utopia é composto por bairros jardins, ruas largas arborizadas,

funcionais, higiênicas e arejadas, monumentos magnificentes e prédios grandes e

belos. A “cidade espetáculo” dos pensadores utópicos é benquista pelos preceitos

burgueses por ser ordeira, limpa e harmônica, o que facilita o controle. (MELLO,

1991: 200)

O crescimento e a modernização da cidade do Rio de Janeiro traziam em seu bojo

diversas melhorias necessárias, aparentemente, ao bom funcionamento de todos os setores

urbanos. A cidade crescia em varais direções – rumo à Zona Sul, aos subúrbios ferroviários e

expandia a Zona Norte – as benfeitorias urbanas e sociais porém, não acompanhavam esse

crescimento e por diversas vezes se encontravam concentradas em alguns bairros eleitos como

preferenciais pela elite econômica. Com o sistema de transportes não foi diferente. A malha

urbana cresceu, as mudanças urbanas empurraram parte da população para áreas mais

distantes do centro econômico, e apesar do sistema viário ter conseguido penetrar por grande

parte das “novas” áreas da cidade, a maneira como o serviço era oferecido para a população

pobre não era satisfatória, como relata a letra de “O trem atrasou”, destacando a precariedade

do serviço de transporte ferroviário de passageiros.

A repressão da vadiagem imposta pelo Estado Novo em fins da década de 1930

implicará na domesticação do malandro-valente até este assumir sua condição de trabalhador

satisfeito. “O bonde do horário já passou” parece tratar exatamente deste momento de

transição, onde o malandro ainda tenta conciliar (em vão) sua antiga vida de noites boêmias

com os dias de trabalho, enquanto que “O bonde São Januário” trata de um malandro-

regenerado, transformado que renega as noites boêmias em nome de uma vida regrada (cf.

ROCHA, op. cit.: 139).

A política do Estado Novo trouxe muitas mudanças para o país, e entre elas podemos

enquadrar o uso da cultura e da música popular como aliados políticos. A música “é negócio

casar” passa por este viés, de aliado do governo, com um vocabulário simples e um ritmo

popular – o samba – tem a função de persuadir os ouvintes a respeito da oportunidade de

possuir uma vida regrada, um trabalho formal e um casamento. Segundo Cunha (2002: 13),

62

12

O Estado Novo via na instituição familiar uma forma de disciplinar as classes

subalternas da sociedade. È negócio casar [...] fala de um “malandro regenerado”

que exalta o trabalho, o lar e o Estado Novo que “veio para nos orientar”.

O compositor-malandro acaba por encontrar uma forma de se enquadrar ao regime

sem perder a malandragem, pois ainda conforme Cunha (op. cit.), ele aponta para a

possibilidade de algum ganho material diante da realidade do casamento ao usufruir do

salário-família que o governo Getúlio Vargas instituiu.

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Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição

19 NA PAVUNA 1929 Almirante e Homero Dornelas Subúrbio do Rio de Janeiro/ Territorialidade do samba

20 EU VOU PRA VILA 1931 Noel Rosa Novo reduto do samba/ múltiplas territorialidades do samba

21 COM QUE ROUPA 1930 Noel Rosa Falta de dinheiro/ Malandragem/ Vestuário

22 FEITIÇO DA VILA 1934 Noel Rosa Novo reduto do samba/ O samba consentido

23 CONVERSA FIADA 1934 Wilson Batista Defesa do samba de raiz/ Tradição

24 PALPITE INFELIZ 1935 Noel Rosa Multiterritorialidade do samba

25 CIDADE MARAVILHOSA 1935 André Filho Exaltação/ Utopia carioca

26 O BONDE DO HORÁRIO JÁ PASSOU 1937 Haroldo Lobo e Milton de Oliveira Malandragem X Trabalho

27 O BONDE SÃO JANUÁRIO 1940 Wilson Batista e Ataulfo Alves Exaltação ao trabalho/ Transformação do malandro

28 O TREM ATRASOU 1941 Arthur Vilarinho, Estanislau Silva e Paquito Precariedades da cidade: sistema de transportes

29 É NEGÓCIO CASAR 1941 Ataulfo Alves e Felisberto Martins Nova ideologia/ Apologia ao trabalho e à unidade familiar

CAPÍTULO 4. Rio de ladeiras, civilização encruzilhada, cada ribanceira é uma

nação16

-1940 a 1950

Revendo o período de duração do Estado Novo, Enders (2009: 246) afirma que apesar

de seu caráter autoritário, não significa que ele tenha sido monolítico ou que seus oito anos de

existência formem um bloco homogêneo. Até 1941, em sua 1ª fase, ele pode ser caracterizado

pelo uso da força e pelo discurso anticomunista e nacionalista, ao final do ano de 1941,

inaugura-se a 2ª fase ou “novo Estado Novo” com afrouxamento da repressão e fortes

investimentos no setor industrial brasileiro. Assim, o Distrito Federal começa a atrair os

primeiros migrantes nortistas e nordestinos em busca de trabalho na Capital. Por esta época, o

governo ainda não havia feito a opção pelo modelo rodoviário, com a abertura de uma rede de

rodovias interligando o país, e esses migrantes chegavam ao Rio de Janeiro transportados

pelos chamados “ITAs”. ITA era o nome que designava os navios a vapor brasileiros,

pertencentes à Companhia Nacional de Navegação Costeira, que faziam a navegação de

cabotagem, responsável pelo transporte cargas e passageiros do sul ao norte do país, durante a

primeira metade do século 20. Esses navios foram batizados com nomes em tupi-guarani

iniciados pelas sílabas ita: Itaberá, Itagiba, Itaguassu, Itahité, Itaimbé, Itaipu, Itajubá, Itanagé,

Itapagé, Itapé, Itapema, Itapuca, Itapuhy, Itapura, Itaquara, Itaquatiá, Itaquera, Itaquicé,

Itassucê, Itatinga, Itaúba. Composta por Dorival Caymmi, no ano de 1941, “Peguei um ITA

no norte” descreve essa migração “vim pro Rio morar”, tendo sido o próprio Dorival,

passageiro de um dos antigos “Itas”.

Peguei um Ita no norte/ Pra vim pro Rio morar/ Adeus meu pai, minha mãe/ Adeus Belém do

Pará/ Ai, ai, ai, ai/ Adeus Belém do Pará/ Ai, ai, ai, ai/ Adeus Belém do Pará/ Vendi meus

troços que eu tinha/ O resto dei pra “aguardá”/ Talvez, eu volte pro ano/

Talvez eu fique por lá

16

Trecho do samba “Estação derradeira”, de 1987 composto por Chico Buarque.

65

Desde o ano de 1937 estava em vigor na cidade o Código de Obras que entre outras

coisas impunha limites para a expansão de favelas proibindo tanto a construção de novas

casas como a ampliação das existentes: “Nas favelas existentes é absolutamente proibido

levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer

qualquer construção17

”. Henrique Dodsworth, o interventor federal indicado por Getúlio

Vargas durante todo o período do Estado Novo, expõe o seu plano para equacionar o

problema das favelas: a criação de parques proletários provisórios, como um conjunto de

condomínios fechados de casas e serviços públicos, próximos às favelas de origem de seus

moradores e que funcionariam como uma transição até a inclusão completa de todos. O

primeiro deles foi o parque proletário da Gávea, que se localizava na área que atualmente vai

dos pilotis da PUC ao Planetário. Correndo o risco de verem seus locais de moradia e/ou

convivência desaparecerem, por causa das iminentes obras urbanas, são escritas letras de

protesto e de um futuro saudosismo. Como o samba “Favela Querida”, composto no ano de

1942 por Cristóvão de Alencar e Sílvio Pinto... “...se eu for pra outro lugar... vou chorar...”

“... não sei te dizer adeus...”

Minha favela querida/ Se eu for pra outro lugar/ Na hora da despedida, eu bem sei/ Que vou

chorar/ Favela dos sonhos meus/ Não sei te dizer adeus/ Pois foi na favela que eu conheci/

Sambando na ribanceira/ Uma cabrocha faceira/ Que nunca mais esqueci

Analisando algumas canções podemos notar, como bem nos informa Mendes Junior

(2007: 202), que “há um discurso criado para a favela como lugar que desperta saudades na

fala de quem a troca pela cidade. A favela é representada como palco dos sentimentos nobres,

genuínos, em oposição à cidade, por sua vez retratada como lugar do orgulho, da falsidade, do

sarcasmo e do vício”. O samba “Vida no morro” composto no ano de 1942 por Haníbal Cruz

nos envolve com a visão romântica da moradia na favela, substituindo a utopia carioca

embutida nos versos da canção “Cidade Maravilhosa”, pela utopia da vida na favela, onde

valores como a amizade, a verdade e a família podem ser efetivamente cultivados, em

oposição com a “mentirosa” cidade, onde os valores são por muitas vezes mascarados.

