Músicas e Letras que cantam e contam
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MICHELLE ALMEIDA FERNANDES
COMPOSIÇÕES CARIOCAS:
Músicas e Letras que cantam e contam a cidade do Rio de Janeiro e seu Espaço Urbano
(1900 a 1960).
Niterói
2010
2
MICHELLE ALMEIDA FERNANDES
COMPOSIÇÕES CARIOCAS:
Músicas e Letras que cantam e contam a cidade do Rio de Janeiro e seu Espaço Urbano
(1900 a 1960).
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre
Orientador: Profª. Drª. Fernanda Ester Sánchez García UFF-PPGAU
Niterói
2010
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Escola de Arquitetura e Urbanismo - UFF/NDC/BAU
F 363 Fernandes, Michelle Almeida
COMPOSIÇÕES CARIOCAS: Músicas e Letras que cantam e
contam a cidade do Rio de Janeiro e sua Ordem Urbana (1900 a 1960) /
Michelle Almeida Fernandes. – Niterói, 2010.
96f.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade
Federal Fluminense, 2010.
Orientadora: Fernanda Ester Sánchez García
1. Composição (música). 2. Música. 3. Influência da Arte. 4. Rio de Janeiro
(RJ). 5. Urbanização: aspecto histórico. 6. Geografia Humana.
CDD780.9
4
RESUMO
Esta dissertação objetiva estudar o processo de produção do espaço urbano carioca, a
sua ordem urbana e através da interpretação das letras de música produzidas nos períodos
analisadas, desvendar algumas das práticas sociais ocorridas na cidade do Rio de Janeiro no
período de 1900 a 1960. Pretende-se através das letras de músicas penetrar no universo das
práticas espaciais e apropriações do espaço urbano por vezes esquecidas durante a caminhada
da cidade rumo a modernização
Utilizando letras de músicas que façam referência aos fatos ocorridos na cidade do Rio
de Janeiro ou a sua ordem urbana – sendo tais músicas sempre contemporâneas aos fatos –,
pretende-se destacar este tipo de registro como importante para o entendimento e análise das
mudanças pelas quais passou a cidade do Rio de Janeiro durante o período objeto de estudo.
5
ABSTRACT
The present work intents to analyze the Rio de Janeiro urban space production process,
its urban order and still, through the study and interpretation of lyrics produced at the city
between 1900 and 1960, to solve descriptions and social practices related to the diverse urban
space observations, social imbalance diverted to the city order and the floatable territorialities
caused by urban reforming processes. Through the lyrics it is expected to find records, which
are different of those found in technical literature, aiming to access the spatial practice and
urban space appropriations, to allow new perceptions of the urban modernizing processes.
The research methods and the lyrics choice has considered overall the direct reference
to facts occurred at Rio de Janeiro, related to its urban order, new territory placed by urbanism
actions, as long as the respective resistance practices. The lyrics in question are contemporary
to their described facts, plans or actions. This research primes to valorize these culture
popular expressions as a valid record to understand and analyze Rio de Janeiro’s urban
modifications occurred during the studied period.
6
Nem tudo é cosmopolitismo na capital da
República. Enquanto uma cidade dourada se
desfaz em festas, uma outra moureja de sol a
sol. O Rio esconde duas cidades em suas
entranhas. (PECHMAN, 2009: 60)
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO 1. Paris, Paris jet’aime, mas eu gosto muito mais do Leme - 1900 a 1920 21
CAPÍTULO 2. E a cidade que tem braços abertos num cartão postal, com os punhos
fechados da vida real, lhes nega oportunidade mostra a face dura do mal - 1920 a 1930
38
CAPÍTULO 3. Dizem as más línguas que ele até trabalha mora lá longe e chacoalha num
trem da Central - 1930 a 1940
51
CAPÍTULO 4. Rio de ladeiras, civilização encruzilhada, cada ribanceira é uma nação -
1940 a 1950
64
CAPÍTULO 5. Minha janela não passa de um quadrado, a gente só vê Sérgio Dourado onde
antes se via o Redentor - 1950 a 1960
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS – Brasil tua cara ainda é o Rio de Janeiro 86
ANEXO 90
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 92
INTRODUÇÃO
Este trabalho busca uma aproximação ao processo de produção do espaço urbano da
cidade do Rio de Janeiro e sua ordem urbana e desvendar algumas de suas práticas simbólicas
e materiais mediante interpretação das letras de músicas produzidas pelos compositores da
época. Durante o período objeto de estudo - 1900 a 1960 - pretende-se ajudar a compreender
parte das mudanças ocorridas na cidade em seu processo de modernização rumo à
metropolização. Por diversas vezes algumas situações ou acontecimentos sobressaem-se a
outros ocultando importantes processos espaciais e sociais que comungaram durante o
processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de redescobrir, por meio das
letras de músicas, algumas das práticas espaciais e apropriações do espaço urbano
obscurecidas ou esquecidas na história mais recorrente da cidade rumo à modernização,
estudar e analisar processos de lutas, resistências, criação e ação social dentro do espaço
urbano carioca.
O processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro é reconhecido por alguns
autores como um esforço constante de ocupação de um território tido como “improvável”
(ZEIN, 1998). Apesar das feições geográficas e de sua natureza exuberante, o Rio de Janeiro
parecia não combinar com a construção de uma cidade: “... a natureza coalhava aquele lugar
de empecilhos. Morros eram obstáculos, as lagoas focos de mosquitos, tinham as margens
alagadiças e instáveis, a maré impedia a ocupação da estreita faixa litorânea dificultando
caminhos, obrigando a vaus, travessias e pontes” (ZEIN, op.cit.).
Mas contrariando as expectativas, a cidade sempre atraiu moradores, reiterando seu “discurso
fundante” (OLIVEIRA, M., 2002) ligado à idéia do “maravilhoso”. No afã de expansão e
afirmação de vida urbana em sítio improvável, a produção do espaço urbano carioca implicou
em domar a natureza e transformar os terrenos antes inóspitos em habitáveis. Os processos de
domesticação/urbanização do espaço do Rio de Janeiro estão registrados e analisados em
9
vasta literatura. Entretanto, parte desses registros pode ser classificada como representativa
de uma narrativa histórica dominante ou oficial, que, de certo modo, reproduz algumas
sínteses associadas às diferentes épocas da evolução urbana. Tais sínteses valorizam as
conquistas territoriais e buscam mostrar os aparentes benefícios associados a cada nova
intervenção urbana, apresentada como necessária para fazer da cidade um lugar melhor para
todos os seus habitantes.
Porém, a história urbana veiculada oficialmente não deve ser entendida como a única,
é apenas uma das formas possíveis de se compreender a realidade. Paralela a ela, transitando
por outros territórios, existem histórias não-oficiais, que precisam ser descortinadas para
ajudar a entender os diversos processos por trás do discurso dominante. Descortinando os
diversos registros, é possível reconhecer os diferentes atores sociais que figuram na cidade e
perceber de que maneira eles vivenciam e representam as mudanças ocorridas durante o
processo de urbanização da cidade do Rio de Janeiro.
Com Lefebvre (2008), podemos pensar que também no caso da cidade do Rio de
Janeiro, por detrás da “cidade concebida”, representada nos planos, nos ideários urbanísticos e
materializada nas grandes intervenções, encontra-se a “cidade vivida”, produto do
desenvolvimento desigual, latente nos dramas da vida cotidiana, nas lutas urbanas, na
resistência e também na festa e na simultaneidade, essência da experiência urbana. Como
aponta o autor: “a cidade constrói, destaca, liberta a essência das relações sociais: a existência
recíproca e a manifestação das diferenças que vêm dos conflitos ou que levam aos conflitos”.
Reconhecendo como um dos traços essenciais do fenômeno urbano a “centralidade”
(LEFEBVRE, 1999), nesse sentido podemos pensar o direito à cidade como próximo ao
direito à centralidade, direito a não ser posto à margem da vida urbana. Quando esse direito é
ameaçado, irrompem manifestações culturais e políticas que evidenciam tensões e conflitos na
luta pelo espaço. Nestes casos, “a separação e a segregação rompem a relação [...] a
segregação complica e destrói a complexidade” (LEFEBVRE, 1999:124).
Efetivamente, a cidade é expressão das lutas sociais e dos pactos político-territoriais.
Tais pactos, de tempos em tempos, são renovados e neles, o urbanismo tem um papel
instrumental. Mas há uma inércia do espaço que retém heranças históricas e culturais. “A
cidade é por excelência território do exercício do poder e o pacto resulta da disputa entre
classes, grupos, corporações e indivíduos em seu interior, delimitando territórios nos quais se
materializa a luta pelo espaço urbano. Desse modo, a cidade e seu território funcionam como
continente para o conteúdo político como uma práxis” (OLIVEIRA, M., 2002:59).
10
11
Segundo Haesbaert (2007:49), “o território pode veicular a articulação de poderes
simbólicos de múltiplas faces, que ora reforçam a segregação e o fechamento e ora
potencializam uma dinâmica de convívio ou de ativação de múltiplas identidades”. Enquanto
alguns territórios são valorizados e chegam até a se tornar imagem-símbolo da cidade,
figurando no imaginário popular como lugares da moda e do status social, outros são
esquecidos pelo poder público, não figuram na cartografia turística da cidade e são relegados
àqueles habitantes da cidade aos quais é negado o direito à centralidade.
O espaço, em sua dimensão ao mesmo tempo material e simbólica, não é apenas um
“instrumento de manipulação” no livre jogo da “invenção” identitária, mas um referencial
que, uma vez “eleito”, passa a interferir na própria identidade e longevidade da dinâmica
identitária. Paisagem-símbolo: Trata-se de uma paisagem específica que é transposta como
símbolo de toda uma área. No caso da cidade do Rio de Janeiro, que está repleta dessas
paisagens-símbolo em sua maioria associadas à exuberância de sua natureza, podemos tomar
como forma de exemplo dois pontos turísticos, Pão de Açúcar e Corcovado, muito presentes
nos versos de diversos compositores, reforçam a idéia de que no imaginário popular estas
paisagens-símbolo possuem tamanha força simbólica que, acabam por se tornar sínteses da
própria cidade (HAESBAERT, 2007: 45), com um grande poder evocador.
O poder simbólico (BOURDIEU, 1989: 7) é, com efeito, esse poder invisível o qual só
pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos
ou mesmo que o exercem. Sendo assim, podemos dizer que o poder está por toda a parte, seja
na construção das territorialidades por meio de práticas políticas e simbólicas de afirmação
identitária de um grupo social em relação aos outros grupos sociais, ou na exposição de idéias,
associadas a valores, visões de mundo e percepções da cidade. Neste âmbito, os autores
deixam entrever seu repertório de referências, o seu pertencimento a um determinado grupo
social. No caso dessa dissertação ao analisar as letras das músicas escolhidas aqui como
significativas para entender o caleidoscópio de representações e imagens – justapostas,
complementares, conflitantes, diversas, associadas à urbanização da cidade do Rio de Janeiro,
é possível percebê-las como formas sociais, produtos culturais que por vezes impregnam de
simbolismos alguns locais da cidade, como é o caso de diversos bairros cariocas, facilmente
identificados pelos ritmos musicas que neles se originaram ou que lhes deram notoriedade
nacional e internacional.
Definir música pode ser uma tarefa um tanto quanto difícil,
12
Quer dizer, embora estejamos o tempo todo imersos num mundo povoado por
músicas de todas as espécies, a nossa relação com a música é algo extremamente
difícil de ser formalizado e cuja compreensão se dá na esfera do sensível e do
intuitivo. Qualquer definição de música representaria, quando muito, a definição de
uma música em particular, ou ainda, apenas o ponto de visita restrito e particular
sobre o assunto. Embora possamos falar de música com muita propriedade, esse
discurso não se baseia necessariamente em dados precisos ou formalizáveis, embora
possam ser objetivos e não-arbitrários.
Essa já é na verdade uma forma de começar a compreender a natureza da música e
seus desdobramentos enquanto produto cultural e, portanto, jamais
compreenderemos a música se não pudermos compreender sua relação com os
outros contextos - sociais, culturais, biológicos, físicos - a que ela se une.
(IAZZETTA, 2001:5-6)
Conforme o pensamento acima exposto, tal perspectiva para o entendimento da música
enquanto produto cultural contribui para a produção deste trabalho: que ela pode e deve ser
analisada como uma arte de caráter social, uma vez que os compositores podem transmitir por
meio das letras de suas canções elogios, questionamentos ou indignações a partir de suas
experiências no mundo, mas ela também não pode ser dissociada do contexto cultural, uma
vez que a cultura de um grupo social irá definir o papel da música naquele contexto. Das
mãos dos músicos e compositores surgem as composições que transmitem experiências
pessoais ou experiências perceptivas transformadas em lírica. Cada um, com sua perspectiva
singular, expõe, pela música, sua visão de mundo, por sua vez ligada ao grupo social ao qual
pertence e, muitas vezes, em nome do qual fala.
Amores, medos, alegrias, perdas, frustrações, manifestações, encontros, festas,
tensões, resistências, vividos na “urbe” carioca, caracterizam as simultaneidades e conflitos
existentes na sociedade urbana e sua ordem urbana. Desta forma, o espaço urbano é
produzido também pela cultura, e esta por sua vez também produz a cidade.
A cultura pode ser entendida através de diversos prismas. Antropologicamente pode
ser entendida como características de comportamento aprendido e ensinado, exclusivas do ser
humano. Para muitos estudiosos, tais comportamentos estão enraizados nas relações sociais e
em outras características da sociedade. E o resultado desses processos comportamentais pode
ser observado nas culturas humanas, quando percebemos identidades isoladas de sociedades
humanas distintas caracterizadas por tradições culturais específicas. Sendo assim, podemos
13
concluir que os povos se unem ao redor de uma tradição social e que sua visão de mundo está
intimamente ligada à experiência cultural à qual é submetido. A interpretação das culturas
passa pelo entendimento dos diversos sistemas de signos e significados criados pelos distintos
grupos sociais – seus símbolos, ritos e mitos (cf. SANTOS, 2005).
Se um determinado grupo social é capaz de criar símbolos e ritos próprios através dos
quais os laços de pertencimento ao grupo são estreitados, podemos pensar que a cultura de um
determinado grupo social trabalha algumas vezes como contestadora da ordem dominante,
como parece ser o caso de algumas das minorias sociais. Quando excluídos de atuação na
cidade pelos grupos dominantes, as minorias voltam-se às suas raízes culturais em busca de
identidade, do sentimento de pertencimento a um grupo.
No caso do Rio de Janeiro do início do século XX até a década de 1960 (período
objeto de estudo desta dissertação), é possível identificarmos algumas dessas minorias sociais
e como sua cultura particular propiciou a sobrevivência dentro de uma cidade excludente,
algumas vezes atuando como fonte de resistência da ordem dominante, exemplificados pelos
casos da Pequena África atuante com a inserção do negro na sociedade carioca, do bairro
judeu e a rede de ajuda mútua aos imigrantes conterrâneos, dos grupos de capoeira que em
diferentes épocas atuaram contra e a favor da ordem dominante, entre tantos outros.
A utilização de letras de músicas que façam referência aos fatos acontecidos na cidade
do Rio de Janeiro ou a sua ordem urbana e que sejam contemporâneas a tais fatos, como
expressão cultural marcante da vida urbana carioca em diferentes épocas, é aqui destacada
como possível caminho para descortinar os diversos registros identitários que relacionam
territórios, vínculos afetivos com lugares urbanos e, muitas vezes, resistência às próprias
transformações urbanas. Esses registros podem ser reconhecidos como parte dos processos de
luta simbólica (BOURDIEU, 1989) mediante os quais as composições e seus autores revelam
as diferentes e contraditórias formas de viver a condição urbana, de exercitar o direito à
cidade, de produzir e afirmar os diferentes espaços da vida social.
A música popular da qual trata esta dissertação representa aquela que se opõe à música
clássica, erudita. Existem inúmeros significados pra a expressão “música popular”. Para
alguns autores ela seria apenas a oposição com a música erudita, para outros a música que
emanava espontaneamente das camadas populares, em outra época achou-se necessário
diferenciar a música popular produzida nas cidades daquela que era produzida nos campos, no
interior (cf. ANDRADE, 2004). Outros tantos significados existem para o conceito de música
popular, não pretendendo entrar neste mérito que fugiria em muito dos objetivos desta
14
dissertação. Para efeitos deste trabalho entende-se que a música popular se trata daquela
música que por oposição difere da música erudita, não importando se é produzida por
compositores pertencentes às camadas populares da população ou por compositores de
camadas superiores falando em nome da primeira. É indiferente aqui, para análise das letras
das músicas selecionadas, se elas foram ou não taxadas em algum momento como músicas de
propósito puramente comercial, pois esta discussão também extrapola os limites desta
dissertação. Sendo assim, para efeitos deste estudo, entenderemos como música popular
aquela que difere por oposição da música erudita, que emana ou não das camadas populares,
que é produzida nas cidades, sendo que as aqui analisadas tratarão exclusivamente do Rio de
Janeiro. O termo MPB – Música Popular Brasileira – não será utilizado por não ser uma
expressão de todo o sempre, e ter sido forjado na década de 1960, período de surgimento da
bossa nova, portanto fora de nosso recorte temporal e por trazer em seu bojo inúmeras
discussões sobre o que poderia ou não ser considerado como música popular brasileira, sendo
assim, a não ser quando presente em alguma citação necessária para o entendimento deste
trabalho, o termo MPB não constará desta dissertação.
Diversos atores e grupos sociais contribuem de maneira marcante para a história da
cidade, como parece ser o caso dos compositores da música popular, que por meio da riqueza,
poesia e sensibilidade da sua arte traduzida nas letras de suas canções, tomadas aqui como
objeto de estudo, ajudam a relativizar algumas sínteses recorrentes na história oficial e
revelam novas leituras da cidade e de suas transformações, indicando múltiplos atores sociais
relacionados aos distintos processos da urbanização. É então possível perceber que junto à
cronologia mais conhecida da história urbana do Rio de Janeiro, existe outra, marcada pelos
tempos, ritmos e conteúdos das manifestações musicais e culturais da cidade.
Porém, o processo de investigação permite que estas histórias, em alguns momentos-
chave, se entrelacem e então é possível perceber “nós de relações” “que vão além da zona
iluminada da pesquisa, estas relações se estendem e se ramificam ao infinito” (ARGAN,
1998).
Ao perceber os “nós de relações”, onde a cidade ilumina a cultura (em sua vertente
poética e musical) e vice-versa, torna-se importante, porém, reconhecer a inscrição social dos
diversos atores, uma vez que esta inscrição permite entender os seus discursos acerca da
cidade, inscrevendo-os em territórios relacionais (por oposição, por afinidade, por estratégia
de sobrevivência, por afirmação de um modo de vida, por resistência à ação do “outro”).
15
Com referência às diversas formas de inscrição social (de classe, de etnia, de
pertencimento comunitário, dos costumes), e construindo relações com sua inscrição
territorial (o bairro, o morro, a cidade, o centro, a periferia, o próximo e o distante) os grupos
sociais produzem identidades (cf. LEFEBVRE, 1999) externadas por meio da cultura, e no
caso específico deste trabalho, mediante as letras de músicas analisadas. Por sua vez, estas
identidades são portadoras dos sentidos e das representações – desiguais, contraditórias,
superpostas, convergentes ou opostas sobre a cidade.
Esses “nós de relações”, ao serem identificados e classificados, podem, por vezes,
indicar simultaneidades, co-presenças urbanas, tensões. A lírica dos compositores/atores
sociais, associados a diferentes territorialidades, pode ajudar a reconhecer e desvelar, em um
mesmo momento histórico da urbanização, “Rios de Janeiro” distintos e, por vezes,
antagônicos.
A partir da identificação dos pontos em que uma narrativa – histórica ou cultural–
fertiliza e frutifica a outra, é possível mapear histórias não reconhecidas da cidade, aquelas
que emergem nos versos poéticos das canções e que fazem parte dos registros culturais da
cidade, mas que não figuram em suas imagens-síntese (cf. SÁNCHEZ, 2003). Tais imagens,
embora se apresentem relacionadas às figuras públicas, seus planos e projetos, ou a modos de
vida dominantes, associados aos atributos da paisagem natural, operam com uma redução da
complexidade e riqueza da cidade, e promovem uma super-simplificação na interpretação da
vida social. Muitas vezes, estas imagens, e as representações do urbano a elas associada,
ocultam ou revelam os diversos processos de segregação, exclusão, inclusão ou “distinção”
sociais (cf. BOURDIEU, 2007) por meio dos quais os diversos atores sociais operam no
território. E, no entanto, tais processos são percebidos e registrados pela arte dos
compositores.
É necessário lembrar que essas canções operam no campo das representações, no
campo do simbólico, assim como os discursos e imagens mais difundidos sobre a cidade, ou
seja, segundo Bourdieu (1989), cada uma delas representa uma forma possível de experiência,
de percepção da realidade, jamais a única. Pretende-se a partir desta consideração teórica
desnaturalizar as imagens dominantes e investigar, reconhecer, descobrir, propor outras
imagens.
O período objeto de estudo desta dissertação irá compreender os anos entre 1900 e
1960 no território da cidade do Rio de Janeiro. Esta periodização se justifica pelo
reconhecimento da época como definitiva e marcante para o entendimento da atual
16
configuração sócio-espacial da cidade do Rio de Janeiro. Efetivamente, o início do século XX
nos remete ao começo da modernização da cidade, antes uma ainda cidade colonial, e após as
primeiras reformas do período iniciadas com o prefeito Pereira Passos (1903-1906), uma
cidade cujas elites econômicas e políticas buscam inserção no contexto internacional, fato que
se configura durante o restante do período. Também pelo reconhecimento da afirmação de
alguns canais de difusão da música popular neste período do século XX, entre eles os
carnavais de rua, a venda de panfletos com letra e partitura pelas ruas da cidade, as festas da
Penha, grande difusora das canções antes do advento do rádio e a emergência da indústria
fonográfica, que em fins da década de 1920 passa a difundir não apenas a música erudita, mas
também a música popular, ajudando a popularizar a produção musical.
A investigação se deterá no ano de 1960, momento em que ocorre a transferência da
capital federal para o interior do país durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek.
Também por reconhecer que a partir deste momento a cidade-metrópole começa a se afirmar,
e sendo assim, novos contextos sociais, políticos e espaciais precisariam ser observados e
analisados. Buscando não perder a consistência da análise (fato que provavelmente
aconteceria se o recorte temporal se estendesse até fins do século XX), optou-se mais uma vez
pelo recorte no ano de 1960, salientando aqui o desejo de que em um futuro próximo este
marco temporal seja ultrapassado por novos trabalhos de investigação e que a cidade-
metrópole venha a se tornar também objeto de estudo.
Assim, esta dissertação tem como objetivo evidenciar a importância das letras de
música e da cultura popular como fontes documentais privilegiadas para o reconhecimento da
história social e da evolução urbana do Rio de Janeiro, suas simultaneidades e tensões,
durante parte do século XX (1900 a 1960), além de promover, utilizando o mesmo recorte
temporal, um diálogo entre as narrativas dominantes, no campo da história da urbanização
carioca, e os registros encontrados nas diversas expressões musicais, reconhecendo assim, as
diversas representações sociais relacionadas à produção das diferentes territorialidades nos
distintos períodos estudados.
Esta pesquisa se justifica pela busca de novas maneiras de entender os processos
sócio-espaciais que aconteceram na cidade do Rio de Janeiro durante parte do século XX,
processos que muitas vezes passaram ao largo dos discursos dominantes da cidade, mas que
podem se tornar material rico para novos entendimentos acerca da vida e ordem urbana e das
diferentes territorialidades na produção do espaço urbano carioca. Ler a cidade por meio das
letras de música implica em reconhecer as tramas da história urbana mediante o resgate de sua
17
história/memória musical, iluminando os “nós de relações” produtivos entre uma trama e
outra. A busca é a de encontrar e reconhecer tais “nós de relações” (ARGAN, op.cit.), aqueles
momentos-chave onde a produção musical ajuda a compreender de modo abrangente a
problemática da produção desigual do espaço ou, pensando sob outro viés, os momentos em
que as grandes transformações urbanas suscitaram uma profusão de diferentes manifestações
musicais.
Para desvendar os múltiplos elos entre a música popular e a cidade propõe-se
“discernir um nó de relações” que permita enriquecer o entendimento acerca do processo de
produção do espaço urbano carioca – multifacetado e contraditório - por meio dos registros
das letras de musicas associados a cada período: “O importante é que a pesquisa não leve a
isolar um fato ou grupo de fatos, mas a discernir um nó de relações, e que se tenha
consciência de que, além da zona iluminada da pesquisa, estas relações se estendem e se
ramificam ao infinito” (ARGAN, op. cit.).
O procedimento metodológico adotado foi inicialmente o reconhecimento da literatura
acerca da evolução da urbanização carioca (1900 a 1960), para a construção de uma
cronologia correspondente à história urbana, destacando sempre que se mostrava necessário,
momentos importantes da urbanização carioca durante o período objeto de estudo. Este
reconhecimento foi realizado mediante uma revisão bibliográfica de autores da Geografia
Urbana, do Urbanismo, da História Social (Fânia Fridman, Jane Santucci, Lilian Fessler Vaz,
Márcio Piñon de Oliveira, Maurício de Abreu, Nelson da Nóbrega Fernandes, Rogério
Haesbaert, Robert Pechman, Vera Rezende, entre outros). Paralelo ao reconhecimento acima
citado ocorreu o reconhecimento da produção poético-musical (letras de músicas) com
referências urbanas identificáveis segundo os temas: urbanidade, sociabilidade, conflito
urbano, territorialidades e mudanças urbanas, apropriação do espaço, urbanização, moradia,
identidades, mobilidade, centro, centralidades, periferias e subúrbio. Esta busca aconteceu por
meio da revisão bibliográfica nas obras de diversos autores emblemáticos (João Baptista de
Mello, José Ramos Tinhorão, Monique Augras, Santuza Cambraia Naves, entre outros), que
se dedicaram aos estudos da música popular brasileira como produção cultural nos diversos
períodos de evolução da cidade do Rio de Janeiro.