O morro começa ali onde o sambista sorri ao choro dos violões/ O morro só principia

onde acaba a hipocrisia que domina nos salões/ O morro é diferente todo mundo é inteligente

embora sem instrução/ Há perfume pela mata castelos feitos de lata onde não mora a

ambição/ Ali no morro começa uma vida que não cessa de nos dar lições de amor/ O morro

começa ali onde o sambista sorri perto do Nosso Senhor/ Lá no morro todo caixote é cadeira

17

Decreto 6000 de 1º de julho de 1937, artigo 349, parágrafo 1º.

66

16

todo colchão é de esteira/ Vela acesa, iluminação/ Rico é visita no meio da gente, pedra

arrumada é fogão bem eficiente/ Ir lá no morro é saber da verdade não há fingimentos como

há na cidade/ Tudo no morro é tão diferente todo vizinho é amigo da gente/ Há um batuque,

nossa maravilha, toda cabrocha pertence à família/ Tudo no morro é melhor que na cidade

tanto na dor quanto na felicidade/ Quando a cidade adormece sonhando o morro penetra na

noite cantando.

O que se deve considerar nessa profusão de vozes convergentes sobre a idealização

do morro é que seus sujeitos não eram necessariamente habitantes dos morros, mas

moradores da cidade. Isso pode ser lido como uma pista que nos leva a crer em um

pacto, pelo menos no nível do discurso simbólico, sobre essa caracterização do

morro como lugar de virtude. Claro que contra-exemplos também existiram, mas a

visão romântica da favela e do morro era hegemônica, tal qual a visão ufanista do

samba que exalta o Brasil. (MENDES JUNIOR, 2007: 203)

No ano de 1935, o desfile das Escolas de Samba foi oficializado, Estado Novo a partir

de 1937, através de sua ideologia de construção de símbolos nacionais valorizou o samba, o

folclore, a cultura popular e inventou personagens-símbolos nacionais – o malandro e a

cabrocha ou mulata – note-se que são elementos e manifestações provenientes tipicamente das

camadas populares. “As ambigüidades do regime em relação ao mundo das favelas se

expressam de maneira espetacular no início dos anos de 1940. No momento em que o samba

se torna para o Governo uma marca nacional e um objeto de exportação, o prefeito do Distrito

Federal manda destruir diversos resíduos da ‘Pequena África’” (ENDERS, 2009: 255), e entre

eles estava a Praça Onze de Junho.

A Praça Onze que existia há mais de 150 anos, que nos idos anos 1910 e 1920 havia

sido o local mais cosmopolita da cidade, que foi palco de uma mistura de “gentes” e de raças

unindo para sempre em suas raízes espanhóis, italianos, judeus e milhares de negros, negros

estes, os responsáveis por transformar a tal Praça Onze em reduto de sambistas, ao utilizarem

o seu espaço para os desfiles das primeiras escolas de samba. A histórica Praça não tinha

lugar em uma cidade moderna, que necessitava de novas vias de circulação, e assim, anos

após a derrubada do berço da cidade, é enterrado em 1943, o berço do samba. O samba “Praça

Onze” composto por Herivelto Martins e Grande Otelo no ano de 1941, anunciava a

destruição do palco dos desfiles das Escolas de Samba.

67

17

Vão acabar/ Com a Praça Onze/ Não vai haver mais/ Escola de samba, não vai/ Chora o

tamborim/ Chora o morro inteiro/ Favela, Salgueiro,/ Mangueira Estação Primeira/ Guardai

os vossos pandeiros, guardai/ Porque a escola de samba não sai!/ Adeus, minha Praça Onze,

adeus/ Já sabemos que vais desaparecer/ Leva contigo a nossa recordação/ Mas ficarás

eternamente em nosso coração/ E algum dia nova praça nós teremos/ E o teu passado

cantaremos

No ano de 1944 a Avenida Presidente Vargas é inaugurada, após o arrasamento de

todos os quarteirões situados entre as extintas ruas General Câmara e São Pedro, totalizando

525 construções demolidas, entre elas três seculares igrejas, praças – sendo a Praça Onze uma

delas – e parte do Campo de Santana.

Seu projeto original estabelecia a criação de uma zona comercial entre a Candelária e

o Campo de Santana e, a partir daí, até a Praça da Bandeira, a avenida seria exclusivamente

residencial. Porém, ela foi aberta no momento de expansão vertical e comercial em

Copacabana, fato que causou um esvaziamento do centro, ocasionando sua demorada

ocupação, que até hoje pode ser percebida apenas no trecho próximo à Av. Rio Branco, ao

olharmos em direção à Praça da Bandeira encontraremos diversos terrenos subutilizados, que

não justificam em momento algum a necessidade da destruição da antiga malha urbana da

Cidade Nova. Por causa desta destruição, mais uma vez milhares de pessoas são despejadas

de seus lugares vividos. Sem poder evitar a destruição e talvez perplexos com a beleza de tão

grandiosa artéria, a mesma dupla – Herivelto Martins e Grande Otelo – que compôs o samba

anterior protestado contra a destruição do berço do samba, exalta – no ano de 1943 – a nova

artéria, com o samba “Bom Dia Avenida”, pois a Praça Onze havia sido de fato destruída, e só

restava esperar que a nova via beneficiasse a todos com uma cidade moderna e agradável.

Lá vem a nova avenida/ Remodelando a cidade/ Rompendo prédios e ruas/ Os nossos

patrimônios de saudade/ É o progresso/ E o progresso é natural/ Lá vem a nova avenida/

Dizer a sua rival/ Bom dia avenida central

É a partir de 1945 que surgem os primeiros apartamentos conjugados no bairro de

Copacabana e a tradicional Confeitaria Colombo abre por lá a sua filial. O bairro é o sinônimo

da Zona Sul, onde é possível encontrar em harmonia a modernidade e o prazer de viver a

beira mar. Os compositores Braguinha e Alberto Ribeiro talvez inspirados pelas “sereias” pelo

mar e o pôr-do-sol lançam no ano de 1946 a canção “Copacabana”, valorizando esta praia e

indo ao encontro das representações que irão consolidar como hegemônicas o topônimo Zona

Sul (CARDOSO, 2009: 112).

68

18

Existem praias tão lindas/ cheias de luz/ nenhuma tem o encanto que tu possuis/ tuas areias

teu céu tão lindo/ tuas sereias sempre sorrindo/ Copacabana, princesinha do mar/ pelas

manhãs tu és o sol a cantar/ e a tardinha o sol poente/ deixa sempre uma saudade na gente/

Copacabana, o mar eterno cantor/ ao te beijar ficou perdido de amor/ e hoje vivo a

murmurar/ só a ti Copacabana eu hei de amar

Por esta época, o bairro de Madureira também se configurava como um importante

subcentro da cidade. Segundo Fraiha (199918

), de início o bairro era o mais importante ponto

de convergência das estradas rurais, parada obrigatória dos viajantes, e durante o século XX

após a chegada da ferrovia foi crescendo em importância e ganhando centralidade em relação

à cidade, com a implantação do Mercado de Madureira no ano de 1914, o bairro firma-se

como principal centro para os comerciantes e lavradores das redondezas. Madureira exerce

uma certa centralidade cultural em relação a cidade, é o berço das Escolas de Samba Portela e

Império Serrano, pólo irradiador do samba, além de ter sido “o grupo da Portela uma

importante referência para a organização de Escolas de Samba, sem que isso tenha provocado

o esquecimento da contribuição que o pessoal do Estácio lhes deu” (FERNANDES, 2001:68).

No ano de 1946 os compositores Haroldo Lobo e Milton de Oliveira descrevem nos versos de

“Vou sambar em Madureira” essa nova centralidade cultural do bairro de Madureira “vem

gente até de Bangu” e sua importância na história do samba, demonstrando assim a falta da

necessidade de deslocamento até o antigo centro da cidade em busca de comércio e lazer.

Se ela for sambar em Madureira/ Eu também vou/ Ai, ai, ai, Madalena meu amor/ Topo

qualquer samba/ Seja êle onde for/ Mas só vou se a Madalena for/ No largo de Madureira/

Só não samba quem não quer/ De domingo a terça-feira/ Todos brincam prá xuxu/ Não

precisa ter dinheiro/ Só precisa um pandeiro/ Pra sambar em Madureira/ Vem gente até de

Bangu.

Já não existiam pela cidade muitas casas antigas que pudessem ser transformadas em

cortiços como forma barata de habitação popular. “... só se construíam habitações caras ou

prédios de escritórios e só se demoliam casas velhas, baratas, transformadas em casa de

cômodos, habitadas por muitas famílias”. (VAZ, 1998:6). O setor de construção civil cresce

promovendo a rápida verticalização de diversos bairros da cidade, empregando a mão de obra

barata e não qualificada dos diversos migrantes que aportaram na cidade trazidos pelos ITAs

do nordeste brasileiro. A composição de Roberto Martins e Wilson Batista “Pedreiro

Valdemar” de 1949, nos orienta a prestar atenção na oposição entre a construção de novas

18

Disponível em: http://www.museudapessoa.net/sescrio/artigos_madureira.shtml

69

19

moradias de alto padrão, a intensa verticalização de parte da cidade e a falta de oferta de

moradias populares, precariedade esta presente na cidade desde o início do século XX,

ocasionando assim um aumento da favelização e sua descentralização em busca de

permanecer perto das fontes de emprego.

Você conhece o pedreiro Valdemar?/ Não conhece?/ Mas eu vou lhe apresentar/ De

madrugada toma o trem da circular/ faz tanta casa e não tem casa pra morar/ Seu Valdemar

é mestre do ofício/ constrói o edifício/ e depois não pode entrar

70

20

A forte industrialização e a valorização da cultura popular chamam a nossa atenção

durante esta década. A domesticação do antigo malandro estava em processo de ascensão e

contava com o apoio da música popular para difundir os benefícios da regeneração. A capital

federal continuava seu caminho rumo à modernização, inserida no cenário mundial como a

Cidade Maravilhosa, via aumentar o gabarito das construções em bairros à beira-mar e

ganhava novos moradores vindos de outras regiões do país.

A utopia da Cidade Maravilhosa chegava através das ondas do rádio a todo o país,

atraindo diversos migrantes para solo carioca, desde artistas em busca de reconhecimento e

possibilidade de divulgação dos seus trabalhos, até a mão de obra menos qualificada em busca

de oportunidades de emprego na cidade em crescimento. Aportando na cidade por meio dos

navios de cabotagem “Peguei um ITA no norte”, acabaram por adensar o quadro da falta de

moradias populares na cidade e possibilitar o aumento e expansão das favelas pelos bairros do

Rio de Janeiro onde houvesse terrenos desocupados e próximos as fontes de empregos. É

notável também nos versos de “Pedreiro Valdemar” além da já citada precariedade de oferta

de moradias baratas, a maneira como o trabalhador se vê alienado em relação ao fruto de seu

trabalho, pois enquanto são construídas residências de alto padrão, não há investimento por

parte do Estado na melhoria das condições das habitações populares, visto que o problema das

favelas passa incólume por todo o período do Estado Novo.

Enquanto as favelas cresciam em número e tamanho, aumentava também o sentimento

de pertencimento ao local em seus moradores, onde eram criados vínculos sociais e afetivos,

redes sociais e familiares. “Favela querida” e “Vida no morro” descrevem utopicamente a

vida nessas comunidades, transmitindo a idéia de um cotidiano sem problemas, onde não

importam as precariedades da habitação, apenas os sentimentos da população em relação ao

seu lugar de pertencimento, lugar tido com ideal em oposição à cidade formal “fria e

mascarada”.

A cidade formal – figurada no seu governo – permitia que se reproduzissem as

moradias informais, mas não permitia seus melhoramentos, criava normas para conter a

proliferação dos casebres, mas não implantava novas moradias populares, exaltava o samba e

assistia aos seus desfiles, mas decretou nesta década o fim do berço do samba, em nome do

progresso e da circulação na cidade extinguiu fisicamente a Praça Onze palco dos desfiles das

Escolas de Samba. Porém, nas palavras de Mello (1991:130),

71

21

O prognóstico de Herivelto e Otelo, pelo menos no que tange ao culto à “Praça

Onze” vem se concretizando, ao longo do tempo. Anos ou décadas depois de

destruída, a Praça Onze tem sido insistentemente prestigiada, praticamente, a cada

ano em um ou outro samba-enredo das Escolas de Samba.

A Praça da Apoteose ao final da Avenida Marquês de Sapucaí passou a ser, pelo

menos durante os dias de carnaval, a nova Praça Onze alardeada no samba por Ataulfo e

Otelo “... e algum dia nova praça nós teremos e o teu passado cantaremos”, palco da

consagração das Escolas de Samba ao término de seus desfiles e palco também da divulgação

da escola campeã na quarta-feira de cinzas (cf. MELLO, op.cit).

A necessidade de melhorar a circulação, encurtando a distâncias entre os novos bairros

do Rio de Janeiro foi uma das causas da grande cirurgia urbana que ocasionou a destruição da

Praça Onze e de diversos quarteirões nos seus arredores “é o progresso, e o progresso é

natural, lá vem a nova avenida”. Surge a Avenida Presidente Vargas, conectando a zona norte

à área central e daí, através da Avenida Beira Mar aberta durante o período Pereira Passos

chegava-se até a zona sul, O projeto pretendido para a tal avenida acabou por não se

concretizar totalmente, o apelo do bairro balneário de “Copacabana princesinha do mar” que

se verticalizava intensamente retirou do centro da cidade comércio, serviços e residências

seguindo as pistas da Beira Mar rumo a zona sul.

Se na Zona Sul o bairro de Copacabana já aparece como importante subcentro com

grande oferta de serviços e produtos, na região do subúrbio ferroviário da E. F. Central do

Brasil, o bairro de Madureira também desponta como importante referência de centralidade

cultural de comércio, serviços e lazer, “pra sambar em Madureira, vem gente até de Bangu”.

Com o desenvolvimento dos subcentros acontece a descentralização da oferta de serviços,

produtos e empregos do centro da cidade que acaba por ser indiretamente proporcional a

descentralização de melhoramentos e infraestrutura oferecidos por parte da municipalidade,

pois a oferta de benfeitorias continuará acontecendo apenas nos bairros eleitos pelas elites

econômicas.

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Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição

30 PEGUEI UM ITA NO NORTE 1941 Dorival Caymmi Migração nordestina/ Utopia Carioca

31 FAVELA QUERIDA 1942 Cristóvão de Alencar e Sílvio Pinto Manejo da população das favelas/ Projeto de erradicação de favelas

32 VIDA NO MORRO 1942 Haníbal Cruz Utopia da vida na favela X Vida na cidade do Rio e Janeiro

33 PRAÇA ONZE 1941 Grande Otelo e Herivelto Martins Destruição do berço do samba/ novas vias de circulação/ Av. Pres. Vargas

34 BOM DIA AVENIDA 1943 Grande Otelo e Herivelto Martins Av. Pres. Vargas/ Progresso

35 COPACABANA 1945 Braguinha e Alberto Ribeiro Expansão vertical/ Zona sul/ Estilo de vida a beira-mar

36 VOU SAMBAR EM MADUREIRA 1946 Haroldo Lobo e Milton de Oliveira Nova centralidade/ Sub-centro comercial/ Pólo irradiador do samba

37 PEDREIRO VALDEMAR 1949 Roberto Martins e Wilson Batista Precariedades da cidade: falta de moradias populares

CAPÍTULO 5. Minha janela não passa de um quadrado, a gente só vê Sérgio

Dourado onde antes se via o Redentor19

- 1950 a 1960

Na década de 1950, a cidade do Rio de Janeiro apresentava diversas melhorias

rodoviárias, algumas delas deixadas pelo governo Vargas, entre as quais: o Túnel do Pasmado

em Botafogo, a duplicação do Túnel Novo entre Copacabana e Botafogo e a Avenida Brasil

construída sobre aterros da Baía da Guanabara, que ajudou a consolidar a ocupação dos

subúrbios iniciada décadas antes ao longo do eixo das ferrovias. Porém, as ruas internas dos

antigos bairros da região central da cidade ainda eram muito estreitas, às vezes sinuosas, e os

congestionamentos na cidade se tornavam monstruosos.

Em busca de uma melhor acessibilidade entre esses bairros, o governo traz de volta a

velha prática da cirurgia urbana que arrasou, décadas antes, os bairros que se encontravam no

caminho da modernidade dos novos viadutos, túneis e vias expressas. Sendo, porém, o custo

das desapropriações, agora muito alto, uma das soluções foi ganhar terrenos ao mar, e assim

surge a chance de realizar um antigo projeto na cidade: a derrubada do Morro de Santo

Antônio. Dele restou apenas a elevação onde está localizado o Convento de Santo Antônio e a

Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, remanescentes do Rio colonial.

Das suas terras atiradas na Baía, surgem o Aterro do Flamengo e a Praia de Botafogo,

configurando assim uma via expressa de ligação entre o centro e a zona sul da cidade.