Após este trabalho de pesquisa acerca da evolução da cidade do Rio de Janeiro e seu
espaço urbano durante parte do século XX e através das letras de música que fizessem
referência à cidade neste mesmo período, foi possível a definição dos momentos-chave que
sinalizavam periodizações nas quais era pertinente associar os temas da urbanização com as
18
composições cariocas. Houve então uma definição dos recortes espaciais apropriados: para
cada período foram estudadas expressões musicais e urbanas associadas ao centro ou ao
subúrbio carioca, aos morros/favelas ou às novas centralidades, em diferentes combinações e
tramas de significados.
Dentro do recorte temporal definido, a pesquisa se divide em cinco períodos. O
primeiro é o único que compreende duas décadas de acontecimentos, e assim se fez necessário
por dois motivos, por entender que estes primeiros vinte anos apesar de conterem outros
tantos acontecimentos, têm muito enraizado por parte do governo e da classe dominante, o
desejo de modernização da cidade do Rio de Janeiro, sendo essa talvez a característica mais
marcante do período. Outro motivo indutor da união de duas décadas em um único período foi
a dificuldade de encontrar registros musicais que aludissem a cidade, uma vez que o rádio
ainda não se configurava como difusor da música popular – dado que ele chega na cidade do
Rio de Janeiro durante a Exposição da Independência em 1922 e só em fins desta década
assumirá esta função de propagador da música popular. Os capítulos posteriores tratam cada
um de uma década apenas.
Ao fim de cada capítulo acontece a construção de uma matriz associativa entre tempo
(recortes/períodos), espaço (territórios, territorialidades, vida urbana) e música popular. Neste
momento, é importante uma volta às indagações principais: como tal composição ajuda a
entender melhor determinado momento da urbanização carioca? Como as diferentes
composições revelam distintas e simultâneas territorialidades? Quais disputas pelo espaço
carioca podem ser identificadas/elucidadas por meio das músicas?
Para iniciar cada capítulo foi escolhido um título, parte de uma letra de música não
analisada durante esta dissertação e também não necessariamente contemporânea ao período
em que estará inserida. Esta frase recolhida de canções não pertencentes ao universo de
pesquisa desta dissertação, irá nos remeter ao entendimento de um elemento importante do
período analisado: Paris, Paris jet’aime, mas eu gosto muito mais do Leme – título do
primeiro capítulo – é capaz de nos remeter ao pensamento reinante na época, o querer ser
Paris, o desejo de modernização da cidade, o desejo de apagar o passado colonial e partir
rumo à modernidade.
O segundo capítulo é intitulado E a cidade que tem braços abertos num cartão
postal, com os punhos fechados da vida real, lhes nega oportunidade mostra a face dura
do mal, parte de outra canção não contemporânea à época, mas que transmite muito bem
alguns dos seus conflitos, simultaneidades e tensões, pois enquanto parte da cidade se
19
modernizava, criava para si novos símbolos e buscava sua definitiva inserção no cenário
internacional, ignorava ou relegava ao esquecimento aquela parte do Rio de Janeiro que
abrigava trabalhadores de baixa renda.
Dizem as más línguas que ele até trabalha mora lá longe e chacoalha num trem
da Central intitula o terceiro capítulo e alude à figura do antigo malandro avesso ao trabalho
convertido em trabalhador padrão e símbolo nacional – o bom malandro – durante a Era
Vargas.
Porém, mais do que decretar o fim da malandragem, o que [o compositor] Chico
Buarque revela [na letra de Homenagem ao Malandro] são as transformações pelas
quais ela passou. Trata-se de um processo em que a imagem do malandro vai sendo
depurada, ressemantizada. Se o futuro lhe reservou pra valer um destino menos
nobre, o malandro com contrato, com gravata e capital surge [num futuro posterior à
década de 1930, quando o malandro ainda se encontrava no meio do seu processo de
transformação em trabalhador padrão e símbolo nacional] como um novo estilo de
malandragem, senão uma forma mais estilizada e disciplinada. Aos poucos, sua
imagem vai deixando de ser associada à violência ou à valentia, ganhando uma
conotação mais romântica e, até certo ponto, folclórica (ROCHA, 2006: 139).
Rio de ladeiras, civilização encruzilhada, cada ribanceira é uma nação nos remete
no título do capítulo quatro à intensificação do processo de favelização ocorrido na época,
quando as favelas se multiplicam em número e tamanho, configurando verdadeiras nações
dentro da cidade do Rio de Janeiro, em cada ladeira uma nova nação.
O intenso processo de verticalização que toma conta da Zona Sul desde a década de
1940 e que perdura durante a década de 1950 aparece no título do capítulo cinco: Minha
janela não passa de um quadrado, a gente só vê Sérgio Dourado onde antes se via o
Redentor, e apesar de ser uma composição bastante datada pelo uso do nome de um dos
grandes empresários da construção civil da década de 1970 na letra da canção e de fazer
alusão às transformações sofridas no bairro de Ipanema durante seu processo de
verticalização, ela também transmite com maestria o surgimento avassalador de montanhas de
arranha céus no bairro de Copacabana. O horizonte antes vislumbrado através da janela é
agora bloqueado pelos edifícios e a janela se torna apenas uma figura geométrica e não mais
um local de contemplação da cidade.
20
Nas considerações finais, Brasil, tua cara ainda é o Rio de Janeiro, nos faz pensar
que mesmo após a transferência da Capital para o planalto central, a cidade do Rio de Janeiro
ainda é representada como centro de referência do país. As letras das canções das quais foram
retiradas frases para intitular os capítulos deste trabalho poderão ser encontradas na íntegra no
anexo.
CAPÍTULO 1. Paris, Paris Jet’aime, mas eu gosto muito mais do Leme1 - 1900 a
1920
No último quartel do século XIX o território da cidade do Rio de Janeiro, já não
comportava a crescente população carioca. Era necessário expandir a malha da cidade, que já
possuía suas freguesias centrais bastante, e cada vez mais, adensadas. Buscando um maior
afastamento das camadas populares e da zona central conturbada, as classes com maior poder
de mobilidade evadem da tumultuada zona central urbana em busca dos bons ares dos
subúrbios. Importante ressaltar que na época, eram entendidas por áreas suburbanas, todas
aquelas que não pertencessem à zona urbana da chamada “cidade”, entre elas: Copacabana,
Botafogo, Gávea, Tijuca, Andaraí, etc. (cf. FERNANDES, 1995). Até a década de 1930, as
áreas suburbanas da cidade eram ainda bastante prestigiadas e estavam associadas à classe
aristocrática e a uma vida social bastante ativa, eram sinônimos de arredores da cidade e de
uma qualidade de vida superior em relação àquela desfrutada pelos moradores do centro da
cidade.
Segundo Fernandes (1995: 122), “durante o século XIX, o bonde teve um papel muito
mais importante que o trem na produção de um subúrbio residencial no Rio de Janeiro, sendo
o principal fator de adensamento das áreas chamadas suburbanas do sul, do norte e aquelas ao
longo da linha do trem da E. F. D. Pedro II (Central/ Engenho Novo/ Cascadura/
Moxambomba/ Queimados)”. Diversos foram os motivos: inicialmente o serviço de trens não
priorizava o transporte de passageiros para áreas suburbanas e sim o alcance do grande
comércio além da Serra do Mar, os bondes eram mais competitivos por possuírem passagens
mais baratas, além de se instalarem diretamente sobre os leitos das ruas facilitando a
penetração do transporte no interior dos bairros.
Em 1902, durante o Governo Pereira Passos, tem início a transformação da forma
urbana do Rio de Janeiro. Conforme Rocha (1995:27), a atuação dos órgãos municipais na
1 Trecho da música “Paris” composta em 1938 por Alberto Ribeiro e Alcyr Pires Vermelho
21
urbanização da cidade até então é praticamente inexistente. A reforma ocorre, numa parceria
inédita entre Prefeitura (na figura de Francisco Pereira Passos – 1902 a 1906) e o Governo
Federal (a cargo do Presidente Rodrigues Alves – 1902 a 1906), seguindo um modelo adotado
anos antes por Georges Haussmann para a reforma urbana de Paris. Incorporada à reforma
urbana da cidade do Rio de Janeiro, estava uma nova ideologia, que fazia acreditar que a
transformação estética da cidade, traria consigo a transformação das mentalidades e, por
conseguinte, o advento da civilização. “A estética é parte essencial do discurso à época,
designando, mais que novos valores estéticos, uma nova fisionomia arquitetônica para a
cidade, abrigando inclusive outros objetivos como a erradicação da população trabalhadora e
a valorização dos espaços.” (REZENDE, 1998)
Com o advento dos bondes de tração animal, que começaram a circular durante o ano
de 1868, o problema da distância entre o centro da cidade e as novas áreas urbanizadas foi
vencido, e isso aumentou a procura por parte da população com algum poder aquisitivo, pelas
regiões no subúrbio, mais arejadas e afastadas da insalubridade característica do centro da
cidade do Rio de Janeiro de início do século XX, e sendo assim, surgiram novos bairros na
cidade, tais como: Botafogo, Andaraí, Tijuca, Gávea, Laranjeiras, Vila Isabel. Mesmo com a
evasão de parte da população do centro da cidade, este, continuava cada vez mais populoso,
pois as classes com baixo poder de mobilidade permaneceram morando próximas aos seus
locais de trabalho.
Acerca das formas de moradia popular, “numa época em que não existiam favelas
pela cidade, eram os cortiços que ofereciam quartos para aluguel. Havia, porém, várias
modalidades de habitação, por mais precárias que elas fossem em geral – estalagem, cortiço
ou casas de cômodos, avenida e vila operária. Uma delas era o zungu, forma comunitária
popular, misto de abrigo e comércio. Quitandas ou casas de refeições (sobretudo angu)
abrigavam população de baixa renda e serviam como refúgios clandestinos usados por uma
rede de apoio mútuo para escravos fugidos. Atuando também como pontos de manutenção de
costumes africanos que incluíam festas e práticas religiosas, eles se distribuíam pelo domínio
urbano ou mesmo por regiões afastadas, como Irajá e Inhaúma, e eram alvos da repressão
policial.” (SOARES, apud FRIEDMAN, 1998)
De acordo com a nova ideologia, as zonas nobres da cidade deveriam ser saneadas e
com isso, a guerra aos cortiços e às habitações coletivas, ganha um novo e acelerado fôlego
(cf. VAZ, 2002). Desde 1880, portanto ainda durante o Império, existiam relatórios do
Ministério dos Negócios destacando a necessidade de coibir a proliferação das habitações
22
23
coletivas. Desta data em diante era proibida a construção, reconstrução ou remodelamento
desse tipo de habitação, porém, não eram oferecidas, por parte da municipalidade, casas
higiênicas e baratas em número suficiente para abrigar a população trabalhadora que residia
nos cortiços, casas de cômodos, avenidas e estalagens. Esse tipo de moradia aconteceu
inicialmente na parte central da cidade, nos antigos casarões da aristocracia, que aos poucos
abandonara o centro em busca de freguesias menos populosas nos arredores da cidade.
“Barata Ribeiro iniciara uma guerra de picaretas contra os cortiços, acabando com os
casarões infectos onde se vivia em precárias condições de higiene, inaugurando a política de
erradicação dos cortiços que culminaria com a reforma urbanística e sanitária, levada a efeito
pela administração Pereira Passos. Cuidava-se dos aspectos urbanístico e sanitário,
desprezando-se o ângulo social” (CARVALHO, 1995: 162). Com a destruição desses
primeiros cortiços, no ano de 1893, tem início a ocupação do morro da Providência pelos
moradores despejados, que sem poder de mobilidade pela cidade, precisavam habitar nas
proximidades de seus locais de trabalho.
Em 1898, a população do morro da Providência sofre um aumento significante com a
instalação, a princípio provisória, dos ex-combatentes da Guerra de Canudos (responsáveis
por batizar o local como Morro da Favela). Com a reforma de Passos, houve uma grande
valorização da área central da cidade, e a desarticulação das formas de sobrevivência de uma
parcela das camadas trabalhadoras. Sem dinheiro para continuar residindo na área central,
restava a eles procurar por moradia em bairros mais afastados, ou adensar ainda mais o
número de moradores nas habitações coletivas que restaram em freguesias próximas ao
centro, sendo a Cidade Nova um dos locais mais procurados, ou ainda estabelecer moradia
nas áreas pouco valorizadas da cidade, expandindo assim a favela para os morros além da área
central. “É isso que muda com as reformas urbanas, e a favela, sem dúvida alguma, é a
resposta ao que ocorre: uma nova estratégia de sobrevivência” (ROCHA, 1995: 96).
“Realmente, após as obras da Reforma Urbana inaugurava-se nova etapa na vida da
cidade. Finalmente, da pequena cidade mercantil de feição colonial emergia uma cidade
moderna e capitalista, cosmopolita e civilizada. Mesmo que tudo parecesse novo a partir de
então, na verdade o que se observava era que tendências e indícios, antes apenas esboçados,
se explicitavam, culminando um longo processo de concepção e tentativas de implementar a
renovação urbana.”(VAZ, 1998b)
24
“Com a Avenida Central veio a transformação dos hábitos e valores locais:
automóvel, energia elétrica, gás e água encanados, fonógrafo, cinematógrafo e grandes
magazines, contribuindo para a europeização da cultura carioca e uma homogeneização do
comportamento coletivo, com a afirmação dos mesmos hábitos para a maioria de seus
habitantes. A moda feminina é um bom exemplo desse novo comportamento” (ROCHA,
1995:100), como bem expressa a música “Art Nouveau”, de autor desconhecido, cantada por
Baiano no ano de 1904.
Eu ando muito intrigado/ com essas modas de agora/ e ando mesmo embasbacado/ valei-me
Nossa Senhora/ é cada coisa de arrepiar/ que afinal, a mulher nos faz ver/ seja casada, viúva
ou solteira/ a diferença é que não pode haver/ Pega no vestido de uma tal maneira/ como
finalmente eu fazendo estou/ e assim, a sorrir, a mexer, dizem todas/ tudo isso é Art Noveau/
Se acaso está chovendo/ e guarda-chuva não trazem/ as saias vão suspendendo/ e nisso elas
se comprazem/ mostram as meias, mostram as ligas/ e todo o corpo fica desenhado/ podem
ser velhas ou raparigas/ são elas todas iguais no riscado/ Pega no vestido../ Se algumas a
petulância/ de tal ponto disfarçar/ só porque têm abundância/ as saias deixam de usar/
compram nas lojas uns tais coletes/ que para a frente puxando-as está/ uma fivela juto ao
corpete/ usam ainda do lado de cá/ Pega no vestido../ Eu desejava somente/ que me dissessem
agora/ como é que querem que a gente/ respeite qualquer senhora/ pois que já usam o mesmo
decote/ e os chapéus que parecem pitangas/ a mesma coisa já usam as cocottes/ a diferença é
que não pode haver/Disso são culpados os próprios maridos/ os tais parentes e até mesmo o
avô/ em consentir que elas usem tais vestidos/ feitos sempre em Art Nouveau.
Neste início de século, para além da remodelação da cidade e da mudança de hábitos
da população, mostrava-se necessário o saneamento da capital federal. Era preciso erradicar
também a febre amarela, a varíola e a peste bubônica da cidade que se modernizava. A cargo
do Serviço de Saúde Pública do Rio de Janeiro, o médico sanitarista Oswaldo Cruz dá início a
uma audaciosa - e criticada - campanha de saneamento da cidade. A desinfecção dos
domicílios e a vacinação em massa da população foram algumas das estratégias adotadas no
combate às doenças.
Porém, a maioria da população era ainda analfabeta, não conseguia ler os folhetos
explicativos afixados pela cidade e então, não concordava com as medidas sanitaristas.
Quando a vacinação foi decretada como obrigatória, podemos dizer em linhas gerais que,
25
nasceu a Revolta da Vacina2 insuflada pela oposição ao governo de Rodrigues Alves. “Mas o
verdadeiro embate se concentrava de fato em duas concepções que dominavam o cenário
filosófico e científico de final de século: o higienismo e o positivismo. O higienismo foi
fundamentado como instrumento de intervenção: intervenção no espaço público, na habitação,
no indivíduo, a fim de recuperar a salubridade do ambiente com medidas como o saneamento
e a vacinação em prol de uma higiene social. Já para os adeptos do pensamento positivista, o
indivíduo deveria se responsabilizar pela sua saúde, não cabendo ao Estado legislar sobre o
corpo do cidadão” (SANTUCCI, 2008: 106). Nas palavras de Enders (2009 p. 207), “a
Revolta da Vacina evidencia a resistência popular contra a intervenção dos agentes do Estado
dentro dos lares e no corpo dos cidadãos, pois a idéia de deixar-se inocular por uma
substância extraída de animais doentes repugnava a muitos cariocas além da perspectiva de
entregar filhas e esposas à apalpação de desconhecidos, que deixava inúmeros pais de família
indignados”.
Ainda no ano de 1904, além das medidas impostas para o saneamento da cidade, foi
aberta a temporada de caça ao rato, para o combate à peste bubônica transmitida pelas pulgas
que infestavam aqueles roedores. Segundo Santucci (op.cit.), Oswaldo Cruz adotou o sistema
utilizado nas Filipinas de pagar por cada animal capturado, o que acabou por criar um
comércio paralelo de venda de roedores. A polca abaixo, intitulada “Rato, rato” composta por
Casemiro de Abreu e Claudino Costa no mesmo ano, foi sucesso no carnaval da cidade,
satirizava a temporada de caça e o novo tipo de comércio: a venda de roedores ao governo. O
pregão utilizado pelos compradores de ratos em domicílio para chamar a atenção dos
moradores era “rrrrato! rrrrato! rrrrato!”, e segundo Tinhorão (2005: 59), “o pregão revela
uma tendência inapelável para transformar-se em música, uma vez que o apregoador, ao ir
descobrindo aos poucos as amplas possibilidades da modulação de sua voz, acaba
invariavelmente cantando, em bom sentido, os nomes dos artigos que tem para vender ou que
deseja vender”.
Rato, rato, rato/ Porque motivo tu roeste meu baú?/ Rato, rato, rato/ Audacioso e malfazejo
gabiru/ Rato, rato, rato/ Eu hei de ver ainda o teu dia final/ A ratoeira te persiga e consiga/
Satisfazer meu ideal/ Quem te inventou?/ Foi o diabo, não foi outro, podes crer/ Quem te
gerou?/ Foi uma sogra pouco antes de morrer!/ Quem te criou?/ Foi a vingança, penso eu/
2 Não está entre os objetivos deste trabalho o aprofundamento nas contradições sócio-econômico-espaciais que
suscitaram a Revolta da Vacina, cabendo apenas citar a resistência à vacinação obrigatória por uma parcela da
população, na sua maior parte pobre, não esclarecida e negligenciada por parte do Estado. A esse respeito ver:
SANTUCCI, 2008
26
Rato, rato, rato, rato/ Emissário do judeu/ Quando a ratoeira te pegar/ Monstro covarde, não
me venhas/ A gritar, por favor/ Rato velho, descarado, roedor/ Rato velho, como tu faz
horror!/ Nada valerá o teu qüim-qüim/ Tu morrerás e não terá quem chore por ti/ Vou
provar-te que sou mau/ Meu tostão é garantido/ Não te solto nem a pau
É possível nesta composição “politicamente incorreta” percebermos a forte presença
do imigrante na cidade do Rio de Janeiro na estrofe que diz: “rato, emissário do judeu”. Cabe,
portanto esclarecer que fugindo do anti-semitismo, diversos grupos de judeus emigraram da
Europa Ocidental e do Oriente Médio, e se instalaram no Rio de Janeiro a partir do ano de
1880. Existiu então, pelos arredores da Praça Onze, desde fins do século XIX até meados de
1940, o que se pode identificar como bairro judeu. O lugar foi durante esse período, ponto de
convergência de imigrantes judeus de poucos rendimentos, por seus aluguéis mais baratos e
pela centralidade do lugar. Segundo Friedman (1998: 39), havia subdivisões espaciais que
concentravam vários grupos étnicos na Praça Onze e adjacências, como negros ocupando o
arco definido pelo morro da Providência, Saúde, Gamboa e Santo Cristo (constituindo a
chamada Pequena África3), portugueses e espanhóis concentrados nas vizinhanças da Praça da
República e na direção da Gamboa, além de italianos, ciganos, sírios e libaneses.
Nestas primeiras composições analisadas, é possível perceber a irreverência das letras,
com algumas passagens de ironia e de contestação à ordem dominante, aquela que queria
transformar a cidade e dar-lhe os ares glamourosos de Paris. No caso da canção popular a
seguir, chamada “Eu vou beber”, ainda no ano de 1904, podemos perceber a rebeldia por
parte da população em obedecer à nova regra sócio-espacial. A polícia havia começado a
reprimir os excessos de liberação nas ruas da cidade. As ruas novas e limpas já não eram mais
tão democráticas como antes, e nelas não havia mais lugar para a descontração característica
das antigas ruas coloniais. Imperava agora a ordem, com maior controle do uso dos espaços
públicos. Nas entrelinhas de “... a polícia não quer que eu sambe aqui...” é possível perceber
uma relação de conflito ligada à apropriação do espaço, aonde e quando é permitido sambar, o
código desafiado; em seguida, vem a frase que transmite a idéia de usufruto libertário do
espaço da cidade: “eu sambo aqui, sambo acolá”. Necessário esclarecer que, a expressão
“samba” deve ser entendida, neste momento, apenas como uma forma de dança, um
sapateado, ainda não denominando o ritmo que virá a nascer posteriormente.
Eu vou beber/ Eu vou me embriagar/ Eu vou fazer barulho/ Pra polícia me pegar/ A polícia
não quer/ Que eu sambe aqui/ Eu sambo ali/ Sambo acolá
3 Denominação dada por Heitor dos Prazeres, conforme MOURA, 1995.
27
Após a inauguração da Avenida Central, o carnaval carioca que antes acontecia na Rua
do Ouvidor é transferido para lá. É nesta época que, estimulada pela municipalidade, surge em
busca de um carnaval civilizado e livre das velhas usanças (como no caso o popular entrudo),
a versão carioca para a parisiense Batalha das Flores, o Corso Carnavalesco, um folguedo
também destinado às elites, pois mais uma vez era necessário possuir um carro para desfilar,
além de fantasia para todos os integrantes do veículo. Os buquês de flores foram
convenientemente substituídos por confetes, serpentinas e esguichos de lança-perfume.
Obviamente este desfile ocupava todo eixo carnavalesco durante os três dias de folia e abria
espaço somente na noite de segunda-feira para os ranchos populares e na noite de terça-feira
para o desfile das sociedades carnavalescas. Esta nova e moderna cidade, cheia de novas
posturas e proibições que afetavam diretamente as classes mais pobres, também tinha seus
adeptos, uma população satisfeita, que só teve a ganhar com as mudanças. Em oposição aos
protestos irônicos do povo imortalizados em letra e música, surgem também as homenagens e
o reconhecimento ao grande trabalho de saneamento e embelezamento da Capital, onde o
velho citado na canção popular “Ô raio, ô sol” de autor desconhecido, sucesso no carnaval de
1906 pelas ruas da cidade, é ninguém menos que o Prefeito Francisco Pereira Passos, “... que
alarga a rua”.
Ô raio, ô sol/ Suspende a lua/ Bravo ao velho/ Que está na rua / Que alarga a rua
Chega o ano de 1908, a gestão Pereira Passos havia acabado há dois anos, e a cidade
do Rio de Janeiro desfilava pelas avenidas tropicais “à lá Paris”. È neste mesmo ano que, para
comemorar o centenário da Abertura dos Portos ao comércio exterior, acontece no bairro da
Urca, no terreno entre os Morros da Babilônia e Cara de Cão, a Exposição Nacional, que
pretendia transparecer aos olhos do mundo a imagem de uma República recém inaugurada, de
homens livres, numa cidade cartão-postal, de um país dotado de riquezas naturais, em fase de
industrialização e fazendo ciência (HEIZER, 2007: 03/ ANDREATTA, 2009). Este evento
também possuía seus próprios códigos de postura e aparência de freqüentadores, excluindo
assim grande parte da população a quem era mais uma vez negado o direito de participar das
decisões e vivências da cidade, “do bonde desciam homens de terno, gravata e chapéu,
mulheres com seus vestidos compridos [...], luvas, chapéus e sombrinha” (FABIAN, 2007).
No final do ano de 1910, entre os meses de novembro e dezembro, a cidade do Rio de
Janeiro, esteve na mira dos canhões. “A obra de Pereira Passos ficava à mercê dos negros em
comando de poderosíssimos canhões ingleses, contra os quais pouco poderiam fazer as
baterias terrestres. Por uma vez o poder militar fica com os dominados, e esses exigem para
devolvê-lo medidas até bem modestas e setorizadas, mas de enorme dignidade. Os jornais
28
comentam que “é bem doloroso para um país forte e altivo ter que sujeitar-se às imposições
de setecentos ou oitocentos negros e mulatos que, senhores dos canhões, ameaçam à capital
da República” (MOREL apud. MOURA, 1995: 143). A perícia no manejo dos navios impede
tentativas de comandos que se tramam entre os oficiais ansiosos por vingança. À cidade, por
vezes, os ventos trazem alguns compassos de maxixe tocado pela banda da marujada”.
(MOURA, 1995: 143). Era a revolta da Chibata, uma legítima insurreição por parte dos
marinheiros que teve como objetivo abolir os castigos físicos até então praticados contra eles,
“além do castigo físico, os marinheiros eram submetidos à má alimentação e estavam
insatisfeitos com os baixos soldos. Não por coincidência, esse costume brutal repetia as
atrocidades da escravidão, pois cerca de 90% dos marinheiros eram negros” 4. Eles foram
liderados pelo marinheiro de 1ª classe João Cândido o Almirante Negro imortalizado na
música “O Mestre Sala dos Mares5” de João Bosco e Aldir Blanc, composta no ano de 1975,
seis anos após a morte de João Cândido. Essa revolta coloca em evidência a exclusão sofrida
pela parcela negra da população carioca, uma vez que o país desejava visibilidade
internacional e sendo assim, nesta nova sociedade não havia lugar para a enorme quantidade
de negros que procuravam a Capital da República após o fim da escravidão.