A década anterior presenciou, durante a vigência do Estado Novo, o esvaziamento do

bairro da Lapa e a conseqüente perda do seu status de “locus” da malandragem, pois junto

com a “transformação” do malandro em um modelo de trabalhador e posterior personagem-

símbolo da cultura carioca, houve a perseguição às antigas práticas da malandragem. Ao se

criar um novo tipo de malandro, aquele da camisa listrada e do chapéu de palha,

19

Trecho da música “Carta ao Tom” de 1977, composta por Toquinho, Vinícius de Moraes e Chico Buarque

74

desejava-se apagar da história da cidade o antigo malandro característico do início do século.

Houve uma intensa repressão aos antigos hábitos da malandragem e o fechamento dos antigos

prostíbulos e cabarés da região da Lapa. Segundo Requião (2008: 166), a Lapa era desde o

século XIX um bairro aglutinador de intelectuais, artistas, políticos, malandros e prostitutas.

“A economia do local girava em torno da prostituição, que gerava o movimento dos bordéis,

clubes, cabarés e botequins. Muitas das boates, restaurantes e bares ofereciam música ao vivo

para seus clientes”.

E o bairro da Lapa era essa mistura por vezes harmoniosa e tumultuada por tantas

outras, envolto em brigas, mortes e roubos, ora dentro de um cabaré, numa antiga casa de

cômodos ou mesmo no meio da rua. Porém, essa não é a imagem que perdura na letra do

samba “Lapa” de Benedito Lacerda e Herivelto Martins, composto no ano de 1950, nos supõe

uma visão saudosista e romântica dos áureos tempos da boemia. Aproveitando o

afrouxamento do autoritarismo que acabou acontecendo após o Estado Novo, supunha-se que

a boemia voltaria à Lapa, conforme almejavam os compositores: “... a Lapa está voltando a

ser... confirmando a tradição...”, mas os tempos já não eram mais os mesmos; com a repressão

os malandros evadiram e a Lapa que os abrigara diluiu-se. Copacabana tornou-se o novo

palco da boemia, para lá se transferiram as prostitutas, os cafetões e seus cabarés (que se

transformaram em boates), as casas de jogos e tudo o mais. E contrariando os versos a seguir,

com a saída da malandragem, a Lapa entra em vertiginosa decadência até a quase extinção.

(cf. RIBEIRO, 2004: 161)

A Lapa/ Está voltando a ser/ A Lapa/ Confirmando a tradição/ A Lapa é o ponto maior do

mapa/ Do Distrito Federal/ Salve a Lapa! / O bairro das quatro letras/ Até um rei conheceu/

Onde tanto malandro viveu/ Onde tanto valente morreu/ Enquanto a cidade dorme/ A Lapa

fica acordada/ Acalentando quem vive/ De madrugada

Saindo da região central da cidade em direção ao mar, atravessando os túneis e

chegando até Copacabana, vamos encontrar a Zona Sul em um avassalador processo de

verticalização. “Até a década de 1960, Copacabana seria o bairro mais cobiçado para moradia,

aquele que representava maior distinção social e o que conheceria o maior incremento

populacional da Zona Sul, atravessando sucessivos booms imobiliários” (CARDOSO, 2009:

55). Era em Copacabana que se desejava morar, namorar, cultuar o ócio e passear. Nos versos

de “Sábado em Copacabana” composta no ano de 1951 por Dorival Caymmi e Carlos Guinle,

o lazer e a boemia oferecidos pelo bairro parecem funcionar como um prêmio após a rotina do

trabalho.

75

25

Depois de trabalhar toda a semana/ Meu sábado não vou desperdiçar/ Já fiz o meu programa

pra esta noite/ E sei por onde começar/ Um bom lugar para encontrar/ Copacabana/ Prá

passear à beira-mar/ Copacabana/ Depois num bar à meia-luz/ Copacabana/ Eu esperei por

essa noite uma semana/ Um bom jantar depois dançar/ Copacabana/ Pra se amar um só

lugar/ Copacabana/ A noite passa tão depressa/ Mas vou voltar lá pra semana/ Se eu

encontrar um novo amor/ Copacabana

Cinqüenta anos após a primeira cirurgia urbana operada por Pereira Passos, podemos

encontrar uma cidade onde o ato de morar não se restringe ao centro, a cidade cresceu em

direção aos seus subúrbios (lidos aqui como aqueles lugares afastados da região central), e

desde então o ato de morar acontece também afastado do centro. O aumento da área povoada

associada à distância, ao tempo gasto para se chegar ao centro, à renda dos moradores desses

novos subcentros e à concentração comercial, acabaram provocando uma descentralização das

atividades terciárias. Desde os anos de 1920, segundo relatos do escritor Lima Barreto, o

Méier já despontava como subcentro, apresentando “casas de modas” ao gosto da Rua do

Ouvidor, confeitarias, cinemas e casas de jogos; e agora, decorridas algumas décadas, o bairro

se configura como um subcentro consolidado, não havendo mais a necessidade de se recorrer

até o centro da cidade em busca de produtos e serviços (cf. MELLO, 1991: 66). O “Samba do

Méier” composto em 1952 por Wilson Batista e Dunga, nos descreve o bairro do Méier como

um subcentro completamente independente do centro da “cidade”, contando com uma boa

rede de comércio, serviços e infra-estrutura, que lhe valeu a condição de Capital dos

Subúrbios.

Você sabe eu sou do Méier/ Não preciso da cidade pra viver/ Pois no Méier tenho tudo pode

crer/ Se você não acredita/ Por favor, vai ver/ O Méier tem um jardim pra gente amar/ É lá

que eu vou construir meu lar/ o Méier sempre foi o maioral/ é a capital dos subúrbios da

Central

A intensa industrialização ocorrida no Rio de Janeiro durante a década de 1950

ocasionou um fluxo migratório intenso em busca da Capital Federal, e este fluxo acaba por

agravar o problema da falta de moradias populares na cidade, acarretando no aumento da

ocupação dos morros próximos aos locais de trabalho. A população das favelas continua a não

dispor de qualquer ajuda por parte do Estado. Através da música composta por Luís Antonio e

J. Júnior em 1952 na criação do samba “Lata d’água” somos transportados ao cotidiano de

moradores das favelas da cidade sofrendo com a falta do abastecimento de água nos morros

cariocas, o Estado não providenciava obras de canalização da água, as moradias construídas

76

26

nas encostas dos morros antes consideradas como provisórias se consolidavam mais a cada

dia e a população destes morros dependia do transporte manual diário de água para prover o

abastecimento em suas casas. No samba, entramos em contato com um personagem típico da

cidade do Rio de Janeiro desde os tempos do Brasil Colônia, a lavadeira, neste caso moradora

de uma das favelas da cidade, lavando no alto do morro as roupas das famílias mais abastadas

“todo dia... lava roupa lá no alto... lutando pelo pão de cada dia” E entre devaneios, trabalha

“... sonhando com a vida no asfalto que acaba onde o morro principia...”. Um perfeito retrato

da cidade dividida não mais apenas entre Zonas Nobres e Subúrbios, mas também entre o

asfalto e o morro.

Lata d'água na cabeça/ Lá vai Maria/ Lá vai Maria/ Sobe o morro e não se cansa/ Pela mão

leva a criança/ Lá vai Maria/ / Maria lava a roupa lá no alto/ Lutando pelo pão de cada dia/

Sonhando com a vida do asfalto/ Que acaba onde o morro principia

Foi durante o período do Estado Novo que o Rio de Janeiro começou a sofrer grandes

transformações urbanas rumo à metropolização, é neste período que “a cidade deixa de ter no

centro histórico seu centro único, e logo contará com subcentros ao sul e nos subúrbios”

(KLEIMAN, 1994: 6). E conforme a cidade crescia, mais perceptíveis eram as deficiências

nos serviços de infraestrutura urbana, e o governo buscava mediante inúmeras obras superar o

déficit acumulado a partir da expansão horizontal e vertical da cidade, tentando minorar os

problemas de falha no abastecimento de água em diversos pontos da cidade, lembrando que

apesar de existirem investimentos em diversas áreas da cidade, desde a Zona Sul até os

subúrbios, inclusive com a construção da nova adutora do Guandu e seu sistema de

distribuição na busca por uma integração na oferta de água para toda a população, a

população das favelas ainda se via privada de todas essas melhorias, uma vez que ainda eram

áreas consideradas de moradia provisória e necessárias para o abastecimento de mão de obra

barata aos setores de serviços.

Inspirados pela precariedade dos serviços da época, no ano de 1954 os compositores

Vítor Simon e Fernando Martins lançam a marchinha “Vagalume”, cantando as mazelas da

Cidade Maravilhosa, que sofria com problemas causados pela deficiente infra-estrutura

urbana, pelo aumento acentuado da população e pelo crescimento não planejado da cidade em

duas vertentes, uma vertical nas áreas da Zona Sul e outra horizontal no eixo oeste,

incorporando áreas, antes rurais, à malha da cidade.

77

27

Rio de Janeiro/ Cidade que nos seduz/ De dia falta água/ De noite falta luz/ Abro o chuveiro/

Oi, Não cai um pingo/ Desde segunda/ Até domingo/ Eu vou pro mato/ Oi, pro mato eu vou/

Vou buscar um vagalume/ Pra dar luz ao meu chatô

Desde as primeiras décadas do século XX, quando a cidade começa a se expandir para

além do seu centro histórico,

A ação do poder público contribuindo para acentuar a hierarquização sócio-espacial

da cidade, e a contínua pressão da população empurrada cada vez mais para longe do

Centro, e por isso mesmo cada vez mais dependente de transporte de massa (e do

transporte de massa barato), pré-configuram o que irá se identificar, anos depois,

com uma ‘crise’ nos transportes da cidade. O carioca ‘anda sobre trilhos [nos bondes

e trens] e sobre águas [nas barcas], e anda mal. As melhorias e planos de

remodelação ocorrem – quando ocorrem – no âmbito dos interesses e das iniciativas

do capital privado, representando, sempre, o aumento das tarifas cobradas ao

público. (SILVA, 1992: 77)

As grandes cirurgias urbanas acabaram por empurrar a parcela pobre da população em

direção às periferias da cidade que passa a sofrer diariamente com o tempo gasto para chegar

ao trabalho, uma vez que com a descentralização da força de trabalho, entretanto, as fontes de

emprego continuavam na região central da cidade, ou em bairros adjacentes. Lançado no ano

de 1953 pelos compositores Luiz Antônio e Brasinha, o samba “Zé Marmita” retrata muito

bem esse cotidiano de deslocamento pendular da classe trabalhadora, a precariedade do setor

de transportes, onde a oferta do serviço não é capaz de atender dignamente à demanda de

passageiros e o orçamento familiar bastante reduzido, pois, segundo Silva (op. cit.: 124), já

havia sofrido perdas abruptas ao sair da moradia derrubada no centro da cidade rumo à

periferia.

Quatro horas da manhã/ Saí de casa o Zé Marmita/ Pendurado na porta do trem/ Zé marmita

vai e vem/ Numa lata Zé Marmita traz a bóia/ que ainda sobrou do jantar/ Meio-dia, Zé

marmita faz o fogo/ para a comida esquentar/ e Zé marmita, barriga cheia/ esquece a vida,

num bate-bola de meia.

No ano de 1954, o bairro do Catumbi ainda não havia sido fragmentado pela nova

malha viária que surgiu em função da construção do viaduto Dr. Agra e conservava seu tecido

urbano, coeso e variado, formado por dezenas de ruelas de paralelepípedos convidativas às

78

28

longas caminhadas. É neste ano que surge o samba dos compositores Rutinaldo e Norival

Reis, “Catumbi Encheu”, bastante inusitado e irreverente fazendo graça com um problema da

vida dos cariocas que persiste até os nossos dias: as famosas enchentes ocasionadas pelas

chuvas de verão. No caso do Catumbi, elas provocavam torrentes na sua principal rua, a

Itapiru, que arrastava morro abaixo tudo o que estivesse pelo caminho, desembocando na

“lagoa” formada no fundo do vale “Catumbi encheu, encheu” (MELLO, 1991: 156). A

implantação do Túnel Santa Bárbara, com perfurações iniciadas em 1948 e inauguração no

ano de 1964, trouxe enorme impacto ao bairro, as imensas transformações encabeçados pelo

Governo do Estado, visavam agilizar o fluxo de veículos sem preocupação com a preservação

da estrutura urbana preexistente. Proclamava-se um novo Catumbi, saneado e sem

inundações. Contudo, o advento do túnel e das respectivas vias de acesso transformou o

Catumbi, de bairro tradicionalmente vivido pelas comunidades das colônias portuguesa,

espanhola e italiana (com seus cortiços e casas de cômodos, afamados blocos carnavalescos e

significativas manifestações religiosas, notadamente em suas ruas sob a forma de procissões)

em um bairro que se proletarizou acentuadamente nas últimas décadas (CARVALHO, 2000:

25).

Choveu, choveu/ Choveu, Catumbi encheu/ Quando chove em Catumbi/ É um chuá/ Só sai de

casa/ Quem sabe nadar/ Se na cidade já ta chuviscando/ Em Catumbi/ Tem gente nadando

“... E o que é mesmo saudade? Um sentimento que deve existir no coração de toda

criatura humana, seja ela de qualquer raça, de qualquer parte do mundo, seja pobre, seja rica.

A saudade não escolhe, não discrimina, não se faz de rogada para existir. Ela vem de

mansinho ou vem fortemente, chegando quando menos se espera...20

”. Com a cidade do Rio

de Janeiro a caminho da metropolização, gerando os problemas de uma grande cidade que se

concretizarão nas décadas posteriores, no ano de 1955 sentia-se saudades, saudades de um

tempo mais calmo, de quando o ritmo da vida era ditado pela natureza, saudades dos tempos

do Imperador, um Rio de Janeiro que possuía inúmeros problemas, mas que possuía o seu

charme, vivido nas tramas do imaginário popular, e acima de tudo, ainda não oferecia aos

seus moradores os problemas de uma metrópole. Os compositores Altamiro Carrilho e

Augusto Mesquita não vivenciaram os tempos cantados em seu maxixe “Rio Antigo”, mas

provavelmente sentiam saudades e idealizavam aquilo que jamais iriam conhecer. A canção

descreve poeticamente uma cidade em inícios de urbanização, que era embalada pelo som do

20

Wanderlino de Arruda - trecho da crônica “A Palavra Saudade”, disponível em:

http://recantodasletras.uol.com.br/ cronicas/900

78

29

nascente e proibido maxixe, por suas ruas estreitas, os leiteiros seguiam com suas vacas até as

portas das casas e a ordenha era feita na hora. “vaquinha que parava à nossa porta”, uma

cidade que era iluminada pela luz fraca e débil dos lampiões. Saudades das ruas estreitas dos

bondes e das antigas cantinas, do garboso Paço Imperial, das ruas que já não existem mais que

sucumbiram durante as obras de abertura da Avenida Presidente Vargas “Onde estás ó Rua do

Sabão, Que fizeram de ti? E da tua colega do Piolho?” Saudades de um Castelo que sucumbiu

para que em seu lugar outros inúmeros castelos de concreto fossem erguidos “com o

progresso cresceu a cidade, e o preço do pão, que calamidade!”

O Rio Antigo quero relembrar/ E o maxixe que ele conheceu/ Alguma coisa, para confortar

nossos amores/ Ao mundo, a você quero falar/ No bonde que o burrinho esperava, a gente se

aprontar/ E na vaquinha, que parava a nossa porta, pra nos deleitar/ As nossas ruas que

eram bastante estreitas, então/ Bem pensado, eram mais largas/ Relativamente, do que hoje

são/ E falando, da iluminação/ O que é verdade é que a luz era fraca/ Mas nunca faltou, luz

num lampião/ Naquele tempo, era Zona Norte/ E nas cantinas de toda cidade/ Pois quem

disse, "Independência ou Morte", ali passou/ A sua mocidade/ São Cristóvam, era sem igual/

Com seu pomposo, Passo Imperial/ E as liteiras que andavam todo o dia, o bairro, maioral/

Que é da rua famosa, que até inspirou a versão/ Do Cái, Cái Balão/ Onde estás ó Rua do

Sabão/ Que fizeram de ti?/ E da tua colega do Piolho?/ Na cabeceira, puseram mais flores/

Passaram a mudar, tudo por aí/ No carnaval, usava-se de tudo, que era água,

E as vezes, era tudo, e que gozado/ O tal limão de cheiro/ Que nem sempre era lisonjeiro/ Zé

Pereira, teve o seu passado/ Naquele tempo, que não volta mais/ Dava prazer o encontro,

com as fantasias, tão originais/ Pra terminar, eu não posso deixar de falar, no Castelo/ Nesse

morro, que foi abaixo/ Para ali surgirem, hó quanta ironia/ Castelos, castelos mais castelos/

Com o progresso, cresceu a cidade/ E o preço do pão, que calamidade !

Enquanto alguns lugares da cidade são altamente valorizados por seus usos e

freqüentadores, outros se tornam invariavelmente discriminados em razão dos mesmos

fatores. Esse parece ser o caso de uma área central da cidade que sempre ostentou grande

promiscuidade de usos. A Praça Mauá, local urbanizado durante as primeiras décadas do séc.