Há muito tempo nas águas da Guanabara/ O dragão do mar reapareceu/ Na figura de um
bravo marinheiro/ A quem a história não esqueceu/ Conhecido como o almirante negro/
Tinha a dignidade de um mestre sala/ E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas/ Foi
saudado no porto pelas mocinhas francesas/ Jovens polacas e por batalhões de mulatas/
Rubras cascatas jorravam das costas/ Dos negros pelas pontas das chibatas/ Inundando o
coração de toda tripulação/ Que a exemplo do marinheiro gritava então/ Glória aos piratas,
às mulatas, às sereias/ Glória à farofa, à cachaça, às baleias/ Glória a todas as lutas
inglórias/ Que através da nossa história/ Não esquecemos jamais/ Salve o almirante negro/
Que tem por monumento/ As pedras pisadas do cais/ Mas faz muito tempo6
As obras ocorridas durante a gestão do Prefeito Pereira Passos modificaram diversos
pontos da cidade, e a zona portuária situada no bairro da Saúde esteve entre as regiões
4 Trecho retirado do projeto de Lei nº 39 de 2009. Disponível em: http://www.senado.gov.br/PAULOPAIM
/pages/projetos/2009/pls/PLS%20Nº%20039%20de%202009%20-%20institui%20o%20ano%20de%202010%
20como%20centenario % 20revolta%20da%20chibata.pdf 5 Necessário esclarecer que “Mestre sala dos mares” é, dentro desta dissertação, a única composição não
contemporânea aos fatos históricos. Apesar de não ter sido criada no período objeto de análise, a canção foi
incorporada por ilustrar ricamente as tensões sociais da época (prostituição e abusos contra a população negra).
Com isso, datando sua criação da época da ditadura militar, “Mestre sala dos mares” figura no corpo deste
trabalho como uma ilustração do período objeto de estudo, graças a riqueza e sensibilidade de seus versos, e não
como uma das canções cujas letras serão analisadas. 6 Esta é a letra original, antes de passar pelo crivo da censura. As palavras sublinhas tiveram que ser substituídas.
29
bastante afetadas pelas reformas do “Bota-Abaixo”. A região do cais do porto se caracterizava
no início do século XX por abrigar a colônia de negros baianos e sua rede de relações de
apoio aos baianos recém-chegados à cidade, nas palavras de Moura (1995, p.86), “sob a
proteção da bandeira branca de Oxalá, continuam chegando ao Rio de Janeiro, nos porões dos
navios que faziam escala no porto de Salvador, negros baianos livres, principalmente das
nações sudanesas, em busca de uma sociedade mais aberta onde pudessem se afirmar,
superando os traumas da escravatura. Os primeiros que conseguem uma situação na capital,
um lugar para morar e cultuar os orixás e uma forma de trabalho, não hesitam em fornecer
comida e moradia aos que vão chegando, o que permitiu um fluxo migratório regular até a
passagem do século, garantindo uma forte presença dos baianos no Rio de Janeiro”.
As obras para a criação do Novo Porto do Rio de Janeiro acabaram por transferir a
localização da “Pequena África” das imediações da Pedra do Sal, para a região da Cidade
Nova, e por lá a rede de solidariedade grupal continuou a existir, desta vez instalada nos
antigos casarões construídos pela burguesia em meados do século XIX, que com a subdivisão
de cômodos internos acabaram transformados em cortiços ou casas de cômodos. Neste
cenário, todos eram obrigados a participar da luta diária pela sobrevivência. Os homens
procuravam freqüentemente trabalhos na região portuária como estivadores ou catraieiros, ou
aprendiam algum ofício tradicional deste grupo baiano como: operários, pedreiros,
carpinteiros, ferreiros, sapateiros, cocheiros, barbeiros e músicos. Porém como dito antes, a
manutenção da vida exigia que as mulheres também entrassem neste “mercado de trabalho”,
pois os serviços oferecidos aos seus companheiros eram geralmente temporários. Então, para
além de cuidar dos filhos e da casa, essas mulheres procuravam serviço como empregadas
domésticas, costureiras ou quituteiras, estas oferecendo suas iguarias em tabuleiros (o famoso
tabuleiro da baiana) pelas ruas da cidade, e garantiam assim o sustento da casa e às vezes a
própria sobrevivência do homem. A composição “Quem paga a casa pro homem é mulher” de
João da Baiana, data do ano de 1915, e nos mostra uma possível realidade da época.
Se é de mim, podem falar/ Se é de mim, podem falar/ Meu amor não tem dinheiro/ não vai
roubar pra me dar/ Quando a polícia vier, e souber/ Quem paga a casa pro homem é mulher/
No tempo que ele podia/ me tratava muito bem/ Hoje está desempregado/ não me dá porque
não tem/ Quando a polícia vier, e souber/ Quem paga a casa pra homem é mulher/ Quando
eu estava mal de vida/ ele foi meu camarada/ Hoje dou casa, comida/ dinheiro e roupa
lavada/ Quando a polícia vier, e souber/ Quem paga a casa pra homem é mulher.
30
Nestes antigos casarões da Cidade Nova ocupados pelas grandes famílias baianas,
nascidas da rede de solidariedade para com os conterrâneos, nas então chamadas casas das
Tias Baianas, era onde também acontecia a festa: “cantavam muito, pois sempre estavam
dando festas de candomblé, as baianas da época gostavam de dar festas. A Tia Ciata também
dava festas. Agora, o samba era proibido e elas tinham que tirar uma licença com o chefe de
polícia. Era preciso ir até a Chefatura de Polícia e explicar que ia haver um samba, um baile,
uma festa enfim. Daquele samba saía batucada e candomblé porque cada um gostava de
brincar, à sua maneira” (MOURA, 1995: 93).
E foi da casa da Tia Ciata, a “capital” da Pequena África (cf. MOURA, 1995), que
saiu aquele que é reconhecido como o primeiro samba: “Pelo Telefone”7, segundo Fernandes
(2001: 42) antes dele foram gravados dois outros sambas, que não alcançaram o sucesso de
“Pelo Telefone” e sendo assim, este se tornou um dos maiores responsáveis por definir e fixar
o samba como gênero musical, sendo esta a justificativa do seu lugar de destaque na história
da música popular. Mas torna-se importante destacar o contexto de onde emerge a inscrição
territorial de tal composição, bem como os outros territórios dos quais ela fala. “Pelo
Telefone” nasceu no quintal da casa da Tia Ciata como uma criação coletiva de todos os
“bambas” que batiam ponto no berço do samba. Ela descrevia um fato ocorrido , em 1913,
quando os jornalistas do “A Noite” para provar que o chefe da polícia Aurelino Leal era
conivente com os jogos ilegais realizados em cassinos ou nas esquinas da cidade, instalaram
uma roleta na entrada da redação no Largo da Carioca para desmoralizá-lo, e como as
diligências eram avisadas pelo telefone, imediatamente o humor carioca captou a comicidade
do episódio nos versos e nas inúmeras paródias da letra que eram distribuídas em papéis por
meninos, pelas ruas da cidade, ridicularizando a odiada polícia da época. Ainda segundo
Fernandes (op.cit.: 45), esta abaixo, é a versão oficial (datada de 1914, ano posterior à
campanha realizada pelo jornal contra o chefe Aurelino Leal), autocensurada e a que fez
menos sucesso de “Pelo Telefone”, dissimulando as inúmeras paródias que se valeram de sua
melodia.
7 Existem divergências no que tange a autoria de “Pelo Telefone”. Em Miranda (2007 p. 94), podemos perceber
que este dito primeiro samba (que na realidade se configura em um maxixe) trata-se realmente de uma obra
comunal, conforme a tradição das rodas de samba rural da Bahia ainda mantida nas rodas de samba da casa da
Tia Ciata, onde a música percutida na palma da mão e com prato-e-faca, era criada por todos e cantada na forma
responsorial: um solista improvisava seguido por um refrão conhecido, entoado por todos. Os compositores
Donga e Mário de Almeida ao registrarem em 1917 a autoria respectivamente da letra e música de “Pelo
telefone” tomam para si todos os méritos do famoso “primeiro samba”, porém, é certo que os freqüentadores da
casa da tia Ciata deram sua contribuição. Daí a reivindicação de vários (dela participam Tia Ciata, Hilário
Jovino, Sinhô e outros) cada qual reclamando seu quinhão autoral.
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O chefe da polícia/ Pelo telefone/ Mandou avisar/ Que na Carioca/ Tem uma roleta/ Para se
jogar/Ai, ai, ai O chefe gosta da roleta/ Ô maninha Ai, ai, ai/ Ninguém mais fica forreta/ É
maninha/ Chefe Aureliano Sinhô, Sinhô/ É bom menino Sinhô, Sinhô/ Prá se jogar Sinhô,
Sinhô/ De todo o jeito Sinhô, Sinhô/ O bacará Sinhô, Sinhô/ O pinguelim Sinhô, Sinhô/ Tudo
é assim.
“Época de pobreza e desemprego. Era difícil encontrar trabalho, e quando aparecia
um, era quase sempre pesado e mal remunerado” (RIBEIRO, 2004). Ainda em 1917, outro
samba é gravado, e nele podemos perceber as dificuldades vividas pela classe trabalhadora
chamada “Zé povo”, esmagada pelo peso dos altos impostos cobrados, onde viver na
clandestinidade “não paga nada o bicheiro... vender bicho é uma mina” era além de rentável,
uma opção segura, pois “protestar eu não me arrisco no Largo de São Francisco” e, reclamar
as autoridades de pouco ou nada adiantava “diz o chefe de polícia não sou eu que o povo
dispo”, deixando claro que fazia vistas grossas às contravenções na cidade “Vão queixar-se à
mãe do bispo”, numa alusão à Dona Ana Teodoro, mãe do Bispo José Joaquim Justino
Mascarenhas Castelo Branco. Ela foi uma figura extremamente respeitada no Rio do século
XVIII, onde exercia muitas vezes a função de "juíza informal", decidindo pendências entre as
pessoas que a procuravam. "Vai se queixar com a mãe do bispo" foi uma expressão que por
mais de um século fez parte do linguajar popular do carioca. A "mãe do bispo", como era
conhecida, era respeitada e temida, ajudava obras de caridade e muitas vezes, exercia a função
do filho. Freire Júnior, apesar de não fazer parte da classe à qual faz alusão, descreve com
bastante irreverência e realismo a verdade sócio-econômica de sua época na letra do samba
“Desabafo carnavalesco”.
Sobe a carne e o feijão/ Desce o brio da nação/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Sobe a carne e o
feijão/ Desce o brio da nação/ E o povo anda casmurro/ Pagando imposto pra burro/ Sim
Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ E o povo anda casmurro/ Pagando imposto pra burro/ Meu
milagroso São Braz/ Não aperte tanto o nó/ Pense o mal que nos faz/ Do Zé Povo tenha dó/
Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Não aperte tanto o nó/ Do Zé Povo tenha dó/ Paga os pobres
funcionários/ Os negócios dos falsários/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Paga os pobres
funcionários/ Os negócios dos falsários/ O comércio virou bicho/ Pôs o Conselho no lixo/ Sim
Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ O comércio virou bicho/ Pôs o Conselho no lixo/ Diz o Chefe de
Polícia/ Não sou eu que o povo dispo/ Aconselho sem malícia/ Vão queixar-se à mãe do
bispo/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Protestar eu não me arrisco/ No Largo de São Francisco/
Paga imposto o açougueiro/ O sapateiro e o vendeiro/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Não paga
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nada o bicheiro/ Cá do Rio de Janeiro/ Sim Sinhô, ué Sim Sinhô, uá/ Vender bicho é uma
mina/ É um negócio da China
Mediante inúmeras obras de embelezamento realizadas na cidade do Rio de Janeiro
desde o início do mandato do prefeito Pereira Passos, parte da cidade estava “livre” das
habitações populares coletivas. Porém, estas obras não ocorreram em toda a parte, e em
algumas zonas da cidade ainda é possível, neste ano de 1917, encontrar alguns cortiços e
casas de cômodos. Segundo Carvalho (1995: 133), “por habitações coletivas entendia-se
oficialmente aquelas que, dentro do mesmo terreno ou sob o mesmo teto, abrigavam famílias
distintas que se constituíam em unidades sociais independentes.”
As casas de cômodos eram consideradas pela municipalidade como as de piores
condições, pois os pequenos aposentos podiam ser alugados a indivíduos solteiros de ambos
os sexos ou a pequenas famílias, gerando promiscuidade, falta de privacidade e superlotação.
Entretanto, para a parcela da população expulsa do centro urbano pelas obras de
embelezamento da cidade à qual era negada a participação nas decisões da cidade e a vivência
do novo espaço concebido pelas elites, as casas de cômodos estavam longe de representar o
ambiente sombrio e triste divulgado pelas autoridades.
A composição “Casa de cômodos” de João da Baiana nos permite conhecer a história
de um visitante de uma dessas casas de cômodos que presencia as alegres batucadas
reprimidas pela polícia, a movimentação, o flerte, as brigas e a heterogeneidade dos seus
habitantes “mulato”, “branco”, “paraíba do norte do Maranhão” e o agiota “Salomão”,
provavelmente de origem judia.
Não moro em casa de cômodos/ Não é por ter medo não/ na cozinha muita gente/ sempre tem
apelação/Batuque na cozinha sinhá não quer/ Por causa do batuque eu queimei meu pé (bis)/
Então não bula na cumbuca/ Não espante o rato/ se o branco tem ciúmes/ Que dirá o
mulato/Eu fui na cozinha pegar uma cebola/ O branco com ciúmes de uma tal crioula/ Deixei
a cebola/ Peguei na batata/ o branco com ciúmes de uma tal mulata/ Peguei no balaio pra
medir a farinha/ O branco com ciúme de uma tal branquinha/ Eu voltei na cozinha pra tomar
café/ o malandro ta de olho na minha mulher/ Comigo, eu apelei pra desarmonia/ e fomos
direto pra delegacia/ Seu comissário foi dizendo o mal que fez/ é da casa de cômodos de uma
tal Inês/ Revista os dois bota no xadrez/ Malandro comigo não tem vez/ Mas seu comissário,
eu estou com a razão/ eu não moro em casa de habitação/ eu fui apanhar meu violão/ Que
estava empenhado com Salomão/ eu pago a fiança com satisfação/ Mas não me bota no
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xadrez com esse malandrão/ Que faltou com respeito a um cidadão/ que é paraíba do norte
do Maranhão
Ainda durante as obras de embelezamento da cidade do Rio de Janeiro realizadas pelo
governo de Pereira Passos, teve início o que Nelson da Nóbrega Fernandes caracteriza como
“rapto ideológico da categoria de subúrbio” que se consagra na primeira década do século XX
com a naturalização do conceito carioca de subúrbio. Há de início, uma mudança do
significado da palavra subúrbio, quando esta começa a designar apenas os bairros populares
servidos pela ferrovia e não mais toda a periferia da cidade. Como rapto ideológico da
categoria de subúrbio temos: “a emergêcia da cidade moderna, com seu espaço reformado e
civilizado em moldes franceses, e um novo padrão de segregação sócio-espacial”
(FERNANDES, 1995: 178).
Desde então a palavra subúrbio passa a figurar no mapa da cidade como mais uma
representação do espaço carioca, ele representa então o local destinado à moradia do
proletariado nas áreas servidas pela ferrovia (inicialmente apenas no eixo da E.F. Central do
Barsil e posteriormente também denominando os bairros criados ao longo das E.F. Rio
D’Ouro, E.F. Leopoldina e Linha Auxiliar), formando o conhecido trinômio
trem/ferrovia/subúrbio, síntese do conceito carioca de subúrbio, na verdade, uma
representação sócio-territorial naturalizada.
Localizada no subúrbio da Leopoldina está a Igreja da Penha, onde desde 1728
acontecia durante o mês de outubro, a Festa da Penha, de início foi predominantemente
portuguesa, sendo a partir de 1890 frequentada também pela população negra. Por lá
chegaram as tias baianas e seus tabuleiros, o samba e os capoeiras8. Tornou-se uma festa
popular onde diversos artistas se apresentavam e compositores apresentavam à população suas
criações. Nas palavras de Heitor dos Prazeres: “Naquele tempo não tinha rádio, a gente ia
lançar música na festa da Penha, a gente ficava tranqüilo quando a música era divulgada lá,
que aí estava bem, que era o grande centro. Eu fiquei conhecido a partir da Festa de Penha”
(MOURA, 1995: 112). Era desta maneira que as composições conseguiam atingir maior
público, antes da Era do Rádio a Festa da Penha era a responsável pelo lançamento dos
sucessos de carnaval, podemos perceber então, a importância do subúrbio na formação da
cultura popular.
8 Ver a esse respeito: TRICHES, 2009 e MOURA, 1995.
34
Neste primeiro período analisado, é possível perceber a estética como a palavra de
ordem. A cidade se modernizava, crescia para além da sua área central. O Rio de Janeiro,
cidade capital do país, sede do aparelho político e administrativo, dona do maior porto da
época, é a partir de então, aos olhos do mundo, uma cidade que se moderniza, com novos
usos, costumes e maior controle dos espaços públicos. Obviamente essas mudanças não
aconteceram instantaneamente, porém grande parte da população, aquela que não pertencia às
classes dominantes da época, acabou por não participar dos processos de concepção desses
novos usos e costumes, sendo perceptível nos versos da canção, a sua estranheza e até mesmo
aversão em aderir e aceitar os novos comportamentos. “... essas modas de agora... valei-me
Nossa Senhora, é cada coisa de arrepiar...”.
Podemos perceber em Oliveira (2002: 62-63), que durante a Reforma Passos:
O Estado escolhe quem de fato tem direito à cidade, quem são os cidadãos e como
eles devem participar da nova cidade. Deste modo, as conseqüências da Reforma
para a população em geral, com a mudança de comportamentos e hábitos de
convivência em geral no uso do espaço da cidade, apresentar-se-ão muito mais como
deveres e obrigações a serem cumpridas do que como parte do direito à cidade.
Deixar de pendurar roupas na fachada, trajar-se adequadamente para andar de bonde,
impedir a circulação de animais domésticos pelas ruas, ter a regulamentação do
comércio ambulante numa cidade onde as ruas costumavam ser o próprio mercado,
adotar hábitos de higiene exigidos pelo poder público, tudo isso aparecerá sobretudo
como imposição, como uma necessidade criada pelo alto e de difícil compreensão e
execução.
As transformações urbanas aconteceram em uma escala até então, jamais vista na
cidade do Rio de Janeiro, dos escombros das inúmeras demolições emergia a nova cidade aos
moldes de Paris, não apenas em seu urbanismo e prédios ecléticos, a mudança tão necessária à
modernização trazia em seu bojo a europeização da cultura e a conseqüente homogeneização
do comportamento coletivo. Essa homogeneização parece se refletir também no vestuário
feminino. A música “Art Nouveau” nos fala de certas mudanças ocorridas com a moda
feminina, mas cabe aí uma reflexão mais profunda a respeito da mudança de tantos outros
costumes cariocas. Existiam diversos novos códigos de conduta a serem seguidos, a serem
exibidos nas novas e amplas avenidas, pelas calçadas onde as mulheres desfilavam seus novos
vestuários, livres dos antigos padrões sociais e presos aos novos padrões da moda. “... Eu
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desejava somente, que me dissessem agora, como é que querem que a gente, respeite
qualquer senhora, pois que já usam o mesmo decote, e os chapéus que parecem pitangas, a
mesma coisa já usam as cocottes, a diferença é que não pode haver...”
A erradicação de diversas doenças como a varíola, a febre amarela e a peste bubônica
que assolavam a Capital Federal foi um dos muitos tentáculos da Reforma Urbana de Pereira
Passos, que encontrou por seu caminho diversas barreiras, uma vez que a imposição da
obrigatoriedade da vacinação pode ter sido a gota d’água para o deslanche da Revolta da
Vacina para uma população que já deveria abrir seus domicílios e permitir que as brigadas de
sanitaristas os vasculhassem em busca de focos de doenças. A “limpeza” da cidade acabou
também por estimular o senso de oportunidade carioca, o ganho de alguns tostões com a caça
ao rato promovida pela prefeitura durante a campanha para erradicação da peste bubônica
garantia o parco orçamento de uma camada da população esquecida pelo poder público da
cidade apariseada “... rato, rato, rato... vou provar-te que sou mau, meu tostão é garantido/
não te solto nem a pau”.
Para estimular a matança dos ratos transmissores da peste bubônica, Oswaldo Cruz
determinou a compra de ratos mortos pela saúde pública a um tostão, e a medida
desencadeou uma quase histeria coletiva. Toda a população pobre do Rio de Janeiro
desandou a perseguir os ratos que infestavam a cidade, e em conseqüência, surgiu
um novo tipo de intermediário comercial: o comprador de ratos em domicílio que
depois os revendia ao departamento de saúde pública. (TINHORÃO, 2005b: 68)
É possível entender através de diferentes canções aqui analisadas, simultâneas
territorialidades. A rebeldia em obedecer à nova ordem pode ser reconhecida nos versos das
canções “Eu vou beber”, “Pelo Telefone” e “Desabafo Carnavalesco”. Cada uma delas nos
fala de um descontentamento diferente, de uma reação social distinta, de uma maneira de não
aceitar as imposições dessa nova cidade de modelo elitista. Se o novo centro reformado não
suporta mais antigos hábitos e costumes dos tempos do Império, a população de certa forma
caminha para lugares onde ainda é possível sua manifestação cultural “... a polícia não quer
que eu sambe aqui, eu sambo ali, sambo acolá”. A proibição dos jogos de azar não
necessariamente acarreta a sua extinção, muitas vezes eles ainda acontecem em diversos
cantos da cidade e certas vezes com a conivência das autoridades “... o chefe da polícia pelo
telefone manda avisar, que na Praça Onze tem uma roleta pra se jogar...”. Apesar desta
36
proibição à jogatina que acontecia pelas ruas da cidade, muitas vezes era necessário recorrer à
contravenção para garantir a sobrevivência de uma classe que não era assistida pelo Estado, a
quem era negado por muitas vezes o direito de cidade “... e o povo anda casmurro pagando
imposto pra burro.Paga imposto o açougueiro, o sapateiro e o vendeiro. Não paga nada o
bicheiro cá do Rio de Janeiro... Vender bicho é uma mina, é um negócio da China”.
Sendo um dos objetivos deste trabalho entender as diversas territorialidades e disputas
pelos diferentes territórios na mesma cidade mediante as letras das músicas de composição
popular, podemos, através dos versos de “Ô raio, ô sol” perceber uma manifestação diferente
das anteriores em relação ao Rio de Janeiro “civilizado’ do início do século XX. “... bravo ao
velho que alarga a rua” nesta alusão ao trabalho de intervenção urbana e saneamento da
Capital Federal realizada durante o governo de Pereira Passos - o “velho” que alarga a rua -
podemos perceber em nome de quem se fala, ou seja, de uma elite para quem o Estado é
capaz de oferecer o direito à cidade e ao uso de seus territórios.
Apesar de toda a tentativa de imposição da ordem por parte do Estado delimitando
regras para a ocupação do espaço e uso da cidade pelas camadas populares, as tão mal-quistas
casas de cômodos não desapareceram completamente das áreas da cidade, elas permaneciam
espalhadas pelas ruas das regiões centrais e acabavam por determinar certa demarcação de
territorialidade entre moradores e freqüentadores, como pode ser comprovado na frase “não
moro em casa de cômodos, não é por ter medo não”, indício do preconceito existente a
respeito deste tipo de habitação multifamiliar de camadas populares. Outro fator interessante
ainda neste início do século XX é a notada importância do trabalho feminino dentro das
camadas populares para a manutenção e reprodução da vida “quem paga a casa pra homem é
mulher, hoje dou casa, comida, dinheiro e roupa lavada”. Tanto atuando no desempenho de
tarefas domésticas em casas de famílias abastadas ou vendendo quitutes nos tabuleiros
espalhados pelas ruas no centro da cidade, aumentavam o mercado de trabalho informal e por
vezes garantiam a existência de uma rede de ajuda mútua para os recém chegados na cidade
como no caso das tias baianas que apadrinhavam seus conterrâneos abrigando-os em suas
casas de cômodos, sustentadas também com o dinheiro da venda dos quitutes de seus
tabuleiros.
Música Ano Compositor(es) Tema abordado na composição
01 ART NOUVEAU 1904 Autor desconhecido Homogeneização/ europeização dos costumes/ moda feminina
02 RATO, RATO 1904 Casimiro de Abreu e
Claudino Costa
Programa de incentivo a “caça ao rato”/ erradicação da peste bubônica/ comércio paralelo
de compra de ratos
03 EU VOU BEBER 1904 Autor desconhecido Nova ordem/ controle do uso dos espaços públicos/ Rebeldia em obedecer a nova ordem
sócio-espacial
04 Ô RAIO, Ô SOL 1906 Autor desconhecido Satisfação com o trabalho de embelezamento da cidade do Rio de Janeiro
05 MESTRE SALA DOS MARES 1975 João Bosco e Aldir Blanc Revolta da Chibata/ Castigos corporais impostos aos marinheiros/ exclusão social da
parcela negra da população carioca
06 QUEM PAGA CASA PRO HOMEM
É MULHER 1915 João da Baiana Desemprego/ Importância do trabalho feminino na família de baixa renda
07 PELO TELEFONE 1917 Criação coletiva* Nova ordem/ Proibição de jogos de azar/ Conivência da polícia com a realização dos
jogos clandestinos
08 DESABAFO CARNAVALESCO 1917 Freire Júnior Realidade sócio-econômica/ informalidade/ jogo do bicho
09 CASA DE CÔMODOS 1917 João da Baiana Carência de moradias populares/ Heterogeneidade de habitantes e usos/ opção de moradia
da classe trabalhadora/ fronteiras de classe
* Registrada no ano de 1917 pelos compositores Donga e Mário de Almeida
CAPÍTULO 2. E a cidade que tem braços abertos num cartão postal, com os
punhos fechados da vida real, lhes nega oportunidade mostra a face dura do mal 9 - 1920
a 1930
Conforme visto no capítulo anterior, é no início do século XX que tem origem o uso
do termo favela para denominar as habitações precárias, feitas com restos de material de
demolição, folhas de latas de querosene e zinco no teto, nas encostas dos morros da cidade do
Rio de Janeiro. É necessário esclarecer que inicialmente apenas o Morro da Providência era
conhecido como o Morro da Favela, e com o passar dos anos o termo Favela foi se
generalizando e passou a designar toda e qualquer forma de moradia precária nas encostas de
outros morros ou em áreas de planície. De acordo com Rocha (1995: 90), “não podemos
afirmar que a favela surge no morro da Favela, mas podemos sim, dizer que é a partir da
ocupação do morro da Favela que essa prática se sistematiza. Daí nossa crença de que o termo
favela passa a definir essa forma de habitação, pelo fato de ter apontado uma solução para o
problema da moradia das camadas mais desfavorecidas da população”.