XX sobre a área aterrada dos antigos charcos cariocas, desde sua origem dividiu espaços entre

o sagrado e o profano, abrigou e abriga ainda hoje as mais diversas atividades, seja de cunho

religioso através do Mosteiro de Santo Antônio, de transportes em virtude do Cais do Porto e

da Rodoviária Mariano Procópio, de entretenimento quando sediou a saudosa Radio Nacional,

ou de prostituição em suas esquinas e boates. “Praça feia e mal falada” é ao mesmo tempo

79

30

ponto de chegada, de permanência e de passagem, que ao longo dos anos ganhou o estigma de

feio e perigoso “lugar do distúrbio... onde bobo não tem vez”. Mas, essa promiscuidade nem

sempre é mal vista por seus freqüentadores, exercendo diversos tipos de centralidade, a

composição de Billy Blanco “Praça Mauá”, também do ano de 1955, nos mostra a praça com

sua multiplicidade de usos e de fluxos, um local por muitas vezes marginal, mas visto também

com carinho “mas se um dia eu mandar nesta cidade, serás praça da saudade, do adeus da

emoção” por quem faz parte da cidade.

Praça Mauá/ Praça feia, mal falada/ Mulheres da madrugada/ Onde bobo não tem vez/

Praça Mauá/ Dos lotações de subúrbio/ Lugar comum do distúrbio/ Nos trinta dias do mês/

Mas se algum dia/ Eu mandar nesta cidade/ Serás praça da saudade/ Do adeus, da emoção/

Praça Mauá/ O nome me traz a mente/ Um soluço, um beijo quente/ E um lenço branco na

mão

No ano de 1956, o bairro de Copacabana já se encontrava bastante verticalizado, mas

ainda conservava muito de seu status como local da moda. E com tal, apresentava seus tipos

urbanos, pessoas com maneiras de agir diferentes daquelas que moram em outros bairros,

inclusive da própria Zona Sul. Utilizando-se de uma máscara social, “perfeito improviso do

falso grã-fino” o “Mocinho Bonito” de Billy Blanco, tenta se infiltrar em um mundo ao qual

não pertence, adotando atitudes “pinta de conde” vestuário e comportamento “atleta...

queimado de sol... cabelo assanhado” característicos do “viver urbano da Zona Sul” disfarça

assim, a sua origem social “o barraco no Estácio” e através de mentiras “vive de renda e mora

em palácio” consegue caminhar “disfarçado” pelo bairro da moda em sua fictícia vida de

príncipe. O “morar” na Zona Sul é o mais importante em uma cidade repleta de antagonismos.

Enquanto o proletário bairro do Estácio causa repulsa e vergonha, Copacabana se torna o álibi

e funciona como um passaporte para diversos “mocinhos” se enquadrarem no modelo do bon-

vivant (cf. MELLO, op.cit.).

Mocinho bonito/ Perfeito improviso do falso grã-fino/ No corpo é atleta/ No crânio é menino/

Que além do ABC/ Nada mais aprendeu/ Queimado de sol/ Cabelo assanhado/ Com muito

cuidado/ Na pinta de conde/ Se esconde um coitado/ Um pobre farsante que a sorte esqueceu/

Contando vantagem/ Que vive de renda/ E mora em palácio/ Procura esquecer um barraco

no Estácio/ Lugar de origem que há pouco deixou/ Mocinho bonito/ Que é falso malandro de

Copacabana/ O mais que consegue é vintão por semana/ que a mana do peito jamais lhe

negou

80

31

Com seu tecido urbano cada vez mais inchado, a repressão ao ócio acontecendo desde

meados da década de 1930, o ritmo das horas sobrepujando o ritmo da natureza, o caos dos

transportes urbanos e a ausência de políticas sociais, a cidade do Rio de Janeiro se apresenta

metaforicamente como um caldeirão, ebulindo a violência urbana incipiente. Desde 1955,

data da composição do samba “O Escurinho” de Geraldo Pereira, já se podia perceber pelas

ruas da cidade, o nascimento de um novo personagem, um tipo diferente daquele malandro

das décadas anteriores. Um tipo “valentão” que transitava dentre os diversos morros cariocas

“da Formiga... do Macaco... do Cabrito” históricos redutos de samba, disposto a “Procurar

conflito... procurar intriga... bater num bamba” e por fim “acabar com o samba” uma espécie

de arruaceiro que ainda preservava alguns resquícios da malandragem. Em épocas futuras as

arruaças desse tipo em transformação o levarão para caminhos diferentes, com direito a

armas, tiros e prisões.

O escurinho era um escuro direitinho/ Agora tá com essa mania de brigão/ Parece praga de

madrinha ou macumba/ De alguma escurinha que lhe fez ingratidão/ Saiu de cana ainda não

faz uma semana/ Já a mulher do Zé Pretinho carregou/ Botou embaixo o Tabuleiro da

Baiana/ Porque pediu fiado e ela não fiou/Já foi no Morro da Formiga, Procurar intriga/ Já

foi no Morro do Macaco, e lá bateu num bamba/ Já foi no Morro do Cabrito, Procurar

conflito/ Já foi no Morro do Pinto, Acabar com o samba

81

32

Nesta década, a estética, tão cultuada durante o início do século XX, já não era

sinônimo da modernidade. A cidade crescera e continuava a crescer em número de habitantes

e em território, e a circulação rápida entre os diversos bairros da cidade se tornava necessária

e essencial para o Rio de Janeiro, era o sinônimo da modernidade. Novos subcentros

despontaram desde a década de 1940, e descentralizaram a oferta de serviços, produtos e lazer

até então restrita apenas ao centro histórico da cidade.

Por conta do surgimento dos novos subcentros, e do combate ao ócio e à vadiagem

ocorrido durante o Estado Novo, o boêmio bairro da Lapa termina por perder sua centralidade

e esvazia-se deixando de ser “o ponto maior do mapa do Distrito Federal”. Mesmo após o fim

do regime em 1945 e conseqüente afrouxamento do autoritarismo, a Lapa não retoma seu

status de lócus da malandragem e da boemia, pois os malandros já haviam encontrado novos

territórios de atuação à beira mar em Copacabana.

Desde o início do século XX, durante a primeira reforma da Capital, a Lapa sofreu

profundas alterações sócio-espaciais. As famílias mais abastadas e os personagens

ilustres residentes trocaram a Lapa e outras localidades da área central por outros

bairros da Zona Sul ou pela Tijuca e arredores na Zona Norte. As casas de famílias

começaram a se misturar as muitas “pensões”, cortiços, casas de cômodo e casas de

lazer barato que iam surgindo. A partir de 1915, as Ruas como Conde de Lage,

Taylor, Joaquim Silva, bem como, o decantado Beco dos Carmelitas passaram a ser

habitadas por pessoas das camadas mais populares, prostitutas e travestis, ou seja,

permaneceu o uso residencial da Lapa, mas seus moradores tornaram-se de outra

classe social. Nesse contexto, a Lapa perde o seu ar residencial aristocrático e

“ganha status de território boêmio, principalmente, entre as décadas de 1910 a 1940,

quando se torna ‘habituê’ de muitos artistas, poetas, cantores e intelectuais” [...]

causando alteração no seu conteúdo social. Entre as décadas de 1920 e 1930 a Lapa

se firma como berço da boemia carioca. A Lapa tornou-se famosa na história da

cidade do Rio de Janeiro em virtude de sua “vida noturna dissoluta”: dos cabarés,

das casas de baixo meretrício, dos malandros, dos jogadores, dos valentões e do

“troittoir” de mulheres “ditas perdidas” (MARTINS; OLIVEIRA, 2008: 10).

Com a perda de seus freqüentadores e fechamento dos cabarés, a Lapa entrou em um

avassalador processo de decadência e passou a ser estigmatizada como mais um dos territórios

de prostituição na cidade, assim como sua vizinha, a “Praça Mauá” onde se localiza a Rádio

Nacional – ocupando os três últimos andares do edifício A Noite. A Praça Mauá, urbanizada

82

33

durante as obras de construção do Porto do Rio, foi por muito tempo área nobre da cidade,

local privilegiado para observação das grandes embarcações que traziam diariamente turistas

à cidade. O local ostentava grande diversidade de usos e freqüentadores, mas com o

desenvolvimento da cidade, a opção pelo modelo rodoviário e a valorização de novas áreas, a

região do Porto e a Praça Mauá foi abandonada, sendo, contudo, identificada por muito tempo

ainda como território da prostituição carioca.