O samba “Cabide de Molambo” de João da Baiana nos remete às favelas do início do
século XX, à necessidade de improvisação dessa gente na confecção da moradia “minha cama
é uma esteira, e é uma lata velha que me serve de cadeira” e no vestuário, composto de peças
usadas, sobras e lixo “camisa encontrada na praia”, “o meu terno branco foi a deixa de um
cadáver”, “a gravata foi achada na ilha da Sapucaia” (depósito de lixo na época e hoje
incorporada à Cidade Universitária da Ilha do Fundão). Tal registro da precariedade mostra
quão longe estava o cidadão comum, o trabalhador pobre da época, daquela cidade
“apariseada”, modernizada. Com efeito, a cidade antes colonial, com ruas apertadas onde se
reuniam ou onde coexistiam todas as diferenças10
, agora modernizada, se tornava
9 Trecho da música “Alagados” composta em 1984 por Herbert Viana e Bi Ribeiro
10 Cf. Lefebvre (2008), a coexistência das diferenças é condição da centralidade e do acesso à cidade.
38
segregadora, excludente. A nova ordem urbana impunha uma apartação social. Em suas largas
avenidas não havia mais espaço para o diferente, para aquele indivíduo a quem fora negado o
direito à cidade que queria ser Paris, por não representar o ideal da modernidade: “quando eu
saio a passeio as damas ficam falando”.
Meu Deus, eu ando/ com o sapato furado/ tenho a mania/ de andar engravatado/ e minha
cama/ é um pedaço de esteira/ e é uma lata velha/ que me serve de cadeira/ Meu Deus, meu
Deus.../ Minha camisa/ foi encontrada na praia/ e a gravata foi achada/ na ilha de Sapucaia/
meu terno branco/ parece casca de alho/foi a deixa de um cadáver/ do acidente no trabalho/
Meu Deus, meu Deus.../ O meu chapéu/ foi de um pobre surdo e mudo/ as botinas foi de um
velho/ da revolta de Canudos/ quando eu saio a passeio/ as damas ficam falando/ -trabalhei
tanto na vida/ pro malandro estar gozando/ Meu Deus, meu Deus.../ A refeição/ é que é
interessante/ na tendinha do Tinoco/ no pedir eu sou constante/ e o português/ meu amigo
sem orgulho/ me sacode o caldo grosso/ carregado no entulho.
Os anos de 1920 e 1922 corresponderam ao Governo Carlos Sampaio. Sua gestão
urbana como Prefeito, teve como principal objetivo preparar a cidade para as comemorações
do 1º Centenário da Independência do Brasil, por meio da realização da Exposição
Internacional em 1922. “A palavra de ordem era o progresso que vinha no bojo da
industrialização, [...] a época era propícia a mudanças, convulsões, quebra dos padrões mais
tradicionais e favorável à introdução e divulgação de novos modelos comportamentais,
oriundos do surgimento dessa nova atividade” (MARTINS, 1998:121).
A estética continuava sendo o ponto relevante dos projetos urbanísticos e
arquitetônicos. O desafio era preparar a cidade para um evento de porte internacional e
arrumar um local para sediá-lo. É neste ínterim que o Morro do Castelo, considerado berço da
cidade sucumbe, pois com a justificativa de que este prejudicava a aeração da zona central,
Carlos Sampaio destrói parte da história da cidade e arruma um local privilegiado para sediar
a Exposição - o enorme terreno ganho ao mar, aterrado com parte do material originário do
desmanche do Morro do Castelo. E assim somem do centro as áreas residenciais de baixa
renda que haviam resistido à Reforma Passos como o bairro da Misericórdia entre o Morro do
Castelo e o mar (ABREU, 1987/ REZENDE, 1998).
Muito importante salientar que o compromisso com a estética e a salubridade da
cidade só existem nos considerados bairros nobres. Mais uma vez os subúrbios são
desprovidos de planejamento e continuam a crescer de forma orgânica e desorganizada, sem
auxílio do Estado na implantação de infra-estrutura, ao longo da linha férrea, adensando-se
39
40
nas proximidades das indústrias e das estações de trem. Começam a ganhar fama de local de
moradia da classe trabalhadora (REZENDE, 1998).
“A Colina histórica era vista por Carlos Sampaio como um grande problema de razões
ligadas à estética, higiene e a engenharia. O morro era comparado a um “quisto” ou uma
“cárie” que precisava ser extraída para por fim às moléstias que infectavam a cidade. Era
necessário, segundo o prefeito, ventilar a área central: “Com a forma de um rim, voltando sua
convexidade para a única entrada da nossa imensa baía e com sua maior dimensão normal à
direção dos ventos reinantes, esse monte agravava por esse motivo inconvenientemente
precedentemente indicado e produzia, por seu aspecto inestético e asqueroso uma má
impressão ao viajante, que, ao entrar na esplendida baía do Rio de Janeiro, tinha a mesma
sensação que se teria ao ver uma linda boca com o dente da frente cariado” (SAMPAIO, apud
BARROS, 2002).
Enquanto um morro desaparece, levando consigo suas ruas tortuosas e cortiços, em
outros pontos da cidade, transitando por outras ruelas e pelas ladeiras dos muitos morros
remanescentes no Rio de Janeiro, está presente a figura do “Bamba”, descendente das antigas
maltas de capoeiras que aterrorizavam as ruas da cidade do Rio de Janeiro desde os tempos do
Império11
. Esses bambas eram figuras temidas e respeitadas em seu meio de convívio, e por
muitas vezes tornaram-se guarda-costas de alguns políticos da República Velha. Em 1922, o
compositor Sinhô, fez alusão a um “Bam-bam-bam” da antiga cidade: o bandido “Sete
Coroas”, que junto com outros iguais, se tornou uma espécie de guardião das áreas centrais da
cidade, como Mangue e Saúde.
É noite escura/ Iaiá acende a vela/ Sete Coroas/ Bam-bam-bam lá da Favela/ E a polícia/ Já
tonteou/ Sete Coroas/ Meia-dúzia já matou/ E o homenzinho/ É perigoso/ Sete Coroas/
Nasceu no Barroso
É importante ressaltar que o Bamba, apesar de prestar eventuais serviços a alguns
políticos, não deixava de ser um sujeito fora-da-lei, uma vez que a capoeiragem (que ele
praticava) havia sido criminalizada desde 1890, assim como a vadiagem e as práticas
religiosas africanas. Importante também destacar o distinto significado que ganhará o termo
“bamba” no universo do samba, onde este servirá para caracterizar o compositor que for capaz
11
Para um maior aprofundamento sobre a história da capoeira na cidade do Rio de Janeiro, ver: DIAS, 2001
41
de aliar em seu repertório respectivamente versatilidade, musicalidade e capacidade
narrativa12
.
Merece atenção também a distinção entre a figura do bamba oriundo da capoeiragem e
a do malandro. Enquanto o bamba ou capoeira “possuía determinados atributos
imprescindíveis, e a sua prática exigia: a habilidade no “jogo”, a disposição para o “rolo” e, na
fase de auge da capoeiragem, a participação organizada em uma “malta”, ou no nível mais
elevado, em uma “nação”, o malandro surge como uma idealização da negação do trabalhador
assalariado em uma sociedade de mercado” (DIAS, 2001). Posterior ao surgimento dos
bambas, o termo “malandro” acabará por incorporar em seu universo diferentes atores, entre
eles: o bamba, herdeiro das antigas maltas que aterrorizavam a cidade, sucedido
provavelmente pela figura “leão-de-chácara” nos bairros boêmios da cidade, o jogador
profissional, o sujeito sem emprego fixo que sobrevivia de virações, conhecido hoje como
biscateiro e, entre outros, também o sambista, aquele que vivia na boemia e cantava as
peripécias da malandragem.
Para além do centro da cidade, caminhando em direção ao sul, após atravessar o Túnel
Alaor Prata que parte de Botafogo, alcançava-se Copacabana, até então uma bucólica aldeia
de pescadores. No ano de 1923, é inaugurado o Copacabana Palace Hotel, e assim tem início
o turismo balneário na citada praia. É a partir de então que o termo Zona Sul e sua
representação na cidade começam a ser construídos. Segundo Cardoso (2009), o termo surge
nos anos de 1920 localmente em Copacabana, como uma espécie de zoneamento, e vai se
ampliando ao longo da década de 1950 até se transformar neste topônimo Zona Sul, capaz de
conferir a essa parte da cidade uma identidade própria por muito tempo ligada às
representações do belo, novo, “chic” e saudável.
Com a inauguração do Hotel em Copacabana, tem início o processo de verticalização
de caráter residencial da “zona sul”. A habitação coletiva nos bairros praianos estava
intimamente ligada ao estilo de vida moderno e à higiene, ao contrário dos cortiços da região
central que abrigavam a população pobre da cidade. Aqui podemos pensar na arquitetura e no
urbanismo como linguagens, associadas à ideologia na produção dos espaços. A representação
da Zona Sul como uma nova síntese/símbolo de estilo de vida para a cidade do Rio de Janeiro
está associada inicialmente à constituição de um bairro (Copacabana) chique, moderno e
acessível apenas para determinados grupos sociais, neste início de século, pois na época, as
12
A respeito dos “bambas do samba” ver: Dossiê das matrizes do samba no Rio de Janeiro.
42
praias eram freqüentadas apenas pelos moradores do bairro, uma vez que não era desejável e
tampouco permitido, circular pelos transportes coletivos em trajes de banho.
Para que a população de outros bairros pudesse frequentar as praias, era necessário que
houvesse balneários no local. Necessário esclarecer, balneário como um local para que os
freqüentadores da praia pudessem trocar as suas roupas de passeio pelo traje de banho,
guardá-las e se banhar após o banho de mar.
Porém, antes do turismo balneário fazer sucesso nas areias da zona sul, os banhos de
mar já eram apreciados em outras praias da cidade, como era o caso das praias da zona
central, sendo a extinta praia do Boqueirão a mais famosa. Espalhadas pelas ruas do centro
haviam inúmeras casas de banho (ou balneários), segundo João do Rio, em crônica escrita no
ano de 1911 publicada no jornal “Gazeta de Notícias”, “houve um momento em que todo o
Rio tomou banho de mar. (sic) Nos estabelecimentos era a entrada e saída, o vai e vem febril,
corridas de gente molhada, corridas de gente já vestida, comprimentos, risos, apertos de mão,
a cordialidade dos ajuntamentos, que leva às ligações duradouras, ao amor, ao devaneio
sentimental. ”(Apud CARDOSO, op.cit. p. 61)
Com tanta procura e popularidade dos banhos de mar, começaram a aparecer também
posturas a serem seguidas nessas áreas, códigos e hábitos, ditando o comportamento social.
Tais posturas acabam por colocar armaduras nas práticas espaciais, naquilo que é percebido
(cf. Lefebvre, 2007) na coletividade como resultado dessas práticas. O samba “Ai como é
bom” do compositor Freire Júnior, em 1925 satiriza uma proibição da época “nas salas de
banho não se pode mais namorar” e atenta para a constante vigilância resultante do
aprisionamento das práticas espaciais “viúva de prontidão para os namorados que vão bancar
o tubarão.
Eu lendo "A Noite"/ Vi anunciado uma circular/ Nas salas de banho/ Não se pode mais
namorar/ Ai como é bom/ Antes de nadar/ Na beira da praia/ A gente namorar/ Tem no
Flamengo/ Uma viúva alegre de prontidão/ Para os namorados/ Que vão bancar o tubarão
Após a inauguração de seu Hotel, Copacabana começa a atrair cada vez mais pessoas
interessadas nos banhos de mar, na prática de esportes e na convivência nestas zonas
litorâneas da cidade. E diversos meios de comunicação serviram a esse propósito. De acordo
com Cardoso (op. cit.), os novos hábitos de uma vida à beira mar eram muito difundidos pela
imprensa da época, tanto nos jornais de ampla circulação como nos jornais de bairro e em
diversas revistas, com muitas fotos das praias e seus banhistas, construindo a imagem de
43
modernidade e alto status do bairro de Copacabana. “e a exemplo do que já existe naquelas
costas panorâmicas e admiráveis do Velho Mundo, a linda praia atlântica também se
pontilhará de vários grupos de pavilhões destinados à mudança de roupa, dotados de todos os
requisitos de higiene e conforto, como sejam assento, estrado, cabides, espelhos, chuveiros de
água doce e perfumada, tudo enfim, que seja indispensável para o público aristocrático que
freqüenta as areias de Copacabana” (CARDOSO, op.cit.: 11).
Em 1927, o compositor Francisco A. da Rocha faz ao bairro uma homenagem em
forma de samba com a música “Copacabana”, e assim a música se torna indiretamente,
mediante a percepção de seu autor, outro meio de divulgação do modo de vida à beira mar.
Vamos depressa/ Linda Mariana/ Buscar as águas/ De Copacabana/ Enquanto a maré vai,
vai/ Enquanto a maré vem, vem/ Na beira da praia tem, tem/ Morenas bonitas, meu bem/ Tem
moça "chic"/ Tem almofadinha/ Copacabana, o bairro/ É da pontinha
Nesta época o malandro era o rei, e aqui já se pode pensar na figura do malandro como
aquela pessoa avessa ao trabalho pesado, que leva a vida entre um bico e outro (ou entre uma
viração e outra, para utilizar um termo da época) e freqüenta as noites boêmias da cidade. Era
ele, o malandro, quem acompanhava as serenatas e frequentava os botequins, os cabarés e não
corria de briga mesmo quando era contra a polícia. Quando excluídos de participação na
cidade modernizada, certos grupos sociais criam outros mundos, com suas próprias leis e
códigos e assim constroem suas territorialidades mediante a afirmação de uma identidade, em
busca de um lugar simbólico onde possam exercer o sentimento de pertencimento à cidade
(HAESBAERT, 2008). A malandragem tão característica dos bairros boêmios do Rio de
Janeiro pode ser encarada então como uma dessas estratégias de sobrevivência cultural de
grupos excluídos da cidade formal. Ainda em 1927 o compositor Sinhô nos revela em poucas
linhas, na música “Ora, vejam só”, uma parte dessa contra-cultura, vivida à margem da
sociedade desejada pelas elites. Percebe-se também a ambigüidade e o conflito, expressos
pela súplica da companheira do malandro, de querer fazer parte da cidade formal solicitando
rupturas com a cultura da malandragem: “deixa a malandragem se és capaz”.
Ora vejam só a mulher que eu arranjei/ Ela me faz carinhos até demais/ Chorando ela me
pede: Meu benzinho/ Deixa a malandragem se és capaz/ A malandragem eu não posso
deixar/ Juro por Deus e Nossa Senhora/ É mais certo ela me abandonar/ Meu Deus do Céu!
Que maldita hora!/ A malandragem é um curso primário/ Que a qualquer é bem necessário/
É o arranco da prática da vida/ Somente a morte decide ao contrário
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Enquanto a cidade se moderniza, as culturas vão mesclando-se umas às outras, e com a
maneira de vestir, não poderia ter sido diferente. No pós-guerra o ideal, o desejado, era uma
vida mais saudável e confortável que no passado; mulheres livres do sofrimento imposto
pelos espartilhos e homens ainda de roupas pretas, porém mais sóbrias e com as gravatas
coloridas, paletós mais curtos que as antigas casacas e calças estreitas, uma silhoueta esguia e
elegante. Era uma moda importada juntamente com o ideal da modernidade, a moda que
deveria ser vestida e desfilada pelas novas e arejadas avenidas da cidade.
Mas no Rio de Janeiro que gingava por entre os becos da malandragem, uma “moda”
diferente era adotada. Terno de preferência branco, caprichosamente engomado, sapato de
salto carrapeta, a calça era do tipo “boca de sino” ou “bombacha” com a boca bem estreita e o
paletó bastante amplo para facilitar os movimentos. Assim é descrita por Lamartine Babo, na
marchinha “Os calças largas” de 1927, a maneira de vestir da malandragem carioca. Podemos
perceber que o compositor não se coloca como um pertencente ao grupo “Acho graça dessa
gente convencida, que turma esquisita e encrencada”. Com irreverência e humor, passeia por
um universo do qual não faz parte, e como a maioria da população, apenas os espreita, e
comenta seus hábitos boêmios “sem vintém, à noite vão dançar” e marginais “minha capa foi
furtada”
Necessário esclarecer que “O malandro seresteiro do Morro é muito diferente do
malandro “alinhado” dos cafés e dos bares, que freqüentam a zona tórrida, que aguardam nos
botequins que as amantes os venham buscar para almoçar, jantar, ceiar e dormir. Não
confundamos uns com os outros” (VAGALUME apud. ROCHA, 2005: 140).
Acho graça dessa gente convencida/ Passeando na Avenida/ Passeando na Avenida/ Quando
passa uma linda criatura/ Ficam todos na secura/ Ficam todos na secura/ Essa gente de
jaquetas bem curtinhas/ Tem a cara bonitinha/ Tem a cara bonitinha/ Oh! Que turma
esquisita e encrencada/ Calça larga bem folgada/ Rastejando na calçada/ Vem, meu bem/
Que os calças largas/ Não te podem sustentar/ Sem vintém/ Almoçam brisas/ E à noite vão
dançar/ Lá na casa de um doutor na Piedade/ Foi uma calamidade/ Foi uma calamidade/ Da
tal gente estava a sala infestada/ Minha capa foi furtada/ Minha capa foi furtada/ Do tal
charleston é bom não se falar/ Faz lembrar peru de água/ Quando a gente o quer matar/ E os
bonecos artificiais são concorrentes/ Lá da Praça Tiradentes/ Lá da Praça Tiradentes
Em fins do ano de 1927, é contratado o urbanista Alfred Agache, que começa a
elaborar um plano de remodelação para a cidade do Rio de Janeiro, durante a gestão do
prefeito Antônio Prado Júnior. O Plano Agache tratou das funções urbanas do Rio de Janeiro
45
e propôs novas configurações ao tecido, abordou, entre outros itens, a legislação e os
regulamentos, as questões viárias, a importância de uma reorganização geral dos transportes,
os elementos funcionais do Plano Diretor (Palácios e Ministérios, Centros de Negócios e de
Comércio, Portos, Indústrias, Zonas Residenciais e Bairros Universitários) bem como os
grandes problemas sanitários (cf. REZENDE, 1982). O Plano é concluído em 1930, ano em
que acontece a Revolução de 1930, que derruba a República Velha e não realiza os seus
projetos. Sendo assim, com a mudança de Governo pouco se usou do plano desenvolvido pelo
urbanista Alfred H. Agache.
O compositor Ary Kerner, no mesmo ano (1927) lança a marchinha “Seu Agache”,
numa espécie de reverência às melhorias propostas “Quem quiser que fale mal”, ou em
homenagem ao próprio Agache “vai fazer dessa cidade uma linda capital” e ao Prefeito Prado
Júnior “o prefeito que é de fato vai o povo embasbacar”. Na visão dominante da época, era
chegada a hora de afastar dos olhos do mundo as “imundas favelas”, e sumir com tudo aquilo
que havia resistido ao período de Pereira Passos, a marchinha ironiza as mudanças com um
alerta aos cidadãos: “quem for feio fuja dele prá não ser remodelado”.
Já chegou o seu Agache/ Quem quiser que fale mal/ Vai fazer dessa cidade/ Uma linda
capital/ Seu Agache/ Seu Agache anda solto e preparado/ Quem for feio fuja dele/ Pra não
ser remodelado/ A cidade está mudando/ Mais mudada vai ficar/ O prefeito que é de fato/ Vai
o povo embasbacar
Aqueles vestígios da cidade colonial e “atrasada”, tais como as antigas e apertadas
ruas que não haviam sido alargadas nos bairros de ocupação mais antiga, os casarões
transformados em habitações populares, as favelas nas encostas dos morros incrustadas nas
áreas mais valorizadas da cidade, além dos antigos hábitos da população, que desde o início
do século eram considerados “feios” pela elite que desejava a modernidade, não
compartilhavam da mesma euforia da cidade que clamava por embelezamentos.
Em outros territórios da mesma cidade, como no alto do Morro da Providência, a
possibilidade da expulsão de seu local de origem não gerava alegrias, apenas lamentos, como
no samba “A favela vai abaixo” gravado por Sinhô em 1928: “ajunta os troço vamo embora
pro Bangu”. Estava previsto, no Plano de Agache, que o Morro da Favela seria derrubado tal
como acontecera com o morro do Castelo anos antes: “minha cabocla, a Favela vai abaixo”.
Aos excluídos, que seriam apartados para os subúrbios, restava a saudade antecipada dos
lugares vividos “Buraco Quente, adeus pra sempre meu buraco” saudade essa amargada até a
morte “Eu só te esqueço no buraco do Cajú”.
46
Diversas suposições são feitas na letra do samba a respeito da possível desapropriação
“Isso deve ser despeito dessa gente, por que o samba não se passa para ela” e das
possibilidades de moradia em locais próximos ao seu mundo vivido: “Vou morar na Cidade
Nova pra voltar meu coração para o morro da Favela”. O projeto de desmanche deste morro
foi amplamente discutido pela imprensa, e segundo o poeta Luis Peixoto, Sinhô chegou a
pedir a intervenção de um Ministro de Estado junto ao prefeito Prado Júnior, valendo-se de
sua popularidade, para evitar a demolição, que acabou não acontecendo, por conta da troca de
governos.
Minha cabocla a Favela vai abaixo/ Quanta saudade tu terás deste torrão/ Da casinha
pequenina de madeira/ Que nos enche de carinho o coração/ Que saudade ao nos
lembrarmos das promessas/ Que fizemos constantemente na capela/ Pra que Deus nunca
deixe de olhar/ Por nós da malandragem e pelo morro da favela/ Vê agora a ingratidão da
humanidade/ O poder da flor sumítica, amarela/ Que sem brilho vive pela cidade/ Impondo o
desabrigo ao nosso povo da favela/ Minha cabocla a Favela vai abaixo/ Ajunta os troço
vamo embora pro Bangu/ Buraco Quente, adeus pra sempre meu buraco/ Eu só te esqueço no
buraco do Cajú/ Isso deve ser despeito dessa gente/ Por que o samba não se passa para ela/
Porque lá o luar é diferente/ Não é como o luar que se vê desta Favela/ No Estácio,
Querosene ou no Salgueiro/ Meu mulato não te espero na janela/ Vou morar na Cidade
Nova/ Pra voltar meu coração para o morro da Favela.
Múltiplos atores e grupos sociais, com suas respectivas identidades de classe, se
encontram em disputa por territórios. Ainda no ano de 1928, segundo o compositor Arthur
Faria, é possível identificar as diferenças sócio-econômicas entre dois grupos sociais, um que
vive nas habitações improvisadas nas encostas dos morros e o outro composto por uma elite
que habita as áreas mais nobres da cidade. Utilizando uma expressão da época o samba “Eu
quero é nota” canta o sonho “eu queria ter dinheiro em grande porção” e a resignação “eu que
sou operário e não posso ser barão”, e nos faz perceber a segregação espacial que demarca os
territórios urbanos ao citar o bairro da elite dotado de moderna infra-estrutura “eu comprava
um automóvel e ia morar no Leblon” em oposição à opção de moradia dos populares nas
encostas dos morros, onde o zelo do Poder Público não persiste, não tem vontade de subir
ladeiras “vou morar lá em Mangueira num modesto barracão”.
Eu quero é nota, carinho e sossego/ Para viver descansado/ Cheio de alegria, meu bem/ Com
uma cabrocha ao meu lado/ Eu queria ter dinheiro/ Que fosse em grande porção/ Eu
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comprava um automóvel/ E ia morar no Leblon/ Eu, como sou operário/ E não posso ser
barão/ Vou morar lá em Mangueira/ Num modesto barracão
48
Analisando a década de 1920, podemos perceber que a estética ainda figurava como
palavra de ordem no cotidiano da Capital Federal. O poder público se esforçava ao máximo
em dotar de recursos as áreas consideradas nobres, toda a cidade pagava os impostos, mas só
alguns bairros pareciam ter direito às benfeitorias, e assim, as habitações precárias
encarapitadas nas encostas dos morros se reproduziam, abrigavam cidadãos comuns
esquecidos pelo poder público, trabalhadores que precisavam morar próximo ao centro da
cidade onde lhes era possível encontrar algum trabalho ou viração. A falta de moradia
popular, direito não oferecido por parte do governo, empurrava a parcela pobre da população,
para os subúrbios, para os antigos casarões transformados em casas de cômodos dos bairros
vizinhos ao centro moderno (São Cristóvão, Saúde, Gamboa) ou para as encostas dos morros
cariocas.
Tudo aquilo que não tinha lugar na tal cidade civilizada, na dita “cidade formal”, podia
facilmente ser encontrado pelas ruas da “cidade informal”, ou seja, naquelas partes da cidade
que não era freqüentada pelas elites da época, e assim eram os subúrbios ferroviários para
onde a população trabalhadora foi paulatinamente sendo empurrada ao longo dos anos, os
bairros periféricos ao centro onde habitava a população de baixa renda ocupando os antigos
imóveis abandonados pela elite que de lá se retirou a caminho da Zona Sul – onde podiam ser
encontrados a pequena África e o antigo bairro judeu, os bairros portuários não contemplados
com urbanização durante a reforma do porto e que abrigavam a mão de obra necessária aos
trabalhos de embarque e desembarque de mercadorias, sem deixar de mencionar as encostas
dos morros cariocas, outra opção de moradia da parcela pobre da população.
Diante da falta de recursos, a palavra de ordem na cidade informal era a improvisação.
Nos versos de “Cabide de molambo” esta prática nos aparece muito óbvia tanto na resolução
da moradia como na preocupação com o vestuário, ou seja, aquilo que não mais podia ter
lugar na cidade formal – esteira, lata velha, sapato furado, etc. – acabava por encontrar
serventia na cidade não desejada e não freqüentada pelas elites.
Improvisação, informalidade, marginalidade. Sem encontrar apoio ou preocupação por
parte do Estado, esses pareciam ser os caminhos para a criação de suas estratégias de
sobrevivência. A cidade do Rio de Janeiro sendo a Capital Federal acabava por atrair
inúmeros migrantes e imigrantes, além de parte do contingente de negros libertados após a Lei
Áurea, sendo que grande parte desses novos habitantes chegava por estes lados em busca de
oportunidades que na maioria das vezes nunca apareciam, e assim a marginalidade aparecia
como possibilidade. “Sete coroas” assim como tantos outros – Madame Satã, Camisa Preta,
49
etc. - fez parte do universo da cidade do Rio de Janeiro, personagem perseguido pela polícia,
estampado nas páginas dos jornais da época, vezes tido como herói e inúmeras outras temido
pelas ruas da cidade formal e nas vielas apertadas da cidade informal.
O malandro era um personagem produto da estrutura econômica incapaz de absorver
toda a mão-de-obra que nessa área urbana crítica se acumulava. Na verdade, sem
condições de emprego condigno após a conquista do rudimento de ensino
representado por três ou quatro anos de escolas primárias, esses filhos de famílias
humildes defrontavam-se na juventude invariavelmente com uma tripla alternativa:
o trabalho braçal (ainda estigmatizado pelo não há muito extinto regime da
escravidão), o aprendizado de alguma atividade artesanal ou especializada
(marceneiro, lustrador, etc.) ou a livre disponibilidade para algum trabalho eventual
englobado na categoria dos “pequenos expedientes” (TINHORÃO, 2005a p. 291-
292)
Neste período, mais duas canções nos falam a respeito da territorialidade do malandro
e da malandragem muito presente na cidade do Rio de Janeiro do início do século XX: “Ora
vejam só” e “Os calças largas”, a primeira nos orienta em direção ao modo de vida, ao viver
na malandragem, ao personagem citado por Tinhorão, aquele não absorvido como mão-de-
obra pela estrutura econômica da cidade e englobado na categoria de trabalhador eventual ou
biscateiro. A segunda composição nos coloca em contato com as práticas espaciais deste
grupo de malandros que desfila pelas ruas da cidade e delas se apropria por meio de seus
costumes, moda e usos próprios.
Dentro da cidade desejada e cosmopolita havia nascido um bairro que iria amalgamar
no carioca o estilo de vida à beira-mar: Copacabana traz em si a tradução de um estilo de vida
chique, novo e saudável e “inaugura” o zoneamento/segregação espacial na cidade opondo
Zona Sul X Zona Norte e subúrbios, seus respectivos estilos de vida e definindo neste
zoneamento, quais áreas seriam mais ou menos privilegiadas pelo Poder Público.
A interiorização dos banhos de mar no estilo de vida carioca passou por inúmeras
regulamentações: horário apropriado para cada classe social se banhar, trajes adequados ao
banho de mar, local adequado para a troca de roupas de banho, comportamento desejado
durante os banhos de mar. Freire Júnior satiriza uma dessas regulamentações em seu samba de
1925, época em que ainda se deveria seguir o “decreto 1.143 de 1917 que apontava entre
outras coisas que era necessário ‘apresentar-se com vestuário apropriado na praia, guardando
50
a necessária decência e compostura’, eram ‘proibidos ruídos e vozerias na areia e no mar’,
com direito a punição a quem transgredisse as regras: ‘multa de 20 mil réis ou cinco dias de
prisão’” (ESQUENAZI, 2009: 57).
Apesar das grandes mudanças sofridas na cidade desde que Pereira Passos iniciou sua
obra, a Capital Federal ainda necessitava de outras tantas intervenções para continuar seu
caminho rumo à modernização e inclusão definitiva no cenário internacional. É sobre esta
perspectiva de uma nova cidade, mais moderna e definitivamente livre de todos os vestígios
de cidade colonial, antiga e atrasada que o compositor Ari Kerner escreve em 1927: “quem
for feio fuja dele, prá não ser remodelado”. Enquanto parte da população anseia por novas
obras e melhoramentos, outros moradores não comungam da idéia e sofrem ante a
possibilidade da futura expulsão de seu lugar de convívio, possibilidade essa bem
exemplificada nos versos de “Favela vai abaixo”.
Lima Barreto escreveu em 1911 uma crônica a respeito da demolição do secular
Convento da Ajuda13
: “Não se pode compreender uma cidade sem esses marcos de sua vida
anterior, sem esses anais de pedra que contam sua história” (apud KESSEL, 2001: 39). Diante
de inúmeras remodelações da cidade e destruições do antigo tecido urbano, a sensação de
perda de referências da paisagem urbana é algo avassalador. De um dia para o outro sumiam
da paisagem cotidiana o Convento da Ajuda, o Morro do Castelo, dezenas de ruas, diversos
quarteirões, incontáveis casarões. É certo que as referências espaciais são relativas a cada
classe social. O Morro de urbanização desordenada, que é querido pelos que vêem poesia em
seus barracões de zinco, por outros é ignorado e temido. Caso o Morro da providência fosse
também derrubado, não deixaria nenhuma saudade na população que por ali não possuísse
uma rede de colaboração, amizade e pertencimento: “Buraco Quente, adeus para sempre meu
buraco”.
A composição “Eu quero é nota” nos mostra a cidade bipartida social, econômica e
territorialmente. As oposições Leblon X Mangueira, barão X operário, automóvel X barracão
indicam distintos territórios da cidade do Rio de Janeiro, territórios segregados, separados da
cidade planejada. No Rio de Janeiro cosmopolita é reiteradamente negado o direito à cidade
para parcelas dos moradores e dos territórios que as elites querem apartar e inviabilizar.
13
Após o desmonte, o Convento da Ajuda foi transferido para o bairro de Vila Isabel onde se encontra até os
dias atuais. O Chafariz das Sacaduras, que ficava no pátio interno do convento, obra do Mestre Valentim datada
do ano de 1795 encontra-se atualmente no bairro de Ipanema.
Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição
10 CABIDE DE
MOLAMBO 192_ João da Baiana
Exclusão social na cidade apariseada/ tentativa de pertencimento a sociedade/ através de sobras é construída a
moradia o vestuário e a alimentação
11 SETE COROAS 1922 Sinhô Grupos sociais/ Estratégia de sobrevivência
12 AI, COMO É BOM 1925 Freire Júnior Nova ordem/ Controle do uso dos espaços públicos/ Turismo balneário
13 COPACABANA 1927 Francisco A. da
Rocha Surgimento do topônimo Zona Sul/ Divulgação do modo de vida á beira-mar
14 ORA, VEJAM SÓ 1927 Sinhô Exclusão social/ Construção de novas territorialidades/ Cultura da malandragem
15 OS CALÇAS LARGAS 1927 Lamartine Babo Progresso/ Estética/ Boemia/ Malandragem
16 SEU AGACHE 1927 Ari Kerner Plano Agache/ Remodelação da cidade/ Modernidade X vestígios da cidade colonial
17 A FAVELA VAI
ABAIXO 1928 Sinhô Plano Agache/ Possibilidade de desmonte do Morro da Providência
18 EU QUERO É NOTA 1928 Arthur Faria Diferenças sócio-econômicas entre grupos sociais/ operário X barão/ Morro da Mangueira X Leblon
CAPÍTULO 3. Dizem as más línguas que ele até trabalha mora lá longe e
chacoalha num trem da Central14
- 1930 a 1940
Tem início o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) que assume o poder após
comandar a Revolução de 1930, derrubando o governo de seu antecessor. Neste ano tem um
fim o ciclo caracterizado pela alternância de presidentes ora paulistas, ora mineiros no poder,
característica marcante durante a chamada República do café-com-leite ou República Velha
(1889-1930). Em 1937 é criado o Estado Novo, um governo de caráter altamente
centralizador e autoritário, onde a indústria é o foco principal em detrimento da agricultura. A
industrialização, acelerada pelo novo governo, acentua o processo de urbanização da cidade
do Rio de Janeiro. De acordo com Spannenberg (2005:144) “a nova ordem pretendia que o
Estado fosse intervencionista e era desejável a industrialização baseada na Organização
Racional do Trabalho, pois o pensamento vigente considerava que a industrialização era o
único caminho para o desenvolvimento, e o nacionalismo sustentava todo esse projeto”.
Desde a inauguração do primeiro trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II a malha
urbana cresceu bastante em direção aos subúrbios, mesmo sem o incentivo inicial do Estado,
alcançando inclusive a Baixada Fluminense que nesta época já se encontra integrada
fisicamente ao espaço urbano carioca. Nesta época vamos encontrar uma cidade bastante
estratificada em “zonas nobres”, caracterizadas pela zona central da cidade onde se
concentrava o movimento financeiro, político e comercial do Rio de Janeiro, pela zona norte,
local preferencial para moradia de parte da classe burguesa e pela “recém inventada”
(CARDOSO, op.cit.) zona sul, difusora do estilo de vida à beira mar, recém incorporado pelas
elites da época, e em “subúrbios”, aqui já utilizando o conceito carioca de subúrbio
(FERNANDES, op.cit.), englobando todos os bairros marginais à linha da estrada de ferro
que serviam de moradia para a classe operária.
14
Trecho do samba “Homenagem ao malandro” de 1978, composto por Chico Buarque.
51
Em ambos os casos, “zona nobre” ou “subúrbio”, podemos perceber seus processos de
desenvolvimento impulsionados pelas mesmas forças antagônicas que originaram suas
respectivas ocupações. Com o crescimento de novas áreas tanto no subúrbio como nas zonas
nobres da cidade, começam a se formar os subcentros e acontece a descentralização dos
setores de comércio e serviços, como é o caso, por exemplo, do Méier e Copacabana.
O crescimento destas áreas, “nobres” e suburbanas em vertentes opostas, acarretou
uma descentralização das fontes de emprego, e junto com as mesmas, moveram-se as favelas,
uma forma barata de moradia para a classe trabalhadora que necessitava estar perto de seus
locais de trabalho. Estas prosseguiram praticamente incólumes durante o Estado Novo, pois
ainda eram fontes de mão-de-obra necessárias para a acumulação do capital pela indústria, o
comércio e a burguesia.
Nesse contexto, no ano de 1930, é gravado o samba “Na Pavuna”, composto em 1929,
por Almirante e Homero Dornellas, louvando um bairro do subúrbio ferroviário da cidade
como importante para a produção e territorialização do samba. A tendência predominante da
música popular é a de lançar luz para outras leituras do urbano, para bairros invisibilizados
pela cultura burguesa, atribuindo-se, como é o caso de vários compositores populares,
identidades bem definidas a certas localidades, como a Pavuna, o bairro de Vila Isabel ou o
morro do Estácio (cf. NAVES, 1998).
A composição exalta as virtudes de um samba feito na Pavuna, onde o malandro
aparece como sujeito por excelência do samba (SANDRONI, 2001: 11). Armado de seu
instrumento, o tamborim, ele transita por um mundo de territorialidades muito díspares
daquelas vivenciadas nas áreas mais urbanizadas da cidade, aquele mundo onde o samba e a
cultura afro-brasileira “cangerê, mandinga, macumba e cancomblé” nos permitem reconhecer
um sentido de pertencimento ao lugar, uma possibilidade de apropriação material e simbólica
do espaço para aqueles excluídos da cidade moderna e industrializada, experimentada por
uma parcela da população do Rio de Janeiro.
Na Pavuna/ Na Pavuna/ Tem um samba, que só dá gente reiúna/ O malandro que só canta
com harmonia/ Quando está metido em samba de arrelia/ Faz batuque assim no seu
tamborim/ Com o seu time enfezando o batedor/ E grita a negrada vem pra batucada/ Que de
samba na Pavuna tem doutor/ Na Pavuna tem escola para o samba/ Quem não passa pela
52
2
escola não é bamba/ Na Pavuna tem canjerê também/ Tem macumba, tem mandinga e
candomblé/ Gente da Pavuna só nasce turuna15
/ É por isso que lá não nasce "mulhé"
No ano seguinte (1931), Noel Rosa compõe “Eu vou pra Vila”, um samba de exaltação
à sua Vila Isabel onde dialoga, em contraponto, com os outros bairros da cidade e com os
outros compositores e sambas que se utilizaram da temática da apresentação dos novos
redutos deste gênero, “Na Pavuna tem turuna” e “na Gamboa gente boa”, contudo, segundo
Fenerick (2007: 04), a Vila leva vantagem em relação aos demais redutos de samba, pelo
menos na canção de Noel, pelo fato de possuir, o bairro, uma “polícia camarada”. O samba
da Vila não possuía o caráter religioso daqueles que aconteciam nos terreiros das casas das
Tias Baianas, nem estava associado ao afamado universo negro, talvez por isso em Vila
Isabel, o samba não fosse reprimido pela polícia “... a polícia em toda a zona reprimiu a
batucada...”, e essa ausência da repressão poderia se tornar um atrativo aos demais sambistas
“... eu vou prá Vila onde a polícia é camarada...”. A letra segue descrevendo as andanças de
Noel pelos guetos do samba “... Já saí de Piedade, já mudei de Cascadura...” que consegue se
mesclar nos redutos desta cultura de boemia e malandragem, e assim captar a musicalidade, as
vivências e as práticas sociais existentes nos múltiplos territórios da cidade e posteriormente
transformá-las em música.
Segundo Lefebvre (2008), as práticas sociais estão ligadas ao emprego do tempo e do
espaço e ao seu uso no cotidiano, sendo assim, quem mais se desloca pela cidade, é quem
mais vivencia o urbano, na percepção tanto das práticas espaciais, aquelas ligadas aos
deslocamentos, como das práticas sociais ligadas às ações políticas e culturais. Nesse sentido,
alguns compositores exercem, nestas vivências de diferentes territórios e práticas sociais, um
“saber circulatório” (TELES, 2006) ao transcender fronteiras simbólicas de classe e espaciais:
“Alguns músicos populares, como Noel Rosa e Lamartine Babo, atualizaram sua forma
musical em função das expressões urbanas criadas no dia-a-dia, no mundo diurno do trabalho
ou no noturno dos bares, ou então apreenderam as gírias trazidas pelos meios de
comunicação” (NAVES, op.cit.).
Não tenho medo de bamba/ Na roda do samba/ Eu sou bacharel/Andando pela batucada/
Onde eu vi gente levada/ Foi lá em Vila Isabel (Entra agora a Embaixada do Sossego)/ Na
Pavuna tem turuna/ Na Gamboa gente boa/ Eu vou pra Vila/ Aonde o samba é da Coroa/ Já
saí de Piedade/ Já mudei de Cascadura/ Eu vou pra Vila/ Pois quem é bom não se mistura/
Quando eu me formei no samba/ Recebi uma medalha/ Eu vou pra Vila/ Pro samba do
15
Turuna: forte, valente, destemido
53
3
chapéu de palha/ A polícia em toda zona/ Proibiu a batucada/ Eu vou pra Vila/ Onde a
polícia é camarada
Segundo Naves (op. cit.), Noel Rosa parecia ter um entendimento muito particular
acerca do estilo de vida carioca, suas composições nos revelam muita sensibilidade na
percepção da realidade urbana da época e um entrosamento natural com as diversas
linguagens da cidade – Noel apesar de possuir boa formação escolar parecia transitar
livremente pelos diversos territórios da cidade e utilizava palavras do vocabulário de camadas
populares em suas músicas. Assim, contribui para a criação de uma linguagem musical
condizente com a Babel que se configura no Rio de Janeiro das décadas de 1920 e 1930.
“Conhecido pela ironia de suas composições, e pela sua habilidade com a linguagem, o
compositor se mostrava extremamente sensível aos temas do cotidiano, como os relacionados
à dureza, ao vestuário, ao samba, à malandragem” (ROCHA, 2006: 122).
Podemos perceber na composição de Noel Rosa, “Com que roupa” do ano de 1930,
uma reunião de todas estas coisas, o compositor retrata ironicamente os problemas da falta de
dinheiro e da manutenção do vestuário do malandro-boêmio – tendo aí a roupa como um fator
cultural, uma condição de pertencimento a um grupo determinado. Mediante o vestuário, há
uma apropriação simbólica da cultura da malandragem. “Andar bem vestido fazia parte do
ethos malandro. A qualidade e a sensibilidade que o caracterizam correspondem à sua
elegância. Mais do que uma questão de vaidade ou gosto pessoal, andar elegantemente vestido
era uma obrigação imposta moralmente ao malandro” (ROCHA, op. cit.: 126).
Agora vou mudar minha conduta/ Eu vou pra luta/ Pois eu quero me aprumar/ Vou tratar
você com força bruta/ Pra poder me reabilitar/ Pois esta vida não está sopa/ E eu pergunto
com que roupa?/ Com que roupa que eu vou?/ Pro samba que você me convidou/ Com que
roupa eu vou?/ Pro samba que você me convidou/ Agora eu não ando mais fagueiro/ Pois o
dinheiro/ Não é fácil de ganhar/ Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro/ Não consigo ter nem
pra gastar/ Eu já corri de vento em popa/ Mas agora com que roupa?/ Eu hoje estou pulando
como sapo/ Pra ver se escapo/ Desta praga de urubu/ Já estou coberto de farrapo/ Eu vou
acabar ficando nu/ Meu paletó virou estopa/ Eu nem sei mais com que roupa?/ Com que
roupa que eu vou?/ Pro samba que você me convidou/ Com que roupa eu vou?/ Pro samba
que você me convidou
Valendo-se do rádio que vivia sua época de ouro entre os anos de 1930 e 1950, as
músicas populares ganharam notoriedade e assim os ritmos, antes confinados aos morros e
subúrbios, que dependiam muitas vezes da Festa da Penha para se tornarem conhecidos pelo
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público, conseguem conquistar o país e todas as classes, entrando no cotidiano de consumo
cultural. Aquela ideologia do Estado Novo que pretendia criar símbolos nacionais ocasionou o
reconhecimento do samba, capturado por esta ideologia, como relevante para a construção de
uma cultura brasileira.
Por conta desse projeto, o samba ganha um novo status de manifestação cultural
consentida e acontece a descriminalização da cultura popular. O ritmo samba nasceu, nas
primeiras décadas do século XX, como uma espécie de contra cultura das classes excluídas,
como uma luta simbólica em busca de raízes, de pertencimento a um determinado grupo, e
cresce em meio à industrialização e urbanização da cidade do Rio de Janeiro, convivendo com
miséria, desequilíbrio social e revoltas populares.
Foi ali, nas proximidades da extinta Praça Onze, no lugar hoje conhecido como Cidade
Nova que fervilhou o samba, aonde “negros e mestiços acabaram se impondo culturalmente e
criando o que seria o carnaval das camadas populares do Rio de Janeiro, marcado pelo tom
africano, que se impusera à cultura pequeno-burguesa também aí existente”
(SPANNENBERG, 2005: 146). Sendo assim, podemos atribuir ao samba, desde o seu
nascimento, certo caráter contestatório da ordem dominante caracterizado pelo humor e pela
ironia. No início da década de 1930 o samba também já apresentava diferentes
territorialidades espalhadas pelos diferentes lugares da cidade: havia o samba do Estácio, o
samba dos morros, o samba do subúrbio e o samba de Vila Isabel. Em 1934, o compositor
Noel Rosa escreve “Feitiço da Vila”, que nos permite perceber o bairro com um novo reduto
do samba e da boemia carioca, ele se apresenta como um frequentador do samba de Vila
Isabel, aquele que não aparece ligado a nenhuma manifestação religiosa “sem farofa, sem
vela, sem vintém”, alusão às rodas de samba que aconteciam nos terreiros das casas das tias
baianas.
Quem nasce lá na Vila/ Nem sequer vacila/ Ao abraçar o samba/ Que faz dançar os / galhos/
Do arvoredo e faz a lua/ Nascer mais cedo/ Lá, em Vila Isabel/ Quem é bacharel/ Não tem
medo de bamba/ São Paulo dá café/ Minas dá leite/ E a Vila Isabel dá samba/ A vila tem um
feitiço sem farofa/ Sem vela e sem vintém/ Que nos faz bem/ Tendo nome de princesa/
Transformou o samba/ Num feitiço descente/ Que prende a gente/ O sol da Vila é triste/
Samba não assiste/ Porque a gente implora:/ "Sol, pelo amor de Deus/ não vem agora/ que as
morenas/ vão logo embora/ Eu sei tudo o que faço/ sei por onde passo/ paixao nao me
aniquila/ Mas, tenho que dizer/ modéstia à parte/ meus senhores/ Eu sou da Vila!
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5
No mesmo ano, o compositor Wilson Batista responde musicalmente a Noel e compõe
“Conversa Fiada”, desafiando essa nova territorialidade do samba com a frase “me
assassinaram o samba”, em contraponto com lugares já tradicionalmente consagrados como
“locais de bambas”, aqueles lugares onde era produzido o que, para ele, constituia o
verdadeiro samba de raiz.
É conversa fiada/ Dizerem que os sambas/ Na Vila têm feitiço/ Eu fui ver para crer/ E não vi
nada disso/ A Vila é tranqüila/ Porém é preciso cuidado:/ Antes de irem dormir/ Dêem duas
voltas no cadeado/ Eu fui lá na Vila ver o arvoredo se mexer/ E conhecer o berço dos
folgados/ A lua nessa noite demorou tanto/ Me assassinaram um samba/ Veio daí o meu
pranto.
Numa atitude talvez pacificadora, em 1935, com a composição “Palpite Infeliz”, Noel
esclarece que não há intenção de monopolizar o samba, que o samba não deve ser restrito a
esse ou aquele bairro da cidade. Louva lugares tradicionais de criação do gênero musical,
mostrando respeito às culturas locais e às suas diversas territorialidades “Salve o Estácio,
Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz” e tenta provar que o samba pode nascer em
novos lugares: “A Vila não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também”
Quem é você, que não sabe o que diz?/ Meu Deus do céu, que palpite infeliz!/ Salve o Estácio,
Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz/ Que sempre souberam muito bem/ Que a Vila
não quer abafar ninguém/ Só quer mostrar que faz samba também/ Fazer poema lá na Vila é
um brinquedo/ Ao som do samba dança até o arvoredo/ Eu já chamei você pra ver/ Você não
viu porque não quis!/ Quem é você que não sabe o que diz?/ A Vila é uma cidade
independente/ Que tira samba/ Mas não quer tirar patente/ Pra que ligar a quem não sabe/
Aonde tem o seu nariz?/ Quem é você que não sabe o que diz?
Afastando um pouco deste processo de “requalificação funcional” do antigo malandro-
boêmio e sua transformação em símbolo nacional, retorna-se à Getúlio Vargas, uma figura
bastante controversa, amado por uns, odiado por outros e auto-intitulado “Pai dos pobres”, um
pai ditador, que pregou o nacionalismo e utilizou-se da cultura e da música popular para
propagar sua ideologia. Efetivamente, “a principal característica do discurso ideológico é
ocultar as contradições, os conflitos, gerados, principalmente, pela luta de classes, sendo um
fenômeno recente, característico das sociedades de massa, ou seja, das sociedades industriais
e urbanas” (ARENDT, apud SPANNENBERG, op. cit.: 143).
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6
“A tendência nacionalista na música vinha desde o final do século XIX, quando as
nações européias ainda não tinham se constituído efetivamente como Estado Nação.
Precisavam buscar, em suas raízes, algo que as unisse, algo como um espírito nacional”
(ibidem: 144). No caso brasileiro, o ethos nacional passa pelo samba, a cultura popular agora
também representa a cultura nacional, os morros e os subúrbios, por meio da música,
pareciam ganhar um lugar na centralidade.
Atuando no plano da sua ideologia de construção de símbolos nacionais por
intermédio da cultura popular, no ano de 1932 o governo oficializou o Desfile das Escolas de
Samba, e a Praça Onze, o berço do samba, se tornou o palco da criação. O carnaval começa a
ser tratado como incentivador ao turismo, mais uma peculiaridade de uma cidade tão bela. No
ano de 1935, o compositor André Filho lança a marchinha “Cidade Maravilhosa”, uma
exaltação à cidade idílica e utópica, palpitante “coração do meu Brasil”. onde as belezas
servem como anestésico para o sofrimento e contribuem para a concretização da felicidade
coletiva. A cidade do Rio de Janeiro é descrita como um exemplo a ser seguido pelo resto da
nação, lugar central e principal do país, difusor de modas e costumes, local símbolo da cultura
nacional. Contudo, “a alcunha ‘Cidade Maravilhosa’ foi criada por Coelho Neto, em 1908 em
razão da nova aparência da cidade após as reformas de Pereira Passos. “A música reforça a
maravilha de viver nesta cidade que 30 anos após o “bota-abaixo” já tinha sofrido novas
melhorias como a derrubada do Morro do Castelo, o aterro da Urca e a abertura da av. Rui
Barbosa” (cf. MELLO, 1991:202).