A territorialidade da prostituição nesta área desenvolveu-se a partir da

mudança do Porto do Rio de Janeiro para o local, atraindo estabelecimento do

comércio atacadista, grande número de pessoas, além das atividades portuárias

cotidianas. A presença constante de marinheiros de diversas nacionalidades e de

turistas fizeram surgir hotéis de alta rotatividade que servem também de

hospedagem temporária às prostitutas e aos seus clientes. (MATOS; RIBEIRO,

1995: 77)

O caminhar da cidade rumo à multicentralidade com a explosão de novos subcentros,

esvaziou alguns territórios, relegando-os à degradação, como no caso da Praça Mauá e da

Lapa, enquanto encheu de vitalidade outros que passaram a competir em importância – na

oferta de serviços, produtos e lazer – com o antigo centro histórico, como pode ser o caso de

Copacabana e Méier. “Sábado em Copacabana” resume a diversidade de serviços oferecidos

no bairro que serve ao lazer, ao descanso, ao namoro, ao flerte, à dança, à contemplação e ao

encontro, ao mesmo tempo em que “Samba do Méier” nos mostra um grande subcentro na

região do subúrbio da E. F. Central do Brasil cantando a sua independência em relação ao

centro histórico da cidade: “não preciso da cidade prá viver”.

Podemos perceber então a expansão da malha urbana, o surgimento de novos

territórios valorizados muitas vezes pela sua localização à beira mar ou pela oferta de serviços

que dispõem, descentralizando o Rio de Janeiro e caminhando para a multicentralidade

característica de cidade metrópole.

Segundo Silva (1992: 163), a cidade é construída e desenvolvida mediante a disputa,

refletida também no seu espaço, de vários atores urbanos. Estes atores têm a impulsioná-los

interesses os mais diversos, que se consubstanciam na luta, por parte do Estado e do capital,

pelo controle e, por parte dos habitantes, pelo direito aos bens urbanos: terra, serviços,

equipamentos, etc. E essa disputa pelos diferentes bens urbanos pode ser bem observada nas

quatro canções “Lata D’Água”, “Vagalume”, “Zé Marmita” e “Catumbi Encheu” que retratam

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34

a precariedade da infra-estrutura e dos transportes na cidade do Rio de Janeiro. As canções

revelam o cotidiano de parte da população que sofria com as constantes interrupções no

fornecimento de água e luz, com a precariedade do setor de transportes e a ausência de uma

rede eficiente de escoamento de águas pluviais.

Durante o processo de crescimento da cidade, alguns bairros foram escolhidos pela

elite econômica para fixar moradia, como é o caso de Copacabana – antes de sua

popularização com a construção dos prédios com apartamentos quitinetes e grande número de

unidades por pavimento – Ipanema e Leblon. Para transitar livremente por esses redutos da

alta sociedade é necessário por vezes fazer uso de máscaras, maneira encontrada pelo

“Mocinho Bonito” para driblar a segregação social e conseguir transitar livremente em um

território auto-segregado, aonde a “distinção” (cf. BOURDIEU, 2007) opera

permanentemente com classificações sociais, nas vestimentas, modos de comportamento e

apropriação dos espaços.

Podemos perceber também nesta época, através dos versos de Geraldo Pereira, o

processo de transformação do malandro em outro tipo social:

Até meados do século XX eram encontrados no Morro de São Carlos e em outras

favelas cariocas, em meio à população trabalhadora, o malandro de temperamento

exuberante, misto de boa praça, bamba que sabia distribuir rabo-de-arraia, usar a

navalha, roubar somente os ricos, Poderíamos chamá-los até de “bandidos

românticos”. Eles estavam presentes nos bairros boêmios [...]. Porém a modernidade

também chegou [...] às favelas da cidade. Chegou com todas as suas volatilidades e

com ela chegou o “bandido-formado” e o “bandido-empresário” (SANTOS, 2008:

7).

E em meio a tantas mudanças e transformações ocorridas em pouco mais de cinqüenta

anos, para alguns compositores, a cidade que no início do século ainda respirava os ares do

Império e agora caminhava rumo à metropolização, passou a sentir saudades dos tempos

derrubados a golpes de picaretas por Pereira Passos, não que aquela cidade não apresentasse

problemas, mas diante da incerteza dos tempos futuros, as dificuldades superadas

anteriormente aparecem agora romantizadas e esquecidas no correr dos tempos através de

“Rio Antigo”.

Os compositores recontam o meio século que os separava da época em que as ruas

da cidade, mesmo mais estreitas, eram mais largas, e em que a Zona Norte não havia

tido sua importância ofuscada pelo requinte e pelas praias famosas da Zona Sul. A

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35

música faz uma queixa recorrente na [música popular], a dos pobres que não viram

no progresso da modernidade nenhuma vantagem significativa no que tangia sua

situação sócio-econômica – "Com o progresso, cresceu a cidade / E o preço do pão,

que calamidade!". (CORRÊA, 2009: 62).

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Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição

38 LAPA 1950 Benedito Lacerda e Herivelto Martins Referência à antiga centralidade do bairro em relação ao lazer noturno e a boemia

39 SÁBADO EM COPACABANA 1951 Dorival Caymmi e Carlos Guinle Nova centralidade/ Diversidade de serviços no bairro

40 SAMBA DO MÉIER 1952 Wilson Batista e Dunga Importância do bairro como referência em relação ao subúrbio

41 LATA D’ÁGUA 1952 Luís Antônio e J. Júnior Precariedades: falta de infraestrutura – água canalizada

42 VAGALUME 1954 Vitor Simon e Fernando Martins Precariedades: deficiências no serviço de fornecimento de água e luz

43 ZÉ MARMITA 1953 Luiz Antônio e Brasinha Precariedades: serviço de transporte

44 CATUMBI ENCHEU 1954 Rutinaldo e Norival Reis Precariedades: falta de infraestrutura – rede de esgotos e escoamento de águas pluviais

45 RIO ANTIGO 1955 Altamiro Carrilho e Augusto Mesquita Saudosismo

46 PRAÇA MAUÁ 1955 Billy Blanco Afeição ao lugar/ Multiplicidade de usos

47 MOCINHO BONITO 1956 Billy Blanco Zona Sul/ Máscaras sociais

48 O ESCURINHO 1955 Geraldo Pereira Malandro em nova fase de transformação

CONSIDERAÇÕES FINAIS - Brasil, tua cara ainda é o Rio de Janeiro 21

“Nós não somos uma capital decaída, mas uma cidade

libertada. Os que partiram daqui com saudade sabem

que o Rio é uma cidade insubstituível, uma cidade na

qual todos os brasileiros, ontem, hoje e sempre, estarão

em casa. [...] Eles achavam que, ao nos abandonarem,

levariam a civilização para o interior, mas foi aqui que a

deixaram. Porque nós somos a síntese do Brasil, para o

mundo, e somos para o mundo a verdadeira imagem que

ele faz de nós”. (Carlos Lacerda em 1960 sobre a

mudança da capital federal para Brasília apud ENDERS,

2009: 271)

No início do ano de 1960 o Rio de Janeiro perde seu status de Capital Federal

deixando assim de sediar o aparelho político e administrativo do país, porém, no plano das

representações sociais, ainda teima em se comportar como espelho do Brasil, cidade difusora

de modas e valores. A partir de agora, o desenvolvimento irá caminhar rumo à sua

metropolização,

Acentua-se a expansão da cidade para além de suas fronteiras tanto do ponto de vista

da urbanização e sua vertente sócio-espacial, quanto de processos de importância

econômica básica, como a industrialização. De fato, este é um momento que a

metrópole expande-se com as indústrias deslocando-se num vetor que busca de um

lado, zonas ainda pioneiras nos limites da cidade – as áreas suburbanas ao norte, e

de outro avançando pelo Estado do Rio, especialmente da Via Dutra e Washington

Luiz. (SILVA, 2004: 1)

É neste período que surge, nascido na Zona Sul, um novo ritmo que será responsável

por divulgar a Cidade Maravilhosa para além do território nacional:

21

Trecho da música “Saudade da Guanabara” de 1989, composta por Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e

Moacyr Luz

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87

38

Nos dez ou doze anos que se seguiram ao fim da Guerra, a música popular [...]

morou nas boates, que ficavam quase todas em Copacabana. [...] As boates eram o

templo de uma boemia adulta, inteligente, que fumava cigarros americanos, tomava

uísque doze anos e vivia as paixões mais sofridas e insolúveis da história da

humanidade. [...] A música produzida em tal ambiente acompanhava essa dor de

cotovelo quase cósmica. [...] Até que certo dia, por volta de 1958, alguém se

arrastou até a porta e a abriu. O sol entrou pela boate e quase transformou aqueles

vampiros em pó. [...] Magicamente não estavam mais em Copacabana, mas em

Ipanema. [...] E a música não era mais o samba-canção, a dor de cotovelo, a fossa,

mas a bossa nova.

Daí se pode dizer que o habitat natural daquela nova música foi a praia. Vide a

temática praia/ mar/ sol/ garota/ verão que marcou a fase inicial da bossa nova.