Cidade maravilhosa/ Cheia de encantos mil/ Cidade maravilhosa/ Coração do meu Brasil/
Cidade maravilhosa/ Cheia de encantos mil/ Cidade maravilhosa/ Coração do meu Brasil/
Berço do samba e das lindas canções/ Que vivem n’alma da gente/ És o altar dos nossos
corações/ Que cantam alegremente/ Jardim florido de amor e saudade/ Terra que a todos
seduz/ Que Deus te cubra de felicidade/ Ninho de sonho e de luz
Ainda refletindo sobre a nova ordem desejada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas,
aquela que “desejava transfigurar o trabalhador no novo herói da Pátria, no homem superior,
iluminado pelos nobres ideais de elevação moral, intelectual e material” (SPANNENBERG,
op. cit.: 144), podemos perceber que essa ideologia de culto ao trabalho e à produção, inicia
uma severa repressão aos "ociosos". O malandro do Estado Novo ganha “roupa nova”. Se até
os anos 30 esse malandro possuía navalha no bolso, lenço no pescoço, chinelo Charlotte e
camisa de seda, agora ele se torna o bom malandro caracterizado pela camisa listrada, pelo
sapato bicolor e o paletó de linho branco. Esse é o estereótipo do malandro acolhido com bons
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olhos pelo governo como divulgador da cultura nacional. Desejava-se agora propagar a
felicidade por meio do elogio do trabalho e das virtudes do lar, procurando banir do
imaginário popular a longa tradição da malandragem, tão tipicamente carioca. O trabalho
agora era o valor básico e implicava diretamente na desejada construção do novo homem. As
três músicas a seguir nos mostram bem esse panorama de um ex-malandro, a contragosto,
convertido em trabalhador.
O tempo da sociedade industrial do chamado “fordismo” (Harvey, 1989) é
cronometrado. O horário a ser cumprido era uma temática corriqueira do cotidiano que
impossibilitava ao sujeito ser ao mesmo tempo malandro e trabalhador. Podemos perceber, na
composição do ano de 1937, escrita por Haroldo Lobo “O bonde do horário já passou”, as
desventuras de um boêmio que não consegue há cinco dias ir trabalhar “já não tenho mais
desculpa para dar ao meu patrão”
O bonde do horário já passou/ E a Rosalina não me acordou/ Fazem cindo dias/ Que eu não
vou trabalhar/ Rosalina me deixa/ Em má situação/ Já não tenho mais desculpa/ Para dar ao
meu patrão/ Na segunda-feira eu disse/ Que onde moro choveu/ Na terça e quarta/ Rosalina
adoeceu/ Já na quinta foi difícil de convencer/ E hoje o que é que eu vou dizer?
Em 1939 é criado o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda “considerando
que havia um excesso de sambas fazendo apologia da malandragem, pressionou os
compositores para que adotassem temas de exaltação ao trabalho e execração da boemia”
(SOIHET, apud SPANNENBERG, op. cit.: 149). Em 1940 é gravada a composição “O bonde
São Januário” de Wilson batista e Ataulfo Alves. “Quem trabalha é que tem razão” este
samba é um retato do antimalandro, aquele regenerado, arrependido das noites de boemia
“antigamente eu não tinha juízo” que se torna um exemplo de trabalhador, ou seja, aquele que
vê o trabalho como única via para a felicidade “a boemia não dá camisa a ninguém” que agora
faz parte do modelo de produção fordista que impera na cidade, demarcando os tempos da
produção e da própria vida.
Quem trabalha é que tem razão/ Eu digo e não tenho medo de errar/ O Bonde São Januário/
Leva mais um operário/ Sou eu que vou trabalhar/ Antigamente eu não tinha juízo/ Mas
resolvi garantir meu futuro/ Vejam vocês/ Sou feliz e vivo muito bem/ A boemia não dá
camisa a ninguém, é/ E digo bem
O novo ritmo imposto pelo relógio por diversas vezes independe da vontade do
trabalhador. A afirmação deste modelo de produção entra em rota de colisão com um sistema
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de transportes públicos que não estava preparado para atender a toda a população, apesar de
ter viabilizado maior mobilidade pelos bairros da cidade, como adaptação logística para
garantir a reprodução da força de trabalho. Com o tempo, a classe trabalhadora foi aos poucos
sendo empurrada para mais distante da cidade, e então o sistema de transportes passou a não
permitir um real deslocamento pelos bairros cariocas.
O samba de 1941, “O trem atrasou” o trio de compositores Arthur Vilarinho,
Estanislau Silva e Paquito nos relata a dificuldade vivida pela parcela pobre da população,
para cumprir horário de trabalho em virtude dos atrasos do trem “o trem atrasou, trago aqui o
memorando da Central”, afastados do centro econômico, onde se concentrava a oferta de
empregos formais, a massa de trabalhadores moradora do subúrbio ferroviário dependia do
bom funcionamento do serviço de trens da cidade para chegar ao trabalho, fato que na maioria
das vezes não se configurava.
Patrão, o trem atrasou/ Por isso estou chegando agora/ Trago aqui o memorando da Central/
O trem atrasou meia hora/ O senhor não tem razão/ Para me mandar embora (patrão)/ O
senhor tem paciência/ É preciso compreender/ Sempre fui obediente/ Reconheço o meu dever/
Um atraso é muito justo/ Quando há explicação/ Sou um chefe de família/ Preciso ganhar o
pão/ E eu tenho razão
Getúlio Vargas, desde os primeiros dias de seu longo governo sobre o País, ocupou-se
com a mídia e com a possibilidade de ter o controle sobre a sociedade por meio do uso da
cultura popular. Ao mesmo tempo em que procura superar a cultura da malandragem,
enraizada na vida urbana do Rio de Janeiro desde os anos 20, em especial na música popular,
mostra um campo adormecido, um gigante a despertar. No lugar do malandro e do bugre
deveria surgir um operário limpo, produtivo, casado e definitivamente incorporado ao
processo produtivo do País. (SILVA, 1998). O samba “É negócio casar” escrito em 1941 por
Ataulfo Alves e Felisberto Martins, é exatamente a narrativa de um malandro convertido
discursando, na tentativa de incorporar em seus ex-companheiros a nova ideologia do Estado
“faça o que eu fiz” descrevendo todas as vantagens obtidas “doce lar... amor... feliz” e a
felicidade por ter um dia o aval do Presidente que “manda premiar” aqueles trabalhadores pais
de famílias com mais de quatro filhos com o salário família.
Veja só/ A minha vida como está mudada/ Não sou mais aquele/ Que entrava em casa alta
madrugada/ Faça o que eu fiz/ Porque a vida é do trabalhador/ Tenho um doce lar/ E sou
feliz com meu amor/ O Estado Novo/ Veio para nos orientar/ No Brasil não falta nada/ Mas
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precisa trabalhar/ Tem café, petróleo e ouro/ Ninguém pode duvidar/ E quem for pai de
quatro filhos/ O presidente manda premiar/ É negócio casar! Veja só!
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Durante a década de 1930, a estética cedeu lugar para a industrialização como palavra de
ordem no cotidiano do período. Porém, no Rio de Janeiro dos anos de 1930, já bem dividido
entre classes, o modo de vestir aparece ligado não à estética da cidade, mas à estética pessoal,
unido à criação de uma identidade, à apropriação simbólica de um espaço novo que
determinava por vezes um pertencimento mesmo que mascarado do cidadão a certo território.
Segundo Rocha (2006: 123),
É sabido que o vestuário designa um tipo de linguagem simbólica, um importante
modo de significação cultural. Em particular, o vestuário do malandro pode ser visto
como uma narrativa por meio da qual podemos ler e ver aspectos fundamentais do
processo de construção da sua identidade social.
“Com que roupa” de Noel Rosa nos remete a essa idéia – apesar de não ter sido
composta com tal propósito – de preocupação com o vestuário para assim poder transitar entre
alguns territórios da cidade, desde a burguesa rua do Ouvidor com seus palacetes e cassinos,
até o Rio de Janeiro das favelas, dos quiosques do samba e por vezes da navalha.
A territorialidade do samba aparece presente em cinco composições. “Na Pavuna” traz
em seus versos fortes referências à cultura afro-brasileira e situa o bairro como um pólo na
produção do samba de raiz e na formação de bambas do samba. Em contraponto, “Eu vou prá
Vila” descreve as vantagens do samba feito em um bairro nobre da cidade, um samba
consentido, sem ligações religiosas ou com a malandragem. “Feitiço da Vila” e “Conversa
Fiada” travam um embate musical entre o novo reduto do samba e a tradição dos locais de
bambas e “Palpite Infeliz” termina por tentar uma aceitação acerca das diversas
territorialidades do samba e das diferentes características de cada uma delas – o samba do
Estácio, dos subúrbios, dos morros e da Vila Isabel.
É nesta década que o samba começa ser introduzido na cultura oficial da cidade. Por se
tornar um dos destaques da cultura nacional, passa a retratar por vezes, partes da cidade antes
relegadas ao esquecimento. Porém, “Cidade Maravilhosa” não nos remete a um desses
territórios informais (esquecidos) da cidade, e sim a uma exaltação utópica do viver-bem no
Rio de Janeiro, a cidade remodelada anos antes, com ruas largas e palacetes afrancesados, o
coração do Brasil, a cidade difusora de modas e costumes, centro financeiro, político,
administrativo e agora também turístico do país.
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O mundo da utopia é composto por bairros jardins, ruas largas arborizadas,
funcionais, higiênicas e arejadas, monumentos magnificentes e prédios grandes e
belos. A “cidade espetáculo” dos pensadores utópicos é benquista pelos preceitos
burgueses por ser ordeira, limpa e harmônica, o que facilita o controle. (MELLO,
1991: 200)
O crescimento e a modernização da cidade do Rio de Janeiro traziam em seu bojo
diversas melhorias necessárias, aparentemente, ao bom funcionamento de todos os setores
urbanos. A cidade crescia em varais direções – rumo à Zona Sul, aos subúrbios ferroviários e
expandia a Zona Norte – as benfeitorias urbanas e sociais porém, não acompanhavam esse
crescimento e por diversas vezes se encontravam concentradas em alguns bairros eleitos como
preferenciais pela elite econômica. Com o sistema de transportes não foi diferente. A malha
urbana cresceu, as mudanças urbanas empurraram parte da população para áreas mais
distantes do centro econômico, e apesar do sistema viário ter conseguido penetrar por grande
parte das “novas” áreas da cidade, a maneira como o serviço era oferecido para a população
pobre não era satisfatória, como relata a letra de “O trem atrasou”, destacando a precariedade
do serviço de transporte ferroviário de passageiros.
A repressão da vadiagem imposta pelo Estado Novo em fins da década de 1930
implicará na domesticação do malandro-valente até este assumir sua condição de trabalhador
satisfeito. “O bonde do horário já passou” parece tratar exatamente deste momento de
transição, onde o malandro ainda tenta conciliar (em vão) sua antiga vida de noites boêmias
com os dias de trabalho, enquanto que “O bonde São Januário” trata de um malandro-
regenerado, transformado que renega as noites boêmias em nome de uma vida regrada (cf.
ROCHA, op. cit.: 139).
A política do Estado Novo trouxe muitas mudanças para o país, e entre elas podemos
enquadrar o uso da cultura e da música popular como aliados políticos. A música “é negócio
casar” passa por este viés, de aliado do governo, com um vocabulário simples e um ritmo
popular – o samba – tem a função de persuadir os ouvintes a respeito da oportunidade de
possuir uma vida regrada, um trabalho formal e um casamento. Segundo Cunha (2002: 13),
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O Estado Novo via na instituição familiar uma forma de disciplinar as classes
subalternas da sociedade. È negócio casar [...] fala de um “malandro regenerado”
que exalta o trabalho, o lar e o Estado Novo que “veio para nos orientar”.
O compositor-malandro acaba por encontrar uma forma de se enquadrar ao regime
sem perder a malandragem, pois ainda conforme Cunha (op. cit.), ele aponta para a
possibilidade de algum ganho material diante da realidade do casamento ao usufruir do
salário-família que o governo Getúlio Vargas instituiu.
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Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição
19 NA PAVUNA 1929 Almirante e Homero Dornelas Subúrbio do Rio de Janeiro/ Territorialidade do samba
20 EU VOU PRA VILA 1931 Noel Rosa Novo reduto do samba/ múltiplas territorialidades do samba
21 COM QUE ROUPA 1930 Noel Rosa Falta de dinheiro/ Malandragem/ Vestuário
22 FEITIÇO DA VILA 1934 Noel Rosa Novo reduto do samba/ O samba consentido
23 CONVERSA FIADA 1934 Wilson Batista Defesa do samba de raiz/ Tradição
24 PALPITE INFELIZ 1935 Noel Rosa Multiterritorialidade do samba
25 CIDADE MARAVILHOSA 1935 André Filho Exaltação/ Utopia carioca
26 O BONDE DO HORÁRIO JÁ PASSOU 1937 Haroldo Lobo e Milton de Oliveira Malandragem X Trabalho
27 O BONDE SÃO JANUÁRIO 1940 Wilson Batista e Ataulfo Alves Exaltação ao trabalho/ Transformação do malandro
28 O TREM ATRASOU 1941 Arthur Vilarinho, Estanislau Silva e Paquito Precariedades da cidade: sistema de transportes
29 É NEGÓCIO CASAR 1941 Ataulfo Alves e Felisberto Martins Nova ideologia/ Apologia ao trabalho e à unidade familiar
CAPÍTULO 4. Rio de ladeiras, civilização encruzilhada, cada ribanceira é uma
nação16
-1940 a 1950
Revendo o período de duração do Estado Novo, Enders (2009: 246) afirma que apesar
de seu caráter autoritário, não significa que ele tenha sido monolítico ou que seus oito anos de
existência formem um bloco homogêneo. Até 1941, em sua 1ª fase, ele pode ser caracterizado
pelo uso da força e pelo discurso anticomunista e nacionalista, ao final do ano de 1941,
inaugura-se a 2ª fase ou “novo Estado Novo” com afrouxamento da repressão e fortes
investimentos no setor industrial brasileiro. Assim, o Distrito Federal começa a atrair os
primeiros migrantes nortistas e nordestinos em busca de trabalho na Capital. Por esta época, o
governo ainda não havia feito a opção pelo modelo rodoviário, com a abertura de uma rede de
rodovias interligando o país, e esses migrantes chegavam ao Rio de Janeiro transportados
pelos chamados “ITAs”. ITA era o nome que designava os navios a vapor brasileiros,
pertencentes à Companhia Nacional de Navegação Costeira, que faziam a navegação de
cabotagem, responsável pelo transporte cargas e passageiros do sul ao norte do país, durante a
primeira metade do século 20. Esses navios foram batizados com nomes em tupi-guarani
iniciados pelas sílabas ita: Itaberá, Itagiba, Itaguassu, Itahité, Itaimbé, Itaipu, Itajubá, Itanagé,
Itapagé, Itapé, Itapema, Itapuca, Itapuhy, Itapura, Itaquara, Itaquatiá, Itaquera, Itaquicé,
Itassucê, Itatinga, Itaúba. Composta por Dorival Caymmi, no ano de 1941, “Peguei um ITA
no norte” descreve essa migração “vim pro Rio morar”, tendo sido o próprio Dorival,
passageiro de um dos antigos “Itas”.
Peguei um Ita no norte/ Pra vim pro Rio morar/ Adeus meu pai, minha mãe/ Adeus Belém do
Pará/ Ai, ai, ai, ai/ Adeus Belém do Pará/ Ai, ai, ai, ai/ Adeus Belém do Pará/ Vendi meus
troços que eu tinha/ O resto dei pra “aguardá”/ Talvez, eu volte pro ano/
Talvez eu fique por lá
16
Trecho do samba “Estação derradeira”, de 1987 composto por Chico Buarque.
65
Desde o ano de 1937 estava em vigor na cidade o Código de Obras que entre outras
coisas impunha limites para a expansão de favelas proibindo tanto a construção de novas
casas como a ampliação das existentes: “Nas favelas existentes é absolutamente proibido
levantar ou construir novos casebres, executar qualquer obra nos que existem ou fazer
qualquer construção17
”. Henrique Dodsworth, o interventor federal indicado por Getúlio
Vargas durante todo o período do Estado Novo, expõe o seu plano para equacionar o
problema das favelas: a criação de parques proletários provisórios, como um conjunto de
condomínios fechados de casas e serviços públicos, próximos às favelas de origem de seus
moradores e que funcionariam como uma transição até a inclusão completa de todos. O
primeiro deles foi o parque proletário da Gávea, que se localizava na área que atualmente vai
dos pilotis da PUC ao Planetário. Correndo o risco de verem seus locais de moradia e/ou
convivência desaparecerem, por causa das iminentes obras urbanas, são escritas letras de
protesto e de um futuro saudosismo. Como o samba “Favela Querida”, composto no ano de
1942 por Cristóvão de Alencar e Sílvio Pinto... “...se eu for pra outro lugar... vou chorar...”
“... não sei te dizer adeus...”
Minha favela querida/ Se eu for pra outro lugar/ Na hora da despedida, eu bem sei/ Que vou
chorar/ Favela dos sonhos meus/ Não sei te dizer adeus/ Pois foi na favela que eu conheci/
Sambando na ribanceira/ Uma cabrocha faceira/ Que nunca mais esqueci
Analisando algumas canções podemos notar, como bem nos informa Mendes Junior
(2007: 202), que “há um discurso criado para a favela como lugar que desperta saudades na
fala de quem a troca pela cidade. A favela é representada como palco dos sentimentos nobres,
genuínos, em oposição à cidade, por sua vez retratada como lugar do orgulho, da falsidade, do
sarcasmo e do vício”. O samba “Vida no morro” composto no ano de 1942 por Haníbal Cruz
nos envolve com a visão romântica da moradia na favela, substituindo a utopia carioca
embutida nos versos da canção “Cidade Maravilhosa”, pela utopia da vida na favela, onde
valores como a amizade, a verdade e a família podem ser efetivamente cultivados, em
oposição com a “mentirosa” cidade, onde os valores são por muitas vezes mascarados.
O morro começa ali onde o sambista sorri ao choro dos violões/ O morro só principia
onde acaba a hipocrisia que domina nos salões/ O morro é diferente todo mundo é inteligente
embora sem instrução/ Há perfume pela mata castelos feitos de lata onde não mora a
ambição/ Ali no morro começa uma vida que não cessa de nos dar lições de amor/ O morro
começa ali onde o sambista sorri perto do Nosso Senhor/ Lá no morro todo caixote é cadeira
17
Decreto 6000 de 1º de julho de 1937, artigo 349, parágrafo 1º.
66
16
todo colchão é de esteira/ Vela acesa, iluminação/ Rico é visita no meio da gente, pedra
arrumada é fogão bem eficiente/ Ir lá no morro é saber da verdade não há fingimentos como
há na cidade/ Tudo no morro é tão diferente todo vizinho é amigo da gente/ Há um batuque,
nossa maravilha, toda cabrocha pertence à família/ Tudo no morro é melhor que na cidade
tanto na dor quanto na felicidade/ Quando a cidade adormece sonhando o morro penetra na
noite cantando.
O que se deve considerar nessa profusão de vozes convergentes sobre a idealização
do morro é que seus sujeitos não eram necessariamente habitantes dos morros, mas
moradores da cidade. Isso pode ser lido como uma pista que nos leva a crer em um
pacto, pelo menos no nível do discurso simbólico, sobre essa caracterização do
morro como lugar de virtude. Claro que contra-exemplos também existiram, mas a
visão romântica da favela e do morro era hegemônica, tal qual a visão ufanista do
samba que exalta o Brasil. (MENDES JUNIOR, 2007: 203)
No ano de 1935, o desfile das Escolas de Samba foi oficializado, Estado Novo a partir
de 1937, através de sua ideologia de construção de símbolos nacionais valorizou o samba, o
folclore, a cultura popular e inventou personagens-símbolos nacionais – o malandro e a
cabrocha ou mulata – note-se que são elementos e manifestações provenientes tipicamente das
camadas populares. “As ambigüidades do regime em relação ao mundo das favelas se
expressam de maneira espetacular no início dos anos de 1940. No momento em que o samba
se torna para o Governo uma marca nacional e um objeto de exportação, o prefeito do Distrito
Federal manda destruir diversos resíduos da ‘Pequena África’” (ENDERS, 2009: 255), e entre
eles estava a Praça Onze de Junho.
A Praça Onze que existia há mais de 150 anos, que nos idos anos 1910 e 1920 havia
sido o local mais cosmopolita da cidade, que foi palco de uma mistura de “gentes” e de raças
unindo para sempre em suas raízes espanhóis, italianos, judeus e milhares de negros, negros
estes, os responsáveis por transformar a tal Praça Onze em reduto de sambistas, ao utilizarem
o seu espaço para os desfiles das primeiras escolas de samba. A histórica Praça não tinha
lugar em uma cidade moderna, que necessitava de novas vias de circulação, e assim, anos
após a derrubada do berço da cidade, é enterrado em 1943, o berço do samba. O samba “Praça
Onze” composto por Herivelto Martins e Grande Otelo no ano de 1941, anunciava a
destruição do palco dos desfiles das Escolas de Samba.
67
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Vão acabar/ Com a Praça Onze/ Não vai haver mais/ Escola de samba, não vai/ Chora o
tamborim/ Chora o morro inteiro/ Favela, Salgueiro,/ Mangueira Estação Primeira/ Guardai
os vossos pandeiros, guardai/ Porque a escola de samba não sai!/ Adeus, minha Praça Onze,
adeus/ Já sabemos que vais desaparecer/ Leva contigo a nossa recordação/ Mas ficarás
eternamente em nosso coração/ E algum dia nova praça nós teremos/ E o teu passado
cantaremos
No ano de 1944 a Avenida Presidente Vargas é inaugurada, após o arrasamento de
todos os quarteirões situados entre as extintas ruas General Câmara e São Pedro, totalizando
525 construções demolidas, entre elas três seculares igrejas, praças – sendo a Praça Onze uma
delas – e parte do Campo de Santana.
Seu projeto original estabelecia a criação de uma zona comercial entre a Candelária e
o Campo de Santana e, a partir daí, até a Praça da Bandeira, a avenida seria exclusivamente
residencial. Porém, ela foi aberta no momento de expansão vertical e comercial em
Copacabana, fato que causou um esvaziamento do centro, ocasionando sua demorada
ocupação, que até hoje pode ser percebida apenas no trecho próximo à Av. Rio Branco, ao
olharmos em direção à Praça da Bandeira encontraremos diversos terrenos subutilizados, que
não justificam em momento algum a necessidade da destruição da antiga malha urbana da
Cidade Nova. Por causa desta destruição, mais uma vez milhares de pessoas são despejadas
de seus lugares vividos. Sem poder evitar a destruição e talvez perplexos com a beleza de tão
grandiosa artéria, a mesma dupla – Herivelto Martins e Grande Otelo – que compôs o samba
anterior protestado contra a destruição do berço do samba, exalta – no ano de 1943 – a nova
artéria, com o samba “Bom Dia Avenida”, pois a Praça Onze havia sido de fato destruída, e só
restava esperar que a nova via beneficiasse a todos com uma cidade moderna e agradável.
Lá vem a nova avenida/ Remodelando a cidade/ Rompendo prédios e ruas/ Os nossos
patrimônios de saudade/ É o progresso/ E o progresso é natural/ Lá vem a nova avenida/
Dizer a sua rival/ Bom dia avenida central
É a partir de 1945 que surgem os primeiros apartamentos conjugados no bairro de
Copacabana e a tradicional Confeitaria Colombo abre por lá a sua filial. O bairro é o sinônimo
da Zona Sul, onde é possível encontrar em harmonia a modernidade e o prazer de viver a
beira mar. Os compositores Braguinha e Alberto Ribeiro talvez inspirados pelas “sereias” pelo
mar e o pôr-do-sol lançam no ano de 1946 a canção “Copacabana”, valorizando esta praia e
indo ao encontro das representações que irão consolidar como hegemônicas o topônimo Zona
Sul (CARDOSO, 2009: 112).
68
18
Existem praias tão lindas/ cheias de luz/ nenhuma tem o encanto que tu possuis/ tuas areias
teu céu tão lindo/ tuas sereias sempre sorrindo/ Copacabana, princesinha do mar/ pelas
manhãs tu és o sol a cantar/ e a tardinha o sol poente/ deixa sempre uma saudade na gente/
Copacabana, o mar eterno cantor/ ao te beijar ficou perdido de amor/ e hoje vivo a
murmurar/ só a ti Copacabana eu hei de amar
Por esta época, o bairro de Madureira também se configurava como um importante
subcentro da cidade. Segundo Fraiha (199918
), de início o bairro era o mais importante ponto
de convergência das estradas rurais, parada obrigatória dos viajantes, e durante o século XX
após a chegada da ferrovia foi crescendo em importância e ganhando centralidade em relação
à cidade, com a implantação do Mercado de Madureira no ano de 1914, o bairro firma-se
como principal centro para os comerciantes e lavradores das redondezas. Madureira exerce
uma certa centralidade cultural em relação a cidade, é o berço das Escolas de Samba Portela e
Império Serrano, pólo irradiador do samba, além de ter sido “o grupo da Portela uma
importante referência para a organização de Escolas de Samba, sem que isso tenha provocado
o esquecimento da contribuição que o pessoal do Estácio lhes deu” (FERNANDES, 2001:68).
No ano de 1946 os compositores Haroldo Lobo e Milton de Oliveira descrevem nos versos de
“Vou sambar em Madureira” essa nova centralidade cultural do bairro de Madureira “vem
gente até de Bangu” e sua importância na história do samba, demonstrando assim a falta da
necessidade de deslocamento até o antigo centro da cidade em busca de comércio e lazer.
Se ela for sambar em Madureira/ Eu também vou/ Ai, ai, ai, Madalena meu amor/ Topo
qualquer samba/ Seja êle onde for/ Mas só vou se a Madalena for/ No largo de Madureira/
Só não samba quem não quer/ De domingo a terça-feira/ Todos brincam prá xuxu/ Não
precisa ter dinheiro/ Só precisa um pandeiro/ Pra sambar em Madureira/ Vem gente até de
Bangu.
Já não existiam pela cidade muitas casas antigas que pudessem ser transformadas em
cortiços como forma barata de habitação popular. “... só se construíam habitações caras ou
prédios de escritórios e só se demoliam casas velhas, baratas, transformadas em casa de
cômodos, habitadas por muitas famílias”. (VAZ, 1998:6). O setor de construção civil cresce
promovendo a rápida verticalização de diversos bairros da cidade, empregando a mão de obra
barata e não qualificada dos diversos migrantes que aportaram na cidade trazidos pelos ITAs
do nordeste brasileiro. A composição de Roberto Martins e Wilson Batista “Pedreiro
Valdemar” de 1949, nos orienta a prestar atenção na oposição entre a construção de novas
18
Disponível em: http://www.museudapessoa.net/sescrio/artigos_madureira.shtml
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19
moradias de alto padrão, a intensa verticalização de parte da cidade e a falta de oferta de
moradias populares, precariedade esta presente na cidade desde o início do século XX,
ocasionando assim um aumento da favelização e sua descentralização em busca de
permanecer perto das fontes de emprego.
Você conhece o pedreiro Valdemar?/ Não conhece?/ Mas eu vou lhe apresentar/ De
madrugada toma o trem da circular/ faz tanta casa e não tem casa pra morar/ Seu Valdemar
é mestre do ofício/ constrói o edifício/ e depois não pode entrar
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20
A forte industrialização e a valorização da cultura popular chamam a nossa atenção
durante esta década. A domesticação do antigo malandro estava em processo de ascensão e
contava com o apoio da música popular para difundir os benefícios da regeneração. A capital
federal continuava seu caminho rumo à modernização, inserida no cenário mundial como a
Cidade Maravilhosa, via aumentar o gabarito das construções em bairros à beira-mar e
ganhava novos moradores vindos de outras regiões do país.
A utopia da Cidade Maravilhosa chegava através das ondas do rádio a todo o país,
atraindo diversos migrantes para solo carioca, desde artistas em busca de reconhecimento e
possibilidade de divulgação dos seus trabalhos, até a mão de obra menos qualificada em busca
de oportunidades de emprego na cidade em crescimento. Aportando na cidade por meio dos
navios de cabotagem “Peguei um ITA no norte”, acabaram por adensar o quadro da falta de
moradias populares na cidade e possibilitar o aumento e expansão das favelas pelos bairros do
Rio de Janeiro onde houvesse terrenos desocupados e próximos as fontes de empregos. É
notável também nos versos de “Pedreiro Valdemar” além da já citada precariedade de oferta
de moradias baratas, a maneira como o trabalhador se vê alienado em relação ao fruto de seu
trabalho, pois enquanto são construídas residências de alto padrão, não há investimento por
parte do Estado na melhoria das condições das habitações populares, visto que o problema das
favelas passa incólume por todo o período do Estado Novo.
Enquanto as favelas cresciam em número e tamanho, aumentava também o sentimento
de pertencimento ao local em seus moradores, onde eram criados vínculos sociais e afetivos,
redes sociais e familiares. “Favela querida” e “Vida no morro” descrevem utopicamente a
vida nessas comunidades, transmitindo a idéia de um cotidiano sem problemas, onde não
importam as precariedades da habitação, apenas os sentimentos da população em relação ao
seu lugar de pertencimento, lugar tido com ideal em oposição à cidade formal “fria e
mascarada”.
A cidade formal – figurada no seu governo – permitia que se reproduzissem as
moradias informais, mas não permitia seus melhoramentos, criava normas para conter a
proliferação dos casebres, mas não implantava novas moradias populares, exaltava o samba e
assistia aos seus desfiles, mas decretou nesta década o fim do berço do samba, em nome do
progresso e da circulação na cidade extinguiu fisicamente a Praça Onze palco dos desfiles das
Escolas de Samba. Porém, nas palavras de Mello (1991:130),
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21
O prognóstico de Herivelto e Otelo, pelo menos no que tange ao culto à “Praça
Onze” vem se concretizando, ao longo do tempo. Anos ou décadas depois de
destruída, a Praça Onze tem sido insistentemente prestigiada, praticamente, a cada
ano em um ou outro samba-enredo das Escolas de Samba.
A Praça da Apoteose ao final da Avenida Marquês de Sapucaí passou a ser, pelo
menos durante os dias de carnaval, a nova Praça Onze alardeada no samba por Ataulfo e
Otelo “... e algum dia nova praça nós teremos e o teu passado cantaremos”, palco da
consagração das Escolas de Samba ao término de seus desfiles e palco também da divulgação
da escola campeã na quarta-feira de cinzas (cf. MELLO, op.cit).
A necessidade de melhorar a circulação, encurtando a distâncias entre os novos bairros
do Rio de Janeiro foi uma das causas da grande cirurgia urbana que ocasionou a destruição da
Praça Onze e de diversos quarteirões nos seus arredores “é o progresso, e o progresso é
natural, lá vem a nova avenida”. Surge a Avenida Presidente Vargas, conectando a zona norte
à área central e daí, através da Avenida Beira Mar aberta durante o período Pereira Passos
chegava-se até a zona sul, O projeto pretendido para a tal avenida acabou por não se
concretizar totalmente, o apelo do bairro balneário de “Copacabana princesinha do mar” que
se verticalizava intensamente retirou do centro da cidade comércio, serviços e residências
seguindo as pistas da Beira Mar rumo a zona sul.
Se na Zona Sul o bairro de Copacabana já aparece como importante subcentro com
grande oferta de serviços e produtos, na região do subúrbio ferroviário da E. F. Central do
Brasil, o bairro de Madureira também desponta como importante referência de centralidade
cultural de comércio, serviços e lazer, “pra sambar em Madureira, vem gente até de Bangu”.
Com o desenvolvimento dos subcentros acontece a descentralização da oferta de serviços,
produtos e empregos do centro da cidade que acaba por ser indiretamente proporcional a
descentralização de melhoramentos e infraestrutura oferecidos por parte da municipalidade,
pois a oferta de benfeitorias continuará acontecendo apenas nos bairros eleitos pelas elites
econômicas.
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Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição
30 PEGUEI UM ITA NO NORTE 1941 Dorival Caymmi Migração nordestina/ Utopia Carioca
31 FAVELA QUERIDA 1942 Cristóvão de Alencar e Sílvio Pinto Manejo da população das favelas/ Projeto de erradicação de favelas
32 VIDA NO MORRO 1942 Haníbal Cruz Utopia da vida na favela X Vida na cidade do Rio e Janeiro
33 PRAÇA ONZE 1941 Grande Otelo e Herivelto Martins Destruição do berço do samba/ novas vias de circulação/ Av. Pres. Vargas
34 BOM DIA AVENIDA 1943 Grande Otelo e Herivelto Martins Av. Pres. Vargas/ Progresso
35 COPACABANA 1945 Braguinha e Alberto Ribeiro Expansão vertical/ Zona sul/ Estilo de vida a beira-mar
36 VOU SAMBAR EM MADUREIRA 1946 Haroldo Lobo e Milton de Oliveira Nova centralidade/ Sub-centro comercial/ Pólo irradiador do samba
37 PEDREIRO VALDEMAR 1949 Roberto Martins e Wilson Batista Precariedades da cidade: falta de moradias populares
CAPÍTULO 5. Minha janela não passa de um quadrado, a gente só vê Sérgio
Dourado onde antes se via o Redentor19
- 1950 a 1960
Na década de 1950, a cidade do Rio de Janeiro apresentava diversas melhorias
rodoviárias, algumas delas deixadas pelo governo Vargas, entre as quais: o Túnel do Pasmado
em Botafogo, a duplicação do Túnel Novo entre Copacabana e Botafogo e a Avenida Brasil
construída sobre aterros da Baía da Guanabara, que ajudou a consolidar a ocupação dos
subúrbios iniciada décadas antes ao longo do eixo das ferrovias. Porém, as ruas internas dos
antigos bairros da região central da cidade ainda eram muito estreitas, às vezes sinuosas, e os
congestionamentos na cidade se tornavam monstruosos.
Em busca de uma melhor acessibilidade entre esses bairros, o governo traz de volta a
velha prática da cirurgia urbana que arrasou, décadas antes, os bairros que se encontravam no
caminho da modernidade dos novos viadutos, túneis e vias expressas. Sendo, porém, o custo
das desapropriações, agora muito alto, uma das soluções foi ganhar terrenos ao mar, e assim
surge a chance de realizar um antigo projeto na cidade: a derrubada do Morro de Santo
Antônio. Dele restou apenas a elevação onde está localizado o Convento de Santo Antônio e a
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, remanescentes do Rio colonial.
Das suas terras atiradas na Baía, surgem o Aterro do Flamengo e a Praia de Botafogo,
configurando assim uma via expressa de ligação entre o centro e a zona sul da cidade.
A década anterior presenciou, durante a vigência do Estado Novo, o esvaziamento do
bairro da Lapa e a conseqüente perda do seu status de “locus” da malandragem, pois junto
com a “transformação” do malandro em um modelo de trabalhador e posterior personagem-
símbolo da cultura carioca, houve a perseguição às antigas práticas da malandragem. Ao se
criar um novo tipo de malandro, aquele da camisa listrada e do chapéu de palha,
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Trecho da música “Carta ao Tom” de 1977, composta por Toquinho, Vinícius de Moraes e Chico Buarque
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desejava-se apagar da história da cidade o antigo malandro característico do início do século.
Houve uma intensa repressão aos antigos hábitos da malandragem e o fechamento dos antigos
prostíbulos e cabarés da região da Lapa. Segundo Requião (2008: 166), a Lapa era desde o
século XIX um bairro aglutinador de intelectuais, artistas, políticos, malandros e prostitutas.
“A economia do local girava em torno da prostituição, que gerava o movimento dos bordéis,
clubes, cabarés e botequins. Muitas das boates, restaurantes e bares ofereciam música ao vivo
para seus clientes”.
E o bairro da Lapa era essa mistura por vezes harmoniosa e tumultuada por tantas
outras, envolto em brigas, mortes e roubos, ora dentro de um cabaré, numa antiga casa de
cômodos ou mesmo no meio da rua. Porém, essa não é a imagem que perdura na letra do
samba “Lapa” de Benedito Lacerda e Herivelto Martins, composto no ano de 1950, nos supõe
uma visão saudosista e romântica dos áureos tempos da boemia. Aproveitando o
afrouxamento do autoritarismo que acabou acontecendo após o Estado Novo, supunha-se que
a boemia voltaria à Lapa, conforme almejavam os compositores: “... a Lapa está voltando a
ser... confirmando a tradição...”, mas os tempos já não eram mais os mesmos; com a repressão
os malandros evadiram e a Lapa que os abrigara diluiu-se. Copacabana tornou-se o novo
palco da boemia, para lá se transferiram as prostitutas, os cafetões e seus cabarés (que se
transformaram em boates), as casas de jogos e tudo o mais. E contrariando os versos a seguir,
com a saída da malandragem, a Lapa entra em vertiginosa decadência até a quase extinção.
(cf. RIBEIRO, 2004: 161)
A Lapa/ Está voltando a ser/ A Lapa/ Confirmando a tradição/ A Lapa é o ponto maior do
mapa/ Do Distrito Federal/ Salve a Lapa! / O bairro das quatro letras/ Até um rei conheceu/
Onde tanto malandro viveu/ Onde tanto valente morreu/ Enquanto a cidade dorme/ A Lapa
fica acordada/ Acalentando quem vive/ De madrugada
Saindo da região central da cidade em direção ao mar, atravessando os túneis e
chegando até Copacabana, vamos encontrar a Zona Sul em um avassalador processo de
verticalização. “Até a década de 1960, Copacabana seria o bairro mais cobiçado para moradia,
aquele que representava maior distinção social e o que conheceria o maior incremento
populacional da Zona Sul, atravessando sucessivos booms imobiliários” (CARDOSO, 2009:
55). Era em Copacabana que se desejava morar, namorar, cultuar o ócio e passear. Nos versos
de “Sábado em Copacabana” composta no ano de 1951 por Dorival Caymmi e Carlos Guinle,
o lazer e a boemia oferecidos pelo bairro parecem funcionar como um prêmio após a rotina do
trabalho.
75
25
Depois de trabalhar toda a semana/ Meu sábado não vou desperdiçar/ Já fiz o meu programa
pra esta noite/ E sei por onde começar/ Um bom lugar para encontrar/ Copacabana/ Prá
passear à beira-mar/ Copacabana/ Depois num bar à meia-luz/ Copacabana/ Eu esperei por
essa noite uma semana/ Um bom jantar depois dançar/ Copacabana/ Pra se amar um só
lugar/ Copacabana/ A noite passa tão depressa/ Mas vou voltar lá pra semana/ Se eu
encontrar um novo amor/ Copacabana
Cinqüenta anos após a primeira cirurgia urbana operada por Pereira Passos, podemos
encontrar uma cidade onde o ato de morar não se restringe ao centro, a cidade cresceu em
direção aos seus subúrbios (lidos aqui como aqueles lugares afastados da região central), e
desde então o ato de morar acontece também afastado do centro. O aumento da área povoada
associada à distância, ao tempo gasto para se chegar ao centro, à renda dos moradores desses
novos subcentros e à concentração comercial, acabaram provocando uma descentralização das
atividades terciárias. Desde os anos de 1920, segundo relatos do escritor Lima Barreto, o
Méier já despontava como subcentro, apresentando “casas de modas” ao gosto da Rua do
Ouvidor, confeitarias, cinemas e casas de jogos; e agora, decorridas algumas décadas, o bairro
se configura como um subcentro consolidado, não havendo mais a necessidade de se recorrer
até o centro da cidade em busca de produtos e serviços (cf. MELLO, 1991: 66). O “Samba do
Méier” composto em 1952 por Wilson Batista e Dunga, nos descreve o bairro do Méier como
um subcentro completamente independente do centro da “cidade”, contando com uma boa
rede de comércio, serviços e infra-estrutura, que lhe valeu a condição de Capital dos
Subúrbios.
Você sabe eu sou do Méier/ Não preciso da cidade pra viver/ Pois no Méier tenho tudo pode
crer/ Se você não acredita/ Por favor, vai ver/ O Méier tem um jardim pra gente amar/ É lá
que eu vou construir meu lar/ o Méier sempre foi o maioral/ é a capital dos subúrbios da
Central
A intensa industrialização ocorrida no Rio de Janeiro durante a década de 1950
ocasionou um fluxo migratório intenso em busca da Capital Federal, e este fluxo acaba por
agravar o problema da falta de moradias populares na cidade, acarretando no aumento da
ocupação dos morros próximos aos locais de trabalho. A população das favelas continua a não
dispor de qualquer ajuda por parte do Estado. Através da música composta por Luís Antonio e
J. Júnior em 1952 na criação do samba “Lata d’água” somos transportados ao cotidiano de
moradores das favelas da cidade sofrendo com a falta do abastecimento de água nos morros
cariocas, o Estado não providenciava obras de canalização da água, as moradias construídas
76
26
nas encostas dos morros antes consideradas como provisórias se consolidavam mais a cada
dia e a população destes morros dependia do transporte manual diário de água para prover o
abastecimento em suas casas. No samba, entramos em contato com um personagem típico da
cidade do Rio de Janeiro desde os tempos do Brasil Colônia, a lavadeira, neste caso moradora
de uma das favelas da cidade, lavando no alto do morro as roupas das famílias mais abastadas
“todo dia... lava roupa lá no alto... lutando pelo pão de cada dia” E entre devaneios, trabalha
“... sonhando com a vida no asfalto que acaba onde o morro principia...”. Um perfeito retrato
da cidade dividida não mais apenas entre Zonas Nobres e Subúrbios, mas também entre o
asfalto e o morro.
Lata d'água na cabeça/ Lá vai Maria/ Lá vai Maria/ Sobe o morro e não se cansa/ Pela mão
leva a criança/ Lá vai Maria/ / Maria lava a roupa lá no alto/ Lutando pelo pão de cada dia/
Sonhando com a vida do asfalto/ Que acaba onde o morro principia
Foi durante o período do Estado Novo que o Rio de Janeiro começou a sofrer grandes
transformações urbanas rumo à metropolização, é neste período que “a cidade deixa de ter no
centro histórico seu centro único, e logo contará com subcentros ao sul e nos subúrbios”
(KLEIMAN, 1994: 6). E conforme a cidade crescia, mais perceptíveis eram as deficiências
nos serviços de infraestrutura urbana, e o governo buscava mediante inúmeras obras superar o
déficit acumulado a partir da expansão horizontal e vertical da cidade, tentando minorar os
problemas de falha no abastecimento de água em diversos pontos da cidade, lembrando que
apesar de existirem investimentos em diversas áreas da cidade, desde a Zona Sul até os
subúrbios, inclusive com a construção da nova adutora do Guandu e seu sistema de
distribuição na busca por uma integração na oferta de água para toda a população, a
população das favelas ainda se via privada de todas essas melhorias, uma vez que ainda eram
áreas consideradas de moradia provisória e necessárias para o abastecimento de mão de obra
barata aos setores de serviços.
Inspirados pela precariedade dos serviços da época, no ano de 1954 os compositores
Vítor Simon e Fernando Martins lançam a marchinha “Vagalume”, cantando as mazelas da
Cidade Maravilhosa, que sofria com problemas causados pela deficiente infra-estrutura
urbana, pelo aumento acentuado da população e pelo crescimento não planejado da cidade em
duas vertentes, uma vertical nas áreas da Zona Sul e outra horizontal no eixo oeste,
incorporando áreas, antes rurais, à malha da cidade.
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27
Rio de Janeiro/ Cidade que nos seduz/ De dia falta água/ De noite falta luz/ Abro o chuveiro/
Oi, Não cai um pingo/ Desde segunda/ Até domingo/ Eu vou pro mato/ Oi, pro mato eu vou/
Vou buscar um vagalume/ Pra dar luz ao meu chatô
Desde as primeiras décadas do século XX, quando a cidade começa a se expandir para
além do seu centro histórico,
A ação do poder público contribuindo para acentuar a hierarquização sócio-espacial
da cidade, e a contínua pressão da população empurrada cada vez mais para longe do
Centro, e por isso mesmo cada vez mais dependente de transporte de massa (e do
transporte de massa barato), pré-configuram o que irá se identificar, anos depois,
com uma ‘crise’ nos transportes da cidade. O carioca ‘anda sobre trilhos [nos bondes
e trens] e sobre águas [nas barcas], e anda mal. As melhorias e planos de
remodelação ocorrem – quando ocorrem – no âmbito dos interesses e das iniciativas
do capital privado, representando, sempre, o aumento das tarifas cobradas ao
público. (SILVA, 1992: 77)
As grandes cirurgias urbanas acabaram por empurrar a parcela pobre da população em
direção às periferias da cidade que passa a sofrer diariamente com o tempo gasto para chegar
ao trabalho, uma vez que com a descentralização da força de trabalho, entretanto, as fontes de
emprego continuavam na região central da cidade, ou em bairros adjacentes. Lançado no ano
de 1953 pelos compositores Luiz Antônio e Brasinha, o samba “Zé Marmita” retrata muito
bem esse cotidiano de deslocamento pendular da classe trabalhadora, a precariedade do setor
de transportes, onde a oferta do serviço não é capaz de atender dignamente à demanda de
passageiros e o orçamento familiar bastante reduzido, pois, segundo Silva (op. cit.: 124), já
havia sofrido perdas abruptas ao sair da moradia derrubada no centro da cidade rumo à
periferia.
Quatro horas da manhã/ Saí de casa o Zé Marmita/ Pendurado na porta do trem/ Zé marmita
vai e vem/ Numa lata Zé Marmita traz a bóia/ que ainda sobrou do jantar/ Meio-dia, Zé
marmita faz o fogo/ para a comida esquentar/ e Zé marmita, barriga cheia/ esquece a vida,
num bate-bola de meia.
No ano de 1954, o bairro do Catumbi ainda não havia sido fragmentado pela nova
malha viária que surgiu em função da construção do viaduto Dr. Agra e conservava seu tecido
urbano, coeso e variado, formado por dezenas de ruelas de paralelepípedos convidativas às
78
28
longas caminhadas. É neste ano que surge o samba dos compositores Rutinaldo e Norival
Reis, “Catumbi Encheu”, bastante inusitado e irreverente fazendo graça com um problema da
vida dos cariocas que persiste até os nossos dias: as famosas enchentes ocasionadas pelas
chuvas de verão. No caso do Catumbi, elas provocavam torrentes na sua principal rua, a
Itapiru, que arrastava morro abaixo tudo o que estivesse pelo caminho, desembocando na
“lagoa” formada no fundo do vale “Catumbi encheu, encheu” (MELLO, 1991: 156). A
implantação do Túnel Santa Bárbara, com perfurações iniciadas em 1948 e inauguração no
ano de 1964, trouxe enorme impacto ao bairro, as imensas transformações encabeçados pelo
Governo do Estado, visavam agilizar o fluxo de veículos sem preocupação com a preservação
da estrutura urbana preexistente. Proclamava-se um novo Catumbi, saneado e sem
inundações. Contudo, o advento do túnel e das respectivas vias de acesso transformou o
Catumbi, de bairro tradicionalmente vivido pelas comunidades das colônias portuguesa,
espanhola e italiana (com seus cortiços e casas de cômodos, afamados blocos carnavalescos e
significativas manifestações religiosas, notadamente em suas ruas sob a forma de procissões)
em um bairro que se proletarizou acentuadamente nas últimas décadas (CARVALHO, 2000:
25).
Choveu, choveu/ Choveu, Catumbi encheu/ Quando chove em Catumbi/ É um chuá/ Só sai de
casa/ Quem sabe nadar/ Se na cidade já ta chuviscando/ Em Catumbi/ Tem gente nadando
“... E o que é mesmo saudade? Um sentimento que deve existir no coração de toda
criatura humana, seja ela de qualquer raça, de qualquer parte do mundo, seja pobre, seja rica.
A saudade não escolhe, não discrimina, não se faz de rogada para existir. Ela vem de
mansinho ou vem fortemente, chegando quando menos se espera...20
”. Com a cidade do Rio
de Janeiro a caminho da metropolização, gerando os problemas de uma grande cidade que se
concretizarão nas décadas posteriores, no ano de 1955 sentia-se saudades, saudades de um
tempo mais calmo, de quando o ritmo da vida era ditado pela natureza, saudades dos tempos
do Imperador, um Rio de Janeiro que possuía inúmeros problemas, mas que possuía o seu
charme, vivido nas tramas do imaginário popular, e acima de tudo, ainda não oferecia aos
seus moradores os problemas de uma metrópole. Os compositores Altamiro Carrilho e
Augusto Mesquita não vivenciaram os tempos cantados em seu maxixe “Rio Antigo”, mas
provavelmente sentiam saudades e idealizavam aquilo que jamais iriam conhecer. A canção
descreve poeticamente uma cidade em inícios de urbanização, que era embalada pelo som do
20
Wanderlino de Arruda - trecho da crônica “A Palavra Saudade”, disponível em:
http://recantodasletras.uol.com.br/ cronicas/900
78
29
nascente e proibido maxixe, por suas ruas estreitas, os leiteiros seguiam com suas vacas até as
portas das casas e a ordenha era feita na hora. “vaquinha que parava à nossa porta”, uma
cidade que era iluminada pela luz fraca e débil dos lampiões. Saudades das ruas estreitas dos
bondes e das antigas cantinas, do garboso Paço Imperial, das ruas que já não existem mais que
sucumbiram durante as obras de abertura da Avenida Presidente Vargas “Onde estás ó Rua do
Sabão, Que fizeram de ti? E da tua colega do Piolho?” Saudades de um Castelo que sucumbiu
para que em seu lugar outros inúmeros castelos de concreto fossem erguidos “com o
progresso cresceu a cidade, e o preço do pão, que calamidade!”
O Rio Antigo quero relembrar/ E o maxixe que ele conheceu/ Alguma coisa, para confortar
nossos amores/ Ao mundo, a você quero falar/ No bonde que o burrinho esperava, a gente se
aprontar/ E na vaquinha, que parava a nossa porta, pra nos deleitar/ As nossas ruas que
eram bastante estreitas, então/ Bem pensado, eram mais largas/ Relativamente, do que hoje
são/ E falando, da iluminação/ O que é verdade é que a luz era fraca/ Mas nunca faltou, luz
num lampião/ Naquele tempo, era Zona Norte/ E nas cantinas de toda cidade/ Pois quem
disse, "Independência ou Morte", ali passou/ A sua mocidade/ São Cristóvam, era sem igual/
Com seu pomposo, Passo Imperial/ E as liteiras que andavam todo o dia, o bairro, maioral/
Que é da rua famosa, que até inspirou a versão/ Do Cái, Cái Balão/ Onde estás ó Rua do
Sabão/ Que fizeram de ti?/ E da tua colega do Piolho?/ Na cabeceira, puseram mais flores/
Passaram a mudar, tudo por aí/ No carnaval, usava-se de tudo, que era água,
E as vezes, era tudo, e que gozado/ O tal limão de cheiro/ Que nem sempre era lisonjeiro/ Zé
Pereira, teve o seu passado/ Naquele tempo, que não volta mais/ Dava prazer o encontro,
com as fantasias, tão originais/ Pra terminar, eu não posso deixar de falar, no Castelo/ Nesse
morro, que foi abaixo/ Para ali surgirem, hó quanta ironia/ Castelos, castelos mais castelos/
Com o progresso, cresceu a cidade/ E o preço do pão, que calamidade !
Enquanto alguns lugares da cidade são altamente valorizados por seus usos e
freqüentadores, outros se tornam invariavelmente discriminados em razão dos mesmos
fatores. Esse parece ser o caso de uma área central da cidade que sempre ostentou grande
promiscuidade de usos. A Praça Mauá, local urbanizado durante as primeiras décadas do séc.