(CASTRO, 2009: 85-87)

A bossa nova se tornará o ritmo – genuinamente carioca – responsável por

internacionalizar o ethos da visão Zona Sul e generalizar a sua imagem como aquela que

evoca a totalidade da cidade do Rio de Janeiro. Uma cidade sem problemas, glamourosa e

sensual, vivida entre a orla Ipanema-Leblon, no ritmo das ondas do mar e da espuma do

chopp. Um bom exemplo dessa internacionalização do modo de vida Zona Sul pode ser

encontrado em uma das músicas mais executadas em todos os tempos segundo Earp (2005:9):

“Garota de Ipanema” escrita por Antônio Carlos Jobim no ano de 1962.

Olha que coisa mais linda/ Mais cheia de graça/ É ela menina/ Que vem e que passa/ Num

doce balanço, a caminho do mar/ Moça do corpo dourado/ Do sol de Ipanema/ O seu

balançado é mais que um poema/ É a coisa mais linda que eu já vi passar/ Ah, porque estou

tão sozinho/ Ah, porque tudo é tão triste/ Ah, a beleza que existe/ A beleza que não é só

minha/ E também passa sozinha/ Ah, se ela soubesse/ Que quando ela passa/ O mundo

inteirinho se enche de graça/ E fica mais lindo/ Por causa do amor

E enquanto se internacionalizava a visão do paraíso terrestre na Cidade Maravilhosa,

em outros territórios desta mesma cidade, a violência agia na remoção da população que

habitava as favelas situadas nas consideradas áreas nobres, e tal ação foi facilitada pela

supressão dos direitos civis ocorrida durante o Governo Militar que passou a controlar a

ordem urbana desejada. A voz dos excluídos não irá internacionalizar a cidade, mas mostrará

à população nos versos de “Opinião” escrita por Zé Ketti no ano de 1965, a resistência dos

moradores perante iminente expulsão.

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Podem me prender/ Podem me bater/ Podem, até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de

opinião/ Daqui do morro/ Eu não saio, não/ Se não tem água/ Eu furo um poço/ Se não tem

carne/ Eu compro um osso/ E ponho na sopa/ E deixa andar/ Fale de mim quem quiser falar/

Aqui eu não pago aluguel/ Se eu morrer amanhã, seu doutor/ Estou pertinho do céu

Desde o início do século XX, pode-se encontrar na música popular, diversos registros

acerca das diferentes mudanças sofridas na ordem urbana da cidade do Rio de Janeiro.

Percebendo e vivenciando tais situações, os compositores nos forneceram e continuam a

fornecer rico material de análise e entendimento a respeito da cidade, suas tensões e as

diferentes leituras possíveis frente aos mesmos processos. Inúmeras mudanças ocorreram, e se

olharmos a cidade de ontem com os nossos olhos de hoje, corremos o risco de não

compreendê-la em sua complexidade ou de interpretá-la apenas sob certo viés, parcial e

posicionado segundo determinados interesses os processos pelos quais a cidade passou. No

sentido de um reconhecimento abrangente dessas diferentes perspectivas, os procedimentos

metodológicos utilizados neste trabalho buscaram desvendar as leituras da cidade vivida,

distanciadas ou deslocadas, em sua maioria, das imagens oficiais da ordem urbana associada a

cada época. Tal movimento rumo ao conhecimento da urbanização carioca sinaliza a

importância dos registros musicais populares como fontes privilegiadas para reconhecimento

mais pleno de alguns processos urbanos.

A cidade que alguns supõem unificada e coesa cresce e se segmenta. Territórios são

ressemantizados ao mesmo tempo que seus atores dominantes lhes impõem novas ordens e

sentidos. Novos territórios são incorporados e novas fragmentações sociais passam a operar,

deixando cada vez mais evidentes as diferenças sociais que convivem em tensão. Na cidade-

metrópole pós 1960 as composições musicais também se complexificam em gêneros,

ramificações e entrelaçamentos com os diferentes grupos sociais, territórios e práticas

culturais, o que sugere e motiva novos estudos com recortes temporais que transcendam o

recorte do presente estudo.

No Rio de Janeiro multifacetado, plural e conflituoso, as composições musicais

populares desvendam um caleidoscópio de percepções e vivências da cidade de beleza

geográfica estonteante atravessada por problemas de grande metrópole.

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40

ANEXO:

Letras na íntegra das canções cujas frases intitularam os capítulos desta dissertação.

01. “Paris” composta por: Alberto Ribeiro e Alcyr Pires Vermelho em 1938:

E eu também quis ir um dia a Paris/ prá conhecer o que havia lá/ E ao ver o metrô a saudade

apertou/ e vim correndo para cá/ Paris, Paris, Teu rio é o Rio Sena/ Paris, Paris, Tens loura

mas não tens morena/ Que lindas mulheres de olhos azuis/ Tu és a Cidade Luz/ Paris, Paris,

"Je t'aime"/ Mas eu gosto muito mais do Leme/ Quando cheguei de alegria chorei/ e achei o

Rio lindo como quê!/ Disquei 43-0023: Amor, como é que vai você?

02. “Alagados” composta por: Herbert Viana e Bi Ribeiro em 1984:

Todo dia o sol da manhã vem e lhes desafia/ Traz do sonho pro mundo quem já não o queria/

Palafitas, trapiches, farrapos, filhos da mesma agonia/ E a cidade que tem braços abertos

num cartão postal/ Com os punhos fechados na vida real lhes nega oportunidades/ Mostra a

face dura do mal/ Alagados, Trenchtown, Favela da Maré/ A esperança não vem do mar/

Vem das antenas de TV/ A arte de viver da fé só não se sabe fé em quê.

03. “Homenagem ao Malandro” composta por Chico Buarque em 1978:

Eu fui fazer um samba em homenagem/ à nata da malandragem/ que conheço de outros

carnavais/ Eu fui à Lapa e perdi a viagem/ que aquela tal malandragem não existe mais/

Agora já não é normal/ o que dá de malandro regular profissional/ malandro com o aparato

de malandro oficial/ malandro candidato a malandro federal/ malandro com retrato na

coluna social/ malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal/ Mas o

malandro para valer, não espalha/ aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal/

Dizem as más línguas que ele até trabalha/ Mora lá longe chacoalha, no trem da Central.

04. “Estação Derradeira” composta por? Chico Buarque em 1987:

Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação/ À sua maneira/

Com ladrão/ Lavadeiras, honra, tradição/ Fronteiras, munição pesada/ São Sebastião

crivado/ Nublai minha visão/ Na noite da grande fogueira desvairada/ Quero ver a

Mangueira/ Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada/ Rio do lado sem beira/

Cidadãos inteiramente loucos/ Com carradas de razão/ À sua maneira/ De calção/ Com

bandeiras sem explicação/ Carreiras de paixão danada/ São Sebastião crivado/ Nublai minha

visão/ Na noite da grande fogueira desvairada/ Quero ver a Mangueira/ Derradeira estação/

Quero ouvir sua batucada.

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41

05. “Carta ao Tom” composta por: Toquinho, Vinícius de Moraes e Chico Buarque em

1977:

Rua Nascimento Silva, 107/ Eu saio correndo do pivete/ Tentando alcançar o elevador/

Minha janela não passa de um quadrado/ A gente só vê Sérgio Dourado/ Onde antes se via o

Redentor/ É, meu amigo/ Só resta uma certeza/ É preciso acabar com a natureza/ É melhor

lotear o nosso amor.

06. “Saudades da Guanabara” composta por: Aldir Blanc, Paulo César pinheiro e Moacyr

Luz em 1989:

Eu sei/ Que o meu peito é lona armada/ Nostalgia não paga entrada/ Circo vive é de ilusão

(eu sei)/ Chorei com saudades da Guanabara/ Refulgindo de estrelas claras/ Longe dessa

devastação (e então)/ Armei pic-nic na Mesa do Imperador/ E na Vista Chinesa solucei de

dor/ Pelos crimes que rolam contra a liberdade/ Reguei o Salgueiro pra muda pegar outro

alento/ Plantei novos brotos no Engenho de Dentro/ Pra alma não se atrofiar (Brasil)/ Brasil,

tua cara ainda é o Rio de Janeiro/ Três por quatro da foto e o teu corpo inteiro/ Precisa se

regenerar/ Eu sei que a cidade hoje está mudada/ Santa Cruz, Zona Sul, Baixada/ Vala negra

no coração/ Chorei com saudades da Guanabara/ Da Lagoa de águas claras/ Fui tomado de

compaixão (e então)/ Passei pelas praias da Ilha do Governador/ E subi São Conrado até o

Redentor/ Lá no morro Encantado eu pedi Piedade/ Plantei Ramos de Laranjeiras foi meu

Juramento/ No Flamengo, Catete, na Lapa e no Centro/ Pois é pra gente respirar (Brasil)

Brasil/ Tira as flechas do peito do meu Padroeiro/ Que São Sebastião do Rio de Janeiro/

Ainda pode se salvar.

91

42

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