XX sobre a área aterrada dos antigos charcos cariocas, desde sua origem dividiu espaços entre
o sagrado e o profano, abrigou e abriga ainda hoje as mais diversas atividades, seja de cunho
religioso através do Mosteiro de Santo Antônio, de transportes em virtude do Cais do Porto e
da Rodoviária Mariano Procópio, de entretenimento quando sediou a saudosa Radio Nacional,
ou de prostituição em suas esquinas e boates. “Praça feia e mal falada” é ao mesmo tempo
79
30
ponto de chegada, de permanência e de passagem, que ao longo dos anos ganhou o estigma de
feio e perigoso “lugar do distúrbio... onde bobo não tem vez”. Mas, essa promiscuidade nem
sempre é mal vista por seus freqüentadores, exercendo diversos tipos de centralidade, a
composição de Billy Blanco “Praça Mauá”, também do ano de 1955, nos mostra a praça com
sua multiplicidade de usos e de fluxos, um local por muitas vezes marginal, mas visto também
com carinho “mas se um dia eu mandar nesta cidade, serás praça da saudade, do adeus da
emoção” por quem faz parte da cidade.
Praça Mauá/ Praça feia, mal falada/ Mulheres da madrugada/ Onde bobo não tem vez/
Praça Mauá/ Dos lotações de subúrbio/ Lugar comum do distúrbio/ Nos trinta dias do mês/
Mas se algum dia/ Eu mandar nesta cidade/ Serás praça da saudade/ Do adeus, da emoção/
Praça Mauá/ O nome me traz a mente/ Um soluço, um beijo quente/ E um lenço branco na
mão
No ano de 1956, o bairro de Copacabana já se encontrava bastante verticalizado, mas
ainda conservava muito de seu status como local da moda. E com tal, apresentava seus tipos
urbanos, pessoas com maneiras de agir diferentes daquelas que moram em outros bairros,
inclusive da própria Zona Sul. Utilizando-se de uma máscara social, “perfeito improviso do
falso grã-fino” o “Mocinho Bonito” de Billy Blanco, tenta se infiltrar em um mundo ao qual
não pertence, adotando atitudes “pinta de conde” vestuário e comportamento “atleta...
queimado de sol... cabelo assanhado” característicos do “viver urbano da Zona Sul” disfarça
assim, a sua origem social “o barraco no Estácio” e através de mentiras “vive de renda e mora
em palácio” consegue caminhar “disfarçado” pelo bairro da moda em sua fictícia vida de
príncipe. O “morar” na Zona Sul é o mais importante em uma cidade repleta de antagonismos.
Enquanto o proletário bairro do Estácio causa repulsa e vergonha, Copacabana se torna o álibi
e funciona como um passaporte para diversos “mocinhos” se enquadrarem no modelo do bon-
vivant (cf. MELLO, op.cit.).
Mocinho bonito/ Perfeito improviso do falso grã-fino/ No corpo é atleta/ No crânio é menino/
Que além do ABC/ Nada mais aprendeu/ Queimado de sol/ Cabelo assanhado/ Com muito
cuidado/ Na pinta de conde/ Se esconde um coitado/ Um pobre farsante que a sorte esqueceu/
Contando vantagem/ Que vive de renda/ E mora em palácio/ Procura esquecer um barraco
no Estácio/ Lugar de origem que há pouco deixou/ Mocinho bonito/ Que é falso malandro de
Copacabana/ O mais que consegue é vintão por semana/ que a mana do peito jamais lhe
negou
80
31
Com seu tecido urbano cada vez mais inchado, a repressão ao ócio acontecendo desde
meados da década de 1930, o ritmo das horas sobrepujando o ritmo da natureza, o caos dos
transportes urbanos e a ausência de políticas sociais, a cidade do Rio de Janeiro se apresenta
metaforicamente como um caldeirão, ebulindo a violência urbana incipiente. Desde 1955,
data da composição do samba “O Escurinho” de Geraldo Pereira, já se podia perceber pelas
ruas da cidade, o nascimento de um novo personagem, um tipo diferente daquele malandro
das décadas anteriores. Um tipo “valentão” que transitava dentre os diversos morros cariocas
“da Formiga... do Macaco... do Cabrito” históricos redutos de samba, disposto a “Procurar
conflito... procurar intriga... bater num bamba” e por fim “acabar com o samba” uma espécie
de arruaceiro que ainda preservava alguns resquícios da malandragem. Em épocas futuras as
arruaças desse tipo em transformação o levarão para caminhos diferentes, com direito a
armas, tiros e prisões.
O escurinho era um escuro direitinho/ Agora tá com essa mania de brigão/ Parece praga de
madrinha ou macumba/ De alguma escurinha que lhe fez ingratidão/ Saiu de cana ainda não
faz uma semana/ Já a mulher do Zé Pretinho carregou/ Botou embaixo o Tabuleiro da
Baiana/ Porque pediu fiado e ela não fiou/Já foi no Morro da Formiga, Procurar intriga/ Já
foi no Morro do Macaco, e lá bateu num bamba/ Já foi no Morro do Cabrito, Procurar
conflito/ Já foi no Morro do Pinto, Acabar com o samba
81
32
Nesta década, a estética, tão cultuada durante o início do século XX, já não era
sinônimo da modernidade. A cidade crescera e continuava a crescer em número de habitantes
e em território, e a circulação rápida entre os diversos bairros da cidade se tornava necessária
e essencial para o Rio de Janeiro, era o sinônimo da modernidade. Novos subcentros
despontaram desde a década de 1940, e descentralizaram a oferta de serviços, produtos e lazer
até então restrita apenas ao centro histórico da cidade.
Por conta do surgimento dos novos subcentros, e do combate ao ócio e à vadiagem
ocorrido durante o Estado Novo, o boêmio bairro da Lapa termina por perder sua centralidade
e esvazia-se deixando de ser “o ponto maior do mapa do Distrito Federal”. Mesmo após o fim
do regime em 1945 e conseqüente afrouxamento do autoritarismo, a Lapa não retoma seu
status de lócus da malandragem e da boemia, pois os malandros já haviam encontrado novos
territórios de atuação à beira mar em Copacabana.
Desde o início do século XX, durante a primeira reforma da Capital, a Lapa sofreu
profundas alterações sócio-espaciais. As famílias mais abastadas e os personagens
ilustres residentes trocaram a Lapa e outras localidades da área central por outros
bairros da Zona Sul ou pela Tijuca e arredores na Zona Norte. As casas de famílias
começaram a se misturar as muitas “pensões”, cortiços, casas de cômodo e casas de
lazer barato que iam surgindo. A partir de 1915, as Ruas como Conde de Lage,
Taylor, Joaquim Silva, bem como, o decantado Beco dos Carmelitas passaram a ser
habitadas por pessoas das camadas mais populares, prostitutas e travestis, ou seja,
permaneceu o uso residencial da Lapa, mas seus moradores tornaram-se de outra
classe social. Nesse contexto, a Lapa perde o seu ar residencial aristocrático e
“ganha status de território boêmio, principalmente, entre as décadas de 1910 a 1940,
quando se torna ‘habituê’ de muitos artistas, poetas, cantores e intelectuais” [...]
causando alteração no seu conteúdo social. Entre as décadas de 1920 e 1930 a Lapa
se firma como berço da boemia carioca. A Lapa tornou-se famosa na história da
cidade do Rio de Janeiro em virtude de sua “vida noturna dissoluta”: dos cabarés,
das casas de baixo meretrício, dos malandros, dos jogadores, dos valentões e do
“troittoir” de mulheres “ditas perdidas” (MARTINS; OLIVEIRA, 2008: 10).
Com a perda de seus freqüentadores e fechamento dos cabarés, a Lapa entrou em um
avassalador processo de decadência e passou a ser estigmatizada como mais um dos territórios
de prostituição na cidade, assim como sua vizinha, a “Praça Mauá” onde se localiza a Rádio
Nacional – ocupando os três últimos andares do edifício A Noite. A Praça Mauá, urbanizada
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33
durante as obras de construção do Porto do Rio, foi por muito tempo área nobre da cidade,
local privilegiado para observação das grandes embarcações que traziam diariamente turistas
à cidade. O local ostentava grande diversidade de usos e freqüentadores, mas com o
desenvolvimento da cidade, a opção pelo modelo rodoviário e a valorização de novas áreas, a
região do Porto e a Praça Mauá foi abandonada, sendo, contudo, identificada por muito tempo
ainda como território da prostituição carioca.
A territorialidade da prostituição nesta área desenvolveu-se a partir da
mudança do Porto do Rio de Janeiro para o local, atraindo estabelecimento do
comércio atacadista, grande número de pessoas, além das atividades portuárias
cotidianas. A presença constante de marinheiros de diversas nacionalidades e de
turistas fizeram surgir hotéis de alta rotatividade que servem também de
hospedagem temporária às prostitutas e aos seus clientes. (MATOS; RIBEIRO,
1995: 77)
O caminhar da cidade rumo à multicentralidade com a explosão de novos subcentros,
esvaziou alguns territórios, relegando-os à degradação, como no caso da Praça Mauá e da
Lapa, enquanto encheu de vitalidade outros que passaram a competir em importância – na
oferta de serviços, produtos e lazer – com o antigo centro histórico, como pode ser o caso de
Copacabana e Méier. “Sábado em Copacabana” resume a diversidade de serviços oferecidos
no bairro que serve ao lazer, ao descanso, ao namoro, ao flerte, à dança, à contemplação e ao
encontro, ao mesmo tempo em que “Samba do Méier” nos mostra um grande subcentro na
região do subúrbio da E. F. Central do Brasil cantando a sua independência em relação ao
centro histórico da cidade: “não preciso da cidade prá viver”.
Podemos perceber então a expansão da malha urbana, o surgimento de novos
territórios valorizados muitas vezes pela sua localização à beira mar ou pela oferta de serviços
que dispõem, descentralizando o Rio de Janeiro e caminhando para a multicentralidade
característica de cidade metrópole.
Segundo Silva (1992: 163), a cidade é construída e desenvolvida mediante a disputa,
refletida também no seu espaço, de vários atores urbanos. Estes atores têm a impulsioná-los
interesses os mais diversos, que se consubstanciam na luta, por parte do Estado e do capital,
pelo controle e, por parte dos habitantes, pelo direito aos bens urbanos: terra, serviços,
equipamentos, etc. E essa disputa pelos diferentes bens urbanos pode ser bem observada nas
quatro canções “Lata D’Água”, “Vagalume”, “Zé Marmita” e “Catumbi Encheu” que retratam
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34
a precariedade da infra-estrutura e dos transportes na cidade do Rio de Janeiro. As canções
revelam o cotidiano de parte da população que sofria com as constantes interrupções no
fornecimento de água e luz, com a precariedade do setor de transportes e a ausência de uma
rede eficiente de escoamento de águas pluviais.
Durante o processo de crescimento da cidade, alguns bairros foram escolhidos pela
elite econômica para fixar moradia, como é o caso de Copacabana – antes de sua
popularização com a construção dos prédios com apartamentos quitinetes e grande número de
unidades por pavimento – Ipanema e Leblon. Para transitar livremente por esses redutos da
alta sociedade é necessário por vezes fazer uso de máscaras, maneira encontrada pelo
“Mocinho Bonito” para driblar a segregação social e conseguir transitar livremente em um
território auto-segregado, aonde a “distinção” (cf. BOURDIEU, 2007) opera
permanentemente com classificações sociais, nas vestimentas, modos de comportamento e
apropriação dos espaços.
Podemos perceber também nesta época, através dos versos de Geraldo Pereira, o
processo de transformação do malandro em outro tipo social:
Até meados do século XX eram encontrados no Morro de São Carlos e em outras
favelas cariocas, em meio à população trabalhadora, o malandro de temperamento
exuberante, misto de boa praça, bamba que sabia distribuir rabo-de-arraia, usar a
navalha, roubar somente os ricos, Poderíamos chamá-los até de “bandidos
românticos”. Eles estavam presentes nos bairros boêmios [...]. Porém a modernidade
também chegou [...] às favelas da cidade. Chegou com todas as suas volatilidades e
com ela chegou o “bandido-formado” e o “bandido-empresário” (SANTOS, 2008:
7).
E em meio a tantas mudanças e transformações ocorridas em pouco mais de cinqüenta
anos, para alguns compositores, a cidade que no início do século ainda respirava os ares do
Império e agora caminhava rumo à metropolização, passou a sentir saudades dos tempos
derrubados a golpes de picaretas por Pereira Passos, não que aquela cidade não apresentasse
problemas, mas diante da incerteza dos tempos futuros, as dificuldades superadas
anteriormente aparecem agora romantizadas e esquecidas no correr dos tempos através de
“Rio Antigo”.
Os compositores recontam o meio século que os separava da época em que as ruas
da cidade, mesmo mais estreitas, eram mais largas, e em que a Zona Norte não havia
tido sua importância ofuscada pelo requinte e pelas praias famosas da Zona Sul. A
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música faz uma queixa recorrente na [música popular], a dos pobres que não viram
no progresso da modernidade nenhuma vantagem significativa no que tangia sua
situação sócio-econômica – "Com o progresso, cresceu a cidade / E o preço do pão,
que calamidade!". (CORRÊA, 2009: 62).
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Composição Ano Compositor(es) Tema abordado na composição
38 LAPA 1950 Benedito Lacerda e Herivelto Martins Referência à antiga centralidade do bairro em relação ao lazer noturno e a boemia
39 SÁBADO EM COPACABANA 1951 Dorival Caymmi e Carlos Guinle Nova centralidade/ Diversidade de serviços no bairro
40 SAMBA DO MÉIER 1952 Wilson Batista e Dunga Importância do bairro como referência em relação ao subúrbio
41 LATA D’ÁGUA 1952 Luís Antônio e J. Júnior Precariedades: falta de infraestrutura – água canalizada
42 VAGALUME 1954 Vitor Simon e Fernando Martins Precariedades: deficiências no serviço de fornecimento de água e luz
43 ZÉ MARMITA 1953 Luiz Antônio e Brasinha Precariedades: serviço de transporte
44 CATUMBI ENCHEU 1954 Rutinaldo e Norival Reis Precariedades: falta de infraestrutura – rede de esgotos e escoamento de águas pluviais
45 RIO ANTIGO 1955 Altamiro Carrilho e Augusto Mesquita Saudosismo
46 PRAÇA MAUÁ 1955 Billy Blanco Afeição ao lugar/ Multiplicidade de usos
47 MOCINHO BONITO 1956 Billy Blanco Zona Sul/ Máscaras sociais
48 O ESCURINHO 1955 Geraldo Pereira Malandro em nova fase de transformação
CONSIDERAÇÕES FINAIS - Brasil, tua cara ainda é o Rio de Janeiro 21
“Nós não somos uma capital decaída, mas uma cidade
libertada. Os que partiram daqui com saudade sabem
que o Rio é uma cidade insubstituível, uma cidade na
qual todos os brasileiros, ontem, hoje e sempre, estarão
em casa. [...] Eles achavam que, ao nos abandonarem,
levariam a civilização para o interior, mas foi aqui que a
deixaram. Porque nós somos a síntese do Brasil, para o
mundo, e somos para o mundo a verdadeira imagem que
ele faz de nós”. (Carlos Lacerda em 1960 sobre a
mudança da capital federal para Brasília apud ENDERS,
2009: 271)
No início do ano de 1960 o Rio de Janeiro perde seu status de Capital Federal
deixando assim de sediar o aparelho político e administrativo do país, porém, no plano das
representações sociais, ainda teima em se comportar como espelho do Brasil, cidade difusora
de modas e valores. A partir de agora, o desenvolvimento irá caminhar rumo à sua
metropolização,
Acentua-se a expansão da cidade para além de suas fronteiras tanto do ponto de vista
da urbanização e sua vertente sócio-espacial, quanto de processos de importância
econômica básica, como a industrialização. De fato, este é um momento que a
metrópole expande-se com as indústrias deslocando-se num vetor que busca de um
lado, zonas ainda pioneiras nos limites da cidade – as áreas suburbanas ao norte, e
de outro avançando pelo Estado do Rio, especialmente da Via Dutra e Washington
Luiz. (SILVA, 2004: 1)
É neste período que surge, nascido na Zona Sul, um novo ritmo que será responsável
por divulgar a Cidade Maravilhosa para além do território nacional:
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Trecho da música “Saudade da Guanabara” de 1989, composta por Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro e
Moacyr Luz
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Nos dez ou doze anos que se seguiram ao fim da Guerra, a música popular [...]
morou nas boates, que ficavam quase todas em Copacabana. [...] As boates eram o
templo de uma boemia adulta, inteligente, que fumava cigarros americanos, tomava
uísque doze anos e vivia as paixões mais sofridas e insolúveis da história da
humanidade. [...] A música produzida em tal ambiente acompanhava essa dor de
cotovelo quase cósmica. [...] Até que certo dia, por volta de 1958, alguém se
arrastou até a porta e a abriu. O sol entrou pela boate e quase transformou aqueles
vampiros em pó. [...] Magicamente não estavam mais em Copacabana, mas em
Ipanema. [...] E a música não era mais o samba-canção, a dor de cotovelo, a fossa,
mas a bossa nova.
Daí se pode dizer que o habitat natural daquela nova música foi a praia. Vide a
temática praia/ mar/ sol/ garota/ verão que marcou a fase inicial da bossa nova.
(CASTRO, 2009: 85-87)
A bossa nova se tornará o ritmo – genuinamente carioca – responsável por
internacionalizar o ethos da visão Zona Sul e generalizar a sua imagem como aquela que
evoca a totalidade da cidade do Rio de Janeiro. Uma cidade sem problemas, glamourosa e
sensual, vivida entre a orla Ipanema-Leblon, no ritmo das ondas do mar e da espuma do
chopp. Um bom exemplo dessa internacionalização do modo de vida Zona Sul pode ser
encontrado em uma das músicas mais executadas em todos os tempos segundo Earp (2005:9):
“Garota de Ipanema” escrita por Antônio Carlos Jobim no ano de 1962.
Olha que coisa mais linda/ Mais cheia de graça/ É ela menina/ Que vem e que passa/ Num
doce balanço, a caminho do mar/ Moça do corpo dourado/ Do sol de Ipanema/ O seu
balançado é mais que um poema/ É a coisa mais linda que eu já vi passar/ Ah, porque estou
tão sozinho/ Ah, porque tudo é tão triste/ Ah, a beleza que existe/ A beleza que não é só
minha/ E também passa sozinha/ Ah, se ela soubesse/ Que quando ela passa/ O mundo
inteirinho se enche de graça/ E fica mais lindo/ Por causa do amor
E enquanto se internacionalizava a visão do paraíso terrestre na Cidade Maravilhosa,
em outros territórios desta mesma cidade, a violência agia na remoção da população que
habitava as favelas situadas nas consideradas áreas nobres, e tal ação foi facilitada pela
supressão dos direitos civis ocorrida durante o Governo Militar que passou a controlar a
ordem urbana desejada. A voz dos excluídos não irá internacionalizar a cidade, mas mostrará
à população nos versos de “Opinião” escrita por Zé Ketti no ano de 1965, a resistência dos
moradores perante iminente expulsão.
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Podem me prender/ Podem me bater/ Podem, até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de
opinião/ Daqui do morro/ Eu não saio, não/ Se não tem água/ Eu furo um poço/ Se não tem
carne/ Eu compro um osso/ E ponho na sopa/ E deixa andar/ Fale de mim quem quiser falar/
Aqui eu não pago aluguel/ Se eu morrer amanhã, seu doutor/ Estou pertinho do céu
Desde o início do século XX, pode-se encontrar na música popular, diversos registros
acerca das diferentes mudanças sofridas na ordem urbana da cidade do Rio de Janeiro.
Percebendo e vivenciando tais situações, os compositores nos forneceram e continuam a
fornecer rico material de análise e entendimento a respeito da cidade, suas tensões e as
diferentes leituras possíveis frente aos mesmos processos. Inúmeras mudanças ocorreram, e se
olharmos a cidade de ontem com os nossos olhos de hoje, corremos o risco de não
compreendê-la em sua complexidade ou de interpretá-la apenas sob certo viés, parcial e
posicionado segundo determinados interesses os processos pelos quais a cidade passou. No
sentido de um reconhecimento abrangente dessas diferentes perspectivas, os procedimentos
metodológicos utilizados neste trabalho buscaram desvendar as leituras da cidade vivida,
distanciadas ou deslocadas, em sua maioria, das imagens oficiais da ordem urbana associada a
cada época. Tal movimento rumo ao conhecimento da urbanização carioca sinaliza a
importância dos registros musicais populares como fontes privilegiadas para reconhecimento
mais pleno de alguns processos urbanos.
A cidade que alguns supõem unificada e coesa cresce e se segmenta. Territórios são
ressemantizados ao mesmo tempo que seus atores dominantes lhes impõem novas ordens e
sentidos. Novos territórios são incorporados e novas fragmentações sociais passam a operar,
deixando cada vez mais evidentes as diferenças sociais que convivem em tensão. Na cidade-
metrópole pós 1960 as composições musicais também se complexificam em gêneros,
ramificações e entrelaçamentos com os diferentes grupos sociais, territórios e práticas
culturais, o que sugere e motiva novos estudos com recortes temporais que transcendam o
recorte do presente estudo.
No Rio de Janeiro multifacetado, plural e conflituoso, as composições musicais
populares desvendam um caleidoscópio de percepções e vivências da cidade de beleza
geográfica estonteante atravessada por problemas de grande metrópole.
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ANEXO:
Letras na íntegra das canções cujas frases intitularam os capítulos desta dissertação.
01. “Paris” composta por: Alberto Ribeiro e Alcyr Pires Vermelho em 1938:
E eu também quis ir um dia a Paris/ prá conhecer o que havia lá/ E ao ver o metrô a saudade
apertou/ e vim correndo para cá/ Paris, Paris, Teu rio é o Rio Sena/ Paris, Paris, Tens loura
mas não tens morena/ Que lindas mulheres de olhos azuis/ Tu és a Cidade Luz/ Paris, Paris,
"Je t'aime"/ Mas eu gosto muito mais do Leme/ Quando cheguei de alegria chorei/ e achei o
Rio lindo como quê!/ Disquei 43-0023: Amor, como é que vai você?
02. “Alagados” composta por: Herbert Viana e Bi Ribeiro em 1984:
Todo dia o sol da manhã vem e lhes desafia/ Traz do sonho pro mundo quem já não o queria/
Palafitas, trapiches, farrapos, filhos da mesma agonia/ E a cidade que tem braços abertos
num cartão postal/ Com os punhos fechados na vida real lhes nega oportunidades/ Mostra a
face dura do mal/ Alagados, Trenchtown, Favela da Maré/ A esperança não vem do mar/
Vem das antenas de TV/ A arte de viver da fé só não se sabe fé em quê.
03. “Homenagem ao Malandro” composta por Chico Buarque em 1978:
Eu fui fazer um samba em homenagem/ à nata da malandragem/ que conheço de outros
carnavais/ Eu fui à Lapa e perdi a viagem/ que aquela tal malandragem não existe mais/
Agora já não é normal/ o que dá de malandro regular profissional/ malandro com o aparato
de malandro oficial/ malandro candidato a malandro federal/ malandro com retrato na
coluna social/ malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal/ Mas o
malandro para valer, não espalha/ aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal/
Dizem as más línguas que ele até trabalha/ Mora lá longe chacoalha, no trem da Central.
04. “Estação Derradeira” composta por? Chico Buarque em 1987:
Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação/ À sua maneira/
Com ladrão/ Lavadeiras, honra, tradição/ Fronteiras, munição pesada/ São Sebastião
crivado/ Nublai minha visão/ Na noite da grande fogueira desvairada/ Quero ver a
Mangueira/ Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada/ Rio do lado sem beira/
Cidadãos inteiramente loucos/ Com carradas de razão/ À sua maneira/ De calção/ Com
bandeiras sem explicação/ Carreiras de paixão danada/ São Sebastião crivado/ Nublai minha
visão/ Na noite da grande fogueira desvairada/ Quero ver a Mangueira/ Derradeira estação/
Quero ouvir sua batucada.
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05. “Carta ao Tom” composta por: Toquinho, Vinícius de Moraes e Chico Buarque em
1977:
Rua Nascimento Silva, 107/ Eu saio correndo do pivete/ Tentando alcançar o elevador/
Minha janela não passa de um quadrado/ A gente só vê Sérgio Dourado/ Onde antes se via o
Redentor/ É, meu amigo/ Só resta uma certeza/ É preciso acabar com a natureza/ É melhor
lotear o nosso amor.
06. “Saudades da Guanabara” composta por: Aldir Blanc, Paulo César pinheiro e Moacyr
Luz em 1989:
Eu sei/ Que o meu peito é lona armada/ Nostalgia não paga entrada/ Circo vive é de ilusão
(eu sei)/ Chorei com saudades da Guanabara/ Refulgindo de estrelas claras/ Longe dessa
devastação (e então)/ Armei pic-nic na Mesa do Imperador/ E na Vista Chinesa solucei de
dor/ Pelos crimes que rolam contra a liberdade/ Reguei o Salgueiro pra muda pegar outro
alento/ Plantei novos brotos no Engenho de Dentro/ Pra alma não se atrofiar (Brasil)/ Brasil,
tua cara ainda é o Rio de Janeiro/ Três por quatro da foto e o teu corpo inteiro/ Precisa se
regenerar/ Eu sei que a cidade hoje está mudada/ Santa Cruz, Zona Sul, Baixada/ Vala negra
no coração/ Chorei com saudades da Guanabara/ Da Lagoa de águas claras/ Fui tomado de
compaixão (e então)/ Passei pelas praias da Ilha do Governador/ E subi São Conrado até o
Redentor/ Lá no morro Encantado eu pedi Piedade/ Plantei Ramos de Laranjeiras foi meu
Juramento/ No Flamengo, Catete, na Lapa e no Centro/ Pois é pra gente respirar (Brasil)
Brasil/ Tira as flechas do peito do meu Padroeiro/ Que São Sebastião do Rio de Janeiro/
Ainda pode se salvar.
91
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